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História e Tradições

Religiosas
Professora Me. Laís Azevedo Fialho
APRESENTAÇÃO

Professor Me. Laís Azevedo Fialho

● Mestre em História, Cultura e Narrativas (Universidade Estadual de


Maringá).
● Especialista em História da África e Cultura Afro-brasileira (Universidade
Estadual de Maringá).
● Licenciada em História (Universidade Estadual de Maringá).
● Tutora Educacional no Centro Universitário Cidade Verde (UniFCV).
● Professor Conteudista na UniFatecie.
● Experiência como professora de História da Rede básica de Educação
em 2016.
● Atuou como Pesquisadora Bolsista Capes em 2018 e 2019.
● Coordenou e organizou diversos Projetos de Extensão abordando as
Religiões e Religiosidades Afro-brasileiras, na Universidade Estadual de
Maringá, entre 2015 e 2019.
● É integrante do Laboratório de Religiões e Religiosidades da
Universidade Estadual de Maringá (LERR/UEM).
● É integrante do Coletivo Yalodê-badá.

Áreas de concentração: História das Religiões e Religiosidades com ênfase


nas Práticas Afro-brasileira; História Cultural, Epistemologias Anti-racistas.
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/8724898233397030
APRESENTAÇÃO DA APOSTILA

Seja muito bem-vindo(a)!

Prezado(a) estudante(a), iniciamos agora uma jornada pelo mundo das


ideias, crenças, práticas religiosas e religiosidades. Se você chegou até aqui já
é motivo de muita alegria, denota seu interesse pelo tema. Espero que
possamos construir juntos esse processo formativo. Tais conteúdos foram
pensados para aperfeiçoar sua formação na área de História das Religiões e
Tradições Religiosas.

Nosso debate parte de categorias analíticas, e apontamentos teóricos


produzidos nas Ciências Humanas, desenrolando-se no debate científico
contemporâneo, de modo interdisciplinar. Nosso objetivo instrumentalizar o(a)
leitor(a) para compreender a historicidades das práticas, crenças e discursos
religiosos. Analisando-os em seu contexto histórico, social, político e
econômico, além de percebê-los dentro de uma lógica própria do fenômeno
religioso.

Na unidade I trataremos dos mitos. Buscaremos estabelecer as disputas


conceituais em torno dos mitos cosmogônico e os mitos de origem.
Apresentaremos os tipos de mitos conceituados no campo de estudo das
religiões e religiosidades e algumas possibilidades de abordagens teóricas
metodológicas das mitologias na pesquisa científica e docência. De modo
didático selecionamos também algumas narrativas mitológicas que fazem parte
da cultura brasileira para narrá-las em diálogo com os conceitos.

Já na unidade II pensaremos os símbolos. Vamos estabelecer as


disputas conceituais em torno desse objeto nas Ciências Humanas.
Analisaremos de que modo tem sido sistematizado o estudo dos símbolos no
campo das religiões e religiosidades. Apresentaremos algumas possibilidades
de abordagens teórico metodológicas para o uso dos símbolos na pesquisa
científica e no âmbito escolar.

Depois, nas unidade III e IV vamos pensar as histórias da/de fé e os


ritos, partindo da mesma abordagem. Ou seja, conceituando-os de modo
interdisciplinar e apresentando possibilidades de abordagens teórico-
metodológicas e pedagógicas.

Me alegro com a sua participação nesse processo e reforço o convite


para que que realize o exercício da reflexão juntamente comigo sobre tantos
assuntos abordados no presente material. Esperamos contribuir para seu
crescimento pessoal e profissional.

Muito obrigada e bom estudo!


UNIDADE I
MITO FUNDADOR
Professora Me. Laís Azevedo Fialho

Plano de Estudo:
• Mitos - Sentidos e significações, algumas conceituações do termo.
• Mitos Cosmogônicos e Mitos de Origem, definições e disputas.
• Os mitos e as possibilidades de abordagens teórico-metodológicas na pesquisa e
docência.
• Mitos Afro-brasileiros e Indígenas no âmbito escolar.

Objetivos de Aprendizagem:
• Estabelecer as disputas conceituais em torno dos mitos cosmogônico e os mitos de
origem, bem como de suas funções e estruturas.
• Identificar os tipos de mitos conceituados no campo de estudo das religiões e
religiosidades.
• Apresentar as possibilidades de abordagens teórico metodológicas das mitologias na
pesquisa científica e docência.
• Conceituar e contextualizar algumas narrativas mitológicas que fazem parte da cultura
brasileira.
INTRODUÇÃO

Olá, estudante da disciplina de História e Tradições Religiosas. Fico muito feliz


em compartilhar com você esse conteúdo que foi produzido pensando unicamente no
seu processo de formação. Essa disciplina é bastante significativa, espero que ela
proporcione ferramentas teórico-metodológicas relevantes para sua atuação como
pesquisador(a) e/ou educador(a). Proponho que esse seja um espaço de partilha e
aprendizado. Convido você para essa imersão no mundo dos mitos e das diversas
explicações possíveis sobre a origem do mundo e das coisas que ele contém.
Considerando a relevância do estudo dos mitos para a disciplina de História e
Tradições Religiosas, organizamos esta unidade com o objetivo de estabelecer as
disputas conceituais em torno do mito, compreendendo os tipos de mitos conceituados
no campo de pesquisa especializado, e conceituando e contextualizando algumas
narrativas mitológicas que fazem parte da cultura brasileira. Para isso, apresentaremos
alguns conceitos e definições sobre os mitos cosmogônicos e os mitos de origem, bem
como das suas estruturas e funções. Iremos também elencar algumas possibilidades
teórico-metodológicas para adotar o mito como objeto ou fonte de uma pesquisa
historiográfica. Além disso, apresentaremos, também, modos de se utilizar a mitologia
como recurso educativo no âmbito escolar.

Bons estudos!
1 MITOS - SENTIDOS E SIGNIFICAÇÕES, ALGUMAS CONCEITUAÇÕES DO
TERMO

No presente tópico buscamos refletir sobre os estudos dos mitos nas Ciências
Humanas e os múltiplos sentidos e significações para esse conceito. Mais do que
elaborar um panorama da historiografia especializada, sistematizamos diversas
abordagens, produzidas em diferentes tempos, espaços e culturas. Iremos explorar
algumas correntes teóricas passando por pesquisadores conceituados do tema, que
balizam até o presente momento as noções conceituais de mito. O filósofo Ernst
Cassirer, autor clássico desse objeto, explica que a noção de linguagem é considerada
um dos primeiros modos de representação e comunicação entre os seres humanos no
período pré-histórico. A pintura e a gravura seriam tidas, em seguida, como modos de
fixar essas representações. Por conseguinte, o mito passa a ser componente da
relação entre o homem com o meio social.

A linguagem e o mito são parentes próximos. Nos primeiros


estágios da cultura humana, sua relação é tão íntima e sua
cooperação tão óbvia que é quase impossível separar um do
outro. São brotos diferentes de uma mesma raíz. Sempre que
encontramos o homem, vemo-lo em possessão da faculdade da
fala e sob a influência da função de fazer mito (CASSIER, 2001,
p. 181).

Em uma sociedade sem escrita, marcada pela oralidade, a memória coletiva


torna-se um cantar mítico da tradição. Obedece, em geral, a três princípios: diz respeito
aos anos de existência coletiva do grupo, que se funde nos mitos de origem (idades do
ouro, prata, bronze e ferro etc.); relaciona-se às genealogias, manifestando a
autoridade dos grupos dominantes; e conecta-se aos saberes técnicos, transmitidos
por fórmulas práticas mescladas à magia religiosa. Nesse sentido, o aparecimento da
escrita foi um dos fatores fundamentais na transformação da memória coletiva. Cassier
(2001) destaca em sua análise a relação entre mito e religião e como essas estruturas
interferem na existência do homem e no desenvolvimento de suas atividades
cotidianas.
Eliade (1972), mitólogo reconhecido em nosso campo, denomina os homens do
período sem escrita como arcaicos ou primitivos. Nesse conteúdo utilizaremos tais
palavras sem valoração moral, mas como reprodução da categoria histórica que o
pesquisador adota. Conforme o historiador, o mito é muito importante nas sociedades
arcaicas, porque ensina as "histórias" exemplares que fundaram sua existência.
Demonstra os eventos míticos que afetam sua noção de si e forma de estar no Cosmo.
Nesse sentido, o homem arcaico sente a necessidade não somente de conhecer os
mitos de sua sociedade, mas também de reatualizá-los. Essa seria, para o autor, uma
diferença fundamental entre o homem arcaico e o homem moderno, a possibilidade de
reviver uma temporalidade. Um tempo mítico existiria somente para o primeiro,
enquanto o segundo estaria condicionado ao tempo histórico: “o ritual abole o tempo
profano, cronológico, e recupera o tempo sagrado do mito. Torna o homem
contemporâneo das façanhas que os deuses efetuaram in illo tempore” (ELIADE, 1972,
p. 124).
Era uma prática do homem arcaico distinguir narrativas míticas de fabulações
sem valor sagrado. A legitimidade atribuída à algumas narrativas as diferenciavam de
outras a partir do que era considerado verdadeiro no discurso, admitindo que o próprio
discurso cria realidades. Assim, o mito é fruto de uma produção coletiva, que pertence
a toda uma comunidade. O fato de ouvintes aceitarem uma narrativa demanda estarem
adequadas a um conjunto de ideais do público. A audiência torna-se coautora da
fabulação mítica, porque, sem ela, não teria valoração (ELIADE, 1972).
Conforme Eliade (1972), os mitos do politeísmo euroasiático, que são as
primeiras civilizações históricas, demonstram um interesse progressivo pelo que se
passou depois da criação do mundo e do homem. O interesse passa a se concentrar
no que aconteceu com os deuses, ao invés do que eles criaram. O historiador destaca
que sempre se evidencia o “criador” nas sagas divinas, mas que paulatinamente é a
sequência dos episódios e não mais o resultado dessa aventura o que mais interessa.

As inumeráveis aventuras de Baal, de Zeus, de Indra ou de seus


colegas nos respectivos panteões, representam os temas
mitológicos mais "populares". Mencionemos igualmente os mitos
dos jovens Deuses que morrem assassinados ou por acidente
(Osiris, Tamuz, Atis, Adônis, etc.) e algumas vezes ressuscitam,
ou de unia deusa que desce aos Infernos (Ishtar), ou de uma
Donzela divina que é forçada a descer ao Hades (Perséfone) [...]
As grandes mitologias — consagradas por poetas como Homero
e Hesíodo e pelos bardos anônimos do Mahâbhârata, ou
elaboradas pelos ritualistas e pelos teólogos (como no Egito, na
Índia e na Mesopotámia) — são cada vez mais solicitadas a
narrar os gesta dos Deuses. E, em determinado momento da
História, sobretudo na Grécia e na Índia, mas também no Egito —
uma elite começa a perder o interesse por essa história divina e
chega (como na Grécia) a não acreditar mais nos mitos, embora
pretendendo ainda acreditar nos deuses (ELIADE, 1972, p. 87).

Em Heródoto, grego erudito nascido no século V a.C. e considerado pai da


História, é encontrada algumas menções ao conceito mythos (mito). Marcel Detienne
(1992, p. 97) nos diz que: “A palavra mito é empregada duas vezes nos nove livros do
rapsodo viajante a quem os historiadores mais convictos atribuem, hoje como outrora,
a paternidade de seu saber”.
A sua primeira citação diz respeito a reflexões em torno das fontes do Rio Nilo e
suas inundações. No contexto de elaboração de tais noções, Heródoto estava frustrado
com a falta de informações dos sacerdotes egípcios sobre as nascentes e a formação
do Nilo. Buscando entre os próprios gregos, pessoas sábias que detivessem aquele
conhecimento, encontrou algumas versões. Duas delas, segundo Heródoto, nem
mereciam discussão, uma tentava demonstrar que as cheias do Nilo ocorriam devido
aos “ventos estivais”, que desviariam as águas, impedindo-as de desaguarem no mar.
A outra, adotava a ideia de que a Terra estaria envolta pelo mar Oceano e que o Nilo
estaria sujeito às enchentes, porque vem do Oceano. Ao negar essas explicações,
Heródoto afirma que recorrem a uma fábula (mythos) obscura e não mereciam sequer
serem refutadas. “Por mim, não conheço rio algum que se possa denominar Oceano, e
penso que Homero ou algum outro poeta mais antigo, tendo inventado esse nome,
introduziu-o na poesia” (HERÓDOTO, 2001, p. 23).
O mito era, para os gregos do período, recorrentemente associado a algo
fabuloso e poético, como o que não pode ser visto, investigado e comprovado. Sobre
isso, o historiador Hartog (2003, p. 37) afirma o seguinte: “Como reconhecer e rejeitar
um mythos? Usando uma noção de eikós (plausível, provável) como ferramenta crítica,
de modo geral, o termo eikós ajudava a escolher entre diferentes versões propostas
e proporcionava um meio de organizar a lógica da narrativa”. Para Heródoto, as
fronteiras entre os termos mythos e lógos não eram totalmente delimitadas. Nota-se,
em suas histórias, a significação da lógos como narrativa, em oposição a mythos
(fábula, mentira, discurso enganoso). Contudo, ao criticar Hecateu de Mileto, autor das
Genealogias, denomina-o como logopoiós (fazedor de lógos): “Assim fala (mytheitai)
Hecateu de Mileto: escrevo isso como me parece ser verdadeiro; pois os relatos
(lógoi) dos gregos são, como me parecem, muitos e ridículos” (HARTOG, 2003, p.
41).
Quando Heródoto utiliza o termo logopoiós para fazer uma crítica a Hecateu,
assim como o fez também com Esopo, os designa como fazedores de mitos. Isso
demonstra que, para o historiador grego, a divisão entre os dois termos não era bem
definida – mythos e lógos – e que o sentido empregado dependia de outros fatores e
contexto ao qual ele referia-se. Cabe destacar que a escrita de Heródoto está situada
no período de transição entre o mythos e o lógos. Os sentidos atribuídos aos mitos, por
Heródoto, e essa linha tênue sustentada por ele com o lógos, devem ser localizados
em seu momento histórico (entre 480/420 a.C.), de efervescência cultural, e
relacionados à mentalidade grega do século V, na qual incidia a herança do imaginário
social dos helenos.

[...] nas investigações de Heródoto, o mito também não é um


objeto; é apenas um simples resto, às vezes rumor excitado,
palavra de ilusão, sedução enganadora, às vezes narrativa
incrível, discurso absurdo, opinião sem fundamento. O mito
permanece apenas uma palavra, como um gesto apontando o
que ele denuncia como incrível, o que ele repele ou descarta
(DETIENNE, 1992, p. 101-102).

No final do século V, o mito encontra o seu estudioso mais intransigente.


Tucídides, que viveu entre 460 e 400 a.C., e sendo historiador, registrou a Guerra do
Peloponeso, se posiciona duramente contra o mito. Mesmo que o autor continuasse
reproduzindo narrativas épicas em seus escritos e apresentasse resquícios dos
poemas homéricos, no discurso que demonstra sua metodologia de pesquisa ele
descredibiliza o mito.

A luz da evidência apresentada até agora, todavia, ninguém


erraria se mantivesse o ponto de vista de que os fatos na
antigüidade foram muito próximos de como descrevi, não dando
muito crédito, de um lado, às versões que os poetas cantaram,
adornando e amplificando os seus temas, e de outro
considerando que os logógrafos compuseram as suas obras mais
com a intenção de agradar aos ouvidos que de dizer a verdade
uma vez que suas estórias não podem ser verificadas, e eles em
sua maioria enveredaram, com o passar do tempo, para a
região da fábula (mythos), perdendo, assim, a credibilidade
(apístos) (TUCÍDIDES, 2001, p. 21).

Refletindo sobre o processo histórico de desmitificação, o Mitólogo Mircea Eliade


(1972) aponta que os gregos são os primeiros na história das religiões a
progressivamente buscar esvaziar o mito de seu caráter religioso. Para demonstrar tal
afirmação, ele aponta alguns trabalhos de Xenófanes, filósofo grego pré-socrático que
viveu entre 565 e 470 a.C. “Em contraposição ao logos; assim como, posteriormente, a
história, o mythos acabou por denotar tudo o que não pode existir realmente” (ELIADE,
1972, p. 6).
O autor chama a atenção para o fato histórico de que nas culturas arcaicas já
haviam mitos despojados de um significado religioso, transformados em lendas ou
contos infantis. Contudo, destaca que nessas sociedades muitos mitos continuavam
vivos. Para ele, é diferente do que ocorreu na Grécia dos pré-socráticos, marcado por
um fenômeno cultural ordenado e seus incontáveis desdobramentos. O historiador
aponta que esse processo impossibilitou que as mitologias representassem para as
suas elites algo que haviam representado para os seus antepassados. Isso porque as
elites citadas não procuravam mais o “essencial” em uma narrativa dos Deuses, mas
sim em uma situação primordial. Ou seja, os gregos passaram a buscar suas
explicações de mundo em um constante “voltar atrás”. Progressivamente substituíram
seus rituais pela força do pensamento. “Pode-se dizer que as primeiras especulações
filosóficas derivam das mitologias: o pensamento sistemático esforça-se por identificar
e compreender o ‘princípio absoluto’ de que falam as cosmogonias” (ELIADE, 1972. p.
81).
No século XIX, período marcado pela difusão de noções iluministas surgidas no
século anterior, os intelectuais ocidentais passaram a conceber o mito por uma
perspectiva que contrasta sensivelmente com a do século XVIII. Esse período também
se destaca por essa modificação dos significados atribuídos à mitologia. Nesse
momento, o mito passa a ocupar o lugar de uma história verdadeira, exemplar,
primordial e singular por seu caráter sagrado, e não mais como fábula, invenção ou
ficção, como era considerada por eruditos do século anterior influenciados também
pela filosofia grega.
Para os Historiadores da Religião da contemporaneidade, o mito conta uma
história verdadeira, sagrada e que dá sentido à existência humana. A sua função ética
norteia o sujeito social em sua interpretação da vida e sua interação com seu meio.
Assim, os especialistas comumente reforçam que o mito é uma realidade cultural
extremamente complexa, que pode ser abordada e interpretada através de
perspectivas múltiplas e complementares. Alguns são enérgicos ao dizer que não se
deve incorrer no erro de considerar o mito uma fábula, uma mentira ou mesmo algo
primitivo. Para eles, por mais que o mito tenha surgido em tempos longínquos, caminha
conjuntamente com a ética que é o lhe atribui significado e valor em uma realidade
social. Apontam que um mito não seria norteador de um grupo social se não lhe fosse
atribuído sentidos próprios daqueles que o compõem.
Joseph Campbell (1990), pesquisador famoso por seus estudos sobre mitologia
e história comparada, defende que os mitos em geral, independente da cultura em que
são produzidos, apresentam uma estrutura comum, com semelhanças marcantes. À
essa busca por comunalidades o autor conceitua como monomito. Considerando essa
categoria teórico-metodológica que admite os arquétipos do herói, o pesquisador
analisa sua convocação para a jornada de aventuras, sua aproximação com o velho
sábio, a prova heroica e as incumbências e o grande desafio final. Veremos nos tópicos
seguintes, de modo um pouco mais detalhado, como se dá o estudo das mitologias
comparadas.
A história das religiões é bastante interdisciplinar por considerar outras áreas do
conhecimento importantes para noções conceituais dos nossos objetos. Se, para
realizar uma pesquisa em História, utiliza-se principalmente métodos formulados por
outros historiadores – no trato com as fontes, na análise documental, na construção da
narrativa –, do ponto de vista teórico, temos mais abertura para dialogar com outros
campos das Humanidades. Digo isso para justificar o recorte em que trago Carl Gustav
Jung, psiquiatra e psicoterapeuta suíço, que fundou a psicologia analítica e dedicou-se
também aos estudos dos mitos. Para ele, os mitos são um conjunto de símbolos
inventados inconscientemente. O pesquisador postula que eles são moldados
conforme o seu uso na vida dos indivíduos, a partir de uma elaboração racional e
também emocional. Os indivíduos em grupos sociais, relacionando suas ambições e
significações, estão sempre à mercê dos mitos e símbolos que são gerados nesse
processo (JUNG, 2008).
Já Roland Barthes (2001), crítico literário francês, admite o mito não como um
objeto encerrado em si, uma ideia, mas como um modo de significação. Ou seja, ele
defende que o material do mito demanda um significante consciente, e por ele
raciocina-se ao enquanto desconsidera-se sua substância, compondo um modelo
integrado por três dimensões: o sinal, o significante e o significado.
Não seria possível nos debruçar profundamente no que cada um desses autores
produziu sobre os mitos ou o modo como atribuiu sentido a eles. Contudo, buscamos
demonstrar nesse tópico como existe um longo e amplo debate em torno do mito e
como é possível se apropriar de noções teóricas distintas quando falamos de mitologia.
O historiador das religiões tem um rico e amplo campo de pesquisa quando considera
as minúcias, as diferenças e semelhanças no modo como o mito foi significado em
diversas culturas e sociedades, além da forma como os próprios teóricos adotam esse
vocábulo como categoria analítica. Em geral, é consenso no nosso ofício postular que o
mito é um conjunto de representações que fundamentam um modelo de vida, um
modelo que define o que é sucesso, o que é reconhecimento e o que realmente vale a
pena. Essa esfera de influências é passível de ser mitologizada, como afirma Campbell
(1990).
No próximo tópico continuaremos nossos estudos buscando entender um pouco
melhor as estruturas e tipologias dos mitos. Será que em pleno século XXI os mitos
continuam sendo relevantes para entender a cultura humana? Te convido a fazer essas
reflexões comigo nos próximos tópicos.

SAIBA MAIS
“As narrativas da criação de Pandora e de Eva têm como elemento central a produção
de um corpo. Mas, se a carne é o traço significativo para a compreensão do corpo da
mulher na narrativa cristã, o mesmo não acontece na narrativa hesiódica. Nesta, o
corpo da mulher não é criado, mas fabricado, e, para sermos precisos, é fabricado sob
encomenda por Zeus, a fim de ‘presentear’ os homens. Esse corpo vem do barro, é
moldado como a argila por um artesão habilidoso. O fato das duas narrativas
enfatizarem o surgimento de um corpo para fundamentar a existência de dois seres - o
homem e a mulher - levanta a questão da relação entre corpo e gênero”.
Fonte: Ilva e Andrade (2009, s.p.)
#SAIBA MAIS#

REFLITA
Caro(a) estudante, você já havia parado para refletir sobre a herança grega no uso
habitual da palavra mito como sinônimo de mentira? É comum dizer que algo é um mito
quando na verdade se quer dizer que algo é uma fábula ou uma invenção. Quando
estudamos história compreendemos um pouco mais sobre a bagagem histórica das
palavras.
#REFLITA #
2 MITOS COSMOGÔNICOS E MITOS DE ORIGEM, DEFINIÇÕES E DISPUTAS.

Olá, querido(a) estudante! Nesse tópico iremos estudar algumas perspectivas


metodológicas usais para o estudo dos mitos cosmogônicos e dos mitos de origem.
Também iremos elencar algumas posturas teóricas dentro dos estudos de Religiões e
Religiosidades. Nesse sentido, é importante compreender que produzir um mito pode
significar construir uma explicação fenomenológica para uma cultura, um grupo ou um
povo, em um determinado tempo e lugar. É esse caráter que atribui historicidade às
narrativas mitológicas, o fato de que elas ganham roupagens diferentes em tempos
distintos, por mais que, por vezes, mantenham algumas estruturas fundamentais em
comum, o que já citamos anteriomente, que Cambpell (1990) denomina como
Monomito.
Para o mitólogo Eliade (1972), os mitos são narrativas que explicam a origem do
mundo e a criação de todas as coisas que ele contém, tais como a fauna, a flora, o ser
humano. Além disso, os mitos seriam também os responsáveis por fundar os
acontecimentos primordiais que explicam como o homem se transformou no que é nos
dias atuais: alguém que sabe da finitude da vida, que se reproduz sexualmente, que se
organiza em sociedade, que trabalha para sobreviver, obedece um conjunto de regras
para organizar-se coletivamente etc. “Se o Mundo existe, se o homem existe, é porque
os Entes Sobrenaturais desenvolveram uma atitude criadora no ‘princípio’.” (ELIADE,
1972, p. 13).
Conforme o pesquisador, após a criação do cosmos, do ser humano e dessa
realidade, denominada como cosmogonia, sucederam outros episódios míticos que
fundamentam diretamente a condição humana. Ou seja, a partir dessa compreensão, o
ser humano, tal como o conhecemos hoje, é fruto de episódios que o antecederam, que
ocorreram em um tempo primordial e exemplar. Esses eventos são o motivo pelo qual
o homem é um ser mortal, por exemplo:

Ele é, mortal porque algo aconteceu in illo tempore. Se esse algo


não tivesse acontecido, o homem não seria mortal — teria
continuado a existir indefinidamente, como as pedras; ou poderia
mudar periodicamente de pele, como as serpentes, sendo capaz,
portanto, de renovar sua vida, isto é, de recomeçá-la
indefinidamente. Mas o mito da origem da morte conta o que
aconteceu in illo tempore, e, ao relatar esse incidente, explica por
que o homem é mortal (ELIADE, 1972, 13).

Conforme a teoria defendida pelo historiador, existem distinções entre os mitos


cosmogônicos e os mitos de origem. Enquanto os primeiros buscam explicar a origem
do universo, da vida e de quando tudo passou a existir, os outros, explicam o
nascimento da fauna, da flora e da natureza num geral. Eliade (1972) defende que
seria possível investigar o mito cosmogônico sem considerar a cosmogonia, mas não o
contrário.
Para os estudos das Religiões e Religiosidade, os mitos cosmogônicos somente
podem ser captados em sua totalidade por meio de um foco sobre a mitologia como um
todo, como é o caso dos itans cosmogônicos iorubanos:

Olodumare-Olofim vivia só no infinito, cercado apenas de fogo,


chamas e vapores, onde quase nem podia caminhar. Cansado
desse seu universo tenebroso, cansado de não ter com quem
falar, cansado de não ter com quem brigar, decidiu pôr fim àquela
situação. Libertou as suas forças e a violência. Delas fez jorrar
uma tormenta de águas. As águas debateram-se com rochas que
nasciam e abriram no chão profundas e grandes cavidades. A
água encheu as fendas ocas, fazendo-se mares e oceanos, em
cujas profundezas Olocum foi habitar (PRANDI, 2001, p. 380).

O mundo foi criado por Olorum e sua mulher Olocum. Eles tinham
a mesma idade. Da união de Olocum com Aiê, a Terra, nasceu
Iemanjá. Da união de Iemanjá e Aganju nasceram os outros
deuses (PRANDI, 2001, p. 403)

Nessas narrativas africanas e afro-brasileiras, catalogadas pelo sociólogo


Reginaldo Prandi na obra Mitologia dos orixás, identificamos o mito cosmogônico em
sua estrutura, como representação da origem da vida, do cosmo e do universo. Como o
tempo no qual a realidade passou a existir a partir dos orixás, divindades africanas
cultuadas pelos povo étnico-linguístico denominados como iorubas e pelos adeptos do
culto dos orixás no Brasil. A partir dessa existência, o que se sucede é denominado
como mito de origem e teogonia. A teogonia designa o momento mítico em que os
deuses passam a existir em uma concepção de genealogia. Seria a junção do mito
cosmogônico e do mito de origem. Nessa perspectiva, as divindades são criadoras e
criaturas, pois compõem o Cosmos, e são classificadas, ao mesmo tempo, como
elementos da natureza, por isso, também de origem. Desse modo, teogonia
corresponde à uma classificação de personagens que podem criar outros seres e
gerações.
Se considerarmos a mitologia grega, o Caos e a Terra seriam os seres
teogônicos e cósmicos, já que a Terra teria produzido outros deuses por defluência.
Inicialmente por cissiparidade e em seguida por cruzamento com seu filho Céu. A terra
representaria o assentamento dos mortais e imortais. O Caos, por sua vez, daria início
à criação produzindo por cissiparidade Érebos e Noite.
Conforme a Teogonia de Hesíodo e a Biblioteca de Apolodoro, Gaia (Terra) teria
emergido do Caos e gerado, de modo espontâneo, três descendentes: Uranos (o Céu),
as Montanhas e Pontos (o Mar). Em seguida, da união de Gaia e Uranos nasceram os
Titãs, os Ciclopes e os Hecatonquiros. Devido ao caráter violento de seus filhos,
Uranos os isolava e os mantinham distantes da criação, nas entranhas da Terra.
Descontente com a condição subordinada de seus filhos, Gaia arquiteta um atentado
contra o deus-Céu.

[...], convence os Titãs que ataquem o pai e fornece a Cronos


uma foice de aço. Eles todos, exceto Oceano, o atacaram;
Cronos cortou os testículos do pai e os jogou no mar [...]. E
depois de destronarem Uranos, {os Titãs} fizeram voltar do
Tártaro os seus irmãos e entregaram o governo a Cronos
(HESÍODO, 1996, Teogonia: L. II, 4).

