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revista Fronteiras – estudos midiáticos

18(1):22-32 janeiro/abril 2016


2016 Unisinos – doi: 10.4013/fem.2016.181.03

Representações do candomblé
em Tenda dos Milagres: a ficção
televisiva e suas simbologias
Representations of the candomblé in a Tent of Miracles:
The TV fiction and its symbologies

Robéria Nádia Araújo Nascimento1

RESUMO
Este texto deriva de uma pesquisa2 sobre a religiosidade afro-brasileira, especialmente o candomblé, na minissérie Tenda dos Milagres,
inspirada na obra de Jorge Amado. À luz de Lopes (2004), Jost (2007) e Martín-Barbero (2004), entre outros, aborda a fruição do
gênero ficcional televisivo para além da intenção de verdade, da mobilização da memória e do imaginário do público, uma vez que,
por seu intermédio, torna-se possível uma aproximação às tradições específicas de um povo. Nessa perspectiva, a ficção é permeada
por fluxos de mobilidade discursiva e plasticidade, condições oportunas à circulação de pensamentos, imagens, símbolos e significados
que funcionam como chaves de interpretação de processos identitários e sócio-histórico-culturais. Privilegiando o entrelaçamento
com a esfera da crença afro-brasileira, o artigo descreve alguns fragmentos do produto audiovisual, identificando símbolos e mitos
religiosos, além de apresentar entrevistas com praticantes dessa vertente religiosa, no intuito de pensar e compreender as representações
construídas pela ficção. Como resultado mais expressivo, o estudo constatou que a minissérie valoriza as expressões culturais, a
identidade étnica e a religiosidade multifacetada do povo baiano, ainda que os estigmas e preconceitos (Goofman, 1988) perpassem
as tradições do candomblé, forjando a visibilidade da ficção televisiva nas suas convergências com a realidade social.

Palavras-chave: Tenda dos Milagres, ficção televisiva, candomblé.

ABSTRACT
This text derived from a survey on the religiosity afro-Brazilian, especially candomblé in the TV series Tent of Miracles, inspired
by the work of Jorge Amado. In the light of Lopes (2004), Jost (2007), and Martín-Barbero (2004), among others, it deals with the
enjoyment of fictional television genre in addition to the intention of truth, the mobilization of the memory and the imagination
of the public, since through this it becomes possible to approximate the specific traditions of a people. From this perspective, the
fiction is permeated by discursive and plasticity mobility flows, suitable conditions for movement of thoughts, images, symbols and
meanings that serve as keys to interpretation of identitary and socio-historical-cultural processes. Privileging the entanglement with
the sphere of afro-Brazilian belief, the article describes some fragments of audiovisual product, identifying religious symbols and
myths, in addition to interviews with practitioners of religious strand, in order to think and understand the representations constructed

1
Doutora em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professora Titular da Universidade Estadual da Paraíba
(UEPB). Rua Baraúnas, 351, Bairro Universitário, 58429-500, Campina Grande, PB, Brasil. E-mail: rnadia@terra.com.br
2
Intitulada Os arquétipos místico-religiosos na ficção televisiva: o universo simbólico de Tenda dos Milagres, realizada pela linha de pesquisa
Mídia e Estudos Culturais do Curso de Comunicação Social da UEPB com recursos do CNPq e concluída no ano de 2012. Este
texto, portanto, sintetiza o estudo na tentativa de sinalizar o potencial investigativo das tramas literárias de Jorge Amado em suas
transposições televisivas, que podem ser oportunas para análises de diversas áreas do conhecimento científico.

Este é um artigo de acesso aberto, licenciado por Creative Commons Atribuição 4.0 International (CC-BY 4.0), sendo permitidas
reprodução, adaptação e distribuição desde que o autor e a fonte originais sejam creditados.
Representações do candomblé em Tenda dos Milagres: a ficção televisiva e suas simbologias

by fiction. As a more expressive result, the study found that the TV series appreciates the cultural expressions, the ethnic identity
and religiosity of the multifaceted Bahian people, despite the stigmas and prejudices (Goofman, 1988) related to the traditions of
candomblé, forging the visibility of fiction television in its convergence with the social reality.

Keywords: Tent of Miracles, TV fiction, candomblé.

Os propósitos da como a ficção pode se tornar mediadora de simbologias


que aludem a identidades da crença de matriz africana.
abordagem As simbologias são estudadas por Rocha (2015)
em suas pesquisas sobre o universo místico do candomblé,
à luz do conceito de performances. De acordo com a au-
Quem é ateu e viu milagres como eu/ tora, a vertente afro-brasileira envolve representações de
Sabe que os deuses sem Deus divindades e mobiliza os diversos sentidos corpóreos dos
Não cessam de brotar, nem cansam de esperar/ praticantes, que se conectam com uma dimensão supra-
E o coração que é soberano e que é senhor -humana que remonta à tradição, demarcando o caráter
Não cabe na escravidão/Ojuobá ia lá e via... ritualístico da crença nos entremeios de ritmos, palavras e
(“Milagres do Povo” – Caetano Veloso, sonoridades. No candomblé, há uma profusão de experiên-
abertura de Tenda dos Milagres) cias vivenciadas oriundas da ancestralidade, que transfere
histórias que simbolizam a fé para os discípulos, e estes
Este artigo contempla os arquétipos místico-re- atuam em grupos no sentido de preservá-las. “A aparente
ligiosos3 que permeiam a minissérie Tenda dos Milagres, repetição insere o passado no presente e lança para o futuro
baseada no romance homônimo de Jorge Amado, escrito o aprofundamento dessa rede de atores e simbologias”
em 1969. Tem como foco problematizar os elos da ficção (Rocha, 2015, p. 21). Citando o pensamento de Richard
televisiva com a religiosidade afro-brasileira no intuito Schechner, este afirma que performances, quando se pensa
de traduzir, ainda que de modo sucinto, por derivar de no âmbito religioso, nada têm a ver com a noção corrente
uma investigação mais ampla, algumas simbologias desse de “desempenho”, significando “comportamentos e sím-
produto audiovisual, para, em momento posterior, verificar bolos restaurados”, duas vezes experienciados, em ações
como a representação do candomblé reverberou entre os para as quais os grupos treinam e ensaiam. “Enquanto
adeptos. Torna-se pertinente esclarecer que a referência comportamentos restaurados, as festas, as imagens, as
aos símbolos, no presente texto, não concerne à perspectiva vestes de santos, os atabaques, as palavras do candomblé
conceitual da semiótica, ciência que discute as expressões compõem ambientes de reafirmação identitária e de so-
icônicas ou indiciáticas acerca de um determinado sig- ciabilidades” (Rocha, 2015, p. 22).
nificante sociolinguístico. E nem tampouco se reporta à Para Hall (2011), as simbologias permanecem
inspiração teórica lacaniana, embora essa corrente advogue vivas, mas os atores as ressignificam, tornando a identida-
que o simbólico se vincula a uma cadeia de significantes, de de um grupo um lugar movediço, multiforme, “numa
independente de semelhanças, o que poderia se aplicar costura de posição e contexto” (Hall, 2011, p. 16). No pen-
às imagens do candomblé. Entretanto, optamos por não samento de Geertz (2000), há uma confluência com a ideia
seguir essa direção, de modo que o sentido pretendido aqui das performances. Na visão do autor, o simbólico e o ritual
se relaciona à mediação comunicacional da ficção, que é não são categorias que remetem a adereços que podem
considerada aqui em suas matrizes de “identificação cul- se modificar ou ser substituídos, nem a meras repetições
tural” (Hall, 2004) e fluxos de “circulação simbólica” (Hall, sem significados, mas refletem formas de reprodução ou
2011), condições que elegemos para pensar as possibilida- manutenção de saberes e tradições, constituindo uma
des que as idiossincrasias afro-brasileiras podem sugerir forma dramática de expressar determinadas metáforas
ao imaginário coletivo. Nosso interesse recai na forma da vida social.

