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A poesia bíblica

Vimos que a narrativa é o gênero literário mais comum na Bíblia. A


poesia vem logo atrás. Cerca de um terço do Antigo Testamento foi escrito em
forma poética. Para dimensionarmos esse dado, pense que se juntarmos toda
a literatura poética do Antigo Testamento num só volume teremos uma obra
mais volumosa que todo o Novo Testamento. Uma das marcas distintivas da
poesia é o uso de figuras de linguagem, sobre as quais já estudamos.
Certamente que o livro dos Salmos é a poesia mais conhecida da Bíblia,
seguido de Provérbios (KAISER, 2002, p.81).
Narrativa e poesia são gêneros literários distintos. E a poesia bíblica tem
uma particularidade em relação às formas e usos da poesia no Mundo Antigo.
Essa particularidade é a maneira como os escritores do Antigo Testamento
usavam a poesia de modo separado das suas narrativas. Robert Alter, um
importante estudioso da literatura hebraica, explica assim:

Talvez a maior peculiaridade da poesia bíblica entre as literaturas do


antigo mundo mediterrâneo seja o aparente evitar da narrativa. Os
escritores hebreus usavam versos para canção de celebração, canto
fúnebre, oráculo, oratória, profecia, argumento reflexivo e didático,
liturgia e, muitas vezes, como um reforço ou resumo inserido nas
narrativas em prosa – mas apenas marginal e minimamente para
contar uma história (ALTER, 1985, p. 27 – tradução minha).

Notemos também o uso da poesia no Antigo Testamento, resumido por


Alter. Eles expressavam poeticamente o que viviam, sentiam, pensavam,
almejavam. Vemos a poesia formando canções de celebração a Deus por sua
intervenção na vida do povo, concedendo vitória na guerra, por exemplo. Mas
também cantos fúnebres ou uma reflexão sobre as angústias da vida, pois a
poesia também era usada para falar com Deus ou consigo mesmo sobre o
sofrimento, a brevidade da vida, o medo, enfim, a angústia da existência
humana. Profetas transmitiram ao povo a palavra de Deus por meio da poesia.
A análise poética da Bíblia é uma área bastante complexa, pois envolve
inúmeras complicações. A primeira delas é a ausência de uma nomenclatura
única para os conceitos que a arte poética da Bíblia envolve, o que torna difícil
nomear elementos da poética bíblica e confunde a conversa sobre o tema. A
segunda é a dificuldade de tradução da poesia, visto que ela, dentre todas as
formas literárias, é a que mais usa figuras de linguagem. Sendo que as figuras
de linguagem são extraídas do mundo concreto dos escritores, as distâncias
linguísticas, culturais, geográficas e históricas em relação a nós, tornam a
tradução da poesia uma tarefa quase impossível. Há quem diga que realmente
não existe tradução de uma poesia, pois uma vez traduzido, perdeu-se a sua
referência às figuras tiradas do mundo da experiência do autor do texto. Nesse
caso, o que acontece é uma reescrita do texto em outra língua. Por isso, é
comum que uma poesia seja mudada em uma tradução para ser compreendida
em outro idioma, ou que a alteração no conteúdo aconteça para preservar a
métrica e a sonoridade, como é o caso comum da tradução de músicas. A
análise poética da Bíblia, ou poetologia bíblica, é um campo tremendamente
vasto e complexo. Walter Kaiser nos alerta sobre essa limitação que temos no
campo da interpretação da poesia bíblica:
Apesar da quantidade de poesia na Bíblia e a riqueza do nosso
conhecimento acerca de poesia clássica dos poetas gregos e latinos,
os intérpretes da Bíblia muitas vezes desconhecem as exigências
hermenêuticas especiais da poesia. Parte do problema está dentro da
própria disciplina de interpretação da Bíblia, pois algumas das mais
importantes decisões sobre como devemos tratar a poesia ainda não
foram resolvidas satisfatoriamente pelos estudiosos desse gênero
literário. Isso significa que devemos sempre ter uma atitude mais
hipotética na interpretação da poesia bíblica (KAISER, 2002, p. 82).

Cientes dessa complexidade, voltaremos os nossos olhos agora para o


que está ao alcance de todo leitor da Bíblia e nos ocuparemos com as
principais características da poesia bíblica.

1.1. As principais características da


poesia bíblica
O que podemos saber sobre a poesia bíblica que esteja em nosso
campo de atuação como leitores e intérpretes que buscam a compreensão do
texto bíblico? Vamos olhar para alguns desses aspectos da poesia bíblica,
começando pelos tipos de poesia.


 A poesia lírica era usada para ser cantada ou acompanhada por
instrumentos musicais. O melhor exemplo desse tipo de poesia é o livro
dos Salmos. Esse é um elemento comum entre a poesia bíblica e a
grega. Havia uma relação íntima entre a poética e a música, as duas
eram importantes para que o povo se expressasse religiosamente. Essa
é a razão pela qual a música e a poesia são tão marcantes na Bíblia.


 A poesia didática consiste em ditos e frases, por meio dos quais se
comunica a sabedoria voltada para os assuntos do cotidiano. É a poesia
da reflexão sobre si, sobre a vida, sobre Deus e as fronteiras de todas
essas dimensões da experiência da vida. Eclesiastes e Provérbios são
os melhores representantes desse tipo de poesia.


 A poesia dramática é composta por diálogos, em que diferentes
personagens interagem entre si, argumentam, contra argumentam,
complementam-se. É o que encontramos em Jó e Cântico dos
Cânticos.


