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INTRODUÇÃO À

HERMENÊUTICA
AULA 1 - DEFINIÇÕES onde ele foi escrito, um contexto de vida que é diferente do
nosso. Então, o Anthony Thiselton abre o leque hermenêutico

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esta aula, nós vamos aprender um pouco sobre o falando que é como exploramos, lemos, compreendemos
que é hermenêutica, qual a tarefa da hermenêutica e lidamos com textos. E fala que não é só uma ideia de
e por último vamos ver duas coisas: a primeira entender, mas aplicar como nós vamos responder a esses
é a importância de estudar e por último a relação da textos.
hermenêutica com outras disciplinas. Durante essa aula
vamos tentar introduzir os princípios básicos desse assunto. Observe que a hermenêutica, portanto, é uma área
desafiadora de compreensão de um texto que, na maioria das
De início, vamos observar o que é hermenêutica. Vamos vezes, está em outro contexto histórico, geográfico e literário.
procurar alguma definição. Primeiro, hermenêutica é uma Dito isso, olhando para essa definição, podemos observar
forma de ler, não são simples regras para se ler bem, mas que interpretar um texto bíblico, interpretar, por exemplo,
como nós podemos ler de forma apropriada, digna e correta o texto de Apocalipse, como posso entender de forma
de um determinado texto. Para colocarmos aqui de um modo apropriada e entender corretamente a ideia de simbolismo?
mais formal, vamos usar a definição de Anthony Thiselton, Como entender os símbolos do livro de Apocalipse?Existe
um dos maiores expoentes da hermenêutica bíblica mundial. algum princípio que me ajude a entender esse livro? Ou
Ele diz o seguinte: “Hermenêutica explora como lemos, como na literatura de sabedoria. Será que existe uma
compreendemos e como lidamos com textos, especialmente forma apropriada de ler, entender e aplicar quando estamos
aqueles escritos em outro momento ou em um contexto de tratando com um texto de literatura de sabedoria? Tudo isso
vida diferente do nosso [...] A hermenêutica bíblica investiga é, em si, hermenêutica. A hermenêutica é esse processo
mais especificamente como lemos, entendemos, aplicamos e de entender o texto. Não são simples regras, mais uma
respondemos aos textos bíblicos”. vez, porque isso vai ser às vezes muito complexo. Não é
que vou entender o que é uma parábola, como interpretar
Observe que existe algo muito importante na definição de uma parábola que eu não vou ter dificuldade de interpretar
Thiselton que é a ideia de compreender o texto de uma as parábolas em Mateus. Eu tenho que ter cuidado porque
forma apropriada. Além disso, entende-lo dentro do contexto as parábolas de Mateus não podem ser simplesmente
equiparadas às parábolas em Marcos. Cada uma tem suas

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particularidades apesar do gênero comum de parábolas. preciso entender que a minha situação sócio-histórica vai
Então, esse é um processo complicado. influenciar na leitura daquele texto e eu preciso lidar com
isso. Eu preciso trazer à tona os meus pressupostos. Eu
Já que saímos da ideia de definição de hermenêutica vamos tenho que ter consciência dos meus pressupostos modernos
entender agora a tarefa hermenêutica. A tarefa hermenêutica e lutar pela interpretação do texto. Não existe um B-A-BA
como o Stanley Porter colocou em seu livro. Basicamente, quando lidamos com eles. É impossível se livrar de nossos
a tarefa hermenêutica é uma relação de três coisas entre si, pressupostos. O que podemos fazer na interpretação é
ou uma relação tripartida, que envolve autor, texto e leitor. torná-los cada vez mais conscientes. Então, no processo
A ideia do Porter é que a tarefa do hermeneuta é entender o de hermenêutica – de compreensão, entendimento, leitura
autor do texto e sua intenção dentro de um texto. Segundo, o apropriada do texto dentro de seu contexto – vou olhar para
texto em seu contexto histórico-cultural. E terceiro, a situação o autor e tentar compreender sua intenção. Vou olhar para o
do leitor desse texto e do contexto sócio-histórico em que ele texto e procurar entendê-lo dentro de seu contexto histórico,
está envolvido. e vou trazer à tona o contexto sócio-cultural-histórico para
que eu me torne mais consciente dos pressupostos e, assim,
consiga lidar com interpretação sem fazer com que minha
Em outras palavras, a ideia do Porter é a seguinte: quando influência de pressupostos prejudique a minha interpretação
estou lidando com a hermenêutica e quero interpretar esse textual.
texto da forma apropriada dentro de seu contexto histórico,
há três coisas que preciso entender que é a minha tarefa:
Uma centrada no autor; outra centrada no texto; e a outra Grant Osborne em Espiral Hermenêutica coloca a tarefa
centrada no leitor, no próprio intérprete. Em termos do autor, hermenêutica de três formas.1) O que ela significa; 2) O
quero entender a intenção autoral dele. Quando estamos que ela significa para mim; 3) como vou compartilhar o que
tratando de um texto, o texto não é algo acima do autor. significa para mim. Em outras palavras, quando procuro
Colocando de outra forma, eu procuro entender o que o autor entender as intenções autorais, o texto no seu contexto,
tinha em mente quando escreveu aquele texto. Segundo, trazer à tona meus pressupostos para interpretar os textos,
eu preciso entender o texto propriamente dito dentro de a minha tarefa é basicamente resumida em três pontos:
seu contexto histórico-literário como já falamos. E terceiro, interpretação, aplicação e propagação. Exegese, devocional e
homilética. Então, essa é a tarefa hermenêutica.

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Vamos então para a importância. Osborne vai dizer que “a foi Deus que falou. Veio da parte de Deus. Ela é importante
hermenêutica é importante porque capacita a pessoa a se porque conheço o que Deus disse. Em segundo lugar, posso
movimentar do texto para o contexto, para que o significado aplicá-la de forma correta. Em terceiro lugar, posso evitar
inspirado por Deus na Bíblia fale hoje com uma relevância interpretações erradas, porque tem partes mais difíceis.
tão nova e dinâmica quanto em seu ambiente original”. O Porém, com uma boa hermenêutica, saberei lidar melhor
texto é importante porque queremos entender esse texto com as partes difíceis e não perverter o texto em termos das
para trazer e aplicar de forma apropriada sem perverter interpretações fáceis. Além disso, a hermenêutica bíblica é
esse texto e assim perder o seu poder.Além disso, ele importante porque estou lidando com um livro antigo de uma
continua, “pregadores ou professores devem anunciar a outra língua em um outro tempo com uma distância cultural e
Palavra de Deus em vez de suas opiniões religiosas repletas geográfica. É preciso mergulhar no mundo do texto para sair
de subjetividade. Só uma hermenêutica bem definida pode de lá encharcado e andar encharcado no meu mundo.
manter alguém atrelado ao texto”.
Já dizia o Thiselton no seu livro “New Horizons in
Temos interpretações muito loucas, hermenêuticas bastante hermeneutics” quando ele aplica o conceito de Jauss,
viciadas. As pessoas têm pressupostos do coaching. O um linguista hermeneuta do século XIX. Quando nós
grande problema é quando pego todos aqueles pressupostos mergulhamos no mundo do texto e mergulhamos com
e quando Paulo fala sobre ser feliz, leio logo como conceito expectativa de sermos transformados. Não para mudar
de coaching. Quando Paulo fala sobre as bênçãos de Deus, o texto, mas para ser mudado pelo texto. Ou, como D. A.
eu já ligo com Teologia da Prosperidade em termos materiais, Carson coloca não para dominar o texto, mas para ser
não procurando entender o texto dentro de seu contexto. Eu dominado pelo texto. Essa é a importância da hermenêutica
não procuro entender as intenções autorais e assim, com
certeza, essa aplicação será pervertida. Então, a importância Tratando agora da interdisciplinaridade da hermenêutica,
pode ser resumida da seguinte forma: é importante porque, temos que entender que a teologia possui várias partes.
através de uma boa interpretação, posso conhecer o que Ela possui várias áreas: exegese; teologia bíblica; teologia
Deus disse. A Bíblia claramente coloca isso em termos de sistemática; teologia histórica e da teologia pastoral.
inspiração. A Bíblia é inspirada por Deus. Não em termos de Ora, o que é exegese? É quando através de análise
inspiração artística, mas em termos que foi Deus que aspirou,

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gramatical, crítica textual, consigo ter meu primeiro passo dizendo se é apropriado ou não fazer algum tipo de relação
de compreensão do texto. Você pode perguntar: “mas ou qual seria a relação apropriada a ser feita entre esses dois
hermenêutica não é como entender?”. A hermenêutica períodos históricos.
perpassa todas as disciplinas, porque ela é uma forma de
compreensão de todo o processo de leitura teológica. A teologia sistemática é atemporal e eterna. Ela me doutrina.
Ela vai dizer o que devo crer independentemente do meu
Quando estou fazendo exegese, estou procurando momento histórico. A teologia histórica que é o que os outros
estabelecer o texto, estudar contexto histórico, literário no passado entenderam sobre determinada área teológica
e tudo isso vou fazer através da exegese. Porém, quem ou determinado texto bíblico. É importante porque nós não
vai dar o norte dizendo se a análise está correta ou não é nascemos no vácuo. A interpretação bíblica não nasceu
a hermenêutica. Ela vai dizer se o processo exegético é hoje. Já há um processo histórico acontecendo. A teologia
apropriado ou não.Enquanto a exegese é como se fosse o histórica, basicamente, vai dizer que Deus deu mestres para
pedreiro, a hermenêutica é o arquiteto ou o engenheiro. a igreja, mas não somente em 2020. Deus deu mestres para
a igreja desde o início e preciso aprender deles sabendo
Além disso, tenho a teologia bíblica. Teologia bíblica é como eles compreenderam, porque eles podem me ajudar a
quando quero entender o que o autor dentro de seu contexto compreender melhor o texto.
histórico-redentivo está me dizendo. Por exemplo, quando
leio em Hebreus que mudando o sacerdote, muda-se também E na teologia pastoral vemos como o texto vai criar pernas
a lei, tenho que entender o momento histórico-redentivo. dentro da igreja ou de uma vida específica. A hermenêutica
Se é antes ou depois de Cristo que aquele texto está sendo vai fazer relação de tudo isso dizendo se esse processo
escrito, porque, quando entendo que, ao mudar o sacerdote exegético está correto. Se a análise gramatical está
também muda-se a lei, a teologia bíblica vai dizer como apropriada ou não. A hermenêutica vai dizer se essa
vou relacionar isso com outro momento da história da relação entre momentos históricos da bíblia está correta.
redenção, no caso, quando Moisés estabelece a lei para o A hermenêutica vai dizer se essa implicação doutrinária
povo no Sinai. A teologia bíblia é como relacionamos esses da teologia sistemática está correta. A hermenêutica vai
momentos históricos diferentes. A hermenêutica vai estar aí dizer se determinado pai da igreja, no período da Reforma

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ou assim por diante teve uma interpretação correta. A
hermenêutica ajuda o pastor a aplicar melhor a interpretação
de determinado texto, ou conceito teológico dentro da vida
pastoral.

A hermenêutica é basicamente uma forma de pensar. Não


são meras regras. É uma forma de motivação para entender
o texto dentro de seus próprios termos da forma mais
apropriada possível. Para isso, revisando, vamos precisar
entender que hermenêutica é uma forma de compreensão
desse texto dentro do seu contexto histórico, cultural,
literário etc. A tarefa hermenêutica é basicamente procurar
entender a intenção do autor por meio de uma análise
apropriada do texto em seu contexto e tomar cuidado para
que nossos pressupostos não influenciem profundamente
na interpretação desse texto, mas que seja transformado por
esse texto.

A importância é porque, assim, podemos compreender o que


Deus nos diz, podemos aplicar de forma correta, podemos
evitar interpretações erradas, vamos mergulhar no mundo
do texto porque ele é longe em termos históricos, culturais
e literários. Assim, essa tarefa vai me ajudar a fazer uma
relação melhor entre as disciplinas teológicas.

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AULA 2 - PRINCÍPIOS ser transformado de alguma forma. Você lida com ele com
calma, você trata-o como Palavra de Deus na sua vida. Então,

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esta aula, nós vamos aprender um pouco sobre oração e meditação é o primeiro princípio hermenêutico
os princípios hermenêuticos. Nossa proposta é desprezado por alguns, mas essencial como exercício correto
dar algumas bases para que mais na frente você da leitura e da interpretação bíblica.
possa se aprofundar em questões hermenêuticas. Vamos
falar de alguns princípios que podem parecer para alguns O segundo princípio é o seguinte: Nós devemos olhar Cristo
extremamente básicos, mas se não forem ditos haverá como o centro e o nosso clímax de interpretação. Ele é nossa
problemas pela frente. espécie de pedra de esquina, alvo. Alguns chamam isso de
leitura cristotélica. Isso é diferente da leitura cristocêntrica.
O primeiro princípio de interpretação é que ele deve ser Na hermenêutica cristocêntrica, usando esse termo de uma
feito num ambiente de meditação e oração. É muito maneira um pouco negativa, a ideia é tentar relacionar tudo
importante que a hermenêutica não se perca numa espécie a Cristo independente do seu sentido primário e objetivo. De
de academicismo vazio. Afinal, estamos tratando de um livro alguma forma nessa visão, Davi era Jesus, Moisés era Jesus,
santo, a Bíblia. Usando de forma metafórica a história de Josué era Jesus. Passa-se a relacionar tudo para Jesus de
Moisés, estamos num terreno santo e devemos tratar o livro forma imediata. Porém, precisamos respeitar o texto. Apesar
como ele exige ser tratado. Poderíamos tratá-lo de forma de haver boas intenções em fazer uma hermenêutica nesse
seca, mas não é assim que a Bíblia chama a ser interpretada. tipo, devemos ter cuidado. É melhor usar o termo leitura
Ela chama a ser interpretada com oração, ou seja, com cristotélica. Ou seja, o telos, o alvo é sempre olhar para
comunhão com seu autor último e meditação. Cristo. Ou seja, como Moisés vindo antes de Cristo prepara
o caminho da salvação. Como Jesus deve ser visto à luz das
Algumas pessoas querem separar essas duas coisas: narrativas do Antigo Testamento e como este deve ser feito à
oração de estudo. Essas duas coisas precisam estar luz da nova vida agora em Cristo Jesus. É uma ideia de como
unidas. Geralmente, elas estão unidas no que chamamos olho o que foi à luz daquele que é e há de ser.
de meditação. A meditação é uma espécie de leitura
orante, onde você mergulha no texto com expectativa de Algumas pessoas dizem que Cristo é a chave hermenêutica.

