Você está na página 1de 25

Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL

HERMENÊUTICA BÍBLICA
Seminário Teológico Peniel

Turma Itapeva
2022
1
Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL

Unidade l
I - Introdução à Hermenêutica Bíblica
Conceito de Hermenêutica
A palavra “Hermenêutica” é derivada do termo grego “hermeneutike” que, por sua vez, se deriva
do verbo “hermeneuo”.
O conceito de hermenêutica pode ser descrito como: “A ciência e a arte de interpretação”. Como
ciência nos ensina os princípios, as leis e os métodos da interpretação; e como arte, nos ensina como aplicar
suas regras.
A hermenêutica sacra é o estudo metódico dos princípios e regras de interpretação das Sagradas
Escrituras. Ela se divide em duas subcategorias:

● - Geral
Aplica-se à interpretação do texto bíblico inteiro (Princípios de interpretação histórico, gramatical
e teológico).

● - Especial
Aplica-se a gêneros específicos (Parábolas, alegorias, metáforas, etc…).

A Importância da Hermenêutica
Leia, com atenção, o texto de Mt 8.21, 22 e explique o significado das expressões “…sepultar meu
pai…” e “…deixa aos mortos sepultar os seus próprios mortos…”.
Este simples exercício nos chama a atenção para uma frase interessante: “Alguém já afirmou que
não há leitura que não seja hermenêutica, porque ler sem entender não é ler, é apenas articular palavras”.
É preciso ler e entender o que se está lendo, por causa do perigo das heresias, pois a origem delas
está na ausência de uma hermenêutica sadia. Qual a implicação de se ensinar uma heresia?
Tiago 3.1 nos responde essa pergunta: havia na época e entre os destinatários de Tiago uma
ansiedade muito grande, da parte de muitos, para falar em público. No entanto, havia uma falta de
reconhecimento de que a qualificação fundamental do mestre é o “saber”. Os mestres levam sobre si uma
grande responsabilidade, e serão julgados com especial rigor em virtude da influência que exercem sobre
os outros. Ex. O fundador da antiga seita “Meninos de Deus”, hoje denominada “A Família”, era
evangélico.

Paralelamente, muitas outras seitas estão surgindo por causa da interpretação errada da Bíblia. Precisamos
de uma hermenêutica sadia, até mesmo no púlpito de nossas igrejas.
Outro fator importante que nos mostra a importância da hermenêutica é porque existem textos de
difícil compreensão. Em 2 Pe 3.16 Pedro admite que “há certas coisas difíceis de entender (na Bíblia), e que
os ignorantes e instáveis além de as deturparem, deturpam também as demais Escrituras, para a própria
condenação deles. A conseqüência é que arrastam consigo multidões à perdição.
A dificuldade de interpretação não confere “carta branca” a ninguém para uma interpretação
particular, pois 1 Pe 1.20 diz: “…nenhuma profecia da Escritura é de particular elucidação…”.
Por isto, precisamos da hermenêutica!

A Necessidade da Hermenêutica

2
Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL

Já vimos em 2 Pe 3.16 que existem coisas de difícil entendimento na Bíblia, e essa dificuldade
bloqueia a nossa compreensão espontânea do significado do texto. Quanto mais bloqueios à compreensão,
tanto maior a necessidade da hermenêutica.
A origem desses bloqueios está na existência de abismos que existem entre nós e os escritores
bíblicos:
● Abismo Histórico
O fato de estarmos, largamente, separados no tempo dos escritores e primitivos leitores da Bíblia,
torna difícil a compreensão da mesma. Ex. A antipatia de Jonas pelos Ninivitas por causa de suas crueldades.

● Abismo Cultural
Grande diferença cultural separa-nos dos tempos bíblicos, e dificulta a nossa visão sobre a realidade
cultural da Bíblia, sem utilizarmos os “óculos” da nossa própria cultura. A falha em reconhecer essas
diferenças, pode resultar em erro de interpretação. Ex. O costume hebreu de lavar os pés.

● Abismo Linguístico
As línguas em que a Bíblia foi escrita, variam da nossa tanto em estrutura como em expressões
idiomáticas. Ex. As 3 categorias de amor: fileω, eros e agapaω (fileo, eros e ágapa) são representados por
uma única palavra em português: amor.

● Abismo Filosófico
Opiniões acerca da vida, das circunstâncias, da natureza e do universo variam de acordo com a
cultura de quem escreveu e de quem lê. Por isso, precisamos conhecer tanto as similaridades como as
diferenças entre a nossa cultura e a cultura dos povos da Bíblia.
As Escrituras pois, tratando de temas tão variados como céu, terra, tempo, eternidade, visível e
invisível, material e espiritual, e escrita por pessoas distintas em modo de vida e tempo, necessitam, para
uma reta compreensão, do auxílio e conselho que a Hermenêutica pode oferecer.

A Relação com Outras Matérias

TEOL. BÍBLICA

EST. DO CRÍTICA CRÍTICA HERMENÊUTICA


CÂNON TEXTUAL HISTÓRICA (EXEGESE)

TEOL. SISTEMÁTICA

● Estudo do Cânon
Estudo sobre a inspiração da Bíblia e do processo histórico da sua produção.

● Crítica Textual
Averigua a originalidade de um texto por meio dos manuscritos, por não termos os Autógrafos
(Baixa Crítica).

● Crítica Histórica
Averigua a autenticidade da autoria, da data, da circunstância, do conteúdo e unidade literária de
cada livro da Bíblia (Alta Crítica).

● Hermenêutica Exegética
Aplica os princípios da hermenêutica para extrair do texto o significado correto.

● Teologia Bíblica
Estuda o desenvolvimento do conhecimento teológico no A.T. e N.T. (revelação divina) através dos
tempos.

3
Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL
● Teologia Sistemática
Organiza os dados bíblicos de maneira lógica antes que histórica, dispondo as informações sob
tópicos.

Diferença entre Interpretar e Aplicar


Interpretar
Investigar o sentido pretendido pelo autor. Só existe uma interpretação.

Aplicar
Aplicar o princípio extraído do texto à comunidade contemporânea, através da orientação do
Espírito Santo. A aplicação pode ser múltipla.

Ex. Isaías 6 – interpretação: revelação do comissionamento de Isaías para a obra de profeta;


aplicação: missões, santidade, quebrantamento etc…

Normas da Linguagem
Princípio fundamental: “Tanto quem fala/escreve, como quem ouve/lê, têm que respeitar as normas
do código da linguagem”.
Toda língua possui os seus códigos e, a partir do contexto histórico e cultural, cada código em si
tem um valor, um significado e deve ser respeitado. Se cada um desse o seu próprio significado aos códigos
lingüísticos, não haveria possibilidade de comunicação.
Ex. Vida eterna (Cristianismo) = salvação
Vida eterna (Hinduísmo) = reencarnação
A língua está diretamente ligada ao pensamento do autor que escreveu e, por isto, devemos entender
o seu pensamento a partir da estrutura da sua obra literária (quando possível, à partir das línguas originais
da Bíblia).

Requisitos Espirituais e Intelectuais Necessários


Opinião correta acerca da Inspiração do Texto Sagrado
A opinião que os estudiosos da Bíblia têm sobre a Inspiração é de suma importância para o trabalho
hermenêutico:

Posição liberal - os escritores bíblicos foram inspirados no mesmo sentido em que o foi qualquer grande
escritor. Eles escreveram concepções religiosas de uma época, de um povo.

Posição Neo-ortodoxia – a maioria crê que Deus se revelou através de atos e não de palavras, sendo a
Bíblia, a concepção humana sobre os atos de Deus. Ela “torna-se” a Palavra de Deus de forma muito pessoal;
depende do significado que tem na vida e mente de cada indivíduo. A ênfase é a desmitologização, isto é,
tirar o mitológico, o sobrenatural, para se chegar à Verdade.

Posição Ortodoxa – O Espírito de Deus trabalhou por meio dos escritores bíblicos, usando o estilo pessoal
de expressão; o que eles produziram foi, literalmente, “soprado por Deus” (2 Tm 3.16). Nem os escritores,
nem os escritos deles foram atingidos por concepções particulares. Deus guiou-os de tal modo que o que foi
produzido traz o selo celeste: “assim diz o Senhor”.

● - Mente Humilde e Piedosa


Hábito de atenção sincera e reverente a tudo que as Escrituras revelam. Desejar o ensino do Espírito
Santo à nossa alma.

● - Dependência de Deus para Aprender


Ensinado por Deus, é que o homem pode aprender as Verdades que são reveladas somente aos que
as sentem (Ef 1.17; 4.18; Jo 7.17; Tg 1.5).

4
Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL
● - Consciência de que Não Haverá Nova Revelação
Por mais dócil, obediente e piedoso que seja o cristão, o Espírito Santo não comunicará qualquer
ensinamento que já não esteja contido na própria Escritura. O estudo da Bíblia, faz os homens sábios até ao
que está escrito, mas não além disso (Is 8.20).

● - Novo Nascimento
Este acontecimento torna o homem sensível às coisas concernentes ao Reino de Deus (1 Co 2.14; 1
Jo 2.20; 2 Co 4.6).

Problemas Controversos na Hermenêutica Contemporânea


Do mesmo modo que a perspectiva da “Inspiração” afeta o método do exegeta, estes problemas
também o afetam:

Autenticidade do Significado
É possível obter o verdadeiro significado do texto bíblico? Qual é o significado válido de um texto?
Há múltiplos significados? Se há, quais são mais válidos? Quais os critérios para se averiguar? Este é um
problema decisivo em hermenêutica e, para tal, existem duas filosofias:

O relativismo contemporâneo - diz que o significado de um texto é aquilo que ele significa para mim.

O absolutismo bíblico - diz que o significado de um texto é aquele pretendido pelo autor.

Banir o significado determinado pelo autor, é rejeitar o único princípio normativo obrigatório que
poderia dar validade ao texto, porque se o significado do texto não é o do autor, então não há interpretação
válida, uma vez que o texto não pode ter significado determinado ou determinável. O resultado disso é a
multiplicidade de interpretações, abrindo espaço para heresias.
A responsabilidade do exegeta é descobrir, o quanto lhe for possível, o significado pretendido pelo
autor, isto é, o que Deus queria dizer em determinada passagem, para evitar o número de interpretações
correspondentes aos leitores e fazer diferença entre o ortodoxo e o herético. Aqui se ressalta a importância
entre a interpretação e a aplicação.

