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USP – Universidade de São Paulo

Trabalho de Conclusão de Curso


Psicologia histórico-cultural e a compreensão do fenômeno educativo

Alessandro Aparecido Garcia


Anderson Yoshiharo Kanaharada
Arthur Pereira Scabora
Iuri Mitika dos Santos

São Paulo, 2010.

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Professores Incompreensíveis e
Alunos Sonolentos

Trabalho Final do curso de Psicologia histórico-cultural e a compreensão do fenômeno educa-


tivo, para alunos dos cursos de Licenciatura da Universidade de São Paulo.

Alessandro Aparecido Garcia


Anderson Yoshiharo Kanaharada
Arthur Pereira Scabora
Iuri Mitika dos Santos

Professora responsável: Elizabeth dos Santos Braga

São Paulo, 2010.

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A literatura do psicólogo Lev Vigotsky, bem como dos pesquisadores de es-
tudaram sua obra, defende que as relações entre aprendizado e desenvolvimento são
interdependentes e constituem importante face da “evolução” – na falta de um termo
melhor – escolar das crianças, uma vez que é na escola onde se percebe mais nitida-
mente tal relação.

Quando se conversa com algum pai de aluno no século XXI, suas maiores
reclamações são quanto à indisciplina, violência e pouco aprendizado recorrente em
algumas escolas. Fato que não se pode negar nos dias de hoje, é que os jovens enca-
ram a escola como uma obrigação, um lugar para o qual vão porque seus pais disseram
que deviam, mas não que eles queiram estar. Uma vez em um lugar indesejado, come-
çam a buscar alternativas para tornar o lugar mais agradável para si. É a partir daí que
começa a indisciplina, na busca de divertir-se na escola.

Para analisar melhor tal quadro, realizamos duas entrevistas com alunos e
um professor que convivem diariamente com essa realidade. Na primeira, três alunas
adolescentes de um colégio particular da zona Oeste paulista, amigas de longa data e
que estão sempre juntas quando se trata de (in)disciplina. Depois, um professor de
física e astronomia, com experiência em colégios públicos e particulares de São Paulo,
com quase duas décadas de ensino. Nossa intenção era entender os principais motivos
por trás da indisciplina dos jovens, de onde nasce a violência, como o professor lida
com tais fatos (e em que isso influencia suas decisões como professor) e, principal-
mente, como as relações entre aprendizado e desenvolvimento influenciam tal situa-
ção.

Para as entrevista tanto do professor quanto das alunas, foi criado o se-
guinte roteiro de perguntas principais para guiarem o diálogo:

⋅ Quando acontecem casos de indisciplina?


⋅ Por que acontecem?
⋅ De onde vêm à amizade entre os alunos?
⋅ Em que essa amizade ajuda na vida de sala de aula e em que atrapalha?
⋅ Com quais esferas da vida escolar os alunos interagem?
⋅ Qual a dinâmica dessas interações?
⋅ Até que ponto vai a paciência do professor?
⋅ Em que isso pode influenciar no funcionamento das aulas?
⋅ Como seria a “escola perfeita”?
⋅ Que atitudes poderiam ser mudadas/melhoradas para atenuar os casos de in-
disciplina?
⋅ Que tipo de violência ocorre na escola?
⋅ De onde parte tal violência e até que ponte pode chegar?

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⋅ Que tipo de esperanças os alunos tem de futuro?
⋅ Que diferenças o ambiente no qual a criança cresceu provocam sobre tais com-
portamentos?

Tais perguntas foram realizadas de maneira indireta durante a entrevista, procurando


manter um clima descontraído, que provocasse os entrevistados a se abrirem e conta-
rem experiências da vida cotidiana dentro da escola e, às vezes, fora dela. Abaixo, se-
gue a transcrição das duas entrevistas, realizadas entre maio de junho de 2010, segui-
da de uma análise crítica das respostas obtidas.

Transcrição de entrevista com alunas de ensino médio.

Quadro geral: três alunas adolescentes (M.A., M.O. e F.A.), amigas com certo nível de
intimidade há algum tempo (uma delas foi quem escolheu as outras duas para partici-
par da entrevista), estudando há pelo menos dois anos na mesma sala do mesmo colé-
gio. Ambas foram entrevistadas ao mesmo tempo, com a intenção de que as relações
entre elas influenciassem até mesmo as respostas e o rumo tomado pela entrevista. A
transcrição é literal e, conseqüentemente, é marcada pelo vocabulário típico dos ado-
lescentes, com gírias, expressionismos e erros de concordância. Além disso, por ser
realizada com três adolescentes ao mesmo tempo, apresenta uma série de interrup-
ções e cortes, que não atrapalham a compreensão do diálogo. Anexo no final deste
trabalho está um CD com o áudio .mp3 desta entrevista.

Entrevista realizada no dia 26 de maio de 2010, na cidade de São Paulo.

E: Bom, primeira coisa que eu preciso saber é qual é a idade de vocês.


M.A.: Quinze.
M.O.: Quinze.
F.A.: Dezesseis.

E: Ok, vocês estão entre a casa dos quinze, dezesseis. Vocês estão cursando o ensino
médio...
M.O.: mm hum, segundo.
E: ...segundo ano. E vocês estudam juntas há quanto tempo?
M.A.: Eu e ela (aponta para F.A.) a gente estuda juntas há cinco anos.
M.O.: E eu estudo com elas há dois anos.

E: Ok, então as três juntas estão há dois anos?


M.O.: Isso.

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E: E como vocês ficaram amigas?
F.A.: Eu e ela (aponta para M.A.) a gente já se conhece tipo... faz tempo. A gente estu-
dou num outro colégio juntas, aí eu mudei de colégio e fui pro mesmo que o dela
(M.A.). Aí ela (M.O.) entrou depois...
M.O.: Eu entrei depois. Aí passou um tempo e assim...
M.A.: A gente não se falava muito.
M.O.: É, a gente não se falava. Fiz parte de várias panelinhas. E depois, do nada, a gen-
te começou a se entrosar, assim, por brincadeiras, mesmo na sala de aula assim, no
horário da aula, por brigas, a gente começou a conversar e viramos amigas.

E: Então, vocês se conheceram na escola. Ficaram amigas na escola.


Todas: Isso.

E: E, hoje, tendo a idade que vocês têm e estando na série que vocês estão como é
que funciona o relacionamento, amizade de vocês?
M.A.: Como assim?
F.A.: É, não entendi a pergunta.
E: Que tipo de coisa vocês fazem juntas? Como é que funciona a amizade de vocês?
F.A.: Dentro da sala de aula?
M.A.: Fora?
E: Em qualquer lugar.
M.A.: Ah, a gente sai.
F.A.: A gente passa o intervalo juntas, a gente marca de sair depois do colégio, festas...
Acontecem as coisas a gente fofoca.
M.A.: É! Acontece todo mundo tá sabendo! (risos)
M.O.: É uma relação bem legal.

E: E uma vez dentro da escola, como é que funciona isso? Por exemplo, durante aula.
Como é que funciona o relacionamento de vocês durante uma aula?
F.A.: Às vezes a gente conversa. Às vezes a gente tipo ‘deixa prestar atenção’, porque
tá precisando. Às vezes eu não entendo e aí uma explica pra outra durante a aula
mesmo.
M.O.: É, às vezes o rendimento é bom. Às vezes... É mais assim, quando a gente precisa
mesmo saber, sabendo que tá precisando, a gente presta mais atenção. Mas se todo
mundo sentar junto e ver que ninguém quer nada com nada aí fica todo mundo con-
versando, não tem jeito.
M.A.: Às vezes a gente vai pra fora... Mas tudo bem!
E: Vão pra fora por conta própria ou porque são mandadas?
M.A.: e F.A.: Também! Depende!
M.A.: Às vezes eles põem pra fora, mas às vezes o professor pergunta “alguém quer
sair?” aí a gente levanta e sai.
E: Sempre juntas?
Todas: Sempre juntas. (risos)
F.A.: E tem mais uma que também sempre tá com a gente.
E: Então vocês são uma turminha de quatro?
Todas: (risos)

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E: Certo. Com outros alunos da sala, fora vocês quatro que são amigas, então, como
é que funciona?
F.A.: Se a gente conversa?
E: Que tipo de contato vocês tem com os outros alunos da sala?
M.O.: Ah... A nossa sala sempre foi muito unida. A gente sempre...
F.A. (interrompendo): Sempre uma tá aberta com o outro.
M.O. (continuando): teve um relacionamento muito legal. A gente nunca teve proble-
ma, assim, de briga na sala...
F.A.: Ah, teve... Teve um pouco...
M.O.: Bem pouco.
M.A.: Uma vez ou outra, assim...
M.O.: É, mas sempre conseguiu resolver. A gente sempre teve... Agora, pessoas do
colégio em si têm muita rixa assim... Principalmente porque acho que, no nosso colé-
gio, pra gente se adaptar nas amizades é mais difícil. Os grupinhos já são separados.
F.A.: A gente você já entra na escola já um grupo. Pra você se enturmar naquele grupo
é muito difícil.

E: Tá. Mas a sala de vocês é bastante unida, então?


Todas juntas: É bastante unida... Quando acontece alguma coisa...
E: Todo mundo conversa com todo mundo e tal?
F.A.: Sim, sim, sim.
E: Isso atrapalha muito durante uma aula, por exemplo, o fato de todo mundo con-
versar com todo mundo?
M.O.: Às vezes...
F.A.: Ah, acho que não. Porque como todo mundo conversa com todo mundo, tem
alguém que quer prestar atenção, então já dá logo um corte porque já tem meio que
intimidade pra cortar.
M.A.: Tipo “Ai, cala a boca!”
F.A.: É, “cala a boca!”
M.O.: Mas eu acho que tipo assim, às vezes vai da pessoa. Porque às vezes a pessoa
que mais quer aprender...
M.A.(interrompendo): Não tem noção.
M.O. (continuando): ...Elas também não têm noção e quer conversar, as vezes vai pro
fundão pra ficar conversando, fazendo algazarra. Têm pessoas lá que não têm limite,
literalmente. (risos).

E: Certo. Outros alunos da escola, fora da sua sala, vocês têm algum tipo de contato
com eles?
M.A.: mm hum.
F.A.: Sim. É... Do outro segundo...
M.O.: O Segundo ano A e além das outras séries... Mas também tem muitas rixas. Tem
pessoas que a gente não suporta...
F.A.: Do primeiro eu não gosto de ninguém, converso com ninguém. Não porque eles
são menores, mas é porque são muito... chatos.
(risos).
M.A.: Insuportáveis.

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M.O.: Eu sempre tentei fazer amizade com todos assim, todo mundo sempre que pos-
sível... Mas tem pessoas que não dá. Não engole, a gente não consegue... Mas assim, a
gente tem amizades, bastante amizades no colégio... Por mais que as pessoas demo-
rem pra conseguir ter um certo relacionamento melhor, mais... É fácil, é fácil ter mui-
tas amizades.

E: Certo. Com os professores, como é que vocês se comportam, se...


M.A.: Se relacionam.
E (continuando): ...mantém em contato com o professor durante a aula?
M.O.: Olha, eu, particularmente, nunca tive problemas de brigar e xingar e ter briga
com eles, mas, tipo assim, eu sei... Mas assim, às vezes eu não gosto de prestar aten-
ção e tem professores que eu particularmente não gosto. Mas por conta da matéria
que eu tenho mais dificuldade, porque na maioria das vezes eu não gosto do professor
pela matéria, eu tento prestar mais atenção. Mas meu relacionamento eu nunca tive
briga, nunca tive revolta...
M.A.: Eu tenho. (risos)
F.A.: Eu também tenho, eu xingo mesmo.
M.A.: Eu xingo mesmo, eu falo mesmo e falo na cara.
F.A.: Eu também. Se vier me xingar, eu também xingo. Se vier XXX eu também sou. E se
encher o saco eu também reclamo.
M.O.: Às vezes eu reclamo por conta que tem professores, minha professora, por e-
xemplo, de álgebra, não tem muita paciência de explicar. E aí a gente pergunta de no-
vo ela...
F.A.: Ela fica brava! Ela acha que a gente tinha obrigação de entender na primeira vez
que ela explica.
M.O.: Ela xinga e aí é um problema.
F.A.: E o professor de história, eu, particularmente, me dá sono a aula dele. E fica vol-
tando e voltando, depois ele vai e volta e brinca no meio.
M.O.: É uma coisa meio “nada a ver”. A já matéria ajuda muito, né? Quem já não gosta
da matéria...
M.A.: É, realmente.
M.O.: Fica uma coisa bem complicada.