Conforme Eliade (1972), a mitologia grega localiza esse evento como ocorrido
em um tempo mítico, período em que as forças celestes e telúricas se encontram pela
primeira vez e constituem as primeiras criaturas viventes. Assim, para o mitólogo, a
cosmogonia é anterior ao tempo, anterior a tudo, pois é exatamente o momento em que
uma realidade passa a existir.
Para exemplificar sobre a estrutura dos mitos cosmogônicos utilizando mitos de
outras culturas, elencamos a mitologia nórdica. Os mitos cosmogônicos nórdicos,
relatados no Poema Voluspá da Edda Poética, contam que no princípio não havia nada
além de um enorme abismo mágico e duas regiões isoladas. A primeira dela, Niflheimr,
era representada pelo gelo e a neblina e relacionada ao mundo dos mortos de onde
corriam 11 rios, a segunda, Múspel, era representada como a claridade e a luz, era
também protegida pelo gigante Surtr. Quando o gelo de de Niflheimr derreteu devido ao
calor de Múspel emergiu o grande Ymire, a vaca nutridora Auðhumla. Ao passo que o
animal lambia o gelo nasciam três seres: Oðinn, Vile e Vé. Eles exterminaram o gigante
Ymirque, ao sangrar demais, causou o afogamento de todos os gigantes. Apenas um
deles escapou da morte, acompanhado de sua mulher, no entanto seu corpo
desmembrado passou a constituir toda a estrutura do universo. “De sua carne
formaram a terra, seus ossos deram origem aos rochedos, de seus cabelos foram
formadas as nuvens; do sangue derramado surgiu o mar e do seu crânio o firmamento”
(LANGER, 2009, p. 133). A narrativa é comparada por alguns historiadores ao mito
bíblico da origem do Universo, registrado no livro de Gêneses. A narrativa conta que no
princípio não havia nada, só o verbo que era Deus, e todas as coisas se formaram em
sete dias, a partir da sua palavra.
Ainda cabe destacar que mitos cosmogônicos que se baseiam no suplício pelo
esquartejamento do corpo de um gigante em um tempo mítico, para origem do céu,
terra, montanhas, rios e mares são identificados em outras culturas. Um exemplo é o
Rigveda da Índia antiga, na figura de Purusa (Homem primordial), nos mitos de Tiamat
e de P’na-ku (ELIADE, 1972). Essa postura analítica que busca encontrar estruturas
comuns em narrativas mitológicas de culturas diferentes é uma abordagem
metodológica encontrada nas mitologias comparadas, amplamente utilizada por
historiadores e cientistas das Religiões da contemporaneidade, como Cruz (2007, p. 2),
para quem:

Os mitos cosmogónicos apresentam uma série de diversidades,


mas as suas estruturas são semelhantes, ou seja, são triádicos.
Eles partem de um ponto unitário original, de onde emergem em
dois elementos que se contrapõem, um ativo (masculino) e o
outro passivo (feminino). Esta contraposição de elementos
(masculino/feminino – ativo/passivo) repete-se em todos seres do
cosmo, e todos eles tendem a buscar a unidade perdida.

A pesquisadora Rosa Maria Marangon (2007) parte do mesmo pressuposto


teórico de Eliade ao admitir que os mitos cosmogónicos se diferem dos mitos de
origem. Para ela, os primeiros revelam o surgimento do Universo, enquanto os outros
fundam uma situação nova. Na perspectiva adotada, estes últimos servem para
continuar e integrar o mito cosmogónico e, como estão contidos nele mesmo, quase
sempre se iniciam com uma descrição da cosmogonia.

Os mitos cosmogónicos são geralmente atualizados nos rituais


por remeterem a um tempo original, forte, sagrado. O mito de
origem só tem sentido quando explicado através da cosmogonia
que seria o seu estado anterior. Qualquer coisa se origina depois
que o mundo já estava formado. A origem de qualquer coisa está
intimamente ligada à ideia de criação desta coisa (MARANGON,
2007, p. 4)

A pesquisadora Ocean Malandra (2015) defende que, independentemente dos


mitos serem histórias verdadeiras ou não, sua função é transportar uma sabedoria que
opera como uma verdade metafórica. Para ela, os mitos são ilustrações de verdades
no fazer, o que pode significar a personificação de objetos e/ou forças que em outras
realidades seriam consideradas inanimadas. Ela destaca que o mito não somente
explica, mas também atribui um significado existencial para os eventos básicos da vida.
É o que também postula a pesquisadora Davidson.

A mitologia de um povo é muito mais que uma coletânea de


fábulas bonitas ou assustadoras recontadas em estilo articulado
às nossas crianças na escola. É o comentário de homens de uma
era ou civilização específica sobre os mistérios da existência e da
mente humana, seu modelo para um comportamento social e a
tentativa de definir, em histórias de deuses e demônios, sua
percepção das realidades interiores. Podemos aprender muito
com as mitologias dos povos antigos, se tivermos a humildade de
respeitar estilos de pensamentos muitos diferentes dos nossos.
Em muitos aspectos podemos ser mais inteligentes que eles, mas
não necessariamente mais sábios (DAVIDSON, 2004, p. 7).

Neste tópico buscamos conceituar os mitos cosmogônicos e os mitos de origem,


a partir de noções teórico metodológicas difundidas nas pesquisas de História das
Religiões e Religiosidades. Elucidamos que é amplamente utilizada a perspectiva
analítica de que esses mitos se diferem e são classificados de modo distinto, sendo o
segundo tipo dependente e extensão do primeiro. No próximo tópico abordaremos
algumas funções sociais dos mitos, bem como os modos como eles são operados
analiticamente em nosso campo de atuação.
SAIBA MAIS
Caro(a) estudante, você já havia parado para pensar que podemos considerar a teoria
do Big Bang, produzida pela ciência atual, como um mito cosmogônico? Segundo esta
teoria, o Universo teria surgido de uma grande explosão há cerca de 13 bilhões de
anos. É uma narrativa tão verdadeira e explicativa da criação do Universo como outras.
Agora que já compreendemos que o mito não é uma fábula ou uma mentira, podemos
dizer que a ciência é um tipo de mito, sem desconsiderar sua credibilidade e
importância para a humanidade.
#SAIBA MAIS#

REFLITA
“A história é nosso mito”, “combina o ‘pensável’ e a origem, de acordo com o modo pelo
qual uma sociedade se compreende”.
Fonte: Certeau (1982, p. 33)
#REFLITA#
3 OS MITOS E A HISTÓRIA CULTURAL, POSSIBILIDADES DE ABORDAGENS
METODOLÓGICAS

Olá, prezado(a) estudante! Nesse tópico iremos elencar algumas posturas


teóricas e metodológicas acerca das estruturas e funções dos mitos, a partir dos
estudos de Religiões e Religiosidades. Refletiremos também sobre como a História
Cultural tem se apropriado dos mitos como fonte para pesquisa de diferentes temas em
tempos e espaços distintos. Desse modo, apresentaremos como pesquisadores desse
campo têm sistematizado o conhecimento acerca dos usos sociais dos mitos e os
classificados a partir de contextos sociais, culturais, políticos e religiosos.
Iniciamos esse estudo destacando que, utilizando o método da mitologia
comparada e privilegiando os mitos gregos, solidificaram-se estudos marcadamente
eurocêntricos, que focam em elementos tais como a vida agrícola, o poder, a realeza e
a guerra. Para alguns críticos, isso é problemático, porque tais planos são pertinentes à
cultura eleita como modelo, mas podem não ser quando aplicadas a civilizações
historicamente distintas. Por exemplo, o mito agrário não se adapta às sociedades
caçadoras (VERNANT, 1995, p. 49).
Tendo isso em vista, é importante destacar que o historiador das Religiões deve
sempre levar em consideração não somente as estruturas mitológicas de sociedades
antigas entre si, mas suas estruturas econômicas, políticas, culturais, religiosas. É o
que defende Detienne (2004) na obra Comparar o incomparável. Nesse trabalho o
historiador advoga na defesa de uma construção de elementos comparáveis de um
modo experimental. O pesquisador helenista Jean-Pierre Vernant e o historiador norte-
americano Moses Finley, em algum momento de suas carreiras profissionais, se
dedicaram à mitologia comparada também, mas a rejeitam à posteriori diante das
limitações metodológicas e optam por continuar uma pesquisa dentro dos quadros de
uma história nacional.
A esse respeito, Detienne (2004) indica que o exercício da comparação deve
iniciar-se pela escolha de um elemento específico que não seja muito particular. Desse
modo, pode aplicar-se a contextos distintos.
Comparamos entre historiadores e antropólogos para construir
comparáveis, analisar microssistemas de pensamento, esses
encadeamentos que decorrem de uma escolha inicial, uma
escolha que temos a liberdade de apresentar ao olhar de outros,
escolhas exercidas por sociedades que, no mais das vezes, não
se conhecem entre si (DETIENNE, 2004, p. 65).

Vejamos o exemplo de alguns mitos iorubás para tratar de tal questão, a


importância de localizar a narrativa mitológica em seu contexto. Um deles narra que
Obatala, a grande divindade criadora, veio a existir da contração de uma Ia Mi
Oxorongá, que seria o próprio ventre universal e a expressão da totalidade. Ela seria a
interioridade e a absorção, ele seria a exterioridade e a atividade, por isso ocuparia o
mundo como a sabedoria criativa na criação (CARNEIRO DA CUNHA, 1984). É
possível atestar que algumas perspectivas da cultura iorubá não se dobram à noção de
complementaridade do feminino com o masculino, mas sim sobre o feminino, pois
considera o masculino o próprio feminino, apenas com uma função diferencial. José
Marianno Carneiro da Cunha (1984, p. 9) afirma que a Iá Mi Oxorongá:

[...] é o poder em si, ela tem tudo dentro de seu ser. Ela pode
tudo. Ela é um ser autossuficiente, ela não precisa de ninguém, é
um ser redondo primordial, esférico, contendo todas as oposições
dentro de si. Elas são andróginas, elas têm em si o bem e o mal.
[...] Elas têm a feitiçaria, antifeitiçaria, elas têm absolutamente
tudo.

O antropólogo Pierre Verger (1994, p. 16) aponta que “na região ioruba, as
atividades das feiticeiras [Iá Mi Oxorongá] ligam-se aos orixás, e aos mitos da criação
do mundo”. Ou seja, o grande criador do mundo só existe porque elas sempre
existiram. Podemos conjecturar que muitas dessas noções ontológicas e cosmológicas
da mitologia ioruba foram apagadas na difusão cultural para dar lugar ao masculino,
por influência das disputas e hierarquizações de gênero que privilegiam a cultura
patriarcal. Do mesmo modo, a retomada das narrativas mitológicas que atribuem
grande importância ao feminino deve-se às disputas de conferir maior importância à
mulher na sociedade contemporânea. Não só o papel desempenhado pelas Iá Mi na
mitologia, mas também das guerreiras Obá, Oxum e Iansã, por exemplo, o feminino é
associado à fertilidade, força, astúcia e independência. Iansã é definida como aquela
que, além de lutadora aguerrida, é capaz de se disfarçar de animais e comandar
tempestades. De acordo com os mitos, ela é a grande guerreira que comanda os
ventos: “É livre e violenta como a tempestade que ela comanda” (AUGRAS, 1983, p.
150).
Mitos como “Oiá recebe o nome de Iansã, mãe dos nove filhos (PRANDI, 2001,
p. 294), “Oiá transforma-se num búfalo” (PRANDI, 2001, p. 297), “Oiá é disputada por
Xangô e Ogum” (PRANDI, 2001, p. 307) demonstram o feminino associado a aspectos
como poder, transformação e fertilidade. Isso se dá porque, na organização social
ioruba, as mulheres desempenhavam diversas funções na vida pública, dividindo
espaços de poder com os homens (VERGER, 2002). Elucidar esses valores
socioculturais e políticos presentes na sociedade ioruba nos auxilia a compreender
melhor a respeitável posição feminina na mitologia dos orixás. Tais aspectos, diferente
dos sentidos atribuídos às representações judaico-cristãs, como o mito da Mãe de
Jesus, não são associadas somente à virgindade, pureza ou submissão.
Os mitos narrados em uma cultura correspondem ao que ela considera
pertinente à vida, em um tempo e espaço específicos e em sua roupagem, portanto,
condizente ao ambiente e à condição histórica. Eles aparelham questões universais no
tocante à existência humana e influenciam a vida de todos, legando procedimentos
para um bom viver. A mitologia se apresenta por meio de narrativas que se articulam
entre si e que se repetem ao longo dos tempos, fornecendo símbolos à humanidade.
Servem de metáforas para as preocupações e anseios humanos (CAMPBELL;
MOYERS, 1990).
A História Cultural tem sido um terreno fecundo para o estudo das mitologias na
contemporaneidade. Esse campo da história objetiva reconhecer a maneira como, em
diferentes espaços e temporalidades, certa realidade social é produzida, observada,
dada a ler. Nesse contexto, se inserem as representações sociais. Podemos conceber
uma história cultural que “tome por objetivo a compreensão das representações do
mundo social, que o descrevem como pensam que ele é ou como gostariam que fosse”
(CHARTIER, 1990, p. 19).
As representações são dispostas de acordo com as orientações dos grupos
sociais que as concebem e com suas visões de mundo. Elas são manifestadas por
padrões, normas, instituições e imagens. Constituem-se em objetos capazes de
substituir na memória o outro ausente, ao mesmo tempo que revelam sua presença
como a apresentação pública de algo ou alguém (CHARTIER, 1990).
As narrativas mitológicas são tomadas pelos historiadores das religiões como
fonte para identificar questões fundamentais de uma cultura. Não somente por ser um
resultado de reflexos sociais, mas também para compreensão sobre como elas podem
ser compreendidas e ressignificadas em seu tempo histórico. Ou seja, a roupagem que
uma mitologia assume em um tempo, espaço e cultura definida indica uma perspectiva
de verossimilhança, efeito de real e encarnam noções de imaginários possíveis das
divindades e seu caráter, por exemplo. É o que Sandra Pesavento (2006, s.p.)
denomina como verdade do simbólico.

A literatura é narrativa que, de modo ancestral, pelo mito, pela


poesia ou pela prosa romanesca fala do mundo de forma indireta,
metafórica e alegórica. Por vezes, a coerência de sentido que o
texto literário apresenta é o suporte necessário para que o olhar
do historiador se oriente para outras tantas fontes e nelas consiga
enxergar aquilo que ainda não viu.

A pesquisadora Malandra (2015) afirma que a função dos mitos não é somente
outorgar uma sequência de fatos explicativos do começo do cosmos e da sociedade,
mas oferecer um contexto harmonioso e significativo que justifique as circunstâncias do
presente. Conforme a autora, o mito opera como lição alegórica e como aviso que
determina uma conduta adequada. Para demonstrar isso, ela cita diversas narrativas,
inclusive a do Jardim do Éden, na qual se sublinha a liberdade do ser humano em
escolher comportar-se de forma desarmoniosa relativamente à criação original. Em sua
visão, esses mitos funcionam tal qual uma telenovela divina, em que as ações
harmoniosas e desarmoniosas entre deuses servem de metáfora para as razões que
explicam certos eventos da esfera mundana.
Ainda sobre as funções dos mitos, passamos ao mitólogo Campbell (1990), que
as sistematiza em quatro principais. São elas: a Função Mística ou Metafísica, a
Função Cosmológica, a Função Sociológica e a Função Psicológica ou Pedagógica. A
primeira designa a função religiosa da mitologia, que desperta na psique humana um
sentimento de assombro.
Quer concebamos a mitologia em termos da afirmação do mundo
como ele é, da negação do mundo como ele é ou da restauração
do mundo ao que deve ser, a primeira função da mitologia é de
despertar na mente um sentimento de assombro perante essa
situação mediante uma entre três formas de participar dela:
exteriorizando, interiorizando ou efetuando uma correção
(CAMPBELL, 1990, p. 18).

A segunda é da ordem cosmológica, e liga o ser humano à realidade por meio


de uma imagem consistente do universo, apresentando as sociedades como
pertencentes à ordem cósmica. A terceira função de ordem sociológica, legitima e
respalda uma ordem moral específica: “por meio desta terceira função, a mitologia
reforça a ordem moral moldando a pessoa às exigências de um grupo social específico
geográfica e historicamente condicionado” (CAMPBELL, 1990, p. 20). A última função,
chamada de psicológica ou pedagógica possibilita:

[...] conduzir o indivíduo através dos vários estágios e crises da


vida, isto é, ajudar as pessoas a compreender o desdobramento
da vida com integridade. Essa integridade supõe que os
indivíduos experimentarão eventos significativos a partir do
nascimento, passando pelo meio da existência até a morte em
harmonia, primeiramente com eles mesmos, em segundo lugar
com sua cultura, em terceiro lugar com o universo e, finalmente,
com aquele que transcende a eles próprios e a todas as coisas
(CAMPBELL, 1990, p. 20).

O mito permite entender que o mundo, o homem e a vida têm todos uma origem
e uma história e que é através dele que dado indivíduo pode sair da
contemporaneidade, do tempo cronológico e introduzir-se no tempo primordial, vivendo
e experienciando pela primeira vez um certo evento. Essa história transforma-se,
assim, em algo relevante e inspirador. Para apresentar ainda outra perspectiva teórica
sobre as funções dos mitos convocamos Bronislaw Malinowski (apud CRIPPA, 1975, p.
16), para quem:

O mito, quando estudado ao vivo, não é uma explicação


destinada a satisfazer uma curiosidade científica, mas uma
narrativa que faz reviver uma realidade primeva, que satisfaz a
profundas necessidades religiosas, aspirações morais, a
pressões e a imperativos de ordem social, e mesmo a exigências
práticas. Nas civilizações primitivas, o mito desempenha uma
função indispensável: ele exprime, enaltece e codifica a crença;
salvaguarda e impõe os princípios morais; garante a eficácia do
ritual e oferece regras práticas para a orientação do homem. O
mito, portanto, é um ingrediente vital da civilização humana; longe
de ser uma fabulação vã, ele é ao contrário uma realidade viva, à
qual se recorre incessantemente; não é absolutamente uma teoria
abstrata ou uma fantasia artística, mas uma verdadeira
codificação da religião primitiva e da sabedoria prática.

Conforme os estudos de Religiões e Religiosidades, as pessoas comumente


relacionam o mito a algo distante de suas realidades, como a fantasia que só os menos
intelectualizados vivenciam ou vivenciaram. Contudo, de acordo com a teoria
apresentada até o momento, cabe posicionar muitas narrativas míticas ao cotidiano
contemporâneo, ainda que esses mitos sejam atualizados pelas modificações sociais,
econômicas, políticas e até mesmo religiosa. A obra A psicanálise na Terra do Nunca:
ensaios sobre a fantasia, de autoria de Diana Corso e Mario Corso, nos auxilia nessa
compreensão. Um exemplo disso é o mito de João e Maria, que se relaciona à
economia. Conta-se que as duas crianças foram abandonadas na floresta porque eram
muito gulosas. Tendo comido até as paredes da própria casa, foram punidas com o
abandono. A questão da fome e do abandono infantil era muito mais presente no
período medieval do que apressadamente cogita o senso comum. A noção de infância
nesse período não era como a que temos nos dias atuais, as crianças eram tidas como
pequenos adultos. Ainda podemos verificar nessa narrativa algumas doutrinas
religiosas que indicam que o ser humano não pode ser guloso e que a gulodice é
pecado, devendo ser evitada, assim como qualquer forma de excesso (CORSO, D.;
CORSO, M., 2011). Outro exemplo que a pesquisadora aponta é o do mito da Terra do
Nunca:

A Terra do nunca pode ser um lugar existente e muito ativo,


capaz de ir ao encontro de seus visitantes, mas ao mesmo tempo
eles sentem-se participantes dele antes mesmo de colocar seus
pés ali. A familiaridade com essa terra mágica é comum para
qualquer criança que brinque e para as pessoas crescidas que
tiveram infância. Frequenta-se esse lusco fusco entre o que está
fora e dentro da nossa cabeça toda vez que se brinca e sempre
que se sonha (CORSO, 2011, p. 24).
Para explorarmos um pouco mais sobre as narrativas míticas na
contemporaneidade trazemos a obra fílmica Novíssimo Testamento (que poderia
inclusive ser utilizada como recurso para discutir o tema em sala de aula). O filme é
narrado em primeira pessoa, por Ea, que busca transformar o mundo em que vive. Ela
é filha de Deus, o todo poderoso, quem decide sobre o futuro da humanidade com um
comando do seu computador. Esse também teria sido o modo como ele criou o
universo, mais por tédio do que para ter uma criação para cuidar. Sua esposa é
maltratada por ele, passiva e submissa, J.C. o filho mais velho foi embora, sua filha não
aceita a naturalização da violência e invade o computador para mudar a história do
mundo. Para isso conta com ajuda de algumas pessoas, os discípulos, que possuem
uma conduta moral nada exemplar. Em seguida ela foge de casa, seu mundo, para o
convívio das pessoas do mundo externo, coisa inédita em sua vida. A historiadora
Vanda Fortuna Serafim (2017) utiliza o filme como narrativa que reatualiza mitos
judaico-cristãos e revela algumas questões sobre as crenças contemporâneas.
Destaca também o retorno da Deusa como aspecto cada vez cada vez mais presente
nos mitos.

Ao ir para o mundo atrás de Ea, os poderes de Deus são


anulados, ele é um simples humano que para os demais, pensa
que é Deus. Já não onipotente, onisciente e onipresente. É fraco,
franzino, estúpido, arrogante e prepotente. Suas contínuas
tentativas de ser Deus sendo homem geram o riso [...] Nos
divertimos com a desgraça de Deus, uma vez que ele seria
responsável pelas nossas desgraças. Deus não é o todo
poderoso, ele sequer tem poderes, não consegue fazer milagres.
A sua autoridade está na manipulação por meio de um
computador e na intervenção destruidora na vida das pessoas.
Como um Deus assim se mantem no poder? Dentro de uma
família patriarcal, onde a mãe, anteriormente Deusa, sofre abusos
constantes e é silenciada. O filho, Jesus Cristo, tenta desafiar o
pai, mas não se desvincula totalmente deste. É a filha, Ea,
ocultada das narrativas que toma as dores da mãe, do irmão e de
si mesmo, após ser espancada pelo pai pelo fato de questioná-lo,
que subverte a ordem do pai. Ao instaurar ao caos, ela abre
espaço para que a mãe reassuma o poder e se inicie uma nova
era, mais colorida e leve (SERAFIM, 2017, p. 100).

Tendo discutido no presente tópico: as diversas funções dos mitos, a depender


da postura teórica que se assume para analisá-los; a prática metodológica de perceber
as comunalidades ou particularidades dos mitos, como a mitologia comparada; a
História Cultural como exemplo de abordagem historiográfica contemporânea que
atribui importância ao estudo dos mitos, tidos como representação do imaginário da
sociedade que o produz; alguns exemplos de reatualização dos mitos na
contemporaneidade, concluímos a reflexão destacando que o historiador não é
orientado a olhar para os mitos preocupando-se em assumi-los como verdade ou
mentira, mas para entender como quem os produziu acredita que são expressivos e
pertinentes. Agora que temos algumas premissas básicas sobre o tema, passaremos
no próximo tópico por alguns mitos que reverberam em nossa cultura nacional.

SAIBA MAIS
Muitos historiadores utilizam o cinema como fonte histórica para pensar os mitos e as
suas funções na cultura. A obra fílmica tem sua legitimidade como fonte porque é uma
construção histórica e cultural, como texto passível de ser utilizado como instrumento
de compreensão de diversas questões. Além disso, o texto fílmico pode ser utilizado
como poderoso recurso didático-pedagógico para auxiliar na compreensão de
conceitos e ideias baseados em textos convencionais.
#SAIBA MAIS#

REFLITA
“Uma das características do mito é seu caráter muitas vezes liminal. Com isto
queremos dizer que o mito é de tal natureza que, sob o prisma destes conceitos, pode
mesmo justapô-los. O filme The Matrix pode ser um exemplo conhecido disto no qual,
em meio à uma série de motivos religiosos ao longo do filme, inclusive escatológicos, o
herói Neo repete o destino religioso do Cristo crucificado e inaugura uma nove era”.
Fonte: Rosário (2007, p. 9).
#REFLITA#
4 MITOS AFRO-BRASILEIROS E INDÍGENAS NA SALA DE AULA

Olá, caro(a) estudante, retomamos nossos estudos no presente tópico nos


aproximando de narrativas míticas de diferentes culturas. Considerando a formação
étnico racial do Brasil, os processos de hierarquização de tais saberes que legitima as
bases eurocêntricas em detrimento de outras, e as leis que evocam o estudo da cultura
afro-brasileira (10.639/2003) e indígena (11.645/2008), daremos maior enfoque aos
mitos dessas populações, refletindo também sobre como eles estão presentes e
norteiam crenças em nossa sociedade.
Para dar início ressaltamos que falta de conhecimento sobre as religiões afro-
brasileiras e a cristalização de uma imagem negativa de suas expressões, amplamente
associadas à feitiçaria, foi um recurso utilizado historicamente para marginalizá-las. Por
isso, falar das divindades africanas enquanto personagens míticos afro-brasileiros
ainda se apresenta como um grande desafio. As narrativas míticas afro-brasileiras
foram esquecidas e silenciadas. É perceptível como os mitos africanos e também os
indígenas não têm o mesmo reconhecimento social ou desdobramentos que tiveram os
mitos nórdicos e greco-romanos na cultura ocidental. Sua difusão ficou limitada aos
terreiros e aldeias, o que as impossibilitou de obter um caráter de embasamento
filosófico e epistemológico, como ocorrem com narrativas míticas de regiões europeias
e orientais.
Para os adeptos das tradições iorubas, o mito é a chave para alcançar não
apenas o passado, mas também o presente e o futuro. O mito ensina quem são as
divindades, quais são seus poderes e regências, de onde elas vieram, quais são as
suas preferências e interdições e como o homem religioso deve se relacionar com elas.
No imaginário iorubano tradicional de mundo, a mitologia fornece sentidos
fundamentais para a vida na terra. É ela quem organiza e estrutura a religião dos
orixás. Os orixás são os ancestrais divinizados, e os mitos, as narrativas que se
repetem ciclicamente de geração em geração na vida de seus descendentes (PRANDI,
2001).
Os iorubas acreditam que o homem descende dos orixás e cada ser humano tem uma
linhagem que se refere a um ancestral específico. Cada um herda do seu orixá os seus
atributos, predisposições e intentos, de acordo com o que conta os mitos. Os orixás se
regozijam e se entristecem, perdem e vencem, avançam e retrocedem, amam e odeiam. Essas
narrativas míticas estão bastantes presentes na estrutura do candomblé, pois se trata de uma
oralidade oriunda da Costa Ocidental da África, disseminada para regiões de outros
continentes, inclusive o Brasil, na diáspora provocada pelo tráfico escravista (PRANDI, 2001).
Os mitos itans em ioruba foram disseminados no Brasil, e se constituem também
como mitos Afro-brasileiros, a partir da memória coletiva de homens e mulheres, na
condição de escravos. A mitologia foi um dos elementos transmitidos por esse grupo,
detentor de uma gama de conhecimentos litúrgicos e ritualísticos, que daria
posteriormente origem ao culto dos orixás no país.

O primeiro exercício de sobrevivência efetuado pelos africanos


deportados no Brasil, assim como em toda diáspora, foi talvez o
de buscar recompor o tecido cultural africano que se desteceu
pelos caminhos, recolher fragmentos, traços, vestígios,
acompanhar pegadas na tentativa de reelaborar, de compor uma
cultura de exílio refazendo a sua identidade de emigrante nu[2]
(GLISSANT, 1996, p. 15).

Conforme a escritora Conceição Evaristo (2009, p. 3), “nas sociedades ágrafas,


a poesia conta/canta a tradição, os mitos de fundação, as histórias, os provérbios, a
sabedoria. O canto poético planta e rega a memória coletiva”. O candomblé, como uma
ferramenta de disseminação dessa memória coletiva, se constituiu a partir de tradições
orais, baseadas nos mitos, ritos e símbolos, e não em uma sistematização teórica de
suas manifestações espirituais. Conforme Sérgio Paulo Adolfo (2000, p. 2), “As
cantigas revelam a composição do enredo do Orixá ou do Inkice, enumeram as suas
qualidades, tecem loas aos seus feitos e às suas habilidades e vitórias”. Por isso, para
conhecermos alguns aspectos dessa religião, reconhecermos sua legitimidade, mesmo
sendo historicamente marginalizada, é importante conhecer os mitos dos orixás. Esses
itans são poemas seculares que narram sobre a vida em sociedade, elementos da
natureza, a criação do mundo e sua divisão entre orixás (PRANDI, 1999).
A importância do mito, segundo essa cosmovisão, é que ele ajuda a interpretar o
presente e produz o futuro nessa vida e nas outras. Os mitos dão voz às experiências
vividas pelos ancestrais, colaboram na construção da identidade religiosa e constroem
uma memória coletiva a partir das vivências partilhadas. O mito opera categorias do
tempo forte, longínquo e do tempo do sagrado e está imerso na vida dos adeptos da
religião, cotidianamente, cuja concepção aproxima o profano e o sagrado (PRANDI,
2001). No caso do Brasil, conjectura-se que a mitologia ioruba é a mais disseminada,
porque esse grupo étnico-linguístico foi um dos últimos a serem trazidos para o país,
no ciclo da Costa da Mina, no século XVIII, e no ciclo da baía de Benin, entre 1770 e
1850 (VERGER, 1987). Os iorubas também teriam sido empregados em setores
urbanos e domésticos, em sua maioria, na cidade de Salvador. Isso teria lhes dado
alguma facilidade, em relação aos bantus, para preservar sua língua e religião. O que,
na visão dos intelectuais do período, configurou uma superioridade dos iorubas
(CASTRO, 2001).
O arcabouço narrativo e poético de matriz africana interage no cotidiano dos
afro-brasileiros até os dias atuais. Com a inserção em religiões Afro-brasileiras o
neófito passa gradativamente a conhecer os mitos que dão sentidos aos ritos que
participa. Tradicionalmente repassados de modo oral, os mitos podem ter diferentes
versões, não sendo uma mais legítima que a outra. Mas sim, tendo modos diferentes
de contar uma mesma saga mítica. Mitologia dos orixás é a coletânea com maior
número de mitos registrados no Brasil pelo sociólogo Reginaldo Prandi (2001), contém
301 mitos de orixás. É uma obra de grande importância para a formação docente
comprometida com a diversidade e o respeito às diferenças culturais e religiosas. Na
obra citada cada divindade recebe um capítulo no qual são narrados seus itans. São
em média 16 orixás que constituem o panteão dos orixás no Brasil. Eles estão todos
presentes na obra, que colabora com a construção de sentido atribuído a eles, são:
Exu (o mensageiro), Ogum (o general e ferreiro), Oxóssi (o caçador), Ossaim (dono
das plantas), Obaluaiê (senhor da cura), Oxumaré (que se manifesta no arco íris),
Iansã (rainha dos raios e tempestades), Xangô (senhor da justiça), Oxum (dona da
fertilidade), Logun Edé (senhor da pesca e da caça), Obá (amazona guerreira), Ewá
(dona dos horizontes), Yemanjá (mãe de todos), Nanã (senhora da morte), Oxaguiã
(guerreiro do branco) e Oxalá (senhor da paz).
Figura 1 - Dezesseis orixás mais conhecidos do Panteão Afro-brasileiro

Fonte: Lifestyle (2018).

