Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Verônica Klepka1
Rebeca Pilegi Dada2
Gilmar Farias Junior3
como a sociedade, a natureza além da perso- nalidade é dos menores do mundo e casos de
nificação animal. No entanto, o nome foi con- estupro são raros (ROSA, 2005).
sagrado com o desenhista Rakuten Kitazawa Nos mangás e animes japoneses a alu-
que analisando o ideograma chinês notou que são ao sexo se faz presente, porém não sen-
a divisão das silabas man - ga reportava-se aos do considerado erótico ou pornográfico. Luyten
termos: involuntário e imagem, respectivamente, (2000) destaca que o simbolismo sexual apre-
nos conta Moya (1993). Podem significar ainda sentado não passa de produtos da cultura em
“desenhos irresponsáveis” como descreve Na- que o sexo não é algo pecaminoso, mas sim
gado (2002, p. 1). mágico. Além disso, a homossexualidade não é
O estilo do conhecido mangás se esta- um tabu, sendo discutida até mesmo com crian-
beleceu na década de 50 com Osamu Tezuka, ças. Dessa forma, os desenhos japoneses são
considerado o “deus do mangá”. Diferente do idealizados para sua cultura, fato que tem feito
mangá, os animes são desenhos animados ja- com que os Estados Unidos comprem direitos
poneses que nos Estados Unidos e também aqui autorais para embutir padrões ocidentalizados,
no Brasil chamamos de cartoons. Muitos deles descaracterizando o legítimo mangá (VASCON-
são baseados nos mangás e compartilham his- CELLOS, 2006, p. 35).
tórias e personagens.
Nagado (2002) discorre que os animes A SEXUALIDADE
fazem parte da TV brasileira desde a década de
60 e também se classificam por faixas etárias e Característica do Ocidente a repressão
gênero. Fonseca (2006) completa que a maior sexual é muito influenciada pela religião. Segun-
audiência gira em torno do gênero masculino do Foucault (1988, p. 9-10)
com idade entre 18 e 24 anos, estudantes de ní-
vel médio a superior de classe alta e com grande [...] A sexualidade é, então, cuidadosamente
interesse na tecnologia, cultura urbana, música, encerrada. Muda-se para dentro de casa. A
sexo e ação. família conjugal a confisca. E absorve-a, in-
A publicação do mangás no Japão bus- teiramente, na seriedade da função de repro-
duzir. Em torno do sexo, se cala. O casal, le-
ca atender diferentes clientelas, faixas etárias
gítimo e procriador, dita a lei. Impõe-se como
e gêneros visto que a maioria da população lê modelo, faz reinar a norma, detém a verda-
os quadrinhos. São muitos os enfoques: didáti- de, guarda o direito de falar, reservando-se
cos para as escolas, culinária, direito, histórias o principio do segredo. [...] Ao que sobra só
de samurais, robôs, comédias românticas entre resta encobrir-se; o decoro das atitudes es-
outros, enfatiza Souza (2006). Tudo vira histó- conde os corpos, a decência das palavras
ria em quadrinho no Japão até mesmo a vida limpa os discursos. E se o estéril insiste, e
cotidiana de desempregados, donas de casa e se mostra demasiadamente, vira anormal:
agiotas. receberá este status e deverá pagar sanções
Conforme Moliné (2004) são comuns te- (FOUCAULT, 1988, p. 9-10).
mas como pedofilia, incesto, sexo com profes-
sores/as, policiais, freiras, empregadas domés- Nesse sentido, Foucault (1988, p.10) ain-
ticas, monstros e com animais, além das orgias, da complementa que uma vez que as crianças
estupros e homossexualidade praticada tanto não tem sexo, faz-se um bom motivo para in-
por homens quanto por mulheres. Histórias que terditá-lo, “razão para proibi-las de falarem dele,
muitas vezes representam a realidade de uma razão para fechar os olhos e tapar os ouvidos
cultura machista socialmente aceita e que evo- onde quer que venham manifestá-lo, razão para
ca o tratamento dispensado às mulheres japo- impor um silêncio geral e aplicado. “[...] assim,
nesas, salienta Souza (2006). Para Rosa (2005) não há nada para dizer, nem para ver, nem para
não há limites para o erotismo japonês, o que saber” (FOUCAULT, 1988, p.10).
