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II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: 06 a 08 de outubro de 2010

Diversidade, Ensino e Linguagem UNIOESTE - Cascavel / PR

“YUME”: NARRATIVAS MÍTICAS DE KUROSAWA

CAVALHEIRO, Kaline (UNIOESTE – G/Pibic - CNPq)


DIAS, Acir (UNIOESTE – Orientador)

RESUMO: O presente trabalho tem como objeto o estudo da cultura, mitos e imagens
presentes no filme “Yume” de Akira Kurosawa. Kurosawa construiu sua obra
mostrando oito partes de sonhos que, como tais, não demonstram ligação nenhuma entre
si e que mostram situações bem diferente umas das outras, mas que ao mesmo tempo
numa visão maior as oito partes representam uma visão do diretor em relação a cultura
japonesa e a própria vida do diretor . Nessa análise nos deteremos na primeira parte do
filme que retrata o mito japonês do “casamento da kitsune” (casamento da raposa),
nosso objetivo é analisar as confluências culturais e históricas presentes no filme assim
como as representações do teatro Nô japonês e da pintura. Com isso nessa analise
mostraremos algumas das características culturais da sociedade japonesa presentes no
filme para assim analisar as intertextualidades presentes na obra e suas relações com a
história, literatura e teatr. Fazendo assim um estudo sobre as diferentes artes que são
apresentadas pela perspectiva oriental que o autor utiliza na construção do filme e
mostrando como Kurosawa trabalha com o mito japonês.

PALAVRAS-CHAVE: Cultura japonesa, Imagem, teatro, mitos.

1 – Introdução

Nesse estudo vamos analisar a cultura, mitos e imagens presentes no filme


“Yume” de Akira Kurosawa. Na construção dessa obra são apresentados oito
fragmentos de diferentes sonhos cada qual com sua própria historia e de inicio sem
aparente ligação em si, como objeto de nossa analise pretendemos analisar as
confluências, presente no filme, e as ligações que a obra estabelece com a cultura e
outras representações artísticas como o teatro japonês alem disso faremos uma ligação
entre os sonhos mostrados e a própria visão do diretor em relação a esses sonhos.
Para o inicio de nossa pesquisa nos deteremos na primeira parte do filme que
retrata o mito japonês do “Kitsune no Yomeiri” (casamento da raposa). Nossa analise se
prendera em como esse mito é remontado pelo diretor, Kurosawa, mostrando quais
aspectos dessa história podem ser relacionados com a sua vida e também as influencias
que Kurosawa teve ao recontar esse mito.
A reconstrução desse mito feita pelo diretor nos mostra diferentes confluências
culturais e históricas presentes no filme assim como as representações do teatro Nô
japonês e também uma ligação entre o filme “Yume” e algumas passagens que remetem

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a própria vida de Kurosawa, relatos que podem ser encontrados em sua autobiografia
onde o autor expõe alguns pensamentos que nos levam a relacionar com a construção de
“Yume”.
Alem disso o presente trabalho tenta mostrar as características culturais da
sociedade japonesa presentes no filme com o intuito de mostrar as intertextualidades
presente na obra e suas relações com a história, literatura, teatro e confluências culturais
e um estudo sobre as diferentes artes que são apresentadas pela perspectiva oriental que
o autor utiliza na construção do filme.

2 - Da Palavra a Imagem, da Imagem ao Mito, do Mito ao Sonho

A primeira imagem que temos do filme “Yume” é a frase “uma vez tive um
sonho” o seguimento dessa frase é oito capítulos cada um representando um sonho que
não tem ligação um com os outros, mas ao mesmo tempo remete a mesma pessoa o
diretor Akira Kurosawa. Essa frase desperta interesse não apenas pela sua imagem e a
disposição da imagem, mas também pela idéia que o diretor passa com essa imagem.

