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INTRODUÇÃO ÀS SAGRADAS

ESCRITURAS
AULA 5

Prof. Raimundo Nonato Vieira


CONVERSA INICIAL

Depois de termos estudado o processo de formação das Sagradas


Escrituras, sua história e como ela chegou até nós, esta aula tem como objetivo
considerar o texto, rico e poderoso em sua mensagem, como também uma obra
rica como literatura. Para isso, vamos discorrer sobre os estilos literários, seus
textos normativos e narrativos, como literatura, sua relação com a ciência
literária, sua beleza literária e o manuseio desse texto pelo fiel.

TEMA 1 – FORMAS LITERÁRIAS

Deus estava determinado a se comunicar com os seres humanos, por isso


ele materializou a sua palavra, primeiramente em letras, palavras culturalmente
acomodadas, para depois se materializar no ser humano. Vamos focar na
primeira. Cada cultura tem sua maneira de compreender e expressar ideias.
Ainda mais porque, dependendo da ideia, ela é expressada de maneira diferente
– o alvo é a compreensão. Deus usou todos os meios linguísticos e gêneros
literários culturalmente aceitos, com o fim de ser compreendido e crido.

1.1 Os gêneros literários das escrituras

O Antigo e o Novo Testamento foram escritos com arranjos literários


próprios daquelas línguas e das culturas dos escritores e de seus leitores. Neste
ponto, vamos focar nos principais estilos literários encontrados nas Sagradas
Escrituras, descritos por Roy B. Zuck. São eles (Zuck, 1999, p. 148-156):

 Jurídico – Compreende a maior parte do Pentateuco.


 Narrativo – É uma história que visa apontar para um ensinamento. Há seis
tipos de narrativas: tragédia, épico, romance, heroico, sátira e polêmica.
 Poesia – Quando o autor se utiliza de cânticos, rimas e principalmente o
paralelismo de duas ou três linhas.
 Literaturas sapienciais – Provérbios, Eclesiastes e Jó, caracterizados por
formação textual com sabedorias do seu tempo.
 Evangelhos – Doutrinas e narrativas, visam apresentar informações sobre
a pessoa de Jesus Cristo.
 Discurso Lógico – Também chamado de literatura epistolar – doutrina e
exortação.

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 Literatura Profética – Simbolismo e apontamento para o futuro, para o fim
dos tempos.

1.2 As figuras de linguagem das Escrituras

Zuck (1999, p. 167), citando o professor de literatura inglesa W. MacNeile


Dixon, diz:

Se me perguntassem qual foi a maior força utilizada na formação da


história [...] eu responderia [...] a linguagem figurada. Os homens vivem
pela imaginação; a imaginação governa nossas vidas. A mente
humana não é um foro de debates, como querem os filósofos, mas sim
uma galeria de arte. [...] Elimine as metáforas [ou seja, a linguagem
figurada] da Bíblia e seu espírito vivo se dissipará. [...] Os profetas, os
poetas, os líderes são todos mestres da metáfora, e com ela cativam a
alma humana.

Identificar e saber manusear as figuras de linguagem é de grande


importância para que o sentido do texto das Escrituras não seja erradamente
compreendido. Zuck (1999, p. 168) define figuras de linguagem, a partir de
Bullinger, como sendo “uma palavra ou frase colocada de forma diferente de seu
emprego ou sentido original e simples”. Por questão de espaço, vamos apenas
relacionar as figuras de linguagem dentro de suas classificações, conforme Zuck
(1999, p. 174-188):

 Figuras de linguagem que encerram comparação: símile – “vocês, ímpios,


são como cães.”; metáfora – “Vocês, ímpios, são cães.”; hipocatástase –
“Seus cães.”
 Figuras de linguagem que encerram substituição: metonímia, sinédoque,
merisma, hendíade, personificação, antropomorfismo, antropopatia,
zoomorfismo, apóstrofe, eufemismo.
 Figuras de linguagem que encerram omissão ou supressão: elipse,
zeugma, reticência, pergunta retórica.
 Figuras de linguagem que encerram exageros ou atenuações: hipérbole,
litotes, ironia, pleonasmo.
 Figuras de linguagem que encerram incoerências: oxímoro, paradoxo.
 Figuras de linguagem que encerram sonoridade: paronomásia,
onomatopeia.

