Você está na página 1de 11

SEMINÁRIO EVANGÉLICO DA IGREJA DE DEUS

Instituição: Seminário Evangélico da Igreja de Deus


Curso: Mestrado Livre em Ministério
Disciplina: Hermenêutica Contextual e Exegese Aplicada
Professor: Dr. Carlos A. Vailatti
Aluno: Valdivino Rodrigues dos Santos1

GÊNERO LITERÁRIO NARRATIVAS BÍBLICAS

RESSUMO
A Bíblia foi escrita usando vários gêneros literários de sua época, uma das principais delas
foi o gênero narrativo. Por isso, a compreensão desse gênero nos ajudará na interpretação
de grande parte dos textos bíblicos. As narrativas bíblicas são compostas de três principais
níveis, o nível superior é aquele do plano universal inteiro de onde Deus tem o absoluto
controle e domínio. O nível intermediário, onde Israel é centralizado, e o nível inferior, onde
estão as demais narrativas individuais como as histórias dos personagens como José,
Gideão, Abraão e muitos outros, que perfazem os outros dois níveis. As narrativas são
histórias, mas não qualquer história, mas a história da redenção de Deus para a
humanidade.

PALAVRA-CHAVE: Narrativa, gênero, história, literário.

ABSTRACT

The Bible was written using various literary genres at the time of its writing, one of the main
ones being the narrative genre. Therefore, understanding this genre will help us in the
interpretation of most biblical texts. Biblical narratives are composed of three main levels,
the top level being that of the entire universal plan where God has absolute control and
dominion. The middle level, where Israel is centralized, and the lower level, where the other

1Bacharel em Teologia pela SEID-GO. Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas de Anicuns.
Advogado, Pós Graduado em Direito de Família e Sucessões pela EBRADI SP. Mestrando em Ministério pelo
SEID-GO. Bispo Ordenado na IDB.
individual narratives are, such as the stories of characters such as Joseph, Gideon,
Abraham and many others, which make up the other two levels. The narratives are stories,
but not just any story, but the story of God's redemption for humanity.

KEYWORDS: Narrative, genre, history, literary.

INTRODUÇÃO

A tarefa da hermenêutica bíblica, é procurar compreender o significado do que foi


escrito lá no passado, entender o seu significado no seu contexto, interpretá-lo, e depois
dar a ele uma aplicação dentro do contexto atual. E para que possamos ter êxito nessa
missão, será necessário o conhecimento dos gêneros literários em que os textos bíblicos
foram escritos.
É o que este artigo se propõe a demostrar em forma de pesquisa bibliográfica para
demonstração do gênero literário narrativas bíblicas. Como esse estilo foi usado pelos
autores sagrados para registrar suas mensagens, e de como esse gênero é abundante em
toda a Bíblia, especialmente, no Antigo Testamento, elas cobrem mais de quarenta por
cento do de seu conteúdo. Por isso, se faz necessário o seu conhecimento, sua natureza,
seus níveis, enredo, objetivo, personagens e os princípios de interpretação de uma
narrativa bíblica.

1 CONCEITO DE GÊNERO LITERÁRIO


Gênero literário é uma forma peculiar de se escrever ou falar. “Gêneros fazem mais
do que classificar textos; de fato fornecem um código que molda a maneira como o leitor
vai interpretar determinado texto,” de acordo com Scholz (2006, p. 75, apud, Paul Ricoeur,
em KAISER, p.30).

