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SEMINÁRIO PRESBITERIANO DO SUL

FLÁVIO CARDOSO DE PÁDUA

RESENHA: PARA LER A BÍBLIA COMO LITERATURA: CAPÍTULO 01


- A BÍBLIA É LITERATURA? – LELAND RYKEN

Campinas
2022
A princípio, o autor trata sobre os estudos bíblicos e seus rumos. Ele afirma que
vem ocorrendo grande revolução nos estudos bíblicos e, graças a essa revolução, há uma
crescente conscientização de que a Bíblia é um trabalho literário e necessita de uma
abordagem literária quanto sua interpretação. Esses eruditos bíblicos, que trazem essa
perspectiva, tratam os textos bíblicos como completos e acabados, e reconhecem a arte
contida na Palavra de Deus. Essa abordagem traz a ideia de que a literatura expressa a
verdade de sua própria maneira.
O foco de Ryken, neste capítulo, é expressar o que faz um texto ser considerado
literário, além de definir partes da Bíblia que se assemelham a obras estudadas nas
universidades de literatura. Para isso, ele define que textos literários são “escritas
criativas”, e não todo tipo de texto escrito.
Segundo o autor, a Bíblia é um livro de textos mistos: textos literários e não-
literários (expositivos). Algumas partes do texto sagrado são mais literários do que outros.
Porém, mesmo que seja necessário esse tipo de abordagem literária nos estudos bíblicos,
não se deve desprezar as outras maneiras de abordagem (histórica e teológica). Ele trata
a abordagem literária como uma extensão lógica do método histórico-gramatical, pois,
segundo ele, ambos os métodos se baseiam que o início do estudo bíblico se dá pelo
sentido literal (de acordo com o contexto histórico).
Para exemplificar, Ryken lança mão da parábola do bom samaritano (Lc 10.30-
36). Ele mostra que Jesus contou uma história para demonstrar quem é o próximo, em
vez de descrevê-lo com ideias abstratas. A literatura atrai a imaginação do leitor, pois tem
o objetivo de ilustrar as experiências humanas. Então, graças a essas experiências, pode-
se imaginar como se deu a cena do espancamento, do cuidado do samaritano e etc.
Segundo Ryken, dentro dos gêneros literários, essa parábola é considerada uma
narrativa (tríplice repartição, conflito, suspense, comparações, etc.). E como toda
narrativa bem elaborada, essa possui unidade, coerência e ênfase. Porém, além da
parábola ser considerada literária, o seu efeito sobre o leitor também o é, pois, a história
insere todo leitor dentro de sua trama. Por isso, a literatura é afetiva e não distante.
Outro gênero literário é a poesia. E para trazer outro exemplo, o autor utiliza o
salmo 23. A unidade desse texto está em seus versos, que seguem o mesmo estilo
gramatical (frases que se complementam). Esse estilo é conhecido como paralelismo. A
unidade do texto é anunciada pelo tema dominante: o relacionamento entre o Pastor e a
ovelha. O salmista detalha em metáforas como esse pastor cuida de seu rebanho. Por se
tratar de experiências, e não ideias abstratas, vemos como esse texto também é concreto.
Mesmo que a providência divina esteja em foco, seu termo não é mencionado uma única
vez. Quantas linhas seriam necessárias para explicar expositivamente as verdades desse
salmo?
Partindo desses dois exemplos, o autor, então, busca sistematizar os princípios da
abordagem literária da Bíblia. Ele afirma que a escrita expositiva procura transmitir, de
maneira clara, fatos sobre determinado assunto, enquanto a escrita literária demonstra a
experiência humana em vez de discorrer sobre ela (ações substituindo palavras). Por
exemplo: o mandamento “não matarás” é expositivo, mas a história do assassinato de
Abel é uma narrativa literária. Nisso, torna-se nítido que a Bíblia possui ambos os estilos
(e todos fundamentais). Porém, a obra literária será sempre mais impactante, por ser mais
vívida. Por isso, o leitor deve respeitar a natureza experiencial da Bíblia.
De acordo com Ryken, a poesia bíblica tenta demonstrar essas experiências
concretas por meio de exemplos práticos. Ansiar por Deus se torna comparável à uma
