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BACHARELADO EM TEOLOGIA

Disciplina: Estudos no Antigo Testamento 1


Pentateuco e Livros Históricos

Período: 2º Semestre/2015

APOSTILA

Professor Responsável: Prof. Dr. Gelci A. Colli

Curitiba - PR
BACHARELADO EM TEOLOGIA 2
Disciplina: Estudos no Antigo Testamento 1 – Pentateuco e Livros Históricos
Período: 2º Semestre/2015
Professor Responsável: Prof. Dr. Gelci A. Colli

PARTE I – PENTATEUCO

Pequena História da sua Formação

Um Programa Teológico
A Torah/Pentateuco é o bloco mais volumoso da Bíblia, quase tão volumoso quanto o Novo
Testamento. O Pentateuco, por seu processo de formação complexo, por vezes intimida o
estudante quando este se depara com o assunto relativo a seu surgimento em muitas camadas.
Mas o processo de formação em camadas redacionais não implica que o Pentateuco seja
constituído de narrativas desconexas de um plano editorial-teológico. Pelo contrário, em sua
edição final, pode-se perceber uma composição bem planejada que parece obedecer a um
programa teológico.

O Surgimento do Pentateuco
Com a promulgação da Torah/Pentateuco por meio de Esdras, foi concluído com uma fixação
literária o processo vivo de elaboração da tradição desde as origens de Israel. Ele precisa ser
deduzido pela pesquisa a partir da forma textual de que se dispõe, usando a combinação de
métodos de inferência e analogia. Nesse trabalho indaga-se como pode ter sido o processo em
que se chegou ao Pentateuco em sua forma atual. Recorrer a evoluções comparativas na
literatura e história das religiões, em Israel e no seu meio é importantíssimo para a resposta a
esta indagação.

J. Assmann imaginou a formação da tradição fazendo analogia a um rio vivo:

Ele transfere seu leito e traz às vezes mais, às vezes menos água. Há textos que são
relegados ao esquecimento, outros são acrescentados. Os textos são ampliados,
cortados, reescritos e colecionados em combinações variáveis. Aos poucos perfilam-se
estruturas de centro e periferia. Determinados textos, por causa de uma importância
singular, alcançam uma posição central, são copiados e citados com maior frequência
que outros e, finalmente, tornam-se a essência de obras normativas e formadoras.1

Há um consenso entre os pesquisadores do Pentateuco de que ele não pode ter surgido por meio
de um único autor, num único processo de formação e como uma obra redigida
consistentemente do começo ao fim. Valendo-se de métodos críticos literários verifica-se a
uniformidade e a consistência literária dos textos. Se a pesquisa identificar tensões ou
contradições de conteúdo e terminologia, repetições e duplicações, quebras sintáticas e
concepções concorrentes entre si, poder-se-á concluir que os textos são distintos em sua
origem. As observações clássicas da crítica do Pentateuco podem ser vistas a partir dos
exemplos padrões que seguem:

O autor
A tradição judaica, seguida pela tradição cristã, sempre considerou Moisés o autor dos cinco
livros. Os rabinos entendiam que Moisés era o autor não só da Torah escrita, mas também da
Torah oral, isto é, de todo o comentário da Lei codificada na Mishnah. O próprio A.T. atribui a
Moisés somente alguns textos: o código da aliança Ex 24,4; o decálogo cultual Ex 34,27; o
discurso legislativo Dt 1,1-5; 4,45; 31,9-24; outras perícopes menores Ex 17,14; Nm 33,2; Dt

1
ASSMANN, J. apud, ZENGER, E. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2003, p. 62.
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31,30; etc. Nota-se nestes textos que antes de tudo a Lei estava associada a Moisés, e só a partir
do período pós-bíblico o Pentateuco como um todo lhe foi atribuído, concepção que
predominou até o século XVIII d.C. De acordo com os historiadores judeus, Josefo e Fílon, o
problema da narrativa da morte de Moisés em Dt 34,5-12 resolvia-se com a proposta de que
Moisés havia sido inspirado a tal ponto de descrever sua própria morte previamente. No
Talmud sugere-se que Josué foi quem escreveu estes últimos 8 versículos do Pentateuco.

No século XII d.C. Ebn Ezra apontou a possibilidade de outros textos serem de tempos pós-
mosaicos. Isto se deu devido a alguns anacronismos: “naquele tempo os cananeus ainda viviam
na terra” (Gn 12,6; 13,7). Porque a lembrança do passado se Moisés escrevera antes da
conquista de Canaã? A. B. Karlstadt (1486-1541 d.C.) foi o primeiro protestante a demonstrar
que Moisés não foi escritor dos cinco livros. Andréas Masius (1516-1573), católico jurista
apontou Esdras e sua escola como os compiladores e redatores finais do Pentateuco e os livros
históricos sob o uso de documentos colecionados. Richard Simon (1638-1712) mostrou que
Moisés não podia ser o autor de todos os livros que lhe eram atribuídos postulando uma “cadeia
de tradição” que vai de Moisés a Esdras, sendo Esdras o compilador final.

Alguns anos depois, Jean Lê Clerc após uma reflexão sobre a noção de “tradição” e de um
melhoramento do método crítico considerou que Esdras não poderia ser o autor do Pentateuco,
já que os samaritanos2 conservaram um Pentateuco muito parecido ao dos judeus. Para Lê Clerc
o autor poderia ser, por exemplo, aquele sacerdote mencionado em 2Rs 17,28, que foi chamado
do exílio para ensinar o temor de Javé aos habitantes do antigo reino de Israel. J. G. Eichhorn
(1752-1825) representa o grupo dos que ainda sustentavam a autenticidade de Moisés sob o
seguinte argumento: só mesmo um homem da envergadura de Moisés podia ser capaz de
compor uma obra tão monumental como o Pentateuco. A partir do século XIX d.C. a ideia de
que Moisés era o autor de todo o Pentateuco já estava anulada no meio crítico. Para Wilhelm
M. L. de Wette (1780-1849), Moisés não passa de uma figura mítica, uma espécie de nome
coletivo que serve para agrupar uma pluralidade de escritos heterogêneos. O problema seguinte
surgido neste século seria então o das fontes.