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Geralmente, o que querem dizer com isso é que se qualquer que um texto diga o que o outro está dizendo. É quando
outro autor sair do espírito de Cristo, para eles isso é a paz uso um texto para falar tudo do outro texto. Eu digo que o
e o amor, então, deve ser considerado como irrelevante. batismo para os mortos em Coríntios é aquilo que Tiago fala
Por exemplo, se Paulo falar sobre juízo, então Paulo não em tal texto. Isso pode ocorrer, mas o princípio de analogia
está no espírito do amor de Cristo e isso deve ser cortado. fidei é que preciso ter como padrão e pensar na Bíblia como
Essas pessoas utilizam o termo chave hermenêutica mais um todo para interpretar outro texto bíblico. Ou seja, o que
para fazer uma espécie de seleção do que eles querem é o batismo pelos mortos? A analogia fidei vai me ajudar a
do que a Bíblia diga para eles. Isso é uma forma errada de dizer o seguinte: não pode ser uma espécie de súplica pelos
interpretação bíblica. Nossa leitura deve ser vista e sempre mortos, porque a Bíblia diz que os mortos têm o direito de
concluída com a pergunta “como Cristo se relaciona com morrer só uma vez e depois vem o juízo. Ou seja, no princípio
tudo isso?” Isso é ser cristotélico. de analogia fidei não quero que um texto diga tudo sobre o
outro. Cada texto tem sua interpretação particular, mas os
O terceiro princípio é o que chamamos de analogia fidei. textos podem ajudar o que outro texto não é e me dá pistas
Alguns utilizam esse termo de forma contrastante à para dizer basicamente como interpretar aquele outro texto.
analogia entis, mas não quero usar em termos apologéticos Então, é importante, ao ler a Bíblia, ter em mente toda a
ou filosóficos. A ideia é que a Escritura é o caminho para Bíblia.
interpretar a Escritura. Eu devo sempre usar a Bíblia para
interpretar a própria Bíblia de forma essencial e na hora de Quarto ponto: Gênero. Existem padrões textuais. Não
interpretar textos difíceis preciso ter de forma clara na mente escrevemos em um limbo na nossa cultura. Quando uma
os textos mais claros. Como isso pode funcionar da melhor pessoa vai contar uma história, chamamos de narrativa.
forma possível? Quando ela vai estruturar em paralelismos e rimas, isso
é uma poesia. Estruturamos os textos dentro de alguma
Pense em textos como batismo pelos mortos (1 Co 15.29). forma. Para interpretar a Bíblia, a pista essencial é que
É um texto complicado. E aqui entra o princípio da analogia você descubra que gênero é aquele, porque, assim, você vai
fidei, ou seja, como é que eu posso utilizar esse princípio de conseguir entender as estratégias do autor. Vou entender
uma forma correta? Usá-lo de forma errada é quando quero como se forma uma narrativa. Vou entender como se
interpreta uma poesia. Vou entender como se interpreta uma

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literatura profética. Vamos aprender, no decorrer do curso, palavras que estão ao lado daquele versículo. Existem tipos
alguns princípios para entender esses gêneros. Ao interpretar de contextos. Esse é o quinto princípio importante.
o gênero, sabendo qual ele é, fica mais fácil interpretar um
texto. O sexto e último: o princípio da comunidade interpretativa. É
importante saber que nós em nosso século não começamos
O quinto princípio é o do contexto. Como você já deve ter a fazer interpretação do zero. O cristianismo já tem um longo
escutado, texto fora de contexto é motivo para pretexto. Isso histórico de intérpretes e interpretações. A comunidade
é uma verdade muito precisa. A ideia é a seguinte: Todo texto de Deus, a comunidade cristã, tem o próprio Espírito que a
está envolvido em algumas direções de interpretação. Por protege, guia para o céu. É muito importante que a nossa
exemplo, quando falo a palavra “banco”, essa palavra não interpretação seja comunitária. O que seria isso? Seria que
pode ser vista totalmente fora de contexto. Preciso de um eu devo entender como os intérpretes do passado dentro da
contexto para interpretá-la. Vou olhar as palavras que estão minha comunidade interpretavam aquilo. Como aquilo que
de lado: “sentou”; “puxou uma cadeira”; “puxou um banco”. estou interpretando se relaciona com as doutrinas essenciais
Agora já estou formando um contexto. Estou sabendo onde da minha comunidade. Na comunidade cristã histórica, o
está aquele versículo. Existem vários tipos de contexto: cristianismo como um todo, as doutrinas essenciais que nós
o histórico, saber o que estava acontecendo, quem era o cremos. Ou seja, uma leitura comunitária vai prestar atenção
imperador da época, quem era as pessoas que governavam, no histórico passado, em como foi ou não interpretado.
em que tempo foi escrito, quais os costumes, como era o Isso nos ajuda a permanecer dentro da nossa comunidade
mundo religioso etc. É muito importante saber o contexto interpretativa.
histórico. Pegue 1 Coríntios, por exemplo, quando Paulo fala
que não era para irem ao templo é importante saber o que São esses seis princípios básicos de interpretação bíblica:
era e o que acontecia naquele templo. Tudo isso é ir atrás de Oração, ou leitura orante; leitura cristotélica; analogia fidei;
contexto. É muito importante que você faça isso.Contexto gênero; contexto; e comunidade interpretativa. São esses
histórico; contexto cultural; contexto religioso da época; princípios que podem te guiar a ter uma interpretação bíblica
contexto literário, que é a ideia de saber qual é o gênero; com excelência.
contexto do parágrafo, entender qual o tópico naquele
momento do texto; e também o contexto imediato sobre as

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AULA 3 - CONTEXTO William Klein diz algo importante: “para que a nossa
interpretação de qualquer texto bíblico seja válida, ela deve

​N
esta aula, nós vamos aprender um dos princípios ser coerente com o contexto histórico-cultural desse texto”.
mais importantes na interpretação bíblica: o contexto. Continuando ainda falando sobre a importância, Fee e
Vimos que sem contexto não existe uma interpretação Stuart falam o seguinte: “O verdadeiro significado do texto
bíblica correta. Não podemos pegar um texto e interpretar bíblico para nós é o que Deus originalmente pretendia que
da forma como queremos. Precisamos respeitar o autor, significasse quando foi falado pela primeira vez”.Por isso que
respeitar o texto, o momento que ele foi escrito, o lugar precisamos entender o texto lá para depois fazermos essa
que ele foi escrito, o propósito para o qual ele foi escrito e ponte de aplicação para o texto aqui.
entender que precisamos analisar sempre o contexto.
As razões para estudar o contexto são várias. Vamos listar
Qual a importância disso? Craig Keener nos fala algo muito apenas três.Uma palavra pode ter múltiplos significados.
importante nessa área. Ele nos lembra que Deus não nos O exemplo que damos é geralmente a palavra banco ou
ditou a maior parte da Bíblia na primeira pessoa. Ele não manga. Eu preciso do contexto. Segundo, preciso saber o
disse: “Porque eu sou Deus, falarei diretamente a todos pensamento e o campo semântico. Às vezes, uma palavra
em todos os tempos e culturas”. “Deus (a fonte última) vai ter um sentido que vai está sendo usado, mas é possível
falou, através dos escritores humanos das Escrituras (fonte ter outros sentidos.Eu preciso entender dentro desse
imediata), necessidades reais de pessoas num determinado campo de significado qual é o mais apropriado. Terceiro,
momento, numa determinada cultura”. Por isso é importante evitar interpretações falsas. Como algumas pessoas fazem
buscarmos o contexto. Saber para quem Deus falou, quem aplicando Salmo 2.8 aplicando diretamente a si como numa
foi a audiência, qual foi o propósito, qual foi o tempo, o que espécie de confissão positiva.
estava se passando na medida do possível na vida daquela
igreja, daquele povo. Por exemplo, no caso de Israel, qual Vamos ver algumas coisas básicas de como podemos
era o cativeiro que eles estavam. Qual foi o motivo da ida determinar o contexto. Existem duas coisas. Em primeiro
para esse cativeiro. Quanto tempo passaram ali. É muito lugar, o contexto do livro e o contexto da palavra, da frase.
importante procurarmos entender o contexto em que um Primeiro vamos olhar para o contexto do livro. Leia o livro
texto foi feito.

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todo várias vezes mesmo que você queira interpretar um criatura, como pecadores, como seres criados. É preciso
versículo. Segundo, encontre fatores históricos como é entender no contexto imediato o que ele quer dizer com
o caso de 1 Tessalonicenses 2.2 onde Paulo dá fatores isso. No caso de João 3.16, por exemplo, não é o mundo
históricos na cidade onde estava. É importante você criado somente, é um mundo que é pecador, iníquo, sem
identificar os fatores históricos em Colossenses, por fé em Jesus e o texto está dizendo que Deus amou. Já em
exemplo, quando Paulo fala para a carta também ser lida outros textos dá para perceber que “mundo” é uma parte
em Laodicéia. Ou os fatores históricos em Romanos. Paulo das pessoas, ou judeus e gentios. A ênfase está na etnia.
dizendo que vai para Espanha. Todos esses fatores são A palavra salvação nem sempre é espiritual. Pode ser uma
importantíssimos na interpretação hermenêutica. Então, salvação física, pode ser uma salvação da grande tribulação
primeiro, leia o livro várias vezes; segundo, encontre fatores no caso de Mateus 24 e assim por diante. Então, procure
históricos no próprio livro e você pode usar introduções que no contexto imediato o sentido da palavra e tente entender
lhe ajudem a se localizar. como ela se encaixa dentro do contexto imediato ali.

Terceiro, procure o propósito do livro. Por exemplo, João Segundo, olhe não só no contexto imediato, mas tente olhar
20.31. Observe o propósito como em 1 Jo 1.4. Selecione os o parágrafo como um todo. Tente procurar onde o autor
propósitos dos livros. Procure pelo propósito do livro como iniciou o assunto e onde ele terminou aquele assunto. Tente
um todo. Então é isso que se deve procurar para descobrir o entender dentro desse tópico como um todo. Dentro do
contexto do livro. Primeiro, ler várias vezes todo o livro para parágrafo. A ênfase aqui é simples e não é preciso achar
entender a mensagem, para entender tudo. Essa parte de ter que é algo místico. Viu uma palavra então tenta ver em que
um primeiro contato com um livro; segundo encontre fatores tópico ela se encontra dentro do livro. Por exemplo, ele fala
históricos; e terceiro procure pelo propósito do livro. nesse trecho sobre os pais. No caso de Mateus 16.28, por
exemplo, como alguns dos que estão ali vão ver a vinda do
Agora é preciso determinar o contexto das palavras ou Filho do Homem, mas os apóstolos morreram. Você verá que
frases. Se você está buscando interpretar uma palavra ou dentro do parágrafo há a transfiguração, ou seja, o Filho do
frase, procure no contexto imediato. No caso da palavra Homem glorificado. Você percebe que existe um elemento
mundo. Ela pode ser usada de várias formas. Mundo como escatológico logo depois. Em Mateus 3.11, a questão do
fogo, qual é o contexto do fogo? Você vai observar dentro do

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contexto que há uma ideia de julgamento. estavam no meio de nós, mas não eram de nós. Ou seja,
tenho que olhar no contexto da Bíblia como um todo.
Terceiro, procure onde essas palavras e a mesma ideia
aparecem no livro como um todo. Não só no contexto Então, o contexto é um processo de aprendizagem. Você
imediato, não só no parágrafo, mas como a palavra mundo, precisará de livros para lhe ajudar, comentários, Bíblias de
por exemplo, se repete. Como a palavra graça se repete. estudo, mas a grande importância não é se você sabe lidar
Como a palavra fundamento se repete. Tanto nos exemplos com cada detalhe. Antes de tudo, se você está consciente de
de 1 João e Efésios que você pode ver. que é necessário olhar a palavra em seu contexto imediato,
contexto do parágrafo, contexto em todo o livro, contexto
Quarto, procure passagens paralelas, mas observe a ordem em toda a Bíblia. E também identificar o contexto do livro,
que fizemos aqui. Por exemplo, passagens de Apocalipse que data, fatores históricos, culturais, religiosos, procurar dentro
se parecem com passagens de Daniel. Passagens em Gálatas do próprio livro esses fatores históricos e assim tentar
que se parecem muito com as de Romanos. Passagens em se ambientalizar ao máximo com o texto para que você o
Colossenses que se parecem com as de Efésios. Passagens interprete corretamente.
em Judas que se parecem com passagens de 2 Pedro.
Procure por passagens paralelas.

Por último, procure o conceito em toda a Bíblia. Essa ordem


é muito importante e deve ser feita só no final. Por exemplo,
como o Novo Testamento como um todo encara a morte?
O que é a morte para todo o Novo Testamento ou para os
outros escritores? O que é a morte para o cristão? Daí vem
a importância da Teologia Sistemática. Sobre a segurança
da salvação. Como é que passagens falam que crente não
perde a salvação, ninguém pode perecer, que estão na mão
de Jesus e foram salvos, mas outras passagens dizem que

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AULA 4 – NARRATIVAS não terei tudo que aconteceu de forma exaustiva. O narrador
está selecionando por meio de seu ponto de vista aspectos

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esta aula, vamos aprender um pouco sobre como importantes daquela história. Ele está selecionando algo ali
interpretar as narrativas bíblicas. Observe que boa de dentro. A primeira coisa que você deve entender é o papel
parte do Antigo Testamento é poesia ou aquilo que desse narrador e como ele está querendo que você entenda
chamamos de narrativa ou prosa que têm a ver com o enredo a história. É preciso entender que ele está te dando uma
de alguma história. É muito importante que olhemos para perspectiva daquilo que está acontecendo e é isso que você
os princípios interpretativos das narrativas. Veremos alguns deve prestar atenção. Muitas vezes ficamos muito ansiosos
princípios básicos para a interpretação desse gênero tão com o resultado de uma narrativa enquanto o narrador
importante. São nove princípios. não nos dá. Então, você deve observar que muitas vezes o
narrador quer que você fixe os seus olhos naquilo que ele
Primeiro, tenho que entender a perspectiva do narrador. está te apresentando.
Algumas vezes o narrador faz parte da história, ele faz parte
daquilo que está sendo contado. Nesse sentido, o narrador Segunda coisa é o enredo. Isso significa que toda narrativa
terá uma visão limitada porque está dentro da história. No bíblica terá uma conexão de partes entre elas: O início, meio
caso de Esdras, por exemplo. Mas na maioria das vezes em e o fim. A maioria das narrativas do Antigo Testamento
que ocorre algum tipo de narrativa do Antigo Testamento, envolve o que chamamos de conflito e resolução. Onde nos é
ou do Novo, o autor está falando em terceira pessoa. Ele apresentado todo o contexto do que está acontecendo, todos
está descrevendo a história. Dessa forma, é como se fosse os personagens e nos apresentado algum conflito. O clímax
onisciente na história. É como se ele olhasse a história como dessa narrativa é a resolução desse conflito. O enredo é
um todo e não sofresse limitações daquele que faz parte da muito importante. Olhe para uma narrativa e entenda o início
história. Isso significa que todo narrador que está olhando dela, o desenrolar dela e o fim. Você tem que ter isso em
para aquela história, está olhando do seu ponto de vista. Às mente na hora de interpretar uma narrativa, na hora de querer
vezes, ele vai dar o ponto de vista de Deus de alguma coisa entender pontos teológicos, na hora de entender o propósito
e outras vezes vai dar o seu próprio ponto de vista. Ou seja, dela etc.
se ele está olhando aquela narrativa do seu ponto de vista,
ele selecionará algo dessa narrativa. Em uma história bíblica

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A história de José, por exemplo, em Gênesis . Tente descrever tal ponto. Geralmente, livros, comentários, ou
identificar o começo. Identifique o meio, onde há o conflito, Bíblias de estudo iniciam com o propósito do livro. Isso seria
e o clímax desse conflito. Depois, ainda no meio, tenho a intenção de entender a intenção desse livro.
a resolução desse conflito e no final a conclusão, as
implicações desse conflito agora resolvido. Sétimo, observe o lugar daquela narrativa no todo do livro. É
claro que é mais difícil, mas observe como Abraão é central
Terceiro, olhe os personagens. Olhe os personagens em toda narrativa de Gênesis. Olhe como os filhos de Jacó
principais e os secundários. É muito importante que você se tornam centrais em toda narrativa de Gênesis. O grande
tenha isso em mente. desafio é entender a intenção dentro do todo. Talvez esse
seja um dos maiores desafios interpretativos: entender o
Quarto, observe o pano de fundo. Isso é a informação de lugar daquela história no todo. Por que Gênesis termina com
background. Essas informações são a tentativa de identificar a história de José? Ele quer explicar como o povo chegou
dentro do texto o lugar e o momento histórico que aquilo está até onde estava. Como o povo ficou em cativeiro. Ele quer
acontecendo. Por exemplo, em qual cativeiro? Israel está em explicar isso para poder entrar em Êxodo. Você fazer a
qual momento histórico? A narrativa de Moisés se passa no conexão de porque aquela história está no final é muito
Egito. importante. Mais uma vez, comentários vão te ajudar a fazer
isso melhor.