O objetivo de elencar todas essas figuras de linguagem é demonstrar que,


mesmo não sendo um estudo sobre elas, encontramos várias nas Escrituras.

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Portanto, o leitor das Escrituras não pode ler esse livro sem se dar conta de que
é um texto escrito com os recursos literários necessários para dar sentido, fluxo
textual e contornos estéticos.

TEMA 2 – NORMAS OU NARRATIVAS?

Quando se vai ao médico, ele fará perguntas; pode pedir exames, auferir
a pressão, ouvir os batimentos cardíacos e o ritmo da respiração. Munido das
informações necessárias, ele construirá uma narrativa para descrever a sua
provável patologia. Depois disso, se necessário, ele fará prescrições.
A Bíblia tem dois gêneros literários que dominam parte do seu conteúdo:
as narrativas (textos descritivos) e as epistolas ou os discursos lógicos
(normalmente textos prescritivos). Por serem tão dominantes no conteúdo das
Sagradas escrituras, vamos defini-los e caracterizá-los.

2.1 As narrativas

Na definição de Zuck (1999, p. 149): “Uma narrativa é uma história,


evidentemente, mas uma narrativa bíblica é uma história relatada com o intuito
de transmitir uma mensagem por meio das pessoas e de seus problemas e
circunstâncias”.
Está claro, a partir desta definição, que a natureza da narrativa é
descritiva, ainda que visando uma moral no seu fim. Na tentativa de caracterizar
a narrativa, Zuck (1999, p. 149) diz: “As narrativas bíblicas são seletivas e
ilustrativas. Seu objetivo não é compor biografias completas, repletas de
detalhes a vida das pessoas; os autores selecionavam cuidadosamente o
material que incluíam (é claro sob a inspiração do Espírito Santo) visando a
propósitos determinados”.
Percebe-se que uma característica marcante da narrativa bíblica é levar
o leitor a ter as informações mínimas sobre um personagem, um episódio,
visando uma construção negativa ou positiva e seus desdobramentos. A fim de
demonstrar estes aspectos deste gênero literário, Zuck (1999, p. 149)
exemplifica:

O livro de 2 Samuel, por exemplo, contém uma coletânea sobre a vida


de Davi que mostra nos primeiros dez capítulos como ele instituiu e
expandiu seu reino. Depois, os capítulos 11 e 12 narram o pecado que
cometeu envolvendo Bete-Seba e Urias. Os capítulos de 13 a 21
assinalam os numerosos pecados de Davi, tanto os de caráter pessoal

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quanto os de âmbito nacional. Os três capítulos (22-24) registram seu
hino de louvor, suas últimas palavras, uma relação de seus valentes, o
senso de seus soldados e a edificação de um altar. Os acontecimentos
relatados nos capítulos de 13 a 21 foram escolhidos com o intuito de
ilustrar o fato de que o pecado produz consequências devastadoras,
embora o autor não diga com essas palavras.

O autor ainda aponta que o fluxo de uma narrativa acontece dentro de


uma construção evolutiva: a narrativa inicia com a apresentação de um
problema, elabora um pano de fundo ou introdução; em seguida segue para um
clímax, apresentando uma solução para o problema; e finalmente parte para uma
conclusão, um desfecho (se necessário) (Zuck, 1999, p. 150).

