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05/09/2015 Sobre escrita, delírios e sensibilidades: Entrevista com Raúl Antelo | JOSIMAR FERREIRA, LÚCIA BAHIA e SANDRA CHECLUSKI

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Sobre escrita, delírios e sensibilidades:


Entrevista com Raúl Antelo | JOSIMAR
FERREIRA, LÚCIA BAHIA e SANDRA
CHECLUSKI
español

Raúl Antelo. Fotografia: Nena Borba


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Raúl Antelo é professor titular de literatura brasileira na Universidade Federal de Santa Catarina.
Pesquisador­sênior do CNPq, Doctor Honoris Causa pela Universidade Nacional de Cuyo, foi
Guggenheim Fellow e professor visitante nas Universidades de Yale, Duke, Texas at Austin,
Autónoma de Barcelona e Leiden, na Holanda, dentre outras. Possui mestrado e doutorado em
Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo, é graduado em Letras Modernas pela
Universidad de Buenos Aires e em Língua Portuguesa pelo Instituto Superior del Profesorado en
Lenguas Vivas. É membro do corpo editorial de diversos periódicos, autor de inúmeros ensaios, textos
para exposições, catálogos e livros, dentre os mais recentes: Potências da Imagem (Argos, 2004),
Maria com Marcel nos trópicos (Siglo XXI, 2006), Tempos de Babel, Anacronismo e destruição
(Lume, 2007), Crítica Acéfala (Grummo, 2008), Ausências (Editora da Casa, 2009), Algaravia:
dirscursos de nação (Editora da UFSC, 2010). É um intelectual com formação na área literária, que
transita pelos territórios da filosofia, das artes visuais, da crítica cultural, da história e da política.

Sandra Checluski: Partindo da montagem em Godard, cujas proposições cinematográficas


repercutem até hoje, rememoramos a sua citação concedida à professora Rosângela Cherem para a
revista Palíndromo, publicada em 2010, a qual aponta que seu método de escrita é absolutamente
godardiano, ou seja, pura montagem. Temos visto que a terminologia montagem tem sido utilizada
para pensar a história, as artes visuais, o cinema e a literatura. Você poderia discorrer sobre o processo
de montagem na literatura e suas singularidades em relação às outras áreas?

Raúl Antelo: Eu diria que poderíamos traçar uma diferenciação entre colagem e montagem. Nas artes
plásticas, Georges Braque e Pablo Picasso inovam com a técnica dos papiers collés, as colagens, que
eu gostaria de reservar para a espacialidade. As colagens são aproximações materiais no espaço, ao
passo que as montagens prefiro entendê­las como aproximações temporais. Eu creio que de Serguei
Eisenstein em diante, isto para dar um nome, a montagem no cinema acaba ocupando a busca de um
ideal, de uma obsessão, que foi também a busca de muitos artistas plásticos e de alguns escritores.
Refiro­me à quarta dimensão, que foi uma questão da narrativa de cunho científicono final do século
XIX, mas não menos de Marcel Proust. Porque se pensarmos na recherche, ela é justamente isso: um
movimento. Sintomaticamente, o romance não se chama La recherche du temps perdu, a busca do
tempo perdido, pois não é épica, não é uma viagem. Mas sim, À la recherche du temps perdu, em
busca do tempo perdido, ou seja, já há aí uma ideia de direção, de caminhamento, no que isso tem de
impossível, como Maurice Blanchot vai deixar mais claro setenta, oitenta anos depois, em Le pas au­
delà. Esse passo em busca do tempo perdido é o não mais além: o tempo perdido está perdido e esse
não se recupera mais. O que podemos restituir é a procura, um desejo de sair à procura de. E nesse
sentido, Eisenstein, com sua teoria da montagem e da quarta dimensão, problematiza a questão do
tempo, assim como também alguns cineastas que vieram depois e dos quais Jean­Luc Godard talvez
seja um dos mais emblemáticos. Lembro­me de Alphaville, cujo final é ipsis litteris o da Nova
Refutação do Tempo, de Jorge Luis Borges: “o tempo é a substância mesma da qual sou feito. O
tempo é o rio que me carrega, mas eu sou o rio: é o tigre que me rasga, mas eu sou o tigre: é o fogo
que me consome, mas eu sou o fogo.” Godard se apropria do texto, claro, sem dar crédito, pois esta
também é uma das contribuições borgeanas a essa teoria. No Pierre Menard, autor de Quixote,
Borges diz algo muito crucial para entendê­la. Pierre Menard realizou uma tremenda contribuição à
estética: a do anacronismo deliberado e a atribuição errônea. Pois foi alguém que quis escrever o
Quixote sem nunca tê­lo lido, sem ter o prévio conhecimento da experiência. Esse anacronismo
deliberado e essa atribuição errônea condensam na teoria do palimpsesto, palavra que faz parte do
conto de Pierre Menard, em 1939. Então, quando a refutação do tempo é dita/dublada, por assim
dizer, em Alphaville, nós temos uma cifra do que podemos fazer com a montagem temporal, que
algumas décadas depois ganharia consistência conceitual com o projeto teórico do Georges Didi­
Huberman, que não faz outra coisa a não ser tomar esta montagem de tempos como uma alternativa
para o historicismo.