 O paralelismo tem sido considerado como um elemento característico da
poesia hebraica. Ele consiste na correspondência de um verso com
outro, ou de uma linha com outra. Essa equivalência pode ser uma
reafirmação pelo uso de sinônimos, por exemplo, ou também pode ser
um contraste. Existem três tipos de paralelismo:


 Paralelismo sinonímico. Quando a segunda linha repete o que foi
dito na primeira usando palavras que não adicionam nem subtraem
o significado da primeira linha. Basicamente, a segunda linha
funciona como um sinônimo da primeira. Nesse caso, as palavras,
os conceitos e as ideias principais são relevantes para a
interpretação. Exemplo:[1]

Levantam os rios, ó SENHOR,


levantam os rios o seu bramido;
levantam os rios o seu fragor (Salmos 93.3 – ARA).


 Paralelismo antitético. Quando segunda linha afirma o contrário da
primeira, criando um contraste ou uma negação. Exemplo[2]:

Pois o SENHOR aprova o caminho dos justos,


mas o caminho dos ímpios leva à destruição! (Salmos 1.6 – NVI).
Como jaz solitária
a cidade outrora populosa! (Lamentações 1.1a – ARA).


 Paralelismo sintético. Quando uma frase resume ou completa o
sentido da outra. Esse tipo de paralelismo é menos comum que os
anteriores, o que impede um consenso entre os especialistas quanto
a ele. Mesmo assim, o encontramos em alguns textos. Exemplo[3]:

Cria em mim, ó Deus, um coração puro


e renova dentro de mim um espírito inabalável (Salmos 51.10 –
ARA).

Resumindo, a poesia bíblica é composta por figuras de linguagem e


estilos poéticos. Nos poemas, o principal modo de falar do sagrado é a
analogia, comparando uma verdade eterna com algo do cotidiano. Na
composição dos poemas, a escolha das palavras era cuidadosa a fim de criar
sonoridade e ritmo, sem a necessidade de criar rimas ou de seguir uma métrica
(SILVANO, 2014). Dessa maneira, a poesia fornece um meio em que “aprende-
se [...] mais pelos sentidos do que pela explicação pura e simples” (REINKE,
2014, p. 52). Existem muitos outros elementos característicos da poesia bíblica,
mas somente a literatura especializada poderá fornecer ao estudante essas
informações.
[1] Veja mais exemplos de paralelismo sinonímico em: Jz 5.28; Pv 1.8, 3.13,14,
4.24, 19.6.

[2] Veja mais exemplos de paralelismo antitético em: 1Sm 15.22; Sl 32.10; Pv
10.1,2, 11.19, 13.7, 30.21-23.

[3] Veja mais exemplos de paralelismo sintético em: Sl 1.3, 19.8-10, 148.7-12;
Pv 14.27. 21.28.

A função da sabedoria na Bíblia

Embora toda a Bíblia seja uma fonte de sabedoria (2Tm 3.15-17), a


sabedoria bíblica é composta por uma ampla coleção de ditados provenientes
de uma tradição oral e posteriormente escritos, compostos para ensinar o povo
de Deus a viver na presença de Deus. Em outras palavras, a sabedoria bíblica
ensina o povo a temer o Senhor.

Com efeito, segundo uma experiência inculcada muitas vezes, o


elemento central do conhecimento é o temor de Deus (Pv 1.7; 9.10;
15.33; Jó 28.28; Sl 111.10). Isso se aplica à competência profissional,
a um estilo de vida razoável e às decisões sociais e políticas. Quem
quiser julgar devidamente o ser humano em suas possibilidades deve
ter em conta a importância do temor de Deus para suas percepções.
[...] O temor de Deus é o elemento central da sabedoria, porque a
sabedoria é, em primeira e última instância, a sabedoria de Deus da
qual o ser humano participa por meio de poucas palavras sussurradas
que percebeu (WOLFF, 2007, p. 312-321).

O temor do Senhor é o que vinculava a promessa de Deus aos


patriarcas à lei e à sabedoria. Desde Gênesis, o temor a Deus deve produzir
obediência e fé na promessa de Deus. Isso está representado na obediência
de Abraão, quando lhe foi exigido entregar o seu único filho, Isaque, em
sacrifício ao Senhor (Gn 22). Aqui, a prova da obediência e da fé se torna uma
constante na jornada de Deus com o seu povo. Quando a lei foi entregue por
Deus, que aprendemos na unidade anterior, o seu cumprimento era uma
questão de lealdade ao Deus com quem o povo estava aliançado. Mas é no
livro de Deuteronômio que o temor do Senhor se torna um foco ainda mais
ajustado (veja: Dt 4.10; 5.29; 6.2,13,24; 8.6; 10.12,20; 13.4; 14.23; 17.19;
28.58; 31.12,13). O ensino de Deuteronômio acerca do temor ao Senhor era
totalmente prático, sendo a resposta do povo ao que ouviu e aprendeu da
palavra de Deus. Temer ao Senhor é entregar-se a ele pela fé. Para tanto, era
necessário que o povo de Deus aprendesse a temer ao Senhor e ter no temor
ao Senhor o princípio orientador para todos os aspectos da vida, o que incluía
a obediência, o amor, a lealdade e a adoração (KAISER, 2017, p.142-144).
Essa é a função da sabedoria: ensinar o povo a temer ao Senhor:
O temor do SENHOR
é o princípio do conhecimento,
mas os insensatos desprezam
a sabedoria e a disciplina (Pv 1.7).

Agora que já se ouviu tudo,


aqui está a conclusão:
Tema a Deus
e obedeça aos seus mandamentos,
porque isso é o essencial para o homem (Ec 12.13).

