Você está na página 1de 52

1

Olá amigos e leitores!


Contarei nesse singelo livro uma história de vida passada e real. Quando
comecei a escrever essas páginas, não tinha imaginado qual título daria ao
livro, eu não queria que tivesse meus 3 nomes, eu queria ver o passado bem
distante de mim por que esse nunca me fez bem, mas, pedi forças à Deus e
hoje estou bem, entre aspas.
Sobre eu querer 3 nomes deve ficar no passado pois quando se tem
objetivos, ele só serve quando o outro tem junto com você, mas, o sujeito não
tem onde cair vivo, pois o morto cai em qualquer lugar. Isso não é orgulho, ódio
e mal-estar.
Papai não teve a oportunidade de estudar, o que ele me dizia era: “filha
você não ver o coração de ninguém”. Eu acredito nessas palavras por que a
gente convive com certas coisas que nos deixam estressada, mau em todos os
sentidos e o passado se faz presente novamente.
Eu nasci em 02 de março de 1937, fui criada no sítio de nome Santa
Rosa Serra, existia dos dois lados um riacho, a serra era naquele tempo um
lindo lugar, eu era feliz e não compreendia por que a vida era bela, embora a
família fosse dividida em duas, de um lado um povo racista e ignorante por ser
analfabeto, eram parentes afastados, uns mais ricos e outros menos
abastados. Mas, Marques possuía mais terras, existiam também aqueles que
não eram da família que eram moradores dos arredores do sítio e trabalhavam
na lavoura de roça, feijão, milho, cana de açúcar e coco.
2

Todos trabalhavam, homens e mulheres, o inverno era de janeiro a


junho, tudo que era plantado e nascia com fartura. Em junho iniciava a
moagem de cana, meu tio produzia rapadura e mel de cana de açúcar. Do
mesmo jeito, em agosto começava as farinhadas até o mês de outubro,
também nessa época aconteciam às festas de padroeira da mãe de Jesus no
decorrer dessas farinhadas.
Nesse período nós raspávamos mandioca que era serrada, depois
moída em farelo através de rodas grandes puxada por 2 bois, até virar goma
(fécula de mandioca). A massa que era ralada era transformava em farinha
para venda em uma feira no distrito de Massapé localizado no município de
Sobral.

Aos sábados eram compradas as carnes (toicinho, tripa de gado) para


consumo no decorrer da semana. Também o café, dentre outras coisas. O
arroz era algo muito difícil de comprar, ele era vendido apenas no verão já que
no inverno não tinha feira. E também muitos dos temperos. No inverno um dos
temperos (mistura para guarnição) era a sardinha, algo tão difícil de ver que
doíam os dentes surgiam. Embora o inverno fosse difícil por um lado, de outra
forma, nós tínhamos frutas no sítio, como manga, caju, banana, laranja, cajá e
pitomba.
Assim todos foram criados como índios. Eu vivi para ir a missa e
estudar, o percurso do caminho até a escola era de 30 minutos de viagem, a
escola era gratuita, até poder estudar no colégio particular de Fortaleza, foram
4 anos felizes. Eu tive um 7 de setembro que foi o melhor da minha vida. Nossa
vida era boa, não tínhamos maldade. Aos sábados e domingos a noite nos
reuníamos com os primos e brincávamos da brincadeira do anel, de roda de
macaca, tudo era sem maldade. Eu tinha 15 primos, além das primas, como se
diz, era cada qual no seu quadrado, todos se respeitavam e agiam sem
preconceito.
3

Mas, as duas famílias ficaram intrigadas (sem um bom relacionamento e


sem se falar) cheias de preconceitos, não gostavam de negros e éramos
orientados para tratá-los como capetas. Os Marques não eram racistas. Ela foi
criada por uma tia irmã da mãe (mãe materna) e o marido dela desde os 9
meses e 21dias de nascida, teve uma infância linda e tudo de bom ocorreu, até
uma babá que o casal providenciou. A tia materna deu a ela tudo que uma
criança poderia ter.
O casal não teve filhos, eles decidiram não ter filhos. Eles tinham terras,
gado e ouro. Hoje, uma vida que eu tenho na lembrança, aos 4 anos de vida
me recordo que queimei a mão direita no mingau de leite, até chegou a mudar
de cor ficando escura.
Sobre o sítio, surgiu uma mulher da cidade grande que se interessou em
comprar o sítio, ela fez intrigas com o meu pai que era analfabeto total sem
nenhuma escolaridade, ele acabou vendendo o sítio que era bem grande, e
tinha até moradores. Eu recordo do nome dos 3 moradores: Avelino, Manuel e
Ezequiel. Por fim, meu pai vendeu o sítio a preço (barato) de banana para
comprar um sítio menor. Ela também lembra o dia da mudança, tinha apenas 4
anos de vida nessa época.
Nessa mudança minha babá levou uma panela feita de jarro com uma
plantinha nominada Eu e Ela na cabeça e o gato em cima do carro que era
aberto. Fomos morar na casa nova do sítio que tinha o mesmo modelo da outra
na frente com 2 portas, uma porta inteira e a outra partida, era uma casa nunca
teve janela. Ela nos criou bem, nós tínhamos fartura e nunca passamos fome.
Tínhamos grandes tambores de farinha e latas com feijão, no canto da casa em
uma tabua tinha queijo. Além de muitas galinhas no terreiro, uma vaca de leite
que ordenhava de junho a dezembro todos os anos. O leite era o nosso jantar.
Também tínhamos carne assada, cuscuz de milho moído pelo meu pai em seu
moinho aos domingos.
A cidade nessa época era vila, meu pai levava 10 mirreis que era
bastante dinheiro para feira e trazia, 2 quilos de carne, 1 peça de toicinho, 1
rapadura, 1 quilo de café para torrar, ½ quilo de arroz, o troco era uma compra
de broa para mim.
Eu ficava contente, para mim era beleza pura (estado de felicidade),
estudava, brincava e era feliz. Por mais que não tivesse brinquedos, a sua
boneca era de sabugo de milho, ela teve apenas 1 boneca de pano que era
linda. A sua infância foi linda, as crianças brincavam de panelada (panelinhas
de brinquedos com comida).
Ela fazia algumas coisas de casa, seu pai colocava o feijão no fogo e
saia para o roçado. Eu brincava de boneca enquanto o feijão pegava fogo, isto
tudo aconteceu na realidade após a morte da minha mãe adotiva. Minha tia foi
minha mãe adotiva, desde o dia que minha mãe foi sepultada, eu estava
apenas com 9 meses e 22 dias de nascida, meu pai chamou minha tia e disse:”
toma essa menina e cria”. Fui levada como diz o cantou Teixeirinha, por uma
mão santa. Assim, ela me deu tudo há 43 anos atrás, eu tinha mais 6 irmãos.
4

Meu pai casou após 3 meses de viúvo, meus irmãos sofreram muito com
a criação da madrasta, eles trabalhavam dia e noite, faziam chapéu de palha
de canavieira, meu pai ficou pobre de Jó porque tudo que ele tinha, gado, ouro,
ele gastou com jogo e prostituição.
Ele tinha apenas um pedaço de terra e 6 filhos, eu nunca o pedi nada.
Ele ainda queria que os filhos chamassem a madrasta de mãe. Lembro bem,
tinha 7 anos de idade quando ele me levou para extrair 4 dentes, desde então,
nada mais foi bom como antes.
Parece que o senhor todo poderoso mandou seu anjo ver se a menina
estava bem, se ela brincava e estudava, se era muito feliz, mas, não a mãe
adotiva dela. Sua mãe adotiva bateu as costas na porta e se machucou de uma
forma que virou um carroço de sangue, ela tinha uma sobrinha no distrito de
Massapé que a família trouxe para Fortaleza para acompanhá-la após cirurgia
nas costas, mas a doença voltou.
Do mesmo jeito, ela foi para Sobral e fez uma nova cirurgia, após 3 anos
a doença ressurgiu e ela decidiu não mais cuidar, com pouco tempo ela
morreu. Assim, a serva de Deus perdeu suas 2 mães. O Senhor todo poderoso
mandou um anjo, ele rondou toda terra e voltou e disse, sua serva não está
nada bem, ela perdeu a sua mãe e está só com o pai adotivo, ela é apenas
uma criança.
O Senhor disse: Nada toque nela. A vida da menina mudou de feliz para
conflituosa. O pai adotivo, Zé casou-se novamente com uma viúva prima da
menina. Ela tinha 2 filhas e com isso, senti minha vida caindo terra abaixo,
percebi com isso, que não era mais dona de nada.
Eu passei a ter apenas o direito a ter um lugar para a rede e dormir, eu
sentia que era como uma pedra no sapato, passei a viver na casa de parentes
aos 12 anos, mas o senhor mandou seu anjo ver sua serva. O anjo retornou ao
Senhor e disse: a sua serva não esta nada bem, a cada dia ela sofre mais, esta
trabalhando na roça. Ela faz muitas coisas, farinhada, catava castanhas. Eu fiz
de um tudo, mas, nunca matei ou roubei.
Só senti muita tristeza porque estudei apenas 4 anos de vida, e não era
na cidade, com a morte da minha mãe, parei de estudar, embora meu pai fosse
muito bom, ele não me deu opções. Não tive uma mão que me guiasse na vida,
fui criada naquela época na serra igual a índios, sem muita instrução, por
exemplo, as pessoas vestiam uma roupa na segunda e tiravam só no sábado
para lavar apenas uma vez na semana.
Até peças íntimas, quem tinha 3, era considerada rica, tudo era bem
difícil, mas, assim como o Brasil é guardado, eu fui e sou porque sempre Deus
esteve em tudo que faço, creio que tudo está bem. Assim eu passei de criança
para adulta muito rápido e com muitas curiosidades e dificuldades.
No dia 15 de agosto de cada ano é uma data festiva católica no distrito
de Massapé, onde todos na serra saiam. Era uma boa data, meu legítimo
morava lá, ele e a sua irmã iam ver o forró que acontecia pertinho. Eu mesma
tinha um paquera, surgiu um moreno que foi criado pela minha tia adotiva. Ele
5

olhou para mim e ao perceber o que eu passava propôs fugirmos, aquilo que
eu passava ele considerava que não era bom e nem era um lugar bom para
mim viver, se pelo menos minha mãe fosse viva, ele argumentou porque
aquele local da festa era um bordel de prostitutas, eu não sabia nem o que era
bordel e fiquei bastante triste.
Outro dia a irmã desse rapaz me levou para ver um jogo de futebol num
local, logo perguntei se não era um cabaré, ela ficou com raiva, não entendeu
porque perguntei aquilo. A família do meu pai de sangue era pobre, meu pai
tinha noção e criatividade, mas, nunca trabalhou e casou com a minha mãe
que era rica por ter gado, terra, ouro, casa e sítio.
O meu pai era mais novo 10 anos que minha mãe. Ela casou aos 27
anos e ficou na vida esfarrapada de pobre. E morreu no dia 24 de dezembro
aos 37 anos, após a sua serva ter nascido aos 9 meses e 22 dias de vida. O
pai dela a deu a uma cunhada que a criou com todo carinho, meus irmãos
foram criados por meu pai e a madrasta e os avôs paternos, eles não tiveram
infância, eu já tive uma infância com saúde e fartura, nunca passei fome. Vivia
de sonhar com o rio e era tudo de bom, amava meu tio e pai adotivo.
Eu era considerada uma princesa, comparando, eu tinha o sol e a lua,
mas meu pai vendeu o sítio, não recordo de muita coisa, só sei que tive de
trabalhar para me vestir. Aos 12 anos a vida foi pesada ao ter que viver nas
casas de parentes. Nessa época me apaixonei e comecei a namorar, levava a
vida no pagodinho. Muitos outros que passaram na minha vida, sempre foram
tristes partidas.
Só queria era viver uma vida bela, ir para a missa aos domingos com
meus primos e primas, brincar de roda, de passar o anel, brincávamos sempre,
mas teve um dia que quase morri, perto de ir para casa, já estava escurecendo
quando cai numa pedra no rio e cortei a sobrancelha, até hoje tenho uma
cicatriz dessa queda.
Tinha também algumas primas que tinham certa inveja de mim porque
eu fui uma garota muito bonita e também, muito sapeca, os engraçadinhos não
brincavam comigo porque eu batia de frente. Atualmente, eu sou tida como
valente, meu pai me ensinava o acompanhar e dizia: filha me acompanhe com
o bem que você tornará melhor que eu. E se acompanhar o lado ruim se
tornará ruim.
Hoje meu pai esta no céu junto aos anjos do Senhor me rodeando, eu
sempre fui e serei, mais ou menos, boa mesmo, apenas de Jesus. Como já
citei antes, fui muito feliz e toda fofoca tem que ficar no silêncio porque nem
tudo deve ser dito, não vale a pena. Fiz de um tudo, cuidei de gado, de
jumentos, cabras, plantei e tirei dos matos para dar de comer aos animais.
Minha mãe me deu 1 vaca que deu 2 crias fêmeas.
Contudo, vende todo o gado por 100 contos de reis, na época não era
nem R$ 100,00 reais. Não tive alternativa, naquela época tudo parecia tão
difícil, era muita pobreza. Embora, isso ocorresse, o troco da rapadura ainda
era para a princesa.
6

Aos 16 anos eu era muito bonita e votei pela primeira vez, o meu
candidato e elegido foi o Sr. Francisco de Almeida Monte, que se manteve até
1954, na época de eleições existiam festividades e tudo era belo, era servido
comida, existia fartura, carne de boi para todos.
Naquela época a sua família já era dividida, uns queriam ser maiores por
ter um pouco mais de condições de vida e eram racistas, não gostavam de
negros, eu entendia tudo, mas, era como meu pai me ensinava, sombra e água
no pote, ou seja, paz e silêncio.
Eu era jovem e analfabeta, mas, comecei a perceber a maldade das
pessoas. Todos na cidade se casavam com elo civil, nossa cidade era brega,
só existia uma entrada no pé de uma grande pedra.

De bom mesmo, apenas a igreja, de cor branquinha, perto do rio. A


padroeira era a Virgem da Conceição. Nessa igreja fui batizada, fiz crisma e
primeira comunhão, e também, foi nessa igreja onde dei um passo errado no
dia 08 de dezembro de 1954.
7

Tudo parecia lindo, mas, ao casar e ir morar com meu companheiro


numa casa com portas de palha de palmeiras, de móveis só tinha uma mesa
de madeira que meu pai me deu, de panelas era 2 de barro, 2 pratos, 2
colheres e 2 copos que todos os dias tinha que arrear (lavar e lustrar o aço)
isso me cansava porque criava ferrugem. Não tínhamos sabão líquido ou em
barra, se quer esponja de aço, lavávamos com esponja e areia.
Trabalhávamos fazendo vassoura e chapéu de palha de folha de
carnaubeira. As roupas para vestir só eram compradas uma vez ao ano. E
carro não existia nem dos parentes, nem se quer carro de mão... Andei de
carro pela primeira vez aos 14 anos quando fui para Sobral visitar a mãe de
Jesus a Virgem de Fátima. Quando pensei em escrever minha história de vida
imaginei que seriam 2 livros que constam muitos detalhes que me marcaram,
seria mais páginas, mas, não vale a pena citar coisas ruins.
Então, no ano de 1958 o Nordeste passou muita fome, todo o plantio
morreu, muita gente foi embora, para outras cidades, tinha um senhor que todo
ano levava uma família diferente embora para o Amazonas, eram iguais os
escravos, quando chegavam ao seu destino, ficavam devendo até a alma.
Do mesmo jeito, nós saímos da Meruoca, serra, no dia 27 de dezembro
de 1958, fomos de pau de arrara até Fortaleza, onde ficamos em um hotel
localizado de frente a cadeia pública, vizinho a Santa Casa de Misericórdia e
praça do Passeio Público. Nós recebíamos enquanto aguardávamos o dia da
viagem todos os dias, almoço e janta, dormíamos com 2 duas prostitutas e
seus 2 filhos no mesmo quarto. Todos os dias essas mulheres se arrumavam e
saiam para o cabaré.
8

Eu era matuta e pergunta certas coisas e elas respondiam comentando:


mulher como pode você não saber de certas coisas. Era uma moça branca e
uma morena, elas gostavam da minha filha Fátima, uma delas me alertava para
não deixar a outra pegar na menina porque ela estava com doença venérea.
Toda manhã e tarde eu saia para a calçada com as duas crianças.
Saia na calçada com as crianças até certo dia ser confundida com uma
prostituta também, logo chegou uma das prostitutas e disse: você esta falando
com uma senhora casada que esta hospedada aqui. Eu era uma moça bonita,
só era maltrapilha (sem condições de vestir bem) e brega.
Diariamente, saia da cadeia de frente 2 caminhões lotados de
presidiários para irem construir o presídio de Itaitinga, naquela época o
Governo atuava 100%. Se fosse na atualidade assim, o ladrão sairia da cadeia
com diploma, pois não gastariam tanto assim para educa-los.
Atualmente, no espaço onde existiu a cadeia hoje só existem lojas. E a
feira de verdura acontecia na praça da estação de Fortaleza. Todos os dias
tínhamos que nos apresentar num setor, não sei explicar se aquilo era algo do
Governo para as famílias. As famílias ganhavam uma viagem até Belém do
Pará. Até que chegou nossa vez, fomos embarcados num navio junto com
pessoas que eu não sabia direito a nacionalidade, se eram franceses ou
italianos.
O anjo do Senhor rondou o mundo novamente, foi do interior a capital e
disse: não toque nela porque muito tormento acontecerá com essa serva. Aqui
iniciou uma vida de tristeza na mata. Aqui também inicia 2 volumes de um
grande desafio.
Saímos de Fortaleza onde estávamos na frente do presídio e fomos
morar na mata durante 6 anos e lá tive 4 filhos, cheguei lá com uma mão na
frente e outra atrás, literalmente, sem ter nada. Foram 6 anos de vida perdida,
a cada dia eu ficava mais brega, a viagem foi terrível, saímos do Ceará dia 06
de janeiro de 1959, chegamos a Santarém depois de 6 dias num navio, mas,
parou e ficou em Belém, não sei explicar porquê.
Em Santarém tinha uma pousada destinada a todos os indígenas e
nordestinos, contudo, nós passamos 9 dias nesse local até outro navio nos
levar para Sirigal. Lá nos fazíamos comida e lavávamos roupa no rio Solimões
de encontro com o rio Negro. Nessa época eu fui à cidade levar Maria de
Fátima no hospital com sarampo, ela só tinha 10 meses, era linda, aconteceu
nessa época uma epidemia de sarampo.
Algumas pessoas que tiveram sarampo morreram. Um desses homens
que também estava lá, de nome Amadeus, ficou sepultado em Feijó, já Fátima,
minha filha, ficou nas areias do rio Juruá. Vocês podem imaginar como é uma
mãe ter que sepultar no barranco de um rio sua filha...assim eu me vi saindo do
Ceará o lugar que eu nasci para ir morar em outro estado e ser mais triste do
que eu já tinha sido.
O anjo do Senhor novamente desceu até a terra e viu tudo que a serva
do Senhor estava passando. Nesse dia eu decidi ir morar na mata, comer tudo
9

da mata e conviver com todo tipo de animal como, macaco, anta, veado de 2
raças, porco, tatu, papagaio, a vida iria ser mais triste do que no Ceará.

