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29/01/2024, 15:10 UNINTER

A CLÍNICA EM LACAN E AS
NOVAS ESTRUTURAS CLÍNICAS
AULA 1

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Prof.ª Juliana Lourenço

CONVERSA INICIAL

Iniciaremos nossos estudos, e a primeira orientação é: não tenha medo de Lacan. Ele é aquela

figura que, quando a gente olha de longe, não gosta, mas, quando nos permitimos uma aproximação,

logo vemos que se trata de uma pessoa no mínimo muito interessante.

Ao longo do nosso estudo, vamos abordar especificamente os conceitos da clínica lacaniana, pois
queremos, com isso, compreender algumas contribuições do estruturalismo a sua clínica, com o

objetivo de compreender as evidências do diagnóstico estrutural que, para além das três grandes
estruturas – neurose, psicose e perversão –, aponta para os novos sintomas, em que o Nome-do-Pai,
significante da Lei, surge pulverizado, estabelecendo novas formas de laço social de nossos dias
atuais.

Para dar início a nossa jornada de estudo, nesta abordagem buscaremos estabelecer o sentido
científico do conceito de estruturalismo para compreendermos o porquê de Lacan ter sido
considerado estruturalista; depois, pretendemos apresentar como esse saber pode ser estabelecido
na teoria psicanalítica. E, por último, tomaremos a nova compreensão sobre o inconsciente, para

então construirmos o entendimento da noção de sujeito como efeito de linguagem.

TEMA 1 – BREVE INTRODUÇÃO AO ESTRUTURALISMO

Primeiramente, é importante sabermos que o pensamento estruturalista visa identificar as


estruturas que sustentam todas as coisas que os seres humanos fazem. Para a sociologia, a
antropologia e a linguística, o estruturalismo é a metodologia pela qual elementos da cultura humana

devem ser entendidos em face a sua relação com um sistema ou estrutura maior.

A origem do termo vem do latim structura, cuja etimologia designa organização, disposição e
ordem dos elementos essenciais que compõem um corpo (concreto ou abstrato), considerando as

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relações reciprocas entre os elementos.

Frequentemente usamos o termo estrutura para pensarmos as edificações de uma construção, de


modo que, quando dizemos que a estrutura de um prédio está corrompida, significa que ele corre o
risco de desabar. Portanto, o estruturalismo visa compreender os processos de uma edificação, que,

quando passado para o campo das ciências humanas, configura exatamente um conjunto de
elementos que compõem a totalidade de um ser.

Prado Coelho (1976, p. 21), ao formular diversas noções de autores estruturalistas, conclui que é:

Um conjunto de elementos com leis próprias independentes das leis que regem cada um desses

elementos; a existência de tais leis relativas ao conjunto implica que a alteração de um dos
elementos provoque a alteração de todos os outros dado que o valor de cada elemento não

depende apenas do que ele é por si mesmo, mas depende também, e sobretudo, da posição que
ele ocupa em relação a todos os outros do conjunto.

Portanto, a noção de estruturalismo passa a ser compreendida por vários campos de saber,
implicando um novo olhar para o mundo. E foi atravessado por essa compreensão que Lacan toma a
linguística estruturalista para fazer uma releitura dos textos freudianos.

Contudo, como sempre o faz, Lacan toma o estruturalismo da linguística e, no momento

seguinte, subverte-o, de modo que, para o autor, surge em função do inconsciente, assim como este
é causado pela linguística. Diz:

A linguística fornece o material da análise, ou o aparelho com que nela se opera. Mas um campo só

é dominado por sua operação. O inconsciente pode ser, como disse, a condição da linguística. Esta,
no entanto, não tem sobre ele a menor influência (Lacan, 1970, p. 407).

Então, como veremos, o estruturalismo tem sua importância para a psicanálise, como um campo
ofertado para a operação e não pelo seu saber específico. Sobre isso, Couto e Souza (2013, p.186)
descrevem que, “mesmo que algumas ferramentas trazidas de outras áreas possibilitem à psicanálise

expandir seu horizonte de inteligibilidade, isso não significa, todavia, que uma apropriação deva ser
reportada escrupulosamente às suas fontes”.