Mas o que é a sabedoria? Hoje associamos a sabedoria com


conhecimento. Logo, sabedoria, como o conhecimento, ganharam o sentido de
quantidade de informação adquirida. Porém, sabedoria não é isso. Ser sábio é
ter a capacidade de tomar decisões corretas mesmo que resultem em prejuízo
pessoal ou sofrimento. Na Bíblia, é decidir segundo a vontade de Deus.
Sabedoria, portanto, é capacidade de discernimento moral.
A Bíblia nos apresenta o ser humano como que a caminho da liberdade.
Nessa jornada acontece o constante aprendizado. Por isso, a sabedoria é o
que o ensina a lidar com o mundo e com os outros seres humanos. Já que é
aplicada ao cotidiano, a sabedoria deve ser aprendida durante toda a vida.
Esse processo educacional acontece em diversos lugares: no lar, entre amigos,
na escola. O convívio do povo de Deus com a sua palavra é orientador para
todos os aspectos da vida em sociedade. É por isso que os ditos de sabedoria
falam das coisas simples do cotidiano no lar, como também da conduta dos
reis e dos mestres.
Assim como há salmos em outros lugares da Bíblia – e não só no livro
de Salmos –, também esses quatro livros não são compostos exclusivamente
de textos sapienciais. Apesar disso, prevaleceu a classificação vide a grande
maioria deste estilo presente nos livros. Em cada um dos livros prevalece um
tipo de sabedoria diferente. Veja a tabela abaixo:

Sab
edor
ia
esp
ecul
ativ
a

acer
ca
da
injus
tiça
da
vida

Pro Sab
vér edor
bio ia
prov
erbi
al
acer
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s
de
atitu
des
práti
cas

Sab
edor
ia
esp
ecul
ativ
a
aplic
Ecl ada
esi de
ast form
es a
cínic
ae
com
real
ce à
sab
edor
ia


ntic
o
dos Sabedoria lírica e dramática acerca do sexo

ntic
os

O livro de Provérbios é um ótimo exemplo tanto da essência da


sabedoria bíblica, como também de como devemos proceder ao interpretar
esse tipo de literatura. Para finalizar essa unidade, dentre os livros sapienciais
do Antigo Testamento, tomaremos Provérbios como exemplo para oferecer
algumas diretrizes hermenêuticas. Não temos como abordar todos os livros,
então novamente recomendamos a literatura especializada, como também,
uma boa obra de introdução ao Antigo Testamento acerca da literatura de
sabedoria:
3. Um exemplo: Provérbios

Um provérbio não é uma afirmação completa e absoluta a respeito da


verdade das coisas, antes, é um estilo literário cheio de ritmo, repetição de
sons, vocabulário próprio e figuras de linguagem, além de sempre serem
curtos, para que facilite a memorização dos ensinamentos gerais e breves
sobre uma vida boa. Por isso, é necessário cautela para não fazer uma
interpretação literal dos provérbios, nem os aplicar em qualquer situação.
Lembre-se: provérbios não são promessas categóricas e sempre aplicáveis,
mas sim verdades gerais e sugestões especiais que devem ser analisadas em
seus próprios termos.
Os objetivos dos Provérbios são revelados logo no primeiro capítulo,
dentre os quais se destaca a sabedoria e a prudência.

Eles ajudarão a experimentar


a sabedoria e a disciplina;
a compreender as palavras
que dão entendimento;
a viver com disciplina e sensatez,
fazendo o que é justo, direito e correto;
ajudarão a dar prudência
aos inexperientes
e conhecimento e bom senso aos jovens (Pv 1.2-4).

Como vimos, o pressuposto de toda a sabedoria é o temor a Deus,


assim, o relacionamento com Deus precede o comportamento ético. Já que
Provérbios fornece conselhos para a vida cotidiana, sendo que a maior parte
deles quase não faz menção direta a Deus, precisamos observar os discursos
acerca da sabedoria nos capítulos 1.8-9.18. Eles servem como um guia
hermenêutico para a interpretação do livro todo, já que fornecem um sólido
suporte religioso e teológico aos provérbios encadeados a partir do capítulo 10
(DILLARD, LONGMANN III, 2006, p. 228,229).
Fee e Stuart (2011, p. 209-216) fornecem algumas importantes diretrizes
a interpretação de provérbios.
Em primeiro lugar, os provérbios não são garantias legais da parte de
Deus. Embora eles abordem a vida cotidiana com conselhos sobre o que fazer
e o que não fazer, não há garantias divinas de que haverá sucesso em todos
os casos. Eles mencionam bênçãos e recompensas no sentido de
probabilidade e não como um compromisso divino de abençoar e recompensar
o bom procedimento ou amaldiçoar o mau procedimento. Por exemplo, 15.25:
“O SENHOR derruba a casa do orgulhoso, mas mantém intactos os limites da
propriedade da viúva.” Todavia, sabemos pelos próprios textos bíblicos que
propriedades de viúvas foram violadas por fraude ou credores cobiçosos (veja
Mc 12.40 e Jó 24.2,3), e que orgulhosos vão bem na vida e se tornam motivo
do questionamento dos justos (veja Sl 73.1-12). Quando lemos esse provérbio,
e outros exemplificados nesse, ao lado de passagens como Pv 23.10,11 e Lc
1.52,53, veremos que o seu real significado é a certeza de que Deus está do
lado daqueles que foram vitimas das injustiças desse mundo, dos oprimidos, da
viúva e do órfão, e se opõe aos orgulhosos e gananciosos.
Em segundo lugar, os provérbios devem ser lidos como uma coletânea.
A má compreensão de um provérbio isolado do restante das Escrituras pode
nos conduzir a práticas inapropriadas. Por exemplo, alguns dos provérbios
usam o recurso literário da hipérbole, como 21.22: “O sábio conquista a cidade
dos valentes e derruba a fortaleza em que eles confiam”. É evidente que a
pessoa sábia não vai literalmente atacar uma cidade ou derrubar uma fortaleza.
O que o provérbio ensina é que a sabedoria pode ser mais desejável e
poderosa do que o poder militar, ou fortificações de uma cidade. Portanto, um
retrato simbólico do poder da sabedoria.
Em terceiro lugar, os provérbios utilizam um tipo de redação para serem
memoráveis e não para serem teoricamente acurados. Em outras palavras,
nenhum dos provérbios contém uma declaração completa da verdade. Os
provérbios são breves e parabólicos na declaração dos seus princípios. Esse
fato sobre eles exige do leitor maior bom senso interpretativo para não concluir
precipitadamente o que tão poucas palavras figurativas querem dizer.
Em quarto lugar, como um desdobramento da terceira diretriz, os
provérbios precisam de uma boa tradução para ser devidamente apreciados
hoje. Isso porque, como já enfatizamos, a linguagem figurada do texto poético
é extraída do mundo da experiência dos autores e dos ouvintes/leitores. Assim,
a distância entre nós e eles é um impedimento ao entendimento direto do
significado dessas palavras. Para seguir essa diretriz, faça uma comparação
entre as traduções e busque um bom comentário bíblico específico para
explicações do significado dessas palavras e exemplos de coisas que não
fazem parte do nosso mundo de hoje, mas que eram o cotidiano daquelas
pessoas.
Essas diretrizes foram alistadas por Fee e Stuart em nove conselhos ou
regras para termos em mente ao ler os provérbios:

1.
2. Os provérbios são frequentemente parabólicos.
3.
4.
5. Os provérbios são intensamente práticos, não teoricamente teológicos.
6.
7.
8. Os provérbios têm uma redação memorável, mas não tecnicamente
precisa.
9.
10.
11. Os provérbios não objetivam apoiar o comportamento egoísta – muito
pelo contrário!
12.
13.
14. Os provérbios que refletem fortemente a cultura antiga podem precisar
de uma “tradução” sensata, para que sua relevância não se perca.
15.
16.
17. Os provérbios não são garantias da parte de Deus, mas sim diretrizes
poéticas para o bom comportamento.
18.
19.
20. Os provérbios podem empregar linguagem altamente específica,
exagero ou qualquer uma das variedades de técnicas literárias para
transmitir sua mensagem.
21.
22.
23. Os provérbios dão bons conselhos para abordagens sábias de certos
aspectos da vida, mas não são exaustivos naquilo que abrangem.
24.
25.
26. Empregados de forma errada, os provérbios podem justificar um estilo
de vida estúpido e materialista. Empregados de forma correta, os
provérbios fornecerão conselhos práticos para a vida diária.

1. A organização dos livros proféticos

Chamamos de profetas literários aqueles que possuem livros com os


seus nomes. É o caso de Isaías, Jeremias, Amós, Ezequiel etc. Esses profetas
tiveram as suas profecias conservadas em forma de texto. A divisão da Bíblia
cristã se dá entre profetas maiores e profetas menores. “Maior” e “menor”
designam o tamanho dos registros textuais que deles foram preservados, e não
em sentido de importância ou cronologia. Porém, essa divisão é pouco
proveitosa. Os profetas pré-literários são aqueles que não deixaram – ou dos
quais não foi preservado – um livro próprio. Sobre esses profetas temos
apenas referências e breves relatos, especialmente nos livros de Samuel e
Reis. Por exemplo: Natã, Elias e Eliseu.
Uma organização mais adequada dos livros proféticos os divide por
períodos históricos. Foram três períodos:

a.
b. A profecia pré-exílica, que data de 750 a 586 a.C. No século VIII a.C.
estão os profetas Amós e Oseias (Israel), e Isaías e Miqueias (Judá). No
século VII a.C. estão os profetas Naum, Sofonias, Habacuque e
Jeremias.
c.
d.
e. A profecia exílica, que data de 586 a 538 a.C., período de atividade do
profeta Ezequiel.
f.
g.
h. A profecia pós-exílica, que data de 538 a 460 a.C., período de atividade
dos profetas Ageu, Zacarias e Malaquias (SAYÃO, 2012, p.138,139).
i.

Essa divisão mais adequada permite que visualizemos outro importante


elemento sobre a profecia no Antigo Testamento. Pois, as três divisões acima
referem-se à profecia clássica, que foi a atividade profética desde o século
VIII a.C. até o século V a.C. Porém, não foi nesse período que a profecia surgiu
na história bíblica de Israel. Os antecedentes da profecia clássica remontam
a um período muito anterior. É em Moisés que encontramos o profeta sem
igual, que se torna uma referência de ofício profético (Dt 34.10-12). Mas o
primeiro fenômeno profético de Israel aconteceu no século XI a.C., cuja
característica marcante era o êxtase (veja 1Sm 10.5).

Tais comunidades proféticas parecem ter se estabelecido tendo até


mesmo seus líderes específicos. Daí a ideia de “escola dos profetas”.
Nesse contexto surgem as figuras de Elias e Eliseu. Apesar de serem
caracterizados por milagres extraordinários (Elias nem chega a
morrer, cf. 2Rs 2.11-12), não são meros extáticos. Elias atua no
período de Acabe e Acazias (874-852). Não pertencia a qualquer
comunidade, e declarou guerra ao baalismo do rei Acabe, casado
com uma cananita, Jezabel. Retoma a fé em Javé em um contexto
diferente e prepara o caminho para os profetas éticos. Sua profecia
não é dirigida contra o povo, pois sua mensagem afirma que Deus
mantém seu favor para com Israel. Eliseu é chamado de sucessor de
Elias e prossegue com o mesmo zelo religioso. Todavia, manteve um
grupo de seguidores, ao contrário de Elias, e teve grande participação
política. Sua atuação se dá na época da dinastia de Jeú (SAYÃO,
2012, p.138).