Na aldeia de índios não existiam doenças, mas, surgiu a malária. Só que


o anjo disse: a tua filha Senhor já passou por muita coisa em sua vida, ela tem
ainda tem fé, não permita tocarem nela. O senhor proferiu: não toquem nela.
Fiquei 6 anos na mata, lá era um trilho de linha do seringal onde
chegava café, açúcar, sabão, pólvora e outras tralhas. Eu não disse que o
Ceará era brega, lá era 10 vezes mais. Parecíamos porcos no chiqueiro, as
roupas eram sempre sujas, era só desgosto.
Lá não existia nenhum lazer, apenas um ritual que eles faziam uma
dança e bebiam uma bebida chamada cipó que gerava alucinações, quem
tomava se via em outra dimensão, parecia algo tipo maconha.
O anjo do Senhor veio novamente e viu como era a vida da serva na
mata, lá ela teve 4 filhos e ainda voltou para o Ceará grávida do quinto filho.
Seu aprendizado foi cruel. Eu não entendo se fui feliz ou não porque só tinha
23 anos, no Acre choviam 10 meses e existem inúmeros tipos de insetos.
A pobreza era grande, embora tudo que faltava dava como, cana de
açúcar, banana, milho, arroz, até amendoim, limão lima, abacate e o fumo
(tabaco). Realmente, eu não sei dizer se eu era feliz, aprendi a fazer muita
coisa que as mulheres acreanas faziam tipo, pescar de anzol. Quando saia
para pescar o meu filho mais velho ficava olhando os menores, o mais novo
não pegou o hábito de chupar bico, ele sugava o lábio inferior, já outro filho era
rebelde, jogou o bico no fogo, assim o filho mais velho colocava açúcar na boca
dele para o mesmo não chorar. Parece que a vida na mata era igual ou pior do
que no Ceará. Fiz grandes amizades, cheguei até ser parteira por um dia.
10

Mas, chegou o dia que voltei para o Ceará, senti uma tristeza da partida,
pensei que as coisas seriam melhores, mas, as coisas piores estavam por vir.
O anjo rondou novamente a terra e desceu e viu que a serva do senhor estava
triste, naquele tempo ela estava pior do que na época que foi vendida por 12
contos de reis e voltou para o Ceará sem um teto, sem uma casa, passou a
viver de favores com os 4 filhos e grávida, tudo parecia pior.
O pai das crianças fez besteira em ir para o Maranhão, enquanto e as
crianças estavam em Sobral e voltávamos para a serra, nesse período minha
filha de 4 anos morreu ainda na cidade. Tudo era difícil, sem dinheiro, a única
ocupação era fazer chapéu para sobreviver morando na casa de uma cunhada
que residia na serra de Meruoca, Ceará.
Com isso, o anjo do Senhor veio novamente ver como estava à serva,
ela estava sofrendo muito. Ela mesma não sabia o que era bom ou ruim, igual
as amigas que nunca iam a missa, barriga cheia e cabeça vazia, saiu do Ceará
para uma aventura, até parecia que a sua serva não tinha mais religião. Mas,
vivi, não sabia que o Senhor ordenou não tocar em mim. Minha vida foi
guardada novamente pelo Senhor. Saímos do barracão do seringal, lá era
terrível, logo arrumamos outra barraca onde passamos a noite, no dia seguinte
fomos para outro barracão de nome colocação do Antônio Vicente Guerra.
Esse barracão era realmente de um rapaz chamado Miguel, de lá fomos
para o lugar que moraríamos de nome “buraco”. Nesse lugar ficamos com um
moreno chamado de Valto, até que fosse construída a nossa barraca a beira de
um igarapé. Tudo era novo novamente, porque tinha Deus, também, meu irmão
já morava com a gente. Lá já tinha banana, até os macacos vinham comer,
tinha também um pé de café que na primeira safra colhemos 20 quilos de
caroços, tudo voltou a ser fartura, só que eu não sabia o que era felicidade na
vida.
Da barraca que morávamos até outra, era uma hora de viagem no meio
da mata, não tínhamos alternativa a não ser essa, viver isolados. Ainda
tínhamos que passar uma ponte por cima de um tronco de madeira de 2 metros
de comprimento com borracha sob as costas, uma parte ia para morada do
meu irmão para ser vendido.
O anjo veio novamente e viu a dificuldade enfrentada pela serva ao viver
na mata, ela não tinha outra saída a não retornar para o Ceará e viver na
mesma pobreza. O retorno para o Ceará foi longo, ela passou por Belém a São
Luís de avião. Chegando nesse último ponto as entradas estavam bloqueadas
devido um grande inverno e muita lama, foi Deus que nos passou nos braços
para outro ônibus. Todo esse trajeto foi enfrentado com 4 filhos e grávida sem
nenhum recurso financeiro, vocês podem imaginar que angustia que eu
sentia...
Existem coisas que passamos na vida que nos envergonhamos de citar
porque é reviver todo um sofrimento duas vezes, meu pai sempre falava que eu
não citava tudo, pois eu tive vida até os 15 anos, mas, após a morte das
minhas duas mães tudo mudou. Eu estava cansada de sofrer, vivia de favor,
11

depois vivi no mato... Na verdade eu era livre como um pássaro, eu era feliz e
nem sabia... Só faltava uma coisa que eu não me dava conta, fui muito
mimada, sentia falta disso e também fui muito rebelde por isso, vivia sempre
arriscando.
12

CAPÍTULO II

Existiam muitas pessoas falsas ao redor da serva do Senhor, da própria


humanidade até os dias de hoje percebemos esse tipo de maldade, existem
muitas pessoas racistas e egoístas, cito isto, por que na minha família existiam
pessoas negras que foram tratadas como trastes, eu nunca pensei em tratar as
pessoas de forma inferior por causa de um tom de pele, todos somos filhos de
Deus de modo igual. Não adianta estudar e não ter cultura e entender que
somos todos iguais, não era preciso eu ter estudado para compreender tudo
aquilo que acontecia ao meu redor.
Passei por muitos conflitos durante a vida, não tive como fazer o
colegial, mas, apesar da rebeldia, Deus me fez serva do Senhor. Sempre agi
com humanidade, meu pai sempre me ensinava a me contentar com o bem,
que é o bom, porque não podemos nos igualar ao que é ruim.
Assim, quando fui crescendo, em meio desses conflitos, fui percebendo
que no meio de rosas nascem espinhos, e grandes aventuras foram surgindo.
Nessa época o anjo veio ver a serva do Senhor e percebeu que ela estava
confusa, não podia estudar, apenas trabalhava para se vestir e calçar.
Ganhava por todo seu trabalho ao sol apenas 1 cruzado, equivalente hoje a R$
0,40 centavos ou teria que fazer chapéu de carnaubeira dia e noite ao claro de
uma lamparina.
Como citei, tinha apenas 15 anos, o anjo do Senhor permitia que eu
cantasse e brincasse. Nessa época, eu estava de paquera com os primos,
mas, nunca namorei nenhum deles. E eu saia para me distrair nas grandes
festas das igrejas católicas, era um tempo bom. Em 1951, meu pai adotivo
casou-se novamente e eu me percebi sobrando na família, me sentia um peixe
fora d’água, dali para frente à serva nunca mais sentiu o que era ser feliz
plenamente.
Casei-me aos 17 anos, fui mãe aos 18 anos, vive uma vida de casada
sem noção, não tinha noção das coisas, sem nenhuma instrução, sem
criatividade, me sentia brega. Meu parto foi difícil, confesso, tive o primeiro filho
aos 18 anos, no dia 08 de novembro de 1955.
O Senhor mandou o anjo ver a vida da serva, viu que o sonho dela o
vento levou, ela sonhava em conviver com quem a amava, mas, isso não
aconteceu. Eram muitas problemáticas e dificuldades enfrentadas, em nossa
terra pobre existiam muitas intrigas, uns e outros queriam ser melhores.
Aos 22 anos, eu já tinha 3 filhos na grande serra e a diversão era o rio
que separava as terras em família, tudo era dividido, de um lado ficava uma
família rica e do outro lado a família Marques onde sempre existiam grandes
confusões, esses ainda eram mais ricos. Eles tinham até empregados nas
roseiras e nas casas de farinha onde tinham engenho de cana de açúcar.
Nós trabalhávamos em tudo, a vida de escravo e índios era difícil,
tínhamos que trabalhar para ter algum dinheiro, a vida no interior era bem
13

difícil. Atualmente, a vida nos interiores evoluiu muito, graças aos grandes
governantes, o povo se tornou um pouco mais educado.
Entretanto, Deus mandou o anjo ver como a serva do Senhor estava
após 6 anos, depois do que ela tinha passado na serra e na mata, até viver em
Sobral na casa dos outros, a vida era difícil, ter que acordar para pegar água,
fazer chapéu de palha e viver sem amor...Não se vivia, na verdade, se
vegetava.
Aos 30 anos, eu refletia que a vida não estava sendo vivida como eu
sonhava, eu não pude ser educada por ter aquele itinerário, eu ainda era do
século passado sem cultura e brega, mas, eu queria bem mais. Nessa época
grávida e sem um teto, o anjo do Senhor veio novamente ver as condições da
serva. Perdi uma filha com 4 anos e mais 2 ainda mais novos com dias de
nascidos para a malária, além de verminoses. Nessa época, também fiquei
doente e precisei ser internada em um pensionato comparado a uma UPA nos
dias de hoje. Depois ao sair de lá fui morar com uma cunhada em Sobral com
mais 12 pessoas.
Nessa época ainda tive outro problema de saúde, de um cisto no braço,
tive que fazer uma cirurgia a qual eu não tinha 4 contos de rés para a
anestesia. Assim, a cirurgia foi a sangue frio (sem anestesia).
Depois eu também tive um problema ginecológico de uma raladura no
útero. Eu consegui passar por tudo isso! A médica me orientou tomar
anticoncepcional para que pudesse ter um pouco de paz, mas, eu também não
tinha amor e carinho do meu companheiro, o que era pior, além de faltar algo
para ocupar a mente.
Sai da serra e fui morar de aluguel em Fortaleza, tudo era difícil, com 4
filhos faltava leite e muitas coisas básicas. Ainda grávida, tive que ter uma bebê
com 8 meses que veio com alterações genéticas, os dedos das mãos eram
grudadinhos, ela só viveu 8 dias. Na época o hospital não dava muita
assistência, eu mesma me alimentei por conta, tive uma hemorragia e quase
morri.
Mais uma vez veio o anjo do Senhor veio e proferiu: Não toque nela. O
Senhor via tudo o que a sua serva passava. Foram ainda 4 dias sentindo uma
dor terrível no estômago que não passava com nenhum remédio. Uma vizinha
trouxe um chá que não sei bem do que era e tomei, em menos de 1 hora já
consegui voltar a comer. Já tinha se passado muitos dias que não conseguia
comer nada sólido, apenas líquido.
Foi um tempo bem difícil, com 5 filhos sem poder trabalhar e comprar
nada, morando de aluguel, faltava tudo, da alimentação a roupa e calçados.
Não conseguia pensar em mim, apenas nas crianças. Na feira de alimentos, eu
quase sempre se comprava goma de mandioca, peneirava e fazia farinha para
merenda (lanche) das crianças para elas não irem para escola com fome. A
cada dia que se passava não via saída, mas tinha fé.
Nessa época mudei de casa mais uma vez, aliás, morei em 8 casas até
que enfim, comecei a morar na casa a qual resido hoje há 40 anos. Mais uma
14

vez o Senhor enviou o seu anjo para ver como a sua serva estava. Então, na
casa para qual eu mudei novamente, era na verdade uma barraca muito
pequena estava sem água e existia apenas a da chuva, também sem luz,
existia apenas a luz da lua. Não existia asfalto, só existiam 3 ônibus que faziam
a linha. A vida da sua serva estava como a onda do mar, dava para onde a
maré levasse, parecia repetitiva e sem saída. A educação naquele bairro era
precária, para sair de casa e ir deixar as crianças na escola era com
dificuldade, tinha 2 filhos que estudavam na cidade de Fortaleza, Ceará.
A filha mais velha de 9 anos teve de passar 1 semana com uma tia que
morava mais perto da escola onde estudava para evitar gastos, para não ficar
longe, ela saia no domingo para tia e retornava no sábado seguinte. No ano
posterior as coisas melhoram um pouco, comecei a fazer feira (vender coisas
que produzia), no espaço onde atualmente é o terminal da parangaba, meu
salário era 10 cruzeiros. Depois eu comecei a fazer feira (vender) em frente ao
atual hospital Frotinha da parangaba, antes era um terreno de frente
abandonado.
Também consegui um trabalho para o meu filho. Tudo foi seguindo um
caminho e se reerguendo. Mas, faltava o principal, a parceria e compreensão
de um casal. Ele parecia que era sempre contra o filho mais velho que terminou
o 2º grau com muita dificuldade e logo conseguiu um emprego num mercantil
chamado São José. Na verdade, esse meu filho queria ser policial, mas, com a
falta de condições deixou os dentes estragarem, foi ao dentista que o
convenceu a extrair todos os dentes. Hoje, isso poderia ser evitado, perder
todos os dentes e uma má orientação como à desse dentista o faria ser punido.
O anjo mais uma vez foi enviado para verificar como a serva do Senhor
estava. A vida financeira dela ainda era precária, parecia de mal a pior. Os
seus filhos cresciam e precisavam de muitas coisas as quais ela não tinha
como dar, precisavam do básico. Como dói uma filha pedir uma peça íntima e
não ter condições de comprar. Nem poder dar um livro, uma caneta, um
caderno, essas coisas deixam qualquer um triste. Não tinha nenhuma opção,
uma mãe com 5 filhos, (2 meninos e 3 mulheres) e a cada dia a necessidade e
vontade de preencher um vazio interno por dentro. O pior em seu casamento
era que faltava amor e compreensão.
Podem imaginar como é ser numa cidade uma mãe sem condições,
analfabeta, querendo dar o melhor para os filhos sem apoio de ninguém...Me
sentia um pano de chão (inútil). Além disso, era traída dentro da própria casa
sem poder falar nada. O pouco que se ganhava (10 cruzeiros) não dava para
viver com os filhos em outro lugar, o teto ainda era o essencial para viver.
Mas, tudo mudou, o Brasil evoluiu, antes era terrível ter que comer a
mesma refeição de segunda a domingo, dia após dia...Já imaginaram, ver os
filhos pedindo um pão com lágrimas nos olhos e não ter como comprar?! Não é
vergonhoso, mas, é nó mínimo triste.
A minha vida mudou quando uma conhecida me indicou e convidou para
vender algo como autônoma, era a revista da Avon cosméticos. Isso parecia
15

diferente e foi algo que deu certo, logo ela e a filha vendiam e recebiam 100
cruzeiros por semana e ganhavam 15% desse valor. Com isso, logo
começaram a investir, comprar e vender peças íntimas também. Nesse mesmo
período, um de seus filhos foi para a marinha do Brasil, mas, só conseguiu
seguir 3 anos e pediu baixa.
Outro filho começou a trabalhar num grande supermercado de nome
São José, toda manhã tinha que fazer o almoço dele cedinho para ele levar.
Nessa mesma época, ela já vendia não só a revista Avon e as peças
íntimas, mais também, a Natura cosméticos. Com o tempo se passando,
conseguiu ser proprietária de uma cantina de lanches. Atualmente, continua na
ativa, ainda confeccionam tapetes e almofadas para vendas.
Com o tempo, consegui muitas coisas, sempre com altos e baixos, eu
vivia sempre com fé e perseverança no Senhor. Eu queria poder dar o melhor
para meus filhos, ter uma casa, até isso Deus permitiu essa graça (benção).
Não é bom relembrar, mas, ante as benção é sempre bom fazer uma
retrospectiva das dificuldades passadas para valorizar o presente. Como já citei
anteriormente, cheguei à capital como num beco sem saída, sem teto, com 5
filhos e sem um parceiro compreensivo. Tudo que tive na infância de bom se foi
quando o papai casou-se aos 59 anos e tudo que ele tinha, com a idade,
perdeu, foi como se o vento tivesse levado tudo. Ele sempre foi um pai
amoroso, sou o que sou porque ele me inspirou o caminho do bem e da
perseverança.
Revendo o passado na cidade de Sobral, era sempre a mesma rotina de
sofrimento da serra e da cidade do Acre, como já citei tudo era difícil e de
extrema necessidade. Sair do mato para vir viver numa cidade grande com 4
filhos e grávida foi algo descomunal. Não se tinha saúde, nem dinheiro. Foi no
ano que Luís Gonzaga, o grande sanfoneiro aos 65 anos lançou a música
“triste partida”. Nesse tempo no Acre sentia como se não vivesse, apenas
vegetava.
Faltava muita coisa, o Senhor vendo o sofrimento, permitia que o básico
na terra nascesse, mas, a sua serva ainda não sabia se era feliz. Mas, o
Senhor permitiu eu ir embora do Acre para cidade grande com os filhos
pequenos, que depois todos os 4 filhos foram batizados. Eu não sabia o que
era felicidade. Com o passar do tempo, atualmente, vim perceber que a
felicidade é de várias cores e tons.
No próprio Deus e nos outros, pude perceber que o Senhor envia
sempre seu anjo para ver a sua serva. Mesmo com tudo difícil, uma vizinha
enviada pelo Senhor me disse, vamos vender Avon, eu e minha filha topamos e
foi tudo se organizando e dando certo. Depois iniciamos as vendas de Natura,
além das peças íntimas. Um filho foi trabalhar na marinha. Outra filha estava
noiva. Mas, mesmo assim, faltava algo. Tinha uma pessoa do lado e ao mesmo
tempo esse me faltava, não conseguia fazer nada, apenas sofria e chorava
calada.
16

