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ÍNDICE Clique em um assunto, se quiser ir direto para a página.

1. Teorias sobre a existência de Deus..................................03 12. A Transcendência de Deus.............................................35

2. Podemos conhecer Deus?................................................06 13. As vontades de Deus......................................................37

3. Os Nomes de Deus...........................................................10 14. A glória de Deus..............................................................40

4. O que são atributos de Deus?...........................................13 15. A Trindade - Deus-Pai, Deus-Filho, Deus-Espírito.........42

5. As classificações dos atributos........................................16 16. Trindade Ontológica e Trindade Econômica...................48

6. A Pessoalidade de Deus...................................................18 17. As Primeiras Polêmicas quanto à Trindade....................50

7. Infinitude e Eternidade......................................................20 18. Podemos chamar Deus de mãe?....................................52

8. Imutabilidade e Unidade...................................................22 19. As Obras de Deus...........................................................54

9. Santidade e Justiça...........................................................25 20. Jeová e Allah são o mesmo Deus?.................................59

10. Ira e Bondade..................................................................28 Bibliografia utilizada.............................................................61

11. A Imanência de Deus......................................................32

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1. TEORIAS SOBRE A EXISTÊNCIA DE DEUS

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xistem muitas teorias acerca da existência de Deus, as chamadas Teorias de Divindade, ideias sobre a existência ou não-
existência de Deus e, no caso de sua existência, como ele existe.

A primeira delas é o teísmo. “Teísmo” vem da palavra grega θεός [theós], “deus”. Teísmo significa acreditar que existe um
deus, qualquer deus que seja. O teísmo manifesta-se de muitas formas, como no teísmo cristão, no teísmo islâmico, no teísmo
indígena etc. Existe um teísmo para cada divindade adorada pelos homens.

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É justamente do termo “teísmo” que surge a segunda são pessoas que duvidam da possibilidade de discutir o
posição, que é o ateísmo. A partícula “a-” aparece metafísico e de chegar a conclusões válidas a respeito
geralmente como uma negação. Ateísmo seria a negação de daquilo que, segundo eles, está fora do campo normal da
Deus. Tecnicamente, todo ser humano é meio ateu. Se sou argumentação. Nós podemos argumentar sobre assuntos
teísta com relação ao Deus cristão, sou ateu em relação a científicos, coisas que podem ser provadas no laboratório,
deuses hindus, por exemplo. Quem é teísta para um deus aquilo que é sensível. Questões metafísicas, para além da
é, geralmente, ateu para outros deuses. Mesmo assim, matéria, são assuntos que não poderiam chegar, de forma
geralmente alguém se apresenta como ateu ou fala do termo alguma, à mente do ser humano. São assuntos sobre os
ateísmo em referência a uma negação de toda e qualquer quais seria ineficaz discutir e tentar debater.
divindade.
Dentro dos teísmos mais comuns, há o politeísmo. No grego,
Próximo disso, encontra-se o agnosticismo. No grego, o termo πόλυς [pólus] significa “muitos”. Assim, politeísmo
γνοσκω [gnosko] significa conhecimento. O agnóstico é seria a ideia de que existem várias divindades, talvez em
alguém que nega o conhecimento – mas não o conhecimento competição, talvez em harmonia, à nossa volta. Dentro do
absoluto. Mais apropriadamente, o agnóstico nega a politeísmo, existem a monolatria e a polilatria. Uma vez que
possibilidade do conhecimento a respeito de Deus. O existam vários deuses dentro do politeísmo, pode-se adorar
agnóstico nega que é possível conhecer se Deus existe ou apenas um deles, o que implica monolatria, na qual “mono”
não. Esse termo foi usado pela primeira vez por um biólogo vem de “único” e “latria” vem de “adoração”, no sentido
e filósofo inglês chamado Thomas Huxley. Ele utilizou esse de adorar vários deuses, o que configuraria polilatria. Um
termo para manifestar a ideia de uma crença suspensa. politeísta monólatra é alguém que acredita em vários deuses,
Muito chateado com os dogmas da igreja, decidiu que não mas adora um único deus contra os outros, enquanto um
valia mais a pena fazer alegações a respeito da divindade. politeísta que comete polilatria é um politeísta que acredita
na adoração de vários deuses. A monolatria também
Há quem diga que o agnóstico é o ateu covarde, alguém é conhecida como henoteísmo, com hen- significando
que não acredita em Deus, mas não tem muita coragem “um”, em grego. Foi Max Miller, um historiador alemão das
de falar a respeito. Não é uma forma muito correta (nem religiões, que cunhou esse termo para caracterizar pessoas
muito educada) de se referir aos agnósticos. Agnósticos que vivem no contexto da existência de vários deuses, mas

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que escolhem um único deus para adorar. exemplo, além de ser muito próximo do panteísmo como
conhecemos.
Existe também o panteísmo. No grego, παντα [panta], Por fim, há o deísmo. O deísmo é a perspectiva de que
πας [pas] e πασιν [pasin], muitas vezes, são usados para existe um deus e esse deus criou tudo e mesmo assim se
expressar “tudo” e “todos”, de alguma forma. Falar de afastou do universo. Ele deu o pontapé inicial, colocou as
panteísmo é falar que deus é tudo, que deus se manifesta engrenagens do relógio para funcionar, mas então não se
através de tudo, que as coisas são deus de alguma forma. Ou envolve mais com a criação. O deísta é um teísta. Ele acredita
seja, acredita-se numa íntima relação entre a existência e a em deus, mas um deus que está distante, longe e que não
identidade de deus e a existência e identidade das coisas. O pode ser alcançado.
que as coisas são, o que somos e o que deus é confundido
numa coisa só.

O panteísmo apresenta uma variação chamada panenteísmo,


que é a ideia de que deus está em tudo. Por mais que não
exista uma confusão tão profunda de identidade entre quem
é deus e o que são as coisas, ainda assim deus está contido
em todas as coisas.

Muito próximo da ideia de panteísmo, está o que é chamado


de monismo, que vem do termo grego “apenas”, “só” ou
“único”. O termo foi cunhado pela primeira vez por um
filósofo alemão chamado Christian von Wolff, sendo uma
prática e uma visão muito comuns no hinduísmo, por

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2. PODEMOS CONHECER DEUS?

D
aremos início ao nosso curso falando sobre aquilo onde
tudo começa: a pessoa de Deus. Tudo começa com esse
Senhor que criou tudo, segundo a teologia cristã, e deu
sentido a todas as coisas. Quem é Deus? Como percebemos Deus?
Como é que Deus cuida de tudo? Como é que Deus se revela? Esse
é o assunto da teontologia, ou da teologia propriamente dita.

O termo teologia significa, basicamente, o estudo de Deus.


“Theos” [θεος], do grego, significa “Deus”, e logia [λόγος] vem de
palavra, estudo, razão, conhecimento. Teologia tornou-se o nome
de todo o estudo sobre Deus, de tudo aquilo que se fala a respeito
de quem é o Senhor. Então, dentro da teologia sistemática, quando
se monta as várias doutrinas que compõem o cristianismo, seja
bibliologia – o estudo da Bíblia – ou cristologia – o estudo de
Cristo –, se chamarmos teologia de "o estudo de Deus", estaremos
afirmando que outras coisas não são teologia. Por isso, muitos
teólogos tiveram de buscar uma alternativa para nomear a matéria
que estuda o nome do Senhor.

Enquanto Teologia lida com tudo aquilo concernente a Deus,


Teontologia tornou-se uma maneira de denominar essa doutrina
dentro da sistemática, ou o que os teólogos também denominam

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de teologia propriamente dita – teologia como o estudo de Deus deu-nos uma revelação e uma mente para compreender
Deus diretamente. Neste primeiro módulo, abordaremos as coisas, mas, ainda assim, não conseguimos compreender
justamente a teontologia, a teologia propriamente dita, do tudo de forma completa. Quando lemos I Coríntios 13,
estudo do nome do nosso Senhor. ouvimos Paulo dizer que hoje vemos as coisas como que
por um espelho. Nós vemos as coisas reveladas num
É possível conhecermos, de fato, Deus? É possível momento pequeno, breve, suficiente, mas haverá um dia em
entendermos e compreendermos o Senhor? Canções que conheceremos a Deus como hoje somos conhecidos.
populares chegam a declarar que ninguém explica Deus. De Por mais que haja polêmicas interpretativas em torno de
fato, em nível último e absoluto, nunca conseguiremos obter 1Coríntios 13 – e certamente abordaremos isso em algum
um conhecimento exaustivo do Senhor. É impossível que momento do curso –, a ideia do texto é a de que nós, hoje,
consigamos entender Deus em sua completude e totalidade. mesmo através da revelação da Escritura, vemos Deus por
Ele é eterno, ele é imutável, ele é transcendente, ele é aquilo meio de um material de bronze que, por ser bem polido e
que teólogos do século XX chamavam de totalmente outro. brilhoso, permite-nos perceber algum reflexo, mas ainda
Ele não é completamente acessível pela mente humana. É assim não nos deixa ver Deus em sua grandeza e totalidade.
comum que na teologia tenhamos dúvidas e terminemos com
certas questões não respondidas, o que demostra o fato de Isso evoca uma das grandes polêmicas da teologia
que Deus é muito maior que nós. É normal não termos todas sistemática e da revelação de Deus, que diz respeito à
as respostas porque Deus é a verdade acima de qualquer teologia positiva e à teologia negativa – respectivamente,
coisa e está muito acima das nossas compreensões. a teologia catafática e teologia apofática. Apofático
Calangos não entendem seres humanos da mesma forma deriva de aposfemi, do grego, que significa basicamente
que seres humanos entendem os calangos (aqui no Ceará, negar. Portanto, a teologia apofática, também conhecida
calango é o nome dado para aquelas lagartixas que correm como teologia negativa, é a ideia de que fazemos teologia
pelas paredes). Se alguém tentar imaginar um inseto, uma basicamente por meio de negações. É um estudo de Deus,
pulga, por exemplo, tentando compreender o ser humano, principalmente, por meio de suas diferenças. Ela recusa-
logo perceberá que essa cena não é verossímil, mas que o se a interpretar Deus a partir da realidade e simplesmente
sentido inverso é totalmente plausível. necessita entender o que Deus não é antes de entender o que
Deus é. Ao contrário disso, situa-se a teologia catafática, que

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é própria da tradição ocidental. Ela intenta encontrar Deus forma positiva, de forma proposicional, entendendo aquilo
justamente a partir daquilo que é dito sobre ele, seus nomes que a revelação fala sobre o nosso Senhor. É claro que Deus
e atributos. se revela a nós fora da Bíblia (falaremos melhor disso em
bibliologia). Temos um Deus que se revela na natureza, que
A teologia negativa, por mais que reúna alguns intelectuais se mostra através das coisas criadas e podemos percebê-
como seguidores no ocidente, é muito próxima de teologias lo por intermédio da criação. Porém, esse mesmo Deus
místicas e de pessoas que geralmente não seguem uma revela-se de forma extensiva, mais clara, justamente na sua
perspectiva próxima do cristianismo. A teologia positiva é revelação especial. Essas são as diferenças de termos que
a ideia de que há um Deus que se revela, que se manifesta, iremos estudar em Bibliologia. Revelação geral é a revelação
que se mostra, que se dá a conhecer através de alguma de Deus na natureza e a revelação especial é a revelação de
revelação, revelação essa que os cristãos acreditam ser Deus na Palavra.
a Palavra de Deus. Nós estudamos teologia propriamente
dita antes de estudar bibliologia porque a revelação é uma Esse Deus que se revela na Palavra permite que o
revelação de um Deus. Cometemos um erro metodológico, conheçamos para além de sua simples manifestação na
por assim dizer, porque a Escritura é a base do que vamos natureza. Se olharmos para a natureza, de fato perceberemos
discutir acerca de Deus, mas cometemos uma coerência algumas coisas sobre Deus. Na carta de Paulo aos romanos,
lógica, no sentido de que entendemos que Deus vem antes no primeiro capítulo, a partir do verso 18, diz-se que Deus
de sua própria revelação. Ao ler a Bíblia, lemos sobre se revela de alguma forma nos céus e na coisa criada,
um Deus que se revela positivamente. Fazemos teologia mostrando o seu imenso poder. Se olharmos à nossa volta,
propositiva, sim, cremos em uma teologia positiva, mas sem perceberemos que existe uma divindade, que existe um
desconsiderar a grande lição da teologia negativa de que não Senhor, um Deus que criou tudo e que formou todas as
conseguimos nunca entender Deus em sua completude e em coisas. Ele é criativo por causa da criatividade da criação. Ele
sua totalidade. é poderoso por causa do poder dos fenômenos naturais. Ele
é bondoso por causa de todas as coisas maravilhosas que
É claro que ninguém explica Deus de forma extensiva e encontramos na criação. Ele possui uma ira que se manifesta
absoluta. Mesmo assim, Deus revela-se, explica-se, mostra- na coisa criada por causa de todo furor que nós encontramos
se, apresenta-se, e nisso podemos construir teologia de à nossa volta. Há um Deus que é revelado na criação, mas

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não de forma total, completa. Na Escritura, encontramos deixar o púlpito sabendo que fracassou na sua missão em
muito mais a respeito de quem é esse Deus e nela podemos algum nível. Se a missão dele é mostrar como Deus é grande,
fazer uma teologia positiva, uma teologia que se baseia em como Deus é bom, justo, maravilhoso, ele pode até falar por
fazer proposições acerca do Senhor. horas e ainda assim não terá conseguido mostrar como Deus
é grandioso, bondoso e incrível.
Claro que toda verdade sobre Deus é uma verdade diminuta.
Existe um nível de humildade que tem que nos fazer acreditar O teólogo, pastor e missionário americano Paul Washer
que de fato não iremos conseguir, mesmo por meio das afirma que o pregador não é um microscópio que focacaliza
revelações teológicas, entender Deus em sua grandeza. coisas pequenas e as aumenta para os outros verem. Pelo
É bom entender que Deus, ao falar na Palavra, balbucia a contrário, ele é um telescópio que mira os astros, estrelas
respeito de si mesmo. Ainda que leiamos que ele é soberano, enormes e os deixa pequenos para que nossos olhos
bom, justo, isso ou aquilo, no fim das contas estamos entendam. A teologia é uma tentativa de apreender Deus em
ouvindo uma aproximação da nossa mente daquilo que sua grandeza. É um trabalho fracassado, mas é maravilhoso,
Deus é. Ele é tão poderoso, incrível e tão além de nós que de porque Deus se revelou em um nível que podemos
fato ele se diminui para que possamos compreendê-lo. De compreender.
fato, quando ele se revela, ele balbucia acerca de si mesmo.
É como explicar para uma criança a complexidade do ser C. S. Lewis, famoso autor protestante escritor de As Crônicas
humano: é uma verdade o que é dito, mas é uma verdade dita de Nárnia, disse que Deus não se faz de doutor diante de
numa linguagem infantil. Deus se revela e nos apegamos a uma lavadeira. Deus não se fez de doutor diante de homens
essa revelação como verdade porque ela já é elevada para pequenos como nós e deixou que nós o compreendêssemos.
nosso raciocínio. A doutrina da Trindade é elevadíssima para Ele deixou que nós o entendêssemos. Nesse módulo de
nossa compreensão humana e, ainda assim, é uma verdade teologia propriamente dita, entraremos nessa jornada de
mesmo que não consigamos sequer tocar nas profundidades olhar para aquilo que Deus revelou sobre si mesmo.
da grandeza de quem é o Senhor.

Todo pregador, no fim das contas, é um fracassado. Quando


um pastor prega num domingo, por exemplo, ele precisa

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3. OS NOMES DE DEUS

D
eus é chamado de muitas formas na Bíblia. O nome mais
simples usado para representar Deus na Bíblia é ’el (‫)לֵא‬, do
hebraico. De acordo com a maioria dos filólogos (aqueles
que estudam línguas e palavras), essa palavra significa “O
SENHOR MAIS PREEMINENTE OU PRIMÁRIO”, ou “AQUELE QUE
É FORTE E PODEROSO”. O nome ’eloah (‫)ַהֹלֶא‬, singular de ’elohim
(‫)םיִהֹלֶא‬, procede da mesma raiz que ’el e aponta para Deus como
o Deus-Forte ou como OBJETO DE TEMOR. O nome no singular é
mais poético e raramente usado. O plural, por sua vez, é o nome
comum de Deus.

