Você está na página 1de 46

ANÁLISE DE DISCURSO DE

LINHA FRANCESA
PROFª SIMONE DE JESUS PADILHA
PPGEL/UFMT
MICHEL PÊCHEUX
(1938-1983)

Ele é o fundador da Análise de Discurso que teoriza como a linguagem está


materializada na ideologia e como esta se manifesta na linguagem. Ele concebe o
discurso, enquanto efeito de sentidos, como um lugar particular em que esta
relação ocorre. Pela análise do funcionamento discursivo, ele objetiva explicitar
os mecanismos da determinação histórica dos processos de significação. Michel
Pêcheux fez seus estudos na Escola Normal Superior de Paris, obtendo seu
certificado para ensinar Filosofia em 1963. Em 1966, ele passou a fazer parte do
Departamento de Psicologia no CNRS. Partindo de referências teóricas de G.
Canguilhem e L. Althusser, Pêcheux reflete sobre a história da epistemologia e a
filosofia do conhecimento empírico, visando transformar a prática das ciências
humanas e sociais. Focalizando o sentido, que é o nó em que a Linguística cruza a
Filosofia e as Ciências Sociais, Pêcheux reorganiza este campo de conhecimento.
Através do confronto do político com o simbólico, a Análise de Discurso que ele
propõe coloca questões para a Linguística interrogando-a pela historicidade que
esta exclui, assim como ela questiona as Ciências Sociais pela transparência da
linguagem sobre a qual elas se constroem.
Contexto Sociopolítico Revolucionário da
França do final dos anos 60
 É o cenário em que emergem as inquietudes e teorias de Pêcheux. O
país vivencia momentos de insurreição popular, no qual acontecem
greves gerais e rebeliões que atingem todas as camadas sociais e
econômicas, ultrapassando barreiras culturais, étnicas, etárias. Elas
começavam repentinamente com greves estudantis, alastravam-se
pelas fábricas com mais de dez milhões de trabalhadores envolvidos e
acabavam tão repentinamente quanto começavam, desencorajadas
pelo Partido Comunista Francês, de orientação stalinista, sendo
suprimidas pelo Governo. Nesse contexto político-social, De Gaulle
convoca eleições e promete aumentos salariais. Retomando o
controle, vence as eleições e encerra a crise. Esse movimento
político-social reflete-se no trabalho intelectual de Pêcheux, bem
como nos dos outros autores seus interlocutores.
Contexto Epistemológico

Estruturalismo Linguístico de Saussure


Gerativismo de Chomsky
Materialismo Histórico de Marx e
Althusser
Psicanálise de Freud e Lacan
Como a AD concebe o discurso?
 A Análise do Discurso relativiza a autonomia do objeto da Linguística, ou seja, a
língua como sistema abstrato, fechada nela mesma e impõe-lhe a “ideia” de
discurso, que é um objeto sociohistórico e no qual está implícita a intervenção do
linguístico.

 Considera a história e a sociedade (objeto das Ciências Sociais).

 Busca conceber como a linguagem se materializa na ideologia e como esta última


se manifesta na língua. Dito de outra forma, a Análise do Discurso busca apreender
como a ideologia se materializa no discurso e como o discurso se materializa na
língua, de modo a entender como o sujeito, atravessado pela ideologia de seu
tempo, de seu lugar social, lança mão da língua para significar(-se).

 Toma a linguagem como um fenômeno que deve ser estudado não só em relação ao
seu sistema interno, enquanto formação linguística a exigir de seus usuários uma
competência específica, mas também enquanto formação ideológica, que se
manifesta através de uma competência sócio-ideológica [...]
Progressos nos Estudos Linguísticos