se difere da sexualidade ocidental sempre mais A crítica do autor à repressão é também
vigiada. pautada no discurso de poder e que “dizer que
Enquanto o Brasil e os demais países o sexo não é reprimido” ou até “dizer que entre
ocidentais criticam a violência exacerbada e o sexo e o poder a relação não é de repressão,
apelo sexual evidente nos mangás o mesmo não corre o risco de ser apenas um paradoxo estéril.
ocorre no Japão, local em que o índice de crimi- Seria ir de encontro a toda economia, a todos os
“interesses” discursivos que a sustentam” (FOU- bre as relações humanas, no caso, relações
CAULT, 1988, p. 13-14). entre homens e mulheres. Tal saber não é
Por outro lado, há quem considere a absoluto ou verdadeiro, mas sempre relati-
questão da repressão algo mais que apenas um vo. [...] O saber não se relaciona apenas a
ideias, mas a instituições e estruturas, prá-
discurso de poder, mas algo preocupante uma
ticas cotidianas e rituais específicos, já que
vez que mensagens de cunho sexual podem todos constituem relações sociais. O saber
atrapalhar o desenvolvimento da criança cau- é um modo de ordenar o mundo e, como tal,
sando uma “confusão entre o que é real e o que não antecede a organização social, mas é in-
é imaginário” (OLIVEIRA, 2010, p. 9). separável dela (SCOTT, 1994, p. 12).
Muito embora acreditem na grande força
do mercado publicitário, a negação à sexualida- Em concordância com Joan Scott, Silva
de faz crer que a superexposição de mensagens (2007, p. 11) salienta que gênero se “refere à
sexualizadas vem afetando o desenvolvimento construção dos papéis feminino e masculino em
das crianças, uma vez que estão sendo constan- uma dada sociedade, pressupondo-se, num pri-
temente bombardeadas por mensagens explíci- meiro momento, que essa organização binária
tas de sexo. Assim, as indústrias vêm crescen- seria incontornável”. Jane Flax3 (1991, p. 230
do exponencialmente, ou seja, dada a procura, apud Silva, 2007, p.11) discorre que este concei-
fomenta-se o mercado (OLIVEIRA, 2010). to é parte de uma “relação social prática” e que
Já Mendonça; Mendes; Souza (2005, existe uma necessidade de avaliar o significa-
p. 7) acreditam que os desenhos animados são do de “feminino” e o “masculino” dentro de uma
importantes para o desenvolvimento infantil no sociedade (FLAX, 1991, p. 230). Dessa forma,
qual, a criança “pode satisfazer suas necessi- por meio do gênero “(...) dois tipos de pessoas
dades de diversão, medos, aventuras e vive de são criadas” frutos de uma construção social as
forma imaginária conflitos, em um processo de “(...) divisões e atribuições diferenciadas e (por
amadurecimento cognitivo e emocional” (MEN- enquanto) assimétricas de traços e capacidades
DONÇA; MENDES; SOUZA, 2005, p. 7). humanas.” (FLAX, 1991, p. 228- grifos do origi-
Faz-se necessário destacar aqui que a nal).
sexualidade não deve ser vista como um pro- Como destaca Louro (1997) o conceito
blema, mas como algo natural, inerente ao ser gênero tem uma história pautada no movimen-
humano, entretanto a decorrência do apelo a to feminista que implica uma linguística, lutas,
esta, gerando a sensualidade é que por vezes momentos e significados, portanto é algo muito
preocupa. Tendo o assunto sexo sendo aborda- maior de que uma definição ou conceito.
do, já basta para a audiência ser conquistada,
com isso a mídia “evoca uma cobrança” em que OS CÓDIGOS SUBLIMINARES À IMAGEM
“ninguém pode guardar-se”, deve ser “soltar o
mais cedo e rápido possível” do contrário será Quanto ao sexo, historicamente Foucault
“excluído do grupo ao qual deseja ardorosamen- (1988, p. 57) trata de dois pontos relacionados à
te participar” (Oliveira et al, 2008, p. 16). verdade, sendo um deles as sociedades (China,
Japão, Índia, Roma e as nações Árabes-Muçul-
FORMAÇÃO DO GÊNERO manas) como dotadas de ars erótica, esta que
constitui-se de uma arte, onde a verdade é ex-
Ao se falar em desenvolvimento, deve- traída do prazer,
mos pensar também no processo de construção
do gênero que pode acontecer desde a infân- [...] encarado como prática e recolhido como
cia e estar sendo contida, por isso Joan Scott2 experiência; não e por referencia a uma lei
(1994, p. 12 apud Silva, 2007, p. 11) nos diz que absoluta do permitido e do proibido, nem a
um critério de utilidade, que o prazer é leva-
[...] gênero significa saber a respeito das dife- do em consideração, mas, ao contrário, em
renças sexuais. Uso saber, seguindo Michel relação a si mesmo: ele deve ser conheci-
Foucault, com o significado de compreensão do como prazer, e portanto, segundo sua
produzida pelas culturas e sociedades so-
3
FLAX, Jane. Pós-moderno e relações de gênero na teoria feminis-
SCOTT, Joan. Prefácio a Gender and Politics of History. Cadernos
2
ta. In: BUARQUE DE HOLANDA, Heloísa (org.). Pós-modernidade
Pagu (3) 1994, p. 11-27 e política. Rio de Janeiro: Rocco, 1991, p. 217-250.