Alguns argumentam que se referir a Deus no plural, 'elohim,


evidenciaria o uso hebraico chamado de “plural de majestade”,
o qual configura-se como um plural para se referir a alguém
muito importante. Entretanto, vários teólogos argumentam que
isso nunca é usado na Escritura e que esse argumento é só uma
tentativa de fazer parecer que a Trindade já não estava manifesta
no Antigo Testamento e que não existia nenhuma pluralidade na
pessoa de Deus nas Escrituras hebraicas. 'Elohim, o termo plural
para se referir a Deus, evidencia a Trindade e essa pluralidade
na figura divina. Outros argumentam que como 'Elohim aparece
muitas vezes com um adjetivo ou com um verbo no singular, seria

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melhor interpretá-lo como um plural de abstração ou como uso salienta essa característica mais plural da pessoa divina,
um plural de quantidade, que é usado para se referir a uma evidenciando já no Antigo Testamento uma Trindade.
entidade ilimitada, ou como plural intensivo, que serviria
para expressar a plenitude de poder de Deus. De fato, poucas A palavra ’elyon (‫ )ןֹויִלֶע‬também é utilizada para se referir a
vezes 'Elohim aparece na Escritura com um adjetivo ou verbo Deus, apresentando o prefixo ’el, significando “AQUELE QUE
no plural (Gn 20.13; 28.13; 35.7; Êx 32.4, 8; Js 24.19; 1 Sm É EXALTADO ACIMA DE TODAS AS COISAS” (Gn 14.18; Nm
4.8; 17.26; 2 Sm 7.23; 1 Rs 12.28; Sl 58.11 [12 TM]; 121.5; 24.16; Is 14.14). Porém, esse nome não é usado para se
Jó 35.10; Jr 10.10). No singular, aparece apenas 57 vezes referir somente a Deus no Antigo Testamento. Essa palavra
no Antigo Testamento hebraico, sendo 41 só no livro de Jó, também é usada para remeter falsos deuses, e ídolos,
enquanto no plural é encontrado 2.570 vezes. quando as pessoas cometem idolatria e adoram essas falsas
divindades (Gn 33.12; Êx 7.1; 4.16) e autoridades (Êx 12.12;
Referências a Deus no plural também ocorrem com outras 21.5-6; 22.7; Lv 19.32; Nm 33.4; Jz 5.8; 1 Sm 2.25; Sl 58.1;
palavras, como qedoshim (‫ םיִׂשֹודְק‬Pv 9.10; Os 11.12), em 82.1), mas também é um nome pelo qual Deus é designado
’osim (‫םיִׂשע‬, Jó 35.10; Sl 149.2; Is 54.5), em bôr’îm (‫םיִאְרֹוב‬, Ec usualmente.
12.1) em Adonai (‫)יָנֹדְַא‬. Este último nome é muito importante
para se referir a Deus no Antigo Testamento. A palavra El Shaddai (‫ )יַדַׂש לֶא‬caracteriza Deus como aquele que
aparece exatamente 449 vezes no Antigo Testamento como generosamente supre todas as coisas (Gn 17.1; 28.3; 35.11;
referência ao Senhor. Em 134 vezes, aparece sozinho e, 43.14; 48.3; 49.25; Êx 6.3; Nm 24.4). El Shaddai é o Deus que
em conexão com YHWH, 3I5 vezes. Por essa razão, alguns faz com que todos os poderes da natureza sejam sujeitos
teólogos argumentam que Adonai é um dos nomes de Deus, e subservientes à obra da Graça no mundo. Esse nome
nome que expressa soberania e senhorio sobre o universo, evidencia Deus como aquele que se dá ao seu povo e garante
não sendo apenas um título a ele atribuído. O termo Adonai, o cumprimento de suas promessas. É a palavra usada para
no hebraico, significa, literalmente, “MEU SENHOR”, e referenciar o Deus de Abraão, Isaque e Jacó (Gn 24.12; 28.13;
nunca é usado como pronome de tratamento. Para isso, o Êx 3.6), o Deus dos patriarcas (Êx 3.13, 15), dos hebreus (Êx
hebraico usa Adoni ou Adon, nunca Adonai. Todas essas 3.18) e de Israel (Gn 33.20). Significa, literalmente, “DEUS
construções plurais evidenciam Deus como completo, como TODO PODEROSO”.
a plenitude da vida e do poder. Para muitos teólogos, esse

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Por mais que existam essas nomenclaturas usadas para se Senhor Adonai sobre tudo e sobre todos.
referir a Deus e falar sobre ele, o nome pelo qual ele é mais
conhecido no Antigo Testamento é o famoso tetragrama Muitos interpretam que o nome de Deus tem um significado
(‫)הוהי‬. Tetragrama porque são quatro letras que compõem compreensível, encontrado na Escritura. Significaria Deus
o nome próprio de Deus. A pronúncia desse nome foi como aquele que é ontem, hoje e sempre. Deus revelou-
perdida. Como os antigos judeus não escreviam as vogais se a Moisés por meio desse nome, afirmando ser aquele
das palavras, mas apenas as consoantes, com o tempo as que é. Para Abraão, esse nome significou provisão para
pessoas pararam de falar o nome de Deus, por causa do o sacrifício do seu filho Isaque. Ele apareceu como Jeová
medo de enunciá-lo, ao ponto de a tradição oral perder a Jireh – O SENHOR QUE PROVÊ (Gn 22.14). Prometendo
pronúncia do nome de Deus. Há quatro consoantes, mas não livrar os filhos de Israel das pragas e das enfermidades que
há vogais. Essas consoantes, se fossem transliteradas para o sobrevinham dos egípcios, ele manifestou-se como Jeová
português, seriam YHWH. Rafá – O SENHOR QUE SARA/CURA (Ex 15.26). Na época de
angústia dos juízes de Israel, ele apareceu a Gideão como
Um grupo de judeus denominado “Massoretas” começou a Jeová Shalom – O SENHOR É A PAZ (Jz 6.24). A todos que
criar grafias para representar o som das vogais no hebraico. peregrinaram na terra, ele se apresentou como Jeová Ra’a
Se abrirmos o texto massorético, notaremos pequenas – O SENHOR É MEU PASTOR (Sl 23.1). Yahweh Tskednu
marcações, abaixo das consoantes, que representam o som significa SENHOR, JUSTIÇA NOSSA (Jr 23. 6). e Jeová Nissi
das vogais. O motivo pelo qual aparecem acentos nas vogais significa o SENHOR é a Minha Bandeira (Ex 17.15). Ele assim
no hebraico é a falta de espaço nos manuscritos antigos, revela-se na batalha contra o mal e contra o pecado. E no
que permitiam apenas o uso de pequenos diacríticos. O que futuro – talvez já no Novo Céu e Nova Terra, segundo os
aconteceu é que, como ninguém sabia quais eram as vogais aliancistas, ou no milênio, segundo os dispensacionalistas
do tetragrama, adicionaram as vogais da palavra Adonai, um (assunto para o módulo de escatologia), ele será chamado
nome muito utilizado para se referir a Deus. Por essa razão, o Jeová Shamá, O SENHOR ESTÁ AQUI (Ez 48.35).
nome comum do Senhor é pronunciado como Jeová, Javé ou
Yeowah e algumas derivações que seguem essa tendência
de reconstruir o nome de Deus. Muitas Bíblias traduzem
simplesmente como “SENHOR”, representando Deus como o

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4. O QUE SÃO ATRIBUTOS DE DEUS?

Q
uando falamos sobre quem é Deus, geralmente estamos discutindo os atributos de Deus. Para definir quem é o Senhor,
iremos defini-lo a partir de suas características. Quando se define alguém, é necessário trazer à tona características
a respeito dele ou dela. Ele é alto, baixo, loiro, negro, branco, feio, gordo como eu, magro como você etc. As pessoas
possuem características e o que difere uma pessoa de outra é aquilo que as pessoas são. Quando discutimos quem Deus
é, estamos ressaltando os atributos de Deus, esse é o nome que é dado na teologia, quem Deus é e quais são as suas
características. Definindo atributos de Deus, Erickson (2015) define como “aquelas qualidades de Deus que constituem o

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que ele é – as características exatas de sua natureza”. Ele Trindade – aqueles que são próprios de quem a Trindade
continua: é, mas também existe uma economia da Trindade – suas
manifestações em contato com a realidade.
Os atributos são qualidades como um todo. Não devem ser
confundidos com propriedades, que, falando tecnicamente, Em seus atributos, Pai, Filho e Espírito Santo são idênticos.
são as características distintivas das diversas pessoas da Já em suas propriedades, como disse Erickson acima
Trindade. As propriedades são funções (gerais), atividades (2015), eles manifestam atuações distintas. Ele afirma
(mais específicas) ou atos (os mais específicos) de cada que essas propriedades são funções, atividades ou atos
membro da divindade. (p. 256-257). de cada membro da Trindade e continua dizendo que
“os atributos são essas qualidades intrínsecas, que não
Isto é, o Deus-Pai teria uma característica, o Filho, outra podem ser adquiridas nem perdidas” (p. 257). Já o teólogo
característica, o Espírito Santo, outra característica. Essas Norman Geisler (2003, p. 17) argumenta que atributo é a
características mais distintas não são atributos, mas “característica que pode ser atribuída à natureza de Deus
propriedades. Por exemplo: quem morreu na cruz? Quem – um traço essencial de Deus. Outros termos para atributo
morreu na cruz foi o Deus-Filho. Quem foi enviado depois são ‘propriedade’, ‘perfeição’, ou ‘nome’”, em que o que é
do Deus-Filho para a terra? Foi o Espírito Santo. Não foi o dito sobre o nome de Deus é dito sobre a pessoa em si, a
Espírito Santo que morreu na cruz, foi Jesus. Não foi Jesus característica de quem é a pessoa. Quando digo que louvo o
que foi enviado depois que Jesus subiu, afinal, ele disse nome de Deus, estou louvando quem Deus é por aquilo pelo
que enviaria o outro Consolador (o Espírito Santo) depois de qual ele se manifesta.
sua ascensão. Esses detalhes serão trabalhados melhor em
cristologia e pneumatologia. Já Louis Berkhof não gosta muito desse tipo de
nomenclatura. O teólogo presbiteriano, que possui uma
Cada pessoa da Trindade possui características, atos e ações sistemática muito famosa no Brasil, diz:
na realidade diferentes umas das outras. Não são atributos
distintos, mas propriedades distintas. Isso está atrelado ao O nome “atributos” não é ideal, desde que transmite
que falaremos posteriormente sobre Trindade econômica a noção de acrescentar ou consignar alguma coisa a
e Trindade ontológica. Existem os atributos ontológicos da alguém, e, portanto, pode criar a impressão de alguma

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coisa é acrescentada ao ser divino. Indubitavelmente o Isso é bem diferente daquilo que somos como seres
termo “propriedade” é melhor, no sentido de indicar algo humanos. Temos amor, mas não somos amor. Temos
que é próprio de Deus e de Deus somente[...] Os atributos misericórdia, mas não somos misericórdia. Temos santidade,
de Deus podem ser definidos como as perfeições que mas não somos santidade. Deus, por outro lado, é aquilo que
constituem predicados do Ser divino na Escritura, ou que possui, segundo Herman Bavinck, porque revela justamente
são visivelmente exercidas por ele em suas obras de criação, essa grandeza e esse relacionamento absoluto entre as
providência e redenção. (BERKHOF, 2007, p. 51). características que Deus tem e o próprio ser que Deus é.
Tanto que o autor chega a afirmar que “tudo o que Deus é,
Herman Bavinck (2012, p. 121), que escreveu uma coleção ele o é completa e simultaneamente” (2015, 121). Um jeito
de quatro volumes de sistemática– um texto bem longo muito bonito de se referir ao Senhor. Considerando o que são
e denso acerca do Senhor e dos temas da teologia –, esses atributos, temos que falar sobre as classificações dos
traduzidas, inclusive, para o português, argumenta: “cada atributos, os tipos de atributos de Deus, mas isso é assunto
atributo é idêntico ao ser de Deus; ele é aquilo que possui” . para a próxima aula.
Não é como se Deus tivesse atributos, como se tivesse amor,
santidade, paciência e misericórdia. De fato, um atributo que
Deus possui é um atributo que Deus é, de forma que, ao ser
definido como alguém amoroso, ele é amor. Quando Deus é
definido como alguém misericordioso, ele é misericórdia.

É interessante que 1João enuncia justamente isso, que Deus


é amor. Há até igrejas que adotaram exatamente esse nome.
A ideia não só é que Deus manifesta amor, mas que ele é
o amor que ele possui. Então para Bavinck não existe uma
divisão muito clara entre aquilo que Deus tem como atributo
e aquilo que ele é como ser.

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5. AS CLASSIFICAÇÕES DOS ATRIBUTOS

A
ntes de definirmos quais são os atributos de Deus, precisamos discutir as suas classificações. Vamos utilizar o termo
atributo porque ele é o mais comum dentro da teologia, mas já explicamos sobre terminologias na aula passada. Esses
atributos de Deus também têm sido classificados em tipos dentro da teologia. Geralmente existem quatro tipos de
classificações comuns. Dessas quatro, escolheremos uma.

A primeira classificação – a mais comum e mais conhecida – diz respeito a atributos comunicáveis e atributos incomunicáveis.
Segundo Millard Erickson (2015, p. 258), “atributos comunicáveis são aquelas qualidades de Deus para as quais se pode
encontrar ao menos uma correlação parcial em suas criaturas humanas”. Ou seja, são atributos que se podem encontrar
também naquilo que é criado por Deus. Segundo Franklin Ferreira e Alan Myatt (2007, p. 216), “os atributos comunicáveis

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revelam a condescendência de Deus, e são as virtudes Uma terceira divisão está entre atributos absolutos e
divinas que se refletem, de forma derivada e limitada, atributos relativos. Atributos absolutos pertencem à
em suas criaturas”. Berkhof refere-se aos atributos existência de Deus, em si mesma, e atributos relativos
comunicáveis como “os quais as propriedades do espírito pertencem à essência divina, em relação à sua criação
humano têm alguma analogia como poder, bondade, (BERKHOF, 2007, p. 54). Os absolutos seriam eternidade,
misericórdia, retidão etc” (2007, p. 54). imensidade, auto-existência etc. Os relativos seriam
onipresença, onisciência e tudo aquilo que faz referência
Logo, os atributos incomunicáveis são aqueles que não diretamente à coisa criada.
podem ser atribuídos a nenhuma criatura. São “aquelas
qualidades singulares para as quais não se encontra A quarta classificação está ligada aos atributos imanentes
qualquer correlação nos seres humanos” (ERICKSON, 2015, ou intransitivos e aos emanentes ou transitivos. Os primeiros
p. 258). São aqueles “aos quais nada análogo existe na são aqueles que não se expõem nem operam fora da
criatura” (2007, p.54), atributos que só Deus possui e que essência divina, mas permanecem imanentes (BERKHOF,
nós não possuímos. 2007, p. 52), ou seja, pertencem à própria natureza de
Deus (ERICKSON, 2015, p. 258) e estão contidos nele (e.g.,
Outros criam distinções entre atributos naturais e atributos imensidade, simplicidade, eternidade etc.). Ou outros são os
morais. Os primeiros seriam os atributos pertencentesà que se expõem e produzem efeitos externos quanto a Deus
natureza constitutiva de Deus, de maneira distinta de sua (BERKHOF,2007, p. 52), isto é, emanam dele (ERICKSON,
vontade (BERKHOF, 2007, p. 53). São os “superlativos 2015, p. 258) – por exemplo, onipotência, benignidade,
não morais de Deus” (ERICKSON, 2015, p. 258). Os outros justiça etc.
o qualificam como um ser moral. O problema dessa
classificação é que os atributos ditos naturais também têm
características morais. Os atributos naturais seriam auto-
existência, simplicidade, infinidade etc., e os morais seriam
bondade, misericórdia, justiça, santidade etc.

17
6. A PESSOALIDADE DE DEUS

P
essoalidade é certamente um dos principais atributos de
Deus, de forma que os vários outros acabam tangenciando
o tema da pessoalidade. A ideia é que Deus é pessoal.
Ele não é uma força, não é uma energia. Deus é uma pessoa.
Existem vários cenários na Escritura que apresentam justamente
essa ideia de um Deus que se relaciona, que fala, que conversa,
que vê, que usa constantemente linguagens antropomórficas
para falar a respeito de si mesmo e que se identifica com o ser
humano das mais variadas formas. O fato de Deus ser relacional
e viver interagindo com o ser humano apresenta essa ideia de que
estamos nos relacionando com um ser autoconsciente, pessoal,
que possui individualidade e uma autoconsciência.

