Você está na página 1de 37

ESCATOLOGIA DO NT

Ao abordarmos a escatologia do NT, uma questão se impõe à nossa atenção: o


problema Hermenêutico. A mensagem do NT prestou-se a diversas e até
contraditórias interpretações. Pelo que exige uma interpretação coerente. Essa
portanto, defende como nota específica da escatologia cristã, a tensão entre o já
da salvação presente em Cristo e o ainda não da sua consumação.

Problema hermenêutico

O Centro do NT é Jesus Cristo e a convicção de que é decisivo para o curso e o


sentido da história. Com palavras e acções exprimiu de um modo singularíssimo
a forma de Israel entender a esperança escatológica e o seu cumprimento. À Luz
da pascoa, Paulo e João assumem esta compreensão do éschaton, de forma que o
NT tem uma escatologia especificamente cristã, que difere da judia, não porque a
contradiga, mas porque a ultrapassa.

Uma primeira teoria sustenta que Jesus anunciou o reino de Deus (conceito chave
que contém todos os bens escatológicos) como realidade estritamente pertencente
ao futuro. É a teoria da chamada “escatologia consequente”. Diametralmente
oposta a esta interpretação é a que propõe sob o nome de” escatologia realizada”,
isto é, Jesus anunciou o reino como actualmente presente e não predisse em
absoluto uma dimensão futura do mesmo.

Uma terceira interpretação é a defendida por Bultmann e sua escola: a


temporalidade não pertence a essência da mensagem escatológica cristã. Esta não
se centra no presente ou no futuro do reino, mas na situação de decisão, que
transcende a categoria da temporalidade pura e que, por consequente, origina
uma escatologia que poderia qualificar-se de atemporal ou supratemporal

Werner advoga que a ideia chave da pregação de Jesus é o reino de Deus, ideia
que não é definida por ele, ma tomada da apocaliptica judia contemporânea, que
assenta sobre um dualismo irredutível entre realidades distintas: velho- novo;
terreno-celeste; natural-sobrenatural, demoníaco-divino; temporal-eterno. Entre o
mundo presente o futuro não há ligação, mas ruptura.

Jesus começa a sua actividade com o que Werner chama um “ anúncio alarmante:
o reino de Deus está próximo ( e não está presente ou já chegou) Mt 4, 17; Mc
1,15. Esta proximidade do reino o conteúdo essencial da mensagem e a razão do
seu ministério público. Eis a presença do Reino em Jesus de Nazaré. Quer
preparar o povo para a próxima chegada, quer continuar a tarefa de João, o
Baptista onde este a interrompeu ( Mc, 1,14). Desde o sermão da montanha ( Mt
5-7) até aos discursos de Jerusalém, dias antes da sua morte ( Mt 23-25),sua
pregação é uma acutilante chamada a penitencia, em vista do juízo iminente ( Mt
23,13-16) . Parábolas de Marcos 4 (o semeador, a semente, o grão de mostarda)
não se podem entender como se estive a falar de uma progressiva instauração do
reino de Deus; neste caso desapareceria a radical oposição que separa este mundo
do que se espera para o futuro próximo.

Com Jesus Cristo muda tudo. Ele é um mais: é mais que João Baptista (Mt
11,11), Mais que Jonas (Mt12,41), mais que Salomão (Mt 12, 42) mais que
Moisés ( Mt, 5, 21), mais que o templo e o sábado ( Mt 12, 6.8). Como explica
Jeremias, Jesus ultrapassa o umbral da expectação para situar-se a si mesmo com
a sua mensagem e gestos ministeriais, esfera do cumprimento. Ele foi o único
judeu que ousou anunciar que a nova idade de salvação já tinha começado.

A primeira missão dos discípulos ( Mt 9,35-11,1) se explica por necessidade de


correr de aldeia para aldeia com a urgente anuncio da proximidade do reino (Mt
10,7). As cidades que não se converterem lhes espera no juízo iminente uma
sentença muito mais rigorosa que a que recairá sobre Sodoma e Gomora (Mt.10,
15). O presente é qualificado de sofrimento e tribulação, pois precede o fim. Os
sofrimentos dos discípulos na missão que se lhes confia é a última prova: os que
perseverarem até ao fim serão salvos (Mt 10,22). Na verdade o fim está próximo
que não acabarão de percorrer as cidades de Israel sem que chegue o Filho do
Homem ( Mt 10, 23).

Todavia, os discípulos regressam e o reino não vem. Surge a crise pela demora da
chegada do reino, ainda com a presença de Jesus! Como se resolveu esta crise?
Na consciência de Jesus se abre caminho a ideia de sua messianidade. Até agora,
sua identificação com o Messias tinha permanecido inédita. Se lhe considerava
como profeta ou um personagem dos últimos tempos. Ate certo ponto, os
discípulos tinham também esta concepção (Mt 16,13-14). Só Pedro descobriu sua
messianidade, mas por revelação do alto, que ilumina inclusive o próprio Jesus
(Mt 16, 16-17). Este assume como arquétipo o messianismo da figura da
apocalíptica de Filho do Homem. Contudo enquanto personagem terrena. Como
personagem terrena, Jesus não é ainda Filho do Homem, sê-lo-á graças a um
acontecimento sobrenatural que o transformará: a ressurreição, antecipada
milagrosamente na sua transfiguração. Por isso os discípulos terão que manter o
segredo, uma vez que um filho do homem terreno careceria de credibilidade.
Morte e ressurreição, são, pois para Jesus a condição prévia da irrupção do reino.
A observação dos discípulos (Elias deve vir primeiro), responde que este já veio
(em João Baptista); (Mc 9,11-13). O processo de Jerusalém se monta sobre a
acusação do messianismo baseado na denúncia de Judas, que traiu o segredo que
Jesus tinha imposto aos seus. À essa acusação responde admitindo o seu carácter
de Filho de Homem, que se revelará plenamente com a sua ressurreição. (Mt
26,24). Horas antes, durante a ceia com seus discípulos, Jesus tinha ratificado a
certeza da iminência do reino, ao mesmo tempo que reafirmava a relação entre a
iminência e sua própria morte: “ não voltarei a beber do fruto da videira até que o
beba de novo com convosco no reino de meu Pai”.

Os acontecimentos posteriores a pascoa não seguiram o curso previsto. É verdade


que os discípulos tiveram a sorte das aparições do ressuscitado. Mas nenhuma
delas é a última, nenhuma foi o final da vinda em majestade da vinda do Filho do
Homem. Com a ressurreição de Jesus, os discípulos em vez de se sentarem em
doze tronos para julgar as doze tribos de Israel, terão que pregar, baptizar e dar
testemunho da messianidade do ressuscitado, até que ele venha, Act 1,11. Jesus
passa de pregador a pregado, ao conteúdo da pregação dos discípulos.

A vinda do Espírito no Pentecostes é interpretada pela comunidade como um


cumprimento das profecias, isto é, como mostra de que o tempo final começa a
emergir na historia ( Act 2,7). Assim, as experiencias do contacto com o
ressuscitado são susceptíveis de receber um sentido escatológico: Jesus foi
consagrado Messias pela sua morte e ressurreição (vejamos os discursos
programáticos de (act 2-5) e Estêvão o contemplará como Filho do Homem no
seu trono celeste ( Act. 7,55-56). Entretanto, coloca-se o acento na sua próxima
vinda/parusia, que será a vinda final. Em vista dele se administra o baptismo
que, conforme a nova situação, não só concede o perdão dos pecados, mas
também o dom do Espírito ( Act 2,28) como antecipação dos bens do reino
iminente. O problema provocado pela demora da parusia resolve-se remetendo a
concepção original de Jesus ( reino como realidade futura e iminente, cujo
portador será o Filho do homem) e introduzindo nele factores correctivos
impostos pelo imprevisível desenvolvimento dos acontecimentos.

Paulo conserva a esperança numa próxima parusia (1 Ts 4,15ss; 1cor 15, 51ss).
Aceita igualmente a interpretação que a comunidade de Jerusalém deu à morte e
ressurreição de Jesus, como entronização deste à dignidade de Messias ( Rom
1,4; Flp2,8-11). Paulo acentua as virtualidades escatológicas da ressurreição e
diz: com a morte de Cristo é o velho mundo que morreu ( Gal 6,14), tudo o que a
ele diz respeito passou ( 2Cor 5,17; 1Cor 7, 31) ; a lei sinaitica caducou, as
potencias seculares estão vencidas ( rom 10,4; 8,38-39); a ressurreição começou (
1 cor 15,20; Rom 6,5), pelo que a parusia tem de estar próxima. O tempo que
decorre entre a ressurreição de Cristo e sua vinda final é o prazo concedido para a
viragem do eón, durante o qual o velho se vai desvanecendo e, por sua vez, o
novo se vai manifestando. Este espaço é o tempo de decisão dos crentes. E no seu
interior também se opera a mudança do novo para o novo e urge acelerar o
processo de transformação ( 2 cor 4,10). Chega-se, desde modo, à mesma “ ética
do ínterim”, característica do sermão da montanha: 1 cor 7,29-31).

A interpretação Paulina do tempo que segue à ressurreição como breve estádio


intermédio se viu desautorizada de novo pela dilação indefinida da parusia. A
geração dos santos do último dia não sobreviveu ao tão prolongado prazo. Uma
crise! E os primeiros ensaios de solução aparecem já tardios do NT e vão
determinar todos os sucessivos desenvolvimentos e metamorfoses da doutrina
cristã.

A expressão “ Escatologia realizada” serve para designara teoria hermenêutica


de C.H. Dodd sobre a escatologia do NT. A tese desta teoria é seguinte: o reino
de Deus está já presente na vida, morte e ressurreição de Cristo, que não são o
prelúdio do reino, mas sua mesma e única realidade total, incompatível com
qualquer tipo de espera para o futuro. A expressão aparece, pela primeira vez em
1935. Os motivos que levaram Dodd a elaborar a sua teoria foram o de encontrar
uma saída airosa a partir da estagnação a que Schweizer havia situado a sua
interpretação do NT com a teoria da escatologia consequente. Por outro lado, ele
quis reagir contra uma “interpretação evolucionista do reino de Deus” que
apresenta como “etapa final de um processo imanente”, isto é, como uma utopia
intramundana.

Segundo Dodd, o cristianismo é uma religião histórica, que reconhece a


relevância dos acontecimentos temporais; por isso, nega a recorrência cíclica e
defende sua índole teleológica. Supondo esta teleologia, são na mesma possíveis
duas interpretações. A história pode ser vista como processo evolutivo que
caminha para a sua consumação gradualmente, ou como uma corrente que chega
repentinamente a sua consumação, como a aurora irrompe na escuridão.

Para o cristianismo, há um evento único e irrepetível no qual Deus consuma


definitivamente a revelação e comunicação de si: é a vida, morte e ressurreição
de Cristo. Com ele a história alcança seu nível supremo e, chega, desta maneira,
ao fim. Não no sentido de que tenha tocado o ponto terminal, mas enquanto
revelação e cumprimento cabal do desígnio divino. O Eschaton, nesta
perspectiva, é um acontecimento histórico embora a sua o seu conteúdo
transcenda o tempo e o espaço; é revelação temporal, intra- historica, de uma
realidade absoluta, meta-histórica, eterna. Pelo que não precisamos de chegar ao
fim absoluto do tempo para descobrirmos o significado da história, posto que este
se nos revela, de uma vez por todas, no acontecimento único que é Cristo, sua
vida e sua Páscoa. É assim que Deus estabelece seu reino.

