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A INFLUÊNCIA ESTÉTICA DAS ARTES VISUAIS JAPONESAS NAS PRODUÇÕES

DE ENTRETENIMENTO OCIDENTAIS

Diego Gomes Brandão


Mestrando em Artes Visuais / UFPB-UFPE
brandaodg@gmail.com

Luis Rodrigo Gomes Brandão


Graduado em Comunicação Social / UFPB
luisrodrigobrandao@gmail.com

RESUMO

O presente trabalho busca discutir a influência estética do mangá e animê nas artes visuais do ocidente.
Constatamos na pesquisa de Machado (1986), o contato entre a arte oriental e a ocidental a partir da
obra impressionista de Monet, no final do século XIX. Em seguida, já no século XX, sob a ótica de
reinvenção dos quadrinhos japoneses proposto por Gravett (2006), identificamos algumas características
do mangá inovadas por Osamu Tezuka que determinaram a linguagem do animê. Tomamos como
exemplo animações da década de 80, 90 e do século XXI, pesquisando conceitos de animação limitada
e total citados por Furniss (2009). Também observamos a contaminação estética da cultura nipônica nos
jogos eletrônicos. Desta forma, buscamos comparar as características que distinguem estes dois pólos
estéticos estilísticos em obras audiovisuais e games. Como esta contaminação estética oriental
constituiu-se como um fenômeno de hibridização e associou uma forte identidade visual da cultura pop
nipônica aos bens de consumo mundiais?

Palavra-chave: animação, cinema, game, mangá.

Influência nipônica na pintura ocidental

A palavra mais comum encontrada nos textos de historiadores e teóricos para


demarcar a arte contemporânea cronologicamente é a “hibridização”. Ela está
associada à característica multifacetada das manifestações artísticas que nos rodeia
atualmente. “Quem examinar com atenção a arte dos dias atuais será confrontado com
uma desconcertante profusão de estilos, formas, práticas e programas.” (ARCHER,
2008).
Ao buscamos evidências desta característica de arte híbrida no universo do
audiovisual e dos jogos eletrônicos ocidentais e orientais, fica claro a simbiose
existente entre as produções das artes visuais destes dois continentes.
Quando recorremos a pintura do final do século XIX, período do florescimento da
vanguarda impressionista, veremos, introdutoriamente na obra de Claude Monet, a
influência da estética oriental. Machado (1986) afirma que Monet colecionava estampas
com ilustração oriental e, em 1867, ele nos dá indícios desta visão oriental na obra
“Terrasse à Sainte-Adresse” (Figura 1). Machado aponta que há duas visões de mundo
– oriental e ocidental – representadas nesta pintura que contém a família do pintor,
quando passaram uma temporada na Normandia:

“...Ele usa a perspectiva linear tradicional para representar o terraço com


seus personagens, ao mesmo tempo que recorre à visão oriental,
globalizante e em que todos os elementos estão num mesmo plano, para
representar o céu e o mar.” (MACHADO, 1986, p.15).

Figura 1: Terrasse à Sainte-Adresse, Monet, 1867. (Wikipedia)

Para efeito de análise comparativa, ao observar a obra de Monet “La Plage de


Trouville” (Figura 2), e a obra do japonês Utamaro Kitagawa, “As cortesãs Hanatsuna e
Tsukioka na casa Hyogoya” (Figura 3), Machado nos mostra na composição os
elementos visuais em comum nas duas obras que evidenciam esta influência nipônica
na pintura de Monet. As figuras humanas estão em primeiro plano, achatadas, e os
demais elementos são praticamente desprovidos de volume. A figura feminina à direita
lê, enquanto a da esquerda observa. A diagonal que une as figuras pintadas por Monet
é um pouco mais longa que a das cortesãs de Utamaro. No entanto, diferente de
Monet, Utamaro acentua o volume do corpo, das vestimentas e dos penteados de suas
figuras por meio do traço (1986, p.37). E Monet apenas sugere o volume com as
pinceladas que causam a impressão de luz e movimento.