Em alguns momentos até ficava brava com isso tudo que me acontecia,
mas, era por que queria viver aquilo tudo que passou como um filme idealizado
na minha mente com um som de fundo musical tudo lindo que nunca
aconteceu. Sempre esses pensamentos ressurgiam buscando uma realidade
que nunca existiu. Com o trabalho, a mente se manteve um pouco ocupada,
mas, isso ainda era muito forte, ainda pensava nessa terrível realidade por que
era o que eu vivia, existia para servir os outros e nunca me sentia lembrada.
Sempre servi e nunca me senti servida, quando saia com ele era para
visitar pessoas desconhecidas, entretanto, não tinha opção. Ou para ouvir
cantorias, coisa que detestava. Ainda bem que eu com quase 50 anos viajei
bastante, só que a trabalho, não por diversão.
Mais uma vez o Senhor enviou seu anjo para ver a realidade que vivia a
sua serva. A vida dela estava um pouco melhor, mas, parecia à mesma rotina
de sempre, trabalhar e tentar viver dia após dia. Deus disse: tudo mudará, não
permita que nada toque nela. Ela queria pouco, apenas ser agradável, não era
ser rica, era apenas ter um trabalho e ser uma mulher independente dona de si,
que pudesse comprar o que desejasse.
Atualmente, hoje vivo e me sinto assim, mas, foram muitas experiências
dolorosas até chegar aqui. Deus me permitiu novas oportunidades, aprendi a
fazer muitas coisas que nunca pensei. Até me expressar melhor, Ele permitiu
me moldar, conhecer pessoas educadas e conversar e observar como essas
se portava, até nas reuniões de colégios. Observava como as pessoas
tratavam as outras. Por exemplo, era tudo Sr. ou Sra. as formas de tratamento,
eu como muitas mães, sem a presença de um pai que inspirasse os filhos,
consegui educar as minhas crianças. Atualmente, para as novas famílias
existem bastante meios de educação, mas, isso não tem sido valorizado.
Hoje posso dizer que estou quase onde eu sonhava. Dar uma vida
melhor para os meus filhos, só consigo pensar que tudo tenha passado. Mais
uma vez o Senhor enviou seu anjo para verificar a vida de sua serva. A vida
dela depois de passado 50 anos estava quase como ela tinha sonhado, mas,
ela agora pensa no que ela deixou de fazer em prol de arcar com a
responsabilidade que tinha assumido.
Assim, ela diz que vai viver o presente por que sempre foi boa
samaritana e quer fazer o que gosta. Hoje, ela tem opção de ouvir a música
que mais gostar como diz a música do Zeca pagodinho, “deixa a vida me
levar...” Ainda sim, o anjo observou que ela ainda continua triste e pediu a
Deus novamente para que nada a atinja. Tudo que ela quer nessa vida é ter
saúde e paz, por que tudo que se passa sob o sol é mais suave quando se tem
um Deus vivo, tudo desde a infância mudou várias vezes, dos tempos bons
com a mãe, aos tempos sem a mãe, adolescência e tempos de casada com
seus filhos e o duro sofrimento.
Atualmente, o destino a pregou uma peça, ela não esta bem de saúde.
Mesmo assim, ela continua com fé no todo poderoso, a compreensão de
muitos seria ótima para ela. Ainda com a saúde abalada, compra e vende,
17

continua na ativa. Para chegar a onde ela esta foi um caminho difícil. Nos
tempos difíceis não existiam as drogas, consegui criar 5 filhos com muito
tormento mas, dei muito amor. Tentei fazer o melhor, com o tempo, os filhos
voaram feito pássaros.
Alguns filhos não compreenderam as dificuldades e me atribuíram culpa,
mas, não foi falta de conselhos aos filhos, embora analfabeta e bruta, ela
ofertou o melhor educação que pode aos filhos. Tem alguns filhos que a culpa
por algumas faltas a deixa triste, os erros dos filhos também a entristecem, com
palavras duras, como já dizia seu ídolo, “Amado Batista”, o cantor. Embora
tenha sofrido tanto, nunca se corrompeu, nem matou e nem roubou.
De lá pra cá, muita coisa mudou, mas, ela ainda sente que tudo que fez,
continua como se correndo atrás do vento. Ela imaginava na velhice ao
aposentar que todo mês iria viajar, ela nunca tramou nenhuma briga, e isso, é o
que vem acontecendo. Parece que foi tudo em vão, ela não sente mais vontade
de viajar, nem ir à missa, nem praia ou cinema. Até falta vontade de trabalhar,
fabricar e vender. Ela ficou quase dando tudo a troco de nada. Ela ainda fala
com Deus, e pergunta por que ela tem que ficar retornando no passado e
revivendo tudo, se ela só quer esquecer.
Ela deseja viver o presente, ter saúde, paz, realizar os seus sonhos, e o
passado de fato é desejado esquecer definitivamente, mas, não consegue.
Imagem só, no passado dela aos 5 anos de vida não se via aviões, nunca se
andava de carro, a grande maioria não estudava, nem existia cultura. Hoje ela
conseguiu conhecer vários países e culturas diferentes através de livros que
leu. Ela sente que nasceu para vencer, o anjo do Senhor disse que ela é uma
grande mulher.
As coisas mudam, tem dias que se sente mais iluminada, assim como se
sentia quando criança na época de felicidade. Hoje o que a entristece são os
erros da humanidade, nem tudo podemos mudar, nem podemos voltar ao
passado e consertar os erros e nem mudar ninguém. Agora, ela antes de
dormir fica pensando na vida, na sua família e como é ruim ver uma família se
destruindo, nas drogas, na prostituição, nas intrigas, todos os esforços em
tentar ter paz e felicidade pelo menos na velhice vão descendo pelo ralo.
Mas, me conforto em Deus e tento me tranquilizar Nele. Sempre tento
fazer o bem acima de tudo, não esperar retorno por que o amor não pode virar
rotina e ter que se doar aos seus amados. Sinto vontade de fazer tour em
Recife e Brasília no mês de dezembro. Mas, desisti, o convívio com alguns me
abalou com os problemas. Só Deus sabe... Mais uma vez ele me enviou seu
anjo, ele percebeu que ela esta com pouca saúde, a rotina é a mesma e ela se
entristece, a sua vida sempre parece ter os mesmos problemas. Parece que os
sonhos dela não aconteceram e nem podem se realizar.
Hoje ela se orgulha de ter educado os filhos e todos seguirem o caminho
do bem. No passado sofrido, de cria-los com dificuldades, ela queria apenas ter
esquecido e não ficar revivendo. Hoje não gosto e nem discuto estando na
minha casa por 3 coisas, política, religião e futebol. Coisas desse tipo não
18

valem a pena discutir, ainda existem coisas que tentei combater ao longo da
vida na comunidade e não consegui ter resultado. Hoje fico brava com isso, me
sinto estressada, por que eu achava que nem tudo eu poderia falar e nem
muito menos jogar para o alto, e muito menos por embaixo do tapete. Também,
sabia e nunca encobri os erros dos outros. Nem fiquei em cima do muro, era
grossa e rude, o tempo e cultura ajudaram a me moldar.
A minha meia idade parece já ter ultrapassado, a velhice chegou, lembro
que antigamente, as pessoas mesmo as que se diziam católicas iam para
missa, não conheciam o evangelho da bíblia por que o padre ministrava a
missa em latim e de costas para os cristãos. Foi um tempo muito rígido e bruto.
Então era ignorante e brega por falta de informação, fui rebelde e falei tolices.
No entanto, nunca eu desejei o mal de ninguém. Hoje aos meus 85 anos me
sinto feliz por que muitos não tem esse privilégio de viver até essa idade, só as
pernas não estão tão boas, um beijo da brega matura para vocês! Rsrsrs...
Parece que absorvendo a cultura de hoje eu me superei, nunca tive bons
professores como hoje se existe. Deus me permitiu conhecer muita coisa e me
trouxe a felicidade. Atualmente, o povo não se educa por que não quer, não
sabem dar valor ao que podem tem. Hoje as pessoas parecem não valorizarem
Deus. Mais uma vez o anjo do Senhor voltou e percebeu que a sua serva esta
evoluindo, entretanto, ainda não chegou a onde sonhou, continua confusa
resgatando o passado. Então Deus disse: nada toque nela, na sua vida ainda
terão altos e baixos. Com o tempo ela percebeu que para viver em paz, ante
alguns conflitos para ter a sua paz, teria que se fazer de cega e surda.
Hoje eu trabalho, sou independente, livre, e sem dever nada a alguém,
só compro o necessário, me aposentei, não sou um peso para ninguém, eu vivi
e vivo para estender a mão às pessoas que têm dificuldades, retribuo por que
Deus me mandou gente para me dar abrigo e teto.
Com a idade, eu só tenho algo que não me permite andar como antes.
Estou fazendo exames e com fé em Deus, Ele diz que se a fé existe, nem que
seja do tamanho de um grão da areia da praia, ele move montanhas. Tenho fé
que Deus irá me curar. Sinto-me livre totalmente, embora hoje pense antes de
falar para não magoar ninguém, mas, foi observando o meu trabalho, faço
pelos outros, e na maioria das vezes, percebi que muitos não te dão nem um
obrigado.
Vejam vocês leitores, não é fácil vir e contar toda a sua vida para as
pessoas, um desabafo de uma vida no mínimo. Será que os leitores irão gostar
da minha história de vida...Bem, não estou escrevendo isso e esperando ser
aplaudida, cito minha história como a de alguns que precisa ser dita. Esse livro
também não é por dinheiro e sim, por um sonho de ser ouvida, quero deixar um
exemplo de vida aos meus, como uma lembrança também.
Surgiram muitos conflitos familiares que nunca esperei, desejei criar
todos os filhos e educa-los para ser bons, e o fiz. Desejei construir uma família
da qual me orgulhasse. Aconteceram muitas coisas que me entristeceram e me
fazem sentir-se confusa e doente. Há alguns dias refleti sobre vários remédios
19

que tenho que tomar, não gosto de ser mandada, a angustia me invade e nem
consigo escrever direito com a mente tão bagunçada.
O Senhor mandou o anjo novamente vir a terra ver como a sua serva
esta, ela esta bem confusa, não sabendo como seguir em frente, há muitos
dias ela esta triste, ela pedi ao Onipotente que tudo isso passe. Ela sabe que,
contudo que ela conquistou na vida, casa, salário, da para ser feliz. O Senhor
nunca a abandonou e a estendeu a mão no passado, a deu muitos livramentos
de outros males. Ela continua confiando em ti Senhor. Ela te agradece, embora
continue com esses problemas de saúde, continua lúcida, permanece tranquila,
mas, não suporta viver como se não tivesse mais utilidade.
Eu gosto de ser livre e não de ser mandada, não sei se sou apegada a
orgulho, não achem que eu não julgo para não ser julgada. Eu me criei livre
fazendo o que gosto. Tantas vezes eu tive que ficar calada, não para
desagradar, mas, fiquei submissa para evitar uma tragédia e ser uma boa
samaritana. Já ocorreram vários problemas para eu ficar em cima do muro
como, quando papai dizia: um negro não pode servir a dois senhores. Hoje
com a idade que tenho percebo a realidade onde vivo e seguir o mesmo trajeto
de vida é impossível.
O Senhor Deus me permita paz e saúde e só com isso já fico feliz. Eu já
fiquei fora do ar por 2 dias, não sei fazer nada com a cabeça quente (com
raiva). Hoje por aqui ocorreu um grande movimento, mas estou tranquila. De
vez enquanto me volta o passado de quando era criança no presente. Tudo
passa e tenho fé, agradeço por que posso dizer que estou rica e bela por que
quase todos os meus sonhos se realizaram. Deus mandou pessoas me ajudar
e hoje tenho gratidão e ajudo também. Por esse motivo tento ser uma boa
samaritana, ao longo da vida sempre tive saúde e força para trabalhar na roça
e na mata, nunca me senti cansada enquanto trabalhava com meus filhos
ensinando-os tudo que sabia. Meus dois filhos são iguais a mim, trabalhadores
e honestos.
Não compreendo por que hoje vemos tanta falta de amor e educação na
humanidade, as pessoas dizem que o mundo esta pelo avesso, na verdade, ele
continua como Deus fez, quem mudou mesmo fomos nós em cada geração.
Uns perversos e egoístas muitos fecham os olhos para ver a real humanidade.
Eu ainda consigo perceber a vida como boa, seria melhor se não houvesse
ódio e pessoas racistas, pois somos todos filhos de Deus. Considero-me leiga
e sem educação, se meus pais tivessem uma boa estrutura, seria bem
educada. O governo até tenta criar estruturas educacionais boas, mas, igual a
China e Japão não existe. Nós brasileiros tínhamos tudo para ser um país
evoluído, somos ricos de coisas naturais e sabedoria, criatividade, penso que o
Brasil poderia ser melhor se investissem serio nas nossas riquezas. Não temos
vulcões, nossos invernos são pequenos, e minha região Ceará mudou bastante
ao longo dos anos.
Antigamente, tinha desejado viver em outro estado, mas, fui passando
por essa experiência, como já citei, por um quase trabalho escravo percebi que
20

não precisava ter saído daqui. Também por que o Deus todo poderoso esta em
todo o universo, conforme a sua palavra, Deus não nos abandona nunca.
Podem tentar nos tirarem tudo, mas, a vida roda e gira muitas vezes para todos
os lados, para o bem e para o mal. Sempre tentei ser humilde, sempre tentei
lutar para dar uma vida melhor para os meus filhos, o destino foi cruel, tive até
que lavar roupas dos vizinhos para não deixar faltar leite para meus filhos. Por
um tempo só vegetei, vivia pensando que o mundo nunca mudasse, era uma
criatura que não entendia que o mundo estava conforme Deus o tinha criado.
Então, Ele fez com que eu tomasse grandes atitudes para mudar o rumo que
tomava minha vida. Era preciso estudar e trabalhar para que a vida mudasse, e
assim, dar a volta por cima.
Criei-me na ignorância, mas, depois de 30 anos, mudei, dou uma volta
no mundo a cada dia, mais brega estou, mas, melhor informada. Entendi que
não podemos viver sob pressão, devemos viver como desejamos, livres com
amor e paz, fazendo o que gostamos independente do que os outros pensam.
Cheguei a uma conclusão que eu faria tudo novamente se fosse para ajudar e
ser uma boa amiga. Sou feliz do meu jeito, vivo no meio da comunidade e com
minha família, tudo que quero, faço, tudo que preciso, compro. Hoje vendo e
trabalho e isso me faz viver. Estou apenas passando por um problema de
saúde.
Não estou na ativa como antes, isso me deixa triste, estou pedindo a
Deus com toda a sua misericórdia enviei seu anjo para ver como eu estou.
Estou o esperando para ficar ao de saúde. Tento fazer tudo, só não perder a fé,
tudo que eu quero é ter saúde e paz. Ainda tenho muitos sonhos para realizar,
só Deus sabe quais. Tudo que já pedi a Deus alcancei, uma casa, e que todos
os filhos tomassem o caminho do bem. Apenas uma coisa que pedi que um
dos filhos parasse de beber e isso ainda não ocorreu. Deus sabe o momento
certo de tudo, embora não tenha alcançado essa graça, não fico murmurando,
só Ele sabe a dor que passei de ver minha filha sendo sepultada a beira do rio
Jurua em Amazonas.
Pensar que deixei minha filha enterrada num à beira de um rio me fazia
vegetar. No passado parece que eu só chorava e a vida não tinha mais
significado algum, não sabia o que era uma vida digna, quando penso, muitas
coisas negativas aconteceram naquele tempo. Eu vivia assim, e cai na real, vi
que perdi os melhores anos da minha vida, creio que a felicidade e o amor não
se compram. Atualmente, estou mais feliz do que nos anos 70, ainda penso
que estou mentindo, dizer tudo pode ser perigoso, coisas ruins a gente coloca
para baixo do tapete, somente se deve falar de coisas boas e alegres. Deus
levou os problemas e hoje sou grata.
Só me falta saúde hoje. Sou independente, não me falta coisas
materiais, só que percebo o quanto fui omissa na ideia de ser boa samaritana,
hoje enquanto for lucida e andar, só Deus manda na escrava. Alguns filhos me
deram desgosto, não me orgulho das coisas que não podemos mudar, como
citei, passei por grandes provações e pedi ajuda a Deus. Ele me dar muita
21

força para superar. Estou dependendo da família para ir ao médico, peço a


Deus que ele me cure, não quero ser uma inválida. Ele sabe que sempre fiz de
tudo e nunca me senti cansada.
Peço a Deus saúde por que não suporto ficar sem andar, como irei para
missa, como irei ver meus amigos. Peço a Deus e a mãe de Jesus como
aqueles cochos e leprosos que tinham fé, tudo esta nas mãos de Deus eu
permaneço na fé. Nunca pensei em me encontrar como estou, a vida gira como
uma roda, agora girou ao contrário, tinha que ter girado para os meus sonhos.
Sentia que sempre tinha um apoio, e receber um não, me deixou frustrada. Já
pensaram como é resolver tudo para o bem da família, você tomar toda uma
carga assim como foi à vida de uma escrava... tentava ser feliz e acontecia
tudo de negativo. Quanto mais eu fazia, mais era pisoteada e desprezada.
Como a letra da música, entre tapas e beijos... tinha 5 filhos, era uma tabuada
tentar ter uma vida de futuro sem apoio, nunca tive ajuda, foi só desgosto.
Por mais que a gente receba o mal, deve dar o bem, para todos dar o
bom independente, creio que não fui melhor por que era brega, não tinha
estudos suficiente e fui ignorante, mas, fiz o possível para a todos algo de bom,
assim como tive quando fui criança. Gostaria mesmo de esquecer o passado
que foi ruim, mas, muitas coisas ficaram muito fortes na mente. Gostaria muito
também que esses escritos me ajude, a mim sentir menos criticada e julgada,
espero em Deus providencia, ele sabe de tudo. Ele dar e tira no seu tempo,
tudo na sua vontade, estou tranquila quanto a isso.
Não fiz mais nessa vida não foi por falta de amor e sim, por falta de
oportunidade, por falta de cultura e compreensão, e por ser sem criatividade.
Ainda consegui me reerguer, comecei a vender coisas, independente de tudo,
eu sorri novamente, foi lindo, até continuamos as vendas, me sinto viva apesar
dos altos e baixos, ainda me sinto útil.
O Senhor mandou seu anjo para vir me ver, ele sabe que estou com
problemas de saúde, ele pode resolver. O Senhor ordenou que nada toque
nela. Tudo para Deus é possível. Espero que todos os meus sonhos sejam
realizados. Creio em Deus que terminarei de escrever esse livro e realizar um
grande sonho, já que não tive a oportunidade de estudar e ser outra pessoa
tipo uma universitária. O destino me deu grande perda que foi a morte da mãe,
também da segunda mãe, a adotiva, infelizmente não pude seguir em frente no
passado, fiquei sem rumo, sem incentivo de ninguém. Meu pai era bom,
entretanto, me deixava fazer o que queria, foi bom até demais. Disse: se você
não quer ir para escola, não irei obriga-la.
Não compreendo por que fiz isso, hoje reflito que fui uma criança
mimada, fazia o que queria aos 12 anos, assim, foi todo o futuro pelo ralo.
Recordo-me disso claramente como o sol, foi tudo real, fui uma criança
travessa e rebelde, embora, tudo que visse, tentasse ler, eu até guardava
comigo um livro de história. Mesmo tendo vivido em um lugar junto aos índios,
numa época que não existia nem carro e TV, nem tínhamos como nos
comunicar, eu fui feliz.
22