É importante relacionarmos isso com o modo com que nos


enxergamos e nos relacionamos com o Deus cristão. Ele não
é um totem, uma pedra ou um item de barro. Ele é um ser que
interage porque tem autoconsciência. Ele possui ciência da sua
própria consciência. Ele conhece a si mesmo, assim como o ser
humano se conhece e se entende de alguma forma. Ele apresenta
identidade, ele sabe quem ele é e o que ele é em diferença ao
que os outros são. Essa identidade é distintiva. Ela não é uma
identidade que se confunde com as outras coisas, mas uma

18
identidade que é própria dele. Ele tem raciocínio, inteligência, Podemos nos referir a Deus como criador, como alguém
criatividade, comunicação. Temos um Deus que fala e se criativo, como alguém consciente, como alguém pessoal.
revela na Escritura constantemente. Imagens antigas de um deus totêmico, animalesco, ou um
deus que não tem consciência, raciocínio ou identidade são
Quando Moisés questiona quem ele é, ele responde “eu sou imagens que não correspondem ao Deus cristão, a quem
o que sou”, porque ele é o ser perfeito, a ontologia última. chamamos de pessoa. Por isso que afirmamos que existem
Nós somos em referência a algo. Eu sou homem, sou isso, três pessoas na Trindade. A ideia de pessoa não é uma
sou aquilo. Deus é o único que é, porque Deus é a própria ideia errada, mas é muito coerente com esses traços de
existência. E, sendo a própria existência de quem todas as pessoalidade que aplicamos a Deus. Não que ele seja um
outras existências derivam, ele é aquele ser pessoal que ser humano como somos, mas uma divindade com quem
organizou tudo de acordo com a sua vontade. podemos nos relacionar, porque ele é um ser senciente,
inteligente, que compreende as coisas, que entende tudo,
Tanto que a expressão “imagem e semelhança”, que se que tem uma identidade própria. E esse é um atributo que
refere à criação do homem – isso será tratado melhor em faz com que seja possível nos relacionarmos pessoalmente
antropologia – é usada para descrever como nós, enquanto com esse Deus, orarmos e falarmos com Deus, sabendo que
seres humanos, nos assemelhamos a Deus, como refletimos estamos nos dirigindo a uma pessoa que nos entende e que
Deus. Imagem e semelhança são termos intercambiáveis e nos responde.
significam basicamente a mesma coisa. Ser imagem de Deus
significa que somos parecidos com Deus e refletimos Deus.
Ser a semelhança de Deus significa justamente que temos
essa imagem assemelhada à dele. Uma vez que somos
imagem e semelhança, podemos, por analogia, entender que
Deus carrega algum traço de humanidade. Não que ele seja
homem, mas que ele tem algumas características que nós
possuímos de forma derivada.

19
7. INFINITUDE E ETERNIDADE

O
primeiro bloco sobre os atributos de Deus de que devemos tratar são aqueles chamados por
Millard Erickson de atributos de grandeza. O primeiro atributo de grandeza é a infinitude ou
infinidade. Para Berkhof (2007, p. 59): “É a perfeição de Deus pela qual ele é isento de toda e
qualquer limitação. Ao atribuí-la a Deus, negamos que haja ou que possa haver quaisquer limitações
do Ser divino e dos seus atributos”. Ou seja, ninguém pode restringir, controlar e limitar quem Deus é.
Erickson (2015, p. 264) continua argumentando que “Isso não significa que é somente ilimitado, mas
é ilimitável [...]. Deus é diferente de tudo o que experimentamos. Mesmo aquilo que o senso comum,
antes, afirmava ser infinito ou sem limites, agora é considerado limitado”, porque Deus é a ilimitação
em sua grandeza e totalidade. Bavinck (2012, p. 164) diz o seguinte:

Trata-se de uma infinitude de essência. Deus é infinito em sua essência característica,


absolutamente perfeito, infinito em um sentido intensivo, qualitativo e positivo [...] a infinitude de
Deus é sinônima de perfeição e não tem de ser discutida separadamente.

Nós percebemos a infinitude de Deus em certas características que são ressaltadas na Escritura
distinguindo Deus como alguém incontrolável, alguém que não pode ser contido, alguém que está
em todos os lugares. A infinitude é um atributo derivado logicamente de outros atributos de Deus.
Se buscarmos bases bíblicas para demonstrar que Deus é infinito, encontraremos bases bíblicas
manifestando outras características de Deus que, quando juntas, revelam esse aspecto de Deus ser
maior do que tudo e de não ser possível contê-lo e limitá-lo de forma alguma.

Um desses atributos é o atributo da eternidade. A Escritura não apresenta um começo ou mesmo

20
de um fim para Deus. E muitas pessoas, opondo-se ao alguém que nunca ouviu nada tentando compreender o
cristianismo, questionam: quem criou Deus? A resposta que é ouvir. É como se tentássemos assimilar cores com
simples é: ninguém. Se tudo o que é criado possui uma frequência acima do ultravioleta ou abaixo do infravermelho.
causa, como diz o famoso argumento cosmológico, torna-se São tentativas que estão além de nossa capacidade e Deus é
necessária a existência de algo não-criado, a fim de dar início alguém que está além do tempo. Bavinck (2012, p. 166) diz:
a tudo. Esse algo não-criado tem de ser algo que faça parte
da infinidade passada, que está fora dos nossos conceitos de A natureza essencial do tempo não diz respeito à finitude
tempo e que sempre existiu. ou infinitude do antes ou do depois, mas que ele abrange
uma sucessão de momentos, que há nele um período que é
A Escritura declara diversas vezes que ele é “O Primeiro e passado, um período que é presente e um período que vem
o Último” (Is 44.6), que ele existia antes de o mundo existir depois. Mas, daí, segue-se que o tempo – tempo intrínseco – é
(Gn 1.1), que ele é Deus de eternidade a eternidade (Sl 90.2; o modo de existência que é característico de todos os seres
93.2), eterno (Is 40.28; Rm 16.26), habita na eternidade (Is criados e finitos [...] Tempo é duração da existência da criatura
57.15) e é imortal (Rm 1.23; 1 Tm 6.15). Sobre a eternidade, [...] Deus não é um processo de tornar-se, mas um ser eterno
Bavinck (2012, p. 165) afirma que “entre eternidade e tempo [...] Ele não pode ser submetido à medida ou à contagem de sua
há uma distinção não somente em quantidade, e em grau, duração [...] A eternidade de Deus, portanto, deve ser imaginada
mas também em qualidade e essência”. Deus ser eterno não como um presente eterno, sem passado nem futuro.
significa simplesmente dizer que ele existe há muito tempo.
Por outro lado, significa dizer que ele tem um relacionamento Ele reitera que Deus “continua sendo eterno e habita
diferente com o tempo em nível qualitativo. Ele apresenta a eternidade, mas usa o tempo para manifestar seus
outra essência de relacionamento, além do próprio tempo – pensamentos e perfeições eternas. Ele faz que o tempo seja
coisas que nem conseguimos entender. subserviente à eternidade e, assim, prova ser o Rei das eras (1
Tm 7.17)” (2012, p. 167). Em Cristo, Deus encarnou no tempo.
Quando nascemos e vivemos, surgimos presos ao tempo. É Em Cristo, Deus não somente recebeu a natureza humana,
impossível compreender-se e interpretar-se fora do tempo. mas em Cristo, Deus tornou-se temporal. Uma vez que ele se
É difícil imaginarmos como seria esse tipo de existência. encarnou, cresceu e viveu como homem como nós.
É como um cego de nascença tentando enxergar. É como

21
8. IMUTABILIDADE E UNIDADE

C
ontinuando com os atributos de grandeza, o atributo da vez
é imutablidade, ou constância. A Bíblia declara que Deus
permanece o mesmo para sempre, que ele foi e sempre será
o mesmo. Diz a Escritura que ele não é homem para que minta ou
se arrependa. O que promete, cumpre (Nm 23.19; 1 Sm 15.29).
Seus dons e chamado são irrevogáveis (Rm 11.29). Nele não há
sombra de variação (Tg 1.17). Ele não muda (Ml 3.6).

Há um longo testemunho na Escritura em favor disso. Porém,


existem certas passagens que parecem atribuir a Deus atitude
de arrependimento (Gn 6.6; 1 Sm 15.11; Am 7.3; Jl 2.3; Jo 3.9;
4.2), mudança de planos (Êx 32.10-14; Jn 3.10). Algumas dão a
entender que ele pode ficar irado (Nm 11.1, 10; Sl 106.40; Zc 10.3)
e desviar sua ira (Dt 13.17; 2 Cr 12.12; 30.8; Jr 30.8; Jr 18.8, 10;
26.3, 19; 26.3).

Essas passagens, muitas vezes, são mal compreendidas. Alguns


desses textos sofrem com péssimas traduções que, muitas
vezes, não respeitam os melhores contextos de cada palavra.
Por exemplo, a palavra usada para arrependimento no Antigo
Testamento é uma palavra que pode ser traduzida para outros
vocábulos. O campo semântico é mais vasto e a palavra pode

22
significar apenas tristeza, como também lamento. Traduzir de Deus para com as coisas criadas, sempre em termos
essa palavra como arrependimento e relacioná-la a Deus, humanos e de uma perspectiva humana. Isso incluiria as
exclui outras possibilidades de tradução mais adequadas manifestações de Deus experimentando dor e pesar. “Se
ao intentar expressar que Deus lamentou algo. É Berkhof a Escritura fala do seu arrependimento, de sua mudança
(2007, p. 58) que elucida a questão de que afirmar que de intenção, e da alteração que faz de sua relação com
Deus é imutável não quer dizer que ele é imóvel, como se pecadores quando esses arrependem, devemos lembrar-
não houvesse qualquer movimento em relação à criatura. nos de que se trata apenas de um modo antropopático
"Imutabilidade não é imobilidade rígida. A própria Escritura de falar. Na realidade, a mudança não é em Deus, mas
nos leva a descrever Deus nas relações mais variadas com no homem e nas relações e nas relações do homem com
todas as suas criaturas” (BAVINCK, 2012, p. 161). E, nesse Deus” (BERKHOF, 2007, p.59).
processo, Deus manifesta-se em contato e em adaptação a
elas. Uma vez que Deus escolheu ser um ser relacional, ele - O que pode parecer mudança de ideia, na verdade, pode
escolheu, de alguma forma, em sua manifestação econômica, ser um novo estágio na concretização do plano de
em sua manifestação com aqueles com quem estão falando Deus. Exemplo disso é a oferta da salvação aos gentios.
e se envolvendo, não se portar estático, ainda que seja Percebemos que no Antigo Testamento a salvação era
estável. Ele é ativo e dinâmico, mas de um modo estável e oferecida ao povo de Israel como povo escolhido de Deus.
consistente com sua natureza” (ERICKSON, 2015, p. 271). Os gentios eram salvos ao sujeitarem-se ao povo de
Israel. A conversão de fé no Antigo Testamento também
Ou seja, ainda que Deus tenha um núcleo formativo que é era uma conversão étnica em algum nível. A pessoa
imóvel – ele não muda –, pois, sendo perfeito, não involui sujeitava-se a Israel para se sujeitar ao povo de Deus.
nem decresce em nada, Erickson propõe três alternativas de É como disse Rute a Noemi: “Seu povo será meu povo
percepção a essa ideia de Deus mudar de alguma forma. e o seu Deus será o meu Deus”. No Novo Testamento,
a salvação é entregue e ofertada aos gentios sem uma
- Alguns textos bíblicos que dão entender que Deus submissão ao povo de Israel. Então, Deus mudou de
muda devem ser interpretados como alusores ideia? De forma nenhuma. Deus apenas concretizou
ao antropomorfismo ou ao antropopatismo. São um novo aspecto do seu plano eterno. Já era plano
simplesmente descrições das ações e dos sentimentos de Deus que no avançar das eras os povos tivessem

23
relacionamentos distintos com ele, de acordo com o que Deus está em tudo – o que não é verdade. Nós temos
beneplácito da sua boa vontade. também essa unidade de simplicidade, o que quer dizer
que, por causa de sua absoluta perfeição, cada atributo de
- Algumas aparentes mudanças de ideia são alterações de Deus é idêntico à sua essência (BAVINCK, 2012, p. 177). É
orientações resultantes do avanço dos seres humanos exatamente a ideia de que já falamos, que Deus é exatamente
para um relacionamento diferente com Deus. Uma vez o que ele possui, sendo:
que os homens mudam, aquilo que Deus manifesta aos
homens também muda. [...] o estado ou qualidade que consiste em ser simples, a
condição de estar livre de divisão em partes e, portanto,
Muito próximo da ideia de imutabilidade, está o atributo composição. Quer dizer que Deus não é composto e não
da unidade, a ideia de que Deus é uno. A unidade de é suscetível de divisão em nenhum sentido da palavra.
Deus manifesta-se em sua unidade de singularidade Isso implica, entre outras coisas, que as três pessoas da
(unitas singularitatis) e unidade de simplicidade (unitas Divindade não são outras tantas partes das quais se compõe
simplicitatis). Unidade de singularidade (Dt 6.4; 1 Rs 8.60; 1 a essência divina, que não há distinção entre essência e as
Co 8.6) quer dizer que: perfeições de Deus, e que os atributos não são adicionados à
sua essência (BERKHOF, 2007, p. 61).
[...] há apenas um ser divino, que em virtude da natureza
desse ser, Deus não pode ser mais que um ser e, Os atributos são a própria essência de quem Deus é, ou
consequentemente, que todos os outros seres existem seja, Deus não é uma composição de partes. Ele não é um
somente dele, por ele e para ele. Portanto, esse atributo organismo que pode ser dissecado. Deus é. E ele é o todo de
ensina a absoluta unicidade e exclusividade de Deus, sua tudo que ele é.
unicidade interior ou qualitativa (BAVINCK, 2012, p. 174).
Isso, atrelado à ideia de imanência e transcedência que ainda
vamos ver, é o que revela que Deus é distinto de sua criação.
Ele não pode ser confundido com nada na coisa criada, o que
é uma crítica séria ao panteísmo e ao panenteísmo, duas
doutrinas muito famosas que assumem que Deus é tudo ou

24
9. SANTIDADE E JUSTIÇA
9.2; Ne 11.1; Dn 11.28 etc). Em primeiro lugar, dizer que Deus
é santo significa dizer que Deus está totalmente separado
de toda a criação (Êx 15.11). Significa que ele é separado do
pecado e do mal moral (ERICKSON, 2015, p. 277).

Certamente, a expressão mais clara e mais profunda da


santidade de Deus é encontrada em Isaías 6.1-4, em que o
profeta vislumbra Deus no seu alto e sublime trono e os anjos
em sua volta proclamam “Santo, Santo, Santo”, indicando
um superlativo de santidade. Esse atributo de Deus possui
tanto uma qualidade relacional quanto uma qualidade moral.