Na visão de Dodd, todos os textos em que transparece uma escatologia


consequente, sofrem um desvio e não correspondem a intenção original de Jesus.
É o caso de algumas parábolas. A fixação do sitz im leben em que foram
pronunciadas não restitui o seu sentido próprio. A modificação importante, no
que diz respeito ao nosso tema, consiste na escatologização de certas parábolas, a
fim de torná-las reflexo da expectação parusíaca em que vivia a Igreja nascente.
Trata-se das parábolas dos talentos (Mc 25, 14-30); das dez virgens (Mt 25, 1-
12), do administrador (Mt 24,45-51), dos servos vigilantes ( Mc 13, 33-37). Dodd
sustenta que seu conteúdo originário era o reino escatológico de Deus já
introduzido na pessoa de Jesus, o qual, portanto, interpela dos ouvintes para
incitá-los tomar uma posição diante da presença do reino. Se produz, todavia,
uma crise que divide os espíritos e que provocará, por fim, a morte de Jesus. A
parábola dos vinhateiros homicidas (Mc 12, 1-8) é uma boa ilustração da crise
despoletada pelo advento do reino e as reacções que suscita implica um juízo
moral sobre a situação do povo judeu momento em que foi pronunciada. Dodd
crê que a escatologia futurista dos sinópticos, na redacção chegada até nós, dos
actos e dos primeiros escritos paulinos, ainda que suponham uma desfiguração da
mensagem autêntica de Jesus, cumpriu, contudo, uma função positiva: a de
salvaguardar o sentido teológico da história. A Igreja foi preservada de uma
evasão para a mística atemporal e se manteve fiel a valoração positiva do
acontecer histórico.

Bultmann, por sua vez, se singulariza pelo seu desinteresse no que diz respeito a
infra-estrutura temporal do Eschaton. Na sua visão, a essência da mensagem
escatológica neotestamentaria rebaixa a índole presentista ou futurista da
salvação consumada, a qual se situa numa decisão de fé cuja hora não pode
circunscrever-se nem no presente nem no futuro do seu sujeito, porque conta
muito mais o constitutivo transcendental do homem enquanto existência
histórica.

Bultmann diz que Jesus centrou a sua pregação no conceito do reino de Deus,
entendido como regime que põe fim ao curso de uma história dominada pelo
poder do mal; neste ponto participa da expectação apocalíptica judia, que
aguardava a salvação não de uma mudança intratemporal da situação histórica,
mas de uma catástrofe cósmica destruidora da ordem presente que dá lugar ao
novo status inaugurado pela vinda do filho do homem, o juízo, a ressurreição e a
retribuição. Para Jesus o curso temporal da história chegou ao seu fim: o fim do
mundo se aproxima (Mc, 1, 15) “ o reino de Deus está próximo”, sintetiza
perfeitamente a essência da pregação de Jesus. Este espera a vinda iminente do
Filho do Homem como juiz e portador de salvação (Mc 8, 38; Mt 24,27.37.44;
Lc 12, 8; 17 30. Espera igualmente a ressurreição dos mortos (Mc 12, 18-27) e
participa da crença num fogo punitivo para os maus (Mc 9, 43-48); Mt 10, 28) e
um convite celeste para os bons ( Mt 8,11).

Textos como Mt 11,5; Lc 10,23ss; 11,20; poderiam sugerir que Jesus anunciou a
presença actual do reino. Na verdade, tais textos dizem unicamente que o reino
vai irromper de um momento para outro. A parábola da semente que cresce por si
mesma (Mc 4,26-29) ensina-nos que o reino é uma realidade em crescimento na
história, mas que sua vinda é um milagre independente de toda acção humana. O
mesmo se diga das parábolas do grão de mostarda e levedura ( Mt 13,31-33); sua
doutrina remete ao contraste surpreendente entre a pequenez inicial ( a pregação
do reino) e a grandeza final ( a realidade do reino), e não a um suposto processo
de crescimento. Todo quanto o homem pode fazer para a vinda da salvação é
preparar-se: “ agora é o tempo da decisão, e o chamamento de Jesus é o
chamamento à decisão” Jesus reconhece-se a si mesmo como aquele que prepara
a vinda do filho do Homem, como a última palavra que Deus dirige ao seu povo
antes do fim. Daí a unidade, na sua pregação, entre a mensagem escatológica e a
doutrina ética: o cumprimento da vontade de Deus é a condição sine qua non
para poder fazer parte do reino iminente. Este exige do homem uma decisão
absolutamente incondicional (Mt 5,ss). A palavra divina que o profeta está
encarregue de pronunciar e anunciar se lhe impõe como a última palavra pela
qual Deus chama a uma decisão definitiva. O fundamental na pregação de Jesus é
a concepção da grandeza de Deus como realidade transhistórica, que
desmundaniza o homem quando o interpela, que o situa diante do fim,
desconectado dos condicionalismos circunstanciais para submetê-lo a uma
confrontação imediata com a sua majestade soberana. Esta posição, pensa
Bultmann, desvaloriza sua mensagem escatológica, uma vez que se condensa na
urgência da decisão agora. Assim a doutrina de Jesus difere substancialmente da
apocalíptica, pôr ênfase na opção existencial mais que na irrupção futura do reino
celeste.

A comunidade primitiva identificou o seu mestre com o Filho do homem. A


proclamação da messianidade de Jesus acontece, portanto, no quadro das
esperanças escatológicas judias. Nesta comunidade, a fé pascal no ressuscitado,
com a consequente identificação entre Jesus e o Filho do Homem, e a auto
compreensão de si mesma como comunidade escatológica, prepara o caminho
para a certeza de que Jesus é o acontecimento escatológico decisivo.

Será Paulo quem inicia o retorno á mentalidade original de Jesus com a sua tese
da actualidade da salvação. O conceito de justiça era na teologia judia um
conceito escatológico: o juízo de Deus constituirá os homens piedosos em justos.
Paulo acredita que a justificação se concede “ já agora” aos que crêm ( Rom
5,1.9; 8,10, 1 cor 6,11). Em Cristo, Deus pôs fim ao mundo antigo e inaugurou
um mundo novo. (Gal 4,4; 2 cor 3,6; 5,17; 6,2; a diferença entre Paulo e o
Judaismo radica no conceito de justiça; para Paulo é uma realidade actual, para o
Judaismo é mero objecto de esperança. A fé, resposta à palavra interpelante de
Deus, é um “ evento escatológico” porque é portadora de salvação, só nela pode
dar-se a decisão por Deus e só na graça é dita a fé. Esó pela graça é possível a
decisão. Ela implica a participação na vida de Cristo, na sua morte e ressurreição
( Rom 6,1-11), embora numa modalidade dialéctica que exige a consumação ( 1
Cor 15,20-27). Paulo partilha a expectação da parusia, contudo a sua teologia
insiste muito mais no peso salvífico da decisão. Não é a historia das nações ou
do mundo o que interessa, mas a historicidade do homem, que este vai
construindo na decisão. Mas a decisão só é possível na liberdade que é dom
escatológico.

A presencialização do eschaton, iniciada pelo Paulo, é radicalizada por João no


seu evangelho. Jesus é, também para João, o acontecimento escatológico; a vinda
de Cristo ao mundo cumpre as promessas ( 1,45; 5, 39) e realiza o juízo ( Jo 3,
19; 9, 39). “Quem crê nele tem (no tempo presente) a vida eterna” (jo 3,36; 6,47)
¸ sua hora é a da ressurreição dos mortos (Jo 5,25; 11, 23-26). A concentração do
escatológico na decisão alcança assim a expressão mais depurada de todo o
resíduo apocalíptico. A fé é já “ existência escatológica”; o quarto evangelho
contém a formulação mais precisa do autêntico pensamento escatológico peculiar
ao cristianismo.

Quando se abandonou a expectação de uma parusia iminente pela evidencia dos


factos, a única solução e válida ao gravíssimo problema teológico que esta
decepção entranha para uma comunidade que se qualificava a si mesma de
escatológica foi a versão joanina, extremamente desmitificada, de um eschaton
que surge na decisão da fé. O juízo, a justificação, a ressurreição, a vida eterna,
em suma, tudo o que a esperança apocalíptica aguarda para o futuro, foi dado em
Cristo. Quem se agarra a Ele na hora critica da decisão chegou ao fim, posto que
ele, e não um acontecimento cósmico, é o verdadeiro eschaton. Não naturalmente
enquanto acontecimento do passado cronologicamente datável no calendário,
mas enquanto acontecimento permanentemente presencializado na proclamação
da palavra e decisão do ouvinte da palavra. Pela sua fé o cristão está mais além
do tempo e da história compreendida como memória do passado; o melhor, vive
uma existência histórica na qual, graças a fé, “ cada instante pode ser
escatológico.
2. Futuro e presente na Escatologia do NT

As três posições vistam até aqui a de Bultmann já foi vista no capítulo


precedente. Considerar o factor tempo como revestimento mitológico eschaton é
despojar a este de um de seus elementos essenciais. Os outros dois projectos são
contrastantes e até certo ponto antagónicos. São reducionistas quanto à visão
escatológica o NT.

Cabe porém, oferecer uma síntese que os autores do NT apresentam como


doutrina autentica de Jesus sobre a escatologia; nessa doutrina se dão citações
tanto as afirmações presentistas como as futuristas. Longe de serem
incompatíveis, as duas séries de afirmações constituem, na sua mútua
complementaridade, a nota específica da escatologia neotestamentária, e assim
foram compreendidas e incluídas nos escritos de Paulo e João.
Na verdade, o reino de Deus se faz presente em Jesus: eis aqui a primeira e
fundamental afirmação escatológica dos evangelhos.

A citação de Is 40,3 (preparai o caminho do Senhor.” Mc1,2.3; Mat 3,3) propõe


aos ouvintes o tema do novo êxodo: o povo repetirá nos últimos dias a travessia
pelo deserto para a terra prometida. Esta é a razão pela qual a actividade de João
se realiza no deserto. Seu vestido ( Mt 3,4) recorda o de Elias ( 2Res 1,8), o
profeta precursor do dia de Yavé ( Ml 3,1.23; Mc 1,2ª). Não ele quem introduz o
reino, mas o que prepara a sua iminência ( Mc 1,7). Por isso sua pregação se
concentra na exortação a penitencia, significada na recepção de um baptismo
purificador ( Mc 1,4) que há-de subtrair os que oo recebem da “ ira vindoura”
( Mt 3,7) isto é, do juízo escatológico. O chamamento de João reveste-se de uma
urgente forte, pois o reino está próximo (Mt 3,2) 1. Em Lc 4,16-21, a profecia de
Isaías se cumpriu no hoje da actuação de Jesus. O primeiro evangelho
interpretará toda a vida de Jesus como um cumprimento das Escrituras (Mt. 1,22;
2,15; 4,14; 8,17; 12,17; 13, 35; 21,4). O próprio Jesus confessará que “veio
cumprir/ completar a lei e os profetas” (Mt5,7) 2. De facto há uma ligação entre
João e Jesus, um anunciava a vinda iminente do reino, o outro manifesto o
1
-Juam L. Ruiz de la Peña- La outra dimension, Escatologia Cristiana, Santander: editorial Sal Tarrae,
1994, p120. Tem Jesus consciência de que com ele irrompe na história o reino de Deus anunciado pró
João como iminente? És tu o que há-de vir ou devemos esperar outro? ( Mt 11,3) a resposta remete a
várias passagens de Isaias que descrevem o estatuto paradisíaco do escahton ( Is 26,19;35,5-6; 61,1).
Jesus mostra que sua actuação não é simples anuncio ou presságio, mas cumprimento. O que faz dá
testemunho de que era ele o que havia de vir. Sobre a sua identidade, ele dá a entender que se capta
naquele que faz e no modo como o faz.
2
- Ibidem, p.122. a existência histórica de Jesus, inaugura, na verdade, o eschaton, pois com a sua morte
houve sinais que apontam para o fim de uma realidade e inicio de outra, veja-se o sinal de trevas, o véu
do templo que rasga de alto abaixo, a abertura dos sepulcros, e a ressurreição, são elementos que
compõem, na literatura apocalípticam as imagens do fim.
cumprimento da promessa. Sua actuação se manteve na linha dos oráculos
messiânicos realizados.