Figura 2: La Plage de Trouville, Monet, 1870. (Wikipedia)

Figura 3: As cortesãs Hanatsuna, U. Kitagawa, 1797. (Wikipedia)


A grande contribuição do mangá

Se avançarmos para as artes visuais da segunda metade do século XX,


veremos a inovação nos quadrinhos japoneses por meio do Osamu Tezuka, e a
influência da indústria cultural ocidental em seu trabalho. Segundo Gravett (2006, p.30),
Osamu foi contagiado com o hábito do pai de assistir filmes estrangeiros, colecionar
filmes do Disney, dos irmãos Fleischer (Betty Boop, Popeye e outros) e comédias do
Charlie Chaplin. A família ia frequentemente ao cinema.
Osamu se perguntava: “Como eu posso desenhar quadrinhos que façam as
pessoas rir, chorar e se emocionar como aquele filme?” (GRAVETT, 2006, p.30). A
partir dessa inquietação ele pôde transformar a linguagem dos quadrinhos japoneses.
E sua bagagem de referências culturais e estéticas ocidentais contribuíram para a
reinvenção dos quadrinhos japoneses que conhecemos hoje.
Gravett (2006) ainda nos conta que, apesar de que a evolução dos quadrinhos
japoneses não acompanhava a evolução do traço cada vez mais realista dos
quadrinhos norte-americanos de 1930, Osamu lançava mão de inovações como: alterar
constantemente o ponto de vista do leitor, imitando os movimentos de uma câmera
para gerar sensação de ação incansável; reconfiguração dos quadrinhos ajustando-os
para livros com número de páginas elevada; linhas de movimento, distorções de
velocidade e efeitos sonoros.
Uma característica marcante da influência ocidental encontra-se no character
design dos personagens do Tezuka, que tem como referência os personagens
humanos e antropomórficos criados pelo estúdio Walt Disney e Fleischer.
Em 1930, a personagem Betty Boop (Figura 4), produzida pelos irmãos
Fleischer, espelhada nas artistas daquela década como Helen Kane e Clara Bow,
destacava-se como primeiro símbolo sexual no cinema de animação. As características
faciais desta personagem predominam nos personagens do Osamu, como, por
exemplo, o Tetsuwan Atom – AstroBoy (Figura 5). Há o exagero dos olhos, nariz, boca
e sobrancelhas de modo a aumentar a expressividade dos personagens na
representação de sentimentos.
Figura 4: Betty Boop, Fleischer, 1930 (Wikipedia)

Figura 5: AstroBoy, O. Tezuka, 1952 (Wikipedia)

