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Editado por Richard G.

Erskine
Publicado pela primeira vez em 2016 pela Karnac Books Ltd 118 Finchley Road Londres NW3 5HT
Copyright © 2016 a Richard G. Erskine para a coleção editada, e aos autores individuais por suas
contribuições. Os direitos dos colaboradores a serem identificados como autores desta obra estão
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Britânica / ISBN-13: 978-1-78220-263-9/Tipografia por V Publishing Solutions Pvt Ltd., Chennai, Índia/
www.karnacbooks.com

KARNAC
PREFÁCIO por James R. Allen
PREFÁCIO por Richard G. Erskine
SOBRE O EDITOR E OS COLABORADORES
CAPÍTULO UM
Uma Análise Transacional da obsessão: integrando diversos conceitos e métodos Richard G. 2

Erskine
CAPÍTULO DOIS
Transferência-contratransferência com foco na Análise Transacional
Ray Little
CAPÍTULO TRÊS
O Coração da Terapia de Redecisão: Resolução das Mensagens de Injunção
John R. McNeel
CAPÍTULO QUATRO
Abertura para a Vitalidade da Experiência Inconsciente
William F. Cornell
CAPÍTULO CINCO
Da impenetrabilidade à transparência: o "eu" do espectador
Elana Leigh
CAPÍTULO SEIS
Mudando scripts transgeneracionais
Gloria Noriega Gayol
CAPÍTULO SETE
Inferência, reexperimentação e regressão: Psicoterapia do Estado do Ego criança
Richard G. Erskine & Amaia Mauriz-Etxabe
CAPÍTULO OITO
Evoluindo teoria e prática com o indivíduo autodestrutivo
Tony White
CAPÍTULO NOVE
Jogos Psicológicos e Processos Intersubjetivos
Jo Stuthridge & Charlotte Sills
CAPÍTULO DEZ
Análise Transacional na Psicoterapia dos Transtornos da Personalidade
Moniek Thunnissen
CAPÍTULO ONZE
Análise Transacional Sócio Cognitiva: da Teoria à Prática
Maria Teresa Tosi
CAPÍTULO DOZE
A Psicopolítica do Gênero: Homens Tornando-Se, Sendo E Pertencendo
Karen Minikin & Keith Tudor
REFERÊNCIAS
ÍNDICE
PREFÁCIO1
James R. Allen

Quando Richard Erskine me pediu para escrever um prefácio para este livro, eu
aceitei com alguma relutância. Depois de quase sessenta anos de prática,
recentemente me aposentei e, pelo menos agora, estava com minha atenção para
outro lugar. No entanto, estou encantado de ter aceitado o convite. Os capítulos são
descrições interessantes de como os autores usaram e moldaram o que entendiam
como Análise Transacional e muitas vezes como eles mesmos, por sua vez, foram
remodelados no processo. Ler este livro foi como olhar para uma seção transversal
geológica: há veios de Berne, Goulding’s, Erskine, e uma variedade de perspectivas
relacionais, todas separando, combinando e, em seguida, separando e combinando
novamente. Foi retrospectiva do meu próprio desenvolvimento terapêutico e abriu
perspectivas de futuros possíveis.
No entanto, além de Eric Berne, há dois importantes precursores, cujas
contribuições foram largamente negligenciadas: Fritz Perls (Pens, Hefferline, &
Goodman, 1951) e Virginia Satir (1983). Perls era importante naquele período dos anos
60, no viveiro de psicoterapia existente entre San Francisco e Big Sur, a localização do
Instituto Esalen, que foi o primeiro "centro de desenvolvimento" nos EUA e era a casa
do Perls. Todos se conheciam pessoalmente e trabalhavam uns com os outros. De fato,
em conversas pessoais no início dos anos 60, Bob Goulding disse que ele se via
combinando as ideias de Berne sobre os resultados dos testes patológicos com as
técnicas do Perls, incluindo os diálogos imaginários das duas cadeiras. Por trás do
Perls, no entanto, estavam gigantes como Wilhelm Reich e o diretor Max Reinhardt -
para não falar da esposa de Perls, Laura, e dos grupos Weimar e New York Gestalt.
Erskine me pediu para escrever uma combinação de reações pessoais,
associações, críticas e perguntas para leitores em potencial. Então, vamos prosseguir.
O primeiro é o artigo de Erskine sobre o tratamento da fantasia obsessiva e repetitiva.
A primeira seção deste capítulo é uma condensação magistral da teoria que subsidia a
Psicoterapia Integrativa. Seu diagrama do Sistema de Script é especialmente útil. Pode
ser difícil para os leitores principiantes apreciar plenamente sua sutileza e suas
implicações. No entanto, você encontrará ajuda na descrição detalhada da terapia de
longo prazo realizada por este atento terapeuta. Fiquei impressionado com sua
conceituação das seis facetas. Terapeutas jovens e não tão jovens encontrarão muito
para imitar. Isso inclui notar e reconhecer nossos próprios erros terapêuticos.
Uma segunda versão de uma abordagem relacional de duas pessoas é a
descrição de Ray Little de uma Análise Transacional centrada na transferência-
contratransferência.

1
Transactional Analysis in Contemporary Psychotherapy, editado por Richard Erskine, Karnac , London
(UK), 2016. p. ix a xix no original.
Ele conceitua a psicopatologia em termos da ativação de unidades relacionais
defensivas / inadaptadas, predominantemente inconscientes de Criança/Pai,
eu/outros. Ambos precisam ser abordados. Por exemplo, ao lidar com os efeitos
secundários do abuso, o terapeuta precisa abordar representações de vítimas e
agressores. A abordagem de Little implica o trabalho através de antigos objetivos de e
o desenvolvimento de novos. Como ele escreve, o terapeuta é tanto ímã, quanto
arquiteto. Ele nos dá exemplos admiráveis de atenção plena, dos esforços de um 4

terapeuta para entender seus próprios funcionamentos e motivações internas, bem


como os do paciente e a matriz interpessoal resultante construída. Ele nos lembra da
necessidade de uma exploração cuidadosa de como o paciente pode interpretar o
comportamento do terapeuta, seja este último coincidente com as projeções do
paciente ou se a interpretação do paciente varia consideravelmente da experiência
real do terapeuta. Esses trabalhos me lembram da importância do comportamento
não verbal, e especialmente do papel de genérico "inteligente" no engajamento social.
Fora de nossa consciência, influencia nossos músculos da expressão facial e mesmo o
que nós podemos ouvir (Porges, 1995).
John McNeel fornece uma descrição muito clara do trabalho de Redecisão dos
Goulding’s, como eles realmente praticavam, e do seu próprio trabalho nas
explorações e elaborações a respeito. Embora ele tenha ido à Califórnia para treinar
com os Goulding’s cerca de três anos mais tarde do que eu, ele captura o “espírito da
época” que eu me lembro, bem como a generosidade dos Goulding’s, e até mesmo
seus preconceitos. No momento em que ele chegou, os Gouldings divergiam um pouco
de Berne e David Kupfer, cujas contribuições incluíam "bandas de borracha" e com
quem haviam compartilhado escritórios no Carmel Institute of Transactional Analysis.
Quando McNeel chegou, eles haviam montado o Western Institute of Group and
Family Therapy em Madonna, fora de Watsonville, Califórnia.
O trabalho de doutorado de McNeel focou em um workshop de fim de semana
dos Goulding’s e no acompanhamento dos pacientes envolvidos. Entre outras coisas,
ele mostrou que, pelo menos em três meses, os participantes haviam reorientado o
seu ciclo de vida. Em outra importante pesquisa na época, de 17 grupos de 1973,
Lieberman, Yalom e Miles, de Miles, mostraram que, de todos os grupos, o dos
Gouldings teve o maior número de melhorias sem vítimas. O segundo melhor grupo foi
um de Gestalt, mas este teve baixas. Em seu capítulo, McNeel relata seus
esclarecimentos e dos seus conceitos das injunções. Ele também conta como percebeu
que Mary Goulding acreditava, que qualquer pessoa que atendia pacientes por mais de
um ano estava "despedaçando-os", e concluiu que, embora o processo de redecisão
tenha sido útil como uma pedra fundamental, em um processo terapêutico maior, os
pacientes precisavam de uma reprogramação mais extensa e ele elaborou,
exatamente, o que isso implicava.
E agora, vamos para algo completamente diferente! Se o que interessa em
terapia é a curiosidade apaixonada do terapeuta a serviço de inquirir paciente, então
William Cornell fornece um exemplo! Sua implacável indagação, sua vontade de
enfrentar o desconhecimento e suas buscas ativas me lembram da viagem descrita
pelo místico da virada do século, Gurdjieff (1963) e suas reuniões com homens
notáveis.
Cornell estende a ideia de Berne de primeiro, segundo e terceiro jogos graus para 5

Scripts. Estou cheio de admiração ao acompanha-lo no que não "fazer" ao trabalhar


com questões profundas, que não são propícias à percepção, que caracterizam os
Scripts de terceiro grau. Ele não prefere "consertar" esses pacientes, mas escuta e vive
a contratransferência ao invés de atuar nas interpretações ou nas auto revelações. Ele
não tenta fazer o inconsciente consciente, mas sim pensar em enriquecer tanto a
experiência do paciente, quanto a sua própria experiência consciente, com a vitalidade
dos processos inconscientes. Lembro-me de quantas vezes os terapeutas consideram
os processos inconscientes (ou mesmo o inconsciente como uma estrutura) em termos
apenas dos indesejados, dos temidos e dos reprimidos, e não como uma fonte de
vitalidade! Seu papel é um antídoto necessário.
Sinto-me feliz por ter sido influenciado, no início da minha carreira, por Milton
Erickson (Erickson, Rossi, & Rossi, 1976). Ele tratou o inconsciente, explicitamente,
como um recurso criativo. Então, na sala dos fundos da Clínica Médica Livre de Haight
Ashbury em 1967, no proclamado "Summer of Love", guiei pessoas na transformação
de "viagens ruins" em "boas". Hoje, estamos começando a entender que o sonhar
acordado, o transe, a meditação e as drogas psicodélicas acalmam a rede padrão do
cérebro (Baird et al., 2012; Buckner, Andrews-Hanna, & Schacter, 2008). Este aquietar
se estende do córtex até as estruturas profundas, e associado à falta de clareza do eu e
do objetivo e à liberação das conexões cerebrais previamente inibidas. Eu suspeito que
a abordagem de Cornell é similar. Precisamos lembrar que, embora o próprio Berne
continuasse a atender alguns pacientes através da psicanálise, a AT originalmente,
tratava apenas dos processos conscientes. Esta abordagem manteve-se forte em
alguns grupos de San Francisco. Como Cornell descobriu, trabalhar só com o
consciente, muitas vezes é suficiente para Scripts de primeiro e segundo graus, mas
geralmente não para aqueles de terceiro grau. Hoje, eu concebo o trabalho com
Scripts de terceiro grau em termos de lidar com as primeiras experiências codificadas
no sistema de memória implícita e, portanto, não diretamente disponíveis
conscientemente. No entanto, todos nós precisamos lembrar que, embora as pessoas
possam abraçar a ideia do inconsciente intelectualmente, eles podem realmente não
"acreditar" emocionalmente. Uma das coisas mais úteis e mais chocantes que meu
analista me disse foi: "Bem, Jim, você achou que não tinha inconsciente?" Eu tive que
concluir que a resposta era não, pelo menos quando aplicado a mim - embora eu já
estivesse indo bem no meu treinamento psiquiátrico.
Para aqueles de vocês, que estão se mudando de uma psicologia tradicional de
uma pessoa, envolvendo impenetrabilidade terapêutica, para psicoterapia com uma
abordagem de duas pessoas, envolvendo manter a reciprocidade, sentindo o caminho
ao longo do processo - e fazendo um esforço, com o acompanhamento de um
autoexame minucioso, de uma autodúvida, e de luto – o papel de Elana Leigh será de
conforto. Foi para mim. O artigo de Leigh é tanto um modelo, quanto uma fonte de
permissão, para explorar quais abordagens relacionais se encaixam melhor para nós 6

pessoalmente, para nossos clientes e para nossa situação compartilhada, e torná-la


nossa, integrando quem éramos, com quem estamos nos tornando. Leigh propõe que
Freud precisava excluir a subjetividade das suas teorias e práticas, por causa da sua
necessidade de obter aceitação e reconhecimento dos cientistas da época e talvez
também como uma estrutura de reação para proteger seu próprio narcisismo. No
entanto, após a sessão terapêutica, ele às vezes compartilhava café e bolos com seus
pacientes. Fiz alguns treinos com Anna Freud na Clínica de Terapia Infantil de
Hampstead. Trabalhando com crianças, ela me ensinou que com esta faixa etária o
terapeuta é obrigado a ser uma pessoa real, e às vezes um tipo de pai substituto, assim
como um terapeuta. As crianças não permitem mais nada. Nas conferências, Miss
Freud costumava ter uma visão exploradora, e geralmente, alguns dos expectadores
objetavam, citando os escritos do seu pai, de vários períodos e, se isso não
funcionasse, então citavam seus próprios escritos para ela. Isso parece apoiar a visão
de Leigh sobre a teoria como um mapa e uma proteção, mas também como uma
restrição. Se bem me lembro, Miss Freud também teve a coragem de assumir a
posição de não saber e dedicou muito tempo de conferências examinando falhas
terapêuticas.
No Instituto Carmel de Análise Transacional, um escritório foi reservado para
Virginia Satir (1983, 1993), então provavelmente a mais respeitada e certamente a
mais carismática terapeuta familiar nos EUA. Ela esclareceu a comunicação, teve uma
visão do sistema de família baseada no conceito de "Eu conto, você conta e o contexto
conta" e tinha uma abordagem multigeracional psicodramática da terapia familiar que
ela chamou de "reconstrução familiar". Todos estes temas foram retomados, muitas
vezes sem reconhecimento, e divulgados por outros.
Ainda assim, a dinâmica familiar e a dinâmica familiar transgeracional
raramente são reconhecidas na Análise Transacional. Coube à Gloria Noriega Gayol
(2009) fazer uma pesquisa significativa nesta área. Aqui, ela descreve sua abordagem
clínica. Trata-se de uma emocionante integração, na qual o paciente é apresentado
com um banquete de ideias e experiências, em uma direção cuidadosamente
sequenciada. Ela extrai de muitas tradições. De fato, este artigo poderia muito bem ser
usado como um texto básico no treinamento de TA. Ela também é um dos poucos
autores neste livro a reconhecer a incorporação de conceitos não TA em sua prática.
É de notar que, a um nível puramente biológico, o novo campo da epigenética (Craig &
Wong, 2011) também nos encoraja a olhar para interações geracionais. Por exemplo,
se um homem desenvolve ou não diabetes pode depender se seu avô nasceu em uma
época de fome ou em um tempo de colheita. Enquanto a abordagem de Noriega
combina psicologia de uma e de duas pessoas, parece , em grande parte, ser de uma
pessoa.
Erskine e Mauriz-Etxabe nos levam de volta ao reino relacional de duas 7

pessoas. Eles descrevem o uso sensível regressão de idade para lidar com os padrões
relacionais fixados, que constituem o núcleo de um Script de vida, bem como a
integração dos Estados do Ego mais antigos no Estados do Ego Adulto. O histórico do
caso de Maria é um exemplo instrutivo do poder da memória implícita. Isso faz com
que as pessoas repitam ações passadas e experimentem sensações passadas e
emoções passadas como se estivessem relacionadas apenas com a situação atual. Este
artigo descreve a facilitação das traduções destas memórias sub-simbólicas e muitas
vezes fragmentadas em palavras e memórias explícitas, ao mesmo tempo em que
promove novas conclusões. Depois pode acontecer através da presença do terapeuta
ou quando a paciente faz movimentos físicos para se proteger, ou quando encontra
alguma nova perspectiva sobre a experiência. Eles, sabiamente, escreveram que "falar
não é suficiente." Impressionante é a atenção cuidadosa destes autores para o nível de
desenvolvimento do paciente e sua janela de tolerância a emoção Fico surpreso ao ver
terapeutas que parecem pensar que é suficiente para obter uma "narrativa de trauma"
– com todos os detalhes - e, confundindo a re-traumatização resultante como uma
experiência emocional corretiva, então pergunto por que o paciente não melhorou!
Expandindo o trabalho dos Goulding’s, Tony White descreve seu trabalho com
pacientes suicidas e o trabalho com a ambivalência causada pelos conflitos da Criança
Livre – Criança Adaptada. Para entender melhor um grupo de pacientes, que
geralmente parecem "normais", mas que se envolvem em comportamentos de alto
risco, inclusive com maus hábitos de saúde, ele introduz o conceito de desejo de morte
como um impulso do Estado do Ego Criança Livre. Esta elaboração desestigmatiza
essas pessoas, mas não ignora a sua destrutividade. Nos EUA, pelo menos, não se fala
muito sobre o instinto de morte. Em parte, isso pode ser porque esse conceito é visto
como uma retomada de uma psicologia guiada e não se encaixava com a ênfase
americana na psicologia do ego. No entanto, o sucesso de bilheteria de filmes como
Cinquenta Tons de Cinza e A paixão do Cristo de Mel Gibson, demonstram uma
imagem diferente. O desejo da morte também não se presta facilmente às
intervenções. No entanto, o perfil meta-psicológico de Hampstead desenvolvido por
Anna Freud (1965) e colegas insistiu em uma descrição da força, qualidade e direção
do comportamento agressivo.
Nada dizem dos escritos e da prática de Melanie Klein (1987)! Parece relevante notar
que, nos EUA, a psicanálise encontrou alguma resistência, porque a libido tinha sido
mal traduzida como impulso sexual e Freud era, portanto, visto como um "velho sujo".
Em contraste, entendo que, após a revolução bolchevique, a psicanálise na Rússia foi
suprimida, pelo menos em parte, por causa do instinto de morte; Freud era visto como
um belicista! Pavlov parecia um modelo mais adequado para o Novo Homem
Soviético. No início dos anos oitenta, havia muitas publicações sobre fechamento das 8

válvulas de escape, incluindo " contrato de nenhum suicídio". Este trabalho logo se
distorceu. Na esperança equivocada de prevenir ações judiciais, vários hospitais
psiquiátricos e salas de emergência nos EUA apresentaram aos pacientes formulários
pré-impressos de “contrato sem suicídio". Os pacientes, geralmente, liam algo como,
"Eu prometo não me matar enquanto estiver no hospital"! No mínimo, essa resistência
e transferência convidadas, na verdade deram aos pacientes permissão para se matar
depois que saíssem do hospital - e estava completamente perdida a necessidade do
contrato ser usado, dentro de uma relação terapêutica sensível e cuidadosa. Não
surpreendentemente, a American Psychiatric Association – condenou a prática. É bom
que White nos conduza à intenção original dos Goulding’s (Drye, Goulding, & Goulding,
1973).
Através de um fascinante caso clínico de uma paciente com dinâmica bordeline,
Moniek Thunnissen descreve seu trabalho de três meses em um ambiente hospitalar.
Ela já havia publicado pesquisas sobre resultados terapêuticos (2001a). Aqui, no
entanto, ela descreve um ambiente coerente e reflexivo baseado em princípios de AT,
que tira proveito do uso metafórico de marionetes, de arco e flecha, bem como o
campo da prática domiciliar. Este é um documento que será útil para qualquer pessoa
que pense em criar um programa de tratamento domiciliar. Em contraste, eu me
lembro do primeiro grupo de tratamento que eu vi Berne conduzir, em uma unidade
psiquiátrica regular no St. Mary's Hospital em San Francisco. Começou por dirigir-se a
uma nova paciente, uma freira, com "Bem, irmã, quem lhe deu sua licença loucura?"
No entanto, ele também criou uma estrutura terapêutica muito produtiva. Durante a
primeira hora, nós estudantes nos sentávamos em um círculo fora do grupo
terapêutico. Então mudávamos de lugar e nos tornávamos o círculo íntimo, discutindo
o que tínhamos observado, enquanto os pacientes formavam o grupo externo,
observando-nos. Finalmente, trocávamos de lugar novamente e os pacientes
comentavam sobre nossas observações e interpretações - e sobre nós. Um paciente
psicótico, que havia falado com uma atitude, que os outros não percebiam durante o
grupo de terapia, repetiu o mesmo comportamento no grupo externo. Outro paciente
imediatamente o deteve, dizendo: "Este não é o momento para isso!" Outro paciente
comentou sobre o quanto menos deprimida uma das estagiárias estava desde que
frequentou o grupo e expressou sua esperança de que, agora que a estagiária estava
procurando ficar mais atraente, ela iria encontrar um "bom namorado"!
Hoje, podemos vê-los como precursores de um coral reflexivo e até mesmo de uma
abordagem relacional nascente. No seu bem intitulado e cuidadosamente sequenciado
artigo, Karen Minikin. E Keith Tudor mostram como várias tradições de AT podem ser
produtivamente combinadas, uma reforçando a outra. Os autores apontam, que
gênero oferece um belo exemplo da construção social da identidade e do
encadeamento de tornar-se, ser e pertencer à matriz dos processos individuais,
interpessoais, organizacionais e culturais. Eles descrevem o processo dos seus 9

pacientes, do gênero masculino, desenvolvendo um sentido de si mesmos como seres


humanos completos. Talvez em outro artigo, eles possam explorar esse subgrupo cuja
presença está finalmente sendo reconhecida. Todos os dias, podemos ler de
problemas de alienação, especialmente entre os desfavorecidos e marginais. A
dinâmica relacional, com sua ênfase na autoconsciência, na presença de contato e no
engajamento é, como mostram as vinhetas terapêuticas aqui, um poderoso antídoto.
Na verdade, em programas para impedir o recrutamento de pessoas para ISIS, o
mentoring está se tornando uma das intervenções mais poderosas. Até que ponto os
conceitos derivados da análise da sociedade podem ser aplicados ao tratamento
individual? Por exemplo, tenho dificuldade em conceituar as consequências de um pai
ausente como "opressão", exceto talvez de uma forma muito metafórica. No entanto,
a ausência de um pai é um fato em alguns grupos, incluindo um número
desproporcionalmente grande de primeiros-ministros britânicos e presidentes dos
EUA.
De outro lado, até que ponto os conceitos de Análise Transacional são
aplicáveis à análise de processos sociais? A maioria de nós não tem a compreensão
adequada das complexidades das interações históricas, econômicas, sociológicas e
políticas. No entanto, certamente podemos usar nosso conhecimento específico para
examinar o tecido político e contribuir para a análise de questões e intervenções
sociais. Buscando entender esses processos culturais, Berne fez muitas viagens para o
exterior, até que um governo suspeito tirou seu passaporte. Há muito tempo, os
terapeutas de AT se orgulhavam de como poderíamos mudar o mundo. Todo mundo
só precisava aprender AT! Alguns até mesmo calcularam quantos anos isso levaria!
Hoje, somos mais sábios, mais humildes e grande parte da nossa psiquiatria social foi
reduzida a "fazer o bem" com grupos desfavorecidos. O próprio Berne deu o exemplo:
ele usava a ITAA para apoiar "nosso órfão George" em Creta. Para mim, a psiquiatria
social parece o aspecto mais decepcionante da Análise Transacional. Prometeu demais
e estávamos muito esperançosos e ingênuos demais.
O livro Jogos da Vida (1964) trouxe inicialmente a atenção nacional e
internacional principal a Berne. Duvido que alguém, inclusive Berne, tenha realmente
entendido suas implicações. Agora, Charlotte Sills e Jo Stuthridge nos oferecem uma
perspectiva relacional lindamente escrita. Eles descrevem três níveis de jogos de um
ponto de vista interpessoal. Isto difere, mas complementa a conceituação intrapsíquica
de William Cornell,no quarto capítulo.
Resumidamente, elas dizem que os Jogos de primeiro grau são nomeáveis e
respondem à investigação fenomenológica e à análise objetiva. Os Jogos de segundo
grau envolvem ação / inação e deixam o terapeuta com uma sensação de mal-estar ou
desorientação. Estes podem ser explorados em junções e associações. Os Jogos de
terceiro grau, por outro lado, deixam o terapeuta oprimido e desestabilizado. Estes
parecem associados a trauma precoce não resolvido e a negligência (Este trabalho
implora correlação com Ainsworth, Blehar, Waters, e Wall (1978) e pesquisa de apego 10

principal (1995). Os esboços do capítulo são informativos. Eles também são


fascinantes. No início do capítulo, os autores escrevem que os Jogos na sala de terapia
são a experiência mais vibrante - perto da revelação da "verdade irrepreensível" do
cliente - e muitas vezes também do terapeuta. No final do capítulo, eles mostraram
que os Jogos são isomórficos com o Script e os Jogos de terceiro grau são como uma
estrada real para processos-chave inconscientes.
Para a maioria dos leitores, provavelmente o capítulo mais difícil será Maria
Teresa Tosi sobre a abordagem sócio cognitiva. No entanto, este artigo vai retribuir a
leitura cuidadosa e consideração. É importante por várias razões. Está fundamentado
em pesquisas. Ele faz a ponte entre a AT e a psicologia cognitiva. Ele oferece definições
claras e operacionais que podem nos ajudar a fazer descrições mais refinadas e
detalhadas dos Estados do Ego, das Transações e das nossas intervenções. Somando-se
a isso, o trabalho de Tosi fornece exemplos claros do uso sensível desta abordagem na
prática clínica. Embora a AT sócio cognitiva possa ser desconhecida para muitos, ela
realmente tem uns quarenta anos de história ativa. Seu criador original, Pio Scilligo
(2011), foi um sacerdote, com uma mente curiosa, científica, ampla. A última vez que
o vi, durante um delicioso e descontraído jantar, discutimos a análise fatorial, os
sacerdotes especiais que a Igreja Católica Romana aprovou para abordar fenômenos
paranormais e sua excitação em completar o primeiro e único dicionário da língua do
vale da montanha, onde cresceu no norte da Itália. O último ser vivo falante desta
língua tinha deixado a área na idade de quatorze Eu valorizo este trabalho porque,
embora esteja fundamentado na pesquisa, não sacrifica o subjetivo ao universalismo.
Ele abrange os pressupostos básicos da AT, mas acrescenta muitos outros níveis para
eles, incluindo a evolucionária (existência, sobrevivência e continuação da espécie). Ele
trata os Estados do Ego como os processos ou funções de esquemas em constante
evolução. Conceitua o Self como um composto de vários Estados do Ego- Self, cada um
com sua própria história. Esses Estados do Ego-Self abrangem o como
experimentamos e como nos tratamos. Eles são desenvolvidos em relação e em
conjunto com as transações relacionais em andamento. Você pode achar difícil seguir a
rotulagem dos Estados do Ego. Com base na minha compreensão atual, eu
humildemente ofereço a seguinte sequência:
1.1. Decidir as posições relacionais de cada pessoa na díade relevante de interesse
para você (por exemplo, a posição do Pai Relacional e a posição do Filho
Relacional)
1.2. Determinar os Estados do Ego de desenvolvimento envolvidos em cada um
(por exemplo, Pai, Adulto, Criança) e o correspondente estado de Self-ego (P /
A / C) baseado na qualidade dos processos que eles manifestam. Por exemplo,
a regulação de emoções sugere Adultos de Desenvolvimento, enquanto o
tratamento com exploração / apego sugere Criança em Desenvolvimento
(Figura 3 no Capítulo Onze). Ao fazer esta etapa, é importante olhar para a
qualidade do processo. Não use outras definições ou sua intuição. 11

1.3. Determinar se a interação do Estado do Ego em que você está interessado


envolve dar poder ao Eu (ser livre ou rebelde) ou tirar o poder dos outros (por
exemplo, ser Protetor ou Crítico). Isso corresponde à "dimensão atividade-
passividade" representada na Figura 4 (Capítulo Onze).

Dar poder a si mesmo se correlaciona com ser Livre ou Rebelde (por exemplo,
LC, LA, LP e RC, RA, RP), enquanto tirar o poder de si mesmo se correlaciona com
ser Protetor ou Crítico (PC, PA, PP e CC, CA, CP) dependendo da afetividade
amigável ou hostil, na Criança Relacional, e Self. Tirar o poder de outros se
correlaciona com o Pai Relacional Protetor ou Crítico (por exemplo, Pai Protetor ou
Crítico, Adulto Protetor ou Crítico, Criança Protetora ou Crítica), dependendo se o
afeto é amigável ou hostil (ver Figura 2). Dar poder aos outros se correlaciona com
o Pai Relacional Livre e Rebelde (por exemplo, Pai Livre ou Rebelde, Adulto Livre ou
Rebelde, Criança Livre ou Rebelde), dependendo da afetividade amigável ou hostil
(veja a Figura 2). Boa sorte em avaliar suas descrições de transações e
intervenções. Pode ser emocionante! E agora?

Agora, que passamos pelo livro, o que você achou útil, interessante? Alguma de
suas esperanças / expectativas foram decepcionadas? Embora o livro seja de fato
um sumário admirável da prática e desenvolvimento da AT em 2015, fiquei um
pouco decepcionado com a falta de ênfase na pesquisa, embora muitos dos
autores tenham se empenhado nela. Em parte, isso pode ser porque grande parte
da prática de AT agora é de longo prazo, e multifacetada, aspectos que não se
prestam facilmente à pesquisa empírica. Em parte, isso pode ser porque a maioria
de nós se vê como terapeutas, e temos que ganhar a vida. Fiquei também
impressionado que, embora pelo menos tal como apresentado nas bibliografias,
possuíssemos grande conhecimento da literatura de AT e de certos aspectos da
psicanálise, também parecemos viver em silos intelectuais. Embora a lista de
referências se assemelhe a um catálogo de bibliotecas, há apenas referências
passageiras a bases biológicas relevantes e relativamente pouco sobre as
complexidades das interações econômicas, culturais, sociais e políticas. Ainda
assim, como Richard Erskine, espero, assinala em seu primeiro capítulo, o
desenvolvimento da Análise Transacional não está completo.
Erskine escreveu que uma das coisas que ele gosta de AT atual é que ele dá ao
terapeuta uma rica variedade de opções. Deixe-me convidá-lo a pensar em um de
seus pacientes. Como você está atualmente conceituando seu trabalho em
conjunto? O que pode acontecer se você trocar de modelo? O que se torna
disponível, o que se perde? Existe uma diferença que faz a diferença? Explorações
felizes!
12
Prefácio2
Richard G. Erskine

A comunidade de psicoterapeutas e conselheiros da Análise Transacional


sempre foi, e ainda é flexível e disposta a integrar diversas ideias no cerne da teoria e
prática da AT. Este livro reflete essa abertura e integração, apresentando novos
conceitos e perspectivas, que integrados com as teorias e métodos de Eric Berne – é 13

verdadeiramente, uma coleção de Análise Transacional Contemporânea. A ideia deste


livro começou durante um simpósio de psicoterapia e aconselhamento intitulado
"Métodos Terapêuticos em Análise Transacional: Perspectivas Atuais e
Desenvolvimentos Emergentes" no Congresso Mundial de Análise Transacional em São
Francisco, 7-10 de agosto de 2014. O simpósio consistiu de apresentações formais,
uma mesa redonda, uma grande discussão de grupo e uma série de oficinas
conduzidas pelo corpo docente do simpósio.
Vários Analistas Transacionais, de diversos países, foram convidados a falar
sobre o que eles pensam atualmente sobre a teoria e a prática terapêutica e como se
desenvolveram profissionalmente. Cada um dos membros do corpo docente do
simpósio apresentou uma perspectiva renovada e única sobre como eles usam a
Análise Transacional com seus clientes. Em mais de cinquenta anos, desde que Eric
Berne publicou seu trabalho mais significativo, Análise Transacional em Psicoterapia
(1961), psicoterapeutas e conselheiros aplicaram as teorias de Berne na sua prática de
Análise Transacional. As teorias originais de Berne foram uma inspiração para muitos.
Elas forneceram o fundamento teórico para compreender os comportamentos dos
clientes e experiências fenomenológicas, transações interpessoais, re-encenações de
negligências e traumas da infância e os padrões relacionais inconscientes que formam
um Script de vida. Os escritos de Berne estimularam o desenvolvimento de uma
variedade de métodos - cognitivo, comportamental, afetivo, fisiológico, relacional e
social / cultural / político - que promoveram mudanças significativas na vida dos
clientes. Ao longo dos anos, as teorias originais de Berne foram preservadas por alguns
autores e expandidas, desafiadas, alteradas, simplificadas ou radicalmente alteradas
por outros autores.
Uma leitura do TAJ de 1972 até agora, revelará que muitos escritores estão
descrevendo uma matriz de teorias e métodos, todos dentro da rubrica da AT. Alguns
autores permaneceram alinhados às teorias originais de Berne, alguns desenvolveram
e expandiram os conceitos de Berne, enquanto outros são inconsistentes ou mesmo
contradizem Berne. No entanto, todas as publicações parecem ser influenciadas, de
alguma forma, pelas publicações de Berne ou pelos autores da primeira geração de
Analistas Transacionais. Como ocorre essa alteração da teoria e da prática?

22
Transactional Analysis in Contemporary Psychotherapy, editado por Richard Erskine, Karnac , London
(UK), 2016. p. xxi a xxv.
Uma resposta possível é que todos esses autores tiveram uma combinação de
experiência profissional e pessoal, que influencia como eles entendem a teoria e a
natureza da sua prática terapêutica. Eles estão escrevendo sobre o que é pessoal ou
profissionalmente significativo para eles e para seus clientes. Prática clínica e teoria da
psicoterapia atraem e repelem uns aos outros, constantemente desafiando e
aumentando, tanto os nossos conceitos como o que realmente fazer com os clientes.
O grupo de Analistas Transacionais experientes que contribuíram para este livro 14

, certamente foram atraídos e repelidos, profissionalmente, ao longo de vários anos.


Eles lutaram para entender o que cada cliente exigia na sua psicoterapia. Eles
pensaram sobre as vantagens e desvantagens de uma determinada teoria ou de uma
determinada posição terapêutica. Eles exploraram várias maneiras de estar
plenamente presente na relação terapêutica, a dialética de ser autêntico e
terapêutico. Agora estamos, cada um compartilhando nossas ideias e experiência
clínica atuais com você. Portanto, este livro apresenta a rica diversidade da teoria de
Análise Transacional e dos métodos da psicoterapia contemporânea.
Ao escrever meu capítulo sobre a "Análise Transacional da Obsessão", percebi
como permaneci consistente com a Análise Transacional, que estudei há mais de
quatro décadas, ao mesmo tempo em que desenvolvi novas perspectivas sobre várias
teorias e métodos de psicoterapia. A maneira como eu pratico a Análise Transacional
hoje é o resultado de anos de harmonização das teorias de AT com o que consegui ao
ouvir meus clientes - aprendizagens que me ajudaram a apreciar a riqueza de algumas
das ideias originais de Eric Berne. As mudanças que fiz em minha prática clínica, foram
influenciadas, principalmente, pelas reações e feedbacks dos meus clientes, pelo que
descobri pelos muitos erros que cometi e pela qualidade do envolvimento que meus
clientes exigiram de mim. Todos os autores neste livro, na sua forma única, também
retratam como eles foram formados e modelados através do seu envolvimento
terapêutico com os clientes. Cada autor experimentou uma metamorfose pessoal no
seu desenvolvimento profissional como Analista Transacional.
Os capítulos de William Cornell (EUA) e Elana Leigh (Austrália) descrevem
vividamente como eles pensam, incorporam e percebem o processo da psicoterapia.
Essa contemplação, muitas vezes, requer uma mudança na perspectiva terapêutica e
no contato interpessoal. Cornell articula como a supervisão psicanalítica levou-o a uma
nova compreensão da teoria de Eric Berne. Ele descreve a importância da experiência
inconsciente do cliente e do psicoterapeuta. Ler o capítulo de Cornell é como olhar
para seu coração.
Elana Leigh descreve seu dilema entre abraçar uma nova perspectiva
interpessoal na diáde e manter uma perspectiva familiar que mantém uma
neutralidade terapêutica. Sua jornada reflete o que muitos de nós experimentamos,
enquanto lidamos com a integração das novas às velhas ideias, com o que manter e o
que descartar, até que ponto a auto revelação é terapêutica para o nosso cliente e a
interação entre ser "para" e "com" nossos clientes.
Outros autores, como Ray Little (Escócia) e John McNeil (EUA), descrevem
explicitamente uma nova perspectiva de uma teoria mais antiga. Ray Little define
formas específicas de transferência, que inconscientemente expressam unidades
relacionais do Estado do Ego. Ele expande a teoria original de Berne dos Estados do
Ego e demonstra claramente como os Estados do Ego Criança e Pai estarão sempre
entrelaçados e expressos através da transferência.
John McNeel descreve a história da Terapia da Redecisão. Ele elabora o 15

conceito de mensagens de injunção na vida de seus clientes, mensagens que são


combinadas com decisões "desesperadas" e "desafiadoras". McNeel estruturou Uma
taxonomia única que distingue cinco categorias de mensagens de injunção:
sobrevivência, apego, identidade, competência e segurança. Os artigos de Little e
McNeel revitalizam a teoria e a prática da Análise Transacional clássica
Jo Stuthridge (Nova Zelândia) e Charlotte Sills (UK) apresentaram uma nova
abordagem, atual, sobre a Teoria dos Jogos de Eric Berne – esta perspectiva implica
uma consideração cuidadosa das histórias inconscientes tanto do cliente quanto do
terapeuta. Elas nos forneceram com uma nova compreensão da dinâmica sub-
simbólica envolvida nos relacionamentos interpessoais confusos e conflituosos,
olhando para esta dinâmica a partir de três níveis de processo inconsciente. Sua teoria
revista nos proporciona uma compreensão humanística da transferência / contra
transferência e dos decretos centrais dos Jogos. A revisão da teoria de Sills e
Stuthridge pode muito bem mudar a forma como muitos psicoterapeutas usam o
conceito de jogos na sua prática terapêutica.
Karen Minikin (Reino Unido) e Keith Tudor (Nova Zelândia) nos lembram que a
perspectiva da Psiquiatria Radical que Claude Steiner, Hogie Wyckoff e outros
trouxeram à Análise Transacional, no início dos anos 70, ainda é uma perspectiva
central e significativa na psicoterapia de AT. Seu trabalho "Psicopolítica de gênero"
leva em conta as pressões culturais, econômicas e sociais que moldam o Script de vida
dos homens e se expressa através da sua relação com sua masculinidade. Eles
descrevem claramente como os homens, como potenciais opressores, são oprimidos
por alienação, Script social e cultural. Este capítulo é atual, na medida em que expressa
os aspectos sociais, às vezes esquecidos, da Análise Transacional: o significado da
psicopolítica ao considerar as atitudes de nossa sociedade sobre diferentes
identidades sociais.
O capítulo de Gloria Noriega Gayol (México) sobre Scripts transgeracionais
expande as ideias de Berne sobre o Script de vida e como os conflitos emocionais e
interpessoais são passados de uma geração para outra. Ela nos fornece uma teoria que
ajuda na compreensão das influências inconscientes na vida de nossos clientes.
Tony White (Austrália) traz seus anos de experiência para a discussão da
psicoterapia de suicídio em potencial e seu trabalho com indivíduos autodestrutivos.
Ele nos lembra de pensar sobre as forças de Eros e Thanatos na vida dos nossos
clientes.
Moniek Thunnissen também escreve sobre sua experiência com pacientes que
se envolvem em comportamento autodestrutivo e o que eles precisam em uma
comunidade terapêutica protetora. Ela descreve o mecanismo de tratamento baseado
em Análise Transacional que ela desenvolveu na Holanda para tratar pacientes com
transtorno de personalidade.
Maria Teresa Tosi (Itália) introduz-nos a um novo desenvolvimento na teoria e
prática da AT, denominado Análise Transacional Sócio cognitiva. Suas explicações dos 16

Estados do Ego integram as perspectivas sociais / cognitivas / interpessoais oferecendo


um modelo que facilita a pesquisa sobre os processos psicoterapêuticos. Ela propõe a
abordagem relacional de uma forma que se afasta dos outros capítulos; ela se
concentra no processo contínuo de desenvolvimento dos Estados do Ego e no uso
recíproco da transferência na díade paciente-terapeuta.
Finalmente, Amaia Mauriz-Etxabe (Espanha) e eu escrevemos um capítulo
intitulado "Inferência, Reexperimentação e Regressão: Psicoterapia dos Estados Do
Ego Da Criança". Em seu livro de 1961, Análise Transacional em Psicoterapia, Eric
Berne escreveu sobre a regressão etária e suas explorações na utilidade na
psicoterapia para os Estados do Ego Criança traumatizados. Ele sugere que a terapia
do Estado do Ego Criança é essencial para a cura do Script. No entanto, Berne não
articula os métodos e proteções que são necessárias para uma terapia reparadora de
regressão etária. Neste capítulo descrevemos o valor de trabalhar com inferência
terapêutica, memória sub-simbólica e a importância de uma regressão de idade
apoiada e com foco relacional, na cura de trauma e da negligência acumulada. Sou
analista transacional porque a AT oferece uma variedade de teorias e métodos que nos
orientam na prestação de psicoterapia e aconselhamento nos níveis cognitivo,
comportamental, afetivo, fisiológico e relacional do desenvolvimento do cliente.
Este livro reflete a vastidão da Análise Transacional. Confio que você, leitor,
encontrará o leque de ideias interessantes e úteis, e que você se enriquecerá lendo
esta variedade de teorias e perspectivas. Cada um dos autores neste livro influenciou
meu pensamento sobre a psicoterapia. Ao estudar esses capítulos, sinto-me
abençoado por ter tido a oportunidade de pensar sobre diferentes aspectos da
psicoterapia, observando meus envolvimentos terapêuticos através das perspectivas
dos vários autores. Eu tive algumas novas ideias que desafiaram e afirmaram como eu
pratico a Análise Transacional em psicoterapia. Venha juntar-se a mim na aventura de
descobrir perspectivas contemporâneas sobre a Análise Transacional em psicoterapia.
SOBRE O EDITOR E COLABORADORES
James R. Allen, MD, MPH, é graduado pela Universidade de Toronto, Universidade
McGill e Harvard. Em 1967 ele começou sua formação em Análise Transacional com
Eric Berne, David Kupfer, e os Gouldings no Carmel Institute of Transactional Analysis.
Ele é co-ganhador do Prêmio Eric Berne por suas contribuições para o
desenvolvimento da teoria e da prática da Análise Transacional. Em 2014, ele se
aposentou como professor de psiquiatria e ciências comportamentais e Rainbolt 17

Family Chair em psiquiatria infantil no Centro de Ciências da Saúde da Universidade de


Oklahoma, Oklahoma City, OK, EUA.

William F. Cornell, MA, TSTA-P, estudou psicologia comportamental no Reed College


em Portland, Oregon e psicologia fenomenológica na Duquesne University em
Pittsburgh, Pensilvânia. Ele prosseguiu seus estudos de pós-graduação com
treinamento em Análise Transacional e Psicoterapia Centrada no Corpo. Desde esses
treinamentos, Bill estudou com vários mentores e consultores dentro de perspectivas
psicanalíticas. Co-editor do TAJ - Transactional Analysis Journal, Bill é o autor de
Explorations in Transactional Analysis: The Meech Lake Papers and Somatic Experience
in Psychoanalysis: In the Expressive Language of the Living. Ele é ganhador do Prêmio
Eric Berne.

Richard G. Erskine, PhD pratica a Análise Transacional em psicoterapia desde 1969. É


psicólogo e psicanalista licenciado. Ele foi professor universitário, trabalhou com
crianças emocionalmente perturbadas e socialmente desajustadas, conduziu uma
comunidade terapêutica em uma prisão de segurança máxima e, desde 1976, atuou
como diretor de treinamento do Instituto de Psicoterapia Integrativa (Nova York e
Vancouver, Canadá) onde se especializou na psicoterapia de trauma agudo e
cumulativo. Ele recebeu duas vezes o Prêmio Eric Berne por avanços na teoria e nos
métodos de AT. Ele pode ser contatado em www.IntegrativePsychotherapy.com.

Elana Leigh ganhou seu BSc no trabalho social da Universidade de Cape Town, e um
MSc na psicoterapia integradora na universidade de Middlesex, Londres. É Analista
Transacional certificada, atuando como treinadora e supervisora de Analista
Transacional (ITAA). Ela mora em Sydney, Austrália, onde trabalha como
psicoterapeuta, supervisora e treinadora. Ela tem trabalhado em uma variedade de
culturas e sua paixão reside na integração e diversidade tanto na teoria quanto na
aplicação.

Ray Little, CTA, psicoterapeuta registrado no UKCP, é um psicoterapeuta de AT


relacional, supervisor e professor visitante, trabalhando tanto no Reino Unido como na
Europa. É membro fundador da Associação Internacional de Análise Transacional
Relacional (IARTA). Ray trabalha na prática privada como psicoterapeuta de adultos e
tem trabalhado com indivíduos, casais e grupos, por trinta anos. Seus artigos
publicados no TAJ - Transactional Analysis Journal refletem seu interesse em integrar
conceitos psicodinâmicos na Análise Transacional Relacional, com ênfase em no
trabalho com estados mentais primitivos.

Gloria Noriega Gayol, PhD, é diretora do Instituto Mexicano de Análise Transacional da


Cidade do México e psicóloga clínica, psicoterapeuta; ensina e supervisiona Análise 18

Transacional. Ela é ex-presidente da Associação Internacional de Análise Transacional


(ITAA); recebeu o Prêmio Eric Berne em 2008; É autora de vários artigos, capítulos, e o
livro Script Co-dependente em Relacionamento de Casal: Diagnóstico e Tratamento
(Manual Moderno, 2013). Ela faz palestras e conduz treinamentos na Europa e na
América Latina.
Amaia Mauriz-Etxabe, é psicóloga clínica licenciada, formadora e supervisora em
Análise Transacional e psicoterapeuta europeia certificada especializada na
psicoterapia de adultos, adolescentes, famílias e grupos. Desde 1988 atua como
diretora do Instituto Bios, Psicologos em Bilbao (Espanha), onde realiza programas de
treinamento em Análise Transacional. Ao longo de sua vida profissional, ela se
envolveu em várias associações profissionais, incluindo servir como delegada para a
Associação Europeia de Análise Transacional.

Karen Minikin trabalha em East Sussex, no Reino Unido, como psicoterapeuta,


supervisora e treinadora. Ela editava a coluna de raça e cultura para o jornal BACP e
contribuiu com um capítulo sobre "A Política e Psicologia da Alienação em AT
Relacional: Princípios na Prática”, editado por Fowlie e Sills (2011). Ela ensina
psicoterapia em uma série de institutos no Reino Unido e tem apresentado workshops
e conferências nacionais e internacionais. Ela tem um interesse particular na
identidade social e na integração das abordagens psicanalíticas humanísticas e
relacionais dentro da Análise Transacional.

John McNeel, é um estudante da Terapia de Redecisão há mais de quarenta e cinco


anos. Ele mora Palo Alto, CA, onde ele pratica psicoterapia. Ele foi membro da
faculdade do Western Institute for Group e Family Therapy em Watsonville, CA e é
atualmente membro certificado de educação da International Transactional Analysis
Association. Ele foi editor do do Transactional Analysis Journal e recebeu o Prêmio Eric
Berne. Ele possui um mestrado em teologia, pelo Seminário Teológico Presbiteriano de
Louisville e doutorado em psicologia pela Escola de Psicologia Profissional da
Califórnia.
Charlotte Sills ensina e supervisiona Análise Transacional e atua como psicoterapeuta
registrada no Reino Unido. Ela atua na prática privada e também é professora do
Metanoia Institute de Londres e da Ashridge Business School, no Reino Unido, e
professora visitante na Middlesex University de Londres. Suas publicações incluem An
Introduction to TA (com Phil Lapworth, Sage), Análise Transacional Relacional -
Princípios na Prática (editado, com Heather Fowlie, Karnac) e Análise Transacional:
Uma Perspectiva Relacional (com Helena Hargaden, Routledge) capítulos que 19

receberam o Prêmio Eric Berne.

Jo Stuthridge, MSc, NZAP é Analista Transacional e psicoterapeuta registada na Nova


Zelândia. Ela atende como psicoterapeuta Dunedin e é diretora do Instituto Physis, que
oferece treinamento em AT. Ela publicou vários artigos e capítulos de livros sobre AT e
psicoterapia. Jo é um associada de ensino e pesquisa no Departamento de Psicoterapia
e Aconselhamento na Universidade de Tecnologia de Auckland. Ela também é,
atualmente, co-editora do Transactional Analysis Journal.

Moniek Thunnissen, MD, PhD, é TSTA em psicoterapia. Ela é uma psiquiatra que
trabalha em sua própria empresa para tratamento, supervisão, consulta e
treinamento. Através da Transactional Analysis Academy em Soesterberg, Holanda, ela
desenvolveu um programa de treinamento de psicoterapia em AT. Sua pesquisa de
doutorado descreveu os resultados no longo prazo de um programa de AT para
pacientes com transtornos de personalidade. É autor de sete livros e numerosos
artigos sobre AT, psicoterapia e psiquiatria. Foi vice-presidente de pesquisa e inovação
do ITAA e faz parte do conselho editorial do Transactional Analysis Journal.
Moniek@ta-academie.nl.

Maria Teresa Tosi é psicoterapeuta licenciada e treina e supervisiona analistas


transacionais clínicos. Ela vive e trabalha em Roma como psicoterapeuta e supervisora.
É também formadora na Escola Universitária Salesiana de Especialização em Psicologia
Clínica e no Instituto de Formação e Pesquisa para Educadores e Psicoterapeutas, em
Roma. Em 2013, foi condecorada com a Medalha de Ouro da EATA "por excelentes
serviços de Análise Transacional na Europa". Suas publicações focalizam o diálogo
entre a teoria e a prática da Análise Transacional e os estudos científicos
contemporâneos.

Keith Tudor é Analista Transacional (CTA (P), TSTA (P)) e Professor de Psicoterapia da
Universidade de Tecnologia de Auckland, Nova Zelândia. Seu interesse em trabalhar
com homens remonta a meados / final dos anos 80, influenciado pelo feminismo e
pela políticas de gênero de Big Flame, bem como algum envolvimento no movimento
de homens, ondeteve contato com figuras influentes como John Rowan, Michael
Meade e Robert Bly. Ele escreve: "Meu próprio desenvolvimento como homem foi
extremamente influenciado por minha própria terapia pessoal e, como terapeuta,
sempre trabalhei com homens, incluindo a condução de um grupo de psicoterapia de
longo prazo".

Tony White é um psicólogo, analista transacional e ensina e supervisiona a prática


privada na Austrália. Tem praticado e ensinado durante trinta e cinco anos em
psicoterapia. Em 2011, ele escreveu um livro - Working with Suicidal Individuals - que 20

ganhou uma alta recomendação, em 2011, da Associação Médica Britânica para


prêmios, como livro na categoria de psiquiatria. Ele se especializou na área de suicídio
há mais de vinte e cinco anos.

Tradução: Maku de Almeida, membro Didata em Formação, área organizacional


Revisão: Ede Lanir Ferreira Paiva, Membro Didata, área clínica
UNAT BRASIL – Maio 2017.
CAPÍTULO 1

ANÁLISE TRANSACIONAL DA OBSESSÃO: INTEGRANDO DIVERSOS CONCEITOS E


MÉTODOS.3

Erskine, Richard
21
“Preocupar, preocupar, preocupar, é tudo o que eu faço”, desesperou-se minha
primeira cliente na segunda de manhã. Ela esteve preocupada grande parte de sua
vida e estava convencida de que nunca pararia de se preocupar. Ela era como muitos
dos clientes que estavam agendados para atender nesta semana: preocupações
regulares e fantasias repetitivas absorviam grande parte de suas atividades mentais e
interferiam na sua capacidade de espontaneidade, intimidade e de viver alegremente
no presente. Eu sabia que trataria, pelo menos em parte do tempo, aspectos de
obsessão com vários clientes meus durante toda a semana, sem importar quais outras
questões estivéssemos abordando. Problemas psicológicos tais como: fantasiar
repetidamente, preocupações regulares, e obsessão parecem estar crescendo nos
últimos anos entre pessoas que buscam a psicoterapia. Estes tipos de problemas
parecem permear muitos diagnósticos psicológicos incluindo alguns clientes que não
necessariamente receberiam a confirmação de diagnósticos como DSM-IV ou DSM-V
(American Psychiatric Association, 1994, 2003). Obsessão e preocupações regulares
podem estar entre as principais questões de tratamento do nosso tempo, reflexo do
estilo de vida e pressões de carreira, experiências no desenvolvimento, déficit em
relações interpessoais, e questões do Script de vida (McAdams & Pals, 2006).
O pensamento obsessivo, fantasiar com frequência e preocupações regulares
são tão comuns, e muitas vezes tão particulares, que estas questões podem passar
desapercebidas em terapia. Quando abordadas, tal ruminação pode receber uma
atenção superficial ou podem não parecer pertinentes as questões do Script (Berne,
1972). A psicoterapia da obsessão e da fantasia repetitiva foi brevemente abordada
através de exemplos de casos clínicos em alguns artigos prévios do Transactional
Analysis Journal (Allen, 2003; Erskine, 2001, 2003, 2008; Nolan, 2008; Novellino, 2006;
Schaeffer, 2009).
No entanto, a psicoterapia da Análise Transacional nos casos de preocupações
recorrentes, fantasias repetitivas e obsessão não recebeu atenção adequada na
literatura clínica. Tampouco conceitualizações teóricas do seu entendimento sobre
estes problemas ou a descrição de vários métodos foram publicados. Este capítulo
preenche este déficit apresentando uma perspectiva de tratamento em seis pontos
para a psicoterapia do pensamento obsessivo, preocupação recorrente e fantasias
repetitivas.

3
Transactional Analysis in Contemporary Psychotherapy, editado por Richard Erskine, Karnac , London
(UK), 2016 p. 1 a 26 no original.
Este capítulo é resultado de um estudo de caso múltiplo e qualitativo que identificou
seis vertentes principais da psicoterapia que integra tanto um entendimento das
dinâmicas psicológicas do pensamento obsessivo, da fantasia repetitiva e da
preocupação recorrente como também uma integração dos métodos da psicoterapia
que são efetivos em manter uma mudança permanente de tais dinâmicas (Erskine et
al. 2001).
Ao descrever as características da personalidade humana, tais como o 22

pensamento obsessivo e preocupado, Kluckholm & Murray (1953) escreveram que


todo indivíduo é como todas as outras pessoas, como algumas pessoas e como
nenhuma pessoa, portanto podemos com frequência pegar dados clínicos de alguns
indivíduos e generalizar nosso conhecimento à uma população maior, que
monitoramos constantemente e também investigar a experiência única e
fenomenológica de cada cliente. Este capítulo é a compilação de métodos da Análise
Transacional que foram significativamente eficazes com alguns clientes, e sugere que
estes métodos podem ser igualmente eficientes com uma grande variedade de clientes
em terapias que seguem esta linha.
O Psychodynamic Diagnostic Manual (Manual de Diagnóstico Psicodinâmico)
descreve as obsessões como um sintoma relativamente comum, onde a obsessão é
uma tentativa de negar afeto e se engajar na intelectualização ao invés de sentir
emoções, especialmente entre indivíduos mais mentais e perfeccionistas.
Pensamentos obcecados, preocupações recorrentes, e fantasiar repetidamente
indicam, com frequência, a relutância de uma pessoa em sentir emoções associadas
com o sentir-se “sobrecarregada” ou “fora de controle” (PDM Task Force, 2006, p. 58).
Freud (1913i) descreveu a obsessão e a preocupação como originárias das lutas
diáticas entre criança-pais na infância. Ele relacionou as tendências de teimosia,
meticulosidade e acumulação do adulto com neuroses obsessivas às batalhas da
infância durante o treinamento esfincteriano. No entanto, as narrativas atuais dos
pacientes indicam a importância das lutas de poder entre a criança e os pais em torno
de padrões rígidos de comportamento, alimentação, trabalho escolar, sexualidade, e
obediência em geral como os conflitos da infância que permeiam muitas das obsessões
e das preocupações repetitivas. Em suma, crescer em um ambiente de atritos
relacionais é central em pessoas que engatam em preocupações recorrentes, fantasias
repetitivas e pensamentos obsessivos. Muitos destes pacientes relatam que suas
tentativas de expressão da subjetividade e de afeto na infância foram rotuladas como
ruins, imaturos, ou não racionais. Como resultado, muitos pacientes são absorvidos
por fantasias repetitivas ou obsessões recorrentes; eles estão desconectados de suas
emoções e estão mais preocupados com sua auto definição ou em causar um impacto,
do que em relacionamentos interpessoais.
Eles parecem estar obrigados internamente por suas ruminações e frequentemente
sentem medo de seus próprios sentimentos e pensamentos, especialmente se forem
agressivos. “Máquinas viventes” foi o termo utilizado por William Reich em Character
Analysis (1933) para descrever tais pessoas obsessivas.
Pensamentos obcecados são uma tentativa de contrariar experiências
fenomenológicas que temem ser esmagadoras. Como resultado, tais pacientes tem
dificuldade em relaxar, brincar, criar intimidade, e viver no agora. Pessoas obsessivas 23

estão cronicamente “em suas cabeças”: pensando, raciocinando, julgando, duvidando


(Fisher & Greenberg, 1985; Salzman, 1980; Shapiro, 1965 citado em PDM Task Force,
2006). Os tratamentos identificados como terapias empíricas são de natureza
comportamental ou cognitivo-comportamental, refletindo uma maior atividade de
pesquisa formal ou empírica dos resultados de investigação psicoterapêutica desta
orientação (Chambless, 2005).
No entanto, abordar e resolver questões de solidão estrutural dos pacientes,
reconhecer e reorientar as funções homeostáticas da obsessão, dissolver crenças e
introjeções arcaicas do Script, e enriquecer suas vidas emocionais requer um tempo
considerável – tempo com um terapeuta dedicado, que está disposto a ajudá-los a
explorar memórias emocionais e expressar experiências fenomenológicas que, caso
contrário, eles gastam uma enorme quantidade de tempo e energia em evitar. Uma
psicoterapia aprofundada desta natureza é um processo significativamente co-criativo
que não se presta a pesquisa empírica (Summers & Tudor, 2000; Tudor, 2011b). Até
este momento não existem estudos conclusivos do uso da Análise Transacional na
psicoterapia da obsessão, preocupações recorrentes e fantasias repetitivas.
No entanto, discussões clínicas entre colegas experientes tem explicado uma
série de vertentes terapêuticas que parecem ser eficazes com vários pacientes. Como
uma visão geral eu quero brevemente descrever como organizo a psicoterapia da
obsessão ao longo de seis facetas distintas. Eu uso a palavra “faceta” ao invés de
“fases” porque a psicoterapia não é linear. Nossos diálogos terapêuticos transitam de
uma faceta a outra em função do que está surgindo no processo intersubjetivo. Eu e o
paciente podemos abordar uma ou duas destas facetas em uma sessão específica ou
em várias sessões, então avançar para outra faceta por um tempo, e eventualmente
retornar a uma faceta anterior.
Em seu tempo, entrelaçamos todas as seis facetas para formar uma
psicoterapia compreensiva. Para os leitores interessados em mais exemplos de
estudos de caso ou uma elaboração dos conceitos teóricos mencionados neste
capitulo, irei referenciar diversas publicações que irão abranger as várias ideias de
maneira mais detalhada. Uma leitura cuidadosa destas fontes primárias podem
iluminar a extensão da Análise Transacional na psicoterapia contemporânea.
Homeostáticas

Evitação
Funções
24

Figura 1 : Integração das seis facetas terapêuticas

Relacionamento: A relação terapêutica é central, independentemente de quais


métodos ou perspectivas possamos utilizar. Minha experiência clínica mostrou que
pacientes que se preocupam recorrentemente estão inconscientemente desejando
relações significativas. Eles estão solitários, no entanto eles frequentemente carregam
em si um medo de repetir os fracassos e perturbações de relacionamentos passados.
Como resultado eles evitam contato interpessoal pleno e preenchem o vazio com
diálogos internos, fantasias, ou expectativas. Nesta faceta o foco terapêutico é
estabelecer e manter a sensação de segurança na relação, a auto definição, e a
eficiência e organização interpessoal do paciente (Erskine & Trautmann, 1996; Erskine,
2003a). Isto é alcançado, em parte, através das negociações do psicoterapeuta com
relação a respeito, aceitação, cuidado, claridade e paciência. Ao mesmo tempo, o foco
terapêutico é obter informações sobre as necessidades relacionais do paciente, suas
necessidades antigas não correspondidas, como ele lidou com as rupturas de relações
anteriores, e a história inconsciente codificada na transferência emocional de
experiências relacionais prévias – transferência tanto com o terapeuta como com os
outros (Erskine, 1991, 2010a; R. Little, 2011a; Moiso, 1985; Novellino, 1984).
Evitação: A segunda faceta envolve a descoberta do que está sendo evitado
através das fantasias repetitivas ou da obsessão. A ansiedade associada à obsessão e à
fantasia frequentemente está relacionada com a fuga de sentimentos, pensamentos,
e/ou memórias desta pessoa (Erskine, 2001, 2003a, 2008). Este conceito é uma
elaboração da noção de “Rackets” da Análise Transacional como um sentimento
substituto, uma distração do que a pessoa pode experimentar verdadeiramente (tal
como vergonha, desespero, ou solidão) se não houvesse a interferência de uma
alternativa ou substituto (Berne, 1972; English, 1971, 1972).
Poderia perguntar, “O que você estaria sentindo se você não estivesse sentindo o
medo na sua fantasia?” ou “O que você estaria experimentando agora mesmo se não
estivesse distraído pelo que está dizendo?”. Alguns pacientes são claros ao responder
estas questões e outros ficam inicialmente confusos com elas. Estes são os tipos de
perguntas que frequentemente retorno ao longo da terapia. As respostas do paciente
são muitas vezes surpreendentes e nos leva a outras facetas da psicoterapia, a novos
níveis de descobrimento e consciência. 25

Script de vida e o sistema de Script: A terceira faceta requer a revelação e a


dissolução do Script de vida do paciente. Scripts de vida são uma estratégia criativa e
acomodada de gerenciar o stress psicológico, e até mesmo o choque de
relacionamentos problemáticos e repetitivos (Erskine, 2010b). Eu normalmente
trabalho com sistema de Script (previamente chamado de sistema de Rackets) para
auxiliar o paciente a identificar suas estratégias de acomodação – as crenças
fundamentais sobre si mesmo, os outros, e a qualidade de vida. O trabalho de sistema
de Script frequentemente inicia-se identificando os comportamentos ou fantasias que
geram memórias que reforçam, por sua vez, e mantém as crenças de Script (Erskine,
2015; Erskine & Zalcman, 1979; Gildebrand & Shivanath, 2011; O’Reilly-Knapp &
Erskine, 2010). Scripts de vida mantém as pessoas em um sistema fechado composto
de sentimentos e necessidades arcaicos, conclusões e decisões da infância, fantasias
egocêntricas, e tensões corporais relacionadas a esta fase. Este sistema fechado
interrompe tanto a sensibilidade interna às necessidades relacionais atuais quanto à
capacidade para um contato interpessoal completo (Erskine, 2010b). A resolução
terapêutica de um Script de vida envolve uma reorganização afetiva/cognitiva das
crenças fundamentais sobre o eu-em-relacionamento. Tal reorganização psíquica
interna tanto precede como mantém mudanças no comportamento e na fantasia.

CRENÇAS E SENTIMENTOS APARATO DO SCRIPT EXPERIÊNCIAS


DO SCRIPT
REFORÇADORAS
COMPORTAMENTOS EVENTOS ATUAIS
CRENÇAS SOBRE: OBSERVÁVEIS

Self (estilizados,
repetitivos)
Outros
Antigas memórias
Qualidade de Vida
Relatos internos Resultado das
Fantasias
Experiências
Processo Intrapsíquico
Necessidades e
(doenças Providencia
sentimentos represado
somáticas, evidência e
no tempo da decisão de
sensações físicas)
Script

Figura 2. O Sistema de Scripts.


Reorganização intrapsíquica: a quarta faceta da psicoterapia engloba trabalhar
com as experiências antigas do paciente por meio de uma perspectiva de
desenvolvimento, inferência terapêutica, e um relacionamento seguro que permita ao
paciente ter uma regressão restauradora e apoiada. O foco terapêutico é nos
processos do paciente de auto estabilização e autoproteção, suas restrições com
relação a fisiologia e afeto, assim como a decodificação da ratificação de memórias
implícitas e processuais do paciente. É nesta faceta que a terapia está concentrada nos 26

sentimentos, necessidades e reações de uma criança pequena e as qualidades de um


relacionamento reparador que o paciente necessita. Esse trabalho pode incluir:

 Desconfusão do Estado do Ego Criança (Berne, 1961; B. D. Clarck, 1991;


Clarkson & Fish, 1988; Cornell & Olio, 1992; Erskine, Moursund, & Trautmann,
1999; Hargaden & Sills, 2001, 2002; R. Little, 2005; Moursund & Erskine, 2003;
Novellino, 1990; Stuthridge, 2006, 2012).
 Trabalho de redecisão (Allen, 2010; Campos, 1995; Goulding & Goulding, 1979;
Masse, 1995; McNeel, 1977; Thunnissen, 2010).
 Expressão emocional/fisiológica profunda e reorganização intrapsíquica
denominada como “desconectando elásticos” (Childs-Gowell, 2000; Erskine,
1974; Erskine & Moursund, 1998; R. Little, 2001).
 Psicoterapia do Estado do Ego Pai (Dashiell, 1978; Erskine, 2003b; Erskine &
Trautmann, 2003; R. Little, 2006, McNeel, 1976; Mellor & Andrewartha, 1980).
 Trabalhar com as retroflexões e inibições no corpo (Cassius, 1977, 1980; Child-
Gowell & Kinnaman, 1978; Cornell, 1975, 1997; Cornell & Landaiche, 2007;
Erskine, 2014b; Hawkes, 2003; Ligabue, 1991; Uma Priya, 2007; Waldekranz-
Piselli, 1999).

Seja a psicoterapia feita com o Estado do Ego Criança ou Pai, o alvo de tal
trabalho intrapsíquico é fornecer uma reorganização da experiência subsimbólica e de
funções homeostáticas antigas que interferem na vida atual do paciente (Erskine,
2015). A psicoterapia profunda, quando feita de acordo com as necessidades e o ritmo
do paciente, facilita uma reorganização psicológica/afetiva que envolve um
realinhamento neurológico do sistema amígdala-hipocampo-adrenal de um senso
nuclear de si mesmo (Cozolino, 2006; Damasio, 1999). Para uma análise mais
aprofundada sobre a psicoterapia com o Estado do Ego Criança, por favor, veja o
Capítulo Sete elaborado por Erskine e Mauriz-Etxabe neste livro.

Funções homeostáticas: A quinta faceta, funções homeostáticas, contribui para


o entendimento e a apreciação do equilíbrio afetivo e psicológico – uma homeostase
que mantém comportamentos exteriorizados, assim como processos internos tais
como: Crenças de Script, preocupações regulares, ou fantasias repetitivas e hábitos
emocionalmente carregados.
O pensamento obsessivo, preocupações regulares, e fantasiar repetidamente são
estratégias criativas para manter um balanço emocional e gerenciar o stress
psicológico, ou até o choque de relacionamentos repetitivos e problemáticos.
Essas estratégias de acomodação são uma tentativa desesperada para a auto
reparação ou auto estabilização. Existem diversas funções psicológicas possíveis.
Alguns exemplos incluem a autorregularão, a compensação, autoproteção, orientação
e seguro contra choques de novas perturbações no relacionamento. Os padrões 27

comportamentais repetitivos e a ruminação interna podem também funcionar para


manter uma sensação de integridade - uma continuidade da luta para definir e
valorizar a si mesmo dentro de uma variedade de relacionamentos. Estes exemplos de
funções psicológicas refletem as tentativas antiquadas da pessoa de gerar e manter
uma sensação de equilíbrio psicológico após rupturas afetivamente devastadoras em
relações significativas. Existem estratégias homeostáticas que fornecem
previsibilidade, identidade, consistência, e estabilidade (Erskine, 2015; Erskine,
Moursund, & Trautmann, 1999).
Um modo frequentemente utilizado para parar com a obsessão e a
preocupação é dizer a si mesmo, “Pare!”. Tal advertência pode funcionar
temporariamente; entretanto, um modo mais efetivo de parar permanentemente com
a obsessão é identificar e manter-se consciente das funções homeostáticas antigas que
perpetuam a obsessão e transformar tais funções arcaicas em funções maduras.
Subjacente a qualquer alteração emocional ou comportamental, acho essencial
trabalhar colaborativamente com os pacientes para descobrir as várias funções antigas
de obsessão e preocupações regulares e, então, transpor essas funções antiquadas
para formas maduras de autorregularão e auto aprimoramento (Kohut, 1977; Wolf,
1988).
O presente: A sexta faceta foca em ajudar o cliente obsessivo a viver no
momento presente, ao invés de ficar ruminando sobre o passado ou ficar,
temerosamente, antecipando o futuro. Preocupações regulares e fantasias ou
memórias desconfortáveis repetitivas são tentativas de influenciar tanto o passado
quanto o futuro; elas servem como uma distração a viver o agora. Paradoxalmente,
essas preocupações regulares e fantasias são um sinal de esperança de que elas sirvam
como uma segurança contra um choque emocional caso algo saia errado. A
consciência do que está ocorrendo atualmente, interna e externamente, é um ponto
central na psicoterapia da obsessão. Eu frequentemente faço o paciente olhar para
seu passado e examinar o desperdício de energia e oportunidades perdidas de
divertimento, espontaneidade, criatividade ou aventura que poderiam ter ocorrido se
ele não estivesse obcecado. Nessa faceta da terapia, nós focamos em promover uma
sensação de Oqueidade (estar OK) do paciente por meio da descoberta e manutenção
da autoconsciência, aceitando as incertezas da vida, vivendo no "agora", e talvez
desenvolvendo um sentimento de conexão universal ou espiritualidade.
Como uma alternativa às preocupações regulares eu posso trabalhar com o paciente
para desenvolver um lema como: “Não importa o resultado, eu vou aprender e crescer
com essa experiência” (Erskine, 1980). Um foco principal da terapia da obsessão é
ajudar os pacientes a desenvolverem a atenção centrada no presente (Allen, 2011;
Trautmann, 2003; Verney, 2009; Zvelc, Cernetié, & Kosak, 2011).

Um caso elaborativo 28

A mulher de Bobby havia insistido para que ele procurasse psicoterapia porque
suas preocupações e comportamentos obsessivos estavam interferindo no casamento
e no relacionamento com seus dois filhos pequenos. Ele não estava seguro de que
“precisava de psicoterapia” ou, ainda, que ele tivesse “um problema”. “Eu apenas me
preocupo um pouco”, ele disse. Seu corpo contorceu e tencionou quando reclamou
sobre sua mulher não o entender, o quão duro ele trabalhava, e como alguns dos
outros colegas do trabalho não estavam “assumindo responsabilidade”. Embora ele
tivesse expressado alguma preocupação com seu casamento, ele estava
primeiramente preocupado com o sucesso de sua empresa e com o futuro de sua
carreira. Minha reação nessa primeira sessão, e durante algumas seguintes, foi relaxar
e ouvir – ouvir com ouvidos sensitivos, não apenas suas angústias do momento, mas as
histórias que ele estava inconscientemente contando, os conflitos interpessoais que
havia sofrido, como ele lidou com isso, e seu desenvolvimento desarticulado e suas
necessidades relacionais. Aos 36 anos, Bobby era um executivo de uma empresa em
crescimento e estava orgulhoso de sua posição de responsabilidade.
Nas primeiras sessões, ele descreveu como ele tinha uma reputação por estar
“no topo das coisas”, sempre prevendo que “alguma coisa vai dar errado”. Ele
descrevia orgulhosamente como a frase “alguma coisa vai dar errado” havia se
tornado seu lema para o sucesso tanto quando era estudante universitário e no
trabalho. Os outros homens do trabalho, seus únicos companheiros masculinos,
brincavam com ele dizendo ser o “Sr. Desgraça e Pessimismo”. Ainda que eles também
expressassem seu apreço pela forma como ele antecipava problemas nos materiais de
segurança e produção.
Embora eu questionasse, costumeiramente, a experiência subjetiva de cada
paciente, eu senti que Bobby precisava que eu, nessas primeiras semanas,
simplesmente ouvisse atentamente o que ele estava me contando, mesmo que ele
fosse repetitivo. Eu me concentrei em reconhecer cada coisa que ele dizia, às vezes
com palavras e na maioria das vezes com minha linguagem corporal. Eu queria que
Bobby se sentisse seguro comigo. Parecia crucial que fosse ele quem definisse o ritmo
e o estágio interpessoal para nosso trabalho conjunto. Eu tinha a impressão de que
Bobby, assim como muitos pacientes que se engajam em preocupações regulares e
obsessivas, era muito solitário – uma solidão que havia estado com ele a tanto tempo
que ele não distinguia aquela sensação de outros afetos.
Uma perspectiva da Análise Transacional (Cornell, 2008; Fowlie & Sills, 2001) e o uso
da investigação fenomenológica e histórica, validação e normalização se tornariam
centrais no nosso diálogo terapêutico (Erskine, Moursund, & Trautmann, 1999; Erskine
& Trautmann, 1996). Naquele momento, era evidente que ele precisava da minha
atenção total e o reconhecimento das pequenas nuances de emoções e padrões de
apego, ou desapego, codificados em suas histórias (Erskine, 2009). Eric Berne destacou
oito “operações terapêuticas” que ele usava na psicoterapia e sugeria o uso do 29

“interrogatório” e “detalhamento” como o estágio inicial da coleta de informações


(1966, p. 233-247). Eu descobri que os métodos de coleta de informações de Berne são
desconcertantes para muitos pacientes.
Ao invés de revelar suas narrativas afetivamente arraigadas no seu próprio
ritmo, com seus próprios exemplos e metáforas, eles focavam o fornecimento de
informações factuais e perdiam contato com uma experiência subjetiva mais profunda.
Eu parei de usar tais métodos estridentes em nossas sessões iniciais e, ao invés disso,
tenho me apoiado no contato interpessoal para construir um relacionamento
terapêutico seguro (Moursund & Erskine, 2003). Nas nossas sessões psicoterapêuticas
individuais, durante o mês seguinte, Bobby descreveu em detalhes como ele havia
recebido diversas promoções porque ele conseguia antecipar o que daria errado em
sua empresa. O que os colegas no trabalho não sabiam era que Bobby não conseguia
dormir à noite. Ele timidamente me contou como ficava acordado na cama,
preocupando-se com vários aspectos do seu trabalho. Comprimidos para dormir não
funcionavam para diminuir as preocupações. Lentamente ele acabou me contando que
sua obsessão o motivava a levantar-se durante a noite para trabalhar no computador
ou ficar até tarde no escritório. Ele relutava em contar a sua esposa sobre a total
extensão de suas preocupações regulares e seu sentimento de exaustão.
O modo hesitante com o qual ele estava começando a revelar sua história
pessoal levou-me a perguntar sobre sua sensação de vergonha. Falar sobre vergonha,
até pensar sobre ela, era doloroso para Bobby. Ele repetidamente evitou minhas
tentativas iniciais de trazer suas possíveis experiências de vergonha em nossos
diálogos terapêuticos. Durante os dois meses seguintes eu tomei certo tempo em cada
sessão para abordar sua recusa e questionar sobre possíveis tristezas por não ter sido
aceito como ele era ou medo de ser rejeitado por quem ele é (Erskine, 1994). Pela
primeira vez no nosso relacionamento terapêutico ele começou a relatar fragmentos
de memórias sobre ter se sentido envergonhado de sua família quando outras crianças
da escola falavam das atividades realizadas por suas famílias. Isso nos forneceu
diversas oportunidades para falar de como preocupações regulares eram uma
tentativa de evitar memórias com grandes cargas emocionais.
Durante os três anos do nosso trabalho, frequentemente voltávamos a
investigar quais sentimentos, memórias, ou pensamentos ele estava, possivelmente,
evitando, particularmente quando ele queria me contar sobre eventos atuais ou
acontecimentos no trabalho.
Eu sabia, de minhas experiências com pacientes que se preocupam regularmente, que
eles não somente evitam seus sentimentos e memórias, mas que estão
frequentemente solitários; eles preenchem o vazio relacional com atividade mental. Eu
me questionava sobre sua possível solidão. Eu especulava sobre a natureza dos
relacionamentos e qualidades de vida desse garoto pequeno e adolescente que ele foi
um dia. Eu elaborava hipóteses sobre como ele havia lidado, e como as experiências de
relacionamento daquela criança afetavam sua vida hoje em dia. Podia ver que seu 30

peito era côncavo, ele descrevia a tensão sobre seus ombros e a parte superior de suas
costas. Eu me questionava se essa mescla de constrições era um “sinal de Script”
(Berne, 1972, p. 315) que refletiam reações psicológicas e sub-simbólicas precoces de
sobrevivência, o “protocolo” e o “palimpsesto” de um Script de vida (Berne, 1961, p.
166-126). Recordei-me das descrições de Eric Berne sobre como o Estado do Ego
Criança era formado a partir de traumas relacionais precoces que eram mentalmente
registrados como confusões internas, restrições e medos (Berne, 1961). Eu podia sentir
um impulso interno para estar totalmente presente com Bobby, a permanecer sensível
ao seu afeto mínimo, a seguir os movimentos de seu corpo, a estar completamente
com ele. Eu fiz uma busca interna para assegurar se o meu sentimento de pena dele e
o desejo de ter contato com ele era uma contratransferência reativa ou adequada.
Minha sensação desta introspecção era de que meus sentimentos eram uma
resposta emocional ao que ele precisava em um relacionamento terapêutico e que
minhas sensações se tornariam centrais em nosso trabalho conjunto. Durante os
próximos meses foi se tornando cada vez mais claro que Bobby estava profundamente
solitário. Quando era um garoto pequeno, Bobby se sentava em uma janela, na
maioria dos domingos, esperando seu pai pegá-lo para passar seu um dia por semana
juntos. Seu pai frequentemente chegava horas atrasado ou às vezes nem aparecia; ele
nem ao menos telefonava. ]Bobby começou a antecipar a decepção. Ele se protegia da
dor emocional das promessas não cumpridas por seu pai predizendo que “alguma
coisa dará errado”. Ele cresceu sendo um “solitário”; ele não tinha amigos íntimos na
escola. Quando criança, Bobby nunca contou a sua mãe ou às crianças da escola sobre
sua profunda decepção com seu pai. Ele manteve todos os desapontamentos para si
mesmo, “conteve as lágrimas”, e imaginou várias formas de evitar novas decepções. A
mãe de Bobby nunca questionou sobre seus sentimentos ou o que ele vivenciou, nos
vários domingos em que seu pai chegou horas atrasado ou nem apareceu. Ele não
conseguia se lembrar de nenhuma conversa com sua mãe; parecia-lhe que eles nunca
haviam conversado. A única memória de Bobby sobre conversas com sua mãe era
sobre as tarefas da escola ou suas reclamações sobre as “irresponsabilidades” de seu
ex-marido no casamento. Bobby dizia que ele “desligava” sua mãe quando ela
reclamava de seu pai ou o criticava por ser igual a seu pai.
Bobby percebeu desde cedo que não podia depender de nenhum
relacionamento parental para alcançar uma estabilidade ou regulação emocional. Ele
aprendeu a se estabilizar e se regular através da fantasia. Neste ponto da psicoterapia
havia chegado o momento de aumentar o uso da investigação fenomenológica - um
questionamento respeitoso focado em aumentar sua consciência dos processos
internos de afeto, sensações corporais, associações, fantasia e memória.
A investigação fenomenológica é particularmente eficaz em estimular a recuperação 31

de memórias implícitas e processuais, convertendo as memórias sub-simbólicas de


afeto e sensações corporais em narrativa, e encorajando a introspecção pessoal
(Erskine, 1993). Solidão e a ausência de um relacionamento significativo se tornam
uma questão central para pacientes que se engajam em preocupações regulares e
obsessivas, assim como em fantasias repetitivas. As preocupações e fantasias desviam
a consciência da necessidade de se relacionar. Berne afirma que “a avidez por contato
humano” é uma das três motivações para todo o comportamento humano (1970, p.
208).
Quando a avidez por relacionamento é repetidamente não satisfeita, a pessoa
pode sobre compensar através do aumento da absorção nos imperativos biológicos de
estímulo e/ou estrutura (Erskine, 1997). Eu baseei minha terapia com Bobby na
premissa de que a obsessão é uma resposta para o aumento do estímulo interno e
uma dependência na confiança da estrutura – um deslocamento das “sensações que
podem ser supridas apenas por outro ser humano” (Berne, 1972, p. 21). Um
resultado desse deslocamento é a intensa ansiedade e ruminação associadas ao
pensamento obsessivo e preocupações regulares, o que Winnicott chamou de
“funcionamento mental hiperativo” (1949, p. 246). Baseado nessa premissa teórica e
muitas observações clínicas, eu abordei esse primeiro ano de terapia com uma
perspectiva relacional na Análise Transacional (Cornell, 2008; Cornell & Hargaden,
2005; Erskine, Moursund & Trautmann, 1999; Eusden, 2011; Fowlie & Sills, 2011;
Hargaden & Sills, 2002; R. Little, 2013; Novak, 2013; Moursund & Erskine, 2003;
Tratmann & Erskine, 1999). Eu salientei a importância do nosso diálogo mútuo,
embora ele frequentemente estivesse com a fala. Eu mantive uma atitude de
aceitação, respeito, amabilidade e paciência – as manifestações da filosofia da Análise
Transacional do I’m OK-You’re OK (eu estou bem – você está bem) (Harris, 1967).
À medida que a terapia progredia eu usei mais e mais a investigação
fenomenológica, conjugada com um aumento da investigação histórica em seus
relacionamentos com sua mãe e seu pai, assim como uma investigação sobre suas
diversas estratégias para lidar com o conflito, estresse e decepção. Essas investigações
foram emparelhadas com meus reconhecimentos ativos, minha validação de seu afeto,
e minha normalização de suas reações e formas de lidar com a negligência relacional
(Erskine & Trautmann, 1996).
De tempos em tempos, eu trabalhei com a projeção de Bobby em outras pessoas
(como os homens do seu trabalho) e nos intercâmbios de
transferência/contratransferência do nosso relacionamento emergente (Cornell &
Landaiche, 2006; Erskine, 1991; Hargaden & Sills, 2001; R. Little, 2006, 2011a; Moiso,
1985; Novellino, 1984, 1985).
O espaço deste capítulo não me permite descrever os muitos processos de
projeção sutis que se seguiram ao longo de nosso trabalho. Brevemente, houve muitas 32

ocasiões em que Bobby assumiu que eu não o estava escutando, que eu não estaria no
escritório quando ele chegasse, ou que eu iria menosprezá-lo. Ele periodicamente
previa que eu o “rejeitaria completamente”. Bobby e eu examinávamos nossa
comunicação interpessoal operação por operação (Berne, 1961, 1966, 1972) para
detectar o que nós dois trazíamos para nosso encontro interpessoal (Stolorow,
Brandschaft & Atwood, 1987).
Essas ocasiões requeriam que eu buscasse em minha alma e fizesse uma
avaliação interna sobre meu estilo relacional, atitudes e sentimentos. Eu estava
continuamente ciente de que meus diferentes afetos e comportamentos podiam ter
impactos adversos, assim como, benéficos sobre ele, então, eu frequentemente lhe
perguntava sobre como percebia meu comportamento e nosso relacionamento. Nós
comparávamos e contrastávamos nossas transações mútuas com as qualidades dos
relacionamentos que ele havia tido previamente com seu pai, mãe e outros. Eu cometi
diversos erros terapêuticos em meu trabalho com Bobby. Ele nunca comentou ou
reclamou sobre meus momentos de falta de sintonia, mas ele desviava os olhos,
mudava de assunto, ou iniciava mais uma de suas fantasias catastróficas. Nesses
momentos cruciais eu supunha que eu havia sido o primeiro a prejudicar nosso
contato pessoal. Cabia a mim assumir a responsabilidade de reconhecer que eu havia
falhado com ele em algo importante, de identificar meu erro e achar um modo de
corrigi-lo. Essas importantes operações de erro-correção eram significativas no
desenvolvimento contínuo de um relacionamento terapêutico seguro (Guistolese,
1996). Perto do fim da psicoterapia de Bobby, ele falou sobre algumas ocasiões em
que eu assumi responsabilidade por “haver entendido mal” ou “haver afastado”. Ele
disse que cada evento era significativo na questão do “ninguém”, nem seus pais ou
algum professor, havia “assumido” seus erros, e que quando eu assumia minha
“falha”, “alguma coisa acontecia dentro dele”; ele se sentia “honrado e cuidado de
uma nova maneira”.
Quando Eric Berne escreveu sobre o protocolo de Script (1972) e os “dramas
primordiais da infância” ele estava escrevendo sobre padrões de apego infantil,
inconscientes que formavam um “extenso plano de vida inconsciente” (1961, p. 123),
um conceito parecido aos “modelos de funcionamento interno” de Bowlby (1969,
1973, 1980).
Através de nosso trabalho de transferência/contratransferência, ficou cada vez mais
evidente que Bobby dispensava a importância do relacionamento e evitava intimidade;
ele inibia sua expressão emocional, ele insistia na importância da autoconfiança, e não
era consciente de sua necessidade de conexão interpessoal. Bobby evitava
vulnerabilidade. Eu concluí que seu Script de vida estava baseado em um padrão de
apego à fuga (Erskine, 2009; Horowitz, Rosenberg & Bartholomew, 1993; Kobak &
Sceery, 1988; Main, 1990, 1995). Estava claro para mim que Bobby necessitava da 33

minha dedicação, envolvimento e presença – uma contratransferência adequada –


para que ele se curasse de seu padrão de apego à fuga, de um estilo de enfrentamento
obsessivo e com o sentimento de solidão presente ao longo de sua vida.
Uma psicoterapia relacional foi essencial durante a psicoterapia de Bobby, não
somente durante esse primeiro ano de terapia, mas como a base à qual retornávamos
em cada sessão, mesmo quando nossa atenção estava no entendimento cognitivo, na
mudança comportamental ou no trabalho emocional profundo. Eu estava sempre
consciente da solidão desse garotinho e sua necessidade de um relacionamento
curador. A qualidade do contato total do nosso relacionamento proporcionou um
alicerce seguro no qual todas as outras facetas da terapia se apoiaram. Na segunda
metade desse primeiro ano eu aumentei o uso de outras três operações terapêuticas:
Explicação, Confrontação e Ilustração (Berne, 1966, pp. 233-247).
Ao longo dos anos eu modifiquei como e quando usava essas três operações
terapêuticas: Berne as usava para descontaminar e fortalecer o Estado do Ego Adulto;
eu uso esses métodos para estimular a consciência do paciente sobre as memórias
implícitas e processuais das primeiras dinâmicas da família, vulnerabilidades da
infância, sensibilidades e necessidades de desenvolvimento.
Eu estou sempre pensando no processo de desenvolvimento e minhas
explicações e ilustrações são baseadas no entendimento do desenvolvimento infantil.
Eu frequentemente me pergunto: Qual é a idade psicológica do meu paciente? Como
uma criança dessa idade alcança validação, como influencia os outros, e como define a
si mesmo? O que uma criança dessa idade precisa em um relacionamento curador?
Como o que estou dizendo faz sentido para uma criança pequena? Eu mantinha em
mente que a confrontação é eficaz somente quando feita respeitosamente e quando o
paciente tem a convicção de que “esse terapeuta está comprometido com meu bem-
estar”. Nesse ponto do nosso trabalho, eu avaliei que nosso relacionamento
terapêutico era suficientemente seguro para que eu pudesse confrontar as obsessões
de Bobby. Minha meta era mostrar a ele como ele estava evitando sensações e
memórias desconfortáveis.
Eu acompanhei essas confrontações com o uso extensivo da investigação
fenomenológica e histórica para ativar seu contato interno com sentimentos,
necessidades, associações e memórias. Eu também focava em como ele manejava as
rupturas relacionais do início de sua vida e como ele ainda se baseava em padrões
antigos de como lidar com a negligência e a decepção.
Ele respondia cada vez com mais memórias de negligência de seu pai, de
ridicularização e frieza da mãe, sua solidão constante da infância, e como ele tentava
se restabelecer e estabilizar com a fantasia. Ele estava começando a diferenciar a
tristeza da solidão, o abandono da raiva, e como ele frequentemente rejeitava o medo
inerente às crenças de Script, “Ninguém está lá por mim”.
Essas eram as sensações e memórias que ele evitava através da fantasia
obsessiva. Em várias sessões eu usava a explicação ou a ilustração para comunicar ao 34

Bobby que toda criança necessita validação, companhia e alguém seguro para confiar;
suas histórias revelavam que suas necessidades relacionais por segurança, auto
definição e apoio pareciam ser ignoradas por seus pais (Erskine & Trautmann, 1996). A
gama de emoções e detalhes das memórias do Bobby aumentou com nossas sessões.
A construção de um relacionamento terapêutico seguro e nossa atenção a sua
recusa ao afeto, sensações corporais e memórias tiveram o efeito de diminuir sua
obsessão. Era o momento de nos concentrar em seu sistema de Scripts e como este
reforçava seu Script de vida. Embora nós tivéssemos abordado seu sistema de Scripts
em sessões anteriores, durante esse segundo ano nós retornamos a examinar seu
sistema de Scripts com maior detalhe (Erskine, 2015; O’Reilly-Knapp & Erskine, 2010).
Interligado com nossa psicoterapia relacional e nosso foco na recusa de sentimentos e
memórias contida nas obsessões de Bobby, nós usamos várias sessões fazendo uma
descrição por escrito de seus comportamentos mais evidentes e como eles estavam
ligados aos comportamentos de outras pessoas, os quais Bobby usava, por sua vez,
como um reforço para confirmar suas crenças de Script.
Nós prestamos atenção especial em como cada fantasia também se tornou um
reforço, a evidência imaginada para dar suporte às conclusões do Script que ele fez na
infância: “Eu não preciso nada de ninguém”; “Eu sou o único responsável”; “Ninguém
está lá por mim”; “As pessoas estão interessadas apenas em si mesmas”; e “A vida é
cheia de decepções”. Ao longo desse tempo em nossa terapia eu usei uma combinação
de investigação fenomenológica, explicação, confrontação e ilustração como impulso
para uma “não confirmação experiencial sistemática” das crenças de Script do Bobby
(Widdowson, 2014, p. 202). Como parte geral da terapia, essas sessões focadas
cognitivamente e comportamentalmente tinham diversos propósitos:

 Estimular a consciência de Bobby de como suas reações da infância, fantasias e


conclusões continuavam afetando-o como adulto.
 Reunir informações adicionais sobre como o Script de vida de Bobby estava
sendo vivido dia pós dia.
 Ajudá-lo a entender e transformar funções homeostáticas de seu sistema de
Scripts.
 Avaliar sua boa vontade ou relutância em abandonar suas crenças de Script
antigo, e;
 Definir uma base mais segura para fazer qualquer terapia de regressão
reparativa que fosse necessária.