3
Trata-se de uma descrição de um produto audiovisual de natureza midiática, o que exclui deste texto qualquer discussão de caráter
teológico sobre a religiosidade afro-brasileira. Salientamos que a expressão “arquétipos” também não se reporta à perspectiva teórica
junguiana, aludindo aqui às histórias, imagens e mitos herdados que constituem a tradição oral do candomblé.

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Esses raciocínios nos conduzem a indagar: como dos intelectuais da Faculdade de Medicina, especialmente
os símbolos do candomblé são reproduzidos no cenário pelas atitudes racistas do médico Nilo Argolo, vivido por
audiovisual? Que referências são adotadas para narrar as Oswaldo Loureiro).
histórias/trajetórias do povo de santo em meio às lutas Na categoria “adaptação”, segundo Nagamini
de legitimação identitária e afirmação social? Como o (2004), estão implícitas as concepções de versão, inspi-
pertencimento dos adeptos é visibilizado em meio aos ração, recriação, reatualização, aproveitamento temático,
preconceitos da sociedade? referência à obra, que sempre resultam em um trabalho
Faz sentido salientar também que o título da mi- novo. Vale salientar, então, que os possíveis diálogos entre
nissérie se refere à tipografia do artesão de madeira Lídio a linguagem literária e a televisiva são entendidos neste
Corró (Milton Gonçalves), que configura um local místico e texto como favoráveis à reconstituição da época retratada.
peculiar, pois funciona como residência e ponto de encontro Assim, não nos interessamos aqui em classificar estilo nar-
da boemia baiana. Agrega objetos que aludem aos milagres rativo, apontar analogias, conjunções ou disjunções, uma
dos santos, encomendados pelos católicos beneficiados vez que tentamos destacar o caráter de conscientização
pelas graças alcançadas, como também acolhe as máquinas que a minissérie pode suscitar entre os telespectadores,
rotativas de impressão dos primeiros folhetos produzidos no que diz respeito à liberdade de crenças.
por Pedro Archanjo em prol da cidadania dos negros e O vocábulo candomblé, em sentido etimológico,
mestiços. Nesse ambiente sincrético entre o sagrado e o representa uma junção do termo quimbundo candombe
profano, metaforicamente “milagroso e ancestral”, por ser (dança com atabaques) com iorubá ilé ou ilê (casa), sig-
palco de histórias dos negros, risos, dores, lutas e conquistas nificando literalmente “casa de dança com atabaques”.
do cotidiano, emergem a obstinação e a intelectualidade do É uma religião derivada do animismo africano que cultua
protagonista, que transformam a tenda em uma espécie de os Orixás, considerados divindades da natureza, através
“Faculdade do Povo”, reunindo negros e subalternos, em de rituais que estruturam uma dinâmica simbólica que se
uma sátira à Faculdade de Medicina, “território de embates” expressa em danças, cantos, oferendas e sacrifícios. Em
que aglutinava os brancos das elites intelectuais da Bahia levantamentos recentes, aproximadamente 3 milhões de
para pregar a inferioridade dos mestiços. brasileiros (1,5% da população total) declararam o can-
A adaptação literária expõe o engajamento de Jorge domblé como sua religião. Hoje, existem 2.230 terreiros re-
Amado4 às questões socioculturais, mediante o enfrenta- gistrados na Federação Baiana de Cultos Afro-brasileiros
mento dos poderes dominantes nos anos de 1930, como e catalogados pelo Centro de Estudos Afro-Orientais da
podemos perceber nos episódios de preconceito étnico-so- UFBA (Universidade Federal da Bahia) no Mapeamento
cial e na perseguição policial ao terreiro da mãe Majé Bassã dos Terreiros de Candomblé de Salvador6.
(Chica Xavier)5. O escritor, segundo Goldstein (2003), No entanto, argumenta Negrão (2009) que esses
nunca se definiu antropólogo ou sociólogo, mas sempre números “não dizem os fatos”, convidando-nos a perceber
o foi, mesmo sem querer ou saber. Considerado seu livro os silenciamentos e as subjetividades que escondem, uma
preferido, Tenda dos Milagres é o 16º romance do escritor, vez que não revelam o quanto de repressão histórica que
fundamentado em fatos históricos e traduzido para o ale- as manifestações afro-brasileiras ainda sofrem. “Quem
mão, espanhol, francês, húngaro, inglês, italiano e russo. são aqueles que conseguem ‘sair do armário’ e se dizer
Com uma narrativa inspirada no marxismo, a minissérie adeptos do candomblé, enquanto tantos outros escondem
dá ênfase a um confronto maniqueísta entre as forças do suas crenças sob uma capa católica superficial?” (Negrão,
bem (aludindo ao misticismo religioso de Archanjo e seus 2009, p. 21). O autor sublinha que a preservação dos va-
amigos) e do mal (representadas pela figura da polícia e lores africanos se atrela à luta por afirmação étnica, ambas

4
O escritor era Ogã do candomblé em Salvador, função ritualística destinada somente ao sexo masculino e a indivíduos de prestígio
social que possam fornecer recursos aos terreiros. Os ogãs são tratados como “pais” na hierarquia dos terreiros, sem passarem pelas
categorias dos iniciados.
5
A atriz baiana de 79 anos é Babalorixá e se dedica ao Terreiro Irmandade do Cercado do Boiadeiro, que fundou há aproxima-
damente 34 anos. A atriz afirma que entoou a cantiga de Exu durante os testes do elenco da minissérie, ideia que, segundo ela, a
fez conseguir o emblemático papel da Mãe Majé Bassã. Convidada para viver personagens ligados à simbologia do candomblé, na
novela Duas Caras (2007) tornou a viver uma mãe de santo, a Setembrina. Em 2012, na trama das sete, Cheias de Charme, também
da Rede Globo, foi uma vidente.
6
Mais informações podem ser obtidas no site: www.ufba.edu.br

