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MALDIDIER, D. Elementos para uma história da AD na França. Em: Orlandi, E. (org.). Gestos de Leitura. Campinas: Editora da
Unicamp, 1997.
6
Trata-se do artigo “Lexicologia e análise de enunciado”, traduzido em Orlandi, E. (org). Gestos de Leitura. Campinas: Editora da Unicamp, 1997.
objeto (que não é o dado empírico, que é diferente de “enunciado”, diferente de “texto”): o
discurso, cuja espessura opera a articulação entre o lingüístico e o histórico.
Uma outra grande diferença entre as duas propostas diz respeito ao conceito de enunciação.
Em Dubois há a assunção explícita da categoria da enunciação, a partir dos trabalhos de Benveniste
e de Jakobson, o que determinava a incorporação do conceito de “sujeito do discurso” por uma via
idealista, sem problematização. Já Pêcheux, adotando a base marxista, pela perspectiva de
Althusser, propõe uma teoria não subjetiva do discurso7.
No panorama histórico posterior à fundação, mudanças políticas e epistemológicas 8 levaram
a “AD francesa” a uma incessante reconstrução e retificação. Inquieto, Pêcheux re-elaborou suas
propostas, tendo como base uma reflexão sobre os contextos epistemológicos e as “filosofias
espontâneas” subjacentes à Lingüística9.
Os trabalhos de Michel Pêcheux são fonte para inúmeras pesquisas em Análise do Discurso.
O que caracteriza essas abordagens é, principalmente, o fato de os pesquisadores colocarem-se
como tarefa a problematização permanente das suas bases epistemológicas10. Dessa
problematização permanente decorre que o objeto da AD – o discurso – seja um lugar de
enfrentamentos teórico - metodológicos.
Quatro nomes, fundamentalmente, estão no horizonte da AD derivada de Pêcheux e vão
influenciar suas propostas: Althusser com sua releitura das teses marxistas; Foucault com a noção
de formação discursiva, da qual derivam vários outros conceitos (interdiscurso; memória
discursiva; práticas discursivas; etc.); Lacan e sua leitura das teses de Freud sobre o inconsciente,
com a formulação de que ele é estruturado por uma linguagem; Bakhtin e o fundamento dialógico
da linguagem, que leva a AD a tratar da heterogeneidade constitutiva do discurso.
A natureza complexa do objeto discurso – no qual confluem a língua, o sujeito, a história –
exigiu que Michel Pêcheux propusesse a constituição da AD como um campo de articulação entre
7
A partir da clássica discussão althusseriana sobre os aparelhos ideológicos do Estado, Pêcheux desenvolve uma teoria do sujeito e da sua
interpelação pela ideologia. Não há sujeitos individuais, no discurso, há “formas-sujeito” produzidas pelo assujeitamento à ideologia.
8
Principalmente a problematização do conceito de “história”, “memória”, “interpretação” (com Courtine, principalmente) e a aproximação com J.
Authier-Revuz (cujo trabalho permite pensar as relações entre o intradiscurso e o interdiscurso).
9
Há vários textos de Michel Pêcheux nos quais ele discute as filiações, as vizinhanças, os contextos epistemológicos da Análise do Discurso.
Traduzidos para o português há, por exemplo, os seguintes textos: “Os contextos epistemológicos da Análise do Discurso”; “Há uma via para a
Lingüística fora do logicismo e do sociologismo?”; “A desconstrução das teorias lingüísticas”.
10
Um balanço dessa construção pode ser lida no texto escrito por Pêcheux em 1983 e traduzido para o português: PÊCHEUX, M. AAD: três épocas.
In: GADET, F. e HAK, F. (org.). Por uma análise automática do discurso. Uma introdução à obra de M. Pêcheux. Campinas: Pontes, 1990.
diferentes teorias, um campo transdisciplinar. No artigo escrito em conjunto com C. Fuchs,
publicado em 197511, Pêcheux apresenta o quadro epistemológico geral da AD que, segundo ele,
As contribuições de Althusser, Foucault, Lacan e Bakhtin vão operar essa articulação entre
regiões do conhecimento no alicerce da AD. Levando esses pilares para a reflexão sobre a
articulação entre língua, sujeito, discurso e história, Michel Pêcheux constituiu o edifício da Análise
do Discurso em movimentos teórico-analíticos nos quais o seu pensamento se aproximou desses
outros três pensadores. Essas aproximações não devem ser vistas de forma estanque pois, como é
próprio da natureza do fazer científico, cada um desses pensadores dedicou-se à construção de
saberes dentro das ciências humanas e, por isso, movimentaram-se, alargando e retificando
conceitos, fazendo e refazendo rumos12. Do mesmo modo, ao levar para a Análise do Discurso
idéias elaboradas por esses pensadores, Michel Pêcheux não operou apenas uma transferência de
conceitos fabricados em outros lugares; ao contrário, ele os interpretou e re-elaborou, criando
diferenças13.