Haviam ocasiões em que Bobby falava sobre sua dor intensa resultante da
crítica dos outros companheiros de trabalho ou sua raiva das “demandas” de sua
esposa por mais tempo de lazer juntos. Embora sua descrição desses eventos tivessem
muitos elementos que Eric Berne (1964) descrevia como constitutivos de um “jogo”, 35

eu achei mais eficaz tratar sua experiência como a adoção emocional de seus
relacionamentos iniciais como criança. Ao invés de confrontar o fato dele estar
jogando, nós sensivelmente, exploramos como sua experiência se enquadrava no
“con” (trapaça) e “gimmick” (dispositivo) da fórmula do Jogo de Berne (Berne, 1972,
pp. 23-25). Nós definimos o con como suas necessidades relacionais e de
desenvolvimento não correspondidas e o gimmick como sua fachada antiga de auto
estabilização e autoproteção. A “confusão” no jogo ocorria quando outras pessoas não
demonstravam empatia e entendimento adequados que ele estava precisando no
relacionamento. Nós investigamos como seus sentimentos de dor ou raiva (“a
recompensa do jogo” segundo Berne) eram uma repetição do que ele sentiu quando
garoto com as críticas de sua mãe, negligência e demandas, e o desprezo de seu pai
com o que ele precisava. Nós clarificamos como essas situações se tornaram uma
experiência de reforço que confirmavam, novamente, seu sistema de crenças. No meio
do trabalho com o sistema de Script, Bobby me contou que sua mãe frequentemente
contava a ele que seu pai “não tinha qualquer emoção verdadeira”, que ele era um
“irresponsável”, “sem moral”. Bobby lembrou que prometia a si mesmo que ele teria o
amor de sua mãe se fosse responsável e moral. Eu podia ver a tensão em seu corpo,
então eu lhe pedi para fechar os olhos e imaginar sua mãe sentada em sua frente. Eu o
encorajei a mover seus ombros rígidos e dizer qualquer coisa que viesse a ele. Ele
começou a gritar com a imagem interna de sua mãe e falar sobre sua raiva dos
comentários degradantes que ela fazia sobre seu pai. Ele continuou a expressar sua
raiva sobre a “frieza” e “controle” da mãe. Então ele gritou “Você nunca estava lá por
mim”. Ele repetiu essas palavras algumas vezes e acrescentou “...e é assim que eu vivo
mãe, acreditando que ninguém nunca vai estar lá por mim.”
Nesse momento ele caiu no choro e soluçou por alguns minutos. Em muitos
momentos desse trabalho eu o encorajei a seguir falando com ela, a contar-lhe sua
verdade, a contar-lhe o que ele nunca disse. Ele então choramingou suavemente, “Eu
estou sempre com tanto medo... eu tenho medo mãe, de não ser responsável e que
você nunca me ame por isso.”. Eu o encorajei a repetir o que ele estava dizendo e a
fazê-lo mais alto. Ele gritou aquilo novamente e depois disse, “eu vivi minha vida toda
com medo de que você não me amasse se eu não fosse o responsável. Você é sempre
fria, mãe. Você nunca estava lá por mim. Você se importa somente com você mesma.
Eu vivi toda a minha vida acreditando que ninguém estava lá por mim e que eu tinha
que ser o responsável. Martha, Robie e Sheila [sua esposa e filhos] estão lá por mim,
mãe, você não. Eu sou amado por eles e eu preciso deles. Com você eu aprendi a nunca
precisar... mas eu preciso sim deles. Eu estou mudando isso, mãe. Eu não tenho que ser
sempre o responsável. Eu preciso da minha família.”. Com essas palavras finais ele
tomou várias inspirações profundas. Bobby estava desconectando o “elástico de
borracha” emocional e fazendo uma “redecisão” (Erskine, 1974, 2011; Erskine & 36

Moursund, 1988; Goulding & Goulding, 1979).


Essa sessão de terapia envolveu muito mais que uma redecisão cognitiva, isso
gerou uma reorganização psicológica e afetiva, conduzindo a um novo senso de si
mesmo. Nas nossas sessões individuais semanais de psicoterapia, durante o ano e
meio seguinte, eu frequentemente abordava o garoto negligenciado relacionalmente –
uma criança de diferentes idades – ao qual faltaram oportunidades para se expressar,
que inconscientemente ansiava por validação e companhia, e que precisava de alguém
para ajudá-lo a colocar suas experiências emocionais em palavras. Como a descrição
de Eric Berne de trabalhar com os Estados do Ego Criança, eu falei com o garoto que o
Bobby foi um dia (Berne, 1961). Se alguém fosse analisar nossas sessões durante essa
fase da terapia, com frequência daria a sensação de que me comportava como se fosse
um pai benevolente ajudando uma criança vulnerável e aturdida a entender e articular
seus sentimentos, necessidades e aspirações (B. D. Clark, 1991). Em várias ocasiões eu
podia sentir a paternidade no meu relacionamento com Bobby. Eu adquiri um amor
por ele e ele estava vagarosamente se permitindo a ficar emocionalmente apegado a
mim. Esse novo estilo de apego era evidente em seu “anseio de conversar” comigo
quando havia algum feriado nas nossas consultas agendadas ou quando eu estava
viajando.
No início de nossa terapia eu convidei Bobby para participar de um grupo de
terapia semanal. Eu supus que o processo relacional com o grupo de terapia que
estava em curso iria complementar nossas sessões individuais e ajudar a enfrentar e
resolver sua vergonha e solidão (Erskine, 2013). Ele repetidamente recusou.
Entretanto, depois do trabalho emocional/de redecisão profundo com a imagem
interna de sua mãe, ele aceitou participar de uma sessão de terapia intensiva de fim de
semana. Essas sessões, que ocorriam de sexta-feira à noite até domingo à tarde, eram
uma combinação de psicoterapia relacional em grupo, terapia de regressão
acompanhada e redecisão, e um pouco de psicoterapia corporal (Erskine, 2014b;
Erskine & Moursund, 1988). Em sua primeira maratona terapêutica Bobby fez uma
outra parte da terapia de redecisão parecida a que ele tinha feito espontaneamente na
sua sessão individual. Desta vez nós focamos nas críticas de sua mãe sobre ele. Ele
estava bravo com o egocentrismo dela, o qual ele conectava com seu Script de
conclusões de que todas as “pessoas estão interessadas somente em si mesmas”.
Enquanto ele ia expressando sua raiva, ele teve vários ‘insights’ sobre seu
relacionamento com a mãe e como ele o repetia com sua esposa.
Essa sessão intensiva envolvia uma reorganização afeto/cognitiva levando a um
importante entendimento sobre como ele evitava envolvimento íntimo com as
pessoas e agia como um ‘solitário’. O grupo era cuidadoso e solidário com a
experimentação de Bobby com novas formas de estar em relacionamentos. Bobby era
capaz de falar aos membros do grupo sobre sua vergonha e solidão. Além das nossas
sessões de terapia semanais, Bobby eventualmente compareceu a uma série de três
terapias intensivas de fim de semana. Na segunda maratona, ele focou na ausência de 37

seu pai. Ele chorou profundamente, chamando pelo pai enquanto seu corpo se agitava
com emoção. Ele estava revivendo o momento quando era um garoto e chorava,
“Papai cadê você? Papai, você não está lá por mim.”. Ele se aproximou, agarrou minha
camisa, se jogou em meus braços e continuou a chorar por muitos minutos. Ele, então,
colocou sua cabeça em meu peito e colocou seu ouvido em meu coração. O restante
dessa sessão seguiu sem palavras; foi uma mistura de sons, movimentos, e toques
delicados – uma reorganização afetivo/fisiológica.

Na partilha final da nossa sessão aquele dia, Bobby disse que “alguma coisa
mudou dentro”, que ele se sentia “muito mais presente e adulto”, “Meu peito está
muito mais aberto”. Muitos meses depois, em sua psicoterapia individual, Bobby falou
muito sobre sua autocrítica, como se sua própria voz o punisse com “Não tenho sido
bom o bastante”. Nós usamos um método de duas cadeiras para criar um diálogo
entre sua própria voz como o crítico e seu sentimento por ser criticado. Bobby
percebeu que havia aprendido a criticar a si mesmo para se certificar de que nenhuma
outra pessoa iria criticá-lo. Semanas depois, na sua terceira maratona de terapia em
grupo ele falou sobre a crítica interna que permanecia. Eu comecei novamente um
diálogo de duas cadeiras (Erskine & Moursund, 1988; Goulding & Goulding, 1979;
Moursund & Erskine, 2003) mas rapidamente descobri que o “crítico” não estava mais
falando na primeira pessoa, “Eu sou...”, mas estava agora falando na segunda pessoa,
tal qual, “Você é inútil”. Comecei um diálogo com a voz crítica de Bobby; depois de
alguns minutos era como se Bobby estivesse falando pela voz de sua mãe. Eu continuei
a conversa e perguntei sobre sua vida, o tipo de família no qual ela havia crescido, seu
casamento e seu divórcio e os estresses e medos que ela sentia como uma mãe
solteira. Nosso diálogo terapêutico focou primeiramente na negligência e crítica que
ela recebeu quando criança de sua mãe.

Então eu mudei a discussão para como ela havia negligenciado as necessidades


relacionais de Bobby quando ele era um garoto pequeno. Meu questionamento foi
guiado em parte pela descrição dos Scripts Transgeracionais de Noriega, Glória
(Noriega, Glória, 2004, 2009, 2010). Ela falou sobre as decepções em seu casamento,
como ela nunca quis ter um filho e sua raiva de seu antigo marido. Ela, então,
confessou que criticava Bobby pois tinha raiva de seu pai, a quem ela descrevia como
“inútil”. Ela chorou quando falou sobre como havia “maltratado” Bobby.
Em resposta às minhas perguntas e respondendo empaticamente, como se ela
fosse minha paciente, a mãe introjetada em Bobby (o Estado de Ego Mãe) estava
expressando a história emotiva de seu próprio Script de vida. Perto do fim de nossa
sessão de uma hora, ela contou a Bobby que ele era um “bom filho”, “nunca um
problema”, e que ela estava orgulhosa dele. Eu, então, pedi ao Bobby para trocar as
cadeiras e responder à imagem interna de sua mãe. Ele contou a ela sobre seu “vazio”
e “solidão” e como ele nunca podia contar com ela da forma como ele precisava. Ele 38

chorou. Seu corpo relaxou. Muitas horas depois Bobby disse “Eu sinto como se uma
carga gigante tivesse saído das minhas costas.”. Semanas depois ele contou que ele
passou várias semanas vivendo sem críticas internas.

A ausência de qualquer crítica interna reflete a reorganização


afetivo/cognitivo/fisiológica que a terapia do Estado de Ego Pai pode fornecer ao
paciente (Erskine, 2003b; Erskine & Trautmann, 2003). Uma investigação das funções
homeostáticas antigas possíveis foi tecida através de várias das nossas sessões. Das
nossas sessões iniciais em diante, eu ficava sempre hipotetizando silenciosamente
sobre várias funções estruturais das preocupações regulares de Bobby.

Periodicamente, eu usava essas hipóteses para formar algumas de minhas


indagações. Da experiência clínica, eu estava seguro de que Bobby não acabaria
totalmente com sua obsessão enquanto suas fantasias e o sistema de crenças
relacionado servissem como funções homeostáticas antigas tais como previsibilidade,
identidade, continuidade ou estabilidade (Erskine, 2015; Erskine, Moursund &
Trautmann,1999). Eu periodicamente perguntava sobre as experiências subjetivas de
Bobby com a percepção de que ele poderia eventualmente descobrir e apreciar seu
desejo interno por uma sensação de equilíbrio familiar – uma estabilização
homeostática – que mantinha seus hábitos de preocupação e obsessão. Logo no início
da psicoterapia, eu perguntei ao Bobby se ele conseguiria descrever o propósito de
suas fantasias sobre “alguma coisa vai dar errado”.

Ele exclamava imediatamente “Para saber o que ocorrerá!”. Isso nos conduziu a
diversas memórias em que ele descrevia seu desejo interno por previsibilidade e seu
medo intenso quando não podia prever os resultados dos acontecimentos. Nós
exploramos, mais profundamente, como suas fantasias serviam para reforçar seu
sistema de crenças e, ao mesmo tempo, funcionavam para fornecer um seguro contra
o choque das decepções. Através da minha investigação fenomenológica consistente,
Bobby se tornou consciente de outras três funções homeostáticas:

 Que sua crença de Script “Eu não preciso de nada de ninguém” e suas fantasias
relacionadas a ser “totalmente independente de qualquer um” eram uma
forma de identidade da infância.
 Que muitas das suas fantasias e as crenças de Script que as acompanhava “não
tenho ninguém com quem contar” serviam como uma orientação nos
relacionamentos com os outros; e,
 Que suas preocupações regulares forneciam uma sensação de continuidade ao
longo de sua vida.
Cada uma dessas funções homeostáticas era uma tentativa infantil de auto
reparação e fornecia uma estabilização sintética do seu afeto intenso – uma auto 39

estabilização necessária para reduzir as fortes reações emocionais que ocorriam como
resultado da ausência de contato gratificante necessário com pessoas importantes,
tanto atualmente em sua vida cotidiana, como fantasia, quanto como traços de sua
memória implícita (Kohut, 1997; Wolf, 1988). Entretanto, para renunciar a antigos
padrões de apego à insegurança e às funções homeostáticas que constituem e
mantém um Script de vida, pacientes como Bobby devem trocar suas funções antigas
para funções maduras (Erskine, 2015). Essa troca normalmente envolve experimentar
com e, temporariamente, permitir que o relacionamento terapêutico forneça tais
funções psicológicas como estabilização, previsibilidade, ou uma nova identidade-no-
relacionamento.

Durante os três anos de psicoterapia, Bobby fez diversos experimentos e testes


sobre minha honestidade, consistência, credibilidade e confiança. Durante essa fase da
psicoterapia, eu repetidamente usei o método da investigação relacional para verificar
como Bobby me experimentava, para definir nossos processos intersubjetivos, e para
contrastar a diferença das qualidades do nosso relacionamento com os vários outros
relacionamentos de sua vida. Quando fazíamos esse tipo de investigação relacional,
estávamos retornando à fase relacional de nosso trabalho conjunto e,
simultaneamente, baseando-nos no que descobrimos sobre o Script de vida de Bobby
e seu sistema de Scripts.

Cada fase de nossa psicoterapia tornou-se interligada com as outras fases. Eu


periodicamente tinha a percepção de que nós estávamos trabalhando em um
holograma de conceitos e métodos terapêuticos. Gradualmente ao longo de sua
psicoterapia, eu encorajei a transferência das antigas funções homeostáticas de Bobby
para a confiança na consistência e segurança do nosso relacionamento terapêutico.

Minha meta era fornecer uma base relacional segura como alternativa a seus
padrões anteriores de apego à fuga e fornecer uma fase de transição no
estabelecimento de funções homeostáticas maduras. Gradualmente, a identidade
ultrapassada de Bobby foi substituída por um novo senso de identidade, uma
identidade baseada nos contextos atuais de sua vida – uma identidade madura que
incluía um relacionamento íntimo com sua esposa e filhos e um relacionamento mais
aberto e com mais contato com os colegas do trabalho. Através de nosso trabalho
psicoterapêutico, ele foi desenvolvendo formas novas e maduras de estabilidade
afetiva e regulação intersubjetiva.

40

Sistema de Crenças >>> Sistema de Manifestações >>> Experiências Reforçadoras


Si mesmo: Comportamentos evidentes: Atualmente:
Eu não preciso de nada de Não tem relacionamentos
Os outros não perguntam.
ninguém. significativos.
Os outros caçoam.
Padrão de autoproteção.
As pessoas não mostram interesse
Não fala de emoções.
pessoal.
Não tem amigos próximos, um
Machuca-se com a crítica.
solitário.
Nota que os outros não se
Silenciado por constrangimento.
responsabilizam.
Eu sou o único responsável. Pega toda a responsabilidade.
É admirado pelos homens no
Reclama por outros não pegarem
trabalho. Promoções.
responsabilidades.
Outros:
Não posso contar com ninguém. Fica acordado a noite, no
Esposa reclama por ele levantar de
computador.
madrugada e quando não volta para
As pessoas só se importam consigo Age com sua esposa como se ela
casa à noite. Afastamento da esposa.
mesmas. fosse sua mãe.
Fisiológico:
Peito côncavo, tensão nos ombros e
Memórias corporais & sub-
nas costas.
simbólicas.
Sensação de “vazio”.
Qualidade de vida: Memórias antigas:
A vida é cheia de decepções. FANTASIA: Espera pelo pai.
Alguma coisa vai dar errada. Ausência do pai.
Preocupação com trabalho e
carreira. A mãe é fria.
Fantasias catastróficas de algo dando
errado. Negligência da mãe.
Richard vai me menosprezar ou não Crítica, demandas, autocentrada e
vai me ouvir. falta de validação.
Não posso contar com Richard. Mãe nunca pergunta sobre
Richard vai me rejeitar. sentimentos.
“Eu vou ter o amor de minha mãe se Mãe fala que o pai não tem moral, é
eu for responsável”. irresponsável.
Mãe nunca me amará como eu sou. Mãe diz: “Você é inútil”.

SENTIMENTOS E NECESSIDADES REPRIMIDOS


Solidão, raiva, dor emocional.
Necessidade de segurança no relacionamento, validação, alguém com quem contar, companheirismo, definição de
si mesmo, causar impacto, dar e receber intimidade.
Figura 3. O sistema de Script de Bobby.
Durante o segundo e terceiro ano, nós periodicamente focávamos na sexta faceta da
nossa psicoterapia, o conceito de “viver o agora”. Um ano antes, em nossa terapia,
Bobby desconsiderou minhas tentativas de introduzir exercícios de consciência. Ele
não gostava do conceito de viver o presente e argumentava comigo que “preocupar-se
com o futuro era um bom seguro”. Eu falava sobre como sua preocupação era um sinal 41
de esperança – que ele podia proteger a si mesmo de surpresas e choque de que
“alguma coisa vai dar errado”.
Em numerosas sessões eu reiterei as histórias que ele havia me contado sobre
as dores e decepções e expliquei que seria normal, nessas situações, se estabilizar
emocionalmente e se autorregular através da previsão do pior. Em várias sessões nós
falamos sobre seu esforço para controlar o futuro. Esperança e controle eram um tema
ao qual retornamos por alguns minutos durante diversas sessões. Durante nossas
sessões de psicoterapia, enquanto eu continuava a fazer uso da investigação
fenomenológica e nossas experiências intersubjetivas, eu comecei a introduzir alguns
exercícios de consciência e aterramento e solicitei que ele os praticasse em casa. Com
o tempo, nós criamos dois novos lemas: “Eu não sei ainda” e “Aquilo com que eu estou
preocupado agora passará”, para substituir sua crença de Script “Algo vai dar errado”.
Durante o segundo ano eu sugeri que ele participasse de um fim de semana de
meditação. No início ele ficou desconfortável com a experiência, mas fiquei surpreso
quando ele continuou em um programa de meditação. No último ano de terapia eu
sugeri que ele entrasse em aulas de yoga duas vezes na semana, e ele o fez. Depois de
algumas semanas, Bobby estava contente com a forma que seu corpo estava
mudando.

Ele estava comprometido em continuar as aulas de yoga e de meditação; e


ambas forneciam formas maduras de auto estabilização e autorregulação. Sua
dependência em mim era agora muito menor do que no ano anterior. Ele se envolveu
em atividades familiares como ele nunca havia feito antes. E ele estava encantado em
não ter pensamentos obsessivos e estar aproveitando noites inteiras de sono. Quando
as coisas estavam incertas, ele focava no que ele estava experimentando em seu corpo
no momento presente. Bobby estava fora da cidade quando um de seus filhos teve um
acidente grave; ele estabilizou sua ansiedade com “Eu não tenho informação o
bastante para me preocupar”. Quando sua esposa estava tendo complicações com
uma nova gravidez, ele a ensinou a utilizar o lema “Eu não sei ainda. Nós resolveremos
o problema caso ele aconteça”. Ele estava vivendo espontaneamente no presente: em
contato com sua vulnerabilidade, consciente do funcionamento de suas obsessões
anteriores, e com intimidade em seus relacionamentos. Quando encerramos nossas
sessões terapêuticas, ele considerou continuar com a meditação e a yoga.
Conclusão

A história da psicoterapia de Bobby forneceu uma coleção de conceitos, facetas


terapêuticas e métodos que se fundem para informar você, o(a) leitor(a), sobre o uso
da Análise Transacional na psicoterapia contemporânea. Eu optei por mostrar um caso
42
envolvendo a psicoterapia da obsessão, preocupações regulares e fantasias repetitivas
porque a psicoterapia de tais pacientes ilustra o uso das teorias de Eric Berne e os
novos conceitos e métodos clínicos contemporâneos da Análise Transacional, tais
como:

 Psicoterapia à partir de uma perspectiva relacional – respeitosa, não-patológica e


co-construída.

 Psicoterapia à partir de uma estrutura de desenvolvimento, abastecida por


informações atuais de neurobiologia e pelas necessidades relacionais e de
desenvolvimento das crianças.

 A importância dos restabelecimentos (o que Berne chamava “Jogos”) e


transferência como a forma de comunicação da experiência inconsciente e a
interação entre uma contratransferência reativa e adequada.

 Estados de Ego Criança e Pai e o relacionamento recíproco entre os Estados do Ego.

 A organização afetiva/psicológica/cognitiva que pode resultar da desconfusão dos


Estados de Ego Criança, uma regressão apoiada terapeuticamente, e a desativação
de um Estado de Ego Pai.

 A identificação do sistema de Scripts e o intercâmbio entre sistema de crenças,


comportamento e fantasia, e experiências que reforçam o Script.

 As funções homeostáticas de comportamento, fantasias repetitivas e sistema de


crenças e a importância da transferência do uso habitual do paciente de funções
antigas para funções maduras; e

 A estabilização e regulação madura de viver no momento presente.

A psicoterapia da obsessão, preocupações regulares e fantasias repetitivas da Análise


Transacional é complexa e exige uma abordagem multifacetada que trata e resolve a
solidão estrutural e o anseio inconsciente do paciente por relacionamentos
significativos reorientando, dessa forma, as funções homeostáticas antigas de
obsessão para funções maduras, dissolvendo o antigo sistema de crenças e
introjeções, facilitando uma reorganização fisiológica/afetiva/cognitiva, e
enriquecendo a vida emocional do paciente pela intimidade e vivência do momento
presente.

Eric Berne estabeleceu a base teórica da psicoterapia da Análise Transacional e outros 43

analistas criteriosos e criativos contribuíram com diversos conceitos e métodos – a


Análise Transacional contemporânea conta com grande número de métodos eficazes –
mas o desenvolvimento da Análise Transacional na psicoterapia não está completo.
Este capítulo ressaltou uma abordagem de seis facetas que associa o Instituto por
Psicoterapia Integrativa e eu achei efetiva em nosso trabalho com pacientes que
estavam imersos em obsessão, fantasias repetitivas e preocupações regulares. Mais
pesquisas exploratórias e clínicas podem revelar outras facetas terapêuticas eficazes
na psicoterapia da obsessão. Por hora, cada uma destas seis facetas (relacionamento,
fuga, Script e sistema de Script, reorganização intrapsíquica, funções homeostáticas e
viver no presente) forma uma orientação útil para a prática da Análise Transacional na
psicoterapia contemporânea.

Tradução: Regina Berard – Membro Didata em Formação – Área Clínica

Revisão: Ede Lanir Ferreira Paiva, Membro Didata, Área clínica

UNAT BRASIL – maio de 2017


CAPÍTULO 2

TRANSFERÊNCIA-CONTRATRANSFERÊNCIA FOCADA EM ANÁLISE TRANSACIONAL4

Ray Little

Muitos dos problemas que nossos clientes apresentam, tem raízes em


44
experiências com relacionamentos anteriores, principalmente com cuidadores na
infância. É comum que uma variação destas dificuldades seja perpetuada em
relacionamentos atuais. Portanto, acredito que relacionamentos tem potencial para
transformar dificuldades e, com isso, criar uma narrativa com significado diferente. Os
princípios e conceitos da Análise Transacional que influenciam minha abordagem
psicoterapêutica inclui aspectos da psicodinâmica e das tradições humanistas. Percebo
que o desenvolvimento humano ocorre dentro da “matriz relacional” (Berke & Tansy,
1991, p. 370), com a mente constituída de esquemas relacionais (R. Little, 2011ª,
2011b). Meu foco clínico é cuidar desses esquemas dentro de uma relação
transferencial-contratransferencial. Durante a terapia o cliente e terapeuta criam uma
vinculação única. Essa vinculação oferece oportunidade ao cliente de encontrar novos
objetivos (Cooper & Levit, 1998; Greenberg, 1986), trabalhando a partir (Greenson,
1965) do velho objeto relacional para recuperar o self. Nesse processo me posiciono
para ser usado tanto como desejado quanto temido, velho objeto e novo objeto co-
criado.
Quando escolhemos o processo de transferência-contratransferência,
entendo que estamos falando de duas opções de maneira geral (R. Little, 2011ª, 2006,
adaptado de Gomez, 2004). Primeiro, trabalhando com o a transferência, lado a lado
com o cliente, dando suporte para mudanças e transformações: o que pode incluir
técnicas expressivas (Erskine & Moursund, 1988; Goulding & Goulding, 1979; Ohlsson,
1998). Segundo, trabalhando com a díade transferência-contratransferência para
facilitar transformação e integração. Na psicologia profunda, escolho trabalhar a
matriz da transferência-contratransferência. Isso implica trabalhar com unidades
relacionais dos Estados de Ego que são manifestados na díade terapêutica; uma
abordagem aqui-e-agora. A escolha que o terapeuta faz pode ser influenciada pelo
contexto ou circunstâncias da terapia. Estou consciente que alguns terapeutas
conduzem o trabalho movendo-se entre as duas abordagens. De todo modo, penso
que essa estratégia pode ser difícil de manejar, tanto para o cliente como para o
terapeuta. Trabalhando com a transferência-contratransferência, estou trabalhando
com o passado e o presente do cliente, simultaneamente. Apesar das unidades do
Estado de Ego relacionais Criança-Pai (R. Little, 2006) sejam estruturas arcaicas fixadas
e pouco desenvolvidas, trabalhando com o passado no presente implica tratá-las como
se fossem uma resposta direta ao presente.

4
Transactional Analysis in Contemporary Psychotherapy, editado por Richard Erskine, Karnac , London
(UK), 2016 . p.27 a 53 no original.
O enfoque aqui é teoria e métodos que uso para facilitação em terapia
individual, de longa duração, em Análise Transacional, focada em profunda
transferência-contratransferência. Acredito que a ação terapêutica envolvida nesse
processo depende de como concebemos os quatro seguintes elementos:
desenvolvimento psicológico, psicopatologia, a natureza da relação psicoterapêutica
(tanto os aspectos conscientes quanto os inconscientes), e o papel e a função do
terapeuta. Em termos de desenvolvimento psicológico, foco na mente consistindo no 45

esquema relacional self-outros, adaptativo e defensivo (Zvelc, 2009). Considero a


noção de desenvolvimento o mover-se da dependência para uma separação e
individuação, da psique não-integrada (Winnicott, 1965, p. 44) para uma psique
integrada. Psicopatologia envolve a ativação de várias unidades relacionais defensivas,
dissociadas, largamente inconsciente do Estado de Ego Pai e seu envolvimento com
Jogos Psicológicos, encenações5 e re-encenações. Uma re-encenação é quando o
terapeuta continua reflexivo e uma encenação é quando o terapeuta se juntou ao
cliente num processo inconsciente e mútuo de vinculação no Script (Stuthridge, 2012).
Isso, associado às unidades relacionais do Estado de Ego, representa um acréscimo às
categorias de patologias de Berne, que são, Exclusão e Contaminação (1961).
A relação psicoterapêutica envolve engajamento na matriz de
transferência-contratransferência, na perspectiva da psicologia “a dois” (Stark, 1999),
consistindo em focar na relação entre cliente e terapeuta, incluindo o conhecimento
de uma interação inconsciente (Ehrenberg, 2010). Dessa perspectiva, cliente e
terapeuta são vistos como participantes tanto defensivos como adaptativos numa
relação co-construída. O engajamento no processo oferece oportunidade de explorar o
que transpira entre eles, portanto oferecendo/criando uma oportunidade de
transformar as expectativas relacionais implícitas. Experiências corretivas emergem do
relacionamento, que tinha sido distorcido e não estava estruturado, deliberadamente,
para benefício do cliente; uma psicologia intersubjetiva “a dois”. O posicionamento
terapêutico envolve o que eu havia descrito como um relacionamento requerido
terapeuticamente (R. Little, 2011b), decorre trabalhar com e responder, tanto ao
relacionamento repetido quanto ao necessário (S. Stern, 1994), e com o antigo
enquanto co-criandando o novo. Vários autores da AT (Barr, 1987; Clarkson, 2003)
listam relacionamentos que ocorrem na relação “a dois” terapêutica. Meu foco é na
matriz de transferência-contratransferência.

Trabalhando no presente com o passado


Uma versão do passado está viva no presente, como Riesenberg-Malcolm
afirmam, “ (Transferência é um link do passado com o presente.” (1986, p. 52).

5
Enactments – o processo de transformar algo em comportamento – encenar. (N.T.)
Reenactments – repetir uma ação ou evento do passado como hobby ou uma performance. (N.T.)
A resolução dos conflitos e déficits do cliente são alcançados abordando o
relacionamento do cliente com o terapeuta; isso é, abordando diretamente a matriz
transferencial-contratransferencial. Esse cenário completo pode ser uma presença
tênue para o cliente, no meu entendimento, e apresentado em termos do momento
presente. Por exemplo, Mark descreve seu cansaço, sua necessidade de férias. Tendo
cuidado de sua mãe moribunda, sentindo-se ressentido com seu irmão que não
reconhece seu trabalho duro, ele descreve que se sente abandonado. Enquanto eu 46

ouço suas palavras, sinto e observo seu comportamento, me vejo numa postura
inquisitiva e clarificadora. Eu examino minhas reações em relação a ele e tento
entender o impacto que seu comportamento tem em mim, o que isso pode ter a ver
com o nosso relacionamento, assim como procuro examinar o impacto que meu
comportamento e comunicação o impactam. Eu questiono em que sentido a
experiência que ele descreve pode estar relacionado com o que está acontecendo
aqui-e-agora. Estou consciente de que recentemente estive indisposto e que ele pode
ter se sentido negligenciado e abandonado. Acredito que seus sentimentos são uma
mistura de sentimentos passados e presentes. Sua sensação de não estar cuidado é
tanto histórica como atual.
Alguns aspectos do comportamento do terapeuta frequentemente
coincidem com a projeção do cliente, mesmo quando o cliente interpreta meu
comportamento de maneira diferente da que eu intencionava e diferente da maneira
de como experimentei. A parte do Mark que se sentiu abandonada como uma criança
pode estar respondendo um nível de energia mais baixa que a usual, por exemplo.
Posso desenhar então o processo dentro da relação terapêutica e de mim mesmo, o
terapeuta. O ato de estar dentro do processo e respondendo às expectativas
inconscientes do cliente oferece a possibilidade de uma experiência relacional com
“um novo objeto mau” (Cooper, 2010). O cliente está respondendo no presente para o
terapeuta, quer seja assemelhado ao passado ou não.
Merton Gill (1982) é outro autor que descreve a transferência como uma
combinação do passado com o presente. Ele sugere que o que ativa a transferência é a
tentativa do cliente de dar sentido para as várias pistas que ele pode estar pegando do
comportamento do terapeuta. Por sua vez, isso engatilha vários modelos na mente do
cliente. Por exemplo, parecia que eu estava mais cuidadoso do que Mark estava
acostumado, mas nem tanto assim. Riesenberg-Malcolm sugere que “geralmente o
paciente percebe o que nós dizemos em (pelo menos) duas maneiras. Se fizer sentido
para ele, ele pode sentir-se aliviado e pensar a respeito. Mas, ao mesmo tempo, a
interpretação interfere com a reação usual do cliente e isso pode tanto desarmar as
defesas como trazer futuros comportamentos defensivos” (1986, p. 434) Como ele
sugere, nós estamos perturbando o cliente. Essa constante mudança no contato do
cliente com o terapeuta gradualmente revela as unidades de defesa relacionais.
No caso do Mark, ele pode reconhecer seu desapontamento, no que
percebeu como falta de cuidado, e ficar aliviado por eu ter percebido e respondido a
isso. Ele também pode ficar assustado por ter sido percebido tão claramente.

Estrutura da mente: esquemas relacionais e Estados de Ego


“Todo ser humano nasce numa relação poderosa com seu cuidador primário,
que configura uma poderosa influência na arquitetura da sua mente. ” (Shmueli, 47

2014). Descrevi previamente como os bebes e as crianças internalizam suas


experiências com outros significantes e seu ambiente em esquemas relacionais (R.
Little, 2011b). Vários autores apoiam o conceito de que é o relacionamento que é
internalizado nas configurações self-outro (Beebe & Lachmann, 1988; Loewald, 1970),
e que essa representação influencia o comportamento da criança (Horner como citado
em Schore, 1997). Essa internalização inicial é armazenada na memória implícita,
consistindo em conhecimento de procedimentos relacionais e regras de como se
comportar com alguém, estabelecido por tentativa e erro.
Quando examinamos a natureza dos esquemas relacionais internalizados,
podemos distinguir entre as experiências toleráveis, que foram integradas e aquelas
que permanecem não integradas. Internalizações que consistem de experiências
toleráveis e não defensivas são aspectos do Estado de Ego Adulto integrado e
representa autonomia, funcionamento no aqui-e-agora em um sistema aberto (R.
Little, 2006, 2011b), com a capacidade de assimilação e acomodação (Piaget, 1952;
Zvelc, 2010). Se uma criança em crescimento experiência pouco contato físico,
envolvimento ou experiência traumas. Se há uma predominância de que tudo é ruim,
internalizações agressivas, então a criança pode não ser capaz de integrar suas
experiências e isso vai permanecer como uma estrutura dissociada. Essas estruturas
constituem esquemas defensivos ou inadaptados (Eagle, 2011; Zvelc, 2010). Da
perspectiva da Análise Transacional, descrevo como unidades relacionais do Estado de
Ego. Apesar de internalizarmos tanto as experiências toleráveis quanto as não
toleráveis, é a não tolerável, que não foi integrada que constitui a unidade relacional
do Estado de Ego Pai-Criança (R. Little, 2006).
Esse esquema não integrado resulta num sistema de Script fechado,
localizado no inconsciente, em memórias implícitas, formando a fundação de
estruturas de personalidade e defesas. A relação terapêutica tende a mobilizar
aspectos defensivos de padrões das vinculações primárias, que vão se manifestar
como transferência em unidades de Estado de Ego relacional. Por exemplo, quando
uma criança vivenciou abuso violento e internaliza aquela experiência, o resultado das
unidades de Estado de Ego é um Estado de Ego Criança que pode aparecer
frequentemente como uma vítima, enquanto o Pai se manifesta como perseguidor ou
abusador. Anna Freud (1968) descreve que uma das maneiras com que o indivíduo
pode lidar com esse processo é se identificando com o agressor, para evitar sentir-se
como a vítima.
Muitos clientes com que trabalhei que foram abusados sexualmente na
infância, defenderam-se mais tarde se identificando com o abusador de alguma
maneira e em outras ocasiões repudiaram sua sexualidade. Nas suas mentes é mais
fácil se identificar com o abusador do que se identificar com a vítima. É preferível ser
perseguidor, poderoso e forte do que ser uma vítima desamparada. Acredito que
quando estamos trabalhando com essas questões, eventualmente precisamos
trabalhar tanto com a vítima quanto com o abusador internalizado no ciente. Na 48

minha visão, ver o cliente exclusivamente como vítima é uma traição. O cliente terá
internalizado o perseguidor como parte da unidade Estado de Ego Pai-Criança
Relacional e ambos os aspectos precisarão ser abordados. O encontro com o
perseguidor internalizado é assustador para o terapeuta, quer seja uma confrontação,
ou mais assustador ainda como uma identificação. Um desafio bem-sucedido traz
grande alívio para a parte vitimizada do Self (Davies & Frawley, 1994).

Olive: revidando
Um tema emergente no meu trabalho com Olive era sua luta com sua
sexualidade. Ela começou as sessões falando sobre a inveja que tinha de uma mulher
que aparentava ser muito feminina. Olive descrevia como se vestia para esconder sua
feminilidade. Eu respondi dizendo: “Então, sentada aqui, agora mesmo, comigo, você
está restringindo sua feminilidade e poder. Você está com medo de minha crítica e que
eu a humilhe por ser sedutora. ” Meu uso de palavras como “critica”, “humilhação” e
“sedução” foi baseada no que eu sabia da sua história com seu pai e um trabalhador
jovem do seu passado. Olive disse que na última sessão ela me ouviu disser que ela
deveria ser mais feminina. Isso foi a projeção das expectativas de sua mãe e uma
experiência dolorosa de não ter permissão de ser ela mesma. Ela mencionou que
naquela manhã ela pensou em colocar um vestido, mas “recusou”. Ela disse que lutou
contra o impulso. Olive parecia acreditar que eu tinha dito para ela o que deveria
vestir. Na transferência eu aparecia ser a sua mãe dizendo para ela como se
comportar, ou o abusador. Na sessão seguinte ela falou das suas roupas e aparência
masculina, protegendo-a da vulnerabilidade do que ela descreveu como tirania de ser
uma fêmea perfeita. Ela se viu rebelando-se contra sua mãe. Eu também a vi se
protegendo de ataques sexuais. Eu continuei dizendo para ela: “Você me vê te
forçando a ser de uma determinada maneira e você está revidando.” Eu me senti
desconfortável em experienciar a sensação de forçá-la a ser de uma determinada
maneira. Eu queria deixar de ser visto como cruel e desagradável. Sua unidade de
Estado de Ego Relacional consistia de sua posição de defesa rebelde contra uma
impositiva, perfeccionista e inibidora mãe/outro. Eu questionava se meu desejo em
objetar sua percepção de mim ecoava no seu desejo de se rebelar. Foi uma
apresentação mais feminina que atraiu o abusador da Olive, e Olive descreveu como
seu abusador a vestiria. Outro aspecto consistia na sua não identificação com sua
feminilidade, em razão desse abusador da feminilidade internalizado.
Isso levou a uma identificação com uma apresentação mais masculina, o que servia,
em sua mente, como uma proteção para futuros ataques sexuais. Nessa re-encenação
eu estava apto para manter uma instância reflexiva e evitar super identificação
evitando assim me tornar Salvador ou Perseguidor (Karpman, 1968).

Matriz da transferência-contratransferência
Transferência está em toda parte. Quando nos engajamos com pessoas, 49

inconscientemente tentamos dar sentido nos vários sinais e comportamentos que


percebemos no outro. Algumas vezes podemos responder ao outro de maneira
adaptativa em esquemas relacionais que podem assimilar e acomodar o que estamos
experienciando/encontrando. Ocasionalmente respondemos ao comportamento dos
outros mais defensivamente. Isso é frequentemente o caso na díade terapêutica,
desde que essa é a natureza da relação e a estrutura da terapia, padrões precoces de
envolvimentos serão ativados, assim como nossos sistemas de defesa. Esses esquemas
defensivos relacionais, que envolvem unidades do Estado de Ego Criança-Pai
Relacional, vão estimular o encontro com estruturas arcaicas e esquemas não
acomodados. Percebo a matriz da transferência-contratransferência como um
relacionamento vivo, e tudo que é importante no mundo interno do cliente irá
provavelmente, cedo ou tarde, ser vivenciado, de alguma maneira nessa matriz.
Adicionalmente, tudo que o psicoterapeuta diz ou é, provavelmente será respondido
de acordo com a estrutura interna do cliente (Script), ao invés do que o terapeuta
tinha intensão, o significado que ele deu ao que disse (Joseph, 1985). Com a
compreensão e interpretação da transferência-contratransferência no aqui-e-agora, o
terapeuta está lidando com os conflitos precoces e déficits do cliente, que só pode ser
entendido e integrado quando vivido no presente com o terapeuta (Riesenberg-
Malcolm, 1986).
Tanto as unidades relacionais do Adulto integrado quanto da Criança-Pai
estão respondendo às pistas e transferindo para o outro, mas o Adulto é capaz de
responder flexível e adaptativamente, enquanto as unidades da Criança-Pai
respondem mais rígida e defensivamente. As respostas rígidas das unidades Criança-
Pai é o que a maioria das pessoas descreveria como transferência, o que refiro como
transferência no restante do capítulo. Erskine (1991), em sua discussão prévia dos
quatro aspectos da psicoterapia de transferência descreveu como a transferência
demonstra as necessidades de desenvolvimento frustradas e os comportamentos
inconscientes das experiências infantis (p. 73). A maneira que descreveria esse
processo é que a transferência envolve o inconsciente do cliente convidando o
terapeuta e repetir velhas experiências, mas desejando ser exposto às experiências
necessárias. O terapeuta parecerá como alguém do passado e em outros momentos,
alguém novo; essa é a natureza dos Jogos Psicológicos. Nós precisamos manter em
mente que tanto o cliente quanto o terapeuta entram na relação terapêutica com a
capacidade de atuar, pensar e sentir transferencialmente.
A qualquer momento o cliente e o terapeuta podem estar lutando para dar
sentido ao que está acontecendo na relação psicoterapêutica. A transferência é
frequentemente engatilhada pela interpretação do cliente do comportamento do
terapeuta (Gill, 1982). A experiência e comportamento do cliente e do terapeuta vão,
da mesma forma, inevitavelmente, ser formadas tanto pelo: (a) quem eles são,
independentemente da díade terapêutica, e (b) quem eles são em resposta ao outro 50

(Wallin, 2007, p. 271). Para pesquisa de recentes visões gerais de vários autores da
Análise Transacional que exploram a relevância e significado da transferência para
análise das transações, eu indico aos leitores Scilligo (2011), assim como o exame de
transferência e transações de Erskine (1991).

Andros e o medo de viver: o falso Self versus o verdadeiro Self


Andros é um homem solteiro perto dos trinta anos que vive num flat que
divide com um outro homem que só ocupa o flat durante a semana. Ele não estará no
flat este fim de semana, para alívio do Andros. Os dois pais do Andros imigraram da
Grécia quando ele era muito novo, se alojando na parte pobre de uma cidade grande.
Ele era filho único e reporta que não tinha muitos amigos. Na escola ele não era visto
com as outras crianças, mas sozinho, lendo revistas em quadrinho. Ele mencionou que,
quando criança, tinha envergonha dos pais que falavam um inglês básico, com forte
sotaque grego. O trabalho do Andros relaciona-se a computadores utilizados pelo
governo local. Ele é muito bom com os computadores, mas seu empregador lhe deu
uma advertência para que ele melhore sua relação com os colegas de trabalho, se não
ele poderia receber processo disciplinar. A apresentação do Andros é “tipo-andróide”
com uma expressão sem emoção. Eu me deparei com esse tipo de estilo em diversas
ocasiões com estruturas esquizoides. Trabalhando com Andros, ficava atento para
conter minha “vivacidade” com ele. Na fase inicial da terapia isso resultou numa
comunicação intelectual e formal, ainda que eu experimentasse uma variedade de
emoções em reação a ele, guardando todas comigo. Andros retirou-se no isolamento
de seu castelo (R. Little, 2001; O’Reilly-Knapp, 2001) há muitos anos. A música “I am a
rock” música do Paul Simon (1966) me vem à mente quando penso no Andros. Na
música Simon canta “Eu construí uma parede, uma fortaleza íngreme e poderosa, para
que ninguém possa penetrar. Não preciso de amigos, amizades causam sofrimento. É
riso amor que desdénho. “
Andros se retirou das relações sociais ordinárias, vivendo sozinho no seu
mundo, mas distante de conexões com outros. Ele se engajou no trabalho, mas de uma
posição que podemos chamar de posição de “falso self” defensivo (Winnicott, 1965).
Ele tinha uma maneira de manejar o mundo enquanto mantinha sua vulnerabilidade
escondida no fundo do seu castelo interno. Andros era bastante atraente, parecido
com Paul Newman, um ator de cinema antigo (nesse ponto há uma indicação de uma
agitação erótica na minha contratransferência). Andros descreveu como ele batalhou
em relações com mulheres e em ter relações com prostitutas. Esses encontros
tornavam sua solidão pior. Inicialmente eu não percebi que essa relação estava
engajada com uma parte dele que seguia uma regra, como se ele fosse um ator de
cinema. Além de ver prostitutas ele tinha relações sexuais ocasionais com outras
mulheres. Com elas, enquanto estava transando, ele assistia filmes pornô na sua
cabeça como um guia para o que fazer. Depois de algum tempo a mulher reclamava
que algo estava faltando na relação e iria embora. Quando penso no Andros com 51

relação a mulheres, o próximo verso do Simon vem a minha mente. “ Não fale de
amor, bem, eu já escutei essa palavra antes. Ela está dormindo na minha memória e eu
não vou perturbar essa sonolência de sentimento de que ela morreu. Se eu nunca
tivesse amado, nunca teria chorado. ”
No início do nosso trabalho eu teria sentado com o Andros e me sentido
controlado por ele. Eu me sentiria preso pelo seu olhar, incapaz sair do olhar. Eu vim a
entender minha reação contratransferencial como medo de ataque e humilhação na
sua presença; nós vínhamos mantendo nossas vulnerabilidades e vitalidade fora do
relacionamento, como se fosse perigoso fazer de outra maneira. Eu estava identificado
com a sua unidade relacional do self, uma identificação concordante (Racker, 1957),
enquanto nós dois projetávamos objetos de ataque. Como resultado, era como se
houvesse “um outro” sádico no ambiente nos aterrorizando, com potencial para nos
humilhar, uma experiência histórica que não era desconhecida para nenhum de nós
dois.
Vitalidade e vivacidade podem provocar esse tipo de vício, o ataque sádico.
Para Andros, isso resultava numa posição “tipo androide” defensiva. Algumas vezes ele
ficava bastante agressivo e ameaçador, como se fosse um guarda-costas de algum
chefe criminoso. Sua vulnerabilidade continuava escondida no isolamento, por medo
de humilhações e ataques, mas simultaneamente ele desejava algum tipo de
relacionamento amoroso. Esse processo representava um impasse emergente na
díade transferência-contratransferência, entre as relações repetidas e necessárias (R.
Little, 2011b) O verso final da música de Simon vem à mente agora: “Eu estou
protegido pela minha armadura, escondido no meu quarto. Salvo dentro do ventre,
não toco ninguém e ninguém me toca. “ Eu menciono a música do Simon como uma
expressão de aspectos da minha associação contratransferencial e reação ao Andros.
Eu registro o que me vem à mente, sem me importar o tanto que possa parecer
bizarro, e então imagino como pode estar relacionado à relação psicoterapêutica. O
gatilho para a associação é minha experiência emocional do cliente, que precisa ser
tolerada para me permitir estar atento a ela. O progresso com Andros parecia muito
lento algumas vezes, algumas vezes parecia que não ia a lugar algum, permanecendo
entrincheirado num engajamento intelectual, sem emoção. Eu sabia que nada mudaria
até que nós pudéssemos trazer mais das nossas vulnerabilidades para a relação e que
isso levaria algum tempo.
Com a continuidade do trabalho, ele veio a perceber e experienciar meus
sentimentos e vulnerabilidade. Isso ocorreu quando ele me viu mobilizado pelas suas
histórias de brutalidade, impostas sobre ele pelo seu pai. Sentar com ele nesses
momentos era desconfortável porque eu estava consciente que eu estava sentindo
algo e que ele estava numa posição oposta, na sua posição defensiva crítica, me
rejeitando como um covarde por ter sentimentos. Para Andros, a presença da
sensação de vivacidade nele ou em outros desperta o medo de terminar aprisionado 52

no “inferno do outro” (Sartre, 1976, p. 199), com seus julgamentos e violências. Na


peça de Jean-Paul Sartre “Sem Saída”, com sua primeira apresentação em 1944, três
pessoas estavam presas juntas no inferno. Na peça Sartre transmite a ideia de que “o
inferno é o outro”. O que Sartre quis dizer foi que “se a relação com outro for
distorcida, viciada, então essa outra pessoa só pode ser o inferno. ”
Ele continua dizendo, “Nós nos julgamos com o significado das outras
pessoas dão às coisas – e nos deram para nos julgarmos. O que significa que se minhas
relações são ruins ... então estou no inferno” (ibid). Eu sugeriria que Sartre está se
referindo no desenvolvimento psicológico, a pessoa introjeta julgamentos e
comportamentos de outros, comumente dos nossos cuidadores primários e figuras de
apego e subsequentemente os projeta nos outros, para então sentir-se vitimizadas
pela percepção desse julgamentos e expectativas. Minha associação à peça e filosofia
de Sartre é outro aspecto de minha reação contratransferencial com Ardros. Andros
parecia comumente aprisionado pelos seus medos de mim e de outros e sua defesa
era negar suas emoções. A experiência do ”Self verdadeiro” (Winnicott, 1965), com sua
vitalidade e criatividade, pode ser tanto uma procura quanto um processo temido.
Acredito que sendo consistente, confiável e impactado por suas emoções,
permitiu Andros me experienciar como sendo mais que a expectativa transferencial do
outro sádico, e me permitiu vê-lo como mais que “tipo-androide”. Numa ocasião,
antes de um encontro com Andros, recebi notícias sobre o envolvimento de um amigo
num acidente de carro. Fiquei preocupado e com raiva sobre o ocorrido. Quando
Andros chegou eu continuava agitado pelas circunstâncias do meu amigo, mesmo
achando que estava razoavelmente controlado. Sempre que eu abria a porta para
Andros, ele me examinava cuidadosamente para verificar meu humor. Ele percebia
quando meu comportamento estava diferente ou inconsistente com meu
comportamento de semanas anteriores. A imagem que me vem à mente quando
reflito sobre isso é que ele parecia um garoto voltando para casa, esperando que seu
pai checasse seu comportamento. Isso ficou claro depois dele falar a respeito disso no
processo. Em certa ocasião ele percebeu que eu não estava na minha condição
normal. Inicialmente não disse nada. No decorrer do nosso encontro a conversa girou
em torno de como eu estava e o que ele havia percebido na chegada. Ele disse que eu
estava claramente diferente. Nós exploramos sua experiência sobre mim e meu
comportamento, e ele terminou dizendo: “Porque você não disse quando eu cheguei?
Você poderia ter cancelado a sessão.”
Isso foi dito com frustração e irritação. Eu me senti impactado e ameaçado
pela sua resposta. Normalmente meu humor e aparência eram consistentes, o que
provavelmente foi importante para ele, criando um ambiente estável e confiável.
Percebi, quando nos sentamos, que Andros estava com medo de mim e estava me
experienciando como perigoso. Surgiu a informação de que ele ficou desconfortável na
minha presença enquanto eu experimentava minhas emoções. Ele teve vontade de
sair. Quando pensei sobre como me senti e sua resposta para mim, pensei, “O que é 53

tão problemático e perigoso sobre meus sentimentos e meu comportamento? ” O que


eu percebi foi que estar frustrado, com raiva e preocupado com meu amigo me
deixava “vivo” e, de alguma maneira, perigoso para o Andros. Ele provavelmente
reagiu a mim e deve ter se sentido mais vivo que normalmente. Pareceu que tínhamos
ultrapassado nosso padrão estabelecido de relacionamento. Usar minhas associações
e reações de contratransferência formou um importante aspecto de nosso trabalho
juntos.

Ação Terapêutica
A natureza da interação terapêutica entre cliente e terapeuta é tanto
inconsciente quanto consciente e bidirecional por natureza. Cliente e terapeuta não
podem evitar o impacto que tem um sobre o outro. E se o tratamento for efetivo, não
podemos ter certeza se foi resultado das ações deliberadas do terapeuta ou se foi um
processo inconsciente. Ehrenberg (2010) sugere que façamos distinção entre teoria de
técnicas ou métodos (que tem a ver com o que fazemos intencionalmente) e teoria da
ação terapêutica (que tem a ver com o que é curativo no encontro terapêutico,
intencional ou inconsciente). Acredito que haja perigo de perdermos a visão do
processo subjetivo que ocorre entre cliente e terapeuta, que contribui para a ação
terapêutica, quando focamos na teoria de métodos e técnicas.

Postura Terapêutica
A relação terapêutica implica certo grau de mutualismo enquanto é
assimétrica. Dentro do processo o terapeuta é identificado pela sua postura e pela
estrutura do relacionamento. Minha postura terapêutica envolve curiosidade sobre a
natureza da configuração transferência-contratransferência na qual estou engajado e
as unidades de Estado de Ego que estão envolvidas. Sem ignorar o “lá-atrás” e o “lá-
fora”, meu foco é no “aqui-dentro”, o “aqui-e-agora” da díade terapêutica. Eu também
fico atento em ocupar um lugar de descanso, de neutralidade ótima (R. Little, 2013).
Isso implica em me permitir ser impactado e mobilizado pelo meu cliente, me
engajando no puxa-empurra do relacionamento. Minha postura e objetivo é trabalhar
através do velho, enquanto co-criamos o novo, onde sou parte integral do processo.
Isso envolve ser engajado, participativo e simultaneamente observar e refletir.
Eu me vejo localizando o fogo, me oferecendo como alvo, olhando para ver de onde
vem o fogo e oferecendo ao cliente a oportunidade de se mostrar, desenhando a
projeção do meu jeito, entendendo que estou reagindo ao cliente, tento consciente
quanto inconscientemente e talvez reciprocamente participando. Vejo a mudança
estrutural que emerge do processo como a integração de Estados de Ego separados ou
dissociados e a reorganização das estruturas intrapsíquicas, o mundo interno. O foco
terapêutico é a desconfusão da unidade de Estado de Ego Relacional Criança-Pai, e 54

assim dar suporte para a evolução psíquica. Três aspectos que eu vejo como
consistentes com as escrita de Berne são: análise dos Estados de Ego, como unidades
relacionais (Análise Estrutural), Análise das Transações, principalmente as que ocorrem
entre o terapeuta e o cliente, e Análise dos Jogos e atuações, que acredito serem
inevitáveis.

Métodos e Técnicas
Existem vários métodos/técnicas que uso para facilitar ações terapêuticas. Isso inclui:
manutenção da estrutura terapêutica; gerenciamento da neutralidade ótima (R. Little,
2013) e relacionamento terapêutico requerido (R. Little, 2011b); integração das
reações contratransferenciais; análise das transferências-contratransferências,
incluindo transferências negativas e positivas; escuta empática; questionamentos
exploratórios e clarificação; interpretação e clarificação de determinantes
inconscientes.

Estrutura Terapêutica
Quando o terapeuta consegue providenciar um ambiente consistente,
envolvente e inclusivo, ele oferece ao cliente a oportunidade de relaxar suas defesas,
transformando suas experiências. A relação terapêutica fornece ambiente, onde
experiências dissociadas podem ser associadas e integradas. A estrutura além de dar
suporte ao trabalho também pode ser catalisadora para o sucesso do trabalho,
oferecendo proteção e também tensão criativa (Davies, 1994). Me vejo, tanto como
um imã que puxa unidades relacionais inconscientes internalizadas, quanto arquiteto e
construtor da arena transacional, na qual o esforço é feito, onde experiências
transacionais se tornam livres para emergir e reconfigurar (ibid., p. 157). A postura
confiável e consistente do terapeuta da estrutura segura, previsível, física e
psicológica, que cria a arena transacional e dá suporte ao conteúdo que emerge no
processo transferencial-contratransferencial. Assim como possibilita a expressão da
transferência positiva, com seu amor e idealização, também dá sustentação para
emergir a transferência negativa, com seus sentimentos de raiva, hostilidade e
desapontamento com o terapeuta.
Manter nossa estrutura terapêutica nos capacita a detectar qualquer erosão ou
derrapagem resultante de processos inconscientes. Eu vejo a manutenção da estrutura
do tratamento como um ingrediente essencial da psicoterapia em AT focada na
transferência-contratransferência. Contudo, manter a estrutura pode ser
experienciando inicialmente pelo cliente como crueldade, assim como liberador e
inclusivo.
55

Andros (uma sessão avançada) emerge vulnerabilidade, reação à interrupção


nas sessões.
No terceiro ano de terapia Andros começou tentativas para expressar alguma
das suas emoções, e numa ocasião descreveu sentimentos muito baixos. Ele me disse
que havia contatado um velho amigo com quem tentou ser mais ele mesmo.
Inicialmente o amigo escutou, mas depois se tornou frustrado e ficou aborrecido com
Andros (uma experiência familiar para Andros). Nas nossas sessões Andros mantinha
seus sentimentos guardados e descrevia essa interação imparcialmente. Desta vez, ao
invés de fingir, ele me contou como se sentiu sozinho e deprimido. Eu reagi me
sentindo triste. Quando refleti sobre isso, sobre sua depressão e sentimento de
solidão, percebi que tinha ocorrido durante o recesso de verão, quando ele estava por
sua própria conta, enquanto os outros estavam com suas famílias e amigos. Férias,
recessos e mesmo finais de semana podem evocar sentimentos de separação e perda
que se enraizaram nos padrões de apego do cliente. Como essas interrupções vão ser
gerenciadas provavelmente serão significativas. Resumidamente, na terapia pode ter
havido uma retaliação, onde o cliente faz para o terapeuta o que sente que o
terapeuta fez para ele. Andros começou a próxima sessão dizendo que ele andou
pensando sobre a sessão passada. Ele também disse que continuava se sentindo
deprimido, particularmente na noite passada. Ele percebeu, enquanto falava, que
tinha se sentido mal antes da nossa última sessão. Mencionou ter contatado o amigo
novamente, mas desta vez alegando que ele era OK. Ele precisava ver alguém se não
ele sentia que iria enlouquecer – possivelmente uma referência de que precisava me
ver para se sentir acolhido. Depois de ter deixado o amigo ele percebeu que suas
necessidades não foram atendidas porque ele as escondeu. Talvez essa também fosse
uma expressão de como era sair da sessão tendo deixado suas emoções escondidas.
Ele começou a parecer aflito, choroso e pegou um lenço de papel. Essa foi a primeira
vez que ele pegou um lenço de papel desde que iniciou a terapia. Nós começamos a
falar sobre seus sentimentos. Eu estava triste e choroso quando ele falou da sua
solidão. Depois de algum tempo eu disse, “Eu estava pensando sobre como tudo isso
começou depois das minhas férias. Eu fiquei pensando se há alguma conexão”. E
continuei com, “Talvez o que esteja faltando é fazermos algo sobre o impacto de
minha ausência no verão. Talvez você tenha se sentido desapontado e abandonado,
por tê-lo deixado magoado e com raiva. Talvez essa seja a parte do quebra-cabeça da
qual ainda não abordamos. ” Inicialmente houve alguma negação ansiosa do Andros, e
depois ele concordou que deveria ser verdade. Enquanto explorávamos seus
sentimentos e fantasias sobre minhas férias e minha ausência, ele concordou que no
retorno para a terapia, depois do recesso, ele pretendia encerrar a terapia. Essa é uma
resposta comum dele após intervalos de férias. Eu disse: “Então você quis me punir e
me fazer ver como é ser abandonado num momento tão crítico do trabalho.” A
sustentação de estruturas e limites serve para inúmeras funções. Assim como dar
contorno, as estruturas habilitam o terapeuta a observar ações inconscientes contra os 56

limites que a estrutura oferece. Por exemplo, se eu saísse da minha estrutura seria um
indicativo de que algo estava sendo atuado. Os limites e estruturas também dão ao
cliente algo de mim para que possam reagir contra.

Transações Empáticas
Uma das primeiras tarefas do terapeuta é formar uma aliança com o cliente.
Esse processo pode ser impedido pela transferência (Mills, 2005, p.30) Para capacitar o
terapeuta a fazer o trabalho necessário, uma relação de confiança mútua precisa ser
desenvolvida. Nós estabelecemos uma aliança pela empatia (Erskine, Moursund, &
Trautmann, 1999), que envolve apreciar e entender o mundo interno do outro e suas
experiências. Precisa incluir não apenas a experiência subjetiva, mas também aqueles
aspectos que foram dissociados, reprimidos e são inconscientes. Eu faço uso de
transações empáticas (B.D. Clark, 1991) no processo de desconfusão, oferecendo ao
meu cliente minha compreensão da sua experiência, através da qual o cliente se sente
compreendido. Acredito que ser empático, preciso prestar atenção não apenas na
experiência subjetiva imediata do cliente, mas também no self dissociado e
inconsciente. Concordo com Cornell e Bonds-White (2001) quando afirmam que
empatia e sintonia são condições necessárias, mas não são, em si mesmas, suficientes
para promover mudanças (p. 80). Nós obviamente precisamos fazer mais do que
oferecer respostas empáticas. Particularmente, nas fases iniciais da terapia, o
terapeuta precisa estar sintonizado à “experiência subjetiva vivida” (Mills, 2005, p.
133). O terapeuta tenta entender o mundo interno do cliente que irá promover a
aliança terapêutica e suporte afetivo. Gradualmente a sintonia empática permitirá
exploração de aspectos reprimidos e dissociados do cliente, com o objetivo de integrar
esquemas relacionais defensivos e unidades relacionais dos Estados de Ego.
Transações empáticas vão apontar as necessidades objetais (Wolf, 1988) e dar suporte
ao desenvolvimento do self, descrito por Erskine (1993) como necessidades relacionais
frustradas ou pobremente atendidas. Em algumas ocasiões o terapeuta pode fazer
afirmações que parecem empáticas e pode ser originada de um entendimento
empático do cliente.
No entanto, essa pode ser uma transação defensiva, usada pelo terapeuta
para fechar o espaço vazio entre ele e o cliente e assim, colapsando num estado
mesclado/fundido, eliminar diferenças e senso de separação (J. Benjamin, 2004, p.12)
assim como possíveis agressões no terapeuta ou no cliente. Isso representa uma
contratransferência por parte do terapeuta.

Integração da Contratransferência 57

Empatia, como um aspecto da contratransferência, pode ser estabelecida


através de identificação projetiva ou introjetiva (Ogden, 1982). Concordando com
vários teóricos do psicodrama, eu tenho visto e usado contratransferência como uma
psicologia de duas pessoas (Maroda, 2004; Stark, 1999). Assim como minhas reações
contratransferenciais consistem de pensamentos, sentimentos, comportamentos e
associações em resposta ao cliente, eu penso nela como uma comunicação do cliente
(Ogden, 1982). A combinação dos sentimentos e comportamento do ciente com minha
contratransferência começa a me dar um guia para o mundo interno do cliente e de
como ele pode estar me experimentando. Somando-se à inevitável revelação pessoal
num trabalho frente a frente, o processo de integração da contratransferência pode
nos levar ao questionamento sobre a revelação explicita de qualquer reação
contratransferencial. Revelar ou não essas reações (equivalente à auto revelação do
terapeuta) é algo que já sugeri, precisa ser empreendida judiciosamente (R. Little,
2001a). Concordo com Aron (1996) que querendo ou não nos revelamos, e nossa
posição precisa ser aberta para reflexão e comentada por ambos, cliente e terapeuta,
uma posição alinhada aos princípios de engajamentos relacionais (Fowlie & Sills, 2011).
Revelação pessoal ou contratransferência (Maroda, 2004) aumentam as oportunidades
dos conflitos terapêuticos serem resolvidos dentro da díade terapêutica, aprimorando
a relação aqui-e-agora. Isso é consistente com minha abordagem.

Interpretações
Dentro das técnicas básicas e operações terapêuticas listadas por Eric Berne
(1964, pp. 233-258) está a “interpretação psicoterapêutica” (p. 241). Esse era um dos
métodos que usava para desconfundir o Estado do Ego Criança, apontando sua
patologia.
Ele definiu interpretação como “uma operação terapêutica” (p. 365) e escreveu que a
“Criança apresenta suas experiências passadas de forma codificada para o terapeuta, e
a tarefa do terapeuta é decodificar e desintoxicá-las, retificando distorções e ajudando
o paciente a reagrupar as experiências” (pp. 242-243). Eu sugeriria que desconfusão,
ao invés de apontar somente patologia do Estado de Ego Criança, aponta tanto o
Estado de Ego Criança quanto o Estado de Ego Pai, como uma unidade. Lew Aron
(1996) salientou o uso positivo da interpretação, descrevendo-a como “expressão
criativa da concepção de algum aspecto do cliente pelo terapeuta” (p. 94).
Eu vejo interpretação como tentativas de dar sentido e de simbolizar a experiência
corrente da matriz transferencial-contratransferencial (R. Little, 2013). Interpretação
feita pelo terapeuta são oferecidas como uma experiência e entendimento da maneira
como o terapeuta e o cliente estão se relacionando, indicando como eles estão
interagindo entre si, as regras a que estão submetidos, seus sentimentos, fantasias e
associações que tem um do outro e qualquer motivação subliminar. A tarefa ao
oferecer interpretação é descrever e clarificar o que o cliente e terapeuta estão 58

experienciando no presente momento, facilitando um processo intersubjetivo que


provavelmente vem com uma carga emocional. Junto com experiências corretivas eu
vejo interpretação como um aspecto de uma psicologia a dois (Stark, 1999). A meta
global é facilitar integração e diferenciação. Aron (1996) descreveu interpretação como
uma conexão entre cliente e terapeuta, “ligando-os num encontro de mente” (p. 121)

Neutralidade ótima
Tomando uma posição de neutralidade ótima (R. Little, 2013) eu tento achar
um equilíbrio, com o tempo, entre engajamento e observação, isso é, envolvendo os
egos de experiência e observação, assim como sustentando uma posição intermediaria
entre ser percebido como o novo e o velho objeto (Greenberg, 1986). Um equilíbrio
entre participação e não-intrusão também precisa ser atingido (Aron, 1996, p. 106).
Isso envolve aceitação de todas as partes do cliente e do terapeuta, o que capacita o
cliente a trabalhar velhos objetos relacionais (repetidos), a achar novos objetos
(necessários) , e recuperar o self. Vejo como essencial trabalhar através do velho e co-
criar o novo.
“Ótimo” refere-se ao que é mais favorável numa determinada relação
ciente-terapeuta. “Neutralidade” refere-se ao não-alinhamento com algum aspecto
em detrimento de outro. Não percebo isso como uma posição rígida, mas como uma
posição que considera o puxa-empurra da díade terapêutica. Neutralidade ótima
representa aquilo que é apropriado que o terapeuta forneça. Isso está em contraste
com as necessidades não atendidas pelos cuidadores primários do cliente, atendidas
de maneira insuficiente ou experiências traumáticas. O que estava faltando ou
insuficientemente provido terá que ser entendido e enlutado. Eu acredito que
precisamos encarar os processos mais primitivos (R. Little, 2005), incluindo os nossos
lados escuros e aspectos mais conflituosos, se quisermos ajudar o cliente a integrar
totalmente suas unidades relacionais dissociadas. Dessa perspectiva, a meta
terapêutica é ajudar o cliente, quando apropriado, a alterar seu mundo interno e sua
estrutura intrapsíquica.
Dois domínios transferencial-contratransferencial
O terapeuta escuta e reflete sobre o estilo do relacionamento, examinando
gradualmente a natureza dos esquemas eu-outro que estão ativos. Inicialmente, como
resultado da postura do terapeuta, a parte vulnerável do cliente, que foi machucada
de alguma maneira, é despertada.
A presença do terapeuta, sua sintonia, empatia e compreensão (Erskine, Moursund &
Trautmann, 1999) provavelmente vão mobilizar, necessidades objetais, necessidade
desenvolvimentais do ego que foram previamente negligenciadas. Junto com o
despertar da possibilidade de satisfação da necessidade virão os medos e frustrações e
re-traumatismos (Novellino, 1985). Os impasses que emergem nesse processo
ocorrem não apenas na personalidade do cliente, mas também na díade terapêutica, o
que inclui o terapeuta. Interpessoalmente, o impasse se manifesta como duas matrizes 59

transferencial-contratransferencial: o relacionamento repetido e o relacionamento


preciso (R. Little, 2011b). Uma distinção entre essas duas matrizes foi feita por Mitchell
(1988) quando ele descreveu o conflito relacional (o relacionamento repetido). Na
literatura da Análise Transacional, Novellino (1985) referiu-se aos polos positivo e
negativo da transferência. Eu comecei explorando clinicamente a noção dos dois
aspectos da transferência em 2001 (R. Little, 2001).
A relação repetida (R. Little, 2001) é potencialmente traumatizante, não-
gratificante, ameaçadora e/ou rejeitadora e possível evocadora de comportamentos
defensivos. Stephen Stern (1994) as descreveu como “sendo organizadas em termos
de padrões relacionais patogênicos familiares” (p. 318). Essas relações envolvem o
objeto mau, quem o indivíduo “odeia e teme ... experienciado como malévolo”
(Rycroft, 1968, p. 100). É fonte de conflito, com sua expectativa de fracasso na relação
objetal (Stolorow, Brandchaft & Atwood, 1987). Essa é a dimensão repetitiva da
transferência e dá origem a unidade anti-relacional Criança-Pai tem foco em impedir a
vinculações com o terapeuta. Ciúmes da relação terapêutica que emerge pode ser a
força motivadora. A relação terapêutica emergente pode incluir o objeto excitante,
mas desapontador (Fairbairn, 1952; R. Little, 2001).
O relacionamento necessário consiste do outro como um “objeto
facilitador do self” (S. Stern, 1994, P. 317), incluindo o desejo de um objeto que possa
atender a um self vulnerável com suas necessidades não atendidas de crescimento e
desenvolvimento. Isso aponta uma função objetal que estava “faltando ou era
insuficiente durante os anos de formação” (Stolorow, et al., 1995, p. 102) e representa
os bons objetos procurados e descritos como aqueles “que são experienciados como
benevolentes” (Rycroft, 1968, p. 100). Esse relacionamento pode conter as
necessidades não atendidas assim como uma base segura e sintonizada (Bowlby, p.
103) e dar origem à unidade relacionamento-procurado.

O velho e o novo
Para uma terapia efetiva, o cliente precisa experienciar o terapeuta tanto como
algo novo quanto como algo do passado (Cooper & Levit, 1988). Precisamos equilibrar
ficar com o velho enquanto entendemos o “relacionamento terapêutico requerido” (R.
Little, 2011b, p.34) para que o novo possa emergir (R. Little, 2006).
Terapia é a procura de uma experiência transformadora (Bollas, 1987) que vai permitir
ao cliente entender o relacionamento repetitivo assim como vai permiti-lo
experienciar o relacionamento terapeuticamente requerido (R. Little, 2011b).

Angus: “Eu estou te aborrecendo? ”


Angus, um jovem inteligente, que foi atendido em sessões semanais por alguns
meses, veio ao meu consultório dizendo como se sentia ansioso e irritado por ter 60

chegado atrasado hoje. Angus sempre chegava pontualmente, mas nesse dia estava
oito minutos atrasado. Enquanto esperava eu pensei como isso era incomum. Eu me
perguntava o que poderia ter acontecido e comecei a me sentir ansioso pelo seu bem-
estar. Pensei: “Ele não costuma se atrasar, o que terá acontecido? ” Enquanto ele
continuava a me falar sobre sua ansiedade, eu senti o impulso de tranquiliza-lo e dizer:
“Essas coisas acontecem. Está tudo bem,” Eu senti que minha reação e o impulso em
tranquiliza-lo fecharia alguma coisa, então mantive meus pensamentos e sentimentos
comigo. Eu usei minha reação ao seu atraso para começar a explorar o que ele poderia
estar esperando. Eu disse: “Imaginei se você esperava que eu estivesse ansioso por
causa do seu atraso.” Ele concordou dizendo: “Foi isso o que imaginei que você
pensaria. Particularmente porque eu regularmente chego na hora. ” Depois de alguma
hesitação ele continuou, “ De toda maneira, se você se preocupa porque eu estou
atrasado, isso mostra que você se preocupa comigo e com o que acontece comigo. ”
Ele me pareceu estar procurando uma reação de carinho da minha parte. Mesmo que
na superfície parecesse fazer sentido, meu sentimento estava desemparelhado com
sua fantasia e afirmações. Ele continuou com um discurso sobre sua dificuldade no
colégio, quando ele estava fazendo alguma pesquisa. Enquanto ele falava, eu me
percebi distante, não me sentia engajado. Eu permiti que minha mente vagueasse,
então me lembrei da sessão anterior. No final da última sessão ele ficou irritado
comigo porque ele queria trocar seu horário e eu não tinha nenhum horário
alternativo, o que significava que ele teria que cancelar nossa sessão ou reorganizar
seu horário. Ele não quis reorganizar sua agenda pois aborreceria seus amigos. Ele
disse que preferia manter as coisas como estão ao invés de modifica-las (mesmo
querendo modificar nosso horário). Angus pareceu ter percebido meu afastamento.
Ele disse num tom ansioso, “Eu estou te aborrecendo?” Ele começou a se desculpar. Eu
disse: “Eu estou pensando sobre o que está acontecendo entre nós hoje. Parece
importante. ”Eu continuei“ Eu pensei em quando você chegou, se estava ansioso com
quem você poderia encontrar.
Como medo de eu estar aborrecido com você. Eu penso que você pode estar
com medo agora. ” Ele disse “Porque você está dizendo isso? ” “Eu me percebi
pensando na nossa última sessão e em como nós a encerramos. Senti como se nós
estivéssemos lutando com alguma coisa. ” Percebi uma mudança de expressão,
perguntei para ele “Como você se sente agora mesmo? “
Ele respondeu “Ansioso sobre meus estudos e se meu orientador será como
minha redação. Eu não acho que ele aprova meu ponto de vista. “ E ele continuou sem
hesitação “Eu também estou confuso sobre o que você está falando. Porque eu
pensaria que você está aborrecido comigo?” Ouvindo sua resposta eu pensei se a
história com seu orientador era uma associação com o que estava acontecendo entre
nós. Esta era uma história codificada de como ele se sentia comigo? A ansiedade dele
no início da sessão pode ter sido uma tentativa para me engajar em ficar preocupado 61

com ele, porque estava com medo de um possível aborrecimento meu com ele, do
mesmo modo como ele ficou aborrecido comigo na última sessão. Se ele pudesse
despertar minha preocupação com ele, talvez diminuísse as possibilidades de estar
zangado com ele, um procedimento defensivo para protege-lo de mim. Isso encaixaria
com minha reação, que estava incongruente com sua expressão e consistente com sua
expectativa do relacionamento repetido. Angus aprecia nosso trabalho e começa a se
sentir compreendido. Ao mesmo tempo ele teme minha crítica. Tem um impasse
emergindo entre o relacionamento temido/repetido o relacionamento
necessário/desejado (R. Little, 2011b): o velho outro punitivo e não acolhedor, do qual
ele precisa se defender, e o novo que está começando a permitir seus sentimentos. Eu
disse “Eu estava pensando se você estava ansioso sobre quem você poderia encontrar
quando chegasse aqui hoje, porque na nossa última sessão você estava irritado comigo
por não alterar minha agenda para encaixá-lo. Eu pensei se em alguma parte de sua
mente, você pensou isso, se você pudesse provocar ansiedade em mim eu me tornaria
alguém preocupado com você ao invés de alguém que pudesse ficar com raiva de você
por ter sido rude comigo. “ Eu estava ciente dos antecedentes históricos, mas não fiz
nenhum comentário lá-e-então ou uma interpretação. Eu quis ficar no momento
presente, portanto lutando tanto com o novo como com o velho.
Ele desmascarou seus sentimentos na sessão anterior, expressando sua
raiva. Isso representa o relacionamento necessário, um que possa permitir agressão.
De toda maneira, ele esperava uma retaliação da minha parte, uma indicação do
relacionamento repetido. Ele respondeu com silencio. Nós permanecemos em silêncio
por alguns momentos. Então ele disse, “ Bem, meu pai sempre gritava comigo quando
eu não gostava de alguma coisa. “ Uma opção técnica aqui é buscar a memória do pai
(o relacionamento repetido/velho), mas eu acredito que seria defensivo e diluiria o
momento presente e o sentimento que estávamos experienciando (o relacionamento
terapeuticamente requerido). Então novamente eu fiquei com o agora. “Então, agora
mesmo, você está com medo e na expectativa de que eu possa te recusar.” “Sim, eu
acho que sim. “ Novamente ficamos sentados em silêncio por alguns momentos. Então
ele disse “Eu estou esperando a dor que sinto quando gritam comigo e de como isso
me mobiliza.” Era como se ele estivesse experienciando uma tensão entre as
expectativas históricas e o novo emergente. Eu senti um impulso de simpatizar com o
medo dele da dor e também da necessidade de manter seu medo de mim.
Isso pode indicar um impasse entre ficar com os sentimentos
desconfortáveis e seu medo de mim de um lado e de outro fechar o vazio entre nós
com empatia. Eu disse “Você está conduzindo as coisas para me informar como você
se sente quando se senta comigo. Apesar de estar com medo de mim, outra parte de
você quer estar aqui. “ Então ele replicou com “Este é o único lugar onde eu posso
falar sobre qualquer coisa. “ Eu me senti seduzido por este último comentário, mas era
provavelmente verdadeiro. 62

O desejado objeto secundário


Enquanto terapeuta e cliente trabalham através de sentimentos e necessidades
no aqui-e-agora, memórias emocionais podem ser mobilizadas, assim como conexões
com experiências traumáticas anteriores podem ser estabelecidas. O terapeuta pode
se tornar o “objeto secundário desejado” (Stolorow, 1994, pp. 43-55) e uma
testemunha para sentimentos dissociados e anteriormente reprimidos. Assim, o
terapeuta oferece um relacionamento que escuta e testemunha sentimentos
dissociados, talvez pela primeira vez na vida do cliente. O terapeuta é o novo objeto
que responde para o cliente num nível apropriado promovendo com isso o
relacionamento necessário.
Traumas infantis podem ocorrer em duas fases (Stolorow, 1994). A
primeira fase é o trauma original, abuso por exemplo. A segunda fase é a rejeição ou
negligência das necessidades da criança em ter o trauma original respondido de
maneira carinhosa, confortante e compreensiva, portanto dando algum sentido para o
ocorrido. Como terapeuta não podemos mudar o que aconteceu, mas podemos
preencher o requerimento secundário de escutar e integrar o trauma original (Erskine,
1993, p. 185). Quando o cliente fala de um abuso histórico em particular ou um trauma
e começa a sentir a emoção que acompanhou a experiência, nos tornamos engajados
no processo de ajudar a integração, de maneira nova, de um afeto previamente
dissociado. Davies (1997) sugere que vinculação e confiança do terapeuta é antídoto
para defesas e dissociações prévias. O cliente começa a reconectar com as memórias
traumáticas e experiências não formuladas com os sentimentos associados. Quando
isso ocorre, eu experimento o cliente mais real e menos defensivo. Algumas vezes
pode ser difícil permanecer com as intensas emoções que estão emergindo. A tarefa
do terapeuta é capacitar o cliente a se encontrar no espelhamento das respostas
terapêuticas. Isso pode incluir encontrar alguém que fique horrorizado, chocado e
reaja à experiência enquanto ele a descreve.
Gertrude: uma contratransferência corporificada
Quando Gertrude começou a relaxar suas defesas e se conectar aos
sentimentos associados às memórias da violência de sua mãe com ela, me senti
bastante chocado emocionalmente, mesmo já tendo escutado alguns pedaços dessa
história antes. Dissociar-se dos seus afetos e manter-se numa aparência sem emoção
vinha sendo sua posição defensiva. Ela estava começando a associar o sentimento
subliminar. Gertrude começou essa sessão em particular dizendo: “Eu não quero 63

continuar sendo fria e dura. Eu quero me conectar com meus sentimentos. Eu sei que
o que minha mãe fez é cruel e desagradável, que ela foi uma merda para mim. Mas eu
não fui capaz de sentir muita coisa sobre isso antes. “ Eu estava consciente de sentir
uma suave excitação enquanto a escutava. Ela vinha trabalhando nesse sentido por
algum tempo. Ela continuou, como se houvesse alguma urgência, dizendo, “Eu tenho
me lembrado dela me forçando a comer comida de gato. “ Quando ela disse isso sua
cor mudou levemente.
Eu comecei a sentir uma repulsão mais intensa do que havia sentido antes.
Senti minha garganta apertar enquanto ela falava. Estávamos sentados nos olhando,
mas nesse momento ela não estava olhando para mim. “Ela segurava meus cabelos e
puxava minha cabeça para trás me forçando a abrir a boca. “ Em resposta eu pude
sentir minha garganta fechar mais ainda. Eu também senti horror e repulsa com os
pensamentos sobre o que ela estava descrevendo e o que teria acontecido depois se
eu fosse ela. Enquanto ela falava, eu estava consciente, em uma parte da minha
mente, de que ela não parecia aborrecida. Parecia que eu era aquele que estava
sentindo as emoções. Então ela olhou para mim e pareceu internalizar minhas reações,
uma exposição não-verbal da minha contratransferência. A maneira como Davies
descreve esse momento é que nos “engajamos no processo de ajudar o paciente a
conter níveis traumáticos de afetos desorganizados” (1997, p. 244). O que ela sugere
adiante é que o cliente pode olhar o terapeuta sentir por ele e começar a saber de
alguma coisa sobre o que ele sentiu. Daí eles podem começar a explorar juntos o que o
cliente sentiu, mas estava dissociado anteriormente. O sentimento que tive em
resposta a Gertrude teria sido difícil de esconder dela e naquele momento eu não
queria esconder. Esse processo poderia ser descrito como identificação concordante,
no sentido de que era com o Self dela que eu estava me identificando. Ela estava
encontrando em mim sentimentos dos quais ela estava dissociada. Ela havia falado das
memórias de uma maneira mais cognitiva, mas nessa ocasião ela estava conectando
com as memórias emocionais. Esse processo parece com a identificação projetiva,
como ela ocorre entre mãe e filho (Ogden, 1992), consistente com a criança
começando a internalizar o conteúdo de um objeto/outro. Gertrude descreveu que
sentia tristeza, ela parecia e soava triste, mas rapidamente mudou das emoções e
começou a falar do seu irmão mais novo. Eu senti um tipo de vibração em resposta à
sequência do seu comportamento. E respondi dizendo, “Você pareceu ter se afastado
da sua tristeza nesse momento. “ Ela parou, começou a chorar, ficou bastante corada.
Ela constantemente me diz que tem dificuldade de cuidar dela mesma. Ela pareceu
estar se sentindo triste pelo que ela passou. Eu estava triste com ela, mas também
com muita raiva por ela ter passado por tamanha experiência desumana e brutal.
Davis (1997) sugere que o cliente tem necessidade de encontrar no
terapeuta a responsividade para seus afetos, um desejo de ver nas expressões do
terapeuta um espelho para seus estados emocionais. É como se o terapeuta segurasse
as experiências afetivas para o cliente, que em retorno capacita o cliente a começar a 64

integrar experiências não integradas prévias. Nesse momento, Davies sugere que
existe um colapso do passado com o presente. Inicialmente o cliente pode achar o
espelho de seus sentimentos no terapeuta, como a criança encontra seus sentimentos
sendo espelhados pelos seus cuidadores. O cliente está tendo um impacto no
terapeuta que o ajuda a começar a associar e reintegrar suas próprias emoções.