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Representações do candomblé em Tenda dos Milagres: a ficção televisiva e suas simbologias

condicionadas à expansão da fé afro-brasileira não apenas audiências a competência cultural, a socialização das
na Bahia, mas por todo o país. Esse processo de africani- experiências criativas e o reconhecimento das diferenças
zação das práticas está presente na “leitura” da minissérie e alteridades. Através de suas narrativas, é possível ter o
ao mostrar o empenho da mãe Majé Bassã em cultivar conhecimento dos que os outros fazem, como pensam,
os rituais e transmiti-los aos filhos de santo, em alusão à como manifestam sua fé, quais seus pertencimentos
oralidade da estruturação simbólica dessa vertente religio- étnicos, ou quais as expectativas e conflitos de diferentes
sa. Embora seja uma religião de transe, iniciática e sem gerações em diversos tempos históricos. Ressaltando o
proselitismos, o candomblé exige entrega do fiel aos seus poder da ficção na reprodução de histórias e contextos,
preceitos: a missão que Pedro Archanjo recebe de Xangô a autora assinala que o gênero se mostra estratégico na
para ser “a luz do seu povo” ilustra um compromisso étnico criação e consolidação de novas identidades culturais com-
de pertencimento, que é enfatizado pela trama. Em uma partilhadas. Torna-se, portanto, um lugar privilegiado na
cena, a mãe Majé Bassã repete aos discípulos as palavras TV, de onde se anuncia uma nação representada e não só
do Manifesto das Ialorixás baianas, escrito em 1985, ano imaginada. “Histórias narradas pela televisão são, antes de
de exibição da minissérie: “Que nossos netos possam se tudo, importantes por seu significado cultural, oferecendo
orgulhar de pertencer à religião de seus antepassados; que material precioso para se entender a cultura e a sociedade
ser negro lhes traga de volta a África, e não a escravidão”. de que é expressão” (Lopes, 2004, p. 125). Dessa forma,
Assim, parece-nos pertinente compreender como o gênero ficcional se articula às ideias de mobilidade
a TV notabiliza as expressões e subjetividades afro-bra- discursiva e plasticidade, permitindo que pensamentos,
sileiras, informando sobre seus fazeres e saberes, a partir imagens, símbolos e significados circulem e funcionem
das estratégias discursivas de fabulação teleficcionais. Foi como chaves de interpretação de processos identitários e
em território nordestino, especificamente baiano, que o abordagens sócio-histórico-culturais.
candomblé primeiro buscou preservar sua identidade étnica Por isso, para Jost (2007), a ficção traduz um
adotando uma atitude política, em razão da escritura desse olhar específico sobre o real, uma vez que se apropria do
Manifesto. Portanto, Tenda dos Milagres revela em seu fio cotidiano. Nesse sentido, a verossimilhança das tramas é
condutor um tom de narrativa histórica, enfatizando em “captada” na sociedade e tecida no interior da narrativa,
sua discursividade a esperança na cultura popular, a exclusão com acréscimos do imaginário, artifício que permite o
social em seus diversos matizes, debatendo a liberdade de fortalecimento das raízes do gênero em meio à cultura
crenças. Adotando a minissérie7 como eixo de interlocução, que o produz. Corroborando essa assertiva, Bulhões (2009)
objetivamos: caracterizar o gênero ficcional; apontar diálogos postula: “A ficção não é um invólucro impenetrável, uma
entre os personagens que ilustram as situações de precon- cápsula suspensa na imaterialidade: só pode transfigurar o
ceito e as tradições do candomblé; destacar os elementos real por tê-lo conhecido, por isso o representa ou subverte”
imagéticos dos cenários, uma vez que estes auxiliam na (Bulhões, 2009, p. 22). Assim, o seu caráter verossímil não
compreensão dos seus simbolismos; perceber, a partir de visa apenas uma estratégia de sedução do público, mas
entrevistas com praticantes, os vestígios de discriminação se refere ao que existiu ou continua existindo, fato que
social que perpassam essa opção religiosa; e verificar se a sugere reflexão social para as questões problematizadas
mídia, para além do segmento da teledramaturgia, informa nos enredos.
a sociedade sobre as religiões de matriz africana. O protagonista Pedro Archanjo (Nelson Xavier) foi
inspirado na junção de dois ativistas políticos do mundo
real: o escritor baiano Manuel Querino (abolicionista) e o
O gênero ficcional: Obá Miguel Santana (Babalorixá), defensores importantes
da causa da liberdade religiosa na Bahia. O médico e an-
convergências teóricas tropólogo Nina Rodrigues, por sua vez, deu origem a Nilo
Argolo (Oswaldo Loureiro). Na narrativa em questão, o
caráter não fictício que perpassa fatos e personagens se dilui
A ficção televisiva é, na visão de Lopes (2004), entre as criações do imaginário, permitindo maior fruição
um veículo de interculturalidade que pode ativar nas do contexto. A ancestralidade do candomblé, discutida

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Minissérie de 30 capítulos, exibida pela Rede Globo em 1985, dirigida por Aguinaldo Silva e Regina Braga, reunida em um Box
de quatro DVDs, lançado pela Globo Marcas.

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através de Pedro Archanjo, na verdade evoca não apenas