A estética da animação ocidental à luz da linguagem animê

É imprescindível a investigação da estética da animação para chegarmos a


hipóteses acerca das características da animação oriental. No entanto, optamos por
debruçar especificamente dois pólos estéticos estilísticos da animação bidimensional
abordado por uma teórica da estética da animação.
Antes de analisarmos as animações que iremos propor como exemplo,
precisamos tratar da linguagem animê. Como é a linguagem animê? Quais são os
recursos que a distingue da linguagem já constituída da animação ocidental?
De acordo com Almeida (2008), o animê pode ter absorvido algumas
características do teatro Kabuki e Bunraku, como por exemplo: “...a ênfase dos
personagens e sua vitalidade; os enredos ilógicos e cheios de fantasia; a ação
fragmentada; o clímax da história centralizado no conflito corporal dos personagens.”
(ALMEIDA, 2008, p.2).
Tanto o teatro Bunraku quanto o Kabuki, apresentam um foco dramático
diferente do teatro grego, o qual influenciou o ocidente. Eles desenvolveram uma
linguagem narrativa com “...forte apelo à visualidade e identificação com os
personagens, explorando os movimentos, expressões e gestos...”(ALMEIDA, 2008,
p.3).
Outra característica que o animê provavelmente herdou do teatro Kabuki é o
Tate, um movimento cênico composto por atuações grupais de lutas estilizadas, com
cambalhotas, saltos e acrobacias. Segundo Almeida (2008), o animê apresenta
sequências de luta muito similares a essa coreografia do Tate, tendo o recurso da
montagem um grande aliado para potencializar o drama, explorando planos com
diversos ângulos, ritmos e apresentando os vários pontos-de-vista dos personagens
envolvidos.
Interessante notar também a ligação das cenas de confronto entre heróis e
vilões dos animês ao recurso do Tachimawari (de pé e girando ao redor), um
movimento de luta e conflito muito usado no teatro Kabuki. O Tachimawari é percebido
quando: o protagonista confronta-se com os oponentes em lados opostos do palco, e
ao ocorrer o encontro, os inimigos espalham-se em qualquer direção contra o herói; e
em cenas de assassinato onde o uso da câmera lenta acentua a intensidade do tempo
enquanto duração (ALMEIDA, 2008).
Esta identidade que foi construída pelo animê a partir de uma provável
apropriação da linguagem teatral oriental, parece não agradar alguns produtores de
animação mais ligados a linguagem clássica do cinema, pela forma como estes
recursos são exagerados e resignificados na narrativa das histórias.
Em um texto de 1987 para um curso de cinema, o grande diretor cinematográfico
do estúdio Ghibli, Hayao Miyazaki, disse que é inútil discutir os animês. Ele conta que,
se há algo que se deve discutir nos animês, é o excesso de expressionismo nas
produções japonesas. Esse excesso de expressionismo tratado por Miyazaki seria uma
das características marcantes da linguagem animê: a distorção do tempo e do espaço
para valorizar emoções que, segundo ele, são completamente vazias. (GOTO, 2002,
p.14).
Se pegarmos como exemplo a série Cavaleiros do Zodíaco, numa cena em que
a ação deveria durar pouco mais de um segundo – de acordo com alguns princípios da
montagem clássica – é prolongada para incluir um diálogo, pensamentos e a reação do
adversário, o que resulta em vários minutos de animação.
Acontece que este é um recurso comumente utilizado num pólo estético da
animação bidimensional: a animação limitada (Limited Animation). Séries de animações
norte-americanas produzidas, por exemplo, pelos estúdios Hanna Barbera e UPA para
a televisão, usaram e abusaram deste recurso de diversas maneiras.
De acordo com Furniss (2009, p.133), “a animação 2D pode ser descrita como
uma oscilação entre dois pólos estéticos: animação total e animação limitada.” A autora
afirma que a animação total (Full animation) e a limitada (Limited animation) são duas
tendências estilísticas que podem atingir diferentes resultados estéticos. Comparando
estes dois estilos de animação, se distinguirão quatro critérios: o movimento das
imagens, a metamorfose das imagens, o número das imagens e o domínio dos
componentes visuais. (FURNISS, 2009).
A animação total emprega um movimento constante com um mínimo de ciclos,
enquanto a animação limitada tende a usar muitos ciclos ou até ser desprovida de
movimento em grande parte do filme.
Desde os primeiros anos da história da animação industrial, boa parte dos
estúdios usaram ciclos de movimento nas ações dos personagens como uma maneira
de reduzir o número total de desenhos que precisam ser feitos em um filme.
Na verdadeira animação total, cada desenho numa produção é usado apenas
uma vez, porque as imagens tendem a ser altamente metamórficas, o processo do
desenho é relativamente complexo. Os personagens em animação total mudam
frequentemente de proporções devido aos movimentos de profundidade de campo
(eixo z), na direção e longe do primeiro plano. Na animação limitada, verifica-se que há
constante mudança de movimento em altura e laterais (eixos x e y). (FURNISS, 2009).
Uma característica predominante na animação limitada é a tendência a incluir
movimentos extensos de câmera. O uso contínuo de panorâmicas cria a sensação de
movimento enquanto reduz o número de desenhos necessários.
Furniss aponta que, o som também é um elemento que desempenha papel
fundamental na distinção da animação total e limitada. Na animação total, onde há a
ênfase nos recursos de movimentação visual, em contraste, a animação limitada é
dominada pelo recurso do som, onde tipicamente é utilizado numa narração ou diálogo
entre personagens, e na trilha sonora para intensificar o clímax da cena. As vezes
ocorre na animação limitada do enquadramento ser acima da boca, ocultando e assim
economizando a animação de sincronia labial (lip sync).
Com a distinção destas duas tendências estilísticas da animação 2D, podemos
analisar uma obra animê e identificar tais características que venham a predominá-la
como sendo constituída por animação total ou limitada, sob o ponto de vista do Hayao
Miyazaki com sua afirmação anterior sobre o animê atual.
Na animação Samurai Champloo, em uma cena de combate entre Jin e Mugen
contra Kariya Kagetoki (Figura 6), podemos notar a presença de longos diálogos antes
do combate acontecer. O diálogo inicial nesta cena dura um minuto e onze segundos e
a animação limitada ocorre quando: os personagens são enquadrados de costas; o
narrador é o personagem que não está sendo enquadrado; o personagem dialoga de
perfil com uma animação cíclica da mandíbula se deslocando pra cima e pra baixo; e
há a animação cíclica de frente com a mandíbula se deslocando. Porém, há também
uma intensa valorização na cena do combate, que ocorre com muitos movimentos de
rotação de câmera e sempre alternando os planos, dando dinamismo ao combate. Há
uma constante mudança de proporção dos personagens, onde se é trabalhado a
profundidade de campo nas ações.