Contradições e Duplicações
Todos que se aventurarem a ler o Pentateuco, logo no primeiro volume, Gênesis, perceberão
que não um relato harmônico e coerente, pois, histórias parecidas são contadas duas ou até três
vezes de maneira que apresentam contradições parciais, e parecem não dar conta de que a
história já foi contada. Alguns exemplos:

Contradições:
- quantos pares de animais de cada espécie Noé levou na arca? Um (Gn 7,15) ou sete (7,2)?
- quantos dias durou o dilúvio? 40 (Gn 8,6) ou 150 (7,24), ou um ano (7,11; 8,14)?
- porque Jacó foi para a Mesopotâmia? Para escapar de Esaú (Gn 27,41-45) ou para encontra
uma esposa (27,46-28,5)?
- por qual grupo José foi levado ao Egito? Por uma caravana de ismaelitas (Gn 37,27) ou de
madianitas (37,28)?

Duplicações:
- dois relatos da criação: Gn 1,1-2,4a e 2,4b-25;
- duas alianças com Abraão: Gn 15 e 17;

2
Lê Clerc situa o cisma samaritano no final do século VIII a.C., portanto quase quatro séculos antes de Esdras.
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- duas expulsões de Agar: Gn 16 e 21,9-21;


- duas vocações de Moisés: Ex 3,1-4,17 e 6,2-7,7;
- duas menções do Decálogo: Ex 20,2-17 e Dt 5,6-21;
- três relatos do comprometimento da mulher de Abraão ao harém de um rei: Gn 12,10-20 e 20
e 26,6-14;

A Teoria das fontes


Depois das dúvidas sobre a autoria de Moisés, agora, a lógica literária levou os exegetas a
formularem teorias a respeito das fontes. No séc. XVIII d.C. H. B. Witter, e depois Jean Astruc
(1684-1766) apontaram a suposta existência de duas fontes diferentes para o Pentateuco a partir
da observação da alternância dos nomes divinos Javé e Elohim. Witter observou em Gn 1,1-2,3
e 2,4-3,24, na narrativa da criação, o uso das duas designações para Deus que teriam sido
transmitidas a Moisés pela tradição oral. Então, Astruc ampliou este estudo aos livros de
Gênesis e Êxodo repartindo o texto em duas fontes principais: “A” para o uso de Elohim; “B”
para o uso de Javé (Yahweh). Paralelamente, ele alista ainda mais oito fontes fragmentárias, às
quais Moisés teria feito uma justaposição destas memórias.

Até aqui a motivação do uso destes recursos literários tinha a finalidade de explicar as
discrepâncias que incomodavam os estudantes/leitores do Pentateuco. Mas desde Spinoza e
Simon que colocaram a edição ou redação final na época de Esdras tornou-se necessário
explicar o desenvolvimento da literatura do Pentateuco desde seu terminus a quo até o terminus
ad quem. Esta proposta significava que iniciando com Moisés, passando pelas escolas de
escribas, todos os eventos e doutrinas da história de Israel foram anotadas, e, após o exílio,
todos esses documentos teriam sido colecionados e reunidos formando o Pentateuco e os livros
históricos. Surgiu, pois, o problema da história da transmissão do texto. Durante os dois séculos
seguintes, XVIII e XIX d.C., foram desenvolvidas hipóteses teóricas que tentavam explicar as
origens diversas do mesmo relato contínuo. Três delas foram amplamente aceitas e estudadas
por grupos de estudiosos: hipótese documentária; dos fragmentos; dos complementos.

a) A hipótese documentária percebe na base do Pentateuco duas, três ou até quatro tramas
narrativas contínuas, que redigidas em épocas e ambientes diferentes, teriam sido
justapostas ou imbricadas umas às outras por redatores sucessivos. Karl-David Ilgen
(1763-1834) foi o primeiro a provar que existem duas fontes “eloístas”, as conhecidas
fonte sacerdotal P e a fonte E, cujos textos foram armazenados no templo de Jerusalém,
e depois misturados e alterados conforme a história de Israel. A questão foi colocada,
mas careceu de solução.
b) A hipótese dos fragmentos supõe que originalmente havia um número indeterminado
de relatos esparsos e de textos isolados que teriam sido reunidos ulteriormente por um
ou vários redatores-compiladores. Alexander Geddes (1737-1802) e Johann Severin
Vater (1771-1826) viram a dificuldade se encontrar fontes paralelas fora do Gênesis e
propuseram a renuncia a hipótese documentária e a admissão de um certo número de
fragmentos esparsos e sem relação. Esta hipótese não conseguiu explicar as duplicações
paralelísticas nem a familiaridade entre alguns fragmentos.
c) A hipótese dos complementos admite a existência de uma única trama narrativa
contínua e no decorrer da história esta trama recebeu vários acréscimos e
complementos. Heinrich Ewald (1803-1875), um dos primeiros a considerar o
“Hexateuco” (Pentateuco + Josué), propôs que na base deste conjunto há uma trama
narrativa que se estende desde a criação do mundo até a conquista de Canaã. Esta trama
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(Grundschrift) constitui uma espécie de esqueleto narrativo no qual foram enxertados


complementos de todo tipo.