elementos da memória afetiva do personagem, como é um
Percurso metodológico
instrumento discursivo para disseminar experiências fac-
tuais do período histórico retratado em prol da veracidade
narrativa. O acréscimo do imaginário se mistura, portanto, Tendo em vista as premissas teóricas apresentadas,
a enunciações do mundo real. Nesse sentido, a minissérie o percurso metodológico que originou a pesquisa foi
reúne elementos biográficos, à medida que se entrelaça desenvolvido em dois momentos: o primeiro, destinado
com a historicidade da década de 1930, reproduzindo uma à observação criteriosa da minissérie para seleção dos
correlação que se mostra perceptível nos cenários, figurinos capítulos e seus recortes. O segundo, destinado às visitas
e ambientações dos capítulos. aos terreiros, para a realização das entrevistas. Entretan-
Na ótica de Martín-Barbero (2004), a fruição do to, antes dos dois procedimentos, e com a intenção de
gênero ficcional televisivo apresenta ainda um aspecto familiarizar os alunos envolvidos8 com o universo místi-
significativo para além da intenção de verdade, da mobi- co-religioso de Jorge Amado, foi recomendada a leitura
lização da memória e do imaginário do público, uma vez da obra homônima que inspirou a adaptação televisiva.
que, por seu intermédio, entendemos ainda as tradições Como o processo da pesquisa envolve ações de
específicas de um povo e as culturas mestiças dos países re- objetificação e subjetivação de procedimentos, vinculadas à
tratados. A televisão se configura hoje como “o dispositivo teoria estudada e seus pressupostos, optamos por descrever
mais sofisticado de modelagem e formação dos gostos po- cenas e falas, traduzindo a simbologia do candomblé, a
pulares, numa das mediações mais expressivas das matrizes partir das seguintes ações:
narrativas do mundo cultural popular” (Martín-Barbero, (i) Seleção das cenas emblemáticas e dos perso-
2004, p. 24). Exerce, dessa forma, papel estratégico na nagens;
cultura cotidiana das maiorias, na transformação de suas (ii) Descrição dos aspectos vinculados à religiosi-
sensibilidades, na construção de suas identidades. Nesse dade afro-brasileira;
sentido, formata uma imagem estratégica de determinados (iii) Identificação das ambiências dos capítulos (ob-
universos do mundo real, possibilitando o reconhecimento jetos, figurinos, contextos espaço-temporais).
entre a audiência, notabilizando “um modo comprometi- Em seguida, desenvolvemos a etapa empírica da
do” de ver, escutar ou ler uma dada historicidade. investigação, correspondente às visitas aos terreiros. Para
Graças a esse permanente estado de fluxo e rede- Laplantine (1996), o observador realiza um processo de
finição, os gêneros ficcionais despertam novas inteligibili- subjetivação ao procurar conhecer um dado contexto, infe-
dades, mesclam particularidades, produzem novas sínteses rindo, ajustando questões, experimentando e construindo
sociais, restituindo e atualizando velhas histórias que são hipóteses, pois “nunca somos testemunhas objetivas ob-
caras à cultura e à memória populares. Considerando servando objetos, mas sujeitos observando outros sujeitos”
esses aspectos, Gordillo (2010) chama a atenção para os (Laplantine, 1996, p. 169). Nesse sentido, o pesquisador
desdobramentos e hibridações que permeiam a ficção busca a inteligibilidade do cenário que investiga, por isso
televisiva, características que, no entender da autora, sus- visitamos os locais de cultos e assistimos a algumas ceri-
citam reflexões, discussões e ressonâncias sociais, a partir mônias, sem o interesse de compará-los às representações
das seguintes funções: fabulização, em uma tentativa de da minissérie. Geertz (2000) explica que os contextos
atrair as pessoas para outros contextos, mediante a ação pesquisados funcionam como laboratórios sociais onde
de personagens, tempos e espaços; socializadora, ao unir podemos nos aproximar das alteridades dos informantes
grupos em torno de temáticas comuns, gerando adesões, em seus próprios ambientes, o que pode favorecer a escuta
gostos e preferências; função identitária, pois surge como das sensibilidades. As entrevistas realizadas consideraram a
intérprete da vida social, compartilhando os significados modalidade semiaberta que parte de um roteiro-base, sem
coletivos e expressando as mutações culturais; dissemi- privilegiar a linearidade por se ater ao processo dialógico
nadora de modelos, ao organizar situações e personagens de interlocução. Foram ouvidos praticantes do candomblé,
familiares, convertendo os estereótipos em sugestões de cujas declarações são aqui sintetizadas, uma vez que o
comportamento social; função formativa, uma vez que amplo escopo da pesquisa impede transcrições literais no
certos relatos podem conter mensagens educativas. espaço de um artigo.

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João Saraiva da Silva Neto e Walquísia Raquelle Freire Gouveia, alunos-pesquisadores do Curso de Comunicação Social da UEPB.

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Simbologias do candomblé o responsável pelo seu destino e sua proteção, aconselhan-


do e prevendo seu futuro” (Albuquerque, 2012, p. 233).
em Tenda dos Milagres Percebemos, através do desabafo de Rosa de Oxalá
(de que não há liberdade possível), mensagens relevantes
que permeiam a trama da minissérie: o preconceito que
No Capítulo 5, Rosa de Oxalá9 (Dhu Moraes) se assola os negros, a falta de expectativas e de fé no futuro
consulta com a mãe Majé Bassã (Chica Xavier) através transmitidas aos seus descendentes, como se não lhes fosse
dos búzios: Majé Bassã: Tô vendo um homem que te permitido ter a dignidade dos direitos humanos e sociais.
acompanha, é uma sombra que está sempre do teu lado! A abordagem do “sobrenatural” se acentua no
Coisa mais esquisita, Rosa, é uma sombra que não tem capítulo 12, quando Mãe Majé Bassã revela a missão de
cara, não tem cabeça... Rosa de Oxalá: É meu avô! Ele Pedro Archanjo:
era escravo na fazenda de Pedro Unhão, e acreditava que Majé Bassã: Tu foi agraciado com um dom divino!
quando os negros morrem a alma deles volta pra África. Do povo daqui, tu é um dos poucos que pode fazer alguma
Isso é verdade, num é mãe? [E Majé Bassã, triste, confir- coisa pela tua raça [...] Xangô tá falando, tá te ordenando
ma]. Um dia, colocaram ele no Pelourinho de castigo. Tão “tudo ver, tudo saber, tudo escrever”. Tu foi escolhido para
grande esse castigo, mãe! Durou tanto tempo que meu ser Ojuobá, os “olhos de Xangô”! [Pedro Archanjo fica
avô resolveu voltar pra África... Ele se matou! O corpo perplexo] Majé Bassã: Tu vai ser a luz do teu povo, nossos
do meu avô voltou pra África, mas a cabeça dele ficou olhos de ver, e nossa boca de falar, tu vai ser nossa coragem
escrava na Bahia [...] [Rosa se levanta e chora]. Todos e nosso entendimento. Tu vai dizer do nosso amanhã.
os dias essa sombra me aparece pra me dizer que não há Pedro Archanjo: É uma grande honra, mãe Majé Bassã.
liberdade possível [...]. E se eu falhar? Majé Bassã: Você sabe muito bem que Xan-
Esse fragmento retrata com fidelidade o simbolis- gô um dia foi nosso rei. Tu tá pondo em dúvida a sabedoria
mo religioso, pois a mãe de santo tem autoridade para guiar de um rei, Pedro Archanjo? Então, tu tá achando que é
os adeptos. Na consulta, observamos uma mesa redonda maior do que ele. Vá pra casa, mestre Archanjo, Ojuobá
coberta com uma toalha branca, um armário e um vaso de Xangô, e pode começar a cumprir tua obrigação, que
de barro com água. Sobre a mesa, há uma vela amarela já tá na hora. [Pedro Archanjo levanta-se e beija a mão da
acesa (em homenagem a Oxum10, orixá feminino que guia sua mãe de santo em um gesto de despedida].
a leitura dos búzios), um chocalho e uma peneira rasa de Essa relação fraterna evoca um sentimento de
palha, onde são jogadas as conchas. Ambas as personagens reverência que é explicado com propriedade por Negrão
usam roupas, lenço da cabeça e brincos de pedras na cor (2009): “O candomblé é uma religião de irmandade, de
branca. No ambiente humilde não há porta, e apenas uma afetos, que valoriza os indivíduos, reforça suas identi-
cortina branca separa quem está lá dentro de quem está dades, integrando-os em uma família mística, que lhes
fora, a fim de manter a privacidade. proporciona aconchego, amor e proteção filial” (Negrão,
A leitura dos búzios é a arte de adivinhação mais 2009, p. 268). Assim, Majé Bassã representa o afeto e a
cultuada das tradições africanas. Representa o primeiro autoridade máxima nas questões do terreiro. A ela é atri-
contato de visualização com os orixás e suas orientações. buído o arquétipo de “conhecimento”, denominado de axé,
Através do jogo, formado por 16 conchas de várias cores bem como a missão de cuidar da vida de seus discípulos;
e tamanhos (que tem o objetivo de “abrir os caminhos” e conhecer seus amores, dramas e dificuldades; guiá-los nas
fazer revelações), os adeptos sabem quais são seus proteto- mais diversas circunstâncias, trabalhando para curar males
res, quais oferendas seus deuses preferem e como e quando físicos e espirituais.
serão seus rituais de iniciação. “Cada orixá se comunica a Xangô, por sua vez, é o orixá mais cultuado
seu modo, tornando-se dono da cabeça de um filho, sendo no Brasil. Sua representação é envolta em um intenso