Nem sempre é fácil explicar o que é um gênero ou uma forma literária. Fato é que,
ao se comunicarem, as pessoas fazem uso de certos padrões de linguagem
convencionados (isto é, que todos aceitam) e que são repetitivos. Existe uma
maneira de dar um telefonema, contar uma piada, escrever uma carta ou um e-mail,
elaborar um cardápio ou uma lista de compras, anotar a receita de um bolo, redigir
a bula de um remédio, compor um artigo para uma revista científica ou dar uma
aula. Todos estes são exemplos de gêneros. Gênero é, pois, um padrão de
linguagem, que tanto pode ser oral quanto escrito, que se repete e pode ser
reconhecido a partir de certas características. É, a rigor, uma abstração teórica
baseada na observação de exemplos concretos específicos. Em outras palavras,
de tanto ver poesia, a pessoa acaba por aprender o que é poesia. Os antigos
conheciam três gêneros literários: poético, épico, dramático. Um gênero não pode
ser reduzido a um conjunto de informações. Também não pode ser simplesmente
transferido para outro gênero, não sem sérios riscos de significativas perdas. Um
exemplo disso é a parábola: ela foi feita para ser contada. Reduzi-la a uma lição ou
a um pensamento central significa desmontá-la ou destruí-la. Muitas obras primas
da literatura ficam empobrecidas quando viram roteiros de filmes. Por outro,
histórias que não emplacaram como literatura podem até virarem bons filmes.
Gêneros são flexíveis, dobráveis, por assim dizer. Mudam com o tempo e de cultura
para cultura. Um poema moderno é bem diferente de um soneto parnasiano,
embora ambos sejam considerados poesia. Os falantes e escritores da língua, em
especial os mais criativos, exploram os limites de determinado gênero, correndo até
o risco de rompê-los. No Novo Testamento, o uso que Paulo faz do gênero epistolar
é um bom exemplo disso. Paulo vale-se dos parâmetros estabelecidos, mas não se
submete servilmente a eles. Suas cartas em geral são longas demais para os
padrões daquele tempo. Em resumo, pode-se dizer que existe uma tensão entre
certo determinismo, imposto pelos parâmetros do gênero, e a liberdade de
comunicação, que marca o estilo de cada autor. Na prática, existe liberdade dentro
de certos parâmetros. Os gêneros também têm muito de cultural. O que é poesia
numa língua pode não parecer poesia ao falante de outra língua. É a impressão
inicial que muitos têm quando entram em contato com a poesia bíblica. É essa
também a conclusão de muitos que não conhecem suficientemente determinada
língua indígena (o guarani, por exemplo). A verdade é que também essas línguas
têm poesia, só que poesia do jeito delas. O gênero tem muito a ver com a forma do
texto. Agora, para se reconhecer um gênero literário, também é importante notar o
assunto e o tom do texto, isto é, o que está sendo dito e como está sendo dito. Um
poema tende a aparecer em forma de versos e estrofes, num tom mais ou menos
emotivo, com recurso a linguagem figurada. Também não se pode explicar uma
parábola como se fosse um tratado de doutrina semelhante a Gálatas ou Hebreus.
Isto significa que competência hermenêutica passa pela correta identificação do
gênero.2

Osborne (2009, p. 32) “o gênero ou tipo de literatura em que se encontra determinada


passagem fornece” ‘as regras dos jogos de linguagem’ (Wittgenstein), ou seja, os princípios
hermenêuticos pelos quais se interpreta o texto.”
E na Bíblia vamos encontrar diferentes gêneros, às vezes, em um só livro.

o gênero ou tipo de literatura em que se encontra determinada passagem fornece


“as regras dos jogos de linguagem” (Wittgenstein), ou seja, os princípios
hermenêuticos pelos quais se interpreta o texto. É obvio que não interpretamos
ficção da mesma forma que interpretamos poesia. E ninguém procuraria nos textos
de sabedoria da Bíblia a mesma estrutura dos trechos proféticos. [...] A questão do
gênero é um importante elemento no debate sobre a possibilidade de recuperar o
significado pretendido pelo autor (Hirsch chama isso de “gênero intrínseco”). Todos
os escritores expressam sua mensagem dentro de um determinado gênero, para
que os leitores tenham regras suficientes pelas quais possam decodifica-la. Essas
indicações orientam o leitor (ou ouvinte) e fornecem pistas para a interpretação.
Quando Marcos registrou a parábola do semeador contada por Jesus (Mc 4.1-20),
ele inseriu num contexto e num meio que facilitariam uma comunicação adequada

