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RESUMO
Avital Ronell investiga a cena cultural contemporânea cruzando elementos
éticos, estéticos, performáticos e literários. O mapeamento que faz do plano
dos saberes na atualidade, a partir dos Ensaios para o fim do milênio, reunidos
em Finitude’s Score (1994) e em The Telephone Book (1989), propõe uma
reflexão a partir das matrizes do pensamento da diferença, mas não se
contenta com a desconstrução operada. Atende, pois, com urgência, a um
chamado involuntário que dilacera, uma vez que é necessário prestar contas
daquilo que se impõe. O telefone torna-se, então, para ela, uma figura
metonímica da tecnologia atual, das novas mídias e dos processos de
subjetivação, dado que provoca a criação de realidades e imprevisibilidades.
Franqueamos o terreno do ruído, da falha, da lacuna, com a introdução da
tecnologia, materialidades desejáveis tão caras à literatura.
ABSTRACT
Avital Ronell investigates the contemporary cultural scene crossing ethical,
aesthetic, performative and literary elements. The mapping of the present-day
plane of knowledge which she makes from the Essays for the end of the
millennium, gathered in Finitude's Score (1994) and in The Telephone Book
(1989), proposes a reflection from the array of the thought of difference, but
does not settle with the operated deconstruction. It urgently answers, therefore,
an involuntary call that lacerates, as it is necessary to account for what imposes
itself. The phone becomes then, for her, a metonymic figure of current
technology, new types of media and subjective processes as it causes the
creation of realities and unpredictabilities. We enter the ground of the noise, of
the failure, of the gap, with the introduction of technology, desirable materialities
so precious to literature.
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Doutor em Letras Estudos Literários pela UFMG. Aluno especial da Faculdade Jesuíta de
Filosofia e Teologia – FAJE, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil; aluisaraujosj@gmail.com
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Introdução
1 O chamado e o telefone
“O telefone vem até você e lhe acaricia, ou pode ser usado como uma
arma, uma arma sem indícios, uma arma apontada para a sua cabeça”.
(RONELL, 1994, p. 34). Faz-se, dessa maneira, a comunicação do rumor da
rua e da sinfonia da orquestra. Cria-se um espaço de significantes
fragmentados, produzindo uma interseção em que as linhas públicas se cruzam
com as mais privadas, num todo harmônico. E Ronell, via telefone, conecta
livro, poética e filosofia. Realiza um trajeto dotado de extensão, um trabalho
ensaístico que envolve a captura dos processos de escrita e pensamento,
intervenção cultural, como veremos a seguir.
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O que fazer, pois, com o que existe? Como intervir? Como conseguir
que, novamente, haja uma primeira vez na já gasta discussão filosófica e
culturalista? A esse respeito, Alan Pauls (2004) comenta que Jorge Luis
Borges, por exemplo, não reduz seu pensamento e intervenção a uma apologia
da reescrita, como poderíamos ser levados a crer. O crítico argentino reforça
que o conceito de livro e, consequentemente, de obra de arte, por sua vez,
começa a se colocar verdadeiramente borgeano. Nesse sentido, Avital Ronell,
também, como se pode ver, não recai no imobilismo essencialista da
reprodução epistemológica. Ao contrário, parte para o estudo e a
experimentação com a linguagem, lançando mão da ontologia e da
interpretação como forma de compreender esse estado de ser visceral sujeito-
objeto que coloca em evidência a desaceleração da diferença. A fonte
diferencial não se expande porque não dá conta do reconhecimento do que
continua pendente, relegado à sombra, adiado em seu reconhecimento como
outro, mantido à distância, mas disposto a se enunciar a qualquer chamado,
translúcido, vivo.
já que a identidade de algo escrito não se define por uma série de atributos,
mas pela relação que mantém com os contextos nos quais aparece ou com a
época de seu surgimento e/ ou edição.
O eu, por exemplo, pode não estar ali, no fone em resposta, no dizer de
Avital Ronell. Em contrapartida, por tudo o que aprendemos de Borges,
referendado por Alan Pauls (2004), pode, por outro lado, estar gravado na
secretária, pronto para ser acionado e reproduzido. Voz sem corpo, errática,
acionada e reproduzida em cada leitura. Como destaca Ítalo Moriconi: “[...] a
dissolução do eu romântico na mascarada errante do sujeito poético instaurada
pelo modernismo, configurando uma alternativa à ‘desaparição elocutória do
eu’ proposta e realizada por Mallarmé” (MORICONI, 1996, p. 99). É, como se
pode ver, a legitimação de um sujeito poético estilhaçado, vacilante,
visualmente descentrado, no meio de palavras soltas, declarações telegráficas,
relatos reticentes, cortes.
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A expressão foi cunhada pelo próprio Borges, para designar a pessoa do escritor, segundo
Alan Pauls (2004, p. 126).
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2 O chamado e a resposta
Conclusão
REFERÊNCIAS
BORGES, Jorge Luis. Pierre Menard, autor del Quijote. In: Ficciones. Buenos
Aires: Alianza Editorial, 1945. p. 47-59.
MORICONI, Ítalo. Ana Cristina Cesar: o sangue de uma poeta. Rio de Janeiro:
Relume-Dumará, 1996.
RONELL, Avital. Finitude’s Score: Essays for the end of the millennium. Lincoln
e Londres: University of Nebraska Press, 1994.
ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.