2. O significado da profecia

Uma pergunta recorrente que os leitores da Bíblia fazem é se existem


profetas hoje. O Novo Testamento faz referência a profetas (Ef 4.11; 1Co
11.4,5; 12.28,29, 14.3-5, 29-32). Mas será que hoje o fenômeno da profecia é
exatamente igual ao que vemos no Antigo Testamento? Certamente que a
atividade profética do Antigo Testamento é uma referência para a Igreja.
Porém, alguns esclarecimentos precisam ser feitos para prosseguirmos.

2.1. Quem eram os profetas e o que


é uma profecia?
Profecia, geralmente, é uma palavra sobre o futuro, uma predição. Pelo
menos é assim que as pessoas costumam pensar. No entanto, a ideia de que
profecia é uma predição é restrita demais para a profecia bíblica. Se tomarmos
a profecia em Israel nesse sentido, então um profeta é um vidente, alguém que
faz uma predição de acontecimentos futuros. “Vidente”, por exemplo, aparece
em 1Sm 9.9, e fazia parte dos antecedentes da profecia clássica. No entanto, é
uma palavra anterior, que foi substituída por “profeta” (LASOR; HUBBARD;
BUSH, 2002, p. 239). Em certo sentido, um profeta também fazia anúncios
direcionados ao futuro do povo. No entanto, no Antigo Testamento a atividade
do profeta não estava limitada à predição do que ainda não aconteceu. O ofício
profético era mais amplo, pois as páginas bíblicas mostram os profetas como
pessoas comprometidas com o seu tempo.
A palavra profecia deriva do verbo grego pro-phemi, que significa “falar
diante de”, “falar em nome de”. Em linhas gerais, um profeta é um mediador
entre Deus e os seres humanos, aquele que fala da parte de Deus para as
pessoas. Por isso, os profetas eram considerados como mensageiros, porta-
vozes de Deus. Eram chamados de “homem de Deus”, “mensageiro do
Senhor”, “atalaia”. Era em nome do Senhor que os profetas exigiam mudanças
dos governantes e do povo no presente e apontavam a direção para a ação de
Deus no futuro. Eles denunciavam as injustiças dos governantes, da liderança
político-religiosa e do povo, e anunciavam a vontade de Deus. Eram pessoas
que tinham visões, sonhos e audições que eram interpretadas como
mensagens divinas. A profecia é fruto da ação de Deus, que se comunica com
o seu povo através de pessoas escolhidas. Os profetas, então, desempenham
um papel mediador entre Deus e o seu povo.
Alguns reis consultavam profetas antes de tomar uma decisão
importante (1Rs 22). Havia profetas que trabalhavam na corte, servindo o rei,
como o profeta Natã (2Sm 7; 12; 1Rs 1). O fato de um profeta trabalhar na
corte real não impedia que ele criticasse o rei. O exemplo de Natã (2Sm 12)
mostra que um profeta da corte pode ser crítico. Havia também profetas que
atuavam no ambiente do templo e estavam ligados aos sacerdotes. Podem ser
chamados de profetas cultuais. Por fim, havia os profetas independentes, que
não estavam ligados nem à corte, nem ao templo. Entre os profetas
independentes estão Elias e o seu discípulo Eliseu (1Rs 17 - 2Rs 13).
A fala do profeta é baseada na Lei. Ou seja, o profeta não carrega uma
palavra original. Certamente eles se expressaram de maneiras novas, criativas
e poéticas. No entanto, a função de suas profecias é chamar o povo ao
arrependimento baseado na Lei do Senhor. Esse é um ponto central para o
entendimento da profecia na Bíblia: a centralidade da Palavra revelada do
Senhor. Os profetas falam para fazer valer as bênçãos e as maldições contidas
no estatuto da aliança. Logo, o profeta é o agente divino para a preservação da
aliança do povo com o seu Deus.
Luiz Sayão (2012, p. 139) alistou nove temas fundamentais da profecia
clássica:


 A reafirmação do monoteísmo javista


 A universalidade de Deus


 A relação transcendência/imanência de Deus


 A santidade de Deus


 Arrependimento/perdão


 O dia do Senhor


 A justiça social


 O formalismo religioso


 O Messias

Em síntese, podemos afirmar que os profetas eram mediadores para


fazer cumprir a aliança[1]. Foi por meio deles que Deus anunciou a aplicação,
tanto positiva quanto negativa, da sua Lei, a fim de que os eventos da bênção
ou da maldição pudessem ser claramente compreendidos pelo seu povo. Como
vimos, Moisés foi o mediador da Lei de Deus quando este a anunciou pela
primeira vez, e, portanto, é um paradigma de profeta e da função que a
profecia ocuparia na vida do povo de Deus. Por meio dos profetas, Deus
relembra às pessoas nas gerações que sucederam a Moisés que, se a Lei
fosse guardada, haveria bênçãos como resultado; mas se isso não ocorresse,
o resultado seria o castigo. Portanto, a origem da palavra profética é de
fundamental importância: os profetas não inventaram as bênçãos ou as
maldições que proclamavam. Eles reproduziam a Palavra de Deus, e não a sua
própria palavra. Cada profeta desempenhou o seu ofício segundo as suas
particularidades, bem como as do seu tempo: estilo, vocabulário, linguagem,
dramatização etc. Deve-se notar também que as bênçãos ou as maldições não
garantem a prosperidade ou a miséria para qualquer indivíduo específico. Na
maioria das vezes são coletivas, uma vez que se referem à nação como um
todo. A característica comunitária da profecia é um elemento essencial para
nos aproximarmos do sentido de profecia no Novo Testamento e hoje.