9
Orixá associado à criação do mundo e da espécie humana. Na Bahia, é conhecido por Senhor do Bonfim, devido ao sincretismo
com a Igreja católica. Em outros estados, é relacionado a Deus.
10
Orixá feminino que reina sobre a água doce dos rios, simbolizando o amor, a intimidade, a beleza, a riqueza, a vaidade e a diplo-
macia. Na Bahia, é associada à Nossa Senhora das Candeias ou à Nossa Senhora dos Prazeres. No Sul do Brasil, é sincretizada com
Nossa Senhora da Conceição, enquanto que no Centro-Oeste e Sudeste é conhecida ora pela denominação de Nossa Senhora, ora
Nossa Senhora da Conceição Aparecida.

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simbolismo, que é capturado com estética e beleza pela real e o mundo mítico, elos entre o território religioso
minissérie. As vestes dos personagens obedecem às cores dos terreiros e a vida social” (Vinagre Silva, 2008, p. 5).
desse orixá, bem como o toque dos tambores e atabaques A autora enfatiza que esses espaços valorizam e
reproduzem os rituais dos terreiros. A força de Xangô, de preservam a identidade cultural dos filhos de santo, uma
acordo com Albuquerque (2012), deriva do elemento fogo. vez que produzem a reafirmação étnica, incorporando
Nesse sentido, o personagem Pedro Archanjo reúne as indivíduos discriminados socialmente em outros espaços:
qualificações inerentes ao seu protetor: o “fogo digestivo”, negros/não negros, homens/mulheres/crianças, indiví-
pois admira os prazeres culinários; o “fogo sexual”, com duos de diferentes orientações sexuais e pertencentes a
sua fama de sedutor e insaciável; o “fogo da justiça”, afinal distintas classes, inclusive os portadores de deficiência
o ojuobá seria “os olhos de Xangô na terra”. Ao mesmo e de comprometimento mental, não aceitos em outras
tempo, Archanjo agrega as dualidades humanas: é falível e práticas religiosas. “No terreiro de candomblé, os segmen-
determinado; divino e profano, carregando as imperfeições tos subalternizados da sociedade podem experimentar a
da carne e do espírito. possibilidade de ascensão social e de desenvolvimento de
Suas insígnias são nobres: a coroa, o machado e o uma nova sociabilidade” (Vinagre Silva, 2008, p. 6).
trono remetem ao seu poder. Segundo a mitologia africana, O capítulo 23 apresenta um diálogo na delegacia,
teria sido um bravo guerreiro, sendo divinizado como herói no qual notamos a perseguição policial às práticas do can-
após a sua morte em uma batalha na qual defendia seu domblé, bem como a violência e a discriminação religiosa.
povo. A cólera conduz seu machado de duas faces para o Zé Alma Grande (Tony Tornado) é o braço direito do
enfrentamento dos inimigos, tornando-se o guardião das delegado Pedrito Gordo (Cláudio Mamberti):
esperanças. Por essas razões, é venerado como patrono Dr. Pedrito Gordo: Deu tudo certo na ação, Zé
do candomblé. Prandi (2001), em valiosa obra sobre a Alma Grande? [Pergunta o delegado]. Zé Alma Grande:
mitologia Iorubá, diz que os mitos configuram a ontologia Tudo doutor, tudo! [Responde o negro com um sorriso de
do candomblé, considerada pelo autor como uma religião satisfação]. Chegamos no meio do ato, aí tava todo mundo
“aética”, uma vez que não há moral dogmática explícita, vestido com roupa de santo. Nós fechamos o cerco. [Nesse
reunida em livro sagrado, como ocorre em outras expres- momento, Zé Alma Grande puxa pelo braço o negro
sões de fé. Na ótica do estudioso do panteão africano, que estava vestido com uma roupa própria do ritual e o
a percepção da africanização do candomblé, com suas coloca diante do delegado]. Tá aí o resultado: Esse é o pai
mitologias, “implica considerar o aparecimento do sacer- Quinquin, diz que é macho, é casado, cheio de filho, mas
dote na sociedade metropolitana como alguém capaz de aproveita a feitiçaria para usar roupa de mulher e “virar
superar uma identidade com o baiano pobre, ignorante e mamãe Oxum” [Debocha do homem]. Jornalistas de um
preconceituosamente discriminado” (Prandi, 2001, p. 106). jornal local chegam para fazer o registro. Jornalista: Com
Localizado em um vasto terreno na periferia da licença! [O jornalista e o fotógrafo entram na sala, enquan-
cidade, o terreiro é rústico e cercado por animais (galinhas, to o delegado se aproxima do grupo para sair nas fotos].
bodes, porcos, muitos dos quais preparados para o abate e Jornalista: E agora uma “foto de mamãe Oxum!” [Ironiza,
as futuras “obrigações” dos filhos de santo), árvores, fontes, apontando para o homem com as vestes de santo!]. Dr.
plantas de diferentes espécies, em uma alusão ao território Pedrito Gordo: Vai sair na primeira capa do jornal, fique aí,
africano e à imensidão das savanas. Constitui um local his- seu cabra! E agora todo mundo pra masmorra! [Empurra o
tórico de permanência e resistência dos afrodescendentes. preso e os outros]. Eu quero ver qual é o santo que vai tirar
Nessa territorialidade, a tradição se afirma a partir dos vocês de lá! [Zé Alma grande e um policial levam todos
rituais, dos costumes, da culinária, da musicalidade dos para a cela]. Dr. Pedrito Gordo: E agora escreva aí no seu
atabaques. Vinagre Silva (2008) nos esclarece que esses jornal, meu filho, que o delegado Pedrito Gordo é apenas
ambientes simbolizam a cultura oral, configurando nichos um justiceiro! São os mestres da Bahia que afirmam a alta
para o enfrentamento do preconceito entre os discípulos. periculosidade da negralhada. Eu apenas trato de cortar o
A sua geografia cultural expressa, pois, uma ocupação mal pela raiz evitando que ele se propague!
sociopolítica, uma vez que os Ilês são casas religiosas, mas A cena reflete o quanto as religiões de origem
também espaços étnicos, de moradia, de acolhimento, africana no Brasil enfrentaram a repressão policial emba-
de sociabilidade. “As práticas de fé são ressignificadas sada na lei, até a década de 1970, do século XX, quando
cotidianamente nesses territórios, formando elos entre então a violência física foi refreada, resultado de uma luta
o presente e o passado, entre o mundo contemporâneo vitoriosa dos integrantes das religiões afro-brasileiras pela