Figura 1

Primeiramente vamos observar a disposição dos kanjis, escrita japonesa, que


formam a frase. Bem ao centro esta o kanji que representa a palavra yume, sonho, o
próprio desenho dos kanjis demonstram uma harmonia da frase. E cria para o filme uma
imagem única que demonstra não apenas na sua escrita, mas em todo seu desenho a
idéia do diretor. A disposição dos kanjis e o próprio desenho que eles formam nos

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mostram a idéia do diretor, o sonho como centro de tudo e algo continuo que nunca
acaba.
sem duvida, é o ideograma o veículo privilegiado para essa criação de
imagens. Ele próprio é uma imagem. Imagem de objetos, imagem de
idéias, imagem de idéias de idéias. A propriedade do ideograma reside
na apreensão global de sua forma e, concomitantemente, do
significado por ele veiculado, podendo ate se dispensar sua leitura.
(ANGELA HARUMI TAMURU, 2006, p135)

A escrita japonesa por si só já trás a imagem de uma idéia, o sonho que o diretor
quer mostrar, o texto escrito nos trás uma simples frase no inicio de um filme, mas que
trás com ela todo um significado. A palavra junto com seus significados é de extrema a
escolha do diretor pela frase nos mostra uma união e harmonia perfeitas em a palavra e
a imagem.
Essa imagem de um sonho que inicia o filme com uma frase nos trás importantes
informações sobre a obra, apesar de serem sonhos e não apresentarem ligação entre si os
oito segmentos do filme remetem ao diretor mostrando diferentes fases de sua vida e
seus próprios medos e incertezas. O inicio de “Yume” nos trás o começo de uma viajem
uma viajem que se iniciara através de um sonho do diretor.
Para a nossa analise escolhemos o inicio desse sonho. No primeiro capitulo do
filme, que iremos discutir, Kurosawa mostra um menino que apesar de se avisado por
sua mãe para que não saia de casa segue o seu instinto natural de criança e assim
começa sua aventura. Ele presencia o casamento da kitsune que na mitologia japonesa
não deveria ser visto por ninguém e quando presenciado o observador teria de se matar
para corrigir seu erro. Logo de inicio percebemos as influencias que Kurosawa teve na
construção dessa história, alem da mitologia japonesa sendo reconstruída e claro a
influencia do teatro e da pintura japonesa. Para melhor entender essa obra vamos
primeiramente fazer uma analise desses pontos da cultura japonesa que se tornam tão
importantes na narrativa de “Yume”.
O mito escolhido pelo diretor conta a historia de um menino e seu encontro com
as kitsunes (raposas), no mito o menino desobedece a mãe como no filme e presencia o
casamento das kitsunes e no final pratica o sepukku para reparar o seu erro, na leitura
feita por Kurosawa ele altera um pouco o final do mito não mostrando o menino
cometendo suicídio, mas antes de discutir as peculiaridades do mito e as escolhas feitas

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pelo diretor vamos fazer uma reflexão sobre o que é mito e porque eles são tão
importantes para a cultura de um povo.
Os mitos são representados de diferentes maneiras geralmente relacionados a
religião, os mitos surgem para dar explicação a algo que não se tem uma certeza. A
sobrevivência de certos mitos se da pela relação das pessoas, um mito nasce através do
discurso ele necessita das pessoas para existir para ser relembrado e recontado.

O mito é uma narrativa. É um discurso, uma fala. É uma forma de as


sociedades espelharem suas contradições, exprimirem seus paradoxos,
dúvidas e inquietações. Pode ser visto como uma possibilidade de se
refletir sobre a existência, o cosmos, as situações de “estar no mundo”
ou as relações sociais. Mas o mito é também um fenômeno de difícil
definição. (EVERARDO ROCHA, 1988, p. 7)

As incertezas do homem, as preocupações de um povo. Dar uma explicação para


a fantasia é esse o papel do mito em uma sociedade ele mostra como um povo pode
entender melhor a si mesmo, e aos sentimentos humanos.

Os mitos também servem, para que possamos entender melhor a nós


mesmos, pois tratam de sentimentos humanos, como o amor e o ódio,
a inveja e a admiração e, muitas vezes, traduzem ou procuram
responder as indagações morais e existenciais que rondam a mente
humana. (PEDRO PAULO FUNARI, 2009, p. 59)

O mito escolhido por Kurosawa também tem um fundo religioso. Segundo o


livro “Japão: o dicionário da civilização” de Louis Frederic as kitsunes são seres
místicos de lentas xintoístas as quais é atribuído poderes, geralmente elas se
transformam em mulheres ou religiosos para enganar os humanos, A representação das
kitsunes na obra mostram como elas são importantes para religião japonesa. O mito do
casamento desse animal mítico é geralmente representado em celebrações de templos
xintoístas no Japão