● Harmonia entre a Autoria Humana e Divina


O ponto de vista ortodoxo diz que os autores humanos e divino trabalharam juntos na produção do
texto inspirado. Pergunta-se: “Que significado o autor humano tinha em mente”? “Qual o significado
pretendido pelo autor divino”? Para resolver, ou, apaziguar esta situação, deve-se observar o seguinte
critério: “Quando uma passagem parecer ter um significado mais completo do que o abrangido pelo autor
humano, só deve ser assim interpretada quando Deus, por meio de revelação posterior, tiver declarado tal
significado. Ex. Is 61.1-3; Lc 4.17-21.

● Interpretação da Linguagem Bíblica: Literal, Figurativa e Simbólica


Este é um problema, que só o contexto e a sintaxe pode resolver. É preciso entender que, uma mesma
palavra pode ser usada com várias conotações; uma análise do todo nos levará ao sentido que ela tem naquela
situação. Ex. Cabeça: literal (Mt 14.8; Js 3.15); figurado (Cl 1.18; 1 Co 12.15); Simbólico (Dn 2.32, 38).

● Fator espiritual
O compromisso espiritual, ou sua ausência, influencia a capacidade de perceber a verdade sagrada
(Rm 1.18-22; 1 Co 2.14; Ef 4.17-24). Onde se encaixa o fator espiritual, se, hermeneuticamente, o
significado das Escrituras deve ser encontrado pelo estudo cuidadoso das palavras, da cultura e da história?
É só lembrar que a Bíblia trata de verdades que não ficam apenas no nível do intelecto, necessitam da
iluminação que o Espírito Santo concede, aos que vivem na luz do conhecimento de Deus.

● Inerrância da Bíblia

5
Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL
Este é o mais controverso dos assuntos referentes à hermenêutica: existe ou não erro na Bíblia? Os
conservadores crêem que a Bíblia é totalmente sem erro, enquanto que os liberais crêem que a Bíblia não
erra quando fala sobre a salvação e a fé cristã, mas pode errar nos fatos históricos e em outros detalhes.
Para a hermenêutica sadia, a definição do pressuposto acerca da Inerrância da Bíblia é de suma
importância. Eis alguns argumentos quanto a este debate:

a) Posição de Jesus para com a Bíblia – sendo Jesus o Filho de Deus, então Sua atitude para com
a Bíblia nos proporcionará a melhor resposta à questão da Inerrância.
Ele respeitou igualmente, todas as narrativas históricas do V.T. como fontes de confiança (Mt
5.17-20; Jo 10.35).
Usou as histórias que os críticos rejeitam como base nos seus discursos (O dilúvio Mt 24.37-
39; Sodoma e Gomorra Mt 10.15; Jonas Mt 12.39-41).
Usou as Escrituras como arma de ataque e defesa, quando tentado por Satanás, e nem mesmo
este contestou o texto sagrado (Mt 4.4-11).
Usou o V.T. como competente tribunal de apelação em suas controvérsias com os escribas e
fariseus.

b) Objeções quanto à Inerrância


Jesus usou as histórias do A.T. apenas como fontes ilustrativas e não literais.
A Inerrância deveria ser reivindicada para os Evangelhos, mas não para a Bíblia toda.
Importante é ter um Cristo que salva, e não apegar-se a uma Escritura inerrante.

II – Resumo Histórico da Interpretação Bíblica


A hermenêutica, como ciência, surgiu, aproximadamente, no ano de 1567 a.D., mas os princípios
hermenêuticos tiveram seu ponto de partida bem no começo da história bíblica.
A história da hermenêutica faz-se importante, pois através dela observamos os erros dos que nos
precederam e nos conscientizamos dos perigos que circuncidam a interpretação bíblica.
Para darmos uma visão geral do assunto, apresentaremos apenas uma síntese dos princípios
adotados em cada período, desde o começo da era cristã até hoje.

1. Hermenêutica Judaica Antiga


Começou com Esdras, quando voltou da Babilônia, tendo o coração voltado para ensinar a Lei
mosaica ao povo judeu (Ne 8.8).

1.1 - Judeus da Palestina


Possuíam profundo respeito à Bíblia, como infalível Palavra de Deus. Tinham a Lei em mais estima
do que os profetas e demais Escritos Sagrados.

1.2 - Judeus Alexandrinos


Adotavam o princípio fundamental de Platão, de que ninguém deve acreditar em algo que seja
indigno de Deus. Qualquer passagem que fugia a este princípio, recorriam às interpretações alegóricas.

2. Hermenêutica Judaica Neo-testamentária


No tempo de Cristo, a hermenêutica judaica podia classificar-se em quatro tipos principais:

2.1 - Literal
Sentido literal das palavras.

2.2 - Midráshica
Um dos motivos dominantes da “midráshica” era investigar e elucidar, por todos os meios
exegéticos viáveis, as possíveis aplicações e significados velados da Escritura. Neste esforço de identificar

6
Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL
significados ocultos de detalhes gramaticais, incidentais, e especulações numéricas arquitetadas, acabava-
se perdendo o verdadeiro significado do texto.

2.3 – Pesher
Existia, especialmente, na comunidade de Qumran. Criam que tudo quanto os antigos profetas
escreveram tinha significado profético velado, que deveria ser, iminentemente, cumprido por intermédio
deles.

2.4 - Alegórica
Era mais ou menos determinada pela filosofia grega. Interpretavam, alegoricamente, tudo que não
concordasse com a sua filosofia e que ofendesse a sua lógica. Assim, reduziam verdades bíblicas em
alegorias. Ex. A tradição Mosaica (a criação, travessia do mar vermelho, etc…)

3. Hermenêutica Patrística (100 – 600 a.D)


Neste período, desenvolveu-se dois princípios hermenêuticos distintos:

3.1 - Baseados na Alegoria


Toda a Escritura devia ser entendida, alegoricamente. Tinha como seus defensores Clemente de
Alexandria e Orígenes.

3.2 - Literal
Atribuíram valor ao sentido literal da Escritura e rejeitaram o método alegórico. Defendiam com
zelo o princípio histórico-gramatical de interpretação.

4. Hermenêutica Medieval (600 – 1500 a.D.)


Neste período, a ignorância bíblica era característica até mesmo dentro do clero. A Bíblia era tida
como um livro cheio de mistérios, e só podia ser entendido misticamente. Os teólogos da época eram
obrigados a adaptarem seus princípios de interpretação à tradição e à doutrina da Igreja, que era soberana.

5. Hermenêutica da Reforma (Século XVI)


Neste período, a importância dada ao conhecimento, levou os estudiosos da Bíblia ao estudo dos
originais. Os reformadores acreditavam que a Bíblia era a inspirada Palavra de Deus. Assim, o método
alegórico foi deixado de lado e a Bíblia foi colocada como sua suprema interprete. Calvino disse: “A
Escritura interpreta a própria Escritura”.

6. Hermenêutica Pós-Reforma (1550 – 1800 a.D.)


● - Confessionismo
Cada um procurava defender sua própria opinião, apelando para a Escritura. Estudava-se as
Escrituras para nela encontrar as verdades incorporadas nas confissões.

● - Racionalismo
Posição filosófica que aceita a razão, como única autoridade que determina as opões de ação de
alguém.

● - Pietismo
Insistiam no estudo da Bíblia nas línguas originais, sob a influência do Espírito Santo.

7. Hermenêutica Moderna (1800 até hoje)


7.1 - Liberalismo
7
Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL
Nos séculos anteriores à “Revelação”, determinava o que a razão deveria pensar, mas agora a
“Razão” determina quais partes da revelação devem ser aceitas como verdadeiras.
Nesta época, foram adotados três pontos de vista quanto a inspiração da Bíblia:
A Inspiração em graus - a inspiração variava em graus nas diferentes partes das Escrituras; admite-se erros
e imperfeições naquelas partes em que esta inspiração era de grau baixo.

A Inspiração parcial - a inspiração das Escrituras era parcial; admitindo-se possibilidades de erros
históricos e geográficos.

A Inspiração natural - a negação do caráter sobrenatural da inspiração das Escrituras; era vista como um
livro qualquer.

Além disto, aplicou-se à Bíblia um naturalismo consumado; tudo o que não estivesse conforme a
razão, deveria ser rejeitado. Ex. depravação humana, inferno, nascimento virginal, expiação vicária de
Cristo, etc…
Cada um desses pressupostos, influenciou profundamente a hermenêutica bíblica.

7.2 - Neo-ortodoxia
Neo: novo; ortodoxia: conforme a doutrina definida. É um fenômeno do século XX, e ocupa uma
posição intermediária entre a ortodoxia e o liberalismo. Posicionamento da Neo-ortodoxia:
A revelação - não é considerada como algo ocorrido num ponto histórico, o qual agora nos é transmitida
nos textos bíblicos; ela se dá quando alguém reage com fé à presença divina.
A infalibilidade ou inerrância das Escrituras - não tem lugar no seu vocabulário, pois ela é vista como
um sistema teológico conflitante e com diversos erros.
O sobrenatural - as passagens bíblicas que revelam o sobrenatural são vistas como mitos (coisa
inacreditável, sem realidade).

7.3- Ortodoxia
Posição que vamos estudar.

Unidade II
I - Princípios Gerais de Interpretação Bíblica
1. Regra: “Trabalhe, partindo do pressuposto de que a Bíblia tem
autoridade”.
Na questão de religião, o cristão se submete a uma das seguintes autoridades:

● - Tradição
Transmissão de valores espirituais, de geração em geração. Ex.: Doutrina da Virgem Maria.

● - Razão
A conclusão extraída pela mente é o supremo tribunal de recursos, isto é, ela decide o que é
fundamental para a fé em Deus.

● - As Escrituras
As Escrituras são o supremo tribunal de recursos. Ex.: A concepção virginal de Maria é aceita,
porque a Bíblia a ensina.

Os três princípios são válidos. Mas, em caso de conflito, qual autoridade será o árbitro final?
A primeira regra de interpretação diz que “a Bíblia é o supremo tribunal de recursos”. A sua
autoridade está relacionada com a inspiração; porque ela é a Palavra inspirada por Deus e que tem
autoridade.
8
Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL
No estudo da Bíblia, você começa crendo que ela tem autoridade, para depois conhecer a sua
autoridade.