Até aqui, tentou-se mostrar como o Pentateuco se constituiu progressivamente através da


história de Israel, mas os critérios que teriam permitido relacionar certos estágios da formação
do Pentateuco com esta ou aquela época da história ainda eram muito vagos. Até a Reforma, a
Bíblia era considerada um documento digno de fé no que diz respeito a história do povo hebreu,
da história do mundo e da humanidade. Ainda não era possível imaginar um desnível entre a
“história confessada” (contada) e a “história real” (factual, dos eventos). Mesmo no século
XVII a teologia recusava o confronto com a nova concepção do mundo imposta pelas
descobertas de Nicolau Copérnico. Aos poucos a questão da historicidade foi sendo levantada,
segue alguns exemplos:
a) A respeito de Gn 1-11, Isaac de la Peyrère (1655) não conformou o relato bíblico com o
que sabia sobra as altas civilizações mesopotâmica, egípcia e chinesa e concluiu que
houve uma civilização pré-adâmica. Para ele, Adão era antepassado somente dos judeus.
b) H. S. Reimarus (1694-1768) demonstrou a impossibilidade material de imaginar a
travessia do mar vermelho conforme o relato de Ex 13-14 e concluiu que se tratava de
uma trapaça de Moisés. Já H. Prideaux argumentou que antes do século VIII a.C. as
fontes bíblicas não eram dignas de fé e por isso começou sua História de Israel (1718) a
partir desta data.
c) Wilhelm M. L. de Wette foi o primeiro a estabelecer um vínculo entre um documento
do Pentateuco e um evento preciso da história: segundo ele, o livro das leis
“encontrado” no reinado de Josias em 621 a.C. (2Rs 22-23), era o livro de
Deuteronômio, e foi a primeira ancoragem cronológica de um texto do Pentateuco fora
do tempo dos eventos relatados nele. Para de Wette, esses eventos eram considerados
inutilizáveis para a reconstrução da história, pois não passavam de “mitos”.
d) Heinrich Ewald acentuou a dissociação entre “história santa” e a história real e
determinou para o Haxateuco o seguintes conjuntos literários: o livro das origens (o
documento sacerdotal), o livro da aliança ( o futuro J), os relatos proféticos (o futuro E)
e D (o Deuteronômio), ulteriormente compiladas e reunidas no Hexateuco atual. Para
Ewald, a história de Israel é percebida, a partir dessas fontes, como a história da
evolução para a religião. Esta evolução encontra um primeiro ponto culminante com
Moisés e a aliança do Sinai, o foi o que representou a pesquisa do século XIX: na
origem da história de Israel podemos reconhecer Moisés – mesmo que ele não tenha
escrito o Pentateuco – e a Lei.

As Fontes
A Crítica Literária. Julius Welhausen (1844-1918) publicou entre 1876-1878 sob a forma de
quatro artigos, um sistema que vigorou por quase cem anos. Welhausen distinguiu três
camadas no Pentateuco. Em ordem cronológica, são estas: o Javista (J/E), o Deuteronômio (D)
e s fonte sacerdotal (P, chamada Q por Welhausen). As camadas J/E e P se estenderiam até o
livro de Josué, e considerou-se o Hexateuco até a contestação de Martin Noth. Por Welhausen
chega-se a distinguir três períodos principais da história religiosa de Israel: a época monárquica
(J/E); a reforma Josiânica em 622 a.C. (D); e o pós-exílio (P ou Q). No começo do século XX a
exegese crítica parecia ter encontrado um modelo coerente para explicar as origens e a
composição do Hexateuco. Muitas questões continuavam em suspeita, as pesquisas das
primeiras décadas do séc. XX algumas modificações foram feitas no sistema welhausiano,
porém sem colocá-lo em xeque. Como consequência o sistema ficou ampliado e alienado
historicamente da seguinte forma:
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fonte J (javista – séc. X – Salomão, antes da separação dos reinos em 926 a.C.)
fonte E (Eloísta – séc. VIII – pré-profetismo literário)
fonte D (Deuteronomista – séc. VII – a partir de Josias)
fonte P (Sacerdotal – séc. VI - a partir do exílio)

A Crítica das Formas e das Tradições


Através de Welhausen chegou-se a um resultado que a pesquisa não pode mais voltar atrás.
Assim, surgiu a necessidade de se descobrir o que estava por trás das fontes mais antigas, de
identificar o alcance histórico primitivo, ou seja, as tradições, as ideias, as raízes sociológicas-
religiosas-culturais,3 que haviam sido coletados nos documentos escritos.4 Hermann Gunkel,
Martin Noth e Gerhard Von Rad, principais pesquisadores da história das formas e tradições
elaboraram sobretudo três novas conclusões:
1 – No começo da formação da tradição estão pequenos relatos, cada qual com um
diferente Sitz im Leben (lugar vivencial).
2 – Os diferentes temas da tradição (Abraão, Êxodo, Sinai, etc) possuem no início um
origem ou pontos de fixação regional e historicamente distintos.
3 – A costura dos temas de tradição originalmente independentes teria sido realizada no
culto da fase pré-estatal. A fonte mais antiga, J, seria a elaboração literária dessa tradição
cultual.

Gunkel conseguiu transpor as instituições da escola da história das religiões para o plano da
exegese do A.T. Para ele, a história da literatura israelita deve ser abordada antes de tudo por
meio da história dos gêneros literários contestando a pretensão da crítica literária de Welhausen
de ser o método exclusivo com enfoques científicos. Nos seus estudos sobre o Gênesis e os
Salmos, Gunkel fundou “a história das formas” (crítica da forma). São algumas de suas
afirmações:
- o Gênesis é uma coleção de Lendas que não tem sua origem nos autores das fontes, mas
nos relatos populares, ciclos de lendas e tradições orais;
- originalmente a unidade primitiva sempre é a lenda autônoma, um pequeno relato
independente, geralmente de natureza etiológica, para explicar a origem de um rito, de
um lugar ou de um determinado grupo de pessoas;
- todas as lendas foram transmitidas por via oral até chegar ao seu último estágio na
forma do texto atual.
- toda lenda está originalmente enraizada num contexto sociológico particular e até numa
situação precisa;

Na maioria das lendas dos Gênesis, segundo Gunkel é preciso pensar em:

...lazeres das tardinhas de inverno quando a família está sentada em volta da lareira; os
adultos reunidos, e principalmente as crianças, escutam atentamente as antigas e