Hoje cheguei a uma conclusão que não podemos deixar de fazer o que o
coração manda, não podemos viver sem amor, também não podemos deixar a
vida passar, mas, não podemos responder as coisas sem pensar, e nem viver
como se estivesse vegetando, vivi uma vida brega querendo voltar e consertar,
nesse ponto não podemos mudar os fatos que não tinham amor presente. Uma
mente vazia e a falta de Deus no coração, creio hoje, que a mudança estava
prevista nos planos de Deus. Não sei se fui uma mãe boa e boa filha, percebi
que tinha problemas espirituais e financeiros, era brega e não tinha onde
caísse viva por que morto cai em qualquer lugar.
Eu estou feliz por que vivi num tempo que para se comunicar se escrevia
cartas, era um tempo de horror, não sei explicar quando o correio chegou. Não
sei como vocês perceberão como fui criada, uma cultura pequena, os que
ainda estão vivos, estão todos em outros estados, vivendo novas culturas.
O Senhor mandou seu anjo novamente, percebeu que ela esta bem,
continua cheia de fé, Deus sabe que a saúde dela será restabelecida. Com
isso, fico contente, gostaria que tudo fosse diferente, embora nem tudo pode
ser como a gente quer. Por mais que façamos tudo de bom, devemos seguir
em Deus na esperança de dias melhores. Estou firme na fé que viver em paz
em viver com meus filhos também, todos na paz de Deus.
O destino tem me dado um grande desafio, quando deveria ter ficado
tudo no passado, a mente traz tudo para o presente, uma vivencia que passei
aos 12 anos que fui feliz, e depois, com a morte da minha mãe adotiva onde
começou uma vida no mundo onde não estava preparada. Tinha tudo e me
sentia sem nada. Tudo foi difícil, tinha tias que costuravam, mas, nunca uma
tinha pediu que eu sentasse numa máquina e me ensinasse a costurar. Sem
oportunidade, só trabalhei na roça, hoje até reflito que sou outra pessoa
mesmo sem oportunidades, eu superei, não sabia costurar e aprendi após 30
anos, quando ganhei uma máquina, eu e minha filha aprendemos juntas até
hoje.
Sempre coloquei Deus em primeiro lugar, assim como o destino dos
filhos. Aprendi como uma criança aprende o alfabeto, comprava retalhos nas
fábricas e criava peças para vender por 1 cruzeiro, me sentia feliz em poder
dizer para os filhos que tinha algo para vender e sair de uma vida de
humilhação. A liberdade veio quando comecei a vender Avon e também
Natura.
Hoje me arrependo, tinha uma cantina de vendas de lanches no terminal
e tive que vender para ajudar outra pessoa, me sentia como no passado, não
tive solução. Vendi a cantina por R$ 2.000,00 reais. Como tinha um ponto em
casa, reformei o espaço e transformei em uma venda, estava confusa, deixei
de lado e comecei com as vendas como de galego. Atualmente, não vendo
mais, deixei para uma grande amiga que vende e recebe uma comissão. Estou
tranquila por que ela é honesta, hoje vivo das vendas dela, também vendo em
casa.
23

Não posso fazer nada, eu pago para costurar e fazerem as capas das
colchas de cama, outros itens também que não posso. Vocês já se imaginaram
ficar sem poder fazer nada como uma inútil?... Trabalho por que Deus me dar
forças, é ruim ficar apenas cuidando de casa e da família, temos que mostrar
para o Deus e a sociedade que somos úteis. Deus nos deu inteligência e
sabedoria para o trabalho, como diz a sua palavra. Estou sempre pronta para
estender a mão aos que precisam, por que se Deus me deu, é para dividir,
debaixo do sol tive a graça de ter a minha casa própria, foi um sonho que Deus
permitiu com a ajuda dos filhos e do meu trabalho.
Tenho essa casa e por tudo que já passei, depois de todo choro e
decepção, tenho um plano em vista de vender essa casa antes de partir para o
céu, não quero que a casa seja motivo de mais uma discórdia entre família.
Estou esperando o dia certo para isso acontecer enquanto eu estiver lúcida e
andando, creio em Deus que isso é possível. Não quero ser julgada por isso,
antes de tudo, confio em Deus que estou fazendo o certo, são muitas indiretas
e opiniões que tento tirar de letra tudo isso. Sinto-me diferente e penso
diferente, por isso, penso o que as pessoas fazem e me levam a sofrer, me
remete ao passado. Muitos surgiram na vida para me alertar sobre meu
comportamento de acreditar nas pessoas e que me decepcionava por isso. Sou
honesta e busco agir assim para com os outros, espero isso também das
pessoas, mas, acabo ficando triste com as decepções.
Até o presente momento de vida, agradeço a Deus por nunca surgir
alguém para me apontar o dedo afirmando que fiz alguém sofrer. Por mais que
eu tivesse uma vida brega e sofrida com muitas mazelas como vocês podem
imaginar, sempre pensei em retribuir ao mundo com o bem, e nunca
envergonhasse meus filhos. Assim, busquei fazer a bondade por toda minha
vida, depois de muitos anos me libertei do passado que me oprimia, hoje tento
olhar para frente, sou dona de mim, não devo satisfação para ninguém,
somente a Deus. Me sinto livre e não gosto de ninguém querendo mandar em
mim, me dizer o que fazer ou o que devo ou não comprar, esses
comportamentos me fazem ressurgir o passado de sofrimento.
Dessa forma, eu nunca gostei de ser chamada a atenção, coisas
mínimas, do tipo, ordens como lavar e passar me incomodavam. Não quero
afirmar que tudo que vivi no passado foi tristeza, tive também alegrias,
entretanto, isso tudo faz parte da minha vida. Atualmente, me sinto alegre,
agradeço a Deus, creio que ele me permite isso porque sempre fiz o hoje
pensando no futuro, buscando sempre fazer o bem, nunca podemos saber o
certo o que acontecerá no dia seguinte. Antes eu só não sabia que era feliz e
via tudo negativo porque não conseguia distinguir alegria e tristeza. Hoje
compreendo a diferença da alegria e tristeza. Em muitos momentos me senti
entre pedras grandes, pedras que têm profundidade, essas pedras tinham
nomes, eram a própria família que não dava para mexer, tirar ou mudar de
lugar. Tive que tentar pular sobre essas pedras, era como se minhas mãos não
as alcançassem.
24

Na atualidade, ainda me comporto assim mediante aos problemas, feito


pedras que surgem se não consigo alcançar ou pular, tento ficar neutra. É
necessário ter que citar isso. Existem coisas que temos que falar para não
adoecer e outras, que só falamos para Deus. Como já citei, quando voltei a
morar na cidade grande, não tinha teto, com 5 filhos, passando necessidade,
aluguel caro, sem dinheiro para feira do mês, surgiu um anjo em terra que me
vendeu uma casa, a qual moro até hoje. Era tudo difícil, não se tinha água,
nem luz, pior ainda o transporte que era distante para pegar alguma condução,
tínhamos que andar 5 quadras. Agora meu bairro evoluiu bastante, toda essa
falta de estrutura já não existe. As minhas maiores dificuldades foram até os 40
anos, daqui para frente, posso dizer que, “vivo bem” porque nunca mais me
faltou coisas básicas para sobrevivência como antes. Deus enviou um anjo
para andar em todo lugar que passei e morrei, viu meu sofrimento no passado
e nunca mais permitiu que passasse necessidades novamente.
Finalmente, sentia que a mente estava mudando, tinha conseguido criar
os meus filhos, cada um estava como se diz, pegando a sua estrada, todos são
felizes, o destino foi muito favorável, como pedi tanto a Deus e ele, me
concedeu essa bênção. Senti-me como se tivesse terminado o meu trabalho,
entretanto, por mais que os filhos se tornem adultos, para a mãe, eles serão
sempre eternas crianças.
Não consigo saber se fui uma boa mãe, por ser rude e ignorante sobre
alguns conhecimentos, nasci no tempo que todos não puderam ter a educação
que existe hoje, os pais eram mais brutos e insensíveis pela realidade dura que
eles enfrentavam para sobreviver. Sem educação e com a cultura herdada
parte do meu pai adotivo, não era peia (maus tratos físicos) e nem castigo,
mas, não tinha direito de voz ou de escolher e optar. Eu estudei pouco, mas,
posso refletir como a educação é importante para estruturar o sujeito. Comparo
a educação como a base para estruturar um prédio, ou igual a uma planta, se
você plantar e não regar, morre. Não sei plantei árvores, mas, andam dando
bons frutos. A cada dia de vida, sinto que me atualizo e ando junto às
modificações do mundo.
O anjo voltou e terra e disse ao Senhor: a sua serva esta bem, tudo que
ela passa dia após dia, ela agradece. O Senhor mais uma vez ordenou que
nada tocasse nela. Estou aguardando uma grande graça, como se tudo fosse
uma roda que gira e não para. No entanto, o destino fez com que a roda
parasse muitas vezes em baixos, entrego tudo nas mãos de Deus. Com o que
não posso lutar, compreendo que é melhor ficar omissa, ou melhor, calada. A
vida é bela, se temos paz e saúde, temos tudo, mesmo sem dinheiro, temos a
salvação, isso não se compra.
Por maiores necessidades que possamos passar, podemos superar e se
reerguer. Podemos sempre escolher entre fazer o bem ou mal, é para frente
que se anda. Não podemos julgar ninguém, questões de escolhas erradas, é
melhor não discutir. Desculpo-me antemão se meu pensamento estiver errado,
não sou estudada, mas, escrever esse livro é um sonho que realizei. Trata-se
25

do diário da minha vida, o que passei, nem todos têm a mesma sorte de
passarem anos pelo que vivi e hoje estarem bem.
Agradeço a Deus e tenho fé, ele me estendeu a sua graça e
misericórdia. Eu dei uma grande volta nas lágrimas e sofrimento, tive como ver
meus filhos crescerem, e cada um sair para seguir a sua vida, foi difícil ver que
eles queriam e não poder comprar ou dar alguma coisa, tudo isso eu superei.
Hoje agradeço por viver independente, infelizmente o destino me permitiu um
problema de saúde, me sinto quase retornando ao passado.
Percebo-me pedindo favores, sempre tentei compartilhar da casa a
comida, não entendo porque coisas de doenças acontecem em nós. Creio que
tudo isso passará, a vivência ruim ficou no passado. Peço a Deus para não
ficar sem poder andar e nunca perder minha lucidez. Tenho fé e continuarei
bem, ele irá me curar, por isso, creio que tudo possa ser uma provação,
compreendo que a vida tem altos e baixos, já passei por situações difíceis e
Deus me permitiu sair disso. Ante o meu cansaço roguei ao Senhor que ele
viesse me ver, pois tive pensamentos que me envergonharam.
O anjo veio novamente a terra e viu que estava esquisito, soube do meu
sonho, e soube sobre o que eu falei sobre os meus pensamentos e o que eu
estava fazendo. O Senhor ordenou que nada mexesse com ela. O Senhor deu
ordem e eu confio Nele. Eu era feliz e não sabia, sigo sempre, com fé em
Deus. Agradeço a ele pelos filhos, amor e carinho, pelos conselhos, tudo na
época em que tive na infância. Antes dos anos 60 tudo era brega, comecei a
estudar. A minha cidade antes não constava no mapa, nessa época ela foi
incluída e o Brasil começava a crescer. Como eu poderia mesmo ser culta
naquela época sem cultura e ser criativa sem educação... Mas, hoje percebo
que era feliz e o mundo é visto de várias cores.
Durante toda uma vida não devemos querer conseguir tudo, porque
nossos pecados são grandes, podemos poder aprender fazer o bem, se não
soubermos dizer obrigada a Deus, peça ajuda, embora existam pessoas
egoístas, o único que pode resolver todos os nossos problemas é Deus.
Somente ele dá e retira, somente ele tem tremenda misericórdia, por isso, e por
muito mais que o mundo esta passando, ele tem a santa a mão sobre a terra,
ele sabe que as doenças estão em todas as partes. Sou grata por esta bem e
toda a minha família. Estamos sempre girando entre altos e baixos e creio que
isso tudo irá passar.
Tenho fé em Deus e sei que ele continuará me atendendo, com vontade,
criatividade e fé continuamos a seguir em frente. Não nasci para cometer
certos erros, sou ignorante em certos pontos, mas, nunca fiz nada que
envergonhasse meus filhos. Embora que já tenha sido julgada por todos por
não aceitar um abacaxi daqueles no passado... Esse problema “abacaxi”
retornou do passado e eu disse não, novamente. Não somos obrigados a fazer
o que o nosso coração não quer. Também não devemos fazer nada para ficar
agradando os outros e aos que nos viraram as costas, as pessoas que nos
faziam mal.
26

São coisas que não devo citar aqui. Eu queria apenas que toda batalha
que eu enfrentasse alguém apoiasse com uma fala, “você fez o certo”. Com
pouco estudo, sempre me senti insegura, não pude fazer o melhor devido à
falta de oportunidade de frequentar a escola, embora tenha sido criada com
carinho e amor. Hoje tudo é mais fácil, existe educação disponível, meios de
comunicação onde os jovens podem aprender e se atualizarem. Eu também
me atualizei com ajuda dos meios de comunicação, embora não estudando,
pude ter a chance de me comunicar com o mundo e tentar me atualizar. Fico
triste quando algumas pessoas comentam, “você não é a mesma de 30 anos”,
simplesmente por que não bato de frente com coisas desnecessárias e que
não se pode mudar.
A verdade sempre será um marco na vida do sujeito, como boa
samaritana, eu me exponho dentro do limite e não gosto de tampar o sol com a
peneira, a honestidade é algo que você tem que carregar enquanto ser
humano. Sempre gostei da verdade como cartas a mesa, nada de mentiras.
Como já citei, o passado sempre existiu como uma roda de fofoca e fuxico, isso
me deixava triste. Penso que esse tipo de comportamento exista em vários
espaços, mas, que é uma falta de cultura e ocupação da mente com coisas
sadias. A vida é tempo para ser feliz, caso contrário, vegetar é a própria morte
em vida. Outro ponto, é que nem tudo gira em função de dinheiro.
Com a idade que alcancei me sinto feliz simplesmente por ter
conquistado um lar para morar, minha casinha, por ter um pouco de dinheiro
para viver em paz e por ter objetivos na vida. Sempre tive sonhos de poder ter
um pouquinho e ajudar a família e dar a quem precisa. Sempre tentei ajudar
dentro das minhas possibilidades, não somos 100% por cento para os outros,
mas, cada um sabe do seu esforço. Por falta de cultura, as pessoas se
comportam ingratamente, na época que era mais jovem tudo era pouco
desenvolvido, se passaram 60 anos e surgiram as escolas, faculdades,
universidades, tudo ao alcance de todos. Na minha época erámos que nem
índio não existia nenhuma dessas opções.
Lutei ao máximo para que meus filhos tivessem oportunidade de
estudar, o governo agiu comparando ao que não existia na minha juventude, só
tive o que era gratuito e poucos anos escolares, nesse sentido educacional não
tive muitas chances de evoluir, mas, busquei sempre acompanhar e me
atualizar ao que acontece no mundo a fora. Na época que as escolas surgiram,
tinha cinco filhos com o valor de salário de apenas 30 cruzeiros.
Tive muitos abacaxis para descascar, até refletir que algumas coisas
temos que tentar esquecer. Sempre fui uma pessoa que gostou de ler, ouvir
música, ir à praia, ir ao cinema, justamente as atividades que nunca tive
condições de fazer no passado. Com todos os altos e baixos da minha vida,
ainda tenho fé. Parece que antes a vida era brega e sem opção alguma.
Comecei a viver de verdade depois dos 65 anos, essa idade foi um marco em
minha vida. Tudo que citei, dou fé. Jamais relataria algo que não vivi, algumas
27