2. Regra: "A Bíblia é o seu intérprete; a Escritura explica melhor a


Escritura”.
Um dos primeiros intérpretes foi o diabo (Gn. 3.1-5; 2.16-17). Nestes textos ele não negou o que
Deus dissera; em vez disto torceu-as, dando-lhes um sentido que não tinham. Esse erro se dá por:

2.1 - Omissão
Citar só a parte que lhe convém, e deixar de lado o restante. Há dois tipos de morte na Bíblia: física
e espiritual. Quando Deus disse a Adão: “certamente morrereis”, estava se referindo a ambas as mortes.
Mas, quando Satanás disse à Eva: “é certo que não morrereis”, estava omitindo a morte espiritual.

2.2 - Acréscimo
Dizer mais do que a Bíblia diz. Eva acrescentou a frase: “nem tocareis nele” à ordem dada por Deus
a Adão. Acréscimos, torcem as Escrituras fazendo-as dizerem mais do que dizem, com o propósito de tornar
irracional a Palavra de Deus e indigna de ser obedecida.
Quando você estudar as Escrituras, deixe-a falar por si mesma. Não lhe acrescente nem lhe subtraia
nada. Deixe que ela seja seu próprio comentário. Compare Escritura com Escritura.

3. Regra: “A fé salvadora e o Espírito Santo são necessários para


compreendermos e interpretarmos bem as Escrituras”.
Existem duas maneiras de se ouvir o que Deus diz na Bíblia: com ouvidos físicos e com ouvidos
espirituais (ver 2 Co. 4.4; 1 Co. 2.14). No entanto, é possível haver proclamação da Bíblia com sua
autoridade e ainda estar espiritualmente cego. Isto é real nas seitas, que têm a Bíblia como autoridade, mas
a interpretam erroneamente, como também nas grandes atrocidades do mundo, que se baseavam na Bíblia
para cometê-las (as cruzadas).
Fazer a Bíblia compreensível é um ministério exercido pelo Espírito Santo a favor daqueles que
confiam em Cristo. Por isso, ser cristão e ter o Espírito Santo, se torna indispensável para uma correta
interpretação da Bíblia.

4. Regra: “Interprete a experiência pessoal à luz das Escrituras, e não as


Escrituras à luz da experiência pessoal”.
O N. T. contêm dois tipos de literatura: narrativa (Mateus – Atos) e didática (as Epístolas). Ao
estudarmos as porções didáticas, descobrimos que as experiências ou acontecimentos não são a causa de
uma verdade, e sim, o resultado. Os acontecimentos que se desdobram através da Bíblia toda são
interpretados com base no que Deus afirma ser verdade, e não vice-versa. Por isso, as experiências pessoais
devem ser interpretadas à luz das Escrituras e nunca o inverso.
Ex. A experiência pessoal toma como base Rm. 13.8 e faz disso uma doutrina.
Permita que a Palavra de Deus interprete as suas experiências pessoais, ao invés de você interpretá-
la à partir delas.

5. Regra: “Os exemplos bíblicos só têm autoridade, quando amparados por uma
ordem”.
Ao ler a Bíblia, fica evidente que você não deve seguir o exemplo de cada pessoa que encontra. Os
exemplos dignos de serem seguidos são aqueles que ilustram uma ordem bíblica.
Ex. A vida de Jesus: Ele usava vestes longas e alparcatas, normalmente andava a pé e nunca se
casou. Este exemplo de Jesus é digno, mas não se torna uma obrigação para os cristãos, porque não possui
uma ordem que o apoie. Por outro lado, Jesus também foi um homem de grande amor e compaixão. Este

9
Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL
exemplo além de ser digno, também deve ser seguido, pois é amparado por uma ordem bíblica (Jo.
13.34,35).
Mas, existem exemplos bíblicos, não apoiados por ordens, que têm algum valor:

5.1 - Confirmação
Quando confirma o que você pensa, é que o Senhor o está induzindo a fazer. Você pode estar
convicto de que Deus quer que fique solteiro pelo resto da vida, e sua convicção é amparada pelo exemplo
de Jesus.

5.2 - Fonte de Aplicação


Quando é rica fonte de aplicação à sua vida. O fato de Jesus ter Se levantado de madrugada para
orar, pode levá-lo a entender que Deus quer que você faça o mesmo.

Perigo a ser evitado: Não fazer das experiências acima, uma ordem universal, pois são apenas
aplicações individuais de exemplos bíblicos não amparados por ordem.

6. Regra: “O propósito primário da Bíblia é mudar as nossas vidas, não


aumentar o nosso conhecimento, simplesmente”.
Toda a Escritura foi dada com o fim de modelar as nossas vidas (2 Pe. 1.4; 2 Tm. 3.16,17). Contudo,
ao procurar aplicar “toda a Escritura”, você deve ter o cuidado de lembrar duas coisas:

6.1 - Aplicação Igual


Algumas passagens não devem ser aplicadas da mesma maneira como na ocasião em que foram
escritas. Ex. Lv. 7.1,2 não deve ser aplicada literalmente e, sim, como reflexão sobre o preço pago por Jesus
pelos nossos pecados.

6.2 - Aplicação Harmoniosa


Quando você aplicar uma passagem, deverá fazê-la em harmonia com a interpretação correta. Ex.
Is. 41.6 retrata o quadro vivo da situação desesperadora daqueles que não conheciam a Deus e, diante da
iminência de um ataque inimigo, começaram a fazer novos ídolos para os defenderem, encorajando uns aos
outros na fabricação dos mesmos.

Todas as partes da Bíblia são aplicáveis, todavia, a interpretação correta é essencial antes de procurar
aplicar, pois pode levar a mal-entendidos. Interpretar corretamente e aplicar devotadamente.

7. Regra: “Cada cristão tem o direito e a responsabilidade de investigar, e


interpretar pessoalmente a Palavra de Deus”.
A História da Igreja nos mostra dois problemas:

● - O Problema da Igreja Medieval


Por centenas de anos o povo dependera de que a Igreja fizesse a interpretação das Escrituras para
eles, como única autoridade para tal, pois não haviam Bíblias no vernáculo (somente em Latim) e nem era
permitida a tradução; consequentemente, o povo não tinha a Bíblia em suas mãos. Neste tempo surgiu a
Reforma Protestante que entendia que cada cristão tinha o direito e a responsabilidade de interpretar e
entender a Bíblia.

● - O Problema da Igreja Moderna


Existem várias traduções e versões da Bíblia, mas o povo se tornou biblicamente iletrado. O
aprofundamento bíblico é deixado a cargo dos teólogos e líderes religiosos.

Algumas considerações:

10
Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL
2 Tm. 2.15
Conclusão - qualquer conclusão a que você chegue, que seja diferente da posição evangélica histórica, deve
ser considerada suspeita e reavaliada.
Disciplina - não descanse nos ensinamentos que os outros lhes dão, antes, discipline-se a alimentar-se a sua
própria alma; desenvolva o equilíbrio “tanto/como”, recebendo o ensinamento dos outros e alimentando a
si próprio.
Confirmação - seja um cristão bereiano: confirme os ensinamentos recebidos (ainda que o pregador seja
renomado) com a Palavra de Deus, para formar a sua própria convicção.

8. Regra: “A História da Igreja é importante, mas não decisiva na interpretação


das Escrituras”.
Muitas doutrinas da Bíblia são consideradas essenciais para os cristãos. Por serem implícitas, e não
estabelecidas explicitamente nas Escrituras, houve um tempo em que eram muito controvertidas. Devemos
à História da Igreja, o fato de que tais questões tenham sido resolvidas.
Ex. “O relacionamento entre as Pessoas da Trindade”. A correta interpretação desta doutrina foi
estabelecida nos Concílios de Nicéia (325 d.C. – Pai e o Filho), e de Constantinopla (431 d.C – Pai e o
espírito Santo).
No entanto, há uma consideração importante a fazer: “A Igreja não determina o que a Bíblia ensina;
a Bíblia determina o que a Igreja ensina”. As interpretações da Igreja têm autoridade somente à medida em
que estejam em harmonia com os ensinamentos da Bíblia como um todo.
Conclusão: a História não é decisiva na interpretação das Escrituras, pois em muitas situações ela
foi infiel; contudo, não podemos desconsiderar as contribuições importantes feitas por ela.

9. Regra: “As promessas de Deus, na Bíblia, estão disponíveis ao Espírito Santo,


a favor dos crentes de todas as gerações”.
As promessas de Deus, na Bíblia, são um meio dele revelar a Sua vontade. No entanto, antes de
reclamar uma promessa é essencial interpretá-la corretamente para que não surjam interpretações
fantasiosas.
Uma promessa pode ser reclamada fora do seu contexto histórico, contanto que seja fiel ao que diz
o significado da passagem. Ex. Êx. 14.14 Moisés recebeu essa promessa, quando Israel estava rodeado de
circunstâncias adversas.
Existem dois tipos de promessas na Bíblia:

9.1 - Geral
Aplicadas pelo Espírito Santo a todos os crentes, em todas as épocas. Ex. 1 Jo. 1.9.

9.2 - Específica
Feitas por Deus, a indivíduos em situações específicas. Estas também estão disponíveis, mas
precisam ser aplicadas pelo Espírito Santo especificamente, a você, como o foram aos beneficiários
originais. Ex. Is. 42.6,7; At. 13.47.

II - Princípios de Interpretação Gramatical

1. Introdução:
A análise gramatical fundamenta-se na premissa de que embora as palavras possam assumir uma
variedade de significados em contextos diferentes, elas têm apenas um significado intencional em qualquer
contexto.
Ex. Gosto de manga espada.
A manga da minha camisa é azul.
Ele manga de mim.

11
Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL
A palavra “manga”, pode ter esses três significados, mas somente o contexto indicará qual deles foi
intencionado pelo autor.
A análise gramatical ajudará o intérprete a determinar a variedade de significados de uma palavra
ou grupo de palavras, e então declarar que o significado “X” foi o pretendido pelo autor.

2. Necessidade da Interpretação Gramatical:


A análise gramatical é necessária por dois motivos:

● – Certeza
Para termos certeza, de que a nossa interpretação, é o significado que Deus intencionou comunicar;

● – Bases
Para termos bases para dizer que a nossa interpretação da Bíblia é mais confiável que as dos grupos
heréticos.