Freud se utilizou de muitas ciências para construir a psicanálise – a medicina, a neurologia, a


psicologia, a arte e outras mais –, mas sempre reivindicou a autonomia dela. E Lacan, como sempre
fez, seguiu os seus passos, usou os saberes de sua época, mas sempre situou a psicanálise em um
lugar autônomo.

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Ainda que Freud não tenha sido considerado um estruturalista, cabe-nos lembrar que, em vários
momentos de sua obra, encontramos diversos textos em que o modelo estruturalista parece presente.

Em A psicoterapia da histeria, Freud (1895, p. 293) declara: “O material psíquico de uma histeria
assim se apresenta como uma estrutura em várias dimensões, que é estratificada em pelo
menos três formas diferentes”.
No texto A propósito de um caso de neurose obsessiva, em que apresenta o seu famoso caso
clínico, O homem dos ratos, Freud (1909, p. 124) diz: “Ainda não consegui até agora, penetrar e
elucidar por completo a complicadíssima estrutura de um caso grave de neurose obsessiva”.

Outro texto que merece destaque para compor nossa ideia de um estruturalismo enunciado por
Freud refere-se ao da Conferência XXXI, A decomposição da personalidade psíquica, em que
Freud (1933-1932, p. 54) apresenta a metáfora do cristal, trazendo uma clara ideia estruturalista.
Declara:

Se atirarmos ao chão um cristal, ele se parte, mas não em pedaços ao acaso. Ele se desfaz, segundo

linhas de clivagem, em fragmentos cujos limites, embora fossem invisíveis, estavam


predeterminados pela estrutura do cristal. Os doentes mentais são estruturas divididas e partidas do

mesmo tipo.

Assim, verificamos que Freud já enunciava, em seus textos, uma compreensão estruturalista.
Lacan (1938), antes mesmo do início oficial do seu ensino, evidencia, em seu texto Complexos
familiares, que a própria noção de complexos aponta para um entendimento estruturalista, visto que,
segundo o autor, Freud já compreendia que “a família não é dominada por comportamentos

biológicos, mas estruturada por complexos simbólicos”. Sendo assim, o Complexo de Édipo pode ser
concebido como um significante de estrutura, visto que é pelas três formas de negação da castração –
Verdrängung, Verwerfung, Verleugnung – que as estruturas clínicas se constituem.

Anos depois, Lacan propõe a releitura dos textos freudianos sob a perspectiva linguística
estrutural, cujo objetivo era reconduzir a experiência psicanalítica à fala e à linguagem.

TEMA 2 – O ESTRUTURALISMO EM LACAN

A entrada de Lacan na psicanálise se deu num momento em que a teoria freudiana estava sendo
uma leitura secundária. Os psicanalistas “pós-freudianos” tinham se enveredado pelo caminho de

análise do ego, no qual o tratamento passou a ter como finalidade a adaptação do indivíduo ao meio

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social por via da superação de suas resistências, desviando-se do campo do inconsciente, da fala e
linguagem e da experiência clínica.

Dessa forma, Lacan coordena um rigoroso movimento que ficou conhecido como “Retorno a
Freud”, partindo de uma leitura estruturalista que visava reconduzir a psicanálise ao campo da fala e
linguagem. Portanto, o que Lacan propôs com esse movimento foi uma leitura maximizada dos textos

freudianos, a fim de resgatar a essência de sua descoberta.

Lacan (1953, p. 247), então, aponta para os desvios da psicanálise, isto é, da própria teoria criada
por Freud, em que o imaginário assume o lugar central da técnica e da construção do objeto, pelo
qual pontua a necessidade de retomar a dimensão simbólica da fala.

Afirmamos, quanto a nós, que a técnica não pode ser compreendida nem corretamente aplicada,

portanto, quando se desconhecem os conceitos que a fundamentam. Nossa tarefa será demonstrar
que esses conceitos só adquirem pleno sentido ao se orientarem num campo de linguagem, ao se

ordenarem na função da fala.