Deste modo, ao contrário da escola que defende a escatologia consequente, não


se pode dizer que o reino de Deus está presente apenas como potencial ou virtual.
Aqui o reino aparece como um reino eficaz. Está presente com um dinamismo
que é preciso tomar num sentido absolutamente real. Este abordagem deve-se aos
defensores da escatologia realizada.

Contudo o reino de Deus se consumará no futuro. Este é outro ponto importante


da doutrina do evangelho à volta da escatologia. A pessoa e a obra de Cristo
tornam presente um reino que é cumprimento das promessas, mas que não está
consumado. Esta se dará no futuro.

Usa-se ainda o termo século presente e século futuro. De modo que o século
presente passará em favor do século futuro em haverá separação entre os justos e
os maus. Assim, a expressão “consumação dos séculos” transmite fielmente o
pensamento de Jesus acerca de um juízo futuro que acabará com a promiscuidade
de justos e pecadores que se dá no século presente. Ao século futuro
correspondem os elementos que integram a consumação do reino: juízo,
ressurreição, vida eterna, morte eterna. A doutrina evangélica do juízo, que
aparece com frequência na boca de Jesus, prolonga a ideia profética do dia de
Javé, com sua dupla vertente de castigo e victoria, e a conotação de uma
retribuição (Mc 8,38; Mt 10, 15; 11, 22; 12, 41). Deve-se dizer que o
cumprimento do tempo não implica a chegada do reino, mas apenas a sua
proximidade; pelo que este conserva a sua dimensão futura. A dimensão futura
do reino exige vigilância, porquanto ele chega como um ladrão. A fidelidade se
prova não só na vigilância, mas também na paciência.

Em resumo, o carácter futuro do reino de Deus pregado por Jesus está avaliado
por um número de textos que, admitir-se a teoria da escatologia realizada, boa
parte do conteúdo dos sinópticos teria que ser recusada como não autêntico.
Todavia, na base da crítica literária, não razões de peso para duvidar que Jesus
tenha falado de um século futuro que se consumará ao século presente; em vista
dessa consumação ensina a orar pela vinda do reino, a estar preparados a receber
o Filho do homem, título com que revela sua auto- consciência de consumador
escatológico do mesmo reino que Ele inaugurou na sua actividade salvífica3.

3
-Ibidem, p. 130.
A Tensão entre presente e futuro, nota específica da escatologia do NT.

Uma vez admitidas como autenticas as duas séries de afirmações estudadas


sucessivamente na secção precedente, coloca-se agora, a questão
compatibilidade. Fica-se com a sensação de que as duas escolas chegaram a
posições antitéticas movidas pela mesma convicção. Nota-se que o
enfrentamento não se deve pura e simplesmente a motivos exegéticos e que a
exegesis se viu fortemente forçada por uma tomada de posição prévia. Por outro
lado a aceitação da dupla dimensão presente-futuro no horizonte comum de uma
única escatologia impõe saber se o presente e o futuro compõem no NT uma
doutrina escatológica coerente. A consideração do presente e futuro no horizonte
da doutrina escatológica, foi sempre uma tese bem aceite antes da teoria de
Schweitzer. É uma interpretação aceite tanto a nível da exege como da teologia
sistemática.

Na pregação de Jesus a justaposição dos dois momentos (presente e futuro) do


reino remonta a sua pregção inaugural. (Mc1,15). Contem, todavia, dois verbos
( peplerotai- enghiken) que concedem à frase um cariz paradoxal. O tempo
cumprido parece frisar aqui como fundamento a proximidade do reino, e não
como demonstração da sua chegada. Ainda assim, a presença do cumprimento
longe de derrogar a tensão para o futuro, a reactiva. E vice-versa, a proximidade
do futuro confirma a actualidade do cumprimento.

No evangelho de Marcos, toda a introdução (1,1-15), está em função deste


paradoxo: a proclamação precursora de Baptista, a abertura dos céus no baptismo
de Jesus, a tentação de Jesus no deserto, são indícios do começo do combate
escatológico entre Deus e Satanás. A soberania de Deus penetrou no mundo; sua
vitória não se fará esperar por muito tempo. Neste contexto, Mc1,15, resume com
justeza a situação no “Já do peplerotai e no “ainda não” do enghiken.

As chamadas parábolas do crescimento de Mc 4, e Mt 13, corroboram a nossa


interpretação, ao ilustrar nitidamente a simultaneidade presente-futuro do reino
escatológico anunciado por Jesus4.

A parábola do grão de mostarda (Mc 30-32) ilustra de modo significativo a


continuidade da parábola do semeador; continuidade entre um começo real se

4
- Ibidem,p. 132. A certeza do triunfo final do reino, pese embora as contingências adversas, radica na
realidade da sua presença: o ainda não se apoia no Já. É evidente que a parábola da semente continha,
na intenção de Jesus uma vigorosa intimação a decisão agora. Mas as consequências da tal decisão se
manifestarão no futuro, posto que ainda não é visível a plenitude de frutos.
bem modesto, e um final esplêndido na sua plenitude. Continuidade entre a
sementeira e a colheita. A tensão entre o já dado e o porvir, juntamente com a
sensação de tranquila serenidade frente ao futuro, baseado no que agora existe.

Em Mc, 8,38, indica que o juízo que o Filho do homem levará a cabo no final do
tempo, se baseia no juízo que se está produzindo agora na atitude dos homens
frente a Jesus. Ambos os juízos, o terreno e o futuro, não se excluem, mas se
implicam mutuamente. Mt 25, 31ss, ratifica esta perspectiva, porquanto a
discriminação escatológica sanciona a condição de “benditos” ou “ malditos” que
os homens adquiriram no presente da sua relação interpessoal.

Disse-se que a ética de Jesus é uma ética do ínterim, orientada vigorosamente


para a escatologia. Aceita-se esta visão, desde que não se deixe de fazer
referência de tal ética ao momento presente. Assim, já defendeu Bultmann
dizendo: a doutrina de Jesus impõe a urgência da decisão agora, decisão que é
possível graças a uma acção de Deus no homem ou a presença do reino. Todavia,
a tese de Bultmann prescinde da prova a que há-de ser submetida a decisão no
tempo que falta até ao fim.

Conclui-se que a escatologia dos sinópticos funde as duas series de afirmações


escatológicas num quadro unitário, no qual se articulam como componentes
essenciais e mutuamente referidos, a presencialidade a futuridade do reino de
Deus.

Uma primeira aproximação a Paulo basta para captar a importância decisiva que
tem na sua teologia os acontecimentos pascais: a morte, ressurreição de Cristo
são o núcleo do seu evangelho e a razão que move o apóstolo a afirmar que
chegou o fim dos eões (1Cor10,11) ou “ a plenitude do tempo (Gal 4,4). Em
Cristo penetra um agora que é o começo da nova criação: “ agora é o tempo
favorável (2Cor 6,2); “agora se manifestou a justiça de Deus”( Rm 3,21). Assim,
o “ velho passou, tudo é novo” ( 2 Cor 5,17). E tudo isto acontece em Cristo
ressuscitado, que é o Espírito vivificante (1 Co 15,44) que derrota a morte e é
princípio da nova vida (Gal 2,10; Flp 1,21; Col 3,4). Mas este agora da decisão e
da posse dos bens salvíficos não pode ser entendido senão na sua orientação ao
futuro, de que Paulo se ocupa com não menor interesse e frequência. O velho eõn
subsiste ainda, embora os que estão em Cristo tenham sido subtraídos dele (Gal
1,4); mas subsiste como passageiro (1Cor 7,31). Daí que o olhar do apostolo se
dirija ansiosamente para a consumação que trará “ o dia do Senhor” (1Cor 1,8;
2Cor 1,14; Flp 1,6.10; 2,16; 1Ts4,15; 2Ts 2,1; 1 cor 15,23; 1,7; 2Ts 1,7), isto é, a
parusia ou a revelação de Cristo.

A tensão para a parusia e a esperança na ressurreição se conserva inclusive ali


onde Paulo renunciou chegar vivo ao dia do Senhor. Na carta aos filipenses,
efectivamente, se contempla com serenidade a morte antes do fim porque ela
supõe o “ser com Cristo” (1,23). Mas nem por isso se abandona a expectação
frente a esse fim que” consuma a boa obra” ( 1,6.10; 2,16, em que Cristo
transfigurará nosso corpo à semelhança do seu ( 3,20-21). Na carta aos efésios se
fala, como nos sinópticos, do “ mundo vindouro” ( 1,21), do crescimento da
comunidade (4,12-13) até ao dia da redenção ( 4,30). Diante destas passagens,
parece insustentável atribuir a Paulo uma escatologia existencial que se esgota no
momento da decisão. Paulo, à semelhança do sinópticos, procede a uma fusão de
elementos presentistas e futuristas, sem que nenhum deles se possa adscrever-se a
uma determinada etapa do pensamento Paulino, posto ambos se encontram desde
1Ts até Ef. A escatologia Paulina é, como a de Jesus, histórico-salvífica. A idade
presente é escatológica não só porque oferece uma nova forma de existência na
fé ( o ser em Cristo), mas sobretudo porque Deus operou um começo da nova
criação, que tende a consumar-se na plenitude o telos parusíaco.

O Evangelho de João representa, a peça mestra da argumentação de Bultmann a


favor da sua concepção escatológica. A visão de João se distingue, sem dúvida da
dos outros escritos do NT, pela constante acentuação do carácter actual dos bens
salvíficos. Assim o conceito sinóptico do “reino de Deus”, é substituído pelo o de
“vida” ou “ vida eterna”( jo 3,36) e a vida se possui já agora pela fé em Cristo
( 3,15-16.36; 5,21.24.40; 11,25-26;17,3), esta penetração da vida eterna na
existência temporal do crente atrai para o interior da historia os acontecimentos
específicos do eschaton. A parusia parece ter tido lugar na manifestação gloriosa
de Cristo ressuscitado: 14,3.18-20). O juízo se realiza agora, na aceitação ou
recusa de Cristo e sua palavra: “quem não crê nele já está condenado” ( 3,18-19)
e o que escuta a palavra e crê “ não incorre em juízo” ( 5,24).

No diálogo com Marta, esta manifesta sua fé na ressurreição “do último dia”
(11,24). Jesus opõe o presente de uma ressurreição que se confunde com a sua
própria pessoa. “ Eu sou a ressurreição” (11,25).