2 SCHOLZ, Vilson. Princípios de Interpretação bíblica: introdução à hermenêutica com ênfase em gêneros
literários. Canoas. Ed. ULBRA, 2006.
com seus leitores. Podemos recuperar aquele significado se entendermos o
funcionamento das parábolas[...] e dos símbolos dentro do contexto de Marcos.3

2 NATUREZA DAS NARRATIVAS BÍBLICAS

O gênero literário narrativo foi o estilo mais utilizado pelos autores do Antigo
Testamento.

A narrativa é o estilo literário que mais aparece em toda a Bíblia hebraica. Grande
parte das Escrituras foi escrita nessa forma. Uma narrativa é uma história contada
com um objetivo didático. A preocupação principal é ensinar por meio da reflexão
sobre o evento. Ensinar por meio de histórias sempre foi um excelente recurso
pedagógico. A narrativa bíblica relata um evento com o intuito de transmitir uma
mensagem por meio dos personagens, dos seus problemas e das circunstâncias ao
redor. Isso as torna seletivas e ilustrativas. O objetivo não é compor biografias sobre
as figuras do passado, mas aprender com elas. O que se encontra narrado é tudo
o que o autor considerou importante comunicar e preservar.4

A forma de transmissão das revelações de Deus, de uma geração a outra, eram


feitas, no início, por transmissão oral, e posteriormente, por escrito, ambas por narrativas.

O processo de transmissão da Palavra de Deus muito se assemelhou a como


atualmente o cristianismo se desenvolve por meio da pregação. A própria pregação
é um tipo de tradição oral. O pregador reconta aquilo que Deus fez no passado e,
com isso, chama os ouvintes a um compromisso com esse mesmo Deus. A
diferença entre a tradição oral cristã e a dos judeus antigos está em que atualmente
já temos um cânon das Escrituras e eles ainda não o possuíam. Eles só tinham, no
início, a pregação. A transmissão oral foi o meio pelo qual a revelação de Deus foi
transmitida durante muito tempo sem nenhum documento escrito. O mesmo
fenômeno se deu, posteriormente, com o Novo Testamento. Várias décadas se
passaram entre o ministério de Jesus e o aparecimento dos evangelhos que
narraram esse ministério.5

Essas narrativas eram contadas em forma de histórias, o que geravam uma grande
expectava nos ouvintes e leitores.

3 OSBORNE, Grant R. A espiral hermenêutica: uma nova abordagem à interpretação bíblica. São Paulo. Vida
Nova, 2009.
4
MIRANDA, Valtair. Fundamentos da Teologia Bíblica. São Paulo, Mundo Cristão, 2011.
5
Idem.
As narrativas são histórias. Embora de vez em quando usemos a palavra história
para descrevê-las, preferimos a palavra narrativa, porque história tem relegado a
significar alguma coisa que é ficção, como no caso de uma "estória na hora de
dormir," ou um "um conto improvável," ou uma "historinha." Além disto, tende a
significar uma história única com um só grupo de personagens e uma só trama. A
Bíblia, do outro lado, contém o que frequentemente é chamado a história de Deus
—uma história que é totalmente verídica, crucialmente importante, e
frequentemente complexa. É uma história magnífica, mais grandiosa do que a maior
epopeia, mais rica na sua trama e mais significante nas suas personagens e
descrições do que qualquer história humanamente composta poderia vir a ser.
Sendo assim, para aquelas porções desta grande história divina que têm a forma
de história, o termo narrativa é preferido no uso técnico visto ser ele um termo mais
objetivo, menos prejudicial. As narrativas bíblicas nos contam acerca de coisas que
aconteceram — mas não quaisquer coisas. O propósito delas é mostrar-nos Deus
operando na Sua criação e entre Seu povo. As narrativas O glorificam, ajudam-nos
a entendê-lo e dar o devido valor a Ele, e nos dão um quadro da Sua providência e
proteção. Ao mesmo tempo, também fornecem ilustrações de muitas outras lições
que são importantes para nossas vidas. Todas as narrativas têm um enredo, uma
trama, e personagens (seja divinas, humanas, animais, vegetais, etc.). As narrativas
do Antigo Testamento, no entanto, têm enredos que fazem parte de um enredo
especial global, e que tem um elenco especial de personagens, dos quais o mais
especial é o próprio Deus.6
Em se tratando da Bíblia, ela tem tantas histórias que, a rigor, não existe palavra
bíblica específica para "história". O Antigo Testamento constitui 75% da Bíblia, e
40% do AT é feito de narrativas. No NT, dois livros, de caráter narrativo, ou seja,
Lucas e Atos, constituem uma quarta parte do todo. Logo, não se pode estudar a
Bíblia sem dar atenção ao gênero narrativo. 7