No texto Função e campo da fala e da linguagem, Lacan (1953, p. 258) marca o seu
posicionamento estrutural e enfatiza a importância da fala para a psicanálise. Dessa forma, opõe-se
ao modelo ortodoxo da Sociedade Psicanalítica de Paris, da qual ele ainda estava vinculado:

É justamente a assunção de sua história pelo sujeito, no que ela é constituída pela fala endereçada

ao Outro, que serve de fundamento ao novo método a que Freud deu o nome de psicanálise em

1895, seus meios são os da fala [...]; seu campo é o do discurso concreto; suas operações são as da
história.

Nesse texto, Lacan enfatiza os princípios teóricos e práticos da psicanálise que só podem ser
reconhecidos pelas estruturas da linguagem. Assim, direciona a sua tese para o reconhecimento desta
estrutura, em que a ordem simbólica se põe como última dimensão na constituição do sujeito.

Pontes e Calazans (2017, p. 744) enfatizam a importância desse texto, no qual Lacan insere a
dimensão da linguagem no campo simbólico em que o sujeito se vê constituído:

[...] o homem fala porque o símbolo o fez homem, ou seja, é na dimensão da linguagem simbólica
que o sujeito se vê constituído.

O homem já nasce imerso num sistema simbólico que o sobredetermina (Lacan, 1953/1998). Na
medida em que a linguagem simbólica insere-o na cultura, estabelece também uma nova relação

com a realidade, baseada na mediação do símbolo entendido como significantes do pacto que

constituem como significado.

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Portanto, o sujeito surge como efeito de linguagem, ou seja, constitui-se na medida que é falado.
Nesse ponto, veremos que Lacan subverte a postulação teórica de Ferdinand de Saussure, da relação

do significado com o significante.

Veja que, em Saussure, o signo é produto da articulação de duas instâncias: o significante e o


significado. Declara: “o signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma
imagem acústica” (Saussure, 1915, p. 80).

Portanto, para Saussure, a estrutura de linguagem se institui em uma reciprocidade biunívoca


entre o significante e significado, pelo qual o signo equivale à “unidade linguística”.

Assim, ao contrário da ideia unívoca de Saussure, Lacan impõe a primazia do significante sobre o
significado (S/s), invertendo a ordem linguística. Sob essa perspectiva, nenhuma significação se
sustenta a não ser pela remissão a outra significação, ou seja, é pela articulação com outros
significantes que, de forma retroativa, chega à significação.

Dessa forma, para a psicanálise, a estrutura do significante se caracteriza pela própria articulação
dos significantes. Nesse sentido, o significante é puro nonsense (sem sentido), portanto não tem
relação com o significado, sendo apenas numa cadeia falada que o significado se produz, visto que
ele está barrado, fora da consciência, portanto, inconsciente.

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Na imagem a seguir, o S1 (significante mestre) vai na direção do S2 (significante que, por sua
composição retroativa, dá a significação ao S1) em uma cadeia de significante que está no discurso
do sujeito. Contudo, seu caminho na cadeia significante ocorre sem se articular a significação, pois,
como Lacan evidencia, a aparelhamento dos significantes passam pelo mecanismo de linguagem:
condensação e deslocamento, cujos efeitos são de metáfora e metonímia, que escamoteia o
significado que está barrado pelo recalque e só pode surgir na cadeia significante deslizando de um
significante ao outro.

Dessa forma, em uma análise, a significação, ou seja, o significado só pode ser encontrado de
forma retroativa, em que aquilo que o sujeito diz ao se articular a outro significante na associação
livre vai alcançando a significação.

Portanto, segundo Lacan, é a conexão com outros significantes, formando uma cadeia, que
constitui a estrutura do significante: “O significante como tal não se refere a nada, a não ser que se
refira a um discurso, quer dizer, a um modo de funcionamento, a uma utilização da linguagem como
liame” (Lacan, 1973, p. 43).

