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- TEXTO ‘ANÁLISE DO DISCURSO’, DE FERNANDA MUSSALIM -

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1 A GÊNESE DA DISCIPLINA

1.1 ESTRUTURALISMO, MARXISMO E PSICANÁLISE: UM TERRENO FECUNDO


Origem: DÉC. 60 – FRANÇA
JEAN DUBOIS (LINGUISTA) e MICHEL PÊCHEUX (FILÓSOFO) – Pontos em comum: marxismo e política; luta de
classes, história e movimento social.
O projeto da AD se inscreve num objetivo político, e a Linguística oferece meios para abordar a política.

No estruturalismo, a LÍNGUA é relativamente autônoma. É


possível estuda-la a partir de suas regularidades e, assim,
apreende-la na sua totalidade. Aqui, a língua NÃO É
apreendida na sua relação com o mundo (não são
consideradas as influências externas), mas na estrutura
interna de um sistema autônomo. É no interior do sistema
que se ESTRUTURA o OBJETO.

A vertente do ‘materialismo histórico’.


Exemplo: infraestrutura e superestrutura no capitalismo.

A teoria do filósofo Althusser (uma releitura da


teoria marxista): ideologia; Estado como aparelho
repressivo; instituições do estado como aparelhos
ideológicos.

A Linguística surge como horizonte para o projeto

althusseriano. Como a IDEOLOGIA deve ser estudada em


sua materialidade, a LINGUAGEM se apresenta como o
lugar privilegiado em que a IDEOLOGIA se materializa. Por meio da linguagem, segundo o autor, seria possível
depreender o funcionamento de uma ideologia.
PORÉM, o estruturalismo de SAUSSURE não daria conta, haja vista que não leva em conta os fatores externos ao
sistema da língua. Era preciso, então, uma TEORIA DO DISCURSO, visto como um lugar teórico para o qual
convergem COMPONENTES LINGUÍSTICOS E SOCIOIDEOLÓGICOS. É nesse contexto que nasce a AD!

PÊCHEUX, baseado numa formação filosófica, vê a instituição da AD como uma ruptura epistemológica que
coloca o estudo do discurso num outro terreno em que intervêm questões teóricas relativas à IDEOLOGIA e ao
SUJEITO. Não é uma simples superação da linguística de Saussure. Para o autor, os processos de significação não
se dariam na ordem da língua, mas na ordem do discurso, pois dependem das diferentes posições nos quais os
sujeitos se encontram – por isso a significação não seria sistematicamente apreendida. Pêcheux, então, não vê o
sujeito ou o sentido como algo individual, mas como históricos, ideológicos (uma semântica do discurso). Assim,
as condições sócio-históricas da produção de um discurso são constitutivas de suas significações.

PARALELISMO ENTRE O PROJETO DE ALTHUSSER E O PROJETO DA A.D.


Pêcheux e a análise automática do discurso: a relação das condições de produção com os processos de
produção de um discurso. O conceito de máquina discursiva – dispositivo que determina as possibilidades
discursivas dos sujeitos inseridos em determinadas formações sociais (Althusser), que designa, em um
determinado momento histórico, um estado de relações (de aliança, protagonismo ou dominação) entre as
classes sociais.

Outro elemento que compõe o projeto da AD: a psicanálise lacaniana.


Lacan faz uma releitura de FREUD recorrendo ao estruturalismo linguístico, mais especificamente a Saussure e a
Jakobson, numa tentativa de abordar de forma mais precisa o inconsciente.
O inconsciente se estrutura como linguagem, como uma cadeia de significantes que se repete e interfere no
discurso efetivo, como se o discurso fosse sempre atravessado pelo discurso do Outro, do inconsciente.
A tarefa do analista seria o de fazer vir à tona essa cadeia de onde emana o discurso do Outro ao qual o sujeito
se define, ganha identidade. Lacan aborda o inconsciente demonstrando que existe uma estrutura discursiva
que é regida por leis. AQUI HÁ IMPLICAÇÕES PARA A PSICANÁLISE.
O CONCEITO DE SUJEITO importante para a AD: o sujeito se estrutura a partir da relação que mantém com o
inconsciente, com a linguagem – a linguagem é condição do inconsciente.

Em Saussure, o sistema linguístico pelo critério da diferença!