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Figura 2

A figura número 2 representa uma dessas festas onde é representado o


casamento da kitsune como um ritual para sorte e proteção dos deuses durante a época
de colheita.
Esses seres também são populares nas peças de teatro Nô e kabuki as influências
do teatro japonês que já em sua origem tem a intenção de representar de danças
sagradas
As origens do teatro, em muitos países asiáticos, ligam-se a danças
sagradas a que, em determinada fase, tendem a associar-se elementos
pantomímicos ilustrando mimeticamente um contexto narrativo. O
Nô, o clássico drama lírico do Japão, é a culminação de várias formas
de dança e pantomima. (ANATOL ROSENFELD, 2006, p.110)

O teatro japonês é uma das formas primordiais de adoração aos deuses por esse
motivo geralmente as mascaras utilizadas em apresentações de peças no teatro Nô
representam divindades e mitos da cultura japonesa. Como se pode observar na figura
número três que trás uma das mascaras utilizadas nas peças de Nô como representação
da figura da kitsune.
Figura 3

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Na reconstrução desse mito apresentada em “Yume” o diretor tenta mostrar toda


esse mistério que esse seres representam e que esta presente na cultura japonesa a
milênios. Na visão de Kurosawa ele mostra um menino que é atraído pelo desconhecido
esses seres que não devem ser observado se tornam irresistível a imaginação de uma
criança. Para construir todo esse mistério que atrai a atenção do menino o diretor se
utiliza da imagem das kitsune,s no filme as kitusunes não tem voz, mas a sua imagem
fica marcada durante todo o sonho, a peculiaridade do modo de andar das raposas a
formação da precisão para a celebração do casamento e principalmente o rosto das
raposas mostra influencias do teatro japonês.

Tanto os teatros clássicos do Japão como da china e da índia se


distinguem pelo simbolismo de gestos rigorosamente codificados,
extremamente formalizados e lentos. É um gesto “salmodiante” que
corresponde a recitação salmodiante. A convencionalização dos gestos
é acentuada pelo uso de mascaras, quer integrais, quer parciais ou
apenas espessamente pintadas na face. (ANATOL ROSENFELD,
2006, p.113)

Figura 4

Figura 5

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As figuras 4 e 5 foram retiradas da seqüência em que o menino encontra com as


kitsunes em nenhum momento as kitsunes falam com o menino ou aparecem
conversando, essa falta de dialogo faz parte do mistério que envolve esses seres. A
maneira como elas são apresentadas trás todo um segredo para sua imagem, no filme
elas surgem através da nevoa numa procissão que segue ao som de uma musica lenta e
com uma coreografia própria. A imagem das raposas suas faces, o modo de andar
mostra a curiosidade do menino em observar uma cerimônia tão pela como a que é
apresentada no filme. Alem disso podemos observar claramente que a construção dos
personagens das raposas tem forte influencia com as caracterizações feitas nas peças do
teatro Nô, suas faces aparecem com forte maquiagem e suas roupas kimonos
tradicionais para uma cerimônia de casamento em um templo xintoísta. De fato as
kitsunes representam a tradição japonesa e retratam como o diretor vê a mitologia do
Japão, o mistério que a religião e os mitos representam.
A cultura japonesa é milenar e seus mitos e religiões vem desde o surgimento da
sociedade japonesa, segundo José Yamashiro em seu livro “História da Cultura
Japonesa” existem registros da religião xintoístas desde século I D.C. com isso
podemos notar que a religião e os mitos estão presentes da cultura japonesa a séculos. A
reconstrução feita por Kurosawa do mito da raposa nos trás uma nova visão desse mito,
na sua forma original no final o menino acaba praticando seppuku para que sua família
não sofra com a ira das kitsunes o mito mostra como a honra e tradição no Japão são
algo de extrema importância, para uma sociedade que praticamente durante toda a sua
existência teve como princio básico o código dos samurais, e mantem ate hoje
importantes conceitos desse código o sacrifício para a preservação da honra era algo
admirável.
Por isso, a tradição essa é umas das principais mensagens desse primeiro sonho.
A representação do passado do povo japonês e de sua cultura pode ser observada através
do mito das kitsunes. A escolha dessa representação pelo talvez tenha se dado pela
própria maneira como foi criado. Em seu livro “something like an autobiography”
Kurosawa fala de como os valores e cultura japoneses foram importantes durante sua
criação seu pai era um professor e ex-militar que seguia as tradições dos samurais, em
um dos seus relatos ele conta como seu pai o fazia seguir uma rotina em seus
treinamentos em que ele tinha que prestar preces todos os dias no templo, alem disso o