E: Fora da sala vocês têm algum tipo de contato com os professores ou não?
F.A.: Só quando encontra por acaso.
M.A.: É.
M.O.: É, mas tem alunos na nossa sala que tem assim, que marcam de sair, que brin-
cam...
F.A.: Os meninos. Os meninos que brincam e falam de sair, jogar bola...
E: Com os professores?
M.O.: Sim.

E: Uma boa relação com um professor: o que vocês acham que isso ajuda vocês na
hora e de estudarem e de aprender alguma matéria?

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M.O.: Nossa, acho que demais porque quando a gente tem uma boa relação eles já
têm um bom, como é que se diz?, uma boa concepção de você. Então ele já sabe como
você é, como você gosta de se entrosar e isso ajuda bastante. Se você for um aluno
que responde, que não tá nem aí pra nada, não quer saber de nada, mesmo naqueles
pontinhos que você precisa, ele nunca vai te ajudar, ele vai sempre ficar naquele re-
ceio... E eu acho que ele sempre vai estar disposta a te ajudar mais quando você preci-
sa, acho que isso facilita muito.
E: Alguma de vocês tem alguma experiência com isso já?
F.A.: Quando eu estava na oitava [série] eu fiquei de recuperação por causa de meio
ponto, na única matéria dela! Ela podia dar meio ponto e eu fiquei de recuperação. E
ela ficava me atormentando. (olha para M.A.) Você estava na recuperação comigo?
M.A.: Tava.
Todas falam e riem juntas.
F.A.: Eu fiquei muito brava.
M.A.: História!
F.A.: E assim, ela é folgada e eu não dava motivos pra ela ser folgada e aí eu respondia
e ela ficava brava, muito brava. Saía da sala.
E: Isso seria a opção contrária daquilo que eu falei: é um mau relacionamento com o
professor e o que isso atrapalha.
Todas: É.
E: Certo. Então vocês responderam uma pergunta já, né? Um mau relacionamento
com um professor vai fazer o que? Então, confirmem essa resposta pra mim.
M.O.: É, é isso.
F.A.: Eles te deixam de recuperação quando não precisa.
M.O. (rindo): É, eles podiam te dar meio ponto e não... E assim, a maioria das vezes
eles falam que não tem nenhum problema pessoal. Mas, no fundo, no fundo, eles
sempre tentam fazer alguma coisa pra ferrar a gente.
M.A.: Sempre.
M.O.: Mesmo que não seja ferrar muito mas na hora assim...
F.A.: A professora de biologia também, né? Ela vai fazer de tudo pra ferrar você.
M.O.: “Se vocês não quiserem estudar, eu também não vou ajudar. E vou fazer de tudo
pra ferrar vocês”.
M.O.: E se um faz uma besteira ele pune a sala inteira por isso.
F.A.: Eu acho isso muito errado.
M.O.: Muito errado! Eu acho que devia pegar um de cada vez. Porque tem os alunos
que querem aprender, que querem se esforçar e que precisam de nota, são prejudica-
dos por causa de um aluno da sala.

E: De que maneira vocês acham que vocês poderiam melhorar o relacionamento com
um professor, então?
M.O.: Talvez se o interesse tanto dele quanto nosso de conversar não só sobre a maté-
ria mas sobre o que a gente faz, sobre assuntos do dia a dia, assuntos que ele gosta,
acho que seria bem mais interessante. Igual com o meu professor de física. Sempre me
dei muito bem com ele, sempre conversei de tudo. Ele contou a história desde quando
ele era bebezinho até agora... Muito legal... Mas... Sei lá, não sei. (risos). Alguém fala
alguma coisa.

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M.A.: Ai, a gente é... (risos). Ó, aconteceu isso com a gente, na nossa escola: o profes-
sor de geometria. Ele entrava na sala e a gente dormia, não prestava atenção. Era mui-
to zoado. A gente colocava barulhinho de gato e ele ficava puto.
F.A.: Ele falava e a gente colocava barulho de burro.
M.A. (rindo): É, colocava som de animais. Nossa, era muito zoado. A gente aloprava a
aula dele.
M.O.: Aí a gente chegou num consenso.
M.A.: A gente teve consciência e falou assim, “ah, vamos conversar com ele”. Daí a
gente conversou e se resolveu.
M.O.: Ele entrava na sala quase chorando já... Dava muita dó.
M.A.: Tipo: “segundo B? Nossa, que raiva! Que inferno!”
M.O.: A gente se prejudica um pouco... E o ruim é que ele era novo né.
M.A.: Tipo, ele mal entrou na escola e a gente já ficava aloprando a aula dele.

E: E tem motivo pra vocês...


F.A. (interrompendo): Tem, porque eu não entendia nada que ele explicava. Falava
duas palavras e “e aí, vocês entenderam? Tudo bem?”.
M.O.: E aí a gente falava que não e ele continuava.
M.A.: É, ele ignorava nossa dúvida!
M.O.: “Ah, eu não entendi!”, “Então tá bom, então é isso”.
F.A.: Falava “Professor, vem cá, não entendi!” e ele “Peraí, já vou” e continuava falan-
do e continuava a matéria e esquecia, de tudo. A gente chegava e dormia, ninguém
entendia nada.
M.A.: Ele escrevia na lousa e a gente abaixava a cabeça e dormia. (Risos)
M.O.: É complicado... Mas era engraçado.

E: A relação de uma com a outra, entre vocês, como amigas. Em que vocês acham
que isso ajuda vocês como alunas?
M.O.: No fato de muitas vezes uma de nós saber mais de uma matéria do que a outra e
quando uma tem mais dificuldade, principalmente na hora das provas, uma poder aju-
dar a outra com mais facilidade porque, como são amigas, consegue explicar do jeito
que a outra entende.

E: Interessante. E em que isso atrapalha?


M.O.: Muita conversa. Querer contar todas as fofocas no meio da aula. Porque o en-
graçado é que, assim: quando é intervalo nunca tem história pra contar.
M.A.: Daí chega na aula, nossa, parece que surge!
M.O.: Você lembra de tudo! E quer contar tudo na mesma hora... (Risos) É difícil essa
parte. Tanto é que quando a gente mais precisa a gente precisa se afastar. Daí vai uma
pra cada canto.
E: Então vocês conseguem enxergar um limite uma hora ou outra?
Todas: mm humm.

E: Como é que vocês enxergam a formação de grupos na escola? O que vocês pensam
a respeito disso?

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F.A.: É ruim porque, tipo, tem muita panelinha. Assim: uma pessoa não consegue se
entrosar com outro grupo. Na nossa sala não, porque todo mundo é muito unido. Tem
os grupos, claro, em que um anda mais com o outro, mas todo mundo conversa. Mas é
ruim pra quem é novo, não tem muita abertura.
M.O.: É, e assim, igual a quando eu entrei no colégio que eu me sentia muito excluída
porque é difícil uma aluna ou um aluno chegar pra você e dizer “Oi, qual o seu nome?”.
F.A.: Principalmente no nosso colégio.
M.O.: Principalmente no nosso colégio! Que tem muita panelinha, muitas pessoas que
andam juntas. Pra quem é novo, acho que é muito difícil. Mas assim, os grupinhos é...
É mesmo adaptação. Você quem tem que chegar no grupo e falar “ai, eu estou afim de
participar com vocês, porque senão...
F.A.: Senão você fica sozinho.
M.O.: Você e você.

E: Como alunas, qual o objetivo de vocês? Por que vocês estudam?


F.A.: Porque eu sou obrigada!
Todas riem.
E: Tirando esse motivo.
M.O.: Esse é o motivo crucial!
F.A.: Ah, sei lá, pra poder, mais pra frente, ter um futuro bom. Eu quero fazer faculda-
de.
M.A.: Trabalhar...
F.A.: Pensando lá na frente.
M.O.: É que, assim, meu pai sempre me ensinou que educação é a única coisa que a
gente vai ter na vida pra sempre. Então acho que a gente tem que aproveitar. E agora
eu vejo que, assim, eu reclamava tanto no ensino fundamental. Reclamava de tudo.
Tudo na minha vida era uma merda. E agora eu vejo que eu podia ter aproveitado bem
mais assim, tudo. Aulas professores, brincadeiras, tudo. E aí agora eu vejo... E também
porque escola vai ser pra vida toda e nunca mais vou ter isso. Então acho que é o prin-
cipal.

E: Certo. Uma pergunta totalmente fora do assunto, mas eu fiquei curioso: vocês
falaram de faculdade, vocês pretendem fazer o que?
M.O.: Eu pretendo fazer WebDesign.
M.A.: Eu pretendo fazer Fisioterapia.
F.A.: Eu pretendo fazer Administração.

E: Legal... E em que uma influencia um pouquinho essa decisão da outra de que fa-
culdade fazer, que decisão tomar pro futuro, que caminho seguir?
M.A.: Ah, a minha prima fez fisioterapia e eu achei muito legal. Mas tipo, eu já tava
com essa idéia na cabeça, porque eu amo biologia, mexer com partes do corpo, amo. E
aí tipo, eu vi minha prima fazendo e falei “nossa, é isso que eu vou fazer”.
M.O.: Meu pai sempre foi da área da informática. Agora ele é gerente. E ele sempre
me induziu a essa parte. E como eu sempre gostei muito de artes, essas coisas assim,

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eu juntei os dois, tudo o que eu gostava, e busquei uma área que eu ia gostar de fazer
e aí achei a área que eu queria.
F.A.: Eu não sei... Eu não sei, tipo, me interessei e também é Comércio Exterior, eu
achei legal, assim, trabalhar com fora, essas coisas. Mas eu não tenho um por que.

E: Mas... O que uma de vocês influencia a outra?


F.A.: Eu acho que nada, né? Eu acho que cada uma segue quer... A gente não fala “se-
gue isso, porque é isso, isso e isso”.
M.O.: É, acho que não tem muita influência não.
E: Conselho, pedido, dica, não rolam essas coisas?
M.O.: De vez em quando rolam umas dicas.
F.A.: Tipo “isso é muito difícil”, “tem muita matemática”.
M.O.: Às vezes você fala assim “Ah, eu to a fim de fazer tal coisa”. [Aí dizem] “olha, vai
ter muito disso, presta atenção. Se você gosta disso é bom você entrar, mas senão, se
eu fosse você escolhia outra coisa”. Sempre tem uns conselhos, mas assim, acho que
afetar acho que não...
F.A.: Não vai me fazer mudar de idéia.
M.O.: É, acho que não.

E: Dentro de um grupo de amigos, vocês acham que todo mundo tem objetivos pare-
cidos?
F.A.: Do nosso grupo de amigos?
E: Dentro de grupos em geral. Do de vocês, de outros que vocês conheçam, as pesso-
as tem objetivos parecidos ou não?
M.O.: Eu acho que nos grupos, talvez sim. Por causa da convivência, do modo com que
todos... Se todos vivem no grupo é porque tem pensamentos parecidos, então talvez
elem queiram o mesmo... Não a mesma coisa, o mesmo objetivo, mas queira pelo me-
nos ter a mesma estrutura futuramente, acho que isso sim. Mas agora igual, igual, não.

E: Mudando um pouco o assunto que a gente está discutindo agora, o que vocês a-
cham mais ruim em uma aula?
M.O.: Eu acho que quando... (explica para M.A.) Assim, o que a gente acha pior numa
aula.
F.A.: Ai, escutar.
M.A.: Escutar! É muito chato!
M.O.: Acho que assim, pra uma aula ser muito chata o professor tem que estar apenas
explicando. Ele não tem um interesse, ele não quer...
M.A.: Descontrair a sala.
M.O.: É, ele não quer descontrair, ele não quer explicar do jeito que a gente quer en-
tender, entendeu? Principalmente na área de exatas que tem muitos alunos que odei-
am exatas. Eu gosto, mas tem muitas pessoas que não gostam e eu acho que tem que
fazer disso uma coisa legal pra explicar. E tem professor que explicam “isso é isso e
ponto!”. Então eu acho que eles deviam assim, desenvolver mais. “Ah, porque aconte-
ce isso...” seria bem mais legal! Pra nós alunos termos mais interesse na aula. Ficar só
explicando dá sono. Literalmente dá sono.