As histórias não são ficções são reais, porém, nem sempre essas histórias, reais,
eram registradas pelos próprios personagens dos enredos, mas outras pessoas as
contavam e, outras ainda, as registravam por meio de narrativas.

As histórias bíblicas não são meras ilustrações de algo maior, como, por exemplo,
uma ideia ou um conceito; elas mesmas são a mensagem. Nenhum escritor bíblico
faz pausa para dizer: "Vou contar uma história, para ilustrar o que estou querendo
dizer". O que ele está querendo dizer, a revelação, frequentemente vem na forma
de histórias. Existe o que se chama "história da salvação". Dito de outra forma, a
história ou narrativa é um gênero que também transmite a verdade. A pergunta é:
Como ela faz isso? Resposta: Ela faz isso do seu jeito. Ela ensina de forma indireta.
Em vez de afirmar uma verdade em forma de tese, o contador de histórias apresenta
exemplos que ensinam este ou aquele princípio, este ou aquele aspecto da
realidade. Cabe ao leitor a tarefa de deduzir do que se trata. E este é um desafio
considerável. Afinal, histórias podem ser ambíguas. No entanto, em muitos casos,
o narrador dá indícios que ajudam o leitor a tirar a devida lição. Do contrário, o
contexto maior serve de parâmetro interpretativo.8

6 FEE, Gordon D. & Douglas Stuart. ENTENDES O QUE LÊS. 2ª ed. São Paulo. VIDA NOVA, 2008.
7 SCHOLZ, Vilson. Princípios de Interpretação bíblica: introdução à hermenêutica com ênfase em gêneros
literários. Canoas. Ed. ULBRA, 2006.
8 Idem.
O gênero narrativo é o mais abundante no AT.

A Bíblia contém mais do tipo de literatura chamado "narrativa" do que de qualquer


outro tipo literário. Por exemplo, mais de 40 por cento do Antigo Testamento é
narrativa. Posto que o próprio Antigo Testamento compõe três quartos do volume
da Bíblia, não é surpreendente que o tipo mais comum de literatura na Bíblia inteira,
individualmente, é a narrativa. Os seguintes livros do Antigo Testamento são
compostos, em grande medida ou inteiramente, de matéria narrativa: Gênesis,
Josué, Juízes, Rute, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Crônicas, Esdras, Neemias, Daniel, Jonas
e Ageu. Além disto, Êxodo, Números, Jeremias, Ezequiel, Isaías, e Jó contêm
porções narrativas substanciais. No Novo Testamento, grandes porções dos quatro
Evangelhos e quase a totalidade de Atos também são narrativa. 9

3 NÍVEIS DE NARRATIVAS

Fee e Stuart (2008, p. 64) nos diz existirem pelo menos três níveis nas histórias
narradas na Bíblia que precisamos entender. “Ajudará você, ao ler e estudar as narrativas
do Antigo Testamento, reconhecer que a história está sendo contada, com efeito, em três
níveis.”