3
Para compreender o enraizamento e a função sociológica de um texto devem ser feitas as seguintes perguntas:
Quem fala? A quem se dirige? Em que circunstâncias (culturais, históricas, sociológicas) ele fala? O que pressupõe
em seus ouvintes e o que tem em vista ao dizer o que diz?
4
Este trabalho se tornou possível pelas descobertas dos textos literários e mitológicos vindos do mundo
mesopotâmico. Pretendeu-se com isso colocar em evidência as particularidades da experiência religiosa dos
hebreus comparando-as com outras experiências do mundo ambiente, e não fazer com que a religião dos hebreus
fosse simplesmente um subproduto inferior da civilização babilônica.
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admiráveis histórias do começo do mundo... Nós nos aproximamos e tentamos ouvir o que
contam.5

Martin Noth (1902-1968) estabeleceu a delimitação do Pentateuco (de preferência Tetrateuco a


Hexateuco), pois constatou que as fontes do Pentateuco (J, E e P) não estão presentes em Josué.
Assim o “Hexateuco” de Welhausen voltou a ser um “Pentateuco”, melhor ainda, um
“Tetrateuco”. Para Noth o Deuteronômio, pelo menos boa parte do texto, só entrou no
Pentateuco no momento em que a obra historiográfica deuteronomista (Dt a 2Rs) foi reatada ao
Pentateuco.A fonte P deve ser vista como relato ao invés de Lei o que culmina com uma nova
separação entre “lei” e “história”. O Pentateuco foi constituído a partir de cinco grandes
“temas”. Os temas mais antigos em torno dos quais o Pentateuco é estruturado são o Êxodo e a
Conquista de Canaã, que tem aos seus lados os temas da Promessa, do Deserto e do Sinai.

Gerhard von Rad (1901-1971) salientou a vitalidade das diferentes tradições para serem
ouvidas e postas em práticas como palavra de Javé para cada nova geração israelita. Na opinião
de von Rad, o núcleo do Hexateuco foi preservado nos credos históricos de Dt 26,5b-9; 6,20-24
e Js 24,2b-13, sob a forma mais antiga sem dúvida no primeiro dos três, o que ele denominou o
“pequeno credo histórico”. No centro deste credo, encontramos o êxodo e a dádiva da terra.
Para von Rad o Javista não narrou uma simples historiografia, mas sim, uma obra com um
propósito teológico definido. Este propósito seria o querigma do Javista, o qual se constituía da
intenção de demonstrar que a monarquia davídica constituía exatamente o coroamento querido
por Javé da história “já” canônica do Israel pré-monárquico. Segundo ele, o Javista é também a
testemunha de um período esclarecido que chega a denominar de um “século das luzes
salomônico”.

Enfim, podemos ver entre os herdeiros de Welhausen, constatamos que cada um encontrou seu
próprio caminho no campo conquistado por Welhausen que delimitando as fontes e fixando-
lhes uma ordem cronológica traçou as fronteiras do território. Gunkel, remontando às origens
da narração oral recolocou os relatos de Gênesis em seu quadro de vida original. Seguindo o
curso da tradição, Noth traçou o mapa dos afluentes do rio principal, e, voltando a uma exegese
atenta à história das redações, von Rad interessou-se pelos ideólogos do reino. Até o ano de
1970 as introduções ao Antigo Testamento davam a impressão de um consenso fundamental
sobre as questões principais relativas à formação do Pentateuco. Porém, se olharmos com
atenção, veremos que na prática o consenso dos adeptos ao modelo de Welhausen era muito
superficial. O material atribuído às fontes J, E e P diferia muito, nos pormenores, de exegeta
para exegeta. Da mesma forma havia diferenças sobre o tempo do surgimento, local de origem
e programa teológico das fontes. Com tantas divergências entre os pesquisadores questionou-se
então que o problema devia residir no próprio modelo.

Na discussão dos últimos anos delineiam-se as seguintes tendências na construção das


hipóteses:
a) redução à indagação diacrônica pela interpretação exclusivamente sincrônica;
b) aumento das etapas do crescimento pela suposição de fontes, modelos e camadas
redacionais adicionais;
c) despedida do modelo das fontes e retomada do modelo do escrito básico; e na busca de
um novo ponto de partida para elaboração das hipóteses que substitua Gn e Ex 1-15, tem-
se considerado a “obra historiográfica deuteronomista” (Dt-2Rs).
5
GUNKEL, Hermann. apud, de PURY, Albert (org). O Pentateuco em questão: as origens e a composição dos
cinco primeiros livros da Bíblia à luz das pesquisas recentes. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 39.
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d) abandono do modelo das fontes e retomada do modelo dos círculos narrativos, pois
cada livro do Pentateuco possui um perfil linguístico e teológico próprios: por exemplo, o
livro de Gênesis é intensamente determinado por uma teologia da promessa, ênfase que
não pode ser vista no livro do Êxodo. Isso que dizer que os livros coexistiram
independentes uns dos outros até que foram agrupados no Pentateuco.
e) combinação do modelo de círculos narrativos + modelo de fontes reduzido. O
Pentateuco surgiu de três correntes da tradição (textos não sacerdotais, textos sacerdotais,
textos deuteronômicos). Duas formas literárias básicas, narração e formulação de leis. A
primeira descrição histórica surgiu em Jerusalém sob a influência dos profetas Amós-
Oséias-Isaías, por volta do ano 690 a.C., após a ruína do reino do Norte e da salvação de
Jerusalém diante da ameaça dos assírios em 701 a.C. No tempo do exílio esta obra foi
revisada e ampliada como reflexo dos acontecimentos de 586 a.C. por uma nuança
teológico-profética. A segunda descrição histórica surgiu por volta de 520 a.C. após o
exílio na Babilônia, uma espécie de contra-projeto à obra historiográfica exílica que
continha uma teologia não-sacerdotal. O Deuteronômio que em sua parte mais expressiva
surgiu no tempo do rei Ezequias (+/- 700 a.C.), foi ampliado no tempo de Josias e
constituindo finalmente no tempo do exílio uma parte da obra deuteronomista (Dtr) que
vai de Dt 1 a 2Rs 25, o que fez com que a lei deuteronômica passasse a ter um contexto
histórico-teológico.