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diretor relata fatos como o seu pai dava importância para o teatro e cinema sempre o
levando para assistir peças. Isso demonstra como a religião e os mitos foram
importantes na criação do diretor e como a tradição do teatro japonês teve sua influencia
até mesmo em sua infância. No filme Kurosawa prefere não narrar o final do mito ele
transpõe a sua visão em relação as tradições na imagem de um menino que se perde por
causa de sua própria curiosidade e acaba irritando os deuses mas não chega a praticar o
sepukku esse primeiro episodio acaba como menino caminhando para um arco-íris onde
supostamente as kitsunes moram.
Em relação ao personagem do menino também nos chama atenção, o fato de
que, é a imagem do menino iniciando seu caminho para tentar conseguir o perdão das
raposas que o diretor escolheu para ser a capa do filme “Yume” a imagem de um
menino perdido em seus sonhos. Em nossa analise essa imagem parece a visão do
diretor de uma infância que é interrompida para o início de uma viagem de
autoconhecimento.

Essa é umas das imagens que durante o filme parece remete ao alter ego do
diretor, a imagem de um menino sozinho perdido em seus próprios sonhos partindo para
o inicio de uma viagem para entender a si mesmo sem ter a perspectiva de quando sua
viagem terá um fim. O primeiro sonho, um sonho que não tem um fim e que mostra o
início de uma jornada. É esse sonho cheio de mistérios que Kurosawa mostra no inicio
de “Yume”.

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3 - Conclusão

Como objetivo para esse trabalho tínhamos por analisar a cultura, mitos e
imagens presentes no filme “Yume” de Akira Kurosawa. No inicio de nossa pesquisa
percebemos não somente as influencias culturais que levou o diretor a construção desse
filma mas também de sua própria experiência durante sua criação.
As imagens vistas na primeira parte do filme “Yume” mostra uma releitura da
mitologia e da cultura japonesa, a visão do diretor em relação ao mito e o inicio que
marca “Yume” como uma das obras mais belas de Kurosawa. Também observamos que
para essa reconstrução Kurosawa utiliza de elementos do teatro e da própria religião
xintoísta como base para sua visão do mito, ele cria um mundo de sonhos onde se nota a
influencia da cultura japonesa e dos valores da tradição da sociedade japonesa.
O casamento da raposa nos trás um inicio e o inicio do sonho de Akira
Kurosawa, percebemos que esse começo nos trás diferentes confluências históricas e
culturais, e também de diferentes representações artísticas, e assim como filme esse
primeiro trabalho é o inicio de uma analise desse filme que trás diferentes visões desse
diretor.

REFERÊNCIAS

ROCHA, Everardo P. Guimarães. O Que é Mito. 3 ed. São Paulo: Brasiliense, 1988.

FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma. – 4ª edição – São Paulo: Contexto, 2009.

TAMURU, Angela H. Descrição e Movimento: Imagens descritiva no cinema e na literatura. –


São Paulo: Scortecci, 2006.

ROSENFELD, Anatol. O Teatro Épico. – 4ª edição – São Paulo: Perspectiva, 2006.

YAMASHIRO, José. História da Cultura Japonesa. São Paulo: Ibrasa, 1986.

KUROSAWA, Akira. Something Like an Autobiography. New York: Vintage Books,


1983.

FREDERIC, Louis. Japão: o dicionário da civilização. São Paulo: Globo, 2008.

Figura 2. Disponível em http://japonmonamour.blogspot.com/. Acesso em: 28 dev


agosto.

Figura 3. Disponivel em http://www.angel-mask.com/wolfmask.htm. Acesso em: 25 de


agosto.

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Filmografia

Yume (Dreams). [Filme-vídeo]. Direção de Akira Kurosawa. Estados Unidos da


América, 1990. 01 DVD, 119 minutos, son., color. Legendado. Inglês.

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