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Nkisi Nvunjí

  

    Nkisi Nvunjí, conta-se que em uma aldeia não mais reinava a alegria ou felicidade,
pois seu soba havia morrido e os homens sem líder não tinham mais ânimo para o
trabalho e as mulheres de tão tristes se tornaram inférteis. Vendo esta situação
“nlukumuni” a deusa da procriação pediu para que nvunji visitasse a aldeia e levasse um
saquinho que deveria ser aberto só quando chegasse a aldeia, na presença de todas as
crianças. Nvunji assim o fez e ao chegar a aldeia se deparou com uma enorme tristeza,
reuniu então todas as crianças da aldeia e abriu o saquinho, que continha muitos pós
coloridos, então nvunji sem saber o que fazer dividiu as cores com as crianças e
começou a cantar :

Akauila Zinge – A Brincadeira Começa Cedo


 
Akauila Nvunji – A Brincadeira É De Nvunji
Então começaram a pintar toda aldeia que com seu colorido fez os homens encorajarem-
se novamente e as mulheres começaram a parir gêmeos, tri-gêmeos e muitas crianças
nasciam de um mesmo ventre, e até hoje se canta na aldeia:
Akauila Zinge
Akauila Nvunji
    E todos admitiram: Nvunji é nossa sobá, suas cores trazem felicidade/fertilidade.
Como já falado anteriormente, temos registros de que na terra dos nossos antepassados
bantu existia um culto a esta divindade individualizada e aparece em muitos mitos e
lendas de vários povos bantu e em muitas orações e cantigas nossas. A maioria liga
originalmente esta divindade a Luango, que seriam divindades ligadas à justiça e às
causas sociais e aos nascimentos.
Wungi também está ligada às águas e aos nascimentos, inclusive de gêmeos.
Na nossa família Tumba Junçara, tradicionalmente não se inicia pessoas para esta
divindade, nem se confirma cargos para ela (O Vunji, como se chama no Candomblé de
Angola as manifestações divinas em forma de crianças, podem até suspender cargos
sim, mas para o Nkisi da cabeça do filho, falando em nome do Nkisi, não para eles
mesmo, nesta forma de manifestação de criança. Ela aprece, ou como uma divindade em
natureza de criança, que passa durante a manifestação de todos os Nkisi, como se não se
tivesse domínio sobre ela, portanto, ela cuida dos filhos e da manifestação do Nkisi em
geral, podendo se identificar como menino ou menina, de acordo com a natureza da
divindade da cabeça do filho/filha. Mas tem a outra idéia de que, no Brasil, ao se
invocar Wungi (ligado aos nascimentos, lembram?), se manifesta a natureza divina de
qualquer divindade, no “grau” de mona ndenge/kafioto/criança. Se chamava Vunji para
possibilitar esta manifestação, que terminou sendo associada diretamente a esta
manifestação em natureza infantil das divindades.
É ligada às cores e à natureza sim.
Na Família da Gomeia eles iniciam, inclusive a atriz Eva Todor foi iniciada para esta
divindade, e ouvi história do “dia do nome” djina dia Nkisi” e dizem que foi algo
maravilhoso, desta divindade fazendo brincadeiras e exigências antes de dar o nome.
Mas são história que ouvi dos mais velhos e que vem de outras família.
    Portanto, não estamos tratando aqui de certo e errado. Na nossa casa seria “errado”,
porque nossa família e tradição não permite. Não existe registro dos mais velhos, então
não vamos inventar. As divindades que temos já nos são desafios de aprendizagem e
glória divina bastante, para buscarmos conhecimentos e tradições de outras terras.
    Desse modo, ficam dois entendimentos: ou é a divindade que passa na cabeça de
todos os filhos/filhas, se manifestando como criança independente do Nkisi que reine na
mutuê dela, ou é o próprio Nkisi num grau de manifestação transitório e relativo, para
falar, dizer o que o Nkisi não disse (quem segura a ndaka destes meninos e meninas?
risos), e amenizar o efeito da manifestação divina na cabeça dos filhos/filhas. Eu prefiro
esta segunda.
Então Aquele/Aquela Vunji, é na realidade o próprio Nkisi da cabeça da pessoa em uma
manifestação infantil, pois assim ele fala, dar seus recados, e alivia um pouco a cabeça
dos filhos/filhas, sendo quase um estado de consciência intermediário, que a própria
divindade vai buscar no inconsciente do filho/filha. É o alterego tanto da divindade
como do filho/filha.
    Como não temos o Koxikama/assentamento desta divindade, antes de agradar e
cultuar os Nkisi na forma de mona Ndenge/kafioto (criança), cultuamos Ndadalunda
(que pode ser um caminho que a divindade Vunji tenha se diluído na nossa família, pois
também é mãe e ligada à fecundação e nascimentos), que está neste caminho de
fecundação e maternal, e cultuamos Tat’etu Luango, sendo que estes dois Nkisi também
são cultuados nos cultos de iniciação. Toda vez que uma pessoa for ser iniciada,
Mam’etu Ndandalunda e Tat’etu Luango são cultuados. Então vemos que temos
resquícios sim deste culto, que ligaria à Vungi e Luango ao nascimento das crianças,
embora Luango, como vimos antes, que em alguns casos na África bantu, ainda hoje, é
entendido como mãe, seja uma divindade forte e poderosa ligada aos raios e trovões,
mas também à justiça (como Vunji), embora tenha, realmente uma natureza mais
infantil e jovial.
    Se tivéssemos que fazer correlação (eita vício danado de correlacionar, mas não
podemos esquecer que reconstruímos nossas identidades com contribuições de todos e
todas os povos africanos que para cá foram trazidos), seria Ibeji no culto dos Orisás,
mas como vimos, a natureza e origem são diferentes, apesar de quando manifestado não