[1] Conforme FEE; STUART, 2002, p. 154-159.

3. Características gerais da profecia

3.1. Formas de anúncios proféticos


A expressão mais comum utilizada pelos profetas com o propósito de
introduzir a sua mensagem vinda da parte de Deus é: “Assim diz o Senhor”.
Outra característica marcante de ditos proféticos era o anúncio da palavra “Ai”,
que provém de ritual de lamentação fúnebre. Vamos a alguns exemplos:

Assim diz o Senhor, o seu redentor, o Santo de Israel: “Eu sou o


Senhor, o seu Deus, que lhe ensina o que é melhor para você, que o
dirige no caminho em que você deve ir (Is 48.17).

Então o Espírito do Senhor veio sobre mim e mandou-me dizer:


“Assim diz o Senhor”: É isso que vocês estão dizendo, ó nação de
Israel, mas eu sei em que vocês estão pensando. Vocês mataram
muita gente nesta cidade e encheram as suas ruas de cadáveres (Ez
11.5).

Ai de vocês que adquirem casas e mais casas, propriedades e mais


propriedades, até não haver mais lugar para ninguém e vocês se
tornarem os senhores absolutos da terra! (Is 5.8).

“Ai daquele que constrói o seu palácio por meios corruptos, seus
aposentos, pela injustiça, fazendo os seus compatriotas trabalharem
por nada, sem pagar-lhes o devido salário (Jr 22.13).

Duas outras formas de profecia são o processo jurídico e a promessa.


O processo jurídico é uma forma literária alegórica em que Deus é retratado
como todas as partes envolvidas no processo jurídico (o demandante, o
promotor público, o juiz e o oficial de justiça) contra o réu, o povo de Israel. Os
elementos de um processo estão ali, explicitamente ou subentendidos:
acusação, evidências, veredito. Exemplo: Isaías 3.13-26. A promessa, também
conhecida como “oráculo da salvação”, contém referências ao futuro,
geralmente introduzidas com a expressão “Naquele dia”. Ela faz menção a
mudanças significativas, com palavras de restauração e ordenação do que está
doente, quebrado, fora de lugar na vida do povo de Deus. Fala também de
bênçãos por meio de palavras como prosperidade, vida, saúde, abundância e
segurança – todas provenientes da aliança com o Senhor (FEE; STUART,
2002, p. 165,166). Portanto, o juízo e a esperança faziam parte da mensagem
profética. Jeremias foi chamado por Deus para arrancar e despedaçar, arruinar
e destruir, bem como, para edificar e plantar (Jr 1.10). A profecia de Jeremias
não se resumiu ao juízo divino contra Judá, mas também na restauração e na
promessa da Nova Aliança.
Havia também a linguagem simbólica, muitas vezes teatral, para se
comunicar de forma lúdica a mensagem de Deus. Era realmente uma
dramatização fazia uso do componente visual, narrativo e poético para
comunicar. Foi o caso de Isaías, que andou nu em Jerusalém para advertir
Judá sobre o perigo de uma revolta contra a Assíria (Is 20.3-5); Jeremias
utilizou muitos elementos e atos simbólicos: um cinto de linho (Jr 13), renúncia
ao casamento (Jr 16.2), botija de barro (Jr 19), canga no pescoço (Jr 27),
compra de um terreno (Jr 32), pedras (Jr 43.8ss), livro (Jr 51.63ss); Oseias foi
chamado a se casar com uma prostituta e adúltera para falar da relação de
Deus (esposo) com o seu povo (esposa) – Os 1.3; 3.1-3).
Por fim, Robert B. Girdlestone elencou seis características da profecia
bíblica, mesmo que nem todas as profecias se encaixem em todas elas:

1.
2. A profecia bíblica prevê de maneira clara as coisas que estão por vir,
sem envolvê-las em ambiguidades como faziam os oráculos das nações
pagãs.
3.
4.
5. A profecia bíblica é planejada para ser uma previsão e não uma
declaração retrospectiva, uma profecia não-intencional, ou uma
adivinhação que por um acaso acabou acontecendo.
6.
7.
8. Ela é escrita, publicada ou proclamada antes da ocorrência do
acontecimento a que se refere e de um modo que não poderia ter sido
previsto pela simples sagacidade humana.
9.
10.
11. Ela é cumprida subsequentemente, de acordo com as palavras da
previsão original.
12.
13.
14. Ela não causa o seu cumprimento, porém mantém-se como testemunha
até que o acontecimento tenha ocorrido.
15.
16.
17. Uma profecia bíblica não é uma previsão isolada, mas pode estar
relacionada a outras profecias, formando, portanto, uma longa série de
previsões (apud KAISER, 2002, p.136).
18.

3.2. A profecia e a poesia


Os profetas se utilizaram de uma linguagem simbólica para comunicar
as suas mensagens. Esse recurso é importante porque ativa a imaginação e
facilita a assimilação da mensagem. Assim, ao ler e interpretar os profetas
vamos nos deparar com uma quantidade significativa de poesia. Por essa
razão, o que estudamos na unidade anterior, sobre a poesia, bem como a
literatura indicada para aprofundamento, é igualmente aplicável aqui.