2.2 As epístolas

As epístolas, como já foi apontado, constituem a maior parte do conteúdo


do Novo Testamento. Somente do apóstolo Paulo temos 13 epistolas, um volume
significativo de conteúdo, como de um conjunto teológico muito expressivo. Nas
palavras de Laland Ryken (2017, p. 53, 54), epístola é “uma carta
neotestamentária que atinge o nível de literatura pela presença da formalidade,
do ornamento retórico e da obediência às convenções do estilo epistolar”. Zuck
(1999, p. 154) diz que as epistolas são caracterizadas por dois tipos de textos:
“a) Discurso expositivo, que explica determinadas verdades ou doutrinas, quase
sempre apoiado na lógica, e b) discurso exortativo, que exorta a seguir
determinados comportamentos ou à aquisição de certas características em face
das verdades expostas no texto”.
Ainda com o foco na caraterização desse gênero importante de parte
substancial das Sagradas Escrituras, Ryken (2017, p. 54) faz uma caraterização
do desenvolvimento normalmente encontrado nesta forma literária:

Abertura ou saudação (remetente, endereços, cumprimentos). Ações


de graça (incluindo elementos tais como oração por bem-estar
espiritual, recordação dos destinatários e clima escatológico). Corpo da
carta (começando com fórmulas introdutórias e concluindo com
conteúdo escatológico ou sobre viagem). Parênese (exortação moral).
Conclusão (cumprimentos finais e bênção).

Segundo o autor, “dois desses elementos são exclusivos nas epístolas do


Novo Testamento: as ações de graças e a parênese” (Ryken, 2017, p. 54).
A presença de todos esses elementos nas epistolas bíblicas,
semelhantemente ao que era feito nas cartas gregas e romanas, aponta para o

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cuidado que os autores e redatores tiveram com a qualidade da produção texto
que estavam desenvolvendo.

TEMA 3 – A BÍBLIA ENTRE O TEOLÓGO E O CIENTISTA

Ao sugerir este subtema, estamos pensando sobre as variadas atitudes


que muitos manifestam sobre o manuseio das Sagradas Escrituras. Como já foi
mencionado, a Bíblia visa revelar a Deus e ao seu eterno plano de redenção
para a sua criação. Porém, a Bíblia lida com tantos temas relevantes que chama
atenção do teólogo social a busca por conectar as mensagens, os tratamentos
de determinados assuntos, os comportamentos com os problemas sociais, ou a
busca por conectar essa riqueza de temáticas com a missão da igreja. Porém,
há aqueles que tentam demostrar coerência ou incoerência da Bíblia com a
ciência atual.
Anderson de Oliveira Lima (2012) faz uma distinção entre o sujeito
religioso, o sujeito científico e o sujeito teológico na sua aproximação da Bíblia.
Isto será importante para as nossas considerações presentes.

3.1 O cientista no trato com a Bíblia

O teólogo contemporâneo Kevin Vanhoozer (2005, p. 106) pergunta “por


que os exegetas bíblicos e teólogos deveriam prestar atenção à pós-
modernidade?”. Ele responde dizendo que está em curso uma crescente
influência de desconstrução dos pilares da exegese bíblica. Voltaremos a este
assunto posteriormente. A preocupação de Vanhoozer é sobre a perspectiva da
ciência literária, da hermenêutica, entre outras, para enquadrar o texto bíblico
com critérios utilizados para o tratamento de qualquer texto, com o
enfraquecimento da sua mensagem.
Isso revela o olhar apenas científico do leitor da Bíblia, desprezando seu
caráter de Palavra de Deus, e encarando o seu conteúdo como livro importante
por ser parte do acervo da cultura mundial. Vejamos a definição de Lima (2012):

O “sujeito científico” ou racional é aquele que assume a ciência e seus


métodos como elemento capaz de explicar o mundo. A sua suposta
racionalidade empírica, todavia, resulta numa forma invertida de
fundamentalismo, onde a “ciência” assume mesmo poderes
sobrenaturais e concentra todas as esperanças do indivíduo.