3. Significação das Palavras Isoladas:


A Bíblia foi escrita em linguagem humana e, consequentemente, deve, antes de tudo, ser
interpretada gramaticalmente.
Consideraremos aqui três pontos importantes:

3.1 - A Etimologia da Palavra


Etimologia é o estudo do significado das raízes históricas da palavra. É aconselhável que se note a
etimologia estabelecida de uma palavra, desde que ela ajude a determinar sua significação real e possa
esclarecê-la de modo surpreendente. Extensos estudos etimológicos são desvantajosos, uma vez que o
significado das palavras muda com o passar dos tempos.
Ex. εκκλσια εκ “Para fora de”
Καλειν, καλεο “Chamados”

3.2 - O Uso corrente das Palavras


A significação corrente das palavras é de muito maior importância do que a etimológica. Para
interpretar, corretamente, a Bíblia deve-se conhecer as significações no decorrer dos tempos e o sentido em
que os autores bíblicos as empregaram.
No desenvolvimento do estudo, a significação da palavra se tornará cada vez mais evidente.

3.3 - O Uso de Palavras Sinônimas


Toda língua tem antônimos e sinônimos. Palavras sinônimas são aquelas que têm a mesma
significação ou que concordam em uma ou mais significações, mesmo diferindo em outras.
As línguas em que a Bíblia foi escrita, são ricas em palavras e expressões sinônimas, ainda que as
traduções não manifestem essa riqueza sempre. Mas, apesar disto, deve-se atentar para as idéias correlatas
da Bíblia e observar onde elas têm algo em comum e onde são diferentes.
Ex. Jo. 21.15-17 – aqui Jesus emprega duas palavras: αγαπαω e ιλε. O ponto comum de ambas
é que se referem a um tipo de sentimento “o amor”. A diferença, no entanto, está na natureza de cada um: o
amor αγαπ baseia-se na admiração e respeito; e o amor controlado pela vontade, sendo de caráter
permanente. O amor ιλε baseia-se na afeição; é o amor mais impulsivo e mais pronto a perder o seu
fervor.

4. O Significado das Palavras no seu Contexto:


No estudo do significado das palavras a questão mais importante é o sentido particular em que elas
ocorrem. No estudo do seu contexto, o intérprete deve adotar os seguintes princípios:

4.1 - Uma palavra pode ter apenas uma significação no contexto em que ocorre.

12
Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL
Segundo Coccejus, todas as significações de uma palavra devem ser atribuídas a ela em qualquer
contexto em que ela apareça. Tal modo de proceder deve ser condenado, por ser puramente perigoso e causar
danos à verdade revelada nas Escrituras.
Ex. A palavra grega σαρ pode designar:
A parte sólida do corpo, exceto os ossos (1 Co. 15.39)
A natureza humana dominada pelo pecado (Rm. 7.25)
Se atribuirmos essas significações a Jo. 6.56, estaremos atribuindo pecado a Cristo.

4.2 - Se uma palavra é usada mais de uma vez num mesmo contexto, a suposição natural é que tem
sempre o mesmo sentido.
Em geral, um autor não usaria uma palavra em dois ou três diferentes sentidos numa só passagem.
Contudo, há algumas exceções onde o contexto indica claramente que a palavra não tem o mesmo sentido.
Ex. Mt. 8.22; 2 Co. 5.21.

5. Ajudas Internas para Explicação de Palavras:


É natural que se pergunte como é que o intérprete vai saber o sentido de uma palavra em dado
contexto. Em alguns casos, bastará consultar dicionários e comentários, em outros casos será necessário ir
mais profundo.
A seguir, damos algumas ajudas internas para explicação de palavras:

5.1 - As definições e explicações que os próprios autores dão às suas palavras, constituem um dos mais
eficazes auxílios.
Ex. Hb. 5.14: “... mas o alimento sólido é para os adultos...”, que é explicado pelas palavras: “...
para aqueles que, pela prática, têm as suas faculdades exercitadas para discernir não somente o bem, mas
também o mal”.

5.2 - O sujeito e o predicado de uma proposição se explicam mutuamente:


Ex. Mt. 5.13: a palavra grega μωραν pode significar “tornar-se tolo” ou “tornar-se insípido”. O
sujeito da sentença é “sal” e, assim, a Segunda denotação é escolhida como a correta: “Se o sal vier a ser
insípido”.

5.3 - O paralelismo pode ajudar na determinação do sentido de uma palavra.


O paralelismo é uma característica da poesia hebraica e pode ser classificado em três tipos:
Sinonímio - a segunda linha de uma estrofe ratifica o conteúdo da primeira, mas com palavras diferentes.
Ex. Sl. 103.10.

Antitético - a idéia da Segunda linha contrasta agudamente com a da primeira. Ex. Sl. 37.21.

Sintético - a segunda linha completa a idéia da primeira. Ex. Sl. 14.2

5.4 - As passagens paralelas constituem também importante auxílio:


As passagens paralelas fornecem dados complementares que esclarecem o significado da palavra.
Existem dois tipos de passagens paralelas:

Verbal - usa palavras que se referem ao mesmo objeto. Ex. Hb. 4.12 e Ef. 6.17 usam a palavra “espada”
para se referirem à Bíblia.

Real - são passagens semelhantes, nas quais a identificação consiste não em palavras, mas em assuntos,
fatos, idéias, etc. Ex. Lv. 2.3; 10.13; 27.21; Nm. 5.9; 18.9,12,21; Mt. 10.10; 1 Co. 9.14; Gl. 6.6.

No entanto, para termos passagens paralelas, devemos entender que “não é suficiente que o mesmo
termo ou frase seja encontrado nas duas passagens (no caso de paralelo verbal); deve haver similaridade de
significado.

13
Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL
6. O Uso Figurado de Palavras
A figura de linguagem é usada em sentido diferente daquele que lhe é próprio.

● - As Principais Figuras São:


Metáfora - pode ser chamada de uma comparação não expressa. É uma figura de linguagem em que um
objeto é assemelhado a outro, afirmando ser o outro, ou falando de si como se fosse o outro. Difere da
analogia, pelo fato de não expressar a palavra de semelhança. Ex. Jesus emprega esta figura de linguagem
quando diz aos fariseus: “Ide e dizei àquela raposa...” (Lc. 13.32).
Há dois tipos de metáforas na Bíblia que se referem ao Ser divino e merecem atenção
especial:
Antropopatismo – atribui-se a Deus emoções, desejos e sentimentos humanos (Dt. 13.17; Ef. 4.30).
Antropomorfismo – atribui-se a Deus membros corporais e atividades físicas (Êx. 15.16; Sl. 34.16; Tg. 5.4).

Metonímia - figura de linguagem que se baseia mais numa relação do que numa semelhança, e esta relação
é mais mental do que física, indicando relações como causa e efeito, sujeito e atributo, símbolo e coisa
simbolizada. Ex. Na parábola do rico e Lázaro, Abraão diz: “Eles têm Moisés e os profetas...” (Lc. 16.29).
Estes, naturalmente, significam seus escritos (símbolo e coisa simbolizada). “Não extingais o Espírito...” (I
Tess. 5.19), se refere às manifestações especiais do Espírito (causa e efeito).

Sinédoque - figura de linguagem que se baseia mais numa relação do que numa semelhança, e esta relação
é mais física do que mental. Nessa figura há certa identidade entre o que é expresso e o que se quer significar.
Uma parte é tomada pelo todo, ou o todo é tomado pela parte; o gênero pela espécie, ou a espécie pelo
gênero; o indivíduo pela classe, ou a classe pelo indivíduo; o plural pelo singular, ou o singular pelo plural.
Ex. Diz-se que Jafé foi sepultado nas cidades de Gileade (Jz. 12.7), quando, certamente queria-se indicar
uma cidade (plural pelo singular). Dn. 12.2 “E muitos dos que dormirem no pó da terra se levantarão...”
certamente não esta ensinando uma ressurreição parcial (a parte pelo todo).

6.2 - Auxílios Internos para Saber se o Sentido é Literal ou Figurado


É da mais alta importância que o intérprete saiba se a palavra é usada em sentido literal ou figurado.
As considerações seguintes podem ajudá-lo na fixação da questão:
Linguagem figurada impossível - há certos escritos em que o uso de linguagem figurada é, a princípio,
impossível. Entre estes, estão as leis, todas as espécies de instrumentos legais, ensinos históricos, trabalhos
filosóficos, científicos e confissões. Estes têm por objetivo primário, a clareza e a precisão.

Princípio hermenêutico - há um velho princípio hermenêutico, segundo o qual, as palavras devem ser
entendidas em seu sentido literal, a não ser que tal interpretação envolva uma contradição manifesta ou um
absurdo.

6.3- Princípios Recomendáveis na Interpretação da Linguagem Figurada da Bíblia.


Além dos auxílios internos, há certos pontos especiais que se deve observar:
Concepção clara - é da maior importância que o intérprete tenha uma concepção clara das coisas sobre as
quais se baseiam as figuras, ou de onde são extraídas, visto que o uso de figuras se fundamenta em certas
semelhanças ou relações. Ex. Sl. 92.12 – o expositor precisa conhecer o cedro e a palmeira para interpretar
essa passagem. Sl. 51.7 – aqui é necessário conhecer o método de purificação cerimonial entre os israelitas.

Idéia principal - o intérprete deve esforçar-se por descobrir a idéia principal, sem dar demasiada ênfase aos
detalhes. Quando os autores bíblicos empregaram metáforas, tinham em geral algum ponto específico em
mente. E mesmo que o intérprete seja capaz de descobrir outros pontos, deve se limitar aos que fazem parte
da intenção do autor. Ex. Rm. 8.17 – Paulo refere-se às bênçãos que os crentes recebem, com Cristo, do seu
Pai comum. A metáfora contida na palavra “herdeiro” poderia ser forçada demais se quiséssemos que ela
significasse a morte do Pai como testador.

Expressão inadequada – a linguagem figurada que se refere a Deus e à ordem geral das coisas, geralmente
oferece apenas uma expressão inadequada da perfeita realidade. Deus é chamado Luz, Rocha, Fortaleza,
14
Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL
Alta Torre, Sol e Escudo. Todas estas figuras sugerem alguma idéia daquilo que Deus é para seu povo, mas
nenhuma delas, nem todas juntas, são capazes de dar uma completa representação de Deus. E quando a
Bíblia apresenta os redimidos como vestidos nas vestes da salvação, revestidos da couraça da justiça,
coroados com a coroa da vida, e trazendo as palmas da vitória, as figuras certamente nos dão algo, porém
somente uma idéia muito imperfeita de sua glória futura.