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E: Quando vocês gostam de uma aula, o que vocês acham melhor nela?
F.A.: O professor de biologia ele brinca meio que te aloprando, te zoando. Ele descon-
trai a aula, ele xinga, mas é brincando.
M.O.: E às vezes até nas brincadeiras dele dá pra lembrar das coisas na prova.
M.A.: É.
M.O.: Isso é o interessante! Então isso ajuda muito, o jeito que ele brinca, que ele en-
trosa com os alunos. Acho muito engraçado. Até quando ele fica... Uma vez ele tava
fazendo um teste e ele fica “A de anta” e olha pra um “B de burro” e olha pro outro,
sabe? É muito engraçado. Legal.

E: Se vocês fossem professoras agora, se vocês fossem dar uma aula agora, como
seria essa aula de vocês?
F.A.: Passar o conteúdo, claro, mas meio que descontraindo a sala. Pra não ficar uma
coisa muito formal: matéria, matéria, matéria. E chato. Porque dá sono, meu! Não tem
como. Você acorda cedo tem que ficar lá...
M.A.: Você acorda cedo e ainda tem que ficar ouvindo, ouvindo.
M.O.: Não pára de falar, nossa. Seis horas lá, só ouvindo. Eu também acho que eu...
M.A.: Eu seria bem criativa.
M.O.: Com certeza! Mais criativa o possível
M.A.: Nossa, dois!
E: Criativa como?
M.A.: Sei lá, trazer vídeo, PowerPoint.
M.O.: Sei lá, se eu desse... Fico pensando, se eu desse aula de história acho que eu ia
trazer os alunos pra frente. Acho que eu ia fazer eles contarem a história, eles projeta-
rem a história.
F.A.: Ai, eu não gostei. Ia ter a maior vergonha!
Todas riem.
M.O.: Não, pra quem tem vergonha não. Mas pros alunos que gostam é interessante!
Pros outros alunos verem que é divertido, sabe? Uma hora perde a vergonha, eu acho.
Eu acho muito legal.

E: Quando vocês fazem alguma coisa... Primeiro: tem alguma coisa que às vezes vo-
cês fazem, seja como amigas conversando e tal, que vocês realmente percebem que
os professores não estão gostando? Que tipo de coisa vocês acham que os professo-
res não curtem mesmo?
F.A: Conversar no meio de uma explicação.
M.O.: No meio da explicação, quando ele mais quer...
M.A.: Ou gritar.
M.O.: Eles falam “Gente, presta atenção hoje que vai cair na prova!”. Aí a gente levan-
ta, vai pra mesa da outra conversar.
M.A.: A gente vai jogar não-sei-o-que no lixo.

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M.O.: Ou então pega e manda bilhetinha pra outra porque sabe que... acha... Acha que
o professor não tá vendo. Aí fala “ai, eu tenho um ‘babado’ pra te contar. Não posso
perder esse!” (Risos) É muito engraçado... Muito legal...

E: Vocês conseguem se colocar no lugar dele?


M.O.: Não.
M.A.: Nossa... Bem na lata.
E: Que direto.
Risos.
M.O.: Assim, literalmente, me colocar no lugar dele não, porque eu nem imagino o que
ele deve passar. Mas eu fico com pena, eu fico pensando “deve ser ‘osso’, deve ser
complicado”.
M.A.: Deve ser tenso.
M.O.: Eu não gosto quando eu to conversando com a minha mãe uma coisa muito le-
gal, que eu acho muito legal, e minha mãe estão “mm humm, sei”.
M.A.: Odeio isso.
M.O.: Nossa, dá muito raiva.
F.A.: Eu falo tchau e vou embora.
M.O.: Dá muita raiva e aí eu brigo com ela. Deve ser a mesma coisa com relação a alu-
no e professor.

E: Tem alguma coisa que vocês fazem durante o dia e que vocês acham muito, muito
importante?
M.O.: Conversar.
M.A.: Computador. Ir pro curso.
F.A.: Telefone.

E: Se tiver alguém atrapalhando vocês fazerem isso, como é que vocês vão se sentir?
F.A.: Tipo quando ta no computador, essas coisas? Eu fico tensa. Odeio quando eu to
no computador e ficam “vem cá, vem aqui, me ajuda com o almoço”.
M.O.: Quando minha mãe fala “filha, vai lavar a louça, depois você meche”, fico com
muita raiva.

E: Durante a aula, se vocês estão assistindo à aula e prestando atenção e tem alguém
em volta conversando e atrapalhando...
M.A.: Nossa, eu mando calar a boca.
M.O.: Nossa, é muito ruim. Muito, muito ruim.
M.A.: Às vezes você tava prestando atenção naquela matéria, você precisa prestar a-
tenção naquela aula e tem gente conversando.
F.A.: E o professor não explica enquanto tem gente falando.
M.O.: E fica pausando a aula com “gente, por favor, vamos parar?”
M.A.: Aí bagunça a aula e ele não explica.
M.O.: E fica aquela coisa mal resolvida. Muito ruim.

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E: E acontece o contrário também? Outras pessoas prestando atenção e vocês con-
versando?
M.A. e F.A.: Já, já.
M.A.: Claro que já aconteceu.

E: E aí, o que vocês fazem quando levam uma bronca dessas?


M.O.: Eu sinto muita vergonha. Principalmente quando os professores querem ferrar a
sala toda por causa de um aluno e é com você mesmo. E aí você fica com o maior “ai
meus Deus, e agora?” e todo mundo fica “EEEEEEEEEE”. A cara da gente fica assim (faz
uma careta). É muito ruim. Já aconteceu isso comigo.
F.A.: Comigo não.
M.A.: Comigo não, ainda bem mesmo.

E: Cola em prova, rola?


Todas juntas: Mm hum, muita!
F.A.: Você fala que vai no banheiro e aí pega o papel.
M.O.: Pega o celular e vai pro banheiro, daí manda mensagem pra alguém falando
“vem cá!”.
F.A.: Braço, mão, perna.
M.A.: Perna, o que for preciso, celular, bolsa.
M.O.: Na carteira do outro, no chão.
Risos.

E: Qual o motivo principal da cola?


F.A.: Branco. Às vezes eu escrevo no celular.
M.A.: Tira foto!
F.A.: É, tira foto da apostila, tabela.
M.O.: Eu acho que assim, tem vários motivos: Às vezes é pelo branco. Às vezes é pelo
medo... Tipo, se você precisa muito de uma nota e você não vai conseguir, a matéria é
muito difícil e você, por desespero, cola. Às vezes é por vagabundagem mesmo, não
estuda.
M.A.: Tipo “não vou estudar mesmo e que se foda”.
M.O.: É, se eu não quero estudar, não to afim, quero sair... Daí vai lá e cola por...
F.A.: Teve uma vez que a gente pegou o gabarito da prova inteirinho, porque assim, a
mesma prova que passa pro segundo [ano] no ano que vem vai passar igualzinha. A
gente conseguiu a prova de geografia, pegou todas as questões... A menina tinha tira-
do cinco na prova, só que a gente pegou no livro, pegou todas as respostas. Acho que
eu tirei sete na prova e não tinha estudado nada!
M.A.: Mas que bonito...

E: Professor pega cola?


F.A.: Nunca me pegou.
M.A.: Dificilmente. Nunca me pegou também.

14
E: De vocês nunca, mas já viram pegar de alguém?
Todas juntas: Já.
M.O.: Mas nesse colégio não. Mas em outros colégios me pegaram já.
F.A.: Nunca me pegaram.
M.O.: Uma vez me pegaram com metade de uma cartolina embaixo da perna. (Risos).
M.A.: Nossa!!! “Aloka”!
M.O.: Eu não sabia colar.
F.A.: Nota-se.
M.O.: Uma vez, e a outra vez me pegaram passando cola.
F.A.: É, passando cola já pegaram.
M.A.: É, mas não de tirar a prova. Tipo “Ó, se fizer de novo, vou tirar sua prova”. Dão o
aviso.
E: Então, eu ia perguntar isso agora, o que eles fazem quando pegam colando?
F.A.: Às vezes dão o aviso mesmo “Se fizer de novo, vou tirar a prova”. E aí se a gente
faz de novo eles falam a mesma coisa, de novo.
Risos.
M.O.: É, alguns ameaçam demais. Outros já são meio revoltados, tipo “ZERO!” e tira a
prova.
M.A.: É, já na primeira vez zero e anota.
M.O.: Mas tem professores que são legais... “Não, mais uma vez e eu tiro”, ou fala
“Faz, mas não deixa ver”.
M.A. e F.A.: É!!!
M.O.: Se deixar ver, fica complicado.

E: E o que vocês acham da cola, afinal de contas? Olhando de fora, não olhando co-
mo alunas que estão colando durante a prova, mas como pessoas vendo a situação
“colar”.
F.A.: Acho que só prejudica a gente mesmo. Porque a gente não está aprendendo na-
da. A gente ta tirando uma nota, mas nem vai lembrar disso. Porque você só escreve,
sem saber.
M.O.: É uma nota que não é de verdade. É só pra, literalmente, conseguir a nota.
M.A.: Pra passar de ano.
M.O.: Mas, em si, a gente não está aprendendo nada.
E: São só números.
M.O.: É, literalmente. Mas a gente precisa disso pra poder passar.
F.A.: É, realmente.
M.O.: É o desespero que conta... Na hora do desespero vai tudo.

E: Entre vocês, combinar a cola, organizar a cola, acontece?


M.O.: Acontece.
Risos.
M.A.: Muito.

15
F.A.: Fala assim “eu te mando uma mensagem e você vai pro banheiro”. Daí a gente
deixa a apostila na gaveta do banheiro.
Risos.
F.A.: Tem várias maneiras.
M.A. e M.O.: Muitas.
M.O.: “Ó, você senta aqui e qualquer coisa se eu bater duas vezes na mesa você olha”,
“se eu der uma tossidinha”. (Risos).
M.A.: “Se eu coçar o cabelo você olha”.
F.A.: Ou então, faço o dois com os dedos e fica combinado, se é de assinalar e a res-
posta é a A alguém que sabe diz “Abelha!”.
M.A.: Ou grita “AI QUE CALOR!”.
Risos.

E: E vocês acham que esses métodos são meio infalíveis?


F.A.: Nunca me pegaram.
Risos.
M.A.: Por enquanto!
Risos.
M.O.: O problema é que tem aluno que não sabe colar, né? Então o professor já vê de
cara. O aluno começa a tremer a trema, olhar pro lado, suar frio. No início eu era as-
sim, mas agora, eles nunca me pegaram.
F.A.: É que eu não gosto de colar com papel, porque eu tenho medo. Se me pegarem
não tem como falar que não tava colando, eu to com o papel!
Risos.
F.A.: Não tem como, não consigo. Vou ficar sem a folha. Prefiro colar falando, ou com
o celular porque eu pago, o celular é meu, você não vai mexer.

E: Se vocês fossem professoras e pegassem um aluno colando, como vocês acham


que agiriam?
M.A.: Eu ia dar zero.
F.A.: Ah, eu não sei... Eu acho que eu ia falar “cola, porque o único que vai se prejudi-
car é você”. Mas não também “pode colar”.
M.O.: Acho que se eu ver que o cara ta colando muito na cara dura, eu tiro. Mas se eu
ver que ele ta fazendo de tudo pra esconder...
M.A.: Ele ta necessitando dessa cola! (Risos).
M.O.: Eu ia fingir que não tava vendo...
F.A.: Agora, se ficar gritando “me passa a um!”.
M.O. “Passa a dois aí!”, aí não dá, né?

E: Fora da escola, como é que funciona o relacionamento de vocês fora da escola?


Vocês já disseram que saem e tudo mais, mas falando mais de amizade, como é?
F.A.: Sempre que uma ta precisando de alguma coisa a gente liga, conversa...
M.A.: Percebe que não ta tudo bem, que ta triste...

16
F.A.: Se não quer falar, a gente “Meu, ta tudo bem mesmo? Você tava meio triste na
aula”.
M.O.: “Pode conversar, desabafa...
M.A.: Ou senão, chama pra vir em casa.
F.A.: É tipo “vamos sair! Vamos fazer alguma coisa diferente pra você não ficar triste”,
brigou com a mãe, sei lá.
M.O.: A gente sempre teve um relacionamento muito bom...
F.A.: Então, quando uma ta triste, na sala, a gente pergunta, insiste, porque a gente
quer saber! A gente não ignora, porque a gente é amiga. A gente liga, pergunta se ta
tudo bem, se quer sair, se quer conversar chama pra vir em casa, pra fazer alguma coi-
sa, pra pessoa não ficar triste.
M.O.: Uma sempre ajudando a outra e sempre que “ai, to com tédio”, “não vamo sa-
ir!”, combina de sair. Sempre muito amigas assim, nunca tivemos... É bem difícil ter
problema de briga assim, entre a gente.
M.A.: É.
M.O.: Alguma picuinha assim, principalmente agora nessa idade. A gente nunca teve
problema, assim, de briga essas coisas. Sempre muito unidas.
F.A.: A gente briga, mas assim, a gente se junta pra brigar com outro que brigou com a
gente, nunca entre nós.
E: Vocês confiam uma na outra?
Todas: Muito.