A par das passagens que sublinham uma escatologia presentistas, outras há que
colocam a consumação no futuro; em 1Jo reaparece com vigor inesperado a
escatologia tipicamente futurista: juntamente a 2,18 ( “ é a última hora”), em 2,
28 fala-se da “ manifestação” e “a parusia” de Cristo com os termos clássicos de
tal escatologia; 3,2, sustenta que a consumação ainda não chegou e chegará com
a manifestação final de Cristo. Assim estão de novo no campo do “ já e ainda
não”, embora o momento do já se destaque com maior ênfase. O juízo actual quer
sublinhar a urgência inadiável da decisão frente a Cristo; a atitude do homem
diante da interpelação da palavra infere uma real discriminação que, todavia, não
desvaloriaza a crise definitiva do fim dos tempos. No diálogo com Marta, as
palavras de Jesus pretendem corrigir uma visão da salvação exclusivamente
futura ( própria da escatologia judia) com a visão cristã de uma salvação já
iniciada pela fé no Filho. O sacramentalismo do quarto evangelho ( 3,5-
8;6,27.53-58.62-63;19,34-35,20,22-23), suas repetidas referencias a tarefa
missionária da comunidade dos crentes ( 4,38;10,16;11,52; 17,18-21), as
instruções do discurso de despedida ( CC 14-15), são elementos que encaixam só
no horizonte de uma escatologia futura. Em síntese podemos dizer: sejam quais
forem as razões que moveram João a ressaltar o já sobre o ainda não o que
importa, em todo caso, é constatar que não eliminou o segundo momento da
tensão; reteve, conservando assim, o rasgo característico e comum à escatologia
dos outros autores neotestementários.

Se em João como em Paulo e nos sinópticos, a tensão entre os dois elementos


constitutivos da escatologia se pode manter sem que o quadro se dissolva numa
antinomia irreconciliável, é porque há um centro unificador dos dois pólos:
Cristo. Constatou-se que na consciência de Jesus está patente a presença do reino
nas suas acções e palavras e a certeza de sua consumação futura na vinda do
Filho do homem. Para Paulo as fórmulas “ em Cristo”, “ com Cristo” remontam
a dialéctica “ na carne”- “não segundo a carne” e amortizam sua aparente
contraditoriedade. João projecta sobre Jesus pré-pascal a glória de Cristo
ressuscitado, de quem faz o centro de todas as acções salvíficas divinas. Desta
forma, a escatologia do NT é, última analise, uma cristologia. Se ao fino dos
capítulos precedentes assinalamos que Yavé é o autêntico eschaton da esperança
veterotestamentária, temos de dizer, agora, o mesmo de Cristo no horizonte do
NT. Porque Cristo veio, a escatologia neotestamentária é presentista; porque
Cristo há-de vir, é, por sua vez, futurista. O futuro recebe sua confirmação do
presente e o presente alcança sua profundidade no futuro. Tão original
compreensão do historia não é produto de considerações especulativas, mas da
experiencia de Jesus sobre sua própria pessoa e a da comunidade sobre Jesus, o
Senhor da historia.
4. O desafio da proximidade da parusia

Este é um dos problemas mais espinhosos da escatologia do NT. Na linguagem


de Snakenburg, o assunto constitui uma grande tentação em considerar como
criação da comunidade textos incómodos. Diga, porém, em abono da verdade, a
tese da escatologia consequente não se impõe como a única solução
cientificamente plausível às questões colocadas pelo NT. É possível,
efectivamente, entender os textos na perspectiva de uma escatologia centrada
sobre a tensão do “ já e o ainda não” e não sobre a expectação exclusiva de um
fim iminente.

É evidente que os primeiros cristãos esperaram por uma parusia próxima, dentro
da sua geração. Os textos como 1Ts 4,15-17 e 1Cor 15,51-52, são contundente a
este respeito; supõem que nem todos os membros da comunidade terão morrido
antes da “ vinda do Senhor Jesus”. “ Nós os sobreviventes” (1Ts 4,17) Paulo dá a
entender que está seguro de contar-se ele mesmo entre esse grupo privilegiado de
testemunhas da parusia.

O problema, contudo, não se resolve com a simples verificação da existência de


uma espera a curto prazo. O mais importante é avaliar o grau de interesse
teológico que se atribuía ao tal prazo. E por outra: entendeu a comunidade
primitiva que sua esperança escatológica dependia essencialmente do fim
iminente da vinda de Jesus? Se assim for, e se a esperança dos primeiros cristãos
se centrou, exclusiva e substancialmente, na resolução iminente da história, em
nada difere da esperança judaica. A esta redução se opõe o que já foi dito
anteriormente sobre o já da salvação como elemento constitutivo de da
escatologia na Igreja primitiva. Não será mais certo que é a certeza da salvação já
acontecida o que fundamenta a intensidade e a vivacidade da expectação? E não
será precisamente essa nova apreciação qualitativa do tempo ( o decisivo já teve
lugar) o que intensificando a dimensão da espera, facilitou a transposição do
mesmo a uma escala quantitativa ( a espera será curta porque o decisivo já teve
lugar?)

Na verdade a comunidade sobreviveu a ruína do constituiria sua persuasão


fundamental (a parusia próxima) sem renunciar a sua atitude característica da
expectação. Paulo, a partir da carta aos romanos, renuncia a contar-se entre os
privilegiados que testemunhariam a parusia, mas continuou a alimentar a
esperança na parusia (Flp 1,6.10; 2, 16; 3,20-21). 2 Tim 4,1.8 exorta à esperança
na epifania do Senhor. O “ conceito de proximidade”que remonta a 1Ts e 1Cor
(quando se esperava a parusia dentro da primeira geração cristã) continua a
utilizar-se quando este cômputo foi amortizado pela realidade. Por isso, a
proximidade a que a esperança cristã situa seu objecto não parece obstar a
dilação da parusia. Assim porque a esperança no futuro não se enraíza em si
mesma, mas sobre algo anterior e irrefutável: o já da salvação.

Paulo, por fim, exorta os crentes a não se preocuparem com a proximidade


cronológica, a estarem preparados, o Senhor chegará como ladrão (1Ts 5,2.4).
apesar das apreciações que Paulo tenha podido fazer a título pessoal, o que
transmite como doutrina de fá é a exortação de encontrar-se sempre disposto e
disponível porque não se sabe quando acontecerá a vinda5.

Na segunda carta de Pedro, em resposta aos que ridicularizam a atitude crista de


espera de algo que nunca mais acaba de chegar, relativiza o tempo de espera, que
não pode ser computado segundo o critério humano, porquanto “ diante do
Senhor um dia é como mil anos e mil anos é como um dia” ( 2p 3, 1ss), de tal
sorte que não pode falar-se do atraso da promessa. Alem disso, “ o dia do senhor
chegará como ladrão”. A nota característica da parusia é sua imprevisibilidade.
Portanto, a parusia está próxima, uma vez que pode acontecer a qualquer
momento. Sua proximidade não pode medir-se em dias ou anos humanos, porque
esta medida é estranha a Deus. Resta apenas estar vigilantes e preparados!

O essencial não é a determinação do prazo, mas a certeza de que com Cristo


penetrou a salvação e, por conseguinte, estamos nos “ últimos dias”; a parusia
acontecerá quando menos se pensa nela. Nos textos analisados não se encontrou
nenhum rasto de uma grave decepção da comunidade por causa do prazo.

Em Jesus, recordemos, nem presente, nem o porvir só integram a sua concepção


escatológica, mas combinada a tensão de ambos; o cumprimento actual da
promessa e a proximidade futura da consumação. O que se deduz de uma análise
imparcial do material sinóptico mais autentico é que Jesus contou com um tempo
antes do fim, suficientemente longo para que tivesse sentido falar da tensão entre
o já da sua vida terrena (com sua morte e ressurreição) e o ainda não de sua
parusia gloriosa.

Ele, sinteticamente falou de três aspectos:

a) Proximidade da parusia
b) A imprevisibilidade da hora da parusia
c) A previsão de um tempo intermédio.

5
-Ibidem, p. 143.
O tempo intermédio prova-se pelo desconhecimento do momento da parusia e
pelo desinteresse do seu cálculo. A vida de Jesus é tida como o momento da
sementeira, de pôr em marcha um processo; precisa-se entretanto, de paciência e
perseverança para desfrutar da sua plenitude. A criação de um discipulado, as
instruções ao mesmo sobre o modo de comportamento no mundo e, sobretudo, a
designação de uma tarefa missionária a esses discípulos supõem em Jesus a
certeza de que o fim não virá com sua morte, porque nada disso teria sentido.

À guisa de conclusão podemos afirmar: a tensão entre o já e o ainda não deriva


do mesmo Jesus; não há ruptura neste ponto entre a sua doutrina e a da
comunidade primitiva. A persuasão da presença operativa do reino na sua pessoa
não impediu a Jesus dirigir o olhar para o futuro de que aguarda a consumação.
É, por isso mesmo irrefutável a função de um tempo intermédio, visto que sem
ele não haveria elementos fortes da doutrina evangélica de : uma comunidade
escatológica, uma tarefa missinária, uma ética exigente, um desejo da
expectação. Que esse tempo se tenha prolongado mais para além do previsto pela
ciências humanas, em Jesus não modifica a estrutura do sua concepção
escatológica, como não modificou em Paulo ou nos restantes autores do NT. Em
todo caso, e garantida a previsão de um certo tempo intermédio, o facto da
presença actual do reino, a asseveração reiterada do desconhecimento da hora, a
tenaz insistência na sua índole repentina que obriga a vigilância indeclinável, são
factores que tinha de relativizar, na mesma consciência de Jesus, eventuais
manifestações sobre um fim dentro da sua geração; por outra parte, essas mesmas
razões justificam - e inclusive impõem - a linguagem da “ proximidade” com que
se fala da parusia. A certeza de que o destino da história se decidiu já na pessoa,
na vida e morte de Jesus, implica que nada mais importante nos separa ainda do
fim; por conseguinte, este pode acontecer em qualquer momento. Os dias
presentes estão marcados, de forma indelével, para “ o dia do Senhor”; eles
constituem, em rigor, “os últimos dias” (lipongiyi akwetu, yesu wiya)!

PARUSIA

A palavra grega derivada do verbo “ paremi ( estar presente, chegar) significa


presença, chegada de pessoas ou coisas ou acontecimentos. Aqui interessa
sublinhar, para o nosso caso, o uso cerimonial do termo que no uso helenista
significa descida, manifestação de pessoas divinas á terra, como as visitas dos
reis, príncipes às cidades submetidas ao seu império.
Na época medieval, por exemplo, a parusia de César, podia, inclusive dar lugar a
uma nova era, porquanto despoletava uma viragem decisiva na história. Pelo que
o povo aguardava ansiosamente a sua vinda, por trazer benefícios excepcionais.
Por isso, a parusia tinha sempre uma dimensão jubilosa e festiva.

Os escritos do NT utilizam a palavra na sua acepção técnico –religiosa, salvo


numa ocasião ( 2Ts 2,9) que designava o advento glorioso de Cristo no fim dos
tempos. Note-se e desde já que, a parusia está mais ligada com o fim do mundo
(Mt 24, 3.27.37.39; 1Ts 2,19; 3,13; 2 ped 3,4.12; aqui o fim do mundo presente é
seguido de uma nova criação, com a ressurreição ( 1 Ts 4,15, 1Cor 15,23); e com
o juízo ( 1Ts 5, 23; 1Jo 2,28). O texto de 1Ts 4,13-18 é a descrição mais directa e
completa da parusia.

Em 1Cor 15, a vinda de Cristo põe em marcha o processo inteiro da consumação:


a ressurreição dos mortos, o juízo que comporta a destruição dos inimigos, o fim
do mundo presente e a nova criação na qual Deus será tudo em todos. Esta vinda
de Cristo conclui e consuma a história enquanto história de salvação6.