O nível superior é aquele do plano universal inteiro de Deus, elaborado através da


Sua criação. Aspectos-chaves do enredo neste nível superior são: a própria criação
inicial; a queda da humanidade; o poder e a universalidade do pecado; a
necessidade da redenção; e a encarnação e sacrifício de Cristo. Os aspectos-
chaves do nível intermediário centralizam-se em Israel: a chamada de Abraão; o
estabelecimento da linhagem de Abraão através dos patriarcas; a escravidão de
Israel no Egito; o livramento da servidão, operado por Deus, e a conquista da terra
prometida de Canaã; os pecados frequentes de Israel e sua deslealdade cada vez
maior; a proteção paciente de Deus, que pleiteava com Seu povo; a destruição
subsequente de Israel e depois de Judá; e a restauração do povo santo depois do
exílio. Depois, há o nível inferior. Aqui acham-se todas as centenas de narrativas
individuais que perfazem os dois outros níveis: a narrativa de como os irmãos de
José o vendem a uma caravana de árabes indo para o Egito; a narrativa de como
Gideão duvidou de Deus e O testou por meio da porção de lã; a narrativa do
adultério de Davi com Bate-Seba; e assim por diante.10

4 ENREDO
“Uma narrativa é feita de eventos, que são os acontecimentos da história. O enredo
é a estrutura ou o arranjo dos eventos.” (SCHOLZ, 2006, p. 76).

9 FEE, Gordon D. & Douglas Stuart. ENTENDES O QUE LÊS. 2ª ed. São Paulo. VIDA NOVA, 2008.
10 FEE, Gordon D. & Douglas Stuart. ENTENDES O QUE LÊS. 2ª ed. São Paulo. VIDA NOVA, 2008.
Enredos podem ser de vários tipos, dependendo do seu desenlace. Existem
enredos trágicos, em que um personagem essencialmente bom acaba se dando
mal por um deslize de sua parte. É o caso das histórias de Adão, Jefté (Jz 11),
Sansão, e Saul. A parábola do Filho Pródigo (Lc 15.11-32) termina sem que o
conflito entre o pai e o filho mais velho esteja resolvido. Tem um final aberto e, num
certo sentido, o enredo é trágico. O Evangelho de Marcos, terminando em 16.8, tem
um final "trágico", pois o conflito entre Jesus e seus discípulos (traição, negação,
fuga) ainda não foi resolvido.11

Os enredos bíblicos das narrativas não visam dar todos os detalhes de seus
personagens, nem dar um ponto final como esperaríamos, mas ficando, muitas delas, em
aberto.

Noutras palavras, as narrativas não respondem a todas as nossas perguntas acerca


de uma determinada questão. São limitadas no seu enfoque, e nos oferecem uma
só parte do quadro global daquilo que Deus está fazendo na história. Temos de
aprender a ficar satisfeitos com essa compreensão limitada, e a refrear nossa
curiosidade em muitos pontos; senão, acabaremos procurando ler entre as linhas
de tal maneira que no fim estaremos colocando dentro das histórias coisas que não
estão lá, fazendo alegorias com relatos históricos fatuais.12

5 O NARRADOR
O narrador é quem está contando a história. É a pessoa humana que está por traz
de todo o enredo. Ele sabe tudo de antemão, é como uma voz onisciente a transitar por
todo o texto.
“O narrador é aquele que conta a história. Na Bíblia, o narrador é ‘onisciente’, isto é,
ele conhece todos os detalhes do que está narrando, até mesmo o que se passa no coração
de Deus. Raramente o narrador é personagem da história. (SCHOLZ, 2006, p. 77)

6 PERSONAGENS

Os personagens nas narrativas, ainda que sejam destacados suas qualidades e


personalidades, é Deus quem está no controle de cada momento na história onde esses
personagens estão, e é Deus o personagem principal da história.