E: E, se conhecer dessa maneira, confiar uma na outra, saber o que a outra sente, o
que a outra pensa, como é que isso ajuda vocês como pessoas? Individualmente,
como é que ter amigas assim ajuda vocês como pessoas?
F.A.: Eu me sinto, tipo assim, se eu to triste eu sei que eu tenho alguém que eu posso
contar, que eu posso confiar. Que eu sei que se eu precisar vai estar lá pra me alegrar
e tal.
M.O.: Mas, eu acho assim, quando você vê a situação que a outra ta passando, pode
até ser egoísmo, mas você vê e pensa “nossa, acho que minha situação não está tão
ruim quanto eu pensava...”
F.A. e M.A.: É...
M.O.: Acho que sempre tem uma comparação tipo “nossa, ela ta sofrendo bem mais
do que eu...”. Aí você quer ajudar! Você vê que, como sua situação não ta tão ruim, o
seu jeito de ajudar é sempre melhor... Então eu acho que, nisso, me ajuda muito. E às
vezes pelos erros que elas cometem eu vejo que eu não posso cometer os mesmo se-
não eu vou me ferrar do mesmo jeito...
M.A.: Ahn? Ai, é que eu boiei um pouco na pergunta, eu tava meio voando... Desculpa.

E: Dentro da escola, ela coisa de confiança uma na outra vai funcionar como? O fato
de vocês confiarem bastante uma na outra que isso muda dentro da escola?
F.A.: Nada.
E: Mudando um pouco a pergunta, como vocês acham que seria, o que seria diferen-
te, se vocês não tivessem nenhuma amiga em quem vocês confiassem muito?

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M.O.: Ai... Eu acho que seria complicado... Porque metade do nosso dia está na escola.
Então metade dos nossos problemas são da escola. E não é legal ficar comentando
com pai e mãe porque eles sempre criticam, sempre ficam “Aahh não”, porque é tudo
sempre estudar e estudar. E quando a gente tem alguém pra confiar no colégio, uma
amiga em quem a gente confia, “ai, não to me sentindo legal, não to indo bem nessa
matéria”, aí você tem aquela amiga que sempre fica assim “não, não fica assim, se es-
força, eu te ajudo”, eu acho que é sempre melhor, sempre mais legal ter sempre uma
amiga pra confiar no colégio.

E: Colégio pra vocês representa o que? É um lugar para estudar, etc e tal, um lugar
pra encontrar os amigos, pra passear?
M.A.: Pra passear...
E: Pra passear, lazer durante a semana?
M.O.: Acho que é um pouco de tudo.
F.A.: Eu penso que pra encontrar os amigos. Porque se for só pra estudar eu não vou.
Então eu penso assim “vou ver meus amigos, então eu tenho que estudar...”
M.O.: É um pouco de tudo. É um pouco de lazer porque nem todas as aulas você fica o
tempo todo aprendendo. Acho que é pra você fazer novas amizades, encontrar novos
amigos, ter relações boas não dentro de casa, porque tem gente que tem muito pro-
blema dentro de casa e se sente melhor no colégio. Eu acho também que é aprendiza-
gem, não só a aprendizagem que a gente aprende mesmo, como coisas pra vida toda,
como aprender a confiar, aprender a respeitar o lado do outro, os limites que ele che-
ga.

E: Bom, pra mesma pergunta, cada uma de vocês às vezes dá uma resposta um pou-
co diferente. Então acho que vocês pensam diferente sobre várias coisas, por mais
que sejam amigas vocês não são a mesma pessoa. No que isso atrapalha vocês? O
fato de uma pensar diferente da outra.
M.O.: Às vezes, acho que nos conselhos. Pelos conselhos não serem muito parecidos.
Ou então por alguma atitude que uma tome com a outra ou que outros amigos tomem
com a gente que a gente não goste. E alguma não gosta mas pras outras não faz dife-
rença. Tipo, eu e ela brigamos e pra ela não é nada, pra mim é muita coisa. Então acho
que essas concepções diferentes às vezes atrapalham um pouco... Mas acho que só
nisso.
F.A.: Na hora de sair também. Uma quer ir pra um lugar e a outra quer ir pra outro. “E
agora? Pra onde a gente vai?”. Tem que decidir no dois-ou-um, sei lá.
M.O.: Tem uma nossa que sempre combina de sair com a gente, mas ela não gosta de
sair, ela prefere ficar em casa. Daí sempre na hora ela inventa uma desculpa.
Risos.

E: Vocês brigam, entre vocês?


M.A.: De vez em quando.
F.A.: É difícil. Hoje eu briguei com a minha amiga, que não é nenhuma delas (aponta
para as outras duas)... Foi por besteira, mas a gente tá de bem já.

18
E: Mas já aconteceu alguma briga de ficar alguns dias sem se falar?
M.O.: Não.
M.A.: Já, mas faz muito tempo.
M.O.: Quando eu briguei com ela (M.A.), foi sem querer, por uma atitude que eu tomei
que pra ela foi muita coisa e pra mim não foi nada. E que aí ela ficou um dia todo sem
falar comigo e no final da tarde ela veio conversar...
Risos.

E: Bom, com vocês nunca aconteceu, mas com algum outro amigo de vocês de colé-
gio e tal, já teve alguma brigar de ficar sem se falar?
Todas: Já.
M.O.: Já, muito tempo assim. Já teve até rixa de querer bater no colégio, tipo “na hora
da saída te meto a mão!”. E chamar pra querer bater mesmo.
M.A: Bater de bater mesmo, sair sangue e tudo.
F.A.: Daí a coordenadora descobriu, ia chamar a polícia...

E: E até que ponto isso atrapalha a vida da escola?


F.A.: Querer brigar?
E: É, uma briga interna ali entre os amigos, não-amigos, sei lá... O que isso atrapalha
a vida da escola, sendo o lugar pra estudar?
F.A.: Ai, é porque a gente ta na escola, vai arrumar briga? Acho que a escola tem a o-
brigação de não deixar brigar. Fazer o possível pra não acontecer isso.
M.O.: Porque na escola é lugar pra deixar todo mundo unido, interagindo.
M.A.: Não pra brigar.
M.O.: É, e ficar brigando acho que não é legal, né? Principalmente pra pessoa, porque
vão ficar ali “tretando” com ela e ela vai ficar mal assim, né? Acho que não é legal. A
pessoa fica mal tanto nos estudos quanto com as outras pessoas, porque às vezes tem
muita fofoca e tal, “ah, aquela ali é chata” e não sei o que. Fica uma concepção muito
diferente dela... Acho que esse é o problema.

E: Pra que serve a escola?


F.A.: Pra estudar.
M.O.: Estudar e fazer amigos.
F.A.: Acho que estudar e fazer amigos.
M.A.: Pra passear, vai.
Risos.
M.O.: Acorda de manhã e sai pra passear.

E: E vocês realmente usam a escola pro que ela serve?


M.O.: Então...
F.A.: Ah, sim. E a gente também faz outras coisas. A escola é pra estudar, né? Se bem
que...
Risos.

19
M.O.: De vez em quando, assim... Humano, né? Errar é humano. Mas eu uso, assim...
Eu tento absorver o máximo que eu posso, o que o professor ensina, e me divirto mui-
to também. E sempre que eu consigo eu faço sempre novos amigos no colégio.

E: Esquecendo tudo o que já falaram pra vocês, tudo o que pai, professor já falou pra
vocês alguma vez, porque vocês acham que a escola é importa?
M.A.: Pra meio que você ter uma base.
F.A.: Conhecimento da matéria, sei lá.
M.O.: Eu acho que, assim, principalmente a base. Tem matérias que a gente nunca viu.
Tem coisas que a gente nunca vai usar alguma coisa que aborde isso, mas pelo menos
pra gente ter uma base. Na vida não tem como aprender a ler e a escrever, esse tipo
de coisa.
F.A.: Matemática, pra que que eu vou usar Log? [Logaritmos]
M.A.: Pra que que eu vou usar física? Física é muito chato!
M.O.: É muito ruim estudar log!
M.A.: Log é um saco. Física é um saco, pronto, falei.

E: Que que vocês mudariam na escola?


M.O.: Alguns professores... Da minha, pelo menos. As atitudes de alguns professores.
F.A.: Eu mudaria o professor logo.
M.O.: E alguns jeitos. E também o ensino de alguns professores, o jeito que eles ensi-
nam. É, acho que isso que eu mudaria.
M.A.: Ah, eu acho que... Risos. Acrescentaria aulas de informática.
F.A.: Acho que a gente deveria ter aulas de informática, sei lá. Eu gosto de mexer no
computador...
M.O.: Acho que no ensino médio eles acham que tem que colocar mais ensino e me-
nos lazer pra gente.
F.A.: Isso acaba cansando.
M.O.: A gente só tem educação física e cansa! Devia ter alguma aula pra, sei lá, pra
interagir mais, alguma coisa assim, acho que ia ser mais legal.

E: Vocês estudam em um colégio particular, certo?


Todas: Sim.
E: O que vocês conhecem de terem visto, ou de terem ouvido falar, do funcionamen-
to de uma escola pública?
F.A.: Que tem vandalismo, que o professor faz o que quer, que o professor não vai, que
tem muita aula vaga, que o conteúdo é atrasado, que o ensino é atrasado.
M.O.: É, que o ensino é atrasado, bem atrasado.
F.A.: É, que você faz uma liçãozinha e ganha uma notaça!
M.O.: É, porque lá, tipo, os professores recebem de qualquer jeito, os alunos não pa-
gam, então fica bagunçado.

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E: Vocês fazem alguma idéia do porque essas coisas acontecem, porque é assim? Por
que vocês acham que tem essa diferença grande a escola pública e a particular?
M.O.: Eu acho que mais pelo... Os professores e os alunos se acomodam. Principal-
mente porque os alunos, como os pais não pagam, então eles acham que pra eles não
vai fazer diferença. Já os alunos de escola particular, alguns tem noção de que o pai ta
pagando muito caro então tem que estudar de qualquer jeito. E os professores do
mesmo jeito, os professores recebem um salário tal e eles vão receber do mesmo jeito.
Já os professores de escola particular eles já tem que ter...
F.A.: Tem uma cobrança maior!
M.O.: É, tem uma cobrança, já que os pais tão pagando eles tem obrigação de explicar.

E: Quando um professor não explica alguma coisa que vocês não entenderam, vocês
ficam...?
M.A.: Putas da vida.
F.A.: Perguntamos o porquê.
M.O.: A gente pergunta e pergunta.
M.A.: Porque tem professor que não quer ensinar! Você pergunta três mil vezes e não
explica!
M.O.: Fica bravo, ou então bufa umas cinqüenta vezes.
F.A.: Ou então fala alto assim “Como você não entendeu?! Eu acabei de explicar!”.
Explica de novo.
M.O.: Você é o professor, você tem que explicar.
M.A.: É, não tenho culpa. Eu não sou obrigada a aprender na primeira vez que se fala.

E: E vocês têm algum professor que a sala inteira não gosta? A sala inteira tem pro-
blema com ele?
M.A.: Ai, a gente tem uma professora de inglês que...
M.O.: Ela é meio tensa... Meio complicada. Talvez por ser aula de inglês e ninguém dá
valor pra aula dela, mas ninguém curte muito ela não...
M.A.: A aula dela é meio morta...
F.A.: Dá sono!
M.O.: A professora de química também...
F.A.: Eu gosto dela!
M.O.: Ela ensina bem, mas ela é meio grossa.
M.A.: O de matemática então, vixe...

E: Aqui no Brasil, o país tem uma história grande de movimento estudantil, os caras
pintadas, essas greves de alunos que tem nas faculdades públicas... Claro, vocês es-
tão no ensino médio e a coisa é menor. Mas já aconteceu alguma coisa nesse senti-
do, dos alunos se reunirem pra mudar alguma coisa que não tava legal?
M.O.: Principalmente professor. Professor quando toda a sala vê que ele ta errado,
que o professor ta prejudicando todo mundo, que não ta avançando com ele e que a
matéria não ta fluindo, tem que, alguma coisa tem que ser feita então todo mundo se
reúne pra falar...