Um modo de trabalhar tal questão em sala de aula é estudando cada um deles


focando em suas características gerais, como as cores que os representam, símbolos,
ferramentas, elementos da natureza, dia da semana em que são cultuados, comida
associada à cada um, dentre outras especificidades.
Partindo do mesmo pressuposto, destacamos a importância do conhecimento
acerca das mitologias indígenas. Para pensar sobre a mitologia indígena, em especial
tendo como referência os Guarani, é de suma importância considerar a dimensão
poética. Os mitos cosmogônicos desse grupo étnico-racial narram que o mundo foi
criado misteriosamente entre o vazio e o silêncio. Tupã Tenondé, o Grande Pai
Primeiro, é Espírito-Música, gerador de vidas e manifestado na forma de um colibri:
“Ñande Ru Pa-paTenondé guete rã ombo-jerapytuymagui. Nosso Pai Primeiro criou-se
por si mesmo na Vazia Noite iniciada” (JECUPÉ, 2001, p. 25).
Na obra Tupã Tenondé, do escritor Kaká Werá Jecupé, encontramos revelações
das palavras do que para os Guarani é vivenciado e transmitido pelos grandes pajés
em torno da fogueira. Jecupé, descendente de um grupo Tapuia e não tendo nascido
Guarani, tornou-se por meio de processos iniciáticos. Escritor, político e ambientalista,
Jecupé discursa sobre a importância da demarcação de terras indígenas como meio de
assegurar o equilíbrio da natureza e a qualidade de vida não somente local, mas sim
global. Kaká Werá Jecupé propõe o ensino de história e cultura indígena nas escolas
através da vivência dos mitos, cantos e danças.
Segundo Kaka Werá Jecupé (2001), a sabedoria ancestral deve ser difundida e
transmitida pelas palavras que falam do Universo, da Terra e do Homem de uma
maneira poética e profunda, inerente à tradição oral indígena.

Ayvurapyta rã i oguero-jera i mavy, mborayú petei i oguero-jera i mavy,


o yvárapymba’ekuaágui, o kuaa-ra-ravymamba’e-a’ãrapyta petei i
oguero-jera. Yvyoikoeỹre, pytũymambytere, mba’ejekuaáeỹremba’e-a’ã
petei i oguero-jeraojeupe. Os fundamentos do ser desabrocham-se,
havendo criado de uma pequena porção de amor, da sabedoria contida
em sua própria divindade e em virtude de sua sabedoria criadora, e
tendo originado um som sagrado de sua sagrada solidão. Antes de
existir a terra, em meio à Noite Primeira e antes de ter-se conhecimento
das coisas, originou-se um som sagrado criado da bem-aventurada
solidão (JECUPÉ, 2001, p. 44).

Conforme Kaka Werá Jecupé (2001), os Tupy-Guarani influenciaram múltiplos


grupos étnico culturais e se concentravam em um território que ia da Amazônia ao
litoral brasileiro. Palavras da linguagem tupi estão inseridas em outras línguas
indígenas e muitas delas também compõem o dicionário português. Na cultura
brasileira, ainda que fora das comunidades indígenas, encontram-se costumes,
culinária, práticas curativas e “noventa por cento das fábulas, lendas e mitos
conhecidos são de origem tupi” (JECUPÉ, 1998, p. 47). Desse modo, deve-se
reconhecer que o Tupy-Guarani é uma base cultural importante na construção histórica
do povo brasileiro, que apesar das violências estruturais, do massacre e da imposição
de culturas europeias preserva até os dias atuais mitos que reatualizam seus valores e
a sua cosmovisão sagrada.
Para essa cultura, o desenvolvimento das culturas e das civilizações se dá com
base na afinidade umbilical que interliga socialmente as pessoas aos reinos animal,
vegetal e mineral, numa forma ampla de concepção familiar em que tudo se conecta na
grande teia da vida.

O pulsar de uma estrela na noite é o mesmo do coração. Homens,


árvores, serras, rios e mares são um corpo, com ações
interdependentes. Esse conceito só pode ser compreendido através do
coração, ou seja, da natureza interna de cada um (JECUPÉ, 1998, p.
61).

A visão de mundo para os Guarani considera a origem do cosmos, da natureza,


do homem, do tempo, do espaço, dos fundamentos do ser. É história, numa concepção
diferente da historiografia tradicional e religião diversa das concepções religiosas
trazidas pelos não-índios ao Brasil. Dentro dessa cosmovisão existe o mito de
Nandecy, a Mãe Terra, e os ciclos regidos por Jakaíra, Deus da névoa; Tupã, Deus do
trovão e das águas; Karai Ru Ete, Deus do fogo; e Namandu, divindade responsável
pela terra e por criar unidade entre os ciclos, que, por sua vez, mantêm a relação entre
a natureza, o homem e o divino. Segundo Jecupé (1998, p. 58) “o índio surgiu desses
ancestrais sagrados: sol, lua, arco-íris, terra, água, fogo e ar. Dos reinos vegetal,
animal, mineral”. Para eles o mundo espiritual é dividido em quatro moradas:

Tabela 1 – Demonstrativo da divisão do mundo espiritual para os Tupi

Ambá Namandu Morada dos Espíritos Anciões

Ambá Jakairá Morada dos Espíritos Brumas

Ambá Karai Morada dos Espíritos Fogos

Ambá Tupá Morada dos Espíritos Trovões

Fonte: a autora.

Para tentar compreender um pouco do modo de ser indígena, é necessário que


o não-índio se dispa de sua lente etnocêntrica. Não cabe tentar fazer comparações ou
medir valores conforme um modo de vida outro. A composição social, hierárquica e a
relação com o espiritual, com o sagrado, são únicos de cada povo indígena, diversos
entre e si e com pontos em comum também.
Didaticamente, podemos utilizar os mitos em sala de aula para abordar a
diversidade, os múltiplos modos de se compreender a história do mundo, bem como
homens de diferentes tempos, espaços e culturas atribuem sentido a si mesmo e ao
mundo. Nesse sentido é possível estabelecer alguns objetivos para esse trabalho:
Identificar mitos africanos e indígenas em obras literárias; Descrever mitos e
arquétipos das divindades africanas e indígenas em personagens da trama;
Estabelecer correlação entre a narrativa mítica de origem africana e indígena e a
lógica Ocidental de compreensão do mundo, relatando em que se aproximam e
se distanciam; Perceber a mitologia africana e indígena impressa na literatura como
condição de resistência de tais grupos. Tal atividade poderia promover uma práxis
escolar que valorize a diversidade que existe em nossa sociedade. A seguir encontra-
se uma imagem de grafismo indígena que também poderia ser utilizado em sala de
aula para apreensão de seus símbolos associados aos mitos.

Figura 2 - O alfabeto em Tupi-Guarani

Fonte: Pinterest (2019).

Nessa perspectiva, o trabalho incorreria de forma a reafirmar a identidade,


problematizar os preconceitos e possibilitar uma nova configuração da realidade,
pautada em princípios de equidade, como nos diz Machado (2007, p. 10) em seu artigo
Mitos afro-brasileiros e vivências educacionais:

Acreditamos que trabalhar com os mitos como prática educativa, pode


se constituir em uma das possibilidades de se fazer configurar,
finalmente, a identidade e a consciência pluricultural na escola, que
atingirá seu objetivo de construir cidadãos autônomos e coletivos.

SAIBA MAIS
“Com Mitologia dos orixás, Reginaldo Prandi apresenta a maior coleção de mitos
iorubanos e afro-americanos já publicada até hoje. Esta obra é resultado de um
trabalho meticuloso de mais de dez anos, que envolveu uma vasta pesquisa
bibliográfica (cerca de cem títulos) e também uma longa experiência de campo. Nada
menos do que 42 histórias míticas foram colhidas pelo autor. No total, Prandi conseguiu
reunir 301 mitos ¾ dos quais 106 seriam originários da África, 126 do Brasil e 69 de
Cuba”
Fonte: Hofbauer (2001, p. 251).
#SAIBA MAIS#

REFLITA
A intérprete Elza Soares gravou, em 2015, uma música intitulada Exu nas Escolas.
Existem alguns trabalhos que refletem sobre essa canção como uma reivindicação por
uma educação democrática, que considere todas as formas de crenças.
Contextualizando na crítica, por exemplo, a presença de símbolos como bíblias e
crucifixos judaicos cristãos em espaços públicos. Se o estado é laico e as escolas
públicas, um espaço de estudo da religião de modo não confessional, não seria
plausível considerar que houvesse representações materiais de todas as religiões?
#REFLITA#

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Caro(a) estudante, concluímos aqui a incursão sobre o estudo dos mitos,
proposto para a primeira unidade. Identificamos que existem diversos modos de se
pensar e viver o mito como uma realidade complexa, como uma história verdadeira que
funda o mundo e dá sentidos para ele. Compreendemos também que o mito de origem
pode ser compreendido como uma continuidade do mito cosmogônico.
No corpo desta unidade buscamos abordar diversas teorias e metodologias
utilizadas para a análise do mito. Desde as contribuições mais específicas para a o uso
das mitologias na historiografia, como Eliade (1972), Camplbell (1990) e Detienne
(2004) entre outros, a estudos mais específicos de mitos de diferentes culturas, como
Prandi (2001) e Jecupé (1998).
Abordamos também a importância de se pensar o mito na escola e, desse
modo, apreender e difundir um pouco mais sobre as múltiplas estruturas que sustentam
a cosmovisão de diferentes grupos culturais. Sobretudo, destacamos a importância do
estudo dos mitos Afro-brasileiros e Indígenas, bastante apagados na difusão cultural
em detrimento das narrativas europeias.
Com isso, concluímos nossa proposta inicial que foi estabelecer as disputas
conceituais em torno do mito, compreender os tipos de mitos conceituados no campo
de estudo das religiões e religiosidades e conceituar e contextualizar algumas
narrativas mitológicas que fazem parte da cultura brasileira.
Esperamos que, como esse conteúdo inicial, o tema suscite seu interesse e que
busque outras obras e autores que possibilitem o seu desenvolvimento intelectual e
uma formação sólida e singular. Bons estudos!
LEITURA COMPLEMENTAR

● BENISTE, J. Mitos Yorubás: o outro lado do conhecimento. Rio de Janeiro:


Bertrand Brasil, 2006.
● GOMES, N. L. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações
raciais no Brasil :uma breve discussão. In: GOMES, N. L. Educação anti-racista:
caminhos abertos pela Lei Federal nº10.639/03. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005, p. 39-64.
● ÒSÓSI, M. S. de. Òsósi: O Caçador de Alegrias. Salvador: Secretaria da
Cultura e Turismo, 2006.
● PADILHA, L. C. A palavra africana e as memórias antigas. In: GONÇALVES, M.
A. R. (Org.). Educação, Arte e Literatura Africana de Língua Portuguesa:
contribuições para a discussão da questão racial na escola. v. 2. Rio de Janeiro:
Quartet: NEAB - UERJ (Sempre Negro), 2007.
● PETROVICH, C.; MACHADO, V. IrêAyó: Mitos Afro - brasileiros. Salvador:
EDUFBA, 2004.
LIVRO

Título: Mitologia dos orixás


Autor: Reginaldo Prandi
Editora: Companhia das Letras
Sinopse: Mitologia dos orixás, do sociólogo Reginaldo Prandi, é a mais completa
coleção de mitos da religião dos orixás já reunida em todo o mundo. São 301 relatos
mitológicos, histórias que contam, por meio de imagens concretas e não de ideias
abstratas, como são, o que fazem, o que querem e o que prometem os deuses desse
riquíssimo panteão africano que sobreviveu e prosperou em países da América – em
particular no Brasil e em Cuba – e que nos últimos anos tem sido exportado para a
Europa. Ao narrar episódios em que se envolveram deuses como Exu, Ogum, Iemanjá
e Iansã, Mitologia dos orixás chama a nossa atenção para sentidos vitais profundos e
nos aproxima do vasto patrimônio cultural dos negros iorubás ou nagôs. O livro é
ricamente ilustrado, com fotos coloridas de todos os orixás que se manifestam em
cerimônias do candomblé no Brasil e ilustrações do artista plástico Pedro Rafael.
FILME/VÍDEO

Título: O novíssimo testamento


Ano: 2014
Sinopse: Deus (Benoît Poelvoorde) está vivo, mora em Bruxelas e é um senhor
rabugento e malvado, com uma filha de 10 anos de idade. Cansada da natureza
abusiva do pai, a menina invade o computador dele e envia para todos os habitantes
do planeta as datas de suas respectivas mortes, ação que gera consequências
inimagináveis.
REFERÊNCIAS

ADOLFO, S. P. A contribuição iorubana na ficção de Jorge Amado. Mar Morto: o mito


recriado. X Congresso Internacional da ALADAA, 2000, Rio de Janeiro. Anais do X
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face à globalização. Rio de Janeiro, p. 1-9, 2000.

AUGRAS, Monique. O duplo e a metamorfose. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes,


1983.

BARTHES, R. Mitologias. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.

CAMPBELL, J. O herói de mil faces. São Paulo: Palas Athena, 1990.

CAMPBELL, J.; MOYERS, B. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1990.

CASSIER, E. Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da cultura humana.


São Paulo: Editora Martins Fontes, 2001.

CASTRO, Y. P de. Falares africanos na Bahia: um vocabulário afro-brasileiro. Rio de


Janeiro: Topbooks, 2001.

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CHARTIER, R. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Rio de Janeiro:


Bertrand, 1990.

CORSO, Diana Lichntenstein; CORSO, Mário. A psicanálise na terra do nunca:


ensaios sobre a fantasia. Porto Alegre: Penso, 2011.

CRIPPA, A. Mito e Cultura. São Paulo: Convívio, 1975.

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DETIENNE, M. A Invenção da Mitologia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1992.

DETIENNE, M. Comparar o Incomparável. São Paulo: Ideais & Letra, 2004.

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FINLEY, M. O mundo de Ulisses. Lisboa: Editorial Presença, 1972.

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HERÓDOTO. História. São Paulo: Ediouro, 2001.

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JECUPÉ, K. W. A Terra dos mil povos: história indígena brasileira contada por um
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JECUPÉ, K. W. Tupã Tenondé: A criação do Universo, da Terra e do Homem segundo


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SERAFIM, Vanda. E se Deus existisse e morasse na Bélgica? riso, humor e releituras


das narrativas bíblicas. Esboços: histórias em contextos globais, ISSN-e 2175-
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SILVA, A. C. L. F. da; ANDRADE, M. M. de. Mito e gênero: Pandora e Eva em


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SOARES, E. Deus é mulher. Rio de Janeiro: DeckDisc, 2018.

TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Brasília: Ed. UnB, Instituto de


Pesquisa de relações Internacionais e Imprensa Oficial do estado de São Paulo, 2001.

VERGER, P. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a


Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987.

VERGER, P. Grandeza e decadência do culto de IyamiOsonrongá entre os iorubas. In:


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religião dos orixás. São Paulo: Editora USP, AxisMundi, 1994.

VERGER, P. Orixás: deuses iorubas na África e no Novo Mundo. 6 ed. Salvador:


Corrupio, 2002.

VERNANT, J.-P. Mito e Sociedade na Grécia Antiga. Brasília: UNB, 1995.


UNIDADE II
SÍMBOLOS SAGRADOS
Professora Me. Laís Azevedo Fialho

Plano de Estudo:
• Símbolos - Sentidos e significações, algumas conceituações do termo.
• Função social e religiosa dos símbolos na tradição religiosa.
• Os símbolos e as possibilidades de abordagens teórico-metodológicas na pesquisa
científica.
• O lugar e o papel dos símbolos no processo educativo laico.

Objetivos de Aprendizagem:
• Estabelecer as disputas conceituais em torno dos símbolos nas Ciência Humanas.
• Analisar de que modo tem sido sistematizado o estudo dos símbolos no campo das
religiões e religiosidades.
• Apresentar algumas possibilidades de abordagens teórico metodológicas para o uso
dos símbolos na pesquisa científica.
• Conceituar e contextualizar símbolos que fazem parte da cultura religiosa brasileira
demonstrando como explorá-los dentro de sala de aula.
INTRODUÇÃO

Olá, estudante da disciplina de História e Tradições Religiosas. Fico muito


contente em poder compartilhar esse conteúdo com você. Essa disciplina é bastante
significativa, espero que ela proporcione ferramentas teórico-metodológicas relevantes
para sua atuação como pesquisador(a) e/ou educador(a). Proponho que esse seja um
espaço de partilha e aprendizado. Convido você para essa imersão no mundo dos
símbolos e dos diversos modos de significá-los e conceituá-los.
Identificaremos como os símbolos têm sua validade por certo tempo e podem,
em alguns momentos, ressignificar a existência ou mesmo desaparecer.
Apresentaremos contribuições que buscam entender um pouco melhor as estruturas,
funções sociais e símbolos religioso.
Para isso, iremos explorar algumas correntes teóricas de modo interdisciplinar,
passando por pesquisadores conceituados do tema, que balizam até o presente
momento as noções conceituais dos símbolos sagrados.
Considerando a relevância desse estudo para a disciplina de História e
Tradições Religiosas, organizamos esta unidade com o objetivo de estabelecer as
disputas conceituais em torno dos símbolos; compreender alguns sentidos e
significações para o conceito; apresentar algumas disputas teóricas em torno dos
Símbolos sagrados; identificar algumas possibilidades de abordagens teórico-
metodológicas na pesquisa científica; elencar algumas alternativas para o seu uso
didático pedagógico no exercício docente e dentro de um sistema educativo laico.
Nos interessa refletir sobre a presença dos símbolos como representações
sagradas que dão sentido a expressões sagradas de grupos sociais localizados em um
dado tempo, espaço e cultura.
Te convido para me acompanhar nessa jornada ao mundo dos símbolos.

Bons estudos!
1 SÍMBOLOS SAGRADOS – SENTIDOS E SIGNIFICAÇÕES, ALGUMAS
CONCEITUAÇÕES DO TERMO

No presente tópico buscamos refletir sobre os estudos dos Símbolos e seus


múltiplos sentidos e significações nas Ciências Humanas. Mais do que elaborar um
panorama da historiografia especializada, sistematizamos diversas abordagens,
produzidas em diferentes tempos, e dentro de diferentes disciplinas de especialidades.
Iremos explorar algumas correntes teóricas, passando por pesquisadores conceituados
do tema, que balizam até o presente momento as noções conceituais dos símbolos
sagrados.
Conforme Chevalier (2012, introdução XII), “Seria pouco dizer que vivemos num
mundo de símbolos, um mundo de símbolos vive em nós”. Considerando a dimensão
do termo, iniciamos nossos estudos com essa definição, presente no dicionário
Houaiss (2009, p. 1745):

Símbolo s.m. (sXIV) 1. Aquilo que, por convenção ou por princípio de


analogia formal ou de outra natureza, substitui ou sugere algo (o
caduceu é o s. da medicina) 1.1emblema, palavra ou imagem que
designa outro objeto ou qualidade por ter com estes uma relação de
semelhança; alegoria, comparação, metáfora, signo que apresenta
relação arbitrária, baseada apenas em convenção, com o objeto ou a
que representa (p.ex., certas bandeiras de alguns países, os sinais de
trânsito não figurativos etc., os sinais de escrita não pictográficos, como
as letras, algarismos etc.); signo arbitrário [...].

Destacamos, caro(a) estudante, que os símbolos estão presentes como


linguagem humana desde o início dos tempos, na chamada sociedade pré-histórica ou
sem escrita. Citamos como exemplo as pinturas rupestres criadas pelos homens das
cavernas que eram produzidas como representação da caça e dos seus rituais. Desde
o período histórico, quando o homem deixou de ser nômade e se fixou em dados
territórios para cultivar a terra, passou a utilizar-se de símbolos de modo mais
sofisticado. É o que ocorreu na Mesopotâmia, cerca de 5000 a.C., quando se
originaram as primeiras civilizações: “As pessoas começaram a inventar linguagens,
construir templos, palácios, moradias e a criar sociedades complexas nas quais os
signos e símbolos se misturavam com a estrutura da vida diária” (O’CONNELL; AIREY,
2010, p. 12).
Analisando a cultura do antigo Egito encontramos vários símbolos sagrados
associados aos cultos dos deuses, como exemplo citamos o Ankh (a cruz da vida).
Passando à Grécia, identificamos também a presença de símbolos que são
significativos até os dias atuais, tal como a tocha que acende a pira olímpica.
Historicamente elas eram utilizadas em corridas de revezamento noturno. A equipe
vencedora recebia a honra de acender as fogueiras dos altares de Zeus e Atena,
juntamente com coroas de louro, consagradas a Apolo. Aqueles objetos não eram
destituídos de significados, eram símbolos da vitória designada pelos Deuses
(O’CONNELL; AIREY, 2010).
Os estudos nas Humanidades demonstram a grande presença e importância
dos símbolos na cidade de Roma, também, quando a Europa ainda preservava cultos
pagãos. Eles eram bastante utilizados e valorizados, por exemplo, pelos celtas, anglo-
saxões e pelos vikings. Já no Oriente Médio, estudos se debruçam na presença de tais
elementos na cultura persa e dos beduínos. Conforme O’Conell e Airey (2010), os
símbolos também tiveram e ainda têm grande importância na África, Ásia, Oceania e
Américas. Algumas definições teóricas sobre o tema são produzidas pelo filósofo Mário
Ferreira dos Santos na obra Tratado de Simbólica. De acordo com o autor:

[...] a palavra símbolo, symbolon, neutro, vêm de symbolê, que significa


aproximação, ajustamento, encaixamento, cuja origem etimológica é
indicada pelo prefixo syn, com, e bolê, donde vem o nosso termo bola,
roda, círculo (SANTOS, 2007, p. 49).

Segundo o pesquisador, o símbolo sempre teve grande importância na cultura


humana. Um exemplo que utiliza para demonstrar seu uso comum é a prática que
havia entre os gregos de partir uma moeda ao meio. Quando pessoas que nutriam
muito afeto uma pela outra se despediam com a perspectiva de se reencontrarem,
dividiam as partes da moeda para simbolizar a amizade, o laço sanguíneo ou mesmo o
reconhecimento após longos períodos de separação.
Santos (2007) chama atenção para o fato de que os fundadores de religião
majoritariamente se comunicavam utilizando uma linguagem simbólica, uma linguagem
criadora e, por isso, eram compreendidos e conseguiam comunicar uma ideia que
ultrapassavam a razão. Para o autor, os símbolos representam o irrepresentável,
transmitem o intransmissível.
O pesquisador justifica a criação da simbólica postulando que ela é a linguagem
universal do acontecer cósmico:

Falam-nos em símbolos a religião e a filosofia, a arte e a ciência, as


coisas brutas e os seres vivos, os astros e os átomos, toda a gama
universal do acontecer. Tudo indica, tudo aponta, tudo se refere a algo,
que escapa aos nossos corações (SANTOS, 2007, p. 46).

A simbólica teria a designação de estudar o nascimento, o desenvolvimento, a


vida e a morte dos símbolos. O filósofo a define como “uma simbologia, e como
disciplina filosófica, que procura significabilidade dos símbolos referindo-se aos
simbolizados, bem como seu nexo e razão de ser” (SANTOS, 2007, p. 48).
Para ele, há uma diferença entre o símbolo e o sinal; o segundo estaria contido
no primeiro, mas o inverso nem sempre, considerando esse último como uma realidade
muito mais complexa. O sinal seria uma representação natural, por exemplo, o gemido
pode ser um sinal de dor utilizado na linguagem humana. Já o símbolo teria o caráter
de polissignificabilidade, quando um mesmo elemento pode representar vários
simbolizados. Por exemplo, a cruz pode representar Cristo nas religiões cristãs, assim
como os quatro pontos cardeais. Além disso, teria também a propriedade de
polissimbolizabilidade quando um simbolizado pode ter vários elementos que o
representam. Por exemplo, a tristeza pode ser representada pela imagem de alguém
chorando ou cabisbaixo, ou isolado.
Outra particularidade do símbolo para Santos (2007) seria a Gradatividade, quer
dizer, o símbolo tem uma escalaridade de significabilidade. Significa que um símbolo
pode ter maior potência que outro na tentativa de representar algo ou alguém.
Apresenta o símbolo ainda a Fusionalidade: possibilidade do símbolo e simbolizado
fundirem-se, como é frequente nos cultos religiosos. O símbolo também tem o caráter
de Singularidade, que se manifesta quando um símbolo representa uma única coisa.
Para o autor ainda existe a propriedade de Universalidade, considerando que “todas as
coisas são símbolos da ordem a que pertencem. Todos os factos são símbolos do
conceito, que é um esquema abstrato. Dessa forma o símbolo é universal” (SANTOS,
2007, p. 52).
O pesquisador Mircea Eliade também apresenta contribuições importantes para
pensar o tema. Para ele, a potência dos símbolos está no seu papel religioso de
comunicação e abertura:

[...] o símbolo não somente torna o Mundo “aberto”, mas também ajuda
o homem religioso a alcançar o universal. Pois é graças aos símbolos
que o homem sai de sua situação particular e se “abre” para o geral e o
universal. Os símbolos despertam a experiência individual e
transmudam na em ato espiritual, em compreensão metafísica do
Mundo. […] Um símbolo religioso transmite sua mensagem mesmo
quando deixa de ser compreendido, conscientemente, em sua
totalidade, pois um símbolo dirige se ao ser humano integral, e não
apenas à sua inteligência (ELIADE, 1992, p. 101-102).

Os símbolos seriam indissociáveis dos mitos, visto que um teria o papel de


significar o outro. “À ambivalência universal dos símbolos sagrados também se
encontra nos mitos” (BENOIST, 1975, p. 93). Desse modo, podemos compreender que
os símbolos sagrados são associados aos mitos, pois o segundo teria a função de
expressar o primeiro.
Como já citamos na Unidade I, o mitólogo Campbell apresenta importantes
diretrizes teóricas sobre os mitos, e nos traz reflexões relevantes sobre como os mitos
são representados por símbolos. “Os mitos servem para nos conduzir a um tipo de
consciência que é espiritual” (CAMPBELL; MOYERS, 1990, p. 29).
Ainda para enriquecer o olhar teórico sobre o tema, trazemos a reflexão de
Benoist (975, p. 106), que postula o seguinte:

Os próprios símbolos têm seus limites. Mas, antes de serem fixadas,


essas imagens são nosso guia interior, a própria matéria da nossa vida.
[…] esse teatro de sombras que anima em segredo nossa consciência
só poderá nascer para a existência se no iniciarmos num sistema de
símbolos, susceptível de ser compreendido, […] Essa normatização dos
signos, esse alfabeto dos símbolos e dos ritos, é o que define uma
civilização.

Já conseguimos compreender, caro(a) estudante, que os símbolos mantêm


conexão com a dinâmica da vida que os tornam significativos. Tem sua validade por
certo tempo e podem, em alguns momentos, ressignificar a existência ou mesmo
desaparecer. No próximo tópico continuaremos nossos estudos buscando entender um
pouco melhor as estruturas, funções sociais e símbolos religiosos. Seriam os símbolos
linguagens relevantes para compreender um pouco mais da cultura humana? Te
convido a fazer essas reflexões comigo nos próximos tópicos.

SAIBA MAIS
A cruz é um símbolo utilizado em todo o mundo de várias maneiras. O’Connell e Airey
(2010) falam da cruz como sendo um símbolo quase inseparável do cristianismo.
Conforme os pesquisadores, o primeiro registro de cruz data de 300.000 anos na
Alemanha, onde foram esculpidas em uma estatueta de mamute.
Fonte: O’Connell e Airey (2010).
#SAIBA MAIS#

REFLITA
Caro(a) estudante, você já havia parado para pensar que muitas religiões têm símbolos
vivos até os dias de hoje, e que são utilizadas no cotidiano dos seus adeptos? Do
mesmo modo que o crucifixo representa Jesus Cristo, um fio de contas pode
representar um orixá, cultuado nas Religiões Afro-brasileiras.
Fonte: a autora.
#REFLITA#
2 FUNÇÃO SOCIAL E RELIGIOSA DOS SÍMBOLOS NA TRADIÇÃO RELIGIOSA

Olá, querido(a) estudante! Nesse tópico iremos estudar algumas perspectivas


metodológicas usais para o estudo dos símbolos sagrados. Também iremos elencar
algumas posturas teóricas acerca deles, dentro dos estudos de Religiões e
Religiosidades. Cabe destacar que, ao longo da história, os símbolos já foram
compreendidos de múltiplos modos e tomaram, diversas vezes, características de
realidade última. Estruturalmente, os símbolos são polissêmicos, possuem muitos
sentidos pois estão abertos a diversas interpretações.
Nesse sentido, destacamos que, para alguns teóricos, como o filósofo e teólogo
Tillich (2005, p. 47), “os símbolos se dirigem ao infinito que simbolizam e ao finito
através do qual simbolizam-no. Eles forçam o infinito a descer à finitude, e o finito a
subir até à infinitude”.
Posto isso, é importante destacar para o(a) leitor(a) a diferenciação que o teórico
faz entre símbolo e signo:

Enquanto o signo não tem uma relação necessária com aquilo a que
aponta, o símbolo participa na realidade daquilo que representa. O
signo pode ser mudado arbitrariamente segundo as exigências do
momento. Mas o símbolo cresce e morre de acordo com a correlação
entre aquilo que é simbolizado e as pessoas que o recebem como um
símbolo. Assim, pois, o símbolo religioso, o símbolo que aponta para o
divino, só pode ser um símbolo verdadeiro se participa no poder do
divino para o qual aponta (TILLICH, 2001, p. 32).