O narrador inspirado não deixa dúvidas de quem é o herói da história: Deus. E o


tema ou moral da história é a presença de Deus com José em todas as situações.
Dessa forma, não devemos encontrar o assunto ou ensino dentro de cada narrativa

11 SCHOLZ, Vilson. Princípios de Interpretação bíblica: introdução à hermenêutica com ênfase em gêneros
literários. Canoas. Ed. ULBRA, 2006.
12 FEE, Gordon D. & Douglas Stuart. ENTENDES O QUE LÊS. 2ª ed. São Paulo. VIDA NOVA, 2008.
individual, mas o bloco todo aponta para o ensino correto: Deus está com José e
controla a história. Em outras palavras, não devemos procurar alguma característica
em José para imitarmos e assim sermos abençoados, pois a narrativa trata de um
candidato improvável ao sucesso, mas que pela presença de Deus em sua vida
obtém sucesso naquilo que faz. Essa narrativa não contém regras para os negócios
ou para a vida em geral, mas fala sobre Deus. 13

Podemos ver na narrativa o narrador dando voz para José, que admite que tudo que
houve com ele estava sob a condução de Deus, e não das circunstâncias aleatórias.

5 Agora, não se aflijam nem se recriminem por terem me vendido para cá, pois foi
para salvar vidas que Deus me enviou adiante de vocês.
6 Já houve dois anos de fome na terra, e nos próximos cinco anos não haverá cultivo
nem colheita.
7 Mas Deus me enviou à frente de vocês para lhes preservar um remanescente
nesta terra e para salvar-lhes a vida com grande livramento.
8 "Assim, não foram vocês que me mandaram para cá, mas sim o próprio Deus. Ele
me tornou ministro do faraó, e me fez administrador de todo o palácio e governador
de todo o Egito.
9 Voltem depressa a meu pai e digam-lhe: Assim diz o seu filho José: 'Deus me fez
senhor de todo o Egito. Vem para cá, não te demores. (Gn. 45:5-9)14

Toda história tem um enredo, drama e seus personagens. “As narrativas do Antigo
Testamento, no entanto, têm enredos que fazem parte de um enredo especial global, e que
tem um elenco especial de personagens, dos quais o mais especial é o próprio Deus.” (FEE
e STUART, 2009, p. 64).

7 O QUE AS NARRATIVAS NÃO SÃO

Fee e Stuart (2009, p.66), “As narrativas do Antigo Testamento não são apenas
histórias acerca de pessoas que viviam nos tempos do Antigo Testamento. São, antes de
tudo, histórias acerca daquilo que Deus fez para aquelas pessoas e através delas.”

Em contraste com as narrativas humanas, a Bíblia é composta especialmente de


narrativas divinas. Deus é o herói da história — se ela está na Bíblia. As
personagens, os eventos, os desenvolvimentos, o enredo e os clímaces ocorrem,
todos eles, mas por detrás deles, Deus é o "protagonista" supremo, ou o
personagem decisivo principal em todas as narrativas. 15

13 FEE, Gordon D. & Douglas Stuart. ENTENDES O QUE LÊS. 2ª ed. São Paulo. VIDA NOVA, 2008.
14BÍBLIA ONLINE. Disponível em:< https://www.bibliaon.com/genesis_45/> acesso em 28 de julho de 2022.
15 FEE, Gordon D. & Douglas Stuart. ENTENDES O QUE LÊS. 2ª ed. São Paulo. VIDA NOVA, 2008.
Nem sempre é fácil entender as narrativas bíblicas, saber seus significados, fazer
aplicações de suas histórias, mas esse foi o meio que Deus permitiu que seus servos,
escritores sagrados, utilizassem, e por meio dessas histórias, Ele pudesse falar aos
homens. “As narrativas do Antigo Testamento não são alegorias, ou histórias cheias de
significados ocultos. Pode, no entanto, haver aspectos de narrativas que não são de fácil
compreensão” (FEE e STUART, 2009, 66).