21
F.A.: Por exemplo o de geometria. A gente não entendia nada com ele então a gente
simplesmente dormiu pra ver se ele se tocava de que a gente não tava entendendo,
porque a gente fala, fala, fala e ele não faz nada.
E: Vocês tinham combinado isso antes então?
F.A.: Aham, todo mundo tinha combinado. A mesma coisa aconteceu com o outro se-
gundo, com a professora de inglês. Ninguém entendia o que ela falava e perguntava
ela não explicava. Daí todo mundo, ela entrou na sala, bateram o livro na cara dela e
todo mundo dormiu. Daí ela foi chamar a coordenação.
M.O.: Mas a gente sempre tenta resolver de um jeito que seja melhor pros dois lados,
nunca tentando ferrar o professor. Sempre tentando ver os dois lados, ver o que pode
mudar, pra ter uma relação boa com o professor.

E: Vocês alguma história de alguma mais séria, um pouco mais grave, não grave ao
ponto de ter chegado a uma agressão, mas alguma coisa um pouco mais séria a pon-
to de ter saída pra fora da escola, entre um professor e um aluno?
M.A.: Ah, não.
F.A.: Comigo, pelo menos, não. Mas já aconteceu com amigos.
E: É, que já tenham ouvido falar...
M.A.: Já ouvi falar.
F.A.: Já, já...
M.O.: Já ouvi falar, mais foi em escola pública que aconteceu. Que uma professora
tava contando que um aluno teve um problema com ela e por conta de um assunto
mal resolvido, acho que um dia ela tava estressada e brigou com ele, ele ameaçou de
matar ela fora da escola. Eu até fiquei meio assustada quando me contaram. Mas, de-
pois disso, nada demais.
E: Que você tenham presenciado?
Todas: Não, nunca.
E: Amigo de vocês?
M.A. e M.O.: Não.
F.A.: Ah, amigo eu tenho. É porque, assim, ele pegava o extintor e jogava na parede,
daí falava e ele ia pra coordenação, levava suspensão e nada. Jogava apagador no teto,
essas coisas assim. Mas sem levar suspensão nem nada. Mas nada de ameaçar nem
nada.

E: Tem algum professor que vocês tenham assim que tipo tenha, sei lá, tem aquele
aluno e você sabe que aquele professor não gosta daquele aluno?
M.O.: Acho que sim... Não sei se não gosta, mas você vê que não tem paciência com o
aluno.
E: Com um aluno específico?
M.A.: É.
M.O.: Com aluno específico. Igual nossa professora de álgebra não tem paciência de
explicar. Ela (F.A.) tem um pouco de dificuldade com álgebra, então ela pergunta mui-
to. E se a outra não tem paciência de explicar daí fica complicado. Aí as duas começam
a brigar, a xingar, quer nem saber. Esse é o problema.

22
E: E vocês acham isso um pouco pessoal do professor?
M.O.: Acho que sempre tem um fundinho pessoal. Todos os professores falam que não
tem nada pessoal, mas acho que pra não prejudicar eles. Acho que no fundo, no fundo,
quando o professor bate o olho no aluno e vê que ele ta querendo afundar então ele...
E: Vocês acham importante o professor separar o pessoal do profissional?
M.O.: Com certeza. Eu vejo isso porque, quando eu era mais nova, eu era uma praga
na escola, nossa. Fazia de tudo, estourava as tomadas do colégio, com borracha e clips,
e os professores me odiavam, faziam de tudo pra me tirar da escola. E depois que eu
morei em outro estado e voltei pra cá, virei uma aluna nota mil e os professores passa-
ram a me adorar. Até pra me ajudar com nota e tal, sempre me ajudaram. Acho que
isso é bom.
E: E porque você teve essa transformação?
M.O.: Ah, porque eu vi que só tava me prejudicando, não tava me ajudando em nada.
Tava vendo que eu podia aproveitar mais o que o colégio me dava, principalmente
pelo preço que meu pai pagava de colégio. (risos)

E: Uma coisa que vocês não aceitam de jeito nenhum que um professor faça com
vocês na sala de aula?
F.A.: Não queiram tirar nossas dúvidas.
M.A.: É.
F.A.: Não ta entendendo e eles se revoltam.
M.O.: Principalmente se a gente tiver prestando atenção. Tiver interessada, querendo
saber e ele “não, acabei de explicar”. Acho que isso eu não admito.
M.A.: Também, acho que também isso, mas quando o professor é grosso.
F.A.: Ou quando ele quer fazer uma brincadeira meio grossa com você e...
M.A.: E você não tem liberdade com ele.
M.O.: Não tem liberdade e ele quer fazer uma brincadeira grossa.

E: Uma coisa que vocês não acham aceitável um aluno fazer com um professor?
M.O.: Eu acho que é responder mal sem ele ter feito nada. Ameaçar. Qualquer tipo de
agressão. Acho que só isso.
Risos.

E: Além do professor, que outros membros do corpo da escola, direção, funcionários,


secretaria, etc., vocês tem contato, se relacionam com eles?
F.A.: A coordenadora, adoro ela. Sempre que eu vou lá ela me dá chá, café...
Risos.
M.O.: Esse ponto é legal no nosso colégio porque a gente se enturma com todos os
funcionários. Desde o diretor, o dono da escola não porque ele não fica lá, mas desde
o diretor, coordenação, até a faxineira que limpa o banheiro.
F.A.: É verdade, eles são legais.
M.O.: Muito legal, muito legal, esse ponto é bem legal.

23
E: Ok, pra finalizar, quando vocês vêem um amigo de vocês, um conhecido de vocês
fazendo alguma coisa que vocês não acham legal, que ta atrapalhando e tal, que tipo
de atitude vocês tomam?
F.A.: Ai, eu mando calar a boca, SHIIIU.
M.A.: Eu peço pra parar.
M.O.: Eu também, peço pra parar. E às vezes quando esse problema ta constante eu
procuro conversar com a pessoa pra ver se é algum problema que ela tem, que não
quer se concentrar, ou se por falta de vergonha na cara mesmo.

E: De cada uma de vocês, uma coisa que vocês acham que se vocês fizessem, uma
mudança que se vocês fizessem em vocês hoje, melhoraria o aprendizado de vocês?
F.A.: Eu teria que conversar menos, porque eu converso demais. E também às vezes eu
esqueço de fazer lição e aí eu copio na hora. Eu tenho que parar de dormir também.
Porque eu durmo muito, muito, muito.
M.O.: Eu acho que o fato de às vezes eu conversar bastante também, eu não ter limite.
Mas assim, sempre tento me concentrar bastante na aula, mas é questão de conversar
demais mesmo.
M.A.: Eu acho que eu tenho que me concentrar mais aula, eu “bóio” muito. Fico “bri-
zando”.
F.A.: Se eu to com fome eu abro e começo a comer.
M.O.: Acho que devia ter mais interesse nas matérias, porque às vezes falo assim “ai, a
matéria é chata”, daí quando chega na hora da prova eu estudo igual uma louca, até
chorar.
Risos.

E: Vocês estão no segundo ano. Então, na melhor das hipóteses é o ultimo ano.
Todas: Graças a Deus.
E (rindo): Então eu não preciso perguntar o que isso significa pra vocês.
F.A.: Ah, eu não queria que acabasse.
M.A.: Eu não vejo a hora.
F.A.: Acho que a faculdade é um peso muito maior e ta te preparando, você tem que
arrumar um emprego... É uma coisa muito mais séria. Por enquanto o papai paga. Lá
você já é maior, tem muito mais responsabilidade.
M.O.: Vai cada um pro teu lado, você vê que sua responsabilidade aumenta, vê que
você agora tem que tomar uma decisão, uma decisão que vai mudar sua vida, porque
aquilo vai ser a sua vida pra sempre. Acho que nesse ponto é ruim. Mas também é
bom porque cansa né ficar assim. Cansa estudar bastante.
F.A.: Mas faculdade é a mesma coisa!
M.O.: Mas o legal da faculdade é que você estuda o que você gosta, então a possibili-
dade de você gostar de estudar é maior.

E: Vocês gostariam de manter a amizade de vocês depois da escola?


Todas: Com certeza!

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E: Por quê?
M.O.: Ah... Acho que por tudo. Acho que pela confiança que temos uma na outra, pela
amizade, que se passaram...
M.A.: Pelo apoio uma da outra.
M.O.: Pela amizade ter durado tanto tempo e sempre ter sido uma coisa boa pra gente
mesmo, então acho que seria essencial a amizade.

E: Escola pra estudar, conversar ou estudar conversando?


Todas (rindo): Estudar conversando.

Fim da entrevista.

Durante toda a entrevista é possível observar a maneira com que os relacionamentos


prévios das alunas influencia na maneira com que respondem às perguntas. Mais de
uma vez, uma completou o pensamento da outra, ou influenciou a alterar sua respos-
ta. Várias vezes uma mesma pergunta foi repetida, de maneira sutil, para analisar as
possíveis mudanças de resposta. A entrevista será melhor analisada no final deste tra-
balho.

Transcrição de entrevista com professor de ensino médio.

Quadro geral: um professor em exercício há dezoito anos, especializado no ensino de


física e astronomia com experiência tanto em escolas públicas quanto particulares.
Anexo no final deste trabalho está um CD com o áudio .mp3 desta entrevista.

Entrevista realizada no dia 14 de junho de 2010, na cidade de São Paulo.

E: Bom professor há quantos anos você leciona?


P: Dezoito.

E: Que matéria você leciona?


P: Física

E: Física.Você dá aula em escolas particular, publica ou as duas?


P: Particular

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E: Sempre em escola particular? Nunca em escola publica?
P: Estagiei em escola publica, mas sempre dei aula em escola particular.

E: Como você acha que deve ser a relação aluno com professor?
P: É uma pergunta muito ampla. Se você pensar numa relação unilateral aluno profes-
sor e não ao contrário, tem que se achar que o aluno que tem que ter todo o respeito
com o professor, principalmente ao fato que o professor é um ser meio catedrático,
que fica lá na frente falando e aluno tem que ficar quieto sentadinho esperando falar
“posso ir ao banheiro?”. E não é bem assim que tem que funcionar. É uma relação que
tem que partir de respeito do aluno, mas também tem que partir de respeito do pro-
fessor e não é tão simples assim chegar e apontar o dedo na cara do aluno “me respei-
te”, e não é bem assim. O aluno não vai te respeitar por medo, ele não vai te respeitar
porque você sabe muito, ele vai te respeitar porque você tem o controle, não é uma
coisa como o Hitler lá na frente, marchando, gritando “raiz de cinco menos xis dividido
por dois”. Você tem dominar o assunto de uma maneira que seja entretenedor para o
aluno e se isso for alcançado, o aluno vai ter que te respeitar e o relacionamento deles
com você vai ser bom. Se o professor conseguir articular de uma maneira que o aluno
não se sinta a vontade suficiente e não desconfortável o bastante para ficar acanhado,
com medo. Então o ideal é que haja um espaço de discussões, mas ainda sim que haja
o respeito do aluno e que ele saiba que você e os outros professores sabem mais para
passar alguma coisa para o aluno.

E: Até que ponto você considera uma coisa como desrespeito?


P: Acho que desrespeito é uma coisa íntima. Alguns consideram desrespeito o aluno
que fala no meio da aula, isso nem de longe eu considero desrespeito porque eu lem-
bro quando eu era aluno, falava que nem um louco no meio da aula. Falava mesmo e
fui expulso diversas vezes da sala de aula porque falava demais, isso eu não nego. E,
bom, acho que depende do professor. Alguns acham que falar, conversar é desrespeito
ou é plenamente normal. Eu acho plenamente normal. Acho que existe um limite, o
aluno que sobrepõe à voz eu acho uma falta de respeito. Ele não tem a noção do que
está acontecendo na sala de aula, lógico que eu sou absolutamente contra o professor
que fica botando o dedo lá na frente falando como se fosse o dono da razão, esse es-
quema de sala de aula igreja, que o pastor, padre fica falando e os fiéis assistindo. O
ideal seria uma sala de aula que fosse ampla para discussão, mas isso não é tão possí-
vel porque os alunos não têm a noção de controle, respeito e de limite. Mas isso não é
culpa da escola, é mais culpa do ambiente em que ele foi criado, então a noção de res-
peito é uma coisa intima do professor e ele sabe até onde pode ir co determinado alu-
no ou não.

E: Como é a sua relação com os alunos?