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Como já mencionado, esta é uma posição que nos faz ver o outro lado do
radicalismo fundamentalista. Se por um lado a pessoa religiosa não olha para a
Bíblia como a Palavra de Deus, cujo texto preciso ser tratado como algo a ser
interpretado, por outro, existem aqueles cientistas que desprezam o texto como
relevante apenas em termos de mensagem incipiente, que dá conta do
surgimento, desenvolvimento e fim da vida e seus desdobramentos.

3.2 A Aproximação teológica com a Bíblia

A aproximação teológica implica olhar para as Sagradas Escrituras como


Palavra de Deus, não apenas para um grupo de gente, mas para o mundo todo,
para as sociedades e seus muitos dramas reais, que não estão dissociados das
ciências. Para Lima (2012), o sujeito teológico, aquele que se aproxima das
Escrituras teologicamente, não precisa ser necessariamente um teólogo. É
aquele

que sabe articular o conhecimento religioso e científico, tirando de


ambos os elementos necessários para interpretar o mundo. Noutras
palavras, ele é alguém que assume a racionalidade científica e suas
explicações, mas que não considera isso um empecilho para a fé que
é necessariamente não empírica.

Este é o caminho que muitos cristãos sinceros têm buscado para fazer
pesquisas nas universidades, nos centros de tecnologias e em outros meios.
Mas esse posicionamento precisa levar em conta afirmações categóricas da
igreja sobre o valor eterno das Escrituras e suas afirmações teológicas.
Ainda segundo Lima (2012, grifos nosso): “Pode parecer estranho, mas o
‘Sujeito Teológico’ é capaz de assumir Deus como uma hipótese plausível, como
o elemento capaz de explicar o que não pode ser explicado cientificamente.
Porém suas definições religiosas não admitem dogmatismos”.
A história do dogma é capaz de nos mostrar que nem toda afirmação
dogmática é necessariamente negativa. A palavra dogma traz a ideia de algo
posto como afirmação categórica. A fé cristã tem seus dogmas e isso não
inviabiliza o conhecimento, o diálogo com a ciência e seus afins.

TEMA 4 – O MANUSEIO DO TEXTO PELO FIEL

Lima (2012) também fala do sujeito religioso. Sua percepção é importante,


mas se deseja ir além dele, pois o fiel é um leitor que lê o texto sagrado de uma

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posição determinada; ele tem seu olhar, sua percepção. O texto tem um efeito
sobre o fiel, que não deve ser desprezado, pois o texto não é somente narrativa,
sendo também prescritivo.

4.1 O sujeito religioso

Por sujeito religioso, vamos considerar aquele que se aproxima das


escrituras numa relação passional, sem discernir as Escrituras como revelação
que se dá no drama da humanidade. No conceito de Lima (2012), trata-se
daquele “que usa a fé para interpretar o mundo. O ‘Sujeito Religioso’ é
fundamentalista, assume como verdades inquestionáveis os elementos de fé
que assimilou, e julga tudo o que o cerca a partir de seus próprios dogmas”.
Mais uma vez, é preciso questionar a afirmação de Lima, pois se
pensarmos que uma cosmovisão cristã deriva da consideração das Sagradas
Escrituras como Palavra de Deus, e que a partir dela o crente forma a sua visão
de mundo, não se poderia enquadrar esse professo no nosso sujeito religioso. O
sujeito religioso considerado aqui é alguém que não discerne as Sagradas
Escrituras como algo que parte do drama humano e que continua se
relacionando com o ser humano, seu mundo em constantes desafios
existenciais, e espirituais.
O sujeito religioso lê a Bíblia sem conseguir enxergar a sua relação com
os desafios reais da vida, as novas perguntas que estão sendo feitas, que não
foram elaboradas no período de sua produção. O fiel não “crítico”1 só consegue
aplicar a Bíblia para o mundo que ele consegue visualizar, conduzido pela
orientação religiosa.