O critério relacional entre os elementos dentro do sistema.
O critério do lugar vazio – o elemento adquire identidade fora de si (as diferenças definem os elementos).
O critério posicional que define as posições dos elementos entre si (relação binária).

Implicações para o conceito lacaniano de sujeito: ele só se define em relação ao Outro (critério diferencial e
relacional). O sujeito pode ser encontrado onde não está, ou seja, no inconsciente (critério do lugar vazio).
Assim, a IDENTIDADE do sujeito é garantida pelo Outro - inconsciente -, ou seja, por um sistema parental
simbólico que determina a posição do sujeito desde sua aparição (critério posicional).

Relação entre sujeito e Outro se apoia na oposição binária de Jakobson: o remetente (posição inicial) e
destinatário (posição terminal).

AS DIVERGÊNCIAS ENTRE O ESTRUTURALISMO E LACAN:


- A inserção do sujeito na estrutura (um deslocamento do estruturalismo saussuriano);
O sujeito é um significante do Outro, mas, por ser um sujeito clivado, inscreve-se na estrutura (definida por
relações binárias entre seus elementos) como uma descontinuidade, pois emerge no intervalo entre dois
significantes, emerge sob as palavras, sob o discurso. Assim, Lacan NÃO assume a completude do sistema
(pressuposto básico do estruturalismo), já que o sujeito “descompleta” o conjunto de significantes. O sujeito é
PURA DESCONTINUIDADE NA CADEIA SIGNIFICANTE.

- A maneira como é concebida a relação do sujeito como o Outro;


Rompe com a simetria entre os interlocutores, enquanto Jakobson atesta uma simetria por não considerar a
supremacia de nenhum deles sobre o outro. Para Lacan, o Outro ocupa uma posição de domínio em relação ao
sujeito, é uma ordem anterior e exterior a ele, em relação à qual o sujeito é definido e ganha identidade.

A relevância do projeto lacaniano à AD:


O sujeito clivado lacaniano, estruturado pela linguagem, fornece uma teoria de sujeito condizente com um
sujeito do interesse da AD, o de conceber os textos como produtos de um trabalho ideológico não consciente.
O discurso para AD: é uma manifestação, uma materialização da ideologia decorrente do modo de organização
dos modos de produção social. Assim, o SUJEITO DO DISCURSO não seria aquele que decide sobre os sentidos e
as possibilidades enunciativas de seu dizer, mas é aquele que ocupa um lugar social e a partir dele enuncia,
sempre inserido no processo histórico que lhe
permite determinadas inserções e não outras.

Ideologia para Althusser:

1.2 A ESPECIFICIDADE DA AD:

Linguística: o núcleo rígido (conjunto de regras e propriedades formais) e contornos instáveis (sujeitos inscritos
em estratégias de interlocução, em posições sociais ou em conjunturas históricas). A A.D estaria nesta última
região.
POR QUE LEMOS A TIRINHA COMO UM DISCURSO DE HUMOR? Devido as suas CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO.

São os efeitos de sentido que interessam à AD. QUAL O EFEITO DE...? A resposta a tal pergunta é o que os
analistas do discurso procuram estabelecer entre um discurso e suas condições de produção, ou seja, entre um
discurso e as condições sociais e históricas que permitiram que ele fosse produzido e gerasse determinados
efeitos de sentido e não outros.

Duas A.D: A análise do discurso francesa e a


análise do discurso anglo-saxã. Esta última
considera a intenção dos sujeitos numa
interação verbal como um dos pilares que a
sustenta; já a outra não considera a intenção
um fator determinante, pois considera que
estes sujeitos são condicionados por uma
determinada ideologia que predetermina
seus modos de dizer.

O que há em comum entre as diferentes correntes teóricas da AD é o estudo da discursivização – estudo das
relações entre condições de produção dos discursos e seus processos de constituição.

1.3 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE: A CONTRIBUIÇÃO DE HARRIS E CHOMSKY


Duas principais influências: o método harrisiano e o método das gramáticas gerativas.

O método de Harris seguia o rumo das análises estruturalistas, mas ampliava a unidade de análise.