P: Não existe um aluno só, isso que o professor fala que todos os alunos são iguais é
pura “balela”, não tem como não diferenciá-los. Se você entra numa sala em que os
alunos são interessados, o estudo flui, elas querem aprender alguma coisa para de
repente entrar numa faculdade ou só pelo conhecimento mesmo. Mas se você entra

26
numa outra sala que é terrível, não pela sala toda, mas por um foco localizado de alga-
zarra, isso atrapalha sua aula e você não consegue se desenvolver e aí você tem duas
opções: você chama a atenção e manda para fora, coordenação ou para onde tiver que
mandar ou mantém a sua aula para aqueles que se interessam. Isso não é bom, você
perde a relação de interesse do professor-aluno, cada aluno é um aluno e não tem
jeito, você não pode tratar todos igualmente. Alguns têm mais dificuldade outros me-
nos, habilidade para conversar ou ficar mais acuados e para isso você tem que dar um
trato maior. Não nego que alunos que eu entro na sala e tem que falar algumas coisas
que me enervam, e não gosto mas eu prezo pelo meu emprego. Então eu tenho que
controlar certos impulsos de falar certas coisas para os alunos porque se não eu perco
o meu emprego e escola particular é assim, se você fala alguma coisa que o aluno não
gosta, ele vai reclamar na diretoria e você se dana e é isso.

E: Você já chegou a ter algum problema com aluno específico em sala de aula?
P: Você nunca tem um problema direto com uma sala, você tem problemas assim com
focos de conversa, a maioria dos alunos são bons, nas que eu entro a maioria é sempre
boa, mas os problemas são alguns focos que você tem que controlar, e quando começa
a ser mais impositivo para controlar, como se o aluno fala “você está me diferenciando
dele”? E você responde “tô mesmo, porque ele presta atenção, estuda e faz um monte
de coisa”. Você não pode falar isso mas tem que criar estratégias para com o aluno e
falar “ou você começa a prestar mais atenção e ser mais cuidadoso com o respeito em
sala de aula ou vou ter que continuar a te tratar assim”. A diferenciação é necessária,
eu tive problemas com alguns alunos meus, quando eu dava aula de astronomia, e eu
tinha que cortar toda hora, considerava ele com meus colegas “o aluno de meias no-
vas”, tudo que eu falava, de um assunto, por exemplo galáxias, de repente ele levanta-
va as mãos e falava alguma coisa completamente fora do conteúdo, eu falava “a galá-
xia se desenvolvia de tal maneir”a e ele falava “estou usando meias novas”, e eu ficava
olhando para a cara dele, e ... De que maneira isso acrescentou alguma coisa para au-
la? Ele falava coisas realmente aleatórias e tinha que controlá-lo e ele levou de uma
forma pessoal e chegou a reclamar para a coordenação e eu tive que dar grandes satis-
fações para os pais, tios, papagaio e todo mundo porque sempre o aluno nunca tem
culpa, o professor é culpado e esquecem que quem está lá na frente não é um robô
que vomita conteúdo, é um cara de carne e osso. Tem aluno que eu não gosto, fato,
ele chega e fala certas coisas que me incomodam, mas eu não posso chegar e dar um
corte nele. Um outro exemplo foi de um aluno que eu peguei colando na cara dura e
que já vinha me pegando pela orelha, peguei ele colando e falei: “Colega sai! Sai, me
dá a prova que eu vou zerar”. E ele começou a fazer um escarcéu, falou que tava pa-
gando que eu não tinha o direito de fazer aquilo, aí eu me estressei e perdi o controle
e falei que eu não tava pagando o que ele tava gastando, e que ele trouxesse o pai e a
mãe na minha frente para falar que tava pagando que eu tirava todo o dinheiro do
meu bolso e dava para os pais dele porque aquilo não era aluno e eu não quero aluno
assim, ele levou a mal, chamou os pais e eu quase fui demitido.

E: No tempo todo que você leciona, você consegue perceber algum tipo de mudança
no comportamento dos alunos do começo quando você leciona para cá?

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P: De dezoito anos atrás para cá? Veja, essa praga de internet e de TV a cabo conse-
guiu acabar com todo nosso ideal de construtivismo, eu era adepto do construtivismo
agora sou do destrutivismo, porque eles chegam com tanta informação na sala de au-
la... “Professor porque eu vi isso dos quark up dos quark down” que você fala assim:
“colega eu não to falando disso, isso é outra matéria muito avançada e você tem que
entender muitas outras coisas para entender isso”. Você destrói tudo o que ele apren-
deu previamente pra ele aprender as coisas certas. Eu tinha um aluno de astronomia
de oito anos que ficava tentando arrancar de mim coisas de efeitos relativísticos, eu
falava que não dá para mim falar com essa matemática básica que você tem. E ele ba-
tia o pé que ia entender até que um dia eu comecei a dar coisas pesadas para ele, aí o
que ele fez?, foi até a coordenação chorou e falou que eu tava errado, e falei que ele
pediu. Eu não posso fazer nada e achei que ele dava conta de fato. No começo quando
eu lecionava não tinha esse problema, as crianças chegavam com uma cabeça mais
limpa, mais aberta das coisas que eles queriam e isso foi mudando principalmente, eu
culpo sem duvida a internet, eles pegam tudo muito rápido, hoje o tempo de resposta
de Google é de 0,1 segundo, antigamente quando eu comprei o meu 1° computador o
tempo era de 30 segundos a um minuto e a gente era satisfeito. Hoje as coisas estão
ficando muito rápidas e se você não “cospe” o conteúdo muito rápido o aluno se sente
insatisfeito, e ai o que acontece? Ele reclama e fala que você é um mau professor. Mas
não é isso, às vezes você tem que dar as coisas passo a passo e o cara não compreende
isso, então eu culpo diretamente os meios de comunicação que são muito rápidos no
sentido que estão instruindo a cabeça dos alunos, eles querem tudo imediato e isso
cria uma DDA [Distúrbio de Déficit de Atenção] e os alunos não conseguem prestar
muita atenção nas coisas que você fala, principalmente pelo fato porque eu não nego
que sou muito prolixo, me enrosco às vezes na explicação porque eu quero explicar
muita coisa e eles não estão muito interessados, ficam com [Apple iPod] iTouch usan-
do o twitter, e-mail e Orkut, porque afinal de contas tudo isso é mais interessante do
que eu to falando aqui.

E: Nesses dezoito anos como você mudou como professor?


P: Quando eu comecei, eu era um garoto, eu não tinha idéia de como as coisas funcio-
navam de como se desenvolviam,mas eu acho que eu gostava mais, eu tinha mais pai-
xão, as coisas tinham mais esperanças, as crianças tinham mais esperanças. Hoje em
dia como eu disse os alunos foram se desinteressando e eu também fui perdendo o
interesse, porque como eu vou passar um conteúdo pra você se você não está nem
prestando atenção no que eu estou falando? Eu tenho que ter sempre um aluno inte-
ressado, uma Hermione do Harry Potter, que fica lá levantando a mão e perguntando.
Isso é estimulante para o professor, pode parecer que não, para mim pelo menos é. O
aluno fala “você errou ali”, você olha de longe e falo “eu posso ter errado”, mas não
pode assumir amplamente o seu erro, fala “me enganei”, apaga e arruma, você pode
errar, mas é sempre bom ter um aluno que te estimula às coisas decairão e eu mudei
nesse sentido e começo a pensar em parar.

E: Você acha que pode melhorar ou piorar, e se tem alguma coisa a fazer ainda?

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P: Eu acho que se dentro de casa não houver uma educação, de que você precisa ir
para a escola, que a escola é um ambiente bom para você, para aprender as coisas
necessárias, não vai mudar e tende a piorar. Por exemplo, no Japão a única pessoa
para o qual o imperador se curva é o professor e aqui no Brasil o professor é uma pro-
fissão completamente rechaçada. É uma profissão que ninguém gostaria de ser, você
chega numa sala de aula: “quem quer fazer Física, quem quer ser professor”, ninguém
levanta a mão, que quer ser engenheiro grande parte levanta a mão, quem quer ser
médico, grande parte levanta a mão. Isso é interessante porque a paixão pela profissão
não existe mais, existem para algumas pessoas que pregam esse discurso e levam a
sério, algumas exceções falam "eu gosto da minha profissão", no fundo no fundo gos-
tam de ganhar dinheiro, existem algumas que gostam de profissão de fato e conse-
guem ganhar dinheiro como conseqüência disso. Mas a maioria dos alunos hoje em dia
está mais preocupados com o bolso, preocupado com o que vai ganhar no futuro por
isso o papai fala para ser engenheiro, advogado ou médico, a exemplo disso eu tenho
um aluno do terceiro ano, ontem mesmo, eu estava dando aula de reforço, eu tava
dando aula de funções trigonométricas e virei para ele “o que você quer fazer?” Ele
respondeu: “eu quero ser engenheiro”. “Você gosta de exatas?” “Não”. “Você gosta
disso aqui?”, e apontei para lousa. Ai ele falou “eu não gosta de funções trigonométri-
cas, eu nem sei usar isso”. Então eu falei: “como diabos você quer ser engenheiro?!”,
dei uma dura nele. “Como você quer seguir uma carreira que só fala disso?” .Ai ele
falou: “dá dinheiro”. Eu falei: “você me decepciona”. Saiu da sala completamente mal,
eu não pedi desculpas, porque acho que às vezes um choque é bom para acordar um
pouco. Teve outro entretanto que falou que queria viver de música, eu falei “por que
você quer viver de música?”, ele respondeu: “porque eu gosto, eu não to muito preo-
cupado com dinheiro”. Emprego e dinheiro são preocupações de mesmo grau, você
tem que se preocupar em ganhar dinheiro, lógico a gente vive num mundo capitalista,
a Guerra Fria já ficou para trás e você precisa de dinheiro para se manter, não adianta
você falar para mim que vai trabalhar numa “lojeca” de esquina e ganhar cem “paus”
por mês e ficar morando num casebre, tocando vivendo de música, como você vai co-
mer, vai se sustentar. É lógico, ele tem uma casa imensa, lá nos arredores de Alphavil-
le, casa imensa, vive super bem, com chofer, mordomo. Ele acha que a vida inteira
dele vai ser assim, ele se acomodou nesta idéia, papai ganhou muito dinheiro e eu
também vou ganhar. Esse é o problema, você tem que ganhar dinheiro com o que você
gosta. Mas os alunos não prestam atenção nisso. Então eu acho assim não há uma
mudança imediata, vai haver uma mudança quando os pais começarem a conscientizar
os filhos de uma carreira como a licenciatura em qualquer área é importante. Existe
uma frase muito mal feita que diz: “que sem professor não há doutor”. Essa é a idéia,
na adianta achar que vai virar médico, engenheiro se você não tiver um cara lá na fren-
te que passe o conteúdo que foi adquirido há mais de mil anos de história.

E: O senhor tem filhos?


P: Tenho dois, um casal.
P: treze e dez anos.

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E: De que maneira durante a criação dos seus filhos você planta neles a idéia da ne-
cessidade da escola?
P: Eu já era professor, o mais velho, eu já era há cinco anos quando ele nasceu, e sem-
pre falava para minha esposa que a gente precisava ensinar para os nossos filhos, na
verdade eu falava só do mais velho, não esperava que viesse a segunda, mais veio, está
ótimo eu gosto muito dela. Mas ainda assim eu falava para o mais velho que ele preci-
sava entender que professor é uma carreira importante. Na escola perguntavam “seu
pai é professor? Mas ele faz o que trabalha com o que?”. Eu acho isso uma pergunta
muito interessante porque fizeram em sala de aula, inclusive: “professor além de dar
aula você faz o que?” Eu virei e falei “eu só dou aula”. Ou quando você vai ao super-
mercado e você encontra com aluno, o aluno fala “você por aqui?” Eu também como!
Eles não me guardam numa gaveta e tiram quando precisam, não é assim que funciona
e eu sempre falei para os meus filhos que é necessário o respeito com qualquer profis-
são e sempre falei da importância das profissões, não adianta achar que o engenheiro
é mais importante que um físico e um médico é mais importante que outra carreira,
cada profissão tem importância na sua área e eu sempre falei isso para os meus filhos
e eles entendem muito bem, tanto que vão muito bem na escola, o mais velho vai
meio mal em física, mas indo.