Substancialmente é por meio de duas alternativas que se tenta explicar como as três fontes
formaram o Pentateuco:
1 – por volta de 450 a.C. foram juntadas primeiramente as correntes não-sacerdotal (JG
deuteronomista) e sacerdotal (PS) até que (sob a supervisão de Esdras) por volta de 400
a.C. surgiu o Pentateuco pela inclusão de Dt, que na ocasião sofreu mais uma pequena
revisão.
2 – diferente da primeira, aqui a fase final da formação não se dá com a inclusão de Dt,
mas de PS, quando da introdução da obra historiográfica deuteronomista criada por volte
de 550 a.C.

Conclusão
Ao final desta pequena história o estudante do Pentateuco perceberá que muita coisa
mencionada jamais imaginou que seria possível existir, e mais, certamente terá a suspeita de
que aventurar-se na crítica do Pentateuco é trabalho para pessoas específicas por quase toda
uma vida devido a sua tamanha dificuldade. Perceberá também que só o tempo e o avançar da
pesquisa é que vai separar o que se pode tomar por proveitoso e o que se pode descartar.
Perceberá também que antes e acima da crítica o Pentateuco é Palavra de Deus a despeito do
grau do conhecimento que se tem do assunto.
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I. Gênesis (Bereshit)
1. O Nome
O nome hebraico deste primeiro livro do Pentateuco é Bereshit (tyviareB.) que significa “em
princípio” e vem da primeira palavra do livro. Em português o livro se chama Gênesis e
provém do título grego da LXX, Gênesis (Genesij) que significa “fonte, origem”.

2. A Estrutura
O livro apresenta duas partes bem distintas: 1-11, a história primitiva; 12-50, a história dos
patriarcas. Gênesis 1-11 trata da origem do mundo, da humanidade, do pecado. Gênesis 12-50
reconta as origens da historia da redenção no ato de Deus escolher os patriarcas, juntamente
com as promessas da terra, posteridade e aliança. Em sua estrutura narrativa o livro divide-se
em dez seções. O ponto em comum dessas seções é a fórmula “toledot” (tdol.AT) que aparece
13 vezes e que significa: são estas as gerações, ou, história de ... (2.4b, 5.1, 5.6, 6.9, 10.1,
11.10, 11.27, 25.12, 13, 25.19, 36.1, 36.9, 37.2). Toledot não é apenas um marco literário que
divide as partes do livro; é também um sinal da sobrevivência e da continuidade do plano de
Deus para a criação.

Para um melhor aproveitamento, convém estudarmos o livro de Gênesis em dois blocos


distintos: Gn 1-11 e 12-50.

3. Gênesis 1-11 – A História das Origens


3.1 Conteúdo
As cinco primeiras seções, marcadas por 7 toledots, dão forma a estrutura do prólogo primevo:
2.4b, 5.1, 6, 6.9, 10.1, 11.10, 11.27.

3.2 O Gênero Literário


Aqui deve-se analisar a natureza literária de Gn 1-11, o material antigo do Oriente Próximo em
que Israel se baseou para contar sua história primeva, e as implicações para Gn 1-11.

Esses capítulos são solidamente caracterizados por dois tipos bem distintos de artifícios
literários: um se apresenta em caráter esquemático e arranjo lógico cuidadoso (a ordem da
criação em 1.1-2.4a, as genealogias cap. 5 e 11.10-32, a lista etnogeográfica no cap. 10; o outro,
em forma de história, o drama em 2-3 com seus antropomorfismos para Deus, nomes que
correspondem a função desempenhada pelo personagem ( Adão significa “humanidade”, Eva é
“aquela que dá vida, Caim “forjador de metais”, Enoque “dedicação, consagração”, Caim
condenado a ser nad, “peregrino”, passa a viver na terra de Node “a terra da peregrinação”.

O autor falou das origens valendo-se da maneira como suas tradições culturais e literárias
falavam delas. O capítulo 1 deve ser lido à luz dos relatos mesopotâmicos da criação. Apesar de
comparações detalhadas serem bem poucas, os paralelos básicos são os seguintes: o estado
primitivo da criação como um caos de água, a ordem básica da criação e o descanso divino ao
final da criação. Embora o enredo do primeiro pecado não tenha nenhum paralelo no Oriente
Próximo, há elementos isolados, símbolos e concepções paralelas na literatura mesopotâmica.
Os paralelos também se estendem até a terminologia técnica: a palavra ’ed em 2.6 traduzida por
neblina pode ser compreendida como um empréstimo do acadiano que significa “fluxo de água
proveniente do subsolo”; o termo geográfico “no Éden” (2.8) pode ter sido tomado do sumério
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edinu “planície” que se ajusta muito bem aos contexto; o significado literal destes termos não é
nativo da Palestina.

Porém, as semelhanças mais notáveis entre a literatura de Gênesis e a mesopotâmica ocorrem


nos relatos do dilúvio. Além de semelhanças básicas, há correspondências detalhadas: o herói
mesopotâmico é instruído por canais divinos a construir um barco incomum e a veda-lo com
piche, deve levar animais para livra-los de uma catástrofe universal, toda a população é
destruída, após o baixar das águas o herói solta pássaros em busca de terra seca, o barco para
numa montanha, ao sair da arca o herói oferece um sacrifício aos deuses. O relato acerca da
torre de Babel é a ligação mais clara com a Mesopotâmia, pois a torre é erguida na Babilônia. A
torre é um zigurate, um templo construído de barro, em forma de montanha escalonada. O
nome da cidade, Babel, reflete o nome babilônico Babili “a Porta de Deus”.