Desse modo, a postura teórica do teólogo admite que toda afirmação objetiva
sobre Deus deve ser simbólica, considerando que uma afirmação objetiva é aquela que
utiliza um segmento da experiência finita para dizer algo sobre Deus. Significa que,
para o autor, o símbolo não pode ser equiparado ao sinal.
O teórico Pastro (2010) também postula que o símbolo é uma forma objetiva que
representa algo inalcançável, ou seja, é um signo em relação a outro objeto. O primeiro
não teria por si só um caráter sagrado, mas apontaria para um arquétipo primordial que
seria sacro. Para ele, através de imagens simbólicas, os sujeitos religiosos
interpretariam uma realidade sagrada, vide as funções que esse símbolo desempenha
em um sistema específico e pré definido.

[...] por sua qualidade, a forma na ordem sensível é análoga à verdade


na ordem intelectual. A forma sensível pode representar e expressar
uma verdade que transcende o psíquico e o pensamento, pois trata-se
de espírito e do mistério que envolve o cosmo (PASTRO, 2010, p. 13).

Assim, os símbolos podem ser compreendidos como categorias definidas que


apontam para realidades indefinidas. Contudo, a veracidade do símbolo seria adjacente
à sua atuação de apontar para o poder do divino, mas qualquer afirmação concreta
sobre qualquer divindade deveria ser entendida simbolicamente, pois toda asseveração
sólida pressupõe o uso de um segmento da experiência finita para dizer algo sobre ele.
Desse modo, o símbolo teria a potência de levar os sujeitos a outras realidades que,
não fosse eles, seriam inacessíveis, pois “o que toca o homem incondicionalmente só
pode ser expresso simbolicamente” (TILLICH, 2001, p. 32).
O autor também levanta uma questão bastante pertinente ao assinalar que toda
denominação religiosa se coloca como uma comunidade de fé baseada em um
conjunto de símbolos, e excluindo outros concorrentes. Para Tillich (2001) elas não
existiriam sem excluir as outras e isso as transforma em idólatras de seus próprios
símbolos historicamente condicionados. Por outro lado, reivindica para si todas as
verdades em torno de suas bases, gerando, muitas vezes, com esse exclusivismo, o
fundamentalismo. O autor defende que esse fenômeno seria a principal causa de
conflitos entre as religiões. Para ele, há forças fundamentalistas em qualquer tipo de
religiosidade. Todas as religiões se consideram guardiãs de uma verdade sagrada e
teriam as outras como detentoras de inverdades. Isso causaria um tipo de intolerância
e desprezo pelo diferente.
Admitindo o símbolo como ícone e índice, um modo de significação que se
refere a algo, a História das Religiões e Religiosidades compreende a criação dos
símbolos como resultado da necessidade de tornar inteligível o incognoscível, por meio
de analogia com o que já é conhecido. A análise dos símbolos históricos sugere que o
processo de simbolização corresponde ao processo da crescente consciência humana.
Ou seja, em uma abordagem teórica transdisciplinar, integrando História, Filosofia,
Teologia e Arte, compreende-se que os símbolos elaborados pelos seres humanos,
para dar sentido a sua existência, estendem-se também ao que é chamado de
“revelação”. A perspectiva metodológica adotada aí é de que a experiência com o
transcendente ao mundo é inseparável de um entendimento do homem como humano.
Está associada à necessidade de o homem compreender sua condição (KAST, 1994).
Conforme Kast (1994), o símbolo encerra um excedente de significados que se
relacionam com as emoções, sentimentos, interioridade e, por isso, torna-se um objeto
da história das religiões, entre outras disciplinas. “Simbolizar significa perceber o
sentido oculto em situações concretas” (KAST, 1994, p. 23). Não se opõe ao que
Santos (2007) afirma quando diz que a simbologia está nas coisas sensíveis que estão
representadas por estruturas geométricas, como a simbologia sagrada. Esta utiliza os
símbolos para representar suas entidades religiosas desde os primórdios dos tempos,
pois “o símbolo é um meio de tornar presente o que está ausente” (SANTOS, 2007, p.
190).
Para Mardones (2006, p. 15), “Quando se deseja penetrar no segredo da
realidade, somente se consegue pelo caminho do símbolo, da imagem, do mito”. O que
transcende a realidade material não é objetivável na experiência religiosa. Ou seja, não
se limita a palavras definidas, é um mistério que exige mediações que a revele. “O
símbolo é o modo humano de articular a realidade, fruto de uma relação tensa de
ruptura e união do homem com seu mundo que se lhe abre uma compreensão
numinosa da realidade” (MARDONES, 2006, p. 91).
O símbolo seria uma ferramenta humana com a função de formar a identidade
cultural-religiosa de uma comunidade ou de um povo. Para Cardita (2007), seria um
modo de expressão e comunicação mais profundo dos sentimentos, experiências e das
realidades mais densas da existência humana.
O símbolo não é só um objeto pelo qual o sagrado se manifesta, ele gera
vínculos afetivos, memórias e significados. A experiência religiosa e a vivência
produzem sentidos para os símbolos, ou seja, eles não são pré-definidos. A relação
com os símbolos é fruto de uma junção da sua posição num contexto da biografia da
pessoa e de sua relação com os demais símbolos do contexto coletivo em que ele está
localizado. Nesse sentido, é importante destacar a função social e religiosa dos
símbolos na tradição religiosa.
Existem muitos estudiosos que analisam a presença de símbolos nas Religiões.
Um deles é a vela, acesa durante o Batismo, no Círio Pascal, por representar o Cristo
Ressuscitado, e principalmente nas orações da fé popular em que se ligam à vida e à
fé. O uso das velas é interpretado como uma esperança e um compromisso manifesto
por meio de um rito com símbolos. Esse símbolo está presente em outras tradições
religiosas cristãs e não cristãs. Para alguns pesquisadores a presença desses símbolos
em diferentes religiões deveria ser explorada para o diálogo e o fim do preconceito
religioso. O peixe também é símbolo presente nas religiões cristãs. Ele rememora a
agilidade e perspicácia da comunidade primitiva diante das grandes perseguições aos
primeiros cristãos.
Para citar um símbolo sagrado de outra denominação religiosa destacamos o fio
de contas, um dos principais do Candomblé e da Umbanda. Se constituem de
miçangas coloridas, a cor é definida de acordo com o orixá. Assim, carregam
“simbologias e funções rituais” e, dentro de um contexto afro-religioso, exigem “um traje
especifico, tanto para a vivência religiosa cotidiana no terreiro, quanto para o ritual
público, que é a festa” (PEREIRA, 2017, p. 89).
Filhos de Oxum usam contas douradas ou amarelas, já que essa divindade é a
dona do ouro, mas pode variar conforme a matriz; Filhos de Iemanjá normalmente
usam contas azuis, porque Iemanjá mora no mar; Filhos de Xangô usam contas
vermelhas, porque ele é a divindade do fogo; Filhos de Oxalá usam contas brancas, já
que essa divindade é a representação máxima da paz etc. Os colares também podem
variar de acordo com o grau de iniciação do religioso. Outro símbolo importante para a
Umbanda é a estrela de cinco pontas, que aponta para a proteção e equilíbrio. Cada
uma de suas pontas representa um elemento da natureza (água, fogo, terra e ar), e o
elemento unificador: o Espírito (QUEIROZ, 1981).
Figura 1 - Fio de contas utilizado por adeptos das Religiões Afro-brasileiras

Obs.: Cada cor representa uma divindade cultuada. O tipo de fio, a quantidade de contas, as
firmas e as voltas no pescoço também são designadas pela função religiosa do adepto.
Fonte: Oxalá (2013).

Assim, caro(a) estudante, podemos concluir que a linguagem simbólica se


reinventa com as épocas, nos espaços religiosos. Ela tem uma semântica histórica e
social própria que abrange uma dimensão antropológica e cosmológica que
continuamente é atualizada. Nas tradições religiosas citadas, como cristãs e afro-
brasileiras, manifesta-se a importância dos símbolos que foram transmitidos de
geração em geração, conversando com um contexto histórico. Ou seja, os símbolos
também possuem historicidades por dialogarem com um contexto em que laços são
recriados e tocam dimensões antropológicas, teológicas e cosmológicas. O símbolo
tem uma função social e religiosa, mantém de modo duradouro a relação com os
outros(as) e, com isso, a importância indispensável na formação da identidade de um
grupo, de uma tradição.
Tendo realizado tais reflexões, verificaremos no próximo tópico como os
símbolos podem ser abordados na pesquisa científica.
SAIBA MAIS
Caro(a) estudante, você já havia parado para pensar que, nas escrituras, Cristo é
citado como o Cordeiro de Deus, indicando que a encarnação do Filho de Homem tinha
natureza animal e espiritual? Essa é uma caracterização do reino divino tanto pelo
subumano como pelo sobre-humano.
Figura 2 - Representação de Jesus Cristo como cordeiro

Fonte: Oliveira (s.d.).


#SAIBA MAIS#

REFLITA
“É a forma que nos revela a natureza das coisas”.
Fonte: Casel (2009).
#REFLITA#
3 OS SÍMBOLOS E AS POSSIBILIDADES DE ABORDAGENS TEÓRICO-
METODOLÓGICAS NA PESQUISA CIENTÍFICA

Olá, prezado(a) estudante! Nesse tópico iremos elencar algumas posturas


teóricas e metodológicas acerca das reflexões em torno dos símbolos como
representações históricas, a partir dos estudos de Religiões e Religiosidades.
Refletiremos também sobre como a História Cultural tem se apropriado dos símbolos
como fonte e objeto de pesquisas científicas de diferentes temas, em tempos e
espaços distintos. Desse modo, apresentaremos como pesquisadores desse campo
têm sistematizado o conhecimento acerca dos usos sociais dos símbolos e os
classificados a partir de contextos sociais, culturais, políticos e religiosos.
Iniciamos esse estudo destacando que todas as culturas e todos os grupo
sociais possuem expressões religiosas que se manifestam por meio de múltiplas
linguagens. Historiadores e antropólogos destacam que, em todos os tempos e em
todos os lugares conhecidos, jamais foi encontrado um povo que não expresse um tipo
de crença em um ser transcendente. Os nomes desses deuses variam de acordo com
seus modos de cultos, sua cultura, seu tempo histórico e condições sócio política e
econômicas. E essas distinções ou mesmo elementos em comuns podem ser objeto de
análise para os Cientistas das Religiões em diálogo com a História Cultural.
Os estudos de Religiões e Religiosidades apontam que o simbolismo é muito
importante enquanto manifestação da experiência religiosa. Para abordagem desse
aspecto fundante do sagrado, alguns estudos partem da hermenêutica ricoeuriana
como aporte metodológico. Para entendermos melhor o que isso significa
apresentaremos algumas noções teórica de Paul Ricoeur.
Como já percebemos com as reflexões dos teóricos citados, caro(a) estudante,
as construções simbólicas suscitam diversos significados e isso é um grande desafio
para o pesquisador das Religiões e Religiosidades. De acordo com o filósofo Paul
Ricoeur (1977, p. 19), defensor de uma prática de pesquisa científica baseada na
hermenêutica, ou seja, da postura interpretativa, “o problema do símbolo se inscreve no
problema mais amplo da linguagem”.
Posto isso, querido(a) leitor(a), é importante compreender que as hermenêuticas
sempre serão perigosas para o pesquisador, vide as múltiplas compreensões de um
mesmo fenômeno religioso, que estão intimamente associadas à visão existencial de
determinado grupo ou indivíduo que as produz. É importante, nesse sentido,
compreender a perspectiva do filósofo sobre a relação do símbolo com a condição
existencial de “ser no mundo”.
Ricoeur (1977) compreende o símbolo como prisioneiro da diversidade das
línguas e das culturas, esposando sua irredutível singularidade. Para ele, o símbolo é
opaco e variável, é o duplo sentido que lhe dá raízes objetivas e os sobrecarregam de
materialidade. O elo entre símbolo e interpretação fornece, nessa perspectiva, um novo
problema metodológico: toda interpretação é revogável; não há mito sem exegese, nem
tampouco exegese sem contestação.
É importante para o pesquisador das Religiões e religiosidades compreender
que a hermenêutica aparece como a grande inimiga do símbolo, mas sem essa ele não
pode existir na realidade social. Desse modo, assinalamos a perspectiva de Ricoeur
(1977) de que não é possível produzir uma interpretação simbólica sem transformar a
própria realidade para a qual ela aponta.
Desse modo, o problema delimitado encontra resposta na própria história, pois,
de acordo com Tillich (2001), quase tudo “no céu e na terra” já alcançou o caráter do
incondicional no decurso da história da religião. Por fim, a contribuição de Ricoeur
(1977) para a construção de pesquisas que se baseiam nos símbolos é que, mesmo
que as interpretações sejam perigosas, são necessárias para a realidade, pois são elas
que dão nomes às coisas, posto que esses nomes representam a verdadeira sede pelo
sagrado.
Passando a Eliade (1992), ressaltamos que, mesmo diante da dessacralização
do homem moderno as matrizes da sua imaginação continuaram ligadas às questões
mitológicas. Assim, segue vivo o interesse pelas imagens e símbolos, já que esses nos
oferecem um ponto de partida para a renovação espiritual do homem moderno. O autor
postula sobre a “redescoberta” do simbolismo, citando a psicanálise e a superação do
cientificismo da filosofia e as múltiplas experiências poéticas, como fatores que
contribuíram para tal retorno da atenção do público sobre o símbolo como um modo
autônomo de conhecimento.
Desse modo, o pesquisador das religiões e religiosidades pode compreender, a
partir de Eliade (1991), o símbolo como realidade sagrada camuflada, degradada e,
muitas vezes, esvaziada, porém jamais extirpada, tendo sobrevivido até os dias de
hoje. O autor também nos aponta que um estudo dos simbolismos potente pode ser
produzido em interdisciplinaridade com várias áreas do conhecimento, como:
Literatura, Psicologia, Antropologia, Filosofia, História das religiões, Etnologia, entre
outros.
Existem alguns trabalhos científicos, como Os significados mítico-religiosos das
figuras geométricas como símbolos na religião de umbanda sagrada, de Sérgio Perine,
que apresentam análises que buscam comunalidades entre os símbolos e defendem
que a simbologia pode ser a chave do ecumenismo. Essa pode ser, caro(a) leitor(a),
uma boa chave para o desenvolvimento de pesquisas científicas.
O autor busca demonstrar, por meio do método comparativo, de que modo
diversos símbolos estão presentes em mais de uma cultura religiosa. Analisando a
espiral, traz a reflexão de Chevaliier, para quem a figura geométrica simboliza a lua, a
fertilidade, a repetição cíclica da vida e da evolução. Está presente desde tempos
remotos na cultura dos celtas, dos dólmens ou monumentos megalíticos, e pode ser
encontrada em diversas culturas (CHEVALIER, 2012).
Perine (2017) também analisa como outros símbolos estão bastante presentes e
são significativos para uma compreensão mais complexa das experiências religiosas
de outros povos. Ressalta que muitas vezes há similaridades nos sentidos atribuídos a
eles. Para demonstrar tal perspectiva também cita os símbolos representados pelo
Pentagrama, Hexagrama etc.

[...] entre os índios norte-americanos a espiral é utilizada como forma de


dança, no solstício de inverno, que, para eles, é o início do novo ano.
Para o povo Maia, essa data é considerada como o momento zero de
sua cosmologiatendo e a espiral, seu símbolo.Os astecas faziam,
inclusive, sacrifício humano ao sol, para que esse continuasse sua
trajetória, segundo Chevalier. Na África, os povos como os dogons,
bambaras, luluas e lubas, tinham a espiral representando a dinâmica da
vida e os movimentos dos espíritos, das almas dos gênios entre os
planos do universo (PERINE, 2017, p. 32).
Figura 3 - Pescador Moçambicano riscando um círculo

Fonte: Gerdes (2012).

É pertinente mencionar também os estudos do antropólogo Clifford Geertz, que


inseriram a religião no centro do debate da cultura, concebendo essa como pertencente
a um sistema cultural, cujo ethos implica visão de mundo de um grupo a partir da
análise de símbolos sagrados, constatação que o fez chegar a ideia de ritual. Para ele,
é em alguma forma cerimonial que as disposições e motivações induzidas pelos
símbolos consagrados nos homens e as concepções gerais da ordem da existência
que eles formulam se encontram e se reforçam mutuamente (GEERTZ, 2008).
Os teóricos e exemplos de pesquisas citadas nos apontam para atuação do
cientista das religiões ao lidar com fatos históricos que revelam um comportamento que
vai além da condição concreta e objetiva. Assim, o papel do pesquisador das religiões
não deve se limitar ao mero registro de manifestações históricas de um comportamento
humano, mas deve buscar a compreensão mais profunda de suas significações e
articulações. Cabe ao historiador das religiões responder o porquê de um determinado
símbolo ser transmitido e o que eles revelam, pois eles sempre revelam uma situação-
limite do homem e não apenas uma situação histórica (ELIADE, 1992). Em seguida,
munidos dessas importantes bases para a reflexão científica, passaremos para
algumas considerações didático pedagógicas acerca do tema.
SAIBA MAIS
“O conhecimento humano é por sua própria natureza um conhecimento simbólico. É
este traço que caracteriza tanto a sua força como as suas limitações. E, para o
pensamento simbólico, é indispensável fazer uma distinção clara entre o real e o
possível, entre coisas reais e ideias. Um símbolo não tem existência real como parte do
mundo físico; tem sentido”.
Fonte: Cassirer (1994, p. 99).
#SAIBA MAIS#

REFLITA
Para Cassier (1994), o que diferencia os homens dos animais é a mediação simbólica
posta em prática como atividade do pensamento.
#REFLITA #
4 O LUGAR E O PAPEL DOS SÍMBOLOS NO PROCESSO EDUCATIVO LAICO

Olá, caro(a) estudante, retomamos nossos estudos no presente tópico para


algumas considerações éticas de como utilizar os símbolos em sala de aula. Um
estudo sistematizado acerca da História das Religiões torna-se necessário no ensino
básico de Educação, não só pela importância que traz para a compreensão cultural da
humanidade, mas porque, especialmente nos dias de hoje, ajuda a entender alguns
conflitos que colocam a religião como pressuposto de intolerância.
É importante que tenhamos em mente, caro(a) estudante, que vivemos em uma
sociedade pluralizada, com diferentes culturas e religiosidades. É papel do(a)
educador(a) defender que todas sejam compreendidas nas suas diferenças e
respeitadas da mesma forma. Quanto maior o conhecimento acerca de uma visão de
mundo diferente da nossa, mais fácil compreender como aquilo faz sentido dentro de
uma dada lógica religiosa e cultural, mesmo que não faça para nós.
Cabe destacar nessa discussão, que sempre houve disputas entre grupos com
crenças e objetivos específicos que tentaram impor seus símbolos sagrados à
coletividade. Isso oportuniza o importante debate sobre a aplicação do princípio da
laicidade no Estado brasileiro. É pertinente iniciar esse debate delimitando os conceitos
de estado, religião e igreja, como aponta a Coletânea de Artigos do Ministério Público,
Em defesa do Estado Laico (2014).

Uma definição abrangente de Estado seria uma instituição organizada


política, social e juridicamente, ocupa um território definido e, na maioria
das vezes, sua lei maior é uma Constituição escrita. É dirigido por um
governo soberano reconhecido interna e externamente, sendo
responsável pela organização e pelo controle social, pois detém o
monopólio legítimo do uso da força e da coerção (SILVEIRA FILHO,
2009, p. 16).

Após estabelecermos esse ponto de partida comum quanto à constituição e


função de Estado, passamos as definições conceituais de Igreja e de religião. Os
termos muitas vezes são utilizados como sinônimos, mas não são. Sobre isso Izaias
Resplandes Sousa (20013, p. 1-2) postula o seguinte:
Na verdade, é muito difícil diferenciar religião de igreja no mundo
ocidental, onde a maioria da população é adepta do cristianismo, a
religião que, em tese, foi construída sobre o fundamento dos apóstolos
e profetas (Ef 2:20). [...] Segundo Langston, “a religião é a vida do
homem nas suas relações sobre humanas, isto é, a vida do homem em
relação ao Poder que o criou, à Autoridade Suprema acima dele, e ao
Ser invisível com Quem o homem é capaz de ter comunhão. Religião é
vida com Deus.” (LANGSTON, A. B. Esboço de teologia sistemática. 6.
ed. Rio de Janeiro: Juerp, 1980, p. 10). A Igreja, seja como prédio, seja
como comunidade é um complexo de burocracias para atender às
demandas estatais e sociais, que envolve questão tributária, militar,
educativa, entre outras. A vida da igreja não é religião. É vida social.
Religião é a força que faz o homem buscar a mudança interior para ser
bom e assim agradar a Deus. A Igreja trata das relações sociais e
políticas. A religião das relações humanas e espirituais.

No nosso país já vivemos em um Estado confessional, quando o poder político


predominava sobre o religioso, mas existia uma religião oficial reconhecida pelo próprio
Estado que podia influenciar nos rumos da nação. O Estado brasileiro adotou esse
modelo durante os períodos colonial e imperial (WALTRICK, 2010).

No Estado laico instituído no Brasil desde 1889, no Brasil República,


não há uma religião oficial reconhecida pelo Estado. Por isso, este deve
ser imparcial nos assuntos religiosos, não podendo impor normas de
caráter religioso, entretanto, deve garantir plenamente a liberdade de
crença dos indivíduos. o Estado laico tem, por característica
fundamental, o fato de se constituir em um espaço mais além dos
particularismos, capaz de abrigar todas as pessoas do povo (o laos), em
suas idiossincrasias religiosas ou ideológicas. (GALLEGO, 2010, p.
109).

Modernamente, denomina-se “laico” o Estado não confessional, isto é, que se


mantém equidistante de todas as religiões que grassam em seu território. No dizer de
Henri Pena-Ruiz (2003), o Estado laico tem, por característica fundamental, o fato de
se constituir em um espaço mais além dos particularismos, capaz de abrigar todas as
pessoas do povo (o laos), em suas idiossincrasias religiosas ou ideológicas
(GALLEGO, 2010).
Como consta na própria Coletânea de Artigos do Ministério Público, Em defesa
do Estado Laico (2014), é importante destacar que laicidade não é laicismo. A primeira
designaria a separação entre a política (Governo) e a religião (Igreja). Nesse caso, não
há uma religião oficial do Estado, mas este tem obrigação de garantir a liberdade
religiosa e filosófica dos indivíduos. É o que conta em nossa constituição, diferente do
laicismo, que seria uma ideologia destinada a restringir tudo o que seja religioso.
Partindo desses pressupostos podemos atuar como docentes que se preocupam
com o ensino religioso laico e não confessional. Já compreendemos com as reflexões
anteriores que os símbolos têm capacidade de representar as experiências religiosas.
A partir disso, conhecemos o poder dos símbolos nas religiões e religiosidades
históricas.
Nesse sentido, ao abordar nos Parâmetros Curriculares Nacionais o tratamento
didático para o Ensino Religioso no ensino fundamental, o FONAPER propõe utilizar os
símbolos como ferramentas teórico-pedagógicas a partir do objetivo de possibilitar a
compreensão de múltiplos símbolos religiosos na convivência entre pessoas e grupos,
“compreendendo que pela simbologia se expressa a idéia do transcendente de
maneiras diversas nas experiências culturais e reverenciando as diferenças do outro”
(FONAPER, 1997, p. 44). A seguir encontram-se alguns aspectos destacados nessa
proposta, muito importantes para a presente reflexão, querido(a) leitor(a):

Na compreensão dos diferentes significados dos símbolos religiosos na


vida e na convivência, espera-se que o educando chegue ao significado
dos símbolos mais importantes de cada tradição religiosa, a partir do
seu contexto sócio-cultural, e que, na comparação do(s) seu(s)
significados, desenvolva um entendimento e respeito crescentes na
convivência da sala de aula e nos diferentes grupos. [...] é necessário
que, ao tratar os símbolos religiosos, se oportunize ao educando uma
sensibilização para o mistério, pelo respeito e encanto, pela instigação e
sensibilidade em admirar o(s) significado(s) que os símbolos trazem
para cada tradição religiosa. Como o símbolo remete para algo diferente
dele, mas presente nele, e como o símbolo possui um significado
especial e diverso do convencionado, a idéia do Transcendente
necessita ser trabalhada à luz das significações, a fim de capacitar o
educando para a leitura mítico-simbólica (FONAPER, 1997, p. 27).

Símbolos, como o crucifixo, o rosário, o escapulário e a bíblia, muitas vezes


podem ser associados a momentos significativos para os educandos cristãos. Essa
reflexão pode ser explorada em sala de aula, bem como a ausência de símbolos de
outras religiosidades em espaços públicos e privados, como as guias utilizadas nas
religiões de matriz africana.
Por exemplo, muitas vezes, repartições públicas têm símbolos cristãos em seu
espaço físico, mesmo que o estado não deva representar uma religião em detrimento
de outra. Seria coerente apontar que ali deveriam existir símbolos que representassem
todas as religiões ou de nenhuma. Isso pode ser explorado como uma construção
histórica, social e cultural e não como um fenômeno natural. Para concluir o presente
tópico em que demonstramos a importância da diversidade, do respeito às diferenças e
do ensino laico, como fundamentos muito importantes para o(a) educador(a), trazemos
a seguinte citação:

À escola está confiada a importante missão de, lenta e


sistematicamente, iniciar a criança ao simbolismo: para que esta
criança seja capaz de sentir a vida e o seu sentido, mesmo nos
aparentes absurdos do viver humano: para que seja capaz de
celebrar, de festejar. Esta gradual educação ao simbolismo será
um dos grandes caminhos pelos quais a criança aprenderá a
abrir-se àquilo (Àquele) que a transcende. Não é preciso
sublinhar o valor ‘religioso’ desta educação. Mas será
interessante refletir também sobre o quanto tal educação contribui
para uma vivência sadia da fé desta criança na sua respectiva
religião (GRUEN, 2000, p. 29).

SAIBA MAIS
No período de 1500 a 1800, a educação religiosa foi desenvolvida como ensino da
religião oficial para ser utilizada na evangelização dos indígenas e catequese dos
negros, tudo era conforme os acordos estabelecidos entre o Sumo Pontífice e o
Monarca de Portugal. A aliança feita entre o Estado Português e a Igreja Católica
resultou no poder político, o rei detinha o poder espiritual sobre seus súditos, deles
exigia doações e taxas para a igreja, esquema que gerou a adesão ao Cristianismo,
instalando, assim, a Cristandade no Brasil.
Fonte: Almeida e Siqueira (2015).
#SAIBA MAIS#

REFLITA
No Brasil, é notório que o catolicismo é a religião historicamente majoritária, logo, tem
destaque e relevância cultural na religiosidade, todavia não quer dizer que as outras
religiões sejam menos importantes, pois participaram na formação da cultura da
sociedade brasileira.
Fonte:
#REFLITA#
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro(a) estudante, concluímos aqui a incursão sobre o estudo dos símbolos,


proposto para a segunda unidade. Identificamos que existem diversos modos de se
atribuir sentidos e significados aos símbolos. Compreendemos também que os
símbolos estão presentes como linguagem humana desde o início dos tempos, e que a
simbólica teria a designação de estudar o nascimento, o desenvolvimento, a vida e a
morte dos símbolos.
No corpo desta unidade buscamos abordar diversas teorias e metodologias
utilizadas para a análise dos símbolos. Desde as contribuições mais específicas para
as definições dos símbolos e reflexões de suas funções sociais e religiosas, como
Tillich, (2001), Chevalier (2012), O’connell (2010) e Santos (2007), a estudos mais
específicos relacionados à História e Tradições e Religiosas, como Campbell e Moyers
(1990) e Eliade (1992). Como reflexões metodológicas para a pesquisa científica,
citamos a postura hermenêutica de Ricoeur (1977), e para o uso de metodologia
comparativa o trabalho de Perine (2017).
Assim, caro(a) estudante, podemos concluir que a linguagem simbólica se
reinventa com as épocas, nos espaços religiosos e que é papel do cientista das
religiões buscar capturar esses sentidos e difundi-los, para além de suas próprias
crenças.
Abordamos também a importância de se pensar os símbolos na escola e a
função do ensino religioso laico para, desse modo, apreender e difundir um pouco mais
sobre as múltiplas estruturas que sustentam a cosmovisão de diferentes grupos
culturais, contribuindo para o combate ao preconceito e intolerância religiosa.
Com isso, querido(a), estudante, concluímos nossa proposta inicial. Esperamos
ter podido contribuir com sua formação para a pesquisa e docência na área de
Religiões e Religiosidades.
LEITURA COMPLEMENTAR

● GAARDER, J.; HELLERN, V.; NOTAKER, H. O livro das religiões. São Paulo:
Companhia do Bolso, 2005.
● CARDITA, Â. O mistério, o rito e a fé: para uma recondução antropológica da
teologia litúrgica-sacramental. Lisboa: BOND, 2007.
● GERDES, P. Etnografia: Cultura e o despertar do pensamento geométrico. Belo
Horizonte, Boane / Moçambique: Instituto de tecnologias e de gestão (ISTEG), 2012
LIVRO

Título: O Símbolo Perdido


Autor: Dan Brown
Editora: Sextante
Sinopse: Um célebre professor de Harvard é convidado às pressas por seu amigo e
mentor, Peter Solomon – eminente maçom e filantropo –, a dar uma palestra no
Capitólio dos Estados Unidos. Ao chegar lá, descobre que caiu numa armadilha. Não
há palestra nenhuma, Solomon está desaparecido e, ao que tudo indica, correndo
grande perigo. Mal’akh, o sequestrador, acredita que os fundadores de Washington, a
maioria deles mestres maçons, esconderam na cidade um tesouro capaz de dar
poderes sobre-humanos a quem o encontrasse. E está convencido de que Langdon é a
única pessoa que pode localizá-lo.
FILME/VÍDEO

Título: O código Da Vinci


Ano: 2006
Sinopse: Um assassinato no museu do Louvre em Paris e pistas enigmáticas em
alguns dos quadros mais famosos de Leonardo Da Vinci levam à descoberta de um
mistério religioso. Por mais de dois mil anos, uma sociedade secreta guarda
informações que, se descobertas, poderiam comprometer o cristianismo.
REFERÊNCIAS

ALMEIDA, G. B. de; SIQUEIRA, M. A. de O. A questão do estado laico e o uso de


símbolos religiosos em salas de aula na perspectiva da Escola Estadual
Professora Fausta Garcia Bueno. Revista Maiêutica, Indaial, v. 3, n. 1, p. 113-124, 2015
2015.