4.2 A condição de seguidor

Alguém na condição de seguidor é pensado como aquele que, mesmo


fazendo perguntas, buscando clareza, se submete ao texto revelado das
Escrituras Sagradas. Vanhoozer (2010, p. 432-3), dialogando com C.S. Lewis,
aponta: “A primeira exigência que qualquer obra de qualquer arte faz sobre nós
é: rendam-se. Olhem. Escutem. Recebam. Nós “recebemos” uma obra, segundo

1O termo crítico não se refere ao criticismo, mas o leitor que se aproxima do texto, fazendo
perguntas pertinente que o levam ao sentido do texto e a enxergar as possibilidades de
aplicação.
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C.S. Lewis, “quando usamos nossos sentidos e imaginação e diversos outros
poderes segundo um padrão inventado pelo artista”.
Lewis Vanhoozer (2010, p. 433) aponta que “usar os textos, em vez de
recebê-los, é ler de má-fé”. A ideia é de que o leitor seguidor é orientado pelo
senso de propósito das Escrituras. Isto está de acordo com as palavras de Lewis,
citadas por Vanhoozer (2010, p. 434): “A primeira qualificação para julgar
qualquer peça que seja produto do trabalho humano, de uma rolha até uma
catedral, é saber o que ela é – o que ela foi projetada para fazer e como se
pretende que que seja usada”.
O autor supracitado conclui a ideia de Lewis: “Mas só se pode julgar uma
obra primeiro recebendo-a e deixando que manifeste sua voz” (Vanhozer, 2010,
p. 434). O leitor seguidor é orientado pelo senso de ouvir a voz das Sagradas
Escrituras.

TEMA 5 – BELEZA LITERÁRIA

Vimos até aqui a riqueza literária de que os autores se serviram para a


composição das Sagradas Escrituras. Neste ponto, temos o objetivo de continuar
demonstrando essa variedade de estilos, e como seus entrelaçamentos criam
uma estrutura estética agradável ao leitor e bela de se ouvir. Zuck, citando
Ryken, aborda a beleza estética das Escrituras, enfatizando as variedades e
bem-postos gêneros literários:

Os autores bíblicos obedeceram a convenções literárias claras e


tinham domínio dos princípios literários. Eles sabiam contar histórias
com um enredo bem elaborado. Sabiam contar histórias que tinham
em comum a tragédia ou a sátira. […] Os poetas bíblicos sabiam contar
boas metáforas e fazer afirmações paralelas. [...] Em sua maioria, eram
mestres de estilos. (Ryken, citado por Zuck, 1999, p. 146)

Vamos confirmar esse ponto, descrevendo mais um gênero literário e o


brilhante trabalho duplo da produção das Escrituras.

5.1 A poesia bíblica

Como se define este gênero literário e em quais livros das Sagradas


Escrituras o encontramos? Vamos responder essas e outras perguntas,
especialmente por meio das contribuições de Zuck e Ryken. Nas palavras de
Ryken (2017, p. 157-8), a poesia pode ser definida como:

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Uma forma de produção literária constituída principalmente por figuras
de linguagem, compreendendo imagens (palavras que nomeiam ações
concretas ou objetos). É natural que se pense na literatura como um
todo em termos de duas modalidades de discurso congêneres: a
poesia e a prosa. A poesia constitui-se sobretudo de linguagem
figurada, enquanto que a prosa comumente é composta de enunciados
contínuos. Ademais, a poesia é escrita em forma de verso, enquanto
que a prosa não é. Como parte dessa distinção, a unidade recorrente
na poesia é a linha (como se vê pelo fato de a poesia na forma
impressa não seguir até a margem direita), enquanto que a unidade
que se repete na prosa é a sentença.