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Assim, é por essa estrutura de linguagem que o sujeito entra em cena, visto que é por esses
mesmos mecanismos que Lacan aponta para o inconsciente: “o inconsciente é estruturado como uma
linguagem”. Miller (1988, p. 44) evidencia a tentativa lacaniana de estruturar a fenomenologia da
experiência analítica:

Formalizar a estrutura que sustenta a fenomenologia da experiência analítica. É, evidentemente, uma

estrutura complexa, pois os fenômenos que ocorrem na experiência analítica dão, à primeira vista, a
impressão de que não podem estar estruturados, mas a metáfora [condensação] pode ser

estruturada, a metonímia [deslocamento] pode estar estruturada, o equívoco pode estar


estruturado, a função do Outro na delimitação do sentido pode estar estruturada.

Lacan assume a metodologia estrutural linguística para formalizar a experiência clínica no campo
teórico.

TEMA 3 – LACAN É ESTRUTURALISTA?

Começaremos este tópico pelo questionamento feito por Miller (1988, p. 24): Lacan é
estruturalista? A resposta que ele nos dá aponta para três sentidos diferentes:

1º sentido – Lacan é estruturalista, cuja noção de estruturalismo vem da ciência linguística por
meio de Saussure e Jakobson, por intermédio de Lévi-Strauss, que estabelece quatro condição
para uma estrutura: 1) deve apresentar um caráter de sistema e consistência, em que a
modificação de qualquer elemento acarreta todos os demais; 2) todos os modelos pertencem a
um grupo de transformações; 3) as propriedades indicadas acima permitem prever de que
modo reagirá o modelo em caso de modificação de um de seus elementos; 4) é preciso que o
funcionamento possa ser observado pelo modelo.
2º sentido – Lacan é estruturalista, com a especificidade de ser um estruturalista radical, pois ele
vai além da conjunção de estrutura e se ocupa da conjunção do sujeito, uma questão que havia
ficado excluída para os estruturalistas. Assim, ele privilegia o estruturalismo para pensar e situar
o sujeito ($), que dela estava excluído.
3º sentido – Lacan não é estruturalista, e esta resposta negativa se deve ao fato de que, para os
estruturalistas, a estrutura é completa e coerente, enquanto a estrutura lacaniana é
fundamentalmente marcada pela falta.

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Lacan opera com a metodologia estruturalista da linguística, para operar sob o sujeito que estava
reduzido a zero no estruturalismo. O aspecto fundamental da experiência analítica é o aspecto da fala,
sendo essa estrutura que escraviza o sujeito, fragmentado em efeitos de significantes. Portanto, a
psicanálise lacaniana visa recuperar o sujeito elidido do discurso da ciência, no campo da fala e da
linguagem.

TEMA 4 – FUNÇÃO E CAMPO DA FALA E LINGUAGEM

Nesse breve recorte que damos ao texto Função e campo da fala e linguagem, iremos demarcar
apenas a importância desse texto, pois foi nele que Lacan introduz o saber estrutural da linguística,

com a finalidade de explorar a prática clínica pleiteada por Freud – a cura pela fala.

Sua minuciosa exploração o levou à conclusão de que “o inconsciente é estruturado como uma
linguagem”. Dessa forma, Lacan defende que, para alcançar o sentido freudiano da fala,
primeiramente se deve reconhecer a centralidade da linguagem.

Assim, Lacan vai apontar para um ponto de tensão entre fala e linguagem, em que ele discrimina
que é pela via da ordem simbólica, e não da língua concreta, que a fala se institui. Dito de outro
modo, a linguagem, da mesma forma como se coloca a serviço da comunicação, cria barreiras para a
fala verdadeira, visto que seu sistema de funcionamento está regido por outra ordem. Portanto, Lacan
evidencia que o campo da linguagem não nos serve apenas como meio de comunicação, mas
também se coloca para o mal-entendido e o desconhecimento.