8 PRINCÍPIOS PARA A INTERPRETAÇÃO DE NARRATIVAS

Os princípios mais importantes para interpretar as narrativas bíblicas.

1. Geralmente, uma narrativa do Antigo Testamento não ensina diretamente uma


doutrina;
2. Uma narrativa do Antigo Testamento usualmente ilustra uma doutrina ou
doutrinas ensinadas de modo proposicional noutros lugares;
3. As narrativas registram o que aconteceu – não necessariamente o que deveria
ter acontecido ou o que deve acontecer todas as vezes. Nem toda narrativa,
portanto, tem uma moral da história identificável e individual;
4. O que as pessoas fazem nas narrativas não é necessariamente um bom exemplo
para nós. Frequentemente é exatamente o contrário;
5. A maior parte dos personagens nas narrativas do Antigo Testamento está longe
de ser perfeita, e suas ações também;
6. Nem sempre somos informados no fim de uma narrativa se aquilo que aconteceu
foi bom ou mal. Espera-se de nós que possamos julgar a história com base no que
Deus já nos ensinou na Escritura, de modo direto ou categórico;
7. Todas as narrativas são seletivas e incompletas. Nem sempre todos os
pormenores relevantes são dados. O que realmente aparece na narrativa é tudo
quanto o autor inspirado considerava importante sabermos;
8. As narrativas não são escritas para responderem a todas as nossas perguntas
teológicas. Têm propósitos limitado, específicos e particulares, e tratam de certas
questões, deixando as demais para serem tratadas noutros lugares, doutras
maneiras;
9. As narrativas podem ensinar explicitamente (ao declarar algo de modo claro) ou
implicitamente (ao subentender claramente alguma coisa sem declará-la);
10. Em última análise, Deus é o protagonista/herói de todas as narrativas bíblicas. 16
11.

9 A NARRATIVA DA HISTÓRIA DE JOSÉ

Vamos ver o exemplo narrativo da história de José. Fee e Stuart (2009, p.70) “O
grande bloco de matéria narrativa que chamamos a narrativa de José ocupa os capítulos
37 e 39-50 do Livro de Gênesis.”

Lemos acerca do estilo um pouco altivo e crítico de José (capítulo 37) tendo parte
da sua origem, talvez, no favorecimento do seu pai (37.3). A insistência de José em
contar seus sonhos arrogantes de superioridade não ajuda sua situação dentro da
família (37.10, 11). Os irmãos vendem José para a escravidão, e enganam seu pai,
Jacó, fazendo-o pensar que José fora morto. Vendido como escravo no Egito, José

16 FEE, Gordon D. & Douglas Stuart. ENTENDES O QUE LÊS. 2ª ed. São Paulo. VIDA NOVA, 2008.
fica sendo um administrador bem-sucedido para Potifar (cap. 39). Por quê? Por
causa das suas perícias administrativas inatas? Dificilmente. A Bíblia identifica
muito claramente a razão: "O SENHOR era com José. . . o SENHOR era com ele,
e. ..tudo o que ele fazia o SENHOR prosperava em suas mãos. . ., o SENHOR
abençoou a casa do egípcio por amor de José; a bênção do SENHOR estava sobre
tudo o que tinha" (Gn 39.2-5). Sejam quais tenham sido as perícias gerenciais de
José, claramente desempenharam um papel secundário comparado com a
intervenção de Deus na sua vida. Encarcerado injustamente, José subiu à posição
de internado-administrador. Por quê? A Bíblia outra vez não deixa dúvida alguma:
"O SENHOR, porém, era com José, e lhe foi benigno, e lhe deu mercê" (39.21; cf.
v. 23).17

A moral da história da narrativa de José, é que Deus estava com ele. Não é o que
José era ou o que ele fez, mas o que Deus fez na história dele.