Um exemplo de prosa é 1 Coríntios 13, em que claramente se percebe a


sentença rítmica, apesar de que nem toda prosa dependa de compassos
rítmicos. Os livros bíblicos considerados poéticos são: Jó, Salmos, Provérbios,
Eclesiastes e Cantares. No entanto, é comum a presença da poesia nos livros
proféticos e até históricos, pois, para muitos, livros como Gênesis contêm nas
suas narrativas muita poesia, como seria o caso de alguns relatos da criação.
Não vamos caracterizar a poesia neste momento, mas apenas conceituá-
la e fazer as breves descrições, como já fora feito. O objetivo é que o leitor das
Sagradas Escrituras perceba a riqueza e a beleza estética dos textos que
conduzem à mensagem revelada do Deus que ali se apresenta.

5.2 A beleza estética como resultado da dupla natureza das Sagradas


Escrituras

Em momentos anteriores, já tratamos do aspecto duplo da natureza das


Sagras Escrituras. Voltamos a esse tema para dar outro enfoque – o da beleza
estética da literatura bíblica como resultado dessa confluência bilateral; ou seja,
Deus sendo feliz, alegre em essência, é natural criar e manifestar esse aspecto
do seu ser em tudo o que faz e diz. Por outro lado, o ser humano, como parte do
transbordar dessa felicidade divina, foi criado com a capacidade de expressar e
gostar do belo.
“Deus trasborda a sua felicidade em tudo o que faz”. O que isto significa?
Quando se atenta para a criação das primeiras coisas, encontra-se repetidas
vezes as expressões “e viu Deus que era bom” (Gn 1.12b, 18b, 31b...) – ou seja,
Deus tem prazer no belo, obra de suas mãos. Por isso, quando ele se revela,
isso acontece na diversidade cultural, inclusive no que tange à comunicação.
Deus se comunicou de forma criativa e cativante. A Bíblia não é o livro mais
popular do mundo somente porque é a força revelacional do cristianismo, mas

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porque suas formas literárias são abundantes e capazes de traspor o tempo, o
espaço e as culturas – um texto com capacidade de resiliência.
“Os estilos literários expressam a beleza contida no ser humano”. Esses
textos são cheios de vivacidades, beleza e cores culturais, porque foram forjados
em meio às realidades humanas, por seres humanos. Deus criou seres
pensantes, criativos e com a capacidade de criar, admirar e interpretar o mundo
à sua volta, e fazer intervenções. Muitos textos das Sagradas Escrituras são
produzidos por conta da indignação dos profetas; de acordo com o contexto, a
mensagem fora escrita através de gêneros literários adequados para aquele
conteúdo, com determinada e ênfase.

NA PRÁTICA

Pelo fato de a Bíblia ser tão expansiva quanto os gêneros literários,


existem muitos pesquisadores na atualidade, e no passado, que se valeram
dessa riqueza e beleza literária para produzir pesquisas ou literaturas a partir do
pano de fundo bíblico-literário. Na atualidade, o biblista e teólogo Kevin
Vanhoozer é um bom exemplo disso.

FINALIZANDO

Nesta aula estivemos focados na diversidade literária e suas


congruências em relação às formas literárias. Assim, apontamos as narrativas,
a literatura epistolar, a poesia; e também verificamos o trato das Escrituras pelo
cientista, pelo teólogo e pelo fiel. Por último, abordamos a beleza estética
escancarada nas páginas das Sagradas Escrituras.

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REFERÊNCIAS

LIMA, A. O. Teologia e literatura bíblica: introdução a uma nova teologia bíblica.


Vida de Teólogo, 2012. Disponível em: <http://vidadeteologo.com.br/wp-
content/uploads/2017/12/ANDERSON_TEOLOGIA_E_LITERATURA_BIBLICA
_-_Corrigido.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2019.

RYKEN, L. Formas literárias da Bíblia: ajuda prática ao leitor da Escritura


Sagrada, bem como aos professores que a ensinam. São Paulo: Cultura Cristã,
2017.

VANHOOZER, K. Há um significado neste texto? Interpretação bíblica: os


enfoques contemporâneos. São Paulo: Vida, 2010.

ZUCK, R B. A interpretação bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. 1.


ed. São Paulo: Vida Nova, 1999.

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