3.3. A profecia como pregação


Como vimos, a uma profecia era uma forma de pregação, onde a
realidade religiosa e social do povo era confrontada pela Palavra de Deus vinda
ao profeta. Vejamos alguns exemplos.
O jejum que desejo não é este: soltar as correntes da injustiça,
desatar as cordas do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e romper
todo o jugo? Não é partilhar sua comida com o faminto, abrigar o
pobre desamparado, vestir o nu que você encontrou, e não recusar
ajuda ao próximo? (Is 58.6-7 – NVI).

Nas palavras de Isaías há duas denúncias. Uma era de ordem religiosa:


o jejum que o povo fazia não agradava a Deus. A outra era de ordem social:
havia problemas sociais, como a fome e a opressão no meio do povo de Deus.
Se o povo se arrependesse e corrigisse esses problemas, a realidade poderia
ser mudada. Isaías continua dizendo: “Aí sim, a sua luz irromperá como a
alvorada, e prontamente surgirá a cura; e a sua retidão irá adiante de você, e a
glória do Senhor estará na sua retaguarda” (Is 58.8 – NVI). Portanto, a
atividade profética tinha a função de denunciar o pecado e anunciar as
consequências, tanto positivas quanto negativas do arrependimento ou da falta
dele.
Uma profecia pode ser a predição de um evento futuro, cuja veracidade
será atestada apenas pelo cumprimento. No caso bíblico, a profecia não é uma
vidência, como se os profetas fossem como cartomantes. O Deus da Bíblia não
prevê coisas sem propósito, apenas por curiosidade. O Deus bíblico faz
promessas. Deus vê a história em seu desenvolvimento e planeja o futuro. Ao
olhar para alguns exemplos bíblicos, percebemos que quando ele fala acerca
do futuro, há duas intenções: revelar seus planos e provocar arrependimento
no povo.
Vejamos o primeiro exemplo no livro de Jonas: “A palavra do Senhor
veio a Jonas, filho de Amitai, com esta ordem: Vá depressa à grande cidade de
Nínive e pregue contra ela, porque a sua maldade subiu até a minha presença.
(...) Jonas entrou na cidade e a percorreu durante um dia, proclamando: Daqui
a quarenta dias Nínive será destruída” (Jn 1.1-2;3.4). Aparentemente, o
assunto está resolvido. Deus vai destruir a cidade de Nínive. No entanto, essa
profecia contra a cidade tinha a intenção de conduzir aquele povo ao
arrependimento. E foi o que aconteceu. A seguinte frase resume o
arrependimento daquelas pessoas: “Os ninivitas creram em Deus...” (Jn 3.5). A
consequência do arrependimento foi: “Tendo em vista o que eles fizeram e
como abandonaram os seus maus caminhos, Deus se arrependeu e não os
destruiu como tinha ameaçado” (Jn 3.10). Nesse caso, o anúncio do futuro
tinha o propósito não de destruir a cidade, mas de demonstrar a misericórdia
de Deus em perdoar aquele povo. No caso de Jonas, essa era muito mais do
que uma mensagem histórica, ocorrida com personagens no passado, mas a
mensagem sempre atual de que Deus é misericordioso até mesmo com o
estrangeiro e impiedoso, quando este ouve a sua mensagem e se arrepende.
Vamos ao segundo exemplo: “Esta é a aliança que farei com a
comunidade de Israel depois daqueles dias, declara o Senhor: porei a minha lei
no íntimo deles e a escreverei nos seus corações. Serei o Deus deles e eles
serão o meu povo” (Jr 31.33). Em outra passagem: “Darei a vocês um coração
novo e porei um espírito novo em vocês; tirarei de vocês o coração de pedra e
lhes darei um coração de carne. Porei o meu Espírito em vocês e os levarei a
agirem segundo os meus decretos e a obedecerem às minhas leis” (Ez 36.26-
27). Essas profecias foram proferidas por Jeremias e Ezequiel. Muitos séculos
depois, o apóstolo Paulo mostra que elas se cumpriram a partir da obra de
Cristo: “Vocês demonstraram que são uma carta de Cristo, resultado do nosso
ministério, escrita não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo, não em
tábuas de pedra, mas em tábuas de corações humanos” (2Co 3.3).
Nesse segundo exemplo temos uma revelação clara da intenção de
Deus, onde o cumprimento da profecia não dependia da humanidade, mas
simplesmente da vontade de Deus em realizar seu plano.

4. Diretrizes hermenêuticas

A hermenêutica aplicada aos textos proféticos consiste em ler esses


textos dentro dos seus respectivos contextos históricos. Por meio desse
procedimento, sobre o qual já aprendemos em variados momentos do nosso
curso, queremos ouvir o que Deus dizia ao seu povo naquele tempo para então
sermos capazes de compreender o sentido dessa mensagem para hoje.

4.1. Contextos
Por isso, o que aprendemos sobre contexto histórico e contexto literário
se aplicam aqui como um primeiro passo necessário. Pois somente depois de
escutar a mensagem dos profetas no seu tempo e para o seu tempo é que
seremos capazes de aplicá-la hoje. Esse é um princípio simples e elementar
que, se for desconsiderado, incorremos no erro hermenêutico: dizer hoje o que
o texto não disse no seu contexto de origem. É por desconsiderar esse
princípio hermenêutico que encontramos tantas aplicações precipitadas e
irrealistas de profecias do passado a eventos históricos de hoje.
Esse é um caso em que precisamos de ajuda das obras de introdução
ao Antigo Testamento e de comentários bíblicos especializados. Geralmente,
as obras introdutórias já nos fornecem dados necessários para entrarmos nos
livros dos profetas com segurança. Dentre elas, destaco duas sobre esse
assunto:


 LASOR, William S.; HUBBARD, David; BUSH, Frederic W. Introdução
ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2012.