A
Essa separação do mal, do pecado e da própria criação
palavra hebraica para “ser santo”, qadosh (‫)ׂשֹודָק‬, revela sua glória e sua majestade acima de tudo e de todos.
deriva da raiz qad, que significa cortar ou separar” Está intimamente relacionada com a bondade, fidelidade e
(BERKHOF, 2007, p. 70). Essa palavra é utilizada em sabedoria de Deus (BAVINCK, 2012, p. 222). Norman Geisler
associação a elementos que são separados para um fim (2003, p. 314) afirma que a santidade de Deus representa
específico, como, por exemplo, itens santificados para uso uma total separação de toda criação e de todo mal. Ou seja, a
no templo. Alguns objetos no Antigo Testamento eram coisas santidade expressa a relação de Deus com o mundo.
santas e por serem santas não poderiam ser usadas na vida
comum. Eram separadas apenas para o serviço no templo de Mas essa relação é interpretada de formas diferentes,
Deus. (Êx 3.5; 12.16; 19.6; 29;31; 30.25; Lv 16.4; 25.12; 27.14, dependendo do teólogo que a comenta. Herman Bavinck
30; Nm 5.17; 16.37; 27.30; Dt 23.14; Js 16.37; 2 Cr 35.3; Ed nomeia vários teólogos que entraram na discussão e expõe

25
suas opiniões. Menken associou a santidade de Deus com criaturas e do mal, e Deus nos santifica. Por mais que essa
sua bondade condescendente e com sua graça. Baudissin, santidade seja considerada por muitos teólogos como um
porém, cria que era transcendência total de Deus, e foi atributo incomunicável, Deus ainda assim nos concede algo
apoiado, nessa interpretação, por Ritschl e por outros, que de santificação, à medida que cremos no nome do Messias e
recorreram a Números 20.13; Isaías 5.16; Ezequiel 20.41; seguimos o caminho do Salvador.
28.25; 36.20-24; e à relação entre glória e santidade em
textos como Isaías 63.15; 64.11; Jeremias 17.12; Ezequiel Por causa de sua santidade, Deus não é manchado nem
20.40 e assim por diante. Estreitamente relacionada a tocado pelo mal do mundo e não tem nenhuma participação
essa posição está a de Schultz, que, baseado em Êxodo nesse mal. Deus é totalmente diferente de nós e não procede
15.11; 1 Samuel 2.2; 6.20 e Isaias 6.3; 8.13; 10.17, associa de forma má. E tal perfeição é o padrão, o horizonte que
a santidade de Deus com sua majestade ardente, sua seguimos como base moral para o povo de Deus. Bavinck
inacessibilidade, a distância infinita que o separa de todas as (2012, p. 224) comenta que a
criaturas.
santificação de pessoas e coisas pelo Senhor ocorre de duas
Na batalha para descobrir qual atributo de Deus maneiras: negativamente, pela escolha de um povo, pessoa,
poderia representar melhor a ideia de santidade, muitos lugar, dia ou objeto e sua separação de todos os outros; e
interpretaram a questão como mero relacionamento com positivamente, consangrando essas pessoas ou coisas e
a criatura e explicaram esse ponto como um mero termo fazendo-as viver de acordo com normas específicas.
relacional, e não como um atributo divino de fato, algo que
aponta diretamente para sua essência interior. Diestel foi um Bavinck (p. 225) então considera que a santificação é algo
dos teólogos famosos que defendeu essa posição. além do que mera separação. Ela consiste em, “por meio
da lavagem, da unção, do sacrifício, do aspergir do sangue
Apesar das diferentes interpretações acerca da santidade (etc.), privar uma coisa do caráter que ela tem em comum
de Deus e de como isso pode ser percebido no seu com todas as outras coisas e imprimir sobre ela outro selo,
relacionamento com as criaturas, todos concordam que Deus um selo exclusivamente seu, que ela deve portar e exibir em
é separado da criação e que Deus é separado do pecado. toda parte”. Ou seja, é algo propriamente da pessoa ou coisa
Dessa forma, por ser santo, Deus está separado de suas santificada. A santidade diz respeito à plenitude num sentido

26
“religioso, ético, cerimonial, interno e externo” (p. 226). Antigo e Novo Testamento. É muito difícil dimensionar a
questão com clareza. Muitos teólogos afirmam que justiça
É por isso que Jesus é a manifestação final, última e perfeita nada mais é que a preocupação de Deus com a sua glória.
da santidade de Deus. A ideia de santidade está intimamente Outros falam que ela exprime um resultado justo a partir de
relacionada com a ideia de justiça e retidão. Berkhof (2007, p. um padrão criacional que Deus planeja seguir. Outros alegam
72) afirma que “a ideia fundamental de justiça é a de estrito que justiça se refere a procedimentos corretos. Apesar de
apego à lei”. Significa, é claro, a lei de Deus manifestando não ser o assunto de que queremos tratar aqui, torna-se
sua verdadeira natureza, revelando que a natureza de Deus conveniente entender que o conceito de justiça pode mudar
é tão perfeita quando ele e que a lei de Deus é tão perfeita dependendo do teólogo que debate a questão, e que isso
quanto a natureza de Deus. afeta o modo como interpretamos o fato de Deus ser justo
e o modo como interpretamos a justificação – algo do qual
A justiça é o seu instrumento para reger o reino. Sua justiça trataremos na doutrina da salvação, sotereologia.
durará para sempre. Deus é o juiz de toda Terra e não
permitirá que a injustiça permaneça. Por causa dessa justiça, O que importa neste momento é entender que Deus não é
Deus não toma por culpado o inocente (Ex 20.7; Ne 1.3ss). alguém que se corrompe. Ele é alguém que anda de forma
Ele nunca punirá alguém que não apresenta culpa do seu mal reta, justa, correta. Ele não torcerá o que é o certo por causa
e do seu erro. E, porque é justo, ele não poupa o ímpio (Ez 7.4, de nada. Ele age com justiça, ele pune os ímpios, traz graça
9, 27; 8.18; 9.10). Porque é justo, ele traz a justa condenação aos justos e corresponde em sua retidão àquilo que a sua lei,
sobre aqueles que escolheram praticar a maldade. Porque aliança e bondade promovem aos seus filhos, aos perdidos e
é justo, Deus não faz acepção de pessoas, nem aceita a toda coisa criada, que um dia estarão plenamente sujeitos
suborno (Dt 10.17). Ele nunca corromperá sua moral e justiça à justiça do Senhor.
por causa de qualquer coisa. Ele é reto em todos os seus
caminhos (Sl 119.37; 129.4). Por isso que a punição do ímpio
é mera consequência da justiça e da retidão do Senhor.

Um dos grandes debates teológicos diz respeito ao que é


justiça de Deus, como interpretamos a palavra justiça no

27
10. IRA E BONDADE

D
ois outros atributos muito importantes para debatermos quem é o Senhor são sua ira e sua bondade. Geralmente, as
pessoas costumam olhar para um desses e ignorar o outro. Alguns integrantes de uma religião mais severa e com o olhar
mais duro para vida interpretam que a ira de Deus é muito importante e exergam um Deus que está sempre com raiva
de todos. Há também outros que interpretam Deus como uma divindade sempre boazinha, semelhante ao Papai Noel, de barba
longa, no trono do céu, um Deus que mais parece com a Hello Kitty. Enxergam um Deus que é bondoso, amoroso e que tudo
concede, tudo libera e tudo permite, porque ele é “bonzinho” para conosco.

28
porque amou o mundo, entregou o seu Filho. “Mundo”, ali
Todavia, aprendemos a partir do autor de Hebreus que no contexto de João, parece referir-se ao mundo caído, ao
devemos considerar tanto a bondade quanto a severidade mundo pecador. Quando Jesus ordena que amemos nossos
de Deus. Temos um Senhor que, sim, é bondoso, mas que inimigos, a base que ele fornece é a de que Deus faz cair
também é severo, e o mesmo Deus que criou um céu de chuva e sol sobre justos e injustos. Há um Deus que ama
glória criou um inferno eterno para punir aqueles que vão o mundo e, porque ama o mundo, ordena que o amemos
contra o caminho do bem e da justiça. Falaremos melhor também.
sobre o inferno em sotereologia, mas vale antecipar que a ira
de Deus é um atributo típico de seu relacionamento com a Porém, ao mesmo tempo, há um Deus que manifesta ira
criação. Wayne Grudem (1999) afirma que a ira de Deus está contra o homem pecador. Isso é confirmado nos Salmos 5 e 7
relacionada à sua santidade e sua justiça, de forma que ele e João 3. 36, no qual é afirmado que “aquele que tem o filho,
define a ira de Deus da seguinte maneira: “dizer que a ira é tem a vida, mas aquele que rejeita o filho já está condenado e
atributo de Deus é dizer que ele odeia intensamente todo o a ira de Deus permanece sobre ele”. Isso é visto em Romanos
pecado”. Portanto, a ira é nada mais do que uma conclusão 9, que diz que ele “amou Jacó, mas odiou Esaú”. Há um Deus
lógica de sua santidade e de sua justiça. que, sim, manisfesta-se não apenas contra o pecado, mas
contra aquele que peca. Deus não externa ira apenas contra
Com isso, entramos em um dos grandes debates da teologia: a figura abstrata do pecado, mas também contra o agente do
“Deus odeia o pecado e ama o pecador”. Isso é verdade? pecado.
Há um Deus que odeia o pecado de forma abstrata, mas
que ama o pecador que comete o pecado? Isso é uma “Ora, Yago, mas se Deus ama a todos, como pode odiar
verdade, mas não é toda a verdade. Por mais que Deus alguns?” A ideia é que de fato Deus é um ser mais complexo
odeie e somente odeie o pecado, ele tem um relacionamento do que nós. Até mesmo nós, seres humanos, possuímos
complexo com o homem que escolhe o caminho do pecado. sentimentos complexos em relação à existência e a muitas
Nós encontramos na Escritura declarações que expressam outras coisas. Podemos dizer que amamos e odiamos
uma manifestação de amor, por parte de Deus, que se dá a algumas coisas. Deus, sim, tem um amor por seus filhos
todos os homens. Percebemos essa atitude em passagens que é muito especial. Também possui um amor que se dá
como João 3.16, que diz que Deus amou o mundo e, por toda criação e ama também aqueles que criou. Ainda

29
assim, Deus apresenta um ódio santo e uma ira justa contra é baseada totalmente em quem Deus é e naquilo que ele
aqueles que praticam o pecado. Essa ira deve se manifestar considera justo e correto para nossas vidas.
em punição contra eles. Porque Deus ama, ele os traz e
os convida a saírem do caminho do pecado e andarem no A respeito disso, Deus deu-nos um reflexo do seu próprio
caminho do arrependimento e, por outro lado, porque Deus padrão de bondade, de modo que podemos avaliar as coisas
tem uma ira, ele trará justiça contra aqueles que rejeitarem a a partir de um padrão colocado por Deus em nosso coração.
sua bondade. Romanos 1-2 diz que Deus pôs no coração do homem algum
senso da lei de Deus, de forma que temos alguns padrões
A bondade de Deus é o conjunto total de todas as perfeições do que é certo, justo, bom, o que perpassa todos os seres
(bondade metafísica). Todas as virtudes estão presentes humanos, sejam religiosos ou não. Essa realidade está
nele em um sentido absoluto” (BAVINCK, 2012, p. 217). Deus intimamente relacionada ao fato de que todos fomos feitos à
“é o parâmetro definitivo do que é bom, e que tudo o que imagem de Deus.
Deus é e faz é digno de aprovação” (GRUDEM, 1999, p. 143).
Ele é a base do que é moral, do que é certo e errado. Ele é a Por isso, devemos aprovar o que Deus aprova e encontrar
própria bondade e justiça. É por isso que várias vezes a Bíblia prazer nas coisas que Deus diz que são boas. A graça e a
declara que Deus é bom (Sl 34.8; 36.6; 104.21; Mt 5.45; Mc misericórdia de Deus manisfestam-se como parte da sua
10.18; Lc 18.19; At 14.17). bondade. A ideia de misericórdia está em não dar algo ruim
que merecemos. Merecíamos ser punidos, mas Deus não o
Isso significa que o padrão de avaliação do que é bom e fez – isso é misericórdia. É o oposto negativo de graça. Graça
do que não é, é o que Deus determina que é bom ou não. é entregar algo bom que você não merece. Deus é gracioso e
Deus é bom e, por causa disso, aquilo que ele julga bom é, misericordioso. Por isso que a graça divina é bondade para
de fato, bom para aqueles que encontram em Deus a base com aqueles que só merecem castigo, e paciência divina é
moral e epistemológica de toda a existência. Se Deus não a sua bondade para com aqueles que continuam por muito
existe, se não há um padrão moral absoluto, a moralidade tempo no pecado.
não transcende o homem. Ela passa a ser uma mera escolha
arbitrária, ou um fruto de padrões evolutivos. Se Deus existe, A ideia de um amor leal da parte de Deus, ou de um amor
há uma moralidade acima de todos nós, e essa moralidade permanente, significado do termo hebraico hesed [‫ ]דֶסֶה‬muito

30
usado na Escritura para mostrar essa aliança que Deus faz que Cristo é a prova do amor de Deus ao morrer numa cruz
com o homem e que permanece em aliança por causa desse em nosso lugar (Jo 3.16; 15.13; Rom 5.8).
amor, também é uma das manifestações da sua bondade
para conosco. É um ato de compromisso para com aqueles Deus amou o mundo, Deus amou a igreja e Deus amou os
que participam do seu favor e é o princípio do perdão, o qual homens de forma individual (Jo 14.23; 16.27; 17.23). O amor
foi revelado plenamente em Cristo Jesus. dele não é só ao grupo, mas é também a indivíduo que vive
sobre a terra. O amor dele é por mim e é por você.
Por isso que várias passagens bíblicas abordam a
misericórdia também abordam a graça de Deus (Gn 6.8; Ex A longanimidade também é um atributo de Deus que está
15.13, 16; 19.4; 33.12, 17, 19; 34.9; Pv 3.34; Is 35.10; 42.10; intimamente relacionado com a sua bondade. É através dela
43.1, 15, 21; 54.5; 63.9; Jr 3.4, 19; 31.9, 20; Ez 16; Os 8.14; que ele tolera homens rebeldes e maus a despeito de sua
11.1; Dn 4.27), de forma que a graça é constantemente prolongada desobediência.
louvada (2 Cr 30.9; Ne 9.17; Sl 86.15; Jn 4.12. Zc 12.10). No
Novo Testamento, ela mostra-se mais rica e mais profunda
(Lc 4.22; Cl 4.6; Ef 1.6-7; 2.7-9;4.29; Tt 2.11; 3.4-7). É a graça
que se manifesta como algo que nos salva (At 18.27; Ef 2.8),
que nos justifica, fazendo-nos justos diante de Deus (Rm
3.24; 4.16; Tt 3.7).

“O amor é uma expressão da bondade de Deus na qual ele


se doa eternamente aos outros” (GRUDEM, 1999, p. 145).
Essa definição que é dada por Grudem apresenta o amor
como uma doação de si mesmo, em benefício dos outros.
Mostra que faz parte da natureza de Deus doar-se e distribuir
bençãos. A própria Bíblia declara que Deus é amor e que o
amor de Deus é eterno (Sl 136, Jo 17.24). Seu amor é um
modelo do nosso amor (1 Jo 4.10-11), e mostra, além disso,

31
11. A IMANÊNCIA DE DEUS

V
amos falar um pouco sobre imanência e transcendência
de Deus. O que isso significa? Já foi falado acerca de
Trindade imanente e transcendente. Essas palavras
talvez sejam novidade para você. A ideia é que o Cristianismo
sempre apresentou Deus como imanente, como transcendente.
Muitas religiões têm visões diferentes a respeito disso. Religiões
mais panteístas ou panenteístas interpretam que a divindade é
totalmente imanente, tão imanente que a divindade se confunde
com a própria criação, porque deus é tudo ou está em tudo. Já
movimentos mais deístas interpretam Deus como algo totalmente
distinto da criação ao ponto de não mais participar da coisa
criada. É alguém que criou tudo, empurrou todas as coisas, girou
o motor e então saiu e desapareceu. O cristianismo apresenta um
Deus que tanto é transcendente como é imanente. Primeiramente,
começaremos por imanência.