Quinto, selecione todos os diálogos dessa narrativa. Entenda


que os diálogos são importantes de se entender. Oitavo, olhe a teologia da narrativa. Obviamente que
narrativas são mais descritivas que prescritivas, mas dentro
dessas narrativas você pode perguntar sobre Deus. O que
Sexto, é preciso entender a intenção daquela narrativa. eu aprendo sobre Deus? Sua justiça, fidelidade, santidade
Muitas vezes a intenção é explícita. Observe o final da etc. Vou observar Levítico. Levítico narra aquelas leis e
história de José que tudo aquilo aconteceu para uma devo perguntar o que isso expressa sobre Deus. O que
preservação da própria linhagem do Messias. Às vezes vai isso expressa sobre a condição do homem? O que isso
ser explícito, às vezes vai ser implícito na narrativa. Porém, expressa sobre a condição do que ele precisa? O que Deus
é preciso ler várias vezes e entender que a intenção foi

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está fazendo com Israel e o que isso expressa do próprio aquilo expressa sobre o que o homem precisa e como Deus
caráter de Deus? Muitas pessoas leem essas narrativas teve misericórdia deles. De uma outra forma, preciso tirar
com um profundo foco no homem. E sim, podemos olhar os princípios daquelas leis. Princípio que eu devo descansar.
personagens nas narrativas como exemplos, como algum Posso olhar como princípio, mas princípio não é lei.Vou olhar
pecado ou virtude sendo destacados. Porém, o foco inicial como lei aquilo que olho no Novo Testamento e vejo que o
e principal é perguntar sobre Deus. Como Deus está agindo Novo Testamento está reafirmando aquilo de uma forma
em toda a sua bondade, misericórdia, soberania, santidade, ou de outra, mas preciso olhar para a lei de Cristo, para a
justiça e amor. Então, pergunte sobre Deus. lei do Novo Testamento. Para os princípios e leis que nos
são dados na pessoa de Jesus, nas cartas de Paulo e tudo
E por último, o lugar dessa narrativa em todo o processo aquilo que é ensinado dentro no Novo Testamento. É muito
histórico da Bíblia. Aqui olhamos, por exemplo, Abraão e importante ver isso dentro de um processo histórico. Ora,
como ele é chave para o novo testamento. Então, já estou eu para as leis civis, como a de emprestar dinheiro, e devo
desse lado do novo e já consigo ter a luz da narrativa do olhar aquilo como um princípio para mim. Por mais que
Novo Testamento. Isso é feito fazendo todos os links que não estejamos debaixo da lei mosaica, mas ali tem algum
o Novo Testamento faz com o Antigo. Olho Hebreus, olho princípio interessante de sabedoria. Então, tenho que extrair
como Abraão é descrito e quando for ler sua história já vejo aquele princípio.
à luz do Novo. As leis são narrativas que descrevem, antes
de tudo, todas as coisas que são dadas ao povo dentro da Vamos pegar o exemplo do sábado. O Shabat que estava
aliança mosaica. Quando olho isso dentro do processo de dentro da lei mosaica não está dentro da lei da nova aliança.
redenção, vejo que no Novo Testamento não estamos mais Não vemos isso no Novo Testamento. Vemos que o sábado
debaixo da lei mosaica, mas debaixo da Nova Aliança. Então, é relacionado com o descanso em Cristo. Qual é o princípio
preciso olhar aquelas narrativas de Lei dentro desse contexto que posso extrair do quarto mandamento? O princípio que
histórico redentivo. Ou seja, no Novo Testamento é dito que devo descansar. Por ser um princípio, preciso entender que
ao mudar o sacerdote, muda-se a Lei. A pergunta que fica aquilo é algo bom para minha vida quando eu o faço. Posso
é: como vou aplicar essas leis do Antigo Testamento na olhar para todas as narrativas do Antigo Testamento com a
minha vida? Pergunte o que aquilo expressa sobre Deus. O ideia de extrair princípios para a minha vida. E aquelas leis
que aquilo expressa sobre a pecaminosidade humana. O que que percebo que são reafirmadas no Novo, olhar realmente

15
como lei, mas através das lentes de Cristo, do que ele falou, forma prática e profunda na minha vida. Então, há uma
do que ele ensinou. Olho todas as leis do Antigo Testamento, questão de foco nessas narrativas e o foco principal é Deus.
aquelas que não são reafirmadas como princípio, mas olho O foco principal é a história de Israel. Como Deus tem agido
tudo o que está lá à luz do ensino de Jesus. Ou seja, é muito na história de Israel com o ápice no Messias e como Deus
importante olhar as narrativas da lei, as narrativas dos livros está levando a história para o seu clímax quando estivermos
históricos à luz desse processo histórico. Agora estamos todos reunidos no Novo Céu e Nova Terra.
numa Nova Aliança. A maneira como vou interpretar aquilo
tem que ser à luz dessa Nova Aliança dentro desse processo
histórico. Se você pega a narrativa de Davi, por exemplo,
com o gigante, olho como Deus foi fiel e como agiu com
misericórdia para Israel diante daquilo. Olho e posso extrair
dali, com certeza, que Deus é misericordioso e que está
pronto para aqueles que dependem dele. Não foi a espada,
a pedra, ou algo em Davi que fez aquilo, mas foi o poder de
Deus que operou através dele. Na nossa pequenez, Deus
ainda age não por causa de nós ou por causa de Israel,
mas apesar de nós e de Israel. Então, quando olho para
Deus nas narrativas consigo extrair muitas lições para mim.
Quando olho para a pequenez de Davi, quando olho para a
pecaminosidade de Israel. Quando olho para aquilo, vejo algo
de mim. Isso tudo posso ver à luz de Jesus e o que ele fez
na nossa vida através das lentes da Nova Aliança. Posso ver
nas leis de Levítico que por mais que Jesus tenha declarado
puros todos os alimentos, vejo como Deus é santo e como
ele está preocupado em fazer que seu povo seja santo nos
mínimos detalhes. Santidade é algo dos pequenos momentos
e não são das grandes conferências. Posso aplicar de uma

16
AULA 5 – POESIA pergunta que devemos fazer é: “quais são os princípios para
interpretarmos de forma correta as poesias?”. A primeira

N
esta aula, vamos aprender sobre o gênero literário da coisa que devemos ter em mente é quais são os tipos de
poesia. A poesia forma basicamente 1/3 do Antigo poesia ou estrutura poética que temos? São diversas e
Testamento. É um recurso literário extremamente aqui vamos citar algumas. Principalmente aquelas que
usado pelos escritores do mundo antigo. Se a poesia possui podemos chamar de canção. Não por conta de que são
tanta importância assim, devemos prestar mais atenção, necessariamente músicas, mas por conta da sua estrutura,
saber os princípios básicos de uma interpretação de uma por conta da sua métrica e assim por diante.
poesia. A poesia é um tipo de linguagem utilizada para
expressar conceitos, sentimentos, emoções mais complexas, Temos poesia que são expressas em canções de guerras
conceitos que não podem ser concretizados como amor, (Ex 15; Jz 5). Temos as canções de amor, como Cantares
esperança, justiça e assim por diante. formando esse tipo literário. Temos canções de lamento,
como os mais de 60 salmos. Esses lamentos podem ser
A poesia, muitas vezes, no Antigo Testamento vai estar individuais, algo pessoal de um salmista, ou algo corporativo,
junto com algum tipo de narrativa, ou algum tipo de prosa. como o estado de uma comunidade ou um reino. Também
Como no caso de Êxodo 4.15 ou Juízes 4.5 onde há uma temos canções ou hinos de louvor que também formam
mistura. A pergunta que devemos fazer é: “quais são os os salmos como osalmo 139, por exemplo. Temos hinos
princípios para interpretarmos de forma correta as poesias?”. poéticos de ações de graça como o salmo 18. Temos as
A primeira coisa que devemos ter em mente é quais são canções de celebração e reconhecimento de um rei, ou de
os tipos de poesia ou estrutura poética que temos? São uma cidade como a cidade de Sião, como é o caso do salmo
diversas e aqui vamos citar algumas. Principalmente aquelas 15. E também temos os salmos de sabedoria, ou os didáticos
que podemos chamar de canção. Não por conta de que são todos em formatos de poesia, como o 1, 36, 37 e assim por
necessariamente músicas, mas por conta da sua estrutura, diante. Por último, temos os salmos imprecatórios, que são
por conta da sua métrica e assim por diante. A poesia, salmos que usam uma linguagem com certa amargura de um
muitas vezes, no Antigo Testamento vai estar junto com salmista expressando um lamento, mas com um adicional
algum tipo de narrativa, ou algum tipo de prosa. Como no de pedido de justiça de Deus, pedindo o direito de vindicação
caso de Êxodo 4.15 ou Juízes 4.5 onde há uma mistura. A daqueles para aqueles que têm sido seus inimigos.

17
Os salmos imprecatórios são salmos de linguagem poética. um pouco disso quando vimos figuras de linguagem. Você
Por mais que a linguagem do salmo seja forte e pesada, observa como interpretar essas figuras metafóricas. Sempre
devemos colocá-la dentro de um contexto poético que usa lembre que o contexto imediato pode te ajudar a interpretar
linguagem metafórica, onde a ênfase está mais nas emoções essas figuras. Outra coisa é estudar um pouco do tempo,
daquele que está se expressando e que nem sempre a da época e dos símbolos que eram utilizados. Isso pode ser
linguagem expressa algo concreto. Quando lemos, “espero encontrado em algum comentário, introdução ao Antigo, ao
que essa pessoa suma”, geralmente usamos isso em termos Novo, ou a algum livro que você queria estudar.
poéticos e não necessariamente algo para se concretizar
de uma forma estrita o que estamos falando. Os tipos de Já que falamos de paralelismo, uma outra coisa que você
poesias principalmente expressas em salmos. precisa ter em mente, além do tipo e do estilo, são os tipos de
paralelismo que temos dentro da poesia. Temos basicamente
A segunda, além do tipo, é entender o estilo. Tem três coisas os seguinte: primeiro, o paralelismo idêntico, ou sinônimo,
que você precisa saber. É um compacto, ou seja, você não onde temos duas linhas e uma é a mesma coisa que a outra.
terá a linha conectada à outra com alguma palavra. Às vezes, A segunda linha expressa o mesmo pensamento da primeira.
você terá só uma depois da outra sem conexão. A pergunta é Um outro tipo de paralelismo é o paralelismo antitético. Ele
“por que ele faz isso?”, como no salmo 86.16.Porque quando descreve pensamentos contrastantes. Ou seja, você terá uma
não há conexão, há uma exigência de maior reflexão. A linha e a segunda que vai contrastar com a primeira. No caso
estrutura poética exige do leitor uma leitura mais pausada. de provérbios 10; 15, temos bons exemplos. Paralelismo
Ele quer controlar o seu ritmo de reflexão. sintético é o outro tipo. É o que chamamos de paralelismo de
desenvolvimento, onde a segunda linha desenvolve algo da
A segunda coisa é o que chamamos de paralelismo. primeira. Como é o caso do salmo 80.8. A segunda linha não
Geralmente, teremos uma linha e essa outra e elas estarão apenas repete, não é contrastante, mas está desenvolvendo
em paralelo. A terceira coisa que você precisa saber em a primeira. Um outro tipo de paralelismo é o de expansão,
relação ao estilo é que ele usa uma linguagem figurativa, ou paralelismo climático. Esse podemos encontrar no salmo
isso é muito óbvio. São linguagem metafóricas. Você precisa 34.4. Nesse tipo, não tenho um mero desenvolvimento,
estar de olho nessas linguagens metafóricas. Já vimos mas a segunda linha adiciona algo novo. Ele dá um passo a
mais adicionando algo novo.Não é apenas uma explicação

18
da primeira linha. Outro é o paralelismo emblemático, onde um tipo de hendíade, ou alguma outra figura de linguagem.
na primeira linha tenho algo literal e na segunda isso que O ponto mais importante é a relação entre as linhas. Qual
é literal é falado em termos figurativos, como é o caso do é o tipo de paralelismo que o autor está utilizando. Isso te
salmo 42.1. E o último paralelismo é o paralelismo quiástico ajudará muito na interpretação do gênero de poesia do Novo
onde tenho quatro linhas onde as duas das pontas estão Testamento.
em polos opostos se referindo à mesma ideia. Em Mateus
23.12, temos “Quem se exaltar será humilhado; e quem se
humilhar será exaltado”. Perceba que nas duas pontas tenho
duas linhas basicamente iguais que estão em seus polos. Ele
utiliza esse recurso para, geralmente, dar ênfase no meio. No
caso, a ênfase é no conceito de humilhação. São esses tipos
de paralelismo que temos.