E: Mudando um pouco o nosso foco, fala pra gente o seguinte: Como é que funciona
no seu ponto de vista o contato entre os alunos, dos alunos entre si e como é que
funciona o relacionamento entre eles.
P: Eles se dividem em bandos, que é uma coisa muito interessante, um grupo nichos
muitos específicos que você consegue perceber. Antigamente no meu tempo, os nerds
sentavam na frente, o grupo dos mais ou menos sentavam no meio e os bagunceiros
no fundão, eu não nego sentava no fundão porque eu gostava de uma bagunça, mas
isso foi até o meu primeiro ano de colegial, aí eu resolvi que queria passar na faculda-
de e fui para o meio.
Mas hoje em dia as coisas mudaram, eles não se dividem tão especificamente e não é
uma coisa tão direta, eles interagem mais entre si e isso é uma coisa boa que a inter-
net trouxe, a evolução digital trouxe, mas é uma coisa ruim também a interação causa
impacto de grupos diferentes. Por exemplo, tem uma sala de extrema direita da ultima
fileira que ficam os nerds, cê-dê-efes, meninos inteligentíssimos, muito... iluminados! E
eles interagem com outros que não são tão inteligentes como eles, mas interagem de
uma maneira um pouco mais recatada é um gradiente cada vez que você vai se afas-
tando um pouco, a inteligência e o trato social que eles levam vai caindo tam-
bém.Estranhamente o grupo dos inteligentes, nerds tem um trato social fantástico eles
mudaram antigamente era um cara com óculos de armação de acetato, camisa enfiada
dentro da calça, que falava no fundo da barriga “professor mais ali não é raiz de três” e
isso mudou muito, o nerd de hoje em dia, o cara super inteligente, ele tem uma preo-
cupação com visual dele, em ter uma eloqüência em falar e se comunicar bem, de mo-
do que você pega um nerd ele se articula com você de uma maneira espantosa, agora
você pega no extremo oposto de um cara que não estuda, não faz nada é um troglodi-
ta, fazem certos barulhos que eu até comentei na sala dos professores e concordaram
comigo, barulhos de símios, macacos, uma vez um cara do grupo dos nerds ficou tão
nervoso porque estavam brincando com ele e ele jogou uma banana, “pega macacada”

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e foi muito engraçado porque a sala inteira riu e todo mundo se descontraiu depois
disso.
Eles têm uma relação muito maior hoje em dia, não é segregado, mas há um problema
muito decorrente que é o bullying. Um aluno foi parar na coordenação na época eu
trabalhava lá. Eu falei: “porque você fez isso com seu colega”, fica chamando de “bi-
chinha”, e para eu me controlar olhando para um moleque de oito anos chamando o
outro de bichinha, você fica com uma vontade terrível de rir, mas você tem que ter
controle, “foi para intimidar”, eu olhei para ele e falei assim “você tem coragem de
olhar na minha cara e falar que quer intimidar ele, quem você acha que é um gangster-
zinho safado, presta atenção no que você está falando, isso é crime, eu não vou te a-
cobertar não e se ele quiser te denunciar numa delegacia ele pode, mas ele não vai
falar isso”, aí ele murchou “porque ele sabe que você tem salvação não faça mais isso,
se eu pegar que você fez isso de novo eu encaminho você e seus pais para delegacia
porque isto é crime”. Ele ficou espantado, branco. Eu falei “como você faz uma coisa
dessa”s, isso acontece debaixo das barbas dos diretores, orientadores porque eles têm
câmeras, eles conseguem localizar os focos de bullying e fazem vista grossa, porque
como você trata um aluno com bullying, você fala para ele que é crime como eu fiz,
esse nunca mais vai fazer, também não pode formar um frouxo, o cara tem que saber
se impor, é complicado.

E: Como você acha que deveria ser a relação entre os alunos?


P: É difícil falar, na época que eu era aluno eu tinha uma relação terrível com os nerds,
eu tinha um problema muito grande, é o começo de um convívio social, aprender a
lidar uns com os outros, a lidar com as diferenças, e o professor nuca pode dizer que as
diferenças não existem, elas existem de fato, mas precisa ter muito cuidado para não
“capar” o aluno dessas dificuldades. Você não pode chegar para o aluno e dizer “nor-
malize-se para ficar igual a ele”. Tornar as diferenças uma coisa comum, saber lidar
com isso. Saindo do seu carro e abre à porta nas ruas de São Paulo você vê tantas coi-
sas diferentes, que antigamente era um absurdo. Minha avó quando chegou ao Brasil,
estava grávida, era da Itália viu uma pessoa negra caiu bateu a cabeça e perdeu o filho.
A justificativa dela, historia que circula na minha família há anos, é que na Itália a gen-
te não via negro na Itália assim, como é que um aluno de 8 anos ouve uma avó falar
assim e vai saber lidar com essa informação, tem que saber lidar com as diferenças.

E: O que você atribui o mau comportamento dos alunos quando relacionados fora da
sala de aula?
P: Como assim? Briga entre eles, por exemplo? Eu atribuo às próprias diferenças, eles
lidam com essas diferenças de um modo diferente de nós adultos lidamos. O exemplo
é que você vê essas diferenças no próprio mundo adulto, mas como elas lidam com
certas diferenças. Algumas mulheres, algumas, não quero ser machista, fazem fofoca
disseminam discórdia para ver a outra ruir. Agora os homens, nós homens se fala al-
guma coisa que não te agrada, “você é horrível!”, você fala: “tchau, vai embora”, é
uma diferença gritante isso é uma maneira de tratar as diferenças.
Os alunos não. De repente, quando eles com alguma diferença muito gritante querem
puxar o cara para a normalização. Questionam, argumentam e quando ele não tem

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capacidade de argumentação, é só pegar o oposto da esquerda da sala que eu falei
troglodita e oposto da direita o inteligente (articulado), os dois vão conversar articular
com o outro com certeza, o cara que é bem articulado vai ganhar na articulação e o
troglodita levanta a mão e dá um tapa na orelha.
Porque ele quer forçar o outro a ser igual a ele, aí qual é o papel do professor nessa
hora é ver que isso está errado, trás os dois para conversar, combina qual deve ser a
estratégia para que eles se de bem para que as diferenças entre eles não sejam tão
incomodas. Tanto o “símio" é incomodado pelo nerd, como o nerd é incomodado pelo
"símio.”

E: Durante uma aula qual você acha que é a maior dificuldade em dar essa aula den-
tre os maus comportamentos dos seus alunos?
P: São duas: falta de atenção e sobreposição da voz.
Alunos desatentos causam problema, eles podem estar olhando para o canto da pare-
de pensando no que vão almoçar, não me interessa deveriam estar aprendendo o má-
ximo. A gente tem ressalvas, algo importante aconteceu uma vez, estava em sala de
aula e falei: colega levanta a cabeça, sai da minha sala! Ele saiu e depois veio conversar
comigo, “desculpa não estou em condições porque acabei de perder o meu pai”. E
como é que sinto numa hora dessas? Eu fui averiguar se era verdade, eles também
zoam muito com a minha cara, descobri que era verdade, me senti um lixo.
Você tem que tomar muito cuidado em fazer certas coisas, essas coisas que perturbam
a aula e você deve ter cuidado, esse foi um episodio que aconteceu há alguns anos.
Agora se eu vejo um aluno de cabeça baixa, enquanto eu dou um exercício, pergunto o
que está acontecendo, por exemplo, ele me fala “tava dormindo, desculpa”, “vai lavar
o rosto”. Tem que criar estratégias para fazer o aluno se sentir a vontade e por isso
que eu sou contra essa formação de catedral, não proporciona a discussão argumenta-
tiva, proporciona uma discussão unilateral em que o professor é Deus e você o aluno.
Isso vai se propagando aluno é uma palavra que tem 3000 anos e como é que você
muda esse nome?, não tem como mudar e aí você ponha nomes ridículos como os pais
ponham.
O ideal seria ter uma sala ampla e que os alunos pudessem discutir, um espaço onde
você incentiva a discussão, uma discussão entre todos, porque senão eles se disper-
sam, começam, uma algazarra, bolinha de papel, gente olhando para o canto, viajando,
dormindo, gente que não tem culpa de nada e acaba levando no lugar dos outros.

E: Nessa sua resposta anterior você disse como você faz para lidar com a desatenção
de alguns alunos, voltando à pergunta anterior como você lida quando os alunos le-
vantam a voz para você?
P:Não tem perdão. Porque uma coisa é você pedir desculpas, se articular para conver-
sar comigo e criar alguma argumentação porque é isso que o professor tem buscar o
tempo todo, argumentação e aluno coeso. Outra coisa é quando o aluno levanta põe o
dedo e grita, isso ele na deve fazer com ninguém, nem comigo, pai, mãe, amigos com
ninguém. Porque quando você levanta o dedo e grita você perde a razão.
Antigamente eu também batia o pé, hoje em dia eu pego e falo “sai!”. Se ele insistir eu
peço mais uma vez “sai!” Na terceira eu saio e busco alguém com mais poder do que

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eu e peço para retirar, eu sempre falo quando ele está saindo “quando você se acal-
mar a gente conversa”. Aí isso sim eu sou impositivo, o dialogo é imperativo não tem
como você criar uma situação inconfortável se deixa o aluno gritar ou você grita numa
mesma altura de nível, você não é acima do aluno tão pouco o aluno é acima de você.

E: O que você acha que a relação entre alunos incluindo o bando que eles formam
auxilia no aprendizado e na formação social?
P: Veja, quando forma um bando dos alunos, eles tem algumas opções onde eles criam
uma amizade muito forte entre eles e acabam se ajudando em todo o processo psico-
lógico ou estudantil ou eles criam um grupo e atacam os outros.
No primeiro caso é importante porque agrega valor, você pode dar isso como propa-
ganda, e eu já vi principalmente na escola onde eu estou trabalhando agora eles usam
isso como material de propaganda, “aqui nos temos grupos de estudo” e os alunos
mesmos que formam. Isso acontece mesmo de fato lá, mas vira material de propagan-
da ou então os alunos se organizam de uma maneira mais discreta e conseguem se
articular para se manterem vivos, é uma selva, se matam como leões, é fantástico,
documentários sobre leões, tem um macho alfa, se uma das crias resolve tomar o lugar
dele ele mata, isso é uma coisa muito comum entre leões que cuidam para proteger
sempre a mesma espécie.
Nos alunos é a mesma coisa, eles cuidam uns dos outros, e eu sempre falo na sala, eu
nunca estimulei um dedo duro, “vai lá e dedura o cara, quem souber que fez tal coisa
vai lá e dedura”, está errado, se você faz isso aqui no mundo lá fora, você em poucas
palavras é um idiota. Se você estimula, você gera um problema agora, entre os grupos
você pode estimular que eles venham a falar com você e o grupo se torna uma coisa
boa. Se torna uma coisa ruim quando se torna um grupo do ataque entre eles ou para
você, aí se tem um problema.

E:Você acha que a escola de dezoito anos atrás funcionaria hoje em dia? Qual seria a
escola que você construiria hoje?
P: Que eu construiria? Vocês já foram ao cinema com salas de patamares? Eu faria
plenamente uma escola assim com espaço para discussão que incentivassem o uso de
aparelhos eletrônicos, mas num mundo saudável equilibrado com certeza. O que falta
muito na escola é a orientação sexual.
Eu tive um aluno novo durante a aula de reforço e um deles, foi o próprio engenheiro,
eles não sabiam como o próprio corpo funcionava, é quando eu comecei a falar de
certas coisas, existe aquela formula na Física “um sobre o foco é igual um sobre pê
mais um sobre pê”, nas minhas aulas eu sempre brinco "uma fimose é igual um pinto
mais uma pelinha", eles guardam, é uma maneira se falar que todo mundo ri, eles
nunca mais esquecem e se eu perguntar para qualquer um dos meus alunos eles vão
saber o que é. O que acontece, eu falei isso e um dos meus alunos me perguntou “o
que é fimose?”. Eu comecei a explicar para eles, “vocês não tem aula de Biologia, deixa
eu ler o seu livro”, e não tinha uma informação sobre isso, “vocês não tem aula e ori-
entação sexual?” “Não, o colégio não tem aula de orientação sexual.” Como assim?
Como pode isso não informar para o aluno sobre o corpo dele? Como deixar o aluno a
par de um monte de informações AIDS, DST e camisinha?