Figura 6: Samurai Champloo, Manglobe Inc., 2005 (Youtube)

Há então, em Samurai Champloo, um equilíbrio na utilização da animação total e


animação limitada no que se referem aos critérios propostos por Furniss. Podemos
concluir que nesta animação: a movimentação de imagens ocorre de forma dinâmica
nas cenas de combate, onde os personagens apresentam animações diferentes em
ângulos diferentes em suas ações; a metamorfose das imagens, praticamente não há
entre as animações dos personagens, e há pouco nas transições de enquadramentos
(momento do corte do barril; e da água jorrada na tela por Kariya); o número das
imagens varia, onde nas cenas de diálogo ocorre animação limitada com uso de
movimentação de câmera panômarica e os personagens estão estáticos, e nas cenas
de combate ocorre animação total, com a mudança de proporção do personagem em
profundidade de campo e animações não-cíclicas.
Uma característica marcante dos animês, herdado do mangá, é a modificação
da proporção do personagem, ou melhor, a sua miniaturarização para efeitos de
humor, trata-se do recurso narrativo Super Deformed (SD). É comumente usado para
mostrar uma emoção extrema e exagerada, muitas vezes a inibição, raiva ou surpresa.
Ele quebra o foco dramático em determinada cena da narrativa.
Tomamos como exemplo, a série Yu Yu Hakusho, criado por Yoshihiro Togashi,
e produzido pelo estúdio Pierrot. Há o uso do SD em diversas cenas para a quebra do
enfoque dramático.

Figura 7: Yu Yu Hakusho, Pierrot, 1992 (Youtube)

Conforme aponta Furniss (2009, p.135), “a arte do mangá continua a refletir


muitas características do trabalho pioneiro de Tezuka”. Isto é evidente quando
observamos essa apropriação que o animê faz da linguagem do mangá.
A riqueza dos recursos que a linguagem animê fornece para as artes visuais
torna-se um expoente estético para abranger as possibilidades das produções em todo
o mundo.
O reflexo deste potencial são as parcerias estabelecidas entre estúdios do
ocidente e oriente. Segundo Luyten, “...O ano de 1987 marcou o início de grandes
acordos entre editoras.” (2000, p.184). A autora cita o exemplo da First Comics de
Chicago com editoras japonesas. E esta penetração segue uma linha de histórias que
atraem o público ocidental, como a história de Kozure Okami, “O Lobo solitário”.
Outro exemplo citado pela autora é a parceria feita entre a editora Eclipse
Comics, da Califórnia, e a editora Kodansha, de Tóquio, firmando contratos para a
edição de três histórias. (LUYTEN, 2000).
O personagem Tetsuwan Atomu, do Osamu Tezuka, que já citamos
anteriormente, foi adaptado e transformado em AstroBoy para o público norte-
americano.
Quando comparamos séries norte-americanas que possuem uma estética típica
das animações ocidentais, e vemos outras séries que possuem influência do animê e
até parceria de produção, fica claro esta “contaminação” de linguagem. É o exemplo da
série ThunderCats (Figura 8), produzida pela parceria entre Rankin/Bass Productions
(EUA) e pelo grupo de estúdios japoneses Pacific Animation Corporation, em 1983.
Sob a direção dos norte-americanos Anthur Rankin Jr. e Jules Bass, as cenas de
combate possuem todo enquadramento e dinamismo característico do anime. A
repetitiva cena do personagem Lion evocando os poderes de sua espada e a fúria do
vilão Mumm-Ra se despindo do seu traje de mago ancião, apresentam “a
movimentação de câmera com sensação de ação incansável” proposta nos mangás do
Tezuka que foi adequada ao anime.
Figura 8: Thundercats, Rankin/Bass, 1983 (Wikipedia)

Quando observamos He-Man (Figura 9), série norte-americana também


produzida em 1983 pelo estúdio Filmation Associates, percebemos a distinção das
características de linguagem da animação ocidental e oriental predominantes naquela
década em animações desse gênero. As cenas de combate apresentam planos
estáticos, onde no máximo a câmera move-se em travelling ou panorâmica para
direcionar o olhar do espectador (Figura 10). Não há muita metamorfose de imagens.
Ocorrem muitos ciclos de animação repetitivos, e o segundo plano que comporta o
background é sempre estático.