7. Interpretação do Pensamento
Da interpretação das palavras isoladas, partimos para a de suas mútuas relações ou do pensamento.
Às vezes, a interpretação do pensamento é chamada “interpretação lógica”. Parte da admissão do fato de
que a linguagem da Bíblia é como outra linguagem qualquer, produto do espírito humano, desenvolvido sob
orientação providencial. Assim sendo, é evidente que a Bíblia deve ser interpretada de acordo com os
mesmos princípios lógicos que se aplicam à interpretação de outros escritos.

7.1 - Auxílios Internos para a Interpretação do Pensamento


Escopo especial do autor - com isso, queremos dizer o objeto que ele tinha em vista ao escrever a parte de
sua obra sob consideração. Os autores bíblicos, quando compuseram, tinham em mente o alvo de
desenvolver algum pensamento especial. É natural supor que escolheram palavras e expressões que melhor
se adaptavam à apresentação do seu intento e que contribuíram para o argumento geral. É necessário
observar como as palavras e expressões devem ser estudadas à luz do propósito especial do autor; a
familiaridade com este, lançará luz nos pormenores do texto (particípios, preposições, advérbios, etc...).
Como saber o melhor método para descobrir o propósito especial do autor?
A declaração do autor - muitas vezes, o próprio autor declara plenamente o seu propósito. Ex. O cântico de
Moisés (Dt. 32) tem seu propósito registrado em Dt. 31.19-29; Rm 11.14 – Paulo declara o propósito da sua
referência aos gentios.
O contexto anterior e posterior - na maioria dos casos, o propósito especial não é declarado, e o intérprete
terá a necessidade de ler todo o contexto anterior e posterior do texto em estudo. Muitas vezes a conclusão
a que chega um autor nesta conexão revelará o propósito que tem em mente. Isso é particularmente
verdadeiro quanto aos escritos de Paulo em que predomina o raciocínio lógico. Ex. Rm. 2.1; 3.20, 28; 5.18;
8.1; 10.17; Gl. 3.9; 4.7
Ocasião que motiva a argumentação - é importante notar-se cuidadosamente a ocasião que motiva a
argumentação em certos trechos, pois ocasião e propósitos são correlativos. Ex. O motivo que levou Paulo
a escrever Fil. 2.6-11 é melhor entendido à luz das declarações dos vs 3 e 4.

A Conexão - é muito importante observar a conexão de uma passagem, próxima ou remota, com a
precedente ou com a subseqüente. A divisão das Escrituras em capítulos e versículos, quase sempre traz
dificuldades. Consequentemente, muitas passagens da Bíblia foram mal interpretadas no curso dos tempos,
e estas perversões foram transmitidas de geração a geração. Qualquer interpretação que não leve em conta
a conexão, não merece o nome de “exegese”. A conexão nem sempre é da mesma espécie.
(1) Puramente Histórica - quando uma narrativa histórica segue outra com a que se relaciona
genética e ideologicamente (genética no sentido de evolução de acontecimentos; ideológico no
sentido de sistema de idéias). Ex. Mt. 3.13-17; 4.1-11.
Histórico-dogmática - quando um discurso ou ensino dogmático se relaciona com um fato histórico. Ex. Jo.
6.1-14, 26-65.
Lógica - os pensamentos e argumentos são apresentados em ordem rigorosamente lógica. Ex. Rm. 5.1 ss; 1
Co. 15.12-19.
Psicológica - quando a conexão depende da associação de idéias. Isso, geralmente, produz uma aparente
quebra de linha de pensamento. Ex. Hb.5.11 ss.
No estudo da conexão, deve-se observar:
Os conectivos - os conectivos (conjunções, preposições, pronomes relativos, etc...) muitas
vezes auxiliam na conexão do argumento. Um portanto, muitas vezes proporciona o elo de
ligação entre uma discussão teorética e as aplicações práticas da argumentação. Ex. Gl. 5.1
– tomando o versículo, isoladamente, poderia ter diversos significados: escravidão
humana, escravidão política e escravidão ao pecado. Contudo, o “pois” indica que este
versículo é a aplicação de um ponto que Paulo apresentou no capítulo anterior. Sendo
15
Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL
assim, o significado é a escravidão do jugo do legalismo, isto é, esforçar-se por ganhar a
salvação pelas boas obras.
Conexão mais próxima possível - em regra geral, a conexão deve ser procurada o mais
próximo possível. Mas, se a conexão imediatamente precedente não der bom sentido, deve-
se consultar o texto mais remoto. Ex. Rm 2.16 (conexão lógica – vs. 12 ou 13); Rm. 8.22
(conexão lógica – v. 21).
Os parênteses, intercalam-se observações relativas ao tempo e ao lugar, ou rápidas
circunstâncias secundárias, depois o parágrafo continua como se não houvesse ocorrido
qualquer interrupção.
Ex. Gn. 23.2; Dn. 8.2; At. 1.15.
As aplicações dos próprios autores - deve-se aceitar as aplicações que os próprios autores,
ocasionalmente, dão de suas próprias palavras ou das palavras das pessoas que falam no
contexto imediato.
Ex. Jo. 2.21; 7.29; 12.33; Rm. 7.18

O Paralelismo - a função do paralelismo é oferecer a apreensão geral do significado de uma cláusula, mais
do que uma especificação pormenorizada desta mesma cláusula.

Verdade descritiva e prescritiva


Descritiva – relatam o que foi dito ou o que aconteceu em determinado tempo. Devemos observar dois
pontos importantes:
Ações humanas - quando a Bíblia descreve ações humanas sem comentários, não se deve,
necessariamente, supor que tais ações sejam aprovadas.
Ação de Deus - quando a Bíblia descreve uma ação de Deus com respeito a seres humanos
numa passagem narrativa, não se deve supor que seja este o modo como Ele sempre opera
na vida dos crentes em todos os tempos da história. Ex. Os métodos usados por Deus, nos
Evangelhos e em Atos, não podem ser tomados como normativos.
Prescritiva – são as passagens da Escritura tidas como articuladoras de princípios normativos. Ex. As
epístolas são prescritivas, salvo em casos de prescrições individuais.

O núcleo do ensino e os detalhes incidentais - algumas heresias têm sido sustentadas porque, deixou de
estabelecer a distinção entre o núcleo do ensino e os detalhes incidentais. Ex. Jo. 15 – relata um importante
ensino sobre Jesus através da videira, mostrando que, se somos videira e estamos ligados à Videira principal
– Jesus – logo o poder espiritual que temos vem d´Ele.
Erro – se nos apegarmos ao detalhe de que as videiras fazem parte das coisas criadas,
considerando isto como núcleo do ensino, consequentemente, se declararíamos que Cristo,
como videira, faz parte das coisas criadas.

III - Princípios de Interpretação Histórico-Cultural e Contextual


A Interpretação Histórico-Cultural considera o ambiente histórico-cultural do autor, a fim de
entender suas alusões, referências e propósitos, enquanto a Interpretação Contextual considera a relação de
uma passagem com o corpo todo do escrito de um autor, para melhores resultados de compreensão
provenientes de um conhecimento do pensamento geral.
Faz-se a análise histórico-cultural e contextual mediante três perguntas básicas, cada qual mais
específica que a anterior:
Qual o ambiente histórico geral em que o escritor fala?
Qual o contexto histórico-cultural específico e a finalidade de seu livro?
Qual o contexto imediato da passagem em consideração?

1. Contexto Geral Histórico-cultural do Autor e de sua Audiência


● - Determinar as Circunstâncias Históricas-Culturais Gerais

16
Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL
Investigar as situações políticas, econômicas, religiosas, geográficas e sociais; as principais ameaças
e preocupações do povo, pois o conhecimento do contexto histórico-cultural é decisivo para responder a
perguntas básicas acerca de um texto.
Ex. Tempestade no Mar da Galiléia – situação geográfica
As parábolas e discursos de Jesus estão repletos de passagens que relacionam o natural com o
espiritual (videira, solo, grão de mostarda – situação geográfica).
Para se compreender a ascensão dos romanos ao poder político, é necessário conhecer a história do
período inter-bíblico.
Para se ter uma visão completa do cativeiro assírio e babilônico, é necessário conhecer a situação
religiosa de Israel.

● - Estar atento às circunstâncias e normas culturais que adicionem significado a determinadas


ações.
Ex. Quem tem sede venha a mim e beba.

● - Discernir o nível de compromisso espiritual da audiência


Muitos livros da Bíblia foram escritos em épocas em que o nível de compromisso dos crentes era
baixo por causa da carnalidade, do desestímulo ou da tentação por parte dos incrédulos ou apóstatas.
Ex. Como entender o livro de Oséias, senão como um retrato de Israel?
Um grande e importante passo para se compreender adequadamente qualquer passagem bíblica é
determinar o ambiente histórico-cultural em que o autor escreveu (comentários exegéticos e Bíblias com
estudos esboçados dos livros trazem essas informações).