 Formalistas Russos – anos 20 e 30, já se perguntavam como


o texto significa, entendendo haver no texto um
encadeamento de elementos transfrásticos (postura tem
retrocesso com o os estruturalistas, pois propõem o estudo
da estrutura do texto “em si mesmo e por si mesmo”
 Z. Harris – anos 50 – método distribucional – análise
transfrástica mas ainda não reflete sobre a significação e
as considerações sociohistóricas
 Benveniste – enunciação e subjetividade na linguagem
Duas direções para se pensar a teoria do
discurso
 1)
A que entende a teoria do discurso como
extensão da linguística (perspectiva
americana)
 2)Outra que considera o enveredar para a
vertente do discurso o sintoma de uma
crise interna da linguística, principalmente
na área semântica (perspectiva europeia)
AD como disciplina transversal
 Busca analisar, inicialmente, corpus tipologicamente mais marcados, sobretudo
discursos políticos de esquerda e textos impressos.
 Pêcheux começa a postular que, a partir da palavra e depois da sintaxe da língua, era
capaz de desenvolver uma máquina informática capaz de realizar uma “análise
automática do discurso”. Daí vem sua obra, de 1969, L’analyse authomatique du
discours.
 Sob o pseudônimo de Thomas Herbert, escreve “Reflexões sobre a situação teórica
das ciências Sociais e especialmente da Psicologia Social”, em 1966. Nessa Obra
demonstra a intenção de articular:
 Linguística: teoria dos mecanismos sintáticos e dos processo de enunciação
 Materialismo Histórico: Teoria das formações sociais e suas transformações –
teoria da ideologia
 Psicanálise: teoria da subjetividade / inconsciente
Quais dimensões considerar na AD?
Segundo Maingueneau:
O quadro das instituições em que o discurso é produzido, as
quais delimitam fortemente e enunciação;
Os embates históricos, sociais etc. que se cristalizam no
discurso;
O espaço próprio que cada discurso configura para si
mesmo no interior de um interdiscurso.
E mais:
“articulação entre o linguístico e o social”
“ o estudo linguístico das condições de produção”
Ideologia, discurso e subjetividade

 Pêcheux busca estabelecer uma ligação


entre ideologia, discurso e subjetividade,
em que entende o indivíduo como sujeito
“capturado”, ou seja, sujeito de uma
formação social que se reconhece como
sujeito por práticas no interior de
formações ideológicas, referendadas por
meio de formações discursivas
Ideologia
O termo ideologia: Segundo Chauí, o termo “ideologia”, criado pelo filósofo Destutt
de Tracy em 1810 na obra Elements de idéologie, nasceu como sinônimo da atividade
científica que procurava analisar a faculdade de pensar, tratando as ideias “como
fenômenos naturais que exprimem a relação do corpo humanom enquanto organismo
vivo, como o meio ambiente”.
Para Napoleão – sentido pejorativo. A ideologia passa a ser vista como uma doutrina
irrealista e sectária, sem fundamento objetivo, e perigosa para a ordem
estabelecida.
Marx: Carga semântica negativa. Sistema ordenado de ideias ou representações e das
normas e regras como algo separado e independente das condições materiais de sua
produção”. Ideias da classe dominante são as ideias dominantes de uma época.
Ideologia como ilusão, abstração e inversão da realidade.
“sistema lógico e coerente de representações (ideias e valores) e de normas ou
regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que
devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar, o que devem sentir, o
que devem fazer e como devem fazer” (Chauí, 1980)
Ideologia para Althusser

Mecanismo de perpetuação ou de reprodução das


condições matérias, ideológicas e políticas:
ARE (Aparelhos Repressores do Estado-governo): a
administração, o Exército, a polícia, os tribunais, as
prisões;
AIE (Aparelhos Ideológicos de Estado): a religião, a
escola, a família, o direito, a política, o sindicato, a
cultura, a informação
Ideologia para Althusser
Influência de Althusser (Ideologia e Aparelhos
Ideológicos do estado, 1970):
a) A ideologia representa a relação imaginária de
indivíduos com suas reais condições de existência
b) A ideologia tem uma existência porque existe
sempre num aparelho e na sua prática ou suas
práticas
C) A ideologia interpela indivíduos como sujeitos
FORMAÇÕES IDEOLÓGICAS (FI)