O encontro terapêutico: se tornando o novo objeto mau


Eu acredito que o encontro terapêutico é moldado consciente e
inconscientemente tanto por mim quanto pelo cliente. Nesse processo nós vamos
projetar algumas vezes um no outro, aspectos das nossas próprias unidades de Estado
de Ego relacional e, mais cedo ou mais tarde, nós podemos nos enredar em
experiências não formuladas com outros-significantes. Essas experiências podem
ajudar tanto o cliente quanto o terapeuta a começarem a entender as dificuldades
interpessoais e intrapsíquicas correntes do cliente (Davies, 1994). Portanto, Jogos
(Berne, 1964) e atuações emergem do terceiro analítico co-criado (Ogden, 1994) que é
o resultado de um processo projetivo e introjetivo mútuo. Eu vejo Jogos e atuações
como aspectos inevitáveis no trabalho e se contrabalançados com interpretação e
trabalhados, o resultado é a co-criação progressiva de uma nova experiência
interpessoal. O terapeuta e o cliente vão se engajar, eventualmente, com o objeto mau
do relacionamento repetido. Isso consiste no cliente me experienciar como alguém a
quem teme e, da mesma forma, eu também poderia encontrar o objeto mau em mim.
Se eu me mantiver envolvido e, ainda assim, mantiver uma mente reflexiva, então,
posso ser um aspecto da experiência ruim e simultaneamente oferecer uma resposta
que vai contra as expectativas do cliente do momento. Essencialmente, o terapeuta
está oferecendo ao cliente um sujeito diferente para se relacionar e por consequência
tornar-se um “novo” objeto mau (Cooper, 2010).
Mesmo se o cliente interpretar meu comportamento de uma maneira
consistente com suas expectativas, se eu dirigir meu pensamento para minha reação
contratransferencial e, por exemplo, ofereço uma interpretação, nesse momento eu,
como Hoffman (1983) descreve, lanço “dúvidas sobre as expectativas baseadas na
transferência” (p. 415). Mesmo pensando que estou oferecendo uma interpretação
e/ou me revelando, me percebo questionando se posso ser qualquer outra coisa além
do “novo” objeto mau na relação transferencial-contratransferencial.
Contudo, quando me envolvo profundamente numa atuação, só posso começar
a entender o ocorrido algum tempo depois, ou em supervisão. Ao descrever a mim
mesmo como o “objeto mau” da relação repetida, eu acredito que estou dando apoio
para expressão dos pensamentos mais agressivos, odiosos e malignos do cliente
(Davies, 2004), um aspecto essencial do esforço terapêutico para integração. Mais
difícil é quando eu emerjo na terapia como o meu “self mau”. Então
inconscientemente posso desejar me ver livre do cliente, para me livrar do sentimento 65

“mau” que foi evocado. Aparentemente eu “permiti” que o amigo da Bárbara viesse
me ver como cliente. Ao fazer isso, destruí seu santuário. Eu me confundi. Eu não tinha
ideia do que, ou de quem ela estava falando. “E eu? Esse é o meu lugar? ”, ela
exclamou. Eu estava sendo atacado, novamente. Ela começou a me bombardear com
acusações. Eu me senti inútil. Eu temi que isso pudesse durar semanas, ou meses.
Senti-me sem esperança. Ela estava me ameaçando novamente, como já havia me
ameaçado por falta de ética no passado. Me senti fragilizado. Ela sabia como me
atacar, tendo trabalhado num escritório de advocacia. Eu queria me ver livre desses
tormentos e fantasias. Eu queria descartá-la, expurga-la da minha vida. Eu senti a raiva
passando pelo meu corpo como uma corrente elétrica. Isso deve ter afetado o modo
de estar com ela. Essa não era a maneira que eu gostaria de pensar a meu respeito.
Quem é esse que emergiu em mim? O que fica mobilizado nos Jogos é nossa unidade
relacional “mau” self-outro: uma transferência repetida. Uma coisa é quando a
unidade é mobilizada e permanecemos reflexivos; outra coisa é quando nos
envolvemos em atuações onde perdemos nossa capacidade reflexiva. O que
precisamos fazer é entender e trabalhar esse engajamento. Dessa maneira, com
tempo, o terapeuta torna-se o novo objeto mau e o novo emerge do velho.

Conclusão
Se nós, como terapeutas, tendermos a focar no elemento repetitivo do
processo terapêutico (R. Little,2001), na forma de Jogos (Berne, 1964, 1966),
poderemos negligenciar como novas capacidades relacionais emergem dos velhos
relacionamentos. Por outro lado, aqueles que trabalham no modelo relacional podem
ficar afobados em oferecer uma nova relação, com isso, promovendo aspectos
benvindos de proteção do novo, e ao fazer isso, alivia o velho e repetitivo
relacionamento e seus Jogos. Eu acredito que precisamos encontrar um equilíbrio
entre essas duas maneiras de trabalhar (R. Little, 2001, p. 41). Para entender a
natureza do relacionamento terapêutico e a matriz transferencial-contratransferencial,
precisamos um mapa do terreno; um mapa que identifica a natureza do que está
acontecendo, visível na superfície: a geografia ou aspectos comportamentais. Nós
também precisamos de um mapa que nos ajude a entender algumas coisas da história
e estrutura, que está por baixo da superfície: a geologia ou processos intrapsíquicos.
Finalmente, precisamos um entendimento de como a estrutura da superfície e
suas características naturais interagem com o elemento humano: a topografia ou
elementos interpessoais. Nosso Script inconsciente nos fornece um mapa que
predetermina rotas e descrições do terreno. Isso pode nos cegar para as várias outras
rotas com suas vistas particulares. Terapia pode ser descrita como uma excursão ao
interior, explorando a paisagem interpessoal e a estrutura intrapsíquica que sustenta o
terreno e co-cria uma nova edição do mapa. Na medida em que cliente e terapeuta 66

percebem que o mapa não é necessariamente o terreno, eles começam a entre no


terreno desconhecido, com a paisagem aberta diante deles: sem saber o que virá
adiante, quem ou o que eles podem encontrar, que sentimento pode ser evocado ou
qual desejo irá emergir. E simultaneamente eles podem encontrar resistência tanto
interna quanto externa para a jornada.

Tradução: Celso Eduardo L. Costa, Membro Didata em Formação, Área Clínica


Revisão: Ede Lanir Ferreira Paiva, Membro Didata, Área clínica

UNAT BRASIL – maio de 2017


CAPÍTULO 3

O CORAÇÃO DA TERAPIA DA REDECISÃO: RESOLVENDO MENSAGENS DE INJUNÇÃO.6


John R. McNeel
No início
No outono de 1969, eu passava pela sala dos estudantes do Seminário 67
Teológico Presbiteriano de Louisville e fiquei surpreso ao ver sentado lá um homem
mais velho e excêntrico. Ele tinha um longo e despenteado cabelo, uma barba grisalha
e desgrenhada e manchas profundas de cigarro nos seus dentes da frente. Quando ele
se sentou lá para fumar, eu não pude deixar de notar que seus sapatos estavam
desamarrados, parecia que ele havia dormido com sua roupa e sua camisa estava para
fora. Ele estava debruçado para frente sobre o cigarro, com os ombros encolhidos até
as orelhas. Após me deparar com esta estranha aparição, fui tomar meu café da
manhã.
Uma hora depois, eu assustei-me quando essa pessoa, aparentemente um
sem-teto, entrou na classe com meu professor Dr. David Steere. David nos ensinava
conduzir um grupo terapêutico utilizando Análise Transacional como estratégia de
tratamento primário. Na semana anterior, ele tinha nos advertido a não perder aula
neste dia, porque iríamos aprender com um ilustre visitante: "Dr. Robert Goulding, a
quem considero o maior terapeuta vivo nos dias de hoje".
Enquanto eu me recuperava do choque, Bob começou a falar. Ele descrever sua
abordagem terapêutica. Que ele chamou de terapia de redecisão. Ele descreveu o
poder das injunções e como mudá-las. Após alguns minutos, eu disse para mim
mesmo: “Esta é a pessoa mais inteligente que já ouvi e ela pode me ajudar.”
Eu estava em transe. Em uma entrevista com ele mais tarde naquela semana,
Bob me convidou para ir para a Califórnia no ano seguinte, para treinar com ele e
Mary, no seu Western Institute for Group and Family Therapy. Eu aceitei sem hesitar
e, no outono seguinte, eu estava na Costa Oeste. Eu pensei que ficaria por lá por
alguns meses, dois semestres, no máximo.
Nas minhas mais extravagantes fantasias eu não imaginei ser convidado para
me tornar um membro do corpo docente do instituto ou ser estimulado por Bob a
voltar para a escola para obter um PhD em psicologia, mas é exatamente o que
ocorreu. Para minha dissertação eu pesquisei um dos workshops de fim de semana de
Bob e Mary, que eles chamavam "maratonas". Eles foram meus professores, meus
mentores, meus amigos e companheiros de farra. Nós nos divertíamos enormemente.
Bob escreveu em um livro as seguintes palavras para mim: “John, você é como um
membro da família.”

6
Transactional Analysis in Contemporary Psychotherapy, Karnac, editado por Richard Erskine, London
(UK), 2016 p.55 a 78
Eu me casei há quarenta anos, no gramado da frente do instituto, sob o olhar cheio de
lágrimas de Bob e Mary. Eu conduzi as exéquias de Bob. Tenho muitas memórias.

A Decepção e o Desacordo
Na época que Bob e Mary publicaram seu livro Chanching Lives through
Redecision Therapy (1979), eu estava, já há uma década, profundamente imerso nos
processos de terapia redecisão. Eu aprendi, pesquisei, pratiquei, e ensinava no 68

Instituto, nos Estados Unidos e no mundo. Bob e Mary estavam bastante animados
com o livro. Era muito aguardado por todos nós na faculdade. Nenhum de nós o tinha
visto. Ele foi lançado em meio a grandes expectativas. Muitos amigos e colegas lhes
deram abundantes reconhecimentos e congratulações. Eu também. Pensei que seria
um material muito bom. Do seu jeito típico, eles reconheceram todos da ITAA que
ajudaram a desenvolver e a formular o material. Eles queriam garantir, que cada um
de nós da faculdade, tivesse espaço para exposição do nosso próprio trabalho e para
que pudéssemos ter destaque. Eles foram extremamente generosos e leais com seus
amigos. Por isto eu senti admiração e gratidão. E eu me decepcionei.
Na época em que o livro foi publicado, eu já utilizava, há muito tempo, a
metodologia e a teoria deles no set clínico. Em conversas com colegas com
treinamento similar ao meu, percebi que todos tínhamos a mesma experiência. Nós
executávamos a metodologia de redecisão meticulosamente, mas não víamos as
mudanças comportamentais duradouras que esperávamos. Mesmo aderindo ao
modelo de terapia breve, achávamos necessário ver nossos pacientes por um período
maior de tempo do que o prescrito. Todos nós ouvíamos a voz de Mary nas nossas
cabeças, reverberando o ela muitas vezes afirmava: “qualquer terapeuta que atende
seu paciente por mais de um ano, estará despedaçando esta pessoa!” Ela era
inequívoca.
Passado o tempo e com minha própria experiência acumulada, tive a crescente
suspeita de que a descoberta de injunções identificáveis era mais importante, até
mesmo do que a própria teoria e metodologia da terapia redecisão. Dada a liberdade
para expandir em cada uma das injunções, apenas pela extensão da abrangência
fornecida por um livro, eu esperava uma dissertação muito maior sobre esta teoria
vital. Eu me decepcionei quando encontrei as doze injunções identificadas discutidas
em apenas quatro páginas (pg. 34-38), com apenas uma breve descrição de cada uma.
Houve uma celebração maravilhosa em 1985, em Pacific Grove, (CA) para
marcar o vigésimo aniversário de criação da terapia redecisão. Ellyn Bader, Carol
Solomon, Ellen Pulleyblank e eu apresentamos um painel de discussão: “Pecados que
cometemos ao aplicar a Terapia de Redecisão”. Este título brincalhão escondia uma
agenda muito mais grave: o que todos nós estávamos fazendo fora da cartilha.
Primeiro, nós estávamos, rotineiramente, atendendo os clientes por mais de um ano.
Neste ponto pode parecer estranho, mas todos estávamos profundamente aliviados ao
descobrir isso.
Todos queríamos saber o que estávamos fazendo errado e o porque isso estava
acontecendo. Acontece que tínhamos chegado à um ponto de discordância com Bob e
Mary. Não víamos evidências de que as pessoas pudessem, efetivamente, reprogramar
suas vias neurais estabelecidas há muito tempo, com uma única ação terapêutica, não
importa o quão pungente ou poderosa. Havia uma necessidade de uma extensa
reprogramação caso uma pessoa precisasse reparar os danos psicológicos das
injunções. Não era o suficiente para proclamar a liberdade ou uma determinação para 69

não ser influenciado por elas. Elas eram mais poderosas e difundidas do que isso. Você
pode dizer que elas são um inimigo digno.

A perspectiva histórica
Embora o que foi até aqui possa ser interpretado como dureza de minha parte
para com meus amados mestres, tudo é importante para colocar o trabalho deles no
contexto do seu tempo e do que estava ocorrendo no mundo da psicoterapia. Aquele
era um tempo de notável efervescência. Eric Berne e Fritz Perls estavam entre
aqueles que estavam colocando esta palavra de cabeça para baixo e eles eram apenas
dois atores em um palco muito maior. Eles influenciaram muito Bob e Mary. Foi um
tempo de rebelião contra a psicoterapia de longo prazo com foco na patologia, que
dominava a profissão desde seus primeiros dias. Bob e Mary estavam abertamente
contra o que os psicoterapeutas chamavam de “fazer progressos”. Eles desdenharam
um sistema que confere todo o poder ao terapeuta e nenhum ao paciente. Não é por
acaso que o título de seu primeiro livro, uma coleção dos seus escritos anteriores, foi
intitulado “The Power is in the Patient” (1978). Na introdução do “Changing lives
through Redeciosion Therapy” Bob escreveu:

“Nossa abordagem é criativa, estamos, constantemente, procurando por novos


métodos. Nós não culpamos o paciente quando há falhas ou fazemos listas de
“pacientes intratáveis” para apresentar no encontro anual da American
Psychiatric Association. Pelo contrário, nós pesquisamos para encontrar o
método, uma forma de criar um ambiente que facilite a mudança”. (1979, p.4)

Antes, na mesma introdução, ele escreveu: “Eric Berne, o gênio que é pai da
Análise Transacional, escreveu e falou sobre curar pessoas, ao invés de fazer
progresso”. (p.4). Isto resumiu a abordagem psicoterapêutica deles. Eles queriam
encontrar uma forma curta, potente e mais efetiva de terapia, especialmente uma, na
qual o paciente se sentisse desafiado a ser o agente de poder na própria mudança. O
trabalho deles foi um produto do seu tempo.
Virginia Satir escreveu o prefácio de Changing Lives (ibid, pp vii-ix). Ela lembra
ao leitor que a teoria contida no livro foi moldada pela crise existencial criada pela
Segunda Guerra Mundial. Ela falou que o material foi “gerado pela necessidade de
sobrevivência” durante a guerra. Tudo era “essencial para parar este flagelo!
Nas Formas Armadas, isso significava que quando as pessoas em serviço fossem feridas
psicologicamente, precisavam ser recuperadas o mais rápido possível. Teria que ser
uma abordagem psicoterapêutica imediata e bem sucedida” (ibid, pg vi)
A partir deste contexto, Bob e Mary criaram seu sistema, em parte por revolta,
em parte inspirados pela nova confiança na capacidade das pessoas para mudar e a
assumir o controle das suas vidas. Satir observou que fora do caldeirão da guerra “logo
se descobriu que as pessoas tinham um potencial muito maior para a recriação de si 70

mesmas, do que jamais havia sido pensado. Novas possibilidades começaram a


aparecer.” (ibid, p.vii). Bob e Mary se apoderaram destas confiança e capacidade e
criaram seu modelo original.

O modelo de Bob e Mary e as expectativas.


Bob e Mary conduziram o conceito de responsabilidade pessoal de volta a uma
idade muito precoce. Eles identificaram, originalmente, doze injunções, mas
salientaram a sua crença que a injunção deveria ser “aceita” pela criança para ter
qualquer poder e que, até uma criança muito nova, possui o arbítrio e a autonomia
para rejeitar uma injunção que lhe é dada. “Nenhuma injunção é ‘inserida na criança
como um eletrodo’ era a crença de Berne”. (ibid, p.4)
Baseados nesta crença, eles criaram um sistema no qual a “aceitação” original
da criança poderia, efetivamente, ser derrubada em um período de tempo
relativamente curto.

“Nosso objetivo é estabelecer um ambiente para mudança. Nós criamos um


ambiente intensivo ao invés de extensivo, encorajando o paciente a mudar a si
mesmo, em um curto espaço de tempo – um fim de semana, uma semana, duas
semanas ou um mês – e então praticar suas mudanças sem mais terapia (ibid,
p.7)”

Este era o ideal deles. O objetivo deles era ajudar as pessoas a voltar,
experimentalmente, a essas primeiras cenas em suas infâncias e, com a ajuda do grupo
e do terapeuta, derrubar as aceitações anteriores, o que eles chamavam de "rápida
tomada de decisão". Portanto, eles nomearam o processo de "Terapia Redecisão". O
objetivo era criar um ambiente seguro, de modo que o processo pudesse ser realizado.
Seu processo consistia de três etapas: contrato de trabalho, esclarecimento do
impasse e trabalho redecisão. Eles gostavam da especificidade do seu trabalho e
ajudavam o participante a fazer um contrato claramente entendido em relação ao
objetivo da terapia imediata. O esclarecimento do impasse era um processo educativo
no qual o passado, incluindo as injunções, está ligado à dificuldade atual na vida. O
trabalho de redecisão envolvia ajudar o acesso da pessoa a uma cena no início da
infância e trazê-la para o presente. Neste momento, a pessoa é convidada a tomar
uma nova decisão, de modo a contrariar a decisão anterior colaborativa da sua
infância.
Este processo frequentemente envolvia a técnica das duas cadeiras da Gestalt. Quando
a redecisão é realizada com sucesso, o grupo é incentivado a atuar como testemunhas
de apoio. A expectativa relacionada com este processo é uma mudança significativa no
comportamento da pessoa e uma capacidade perceptível para agir de forma mais
autônoma. Eric Berne (1964, p.178; 1966, p.310) cita a autonomia como o objetivo da
terapia bem sucedida e definiu-a como “ a recuperação de três capacidades:
consciência, espontaneidade e intimidade” (1964, p.178). Bob e Mary enfatizaram o 71

conceito de responsabilidade como um meio para deslocar as pessoas da vitimização


para a capacitação pessoal. “Pedimos ao cliente para reivindicar sua autonomia
sempre que ele desiste” (Goulding & Goulding, 1979, p.4)
Bob e Mary viam as injunções com poder limitado. Muitas vezes eu ouvia os
seguintes comentários referindo-se ao trabalho de um indivíduo: "Ele terminou com a
injunção hoje", "Ela resolveu os seus problemas com seu pai", "Ela encerrou o luto por
sua mãe", ou "Ele resolveu o seu "não exista"”. Em tal sistema teórico, a pessoa havia
se envolvido com a injunção de uma forma autônoma e poderia desligar-se dela, dada
a oportunidade certa. Eles não gostavam de qualquer discurso que aludisse à
impotência e relutavam em considerar que as injunções, ao longo do tempo, poderiam
ser uma inevitável influência na formação.
Eles concordavam que as injunções geravam comportamento adaptativo e
argumentavam que este comportamento poderia ser alterado rápida e
conclusivamente. Sem dizer especificamente, postularam que há vias neurais muito
estabelecidas, vastos padrões de comportamento e hábitos que podem ser facilmente
modificados. Eles pensaram que o ingrediente principal necessário para a mudança,
era a assunção da responsabilidade por ter sido legítimo no processo de decisão e, em
seguida, mudar essa decisão. Eles desafiavam as pessoas a falar sobre a maneira como
operavam a mudança total em si mesmas.
Qualquer um tenha passado algum tempo com eles no instituto, irá se lembrar
do “sino de tentar” do Bob, que era o sino que ele mantinha ao lado da sua cadeira.
Ele o tocava vigorosamente a qualquer momento que alguém na oficina usava a
palavra "tentar". No interesse de assumir a responsabilidade e o fortalecimento, ele
insistia que as pessoas usassem "não pode" ou "não" ao invés da palavra "tentar".
Mais tarde, como membro do corpo docente, James E. Meehan registrou em uma
observação do seu trabalho, "Não é só uma grande terapia, é um grande teatro". Isto,
certamente, foi verdade.
Na minha dissertação do doutorado (McNeel, 1975) eu realizei uma pesquisa
extensa em um dos workshops de fim de semana deles. Isto incluiu pré-testes e
entrevistas, bem como pós-testes e pós-entrevistas com cada um dos dezoito
participantes. A maratona foi observada por seis dos meus colegas, que avaliaram
independentemente cada parte do trabalho. Eles verificaram a existência de um
contrato de trabalho, o esclarecimento do impasse ou o trabalho de redecisão. Os
participantes do workshop eram leigos e profissionais.
Como grupo, três meses após o evento, eles tinham uma memória profundamente
positiva do evento e dos líderes. Eles tinham sido influenciados, incentivados e
educados. Não sabemos se eles se sentiriam da mesma maneira dez anos mais tarde,
mas o impacto de curto prazo foi muito favorável. Um participante escreveu
entusiasticamente, três anos após o evento, que suas novas decisões ainda estavam
vivas e úteis. (McNeel, 1984, p.4)
72

De “injunções” para “mensagens de injunção”


Todos nós temos experiências valiosas. Certamente, uma das minhas foram
meus anos como membro da faculdade do Western Institute for Group and Family
Therapy. Esta experiência mudou profundamente a minha vida. Claro que Bob, se
pudesse me ouvir, não diria, ele gritaria: “John, você mudou a sua vida! Nós não o
fizemos!” Não, na verdade esses dois gênios ilimitadamente generosos e meus colegas
mudaram minha vida. Eles me amaram, me orientaram, me adotaram e me deram
oportunidades infinitas.
Outra experiência preciosa do meu passado é um grupo de treinamento
iniciado no começo dos anos 80, que conduzi, mensalmente, ao longo de doze anos.
Neste ponto da minha carreira, eu tinha chegado à conclusão de que o reino das
injunções não havia sido totalmente apreciado ou explorado. Este grupo de médicos
muito dedicados, inteligentes e bem humorados e eu nos envolvemos em explorá-las e
investigá-las por vários anos. Seria necessário um documento em separado para
descrever as horas gastas para propor, discutir, descobrir e chegar a algumas novas
conclusões; a maior, sobre o quão importante é a teoria das injunções e a importância
do impacto que elas têm sobre as pessoas.
Conforme fazíamos a nossa investigação, continuamos usando a palavra
"injunção" ao falar sobre essas mensagens iniciais. À medida que nos convencemos do
impacto poderoso e duradouro das injunções, a palavra não parecia ser suficiente para
descrever integralmente sua natureza. Havia dois problemas. Bob e Mary destacavam
a decisão da pessoa na resposta à injunção, incluindo também a opção de não ouvir ou
não responder nada. Esta não parece ser uma opção. Para nós, isso era como dizer que
alguém poderia crescer em uma família de língua espanhola, mas optar por não
aprender ou não responder ao idioma que o rodeava diariamente. Isto nos levou à
nossa segunda objeção. A palavra injunção é muitas vezes usada como um termo legal
e não tem uma conotação negativa, na medida em que é, muitas vezes, uma ordem
para desistir de suspender uma determinada atividade. O problema é que no mundo
legal, uma injunção pode ser revertida ou removida e até desaparecer, talvez para
sempre. As injunções psicológicas não podem ser removidas e nem desaparecem.
Por estas razões, nós começamos a usar a expressão “mensagens de injunção”,
pois ela descreve com mais precisão o poder limitante e proibitivo das injunções, ao
mesmo tempo que expressa claramente que, como qualquer mensagem, pode ser
desconsiderada, mas não desaparece inteiramente.
Nós não removemos nossas mensagens de injunção da composição do nosso
desenvolvimento, tanto quanto nós nos tornamos mais e mais hábeis em reconhecer a
sua presença. Então podemos nos tornar habilidosos para escolher as respostas mais
saudáveis para elas. Não se "termina" com uma injunção "de uma vez por todas", mas
se aprende a desacreditar as injunções quando elas reaparecem e a gastar menos e
menos tempo como escravo delas. Este é um processo de aprendizagem e maturação
em oposição ao resultado de uma ação favorável em um poderoso momento no 73

tempo.

Novas descobertas
Em resumo, nós expandimos muitos conceitos e criamos novos (McNeel2000,
2002ª, 2002b). Descobrimos que havia realmente duas respostas para cada mensagem
de injunção: uma decisão desesperada e uma decisão desafiadora. Há
comportamentos de enfrentamento que surgem da decisão desafiadora. O
comportamento de enfrentamento é uma característica que define cada mensagem. O
reconhecimento do comportamento é o principal método de diagnóstico, não apenas
a intuição ou o relato biográfico. A redecisão é o processo de integrar a nova crença,
que, ao longo do tempo, substitui a decisão desesperada. Isto por sua vez, elimina a
necessidade da decisão desesperada. Há uma necessidade de se engajar na resolução
de atividades. Estes são exercícios que permitem que uma pessoa pratique novos
pensamentos e comportamentos, a fim de estabelecer novos hábitos. E, finalmente, é
vital alterar a voz parental interna. Consciente ou inconscientemente, a voz parental
familiar na cabeça da pessoa é, em algum grau, ligada à mensagem de injunção. É vital
para o processo de mudança substituir esta voz por uma que possa proteger a
autonomia da pessoa da influencia da mensagem. Os gráficos no final deste capítulo
contemplam vinte e três mensagens de injunção. O processo de desenvolvimento do
cânone das doze injunções (Goulding & Goulding, 1976, 1989; Stwart & Joines, 1987ª,
1987b) para o número de vinte e cinco mensagens de injunção é descrito em detalhe
por MacNeel (2010).

Duas decisões
Exceto para a injunção Não exista, os Goulding (1978, p.217) não propuseram
nenhuma possível decisão específica para nenhuma das outras. Eles propuseram sete
possíveis decisões para esta injunção e elas são discutidas em outra parte deste livro
(Capítulo 8). Nós trabalhamos a partir de mensagens de injunções como fenômenos
reais e que certas pessoas possivelmente as incorporavam do ambiente na medida em
que iam crescendo. Obviamente, nem todas as mensagens de injunção estão em todos
os lares. Muitas pessoas têm permissões e modelos adequados para sobreviver,
prosperar e se vincular. São as mensagens inibitórias que são mais comuns que
exercem as influências mais negativas. E como em uma linguagem, a pessoa não tem
escolha a não ser responder de alguma maneira.
Para estas mensagens preponderantes descobrimos que há duas decisões, não
apenas uma. A primeira é a decisão desesperada. É o que o cérebro da criancinha
presume quando ninguém a toca, a ignora ou não lhe demonstra nenhum calor ou
segurança. A decisão desesperada tem grande poder porque parece verdadeira. Tal
como o seu nome, ela cria desespero, mas o desespero parece congruente com a
mensagem recebida. Afinal, para uma pequena criança, o ambiente é experimentado
como parte dela mesma. Porque há um poderoso impulso instintivo no cérebro para 74

sobreviver física e emocionalmente, a criança em crescimento irá se fixar em qualquer


forma de empoderamento com o qual se deparar. Isto é a base da decisão desafiadora.
Em geral, todas estas decisões compartilham uma qualidade do "eu vou lhe mostrar",
embora a qualidade do desafio seja mais facilmente perceptível mais em uns do que
em outros. A questão importante com estas decisões é que elas são a melhor tentativa
da pessoa para encontrar uma solução para o desespero que acompanha a decisão
anterior. A coisa poderosa sobre as decisões desafiadoras é que elas aparecem para
trabalhar, pelo menos em algum grau. Para aliviar, pelo menos temporariamente, a
sensação de desespero. O problemático é que o que funcionou em um contexto
passado, atualmente é expressado como um comportamento auto limitante ou
autodestrutivo que a pessoa se sente compelida a adotar. Um exemplo disto é alguém
que é já tem uma situação financeiramente segura, mas ainda trabalha,
compulsivamente, sessenta horas por semana. É importante observar que a criação da
decisão desafiadora era a melhor tentativa da pessoa na adaptação saudável para uma
situação impossível.

Os comportamentos de enfrentamento
Todo o nosso trabalho e nossa investigação se basearam em dois pressupostos,
sendo o primeiro que os Goulding descobriram fenômenos reais. Nós concluímos que
realmente existem mensagens de injunção identificáveis, que são, na maioria das
vezes, discretas, que têm possibilidade de afetar profundamente a vida de alguém e
que podem ser resolvidas. A segunda conclusão é que cada mensagem de injunção
tem uma assinatura diferente. Chamamos de assinatura o comportamento de
enfrentamento e é o principal dispositivo para diagnosticar as mensagens de injunção
específicas.
Assim como uma médica faz perguntas para o paciente para obter dados
relevantes, ela também saberá quais sinais são indicadores para certas doenças ou
para outras condições médicas. Ela nunca perguntaria a alguém: ” Você teve
pneumonia ou esclerose múltipla?” Da mesma forma que não perguntarmos: "Quando
você olha para a lista de mensagens, quais você acha que você pode ter?”
Obviamente, uma pessoa pode ser capaz de dar um palpite correto, mas sem
convicção. Muitas vezes a mensagem de injunção que mais afetou a sua vida pode
estar bem escondida da sua percepção. Suas respostas habituais para ela podem estar
tão integradas com o seu sentido de self que parecem ser ego sintônicas.
É preciso um observador de fora, sabendo o que procurar, para diagnosticar
corretamente uma mensagem de injunção. Como a notável observação: "É difícil ver a
imagem quando você está dentro do quadro".

Redecisão como um processo


A saída diferente ensinada pelos Goulding’s , diz respeito à metodologia para
ajudar as pessoas a cumprir as redecisões que fazem, em busca de uma mudança 75

duradoura e sustentável. Embora a literatura careça de uma definição concisa do


conceito de redecisão dos Goulding’s, Bob chegou perto quando ele falou na primeira
Conferência Erikson Milton:

Agora eu quero falar sobre a Terapia da Redecisão. A Terapia da Redecisão não é


simplesmente tomar a decisão de ser diferente. É o processo em que facilitamos
ao cliente entrar em seu Estado do Ego Criança. A partir desse Estado, ele revive
uma velha cena e muda a sua parte nela. (1985, p.303)

Para nós esta declaração contém um otimismo sem fundamento. Por muito que
eu queira apoiar a noção de que um ato de empoderamento pode resultar em saber
como se comportar e se sentir diferente em uma variedade de configurações e
estímulos, isto não parece realista. Isto tornará mais evidente, conforme a gravidade
dos antecedentes psiquiátricos e do desenvolvimento da pessoa. O argumento não é
se há um processo de decisão. Há sim. Mas se ele tem uma natureza mais progressiva
ao longo do tempo, não obstante o momento ocasional dramático de insight ou
catarse. Nós não eliminamos a mensagem de injunção original enquanto não
aprendemos como responder a isso de uma maneira diferente. É possível substituir as
decisões desesperadas por algo mais satisfatório e funcional do que as decisões
desafiadoras. A substituição adequada é uma nova crença que, pela sua natureza,
contraria o poder da mensagem de injunção. Estas novas crenças não ocorrem em um
flash, mas podem ser obtidas ao longo do tempo. No entanto, estas novas crenças
devem ser “soletradas” porque elas são específicas como as duas decisões e os
comportamentos de enfrentamento são para cada mensagem. Começamos a chamar o
processo redecisão “aquisição de uma nova crença".

A atividade de resolução
Não é suficiente aderir a uma nova crença, na expectativa de que uma
mudança de comportamento acontecerá naturalmente É necessário,
conscientemente, se engajar em novos comportamentos. Esses comportamentos não
são intuitivos para alguém sob a influência de uma determinada mensagem de
injunção. O objetivo dessas atividades atribuídas é empoderar e capacitar indivíduo
para fazer escolhas autônomas. Essas escolhas adicionais reforçam a confiança de que
a mudança é possível.
Os exercícios procuram ajudar as pessoas a alcançá-la praticando conscientemente os
novos comportamentos, que levam exatamente ao que Berne descreveu.

A nova postura parental


No modelo completo, chamamos isso de "a nova postura parental que cura".
Para muitas pessoas, as vozes dos pais que têm em suas cabeças remontam à sua
infância e não são gentis ou sábios. Se houver uma mensagem de injunção, você 76

encontrará uma voz parental anterior, que de alguma forma, está em conluio com essa
mensagem. As pessoas precisam ter vozes internas que contenham compaixão,
sabedoria e amor. Nesta parte, criamos vozes que são contrárias à mensagem original
de injunção. Essas novas vozes são fortes, queridas, sábias e protetoras. É bom para as
pessoas memorizá-las.

As cinco categorias de mensagens de injunção


Como já mencionado, ao longo dos anos, descobrimos em nosso processo
muitas novas mensagens de injunção. Quando haviam 12 injunções identificadas, elas
pareciam estar separadas. No entanto, quando o número de mensagens de injunção
aumentou para vinte e três (a partir deste artigo), tornou-se evidente que havia
categorias lógicas às quais pertenciam. Através de nosso processo identificamos cinco.
As cinco categorias são lógicas e intuitivas: sobrevivência, apego, identidade,
competência e (sentido de) segurança. As primeiras cinco injunções que os Goulding’s
identificaram foram: NÃO SER (existe), NÃO SER PRÓXIMO, NÃO SER VOCÊ, NÃO
CRESCER, e NÃO SER UMA CRIANÇA. É interessante notar, que estas primeiras cinco
injunções são quase perfeitamente paralelas às cinco categorias de mensagens de
injunção aqui apresentadas.

Injunções de Sobrevivência
 Não exista
 Não fique bem (não cuide de si mesmo)
 Não confie
 Não seja sensato
 Não toque.

Injunções de Apego
 Não fique perto
 Não se sinta conectado
 Não pertença
 Não seja uma criança.
Injunções de Identidade
 Não seja você
 Não seja diferente
 Não seja visível
 Não (se envolva em sua própria vida).

77
Injunções de competência
 Não consiga
 Não cresça
 Não pense
 Não se sinta bem sucedido.

Injunções de segurança (senso de)


 Não desfrute
 Não seja grato
 Não sinta
 Não relaxe
 Não seja feliz.

Temas de resolução por categoria


Os Gouldings estavam convencidos de que as injunções poderiam ser resolvidas
individualmente, se o trabalho fosse feito corretamente. "Corretamente" significava
que o trabalho crucial é feito enquanto a pessoa está no Estado do Ego Criança, e não
no Estado do Ego Adulto.

Mas se a Criança faz a redecisão, com a aprovação do Adulto, então a Criança


procura maneiras de mudar seu padrão de acariciar, seu tempo estruturando,
com entusiasmo considerável. (1972, página 110)

Eles disseram que não haveria experiência de desespero se alguém fizesse uma
redecisão dessa maneira. Eles disseram isso em refutação direta a Eric Bern e sua
afirmação de que se poderia sentir desespero, depois de fazer uma mudança
significativa:

Eric costumava falar do desespero que as pessoas sentiam quando tomavam uma
decisão, ou deixavam o script, ou deixavam de jogar algum jogo importante. Um
pouco disto é profecia autorrealizada, quando você sabe que se desesperará se
mudar algo. Você provavelmente vai desesperar ... então é claro que a Criança
pode desesperar. (1978, pp. 222-223)
Eu acredito que a experiência do desespero é inevitável no processo de
trabalho da redecisão, porque a decisão desesperadora precoce está lá desde o início
do desenvolvimento: a pessoa acredita tanto consciente como intuitivamente. Ao ler
as transcrições do trabalho dos Gouldings, não é injusto dizer que muitas vezes
ajudaram as pessoas a energizar ou reenergizar suas decisões desafiadoras. Para
algumas pessoas, sentir o poder pode ser a primeira experiência que provém da
decisão desafiadora. Afinal, sentir uma sensação de poder supera a sensação de 78

impotência e a falta de esperança. Uma pessoa "parece melhor" ao ser desafiante se


comparado ao desespero. No entanto, há um problema significativo ligado às decisões
desesperadas e desafiantes, na medida em que mantêm uma relação interativa com as
mensagens de injunção. Se a terapia de redecisão é para ter um efeito duradouro, ela
precisa ser parte de um processo maior, no qual o paciente conheça ambas as
decisões, as desesperadas e as desafiadoras. Através da compreensão das suas
decisões desesperadas, ele pode acionar a empatia por si, mesmo que ausente no seu
ambiente inicial.
Compreendendo suas decisões desafiadoras, ele pode aprender a sentir uma
admiração por sua força, coragem e resiliência precoces. No momento da origem,
essas decisões podem ter sido o gênio da sobrevivência. No entanto, agir a partir das
decisões desafiadoras em tempo real, muitas vezes leva ao esgotamento e esmaga as
expectativas. Os comportamentos que fluem dessas decisões derrotam os objetivos do
eu: cuidado, intimidade, satisfação, amor de si mesmo e sentir-se seguro. Este artigo
termina com uma breve descrição do impacto de cada categoria de mensagem de
injunção. Há uma descrição do que os indivíduos precisam aprender a fazer para ter
uma resposta saudável às mensagens. O processo em cada categoria representa a
aquisição de novos dados, percepção e empatia. O ponto mais importante e otimista é
que as respostas desesperadoras originais a todas as mensagens de injunção podem
ser, efetivamente, alteradas sem recorrer a nenhuma das estratégias das decisão
desafiadoras.

As mensagens de injunção impactam a sobrevivência


As mensagens nesta categoria não conduzem necessariamente a um desejo
manifesto de morrer. No entanto, juntas, elas apresentam um mundo no qual está
ausente o calor, amor, confiança e confiabilidade consistentes. Existem, muitas vezes,
modelos poderosos das figuras parentais que mostram como ser seriamente
autodestrutivos. Isso resulta em respostas desafiadoras que têm uma grave qualidade
"vou mostrar-lhe" e "eu contra o mundo" para eles. Pessoas com essas mensagens
muitas vezes interpretam mal o mundo, o considerando mais ameaçador do que
realmente é. Isso os leva a se sentir em um estado de luta constante, com
comportamentos de estresse concomitantes, que os leva ao esgotamento físico e
emocional. Isso pode colocar em risco a sobrevivência física de longo prazo de uma
pessoa. Esses comportamentos corroem a vitalidade da personalidade também.
Como o impacto dessas mensagens gera a crença de que o mundo é um lugar frio,
onde a autossuficiência é o bem maior, é necessário descobrir que o amor
incondicional existe. A resolução dessas mensagens mais temidas está centrada nesta
descoberta e na permissão que outras pessoas concedam seu afeto. A afeição precisa
ser calorosa, verbal, física e emocional. Uma segunda descoberta necessária é que
existem pessoas confiáveis no mundo. Essas pessoas com mensagens de injunção
desta categoria nunca souberam o quão profundamente reconfortante é confiar nos 79

outros. A descontaminação mais importante é aprender que o afeto não pode ser
conquistado, mas que o reconhecimento e a aprovação podem. A partir dessas
descobertas, o indivíduo será capaz de aprender a sentir empatia, que é o grande
curador nesta categoria.

As mensagens de injunção que afetam o apego


Essas mensagens criam um mundo de imensa solidão, onde a proximidade e o
apego são inibidos. Este é um mundo onde não há permissão para ser infantil e
dependente. Não se tem um sentimento forte de pertencer e é difícil saber como
satisfazer o desejo emocional. Em resposta, as pessoas normalmente procuram
controlar os relacionamentos e tentam endurecer-se frente a qualquer decepção
potencial, declarando não se importar. Há orgulho em ser duro o suficiente para lidar
com o isolamento. Há uma raiva não expressa em dar abundantemente aos outros o
que a pessoa realmente deseja, mas parecer nunca receber. A partir da segurança da
distância, a pessoa está muitas vezes tentando "obter" e "possuir" os benefícios da
relação. Resolver essas mensagens é paradoxal, porque significa aprender a dar o amor
que sempre foi desejado e negado. Não é possível satisfazer os desejos do coração de
uma distância ou de uma posição segura não-vulnerável. Tal como acontece com as
mensagens de sobrevivência, há uma necessidade de reconhecer a presença e a
natureza incondicional da afeição. Aqui a questão central é dar carinho, generosa e
abundantemente. É importante dizer as palavras "Eu te amo" muitas vezes. Desta
forma, o mundo se transforma em um lugar muito mais quente. A resolução também
significa aprender a proteger os outros dos comportamentos controladores e
manipulativos. Finalmente, significa aprender a pedir satisfação emocional dos outros.

As mensagens de injunção que impactam a identidade


A ênfase original era com a identidade de gênero, mas o escopo dessas
mensagens é muito maior. A soma de todas elas comunica que há algo de errado com
a pessoa. Isso enche a pessoa com um profundo sentimento da vergonha de alguma
forma ter "nascido errado". As decisões desafiadoras inspiram a necessidade de ser
superior em alguma maneira grandiosa, ou, desesperadamente, se esconder do
mundo. Em ambos os casos, o esforço é dedicado para criar uma persona e projetá-la
para o mundo. Ao se esconder atrás de uma face falsa, a pessoa espera satisfazer as
vozes que dizem: "Você não deveria ser você".
O coração da resolução dessas mensagens é reivindicar a imperfeição que existe em
nossas vidas. Não há pessoas perfeitas. Nem há pessoas que nunca se sintam ansiosas
ou vulneráveis. A personalidade é definida pelo indivíduo, em congruência com a
consciência de seus dons inatos e deficiências. À medida que essas mensagens são
resolvidas, a curiosidade de se conhecer substitui o desejo de ser alguém ou de invejar
os outros. Há um grande alívio na partilha de todos os aspectos da vida, incluindo a
própria vulnerabilidade. 80

As mensagens de injunção que afetam a competência


A soma dessas mensagens deixa uma pessoa à deriva em um mundo onde não
parece existir uma maneira viável de saber como obter o sentimento de adequação.
Não é medido pela realização, porque o diabo da expectativa sempre a diminui, não
importa quão grande seja a realização. O recurso é estar em competição com o
mundo, sempre tentando provar que um é melhor do que todos os outros. Há uma
pressão para sobressair, independentemente das limitações. Para muitos, é
inconcebível aprender com a modelagem dos outros ou reconhecer sua sabedoria.
Desprezo pelos outros é muitas vezes visto como uma faceta do sentimento
competente. À medida que essas mensagens são resolvidas, o conceito de sentir-se
competente no mundo assume um significado muito diferente. A competição é
deixada para atividades prazerosas, não para a sala de reuniões da vida. A vida parece
ser cheia de pessoas admiráveis, que podem ser mentores e professores. A ideia de
dominar os outros para se sentir competente, torna-se estranha. Sentir-se bem
sucedido na vida, baseia-se na confiança de que está marcando a vida e sendo uma
influência benéfica para os outros. A pressão cai para se conhecer a verdade absoluta e
a ambiguidade torna-se um sinal de uma mente no trabalho, ao invés de um sinal de
ignorância ou confusão. Há conforto na nova crença: "Não existe falha, apenas
aprendizagem".

As mensagens de injunção que impactam (um senso de) segurança


Infelizmente muitas pessoas crescem em ambientes espiritualmente atrofiados,
onde, frequentemente, o sofrimento sem vigilância está presente. A segurança
material pode estar presente, mas não o que é necessário para a segurança emocional.
Alegria e gratidão raramente são expressas. A experiência emocional é muitas vezes
dolorosa. Nestes cenários, a felicidade raramente é reconhecida e há poucos
momentos para saborear. Em resposta, as pessoas criam uma visão inalcançável do
que parece ser uma vida feliz e segura. Objetivos para o futuro assumem a métrica da
mensurabilidade quando o "suficiente" estiver conquistado. Compreensivelmente, as
pessoas sentem pressa para alcançar este mundo melhor. Este foco no futuro cria
urgência sobre o tempo, o que afasta as pessoas de envolver-se no momento
presente. Pode parecer estranho dizer, mas é preciso compreender o sofrimento para
ter uma vida feliz.
Há muitas estratégias que as pessoas empregam para evitar o sofrimento, da vigilância
constante ao entorpecimento com o vício. Nenhum trabalho. A vida tem um
componente misterioso e espiritual que não será satisfeito por qualquer métrica. Uma
maior sabedoria sobre a vida nos informa que a alegria existe, que a gratidão é o
segredo do contentamento, que se nos sentirmos vivos sentiremos nossas emoções e
que a felicidade é, em grande parte, desconectada das nossas circunstâncias. Porque o
sofrimento existe, ele vai visitar nossas vidas. As pessoas muitas vezes se sentem 81

derrotadas por isso, pensando que eles falharam. Ou eles têm maior confiança para
enfrentar o futuro. É essa confiança que alimenta um sentimento verdadeiro de
segurança. Pessoas seguras são otimistas e felizes, mas não têm ilusões de que ser "à
prova de balas" é um objetivo atingível ou mesmo desejável na vida.

Fazendo uso das tabelas


Estas cinco tabelas foram projetadas para utilização pelo clínico. Claro, elas
também podem ser de grande ajuda para o cliente. Elas são uma estimativa honesta
do fluxo lógico de cada mensagem injuntiva. Os comportamentos de enfrentamento
estão no centro do processo do diagnóstico. Eles são mostrados em negrito nos
gráficos. Eles fornecem a chave para que o clínico possa diagnosticar acuradamente
cada mensagem de injunção e ser capaz de retransmitir essa informação do paciente.
O comportamento de enfrentamento pode ser reconhecido no atendimento através
do tom de voz, linguagem corporal, expressão facial, biografia e problemas de
apresentação. A partir do comportamento de enfrentamento, o clínico pode ir para
qualquer direção usando o material das outras colunas, fazendo perguntas curiosas,
especulativas. Isso ajudará no processo de escolha ou descarte de determinada
mensagem de injunção. O clínico também pode usar as duas últimas colunas que estão
sob o título, "Autodiagnostico". Estas declarações foram criadas para que o indivíduo
possa ter um meio de fazer perguntas reflexivas na busca de identificar mensagens de
injunção relevantes. Se alguém está profundamente atento a uma dessas mensagens,
ele encontrará o material na "Resposta de cura" para externalizar seus pensamentos e
sua experiência. Tomados em conjunto, o material contido nas colunas "Nova postura
parental" e "Resposta de cura" pode criar uma ponte para a percepção. Isso é
revelador. Não é incomum para as pessoas relatarem que tiveram poucos
pensamentos cálidos ou apoiadores como estes. Da mesma forma, a leitura das
colunas "Decisão desesperada” e " Resposta amarga ", esclarece como algumas
pessoas têm uma percepção sombria da vida. Ler a coluna "Decisões desafiadoras”
apresenta uma boa imagem das muitas formas do "eu vou mostrar-lhe" . A intuição e a
perspicácia clínicas informam os fatores e determinam melhor quando compartilhar
essas tabelas com os clientes. O material está em contínua atualização. Esta versão
não é evangelho. Quando se torna evidente que uma fórmula mais potente está
disponível, a redação é alterada.
Este versão não é a mesma das tabelas que foram publicadas pela última vez (McNeel,
2010), a mensagem "Não toque" foi transferida da categoria de segurança para a de
sobrevivência. "Não compartilhe”, “ Não queira ", e" Não invista" foram removidas
inteiramente, seus efeitos estão abrangidos adequadamente por outras mensagens."
Não seja importante " foi movida da categoria de sobrevivência para a de identidade.
Há uma mensagem de injunção recente, "Não seja feliz", que está incluída na categoria 82

de segurança. "Não seja grato" e "Não se sinta ligado" tornaram-se "Não seja grato" e
“Não sinta apego" respectivamente. Uma leitura cuidadosa do material revelará
mudanças extensas de redação desde 2010.
Tabela 01
Tabela para diagnóstico das Mensagens de Injunções de Sobrevivência
DECISÃO COMPORTAMENT
DECISÃO ATIVIDADE DE A POSTURA AUTODIAGNOSTICO
MENSAGEM DE DESAFIADORA O DE REDECISÃO 83
DESESPERADA RESOLUÇÃO PARENTAL QUE
INJUNÇÃO (A melhor ENFRENTAMENTO (A nova crença
(O que a pessoa (O processo para CURA (falando A resposta amarga A resposta de cura
(Uma mentira tentativa de saúde (Que decorre da baseada em
sente medo de ser criar novos com sabedoria e (Reforça uma visão (Reforça uma visão
verossímil) e resiliência da decisão melhores dados)
verdade) hábitos) compaixão) pessimista da vida) otimista da vida)
pessoa) desafiadora)

Eu sou um erro & Vou ficar aqui e Motivado a buscar Aprecie sua É fato que minha
Existe amor Sua vida tem Minha vida é
Não Exista Eu não deveria justificar a minha aprovação e coragem vida é uma carga
incondicional. significado. preciosa.
estar aqui. existência. reconhecimento. conscientemente. pesada.

Estou cansado (a) e


Não fique bem Vou provar que Limites são Pondere: o que
Eu não sou digno Um padrão de exausto (a), mas Sou bem amado e
(não cuide de você sou uma pessoa essenciais para o importa e quanto é Você é digno.
de atenção. exaustão. ninguém se bem cuidado.
mesmo) forte. bem-estar. o suficiente?
importa.
Você é esperto o
suficiente para Sinto, muitas vezes, Conto com as
Estou sem defesa Só vou contar Há pessoas dignas Discernir o caráter
Não confie Super controle. distinguir as que sou usado (a) e pessoas boas em
no mundo. comigo. de confiança. dos outros.
pessoas boas das traído (a). minha vida.
más.
Eu sinto amor por
Eu serei super
Ódio de si ou de Obter a garantia O dano que lhe foi Eu estaria indefeso mim e perdoo
O mundo é louco e normal (& Há uma saída para
Não seja sensato outros, vingativo "você não está feito foi real, mas (a) na vida sem qualquer um que
não há proteção. desdenharei os o tormento.
(a). sozinho (a)". não pessoal. minha hostilidade. me prejudicou no
outros).
passado.
Permitir que as
Há grande Sinto-me orgulhoso
Projeção de uma Eu realmente gosto pessoas forneçam Sinto amor e
Eu não sou Eu serei bondade na (a) da dureza que
Não toque atitude de "nada e preciso de nutrição: física, empatia pelo meu
desejável. autossuficiente. cordialidade sofri durante minha
me machuca". carinho. verbal e self mais jovem.
manifesta. infância.
emocionalmente
Tabela 02
Tabela para diagnóstico das Mensagens de Injunções de Apego
DECISÃO COMPORTAMENT A POSTURA
DECISÃO ATIVIDADE DE AUTODIAGNOSTICO
MENSAGEM DE DESAFIADORA O DE REDECISÃO PARENTAL QUE 84
DESESPERADA RESOLUÇÃO
INJUNÇÃO (A melhor ENFRENTAMENTO (A nova crença CURA
(O que a pessoa (O processo para A resposta amarga A resposta de cura
(Uma mentira tentativa de saúde (Que decorre da baseada em (Falando com
sente medo de ser criar novos (Reforça uma visão (Reforça uma visão
verossímil) e resiliência da decisão melhores dados) sabedoria e
verdade) hábitos) pessimista da vida) otimista da vida)
pessoa) desafiadora) compaixão)
Eu posso No relacionamento Há pessoas na
Procurando um Usar expressões
Eu me sinto Exijo amor sobreviver vivendo Seja generoso com eu observo e tento minha vida para
Não se aproxime amor que não como “eu ao
abandonado (a). perfeito. com um coração seu amor. sair antes que quem sou leal e
existe. você”.
aberto. outros me deixem. amorosa.
Eu não serei Controlando os Saiba o que traz Em um Eu sou protetor
rejeitado (a): Vou outros e sendo Há pessoas que dor para aqueles Valorize as pessoas relacionamento eu com as pessoas que
Não sinta apego Eu sou solitário (a). conseguir o que ou possessivo, têm afeição que te amam e se que lhe dão seus contenho a têm afeto por mim
quem eu sinta que manipulativo e genuina por mim. abstenham desses corações. compaixão e a (especialmente de
tenha direito. julgador. comportamentos. compreensão. mim mesmo)
Meus desejos Há pessoas que
Estou fora, Um padrão de Mostrar cuidado Eu celebro as
Eu não vou me podem me estão prontas para Ninguém é leal à
Não pertença olhando para isolamento e ativo com as outras pessoas da minha
importar. conduzir para boas se preocupar com mim.
dentro. afastamento. pessoas. vida.
pessoas. você.
Constantemente Eu desisto
Não há espaço
Eu serei forte e atendendo aos Eu sou uma pessoa Lembre-se disso: Você pode abrir-se facilmente e Eu amo e valorizo
Não seja uma para minhas
suportarei a outros, esperando com necessidades, “você pode pedir sobre suas adapto-me às as pessoas de quem
criança necessidades
negligência. que o presente não uma máquina. qualquer coisa”. necessidades. necessidades dos dependo.
emocionais.
seja devolvido. outros.
Tabela 03
Tabela para diagnóstico das Mensagens de Injunções de Identidade 85
DECISÃO COMPORTAMENT A POSTURA AUTODIAGNOSTICO
DECISÃO ATIVIDADE DE
MENSAGEM DE DESAFIADORA O DE REDECISÃO PARENTAL QUE
DESESPERADA RESOLUÇÃO
INJUNÇÃO (A melhor ENFRENTAMENTO (A nova crença CURA A resposta amarga A resposta de cura
(O que a pessoa (O processo para
(Uma mentira tentativa de saúde (Que decorre da baseada em (Falando com (Reforça uma visão (Reforça uma visão
sente medo de ser criar novos
verossímil) e resiliência da decisão melhores dados) sabedoria e pessimista da vida) otimista da vida)
verdade) hábitos)
pessoa) desafiadora) compaixão)
Estou curioso para
Amar conhecer minhas
Desempenhando Eu reinvidico
conscientemente Você é lindo e eu o Receio ser necessidades
Não seja você Eu sou inaceitável. Eu serei perfeito. um papel no jogo minha vida
seus dons e suas amo. depreciado. inatas, meus
de outra pessoa. imperfeita.
falhas. desejos e meus
talentos.
Eu sou a única Usar o conflito
Seja você mesmo:
Levando uma vida pessoa com o como Estou preso em um
Eu não posso ser Serei eu mesmo outras pessoas são Eu sou eu e
Não se separe dupla para evitar direito de definir oportunidade para papel que não
eu. apesar de você. mais resilientes do ninguém mais.
conflitos. minha definir a escolhi e não quero.
que eles.
personalidade. personalidade.
O que você
Vou esconder-me Aparentar Eu não tenho Revelando seu Eu mostro o meu Certas pessoas
Sinto-me mantém escondido
Não seja visível atrás do meu eu confiança e não vergonha de ser verdadeiro eu para eu público, não o conhecem a mim e
envergonhado. o priva de ser
público. ter problemas. vulnerável. pessoas seguras. meu eu real. meu eu vulnerável.
conhecido.
O orgulho Aqueles que "me
Dominante duramente Pense nas pessoas amam pelo resto
Você é importante
Não seja Eu serei grande, expansiva, conquistado não que você ama, em Eu exagero, por isso das suas vidas" me
Eu sou nada. por que você
importante maior que a vida. competitivo e me traz nenhum vez das conquistas existo. informam quanto à
existe,
grandioso. sentido duradouro que você busca. minha verdadeira
de importância. identidade
Diariamente
Uma ansiedade
Não se Vou defender a Não é possível procuram fazer A vida é abundante Medo e ansiedade Minha vida é uma
Tudo aquilo que bem defendida
comprometa com minha inação na eliminar o risco da coisas, que foram para além da sua comprimem minha história bastante
faço é errado. que não se
sua própria vida vida. vida. adiadas devido à zona de conforto. vida. interessante.
submete aos fatos.
ansiedade.
Tabela 04
Tabela para diagnóstico das Mensagens de Injunções de Competência
DECISÃO COMPORTAMENT A POSTURA
DECISÃO ATIVIDADE DE AUTODIAGNOSTICO
MENSAGEM DE DESAFIADORA O DE REDECISÃO PARENTAL QUE 86
DESESPERADA RESOLUÇÃO
INJUNÇÃO (A melhor ENFRENTAMENTO (A nova crença CURA
(O que a pessoa (O processo para A resposta amarga A resposta de cura
(Uma mentira tentativa de saúde (Que decorre da baseada em (Falando com
sente medo de ser criar novos (Reforça uma visão (Reforça uma visão
verossímil) e resiliência da decisão melhores dados) sabedoria e
verdade) hábitos) pessimista da vida) otimista da vida)
pessoa) desafiadora) compaixão)
Esforçando-se
Eu vou provar a sempre para Eu mantenho isto Recordam suas
Você está sozinho Secretamente, eu É notável quanto
Eu não sou bom o que sou melhor do sobressair, em mim, para fazer numerosas
Não consiga. e eu estou sinto que minha impacto tenho na
suficiente. que todos os enquanto se uma marca no realizações
orgulhoso de você. vida é um fracasso. vida.
outros. preocupa com o mundo. próprias.
fracasso.
Uma pessoa É ok ter bons Procuram ver as Eu poderia parecer
Sinto-me perdido e Eu vou me
pequena se modelos na vida qualidades É bom encontrar e ótimo, mas temo Procuro levar uma
Não cresça. nunca sei o que defender neste
esforçando para para nos mostrar o admiráveis dos aceitar influência. ser visto como vida admirável.
fazer. mundo.
parecer crescida. caminho. outros inadequado.
A verdade é um
alvo em
Rígidos e Praticam ver os Como eu aprendo,
Eu forçarei os Tenho coragem movimento e a Minhas crenças são
Sinto-me defensivos dois lados de sinto a evolução e
Não pense. outros a pensar para aprender faze vida é muito basicamente
inadequado. preconceitos e qualquer uma profunda
como eu. à ambiguidade. complexa para inatacáveis.
crenças. argumento. satisfação.
alcança-lo
totalmente.
Uso habitual da
Desfruta,
culpa em relação a Eu facilmente sinto Eu amo o esforço
A dor do mundo conscientemente, A pessoa que você
Não se sinta bem Eu sempre me Vou consertar si mesmo ou aos remorso quando que eu coloquei em
(meus pais) não é proporcionar quer ser, faz você
sucedido. sinto culpado. todos e tudo. outros por penso em minha viver uma vida
minha culpa. benefícios para os ter sucesso
qualquer coisa vida. sincera.
outros.
errada.
Tabela 05
Tabela para diagnóstico das Mensagens de Injunções de Senso de Segurança
DECISÃO COMPORTAMENT A POSTURA
DECISÃO ATIVIDADE DE AUTODIAGNOSTICO
MENSAGEM DE DESAFIADORA O DE REDECISÃO PARENTAL QUE 87
DESESPERADA RESOLUÇÃO
INJUNÇÃO (A melhor ENFRENTAMENTO (A nova crença CURA
(O que a pessoa (O processo para A resposta amarga A resposta de cura
(Uma mentira tentativa de saúde (Que decorre da baseada em (Falando com
sente medo de ser criar novos (Reforça uma visão (Reforça uma visão
verossímil) e resiliência da decisão melhores dados) sabedoria e
verdade) hábitos) pessimista da vida) otimista da vida)
pessoa) desafiadora) compaixão)
A urgência de
Dizer não, Reconhecer e Eu me conforto por Uma memória é o
tempo é A alegria existe,
Eu construirei um conscientemente, saborear estar ocupado, que basta para eu
Não desfrute. A vida é vazia. impulsionada pela mas não está sob
mundo alegre. para eventos do momentos de irritado e com viver um momento
“ganância de meu controle.
ego. alegria. pressa. de alegria.
acontecimentos”.
Eu equiparo
Eu valorizo o dom
Abundância existe Praticar A gratidão é a gratidão com
Nunca há o Eu não serei Uma vida de da minha vida e
Não seja grato. e não significa ter sentimentos de fonte de complacência e
suficiente. rejeitado. insaciabilidade. tudo o que está
cada vez mais gratidão. contentamento. equiparação para
nele.
menos.
A resposta aos
Meu mundo
Eu farei qualquer sentimentos é Eu não tenho
emocional ficará
Sentimento é coisa necessária mecânica, até Identificar e sentir Sentir-se é estar tempo ara Sentir-me vivo não
Não sinta. mais rico se eu
doloroso. para amortecer mesmo emoções. vivo. sentimentos e me assusta.
aprender a
meus sentimentos. "agradável", mas outras trivialidades.
empatia.
falta empatia.
Estou confiante de
Usar a memória que vou ter a
Permanecer alerta, Lembre-se: você é Se me preocupo,
Não relaxe (e A vida é Vigilância Eu lidei no passo e para criar um capacidade de
me mantem em forte e capaz de talvez nada de ruim
sinta-se seguro) sofrimento. constante. posso de novo. senso de confiança resiliência para lidar
segurança. lidar com sua vida. aconteça comigo.
sobre capacidade. com o que vem na
vida.
Buscando Felicidade é Praticar o sorriso Seu senso de Rir e sorrir são
Eu vou conseguir a constantemente possível agora e é frequentemente, felicidade existe Não há muito na aspectos
Não seja feliz. A vida é triste.
felicidade. uma fonte externa vital para minha especialmente separado das suas vida para se sorrir. importantes da
de felicidade. saúde. quando relembrar. circunstâncias. minha vida.
Em conclusão

No apêndice da minha dissertação de doutorado (McNeel, 1975, pp. 138-380) incluí


uma transcrição textual do workshop. Este é o único registro existente de uma oficina
Goulding existente. Como tal, é um documento importante na história da Terapia de
Redecisão. Minha brilhante, mas psicologicamente simples, mãe leu toda a transcrição.
De maneira sucinta (ela era uma revisora treinada, a partir dos nove anos, para o jornal
semanal familiar), ela disse: "Eles (os Gouldings) não gostam muito dos pais". Ela
pontuou com sutiliza e excelência. Foi sutil porque a oficina foi orientada para uma
direção muito positiva e foi abertamente quente e entusiasta, com muito humor. Foi
excelente porque havia uma atitude de "nós contra eles" em relação a figuras
parentais originais. Havia a sensação de que realizar uma redecisão era um ato de
vitória contra eles, como se fossem inimigos. Na verdade, a maioria dos pais fez o
melhor que podia com o que eles tinham. Na minha experiência clínica, poucos pais
desejavam prejudicar suas crianças, mesmo se o que eles estavam fazendo, fosse de
fato muito prejudicial. Os pais são mais frequentemente veículos, através dos quais as
mensagens de injunção recebidas em sua própria infância são comunicadas. Em última
análise, a questão não é com os pais. É com as mensagens. Essas mensagens não
desaparecem. É possível reconhecê-las e responder a elas de uma maneira totalmente
diferente. Ao aprender a fazê-lo, as pessoas trabalham as questões com suas figuras
parentais, a serviço de ganhar uma maior sabedoria e empatia por si mesmas. Desta
forma, não se enxerga uma vida de luta contra um inimigo, mas são apresentadas
ferramentas para resolver impasses, que se tornaram internos. Este trabalho nunca é
completamente feito. Ao longo do tempo, os indivíduos ganham autonomia ao ser
capazes de responder com novas escolhas a essas mensagens confusas que
implicavam que não deviam sobreviver, estar ligadas, ter confiança em sua identidade,
ser capazes de reivindicar sua competência ou sentir-se profundamente seguros na
vida. A aquisição dessas novas crenças e as novas escolhas de comportamento que
delas derivam são metas dignas.

Reconhecimento

É meu costume dedicar qualquer escrito que eu faça na área da Terapia de Redecisão
ao meu amado amigo, o Dr. James Edward Heenan, 1925-1998, "um terapeuta de
perspicácia penetrante, o humor mais amável e infinita doçura "(McNeel, 1999, página
115).

Tradução: Maku de Almeida, MDF – Área Organizacional


Revisão: Ede Lanir Ferreira Paiva, Membro Didata, Área clínica
UNAT BRASIL – maio de 2017
CAPÍTULO 4
ABERTURA PARA A VITALIDADE DA EXPERIÊNCIA INCONSCIENTE7
William F Cornell
Minha visão é que a técnica do analista é sua atitude atualizada e que o que
mais importa é a curiosidade apaixonada domesticada a serviço da auto
inquirição do paciente, o analista sabendo um pouco sobre como o trabalho
analítico se desenvolve, não sobre como o paciente deve viver sua vida. 89

W. S. Polônia, comunicação pessoal, 4 de janeiro de 2015

Em treinamento durante a década de 1970, simultaneamente em Análise


Transacional e Radix, a neorreichiana educação corporal, tornei-me treinador em cada
uma das modalidades. Na superfície, essas duas metodologias eram aliados bastante
estranhos, na medida em que a AT era profundamente cognitiva e racional, com uma
regra estrita contra tocar os clientes, e a Radix era, em igual e oposto grau,
profundamente emocional, com toque e expressão corporal no núcleo das técnicas
neorreichianas (Kelley, 1988, 2004). No entanto, o que essas duas modalidades
mantinham em comum, era o posicionamento do terapeuta no exterior do processo
terapêutico, como aquele que avaliou as dificuldades do cliente a partir de um quadro
de referência teórico específico e então agiu sobre a maneira de ser do cliente, para
promover a mudança. Era tarefa do terapeuta de AT identificar Jogos e Scripts para
"curar" o cliente. Era tarefa do praticante de Radix, enfrentar as defesas de caráter
interpessoal e corporal para promover a catarse emocional e finalmente estabelecer a
"potência orgástica". Esse posicionamento ativo e consciente do terapeuta tinha
grande atração para mim como psicoterapeuta jovem, um tanto assustado e
excessivamente responsável. Serviu-me bem, mas eu, gradualmente, comecei a ver
que nem sempre serviu a meus clientes tão bem. Eu levei minhas perguntas e
preocupações clínicas para meus supervisores de AT e de Radix.
As respostas de supervisão eram estranhamente semelhantes: os problemas
estavam enraizados nas profundezas das resistências de meus clientes e das defesas
de caráter. Eu estava bem; eu simplesmente fiz mais do mesmo, mais longo, mais
difícil. Fiz o que me disseram e alguns dos meus clientes ficaram piores. Eu decidi
procurar outro lugar para as consultas. Eu sabia que as dificuldades fundamentais
estavam no meu estilo de trabalho, não nas resistências dos meus clientes. Procurei
supervisão fora da Análise Transacional e dos mundos Reichianos e comecei a ler,
procurando compreender os problemas que eu estava encontrando em meu trabalho
clínico. Comecei ser supervisionado por um terapeuta Kleiniano, cujo estilo era
diferente de tudo que eu conhecia. Eu odiava o processo, eu a odiava, mas eu sabia
que ela estava fazendo algo importante.

7
Transactional Analysis in Contemporary Psychotherapy, editado por Richard Erskine, Karnac , London
(UK), 2016. p. 79 a 97 no original.
Trabalhamos a partir das transcrições das sessões. Ela não disse nada sobre meus
clientes – nem diagnósticos, nem interpretações. Ela não fez sugestões técnicas, nem
desafiou o que eu estava fazendo. Ela essencialmente fez uma pergunta, em
aparentemente infinitas variações: "O que estava acontecendo dentro de você,
quando você escolheu para falar adequadamente naquela ocasião? Por que você
sentiu a necessidade de fazer alguma coisa naquele momento?" Gradualmente,
relutantemente, comecei a ver quantas vezes minhas intervenções - sejam elas 90

verbais, corporais, de suporte ou de confronto - foram precipitadas pela minha própria


ansiedade e pela minha necessidade de fazer algo. Também comecei a reconhecer,
que minha afinidade com essas metodologias ativas era uma promulgação do meu
Script. Na minha família de origem, eu era o fazedor, o zelador e o solucionador de
problemas, cá estava eu, novamente, desempenhando esses papéis no meu trabalho
profissional, sendo eles ou não adequados às necessidades dos meus clientes.
Procurei, então, a supervisão de um Analista Junguiano, apesar da minha visão
estereotipada que os junguianos eram inteiramente intelectuais e passavam seu
tempo diagnosticando arquétipos e desenhando mandalas com seus clientes. Este
homem provou ser um presente para o meu desenvolvimento profissional. Ele me
forneceu as primeiras lições sobre ouvir, ao invés de fazer. Ele me ensinou a gerenciar
minha ansiedade e suavizar meu estilo. Mais importante ainda, ele ouviu os impulsos
mais orientados para o crescimento dos meus clientes, ajudando-me a sair do meu
modo habitual de Jogo / Personagem / Defesa.
Durante esse período de tempo, suspendi a maior parte da minha terapia no
estilo Reichiano e convidei vários dos meus clientes de Terapia do Corpo a estudar e a
ler comigo, para ver se conseguíamos descobrir o que estava errado com a maneira
como trabalhávamos. Foi a nossa leitura da literatura relacionada ao Vietnã sobre
PTSD, que nos deu as primeiras ideias sobre o impacto do trauma e sobre como
distinguir as defesas dissociativas, daquelas do tipo clássico mais repressivo, que tanto
Berne quanto Reich enfatizaram. O resultado foi uma evolução na minha compreensão
de trabalhar com o processo do corpo, que eu escrevi consideravelmente ao longo dos
anos (Cornell, 2008b, 2011, 2015; Cornell & Liaiche, 2007; Cornell & Olio, 1992, 1993).
Sem o meu ocupado, supostamente empático, "útil", "bom pai" auto terapeuta de
alta velocidade, muitas vezes caí em um silêncio silencioso e vazio. Eu precisava, não
apenas aprender a ouvir de forma diferente, como também precisava aprender a falar
de forma diferente.
Voltei para a literatura psicanalítica, agora explorando analistas
contemporâneos. A descoberta do trabalho de D. W. Winnicott (1965; 107T),
Christopher Bollas (1987, 1989, 1999), James McLaughlin (2005) e Warren Poland
(1996, 2013) foi como uma revelação para mim. Aqui estavam os relatos da força e da
vitalidade da experiência inconsciente, que contrastavam com as teorias clássicas
psicanalíticas do inconsciente que Berne havia rejeitado no desenvolvimento da AT.
Estes analistas que descreveram, cada um à sua maneira, como escutar, como passar
longos períodos em silêncio atento e tolerar a incerteza. Era uma tarefa fundamental
na psicanálise clássica tornar o inconsciente consciente.
Para Bollas, a emoção das explorações psicanalíticas foi a de enriquecer a
experiência consciente com a profundidade, o mistério e a vitalidade da experiência
inconsciente. Minha imersão em seus escritos e minha boa sorte em trabalhar, em
estreita colaboração, com McLaughlin e Bollas forneceram a base para boa parte do 91

trabalho que descreverei neste capítulo. Jim McLaughlin e eu nunca estávamos em


supervisão ou terapia juntos; nossa relação de trabalho era em torno de sua e da
minha escrita. Assim que ele se familiarizou com minha escrita, ele fez uma
interpretação aguçada e inesquecível: "Parece-me que quanto mais perto está o seu
coração, mais silencioso você se torna." É como se você imaginasse que o silêncio pode
proteger melhor o que você aprecia. " Em supervisão com Christopher Bollas, durante
esse mesmo período de tempo, ele comentou que eu parecia ter medo do
inconsciente - tanto o meu, quanto o de meu cliente. Essas foram interpretações
transformadoras.
Minha descoberta, alguns anos depois, dos escritos de Muriel Dimen (2003,
2005) e Ruth Stein (1998a, 1998b) transformou radicalmente minha compreensão
sobre os significados e as funções da sexualidade, devolvendo a atenção à sexualidade
ao meu trabalho clínico. Minha leitura e encontros com esses analistas fizeram
mudanças fundamentais na minha compreensão do meu trabalho nos anos 90 e na
primeira década deste século. O impacto dessas perspectivas analíticas sobre o meu
trabalho será o foco deste capítulo. Este capítulo é baseado na minha evolução como
psicoterapeuta. No entanto, a força e a vitalidade dos reinos inconscientes estão
presentes sempre que trabalhamos como profissionais envolvidos na facilitação da
mudança psicológica, independentemente do nosso campo de aplicação particular.

Uma breve pausa com Eric Berne


A leitura de Winnicott e Bollas abriu novas formas para ler e compreender
Berne, o que levou a uma série de artigos explorando, tanto a riqueza quanto os
limites da escrita de Berne (Cornell & Landaiche, 2006, 2008, Cornell , 2015b). Ao reler
Berne com uma nova perspectiva, comecei a ver uma profundidade e uma sabedoria
muitas vezes conflituosa em seu trabalho, que não tinha se apresentado para mim no
meu estudo inicial dos seus livros ou na interpretação de Berne que tinha obtido no
meu treinamento de AT. Encontrei, ao reler Berne, um conceito que provou ser uma
chave na minha prática desvendar os dilemas clínicos que eu estava tentando
encontrar o meu caminho. Em sua Teoria dos Jogos, Berne (1964, p.64) fez distinções
entre o que ele chamou de "primeiro, segundo e terceiro graus" dos jogos, que eu
tenho entendido ainda mais para a compreensão e diferenciações de Script.
Por "primeiro grau", Berne descrevia níveis de defesas intrapsíquicas e
interpessoais que estavam razoavelmente disponíveis para a conscientização e
mudança através dos entendimentos e das intervenções cognitivas. Berne viu os Jogos
no primeiro grau como tendo uma função "social", ou seja, para tornar os
relacionamentos mais previsíveis. Os Jogos e os Scripts de segundo grau servem para
as finalidades defensivas, que operam fora da consciência e do controle. No segundo
grau, Berne viu uma divisão entre o nível consciente de comunicação e o outro, que é 92

mais significativo psicologicamente, que representa motivações mais inconscientes. Os


Jogos de segundo grau são entendidos como servindo mais à uma função psicológica
mais fundamental - ou seja, manter o Script - em vez de uma função social. As defesas
que operam neste nível não são tão facilmente passíveis de mudanças através de
intervenções cognitivas.
Berne (1966) desenvolveu seu modelo de tratamento de grupo principalmente
como um meio de ajudar os clientes a identificar e alterar seus Jogos de segundo grau.
Berne caracterizou Jogos de terceiro grau e Scripts como mantidos e vividos no nível
"tecido", o que ele quis dizer ao nível do corpo, em vez da mente. Berne viu as defesas
neste terceiro nível como sendo extremamente resistentes à mudança e, finalmente,
destrutivas. Ao ler Winnicott e Bollas, percebi o pessimismo de Berne em relação a
tratamento bem-sucedido das defesas de terceiro grau (e às vezes de segundo grau),
como consequência direta de se recusar a ver um lugar para trabalhar com experiência
e motivação inconscientes em Análise Transacional . Minha ênfase aqui é sobre o uso
da diferenciação de Berne dos graus de Jogos como uma indicação da organização
intrapsíquica.
Stuthridge e Sills (neste volume) oferecem uma nova elaboração do modelo de
Berne, enfatizando as implicações interpessoais e os impactos do grau do Jogo. É
importante reconhecer que, enquanto Berne enquadrou as diferenciações dos graus
de jogos em termos de níveis de defesa, essas variações da organização psíquica não
são, por si mesmas, defensivas ou patológicas. O fato, por exemplo, de que os aspectos
da experiência da pessoa são organizados e vivenciados principalmente no nível não-
verbal do corpo ("tecido") não os torna patológicos. Ao escrever sobre a teoria do
Script, Berne (1963) introduziu os conceitos de protocolo e palimpsesto:

Um protocolo ou palimpsesto é de natureza tão grosseira que é bastante inadequado


como um programa para adultos. Torna-se largamente esquecido (inconsciente) e é
substituído por uma versão mais civilizada, o Script próprio .... (P. 167)

Desta forma, ele descreveu um nível de organização somática inconsciente, sem a


atribuição de defesa e patologia atribuída aos Jogos de terceiro grau (Cornell &
Landaiche, 2006).
Nos cinquenta anos que se passaram desde a morte de Bene, o estudo dos padrões de
apego, processos de memória implícita, o modo sub-simbólico de organização,
transferência / contratransferência e pesquisa neuropsicológica mudaram
radicalmente nossa compreensão desses reinos somáticos e muitas vezes
inconscientes de experiências. Protocolo e palimpsesto não são intrinsecamente
patológicos, mas baseiam-se no que poderíamos chamar de "o bom, o mau e o feio"
de nossa experiência interna, no que hoje chamaríamos de memória processual 93

implícita. No nível de terceiro grau, viver as experiências com nossos clientes precede
e informa o que quer que venha a ser analisado e falado. As diferenciações de Berne
me ajudaram a ver que eu precisava desenvolver uma abordagem muito diferente de
psicoterapia. Eu podia ver, que embora minhas intervenções mais ativas e
interpretativas, sejam elas no estilo mais cognitivo da AT ou nas intervenções mais
somáticas dos modos neorreichianos, eram muitas vezes suficientes para clientes cujas
defesas estavam organizadas principalmente no nível do primeiro e segundo graus.
Mas para outros clientes e para as fases mais profundas e mais problemáticas do
tratamento, precisava haver mudanças fundamentais nas minhas formas costumeiras
de trabalhar. Eu não precisava jogar no lixo tudo o que eu estava fazendo, mas era
muito claro que eu precisava para expandir meus modos de trabalhar.

Duas pessoas separadas


Foi um período doloroso de aprendizagem em que eu gradualmente deixei ir
meu maníaco, excessivamente ativo, implacavelmente útil estilo de psicoterapia. Na
minha psicanálise pessoal, consegui enfrentar dolorosamente as funções defensivas da
minha necessidade maníaca de ação e eficácia. Aqui estava a presença da mãe, nas
motivações inconscientes da minha mania exagerada. A ausência do meu pai subjazia
no meu pavor do silêncio e da separação, que eu sentia ser o equivalente da
negligência e do isolamento. Meus consultores gentilmente, mas persistentemente,
apontaram como muitas vezes a minha aparente "empatia" para os meus clientes,
atendiam mais as necessidades da minha autoimagem, do que as necessidades dos
meus clientes.
Bollas falou repetidamente como um excesso de investimento em "empatia"
impede a experiência do cliente, tirando o seu direito à auto exploração. McLaughlin
argumentou: "Aqui eu enfatizo o trabalho de duas mentes separadas, para que eu
possa deixar claro que o foco central na visão de realidade do paciente não significa
procurar um acordo ininterrupto e unidade na díade" (2005, p.207). A escrita de
Poland, ao longo dos anos, enfatizou a separação fundamental das subjetividades do
terapeuta e do cliente, e exerceu uma influência silenciosa, porém persistente, no meu
estilo de trabalho. Recentemente, ele expressou a essência do que um terapeuta
precisa transmitir a um paciente dessa maneira:
Seja o que for que o analista diga, desde o esclarecimento mais trivial até a interpretação
mais profunda, seja qual for o conteúdo das palavras, uma mensagem crucial enterrada
profundamente na estrutura da própria elaboração da declaração é aquela que diz: "Não,
eu não sou você, nem sou um de seus fantasmas, mas como pessoas separadas, podemos
falar do que está envolvido. Não, eu não sou parte do seu sonho, mas como uma pessoa
que se importa com o que você está fazendo, mas que é separado, eu posso ajudá-lo a
encontrar as palavras para dizê-lo. (2012, p.947)
94
A disposição do terapeuta para respeitar essa separação essencial, dá ao cliente o
espaço e a liberdade de autodescoberta e autodefinição. Cheguei a ver como a auto
revelação de um terapeuta ou a valorização da mutualidade arriscam ainda mais um
impacto sobre as realidades e lutas psíquicas do cliente. Aos poucos, aprendi a ser
informado pelas minhas contratransferências e, em grande parte, a guardá-las para
mim, de modo a permitir que os meus clientes habitassem os seus desejos e lutas
intrapsíquicos:
A psicanálise ocorre entre duas pessoas, mas sinto como se vivesse nos recessos mais
profundos da minha vida privada. ... Cada encontro com um paciente me envia
profundamente em mim mesmo, a uma área de solidão essencial processada por leis
silenciosas de complexidade mental densa. ... o analista e seu paciente estão em um
estado curiosamente autobiográfico, movendo-se entre duas histórias, uma privilegiada (o
paciente) e outra recuada (o analista), no interesse de criar ausência generativa, para que
o paciente possa criar-se a partir destes dois materiais .... (Bollas, 1999, p. 11)

A posição de Bollas muitas vezes parecia assustadora e estranha para mim,


como um terapeuta que costumava usar seu trabalho com clientes para escapar de
mim mesmo. Seu senso de "ausência geradora" era um contraste surpreendente e
libertador em relação aos significados de ausência que eu havia internalizado com meu
pai. Profundamente deprimida durante os anos de pós-graduação, Catherine estava
desesperada para ter um lugar onde pudesse descobrir sua vida e seu senso de
identidade. Ela viveu sua vida, sendo enxergada apenas através dos olhos exigentes e
julgadores daqueles que a rodeavam. Foi com Catherine que aprendi, com particular
pungência, a importância de manter nossas histórias separadas e de tolerar minha
contratransferência. Nós estávamos trabalhando há quatro anos, quando sua mãe foi
diagnosticada com uma recorrência de um câncer anterior que tinha produzido uma
metástase nos ossos e cérebro. Durante esse mesmo período de tempo, minha irmã
estava doente terminal com metástases maciças oriundas do câncer. Minha irmã
morreu durante o tratamento da mãe de Catherine. Muitas vezes, ao ouvi-la, pensei na
minha irmã, que tinha a mesma idade da mãe de Catarina, na angústia de minha
sobrinha e dos meus sobrinhos. Às vezes, eu achava quase insuportável ouvi-la, como
se eu antecipasse o que estava à espera para ela e da sua mãe. Eu não disse nada a ela
sobre a situação de minha irmã ou o impacto em mim, do ato de escutá-la. Eu não
podia, nas sessões em si, classificar quais das minhas reações tinham a ver com
Catherine e quais eram minhas - elas eram muito imediatas e intensas.
Seu pai era tão emocionalmente absorto e alheio aos seus filhos quanto o marido de
minha irmã, então minha contratransferência era intensa e arriscava-se a ser intrusiva.
Eu mantive-a para mim mesmo e trabalhei comigo mesmo, de modo a permanecer
aberto à sua experiência. Os pais de Catherine eram cada um à sua maneira tão
profundamente auto envolvidos que não havia espaço para as lutas ou as necessidades
ligadas à como ela enfrentou a doença da mãe. Ela precisava que o espaço comigo
fosse inteiramente dela. Seu relacionamento com sua mãe tinha sido turbulento e 95

profundamente conflituoso, mas também amoroso e íntimo. Ela sentiu uma intensa
necessidade de evitar conflitos, à medida que sua mãe ficava mais doente. Catherine
muitas vezes dizia: "se minha mãe morrer", que eu nunca corrigi. No entanto, quando
falava da doença da sua mãe, eu sempre dizia, "quando sua mãe morrer". Ela me
perguntou um dia por que eu dizia "quando". Eu disse a ela que o câncer de sua mãe
era terminal, e que sua mãe, sem dúvida, sabia disso. Quando Catherine, seu pai ou
outra pessoa da família diziam "se", eles estavam mentindo. "É uma mentira que
pretende confortar", eu disse, no entanto, é uma mentira. Talvez seja uma mentira
que consola seu pai e sua família, mas sinaliza para sua mãe, que há coisas que não
podem ser ditas, não podem ser enfrentadas juntos e que ela pode estar enfrentando
sua morte sozinha. Eu não estou disposto a participar na mentira com você. Você pode
fazer uma escolha diferente com sua família. Com o tempo, Catherine aprendeu a falar
livremente com sua mãe, e sua mãe foi capaz de responder da mesma maneira, e,
felizmente, eles não perderam a capacidade de discutir uns com os outros. Catherine
encontrou seu caminho para acompanhar sua mãe moribunda. Podiam falar a verdade
uma para a outra. À medida que sua mãe se aproximava da morte, Catherine muitas
vezes dizia que era muito emotiva e que seus sentimentos iriam perturbar a mãe.
Como sua mãe se tornou cada vez menos capaz de se comunicar verbalmente,
Catherine queria desesperadamente ouvir da sua mãe suas crenças e sentimentos
sobre morrer. Catherine queria dizer adeus, dizer à sua mãe o quanto sentiria falta
dela, e quão zangada ela estava com o câncer. Mas Catherine foi silenciada por sua
família, que insistiu que sua mãe precisava ser "protegida" do fato de que estava
morrendo. Fiquei silenciosamente furioso com sua família e assustado pela
possibilidade dela perder essa preciosa oportunidade com sua mãe. Eu tinha certeza
de que sua mãe sabia que estava morrendo e que não precisava ser "protegida" dessa
realidade. Eu tinha que tomar uma decisão sobre como e se falar a respeito do que eu
estava pensando e sentindo. Eu não tinha certeza do que dizer, se dissesse alguma
coisa. A auto revelação não é uma decisão casual e eu não queria falar apenas para
aliviar minha própria angústia (Aron, 1996; Cornell, 2014; Jacobs, 2013; Maroda, 1999;
McLaughlin, 2005). Eu não queria ser outra pessoa dizendo a Catherine o que pensar e
sentir, invadindo-a com meus sentimentos. Eu finalmente decidi falar-lhe diretamente
sobre minha própria experiência, com minha irmã e sua família. "Você pode se lembrar
do verão passado, quando eu me ausentei do trabalho, por um tempo ?
Minha irmã morreu no verão passado, com um câncer muito parecido com o da sua
mãe. Fiquei um tempo com ela e seus filhos. Eu aprendi algumas coisas dolorosas,
mas importantes, com a minha irmã e, da sua doença e do fato de estar morrendo
que eu gostaria de compartilhar com você, se você achar que seja útil. É diferente do
que você está ouvindo da sua família. Ela concordou e falei com ela sobre o quão foi
importante para minha irmã e seus filhos parar de fingir que haveria uma recuperação
milagrosa, desistir da esperança juntos e falar abertamente sobre sua morte iminente. 96

Essas conversas deram a minha irmã paz e intimidade antes de morrer. As conversas
com Catherine sobre minha irmã e sua família, tipicamente muito breves, continuaram
depois que sua mãe morreu. Meu foco estava em minha irmã; seus filhos, e suas
necessidades, não minha própria experiência. Catherine nunca me perguntou o que
significava para mim - ela sabia que não era esse o ponto. As histórias da morte de
minha irmã deram a Catherine a coragem e a liberdade de ir contra as pressões de sua
família e falar com sua mãe como ela precisava. Sua mãe agradeceu a oportunidade.
Catherine é agora uma mãe de uma menininha. Nossas sessões são o lugar onde ela
pode lamentar a ausência de sua mãe, durante este precioso período de vida. Sua mãe
nunca é mencionada em sua família.