BENOIST, L. Signos, símbolos e mitos. Belo Horizonte: Interlivros, 1975.

CAMPBELL, J.; MOYERS, B. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1990.

CARDITA, Â. O mistério, o rito e a fé: para uma recondução antropológica da teologia


litúrgica-sacramental. Lisboa: BOND, 2007.

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São Paulo: Martins Fontes, 1994.

CHEVALIER, J. Dicionário dos símbolos (mitos sonhos, costumes, gestos, formas,


figuras, cores e números). 26. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012.

CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Em Defesa do Estado Laico.


Brasília: CNMP, 2014.

ELIADE, M. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

FONAPER, Parâmetros curriculares nacionais: Ensino Religioso. S. Paulo: Ave Maria,


1998.

GALLEGO, Roberto de Almeida. O sagrado na esfera pública: religião,


direito e estado laico. São Paulo: 2010. Dissertação de Mestrado em
Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.

GERDES, P. Etnografia: Cultura e o despertar do pensamento geométrico. Belo


Horizonte, Boane / Moçambique: Instituto de tecnologias e de gestão (ISTEG), 2012

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n. 18, p. 29, maio 2000.

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São Paulo: edições Loyola, 1994.
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s.d. Disponível em: https://institutodateologia.com.br/pecado/o-cordeiro-de-deus-que-
tira-o-pecado-do-mundo/.

OXALÁ, P. P. de. Fio de contas, uma aliança de fé. 2013. Disponível em:
https://extra.globo.com/noticias/religiao-e-fe/pai-paulo-de-oxala/fio-de-contas-uma-
alianca-de-fe-10720714.html

PEREIRA, Hanayrá Negreiros de Oliveira. Axé das roupas: indumentária e


memórias negras no candomblé angola do Redandá. São Paulo, SP, 2017.
Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – PUC-SP.

PERINE, Sergio. Os significados mítico-religiosos das figuras geométricas como


símbolos na religião de umbanda sagrada, Dissertação apresentada ao Programa de
PósGraduação em Educação Matemática da Universidade Anhanguera de São Paulo,
2017.

PASTRO, C. A arte no cristianismo. São Paulo: Paulus, 2010.

QUEIROZ, M. I. P. de. Evolution et creations religieuses: les cultes afrobrésiliens.


Diogène, Paris, n. 115, p. 3-24, jul./set. 1981.

RICOEUR, P. Da interpretação: ensaios sobre Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1977.

SANTOS, M. F. dos. Tratado de Simbólica. São Paulo: É Realizações, 2007.

SILVEIRA FILHO, Mario Megale da. A tutela dos direitos coletivos


em face do modelo de estado social brasileiro. Ribeirão
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Ribeirão Preto

SOUSA, Izaias Resplandes. Igreja e religião. Disponível em: <http://


www.recantodasletras.com.br/artigos/1144712>. Acesso em: 30 nov.
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TILLICH, P. Dinâmica da fé. 6. ed. São Leopoldo: Sinodal, 2001.

TILLICH, Paul. Teologia Sistemática, 5ª ed. São Leopoldo: Sinodal, 2005.

WALTRICK, Fernanda Ávila. Liberdade religiosa e direito à educação:


uma defesa da adoção de prestação alternativa para estudantes
sabatistas. São José: 2010. Monografia Científica em Direito na
Universidade do Vale do Itajaí
UNIDADE III

HISTÓRIAS DE/DA FÉ

Professora Me. Laís Azevedo Fialho

Plano de Estudo:

• Reflexões teóricas acerca dos espaços sagrados.

• Função social e religiosa dos espaços sagrados e de agradecimento na tradição


religiosa.

• Caminhos de fé no Brasil e as possibilidades de abordagens teórico-metodológicas


na pesquisa científica.

• Os espaços sagrados e as histórias de fé no processo educativo.

Objetivos de Aprendizagem:

• Estabelecer as disputas conceituais em torno dos espaços sagrados nas Ciência


Humanas.

• Analisar de que modo tem sido sistematizado o estudo das histórias de fé no campo
das religiões e religiosidades.

• Indicar algumas possibilidades de abordagens teórico metodológicas para analisar os


espaços sagrados e as histórias de fé na pesquisa científica.

• Apresentar e refletir sobre alguns espaços sagrados que fazem parte da cultura
religiosa brasileira demonstrando como deslocar tal tema para dentro da sala de aula.
INTRODUÇÃO

Olá, querido(a) estudante da disciplina de História e Tradições Religiosas. Que


bom que estamos nos encontrando em mais uma etapa de nosso estudo. Você está
entusiasmado para embarcar nessa viagem das premissas científicas sobre a fé, a
crença e os espaços sagrados? Espero que sim. Valerá a pena!
Espero que essa unidade proporcione ferramentais teórico-metodológicas
relevantes para sua atuação como pesquisador(a) e/ou educador(a). Convido você
para essa imersão nas significações dos espaços sagrados e dos diversos modos de
significar e conceituair os lugares de agradecimento.
Considerando a relevância do estudo dos espaços sagrados e das histórias de
fé para a disciplina de História e Tradições Religiosas, organizamos esta unidade com
o objetivo de estabelecer as disputas conceituais em torno dessas reflexões nas
Ciência Humanas.
Analisaremos de que modo tem sido sistematizado o estudo das histórias de fé
no campo das religiões e religiosidades e como essas disputas têm se organizado de
acordo com o panorama religioso brasileiro.
Indicaremos algumas possibilidades de abordagens teórico metodológicas para
analisar os espaços sagrados e as histórias de fé na pesquisa científica, considerando
noções como sincretismo, conflitos, pluralidade etc.
Apresentaremos e refletiremos sobre alguns espaços sagrados que fazem
parte da cultura religiosa brasileira demonstrando como deslocar tal tema para dentro
da sala de aula a partir de diretrizes específicas do ensino religioso laico.
Para isso, iremos explorar algumas correntes teóricas de modo interdisciplinar,
passando por pesquisadores conceituados do tema, que balizam até o presente
momento a presente temática. Te convido para me acompanhar nessa jornada ao
mundo dos espaços sagrados e das histórias de fé, fenômenos sociais importantes
para a compreensão da cultura e história brasileira.

Bons estudos!
1 REFLEXÕES TEÓRICAS ACERCA DOS ESPAÇOS SAGRADOS

No presente tópico buscamos refletir sobre os estudos dos espaços sagrados


nas Ciências Humanas. Sistematizamos diversas abordagens, produzidas em
diferentes tempos e dentro de diferentes disciplinas das humanidades. Iremos explorar
algumas correntes teóricas passando por pesquisadores conceituados do tema, que
balizam até o presente momento as noções conceituais dos espaços sagrados.

Iniciando o estudo reflexivo da bibliografia especializada, trazemos a obra O


sagrado e o profano, de Mircea Eliade (1907 – 1986). Esse autor nos auxilia na
compreensão do sagrado em contraposição ao profano. Sua pesquisa delimita-se à
uma abordagem da experiência religiosa do espaço e do tempo nas sociedades
arcaicas, mas no indica importantes reflexões para pensar a história religiosa brasileira
juntamente, a partir do método fenomenológico.

Para Eliade (1994), a história não limita-se ao conhecimento de condições e


eventos históricos, mas é, antes de tudo, uma história das ideias. Conforme o autor, a
história é, de sobremaneira, dada pela análise da estrutura da consciência religiosa e
por uma real capacidade de reconhecer intuitivamente a essência de determinados
fenômenos. Em seus trabalhos produz uma morfologia do sagrado, operando o
método comparativo. Propõe a análise de modelos ou estruturas da experiência
religiosa que demonstrem propriedades permanentes.

Refletindo sobre o universo mental do homem religioso, o pesquisador distingue


o sagrado e o profano como dois modos existenciais de estar no mundo. Essas
posturas são as que o homem assume ao longo da história, em que o sagrado refere-
se ao modo de ser do homem religioso e o profano do não religioso. Conforme o
pesquisador:

O sagrado manifesta-se sempre como uma realidade inteiramente


diferente das realidades “naturais”. É certo que a linguagem exprime
ingenuamente o tremendum, ou a majestas, ou o mysterium fascinans
mediante termos tomados de empréstimo ao domínio natural ou à vida
espiritual profana do homem. Mas sabemos que essa terminologia
analógica se deve justamente à incapacidade humana de exprimir o
ganz andere: a linguagem apenas pode sugerir tudo o que ultrapassa a
experiência natural do homem mediante termos tirados dessa mesma
experiência natural (ELIADE, 1994, p.16).

Para o homem religioso, o espaço não é homogêneo, mas sim


heterogeneidade. Isso quer dizer que cada espaço difere quantitativamente dos outros
espaços e que aqueles que são sagrados se diferem qualitativamente dos espaços
profanos. Essa diferenciação qualitativa entre espaço profano e sagrado estaria
fundamentada não somente na subjetividade individual de cada sujeito, mas de um
caráter objetivo.

Tal como uma igreja constitui uma rotura de nível no espaço profano
de uma cidade moderna, o serviço religioso que se realiza no seu
interior marca uma rotura na duração temporal profana: já não é o
Tempo histórico atual que é presente –o tempo que é vivido, por
exemplo, nas ruas vizinhas –, mas o Tempo em que se
desenrolou a existência histórica de Jesus Cristo, o tempo santificado
por sua pregação, por sua paixão, por sua morte e ressurreição
(ELIADE, 1994, p. 39)

Para o autor, essa diferenciação se manifesta na experiência concreta do


homem religioso. Ou seja, para uma determinada comunidade religiosa, o espaço
sagrado se apresenta sempre como um espaço ontologicamente diferente de todos
demais. Além disso, o autor aponta que todo espaço sagrado implica uma hierofania,
uma manifestação divina.

É preciso dizer, desde já, que a experiência religiosa da não


homogeneidade do espaço constitui uma experiência primordial, que
corresponde a uma “fundação do mundo”. Não se trata de uma
especulação teórica, mas de uma experiência religiosa primária, que
precede toda a reflexão sobre o mundo. É a rotura operada no espaço
que permite a constituição do mundo, porque é ela que descobre o
“ponto fixo”, o eixo central de toda a orientação futura. Quando o
sagrado se manifesta por uma hierofania qualquer, não só há rotura na
homogeneidade do espaço, como também revelação de uma realidade
absoluta, que se opõe à não realidade da imensa extensão envolvente.
A manifestação do sagrado funda ontologicamente o mundo. Na
extensão homogênea e infinita onde não é possível nenhum ponto de
referência, e onde, portanto, nenhuma orientação pode efetuar-se, a
hierofania revela um “ponto fixo” absoluto, um “Centro” (ELIADE, 1994,
p. 17).
Os estudos das Humanidades em diálogo com a Geografia, em especial,
demonstram a importância da reflexão conceitual em torno da territorialidade do
sagrado. Essa discussão admite a relação hierárquica e complexa que permeou a
história de diferentes religiões na formação nacional e e que se mantém na
configuração espacial que elas adotam no meio urbano até os dias atuais. Conforme
Léo Carrer Nogueira (2013, p. 2):

A ocupação do território por parte dos templos religiosos acontece de


acordo com a aceitação social que determinada prática religiosa tem
mediante a sociedade, e através de uma negociação entre as
diferentes religiões.

Um caso emblemático do assunto é referente às constantes tensões acionadas


pela presença das esculturas dos orixás no Dique de Tororó, em Salvador. Apesar de
não ser um espaço de culto e agradecimentos especificamente, as imagens
simbolizam o universo Afro-religioso, o que causa incômodo de alguns grupos
cristãos. Mesmo que na marioria dos espaços sejam os símbolos cristãos que
predominam e não provocam ameaças de outros grupos religioso por isso.
Reconfigurando um conjunto de conflitos instituídos desde a revitalização do espaço,
considerado um santuário de Oxum e a implantação das esculturas elaboradas pelo
artista Tati Moreno. O pesquisador Roger Sansi (2012) destaca as polêmicas
enfrentadas no campo artístico (as obras consideradas enquanto mercadorias) e
ataques por membros da Igreja Universal do Reino de Deus (consideradas enquanto
ídolos). Não é por acaso que esse tema provoque o imaginário religioso baiano,
ocupando constantemente a agenda política e as disuputas discursivas na mídia. Em
2014, candidatos a deputado integrantes da bancada evangélica apresentaram como
proposta de campanha a retirada dos orixás do Dique. Em 2015 aprovaram a
instalação de uma bíblia gigante no mesmo local.

Com o tempo, é bem possível que os Orixás do Tororó se transformem


em parte das memórias pessoais de muitos baianos, adquirindo uma
gama de significações e possibilidades que não podem ser previstas
aqui. E também pode acontecer, como acontece com muitos
monumentos, que passem despercebidas para a maior parte dos
transeuntes. [...] Por enquanto, os Orixás se incorporam na paisagem
da cidade, eles se diluem nos reflexos do lago sagrado, viram um pano
de fundo, como os antigos monumentos da Independência e da
Abolição. [...] Muitas vezes, os monumentos desaparecem do
imaginário urbano: quando construídos, a idéia é que eles têm que
permanecer como símbolos da cidade ou da nação, orgulho do
governo e presente para o povo; às vezes viram objeto de polêmica e
contestação; mas depois, gradualmente, ficam sujos, empoeirados,
contaminados, pichados, viram parte da paisagem, mais um ponto nas
trajetórias cotidianas dos transeuntes. [...] Pode ser, portanto, que o
monumento se autonomize das intenções iniciais que o fundaram, que
ele manifeste uma resistência a essas intenções. Nesse sentido,
podemos achar a ‘agência’ do objeto, o que ele faz pensar, faz dizer,
faz fazer, como ele é re-apropriado, não só como uma extensão da
agência da pessoa distribuída dos seus criadores, mas na sua
particular relação como o tempo e o espaço, e a resistência que essa
relação faz evidente (SANSI, 2012, p. 13-5).

A formação dessas territorialidades sagradas, ou seja, dos modos como


diferentes grupos religiosos se organizam em seus espaços sagrados, tange a
construção do próprio espaço urbano. Ou seja, elas seriam frutos de uma relação de
poder direta que um grupo religioso exerce sobre o outro. Para Mello (2006, p. 18):

Ao se perceber a constituição do território, torna-se relevante e de


grande importância destacar a territorialidade como fator de análise ao
entendimento dos grupos sociais. Por territorialidade, entende-se as
áreas de um território em que há o domínio de um grupo específico. Ao
citar a cidade como exemplo, percebe-se que esse espaço é
configurado por um conjunto de territorialidades que se estende desde
áreas particulares às de domínio público.

Já conseguimos compreender, caro(a) estudante, que os espaços sagrados


são fundamentais para o homem religioso. Que eles são espaços distintos,
particulares e que se organizam no espaço urbano de acordo com as relações de
poder que esses grupos exercem na sociedade. Posto isso, compreendemos que é
importante para o(a) pesquisador(a) das religiões considerar diversos aspectos de
uma sociedade para compreender as territorialidades sagradas, tais como o político,
econômico, cultural, além do religioso. Isso nos levaria a lançar um olhar mais amplo e
analítico na identificação do controle de gestão de determinado espaço sagrado por
parte de uma instituição religiosa (GIL FILHO, 2008).

De acordo com os dados do IBGE, as religiões cristãs constituem-se como uma


maioria religiosa no Brasil. Não é exagero afirmar que algumas delas procuram
exercer certo domínio em relação às outras práticas religiosas, é um fenômeno
comum entre algumas denominações neopentecostais. Assim, o espaço urbano
contemporâneo é fortemente demarcado por espaços sagrados cristãos, como as
grandes igrejas que se localizam nas principais praças das cidades. Ao mesmo tempo,
os espaços sagrados das manifestações marginalizadas, como as Afro-brasileiras,
normalmente se mantém camufladas ou nos espaços periféricos, porque ainda são
atacadas e estigmatizadas, inclusive por outros grupos religiosos que produzem no
imaginário social uma ideia demonizante de outras práticas.

Um dos mais significativos destes [discursos] é o da Igreja Universal do


Reino de Deus (IURD), que combate não só as religiões
AfroBrasileiras, como todo um conjunto de religiões e seitas
mediúnicas, orientais, mágicas e esotéricas. Em sua obra Orixás,
Caboclos e Guias – deuses ou demônios, o bispo Edir Macedo (2004),
fundador da IURD, revela a “verdade” por detrás de “seitas” como
vodu, macumba, quimbanda, candomblé e umbanda, (nas quais) os
demônios são adorados”, e continua, afirmando que também no
“espiritismo mais sofisticado (kardecista), eles se manifestam
mentindo, afirmando serem espíritos de pessoas que já morreram”
[...]Todas estas religiosidades são tratadas uniformemente como
adoradoras do diabo [...] O remédio contra estes males causados pelos
demônios pode ser encontrado na própria Igreja Universal. Somente
ela está autorizada a expulsar estes demônios e a proteger seus fiéis
deles (NOGUEIRA, 2013, p. 6).

Para além dos lugares fixos e materiais que hospedam uma comunidade
religiosa, como templos, igrejas e terreiros, também podemos admitir que outos
espaços tornam-se sagrados e de agradecimentos por alguns momentos, que diferem
do seu habitual caráter profano, do cotidiano, tais como procissões e encruzilhadas.
Para contextualizar o primeiro exemplo, destacamos que a procissão inaugura outro
espaço no cenário urbano, o espaço sacralizado. Ruas e praças públicas tornam-se
locais de devoção e manifestação do sagrado graças a uma cuidadosa preparação
litúrgica.
Nas procissões, a partida é um centro físico e social de
autoridade e poder religioso: uma igreja. Seu roteiro, por outro
lado, marca uma área onde se sacraliza um dado espaço da
cidade que, por isso mesmo, acaba se tornando nobre ou
sagrado. É um espaço que deve ficar aberto ao ritual e, em
conseqüência, fechado às atividades de rotina do mundo diário
(DAMATTA, 1986)

Figura 1 - Procissão da Festa de Nossa Senhora do Rocio, conhecida também como


Terrestre

Fonte: Folha do Litoral (2017).

Já pensando as encruzilhadas, devemos considerar que as religiões afro-


brasileiras carregam uma experiência longa de marginalidade social. São os ritos
dessas religiões, como Candomblé e a Umbanda, por exemplo, que ritualizam e
mitificam os espaços de trânsito, como é o caso das encruzilhadas.

Seria também nas encruzilhadas (espaço físico, o lugar sagrado) que


muitos curandeiros ligados aos cultos afro-brasileiros, através de seus
guias, divindades e entidades sobrenaturais, oficiavam procedimentos
religiosos/curativos realizados para abrir caminhos para o sucesso (no
emprego, no amor e em outras situações, as encruzilhadas
simbolicamente representariam as várias possibilidades de caminhos
por onde as pessoas – a depender de suas escolhas – poderiam trilhar
para resolver suas angústias psicológicas, espirituais e até mesmo
dificuldades materiais. Em suma, as encruzilhadas poderiam ser vistas
por muitos como espaço ritual – o lugar de comunicação com o mundo
sagrado. Ritualmente o sagrado não se manifesta apenas na
encruzilhada, o sagrado pode se manifestar no mato, nas águas do
mar ou de um rio, enfim no âmbito da cosmologia das práticas
religiosas afro-brasileiras os objetos naturais poderiam – a depender de
sua finalidade – constituir em espaço onde o sagrado pode ser
manifestado (SANTOS, 2005, p. 13).

Figura 2 - Oferendas para Exu na encruzilhada

Fonte: Carta Capital (2018).

Nas tradições religiosas citadas, como cristãs e Afro-brasileiras, manifesta-se a


importância dos espaços sagrados que foi transmitida de geração em geração,
conversando com um momento histórico. Ou seja, possuem historicidades por
dialogarem com um contexto em que laços são recriados e tocam dimensões
antropológicas, teológicas e cosmológicas.

Refletimos, então, nesse tópico, querido(a) estudante, sobre o que configura


um espaço sagrado, o que o torna particular e o diferencia do profano. Partimos de
teóricos de diferentes áreas, como História, Filosofia e Geografia, para pensar sobre
territorialidades sagradas, disputas entre os grupos religiosos na ocupação dos
espaços urbanos. Por fim, destacamos que o espaço sagrado e o espaço de
agradecimento não necessariamente são fixos. O que o torna sacralizado é compor
uma lógica divina, da ordem de manifestações do transcendental. No próximo tópico
continuaremos nossos estudos buscando categorias científicas que orientem nossos
estudos sobre a função social e religiosa dos espaços sagrados. Te convido a
participar dessa imersão teórica junto comigo.

SAIBA MAIS

Vagner Gonçalves da Silva analisa em seus estudos os ataques neopentecostais às


Religiões Afro-brasileira como uma disputa por um grupo em comum de potenciais
adeptos. “Verifica-se no Brasil das últimas duas décadas um acirramento dos ataques
das igrejas neopentecostais contra as religiões afro-brasileiras, processo extensivo
aos países latino-americanos, como Argentina e Uruguai, para onde tanto essas
igrejas como os terreiros de umbanda e candomblé têm se expandido. Esse ataque é
resultado de vários fatores, entre os quais podemos destacar: a disputa por adeptos
de uma mesmaorigem socioeconômica, o tipo de cruzada proselitista adotada pelas
igrejas neopentecostais – com grandes investimentos nos meios de comunicação de
massa e o conseqüente crescimento dessas denominações, que arregimentam um
número cada vez maior de ‘soldados de Jesus’ – e, do ponto de vista do sistema
simbólico, o papel que as entidades afro-brasileiras e suas práticas desempenham na
estrutura ritual dessas igrejas como afirmação de uma cosmologia maniqueísta”

Fonte: Silva (2007, p. 10).

#SAIBA MAIS#

REFLITA

Você já parou para pensar, caro(a) leitor, que alguns espaços são sagrados para
alguns grupos religosos e não para outros? Desse modo, a prática da alteridade e o
exercício do respeito são extremamentes necessárias para haver democraria e o o
direito pleno ao exercício da fé.

Fonte: a autora.

#REFLITA#
2 FUNÇÃO SOCIAL E RELIGIOSA DOS ESPAÇOS SAGRADOS E DE
AGRADECIMENTO NA TRADIÇÃO RELIGIOSA

Olá, querido(a) estudante! Nesse tópico iremos propor algumas categorias de


análise para contribuir no processo de compreensão das funções sociais e religiosas
do espaço sagrado e das histórias de fé. Desse modo, iniciamos essa reflexão
assinalando que o sagrado está presente na cultura humana desde tempos
longínquos. Os avanços científicos não impediram que o homem mantivesse uma
relação de sacralização do diversos espaços. Assim, partimos do pressuposto que o
ser humano se liga ao transcendente, mesmo na contemporaneidade segue mantendo
suas crenças e seus ritos, objetos dos estudos de Religiões e Religiosidades que são
bastante explorados a partir das teorias da representação cultural.

Considerando que o fenômeno religioso está bastante presente na nossa


sociedade, é aconselhável que trabalhemos essa questão a partir do âmbito da cultura
e sem fazermos apologia a uma religião específica, vide a laicidade do Estado
brasileiro. É importante esse estudo no âmbito da cultura para evitarmos incorrer no
erro de realizarmos análises fundamentalistas ou que desconsideremos a pluralidade
religiosa. A ética e o respeito devem ser sempre norteadoras das práticas dos
pesquisadores e pesquisadoras das Religiões e Religiosidades. Direitos adquiridos
garantem isso, já que a Constituição prevê liberdade de culto e expressão da fé a
todas e todos.

Uma importante reflexão para o conteúdo tange o papel da memória. Para o


filósofo Paul Ricouer (2007) o conceito de memória coletiva ou social remete às
experiências comuns de um grupo ou sociedade. Isso significa que exisitira uma
perspectiva subjetiva e simbólica em comum ao mesmo referente,mesmo que essa
memória seja fragmentada, não-homogênea por ser constituída de individualidades.
Isso aponta para os espaços sagrados e de agradecimentos como lugares que
também se constituem a partir e como uma memória.

Assim, ao analisar um espaço sagrado, o(a) pesquisador(a) das Religiões pode


considerar como aquele espaço é carregado de memórias que constituem, também
sua importância para uma cidade ou determinado grupo de uma localidade. A
memória de uma cidade é sempre construída por meio de aspectos selecionados por
aqueles que a produzem. Esse aspecto cultural, localizado e datado, também pode ser
uma fonte rica para pesquisas sobre espaços sagrados e histórias de fé.

Para Maurice Halbwachs (1990) o espaço também está sempre auxiliando no


trabalho da memória. O autor afirma que as lembranças dos grupos religiosos são
avivadas pela rememoração constante de alguns lugares. Organizamos algumas
asserções do pesquisador para facilitar a apreensão do(a) leitor(a):

1. As memórias de um grupo religioso são lembradas por alguns lugares,


ocupações e disposições dos objetos.

2. O pensamento coletivo religioso é constantemente renovado e


refeito de maneira a poder persistir como um sistema coerente de
imagens.

3. A busca da materialidade é realizada como forma de apoiar o


pensamento, criando a ideia de estabilidade e equilíbrio.

4. A sociedade religiosa reune condições para encontrar o lugar ou para


reconstituir em volta do sujeito religioso uma imagem, ao menos
simbólica, dos lugares nos quais ela está constituída desde o início, para
manter a noção de estável.

5. O pensamento coletivo religioso tem maior chance de ser


preservado quando é atualizado constantemente por meio da
teatralização, em que o homem religioso por meio dos rituais revive os
atos principais que orientam o pensamento.

6. “Ao reconstituir-se a via dolorosa e suas estações bem longe de


Jesusalém, tornou-se possível aos peregrinos reviverem inteiramente as
cenas sucessivas da paixão” (HALBWACHS, 1990, p. 165).

7. A construção de um templo religioso, retém significados que fazem parte


do eixo principal de um certo pensamento religioso. Tal espaço auxilia
sempre o trabalho da memória e, a um só tempo, revela, de acordo com
o exemplo citado, os mistérios da gênese da vida, do homem e do
mundo.
8. Por meio do ritual de renovação é possível abolir a “história” e é possível,
enfim, a renovação do tempo. A construção de um santuário ou de um
altar de sacrifício repete a cosmogonia, o momento em que a criação
passou a existir, momento sagrado, e isso não só porque o santuário
representa o mundo, mas também porque encarna os vários ciclos
temporais.

Conforme Rosendahl (2008), é intríseca a relação entre religião e espaço ao


pensarmos na história de fundação já das primeiras cidades. Ela postula que no
mundo moderno ocidental, as cidades se estruturaram sob uma forma triangular
manifestada pelo poder do povo, da Igreja e Estado. Para ela, a relação entre espaço
e sagrado é expressa na forma e função de como determinados lugares e prédios são
construídos. A forma seria uma categoria geográfica fundamental de como as pessoas
imprimem seus valores e crenças na arquitetura; assim como a função desempenhada
por aquele local. O lugar sagrado se exprime por atributos qualificativos a partir da
manifestação do sagrado em um determinado local, investindo esse espaço de lógicas
funcionais e espaciais próprias.

O historiador Michael de Certeau (1994) também nos oferece importantes


bases para pensar os espaços sagrados a partir das táticas. Para falar disso
precisamos considerar primeiro que nem todo sujeito religioso comunga em uma
comunidade, e mesmo que sim, nem sempre corresponde às normas da institução
religiosa. Esse é um fenômeno bastante comum no século XX e XXI. O historiador
Giovane Gonzaga (2018, p. 32) versa sobre o assunto em sua dissertação de
Mestrado:

[...] sobretudo após o século XIX, a Igreja deixa de ser o ponto de


referência ao redor do qual se concentrava toda a comunidade, e as
modalidades de crença passaram a poder assumir formas diferentes,
inerentes a uma individualização do objeto do crer. O surgimento deste
fenômeno pode ser compreendido sob a ideia de consequência ante os
acontecimentos do período moderno, sobretudo a laicização dos
aspectos políticos e econômicos da vida social. O discurso científico
toma para si o papel de responder a todas as afirmações explicativas.
O que poderia ser elucidativo, no sentido de buscar respostas
objetivas, na verdade, teve como consequência a utopia e a opacidade
para o imaginário do crente, permitindo expansão e pluralidade às
modalidades do crer. Isso porque a participação religiosa tornou-se
assunto de opção pessoal.

Assim, caro(a) estudante, é possível pensar que as crenças também fundam


espaços sagrados, e não somente as instituições religiosas. Por mais que essas
últimas tenham perdido considerável controle na vida do homem moderno, não
significa necessariamente o fim da dimensão sagrada na vida do sujeito religioso. “A
crença não desaparece, ela se desdobra e se diversifica, ao mesmo tempo em que
rompem, com maior ou menor profundidade, de acordo com cada país, os dispositivos
de seu enquadramento institucional” (HERVIEU-LÉGER, 2008, p. 44).

A partir da noção de que os indivíduos mantêm suas crenças e práticas


religiosas para além das instituições, cabe pensarmos a sacralização de alguns
espaços como táticas, como aponta Certeau (1994). Essa reflexão aponta para a
relação entre instituições vigentes e as práticas cotidianas, em que as pessoas
tendem a produzir diferentes soluções em seu dia a dia, por meio de suas
experiências. Operam lógicas por detrás ou entre as normas oficiais.

Se suas ações e ideias se mostrarem contrária àquilo que a Igreja


recomenda, por exemplo, dentro da tradição católica, esse homem
ordinário se utilizará de táticas, capitalizando vantagens sobre o tempo,
modificando as formas de uso sobre o espaço institucional, sem, num
primeiro momento, modificá-lo propriamente (GONZAGA, 2018, p. 34).