Josimar Ferreira: Quais seriam as implicações demandadas pela montagem como operação de
pensamento?

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R. A.: A montagem é isto: intervir e cortar para que o ar circule, para que entre a diferença, para que
se desmanche a hipótese e a ilusão de termos capturado uma essência, uma verdade atemporal. Para
que, ao contrário, nós possamos fazer com que o ar circule, o ar e tudo que ele supõe: o som e a fúria,
todas as perturbações, todas as vozes, todos os ecos e distorções. Isto me parece que é reinventar o
objeto, que é o que Didi­Huberman realiza a seu modo. Mas é fundamental, creio eu, entender que seu
projeto não se concretizaria sem essa colaboração de muitos escritores nem sempre ponderados por
ele. Uma das minhas restrições, por exemplo, à exposição Atlas: ¿Cómo llevar el mundo a cuestas?,
que Didi­Huberman realizou no Museu Reina Sofía, em 2011, passa justamente pelo papel muito
secundário que atribui à América Latina, quando, a meu ver, é justamente aqui que começa essa
discussão e da qual ele não se dá conta por inteiro. Parece­me que, como todo historiador da arte
europeu, ele tem uma versão um pouco estereotipada, bastante parcial e muito fragmentária. E se você
contempla os objetos latino­americanos que escolheu para Atlas, todos tem o timbre de Bataille, ou
seja, foram todos previamente consagrados pela revista Documents; ou de Borges, isto é, do Borges
filtrado por Foucault. Didi­Huberman escolhe o Atlas, um texto borgeano tardio e pouco interessante,
como um emblema, um guia, uma orientação para o seu critério. No meu ponto de vista, são muito
mais interessantes alguns textos dos anos de 1920, nos quais Borges já ensaiava essas listas
heteróclitas de uma maneira muito mais aguda e muito mais questionadora do que o mais ameno Atlas
dos anos 80, escrito no final de sua vida. Como toda categoria, o conceito de montagem tem que ser
usado cum grano salis. Essa história de que tudo agora é montagem, tudo é anacronismo, dá vontade
de apagar tudo o que a gente escreveu e da capo, começar tudo de novo. Porque não é por usar uma
categoria, fetichizá­la e torná­la chave que abre todas as portas, que os passos serão dados com maior
segurança. Eu acho que devemos ter um gesto dúplice: acompanhar o que está se fazendo, mas, ao
mesmo tempo, ter a suficiente sutileza para entender quando um conceito se torna um clichê. Quando
um conceito se torna um clichê está dominado, pois o clichê é uma forma de estereotipia verbal. E
quando a linguagem se torna estereotipada é porque ela foi invadida por uma certa necrose e começou
a morrer. Ao perceber que alguma coisa começa a morrer, um galho começa a morrer, eu prefiro
arrancá­lo para devolver viço à planta e que continue crescendo com mais força. Isto também é corte.
Assim, a questão da montagem implica ter uma sensibilidade muito aguçada para decidir onde cortar,
como cortar e o que cortar. Não é sair por aí com as tesouras de qualquer jeito.