O terapeuta como objeto inconsciente na psique evolutiva do cliente


Leio Winnicott há mais de duas décadas. Sua maneira de escrever, assim como
sua maneira de trabalhar como um analista, era altamente idiossincráticas. Suas
maneiras de escrever e trabalhar me exigiram anos de estudo para entender. Sua
maneira de pensar sobre o processo psicoterapêutico, informa profundamente e
transforma meu entendimento da psicoterapia. No coração da compreensão de
Winnicott sobre o desenvolvimento humano, seja dentro da paridade pai / criança ou
analista / paciente, está a necessidade de agressão, crueldade e uso de objetos (1965,
1971). Winnicott (1984), através do seu trabalho com crianças e adolescentes, bem
como com seus pacientes adultos, chegou a entender que as expressões de agressão e
destruição eram um esforço para forçar o ambiente externo a responder às
necessidades internas. Winnicott via a agressão como uma manifestação de
esperança, de que o objeto (outro) sobreviverá às projeções e demandas, facilitando
assim a diferenciação do eu e do outro. No desenvolvimento do ego e na elaboração
do "eu verdadeiro" de uma criança ou de um paciente (Winnicott, 1965), a intenção
inconsciente no uso do objeto não é a destruição do objeto, mas a descoberta do eu.
Meu antigo desejo de ser um terapeuta útil impediu a possibilidade dos meus clientes
me usarem, em seus próprios caminhos na descoberta e na elaboração de si mesmos.
Eles não tinham a liberdade ou o espaço para se encontrarem, porque eu sempre
estava lá primeiro. Minha leitura de Winnicott e as consultas com Bollas começaram a
me mostrar maneiras de sair do caminho dos meus clientes, para abrir um tipo
diferente de espaço terapêutico, de modo a estar disponível para ser usado pelos
meus clientes, em vez de ser útil para eles.
Bollas, profundamente influenciado por Winnicott, descreveu o núcleo da atitude de
Winnicott em relação à vida e à psicanálise em linguagem que eu achei
profundamente convincente:

A questão que Winnicott aborda, só pode ser compreendida se compreendermos que ele
não assume que todos "vivemos" uma vida. Podemos construir uma aparência de tal e
certamente o falso auto Self atesta isso. Mas, para viver uma vida, para ganhar vida, uma 97
pessoa deve ser capaz de usar objetos de uma forma que assume que tais objetos
sobrevivam ao ódio e não exijam trabalho reparativo indevido. (1989, p. 26)

Aprendi o verdadeiro significado do uso do objeto através do meu trabalho


com Alessia. Ela irrompeu no meu escritório como uma nuvem de tempestade, uma
presença escura e assustadora que encheu a sala. Ela comandava a atenção e
imediatamente teve a minha. Uma estudante de pós-graduação, com seus vinte e
poucos anos, ela parecia simultaneamente uma menina perdida e uma mulher
poderosa, possuída. Ela era casada, mas estava farta de seu marido e pensava deixá-lo.
"Oh", eu pensei nessa sessão inicial, "um trabalho simples - ajudá-la a tomar uma
decisão sobre o casamento dela". Não era esse o caso. Os pais de Alessia eram
médicos, profissionais proeminentes, que falavam sobre a filha, identificando-a como
paciente, desde provavelmente o tempo em que ela tinha aprendido a andar. Mal na
escola primária, ela fora mandada para psicoterapia. Eu era, talvez, seu oitavo ou nono
psicoterapeuta (Ela não sabia o número preciso). Enquanto ela descrevia a gama de
diagnósticos que ela recebeu, ao longo da sua vida relativamente curta, eu tive a
fantasia de que o DSM exigiria revisão contínua, a fim de dar aos seus pais novas
oportunidades para atribuir diagnósticos. Embora seus pais estivessem
implacavelmente preocupados com a psicopatologia de sua filha, eles não prestavam
muita atenção à sua vida real.
Quando adolescente, Alessia tinha estruturado uma vida secreta,
completamente fora da consciência de seus pais, muito preocupados e ocupados. Sua
vida secreta estava cheia de exploração sexual e encontros. Na sexualidade, sentia-se
plenamente viva. Ela se casou na época da faculdade. Seu casamento era um arranjo
poliamoroso, com múltiplos amantes de ambos os sexos. O que mais poderia um
jovem pedir, eu queria saber quando ouvi suas histórias. Percebi-me invejoso. Durante
aqueles anos de formação da minha vida, quando minhas fantasias sexuais estavam
próximas da vida que Alessia estava realmente vivendo, eu me limitara à segurança de
uma única relação heterossexual. Alessia, por outro lado, parecia devorar amantes e
outras experiências intensas como alimento e pasto para sua vida. Nos primeiros cinco
anos do nosso trabalho, qualquer comentário, observação, reflexão ou interpretação
que eu oferecia era descartado. Na maior parte do tempo, eu ficava com a sensação de
que o que eu dizia era simplesmente insólito e irrelevante, mas havia momentos em
que a resposta de Alessia às minhas intervenções, consistia em deixar bem claro que o
que eu disse era completamente estúpido e injustificado.
Eu não poderia explicar por que na época, mas eu tinha a sensação muito clara de que
a única coisa que teria sido ainda mais estúpida do que eu já tinha dito, teria sido algo
como, "Você já notou que você rejeita tudo o que eu falo?” Pergunto-me se
poderíamos falar sobre isso. "Ou, pior ainda:" Acho que você está colocando o rosto de
seu pai em mim. "Minha contratransferência estava intensamente confusa. Eu sempre
olhei para frente, para enxergá-la, bastante emocionada por sua paixão e
agressividade Ao mesmo tempo, eu me sentia reduzido a uma audiência, assistindo a 98

um tipo de performance teatral de uma só mulher. Minha contratransferência


negativa encontrou alívio através dos diagnósticos, que podiam situar o problema
diretamente na sua maneira de ser. Eu poderia recair sobre minha caracterização
Reichiana e declará-la (para mim mesmo em silêncio) como histérica, talvez até
mesmo uma psicopata. Do meu quadro de referência de AT, poderia preencher um
pequeno léxico de Jogos: "Se não fosse por você"; "Agora eu te peguei, seu filho da
puta"; "Sinuca"; "Tumulto"; "Não é horrível"; a lista poderia continuar. Era interessante
e não acidental, que ela nunca tenha me pedido nada, exceto um diagnóstico, que ela
pedia repetidamente! Aqui eu tive o tato de responder, calmamente, cada vez com
algo tipo, "Você teve uma vida inteira de diagnósticos. Eu não posso ver a utilidade de
outro. Quero conhecê-la, não diagnosticá-la. "Mas qualquer outra coisa que eu
oferecesse seria imediatamente rejeitada. Se eu estivesse trabalhando com ela alguns
anos antes, eu provavelmente teria destruído a terapia através de alguma forma de
confronto, em vez de tolerar e aprender através da minha contratransferência.
Alessia nunca parou de falar. Não fizemos nenhum "contrato" no sentido da
Análise Transacional de um propósito explícito ou objetivo para o nosso trabalho. Ela
veio às sessões; ela falou; eu escutei. Este parecia ser o negócio. À medida que os
meses passavam, eu me sentia como um terapeuta sem emprego, certamente não era
o trabalho que eu costumava me propor. Embora eu sentisse que eu não tinha
nenhuma importância pessoal para ela, as sessões eram claramente importantes. Ela
nunca se atrasava. Ela nunca perdia uma sessão. Quando ela viajava (o que bastante
frequentemente, ela fazia à trabalho), ela sempre planejava uma sessão por telefone.
Estranhamente, eu não me irritava com ela.
Muito pelo contrário, sentia uma crescente contratransferência paternal de
admiração e proteção para com ela. Eu não sabia o que estava acontecendo, mas eu
"sabia" - no sentido Bollas do desconhecido conhecido (ou talvez "impensável
conhecido" estava mais perto da verdade) - que algo importante estava acontecendo.
Embora ela nunca tenha dito isso, eu tinha a razoável certeza de que minha admiração
por ela havia se registrado em algum lugar dentro dela. Era talvez muito importante
que eu nunca questionasse suas atividades sexuais, que por padrões convencionais só
seriam vistos como perversas. Estava claro para mim que sua vida sexual era uma
plataforma essencial para seu bem-estar. Ao mesmo tempo, temia que isto a deixasse
exposta à exploração. Muitas vezes ela expressava surpresa e / ou indignação quando
alguma parceria sexual desabasse ou explodisse.
Tive a clara impressão de que ela também ficava ferida, mas mantive minhas
observações para mim mesmo. Fiquei mais cômodo com os aspectos eróticos da
minha contratransferência. Eu podia sentar com Alessia e sentir meus afetos
crescentes por ela, saboreando sua sexualidade passional. Felizmente para nós dois,
no momento em que Alessia veio me ver, eu estava trabalhando com McLaughlin e
Bollas, cada um dos quais, à sua maneira, estava me ensinando a viver com a minha
contratransferência, em vez de agirem através de confronto , Interpretação, ou 99

"compartilhá-la" na auto revelação.


Bollas escreve sobre a necessidade da "receptividade contratransferencial",
que ele descreve como "uma capacidade de receber a vida e suportar um não saber
sobre o que está ocorrendo, embora com uma profunda reflexão sobre e que brincar
seja o meio de tal recepção" (1999, p. 44). O que ficou mais claro para mim foi que
minha disposição, de fato a necessidade, de manter distância serviu à uma função
essencial. Comecei a ter a sensação de que minha presença paterna, era a de um pai
que se importava, mas podia ficar fora do caminho. Suas rejeições automáticas dos
meus comentários nos primeiros meses da terapia foram profundamente instrutivas.
Visto através da lente dos graus de Jogos de Berne, era claro que não estávamos
trabalhando no nível de percepção cognitiva e / ou projeções e relações
transferenciais. Nosso trabalho foi no terceiro grau. Os anos passaram. Se eu viajava,
ela nunca solicitava um contato telefônico. Ela nunca perguntava para onde eu estava
indo. Ela nunca havia feito uma única pergunta sobre minha vida ou meu trabalho.
Depois de cerca de cinco anos, ela perguntou ao final de uma sessão: "Então, o que
você acha?" Fiquei assustado. Por que agora, eu me perguntava. Não lembro mais do
que ela falou ou como eu respondi sua pergunta. Eu me lembro da sua resposta,
"Bem, eu não sei como diabos você veio com isso." Ah bem. Talvez houvesse outra
hora em que ela voltaria a perguntar. Como é frequentemente o caso para mim,
quando estou trabalhando com um cliente, durante períodos de desconhecimento e
incerteza, vários trechos das coisas que eu li vêm à minha mente como objetos a
serem usados. Trilhar meu caminho através dos autores difíceis é uma das minhas
formas favoritas e mais produtivas de uso de objetos. O primeiro pedaço que começou
a pressionar minha consciência foi a descrição de Berne (1972) da formação do Script
como uma parede em torno do "jardim secreto" da criança, para proteger seus mais
preciosos desejos e fantasias da intrusão e do dano de outro. Pensei em como Alessia
conseguira manter tanto da sua vida escondido dos seus pais. Eu encontrei um novo
significado na honestidade de Alessia comigo; ala não parecia precisar guardar
segredos de mim. Algum tipo de compreensão estava tomando forma, como outra
associação para ocultar e privacidade veio à minha mente, conforme diz Jim
McLaughlin:
É este eu privado que fornece a estabilidade interna e nutrição. No entanto, é também um
esconderijo para aqueles aspectos mais indesejados e problemáticos o que tememos e
que desejamos que não tivéssemos. É este agregado que zelosamente protege,
principalmente mantem escondido e agarra-se com a nossa essência. É o que trazemos
para o outro quando nos envolvemos na díade analítica. (1995, pp. 434-435)

100
Eu estabeleci uma nova compreensão e respeito pela distância cuidadosa e
atenciosa que eu estava mantendo. Eu continuei a me "consultar" com vários autores,
quando me sentava para uma sessão. Winnicott também "me visitou" em várias
sessões. Algo dele se enraizou na minha consciência, mas eu não conseguia segurar.
Na época em que Alessia começou a trabalhar comigo, ela praticamente cortara todo o
contato com seus pais, especialmente com o pai, que ela achava grosseiro e "muito
cheio de si mesmo". Ao longo do nosso trabalho, ela estava mais concentrada em si
mesma, então ela se sentiu confiante o suficiente para começar a restabelecer contato
com seus pais. Seu pai retornou rapidamente para seu intrusivo e teimoso self. Ela
estava me contando, com raiva, da sua conversa telefônica mais recente com seu pai,
que terminou com ela gritando para ele, "Não é nada do seu maldito negócio."
Enquanto escutava esse último encontro com seu pai, Winnicott voltou para a sala.
Agora eu sabia o que "Winnicott" estava tentando me dizer e naquela noite encontrei
a peça que eu precisava ler. Winnicott escreveu sobre as primeiras raízes da
capacidade de agressão, na qual descreve a "motilidade" da criança, através da qual "o
ambiente é constantemente descoberto e redescoberto" (1950, p.221). A motilidade é
a palavra que ele usou para caracterizar as explorações sensório-motoras do bebê e da
criança do mundo ao seu redor. Ele descreve três padrões da resposta ambiental
(geralmente parental) à 1) liberdade de explorar e experimentar; 2) o ambiente
"impacta", restringindo assim a liberdade da criança de formar a sua própria
experiência; e 3) um padrão persistente e extremo de impacto. O resultado de tais
impactos "persistentes e extremos" é que:
Não há sequer um lugar de descanso para a experiência individual .... O "indivíduo" então
se desenvolve como uma extensão da casca e não do núcleo .... O que resta do núcleo
está escondido e é difícil de encontrar, mesmo na análise mais abrangente. O indivíduo
então existe por não ser encontrado. (p. 212, ênfase no original)
Eu desenvolvi uma sensação cada vez mais aguda da vulnerabilidade de Alessia - que
eu sentia, mas nunca falava. Eu também senti um crescente reconhecimento da minha
identificação com a sua energia maníaca. Enquanto eu permitia que sua energia e a
minha própria se registrassem cada vez mais intensamente no meu corpo, comecei a
encontrar um caminho a seguir, uma maneira de criar um espaço ligeiramente
diferente com ela. Eu sabia que tinha que encontrar uma maneira de falar, além da sua
implacável energia e atividade. A partir da junção de mais de cinco anos de trabalho
juntos, eu sabia que não podia falar diretamente com ela. Eu não poderia dizer uma
coisa como, "Você ficou brava com seu pai, mas também deve ter sido muito
doloroso." Tive que falar em terceira pessoa: "Os pais podem ser tão irritantes". "Sim,
me diga algo que eu já não sei." "E podem ser tão decepcionantes." Desta vez, sua
resposta foi em uma voz suave, "Sim, eles podem." Um novo espaço aberto entre nós.
Eu poderia encontrar maneiras de começar a falar para(ou sobre) a sua
vulnerabilidade, tristeza, incerteza - qualidades que eu conhecia ,à partir da minha
própria experiência, podem estar tão profundamente escondidas sob as defesas
maníacas. Aprendi a falar com ela (e sobre ela) na terceira pessoa: "O sexo seria muito
mais fácil se não houvesse alguém lá". Para isso ela respondeu: "Sim, isso pode ser 101

arranjado, a metade das pessoas do planeta tem o melhor sexo por si só, a indústria
pornográfica faz bilhões, mas é meio vazio". Havia, naturalmente, muitas variações na
minha terceira pessoa reflexões: "Parceiros podem ser tão sem noção"; "As pessoas
muitas vezes não reconhecem, que começar um negócio é como ter um filho - é muito
precioso"; "Às vezes as palavras que saem da boca de alguém não são o que realmente
estão sentindo"; "A raiva é, tantas vezes, apenas parte do quadro"; "É difícil suportar a
decepção - é quase impossível falar"; "É um mistério como as pessoas cheguem a
entender um ao outro". Gradualmente, ela começou a falar de e para esses lugares,
dentro de si mesma. Ela começou a me perguntar: "Então, o que você acha?" E quer
fazer a pergunta. Nossas sessões tornaram-se cada vez mais diálogos confiáveis.
Winnicott faz uma importante distinção no final de sua discussão sobre o uso de
objetos: "Quero concluir com uma nota sobre o uso: por" uso "não quero dizer"
exploração "(1971, p.94) , "É o maior elogio que podemos receber se ambos são
encontrados e usados" (1989, p.223). Ele colocou grande ênfase no direito de uma
criança ou de um paciente de encontrar o objeto confiável. O terapeuta não fornece
simplesmente uma atmosfera de apoio, que o paciente grato pode se envolver. O
ambiente terapêutico precisa ser usado, testado e algumas vezes atacado, para ser
considerado confiável. É um processo que é simultaneamente impessoal e íntimo.
Winnicott continua para sugerir: "Ao lado disso vemos muitos tratamentos que são
uma extensão infinita do não-uso, mantidos indefinidamente pelo medo do confronto
com o problema em si - que é uma incapacidade de usar e ser usado" (ibid., P.235).
Durante anos, Alessia tinha me mantido como um objeto para ser usado para sua
próprio desenvolvimento intrapsíquico. Um objeto que estava presente e interessado,
mas não intrusivo, pouco exigente. Eu tinha sido encontrado para ser confiável, e
agora poderíamos nos mover gradualmente para enfrentar "o problema em si".
Sexualidade e Eros na psicoterapia
Os desejos sexuais e eróticos, embora tão frequentemente enterrados e
distorcidos pelas sombras do passado, têm - no seu melhor - a evocação implacável do
futuro:
O desejo sexual, portanto, nos educa ao longo das nossas vidas. Muitas vezes, reflete
nosso anseio por algo que não temos atualmente. Como quase tudo nas nossas vidas é
periodicamente insatisfatório, nossos novos desejos sexuais nos informam sobre nossas
deficiências sentidas em nós mesmos e em nossos relacionamentos e como eles podem
ser melhorados. (Levine, 2003, p. 284)
A sexualidade pode ser uma colaboradora maravilhosa para nossas capacidades
eróticas, mas o sexo também pode ser amortecimento, entorpecimento, distração. Há
poucos clientes com quem as discussões de sexualidade não se tornam parte do nosso
trabalho em conjunto. A sexualidade de Alessia era sempre muito exposta, mas sua
multiplicidade de significados - e, talvez, de "problemas em si" - permanecia
inexplorada. Sua vida cotidiana estava cheia de atividade sexual. Aqui, juntos,
lentamente, silenciosamente, formamos um tipo diferente de espaço erótico, um 102

espaço para o pensamento erótico. Posso imaginar que isso possa surpreender alguns
leitores, como um acasalamento bastante bizarro - Eros e o pensamento -
especialmente de um escritor frequentemente conhecido por sua abordagem
psicoterapêutica centrada no corpo. A força do erótico se aproxima mais plenamente
da vida, o estabelecimento da capacidade de uma vitalidade mais profunda e robusta
para encontrar a vida, seja corpo a corpo ou mente-a-mente.
Pensar juntos pode ser uma experiência maravilhosamente erótica. O nosso era um
espaço psíquico vitalmente necessário, permitindo a cada um de nós, um tipo muito
particular de solidão. O Eros subjacente da nossa dupla de trabalho se tornou mais
aparente. Em um brilhante ensaio sobre a erótica da transferência, Jessica Benjamin
observa:
Na solidão proporcionada pelo outro, o sujeito tem um espaço para se tornar absorvido
com ritmos intelectuais ao invés de reagir ao exterior. ... Esta experiência na transferência
tem seu correlato na contratransferência, na qual o analista imagina seu próprio
compartilhamento com o paciente, um estado semelhante de intensa absorção e
receptividade, imerso em um fluxo de material sem a necessidade de ativamente
Interpretar ou injetar a si mesma. (1995, p. 141)

É talvez mais plena e persistentemente em nossas relações sexuais que encontramos o


"uso de objeto", tanto como o usuário quanto o usado. O sexo carrega o mesmo
paradoxo que Winnicott atribui ao uso do objeto - é ao mesmo tempo a possibilidade
de ser profundamente impessoal e gratificantemente íntimo. A sexualidade humana
simultaneamente nos força para o outro e para dentro de nós mesmos. Modelos
contemporâneos de psicoterapia e psicanálise parecem ignorar ou domesticar a
sexualidade (Cornell, 2003, 2015a, Green, 1996). Como Muriel Dimen observou de
forma cortante: "A sexualidade tornou-se uma relação, não uma força" (2003, p.157).
Nas últimas duas décadas, analistas contemporâneos como J. Benjamin (1995), Davies
(1994, 1998), Dimen (2003, 2005, 2011), Slavin (2003, 2007) e Stein (1998a, 1998b,
2008) têm articulado de novo a força da sexualidade e da vida erótica. Stein, por
exemplo, argumentou que é na própria natureza do "excesso de sexualidade que
quebra as estruturas psíquicas ... de modo a permitir que novas evoluam "(2008, p.43)
Foi somente através da literatura psicanalítica mais contemporânea que encontrei
discussões clínicas significativas e provocativas sobre a sexualidade que esclareceram
minha prática clínica (Cornell, 2003a, 2009b, 2015).
Com muitos dos meus clientes, o nosso trabalho envolveu a promoção de uma maior
capacidade de agressão e de utilização de objetos nas suas relações sexuais, mas para
Alessia, a sua sexualidade precisava tornar-se não só uma força, mas também uma
relação. Proporcionava uma função essencial - e enfatizo a função, em contraste com
defesa - de saber através da sensação e da ação que ela conseguia controlar e conter
as intensidades e o potencial invasivo dos desejos e das práticas sexuais dos outros. O
vigor das suas relações sexuais precisava se expandir, para dar espaço para seus desejo 103

e vulnerabilidade. Meu discurso na terceira pessoa sobre perda, tristeza,


vulnerabilidade, incerteza e desapontamento poderia ressoar dentro dela, sem definir
sua experiência pessoal. O espaço criado pela terceira pessoa me permitiu falar e
permitiu à Alessia a liberdade de considerar, consciente e inconscientemente, a
relevância para ela do que eu estava dizendo. Ela começou a procurar diferentes
qualidades e capacidades emocionais em seus parceiros e amigos. Sua vida sexual
permaneceu tão robusta como sempre. Nunca me envolvi em interpretações de
transferência ou reflexões com Alessia. A natureza do nosso relacionamento foi vivida
e experimentada, em vez de discutida e analisada. Não tenho dúvidas de que meu
modo de estar com ela, silenciosa e respeitosamente atento, criou, a um nível
inconsciente, um sentimento de novas possibilidades de parentesco. Ela começou a
procurar relacionamentos mais consistentes e atenciosos em sua vida. Ela parece ter
conseguido treinar sua mãe para ter uma melhor escuta e o pai para ser receptivo. Seu
pai continua problemático.
O que espero ter ilustrado com este relato do nosso trabalho em conjunto é que não
foi o conteúdo da conversa de Alessia que me informou, foi como ela falou e se
relacionou comigo. Este é o cerne da experiência inconsciente organizada no terceiro
grau (ou protocolo): é na própria maneira de ser. Muitos clientes, naturalmente,
podem e fazem uso de observações e intervenções verbais (e somáticas) muito mais
frequentes. Este não era o caso de Alessia. As invasões incansáveis dos seus pais eram ,
por um longo tempo, como o ar que ela respirava . Nossas sessões precisavam
proporcionar uma atmosfera muito diferente - por muito tempo - e eu precisava trazer
minha atenção e meu cuidado para ela de uma maneira muito diferente do que ela
sempre experimentou. Eu deveria ser moldado por ela, ao invés do contrário. A
consistência e a confiabilidade do meu interesse não invasivo, gradualmente,
permitiram a liberdade para que o relacionamento comigo e com ela mesma,
acontecesse de maneira diferente.

Encerrando
Pratico há mais de quarenta anos. Através de todos esses anos, tive uma boa sorte de
aprender com um grupo de consultores e mentores notáveis, desafiadores e
inspiradores. A nossa é uma profissão rica de oportunidade e da necessidade, de
realmente pensar, constantemente, de novo. Eu fui atraído primeiramente à Análise
Transacional pela consideração profunda de Berne pelos seus pacientes.
Minha formação acadêmica foi em fenomenologia, uma conhecimento que
proporciona a melhor base possível para o empreendimento psicoterapêutico. Vi em
Berne o início de uma integração da perspectiva fenomenológica com a psicanálise. No
momento da minha formação inicial, o que era mais importante para mim foi que a AT
me deu uma estrutura para pensar e alguma ideia do que realmente fazer com as
pessoas quando estavam no meu consultório. Era um presente muito rico para um
terapeuta novato. Fenomenologia e Análise Transacional são a minha base. Nos 104

últimos vinte anos, minhas leituras e estudos com psicanalistas contemporâneos me


levaram "sob" esse terreno para os ricos domínios da experiência e da comunicação
inconscientes. Nos últimos anos, o meu aprendizado foi particularmente enriquecido
por estudos com Maurice Apprey (2006), um psicanalista de formação clássica que
também é profundamente versado na fenomenologia e está trazendo essas duas
disciplinas para um diálogo requintado. Com Apprey, eu encontrei uma integração
aprofundada desses dois modos de investigação psicológica que eu vi pela primeira vez
como uma "possibilidade de leitura de Berne”. Ao olhar para frente, continuo também
a aprender a criar espaço para o surgimento dos domínios inconscientes no meu
trabalho com grupos. Eu me sinto mais à vontade em díades, e como líder de um
grupo encontrei muita segurança na estrutura típica de um tratamento de AT ou de
um grupo de treinamento. Mas nos últimos anos estou mais tolerante, às vezes até
ansioso, pelo desconforto, imprevisibilidade e profundidade oferecidos pelos modelos
de grupos analíticos e orientados para o processo (Landaiche, 2012, Nitsun, 1996, Van
Beekum, 2012). Aqui está a vanguarda da minha aprendizagem contínua.

Tradução: Maku de Almeida, MDF Organizacional


Revisão: Ede Lanir Ferreira Paiva, Membro Didata, Área clínica
UNAT BRASIL – maio de 2017
CAPÍTULO 5
DA IMPENETRABILIDADE PARA A TRANSPARÊNCIA: O EU DO ESPECTADOR
Elana Leigh
Lidar com a evolução da teoria e com o processo de integrá-la à nossa pratica é
uma responsabilidade complexa e exigente, mas essencial. A tarefa não é fácil em um
ambiente de polaridades, o que pode fazer-nos sentir como se encravados entre um 105

lugar e outro, na nossa busca de uma identidade terapêutica verdadeiramente


autêntica. Bromberg capta essas experiências quando diz: "É só porque a linha entre o
"pessoal" e o "profissional" é permeável, ao invés de ter bordas rígidas, que é possível
existir a relação terapêutica " (1996, p.13).
Neste capítulo eu vou explorar como a mudança relacional no pensamento
contemporâneo me afetou como analista transacional. Ao destacar a nossa história
psicanalítica e a teoria de Freud sobre luto e melancolia, eu vou enfatizar a
importância de se integrar o antigo às novas teorias, ao invés de repudiar seu
posicionamento. Vou argumentar que a abordagem do desenvolvimento evolutivo das
teorias e práticas, facilita a integração e isso envolve, necessariamente, revisitar o
passado, a fim de integrar as partes repudiadas do self. Isso facilita a criação de uma
narrativa pessoal consistente e contínua, e é isso que cria o autêntico "Eu" em nossa
identidade terapêutica e no relacionamento com nossos clientes.
O psicanalista Stephen Mitchell (1988), muitas vezes reconhecido como o pai
da psicanálise relacional, nos convida a procurar e criar nossa própria metodologia
relacional, isso me deu permissão para integrar minha história na Análise Transacional
humanística com minha presente perspectiva da psicoanálise relacional. Este convite
abriu uma década de exploração sobre o que esta integração significou para mim. Este
documento descreve o meu processo evolutivo pessoal como uma psicoterapeuta, da
impenetrabilidade à transparência, o que , de certa forma, era a minha versão da luta
de Freud com o dilema da subjetividade do psicoterapeuta no relacionamento
terapeutico.
Desde Freud, um dos debates em curso no campo da psicoterapia tem-se
centrado na subjetividade contra a objetividade do psicoterapeuta. Freud tinha uma
profunda aversão à subjetividade do analista ser usada no tratamento e na verdade,
advertiu Jung sobre isso, quando ele sugeriu que o psicanalista deve ser opaco para
seu paciente e, como um espelho, não revelar nada, mas mostrar ao cliente o que ele é
(1912 e). Ao longo da sua vida sustentando este locus da ação terapêutica, ele estava
preocupado como que o uso do self do analista poderia interferir com a natureza
científica da psicanálise e os levar à expulsão das ciências. No seu desejo que a
psicanálise fosse levada a sério, como uma ciência, ele aparentemente tinha que
minimizar a importância da subjetividade do terapeuta.
O dilema de Freud destaca a dinâmica na qual, no processo de criação de algo
novo, estamos nos separando muitas vezes, simultaneamente, de alguém ou de algo. À
medida que entramos neste processo de separação, ao mesmo tempo entramos na
luta paradoxal para ser reconhecido por aqueles que estão partindo. Esta dinâmica
bilateral complexa pode criar uma ferida narcísica para ambas as partes: o que está
sendo deixado sente-se traído e aquele que parte pode experimentar uma sensação de
grandiosidade, que abrange sentimentos mais complexos de vergonha, culpa e medo. 106

Quando a ruptura é muito grande, não há alternativa para que o relacionamento seja
renegociado, mas para encontrar o seu próprio caminho sozinho. Eu acredito que esta
fala diz respeito às muitas divisões que ocorreram desde Freud. Estas dinâmicas não
processadas foram realizadas coletivamente e, talvez, tenham contribuído para a
fragmentação e a incapacidade de se falar da diferença no campo da psicoterapia.

O desejo e as consequências da separação


Freud queria se isolar e criar uma nova ciência da mente e ainda assim ele
investiu a maior parte da energia, consciente ou inconscientemente, tentando obter
reconhecimento e aceitação dos cientistas. O mesmo aconteceu com a tradição
humanística, na qual aconteceu uma tentativa de romper com o modelo médico e não
demorou muito para que a atenção deslocasse da emoção de criar uma revolução,
para o desejo de obter o reconhecimento da família psicanalítica, de quem os
humanistas haviam se separado. Desde o início a questão da inclusão / exclusão,
reconhecimento e aceitação desempenhou um papel central na forma como os
psicoterapeutas se posicionaram e como as teorias foram estruturadas. Embora a
psicanálise tenha se transformado em uma gama de diferentes abordagens e
sensibilidades, a psicanálise clássica, cujos limites rígidos e opacos que eram esperados
a partir da análise, descartou qualquer subjetividade perigosa que pudesse interferir
com a evidência científica do modelo, que Freud avidamente protegia.
Em minha opinião, foi a ambivalência de Freud sobre a subjetividade do
analista que formou suas teorias e práticas bastante rígidas. Este fenômeno de criar
um comportamento oposto, a fim de proteger o que se teme é comum e está incluído
na teoria de Freud sobre os mecanismos de defesa como a formação de reação. Isto
tem sido descrito como "... a conversão de um impulso socialmente inaceitáveis para
seu oposto. O consciente é oposto ao inconsciente" (Baumeister, Dale & Sommer,
1998, p. 1085). Estou formulando uma hipótese, na qual os limites rígidos e opacos
esperados dos analistas, não só protegiam a psicanálise de cair em desgraça com as
ciências, como também eram uma forma de reação, que protegiam Freud do seu
próprio narcisismo.
A atração natural para a subjetividade
A profunda compaixão de Freud, uma qualidade de capacidade de resposta
para seus pacientes, seguramente localizada como um assunto significativo em relação
aos seus pacientes, de forma que contradizia a apertada moldura analítica que
conhecemos. Esta contradição iluminou sua ambivalência e seu conflito sobre esta
discussão central e manteve os médicos e os questionamentos teóricos.
Ele acreditava que o analista contribuiria fortemente para o processo analítico, 107

não trazendo subjetividade para a díade, mas dando "igual atenção" para o material
do analista e do analisando, em um esforço para ficar em estado de atenção flutuante
(1912 e). Isto permitiu um processo comum de associação, que estruturou a
interpretação. Ele também acreditava que, para que uma interpretação, o material
reprimido precisava estar perto da superfície, e o paciente precisava sentir-se
firmemente ligado ao analista. A relação terapêutica segura, em conjunto com a
acessibilidade do material, criava um recipiente seguro para a entrega da
interpretação, protegendo, assim, o paciente e a análise. Era, portanto, evidente que
Freud estava trabalhando em estreita colaboração com o significado e a importância
da relação terapêutica, e que o analista deve permanecer objetivo e aberta para o
processo. Estas características, ele acreditava, levava à continuidade psíquica, que era
o caminho para o bem-estar mental.

Os primeiros sinais do pensamento binário


Naquele tempo, a ênfase estava na estrutura intrapsíquica do paciente e o
psicoterapeuta trabalhava a partir de uma psicologia de uma pessoa (Stark, 1999). Isso
significava que eles administravam o tratamento, ao invés de ser um parceiro
recíproco. Contudo, a centralidade da estrutura intrapsíquica do paciente não
diminuem a luta de Freud com o mundo interno do analista e seu lugar na análise,
querendo saber o que fazer com ela. Na verdade, acredito que a luta com a fronteira
entre analista e analisando, terapeuta e cliente, subjetividade e objetividade, é parte
da luta humana de negociar a fronteira entre o eu e o outro e muitas vezes é a chave
para a maioria das condições que entram nos consultórios.
Foi uma progressão natural para os seguidores de Freud, para iniciar
ativamente a jogar com o papel dos analistas e manter vivo o debate da subjetividade
contra a objetividade. A necessidade de estar envolvido com os nossos pacientes
parece ser um fenômeno natural e a própria essência é o que ainda se questiona e é
temido. Assim, vemos o campo se movendo da teoria da pulsão para a teoria do ego,
para a teoria relacional do objeto e finalmente, para a teoria relacional
contemporânea. Cada mudança de paradigma foi formada por um novo e diferente
posicionamento sobre a questão da subjetividade contra a objetividade. Os diferentes
quadros teóricos influenciaram o papel do analista, bem como as posições teóricas
sobre o que constituía cura.
A introdução da análise da relação interpessoal foi pensada para ser
revolucionária, uma vez que mudou drasticamente a metodologia da psicoterapia. A
ênfase do trabalho já não era apenas na estrutura intrapsíquica do paciente, mas agora
a natureza da dinâmica interpessoal estava igualmente em foco. De acordo com Stark
(1999), os modelos psicanalíticos clássicos originais eram interpretativos e operados a
partir de uma psicologia de uma pessoa, com o analista se colocando do lado de fora
da díade para focar a dinâmica interna do paciente. 108

O campo, em seguida, mudou-se para modelos de atendimento corretivo, que


leva em conta os déficits de desenvolvimento do paciente, na crença de que eles
poderiam fornecer o que estava faltando desde a infância. Estas abordagens eram
vistas como psicologia de “uma pessoa e meia”, na qual os analistas estavam ao lado
dos pacientes, atendendo ao déficit de desenvolvimento, mas ainda essencialmente do
lado de fora do relacionamento e fazendo psicoterapia ao contrário do que deveria
ser. Stark se refere ao modelo relacional contemporâneo, que evoluiu para o modelo
autêntico no qual o psicoterapeuta que privilegia os dois, a si mesmo e a subjetividade
do paciente. A matriz relacional de Mitchell (1988) foca três polos: eu, outro e a
interação entre os dois, exigindo que o psicoterapeuta entre na díade terapêutica e
fique totalmente imerso no que Stark chama de um relacionamento autêntico.
Esta questão de como o psicoterapeuta usa a si mesmo à serviço da
psicoterapia continua central. O que é um enigma interessante: de um lado, modelos
de abstinência precipitam problemas associados com a ausência do psicoterapeuta e
no outro extremo, um terapeuta mais intrusivo ocupa talvez demasiado espaço,
criando um diferente, mas igualmente, efeito prejudicial.

A virada relacional e o impacto na evolução do autor


Agora eu volto minha atenção para longe do posicionamento do terapeuta
dentro da tradição psicanalítica clássica, para a evolução desse valor central dentro da
teoria contemporânea relacional. Em meados dos anos 1980, a virada relacional
contemporânea liderada por Stephen Mitchell, foi vista como revolucionária. Creio, no
entanto, que desta vez era, na verdade, uma evolução natural. A inclusão e a ênfase na
natureza interpessoal da díade psicoterapia então presente no campo.
A auto psicologia e psicanálise interpessoal de Sullivan, por exemplo, já faziam
experiências com maneiras de trabalhar com a subjetividade do terapeuta, do paciente
e o relacionamento interpessoal. Dentro da tradição humanística isso acontecia desde
a década de 1950. Grande parte do tempo, no entanto, o terapeuta ainda estava
ligeiramente fora do relacionamento terapêutico e ativamente não tinha entrado na
díade como parceiro; o genuíno "Eu" do psicoterapeuta ainda não tinha chegado
dentro do encontro clínico. A introdução ativa do Eu do psicoterapeuta, encorajado
pela virada relacional, imediatamente causou medo e excitação reacendendo o velho
debate entre subjetividade e objetividade.
Como é possível ser desiguais em termos de poder e ainda ser genuinamente
recíproco? Este paradoxo sustentou muitas discussões, o que fez anteriormente e
ainda irá criar confusão e discórdia.
Refletindo sobre as questões acima, eu recorro à minha própria história.
Treinei como analista transacional na década de 1980 e encontrei-me em meio a
um dilema entre uma abordagem humanista revolucionária e o clássico modelo
psicanalítico. O impulso inconsciente de Berne para estar separado e ser diferente 109

tinham se infiltrado na própria fibra da nossa comunidade de Análise Transacional.


Houve uma filosofia, teoria e metodologia para aderir. Seu brilho estava na diferença
do modelo médico, na medida em que fornece uma maneira interativa de trabalhar
tanto com o intrapsíquico, quanto com a dinâmica interpessoal do paciente e da díade
terapêutica. Dentro da comunidade da psicoterapia integrativa da Análise
Transacional, no entanto, chegou um momento em que trabalhar no estilo prescrito
“um e meia pessoa”, na prestação de reparação, de correção foi questionado. Eu,
também, comecei a notar a exigência repetitiva para "mais de mim" e comecei a
questionar o que estava faltando. Eu estava oferecendo e abastecendo, mas alguns
isto não restaurava.

Dúvidas sobre o Modelo Reparador


Tornou-se claro para mim que, apesar de meu desejo e a intenção era fornecer
"uma infância melhor" para os meus clientes, isto era irrealista e criava complexidades
na dinâmica do poder. Eu estava preocupada com o pensamento de que, talvez,
trabalhando dentro de um modelo reparador, levasse a uma dependência dentro da
relação terapêutica, o que criasse uma vulnerabilidade ao abuso em ambas as partes.
Dentro deste modelo o profissional não entra totalmente na relação terapêutica. Isso
por si só, quer dizer que o psicoterapeuta “faz” psicoterapia e usa a
contratransferência para informar sobre a patologia do cliente. O desequilíbrio de
poder ainda estava presente. Este desequilíbrio se manifestava na linguagem dentro e
fora da sala de consulta. O "eu" da psicoterapeuta não tinha chegado totalmente.

Caso vinheta
Na década de 1980 quando eu trabalhava semanalmente com uma cliente,
por quatro anos, eu me conscientizei do seguinte padrão. Ela chegava a uma
sessão angustiada com alguma coisa em sua vida, na qual se sentiu impotente
e desesperada. Eu gostaria de explorar o seu desespero e principalmente
relacionar isso à sua história, quando ela se sentiu deixada sozinha e sem o
apoio de sua família. Eu muitas vezes usei a técnica das duas cadeiras (Erskine
& Moursund, 1988; Goulding & Goulding, 1979) para destacar o impasse
intrapsíquico, que ela experimentava em seu Estado do Ego Criança. Isso
muitas vezes a levavam a passar um período de tempo regredindo e
chorando, comigo segurando-a. Em minha mente, ela era cognitivamente
capaz de entender onde jazia o impasse, afetivamente capaz de expressar as
emoções até então não expressas, e tudo isto forneceu, em minha mente,
uma experiência reparadora. Ao final da sessão ela declarou muitas vezes que
se percebia com maior clareza, se sentia mais forte e capaz de se reintroduzir
no mundo como uma adulta e não como se ela ainda fosse uma menina que
me sentia tão desamparada e sozinha. Ela saiu satisfeita e experimentando a
sensação de competência – tudo estava bem. 110

O problema que surgiu a respeito do cenário supra descrito, é que se tornou


um o padrão repetitivo, o que, finalmente, levou-me a questionar sobre o que eu
estava fazendo. Eu sabia, instintivamente, que todos, na verdade, não estavam bem e
eu confrontei a mim mesma e as limitações da modalidade: algo mais era necessário e
nesta fase era claro o que era. Refletindo, seria necessário trazer este dilema para a
relação psicoterapêutica, onde poderíamos explorar juntos, tanto o fracasso do
passado, quanto o nosso presente. Este requisito fala da diferença central entre uma
psicologia individual, onde o problema reside principalmente no cliente, e uma
psicologia de duas pessoas na qual o terapeuta e o cliente abraçam juntos o problema.

Abordando o relacional na Análise Transacional


A virada relacional dos anos noventa, foi uma progressão natural para alguns
analistas transacionais (particularmente os analistas transacionais integrativos). A
linguagem, a filosofia e a abordagem integrativa pareciam familiares. Isto forneceu
uma plataforma para lidar com algumas das minhas preocupações e perguntas
emanadas na prática dos modelos reparadores. Isto coincidiu com a necessidade da
Análise Transacional de recuperar algumas das suas raízes psicanalíticas (Moiso, 1985).
Isto significava que muitos de nós começamos a nos abster de tocar, da
regressão e de técnicas mais experienciais e começamos a trabalhar a relação
terapêutica usando a transferência e a contratransferência para nos informar
momento a momento. Se ainda pudéssemos observar o funcionamento dos analistas
transacionais, teríamos talvez percebido que parecia muito diferente dos humanistas
revolucionários que éramos uma vez. Neste ponto, eu estava pensando como um
analista transacional, usando o cânone base da teoria da Análise Transacional, mas ao
mesmo tempo, tendo começado a mergulhar no trabalho de Mitchell, eu estava em
um processo evolutivo de aprendizagem, para saber como realmente trazer, de forma
plena, o meu “Eu” para a díade terapêutica. Quando se pensa nos três polos de
Mitchell, eu havia introduzido, apenas superficialmente, o polo “eu”, eu ainda não
havia descoberto como trazer-me totalmente para a relação terapêutica. Isto,
portanto, afetou toda a matriz relacional que eu estava operando a partir naquele
momento.
Para mim, havia uma sincronicidade significativa no trabalho da neurobiologia,
que estava escrevendo sobre a necessidade de comunicação do “lado direito do
cérebro – lado direito do cérebro” no desenvolvimento de um senso de self com os
outros. Siegel’s (1999) escreveu sobre o cérebro e a mente interpessoalmente
desenvolvida, o que retrata o psicanalista relacional contemporâneo escrevendo sobre
trabalhar a partir de uma perspectiva psicológica de duas pessoas. Este novo
aprendizado começou a esclarecer que, enquanto na década de 1980 eu, ativamente 111

utilizei e valorizei o lado direito do meu cérebro, isolando o lado direito do cérebro dos
outros (perspectiva psicológica individual).
Meu novo insight e o saber dos escritores contemporâneos eram sobre a comunicação
cérebro direito – cérebro direito e a inevitabilidade desta dinâmica compartilhada de
duas pessoas. O resultado da minha nova consciência foi que, enquanto me senti,
inicialmente, confortável e era familiar para mim essa nova base , logo ficou claro que
para trabalhar com autenticidade, do ponto de vista de duas pessoas, foi requerida
uma mudança de paradigma dentro de mim.

À procura de um quadro relacional coerente


Este capítulo da história deu origem a muitas dúvidas e confusão sobre a minha
identidade profissional. Não havia uma infraestrutura, uma sede de treinamento
formal e teórico relacional, que eu estava procurando. Eu não conseguia identificar um
recipiente sólido no qual resolver. Eu não tinha encontrado a ilha-ninho para pousar.
Eu me senti como se estivesse em terra de ninguém. Eu estava preocupada com
questões como: Qual é a teoria relacional/ De quem é a teoria relacional? O que
significa trabalhar a arte de uma psicologia de duas pessoas? Onde está a metodologia
relacional? Poderia as novas teorias e práticas contemporâneas acomodar os velhos
métodos da análise transacional?
Várias teorias relacionais surgiram, cada uma com suas raízes históricas em
métodos e teorias diferentes. Apesar das suas diferenças, conceitos como
transparência, a revelação e a espontaneidade terapêuticas são pontos em comum
dessas teorias, todos praticados dentro de um quadro, cujo princípio fundamental é o
foco sobre a ação recíproca entre o eu, o outro e a interação, os polos descritos por
Mitchell. Por muito tempo, esses conceitos permaneceram em um tanto arbitrárias
construções teóricas, devido ao fato de que não havia nenhuma metodologia definida,
ligada a uma teoria coerente. Como resultado, várias interpretações individuais destas
construções, na forma de estudo de casos, recheavam nosso discurso, com o ônus de
integrar estes conceitos com o próprio pensamento e a prática, longe de uma teoria e
metodologia prescrita a seguir.
Esta mudança na direção de um processo de integração, mais individualmente
determinado, provocou ainda mais perguntas sobre o que significa trabalhar a partir
de uma psicologia de duas pessoas; se eu estou totalmente presente, momento a
momento, envolvido em uma dinâmica de duas pessoas, com o que emerge de dentro
do cliente, de mim mesma e a interação, isto exclui meu conhecimento teórico
anterior aprendido, predominantemente dentro de uma psicologia individual? As duas
psicologias são incompatíveis ou não?É possível os velhos e os novos ficarem juntos?
Em caso afirmativo, como? E se não, porque não? Sendo um psicoterapeuta relacional
de duas pessoas, será exigido que eu apenas me concentre nos polos interpessoais
interacionais da díade terapêutica ou posso incluir também o foco sobre os elementos
intrapsíquicos do cliente e do terapeuta? 112

Caso vinheta
Recentemente trabalhei com um borderline que ficou com raiva de mim.
Ficou claro para mim, que estava com raiva por que eu havia me licenciado.
Fiquei ansiosa e ligeiramente na defensiva por sentir-me responsável por criar
esta perturbação nele, em mim, em nós. Eu notei que queria utilizar sua
estrutura borderline como maneira de interpretar sua raiva, particularmente
depois de uma pausa. Eu também notei como minha própria ansiedade
interferiu no nosso contato. Eu respondi: “Senti ansiedade para encontrar
com você depois da nossa separação e acho que é difícil para nós gerir nossas
idas e vindas, especialmente depois de uma pausa”. Calmamente, ele
respondeu "Eu concordo e realmente ajuda quando você compartilha sua
parte nisso, ao invés de culpar-me por meus sentimentos fortes".

Tradicionalmente, eu teria sentido todos os sentimentos que vivi nesta


situação, mas por causa da minha própria vulnerabilidade, eu posso ter me defendido,
talvez trazendo uma interpretação. Desta forma, eu me estive fora do momento
relacional e me mantive em uma posição superior. Ao fazê-lo, evitei a verdade
relacional que ambos estávamos experimentando ansiedade. Por outro lado,
respondendo como eu fiz desta vez, eu era transparente para mim no meu
reconhecimento da minha própria defesa e ansiedade. Embora o que eu achava da sua
estrutura bordeline, desta vez eu não a usei, o que seria persegui-lo ainda mais, mas
compartilhei como ir e vir é complexo e que estamos ali para dar sentido a este juntos
que nós compartilhamos, numa dinâmica construída conjuntamente.
Embora filosoficamente, eu mantenha a crença de que a relação é
compartilhada e que, neste caso, nós dois estávamos contribuindo para a ansiedade
sentida, eu, no entanto, ainda experimento o desconforto dentro de mim, sobre a
minha intervenção. Ao trazer o "eu" de mim mesma para o espaço íntimo terapêutico
provocou, neste caso, a minha ferida narcísica que é a dúvida da minha própria
intenção: eu estava nesse momento, autenticamente, partilhando ansiedade do meu
cliente ou eu estava usando minha nova sensibilidade relacional para tanto para
acalmá-lo, quanto para e proteger-nos? Certamente, por outro lado, é mais fácil e
mais seguro me manter fora da matriz terapêutica?
Minha ambivalência inerente nesta narrativa pessoal, fala do coração do
debate entre a subjetividade e a objetividade e a pergunta sobre se auto revelar ou
não. Ela também fala da minha própria luta, quando da transição entre uma moldura
de antiga e nova. A combinação do medo coletivo internalizado da subjetividade
transparente e a ausência de uma teoria coerente e de uma metodologia dentro do
paradigma relacional alimentou meu desconforto. O ancestral metafórico, simbolizado
por uma teoria unificadora e metodológica, estava faltando. 113

Anseio pela certeza e pela segurança que este ancestral metafórico pode
oferecer. Anseio saber, com certeza, o que me pertence e o que não funciona. Anseio
saber que trazer meus pensamentos e sentimentos pessoais na relação terapêutica
não será narcisista e, portanto, prejudicial. Ao mesmo tempo, eu sei que eu não posso
ter certeza para me proteger de mim mesmo.

Caso vinheta
Um cliente de longo prazo chegou à sessão sentindo-se frustrado e travado na
sua vida e na sua terapia. Sentia-se desiludido que, após todos estes anos de
terapia, ele ainda se sentia emperrado . Ele afirmou que isto limitava suas
escolhas de vida. Neste momento eu comecei a pensar sobre o Estado do Ego
Pai e como eu trabalhei historicamente, a partir da premissa de que, por
vezes, quando um cliente experimentava a sensação de travamento, poderia
ser um sintoma de algum material não resolvido dentro do Estado do Ego Pai.
Eu pensei com carinho sobre a Entrevista do Pai (McNeel, 1976) e perguntei-
me se eu teria coragem de sair de meu quadro terapêutico relacional
existente e introduzir uma técnica antiga.

Meus pensamentos internos foram os seguintes: eu me sinto impotente e um


pouco incompetente. Historicamente, neste momento eu teria introduzido a técnica
da Entrevista do Pai, pois eu acho que a etiologia deste impasse reside no Pai. Eu me
sinto ambivalente para introduzir a técnica, evitando talvez trabalhar com o meu
próprio desconforto em relação à sua decepção com a terapia e comigo. É o meu
desejo introduzir a técnica de uma encenação? E, igualmente, se eu deixar de fazer
isso, é outra forma encenação? Eu também me sinto emperrada entre meus velhos e
novos paradigmas. Eu sorrio e experimento nossos sentimentos de travamento
comuns com maior profundidade.
Eu disse o seguinte: "Meus pensamentos sobre se sentir travado, são que isso
pode acontecer, quando estamos presos entre desejar algo novo e que este algo novo
está em conflito com algo velho. Por mim, agora eu gostaria de apresentá-lo a uma
técnica, que trabalha com o sentimento travado. Isso é novo para nós aqui, mas velho
para mim em termos da minha história como psicoterapeuta e isso cria ambivalência
em mim.
Meu palpite é que para você, a sua frustração é sobre desejar fazer coisas novas em
sua vida que estão em conflito com seu pai e sua história. O que você acha sobre esses
pensamentos e minha ideia?" Ele sorriu e disse: “bem, pelo menos, você também tem
conflitos internos e ambivalência. Eu me sinto preso entre uma coisa nova e antiga,
mas eu não entendo isso. Sentir que o verdadeiro conhecimento está escondido é tão
doloroso e frustrante! Eu realmente gostaria de experimentar esta técnica e sinto-me
comovido com o quanto o seu pensamento está em se entregar a mim e à nosso 114

processo. "
Ambos introduzimos e nos reintroduzimos na técnica da Entrevista do Pai.
Coloquei duas cadeiras em frente de nós, e o convidei para ficar com seu sentimento
frustrado preso e lentamente mover-se na cadeira, simbolizando seu "Pai". (Eu escolhi
entrevistar seu "Pai", porque recentemente havia trabalhando com as questões
relacionadas a ele). Eu convidá-lo a evocar seu “Pai” é totalmente possível.
Ele lentamente abriu seus olhos e nós nos movemos para uma conversa onde
eu me senti curiosa sobre quem aquele homem era, particularmente em relação ao
sentimento de travamento atual do seu filho – meu cliente. Este é um momento
essencial no qual ele (o Pai) passou a falar sobre a escassez em sua infância e naquele
momento senti igualmente tocada e nós nos sentamos, calmamente, juntos,
reconhecendo quão difícil a vida às vezes pode ser.
Neste momento quis encerrar e escolhi concluir a conversa com o pai e voltar
para o meu cliente. Agradeci a sua vontade de confiar e estar comigo e nos
despedimos. Convidei meu cliente a voltar para sua própria cadeira. Enquanto se
movia e se sentava, chorou tanto pela vida do seu pai, quanto pela própria vida.
Fiquei sentada em silêncio esperando que ele se sentisse pronto para voltar a
se envolver comigo. Ele lentamente olhou para mim e disse: "Como isso funciona? Eu
nunca senti esses sentimentos com ou para meu pai e faz tal sentido para mim o quão
difícil tem sido avançar na minha vida, pois isto provoca impressão de que vou
abandoná-lo. Agora penso, que talvez eu esteja pronto para viver minha própria vida e
talvez eu possa fazer isto porque eu posso sustentar sentimentos de amor e
compreensão por meu pai.” Este é um ponto de virada significativo para a terapia e
para a vida do cliente.
Fiquei sentada, em silêncio, com ele, maravilhada com o que tinha acabado de
acontecer e naquele momento também percebi que não tinha que perder aspectos da
minha própria história profissional psicoterapêutica ao por o pé em um novo
paradigma.
A diferença na maneira como eu trabalhei com este cliente em 2013, em
comparação com as décadas de 1980 e 1990, foi que eu não estava seguindo uma
técnica prescritiva, mas sim e uma técnica onde eu estava totalmente presente para
mim mesma, para o cliente, seu pai e para nossa relação. Eu usei tanto a minha quanto
a subjetividade do cliente, para informar-me que, como estava diferente
historicamente, usando indicadores técnicos (mudança nos Estados de Ego).
O agente nesta exploração se estendeu tanto para o meu cliente e quanto para
mim - nós exploramos em conjunto o acontecido e o resultado foi surpreendente.
Posteriormente ele tomou novas decisões em sua vida e não se sente mais preso. Eu
não sinto que isto é mágico, mas libertador para mim, experimentar e saber que o
velho e o novo podem, em tais momentos, sentar-se juntos. O "eu" de mim mesma é o
integrador entre meu passado e meu presente e é esse "eu" que permite que este
processo seja uma autêntica experiência terapêutica. 115

A virada relacional enfatiza a necessidade de o psicoterapeuta assumir uma


posição, como um participante mútuo autêntico e ao fazê-lo confronta o
psicoterapeuta com questões de narcisismo no novo caminho. Nosso narcisismo nada
tem a esconder e, em sua exposição, está a exigir exame de uma maneira que Freud e
outros não estavam prontos, dispostos ou capazes de fazer.
Eu acho que nós experimentamos respostas ao narcisismo em um nível do
corpo e dos aspectos principais primitivos do self, os mesmos lugares onde a ferida
narcísica inicial ocorreu. Nós instintivamente sabemos quando alguém está realmente
com a gente, ao contrário de quando estamos sendo usados como um objeto para o
atendimento das necessidades dos outros. Esta é uma aptidão que torna as crianças
grandes detectores de incongruência e narcisismo. Adultos abandonam esta
capacidade natural pela super acomodação com o propósito de buscar ou manter a
relação. Quando na presença de nosso próprio narcisismo conhecido ou desconhecido,
que necessitamos ser visto e conhecido, talvez, simultaneamente, sintamos vergonha
e desgosto para essas mesmas necessidades. A supercompensação e o deslocamento
dessa vergonha é o que inconscientemente nos aprisiona em nosso desconforto em
relação ao narcisismo. Eu acho que isso é, talvez, a sombra do paradigma relacional.
Saber disso intelectualmente, no entanto, não forneceu a mim (ou a nós)
ferramentas para exercer a prática de incluir o terapeuta como um autêntico
participante recíproco. De fato, como dito anteriormente, nenhuma teoria relacional e
a metodologia existiam onde se pudesse refugiar, criando assim uma luta para mim
tanto na área do conhecimento, quanto no medo da minha exposição narcisista.
Nós psicoterapeutas aprendemos a nos proteger e a nos defender do
desconforto e da vergonha da auto exposição e através do processo de formação de
reação, temos feito tentativas para negar nós mesmos e supervalorizar teorias e
técnicas.
Esta vergonha, eu sugiro, surge da vulnerabilidade no domínio de si mesmo e,
portanto, da desconfiança em nossa própria realidade. Não é isso que está subjacente
nas lesões mais narcisistas? Aprendemos a não ser autocentrado, auto orientado, mas
para ser focado no outro, o que nos deixa com a necessidade de ser vistos e
reconhecidos. Quando esta necessidade de ser reconhecido não é saudável, ela corre
o risco de ser decretada profissionalmente com os nossos clientes, colegas de
profissão, ou ambos. A teoria de Freud sobre a formação de reação ainda se mantem
como uma solução temporária brilhante, para proteger as nossas feridas narcísicas.
O efeito melancólico da mudança
Freud, em seu inspirador paper “Luto e Melancolia! (1917e) falou
profundamente sobre a minha luta durante a virada relacional. Freud explica como,
quando em um estado de melancolia, nós somos capturados por uma experiência
implacável de depressão ou em uma defesa maníaca. Estas duas reações são tentativas
do ego de proteger a si mesmo do vazio.
Em retrospectiva, gostaria de saber se, no meu processo de evolução e ao fazer 116

a transição de uma modalidade para outra, eu possa ter entrado em um estado de


melancolia, tendo perdido o objeto do meu desejo (A Análise Transacional que eu
conhecia) que, enquanto eu estava ligado a ele, eu também sabia que ele me
proporcionava uma sensação de onipotência e grandiosidade. Ser protegida da
potencial vergonha de não saber permitiu-me agarrar minhas ilusões de ser capaz de
cicatrizar e curar. A experiência mais autêntica, mas a mais difícil de tolerar, era o luto
da perda de um paradigma e estar de frente para o vazio.
A preocupação de Freud com a subjetividade manteve-o a salvo do seu próprio
potencial de estado de melancolia e deu origem à uma coleção de crenças sobre a
transparência que chegamos a julgar como doutrina. O mesmo pode ser verdade para
nós no momento da virada relacional. Nós também poderíamos estar nos
defendendo da depressão associada ao luto da perda da certeza e do saber da
modalidade original escolhida, saltando para uma nova posição defensiva e então
acreditar que encontramos uma forma relacional revolucionária de trabalhar?
Nos anos 80 e nos anos 90, eu carreguei o mapa da minha própria psicoterapia,
trabalhando principalmente dentro de um modelo restaurativo de Análise
Transacional, eu experimentei a agonia e o êxtase deste modelo que, na época, eu não
poderia desafiar. O que estava faltando, em retrospectiva, foi a capacidade de tolerar
duas ideias no consultório. No entanto, este foi o espírito do tempo; lesões, erros de
cura e crescimento ocorreram.
Como psicoterapeuta, eu não trabalho interpessoalmente com minhas reações
contra transferenciais. Rupturas não foram trabalhadas como parte da psicoterapia no
nosso modelo, ainda não evoluído o suficiente para entender rupturas e reparações
como parte do processo de cura terapêutica. É necessário que o self do psicoterapeuta
em primeiro lugar entre no set terapêutico, antes que esta cura pode ocorrer. Antes
mesmo que possa acontecer, precisamos estar coletivamente dispostos e capazes de
trabalhar a nossa onipotência introjetada, herdada de Berne. Eu acredito que Berne
também pode ter tido um lugar defensivo reativo em si mesmo, depois de sua rejeição
e desvio dos psicanalistas.
Mills, em seu livro Conundrums (2012) levanta importantes questões e críticas
da psicanálise contemporânea que reverberam fortemente comigo. Ele pergunta:
"Será que a subjetividade do analista encerra a questão da objetividade? Um modelo
de duas pessoas da intersubjetividade pode minimizar ou anular a força e o valor da
realidade intrapsíquica e experiência individual de vida?" (Pp. 22-23).
As questões de Mills conversam com meu desconforto, com minha incerteza e à minha
crença de que é falsa esta duplicidade / ou que nos aprisiona. Eu sugiro que a solução
para qualquer duplicidade é o conhecimento interior e o saber exterior. Isso libera-nos
para ser livre para escolher, saber, e para manter a diferença entre as duas posições.

Integração – a dádiva da virada relacional contemporânea


Agora sou capaz de ler palavras de Mitchell, sem experimentar a perda original 117

e a confusão geradas em mim todos esses anos atrás. Mitchell, em sua própria
evolução, estava oferecendo uma proposição para a comunidade psicanalítica mais
ampla que cortar direto para o coração da divisão repetitiva que ocorreu ao longo do
tempo. Ele, sutilmente, nos implorou para refletir sobre a nossa necessidade pessoal e
o desejo de ter uma teoria relacional coerente. Talvez ele acreditasse que ao satisfazer
esta necessidade, nós satisfaríamos a ilusão de grandiosidade e onipotência, que
nunca resiste ao teste do tempo. Não é fascinante notar como a grandiosidade, em
todas as formas, é vulnerável a ser desafiados e dispara e ainda o mesmo não é
verdade para a humildade? Mais uma vez, um lembrete da hipótese de Freud de que a
grandiosidade protege a experiência da derrota e, no entanto, é nossa capacidade de
tolerar a derrota que é a estrada real para a humildade.
Mitchell sustentou que tudo ocorre dentro da matriz da relação terapêutica
(1988). "A matriz relacional de conflito enfatiza o conflito tanto internamente quanto
no meio. Isso requer que aqueles de nós que estão no campo, tenham interesse em
tudo o que veio antes e tudo o que é contemporâneo. Como podemos aguentar isto
depende do nosso quadro individual de integração "(Mitchell em Aaron & Harris, de
2005, p.xvii).
Mitchell, de modo algum pretende que deve haver uma teoria relacional. Ele
estava propondo, que dentro do quadro relacional, um pensador poderia integrar uma
variedade de conceitos relacionais provenientes de diferentes tradições e reorganizá-
los em uma nova teoria individual coerente. Isso para a minha mente é a verdadeira
definição de integração: a união de ideias através de um processo internalizado, o
integrador central sendo o indivíduo, aquele que combina conhecimentos, valores,
filosofias, e um senso de self.
Mitchell solicita de nós, como profissionais, estudiosos e treinandos, ficar perto
da nossa própria história e formação profissional e a partir dessa posição, integrar
filosofias e conceitos contemporâneos. A responsabilidade recai sobre cada terapeuta
individual e através do nosso próprio processo de integração, que assim,
autenticamente, nos leva para o interior da díade terapêutica.
Há uma diferença entre seguir uma teoria ou método como um véu protetor e
seguir com os próprios pensamentos e conhecimentos assimilados e integrados. É o
que eu acredito que Berne quis dizer quando falou sobre se afastar de modelos que
aderem à crença de "médico sabe melhor".
Talvez seja natural, no ciclo de aprendizagem evolutiva, assumir uma crença que fala
com você, copiá-la, desconstruí-la e, finalmente, integrar a crença original e torná-la
sua. Quando nós pulamos fases neste processo de aprendizagem, nós repudiamos o
velho e damos mais relevância ao novo. Quando todas estas etapas ocorrem, unimos o
velho e o novo. Este foi o “ah!” no meu momento eureca. Eu finalmente percebi que,
enquanto eu seguia uma metodologia a partir de uma posição introjetada, eu não
estava totalmente presente na relação terapêutica. Eu entendi que a responsabilidade 118

recai tanto sobre mim, como sobre cada terapeuta individual e que o nosso próprio
processo de integração, finalmente, autenticamente, nos leva à díade terapêutica.
O debate sobre a subjetividade e a objetividade na psicoterapia continua na
psicoterapia relacional contemporânea, mas com uma linguagem diferente do que no
passado. Transparência, liberdade terapêutica e auto revelação são exemplos da
linguagem contemporânea usada para discutir a situação do papel do psicoterapeuta
no paradigma interpessoal. Na minha jornada da integração e na minha busca pela
minha própria metodologia relacional, eu cheguei ao meu próprio significado a
respeito do conceito relacional tais como transparência, auto revelação e
espontaneidade terapêutica. Eu penso, adicionalmente, que dentro da psicoterapia
relacional, o conjunto de habilidades passou de ser externo ao terapeuta, para ser
mais interno (Leigh, 2011).
Historicamente, a metodologia foi externalizada através da utilização de
técnicas para facilitar o processo terapêutico e na contemporaneidade esta se
deslocou para um processo reflexivo, mais interno realizado dentro do psicoterapeuta.
Ao experimentar um forte sentimento contratransferencial de raiva, por exemplo, eu
teria, historicamente, a crença de que isso estava sendo projetado em mim para que
eu fosse capaz de aprofundar minha compreensão da experiência do cliente. Eu
poderia ter externalizado isso na forma de uma intervenção como "Eu estou querendo
saber se você está sentindo raiva agora". Esta intervenção adotada a partir da minha
hipótese clínica estava correta e não ignorou ou bloqueou a experiência do cliente,
minha curiosidade e a minha capacidade de, nas palavras de D.B.Stern (2013, pg.253),
“surpresa de tribunal”. Atualmente tenho tempo para refletir sobre minha raiva, ficar
curiosa e trazer minha reflexão sobre a raiva para saber com meu cliente o que isto
informa sobre um e outro e a nossa dinâmica.
Para ser genuína neste processo eu preciso estar disposta a encarar a
possibilidade de que isso pode exigir alguma exposição de mim mesma, a serviço do
cliente, do processo terapêutico e de mim mesma. Nesta instância, eu estou tão
vulnerável quanto meu cliente na participação recíproca na díade. As técnicas e
habilidade que eu emprego, são utilizadas para observar minha resposta interna; eu
paro, reflito, me examino e sou transparente para mim mesma. A partir desta posição
aberta, curiosa e reflexiva eu abro as possibilidades de uma compreensão mútua
sobre o que que está acontecendo.
Este processo é diferente de uma posição histórica, grandiosa, mas uma possibilidade
mais segura do que suponho saber e, portanto, eu estarei equipada para interpretar o
mundo interior do cliente.

Caso Vinheta
Uma cliente entrou na sessão, chorando aos soluços, incapaz de falar. Sentei-
me com ela, observando seu corpo e sua dor. Logo comecei a sentir a tensão 119

no meu próprio corpo. Sentei-me, com a minha própria tensão e começou o


que Symington (1986) teria chamado “meu próprio devaneio livre”, minha
atenção. Neste estado de livre associação, eu imaginei minha cliente deitada
no sofá, onde ela seria capaz de permitir que seu corpo pudesse guiá-la no
processo doloroso. Imaginei-a se enrolando e soluçando como uma criança e
eu sentada calmamente ao lado dela, mantendo o espaço. Este pensamento
cresceu e eu senti a restrição da cadeira que meu cliente estava sentado,
como se para este pequeno bebê manter-se ereto fosse quase impossível.
Talvez os gritos viessem de um bebê, que fisiologicamente ainda não podia
sentar-se?
Eu notei que quanto mais este pensamento estivesse presente, mais limitado
eu ficaria. Eu estava em conflito entre o que eu naturalmente queria fazer, pois eu
acreditava que o paradigma contemporâneo não era caminho para o trabalho. Como
ouvi e observei meus pensamentos, percebi que não dava para prolongar a presença
dos dois, cliente e bebê, na sala. Eu estava perdido na minha própria luta e que o bebê
mais uma vez foi esquecido.
Eu disse: “ Eu sinto suas lágrimas estão ligadas a você nunca confiar ou saber
que alguém esteve ou está com você na sua dor.” Seus gritos aumentaram e eu trouxe
um colchão dobrado para o centro da sala. Eu disse: “Seu corpo parece que precisa se
deitar e fazer o que ele precisa fazer. O colchão está aqui e eu também Eu sei que isto
talvez pareça novo para nós duas, mas, deixe fluir suas lágrimas. Sinta-se livre para
ficar onde está ou para se deslocar para o colchão”. Ela respondeu com um grito de
medo, dizendo: “Tenho muito medo de desmoronar”. Eu respondi com “Eu posso ver
seu medo e também sei o quanto nós temos falado sobre este medo que limita a
sensação de liberdade na vida que você viver.” Ela se dirigiu, lentamente, para o
colchão e chorava enquanto seu corpo tremia e se movia.
Eu estava sentada fora do alcance dela, mantendo o espaço, sem tocá-la, mas
refletindo de vez em quando o que experimentei e observei. Após vinte minutos ela se
acalmou e olhou para mim. Olhamos uma para a outra e eu iniciei perguntando como
é que ela se sentia. Ela falou sobre sua vergonha e seu senso de exposição e juntas
refletimos sobre o quão difícil é tocar as partes de nós mesmos, as quais sentimos
inaceitáveis e como quando ficam trancados lá dentro, nós nunca saberemos se temos
a capacidade de resistir para sobreviver a elas.
Ela e eu sobrevivemos nossos próprios e separados medos: o meu era saber se
a intervenção estava correta, mesmo que isso significasse atravessar um conflito
interno sobre certo e errado; o dela de permitir a expressão dos seus sentimento de
uma maneira que se sentia exposta e em risco para a parte dela que acreditava que
iria desmoronar. Experimentamo-nos, na nossa resistência, e algo novo surgiu.
O que diferencia este trabalho daquele da década de 1980, foi que durante
todo esse processo eu estava ciente do fato de que este foi o processo do meu cliente, 120

ao invés de fornecer-lhe uma experiência de paternidade reparadora.


Eu não estava tentando ser uma mãe melhor para ela do que sua própria mãe,
mas de responder e confiar, tanto nela, quanto na minha competência para permitir
que algo novo pudesse ocorrer. Meus vários treinamentos em psicoterapia, a nossa
forte aliança e meu mapa de psicoterapia interior pessoal realizaram com competência
este processo. Saber a diferença entre o fornecimento de uma psicologia individual e
uma reciprocamente negociada psicologia de duas, é o centro do meu próprio senso
de congruência e autenticidade. Eu não estava misturando paradigmas, mas fui
integrando as formas antigas e as novas formas da sensibilidade relacional
contemporânea.
O processo terapêutico reside dentro de mim, ao invés de ser prescrito. Eu
aprendi que sou uma compilação da minha formação, conhecimento, valor e filosofias
do passado e do presente. Tanto a minha integração da psicologia individual e da
psicologia de duas pessoas, quanto minha evolução pessoal são o que cria o "eu" que
se senta a cada momento com os meus clientes. “A maioria dos momentos dependem
da nossa própria análise, nosso treinamento e nossa experiência clínica, que estão em
nossos ossos. No final, a nossa participação é educada e, ao mesmo tempo, estamos
fazendo o melhor para encontrar uma resposta que seja adequada aos nossos
propósitos clínicos e humanos. Nós estamos sentindo nosso caminho e a “surpresa da
corte”” (D.B.Stern, 2013, p.251-252).
Stern fala não só do que reside em nossos ossos, mas também da importância
da mente e do coração igualmente existentes em sua presença como psicoterapeutas.
Estou caminhando para saber a diferença entre os momentos nos quais eu me
escondia atrás de minhas teorias e o momento de usá-las de uma forma que
mantivesse meus clientes e eu reciproca e autenticamente envolvidos na intimidade
do relacionamento. Nós estamos nus juntos.

Conclusão
Como Analista Transacional minha liberdade terapêutica hoje reside na minha
responsabilidade de recuperar o meu self revolucionário humanista, na presença de
minha sensibilidade relacional contemporânea. Quem eu era e quem eu sou
coexistem, e neste conhecimento que eu vim a obter, velhas e novas metodologias
também podem estar juntos. A integração delas é o “Eu”.
Como psicoterapeutas, são inúmeras nossas lutas e nossas alegrias. Lutamos e
deveremos sempre continuar a lidar com as questões, de como estar neste enigma
paradoxal complexo de ser humano e ser psicoterapeuta. Ao ter a coragem de ficar
com as nossas muitas perdas, através da nossa humildade, encontramos maneiras de
segurar a diferença e a complexidade, o passado e o presente, o coração e a mente. Se
o desejo de curar e fazer a diferença é parte de nosso narcisismo coletivo, vamos
reivindicá-lo, empregando um olhar atento para garantir que isso nunca será à custa 121

de outro, e assim, continuamente, honrar a tensão desafiadora e saudável entre o "eu"


e o espectador. Sou grata ao que se aprendeu, aos indivíduos curiosos que
generosamente compartilharam seus pensamentos e que tiveram a coragem de
ultrapassar os limites da nossa profissão.

Tradução: Maku de Almeida, Membro Didata em Formação, área organizacional


Revisão: Ede Lanir Ferreira Paiva, Membro Didata, área clínica
UNAR BRASIL – maio 2017
CAPÍTULO 6
MUDANDO SCRIPTS TRANSGERACIONAIS8
Glória Noriega Gayol

“Como posso mudar meu script transgeracional?” É uma questão frequente dos
clientes quando se tornam conscientes de que estão repetindo, nas suas próprias
vidas, padrões que são similares aos vividos por seus pais ou avós. Para facilitar essas 122

mudanças, desenvolvi uma metodologia que combina psicoterapia individual com um


fim de semana de workshop intensivo, no qual eu integro psicoeducação e
intervenções terapêuticas, usando teoria e técnicas da Análise Transacional, em
conjunto com conceitos psicanalíticos, terapia sistemática e psicodrama. O workshop
facilita uma experiência existencial direta e imediata à qual chamo de conhecimento
desconhecido (Noriega, 2010) sobre si mesmo e sua própria família. Isto motiva os
clientes a mudarem seus scripts de vida, interrompendo desta forma, a cadeia que
vem sendo repetida na família por duas ou mais gerações. Objetiva empoderar os
clientes a reconhecerem e serem capazes de mudar scripts disfuncionais, permitindo
ainda que eles obtenham para si mesmo e seus descendentes um legado saudável
deixado por seus ancestrais.

Abordagem Intergeracional em Análise Transacional


Como disse Eric Berne em seu ultimo livro, “a parte mais intrigante da análise
do Script na prática clínica é rastrear a influência dos avós”(1972, p. 318). Penso que
ele continuaria a desenvolver este conceito se não tivesse falecido inesperadamente
em1970, aos 60 anos. Quando comecei a pesquisar e a desenvolver um método de
trabalho (Noriega, 2004,2009, 2010; Noriega, Ramos, Medina-Mora, & Villa, 2008),
havia muito pouco na literatura da Análise Transacional sobre esse assunto e a maioria
escrita há mais de uma década. English (1969, 1998) descreveu o Episcript como o Jogo
da Batata Quente, que envolve a passagem de um final de um Script trágico. Dashiel
(1978) criou um processo para aplicar a Terapia de Redecisão (Gouldine & Goulding,
1979) em presenças psíquicas incorporadas de ancestrais, encontradas no Estado de
Ego Pai em algumas das gerações subsequentes. J. James (1984) explicou a
importância das relações com os avós, na escolha de um par.

Massey (1985, 1989; Massey, Corney & Just, 1988) integraram a Teoria do
Script, os sistemas familiares, o uso do genogramas e a Matriz de Script, e Campos
(1986) ressaltou a importância de se empoderar as crianças para prevenir a formação
do Script. Sob o foco da perspectiva cultural, Said e Noriega(1983) descreveram alguns
Scripts culturais mexicanos para homens e mulheres e Tholenaar de Borbon (1983) o
Script Cultural na Republica Dominicana e sua repetição nas novas gerações.

8
Transactional Analysis in Contemporary Psychotherapy, editado por Richard Erskine, Karnac , London
(UK), 2016. p. 119 a 137 no original.
Hoje em dia o interesse por esse tópico tem reacendido e maiores
contribuições foram publicadas no Transactional Analysis Journal. Por exemplo,
Jenkins e Teachworth (2010) usou a terapia de redecisão no tratamento de filhos
adultos que estavam repetindo o Script de seus pais nos relacionamentos com seus
parceiros. Salters (2013) descreveu um método integrando Análise Transacional com
jogo de Areia e Constelação Familiar em crianças e em adultos. Mc Quillin e Welford
(2014) comparou a filosofia humanista da Análise Transacional com os valores 123

sistêmicos propostos na Constelação Familiar. Recentemente, Welford (2014) explicou


a importância do trabalho sobre o luto para o sistema familiar, e Novak (2014)
descreveu um método psicoterápico para trabalhar com clientes raivosos de seus
parentes abusivos.

Psicoterapia Transgeracional
O Script Transgeracional é introjetado na personalidade pelo Estado de Ego Pai,
o que significa que a pessoa pode estar pensando, sentindo e agindo
inconscientemente de forma similar a um ou mais de um de seus ancestrais. Isto leva a
pessoa projetar, nos relacionamentos atuais, uma encenação da questão não
resolvida, advinda da figura ancestral com a qual ela se sente identificada. Geralmente,
a necessidade de um trabalho sobre Script Transgeracional torna-se claro depois de
várias sessões terapêuticas, embora ocasionalmente possa ser o motivo inicial da
consulta. Na abordagem terapêutica de Analise Transacional, isto pode ser importante
e até essencial; passos preparatórios serão realizados antes de se trabalhar com o
Estado de Ego Pai, principalmente se estiver envolvida alguma introjeção
particularmente destrutiva, o que pode significar salvá-lo de algum risco (CLARKSON,
1992, p. 100). Portanto, ao se aplicar a abordagem transgeracional, eu recomendo
caminhar simultaneamente através dos passos descritos aqui nos próximos parágrafos,
de forma que o cliente possa reconhecer as necessidades do seu Estado de Ego Criança
e, ao mesmo tempo, desenvolver um Estado de Ego Adulto fortificado permitindo às
pessoas ampliarem sua consciência, desenvolvendo ainda mais seus próprios recursos.
Como os clínicos experientes sabem, o primeiro passo em qualquer terapia é
estabelecer uma a aliança terapêutica para construir uma relação de confiança
crescente entre o cliente e o terapeuta. Eu uso os princípios da Terapia Integrativa
para estabelecer esse relacionamento, que vai além da empatia, para facilitar o
contato do cliente com seus pensamentos, emoções e Necessidades Relacionais
(Erskine, Moursund e Trautmann, 1999). Posteriormente, é feito um contrato verbal. É
um acordo bilateral focalizando como primeiro objetivo do tratamento o motivo inicial
da consulta, enquanto, simultaneamente determina a frequência das sessões e se
resolve qualquer dúvida sobre como acontecerá a terapia. Geralmente, as sessões
acontecem semanalmente e, dependendo da necessidade e do interesse, eu também
convido o cliente para participar de um ou mais workshop sobre Script
Transgeracional.
Os passos seguintes são realizados nas sessões semanais e de alguma maneira nos
workshops. Não precisam seguir esta sequência; podem ser adaptados de acordo com
o que aparece enquanto necessidade do cliente. Pode ser usado como uma referência
e uma base de segurança no caminho para o aprofundamento da terapia
transgeracional.

Descontaminação do Estado do Ego Adulto 124


Se necessário, alguma ou todas as operações recomendadas por Berne (1966)
são utilizadas: Interrogação, Especificação, Confrontação, Explanação, Ilustração,
Confirmação, Interpretação e Cristalização.

Desconfusão do Estado de Ego Criança


Eu uso o modelo descrito por Hargaden e Sills (2001) que diz que uma falta no
desenvolvimento inicial do self do cliente vai emergir durante a transferência na
relação cliente – terapeuta. Isto inclui tipos de ligação, rupturas e fragmentações
durante as várias fases do tratamento e é por isto que a relação de transferência é
usada como principal veículo de descontaminação.

O relacionamento Intrapsíquico
Os clientes se tornam conscientes dos diálogos entre os estados de Ego Pai e
Criança e reconhecem neles a transação original introjetada. Aparece o tipo de
relacionamento que eles costumavam ter com seus pais na infância e que hoje é
projetado nos seus relacionamentos interpessoais. O trabalho com as duas cadeiras
possibilita que este Diálogo Interno se torne explícito, permitindo que o cliente pare de
se perseguir e possa aprender a estabelecer limites claros. Isto é necessário para que
eles parem com atitudes abusivas consigo mesmo e com os outros.

O desenvolvimento de um Pai Nutritivo Interno


São usadas técnicas de autoparentalização (M. James, 1981) para facilitar a
criação de um novo Estado de Ego Pai para cuidá-los e protegê-los, mais adequado
para as suas necessidades, enquanto eles aprendem a ser responsáveis por si mesmo
(NORIEGA, 1995).

Desenvolvimento emocional
Eu reconheço e aceito quaisquer pensamento ou sentimento das maneiras que
eles aprenderam a compreender a linguagem dos seus sentimentos e emoções e, ao
mesmo tempo, como expressá-los (ou não) de forma segura e eficaz. Isto favorece a
expressão afetiva e abre a comunicação.
Terapia de Redecisão
Ao se usar os sete componentes da Terapia de Redecisão (McNeel, 1977), os
clientes aprendem a reconhecer suas decisões precoces como métodos adaptativos ou
conclusões de sobrevivência, realizadas na infância ao se depararem com uma situação
adversa. Ao mesmo tempo, descobrem outras opções possíveis mais produtivas na sua
vida atual, podendo então, finalmente, deixar para trás seus Scripts de Vida (Goulding
e Goulding, 1979). Como preparação para o trabalho transgeracional, em determinado 125

momento da terapia, eu sugiro aos clientes escrever uma biografia da sua família,
envolvendo as três últimas gerações. Este trabalho de pesquisa familiar e reflexão
pessoal, embora ocasionalmente difícil, costuma ser útil e interessante. Isto os leva a
descobrir a ampla influência dos seus ancestrais nas suas vidas. Não é a mesma coisa
ter conhecimento de alguns segredos familiares ou de situações sensíveis e dar uns
passos atrás e ver isso escrito em um papel. Ao mesmo tempo, os relatos escritos me
propiciam melhor entendimento das relações entre o cliente e seus familiares, assim
como dos padrões traumáticos e doloridos que precisam ser resolvidos naquela família
em particular.

Mecanismos de Transmissão de Script


O processo já descrito nos dá uma importante base antes de mergulharmos na
dinâmica do Script Transgeracional, onde é comum ocorrer uma comunicação
inconsciente (Novellino, 1990), por meio de quatro mecanismos:
Transações Ulteriores (Berne, 1961, 1964) são comunicações não verbais
transmitidas pelo tom de voz, gestos, expressões faciais, e atitudes corporais,
assim como por certas palavras que contém mensagens implícitas escondidas.

Jogos Psicológicos (Berne, 1964) contém um desejo inconsciente de entender


e dar significado às questões não resolvidas do passado, mesmo quando a
Transação Social aparenta ser completamente contraria a isto. Os Jogos
usualmente obtém um Benefício Final negativo, que reforça as decisões
precoces e sustenta o Sistema de Script (ERSKINE & MOURSUND, 1988).

Transferência Psicodinâmica (Moiso, 1985) contém um colorido emocional e


padrões relacionais que são característicos das relações precoces do cliente
com um ou ambos os pais. Isso desencadeia uma reação de
contratransferência no terapeuta com base na díade da Transação simbiótica
original introjetada. Esta dinâmica foi também descrita como estrutura
simbiótica (Joines, 1977) e unidades relacionais (Little, 2013)
Identificação Projetiva parece ser a principal forma de Script que é transmitida
dos pais para as crianças. Este mecanismo de defesa foi descrito por Klein
(1957). Laplace e Pontalis (1968) o definiu como “un mécanisme qui se traduit
par des fantasmes, oú le subject indroduit as propre personne em totalité ou
em partie à l’intérieur de l’object pour le nuire, le posséder et le contróler” (um
mecanismo que se traduz por fantasias, nas quais o sujeito introduz seu
próprio self, total ou parcialmente, no interior do objeto para prejudicá-lo, 126

possuí-lo e controlá-lo) (p.189). Quer dizer, a pessoa projeta em alguém seus


sentimentos desagradáveis e inaceitáveis, provocando, assim, no outro a
experiência desses mesmos sentimentos. Como resultado, o primeiro pode
culpar ou desvalorizar essa última pessoa.