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Representações do candomblé em Tenda dos Milagres: a ficção televisiva e suas simbologias

inclusão constitucional (Isaia e Manoel, 2012). Mas além Por muitas décadas, os adeptos foram estigmati-
do preconceito religioso, identificamos ainda o preconceito zados como charlatães ou feiticeiros. Na concepção de
racial, quando o delegado se refere “à alta periculosidade Goffman (1988), o estigma é a situação vivida por um
da negralhada”, afirmando que “é preciso cortar o mal pela indivíduo que está inabilitado para uma aceitação social
raiz”. A perseguição aos negros e aos rituais de matriz plena. Trata-se de um termo depreciativo que afeta os que
africana é antiga. Na diáspora, os negros enfrentaram são vistos como diferentes: “Nos processos de socialização
violência, fome e diferentes atrocidades. e nas interações sociais e religiosas, surgem, da parte dos
No capítulo 26, Majé Bassã vai à delegacia reivin- excluídos, sentimentos de medo, vergonha, humilhação,
dicar autorização para celebrar no terreiro os seus 75 anos: impureza, contaminação” (Goffman, 1988, p. 14).
Majé Bassã: Boa tarde, Dr. Pedrito [O delegado, Em 1985, período de exibição da minissérie, as mais
que está de cabeça baixa, não responde]. É a senhora? Um importantes Ialorixás de Salvador, Mãe Stella do Axé Opô
minutinho que eu já lhe atendo. [Mas continua assinando Afonjá, Mãe Menininha do Gantois e Mãe Olga do Ala-
os papéis e a ignora]. Pedrito Gordo: O que a senhora queto, divulgaram na imprensa nacional, com efetivo apoio
deseja? [Pergunta impaciente]. Majé Bassã: O senhor deve do Movimento Negro da Bahia e dos Grupos de Direitos
estar lembrado que proibiu o toque dos tambores na festa Humanos, um documento pelo qual afirmavam que o
do meu aniversário. Eu vim aqui no meu direito de cidadã candomblé era uma religião independente do catolicismo, e
desse país. Eu quero saber o porquê da sua proibição. Pedrito não uma manifestação folclórica, uma seita, ou uma religião
Gordo: É do interesse do Governo, da Polícia, das famílias, selvagem e primitiva. Esse pronunciamento a favor da valo-
que cessem de uma vez por todas esses costumes bárbaros, rização do negro e de suas crenças, que também ocorria em
enganadores, fetichistas... Em resumo, essa charlatanice nível internacional, se refletiu em Salvador, o que resultou
que vocês chamam de religião: o candomblé. [Majé Bassã em uma série de medidas oficiais visando à preservação da
ouve cada palavra, expressando tristeza em seu silêncio]. cultura africana em todo o país (Negrão, 2009).
Em seguida, pergunta: O senhor é cristão, doutor? Pedrito
Gordo: [Aumenta o tom de voz e responde com desdém].
Sou Católico, Apostólico Romano, minha senhora! [Volta
a escrever]. Majé Bassã: Pois então, deixe que eu lhe diga. A ressonância da ficção
Jesus Cristo baixou na Terra para salvar o senhor, faz deze-
nove séculos, não é? Nessa mesma época, Xangô baixou na
África pra me salvar! [O delegado se espanta e pergunta]. A análise da minissérie, em seus entremeios teó-
Pedrito Gordo: Mas o que a senhora quer dizer com isso? rico-conceituais, apontou a necessidade de verificarmos
Majé Bassã: Que a fé é uma só, doutor. Ela pode ter várias como se configura o pertencimento religioso a essa
formas, mas é uma só. Por que, então, o seu Jesus pode vertente, tomando como lócus os terreiros11 do municí-
baixar, e o meu Xangô, não pode? [Ele ouve esse desabafo pio de Campina Grande, na Paraíba, etapa em que nos
e, em seguida, dá gargalhadas]. Mas, meu Deus do céu! aproximamos dos seus adeptos12 para compreendermos
A mulher enlouqueceu! Comparando a fé Católica com os significados de sua religiosidade.
bruxaria! Majé Bassã: A minha crença é tão antiga quanto a No terreiro Senhor do Bonfim, o mais antigo da
sua, doutor. E pra mim, tem a mesma importância também. cidade, o sincretismo está presente: imagens de santos
Pedrito Gordo: (Altera o tom de voz e grita, apontando o católicos dividem espaço com os orixás. Na entrada, se vê
dedo para ela). Pode ter pra você, mas não tem pra mim, nem uma grande imagem de Iemanjá13 pintada na parede. Nos
para as instituições que eu defendo. [Continua gritando!]. demais, emergem o catolicismo e expressões da umbanda,
E pare de uma vez por todas de fazer esse tipo de compa- através das figuras dos pretos-velhos e caboclos, o que
ração! Se pensa que vai me confundir, se engana. Pois, seu explica tanto a dupla pertença religiosa quanto a mescla
pedido está negado! E se a senhora insistir vai para a cadeia! de práticas no país.

11
No trabalho de campo, visitamos os seguintes terreiros: Senhor do Bonfim, Terreiro José Pinheiro, Terreiro Filhos de Oxum e
Terreiro Iansã. Os pesquisadores assistiram aos cultos (reuniões públicas denominadas de “giras”, porque os praticantes, homens e
mulheres vestidos de branco, dançam ao som dos atabaques, em círculo, acompanhando as “cantigas para os santos”).
12
Dados coletados em julho e agosto de 2012, com 30 praticantes.
13
No sincretismo, é vista como Nossa Senhora dos Navegantes, Nossa Senhora da Conceição ou Nossa Senhora da Glória. É con-
siderada a “rainha do mar”.