Por imanência referimo-nos ao contato de Deus com toda a


criação, com a natureza, com a história daquilo que ele formou na
Terra. Por ser imanente, estando em contato com a coisa criada,
ele também é providente – outro termo que é comumente usado
na teologia para fazer referência ao controle de Deus na natureza,
na criação e nos corações dos homens, nos governos e em tudo

32
que está à nossa volta. Deus está em contato com a criação lugar, fazendo-se presente. Ele faz-se acessível às criaturas,
e a está guiando de acordo com a sua vontade e de acordo mas ele não se confunde com a coisa criada. Deus não está
com o poder de sua Palavra. Nisso podemos acreditar que no universo no sentido de ser parte dele. É como coloca
tudo que acontece à nossa volta é devido ao fato de haver um Geisler: “ele está no universo como sua causa sustentadora,
Deus imanente cuidando de tudo. Ele é o Deus da natureza, mas não no sentido de ser parte de sua natureza” (2003, p.
da lei natural. Ele é o Deus que criou as regras do universo e 527).
sustenta tudo com o poder de sua Palavra. Por isso que até
mesmo os eventos naturais podem ser vistos como atuação A Bíblia sustenta a imanência de Deus em muitas passagens
de Deus. Não existe acaso, não existem atos aleatórios. Tudo (Jr 23.23-24; Sl 104.29-30; 139.7-10; At 17.27-28; 27.3;
que existe é por causa de um Deus providente, imanente, 33.4; Cl 1.17; Hb 4.13; Ap 4.11). Pense na ideia de que Deus
próximo de nós, guiando todas as coisas. Deus está presente é aquele que sustenta o universo e também em tantos outros
em todos os lugares, não apenas naquilo que é espetacular. textos que evidenciam um Deus próximo, que pode ser
Deus está lá naquilo que é comum. Norman Geisler afirma encontrado pelo seu povo.
que a imanência fala diretamente a respeito do modo como
Deus se relaciona com a sua criação, no sentido de que Deus Millard Erickson nos dá cinco aplicações práticas a respeito
não está somente sobre ela, mas que Deus está nela. Ele é da ideia de existir um Deus imanente. (1) Ele não está
tanto Deus de longe quanto de perto. Geisler também coloca limitado a agir diretamente para realizar seus propósitos.
que Deus, sendo infinito, precisa estar além da criação. No Ele pode usar toda a criação e natureza para fazer isso
entanto, como sua causa sustentadora, ele deve estar na acontecer, porque ele está controlando e sustentando toda
criação. a natureza. (2) Deus pode usar pessoas e organizações
Teologicamente, então, a ideia de imanência significaria que que não são declaradamente cristãs (Is 44.28; Ed 1.1-4).
Deus está presente no universo inteiro. A imanência estaria Pense na história do rei Ciro no Antigo Testamento. Era um
próxima, por definição, da onipresença. A ideia de que Deus rei ímpio usado por Deus para fazer seu nome conhecido e
está em todos os lugares também traz a ideia de que Deus para cumprir a sua vontade. Mesmo homens que não servem
está presente em todos os lugares e se faz conhecido e a Deus são usados por ele, porque há um Deus providente
acessível em todos os lugares. Novamente, isso não pode ser e imanente organizando todas as coisas. (3) Significa que
confundido com panteísmo/panenteísmo. Deus está em todo podemos apreciar o que Deus criou. Podemos receber a

33
benção de tudo aquilo que está à nossa volta porque há um as coisas em si mesmas, como se ele fosse da sua essência,
Deus que se revela e usa aquilo que nos rodeia. (4) Podemos mas pela sua própria essência; porque sua substância está
aprender algo de Deus por meio da criação. Lemos em presente a todas as coisas como a causa de sua existência”.
Romanos 1 que há um Deus que se manifesta por meio da Deus é aquele que criou tudo, então ele se manifesta ainda
coisa criada e que, sim, há algumas características a respeito através de tudo. Mais à frente, com a Reforma Protestante,
do Senhor que nos são acessíveis através da sua revelação Martinho Lutero (GEISLER, p. 541) declara: “Deus não
na natureza. (5) A imanência representa o ponto de contato descansa, mas trabalha sem cessar, como Cristo diz em
entre o crente e o descrente. Aquele que acredita em Deus e João 5, “Meu pai continua trabalhando até hoje e eu continuo
o que não acredita estão diante de um Deus que está perto. trabalhando”. A ideia da Reforma é a de que havia um Deus
E, porque ele está perto, é possível que apontem de alguma que não havia cessado de sustentar a sua criação e por
forma para aquilo que é maior do que eles. (ERICKSON, 2015, isso ainda se fazia presente nela. João Calvino, nas suas
p. 304-305). Institutas (1.16.1), dizia que a imanência de Deus “não
significa apenas acionar, mediante determinado movimento
Uma vez que Deus não está longe, mas próximo, existe universal, tanto a máquina do orbe, quanto cada uma de
um ponto de contato ali. Até mesmo o homem caído, o suas partes, como também a sustentar, nutrir, assistir, com
qual ainda tem um senso do divino, como dizia Calvino, determinada providência singular, a cada uma dessas coisas
e o homem que encontrou a revelação do Senhor. Muitos até o mais insignificante pardal” (Mt 10.29) . A imanência
modelos de imanência surgiram ao longo da história da de Deus é uma doutrina maravilhosa, mas na aula seguinte
igreja. Agostinho (GEISLER, 2003, p. 530), por exemplo, um abordaremos a transcendência de Deus.
grande teólogo do século IV, Dizia que “a presença de Deus
está em todo canto, mas não é confinada por fronteiras nem
limitações, ela é indivisível e imutável. Sua presença não
tem necessidade dos céus nem da terra, mas ele preenche
ambos com sua presença e seu poder”. Thomás de Aquino
(GEISLER, p. 531), mais à frente, na teologia medieval, fala
que costumeiramente se comenta que “Deus está em todas
as coisas por essência, não de fato pela essência de todas

34
12. A TRANSCENDÊNCIA DE DEUS
mas uma característica mais relacional. Inerentemente,
Deus é infinito e, em suas relações com a criação, ele é
transcendente. A Bíblia testifica a transcendência das mais
variadas formas (Gn 1.1; 1 Rs 8.27; Sl 57.5; 113.5-6; Is 6.1-5;
40.12; 55.8-9; 57.15; Jo 8.23; Ef 4.6).

Agostinho, no século IV, apresentou um modelo de


transcendência que mostrava um Deus que não criou nada
fora da sua própria vontade. Seu conhecimento da coisa
criada nunca sofreu alteração ou mesmo adição (GEISLER,
2003, p. 522). Deus não fez as criaturas por causa de alguma
nova vontade de seu coração que indicava que ele precisava

O
de algo ou alguém. Ele é transcendente porque é superior e
que significa a transcendência de Deus? O fato criou tudo de forma deliberada e amorosa. Da mesma forma,
de Deus ser além da criação. Ele é maior que Thomás de Aquino dizia que “Deus está acima de todas as
qualquer coisa que encontramos à nossa volta. Por coisas pela excelência de sua natureza” (GEISLER, 2003,
transcendência queremos dizer que Deus é maior que a p. 522). Na Reforma Protestante, Martinho Lutero afirmava
natureza e a humanidade, além de ser independente delas. que “Deus não deve ser excluído de, ou limitado a qualquer
Ele não está necessariamente ligado à criação ou envolvido lugar. Ele está em todos os lugares e em lugar nenhum”,
com ela. Ele é também superior à criação nas mais diversas porque Deus não pode ser contido nem mesmo no tudo. E
formas. Por isso, muitos teólogos não consideram a acrescenta ainda que Deus estaria em todos os lugares por
transcendência como uma característica inerente de Deus, causa do exercício do seu poder para isso, ou de acordo com

35
a sua essência de estar em todo lugar. Diz que “Deus não não está envolvido na natureza, tampouco condicionado
opera através de seu atributo, mas através de sua essência”. a ela. Ele é o que se oculta, não pode ser descoberto
É da essência de Deus transcender tudo. Calvino, de forma pelos nossos esforços, demonstrado pelas nossas provas
semelhante, acusa algumas concepções grosseiras acerca intelectuais, nem compreendido em termos de nossos
de Deus que desconsideram que Deus é muito maior que as conceitos (ERICKSON, 307).
suas criaturas. Ele argumenta que mesmo que mar, terra, que
tudo pareça vasto em sua extensão, não é nada comparado Essa resposta extremada de Karl Barth foi uma resposta
a Deus. Ainda hoje, quando nos atentamos às canções, aos imanentistas do século XIX. A partir do século XIX e em
músicas e tratamentos que damos ao Senhor, percebemos parte do XX, houve muitos movimentos que deram ênfase
que às vezes o tratamos como se ele fosse muito pequeno, exagerada à imanência de Deus. O Liberalismo Teológico
ou muito próximo de nós. Aqui no Ceará, dizemos que fazer chegou a postular que não há âmbito sobrenatural fora do
isso é tratar Deus como se fosse nosso “pariceiro”, é “levar âmbito natural e que Deus está na natureza, não além ou
Deus a pagode”. Todavia, não o fazemos com o Senhor que é fora dela. O Liberalismo, então, perceberia Deus atuando
transcendente e que está acima de todos nós. apenas nos fenômenos naturais, excluindo até mesmo a
possibilidade de milagres. Para eles, Jesus era diferente dos
Foi um teólogo do século XX chamado Karl Barth que afirmou seres humanos apenas em grau, não em espécie. Jesus,
que Deus é totalmente outro, chamando atenção para a sua para eles, era um homem melhor do que nós, com um senso
transcendência. Ele alegava que “Deus não é um aspecto mais elevado do divino, não um homem diferente, superior e
da natureza humana. Ele está separado da humanidade por realmente divino, realmente Deus. Uma visão que certamente
uma distinção qualitativa infinita”. A qualidade de Deus é não representa aquilo que o cristianismo apresenta sobre
infinitamente maior que a nossa. Mas Karl Barth é conhecido Jesus.
por seus exageros acerca da transcendência de Deus. Ele
chega a colocar que:

[...] nos seres humanos, não há centelha de afinidade com


o divino, nenhuma capacidade de produzir revelação divina,
nenhum resíduo de semelhança com Deus. Além disso, Deus

36
13. AS VONTADES DE DEUS

D
eus tem vontade. Talvez mais de uma. Esse é um assunto
que tem chamado atenção de teólogos. O que aprendemos
teologicamente é que tudo deriva da vontade de Deus.
Criação e preservação (Ap 4.11), governo (Pv 21.1; Dn 4.35; Ef
1.11), eleição e reprovação (Rm 9.15-16), os sofrimentos de Cristo
(Lc 22.42; At 2.23) e dos crentes (1 Pe 3.17), a vida e o destino
do homem (At 18.21) e os menores detalhes da vida (Mt 10.29)
estão debaixo da vontade do Senhor. Esse é o atributo pelo qual
ele decide praticar todo e qualquer ato, seja para si mesmo ou
para a criação. Nós vivemos sujeitos à vontade de Deus e não
temos como viver fora dela. Ele é aquele que tem controle e
soberania sobre tudo. Mas essa vontade possui alguns aspectos
comumente descritos na teologia. Muitos teólogos falam da
vontade necessária. Wayne Grudem explica isso muito bem
quando diz que “a vontade necessária de Deus abarca tudo o que
ele tem obrigatoriamente de desejar conforme a sua natureza. E
o que Deus necessariamente deseja? Deseja a si próprio. Deus
eternamente deseja ser, ou quer ser, quem ele é e o que ele é”
(1999, p. 156).

Deus não tem conflitos de identidade. Ele é um ser completamente


satisfeito em si mesmo. Ele diz: “Eu Sou o que Sou” ou “Eu Serei

37
o que Serei” (Êx 3.14). Ele está convicto de quem é. “Deus Outra divisão comum com relação à vontade de Deus diz
não pode decidir ser diferente do que é, nem deixar de respeito a uma vontade secreta e uma vontade revelada,
existir” (GRUDEM, 1999, p. 156). Não por uma questão de também conhecidas como vontade decretiva e vontade
possibilidades, mas uma questão moral. Ele simplesmente preceptiva. A vontade secreta é a vontade de decreto de
não precisa disso e não quer isso, porque a sua vontade Deus. Já a vontade preceptiva é a vontade revelada, a
corresponde à plenitude da sua natureza. Por isso que vontade dos mandamentos de Deus, ou seus preceitos. A
Bavinck fala de uma vontade de Deus com relação a si vontade preceptiva diz respeito diretamente à nossa conduta
mesmo como uma propensão em relação a si mesmo como moral, também conhecida como vontade de mandamento.
“objetivo[...] Deus não pode fazer outra coisa a não ser amar É a vontade declarada acerca do que devemos ou não
a si mesmo. Ele, eternamente e com necessidade divina, devemos fazer. Basicamente, é a vontade da Lei de Deus.
tem prazer em si mesmo. Portanto, sua vontade é isenta de É o que Deus espera que façamos ou não a partir do que
arbitrariedade, mas não é sujeita a coerção” (BAVINCK, 2012, é ordenado por ele. Segundo Berkhof, a vontade revelada/
p. 239). Deus tem prazer em si mesmo e glorifica o próprio preceptiva é justamente a regra moral que Deus deu aos seus
nome para sempre. filhos e a regra de vida que ele entregou às suas criaturas
morais, indicando os deveres que lhes impõe. E essa vontade
O teólogo e pastor americano John Piper, no seu livro Em é desobedecida com frequência (BERKHOF, 2007, p. 74).
busca de Deus, descreve a paixão de Deus pela sua glória e Muitas vezes fugimos e abandonamos a vontade de Deus.
o interesse de Deus em glorificar o seu nome para sempre. Não vivemos como Deus ordena que vivamos. Bavinck
A vontade livre de Deus, ou até mesmo o livre-arbítrio de ainda nomeia essa vontade preceptiva/revelada como
Deus, encerra todas as coisas que Deus decidiu desejar vontade expressa/sinalizada. Ele defende que essa vontade
sem ter que desejá-las de forma necessária por causa de é o “preceito de Deus, concretamente afirmada na lei e no
sua vontade. Aqui temos que enquadrar a decisão divina de evangelho, o preceito que serve como regra de conduta”
criar o universo, além de toda decisão ligada aos detalhes (2012, p. 250).
da criação, sem mencionar todos os esforços redentivos
de Deus. Não era necessário que ele assim agisse, mas A vontade decretiva, vontade secreta ou vontade de
escolheu livremente agir dessa forma em nosso favor. beneplácito é a vontade de Deus que inclui seus decretos
ocultos, o modo como Deus guia a história e organiza tudo

38
para seguir o rumo que ele determinou desde o princípio. É Os Luteranos geralmente rejeitam a divisão entre essas
uma vontade que diz respeito à soberania de Deus e ao modo duas vontades, apesar de Lutero em The bondage of the will,
como ele organiza todo o universo, de acordo com a sua publicado em português como Nascido escravo, fazer uma
vontade. Ele não nos revela normalmente quais são esses distinção entre as duas coisas. Entretanto, sua compreensão
decretos e como funciona sua vontade, a não ser por meios não é bem a compreensão reformada, a qual apresentamos
de profecias acerca do futuro. É por isso que ela é conhecida aqui.
como vontade secreta de Deus. O modo como Deus decidiu
organizar todo o mundo é um mistério para nós. A vontade Os teólogos católicos mantiveram formalmente essa
revelada, que é da Lei de Deus, é conhecida, mas não distinção, mas falam em termos de vontade antecedente e
conhecemos a vontade do decreto de Deus e do modo como consequente. Teólogos reformados geralmente rejeitam esse
ele organizou todas as coisas. A vontade decretiva é aquela tipo de pensamento.
da qual não podemos fugir. Podemos fugir dos mandamentos
de Deus, mas não podemos fugir do decreto de Deus. Há uma
soberania do Senhor que guia todas as coisas, montando
toda a história para um rumo específico. Não temos como
fugir da organização do mundo feita por Deus.

Se nos for questionado: “é possível fugir da vontade de


Deus?”, torna-se necessário ser dito: “Depende. A qual
vontade você se refere? - À vontade do mandamento. - Nesse
caso, sim. Porém, fugir do decreto de Deus e da soberania
de Deus, de forma nenhuma”. Nenhum de nós pode fugir da
vontade desse Senhor.

39
14. A GLÓRIA DE DEUS

V
ocê já deve ter ouvido alguém gritar em um culto
protestante: “Glória a Deus!”. No entanto, o que isso
realmente significa? O que a palavra “glória” representa?
Podemos falar de uma glória atribuída a Deus e uma que é
inerente a Deus. A glória atribuída a Deus é a que lhe entregamos,
é a glorificação do nome de Deus. A glória que lhe é inerente é a
que ele já possui. Porém, para entender a divisão entre esses dois
conceitos, temos que entender o que a palavra glória significa.

O teólogo americano John Piper diz que a glória é o resplandecer


dos atributos de Deus. Aquilo que Deus é, aparece a nós por meio
da sua glória. Se uma lâmpada ou uma vela têm a característica
de ser luminescente, a glória é aquilo que enxergamos ao olhar
para elas. A glória é o emanar dos atributos de Deus. A palavra
hebraica para glória [kavod, ‫ ]דֹובָכ‬também é utilizada para
expressar peso. Para os autores do Antigo Testamento, a ideia
de glória era justamente um peso que aparecia e que enchia
o ambiente quando Deus estava presente. Esse peso sentido
emocionalmente também poderia ser sentido fisicamente diante
da majestade de quem Deus é. “A perfeição de Deus, então, que
é inerentemente o fundamento da sua bem-aventurança, traz,
por assim dizer, a sua glória consigo” (BAVINCK, 2012, p. 259). O

40
equivalente no NT é δοζα, que transmite subjetivamente uma em inglês sobre espalhar o nome de Jesus. Nós espalhamos
ideia do reconhecimento que alguém recebe ou é designado a fama de Deus. Falamos sobre Deus para as outras pessoas
para receber. Doxologia é justamente palavras de adoração porque queremos que ele receba mais glória, que os corações
ao Senhor. Deriva das palavras doxa e logia, que significam que ainda não o glorificam deem a ele a honra e o nome
“palavra”. que ele merece. Porque ele é grande e bondoso e porque
ele possui todas essas características e atributos sobre as
Objetivamente, a glória de Deus é sua aparência, seu quais conversamos. Nada é mais glorioso do que pararmos
esplendor, sua forma e seu prestígio. Essa glória é manifesta para estudar os atributos de Deus, sabermos quem Deus é,
em todas as atividades de Deus (1 Cr 16.27; Sl 29.4;96.6; conhecermos profundamente o nome do Senhor e sermos
104.1; 111.3; 113.4 etc), na sua criação (Sl 8; Is 6.3). Quando tocados por isso.
apareceu para Israel (Ex 16.7, 10; 24.16; 33.18ss; lv 9.6,
23; Nm 14.10; 16.19; Dt 5.24) ela encheu o tabernáculo e o
templo (Ex 40.34; 1 Rs 8.11) e foi comunicada ao povo (Ex
29.43; Ez 16.14ss). Ela é manifesta ultimanente em Cristo
(Jo 1.14) e, por meio dele, à igreja (Rm 15.7; 2 Co 3.18) que
aguarda a sua volta, a manifestação da sua glória (Tt 2.13).
Sua glória é descrita como fogo (Ex 24.17; Lv 9.24).