11
PÊCHEUX, M. & FUCHS, C. Mises aux points et perspectives à propos de l’AAD. In: Langages 37. Paris: Larousse, março de 1975.
12
Analisando as relações entre o fazer da ciência e os movimentos históricos, afirma de Certeau (1975, p. 72): aqueles que acreditam que a ciência é
‘autônoma’ (...) consideram como não pertinente a análise das determinações sociais, e como estranhas ou acessórias as imposições que ela
desvela. Essas imposições não são acidentais. Elas fazem parte da pesquisa. Bem longe de representarem a intromissão de um estranho no Santo
dos Santos da vida intelectual, formam a textura dos procedimentos científicos.
13
Uma discussão mais extendida dessas aproximações, distanciamentos e re-elaborações operadas por Pêcheux pode ser lida em GREGOLIN, M. R.
O sentido e suas movências. In: (org). Análise do Discurso: entornos do sentido. São Paulo,
Araraquara: Acadêmica/FCL-UNESP, 2001.
caracterizar a ideologia: elas não são arbitrárias, mas orgânicas e historicamente necessárias
(Gramsci); elas têm uma função específica numa formação social - ocultam e deslocam as
contradições reais de uma sociedade; elas são inconscientes de suas próprias determinações, de seu
lugar no campo das lutas de classes; elas têm uma existência material em instituições (“aparelhos
ideológicos”).
Cada formação ideológica constitui um complexo conjunto de atitudes e de representações
que não são nem “individuais” nem “universais”, mas que se reportam mais ou menos diretamente a
posições de classes em conflito, umas em relação com as outras. As formações ideológicas
comportam uma ou mais formações discursivas, isto é, o que pode e deve ser dito a partir de uma
dada posição em uma dada conjuntura. As palavras mudam de sentido ao passar de uma formação
discursiva para outra e não podem ser apreendidas senão em função das condições de produção, das
instituições que as implicam e das regras constitutivas do discurso. Por isso, não se diz uma coisa
qualquer, num lugar qualquer, num momento qualquer.
A partir dessas idéias althusserianas, Pêcheux elaborou um conceito de condições de
produção do discurso a partir das relações entre língua e ideologia. Para ele, há um pré-asserido que
se impõe ao sujeito e vai permitir o processo de produção do discurso. É a tomada de posição do
sujeito falante em relação às representações de que é suporte. O sujeito não é considerado como um
ser individual, que produz discursos com liberdade: ele tem a ilusão de ser o dono do seu discurso,
mas é apenas um efeito do assujeitamento ideológico. O discurso é construído sobre um inasserido,
um pré-construído (um já-lá), que remete ao que todos sabem, aos conteúdos já colocados para o
sujeito universal, aos conteúdos estabelecidos para a memória discursiva.
As idéias expressas por Foucault em A Arqueologia do Saber, livro publicado em 1969, são
determinantes para a construção da Análise do Discurso. Nesse livro, de caráter teórico-
metodológico, Foucault reflete sobre os seus trabalhos anteriores e sistematiza uma série de
conceitos determinantes para a abordagem do discurso. Por ter esse caráter de revisão teórico-
analítica, nesse livro Foucault desenha um vasto campo de questões no interior das quais pode-se
pensar uma teoria do discurso, e que pode ser resumido nos seguintes pontos:
a) o discurso é uma prática que provém da formação dos saberes e que se articula com outras
práticas não discursivas;
b) os dizeres e fazeres inserem-se em formações discursivas, cujos elementos são regidos por
determinadas regras de formação;
c) como uma dessas regras, há a distinção entre enunciação (jogos enunciativos que singularizam o
discurso) e enunciado (unidade lingüística básica);
d) o discurso é um jogo estratégico e polêmico, por meio dos quais constituem-se os saberes de um
momento histórico;
e) o discurso é o espaço em que saber e poder se articulam (quem fala, fala de algum lugar, a partir
de um direito reconhecido institucionalmente);
f) a produção do discurso gerador de poder é controlada, selecionada, organizada e redistribuída
por procedimentos que visam a eliminar toda e qualquer ameaça a esse poder.