2. Determinar o Contexto Histórico-Cultural Específico e a Finalidade de um


Livro
O segundo passo, mais específico, é determinar a finalidade explícita de um livro. Para isto,
devemos saber quem é o Autor, para quem ele estava escrevendo (crentes, incrédulos, apóstatas, etc...), e
qual a intenção ao escrevê-lo.
Geralmente, é possível descobrir o autor e seus destinatários por via dos dados internos e externos
(históricos). Quanto ao autor, uma consideração importante a observar é: “Quem é que fala? ” Os autores
bíblicos, freqüentemente, apresentam outros como as pessoas que falam, e é da mais alta importância
distinguir, claramente, entre as palavras do autor e as da (s) pessoa (s).
Ex. Jo. 3.16-21 – é muito difícil determinar, se essas palavras são de Jesus ou de Nicodemos ou se
formam uma explicação adicional acrescentada por João.
Nos profetas, a mudança do divino para o humano é caracterizada pela mudança da 3ª para a 1ª
pessoa gramatical (Zac. 12.8-10).
Em casos onde há um diálogo entre o escritor e um suposto opositor, deve-se ter cuidado especial
para identificar o ocorrido (Rm 3.1-9)
Regra: O escritor do livro deve ser considerado como a pessoa que fala até que apareça a evidência
que expressa o contrário.
Quanto melhor entendermos os autores, melhor compreenderemos seus escritos e,
consequentemente o contexto histórico-cultural específico do livro.
Quanto aos destinatários, o conhecimento a seu respeito nos levará ao contexto histórico-cultural
específico do livro. Isto se aplica principalmente aos livros de caráter ocasional (profetas e N.T.), pois nos
informam sobre a posição geográfica, histórica e social, sua relação industrial e comercial, seu caráter moral
e religioso, etc...
Ex. 1 Co. 3.20-23 – revela que o contexto histórico dos coríntios era de dissensão, e isto se reflete
na carta de Paulo. Conhecendo o contexto histórico dos destinatários se compreenderá o escrito.
À partir desse conhecimento do contexto histórico-cultural específico, devemos determinar a
finalidade do livro. Existem três formas fundamentais de fazê-lo:

2.1 - Observar as Declarações Explícitas do Autor ou Frases Repetidas


Ex. Declarações explícitas – Lc. 1.1-4; At. 1.1; Jo. 20.31; 1 Pe. 5.12.

17
Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL
A frase repetida em Gênesis: “são estas as gerações de...” mostra que o objetivo desse livro é
registrar o começo dos primeiros grupos da raça humana e as intervenções iniciais de Deus na história do
homem.

2.2 - Observar as Seções Parenéticas ou Hortativas


As exortações fluem dos propósitos e, por isso, elas propiciam importante pista das intenções do
autor.
Ex. A carta aos Hebreus está entremeada de exortações e advertências, dando a entender que o
objetivo do autor era persuadir os crentes judeus que passavam por perseguição a não voltar ao judaísmo,
mas manterem-se fiéis à sua nova profissão de fé.

2.3 - Observar os Problemas Omitidos ou Enfocados


Ex. O autor das Crônicas não nos dá uma completa história de todos os acontecimentos nacionais,
antes, seleciona fatos que mostram que Israel só pode resistir enquanto permanecer fiel aos mandamentos e
à aliança com Deus. Por outro lado, ele enfoca muito as atitudes dos soberanos ao registrar a frase: “... fez
o que era mau (ou reto) perante o Senhor”.

3. Elementos para interpretação histórica


● - Internos
A Bíblia é a verdade absoluta e, por isso, deve ser considerada, preferencialmente, às informações
que são tiradas de outras fontes.
Ex. 2 Cron. 30.1 – O rei Ezequias ordenou que todo o Israel observasse a Páscoa. Para se conhecer
melhor essa festa, deve-se recorrer, primeiramente, aos elementos internos (Êx. 12.1-21; Lev. 23. 4-14; Nm.
28. 16ss.).
● - Externos
Se houver esgotado os recursos bíblicos e ainda precisar de informações mais amplas, deve-se
recorrer à fonte secular que estejam ao seu alcance.
Em caso de contradição com a Bíblia, deve-se considerar:

a) A infalibilidade das Escrituras

b) A possibilidade de erro de transcrição de dados históricos (na Bíblia)

c) Falibilidade dos registros históricos seculares.

Solução: Apegar-se com fé à afirmação da Bíblia e esperar pacientemente por melhores


esclarecimentos.

IV - Princípios de Interpretação Teológica


A pergunta fundamental feita nesta análise é: “Como essa passagem se enquadra no padrão total da
revelação de Deus? ” Para respondermos esta pergunta, precisamos responder à outra pergunta: “O que é o
padrão da revelação de Deus? ” A resposta desta, tornará mais fácil respondermos àquela.
São diversas as teorias concernentes ao melhor modo de conceituar a natureza do relacionamento
de Deus com o homem. Na história da salvação, algumas teorias vêem significativa descontinuidade, outras
acentuam a continuidade dentro da história da salvação. Os que entendem a história da salvação como antes
de tudo contínua, geralmente consideram a Escritura como aplicável ao homem hodierno, uma vez que vêem
a unidade básica entre si próprio e os crentes através da história do A.T. e do N.T. Os que vêem a história
da salvação antes de tudo descontínua, tendem a considerar que somente o livro de Atos e as Epístolas
possuem aplicabilidade fundamental para a Igreja atual, visto que o restante das Escrituras foi dirigido à
pessoas que viviam sob uma economia bíblia diferente. Uma vez que as Epístolas compreendem apenas
10% da Bíblia, é de suma importância determinar, se os 90% restantes, possuem aplicabilidade fundamental
aos crentes de nossos dias.
P.S.- Os cinco modelos dos Sistemas Teoréticos representativos serão trabalhados em dinâmica de grupos.

18
Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL

1. Uma Metodologia para Decidir-se entre os Modelos


Qual desses cinco modelos ou hipóteses acerca da natureza da revelação divina reflete mais
exatamente os dados bíblicos?
O método de Deus tratar com os homens tem sido, antes de tudo, contínuo ou descontínuo?
É a natureza dessas várias épocas da história humana, basicamente, disjuntiva ou aditiva?
Um método alternativo de avaliar os vários modelos é, primeiro, organizar os dados bíblicos em
torno de diversos conceitos básicos (ex. salvação, graça, perdão, etc...), e a seguir, analisar cada modelo em
termos de quão bem se ajusta aos dados e responde por eles.

2. Alguns Conceitos Encontrados na Bíblia


● - Conceito de Graça

Uma concepção comum é que a lei e a graça revelam aspectos opostos da natureza de Deus.

Deus Lei aspecto irado, severo = A.T.

Graça aspecto amoroso, misericordioso =


N.T.

Muitos se surpreendem ao descobrir que a graça e o evangelho são conceitos encontrados no A.T.
Ex. Hb. 4.1-2 – a expressão “boas novas como se deu com eles” se refere aos israelitas do A.T. que
Moisés conduziu do Egito para Canaã e alude às boas novas do evangelho.
Gál. 3.8-9 – verificamos que o evangelho foi pregado a Abraão.
Rm. 4.3-6 – Paulo diz que Abraão e Davi foram justificados pela fé.
A palavra ευαγγελισμενοι significa receber as boas novas na inteireza da evangelização que
ocorrera, sem deixar espaço para qualquer desculpa pelo fato da evangelização ter sido deficiente ou
inadequada.
Tudo isto, no entanto, não quer dizer que os crentes do A.T. entendiam a expiação de Cristo com
clareza com a qual entendemos agora, mas que eles tinham fé em que Deus proveria reconciliação, e Deus
honrou essa fé concedendo-lhes a redenção.
Assim como há evangelho no A.T., há graça também. Em cada dispensação há prova da graça de
Deus:

Inocência - quando Adão e Eva pecaram, Deus interveio graciosamente, prometeu um Redentor, e fez
provisão imediata para que fossem aceitos diante d´Ele em sua condição pecaminosa.
Consciência - Noé achou graça diante do Senhor e Deus interveio e, graciosamente, salvou-o com sua
família.
Governo Civil - o homem construindo a torre de Babel. Deus não destruiu a criação rebelde, mas continuou
a operar nos corações de homens como Abraão e Melquisedeque, concedendo uma graciosa promessa de
que ele abençoaria o mundo inteiro por meio de Abraão.
Lei Mosaica - Deus continuou a tratar com Israel a despeito dos muitos e contínuos períodos de decadência
e apostasia.
Graça - Ele continua a tratar graciosamente com a humanidade. Há outras provas da evidência da graça de
Deus no A.T. como ex. Sl. 31, 51, 103, etc, que contam a misericórdia graciosa de Deus no A.T. Assim,
compreendemos que a graça, a misericórdia e o amor de Deus são tão evidentes no A.T. como N.T.

- Conceito de Lei

19
Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL
Um conceito intimamente entrelaçado com a graça é o da lei. Alguns crêem que o meio de ganhar
a salvação no A.T difere daquele que o N.T. apresenta. O ponto de vista mais comum, é de que a salvação
era mediante a lei no A.T. e mediante a graça no N.T.

Contexto de doação da lei - Um exame do contexto em que a lei foi dada fornece pistas concernentes ao
seu propósito.
Contexto de Graça -Foi dada no contexto de um pacto de graça com Abraão, pacto que a doação da lei nunca
revogou (Gál. 3.17);
Contexto de livramento - Foi dada no contexto de um livramento gracioso, no qual Deus tirou Israel do
Egito e o sustentou na peregrinação no deserto;
Contexto de compromisso - Foi dado depois de Israel comprometer-se a servir ao Senhor (Êx. 19.8).
Assim, a lei não foi dada como um meio de justificação, mas como uma diretriz para Israel viver
após o seu comprometimento com Iavé. O N.T. nos ensina que a lei jamais poderia servir como
salvação (Gál. 3.11,21,22; Rm. 4.3,13-16).

Aspectos da Lei
Cerimonial – abrange os vários sacrifícios e ritos cerimoniais que serviam como figuras ou tipos que
apontavam para o Redentor (Hb. 7-10). Vários textos do A.T. confirmam que os israelitas tinham uma
concepção do significado espiritual desses ritos e cerimônias (Lv. 20.25,26; Sl.26.6; 51.7, 16, 17; Is. 1.16).
Diversos textos da N.T. diferenciam o aspecto cerimonial da lei e apontam para seu cumprimento em Cristo
(Mc. 7.19; Ef. 2.14-15; Hb. 7.26-28; 9.9-11; 10.1,9).
Civil ou Judicial – abrange os preceitos dados a Israel para o governo do seu estado civil e parece ter em
mira somente o povo judeu.
Moral – reflete a natureza e perfeição moral de Deus. Uma vez que a natureza moral de Deus permanece
inalterável, permanece inalterável a lei moral e é tão aplicável ao crente hodierno quanto o foi aos crentes
aos quais foi dada.