Em Chomsky, a existência de um sistema de regras internalizadas responsável pela geração de sentenças. Na


AD, este é o caminho para reintegrar as teorias do sujeito e da situação: a noção de condições de produção é
responsável pela geração dos discursos. Tal noção caracteriza o discurso, o constitui e como tal é objeto de
análise.
2 AS FASES DA AD: OS PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE E A DEFINIÇÃO DO OBJETO

A PRIMEIRA FASE explora os discursos mais estabilizados (pouco polêmicos) por permitirem uma menor carga
polissêmica. Exemplo: um discurso político teórico-doutrinário (manifesto do Partido Comunista).

Cada processo discursivo é gerado por uma


MÁQUINA DISCURSIVA. Diferentes processos
discursivos se referem a diferentes máquinas
discursivas, cada uma delas idêntica a si mesma e
fechada sobre si mesma (PÊCHEUX).

A SEGUNDA FASE desfaz a noção de máquina estrutural fechada. O conceito de FORMAÇÃO DISCURSIVA, de
MICHEL FOUCAULT, é um dos dispositivos que desencadeia essa transformação. O autor define DISCURSO como
sendo constituído por um número limitado de enunciados para os quais se pode definir um conjunto de
condições de existência. Foco no sistema de formação de um discurso, ou seja, na formação discursiva que, para
o autor, seria:

A arqueologia proposta pelo autor não se limita a descrição de frases ou de análise das condições gramaticais da
formação dos enunciados. Seu objetivo encontra-se em fazer uma análise das condições de possibilidade que
fizeram com que, em determinados momentos históricos, apenas alguns enunciados tenham sido efetivamente
produzidos e outros não. O ENUNCIADO é uma unidade de análise, por isso busca definir as FORMAÇÕES
DISCURSIVAS a partir de suas regularidades.
Deve-se definir a unidade de um discurso considerando o campo de regularidades que rege as diversas e
dispersas modalidades de subjetividade.

Um método arqueológico que busca descrever os


sistemas de dispersão em suas regularidades

Condições históricas de enunciabilidade

Contribuição importante de Foucault para a AD: a noção


de formação discursiva / é a possibilidade de se eliminar o
problema da homogeneidade na constituição dos corpora
discursivos.

Pêcheux acolhe a noção de formação discursiva,


mas a reconfigura no quadro teórico do marxismo
althusseriano, passando a constituir a tríade
FORMAÇÃO SOCIAL, IDEOLÓGICA e DISCURSIVA.

Nessa SEGUNDA FASE, o objeto de análise passa a ser


AS RELAÇÕES ENTRE AS MÁQUINAS DISCURSIVAS.
Há um deslocamento da AD1. Agora o foco está em discursos menos estabilizados, por serem produzidos a
partir de condições de produção menos homogêneas.
A TERCEIRA FASE: Uma formação discursiva está sempre dominada pelo interdiscurso – conjunto estruturado
das formações discursivas ou, ainda, como um todo complexo com dominante (PÊCHEUX). Esse é o primado do
interdiscurso sobre o discurso. Isso exclui a possibilidade de considerar FD como unidade de análise. O objeto de
análise passa a ser O ESPAÇO DAS TROCAS ENTRE FORMAÇÕES DISCURSIVAS, OU AINDA, O INTERDISCURSO.

Para MAINGUENEAU, o interdiscurso é considerado a


partir do discurso sob o duplo ponto de vista de sua
gênese e sua relação com o interdiscurso, o que significa
assumir que a identidade de um discurso é indissociável
de sua emergência e de sua manutenção através do
interdiscurso.

Considerar a tríade UNIVERSO DISCURSIVO


(conjunto de FD de todos os tipos que interagem
em uma dada conjuntura), CAMPO DISCURSIVO
(conjunto de FD com a mesma função social – que
mantém uma relação de concorrência) / é no
interior do campo discursivo que se constitui uma
FD / e ESPAÇO DISCURSIVO (subconjunto de FD).

3 UMA ANÁLISE

3.1 COMO LER UM TEXTO: AS NOÇÕES DE FORMAÇÃO IDEOLÓGICA, DISCURSIVA, INTERDISCURSO,


CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO, HETEROGENEIDADE, SUJEITO E SENTIDO – análise de filiação pecheutiana

O texto, para a AD, é parte de uma cadeia (de um


arquivo); é uma superfície discursiva, uma manifestação
aqui e agora de um processo discursivo específico.

A perspectiva de análise de Pêcheux: uma semântica discursiva que seja da ordem das FDs e não da ordem da
língua.