Vamos discutir três princípios para interpretar poesia. Já


vimos a ideia dos tipos, do estilo, os paralelismos. Tudo
isso são diretrizes. Agora precisamos ver quais são os
princípios gerais. Primeiro, analise as linhas e veja como ela
se relaciona com as outras. Isso vai exigir de você profunda
atenção. Olhe para a primeira e tente identificar a relação
entre as duas. Nunca tente interpretar uma isolada. Você
precisa da outra. Segunda coisa, pergunte a si mesmo se
existe algum tipo de paralelismo e que tipo de paralelismo é.
Você tem que ter aqueles paralelismos na sua frente quando
estiver estudando. E terceiro, perceba e procure figuras de
linguagem. Já vimos na nossa de figuras de linguagem que é
preciso estar de olho nelas, porque elas vão te ajudar muito.
Principalmente na metáfora, sinédoque, algum tipo de ironia,

19
AULA 6 – FIGURAS DE LINGUAGEM que é um exagero o que Jesus está falando para causar
impacto em seus ouvintes. Essa é a hipérbole. Ao interpretar,

N
esta aula, vamos falar das figuras de linguagem. usando a hermenêutica, é preciso estar de olho para saber
Figuras de linguagem basicamente são dispositivos quando o autor está usando uma figura de linguagem como a
ou ferramentas que um autor utiliza para causar hipérbole.
algum efeito no leitor ou no ouvinte. Ele utilizará elementos
da própria linguagem para causar efeitos naquilo que está A outra figura é o merisma. A totalidade ou o todo é
querendo dizer. Falando de outra forma, são figuras retóricas. substituído por duas partes contrastantes ou opostas. É
como se eu pegasse pontos contrastantes um de cada lado e
As figuras que veremos aqui não serão exaustivas, pois os falasse para falar do todo. Ou seja, sou o Alfa e o Ômega.
existem muitas outras. Veremos as principais que podem Isso quer dizer que tudo aquilo que representa um alfabeto
ser aplicadas tanto no Antigo como no Novo Testamento. é quem Jesus é. Todas as letras que são usadas para contar
A primeira figura que vamos ver é a hendíade. Ela é a a história da redenção de Jesus são de alguma forma. Ele
substituição de um conceito por dois termos coordenados é o princípio e o fim. Isso dá a ideia que ele está em todo o
(ligados por um “e”) em que um dos elementos define o processo histórico, não apenas no princípio e no fim. Isso é o
outro. Por exemplo, em Filipenses 2.17, temos “o sacrifício e merisma. Jesus o usa quando diz que viu uma estrela saindo
serviço da vossa fé”. Há dois termos coordenados, ou seja, de um canto e indo para o outro. Ou seja, todos viram aquilo.
ligados pela conjunção “e” falando de um único conceito, que “Toda autoridade é me dada no céu e na terra”. Ao falar
é o de serviço. Paulo usa essas palavras para exemplificar essas duas partes, isso representa que ele tem a completa
esse conceito. Serviço é uma espécie de sacrifício e autoridade.
sacrifício é servir. Um de alguma forma define o outro.
A outra figura de linguagem é a metonímia, que é a
A outra figura de linguagem é a hipérbole. Essa é mais substituição de um termo por outro “emprestando” o seu
conhecida por muitos. Ela é o exagero propositado em um sentido. Observe 1 Coríntios 11.26 quando diz “porque
conceito. Vemos isso em vários cantos da Escritura. No Novo sempre que comerem deste pão e beberem deste cálice”.
Testamento, temos isso quando Jesus fala: “vocês coam Em vez de dizer “beberem deste vinho”, ele substitui o termo
um mosquito e engolem um camelo” (Mt 23.24). Perceba “vinho” por “cálice”, mas de alguma forma o cálice lembra

20
justamente o vinho. É a substituição de um termo pelo Temos a símile. Isso é muito visto nas parábolas. É uma
outro. Como você pode ver aqui no texto. Ninguém vai beber comparação em que uma coisa lembra a outra explicitamente
o cálice, você vai beber o que está dentro do copo, mas a por causa da utilização dos termos “como”, “assim como”,
bebida foi trocada pelo cálice. Você pode perguntar o motivo. “tal qual”, ou “tal como”. “Tal carne é como a erva” (1 Pe
O cálice geralmente contém alguma coisa e a ênfase aqui 1.24).Observe que existe uma similaridade. Eu preciso
talvez seja “vocês vão beber de algo, a redenção de vocês”. entender essa similaridade.
Diferente, por exemplo, é dizer o “cálice da ira”, o cálice que
contém a ira. A ideia é focar em como eu participo daquilo Agora, no caso da metáfora, a última figura de linguagem
que está sendo oferecido. Nesse caso, o cálice da redenção. muito parecida com a símile, os conceitos serão mais
amplos. Enquanto na símile a ênfase é na comparação (mais
Temos a sinédoque, que é a substituição da parte pelo distante), na metáfora a comparação é quanto um elemento
todo, ou do todo pela parte. É uma espécie de metonímia. é comparado e imita ou representa o outro. É por isso que,
Vou citar apenas um exemplo, que é Lucas 2.1, que diz: “o geralmente, os termos “ser” ou “estar” serão empregados.
recenseamento de todo o império romano”. Perceba que a Podemos olhar, por exemplo, Lucas 13.31-32. Perceba
NVI coloca “todo o império romano”, mas no original está que Jesus usa uma metáfora para Herodes. Ele o chama
“para que todo o mundo se alistasse”. A ideia dele é falar de de raposa. Na hora que estiver interpretando a metáfora,
uma parte, mas ele a substitui pelo todo. Ele não diz império coloco “Herodes é uma raposa”. Tenho que colocar 3
romano, mas “todo o mundo”. Em outras palavras, a NVI tenta coisas em mente. Primeiro: qual a imagem? Raposa. Qual o
interpretar a figura de linguagem – tudo bem – e a Almeida referente? Herodes. E o terceiro elemento é “qual o ponto de
Corrigida tenta preservar a figura de linguagem. Para que similaridade?” Cuidado porque pode-se pensar que, por usar
todo mundo se alistasse. Não é todo o mundo sem exceção. uma metáfora, estou dizendo que aquela coisa é exatamente
em todos os elementos iguais ao referente. Herodes não é
A outra figura de linguagem é a personificação. É a atribuição em tudo igual a uma raposa. Ele não tem patas, por exemplo.
de características ou ações humanas a objetos inanimados, a Tenho que entender qual o ponto de similaridade, por isso
conceitos ou animais. Por exemplo, Isaías 35.1, “o deserto e que é muito importante o contexto. E qual seria o ponto de
a terra se alegrarão”. Uma personificação desses ambientes. similaridade entre Herodes e a raposa? Podemos colocar
a astúcia. Existe um jogo político acontecendo. Quando

21
estou interpretando uma metáfora, preciso entender qual a
imagem, qual o referente e quão é o ponto de similaridade.
Podem surgir outros pontos de similaridade? Pode, mas eu
preciso entender isso a partir do contexto sem forçar demais.
Tratamos aqui de algumas figuras de linguagem. Você pode
pesquisar nos livros Entendes o que lês de Gordon Fee e .
Douglas Stuart e no livro Tríade Hermenêutica de Andreas
Kostenberger por outras.

22
AULA 7 – PROFECIA da sua perspectiva, como Lamentações, onde existe um ar
profético da perspectiva do profeta. Porém, na maioria das

N
esta aula, vamos aprender um pouco sobre a vezes, como é o caso das profecias de Isaías, podemos
hermenêutica da literatura profética. Com certeza, observar que o que está sendo dito é de uma perspectiva
as profecias, tanto dos profetas maiores quanto bem ampla, a perspectiva de Deus.
dos profetas menores, fazem parte daqueles cumes
interpretativos. Ou seja, são difíceis. O processo para A segunda coisa que você precisa notar é que existem tipos
interpretar nem sempre é fácil. Por isso, aquele que está de profecias. Antes de entrar nesses tipos, vale lembrar que
sendo introduzido nos campos hermenêuticos precisa ter ao profeta falar algum tipo de profecia, independentemente
muita humildade, paciência e calma, porque nem tudo vai se do tipo, ele se utiliza de linguagens presentes. Ele se utiliza
esclarecer assim de uma hora para outra. dos seus símbolos, sua vivência e do seu mundo imperfeito
para descrever mundos perfeitos. É por isso que temos que
Os princípios básicos para interpretação dos profetas são ter muita cautela ao querer interpretar os profetas de forma
basicamente cinco. Obviamente, vão existir muitos outros tão literal assim. Precisamos entender que literalidade, a
princípios. A primeira questão é entender a função do leitura natural do texto, não é a partir de nosso ponto de vista,
profeta. É importante entender que o profeta era uma espécie mas do ponto de vista dos leitores imediatos, o que seria
de representante legal onde não é tanto o que ele queria natural para eles. É por isso que é muito importante buscar
falar que contava, mas ele era apenas um canal para falar as compreender o que seria a leitura natural dentro daquela
palavras de Deus. Ele era um embaixador, mas as palavras linguagem profética. Porque o autor estará se utilizando
que ele falava eram de Deus. É por isso que não sabemos de uma linguagem imperfeita para descrever um mundo
muito da vida de muitos profetas, porque é difícil ter contexto perfeito. Por exemplo, “o leão e a ovelha vão caminhar
para entender, por exemplo, quem eram Isaías, Oséias, Jonas, juntos”. Ele está olhando para seu mundo imperfeito para
de onde eles vieram e porque aquilo aconteceu com eles. A descrever seu mundo perfeito. Então, temos que ter cuidado
primeira questão é que os profetas estão dentro da narrativa com algumas coisas para não sermos literalistas ao extremo
só que estão falando de uma perspectiva de fora da narrativa. e respeitarmos o sentido do texto e como o texto quer ser
Tendo em vista que estão falando apenas da perspectiva de interpretado.
Deus. Em outros momentos, é claro, os profetas vão falar

23
O que nos leva para os tipos de profecia. Temos o tipo Há também as profecias de promessas. Perceba que profecia
judicial, onde Deus está basicamente expondo os pecados. nem sempre é algo futuro. A profecia não é uma predição
Ele foi ofendido, suas leis foram quebradas. Geralmente, isso em relação a Deus. O termo predição é um pouco impreciso.
é associado com os pecados de Israel, ou com o pecado de Predição parece dizer que sei que algo vai acontecer, mas
reis. Então, são profecias judiciais que expõem o pecado. de alguma forma não tenho muito controle sobre aquilo. Não
parece que Deus tem predição de algo. Parece que o termo
Segundo tipo é o que chamamos de profecias de “ais”. mais apropriado seria plano. Ele tem um plano, não apenas
São profecias onde um juízo iminente está sendo descrito. porque sabe, mas ele é que organiza, guia tudo de forma
Geralmente, essas profecias de juízo iminente começam com soberana. Nesse quarto tipo, temos as promessas de Deus
lamento, depois vão para causa, depois descrevem o que vai para seu povo, promessas futuras e nós vamos ver alguns
acontecer. Então, na hora de interpretar as profecias, preciso problemas interpretativos com relação a essas promessas.
entender se é uma profecia judicial, se é uma profecia de
“ais”. O terceiro princípio é o uso da poesia. É possível observar
que em muitas partes dos livros proféticos o autor se utiliza
Existem também as profecias representativas onde o de linguagem poética. É muito importante identificar que
profeta não está tanto falando da situação presente do povo, essa linguagem poética vem cheia de figuras de linguagem,
falando de algo que vai acontecer, mas está atuando, usando por isso é importante assistir à aula de poesia, porque é
símbolos. Vemos o caso de Jeremias nu ou com roupas de muito importante seguir os princípios de interpretação da
pano etc. Vemos o que acontece com as panelas derrubadas poesia para interpretar muitas profecias principalmente
para o lado norte ou sul. Essas coisas estão representando aquelas do tipo representativo.
simbolicamente a profecia. Eu preciso, de fato, interpretar
de forma simbólica, porque percebe-se que ele está O quarto princípio é o contexto teológico no qual aquelas
descrevendo na sua própria vida ou sendo símbolo nessa profecias fazem parte. Isso é muito importante, porque
profecia de Deus para com aquele povo. Ou para falar o que algumas palavras proféticas, ou oráculos, descrevem a
vai acontecer, ou para expressar algum pecado desse povo. situação de um povo dentro da aliança mosaica. Isso é muito
visto no caso do dízimo e no caso de Malaquias.

24
Ele está dentro da aliança mosaica, mas nós não estamos, mas uma das principais é acreditar que Deus e o profeta
porque estamos debaixo da lei de Cristo. Portanto, nosso possuem a mesma intenção e ela é única. A profecia foi
olhar para essas profecias é completamente outro. Ele dada para um povo e vai ser cumprida naquele povo. As
precisa ser cristotélico. Precisamos interpretar o sentido dito promessas que parecem ser realização daquela, na verdade,
no texto, mas, no fim, perguntar como o momento agora em só parecem. Existem outras explicações para isso.
Cristo vê todas essas coisas.
Outros acreditam que é porque uma profecia não diz tudo
Por último, a relação com o Novo Testamento. Dessas sobre ela. Existem estágios dessa profecia e a igreja estava
promessas especialmente é que vem uma das partes no último estágio. O profeta sabia de tudo. O profeta e Deus
mais densas e tensas de tudo, porque algumas promessas tem a mesma interpretação, entendem o mesmo sentido e
que foram feitas a Israel são aplicadas à Igreja no Novo possuem uma única intenção autoral.
Testamento. Minha pergunta é: “Porque isso aconteceu?
Porque promessas que foram feitas para a casa de Judá Outros compreendem que, na verdade, o profeta tem uma
se localizam hoje como sendo cumpridas na Igreja?” Por intenção e Deus tem a mesma intenção do profeta, mas
exemplo, a Nova Aliança. Em Jeremias, ela é descrita sendo existe um significado mais profundo que o profeta não
para casa de Judá, mas em Hebreus 8 é aplicada à Igreja. conhece. Isso é o que chamamos de Sensus plenior. Deus
A pergunta é: por que isso aconteceu? A questão que fica tem uma intenção e o profeta conhece essa intenção. Porém,
é se o profeta que fez a primeira profecia tinha consciência Deus tem uma mais profunda que foi revelada somente no
disso. De que aquela profecia não era apenas para Israel, mas Novo Testamento. A ideia é que uma profecia possui um
também para a Igreja. Vamos resumir rapidamente algumas significado mais profundo.
escolas para ter uma noção do que está acontecendo. Alguns
vão dizer que a profecia possui uma única intenção autoral.
Isso significa que Deus tinha só uma intenção e o profeta Existem outros que acreditam que não é a questão de ter
sabia disso. Era para Israel e fim. As coisas que acontecem um significado mais profundo. A profecia teria um único
na Igreja são promessas parecidas, mas não idênticas ao que significado e uma única intenção, mas pode possuir vários
foi prometido no Antigo Testamento porque ali só tinha uma referentes. Então, quando Deus diz “eu tirarei teu coração de
única intenção autoral. Essa escola possui várias vertentes, pedra e colocarei um coração de carne”.

25
Está se referenciando à casa de Judá. Essa escola dirá que Observe que há aqueles com uma única intenção autoral.
uma referência, porque podem existir mais outros referentes. Deus e o homem sabem da mesma coisa sobre a profecia.
Por exemplo, aprendo que no Novo Testamento um dos E o cumprimento dela é aquele. O profeta sabe que
referentes que o profeta não sabia era a Igreja. O profeta não cumprimento é. O profeta sabe de tudo e não tem limitação.
está limitado em termos de sentido. Isso ele compreende. A Assim que aquilo foi revelado a ele. Ele sabe a profecia e o
limitação do profeta nessa escola diz respeito a quantidade seu cumprimento. Essa é a escola da única intenção autoral.
de referentes que uma profecia pode ter. Por exemplo, Isaías
vai dizer menciona que um “menino nasceu, como um filho Outros acreditam que uma profecia dada por Deus tem dois
se nos deu” (Is 9.6). Essa escola dirá que um dos referentes significados. Um que o profeta conhece e outro que ele não
pode ser um rei da época, mas quando chegamos no Novo conhece, que é um significado mais profundo, o qual só os
Testamento o referente é Jesus. Por isso, que muitas autores do Novo Testamento vão conhecer. Essa é a escola
profecias do Novo Testamento, em Mateus, por exemplo, do sensus plenior.
diz que “isso aconteceu para que se cumprisse a profecia...”
Ora, mas no Antigo Testamento não era uma referência a
Israel. Essa escola que se chama refentiai plenior vai dizer Existem outros que vão dizer que a profecia possui um
que o profeta sabia do sentido, mas não sabia de todos os único significado. Trocar o coração de pedra pelo de carne
referentes. é a regeneração, um tipo de transformação, tirar a rebeldia.
Agora, o referente é a casa de Judá (lá no texto), mas esse é
um referente que o profeta conhece. Ele não conhece todos
De modo mais descompromissado, existem aqueles que os referentes. No Novo Testamento, aprendemos que o outro
entendem que um texto pode ter vários significados sem referente é a igreja. Isso não seria uma contradição, porque
problema nenhum. Geralmente, esses são aqueles que o texto não exclui a possibilidade de outros referentes. Ele
defendem uma hermenêutica judaica, a pesher, onde um não está dizendo “eu farei uma aliança com a casa de Judá e
texto pode ter vários tipos de significados: um literal, nunca mais colocarei mais ninguém nessa aliança”. Ele está
alegórico, um ideológico. São pessoas que defendem uma dando um referente e existem outros no decorrer da história
interpretação judaica. da revelação e essencialmente dentro do Novo Testamento
que vão ser revelados.