Objetivos da Lei
Gál. 3.19 – foi dada “por causa das transgressões” e, assim, seu objetivo primário era conscientizar os
homens da distinção entre o bem e o mal.
1 Tm. 1.8-11 – a “utilização legítima da lei” era restringir a prática do mal.
Gál. 3.22-24 – a lei atuava como um guia que conduz o indivíduo a Cristo, pois mostra-lhes que a
única esperança que existe de justificação está em Cristo. A lei era um guia que revelava como eles
poderiam permanecer fiéis ao seu compromisso com Deus, embora cercados por nações idólatras e
imorais.
No N.T. a obediência também é considerada como parte não opcional da vida do crente (Jo. 14.15;
1 Jo. 3.9; 4; 4. 16-19).
A partir deste conhecimento, podemos entender melhor os escritos de Paulo em Gálatas: Paulo não
era contra a lei, mas contra o “legalismo” (perversão que diz que se pode alcançar a salvação pelas
obras da lei). Paulo argumenta que os crentes, a partir de Abraão tinham sido salvos pela graça, e
jamais pela lei, visto que ela não tinha objetivo de trazer salvação. Por outro lado, argumenta em
favor do uso da lei como: indicador dos padrões morais de Deus, um freio contra a prática do mal,
como um aio que conduz os indivíduos a Cristo, como um guia do crente para uma vida piedosa.
O crente no N.T. não está debaixo da lei em três sentidos: não está sob a lei cerimonial, porque esta
foi cumprida em Cristo; não está sob a lei civil judaica porque está não se destinava a ele; não está sob a
condenação da lei, porque sua identificação com a morte expiatória e vicária de Cristo, liberta-o dela. No
entanto, o crente está sob a lei, no sentido de cumprir as obrigações morais.
A evidência bíblica parece sustentar a crença luterana de que a lei e a graça permanecem como
partes contínuas, inseparáveis da história da salvação desde Gênesis até o Apocalipse.

3. Outros Fatores
Dois outros fatores têm implicações com relação ao problema da continuidade-descontinuidade:

● - Citações coletivas do A.T.


Ex. Rm. 3.10-18; Hb. 1. 5-13.
20
Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL
O fenômeno das citações coletivas faz mais sentido se a história da salvação for uma unidade, em
vez de uma série de teologias descontínuas.

● - 2 Tm 3. 16, 17
Esta passagem parece indicar mais uma continuidade do que descontinuidade da história da
salvação.
Toda a Escritura aqui, provavelmente se refere aos 39 livros do A.T. mais 4 do N.T.. E Paulo diz
que todos estes livros são úteis ... e não somente o N. T.

3.3 - Conclusão
A análise teológica pergunta: “De que modo esta passagem se encaixa no padrão total da revelação
de Deus? ”
Os passos desta análise são:

Ponto de vista - determinar seu próprio ponto de vista da natureza do relacionamento de Deus com o homem
(uma das cinco teorias apresentadas).
Implicações - descobrir as implicações deste ponto de vista para a passagem que está sendo estudada
(considerar ou desconsiderar o A.T. aplicável a nós).
Conhecimento Teológico - avaliar a extensão do conhecimento teológico disponível às pessoas daquele
tempo (que conhecimento prévio haviam elas recebido? Livros de Teologia Bíblica podem revelar muito a
esse respeito).

V - Métodos Literários Especiais


Os comunicadores bíblicos empregaram uma variedade de dispositivos para ilustração,
esclarecimento, ênfase e manutenção do interesse do auditório. Alguns de seus métodos são: símile,
metáfora, provérbio, parábola e alegoria.

1. Símile
É uma comparação expressa, sendo típico o emprego das palavras “semelhante” ou “como”. A
ênfase recai sobre algum ponto de similaridade entre as duas idéias, grupos ou ações, etc… O sujeito e a
coisa com a qual ele está sendo comparado são mantidos separados. Ex. Sl 127.4; Is 1.18; 16.2; 55.8-11; Os
2.1-5; Mt 10.16; Lc 11.44; Tg 1.6; 6-9.

2. Metáfora
É uma comparação não expressa, sendo típico a ausência das palavras “semelhante” e “como”. O sujeito e
a coisa com a qual ele é comparado estão entrelaçados, ou seja, a figura não está disposta ao lado do sujeito,
mas no seu lugar. No entanto, o autor não tenciona que suas palavras sejam tomadas em sentido literal. Ex.
Mt. 5.14; 7.13, 14; 9.37, 38; 15.13; 21.33-46; Mc 12.1-12; Lc 20.9-19; Jo 14.6; 15.1; 1 Co 9.9.
Tanto na símile, quanto na metáfora, por causa de sua natureza compacta, o autor geralmente tem
em mira acentuar um único ponto, por isto, não devemos ir além dele.

3. Provérbio
Declara uma verdade experiencial da sabedoria popular em forma breve e objetiva. Como tal,
expressa verdades gerais e objetivas.
Os provérbios constantes das Sagradas Escrituras são sentenças morais da sabedoria divina,
aplicadas às condições do povo de Deus. São antídotos contra o problema da ortodoxia desvinculada da
ortopraxia, pois demonstram a verdadeira religião em termos práticos e significativos. Ex. Mc 9.50; Lc
11.33; Rm 12.20/Pv 25.21, 22; Hb 12.5-6/Pv 3.11, 12; Tg 4.6/Pv 3.34; 2 Pe 2.22/Pv 26.11; 1 Co 15.33.
O foco geral do livro de Provérbios é o aspecto moral da lei – regulamentos éticos para a vida diária,
redigidos em termos universalmente permanentes.
21
Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL
Para uma correta interpretação é preciso observar:

- A Forma
Os provérbios podem aparecer sob a forma de símile, metáfora. Sendo assim, é bom identificar a
que classe pertence o provérbio a ser interpretado. Ex. Ecl 9.13-18 (parábola); Sl 127.4; Pv 11.22; 25.11-
14; 26.1-2 (símile).

- Princípio
Devido a sua forma condensada, os provérbios têm, em geral, um único ponto de comparação ou
princípio de verdade para comunicar. Forçar o provérbio em todos os pontos, resultará numa interpretação
além da intenção do autor.
– Contexto
Muitas vezes, o provérbio aparecerá sem contexto. Neste caso, não é necessário buscar compreender
o seu contexto imediato, pois este não acrescentará nada ao estudo do provérbio em questão.

4. Parábolas
É uma forma de falar, empregada para ilustrar e persuadir mediante uma
figura.
A palavra vem do grego “parabollo”, que significa “colocar ao lado de”. Assim, parábola é um tipo
de comparação que utiliza um evento comum da vida natural, para acentuar ou esclarecer uma importante
verdade espiritual.

- Finalidade
São duas as finalidades das parábolas:
Esclarecer e Acentuar - esclarecer e acentuar verdades espirituais para os crentes (Mt 13.10-12; Mc 4.11).
As parábolas podem deixar uma impressão duradoura, muitas vezes mais efetiva do que um discurso comum
(Lc 18.9-14 – humildade na oração). Na revelação de verdades, as parábolas são usadas para confrontar os
crentes com os seus erros (2 Sm 12.1-7).
Ocultar - ocultar a verdade daqueles que endurecem o coração contra elas (Mt 13.13-15; Mc 4.11, 12; Lc
8.9, 10). Pode ser que, quando um homem resiste à verdade e se rende ao pecado, ele se capacita cada vez
menos para entender as verdades espirituais.

Princípios para Interpretação de Parábolas


Análise histórico-cultural e contextual – visto que as parábolas eram usadas para esclarecer ou acentuar
uma verdade que estava sendo discutida numa situação histórica, a consideração do contexto lança luz sobre
o significado. Ex. Mt 20.1-16: porque Deus é tão bom, triunfa o princípio da graça. No mundo, o conceito
é o de que aquele que trabalha mais, recebe mais. Isso é justo. Mas, no reino de Deus, os princípios do
mérito e da capacidade são postos de lado para que a graça prevaleça. O contexto da parábola: o diálogo
com o jovem rico, a pergunta de Pedro diante da declaração de Jesus acerca do rico, a resposta de Jesus:
eles receberiam incontáveis bênçãos espirituais, e a parábola da vinha. A parábola era uma suave censura
ao censo de justiça-própria de Pedro: “veja quanto fiz (renunciei tudo), certamente receberei grande
recompensa”. A expressão “muitos primeiros serão últimos; e os últimos, primeiros” não enfatiza a inversão
de posição, e sim, a igualdade de todos no reino, pois a recompensa é igual para todos, mesmo que o trabalho
varie. A parábola ensina que quando um homem chega diante de Deus, ele não recebe uma porção calculada
da graça divina, mas a plenitude da Sua graça.
Deixar de considerar a ocasião histórica em que a parábola foi proferida, pode oferecer
hipóteses interessantes, mas é quase certo que não declaram o objetivo que Jesus tinha em mira.
No entanto, o contexto do texto pode oferecer mais esclarecimentos quanto ao significado
pretendido. Ex. Mt 15.13: a introdução; Mt 18.21, 35: aplicação; Lc 20.9-18: a colocação da
parábola dentro da cronologia da vida de Jesus.
Além disto, o conhecimento de detalhes culturais podem ajudar no significado da parábola.
Ex. As candeias, para serem apagadas eram colocadas debaixo de cestos. Acender uma candeia
e colocá-la debaixo de alqueire, significava acendê-la e logo em seguida apagá-la.

22
Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL
Análise Gramatical – as mesmas regras que se aplicam aos outros textos.