A partir dessas propostas, pode-se perceber que Foucault está interessado, ao propor uma
arqueologia do saber, em analisar as condições de possibilidade dos discursos, o campo
problemático que lhes assinala um certo modo de existência e que faz com que , em determinada
época, em determinado lugar, não se diga, não se diga absolutamente qualquer coisa. Essas
condições de possibilidade estão inscritas no discurso – elas delineiam a inscrição dos discursos
em formações discursivas. Foucault já havia analisado, nos trabalhos anteriores a maneira pela
qual se tinham modificado, no fim do século XVIII e começo do XIX, as formas de enunciação do
discurso, o conjunto dos enunciados no âmbito da formação discursiva que sustentava os saberes
nessa época14. Por meio dessa análise, Foucault estabelece explicitamente as relações entre os
dizeres e os fazeres (as práticas discursivas e as ações dos sujeitos na história dos saberes)
apontando a não-autonomia das práticas discursivas15.
14
Foucault já analisara a constituição do saber sobre a medicina e a loucura (A História da Loucura e O Nascimento da Clínica) e em As Palavras e as
Coisas ele analisara a mudança dos saberes da episteme clássica para a episteme moderna (passagem do século XVIII ao século XIX) com relação aos
temas da vida, da linguagem e do trabalho.
15
Essas propostas de Foucault foram criticadas pelos marxistas althusserianos e motivou a recusa inicial de Pêcheux em tomar os conceitos
foucaultianos. Para os marxistas, a análise de Foucault é feita em termos de justaposição: ele justapõe elementos da infra-estrutura
(processo econômico, trabalho industrial), que colocam em jogo elementos de classe (processos sociais), elementos da superestrutura jurídica
(regras da jurisprudência), elementos da superestrutura ideológica (sistemas de normas, formas de comportamento). Como se hierarquizam esses
diversos níveis para funcionarem na prática discursiva? Perguntavam os althusserianos. Evidentemente, Foucault não ficará indiferente a essas
críticas, e sua obra posterior irá voltar-se para a discussão dessa problemática apontada pelos althusserianos e a muitas outras.
arqueológico propõe a análise da irrupção histórica dos conjuntos de enunciados na
descontinuidade da história. O que se pretende analisar é essa emergência de enunciados como
acontecimentos que nem a língua nem o sentido podem esgotar inteiramente (Foucault, 1986,
p.32). Foucault propõe buscar as regularidades para descrever jogos de relações entre enunciados,
entre grupos de enunciados, entre acontecimentos, pois o enunciado, de um lado é um gesto; de
outro liga-se a uma memória, tem uma materialidade; é único mas está aberto à repetição e se
liga ao passado e ao futuro. (1986, p.32)
Apesar de as idéias da Arqueologia do Saber estarem presentes na obra inicial de Pêcheux 17,
as diferenças teóricas e ideológicas farão com que ele seja “recusado” por algum tempo. Serão os
trabalhos de J.J. Courtine, no início dos anos 80, que levarão Foucault definitivamente para o grupo
em torno de M. Pêcheux18. Em artigo no qual faz um balanço dessa construção da análise do
discurso fundada por Michel Pêcheux, Courtine 19 analisa as mudanças epistemológicas e sociais
ocorridas a partir dos anos 80, que levaram a AD à necessidade de profundas retificações. Para esse
teórico, que foi um integrante do grupo de estudos de Michel Pêcheux, as idéias de Foucault
continuam sendo fundamentais para os rumos da AD a ser feita atualmente. Segundo Courtine, as
pesquisas devem devolver à discursividade sua espessura histórica e isso só é possível se elas
descreverem a maneira como se entrecruzam historicamente regimes de práticas e séries de
enunciados, rearticulando o lingüístico e o histórico na direção apontada por Michel Foucault.
16
Foucault, M. A ordem do discurso. Trad. Laura Fraga de A Sampaio. São Paulo: Ed. Loyola, 1996.
17
E, explicitamente, Pêcheux irá referir-se ao empréstimo do conceito de “formação discursiva” em vários de seus textos.
18
Principalmente o trabalho desenvolvido em Courtine, J.J. Le discours communiste adreséé aux chrétiens. In: Langages,
19
COURTINE, J.J. O discurso intangível: marxismo e lingüística (1965-1975). Trad. De Heloisa M. Rosário. In:
Cadernos de Tradução 6. Porto Alegre: UFRGS, 1999.