coisas não contei por vergonha, cream que isso não foi um quarto do que eu
passei.
Atualmente, depois de tudo que vivi, não posso dizer que sou melhor,
todos temos defeitos, em alguns momentos podemos ser sem se dá conta,
egoístas ou maus, bom mesmo é Deus. Convivi com pessoas de
personalidades diferentes, pessoas amigas e parentas, uns que quando
visitava, agiam como se eu fosse tomar o que era seu ou que não convidavam
para tomar um café. A sociedade, até mesmo a família pode se comportar de
forma mesquinha e egoísta, na própria família já passei por situações como
essas citadas. Com a idade que tenho já ajudei e fui ajudada, também já fiz
questão de acolher na minha casa, como dizia meu pai, “faça o bem sem olhar
a quem”. As pessoas que fazem de má vontade ou para receber algo em troca,
até depois ficam alegando, esses comportamentos não podem ser apreciados
por Deus, não era esse o seu exemplo de bondade.
Sempre tentei fazer o que minha mente e coração me dizem, as coisas
negativas que aconteceram comigo, tento esquecer deixando debaixo do
tapete, pelos menos o que conseguir. Existem coisas negativas que nos
marcam. Sinto que estou terminando meus dias aqui na terra, não sei se
agradei aos meus e as pessoas próximas. Poder escrever esse livro é a
idealização de um sonho, objetivo mostrar aos interessados minha história, a
vida não é igual para todos, nem todos são capazes de compreender as
dificuldades, enfrenta-las e vence-las.
Repenso sempre, se não tivesse tido uma infância rude e brega, não
teria cometidos erros como citei, o casamento não existe por que não deu
certo, no passado se sofria muito por falta de amor nos relacionamentos, se
submetia até a falta de respeito. Tudo fazia parte de uma cultura, no entanto,
não compreendo porque passei por tudo isso sendo uma serva de Deus.
Considerava-me ingênua e não compreendia direito o que era amor. Creio que
sempre devêssemos perdoar essas questões, talvez o objetivo principal fosse
tratar de construir uma estrada para os filhos seguirem e terem a sua vida
melhor.
Na minha época as poucas culturas repassadas de pais para filhos era
conhecer ao mínimo o nome das árvores frutíferas ou fazer chapéu de palha de
carnaúba para sobreviver, o estudar não tinha um sentido naquela época. O
trabalho naquela época não tinha evoluído, o Brasil era como um campo de
escravos só podia trabalhar na roça, somente isso era possível. Nunca pensei
ter a capacidade de aprender e trabalhar no que sei hoje em dia.
Penso que se tivesse oportunidade de estudar na minha jovialidade
poderia ter alcançado outros objetivos. Na época a meta era ser honesto e ter
respeito pelos mais velhos. Era bem diferente da criação das crianças de hoje.
A humanidade mudou muito, agora tem mais oportunidades para evoluir. Não
sei fui boa mãe, sempre tentei ser, fiz de tudo pela minha família. Muitos dizem
que a culpa dos filhos serem de um modo negativo é das mães...Não sei se fui
28

boa, em certos momentos fui dura e grossa, no entanto, todos os filhos


seguiram o caminho do bem.
Fiquei bem feliz pelo destino dos meus filhos, toda mãe se tente assim
ao ver a evolução dos filhos no mundo. Teve um natal que fiquei feliz demais
ao ver os meus 5 filhos, cada um com a sua família presente, todos estavam
reunidos, ainda espero vivenciar outros momentos assim.
Deus mandou novamente seu anjo na terra verificar como estava a sua
serva. O anjo passou por todos os cantos onde ela sorriu e chorou, ela desejou
que na sua família nunca existisse inveja, também desejou ter um trabalho que
pudesse ter e ajudar a todos os seus filhos. Ela conseguiu um pouco que isso
acontecesse quando um dos seus filhos começou a trabalhar. Depois ela
também começou a vender Natura, Avon e peças íntimas. Passei por sufocos,
não tive casa, hoje tendo uma casa, ela serve de abrigo, todos que não tem
para onde ir, recepciono.
Sinto-me grata a Deus em poder oferecer ajuda a quem precisa, em
poder dar tudo o que recebi no passado a outras pessoas. Gostaria que nos
baixos da roda que passei mais ninguém passasse. Se eu tivesse criatividade
naquela época como tenho hoje, tudo poderia ter sido diferente, bastava talvez
eu tivesse um pouco mais de escolaridade e não ficar omissa e submissa como
eu fiquei por mais de 30 anos. Precisei aprender o que se passava no mundo,
na minha própria comunidade para sair de um mal estar.
Como já citei, estou lúcida, já fui muitas vezes mal julgada pelos
parentes, talvez eu tenha dó, ou seja, não julgues para não ser julgada. Só
Deus pode avaliar nossos feitos, ele sabe o certo e o errado. Sempre tentei
fazer o que o meu coração me ordena, já fiz loucuras em tentar coisas que não
estavam ao meu alcance, mas penso bastante antes de fazer algo para não me
dá mal.
Contudo, escrevo essas laudas para que meus netos e bisnetos reflitam
sobre o que foi a vida de quem nasceu e aos 12 anos se viu no mundo sem
condições dignas de vida, sem saber o que era felicidade, era como se tudo
fosse um eterno sono sem saber se estava em um pesadelo ou era a realidade.
Eles poderão refletir sobre as suas vidas e a vida nessa que escreve,
talvez considerem que fui boa samaritana ou uma guerreira, até mesmo brega.
Ao lerem essas laudas irão entender que a vida nem sempre será um jardim
florido e agradável. Vocês precisarão refletir como a vida desta pessoa foi
difícil, nascida e criada na roça, com terras separadas por um riacho, o que
existia de bom eram palmeiras e plantas frutíferas. A felicidade se resumia
subir em árvores, na serra, foi quando pude perceber que isso talvez fosse
felicidade, já tinha meus 30 anos de vida.
Não tinha noção do que era a maldade humana, era ingênua e brega,
agora não sou sabia, apenas busquei andar junto das mudanças que o mundo
pode me proporcionar. Optei por ser uma boa mãe, me esforcei, na minha
juventude não existiam drogas, os filhos nunca viram palavrões, tentava dar
29

amor porque só recebi amor dos meus pais adotivos, isso era um ato
retributivo.
Não sei dizer se fiz o que era certo, só sinto que dei o meu melhor e que
algo não valeu a pena, não fico bem com tudo que eu passei para ter uma
família, mas, eu estou bem porque aprendi a dizer não. Agora entendo que sou
dona de mim, dona da minha casa e posso fazer o que vier na mente e não
preciso comunicar a ninguém. Faço o possível e o impossível para ser feliz,
não sei explicar porque sempre quando programo uma atividade de lazer ou
viagem eu mesma era contra essas folgas, e queria desfazer os passeios como
um passageiro que vai numa viagem mudo e surdo em seu itinerário. Foram
quase 50 anos que vive nesse planeta vegetando, com 5 filhos a prioridade era
a alimentação e a vida financeira dependia de ajuda de terceiros. Nunca tive
parceria, tudo era volúvel, deixei a vida me levar, depois de todos esses anos a
vida levou os problemas e deixou as lembranças na mente. Fiz de tudo para
que o passado não me perseguisse, mas ele esta sempre presente.
Já citei, toda minha vida jovial foi parece uma novela de sofrimento atrás
de outro sofrer, é como se cenas dramáticas se repetissem todos os dias e eu
fosse obrigada a assistir. Estou falando sério, isso não é uma brincadeira de
repetição, é como se não tivesse poder sobre as lembranças.
Frente aos problemas que sempre ressurgem se atualizando em
situações novas, tento ser criativa, se eu me prendesse aos problemas
considerando que esses não teriam alternativa, sem atitude, teria vegetado até
hoje. Mas, diante de tudo que passei, tenho condições de viver melhor, o vento
trouxe melhores condições, no entanto, isso ainda não preenche o coração de
um sonho. Deus deu a contribuição para poder criar a família, fiquei feliz entre
aspas como se diz, por que tudo não queria que voltasse a acontecer, ocorreu
novamente.
Como uma roda do destino o passado desprazeroso tem retornado,
como citei, fui omissa e tentei agradar os outros, hoje aprendi a dizer não. E
dizer não é ser ruim para os outros. Será que fiz o certo jogar tudo para o ar ou
continuar sendo omissa e boa samaritana era o correto? Fiz o que considerei
certo em determinados momentos. Como meu pai me ensinou, ninguém pode
servir a dois deuses.
Estou revivendo um passado que se personificou, quero dar um ponto
final nisso. Não concordo com certas atitudes. Os problemas que existiram
quando não eram financeiros, eram familiares, tinha que ajudar e muitas vez
ficava em cima do muro por indecisão. Tentei sempre ajudar e sinto-me nesse
ponto com a mente tranquila.
Meu coração em poder fazer algo pelos outros ficava leve. Os egoístas
são os que plantam dentro do coração o ódio e a vingança, isso é terrível. A
vida seria bem melhor se todos pudessem ser felizes, concordo que somente o
amor vence tudo, inclusive, o ódio e a vingança. Deus nos ensinou amar uns
aos outros como a ele mesmo.
30

As atividades de lazer que sempre gostei foram, de ouvir música, ir a


praia, ver um filme, ver o jornal e passear. No passado eu só tinha a roça, eram
duas famílias vivendo na serra onde um rio que passava dividia essa família, as
brigas na verdade era o que dividia essa família. Tenho visto que apenas o
amor no coração pode comprar a salvação. Mesmo sofrendo, fui aquela que o
mal se pagava com o bem. Mesmo sofrendo agradecia a Deus. O tempo de
aperto foi passando e consegui comprar as coisas que necessitava para dar
um pouco de conforto a minha família.
Vejo muitas pessoas em desespero sem crê em Deus, ou dizendo que
ele esqueceu... Penso que tudo que passamos tem uma causa. Nada é
impossível para Deus. Deixei a vida de tristeza para tentar viver o agora
acreditando que a vida é apenas uma passagem na terra. Penso nos nossos
antepassados que nunca tiveram o que temos hoje em dia, será que foi
evolução, existirem veículos para o transporte, avião para viagens mais longas.
Ou seja, o mundo é o mesmo mais as condições são outras. O Brasil atual
evolui.
Novamente Deus enviou seu anjo a terra para ver como a serva esta.
Ele viu que ela se sente como numa longa escalada da sua vida, horas rir e
outras choram, parece que esta quase alcançando seus sonhos. Seu livro este
quase finalizado, nesse diz tudo que poderia citar. Omissa fui várias vezes, não
queria opinar por algumas coisas, fui julgada aqui na terra antes mesmo de
chegar aos pés do Pai.
Num mundo de tantas corrupções e tristeza, prefiro agora deixar a vida
resolver essas dores. Prefiro me doar ao amor. Se vocês soubessem ao fim da
vida o que é a vida, teriam levantado todos os dias e dito mais um “eu te amo”,
“um obrigado ao Senhor”. Com uma palavra tentariam como fazer o outro feliz,
gostaria que todos pudessem dar desde cedo somente o amor que Deus nos
ensinou.
Pensem vocês como era triste ser uma mãe com 5 filhos vegetando ao
chegar ao natal e não ter nada para os dar nessa época. A vida pode ser cruel
para uma mãe que não consegue trabalhar, a vida era triste e eu só esperava
em Deus. Então mais uma vez, Deus enviou o seu anjo e o ordenou rondar
toda a terra e verificar como a sua serva estava. Assim Ele ordenou: nada
toque nela.
Ela continuou com fé, Deus lhe enviou uma amiga que a ensinou a
vender produtos, assim, ela conseguiu dar a volta por cima, ou seja, conseguiu
sair da vida triste que dava voltas. Hoje ela tem o seu próprio trabalho com uma
renda fixa, também esta aposentada, e sente-se quase como sempre sonhou,
como uma brisa de água fria... Ainda não alcancei todos os sonhos, estou firme
na fé, Deus sabe o que penso, não é apenas para mim e sim, para dividir com
os meus. Estou tranquila e aguardando a graça de Deus. Creio que esteja
fazendo a coisa certa.
Estou com 84 anos, bem lúcida, com vontade de trabalhar se não fosse
o destino que me trouxe esse problema de saúde, mas Deus pode me curar,
31

agora ando com dificuldades. Grande é o Pai de infinita misericórdia. Ele é bom
o tempo todo, vejam só, quando cheguei na cidade sem estudo e cultura, fiquei
observando que a grande maioria tinha uma cultura diferente e fui absorvendo
e aprendendo a viver mais atualizada, embora ainda não fosse como eu
desejava, estudada, mas sentia que evoluía.
Percebemos que na humanidade somos todos iguais e de várias
origens, cores, na mãe natureza tem espaços diferentes serras, tem sertão e o
deserto onde nada se ver, tem mato também, tem lugares de ricas matas. As
coisas evoluíram nesse Brasil, antes por mais que essas coisas existissem,
parecia que sem evolução cultural era impossível ter uma melhor qualidade
vida, o trabalho e meios de sobrevivência eram sempre braçais e desgastantes.
O Manaus que passei em 1987 era mais mata e índios, creio que hoje
tudo isso tenha evoluído com meios para todos sobreviverem melhor. Antes
não tinha noção do quanto a vida era bela até poder mudar com o tempo, não
só de pão vive o homem, tive sempre fé em Deus. Fui vítima de algumas
armadilhas do passado, mas, isso só fortaleceu mais a minha fé, sempre fui
uma serva do Senhor.
Aprendi que somente Deus tem o poder de modificar a nossa vida, com
a fé viva sentimos Ele em toda parte. Você não precisa mudar de casa ou
religião, por que esse é onipotente e onipresente em todos os lugares da terra.
Quando fui criança tive amor na minha criação, fui adotada e muito amada, na
época não existia uma adoção formal, era apenas por boca, o certo era a
palavra de compromisso que substituía o juiz.
Mesmo sendo adotada, sentia que tive muita coisa que meus irmãos não
puderam ter, não sei explicar muito bem, mas, penso que vivia naquela época
em uma família de classe média, não erramos ricos, mas me sentia feliz.
Ocorreram os tempos ruins, como se a mordomia tivesse acabado. E agora
Deus permite novamente um tempo bom. Hoje tenho a vida como sempre
gostei, com trabalho, sempre optei por ter uma vida ativa. Tudo que fiz não foi
com esperança de ser aplaudida, apenas considero importante compartilhar
com as futuras gerações para colaborar em ensiná-los a valorizar a vida.
Penso que o sonho que estou aguardando esteja próximo de realizar-se.
Creio que nossa senhora de Fátima me dará essa oportunidade. Embora não
seja culta, Deus me permite o conhecimento necessário, boas amizades e
estou bem feliz agora. Não sou uma artista, nem tenho diploma, sou apenas
uma sonhadora que quer ser chique.
O Senhor mandou o seu anjo novamente a terra para ver como estava a
sua serva. Percebeu que ela esta um pouco confusa em pensar que o seu
itinerário aqui na terra esta quase terminando ainda com seu objetivo de sonho
para ser realizado. Estou muito feliz embora, esteja me faltando um pouco mais
de saúde. Com todos os altos e baixos estou quase esquecendo o terrível
passado. Na minha mente é como se o passado estivesse dividido em 4 partes
e nesse livro em quatro capítulos. Em algumas épocas me sentia como num
jornal tipo o Rota 22, sendo julgada por todos.
32

A vida nem sempre foi um jardim de rosas, mas, poderia faltar tudo,
menos o amor, consegui até viver sem um ombro amigo e sem compreensão.
Todos os projetos não foram compartilhados porque não tinha com quem.
Mesmo com o outro estando como do outro lado da rua sem nos dar a mão,
consegui evoluir com a ajuda de Deus. Muitas vezes preferi não pedir ajuda,
não por orgulho, hoje peço, tenho paciência em ser atendida por Deus.
Você pode estar na flor da idade aos 40 anos de vida ou aos 90 anos,
tenha Deus, para ele nada é impossível, quando paramos e olhamos para trás,
tudo parece um filme, eu mesma lembro o quanto trabalhei com os índios, com
uma vida cheia de altos e baixos, suportei passar pela parte ruim do filme e me
sinto orgulhosa pela força. Hoje “deixo a vida me levar”, como já dizia o cantor
Zeca pagodinho. Às vezes me comparo com Jô que passou por diversas
provações e continuou com a mesma fé.
No passado os problemas eram maiores, os governantes eram omissos,
os problemas eram bem maiores, por mais que existam outros problemas, no
passado esses eram diferentes. No passado faltava até roupa para vestir, não
se existam meios de comunicação, nem se quer rádio, nem celular, agora a
humanidade tem condições melhores pelo desenvolvimento. Por mais que hoje
falte trabalho o suficiente para todos e as pessoas tomem outros caminhos,
não considero certo atribuir responsabilidades apenas aos governantes.
Podemos refletir como a vida toma diferentes rumos dado as influências
erradas, conselhos negativos e por falta de objetivos. Não entendo muito de
leis, nem tão pouco sobre democracia, mas, em 1958 percebi com a
construção do presídio de Itaitinga, os presos saiam da cadeia pública para
trabalhar pela manhã e retornavam ao final da tarde. Não existiam tantos
presídios como existem agora. A vida errada era menor, os jovens eram
diferentes, existia uma população com menor salário e menores condições de
vida, mas, ainda com isso, o mundo de hoje ainda é melhor.
Ainda considero que os governantes não deveriam desperdiçar tanto
dinheiro com imóveis que se destrõem abandonados sob sol e chuva, não sei o
certo se pensar assim é bom ou ruim, fico confusa sobre as decisões ante a
vida.
Peço a Deus que envie seu anjo para ver como estou. Percebo que me
sinto só, esperava nesse capítulo e tempo de vida não ficar triste e nem
estressada. Então, mais uma vez o anjo veio a terra ver a sua serva. Ela se
sente confusa com tantos altos e baixos, também pelas as suas pernas
estarem debilitadas. Deus mais uma vez ordenou: nada toque nela. Estou com
fé em Deus e em nossa senhora de Fátima que terei a saúde restaurada.
Percebo que é difícil ser brega e querer ser chique, tudo que aprendi foi
meus pais que ensinaram e um pouco a escola. Assim também a vida ensinou
muita coisa. Ao vir morar na cidade grande tive a vontade de querer
permanecer atualizada. Pensei que ao passar dos anos eu estaria diferente no
sentido de aprender, algumas coisas não foram possíveis e outras dentro da
medida de Deus. Tudo que sonhei viver na realidade não era só para mim e
33