Então essa glória intrínseca ao ser de Deus é exatamente


essa característica de emanação de todos os seus atributos.
Dar glória a Deus é aumentar essa glória que Deus possui.
Seria propagar a sua fama. Seria fazer seu nome glorificado
no mundo ao mostrar para as outras pessoas como ele é
grandioso. É como espalhar a fama de alguém, como se diz

41
15. A TRINDADE - DEUS - PAI,
DEUS - FILHO, DEUS - ESPÍRITO

C
ertamente, uma das doutrinas mais importantes é a doutrina da Trindade. Com certeza, uma doutrina muito disputada,
que sofre muitos ataques de pessoas de teologias variadas, mas que é seguramente um dos temas mais claros que
a Escritura utiliza para falar de Deus. Sem medo de exagero, podemos afirmar que a doutrina da Trindade é uma das

42
doutrinas mais fundamentais da fé cristã. Trindade vem do doutrina da trindade é aquela que nos faz perder a cabeça se
latim trinitas, que significa tríade. É a doutrina que postula a tentarmos entender, mas que, se a negarmos, perdemos a
que há um único Deus que se manifesta em três pessoas: alma. É uma doutrina muito bem descrita na Escritura, mas
Pai, Filho e Espírito Santo, de forma que cada um dos três é certamente confunde mentes que não se dão por satisfeitas
totalmente Deus, mas não são o que o outro é. Ou seja, o Pai ao não entender todas as profundidades e os mistérios
não é o Filho, o Filho não é o Pai, o Pai não é o Espírito e o daquilo que é possível entender sobre Deus. Já falamos que
Espírito não é o Filho, mas cada um deles é completamente não podemos conhecer Deus extensivamente. Os detalhes
Deus e um está contido no outro. “O Pai está em mim e da Trindade são uma questão que está além da nossa
eu estou no Pai”, diz Jesus. O Espírito está no Pai e o Pai, capacidade humana de compreensão, mas que a Escritura
no Espírito. O Espírito está no Filho e o Filho, no Espírito. defende com muita clareza.
Eles não são confudidos, mas não são separáveis. A forma
mais simples de definir a doutrina é dizer que o único Deus O Credo Atanasiano, um documento antigo da história da
existe em três pessoas distintas. Embora constituam uma Igreja, diz que a fé católica consiste em venerar um só
única essência divina, uma substância unificada. É o tipo Deus na Trindade e a Trindade na unidade, sem confundir
de coisa com a qual não há nada que se possa comparar as pessoas e sem dividir a substância. O famoso teólogo
na realidade. Com o que compararemos a Trindade? Com a do século XX, Karl Barth, escreveu contrapondo um filósofo
água, que tem três estados? Com o ovo, que tem clara, gema rival, Scheleimacher - que postulava que a Trindade era a
e casca? Nenhuma dessas ilustrações é suficiente para última coisa que deveria ser dita sobre Deus - afirmando que
expressar quem Deus realmente é. Não há nada na criação a Trindade era a primeira doutrina que deveria ser exposta
em que uma parte sozinha represente o todo,uma vez que a respeito do Senhor. Era a primeira palavra que deveria
Jesus é totalmente Deus, o Espírito é totalmente Deus, o Pai ser dita até mesmo antes da possibilidade de revelação, de
é totalmente Deus; mesmo assim, os três são totalmente forma que 220 páginas de sua dogmática são dedicadas
o próprio Deus. Um não é o outro, mas um está contido no a descrever a Trindade. É de se esperar que Karl Barth,
outro. Como isso funciona na criação? Não existe nada a que assim como Thomás de Aquino, tratasse a Trindade como
assemelhar Deus em sua triunidade. o primeiro assunto de sua obra, uma vez que, segundo
Karl Barth, é a Trindade que torna a dogmática possível.
É por isso que muitos teólogos sistemáticos afirmam que a Berkhof (2007) afirma que “a forma original da pessoalidade

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não está no homem, mas em Deus; sua personalidade Esse fato revela uma das grandes belezas dessa doutrina.
é arquetípica, ao passo que a do homem é ectípica”. Ou Claro, antes de falar de Trindade, temos que considerar a
seja, a personalidade de Deus é o que forma o padrão de unicidade de Deus. A Trindade não é a ideia de que existem
nossa personalidade. A personalidade do homem é apenas três deuses, mas que há três manifestações pessoais visíveis
derivada da personalidade de Deus. Somos feitos à imagem de autoconsciência nessa divindade que é uma.
e semelhança de Deus, e não o contrário. Assim, é o ser de
Deus que provê a base do que somos. Nossa identidade Deus é único (Dt 6.4). A Bíblia declara que não há outros
“não é idêntica à identidade do Senhor, mas contém tênues deuses (Êx 20.2,3; Dt 32;37; Is 40,13. Jr 29.8). Israel não
traços de similaridade com ela” (BERKHOF, 2007, p. 81). seguia um tipo de monolatria, como seguiam os outros povos
Dessa forma, também espelhamos algo do caráter relacional à sua volta, onde, entre os vários deuses que os rodiavam,
de Deus. A Trindade, como algo que existe eternamente, eles escolhiam o seu. Eles eram monoteístas acreditando
apresenta um Deus que desde antes da fundação do mundo em um único Deus. Os outros deuses eram deuses falsos
se relacionava consigo mesmo. Vemos, desde a eternidade, o que não eram poderosos nem tinham função nenhuma no
Pai amando o Filho, o Filho amando o Pai, o Espírito amando mundo. Eram apenas deuses de pedra e de barro. É por isso
a ambos. Toda a Trindade estava naquilo que chamamos de que Deus zomba dos deuses que os homens criam. Porque
pericorese. Esse termo vem do grego e significa “dança”. É a Deus zomba dos deuses que os homens criam (Is 44), não
ideia de que a Trindade está dançando em volta um do outro. há outros com quem ele compartilhe sua glória (42.8) E
Foi C.S. Lewis que usou muito esse termo para se referir ao antes dele nenhum existia (Is 43.10). Não há outro deus (Is
fato de que o Pai gira em torno do Filho, o Filho, em torno do 45.6). Deus é primeiro e o último (Is 48.12-16). Jesus cita
Pai, o Espírito, em torno no Pai e do Filho. Eles permanecem Deuteronômio 6.4 para relembrar que Deus é um (Mc 12.29) e
nessa centralidade um do outro por toda a eternidade. Deus que só há um que é bom (Mt 19.16-22; Mc 10.17-22). Paulo
não teve que aprender a amar com o ser humano, porque o afirma a unidade de Deus diante dos deuses gregos (1 Co
amor interno da Trindade já se manifestou eternamente. 8.4-6). É por isso que tudo aquilo que concerne à natureza
divina deve ser expresso de forma exata no singular, já que
Nós somos seres relacionais justamente porque a Trindade a natureza de Deus é única. A Trindade possui “uma única e
é relacional. A própria divindade nunca esteve sozinha e indivisível ação e uma única vontade” (FERREIRA e MYATT,
isolada. Ela é autossuficiente até na sua multiplicidade. 2007, p. 180), um único e indivisível ato na eternidade e na

44
história onde ele se coloca.
É impossível que Pai, Filho e Espírito sejam a mesma pessoa,
Essa unidade também apresenta uma diversidade. As o mesmo, ser pura e simplesmente de forma indistinguível.
pessoas da Trindade são distinguíveis. O Pai não é o Filho, Existe, sim, uma unidade na Trindade, mas existe também
o Filho não é o Pai e assim por diante. No batismo de uma diversidade de pessoas e de autoconsciências. Se Jesus
Jesus, o Pai fala ao Filho e o Espírito Santo se mostra como e o Pai fossem a mesma pessoa, quando Jesus orou no
distinto ao Pai ou ao Filho. Existe uma manifestação nas Getsemani, ele estaria apenas falando consigo. Se o Espírito
três pessoas da Trindade ao mesmo tempo em três lugares e o Filho fossem a mesma pessoa, o Filho não prometeria o
diferentes executando três atividades distintas. Na grande outro Consolador. Os termos bíblicos usados para se referir a
comissão, Jesus cita as três pessoas da Trindade ao explicar essas três pessoas é “Pai”, “Filho” e “Espírito”.
o batismo. Pessoas estas que também estão na atuação
da igreja. O Filho é tratado como unigênito do Pai (Jo 3.16), Vamos falar primeiro do Deus-Pai. O termo Deus-Pai é usado
o Espírito Santo é enviado pelo Pai e pelo Filho (Jo 15.26). para descrever Deus como criador de todas as coisas e da
No Antigo Testamento, YHWH é revelado como Redentor e humanidade (Nm 16.22; Mt 7.11; Lc 3.38; Jo 4.21; At 17.28; 1
Salvador (Jó 19.25; Sl 19.14; 78.35; Is 41.14; 43.3, 11, 14; Jr Co 8.6; Ef 3.15; Hb 12.9). No Antigo Testamento, esse nome
14.3; 50.14; Os 13.3). No Novo Testamento, o Filho recebe carrega significado teocrático. Deus é Pai de Israel porque
essas atribuições (Mt 1.21; Lc 1.76-79; 2.17; Jo 4.42; At 5.3; criou e preservou o seu povo (Dt 32.6; Is 63.16; 64.8; Ml 1.6;
Gl 3.13; 4.5; Fp 3.30; Tt 2.13-14). No Antigo Testamento, 2.10; Jr 3.19; 31.9; Sl 193.13; Rom 9.4). No Novo Testamento,
YHWH é aquele que habita em Israel e nos corações dos que isso possui um significado ético na relação em que Deus é o
o temem (Sl 74.2; 135.21; Is 8.18; 57.15; Ez 43.7-9; Jl 3.17, Pai de uma multitude de filhos (Mt 6.4, 8, 9; Rm 8.15 etc). Em
21; Zc 2.10-11). No Novo Testamento, o Espírito Santo habita um sentido metafísico, Deus-Pai tem por filho único Jesus,
na Igreja (At 2.4; Rm 8.9,11; 1 Co 3.16; Gl 4.6; Ef 2.22). Deus que é seu primogênito, seu primeiro filho, o filho principal do
envia seu Filho ao mundo (Jo 3.16; Gl 4.4; Hb 1.6; 1 Jo 4.9). O Pai. Dessa forma, percebemos o estabelecimento de uma
Pai e o Filho enviam o Espírito (Jo 14.26; 15.26; 16.7; Gl 4.6). distinção entre Pai e Filho. Jesus o chamou de Pai (Jo 5.18)
O Pai dirige-se ao Filho (Mc 1.11; Lc 3.22), o Filho comunica- O nome Pai é visto em primeiro lugar em relação a Jesus
se com o Pai (Mt 11.25-26; 26.39; Jo 11.41; 12.27-28) e o (Jo 14.6-13; 17.25,26). O Pai ama o Filho (Jo 5.19ss; 10.17;
Espírito ora ao Pai no coração dos crentes (Rm 8.26). 17.24, 26), e esse amor ao Filho é trasmitido aos outros (Jo

45
16.27; 17.26), tanto que o Pai entregou o Filho. A relação e Filho. O Filho era Deus e o Filho estava com Deus. Para
Pai-Filho é eterna (Jo 1.14; 8.38; 17.5, 24). Deus é chamado ele, “estar com” precisa estar separado. Mas, para ele,
“Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 15.6; 1 Co 15.24; 2 ele também era Deus. A doutrina da Trindade não é uma
Co 1.3; Gl 1.1; Ef 1.3). Tratá-lo por Deus-Pai é nada mais que formulação posterior do Cristianismo, mas algo que salta de
considerar importante aquilo que a Escritura diz. Do Pai é o forma ululante das páginas da Escritura. Esse Filho estava
reino e poder (Mt 6.13; Rm 1.20; Ef 1.19), o beneplácito (Mt no início de todas as coisas. Ele é o próprio Deus e é o objeto
11.26, Ef 1.9), propósito (At 4.28; Ef 1.11), justiça (Gn 18.25; de amor e autocomunicação eterna dentro da Trindade. Ele
Dt 32.4; Jo 17.25; Rm 3.26; 2 Tm 4.8), bondade, sabedoria, é o Filho amado em quem o Pai se apraz (Mt 3.17; Mc 1.11),
imortalidade, luz inacessível (Mt 19.17; Rm 16.27; 1 Tm ele mantém uma relação exclusiva com Deus (Mt 11.27), é
6.16). Ele é Elohim, YHWH, El-Elyon, El-Shadai, o único Deus o Filho Unigênito (Jo 1.18; 3.16; 1 Jo 4.9), o Filho eterno (Jo
verdadeiro (Jo 17.3), o único Deus (1 Co 8.6; 1 Tm 2.5). Ele 17.5, 24; Hb 1.5ss; 5.5-6), a quem o Pai concede vida em
possui muitos nomes. É chamado de muitas formas e é o si mesmo (Jo 5.26). Tem poder criador e recriador (Jo 1.3;
Deus Salvador. Ele é o Pai do nosso Senhor Jesus Cristo. Ele 5.21, 27) e domínio (Lc 10.22; 22.29; Jo 16.15; 17.10) e foi
que enviou seu Filho em nosso lugar. condenado à morte por causa da sua filiação (Jo 10.33; Mt
26.63ss), como sacrifício de Deus em nosso lugar. O Filho
Se temos o Deus-Pai, temos também o Deus-Filho. também é “a imagem de Deus” em sentido absoluto. Antes
O apóstolo João chama Cristo de Logos porque é por de encarnar, o Filho já existia na forma de Deus (Fp 2.6), era
intermédio dele que todo mundo é criado e sustentado. O rico (2 Co 8.9), vestido de glória (Jo 17.5) e retornou a esse
termo Logos era um termo muito usado na filosofia pré- estado depois da ressurreição e ascensão. Jesus é a imagem
socrática, que retornara com os estóicos na região de Éfeso, do Deus invisível (Cl 1.15; 2 Co 4.4), o reflexo de sua glória
onde João escrevia o seu livro. E vem de Heráclito a ideia e “a expressão exata do seu ser” (Hb 1.3), o primogênito
de que o Logos é aquilo que dá força para tudo. João diz de toda criação (Cl 1.15) em quem todas as coisas foram
Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος – “no princípio era o Logos”. Na criação criadas (Cl 1.16), preeminente sobre todas as coisas (Cl 1.18
de todas as coisas, o Logos eterno existia e esse Logos era cf Ap 1.5-6). À sua imagem, os crentes são transformados
Deus e dava sustentação e sentido para todas as coisas. (2 Co 3.18; Fp 3.21). Ele está acima de todos e é bendito
Esse Logos era Deus e esse Logos estava com Deus. João para sempre (Jo 1.1; 20, 28; Rm 9.5; Hb 1.8-9; 2 Pe 3.18; 1
1.1 já nos passa a ideia de unidade e diversidade entre Pai Jo 5.20; Ap 1.8, 17, 18). Seu papel na Trindade econômica é

46
ocupar o lugar de redimir as pessoas que o Pai elegeu. Ele na igreja (Ef 5.18). Ele dá convicção do pecado (Jo 16.8-
executa isso na encarnação, sofrimentos e morte (Ef 1.3-14). 11), regeneração (Jo 3.3), selagem (Rm 8.23; 2 Co 1.22;
5.5; Ef 1.13; 4.30). Ele é o próprio Deus vivendo em nós (Jo
O Antigo Testamento geralmente emprega o termo ‘espírito’ 14.23ss; 1 Co 3.16; 6.19; 2 Co 6.16; Gl 2.20; Cl 3.11; Ef 3.17;
sem qualificativos, ou fala do ‘Espírito de Deus’ ou ‘Espírito Fp 1.8, 21). Em nome dele somos batizados (Mt 28.19), e a
do Senhor’, e utiliza a expressão ‘Espírito Santo’ somente em blasfêmia contra ele é imperdoável (Mt 12.31,32). Isso será
Sl 51.11 e Is 63.10-11, enquanto, no Novo Testamento, esta mais bem explicado no nosso módulo sobre pneumatologia,
veio a ser uma designação da terceira pessoa da Trindade” a doutrina do Espírito.
(BERKHOF, 2007, p. 90). Não que isso não pudesse ser
percebido no Antigo Testamento, mas torna-se mais claro no
Novo Testamento, nesse progresso da revelação de Deus.