Noutras palavras, se você procurar alguma coisa que José era ou fazia, que os
cristãos hoje devem imitar para receber uma bênção, você não achará nada
semelhante na narrativa. A narrativa está contando a você o que Deus fez com um
candidato improvável para o sucesso. Não contém qualquer regra para progredir
nos negócios ou na vida em geral. José vai de mal a pior, e fica na prisão durante
muitos anos até que Deus (e não José) obtenha sua soltura. 18

10 PRECAUÇÕES
Fee e Stuart (2008, p. 76) nos advertem dizendo: “Por que é que as pessoas acham
tão frequentemente nas narrativas bíblicas lições que não estão lá — atribuindo à Bíblia
suas próprias noções ao invés de tirar da Bíblia aquilo que Deus quer que saibam?”.

Há três razões principais. Primeiramente, estão — desesperadas por informações


que as ajudarão, que serão de valor pessoal, que se aplicarão à sua própria
situação. Em segundo lugar, estão impacientes; querem suas respostas agora,
deste livro, deste capítulo. Em terceiro lugar, esperam erroneamente que tudo na
Bíblia se aplique diretamente como instrução para suas próprias vidas individuais.
A Bíblia é um grande recurso. Contém tudo quanto um cristão realmente precisa em
termos de orientação da parte de Deus para viver. Mas nem sempre contém
respostas tão específicas e pessoais quanto algumas pessoas gostariam, e não
contém todas as informações em cada capítulo de cada livro! As pessoas,
demasiadamente impacientes para descobrirem a vontade de Deus da Bíblia como
um todo, cometem enganos — levam-se a interpretar mal partes individuais das
Escrituras.19

17 FEE, Gordon D. & Douglas Stuart. ENTENDES O QUE LÊS. 2ª ed. São Paulo. VIDA NOVA, 2008.
18 Idem.
19 Idem.
CONCLUSÃO
Vimos como os autores bíblicos foram hábeis em fazer uso de um gênero literário
extraordinário como as narrativas. Como eles procuraram, dentro de seu tempo, e dos
recursos disponíveis, serem minuciosos e habilidosos no registro de fatos importantes,
como os que estão na Bíblia, que corriam o risco de se perderem no tempo se ficassem
somente na tradição oral. E, também o cuidado que tiveram em registrarem suas
mensagens de uma forma que despertassem interesse no leitor, que provocasse
curiosidade, e dessa forma, despertar outros, que preservassem esses escritos. Graças a
essas habilidades e dedicação, com a direção do Espírito de Deus, podemos ter os Escritos
bíblicos preservados até os dias de hoje.

BIBLIOGRAFIA

BENTHO, Esdras Costa. HERMENÊUTICA – Fácil e Descomplicada. Rio de Janeiro.


CPAD, 2003.
FEE, Gordon D. & Douglas Stuart. ENTENDES O QUE LÊS. 2ª ed. São Paulo. VIDA NOVA,
2008.
NELSON, E. LUND / P. C. HERMENÊUTICA - Regras de Interpretação das Sagradas
Escrituras. Miami, Florida E.U.A. Ed. VIDA, 1968.
OLIVEIRA, David Mesquiati de; & TERRA, Kenner R. C. Experiência e Hermenêutica
Pentecostal: Reflexões e Propostas para a Construção de uma Identidade Teológica. Rio
de Janeiro, CPAD, 2018.
OSBORNE, Grant R. A espiral hermenêutica: uma nova abordagem à interpretação bíblica.
São Paulo. Vida Nova, 2009.
SCHOLZ, Vilson. Princípios de Interpretação bíblica: introdução à hermenêutica com
ênfase em gêneros literários. Canoas. Ed. ULBRA, 2006.

Você também pode gostar