J.F.: Jean­Luc Nancy, em Las Musas, escreve que o que resta da arte talvez seja apenas um vestígio.
A 30ª Bienal de São Paulo, intitulada A Iminência das Poéticas, realizada em 2012,trabalhou com a
questão do arquivo e da memória, referenciando Aby Warburg, na qual puderam ser vistas várias
produções artísticas valendo­se de conceitos como coleção, seriação, apropriação, armazenamento,
acúmulo de objetos que, por sua vez, sugerem o arquivamento como metodologia. No entanto, muitas
obras hoje parecem não possuir um poder político, o que segue na contramão do que postula Derrida
quando escreve que não existe arquivo sem poder político. Para ele, toda experiência gera rastros, e
todo rastro pode gerar arquivo ou não, mas todo arquivo tem uma implicância política. Não existiria
arquivo sem esse poder ou força.

R. A.: Sim, não existe arquivo que não dependa de um poder político, mas acho que a questão da
política não se resolve apenas por operações individuais de leitura. Em qualquer área, ela deve saber
tocar o corpo da sociedade em que essas operações se realizam, e se ela não vai ao encontro de um
desejo dessa sociedade, pouco será o efeito político desse discurso. Esse discurso pode ser
tranquilamente cooptado, rebaixado, diminuído e pasteurizado. Por isso me parece que também
quando se toca a questão de arte e política, é bom não perder de vista que ela pressupõe uma
estratégia. Para mim, a questão política supõe uma estratégia que implica onde falar e para quem falar.
Não que você controle. O que acabo de dizer é que quase nunca temos esse controle, mas que pelo
menos saibamos para quem emprestar a voz. Então, a decisão deveria ser de não emprestar a voz a
nada que permita que as coisas permaneçam como estão. E que a definição, mais do que uma
definição positiva, deve ser uma definição negativa, por subtração. O gesto tem que ser político na
medida em que não corrobore convenções e estereótipos, e essa sim, é uma decisão do artista: em que
posição eu me insiro, em que revista eu publico, com que intelectuais me junto. Dependendo da
circulação, de quem acompanha, a que tipo de discurso social se dá força ou não, encontra­se a
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possibilidade do eco da sua voz e da ressonância desse gesto, ainda que depois você possa ter outras
apropriações e distorções, o que faz parte. Mas pelo menos, não entrar ingenuamente numa proposta
conservadora, achando que você está propondo, pelo contrário, alterar de cabo a rabo o sistema.

Lúcia Bahia: O contato com o ensaio A iminência e o arquivo do futuro, apresentado nessa mesma
Bienal, incitou­nos a uma discussão sobre a relação entre o projeto curatorial e a exposição, onde os
conceitos nos pareceram sobressair às próprias obras da mostra. Qual a sua visão sobre a questão do
discurso legitimador das produções contemporâneas, que se mostra, muitas vezes, mais potente que a
própria obra?