Desse modo, o modelo cartesiano “penso logo sou” se parte em “eu penso” e “eu sou”, dado
que, logo quando o sujeito se reconhece no pensar, algo do ser lhe escapa às representações.
Fingermann (2007, p. 25) ao comentar esse texto em seu artigo, declara:

Quando o sujeito se reconhece no pensar, algo do ser escapa à representação: é no intervalo que

ele vai buscar o seu tempo perdido, no intervalo entre os ditos, no interdito, e no deslizamento de

uma representação para outra. Dividido, desvanecido, intermitente, algo sempre falta a ser dito e
representado: recalque originário que condiciona todas as artimanhas e artifícios das formações do

inconsciente.

Isso significa que o ser humano, ao nascer, é imediatamente lançado ao mundo simbólico, onde
é forçado a alienar-se às representações da linguagem. E é desde aí que algo de si, daquilo que o

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fazia pertencente à natureza, se desvanece, se perde, levando-o à divisão psíquica de uma vida que
nunca chegou a ser vivida pelo sentido, apenas no Real.

Trata-se do traço da civilização, do pacto com a linguagem, que quanto mais o sujeito se aliena à

objetivação do discurso, mais ele se afasta de si, da fala verdadeira. Nesse sentido, Sales (2004)
entende que na linguagem, o homem está tão alienado quanto o louco em seu delírio. Assim, o
discurso, ou seja, a fala do sujeito tende a objetivá-lo, sendo cada vez mais barrado pelo muro da
linguagem da verdade do seu ser.

Assim, Lacan, no texto Função e campo da fala e linguagem, pretende resgatar os conceitos
freudianos para dar cientificidade a esse saber psicanalítico que incide sobre o sujeito do inconsciente
ao fazer corte em seu discurso, visto que é na fala recortada de linguagem que o sujeito constrói o
sentido do seu ser.

Fingermann (2007, p. 26) declara:

É na fala recortada da linguagem, isto é, no uso singular das leis de combinação dos elementos

próprios a cada língua, que o sujeito produz, muito mais do que uma expressão, o estilo e a marca
de sua existência sempre subposta (sub-jectum) aos enunciados de sua fala. O sujeito é função da

fala – Lacan o designa como parlêtre para marcar que, além da fala que atualiza a sua presença
dividida no mundo, nada dá sentido ao ser, a não ser a fala que atualiza a sua presença dividida no

mundo.

Portanto, é no campo da linguagem que o sujeito se estrutura, pois é desde o primeiro grito, que
vai endereçado ao Outro, que o seu corpo biológico dá lugar ao corpo pulsional. Lacan (1953, p. 280)
diz:

Os símbolos efetivamente envolvem a vida do homem numa rede tão total que conjugam, antes
que ele venha ao mundo, aqueles que irão gerá-lo “em carne e osso”; trazem em seu nascimento,

com os dons dos astros, senão com os dons das fadas, o traçado de seu destino; fornecem as
palavras que farão dele um fiel ou um renegado, a lei dos atos que o seguirão até ali onde ele não

está e para-além de sua própria morte [...].

Lacan, portanto, evidencia o caráter constituinte da linguagem, mas que precisa ser superado,
visto que se trata do lugar onde o sujeito se diz narcisicamente, de um registro imaginário onde o seu
Eu é capturado pelo sentido.

TEMA 5 – O SUJEITO COMO EFEITO DE LINGUAGEM


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Para a ciência linguística, a noção de sujeito é exterior à língua, ou seja, trata-se daquele que faz
uso da linguagem, portanto não faz parte do seu objeto de estudo. Lacan concebe a noção de sujeito
para a psicanálise em completa oposição à linguística, pois não se refere a uma categoria, mas uma
estrutura subjetiva que se institui pela sua “falta-a-ser”.

É a partir desse ponto que podemos vislumbrar mais exatamente a noção estruturalista de Lacan.
O sujeito não nasce assim como nasce um bebê, ele é efeito de linguagem, o que significa dizer que o
sujeito, para a psicanálise, não se sustenta no campo biológico, mas na ordem simbólica da
linguagem.