sim, para compartilhar com outros. Decepcionei-me com algumas coisas que
não tive controle e tive que colocar como se diz, embaixo do tapete, tento
sempre me esquecer disso. Como citei, nem tudo sairá conforme se quer no
decorrer da vida.
Mas, com objetivos na vida, empenho e coragem superamos vários
obstáculos. Não tenho vergonha ou por que esconder o passado, tudo que fiz
foi por amor aos meus. Existiram dias nessa vida que não sabia se estava viva
ou morta pela sensação de esta fora de mim e ver o que me rodeava. Passei
muitos dias assim, como se estivesse dormindo, só vegetava, dormindo num
sono profundo. Era a sensação de não ter condições financeiras para nada, de
faltar apoio, amor e compreensão de um ombro amigo, e a necessidade de
acordar, subir como se fosse uma escada do estudo, através de um trabalho
conseguiria evoluir.
A vida parece uma roda que gira e da várias voltas, algumas ruins que
duram por muito tempo e outras voltas agradáveis. Nem todos os pais
suportam ter a sua família na rua sem condições. Com vontade de mudar de
vida, tudo pode ser diferente. Estou na terra, sou grata a Deus, como citei,
minha vida parece dividida em 4 capítulos, de todos eu só vivi 2 na época de
criança e o outro no presente de agora. Os outros 2 capítulos vivi mas, estava
morta, foi na época que me sentia vegetando.
Como eu citei tudo foi difícil, os governantes não faziam como fazem
hoje, os empresários não se preocuparam com a comunidade, como um
exemplo que vi, um empresário contratou de uma única vez 216 ex-
presidiários. O trabalho pode dignificar o homem, penso que tudo pode se
transformar com dignidade.
Com oportunidade e vocação você pode mudar a sua vida, são coisas
como essa que penso que a humanidade precise abrir os olhos e ter atitudes.
No mundo muitas pessoas ainda passam por dificuldades financeiras, fome e
desemprego, pode ser que isso seja fruto na nossa desobediência. O mundo
gira como uma grande roda parece que a maldade e o desperdício depreciam a
vida.
Temos vários caminhos, penso que o primeiro seja a evolução através
de estudos, depois a escolha de uma profissão para trabalhar, com isso você
consegue viver melhor. O itinerário pode ser diferente, eu mesma passei 30
anos como se estivesse vegetando por que não tinha um objetivo e me sentia
sem condições por ter 5 filhos, era quase impossível se ter uma oportunidade
de transformar seu sonho em realidade.
Eu apenas queria poder criar meus filhos com dignidade, os vê-los
crescer e seguir numa vida adulta reta, assim foi, cada um tomou rumos
diferentes, uns com voos mais distantes, com muito sacrifício, me sinto feliz por
isso. Uma filha casou e não deu certo. Essa filha tem um filho de outro
relacionamento que é uma maravilha. Já minha outra filha casou e teve 2 filhas,
essa é uma guerreira, trabalhou quase a sua vida toda para criar suas 2 filhas
numa loja. Essa não teve sorte no casamento, o marido não a merecia, ela era
34

boa e o senhor viu que o que ela passava e essa foi para o céu. Os outros 2
filhos tiveram várias oportunidades para voarem para longe, um teve
problemas com bebida, ele vivia no Acre e casou com uma amazonense com
quem deixou 2 filhos, infelizmente não teve criatividade, ele pensava que tudo
era uma rotina, Deus o chamou e ele deixou 2 filhos que o permitiram em
pouco tempo ter 1 neto. Outro filho foi embora aos 30 anos, ele trabalhou em
vários setores e optou em morar em Manaus com uns amigos, depois decidiu
morar sozinho, trabalhou como representante, teve uma família e a sua casa.
Ele foi um bom pai, educou 2 filhos. Ele teve surpresas, perdeu tudo, mas, já
esta bem.
Eu os guardo todos na mente e no coração, como um computador,
registro tudo. Rezo por todos eles. Já refleti muito sobre o quanto Deus é bom
e piedoso. O que seria do mundo se Ele fosse vingativo. Mas, como já citei, dei
a volta por cima, todo o sofrimento ficou no passado, me considero feliz, durmo
e acordo agradecida ao Senhor. Tenho objetivos, me considero e tento ser uma
boa samaritana, sonhei em ter a minha casa própria e consegui.
Não sei se fiz errado, como toda mãe deseja ver seus filhos bem e tê-los
por perto, tenho uma filha que no começo da sua vida morou vizinha a mim,
depois a convenci a comprar um terreno vizinho ao meu, tinha tudo para dar
certo, ela sempre foi uma boa samaritana, fez e faz de tudo para trabalhar, já
teve um boteco que o transformou em um grande mercantil, infelizmente o
destino girou. Depois ela teve que ir trabalhar no comércio com as quedas nas
vendas ela mudou de ramo. Então passou a vender merendas (lanches) em
geral. Na época o governo não ajudava as pessoas. Ela saia 4 horas da
madrugada para vender os lanches e retornava às 16:00 horas da tarde
durante quase 6 meses. Deus enviou um primo para ajudá-la, assim, ela iniciou
um trabalho em Fortaleza em uma cantina no ponto do rádio táxi. Ela aceitou e
comprou um ponto por R$ 2.000,00, isso foi em 12 de dezembro de 1988.
Assim, essa filha trabalhou como uma guerreira por vários anos,
conseguiu terminar a sua casa, e ajudar os seus 2 filhos a comprar seus
veículos de transporte e ter uma vida melhor. Só que em meio às essas lutas e
esforços, veio um câncer, teve que retirar a mama, hoje esta bem pela
permissão de Deus. Hoje ela trabalha fabricando seu próprio produto (rede
para bebês) faz sucesso com esse produto. Vende para outras cidades as
redinhas. Até a tenho como um ombro amigo, o que é meu é dela também,
nunca nos separamos.
Dessa filha guerreira só eis de separar quando for para o céu, ela
começou a trabalhar com seus 10 anos de vida, tudo para poder me ajudar, foi
gerada no Acre e nasceu no Ceará. Sempre estivemos juntas nos momentos
alegres e nos tristes, muitos criticam por ter posto ela para morar vizinha, Deus
e ela criou os seus 2 filhos, que são tesouros para mim.
Ela foi julgada pela comunidade como uma filha que nunca tivesse saído
de casa, como já citei, ela teve muitos altos e baixos para chegar até onde ela
alcançou hoje, ela foi golpeada muito parecidamente com a minha história de
35

vida, a diferença é que ela não vagou pelo mundo. Ela quebrou paradigmas,
mudou a sua rotina, passou de ser vendedora para proprietária de
supermercado, também proprietária de cantina, tudo em prol de ser uma boa
mãe e poder criar bem os seus filhos. Hoje ela vive da sua confecção, construiu
com isso 2 casas, deu 1 casa a um filho que mora ao lado. Atualmente ela tem
6 netos, pensava que ela seria feliz. Mas, o destino é uma roda que gira e não
para, ela ainda trabalha das 06:00 horas da manhã as 23:00 horas da noite.
Também ainda passa por problemas com a fabricação e venda tendo que esta
de olho no seu negócio na fabricação das peças.
Com a vida dela, reflito, como disse, não precisamos sair no local que
vivemos mundo a fora para querer ganhar a vida, progredir e ser feliz. Deus
esta presente em todos os lugares. Comentei rápido sobre meus filhos para
não expor a vida deles. Penso que já vivi essa vida em 4 etapas como já citei
anteriormente, então, evito me estressar, tudo isso deixo do outro lado da rua.
Hoje o mundo mudou, o Brasil progrediu. Agora o que desejo é que o próximo
governante seja humano. Ainda penso que muitas famílias estão
desamparadas e os governantes poderiam fazer alguma coisa enquanto tantos
prédios estão se acabando ao sol e chuva.
Os auxílios que hoje existem não dão nem para pagar um aluguel de
uma família desabrigada, imagine para comer e se vestir.
36

2º ETAPA - MEU LINDO SONHO – 04/ 12/ 2021

Decidi escrever mais um livro por que me faz bem escrever e sinto estar
ocupando a minha mente, assim, não fico vegetando. Nessas laudas quero
escrever sobre coisas que não citei no outro livro. Deus sabe qual foi a real
intensão de escrever um livro, não é de ser uma grande escritora ou de ser
aplaudida. Mas sim, de ficar para os meus filhos e família em geral a minha
vida, a vida de uma criança que esteve num mundo sem mãe aos 9 meses e
22 dias de nascida, vida essa que não foi tudo lindo, essa criança passou por
muitos altos e baixos, entretanto, foi feliz até os seus 12 anos.

Contudo, aos 15 anos tudo mudou e ela teve que trabalhar, na sua
época de mocidade não existia objetivos de vida, ela apenas se sentia como
uma princesa pelo conforto e amor que tinha se vendo perder o trono ficando
sem nada do que recebia. O destino lhe reservava grandes apuros, a sua vida
seria cheia de problemas, iria crescer sem oportunidade de adquirir cultura, na
sua adolescência teve que trabalhar duro para ajudar em casa.

Tudo era atrasado em termos de desenvolvimento naquela época, sentia


como um peixe fora d’água por ter que morar numa nova família com filhos da
esposa do meu pai. Tive uma infância linda, recordo de tudo com detalhes,
desde a rotina ao acordar cedo para ir para roça a chegada do inverno para
plantar. Nós colhíamos no verão. No sítio vizinho tínhamos que fazer farinha,
todos faziam isso, raspar mandioca, fazer goma de tapioca, era tudo belo.

Só que um dia de trabalho só valia 40 centavos, assim vida começou a


ficar brega, fiz tudo de trabalho braçal, plantei, colhi, apanhei castanha, tirei
capim para o gado e jumentos, também comida para as cabras. Eu não sabia
exatamente o que era ser feliz, na verdade considerava aquilo tudo de bom e
nem sabia que a vida poderia ser ainda cruel.

O nosso Brasil daquela época não era tão evoluído quanto hoje, nós não
tínhamos escolas, não exista carro para nos transportar, só se transitava da
serra para a cidade a cavalo. Era uma vida ultrapassada, o povo daquela
época nunca tinha visto um carro ou avião, quem dirá o mar ou um cinema. O
máximo que existia de festividades era o reisado ou festa de São João, nunca
pensei em ver o que conheço hoje, apenas sonhava que um dia tudo poderia
ser diferente, eu sonhava e via meus sonhos ao acordar confusa. Nunca sabia
o desfecho dos sonhos.

Então Deus enviou um anjo para rondar toda a terra e verificar se sua
serva estava bem. Ela esta confusa e a cada dia mais rebelde, ela tinha o
vento a seu favor, pensa que é a menor sujeita da terra, só que ela sabe que
quer vencer por que tudo passa, só não as palavras do Senhor. Com toda
ingenuidade, sabia que um dia tudo se tornaria passado. Deus ordenou: Nada
toque nela, pois ela terá grandes aventuras e como sempre, a vida brega nos
37

trabalhos de segunda-feira a sexta-feira. Aos sábados ficavam reservados as


limpezas gerais em casa e todos lavavam roupas. E os domingos eram
reservados para todos irem à missa. Eram rotinas boas, todas as tardes
podiam brincar de anel, de roda, nesse tempo não existiam maldades, quase
todos os primos estavam reunidos, era comparado um mar de rosas.

Eu era uma menina seria e valente, chegava a ser grossa, seguia os


conselhos do meu pai: “filha se acompanha junto aos bons, assim ficará melhor
do que eu”. Assim, sempre tentei fazer. Percebia que meu pai não sabia nem
ler, era matuto, mas era a pessoa que mais me ensinou e que eu amei, por que
me criou, me deu um carinho único de pai, apenas não me deu estudo por que
ele também não teve e nem existiam muitas oportunidades naquele tempo.

Quando ele me dava castigo, chegava a chorar por que dizia que não
era com violência que se ensinava alguém, na verdade para ele conhecia todos
os sujeitos bem, como o ditado, pau que nasce torto quando queima até as
cinzas ficam de um lado. Meu pai depois que minha mãe morreu, casou cm
minha tia irmã da minha mãe. Ela nunca teve filhos e fui adotada, não tenho
muitas lembranças dela, quando me perguntam dela, só lembro-me das
travessuras que fazia que ela quisesse me bater. Nas casas de interior
normalmente tem umas virgos no meio das salas, eu corria circulando e dizia
você não me pega. Só penso que ela era a mãe e a tia que eu precisava.

Tinha tudo e o destino tirou-a cruelmente de mim, me senti como Jó, só


na vida em seus caminhos para tomar decisões. Meu pai não era rico, ele tinha
um pequeno sítio com frutas. Na época da colheita de macaxeira íamos para
casa de farinha e em outras épocas na colheita de feijão. Todo mês de junho
de cada ano ele tinha uma vaca de leite que ordenhávamos para ter o leite
para tomar com cuscuz de milho ou com carne assada. Criávamos muitas
galinhas e porcos. Tudo era como uma fartura. Nunca passei necessidade, tive
uma infância rica de tudo, inclusive, de amor.

Mas, veio um redemoinho na minha vida quando minha mãe sofreu um


acidente na porta da cozinha, ela veio a falecer de uma morte trágica, chegou
antes a ser operada por duas vezes, mas, não resistiu e foi para o céu. Senti-
me num beco sem saída, era criança e não sabia fazer nada, apenas brincava
e estudava. Meu pai coloca o feijão no fogo e eu deixava queimar. Quando
meu pai chegava ficava zangado, me dava lição, sempre dizia a meu pai que
era criança, ele dizia que sabia, mas, que eu precisava aprender a ter
responsabilidade por que um dia teria a minha casa, ele dizia que iria ensinar o
que eu não sabia.

Com um tempo acabei aprendendo, antes de ir para a escola eu era


brega, na escola melhorei e fui para a cidade que nessa época era apenas uma
vila, era menor que um bairro, tudo era brega. Nós não tínhamos livros de
matemática, apenas livros de leitura. Imaginem só, nós apenas tínhamos
38

caderno pequeno onde a lição a professora repassava do livro dela para os


alunos. Ainda recordo do nome dela, era Iza, ela fez um lindo 7 de setembro
para nós, isso me marcou muito. Aprendi a ler e assim, lia todo papel com
escrito que encontrava, aprendi a escreve num caderno de caligrafia, verbos e
ditados, só estudei apenas 2 anos.

Depois da morte da minha mãe, não fui mais a escola, parei e fiquei
brega novamente por que meu aprendizado havia estacionado e ficará no
passado. Iria enfrentar uma longa estrada que eu tinha pela frente, teria que
trabalhar para viver a vida, os tempos de princesa estavam quase no fim. Era
como se a vida tivesse dado um salto, feito estive voando e caindo de
paraquedas, era tão criança que nem sabia direito o que era ser feliz. Tinha
tudo e não sabia o que era esse tudo.

O tempo passou e percebi que desse tudo só restavam lembranças,


triste não entendia por que só tinha aquilo na cabeça, eu não tinha objetivo,
não tinha cultura. O Brasil era pequeno, não existiam meios de comunicação,
ninguém falava direito, tudo era brega, ninguém conseguia ficar atualizado.
Questiono-me se aquele tempo ainda fosse hoje... Mas, eu era feliz. Enquanto
escrevo, reflito, percebo que segui em frente, só com Deus e sonhando com
outra vida. A vida na roça estava a cada dia mais cruel, tinha muitos amigos
que não eram parentes que me davam apoio, era uma rebelde e linda, embora
naquele tempo todos se tratassem com respeito uns pelos outros.

Qualquer brincadeira de mau gosto se recebia uma chamada rigorosa.


Sempre me comportei como uma princesa, não gostava de brincadeiras desse
tipo, até hoje não tenho muita cultura, mas, fui educada com simplicidade pelos
meus pais. Não era de falar palavrões. Depois de rondar o mundo como se diz,
percebi coisas, eu fui criada junto com 2 primas, nós subíamos a serra como
uma distância de 30 quarteirões para apanhar cocô para fazermos óleo. Para
passar o dia na serra levávamos de carne o toicinho com farinha de rosca e
uma cabaça com água. Amava fazer esse tipo de travessura, saiamos pela
manhã e retornávamos somente à tarde com muito cocô para no dia seguinte
fazermos bastante óleo.

Sempre gostei de ser independente, de fazer o que eu bem queria. Hoje


aos 84 anos não gosto que me ditem, faça isso, beba isto... Eu sou assim,
gosto de me sentir livre. Não se trata de orgulho, é coisa minha mesmo, penso
que seja crença da infância, por que já era assim. Tudo que precisava a serva
de Deus conseguia com o seu esforço, trabalhava 4 meses no ano para
comprar roupas e calçados para a festa de Jesus. Nessa festa todos estavam
presentes, crianças, o pessoal da paroquia e vizinhos, tudo era como um
sonho. Essa era a maior festividade do ano, tinha de um tudo, as pessoas
vestiam as suas melhores roupas, tinha até carrossel. Isso era algo muito
diferente para todos nós matutos que não conheciam um picolé ou sorvete.
39

Nós só sabíamos o que vinha direto da terra como a tapioca e frutas das
árvores. Coisas simples e naturais como a noite e o dia. Tudo era brega e
simples, não sei como consegui acompanhar as evoluções, mas, me superei.

Esse é um detalhe em minha vida, sempre desejei permanecer com


saúde e paz para poder realizar os meus sonhos que, diga-se de passagem,
são lindos, apenas poder ajudar a quem precisa. Mas, ainda me encontro
confusa sobre ajudar os outros, quando se tenta ser boa samaritana, se tenta
fazer de um tudo, mesmo recebendo nãos da vida. Nessa vida eu já fui muito
ajudada e assim, decidi fazer o mesmo. Reflitam, já pensaram se encontrar em
um beco sem saída e ter um amigo que estenda a mão sem você pedir...
Temos que olhar para o céu e agradecer.

Novamente o Senhor enviou o seu anjo a terra para verificar como a sua
serva estava. Parecia que ela não conseguia ter nenhum objetivo, continuava a
mesma brega. Ela não sabia se o que vivia era bom, logo por que não tinha
outra saída, nasceu e cresceu naquela vida onde todos e ninguém podia
ensinar quase todos apenas sabiam escrever o próprio nome, não tinha nem
ideia de como dar um novo rumo a vida deles. As pessoas eram como índios
faziam de tal forma por criação e herança cultural.

Mesmo com pouco estudo, meu pai quando mudamos de um sítio para
outro que só tinha uns pés de mangueiras muito velhas, ele que não era de
cultivar, plantou poucas coisas. Tínhamos 2 pés de bananeiras, 1 pé de
graviola, o resto era apenas palmeiras. Não sei bem como eu aprendi tantas
coisas, tive que usar certa sabedoria e inteligência para alcançar chegar até
essa idade, quando se tem um sonho com muita força, esse se transforma em
realidade. Contudo, tive uma infância linda com tudo de saudável que eu não
pude dar aos meus filhos por passar por grandes dificuldades financeiras. Se
vocês imaginassem o que era o Brasil e como esse evoluiu e a cada dia se
transforma mais e mais em termos de educação, é evolução. Tudo que
desejávamos naquela época era ter um Brasil melhor, seria bom se no passado
tivéssemos trabalho para todos, a pobreza seria bem menor. Com a
necessidade para sobreviver, nem todos podiam dar educação aos filhos, não
podíamos nem sobreviver direito com apenas 1 salário mínimo de R$ 200,00.
Era como correr atrás do vento. Não é fácil morar pagando aluguel, para ir
trabalhar ainda ter que pagar transporte caro, nem sei como sobrevivi a isso
tudo.