1.2- Dia do Senhor

A fórmula “dia do Senhor” ( 1Ts 5,2; 2Ts 2,2; 1Cor 5,5) se emprega com
numerosas variantes: “ o dia de nosso Senhor Jesus Cristo”( 1Cor 1,8); “ o dia de
nosso Senhor Jesus” (2Cor 1,14); “ o dia de Cristo” (Flp 1,10; 2,16) e
simplesmente “ o dia” (1cor 3,13; Rm 2,16; 2Ts 1,18; 4,8). A sua origem deve-se
a uma transposição cristológica “ do dia de Yavé (Lc 17, 24) Jo, 8,56),
transposição extremamente importante e significativa porque salienta
irrefutavelmente a continuidade do conceito neotestamentário da parusia com a
esperança escatológica do AT e, por sua vez, a novidade diante da esperança
cristã centrada na figura de Cristo.

Com a variante da nossa fórmula pode considerar-se a expressão sinóptica “


vinda do Filho do Homem (Mc 13,26; 14, 62; Mt 10,23; 16,27; 24, 44; 25,31; Lc
6
-Ibidem, p. 156.
12, 40; 18, 8); mesmo aqui o precedente imediato é a ideia veterotestamentária
(Dn 7) e o elemento que se evoca preferencialmente e o do juízo.

1.3- EPIFANIA, APOCALIPSE E MANIFESTAÇÃO.

Esta tríade de palavras pertence, obviamente ao vocabulário neotestamentário da


parusia. O termo epiphaneía substitui, nas cartas pastorais, termo parusia que
não se encontra nelas. Esse termo usava-se no helenismo para se referir a
manifestação das divindades pagãs, ou personagens reais que se apresentam
como relação dessas divindades. Foi utilizando mais tarde no culto imperial; os
imperadores são distinguidos com o título de epífanes, juntamente com o de
senhor, deus, salvador. Isto acontecia por ocasião do seu aniversário, no começo
do seu mandato imperial com visita a uma cidade. Nota-se um parentesco muito
estreito entre epiphania e parusia.

Nas cartas pastorais, o que mais nos interessa, o termo refere-se indistintamente à
primeira aparição de Cristo, isto é, a encarnação e consequentemente a sua
existência terrena. (2Tm 1,10; Tt 2,11;3,4, onde se emprega o verbo
correspondente), ou a sua vinda final: 1Tm 6,14; 2Tm 4,1.8; Tt 2,13. Esta
ambivalência do termo patente (em 1Tm 2,11.13) constitui o antecedente
escriturístico da distinção que farão dos padres entre uma dupla vinda do
Salvador, e insinua o carácter escatológico do tempo, a partir do seu nascimento
até à última manifestação.

Como variantes de epiphania podem ser entendidos outros dois termos: o


substantivo apocalipse e o verbo manifestar-se (phaneroûn), na voz passiva.
Apocalipse aparece já em 1Cor 1,7 como objecto de esperança cristã, como
sinónimo de “ o dia de nosso Senhor Jesus Cristo” de que fala o V. 8. No mesmo
sentido se emprega o termo em 1ped 1,7.13;4,13. O carácter glorioso e
plenificador desta revelação é evidente.

O verbo manifestar-se não acrescenta nada de novo. Veja-se em Col3,4 (a


manifestação de Cristo implicará uma paralela manifestação em gloria dos
cristãos.

Todavia, o NT testamento não se limita a proclamar e esperar a parusia de Cristo,


mas em diversos lugares faz-se referência a alguns sinais que a precedem.

a) O esfriamento da fé (Lc.18,8).
b) A aparição do anticristo (2Ts2,1ss);
c) A pregação do evangelho a todas as nações (Mt24,14)
d) E a conversão de Israel (Rm 11,25ss).

De todos esses sinais o que mereceu maior atenção na exegese é o anticristo,


descrito com os rasgos do império Romano, no qual se encarna o espírito de
oposição a Cristo (Ap 13,1-10) há flutuação na caracterização e na localização
temporal do anticristo, o que deu, evidentemente, azo para interpretar o anticristo
como o símbolo dos poderes que, ao longo da história, se opõem ao reino de
Deus.

A conversão de Israel é objecto de um longo desenvolvimento em Rm 11. O


povo judeu continua sendo, pese embora a sua oposição ao evangelho, o povo
eleito; porque a fidelidade de Deus é mais forte que a infidelidade do homem
(vv28-29). Mas se nota que Paulo estabelece uma dialéctica “ nações - Israel”
que remonta ao universalismo da vontade salvífica divina: a unidade original do
género humano foi potencialmente restabelecida em Cristo e se consumará no
eschaton, no qual só haverá um povo (Rm 15,7-12).

1.4- EXISTÊNCIA CRISTÃ E A PARUSIA

A primeira comunidade cristã se concebeu como sociedade irresistivelmente


atraída pela esperança no futuro último de Cristo. Saliente-se em primeiro lugar a
cor escatológica da celebração da eucaristia já sugerido nos relatos da instituição
( Mt 26,29; Mc 14,25; Lc 22, 16-18) e na alegria da fracção do pão da
comunidade de Jerusalém (Act 2,46), e confirmado explicitamente nas
importantes palavras de 1Cor 11,26: a eucaristia se celebra como memorial de
Cristo “até que ele venha”. Provavelmente soa-se também a venerável oração
aramaica: maranatha (“vem senhor”). A celebração litúrgica era vista na Igreja
primitiva como antecipação mística do reino de Deus, uma vez que nela acontece
já algo que será realidade permanente no fim dos tempos.

Entre as razões que moveram os tessalonicenses a “abandonar os ídolos” e


“converter-se a Deus”, conta-se a esperança em “Jesus, que há-de vir do
céus”(1Ts 19-10). Tal esperança por conseguinte, e, por sua vez, objecto de fé e
fundamento da conversão a fé. Compreende-se assim, que a ética da comunidade
primitiva fosse estritamente escatológica. As atitudes do cristão no mundo têm
por normativa a referencia à esperança da parusia.

Das necessidade de vigiar e orar para que sua vinda não nos surpreenda, Paulo
deduz uma série de atitudes fundamentais, desenvolvidas a partir das antíteses dia
(do Senhor)- noite, luz-trevas; a sobriedade, a temperança, o exercício da fé, o
amor e a esperança (1Ts5,4-8).

A índole escatológica da ética crista poderia dar azo ao desinteresse pelo mundo
e a passagem de 1cor 7,29-31, parece um convite à evasão das tarefas e deveres
dos temporais. Mas o pensamento de Paulo é muito matizado, neste aspecto. Ele
mesmo teve reagir contra a tentação de fuga presente em alguns membros da
igreja de Tessalónica, que sob o pretexto da iminência da parusia, se descartavam
do trabalho diário para viver a custa dos seus irmãos. O apóstolo ordena:
“trabalhem para comer o seu próprio pão”( 2Ts3,6-12). A esperança da parusia
deve ser interpretada e vivida como libertação, enquanto relativiza os valores
intramundanos. Tal função libertadora se revela naqueles lugares em que Paulo
associa a ideia da parusia com a de gozo ( 1Ts 2,19;Rm 12,12, e sobretudo em
Flp4,45: “ estai sempre alegres no Senhor; novamente vos digo, estai alegres.. o
Senhor está próximo”. E igualmente nas passagens em que se exorta aos cristãos
a encarar com coragem as tribulações actuais; esses sofrimentos os tornam
participantes das de Cristo e pressagiam uma participação paralela na sua
glorificação definitiva. ( 2Ts1,4-10; 1Ts 1,3, Rm5,3-5; 2Cor 1,37. É notável,
nesta perspectiva, o texto de Rm 8,18: “ os sofrimentos do tempo presente não
têm comparação com a glória que há-de ser revelada em nós”. Os versículos
seguintes definem a gloria que se espera como “ libertação da escravidão”que
terá lugar na parusia com a ressurreição e a nova criação7.

1.5- A FÉ DA IGREJA NA PARUSIA

O anúncio da vinda de Cristo se encontra em todas as manifestações de fé da


Igreja (testemunho dos padres, liturgia e doutrina do magistério). Note-se e desde
já, que houve épocas em que tal não aconteceu.

A fé na vinda gloriosa de Cristo fica registada nos símbolos da fé desde o seus


primeiras recensões com a fórmula “ há-de vir julgar” (Ds 6,10ss). Este juízo
referido não significa que a parusia está em função do juízo, mas juízo como
manifestação do poder e não como acção judicial. Vir a julgar significa vir em
poder.

A impregnação escatológica do acto central de todo o cristão é sumamente


significativa, ao mostrar o carácter irrenunciável que a Igreja reconhece desta
7
- Ibidem, 161.
maneira a parusia do seu Senhor. Em toda a celebração eucarística, a comunidade
de crentes reafirma a sua esperança na vinda gloriosa de Cristo e, por sua vez,
confessa sua fé na sua actual presença sob as espécies sacramentais.

É inegável, pois que o pensamento parusia sofreu uma progressiva neutralização,


da patrística a teologia medieval e desta aos nossos dias. Desde a idade Média até
ao concilio Vat II, só duas vezes aparece nos documentos do magistério: no IV
concilio de Latrão ( Ds 801) e na profissão de fé do imperador Miguel Paleólogo
(Ds852). Em ambos os casos se trata de uma alusão rotineira. Com o VAT II
retoma-se a questão. LG 48e 49;Gs 39; Ad gentes 9; a actividade missionária
decorre “entre a primeira e segunda vinda do Senhor, na qual a Igreja será
consagrada como mel, no reino de Deus desde os quatro ventos”.

Os Nºs 48 e 49, recolhem, dentro da sua concisão, os mais importantes elementos


da doutrina neotestamentária: a íondole triunfal da vinda que se espera e, por
conseguinte, a actitude de espera gozosa na e confiante que convêm aos cristãos;
a Parusia como plenificação da obra começada, tanto a novidade dos indivíduos
com da própria comunidade Eclesial, que “ não alcançará a sua consumação a
não ser no fim da história. Em GS se diz que o reino já presente “ se consumará
com a Vinda do Senhor”.

1.6- REFLEXÃO TEOLÓGICA

Os dados examinados até ao momento nos mostram a importância absolutamente


excepcional que a parusia tem no interior da fé cristã. Ela constitui o pila
fundamente da vida das primeiras comunidades cristãs.

Curiosa e significativamente, a teologia se limitou, de modo geral, a repetir o


artículo da fé, sem aprofundar o seu significado. Desde modo, a parusia não
exerceu, até recentemente, nenhuma influência, nem na vida religiosa dos
crentes, nem na elaboração doutrinal dos teólogos. Que o Senhor vem, que a
salvação vem, que a história conhecerá um cumprimento, é o tema que domina
todos os outros. Assim a renovada atenção prestada a escatologia em geral, e a
preocupação que suscita tudo o que se prende com o futuro, renovou o interesse
pela parusia.

a) A PARUSIA E O FIM DA HISTÓRIA


A primeira conclusão que se nos impõe a fé na parusia é que o devir histórico é
um processo limitado, não indefinido ou interminável. Assim como a história tem
um começo também terá um fim. Esta limitação da história é de capital
importância, porquanto um futuro interminável desemboca num eterno presente e
numa concepção circular do tempo. Nota-se que o que está em jogo é a questão
do sentido. Para que a historia e a realidade inteira tenham sentido e significado
como um todo, é preciso que tudo chegue ao seu fim, e a um fim plenificante.
Ora, a parusia fecha a historia, a conclui consumando-a. Efectivamente,
represente a justificação do tempo histórico, o esclarecimento do seu significado.
Ela é na verdade “ o fim” no duplo sentido da palavra: o término e a finalidade
(plenificante) de todo o processo.