vermos muita diferença se é um Erê do culto de Orixá ou um Vunji do culto de Nkisi, a
não ser no linguajar (que é mais característico de cada família ou casa do que de cada
nação) e palavras e jeito de falar algumas coisas. Por isso muitas vezes usamos uma
palavra pela outra e isto não é nenhum sacrilégio. Tá tudo certo quando usado com
consciência e respeito. Que Ibeji também nos traga alegria, afinal, somos brasileiro e
“tudo é nosso”!
Nada no culto do Nkisi é REGRA. Claro que existem exceções. Eu tinha ouvido falar
que o Nkisi como Pambu Njila não manifesta Vunji, porque os mais velhos entendiam
que “não teriam como controlá-lo” então vejam que o que chamamos de Vunji, é
mesmo a natureza do próprio Nkisi em forma de criança, senão, não teria como associá-
lo à natureza Deles/Delas à divindade da cabeça do filho. No caso de Pambu Njila, se
buscaria o Vunji do Juntó, ou até mesmo de Nkosi, que faria este grau de consciência
intermediário. Porém, conversando com alguns mais velhos ainda vivos de nossa
família, alguns me garantiram que Pambu Njila, quando iniciado na cabeça do filho,
manifesta Vunji sim. Com não vamos pelo “certo e errado” vamos deixar o sagrado
resolver. Se algum mais velho que ler este texto quiser contribuir com sua experiência,
agradeço e peço a benção.
    Nem todo mundo manifesta Vunji, independente do Santo que tem. Temos registro
em nossa família de pessoas que só manifestavam a divindade/Nkisi/Mukisi, sem a
manifestação intermediária de Vunji. Do mesmo modo que temos pessoas em nossa
família que não manifestam Caboclo (mas isto é assunto para outra mensagem – risos).
    Só tem que ficar bem claro e não confundir estes dois caminhos. Não está errado
chamarmos as manifestações dos Nkisi de Vunji, pois, assim os antigos faziam,
invocando esta divindade para gerar a manifestação da divindade (seja qual fosse) como
criança, e se consignou de chamar esta manifestação de Vunig, mas não é a Divindade
Vunji, no termo tradicional e individual da palavra. Pelo menos entendo assim. Por isso
hoje também se chama de Kafioto e Mona Ndenge.
MAKÚDIA (comida) – Caruru – Prato feito com quiabos cortados ao longo em cruz,
refogados com azeite de dendê, cebola, folhas de mostarda, camarões, água e sal.
Depois de quase pronto, acrescenta-se amendoim e castanhas. Servir em vasilha de
barro forrada com folhas de laranjeira (muxi-mindéle).    Também se oferece doces em
geral.
Até pela comida ritual vemos que o culto a esta divindade se diluiu na personalidade de
criança manifestada pelas outras divindades na cabeça do filho. E quem sabe, não é ela
mesmo que completa a todos e todas?
    Voltando à lenda acima (que como todos os mitos e lendas devem ser entendidos de
maneira esotérica, além da letra ), ela pode ser somente um título honorífico que a
divindade responsável pela fecundaçãoe procriação (Ndandalunda e Mam’etu Kaiala e
Lembarenganga) tivesse atuação na comunidade. Um mensageiro, que é mais o que
parece na realidade, como tenho observado na lida com estes seres maravilhosos, que
parecem pequenos, mas são grandes em suas atuações. Ou não é assim que é concebido
no Candomblé de Angola? O que o Santo não diz, porque não vive dando discurso -
risos, o Vunji vova (fala) azuela (grita/canta) e nos encanta a todos!
Registrando que os Vunji/Kafioto não são as mesmas entidades chamadas de “erê” na
Umbanda que vem na Linha de Ibejada! Ali são espíritos que viveram na terra e
desencarnaram ainda criança e se manifestam na Umbanda de maneira humilde,
mantendo a característica de criança, para nos ensinar que a vida é eterna e a gente
continua vivendo e tendo o controle de como queremos continuar vivendo. E como
vimos acima para nós, no candomblé de Angola, Vunji ou é uma divindade que se
manifesta em todos os iniciados em forma de criança, ou é o grau da natureza da
divindade que reina na cabeça do filho.
    Embora, quando das festas, depois que os Vunjis chegam, vem criança de tudo que é
jeito e pessoas que não são de candomblé muitas vezes manifestam os “eres” de
Umbanda e como para eles tudo é alegria e simplicidade e humildade, não existe
choques neste momento específico do culto. Pelo menos nunca vi. E ai, depois que eles
chegam, o que cantarem para eles eles dançam e aproveitam a festa, seja de Umbanda
seja de Candomblé e de que nação for. Já vi Vunji que o maior prazer dele era dançar
para caboclo, outros gostam de dançar para o Nkisi que é filho, etc… Eles são bem
ecléticos, já que se manifestam com inocência ou com as malícias próprias de criança.
Não ficam julgando muito. Se tiver em harmonia e de coração puro ele/elas aproveitam.
    Eles querem é festejar e espalhar cor e alegria em nossas vidas.
Vamos que vamos.. hoje é dia consignado a eles/elas através do sincretismo com os
Santos católicos São Cosme e Damião, que não tem nenhuma ligação étnica com os
povos africanos. Mas é assim no Brasil. Historicamente teve uma razão de ser e nossos
ancestrais assim agiram, e como somos uma religião ancestral mantemos as tradições e
mantemos nossas individualidades e identidades, mesmo convivendo com a
diversidade.Salve também a São Cosme e São Damião!
Só temos que ter cuidado para não esquecer que todas as divindades são manifestações
diversas do Princípio único e criado de todas as coisas e não buscarmos o sagrado só
externamente. A consciência divina É plena em nós, seja em qual manifestação for.
 
 
 

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