Esses mecanismos trabalham de forma sistêmica, isto é, eles não ocorrem


isoladamente, porque todos os quatro estão relacionados. Nos termos da Análise
Transacional, a Transação Ulterior faz emergir o Jogo Psicológico que se manifesta
numa psicodinâmica transferencial e em uma identificação projetiva, que envolve a
todos através da “Contaminação” emocional que, por sua vez, também reforça a
Transação Ulterior. Na relação cliente-terapeuta, esses quatro mecanismos se
manifestam como acontece nos seus outros relacionamentos. Por isto eles podem ser
utilizados durante o processo de diagnose e de tratamento como referência enquanto
ocorre a movimentação da comunicação do inconsciente para o consciente.
Berne (1961) descreveu Estruturas mais Finas da Personalidade como
subdivisões dos Estados de Ego. Usando estudos de caso, ele ilustrou como Estado de
Ego Pai contém a introjeção de personalidades dos pais, dos avós e dos bisavós.
Resultando que pessoas podem ter gravado o padrão de relacionamento que suas
figuras parentais costumavam ter. Minha interpretação é que desta forma os clientes
inconscientemente usam a relação com o terapeuta para comunicar um conflito
emocional e relacional com seu antepassado. O paciente está buscando ajuda do
terapeuta para que ele próprio possa se livrar da corrente transgeracional que tem
prejudicado seus relacionamentos presentes.
Mucci (2013) refere-se a esse fenômeno quando explica seu trabalho com
pacientes traumatizados, citando particularmente Kogan (p.175) ao definir “decreto”
como uma compulsão dos descendentes dos sobreviventes do Holocausto em recriar
as experiências de seus pais em sua própria vida através de atos concretos. Contudo,
nem todas experiências de nossos ancestrais são introjetadas como estados de ego
defensivos dissociados da consciência. Little (20130) explicou a natureza dos
relacionamentos fazendo distinção entre experiências toleráveis e intoleráveis que
foram internalizadas em esquemas relacionais. Aqueles que consistem de experiências
toleráveis, boas o suficientes na memória implícita, “não-consciente”, são
internalizações não-estruturantes e um aspecto da integração do Estado do Ego
Adulto.
Representam o funcionamento autônomo no aqui e agora e um sistema aberto
com habilidade de assimilar e acomodar (p.107). O termo não consciente foi usado por
Summers (2011) para descrever experiências toleráveis e não defensivas que não
residem em unidades dos Estados do Ego relacionais, mas que influenciam nosso
comportamento. Portanto, ainda que internalizemos ambas as experiências, toleráveis
e intoleráveis, são essas últimas que introjetamos e que permanecem na díade dos
Estados de Ego Criança-Pai, como uma Transação introjetada simbiótica. 127

O Luto Terapêutico
Trabalhar com os vários estágios dor é relevante na terapia transgeracional
porque os clientes precisam deixar para trás suas fantasias ou de vingança, ou de
superioridade e abandonar seus julgamentos (por exemplo, excluindo um membro
familiar por mau comportamento). A exclusão de um antepassado prejudica o sistema
familiar porque todos tem o direito de pertencer à família, e excluir alguém deixa
questões não resolvidas na história familiar. Tais questões poderão então ser
retomadas por um jovem membro da família, geralmente o que chegou por último.
Assim o Episcript é criado como o Jogo da Batata-Quente que continua sendo passado
para as gerações subsequentes (English, 1969, 1998). Como Mucci (2013) escreveu: “O
trauma em si é definido pela destruição do vínculo, e recuperação tem que vir do local
de reconstrução da ligação interna entre o eu e o outro” (p.196).

O perdão e a liberação do Script


Para os clientes, perdoar significa a renúncia da ilusão de que outras pessoas
mudam. Poderá a ajudá-los também a se curar e a perdoar a si mesmo por algum erro
que eles possam ter cometido e a reconhecer que seu verdadeiro poder reside em
reparar o relacionamento consigo mesmos, e, o tanto quanto possível, o prejuízo que
causaram a outras pessoas. É importante ressaltar que o perdão não significa
esquecimento e que não pode ser imposto a ninguém por crenças religiosas. O perdão
emerge naturalmente quando uma pessoa torna-se capaz de ampliar a consciência e o
entendimento dos motivos que levaram seus ancestrais a cometerem enganos,
prejudicando seus descendentes.

O perdão acontece espontaneamente e altera o relacionamento entre a vítima e o


malfeitor. Mas, se num sentido o pode ser alcançado apenas “acontecendo”, para que
o perdão aconteça as etapas anteriores relativas à questão traumática no trabalho
clínico ... precisam se ter sido realizadas. São etapas essenciais trabalhar o luto, a raiva
e a representação interna do agressor. (V. Jankélévitch apud Mucci, 2013,p.207)
Physis e Desenvolvimento Espiritual
Physis foi definido por Berne (1957) como “uma força da natureza em direção
ao crescimento e à perfeição” (p.89). Clarkson escreveu que “Physis é a contribuição
única de Berne somada às outras duas grandes forças inconscientes (Eros e Tanatus)
na vida humana, e que ele considera todas as três como estruturas fundamentais para
a vida psicológica (p.11). Physis é a fonte da resiliência, que nos permite superar a
adversidade. É o vigor do espírito humano que vai além das crenças religiosas. Berne 128

(1972) ilustrou esta força como uma flecha ascendente do Estado de Ego Criança em
direção aos Estados de Ego Adulto e Pai, representando assim, Physis como a força de
libertação do Script. Contribuindo com a perspectiva espiritual da Análise
Transacional, M. James e J. James (1991) descreveram o “Núcleo Interno” como sendo
uma força similar a Physis, uma das moradas do self espiritual e que pode ser expressa
pelos Estados do Ego e pelo corpo de sete maneiras: viver, ser livre, entender,
desfrutar, criar, conectar-se e transcender. Trautmann (2003) reconheceu que a
dimensão espiritual de cada pessoa como uma parte importante do processo
terapêutico para encontrar palavras para expressar essa dimensão; na exploração do
significado dessa experiência com possíveis origens históricas introjetadas e / ou
traumáticas e tão valioso na busca por um significado mais profundo e atenção plena.
Frankl (1962) o psiquiatra Vienense que sobreviveu aos campos de
concentração do nazismo, cunhou a frase “o desafiante poder do espírito humano” ao
descrever a determinação tenaz que podemos invocar quando surgem os desafios da
vida. Eu recomendo aos meus clientes praticarem “o estar presente” através da
meditação Vipassana (Goldstei & Kornfield, 1987), que é baseada nos princípios e nas
técnicas da tradição do Budismo Theravada. É simples, mas só se consegue obter
benefícios por meio da prática diária. Este método facilita o desenvolvimento do
Estado do Ego Adulto porque ensina como manter o contato com as sensações do
corpo no aqui-e-agora. Promove também modificações significantes nas funções
cerebrais naquele que pratica (Siegle, 2007).
A Hatha Yoga é também recomendada como um método de meditação pelo
movimento. Então, a força do Physis nos leva a superar as adversidades. Entretanto, o
desconhecimento do Script Transgeracional pode produzir um impasse entre a força
deste e das injunções do Script familiar que representam os nós cegos em nossa
genealogia pessoal. Estas Injunções podem incluir: Não Exista, Não seja você, Não se
aproxime, Não pense, Não sinta, Não cresça, Não seja criança, Não faça, Não pertença,
Não se sinta bem nem seja saudável, Não seja importante, Não tenha sucesso
(Goulding & Goulding, 1779). Nos workshops sobre Script Trangeracional, depois de
identificar suas Injunções, os clientes investigam opções de mudança buscando
permissões correspondentes para se libertarem.
A seguir, alguns exemplos de permissões criadas pelos próprios clientes, para si
mesmo: Eu quero viver incondicionalmente, Eu posso reformular e reconstruir minha
vida, Eu posso ser eu mesmo, aceitando o meu gênero sexual, Eu posso me aproximar
e confiar nas pessoas que eu escolho para partilhar amor e intimidade, Eu posso
crescer e me aceitar como uma pessoa madura, Eu posso desfrutar minha vida e
descobrir o equilíbrio entre trabalho e diversão, Eu posso pensar claramente e tomar
minhas próprias decisões, Eu posso sentir e partilhar meus sentimentos, Eu posso fazer 129

as coisas acontecerem, Eu posso estar saudável e bem, Eu posso pertencer a minha


família bem como aos grupos e a relacionamentos, Eu posso ser bem sucedido, Eu sou
importante, Eu posso superar meus ancestrais e Eu posso mudar.

Workshop de Script Transgeracional


O objetivo é que os participantes descubram aspectos dolorosos e situações
traumáticas nas suas famílias de origem que se repetem em si mesmo, nas suas
relações atuais. Tendo feito isto, é possível em seguida, fazer as mudanças necessárias
para melhorar sua qualidade de vida e contribuir para a saúde do seu sistema familiar.
Os participantes dos workshops, usualmente, são meus clientes e, às vezes, outras
pessoas que se interessam pelo tema. Com os últimos, faço uma entrevista preliminar,
porque o workshop não é aconselhável para indivíduos psicóticos ou que tenham
distúrbios intensos de personalidade. Além disto, a participação requer um contrato de
confiabilidade. Para clientes que estão em psicoterapia individual, o trabalho em grupo
propicia uma oportunidade de se identificar com outros participantes, o que a
experiência de cada um pode ter um efeito nos outros. Esta dinâmica facilita
reconhecer problemas não resolvidos que estes clientes que ainda não entraram em
contato, e os estimula a expressar suas emoções e sentimentos reprimidos. Ao mesmo
tempo, o apoio e o feedback dos outros membros do grupo, pode motivá-los a
estabelecer relações de intimidade, aceitando e respeitando as outras pessoas.
O workshop normalmente acontece durante quatro ou cinco dias, incluindo o
fim de semana, embora com as datas e horários variados. Costumo iniciar convidando
os participantes a se apresentarem de forma a incluir sua família genealógica. Eles têm
dois minutos para fecharem os olhos e visualizarem sua árvore genealógica. Depois,
cada um se levanta e orgulhosamente se apresenta falando seu nome, os nomes dos
seus pais e de seus avós maternos e paternos. Começo me apresentando da seguinte
maneira: “Meu nome é Gloria, filha de Roberto e Isabel, neta de Iñigo e Maria do lado
do meu pai e de Roberto e Virgínia do lado da minha mãe.” Esse exercício costuma
trazer animação porque, desde o começo nos leva a sensibilizar para trabalhar com a
presença psíquica de nossos ancestrais.
Os participantes então respondem a um breve questionário que os auxilia a
reconhecer os problemas repetitivos nos seus familiares nas várias gerações. A seguir,
ensino os seguintes conceitos intercalados com dinâmica de grupo e trabalho
terapeuticamente com pacientes que solicitam isto:
 Como o Script Transgeracional foi codificado nos Estados de Ego
 A Transação Pai - Criança introjetada
 Diferença entre Scripts individual, familiar e cultural
 Que pessoas pertencem às árvores genealógicas
 Injunções do Script (Goulding & Goulding, 1979) como nós que bloqueiam o
fluir da energia saudável na árvore genealógica
 Maneiras diferentes que o Script foi passado desde os avós para as gerações 130

seguintes (BERNE, 1972)


 Que tipo de vida seus avós viveram? (J. JAMES, 1984)
 Segredos familiares, um conhecimento desconhecido (NORIEGA, 2010).
 Promulgação do Script familiar através dos mecanismos de transmissão do
Script (NORIEGA, 2004; 2009; 2010).
 O Episcript (ENGLISH, 1969; 1998).
 O Sistema do Script (ERSKINE & MOURSUND, 1998; ERSKINE & ZALCMAN,
1979).
 Manhã Terapêutica (F. CLARK, 2001; ERSKINE, 2014a)
 A dinâmica do perdão
 Conceitos éticos de justiça e equidade no sistema familiar (BOSZORMENYI-NAVI
& SPARK, 1973)
 Resiliência e força da Physis (SIEBERT, 2007)
 Permissões para libertar-se da cadeia transgeracional (Allen & Allen, 1972)
 Estado de Ego Adulto Integrado (TUDOR, 2003)
 Reconhecimento do legado construtivo de nossos ancestrais
 A prática da Análise Transacional da atenção plena (VERNEY, 2009; ZVELC,
CERNETIC & KOSAK, 2011)
Durante o workshop, os participantes também aprendem que o crescimento pessoal
não acontece linearmente, mas acontece de forma espiralada. Assim, eles podem
experimental regressões parciais e não necessariamente totais, que servem para
ampliar sua consciência e seu Estado de Ego Adulto. Segue-se a isto um estudo
de caso que inclui breve segmento de uma intervenção realizada num workshop de
Script Trangeracional, após dois meses de psicoterapia semanal. A intervenção descrita
é útil tanto para os clientes como para os outros membros do grupo e demonstra o
poder que pode ser liberado por meio da integração individual e da terapia de grupo.

O caso de Paula
Paula chegou para sua primeira entrevista com um trauma físico e emocional
severo, seguido de episódio de violência doméstica onde seu marido a espancou
brutalmente antes de expulsá-la de casa. O marido de Paulo constantemente a
insultava enquanto se vangloriava de seus inúmeros atos de infidelidade. A violência
ocorreu quando ela lhe disse que queria o divórcio. Então, ele abusou dela
verbalmente, insultando-a, intimidando-a e humilhando-a.
A resposta de Paula foi chorar o que o tornou ainda mais raivoso. Não parou de
espancá-la, até ela ficar inconsciente no chão. Contudo, apesar da gravidade da
situação, Paula sentia-se culpada pois pensava ter sido ela a causadora do problema.
Ela não compreendia que violência verbal e psicológica também são formas de abuso.
Ela estava confusa e pretendia dizer que desistia do divórcio e pedir perdão a seu
marido. Nestas circunstâncias, ela me pediu para ajuda-la a entender seu marido e a
ela própria (nesta ordem) porque ela sentia como se estivesse ficando louca. 131

Durante a primeira sessão, contou também que seus pais discutiam e acusavam
um ao outro de infidelidade. Ela concordou em continuar sessões de psicoterapia uma
vez por semana e em participar finalmente de um workshop de Script Transgeracional.
Como nosso primeiro Contrato terapêutico, estabelecemos a clarificação dos seus
pensamentos e de suas emoções, para que então ela pudesse tomar uma decisão
adequada.
Paula tinha 28 anos de idade e trabalhava de porta em porta como vendedora
de cosméticos. Ela tinha interrompido seus estudos universitários para casar e era mãe
de uma criança de quatro anos, fruto do seu casamento. Ela frequentemente
maltratava seu filho, gritando e batendo nele. Disse não ter a menor paciência e
facilmente se irritava com ele. Durante as sessões subsequentes, soube que Paula
tinha um irmão mais novo que recebeu educação privilegiada de seus pais porque era
homem. Inicialmente, quando eles eram criança, o irmão de Paula a insultava e batia
nela constantemente, e agora, já como um jovem adulto, continuava fazendo a mesma
coisa com sua namorada. Paula sempre se sentiu inferior por ser mulher.
Seus pais queriam que ela fosse um menino porque consideravam que os
homem eram mais importantes na família e que as mulheres eram apenas para servi-
los. Os pais de Paula também tinham sido vitima de abusos físicos severos por parte de
seus próprios pais com intensa discriminação contra as mulheres. Enquanto adulto,
seu pai tornou-se viciado em álcool e sua mãe agudamente depressiva, o que a levava
a passar grande parte do tempo na cama, distante dos seus dois filhos. Quando seu pai
ficava alcoolizado, ofendia sua mulher e quando Paula intervinha, ele podia espancá-la
também. O primeiro resultado da terapia foi Paula parar de surrar seu filho, ao
perceber estar fazendo com ele o mesmo que seus pais e irmão fizeram com ela.
Contudo, uma mudança radical não ocorreu enquanto ela não percebeu que os atos de
violência doméstica vinham ocorrendo em sua família por três gerações.
Durante o workshop, Paula estava interessada a aprender que o sofrimento
decorrente do abuso, seja como vítima direta ou como um testemunho de que
acontecia entre outros membros da família, tendia a permanecer introjetado nos
Estados de Ego da Criança. E isto vai aparecer na sua vida de adulto de diferentes
maneiras: a pessoa permite a si mesmo serem abusada, abusa de outros, ou ele abusa
a si mesmo. Aprendendo isto, Paula começou a trabalhar sobre essas formas de abuso,
estabelescendo o seguinte contrato: “Parar com o abuso que continuo fazendo a mim
mesma nos meus relacionamentos.”
Os parágrafos seguintes oferecem trechos de intervenções realizadas com Paula
quando trabalhamos no seu Estado de Ego Pai, introjetados de seu pai e de sua avó
paterna. (P=Paula, T-terapeuta, J- José, Pai de Paula conforme retratado por ela)
P= Estou apavorada e envergonhada sobre o que estou prestes a dizer (ela
chora e pende a cabeça). Quando eu era uma menina, minha mãe gritou
comigo quando cometi um erro no meu trabalho de casa. Penso que ela se
frustava facilmente porque estava estressada devido as brigas com meu pai. 132

Hoje, faço a mesma coisa com meu filho. Eu não bato mais nele, mas continuo
gritando de forma desagradável. Sei que não é ok, mas não consigo me
controlar.
T: O que você está pensando?
P: Que sou estúpida porque ainda que saiba o que tenho que fazer, acabo
fazendo exatamante o oposto. É a mesma coisa com meu marido
T: O que você quer dizer com isto?
P: Meu marido sempre me humilha dizendo que está com outras mulheres e
que eu não valho nada como mulher. Então, digo a ele que quero o divórcio, ele
fica com muita raiva e me bate. Eu não deveria dizer o que estava pensando.
T: Por que você pensa assim?
P: Porque meus pais discutiam e brigavam toda hora.Eu me sentia aterrorisada
quando meu pai chegava em casa bêbado e batia na minha mãe e, embora meu
marido não beba tanto, penso que eu o estou provocando.
T: Você decidiu pedir o divórcio e terminar com a relação como seus pais. Isto
não é provocação; é dar um basta à violência no seu casamento.
P: Sim, eu sei, mas agora estou confusa porque, para evitar que meu marido
ficasse com raiva, mudei minha atitude, me tornando submissa como minha
mãe fazia. Não funcionou também; meu marido continua me insultando e me
humilhando.
T: Parece que, como sua mãe, você também escolhe um marido violento e
agora seu casamento é igual ao dos seus pais.
P: Sim, mas ele não queria a terapia, e então me sinto confusa. Antes que eu
perceba, já estou brigando com meu marido novamente e é meu filho quem
sofre as consequências. Depois, me arrependo e me desculpo com meu filho.
Eu me sinto como se estivesse enlouquecendo. Em vez de fazer o que é certo,
acabo fazendo as mesmas coisas estúpidas de sempre. Por favor, me ajude.
T: Bem, o que você pensa de fazer uma dramatização ou você simular ser um
dos seus pais e eu faço uma entrevista?
P: Ok, gosto da idéia
T: Está bem.Você agora vai convidar um dos seus pais para este workshop
(apontando para a segunda cadeira). Vou entrevistar essa pessoa e você vai
ouvir.
P: (muda as cadeiras) Estou um pouco assustada.
T: Entendo. É algo novo para você. Está tudo certo. Feche seus olhos por um
momento e assuma personalidade de um dos seus pais. Você vai se comportar
e falar como esta pessoa. Quando abrir os olhos, você me dirá seu nome e
quem é você.
P: (abrindo os olhos) Meu nome é José e eu sou o pai de Paula.
T: Prazer em conhecê-lo José , e benvindo a esse workshop. Agora me diz, como
é sua filha Paula? 133

J: Paula é uma jovem muito rebelde. Estou preocupado porque ultimamente


ele tem bebido muito e tido muitos problemas com seu marido. Sei que parte
da culpa é minha porque também bebo muito, mas ela é mulher e tola como
toda mulher. Ela insiste num casamento com um homem que não é correto
com ela e, por causa disto, eles brigam o tempo todo
T: José, seu relacionamento com seus pais era parecido?
J: Meu pai era um bêbado que batia na minha mãe o tempo todo. Eu a defendia
e então ele me batia também. Decidi sair de casa aos 14 anos e nunca mais
voltei. Minha vida foi difícel e solitaria. Odeio meus pais porque eles me
machucaram muito (chorando).
T: Estou vendo. Percebo o quanto este abuso sofrido na infância afetou você.
J:Sim, porque também fui violento com minha esposa, mas ela me exaspera
porque é estúpida como minha mãe. Por exemplo, ela está sempre me
ameaçando com o divórcio e não toma nenhuma atitude. Então, brigamos o
tempo todo.
T:Você preferiria ter divorciado?
J: Penso que sim porque nós não nos damos bem.Gostaria de ser diferente do
meu pai, e não um bêbado que abusa e humilha sua mulher.
T:Sua história ecoa no que Paula está passando?
J: Penso que sim porque meu neto pequeno também sofre com os argumentos
de seus pais. Parece que minha família foi atormentada pela maldição do meu
pai.
T: O que você quer dizer com isso?
J: Quando sai de casa, meu pai me amaldiçou por ser um filho ingrato, dizendo:
“Você e seus filhos pagarão pelo o que você está fazendo a mim e a sua
mãe”(chorando desesperadamente).
T: (Apontando para a terceira cadeira) José, Coloque seu pai na cadeira e diga a
ele como você está se sentindo agora.
J: Pai, tenho vivido solitário e assustado porque faço com minha família o
mesmo que você fez. O Álcool tem sido meu único consolo e minha filha Paula
está também bebendo muito. Penso que ela se sente tão desesperada quanto
eu.
T: José, você gostaria de devolver para o seu pai as crenças machistas dele?
J: Sim. Pai, eu não tenho mais que obedecer sua maldição maltratando minha
mulher e minha filha. Desrespeito e violência contra mulheres não continuará
na minha família. Chega, basta. Minha mulher e minha filha merecem respeito
e eu as respeitarei daqui em diante.
T: Repita alto “Chega, basta.”
J: CHEGA! BASTA! (gritando).
T: José, como você está se sentindo agora? 134

J:Muito melhor, me sinto liberado.


T:Você gostaria de estender essa decisão sobre mulheres além da sua família
J:Sim, certamente! De fato, as mulheres, assim como os homens, tem valor
como seres humanos e merecem respeito.
T:Muito bem Foi um prazer conhecer você, e obrigada por me permitir ser
testemunha da sua nova decisão de se respeitar e respeitar as mulheres.
(Aperto suas mãos em sinal de despedida)
T: (Fazendo um gesto para Paula retornar a sua primeira cadeira) Você é Paula
novamente. Como você se sente?
P: Como se alguem tivesse tirado um peso enorme dos meus ombros. Nunca
imaginei que meu pai pudesse ser tão vulnerável lá no fundo.
T: Você percebeu algo mais?
P: Sim, percebi que eu estava bebendo como meu pai porque não queria ser
submissa e depressiva como minha mãe. No entando, não tinha percebido que
às vezes eu sou também como meu pai, por exemplo quando grito com meu
filho. Ou ainda com meu marido, quando peço perdão por algo que não fiz.
T: Ok, agora que você percebeu estas coisas, o que você pode me falar sobre
seu proprio maltrato?
P: De fato, agora percebi que, mesmo que meu pai se controle mais, eu ainda
me trato como ele costumava fazer quando eu era pequena. Às vezes eu sinto
como se ouvisse seus gritos na cabeça.
T: O que esses gritos na sua cabeça dizem?
P: Você é estúpida! Você precisa compreender os homens porque as mulheres
existem para serví-los!
T: Você pode respondê-lo, se quiser.
P: O que você está dizendo não faz mais sentido. Eu mereço respeito. Eu gosto
de ser mulher, e, além disso, estou aprendendo a ser uma boa mãe.
T: Você quer dizer para ele algo mais?
P: Sim, que reafirmo minha decisão de parar de beber e de maltratar meu filho
e a mim mesma e também não vou mais permitir que mais ninguém me
maltrate. Permanentemente.
Reflexões sobre o trabalho transgeracional realizado com Paula
Paula está entre muitas das pessoas que se beneficiaram da psicoterapia
transgeracional ao reconhecer que estavam repetindo o Script de Vida que não
pertencia a eles. O workshop do Script Transgeracional permite abordar questões
específicas que não foram tratadas em sessões individuais de terapia. No caso da
Paula, ela foi capaz de trabalhar sobre a violência doméstica que atravessou quatro
gerações na sua família: seu avô, seu pai, ela mesma e seu filho. Esta intervenção está 135

presente na sessão transcrita aqui sobre o Estado do Ego Pai da Paula envolvendo o
trabalho das introjeções do seu pai e do seu avô. Este trabalho levou-a a reconhecer a
origem de seu comportamento ambivalente e muito confuso do seu Estado de Ego
Criança ao realizar que ela tomou decisões precoce na sua infância de não ser como
sua mãe, passando a agir como seu pai. Entretanto, ao se apavorar depois dos
episódios de violência com seu marido, ela eliminou esta identificação adotando uma
atitude submissa similar a da sua mãe.
A técnica usada na intervenção com Paula foi a Entrevista Parental (McNeel,
1976), integrando da Análise Transacional com a Gestalt Terapia, convidando a cliente
a atuar como um dos seus pais. E, então, a terapeuta entrevistou a figura parental
como se ele ou ela estivesse realmente presente. Desta forma, ajudou a cliente a
entender a figura parental em profundidade trazendo sentimentos de compaixão que
possibilitaram os perdoasse. Usualmente acrescento uma ou mais cadeiras quando
estou trabalhando em um nível transgeracional para que o cliente possa também
estabelecer um diálogo com seus avós, ou outros membros da família caso se faça
necessário. Também tendo a acrescentar alguma técnica de Psicodrama como o role
play feito com Paula.
Com ela também usei o processo de resolução parental no Estado de Ego
Criança (Dashiell, 1978) fazendo terapia com o pai de Paula como se ele estivesse
realmente presente. No caso de Paula, a representação do drama familiar envolvendo
três gerações pode mostrar também os mecanismos da transmissão do Script
(NORIEGA, 2010). Incluindo as Transações Ulteriores contidas nas mensagens verbais e
não verbais envolvendo desqualificações das mulheres no sistema familiar, Jogos
Psicológicos em que ela foi atraída repetindo o drama familiar com episódios de
violência com seu marido, transferência psicodinâmica levando Paula a interagir com
ele como sua mãe costumava interagir com seu pai, e identificação projetiva
contaminada com violência doméstica que se expressa ao se permitir ser abusada,
abusar de si mesma e abusar dos outros (seu filho). O sentimento de rejeição que
Paula vinha sentindo desde o nascimento por ser mulher, marcou sua vida com duas
Injunções: Não Exista e Não seja Você. A primeira é uma mensagem letal de
autodestruição que surgiu quando na juventude apareceram sentimentos de
depressão, duas tentativas de suicídio e ao se expor a situações de perigo, colocando
sua vida em risco. De acordo com sua história familiar, aparentemente seus pais e seus
avós também receberam a mesma Injunção que se experssa pela depressão.
A segunda Injunção aparece na vida da Paula pela Decisão Precoce: “É melhor
ser como um homem, porque mulheres são inúteis”. Isto também é reforçado no
relacionamento com seu marido que, ao justificar a infidelidade, a humilha como
mulher. Paula aceitou ainda outra Injunção: Não Pense. Aparecia em seus estados de
confusão e pelos sentimentos de que iria enlouquecer. Quando, na realidade, o que
ela estava fazendo era rejeitando a consciência do seu Estado de Ego Adulto,
confirmando desta forma a crença de que todas as mulheres são estúpidas. 136

Quando pré-adolescente Paula foi diagnosticada com déficit de atenção e


hiperatividade e ela vinha sendo medicada desde então. Entretento, uma vez que ela
começou a pensar claramente, sua distração e agitação começou a se dissipar e não
necessitou mais de nenhuma medicação. Paula está agora se divorciando, retomou
seus estudos universitários, tem um emprego estável e parou de maltratar seu filho.
Também parou de beber de forma abusiva.
O seu diagnóstico de tratamento era distimia, que se manifestava como uma
depressão básica que começou na sua primeira infância, nunca sendo tratada, assim
como um transtorno de ansiedade, resultante do quanto ela se sentia confusa com
suas emoções (American Psychatric Association, 1994, pp.352-357, 443). Na verdade,
Paula é realmente uma mulher inteligente, capaz; e graças, em parte, o trabalho de
Script Transgeracional ela está agora no controle. Já faz um ano que ela foi atendida no
workshop sobre Script Transgeracional e que tem frequentado sua terapia semanal. Ela
tem feito seus estudos e se sente valorizada no seu trabalho. Pensa claramente e
percebeu que a compulsão de repetir o drama familiar era sua forma inconsciente de
denunciar o Script familiar e, ao mesmo tempo, afirmar sua identidade como mulher.
Como visto no caso de Paula, no workshop de Script Trangeracional, a psico-educação
facilita a descontaminação do Estado de Ego Adulto e a desconfusão do Estado de Ego
Criança dos participantes. Como os clientes expandem suas consciências, a dinâmica
de grupo e as intervenções terapêuticas possibilitam que eles entendam e expressem
suas emoções. Percebe-se isto claramente no caso aqui relatado.

Conclusão

Inconscientemente, podemos repetir nos nossos relacionamentos atuais os


conflitos não resolvidos de nossos ancestrais, ainda que não os tenhamos conhecidos.
Tais conflitos podem estar associados a questões como alienação, ilegitimidade,
drogadição, violência, infidelidade, depressão e assim por diante. Em muitos casos, nos
agarramos a segredos familiares que percorreram, de forma ulterior, a vida diária de
várias gerações. Combinar terapia individual e workshop pode ser um recurso
poderoso para que os clientes e os membros do grupo possam ampliar sua consciência
questões do seu Script de Vida Transgeracional.
Nós, na nossa geração atual, somos proprietátios da ligação que precisa ser aberta
para mudar, reparando a cadeia transgeracional que pode estar prejudicando nosso
desenvolvimento e a fluidez emocional de nossos descendentes. Assim que tomamos
consciência deste conhecimento desconhecido até o momento, podemos nos permitir
modificar nosso Script Familiar destrutivo e, ao mesmo tempo, preservar e reforçar o
legado construtivo de nossos ancestrais.
137

Tradução: Adriana Montheiro, Membro Didata em Formação, área clínica


Revisão: Ede Lanir Ferreira Paiva, Membro Didata, área clínica
UNAT BRASIL – maio 2017
CAPÍTULO 07

INFERÊNCIA, REEXPERIMENTAÇÃO E REGRESSÃO:


PSICOTERAPIA DO ESTADO DO EGO CRIANÇA9
Richard G. Erskine & Amaia Mauriz-Etxabe

Em seu capítulo sobre "Análise de Regressão", Eric Berne (1961) afirmou 138
que seu objetivo terapêutico era criar "a situação ideal para o reajuste e a reintegração
da personalidade total". Ele escreveu sobre a importância da experiência
"fenomenológica" do Estado do Ego Criança tornando-se "vividamente ressuscitado na
mente do paciente". Essa experiência emocional vívida é muitas vezes acompanhada
de intensa expressão emocional, característica de uma criança pequena. Ele equiparou
essas vivas experiências emocionais com "memórias intestinais" ou "sub-reptícias" (p.
224-231). Embora Berne tenha escrito sobre a importância de fazer terapia de
regressão etária, ele não identificou o conhecimento, habilidades ou qualidade de
relacionamento necessários, para facilitar uma regressão etária de suporte
terapêutico. Berne escreveu sobre sua experimentação com o "role-play" dos clientes
de suas experiências da infância. Suas descrições de sua prática clínica parecem
colocar a ênfase terapêutica em uma compreensão "inferencial" da experiência da
criança (1961). No entanto, o seu capítulo continuou a ser uma inspiração para nós e
forneceu algumas das bases teóricas para incluir várias formas de terapia do Estado do
Ego Criança e regressão etária terapêutica em nosso repertório de habilidades
psicoterapêuticas (Erskine & Moursund, 1988, Moursund & Erskine, 2003).
É central na prática da Análise Transacional na psicoterapia
contemporânea a resolução dos conflitos do Estado do Ego Criança e dos problemas
do Script de vida (Berne, 1972; Sills & Hargaden, 2003). É na primeira infância que são
fixados os padrões relacionais que constituem o núcleo de um Script de vida,
estabelecidos através das reações de sobrevivência fisiológicas auto estabilizantes,
conclusões experimentais implícitas, introjeções e decisões explícitas (Erskine, 2010b).
Para conseguir uma psicoterapia profunda, os psicoterapeutas devem ajudar os
clientes a resolver os conflitos, negligências e traumas da infância, que se fixaram nas
suas vidas. Isso exige que pensemos sobre nossos clientes de uma perspectiva de
desenvolvimento, com sensibilidade às necessidades físicas e relacionais da criança, os
possíveis conflitos relacionais e as perdas que a criança pode ter vivido, a qualidade da
influência fornecida pelos cuidadores e como a criança conseguiu estabilizar, regular e
melhorar a si mesmo.

9
Transactional Analysis in Contemporary Psychotherapy, editado por Richard Erskine, Karnac , London
(UK), 2016. p. 139 a 159 no original.
Muitos terapeutas tiveram clientes que afirmaram não ter memória das
experiências da infância antes dos oito ou dez anos de idade, mas esses mesmos
clientes têm intensos anseios ou repulsões, padrões de fuga ou compulsão e
relacionamentos tumultuados (Wallin, 2007). Esses padrões emocionais e relacionais
podem ser a expressão da memória -memória que é inconsciente, porque essas
experiências não foram transpostas para o pensamento, o conceito, a linguagem ou a
narrativa (Bucci, 2001; Lyons-Ruth, 2000; Schacter & Buckner, 1998). 139

Se as experiências significativas não forem reconhecidas dentro da família,


quando não houver conversa significativa, pode ser impossível colocar as
necessidades, as sensações emocionais ou os conflitos relacionais na linguagem social
ou mesmo pensar nelas (Cozolino, 2006). Da mesma forma, quando experiências
interpessoais importantes nunca ocorreram, tais como paciência, gentileza, bondade
ou respeito, o cliente não terá memória desses eventos ou desse período de tempo;
haverá um vácuo de experiência (Erskine, 2008). O cliente pode dizer "eu não sei"
quando perguntado sobre eventos importantes dentro da família. Em vez disso, essas
memórias processuais implícitas serão expressas através de reações fisiológicas e
emocionais, re-encenações na relação cliente-terapeuta, as transferências da vida
cotidiana (Freud, 1912b), ou através de um vago senso de vazio.

Recordando, revivendo e re-experimentando


Na psicoterapia, muitas das transações terapêuticas envolvem a facilitação
de clientes com a lembrança das experiências de suas vidas, Aquelas experiências
lembradas e perceber como as reações e conclusões iniciais influenciam as escolhas
feitas em sua vida atual. Quando os clientes contam as várias histórias de sua vida, eles
se baseiam na memória explícita e, em conjunto com o psicoterapeuta, criam uma
narrativa consistente e abrangente que dá sentido e significado às suas experiências de
vida (Berne, 1972). Reviver é diferente de lembrar. Ao reviver, as experiências
dolorosas e os conflitos do passado são repetidos, reforçam-se os velhos mecanismos
de auto estabilização e compensação, as reações de sobrevivência e as conclusões do
Script não só são confirmadas, mas também intensificadas - a pessoa pode se re-
traumatizar. Reforço de antigos padrões de autoproteção e auto estabilização muitas
vezes ocorre quando uma pessoa revive uma experiência assustadora ou dolorosa,
enquanto assiste a um filme ou está no meio de uma disputa familiar. Reviver pode
ocorrer quando uma pessoa conta uma história emocionalmente carregada e perde o
contato interpessoal enquanto fala. Em reação à ausência de contato interpessoal ela
pode, então, escalar a intensidade de afetos e sensações corporais, reforçando assim
as primeiras reações de sobrevivência fisiológicas ou conclusões de Script.
A revivência também pode ocorrer quando o psicoterapeuta não consegue
avaliar a importância do que está sendo transferencialmente comunicado e o cliente,
portanto, confia em velhas crenças de Script para gerenciar a situação (Erskine, 1991,
Novellino, 1985, também ver o capítulo de Ray Little neste livro).
Quando a revivência ocorre na transferência, é tarefa do psicoterapeuta
"assumir a relação de transferência" (Trautmann, 1985), envolver-se ativamente nas
promulgações transferenciais do cliente, de tal forma que o contato da relação
terapêutica proporcione um nova experiência, que é esclarecedora e reparadora.
Reviver é a descrição fenomenológica do que Freud (1920g) chamou de compulsão de
repetição - a atuação de uma pessoa fora do que ele não pode formar como memória
explícita e, portanto, não pode colocar na linguagem. As funções psicológicas dessa 140

revivência são duplas. A primeira função homeostática serve para manter uma
sensação de estabilidade, continuidade e previsibilidade; a segunda função envolve
uma afirmação da energia psíquica que é investida na saúde e na vitalidade, na
esperança de uma experiência reparadora e na satisfação das necessidades relacionais.
Este é o desejo de curar, reparar e crescer, semelhante ao que Berne chamou physis
(Berne, 1972; Cornell, 2010). Estas diversas funções estão em equilíbrio dinâmico - o
dilema interno é permanecer o mesmo ou crescer e mudar (Beisser, 1971).
Reexperimentar é quase reviver; os mesmos afetos, reações corporais e
conflitos internos surgem; os meios arcaicos de compensação e auto estabilização são
reativados. Mas, antes do ponto de reforço, o psicoterapeuta e o cliente co-criam um
resultado diferente - um desenlace que altera os velhos padrões de sentimentos e
relacionamentos. Uma reavaliação terapêutica efetiva é "segura, mas não muito
segura" (Bromberg, 2006), um trabalho de vantagem terapeutica. Isso leva o cliente a
um estado de emergência criativa (Pens, Hefferline, & Goodman, 1951), levando em
conta a sua "janela da tolerância" (Siegel, 1999, p.253) e a intensidade do afeto e da
reação fisiológica que pode processar sem depender de velhos padrões de auto
estabilização e enfrentamento. Um relacionamento terapêutico seguro permite que o
cliente quase reviva as negligências e os velhos traumas, ao encontrar esse ponto de
excitação que o empodera, para estimular novas ações físicas. Ao invés de reativar
padrões arcaicos de autoproteção, a revivência terapêutica permite que os clientes
renunciem a retroflexões fisiológicas, expressem emoções não expressas e tomem
decisões que mudam a vida.

Facilitar a memória
Uma das tarefas primordiais de fazer psicoterapia com o Estado do Ego
Criança é ajudar nossos clientes a traduzir suas sensações físicas e afetivas em
linguagem, a adquirir uma consciência e compreensão das reações de sobrevivência e
conclusões implícitas significativas e a colocar seus padrões relacionais em um
contexto histórico. Uma perspectiva relacional, que inclua a sintonia com o afeto, o
ritmo e o nível do desenvolvimento do cliente, é essencial na construção de uma
relação terapêutica eficaz destinada a desconfundir o Estado do Ego Criança e a
descontaminar Estado do Ego Adulto.
Através da investigação fenomenológica, o psicoterapeuta sintonizado
ajuda a fornecer uma linguagem dialógica que permite que a experiência interna seja
formada, expressa e tenha significado. A investigação fenomenológica e histórica
fornece uma oportunidade para que as memórias afetivas e fisiologicamente
carregadas do cliente sejam colocadas, talvez pela primeira vez, no diálogo com uma
pessoa interessada e envolvida. Uma vez que estabelecemos uma relação terapêutica,
consistentemente segura, e exploramos e resolvemos conflitos relacionais à medida 141

que surgem, em várias transferências, muitas vezes voltamos nossa atenção para
ajudar o cliente a descobrir as qualidades naturais e recursos pessoais que ele teve
como uma criança, o estilo das relações familiares que ele viveu, e as conclusões e
decisões que ele pode ter tomado. Alguns exemplos da natureza do inquérito histórico
que usamos, para facilitar a memória dos clientes que são incapazes de recordar as
experiências iniciais, são:
• Quem estava lá para conversar com você sobre suas preocupações ou alegrias
quando chegava da escola (ou antes da escola)?
• Qual foi a natureza das conversas com sua família durante o jantar?
• Como era o tempo do banho quando você tinha três ou quatro anos? Quem
estava lá com você? Você foi autorizado a brincar na água? Como você
experimentou o ritmo e o toque da pessoa que o secou?
• Qual era a sua rotina de dormir quando você era jovem? Quem colocou você
para dormir e do que você falou?
• Quando você era pequeno e queria alguém para brincar com você no chão, o que
sua mãe (ou pai) faziam?
• Quando você tinha idade suficiente para comer alguma comida sólida, como sua
mãe o alimentou? Ela era tolerante com seus gostos e comportamentos?
• Imagine o que era ser amamentado por sua mãe.
• Imagine como foi ter as fraldas trocadas.

Cada uma dessas investigações históricas é seguida por várias investigações


fenomenológicas como: O que você sentiu? Como você respondeu? Isso tem algum
significado para você? O que está acontecendo em seu corpo enquanto você está me
contando essa história? Nosso inquérito histórico está constantemente indo para trás
no tempo. Muitas vezes começamos com perguntas sobre o tempo da adolescência,
então vamos para os anos escolares. Nós entrelaçamos nossa investigação histórica
com um número de inquéritos fenomenológicos e inquéritos selecionados sobre como
o cliente administrou cada situação.
No momento em que estamos perguntando sobre os anos pré-escolares, a
maioria dos clientes vai responder com "eu não me lembro". Pedimos-lhes que
imaginem a sua experiência, para construírem uma história impressionista, uma vez
que conhecem a personalidade das outras pessoas significativas e como podem ter
reagido naquelas situações.
Estamos sempre trabalhando com sensações, fragmentos de imagens, impressões e
histórias de família, o que chamamos de "inferência terapêutica". É como se
estivéssemos co-criando uma colagem narrativa da história de vida do cliente. Cada
resposta às investigações históricas e fenomenológicas fornece mais um elemento
para a colagem. Pode não ser uma representação fotográfica exata do que aconteceu
na infância do cliente, mas nossa colagem representa os sentimentos e impressões do
cliente. 142

Um cliente que sofria de falta de energia e sentimento de melancolia não


conseguia sequer imaginar como sua mãe o tratava como uma criança. Ele tinha
brancos em cada investigação histórica. Ele só poderia descrever como manteve
distância dos seus pais. Quando seu filho nasceu, ele levou o bebê para visitar sua
mãe. Ela estava desinteressada com o neto e criticou os jovens pais por segurar o bebê
e não deixá-lo chorar para dormir. Esse incidente ajudou meu cliente a perceber, que
sua ausência de memória era uma indicação de que experiências familiares
importantes nunca haviam ocorrido em sua família e que sua falta de energia e tristeza
perpétua era uma reação à ausência de sensibilidade e afeição em sua família original.
Cada uma das investigações históricas listadas acima pode levar uma ou mais sessões
inteiras para investigar as sensações corporais, afetos, reações e várias associações
que ocorrem no processo de resposta. Embora demore meio minuto para ler esta lista
parcial de perguntas, pode levar meio ano ou mais para se investigar as histórias que
essas perguntas suscitam.

Falar não é terapeuticamente suficiente


O médico da Maria telefonou e disse: "Amaia, por favor, veja essa mulher, não
sabemos o que mais fazer com ela. Ela tem frequentes infecções na bexiga e está
constantemente se preocupando sobre contrair todo tipo de doenças. Sua angústia vai
além dos cuidados médicos que podemos fornecer a ela. " Quando Maria chegou ao
meu consultório, queixou-se de ter visto vários médicos especialistas e de ter feito
uma "centena de exames de sangue". Ela sentia raiva porque seu próprio médico a
havia encaminhado para ver um psicoterapeuta. Em sua sessão inicial, ela estava certa
de que um psicoterapeuta não poderia ajudá-la com suas infecções repetitivas e seus
outros problemas de saúde. Ela continuou a falar sobre suas infecções da bexiga e
"sensações estranhas" na sua área pélvica. Ela tinha medo de contrair câncer
ginecológico. Quando pedi para descrever sua infância, ela afirmou: "Eu tinha uma vida
normal, com alguns incidentes que eu tenho conhecimento, mas esses não têm
qualquer influência sobre mim. Eu superei as partes difíceis da minha infância." Eu me
perguntava o que tinha acontecido nos primeiros anos de vida de Maria e como isto
pode ter tido um impacto sobre e em seu corpo (Erskine, 2014b). Era muito cedo para
fazer um inquérito histórico, já que ela estava decidida a falar sobre suas atuais e
futuras doenças.
Nesta sessão de admissão também perguntei sobre seu casamento. Ela deu um grande
suspiro, acompanhada de uma expressão triste, enquanto me dizia que ele era um
"bom homem que me dá uma vida boa o suficiente". Sua resposta estimulou minha
imaginação, se ela apreciava seu casamento ou se ela se sentia presa. Ela disse que
eles tinham três filhos e que seu marido tinha um monte de trabalho no restaurante
da família. Ela ficava desapontada por ele não ter tempo para compartilhar com ela,
nem com as crianças. Enquanto eu ouvia calmamente, ela me disse que ele era um 143

"homem muito bem organizado", e que ele tinha um forte controle do dinheiro da
família. Ela não era capaz de comprar roupas ou qualquer coisa sem sua permissão. Ele
não estava disposto a pagar por sua psicoterapia. Nesta primeira sessão e em várias
sessões seguintes, houve muitas discrepâncias em sua narrativa e várias contradições
entre o conteúdo do que ela dizia e suas expressões faciais.
Não fiz nenhuma confrontação; minha intenção era construir uma relação
terapêutica segura, na qual Maria pudesse encontrar o apoio e a confiança necessários
para revelar sua história - uma espécie de relação terapêutica onde pudesse
experimentar a plena aceitação de sua singularidade e onde a proteção e a permissão
terapêutica (Crossman, 1966) criassem a ponte, que poderia permitir-lhe estabelecer a
ligação entre seus sintomas atuais e qualquer evento passado relacionado a eles.
Após os dois primeiros meses de terapia procurei supervisão para decidir se era
hora de explorar suas obsessões sobre a doença ou tentar "decifrar as pegadas" de
possíveis traumas que estivessem enterrados sob camadas de sintomas físicos -
sintomas que podem expressar memória implícita, não-simbólica de negligência
repetida ou abuso e simultaneamente distraí-la de sentir as emoções esmagadoras
relacionadas a qualquer possível trauma. Como resultado da supervisão, decidi
concentrar minha pesquisa fenomenológica nas suas sensações de afeto e corpo em
vez de trabalhar cognitivamente, sua maneira preferida de trabalhar (Erskine, 2014b).
Ela relatou que em casa ela ficaria espontaneamente "em um atoleiro emocional" e "
inteiramente tensa ". Como de costume, ela queria entender o por que. Eu suspeitava
que ela estava revivendo uma memória fisiológica sub-simbólica e que ela estava
sendo re-traumatizada com cada episódio. Eu expliquei a diferença entre uma terapia
focada cognitivamente e uma terapia que também incluísse atendimento tanto ao
corpo quanto às emoções. Fizemos alguns contratos claros sobre:
• Trabalhar com emoções e sensações corporais
• Como ela poderia manter uma sensação de livre escolha
• Proteção contra ser emocionalmente esmagada, e
• A importância terapêutica de permanecer com sensações fisiológicas / afetivas
para descobrir a história inconsciente que estava sendo vivida em seu corpo.

Como fizemos várias sessões emocionalmente focadas, suas histórias de infância


revelaram crenças de Script como "Eu não sou digna", "Ninguém está lá para mim",
"Os homens são perigosos", "A vida é dura e solitária" (Erskine & Zalcman , 1979).
Intercalado com as sessões de terapia emocionalmente focalizadas, nós tivemos um
número de sessões cognitivamente focalizadas, nas quais esboçamos seu sistema de
Script e exploramos como coletou experiências reforçadoras para confirmaram seu
Script da vida (Erskine & Moursund, 1988; O'Reilly-Knapp & Erskine, 2010) . Mais tarde,
ela relatou que a combinação da terapia emocionalmente expressiva e as "sessões de
pensamento" a ajudaram a entender seu comportamento cotidiano e suas interações
com as pessoas. Em uma de nossas sessões, ela reclamou de um ponto doloroso nas 144

costas. Em vez de atender suas frequentes perguntas e suspeitas sobre o que isso
poderia ser, eu perguntei a ela se poderíamos atender sua postura torcida.
Minha hipótese era que ela estava tendo uma memória corporal e que talvez
pudéssemos ser capazes de facilitar sua consciência e talvez até mesmo colocar sua
experiência interna em palavras. Eu queria que ela sentisse e pensasse sobre seu
corpo, em vez de fantasiar sobre possíveis catástrofes. Eu me perguntava o que ela iria
lembrar e sentir se ela estivesse em uma postura confortável. Lembrei-me de que
muitas dores físicas são o efeito de retroflexões habituais relacionadas à angústia
emocional / física. Essas retroflexões, na tentativa de gerenciar situações
emocionalmente esmagadoras, interrompem a consciência dos sentimentos,
necessidades e reações corporais (Pearl, Hefferline, & Goodman, 1951).
Pedi-lhe para fechar os olhos, exagerar a postura e prestar atenção nas
sensações que sentia. Eu a encorajei a descrever o que ela estava experimentando.
Enquanto fazia isso, tive a sensação de que ela havia perdido contato com suas
próprias reações e com os ritmos naturais do corpo e que suas retroflexões eram o
único meio que ela tinha de administrar suas memórias implícitas. "Oohh," ela gritou.
"Esta é a postura que tive muitas vezes quando eu tinha oito ou nove anos. Tive que
ajudar meu pai a carregar grandes sacos de batatas - gritou ela - Foi terrível. Eu tive
que carregar esses sacos pesados e se eu fosse lenta, meu pai gritava comigo”.
Enquanto Maria continuava a chorar, ela descreveu como era muitas vezes
forçada a fazer trabalhos que estavam além da sua força e resistência. "Abuso e
ausência de proteção". Esta primeira sessão de terapia voltada para o corpo abriu a
porta para várias outras sessões focadas no corpo / afeto e o resultado foi um
desenrolar de lembranças da infância sobre o controle e violência de seu pai (Caizzi,
2012).
Nas sessões seguintes, continuei a inquirir sobre suas sensações corporais,
afeto e associações relacionadas. Ela me contou um número de histórias sobre sua
vida familiar primitiva, das quais ela nunca tinha falado, nem mesmo para suas irmãs
Ela me disse sobre uma " Mãe fraca "que" nunca me protegeu "..." ela até participava
quando o pai batia em nós." Maria disse que, em comparação, o controle do seu
marido sobre o dinheiro e sua falta de carinho pareciam um" bom negócio". Quando
eu perguntei sobre sua experiência na nossa relação terapêutica, ela relatou que
estava tendo uma "experiência totalmente nova" de ter "alguém que está interessado
em mim" e "que me ajuda a lembrar coisas nas quais eu nunca tinha pensado".
Meu uso da investigação fenomenológica e histórica tornou-se central em nossas
sessões, durante esta fase de nossa psicoterapia. Parecia-me claro que as funções dos
sintomas do corpo de Maria eram, simultaneamente, distrai-la da turbulência interna e
inconscientemente revelar sua história (Erskine, 2008).
A terapia orientada corporalmente que estávamos fazendo era geralmente sem
toque; minha ênfase estava na expansão da consciência de Maria sobre seu afeto,
sensações físicas e lembranças relacionadas (Erskine, 2014a). Quando o corpo de 145

Maria e as memórias sub-simbólicas eram agudamente perturbadoras, ela


espontaneamente segurava na minha mão. Ao segurar a minha mão, às vezes com
contato visual direto, a intimidade do nosso relacionamento proporcionava uma re-
estabilização emocional. Eu estava oferecendo minha proteção, atenção, interesse e
presença plena - as qualidades de relacionamento que a menina perdeu de uma mãe
que "nunca me protegeu". Essa re-estabilização relacional proporcionou reorganização
sensório-motora - uma reexperimentação em vez de uma revivência (Allen, 2010).
Ela relatou que periodicamente se tornava “uma menina chorosa ... sem
palavras e estranhas sensações corporais" quando seu marido ficava zangado com ela.
Ela percebeu que suas infecções de bexiga frequentemente aconteciam quando ela
estava se sentindo assustada e sozinha, muitas vezes depois de um conflito com o
marido
No entanto, perto do final deste primeiro ano de terapia, ela relatou que a dor
que acompanhava as infecções da bexiga estava menos intensa. Ela já não usava
tempo das sessões para se preocupar com sua saúde futura. Em vez disso, ela se
tornou cada vez mais consciente de três questões: memórias dolorosas e assustadoras;
negação do comportamento negligente e abusivo de seus pais; e, negação da sua
infelicidade no casamento. Minha tarefa terapêutica neste momento era para mantê-
la ciente da sua história, sem que ela se movesse na emoção cheia de histórias que
potencialmente foram re-traumatizantes. Houve algumas vezes que suas histórias se
tornaram rápidas, sua respiração aumentava e ela perdia o contato comigo. Nessas
ocasiões, pedia a ela para diminuir o ritmo da fala, para olhar nos meus olhos, para
respirar profundamente e para sentir a história que estava no seu corpo, ao relatá-la a
mim. Minha intenção era aumentar o contato interpessoal como uma nova forma de
estabilização emocional e regulação. Depois de um ano e meio Maria decidiu parar a
terapia. Ela disse que não estava mais preocupada com sua saúde e que a psicoterapia
era útil porque lhe dava uma sensação de "sentir-se mais forte". Ela não podia se dar
ao luxo de continuar, porque ela e seu marido estavam discutindo muito sobre sua
vinda para a psicoterapia e que não permitiria que ela gastasse mais dinheiro. Eu
assegurei-lhe que se ela decidisse voltar, eu estaria disponível. Dois anos mais tarde,
depois de obter o divórcio e da morte de seu pai, ela voltou à terapia. A combinação
do divórcio com a morte de seu pai forneceu o estímulo para que nós nos
concentrássemos nos seus sentimentos de raiva, antes desconhecidos, tanto para seu
marido, quanto para seu pai.
Ela tinha memórias explícitas de várias discussões familiares na adolescência,
quando seu pai golpeava, dizendo "Você não é nada", e a chamando de "um pedaço de
merda". Ela percebeu que ela sempre evitava estar perto dele. Eu usei o método da
cadeira vazia (Pearl, 1969) para ajudá-la a expressar sua raiva e para facilitar sua
sensação de impacto.
No meio desse trabalho, Maria ficou surpresa ao dizer: "Eu odiava tanto meu pai e
sinto tanto a sua falta". Eu usei novamente o método de cadeira vazia para ajudá-la a 146

aceitar e a resolver sua dor. Nós nos concentramos no relato de Maria sobre a imagem
de seu pai, sobre seus anseios, tristeza, ressentimento e afeição; ela estava dizendo
um verdadeiro "olá" para o pai - uma sessão de narração da verdade - em preparação
para um adeus incondicional a ele (Erskine, 2014b). Durante esta fase de psicoterapia,
houve três sessões ampliadas, onde fiz psicoterapia com o pai introjetado de Maria.
Neste trabalho tornou-se claro para Maria, que ela tinha quatro injunções parentais
específicas: "Não confie em ninguém"; "Nunca mostre seus sentimentos"; "A vida é
para pessoas fortes"; e "Trabalhe duro e não peça ajuda". Exploramos os efeitos de
crescer com tais mensagens de injunção, como ela se conformou e se rebelou contra
as mensagens, e a importância de suas próprias expressões de autodefinição. É
significativo, que grande parte da autocrítica de Maria tenha parado depois das três
sessões de terapia com seu Estado do Ego Pai. Como parte da terapia do Estado do Ego
Pai, utilizamos um tempo para ela responder do Estado do Ego Criança. Neste diálogo
Criança-Pai, ela entendeu como a injunção de seu pai tinha influenciado seu
comportamento e atitude em relação à vida. (Veja, por favor, os capítulos de John
McNeel e de Ray Little neste livro, para descrições adicionais da dinâmica
interpsíquica entre os Estado do Ego Criança e Estado do Ego Pai. Os relatos
detalhados da teoria e dos métodos da Terapia do Estado do Ego do Pai podem ser
encontrados em diversas publicações (Dashiell, 1978; Erskine, 2003b, Erskine &
Moursund, 1988, Erskine, Moursund, & Trautmann, 1999, Erskine & Trautmann, 2003,
Mellor & Andrewartha, 1980, Moursund & Erskine, 2003).
Um dia Maria telefonou e urgentemente pediu uma consulta adicional. Tinha
sofrido um acidente de carro. Como parte do seu tratamento médico, ela fez um
exame ginecológico. Durante o exame, mais tarde em casa e até mesmo em nossa
sessão, ela estava inundada de sensações emocionais e físicas esmagadoras. Em nossa
sessão Maria relatou fatos do acidente e do exame médico, mas sua intensa expressão
emocional indicou uma reação traumática. Seria apenas uma reação a um acidente
automobilístico menor ou Maria estava inconscientemente revivendo alguma
experiência traumática de uma fase anterior da vida? Sendo esta última, eu ainda não
tinha informações suficientes para saber em que idade.
Eu sabia que as reações de sobrevivência fisiológicas e as decisões de formação
de vida podem ocorrer em qualquer idade, em resposta ao trauma (Erskine, 1980).
Estava claro que Maria estava inundada de emoções e tensão em seu corpo. Embora
ela estivesse repetindo partes da história, era incapaz de fazer contato interpessoal.
Ela foi absorvida pela agitação interna. Percebi que era muito provável que qualquer
compreensão cognitiva não resolvesse essa revivência de um trauma. Lembrei-me de
Berne escrevendo que é um sinal de trauma se dois Estado do Ego forem catexizados
simultaneamente. "A repressão de memórias traumáticas é possível, somente através
da repressão de todos os Estados de Ego relacionados, que permanecem preservados
em estado latente, à espera de serem catexizados" (1961, p.19). Ele faz referência à
pesquisa de Penfield para descrever como dois Estados do Ego podem ocupar a 147

consciência simultaneamente, como duas entidades psicológicas distintas: uma no


presente e outra no passado, onde a pessoa sente novamente as emoções e as
interpretações da experiência original (ibid., P.17).
Berne escreve sobre "dois Estados do Ego, um voltado para a realidade atual
externa e psicológica, o outro revivendo (e não apenas recordando) cenas que
remontam ao primeiro ano de vida, com grande vivacidade ... e o paciente sente-se de
volta à situação e experimenta os afetos em toda a intensidade original "(ibid., P.19).
Eu lentamente, perguntei sobre a experiência interna de Maria. Minha sintonia com
seu ritmo era importante. Eu queria que ela se sentisse segura comigo e tivesse a
liberdade para expressar tudo o que estava sentindo.
Como fiquei em silêncio, ela começou a descrever sua experiência no
consultório médico: "Ele disse:" Tire sua calcinha ". Ehhh! Eu quero chutá-lo nas bolas,
ela gritou. Era difícil me conter. Que merda está na cabeça desse homem, para me
falar assim?" Agora Maria estava gritando ainda mais alto, "Os homens são perigosos."
Sua reação emocional parecia mais intensa, do que a realidade do evento atual. Ela era
como uma criança, revivendo uma história assustadora e parcialmente, um adulto com
raiva relatando o incidente. Dois Estados do Ego foram catexizados simultaneamente.
Eu pensei que seria benéfico para ela fazer alguma terapia regressiva, mas primeiro eu
pensei que era necessário restabelecer a segurança da nossa conexão interpessoal e
estabelecer um sólido Estado do Ego Adulto para compreensão, tanto do problema
externo, quanto do seu tumulto infantil interno.
Passei o resto da sessão questionando Maria sobre sua experiência com o
ginecologista. Eu não queria minimizar a realidade dos seus sentimentos e percepções
de adulto sobre insensibilidade e invasão do ginecologista. Ela precisava expressar sua
raiva como uma mulher crescida, antes de nos envolvemos, se é que iríamos, em
qualquer regressão de apoio. Meu foco nessa sessão foi validar sua raiva pela
insensibilidade do ginecologista e por ele não ter providenciado uma enfermeira
presente com ele na sala de exame. Nossa conversa era de mulher para mulher. Se
necessário, eu pretendia dirigir-se a seu Estado do Ego criança em uma sessão
seguinte.
Eu comecei a próxima sessão falando sobre a importância de clarificar nosso
contrato terapêutico (Berne, 1963, 1966, James & Jongeward, 1978, Steiner, 1974,
Stewart & Joines, 1987). Eu queria estabelecer um contrato claro, para garantir a
segurança terapêutica e seu acordo sobre fazer qualquer regressão possível.
Falamos sobre as vantagens e possíveis efeitos adversos de se fazer uma
regressão de idade emocionalmente carregada, como ela poderia ter escolha e
controle sobre parar a regressão e a importância de descobrir um novo e reparador
fim para a história traumática que ela estivesse revivendo. Concordamos em reservar
uma sessão mais longa para a regressão, por duas razões: primeiro, para que ela
tivesse mais tempo para reviver plenamente o velho trauma acompanhado por um
novo senso de reparação; E, segundo, para que pudéssemos ter tempo para conversar 148

sobre suas emoções e sobre quaisquer novas reações ou compreensões da experiência


traumática do seu Estado do Ego Criança. Passamos os primeiros vinte minutos da
sessão restabelecendo nossa relação e revisando nosso contrato terapêutico.
Então, encorajei Maria a fechar os olhos e se lembrar da experiência com o
ginecologista, para sentir o que estava sentindo quando ele lhe disse para tirar a
calcinha. Ela começou a tremer. Ela estava sentindo algumas emoções intensas,
baseadas fisiologicamente. Minha mente começou a vagar e eu imaginei o quão
confortável seria trabalhar apenas comportamental ou cognitivamente e não sentir o
impacto emocional que ela estava gerando em mim. Minha contratransferência estava
ativamente afastando minha mente do profundo trabalho emocional e físico que
Maria tão desesperadamente precisava. Como ela gritou: "Oooh, meu Deus, é a
mesma situação", de repente voltei à sensibilidade - sensibilidade à agonia de Maria,
ao meu compromisso terapêutico e ao meu senso de ética. Eu ressoava com sua
necessidade de segurança e escolha na infância e a tranquilizava dizendo que eu
estava com ela e que continuaria assim. Eu dei a ela a opção de parar ou continuar. Ela
agarrou a minha mão e disse que queria continuar. Como falava com uma criança
assustada, eu usei uma voz suave para incentivá-la a ir completamente para a
experiência, para sentir seu corpo e todas as suas emoções, totalmente "saber o que
você sabe". Maria começou a sussurrar: - Estou na cama com minha irmãzinha,
moramos numa pensão, tenho seis ou sete anos. Ela começou a chorar e a tremer. Eu
disse: "Eu fico aqui com você, você pode sentir e lembrar o que aconteceu". A parte
superior do corpo de Maria tremia enquanto suas pernas estavam enroladas, abaixo
do seu peito. Ela começou a gritar, "Ele está aqui ... ele está aqui." Eu respondi com,
"Deixe-se saber quem é." O grito de Maria se fundiu com a raiva: "Ele é um homem
mau ... aquele que sempre olha para minha irmã e para mim de uma maneira tão
terrível". Eu adicionei, "Você pode se permitir saber o que aconteceu." Maria estava
sufocando as palavras: "Ele entra em nosso quarto." Eu tentei tranquilizá-la, "Maria,
isso é muito difícil para você, mas isso é apenas uma lembrança, você pode continuar."
Maria gritou: "Tire sua cueca ... tire a calcinha, ele diz, eu posso cheirá-lo ... ele
fede ... homem mau ... Eu quero gritar, mas ninguém vai me ouvir. Eu não posso
chamar a mamãe ... na extremidade da casa ... pensionistas no meio ... eu devo ficar
quieta ... ficar quieta. Ninguém está aqui por nós. Eu não quero que meu pai venha ...
ele é malvado ... ele bate, eu não quero ele. " Ela gritou: "Este homem mau tem uma
faca ... ele cortará minha irmã."
Eu a encorajei dizendo: "Faça o que seu corpo quer fazer, Maria, suas pernas estão se
movendo". Maria começou a chutar e agarrar o sofá com as unhas. Ela gritou: "Afaste-
se de nós, não me toque ... tire suas mãos de cima de mim!" Com isso, ela ferozmente
mordia a almofada como se estivesse mordendo o homem. Eu a encorajei a continuar
mordendo e movendo seu corpo. Ela chutou ferozmente e gritou, "Eu não vou deixar
você me tocar ... tirar as mãos de mim! ... Off ... Mãeeeeee ! Mãeeeeeee ajuda!
Mãeeeeee nos ajude!" Quando chamou a mãe, ficou evidente que algo havia mudado 149

internamente; ela tinha realizado uma nova experiência. Ela agora era capaz de
protestar e pedir ajuda.
Ela estava expressando a necessidade humana de causar impacto e ser
protegida; ela desativou seus retroflexos fisiológicos - em vez de ficar fisicamente
inibida, seu corpo estava ativo, em protesto. Em resposta a seu pedido de ajuda,
estendi a mão e envolvi meus braços em torno dela.
Eu a segurei enquanto ela soluçava. Depois de alguns minutos, seu corpo relaxou, e
ficamos caladas, juntas, por vários minutos. Então conversamos longamente sobre o
que acontecera naquela noite, ela ficando entorpecida e apertando sua pelve e pernas,
suas necessidades de proteção e nutrição, como se protegia e se estabilizava em vez
de confiar em seus pais - para proporcionar proteção e estabilização e como ela
poderia responder de forma diferente hoje. O resultado dessa reexperimentação
regressiva foi uma calma e um relaxamento evidentes da tensão em todo o seu corpo.
Nas sessões subsequentes, nos meses seguintes, ficou claro que ela tinha um novo
senso de confiança nas suas próprias percepções e uma compreensão dos seus
sintomas físicos anteriores. As infecções da bexiga pararam.
Ao facilitar uma regressão da idade terapêutica, é essencial que o
psicoterapeuta permita que seu corpo ressoe com os vários movimentos, tensões e
expressões corporais do cliente, ao mesmo tempo em que está sintonizado com o
ritmo, o afeto e o nível de desenvolvimento do cliente. Essa ressonância corpo-corpo e
sintonia afetam e fornecem pistas essenciais somáticas, que são necessárias para o
psicoterapeuta para proteger adequadamente o cliente de se tornar oprimido com a
emoção e as tensões do corpo. Se o cliente começa a sentir-se oprimido, enquanto
experimenta uma regressão de idade, pode ser um sinal de que atingiu um nível de
tolerância à emoção - momento em que o sistema neurológico do cliente não pode
processar com segurança a intensidade da experiência afetiva / fisiológica sem re-
traumatismo.
Pouco antes de o cliente atingir o ponto de tolerância à emoção, convidamos o
cliente a fazer algo fisicamente ativo, como protestar ou pedir ajuda – mais um pai
reexperimentado, do que um reviver. Ou usamos o contato interpessoal aqui e agora
e podemos envolver seu Estado do Ego Adulto, usando as operações terapêuticas de
explicação e interpretação de Eric Berne, métodos projetados para descontaminar o
Estado do Ego Adulto da intensidade dos padrões emocionalmente carregados do
Estado do Ego Criança de autoproteção e autoestabilização (1966).
Se o cliente está pronto para regressão de idade mais intensa, é essencial que
co-criar uma situação onde ele quase revive o trauma original, a fim de trabalhar
dentro dos mesmos caminhos neuronais do trauma original. No entanto, ao invés de
reviver e repetir as mesmas velhas formas de auto estabilização, juntos encontramos
uma maneira de criar um novo final para a experiência do cliente - uma
reexperimentação terapêutica. Isso pode envolver uma terapia relacionalmente
orientada, com o Estado do Ego Criança, movimentos ativos de protesto ou 150

experimentação com novas formas de autoexpressão.


Podemos fornecer validação ou explicações adequadas para uma criança
pequena, para facilitar o que Berne chama de "desconfusão da Criança" (Hargarden &
Sills, 2001). Uma alta qualidade de contato interpessoal entre cliente e terapeuta é
essencial.
Nas situações originais os eventos foram traumatizantes devido à ausência de
um outro confiável, consistente e seguro que pudesse ajudar a criança a recuperar a
estabilização do afeto (Erskine, 1993; Stuthridge, 2012). O que estamos descrevendo
aqui é psicoterapia com um Estado do Ego confuso, assustado, negligenciado ou
oprimido da Criança e é essencial que o cliente sinta a presença protetora total do
psicoterapeuta. Essa terapia teve cinco etapas: Primeiro, restabelecer a segurança da
nossa relação terapêutica (Erskine, Moursund, & Trautmann, 1999); Segundo,
descontaminar e fortalecer o Estado do Ego Adulto do cliente (Berne, 1961); Terceiro,
proporcionar para Maria a permissão para conhecer e valorizar sua própria experiência
de infância (Allen & Allen, 1972); Quarto, manter uma presença relacional que tornou
a regressão da idade segura e reparadora (Erskine & Moursund, 1988; Moursund &
Erskine, 2003); E Quinta, continuar com várias sessões após a regressão de idade que
se concentrou no Estado do Ego Adulto de Maria processando suas experiências de
infância e o como elas influenciaram sua vida adulta.

Regressão de idade: dependendo do psicoterapeuta


Stella estava deitada no sofá do escritório, com os joelhos presos às orelhas.
Durante os últimos três minutos, ela estava choramingando e roendo a pele do seu
polegar esquerdo. Ela estava revivendo a experiência de ser uma criança pré-escolar,
cuja mãe estava gritando com ela e dizendo-lhe que ela era "perversa" e uma "criança
que não merecia". Meu coração doía por ela. Eu (Richard) queria confortá-la, trazê-la
de volta para o aqui-e-agora, de alguma forma fazer tudo ficar OK. No entanto, parecia
muito cedo para eu intervir; esperei por uma mudança em sua respiração. Para que
esta regressão de idade fosse terapêutica, ela precisava permanecer na experiência
fisiológica / emocional da primeira infância, por um ou dois momento mais, não por
muito tempo, para sentir plenamente o intenso desconforto, Era essencial que ela
quase revivesse o trauma do abuso relacional, para ativar o mesmo circuito
neurológico, que foi ativado na série original de traumas vividos como uma criança.
Lembrando Revivendo Reexperimentando
(Terapeutico) (Retraumatizante) (Terapeutico)
1. Segurança Relacional (Potência) Limpar
contratos, afeto e sintonia de desenvolvimento
para construir uma relação terapêutica segura
antes, durante e após um possível trabalho 151

regressivo.
2. Consciência de conflito interno Compreensão COMPREENSÃO TERAPÊUTICA
terapêutica (Punição) Despertar de afeto e corpo.
Reações adversas. Facilitar o contato interno e
externo, avaliação de possíveis punições, fornecer
proteção e validação. _
3. Memória de apoio e excitação da emoção
(Permissão) Análise cognitiva do conflito interno.
Ajuste do contrato: a descontaminação do Estado
do Ego Adulto por meio de explicação e
interpretação - ou regressão de idade de apoio.
4. Reexperimentando a cena original (Proteção
ao fornecer escolhas). Facilitar a regressão à
experiência original da infância. Reorganização
emocional e cognitiva.
5. Regressão de idade de apoio (Presença) Facilita REPARAÇÃO TERAPÊUTICA
expressar o não expressado, ativando gestos
inibidos, articulando necessidades e expressando-
se. Sempre verificando o contrato, oferecendo
opções, respeito e segurança. Desconfusão do
Estado do Ego Criança, redecisão (cognitiva e
comportamental), ou desconexão do elástico
(emocionais e psicológicas). Se a presença
terapêutica, a proteção e a segurança estiverem
ausentes, então pode ocorrer a reativação
traumática.
6. Pós-ativação do contato de e relaxamento
(Potência e Proteção). Interação de fisiologia,
emoção e cognição, de modo que o
comportamento é por escolha no contexto atual e
não ativado pelo medo ou compulsão. Resolução
do conflito interno evidente na calma,
consciência, espontaneidade e intimidade.

Figura 1 – Regressão de Idade Terapêutica


Era também essencial, que essa regressão tivesse um desfecho diferente, em
que ela reexperimentasse o trauma e suas estratégias de autoproteção, ao mesmo
tempo que ativava uma experiência inteiramente nova - uma experiência reparadora
que estabeleceria um novo circuito neurológico. pós dezoito meses de abordagens
cognitivas das experiências relacionais da infância de Stella, por meio da inferência
terapêutica, foi necessário apoiar Stella, reexperimentando como ela controlava a
raiva de sua mãe, como uma criança pequena. No entanto, eu me preocupava que ela 152

não tivesse os recursos internos para nada mais, além de reviver esse trauma
relacional. Se eu a deixasse reviver sua intensa emoção por mais tempo, ela
provavelmente seria re-traumatizada nessa sessão de terapia e reativaria as velhas
estratégias de auto estabilização que constituíam os "palimpsestos" do seu Script de
vida. "Palimpsestos" refere-se às formas fisiológicas, sub-simbólicas e processuais de
memória que formam os padrões relacionais inconscientes e conclusões experienciais,
que são o núcleo dos Scripts de vida.
Os palimpsestos são as estratégias de enfrentamento da criança na fase de pré-
linguagem, que emergem após o "protocolo do Script", dos primeiros traumas na
infância (Berne, 1961, pp. 116-126). Com uma voz suave, dirigida a uma criança
assustada, eu disse: "Estou aqui com você". Depois de mais um minuto de silêncio, eu
disse: "Eu sei que dói quando a mãe grita com você ... o único alívio é se esconder." Ela
balançou a cabeça concordando. Seu gemido transformou-se em um grito. Depois de
mais um minuto, eu acrescentei: "Parece que a mãe não te consolou. Você precisava
de alguém." Sua respiração mudou e seu choro se acalmou. Neste momento, tínhamos
progredido, o suficientemente longe, na regressão. Ela estava prestes a exceder o seu
nível de tolerância à emoção. Ela estava um com medo intenso de ser punida por
chorar. Era o momento de voltar a se envolver com ela. Eu perguntei: "Você sente que
estou aqui com você?" Ela assentiu com um "sim". Continuei dizendo: "Como é quando
estou aqui com você?" Ela respondeu devagar: "Posso me permitir sentir ... posso me
atrever a me lembrar ... esconder não é tão importante." Essas investigações
relacionais trouxeram o foco de Stella de volta para a segurança da nossa relação
terapêutica. Nós continuamos então, a falar sobre o nosso relacionamento,
contratando com o seu relacionamento com sua mãe, tanto quando ela era uma
criança, quanto atualmente, como adulta. Conversamos sobre o fato de eu estar
presente para ela e como isso era tão emocionalmente diferente de quando ela
regressava periodicamente para casa e ficaria deitada na cama chorando por horas.
O contraste entre a experiência relacional do cliente com o psicoterapeuta e as
rupturas relacionais passadas, ajuda o cliente a integrar um novo valor de si mesmo e
um novo sentimento de estar-em-relação (Erskine, Moursund & Trautmann, 1999).
Como eu perguntei sobre as sensações físicas e emocionais que ela experimentou
durante a regressão de idade, Stella foi gradualmente capaz de colocar suas sensações
corporais em palavras e de organizar uma associação entre suas experiências
somáticas / emocionais e uma imagem de sua mãe, tirando-a fora da banheira e dando
um tapa no seu pequeno corpo. Essa memória permaneceu inconsciente e não
simbólica por muitos anos, porque não havia ninguém para ajudá-la a estruturar a
memória fisiológica / emocional em um conceito ou palavras. Ao longo das duas 153

sessões seguintes, ao analisarmos detalhadamente a regressão de idade, Stella pôde


colocar em palavras um aspecto adicional da sua identidade pessoal - ela estava
articulando outro capítulo na narrativa de sua vida. No dia em que essa regressão
ocorreu, Stella derramara uma garrafa de água no meu tapete. Embora eu assegurasse
a ela, que o tapete úmido não era um problema, ela espontaneamente começou a se
enrolar e choramingar - uma regressão para uma idade muito mais precoce. Winnicott
(1974) sugeriu que a resolução de memórias traumáticas pré-verbais só é possível
através de uma relação terapêutica dependente que envolve, frequentemente, uma
regressão de idade. Margaret Little (1981, 1990) passou a descrever a importância da
dependência na facilitação da regressão etária e, além disso, considerou-a como uma
forma de resolver distúrbios emocionais sub-simbólicos. A pesquisa qualitativa de
Lorraine Price (2014) e a revisão de um vasto número de publicações de psicoterapia,
dão credibilidade à ideia de que há benefícios terapêuticos significativos emergindo de
uma regressão terapêutica de suporte, na qual que o cliente pode confiar na segurança
do psicoterapeuta. Bowlby diz que a segurança é desenvolvida em uma criança,
através da disponibilidade contínua dos cuidadores e reatividade emocional,
consistência e confiabilidade, onde esses cuidadores são vivenciados como "mais
fortes e / ou mais sábios" (1988, p.12). Para que uma regressão de idade seja
terapêutica e benéfica para o cliente, em vez de re-traumatizá-lo, a relação com o
psicoterapeuta também deve ser segura, sintonizada com a emoção do cliente e seu
nível de desenvolvimento, consistente e confiável. No exemplo aqui fornecido, a
regressão de Stella foi estimulada de duas maneiras: a primeira foi sua necessidade
inata de usar a segurança do nosso relacionamento para ser curada do trauma; a
segunda foi o derramamento acidental da água, que precipitou a memória
inconsciente, sub-simbólica, processual de ter sido alvo de um grito e um tapa da sua
mãe quando ela, aos quatro anos de idade, tinha jogado água no chão. Estes dois
fatores tornaram possível para Stella ter uma regressão de idade que foi curativa.
Quando ocorreu esta regressão da idade, Stella tinha estado em terapia, uma vez por
semana, durante dezoito meses. Quando ela entrou em terapia, ela descreveu sua vida
como "... vivendo em uma montanha-russa emocional, algumas vezes muito
competente e às vezes um bebê chorão. Não tenho noção de quem eu sou". Ela
declarou que não tinha lembranças anteriores aos dez anos. Eu suspeitava que seu
"bebê chorão" era memória - memória que era fisiológica, emocional e relacional,
memória que era sub-simbólica. A investigação histórica revelou pouco nos primeiros
meses de psicoterapia. Eu confiava na sintonia com seu ritmo e emoção, enquanto
continuava a pensar sobre sua volatilidade emocional, de uma perspectiva de
desenvolvimento. Durante nosso primeiro ano juntos, eu focava na criação de nossa
relação terapêutica fidedigna, confiável e segura - um relacionamento que permitisse
estabilizar e regular sua "montanha russa emocional".
No ano que antecedeu a esta sessão, o meu objetivo terapêutico foi a criação de uma
relação terapêutica que promoveria uma restauração de seu senso diminuído de si 154

mesmo. Concentrei-me em indagar sobre suas sensações fenomenológicas,


sentimentos e associações. Como resultado, Stella começou a ter algumas memórias
específicas; muitas vezes essas memórias começavam como sensações dolorosas em
seu corpo, juntamente com um desejo de se retirar e chorar sozinha. Em resposta, eu
expliquei os Estados do Ego e as Transações. Nós também passamos parte de várias
sessões, atendendo as transferências emergentes, que incluíram antecipação de Stella
que eu iria ridicularizá-la ou ficar com raiva dela. Através da inferência terapêutica,
estávamos construindo um mosaico sobre seu início de vida e sobre a negligência e o
abuso físico que ela viveu nos seus primeiros anos. Muitas vezes me dirigi à criança
nela, como Eric Berne descreve quando escreve:

O Estado do Ego pode ser tratado como uma criança real. Pode ser nutrido com
cuidado, até com ternura, até que se desdobra como uma flor, revelando todas as
complexidades da sua estrutura interna. (1961, p. 226)

Eu (Richard) escolhi um caso nas minhas notas clínicas, para ilustrar uma situação
terapêutica, em que eu intervisse de forma a tirar o cliente da regressão de idade, em
um ponto que eu supunha, seria mais benéfico. Idealmente, a regressão da idade de
Stella poderia ter continuado até o ponto onde ela teria protestado contra o
tratamento brutal da sua mãe. No entanto, Stella ainda não dispunha de recursos
internos suficientes para protestar ativamente, para lutar contra os golpes da sua mãe
ou para se defender das ridículas definições dela. Ela tinha atingido seu nível de
tolerância à emoção. Eu a impedi de ir mais longe, porque estava à beira do medo
intenso - o medo das punições potenciais da sua mãe interna - e outra retirada para
seu "esconderijo interno". Este não foi o fim da regressão de idade de suporte na
terapia de Stella, mas foi o suficiente para esse dia. A reparação do trauma relacional
de Stella dependia da provisão do psicoterapeuta de uma alternativa relacional segura
- uma relação psicoterapêutica que estivesse consistentemente sintonizada com sua
emoção e suas necessidades de desenvolvimento. Com outros clientes, pode ter sido
benéfico apoiar a sua permanência na regressão de idade mais tempo, com a
finalidade de expressar o não-expresso e ativar o que foi inibido, como gritar por
ajuda, empurrar, bater ou chutar em protesto, contar a verdade ou definir si próprio.
Conclusão
Os exemplos de Maria e Stella foram casos escolhidos para ilustrar a abrangência de
uma Análise Transacional Integrativa e Relacional na psicoterapia contemporânea. A
eficácia de tal abordagem aprofundada da Análise Transacional está na ênfase do
psicoterapeuta, que trabalha afetiva, fisiológica, cognitiva e comportamentalmente
para facilitar uma integração interna da Criança e do Pai no Estado do Ego Adulto.
Muito do nosso trabalho terapêutico é relacional: trabalhar com e dentro da 155

transferência; Indagando sobre as experiências fenomenológicas e históricas do


cliente; sintonizar-nos e responder à emoções e aos ritmos do cliente a partir de uma
perspectiva de desenvolvimento e proporcionando ao cliente uma consciência das
funções auto reparadoras ou auto estabilizadoras da sua dinâmica e do seu
comportamento intrapsíquicos. Como citado anteriormente, Berne afirmou que a
situação ótima para a reintegração da personalidade envolve a experiência
fenomenológica do Estado do Ego Criança, tornando-se claramente vivo na mente do
cliente. Grande parte da terapia do Estado do Ego Criança que fazemos envolve uma
série de elementos: investigação fenomenológica e histórica para estimular uma
consciência vívida das emoções e das sensações físicas; fornecimento de segurança,
consistência e confiabilidade que permite aos clientes sentir o que sentem e saber o
que intuitivamente sabem; apoio à consciência do cliente da memória implícita e sub-
simbólica; e, validação das primeiras experiências emocionais e relacionais do cliente.
Muitas vezes isso envolve trabalhar com "inferência terapêutica", para facilitar a
formação de um narrador pessoal a partir da miríade de emoções e sensações
internas, fragmentos de memória implícita e processual, histórias familiares e
observações da dinâmica familiar atual. Com alguns de nossos clientes é necessário
apoiar uma regressão de idade e proporcionar uma reexperimentação reparadora das
negligências ou traumas precoces. Isso exige uma consciência do nível de
desenvolvimento do cliente e uma sensibilidade para trabalhar na margem de
tolerância do cliente à emoção - levar o cliente à experiência regressiva o suficiente
para reexperimentar os traumas de uma maneira nova e curativa, mas não tão
profunda para ser retraumatizante. Neste capítulo, enfatizamos a importância da
dependência relacional do psicoterapeuta, como base para o cliente reexperimentar,
vividamente, memórias implícitas e pré-simbólicas na resolução do trauma. Em
primeiro lugar, em todos os nossos discursos e intervenções terapêuticas está a nossa
premissa: a cura ocorre através de uma relação terapêutica de contato.