20
Brait, B. O discurso sob o olhar de Bakhtin. In: Gregolin, M.R. (org.). Análise do discurso: as materialidades do sentido. São Carlos: Claraluz,
2001.
lingüísticos que é Marxismo e filosofia da linguagem21, datada de 1929 e traduzida no final da
década de 60, na verdade terá realmente repercussão na década de 80, quando aparece como
uma forma de incorporar aos estudos lingüísticos uma concepção de linguagem diferente da
lingüística da imanência, na medida em que incluía a história e o sujeito 22. Assim, Bakhtin, nesse
primeiro momento de sua recepção e repercussão, nos anos sessenta e setenta, tem um impacto
muito mais forte sobre os estudos literários do que sobre os estudos lingüísticos. Hoje, livros de
Bakhtin como Problemas da poética de Dostoiévski e A obra de François Rabelais e a Cultura
Popular na Idade Média e no Renascimento, mesmo tendo a literatura como objeto principal, é
tomado por lingüistas como fonte para a reflexão sobre gênero, polifonia, cronotopo,
carnavalização, formas de incorporação do outro à linguagem, definição do "outro" bakhtiniano,
vozes, etc.23
Segundo Brait (2001), Marxismo e filosofia da linguagem é a obra que chama a atenção dos
lingüistas e que realmente representa um marco, uma mudança de paradigma. A partir da
concepção de signo como arena de luta de classes – que recupera para os lingüistas a dimensão
histórica, social e cultural da linguagem – nesse livro há capítulos sobre a sintaxe enunciativa das
formas de citação, das formas de incorporação do outro, da alteridade constitutiva da linguagem,
bem como os germens do conceito de gênero, aspecto que bem mais tarde chamará a atenção
desses mesmos lingüistas.
21
BAKHTIN,M. (VOLOCHINOV) (1929/1997) Marxismo e filosofia da linguagem Trad. M. Lahud e Yara F. Vieira. 8 ed. São Paulo, Hucitec.
22
Segundo Maldidier (1990), foi em 1968, em um artigo intitulado “Le mot, le dialogue, le roman”, que Julia Kristeva introduziu Bakhtin na França.
Essa primeira recepção concerne essencialmente a literatura, o terreno da semiótica literária e das práticas significantes múltiplas. Os lingüistas
puderam ler, no nº 12 de Langages (preparado por Roland Barthes, 1968) um artigo de Bakhtin chamado “ O enunciado no romance”. Nos anos
1980 começa um segundo período de descoberta de Bakhtin, marcada pela multiplicação das traduções e dos estudos e a generalização das
referências em todos os campos, notadamente na lingüística. Um pandialogismo parece, então, se instalar, no qual as correntes as mais diversas se
apropriam dele. Remeto, para aprofundamento dessa questão, à leitura que Jacqueline Authier propôs em DRLAV, 26 em 1982.
23
Se há um “descompasso” entre a produção bakhtiniana em russo e sua tradução na Europa dos anos 60, no Brasil esse descompasso será ainda
mais marcante. A ditadura militar não permitiu que sua obra aqui circulasse antes da “abertura política” e ela só vai ser traduzida nos final dos
setenta e início dos anos 80. Como na Europa, num primeiro momento, Bakhtin será referência para os estudos literários. A descoberta de Bakhtin
pela lingüística brasileira ocorrerá a partir dos anos 90.
grandes questões do formalismo e do sujeito, a possibilidade de pensar a singularidade do sujeito na
língua, assim como a articulação entre a língua e o inconsciente. O ponto teórico fundamental, em
torno do qual se assentam as críticas de Pêcheux a Bakhtin, é o modelo bakhtiniano da
interindividualidade, que tem na sua base a idéia de interação sócio-comunicativa. Para Pêcheux, a
produção do sentido não pode ser pensada na esfera das relações interindividuais; do mesmo modo,
ela não pode ser tomada em relações sociais pensadas como interação entre grupos humanos.
Apesar das ressalvas de Pêcheux, a partir dos anos 80, as propostas bakhtinianas serão
incorporadas pelo grupo. Essa incorporação virá através dos trabalhos de J. Authier-Revuz e trará
para a AD a idéia de heterogeneidade do discurso, indicando uma via para a análise das relações
entre o fio do discurso (intradiscurso) e o interdiscurso, na análise das não-coincidências do dizer.
24
GADET, F. e PÊCHEUX, M. La lengua de nunca acabar. México: Fondo de Cultura Económica, 1986.