 Falar-se-á em formação ideológica para caracterizar um


elemento (determinado aspecto da luta nos aparelhos)
susceptível de intervir como uma força confrontada com
outras forças na conjuntura ideológica característica de
uma formação social em um momento dado; cada
formação ideológica constitui assim um conjunto
complexo de atitudes e de representações que não são
nem individuais, nem universais e que se referem mais ou
menos diretamente a posições de classes em conflito umas
com as outras. (Haroche, Henry e Pêcheux, 1971:102-103)
FORMAÇÕES DISCURSIVAS (FDs)
 Noção introduzida por Foucault (1969) para designar conjunto de
enunciados relacionados a um mesmo sistema de regras,
historicamente determinadas. Com Pêcheux essa noção entrou na AD
e no quadro teórico do marxismo althusseriano, ele adiantava que
toda formação social, passível de se caracterizar por uma certa
relação entre classes sociais, implica na existência de posições
políticas e ideológicas, que não são o feito de indivíduos, mas que se
organizam em formações que mantêm entre si relações de
antagonismo, aliança ou de dominação. Essa formações ideológicas
incluem “uma ou várias formações discursivas interligadas, que
determinam o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de
uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição
oral, de um programa etc.) a partir de uma posição dada numa
conjuntura dada” (Pêcheux et. al. 1990). Essa tese tem uma
incidência sobre a semântica, pois as palavras “mudam de sentido”
passando de uma formação discursiva a outra”.
O conceito de discurso em Foucault
 Discursos> dispersão (formado por elementos que não estão ligados
por nenhum princípio de unidade)
 AD deve descrever esta dispersão, buscando as regras que regem a
formação dos discursos.
 “Regras de formação”: possibilitam a determinação dos elementos
que compõem o discurso:
 Objetos> espaço comum discursivo
 Diferentes tipos de enunciação
 Conceitos> campo discursivo
 Temas e teorias> sistemas de relações
Regras de formação
 Asregras determinam uma “formação discursiva”, e
se apresentam como um sistema de relações entre
objetos, tipos enunciativos, conceitos e estratégias.
 Asregras caracterizam a “formação discursiva” em
sua singularidade e possibilitam a passagem da
dispersão para a regularidade.
A regularidade é atingida pela análise dos
enunciados que constituem a formação discursiva.
Definição de discurso
 Discurso: conjuntos de enunciados que se remetem a uma mesma formação
discursiva. Uma família de enunciados pertencentes a uma mesma formação
discursiva.
 Enunciado: unidade elementar, básica, que forma um discurso. Tem 4
características:
 1) Relação do enunciado com seu “referencial”> aquilo que o enunciado enuncia:
- Meu chá está muito quente.
- Meu celular está muito quente.
- Meu rosto está muito quente.
- Meu relacionamento está muito quente.
- Minha cidade está muito quente.
- Meu sorvete está muito quente.
- Meu salário está muito quente.
Alguns enunciados que podem vir de
uma mesma FD
 Palavrão não fica bem para uma mocinha.
 Que tal um esmalte mais clarinho?
 Mulher no volante, perigo constante.
 Mulher independente assusta os homens.
 Ela deve estar de TPM.
 Tá encalhada, coitada!
 Não tem mais idade para essa saia curta!
 Ela deve estar dando para ele, só pode.
 Ela é mal amada, mal comida.
 Isso é coisa de mulherzinha!
Segunda característica: relação do
enunciado com o seu sujeito
 Foucault rejeita a ideia de sujeito “enquanto instância fundadora da
linguagem “ (lembra a questão de Bakhtin de que a linguagem não é
adâmica).
 Rompe com a ideia da história com discurso do contínuo, instaurando uma
nova visão da história como ruptura e descontinuidade:
 “Descrever uma formulação enquanto enunciado não consiste em analisar
as relações entre o autor e o que ele diz (ou quis dizer, ou disse sem
querer); mas determinar qual é a posição que pode e deve ocupar todo
indivíduo para ser seu sujeito”.
 “Prática discursiva”
Assim, o sujeito...

 A concepção de discurso como um campo de regularidades, em que


diversas posições de subjetividade podem manifestar-se,
redimensiona o papel do sujeito no processo de organização da
linguagem, eliminando-o como fonte geradora de significações.
 Para Foucault, o sujeito do enunciado não é causa, origem, ou
ponto de partida do fenômeno do fenômeno de articulação
escrita ou oral de um enunciado e nem a fonte ordenadora,
móvel e constante, das operações de significação que os
enunciados viriam manifestar na superfície do discurso.
3ª e 4ª características do enunciado