26
É a escola do referentiai plenior, ou basicamente do forma apropriada e entender porque muitos textos do Antigo
dispensacionalismo progressivo. Testamento são utilizados no Novo de forma “diferente”.
Hebreus dá uma explicação para o descanço onde no Antigo
Existem aqueles que acreditam numa espécie de parece ser tão literal e lá ser aplicada a Cristo. Cada escola
interpretação judaica onde existem vários níveis de vai dar uma resposta de como entende que é.
significado e você pode interpretar esses vários níveis da
forma que você quiser. É por isso que os autores do Novo Um autor que tem trabalhado muito sobre isso é o Greg
Testamento parecem interpretar de forma tão diferente Beale. Ele tem um comentário que fez com o Carson.
alguns textos do Antigo, porque estão usando uma das várias Os livros manual do uso do Antigo Testamento que você
opções de significado que havia dentro da escola judaica. aprenderá mais sobre essas escolas.

Então, a pergunta é: qual dessas é a correta? É difícil dizer


aqui, pois estamos só expondo as posições. Sensus plenior
está dentro da ortodoxia, com defensores como o James
Packer e muitos da teologia reformada. A única intenção
autoral está dentro com defensores como o Walter Kaiser
Jr. O Referentiai plenior tem Darrel Bock e muitos outros do
dispensacionalismo progressivo. A hermenêutica judaica é
pouco conhecida, mas tem Richard Longenecker e muitos
outros.

Todas essas escolas estão tentando entender porque há


profecias que foram prometidas para Israel, mas que no Novo
são aplicadas à Igreja. Ou estão querendo dizer o seguinte:
qual o nível de consciência do profeta. Ele sabe tudo ou não?
Eles querem resolver a interpretação das profecias de uma

27
AULA 8 – SABEDORIA Deve-se perceber que perspectiva está falando aquele
conceito de sabedoria. Alguns entendem que o livro de

V
amos agora aprender um pouco sobre a literatura de Eclesiastes foi escrito por uma outra pessoa que não é
sabedoria. Essa aula não é extensa, porque a literatura Salomão e ela é caracterizada por ter uma má teologia. A
de sabedoria envolve narrativa, gêneros poéticos ideia do livro de Eclesiastes é expor essa teologia para ver
etc. Então, ela é mista nesse sentido. Agora, existem cinco como ela é “agoniante” e no final dar uma proposta de uma
coisas que você deve saber de forma básica acerca da boa teologia. Outros percebem que é perspectiva de alguém
literatura de sabedoria que vão envolver Jó, Eclesiastes, que tem uma boa teologia, mas que quer ver a vida de uma
Provérbios, Cantares, boa parte de Salmos. O seu olhar para forma seca, das dificuldades que ela tem, dos padrões
essa literatura precisa seguir esses cinco pontos, pois vão te cansativos que ela terá. Ele quer ver uma perspectiva debaixo
ajudar muito. do sol. Veja sempre a perspectiva. Os amigos de Jó estão
certos ou errados? Em vários momentos do texto você verá
O primeiro é o uso da poesia. Quando falo de poesia, há o que eles estão meio equivocados com certas coisas. Eles
uso de linguagem, há o uso de paralelismo. Você deve ver estão falando da sua perspectiva. O próprio Deus questiona a
a aula de poesia para entender os tipos de paralelismo. perspectiva deles.
Então, basicamente você vai lidar com figuras de linguagem,
termos que são utilizados de forma poética, metafórica para O terceiro ponto, e aqui olhamos mais para o livro de
expressar um conceito mais profundo. A primeira coisa que Provérbios. Alguns encaram o livro de promessas como
você deve saber é o uso da poesia. se fazer algo trouxesse necessariamente o que vem
depois. Porém, o gênero de sabedoria não está tratando
Segundo, você deve perceber na literatura poética de qual de promessa. O gênero de sabedoria está lidando com
perspectiva o autor está falando. É a perspectiva de um conselhos. Ou seja, ele está querendo dar o caminho mais
homem que vê a vida sem Deus? É a perspectiva de alguém provável. Ele diz basicamente o seguinte: “Se você trabalhar,
que tem metade da história como os amigos de Jó? É a esse será o caminho mais provável para se enriquecer”; “se
perspectiva da própria lei de Deus? você ensinar a seu filho desde agora o caminho que ele deve
andar, esse é o caminho mais provável que ele não se aparta
do que você ensinou a ele”.

28
O gênero de sabedoria quer dar o caminho mais provável nos próprios caminhos, mas em outro alguém. Porque ele é
para que tal coisa aconteça. A ideia é mostrar o padrão de soberano, em quinto lugar. É ele que vai determinar se você
YHWH. Não esqueça, não são promessas, são conselhos. vai ter ou não.
São caminhos mais prováveis de sabedoria para que
você alcance as coisas. E porque são os caminhos mais
prováveis? O autor não quer que você olhe como promessas,
mas como conselhos.

O autor enfatiza uma quarta coisa que é a fé. Observe o papel


da fé no livro de Provérbios. Você deve confiar em Deus de
todo coração, não no seu próprio entendimento, não nos seus
próprios caminhos.Você pode organizar o que for, mas a sua
confiança não pode estar na tua organização, mas em Deus.
Perceba que ele não está dizendo que isso vai acontecer
independente do que for, mas que você precisa confiar não
na coisa, mas no Deus que pode te dar todas as coisas.

Por isso que o último detalhe é o papel da soberania. No


livro de Provérbios, especificamente, isso é observável. Você
pode preparar o cavalo para a batalha, mas é Deus quem te
dá vitória. Observe o papel da soberania aqui. Perceba que o
autor usa linguagens poéticas e dá perspectivas diferentes
sobre a mesma coisa. No livro de Provérbios é uma
perspectiva de alguém que quer te mostrar o caminho mais
provável e não dar promessas. E quarto, enfatizar o papel da
fé, não é a coisa em si que vai te dar. Você não pode ter fé

29
AULA 9 – EVANGELHOS E ATOS de três formas. Sim, é uma biografia, mas uma biografia em
termos antigos. E o que seria isso? A biografia antiga não

V
amos falar agora dos Evangelhos: Mateus, Marcos, está preocupada em contar toda a história de alguém, mas os
Lucas e João. Você provavelmente já deve ter lido os grandes feitos desse alguém – primeiro ponto. Vemos isso
quatro Evangelhos. Percebe que se trata da história em Mateus, por exemplo, e em Marcos também. Temos a
de Jesus. A grande pergunta que fica é: o que são esses ideia de apresentar os grandes feitos da vida de alguém.
Evangelhos? Como podemos ler esses Evangelhos de uma
forma apropriada ao seu gênero? O termo Evangelho é Por outro lado, se os evangelhos podem ser colocados
muito polivalente, possui multiusos. Por um lado, temos o como biografias nesse sentido, eles também são histórias.
Evangelho como resumo da mensagem de Jesus. Ele morreu, Histórias porque são coisas contadas, não são coisas
ressuscitou e agora estamos nele. Isso é o Evangelho. Por inventadas, não é uma literatura fantástica. Evangelho é
outro lado, vemos o Evangelho como o governo e as ações de história, ou seja, aconteceram no tempo e no espaço. É real e
Deus em redenção ao mundo de forma mais ampla. Por outro os autores estão preocupados em passar essa ideia.
lado, os Evangelhos também podem ser considerados um
gênero. Então, o Evangelho seria um gênero literário presente
em alguns escritos basicamente imperiais. Ou seja, quando Ele tanto é biografia como história – está registrado no
imperadores faziam algum tipo de anúncio, ou quando tempo e no espaço – como também é teologia. Eu não
alguma coisa nova no império iria acontecer. tenho apenas uma história por si só, mas uma história
teológica. Quando falo de história teológica, me refiro que
também os autores não estão preocupados em relatar um
O que seria o gênero evangelho? Como nós podemos definir evento que aconteceu, mas estão preocupados também em
evangelho como gênero? Alguns acreditam que evangelho interpretar teologicamente aqueles eventos. É por isso que,
é uma mera biografia de alguém. No caso, os quatro em resumo, os evangelhos podem ser interpretados como
evangelhos estão registrando uma biografia da vida de uma biografia-histórica-teológica. Porque interpretam os
Jesus, mas afirmar que é uma biografia é algo reducionista fatos que aconteceram na vida de Jesus, contam a história
tendo em vista o que seria uma biografia. A biografia de de Jesus e falam da vida de Jesus em termos humanos, isto
antigamente é do mesmo tipo de hoje enquanto gênero? é, biográficos.
Entretanto, podemos entender que evangelho pode ser visto

30
Quando um evangelista escreve, ele não está preocupado Terceiro ponto. É muito importante que, para entendermos
em simplesmente relatar esses fatos. Na época em que o foco do evangelista ao selecionar uma parte da história,
estava, muitas pessoas conheciam aquela história. Muitas observarmos os comentários editoriais. Marcos, por exemplo,
pessoas sabiam da história de Jesus. O que os evangelistas descreve que Jesus fala algo sobre os elementos impuros
estão preocupados é também em interpretar essa história. e acrescenta uma nota que diz “e ele declarou puro todos
O primeiro ponto é esse: o evangelho é uma biografia, uma os alimentos”. Essa nota editorial é importante porque nos
história, voltada para a interpretação teológica desses fatos. ajuda a interpretar o que está sendo dito. João tem uma
série de notas editoriais que lançam luz a o que ele está
O segundo ponto é que tenho que entender que esses dizendo. Ele vai falar de alguns detalhes da transformação da
autores estão selecionando coisas da vida de Jesus. Eles água para o vinho. Ele vai falar detalhes de onde vinha água,
estão selecionando partes da vida de Jesus. É por isso que quanto cabia nos recipientes, de onde vinham. Tudo isso
um evangelho vai ter uma história que outro não tem. Eles nos ajuda a interpretar melhor a história. Quando Jesus fala
estão selecionando coisas da história de Jesus. Muitas que destruiria o templo e reconstruiria em 3 dias, João nos
vezes, essa seleção acontece dentro de um mesmo evento. dá uma nota que Jesus estava falando do seu corpo. Todos
Quando você compara as histórias dos evangelhos, vai ver esses comentários editoriais nos ajudam a interpretar os
que um evangelista pode estar enfatizando algo daquela evangelhos.
história enquanto outro enfatiza outro ponto. Um pode está
enfatizando dois cegos naquela história. Outro pode olhar O quarto ponto interessante é que ao ler os evangelhos, ao
somente para um cego tendo foco somente nele. Não é uma entender que o autor está interpretando teologicamente
contradição, mas complementação de perspectivas. Se os aqueles fatos, selecionando parte daqueles fatos para o
evangelhos são uma história biográfica de interpretação seu propósito é enfatizar que Jesus é um servo, enfatizar
teológica, os autores estarão selecionando partes dessa o aspecto de Jesus como Senhor, outro pode enfatizar o
história para o seu propósito. Isso é importante porque, ao aspecto como Messias de Israel. Cada um está enfatizando o
comparar os evangelhos,isso te ajuda a compreender melhor seu propósito, tenho que entender que muitas vezes vão usar
o propósito dos autores ao descrever as suas narrativas. personagens como exemplo de alguma forma.

31
Sei que muitas pessoas pensam que isso é interpretar a para minha vida. É difícil, mas a grande dica é observar bem
Bíblia eticamente e moralmente, mas não. Muitas vezes, os o contexto, o contexto teológico, a doutrina que pode ser
personagens daquelas narrativas são caracterizados e se extraída etc.
colocam diante nós como exemplos para serem seguidos
ou não. Devo ter a fé da mulher do fluxo de sangue na sua Dois pontos antes de terminarmos, o sexto e o sétimo. Preste
intensidade em buscar oração, ou não? Observe que esses bastante atenção no conceito de reino de Deus quando
personagens dentro das narrativas dos evangelhos servem estiver estudando os evangelhos. O reino de Deus não é algo
para algum tipo de identificação positiva ou negativa, que fala meramente do governo de Deus. É claro que há esse
principalmente no evangelho de João. Nicodemus, talvez um sentido de governo e soberania. Porém, nos evangelhos e em
exemplo de discipulado fracassado; a mulher samaritana; muitos lugares você vai observar que o conceito do reino de
o cego que foi curado. O que me parece é que os autores Deus é ampliado de uma forma elástica. O reino de Deus tem
colocam esses personagens entendendo a atitude deles em fatores históricos e revela algo de Deus. Ele é uma espécie
relação ao Cristo. de invasão do Deus encarnado na história trazendo salvação,
redenção ao povo que andava em trevas. Observe que existe
O quinto ponto em relação a essas diretrizes que estamos esse fator histórico. E, nos evangelhos, você vai observar que
falando é que devemos entender o que uma descrição e o reino de Deus é multicentral. Algumas características vão
o que é prescrição. Sei que nem sempre será claro e que se destacar. Por exemplo, o reino de Deus presente marcado
em algumas narrativas estará embutido algum tipo de por perdão de pecados, por purificação na cruz, cura,
prescrição. Uma coisa é uma simples narração da história. reconciliação. Porém, você também vai observar o reino de
Outra coisa é dentro dessa história colocar alguns princípios Deus em termos futuros. No dia que o filho do homem voltar
que devem ser seguidos. Uma coisa é uma descrição de algo e estabelecer o seu reino então trazer juízo e redenção sobre
para uma pessoa sem compromisso algum. Outra coisa é os seus inimigos. Observe que o reino de Deus vai ganhar
uma prescrição, uma ordem. Podemos ver isso no livro de esse caráter presente e futuro. Espécie de já e ainda não.
Atos como uma biografia histórica com termos teológicos. Isso estará muito presente nos evangelhos. Muito presente
Agora, observe que tenho que entender o que realmente é nas parábolas. Às vezes destacando aspectos presentes de
prescritivo e o que realmente é descritivo. Aquilo que mesmo Cristo. Às vezes destacando aspectos presentes do reino.
sendo uma descrição histórica entra na categoria de direção

32
Às vezes destacando aspectos futuros do reino. Então último, as parábolas, um grande desafio para você.
observe que o reino de Deus é central. Ele vai ser
caracterizado, descrito e devo estar sempre prestando
atenção como esse reino está sendo descrito nos
Evangelhos.