A identificação do gênero literário de Gênesis 1-11 é difícil por causa de sua singularidade.
Nenhum desses relatos podem ser chamados mitos “puros”, nem mesmo “história” no sentido
moderno de testemunho ocular, relato objetivo. Antes transmitem verdades teológicas acerca de
eventos retratados principalmente em estilo literário simbólico e pictórico. Isso não significa
que Gn 1-11 contenha inverdades históricas, pois o material não reivindica tal papel. Reivindica
sim, a sua base objetiva em suas verdades fundamentais: criação de Deus, intervenção divina
especial na criação da humanidade, a bondade prístina do mundo criado, a entrada do pecado na
história pela desobediência do homem. Essas são verdades todas baseadas em fatos.

Pode-se supor que o autor tenha empregado as tradições literárias da época para ensinar o
verdadeiro conteúdo teológico da história primeva da humanidade. O propósito do livro não era
fornecer uma descrição biológica e geológica das origens. Antes, seu propósito era explicar a
natureza e a dignidade singular dos seres humanos, em virtude de sua origem divina. Eles são
feitos pelo criador à imagem divina, ainda que desfigurada pelo pecado.

3.3 A Estrutura
A estrutura de 1-11 é bem definida como pode ser observada a seguir:
I - A historia da criação: 1.1-2.4ª
II - Prova e reprovação da humanidade: 2.4b-3.24
III - A humanidade e as conseqüências da reprovação: 4.1-6.8
IV - A criação sob julgamento: 6.9-8.14
V - Um novo Povoamento: 8.15-10.32
VI - Um fim e um começo: 11.1-32

3.4 A Teologia
Desde o inicio Gênesis apresenta um Deus vivo, pessoal. Os verbos empregados para Deus
expressam uma atividade mental, de vontade e de julgamento, características da personalidade
que busca se relacionar com a sua criação. Aqui, Deus é a única divindade, o Criador, o Senhor
e Soberano. A questão de outras divindades não aparece em Gn 1-11. Deus é perfeito e não
suporta o pecado, é o que declaram as expulsões, cataclismos e julgamentos em 1-11. Contudo,
é misericordioso, por isso seus juízos são suavizados, não levam a cabo a destruição, a graça de
Deus é sustentadora da criação, há sempre um meio de redenção, sua exigência moral. Deus é
quem se revela, não é simplesmente encontrado por quem o buscou, mas por que se deixou
achar. É Deus quem vem à criação, à humanidade.
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4. Gênesis 12-50 – A História dos Patriarcas

4.1 Conteúdo
A História dos Patriarcas também é divida em cinco seções, todas marcadas pela fórmula
toledot. A estrutura literária corresponde a divisões importantes baseadas no conteúdo: histórias
acerca de Abraão (11.27-25.18), acerca de Jacó (25.19-37.1) e a longa acerca de José (37.2-
50.26). As outras vezes que aprece a fórmula toledot, introduzem seções genealógicas curtas
depois das duas primeiras divisões principais: Ismael no final do ciclo de Abraão (25.12, 18) e
Esaú no final do ciclo de Jacó (36.1, 43). Nessa estrutura, Isaque tem importância secundaria.

4.2 O Gênero Literário


As narrativas Patriarcais refletem com muita fidelidade o mundo antigo onde se passam estas
histórias. Mas nem por isso devem ser consideradas como escritos históricos no sentido técnico
do termo. Na verdade, estas, são histórias familiares, transmitidas originalmente por tradição
oral. Os pastores nômades não costumavam manter registros escritos, nem tinham a
preocupação de associar suas histórias com fatos contemporâneos. Por isso, é difícil harmonizar
algumas tradições com a história. Por exemplo. Tanto Mídia como Ismael são tios-avós de José,
mas os midianitas e os ismaelitas aparecem em sua juventude como mercadores que viajavam
em caravanas, transportando seus produtos entre a Transjordania e o Egito (37.26-28).
Amaleque é neto de Esaú (36.12), neto de Abraão, mas nos dias de Abraão, os amalequitas
viviam no sul da Palestina (14.7).

Esses fatos só são problemáticos se interpretados como história no sentido moderno. Seu
propósito primário é mostrar os desdobramentos do chamado de Abraão. Com esse chamado,
Deus faz promessas definitivas a Abraão (12.1-3). A sequência da narrativa mostra como Deus
cumpriu essas promessas. Esse tipo de historiografia deve ser reconhecido como um “passado
rememorado” – a memória de um povo. Aqui os séculos foram condensados pela tradição oral.
A cultura patriarcal oferecia um ambiente ideal para a transmissão precisa da tradição: era
caracterizada por uma esfera social fechada selada por laços familiares de sangue e religião.
Essas narrativas, portanto, são tradições vitais mantidas vivas pela memória coletiva da tribo.

4.3 A Estrutura
A estrutura de 12-50 é bem definida como pode ser observada a seguir:
I – Abraão, sua vocação e promessa: 12-20
II – Isaque e provas da fé: 21-26
III – Jacó e o surgimento de Israel: 27-36
IV – José e a migração para o Egito: 37-50

4.4 A Teologia
A história patriarcal começa com a eleição de Abraão em 12.1-3. Este chamado tem caráter
definitivo, atinge Abraão no meio do caminho. Este recomeço súbito realça o próprio chamado
e fornece um modelo pelo qual se deve interpretar toda a história patriarcal. A escolha de
Abraão e as promessas incondicionais de terra e descendência tem como alvo maior a benção
de todas as comunidades da terra. O início da história da redenção oferece uma palavra acerca
de seu final. Deus age em direção a humanidade para redimir esta e o mundo. As promessas são
reafirmadas a cada um dos patriarcas: a Isaque (26.2-4); a Jacó (28.13; 35.11); e a José e seus
filhos (48.1-6). A história de José prove o primeiro estagio na transição de uma família
patriarcal para um povo independente, em harmonia com a promessa divina.
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A aliança que Deus faz com Abraão (15 e 17) é o tema central em toda a Escritura. Trata-se do
estabelecimento de um relacionamento particular ou o compromisso de seguir determinado
curso de ação, que não subsiste por via natural, sancionado por um voto em geral selado numa
cerimônia solene de ratificação (15.7-17). É Deus que faz o voto; nada exige de Abraão (exceto
o rito da circuncisão – cap. 17). Nesse aspecto a aliança com Abraão difere da aliança com
Moisés. Aqui em Gênesis a aliança de promessa depende apenas do caráter imutável daquele
que a assume. Em Gênesis 12-50 são apresentados os elementos básicos do início da história da
redenção. Deus escolheu livremente um homem e seus descendentes por meio de quem “serão
benditas todas as famílias da terra”. É preciso, porém, aguardar para saber como essa promessa
será cumprida e em que sentido isso ocorrerá. Fica claro, porém, que os que vivem sob a
aliança devem viver uma vida de confiança e fé naquele que os chama.