Reflito que essa rotina desgastante aumentou mais quando retornei para
a cidade grande, na época com um salário de 30 cruzeiros sendo que o aluguel
também era 30 cruzeiros. Não tinha como fazer feira alimentar para o mês,
tudo isso passei quando retornei para a serra. As preocupações de criança
eram diferentes, nos preocupávamos com obrigações como, buscar água no
riacho para os bichos. Era tudo simples, a luz era de lamparina a gás, a
40

alimentação era feijão, farinha e tempero era difícil, as vezes era sardinha
espada, tripa de boi ou o toicinho que era costume da terra. Arroz era raro, meu
pai comprava apenas 4 quilos por mês. Já macarrão nem sabia que existia. E
sacolas plásticas então... Tinha-se bolsa de palha ou saco de pano, a casa do
rico tinha portas de madeira e a do pobre eram portas de palhas de palmeiras.
A porta do meu quarto era uma esteira de palha, tudo brega já que portas de
madeiras eram caríssimas.

Ainda fosse assim, a vida de todos seria difícil. Graças a Deus hoje
estou tranquila vivendo algo que nem sabia antes que poderia ter em termos de
conforto. O passado cruel parece ter ficado para trás. Compreendo que o
passado não foi culpa dos meus antepassados, tinha que esperar a evolução
acontecer aos poucos, era como uma ostra do mar bem fechada para tudo, a
educação para eles era dessa forma. Era como diz na bíblia, eles tinham olhos
mas, não viam, tinham ouvidos mas, não ouviam. Nesse tempo até as
informações bíblicas eram através de parábolas ou latim, ficava difícil para uma
pessoa leiga aprender algo de forma total. Agora a igreja católica prega muito
mais compreensível, para todos os cristãos. Nessa época não existam tantas
outras religiões, nem drogas como existem hoje. No máximo existia o fumo e a
bebida alcoólica que não era todos que tinham condições para consumir.

A maioria das pessoas eram mais sadia, as poucas doenças eram a


gripe, sarampo, papeira, sarna, doenças que só se manifestavam uma única
vez. Eles comiam tudo e não fazia mal algum até por que as comidas eram
mais naturais. No máximo de passar mal por questões de má alimentação era
por comer muito toicinho de porco e ter uma disenteria.

Antes pouco existia até ladrão, a polícia era pouca, a maioria da


população era do bem, ninguém ouvia dizer que alguém tinha sido assaltado
ou certas atrocidades como, o pai matar o filho... Atualmente, com a
democracia e evolução do país, a maior parte da população também evoluiu,
se tornou também egoísta, cada sujeito quer ter o melhor, com isso, falta
emprego. Nem sei explicar direito o que melhorou no Brasil de ontem para o de
hoje, no passado tudo era brega, não se existia muita coisa para correr atrás,
assim permanecíamos matutos e desinformados.

Sem condições educacionais, não tinha quem ensinasse nada a


ninguém, faltava alternativas para poder mudar, até datas comemorativas não
se comemoravam como, natal, carnaval, dias das mães ou pais, só sabíamos o
que era semana santa, quaresma e a missa. Parecíamos índios catequisados
mesmo, não existiam outras culturas e rituais. O maior ritual era trabalho,
mesmo assim era feliz e não sabia que a simplicidade me trazia felicidade.

As pessoas dormiam até com as portas abertas, não existia a maldade


de hoje, era tudo de modo natural como a terra permitia. Com a modernidade
não nos sentimos seguros nem dentro de casa trancafiados. Penso que tenho
41

sido bastante abençoada de algo do tipo nunca ter me acontecido, Deus tem
me guardado. Voltando a serra novamente, minha família era divida entre os de
sobrenome Marques da minha mãe e os de sobrenome Trajano por parte de
pai. Cada qual tinha um sítio e muitos filhos. O sítio da família materna tinha o
nome de São Pedro, os dois eram separados por um riacho. O sítio da família
Trajano tinha por nome Santa Rosa. Tudo nessa época era belo, essa é minha
expressão de felicidade.

Mas, o destino veio mudar tudo, não sei explicar como uma mulher da
cidade de Sobral veio a comprar muitas das nossas terras, foi como uma pedra
no sapato incomodou a todos. Meu pai adotivo vendeu nosso sítio e comprou
um bem menor. Eu era uma criança de 4 anos de vida, me lembro de tudo, até
de quantos moradores e os nomes desses no sítio ele tinha, detalhes da casa
que morávamos. Depois que perdi minha mãe, considero essa a segunda
tragédia em minha vida, eram lembranças afetivas da minha infância que
estava me distanciando.

Então fomos morar em uma casa do mesmo jeito, que tinha duas portas
na frente, não tinha janelas, a casa era quase toda coberta com palhas de
palmeiras, era tudo a estilo da terra, não sei explicar por que a casa não era
coberta com telhas, até as paredes eram de barro amassado, não havia quem
soubesse de técnica para alisar as paredes como hoje. A segunda casa onde
vivi tinha de frente um rio e um olho d’água que nasceu por baixo de 2 pedras
grandes. O olho d’água servia para todos os vizinhos, a água era cristalina e a
melhor para bebermos. Nossas terras não tinham baixas, era muito pedregoso.
Na única parte mais baixa tinha um pé de limeira que dava frutas e uma
bananeira, 1 pé de graviola, os demais pé eram de mangueiras e palmeiras. Eu
vivi nesse sítio por 30 anos.

Na nossa família a maioria era muito rebelde, gostavam de fuxico,


colocar apelidos diminuindo uns aos outros, comparo hoje as torcidas do
Fortaleza e Ceará. Eram duas famílias que não se uniam. Agora essas
famílias se misturam, casando entre famílias, no entanto, ainda restam rixas do
passado e andam com nariz empinado de soberba. Não podemos fazer tudo
aquilo que temos em mente, nunca mantive muito contato com a família
paterna,, sempre fui inclinada para família materna que esta mais perto de
Deus e inclina para a salvação.

A minha prima que já subiu para o céu que me ensinou muitas das
coisas que sei e entendo melhor hoje, quando criança não sabia fazer muita
coisa como desenvolvi hoje, parecia que vegetava, via mais na casa dessa
prima. Uma terceira perda foi a morte na minha segunda mãe adotiva. Senti
como se faltasse terra nos pés, parecia dormente na vida flutuando. Foi como a
vida de uma princesa se desfizesse e só restou esforço para sobreviver e
sofrimento.
42

Só Deus sabe o quanto doía a saudade da minha mãe, aos 12 anos de


vida era apenas uma criança inocente, apenas estudava e brincava. Fiquei
rebelde a me ver ter tudo e do nada perder, era como se o vento tivesse levado
meu mundo embora e tivesse caído num poço profundo. Não via uma saída
dessa situação, como se fosse uma criança mimada chocada, linda e brega.
Tudo na minha cabeça antes desse ocorrido era belo, não tinha frustrações e
me deparar com a perda da mãe de forma prematura. Esse foi um grande
problema, então me percebi só com Deus e meu pai adotivo.

Passei a viver nas casas dos outros, não me deram a oportunidade de


poder estudar, antes estava num mar de rosas e no nada, me vi entrando num
mar tortuoso. Todas as coisas boas parecem ter sumido e restado apenas
empecilhos para seguir em frente, como pedras que nunca saem do lugar. De
repente nossos sonhos podem mudar totalmente o itinerário que desejamos
seguir. Como se tivéssemos duas estradas a seguir, direita ou esquerda e não
consegui decidir o certo. Nossa vida pertence a Deus, a vida pode ser como
um mar de rosas ou não.

Nos anos 1980 as coisas começaram a mudar, surgiram às rádios, os


correios, até o avião... A vila que frequentava se transformou em cidade e era
como um cartão postal a entrada rua principal com 2 pedras bem grandes. Hoje
o lugar está belo e desenvolvido, com uma praça e altar com a padroeira da
cidade, convivi com a falta de tudo no início. Carros e motos só vieram surgir
depois dos anos 1940, nem ao menos bicicleta havia, até coisas simples como
sacolas plásticas, os sacos eram de pano para carregar farinha. Tudo era muito
artesanal e aos pouco foram evoluindo.

Agora todos tem direito a educação gratuita do Governo, recebem


materiais como, livros, têm da merenda escolar a fardamento. Na época de
criança saiamos de casa apenas com o café ficávamos assim até as 12:00
horas. Eu tinha um sonho de quando concluísse os estudos na minha cidade,
minha mãe me colocaria para estudar em um colégio em Sobral. Esse não foi
possível, o destino me pregou o maior susto. Minha mãe morreu e eu me senti
sem destino, aos 12 anos de vida, perdi objetivos de vida e não encontrei
incentivos de nenhum parente para seguir em frente. Pelos menos incentivo
para continuar estudando e refletir sobre o que queria ser no futuro.

Eles não sabiam o valor do estudo, o poder de cursar uma faculdade,


isso seria um passo para o futuro. Agora os adolescentes têm tudo com
facilidade, muitos ainda não sabem aproveitar. Colocam os estudos em último
plano embaixo do tapete. Não realizei todos os meus sonhos mas, Deus me
permitiu sabedoria e recebi dele coisas que não merecia, fico contente por tudo
isso.

A cada dia ao acordar, agradeço a Deus por estar viva, ter um pouco de
saúde e ter paz. Não pensem que não tenho problemas, apenas me vejo do
43

outro lado da fronteira. Ainda me resta confusão, para ter paz é necessário ter
um objetivo fixo. Não tenho nada do que me envergonhar, sempre optei pelo
bom diálogo. Com os meus 5 filhos tive que trilhar uma estrada com espinhos e
mesmo assim, a vida continuou bela. Não sei explicar como deu certo cria-los,
mas, 1 casou com uma amazonense e tiveram uma vida como uma mar de
rosas com 2 filhos lindos, hoje bem educados. Um dos filhos é policial e vive no
Distrito Federal, a outra vive em outro país e é advogada. A esposa desse filho
foi uma boa nora, só que o destino deu rumos diferentes para eles, cada um
seguiu a vida, ela ficou com a filha e ele, veio para o natal em família. O outro
filho voltou para Manaus e casou. Depois o destino levou essa a nora para o
céu.

Ao voltar para a serra ainda em minha infância, por um tempo fui bem
criada, não faltava boa alimentação, mas, tive que seguir meu caminho. Não
tinha a mente que tenho hoje, depois dos 12 anos de vida, fiquei sem
perspectiva de futuro, não fazia nada e nem pensava em algo para mudar a
vida. A rotina era a mesma de amanhecer e fazer os mesmos trabalhos da
roça. Ficava na casa de parentes também fazendo chapéus de palha, era uma
mesmice, por que não tinha objetivo algum.

Pensava em arrumar um namorado, um homem direito que quisesse


algo sério, esse foi meu dilema, arrumei vários, mas, todos vulgares, nada de
um verdadeiro amor. E o Brasil continuou mudando, a população evoluiu, a
educação ficou melhor, distante do passado brega. No passado não tínhamos
nem meios de comunicação. Tudo era rotina ao estilo da serra, subir a mando
de uma tia idosa para buscar lenha na mata e fazer fogo para engomar os
chapéus de palha na brasa.

Eu e uma amiga fazíamos essas tarefas, arrancávamos até capim para


os jumentos ou tirávamos ramas para as vacas ou jurema para as cabras. Não
foi fácil, tudo serviu de aprendizado nessa minha vida, não podia ter a cultura
que sonhei, mas, tive o necessário para sobreviver. Então Deus mandou seu
anjo a terra para verificar como estava a sua serva. Ele viu que ela estava a
cada dia mais sem perspectiva, trabalhava em um tudo e desejava ter alegrias
e saúde. O Senhor então ordenou que nada tocasse nela. Ela iria passar por
muitas aventuras pela frente.

Ela quis mudar de rotina e mudou para casa do irmão em Massapé, foi
caminhando no trilho por onde passava o trem. Erámos tão sem condições que
não tínhamos dinheiro para passagem nesse trem. Saímos da serra para
Massapé, de lá para o Norte, era Senador Sá no mesmo sentido de quem vai
para Camocim Xaval. Infelizmente, mudávamos mais de casa do que de roupa.
Lá também tínhamos o mesmo estilo de vida como na serra, também tinha um
açude, era um lugarejo pequeno, perto da estação do trem, tudo era belo.
44

Mas, voltando a serra, tudo era repleto de grandes ladeiras, ao sair era
como se estivesse rolando ladeira abaixo. Sentia-me bem, era como se a vida
tivesse outro caminho, embora isso fosse pouco, era uma sensação boa. Não
sei por que isso fica retornando na minha mente e essa vontade tremenda de
evoluir, ter uma mente mais aberta. Penso que Deus me deu o sonho da minha
mãe que era de ver a serva do Senhor formada, estudada na cidade grande,
mas, o destino a levou para o céu. Minha mãe se foi, e senti sem chão nos pés,
era uma criança e me sentia desamparada, sem apoio me tornei muito rebelde.
Era mimada e linda, tive que aprender a trabalhar muito cedo e viver numa vida
brega na mesma rotina.

Não sabia fazer nada por que minha mãe dizia que não iria ser
chapeleira e iria estudar para não ser uma matuta, mas, tudo isso foi só um
sonho não possível de se realizar. Então tive que aprender a fazer chapéu e
como Deus permitisse. Todos faziam esses chapéus, era uma rotina brega, as
pessoas com dinheiro nos contratavam para rasparmos mandioca para fazer
farinha. Quando chegava o inverno nós plantávamos de um tudo. Isso fora o
que pude aprender, o que todos faziam, não existiam cursos para os
adolescentes terem outros objetivos em mente. Sentia que tudo aquilo era
ruim.

Dou verdade e fé nas palavras que aqui cito não desejo aumentar ou
diminuir a minha história, é assim que sinto que era. Mas, o Brasil mudou
bastante, desenvolveu e a população cresceu. Deus permitiu sabedoria aos
homens de criarem grandes projetos. Mesmo assim, ainda existem muitas
pessoas bregas sem poder evoluir por não existir educação suficiente igual
para todos. Na época escolar dos meus filhos não pude dar a melhor educação
aos 5 filhos, não tínhamos uma vida financeira boa, tentei fazer o possível para
que todos estudassem pelos menos até o primeiro ano do segundo grau e não
fossem brega como a mãe deles.

Tive que enfrentar várias dificuldades para vê-los estudando até essa
série e todos concluíram os estudos. Senti-me feliz por esse feito. Atualmente,
tudo é mais fácil, o governo oferta até universidade gratuita aos adolescentes.
Na minha época ninguém tinha aulas, o prefeito era desatualizado e não se
importava com isso, tudo era brega. Até 1958 não existiam cursos, na cidade
grande só existiam colégios particulares.

No ano de 1954 ocorreram eleições e eu pela primeira vez votei. Esse


candidato a prefeito era dono de um grande sítio, cujo nome hoje se vê dado a
colégios como, Jardim Iracema e Jardim Guanabara. Nem sei explicar se ele
foi ele que conseguiu mudar algo na nossa cidade. Também não sei dizer ou
explicar por que fui vendida como escrava para outro estado. Nesse tempo
fiquei desatualizada do que acontecia no Ceará, eu me encontrava vegetando.
45

Passei por 4 capitais, foram 6 anos da minha vida morando a beira


igarapé era terrível como me sentia, não sabia se chorava ou tinha que me
adaptar a viver ao estilo local da terra. Todos eram índios e uma cultura
ultrapassada, senti que não aprendi nada nesse tempo. Mas, sentia que Deus
me guardava das ferras, contudo, me permitiu ter 4 filhos. Não pensem que foi
fácil viver em lugar que era ilhado, só tínhamos noção de que era outro dia por
que o sol nascia.

Imagem só, uma jovem que se sentia uma princesa quando criança e via
aos 25 anos, que era maltrapilha e brega, mal amada, tinha vários sonhos que
foram desfeitos forçosamente. Ainda ter quatro filhos para criar e tentava
ensinar o mais velho a ler e escrever, não existia outra solução a não ser eu
repassar o pouco que sabia.

Só conseguia pensar antes dos meus 12 anos de vida o quanto era feliz
e não sabia. Mas, o destino não me dava oportunidade, era da roça para casa.
As crianças criaram um campo de futebol improvisado, era a única diversão
deles. Ou na época as festas de reisados. Nós tínhamos olhos, mas, não
enxergávamos solução. Nós não culpávamos nossos pais, por que nada de
educação eles tiveram para poder nos oferecer. Se não recebemos também
não podemos dar sem ter ou saber.

O país era atrasado, não existia democracia, nos anos 50 as coisas


começaram a mudar aos poucos, as profissões começaram a surgir, médicos,
cantores, tudo parecia se transformar. Os antepassados tiveram empecilhos
como pedras que atrapalhavam por que não dava para movê-las, querer mudar
algo era uma realidade bem distante. Nem consigo descrever essas mudanças
que Deus proporcionou, começamos a dar valor as coisas novas que nos eram
possíveis.

Busquei ter uma vida melhor, me relacionando mais com pessoas que
tiveram a oportunidade de estudar e absorver outras culturas, assim, conseguia
aprender algo com esses. Os sonhos também se perpassaram e alimentaram
outros sonhos, agora era de ter uma vida saudável. Busquei fazer de tudo para
me desenvolver e nada que me envergonhasse.

Na infância me deram tudo como a uma princesa e depois me senti sem


nada, o sonho durou pouco, nunca pensei que tivesse que trabalhar para
sobreviver, disse sobreviver e não viver. Sem saber de nada, era sobrevivência
mesmo. Aprendi muita coisa observando o que minha prima fazia como, limpar
uma casa, lavar roupa no rio aos sábados, na semana era a mesma rotina
onde nada mudava para melhor. Aos domingos íamos à missa. Antes tinha
tudo e nem sabia que era feliz. Era igual à música do saudoso Jose Augusto,
“era tão feliz e não sabia”... Mas, vejam só, hoje escrevo essas laudas num
intuito de fazer um segundo livro sobre a minha história de vida para deixar de
lembrança para a família. Não tenho mais nada para deixar, o que herdei foram
46

lembranças e muito amor. Não sei se fui uma boa mãe, mas, tentei de tudo
para ser a mãe mais amorosa.