Formação ideológica (FI) como um confronto de forças em um dado momento histórico / comporta mais de
uma posição / as forças podem entreter entre si relações de aliança ou de dominação.

Formação discursiva (FD) é o lugar onde se articulam discurso e ideologia. Uma FD é governada por uma FI.
Como uma FI coloca em relação necessariamente mais de uma força ideológica, uma FD sempre colocará em
jogo mais de uma posição discursiva.

Um mesmo enunciado pode ser compreendido de duas maneiras a depender do lugar ideológico de onde é
enunciado.
As formas de heterogeneidade mostrada a partir de Authier-Revuz;
A heterogeneidade constitutiva do discurso em Maingueneau.

Será a relação interdiscursiva que estruturará a


identidade das FDs. É o primado do
interdiscurso sobre o discurso.

Posição enunciativa do sujeito no discurso circula pelo espaço interdiscursivo

Campo discursivo:

3.2 A NOÇÃO DE SENTIDO PARA A AD

O(s) sentido(s) de uma FD


depende(m) da relação que ela
estabelece com as FDs no
interior do espaço discursivo.

Para a AD, o que está em questão


não é o sujeito em si, mas sim o
lugar ideológico de onde
enunciam os sujeitos.

Apesar de os sentidos possíveis de um discurso estarem fortemente condicionados, eles não estão constituídos
a priori, ou seja, eles não existem antes do discurso.

O sentido vai se constituindo na medida em que se constitui o próprio discurso.

Não existe um sentido em si, pois ele vai sendo determinado simultaneamente às posições ideológicas que vão
sendo colocadas em jogo na relação entre as FDs que compõem o interdiscurso.

O sentido não é único, já que se dá num espaço de heterogeneidade, mas é necessariamente demarcado.
Não é qualquer sentido que é constituído a partir de uma FD, mas somente aquele possível pela configuração da
FI que rege determinado discurso.

3.3 O CONCEITO DE SUJEITO NA AD


Na AD-1, o sujeito não fala por si, pois é assujeitado à maquinaria. Quem fala é uma instituição, uma ideologia,
uma teoria (pois cada processo discursivo seria gerado pela máquina discursiva).

Na AD-2, o sujeito é aquele que desempenha diferentes funções de acordo com as várias posições que ocupa no
espaço interdiscursivo. O sujeito, então, é uma função, porém sofre coerções da FD do interior da qual enuncia,
já que está regulada por uma FI. Ou seja, o sujeito ocupa um lugar de onde enuncia, e é este lugar que
determina o que ele pode ou não dizer.

Resumo sobre AD-1 e AD-2: o sujeito é influenciado por uma teoria da ideologia que coloca o sujeito no quadro
de uma FI e FD. Por isso, não existe sujeito individual, mas apenas o SUJEITO IDEOLÓGICO. A ideologia se
manifesta através dele.

Na AD-3, o sujeito é essencialmente heterogêneo e descentrado (clivado entre o consciente e o inconsciente),


compatível com uma noção de discurso marcado radicalmente pela heterogeneidade (o primado do
interdiscurso). O sujeito é descentrado porque se movimente entre os polos sem poder se definir totalmente,
perdendo a centralidade do ‘eu’, já que o ‘outro’, o desconhecido, o inconsciente, passa a fazer parte de sua
identidade.
O sujeito é descentrado, constitutivamente heterogêneo, da mesma forma como o discurso o é.

Resumo sobre a concepção de sujeito em todas as


fases da AD: elemento em comum – o sujeito não
é senhor de si.

3.4 AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO DISCURSO

PÊCHEUX E FUCHS: a dupla ilusão do sujeito – os


esquecimentos.
Essa dupla ilusão é constitutiva das condições de
produção do discurso. As manifestações que se dão
no nível da superfície discursiva (como a
heterogeneidade mostrada) foram interpretadas
como evidência dessa relação imaginária que o sujeito tem com o próprio discurso, como uma manifestação da
tentativa (ilusória) de controlar o próprio discurso.

JOGO DE IMAGENS DE UM DISCURSO para


Pêcheux.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os conceitos que embasam a AD se fundamentam sobre uma característica em comum: a da constitutividade. O
sujeito, o discurso, o sentido, as condições de produção vão se constituindo no próprio processo de enunciação.

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