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Robéria Nádia Araújo Nascimento

O perfil social dos entrevistados envolve pessoas triste!”. As razões, de acordo com eles, envolvem a falta de
das classes populares, com pouco nível de escolaridade, conhecimento das pessoas sobre essa crença. “A maioria
embora este não tenha sido um critério definido a priori. ouve muito comentário de que tal prática não é coisa de
A maioria concluiu apenas o Ensino Fundamental, com Deus”. Os outros, a exemplo de João, afirmaram que o can-
exceção da mãe de santo. Porém, de acordo com Isaia domblé é considerado “macumba”, e que já presenciou in-
e Manoel (2012), o “povo de santo”, dividido entre os sultos e preconceitos do tipo: “Todo ‘veado’ é macumbeiro”.
adeptos e consulentes dos serviços de candomblé no Brasil, Joabi declarou que muitos consideram sua religião como
é formado por uma maioria de indivíduos com pouca “uma prática do diabo”. Alessandro destaca que muitos
instrução e o cotidiano dos adeptos14 se mostra eclético, amigos o abandonaram. “Muitas pessoas se afastaram de
uma vez que a grande parte alterna trabalhos subalternos mim, mas não ligo, são ignorantes”. A entrevistada Kátia
com atendimentos assistenciais à comunidade. explica que é apontada nas ruas como “macumbeira”, mas,
Os interlocutores do estudo (identificados aqui pelo segundo ela, essa discriminação é comum e também resulta
primeiro nome) declararam que o candomblé é visto com da falta de conhecimento da religião. Cleiton revelou que
preconceito pela sociedade, visto como “coisa do diabo” muitos amigos, de outras religiões, dizem que ele “vai para
pelos pertencentes a outros credos. O pai de santo Vicente o inferno”, porque frequenta o candomblé, e “que deveria
Mariano e a mãe de santo Ivonete Silva, como são mais sair dessa vida”.
conhecidos, são tratados como “macumbeiros”. Joabi, de 22 Joabi assinala que a mídia retrata sua religião “de
anos, estofador, ingressou no candomblé por curiosidade e
forma discriminada”. Segundo ele, os programas televi-
por isso começou a frequentar o terreiro: “Entrei há quatro
sivos abordam o candomblé sem respeito: “como uma
anos. Sofria de perturbações espirituais”. Sua religião antes
coisa qualquer, lugar de baderna”. “Só Tenda dos Milagres
era a Protestante. Hoje, ele se diz feliz com a sua opção.
mostrou com respeito a nossa religião”. Para Alessandro,
Alessandro, 35 anos, pintor, declarou que o can-
a mídia, em algumas produções, não informa a realidade
domblé é uma escolha: “Entrei há 15 anos, por vontade de
dos terreiros. “É bom que eles relatem a história do can-
conhecer a religião e gostei.” Antes, ele era Católico. Kátia,
domblé, mas contando a verdade”. O entrevistado João
36 anos, auxiliar de Serviços Gerais, disse que aderiu ao
candomblé aos 5 anos. “O terreiro era ao lado da minha tem uma opinião semelhante, pois, para ele, os programas
casa, por isso eu escutava os toques”. Essa praticante diz e as produções “mostram só como eles querem”. Kátia
frequentar a igreja católica e o espiritismo ao mesmo tempo. observa que, nas novelas, pode até haver uma referência
João, 43 anos, cabeleireiro, foi levado ao candomblé ao candomblé, porém, os programas de cunho evangé-
por motivos de saúde: “Há 34 anos. Eu sentia arrepios, lico da TV são contra e combatem essas manifestações.
calafrios, tonturas, apagão, zumbido nos ouvidos, mas os “Na ficção, não existe a oposição, mas também não existe
médicos não descobrirem nada”. Dos praticantes, esse é o a informação: nas novelas, a gente vê que não são contra.
único que faz atendimento em sua residência através do Mas mostram tudo em tom de comédia, há sempre um
jogo de búzios e realiza “trabalhos para ajudar as pessoas”. pai de santo engraçado, afeminado. Já os evangélicos são
Sua religião anterior era o catolicismo, mas hoje se diz contra, criticam a gente, são agressivos”. Cleiton reiterou:
“realizado”. Já o açougueiro Cleiton, de 18 anos, conta que “há muita discriminação, a mídia fala como se a gente
procurou um terreiro porque tinha visão de espíritos: “Entrei não tivesse sentimento, fosse uma seita sem história. Mas
há dois anos. Eu comecei a ver umas coisas e não acreditava, Tenda dos Milagres mostrou a religião, as músicas, as roupas
hoje, acredito e faço minhas obrigações pro santo”. dos santos, os terreiros”.
Perguntados se sofrem preconceito religioso, todos Entre as lideranças da vertente, ouvimos o Tata-
responderam que sim, acrescentando que “isso é muito lorixá15 Vicente Mariano, do Terreiro Senhor do Bonfim,

14
Utilizamos aqui a acepção de “adeptos”, quando os entrevistados assumem o pertencimento religioso do candomblé, mas não par-
ticipam dos cultos ou estão afastados dessas experiências; e adotamos a expressão “praticantes”, em referência aos indivíduos ativos
tanto na frequência aos rituais e cerimônias, como em relação à fé declarada nos censos de informações religiosas.
15
Essa expressão designa o grau mais elevado na hierarquia do candomblé, alcançado após 25 anos de iniciação. Entretanto, no
Brasil, o termo também é associado à Umbanda, em razão da mescla de práticas entre os cultos e tradições. O Tatalorixá Vicente
Mariano nos conta que foi iniciado no candomblé de Nação Nagô, aos 16 anos, no estado de Pernambuco. Sua Mãe de Santo foi a
Yalorixá Zefa Felino da Costa, filha do Babalorixá Pai Adão e da Yalorixá Lídia Alves. Ao chegar em Campina Grande, funda, na
rua Prudente de Morais, localizada na Estação Velha, o Terreiro de Umbanda Senhor do Bonfim, que foi inaugurado em 1967, e
desde então é o mais visitado da cidade.