Figura 9: He-man, Filmation Associates, 1983 (He-man.org)


Figura 10: Storyboard de cena do He-man, Filmation, 1983 (He-man.org)

A influência nipônica na indústria de videogames

A indústria de videogames nasceu nos Estados Unidos e teve o seu boom com a
Atari na década de 70. No entanto, o excesso de jogos de baixa qualidade e a forte
concorrência dos computadores pessoais causaram uma crise na indústria norte-
americana de videogames, denominada crash de 1983/84. Foram as first-parties1 e
third-parties2 japonesas, como a Nintendo e a Sega, que revitalizaram a indústria a
partir da terceira geração de videogames e a consolidaram como uma das mais
rentáveis do entretenimento no mundo. Por meio de um novo modelo de negócios,
mais qualitativo do que quantitativo, as desenvolvedoras japonesas elevaram os jogos
eletrônicos a um patamar superior.
O hardware dos consoles da geração 8 bits concedeu mais complexidade aos
jogos, fazendo-os dar mais um passo adiante na construção de uma linguagem própria,
por meio da inserção de recursos como o side-scrolling3 e as músicas polifônicas, cujas
trilhas sonoras, mesmo com poucos canais sonoros, já contribuíam para a
imersividade. Além da crescente solidez na mecânica e de uma jogabilidade mais
complexa e refinada instituídas pelas desenvolvedoras japonesas, os jogos
progressivamente também trocaram os gráficos com poucas cores e pixels4 por uma
estética visual mais rica e rebuscada, típica dos animes (figura 11).
1
Desenvolvedora de jogos eletrônicos que também fabrica consoles de videogame.
2
Desenvolvedora de jogos eletrônicos, podendo também ser distribuidora de seus produtos.
3
Rolagem lateral da tela, seja horizontal ou vertical.
4
É o menor ponto que forma uma imagem digital.
Figura 11: Estética anime nos jogos eletrônicos.

Desde os anos 80, a hegemonia nipônica na estética dos games prevaleceu na


indústria do entretenimento interativo por meio de seus singulares aspectos
audiovisuais e interativos. O usufruto da estética anime também está diretamente
relacionado à introdução da linguagem cinematográfica nos jogos eletrônicos, seja nos
elementos in-game5, como também nos elementos narrativos tradicionais. Os sprites6
dos personagens e objetos cenográficos e os tiles7 dos cenários são exemplos de
elementos gráficos in-game. Apesar dos sprites e tiles serem inerentemente elementos
integrantes do espaço interativo dos jogos eletrônicos, também podem servir a sua
narrativa, ao constituírem sequências não interativas no ambiente in-game.
As cutscenes são sequências nos games que desenvolvem a narrativa, cuja
interatividade é nula ou limitada. Desde a quinta geração de videogames, as cutscenes,
quando não são in-game, são compostas por vídeos em CG8. Na trilogia Ninja Gaiden
(TECMO, 1988, 1990, 1991), as cutscenes (figura 12), que intercalavam os estágios,
continham a estética anime.

5
Trata-se da parte interativa do jogo, ou seja, o ambiente em que o jogador controla seu avatar.
6
Objeto gráfico em duas ou três dimensões que se move numa tela sem deixar traços de sua passagem.
7
Pedaços gráficos quadráticos que compõem os cenários dos jogos eletrônicos.
8
Computer Graphics. Em português, computação gráfica.
Figura 12: Cutscene do jogo Ninja Gaiden.