intensidade, sua qualidade especifica, sua internas do produto (o que não chega a ser
duração, suas reverberações no corpo e na um ponto ‘negativo’, mas deve ser levado em
alma. Os efeitos dessa arte magistral, bem consideração em qualquer análise) [...] é pre-
mais generoso do que faria supor a aridez de ciso manter a mente aberta às possibilidades
suas receitas, devem transfigurar aquele so- culturais que acompanham esses produtos.
bre quem recaem seus privilégios: o domínio A questão da regulamentação por faixa etá-
absoluto do corpo, gozo excepcional, esque- ria, por exemplo, é um fator marcante e de
cimento do tempo e dos limites, elixir de lon- grande influência na hora de se analisar a
ga vida, exílio da morte e de suas ameaças produção gráfica japonesa; [...] nós tende-
(FOUCAULT, 1988, p. 57). mos a ver vários aspectos da sexualidade
sob um véu de preconceito e censura, fun-
Ainda segundo Foucault (1988, p. 57) damentados em dogmas religiosos, algumas
nossa civilização ocidental não possui tal ars tradições e definições absolutas que, apesar
erótica, em princípio devido à submissão à reli- de já terem sido ultrapassadas, ainda persis-
tem no imaginário popular; [...] a existência
gião. “Daí decorre também o fato de que o ponto
de ficções literárias (fanfic) ou artísticas (fa-
importante será saber sob que formas, através nart) de origem japonesa, contendo alguma
de que canais, fluindo através de que discursos conotação homossexual, não confirma nem
o poder consegue chegar às mais tênues e mais justifica automaticamente a presença de tais
individuais das condutas” (FOUCAULT, 1988, p. elementos nos produtos originais. Muito do
16). que se imagina no Brasil, sobre os produtos
Em imagens de mangás e animes existe japoneses, fala mais sobre o imaginário e a
um código de linguagem, caracterizado por seus cultura do Brasil, do que sobre as obras es-
traços visuais e até mesmo mensagens submi- trangeiras propriamente ditas (PERET, 2009,
nares a esses traços como vemos nas figuras p. 3-4).
abaixo:
Com esse foco, escolhemos nosso obje-
to do nosso estudo, a série de ação IKKITOU-
SEN conhecida no ocidente e no Brasil como
BATTLE VIXENS constitui-se de uma versão
atual do Romance dos Três Reinos, livro chinês
sobre o período dos reinos Wei, Shu e Wu entre
os anos de 220 a 280 d.C.
Criado como mangá em 2000, IKKITOU-
SEN apresenta quatro séries com pouco mais
de 10 episódios cada, hoje como animes. Em
resumo, a história compõe de sete escolas que
Figura 1: Personagens femininas de Mangás e Ani- simulam os reinos da história verídica e cada
mes e suas mensagens visuais. Em (A) seios de escola possui um chefe encarnando um impera-
tamanho exagerado desproporcional ao rosto infan-
dor. Os estudantes das escolas também são en-
tilizado. Em (B) menina representando submissão e
objeto sexual. carnações dos personagens do período antigo.