4.5 A Religião dos Patriarcas


Em Gênesis 12-50 é muito difícil estabelecer um quadro completo da vida religiosa dos
patriarcas, mas é possível descrever de forma geral a religião dos patriarcas e tentar colocá-la
em seu contexto cultural. O tipo de culto que Abraão fazia antes de seu chamado especial nos é
desconhecido, mas sua família certamente era politeísta (cf. Js 24.2, 14; Gn 31.19-35, 53; 35.2).
Ao aceitar o chamado, Abraão também abandonou seus costumes religiosos para seguir a Deus,
que por sua vez, apareceu a cada um dos patriarcas, escolhendo-os e prometendo estar com eles
(Gn 12.1-3; 15.1-6; 17; 28.11-15). Cada um dos patriarcas em resposta escolheu Deus como
protetor da família e a ela o vinculavam: “o Deus de Abraão”, “o Deus de Isaque” e “o Deus de
Jacó” (24.12; 28.13; 31.42. 53; cf. 3.6), bem como “o Deus de Naor” (31.53). Ele é também
chamado “parente” ou “temor de Jacó” (31.42,53) e “poderoso de Jacó” (49.24). Esse vínculo
pessoal e estreito é revelado pelo título “o Deus de meu pai” (26.24; 31.42; 32.9; 49.25; e esp.
Ex 3.6).

Deus é chamado pelo nome, recebe o apelo, pune, abençoa, faz aliança (15), é um deus pessoal
que busca relacionar-se com as pessoas. Ao contrário dos deuses cananeus que associavam-se
com as localidades. Os patriarcas em seus cultos, oravam (25.21), faziam altares e sacrifícios
(12.7; 22.9; 35.1). Não havia lugares especiais para o culto, nem sacerdócio oficial. A adoração
era entendida como um relacionamento entre Deus e seres humanos. A peculiaridade da fé dos
patriarcas residia em sua concepção de Deus e em seu íntimo relacionamento pessoal com ele.
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II. Êxodo (Shemot)


1. O Nome
O nome hebraico deste segundo volume do Pentateuco é we’elleh shemot (tAmv. hL,aew>) que
significa “são estes os nomes” e origina-se das primeiras palavras do livro, e pode ser
abreviado para shemot - nomes. Em português o livro se chama Êxodo e provém do título grego
da LXX, Êxodos (VExodoj) que significa “saída” e combina com o tema principal da narrativa
que é o fato que formou o povo de Israel: a “saída do Egito” (Ex 1.1-15.21).

2. Conteúdo
Êxodo trata-se de um conjunto de relatos e de normas intimamente entrelaçados que transmitem
a história dos filhos de Israel, desde o Egito até sua prolongada parada na região do monte
Sinai. Nesta etapa ocorreram os acontecimentos mais importantes da história do povo de Israel:
seu tempo de escravidão, o nascimento de Moisés, os prodígios e maravilhas que Deus fez para
libertá-los da opressão egípcia, instituição e o estabelecimento da Páscoa (Passagem -
“Pessach”), o recebimento da Lei, a passagem pelo mar vermelho, o maná, o monte Sião, a
peregrinação pelo deserto, a construção do Tabernáculo, etc. Os acontecimentos narrados neste
livro fazem com que seja aquele que dá significado à fé, ao apresentar ao leitor, um Deus que
liberta as pessoas e que escolheu um povo para relacionar-se e iniciar sua obra redentora no
mundo. O Deus apresentado no Êxodo é aquele que escuta o clamor do seu povo oprimido e o
liberta. Ele está no deserto, na montanha e nos reinos, agindo no meio de seu povo, pobre,
necessitado de justiça e carente de misericórdia. É o Deus que fez uma aliança com o povo. Ele
é o Deus da Libertação pela promessa de sua palavra.

Na Bíblia, a memória deste acontecimento alimenta a fé e a coragem do povo oprimido ao


longo da história. Para ser fiel a aliança, o culto a Deus lembrava e contava os fatos da história
em que Deus tinha libertado o seu povo, após ter escutado o seu clamor. Assim, festejava-se a
Páscoa. Era o momento de renovar a aliança que Javé tinha feito com o povo e que exigia a
prática da justiça. Desse modo, o acontecimento do Êxodo marcou profundamente não só a
Moisés e o povo como também toda a organização das tribos feita posteriormente. É daí que
esse acontecimento tornou-se o fato fundamental da história do povo, grande foi seu significado
para a fé das tribos. E o povo passou a cantar a vitória, como conta o capítulo 15 do Livro do
Êxodo, reconhecendo a ação de Deus na sua vida.

Antes de entrar em Canaã, o povo peregrinou pelo deserto. Mesmo sabendo das dificuldades
que se tem para saber o que é exato no itinerário, uma vez que as tradições são diversas, mesmo
assim, é possível perceber alguns traços marcantes que se tornaram fundamentais na história do
povo de Deus. No Egito a sobrevivência era difícil, mas pelo menos havia comida. No deserto o
grupo de Moisés experimentou a fome e a seca. A convivência ajudou o povo a se unir em
torno da sobrevivência. As provações do povo no deserto provocaram uma atitude de pensar
mais no coletivo, a partir da crença no Deus único que foi se formando lentamente. A vida no
deserto trouxe muitas experiências novas. Houve solidariedade autêntica para resolver os
problemas. No deserto, o povo estava longe das sociedades divididas em classes e pode
aprender a viver em comunidade. As leis surgiram como uma maneira para manter o grupo
unido e sobreviver no deserto. Esses mandamentos nasceram como obra de Deus ao povo. Elas
serviam também para lembrar a aliança que Deus fez com o povo.