Por último, um desafio interpretativo são as parábolas. É


um desafio tão grande que vamos ver isso em uma aula
à parte. Aqui estão as diretrizes para que você interprete
bem tanto os evangelhos e podemos estender também
para Atos. Ou seja, tenho uma história real sendo descrita,
mas o autor está procurando dar uma intenção teológica
para aqueles fatos, por isso que ele faz uma seletividade
histórica dessas narrativas. Preciso prestar atenção nesses
comentários editoriais que vão me dar pistas para entender o
foco do autor de cada evangelho quando ele selecionou parte
daquela história. Devo prestar atenção na caracterização
dos personagens, na reação deles em relação a Jesus –
positiva ou negativa – devo também ter cuidado para não
confundir descrição com prescrição sem também fazer algo
reducionista. Devemos entender como algumas vezes em
Atos e nos Evangelhos é apenas uma descrição que está
acontecendo de algum fato que aconteceu na igreja primitiva
e não algo que é corriqueiro. E o reino de Deus. Fixe os seus
olhos sempre que essa palavra aparecer. Tente entender cada
vez mais esse conceito tão rico nos Evangelhos porque ele é
central para entender todas as narrativas dos evangelhos. Por

33
AULA 10 – EPÍSTOLAS e qualquer outra carta antiga.

N
esta aula, vamos aprender sobre a hermenêutica Geralmente, a parte do meio é tanto doutrinária como
das epístolas ou cartas do novo testamento. Você também uma parte de aplicação dessa doutrina. Você deve
pode, de cara, pensar que não precisa de muita ter cuidado para não distinguir tanto essas duas coisas. Às
hermenêutica para interpretar as cartas, mas nunca esqueça vezes, elas estarão juntas. Algumas vezes fazemos uma
que a maior parte do Novo Testamento são cartas ou dicotomia tão forte que esquecemos que existem aplicações
epístolas. Existem muitos debates sobre a diferença entre na parte de doutrinas. O próprio autor, em termos estritos,
uma carta e uma epístola. Alguns acreditam que epístola é separa algumas aplicações para a última parte como é o
quando temos algo mais circular, mais geral e espera-se que caso da carta aos efésios e de outras cartas.
outras pessoas ou igrejas irão ler esse documento. Por outro
lado, a carta seria algo mais pessoal, ou algo mais específico
para uma única igreja. Essa diferenciação nem sempre se O segundo ponto é que essas cartas são ocasionais. Ela
sustenta principalmente em termos literários, tendo em não é feita do nada porque o autor sentiu alguma vontade
vista que tanto uma carta quanto uma epístola possuem de escrever por si só. O motivo descansa em alguma
basicamente a mesma estrutura. Nesta aula, vamos ver necessidade eclesiástica. Seja de corrigir algum pecado, seja
sete pontos para que você interprete da melhor forma uma de direcionar, seja consolar. São cartas que preciso ter em
epístola do novo testamento. mente que são pessoais para o momento especial. Então, é
essa mentalidade hermenêutica que preciso ter em mente.

A primeira coisa é o formato dessas cartas. Geralmente,


elas são divididas em três partes. Primeiro é a introdução. A terceira coisa é que uma carta/epístola não é uma teologia
O autor se apresenta, apresenta o seu destinatário e deseja sistemática. Não espere que o autor dê definições de
graça e paz. É o mesmo formato das cartas antigas. Depois teologia sistemática para você. Tome cuidado para que você
ele desenvolve o assunto e termina se despedindo dando não queira ler os termos do autor em termos de teologia
alguma benção ou desejando algum tipo de graça para sistemática. Por exemplo, tente entender o que é justificação
seus destinatários. Essa tríplice estrutura se encontra para aquele autor dentro do contexto dele antes de ir para
basicamente em quase todas as cartas do Novo Testamento uma teologia sistemática.

34
Tente preservar e ficar mais próximo das próprias definições que se é uma carta ocasional, preciso ter muitas informações
do autor, porque a carta não é uma teologia sistemática. As de contexto para poder entender a ocasião em que aquelas
coisas não vêm prontas nela. cartas foram escritas.

Quarta coisa é que essas cartas/epístolas possuem Sexto, contexto literário. Aqui há algo muito importante.
um argumento lógico. Isso é muito importante para a Por mais que essas cartas sejam divididas estruturalmente
interpretação dessas cartas. Quando se fala em argumento em três, preciso entender que dentro da segunda parte,
lógico é porque o autor está argumentando algo nessa carta. especialmente, como o autor está argumentando. Quais
É necessário que através das conjunções, através de uma são os pontos que ele coloca. Por exemplo, quantas partes,
boa leitura pausada e seletiva, você entenda o fluxo narrativo temas, tópicos ou subtópicos tenho nas cartas aos romanos?
que nós falamos ou o fluxo argumentativo desse autor. Quantos temas, ou subtópicos, tenho na parte argumentativa
Procure entender o fluxo argumentativo de Paulo quando ele da carta aos efésios? É preciso entender a estrutura literária
escreve a carta aos efésios, aos romanos, filipenses e assim dele. Preciso entender em quantas partes o autor está
por diante. dividindo o argumento. Preciso entender como ele começa,
termina e como o divide. Como ele está organizando a sua
Quinto, procure informações de contexto histórico-cultural. ideia? Isso vem especialmente quando você lê muitas vezes
Seja dentro da carta, seja em livros que possam lidar o livro para entender o argumento literário e a estrutura que
com contexto histórico. É muito importante você tentar ele está argumentando. Por exemplo, aqui ele divide em
entender o contexto histórico de 1 Coríntios. O que eram três partes sobre a paz entre os irmãos. Primeiro, ele fala
aqueles templos? Como eles funcionavam? O que seriam os disso; depois daquilo; e em terceiro daquilo. É interessante
mercados? O que estava acontecendo na carta aos romanos? estruturar essas cartas em termos literários.
Qual era o contexto do império que eles viviam? Qual é o
contexto judaico que eles viviam, por exemplo? É muito Por último, estude as palavras importantes. Estude essas
importante que você olhe o contexto histórico e cultural. Em palavras dentro do contexto. A palavra justificação é muito
manuais de contexto, certamente você achará. Em Bíblias de importante. Eu preciso entender como o autor está usando-a
estudo é possível achar um bom panorama. Lembre-se de e o que ela significa.

35
Posso encontrar isso em muitos dicionários teológicos.
Termos e tópicos são explicados entre vários contextos. É
importante frisar essas palavras e estudar essas palavras
importantes, porque elas vão te ajudar a entender melhor
toda a epístola, o tópico principal, a entender tudo mais.
Então é muito importante que essas palavras de maior peso
teológico estejam em mente. A palavra alegria, justificação,
reconciliação. A carta aos romanos possui um recheado
de termos teológicos e você deve ter cuidado para primeiro
procurar entender como um autor está usando e qual esse
sentido. É preciso procurar como esse sentido é colocado em
toda teologia bíblica.

36
AULA 11 – APOCALIPSE precisam ser corrigidas à luz imediata de algum problema
de alguma igreja dentro da comunidade joanina, como

N
esta aula, falaremos sobre o livro de Apocalipse. A chamamos, a comunidade daquela época. Primeiro, ele é
hermenêutica do último livro do Novo Testamento. uma carta como qualquer outra. Não podemos tirá-lo desse
Esse livro sempre é um problema para os intérpretes. contexto de lidar e tratar de uma igreja.
Muitos têm medo do livro de Apocalipse, alguns nem se
atrevem a ler. O motivo é porque sua linguagem parece Segundo, ele também contém profecia. A diferença da
estranha, cheia de simbolismo, cheias de coisas que pessoas profecia para o gênero apocalíptico nem sempre é clara.
dos séculos modernos acham estranhas. Qual seria o melhor O que podemos entender é que na profecia existe uma
caminho para interpretar o livro de Apocalipse. Existem ênfase em algo prometido por Deus para o futuro. No gênero
muitas coisas que devemos saber sobre esse livro. Não apocalíptico, o que temos é mais a descrição de coisas em
é fácil encarar todos os desafios interpretativos, mas é termos revelacionais. Por exemplo, algo que está sendo
importante notar que temos alguns princípios básicos para revelado no presente momento. Algo que acontecerá, mas
seguir. Eles não vão eliminar todas as dificuldades, mas vão em termos de descrição do que vai acontecer. Enquanto a
nos dar um norte para entendermos um pouco esse livro. profecia mantém o seu foco numa predição futura, o gênero
apocalíptico se preocupa mais em descrever situações
O primeiro caminho que você que procura interpretar o livro presentes, futuras, ou sobre o mundo que há porvir. É
de Apocalipse deve percorrer é a questão do gênero. Que tipo algo mais descritivo do que preditivo, ainda que contenha
de gênero é o livro de Apocalipse? Basicamente, temos três predição. Existem muitos livros da Bíblia como um todo que
gêneros dentro de um único livro. O gênero epistolar, o gênero possuem esses dois gêneros juntos como Daniel, Ezequiel e
de profecia, ou o próprio gênero apocalíptico. Apocalipse que nem sempre é fácil distinguir ambos.
seria a ideia de revelação, mas um dos gêneros dentro desse
livro é o gênero apocalíptico. Outra coisa que devemos ter em mente quando tratamos
do livro de Apocalipse é que existem várias escolas
O epistolar nos lembra que o livro é uma carta que está interpretativas. Existem formas de ler e encarar as profecias
sendo escrita para igrejas. Existem exortações e coisas que e os símbolos desse livro.

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Essas escolas são: preterista, historicista, futurista, idealista da história, mas a ideia é que cada símbolo daquele
e eclética. representa algo sobre Deus, sobre o pecado, sobre o diabo.
Independente de fatores históricos. É mais uma questão de
O preterismo entende que o livro de Apocalipse descreve teologia, ou de como o mundo em termos teológicos pode
eventos passados. Eventos da época da igreja do primeiro ser visto.
século. Basicamente nas coisas que estavam envoltas na
destruição do templo no ano 70 d.C. O preterismo vai tentar E existe uma última visão, a visão eclética, a qual acredita
pegar os eventos do livro de Apocalipse e relacionar esses que existem eventos narrados no Apocalipse que se
eventos com os acontecimentos do primeiro século, dentro relacionam ao primeiro século, existem eventos que podem
daquele período histórico. ser relacionados dentro da história, eventos que representam
o futuro e eventos que descrevem algo do caráter de Deus,
O historicista, ou alguém que trata o livro dessa forma, algo dentro da teologia, sobre Deus, o diabo e assim por
encara os acontecimentos do livro como acontecendo na diante.
sua época no decorrer da história. É uma corrente que surgiu
mais fortemente na Reforma Protestante, por exemplo, e Não dá para descompactar cada escola dessa. O que você
considerou o anticristo sendo o Papa. Um dos problemas do precisa ter em mente é que ao estudar o livro de Apocalipse
historicista é que cada um coloca os acontecimentos na sua tenha consciência que existem essas abordagens para o
época. livro.Você pode se aprofundar consultando o livro “Four views
on the book of Revelation”[1]. Você também pode procurar na
Uma outra corrente é a futurista. Ela acredita que todos internet ou em Teologias Sistemáticas.
os eventos são eventos dentro do livro de Apocalipse que
representam acontecimentos futuros. Acontecimentos dentro Uma outra diretriz importante para interpretar o livro de
da Grande Tribulação que ainda acontecerá. Apocalipse é como entender a sua estrutura literária.
Alguns entendem que todo o livro pode ser lido em forma
Em penúltimo lugar, temos os idealistas. Eles acreditam cronológica. Os eventos acontecem de forma subsequente.
que não existe algo para se relacionar diretamente dentro

38
Outros acreditam que o livro é organizado em recapitulações, Apocalipse é o centro do que chamamos de qual a sua visão
por exemplo, ao chegar no capítulo 20, não há uma ordem milenar ou da tribulação. Olhando para o que chamamos
cronológica. O que vem depois daquelas grandes batalhas do de Grande Tribulação, que a Igreja passará por ela. Outros
capítulo 19. Não seria uma questão cronológica onde depois acreditam que a Igreja não passa por ela. Outra corrente
vem o Milênio. Segundo essa visão, o livro volta para a era entende que a Igreja vai até metade dela. E uma quarta
da igreja novamente. É como se todo o livro tivesse fazendo corrente acredita que a Igreja vai até perto do fim dela.
recapitulações, por exemplo, o capítulo 16 recapitula de novo
o que aconteceu no capítulo 12 com detalhes a mais. A corrente que afirma que a Igreja não passará pela
tribulação é chamada de Pré-Tribulacionista. Os que
Esses dois extremos possuem sua força. Entretanto, não acreditam que a Igreja passará por toda a Grande Tribulação
podemos deixar de notar dentro da estrutura gramatical e são os Pós-Tribulacionistas. Aqueles que acreditam que a
linguística do texto que o livro contém aspectos cronológicos Igreja será arrebatada no meio são os Mid-Tribulacionistas.
e também algum tipo de recapitulação. Indico a leitura Os que acreditam que a Igreja vai até próximo do fim é uma
do comentário de Apocalipse do Grant Osborne[2] para corrente chamada Pré-Ira. É necessário que você tenha
que entenda melhor onde tem cronologia e onde há uma um pouco de consciência desses debates na hora de ler os
recapitulação. É muito importante isso para a hermenêutica textos para que você entenda melhor o que significam todas
do livro. aquelas perseguições. Existem posições em relação a o que
aquilo representa.
Uma outra diretriz para interpretar o livro de apocalipse diz
respeito à consciência dos debates de escatologia. Eu sei Uma outra questão de debate de escatologia diz respeito ao
que muitos têm medo desses debates porque, às vezes, eles Milênio. Se você não está por dentro do debate, pare agora e
são muito complexos por causa da quantidade de informação dê uma lida no capítulo 20 de Apocalipse. A grande pergunta
e de textos. Mas, aos poucos, você pode ir separando seus que fica é se o capítulo 20 descreve mil anos futuros depois
estudos para que você entenda melhor. do arrebatamento no final da Grande Tribulação. Isso é a
representação onde Cristo reinará sobre a terra? Onde os
O debate sobre escatologia é importante porque o livro de profetas descrevem um tempo onde ainda haverá velhice,

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mas haverá elementos dos Novos Céus e Nova Terra. Uma a entender boa parte dos livros em Apocalipse. Segundo,
espécie de mistura. Será que os profetas estavam falando a maioria daqueles símbolos dos livros de Apocalipse e
desse tempo de reinado de Cristo futuro ou esse tempo já principalmente de Daniel são do Antigo Testamento. Então,
está acontecendo agora de forma espiritual no tempo da você deve aprender a fazer uma relação entre esses gêneros.
Igreja? Aqueles que acreditam que já estamos vivendo no Uma relação entre o gênero apocalíptico e os gêneros do
Milênio se chamam Amilenistas. Eles são voltados mais Antigo Testamento, entendendo a simbologia deles para
para a teologia reformada. Existem outros que acreditam entender melhor a simbologia do livro de Apocalipse.
que o Milênio será literal e que ainda vamos passar
por esse período de mil anos. Existem várias vertentes Por último, dentro do livro de Apocalipse podemos ver que
que dizem como isso pode acontecer. O pré-milenismo os próprios símbolos possuem seus próprios referentes.
dispensacionalista, o pré-milenismo histórico e assim por Não esqueça que símbolo significa algo. Quando digo que
diante. Com relação a esse debate, não se preocupe tanto, algo simboliza outro é porque o símbolo aponta para alguma
mas procure aos poucos estudar cada posição. coisa. Não posso querer entender aquele símbolo de forma
literal. Tenho que entender para quem ele está se referindo.
Antes de terminarmos, ainda temos duas coisas. Duas Dentro do livro de Apocalipse, precisamos entender certos
diretrizes importantes. Como tratar a linguagem simbólica símbolos que se explicam dentro do livro. Você pode, por
desse livro? Existem três coisas que você precisa ter em exemplo, ver a figura do mar dentro do livro. Dentro de toda
mente. Apesar de não termos o gênero apocalíptico no a narrativa, o mar é algo que traz algo mal para o povo de
português, ele é muito presente na literatura judaica. Por isso Deus. É de onde vem a besta. É de onde vem as pragas
é importante entender como esse gênero acontece dentro do etc. Parece que o mar é um símbolo que tem algo contra o
judaísmo. Principalmente, por exemplo, com livros como 1 povo de Deus. Quando chegamos nos Novos Céus e Nova
Enoque. Terra descobrimos que não existirá mais o mar. Isso nos faz
entender que não haverá mais algo que prejudique o povo de
Mais uma vez, no comentário do Grant Osborne, que é Deus. Isso é uma forma de interpretar, obviamente existem
especialista em simbologia judaica, você pode entender discordâncias, mas é para dar um exemplo. Símbolos
como os judeus usavam os símbolos. Isso vai lhe ajudar apontam para outra coisa

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Por último, algumas dicas rápidas. Leia o livro de forma
doxológica. Apocalipse não foi escrito para que tenha
debates intermináveis de forma fria. O livro todo é envolto a
igreja testemunhando a perseguição, mas em tudo isso Deus
continua soberano em seu trono. Leia o livro em adoração.
Leia sobre todas as posições. Não fique apenas em uma
posição idolatrando. Quando falo de idolatrar é defender
uma sem conhecer a outra, sem ampliar o meu leque de
possibilidades interpretativas. Então leia sobre outras
posições. Por último, seja humilde. O livro de Apocalipse
é difícil de interpretar. Não é fácil. Então, não deveria ser
algo preto no branco. Há muitas coisas que permanecerão
incertas pela natureza do livro onde nós vamos olhar para
uma posição e dizer “essa possui menos problemas do que
essa outra”. Não porque ela é exata.