Tradução: Maku de Almeida, Membro Didata em Formação, área organizacional


Revisão: Ede Lanir Ferreira Paiva, Membro Didata, área clínica
UNAR BRASIL – maio 2017
CAPÍTULO 8

EVOLUINDO TEORIA E PRÁTICA COM O INDIVÍDUO AUTODESTRUTIVO10

Tony White

Introdução 156

Este capítulo examina desenvolvimentos recentes na teoria e prática


terapêutica com clientes autodestrutivos. O estudo inclui suicidas ou pessoas
engajadas em uso destrutivo de álcool e outras drogas. Esse capítulo também procura
abranger muitas outras maneiras de exibição dos comportamentos autodestrutivos. As
ideias emergentes, que serão descritas, evoluíram em três décadas de pesquisa. E o
mais importante, elas cristalizaram nos últimos quatro a cinco anos com discussões,
escritas e experimentações utilizando modos de práticas alternativas.
A nomenclatura usada neste capítulo inclui o Estado do Ego Criança Livre e
o Estado do Ego Criança Adaptada. O Estado do Ego Criança Livre (CL), que em alguns
momentos será mencionado como Estado do Ego Criança Natural, foi originalmente
enunciado por Berne (1972) e foi desenvolvido por muitos outros incluindo Stewart e
Joines (2012) e Woolams e Brown (1978). Berne desenvolveu esse aspecto da teoria da
personalidade para explicar a criança, no nascimento, com seu labirinto de emoções,
necessidades, pulsões, unidades de armazenamento, entre outros. Eles ocorrem
naturalmente em nós, precedendo o desenvolvimento do Script de vida. Esses
aspectos da personalidade permanecem em nós pelo resto de nossas vidas em vários
níveis.
No entanto, no nascimento a criança também implora por um Script. Ela
procura desenvolver uma história que possa usar como modelo para sua vida. Sem
essa história a criança fica imbecil, incapaz de percepções seletivas ou sem habilidade
de ignorar certo estímulo e atentar para outro. Ela teria que internalizar todos os
estímulos e, por isso, ficaria constantemente sobrecarregada e incapacitada para
processamento básico de informações. O Script de vida, nesse sentido, permite que ela
se torne um adulto normal com funcionamento maduro.
Na sua teoria da personalidade Berne usou o conceito de Estado de Ego
Criança Adaptada (CA) para explicar isso. Aqui a Criança Adaptada assume sua grande
importância. Como Berne (1972, p, 31) diz, “Cada pessoa decide, na primeira infância,
como viverá e como morrerá, e esse plano, que ela carregará na sua cabeça aonde
quer que ela vá, é chamado de Script.” A Criança Adaptada explica, nos termos da

10 10
Transactional Analysis in Contemporary Psychotherapy, editado por Richard Erskine, Karnac ,
London (UK), 2016. P. 161 a 183 no original.
teoria da personalidade, o resultado dessa tomada de decisão. É a resposta às diretivas
parentais que permite à criança desenvolver o Script de vida.
Berne (ibid., p. 32) afirma, “O Script é um plano de vida continuado,
formado na primeira infância sob pressão parental.” A criança procura pelas pressões
parentais tanto quanto os pais aplicam a pressão, e o Estado de Ego Criança Adaptada
foi a maneira como Berne explicou teoricamente o resultado desse processo. O Estado
157
do Ego Criança Adaptada é essencial para o entendimento de como o Script de vida se
desenrola na vida de uma pessoa.
Decisão ‘não exista’
Na literatura de Análise Transacional não precisamos procurar muito para
acharmos explicações teóricas sobre comportamentos autodestrutivos. O trabalho de
H.S. Boyd (1972), Drye, Goulding & Goulding (1973), Goulding & Goulding (1979), e
Mellor (1979) sobre Injunções e decisões precoces apresentam a ideia da decisão
precoce “Não exista”. Eles argumentam que algumas crianças, cedo na vida, tomam
decisões que podem levar ao comportamento suicida mais tarde na vida. Eles, de fato,
propõem um conjunto com sete dessas decisões (algumas vezes chamadas de decisões
suicidas):
1. Se você não mudar eu me mato.
2. Se as coisas ficarem muito ruins eu me mato.
3. Eu vou te mostrar mesmo que isso me mate.
4. Eu vou fazer você me matar.
5. Eu vou me matar por acidente.
6. Eu vou quase morrer (repetidas vezes) para que você me ame.
7. Eu vou me matar para te ferir.
Desde que essa teoria foi originalmente apresentada, muitos autores
trouxeram descrições subsequentes e desenvolveram novas ideias. Por exemplo, L.
Boyd (1986) Joines e Stewart (2002), Mellor (1979), White (2008, 2011). Existe um
trabalho substancial na literatura sobre a decisão “Não Exista”. Desenvolvimentos
emergentes recentes procuraram acrescentar entendimentos para a teoria em dois
sentidos. Primeiro o que significa em termos psicológicos específicos tomar a decisão
de suicídio? Propõe-se que a pessoa que toma essa decisão, chegou à conclusão que o
suicídio é uma solução viável para o problema. Mais tarde na vida, quando
determinadas condições do ambiente aparecem, como colapso financeiro ou divórcio,
a pessoa então considera o suicídio como uma solução possível para suas dificuldades.
O indivíduo que não tomou a decisão de suicídio não tem crenças de que o suicídio é
uma solução viável para o problema. No entanto, não é que ele decidiu que o suicídio
não é uma solução viável; ao invés, a questão nem vem a sua mente. Ou pode ser um
pensamento fugaz que é rapidamente descartado. A pessoa não suicida não tem que
resistir ao impulso suicida em tempos difíceis; ao contrário, isso é algo que ele não
considera como um comportamento possível.
O indivíduo que tomou a decisão de suicídio está, essencialmente,
acrescentando o suicídio como um comportamento possível ao seu repertório
comportamental. Aqueles que não tomam essa decisão não acrescentam essa
possibilidade.
158
O segundo desenvolvimento que emerge é uma expansão do
conhecimento sobre o processo de tomada de decisão do suicídio. Progressos foram
feitos nessa área como a classificação das sete decisões de suicídio em dois tipos,
dependendo do temperamento natural do indivíduo. Isso resultou no entendimento
das decisões precoces como uma hierarquia de decisões, não simplesmente uma única
decisão feita por uma criancinha. Evoluímos com duas linhas hierárquicas com relação
à decisão suicida (veja figura 1.1 e 1.2).
Nós todos nascemos com alguma forma de temperamento. O modelo dual
de luta e fuga é utilizado para explicar os diferentes tipos de decisão de suicídio
quando os temperamentos básicos são incluídos no entendimento teórico. Na Figura
1.1 o temperamento básico de fuga é seguido por uma crença nuclear aprendida de
“Eu Não Sou OK”. Se a pessoa desenvolve a crença de “Eu Sou OK”, então não ocorre a
decisão de suicídio. Combinando temperamento de fuga com a crença de “Eu Não Sou
OK”, monta-se o palco para a pessoa tomar a melancólica decisão de suicídio, como
indicado na Figura 1.1. O comportamento suicida melancólico resulta da pessoa que vê
o suicídio como uma forma de morrer silenciosamente ou deixar esse mundo. Ela
tende a se perceber como um problema para os outros, portanto o seu suicídio é uma
tentativa de aliviar os outros das dificuldades que ela causa na vida deles. É uma
tentativa de “sair” causando o menor problema, o menor alarde possível.
Diferente do tipo que encontramos no comportamento com raiva, suicídio
punitivo (Figura 1.2). O comportamento básico nesse caso é luta. Esse tipo de pessoa
não desiste sem luta e isso reflete no seu comportamento suicida. Combinado com a
crença nuclear “Eu Não Sou OK”, o palco é montado para decisão de suicídio que
resulta em comportamento suicida para machucar outros, como mostra o estudo de
caso 1.
Comportamento – Fuga Comportamento – Fuga

Experiências da Primeira Infância


Crença Central – Eu não sou Ok Experiências da Primeira Infância
Crença Central – Eu sou Ok 159

Decisão suicida em potencial:


1. Se as coisas ficarem muito ruins eu Não há decisão suicida
me mato
2. Vou me matar por acidente
3. Vou fazer você me matar
Não há comportamento suicida

Comportamento suicida melancólico

Figura 1.1

Estudo de Caso 1
O sujeito é uma mulher de 55 anos com uma longa e volátil relação como o
marido envolvendo muitas disputas e discussões. Eles haviam se separado algumas
vezes ao longo dos anos de relacionamento, mas no momento do seu suicídio eles
estavam morando juntos e casados. Ela planejou o suicídio de modo a ser encontrada
por uma de suas filhas e não pelo marido, que aconteceu. Com ela estava uma longa
carta suicida contando como ela foi maltratada pelo marido por tantos anos e como
ele, finalmente, a tinha levado ao suicídio. Claramente o suicídio foi planejado para
punir e magoar o marido e possivelmente causar algum tipo de afastamento dele das
duas filhas. Esse suicídio foi projetado para ter duas ramificações além da sua morte.
Ela era uma mulher bastante rica e deixou seu testamento de modo a também magoar
o seu marido. No testamento ela deixava quase toda a herança para as duas filhas e
apenas uma pequena quantia para o marido. Novamente um comportamento
punitivo, que poderia causar futuras dificuldades legais entre ele e suas duas filhas.
O comportamento, no estudo de caso 1, não é um suicida que quer morrer
discretamente, com a menor comoção possível, respeitando as pessoas que deixou
para trás. Ela quer causar danos psicológicos, nas pessoas com quem se relacionava
muito tempo depois de ter morrido. Essa formulação é muito útil para uma
compreensão mais profunda do indivíduo suicida, esclarece que suicídio não é um ato
uniforme, que muda de pessoa para pessoa. A maioria dos suicídios resulta de
indivíduos de tomaram a decisão de suicídio cedo na vida, como mostra a Figura 1.1 e
1.2. Tendo afirmado isso, suicídios não são uniformes na motivação que as pessoas
atribuem a eles, como foi explicado aqui. Felizmente isso não é difícil de verificar.
Uma conversa simples com um sujeito suicida e rapidamente começamos a ouvir qual
tipo de ato suicida a pessoa pode se empenhar em realizar – suicídio como um ato
melancólico ou como um ato raivoso e punitivo. Isso também tem implicações para
avaliação dos riscos suicidas. Se tivermos conhecimento de tendência da pessoa em
160
usar suicídio como punição para outros, devemos estar alertas para situações que
intensificam desarmonia nas relações com sujeitos que o suicida pode querer punir
quando fica com raiva deles.

Comportamento – Luta Comportamento – luta

Experiências na primeira infância Experiência na primeira infância


Crença Central – Eu não sou Ok Crença Central – Eu não sou OK

Não há Decisão suicida


Decisões suicidas potenciais:
1. Se você não mudar eu me mato.
2. Vou te mostrar nem que me mate. Não há comportamento suicida
3. Vou quase me matar (várias vezes) para
você me amar
4. Vou me matar para te magoar

Figura 1.2
Eros e Thanatos

Outra área de pensamentos que emergiu refere-se ao modo como o


conceito global de suicida é entendido. Por muitos anos o estudo do suicídio tendeu a
miopia e unicidade na sua visão (Edward & Pfaff, 1997; Lange, 2013; Marcus, 2010).
Procurou-se por muito tempo corrigi-lo com reapresentações e reconfigurações dos
mesmos conceitos e estatísticas repetidamente. Apesar da tendência repetitiva, surgiu
um contexto de novas ideias no estudo do suicídio, evoluindo o conceito para
incorporar o “suicídio da pessoa normal”, quebrando assim as fronteiras convencionais
da visão do suicídio em geral.
A maioria dos suicidas é infelizes, indivíduos angustiados que se sentiram
atormentados por algum tempo e não veem outra solução além de terminar com a
própria vida. Claramente eles estão em grande sofrimento, frequentemente com
depressão e ansiedade com lágrima no seu âmago. A maioria de nós entende que um
suicida é assim. No entanto, quando olhamos as pessoas de maneira geral, quando as
encontramos em psicoterapia e discutimos suas vidas, emerge outro grupo
significativo.
Tem aqueles que formam um grupo que voluntaria e repetidamente se
colocam em risco, que ampliam significativamente as possibilidades de sua própria
morte: pessoas que voluntariamente entram em zona de guerra, que repetidamente
se engajam em esportes de alto risco, como escalada de montanhas e “base jumping”
11 161
, ou os pilotos de corridas, ou os que trabalham com animais perigosos. Nós sabemos
que pessoas nesses tipos de atividades de tempos em tempos morrem ou sofrem
graves danos físicos.
Muitas vezes quando conversamos com essas pessoas percebemos que são
bem ajustadas, tem vida normal com suas famílias, tem bom emprego e estão focadas
no futuro de maneira significativa. Elas não são cheias de sofrimentos e angústias e
veem um futuro para si mesmas, diferente dos suicidas. Isso nos deixa num dilema.
Qualquer pessoa que se comporta repetidamente da mesma maneira por períodos
extensos de tempo está exibindo algum aspecto de sua psicologia. Pessoas não fazem
as mesmas coisas repetidamente, por um período extenso de tempo, a não ser que
isso reflita características de sua psique. Os comportamentos refletem crenças que os
indivíduos têm sobre si mesmos, quando são repetidos voluntariamente e os colocam
em situações de alto risco. Algumas pessoas estão voluntariamente “dançando com a
morte”. Dessa maneira poderíamos argumentar que são suicidas, que realmente
algumas morrem em função das atividades que buscaram voluntariamente por um
longo período de tempo. Curiosamente, Erskine, num capítulo de seu livro, fala a
respeito de estratégias homeostáticas12. Ele notou que as pessoas usam padrões de
comportamentos representativos para proverem, entre outras coisas, identidade e
senso de integridade. Se elas têm um comportamento repetitivo de alto risco, isso
reflete, de acordo com Erskine, senso da própria identidade e noção de quem são o
que dá fundamento aos conceitos aqui apresentados.
Como isso pode ser? Que tipo de explicação teórica se pode fornecer para
esse tipo de pessoa? No nosso instituto essas coisas foram discutidas, mas nós ficamos
confusos por algum tempo. Após investigações ficou óbvio que essas pessoas não
tomaram a decisão de suicídio. Como uma pessoa pode se comportar num padrão
suicida e não ter feito uma das sete decisões descritas acima? Por acaso, após algum
tempo, nós topamos com a resposta lendo um livro “A Layman’s Guide to Psychiatry
and Psychoanalysis13 (Berne, 1957).
Nesse livro, Berne discute com algum detalhe, conceitos apresentados por
Freud de instinto de vida e instinto de morte, algumas vezes chamados de libido e
mortido.
11
Constitui-se de atividade em que o sujeito fica amarrado pelo tornozelo e salta de uma plataforma de grande altura. (NT)
12
Homeostasia - Habilidade de um organismo em manter um ambiente interno constante, um equilíbrio de condições, como a
temperatura interna ou o conteúdo de um fluido, através da regulação de processos fisiológicos e ajustamentos às mudanças no
ambiente externo.
13
Guia de Psiquiatria e Psicanalise para Leigos.
No final, foi Paul Federn que cunhou os termos Eros e Tanatos para o
instinto de vida e instinto de morte (Ikonen & Rechardt, 2010). Na mitologia grega
Hypnos (o deus do sono) viveu com seu meio-irmão Thanatos (o Deus da não violência
ou morte pacífica). Tecnicamente, essa pode ter sido uma escolha dos termos pobre,
feita por Federn, assim como tantos que entendem atos suicidas ou destrutivos vindos
162
de uma natureza violenta. De fato, é Keres, a irmã de Thanatos, a Deusa da morte
violenta. De toda maneira, seja como for, o termo Thanatos foi cunhado e é muito
usado atualmente para identificar o instinto de morte.
Como Ikonen e Rechardt (2010) notaram, por muitos anos houve um
considerável debate com argumentos a favor e contra o conceito de instinto de morte
ou Thanatos. Ainda assim, Eric Berne abraçou abertamente e concordou com esses
conceitos como impulsos primários ou instintos e manteve concordância com o
conceito até seu último livro (1972, p. 399), em que ele afirma que “o escritor, por
exemplo, além de ter repetido e confirmado as observações convencionais de Freud,
também concorda plenamente com ele no que concerne aos conceitos de instinto de
morte e a penetração14 das repetições e compulsões”.
No seu primeiro livro, Berne (1957, p. 60) também se estende a respeito
desse conceito. Ele afirma ali que “as duas maiores pulsões na existência humana são:
pulsão criativa e pulsão destrutiva”. A pulsão criativa ou Eros, como é denominada
algumas vezes, resulta em procriação, amor, generosidade e assim por diante. Berne
atribui a esse impulso a conquista de metas construtivas e sua expressão mais intensa
ao desejo sexual. Por outro lado, existe o impulso que pode resultar em ódio,
crueldade, raiva e hostilidade, conhecido por Thanatos. Eros é a energia do desejo de
vida e Thanatos é a energia do desejo de morte. Berne também fala no
direcionamento das expressões que podem ocorrer com a pulsão Eros e Thanatos.
Sobre o instinto de vida ela afirma, “Alguns direcionam seu amor principalmente na
direção de outras pessoas, e existem aqueles que direcionam mais o amor para si
mesmo. A direção e quantidade de investimento desse amor podem variar com o
tempo” (1957, p.62). E ele continua na discussão sobre o instinto de morte:
“Similarmente alguns podem ser muito agressivos com os outros, sendo a maior
expressão dessa agressividade o assassinato; ou alguns podem ser muito agressivos
com eles mesmos, sendo o ato mais agressivo, no caso, o suicídio”.
Essa ‘descoberta’ da teorização de Berne sobre instinto de morte fez a
ligação que se procurava por um longo tempo. Finalmente fomos providos com uma
substancial explicação teórica de como um indivíduo razoavelmente feliz e bem
ajustado pode exibir comportamentos suicidas. Para explicar isso nós precisamos
voltar às decisões suicidas. Uma criança toma uma decisão suicida em resposta a

14
N.T. Pervasiveness – (penetrabilidade) associado à influência ou penetração da pulsão na determinação do sujeito.
alguma parentalização desfavorável na infância. A decisão é tomada em resposta a
alguma diretiva parental.
Dessa maneira ela pode ser vista como uma adaptação à autoridade e
descrita teoricamente como uma função do Estado do Ego Criança Adaptada (CA) (ver
figura 2). Como adaptação à diretiva parental, a decisão suicida só ocorre em
pequenos grupos de pessoas: numa forma branda talvez em cinco por cento das
163
pessoas, e numa forma mais forte talvez em dois por cento. Entretanto, Thanatos e
Eros não são resultados de diretivas parentais. Nós todos as temos congênitas; elas são
uma parte natural da psicologia humana. Como resultado, indicado na figura 2, cem
por cento das pessoas as tem, uma função do Estado do Ego Criança Livre (CL). Elas
não são uma adaptação à autoridade, mas são diretivas nascidas junto com os bebês,
que todos nós temos.

Pai

Adulto

Eros 100%
Não existe decisão
CL CA Decisão branda = 5%
Decisão severa = 2%
Thanatos 100%

Figura 2

Essa abordagem nos permite uma boa explicação teórica para uma porção
de pessoas, que mesmo bem ajustadas, ainda assim exibem comportamento suicida.
Infelizmente a abordagem também cria alguns problemas. Como a pulsão Thanatos
permite algumas pessoas se colocarem em situações de grande risco de morte, sendo
que algumas morrem efetivamente, não seria essa uma forma de psicopatologia?
Lembrando que isso não é um estado anormal. Essa é uma função do Estado de Ego
Criança Livre, não um resultado de parentalização inadaptativa. Como resultado, não
podemos dizer que ela forma parte de um Script de vida hamártico, mesmo que alguns
terminem morrendo pelas próprias mãos. Caso consideremos esses atos como
patológicos, eles deveriam ser tratados, e se assim for, como tratar algo que é uma
função normal do Estado do Ego Criança Livre?
Isso nos traz uma questão sobre a definição de psicopatologia.
Dictionary.com (2014) define psicopatologia como “um desvio psicológico do
comportamento normal ou eficiente”. Rycroft (p. 3) define patologia como “o processo
anormal inferido responsável pelo sintoma manifesto”, e então define psicopatologia
como “o estudo de funcionamento mental anormal... formulação teórica de
164
funcionamentos anormais de partes da mente do um sujeito” (p. 131).
A chave nessa definição é a anormalidade nas funções mentais. Se assim
for, o que está descrito aqui pode não ser uma forma de psicopatologia.
Comportamentos resultantes da pulsão Thanatos é função da Criança Livre, portanto,
não são “anormalidades” do funcionamento mental. Ainda assim, alguns sujeitos
podem adotar comportamentos que envolvem altos riscos, que podem levar à morte.
Talvez isso traga uma anomalia na definição de psicopatologia. É muito comum que
indivíduos engajados em comportamentos de alto risco não verem risco algum nas
atividades. Normalmente se dizem pessoas felizes que conscientemente se engajam
nesses comportamentos, mas que só tomam “riscos calculados”, racionalizando assim
os riscos nas suas mentes. Se percebessem o perigo verdadeiro, possivelmente não se
engajariam na atividade. Centenas de pessoas já tentaram escalar o Monte Evereste e
calcularam mal os seus “riscos calculados” morrendo nas encostas daquela montanha.
As estimativas atuais indicam um total de aproximadamente 250 mortes só no Monte
Evereste.
Thanatos no cotidiano
O que foi discutido até agora está relacionado com um pequeno grupo de
indivíduos, que podemos dizer, tem comportamentos extremos. Como mostra a Figura
2, nós todos temos pulsão Thanatos e, portanto, exibiremos, em algum momento,
comportamentos destrutivos. Eric Berne (1957) percebeu que a expressão do instinto
de morte pode variar direção, intensidade, assim como sua forma no tempo. Aqueles
que se engajam em comportamentos de alto risco podem ser descritos como tendo
uma pulsão Thanatos forte naquele momento, enquanto que a maior parte deles não
exibem comportamentos destrutivos em formas menos destrutivas.
A lista de atos menos destrutivos é longa e inclui: cigarros, álcool,
medicação não prescrita, não se submeter a tratamento quando necessário, dieta
pobre, condições físicas ruins, comer em demasia, Jogos Psicológicos em
relacionamentos, sexo desprotegido, jogos esportivos de contato físico intenso, e a
lista é interminável. Esses comportamentos são fisicamente menos destrutivos do que
os comportamentos descritos anteriormente. No entanto, são destrutivos e podem ser
considerados como uma expressão da pulsão Thanatos, que todos nós temos (como
mostra a Figura 2). Psicoterapeutas veem esse tipo de comportamento muitas e
muitas vezes no seu cotidiano de trabalho. Parece razoável sugerir que há clara
evidência comportamental para afirmarmos que pulsão Thanatos existe em todos nós.
A evolução dessa ideia promove nova e excitante perspectiva para as bases
de muitas psicoterapias. Quando um cliente apresenta esse tipo de comportamento,
na maioria das vezes o psicoterapeuta tende a entendê-lo como um tipo de
psicopatologia. Todas as psicoterapias têm algum tipo de definição para o que é
165
anormal e o que é normal. Tão logo o problema é definido, o terapeuta acessa sua
teoria por trás da psicoterapia e procura entender a causa do problema. Essas
explanações teóricas são muitas e variadas. Uma vez que a causa é definida, o
terapeuta pode adotar os procedimentos. Comumente o psicoterapeuta verá algum
tipo de parentalização desfavorável como causa do problema. A teoria vai explicar que
o problema apresentado é consequência de uma parentalização disfuncional recebida
na infância. Por exemplo, na Análise Transacional, parentalização problemática resulta
na formação do Script de vida, que pode explicar a causa do problema de
comportamento atual. Berne (1961, p. 117), na discussão sobre Scripts de vida de
mulheres que casam com maridos alcoólicos, afirma que, “muitas dessas mulheres
foram criadas por pais alcoólicos, portanto as origens infantis de tais Scripts não são
difíceis de serem achadas”. Provavelmente é seguro dizer que a grande maioria, se não
todas as psicoterapias, tem essa estrutura de entendimento do problema apresentado
pelo cliente.
No entanto, a Figura 2 mostra que todos nós temos pulsões destrutivas
que podem resultar em diversos tipos de problemas no comportamento. Alguns
desses comportamentos não são o resultado de parentalização desfavoráveis e sim
uma parte natural de todos nós. Portanto, o problema de comportamento
apresentado pelo cliente é o resultado da pulsão Thanatos e não uma forma de
psicopatologia. É simplesmente um reflexo de parte natural da personalidade
conhecida como Criança Livre. Quando o terapeuta segue na busca de exemplos de
parentalização desfavorável na infância para explicar o problema de comportamento,
tomou um caminho significativamente errado. O problema presente não é o resultado
de uma experiência na infância de má adaptação, mas uma parte normal do Estado do
Ego Criança Livre. Como resultado, qualquer terapia fornecida, baseada na suposição
incorreta da causa do problema, será ineficiente em algum nível, se não totalmente.
Mesmo assim, essa ideia cria problemas futuros. Sem dúvida, problemas de
comportamento apresentados por clientes são algumas vezes resultado de
parentalização inadequada. Quando esse é o problema, não é a resposta do Estado do
Ego Criança Livre, mas uma adaptação às diretivas parentais e, portanto, uma função
do Estado do Ego Criança Adaptada. No suicídio os pais dão a Injunção “Não Exista”; a
criança decide então aceitar a Injunção, ou não. Se aceita, terá que tomar uma decisão
de suicídio. Claro que existem outras Injunções como “Não Seja Importante”, “Não
Sinta” e “Não Pertença”. Tudo isso pode ser formado como uma resposta à
parentalização inadequada são ajustes que a criança faz a essas parentalizações.
Teoricamente elas são explicadas como uma adaptação às diretivas
parentais e como resultado a psicoterapia procura de alguma maneira realinhar ou
alterar a percepção do cliente da experiência infantil de modo a não ser afetado
negativamente no presente.
166
Se um cliente se apresenta jogando “Tumulto” (Berne, 1964) numa relação
marital destrutiva, como pode verificar se isso é resultado de parentalização
desfavorável ou se é um impulso do Thanatos? Além disso, caso seja uma
consequência da atuação do Thanatos, o que podemos fazer a esse respeito, se é que
podemos fazer algo? Se é uma pulsão humana então não é uma anormalidade,
portanto não tem nada a ser tratado, mesmo que alguém queira tratar. O que
podemos dizer para o cliente? “Essa é uma parte natural sua, então viva com ela?”
Quando estamos trabalhando com um cliente e o sintoma é especialmente resistente
à mudança pode significar que se trata de uma pulsão de Thanatos.

Eu não quero morrer CL Eu quero morrer


CA

Diagrama Original de Ambivalência Suicida


(White 2011)

Figura 3

Ambivalência Suicida
Baseado nessa teoria, que método terapêutico pode surgir? Para
responder a isso precisamos articular a teoria da ambivalência suicida. Em dois livros
anteriores (White, 2011, 2013), apresentei o conceito de ambivalência no uso de
drogas e ambivalência suicida. Ambivalência suicida está diagramada na Figura 3. Esse
diagrama mostra dois diferentes aspectos da pessoa representando dois impulsos
diferentes, deixando o sujeito num estado ambivalente: dois impulsos desejando duas
coisas diferentes ao mesmo tempo. Experiências clínicas demonstram que a maioria
das pessoas podem entender esse diagrama e experienciá-lo com facilidade.
De acordo com essa teoria, o desejo de morrer é representado pelo Estado do
Ego Criança Adaptada, e o desejo de viver é representado pelo Estado do Ego Criança
Livre. Independentemente da explicação aqui apresentada teoricamente, a maioria das
pessoas pode facilmente isolar esses dois aspectos de suas personalidades e
167
experienciá-los em vivencias de duas cadeiras. Numa cadeira eles podem experienciar
a parte Criança Adaptada do self e na outra cadeira podem experienciar a parte
Criança Livre do self. Agora, entretanto, precisamos de acréscimos à teoria em
evolução. A teoria original apresentada nesse capítulo requer modificações no seu
diagrama. O diagrama modificado está apresentado na Figura 4. Com a introdução de
Eros e Thanatos, uma mudança é requerida no diagrama da ambivalência suicida. Pelo
diagrama podemos perceber duas fontes de ambivalência suicida. Cada pessoa
experiencia um tipo de ambivalência suicida como uma função de pulsões inatas do
Estado de Ego Criança Livre. As pulsões naturais de Eros e Thanatos deixam a cada um
de nós num estado de ambivalência suicida. Todos têm pulsões de autodestruição e
pulsões construtivas que existem simultaneamente em nós. Além disso, também
temos um pequeno grupo que tomou algum tipo de decisão suicida, que é uma função
do Estado do Ego Criança Adaptada. Portanto, para um pequeno grupo, também
temos um estado de ambivalência entre o Estado do Ego Criança Adaptada e o Eros
que faz parte do Estado do Ego Criança Livre.

Eros: Eu não quero morrer


CL CA Eu quero morrer
Thanatos: Eu quero morrer

Diagrama de Ambivalência Suicida Modificado


(White 2011)

Figura 4
Estudo de Caso 2
O sujeito é um homem com quarenta anos de idade, com uma longa
história de prisão e dependência química em cocaína e heroína. Ele já havia tentado
suicídio diversas vezes, indicativo de que via o suicídio como solução para seus 168

problemas. Com seu histórico de abusos e negligência ficava evidente que havia
tomado a decisão de suicídio e, portanto, tinha uma ambivalência entre sua Criança
Adaptada querendo morrer e Eros em sua Criança Livre querendo viver. No momento
estava se sentindo muito desesperado e considerando enfiar uma faca de pescaria na
sua barriga.
Ele se coloca em estados altamente emocionais, momento em que há
muito pouco pensamento no Estado do Ego Adulto, sendo que, em algumas dessas
ocasiões, chegou a enfiar a faca em si mesmo. Ele relata que a dor causada o tirou do
estado altamente emocional, e, por isso, pode conectar seu Estado do Ego Adulto
podendo então, de fato, perceber a realidade do que havia feito. Quando isso ocorreu,
a pulsão Eros na Criança Livre, assumiu o comando: ele telefonou para sua mãe e ela
agiu, levando-o para o hospital, salvando sua vida. Esse foi uma tentativa séria de
suicídio que poderia facilmente tê-lo matado.
Esse estudo de caso pretende mostrar como diferentes impulsos se
manifestam em comportamentos e como destacam outras ambivalências suicidas. A
maioria, se não a totalidade das tentativas suicidas são “emocionalmente divididas 15”,
refletindo a existência dos dois impulsos, de viver e de morrer. A parte da Criança
Adaptada desse homem está procurando um plano para uma ação completa e,
simultaneamente, a parte da Criança Livre dele está procurando usurpar ou sabotar a
mesma tentativa de suicídio. Isso nos leva a uma situação curiosa, um comportamento
contraditório como foi mostrado nesse estudo de caso. Alguns vão cometer um erro
diagnóstico para a situação e concluir que ele está usando a tentativa de suicídio como
uma forma de obter atenção da sua mãe.
Argumentam que se fosse uma tentativa “real” de suicídio, ele não teria
contatado sua mãe e provavelmente teria morrido. Mesmo sabendo que isso
realmente poderia acontecer, nesse caso não foi. Ao invés disso, a dor da facada
permitiu que ele alterasse o Estado do Ego, saindo da Criança regredida para o Adulto.
Nesse momento, ocorreu uma mudança da energia psíquica nos Estados do Ego,
permitindo que Eros da Criança Livre tomasse o poder executivo da personalidade
resultando na exibição do comportamento que salvou sua vida. Não foi um
comportamento para chamar atenção, mas um reflexo de duas forças opostas
simultâneas atuando dentro dele.
15
NT “half hearted” – uma decisão dividida, meio coração de cada lado.
O estudo de caso 3 fornece insight único da ambivalência de um homem,
ilustrando pensamentos e trocas de Estado do Ego durante uma tentativa de suicídio
recente. Inicialmente temos um preâmbulo que foi escrito alguns dias após a tentativa
de suicídio, seguido por um breve diário, escrito enquanto a tentativa de suicídio
ocorria. (A escrita é do cliente e meus comentários estão entre parênteses).
169

Estudo de Caso 3
Preâmbulo
Sigilo é uma questão da maior importância para mim, um botão fervente...
Eu trabalho muito duro para manter minha privacidade. Eu não tenho nenhum amigo
próximo, especialmente na escola. Não posso confiar em ninguém. Se alguém chegar
muito perto pode descobrir o quanto eu sou louco ...
Sei que é paranoia, mas tenho que me proteger. Ninguém além de mim vai me
proteger. Isso reativou e exacerbou todos os meus medos sobre minha privacidade ser
violada, raiva dos profissionais que foram desleixados com o sigilo no passado, raiva
das pessoas que usaram minhas informações pessoais contra mim. Eu tive uma
sensação de impotência total, fico com raiva e me sentindo oprimido. Eu não posso
colocar em palavras de maneira clara, que lhe seja feita justiça. Então vou parar de
tentar. O ponto é que eu estava muito chateado. Eu estava tendo ataques cíclicos de
pânico. Tomei minha dose diária máxima de Klonopin e senti como se não tivesse
tomado nada. Então o que fazer? Claramente o próximo passo lógico é tomar um uma
porção de calmantes, certo? Claro. Então foi isso que eu fiz.
(Meu comentário – um evento doloroso ocorreu, uma quebra de sigilo). O evento leva
a condições tais que a decisão de suicídio pode ser atuada:
1. Pensando – Eu tenho que me proteger. Ninguém mais além de mim vai me
proteger.
2. Raiva dos outros.
3. Sensação de impotência, raiva e sentimento de opressão.
4. Ataques de pânico repetidos.
5. Próximo passo lógico é tentar suicídio.
Isso pode ser reflexo da decisão de suicídio: “Se as coisas ficarem muito ruins eu
me mato”.
Dia da tentativa de suicídio
Essa é uma série de anotações escritas por um homem de vinte e oito
anos enquanto ele estava cometendo uma tentativa de suicídio. Ele havia recebido
seu prontuário do hospital, onde havia sido paciente, e sentiu que algumas coisas
escritas eram injustas e quebravam o sigilo. A tentativa de suicídio envolveu fixar 170
um pacote inteiro de adesivos de nicotina nele mesmo, tomar uma grande
quantidade de Klonopin, um ansiolítico, junto com Motrin e mais uma grande
quantidade de analgésico.

2-set-09 2:07 h
Tendo ataques de pânico realmente muito ruins.
Klonopin não está ajudando
Estou apavorado, a ideia que pesa toneladas é que a quebra de sigilo sobre
informações superpessoais é demais para eu lidar.
Como posso ter ajuda quando o sigilo médico-paciente é uma mentira?

(Comentário – nesse ponto a pessoa está com raiva por causa da quebra de sigilo
que o leva ao pensamento de que não pode ser ajudado, que ninguém é confiável.
Essas são as condições necessárias para uma decisão de suicídio entrar em ação e
os aspectos da Criança Adaptada da personalidade dele estão muito fortes).

3:36 h
Eu já chorei tanto que acho que não tenho mais lágrimas
Tomando a segunda dose de Klonopin no mesmo dia
Só fiz isso duas vezes antes.

(Comentário – nesse ponto a pessoa já decidiu pela tentativa de suicídio, uma hora
e meia após sua reação de raiva inicial. Nas próximas duas horas o restante das
medicações é tomada. Podemos perceber a ambivalência começando com a
afirmativa – “só fiz isso duas vezes antes” – o que indica alguma inquietação entre
o que ele está fazendo e a Criança Livre mais fortalecida).

5:40 h
Isso tudo escalou rapidamente
Eu não sei que porra está acontecendo
Como posso ter ajuda se não posso confiar neles.
(Comentário – provável raiva ainda presente e uma reafirmação das condições
necessárias para uma tentativa de suicídio. Ou seja, não pode ser ajudado e não é
capaz de confiar em ninguém, indica que chegou ao ponto das ‘coisas estarem
muito mal’).
6:31 h 171

Estou tão nauseado


Não sei o que estou fazendo
(Comentário – existe confusão e não há reafirmação das condições necessárias
para que a decisão de suicídio atue. Isso pode indicar que o desejo de viver da
Criança Livre está se fortalecendo).

7:49 h
Eu sou um idiota
Eu tomei Motrin demais
Botei um pacote inteiro de adesivos de nicotina em mim e dormi um pouco
E agora é como se, porra não quero ir para o hospital e isso não é o suficiente para
me matar.

(Comentário – O Estado do Ego Criança Livre agora está suficientemente forte para
assumir o poder de comando e adotar comportamentos de sobrevivência. Não há
confirmação das condições para ativação da decisão de suicídio).

Tirei os adesivos
Forcei o vômito para tirar o Motrin
Não tirei tudo, mas tirei o máximo que pude
Continuei me sentido terrivelmente nauseado
Quando estava vomitando saiu um pouco de sangue
Não muito
Mas um pouco preocupante
Não como um vômito normal
Não vomitava assim há anos
Deve ser o Motrin
Andei meio tonto até uma loja para comprar desinfetante bucal e sal de frutas
Sinto-me uma merda
Exaurido
Tirei minha roupa
Não tenho febre
Estou inchado e não sei por quê
Porra sou um idiota
Tudo por causa da merda da confidencialidade.

(Comentário – cinco horas e meia depois de iniciado o episódio, houve uma


mudança de Estado de Ego, da Criança Adaptada para a Criança Livre. Enquanto
sob influência da Criança Adaptada ele estava afirmando as circunstâncias
necessárias para atuar com a decisão de suicídio. No final do processo as condições
necessárias para atuar com a decisão de suicídio são minimizadas refletindo assim 172

a maior influência da Criança Livre na personalidade)


No estudo de caso 2 houve uma mudança rápida no Estado de Ego,
portanto uma mudança muito rápida da influência da Criança Adaptada para influência
da Criança Livre. No estudo de caso 3 a mesma mudança ocorreu após algumas horas.
De toda maneira, a mesma ambivalência suicida foi apresentada.

Prática terapêutica em ambivalência suicida


Com o conceito de ambivalência suicida descrito podemos seguir para a
prática terapêutica que evolui com o entendimento dessa nova teoria. Existem várias
abordagens que podemos utilizar com esse novo entendimento. O mais óbvio é
proporcionar ao cliente a oportunidade de experienciar esses seus dois aspectos. Com
a experienciação pode haver conscientização e integração, entre outras coisas, como
maior disponibilidade para construir relações. Felizmente isso não é difícil de fazer
quando utilizamos a técnica da cadeira vazia, originalmente descrita na Gestalt Terapy
(Latner, 2000; Nichoz & Schwart 2008; Schacter, Gilbert & Wegner, 2011) e pela
terapia de Redecisão como descrito por Goulding e Goulding (1979). Duas cadeiras
vazias são colocadas em frente ao cliente, uma representando a Criança Livre, a outra
a Criança Adaptada. Como mostra a Figura 3 a ambivalência pode então ser
experienciada pelo cliente. O cliente pode sentar primeiro na cadeira da Criança Livre e
começar a falar desse aspecto da personalidade. O conteúdo efetivo depende do
assunto em pauta. Por exemplo, se for suicídio uma questão que ele vai abordar, a
pulsão de vida será considerada oposta à pulsão de morte. Alternativamente pode ser
uma questão do uso abusivo de drogassem que a ambivalência entre o desejo da
Criança Livre e o desejo da Criança Adaptada é o uso destrutivo de álcool e drogas.
Como vemos na figura 4, as duas cadeiras podem de fato representar Eros
da Criança Livre e Thanatos da Criança Livre (não da Criança Adaptada). No entanto,
nesse ponto, assumimos que é Eros da Criança Livre e Criança Adaptada nas duas
cadeiras já que não é claro, nessa conjuntura, se é possível fazer terapia com o
Thanatos da Criança Livre. O cliente identifica sua pulsão destrutiva e seu desejo de
permanecer vivo e ficar saudável e começa a experienciar isso enquanto senta nas
diversas cadeiras e entra em diálogo com a orientação do terapeuta. O estudo de caso
4 fornece um exemplo disso. Nesse caso o cliente estava usando álcool
destrutivamente.
Estudo de Caso 4
Um homem de quarenta anos que bebe duas garrafas de vinho todas as
noites da semana há quatro anos.
Terapeuta: Seja a parte de você que quer beber. O que ela diz e sente?
Cliente: Eu gosto disso... eu gosto de sensação que me dá e eu trabalho tão duro o dia
todo e essa é uma festinha que me dou. Os meus amigos ou não bebem ou bebem 173

pouco. Eles parecem estar envelhecendo.


Terapeuta: Diga mais a respeito disso.
Cliente: Nós costumávamos beber juntos, mas agora eles não bebem muito de jeito
nenhum... eu não fiquei velho como eles. Eu gosto disso em mim. Eu me sinto bem
sendo jovem de cabeça... mas, meu corpo está ficando velho e isso não é bom para
beber.
Terapeuta: Ok. Essa é a Criança Adaptada. Então, troque de cadeira e seja aquela parte
que não quer beber ou não quer beber tanto.
Cliente: Comparando com os outros eu bebo muito. Bebo muito, mas muito mais. Eu
me preocupo com os efeitos na minha saúde. Eu tenho feito todos os exames de
sangue e meu fígado e tudo o mais está bem, mas eu me preocupo que a bebida vai
causar danos mais tarde na minha vida. Eu não gosto de me sentir um lixo no dia
seguinte. Isso me deixa um pouco irritado comigo mesmo.
Terapeuta: Você fica com raiva de você?
Cliente: Sim, quando eu levanto pela manhã me sentindo uma merda, fico com raiva
de mim (disse com raiva)... toda manhã eu prometo não beber à noite, mas no meio da
tarde eu começo a pensar na festinha da noite. Algumas vezes eu me sinto muito mal,
mas ainda assim vou para o trabalho. Nos momentos raros em que não bebo, quando
levanto o mundo parece mais brilhante e claro. Eu fico surpreso e isso me mostra
como a bebida me afeta e eu não gosto.
Terapeuta: Qual é a parte mais forte?
Cliente: Eu não vou parar ainda... agora está 70% a 30% querendo beber. Costumava
ser 90% a 10% querendo beber. Eu sei que se me deixar ir vou ficar cada vez mais
enjoado. Se eu tentar parar eu vou usar mais. Eu preciso ser muito cuidadoso com a
Criança Rebelde em mim que não vai parar de beber se for mandada.
Esse é um exercício razoavelmente curto, que pode algumas vezes se
estender muito mais. De todo modo, ele mostra o básico do que está sendo alcançado.
Essa é a primeira vez que esse homem faz o exercício, ainda assim, obteve um
entendimento experiencial dele mesmo. Podemos, então, convidar esse cliente a
integrar esses aspectos de sua personalidade. O cliente é convidado a afirmar que
aceita tanto a Criança Livre quanto a Criança Adaptada como parte de si. Muitos
acham a Criança Livre mais fácil de trabalhar, mas aceitar e integrar a Criança
Adaptada como parte do self pode ser mais problemático. De fato, alguns acham que é
muito difícil de fazer. Por exemplo, uma pessoa viciada, que está limpa atualmente,
por ter consideráveis dificuldades até mesmo com a ideia de integração, quanto mais
trabalhar essa integração num processo de verbalização e experienciação. No entanto,
com a consciência que vem desse exercício, pode haver integração das partes do self e
uma percepção maior de si. 174

Outro aspecto interessante desse exercício é a habilidade da pessoa para


dizer as percentagens da Criança Adaptada e da Criança Livre. Muitos podem fazê-lo
de pronto e se sentem muito seguros com as escolhas. Inicialmente foi uma surpresa
pois não era esperado. Contudo, parece que muitas pessoas estão sintonizadas com
esses dados. O exercício permite acesso do cliente às percentagens inconsciente e que
as tragam para a consciência. Novamente, isso permite autoconsciência além de ser
informação importante para o terapeuta. A vivência também é uma boa maneira de
monitorar o atual nível do risco suicida, já que as pessoas também podem informar os
percentuais nesse caso. Esse exercício pode ser utilizado repetidamente e, assim,
podemos monitorar mudanças dos percentuais de risco de suicídio.
Na dependência química, o terapeuta observa, em primeira mão, essas
duas partes da personalidade no cliente, o que ajuda muito no processo diagnóstico.
Toda a linguagem corporal pode ser diretamente observada e podemos perceber onde
está a energia no momento. Na cadeira da Criança Livre pode haver certa resistência
em dizer alguma coisa, enquanto na cadeira da Criança Adaptada podem ficar bastante
animados para relatar muitas coisas. Isso permite que o terapeuta observe
diretamente o que está acontecendo na psique do cliente em relação a esses dois
aspectos da personalidade.
No entanto, o que é mais importante na cadeira da Criança Adaptada é
termos uma oportunidade terapêutica única. Nessa cadeira a pessoa se despiu de
todos os aspectos de sua personalidade exceto das suas pulsões destrutivas. Sentar
bem em frente ao psicoterapeuta constitui testemunhar a destrutividade da pessoa,
circunstância muito desejável de se ter. Permite ao terapeuta relacionar-se
diretamente com esse aspecto, permite que o terapeuta construa uma relação direta
com esse aspecto. Essa é uma situação incomum na psicoterapia e de considerável
valor psicoterapêutico. Poucas pessoas tiveram oportunidade de presenciar e
conversar e diretamente com o núcleo da pulsão destrutiva de outra pessoa, pois
geralmente está fora da consciência ou escondida do resto do mundo.
Observações clínicas até o momento mostram que após o período de
algumas semanas ou meses, a construção de uma relação direta com o núcleo
destrutivo tende a ter efeito pacificador. O núcleo destrutivo não desaparece, tende a
se tornar menos atuante e diminuir sua influência na personalidade. É mais comum o
psicoterapeuta tentar reprimi-lo, contê-lo ou modificá-lo de alguma maneira.
Nessa abordagem o núcleo destrutivo experiência uma relação direta. Ao
contrário, ele é convidado a se expressar e falar com alguém simpático a ele. O efeito
assemelha-se ao de uma criança pequena que está fazendo malcriação pois não está
recebendo atenção. Quando começa a receber atenção ela tende a ficar menos
malcriada e procura chamar menos atenção com seus comportamentos. Ele é
pacificado dessa maneira. Temos observado que o mesmo efeito em diversas
circunstâncias, quando proporcionamos a oportunidade de nos relacionarmos 175

diretamente com o núcleo da pulsão destrutiva do cliente.

Estudo de Caso 5
Isso foi escrito por uma mulher de trinta e cinco anos após crise anoréxica
e ainda com dificuldades alimentares. Ele descreve sua Criança Adaptada ou o
Thanatos de sua Criança Livre, que ela chama de monstro d.a.16 (monstro da desordem
alimentar). Dar um nome não foi resultado de nenhuma intervenção psicoterapêutica,
foi espontaneamente nomeado por ela, anos antes do tratamento. Ela tinha
consciência, identificou sua pulsão autodestrutiva, num grau tão agudo, que teve que
dar um nome. Meus comentários estão entre parênteses.
A parte que é bonita é a parte que está tentando viver, sobreviver, ser positiva.
Na recuperação essa parte de mim está “ganhando”. Eu estou vivendo com
sucesso. Eu sou ou ser humano com funcionalidade humana.
Se não estou “ganhando”, o monstro d.a. ou minha parte anoréxica é que
ganha. De certo modo estaria lentamente me matando e.g (por exemplo) não
comendo, purgando, me isolando, ruminando, obsessiva, é assim que vejo que
ela está no controle.
Mas tem o dia a dia que é a voz do d.a. (monstro) constantemente me
dizendo que “Eu sou gorda” e tudo que como me faz sentir culpada e começa
uma conversa na minha cabeça com o d.a. (monstro) sobre se eu deveria ou não
comer aquilo.
Minha primeira memória clara da voz do d.a. (monstro) foi quando eu
tinha 15/16 anos. Ele diria “você é gorda”, “a vida seria melhor se você fosse
magra”. Ele quer que eu seja magra, sempre fica olhando para garotas magras,
me comparando.
Isso tinha uma função positiva. Ajudou-me a lidar com a vida na
adolescência, com as emoções perturbadoras, solidão, com o fato de me sentir
diferente e de sentir que não era bom o suficiente.
No momento está com raiva porque não está ganhando (não purgo por
três meses).
16
d.a. monster (eating disorder monster)
A voz do d.a. (monstro) está sempre lá, por isso mesmo é muito forte. Não é
tratável pela terapia porque sabe que sempre estará lá com qualquer coisa que
eu vá comer.
Eu percebo agora que a presença constante do d.a. (monstro) está menor.
Quando eu estava na clínica de desordem alimentar, ele estava lá o tempo todo.
Agora existe um pouco de liberdade dele quando eu acordo pela manhã, por
176
exemplo. Na clínica estava lá todas as vezes que eu acordava pela manhã, agora
tem algumas manhãs em que não está.
O aspecto autodestrutivo da cliente (monstro d.a.) desenvolveu contato
direto com o terapeuta durante os meses antecedentes, sem que o terapeuta tentasse
desafiar, conter ou modificá-lo. Aliás, a cliente relata que o monstro d.a. não se sente
tratado pela terapia. O terapeuta reconhece esse poder e procura desenvolver uma
coexistência com ele através da relação terapêutica. Como pudemos perceber, houve
redução das compulsões, como ainda não havia acontecido com a incidência menor
das vozes do monstro d.a. Podemos descrever esse evento como um efeito
apaziguador no aspecto autodestrutivo da personalidade da cliente.
Conclusão
Essa abordagem terapêutica está atualmente num estágio de
desenvolvimento. Parece ter um considerável potencial terapêutico para lidar com
suicidas e outros comportamentos autodestrutivos. O terapeuta sentar-se diante do
verdadeiro núcleo da pulsão autodestrutiva do cliente é uma situação terapêutica
bastante incomum, vantajoso tanto para uma abordagem teórica quanto para a
experienciação.
Outro aspecto central desse capítulo é a evolução da ideia de Eros na
Criança Livre e de Thanatos na Criança Livre. Isso significa que a Criança Livre contém
uma fonte de pulsões destrutivas no indivíduo. Significa que todas as pessoas terão, de
tempos em tempos, comportamentos autodestrutivos naturais e, portanto, não
patológicos. Isso levanta algumas questões a serem respondidas. Isso é
psicopatológico? Se for, pode ser tratado? Se pensarmos que sim, então como um
comportamento destrutivo que não é consequência de parentalização inadequada
pode ser tratado?

Tradução: Ede Lanir Ferreira Paiva, Membro Didata, área clínica


UNAT BRASIL – maio 2017
CAPÍTULO 9

JOGOS PSICOLÓGICOS E PROCESSOS INTERSUBJETIVOS17

Jo Stuthridge & Charlotte Sills


Neste capítulo, descrevemos alguns dos nossos pensamentos sobre o trabalho com os
dramas transferenciais que Berne (1964) chamou de "Jogos Psicológicos". Propomos 177
que a participação do terapeuta em um Jogo pode se tornar uma importante avenida
para "ouvir" a comunicação não dita do cliente. A experiência clínica levou-nos a
descobrir a inescapável presença de nós mesmos na sala de terapia. Nós dois
passamos muitos anos em treinamento e terapia pessoal aprendendo como eliminar
nossas inclinações de Script pessoal das nossas vidas profissionais. No entanto,
aceitamos que a autoconsciência é tarefa de toda uma vida, que a terapia nunca é
completa e que um terapeuta sempre chega à sala, além da sua perícia, com suas
vulnerabilidades e seu Script. Na verdade, estamos interessados em como essa
reciprocidade de "imperfeições" tem a capacidade de estimular o crescimento em uma
relação de terapia, especialmente em relação a esses momentos em que dois Scripts
colidem em um Jogo. Como os Jogos surgem entre duas mentes? Como nos
comunicamos com outra pessoa fora da consciência? E o que podemos fazer sobre
isso? Como usamos a nós mesmos e nossa experiência subjetiva para resolver Jogos?
Ambos lutamos com essas questões de diferentes perspectivas teóricas e chegamos a
uma convicção comum de que a resolução de um Jogo muitas vezes requer uma
verdadeira mudança interna dentro do terapeuta, o que pode levar ao crescimento
para ambas as partes.
A teoria dos Jogos de Berne tenta explicar dinâmicas intersubjetivas complexas,
dinâmicas que unem o espaço entre cliente e o terapeuta, entre fala e ação,
pensamento e sentimento, mente e corpo e também reinos conscientes e
inconscientes. Essas dualidades têm sido cada vez mais dissolvidas na psicoterapia
contemporânea (Aron, 1996) e acreditamos que a teoria dos Jogos, indiscutivelmente,
a peça central da "psiquiatria social" de Berne (1961), pode contribuir de maneira útil
para esse empreendimento. Os desenvolvimentos em neurociência (Panksepp, 1998;
Schore, 1994), a pesquisa infantil (Trevarthen & Aitken, 2001) e a experiência clínica
ressaltaram a centralidade da reciprocidade e da relação no desenvolvimento humano.
Destacaram também a importância das formas afetivas e somáticas de organização e a
interdependência delas com a cognição e o comportamento (Bucci, 2001; Damasio,
1999). A teoria do caos (Gleick, 1987) nos encoraja a pensar em uma relação de terapia
como um sistema intersubjetivo em evolução, em que pequenos gestos podem se
amplificar em profundas mudanças de padrões na vida do cliente.

17
Transactional Analysis in Contemporary Psychotherapy, editado por Richard Erskine, Karnac , London
(UK), 2016. P. 185 a 208 no original.
O terapeuta não é mais visto como um observador neutro, não envolvido, mas
sim um sujeito humano separado que participa única e inevitavelmente em um
processo interativo volátil. Mudanças em qualquer variável no sistema diádico
significam que tanto cliente e terapeuta são alterados.
A Análise Transacional Relacional vê o relacionamento de terapia como um
encontro entre duas psiques, no qual cada parceiro contribui consciente e
178
inconscientemente para o processo. Padrões pertencentes ao cliente e ao terapeuta
emergem no consultório e se tornam o veículo intersubjetivo para exploração e
compreensão. Nessa perspectiva, a contratransferência, as declarações mútuas e os
Jogos não são mais vistos como infelizes, mas sim como uma importante fonte de
dados.
Berne entendia os Jogos como defensivos; no entanto, nestes dias podemos
pensar sobre esses processos em termos mais amplos. Os Jogos podem envolver a
repetição ou a defesa contra as primeiras experiências que, de uma forma ou de outra,
limitavam a capacidade da pessoa de processar e integrar o que estava acontecendo
com ele e dentro dele. Os Jogos contêm o nível mais profundo de expectativa
relacional e necessidades não satisfeitas e também tentam evitar a dor dessas
primeiras experiências. No entanto, eles também podem ser entendidos como a
declaração de experiências sem palavras; a comunicação de algo que nunca foi
formulado na linguagem e, portanto, só pode ser expresso através do gesto, afeto e
ação.
Quando um Jogo ocorre na terapia, é a revelação mais vital, vibrante, próxima à
experiência da verdade não dita do cliente – e muitas vezes a do terapeuta. Os Jogos
permitem a possibilidade de reviver experiências iniciais, trazendo aqui e agora a
realidade sobre elas, e também tecendo novos significados. Sob esta ótica, os Jogos
não são algo a ser evitado, mas são dados bem-vindos para o terapeuta.
Neste capítulo, oferecemos um quadro para compreender e trabalhar com Jogos
em consultórios.
Teoria e métodos iniciais de Jogos
Berne originalmente definiu um Jogo como "uma série contínua de Transações
Ulteriores, que progridem para um resultado bem definido e previsível" (1964, p.48).
Uma provocação sutil de uma pessoa engancha em uma ansiedade defensiva na outra,
cutucando ou estimulando-o a reagir de uma forma que confirma suas expectativas
transferenciais. Berne acreditava que a função primária dos Jogos dizia respeito à
estabilidade psíquica ou "homeostase", que descrevia em termos de quatro fatores
principais: "... 1) o alívio da tensão, 2) a evitação de situações nocivas, 3) A aquisição
de Carícias e 4) a manutenção de um equilíbrio estabelecido "(ibid., P.19). Em uma
definição posterior ("Fórmula G") (1972, p.23) ele enfatizou a importância de uma
repentina mudança nos papéis.
English (1977, p.243) desafiou o foco de Berne na mudança, sugerindo que isto
ocorre somente como uma medida desesperada, quando um jogador teme que o
outro possa parar de jogar. Ela sugeriu que a principal motivação para jogar está no
próprio processo, cujo objetivo é obter Carícias nas formas familiares e previsíveis que
o Script dita. Zalcman (1990) apontou que a explicação de English é "mais plausível e
menos fatalista do que a de Berne" (p.7). Schiff ofereceu uma visão ainda mais viva:
"Nós vemos os Jogos como uma tentativa desesperada por parte de um indivíduo que 179

luta para recriar um ambiente no qual os problemas arcaicos podem ser reencenados e
resolvidos" (1977, p.71).
Durante as próximas três décadas, a teoria dos Jogos descreveu uma proliferação
de novos Jogos. Jogos fora do consultório são frequentemente descritos como
interações bidirecionais de duas mãos, com ambos os jogadores igualmente envolvidos
(Berne, 1964; Hine, 1990). No entanto, dentro do consultório, prevaleceu uma
abordagem mais unilateral. Analistas transacionais se tornaram peritos em confrontar
o convite ou "a trapaça" (Berne, 1964) e descarrilar o Jogo potencial, idealmente em
sua primeira aparição. A implicação inevitável era que seria vergonhoso e um sinal da
incompetência para que um terapeuta fosse "pego" em um Jogo.
Em anos mais recentes, o uso do confronto tem sido questionado devido ao seu
potencial de vergonha, ao risco de aumentar a defensividade ou, pior, o escorregão
para desespero (Woods, 2002). Muitos terapeutas se interessaram em explorar formas
alternativas para trabalhar com Jogos (Deaconu & Stuthridge, 2015, Hunt, Shadbolt,
2012, Woods, 1996, 2000, 2001).
Esperamos construir essas ideias e desenvolver a teoria dos Jogos como um
modelo intersubjetivo, descrevendo a comunicação multinível entre dois mundos
intrapsíquicos.
Como os Jogos surgem entre duas mentes?
"É notável que os Ucs [inconscientes] de um ser humano possam reagir àquilo de
outro sem passar pelos Cs [conscientes]" (Freud, 1915e, p.144). A afirmação de Freud
é bastante notável para sua época. A questão de como a comunicação inconsciente
ocorre entre duas mentes, como em um Jogo, tem intrigado psicoterapeutas desde
então. A confusão diária de como envolvemos os outros em padrões repetitivos, para
confirmar nossos piores pesadelos muitas vezes leva os clientes à terapia. Conceitos
como a atuação mútua (Jacobs, 1986; McLaughlin, 1991, 2005), identificação projetiva
(Bion, 1962; Grotstein, 2005; T. Ogden, 1994) e teorias sobre a "terceirização" (J.
Benjamin, 2004). , T. Ogden, 1994) que emergiram da psicanálise, são tentativas de
explicar esses misteriosos fenômenos interpessoais, estendendo as teorias
intrapsíquicas ao campo da interação. Essas ideias têm contribuído para a crescente
interpessoalização da psicanálise (Aron, 1996; Brown, 2011).
Em contraste, a teoria dos Jogos de Berne é, antes de tudo, uma teoria
interpessoal – descreve o que acontece entre as pessoas. Começando com a suposição
de que muitas vezes há duas conversas acontecendo lado a lado, uma verbal
(Transações de nível social) e outra não verbal (Transações de nível psicológico), a
teoria dos Jogos tenta explicar a mecânica de como a transferência e a
contratransferência são atualizadas nos relacionamentos.
180
Berne (1961) desenvolveu a teoria dos Jogos trabalhando com grupos de terapia.
Ele percebeu como os participantes do grupo agiam como um "diretor de elenco"
(ibid., P.118), escolhendo inconscientemente parceiros de Jogo, com "considerável
intuição" para desempenhar as partes requeridas por seu Script. "Quando seu elenco
está completo, ele tenta obter as respostas necessárias da pessoa para cada papel"
(ibid., P.119). Sugerimos que, na terapia individual, o cliente analise
inconscientemente o terapeuta como um possível parceiro de Jogo, procurando
intuitivamente vulnerabilidades que atendam às descrições dos personagens do seu
Script.
Uma pessoa encaminha involuntariamente o outro para um estado de
sentimento particular, empregando uma série de Transações Ulteriores, incluindo
estratagemas verbais, tom de voz, afinação, ritmo, sintaxe, ações, comportamentos e
Transações sensório-motoras como respiração, postura ou expressão facial. O Jogo
que emerge é produto de dois mundos intrapsíquicos, apenas a "moeda" (Berne, 1964,
p.63) tende a refletir a agenda do cliente. A Transação posterior do cliente reúne-se
com todo o elenco interno de personagens do terapeuta (que pode ser considerado
afeto, estados do self, Estados do Ego Pai e Criança, objetos inteiros ou parciais) que,
para continuar com a metáfora teatral de Berne estão “esperando sob as asas pelo
chamado do diretor” (Stuthridge, 2015a). O cliente, infalivelmente, objetiva a
qualidade particular no terapeuta exigida pelo seu Script. Dependendo do grau de Jogo
, os personagens no palco podem representar aspectos simbolizados e reprimidos da
psique de cada jogador ou elementos mais dissociados que ainda não encontraram um
nome e traje. Um aspecto da mente do terapeuta mais adequado para a parte avança
em seguida, para tomar o centro do palco. O terapeuta inconscientemente aceitou um
papel e o drama começa. Embora haja alguma liberdade para improvisos, em cada
novo cenário os papéis são prescritos pelos Scripts de cada jogador e levam
inexoravelmente a uma repetição de uma antiga convicção emocional.
Nessa luz, os Jogos e as atuações podem ser entendidos como uma "interseção
entre dois Scripts" (Stuthridge, 2012, p.245). O cliente e o terapeuta se tornam atores
no Script do outro. Um Jogo é construído em conjunto pelo par da terapia e
experimentado por cada pessoa de acordo com sua própria história interna. Cada
dupla, na terapia, é única e enquanto um cliente pode jogar o mesmo Jogo com três
terapeutas diferentes, com cada um os movimentos familiares assumirão um sabor
diferente e nuances específicas.
Os três graus dos Jogos
Pensamos que o modelo de três graus dos Jogos de Berne (1964, p.64) fornece
uma estrutura para reconhecer e utilizar a experiência do terapeuta (ou
contratransferência) de uma maneira que possa fornecer uma direção útil. Berne
definiu:
1. Um Jogo de primeiro grau como "aquele que é socialmente aceitável no 181
círculo do agente" (ibid., P.64). (Por exemplo, no contexto da terapia: cada
Transação que o terapeuta faz é saudada com "Sim, entendo isso, mas..." O
terapeuta começa a se sentir irritado e sem esperança).
2. Um Jogo de segundo grau como "aquele de que não surge nenhum dano
permanente e irremediável, mas que os jogadores preferem esconder do público"
(ibid., P.64). (O cliente fica chateado no final da sessão, reclamando que nada está
funcionando e o terapeuta permite que ele fique por mais cinco minutos. O
terapeuta se esquece de discutir o incidente na supervisão).
3. Um Jogo de terceiro grau como "um que é jogado para manutenção e que
termina na cirurgia, no tribunal ou no necrotério" (ibid., P.64). (O cliente perde a
próxima sessão e telefona da sala de emergência em plena overdose).
As definições concisas de Berne são poderosas e, no entanto, permanecem no
nível dos resultados comportamentais. Às vezes, enquanto o terapeuta está ciente de
que "algo está acontecendo", é extremamente difícil saber como proceder. Confrontar
o comportamento do cliente pode passar de algo desconfortável e incerto para o
terapeuta, a algo que pode levar a significações importantes para o cliente. Nós
pensamos que olhar para um nível mais profundo é importante. Em outras palavras,
estamos interessados em explorar vários níveis de Transações Ulteriores, que revelem
características vitais do Script, bem como a dinâmica intrapsíquica e interpessoal por
trás dos comportamentos manifestos.
Britton (2007) propôs que as atuações ocorrem em vários níveis, uma ideia, que
nós pensamos, pode lançar uma nova luz nos três graus de Jogos de Berne (Stuthridge,
2015a). O conceito de Britton baseia-se na teoria de Bion (1963) de que a mente
contém diferentes níveis de funcionamento simbólico, de dados sensoriais brutos
inatos, até complexos processos simbólicos que criam significado emocional a partir da
percepção. Parafraseamos os níveis de Britton aqui:
(1) representação como a expressão inconsciente do pensamento organizado
(experiências que podemos trazer à consciência e pensar).
(2) Ação como alternativa ao pensamento e ao sentimento, e;
(3). A ação como "retirada de um estado psíquico" (2007, p.6) ou livrar a mente
do efeito não formulado.
Em relação aos Jogos, vemos o termo "ação" aqui como incluindo
comportamentos fisiológicos e uma ampla gama de Transações Ulteriores ou não
verbais que são usadas para "fazer algo" à outra pessoa, a fim de extrair uma reação
previsível. Estes podem incluir eventos concretos como faltar à uma sessão, mas
também silêncio, gestos, sutis mudanças no tom, ou palavras usadas como atos para
exercer pressão sobre outra pessoa (Aron, 2003). "Ação" também incluiria os
comportamentos passivos descritos por Schiff et al. (1975), como tentativas crescentes 182

de "transferir responsabilidade" para a resolução do problema para outra pessoa


(ibid., P.7), começando pela inação extrema de aparência e passando para
incapacitação, como desmaios ou explosões violentas emocionais ou físicas.
Cada nível ou grau do Jogo representa diferentes graus de capacidade reflexiva e
habilidades para simbolizar a experiência no momento. Assim, os Jogos de primeiro
grau podem ser considerados uma externalização do pensamento simbólico
(semelhante ao primeiro nível de Britton) ou a manifestação externa de um diálogo
interno que pode ser levado à consciência. Eles são, portanto, padrões familiares de
obter Carícias e defender-se contra experiências desconfortáveis. Jogos de segundo e
terceiro graus dizem respeito a experiências que nunca foram completamente
simbolizadas (sentidas, reconhecidas, nomeadas) ou contidas como conflito interno.
Jogos de segundo grau defendem contra níveis inconscientes mais profundos do Script
que ameaçam "avançar" em consciência indesejada. Os Jogos de terceiro grau
geralmente se referem às partes do eu que nunca foram experimentadas, muitas vezes
devido a trauma ou déficit. Isso é ilustrado pelo "eu não desenvolvido" de Hargaden e
Sills (2002, p.24). Em outras palavras, Jogos de primeiro grau são mais propensos a
envolver significados que conhecemos, mas preferiria não conhecer, enquanto os
Jogos de segundo e terceiro grau podem envolver significados que tentamos reprimir
ou nunca soubemos. Esses significados não expressos são a "fala inarticulada do
coração" (Van Morrison, 1983, citada em Hargaden e Sills, 2002, p.45) e pode incluir
uma série de processos como D.B. Stem (2003) "não formulados" e Bucci (2001)
experiências "não simbolizadas" ou Bollas (1987) "desconhecidos conhecidos".
Cada grau inclui os dois níveis de conversação definidos por Berne como uma
troca de Transações Ulteriores. No entanto, existem diferenças fundamentais entre
cada grau, em termos da extensão em que o conteúdo da comunicação é simbolizado.
Este conceito difere um pouco da compreensão de Cornell (este volume) das
distinções entre graus, particularmente no sentido de que seu foco é mais nos
processos intrapsíquicos, enquanto estamos mais interessados na forma como eles se
manifestam interpessoalmente.
A diferença de experiência entre cada grau é refletida na contratransferência do
terapeuta. Nos Jogos de primeiro grau há um grau razoável de funcionamento
simbólico presente e a contratransferência é acessível no nível consciente e cognitivo.
Nós sabemos o que estamos sentindo. Além disso, o significado do que é comunicado
pode, muitas vezes, ser detectado por meio de pistas verbais. Por exemplo, o uso
infame de "Sim, mas" (Berne, 1964), ou convites verbais (contras) como "Se não fosse
por você...”, ou "Oh, eu desejo...”. E os métodos de Dusay (1966) que se baseavam em
intervenções cognitivas funcionam bem com esses Jogos.
Nos Jogos de segundo grau, a experiência evocada em ambos os participantes é
provavelmente desvinculada das capacidades simbólicas. As Transações Ulteriores
envolvem significativas incongruências entre as mensagens de nível social e 183

psicológico. De acordo com a terceira regra de comunicação de Berne (1966, p.227), o


resultado de uma Transação Ulterior é determinado no nível psicológico. Assim, a
Transação não verbal induz o efeito indesejado na outra pessoa. Essa "ação" se torna
um substituto do pensamento e do sentimento. A contratransferência geralmente
pode ser sentida como uma perturbação afetiva, mas é difícil de decifrar
cognitivamente. Ou seja, podemos sentir que algo está errado sem saber o que é. O
significado do que é comunicado é mais frequentemente detectado através das
associações inconscientes do terapeuta, como imagens ou devaneios.
Jogos de terceiro grau envolvem um efeito altamente tóxico e uma experiência
que nunca foi simbolizada. O objetivo é livrar a psique de sentimentos que são
insuportáveis, não apenas indesejados, através da "evacuação psíquica" (Bion, 1963).
Berne associou esses resultados trágicos com "Scripts de corpo" e histórias de clientes
sobre abuso de crianças (1972, p.111). A outra pessoa normalmente se sente
bombardeada, invadida, desconcertada e desestabilizada. A contratransferência é
sentida visceralmente e as capacidades reflexivas do terapeuta são normalmente
desativadas no momento.
Ambos sentem que as palavras de Gabbard e Ogden (2009, p.432) são um sinal
das respectivas experiências. "Na nossa experiência percebemos que quando o
analista está fora do seu equilíbrio, ele faz o seu melhor trabalho analítico”. Nós
oscilamos em nossas cadeiras metafóricas e às vezes caímos quando um processo de
Jogo envolve o nosso próprio Script, e nossas partes dissociadas ou reprimidas do self
se juntam à batalha. Esses momentos podem levar a uma terapia eficaz, na medida em
que eles insistem em um nível profundo de envolvimento emocional no processo, que
é talvez a única maneira de ouvir a história não falada de um cliente.
Engajar-se em Jogos no consultório
Inicialmente os analistas transacionais esperavam evitar o envolvimento em
Jogos, para enfrentá-los quando fosse o momento. Dusay (1966) ofereceu quatro
maneiras de responder: 1) jogar o Jogo a serviço de uma meta maior; 2) ignorar o Jogo;
3) oferecer um Jogo alternativo (para minimizar uma situação), e 4) expor o Jogo
nomeando-o, muitas vezes com humor.
Essas ideias pragmáticas, ao lado da intenção abrangente de identificar a
necessidade não atendida, são usadas principalmente para estabelecer o controle
social sobre o comportamento do cliente. Elas são descritas em ação por, por exemplo,
Goulding e Goulding (1979).
A investigação fenomenológica oferece outra abordagem importante para o
trabalho com Jogos, uma vez que o terapeuta está ciente de uma dinâmica ulterior.
Essa abordagem (Erskine & Trautmann, 1996) exige que o terapeuta, indagando sobre
experiência fenomenológica do cliente, detecte seu convite para entrar em um Jogo e
empregue o rastreamento do que está acontecendo para ele. Pode ser visto, talvez,
como uma maneira mais empática de confrontar a primeira trapaça ou cruzar a
Transação. Por exemplo, o terapeuta pode dizer: "Eu percebo que você desviou os 184

olhos, enquanto dizia aquilo. O que estava acontecendo com você naquele momento?
Como está se sentindo enquanto diz isso? O que eu disse que fez você se sentir
assim?", e assim por diante.
Cornell (2015) construindo sobre o trabalho de (Cowles-Boyd & Boyd, 1980)
oferece uma opção criativa com o "game-play shift", em que um terapeuta usa uma
brincadeira e humor para subverter um Jogo em potencial.
Essas estratégias, como os métodos de Dusay (1966), dependem da premissa de
que o terapeuta reconhecerá um Jogo assim que ele surgir. No entanto, afirmamos
que muito do nosso Script é inconsciente e em qualquer relacionamento próximo
existe o risco de que o Script surja. A relação terapêutica, com seus períodos ou
momentos de proximidade e vulnerabilidade, pode "abrir os limites das pressões de
Script" (Cornell, comunicação pessoal). Na verdade, iríamos mais longe e proporíamos
que alguns padrões relacionais estão tão embutidos–simplesmente mantidos em
nossas vísceras–que só podem ser trazidos à consciência desta maneira. Portanto, em
certo sentido, estar disponível para jogar é vital.
Quando ambas as partes estão bloqueadas em seus Scripts, a resolução muitas
vezes exige que uma pessoa contenha ambos os papéis em sua mente. Pensamos que
é dever do terapeuta "ir primeiro" e "render-se" (J. Benjamin, 2004, p.8) à verdade do
seu próprio envolvimento. Isso geralmente significa recuperar um aspecto repudiado
da sua experiência, antes que possa entender o Jogo e correr o risco de fazer um gesto
diferente. Oferecemos aqui algumas sugestões de como podemos fazer isso,
explorando os três graus de Jogos mais detalhadamente, com foco nas diferentes
experiências contratransferenciais.
Jogos de primeiro grau
Como observou Berne, Jogos de primeiro grau podem ser jogados em público
sem muita vergonha. Tanto o terapeuta quanto o cliente podem reconhecer a
sensação de desconforto familiar e, se o Jogo prosseguir para uma recompensa, a onda
de reconhecimento que o acompanha: "Como é que eu voltei aqui?" O anúncio
relacional, embora não na consciência, é aquele que é passível de pensamento.
Com essa ideia em mente, consideramos duas outras abordagens para trabalhar
com Jogos de primeiro grau:
1. Analisando a contratransferência (por "contratransferência" queremos dizer
toda a experiência do terapeuta na relação terapêutica): Reconhecendo que
muitas vezes é somente depois de uma sessão, em reflexão ou com um
supervisor, para que possamos tomar consciência de um Jogo, exploramos
cuidadosamente nossas respostas. Nós nos baseamos no trabalho de vários
escritores que ofereceram perguntas úteis para indagar sobre nossa
contratransferência (Hunt, 2011, Mazzetti, 2013, Novellino, 1984, Stuthridge, 185

2015b).
a) Observe nossos próprios sentimentos e contratransferência.
 O que estou sentindo em relação ao cliente? E como me sinto antes, durante
ou depois da sessão?
 O que eu quero fazer?
 Como eu quero que meu cliente me veja?
b) Reflita sobre as implicações para o nosso próprio Script.
 O que eu sei sobre essa experiência para mim mesmo?
c) Reflita sobre as implicações para o Script do cliente.
 Por que agora... e por que esse cliente?
 Por que a outra pessoa quer (inconscientemente) que eu sinta o que estou
sentindo?
 Quem eu me tornei para o cliente?
 Como este drama atual se relaciona com o passado do cliente?
d) Pense no que fazer a seguir.
 Oferecer um comentário interpretativo como um possível significado entre
outros.
 Comentar o que está acontecendo no espaço relacional.
 Ou simplesmente permitir que o novo entendimento nos informe, sabendo
que isso mudará o campo emocional.
Com a reflexão consciente, usando perguntas como estas como um guia, a experiência
subjetiva do terapeuta no Jogo se torna um caminho para a compreensão da
comunicação inconsciente do cliente.
2. O Triângulo Dramático de Karpman (1968): Num desenvolvimento do conceito
de Karpman, Sills (2007) descreveu como os Jogos ocorrem através da negociação com
outras de três capacidades: poder, amor e vulnerabilidade. Quando um indivíduo é
limitado a uma posição (dirigido pelo Script) nesse envolvimento intersubjetivo, esses
aspectos se transformam em papéis negativos de Perseguidor, Salvador e Vítima. O
Jogo é jogado entre duas das posições, produzindo a complementaridade impasse (J.
Benjamin, 2004) e a terceira posição é alcançada somente como a mudança no Jogo,
que conduz ao desfecho do Script.
Isso às vezes pode oferecer um caminho para uma compreensão mais profunda.
Idealmente será pela escolha consciente. O terapeuta toma consciência de que ele
está preso a algum padrão relacional rígido, mas não é capaz de se livrar por causa da
pressão de seu próprio Script para não reconhecer certas partes de si mesmo–muitas
vezes representado na terceira posição no triângulo. Ele usa a estrutura do Triângulo
Dramático para ajudá-lo a pensar sobre o que está acontecendo. A capacidade ou
habilidade que falta (Choy, 1990) oferece uma nova maneira de ver a díade. 186

Por exemplo, um terapeuta reconhece que está na complementaridade Vítima–


Perseguidor, o que Racker (1968) chamou de "ping pong paranoico", no qual pode
haver uma hostilidade aberta ou talvez uma competição sob o disfarce sutil de
exploração interessante, com as duas partes disputando o poder de estar certo, para
definir o outro e livrar-se de culpa. Depois de refletir na supervisão, ele comenta com
compaixão pelos dois, que "Parece que nós dois estamos determinados a estar certos
nessa conversa–eu estou me perguntando se era perigoso estar errada com sua mãe."
Outro terapeuta percebe que ele está tentando desesperadamente ser o Salvador de
sua mãe, como ele assume a responsabilidade de curar seu cliente "impotente".
Pensando na força da posição de perseguição evitada, ele decide colocar um limite nos
e-mails do cliente.
A ligação Perseguidor–Salvador pode assumir várias formas. No exemplo a
seguir, ocorre uma dança particularmente maligna e inútil, na qual o terapeuta se
permite ser atacado viciosamente em nome de permitir que o cliente experimente
seus verdadeiros sentimentos. Em certo sentido, ela está "identificando com o
perseguidor" (ibid., P.163). Os exemplos acima demonstram o terapeuta tornando-se
consciente da dinâmica do Jogo e usando o Triângulo de Karpman para abrir um
espaço e dissolver o vínculo da complementaridade diádica.
No entanto, pode ser apenas por meio da mudança e do desfecho que o
terapeuta se torna consciente de sua participação em um Jogo, quando o sentimento
de choque e surpresa, o "cross–up"18 como Berne (1974) chamou, rompe o impasse e
introduz algo diferente. O perigo aqui é simplesmente uma mudança para uma
complementaridade diferente; a oportunidade é que, nesse momento, todo o campo
de Jogo se torna claro para o terapeuta, que pode então recuperar sua capacidade de
mentalizar e contribuir para o desenvolvimento do significado e do pensamento.
Robert
Durante vários meses em terapia, Robert, um chefe executivo com uma história
de relacionamentos infelizes, tanto dentro quanto fora do trabalho, começou acessar
seus sentimentos e momentos de risco de vulnerabilidade. Depois do recesso de Natal,
Eddie, meu supervisionando (da Charlotte), decidiu que era um bom momento para
rever o trabalho deles juntos.

18
Cruzar a Transação (NT)
Ele ficou chocado quando Robert disse, com ar de desprezo, que pensava que a terapia
era uma perda de tempo e não queria ouvir alguém perguntando: "Como você se
sente?" o tempo todo. Naquele momento, Eddie sentiu como se um balde de água
tivesse sido jogado sobre ele. Congelado, ele simplesmente concordou com as
exigências de Robert, empatizando com sua necessidade de assumir a
responsabilidade do processo e apenas sugerindo que eles fornecessem feedback uns
aos outros mais regularmente. 187

Em supervisão, Eddie refletiu sobre o que tinha acontecido, abordando algumas


das perguntas sobre sua contratransferência descrita acima. Ele sabia que queria ser
visto como um terapeuta robusto e compreensivo. Mas percebeu que na verdade se
sentira magoado, assustado e humilhado na sessão e lembrou-se das suas experiências
escolares nas quais tinha que se mostrar "duro", para evitar ser intimidado. Como
Robert assumira o papel de Perseguidor, Eddie evitou se sentir vulnerável por Salvar,
compreender e se interessar pelos pensamentos de Robert. Ele começou a perceber
que essa era a dinâmica sutil desde o início, como ele havia aceitado e empatizado
com as explosões desgastantes do seu cliente. Ele reconheceu que sua própria
resposta poderia muito bem dizer algo sobre seu cliente. Na próxima sessão, Eddie
disse: "Eu estava pensando sobre a última sessão e o que estava acontecendo entre
nós dois. Isso me trouxe a mente algumas das histórias que você me contou sobre seu
pai. Eu me perguntava se seu pai te fez sentir medo e vergonha quando você era
pequena.” Robert começou a falar sobre sua experiência de intimidação com o pai e
sua decisão de nunca deixar que ninguém o visse vulnerável. A crescente proximidade
no relacionamento de terapia tinha começado a “expandir os limites” do seu Script e a
ruptura tinha dado apenas tempo suficiente para começar a reconstruir suas defesas.
Passamos agora a pensar sobre os Jogos de segundo e terceiro grau, cuja
procedência reconhecível no Script é mais difícil de capturar.
Jogos de segundo grau
Nos Jogos de segundo grau, a ação funciona como uma alternativa ao pensamento e
ao sentimento. A ação toma a forma de uma Transação no nível psicológico, que é
incongruente com a Transação no nível social que acompanha e pode incluir qualquer
coisa do comportamento evidente, como chegar tarde numa sessão, um telefonema
no fim de semana, mudanças muito sutis no tom de voz, expressão facial e postura, ou
palavras com significados codificados. Todas essas ações envolvem algum elemento de
simbolização, mas normalmente não há nenhum sujeito pensante presente. Ou seja,
não há conexão entre a ação e o sentido do "eu". Por exemplo, o cliente de Jo, na
vinheta abaixo, que apareceu tarde, exclamou: "Não fui eu!" Explicando como foi culpa
do marido ela não ter chegado a tempo. Somente depois que isso acontece várias
vezes que ela ficou curiosa a respeito de que poderia realmente ser ela que estava
chegando tarde afinal, e ainda, que isso poderia ter algum significado.
A contratransferência do terapeuta não é nem tão nomeável como no Jogo de
primeiro grau, nem tão desconcertante, esmagadora e desestabilizante como no
terceiro grau. Frequentemente, há uma simples sensação de mal–estar, desconforto e
desorientação. O comportamento do terapeuta–qualquer coisa que possa desviar-se
da norma–é muitas vezes o primeiro sinal de que um Jogo está em andamento (Renik,
1998). Estratégias que dependem da compreensão consciente, como descrito na seção
anterior, não estão imediatamente disponíveis quando se trabalha com Jogos de 188

segundo grau. Ao explorar maneiras de trabalhar com essas dinâmicas interpessoais


menos conscientes, descobrimos que as associações flutuantes do terapeuta, como
imagens visuais e auditivas, memórias ou sonhos diurnos, muitas vezes fornecem
pistas importantes. As imagens geradas pelo cliente ou pelo terapeuta podem fornecer
uma ligação entre os reinos consciente e não consciente e entre o cliente e o
terapeuta, formando assim um caminho para entender o que é comunicado.
Os primeiros trabalhos de Berne sobre a intuição e seus conceitos de "imagem
primal" (1955) e "imagem do ego" (1957) centraram-se nesse campo de comunicação
inconsciente interpessoal. Ele descreveu a imagem primal como "representações pré-
simbólicas de transações interpessoais" (1955, p.67) que leva ao "julgamento primal":
"a compreensão (correta ou incorreta) das potencialidades da relação objeto
representadas pela imagem" (ibid., P.67). Ele diz que a Intuição é "uma derivada mais
ou menos distante" da imagem primal e pode ser útil no diagnóstico. Curiosamente,
Berne adverte que a imagem primal é influenciada pelos "próprios problemas do
percipiente19" e "particularmente sujeita à distorção" pelo Script do terapeuta. No
entanto, ele parece ter mais fé na "imagem do ego", que, percebida pelo terapeuta, é
descrita como "percepções específicas do Estado do Ego arcaico ativo do paciente em
relação às pessoas ao seu redor", p.102, em outras palavras, uma imagem de uma
criança real com base histórica. Ele considerou a imagem do ego como uma
ferramenta terapêutica vital. Ele também sugere que, na vida cotidiana, as relações
interpessoais provavelmente se basearão no "entendimento intuitivo mútuo através
de imagens parciais do ego e imagens primais, mesmo que estas nunca se tornem
conscientes" (p.115).
Berne também se refere ao símbolo do ego (pp. 113-115), que ele descreve
como uma imagem, metáfora ou símbolo, muitas vezes oferecido pelo próprio
paciente, que indica como ele se sente e é um guia na técnica terapêutica. Claramente
Berne estava experimentando imagens espontâneas como formas intuitivas de
indução entre cliente e terapeuta. Uma ideia semelhante foi desenvolvida mais
detalhadamente por Otto Isakower, um analista Vienense que, curiosamente, como
Berne, foi analisado por Paul Federn (Brown, 2011, p.28). O interesse de Federn pelas
experiências fenomenológicas do ego é evidente tanto no trabalho de Berne como no
de Isakower.

19
Observador, aquele que percebe; que tem facilidade em perceber (algo); percetivo (NT)
Berne cita o trabalho de Federn como a base teórica de suas ideias sobre as
imagens do ego. Isakower descreveu como "as imagens auditivas e visuais que vêm
espontaneamente à mente do analista durante a sessão devem ser levadas a sério
como dados para a compreensão do paciente" (Spencer, Balter; & Lothane, 1992, pp.
248-249). Ele argumentou que as imagens ocupam um espaço transicional entre os
reinos inconsciente e consciente, e como tal, podem fornecer uma maneira de
decodificar a comunicação inconsciente. 189

Embora os escritores posteriores (Bollas, 1987, T. Ogden, 1994) tenham levado


essa ideia muito a sério, baseando-se na noção de devaneio de Bion (1963), o trabalho
de Isakower, como o trabalho de Berne nesta área na época, nunca atraiu muito
interesse. Brown (2011) sugere que isso pode ser devido às influências políticas que
marginalizaram aqueles que não iam à reboque da linha principal da psicologia do ego
e também à suspeita em curso sobre o uso terapêutico da contratransferência.
Bucci, um cientista cognitivo, oferece outra maneira de pensar sobre processos
interpessoais não conscientes. Sua teoria da comunicação emocional argumenta que a
imagem fornece uma casa intermediária entre a comunicação verbal simbólica e sub
simbólica, incorporada nos sistemas sensório-motor e somático. Em resumo, ele
descreve um processo de três etapas para trabalhar com a contratransferência do
terapeuta:
1. Estímulo da experiência dominada por elementos sub simbólicos, componentes
sensoriais, somáticos e motores do núcleo afetivo.
2. Representação da experiência em forma simbólica como imagem visual ou
auditiva (simbólica não verbal).
3. Reflexão consciente sobre o significado da metáfora (simbólico verbal) (2001,
p.54).
A capacidade do terapeuta para simbolizar experiências e relacionar os efeitos
incongruentes, então, promove a capacidade do cliente de integrar experiências
dissociadas ou divididas. Estamos propondo que, nos momentos do trabalho, quando
o terapeuta perceba que pode estar envolvido em um Jogo de segundo grau, a análise
objetiva, a investigação fenomenológica e a análise consciente da contratransferência
correm o risco de serem desviadas pela participação do inconsciente do terapeuta. Em
vez disso, as imagens que chegam à mente do terapeuta, geralmente não convidadas e
não desejadas, podem oferecer caminhos possíveis para decifrar o Jogo. O terapeuta
se permite perceber qualquer fenômeno estranho que passa por ele, das imagens, às
palavras, aos fragmentos de canção. Ele então se associa e sente com essa experiência,
deixando seus significados chegarem a ele. O Triângulo de Karpman (1968) também
pode ser usado aqui, por meio de brincadeiras com a imaginação. Por exemplo, o
terapeuta pode se perguntar como seria estar preso em uma ilha deserta com esse
cliente?
Estaríamos acampados em qualquer extremidade da ilha ou tentando matar um ao
outro, ou vivenciando uma fuga erótica? Permitir que a fantasia, às vezes, possa
encontrar uma rota para identificar o papel do Jogo.

Julia

Julia era uma mulher impressionante nos seus quarenta e poucos anos, ao mesmo
190
tempo fascinante e formidável. Ela era como um reluzente candelabro que outras
luzes menores giravam em torno... eu (Jo) incluída. Ela teve uma carreira
impressionante, mas veio para a terapia porque seu casamento de vinte anos era uma
fonte de miséria. A relação era um arranjo profissional; eles levavam vidas separadas,
dormiam em quartos separados e muitas vezes brigavam. Julia tinha desenvolvido um
estilo de vida um tanto maníaco, que parecia estar baseado em uma negação rígida do
desejo de amor, sexo ou comida. Ela se exercitava e contava calorias obsessivamente.

Julia disse que teve uma "infância feliz", uma afirmação inequívoca, embora
apoiada por escassas evidências. Ela descreveu os pais como orgulhosos de sua filha
mais nova, mas emocionalmente distantes e egocêntricos. Um retrato áspero emergiu,
de uma criança que aprendeu a subjugar suas próprias necessidades, a procurar o
elogio na ausência do amor.

Apesar da sua natureza extrovertida, Julia sentiu-se emocionalmente invisível


para os outros e ela testava as pessoas para ver se elas se importavam e depois as
observava fracassar. Começamos a entender isso como uma repetição de Script da sua
experiência com seus pais egocêntricos.

Um padrão de Jogo surgiu entre nós em torno de declarações repetitivas com


atraso e faltas às sessões. Julia mantinha religiosamente, quatro ou cinco minutos de
atraso. Minhas tentativas de abordar estas questões foram claramente descartadas:
"Você está latindo para a árvore errada20." Havia sempre uma boa razão: o contador, o
carro ou o marido. Ela previsivelmente cancelaria uma ou duas sessões depois dos
meus afastamentos.