 LONGMANN III, Tremper; DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo
Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2001.

O que ficará claro para os estudantes é que a primeira fonte de contexto


para os profetas é o próprio Antigo Testamento. As obras de introdução ao AT
nos ajudam a identificar a atividade profética nos livros de Samuel, Reis e
Crônicas. Em alguns casos, as fontes para contexto histórico são os próprios
livros dos profetas.
O contexto literário dos profetas deverá levar em consideração: as
características da linguagem profética e a estrutura dos seus livros.
Comentários bíblicos são as ferramentas mais importantes nesse passo.
Cada profecia ou oráculo tem o seu contexto literário, isto é, a sua
delimitação dentro do livro do profeta. O livro de Jeremias, por exemplo,
compreende um período de tempo muito extenso em que o profeta esteve em
atividade. Logo, será necessário identificar as delimitações das suas
mensagens para colocá-las nos seus devidos contextos históricos. Em Ageu e
nos primeiros capítulos de Zacarias existe uma indicação de data, mas nem
sempre é assim. É comum não sabermos quando começa e quando termina
cada oráculo, mas uma atenção especial às suas formas de pronunciamento
pode nos ajudar a identificá-los com maior segurança.

4.2. Alertas para a hermenêutica dos


profetas
Por fim, considero de grande valia três considerações de Fee e Stuart
(2002, 169-174) em forma de alertas para a hermenêutica dos profetas:
Uma precaução: o profeta como prenunciador do futuro. Já vimos o
problema do reducionismo que é pensar no profeta apenas como um vidente, e
aqui cabe uma ênfase a esse respeito: cuidado para não forçar os oráculos
proféticos para que eles sirvam ao que você gostaria que eles dissessem.
Devemos tentar escutar aquilo que Deus tem a intenção de dizer. E lembre-se:
na maioria das vezes, os profetas profetizaram a respeito do futuro imediato de
Israel, isso tem a ver com sua vocação histórico-social. E o que lhes era
imediato, para nós é temporalmente muito distante – milênios atrás.
Uma preocupação: a profecia e o segundo sentido. Existem profecias
que se cumpriram no futuro imediato, mas que ganharam sentido pleno em
Jesus. Isaías 53, por exemplo, segundo alguns estudiosos, estava se referindo
ao Rei Ciro, mas em Jesus essa profecia é plenificada em seu segundo
sentido. Assim como isso é possível, também é possível que escritores
canônicos, isto é, que foram inspirados, releiam uma profecia e deem a ela um
segundo sentido, como Paulo em 1Co 10.4, referindo-se ao milagre das águas
que brotaram das rochas com Moisés (Ex 17.1-7). Mas só escritores que foram
inspirados tiveram essa autoridade, hoje isso não acontece mais e, portanto,
devemos ler a bíblia sabendo que pelo Espírito somos iluminados em nossa
leitura, mas não inspirados e, portanto, sem a função de procurar um suposto
segundo sentido das profecias. Esse sentido mais pleno da profecia, ou sensus
plenior, portanto, precisa ter sido definido pelo Novo Testamento. Fee e Stuart
escrevem:

Não podemos reescrever ou redefinir a Escritura por nossa


iluminação. Somente podemos perceber um sensus plenior, com
qualquer certeza, portanto, depois do fato. A não ser que for definido
como sensus plenior no Novo Testamento, não pode ser identificado
como tal no Antigo Testamento por nós, conforme nossa própria
autoridade (2002, p. 172).
Um benefício final: a ênfase dual sobre a ortodoxia e a ortopraxia.
Por meio dos profetas, Deus conclamou o povo a viver o equilíbrio entre crença
correta (ortodoxia) e ação correta (ortopraxia). E ele deseja o mesmo de nós:
que à luz dos profetas possamos nos lembrar de que Deus está a todo tempo
cumprindo sua aliança, ou seja, nos chamando para um relacionamento de
amor e fidelidade. Para o nosso bem e para a sua glória.

5. A diferença entre profecia e apocalíptica

O termo “apocalíptica” refere-se a um tipo de literatura judaica, comum


em alguns textos proféticos da Bíblia, mas também em diversos “apocalipses”
judaicos, como 1 e 2 Enoque, os Testamentos dos Doze Patriarcas, o
Apocalipse de Esdras, o Apocalipse de Baruc, a Ascensão de Isaías, entre
outros. Essa forma literária está presente em partes de livros do Antigo
Testamento, como em Ezequiel, Daniel e Zacarias. Certamente os melhores
representantes da apocalíptica judaica na Bíblia são os livros de Daniel e o
Apocalipse de João. Portanto, a diferença é que a apocalíptica é um tipo de
literatura específica que foi usada em algumas partes da Bíblia, embora
poucas.
A observação dessa literatura levou especialistas a listarem algumas
características principais[2]:


 Amplo uso de imagens e símbolos;


 Representavam uma “sabedoria secreta”, acessível a poucos;


 Atribuição de visões a personagens históricos destacados da história de
Israel, como Esdras ou Enoque;


 Pensavam a vida de maneira universal e abrangente e não de pessoas
isoladas, isto é, o objeto da reflexão da apocalíptica era a perdição ou
salvação dos povos e do mundo;


 Tendência ao pessimismo, encarando o mundo e o futuro como
separados de Deus e para além da possibilidade de recuperação;


 Subdividir a história em etapas para sinalizar quando Deus haveria de
intervir, e geralmente a intervenção divina seria em breve.

[2] Conforme WEGNER, Uwe; VOIGT, Emilio. Apocalipse: manual de estudo.
São Leopoldo: Sinodal/EST, 2013. P.10.

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