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Representações do candomblé em Tenda dos Milagres: a ficção televisiva e suas simbologias

e a Ialorixá16 Ivonete Silva, do Terreiro do José Pinheiro. mônio e outras barbaridades. Tudo por pura ignorância.
Indagado há quanto tempo ocorreu sua adesão ao can- Isso diminuiu, mas existe. Quem conhece nossa religião,
domblé, respondeu: “Entrei há 68 anos, por motivos de sabe como ela é bela e como buscamos fazer o bem. Mas
doença. Na época, eu tinha 16 anos. Toda a tarde a minha Tenda dos Milagres retratou bem a perseguição aos ter-
testa inchava e sangrava, e ninguém curava, ninguém reiros, aos cultos, por isso mostrou a verdade.” Para ela, a
sabia o que era. Aí eu conheci um senhor, chamado João mídia não costuma tratar de temas ligados ao candomblé,
Honório, que vendia carvão e tinha conhecimento com o como se o assunto não tivesse importância: “Ah, com
povo do candomblé, e ele me disse: “Vicente, isso não é certeza, não! Não vejo isso na televisão, no cinema, nos
coisa de médico, não, é coisa espiritual”. Aí, ele me levou jornais. Não temos o apoio das entidades políticas. Muito
lá no terreiro e eu fiquei até hoje... Eu tenho 85 anos e raro passar algo na TV relacionado ao candomblé. Quando
não sinto uma dor de cabeça. Aprendi tudo. Tenho ótima em alguma novela, ou filme vão mostrar algo sobre nossa
saúde”. Perguntado se sofre algum preconceito pela op- religião, é alguém que se diz mãe ou pai de santo e que
ção religiosa, declarou: “Sim. Dos crentes, que são mais engana as pessoas pra conseguir arrancar dinheiro delas.
preocupados com a religião dos outros, os católicos são Mães de santo que leem mãos, e que mentem, como se
menos, respeitam mais, frequentam terreiro e as festas. a gente fosse cigana. Limitam a nossa religião a casos
Uma vez, teve uns crentes que entraram aqui disfarçados isolados. Ao assistir a minissérie, fiquei alegre de ver uma
de estudantes, dizendo que estavam fazendo uma pesquisa história tão bonita, um romance que liga fé e amor à luta
da universidade e começaram a nos insultar.” Disse que não dos negros”.
teve a oportunidade de acompanhar a minissérie durante a
exibição na Globo, mas pelas imagens que apresentamos,
revelou que se emocionou com Pedro Archanjo e Xangô:
“achou tudo muito bonito e muito verdadeiro”. A título de conclusão
Ivonete Silva ingressou há 32 anos e também por
motivos de doença. Foi a única entrevistada que quase
concluiu o ensino médio: “Estava muito doente, e a me- A pesquisa apontou que a teledramaturgia pode
dicina não me curou. Descobri o candomblé através de funcionar como espaço de interlocução para várias for-
um amigo. Estava na UTI, muito mal, e esse amigo foi me mas de religiosidade popular, expressando as mudanças,
visitar. Através dele descobri que tinha um sacerdote do tensões, contradições e singularidades próprias de um
candomblé, um pai de santo que morava na Bahia. E assim país multicultural. Expressando elos com a obra literária
eu conheci a religião e comecei o tratamento espiritual. que a inspirou, Tenda dos Milagres revela sua intertextua-
Fiquei curada. Alguns familiares também entraram no lidade, realizando uma problematização histórica e social
candomblé por minha causa, como minhas duas irmãs, das questões baianas da época, à medida que discute a
minhas duas filhas e uma prima. Elas escolheram conhecer prática do candomblé em meio às dificuldades privadas
a religião. Entraram por amor e fé aos orixás. Diferente das relações humanas e familiares, atrelando-se aos fatos
de mim, que entrei pela dor, né?” amorosos, afetivos e políticos do contexto retratado.
Quanto ao preconceito social, declarou que “vive Em relação à etapa empírica do estudo, foi possível
isso diariamente”, como foi mostrado na minissérie: constatar um sentimento de insatisfação entre os pratican-
“A todo instante. Não tô generalizando, claro. Mas existem tes a respeito das informações superficiais e/ou distorcidas
pessoas que quando me veem na rua vestida de baiana, que a mídia dissemina em torno da religiosidade afro-bra-
parecem que estão vendo um extraterrestre. Acho incrível sileira. Na opinião da maioria, as novelas e minisséries
como o povo ainda se impressiona em nos ver vestidas ainda retratam pouco esse universo, e, quando o fazem,
assim, de branco, depois de tanto tempo. Acho que todos adotam o tom da comédia ou da sátira, associando pais e
os praticantes do candomblé sofrem preconceitos todos os mães de santo a charlatães. Nos programas humorísticos,
dias. Já aconteceu de jogarem pedras na gente, no terreiro, os personagens nos terreiros surgem atrelados a paródias
em momentos de culto. Chamam a gente de filho do de- de homossexuais, em caricaturas generalistas (muitos

16
Sinônimo de “mãe de santo” na esfera do senso comum, o termo indica a função de sacerdote do terreiro, cujo masculino se reporta
a Babalorixá. É a pessoa com mais tempo de experiência na tradição afro-brasileira, responsável pela iniciação dos filhos de santo e
pelo repasse dos ensinamentos aos recém-formados para a continuidade da religião.

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Robéria Nádia Araújo Nascimento

lembraram o personagem Painho, de Chico Anísio, que HALL, S. 2011. Da diáspora: identidades e mediações culturais.
abusava dos trejeitos e do sotaque baiano). Segundo os Belo Horizonte, Editora da UFMG, 480 p.
pesquisados, ainda falta em novelas e filmes uma aborda- ISAIA, A.C.; MANOEL, I.A. (orgs.). 2012. Espiritismo &
gem sobre o candomblé capaz de promover visibilidade religiões afro-brasileiras: história e ciências sociais. São Paulo,
positiva e valorativa aos preceitos e rituais das suas práticas. Uniesp, 344 p.
Nesse sentido, as falas dos interlocutores sugerem JOST, F. 2007. Compreender a televisão. Porto Alegre, Sulina,
que as mensagens de Tenda dos Milagres continuam proati- 165 p.
vas e transcendem a temporalidade em que foram escritas. LAPLANTINE, F. 1996. Aprender antropologia. São Paulo,
Por fim, o estudo constatou que a minissérie valoriza as Brasiliense, 208 p.
expressões culturais, a identidade étnica e a religiosidade LOPES, M.I.V. de. 2004. Para uma revisão das identidades
multifacetada do povo baiano, ainda que os estigmas e pre- coletivas em tempos de globalização. In: M.I.V. de LOPES
conceitos perpassem as tradições do candomblé, forjando (org.), Telenovela: internacionalização e interculturalidade. São
a visibilidade da ficção televisiva nas suas convergências Paulo, Edições Loyola, p. 121-137.
com a realidade social. MARTÍN-BARBERO, J. 2004. Viagens da telenovela: dos
muitos modos de viajar em, por, desde e com a telenovela. In:
M.I.V. de LOPES (org.), Telenovela: internacionalização e inter-
culturalidade. São Paulo, Edições Loyola, p. 23-46.
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leitura de adaptações. São Paulo, Cortez Editora, 215 p.
NEGRÃO, L.N. (org). 2009. Novas tramas do sagrado: trajetórias
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