Fontes: (A) http://gamehall.uol.com.br/site/garotas- O enredo se faz em torno de batalhas entre as
-de-animes-15/ Acesso em 08 de junho de 2012. escolas pela supremacia e que um dia chegue o
(B) http://mvp-animes.blogspot.com.br/search/label/ mestre dos mestres para unir o fragmentado rei-
Imagens Acesso em 28 de maio de 2012. no. A versão da série apresenta uma aproxima-
ção ao público jovem quanto ao uso de celular
De acordo com Peret (2009, p. 3-4) exis- para receber as mensagens e ordens dos chefes
tem diversas narrativas para a sexualidade em a seus súditos/as (GRASEL, 2009).
animes e mangás, principalmente, no que diz A série apresenta-se cheia de lutas, mas
respeito a homo e a bissexualidade, citamos al- estas ficam em segundo plano como discorre
gumas enfatizadas pelo autor: Grasel (2009), porque o aspecto principal são as
garotas. Estas se apresentam com um padrão
[...] essas obras não foram feitas para a nossa de beleza característico da mídia: altas, magras,
cultura e sim para a cultura japonesa; portan- grandes seios, uso de roupas curtas e sensuais.
to, qualquer apropriação nossa poderá não Nas batalhas as roupas são facilmente rasgadas
corresponder à realidade e verossimilhança
Ryomou Shimei5 Moldura ausente, imaginária; Enquadramen- -Algemas: posse, fetiche, controle;
to próximo; Ângulo do ponto de vista vertical, -Roupa de empregada: fetiche,
de frente, sensação de realidade; Escolha da erótico, à serviço;
objetiva conota profundidade, visão natural; -Pose de observação: olhos nos
Composição vertical descendente, retidão, olhos, buscando distância no olhar.
equilíbrio; Formas com linhas curvas, arre-
2 dondadas, feminilidade e suavidade; Dimen-
são grande; Cores, dominante frias; Ilumina-
ção difusa; Textura lisa.
Ryofu Housen7 Moldura presente; Enquadramento distante; -Cabelos: presos laterais, infância;
Ângulo do ponto de vista frontal; Escolha -Rosto meigo: olhos nos olhos;
da objetiva sem profundidade; Composição -Pose: erótica, sensual, espera,
vertical; Formas com linhas curvas, arredon- convida;
dadas, feminilidade e suavidade; Dimensão -Decote atrevido: querendo abrir-
pequena; Cores, dominante quente; Ilumi- -se;
4 nação violenta, orientada; Textura lisa. -Saia curta: com ar de estar le-
vantando com o vento;
-Mão na orelha: conquista, inte-
resse.
4
Fonte: http://myanimelist.net/forum/?topicid=132808&show=20
5
Fonte: http://gallery.minitokyo.net/view/546241
6
Fonte: http://gallery.minitokyo.net/view/303973
7
Fonte: http://gallery.minitokyo.net/view/417685
São Paulo: Brasiliense, 1993. propio cuerpo que terminan siendo observados, sin
embargo, eso no sofoca la curiosidad, sólo limita el
NAGADO, A. O bê-a-bá do Mangás, 2002. acceso, instigando fantasías, dudas y búsqueda del
Disponível em: <http://www.omelete.com.br> placer en secreto y privado. Esa cultura occidental
Acesso em: 26 maio 2012. represiva pretende ser despertada, expresa de una
cierta forma que tal catarsis localizada en Mangas y
OLIVEIRA, E. M. et al. Da sensualidade à Animes permita la fantasía por el cuerpo femenino,
convirtiéndose objeto de anhelo, estándar. En este
sexualidade: uma interferência pedagógica
estudio, se observó la influencia de cuatro personajes
frente aos preceitos impostos pela mídia. de la serie Ikkitousen en la construcción del género,
Revista Científica de Educação Athena, v. 10, a través del análisis semiótico de sus representacio-
n. 10, jan./jun. 2008. nes corporales. Observamos que esas imágenes con
sensualidad son la fuente por la cual los medios de
OLIVEIRA, F. L. Análise das mensagens de comunicación venden sus productos, además de atri-
sexualidade no anime Naruto. 2010. 79 f. buir concepciones de perfección, posesión, fetiche,
(Monografia) - Departamento de Jornalismo erotismo, conceptos que pueden influenciar construc-
Faculdade Cearense, Fortaleza, 2010. ciones de género.
Palabras clave: Rotulación; Mangas; Género.
PERET, E. Percepções da sexualidade: anime
e Mangá, 2009. Disponível em: <www.elo.uerj.
br/pdfs/ELO_Ed4_Artigo_animemanga.pdf>.
Acesso em: 26 maio 2012.
VASCONCELLOS, P. V. Mangás-Dô: os
caminhos das histórias em quadrinhos
japonesas. 2006. 220 f. Dissertação (Mestrado
em Teologia e Ciências Humanas) - Pontíficia
Universidade Católica, Rio de Janeiro, 2006.