Entretanto, há interpretações teológicas da parusia que preferem reter desta dupla


acepção só a segunda (a finalidade) deixando de lado a primeira, o ( o fim
términio). É o caso de Dodd (e Lohfink), que reduz a parusia ao encontro
pessoal com Deis de cada individuo ao fim da sua vida. Nesta perspectiva, para
Bultmann (com o desejo ardente de eliminar os elementos apocalípticos) é a
continua iminência da crise que a palavra de Deus provoca na homem e lhe
convida a decisão. Ambos ensaios conduzem a uma negação do facto da parusia
e a uma radical exacerbada destemporalização e privatização do escatológico.

Efectivamente, quando a parusia se desliga da história no seu conjunto e passa a


ser pregada das pessoas singulares, a história e o mundo deixam de ser remíveis.
A consequência deste paradigma é a perda da dimensão critico-libertadora
inerente a mensagem autenticamente escatológico.

Por outro lado, desde o ângulo cristológico, não se pode eliminar a parusia como
acontecimento sem pôr em perigo o carácter objectivo que reveste a ressurreição
de Cristo. Se a ressurreição é um dado objectivo, a parusia, que é sua
comprovação última, tem que ser um dado objectivo, com o carácter de um
acontecimento. Por outras palavras, o realismo da encarnação e da ressurreição
de Cristo impõe o realismo da parusia. Por fim afirmar o fim da história não o
mesmo que afirmar um fim do mundo na dimensão de catástrofe cósmica.

b) A PARUSIA E A PASCOA DA CRIAÇÃO.


Uma vez salvaguardada a dimensão do acontecimento (e não de mero símbolo)
da parusia, cabe interrogar-se por sua natureza. Se pode falar dela como
revelação e de uma novidade.

Em relação ao carácter revelador da parusia, há que afirmar que Cristo como


Senhor tem que tornar-se patente como tal, isto é, a obscuridade da fé deve dar
lugar a visão, o Jesus Servo tem que ter sua reivindicação. Desde Cristo a parusia
é revelação de algo já actual: que Ele é o Senhor.

Note-se que o NT nunca fala de um “retorno” ou de um “regresso” de Cristo. E,


rigor, Cristo não desapareceu, não partiu; a ressurreição não instaurou um vazio
cristológico na história, nem a parusia é uma espécie de retorno do expatriado.
Pelo contrário, a fé confessa uma presença real e actual de Cristo no mundo,
significada pelos sacramentos e pela comunidade (Mt 18, 20; 28, 20). Assim
pois, não há duas vindas de Cristo ao mundo, mas uma: a que teve lugar na
encarnação. O que ocorre é que essa única vinda se articula em três fases: a
assunção da condição de Servo, a entronização como Senhor e a manifestação
completa desse senhorio.

Todavia, a parusia trás também algo de novo: o cumprimento, a plenitude


consumadora. Para compreender bem este aspecto há que recordar que o NT
nunca fala apenas da parusia. Quando a menciona a associa ao resto dos eventos
escatológicos: ressurreição dos mortos, nova criação, vida eterna. Há que evitar a
impressão de que o esperado ao final dos tempos é um conjunto de sucessos
plurais, independentes entre si, que se dão de facto, o mesmo que poderiam dar-
se outros. A célula geradora de todo o eschaton é a parusia, isto é, revelação da
realiza de Cristo, por uma parte, e a consumação da sua obra, por outra. Enquanto
novidade consumadora, a parusia consiste na ressurreição, no juízo e nova
criação, entendidos como dimensões ou concretizações do único acontecimento
que é a “ vinda em Poder”, que leva o Reino de Deus a sua plenitude.

Cristo ressuscitado venceu a morte e foi constituído Senhor. Mas não se trata só
de uma proeza pessoal, mas que o acontecimento da pascoa é o mesmo
acontecimento escatológico, a salvação de Deus operante desde a entranha da
historia que vai imprimindo nela um dinamismo irrefreável para a sua
consumação. O que a comunidade cristã aguarda quando recita o “ maranathá” é
o que sucedeu já na humanidade desse Jesus a quem invoca: a ressurreição de
toda a realidade.

A parusia, enquanto último acto da história da salvação, é a Páscoa da criação,


sua passagem à configuração ontológica definitiva mediante a anulação do
desfasamento ainda existente entre Cristo e sua obra criadora. A humanidade, o
mundo, não são ainda o que são chamados a ser e chegarão a ser, segundo a
promessa incluída na ressurreição de Cristo. Precisamente por isso, aguardamos a
parusia. A parusia, dito de outra maneira, mais do que vinda de Cristo ao mundo,
é uma ida do mundo e dos homens à forma de existência gloriosa de Cristo
ressuscitado. A parusia é o último estádio da nossa transformação em Cristo. O
destino cristológico estava incrustado na criação desde o seu começo; agora se
cumpre como emergência das pulsões injectadas no interior do real pela pascoa
do seu Senhor, e não por via extrinsecista de um decreto administrativo. Há que
afirmar que Cristo é o eschaton e não tem eschaton. O mundo e nós somos os que
temos eschaton, não Ele. Cristo, portanto, não está separado do eschaton, nem
deve chegar a ele. Em rigor já não tem futuro próprio, nós somos seus únicos
futuros ainda pendentes. A parusia não é o eschaton de Cristo, mas o nosso. Não
lhe trás nada que não tivesse há por sua Páscoa, a não ser seu completar-se em
nós (em nossa Páscoa), enquanto glorificados com e por Ele.

Em todo caso, a parusia diz respeito ainda a história, enquanto a clausura: mas é
simultaneamente meta-histórica. A categoria “ acontecimento” que tem que
suportar esse paradoxo. Ao ser o limite extremo do tempo lhe pertence e lhe
transcende ao mesmo tempo. Enquanto fim da história, é ela mesma histórica,
pois de outra forma não poderia acabá-la; enquanto revelação imediata, evidente
do ressuscitado, faz saltar definitivamente o marco espacio-temporal que
constitui a história e a possibilidade de nossas representações, pois o histórico
não pode ser nunca o lugar da percepção imediata e intuitiva do divino, isto é, do
eterno.

c) A PARUSIA E A PRAXIS CRISTÃ

A consciência de viver na iminência da parusia era muito forte nos cristãos das
primeiras gerações, de modo que a “espera próxima” era ingrediente inseparável
da mesma esperança parusiaca. O maranathá é uma expressão paradoxal de uma
experiencia absolutamente inédita e dificilmente questionável: a de aguardar por
alguém presente, no ausente (eu estou convosco todos os dias até ao fim do
mundo Mt 28, 20). Contudo a espera próxima paulatinamente se tornou espera
distante e progressivamente caiu no esquecimento. E uma igreja que não espera o
regresso do seu Senhor termina instalando-se no mundo o mais comodamente
possível, e pactuando com os poderes estabelecidos e constituindo ela mesma em
centro de poder. Esta mudança é lógica: a uma desatenção crescente pelo futuro
escatológico deve corresponder uma atenção crescente pelo futuro intra-historico.
Só a memória inquietante da iminência da parusia pode libertar a igreja para uma
função libertadora. Só uma igreja convencida da real proximidade do Senhor, que
proclama de novo o maranathá com a mesma ansiedade expectante dos
testemunhas da ressurreição, recusará a tentação de converter-se em anjo de
custódia de uma ordem estabelecida, se subtrairá ao risco de acomodação ou
conivência, levantará sua voz para denunciar profeticamente o pecado da
desmesura que consiste em fazer passar por definitivo o que não é mais que
provisório.
A espera da parusia deve conduzir a actividade. Esperar a parusia é crer que
Cristo venceu a injustiça, a dor o pecado e a morte, e que exige de nós não a
resignação passiva diante da persistente emergência destes fenómenos. Anunciar
o triunfo final do reino de Deus é, sem dúvida, “ dar testemunho da verdade”.
Consequentemente, proclamar a vinda de Cristo em poder e a victoria definitiva
sobre o mal, o pecado e a morte, é combater para que se imponham o bem, a
justiça e a vida. O anúncio deve ser acompanhado de sinais, de obras que põem
em prática o que se anuncia. O esperar cristão é actuar. Esse será o melhor modo
de anunciar o futuro de plenitude que espera a criação.

A RESSURREIÇÃO DOS MORTOS

A ressurreição é a esperança fundamental do cristão. Para todos aqueles que


estiveram associados ao amor e a cruz do Senhor, Jesus lhes oferece também
partilhar da sua ressurreição. A oferece inclusive àqueles que não puderam
conhecê-lo ou que o recusaram por ter uma visão deformada d’Ele. O NT quando
fala da ressurreição se refere à ressurreição para a vida, ou para o Reino de
Deus. Todavia existe também a afirmação da ressurreição para a condenação ( Jo
5, 29). Ao tratarmos deste tema devemos ter presente estas duas perspectivas. De
igual modo devemos ter presente o tema da “imortalidade da alma”
Para muitos cristãos, a fé na imortalidade da alma substituiu a da ressurreição
O modo como se concebe a relação entre imortalidade da alma e ressurreição está
muito vinculado a si se admite um “ estádio intermédio” entre ressurreição e a
morte pessoal. A esse respeito há duas posições.
A primeira, que chamaremos “escatologia de dupla fase”, é a que dominou
amplamente na Tradição eclesial. Fala da existência de um “tempo intermédio”
entre a morte e a ressurreição. A morte acarretaria uma separação da alma e do
corpo. A alma separada se encontraria com Deus de modo imediato e aí se
decidirá sua sorte (juízo): sua participação no Céu ou no inferno. Neste estado
esperaria até que tivesse lugar a parusia, a união com o seu corpo com a
ressurreição e a nova criação.
Uma variante desta posição apresenta-a Leonardo Boff que perspectiva uma
ressurreição imediata depois da morte. Contudo, dita ressurreição não estaria
completa ate consumar-se a salvação de todo o mundo na parusia. Como se vê,
trata-se de uma “ressurreição de dupla fase”.
A segunda, a chamaremos de “ escatologia de fase única” perspectiva que existe
um tempo intermédio. A pessoa morre e de imediato ressusta; e isso porque se
encontraria já na parusia. A razão disso é que, com a morte, o ser humano deixa o
espaço-tempo da sua condição terrena e passa a viver de imediato o fim da
historia. Esta perspectiva aceita que com a morte se separa a alma do corpo, mas
recusa que a alma separada possa ser o objecto fundamental do juízo, bem-
aventurança, purgatório e condenação. Afirmar isso seria voltar a uma concepção
platónica da salvação. Outro aspecto é que com esta explicação se evitará
conceber um juízo depois da morte e outro na parusia, um estado “ celestial” da
alma de um lado, e a Nova Criação do outro.