O Espírito Santo falou por meio dos profetas (Mt 22.43; Mc


12.36; At 1.16; 28.25; Hb 3.7; 10.15; 1 Pe 1.10-11; 2 Pe 1.21),
testificou nos dias de Noé (1 Pe 3.19-20), sofreu resistência
por parte de Israel (At 7.51) e produziu fé (2 Co 4.13). O
Espírito desceu sobre o Messias e habita na igreja (Mt 12.18;
Lc 4.18-19; At 2.16-18). Ele está diante do Trono de Deus e
do Cordeiro (Ap 1.4; 3.1; 4.5; 5.6). Ele é dado por Deus e por
Cristo (Nm 11.29; Ne 9.20; Is 42.1; Jo 3.34; 1 Jo 3.24; 4.13).
O Espírito capacitou Cristo para o ofício (Is 11.2; 61.1; Mt
3.16; 12.18, 28; Rm 1.4; Hb 9.14), capacitou os apóstolos
para sua missão especial (Mt 10.20; Lc 12.12; 21.15; 24.49;
Jo 14.16ss; 15.26 etc), distribui dons aos crentes (1 Co
12.4-11), é instrumento para que a plenitude de Cristo habite

47
16. TRINDADE ONTOLÓGICA
E TRINDADE ECONÔMICA

N
as conversas acerca da Trindade, surge um tema já
mencionado anteriormente, mas importante de ser
revisitado:a diferença entre Trindade econômica e
imanente. Karl Rahner, um teólogo do século 20, escreveu o livro
The Trinity, em 1970. Nele o autor traz, talvez, uma das grandes
contribuições à teologia moderna, que é a divisão denominada
Trindade econômica e Trindade essencial, ou Trindade econômica
e Trindade imanente. Alguns teólogos usam essa terminologia
de forma um pouco diferente, até mesmo oposta. Eles utilizam
Trindade transcendente e Trindade imanente. Porém, o que
significa Trindade imanente em contraposição à Trindade
transcendente não é a mesma coisa da Trindade imanente
em oposição à Trindade econômica. Ou seja, quando falamos
de Trindade imanente, podemos estar falando de duas coisas
completamente diferentes e precisamos saber a que o termo
imanente está se opondo, se a Trindade imanente se opõe à
transcendente, ou se a Trindade imanente, opõe-se à econômica.
Outros usam o termo Trindade econômica e Trindade ontológica,
sendo a Trindade ontológica a Trindade em si e a Trindade
econômica, a que está em contato com a sua criação. No fim

48
das contas, a divisão de Karl Rahner é justamente essa. apenas formas didáticas de arrazoar a respeito das coisas de
Ou seja, a Trindade que é conhecida como imanente ou Deus.
transcendente, ou essencial, dependendo do teólogo, seria
a Trindade em si. É a Trindade com suas características Por que isso é importante? Isso fará muita diferença em
nela mesma, em sua essência. Já a Trindade imanente, ou vários assuntos da teologia, como se o Filho é eternamente
econômica, dependendo do teólogo, é a que está em contato subordinado ao Pai ou não, se essa subordinação do Filho
com a coisa criada. ao Pai foi apenas em sua economia, ou seja, em sua relação
trinitária para com a criação, ou se isso é intrínseco de quem
Para facilitar a linguagem, gosto de usar Trindade ontológica Deus é. Isso também é muito importante para debater os
e Trindade econômica. Se ouvimos a palavra econômica e sentimentos de Deus. Deus sofre? Deus tem sentimentos?
a achamos estranha, é porque ela vem do grego oikonomia, Entender essa divisão entre Trindade econômica e Trindade
que traz a ideia de governo, a administração de Deus para ontológica é fundamental para dar uma resposta coerente
com o mundo. Isso não diz respeito a dinheiro, recursos ou à questão de Deus possuir ou não sentimentalizações.
de ministério da economia, Paulo Guedes nem nada disso. Quando dizemos que Deus ama ou sofre, isso é apenas uma
Fala diretamente do modo como Deus se relaciona com a antropopatia (uma forma humana de se referir a Deus), já que
criação. Isso não significa que há duas Trindades distintas. Deus é impassível, ou seja, Deus não possui sentimentos?
Não é que são duas Trindades, mas são duas manifestações Ou se isso realmente representa Deus sofrendo em sua
da Trindade e duas formas de olhar para a Trindade. ontologia (em seu próprio ser) em contato com a criação?
Não há como responder bem essas questões se não houver
Uma Trindade ontológica seria uma tentativa de considerá-la uma divisão clara sobre o que é Trindade ontológica e
fora de suas relações com os indivíduos e fora das limitações econômica.
do tempo e do espaço. A econômica, por sua vez, é a forma
como a Trindade se torna conhecida em sua atuação na
história, justamente na economia da salvação, como os
teólogos colocam. Apesar dessa divisão, Karl Rahner mesmo
afirma que a Trindade imanente é a Trindade econômica e
vice-versa, ou seja, não são Trindades em oposição, mas são

49
17. AS PRIMEIRAS POLÊMICAS
QUANTO À TRINDADE
longo de toda a Bíblia.

Trindade é o termo que sistematiza várias verdades da


Escritura. Esse termo foi atribuído a Deus por um homem

O
chamado Tertuliano de Cartago, no segundo volume de
termo Trindade não aparece nenhuma vez na Bíblia um livro chamado Contra praxias. Depois da metade do
Sagrada. Ele aparece como um desenvolvimento segundo século, começou a surgir um movimento muito
posterior na doutrina Bíblica. Não porque seja algo forte em torno do monoteísmo cristão conhecido como
que não provém da Escritura, mas porque a sistematização monarquianismo. Esse movimento se dividia em dois grupos:
da doutrina veio um pouco mais à frente daquilo que está os dinâmicos e os modalistas. Os dinâmicos afirmavam que
escrito na revelação bíblica. É bom lembrar que a Bíblia Cristo é Filho de Deus por adoção, enquanto os modalistas
sagrada geralmente apresenta cartas e livros feitos ad alegavam que Cristo era apenas uma das manifestações
hoc, ou seja, escritos como formulações para momentos possíveis e temporárias do próprio Deus. Ou seja, enquanto
específicos. Não há na Escritura um grande manual de alguns diziam que Cristo nem sempre foi Cristo e que, além
teologia sistemática ou um grande Vade Mecum com incisos disso, foi adotado por Deus em algum momento, outros
e leis, ou algo do tipo. Existe teologia produzida diretamente atestavam que havia apenas Deus-Pai e ele se mostrou como
para a igreja. Encontramos nessas formulações teológicas Deus-Filho em um momento posterior quando encarnou.
verdades que serviam para a comunidade. Não encontramos Tertuliano os chamou de monarquianistas justamente
em nenhum lugar da Escritura algo que desenvolva de forma porque monarquia era o termo grego que significava
muito rebuscada a doutrina da Trindade, mas ela existe ao “governo de um só”. Alguns homens defenderam essa ideia

50
do monarquianismo dinâmico, como Teodoro de Bizâncio sua controvérsia adquiriu mais vulto. Ela girava em torno da
e Paulo de Samosata. Porém, o primeiro nome famoso eternidade de Cristo. Há aí a famosa distinção do homoousios
ao seguir essa perspectiva foi o de Teodoro, o Curtidor, e do homoiousios, ou seja, de natureza igual ou de natureza
provavelmente porque trabalhava com curtição de couro. semelhante. Ário alegava que Jesus tinha uma natureza
semelhante à natureza do Pai. Enquanto Atanásio de
Paulo de Samosata chegou a ser bispo de Antioquia por volta Alexandria, talvez o maior inimigo de Ário naquele momento,
do fim do século III. Eusébio de Cesaréia escreveu um livro afirmava que Jesus tinha a mesma substância do Pai. Esse
muito famoso chamado História Eclesiástica, talvez o maior debate só foi resolvido no Concílio de Nicéia, que deu causa
livro de história da igreja no período antigo. Certamente o ganha para Atanásio de Alexandria.
mais importante, diz respeito a Paulo de Samosata afirmando
crer que Jesus era apenas um homem comum. Suas ideias Mesmo depois do Concílio de Niceia houve ainda muita
foram analisadas por três sínodos e ele foi excomungado no briga com relação à questão. Muitos eram meio arianos,
terceiro deles. meio atanasianos. O imperador Constantino chegou a enviar
mensageiros para tentar conciliar, mas foi em vão. Em Nicéia,
Já os modalistas dispunham de muitos nomes também o credo aprovado era claramente antiarianista e apenas
conhecidos, como os de Sabélio, Noeto e Práxias. Foi dois dos bispos presentes não assinaram. Até Eusébio de
Hipólito, num livro chamado Contra todas as heresias, Nicoméia, que era um ariano, assinou o credo niceno.
que refutou a maioria dessas ideias no período antigo,
ideias que hoje são defendidas por homens conhecidos Surge, mais à frente, o chamado credo atanasiano que era
como unicistas. Logo após esse período surgiu o chamado também um documento que defendia essa doutrina, também
arianismo, que vem diretamente de um homem chamado conhecido como credo niceno-atanasiano. Hoje temos
Ário. Ele foi considerado herege no período primitivo e tem esses documentos, que surgem como fruto de todas essas
uma doutrina muito próxima daquilo que hoje é a doutrina confusões a respeito da Trindade, que se tornou uma doutrina
das Testemunhas de Jeová, tanto que muitos Testemunhas muito bem estabelecida no Cristianismo. Ela vem diretamente
de Jeová são chamados na teologia, principalmente pelos da Escritura, tornou-se muito polêmica no período primitivo e
seus críticos, de neo-arianos. Ário fundou um movimento então chegou a nós com formulações claras e concisas que
em Alexandria, no Egito, no começo do século IV, quando são úteis para o serviço da igreja até hoje.

51
18. PODEMOS CHAMAR DEUS DE MÃE?
trouxe em pauta a discussão sobre como deveríamos nos
reportar a Deus. Nele, Deus também é retratado como sendo
uma mulher, logo “Deus-Mãe”. Para muitos movimentos
de feminismo religioso, até mesmo de feminismo-cristão,
a figura de “Pai” retrata um modelo familiar patriarcal
que consideram relacionado com um conceito machista
a respeito de Deus. Por "patriarcal", estes movimentos
atribuem todo um conjunto de significados ligados a
machismo, opressão e de dominação das mulheres pelos
homens. Alguns até acusam o Antigo Testamento de seguir
este tipo de padrão. Para o movimento, a retratação da

D
eus é homem ou mulher? Existe aquela velha piada divindade como Pai, Filho e Espírito Santo daria mais força à
sobre discutir o sexo dos anjos. Hoje, queremos autoridade patriarcal.
discutir qual o sexo de Deus. Deus tem sexo? Se o
Deus-Pai não é homem, no sentido de não ser humano, Segundo muitas teólogas do movimento feminista, como
então ele não tem uma sexualidade como a nossa. Isso pode Reuther, Fiorenza e outras, nós deveríamos abandonar a
parecer bobo e sem muito sentido, mas a grande questão imagem de Deus como uma figura masculina, como a de
aqui é que a Escritura sempre apresenta Deus de forma Deus Pai, para que se ponha um fim aos valores patriarcais
masculina. Lemos constantemente que ele é “Deus Pai”, o da sociedade que tanto oprime a mulher.
que revela o Senhor de forma masculina.
De fato, essa nova teologia exige uma nova imagem de Deus,
O famoso livro A Cabana, que até foi adaptado em filme, que, no final, dificilmente poderia ser reconhecida como

52
o Deus confessado pela fé evangélica e ortodoxa, como representar a autoridade e o cuidado pastoral para com a
comentam Franklin Ferreira e Alan Myatt (2007), e uma família divina. Deus escolheu deliberadamente se revelar
reconfiguração do modo como nós interpretamos a pessoa desta forma, e se ele o desejou, quem somos nós para
divina. De fato, muito dificilmente podemos acreditar que impedir que ele seja tratado de acordo como seu desejo?
esta é uma posição compatível com a fé ortodoxa.
É claro que isso não significa que uma revelação como
Alister Macgrath (2005) tem uma resposta para isso: "mãe" seja algo inferior. O próprio Deus se revela de formas
muitas vezes maternais ao longo da Escritura, por mais que
Falar em Deus como pai é dizer que o papel do pai no antigo ele nunca use o título “Deus-Mãe”. Dizem Franklin Ferreira e
Israel permite que compreendamos melhor a natureza de Alan Myatt (2007): “Na verdade, existem imagens maternais
Deus. Isso não significa dizer que Deus seja do gênero de Deus na Escritura. Deus é revelado como uma mãe-
masculino. Nem a sexualidade masculina, nem a sexualidade pássaro (Rt 2.12; Sl 17.8; Mt 23.37), uma mãe-ursa que luta
feminina devem ser atribuídas a Deus. Pois a sexualidade para proteger seus ursinhos (Os 13.8) e como uma mãe que
é um atributo que pertence à ordem da criação, sendo consola seus filhos (Is 66.13)”.
inadmissível aceitar uma correspondência direta entre esse
tipo de polaridade (homem/mulher), conforme se observa na Agora, da mesma forma que não podemos chamar Deus de
criação, e o Deus criador. Na verdade, o Antigo Testamento “Deus-ave” ou “Deus-ursa”, seria errado tratá-lo por “Deus-
evita atribuir funções sexuais a Deus, devido à ocorrência de mãe”. É imprescindível notar que a Escritura não chama
fortes traços pagãos nesses tipos de associações. Os cultos Deus de mãe, portanto, não é sábio ir além do que a Bíblia
à fertilidade dos cananeus davam ênfase às funções sexuais fala para nos reportar a Deus. Chamar Deus de Pai não é
tanto dos deuses quanto das deusas; portanto, o Antigo apoiar figuras masculinas ruins ou um tipo de patriarcado
Testamento recusa-se a endossar a ideia de que o gênero ou que ofende e oprime as mulheres, mas é mostrar um padrão
a sexualidade de Deus seja uma questão importante. muito maior do que significa ser realmente pai. Ser pai é ser
como Deus. Ser esse pai provedor é ser aquele que entrega
Ou seja, qualquer atribuição específica de sexualidade a a si mesmo em sacrifício e em cuidado. A Cabana não é
Deus é uma volta a um tipo muito primitivo de paganismo. uma representação fiel de como a Escritura trata Deus. Ele é
A Escritura apresenta Deus como Pai justamente para Deus-Pai porque foi assim que ele escolheu ser revelado.

53
19. AS OBRAS DE DEUS

J
á vimos quem Deus é, mas o que ele faz? Claro que não
é possível falar extensivamente sobre as obras de Deus,
porque ele age e agiu de muitas formas no mundo inteiro,
mas existem aspectos específicos das obras de Deus que
sempre chamam muita atenção quando discutimos teologia,
principalmente teologia sistemática.

A primeira obra de Deus é conhecida como a obra da providência.