Ainda citando a pesquisa do historiador, trazemos como exemplo, para


explicitar melhor essa noção de tática, o seu trabalho sobre as manifestações Afro-
brasileiras na cidade de Maringá-PR. Para o autor, algumas camuflagens dos espaços
sagrados Afro-brasileiros constituem uma tática, um modo de assegurar algumas
práticas vivas, mesmo que não sejam bem aceitas socialmente.

[...] as táticas de camuflagem são necessárias à sobrevivência. Digo


isso com vistas a processos similares ocorridos nas cidades de Rio de
Janeiro e São Paulo, no final do século XIX. Quando os locais de
crença afro-brasileira salvaguardavam seus eventos religiosos da
invasão policial por meio de alterações na execução do culto como, por
exemplo, o silêncio dos tambores e a adoção de nomes do espiritismo
kardecista, para designar os locais de prática religiosa adotam.
Práticas como essas não significam conversão no interior dos cultos
afro-brasileiros. Constituem um ‘terceiro-espaço’, ou seja, “as
condições discursivas da enunciação, fazendo com que os símbolos da
cultura não tenham unidade ou fixidez primordial [...] Assim, as
imagens de santos católicos podem, também, representar orixás. Essa
mobilidade permite que mães-de-santo possam se declarar também
católicas, sem serem contraditórias. Produto desse terceiro-espaço, as
diferenças culturais se localizam em zonas fronteiriças, são objetos
híbridos (GONZAGA, 2018, p. 69).

Refletimos, então, nesse tópico, caro(a) estudante, sobre as funções sociais e


religiosas dos espaços sagrados. Partimos de teóricos de diferentes áreas para
pensar como o homem religioso significa o espaço religioso, a partir da memória
coletiva, mas não somente. Por meio da tática, espaços são sacralizados por trás das
normas institicionalizadas da Religião. Assim, esses espaços fundam uma nova
realidade e podem ser compreendidos como espaços de hieroafania – manifestação
do sagrado – e reatualização de cosmogonias – criação de uma realidade por meio de
um rito. No próximo tópico continuaremos nossos estudos buscando categorias
científicas que orientem nossas reflexões sobre as histórias de fé e possíveis
abordagens para o trato da pesquisa científica. Te convido a me acompanhar nessa
incursão teórico-metodológica.

SAIBA MAIS

Alguns teóricos, como Ricardo Luiz de Souza, pensam sobre alguns cultos à margem
da Igreja católica, a partir do conceito de catolicismo popular. “O catolicismo popular
carece de um estatuto próprio perante as práticas da Igreja, existindo, contudo, em
íntima interação com ela. Não a contesta, mas pode, eventualmente, adquirir um viés
nitidamente anticlerical. Não se opõem aos atributos do clero, mas cria seus próprios
atributos, e é organizado e praticado por leigos que buscam, em maior ou menor grau,
manter sua autonomia enquanto fiéis, ao mesmo tempo em que se declaram filhos da
Igreja”

Fonte: Souza (2013, p. 5).

#SAIBA MAIS#
REFLITA

Divindades de grupos religiosos marginalizados são demonizados até os dias atuais, e


os seus espaços sagrados desrespeitados ou descredibilizados. Não seria melhor
vivermos numa sociedade em que pudéssemos conviver com as diferentes crenças?
Em que os lugares de agradecimentos de todos os grupos fossem respeitados? O(a)
educador(a) tem um papel fundamental de incentivar o respeito à pluralidade.

#REFLITA#
3 CAMINHOS DE FÉ NO BRASIL E AS POSSIBILIDADES DE ABORDAGENS
TEÓRICO-METODOLÓGICAS NA PESQUISA CIENTÍFICA

Olá, prezado(a) estudante! Nesse tópico iremos elencar algumas posturas


teóricas e metodológicas no estudo dos caminhos de fé no Brasil. Daremos enfoque
ao estudo das crenças em sua pluralidade e à multiplicidade religiosa no Brasil
contemporâneo, a partir dos estudos de Religiões e Religiosidades e em diálogo com
a História Cultural, Antropologia e Sociologia, principalmente.

Iniciamos esse estudo destacando que o ofício do(a) pesquisador(a) das


religiões é compreender, e tornar compreensível aos outros, o comportamento do
homem religioso e seu universo mental. Para isso, é preciso o esforço da alteridade,
de se situar dentro do universo mental desse outro que buscamos analisar. Só desse
modo podemos elucidar os valores que esse universo contém e organiza (ELIADE,
1992).

Para Eliade (1992), é possível acessar o universo mental do homem religioso


através do esforço fenomenológico do emprego da empatia, da epoché. Ou seja, o
autor procura intuir e interpretar a experiência religiosa conforme ela é vivida por
aqueles que creem, o que pressupõe uma certa identificação com essa experiência,
um afastamento das crenças do pesquisador (epoché) e uma visão essencial dos
fenômenos estudados (intuição eidética). Sempre buscando o sentido das
manifestações para o outro, apoiada em sua própria interpretação do simbolismo
religioso.

Assim, caro(a) estudante, quando buscamos apreender os múltiplos


significados do sagrado, é preciso ter em mente que estamos descrevendo as suas
mais gerais e recorrentes valorizações no contexto das sociedades tradicionais.
Assim, importa também reconhecermos que nosso objeto de estudo pode ser
abordado por todas as ciências humanas ou ciências sociais, cada uma a partir do que
lhe é próprio. Desse modo, a abordagem fenomenológica se oferece como alternativa
de acessos, diante de compreensões insuficientes da experiência religiosa e de suas
manifestações ou linguagens.
De modo didático organizamos em tópicos, para você, algumas das ascerções
do pesquisador José Severino Croatto (2001) que podem facilitar a compreensão
acerca dos métodos possíveis de abordagem na pesquisa científica:

9. METÓDO DESCRITVO: a história das religiões pode adotar uma


postura descritiva ao mostrar fatos religiosos concretos, que foram
deixados ou transmitidos pelo ser humano (os ritos, as obras de arte, os
textos e seus conteúdos (deuses, leis, teodiceia, ética etc.).

10. MÉTODO ANALÍTICO: outro aspecto que a história das religiões pode
privilegiar é o exame das causas das manifestações religiosas, seu
contexto cultural, suas influências sobre outros acontecimentos etc.

11. MÉTODO COMPARATIVO: há ainda a abordagem metodológica que


consiste em estabelecer uma tipologia das religiões, tais como religiões
étnicas ou fundadas; politeístas ou monoteístas etc. Cabe aqui destacar
a ciência comparada das religiões.

Posto isso, partimos dessa noção de que existem diversos métodos para nosso
campo de atuação. Elencamos também de que o objeto material da história das
religiões é o conjunto dos fatos religiosos em si mesmos, ou comparados, enquanto
manifestações da cultura humana. Ou seja, o método pode ser descritivo, analítico ou
comparativo, como descrevemos acima.

Rafael Rodrigues da Silva (2013), Cientista das Religiões, sistematizou


algumas possibilidades de abordagens das Religiões e Religiosidades, numa
perspectiva interdisciplinar (diálogo com a História, com as Ciências Sociais e com a
Antropologia). Tal estudo está presente no artitugo intitulado O campo religioso
brasileiro: historiografia e religiosidade alguns apontamentos. Veja a seguir:

12. Discussão sobre a tripla matriz religiosa brasileira, tendo como pano de
fundo a caricatura da matriz mestiça da religião e do sertanejo
apresentada por Euclides da Cunha em Os Sertões, bem como numa
leitura do texto clássico Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, até
abordagens sócio-antropológicas acerca do Sagrado Selvagem e o
conceito de sincretismo religioso.
13. Religiões no Brasil Colonial: análise das correntes teológicas na
sociedade colonial brasileira apontadas por Riolando Azzi: teologia da
conquista, teologia da conversão, teologia da escravidão, teologia da
inquisição, entre outras. Ao mesmo tempo, os principais aspectos e
seus conflitos apresentados nas análises de Laura de Mello e Souza e
Ronaldo Vainfas.

14. As santidades indígenas e a religiosidade: o texto de Ronaldo Vainfas


deve ser tomado como base para essa abordagem dos aspectos
essenciais da religiosidade e sacralidade indígena.

15. A saga de Pedro de Rates Henequim: a visão e releitura sobre os mitos


bíblicos e o discurso apocalíptico do Quinto Império. Analisar as duas
importantes teses: a dissertação de Plínio Freire Gomes, que busca
aplicar o método historiográfico de, Carlo Ginzburg e a tese de Adriana
Romeiro, que aponta aspectos políticos no discurso de Henequim.

16. Religiões no Brasil do século XIX: uma análise contrapondo o


catolicismo tradicional e as correntes do Candomblé. Tomando como
base os textos de Roger Bastide e Reginaldo Brandi.

17. O movimento dos Malês: no que se refere a uma análise da rebelião


escrava, proponho que possamos seguir os passos da análise feita por
João José Reis.

Alguns teóricos das religiões e religiosidades também buscam em suas


pesquisas pensar sobre as fricções existentes entre as distintas religiões que
convivem em solo brasileiro e que obedecem a linhas de forças que as colocam ora
em situações de trocas, interpenetrações e comunicações, ora em situações de
diferenciação, competição e enfrentamento.

Pensar esse movimento de configurações e reconfigurações produzidos no


processos dinâmico do campo religiloso brasileiro também é um bom modo de
perceber como se constituem historicamente as histórias das crenças. Ou seja, como
as ideias religiosas se mantêm ou se modificam no contato com o outro. É o que faz
Marcelo Ayres Camurça (2009) no artigo Entre sincretismos e guerras santas:
dinâmicas e linhas de força do campo. O autor defende que a característica matricial
das crenças e práticas religiosas no Brasil é a constituição de uma linguagem comum
que se forjou a partir da combinação das crenças das religiões tradicionais: a
dominante, católica, com as subalternas, indígenas e africanas.

Para ele, um dos pilares dessa linguagem comum é a crença compartilhada de


que o nosso mundo está envolvido por outra dimensão “encantada” que produz uma
constante comunicação nossa com seus seres “sobrenaturais”: “almas”, “espíritos”,
“santos”, “anjos”, “demônios”, “orixás”, “aparições da Virgem”, “posse do Espírito
Santo”. A influência desse plano e seus deuses na vida dos seres humanos adquire
conotações benéficas e/ou maléficas. Assim, existe uma estreita relação causal de
tudo que acontece na nossa realidade com uma interferência proveniente desses
seres sobrenaturais (CAMURÇA, 2009).

Sob o manto encompassador do catolicismo, deu-se todo um processo


de empréstimos mútuos entre crenças católicas e africanas, fazendo
do Brasil, segundo palavras de Sanchis (1997, p. 105), “nem África
pura, nem Catolicismo europeu”. Submetidas à força dessa matriz de
“catolicidade sincrética”, as religiões primevas – católica, indígenas e
africanas. e as que depois aportaram no país, para ter êxito, tinham de
se compatibilizar ou funcionar como instâncias complementares dela
(Carvalho, 1992, p. 134; Machado & Mariz, 1998, p. 5). A força
inclusiva dessa “matriz religiosa brasileira”, que se mostrava na forma
católica, exemplifica-se nos depoimentos das mais conhecidas ialorixás
do candomblé se dizendo católicas; ou na chamada conversão do
espiritismo cientificista francês de Kardec a uma “religião espírita”
quando chega ao Brasil (Aubrée & Laplantine, 1990; Warren, 1984;
Damazio, 1994); ou ainda no isolacionismo do chamado protestantismo
histórico, exceção ao estilo “sincrético”, dessa forma reduzido ao papel
de uma “contracultura” a essa matriz religiosa hegemônica (Mendonça,
1989). A força tendencial dessa modalidade intercomunicante de
religiosidade, além de marcar as religiões tradicionais – católica,
africana e indígena – com uma “porosidade” e “contaminação” umas
em relação às outras (Sanchis, 1997; 1988), forjou em solo brasileiro
religiões tipicamente brasileiras pela articulação de elementos retirados
dessas mesmas religiões tradicionais, como a umbanda e, mais
recentemente, o Santo Daime (CAMURÇA, 2009, p. 170).

Desse modo, podemos compreender um pouquinho mais sobre a complexidade


que incide nas religiosidades e profissões de fé brasileiras. Assinalamos que o homem
religioso não especula sobre o transcedental, sobre a existência ou não dos deuses.
Ele tem fé, acredita. Nesse sentido, Camurça (2009) indica que acreditar não é uma
questão de especular e sim de confiança e credibilidade nas forças superiores.

A fé na matriz religiosa tradicional implica estabelecer um vínculo na


verdade um maior número de vínculos possíveis para assegurar a
proteção, em troca da lealdade e filiação a essas entidades,
acompanhada de oferendas e rituais que expressam sempre a
renovação dos vínculos estabelecidos (CAMURÇA, 2009, p. 175).

Como não é possível trazer todos os teóricos pertinentes para a presente


discussão, indicamos outros autores para seus estudos futuros. Uma abordagem da
releitura das imagens míticas dentro do cenário historico-religioso brasileiro e
ocidental, é possível também, a partir de obras clássicas de Sergio Buarque de
Holanda, Gilberto Freyre, a interpretação messiânico-mítica de Pedro de Rates
Henequim; bem como, os comentários de Jean Delumeau.

Concluímos esse tópico em que propomos reflexões sobre métodos possíveis


para abordar as religiosidades, as crenças e a fé. Compreendemos um pouco mais
sobre métodos distintos e complementares como o descritivo, analítico e o
comparativo. Acenamos para a importância se de compreender os movimentos de
configuraçães e reconfigurações do processos dinâmico do campo religiloso brasileiro
e da importância de se partir de categorias com rigor científico para analisar como se
constituem historicamente as histórias das crenças, por exemplo a partir das noções
de sincretismo e disputa no mercado religioso.

Esperamos que tenha sido uma boa leitura para você, que tenha se
familiarizado com ferramentas teóricas fundamentais e algumas bases bibliográficas
para pensar a complexidade que incide sobre as crenças, em especial no Brasil. Em
seguida, munidos dessas importantes noções, passaremos para algumas
considerações didático pedagógicas acerca do tema.

SAIBA MAIS

O Brasil é o maior país católico do mundo, mas, na última década, a Igreja teve uma
redução da ordem de 1,7 milhão de fiéis, um encolhimento de 12,2%. Os dados são
da nova etapa de divulgação do Censo de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Alguns teóricos compreendem esse fenômeno como fruto da
expansão das correntes evangélicas.

Figura 3 – Dados do Censo sobre Religião no Brasil

Fonte: Recenseamento do Brasil 1872/1890, e IBGE, Censo Demográfico 1940/1991.

#SAIBA MAIS#

REFLITA

No Brasil do novo milênio, a ideia moderna de que o indivíduo, por seu livre arbítrio,
escolhe e opta por uma religião dentre outras conjuga-se agora com a capacidade
múltipla desse mesmo indivíduo de combinar dimensões as mais díspares, mas que
adquirem sentido na síntese, mais uma vez sincrética, que se faz no seu interior.

Fonte: Camurça (2009).


4 OS ESPAÇOS SAGRADOS E AS HISTÓRIAS DE FÉ BRASILEIRAS NO
PROCESSO EDUCATIVO

Olá, caro(a) estudante, retomamos nossos estudos no presente tópico para


algumas considerações éticas de como refletir sobre espaços sagrados e histórias de
fé em sala de aula. É importante que tenhamos em mente, caro(a) estudante, que
vivemos em uma sociedade pluralizada, com diferentes culturas e religiosidades. É
papel do(a) educador(a) defender que todas sejam compreendidas nas suas
diferenças e respeitadas dessa mesma forma.

Assinalamos que o sagrado não deve ser trabalhado no âmbito escolar no


sentido de vivenciar a experiência religiosa. Partimos de uma linguagem simbólica que
se faz presente nas várias tradições religiosas e como vivemos em um Estado laico,
devemos trabalhar tal conteúdo dentro de uma ótica teórica, considerando que faz
parte da cultura de um povo.

É importante que a religão seja compreendida em suas particularidades,


localizada e percebida em diálogo com uma determinada cultura, por meio da ética.
Assim, quando abordamos o que é sagrado em sala de aula entramos no assunto
religiosidade, e como a religião faz parte da experiência humana, deve ser trabalhada
não somente como forma de contribuir para a construção de uma identidade humana,
mas de demonstrar a importância de se pensar criticamente o que é o sagrado e que
crenças e profissões de fé ele pode suscitar no ser humano.

Fica claro desse modo que assumimos a premissa de que o ensino


inter-religioso deve privilegiar a questão ética, unificadora e
universalista, presente em todas as religiões e resgatar a
espiritualidade, como dimensão legítima da experiência humana e
necessária à completa realização do ser (INCONTRI; BIGHETO, 2005,
sp).

Para refletir sobre o fenômeno religioso é indicado abordar a essência da


experiência religiosa, o sagrado. Nesse sentido, o estabelecimento do sagrado
enquanto categoria de análise passa a ser uma premissa de base, uma categoria de
avaliação e classificação que nos permita reconhecer a objetividade do fenômeno
religioso (DIRETRIZES CURRICULARES DE ENSINO RELIGIOSO, 2008).

Uma premissa importante para a docência é elencar que vivemos em uma


sociedade multicultural, plural. É salutar propor a égide da tolerância a todas as
formas de manifestações de fé. Importa discutir sobre como o sagrado se manifesta
de diferentes modos em diferentes religiões e culturas, e que, por isso, há múltiplas
liturgias; modos de acessar o sagrado; diversos rituais distintos e todos são válidos e
legítimos, não devendo haver uma hierarquia de valor. Ou seja, é válido discutir sobre
como os nossos referenciais são construções históricas e culturais e, por isso,
parecem ser o natural, a regra e a norma. Contudo, é pertinente lembrar que isso é
uma questão de perspectiva, porque para os indívudos que nasceram em outras
culturas religiosas a norma é outra. Estabelecer esse jogo relacional e dialógico no
exercício da alteridade de modo pedagógico faz muita diferença.

O estudo das religiões está fundamentado nas concepções teórico-


metodológicas presentes nas Diretrizes Curriculares Estaduais a partir de uma
perspectiva laica. Desse modo, se faz necessário um estudo abrangente sobre o
sagrado dentro das várias religiões, evitando uma postura monopolista da tradição
judaico-cristã.

A cataquese é função dos núcleos religiosos e da família. O


Antropologia é uma proposta acadêmica, uma vertente da pesquisa
científica. A escola é um lugar plural, em que pessoas de diferentes
credos devem conviver, tendo cada um a sua fé respeitada e, se
possível, cultivada, aprendendo ao mesmo tempo a respeitar a fé do
outro (INCONTRI; BIGHETO, 2005, sp).

Com isso, será permitida a ampliação de oportunidades e desenvolvimento do


ser humano, pois quando se discute as religiões e as várias religiosidades, se discute
questões diretamente ligadas à vida, seja no comportamento pessoal, social e moral
dos membros de uma sociedade.
Com essa postura aborda-se a questão da pluralidade religiosa em nossa
sociedade, contribuindo para que haja um grande respeito às diferenças. Cabe
lembrar aqui do Artigo XVIII da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento, consciência e


religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e
a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela
prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em
público ou em particular.

Nossas reflexões no presente tópico não são herméticas ou estrititamente


particulares no sentido de dizer como o(a) docente deve levar a presente discussão
para a sala de aula. Por outro lado, nosso debate visa aproximar o(a) leitor(a) de
algumas posturas críticas importantes para a ação pedagógica. O artigo Ensino
Religioso: teorias e práticas de Dora Incontri e Alessandro Cesar Bigheto contribui de
modo consistente para isso. Os autores postulam que:

Uma determinada postura didática, para ser coerente, decorre


obviamente de uma dada visão filosófico-pedagógica, que se inicia na
própria concepção do ser humano e das finalidades últimas da
educação. Por isso, não há como prescrever e padronizar técnicas,
como receitas prontas, pois antes de qualquer aplicação possível – e
toda aplicação didática tem de se adaptar ao contexto e à realidade
dos alunos, dos docentes, da escola…– devemos examinar as
motivações profundas de uma ação pedagógica. Uma dada
experiência, baseada em tais motivações, pode portanto servir de
inspiração, motivar outras propostas, levantar debates e não
restritamente propor técnicas fechadas (INCONTRI; BIGHETO, 2010,
sp).

Posto isso, caro(a) leitor, organizamos em alguns tópicos algumas


considerações pertinentes sobre os objetivos de um ensino relioso não confessional,
tendo como base o artigo de Dora Incontri e Alessandreo Cesar Begueto (2010)
supracitado:

1) cultivar a espiritualidade do aluno como uma dimensão real e positiva,


iminente no ser humano;
2) assumir a religião como um fenômeno de conteúdo verdadeiro, apesar
das diversas facetas com que se apresenta;

3) priorizar o aspecto ético das religiões, buscando o diálogo entre as


diversas correntes;

4) sensibilizar o aluno para a vivência de valores morais e para a


experiência religiosa;

5) abrir novos horizontes culturais e espirituais para o aluno, no


conhecimento de outras formas religiosas.

Algumas diretrizes sugeridas pelos autores nós já tratamos de modo sucinto


nesta unidade, como a abordagem interdisciplinar. Para os autores, a discussão sobre
crença e fé é uma porta para a diversidade cultural e para o melhor entendimento de si
mesmo e do mundo. Outro apontamento é a questão da práxis, já que consideram o
conhecimento com sentido somente quando traduzido em alguma produção ou
experimentado na ação concreta. “Um projeto interdisciplinar, no ensino inter-religioso,
deve envolver produção ou vivência, que indique o significado que o aluno dá
subjetivamente ao assunto tratado: uma poesia, uma peça de teatro, etc.” (INCONTRI;
BIGHETO, 2010, sp). Os autores ainda chamam a atenção para a importância de uma
avaliação sistematizada e contínua do estudante. Para eles, é um desafio muito
grande transformar tais conteúdos, bastante impalpáveis, numa prova tradicional com
respostas prontas.

O ensino inter-religioso deve proporcionar uma auto-descoberta, uma


sensibilização interna, um engajamento existencial – e nada disso pode
ser avaliado objetivamente, do ponto de vista exterior. Por isso, é
preciso estimular uma auto-análise do aluno, sem cobranças e
imposições, como um processo espontâneo de reflexão pessoal
(INCONTRI; BEGUETO, 2010, p. sp).

Partindo dessas premissas, caro(a) leitor, você poderá aprofundar seus estudos
e desenvolver seus métodos a partir de diretrizes e categorias teórico-metodológicas
validadas cientificamente. Com esses apontamentos é possível que você aborde a
questão dos espaços sagrados e das histórias da fé de modo ético, plural e instigante.
Você pode sondar em sua sala de aula qual é o interesse e as curiosidades dos
alunos nos temas religiosos, por exemplo. O que querem saber? O que gostariam de
perguntar a pessoas de diferentes religiões?

Elencar algumas histórias sobre espaços sagrados também pode levar a um


rico debate, como, por exemplo, o processo histórico de conflitos em torno de
Jerusalém. Ou para um recorte da história nacional, a prática de fé ritualizada em
torno da Igreja de Nossa Senhora do Bonfim, em Salvador. É lá que são distribuídas
as famosas fitinhas do Bonfim.

A história de vida e de fé de algumas pessoas representativas de dadas


religiões também podem ser contadas, como Francisco de Assis, Gandhi, Martin
Luther King, Mãe Esthela de Oxossi etc. A partir dessas histórias pode-se também
tocar de modo transversal em temas como a pobreza, a ecologia, a história do
colonialismo, métodos de embates políticos pela não violência, o conhecimento do
hinduísmo, a questão da cultura negra nas Américas, do racismo, da luta pelos direitos
humanos, da música dos negros americanos protestantes etc. “A história verídica de
vidas emocionantes, elevadas e nobres, atrai os alunos e são marcantes para
impregná-los de valores morais e de crença na possibilidade humana de sermos bons”
(INCONTRI; BEGUETO, 2010, sp).

Concluímos esse tópico em que propomos reflexões sobre métodos e diretrizes


para abordar espaços sagrados e as histórias da fé em sala de aula. Ressaltamos que
é de suma importâncias assumir uma postura pedagógica que propõe a égide da
tolerância à todas as formas de manifestações de fé. Indicamos autores que
contribuem para esse debate, como Dora Incontri e Alessandro Cesar Begueto (2010).
Acenamos para a importância de se compreender e passar adiante a noção de que
vivemos em uma sociedade pluralizada, com diferentes culturas e religiosidades.
Destacamos que é papel do(a) educador(a) defender que todas as práticas de fé e
crenças devem ser respeitadas no exercício da alteridade. Esperamos que tenha sido
uma boa leitura para você, que tenha se familiarizado com debate que o(a) aproxima
de algumas posturas críticas importantes para a ação pedagógica.
SAIBA MAIS

Todos os anos na segunda quinta-feira do mês de janeiro, após o dia de Reis, realiza-
se a Lavagem do Bonfim, na escadaria da igreja, onde baianas lavam com água de
cheiro e muita festa os seus degraus. Tudo começa com uma procissão desde a Igreja
de Nossa Senhora da Conceição da Praia, padroeira da Bahia, até ao Bonfim. Uma
grande massa humana acompanha a festa.

Figura 4 - Registro da lavagem do Senhor do Bonfim de 2020

Fonte: A Tarde (2020).

#SAIBA MAIS#
REFLITA

“Após estudos e muitas experiências, cheguei à conclusão que 1) todas as religiões


são verdadeiras; 2) todas as religiões contêm em si alguma margem de erro; 3) todas
as religiões são para mim quase tão queridas quanto o meu próprio hinduísmo,
principalmente na medida em que todos os seres humanos deveriam ser para mim tão
queridos quanto meus próprios parentes. Minha veneração pessoal por outros credos
é a mesma que dedico à minha própria fé”

Fonte: Gandhi (1996).

#REFLITA #
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro(a) estudante, concluímos aqui a incursão sobre o estudo dos espaços


sagrados e histórias de fé, proposto para a terceira Unidade. Identificamos categorias
analíticas importantes de acordo com o método fenomenológico, como sagrado e
profano, a partir da obra de Eliade (1992).

No primeiro tópico estudamos sobre os espaços sagrados e como eles


respondem a fundamentos ontológicos, têm um caráter particular e são sacralizados
por rituais e liturgias, de acordo com a fé, de maneira a compor uma ordem em que os
deuses e deusas se manifestam, fenômeno chamado de hierofania. Partimos também
de teóricos de diferentes áreas, como História, Filosofia e Geografia para pensar sobre
territorialidades sagradas, disputas entre os grupos religiosos na ocupação dos
espaços urbanos. Destacamos que o espaço sagrado e o espaço de agradecimento
não necessariamente são fixos. O que o torna sacralizado é compor uma lógica divina,
da ordem de manifestações do transcendental.

Já no segundo tópico nós refletimos sobre as funções sociais e religiosas dos


espaços sagrados. Partimos de teóricos de diferentes áreas para pensar como o
homem religioso significa o espaço religioso, a partir da memória coletiva, mas não
somente. Por meio da tática espaços são sacralizados por trás das normas
institucionalizadas da Religião. Para isso partimos de teórico clássico para a História
cultural das Religiões, como Michael de Certeau (1994). Assim, indicamos que esses
espaços fundam uma nova realidade e podem ser compreendidos como espaços de
hieroafania – manifestação do sagrado – e reatualização de cosmogonias – criação de
uma realidade por meio de um rito.

Partimos para o terceiro tópico discutindo sobre métodos possíveis para


abordar as religiosidades, as crenças e a fé na pesquisa científica. Compreendemos
um pouco mais sobre métodos distintos e complementares, como o descritivo,
analítico e o comparativo. Acenamos para a importância se de compreender os
movimentos de configurações e reconfigurações do processos dinâmico do campo
religioso brasileiro e da importância de se partir de categorias com rigor científico para
analisar como se constituem as histórias das crenças, por exemplo, a partir das
noções de sincretismo e disputa no mercado religioso.

Por fim, no tópico quarto trouxemos algumas discussões em torno dos métodos
e diretrizes para abordar espaços sagrados e as histórias da fé em sala de aula.
Indicamos que é fundamental assumir uma postura pedagógica que propõe a égide da
tolerância à todas as formas de manifestações de fé. Acenamos para a importância de
se compreender e passar adiante a noção de que vivemos em uma sociedade
pluralizada, com diferentes culturas e religiosidades. Destacamos que é papel do(a)
educador(a) defender que todas as práticas de fé e crenças devem ser respeitadas no
exercício da alteridade.

Com isso, querido(a) estudante, concluímos nossa proposta inicial. Esperamos


ter podido contribuir com sua formação para o estudo, ensino e pesquisa na área de
Religiões e Religiosidades. Nos esforçamos para produzir uma escrita de fácil acesso,
que mantenha o rigor científico e não reduza as complexidades que incidem sobre
esses debates. Acreditamos que com a leitura desse material, você possa se
familiarizar com algumas posturas críticas importantes para esse campo de pesquisa.
A partir desse conteúdo você tem acesso a um mundo onde pode ir buscar mais
conhecimento dos espaços sagrados e das histórias de fé.
LEITURA COMPLEMENTAR

1. SOUZA, R. L. de. Festas, procissões, romarias, milagres: aspectos do


catolicismo popular. Natal: IFRN, 2013.

2. AZZI, R. A teologia católica na formação da sociedade colonial brasileira.


Petrópolis: Vozes, 2004.

3. AZZI, R. O candomblé da Bahia. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

4. AZZI, R. O sagrado selvagem e outros ensaios. São Paulo: Companhia das


Letras, 2006.

5. BIRMAN, P. (Org.). Religião e Espaço Público. São Paulo: Attar, 2003.

6. BRANDÃO, S. (Org.). História das Religiões no Brasil. Recife: Universitária,


2001.

7. CALIMAN, C. (Org.). A sedução do sagrado. O fenômeno religioso na virada


do milênio. Petrópolis: Vozes, 1998.

8. ELIADE, M. Tratado de História de las Religiones. Madrid: Instituto de


Estudios Políticos/Biblioteca de Cuestiones Actuales, 1954.