Através da conversa, ela finalmente reconheceu que esses padrões eram


incomumente consistentes, mas o significado nos escapava. Em um ponto ela disse, "O
que é bom para a gansa é bom para o ganso" 21, confirmando a minha sensação de que
uma dinâmica de “olho por olho” estava claramente em jogo.

Eu tinha uma sensação irritante de que não podia ver para onde íamos ou o
que estávamos fazendo, mas eu não mergulhava muito profundamente. Eu estava
vagamente consciente de que estava evitando um sentimento de Script distônico de

20
Expressão idiomática que quer dizer: Você está seguindo a pista errada! Como um cachorro que persegue a
pressa até a árvore errada, assim late para a árvore errada.
21
Expressão idiomática que quer dizer: que faz sentido para qualquer tipo de par: pato, galinha... etc
"não ver" ou saber. Eu também estava, sem dúvida, evitando toda a questão dos
cancelamentos das sessões, juntamente com a maneira um tanto intimidante da Julia.

Os eventos que trouxeram o Jogo a vista mais claramente começou com uma
sessão na qual Julia chegou um minuto mais cedo e quase se sentou, mas mais roçou a
borda de uma cadeira na minha sala de espera. Eu notei isso porque era muito
incomum. Havia uma sensação de que o trabalho estava quente até mesmo porque 191
estávamos nos aproximando das férias de verão.

Eu disse: "Você estava quase sentada e quase esperando por mim em vez de eu
esperar por você,... como se você estivesse quase pronta para estar aqui?" Ela disse:
"Quase me matei." Enquanto explorávamos isso, Julia lutou mais para encontrar
palavras: "Eu sei que estou lutando contra algo... algo dentro... Não sei o quê." Parecia
andar na ponta dos pés em torno de uma sensação perigosa. A sessão foi tensa,
próxima e terna. A sala estava muito quente. Na semana seguinte eu estava fora em
um workshop e previsivelmente, Julia cancelou a próxima sessão.

Sua primeira Transação, quando nos revimos foi, "Usei todas as minhas forças
para vir aqui hoje." Sua conversa começou a passar de uma coisa para outra, em
diferentes tópicos. Tentei procurar um fio e não vi nenhum. Senti como se a estivesse
seguindo enquanto ela se afastava cada vez mais. Sua conversa atravessou lugares,
períodos de tempo, e vários relacionamentos... o conteúdo passou através de meus
dedos como areia.

Eu disse: "Parece que você está distante hoje", e Julia imediatamente começou
a chorar. "Eu dou um passo para frente e dois passos para trás... Eu saio da minha
concha, em seguida, volto."

Eu me perguntava em voz alta se isso poderia ser relacionado às sessões


perdidas: "Quando falta uma semana, você perde as próximas duas sessões. Você
cancelou na semana passada e é como se você não estivesse muito aqui hoje." Ela
disse: "É difícil voltar... não faz sentido..."

Ela fez uma pausa e disse: "Nunca me senti tão vulnerável antes. Sou cheia de
blefe e bravura em todos os lugares, mas por cinquenta minutos aqui eu me sinto que
sou vista.”

Eu senti que algo importante estava acontecendo, mas eu ainda não podia ver
o que era. Neste ponto, o sentimento tornou-se preocupante. Examinei minhas notas
procurando pistas, mas essas tentativas conscientes de compreender levaram a becos
sem saída.
Em um momento de silêncio, o que saltou para mim foi a imagem de um “jack-
in-a-box”. Esta imagem evocou o rosto jovial que Julia mostrava ao mundo, sua
presença leve e divertida, e também molas enroladas, coisas escondidas e desejos
firmemente reprimidos. Lembrei-me de um comentário que Julia havia feito semanas
antes: "Eu vivi todos esses anos com um peso gigante em mim e eu quero viver. Não
suporto estar assim para o resto da minha vida, estou aterrorizada para onde isso
pode me levar.” 192

Enfrentei a próxima sessão com Julia, sem saber o que eu poderia dizer. Ela
começou dizendo que tinha assistido a um documentário sobre sexo, sabendo que eu
ficaria tão surpresa quanto ela. Quando o sexo surgiu no início do nosso trabalho, Julia
prontamente descartou como algo que precisava fazer ocasionalmente e em seguida
riscar, como um item em uma lista de supermercado. Desta vez, ela explorou suas
reações ao documentário com curiosidade cautelosa. Ela se perguntava sobre atração
por mulheres, "sair do armário" e homossexualidade. Ela principalmente se maravilhou
com o modo como ela eliminou sentimentos sexuais ao longo da vida. Apesar da
minha consciência de que Julia evitava o sexo, minha conclusão sobre o processo me
surpreendeu de repente. Talvez pela primeira vez, eu estivesse disponível para ouvir.

Na semana seguinte, Julia chegou antes do tempo. Percebi que suas mãos e pés
se moviam agitadamente, enquanto ela arriscava, "Eu acho que estou fora da caixa..."
e eu adivinhei, "Jack-in-the-box?" "Sim!", Ela exclamou, "aquela era a imagem em
minha mente."

Ela disse que a última sessão tinha "aberto um mundo de possibilidade" e ela
estava dormindo melhor. Ela descreveu, através das lágrimas, um processo de
abertura e fechamento ao sair de cada sessão. "Eu costumava fechar a porta e
esquecer... Eu desligava." Nas semanas que se seguiram, a relação de transferência
tornou-se viva, com todos os perigos inerentes ao desejo sexual e também a
visibilidade e a necessidade emocional. A vergonha e o terror que haviam conduzido
silenciosamente as declarações persistentes também foram revelados mais
plenamente.

Em uma ocasião, eu estava alguns minutos atrasada para começar uma sessão
e depois de 5 anos, nos quais eu esperava por Julia, ela esperou por mim. Perguntei
como se sentia e ela disse: "No passado, teria sido insuportável, eu teria me escondido
atrás de uma revista". Eu perguntei: "O que você estaria escondendo?" E suavemente
ela respondeu: "A parte de mim que precisa de alguém."

Julia começou a ver que me deixar esperando, era como a quantidade


inumerável de maneiras com as quais ela rejeitava seu marido, garantindo que esse
repulsivo assustador e necessitado sentimento permanecesse fora da mente e
seguramente alojado nos outros.
O jack-in-the-box22 tornou-se um símbolo compartilhado para tudo o que não
poderia ser falado anteriormente: desejos indizíveis, vulnerabilidades, anseios e
medos, que ficaram dormentes e enrolados dentro dela. Na ausência de palavras, ela
comunicou esses sentimentos através de decretos em torno de atrasos e sessões
perdidas. O jack-in-the-box, um símbolo não verbal no esquema de Bucci (2001),
formou uma ponte entre o domínio sub simbólico do afeto e da compreensão verbal.
Nossa conversa se tornou rica, relaxada, íntima e carregada de novos significados 193

sobre recuar e sair, ser visto e não visto, vivacidade e morte. A mudança no campo
intersubjetivo foi internalizada por Julia como uma capacidade crescente de pensar e
sentir: "No passado, esses sentimentos teriam me afastado... mas na verdade eu não
tenho que fazer nada... Eu posso pensar agora". Enquanto falávamos, percebi que
havia jogado a parte da criança invisível por anos, sentindo-me alijada da vida de Julia
quando ela faltava sessões ou se atrasava, mas eu também tinha me tornado o pai que
não via. Eu tinha sido deslumbrada pela aparência vivaz de Julia e havia uma parte de
mim mais do que disposta a ignorar o desejo sexual e carência. Nossos Scripts tinham
se reunido para criar um padrão de Jogo construído em conjunto. Estes eventos com
Julia ilustram como os Jogos podem ser compreendidos, tanto como repetições do
passado como portas para a experiência nova, particularmente Intimidade. A
promulgação comunicava as primeiras pistas a desejos indizíveis que nunca haviam
sido simbolizados em sentimentos, pensamentos ou palavras. A resolução exigia uma
mudança em mim, em voltar para, em vez de "fechar os olhos". O afrouxamento
mútuo das constrições de Script acabou por produzir profundas mudanças para ela.

Jill e Terry

Nossa supervisionanda (minha e de Charlotte) Jill, uma estagiária, descreveu seu


cliente Terry para mim. Ele estava com muita dor emocional desde a morte da esposa
e sua perda claramente desencadeou uma dor dos seus primeiros anos de vida. Eu
soube que sua mãe tinha morrido quando ele era um jovem adolescente e ele tinha
sido criado por gangues locais do bairro. De referências ocasionais a punições e à
violência do pai, Jill supôs uma vida à margem da sociedade e da lei. Frequentemente,
quando Terry parecia perto de sua angústia, ele educadamente perguntava se eles
poderiam parar naquele momento. Jill adquiriu o hábito de fazer uma xícara de café
para ele naquele ponto. Seu raciocínio manter Terry na sessão, contudo oferecendo-
lhe alguma pausa. Convidei Jill a fazer uma descrição de como se sentia ao atender
Terry, "Absolutamente bem", foi a resposta sanguínea de Jill. Eu pedi a ela que fizesse
um experimento na sessão seguinte, observando seus próprios sentimentos e talvez
perguntar a Terry se eles poderiam ficar um pouco com esses sentimentos. Jill
concordou em fazer isso. Ela também reconheceu seu próprio Script ao longo da vida
de afastar-se de sentimentos dolorosos.

22
Palhaço de molas preso em uma caixa; brinquedo de molas que surpreende quem o abrir; aqui é utilizado como
uma metáfora para algo escondido que, ao revelado, é surpreendente (NT)
Dirigindo-se para a sessão, mais tarde na semana, Jill refletiu sobre seu
"afastamento". Ela experimentou com olhar dentro de si mesma: como ela estava se
sentindo em relação à próxima sessão com Terry? Ela ficou assustada ao notar quão
ansiosa se sentia, e então, seguindo cuidadosamente seu próprio processo, disse a si
mesma, quase consciente: "Não pense nisso". Ela parou o carro e ficou pensando e
sentindo sobre Terry, ela mesma, e a ressonância inconfundível entre suas histórias.
Embora sua infância não tivesse as perdas terríveis nem a violência da vida de Terry, 194

ela lembrou a solidão desolada de ter uma mãe deprimida e ser intimidada como uma
nova garota na escola, depois que seus pais tiveram que mudar de distrito. Ela
percebeu que sua ação de sair do consultório para fazer café para eles quando Terry
ficava angustiado teve o propósito de permitir que ela "se mantivesse afastada" e
proteger-se, assim como ele, da sua dor. Sabendo disso, ela começou a se perguntar:
"Por que agora, com esse cliente?"

Jill ligou o carro novamente e "dirigiu pensativamente" para a sessão, sentindo


compaixão e disponibilidade. Preparou-se para abordar de um modo diferente o
momento em que Terry diria, como sempre: – Podemos parar agora? No entanto, ela
ficou surpresa quando, desta vez, ele começou a falar e compartilhar seus sentimentos
de solidão quase insuportáveis, ficando na sessão até o fim.

Neste exemplo, a ação da terapeuta estagiária é a primeira pista para a


declaração que exploramos na supervisão. Sua ação de deixar a sessão para fazer café
tem um significado simbólico, que ela não está ciente no momento. A dinâmica deste
Jogo é baseada em uma trama, "Não vamos falar sobre isso". Como Hine (1990)
sugeriu, uma mudança é geralmente puxada pelo lado com o menor limiar para tolerar
a tensão. Sem ela perceber, uma mudança do cliente ou terapeuta poderia ter
resultado na terapia, para continuar a metáfora, "paralisação".

É interessante que a revelação do terapeuta ocorre no momento em que ela


pára seu carro. Neste momento, ela não está mais "dirigindo para longe dos seus
sentimentos dolorosos" e nos perguntamos se a imagem encontrou seu caminho,
"espontâneo" (D. B. Stern, 2010) à linguagem e ao conhecimento verbal consciente
neste instante.

Jogos de terceiro grau

Os clientes propensos a Jogos de terceiro grau frequentemente têm nas origens


negligência e trauma severo. O pensamento concreto e uma fraca capacidade para o
funcionamento reflexivo podem ser parte do legado do rastro de um trauma (Fonagy,
Gergely, Jurist, & Target, 2002). Experiências traumáticas de dor esmagadora e
estresse intolerável combinados com a falta de espelhamento adequado de um
cuidador podem fazer com que a mente se fragmente.
A experiência que nunca foi pensada ou simbolizada permanece como bolsões de
experiências desreguladas e dissociadas (Schore, 2003). A parte narrativa do cérebro,
que fornece o sentido da cronologia, não funciona, de modo que passado e presente
se tornam um só (P. Ogden, Minton, & Pain, 2006). A experiência não integrada é,
então, repetidamente representada no presente, em vez de arquivada no passado,
proporcionando o reforço contínuo do rígido sistema de Script fechado (Stuthridge,
2006). 195

Nos Jogos de terceiro grau, tanto o terapeuta quanto o cliente devem suportar
repetidamente as partes da criança abusada ou do agressor, uma vez que esta
experiência, internalizada nos Estados do Ego Pai e Criança são reativadas. A
inconsistência entre esses aspectos do eu pode ser severa e a estabilidade psíquica
muitas vezes depende de manter um aspecto ou outro fora da mente.

A função de um Jogo de terceiro grau é livrar a mente de afeto que é


insuportável, impensável e indizível muitas vezes em um momento em que a ameaça
torna-se consciente. A troca de Transações Ulteriores estimula um afeto análogo na
outra pessoa.

No meio dessa interação, o terapeuta geralmente perde sua capacidade de


pensar ou refletir sobre sua experiência. Cornell (este volume, p.89) sugere que em um
Jogo de terceiro grau, cliente e terapeuta "vivem juntos o problema". O foco do
terapeuta no momento é muitas vezes simplesmente sobreviver ao Jogo. Depois que
sobreviveu e recuperou a capacidade de pensar, há uma oportunidade para
transformar a experiência sensorial em pensamentos simbólicos e auto narrativa
coerente. Trabalhar com a contratransferência de Jogos de terceiro grau geralmente
envolve uma tentativa de traduzir a experiência visceral ou somática em significado
simbólico. Nem o pensamento consciente, nem as associações e imagens são
disponíveis como nos Jogos de primeiro e segundo grau.

Dean

Dean era um ex membro de gangue, com uma longa história de violência contra
homens e mulheres. Eu (Jo) senti que ele tinha algum prazer em contar as histórias
espalhafatosas das suas façanhas para mim. Ele veio para a terapia porque sabia que
sua história de abuso severo tinha de alguma forma "fodido a sua vida" e ele queria
manter a custódia de sua filha. Durante os primeiros dois anos, ficou claro que ele
estava passando por ataques de pânico incapacitantes e períodos de dissociação grave,
nos quais ele se perdia por algum tempo, chegando a encontrar-se em posição fetal
debaixo de uma cama ou perigosamente perto de um aquecedor. Em fragmentos
quebrados, desprovido de sentimentos, ele revelou uma história horrível de abuso
sexual e negligência na infância. Ele tinha sido fomentado por uma mulher que o
torturou aplicando ferrão elétrico de gado nos seus genitais.
Ela também era a única figura adulta em sua vida que tinha demonstrado afeição e
cuidado com ele, criando um apego que era tanto necessário quanto temido.

Dean frequentemente enchia as sessões com histórias coloridas de conflitos


com a polícia, seus ex parceiros e companheiros de gangues. Estes acontecimentos
eram contados como se ele estivesse sempre certo e os outros estúpidos e
merecedores do seu desprezo. Ele me explicou suas várias teorias sobre a vida. 196
Qualquer resposta que eu dava, além de afirmar suas opiniões, era recepcionada com
um “Você não entendeu". Eu achava que ele estava certo, eu realmente não entendia
o que estava acontecendo entre nós, mas eu tinha me afeiçoado por ele e a sua
crescente confiança em mim fazia-me sentir preciosa. Havíamos desenvolvido
intimidade suficiente para um Jogo (Berne, 1964).

Este evento começou com Dean falando sobre uma interação com sua filha de
seis anos na noite anterior, quando ela a disciplinou severamente. Os detalhes eram
perturbadores de ouvir e ele me disse que não sentia nada enquanto ela chorava. Ele
era hipócrita e justificou sua abordagem dura, dizendo-me que ela merecia ser punida.
Eu ouvi na transferência um aviso.

Com cautela e com respeito, comecei a explorar o momento com ele e,


enquanto conversávamos, ele começou a sentir-se menos seguro sobre o que tinha
acontecido. Percebi uma abertura em suas defesas rígidas e aprofundei: "O que você
viu no rosto de sua filha?" As palavras de Dean diminuíram, tornou-se pensativo e,
muito gradualmente, emergiu um senso de empatia silencioso por sua filha,
transmitida por um abrandamento em sua voz e corpo.

Em seguida, numa rápida sucessão, Dean evocou uma memória de abuso da


sua própria infância, juntamente com sentimentos intensos. Ele percebeu, com
intuição doentia, que tinha assustado e humilhado sua filha. Sentimentos de vergonha
e terror infantil começaram a dominá-lo. Ficou ansioso e agitado, contorcendo-se na
beirada do assento. O suor apareceu em sua testa e seus olhos se dirigiram para a
porta. Eu estava agudamente consciente da crescente tensão na sala. Ele olhou para
cima furioso. Em uma rápida volta, e latiu para mim que era diferente com sua filha e
ela merecia ser punida. "Você não entende", repetidamente voz aumentando em
volume. Eu comecei sentir medo que a situação poderia ficar perigosamente fora de
controle. Dean pulou da sua cadeira, veio em minha direção de modo ameaçador, fez
uma pausa enquanto estava em cima de mim respirando fortemente, em seguida,
virou as costas abruptamente e saiu. Fiquei me sentindo seriamente abalada.

Dean não fez contato e levaram duas semanas para se recuperar


adequadamente para pensar sobre o que aconteceu e o que fazer depois. Inicialmente
senti que seu comportamento tinha sido “abusivo”, não o “uso” de um objeto em
termos de Winnicott (1968) e eu não tinha certeza se eu queria continuar.
A imagem da minha "exploração" só apareceu como eu me encontrei usando a
palavra para escrever notas, na tentativa de dar sentido à sessão. A palavra pulsava
com a eletricidade na página e as conexões entre o incidente e o passado de Dean
caíam repentinamente na minha mente. Eu percebi que o ele pôde ter sentido minha
“exploração” como uma violação: tão intrusiva e dolorosa como isso o conectava a
sentimentos intoleráveis. Nesse momento me tornei a terrível abusadora sexual; a
mulher confiável com ferrão elétrico de gado. Como os sentimentos de terror e 197

humilhação ameaçavam dominá-lo, ele alavancou uma mudança para evacuar o efeito
tóxico, evocando o terror em mim.

Decidi fazer-lhe uma breve nota dizendo primeiro que eu queria vê-lo
novamente e segundo lugar que ele parecia ficar preso comigo às vezes, ou assustado.
Ele voltou na próxima sessão e disse, “Agora você entendeu”. Ele me disse que essa
era a história da sua vida; conhecer o terror como criança, e como aterrorizar os
outros. Na sessão ele pôde ver como ele se movia rapidamente de um estado para
outro. Disse que partiu porque tinha medo de me machucar. O desdobramento da
história de Dean é claro, que foi mais complexo do que esse incidente revela;
entretanto, marcou um ponto em que nós começamos a criar significados
compartilhados. Ele estava capaz de simbolizar sua experiência comigo e vinculá-la ao
seu passado. Como Dean começou a conter estados de mente separados, como o
medo, ao invés de evocá-lo nos outros, as experiências dissociativas diminuíram. Ele
desenvolveu alguma habilidade de transformar o horror de sua infância em uma
história sobre a qual se pudesse pensar e lembrar ao invés de ser decretada no
presente.

Conclusão

Os Jogos são essencialmente cenas ou atos cruciais no drama que ocorrem no


teatro do consultório. Cada terapeuta e cliente chegam ao encontro terapêutico com
seu próprio elenco de personagens que então se envolvem uns com os outros para
realizar todos os grandes temas míticos: se apaixonar e desapaixonar, separar,
competir, destruir e divorciar, buscar reparação e descobrir gratidão. Esse
desempenho construído em conjunto é experimentado pelo cliente e pelo terapeuta
de acordo com sua própria personalidade, passado e Script.

Estamos sugerindo que, ao invés de visar o graal da neutralidade, o terapeuta


abrace sua personalidade única e use essa experiência para entender o cliente e
promover seu crescimento. Aceitar o seu próprio envolvimento é muitas vezes
fundamental para liberar os nós interpessoais ou Jogos que inevitavelmente surgem
em um processo de terapia. O próprio crescimento do terapeuta pode ser considerado
um bônus.
Esses nós no campo interpessoal podem ser repetições do passado ou pistas
para novas experiências emergentes. Ao desenredar o nó, surgem novas possibilidades
de relacionamentos vivos e nunca antes sentidos ou formulados. Os Jogos são uma das
formas mais importantes de dissolver padrões de Script restritivos e abrir novos
domínios de experiência.

Co-escrever este capítulo exigiu um esforço colaborativo para transformar 198


nossas experiências clínicas separadas em uma narrativa compartilhada, uma história
que faz sentido. Como acontece em uma terapia bem-sucedida, essa história evoluiu a
partir de relatos concretos de diversos eventos, que muitas vezes nos confundiram, em
uma narrativa cada vez mais abstrata e coerente. Este processo criativo ecoa a
transformação que é possível em um relacionamento de terapia de trabalho. Os Jogos
são primeiramente decretados na fase de terapia e depois transformados pelo casal de
terapia–como experiências são lançadas para frente e para trás entre duas mentes–em
pensamentos simbólicos e uma história passível de ser falada. Esse processo
intersubjetivo pode então ser internalizado pelo cliente, aumentando sua capacidade
de fazer histórias dos materiais ásperos da vida.

Tradução: Maku de Almeida, Membro Didata em Formação, área organizacional


Revisão: Ede Lanir Ferreira Paiva, Membro Didata, área clínica e
Marilia Pereira membro Didata em Formação, área clínica
UNAT BRASIl – maio/2017
CAPÍTULO 10
ANÁLISE TRANSACIONAL NA PSICOTERAPIA DE TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE23

Moniek Thunnissen

INTRODUÇÃO
Um dos objetivos de Eric Berne em psicoterapia era curar os pacientes em 199

vez de fazê-los apenas conseguir progressos (Berne,1972). Este ideal é posto em


prática desde 1978 em um programa de AT de internação de curta duração em De
Viersprong, Instituto Holandês de Transtornos da Personalidade (Thunnissen, 2010).
Para ilustrar como o programa de curto prazo AT De Viersprong é estruturado, vou
referenciar neste artigo um estudo de caso de Robin, uma mulher de trinta anos de
idade, para quem o tratamento foi bastante eficaz.

Nossa visão sobre os transtornos de personalidade

Em nossa visão, os distúrbios de personalidade se desenvolvem a partir da


interação entre os fatores genéticos e temperamentais inatos, a influência da família
de origem e as primeiras experiências de vida e o que pensamos como boa ou má
sorte: eventos externos fora do controle do indivíduo. No DSM-5 (APA, 2013, pp. 646-
649), o transtorno de personalidade é caracterizado por padrões de comportamento
inadaptados de cognição e experiência interna, exibido em muitos contextos e
desviando-se marcadamente daqueles aceitos pela cultura do indivíduo. Esses padrões
se desenvolvem precocemente, são inflexíveis e estão associados a sofrimento ou
incapacidade significativa.
Na Análise Transacional, um transtorno de personalidade é caracterizado por
um Script com mensagens autodestrutivas que influenciam o funcionamento do adulto
integrado com conseqüências negativas para o trabalho e relacionamentos
(Thunnissen, 2015). Erskine (2009) focou na influência do vínculo nos distúrbios de
personalidade e distingue entre um estilo pessoal, que pode se desenvolver em um
padrão e, finalmente, talvez em uma desordem.O estilo de apego refere-se ao modo
geral como alguém experimenta o apego baseado em experiências da primeira
infância e como isso pode afetar a maneira como a pessoa está no mundo. Um padrão
de apego refere-se a um nível mais problemático de funcionamento nas relações com
os outros.
Um distúrbio de apego refere-se à dependência contínua dos modelos
disfuncionais da primeira infância e de um método arcaico de lidar com interrupções
relacionais.

23
Transactional Analysis in Contemporary Psychotherapy, editado por Richard Erskine, Karnac , London
(UK), 2016. P. 209 a 227 no original.
Em um transtorno de personalidade, muitas vezes vemos uma prevalência de
Injunções destrutivas desenvolvidas em idade precoce, o que levou a um Script de
convicções. Como Erskine (2010b) escreveu, "Os Scripts de vida são o resultado dos
fracassos acumulados em relacionamentos significativos, dependentes" (p.1). Em
relação aos transtornos de personalidade, podemos dizer que as pessoas com um
transtorno de personalidade são muitas vezes aprisionadas em formas de pensar,
sentir e agir que levam à dificuldades nos relacionamentos com os outros. Sem 200

perceber, eles são freqüentemente sentidos pelos outros como manipuladores,


agressivos ou difíceis (Thunnissen, 2009).
A seqüência articulada por Erskine como indo de estilo para padrão de
desordem também é descrito, mas de uma forma um pouco diferente por Hellinga
(2004). Ele se concentrou no papel dos mecanismos inconscientes na comunicação
com os outros e os descreveu em termos de graus de prognósticos de auto-satisfação.
 Primeiro grau: Seleção. Isso é algo que todos fazem diante da sobrecarga de
estímulos do mundo exterior. Selecionamos estímulos que se encaixam no
nosso Quadro de Referência e ignoramos o que não funciona. Isso pode ser
conectado a um estilo de fixação.
 Segundo grau: Interpretação. Interpretamos nossas experiências de acordo
com nosso Quadro de Referências. Por exemplo, quando alguém que
consideramos como egoísta e egocêntrico faz algo de bom, nosso primeiro
pensamento pode ser: "o que ele quer de mim?" Nossas interpretações
revelam nossa posição de vida: construtivas, inferiores, superiores ou
desesperançados. Isso pode ser relacionado a um padrão de apego.
 Terceiro grau: Manipulação: Quando a seleção e a interpretação são
insuficientes, usamos a manipulação. Isso pode ser relacionado a um distúrbio
de apego. Inconscientemente, podemos mostrar uma sequência previsível de
interações que aprendemos em uma idade jovem, e, em última instância,
recebemos o nosso desfecho familiar psicológico. Por exemplo, uma mulher
com uma boa dose de experiências de abuso, negligência e abandono encontra
um homem que realmente a ama. Ela mal pode acreditar e espera
constantemente que ele vai deixá-la. Contudo, ele permanece confiável e
amoroso. Ela falha em manter-se aos seus compromissos, começa a desafiá-lo
sem estar consciente disso é injusta em suas interações e finalmente faz sexo
com seu melhor amigo. Quando ele rompe o relacionamento, ela reclama, "Eu
sabia, os homens não são confiáveis e eu não mereço um relacionamento
estável”.

Todo mundo cria seu próprio "cartão SIM" de seleção, interpretação e


manipulação, ou seja, profecias autorrealizáveis, pelas quais cada um de nós navega
pelo mundo. Este cartão SIM nos ajuda a reconfirmar nossas convicções sobre nós
mesmos, os outros e o mundo.
Porque muitas vezes somos cegos ao nosso próprio quadro de referência, mas de
olhos atentos sobre as desvantagens de outros quadros de referência, a psicoterapia
de grupo é eminentemente adequada para descobrir os cartões SIM uns dos outros e
apontar com a interpretação, a manipulação que existe como um trabalho de
preservar um quadro de referência defeituoso.

201
Experiência
na família
de origem

Boa ou má
Influências
sorte
Genéticas
A "destino"

pessoa
total
Temperamento
Extroversão/Introversão
Estabilidade Emocional Outros
eventos da
Amabilidade vida
Consciência
Abertura à experiência

Figura 1 – Influências Da Personalidade Em Desenvolvimento.

O Programa de Internação de Três Meses


Escolhemos a Análise Transacional como o método fundamental, para o
programa de curto prazo de três meses, e nas seções a seguir vou explicar as razões
para isso. Um programa de curto prazo para pacientes com problemas graves de
personalidade precisa atender a certos padrões para ser eficaz. Primeiro, o programa
deve ser coerente e bem pensado. Os terapeutas e os pacientes devem ter um
objetivo claro e uma ideia de como eles podem cooperar para alcançá-lo, e o pessoal -
que no nosso centro incluiu psicoterapeuta, psiquiatra, arteterapeuta e enfermeira
(que eram chamadas de socioterapeutas) os mesmos devem ser bem informados e
trabalhar em estreita colaboração para que os diferentes elementos do programa
reforcem-se mutuamente. É essencial ter tempo para que o pessoal possa sintonizar
e refletir sobre o que acontece no grupo de pacientes e qualquer processo paralelo
entre eles e os pacientes. Porque os transtornos da personalidade envolvem padrões
de longa data, muitas vezes rígidos que mostram sua utilidade no passado (razão pela
qual também chamamos de decisões de sobrevivência), muitas vezes é difícil para os
pacientes deixar de lado seus estilos familiares de comportamento, pensamento e
sentimento.
O programa de terapia pode estimular este processo quando ele oferece
estrutura, exploração e clareza. Outra vantagem de um ambiente de internamento é
que a regressão temporária pode ser tolerada. Os pacientes podem funcionar por um
tempo em um nível mais primitivo, no qual as experiências corretivas são possíveis
(para mais sobre a psicoterapia da regressão temporária, ver Richard Erskine e capítulo
de Amaia Mauriz-Etxabe´s capítulo neste livro). Uma vez que os distúrbios de
personalidade se desenvolvem nas relações com os pais e outras pessoas significativas, 202

trabalhar com e na relação terapêutica e oferecer experiências corretivas é essencial


na abordagem terapêutica dos transtornos de personalidade. Chamamos isso de
"ambiente reconstrutivo" da psicoterapia para internação (Janzing & Kerstens, 2012;
Thunnissen, 2001; 2015).
Todo o ambiente do programa psicoterapêutico tem como objetivo descobrir
as ligações entre passado e presente e alterar padrões disfuncionais. Isso significa que
trabalhar com a transferência é significativo: todo o corpo docente e o instituto como
um todo começam a desempenhar um papel no processo de transferência-
contratransferência com cada paciente. Os pacientes repetem seus modos familiares
de comportamento, sentimento e pensamento em suas interações aqui-e-agora com o
pessoal e outros pacientes (ver capítulo de Ray Little´s neste livro). Lidar com esse
processo pode ser um desafio. Os membros da equipe precisam demonstrar suficiente
coerência em seus comportamentos para que se tornem objetos de transferência
confiáveis e estáveis e mostrem que, com eles, o processo de divisão e projeção não
prevalecerá. Por outro lado, é necessário deixar que a transferência se desenvolva até
certo ponto para que os padrões dos pacientes se tornem claros tanto para eles
quanto para o pessoal, e então as mudanças podem ser feitas. Uma vantagem de uma
equipe heterogênea é que os pacientes têm uma escolha em seus objetos de
transferência: alguém pode, por exemplo, não se sentir à vontade com um
psicoterapeuta, mas encontrar um confidente em uma enfermeira.

Programas de Terapia
Para construir e manter o ambiente coerente e reflexivo, a equipe se reúne
duas vezes ao dia para discutir o progresso de cada paciente em várias terapias. Às
vezes, os pacientes experimentam a equipe como mães ou pais conhecedores de tudo.
Por exemplo, quando os pacientes discutem alguma coisa no início da manhã na
psicoterapia de grupo, o terapeuta na terapia de movimento após a pausa do café já
têm conhecimento. No início, isso às vezes cria desconfiança e medo nos pacientes,
mas depois de algumas semanas, geralmente se transforma em um sentimento de ser
contido por um grupo de pessoas benevolentes que se esforçam para o mesmo
objetivo, que é para que os pacientes se sintam melhores e tenham mais realizações
na vida. Basicamente, o programa consiste em três terapias diárias: psicoterapia de
grupo, uma das terapias não verbais (arte, movimento, fantoche, terapia ou arco e
flecha) e socioterapia.
Na terapia do fantoche, os pacientes criam seus próprios fantoches de pano
(frequentemente pedaços de panos que trazem de casa, como o material de um
vestido velho ou de uma camisola).
Para alguns homens, é a primeira vez que eles lidam com uma agulha e linha, e
muitas vezes se sentem estranhos e vulneráveis (eles também podem usar cola ou
grampos). Gradualmente a maioria dos pacientes encontra prazer no processo e pode
criar fantoches bastante elaborados: um dragão, um pássaro, e muitas vezes o menino 203

ou menina que eles eram ou queriam ser. Durante o jogo de bonecos, eles começam a
experimentar em um teatro de bonecos real, muitas vezes tímidos e ansiosos no início,
mas gradualmente se tornam mais ousados.
Os fantoches frequentemente já formularam redecisões dos pacientes, e
através deles os pacientes podem experimentar-se com novos comportamentos muito
antes deles estarem prontos para se engajar em tal comportamento próprio. Em arco e
flecha, os pacientes atiram em um objetivo cerca de vinte e cinco metros de distância.
Para a maioria das pessoas é a primeira vez que eles fazem algo que necessite de uma
postura orgulhosa e firme. Isso é muitas vezes difícil para as mulheres que tentam
esconder seus seios ou para os homens que se sentem inseguros ou com falta de
autoestima. Nas primeiras semanas, eles muitas vezes conseguem atirar apenas alguns
metros, e a flecha atinge o chão com uma miserável pequena curva. Ao fim de três
meses, muitas vezes estão de pé com orgulho e gritando um triunfante "Sim!"
quando atingem o alvo.
Na socioterapia os pacientes discutem seus deveres domésticos e como
vivenciam estarem juntos na casa onde ficam durante o programa de tratamento.
Deveres como compras e culinária são divididos, assim companheiros de casa tem que
decidir quem está fazendo as compras, o que eles vão cozinhar, como e o que fazer
com o orçamento. Alguns pacientes têm pouca experiência em tarefas domésticas ou
em cozinhar e esperam até que eles sejam servidos ou até a irritação de outros
membros da casa empurra-los para a cozinha.
Outros reflexivamente assumem todo o trabalho doméstico para si até que eles
são confrontados por membros do grupo ou da equipe sobre o seu comportamento
salvador. Além disso, dois ou três companheiros de casa compartilham um quarto, que
pode ser um choque para os pacientes mais evasivos. Isso também pode resultar em
experiências corretivas, como falar sobre produtos de cuidados com o corpo e
maquiagem, tampões e contracepção, e experimentam roupas umas das outras ou
fazem compras em uma tarde livre. Com os sócio-terapeutas, os pacientes tem uma
reunião diária de quarenta e cinco minutos durante a qual discutem o progresso que
fizeram em relação aos seus contratos terapêuticos. O contrato terapêutico é um dos
elementos da Análise Transacional que é essencial no programa.
ANÁLISE TRANSACIONAL COMO UM MODELO TERAPÊUTICO
Quando o programa de três meses de internação descrito aqui foi
desenvolvido, a Análise Transacional foi escolhida como o método terapêutico.
Semelhante ao desenvolvimento de Eric Berne na passagem da psicanálise à Análise
Transacional, os fundadores do nosso programa queriam um modelo com terapeuta
ativo, interpessoal e não apenas intrapsíquico e no qual os pacientes estivessem
envolvidos como participantes ativos no seu tratamento. Encontramos todos estes 204

pré-requisitos no modelo de Análise Transacional. Por exemplo, a linguagem da


Análise Transacional facilitou a participação do paciente. Cada paciente foi introduzido
aos princípios básicos da Análise Transacional, incluindo Carícias e Fomes, Estados do
Ego, Transações, Jogos e Script, as posições de vida e os padrões repetitivos de pulsões
e Injunções.
Todos os terapeutas do programa usaram a linguagem da AT para explicar
certos eventos de grupo ou dinâmicas intrapsíquicas. Os pacientes aprenderam a usar
a linguagem de Análise Transacional como uma ferramenta para entender o
comportamento próprio e de outros e para efetivar mudanças. Durante a primeira
semana de tratamento, cada paciente fez um contrato terapêutico sobre o que ele ou
ela queira mudar. Muitas vezes, a primeira frase do contrato formulava o
comportamento antigo que a pessoa queria parar, e a segunda frase um
comportamento alternativo com mais liberdade de escolha.
Dentro da Análise Transacional, escolhemos o modelo de redecisão
desenvolvido por Robert e Mary Goulding (1978, 1979) como modelo de mudança
terapêutica. Na terapia de redecisão, conceitos da Análise Transacional e técnicas da
abordagem da Gestalt são combinados em um modelo terapêutico eficaz. A ideia
central do modelo de redecisão é que as crianças tomem as decisões no início de suas
vidas para obter Carícias de seus pais e sobreviver em circunstâncias adversas. Essas
decisões representam a melhor tentativa da criança de lidar com os principais temas
de sua família e encontrar uma resposta às perguntas: "Quem sou eu, quem são os
outros e o que estou fazendo aqui neste mundo?" Os Goulding’s argumentaram que as
pessoas são capazes de tomar uma decisão diferente a qualquer momento em suas
vidas, uma que vai n contramão da decisão precoce original.
A decisão da criança baseia-se nas primeiras mensagens dos pais, que os
Goulding’s resumem numa lista de Injunções, como "Não seja", "Não seja
importante", "Não tenha sucesso", "Não se aproxime", "Não seja criança", "Não
cresça", "Não seja sadio", "Não pertença" e "Não sinta, pense ou faça" (para mais
detalhes Ver capítulo de John McNeel neste livro). Essas mensagens são dadas pelo
Estado de Ego Criança, infeliz, decepcionado, zangado, com medo, ciúmes,
traumatizado ou necessitado de pais que também tentam sobreviver em um mundo
muitas vezes difícil e confuso. Embora as Injunções possam ser poderosas, a
criança sempre tem a opção de aceitar, mudar ou rejeitar a mensagem e, nesse
processo, fantasia, inventa e interpreta mal.
Por exemplo, quando seu pai morre, uma criança pode acreditar que ele
magicamente causou a morte e pode decidir nunca mais estar perto de ninguém. As
Injunções são complementadas por compulsores do Estado do Ego Pai do pai. Os
compulsores - como "Seja forte", "seja Agradável", "Seja Perfeito", "Apresse-se" e
"Seja Esforçado" (Kahler e Capers, 1974) - são restritivos e se cumpridos impedem o
crescimento e flexibilidade. Eles muitas vezes se desenvolvem em comandos rígidos:
nunca mostrar suas emoções, nunca pedir o que você precisa, sempre procure 205

arduamente a perfeição, apresse-se até cair morto, e assumir todas as tarefas sem
nunca dizer não. Juntas, estas Injunções precoces e Contra injunções, que muitas vezes
as pessoas desconhecem, podem impedir de viver uma vida feliz e gratificante. A
linguagem simples e clara do modelo de redecisão muitas vezes é um verdadeiro
"ABRIDOR DE OLHOS" para os pacientes. Eles reconhecem como eles se restringiram
em seu curso de vida e ficaram presos em padrões rígidos.
Formulando seu contrato muitas vezes é a primeira experiência,
profundamente emocionante de como a vida pode ser diferente. Isto é
frequentemente seguido por uma luta entre o desejo de mudar e a pressão interna das
antigas mensagens de Script. Nas terapias verbais e não verbais e experiências com
outros membros do grupo durante o tempo não estruturado na casa, os pacientes
muitas vezes descobrem pontos cegos desconhecidos em seus comportamentos,
pensamento e sentimento. Por exemplo, alguém que se experimenta como uma
pessoa silenciosa e cooperativa com muita energia de Criança Adaptada pode achar
bastante chocante confrontar quando os membros do grupo comentam sobre o Pai
Crítico interno severo que eles veem através dela. A descoberta de que cada Jogo tem
pelo menos dois jogadores pode ser dolorosa (Thunnissen, 2001).
Pacientes queixam-se de seu pai desinteressado, mas depois devem enfrentar
seu próprio comportamento de adaptação, resgate, rebeldia ou destrutivo. Perdoar os
outros e a si mesmos, e assumir a responsabilidade, é muitas vezes o processo
principal da segunda metade do tratamento.

A PRIMEIRA ENTREVISTA COM ROBIN


Durante a primeira entrevista, Robin imediatamente começou com um número
de histórias horríveis de seu passado. Ela abusou do álcool desde jovem (seus pais e
muitos outros membros da família eram alcoólatras). Ela fora abusada sexualmente
por seu tio materno desde a infância até a idade adulta. Ela estava convencida de que
seus pais sabiam do abuso, e o encorajaram. Ela fugiu para a Espanha, retornando à
Holanda um ano antes da entrevista. Através de um conhecido, um ministro da igreja,
ela obteve uma concessão de sua igreja que lhe permitiu ir à escola e viver em uma
casa com outros alunos. Ela escolheu o programa de tratamento a curto prazo (três
meses) para que ela não perdesse o subsídio da igreja, sua chance de estudar e seu
lugar na casa do estudante.
Na primeira entrevista, eu vi uma jovem desleixada com um emaranhado de
cabelo escuro atrás do qual ela muitas vezes se escondia; Seu suéter, jeans e tênis a
faziam parecer um pouco infantil. Seu comportamento era rígido, embora eu pudesse
ver e sentir suas emoções sob a superfície. A modesta maneira em que ela descreveu
sua história traumática evocou minha empatia. De seus afetos, a ansiedade era a mais
proeminente, provavelmente para cobrir fortes sentimentos subjacentes de raiva,
tristeza e desespero. 206

Já em nossa primeira reunião o diagnóstico de transtorno de personalidade


borderline estava surgindo. Era claro que ela tinha muitos objetos ruins no seu mundo
interior, especialmente seu pai, sua mãe e seu tio. Havia também bons objetos,
especialmente seu avô e o ministro que a acolheram. Embora a equipe do programa
de curto prazo pensasse que um tratamento mais longo seria melhor, decidimos
aceitá-la no tratamento de internação de três meses seguido de pós-tratamento.
Apesar do trauma severo que ela sofreu e da patologia que ela manifestou, nós
vimos um número de fatores positivos também. Ela mostrou mentalidade psicológica e
autopercepção e era inteligente, honesta, atenciosa e cheia de ideias. Ela foi capaz de
se relacionar com pessoas honestas e bem intencionadas como o ministro da igreja.
Ela demonstrou humor e perseverança, bem como um grande desejo de mudar sua
vida. Seu poder de sobreviver e viver, era forte.

DIAGNÓSTICO E CONTRATO DE ROBIN


Robin cresceu em um ambiente caótico, cheio de abuso de álcool e violência. O
único relacionamento positivo que teve quando era jovem era com seu avô, um
relacionamento que ela parecia repetir com o ministro de oitenta anos que a protegia
e ajudou a financiar seus estudos. Sua ansiedade era predominante, sob a qual a raiva,
o desespero, e uma tristeza profunda foram escondidos. No entanto, também vimos
um poderoso caminho para viver. Sua desconfiança, compreensível devido ao
comportamento imprevisível de seus pais e ao fracasso em protegê-la do assédio
sexual e do abuso sexual de seu tio, claramente a influenciou em relacionamentos
íntimos.
Reconhecemos pelo menos seis sintomas de transtorno de personalidade
limítrofe descritos no DSM-5 (APA, 2013): instabilidade impulsiva, afetiva, raiva intensa
inapropriada, ameaças suicidas recorrentes, distúrbios de identidade marcados e
persistentes e sentimentos crônicos de vazio e tédio. Nas interações com pacientes
limítrofes, muitas vezes vemos mecanismos de defesa primitivos, como divisão,
projeção e identificação projetiva. A divisão (também chamada pensamento preto e
branco ou pensamento de tudo ou nada) envolve uma falha no pensamento de uma
pessoa para reunir as qualidades positivas e negativas do eu e dos outros em um todo
coesivo e realista. Na identificação projetiva, a pessoa inconscientemente nega certos
sentimentos no eu e os prende em outros que, também inconscientemente, se
identificam com os sentimentos projetados.
Com um número tão esmagador de sintomas, é difícil encontrar um início no
tratamento. O desespero que o paciente sente pode facilmente infectar o
psicoterapeuta e levar ao niilismo terapêutico. Em um tratamento focalizado, como o
nosso programa de três meses, é importante escolher esse foco para que o poder de
cura do tratamento se espalhe da área focal em outras partes da personalidade do
indivíduo. Esse é o desafio ao fazer o contrato de tratamento com esses pacientes: o
que escolhemos como foco de tratamento para que os meses sejam tão eficazes 207

quanto possível para o paciente?


Robin começou no grupo de terapia com uma história detalhada de seu
passado enquanto não mostrava sentimentos. Os membros do grupo sentiram-se cada
vez mais oprimidos e sufocados enquanto falava. Eles começaram a sentir todos os
sentimentos que a própria Robin estava tentando evitar (por exemplo, raiva, tristeza,
desespero, etc.), um exemplo de identificação projetiva.
Para tornar esse processo consciente, perguntei a Robin o que ela estava
sentindo. "Nada", foi sua resposta honesta. Ela estava verdadeiramente espantada ao
saber quantos sentimentos ela provocou em outros membros do grupo. Gostaria de
saber se ela estava muito assustada no ponto de fazer um contrato terapêutico. Robin
reconheceu seu medo, mas reconheceu que o entorpecimento ou não sentimento em
tudo era um mecanismo que ela usou para se defender contra os esmagadores
sentimentos negativos. Eu propus que ela demorasse mais alguns dias para explorar
seus sentimentos e para se perguntar o que eram e o que ela queria. Robin concordou
e ficou chocada com o que descobriu. Sua primeira reação em muitas situações foi
muitas vezes, "Eu não me importo, o que você quer?". O mecanismo de
entorpecimento e adaptação eram tão fortes, que ela nem sequer estava lá. E quando
ela tomou tempo para sintonizar-se com suas próprias necessidades e sentimentos, ela
estava apavorada com a violência de seu desespero, raiva e profunda tristeza. Na
próxima sessão de grupo, Robin começou com sua história sobre os dias anteriores e o
que ela tinha descoberto sobre si mesma. No entanto, no mesmo dia, um paciente
havia abandonado o grupo e essa era a prioridade para o grupo naquele dia. Robin não
reconheceu isso e sem fazer um contato efetivo com o grupo, ela continuou com sua
história. Eu decidi fazer um confronto não verbal: eu virei minha cadeira de costas para
Robin, dessa forma imitando seu comportamento de não ouvir o que estava
acontecendo no grupo. Robin parou por alguns segundos, então, escondendo seu
choque e raiva, continuou falando. Nesse ponto, outros membros do grupo
intervieram: ficaram espantados com o comportamento estoico de Robin. Em
contraste, sempre que eu virava as costas para um deles enquanto conversavam,
sentiram-se zangados, excluídos e envergonhados. Então Robin sussurrou com uma
voz pequena e fina: - Eu só sei lutar. Seguiu-se um profundo silêncio.
Então seu contrato tornou-se claro: "Vou parar de lutar, vou me mostrar e você
pode me tocar." Este contrato centrou-se em sua contra injunção mais proeminente
("Seja forte") e deu-lhe permissão para ser e sentir (suas Injunções mais importantes) e
entrar em contato com os outros (visando a injunção "Não pertença").

Contratransferência precoce ao trabalhar com Robin


Um aspecto essencial de Robin foi o desenvolvimento de sua transferência para 208

mim como psiquiatra / psicoterapeuta de grupo, para uma socioterapeuta feminina e


para o instituto como um todo, incluindo os edifícios, o grupo e o programa. A ordem
mais importante de Robin era "Não ser". Quando esta injunção está em vigor, a
maioria das outras Injunções dela decorre, portanto, é um processo gradual com
diferentes etapas durante as quais o desenvolvimento da transferência, a proteção
oferecida pelo ambiente de internação e o sentimento de pertencer a um grupo são
essenciais.
No caso de Robin, algumas semanas após o início do tratamento, tive uma
semana de férias. Na primeira sessão de grupo depois dessa pausa, Robin passou uma
hora contando uma história sobre o horrível abuso sexual de seu tio, sua infância sem
amor como uma criança indesejada e o abuso de álcool e violência de seu pai. O grupo
reagiu com ansiedade, horror e comportamento de socorrista. Registrei fortes
sentimentos de contratransferência: para minha surpresa, quase não sentia compaixão
por Robin, mas sentia nojo por causa de todas as experiências terríveis. Eu também me
senti excluído porque Robin começou deixar escapar suas histórias sem fazer qualquer
contato comigo depois de não ter me visto por uma semana. Perguntei-me qual era a
mensagem de seus comportamentos e decidi cortar as histórias para perguntar, "O
que você quer me dizer, agora?".
Robin parou claramente assustada e depois estourou a raiva. Ela disse que ela
se sentiu totalmente deserta por mim quando eu ousava sair em feriado, apenas
quando ela estava começando a confiar na equipe e no grupo. Nos dias antes de minha
volta, ela tinha pesadelos sobre matar outros ou ser morta e sentia desespero por seu
tratamento, sentindo que não levaria a nada. Ela gritou, bateu os pés e balançou os
braços, uma bola de fogo de raiva. Eu continuei olhando para Robin e senti-me
amolecendo e lágrimas brotando em meus olhos. Quando ela finalmente parou de
gritar para recuperar o fôlego, eu chamei suavemente por ela. Robin me olhou nos
olhos e começou a chorar. Pedi que ela se aproximasse de mim e nos sentássemos no
chão, Robin nos meus braços soluçando como uma criança pequena. O grupo foi
silencioso e respeitoso.

Desenvolvendo contra transferência ao trabalhar com Robin


Algumas semanas mais tarde, Robin novamente queria trazer algo para o
grupo. Eu interrompi-a porque outro membro do grupo começou uma história no
mesmo momento.
Robin não teve outra chance naquela manhã porque os outros pediram
atenção e ela não voltou a falar sobre o assunto. Antes que a sessão terminasse, eu
perguntei como ela estava se sentindo, e Robin disse que ela sentia que os outros
membros do grupo eram mais importantes do que ela. Ela negou que sua frequente
tosse alta durante a sessão representou qualquer outro significado além de que ela
tinha um resfriado.
Mais tarde naquele dia, na sala de estar, uma socioterapeuta mais velha que 209

também era um importante objeto de transferência para Robin, perguntou o que


aconteceu na sessão de grupo. No início, Robin negou qualquer sentimento de raiva e
mágoa, mas quando a sócio terapeuta olhou perplexa e inquirida, ela admitiu que
atenção era o que ela queria. Em vez de recuar para sua familiar posição de ser forte
(eu não me importo, é claro que outros vão primeiro, eu não preciso de ninguém), ela
podia sentir seu desejo, sua necessidade de conexão e sua decepção e tristeza quando
ela não teve suas necessidades satisfeitas. A sócio terapeuta acariciou essa percepção,
bem como a habilidade de Robin de conter seus sentimentos em vez de atuá-los ou
projetá-los para os outros.
Esse padrão, de ter pensamentos destrutivos no momento em que Robin
entrou em contato com suas necessidades e sentimentos, repetiu várias vezes nas
próximas semanas. No início, ela não foi capaz de usar seu Adulto para entender e
analisar ou seu Pai Nutritivo para tolerar os sentimentos complexos; Em vez disso, ela
estava apenas sobrecarregada por seus sentimentos. Gradualmente, no entanto, ela
foi capaz de tolerar e até mesmo expressar o sentimento de que ela tinha tido muito
medo.
Na última sessão de grupo antes do intervalo, discutimos como cada membro
do grupo estava se sentindo. Robin foi afastada e não participou do grupo. Nos últimos
cinco minutos da sessão, elogiei-a pelo seu comportamento. Ela olhou para mim
desconfiada, mas um pouco curiosa. Eu expliquei que eu vi seu comportamento como
um sinal positivo: membros do grupo tornaram-se importante para ela e ela não
poderia perdê-los. Ela ficou surpresa com essa explicação e ainda um pouco
desconfiada.
Durante a semana entre os dois períodos de tratamento, Robin sentiu sozinha
em sua casa. Ela se sentia inclinada a recair em comportamentos velhos e
autodestrutivos, mas decidiu fazer algo novo: telefonou-me para uma consulta. Ela
ficou surpresa e conseguiu não beber ou se machucar durante aquela semana. No
entanto, ela estava feliz quando a semana havia acabado e ela poderia voltar a De
Viersprong.
Trabalho de Robin em psicoterapia de grupo
Ser parte de um grupo saudável foi uma experiência totalmente nova para
Robin. Ela nunca conheceu o aconchego de uma casa, a experiência de escuta atenta
por e para os outros (em sua família, gritar e desconsiderar era cultura), o prazer de
cozinhar refeições juntos e o compartilhamento de intimidades com irmãs ou amigas.
A princípio, suspeitava de qualquer pessoa que fosse amigável com ela, como um
animal assustado em gaiola. Ela lutava para saber se ela estava dentro ou fora: "Eu sou 210

parte deste grupo ou, em vez disso, quero fazer parte desse grupo? Eu quero me
envolver, me apegar e deixar-me conhecer pelos outros?”.
Em um ponto, a atmosfera no grupo tinha sido tensa por alguns dias. Muitas
carícias negativas foram trocadas, e os membros do grupo entrincheiraram-se atrás de
muros de cortesia cautelosa, sem qualquer intimidade. Durante uma sessão de grupo,
eu expus o tema da atmosfera do grupo, e alguns membros trocaram carícias positivas.
No entanto, assim como as coisas estavam se tornando mais tranquila e mais
amigável, Robin trouxe um incidente irritante entre ela e outro membro do grupo um
dia antes. Imediatamente a velha atmosfera gelada estava de volta.
Eu me perguntava por que Robin se referia a esse incidente naquele momento,
e imediatamente ela disse: "Eu desisto". Perguntado sobre o que ela queria dizer,
Robin disse que entendeu a destruição de seu comportamento e queria pará-lo. Eu
senti que poderia haver outra camada de significado em seu comentário e perguntei se
a nível psicológico ela poderia estar sugerindo que ela estava pensando em parar o
tratamento. Robin riu, ambos presos e aliviados. Ela reconheceu que parte dela queria
fugir quando isto ficou tenso e íntimo.
Lentamente Robin afrouxou um pouco e fez tentativas desajeitadas para se
conectar com os outros. É claro, ela facilmente caiu de volta em seu antigo padrão de
desconfiança de outros e rapidamente sentiu-se atacada por perguntas de outros, que
ela experimentou como intrusões ou críticas. Ela muitas vezes escolheu a cadeira ao
meu lado em grupo e observou atentamente o que todos fizeram durante as sessões.
Na segunda metade do tratamento, Robin começou a competir com os
membros do grupo de uma base mais segura. Ela discutiu durante as refeições sobre
porções de alimentos, às vezes fugiu com raiva e bateu a porta. Ela se comportava
como uma adolescente, testando fronteiras com seu comportamento rebelde. No
entanto, parecia saudável e vital e muito diferente da posição isolada que ela tomou
no início. Desenvolveu-se em um membro importante do grupo para outros, muitas
vezes apoiando-se quando outros faziam o trabalho individual no grupo e ativa quando
um tema geral do grupo foi discutido.
No final do tratamento, Robin disse, com algum constrangimento, que algumas
vezes quando sentiu medo durante a noite, ela tinha movido sua cama mais perto da
cama de outro membro do grupo feminino. Ambos estavam com medo que o pessoal
iria criticar isso, por isso cuidadosamente retornavam o quarto à sua ordem normal na
parte da manhã.
Este foi um primeiro passo para tolerar a proximidade com os outros, e, assim
como uma criança crescendo, Robin começou a explorar a proximidade com outras
mulheres. A sexualidade ainda parecia longe para ela. Embora no final do tratamento
ela poderia tolerar algumas piadas sobre sexo e até mesmo contou algumas piadas
sujas que ela aprendeu durante o tempo que ela trabalhou em uma fazenda.

Trabalho de descontaminação com Robin 211

Depois de uma tormentosa sessão de grupo com um membro do grupo, que


muitas vezes ficou furioso, Robin disse (a única em todo o grupo a fazê-lo) que não
tinha medo de sua raiva. Seus próprios pensamentos estavam cheios de raiva: ou ela
queria magoar outra pessoa ou ela esperava que ela fosse abusada.
Ela estava convencida de que seus pensamentos podiam prejudicar os outros.
Convidei-a a expressar alguns de seus pensamentos e ver o que aconteceu. Robin
resistiu veementemente, e ficou claro como ela estava assustada. Com o apoio dos
membros do grupo, ela experimentou com algumas maldições dirigidas a seu Pai e
confrontou minha co-psicoterapeuta, que ela julgou como cínica. Para sua surpresa,
nada de ruim aconteceu; A co-psicoterapeuta até agradeceu seus comentários e
convidou-a a dizer mais. Ela recebeu golpes de membros do grupo que estavam
contentes por ela estar se revelando. Isso parecia um começo do desenvolvimento da
confiança.
Uma semana depois, ela continuou. Tornou-se claro como ela projetou sua
própria raiva para outras pessoas, tornando-os um Pai Crítico negativo para o qual ela
reagiu a partir de Criança Adaptada. Eu propus um exercício no qual ela estava no
meio do círculo, olhou cuidadosamente para um membro do grupo, e descreveu o que
ela viu, pensou e sentiu. Robin escolheu um dos homens do grupo e olhou para ele. Ela
começou a falar, mas ela podia oferecer uma descrição neutra. Ela viu um "homem
grande ameaçador" para quem ela deve "se comportar fortemente, caso contrário ele
iria deixá-la". Ela sentiu medo olhando para ele e estava convencida de que não se
podia confiar nele. Eu desenhei seus Estados de Ego Contaminados (Figura 2): a
contaminação significa que a pessoa experimenta equivocadamente as emoções ou
atitudes dos estados do ego do Pai ou da Criança como emanando do Estado do Ego
do Adulto.
Robin concordou que mostrava o modo como ela percebia o mundo. Ela
começou a verificar suas fantasias com o homem e mal podia acreditar que ele (que
era tão grande!) não lhe causaria nenhum mal. Ela pediu minha permissão para não
acreditar imediatamente o que os outros dizem que diferia de suas fantasias raivosas e
assustadoras.
Você deve lutar porque
Você deve desconfiar
eles estão aí fora para te
das outras pessoas!
pegar!

212

Eu não vou confiar Eu tenho medo que eles


neles! me machuquem!

Figura 2. Estados de Ego Contaminados de Robin.

Nas semanas que se seguiram a essa sessão de grupo, Robin experimentou


expressar seus pensamentos negativos sobre os homens do grupo e cada vez ela se
surpreendeu ao descobrir que eles não desapareceram, fugiram ou bateram, mas
fizeram contato e estavam interessados em por que Ela pensou como ela fez.

Estados do Ego no trabalho com Robin


Nas últimas semanas do programa, Robin esforço-se com perguntas como:
"O que vem depois? O que vou fazer depois De Viersprong? Como será o meu futuro?”
Propus explorar essas questões usando o exercício de cinco cadeiras, no qual cinco
cadeiras são colocadas em um meio círculo, cada uma representando um Estado de
Ego: De um lado, a Criança Natural e a Criança Adaptada, do outro lado o Pai Protetor
e a Pai Critico. Porque a Criança Natural e o Pai Protetor estão mais próximos do
núcleo da pessoa, eles são colocados mais próximos do Adulto. O Pai Crítico e a criança
adaptada desenvolvem-se mais na interação com o mundo exterior, então são
colocados mais distantes. A cadeira para o Adulto é posicionada encabeçando os
Estados do Ego (veja a figura 3). (Para uma descrição mais elaborada deste exercício,
ver Stuntz, 1973).
O pensamento inicial de Robin sobre o que ela faria depois de Viersprong era
"você deve continuar com seus estudos!" Decidimos que era seu Pai Crítico, então ela
se sentou naquela cadeira. Era fácil para ela falar dessa posição: "você deve ser grato
pela chance que você tem para estudar e para a concessão da igreja; Você deve
manter suas promessas; Você é obrigado a mostrar que vale a pena seus esforços"
213

Figura 3. Os Estados de Ego representados no exercício das cinco cadeiras.

Eu a convidei naquele momento para ir para a cadeira da Criança Adaptada


para ver se ela estava de acordo com os comandos do Pai Crítico. Ela estava
completamente de acordo com todos os seus "sermões". Mas ela estava com medo de
não ter êxito, e naquele momento riu o riso da forca, um riso que serve para reforçar o
Script (Berne, 1972, p. 335-338). Então eu vi algo acontecer em seu corpo: Uma perna
começou a se mover de uma maneira chutando, e ela parecia menos à vontade na
cadeira da Criança Adaptada. Perguntei em que Estado do Ego ela estava, e ela se
levantou e se moveu para a cadeira da Criança Natural.
Ela deixou escapar que ela gostaria de voltar para a Espanha, onde ela tinha
sido feliz, trabalhando em uma fazenda e estando fora a maior parte do tempo. Então
ela ficou em silêncio, sem saber como continuar. Convidei-a para mudar para a cadeira
do Adulto, e ela reconheceu que ela enfrentava um verdadeiro dilema entre dois
desejos contrastantes. Nós dois observamos que seu Pai Nutritivo estava ausente, e
quando ela se moveu para aquela cadeira, sentiu-se paralisada e sem fala. As únicas
coisas que ouvia nela eram os duros comentários de seu Pai Crítico e a ansiedade de
sua Criança Adaptada. Pedi-lhe para regressar para a cadeira do Adulto. Como o
tratamento iria durar apenas mais algumas semanas, decidi por uma estratégia de
suporte e estruturante e perguntei qual seria a coisa mais sensata a fazer agora. Com o
apoio do grupo, Robin disse que seria sensato voltar para sua casa e estudo, e usar o
próximo ano para tornar-se mais claro sobre o que ela realmente queria em termos de
um emprego, uma carreira e um lugar para Viver - e voltar para a Espanha por um mês
durante as férias para ver como ela se sentiu lá naquele momento em sua vida.
Robin diz adeus

Quando a última semana de tratamento se aproximou, Robin mostrou alguns


padrões de comportamentos antigos. No grupo, ela frequentemente agia como uma
co-terapeuta, ajudando, interpretando, atendendo aos outros, mas negligenciando
suas próprias necessidades. Para mim, ela estava distante e, em certo ponto,
abertamente zangada. Perguntei-lhe o que tinha acontecido, e ela queixou-se de 214

pequenas coisas: uma sessão que foi transferida para outra hora, uma compromisso
que um dos socioterapeutas esqueceu. Olhei para ela, me perguntando qual era a
verdadeira razão, e quando ela olhou para trás, ela começou a chorar.
Ela percebeu que o grupo e o programa de tratamento foram os primeiros
lugares em sua vida em que ela se sentia bem-vinda, onde sentiu que pertencia e foi
permitido ser ela mesma. E ela agora estava enfrentando ter que sair em uma
semana, para dizer adeus aos membros do grupo e pessoal. Como poderia ela
administrar, e como poderíamos fazer isso com ela?
Eu acariciei Robin para sua abertura e comentei sobre seu novo
comportamento de expressar seus sentimentos primários de tristeza e ansiedade em
vez de agir em raiva. Ela entendeu que poderia levar suas boas experiências com ela e
usá-las para construir uma boa vida após o tratamento. No final, Robin se despediu dos
membros do grupo e do pessoal de uma forma clara e pessoal. Era óbvio que ela nunca
se despedira antes. De Vierspong tornou-se gradualmente um lugar importante para
ela em que sentiu, pela primeira vez em sua vida, aceita incondicionalmente. Ela
experimentou pertencimento e proximidade com os outros.
Ao avaliar seu contrato de tratamento, ela disse que no momento em que ela
parasse de lutar (a primeira frase de seu contrato), ela poderia então colocar a
segunda frase (mostrar-se e entrar em contato com outros) em prática.

A importância da marionete no tratamento de Robin


Uma das experiências mais significativas de Robin durante o tratamento foi no
jogo de marionetes. Ela fez um boneco masculino, Robbie, para quem projetou sua
vontade de viver e sobreviver. Seu boneco era uma espécie de vaqueiro, com um
chapéu e calças de couro, que era robusto e aventureiro. Gradualmente cada vez
menos tímido, Robbie entrou no mundo grande, teve aventuras com outros fantoches,
lutou com alguns dos outros fantoches masculinos, e avançou em direção de um dos
fantoches do sexo feminino. O momento mais difícil para Robin em dizer adeus foi
provavelmente quando ela despediu-se de Robbie, que tinha sido tão importante para
ela durante o tratamento. Robbie tinha dito e feito o que ela mesma não ousava ou
não podia fazer quando era criança. Através dele, os desejos da Criança de Robin
encontraram um lugar claro em seu mundo interior novamente.
O terapeuta, sem palavras, tomou suavemente Robbie dela, segurando-o em
seu braço como uma criança, e em lágrimas Robin disse adeus a esse símbolo do
desenvolvimento da seu Estado do Ego Criança.

Avaliação do tratamento de Robin


Na primeira parte do tratamento, seus mecanismos limítrofes, como projeção,
identificação projetiva e divisão, tornaram-se claros e gradualmente diminuíram. Após 215

a descontaminação do seu Adulto, Robin pôde experimentar suas emoções violentas


na atmosfera segura do grupo e do ambiente terapêutico, e elas ficaram mais fracas.
Ela era cada vez mais capaz de estabelecer limites, manter o controle do Adulto e criar
espaço para outro curso em seu Script. Na segunda parte do tratamento, Robin
começou a experimentar intimidade. Uma vez que sentia que tinha o direito de fazer
parte do grupo, de pertencer e de existir, seus sentimentos se tornaram mais comuns.
A ambivalência tomou o lugar da divisão, ela cuidou melhor de si mesma, e
estabeleceu limites mais claros. Ela desenvolveu o início de um Pai Natural e poderia
tolerar mais de seus sentimentos da Criança. Dizendo adeus apresentou um teste final
da estabilidade das mudanças que ela tinha feito em De Viersprong, e ela passou
gloriosamente.

Conclusão
Neste capítulo, eu descrevi um processo de tratamento intensivo com uma
paciente com um transtorno de personalidade borderline. Ficou claro que o
tratamento de Robin não foi concluído após o programa de três meses de internação.
No entanto, ela fez uma mudança importante em sua posição de vida, e começou a
viver em vez de sobreviver. Graças à extensa cooperação dentro da equipe, a utilização
da Análise Transacional como modelo de psicoterapia e a exploração que o programa
oferecia, Robin poderia fazer mudanças intrapsíquicas substanciais que ofereciam
esperança para seu futuro.

Tradução: Mary Luce Melazzo, Membro Didata em Formação, área clínica


Revisão: Ede Lanir Ferreira Pai, Membro Didata, área Clínica
UNAT BRASIL maio/2017
CAPÍTULO 11
ANÁLISE TRANSACIONAL SÓCIO COGNITIVA: DA TEORIA À PRÁTICA24

Maria Teresa Tosi

“A mente trabalha com motivações que afetam tanto a autorregulação


quanto a regulação do campo interpessoal. ” 216

- Mitchell, 1988, p. 10

Introdução
“O último ataque terrorista não vai interromper meus planos. Vinte anos atrás,
desisti de meus planos porque fiquei com muito medo, após um terrível acidente
causado por ataque terrorista. Eu sei o que significa sentir-me livre e não quero abrir
mão dos meus desejos nunca mais. Agora, se fico com medo de seguir algum
planejamento, analiso qual o perigo real da situação e o que é fruto da minha
imaginação, depois escolho o que fazer. Quando tinha oito anos, costumava ouvir meu
avô dizer: ‘Se você nasceu redondo, não pode virar quadrado. ’ Aquela sentença
fascinante se tornou um pilar para mim, significando, entretanto: ‘Você não pode
mudar’. Agora eu sei que é possível mudar.” Noemi disse essas palavras ao final da sua
terapia, iniciada por causa de grave desordem obsessivo-compulsiva. Quando se sentia
assustada com alguma doença, sua ou de parentes e conhecidos, via-se compelida a
executar muitos rituais para se acalmar.
A tendência de controlar-se de maneira destrutiva quando entrava em contato
com emoções fortes podia ser percebida de muitas maneiras. Referia-se a uma história
de abandono quando teve que enfrentar súbitos eventos traumáticos. Inicialmente os
rituais eram uma estratégia mágica que ela encontrou para tranquilizar-se quando se
sentia oprimida pelo medo e não havia nenhum adulto por perto. A “questão do
controle” foi reforçada por muitas mensagens recebidas durante sua vida. Por
exemplo, “Você não pode mudar” era uma maneira tanto familiar quanto cultural de
estigmatizar as pessoas. Para ela, isso também representava uma visão fácil e simples
do mundo, que podia direcionar seu comportamento. Ela não tinha se separado
psicologicamente de sua querida mãe, uma mulher forte e protetora, cujas regras e
ensinamentos tornaram-se seus guias internos durante sua vida.
O “controle” tinha função de regular o desenvolvimento da Noemi, tanto de
maneira protetora quanto destrutiva. Por exemplo, em muitos eventos a mãe da
Noemi a conduzia com amor. Noemi tornou-se boa estudante, respeitada pelos
professores e pelos colegas de classe. Essas experiências eram caracterizadas pela
amorosa e positiva atitude controladora da mãe, que ajudou na sua integração aos
grupos sociais.
24
Transactional Analysis in Contemporary Psychotherapy, editado por Richard Erskine, Karnac , London
(UK), 2016. P. 229 a 255 no original.
Contudo, numa situação de infância traumática, quando se sentiu abandonada e
assustada, descobriu que podia se consolar ao executar algumas ações. Então, aqui o
“controle” tornou-se um recurso doloroso. Além disso, a experiência dolorosa de
isolamento em eventos que a amedrontavam, conduziu a uma tendência de isolar-se e
não procurar ajuda emocional quando estava vivendo momentos difíceis na sua vida.
Sua querida mãe também se tornou abertamente controladora quando, na
adolescência, começou a ter relações amorosas que a mãe não aprovava. “Ser livre” 217

era uma experiência bem representada nas suas fantasias como um desejo que não
podia ser realizado. Explorar o mundo, sentir-se segura e criar laços de intimidade são
experiências longe de serem fáceis para Noemi, enquanto que se sentir integrada em
grupos sociais é uma experiência comum para ela.
A experiência do terapeuta com essa paciente passa por ser necessário e evitado
ao mesmo tempo, porque Noemi não sabe como regular a distância afetiva com os
outros. Então, por exemplo, regularmente ela chega tarde nas sessões, sempre
justificando o atraso e redefinindo qualquer tentativa de falar a respeito da questão.
Aos olhos da Noemi, o terapeuta pode ser tanto uma figura controladora, presente e
confiável, quanto pode ser uma figura indisponível quando ela estiver com problemas.
Análise Transacional cognitiva-social (SCTA25) me ajudou a estruturar esse caso
clínico desde a primeira sessão, porque me ofereceu lentes específicas, através das
quais pude refletir sobre a maneira da Noemi se apresentar para mim e contar sua
história de vida. Essa abordagem facilitou bastante seu “trabalho de Redecisão”
(Goulding & Goulding, 1979).
As categorias de liberdade e controle, prazer e dor, questões de
desenvolvimento e individuação, a teoria de apego e a teoria relacional do Estado de
Ego são categorias típicas usadas pela SCTA para entender o comportamento humano
de uma maneira suficientemente complexa.

Análise Transacional Cognitiva-social


Análise Transacional cognitiva-social define uma abordagem idealizada por Pio
Scilligo e seus colaboradores, em particular membros do Laboratório de Pesquisa do
Self e Identidade (LaRSI26). Essa abordagem foi desenvolvida na Itália em quatro anos
de pesquisas e reflexões teóricas no modelo cognitivo-social da Análise Transacional (o
processo continua). Teoria e prática deveriam influenciar-se mutuamente como
indicam as últimas pesquisas em psicoterapia (Migone, 2006). As pesquisas das
práticas clínicas podem ser valiosas como um “laboratório” inicial, para podermos
entender qual processo parece estar correlacionado com um resultado positivo. SCTA
propõe algumas ferramentas que esperamos que permitam esse diálogo frutífero.

25
NT - Social-cognitive Transactional Analysis (SCTA)
26
LaRSI - Research Lab on the Self and Identity
Confirmar a teoria da Análise Transacional com evidências científicas e melhorar
a efetividade das práticas clínicas daria a desejada base para a AT que poderia abrir
novas áreas de trabalho e mantendo diálogo constante com os principais
desenvolvimentos teóricos e linhas de pesquisa baseadas em abordagens
semelhantes. Scilligo também queria que a SCTA crescesse numa base antropológica,
que considerasse cada pessoa capaz de escolhas responsáveis a despeito de serem
afetadas pela sua história pessoal, física e interpessoal. Ele sugeriu o uso de vários 218

paradigmas de pesquisa porque estava convencido de que:


... intervenções baseadas em premissas científicas trazem o risco de valorizar mais
o objetivo que o subjetivo, entregando-se ao hedonismo à custa do direito de ser
tratado humanamente, igualando aspectos materiais e espirituais, ignorando que o
homem é um ser social, não está só e certamente não principalmente uma
mônada2728, de modo a que a unicidade da pessoa não pode ser sacrificada pela
pressuposição do universalismo. Essas polaridades deveriam ser mantidas em
mente na crença de que a solução humana sempre precisa da dialética ying-yang, a
dialética do objetivo e subjetivo e todas as outras polaridades típicas da atuação
humana (2004, p. 17).

Essa longa citação nos permite perceber a visão básica que inspirou a construção
do SCTA, sendo encontrada no modelo em diferentes níveis de abstração. O esforço de
Scilligo e seus colaboradores também foi no sentido de oferecer uma teoria da
personalidade e modelo de psicoterapia que pudesse preservar os principais conceitos
da Análise Transacional e sua filosofia básica, enquanto aponta para a complexidade
do desenvolvimento e comportamento humano. Se olharmos as teorias que explicam
o comportamento humano na SCTA, uma regra fundamental foi construída pelos
estudos da psicologia social cognitiva (Andersen & Chen, 2002; Baldwin, 1997; Mischel
& Shoda, 1995) para o entendimento do processo de aprendizagem e construção do
Self. Além disso, SCTA reconhece as contribuições essenciais das pesquisas em
psicanálise relacional (Mitchell, 1988) e Bowlby’s (1969, 1973, 1980), que
influenciaram profundamente todas as abordagens psicoterapêuticas contemporâneas
com sua visão de uma “mente diádica”29. Berne foi um pioneiro nesse sentido, pois
antecipou a importância do relacionamento no desenvolvimento humano. A dimensão
inconsciente tem destaque, de acordo com as teorias contemporâneas, nos processos
implícitos (Tosi, 2008).

27
N.T Formação e tipos de mônadas: A mônada é uma substância simples, pois não possui partes sendo
indivisível. Como as mônadas são eternas, a sua imensa série se dispõe em escala hierárquica
ascendente, contínua da ínfima mônada até a suprema, deus. - gerenstadt@terra.com.br

28
N.T. Mônada. s.f. No sistema de Leibniz, substância simples, ativa, indivisível, de que todos os entes
são formados. - Wikipédia

29
N.T. Diática – relativo a duas pessoas. www.priberam.pt/dlpo/diádico.
SCTA também inclui as pesquisas sobre vinculações (apegos) nos adultos, feitas
por Mikulincer e Shaver (Mikulincer, 2007; Mikulince & Shaver, 2003). Finalmente, a
valiosa contribuição teórica e clínica de Lorna Benjamin (1974, 1996), uma teórica
contemporânea da abordagem interpessoal, que permitiu SCTA representar Estado de
Ego de acordo com o modelo da Análise Estrutural do comportamento social (SASB30),
que ela idealizou.
Resumindo, podemos dizer que SCTA integra diferentes teorias do 219

desenvolvimento humano e representa uma evolução da abordagem de Redecisão


(Goulding & Goulding) e da psiquiatria social Berniana (Scilligo, 2009; Tosi, 2011).
Psiquiatria social (Berne, 1964) é uma das contribuições mais inovadoras de Berne,
devido à sua capacidade relacionar processos interpessoais com intrapsíquicos.
Leitores interessados numa descrição mais completa do crescimento da teoria SCTA
podem buscar em artigos publicados no TAJ, em particular os de Scilligo (2011), De
Luca e Tosi ( 2011) e as várias publicações em italiano cujas referências podem ser
encontradas nos referidos artigos.
Esse capítulo discute algumas influências relevantes dos princípios centrais na
prática psicoterapêutica, como as vi na experiência clínica e supervisão. Portanto é
minha elaboração de uma abordagem que, em minha opinião, promove novas
ferramentas para um nível relacional e metodológico ao invés de termos técnicos.
Depois de uma introdução dos principais conceitos teóricos, vou descrever as
abordagens terapêuticas do SCTA com exemplos e descrições que mostram como
esses princípios teóricos nos ajudam a moldar a prática clínica.

Estado de Ego no SCTA


As pesquisas de Scilligo focam no conceito de Estado de Ego, um princípio central
da AT. Muitos modelos de Estado de Ego podem ser encontrados em Berne assim
como em autores que o sucederam (Trautmann & Erskine, 1981), e Novey (Novey,
1998; Novey, Porter-Steele, Gobes & Massey, 1993) agruparam os Estados de Ego em
modelos distintos – o modelo dos três Estados do Ego e o modelo de Adulto Integrado
(De Luca & Tosi, 2011). Em SCTA nós achamos necessário rever os Estados de Ego
porque consideramos que a definição de Berne é muito útil na prática clínica, no
entanto não é útil na pesquisa clínica. Demos atenção especial para a construção de
definições exploratórias e definições operacionais, necessárias para pesquisas.
Mencionei o modelo relacional como base do SCTA e vou explicar como o
conceito de esquema pareceu especialmente útil para Scilligo conceitualizar Estados
do Ego. Na SCTA Estados do Ego são “esquemas complexos de natureza emocional,
cognitiva e comportamental” (Scilligo, 2009, p. 73), que define “ um aglomerado de
processos mediadores que constrói interface entre o mundo externo e o
comportamento emitido pelo indivíduo num processo circular de ajustamento e
assimilação” (Scilligo, 1986, 2009).
30
Structural Analysis of Social Behaviour.
Esse esquema mental tem uma natureza interpessoal e intrapsíquica que inclui
processos explícitos (consciente) e implícitos (inconsciente e pré-verbal) (Scilligo,
2009). De fato, Berne deu um uma definição simples e elegante e para os Estado do
Ego, que reforça a definição utilizada no esquema: “Um padrão consistente de
sentimentos e experiências diretamente relacionado a um padrão consistente de
comportamento correspondente” (1966, p. 364).
Em outra publicação (De Luca & Tosi, 2011), explicamos que SCTA faz uso do 220

conceito de esquema derivado da psicologia cognitiva, particularmente de acordo com


o “processo de distribuição paralela31” de McClelland, Rumelhart, e o Grupo de
pesquisa PDP32 (1986). O conceito de esquema tem sido largamente utilizado em
psicologia com diferentes nomes, como o esquema-pessoa de Horowitz (1991), ou o
modelo de trabalho interno de Bowlby (1973). Nós podemos pensar em Estados de
Ego como processos cognitivos-sociais ativos, ou esquemas, continuamente sendo
recriados numa dinâmica de interação entre o indivíduo e seu ambiente. De acordo
com essa visão, Estados do Ego estão continuamente evoluindo durante a vida (Tosi,
2010), mesmo que algumas vezes suas fortes conexões possam criar correlações
rígidas, tornando-as não responsivas aos estímulos do ambiente atual, enquanto em
outros casos as conexões são tão fracas ou soltas que os esquemas não são ativados
mesmo quando são necessários e adaptativos.
Essa conceituação permitiu que SCTA superasse a distinção entre estrutura e
função na definição de Estados do Ego, que vinha criando problemas teóricos e
metodológicos na Análise Transacional, tais como o risco de reificar 33 o conceito e
afastar-se das concepções atuais do funcionamento da mente. Erskine (1991, p. 67)
explicou bem que as analogias usadas por Berne para descrever Estados do Ego
algumas vezes tornaram- se entidades especificas. Eu me lembro de pacientes falando
a respeito de sua Crianças como se fossem “humunculus” em suas cabeças.
O conceito de esquemas e protótipos nos permite organizar o conceito de
Estados do Ego como processo e a partir daí, finalmente, como uma função. Podemos
dizer que SCTA expande o modelo original de Berne dos três Estados do Ego (Novey,
1998) que considera Criança, Adulto e Pai como três estados do Ego prototípicos
sempre em evolução durante a vida. De todo modo, na SCTA a teoria dos Estados de
Ego não está completa se, na tentativa de explicar sua formação e origem, não
levarmos em consideração as três dimensões evolucionárias juntas com a dimensão do
desenvolvimento e a teoria da vinculação (apego) que Scilligo usou na sua definição.

31
N.T. - parallel distributed process,
32
N.T. - PDP Research Group
33
N.T. - Contemplar uma realidade abstrata como uma coisa concreta
Resumindo, Scilligo (1998) redefiniu Estados de Ego como esquemas complexos
em três níveis:
 Um nível mais conceitual relacionado à condição evolutiva do ser
humano (existência, sobrevivência, continuidade da espécie).
 Um nível intermediário de explicação relacionado aos aspectos
afetivos e interpessoal do comportamento delineado pela Análise
Estrutural do modelo do comportamento social (L.S. Benjamin, 221

1974), e:
 O terceiro nível analítico relacionado com o desenvolvimento
humano em termos biológicos e psicológicos em direção a um tipo
de individuação mais complexa.
Eu descreverei brevemente as três dimensões evolutivas (Cerido, Gubinelli &
Scilligo, 2009; Scilligo, 2006) e a dimensão de desenvolvimento baseada no trabalho de
Mahler (Mahler & Furer, 1968). Finalmente eu vou mostrar como essas quatro
dimensões, que também podem ser encontradas na Análise Estrutural em
comportamento social de L.S.Benjamin (1974) – relacionada com existência,
sobrevivência e continuidade da espécie, somando-se às características de
desenvolvimento dos Estados do Ego.
A capacidade alcançar situações prazerosas e evitar situações dolorosas é um
ponto de partida e representa uma importante maneira de autorregulação afetiva.
Essa dimensão de dor-prazer se refere à polaridade amor-ódio, pois obtemos prazer
pelo amor e dor pelo ódio. Na teoria dos Estados do Ego nós chamamos essa dimensão
de afiliação. A capacidade de responder passiva ou ativamente aos estímulos é a
segunda base genética dada às crianças e nos seres humanos em geral, quando nos
permite ativamente mudar o contexto ou mudar nossa resposta a ele. Essa habilidade
se desenvolve com a experiência e torna-se mais complexa com a evolução das
funções cognitivas. Essa dimensão está relacionada à polaridade passiva-ativa e nós a
chamamos interdependência. A terceira dimensão, relacionada com a continuidade da
espécie, é a dimensão relacional ou de poder, que concerne a capacidade de exercer
poder sobre o outro, assumindo uma posição transitiva, ou focar na relação de uma
pessoa, assumindo uma posição intransitiva. A quarta dimensão de desenvolvimento
assume que a pessoa evolui durante a vida e se desenvolve aumentando os níveis de
complexidade e individuação.
Eu agora vou demonstrar como os Estados do Ego são caracterizados quando
combinamos as dimensões da afetividade e interdependências e obtemos os
quadrantes e quatro diferentes tipos de Estados do Ego: o Estado de Ego caracterizado
pelo amor e atividade é chamado “Livre”; aqueles caracterizados por atividade e ódio
são chamados de “Rebelde”; aqueles caracterizados por ódio e passividade são
“Críticos” e aqueles caracterizados por passividade e amor são “Protetores” (Figura 1).
A dimensão relacional está representada pela interação do Pai Relacional com a
Criança Relacional com uma dimensão adicional chamada Self (Figura 2).
A distinção entre as diferentes posições tomadas em relacionamentos e
definições operacionais do Estado de Ego Relacional e o Estado de Ego Self deriva das
pesquisas de Benjamin (L.S. Benjamin, 1974, 1996). Aqui é suficiente especificar que o
Pai Relacional está numa posição transitiva. Como exemplo, imagine um pai que fala
para seu filho: “Suas ideias são interessantes”. A Criança Relacional responde
complementarmente numa posição intransitiva: “Eu gosto de expressar minhas
opiniões pessoais. “ O Estado do Ego Self descreve como uma pessoa se trata 222

prototipicamente34 como resultado da mais significativa experiência relacional que ela


teve na vida.
Ativo

Rebelde Livre

Odioso Amoroso

Crítico Protetor

Passivo
Figura 1 – Os quatro quadrantes

Exemplo Clínico

Esse exemplo pode nos ajudar a localizar as emoções relacionais descritas acima.
Ao exercitar o poder amoroso destinado a limitar o comportamento destrutivo do
paciente, o terapeuta diz para o paciente que falta a sessões: “Se você quer cuidar de
você precisa vir continuamente às sessões de terapia” (Pai Relacional Protetor
positivo). Na mesma situação um terapeuta pode preferir uma opção diferente e dizer:
“Eu me pergunto o que está acontecendo na nossa relação quando você falta a sessões
sem me comunicar. ” Nesse caso o terapeuta dá poder para ela livremente (“Eu me
pergunto ...”, posição da Criança Relacional, Livre) reconhece que o outro tem o papel
ativo (“faltando sessões sem me avisar”, posição Pai Relacional, Livre) e desejando que
o outro explique livremente o que está acontecendo.