R. A.: Sinceramente,se o texto se sobressai não me perturba. A rigor, quando penso nos objetos sobre
os quais eu vou deitar o olhar não parto de uma tábua de campeonato, qual é o maior, qual é o melhor.
Isso me parece que decorre de uma compreensão apriorística, idealista, kantiana, mais tradicional, que
pode não hesitar em dizer, por exemplo, que a Mona Lisa é a maior obra de arte ocidental. Eu posso
tranquilamente me interessar por objetos aparentemente desprovidos de valor, cujo valor é meramente
contingente, porque é o meu olhar que vai promover a mudança ao estabelecer uma conexão com
outros objetos, não raro alguns deles, sim, canônicos. Então, a questão não passa por juntar três ou
quatro objetos sem valor, mas sim juntar o objeto valioso, canônico, consensual, com outro sobre o
qual ninguém reparou ou nem acharam que pudessem pertencer à determinada área. Parece­me residir
aí a capacidade de contagiar outras leituras. Não se contentar com o consenso tem uma dimensão
ética, porque acaba de algum modo nos angustiando. O crítico que não se angustia não me interessa.
Se eu ou o artista, ou alguém na cena contemporânea não se angustia, sinceramente não me interessa,
porque quem não se angustiar só vai poder desenvolver um discurso cínico.

J. F.: A questão dos escritos vinculados a uma obra de arte vem se diferenciando ao longo dos
tempos. Ricardo Basbaum, em Além da Pureza Visual, pontua três possibilidades quanto ao
posicionamento do enunciado em relação à obra: no século XIX, Charles Baudelaire inaugura um tipo
de texto crítico, parcial e político, que comunga da mesma matéria informe que irá constituir a obra;
no início do século XX, o texto instaura­se ora como manifesto das práticas artísticas em questão, ora
como crítica que compete com esse texto, legitimando um discurso oficial em torno da obra; porém,
na contemporaneidade o autor sinaliza que o texto ganha um status outro que caminha ao lado da obra
como uma ficção, uma fabulação. Em Crítica Acéfala, você diz que o crítico ocupa um espaço entre
ficção e teoria. Enquanto ensaísta, crítico de literatura e de arte, qual seu posicionamento quando
escreve sobre uma obra literária ou artística?

R. A.: Nesse particular, acho que sou sensível a essa modificação introduzida justamente por
Baudelaire na questão da crítica. Baudelaire faz uma contribuição decisiva no plano da imaginação,
que era vista fundamentalmente, até então, como imaginação­reprodução, ou seja, que reproduzia
elementos existentes. Não raro, a própria ideia de imaginação estava vinculada a certo conforto
burguês, acomodação institucional, ou que nome tenha. Baudelaire é quem cria uma dimensão de
impugnação do real, onde a imaginação seria o dispositivo ou o mecanismo por meio do qual o artista
impugna o existente. Essa imaginação deixa de ser uma imaginação­reprodução para se tornar uma
imaginação­criação. Baudelaire será sensível a determinadas imaginações de impugnação
contemporâneas às dele, talvez a série Os Disparates de Goya seja o caso mais emblemático, cuja
ideia de razão está absolutamente crivada, invadida, tomada pela falta de razão, ou seja, que o real
está tomado, invadido pela falta de presença. Isso vai gerar consequências, pois marca de alguma
maneira um certo declínio do olhar, para dizê­lo com as palavras de Martin Jay, o que afetou grande
parte do pensamento filosófico, sobretudo da segunda metade do século XX, que vem caminhando
nessa direção. Uma das vertentes mais relevantes talvez seja a da psicanálise e a modificação
introduzida por Jacques Lacan. A psicanálise havia ficado praticamente refém de uma certa
observação, de um certo empirismo, de uma certa fenomenologia, tal como a escola inglesa tinha
desenvolvido logo após a morte de Sigmund Freud, cuja releitura proposta por Lacan, a partir dos
anos 50/60, caminhou justamente em direção contrária. Lacan não apenas trabalhou com os registros
do imaginário e do simbólico, mas introduziu uma terceira instância, a do real. A instância do real, em

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Lacan, permite que a psicanálise deixe de ser um puro imaginário e se torne a imaginação do
inexistente e de como o inexistente produz efeitos. O real, para Lacan, é aquilo que não cessa de não
se dizer. Quer dizer, aquilo que não sendo dito, entretanto, opera, e não estando presente produz
efeitos absolutamente concretos. É uma outra maneira de concebermos a pulsão, já não mais como
observação, pois o olho já não merece tanta credibilidade, tanta fé, mas sim como montagens da
linguagem. Então, as irrupções inesperadas do inconsciente, os atos falhos, as visitações, as trocas, os
erros, os focamentos e condensações que a linguagem possa realizar, são a via pela qual Lacan
intervém, como alguém que monta.