9. SANSI, R. Fetiches e Monumentos. Arte pública, iconoclastia e agência no caso


dos “Orixás” do Dique de Tororó. Permanente, v. 1, n. 1, 2012.
LIVRO

Título: A morte branca do feiticeiro negro

Autor: Renato Ortiz

Sinopse: A incorporação do negro livre à sociedade, que surgiu da Abolição, produziu


um fenômeno central da cultura brasileira: a fratura do universo religioso dos escravos
e a assimilação de seus elementos pela tradição cristã. O resultado não foi a
africanização do cristianismo nos trópicos, mas a cristianização das religiões
africanas, que, só assim, puderam ser aceitas num ambiente dominado por uma elite
que se pretendia europeia. Em A Morte Branca do Feiticeiro Negro as relações entre
cultura e classes sociais no Brasil são analisadas pela inteligência viva e sensível de
um dos nossos maiores intelectuais.
LIVRO/FILME

Título: Híbridos, Os Espíritos Do Brasil

Ano: 2018

Sinopse: Híbridos, Os Espíritos Do Brasil desvela um dos grandes assuntos da nossa


geração – a espiritualidade está em voga em nossa sociedade e o seu epicentro é o
Brasil. A partir de quatro anos de pesquisa no Brasil – desde a maior procissão
católica do mundo a um desconhecido ritual indígena no Mato Grosso, de passes de
cura em centros espíritas a novos rituais com ayahuasca em São Paulo –, o
documentário revela os laços fraternos entre curandeiros, xamãs, místicos, devotos e
iniciados. Sem comentários, o filme é uma jornada musical através dos diversos
rituais, enquanto tece, aos poucos, um novo ritual – um ritual cinematográfico.
REFERÊNCIAS

A TARDE. Grupo A TARDE realiza cobertura especial da Lavagem do Bonfim


nesta quinta-feira. 2020. Disponível em:
https://atarde.uol.com.br/bahia/salvador/noticias/2115786-grupo-a-tarde-realiza-
cobertura-especial-da-lavagem-do-bonfim-nesta-quintafeira.

CAMURÇA, M. Entre sincretismos "guerras santas & quot: dinâmicas e linhas de força
do campo religioso brasileiro. Revista USP, n. 81, p. 173-185, 2009.

CARTA CAPITAL. Quem tem medo de macumba? 2018. Disponível em:


https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/quem-tem-medo-de-macumba/.

CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.

CROATTO, J. S. As linguagens da experiência religiosa: uma introdução à


fenomenologia da religião. São Paulo: Paulinas, 2001.

DAMATTA, R. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986.

DIRETRIZES CURRICULARES DA EDUCAÇÃO BÁSICA – Ensino Religioso.


Secretaria de Estado da Educação do Paraná, 2008.

ELIADE, M. Mito e realidade. 4. ed. São Paulo: Perspectivas, 1994.

ELIADE, M. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

FOLHA DO LITORAL. Procissão Terrestre tem mais de 200 anos de tradição.


2017. Disponível em: https://folhadolitoral.com.br/religiosidade/procissao-terrestre-tem-
mais-de-200-anos-de-tradicao.

GIL FILHO, S. F. Espaço sagrado: estudos em geografia da religião. Curitiba: IBPEX,


2008.

GONZAGA, G. M. Memórias, notícias e espaços a presença das religiões afro-


brasileiras em Maringá. 2018. 158 f. Dissertação (Mestrado em História) -
Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2018.

HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.

HERVIEU-LÉGER, D. O peregrino e o convertido. Petrópolis: Vozes, 2008.

INCONTRI, D.; BIGHETO, A. Ensino inter-religioso: teorias e práticas. Ensino


Religioso: memória e perspectivas. Curitiba: Champagnat, 2005.

MELLO, Wandyr Marques de. O Sagrado no “Sagrado” – Terreiros de Umbanda na


“Cidade de Anápolis”. Monografia (Graduação em Geografia) – Anápolis: UEG, 2006
NOGUEIRA, L. C. A hierarquização religiosa no espaço urbano - o caso das
Religiões Afro-Brasileiras. 14º Encuentro de Geógrafos de América Latina, Lima, 2013.

RICOEUR, P. A memória, a história e o esquecimento. Campinas: Unicamp, 2007.

ROSENDHAL, Z. O sagrado e o urbano: gênese e função das cidades. Rio de


Janeiro: Espaço e Cultura, 2008.

SANSI, R. Fetiches e Monumentos. Arte pública, iconoclastia e agência no caso dos


“Orixás” do Dique de Tororó. Permanente, v. 1, n. 1, 2012.

SANTOS, D. L. dos. Nas Encruzilhadas da cura: Crenças, saberes e diferentes


práticas curativas Santo Antônio de Jesus – Recôncavo Sul – Bahia (1940-1980).
2005. 231 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal da Bahia,
Salvador, 2005.

SILVA, R. R. da. O campo religioso brasileiro: historiografia e religiosidade. Revista


Lusófona de Ciência das Religiões, ano VII, n. 12, 2013.

SILVA, V. G. da. Neopentecostalismo e religiões afro-brasileiras: Significados do


ataque aos símbolos da herança religiosa africana no Brasil contemporâneo. Mana,
Rio de Janeiro, v. 13, n. 1, 2007.

SOUZA, R. L. de. Festas, procissões, romarias, milagres: aspectos do catolicismo


popular. Natal: IFRN, 2013.
UNIDADE IV
OS RITUAIS DE FÉ
Professora Me. Laís Azevedo Fialho

Plano de Estudo:
• Algumas reflexões teóricas sobre corpo e religião a partir da História Cultural em
diálogo com a Antropologia.
• Função social e religiosa dos ritos de iniciação e de passagem.
• Ritos Afro-brasileiros.

Objetivos de Aprendizagem:
• Estabelecer as disputas conceituais em torno dos ritos nas Ciência Humanas.
• Apresentar algumas reflexões teóricas sobre os ritos de iniciação e passagem a
partir das Histórias das Religiões e Religiosidades.
• Indicar algumas possibilidades de abordagens teórico metodológicas para a pesquisa
científica sobre os ritos.
• Apresentar e refletir sobre alguns ritos que fazem parte da cultura religiosa brasileira
demonstrando como deslocar tal tema para o âmbito escolar.
INTRODUÇÃO

Olá, querido (a) estudante da disciplina de História e Tradições Religiosas. Que


bom que estamos nos encontrando em mais uma etapa de nosso estudo. Espero que
você esteja entusiasmado para entrar em contato com novos conceitos e categorias
de análise, além de ampliar seu conhecimento sobre a presente temática.
Acredito que essa unidade pode proporcionar ferramentais teórico-
metodológicas relevantes para sua atuação como pesquisador(a) e/ou educador(a).
Convido você para essa imersão nas significações dos ritos sagrados de diferentes
religiões e religiosidades e dos diversos modos de significar e conceituair a relação
entre esses rituais e o corpo.
Considerando a relevância do estudo dos ritos e a relação entre corpo e religião
para a disciplina de História e Tradições Religiosas, organizamos esta unidade com o
objetivo de estabelecer as disputas conceituais em torno dessas reflexões nas Ciência
Humanas e aproximar o(a) estudante de estudos científicos sobre o assunto.
Apresentaremos e refletiremos sobre alguns ritos que fazem parte da cultura
religiosa brasileira, demonstrando como deslocar tal tema para o âmbito escolar a
partir de diretrizes específicas do ensino religioso laico.
Os temas dos rituais, ritos de passagem e de iniciação já são considerados
como clássicos nessa historiografia. Nesse sentido, o presente material pretende
realizar um breve levantamento bibliográfico, a fim de proporcionar um primeiro
contato com tal literatura. Não seria possível esgotar o assunto nessa unidade,
contudo apresentamos alguns trabalhos e teóricos que podem te orientar numa busca
mais minuciosa à posteriori.

Bons estudos!
1 ALGUMAS REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE CORPO E RELIGIÃO A PARTIR DA
HISTÓRIA CULTURAL EM DIÁLOGO COM A ANTROPOLOGIA

No presente tópico buscamos refletir sobre os estudos dos ritos de fé nas


Ciências Humanas. Sistematizamos diversas abordagens, produzidas em diferentes
tempos, e dentro de diferentes disciplinas das humanidades. Iremos explorar algumas
correntes teóricas passando por pesquisadores conceituados do tema, que balizam
até o presente momento as noções conceituais dos ritos e da relação entre
religiosidade e corporalidade ou corporeidade.
Não raramente associamos o rito a algo formal e arcaico, desprovido de
conteúdo, algo feito para celebrar momentos especiais e nada mais. Esse é o sentido
atribuído à essa prática no imaginário social popular. Para o(a) pesquisador(a) das
Religiões e Religiosidades é importante partir de outras bases, que considerem os
ritos em suas significâncias culturais e historicidade.
Nós já compreendemos em Unidades anteriores, mas vale retomar que a
História das Religiões, desde que seu objeto e seus fundamentos teórico-
metodológicos foram estabelecidos no século XIX, aborda as religiões
institucionalizadas e um conjunto diversificado de crenças, ritos e práticas. Os grupos
não institucionalizados, que possuem sentimento religioso e organização interna, que
identificamos como praticantes de uma religiosidade (ALBUQUERQUE, 2003).
Os estudos mais recentes nessa área do conhecimento buscam diversificar seu
escopo de interesse, temporalidades, abordagens, sujeitos e até o que considera fonte
– documento histórico, suporte fundamental para a pesquisa do(a) historiador(a).
Conforme Albuquerque (2003), as imutabilidades e essências das religiões
monoteístas paulatinamente foram substituídas por análises mais amplas e que
dialoguem com o aspecto sócio-cultural. Além disso, passa a admitir as interssecções
importantes como raça, gênero, sexualidade, geração etc. Assim, os discursos e
experiências religiosas são levados em conta em diálogo com aspectos políticos,
étnico-raciais, econômicos, institucionais, culturais, de gênero etc.
Nessa esteira de novos interesses e abordagens, a reflexão entre corpo e
religião tem ganhado notório espaço nos debates científicos na contemporaneidade.
Muitas das produções atuais que versam sobre o assunto partem dos trabalhos de
Michel Foucault e Pierre Bourdieu.
Cabe destacar que a análise do corpo na teoria social foi bastante impulsionada
pela recuperação da fenomenologia de Merleau-Ponty. Muitos dos pesquisadores têm
partido da noção de corporeidade (embodiment), que estabeleceu-se na literatura para
destacar a dimensão encarnada – corporificada – da cultura e das práticas sociais.
A antropóloga Miriam Rabelo (2011) nos ajuda a compreender um pouco do
tema no trabalho Estudar a religião a partir do corpo: algumas questões teórico-
metodológicas. Para ela,

[...] sensibilidade e entendimento não pertencem a dois campos


distintos de experiência - a primeira, captação passiva de estímulos
sensoriais; o segundo, construção ativa de significado. A experiência
corporal sensível é já experiência significativa. O aprendizado - seja da
arte, da religião ou mesmo da ciência - envolve também um treino da
atenção via cultivo dos sentidos. É um processo pelo qual
sensibilidades são despertadas, desenvolvidas e canalizadas rumo à
formação de hábitos e disposições mais duradouras (RABELLO, 2011,
s.p.).

Em diálogo com as ciências sociais podemos perceber uma atribuição cada vez
maior de espaço ao corpo e à sensibilidade. Algumas pesquisas com viés etnográfico
indicam as diferenças no modo como as culturas hierarquizam os sentidos e conferem
privilégio a certas experiências sensíveis. Outros trabalhos demonstram que é uma
tendência ocidental privilegiar outros modos de expressão que não o do corpo. Isso se
relaciona com a questão filosófica de que a existência não se manifestaria
necessariamente a partir do pensamento (Penso, logo existo/Sinto, logo existo)
(MELLOR; SHILLING, 1997).
Nesse sentido, existe um amplo campo de possibilidade para abordar o papel
da sensibilidade no aprendizado e na prática religiosa, que vai além de uma simples
descrição das experiências sensíveis produzidas nos rituais. Com aponta Rabelo
(2011, s.p.), “é preciso traçar os fios que conectam essas experiências a outras arenas
da vida social, encontrar os caminhos pelos quais elas desembocam, com maior ou
menor força, na vida cotidiana”.
A autora destaca que há uma relação importante a ser considerada entre corpo
e o lugar em que ele está circunscrito e construído historicamente. Já que nossos
modos de ação corporal correspondem a demandas sociais de engajamento do corpo.
Ou seja, nossos corpos podem desenvolver sensibilidades de acordo com o lugar
onde estamos inseridos socialmente.
O pesquisador Michael Jackson (1989) explora essa noção para pensar as
práticas de iniciação entre os Kuranko da Serra Leoa. Conforme ele, os ritos
constituem persistências desencadeadas por desorganizações do espaço cotidiano.
Ou seja, nas formas distintas do uso do corpo acionam-se gatilhos que produzem
novas imagens que se confrontam com outras possibilidades de organização do
mundo social. Essa seria uma chave pertinente para a compreensão do processo de
iniciação religiosa.
Já Duccini (2005), quando reflete sobre a inserção de grupos de camadas
médias no candomblé de Salvador, percebe os limites que aparecem nesse processo
de aprendizado do corpo em relação à pratica religiosa. Para ele, essa questão toca o
desenvolvimento de habilidades e sensibilidades que não são comuns no habitus de
classe dos adeptos.

Se os filhos de santo de classe média mostravam forte identificação


com o corpus mítico da religião e, em especial, com os seus orixás,
vivenciavam dificuldade na incorporação de gestos, posturas e
movimentos alheios a seu habitus de classe, mas definidores das
competências práticas exigidas dos que vinham a participar dos rituais
e a se inserir no cotidiano do terreiro - habilidades tanto relacionais e
interativas quanto técnicas (mover-se com grande quantidade de
roupa, dormir em esteira, permanecer acocorada, depenar galinhas,
tratar bichos) [...] tratava-se, para esses sujeitos, de muito mais do que
uma mudança de representações. Era preciso aprender a interagir, a
se situar bem diante do outro dentro das regras do grupo (DUCCINI,
2005, p.175).

O objeto de estudo do pesquisador aponta para uma reflexão importante que


toca o aprendizado religioso: aprender demanda a disponibilidade do corpo às
demandas dos lugares diante do processo de inserção religiosa. Faz-se necessário
elaborar novas posturas, exercícios e rotinas para responder a essas demandas. Para
Rabelo (2011, s.p.), “Os espaços sociais são recortados por relações de poder: o
desenvolvimento de sensibilidades nesses espaços está intimamente conectado à
constituição de formas de subjetividade a partir do exercício do poder sobre o corpo”.
Essas reflexões partem de preocupações de Foucault que relacionam poder,
corpo e subjetividade. Quando Saba Mahmood (2001) discorre, em seus estudos,
sobre o aprendizado religioso, passa por essas noções foulcaultianas. Ou seja,
tangencia de que modo os processos de subordinação dos corpos-sujeitos nos
espaços religiosos produzem novas modalidades de agência, ou seja, novas
capacidades de ação.
A autora postula que o modo como essa agência é despertada ou possibilitada
em uma dada sociedade está diretamente vinculada às técnicas de controle e
moldagem do corpo características dessa sociedade – técnicas que possibilitam que
um conjunto de sensibilidades, movimentos e posturas se organizem nos espaços
sociais. Sobre o assunto, Rabelo (2011, s.p.) diz que:

A produção de corpos dóceis que advém do exercício do poder nesses


espaços é parte integrante - e necessária - do processo pelo qual
habilidades e conhecimentos são desenvolvidos. Muitas vezes, a
sujeição a técnicas de controle e disciplina é fruto dos investimentos
práticos pelos quais os indivíduos buscam se transformar, ajustando-se
aos novos contextos significativos propostos pela religião e
periodicamente dramatizados nos rituais. Na terminologia de Foucault
(2004), são formas de cuidado de si.

A autora ainda apresenta duas análises que nos servirão como exemplo para
facilitar a compreensão do(a) leitor(a) desse complexo e importante debate. Na
primeira reflete sobre a relação entre corpo e religião a partir do candomblé. A autora
narra que

Ao entrar no quarto de santo para saudar seu orixá, a filha de santo já


se desfez de seus vínculos com a rua, está de branco e descalça.
Deita-se em frente aos assentos - se o seu orixá for masculino, deita-
se tocando a testa no chão; se for feminino, vira o corpo deitado de um
lado para o outro. Nessa posição, pode ser chamada pela mãe de
santo a bater o paó, série de palmas em reverência ao orixá. Depois,
pode ainda acender uma vela ao lado do assento, arriar uma pequena
oferenda, ou mesmo depositar aí um bilhete em que registrou seu
pedido. Só então conversa, calma e privadamente, com o santo [...] A
construção dessa história está intimamente ligada à maneira como
esses objetos sagrados mobilizam o corpo, solicitando cuidados,
exigindo certos gestos e posturas, convidando à atividade ou à
contemplação passiva (RABELO, 2011, s.p.).

A autora busca demonstrar que os ritos convocam o corpo-sujeito à responder


de acordo com a lógica religiosa presente ali. Ou seja, existe, naquela prática, uma
convocação ao corpo, uma demanda para que o corpo se comporte de determinados
modos.
Na segunda análise a antropóloga reflete sobre a questão a partir das práticas
da Igreja Universal (IURD). Ela narra que nos cultos havia um martelo que fora
distribuído como benefício de uma corrente. Todos que fizessem uma doação em
dinheiro recebiam um martelo de madeira. O pastor recomendou que o objeto fosse
utilizado sempre que seu portador precisasse de uma bênção. Um senhor subiu ao
púlpito da Igreja para dar um testemunho sobre um caso julgado no tribunal. Disse que
no dia de julgar o processo levou consigo o martelo recebido no culto, e que toda vez
que o juíz batia o martelo na mesa ele também batia o dele. Do modo como ele narrou
pareceu ser uma questão de demonstrar força nas batidas. O resultado provou a
vitória de Deus: seu martelo fora mais eficaz que o martelo do juiz.

O recurso a objetos, na Igreja Universal, é já bastante conhecido:


martelos, cruzes, pulseiras, garrafinhas com óleo. Faz parte de uma
estratégia de incentivar a participação e contribuição efetiva das
pessoas presentes ao culto - cada objeto tem um poder ou função
própria, está inserido em uma corrente e precisa ser adquirido
(comprado) para que os participantes se beneficiem. Expressa, sem
dúvida, o forte apelo à magia presente nas igrejas
neopentecostais.Gostaria de comentar um pouco sobre o papel do
martelo na cena. No caso relatado, o martelo recebido na igreja entra
em um embate particular com o martelo do juiz - o confronto entre a lei
dos homens e a lei de Deus ganha concretude no confronto entre seus
martelos. Em termos mais gerais, entretanto, o gesto de bater o
martelo na mesa permite a articulação da agência no curso de eventos
que tenderiam a passar sem tal articulação - eventos que seriam
"sofridos" ao invés de vivenciados no modo ativo. Nesse sentido, é
possível dizer que o martelo "solicita" ação, canaliza e estende o poder
do corpo em direção a uma interferência direta no contexto. A agência
encontra-se assim distribuída entre Deus, o homem e o martelo,
formando-se encontro dos três. Como no caso do assentamento, o
objeto não é simples intermediário de um sentido que lhe é externo: o
sentido se articula nele ou nas conexões que ele põe em movimento
(RABELO, 2011, s.p.).

Trouxemos esses apontamentos da autora para demonstrar um caminho


possível para pensar sobre a religião a partir do corpo. É possível articular essas
temáticas com noções como sensibilidade e agência nos contextos religiosos. Desse
modo, a inflexão analítica se centrará na unidade entre corpo e subjetividade para
falar de um sujeito encarnado. Superando a dicotomia entre sujeito e objeto e
conduzindo o estudo não só em direção a uma redefinição do subjetivo pela mediação
do corpo, mas também rumo a uma reflexão que recupere os nexos entre corpos,
lugares e coisas na dinâmica da experiência social. Por fim, a autora postula que “o
corpo não é uma entidade fechada ou separada do seu entorno por contornos bem
definidos. Estende-se para fora, abre-se aos lugares e sintoniza-se às coisas e
pessoas que constantemente o solicitam” (RABELO, 2011, s.p.).
Por fim, destacamos que a instrumentalização do corpo e suas potencialidades
é um interessante objeto de estudo para a compreensão de como os sujeitos
religiosos vivenciam a prática religiosa. Além disso, o corpo também pode ser visto
como locus da experiência ritual, canal multisensível pelo qual é subjetivamente
assimilada. O corpo pode ser compreendido, então, como sujeito e objeto ao mesmo
tempo, interseccionando socialidade e subjetividade em sua materialidade sensorial e
expressiva.
Esperamos que você tenha acompanhado as reflexões desses teóricos que nos
demonstram modos de abordar a religião a partir do corpo. Não somente esse corpo
como resultado, mas como significante mobilizador de práticas religiosas. No próximo
tópico continuaremos nossos estudos buscando categorias científicas que orientem
nossos estudos sobre a função social e religiosa dos ritos de fé. Te convido a
participar nessa imersão teórica junto comigo.

SAIBA MAIS
A importância do corpo extrapola a individualidade, nele se realizando a circulação de
motivos e atos, significativos e expressivos no que diz respeito aos processos e
relações sociais, manifestando, assim, uma linguagem intercomunicativa específica.
Fonte: Spaolonse (2006).
#SAIBA MAIS#

REFLITA
Você já havia parado para pensar, caro(a) estudante, que as disposições e técnicas
corporais são socialmente constituídas e revelam os lugares como contextos
adaptados a essas mesmas habilidades corporais e às classificações ou ideias
estereotipadas que elas corporificam?
Fonte: Rabelo (2011).
#REFLITA#
2 FUNÇÃO SOCIAL E RELIGIOSA DOS RITOS DE INICIAÇÃO E DE PASSAGEM

Olá, querido(a) estudante! Nesse tópico iremos buscar algumas bases


epistemológicas para a compreensão das funções sociais e religiosas dos ritos de fé.
Desse modo, iniciamos essa reflexão assinalando que há uma variedade de ritos que
presenciamos nos espaços profanos, cotidianamente, que muitas vezes nem temos
bagagem teórica para compreender dessa forma ou para classificá-los assim
Claude Rivière (1997) aponta em seus estudos sobre ritos profanos que desde
pequenos, na escola, já vivenciamos esses fenômenos sociais, histórico e culturais.
Pensando ainda na vida escolar a autora aponta a passagem do ensino médio para a
universidade, quando acontece o trote aos ingressantes (chamados, então, de
calouro). Para a autora, esse momento, como outros de uma dimensão profana da
vida, são passagens de etapas que atribuem aos indivíduos novas identidades e
novos papéis a serem desempenhados junto ao grupo com o qual convivemos, por
isso são ritos.
A autora Mariza Peirano (2003) reflete sobre o assunto a partir da “definição
operativa” de ritual. Para ela, nenhuma definição deve ser dada a priori, de modo fixo,
mas deve ser etnográfica, ou seja, aprendida pelo(a) pesquisador(a) em campo junto
ao grupo que ele observa. Desse modo, podemos afirmar que todos os grupos sociais
possuem acontecimentos ou eventos que consideram especiais e únicos; o que
precisamos perceber para defender a pluralidade e liberdade de culto é que as
sociedades fazem isso de formas muito diferentes. A autora utiliza o exemplo da copa
do mundo de futebol e da formatura, que são momentos “potencialmente rituais”. A
autora defende que os rituais podem ser religiosos, profanos, festivos, formais,
informais, simples ou elaborados.
Para Peirano (2003), o que deve ser analisado nos ritos não é o conteúdo
explícito, mas suas especificidades de forma, convencionalidade, repetição etc. Nesse
sentido, ela aponta que é importante que mobilemos nosso imaginário para considerar
outros valores de racionalidade que não somente os critérios de nossa sociedade, já
que estes não são necessariamente válidos para outros grupos. Outro aspecto
ressaltado pela autora diz respeito à relação do ritual com o cotidiano, para ela, o ritual
ressalta o que já é comum para um grupo social.
No trecho a seguir ela traz algumas definições conceituais, e as situações que
assim se caracterizam podem ser consideradas rituais. D acordo com seus critérios,

O ritual é um sistema cultural de comunicação simbólica. Ele é


constituído de seqüências ordenadas e padronizadas de palavras e
atos, em geral expressos por múltiplos meios. Estas seqüências têm
conteúdo e arranjos caracterizados por graus variados de formalidade
(convencionalidade), estereotipia (rigidez), condensação (fusão) e
redundância (repetição). A ação ritual nos seus traços constitutivos
pode ser vista como “performativa” em três sentidos; 1) no sentido pelo
qual dizer é também fazer alguma coisa como um ato convencional
[como quando se diz “sim” à pergunta do padre em um casamento]; 2)
no sentido pelo qual os participantes experimentam intensamente uma
performance que utiliza vários meios de comunicação [um exemplo
seria o nosso carnaval] e 3), finalmente, no sentido de valores sendo
inferidos e criados pelos atores durante a performance [por exemplo,
quando identificamos como “Brasil” o time de futebol campeão do
mundo] (PEIRANO, 2003, p. 11).

Nesse sentido, se formos tomar os critérios de classificação de Peirano (2003)


para entender mitos profanos, poderemos, então, admitir diversos eventos como
rituais, tais como o carnaval, o dia da Independência do Brasil ou as procissões
religiosas. Munidos dessas compreensões acerca dos mitos profanos, ampliaremos,
agora, a nossa visão sobre os rituais seguindo as indicações de outros autores.
Hellern, Notaker e Gaarder (2000) discorrem sobre vários ritos n’O livro das
religiões. Enfocam nas transformações mais significativas pelas quais passamos em
nossas vidas: nascimento, entrada na vida adulta, casamento, morte. Essas etapas da
vida são acompanhadas de rituais em quase todas as culturas e, por isso simbolizam
uma iniciação nas palavras dos autores. Mas será que toda passagem é
necessariamente uma iniciação? Essa é uma questão fundamental para nosso estudo,
e que irá se desenrolar durante essa unidade, já que consideramos que os
acontecimentos mais fundamentais de nossa vida são culturalmente representados.
Vamos sistematizar em tópicos alguns ritos, de acordo com o modo como
Hellern, Notaker e Gaarder (2000) os classificam:
• ORAÇÃO: de certo modo o mais simples de todos os ritos, a oração já foi
chamada de "casa de força da religião". Pode ser a comunicação
espontânea de um indivíduo com Deus e, nesse caso, não costuma ter
uma forma definida, uma vez que é expressa em termos pessoais. Pode
também se relacionar à dança, que pode ter a função religiosa de invocar
a chuva, ou preparar seus participantes para a caça ou a guerra.
• SACRIFÍCIO: é um elemento central no culto de muitas religiões. Em
geral é algo que as pessoas consideram valioso e oferecem aos deuses.
Pode ser constituído de frutas, primícias das colheitas, um filhote de
animal. Podemos distinguir entre vários tipos de sacrifício, dependendo
daquilo que o sacrificante deseja alcançar. Em todos eles é constante a
experiência do contato e da fraternidade.
• OFERENDA: é o tipo mais comum de sacrifício e provavelmente o mais
antigo. Pressupõe uma troca com os deuses. Uma oferenda de
agradecimento deve ser vista no mesmo contexto. É uma retribuição a
algo que os deuses proporcionaram, talvez algo pedido anteriormente.
Não deve ser visto como forma de barganha. O ato de dar e receber
presentes implica um tipo de associação. Quem dá e quem recebe ficam
unidos; e o objetivo das oferendas é também, em parte, alcançar uma
comunhão com os deuses.
• SACRIFÍCIOS DE ALIMENTOS: o motivo principal para o sacrifício de
um alimento é alcançar uma comunhão com os deuses. Quase sempre
se trata de uma oferenda animal, que depois é comida pelos
sacrificantes. Em regra, o sacrifício é oferecido aos deuses, mas pode
acontecer de a oferenda representar o próprio deus. Nesses casos, parte
do poder desse deus é transmitida aquele que come a oferenda.
• SACRIFÍCIOS DE EXPIAÇÃO: se um indivíduo cometeu um crime
contra os deuses e despertou sua ira, deve ser punido. Para apaziguar
os deuses e evitar uma vingança, ele pode fazer um sacrifício de
expiação.
• RITOS DE PASSAGEM: os ritos de passagem se associam às grandes
mudanças na condição do indivíduo. As principais transições marcadas
por esses ritos são o nascimento, a entrada na idade adulta, o
casamento e a morte. Tais ritos costumam simbolizar uma iniciação. O
nascimento é a iniciação na vida, enquanto a morte é a iniciação numa
nova condição no reino dos mortos ou na vida eterna.
• NASCIMENTO E MORTE: um recém-nascido está fisicamente vivo, mas
em muitas culturas só é aceito pela família e pela comunidade depois de
passar por certas cerimônias, como batismo, a circuncisão ou a
atribuição do nome. O significado de vários ritos de passagem se
destaca nas comunidades cuja vida religiosa dá muita importância ao
culto aos ancestrais. Um nascimento implica o prolongamento da
linhagem familiar e a continuação do culto aos ancestrais. O casamento
une um homem e uma mulher vindos de duas famílias distintas e é
preciso que os ancestrais de ambos os lados aprovem o casamento e a
união das duas famílias. Quando um indivíduo morre, a tribo perde um de
seus membros e advém uma crise. A vida e a tribo são ameaçadas por
forças hostis e devem se realizar cerimônias para restabelecer o
equilíbrio normal da vida. Ao mesmo tempo, os ritos de sepultamento
ajudam o falecido a chegar são e salvo ao reino dos mortos, onde ele
continuará a viver juntamente com seus antepassados.