O mundo não é governado pelo acaso, como diziam os filósofos
epicureus, muito menos por um destino impessoal, como
afirmavam os estóicos. Segundo a teologia cristã, Deus governa
e guia o mundo de acordo com a sua providência. Falamos de
providência quando conversamos um pouco sobre imanência de
Deus. Agostinho, no século IV, dava atenção ao fato de que todas
as coisas são preservadas e governadas pela soberana, sábia
e bondosa vontade de Deus. Mas afirmava o domínio de Deus
igualmente sobre o bem e sobre o mal no mundo. Da mesma
forma, Thomás de Aquino defende que é justamente a vontade de
Deus, como determinada pelas suas perfeições, que preserva e
governa todas as coisas. Já os nominalistas Duns Scotus, Occam
e Biel declaram que tudo depende da vontade arbitrária de Deus.
Os reformadores seguiram a ideia de Agostinho, embora pudesse

54
diferir em pormenores. não há distinção entre Deus e o mundo. Ou o mundo é
absorvido por Deus, ou Deus, pelo mundo. Em qualquer
Berkhof define providência como “o permanente exercício da uma das duas possibilidades, não há lugar para a criação
energia divina, pelo qual o Criador preserva todas as suas e não há lugar para a providência. Ainda que panteístas
criaturas, opera em tudo que se passa no mundo e dirige falem de providência, esta não passa do curso da
todas as coisas para o seu determinado fim” (BERKHOF, natureza e, nesse ponto, aquilo que é natural e o que é
2007, p. 154). Alguns erros comuns a respeito da providência sobrenatural são completamente idênticos.
são:
Quais são os objetos dessa providência divina? Esse governo
- O erro de limitá-la à presciência ou à presciência mais providencial de Deus abrange algumas coisas como (1)
predestinação. Os primeiros pais da igreja costumavam o universo em geral (Sl 103.19; Dn 5.30-31; Ef 1.11); (2)
cometer esse erro. Quando se fala em providência, não se o mundo físico (Jó 37.5; Sl 104;14; 135.6; Mt 5.45); (3) a
tem em mente a presciência nem a predestinação, mas criação inferior (Sl 104.21, 28; Mt 6.26; 10.29); (4) nações
apenas a sua contínua atividade no mundo para efetuar o (Jó 12.23; Sl 22.28; 66.7; At 17.6); (5) nascimento e vida
seu plano. Isso não se separa de seu decreto eterno, mas do homem (1 Sm 16.1; Sl 139.16; Is 45.5; Gl 1.15-16); (6)
é necessário distinguir ambos. vitórias e fracassos que sobrevêm às vidas dos homens(Sl
75.6-7; Lc 1.52); (7) coisas aparentemente acidentais (Pv
- O conceito deísta da providência divina. Como já foi 16.33; Mt 10.30); (8) proteção dos justos (Sl 4.8; 5.12; 63.8;
dito, o deísmo atesta que Deus criou tudo, mas depois 121.3; Rm 8.28); (9) suprimento das necessidades do povo
se afastou do universo. O mundo é como uma máquina de Deus (Gn 22.8,14; Dt 8.3; Fp 4.19); (10) as respostas à
que opera segundo suas próprias engrenagens e essa oração (1 Sm 1.19; Is 20.5; 2 Cr 33.13; Sl 65.2; Mt 7.7; Lc
divindade apenas observaria tudo de longe. Esse tipo de 18.7-8) e (11) o desmacaramento e castigo dos ímpios (Sl
providência não é o modelo cristão, mas sim a ideia de 7.12; 11.6). A soberania afeta todas essas áreas.
que Deus está continuamente agindo e sustentando o
mundo. Muitos teólogos estabelecem diferença entre providência
geral e providência especial. Providência geral seria o
- A ideia panteísta da providência divina. No panteísmo, governo de Deus sobre universo todo e providência especial

55
sobre seu cuidado de cada parte dele em relação ao todo. alguns conceitos errôneos acerca da preservação de Deus,
O que diferencia não é que são duas providências, mas que principalmente duas que devem sempre ser evitadas:
é a mesma providência em relações diferentes. Providência
especial pode se referir ao cuidado de Deus com suas - A percepção deísta, pois, segundo o deísmo, a
criaturas, com seus filhos, com seus eleitos, com seu povo preservação baseia-se unicamente em Deus não destruir
e cuidados específicos no cuidado com seus filhos. Alguns aquilo que ele criou. Isso vem diretamente da ideia deísta
falam até de uma providência muito especial, porque estaria de que tudo aquilo que é criado se sustenta por si só e
relacionada diretamente com seus eleitos. Muitos acreditam que Deus preserva tudo simplesmente não destruindo as
numa providência geral, mas negam a existência de uma coisas.
providência especial, alegando que Deus não se interessa
pelos pormenores da história. - O erro do panteísmo, em há a ideia de uma criação
contínua, em que as coisas nunca estão prontas e
O segundo ato de Deus muito famoso é o ato da preservação. acabadas, mas que Deus ainda está criando e formando.
A divina preservação é muito clara Escritura (Dt 33.12, 25-28; Tudo que existe não é nada mais do que emanações
1 Sm 2.9; Ne 2.9; Sl 107.9; Sl 127.1; 145. 14-15; Mt 10.29; constantes desse Deus real e absoluto, que é a base de
At 7.28; Cl 1.17; Hb 1.3) e diz respeito à preservação do seu todas as coisas.
povo ( Gn 28.15; 49.24; Êx 14.29,30; Dt 1.30,31; Is 40.11;
Jr 30.7-8; Ez 34.11-12; Lc 21.18; Ap 3.10). A preservação A terceira obra de Deus é a concorrência, também conhecida
é inferida da soberania de Deus. Tudo o que acontece está como concursos. É a obra do poder divino em agir de forma
debaixo da soberania de Deus e daí deriva-se também a ideia concorrente, ou seja, em parceria com os outros poderes
da intrínseca dependência da criatura. que lhe são subordinados. É a ideia de cooperação. Ou seja,
isso significa que as forças da natureza não funcionam
Berkhof (2007, p. 157) diz que “A doutrina da preservação por si próprias, mas que Deus está controlando-as, crer no
parte do pressuposto que todas as substâncias criadas, quer contrário seria crer num tipo de deísmo. Vale lembrar que
espirituais quer materiais, têm existência real e permanente, ações que não são diretamente ações de Deus também
distinta da existência de Deus, e só possuem propriedades existem e que ignorar ou negar isso é acreditar de panteísmo,
ativas e passivas derivadas de Deus”. Mas existem também como se as pessoas não existissem de fato e não pudessem

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tomar decisões que, claro, estão debaixo da soberania de enquanto ainda somos livres.
Deus, mas que acontecem também como autoconsciências
debaixo desse “concursus”, dessa cooperação entre Deus e o Características importantes da concorrência divina:
homem.
- É prévia e predeterminante, em um sentido lógico. Não
A Bíblia fala constantemente dessa concorrência divina, há na criatura nenhum sentido de atividade autônoma. O
que é justamente a relação entre soberania de Deus e impulso para ação e para o movimento sempre procede
responsabilidade do homem. José entende que foi Deus de Deus. Agimos sob influência divina. Deus faz com que
que o enviou para o Egito (Gn 45.5), ainda que os irmãos todas as coisas existam justamente para o seu propósito.
tenham sido os que o venderam. Deus promete que será com
Moisés (Ex 4.11-12) e dá a Josué a certeza da vitória sobre - Essa concorrência também é simultânea. As criaturas não
os inimigos (Js 11.6). Existe uma soberania divina e uma agem de forma independente de Deus. Assim como Deus
responsabilidade humana que agem em concurso. está agindo, nós estamos agindo.

Jesuítas, socianos e muitos arminianos sustentam que a - Essa concorrência também é imediata. Deus está usando
concorrência divina é apenas uma cooperação geral, uma os seus meios para fazer isso acontecer nesse momento
mera comunicação de poder, sem comunicar de forma na vida de todos nós.
alguma a ação específica. Isso, segundo intérpretes mais
reformados, seria tirar Deus do controle e dar ao homem o Como ficaria a questão do pecado nisso tudo? Pelagianos,
governo absoluto sobre a existência. Outro erro é a ideia de semipelagianos e arminianos levantam a objeção de que
que o homem realiza parte da obra e Deus realiza a outra isso significaria que Deus está no controle também do nosso
parte. Quando um ato acontece, o homem realiza uma parte pecado. Uma concorrência que não seja meramente geral,
daquele ato e Deus, a outra. Essa ideia não condiz com a mas que conceba Deus agindo junto com o homem em tudo
ideia de concurso, de cooperação. Os atos são totalmente que a gente faz, faria Deus o autor do pecado e o responsável
divinos, mas também totalmente humanos, e há um mistério por ele. Em resposta a isso, teólogos mais reformados
que se dá que muitas vezes não entendemos nem temos argumentam que os atos pecaminosos estão, sim, debaixo
como descobrir, mas que está no controle de Deus, que age do governo de Deus, mas apenas de forma negativa, não de

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forma ativa. Ou seja, Deus permite que isso aconteça, Deus os teólogos discutem muito a respeito de como se interpreta
não age em direção a isso. Não é Deus que leva os homens Gênesis 1 e esse processo de criação.
a pecar. Também argumentam que Deus, por muitas vezes,
reprime obras pecaminosas do pecador, impedindo muito A última obra para qual queremos chamar atenção é o
mal moral que poderia ser cometido por ele. E que Deus, no governo de Deus. Esse governo tem uma natureza muito
intercurso do seu propósito, dirige o mal para o bem. No final específica. É justamente a atividade de Deus de reger todas
das contas, apenas o homem é responsável por seu pecado. as coisas, de ter autoridade sobre tudo, de ser o soberano na
criação. Através de seu governo, ele faz com que tudo atinja
Outra obra de Deus é a criação. Deus é o criador de todas o seu propósito. É Deus guiando tudo para a glória do seu
as coisas. Passaremos mais tempo falando sobre isso em nome. É justamente esse governo de Deus como o Rei do
antropologia, porque a ideia da criação de Deus diz muito universo. O Novo Testamento retrata, em muitos episódios, a
sobre a criação do homem e da mulher e sobre as formas realeza de Deus (Mt 11.25; At 17.24; 1 Tm 1.17; Ap 1.6; 19.6),
como Deus o fez. Sabemos que Deus é o criador de todas as porque ele é o Pai, o Rei, o Senhor dos senhores, o Rei sobre
coisas. Ele criou o mundo ex-nihilo, ou seja, a partir do nada. todos os reis. Esse governo, muitas vezes, é adaptado para o
“Do nada, nada vem”, afirmam muitos filósofos antigos, mas, bem das criaturas que ele governa. Ele exerce esse governo
na verdade, Deus fez com que do nada surgisse tudo. Através no mundo físico através de leis que criou. Foi ele quem criou
do poder de sua voz, ele criou todas as coisas. Segundo as leis da física. As leis da natureza vêm diretamente dele.
a teologia cristã, ele teria criado o mundo em seis dias e Ele pode usar circunstâncias, motivos, persuasão, o exemplo
descansado no sétimo. Há muita discussão sobre o número do mundo moral e o Espírito Santo para o convencimento dos
de dias, se eles são literais ou não. Muitos argumentam que corações. Esse governo apresenta uma extensão universal
os dias não podem ser literais porque a palavra “dia” pode (Sl 22.28-29; 103. 17-19; Dn 4.34-35; 1 Tm 6.15). Ele engloba
ser interpretada também como “era”, segundo o hebraico. as grandes coisas (Mt 10.29-31) e as pequenas (Pv 16.33),
Essa é a interpretação de Agostinho no século IV. Outros as boas (Fp 2.13) e as más ações (At 14.16). Ele é o rei de
argumentam que existe uma estrutura chamada “vav- Israel (Is 33.22) e o rei das nações (Sl 47.9). Ele é aquele cujo
consecutivo”. O “vav” seria o “e”no hebraico. De forma que, governo domina tudo.
sempre que no texto aparecem os termos “e isso” ou “e
Deus”, devem indicar uma estrutura de narrativa. Por isso,

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20. JEOVÁ E ALLAH SÃO O MESMO DEUS?
religioso deve ser um ambiente de respeito. Mas será que é
necessariamente o mesmo Deus? Será que o Deus revelado
na Bíblia é o mesmo Allah revelado no Corão?

Na Bíblia, Yahweh é o nome de Deus para sempre (Ex 3.13-


15). É o seu nome próprio. No Corão, Deus também tem um
nome próprio: Allah. Na Bíblia, o mal não vem diretamente
de Deus, mas o mal é fruto da nossa rebelião e da nossa
imoralidade. Jeová é constantemente trazido como o autor
do bem não do mal (Dt 32.4; Sl 92.15; 1 Jo 1.5). Por mais que

O
Deus cristão e o Deus muçulmano são o mesmo Jeová guie certas situações de calamidade e problemáticas –
Deus? Falamos que o que define um Deus e o que pois ele é soberano até mesmo sobre situações difíceis –, o
define que algo não seja outra coisa são seus mal moral, o pecado, não provem diretamente de Deus. Já no
atributos, suas características. Será que, se fizermos Corão, Allah é visto como a origem tanto do bem quanto do
o comparativo entre o Deus cristão e o muçulmano, mal (Q91:7-10), o que gera uma divisão entre a visão cristã
encontraríamos a mesma divindade? Muitos argumentam a respeito de Deus e a visão que os muçulmanos têm da sua
que não existe motivo para um lado evangelizar o outro ou divindade. Na Bíblia, Jeová pode se fazer presente com e
que haja diferenças entre as religiões. Afinal se eles adoram nas pessoas. Ele pode se fazer presente dentro das pessoas,
o mesmo Deus, por que deveriam enxergar a si mesmos com o Espírito Santo. Pode se fazer presente através das
como indivíduos de religiões diferentes? Claro que ser de pessoas e nos lugares também. Isso acontece graças à sua
religião diferente não dá base para ódio, guerra, terrorismos, onipresença (Gn1:2;3.8;18.1; Ex 3.11-12; 33.14-15; Sl 51.11;
ofensas gratuitas e coisas do tipo. O ambiente de debate Jl 2.27-29). Já no Corão, Allah está presente tanto em todos

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os lugares como em lugar nenhum. Ele não está em nenhum – incluindo alianças – sua fidelidade inerente não é
lugar particular, porque ele não habita nada (Q2:109; Q4:126; dependente da fidelidade humana. (Gn 9.11-12; 17.7-8; Sl
Q50:16). Quando no Corão lemos que Allah está próximo, 89.3-4; Hb 6.17-19; 13.20-21). Já no Corão lemos que Allah
não é porque ele está presente ou próximo de verdade, mas age como quiser e que ele é “melhor em estrategemas”
porque ele está ciente daquilo que acontece. Na Bíblia, Jeová (Q3:54) Ele pode, sem impugnar sua perfeição, abrogar algo
é considerado santo e quer que seus adoradores sejam que disse antes e substituir por uma palavra contraditória
santos como ele é (Lv 19.1-2). Já a santidade de Allah é (Q2:106; Q16:101; Q17:86). Ele não é obrigado a seguir
referenciada muito raramente no Corão e parece ser um alianças nem se obriga a pessoas de qualquer forma
atributo menor ou até mesmo secundário de Allah. Uma coisa (Q17:86). Ele não tem obrigação de ser verdadeiro ou justo
que é recorrente na narrativa bíblica é que Jeová alcança com seres humanos (Q14.4; Q32:13; Q5:18). Na grande
pecadores, os salva e os traz para perto, (1 Jo 4.19) mesmo história da redenção, lemos na Bíblia que o grande problema
quando antes eles eram os seus inimigos. O amor de Jeová do homem é o problema do pecado e da alienação de Deus.
dura para sempre (Sl 136) e ele nunca abandona seu povo. A solução para isso seria o perdão e a presença salvífica do
Por causa de sua graça, ele perdoa pecadores (Jr 31.3; Jo Senhor que vem em nossa direção para nos salvar. Então
3.16; Rm 5.6-8; Ef 2.4-5). Já no Corão temos uma revelação a resposta ou o resultado disso é a nossa salvação e a
bem diferente de quem é o Deus islâmico, de quem é Allah. nossa reconciliação com Deus. Já no mundo muçulmano
Ele odeia aqueles o odeiam e ama aqueles que o amam e na revelação do Corão, o grande problema do homem é a
e quer que as pessoas sigam esse comportamento e se ignorância quanto às leis de Allah, não dele como pessoa
importem com ele. Quer também que aqueles que os seguem simplesmente, mas daquilo que ele ordena como prática de
também odeiem aqueles que o odeiam e amem aqueles que o vida. A solução seria seguir e se submeter, não um encontro
amam (Q3:31-32; Q3.76, 148; Q22:38; Q5:87). gracioso, mas uma prática daquilo que é estabelecido. O
resultado é sucesso nessa vida e na próxima.
O Corão revela o amor de Allah como condicional e que ele
não ama seus inimigos nem qualquer transgressor (Q3:31- Se antentarmos detalhadamente, é muito difícil afirmar que o
32; Q3.76, 148; Q22:38; Q5:87). Na Bíblia, é revelado que Deus que é revelado na Escritura e o Deus que é revelado no
Jeová não mente. Ele cumpre a sua palavra e é fiel (Nm Corão são o mesmo Deus, a mesma divindade, porque suas
23.19). Apesar de Deus poder fazer promessas condicionais características são muito diferentes.

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BIBLIOGRAFIA UTILIZADA
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