2.3.2 O ENSINAMENTO DO AT.

Ainda que se trate de um tema bíblico tão central, a revelação da ressurreição


seguiu uma lenta pedagogia. Contrasta a enorme pobreza das ideias judaicas
sobre o mais além com as de seus vizinhos.

a) AS CONCEPÇÕES DA ÉPOCA PATRIARCAL

A ideia do poder de Deus sobre o sheol é o mais importante ponto de partida da


ideia bíblica da ressurreição. Para isso há que explicar que os textos mais antigos
que se ocupam do tema levam a uma conclusão inesperada: a de que judaísmo
primitivo utilizava dois esquemas diferentes ao falar do homem.
Quando se trata do homem vivo, o esquema era claramente unitário, a volta dos
conceitos nefesh, basar e ruaj, que se referem sempre a todo o homem embora
sob pontos de vista ou acentos distintos. Outro esquema muito diferente aparece
quando os hebreus falam do homem morto. Aqui se distingue entre cadáveres e
os “refaím”; enquanto os primeiros estão no sepulcro, os segundos sobrevivem
no sheol.
Depois da morte os refaim sobrevivem no sheol numa existência diminuída que
não aniquilação. São como sombras do homem completo. E o facto de refaim
esteja sempre no plural indica um certo anonimato em que a individualidade não
é tida em conta.
b) A PREGAÇÃO PROFÉTICA

Nos profetas aparece pela primeira vez a ideia de que o ímpio é lançado ao mais
profundo do sheol. Pensa-se sobretudo nos perseguidores de Israel.
Em Is. 14,15, cantando a ruína do rei da Babilonia que nos seus sonhos de
grandeza proclamava: “ escalarei as alturas das nuvens, me igualarei ao
Altissimo, se diz: pelo contrário, ao sheol te precipitarás. Algo parecido nos
apresenta Ez 32,22: o rei da Assíria e seus homens mais próximos estão num
lugar mais profundo que os outros. Começa a surgir a ideia de uma retribuição
em que os justos estão no nível superior do sheol e os injustos nos inferiores.

c) OS SALMOS MÍSTICOS

um novo e transcendantal passo de evolução se dá nos chamados salmos


misticos ( 16; 49 e 73). Talvez se trate de salmos post- exilicos. Em todo caso, o
salmista expressa em três a esperança de que Yave o livra do sheol e o leva
consigo. É importante reparar que aqui é a nefesh a que é libertada do sheol e não
o conceito anónimo de refraim. Este salmo relaciionou os dois esquemas
antropológicos que vimos antes: os dos vivos e dos mortos.

d) NA LITERATURA INTERTESTAMENTÁRIA

No livro dos jubileus o ruaj é o elemento consciente do homem que sobrevive


cheio de alegria depois da morte, o qual se contrapõe ao corpo do homem, cujos
restos repousam nos sepulcros. Em Enoc Etiópico aparece um paraíso celeste
como morada actual dos justos, e isso sem perder de vista uma salvação final
plena com a ressurreição dos mortos.

e) O LIVRO DA SABEDORIA

O livro da sabedoria quer ser um livro de consolo para os judeus piedosos e


especialmente para os perseguidos por causa da sua fé. Dentro desta fé importa
frisar sua concepção escatológica, cujo centro é constituído pela mensagem da
imortalidade do justo e da morte eterna do injusto. Os justos depois da morte
entram na posse da imortalidade: as almas dos justos estão nas mãos de Deus e
nenhum tormentos os atingirá ( Sab 3,1). A sorte ultramundana dos ímpios é
denominada “morte”. Não no sentido de aniquilamento, mas enquanto que lhes
falta a “vida eterna”.

F) O LIVRO DE DANIEL

O livro que afirma a ressurreição pessoal de uma maneira indiscutível é o de


Daniel. Os que ressuscitam aqui são os refaim, os quais não deixaram de existir.
Se afirma assim a continuidade no ser (Dn 12,1-2). O que morre é o mesmo que
ressuscita; o que implica afirmar que no tempo intermédio entre uma coisa e
outra, se mantém na identidade do sujeito que Deus salva.
O 2º livro dos Macabeus testemunha uma ampla difusão, dentro de Israel da ideia
da ressurreição. Especialmente interessante é o relato do martírio dos 7 irmãos
pelo rei seleucida Antíoco IV em 7, 1-29). No v. 11 se manifesta a identidade do
corpo mortal e do ressuscitado.

2.2.3- O ENSINAMENTO DO NT

Saliente que no NT se fala da ressurreição de dois modos distintos: umas vezes


da ressurreição universal, e outras, da ressurreição dos justos. Estes dois modos
de falar da ressurreição não diferem na extensão (todos os justos,
respectivamente), mas implicam contextos diversos; o primeiro modo se concebe
como condição prévia para que se tenha o juízo final (de salvação ou de
condenação), e tem, portanto, um sentido neutro; o segundo modo apresenta a
ressurreição como uma realidade que é objecto supremo da esperança cristã,
como uma participação na ressurreição de Cristo, participação fundada na
continuidade da vida com Ele e na recepção do Espírito Santo.

a) A RESSURREIÇÃO NOS EVANGELHOS SINÓPTICOS E ACT


A crença na ressurreição dos mortos era uma doutrina amplamente divulgada e
sustentada. Em Jo 11,24, temos uma mulher do povo que a professa: Marte
respondeu: “sei que ressuscitará na ressurreição do último dia”.
Em Act 23,6.8, nos apresenta a Paulo sendo julgado pelo Sinédrio. Paula busca
uma aliança com os fariseus na base da sua convicção comum contra o poderoso
partido dos saduceus que não crêem na ressurreição, visto que só reconheciam
como Escritura inspirada o Pentateuco.
Na mesma linha, encontramos uma polémica entre Jesus e os saduceus em Mc
12,18-27.
A respeito da relação imortalidade-ressurreição e do estado intermédio, é sumo
interesse para conhecer a antropologia subjacente no NT o logion de Jesus que
nos conservou Mt 10,28.
No evangelho de Lc existem dois textos nos quais Jesus fala de um estado
intermédio: parábola do rico e Lázaro ( Lc 16, 119-31). e o diálogo de Jesus com
“ o bom ladrão” (Lc 23, 39-43).
Os evangelhos e os actos, comunicam-nos uma rica teologia sobre a ressurreição
de Jesus. Neles há dois temas fundamentais: o do sepulcro vazio e o deus
aparições.

B) A DOUTRINA PAULINA DA RESSURREIÇÃO

A ressurreição é um dos temas centrais da teologia Paulina. Aborda-a com


particular profundidade. Note-se que ele só se refere a ressurreição dos cristãos.
O texto mais antigo é o de 1Ts 4, 13 que vimos a tratar da parusia. Diante da
consulta sobre a sorte dos que morreram antes da segunda vinda de Cristo, Paulo
responde: os que morreram em Cristo ressuscitarão em primeiro lugar ( v.16) e
que “nós, os vivos, seremos arrebatados ao encontro do Senhor” (v.17). Paulo
ressalta aqui a conexão da ressurreição de Cristo e a dos defuntos. Mas texto
central da teologia Paulina da ressurreição é 1Cor 15.

2.3.4- A RESSURREIÇÃO NO MAGISTÉRIO DA IGREJA

A doutrina eclesial sobre a ressurreição se pode resumir em 4 pontos


- A esperança suprema do cristão é a ressurreição, que é salvação do homem
inteiro.
- no NT a ressurreição aparece vinculada a parusia ( 1Ts4,16ss)
- A morte é a separação entre alma e corpo. A alma sobrevive de forma natural
(não por milagre da graça) mas num estado de nudez corpórea que reclama sua
união com o corpo e do mundo
- a ressurreição supõe receber de novo o mesmo corpo que na vida terrestre mas
transformado

2.3.5- Reflexão teológica

a) A dimensão antropológica da ressurreição

Uma antropologia unitária, que vê na corporeidade um momento constitutivo do


autêntico ser-homem, tem que pensar o futuro humano definitivo em termos de
encarnação. Ora não há dúvida de que a fé cristã proporciona esta antropologia e
recusa todo o intento de dividir o homem num sector autêntico, perenemente
válido (espírito) e outro não autentico e transitório (matéria). Deus salva o
homem inteiro: corpo e alma, individuo e mundo. A visão dualista da
ressurreição não está em conformidade com o que Jesus e os padres disseram
sobre a ressurreição. Embora já a partir da morte o justo viva no encontro com
Deus, sem dúvida que a corporeidade enriquece esse encontro e a relação com os
outros redimidos. A felicidade plena só se obtém quando estas duas realidades
chegam a sua plenitude. Nesta perspectiva, vai a comunhão dos santos, dos que
estão junto de Deus e dos que continuam nesta terra. A igreja sempre considerou
válida a oração pelos defuntos e a oração aos santos, que contribuem (não como
causa fundamental mas como mediadores humanos) a nossa salvação.
Se o homem tem realmente um futuro mais além da morte, este não pode sr o de
uma subjectividade espiritual e acosmica, mas o de um espírito encarnado, para
que corpo e mundo são outros tantos elementos constitutivos do seu ser, e não
simples complementos circunstanciais do seu estar. Quando se fala da
ressurreição significa que se está a falar da restituição da vida ao homem inteiro.
O homem é uma unidade psicossomática, como liberdade e consciência
encarnadas. Deus criando o homem o quer como homem, o quer como
interlocutor perenemente válido, isto é, como pessoa (ser responsável = dador de
resposta) o quer, em suma, para sempre. Assim a ressurreição torna clara a eficaz
seriedade do propósito do criador, ao prometer, mais além da morte, a
reconstituição do sujeito de diálogo em todas as dimensões do seu ser e portanto,
também na corporeidade.
3.2- A dimensão cristologica

Depois da dimensão antropológica, a análise dos textos paulinos nos fazem ver
na ressurreição o ponto culminante da acção salvífica de Deus. A ressurreição é a
resposta de Deus as interrogações da morte humana. A morte é crise suprema da
existência do homem. Esta crise atinge também a Deus, porquanto põe a prova
sua fidelidade e seu amor, planeando a questão de se um e outro são ou não mais
fortes que a morte. Este planeamento já foi feito pelos salmos místicos, pois o
amor autêntico traz consigo uma promessa de perenidade. Ora a ressurreição
cumpre esta promessa. Enquanto tal cumprimento, “ a ressurreição é o amor que
é -mais - forte - que - a morte.
Deste modo, podemos abarcar a dimensão cristológica da ressurreição. Primeiro
desde Deus e, logo desde Cristo.
Desde Deus - já que Deus nos ressuscita porque ressuscitou a Cristo. E o amor
manifestado neste acto não se esgota na individualidade singular deste, já que o
Senhor é a “cabeça do corpo” e ressuscita como primícias. A ressurreição
estende-se até ao corpo - os cristãos.
Desde Cristo - uma vez que é o amor que sustenta e fundamenta a ressurreição,
Aquele que morreu por amor de todos, postulou e fundou para todos os que
aceitam seu amor a ressurreição. Esta acontece por iniciativa pessoal de Cristo.
Sua acção salvífica tem incidência directa de ordem causal na ressurreição dos
cristãos, ao exercer-se desde uma solidariedade connosco.
O cristocentrismo da ressurreição se pode resumir nas seguintes proposições:
ressuscitamos
- Porque Cristo ressuscitou;
- A imagem de Cristo ressuscitou;
Com membros do corpo ressuscitado de Cristo.
Concluímos dizendo que a ressurreição está vinculada a parusia, já que uma
consumação plena do indivíduo é possível somente no horizonte de uma
consumação da sociedade e do mundo, dado que o homem é um ser mundano.