25
MILNER, J.C. O amor da língua. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.
26
Chamar os trabalhos derivados do grupo em torno de Pêcheux de “AD francesa” é aplicar um rótulo que apaga a heterogeneidade dos estudos
realizados na França entre os anos 60 e 80. Emprega-se, na expressão “AD francesa”, uma metonímia pois, na França, nessa época, havia outros
pesquisadores que pensavam em analisar o discurso. Entre eles,
aportes dos vários momentos da constituição da AD. Outra característica da Análise do Discurso
brasileira é derivada da forma como ela, historicamente, se relacionou com a Lingüística brasileira:
tendo crescido e germinado em um solo em que a Lingüística era dominada pelas tendências que
Pêcheux chamou de “logicistas”, a AD brasileira criou um campo de resistências e de confrontos 27.
A partir dos anos 90, com a superação do paradigma “logicista”, muitos estudos, dentro da
Lingüística, tomaram objetos diferenciados, que passaram a ter em comum a denominação de
“discurso” (o texto oral ou escrito, a conversação, a interação sociolingüística, etc.). Essa
denominação comum fez que as abordagens do “discurso” se tornassem dominantes e quase tudo
passou a ser rotulado de “análise do discurso”. A indicar o campo polêmico que sempre
caracterizou a AD derivada de Pêcheux, essa mudança de paradigma, no entanto, não ajudou na
compreensão nem da história nem da epistemologia dos trabalhos filiados a essa tradição. Pelo
contrário, entre os “lingüistas” que afirmam fazer “análise do discurso”, acirrou-se a luta pelas
demarcações territoriais. Enquanto isso, os “lingüistas” que afirmam não trabalhar com “análise do
discurso” entendem-na como “moda passageira”. Essa hegemonia dos trabalhos de “análise do
discurso” na Lingüística traz conseqüências muito interessantes às representações atuais sobre o
campo dos estudos da linguagem que sempre se recobriu pela Lingüística. Uma delas é o fato de
persistir a idéia de que “AD não é lingüística” num momento em que a maioria dos pesquisadores,
afirma, ao mesmo tempo, seu pertencimento ao campo da Lingüística e rotula seus trabalhos de
“análise do discurso”. E isso, surpreendentemente, convive com a idéia de que “AD é moda”.
Esses discursos evidenciam, no mínimo, que a escrita da história da AD no Brasil é um
fascinante campo de confrontos teórico-metodológicos. Um trabalho de investigação sobre a AD
feita no Brasil, que se debruce sobre esse campo e tente enxergar a sua textura histórica, é um
desafio permanente, que ainda está por ser feito. Por ora, é prudente fugir dos lugares comuns.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRAIT, B. O discurso sob o olhar de Bakhtin. In: Gregolin, M.R. (org.). Análise do discurso: as
materialidades do sentido. São Carlos: Claraluz, 2001.
CHEVALIER, J.C. La langue, linguistique et histoire. In: Faire de l’histoire. Paris: Galimard, t.3, 1974.
COURTINE, J.J. Le discours politique. Le discours communiste adresséé aux chrétiens. In: Langages 62.
Paris: Larousse, 1981.
COURTINE, J.J. O discurso intangível: marxismo e lingüística (1965-1975). Trad. rás. De Heloisa M.
Rosário. In: Cadernos de Tradução 6. Porto Alegre: UFRGS, 1999.
pode-se citar Barthes, Todorov, Greimas, Kristeva e outros. Cada um pensou essa “análise do discurso” de maneira diferente.
27
A AD é Lingüística? Essa pergunta, no Brasil, não é uma tautologia. Ela deriva da história da Lingüística no Brasil, de sua institucionalização como
disciplina. Ela sempre colocou em causa a legitimidade da Análise do Discurso, sua inserção no campo dos estudos da linguagem dominado pela
idéia de “autonomia da Lingüística”. Tomando a autonomia como critério de cientificidade, essa pergunta indagou, sempre, as vizinhanças e as
filiações da AD brasileira.
DUBOIS, J. Lexicologia e análise de enunciado. Trad. bras.em Orlandi, E. (org). Gestos de
Leitura.
Campinas: Editora da Unicamp, 1997.
FOUCAULT, M. Folie et déraison. Histoire de la folie à l’âge classique. Paris: Plon,
1961. Trad. bras. A História da Loucura. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.
PÊCHEUX, M. & FUCHS, C. Mises aux points et perspectives à propos de l’AAD. In:
Langages 37. Paris: Larousse, março de 1975.