 Existência de um domínio, um “campo adjacente” ou “espaço colateral”


associado ao enunciado, integrando-o ao um conjunto de enunciados.
 Condição material do enunciado: Distinção entre enunciado e enunciação:
 Enunciação: toda vez que alguém emite um conjunto de signos, é marcada
pela singularidade.
 Enunciado: resultado da enunciação, pode ser repetido.
 Ex.:
 “Você está com fome?” (Pergunta feita a um filho por uma mãe, em família)
 “Você está com fome?” (Pergunta seria mal interpretada caso fosse feita a
uma pessoa que espera na “fila de ossos”)
Contribuições das ideias de Foucault
para os estudos da linguagem
 A concepção de discurso como prática
 O conceito de formação discursiva, cujos elementos são regidos
por “regras de formação”
 Distinção entre enunciação e enunciado
 A concepção de discurso como jogo estratégico e polêmico
(luta/ação e reação/ pergunta e resposta/dominação e esquiva.
 Discurso como espaço em que saber e poder se articulam.
 A produção de discurso gerador de poder é controlada,
selecionada, organizada e redistribuída com função de eliminar
toda e qualquer ameaça à permanência desse poder.
Funcionamento da noção de FD
 A paráfrase: sistema de paráfrases em que enunciados são
retomados e reformulados num esforço constante de
fechamento de suas fronteiras em busca da preservação
de sua identidade. A essa noção, Orlandi contrapõe a de
polissemia.
 O pré-construído: ponto de articulação da teoria dos
discursos com a linguística. Remete a uma construção
anterior e exterior, independente, por oposição ao que e
“construído” pelo enunciado. O pré-construído
corresponde ao “toujours déjà-lá” da interpelação
ideológica que não só fornece mas impõe à “realidade”
(“o mundo das coisas”) o seu sentido, sob a forma de
universalidade.
Condições de Produção
 Uma definição empírica – refere-se aos aspectos empíricos
de uma dada situação de enunciação
 Uma definição teórica (AD), ao lado da noção de formação
discursiva. Pêcheux vê os protagonistas do discurso não
como presenças físicas de organismo humanos individuais,
mas a representação de “lugares determinados na
estrutura de uma formação social, lugares cujo feixe de
traços objetivos característicos pode ser descrito pela
sociologia, como uma série de formações imaginárias que
designam o lugar que o destinatário e o destinador
atribuem a si mesmo e ao outro, a imagem que eles fazem
de seu próprio lugar e do outro.”
Condições de produção > sujeito
 O conceito de CONDIÇÃO DE PRODUÇÃO tem um lugar
privilegiado, na medida em que não é mais possível atribuir ao
sujeito a produção de suas falas (portanto, não é mais possível
afirmar que o sujeito é a fonte do discurso).
 O sujeito é um efeito ideológico elementar, fruto
da interpelação que recebe da ideologia: nesta maneira
althusseriana de pensá-lo, o sujeito concreto é sempre resultado
da interpelação de indivíduos concretos.
 Aqui, Althusser é claro em seu desenvolvimento, o sujeito é
condição de existência da ideologia, ao mesmo tempo em que
a ideologia interpela indivíduos para que se tornem sujeitos.
Como assim????????????
 “Ei”!!
 “Mãeeeeeeeeeeeeeeee!!”
 “Professora, a senhora já corrigiu o trabalho?
 Você sabe com quem está falando?”

 “Deus é brasileiro”
 “A família é a célula mater da sociedade”
 “Casa de ferreiro, espeto de pau”.
Todos os indivíduos são sempre-já sujeitos e a noção de indivíduo (a unidade humana que ainda estaria fora
da ideologia) é uma noção abstrata em relação aos sujeitos concretos que já são.
Jogo de imagens...
As condições de produção do discurso mesclam o jogo de imagens que o sujeito está inserido (as
formações imaginárias a respeito de sua própria posição e da posição do outro) e a situação concreta
historicamente determinada.
Este jogo de imagens começa com as funções imaginárias que os sujeitos A e B podem atribuir a si:
•De A para A: “Quem sou eu para lhe falar assim?”;
•De B para A: “Quem é ele para que eu lhe fale assim?”;
•De B para B: “Quem sou eu para que ele me fale assim?”
•De A para B: “Quem é ele para que me fale assim?”
Depois, passa para as impressões dos sujeitos postos ao referente (R):
•De A sobre R: “De que lhe falo assim?”;
•De B sobre R: “De que ele me fala assim?”.
Uma análise....
Brasilidade/mito fundador