C) A identidade do corpo ressuscitado com o actual

A ressurreição com o “nosso corpo”, é uma verdade de fé. Não poderia ser de
outro modo, visto que se não fosse assim estaríamos diante de outro sujeito
humano. A identidade corporal não só deve ser “ específica” mas “numérica”.
Ora nem a Bíblia nem o Magistério especificou que se requer para que se dê esta
identidade. Entre os especialistas, existem três explicações:
- A identidade material, para que o corpo seja numericamente o mesmo deve
compor-se da mesma matéria. Trata-se de uma posição actualmente indefensável,
pois que o metabolismo constante do corpo humano faz com que em cada sete
anos toda a matéria do mesmo seja completamente renovada.
- Identidade formal. Se situa no extremo contrário da anterior. Supõe-se que
qualquer que fosse a matéria de que está feita o corpo, é meu corpo, pelo simples
facto de que a ele se une minha alma. Em termos escolásticos dir-se-ia que quem
especifica no composto humano é a forma. Exposta sem matizações, esta teoria
facilmente pode justificar a ideia da reencarnação.
- Identidade substancial. Trata-se de que Deus conservaria a “ substancia não
fenomenológica” do corpo a partir da qual Deus reconstituiria o corpo
ressuscitado, que chegaria a ser meu corpo e não outro. Diga-se em jeito de
síntese que o homem é uma unidade. Deste esta visão sintética, a questão da
identidade do corpo não pode ser tratada sem conexão alguma com a identidade
do único e mesmo eu. É esta identidade que esteve na base das preocupações do
NT, da tradição e dos símbolos. Toda a questão muda quando se enfoca desde a
perspectiva de “ser (e não ter) corpo”. O que promete a esperança cristã não é a
recuperação de uma parte de meu ser humano, mas um ser homem para sempre.

2.4- O juízo

2.4.1-Morte e Juízo

Para o homem a morte se apresenta como possibilidade de extinção total e de


separação definitiva dos seres que ama. É algo incompreensível contra a qual se
revolta. As diferentes religiões pretenderam de formas variadas sair ao encontro
esta radical ameaça, dando um sentido à morte, de modo que possa viver-se com
esperança.
Para os cristãos temos o modelo de um homem que enfrentou a morte humana
como um acto de suprema liberdade e de generosidade. Cristo olhou para a morte
com a angústia que lhe é própria no que tem de necessidade imposta, mas ao
mesmo tempo na fé no Deus vivo, na esperança da ressurreição e no amor para
com os irmãos. Desta forma morte mudou de sentido: pode ser acto livre de fé,
esperança e amor.
A morte então a ser de ameaça de extinção total, a uma passagem para a vida
plena, ressuscitada; de separação dos seres queridos e do mundo a comunhão
com os outros membros do corpo de Cristo no mundo renovado. Para o cristão e
para todo o homem, existe a possibilidade de viver a vida e a morte participando
(pela mediação do Espírito) da pascoa de Jesus. Esta pascoa se vive sobretudo no
momento final, mas também pode ser antecipado em toda a vida do cristão.
A fé em Deus e a esperança da ressurreição são o fundamento do amor efectivo
ao próximo. Efectivamente, sem confiança e esperança não se vê que sentido
pode ter dar a vida ao serviço do irmão particularmente dos mais necessitados.
Na verdade a morte conduz o homem ao definitivo. Ao longo da vida, o homem
mediante atitudes e actos, vai forjando uma “opção fundamental”, uma direcção
à sua vida, um projecto vital profundo. Esta direcção em ordem ao amor ou
desamor é o decisivo no juízo de Deus. Na morte a “opção fundamental” de torna
definitiva e ela é a base da decisão que Deus toma acerca da sorte de cada
homem.

2.4.2- A morte, fim do estado de peregrinação

a) No NT

No NT, a morte é o fim do estado de peregrinação, isto é, do estado em que o


homem pode decidir a favor ou contra Deus. É evidente que o homem não tem,
depois da morte, possibilidade de uma nova decisão.
Assim, em Mt 25,34-46, contem a narração do juízo final e universal; tanto a
sentença de salvação como a de condenação são pronunciadas pelo Senhor em
relação àquilo que o homem realizou na sua vida terrestre. Grande relevância tem
a afirmação de 2Cor 5,10 que diz: porque todos temos que nos apresentar diante
do tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo as coisas que fez
mediante o corpo…!

b) No Magistério da Igreja

Na constituição Benedictus Deus, de Bento XII este definido que a morte é o fim
do estado de peregrinação e depois dela não é possível decidir-se a favor ou
contra Deus. Os estados de salvação e condenação começam em seguida depois
da morte. (Dz nº 1000-1002).

No Concilio VATI II se diz o seguinte:

É necessário que vigiemos constantemente para que, terminado o único curso de


nossa vida terrestre mereçamos entrar com Ele às bodas e ser contados entre os
benditos (Lg 48; Hb 9, 27).

2.4.3- Juízo particular


No texto de Benedictus XII se afirma que a retribuição definitiva tem lugar
depois da morte; isto é, que sem prejuízo do caso do purgatório, o começo da
Vida Eterna e do Inferno têm lugar nesse momento, e precisam que tudo isso
ocorre antes da parusia e do juízo.
Temos também os textos da sagrada Escritura.
Lc 16, 19-31; Mt 25,21; Flp 1,20-24; o facto de que depois da morte comece dos
estados definitivos de retribuição plena (salvação e condenação) supõe uma
separação da situação das almas segundo suas obras; é por isso que se fala na
teologia do Juízo particular, distinto do universal que tem lugar na parusia.

2.4.4- O Juízo final

O verbo hebreu “safat” significa tanto “ julgar” como “ governar”. Quando


Deus intervém na história, Deus julga. Sua intervenção tem uma dupla vertente:
salvífica e judicial. A prioridade, em todo caso, a tem o aspecto salvífico: o juízo
de Deus é fundamentalmente para a salvação.

a) O juízo de Deus como vitória

Por este motivo, no AT as vitórias militares de Israel, manifestações da soberania


de Yave, se chamam “juízos”. (Jos, 11,27; 2Sam18,31; Dt 33, 21) esta concepção
do juízo como potestade de Deus como Rei se conservará no NT: Mt 25, 31ss; Lc
10,18; 2Ts2,8; 1Cor 15,24-28). Nestes textos se nota que o juízo será a vitória
definitiva de Cristo sobre os poderes inimigos. Assim se compreende que a
Parusia e o juízo apareçam, tanto no NT como nos símbolos, indissoluvelmente
unidos. Dado que a parusia é a instauração consumada do Reinado de Deus, é por
sua vez, o juízo por antonomásia. E a ideia de juízo vai associada com a de poder
total, com o gozo do triunfo. Quando a igreja primitiva confessava a sua fé no
Cristo juiz, o que ressoava no fundo desse artigo de fé era a mensagem
reconfortante da graça vencedora.
É verdade que ao longo da historia que o predomínio da mentalidade judicial
típica do pensamento latino, esta atitude de esperança foi substituída pela do
juízo como acto de decisão. Frente a estas deformações, é necessário recuperar a
compreensão original do juízo como intervenção decisiva e consumadora do
Cristo Salvador

b) O juízo de Deus como revelação


Deus criou o mundo não só como natureza, mas como historia. O acto final
dessa história a finaliza, mostra como o devir temporal se encaminha para um fim
que dá sentido ao trajecto inteiro percorrido pela criação.
Portanto, a parusia revela ao final a verdade das coisas e pessoas. Finalizando a
história, torna compreensível que tudo tinha um sentido.

c) O juízo de Deus como decisão

Além do aspecto revelador que acabamos de esboçar, o juízo comporta uma


discriminação. Esta decisão da parte de Deus não é algo exterior à história
pessoal ou social mas algo que compete a ela. É a atitude do homem, sua opção
fundamental, o princípio constitutivo da sua situação definitiva. O encontro com
Deus ilumina essa situação e decide em conformidade com a opção (jo 3,17-19;
5,24; 12,47-48; Mt 25, 31). Para João o decisivo é a fé ou a incredulidade. Para
Mateus, ao contrário, é o amor desamor.
O juízo enquanto decisão possibilita e fundamenta a índole pessoal do homem.
Pessoa, com efeito, é o ser responsável, o dador de resposta. Não se pode
conceber a personalidade à margem da responsabilidade. “Ser responsável é ter
sempre alguma responsabilidade com alguém”. A ideia de juízo confere a ideia
de responsabilidade seu último fundamento. E aquele diante do qual o homem
responde é Cristo. Por isso, o juízo mais que um processo jurídico a celebra no
fim, é algo que se está levando a cabo na resposta da pessoa às suas
responsabilidades históricas. Todo o ser se encontra com a sua própria verdade.
Portanto, não é possível rectificar a opção fundamental tomada a longo da vida
depois da morte, uma vez que com a morte termina o “ tempo de prova”.

2.5- A vida eterna

Trata-se do cumprimento pleno da promessa na aliança, e isto tradicionalmente


se chama céu.
A parusia, dizíamos, impõe um termino a historia, levando-a à plenitude: a nova
criação é o marco de uma nova humanidade, surgida da ressurreição dos mortos.

A vida eterna no NT
Nos capítulos correspondentes a escatologia do AT dissemos que a promessa de
Deus ao seu povo funcionou como dispositivo de abertura da historia a um futuro
que se desdobra paulatinamente numa série de objectivos intramundanos, cujo
conteúdo complexo não se deixa amortizar nunca por tais cumprimentos
categoriais. Neste permanente desajuste entre o prometido e o alcançado
descobrimos a intuição de uma identidade entre Deus que promete e a própria
promessa: “ Eu mesmo serei tua recompensa” (Gn15,1). Às portas do NT, o
israelita piedoso está convencido de que o “Senhor será a sua recompensa” Sb
5,15; 3,1.9) ou de que ressuscitará “ para a vida eterna” ( Dn 12,2; 2Mc 7,9.14).
é contudo, no NT onde este conteúdo último da promessa se descreve com rasgos
mais firmes e concretos. Não podia ser de outro modo, dado que Cristo é a
promessa cumprida e que nas suas palavras e acções o reino de Deus se faz
presente.
Os sinópticos testemunham a frequência com a qual Jesus fala da plenitude do
Reino de Deus. O senhor utiliza uma variedade enorme de imagens que
descrevem a plenitude escatológica: Reino de Deus, paraíso, gloria, Ceu, visão de
Deus, etc. utilizou também símbolos. Entre os símbolos empregados por Jesus, o
do banquete messiânico ou da festa matrimonial, tem uma grande importância. O
matrimónio e a comida se relacionam com dois instintos prioritários: o da
conservação da espécie e o da própria conservação. Também o símbolo do
Reinado de Deus, tem um alcance que supera o mero individualismo da bem-
aventurança e sugere uma compreensão da Vida Eterna como a presença
triunfante de Deus que enche com a sua majestade toda a criação. Trata-se da
consumação de uma sociedade que alcança seu fim na participação na gloria de
Deus, e não de alguns distintos indivíduos que chegam a uma felicidade
individual.

a) A vida eterna

Este símbolo utilizado pelos sinópticos como sinónimos da fase final do Reino
( Mc 9,43-48; 10, 17.30; Mt 25,31); mas é João quem aprofunda o conceito. Os
principais pontos do seu pensamento são:
-a vida eterna é possuída actualmente pela fé: quem crê em Cristo “ tem a
vida”ou a vida eterna.
- Cristo é a fonte desta vida (jo.1,4; 1jo 1,1).
-o dom da vida tende, por sua própria natureza, ao definitivo ( é vida eterna).
Contudo, durante a vida temporal pode perder-se, por desaparecimento da fé ou
pelo atentado contra o amor fraterno. Daí que a vida eterna não alcance a sua
consumada perfeição senão no futuro, quando o crente for assumido na gloria de
Cristo ressuscitado.
- a vida eterna consiste em conhecer a Deus, o único verdadeiro e ao seu enviado
Jesus Cristo. O conhecimento aqui é no sentido de comunhão pessoal. Trata-se de
comunhão vital com o Pai o Filho
.

Você também pode gostar