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41
AULA 12 – SISTEMAS HERMENÊUTICOS conjunto, é como se eu tivesse uma sacola e coisas jogadas
(PARTE 1) dentro de forma aleatória. Porém, quando falo de sistema,
falo de coisas que se relacionam entre si. Logo, um sistema

N
esta aula, vamos aprender um pouco sobre o que teológico é uma forma de relacionar tópicos da Escritura
é dispensacionalismo e aliancismo. Obviamente entre si e, acima de tudo como nós iniciamos, a história, a
que será em caráter introdutório. É necessário grande narrativa, os pequenos pontos dessa grande narrativa.
um aprofundamento mais adiante. O seriam sistemas
hermenêuticos? Porque precisamos deles? Porque nós Como entender melhor essa ideia de sistema? Eu gosto muito
estaremos localizados em um desses sistemas ou teremos da metáfora do espectro. Quando tenho, por exemplo, uma
algo deles querendo ou não? linha onde tenho dois extremos. Nessa linha, terei pontos
dentro dela. Qual é a ideia de entender o sistema teológico
Primeiramente, vamos entender o que é um sistema em termos de linha? Como os sistemas se relacionam e
teológico. Para isso, você tem que entender que a Bíblia, como entendê-los nesse espectro? A forma inicial é você
de alguma forma, conta uma grande narrativa. Essa grande separar os dois polos em continuidade e descontinuidade.
narrativa se desenrola desde Gênesis até Apocalipse. Dessa Quando falo de continuidade, estou olhando para a grande
forma, o que precisamos entender é que, se Bíblia forma narrativa de uma forma mais completa, mais junta. É
uma grande narrativa, como nós vamos ler e juntar tudo conectar os pontos de forma bastante estreita. Por exemplo,
isso como uma única história? Entenda a preocupação: ao olhar para Israel e vejo a relação dele tão contínua com
Se de Gênesis a Apocalipse há pessoas tendo vivências e a Igreja que a única diferença entre eles é que a Igreja
experiências com Deus diferentes, mas ao mesmo tempo se torna o novo Israel de Deus tendo em vista que existe
eu entendo que a Bíblia conta uma única e grande narrativa, essa continuidade acentuada no processo da história da
como vou juntar uma única história? Como vou juntar os revelação. Então, quando falo da lei mosaica, entendo
pontos? Como vou juntar a relação de Israel com a Igreja que se estou de um lado da continuidade defendo a ideia
nessa grande narrativa? Dessa forma, o sistema é um modo que existe uma continuidade entre a lei mosaica e a lei do
de juntar todos os pontos da Escritura em uma única história, Novo Testamento, a Lei de Cristo, e essa continuidade é
em uma única narrativa, em um único sistema. Quando se extremamente estreita. Não há uma quebra no processo
fala de sistema, estamos nos opondo à ideia de conjunto. No histórico. Há uma continuidade.

42
Como se “um se tornasse o outro”, não que algo novo leem, a forma que os textos são encarados. Segundo, Israel
surgisse, mas que o antigo se transformou. A lei antiga se e a Igreja, uma relação muito importante para os sistemas.
transforma. Então, de um lado têm aqueles sistemas que se Terceiro, a lei mosaica. Quarto, as promessas do reino. Você
colocam como continuidade e do outros aqueles sistemas de pode pegar como exemplo se as promessas feitas para Israel
descontinuidade. de alguma forma encontram continuidade na Igreja. E, quinto,
a Nova Aliança. Será que as promessas da Nova Aliança se
Do lado da continuidade, há a Teologia da Aliança; o aplicam na Igreja de forma legítima? Tendo em vista que a
Aliancismo Progressivo; e a Teologia da Nova Aliança. promessa da Nova Aliança em Jeremias é para a casa de
Do lado da descontinuidade, há o dispensacionalismo Judá, será que essa promessa se aplica à Igreja?
progressico e o dispensacionalismo revisado. O que é
que você precisa entender agora? Não é que não exista Entendendo que temos esses pontos principais quando
algum tipo de continuidade no dispensacionalismo, mas a estamos lidando com sistemas teológicos, vamos revisar os
ênfase será mais na descontinuidade. Ou seja, quando se principais temas que temos: Teologia da Aliança; Aliancismo
pensa na relação entre a lei mosaica e a lei de Cristo, um Progressivo; Teologia da Nova Aliança; Dispensacionalismo
dispensacionalista pensará isso em descontinuidade. Ele vai Progressivo; Dispensacionalismo Revisado.
pensar nisso como algo distinto, como processos históricos
diferentes. Vamos ver um pouco de cada um desses sistemas. Mais uma
vez, será algo bastante compacto e que não vamos explorar
Então, você tem esses dois sistemas e eles se colocam muito. Apenas recomendo que se aprofunde nos livros que
entre dois extremos. O extremo da continuidade e o vamos recomendar.
da descontinuidade. Tendo em vista isso, precisamos
entender um pouco sobre o que esses sistemas estão mais Começando pelo dispensacionalismo, gostaria de começar
preocupados. É óbvio que eles tentarão juntar todos os indicando dois livros em português. O livro do Michael Vlach,
pontos, mas quais são os fatores principais que eles tratam? “Dispensacionalismo: crenças essenciais e mitos comuns”,
editora Peregrino e “Continuidade e Descontinuidade”, que é
Os assuntos são: hermenêutica, ou seja, a forma que eles um livro de debates, mas você pode ser só a parte

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dispensacionalista, que é editado por John Feinberg da em três, outros em duas. Há ainda os que creem em seis ou
editora Hagnos. Esses dois livros são muito importantes para cinco. Isso não é inerente ao dispensacionalismo. São mitos
você conhecer de forma introdutória o dispensacionalismo. comuns quando tratamos do dispensacionalismo.

Antes de iniciarmos o que é o dispensacionalismo, vamos Agora vejamos o que realmente é o dispensacionalismo.
falar de alguns mitos comuns. O primeiro mito é que Primeiro ponto, a revelação progressiva do Novo Testamento
ele ensina vários tipos de salvação. Por causa da Bíblia não interpreta ou reinterpreta passagens do Antigo
Scofield, alguns vão dizer que o dispensacionalismo Testamento de um modo que cancela o significado dos
ensina isso. Porém, isso já foi corrigido. Não há nenhum escritos do Antigo Testamento como determinados pela
dispensacionalista que crê assim, a própria Bíblia Scofield hermenêutica histórico-gramatical. Quando a Bíblia fala que
se corrige em sua segunda edição. O segundo é que ele é prometido para Israel uma terra, o que precisamos entender
estaria intrinsecamente ligado ao arminianismo. Isso não é que no Novo Testamento o significado dessa terra não será
é verdade porque já tivemos muitos que se colocaram em redefinido ou reinterpretado.
termos de descontinuidade, mesmo ainda sem o nome
“dispensacionalismo” sendo calvinistas ou arminianos. O Ou seja, essa terra não deixará de ser uma terra física para
terceiro mito é que é inerentemente antinomiano. Isto é, por virar uma terra espiritual. Quando no Novo Testamento se
não viver mais sobre a lei mosaica, então não há nenhuma fala de descanso numa terra, isso não é uma reinterpretação
lei. Isso é viver sem lei (anti-nomos). O dispensacionalismo do que está lá atrás. Não posso agora reinterpretar tudo
acredita que há leis para viver hoje, a Lei de Cristo, e o que vi no Antigo Testamento. O que eu li no Antigo
baseamos nossa vida nela e precisamos segui-la. O quarto Testamento acerca de uma terra física, será uma terra
mito é que alguns acreditam que conduz a uma salvação sem física. Precisamos entender o Novo Testamento dentro de
senhorio. Tendo em vista que parece não exigir que Jesus seu contexto sem querer reinterpretar o que está no Antigo
seja Senhor, segundo alguns acreditam. Alguns acreditam Testamento.
que o dispensacionalismo diz que Jesus será Senhor
somente do futuro Israel e dos gentios somente o salvador.
Isso também é mentira. Por último, o quinto mito é que todo O segundo ponto é que tipos existem, mas o Israel nacional
dispensacionalista crê em sete dispensações. Alguns creem não é um tipo substituído pela Igreja.

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Rapidamente, vamos entender o que é um tipo e um antítipo. Quarto. Há uma unidade na salvação entre judeus e gentios
Isso é tipologia. A melhor forma de você entender é assim: e um papel futuro para Israel como nação. Ou seja, não é
pense numa maquete e pense num prédio real que foi que sejam dois povos diferentes. São um único povo onde
inspirado nessa maquete. A maquete seria o tipo, o prédio existe uma unidade espiritual. Ou seja, ambos são salvos por
real, o antítipo, a realização. O tipo aponta para o antítipo. meio do Messias. Ambos possuem essa unidade espiritual
Por exemplo, o sacrifício dos cordeiros e bodes eram tipos sendo salvos pelo Messias. Por mais que ambos, judeus e
que apontavam para o antítipo que é Jesus. Alguns não gentios, sejam salvos no Messias, isso não anula o fato que
dispensacionalistas pensam que todo o Antigo Testamento Israel como nação tem um futuro. O Israel eleito ainda será
era um tipo que apontava para Jesus. A ideia é que tanto restaurado. Seria isso que o dispensacionalismo diz.
os sacrifícios, como Israel, como qualquer coisa do Antigo
Testamento apenas apontava para Jesus e quando ele chega Quinto ponto. A nação de Israel será salva, restaurada com
tudo aquilo já não tem mais a mesma validade. É como se uma identidade e função singulares num futuro reino milenar
não houvesse mais valor interpretativo. O dispensacionalista sobre a terra. O dispensacionalista também acredita que
dirá que tipos existem, como os sacrifícios. Os sacrifícios haverá um futuro para Israel onde a nação de Israel será
são tipos. Porém, Israel não é um tipo. Se Israel é um restaurada. Isso não significa que todo indivíduo de Israel
tipo, quando chega o antítipo, evapora-se o tipo. Israel já será salvo, mas que o remanescente eleito será restaurado e
não teria mais nenhuma relevância no plano de Deus. O isso acontecerá num futuro reino milenar em Apocalipse 20.
dispensacionalista dirá que, ao chegar no Novo Testamento,
percebemos que, diferente dos sacrifícios, quando chega o
antítipo Jesus, o sacrifício perfeito, aqueles sacrifícios não Sexto. Há múltiplos sentidos da “semente de Abraão”. Assim,
são mais requeridos. Porém, diferente disso, Israel não é um a identificação da igreja como “semente de Abraão” não
tipo tendo em vista que ainda existe um futuro para ele. cancela as promessas para a “semente de Abraão” judaica
crente. O fato da igreja ser chamada de filhos de Abraão,
ou semente de Abraão, não significa que Israel deixou de
Terceiro ponto é que Israel e a Igreja são distintos, assim, a ser semente de Abraão ou que agora só existe uma única
igreja não pode ser identificada como o novo ou verdadeiro semente. Um dispensacionalista vai entender que existem
Israel. Portanto, para o dispensacionalista existe uma múltiplos sentidos e, realmente, em Gálatas pode haver
diferença entre Israel e a Igreja que precisa ser mantida.

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múltiplos sentidos para o termo semente de Abraão. Falando agora sobre teologia do pacto podemos dizer que a
Portanto, ainda que seja chamado assim, precisamos olhar teologia do pacto é o evangelho apresentado no contexto do
o contexto e ver que aquilo está sendo usado em múltiplos plano eterno de Deus e de comunhão com o seu povo e o seu
sentidos. Para que você entenda o que está sendo dito sobre desenvolvimento histórico nos pactos das obras e da graça
o dispensacionalismo, é preciso ver que o Antigo e o Novo (bem como nos vários estágios progressivos do pacto da
Testamento precisam ser lidos em ordem onde o Novo não graça) (Ligon Duncan).
reinterpreta o Antigo. O que foi dito no Antigo é aquilo que
está lá e agora o Novo Testamento traz uma nova revelação O que é, portanto, a teologia do pacto? É o entendimento
que não vai reinterpretar o que está escrito lá. Se existe uma que existe um único Evangelho desde Gênesis 3.15 e vai
promessa para a restauração de Israel, mesmo que no Novo se desdobrar tendo várias formas de anúncio onde a forma
Testamento fale da Igreja, de um povo, Novos Céus e Nova perfeita é na Nova Aliança. Por exemplo, quando Deus trata
Terra, não posso desprezar o que está escrito no Antigo. com Adão e Eva, já tem o Evangelho. Esse Evangelho é
O Novo Testamento não anula de imediato essas coisas. pregado no decorrer do Antigo Testamento e vai ganhando
Precisa ter um texto claro para anular algo do Antigo, como é formas diferentes. Perceba, então, que Israel já é a Igreja no
o caso da Lei quando diz “mudando-se o sacerdote, muda-se Antigo Testamento. Quando chegamos no Novo Testamento,
a lei”. É muito claro esse texto em Hebreus. esse Evangelho da graça vai ganhar uma nova forma com a
Igreja. A lei mosaica ganha apenas uma nova forma que é a
Observe que para o dispensacionalista, tanto o Novo quanto lei de Cristo. Há continuidade entre elas. Quais são os pactos
o Antigo Testamento precisam ser lidos em seus próprios que existem?
termos. Dito isso, vimos que para um dispensacionalista a
Igreja não é Israel, nem o Novo Israel. No futuro milenar, a Existe o pacto das obras feito em Gênesis com Adão e Eva.
nação de Israel será restaurada e as promessas que ainda Há o pacto da graça quando Deus promete trazer redenção
faltam ser cumpridas, que foram prometidas pelos profetas e para o homem. Há o pacto da redenção – onde uns creem e
que não encontramos realização na Igreja, serão cumpridas outros não – que é feito entre a Trindade onde já existia um
nesse reino milenar de Apocalipse 20. pacto entre eles antes de tudo existir para trazer redenção à
humanidade que ia cair.