34
N.T Protótipo – primeiro exemplar. Parece referir-se às experiências primais significativas, primeiras,
protótipos.
O terapeuta também pode escolher fazer uma interpretação do comportamento
destrutivo do paciente, ativando uma ação relacional transitiva caracterizada por
níveis de controle não muito altos e um tom afetivo, dizendo: “Quando você falta
sessões eu penso no que você pode querer estimular um comportamento similar em
mim ao que o seu pai fez quando te deixou sozinho em momentos de dificuldade. ”
Nuances relacionais como essas são frequentes e relevantes tanto em situações de
ajuda quanto em relacionamentos afetivos. 223

Três planos para representar os comportamentos


Rótulos para os quatro quadrantes

Scilligo atribuiu um rótulo para cada um dos quatro quadrantes:


Livre (dá poder + amigável) Rebelde (dá poder + hostil)
Crítico (tira poder + hostil) Protetor (tira poder + amigável)

Pai Relacional Criança Relacional Self

Rebelde Livre Rebelde Livre Rebelde Livre


Invoca Encoraja Toma Desfruta
Negligenciado Aceitação
Autonomia Autonomia Autonomia Autonomia
Self rejeitado Self com prazer
Hostil Amistosa Hostil Amistosa

Poder Influencia Obediência Aceitação Rebaixado Administrar


Hostil Amistosa Hostil Amistosa Self oprimido Self cultivado

Crítico Protetor Crítico Protetor Crítico Protetor

Figura 2. Estado do Ego Relacional e Estado do Ego Self

Eu penso que uma implicação essencial dessa teoria é que SCTA nos permite
calibrar intervenções por causa sua alta precisão sua análise dimensional dos Estados
do Ego, que nos ajuda a manter em mente a complexidade das relações terapêuticas
nos vários estágios de tratamento e a especificidade de qualquer relação construída. A
taxonomia dos comportamentos, oferecida pela análise estrutural do comportamento
social (L.S. Benjamin, 1974) e pelo modelo dos Estados do Ego SCTA, é uma maneira de
oferecer descrições operacionais válidas de comportamentos humanos e não deveria
ser confundida com a psicoterapia de abordagem comportamental. Definição
operacional de conceitos facilita pesquisas em psicoterapia.
Por exemplo, em psicanálise, Luborsky & Crists-Cristoph (1990) ofereceram
uma definição operacional de transferência que nos permite pesquisar naquele
constructo. Qualquer tipo de comportamento, consciente e inconsciente, verbal e não-
verbal deve poder ser caracterizado pelo modelo de Estado de Ego SCTA. No Entanto
as quatro dimensões descritas, a cognitiva-social, a teoria do apego e das relações
objetais nos permitem entender porque as pessoas desenvolvem perfis específicos de
Estados de Ego. 224

Estado de Ego Relacional


Estado do Ego SCTA inclui representações mentais diferentes: Estado do Ego
Relacional e Estado do Ego Self. A dimensão relacional é utilizada para descrever
relacionamentos diádicos num processo contínuo de dar e tirar poder de/para um ou
de/para outro, consistente com os esquemas de Estados do Ego que evoluem com o
tempo. A posição transacional transitiva é chamada de Pai Relacional, enquanto a
posição intransitiva é chamada de Criança Relacional. A razão dessa escolha é simples
e representa um passo adiante da Análise Transacional de Berne. Esse modelo destaca,
de fato, que os pais atuais, em trocas transacionais com suas crianças, estão
tipicamente numa posição de cuidado e/ou numa posição de controle, em ambos os
casos com um tom afetivo positivo ou negativo. O mesmo pode ser dito da criança que
está tipicamente na posição de receber os cuidados parentais, sendo mais ou menos
passivo ou ativo, amorosos ou agressivos com relação a eles. Por outro lado, essas
posições deveriam ser vistas como prototípicas, o que significa que qualquer pessoa,
criança ou adulto, em qualquer relação pode adotar uma posição relacional diferente
nas trocas transacionais.
Novamente, aqui nós podemos ver o esforço SCTA para explicar a complexidade
do desenvolvimento humano por toda a vida útil através das lentes da dinâmica
transacional. Para entender os níveis hierárquicos que definem Estados do Ego, nós
podemos analisar o comportamento de uma mãe de uma criança de cinco anos de
idade, que ativa diferentes processos relacionais, o que pode estimular a construção
de um Self sólido. Por exemplo, ela toma conta da criança e diz, “coloque um casaco
porque está frio”, então podemos considera-la um Pai Relacional que protetoramente
controla seu filho. Quando seu filho faz um desenho mostrando satisfação, ela talvez
diga, “Que desenho bonito você fez! ”, propondo-se, de acordo com SCTA, a atuar
como Pai Relacional na Criança Livre (veja o modelo desenvolvimento na fig. 3). Se
essa mãe, que em certo nível continua sendo um Estado do Ego Pai, responde para sua
criança, que espontaneamente lhe diz: “Mãe, eu te amo tanto! ” “Obrigado querido,
eu também! ”, podemos dizer que ela está trocando de posição, reagindo ao seu filho
com dependência amorosa que facilita intimidade. A mãe também podia se propor
como uma orgulhosa Criança Relacional e dizer ao filho, “Olha que bolo lindo que eu
fiz! ” Acrescentando como um Pai Relacional, “Você quer um pedaço? ”
Atividade
0
PR Identidade 8 8 Identidade
Interdependência 7 7 Interdependência

Empatia 6 6 Empatia
AR Reflexão 5 5 Reflexão
Simbolização 4 4 Simbolização 225

Apego 3 3 Apego
CR Orientação 2 2 Orientação
Exploração 1 1 Exploração
Ódio 0 0 Amor
1 1 Exploração
CC 2 2 Orientação
Apego 3 3 Apego

Simbolização 4 4 Simbolização
Reflexão 5 5 Reflexão
AC Empatia 6 6 Empatia

Interdependência 7 7 Interdependência
PC Identidade 8 8 Identidade
0
Passividade

Figura 3. Estado de Ego em desenvolvimento

Eu penso que o leitor pode intuitivamente compreender a rica


reciprocidade que caracteriza todos os relacionamentos humanos, especialmente em
relacionamentos com intensa afetividade. Os terapeutas deveriam ser sensíveis para
entender que no campo da intersubjetividade das relações terapêuticas, eles também
são convocados a tomar uma serie de posições flexíveis dos Estados do Ego, se não,
podem perder a oportunidade de entrar em contato com as experiências de seu
paciente e com as próprias experiências. A dimensão de afiliação, em geral, é
reconhecida como importante no relacionamento terapêutico, em quanto eu penso
que a rica dinâmica relacionada com a posição de poder (“para dar e tomar poder do
outro” e “para dar e tomar poder de alguém”) é menos apreciada.

Estado do Ego Self


Temos então uma terceira posição que define o Self, que é, o resultado da
relevante experiência relacional e interpessoal que afeta profundamente as atitudes
do sujeito com ele mesmo.
Essa distinção nos permite ver o processo interativo constante nas relações
interpessoais nos níveis implícitos e explícitos e o processo relativamente mais estável
que caracteriza o modo como o sujeito se trata e como desenvolve uma imagem
pessoal. Estado de Ego Self são definidos por pensamentos, sentimentos e
comportamentos que não são necessariamente relacionais, no entanto, nascem no
relacionamento com o mundo, com os outros e com o próprio sujeito.
Desde que os Estados do Ego Self, também são “mecanismos para seleção das 226

experiências que determinarão qual informação o sujeito deve prestar mais atenção,
de como a informação será estruturada, como vai aparecer e como será utilizada
posteriormente” (Scilligo, 2009, p.107), eles podem dar origem ao sistema recorrente
de elaboração das experiências, similar ao conceito de estrutura. De fato, eles são
processos continuamente reativados que permitem uma orientação além da
informação achada no contexto.

A reciprocidade dos Estados do Ego Self e Relacional


Nós podemos ver dois processos relacionais separados: relacionados aos Estados
do Ego Self e relacionados aos Estados do Ego Relacional. Em ambos os casos temos
Estados do Ego potencial que, uma vez instanciado35, origina modelos operacionais
observáveis, do Self ou Relacional. Para cada Estado de Ego Relacional um Estado de
Ego Self correspondente é ativado. No tratamento, essa oscilação contínua de se
relacionar como pessoa, em relação com outros ou em inter-relação, é muito evidente,
portanto o terapeuta precisa começar a construir uma linha narrativa que leve em
conta, ambas as perspectivas.

Exemplo clinico
Segue um exemplo simples, de duas diferentes intervenções, que o terapeuta
pode escolher, levando em conta Estados do Ego Relacional e Estados do Ego Self. No
começo do tratamento o paciente diz:
P: Eu não entendo porque sempre me vejo procurando envolvimentos com mulheres
em relações românticas decepcionantes. Eu penso que achei a mulher certa, então ela
me decepciona e eu tenho que deixá-la!
T: Você gostaria de entender, no tratamento, como você contribui para criar sua
experiência dolorosa?
P: Eu não quero entender nada! Eu só quero me sentir melhor!

Na Análise Transacional clássica, essa reação do paciente é considerada como


uma Transação Cruzada, típica do processo de transferência. Agora vejamos o que
SCTA pode destacar nessa Transação.

35
N.T Instantiated – instância (do) - Competência e poder de decisão de órgão ou autoridade.
Eu penso que esse paciente descreve um relacionamento para si mesmo (Estado
do Ego Self) caracterizado por uma distância ligeiramente hostil (ele não entende a si
mesmo), e uma experiência relacional caracterizada por certa agressividade passiva
(Estado de Ego Relacional) e a uma maneira crítica-passiva de considerar-se (Estado do
Ego Self), visto que fica se envolvendo em situações desapontadoras, sofre decepções
e se sente forçado a deixar suas parceiras. A mente das mulheres provavelmente é
imprevisível para ele. Emocionalmente a última parte da sua narrativa parece ser a 227

mais significante. O paciente se abrir para o terapeuta parece caracterizar uma busca
pela compreensão acolhedora do terapeuta, ao invés de uma solicitação de contrato. A
intervenção feita pelo terapeuta sugere uma direção relacionada a possíveis desejos
implícitos do paciente em entender-se. Mesmo que o terapeuta aborde o paciente de
maneira amorosa e protetora, o paciente responde negativamente às sugestões. Na
verdade, o convite do terapeuta parece estar antecipado, quando comparado às
habilidades do paciente, tanto em entrar em contato com os desejos implícitos quanto
de depender de uma relação interpessoal.
Nesse nível a intervenção do terapeuta poderia ser a seguinte:
T: Eu imagino que não é fácil para você quando você não acha uma explicação lógica,
tanto em como você escolhe uma parceira quanto como uma mulher se comporta com
você. É como trilhar novamente um caminho que você não quer.
Essa intervenção “respeita” o nível de abertura do paciente e pavimenta um
caminho para um futuro contrato: introduz uma ideia nova, a importância de achar
uma explicação lógica para o comportamento de um e do outro, indicando também
uma possível atividade nas escolhas do paciente das parceiras. Eu poderia dizer que o
terapeuta está motivando o cliente a ativar o estado de Ego Adulto. A relação do
terapeuta também parece empática, caracterizada por um grau médio de liberdade e
amorosidade, que não “pressiona” o paciente para uma colaboração relacional. A
segunda intervenção foi inspirada pelo Estado de Ego Livre enquanto o a primeira se
aproxima mais do Estado de Ego Protetor.

A Dimensão do Desenvolvimento
Veremos agora como a nossa análise do desenvolvimento nos permite achar a
Criança, o Pai e o Adulto com uma definição próxima à de Berne, à medida que formos
adiante com as especificações dessas posições relacionais básicas, que podem ser
descritas como Pai Relacional, Criança Relacional e Self. A dimensão do
desenvolvimento assume que o sujeito evolui durante a vida e se desenvolve
aumentando o nível de complexidade e individuação, de acordo com a descrição de
Mahler e Furer (1968). Scilligo descreve oito estágios que reaparecem ciclicamente na
vida: 1) exploração e aceitação; 2) orientação e abordagem; 3) apegos; 4)
simbolização; 5) reflexão; 6) empatia; 7) interdependência; 8) identidade.
Como L.S. Benjamin (1974), em sua análise estrutural do comportamento social,
Scilligo localizou esses oito estágios do desenvolvimento no espaço bidimensional
usado para definir Estados do Ego (Figura 3). Usando análise fatorial, Scilligo (2009)
correlacionou os três primeiros estágios de desenvolvimento de Mahkler e Furer com o
Estado do Ego Criança, ou Criança do Desenvolvimento: 1) aproximação-evitação
(também descrito como exploração), 2) necessidade de satisfação36 (o que Scilligo
descreveu em termos de orientação), e 3) apego. Os próximos três estágios estavam 228

correlacionados com o Adulto do Desenvolvimento: 4) comunicação lógica (o processo


de simbolização), 5) atenção ao desenvolvimento do Self (o que inclui reflexão), e 6)
equilíbrio no relacionamento (mais bem caracterizada pela empatia). Os últimos dois
estágios estavam correlacionados com o Pai do Desenvolvimento: 7) intimidade-
distância (que pode ser pensado como interdependência), e 8) identidade.
Na figura 3 nós vemos os Estados do Ego Criança, Adulto e Pai numa posição
muito similar ao conceito de Estados do Ego de Berne, mas com uma nova visão do
Adulto.
SCTA (Scilligo, 2009) relaciona o processo do Estado de Ego Criança do
Desenvolvimento caracterizando-o por emoções. Os pensamentos, emoções e
comportamentos típicos dos primeiros anos de vida prevalecem no Estado de Ego
Criança: por exemplo, intuição, pensamento concreto e impulsividade. Para explicar o
processo da Criança é importante fazer uso da teoria que explica a regulação
emocional na criança.
O Estado do Ego Adulto do Desenvolvimento, que no desenvolvimento foi
localizado num nível intermediário entre efetividade pura e processo normativo,
representa o processo caracterizado por pensamentos mais diferenciados e
estruturados, emoções e comportamento, como consequência do desenvolvimento
das operações formais de Piaget (Piaget, 1952). O Adulto desenvolveu habilidades
relacionadas a existência no mundo físico e relacional, além das habilidades de
observação abstrata, análises e síntese relacionada à auto percepção, percepção do
mundo físico e interpessoal. Isso é típico de adultos.
O Estado do Ego Pai do Desenvolvimento é caracterizado por pensamentos
complexos, emoções e comportamentos relacionados a experiências passadas. Tem a
função de regular o equilíbrio da pessoa por regras, limites internalizados com base na
interação com outros, autorreflexões e reflexões sobre o mundo. Na SCTA isso é
considerado o polo normal do sujeito.
Scilligo (2009, p. 179), nas suas pesquisas, descobriu que o Pai não tem
caracterizações diferentes do Adulto e da Criança, ao invés disso, tem um fator em
comum, a capacidade de apresentação, fundamentados numa avaliação adequada da
realidade, baseada em intuição e generalização no caso da Criança, na causa-efeito no
Adulto.

36
N.T Need fulfilment – necessidade de preencher, ser nutrido
Fulfill – satisfazer, preencher, completar.
Scilligo relaciona o funcionamento da Criança e do Adulto aos níveis de
consciência do Zelazo (Zelazo, Hong Gao Todd, 2007) que estão organizadas
hierarquicamente. O Estado do Ego Pai está numa fase de desenvolvimento mais
avançada, representa “a capacidade de se autorregular ao definir diretrizes para atos
que visam atingir metas que tenham significado para o sujeito, na luz das suas
referências de valores (Scilligo, 2009, p. 180).
229

Uma lupa sobre o Estado do Ego Adulto


Na SCTA existe um entendimento totalmente novo do Estado do Ego Adulto,
porque pensamos no Adulto como um processo com certas funções, afetadas por
experiências e apegos tanto quanto os outros Estados do Ego. Implicações
interessantes desta teoria podem ser adotadas não apenas para psicoterapia e
aconselhamento, mas também nos campos da educação e organizações. De fato, nós
podemos entender que o completo desenvolvimento do pensamento simbólico, meta-
reflexão e a consciência do Self nos contextos, estão enraizados numa afetividade
balanceada e relacionamentos respeitosos.
Berne usou a metáfora de contaminação para descrever a sobreposição dos
Estados do Ego Pai e Criança no Adulto e ilustrou isso principalmente com uma análise
dos conteúdos originários da narrativa do paciente. Por exemplo, na discussão de
sintomas psiquiátricos, Berne (1961) descreve alucinação como manifestação ego
sintônica do Pai, portanto o Adulto “contaminado” está de acordo com a voz do Pai.
Na SCTA, ao invés, o Adulto é analisado à luz da qualidade do processo ativado.
Baseado na pesquisa de Zelazo, sobre níveis de consciência (Zelazo, Hong Gao & Todd,
2007), e na pesquisa de Carver sobre circuitos de autorregulação cibernética (Craver,
2004), Scilligo afirma que o controle consciente dos pensamentos pode ser
funcionalmente atribuído ao Adulto Livre e ao Adulto Protetor, pois ambos usam
simbolizações, enquanto a regulação de emoções é feita principalmente pelo Adulto
Livre que é ativado especialmente nos processos de autorreflexão (Scilligo, 2009, p.
173).

Exemplo clínico
A análise do sonho abaixo é exemplo de como podemos analisar processos
diferentes relacionados ao Adulto. Gloria, cinquenta e cinco anos, está pedindo terapia
porque ela está vivendo uma grande crise na família, caracterizada por grandes
rupturas e conflitos. Dor é a maior questão na vida dela, por causa da doença do seu
irmão mais velho, que morreu quando ela tinha trinta anos. Sua decisão de Script
destrutiva é: “Para poder ser amada pelos meus parentes e para demonstrar meu
amor, eu não posso desfrutar da vida.” Depois de alguns meses de psicoterapia, pela
primeira vez ela trouxe um sonho para a sessão e quis trabalhar com ele. No sonho ela
está sentada num sofá, numa casa de campo adorável e rodeado por um jardim.
Sua tia está sentada no lado oposto. Uma linda bailarina, vestida de branco,
atravessa o quarto e pula pela janela no espaço vazio. Nesse ponto Gloria acorda
surpresa e curiosa sobre o significado do seu sonho. Quando ela narrou o sonho eu me
senti preocupado com ela e também me senti excitado e muito interessado, pois
pensei que ela estava trazendo algo crucial e querendo passar por isso comigo. Gloria
explorou diversos símbolos do sonho. Resumidamente, ela entrou emocionalmente
em contato com “a casa de campo” – o “Self” aberto para outros, harmoniosa, 230

elegante e também vazia por dentro, porque existe conflito entre os habitantes da
casa. Sua tia: uma parte separada dela, o “Self” que lembra sua mãe. A dançarina: o
“Self” que quer se sentir leve e livrar-se do fardo. Glória é no sonho: um “Self” passivo
que olha para o que está acontecendo sem tomar uma posição.
Ao explorar o sonho, Gloria desenvolve a narrativa que liga os vários Selves. Ela
entende principalmente que cria seu próprio vazio, consequência da sua dificuldade
em colocar limites nas expectativas dos outros e em levar seus desejos em
consideração. Portanto, “a dançarina” representa seu desejo de desenvolver seu Self
livre que não é amparado por uma atenção amorosa. Ela entende profundamente a
importância de se dar algumas opções protetoras, ao invés de atuar em opções
potencialmente destrutivas (“pulando para o espaço vazio”). Ela também relata para o
Self os riscos destrutivos, que no sonho é a passividade. No final da sessão eu
perguntei para ela: “Então, que mensagem importante você quer aprender desse
sonho? ” Ela respondeu: “Eu pareci bastante capaz, mas atualmente não estou. ”
Eu me senti surpreso com sua resposta e comecei a refletir na qualidade da
autorreflexão. Ela está consciente do próprio problema e se avaliando amorosamente?
Ou ela está se avaliando raivosamente de maneira controladora? Ela está
considerando opções concretas que são respeitosas tanto para si quanto para o
ambiente? Ou ela está levando em consideração apenas “alguns significados que
brotaram da exploração de seu sonho, desconsiderando o pleno significado do seu
sonho através do qual ela estava reconhecendo dificuldades dos seus desejos e seus
conflitos? (Figura 4).
Considerando tanto o conteúdo da resposta da Glória e o processo não-verbal,
eu entendo que ela apresenta um processo de pensamento caracterizado por certa
distância emocional de si (liberdade + ódio), que se assemelha a um Adulto Rebelde.
Minha hipótese é que temos uma boa aliança terapêutica, com a qual ela é capaz de se
examinar num processo caracterizado pela empatia e abertura pessoal, enquanto
estiver numa relação comigo. De todo modo, quando minha questão final sugeriu que
ela desenvolvesse suas próprias direções, ela reverteu para um processo que não
trouxe suporte e positividade para si. Minha hipótese é que ela ainda está assustada
com a possibilidade de desenvolver opções protetoras para si no seu contexto, quer
dizer, um Adulto Protetor, definido em sentenças como as seguintes: “Eu desenvolvo
minhas competências, eu quero entender o que está acontecendo ao meu redor e
encontrar maneiras de me proteger amorosamente. ”
Considerando correta minha hipótese, deveria desenvolver a aliança terapêutica
dando maior atenção aos seus desejos implícitos de ter orientação protetora. Eu sei,
pela sua história, que ela foi a “criança perfeita”, a filha que não dava problema, que
iria compensar seus pais por todo o sofrimento que tiveram com o filho. Depois de
alguns encontros, comecei uma sessão lhe dizendo que eu estava refletindo a respeito
de algo importante que ela havia falado na sessão anterior (ela tinha falado da sua
relação com o marido) que, do meu ponto de vista, precisávamos explorar mais. Ela se 231

sentiu mobilizada por que eu tinha lembrado dela. Depois dessa sessão ela começou a
apresentar alguns limites de proteção e a encontrar opções que levavam em
consideração seus desejos e os outros. Então, pareceu que minha hipótese a respeito
da qualidade da sua autorreflexão estava correta, que minha cuidadosa atenção
estimulou nela um processo interno similar.

Processo transferencial
Na Análise Transacional de Berne, a diferença entre P¹ e P² é explicativo
relevante e de grande valor clínico (Berne, 1961). P¹ é um processo de auto
normatização arcaico, desenvolvido pela criança, considerado um subsistema do
Estado de Ego Criança, geralmente associado a patologias no adulto. O caso da Noemi,
do começo desse capítulo, mostra um exemplo típico de P¹ que exerce um
autocontrole mágico para não se sentir oprimido pelo próprio medo, na ausência de
figuras parentais protetoras. Alguns autores (Hargaden & Sills, 2002; Moiso, 1985;
Novellino, 2004) salientam a importância de trabalhar processos de transferência-
contratransferência em psicoterapia, especialmente quando P¹ é dividido em duas
partes, a “boa” e a “má”, devido ao mecanismo de defesa efetuado pela divisão e
como essa defesa não permite o desenvolvimento do P², capaz de regular
harmoniosamente os afetos. P², ao invés, representa o subsistema de Ego mais
evoluído e completo de todos os três Estados de Ego, Criança, Adulto e Pai.
Nos modelos normativos SCTA, caracterizados por fortes ódios ou amores
representados perto dos polos afetivos do Pai Relacional. O outro significativo, que
abandona, ataca e ameaça, será codificado como um Pai Relacional que atua da
Criança Rebelde ou Crítica e indica, por exemplo, um pai atual abordando a criança, e
visto como altamente hostil, está de fato ativando aspectos da sua própria Criança. Se
esses pais atuais (ou outra pessoa significativa) altera sua atuação agressiva por um
comportamento muito amoroso e a criança não consegue perceber uma lógica nessa
alternância, ou se os pais atuais apresentam comportamentos agressivos e amorosos
simultaneamente, como quando está acontecendo algum tipo de abuso, nós
pensamos que é mais provável que a criança internalize um modelo dividido de
gerenciamento pessoal e do ambiente, assim como um modelo dividido de percepção
pessoal e do ambiente.
É importante ver que Pai Relacional – Criança Relacional – Self devem ser
consideradas como posições diferentes do mesmo padrão, mesmo tendo
representações diferentes, de modo que o processo transferencial possa alterar o uso
de todas as partes do padrão.

Estado do Ego Adulto 232

As qualidades operacionais dos quatro Estados do Ego Adulto

Ignore e destrua Escolha e decida


A A Examine e avalie
Isole e neutralize
R L

A A
C
C P
Duvide e pare. Aproxime-se e
Significados compartilhe Planeje e
organize

Figura 4. Estado do Ego Adulto

Exemplo clínico
Rita, vinte e cinco anos, solicita terapia por causa de relacionamentos amorosos
muito instáveis, particularmente pelo fato dela estar recentemente com um parceiro
mais velho. Ela já se submeteu a vários tratamentos, que terminaram com sua saída
raivosa.
Na sua relação comigo ela tende a me idealizar e tenta me agradar, me controlar
com rápidas melhoras, que ela atribui ao nosso trabalho terapêutico. Esse movimento
alterna com outros momentos, onde se sente deprimida e desesperada. Qualquer
circunstância de falta de empatia de minha parte, ou de pessoa próxima a ela,
engatilha reações raivosas e violentas. De um ponto de vista etiológico37 a história do
seu desenvolvimento é caracterizada por um estilo apegado e típicas experiências da
patologia boderline (veja a pesquisa interessante de L.S. Benjamin (1996) em etiologia
das desordens de personalidades).

37
N.T. Etiologia - Parte da medicina que estuda a origem das doenças
Aqui quero enfatizar que a aliança terapêutica só pode ser mantida através de
cuidadosa análise e contenção do seu estilo relacional. Em particular sua tendência a
mover-se rapidamente da posição de Pai Relacional punitivo (Criança Crítica do Pai
Relacional), resultado de sua identificação como seu pai violento, para o
Complementar, uma Criança amedrontada e defensiva (Criança Critica da Criança
Relacional) que estimula em mim o sentimento de ser atacado sem justificativa ou ter
que cuidar de uma criança vulnerável. 233

Algumas vezes ela parece uma criança abandonada que se afasta de todos, se
isola por vários dias (Criança Rebelde da Criança Relacional), projetando a imagem da
sua mãe negligente, que não entendeu sua dor, em todo mundo ao seu redor. Nesses
casos é difícil “alcançá-la” atrás da parede que ela construiu para se isolar. Ela carece
de habilidades para analisar serenamente suas necessidades, seus desejos, suas
intenções, assim como não tem habilidades para avaliar apropriadamente como se
proteger nos relacionamentos. Em resumo, Rita apresenta um desses perfis
patológicos de Estado do Ego (Scilligo, 2009) que representa um desafio para o
psicoterapeuta. Minha proposta terapêutica requer um constante uso de transações
cruzadas (veja adiante nesse texto o conceito de antítese como uma ferramenta
terapêutica), quando o processo de transferência está ativo na sessão. Eu vou
apresentar uma Transação típica em terapia:
P: Você não me entende! Você está do lado do meu namorado e você pensa que eu
estou errada. Eu acho melhor eu encerrar a terapia ...
T: Você sente que eu não te dei apoio dessa vez, e eu quero que entenda o que
especificamente fez você se sentir criticada. Você quer falar a respeito?
Nessa breve troca transacional eu entendi o comportamento da Criança Rebelde
da Criança Relacional da Rita: “Ela vai embora cheia de raiva”. Eu também posso
reconhecer, num nível implícito, uma tendência de me controlar com a raiva, o que é
típico de uma posição Pai Relacional punitivo. “Eu vou me vingar em você porque você
não fez o que eu quis” e o tema da narrativa associou com rivalidade. Aqui a antítese
transacional implica em responder com uma escuta empática (Adulto Livre do Pai
Relacional) modelando um comportamento assertivo (Adulto Livre da Criança
Relacional) gentilmente convidando a se abrir (Adulto Protetor do Pai Relacional).
Eu descrevi um processo que tem como objetivo criar um espaço relacional
seguro onde Rita possa assumir riscos de se abrir aceitando eventualmente um
trabalho de interpretação do seu Script. Novamente tenho que salientar que entender
a posição psicológica adotada pelo paciente ajuda o terapeuta a promover um
contexto dinâmico que deve convidar mais perfis integrados de Estados do Ego.
Experiências destrutivas ou arcaicas que possam ter afetado a vida de uma criança em
geral requer uma reorganização de alguns trechos do desenvolvimento, que se tornam
claros no processo de transferência. O trabalho regressivo terapêutico é completado,
em casos como da Rita, se a regressão for espontânea e permitir a reorganização de
esquemas relacionais rígidos e destrutivos.
SCTA amplia o conceito de transferência, destacando um fenômeno que está em
toda parte e influencia profundamente a vida diária (Anderson & Berk, 1998; Scilligo,
2011). Em termos cognitivo-social, transferência pode ser conceitualizada como uma
representação mental de outro significativo, que pode ser ativada e aplicada em uma
nova pessoa. A pesquisa cognitivo-social em transferência nos mostrou que
“representação mental de outro significativo serve como armazéns de informações,
em dados individuais, obtidos na vida, que podem ser ativados (de uso imediato) e 234

ampliado (usado para interpretações) de outros indivíduos, o que é mais provável


quando o novo indivíduo se assemelhar ao outro significante” (Anderson & Berk, 1998,
p. 81).
Embora a contratransferência mais clássica – a experiência complementar
evocada no terapeuta em reação à transferência do cliente – claramente ocorra, o
terapeuta, assim como o paciente é sujeito da transferência, uma palavra que
podemos considerar mais descritiva da importância na avaliação dos efeitos desse
modelo no psicoterapeuta (Sclilligo, 2009). Do meu ponto de vista, significa que o
psicoterapeuta usa os “modelos” relacionais que foram formados durante sessões
psicoterapêuticas significativas prévias. O paciente impacta o terapeuta com efeitos
benéficos e efeitos menos benéficos, dependendo da capacidade de autorreflexão do
terapeuta.
O processo de interação na transferência / contratransferência tem sido
delineada por autores como Clarkson (1992), pela Análise Transacional Relacional
(Hargarden & Sills, 2002) e pela Análise Transacional Integrativa (Erskine, 1991). Me
parece que o estudo cognitivo-social oferece nova visão de transferência, como um
processo completamente “normal”. Algumas vezes transferência pode ser associada
com patologia, sofrimento e inadequação, outras vezes pode ser bastante apropriada.
Geralmente a reação transferencial é automática e inconsciente e, na terapia, são
objetos a serem explorados e compreendidos, se geram aflição na vida do sujeito. Esse
ponto é importante na visão cognitiva-social de transferência, porque ela não
considera que “todas” as manifestações de transferência sejam úteis para análise.
Todas as representações de outros significativos influenciam as percepções
interpessoais, as formadas na infância, na adolescência ou na vida adulta. Como disse
Andersen: “... de acordo com Sullivan, um padrão típico de interação entre Self e o
outro deve ser ativado quando uma representação de outro significativo é ativada, o
que deve, em retorno, ativar aspectos relevantes de autoconceito ... “ (Anderson &
Berk, 1998, p. 85). Alguns aspectos de auto avaliação reflete o tom da representação
do outro significativo, mas quando esses aspectos são negativos, parece ocorrer um
auto aprimoramento defensivo e compensatório no trabalho de autoconceito como
um todo (Anderson & Berk, 1998).
O processo de transferência pode ser examinado em termos de processo e/ou
em termos de conteúdo (ibid.). Em psicoterapia o processo mais crítico de
transferência ocorre em consequência de representações de outros importantes muito
destrutivas (conteúdo), que são fonte de aflições e defensividade, também porque
esses processos são frequentemente inconscientes e o sujeito está, de alguma
maneira, submetido a eles. Além disso, quando de alguma maneira o processo de
transferência parece rígido e não está aberto para lidar com novas informações, 235

também apresenta questões problemáticas.


Nesse capítulo não tenho a intenção de analisar a complexidade desse processo,
mas quero destacar alguns pontos: a interação dos componentes da relação
terapêutica, destacadas por autores psicodinâmicos – relacionamentos reais, aliança
terapêutica, aliança narcisista, transferência (Tosi, 1991) – começa a ter menos limites
pronunciados como impactos da transferência em cada componente. Além disso,
terapeuta e paciente estão no mesmo nível, ainda que em papeis diferentes, o que
implica num grande desafio para o terapeuta.
Na supervisão, muitas vezes, faço duas perguntas centrais para o terapeuta,
quando em processo de análise de transferência. A primeira questão é “o que a sua
reação emocional ao cliente lhe diz a respeito dele (a)? ” Essa é uma questão clássica
usada para analisar uma contratransferência reativa no terapeuta. Ela implicitamente
vê a reação afetiva do terapeuta como empaticamente dependente do paciente.
A segunda questão é: “o que a sua reação afetiva para o paciente diz a seu
respeito em relação a esse paciente? ” Tenho percebido que essa segunda questão
pode ser poderosa em promover consciência da participação do terapeuta no campo
subjetivo da relação terapêutica, tanto no aspecto construtivo quanto no aspecto
destrutivo, ajudando o terapeuta a ver o que o Self está afetando o trabalho
terapêutico. De fato, as duas questões são uteis em destacar diferentes aspectos do
campo da subjetividade.

Self e narrativas
O modelo de Estados do Ego e a perspectiva cognitiva-social sugerem uma visão
relacional do Self composto por vários Selves. O Self na superfície é um sistema de
memorias declarativas e processuais, que representa o sujeito em todas as
manifestações potenciais (Scilligo, 2009). É formada por todos os Selves potenciais que
o sujeito pode ativar. Cada um deles representa e participa das experiências
relacionais / interpessoais caracterizadas pelas dimensões evolucionária e de
desenvolvimento (Figura 5). Do meu ponto de vista, cada Self tem uma narrativa que
inclui níveis pessoais, interpessoais e culturais (Tosi, 2010). Esses níveis são
entrelaçados e se influenciam mutuamente. Na verdade, da perspectiva cognitiva-
social e narrativa, o Script do sujeito pode ser entendido como um conjunto dinâmico
de narrativas criadas pelo sujeito com sub-Scripts específicos relacionados a diferentes
Selves (Tosi, 2010).
Transferência, que para Berne (1961) estava na base do Script, é conceitualizada
como padrões condicionais de pensamentos e comportamentos que ocorrem sob
condições específicas até que se possa dizer que a personalidade é feita por um
conjunto desses padrões condicionados que tendem a persistir no tempo (Andersen &
Berk, 1998). Seguindo essa linha de pensamento, penso que em psicoterapia
deveríamos examinar qual Self o paciente desenvolveu, em determinado contexto, e
qual contexto o paciente precisa para desenvolver mais selves adaptativos ou 236

autênticos. Novos Selves precisam de novos contextos intrapsíquicos, interpessoal e


cultural, assim como construção de novas histórias.

P
INDIVIDUAÇÃO A

P P C
A A
C C
ÓDIO LOVE

C C
A A
P P

ADAPTAÇÃO

Exemplo clínico
Apresentarei um breve relato como exemplo de uma nova história e um novo
Self que começa a se desenvolver numa passagem terapêutica. Sofia, uma mulher de
quarenta anos, quer explorar o significado da violência e das fantasias intrusivas contra
seu filho de dois anos. Quando ela tinha dois anos sua família migrou para uma vila no
norte da Itália, onde viveram numa comunidade com outros imigrantes com cultura,
mentalidade, opiniões semelhantes. Numa sessão Sofia relata a seguinte memória:
tem três anos e está brincando com o lixo recolhido, em containers, na rua, nos jardins
que rodeavam as casas dos membros de sua comunidade. Ela se descreve como
negligenciada e abandonada, ninguém está com ela e sua mãe está distraída.
Não sinto empatia porque ela parece estar “jogando” Vitima que, no modelo de
Estado do Ego da cognitiva-social, significaria uma adaptação raivosa a um Pai Critico
Relacional. Eu pedi que Sofia selecionasse memórias e histórias relacionadas ao
período, pedindo que sua mãe e irmã mais velha dessem mais informações sobre esse
estágio da vida. Ela veio para a próxima sessão bastante surpresa: seus familiares
deram uma versão diferente daquele período, pois muitas crianças viviam naquela
comunidade; ela não estava isolada e costumava brincar com seus colegas. 237

Lentamente uma nova história se desenrola: a criança brincando com lixo


furiosamente repreendida pela mãe, que repreende seu comportamento exploratório.
Sinto-me então genuinamente próximo dela e ofereço minha interpretação, que lhe dá
novas palavras para aquela pequena criança: “Aquela criança era curiosa e criativa e
precisava ser orientada quando explorava o mundo. ” Sofia se mobilizou com minha
interpretação e começou a desenvolver uma nova narrativa para ela. Uma criança que
começa a explorar o mundo físico precisa ser confirmada com amor e entusiasmo e ter
um controle protetor, enquanto que Sofia era raivosamente controlada pela sua mãe:
isso significa um Pai Relacional que “controla e odeia”. Então, naquele evento, ela não
estava realmente “abandonada”, um comportamento caracterizado por “liberdade e
raiva.”
Aquela experiência vivida por Sofia engloba um nível pessoal / de
desenvolvimento (o típico estágio de desenvolvimento da Criança Livre, exploração-
orientação-apego), um nível interpessoal (com sua mãe ansiosa) e um contexto
cultural relacionado a necessidades especiais: uma comunidade não integrada numa
cultura local mais ampla. Esse evento junto com muitos outros similares foi
internalizado como padrão Relacional prototípico, caracterizado por ódio e controle.
Sofia, como adulta, não sente que tenha um espaço interno para viver e desenvolver
seu potencial criativo e procriador. Ao contrário, em muitas situações ela tende a
ativar o Self Critico (ela se culpa e se desqualifica não se sentindo capaz de lidar com
situações e se identificando com a mãe agressiva). Minha interpretação oferece uma
antítese para essa visão dela mesma, que ela parece feliz em desenvolver.

O sistema de bem-estar
L.S. Benjamin (1996) sugere que pelo menos cinco processos básicos que
trabalham na transformação das experiências relacionais nas vivências intrapsíquicas:

1. Complementariedade: O sujeito reage de uma posição complementar ao outro.


Por exemplo: uma criança responde numa dependência amorosa a uma mãe
que o abraça com amor. É o mesmo princípio da Transação Complementar em
Análise Transacional clássica.
2. Introjeção: Tratar-se como é tratado por outro significativo. Note que nesse
modelo a introjeção não é oposta à projeção, como na psicanálise clássica.
3. Similaridade: Imitando o outro significativo.
4. Oposto: Adotando comportamentos que estão no quadrante oposto, por
exemplo, Rebelde versus Protetor ou Livre versus Crítico.
5. Antítese: Adotando comportamentos que são o complementar ao oposto.

Nós pensamos que esses princípios preditivos contribuem para uma maior
dinâmica no desenvolvimento do Estado do Ego, se considerarmos os níveis consciente
e inconsciente e o sistema motivacional como teoriza SCTA. No nível do inconsciente 238

eu incluo o inconsciente reprimido e não-reprimido e o fenômeno das memórias


implícitas – memória processuais, memórias primais e emocionais (Tosi, 2008). A
antítese é especialmente importante para nós praticantes porque está relacionada a
um tipo especial de Transação Cruzada.
No exemplo da Rita o terapeuta poderia facilmente reagir às acusações da Rita,
tornando-se um Pai Critico como consequência do processo de identificação projetiva.
Respondendo às acusações da Rita oferecendo entendimento empático promove um
novo processo que deve estimula-la a se abrir com liberdade num contexto relacional
seguro. O trabalho de interpretação de sua defesa deveria seguir aquele passo
terapêutico.
No exemplo da Gloria, o terapeuta decidiu estimular um uso complementar do
Adulto Protetor da Gloria transacionando do seu Adulto Protetor do Pai Relacional. Se
o terapeuta tivesse reagido complementarmente ao Adulto Rebelde da Gloria com seu
Adulto Rebelde, ela poderia ter começado e esquecer conteúdos importantes trazidos
por ela nas sessões ou ignorar sua dificuldade física e emocional, etc. Quando o
terapeuta mostrou seu interesse no tópico que ela sabia ser importante, Gloria ficou
agradecida e tocada. De fato, o terapeuta propôs a Gloria uma atitude oposta à que foi
internalizada da sua mãe distraída, que estimulou uma autorreflexão do Adulto
Protetor. Na SCTA o tratamento tem por objetivo promover o chamado “sistema de
bem-estar”, aquela rede de Estados do Ego de Desenvolvimento que inclui ativação do
Adulto Livre, Criança Livre, Criança Protetora, Adulto Protetor modelos de níveis de Pai
Livre e Pai Protetor.
Pessoas com esse perfil de Estado de Ego apresentam um bom equilíbrio
passividade-atividade, um nível alto de afetos positivos, espelhados nas suas
habilidades de agir a partir dos seus desejos, enquanto aceitam a limitação da situação
que estão vivendo. Sujeitos com perfil de Estado do Ego que podemos definir como
relacionados a uma vinculação segura, tendem a ficar em contato com seus próprios
desejos, escutar a si mesmos e manejar bem suas emoções. Eles se movem mantendo
a flexibilidade de seus valores, pois os escolheram de maneira autêntica e escolhendo
normas protetoras relacionadas aos conteúdos, sejam quais forem. Eles sabem usar os
recursos que tem ao seu redor e são capazes de desfrutar (Scilligo, 2009). Do meu
ponto de vista, essa visão de bem-estar implica que o sujeito tem que achar seu
próprio equilíbrio entre os impulsos dinâmicos de aspiração e cooperação.
Conclusão
As teorias são processos cognitivos que nos ajudam criar nossa realidade. Como
qualquer processo cognitivo é importante que estejam abertas às experiências
contínuas, às avaliações de resultados e estarem consciente de que são afetadas pela
nossa posição de observador. Espero ter oferecido algumas ferramentas e
conhecimentos relacionados à teoria, que procura explicar comportamentos, levando
em consideração a complexidade do ser humano e o respeito, que é um dever quando 239

trabalhamos em relacionamentos de ajuda. Ao mesmo tempo, como também


queremos simplicidade no processo de comunicação, espero ter usado exemplos que
permitam um diálogo na comunidade da Análise Transacional.

Tradução: Ede Lanir Ferreira Paiva, Membro Didata, área clínica


UNAT BRASIL maio 2017
CAPÍTULO 12
PSICOPOLÍTICA DE GÊNERO: TORNAR-SE HOMEM , SER E PERTENCER38
Karen Minikin & Keith Tudor

O trabalho terapêutico apresentado neste capítulo, e nossas reflexões sobre


ele, representam uma Análise Transacional (AT) contemporânea, que é formada pela
240
Psiquiatria Radical, bem como pela Análise Transacional relacional. A psiquiatria radical
(The Radical Therapist Collective, 1971; Roy & Steiner, 1988; Steiner, 1981, 2000;
Steiner et al., 1975; Wyckoff, 1976), que em alguma medida é uma tradição perdida da
Análise Transacional, foi baseada em análises da alienação, opressão e poder e na
ênfase da liberação através do contato, da conscientização, dos grupos e da ação. A
Análise Transacional Relacional (Cornell & Hargaden, 2005; Fowlie & Sills, 2011;
Hargaden & Sills, 2002; Summers & Tudor, 2000; Tudor & Summers, 2014), que, muitas
vezes, reflete a vez das relações na psicoterapia, enfatiza a intersubjetividade e a
relacionalidade. Fazendo isso nós trazemos o “velho” e o “novo” juntos e, olhando
para o presente e para o futuro, questionamos se a opressão e a alienação são
relevantes na Análise Transacional contemporânea (Minikin, 2011) e, mais
amplamente, na psicoterapia contemporânea.

Referimo-nos à psicopolítica como um termo que engloba tanto uma referência


geral para a psicoterapia que é alimentada pelo mundo social e político , como uma
referência específica ao movimento de Anti Psiquiatria do final dos anos 60 e anos 70
(Sedgwick, 1982) Referimo-nos a gênero como interessados em políticas de gênero - e
em psicopolítica – porque esta foi uma grande influência nos primórdios da Psiquiatria
Radical: mais de um quarto do livro The Radical Therapist (The Radical Therapist
Collective, 1971) foi dedicado para "Homens e Mulheres", com outros oito capítulos
sobre gênero em duas publicações subsequentes, Readings in Radical Psychiatry
(Steiner et al., 1975) e Love, Therapy and Politics (Wycoff, 1976). Neste capítulo, nos
focamos, especificamente, no trabalho terapêutico com homens que, ainda que sejam
o gênero dominante na sociedade, estão em minoria na terapia - tanto como clientes
quanto como terapeutas, em alguns campos, e estamos interessados em explorar
como a identidade social de homem se manifesta em terapia.
Como parte do primeiro critério do Exame Oral para Certificação em Análise
Transacional em aconselhamento, educação e psicoterapia, os candidatos são
avaliados nas suas habilidades de descrever as implicações das identidades culturais
,raciais e sociais e seus significados na avaliação, contrato, trabalho e relacionamento
(European Association for Transactional Analysis – EATA, 2014; International
Transactional Analysis Association – ITAA, 2013).

38
Transactional Analysis in Contemporary Psychotherapy, editado por Richard Erskine, Karnac , London
(UK), 2016. P. 257 a 275 no original.
Na área organizacional, este critério é “Compreendendo o contexto profissional” e se
refere à “visão pessoal e contextual” e à “consciência das perspectivas culturais e
sociais” (ITAA & EATA, em ambas, seção 12.7.11). Na nossa experiência como
treinadores, supervisores e examinadores observamos treinandos e candidatos (e
também examinadores) se esforçando para entender o que este critério significa, e
parte da nossa motivação para escrever esse capítulo é oferecer algum material que
discuta identidade social e sua relevância para nosso trabalho. 241

Estamos curiosos - homens não vêm para terapia (ou, se comprometem menos
com a terapia do que as mulheres), e nos perguntamos se este ainda é o caso, como
Happner e Gonzales observaram, há mais de 25 anos, que, para os homens, era
inaceitável ter problemas, era considerado não viril procurar ajuda e embaraçoso
revelar inadequações. Por isso nós imaginamos se, como colocou Rowan (1997), a
terapia é uma iniciação para a cura da psique masculina; estamos interessados sobre
se a razão instrumental ainda é uma das características definidoras da psique
masculina, que Bennett (1995) identificou como: dominação, distância, controle e
atitude de sucesso e fracasso.
O outro aspecto de gênero representado nesse capítulo é que Karen é a
terapeuta, portanto, estamos escrevendo sobre uma mulher trabalhando com
homens. Enquanto terapeuta, Karen se comprometeu a integrar uma identidade social
no seu trabalho, e estes extratos mostram sua abordagem e seu (nosso) pensamento
sobre seu trabalho com alguns homens, na sua prática. Os exemplos dos casos
oferecem ilustrações de como ela os apoia e os desafia a despertar e aprofundar suas
conexões com a masculinidade, inclusive desconstruindo suas identidades através do
exame de suas histórias pessoais, integração social e da dinâmica relacional da díade
terapêutica: “lá fora”, “naquela época” e “aqui” (Menninger, 1958). Embora nosso
enfoque, nesse capítulo, seja sobre gênero, estamos atentos a outras opressões e seu
impacto nas dinâmicas psicológicas, especialmente, as de raça e cultura. Karen
incorpora diferentes raças, e teve experiência multicultural em sua educação; Keith
esteve envolvido em trabalhos multiculturais por vários anos, escreveu sobre ser
branco (Naughton & Tudor, 2006), e é um membro ativo de um grupo profissional bi-
cultural em Aotearoa (Nova Zelândia).
Nós nos referimos a tornar-se, ser e pertencer como uma estrutura eficiente
para descrever o desenvolvimento da identidade social dos homens – na vida e na
terapia – e que envolve o trabalho de diversos escritores, tais como Karl Marx, George
Allport, Carls Rogers, Simone de Beauvoir e Eric Berne. De Marx (1932), derivamos
uma análise filosófica da alienação e, através da tradição da Psiquiatria Radical, nós
pensamos em termos de “homem”, neste caso homens, sendo alienados de si, dos
outros e de mulheres, de várias maneiras. Nós acreditamos que a fórmula da
Psiquiatria Radical, Alienação = Opressão + Engano + Isolamento, é uma maneira útil
de pensar sobre os elementos e o processo de alienação – e seu corolário, Liberação =
Consciência + Contato + Ação, como sendo uma maneira proveitosa de pensar em
“tratamento” ou terapia psicopolítica. De Simone de Beauvoir (1949) retiramos a
perspectiva construtivista que diz que “não se nasce mulher, mas sim, torna-se uma”
(p. 267), e pensamos que isso não é menos verdadeiro para os homens. De Allport
(1955) obtemos a importância da socialização no desenvolvimento da personalidade.
De Rogers, reconhecemos a importância da empatia ao desafiar a alienação: “É um dos
mais potentes aspectos da terapia, pois ela libera, confirma e traz até o mais assustado
cliente para a raça humana. Se uma pessoa pode ser compreendida, ela pertence” 242

(1986, p. 129); em resumo, “empatia dissolve alienação” (Rogers, 1975, p. 151). De


Berne, valorizamos a importância de transacionar ou se relacionar – e de analisar – o
tornar-se, o ser e o pertencer. Dada nossa perspectiva construtivista, nós devemos
esclarecer que não estamos usando “ser” como uma referência para um estado fixo e
essencialista, ao invés disso, referimo-nos a um processo contínuo de ser e integrar o
ser humano.
Psiquiatria Radical e relacionalidade
Um dos desafios oferecidos pela Psiquiatria Radical foi a recuperação do termo
e da prática da “psiquiatria”, traduzida a partir da sua origem grega como “cura da
alma”. Neste sentido, “radical” referiu-se a raízes, isto é, voltar à raiz original ou o
significado da palavra, embora, em termos de análise política, radical também
significou e refletiu sua perspectiva de esquerda sobre a análise da psiquiatria e os
fundamentos da medicina. No que tange a gênero, alguns dos primeiros psiquiatras
radicais falaram e escreveram sobre a opressão dos homens, não como tentativa de
negar as diferenças das opressões de homens e mulheres, mas ao invés disso, como
uma forma de entender a alienação masculina. Conforme DeGolia (1976): “Enquanto
trabalhadores, profissionais, homens de negócios, nós estamos ligados a competitivos
sistemas políticos, sociais e econômicos, cuja natureza reforça nosso isolamento de um
para o outro” (pp.180-181).
A centralidade da alienação como causa de distúrbios mentais, provê escopo
para pensar uma Psiquiatria Radical relacional nos níveis individual, interpessoal,
institucional e sociocultural (Batts, 2002). Nos níveis social e cultural, as pessoas se
sentem reconhecidas ou diminuídas pelo grau de aceitação ou rejeição que lhes é
mostrado. Frequentemente, aceitação é dada na proporção do grau de conformidade
com a(s) cultura(s) dominante(s). Muitos grupos que tenham identidades
marginalizadas podem, portanto, sentir-se alienados da sociedade ou país a que
“tecnicamente” pertencem. Isto tem uma ressonância contemporânea (quando
estávamos completando esse capítulo) com o massacre de 12 pessoas que
trabalhavam para o jornal satírico Charlie Hebdo em Paris, em 07 de janeiro de 2015,
em resposta ao qual, houve renovadas discussões sobre o que significa ser e pertencer
enquanto cidadão francês, o que são valores nacionais compartilhados e princípios
éticos e se esses valores e, especificamente o livre discurso, são universais e absolutos
ou relativos e relacionais.
Então, nas dinâmicas organizacionais e de grupos, às vezes como resultado das
hierarquias de gestão familiares ou organizacionais, as pessoas são levadas a
experiências de isolamento, separação e outros tipos de aflições. Pessoas que
trabalham em organizações podem sentir-se alienadas do resultado do seu trabalho e
do trabalho em si, e pessoas vivendo em grupos podem sentir-se alienadas dos outros
e de si mesmas. Essas experiências alienadas são co-criadas interpessoalmente, em
relações pessoais e, é claro, dentro da díade terapêutica através da transferência e 243

contratransferência. No nível do indivíduo, podemos considerar as maneiras que as


experiências traumáticas e insatisfatórias foram internalizadas e fixadas nos contextos
para criar aspectos alienados do self. Vemos isso como formadores da estrutura dos
Estados de Ego, por exemplo, a própria dinâmica entre os diferentes aspectos dentro
do Estado de Ego Criança.
O trabalho relacional procura entender em profundidade e amplitude
(contexto) como nos conectamos, relacionamos e co-criamos juntos. Ter uma
abordagem relacional em Análise Transacional significa que ambos, terapeuta e
cliente, trazem suas subjetividades para o trabalho. Isto inclui todas as dinâmicas
conscientes, não conscientes e inconscientes das experiências do passado e do
presente (Summers & Tudor, 2000). Subjetividade também inclui nossos valores e
sensibilidades políticas. Nossa visão é que, em psicoterapia, o terapeuta esteja
disponível para estar o mais presente possível em si mesmo e, ao mesmo tempo, na
atenção que coloca em seus clientes. Por “presente” queremos dizer estar atento aos
sentimentos, fantasias, sensações físicas, imagens, pensamentos etc., e também à sua
desconexão temporária com o trabalho. Neste sentido, vemos consciência e contato,
articulados pela Psiquiatria Radical, como “relacional”.
Vemos como tarefa do terapeuta manter um estado de espírito o mais aberto e
curioso possível. Pensamos em seu grau de envolvimento (Erskine, 1993) como
incluindo uma disponibilidade para sentir-se desconfortável ao servir os clientes. Com
isto queremos dizer que o terapeuta esteja disponível para notar quando se sente
ameaçado ou na defensiva, disposto a se manter alerta e sensível para a dinâmica co-
criativa no consultório. Engajamento relacional significa que o terapeuta esteja
disposto a mudar sua posição algumas vezes, explorando Quadros de Referência
alternativos e, certamente, isto inclui a forma que o terapeuta faz uso do apoio e
desafio da supervisão e da terapia pessoal. Pensamos que a abertura do terapeuta
para a mudança (Kriegman & Slavin, 1998; Minikin, 2013) é uma dimensão importante
no aprofundamento do trabalho.

Apresentando os clientes
A seguir, apresentamos os quatro clientes que nos ajudaram a pensar sobre
conexões contemporâneas com a masculinidade. Todos os homens deram permissão
para seus trabalhos serem apresentados por escrito e suas identidades, incluindo seus
nomes e alguns detalhes históricos mínimos, foram ajustados, consultando-os, para
proteger suas identidades. Tony pediu um nome europeu, já que um nome de seu país
de origem poderia revelar sua identidade.
Patrick
Patrick é um homem de 25 anos de idade. Ele é branco, classe média e se
identifica como heterossexual. Ele sofreu de depressão durante o fim de sua
adolescência. Filho mais novo na sua família, experimentou abandono físico e
emocional de seu pai, que era doente. A doença de seu pai significou que sua mãe 244

estivesse preocupada com a saúde do marido. Patrick faz um grande esforço para se
sentir estabelecido como homem. Apesar das evidências de sua eficiência como
treinador de futebol e natação e sua popularidade com crianças, ele relata sentir-se
desvalorizado. A terapeuta sente-se um pouco protetora em relação a ele, o que ela
entende em parte como contratransferência concordante (Clarkson, 1992; Racker,
1957).
Tony
Tony é um homem asiático de 40 anos, que se identifica como heterossexual.
Seus pais foram para Inglaterra sem saber falar inglês e fizeram suas vidas no sul do
país. Todas as cinco crianças ajudavam nos negócios da família. Seu pai era,
notadamente, ausente no trabalho terapêutico, até que a terapeuta fez uma
observação sobre isso. Parece que seu pai passou deprimido a maior parte da sua vida
na Inglaterra. Tony dividiu mais coisas a seu respeito e, pelo visto, seu pai se reduziu a
um homem-concha. Tendo perdido o status e o respeito que tinha em seu país de
origem, foi difícil para ele se recuperar e encontrar um lugar neste país estrangeiro.
Assim como Patrick, Tony tem estado clinicamente deprimido desde que saiu de casa,
aos dezoito anos, para ir para a universidade.

Freddie
Freddie é branco, tem 41 anos e veio para terapia, pois estava sofrendo em seu
casamento e estava considerando separar-se da esposa. Ele tem dois filhos em idade
escolar e é um pai devotado e envolvido. Freddie é um empreendedor. Ele é de origem
humilde e, quando adulto, iniciou e trabalhou em diversos tipos de negócio. Ele tratou
de acumular alguma riqueza e tem sido um clássico provedor para a família. Freddie
apresenta-se como seguro de si e dominador. Ele expressa sua autoridade, com os
outros, livremente, incluindo a terapeuta. Freddie é o terceiro filho de seis e seus pais
se separaram quando ele era um bebê. Ele não sabe por que e nunca chegou a
conhecer seu pai biológico. Ele não demonstra nenhuma curiosidade em relação a isso.

George
George está quase chegando aos 60 anos, filho mais velho de uma família de
classe trabalhadora do norte. Ele se identifica como uma figura parental, tanto em sua
vida profissional quanto na pessoal. Na época em que começou a terapia, ele estava
separado da sua esposa, embora ele esperasse uma reconciliação.
George comentou que ele se ateve a sua educação como forma de escapar de sua
família e de seu grupo social. Ele foi o primeiro da família a ir para a universidade. Ele
expressou contentamento com o fato de poder falar privadamente, em terapia, sobre
assuntos que não teve a oportunidade de expressar anteriormente.

Após esta introdução dos nossos temas e dos nossos clientes, vamos explorar
alguns aspectos de suas histórias para ilustrar o desenvolvimento da identidade social 245

masculina em termos de tornar-se, ser e pertencer.

Uma deficiência de paternidade: opressão + mistificação no tornar-se um


homem
Esta sessão explora o impacto de um pai ausente no crescimento de um
menino, considerando o quanto esta ausência pode ser opressiva. Uma das
dificuldades centrais que Tony e Patrick apresentaram está relacionada à dificuldade,
ao grande esforço que fizeram, para lançar-se no mundo adulto dos homens. Eles
trouxeram muitas histórias, para Karen, que tratavam desse tema, e também inveja e
raiva de outros homens que pareciam achar fácil entrar neste mundo. Neste primeiro
extrato, nós consideramos Patrick, o mais novo dos dois homens:
PATRICK: Então eu disse para minha namorada, por favor, podemos não ver essa
gente por algumas semanas, pelo menos. Eles são queridos, mas também
me irritam profundamente.
KAREN: Você está me dizendo que, algumas vezes, parece que seu nariz está sendo
esfregado nisso.
PATRICK: Sim...
KAREN: Então, quando você me fala dos outros homens de 26 anos, eu sinto que
você está dizendo que está se comparando a eles e que quer saber em qual
medida, como homem, você está chegando aos 26.
PATRICK: É... E simplesmente não me sinto com 26.
Nós entendemos isso como um tema emergente no script de gênero: parece que
existe uma maneira bem particular na qual Tony e Patrick se sentem incompletos em
comparação a outros. Patrick via os outros homens como mais capazes, com mais
recursos, uma visão que ecoa o ponto de vista de DeGolia sobre competição. Ao
mesmo tempo, eu (Karen) penso nisto como um déficit de desenvolvimento, um tipo
particular de opressão que nasceu da falta de um pai vital. Hargaden (2013) escreveu
sobre a importância da figura paterna como uma “terceira pessoa” facilitando o
movimento de saída da simbiose. Descrevendo essa dinâmica, ela também aponta o
consultório e a influência da cultura e da sociedade, todos juntos, criando uma terceira
posição. A terapeuta procurou trazer à consciência a opressão sentida por Patrick,
tanto pelo seu incapacitado pai interno quanto pela pressão social e cultural de
adquirir alguma riqueza material para mostrar, explicitamente, a medida da sua
masculinidade.
Nós sugerimos que um pai interno ausente, passivo ou incapacitado, faz a opressão
ser mais mistificada do que um pai agressivo ou ameaçador. Neste último caso, a
criança sabe o quanto o pai é ferido, enquanto que no outro a criança apenas percebe
que ele faz um grande esforço para manter-se vivo e bem. O amortecido e até mesmo
violento processo interno não é visível. Colocando isto junto com a moderna
construção ocidental de masculinidade (por exemplo, Gregory, 2001; Shadbolt, 2009;
Wieland, 2015), não é nenhuma surpresa que estes homens percebam-se 246

fundamentalmente incompletos.
Conforme estes temas foram explorados, remexidos, revisados, o trabalho tocou
novamente em seu pai. A dor de Patrick era, normalmente, demostrada com raiva e
desdém para com seu pai. Neste ponto, Patrick sentiu-se mais conectado com seus
sentimentos de perda e tristeza na sua vida.
KAREN: Eu sigo pensando no modelo que seu pai lhe ofereceu enquanto você
crescia. Ele tinha aptidão, potencial. Mas ao tornar-se destrutivo e então
doente ele criou estragos para todos ao seu redor... Destruiu sua família, seu
grupo.
PATRICK: É... Eu acredito que é justo dizer que ele se deparou com muito
arrependimento e falava das oportunidades que perdeu. Eu odiaria olhar
para trás na minha vida com tanto arrependimento...
KAREN: Você presenciou o tormento dele...
PATRICK: Sim, ele conquistou algumas coisas e lamentou o que perdeu durante um
período de seis, sete anos... hmm... Mas não creio que farei as coisas
destrutivas que ele fez.
KAREN: Sim, você é diferente dele. Mas parece que você está colocando seu dedo
em uma coisa importante sobre a relação de seu pai com o sucesso, à qual
você também pode se referir. Existe um desejo em você, de ter alguma coisa
para se sentir orgulhoso sem o medo de perdê-la.
PATRICK: Hmm... [pausa]... isto é bem triste [chora].
KAREN: Sua tristeza parece ligada a você e seu pai?
PATRICK: Eu acho que oportunidades perdidas e sentimentos de arrependimento são
familiares.
Conforme Patrick acessou seus sentimentos de perda, incluindo a perda de um pai
presente e vibrante, ele recuperou um pouco da vitalidade da sua própria jovem vida.
Como terapeuta, eu (Karen) estava atenta a como os meus lados feminino e masculino
foram evocados por Patrick. Eu percebi que me senti, às vezes, maternal e paternal e
pude conectar com algumas de suas experiências conforme eu lembrava os desafios
dos meus 20 anos, de encarar as demandas da vida adulta independente. Enquanto,
como mulher, eu nunca pudesse saber como é estar no corpo de um homem e ter as
experiências de Patrick, durante algum tempo da minha vida trabalhei no mundo dos
homens, incluindo homens de autoridade. Eu imaginava que meu testemunho e
conhecimento destas experiências facilitariam a relação com Patrick e Tony.
Também, enquanto mulher, eu pensei – e penso – que é importante que os homens
encontrem, no seu meio social, outros homens aos quais possam respeitar e se sentir
amparados por eles. Esta é uma reflexão sobre as maneiras pelas quais nossa
identidade e experiências trazem recursos para o trabalho, porém são sempre
inevitavelmente limitadas e os “terceiros”, diferentes dos criados no consultório, são
importantes.
Patrick relatou sentir-se jovem e eu estava atenta às perdas da sua 247

adolescência. Isto era diferente da experiência que eu tive com Tony. Meu trabalho
prévio com ele dava sensação de estar na presença de um bebê sempre faminto, que
ansiava por conforto e maternagem. Ele não conseguia manter o bem-estar que
conversar comigo trazia, além do consultório. Com frequência, eu sentia que esse
bem-estar deixava de existir assim que ele fechava a porta ao sair. Esta desconexão
tinha o sabor de um processo interno violento, que é comum em pessoas que
enfrentaram traumas precoces. Era como se, quanto mais vivo o contato consigo,
menos o conseguia manter, deixando uma parte alienada de si mesmo.
Essa capacidade para uma auto experiência alienada veio parcialmente de uma
perda traumática, incluindo abandono, quando ele era muito novo. Parecia que isto
endureceu seu coração em relação a si mesmo. Esse era um processo opressivo e
mistificado, que pareceu inconsciente, mas que pôde ser acessado através da minha
experiência de ‘deixar de existir’. Ao tornar-me atenta a isso, que eu entendi como
uma transferência transformacional (Hargaden & Sills, 2002), eu pude então trazer
esse elemento para o trabalho mais adiante.
Essas experiências transferenciais ocorreram e foram tratadas em tempo e,
finalmente, Tony desenvolveu mais consciência e confiança para reconhecer quando
estava bravo com a terapeuta. Conforme o trabalho avançou, Tony relatou sentir-se
muito provocado por alguns dos homens “de apoio” do seu trabalho. Nós entendemos
isso como sua rejeição à agressão, particularmente, o tipo expressado como
arrogância. Curiosamente, logo ele se tornou amigo de um destes personagens, e
conforme começou a encarar outros homens ao seu redor como modelos, ele se
tornou mais vivo mais potente sexualmente e seu interesse em mulheres mudou. De
tê-las percebido como objetos provedores e retentores de gratificação materna, elas
se tornaram amigas e parceiras em potencial para ele. Desde o ano passado, Tony
começou a fazer aulas de dança. Isto deu uma grande oportunidade dele mexer o
corpo (ele tem aptidão natural para a dança) e tocar nas mulheres. Nesse extrato, ele
divide seu interesse em uma das mulheres da aula.

TONY: Eu estive pensando... a outra coisa é... quando eu estava mandando uma
mensagem para Rebecca ontem, eu me senti muito excitado. Normalmente,
não sinto isso...
KAREN: Tem uma energia em você.
TONY: É a primeira vez que me sinto emotivo em relação a ela... muito estranho.
KAREN: Tem alguma coisa nela que você acha muito atraente.
TONY: Hmm...
KAREN: Você sabe o que é?
TONY: Ela é muito bonita, e ela sabe dançar também...
KAREN: Seu corpo gosta dela.
A Psiquiatria Radical foi muito influenciada pelo trabalho de Reich e, nos livros sobre
terapia radical e nos exemplares da revista Radical Therapy (1969-1972), existem 248

muitas referências ao corpo e ao trabalho de corpo:


Homens foram ensinados a se relacionar com seu mundo exterior a partir de
uma perspectiva quase que inteiramente intelectual... [que] ignora sentimentos
e medos e emoções. Nosso treinamento do papel sexual desconta não somente
nossos sentimentos, mas os dos outros também... Para recuperar nossos
sentimentos – e é um processo de recuperação – nós devemos começar
recuperando nossos corpos. (DeGolia, 1976, p.188).

Conforme Tony se recuperou da depressão, a dura opressão que ele viveu começou a
desaparecer. A vida estava voltando a fluir novamente através dele, e isto foi possível
de verificar pela sua capacidade de rir e brincar com sua terapeuta. A relação deles
tomou um caminho novo e mais vital, incluindo novas perspectivas e maneiras de
contato.
Este trabalho também mostra como o trabalho terapêutico em déficits de
desenvolvimento pode ser feito de maneira que reflita a psicologia de duas pessoas
(Stark, 1999), distinta da experiência emocional corretiva ou reparadora de uma-
pessoa-e-meia – e por uma terapeuta mulher. Enquanto, em alguns momentos, é
necessário e, certamente, desejado que homens trabalhem com homens, tanto
individualmente quanto em grupo (Heppner & Gonzales, 1987; Tudor, 1999), essa
“correspondência” não é necessariamente suficiente ou sempre apropriada, e em
qualquer situação pode ser desafiadora (Tremblay & L’Heureux, 2005).
Na nossa experiência homens podem fazer um bom trabalho terapêutico com
homens e mulheres, assim como mulheres podem fazer um bom trabalho terapêutico
com mulheres e com homens (Johnson, 2005). Como em toda terapia, o que importa é
que a dinâmica de gênero, dentro e fora da relação terapêutica, seja objeto de
reflexão e discussão – em terapia, supervisão e treinamento (Rowan, 1997). O exemplo
de Tony ilustra uma expansão do anseio maternal para o engajamento com seus
desejos sexuais nas suas relações com as mulheres. Os casos seguintes continuam com
o tema de como a opressão opera na masculinidade, como isso é incorporado e como
a desmistificação e a sensibilização ajuda os homens em relação a si mesmos, bem
como no relacionamento com as mulheres.
Desconstruindo o fascista interno: da opressão à liberação (consciência) de ser
homem
Freddie tem um físico esculpido e atlético, que desmente a falibilidade de um
coração vulnerável. Dizemos isso de forma metafórica e literal, já que existe uma coisa
errada com as batidas de seu coração. Na primeira sessão, eu (Karen) fiquei paralisada
com sua estonteante beleza exterior. Seu corpo era perfeitamente desenhado, mas
também parecia inanimado e sem carga sexual, naquele encontro. Olhei para aquele 249

homem e me vi impossibilitada de falar. Ele quebrou o silêncio com um comentário


insolente.
FREDDIE: Você vai ter que fazer mais do que apenas ficar sentada aí.
Sua agressão me acordou do meu transe; eu saudei a oportunidade de me restaurar e
respondi com honestidade:
KAREN: Eu fui atingida pela sua quietude. Agora me pego refletindo, você parece ser
bem traumatizado.
Em resposta, o corpo e rosto de Freddie suavizaram e, aos meus olhos, ele pareceu
mais humano. Por fora ele se mostrava um sucesso: um homem que tinha
tudo. Focado e competitivo, ele tomava conta. Ele era um produto do
capitalismo moderno e orgulhoso das suas conquistas. Ele era o homem, em
sua prática, mais alinhado com o ajuste cultural ocidental das
representações do masculino. E ainda assim parecia estar perdido da
conexão de sua alma consigo e com os outros.

Ao refletir sobre a apresentação do Freddie, algumas ideias sobre psicopolítica


surgiram; primeiramente, sobre capitalismo e masculinidade: “O Capitalismo substitui
noções de “autorrealização” por ideias de “ter sucesso” e “provar-se” que, por sua vez,
se mostram como tarefas infinitas, pois estamos sempre nos provando contra outros”
(Seidler, 1991, p. 76); e, finalmente, sobre construtos masculinos:
Homens que podem ser descritos como entorpecidos podem ter, porém reprimir, uma
raiva interior de como foram tratados enquanto crianças... Eles podem desenvolver
uma vulnerabilidade extrema e atacar quando se sentem envergonhados,
machucados, rejeitados ou desrespeitados. (Gregory, 2001, p. 174)
A pesquisa de Gregory sobre construtos masculinos foi baseada em uma
pesquisa com homens australianos, e destacou as várias maneiras nas quais os homens
brancos australianos sentiam-se no direito de serem autoritários nas suas famílias e na
sociedade. Esse direito acarreta subjugação de tudo que é considerado emocional e
vulnerável, e é associado com o feminino. Nós entendemos isso como uma maneira
particular de auto opressão – e mistificação, na medida em que tal direito (tal
autoridade ) é baseada na coerção do outro em cenários sociais e interpessoais para
estar em conformidade com a mesma ideologia que mantém ou conserva a
homeostase social e psíquica. Isto evoca a preocupação – e o foco – que psiquiatras
radicais tiveram em relação ao poder opressivo do Pai Crítico interno.
Conforme comentou Wieland (2015) sobre o efeito de introjetar estes construtos:
“Fascismo na mente e na sociedade é o filho alienado desse casamento roto” (p.12).
Aqui Wieland estava se referindo à perda do contexto social e cultural, um aspecto do
“terceiro” também descrito por Hargaden (2013).
Eu (Karen) ouvi a história de Freddie sobre seu casamento desfeito e sobre sua
ansiedade em viver longe de seus filhos. Eu ouvi a raiva que sua esposa estava
expressando e pensei que parecia estar vindo do desenvolvimento da consciência dela 250

sobre a opressão contida nessa relação. Eu refleti sobre isso, juntamente com minha
sensação de como ele deveria ter sido afetado pelas dificuldades recentes de seu
relacionamento e a terrível e dolorosa falta que ele sentia das crianças.
Confrontar Freddie para aumentar sua consciência sobre o impacto que ele
causa-nos outros, especialmente mulheres, foi um trabalho delicado. Eu reconheci a
necessidade de, não só expor sua capacidade de oprimir, mas também de tratá-lo com
o máximo respeito e sensibilidade, dada sua predisposição para a vergonha. Um
exemplo disso é uma discussão que sucedeu um incidente durante um jantar. Uma de
suas filhas estava sendo desafiadora e Freddie fez um movimento físico impulsivo em
sua direção. Seu punho, acidentalmente, bateu na borda do prato da menina, fazendo-
o voar longe, junto com a comida. A menina caiu no choro e saiu correndo da sala de
jantar.
FREDDIE: Então, minha pergunta é: o que podemos fazer para tornar as coisas mais
fáceis para ela?
KAREN: Você está trabalhando duro para isso... pelo bem de suas filhas. Eu suponho
que haja alguma coisa para entendermos sobre o que acontece quando
alguém bloqueia a sua autoridade.
FREDDIE: Eu certamente me sinto um pouco “Arrrgh! Meu Deus... raiva!!”.
KAREN: O que você acha que é isto?
FREDDIE: Apenas ahhh... [pausa]... perder o controle, eu acho... para mim... meu
pensamento é que... Como se ela dissesse “Papai, quando você grita comigo
eu sinto medo. Errr... eu tenho medo de você.” [Pausa].
KAREN: Ela está com medo e ela está brava.
O ímpeto inicial de Freddie, e estímulo/convite para mim, foi fundir-nos, para
que pudéssemos, metaforicamente, cuidar da sua filha. Eu entendi isso como um
exemplo de opressão inconsciente e mistificação na dinâmica interpessoal entre nós.
Em outras palavras, Freddie buscava suprimir a noção sobre sua raiva porque ele se
sentia envergonhado dela. Se ele pudesse evitar sua vergonha, ele poderia se
estabilizar, mantendo sua “Okeidade” e desviando sua culpa. Se ele pudesse me
recrutar para um projeto em conjunto, ele talvez se sentisse seguro. Nesse incidente, e
na forma de contá-lo, ele tentou mudar o foco da “maldade” para com sua filha e
definir o que aconteceu como um “mero acidente”, descontando assim sua
responsabilidade por suas ações e escolhas.
Esta foi uma tentativa inconsciente de mistificar igualmente a mim e a si
mesmo, mostrando o quanto ele estava disponível para ajudar e amparar sua menina.
Isto não quer dizer que ele estivesse ou esteja mentindo. Ele tem um desejo genuíno
de se portar de maneira encorajadora e emocionalmente facilitadora para sua filha.
Ainda assim, se ele e eu tivéssemos colocado atenção na sua bondade e na vontade de
ajudar a filha, sem reconhecer sua raiva, algo importante teria sido perdido. Sua fúria
impulsiva continuaria sendo uma parte alienada dele mesmo e, sendo alienada de si, 251

provavelmente continuaria a entrar em erupção e, assim, causar alienação nas suas


relações com os outros.
Nos anos 70, parece ter havido um despertar para a consciência política,
particularmente no que diz respeito à opressão sexual e racial e à discriminação
ostensiva (para conteúdo a respeito, em relação aos homens, ver Seidler, 1992). A
ênfase em Psiquiatria Radical estava em emancipar aspectos da humanidade que eram
oprimidos no mundo real e lutar contra o opressor cultural e socialmente mantido.
Embora isto seja relevante nos dias de hoje, particularmente no desafiar sistemas
opressores (incluindo o nosso Opressor Interno/Pai Crítico), nós não costumamos
pensar que a raiva é o único sentimento que precisa ser acessado para liberação. Em
termos do nosso mundo interno, existem muitos tipos de perdas, traumas e rupturas
que precisam ser vividas. Claro, de uma perspectiva relacional, todas as perdas são
baseadas em relações, tal como no luto e na recuperação. O contato com o outro ou
outros é essencial e isto inclui compartilhar a tristeza, a raiva e os medos – todos
associados com a dor. Ecoando as fórmulas da Psiquiatria Radical, nós enquadramos
isso como: Vida Emocional -> Alfabetização Emocional + Relacionamento(s) =
Liberação.
Reconhecer a luta de Freddie com a diferença significou que eu, enquanto
terapeuta, normalmente sentia algum nível de ansiedade ao confrontá-lo. Ainda assim,
mais e mais senti e vi seu alívio quando me posicionava com autoridade. Era como se
eu pudesse liberá-lo da sua necessidade feroz de se manter grudado em sua
autoridade, quando eu impunha a minha. Ele parecia aliviado ao dividir aspectos da
sua identidade sobre os quais sentia vergonha, alívio por poder olhar para eles e
explorá-los sem medo de ser humilhado ou metaforicamente castrado (Monick, 1991).
Nós concordamos e gostamos do link feito por Shadbolt (2009) entre sexualidade e
vergonha: “O tratamento de temas relacionados à sexualidade geralmente envolvem o
‘tratamento’ da vergonha e da recuperação da vitalidade, excitação e vivacidade, bem
como a resolução do impasse eu versus não-eu” (p.170). Este último ponto é outro
exemplo de onde, para alguns clientes homens, trabalhar com uma terapeuta mulher,
que é claramente “não-eu”, pode ser terapeuticamente útil.
Contato com o self e com os outros: pertencer como homem
No nosso exemplo final, nós refletimos sobre a situação de George e um
aspecto da sua jornada em direção ao reconhecimento da sua vulnerabilidade. Ele
começou a encontrar uma maneira pela qual o masculino e o feminino não precisavam
ser tão separados em seu interior. George está aprendendo a ser um mediador e, um
pouco antes deste exemplo, ele expressou estar se sentindo muito perturbado por
uma situação que aconteceu durante seu treinamento. Ele relatou ter caído, de 252

repente, em sua vulnerabilidade, porque ele e seus colegas tiveram um atraso na volta
de um almoço:
GEORGE: Quatro de nós saímos para almoçar e me senti responsável por todos...
apesar dos outros serem capazes de se cuidar. Eu me senti culpado, pois
estávamos atrasados, embora eu não estivesse controlando quando saímos,
nem estivesse dirigindo, mas mesmo assim, me senti culpado. As outras
pessoas eram fêmeas.
KAREN: Que interessante... .
GEORGE: É...é interessante....
[Pausa]
Neste ponto eu contive a minha reação quanto à palavra “fêmeas”, que para mim
pareceu um termo estranho, dado que eram suas colegas e amigas. Eu também
pesquei sua consciência emergente quanto à politica de gênero neste grupo de
colegas.
KAREN: Então, na sua cabeça você era o líder e as outras eram suas seguidoras?
GEORGE: É... eu não tinha pensado nisso até agora...
George prosseguiu descrevendo a forte resposta somática que teve em relação ao
“mal entendido”. Ele começou a tremer e ficou sem fala.
KAREN: O que você imagina que vai acontecer com você se tivesse um momento
como aquele aqui?
GEORGE: Aqui?
KAREN: Aham.
GEORGE: Hmm... Eu provavelmente te pediria ajuda.
KAREN: O que você temeria que acontecesse no seu eu mais irracional?
GEORGE: Eu não... Eu acredito, honestamente, Karen, eu acredito que eu já passei da
fase de ter medo de você. Hmm... Eu acho que eu diria conscientemente
“Karen, eu preciso de ajuda”.
KAREN: Você acha que eu não veria isso?
GEORGE: Acho que veria [silenciosamente]... e é por isso que a confiança existe.
Eu trabalhei diretamente com nossa relação neste momento para explorar onde ele
estava na dinâmica da transferência comigo. Eu estive atenta ao desenvolvimento da
confiança e também quis saber se ele estava pronto para falar mais profundamente.
Parecia que, por agora, ele precisava sentir que estava seguro comigo.
KAREN: E estamos aprendendo, é muito assustador para você se sentir dependente.
GEORGE: É sim e isso tem a ver com não confiar nos outros... Eu senti desconfiança
de todos em minha vida... E me dou conta da tendência que tenho de ser
mais íntimo com pessoas que não conheço há tanto tempo.
KAREN: E com as quais você não teve alguma coisa ruim para testar a confiança?
GEORGE: Exatamente.
KAREN: Então, o que eu estou ouvindo é que com as relações de longa data, como a
nossa... quando as coisas vão mal, se tornam muito pesadas. 253

GEORGE: Eu com frequência digo vou confiar em você 100% até que você me ferre;
uma vez que você me ferre, você está morta; e claro, sempre haverá
momentos em que rupturas acontecem...
KAREN: ... quando você se sente ferrado, que é a sua experiência do que aconteceu
na semana passada.
GEORGE: Hmm... sim, foi exatamente isso que aconteceu.
KAREN: É exatamente a sua experiência do que aconteceu.
GEORGE: [Rindo] Sim, eu vou aceitar isso...
Este foi um desafio brincalhão de minha parte para apontar a subjetividade de
George. Nós então voltamos a explorar o que aconteceu dentro do seu pequeno grupo
de colegas. O que também chocou George foi que, uma vez que ficou vulnerável, foi o
membro aparentemente mais vulnerável do grupo que ofereceu a ele a oportunidade
de se recuperar.
KAREN: Uma experiência poderosa para você se dar conta que poderia abandonar
sua posição e confiar na capacidade de uma mulher de sintonizar com você e
tomar a liderança.
GEORGE: É, bem... eu não esperava que ela tomasse o controle da maneira que
tomou.
KAREN: Não. Eu tive a sensação que ela viu alguma coisa, teve a capacidade de se
manter firme e então responder à situação.
GEORGE: Ela disse depois que ela fica no seu melhor estado em situações de pressão.
KAREN: Quando os outros conseguem segurar a vulnerabilidade, ela tem espaço
para uma coisa diferente.
GEORGE: Sim... normalmente, ela é um indivíduo bem vulnerável.
KAREN: Mas não naquele momento.
GEORGE: Não! Ela viu um lado meu que não tinha visto antes e eu vi um lado dela que
não tinha visto antes.
KAREN: Então, parece que tem alguma coisa que pode ser compartilhada: a
liderança e a vulnerabilidade podem ser compartilhadas por homens e
mulheres no grupo, entre os vulneráveis e os aparentemente fortes. Eu sinto
que isto pode abrir todo tipo de possibilidades criativas de dinâmica no
grupo.
GEORGE: Eu acho que nosso grupo precisa de uma sacudida.
Não é coincidência que os psiquiatras radicais fizeram – e fazem – a maior parte
dos seus trabalhos em grupos, já que grupos (famílias, tribos, vizinhanças,
comunidades, organizações, etc.) são o berço de alienações e, com contato, relações e
um senso de pertencimento, são também berço de “cura” ou liberação. Conforme
Wieland (2015) colocou recentemente: “Nós nascemos em um grupo e nós adquirimos
nossa identidade em um grupo” (p.94), e, em termos de pertencimento dos homens
enquanto homens, há, com certeza, um argumento para grupos terapêuticos de e para 254

homens (Rabinowitz, 2005). Enquanto a Análise Transacional (AT) tem,


tradicionalmente, focado em autonomia (autodeterminação) (Berne, 1964), nós
também defendemos o seu corolário, isto é, homonomia (Angyal, 1941; Tudor, 2011a,
2011b), ou um sentido de pertencimento, como igual, senão o mais fundamental
aspecto da condição humana – e o resultado da psicoterapia, aconselhamento, e AT
educacional e Organizacional. Os grupos também dão grandes oportunidades para os
“terceiros”, ou o que Wieland (2015) se referiu como espaço triangular, que:

(...) leva ao reconhecimento e à aceitação de uma multiplicidade de relações que


incluem semelhanças e diferenças, ambas estando dentro e fora de um
relacionamento, ambas observando e sendo observadas e que culminam em um
self composto no qual diferentes identificações são integradas, incluindo
identificações com a mãe, isto é, inclui a integração do feminino no self
masculino. Nós chamamos isso de self democrático, que consegue reconhecer e
aceitar pluralidade, mas que é, apesar disso, enraizado em sua própria
identificação com suas figuras parentais. (p.86)

George prosseguiu dizendo como ele estava começando a entender o quão


inconscientemente opressivo e distante ele havia sido em seu casamento pela
necessidade de ser o homem responsável por sua família. Potencialmente, negou as
opiniões das outras pessoas e também evitou que elas conhecessem seu mundo
interno e seu aspecto mais emocional. Ele começou a usar a terapia para,
gradativamente, acreditar que os outros poderiam estar interessados em seu estado
emocional, sem a necessidade de julgar se ele é um homem suficientemente decente
ou não. Conforme Mazzetti (2010) colocou: “Apenas quando estivermos cientes do
relativismo dos nossos construtos poderemos nos arriscar a , realmente, abrir nossas
mentes para os outros. O resultado pode ser a co-criação de um espaço relacional
comum, culturalmente misto” (p.191). Apenas quando, neste caso, os homens
puderem desconstruir a masculinidade, o que significa ser um homem, um cara, um
garoto, um “sujeito” (Bailey, 2001), eles poderão realmente ser, continuar a tornarem-
se e pertencerem como homens.
Conclusão
O trabalho terapêutico que nós apresentamos neste capítulo mostra aspectos
das relações de homens com eles mesmos (nível intrapsíquico), com outros homens e
mulheres em suas vidas, incluindo Karen como sua terapeuta (níveis interpessoal e
sócio -cultural), e com o impacto do gênero, através de seu próprio desenvolvimento e
experiências e também de suas construções sociais (níveis
institucional/social/cultural). Embora a experiência particular de alienação possa ter 255

mudado desde a metade do século 19, quando Marx (1867) escreveu sua crítica sobre
o capitalismo no contexto da industrialização, acreditamos que o conceito de alienação
e sua tradução por terapeutas radicais é ainda um conceito muito útil para entender
e trabalhar com relações alienadas, isto é, de nós mesmos, uns com os outros, do
nosso contexto sociocultural e, sobretudo, da terra e da Terra. Terapeutas radicais
traduziram a taxonomia da alienação de Marx como a partir de nossos corações, ou
amor; de nossas mentes, ou da capacidade de pensar; de nossos corpos, ou
sentimentos; e de nossas mãos, ou trabalho (Steiner, 2000). Em termos de
proporcionar ou cocriar uma terapia que desmistifica e libera, nós concordamos com
Shadbolt (2009) que, escrevendo sobre sexualidade, comentou sobre a importância do
espaço terapêutico:

Quando se oferece um espaço ,no qual a consciência sobre a diferença e a


experiência de existir separadamente é aceita, integração e restabelecimento do
aspecto “não-eu” do self se torna possível, e clientes podem comemorar sua
excitação, , vitalidade ou seja lá o que quiserem (pp.170-171).

Em relação a Patrick, Tony, Freddie e George, a terapia continua evoluindo; e foi


tocante e instrutivo para Karen compartilhar as vinhetas e reflexões com cada um de
seus clientes. Nossa reflexão final se refere à palavra “radical”. Como sugerimos, nós
acreditamos que ambos os significados para radical – como raiz e como a análise
político-social esquerdista – são muito úteis. Existe, entretanto, um perigo na maneira
como o retorno às raízes ou ao que é considerado fundamental foi e tem sido usado
como justificativa para o fundamentalismo (Tudor, 2007). Ao que parece, atualmente,
nós temos que proteger nosso amor ao radical do ódio que está sendo direcionado a
ele, por exemplo, o Estado Islâmico radical.
Medo e ódio separam as pessoas: homens contra mulheres, brancos contra
negros, Oeste contra Oriente, muçulmanos contra judeus, muçulmanos contra
muçulmanos, e por aí vai. Nós fazemos coisas terríveis uns aos outros por não
conseguir tolerar a(s) diferença(s): talvez pelo nosso “estado de espírito fascista”. Em
resposta, sugerimos que através do sofá, da urna (Tudor & Hargaden, 2002), através
de trabalho terapêutico pessoal, amparado em psicopolítica (Minikin, 2011, 2013) e da
atividade política amparada na psicologia, precisamos nos emancipar do fascista
interno e desenvolver corações e mentes expansivos, integradores, pluralistas e
democráticos.
Tradução: Tânia E.C. Alves, Membro Didata em formação, área clínica
Revisão: Ede Lanir Ferreira Paiva, Membro Didata, área clínica
UNAT BRASIL maio/2017

256
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