Lacan, como mostramos acima, encontra na linguística a metodologia certa para explicar a sua
tese sobre a constituição do sujeito. O significante, a unidade material da fala humana, está
impregnada a uma imagem sonora, e o simbólico enlaça o discurso em cadeia, produzindo o
significado através da rede de significantes. Elia (2004, p. 38) explana essa concepção do sujeito pela
linguagem:

Apliquemos agora essas condições estruturais ao processo de constituição do sujeito, para o que

temos de reconhecer à situação concreta através da qual o ser humano chega ao mundo e se insere
na ordem humana que o espera, que não apenas precede sua chegada como também terá criado as

condições de possibilidade de sua inserção nesta ordem. É por esse viés que a teoria psicanalítica do
sujeito e de sua constituição se articula interna e necessariamente com as categorias – estas

sociológicas – de sociedade e família: o ser humano entra em uma ordem que é social, e cuja

unidade celular e básica, que se organiza como a porta de entrada nesta ordem, se chama família
[...].

Portanto, é importante que percebamos agora que o sujeito do inconsciente que emerge na
análise não é propriedade de alguém, mas produto da articulação significante no campo do Outro
simbólico, ou seja, a linguagem, na qual o sujeito é seu efeito. Pelas palavras de Lacan (1965, p. 890):

Em suma, reencontramos aqui o sujeito do significante, tal como o articulamos no ano passado.
Veiculado pelo significante em sua relação com outro significante, ele deve ser severamente

distinguido tanto do indivíduo biológico quanto de qualquer evolução psicológica classificável

como objeto da compreensão.

Dessa forma, Lacan nos ensina que o modo como o sujeito se estrutura depende do campo do
Outro, lugar onde lhe pode ser formulada a questão de sua existência. Voltaremos a esse ponto mais
adiante.

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NA PRÁTICA

Trago um exemplo para tratarmos a teoria de Lacan sobre a primazia do significante, apresentado
por Christian Dunker em seu canal, Falando nisso, no YouTube.

É a dimensão do significante que representa o desejo inconsciente, ou seja, é no discurso do


sujeito, em sua cadeia significante, que o desejo desliza, porém não no seu caráter originário, pois ele
está fora de sua significação, uma vez que passam, pelos mecanismos de linguagem, a metáfora e a
metonímia. Dessa forma, podem surgir no discurso de forma decomposta, como veremos no
exemplo.

Dunker, então, resgata, em sua apresentação, um texto no qual Freud, ao comentar sobre uma
viagem pela Itália para um companheiro, recomenda que ele visite o afresco de uma igreja, mas,
quando ele vai dizer o nome do pintor da arte, ele não consegue lembrar. Esse esquecimento, ele
toma como uma formação do inconsciente, pelo qual ele esquece o nome do pintor, mas sabe que
não se trata de outros pintores, apontando para um saber que, segundo Freud, há uma determinação
nesse esquecimento, já que ele não lembra desse nome específico, mas sabe que não é outro, se não
aquele que ele esqueceu.

Freud impõe o método de associação livre para ir em busca desse saber, que ele sabe que sabe,
mas que, por algum motivo, foi recalcado e tirado de sua lembrança. É nesse ponto que Lacan

evidencia o corte da cadeia significante, em que ela não segue na cadeia, mas se transmuta em
sintomas ou em uma formação do inconsciente, que a associação livre visa recuperar.

Então, Freud, em associação, cita o nome de Botticelli, mas diz que não é esse. Em seguida, cita
Boltraffio, mas também diz saber que não é esse. Contudo, Freud insiste nesses nomes, de Boltraffio e
Botticelli, declarando que esses nomes o fazem pensar na cidade de Bósnia e Herzegovina chamada
Trafoi. Esta cidade, recorda ele, foi a cidade onde ele recebeu a notícias de que uma paciente havia
falecido, por provável negligência de sua parte, portanto ele se culpava por isso.