Identificando as fases dos rituais, Arnold Van Gennep (1978) chama a atenção
para a visão geral do ritual e a importância de se analisar todas as fases, o antes e o
depois, já que todas são relacionais e compõem o rito. Assim, entendemos a frase do
autor que diz: “para os grupos, assim como para os indivíduos, viver é continuamente
desagregar-se e reconstituir-se, mudar de estado e de forma, morrer e renascer” (VAN
GENNEP, 1978, p. 157). O pesquisador é o primeiro a se atentar ao estudo dos rituais
como objeto de pesquisa, considerando que sua obra data de 1909. Nas palavras de
Roberto da Matta, na apresentação de uma das edições da obra de Van Gennep
1978, p. 18):

A grande descoberta de Van Gennep é que os ritos, como o teatro, têm


fases invariantes, que mudam de acordo com o tipo de transição que o
grupo pretende realizar. Se o rito é um funeral, a tendência das
seqüências formais será na direção de marcar ou simbolizar
separações. Mas se o sujeito está mudando de grupo (ou de clã,
família ou aldeia) pelo casamento, então as seqüências tenderiam a
dramatizar a agregação dele no novo grupo. Finalmente, se as
pessoas ou grupos passam por períodos marginais (gravidez, noivado,
iniciação, etc.), a seqüência ritual investe nas margens ou na
liminaridade do objeto em estado de ritualização.

Sendo pioneiro desse estudo o pesquisador influenciou toda uma geração,


entre eles o antropólogo Victor Turner, que se tornou uma referência para o estudo do
presente tema. Turner (1980) percebe os eventos conflitivos enquanto “drama social”,
nesse caso os ritos são acionados para resolver conflitos e rivalidades. O autor
buscou analisar os ritos de iniciação entre as meninas ndembu, grupo étnico
localizado no Zimbabwe. Em seu trabalho fala sobre a cerimônia realizada ao pé de
uma árvore específica como exemplo de ritos de iniciação.
Aponta, assim, que o protótipo dos ritos de passagem são os ritos de iniciação:
como os ritos de passagem, ritos de iniciação marcam a transição de um status social
para outro (morte e renascimento simbólicos). A iniciação seria, desse modo, a
sintética pelo qual os ritos de passagem operam. Mas a iniciação não seria só mais
um rito de transição, por ser também um rito de formação. Essa formação vai
diferenciar os participantes ou o círculo dos neófitos dos “de fora”, daqueles
exatamente não-iniciados. Em geral, as iniciações contam com ritos de inscrição nos
corpos de marcas, signos que tornam visível a formação de nova identidade
(escarificações, circuncisões, modificação do formato dos dentes, perfurações no nariz
ou lábios etc.).
Márcio Goldman (1987) também nos oferece importantes reflexões para pensar
os ritos e suas funções na formação da religiosidade. Sistematiza estruturas
elementares do pensamento antropológico em três modelos básicos de análise:

[um] primeiro esquema de origem durkheimiana de origem estrutural


funcionalista, [que] pretende derivar o ritual da ‘estrutura social’,
encarada como sistema concreto de inter-relações pessoais,
terminando por atribuir a ele uma função psicológica de reforço de
sentimentos comuns. Já o segundo modelo, de inspiração nitidamente
malinowskiana e utilizado hoje em dia por autores como Edmund
Leach e, especialmente, Victor Turner, inverte esta posição e, ao invés
de fazer derivar os sentimentos do ritual, pretende ver neste último
uma expressão direta daqueles. Finalmente, no terceiro caso, imagina-
se que o comportamento ritual não passa de transposição empírica de
certas idéias místicas adotadas pelo grupo (GOLDMAN, 1987, p. 106).

Lévi-Strauss é dos maiores teóricos do século XX da Antropologia e também é


acionado consideravelmente por pesquisadores da atualidade que produzem
pesquisas científicas sobre o assunto. O autor revoluciona os paradigmas até então
vigentes dos evolucionismos que reduziam as análises ao biológico e geográfico e
reduziam os povos não-europeus, tais como os aborígenes australianos e os
indígenas americanos, por exemplo, a grupos primitivos e/ou também produzem
sistemas classificatórios sofisticados, como, por exemplo, a taxinomia de um indígena
sobre a vegetação de um bosque ou as diferentes caracterizações que os esquimós
possuem para a neve.
Analisando o ritual, o antropólogo chama a atenção para a importância de
realizarmos uma diferenciação entre mito e rito, abordando o ritual como o modo pelo
qual as coisas são ditas. Os rituais, conforme o autor, são constituídos por dois
mecanismos estruturais básicos de funcionamento: a fragmentação e a repetição.
Ambas as operações obtêm o mesmo efeito, segundo Lévi-Strauss (1971, p. 603),
pois de uma certa maneira ambas buscam “restaurar a continuidade perdida do vivido
no próprio plano do pensado”.
Refletimos, então, nesse tópico, caro(a) estudante, como clássicos da
antropologia têm realizado o estudo dos rituais e como a História Cultural das
Religiões tem dialogado intimamente com tais categorias de análise. Podemos
compreender que o ritual coloca em prática o mito, o pensar humano, não são apenas
simples formalidades. As diversas abordagens teóricas demonstram a vitalidade do
estudo sobre os rituais, ajudando-nos a compreender um pouco mais determinada
sociedade, em um tempo e espaços, considerando seus valores pensados e vividos.
No próximo tópico continuaremos nossos estudos buscando compreender um pouco
mais dos ritos Afro-brasileiros, bastante importantes para a compreensão da cultura
nacional. Te convido a me acompanhar nessa incursão teórico-metodológica.

SAIBA MAIS
“No total, a oposição entre o rito e o mito é aquela do viver e do pensar, e o ritual
representa um abastardamento do pensar consentido as servitudes da vida”.
Fonte: Levi-Strauss (1971, p. 6).
#SAIBA MAIS#

REFLITA
Você já tinha se questionado que algumas práticas cotidianas, como os cumprimentos,
despedida dos pais; respeito à ordem com horários compartimentalizados na escola e
no trabalho, podem ser consideradas ritos profanos?
#REFLITA #
3 RITOS AFRO-BRASILEIROS

Olá, prezado(a) estudante! Considerando a falta de informação e o preconceito


construído historicamente por conta do racismo no Brasil para com as Religiões Afro-
brasileiras, atentando-nos também para a lei n. 10.369, que torna obrigatório o ensino
da história Africana e Afro-brasileira, dedicaremos esse tópico a pensar os ritos dentro
desse recorte. Não seria possível falarmos dos rituais presentes em todas as religiões
presentes no Brasil, logo a justificativa apresentada serve para orientar nossa escolha
metodológica. A lei supracitada justifica-se desse modo:

A demanda por reparações visa a que o Estado e a sociedade tomem


medidas para ressarcir os descendentes de africanos negros, dos
danos psicológicos, materiais, sociais, políticos e educacionais sofridos
sob o regime escravista, bem como em virtude das políticas explicitas
ou tácitas de branqueamento da população, de manutenção de
privilégios exclusivos para grupos com poder de governar e de influir
na formulação de políticas, no pós-abolição. Visa também a que tais
medidas se concretizem em iniciativas de combate ao racismo e a toda
sorte de discriminações (BRASIL, 2003, p. 10).

Se observamos de quando é datada esta lei, notaremos quão tardia foi tomada
uma medida em que o estado brasileiro se propõe a lidar com a questão de combate
ao racismo e reconhecimento da história de resistência dos afrodescendentes. Além
disso, medidas como essa são fruto de lutas do Movimento negro1, que pautam
questões sociais e antirracistas e demonstram a necessidade de discutir o racismo e
trazer para o espaço público as memórias diaspóricas que a população Afro-brasileira
carrega consigo.
Realizamos tal discussão porque o modo como a sociedade brasileira corrobora
o esquecimento em relação à dor da escravidão no Brasil incide diretamente no
processo como as divindades afro-brasileiras são apagadas, silenciadas e esquecidas

1
Conforme Lino Gomes (2012, p. 735-740) o movimento negro é “como um ator coletivo e
político, constituído por um conjunto variado de grupos e entidades políticas (e também
culturais) distribuídos nas cinco regiões do país. Possui ambiguidades, vive disputas internas e
também constrói consensos, tais como: o resgate de um herói negro, a fixação de uma data
nacional, a necessidade de criminalização do racismo e o papel da escola como instrumento
de reprodução do racismo [...] Foi no início do terceiro milênio que uma demanda educacional
do movimento negro desde os anos de 1980 foi finalmente contemplada. Em 2003, foi
sancionada a Lei n. 10.639, alterando os artigos 26-A e 79-B da LDB e tornando obrigatório o
ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas públicas e privadas de ensino
Fundamental e médio.
nas narrativas. A própria historiografia historicamente negou às práticas afro-religiosas
o signo da religião, tratando-as como doença (histeria), superstição, feitiçaria, crendice
ou folclore, como veremos no tópico seguinte. Somente nas últimas décadas o quadro
modificou-se consideravelmente.
Conforme a literatura especializada, podemos compreender que os iorubas
acreditam que o homem descende dos orixás e cada ser humano tem uma linhagem
que se refere a um ancestral específico. Cada um herda do seu orixá seus atributos,
predisposições e intentos. Os orixás regozijam-se e entristecem-se, perdem e vencem,
avançam e retrocedem, amam e odeiam (PRANDI, 2001). Essa crença está bastante
presente na estrutura do Candomblé, pois se trata de uma oralidade oriunda da Costa
Ocidental da África, disseminada para regiões de outros continentes, inclusive o Brasil,
na diáspora provocada pelo tráfico escravista. O sociólogo Bastide (1961) nos explica
que há diversas prática incorporadas às religiões Afro-brasileiras que vieram de
diferentes lugares da África, no entanto a cultura ioruba destacou-se e popularizou-se
e é por isso que vamos dar esse enfoque, mas não significa que atribuímos maior
valor à ela do que a religião Bantu ou Gêge.

Os candomblés pertencem a "nações" diversas e perpetuam, portanto,


tradições diferentes: Angola, Congo, Gêge (isto é, Ewe), Nagô (têrmo
com que os franceses designavam todos os negros de fala yoruba, da
Costa dos Escravos), Quê to (ou Ketu), Ijêxa (ou Ijesha). É possível
distinguir estas "na9ões" umas das outras pela maneira de tocar o
tambor (seja com a mão, seja com varetas), pela música, pelo idioma
dos cânticos, pelas vestes litúrgicas, algumas vêzes pelos nomes das
divindades, e enfim por certos traços do ritual. Todavia, a influência dos
Yoruba domina sem contestação o conjunto das seitas africanas,
impondo seus deuses, a estrutura de suas cerimônias e sua metafísica,
a Dahomeanos, a Bantos (BASTIDE, 1961, p.19).

Cabe ressaltar que se nega a legitimidade dessa religiosidade no Brasil por


conta do racismo e preconceito religioso, frutos do processo histórico colonial, que
relegou a essas religiões no pós abolição a espaços marginalizados, obrigando os
seus adeptos a manterem suas práticas e crenças em segredo, como nos explica
Prandi (2009, p. 51):

Desde os tempos de sua formação até recentemente, o candomblé


sofreu intensa perseguição por parte de autoridades do governo,
polícia e muitos órgãos da imprensa, que mantiveram nas páginas de
jornais campanhas odiosas contra uma prática religiosa que julgavam,
de forma preconceituosa, magia negra, coisa do diabo, coisa de negro,
enfim. Como se fosse uma praga prejudicial ao Brasil que devia ser
erradicada. O preconceito racial, que considerava o negro africano um
ser inferior ao homem branco, se desdobrou em preconceito contra a
religião fundada por negros livres e escravos. Ao longo de mais de um
século, em diferentes partes do país, terreiros foram invadidos,
depredados e fechados, pais e filhos de santo, presos, objetos
sagrados, profanados, apreendidos e destruídos. Isso obrigou o
candomblé a se esconder, buscando lugares distantes, às vezes no
meio do mato, para poder realizar suas cerimônias em paz.
Transformou-se numa religião de muitos segredos, pois tudo tinha que
ocultar dos olhares impiedosos da sociedade branca.

Agora que já apresentamos uma introdução e justificamos o nosso recorte


demonstrando a importância de tal estudo, passaremos de fato para a apresentação
de alguns ritos das religiões Afro-brasileiras. Traremos na íntegra alguns trechos da
obra O candomblé da Bahia: Rito nagô, de Roger Bastide, que apresentam alguns
aspectos dos ritos presentes nessa religiosidade.
• O SACRIFÍCIO:

[...] essa parte do ritual não é propriamente secreta; porém, não se


realiza em geral senão diante de um número muito pequeno de
pessoas [...] Teme-se sem dúvida que a vista do sangue revigore entre
os não-iniciados os estereótipos correntes sôbre a "barbárie" ou o
"caráter supersticioso" da religião africana. Uma pessoa especializada
no sacrifício, o axôgun ou achôgun, que tem essa função na hierarquia
sacerdotal, é quem o realiza ou, na sua falta, o babalorixá, sacerdote
supremo. O objeto do sacrifício, que é sempre um animal, muda
conforme o deus ao qual é oferecido: trata-se, conforme a terminologia
tradicional, ora de um "animal de duas patas", ora de um "animal de
quatro patas", isto é, galinha, pombo, bode, carneiro, etc. (BASTIDE, p.
1961, 21).

• A OFERENDA:

[...] o animal sacrificado passa das mãos do achôgun para as da


cozinheira que vai preparar o alimento dos deuses [...] o sangue
pertence de aos deuses; mas o resto do animal não é atirado fora, é
cozido e parte dêle será posta em travessas ou em pratinhos diante
das pedras ou dos pedaços de ferro pertencentes às divindades [...] a
cozinheira, que se chama iya-bassê ou abassá não se limita a preparar
o animal sacrificado; cozinha também tantos pratos quantos forem os
deuses chamados no decorrer da cerimônia, o amalá de Xangô, o
xinxin de galinha de Oxun, o arroz sem sal de Oxalá, etc. [...] O resto
do alimento será consumido no fim da cerimônia pelos fiéis, e até
mesmo pelos simples visitantes. Foram estas descendentes de
africanas que mantiveram assim através do tempo a cozinha religiosa
africana, a qual, penetrando na cozinha profana, passou em seguida
dos santuários para as salas de jantar burguesas, constituindo uma das
glórias da Bahia (BASTIDE, 1961, p. 22).

• O PADÊ DE EXU:
[...] a cerimônia pública prôpriamente dita começa quando o sol se põe
e se prolonga por muito tempo noite adentro. Tem início
obrigatôriamente com o padê de Exú, do qual muitas vêzes se dá uma
interpretação falsa [...] Dizem que Exú é o diabo. Exú é, na verdade, o
Mercúrio africano, o intermediário necessário entre o homem e o
sobrenatural, o intérprete que conhece ao mesmo tempo a língua dos
mortais e a dos Orixás, pois êle o o encarregaâo - e o padê não tem
outra finalidade - de levar aos deuses da África o chamado de seus
filhos do Brasil. O padê é celebrado por duas das filhas de santo mais
antigas, a dagã e a sidagã, ao som de cânticos em língua africana,
cantados sob a direção da iya têbêxê e sob o contrôle do babalorixá,
diante de um copo d'água e de um prato contendo o alimento de Exú. O
copo e o prato serão depois levados para fora da sala em que se
desenrolará o conjunto da cerimônia, sendo depositado numa
encruzilhada que é dos lugares preferidos de Exú (BASTIDE, p. 1961,
p. 22).

Figura 1 - Padê de Exu

Fonte: https://wopita.com/media/2352453781201760562_28455937426

• O CHAMADO DOS DEUSES:

[...] os três tambores do candomblé também são intermediários entre os


homens e deuses, são: o rum, que é o maior; o rumpi, de tamanho
médio, e o le, que é o menor. Não são tambores comuns ou, como se
diz ali, tambores "pagãos"; foram batizados na presença de padrinho e
madrinha, foram aspergidos de água benta trazida da igreja, receberam
um nome, e o círio aceso diante dêles consumiu-se até o fim. E
principalmente "comeram" e "comem" todos os anos azeite de dendê,
mel, água benta e o sangue de uma galinha. Os três tambores que têm
o poder de evocar a vinda dos Orixá (BASTIDE, 1961, p. 23).

• AS DANÇAS PRELIMINARES:
[...] os deuses são chamados numa certa ordem que varia de
candomblé para candomblé, mas que, por ocasião das festas públicas,
é muitas vêzes a mesma em santuários determinados. Esta ordem é
conhecida como xiré: Começa por Exu para terminar por Oxalá. Cada
divindade recebe um mínimo de três cânticos [...]: Os cânticos, todavia,
não são apenas cantados, são também dançados", pois constituem a
evocação de certos episódios da história dos deuses, são fragmentos
de mitos, e o mito deve ser representado ao mesmo tempo que falado
para adquirir todo o poder evocador. O gesto juntando-se à palavra, a
fôrça da imitação mimética auxiliando o encantamento da palavra, os
Orixá não tardam a montar em seus cavalos à medida que vão sendo
cliamados (BASTIDE, p. 1961, p. 26).

Figura 2 - Xirê

Fonte: Wikidança (2020).

• A DANÇA DOS DEUSES:

[...] depois de um intervalo, durante o qual ·às vêzes é servido um


lanche aos convidados importantes, filhas e filhos de santo retornam ao
salão de dança. Mas não são mais, nesse momento, apenas filhos e
filhas de santo, são os próprios deuses encarnados que vêm se
misturar um momento aos adeptos brasileiros. O ritmo da cerimônia
não se modifica; têm lugar as mesmas evocações dos Orixá em ordem
determinada, sempre com o mesmo mínimo de três cânticos
regulamentares, diante de um público cheio de fervor e respeito. Os
gestos, porém, adquirem maior beleza, os passos de dança alcançam
estranha poesia. Não são mais costureirinhas, cozinheiras, lavadeiras
que rodopiam ao som dos tambores nas noites baianas; eis Omolú
recoberto de palha, Xangô vestido de vermelho e branco, Yemanjá
penteando seus cabelos de algas. Os rostos se metamorfosearam em
máscaras, perderam as rugas do trabalho cotidiano, desaparecidos os
estigmas dessa vida de todos os dias, feita de preocupações e de
miséria; Ogun guerreiro brilha no fogo da cólera, Oxun é roda feita de
volúpia carnal. Por um momento, confundiram-se Africa e Brasil; aboliu-
se o oceano, apagou-se o tempo da escravidão (BASTIDE, p. 1961, p.
30).

• RITOS DE SAÍDA E COMUNHÃO:

[...] o êxtase só chega. ao fim quando forem cantados os cânticos de


unló, cujo objetivo é justamente mandar embora os Orixá. Estes são
entoados na ordem inversa das invocações, começando pelas
divindades chamadas em último lugar para terminar por ·aquelas que
vieram primeiro; à medida que a litania de nomes vai se desenrolando,
as pálpebras fechadas vão se abrindo, o rosto perde a máscara da
divindade, a personalidade normal reaparece. O último cântico tem
lugar no pegí, como se o desejo fôsse de que a fôrça mística, que tinha
rompido as amarras, regresse às pedras banhadas de sangue, aos
pedaços de ferro que estão "comendo" a oferenda alimentar (BASTIDE,
1961, p. 31).

• INICIAÇÃO:
[...] o processo iniciático compreende entre outras coisas a lavagem
das contas (colar de miçangas que todos iniciados recebem, amuleto
sagrado) e o eborí, o rito de "dar comida à cabeça". O ponto central da
iniciação consistiria, pois, em administrar ervas especiais que agem
como drogas sôbre as candidatas, reduzindo-as a um estado de
atordoamento, mantendo-as então sob uma espécie de dominação
hipnótica e estabelecendo-lhes no espírito, quando estão nesse estado
de desagregação mental, uma associação entre o desencadear de
certas músicas e o transe; [...] Tanto na lavagem das contas quanto no
bori, por meio do banho de ervas ou pelo sangue, era a cabeça
colocada em comunicação com a pedra da divindade que terá que
cuidar durante todo o resto da sua sua vida à qual dá de comer [...] O
processo leva meses, a fixação do Orixá na cabeça da filha não se faz
senão lentamente, etapa por etapa, desde a entrada no santuário até
mergulho que lhe marca o fim [...] Terminada a aprendizagem,
confirmado o Orixá, resta "fixar" o santo mais fortemente e de maneira
definitiva, à cabeça. Começa-se, como na primeira parte, por oferecer
sacrifícios a Exú e aos Eguns. Raspa-se inteiramente o crânio da
candidata com uma faca virgem; seja para que o santo possa penetrar
por qualquer orifício, como afirmam alguns habitantes da Bahia, seja
para levar a candidata ao estado de criancinha que vai nascer para
uma vida nova [...]Sabe-se que tôda mudança de personalidade se
traduz obrigatoriamente por uma mudança de nome. Todavia, o
babalorixá consulta a sorte para saber se o nome trazido do continente
negro é de fato conveniente. Deve haver identidade entre a resposta de
lfa e a intuição do neófito (iniciado) em estado de transe (BASTIDE,
1961, p. 41-54).

Com o trabalho de Roger Bastide (1961) buscamos apresentar alguns ritos


presentes em algumas religiões Afro-brasileiras, em especial o Candomblé de tradição
Iorubá. Para o(a) pesquisador(a) das Religiões e Educador(a), tal conteúdo pode ter
muito relevância, pois trata-se de práticas que constituem a religiosidade brasileira.
A falta de conhecimento acerca desses ritos evoca estigmas e preconceito.
Para pensarmos em uma educação antirracista, democrática e plural temos que
considerar e pensar a partir de outros pontos de vistas, inclusive dos homens e
mulheres religiosas que constituem o grupo mais perseguido no Brasil por conta de
sua fé, os praticantes de ritos Afro-brasileiros. Esperamos que tenha sido uma boa
leitura para você, que tenha se familiarizado com algumas bibliografias e conceitos
importantes que incidem sobre o estudo dos ritos, em especial os ritos presentes na
formação religiosa brasileira.

SAIBA MAIS
Hector Julio Paride Bernabó, conhecido como Carybé é um famoso pintor que
representou nas telas muitas das crenças e práticas do candomblé Baiano. Carybé
expressou na linguagem plástica os costumes, os ofícios, as crenças e os folguedos
do povo baiano, exaltando neles a beleza e dignidade da raça negra, como nenhum
artista baiano jamais fizera.
#SAIBA MAIS#

REFLITA
O conhecimento acerca dos ritos de outros grupos sociais e culturais nos faz perceber
de modo diferente as nossa próprias práticas e ritos, a partir uma perspectiva mais
ampla.
#REFLITA#
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro(a) estudante, concluímos aqui a incursão sobre o estudo dos ritos e da


relação entre corpo e religião, proposto para a quarta unidade.
No primeiro tópico estudamos a relação entre corpo e religião. Em diálogo com
as ciências sociais podemos perceber uma atribuição cada vez maior de espaço ao
corpo e à sensibilidade. Identificamos algumas categorias e referenciais teórico-
metodológicos que nos orientam a pensar a religião a partir do corpo e não somente o
contrário, como já é tradição consolidada na historiografia.
Já no segundo tópico nós refletimos sobre algumas bases epistemológicas para
a compreensão das funções sociais e religiosas dos ritos de fé. Compreendemos que
o ritual é um sistema cultural de comunicação simbólica muito importante para o
sujeito religioso e, por isso, um tema amplo e bastante interessante. Identificamos
alguns modelos de análise, como o proposto por Marcio Goldman (1987) e algumas
categorizações, como as presentes em Hellern, Notaker e Gaarder (2000).
Por fim, no último tópico apresentamos a importância de conhecer ritos que são
brasileiros, mas estigmatizados por conta do racismo estrutural e do preconceito para
com as produções culturais e religiosas dos afrodescendentes no país. Trouxemos
algumas informações acerca dos ritos presentes no Candomblé de tradição ioruba, a
partir da obra do pesquisador renomado Roger Bastide (1961).
É de suma importância que, como sujeitos dispostos a apreender a história e
tradição das religiões e religiosidades, consideremos pensar amplamente deslocando
o nosso imaginário social para compreender melhor as cosmovisões que permeiam os
sujeitos religiosos para os quais olhamos. Acenamos para a importância de se
compreender e passar adiante a noção de que vivemos em uma sociedade
pluralizada, com diferentes ritos e práticas religiosas e que todas devem ser
respeitadas. Exercitemos a alteridade!
Com isso, querido(a) estudante, concluímos nossa proposta inicial. Esperamos
ter podido contribuir com sua formação para os estudos dos ritos a partir da História
das Religiões e Religiosidades. Nos esforçamos para produzir uma escrita de fácil
acesso, que mantenha o rigor científico e não reduza as complexidades que incidem
sobre esses debates. Acreditamos que com a leitura desse material, você possa se
familiarizar com algumas posturas críticas importantes para esse campo de pesquisa.
LEITURA COMPLEMENTAR

● GOLDMAN, M. O dom e a iniciação revisitados: o dado e o feito em religiões de


matriz africana no Brasil. Mana, v. 18, n. 2, p. 1-20, 2012.
● GOMES, N. L. Movimento negro e educação: ressignificando e politizando a
raça. Educação & Sociedade, v. 33, n. 120, p. 727-744, 2012.
● HALL, S. Da diáspora: identidade e mediações culturais. Organizado por Liv
Sovik. Belo Horizonte: UFMG, 2006.
● MAGGIE, Y. Guerra de orixá: um estudo de ritual e conflito. Rio de Janeiro:
Zahar, 1975.
● MUNANGA, K. Apresentação. In: MUNANGA, K. (Org.). Superando o racismo
na escola. 2. ed. Brasília: MEC, 2005.
● PESAVENTO, S. J. História & história cultural. 2. ed., Belo Horizonte:
Autêntica, 2008.
LIVRO

Título: A ciência encantada das macumbas


Autor: Luiz Antonio Simas e Luiz Rufino
Sinopse: Nesse conjunto de ensaios, Luiz Antonio Simas e Luiz Rufino propõem uma
interpretação do Brasil a partir do conhecimento acumulado na macumba e em outros
saberes populares. Para os autores: “No Brasil terreiro, os tambores são autoridades,
têm bocas, falam e comem. A rua e o mercado são caminhos formativos onde se
tecem aprendizagens nas múltiplas formas de trocas. A mata é morada, por lá vivem
ancestrais encarnados em mangueiras, cipós e gameleiras. Nos olhos d'água
repousam jovens moças, nas conchas e grãos de areia vadeiam meninos levados.
Nas campinas e nos sertões correm homens valentes que tangem boiadas. As curas
se dão por baforadas de fumaça pitadas nos cachimbos, por benzeduras com
raminhos de arruda e rezas grifadas na semântica dos rosários. As encruzilhadas e
suas esquinas são campos de possibilidade, lá a gargalhada debocha e reinventa a
vida, o passo enviesado é a astúcia do corpo que dribla a vigilância do pecado. O
sacrifício ritualiza o alimento, morre-se para se renascer. O solo do terreiro Brasil é
assentamento, é o lugar onde está plantado o axé, chão que reverbera vida”.
FILME/VÍDEO

Título: A boca do mundo – Exu no Candomblé


Ano: 2009
Sinopse: Uma abordagem etnográfica e experimental sobre as múltiplas
manifestações culturais de Exu, orixá/deus da religião afro-brasileira candomblé. A
realização desse documentário subverte as formas tradicionais de realização
documental e parte de oficinas de capacitação em audiovisual com adeptos do
candomblé, considerando a intimidade dessas pessoas com os aspectos relacionados
a Exu, sejam eles materiais ou espirituais. Ao trazer membros da religião para a
captação das imagens, objetiva-se tornar a representação mais interessante e
verdadeira. Depoimentos de Mãe Beata de Iemanjá, ialorixá do Rio de Janeiro, e
outras pessoas que vivem o candomblé.
REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, E. B. de. Distinções no campo de estudos da Religião e da História.


In: GUERRIERO, S. (Org.). O estudo das religiões: desafios contemporâneos. São
Paulo: Paulinas, 2003, p. 57-68.

BASTIDE, R. O candomblé da Bahia: Rito nagô. São Paulo: Companhia Editora


Nacional, 1961.

BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei n. 9.394, de 20 de


dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para
incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e
Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Brasília: Presidência da República,
2003.

DUCCINI, L. Diplomas e Decás: re-interpretações e identificação religiosa de


membros de classe média do candomblé. 2005. Tese (Doutorado em Ciências
Sociais) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005.

GOLDMAN, M. A construção ritual da pessoa: a possessão no Candomblé. In:


MOURA, C. E M. de (Org.). Candomblé: desvendando identidades. São Paulo: EMW
Editores, 1987.

HELLERN, V.; NOTAKER, H.; GAARDER, J. O livro das religiões. São Paulo:
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CONCLUSÃO GERAL

Prezado(a) aluno(a),

Neste material, busquei trazer para você alguns conceitos para pensar as
práticas religiosas dentro de um bojo de estudos da História das Religiões e
Religiosidades. Identificamos que existem diversos modos de se pensar e viver
o mito como uma realidade complexa, como uma história verdadeira que funda
o mundo e dá sentidos para ele.

Destacamos também que existem diversos modos de se atribuir sentidos e


significados aos símbolos. Compreendemos algumas categorias de análise,
classificação e definição deles, juntamente com suas funções religiosas.
Tratamos também de algumas posturas metodológicas para o estudo de tal
tema, como a hermenêutica de Ricoeur (1977) e algumas abordagens didáticas
possíveis para o âmbito escolar.

Levantamos aspectos teóricos e metodológicos sobre os espaços sagrados e


como eles respondem a fundamentos ontológicos, têm um caráter particular e
são sacralizados por rituais e liturgias, de acordo com a fé, de maneira a compor
uma ordem onde os deuses e deusas se manifestam. Acenamos para a
importância se de compreender os movimentos de configurações e
reconfigurações do processos dinâmico do campo religioso brasileiro a partir de
categorias validadas em um campo teórico, como sincretismo.

Estudamos a relação entre corpo e religião em diálogo com as ciências sociais


identificando algumas categorias e referenciais teórico metodológicos que nos
orientam a pensar a religião a partir do corpo e não somente o contrário, como
já é tradição consolidada na historiografia. Compreendemos que o ritual é um
sistema cultural de comunicação simbólica muito importante para o sujeito
religioso e por isso um tema amplo e bastante interessante.

A partir de agora acreditamos que você já está preparado para seguir em frente
desenvolvendo ainda mais seus estudos que busquem compreender como
homens e mulheres de diferentes tempos e espaços vivem os mitos, os
símbolos, os espaços sagrados e os ritos. Pratiquemos a alteridade!

Até uma próxima oportunidade. Muito Obrigada!

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