S. C.: Tomamos conhecimento da série Desenhos Antelo, do artista Fernando Lindote, com o qual
você fez parceria não como crítico, mas como colaborador. Gostaríamos de saber como se deu essa
experiência.

R. A.: O trabalho com o Lindote foi muito curioso. Ele acompanhou um curso como ouvinte em torno
de 1998/99, quando surgiram nossas primeiras conversas, no momento em que eu estava escrevendo
Maria com Marcel. O que ia desenvolvendo como método no curso, repercutia e ressoava nele como
uma estética. Aí um dia ele veio me propor que eu, como Duchamp, assinasse umas 50 folhas de
papel canson, grandes e em branco, as quais assinei em qualquer lugar. Depois ele interveio nessas
folhas: derreteu chumbo, grafitou, escreveu, pintou, acho que algumas poucas aquarelou, mas a
maioria era grafite e chumbo derretido. Essa foi uma primeira série. Posteriormente, veio discutir uma
outra alternativa, pois estava interessado nas máquinas impossíveis, máquinas picabianas, para as
quais usaria o suporte tela. Gerou­se a segunda série, que era composta de umas cinquenta telas de
fundo branco e máquinas impossíveis pretas. Uma vez prontas, levou­me ao seu ateliê e me pediu que
as assinasse. Na primeira série Fernando partiu da assinatura; na verdade fez uma apropriação da
minha sombra, apropriando­se do meu nome, talvez cansado de ouvir todas as minhas ponderações
sobre a morte do autor e do efeito assinatura. Na segunda série foi justamente ao contrário: ele fez as
máquinas impossíveis, as máquinas do desejo, e eu vinha corroborar. Nenhuma dessas obras tem uma
assinatura do Fernando, nem F. L., nem atrás, nem em cima, nem em baixo, nada.

L. B.: Sendo ensaísta, como você definiria essa parceria com o artista?

R. A.: Eu sou como uma droga para o Fernando, e isso detona coisas. Creio que é um jogo de mútua
complementação em que me interessa o que ele faz e ao mesmo tempo ele se interessa pelo delírio que
eu consigo montar a partir do que ele faz. Talvez seja o segredo da amizade. Agamben, naquele
belíssimo ensaio sobre a amizade, se detém numa tela que retrata São Paulo e São Pedro indo à morte:
ambos vão ser sacrificados e sabem que estão com os dias e as horas contadas. O quadro que eterniza
o momento está no Museu de Arte Antiga de Roma, e mostra as cabeças dos dois quase encostadas, a
testa de um na testa do outro. Estão sem se falar, mas a cabeça está quase encostada. E Agamben arma
uma teoria da amizade a partir dessa citação e propõe que a amizade consiste em sentir com. E sentir
com não é consentir, porque consentir seria apenas tolerar. Você pode tolerar um gambá incômodo
quando não lhe resta outra opção. Você está num elevador, acabou a luz e há um gambá. A amizade,
porém, não trata de consentir no sentido de tolerar, mas sim no sentido de sentir com, o que é mais
difícil. A Europa, por exemplo, não consegue, pois vive­se morrendo em Lampedusa ou outro lugar.
Todo o santo dia morrem cinquenta, morrem duzentos e cinquenta e não há possibilidade de sentir
com, pois há pouca disponibilidade para sentir com. O mundo contemporâneo não encontra uma
fórmula para sentir com. E com o Fernando talvez esta seja a marca mais interessante da relação: que
cada um se permite sentir com o outro.

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LUCIANA KNABBEN e LUCILA VILELA

ISSN 2013­679X

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