Devido às limitações de hardware dos consoles da geração 8 bits, a estética de


animação se adequava perfeitamente aos jogos eletrônicos dessa época. Os consoles
do NES (Nintendo Entertainment System) e do Master System, permitiam,
respectivamente, a exibição de 16 cores simultâneas, dentre a paleta de 52 cores
disponíveis, e 32 cores simultâneas, dentre as 64 disponíveis. Consequentemente,
poucas cores eram utilizadas no sombreamento e na iluminação das cutscenes, que,
apesar de serem bastante estáticas, típicas da animação limitada (FURNISS, 2009),
transmitiam uma profundidade narrativa que os games por si só não eram capazes.
A plena absorção da linguagem cinematográfica nos jogos ocorreu a partir da
geração 32 bits e consolidou-se na geração 128 bits. A quinta geração de videogames
introduziu os gráficos em três dimensões e adotou o CD-ROM como mídia para jogos
eletrônicos, cuja capacidade de armazenamento é superior aos tradicionais cartuchos.
Essa dualidade possibilitou uma relação intersemiótica ainda maior entre o cinema e os
games, fazendo esse último iniciar sua transmutação em filmes tridimensionais com
interatividade mediada por computador. Segundo Plaza (2003), a intersemiose é o
diálogo entre duas linguagens artísticas distintas. Logo, essa heterogeneidade
semiótica nos jogos eletrônicos se evidenciou pelo uso de recursos de câmera, como a
planificação, a angulação e a movimentação. Como na quinta e sexta gerações de
videogames o Japão ainda era o pólo central de desenvolvimento de jogos eletrônicos,
a estética anime foi recorrente, seja in-game, como por exemplo, pela caracterização
dos personagens, ou pelo uso de animações em cutscenes.
Como na cultura japonesa não há muita distinção entre homossexuais e
heterossexuais, a androginia é bastante comum nos protagonistas de jogos eletrônicos
oriundos da terra do sol nascente. É o caso dos personagens Alucard (Castlevania:
Symphony of the Night), Ash Crimson (The King of Fighters 2003) e Raiden (Metal
Gear Solid 2: Sons of Liberty) (figura 13). Dentre as características fenotípicas comuns
desses personagens, estão os cabelos brancos, os traços faciais delicados e o corpo
esguio.

Figura 13: Personagens andróginos de jogos japoneses mundialmente consagrados.

Uma estratégia recorrente das softhouses nipônicas na caracterização dos


personagens, quanto ao figurino e fenótipo, é a sua estilização para uso em cosplay9.
Trata-se de uma prática típica dos fãs de animes, mangás, comics e videogames,
denominados cosplayers. Apesar de sua procedência norte-americana, essa prática foi
popularizada pelo Japão nos anos 90, devido ao sucesso mundial dos animes.
Apesar dos Estados Unidos serem o maior mercado consumidor de games no
mundo, o Japão ainda possui o status de maior produtor global de entretenimento
interativo, de modo que a grande maioria das franquias de games consagradas são de
origem nipônica. Entretanto, com a recente crise da indústria japonesa de jogos
eletrônicos e o eminente retorno dos EUA como pólo central de desenvolvimento de

9
Abreviação de costume play, cuja tradução seria “representação de personagem a caráter”. Refere-se à atividade
lúdica praticada principalmente (porém não exclusivamente) por jovens e que consiste em disfarçar-se ou
fantasiar-se de algum personagem real ou ficcional, concreto ou abstrato, como, por exemplo, animes, mangás,
comics, videojogos ou ainda de grupos musicais — acompanhado da tentativa de interpretá-los na medida do
possível. Os participantes (ou jogadores) dessa atividade chamam-se, por isso, cosplayers. (Wikipédia)
games, a crescente ocidentalização dos games também está atingindo as franquias
nipônicas, como Devil May Cry (figura 14) e Castlevania (figura 15).

Figura 14: Dante, o protagonista da série Devil May Cry, em versões distintas.

Figura 15: Protagonistas da série Castlevania, Leon Belmont e Gabriel Belmont.

O sucesso de franquias norte-americanas, como Uncharted, Halo e God of


War, evidencia o quanto os jogos eletrônicos atualmente possuem um apelo global,
apesar das assumidas influências nipônicas. Em entrevista a revista EGM (Eletronic
Gaming Monthly), o cineasta e game designer10 japonês Hideo Kojima disse:

Um jogo com alma que transcede fronteiras e culturas. Sua história,


noção de mundo e visual me passou uma impressão forte, exótica.
10
Projetista de jogos eletrônicos.
[Shigeru] Miyamoto [o criador de Mario] e eu demos muita risada
quando jogamos a primeira vez. Reparamos que havia uma forte
característica ‘japonesa’ no jogo, especialmente a ênfase aos detalhes e
à coerência. O pacote God of War inclui uma apresentação honesta e
design de jogo implementado visando o jogador. Para concluir, o game
foi realizado com um bom equilíbrio entre tema e jogo. Eu sinceramente
acho que God of War é o maravilhoso ponto alto da criação de games
que equilibra elementos ocidentais e japoneses (quer dizer, da
Nintendo). Esperemos que isto seja apenas o início de uma tendência.
(EGM BRASIL, 2006, p. 51)

Considerações finais

Fica claro que a cultura nipônica ainda mantém na atualidade grande influência
estética nas artes visuais das produções de entretenimento ocidentais.
Mas, fica evidente também que, os artistas orientais sofreram grande influência
da indústria cinematográfica ocidental, como vimos o exemplo do Osamu Tezuka,
artista que tem papel fundamental na reinvenção da linguagem dos quadrinhos
japoneses.
A animação limitada torna-se uma tendência estilística na animação 2D que é
predominante tanto nos desenhos orientais quanto ocidentais, quando tratamos da
indústria televisiva, por questões de economia de produção já que as séries precisam
ser exibidas diariamente ou semanalmente.
No entanto, vemos que o animê apresenta características de uma linguagem
que foi herdada do manga, apresentando um dinamismo de imagens que tem por
objetivo alterar constantemente o ponto de vista do leitor, imitando os movimentos de
uma câmera para gerar sensação de ação incansável, tornando-se um ponto-chave
para distingui-la da animação ocidental.
Os jogos eletrônicos apresentam-se também como grande exemplo dessa
influência estética do animê. Por meio das cutscenes e do design dos personagens
japoneses, observamos uma tendência estilística que moldou boa parte dos jogos na
indústria dos videogames.
No entanto, observamos também que na atualidade a estética dos jogos
orientais estão se ocidentalizando, quando vemos o exemplo de personagens que
antes se caracterizavam pelos padrões estéticos pré-concebidos por Osamu Tezuka,
mas que agora se enquadram em modelos menos cartunizados e mais realísticos.
Achamos adequado a utilização do termo ‘hibridização” para definir este
fenômeno de influência mútua entre ambas culturas dos continentes. Mas, devemos
destacar a importância do Japão para as artes visuais, por conseguir fazer o ocidente -
palco de toda uma história da arte - associar a identidade visual de sua cultura pop em
grande parte dos produtos de entretenimento.

Referências

ALMEIDA, Roberta Regalcce de. Bunraku e Kabuki: a linguagem das animações japonesas. BOCC.
Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação, v. 2008, p. 2008, 2008.

ARCHER, Michael. Arte contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

FURNISS, Maureen. Art in motion. Animation Aesthetics. New Barnet: John Libbey Publishing, 2009.

GOTO, Marcel R. “O anime morreu”. Revista Herói, p.14, volume 41, dezembro de 2002, ano 8.

GRAVETT, Paul. Mangá: como o Japão reinventou os quadrinhos. São Paulo: Conrad, 2006.

HE-MAN. He-Man and the Masters of the Universe - 1983-85. Disponível em: <http://www.he-
man.org/cartoon/episode.php?id=44&ep=44>
Acesso em: 05/07/2011

LUYTEN, Sônia Maria Bibe. Mangá: o poder dos quadrinhos japoneses. São Paulo: Editora Hedra, 2000.

MACHADO, Sônia Maria Farriá. Presença da arte japonesa na obra de Monet. São Paulo: Editora Arte
Final, 1986.

MONET, Claude. Jardin à Sainte-Adresse. Disponível em:


<http://en.wikipedia.org/wiki/File:Claude_Monet_-_Jardin_à_Sainte-Adresse.jpg>
Acesso em: 05/07/2011

NOVAK, Jeannie. Desenvolvimento de games. São Paulo:Cengage Learning, 2010.

PLAZA, Julio. Tradução Intersemiótica. São Paulo: Editora Perspectiva, 2003.

REDAÇÃO EGM BRASIL. Os 200 games que mudaram o mundo. EGM Brasil, São Paulo, n. 51, p. 62,
abril 2006.

UTAMARO, Kitagawa. As cortesãs Hanatsuna. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Utamaro>


Acesso em: 05/07/2011

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