Seguindo o método da associação, Freud cita que Bósnia e Herzegovina é um país mulçumano
que preza muito a sexualidade, e, através dessa associação, lhe vem à mente um paciente que havia
perdido a graça de viver porque estava impotente. Essas associações o levam a pensar que os
mulçumanos que preservam a sexualidade também dão muito valor aos médicos, motivo pelo qual

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são chamados de herr, que é senhor em alemão. Nesse ponto Freud se dá conta de que herr já havia
aparecido em suas associações: Bósnia e Herzegovina.

Por esse conjunto de associações, Freud evidencia que ele foi levado a dois pontos, o da
sexualidade e o da morte, e, quando ele chega a essas associações, lembra do nome do pintor da
igreja: Signorelli. Signore, que é senhor em italiano, que, na associação, surge com herr em Alemão.

Portanto, é essa cadeia de significantes que a própria associação livre revela que não é uma
associação aleatória, visto que ela funciona pelos mecanismos de linguagem, que aponta para a
definição lacaniana: o inconsciente é estruturado como uma linguagem, na qual o significante tem a
precedência sobre o significado. Recordemos o gráfico do tópico 2.

A cadeia significante aponta para dois vetores – sexualidade e culpa.

FINALIZANDO

Finalizamos esta primeira abordagem sobre a clínica de Lacan e as novas estruturas.

No tópico 1, estudamos o que se aplica ao saber estruturalista, cujo objetivo é compreender os


processos de uma edificação, que, quando passados para o campo das ciências humanas, configura
exatamente um conjunto de elementos que compõem a totalidade de um ser.

No tópico 2, vimos que o estruturalismo em Lacan tem um princípio teórico e prático para a
psicanálise, que pode ser reconhecida pelas estruturas da linguagem. Assim, Lacan direciona a sua
tese para o reconhecimento desta estrutura, em que a ordem simbólica se põe como última dimensão
na constituição do sujeito.

No tópico 3, apresentamos que Lacan operou com a metodologia estruturalista da linguística


para operar sob o sujeito que estava reduzido a zero no estruturalismo. Nesse sentido, podemos

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considerar, pelos escritos de Miller, que Lacan foi um estruturalista radical.

No tópico 4, adentramos no texto Função e campo da fala e linguagem, no qual Lacan aponta
para a linguagem, no sentido de que o homem está tão alienado quanto o louco em seu delírio.
Assim, o discurso, ou seja, a fala do sujeito tende a objetivá-lo, sendo cada vez mais barrado pelo
muro da linguagem da verdade do seu ser.

No tópico 5, apontamos para a tese de Lacan de que o sujeito não opera sob a linguagem, mas
ele é efeito de linguagem.

REFERÊNCIAS

ELIA, L. O conceito de sujeito. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

FINGERMANN, D. O que falar quer dizer? Ide, São Paulo, v. 30, n. 45, p. 24-27, 2007. Disponível
em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
31062007000200005&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 31 ago. 2023.

LACAN, J. (1953). Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. In: _____. Escritos. Rio
de Janeiro: Zahar, 1998.

LACAN, J. (1965). A ciência e a verdade. In: _____. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

LACAN, J. (1970). Radiofonia. In: _____. Outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

LACAN, J. (1973). O seminário, livro 20. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

MILLER, J. A. Percurso de Lacan: uma introdução. Rio de Janeiro: Zahar, 1988.

PRADO COELHO, E. Introdução a um pensamento cruel: estruturas, estruturalidade e


estruturalismos. In: PRADO COELHO, E. (org.). Estruturalismo antologia de textos teóricos. São
Paulo: Martins Fontes, 1976.

SALES, L. S. Linguagem no Discurso de Roma: programa de leitura da psicanálise. Psicologia:


Teoria e Pesquisa, v. 20, n. 1, p. 49-58, abr. 2004. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0102-
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SAUSSURE, F. Curso de Linguística Geral. 24. ed. São Paulo: Cultrix, 2000.

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<https://www.youtube.com/watch?v=MmXfx_0TztI>. Acesso em: 31 ago. 2023.

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