“terra árida, exausta, sem água”. Já a narrativa, mostra suas verdades por meio de pessoas
realizando tarefas diversas. Por isso, quanto mais concreta for uma história, mais literária
ela será. Ainda na narrativa, pode-se observar o discurso direto e o diálogo contidos em
boa parte da Bíblia, que retratam vivacidade literária. Até mesmo nas cartas do Novo
Testamento, essa vivacidade também se faz presente, tornando-as mais experienciais do
que tratados teológicos. Tratar a Palavra como conceituação teológica seria distorção. Se
a Bíblia é referida como luz, alimento, vestimenta, etc., estará dizendo, de maneira
sintética, mas fiel, muito mais do que várias palavras poderiam expressar.
Segundo o autor, a literatura sempre irá exigir interpretação por parte dos leitores.
Em relação às narrativas, Ryken afirma que quanto mais concreta e complexa for uma
história, mais aberta será sua interpretação. A poesia, por sua vez, também é de difícil
compreensão, em muitos casos, devido a suas metáforas e símiles. Além disso, tanto as
narrativas, quanto as poesias, nunca irão compartilhar de apenas uma resposta correta.
Essa é uma grande desvantagem quanto à abordagem literária, porém, sua vantagem está
em sua fácil recordação na mente do leitor, prendendo toda a sua atenção.
Nas palavras de Ryken, os elementos artísticos da literatura são: padrão, tema,
unidade, coerência, equilíbrio, contraste, simetria, repetição, variação e progressão
unificada. Em narrativas as formas serão de uma maneira, nos poemas, de outra. A forma
artística tem o objetivo de intensificar o impacto daquilo que foi dito. Para o autor, a
abordagem literária é sensível à beleza da Bíblia, que é indiscutivelmente um talento
artístico. Por isso, o leitor precisa estar preparado para reconhecer e desfrutar dessa arte.
Os gêneros, de acordo com o autor, são: literário (história, poesia e drama) e
expositivo (crônicas históricas, tratados teológicos e genealogias). As cartas, sermões e
discursos variam de gênero individualmente. Como cada gênero carrega seus traços
característicos, o leitor precisa compreendê-lo para não cair em interpretações errôneas.
Na Bíblia encontramos os gêneros literários, expositivos e mistos. Porém, em todos os
livros serão encontrados traços literários (narrativa, poesia, provérbios, sátiras, escrita
visionária, etc.). Na história de Abel e Caim, pode-se observar a grande quantidade de
linguagem figurada. Até mesmo nas partes mais teológicas, nas cartas, os autores bíblicos
lançaram mão de linguagem poética.
Por fim, Ryken afirma que é impossível se separar a forma do conteúdo (o que foi
dito de como é dito). Reiterando, ele afirma que a unidade é fundamental para a literatura
e que uma abordagem literária procura sempre padrões literários e totalidade. Mas, ainda
hoje, existe uma grande divisão dos textos bíblicos. Por parte dos liberais, as divisões se
dão em suas tentativas de taxar aquilo que foi produzido originalmente e o que foi
acrescentado posteriormente. Da parte dos conservadores, as divisões ocorrem em suas
tentativas e tratar versículos como esboços teológicos ou como prova textual. Então, mais
uma vez, o autor afirma a importância da abordagem literária, pois, ela é a abordagem
que trata a Palavra de Deus em sua unidade.
Esse texto é bastante fluido e de fácil compreensão, com subdivisões que deixam
o texto muito claro e compreensível. Consegui, enfim, compreender a real importância da
abordagem literária, visto que boa parte da Bíblia utiliza desse tipo de linguagem. Não
consegui perceber nenhum erro do autor, enquanto defendia sua tese, visto que ele não
descarta nenhum outro tipo de abordagem.
É um texto que recomendarei para todos os meus irmãos e amigos que estão na
empreitada acadêmica, pois, como foi um texto que me ajudou e me ajudará em minhas
futuras interpretações, creio que também irá colaborar para o crescimento deles.

RYKEN, Leland. Para ler a Bíblia como literatura. São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p.
9-30.

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