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Como você faz? A escola de hoje em dia num sistema, perdão, católico, antigo, medie-
val. Deviam um respeito ao padre porque se você falasse de sexo em sala de aula, en-
cabulam, fazem gestos ficam com aquela cara, cara de safado e todo mundo fica es-
pantado, é um problema entretanto eles não têm vergonha nenhuma de falar com
vocês. Já tive algumas alunas que vieram fazer de certo modo propostas indecentes
sobre acerca do assunto, como eu lido com uma aluna dessas? A escola tem um pro-
blema de conseguir lidar com esse tabu professor aluna, aluno preferências de cada
um. O que acontece, o professor como ele vai fazer quando a aluna chega querendo
isso, isso e isso e ele é um quarentão parado que não tem relação há mais de doze
anos? Como é que ele lida como uma aluna de dezessete anos exalando hormônios?
Isso é fato e um tabu, a escola não discute e um dia pus isso em pauta e olharam para
mim com aquela cara, “você está falando que você é isso”, gente eu não estou falando
que sou isso! Eu acho que é um problema, eu inclusive já tive aluno que me vieram
falar isto, e não me causa nenhum espanto, mas eu tenho que saber tratar. Eu tenho
que falar “olha, eu sou seu professor”, saber diferenciar as coisas, rola um complexo às
vezes dos meninos com as professoras, rola um complexo de Édipo, das meninas com
os professores rola aquele complexo de Electra, é porque o cara tem uma visão pater-
nal do professor, o cara é o máximo, você tem que controlar dizer que não é bem as-
sim. A escola hoje em dia está deficitária em todos os aspectos, não acompanhou o
ritmo da evolução do mundo, é aqui no Brasil e lá fora eu tive lá e é terrível também.
Você falar de sexo na escola americana, eles quase te botam no crucifixo e dão prega-
das. No sul dos EUA é muito normal você explicar o criacionismo e o evolucionismo,
mas dando ênfase no criacionismo. Enquanto a escola não tem um propósito religioso,
propósito cientifico-cultural, você não vai querer impor a sua religião no cara que está
ali, ás vezes ele pode ser mulçumano. Eu tive um aluno muçulmano que saia da minha
aula “professor eu preciso rezar”, tudo bem, eu até brincava, ele saia com o tapetinho
e eu perguntava se ele sabia onde era Meca. Ele me explicava, “há você tem uma bús-
sola que indica Meca” e ele dava risada, você tem que saber lidar com isso.
Uma escola onde “capa” os alunos das suas descobertas do corpo porque não é religi-
oso é errado. A escola onde eu leciono sofre desse problema regularmente porque as
coordenadoras, diretores são altamente religiosos e acham que todo mundo tem que
ser. A escola tem que ser desvinculada do mundo, mas apresentando como as coisas
funcionam aqui fora.

E:Você ainda tem esperança nos seus alunos?


P: Alguns deles, os que me perguntam, inquirem, querem alguma coisa da vida. Depois
de dezoito anos lecionando você sabe dizer um a um quem vai conseguir alguma coisa
e quem não vai, só de olhar. Lógico, existem os pontos fora da reta. Para Einstein, um
professor de Matemática falava que ele nunca ia ser nada da vida. Bom, acho que ele
foi alguém.

Fim da entrevista.

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Análise das entrevistas

O aprendizado de uma criança começa muito antes dela ingressar na esco-


la. Tudo que elas aprendem na escola tem uma história prévia, em situações que ela
lida no seu dia-a-dia. Apesar de estarem ligados, esses dois tipos de aprendizados são
bem diferentes. O fora da escola, chamado de pré-escolar, é feito de maneira não sis-
tematizada, enquanto o aprendizado escolar é feito de maneira sistematizada e produz
algo novo no desenvolvimento do aluno.

Antigamente se acreditava que ao se obter a idade mental de uma criança,


por meio de vários testes, essa idade seria como um limite da capacidade mental dela,
e que mesmo se ela obtivesse resultados positivos em algum teste de nível mais eleva-
do do que o dela, com a ajuda de um professor, esse resultado não serviria para medir
o nível de desenvolvimento real dela. Porém, Vigotski demonstrou que isso não pode-
ria estar correto, pois se você pegasse duas crianças com a mesma idade cronológica e
mental, e aplicasse diversos testes de níveis variados, uma poderia conseguir lidar com
testes de uma idade maior do que a da outra, com o auxilio do mesmo professor. A
diferença da idade mental da criança fazendo os testes sozinha com a que ela obteve
com o auxilio do professor, é chamado de zona de desenvolvimento proximal. Em ou-
tras palavras, é a diferença entre o desenvolvimento real e potencial (o desenvolvi-
mento real é determinado através da solução de problemas individualmente e o de-
senvolvimento potencial é com a ajuda de um adulto).

A zona de desenvolvimento proximal define as funções que ainda não a-


madureceram na criança, mas que estão amadurecendo. Ela permite-nos delinear o
futuro imediato da criança e seu desenvolvimento, já que o é hoje chamado de zona
de desenvolvimento proximal, daqui a um tempo será o desenvolvimento real.

Ao se aprender algo novo, o processo de desenvolvimento está apenas


começando, pois esse aprendizado novo é usado de base para desenvolvimentos sub-
seqüentes e mais complexos. Mas isso não quer dizer que o desenvolvimento da crian-
ça acompanha seu aprendizado, pois se pode obter um aprendizado em determinada
coisa e não obrigatoriamente desenvolver essa capacidade por igual. Cada assunto
tratado na escola tem sua própria relação específica com o desenvolvimento.

O aprendizado, por sua vez, depende diretamente da relação do aluno com


as pessoas a sua volta. Não depende somente de sua relação com o professor ou os
colegas de sala, mas também de todo um envolvimento com os pais e amigos do bairro
e de toda uma história de vida pela qual o indivíduo já tenha passado. Considerando
que cada aluno possui relacionamentos com pessoas diferentes e uma historia de vida
diferente, é possível concluir que cada um apresenta um aprendizado diferente.

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Na entrevista das alunas, é possível observar o tempo todo a apresentação
de justificativas de seus comportamentos considerados inadequados ao ambiente es-
colar, na maioria das vezes atribuindo a culpa à didática do professor. Como elas mes-
mas dizem, algumas aulas são tão entediantes que, muitas vezes, chegam a provocar
sono. Na questão da disciplina / indisciplina, as entrevistadas demonstram ser tipica-
mente o arquétipo do aluno indisciplinado que os professores normalmente adotam:
se não lhes agrada o assunto da aula, passam a conversar sobre assuntos não relacio-
nados com a aula, ignorando totalmente o professor. Se o mesmo pergunta se querem
sair, elas não entendem como uma chamada de atenção, mas simplesmente saem da
aula. São citados por elas também outros alunos que segundo elas “não tem limite”,
que simplesmente se dirigem ao fundo da sala e começam a badernar.

Para efeito comparativo, temos a seguinte citação do texto “Indisciplina na


Escola”, de Teresa Cristina Rego: “(...) Finalmente, como pudemos observar, os postu-
lados de Vigotsky ressaltam claramente o papel crucial que a educação tem sobre o
comportamento e o desenvolvimento de funções psicológicas complexas, como agir de
modo consciente, deliberado, de auto-governar-se (aspectos diretamente relacionados
à disciplina). Em outras palavras, o comportamento (in)disciplinado é aprendido. Base-
ando-nos nestas premissas, podemos inferir, portanto, que o problema da
(in)disciplina não deve ser encarado como alheio à família nem tampouco à escola, já
que, na nossa sociedade, elas são as principais agências educativas.”

É interessante destacar o fato de que as alunas justificam a indisciplina pa-


ra com os professores por julgarem a aula desinteressante, ou o professor sem-
paciência, enfim, problemas mais de didática dos professores do que rebeldia propri-
amente dita (isso lembra o citado por Teresa Cristina Rego em Indisciplina na Escola:
os alunos considerados mais indisciplinados são os que demonstram maior capacidade
para identificar problemas escolares, no caso, especificamente com o professor e a
didática do mesmo), pois isso mostra que o problema não é unilateral, ou seja, não é
só “culpa” dos alunos. É, na verdade, a maneira que eles encontram de demonstrar
seu desagrado. Ou seja, o comportamento indisciplinado dos alunos é como uma es-
pécie de resposta negativa às insatisfações dos alunos quanto à maneira com que as
aulas são guiadas.

Logo, elas vão adquirindo o hábito de se revoltar contra as coisas que não
gostam através do descaso e do desinteresse, assim como observam nas situações
cotidianas da vida extra-escolar. Uma vez que a didática do professor não é satisfatória
para o aprendizado (ou seja, ele não as está auxiliando devidamente a assimilar novos
conceitos), não se cria nem aprendizado, nem desenvolvimento e, em conseqüência a
escola perde seu caráter formador.

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Do ponto de vista do professor entrevistado, deve existir o equilíbrio entre
direitos e deveres do professor e do aluno. A relação deve ser bilateral (a relação unila-
teral seria aquela em que o aluno se vê totalmente passivo, apenas recebendo infor-
mações vindas do professor, etc.). Essa relação bilateral faz parte do paradigma onde a
teoria Vigotskyana está imersa, no qual a constituição do individuo se forma a partir
das inter-relações indivíduo-mundo (o que o individuo interagiu com o mundo E o que
o mundo interagiu com o individuo).

Em nenhum momento, porém, o professor atribui parcela de culpa a si e a


seus colegas dentre a disciplina e a falta de aprendizado dos alunos. Culpa a internet, o
construtivismo, a televisão e a tecnologia ao mesmo tempo em que diz que, na sua
“escola dos sonhos” incluiria o uso de tais tecnologias e aparelhos.

O professor entrevistado cita diversas situações em que teve que lidar dire-
tamente com a indisciplina de um aluno, que se sentiu agredido/ofendido, e então, sua
família fora convocada. A família então joga toda a responsabilidade pelo mau com-
portamento de seu filho (a) no professor, que se vê obrigado a ceder, ou então correrá
riscos de perder o emprego. A família neste caso não se vê como responsável em parte
com o a rebeldia de seu filho (a). Esse aspecto cultural de nossa sociedade é, sem dú-
vida, um obstáculo para a compreensão da causa da indisciplina. Somente quando ca-
da parte assumir ativamente e positivamente sua parte como educador e formador
dos jovens, estaremos caminhando para uma nova ordem de configuração de nossos
sistemas educacionais, mais de acordo com os novos ideais e modelos de sociedade e
de mundo.

Torna-se difícil a idealização de uma “escola perfeita”, visto que o aprendi-


zado varia de aluno para aluno e que o ensino varia de professor para professor. O que
é possível argumentar, porém, é que as coisas não estão funcionando plenamente da
maneira que estão. Ainda é muito grande a presença de professores desqualificados e
desinteressados em fazer crescer as relações de aprendizado dos alunos, trazendo,
para o cotidiano escolar, maneiras de ensino que sejam intuitivas e esclarecedoras
para os alunos, o que provoca a rebeldia e desinteresse dos mesmos e cria um efeito
bola-de-neve na vida escolar que faz cada vez mais alunos aderirem à rebeldia, já que a
escola torna-se um espaço desinteressante.

A família, por sua vez, ao entender-se como parte ausente das relações de
aprendizado dos seus filhos, exclui toda a parcela de culpa que possam ter sobre o que
acontecem dentro da escola e acaba passando despercebida quando se estuda tal as-
sunto. Mas não pode deixar de levar em conta que os alunos passam ao menos meta-
de do dia em casa, em contato com as relações familiares e que essa relação também
faz parte da construção do aprendizado da criança. E que as revolta são, muitas vezes,
reflexos das atitudes que elas observam em casa, como por exemplo, mudar o televi-
sor de canal quando se encontra um programa desinteressante. Talvez, a partir dessa

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idéia, os alunos tentem “mudar os professores de canal”. E é quando passam a não
mais prestar atenção no que é dito em sala de aula e criar as situações de conversa
paralela que os professores tanto reclamam.

Apesar de bastante negativo, o quadro é positivo quando se observa que,


em meio à revolta e ao desinteresse, os alunos conseguem visualizar alguma maneira
de importância da escola e que, pelo menos alguns, consigam forçar-se a assistir as
aulas não só de corpo-presente, mas também de mente e interesse. Como elas mesmo
disseram, a escola cria uma base importante sobre assuntos indispensáveis para a vida
adulta em sociedade, mesmo que se aprofunde demais em “assuntos chatos como
Log”.

O que fica, é a esperança de que, de alguma maneira, existam mesmo os “pontos fora
da reta” citados pelo professor da entrevista e que, como Einstein, todos cheguem a
“ser alguém”, apesar da pouca esperança que grande parte dos professores coloca
sobre os alunos.

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Referências Bibliográficas

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tituição de sujeitos (re-impressão). In: OLIVEIRA, M. k. de; SOUZA, D. T. , REGO, T. C. (Org.).
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perspectiva vygotskiana. In: Julio Groppa Aquino. (Org. ). A indisciplina e a sala de aula: alter-
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Trad. J. Cipolla Neto. 4. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991

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