Brasil Tropical”
Moro num país tropical, abençoado por Deus
E bonito por natureza (mas que beleza)
Em fevereiro (em fevereiro)
Tem carnaval (tem carnaval)

Eu tenho um fusca e um violão


Sou Flamengo
Tenho uma nêga
Chamada Tereza
(Jorge Ben Jor)
A noção de sujeito
 Duas tendências de reflexão sobre a língua: representar o real e demonstrar o
real.
 Três etapas da concepção de sujeito, segundo Orlandi (1983)
1) Primeira fase: interação entre e eu e o tu.
2) Segunda fase: O tu determina o que o eu diz.
3) Terceira fase: compreensão do sujeito como incompleto, que se completa na
relação com o outro.
 Benveniste: subjetividade na linguagem (aparelho formal da enunciação:
pessoa, tempo e espaço)
 O sujeito descentrado : sujeito histórico/sujeito ideológico (vozes)
 A heterogeneidade discursiva: Tipos de discurso, formas de citação do
discurso alheio.
 Monologismo/dialogismo.
Exemplos de tipos de discurso
 Ex.: O pai disse, muito feliz:
 “Que maravilha!! Minha filha conseguiu uma vaga em uma universidade pública. Viva!!”
 O pai disse feliz, comemorando e maravilhado que a filha havia conseguido uma vaga em
uma universidade pública.
 O apresentador Sílvio Santos repetiu, no último programa, “quem queria dinheiro”, e todos
riram, felizes com seu retorno.
 O jornalista Chico Pinheiro resgatou seu famoso bordão e agitou as redes sociais, repetindo
"Que dia é hoje? Sexta-feira, graças a Deus! Graças a Deus é sexta-feira. E é vida que segue!
Até segunda", brincou o âncora no final do Bom Dia Brasil. -
 “- Quer alguma coisa? Pergunta Cristiano. Refresco?
 - Oh, não, desperta Flora. O garçom sorri.
 Cristiano, completamente feliz, aperta-lhe levemente o joelho por baixo da mesa. E Flora
resolve que nunca, nunca mais mesmo, há de perdoar Cristiano pela humilhação sofrida. E se
ele não tivesse vindo? Ah, então toda essa espera teria desculpa, teria sentido. Mas, assim?
Nunca, nunca. Revoltar, lutar, isso sim. É preciso que aquela Flora desconhecida de todos
apareça, afinal.”
A NOÇÃO DE SUJEITO
Para a AD a noção de sujeito é sempre de sujeito discursivo. Não se trata, logo, de
um sujeito empírico, isto é, Maria, João, José, Joana... Mas de um sujeito discursivo,
o que quer dizer que ele sofre a determinação do lugar social que ocupa, da
ideologia e da história. (sujeito=posição /tomada de posição no discurso)
Apesar de sofrer todas essas determinações, o sujeito mantém a ilusão de que é a
fonte do sentido, ou seja, de que é o responsável pelo seu dizer, por isso a AD afirma
que o sujeito se constitui pelo apagamento.

A prática discursiva dá estabilidade ao


LUGAR SOCIAL> SUJEITO EMPÍRICO
lugar social, por outro, o lugar
LUGAR DISCURSIVO> SUJEITO DISCURSIVO discursivo só existe porque o lugar
social o determina, impondo sua
inscrição num determinado discurso
Noção de sujeito -ESQUECIMENTOS
O sujeito – estamos falando de sujeito discursivo – se constitui pelo esquecimento, ou seja,
ele tem a ilusão de que é o dono de seu dizer, a fonte de onde se origina o sentido daquilo
que está enunciando. Segundo Orlandi (2000), “O dizer não é propriedade particular. As
palavras não são nossas. Elas significam pela história e pela língua. O que é dito em outro
lugar também significa em “nossas” palavras. O sujeito diz, pensa que sabe o que diz, mas
não tem acesso ao controle sobre o modo pelo qual os sentidos se constituem nele.”
Esquecimento nº 1 ou, nos termos de Orlandi (2001), “esquecimento ideológico”, que se refere
ao que nunca foi sabido e, no entanto, toca o sujeito falante de modo familiar por conta das
causas que o determinam (PÊCHEUX; FUCHS, 1997 [1975]). Trata-se de um esquecimento
estruturante, pois o sujeito tem a ilusão de ser fonte do seu dizer – ainda que este seja universal
e preexistente –, e graças a essa ilusão é que ele é capaz de enunciar.
Regulado pelo esquecimento nº 1, da ordem do inconsciente, encontra-se um outro tipo de
esquecimento: o esquecimento nº 2. Da ordem da enunciação, ele compreende “[...] o campo de
tudo o que teria sido possível ao sujeito dizer (mas que não diz) ou o campo de tudo a que se
opõe o que o sujeito disse [...]” (PÊCHEUX; FUCHS, 1997 [1975], p. 176). O esquecimento nº 2
trata-se de um efeito de ocultação parcial e se encontra no nível do pré-consciente. Sempre
enunciamos de uma maneira e não de outras, formando-se, assim, famílias parafrásticas ao longo
de nosso dizer, embora nem sempre tenhamos consciência disso.
Interdiscurso