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O primeiro ponto da teologia do pacto é uma hermenêutica
que interpreta o Antigo Testamento através das lentes do
Novo Testamento. Então, quando é prometido para Israel
que ele teria descanso, olho para o Novo Testamento e digo
que o descanso é o Novo Céu e Nova Terra e não uma terra
específica. Essa promessa já seria para a Igreja. Isso é uma
reinterpretação do Antigo Testamento à luz da revelação do
Novo Testamento.

Há uma grande ênfase em relação às sombras e realidades.


Ou seja, para a teologia do pacto quase todo Antigo
Testamento é uma sombra e a realidade é o Novo. Não
existe uma completa dissociação entre eles. Por exemplo, o
batismo no Novo é a circuncisão no Antigo e uma vez que a
circuncisão era feita em crianças, então na Nova Aliança não
teria problema que crianças, os filhos do pacto, participarem
do batismo. Perceba a estreita conexão que fazem entre o
Antigo e o Novo. Eles acreditam que a Lei Mosaica continua
somente em termos de Lei Moral, não cerimonial ou civil. A
lei eterna de Deus está nos 10 Mandamentos. Por último, o
batismo de infantes na relação entre circuncisão e o batismo
na Nova Aliança. Esses dois grandes sistemas estão de cada
lado dos polos do espectro de continuidade-descontinuidade.
Na próxima aula, aprenderemos algumas variações desses
sistemas e você verá que possuirão algo relacionado ao
dispensacionalismo ou à teologia do pacto.

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AULA 13 – SISTEMAS HERMENÊUTICOS trabalhava com o povo de forma particular de diferente em
(PARTE 2) cada processo da eleição. Em cada dispensação, em cada
aliança, Deus trabalha diferente. Quando nós chegamos

V
amos para nossa segunda aula, a parte dois, de ao Novo Testamento, nós temos ali algo novo. Agora nova
sistemas teológicos. Rapidamente, já vimos que maneira de Deus trabalhar para o seu povo que é através
temos dois sistemas principais: dispensacionalismo de Jesus, da graça, da igreja, de algo novo, da lei de Cristo
e aliancismo, ou a teologia do pacto. No aliancismo, tenho e assim por diante. O dispensacionalista, portanto, acredita
uma maior continuidade. No dispensacionalismo, tenho uma que a igreja não é o ápice do que era Israel. Ele acredita que
ênfase na descontinuidade. a igreja é uma coisa e Israel é outra. Ele também acredita que
as promessas que foram dadas para Israel são de Israel e as
feitas para igreja do Novo Testamento são do da igreja. Ou
Na teologia do pacto, eu tenho a história sendo contada por
seja, para o dispensacionalista, não posso pegar as coisas
meio de pactos: pacto das obras; o pacto da redenção; e o
permitidas para Israel e aplicar à igreja, espiritualizando e
pacto da graça. Então, para uma teologia do pacto, vou ter
aplicando. Aquilo que foi prometido para Israel será para ele.
formas que o evangelho está sendo pregado, no decorrer
Aquilo que foi permitido para igreja vai ser para igreja.
da história, dessa história da graça. Deus providenciando
salvação e graça. Deus fazendo para si um povo. Quando
chega no Novo Testamento, tudo aquilo que Deus preparou É claro que isso é sumário. Não dá para entender toda a
de antemão, agora, encontra o seu ápice: o evangelho em complexidade desses sistemas. É necessário leitura. Aqui
da pessoa de Cristo. O ápice daquilo que foi prometido, você sabe que vai encontrar apenas os tópicos que nós
pregado, que já fazia parte do pacto da graça agora encontra estamos trabalhando.
seu ápice. O Novo Testamento é apenas o ápice, não uma
nova história completa, mas é o ápice daquilo que Deus vem Na aula passada, nós ficamos de ver algumas variações
fazendo a decorrer da história. desses grandes sistemas. O primeiro é o dispensacionalismo
progressivo. Indo direto ao ponto, o dispensacionalista
Para o dispensacionalismo, não. O que acontece no Novo progressivo vê que a promessa que Deus fez para Israel não
Testamento é algo completamente novo. Antigamente Deus é uma promessa que vai acontecer única e exclusivamente

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para Israel somente. Ela também vai ser aplicada, vai trabalha dizendo para a gente entender que quando Deus
acontecer na Igreja. Diferente da teologia do pacto que fez uma promessa para Israel, aquela promessa não tinha
acredita que as promessas para Israel são espiritualizadas, apenas dimensões físicas, mas também espirituais. Quando
ganhando dimensões espirituais e são aplicadas para a nós chegamos no Novo Testamento, eu aprendo que Deus
Igreja. Por exemplo, a terra prometida que era física, ganha pega a parte espírito promessas e dá de presente também
o ápice espiritual no Novo Testamento é revelado de forma para que a igreja participasse da Nova Aliança.
espiritual como sendo o Novo Céu e Nova Terra. Isso é
a teologia do pacto. Ela acredita que essas promessas Entenda o que é que um dispensasionalista progressivo
da Antiga Aliança feitas para Israel ganham esse status tem em mente. Ele tem mente que quando Deus promete
espiritual e são aplicadas para igreja. algo para Israel não é dito que é exclusivamente para Israel,
mas o que é dito é que ele prometeu algo físico e espiritual
Já o dispensacionalismo progressivo vai dizer o seguinte: para Israel, mas Novo eu entendo por conta de uma nova
Nós acreditamos que as promessas de Deus feitas para revelação de que a Igreja vai participar daquela dimensão
Israel também serão aplicadas para Igreja, mas não é porque espiritual, daquelas promessas que foram dadas a Israel. Por
elas serão espiritualizadas, não é porque elas vão sofrer exemplo, apesar de não participar da bênção da terra, que é
uma transformação para ser aplicada para Igreja. É porque física, a Igreja participa da bênção do perdão dos pecados.
as promessas do Antigo Testamento já possuem duas O que é onde existe uma dimensão espiritual. Então, o
dimensões: Uma dimensão física e outra dimensão espiritual. progressivo tem em mente que quando Deus promete algo
Então, o dispensacionalista progressivo vai dizer assim: A essas promessas vão acontecer de forma progressiva. Elas
Promessa Davídica, a Nova Aliança, a Promessa Abraâmica, vão acontecer em estágios. Deus prometeu que ia dar um
todas possuem dimensão física e espiritual. Por exemplo, descanso para casa de Israel, uma terra para a casa de Israel,
quando é prometido que Deus vai restaurar a casa de Judá, e que ia perdoar os pecados. Isso é cumprido em termos de
ele faz promessas físicas, mas também diz que perdoará progressividade. Não acontece tudo de uma vez, no primeiro
os pecados e trará redenção, trocará o coração de pedra por momento apenas o que é cumprido é a parte espiritual. A
um coração de carne. Ou seja, nessas promessas feitas a parte física está aguardando cumprimento lá no Milênio. A
Israel existiam dimensões físicas, mas também já existiam parte espiritual já começou a ser cumprida na Igreja.
dimensões espirituais. O dispensacionalismo progressivo

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Ela é cumprida de forma progressiva. Parte dela já começou de Jacó.
a ser cumprida na igreja. Judeus e gentios juntos. E a outra
parte física está aguardando cumprimento para ser realizada O dispensacionalista progressivo vai dizer que aquelas
em Israel. Não ficará sem cumprimento aquilo que foi promessas tinham duas dimensões: físicas e espirituais.
prometido para Israel. Não é que elas sejam espiritualizadas e não é que a igreja
apenas receba de implicação essas bênçãos. É porque a
A teologia do pacto, por exemplo, entende que ou Israel parte física vai ficar com Israel para ser cumprida quando ele
pecou e agora não pertence mais àquelas promessas e agora foi restaurado e a parte espiritual já começa a ser cumprida
essas promessas foram dados para igreja de uma nova progressivamente. Ou seja, ela começa a ser cumprida agora
forma, ou eles entendem que essas igreja agora recebe essas na igreja.
promessas como herança. Não as mesmas promessas, mas
superiores promessas em termos de qualidade. Enquanto Última coisa para gente passar para outros sistemas. Para
uma era física, agora tenho Novo céu e Nova Terra (que o dispensacionalista progressivo, Igreja e Israel são um
também é físico, mas entenda o que eu quero dizer aqui). único povo, mas eles partilham de aspectos diferentes da
Isso é a teologia do pacto. promessa. A Igreja não é meramente mais um povo étnico.
A igreja não é meramente algo racial. A igreja é diferente de
O dispensacionalista vai dizer que o que foi prometido para Israel, porque ela é de uma outra qualidade. Enquanto Israel é
Israel em termos físicos e as promessas vão ser dadas a étnico, enquanto a Israel racial, é uma ideia de raça, nação em
Israel. As outras promessas para igreja vão ser dadas para termos humanos, a Igreja é superior. É o que Paulo fala em
a igreja. Então, a Nova Aliança é para Israel. A igreja recebe Efésios. A igreja é um novo homem. Então não é que a igreja
apenas alguns benefícios dessa aliança que foi dada para meramente substitui Israel, o dispensacionalista progressivo
Israel. A igreja recebe apenas o benefício de que para Israel não acredita nisso, o que está dizendo é que a igreja é um
quem vai cumprir essas promessas é o Messias. A igreja novo homem. Ela participa de um novo momento histórico
recebe em parte alguns benefícios porque ela também faz de uma nova qualidade. Judeus, gentios, bárbaros, homem,
parte do Messias. Não é que aquela promessa da Nova mulher, todos estão dentro da Igreja, porque não faz essa
Aliança foi dada para a Igreja. Não, ela foi dada para a casa distinção de raça. Ela é superior em termos de qualidade.

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Ela é um novo homem. A Igreja é diferente. acreditam que a igreja substitui Israel, e ainda está do lado da
teologia do pacto, eles saem de estar do lado da tela do pacto
Outra coisa importante é que, para o dispensacionalista e vão para o lado do dispensacionalismo para dizer que não
progressivo, a aliança abraâmica é como se fosse a base de acreditam nessa dimensão tripartida da Lei e nem ideia de
tudo. Você pode observar que na própria aliança abraâmica pactos. Eles acreditam apenas que existem duas alianças.
temos aspectos materiais e aspectos espirituais: “eu farei
de ti uma grande nação”, por exemplo, é um aspecto “e A Teologia da Nova Aliança simplesmente diz o seguinte:
através de ti serão benditas todas as nações da terra”. não aceita os pactos da teologia do pacto; não vê a lei como
Então, o que seriam essas bênçãos que seriam prometidas tripartida, mas como uma unidade que na vida de Jesus
para as outras nações da terra? Isso é a base. A forma ela cai e agora uma nova lei é estabelecida. Nós estamos
que isso vai ser feito é através da Nova Aliança trocando o sobre a lei de Cristo que é uma lei distinta da de Moisés. A
coração de pedra, perdão de pecados e, ao mesmo tempo, Teologia da Nova Aliança rejeita o batismo infantil e também
para Israel especificamente restaurando o tabernáculo não acredita que a igreja nasceu no Antigo Testamento.
caído. O meio pelo qual essa aliança vai ser estabelecida Ela acredita que a Igreja nasce em Atos. A Igreja é um novo
é a aliança davídica. Ou seja, por meio do descendente de passo no processo revelacional.
Davi que veio para morrer no nosso lugar fazendo com que
as bençãos de Abraão até nós, trocando assim o nosso Então, essa é a Teologia da Nova Aliança. Se por um lado há
coração e resguardando e guardando as promessas futuras discordância da Teologia do Pacto, eles concordam que a
para Israel para serem cumpridas em Israel. Esse é o Igreja é o novo Israel, que o Novo Testamento tem prioridade
dispensacionalismo progressivo. interpretativa sobre o Antigo e que basicamente Antigo
Testamento é uma forma de tipologia. Quando chega o Novo,
Agora a Teologia da Nova Aliança é basicamente isso: Ela o antítipo, a realização, quase tudo do Antigo é deixado para
acredita que a igreja substitui Israel. Essa é a Teologia da trás, porque a plenitude chegou. Essa é a Teologia da Nova
Nova Aliança igreja substitui Israel, mas eles não acreditam Aliança.
que existe a lei moral, cerimonial e civil. Eles acreditam que
agora nós estamos debaixo da lei de Cristo. Enquanto eles O Aliancismo Progressivo. Qual é a grande diferença de

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forma resumida.No Aliancismo Progressivo, eles não FEINBERG, John S. Continuidade e descontinuidade. São
acreditam que a Igreja substitui Israel, eles acreditam nos Paulo Hagnos, 2013
pactos, eles não acreditam no batismo infantil, eles não
acreditam que o sábado foi pro domingo. O grande ponto do DOCKERY, David S. Hermenêutica Contemporânea à luz da
Aliancismo Progressivo é que quem substitui Israel é Jesus. igreja primitiva. São Paulo, SP: Editora Vida, 2001.
Jesus é o Israel por Excelência. É o novo Israel. É o servo
Israel. É aquele que veio para substituir o Israel caído, o povo
de Deus caído, e agora ele vem e ele leva em si mesmo a HENRICHSEN, Walter A. Princípios de Interpretação da Bíblia,
maldição no madeiro. Agora Israel restaurado não é mais São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1989.
étnico-racial, mas são todos aqueles que estão no Messias,
em Cristo. Fazendo agora parte do Povo de Deus, o Novo KAISER, Walter C. Jr. e Moisés Silva Introdução À
Israel. Esse é o Aliancismo Progressivo. Hermenêutica Bíblica São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003.

Existem muitos detalhes em tudo isso, mas essa talvez seja KOSTENBERGER, Andreas J. Convite a Interpretação Bíblica
uma das áreas mais densas para ser uma introdução. Eu – A Tríade Hermenêutica(história, literatura e teologia). São
espero que você volte. Às vezes, vai confundir porque um crê Paulo: Vida Nova, 2015, p.795.
nisso outro não crê. É normal ter essas dúvidas. O que você
precisa fazer é desenvolver o seu próprio mapa mental para LONGMAN, Tremper Lendo a Bíblia Com o Coração e a Mente
que você entenda essas diferenças. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003.

OSBORNE, Grant R. A Espiral Hermenêutica, uma nova


BIBLIOGRAFIA: abordagem a interpretação bíblica. São Paulo: Vida Nova,
2009, 767p.
FEE, Gordon D. e STUART, Douglas. Entendes o que lês? São
Paulo: Vida Nova, 1989.
STEIN, Robert H. Guia Básico para a Interpretação da Bíblia,
Rio de Janeiro: CPAD, 1999.

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VANHOOZER, Kevin J. Há um significado neste texto?
Interpretação bíblica: os enfoques contemporâneos. São
Paulo: Vida, 2005. 663p.

VIRKLER, Henry A., Hermenêutica Avançada, (São Paulo:


Editora Vida, 1987).

WEGNER, Uwe, Exegese do Novo Testamento São Paulo:


Editora Paulus, 1998.

ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica São Paulo: Edições Vida


Nova 2002.

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