Interpretação Teológica – são três as principais questões teológicas que circundam a maioria das parábolas
de Jesus.
Definir as expressões “reino de Deus” e “reino dos céus” - e decidir se são sinônimas ou não. A maioria dos
eruditos concorda que as expressões sejam sinônimas pelos seguintes fatos:
Mateus escreve “reino dos céus” como expressão respeitosa equivalente a “reino de
Deus”, em virtude da tendência judaica de evitar o uso direto do nome de Deus;
Marcos e Lucas, escrevendo aos gentios, usaram a expressão “reino de Deus”, porque
ela comunica melhor a idéia aos seus auditórios.
O paralelismo de Mt. 19.23-24, sustenta a hipótese de que Jesus pretendia que essas
duas expressões fossem entendidas como o mesmo reino.
Parece muito improvável, que Jesus tenha atribuído significados diferentes às
mesmas parábolas registradas por autores diferentes. Ex. Mt. 13.10-15 conf. Mc 4.10-12;
Lc 8.9-10 // Mt 13.31-32 conf. Mc 4.31-32; Lc 13.18-19.
Entender os “sentidos” do reino - em um sentido o reino já veio – Cristo ensinou que o reino já veio durante
sua estada terrena, e que nele se poderia entrar mediante o novo nascimento (Mt 12.28; Jo 3.3). Em
outro sentido, o ministério do reino é contínuo – as parábolas do reino falam de semeadura e de ceifa, de
pequenos grãos que crescem e produzem árvores frondosas, do trigo e do joio que crescem juntos, denotando
o aspecto contínuo do reino.
E ainda, há o cumprimento final com sentido do reino consumado – quando o governo de
Deus será plenamente reconhecido, mas também no triunfo completo de Deus sobre o mal.
A teoria do reino adiado - os que defendem esta teoria, afirmam que Jesus tencionava instituir um reino
terrenal, e que seus primeiros ensinamentos eram instruções concernentes a este reino. De acordo com esta
teoria, Jesus só reconheceu que seria rejeitado e crucificado na metade do seu ministério, e que por isto,
adiou o Seu reino terrenal para o milênio.
Problema: se isto estiver correto, as parábolas que Jesus proferiu antes de ser rejeitado
servem de regra apenas para o reino que foi adiado, não sendo, portanto, aplicáveis para a
Igreja.
Refutação: Jesus sempre teve consciência quanto ao estabelecimento de um reino terrenal.
Mas Lc 2.34, 35; Is 53 não deixam dúvidas de que o ministério de Jesus terminaria com a
morte expiatória e não com o estabelecimento de um reino terrestre. A partir desta
afirmação, podemos crer que todas as parábolas de Jesus são aplicáveis para nós, porque o
reino já veio e tem sentido contínuo.

Análise Literária – a pergunta central concernente às parábolas é: “Quando é significativa? ”


Na análise das parábolas de Jesus é possível discernir tanto uma idéia central, como uma
ênfase significativa sobre os detalhes no que estes se relacionam com a idéia central. Ex. A
parábola do Semeador.
Não se deve dar aos detalhes significados independentes do ensino central da parábola.

Conclusão:
As parábolas são, por natureza, mais escuras do que as passagens doutrinárias. Um princípio
hermenêutico diz que as passagens mais claras são sempre usadas para esclarecer passagens mais obscuras,
e nunca o inverso. Assim, as parábolas devem ser empregadas para, apenas ampliar ou acentuar uma
doutrina, e nunca fundamentar.

5. Alegoria
É um estilo literário que procura expressar verdades abstratas em formas ilustradas. Ela pode ser
entendida como uma metáfora ampliada: a comparação não vem expressa, e o sujeito (verdade abstrata) e a
coisa comparada acham-se entrelaçados. A alegoria traz em seu conteúdo sua própria interpretação.
Geralmente, ela tem diversos pontos de comparação, não necessariamente, concentrados ao redor de um
núcleo. Para entender uma alegoria, é necessário conhecer os vários pontos de comparação, usando para

23
Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL
isto, o contexto histórico do texto. Ex. Sl 80 – Israel é uma videira do Egito; Jo 10.1-16 – Jesus como bom
Pastor.
Nas Escrituras, o uso da alegoria é especificamente indicado (Gl 4.21.ss), ou é claramente
identificado através do contexto (Pv 5.15ss).

5.1 - Diferença entre Alegoria e Alegorização


A) Alegoria é uma história original, apresentada sob a forma de uma metáfora contínua; é um estilo
literário; enquanto a alegorização busca um significado mais profundo nas declarações literais do texto, indo
além do significado histórico ou do pretendido pelo autor. Indica mais os padrões de pensamento do
intérprete do que o do autor original.
Ex. Os cegos de Jericó – literal: acontecimento verídico; moral: nossos olhos também precisam ser
abertos pela Palavra de Deus, e devemos sair de nossa Jericó; espiritual: os dois mendigos – Israel e Judá,
Jericó – o mundo.
Historicamente, a alegorização teve sua origem na Grécia (século VI a.C.), influenciou o Judaísmo
através de Filo, em Alexandria (II a.C.), e veio para o Cristianismo através de homens notáveis, tais como
Jerônimo, Orígenes e Agostinho. O uso do método desenvolveu uma abordagem interpretativa quádrupla
aceitável às Escrituras: literal, alegoria, moral e analogia. Esta abordagem durou por toda a Idade Média,
mas depois foi questionada por Aquino, desenfatizada por Nicolau de Lira, e totalmente rejeitada pelos
reformadores.

b) Alegorização no V.T. - em Gl 4, Paulo faz uma alegorização. O Verbo “allegoreo” ocorre


somente em Gl 4.24 e significa “falar alegoricamente”. No entanto, o emprego que Paulo faz deste verbo
não deve ser, de forma alguma, interpretado como uma alegorização filosófica grega. Razões:
(1) Paulo admitiu a validade histórica do texto, em vez de dizer que as palavras do texto eram apenas
“sombra” do significado mais profundo.
(2) Ele admitiu a ocorrência da história e depois disse que ela poderia ser alegorizada. Ela não disse: “Isto
é o que o texto significa”, nem alegou que estava fazendo uma exposição do texto.
(3) Paulo havia apresentado uma série de argumentos muito fortes contra os judaizantes, argumentos que,
sozinhos, comprovam suas alegações. Este argumento final não é necessário; ele aí está, mais como
exemplo.

6. Tipos
É uma relação representativa que certas pessoas, eventos e instituições têm com pessoas, eventos e
instituições correspondentes, que ocorreram numa época posterior na história da salvação.
Tipo significa, literalmente, “marca” ou “impressão”, podendo ser traduzida, segundo o contexto,
por figura, exemplo, modelo, etc… (prefiguração).
Antítipo literalmente quer dizer “correspondente ao tipo”, e é a realidade (cumprimento).

6.1 - Base da Tipologia


A tipologia se baseia na suposição de que há um padrão na obra de Deus através da história da
salvação; Deus prefigurou sua obra no AT., e cumpriu-a no N.T.

6.2 - Diferença entre Tipo, Símbolo e Alegoria


Tipo – pode ser considerado uma espécie particular de símbolo; se assemelham em uma ou mais formas às
coisas que prefiguram; apontam para o futuro; precede historicamente o seu antítipo; a tipologia busca
vínculo entre os eventos históricos, pessoas ou coisas dentro da história da salvação.

Símbolo – servem de sinais de algo que representam, sem necessariamente, ser semelhantes em qualquer
respeito; não apontam, necessariamente, para o futuro; pode preceder, coexistir ou vir depois daquilo que
ele simboliza. Ex. Pão e vinho – corpo e sangue de Jesus.

Alegoria – busca significados secundários e ocultos que sublinham o significado óbvio e primário da
narrativa histórica. Ex. Gl 4 – a serpente e Cristo.

24
Hermenêutica – SEMINÁRIO TEOLÓGICO PENIEL
6.3 - Características do Tipo
Há três características básicas:
Semelhança - deve haver algum ponto notável de semelhança ou analogia entre o tipo e antítipo. Isto não
significa que não haja, também, muitos pontos de dessemelhança. Ex. Adão e Cristo.
Evidência - deve haver evidência de que a coisa tipificada representa o tipo que Deus indicou. Semelhanças
acidentais entre pessoas ou eventos do V.T e do N.T. não constituem necessariamente um tipo do outro.
Deve haver alguma evidência escriturística de que tal coisa foi designada por Deus.
Prefiguração - deve prefigurar alguma coisa futura. A tipologia é uma forma especial de profecia.

6.4 - Classificação dos Tipos


Existem várias categorias de tipo:
Pessoas típicas – pessoas cujas vidas, demonstram algum importante princípio ou verdade da redenção. Ex.
Adão – representante da humanidade caída.
Figura representativa – oscilação de pensamento, entre um grupo e um indivíduo que representa esse
grupo. Ex. Os ll.1 – refere-se a Israel; Mt 2.15 – refere-se a Jesus.
Eventos típicos – possuem relação analógica com algum evento posterior. Ex. 1 Co 10.1-11 – Paulo
emprega esse tipo para interpretar os eventos na Igreja de Corinto, à luz das experiências de Israel no deserto.
Instituições típicas – são práticas que prefiguram eventos posteriores da salvação. Ex. Lv 17.11 Conf. 1 Pe
1.19.
Ofícios típicos – Moisés – profeta (Dt 18.15); Melquisedeque – sacerdote eterno (Hb 5.6); Davi – rei. Todos
eles tipificam Cristo.
Lugares típicos – Jerusalém, Sião.

6.5 - Princípios de Interpretação de Tipos


Análise histórico-cultural e contextual – investigar os dois eventos em sua situação histórica e cultural;
contexto imediato do texto e contexto do livro.
Análise Gramatical – o emprego das palavras.
Análise teológica – a interpretação correta dos tipos aponta para o aspecto contínuo da Bíblia. No entanto,
a interpretação que dermos a um tipo será influenciada pela opinião que tivermos da natureza da história da
salvação. Os pressupostos que temos, acompanham a nossa interpretação.
Análise literária – uma vez que o tipo é identificado (através das 3 características básicas), deve-se:
pesquisar os textos para encontrar o ponto ou pontos de correspondência; observar os pontos de diferença.

6.6 - Considerações Importantes:


Tanto o tipo como o antítipo devem basear-se em paralelos históricos genuínos e nunca mitológicos.
Sempre haverá uma única lição central na comparação/analogia. Os pormenores devem ser
observados antes de serem aplicados à analogia. Ex. a serpente – metal de bronze (inferior ao ouro ou à
porta), simbolizando a simplicidade exterior de Jesus.
Notar as diferenças entre o tipo e o antítipo evita interpretações fantasiosas e alegóricas.
Evitar dogmatizar os tipos. Em Hebreus, a tipologia é utilizada mais para efeito ilustrativo do que
dogmático.

Conclusão
Que Deus encontre em cada um de nós um espírito submisso, apto para aprender dEle, por meio da
Revelação Escrita, capaz de transmitir com fidelidade o que recebermos.
Experimente ser fiel no seu trabalho de Intérprete e conhecerá a magnitude da revelação de Deus.
“Quem não crê, não experimenta; quem não experimenta não pode saber” (Anselmo)
“Aquele que se contentar com o uso destes meios e puser de parte os preconceitos… em que
muitos envolvem todas as questões, adquirirá decerto a compreensão das Sagradas Escrituras; se não for
em tudo, será na maior parte, e, se não for imediatamente, com certeza será depois” (Whitaker).

25

Você também pode gostar