 As FDs agrupam-se em complexos de FDs relacionadas, referidas como


interdiscurso, cujos significados específicos estão determinados pela
exterioridade em sua relação com o interdiscurso. Pêcheux define a noção de
interdiscurso como memória discursiva, ou seja, um conjunto de já-ditos que
sustenta todo dizer. Os sujeitos estão ligados a um saber discursivo que não
pode ser apreendido, mas que deixa transparecer seus efeitos por meio do
inconsciente e das ideologias que envolvem os sujeitos. Assim o interdiscurso
está articulado ao complexo de formações ideológicas: alguma coisa fala
antes, em outro lugar, independentemente.
Interdiscurso e intradiscurso

 Orlandi (2011), refletindo sobre essa questão, aponta para


uma imbricação entre o interdiscurso (o já-dito) e o
intradiscurso (o que se está dizendo). Ela postula a
representação em dois eixos que se cruzam: no eixo
vertical, estaria o interdiscurso, representado por todos os
já-ditos e esquecidos (o que está silenciado, mas latente),
e no eixo horizontal ficaria o intradiscurso, o que estamos
dizendo em dado momento, em dada circunstância. A
intersecção dos dois eixos representaria, portanto, o
dizível.
Exemplos

 FI sobre “ser doutor”

 Uma aluna fez um comentário, quando eu disse que tinha que ir para casa
fazer almoço e lavar roupa: “Nossa, eu pensei que doutora não fizesse essas
coisas de casa...Que ficava só lendo e escrevendo...”
 Uma outra aluna ficou espantada ao me ver pedir cerveja numa mesa em que
estávamos jantando? “Nossa, professora, a senhora bebe? Mas a senhora é
doutora...”
 O médico me pediu para descrever a dor nas costas. Disse: “Começou com
uma dor na escápula direita...” Ele me interrompeu: “Como a senhora sabe
que se chama escápula?” Respondi: “Porque o senhor não é o único Doutor
nessa sala”.
Teóricos Principais

 Michel Pêcheux
 Dominique Maingueneau
 Eni Orlandi (UNICAMP)
 Helena Nagamine Brandão (USP)
 Roberto Leiser Baronas (UFSCAR)
 Maria Inês Pagliarini Cox (UFMT)
 Maria Cecília Souza-e-Silva (PUC-SP)
 Sérgio Pedroso Flores (UFMT)
Referências

 BRANDÃO, Helena Nagamine. Introdução À Análise do Discurso. Campinas,


SP: Editora da UNICAMP, 1993.
 GARCIA, Tirza Myga. A análise do discurso francesa: uma introdução nada
irônica. Working Papers em Linguística. UFSC< n. 7, 2003, p. 121-140.
 MAINGUENEAU, Dominique. Termos-chave da Análise do Discurso. Belo
Horizonte, Editora da UFMG, 1998.
 ______. Novas tendências em Análise do Discurso. Campinas, SP: Pontes,
1993.
 OLIVEIRA, Luciano Amaral (Org.). Estudos do discurso: perspectivas teóricas.
São Paulo, Parábola Editorial, 2013. (Capítulo sobre Pêcheux, p. 209-233).
 ORLANDI, Eni Puccinelli. A Linguagem e seu funcionamento: as formas do
discurso. Campinas, SP: Pontes, 2001.

Você também pode gostar