Vocês podem estar lendo essas laudas e considerando que eu esteja


errada sobre a educação, mas, imaginem naquela época e agora o que é a
vida de uma pessoa pobre sem educação... Essas pessoas passam por uma
grande falta de emprego, tudo é caro, observem o tanto de gente sem fazer
nada por que não têm objetivos. Talvez não possam ser criativos por que são
bregas. Alguns como eu, com muita força de vontade darão a volta por cima,
tantos outros, infelizmente não.

Para sobreviver e dar o melhor aos meus, tiver que lavar roupa para fora
para poder comprar o leite das crianças, tinha na época uma pequena de 10
meses, ganhava apenas um salário de 30 cruzeiros para manter 7 pessoas e
ainda ter como pagar aluguel.

Era triste não ter dinheiro para poder comprar um pão, todos os dias
comíamos tapioca ou cuscuz, a chegada à cidade grande foi de tormenta. Deus
ordenou seu anjo que rondasse por toda a terra e visse como a sua serva
estava. O anjo viu que eu não estava nada bem, me encontrava bastante
confusa e triste. O Senhor ordenou: Nada toque nela. E disse que iriam existir
outros anjos sobre a terra para a ajudarem.

Hoje estou bem, peço apenas saúde. Temos tudo e não sabemos
agradecer, às vezes podemos ser bastante ingratos. Aqueles que andam e
confiam no Senhor virão as suas maravilhas e o quanto ele é bondoso. O Deus
que curou os leprosos salva até hoje muitas vidas. Sempre fui católica, peço
perdão a Deus pelo tempo que não ouvia a sua palavra, eu apenas vegetava,
não sei explicar por que me permitia isso.

Hoje tudo mudou, tenho firme a leitura da palavra de Deus, anos atrás
passei uma época sem ir a igreja, a uma missa, fui apenas 2 vezes para batizar
as 4 crianças. Isso foi um aprendizado no tempo em que era bastante brega e
ignorante, peço desculpas por esses erros.

Ficarei feliz se tiver alguém que diga: legal e como ela evoluiu e abriu a
sua mente! Compreendo que a juventude de hoje não querer guardar histórias.
Eu guardo as minhas lembranças de quando tinha apenas 4 anos de vida. Não
sei se ficou bom o que eu escrevi, penso que a avaliação é dos outros e a
história carregada de sentimentos é minha.
Imaginem o quanto foi difícil a rotina de ser brega e educar 5 filhos, era
triste ver os filhos pedindo algo e não ter como dar, passei muitas vezes por
situações assim. Ao chegar para morar na mata foi a pior coisa que me
ocorreu, a única opção era ensinar a eles a fazer chapéu de palha. Sentia-me
deslocada, como um peixe fora d’água.
47

Eu pedia a Deus uma luz e ele enviou seu anjo para ver como me
encontrava. O anjo rondou por toda terra e viu que estava passando por coisas
terríveis, precariedade financeira e a cada dia estava mais confusa. O Senhor
ordenou: nada toque nela. No decorrer da tempestade Deus enviou vários
anjos na terra para me ajudarem até chegar onde estou. Depois que comecei a
morar em Fortaleza, passei várias dificuldades, tive que morar 5 anos aluguel
caro. Então um anjo me vendeu a casa a qual moro a 45 anos. Creio que só
sairei dessa casa quando o Senhor me levar. Nessa residência ainda passei
por altos e baixos. As coisas nesse Brasil eram bem atrasadas, até para
apanhar ônibus tinha que andar muito com as crianças, tudo era bem difícil,
não tínhamos luz, nem água e muito menos asfalto. Minha filha menor tinha 5
anos de vida, e 2 filhos estudavam no bairro Parque São José e outros 2
estudavam na Parangaba.

As vagas em escolas públicas eram difíceis e para mim mesmo nunca


consegui nada. Então aprendi a me virar como podia, comecei a vender
cosméticos e peças íntimas. Com isso, as coisas começaram a melhorar. Os
filhos cresceram e tornaram-se adultos, o passado mais pesado já tinha ficado
para trás. No entanto, surgiram outros problemas, sempre observava com
paciência o que acontecia. Busquei sempre evitar ser omissa e brega. Fiz o
que pude por todos, tentei ser uma boa mãe. Meu desejo era criar todos os
filhos honestos, fiéis e dignos de fé e sabedoria.

Sinto-me tranquila, pois cada um dos filhos seguiram caminhos


diferentes e do bem. Não sei descrever qual deles esta sendo mais feliz nessa
vida. Quando o ano não estava sendo muito generoso comigo, desejava que
chegasse natal e ano novo para coisas boas virem também. Sempre refletia
como era triste não ter uma mãe enquanto tantas mães abandonam seus
filhos. No dia 24 de dezembro de 1937 eu perdi minha mãe e meu pai me deu a
uma tia para me criar. Tinha apenas 9 meses e 22 dias de nascida. Essa tia
mãe foi abençoada, me deu bastante amor. Foi igual à música de Teixeirinha
que dizia que a mãe dele foi levada por mãos estranhas.

Fui bastante feliz até os meus 12 anos de idade, mas, o destino me


pregou uma peça tristonha, tirou tudo de repente de uma criança que era
criada como uma princesa. Assim, me senti sem forças, a cada dia me
entregando a breguice. Eu queria tudo da vida e essa me deu outro rumo. Deus
enviou o seu anjo a terra para ver como a sua serva estava. Constatou que
estava bem confusa, a menina que apenas estudava e não sabia fazer nada,
agora trabalhava fazendo chapéu de palha, agora tinha parado os estudos, vive
de casa em casa de parentes, ela só desejava brincar, era apenas uma
criança.

Ela tinha tantos sonhos, a vida dela era brincar com seus irmãos, agora
não tinha ao menos roupas ou calçados. O senhor disse, ela terá que enfrentar
48

ainda muitos altos e baixos, mas, nada toque nela. Dessa forma, eu fiquei
adulta aos 12 anos, era brega e mal educada, não sabia fazer muitas coisas
domésticas. As tias que tinham máquinas de costurar não tinham a ideia e tão
pouco boa vontade de ensinar a profissão à menina.

O que aprendi foi tudo como os índios, sem exageros, nossos


antepassados sofreram várias questões. Quando eu percebi, algumas coisas
no Brasil melhoraram a qualidade de vida do povo. O nosso país esta
crescendo e saindo desse atraso. No interior faz poucos anos que chegou a luz
elétrica, antes tudo era à base da lamparina a gás, eu mesma nunca imaginei
alcançar uma vida com eletricidade. De brega hoje nesse aspecto me sinto
chique.

Poder escrever esse segundo livro aos 84 anos me faz sentir realizando
um sonho e bem lúcida. Graças a virgem Maria estou conseguindo alcançar
esse sonho. Existem alguns fatos que eu passei que não tenho coragem de
escrever nesse livro, embora não seja nada que tenha que me envergonhar.
Na comunidade em que vivo tento ser sempre uma boa samaritana. Nunca fui
de barracos, tento relevar muitos acontecimentos, o lema é tentar não se
estressar para não envelhecer mais rápido, melhor ficar calada ao que não me
desrespeita.

Penso que para esta dentro de uma comunidade temos que dar apoio
uns aos outros, é como se todos fosse uma grande família. É desagradável
voltar a alguns pontos do meu passado, convivi com problemas por vários
anos. Imaginem você não ter muita sabedoria e não saber se sair de situações
dolorosas, não tínhamos natal, para começo só tínhamos a luz do sol. As
únicas festividades para alegrar a viva no interior nesse tempo era a festa
junina e a farinhada.

Quando o inverno chegava nós tínhamos uma rotina de plantar para não
vegetar, era bastante cansativa. Quando se tinha farinhada fazíamos bejú
(grande tapioca) e também o cuscuz, de almoço muito cedo por volta das
11h00min horas da manhã, almoçávamos feijão com rapadura e abóbora onde
o caldo desse feijão engrossava como uma sopa. Vivi assim por 30 anos
durante o tempo que morei na serra. Novamente, Deus enviou o seu anjo que
rondou toda a terra para ver como estava a sua serva. Quando passei pela
cidade de Sobral e de lá retornando a serra, Deus me trouxe para cidade
grande onde resido até o presente momento com todos esses altos e baixos.

Atualizei-me, mas, demorou por que era bem brega e desinformada. O


aprendizado naquela época não tinha nenhuma ligação com nenhum objetivo,
uns só aprendiam a fazer o próprio nome e outros só aprendiam a fazer o zero
por que é redondo. Aos 12 anos de vida perdi a segunda mãe, sentia que a
vida me depreciou sendo uma criança que tinha uma vida completa de tudo,
49

era inocente, não pensava em riquezas, mas, parecia que tudo tinha se ido
junto à morte da minha mãe.

Tive que me virar sozinha até para comer, bolava de casa em casa de
familiares, aprendi logo a confeccionar chapéus de palha, também a fazer
tarefas domésticas como lavar roupas no rio e todos os trabalhos rudes que
existiam nesse tempo. Com esses trabalhos ganhava 40 centavos por dia,
tempos depois entrou em vigor o cruzeiro e por último o real. Então se seguia o
Brasil num lento desenvolvimento.

As pessoas ainda precisavam de trabalho o suficiente para que toda a


pobreza diminuisse, não sei se os governantes não podem fazer ou se sempre
existiu a maior parte da população de pobres. Aos meus 84 anos de vida, vi
muito desemprego e isso continua aumentando e a população crescendo. Até
os meus 30 anos, idade de Cristo, não recordo de que tive um natal. Cheguei
para morar na cidade em 1937, não existia desenvolvimento, ninguém sabia de
nada, depois de 1940 é que foram surgindo no Brasil escolas, hospitais,
aparelhos celular, correios, luz, água, grandes indústrias, aviões, carros e
empresas de confecções. As escolas e faculdades ensinavam profissões, isso
também se tornou um impedimento para quem não teve chances de estudar.

Agora eu estou tranquila e com fé, estou bem viva e lúcida, agora tenho
natal todos os anos. Iniciei hoje a leitura de um livro de um cantor que eu amo,
comecei a ver em sua história também muitos altos e baixos assim como a
minha vida. Só não foi idêntica a história de vida desse cantor por que ele
trabalhou como vendedor de verdura, ele tinha mãe e pai. Na roça não se tem
muita opção, se nasce e cresce brega, fui assim, só consegui desenvolver um
pouco andando de um lugar a outro convivendo com diferentes culturas e com
pessoas que tiveram a oportunidade de estudar.

Para mudar o cenário da vida é necessário também se ter atitudes e


vontade, e se manter atualizada. Meu passado foi dureza com dilemas e muito
preconceito, também soberba. Como se diz, trabalhar para pobre é pedir
esmola para dois. Meu sonho era sair daquela vida com a ajuda Divina. Era
como se na época andasse em círculos que não conseguia sair, se tivesse
educação seria outra com novos pensamentos.

Depois que a minha segunda mãe morreu fiquei sem destino, parei de
estudar. Meu pai perguntou se eu realmente não queria estudar, disse que não.
Eu só brincava com minha prima, era ingênua, certo dia minha prima comentou
e perguntou se eu estava sabendo que meu pai iria casar. Disse que não,
realmente eu era desinformada. Ainda sentia a saudade pela partida da minha
mãe. Perdi todas as expectativas de estudar, formar, fiquei desnorteada. O
destino era a vida na roça. Ainda recordo que 2 primas que puderam estudar,
tiveram sucesso, ambas moravam na cidade de Massapé, uma dessas primas
era moderna, frisava o cabelo na moda que circulava naquela época. Assim
50

também, os filhos dessas primas com pouco tempo também evoluíram


rapidamente. Esses primos ganharam dinheiro, enriqueceram, mas,
continuaram bregas.

Por mais que o Brasil tenha crescido ainda falta educação e emprego
para todos. Hoje tenho 9 netos e 10 bisnetos. Encontro-me muito feliz em tê-
los. Com a chegada da idade faço que nem a música do Zeca pagodinho, deixa
a vida me levar, vida leva eu...No passado ninguém tinha planos para o futuro,
o foco era apenas o trabalho na roça para sobreviver, no máximo casar que era
uma rotina de repetição das famílias. Não existiu um parente que dissesse, vou
dar condições para você estudar na cidade e arruma um emprego. Eram todos
bregas. Hoje o nosso país desenvolveu, mas, ainda não esta como deveria ser,
ainda existe bastante corrupção, desemprego, o Ceará ainda esta atrás de
outros estados mais modernos.

Em termos de cultura, desenvolvimento das políticas públicas, o Ceará


parece ficar atrás de estados desabrochando as suas potencias. Já vivi quase
um século e nunca tinha passado pela minha mente antes viver para ver toda a
modernidade, tentar me atualizar e acompanhar isso tudo. Também manter
meus sonhos e objetivos vivos. Hoje a maioria das pessoas têm objetivos. No
passado se não tivéssemos alguma coisa, não ficávamos estressados igual às
pessoas de agora, antes faltava algo, a gente vivia a dor calada, não tínhamos
aquém recorrer, não existia nem cartão de crédito. Eu entendia que aquela
submissão era uma vida de louco e sofrimento.

Sei que tudo mudou, menos a palavra de Deus. Muitos também


mudaram e estão mais soberbos e mesquinhos. Hoje tive um dia alegre por
que meu neto veio desejar um próximo ano maravilhoso, são coisas simples
que alegram o meu coração. Quando fui criança mal sabia escrever meu nome
e já pensava em ter uma vida melhor sem sofrimento e muitas necessidades.
Não tinha quem me desse um conselho, são sabia nem o que era felicidade, só
entendia o que era o trabalho na roça e viver daquele modo era sofrido.

Nasci em 1937, hoje já tive a oportunidade de viajar para outros estados


e conhecer novas culturas, percebi como os estados desenvolveram e tudo
melhorou. Antes a diferença que se via era a chegada da noite. Nós tínhamos
que fazer chapéus à luz de lamparina. Eu e uma prima errámos aventureiras,
subíamos a serra para pegar coco e fazer 20 litros de óleo para ganhar apenas
20 centavos. Percebam o tamanho do sofrimento e esforço que era para
sobreviver nesse passado que não esta tão distante. Penso que foi na época
do governo Getúlio Vargas que as coisas começaram a mudar, já Juscelino
Kubscheck construiu Brasília e o Distrito Federal. Esses foram grandes homens
a meu ver e não existia tanta corrupção quanto agora.

Eu pensei que depois de tantos altos e baixos e com a chegada da


democracia em nosso país poderia curtir a vida. Estou bem, no entanto,
51

repenso e fico triste por que foram muitos anos sem saber o que era vida de
verdade, tudo poderia ser diferente, se os governantes tomassem providências
dando igualdade aos cidadãos, não pude dar um bom colégio para os meus
filhos, passei maior parte da vida numa situação crítica de desconforto com
meus 5 filhos, nem se quer tive um pouco de amor e parceria, tinha dias que
não se tinha dinheiro para comprar um pão e se comia tapioca todos os dias.

Como boa samaritana suportei passar por tudo isso para ver meus filhos
criados com um pouco de amor, do mesmo jeito que tive na infância. Não vale
a pena relatar todo esse sofrimento, a virgem Maria me permitiu sair desses
espinhos, alcancei um trabalho melhor, consegui viajar para resolver
problemas, os meus filhos tiveram oportunidade de ter educação. Os filhos
cresceram e começaram a trabalhar, embora toda mão de obra fosse barata
com um salário de 30 cruzeiros.

Retornando a minha adolescência até os 27 anos vivi entre as duas


famílias paterna e materna, onde também na própria comunidade as pessoas
eram desocupadas, fofocavam, muitos egoístas e orgulhosos, uns ainda eram
bem racistas e maltratavam com palavras as pessoas negras. Creio que eles
não poderiam ser mais diferentes já que faltava a educação e orientação.
Depois eu rodei boa parte dos interiores, vi que eram atrasados, passei por
Amazonas, conheci Belém, Santarém, Feijó e a Mata e Sirigueira. Também
conheci coisas diferentes como, todos os tipos de bichos ali nativos. Era um
tipo de conhecimento local, mas, ainda me sentia brega.

Do passado eu não me orgulho por que não tive poucas alegrias e foi
mais desgostos. Eram duas famílias, a dos Marques a mais rica de gado e
terras e a dos Trajanos a que tinha menos. Como já citei, meu pai caiu na
tentação de vender nosso sítio que era grande para uma mulher rica de Sobral,
depois ele comprou um sítio menor. Essa também foi uma tristeza por que o
terreno era pedregoso e quase não se tinha nada plantado.

Então o Senhor enviou o seu anjo para rondar a terra e ver com a sua
serva se encontrava. Ele ordenou: nada toque nela, pois ela passara por
grandes tormentos. E foi assim, após a perda da minha segunda mãe. Tive que
sobreviver como um pássaro voando de galho em galho, passando viver de
casa em casa dos parentes.

Existiam várias profissões, mas, ninguém me estendia a mão para


ensinar nada. Com o passar dos anos, ao vir morar na cidade grande, uma
moça me indicou vendas, pude assim começar a vender algo, roupas íntimas e
perfumes, tudo no início foi um aprendizado. Passei por vários munícipios
vizinhos como Maracanaú e Caucaia. Hoje aos 84 anos ainda estou na ativa,
embora tenha deixado de andar. Agora eu compro e entrego para uma amiga
que é como se fosse uma irmã que vende os produtos. Eu resido em um bairro
52

e ela em outro, vou até a casa dela para prestarmos contas ou ela manda o
valor apurado. Queria ainda poder fazer isso.

Mesmo assim, esta vivendo em pleno século XXI com todas as


dificuldades que passei, me sinto feliz, gosto de poder ajudar a quem precisa,
sempre recebi pessoas em minha casa. Chegar a esse século sendo uma
brega, mas, boa samaritana, é uma dádiva Deus.

Espero poder tocar a alma sensível de quem ler esses escritos, é a


história de uma vida de superação, de uma matura que teve o privilégio de
escreve um livro com a permissão de Deus. Esse é um registro que desejo
deixar a família.

Você também pode gostar