Assim, o livro do Êxodo, na Bíblia, constitui-se na grande proeza de Deus: a saída do país da
escravidão até a terra prometida. Deus libertou o seu povo “com grande poder, mão forte e
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braço estendido”, abrindo um caminho pelo mar. O Êxodo pode ser considerado o ponto central
do Antigo Testamento, nele o povo de Deus teve seu marco histórico inicial. E, do meio dele,
surgiu Moisés, que recebeu a missão da parte de Deus a contribuir para a sua libertação. Assim,
sob a liderança de Moisés, tendo como agente libertador, o próprio Deus, o povo fez a
experiência do êxodo, saindo da servidão, o que aconteceu provavelmente em meados do século
XIII a.C.

3. A Estrutura
A estrutura de Êxodo pode ser resumida da seguinte forma:
I – Livramento do Egito e jornada até o Sinai: 1.1-18.27
II – Aliança no Sinai: 19.1-24.18
III – O Tabernáculo e os cultos: 25.1-31.18
IV – Violação e Renovação da Aliança: 32.1-34.35
V – Construção do Tabernáculo: 35.1-40.38

4. A Mensagem
No livro de Gênesis, o povo de Deus estabelecido no Egito pela influencia de José experimenta
um tempo de prosperidade e segurança. Em Êxodo há um salto no tempo e já no seu início
relata que o povo de Deus sofre duras penas no Egito devido a ascensão de um Faraó que não
havia conhecido José (Ex 1.8-22). Pode-se descrever a mensagem de êxodo sob dois aspectos:
O homem de Deus (1-18); e a mensagem de Deus (19-40).

O Homem de Deus
Assim como Deus levantou José para a missão de prover segurança e paz no Egito, agora, Deus
novamente levanta um homem, mas para outra tarefa, libertar o povo da escravidão do Egito. O
povo precisava de um líder para organizá-los e empreender a saída libertadora rumo a terra
prometida. Deus escolheu Moisés e o protegeu desde seu nascimento (2.1-10). Após ser
instruído em toda ciência egípcia, uma trágica atitude, o assassinato de um guarda egípcio,
colocou a vida de Moisés em perigo e ele teve que fugir (2.16-25). O período nas terras de
Midiã em que Moisés trabalhou como pastor, provavelmente também proveu parte da
preparação de Moisés. Ali ele experimentou a vivência numa comunidade diferente daquela
conhecida por ele no Egito. O grupo liderado pelo seu sogro Jetro, tinha características tribais
de igualitarismo sob uma organização patriarcal. Jetro, era o sacerdote do clã, o chefe legal.
Possivelmente todos a sua volta desfrutavam de tudo numa forma que chegava ao equilíbrio
social. Jetro pode instruir Moisés durante os primeiros passos da empreitada aconselhando-o
(18.1-27). Toda a trajetória de Moisés fez dele um dos personagens mais importantes do
Pentateuco, e da história de Israel. Por sua instrumentalidade nas mãos de Deus é considerado o
fundador da religião de Israel, o promulgador da Lei e um líder carismático.

A mensagem de Deus
A segunda parte do livro tem como eixo central a entrega da Lei a Moisés. Em direção a terra
prometida o povo precisaria de direção clara e regras firmes para seguir sua caminhada. O
Decálogo formava a base, era o seu código de conduta para a vida reservada na terra da
promessa (20.1-17). Os primeiros quatro mandamentos dão ênfase ao relacionamento do
homem com Deus, e os outros seis dizem respeito a vida com seus semelhantes. Deus mostrou
a Moisés e o povo que o amor, a honestidade e a justiça, eram elementos vitais na
administração de qualquer comunidade organizada (20.18-24.18). Deus também instituiu uma
maneira básica para direcionar o relacionamento do homem com seu Deus. O templo móvel “o
tabernáculo” foi projetado para ser um lugar de adoração a Deus se tornando o ponto central da
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atenção do acampamento marcando a realidade da vida espiritual do povo. O projeto do


tabernáculo era complexo e repleto de significação e simbolismo, acompanhado de uma série
de regras especiais tantos para as pessoas quanto para os sacrifícios realizados por elas. Por sua
vez, o tabernáculo e toda sua estrutura não tinham a função de tornar complexa a vida religiosa
do povo, antes, anunciava a presença permanente de Deus com seu povo pelo símbolo da
nuvem (35.30-40.38).
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III. LEVÍTICO
Versão grega: Levítico (Vulgata) Bíblia Hebraica o livro é denominado pela primeira palavra:
ar'q.YIw: (wayqera‘) “e chamou”.
O Livro trata de leis relacionadas com os ritos, sacrifícios e serviço do sacerdócio levítico e
muitos ensinamentos para toda a nação de Israel. O Senhor queria ensinar os hebreus a
santificar-se.

SIGNIFICADO E VALOR
Torna compreensível outros livros da Bíblia;
Apresenta princípios permanentes sobre a religião;
Prepara a mente humana para alguns conceitos importantes no Novo Testamento:
pecado, graça, perdão, obra do redentor, nova aliança, etc;

SACRIFÍCIOS
Era o meio pelo qual o povo se aproximava de Deus;
Alcança a expiação do pecado mediante um sacrifício substitutivo;
Animais: somente vaca, ovelha, cabra, pomba e a rola;

FORMA DE SACRIFICAR:
O ofertante levava o animal ao altar e colocava a mão sobre ele para indicar que este era seu
substituto, transferindo seus pecados para o animal e o degolava.

TIPOS DE OFERTAS
O HOLOCAUSTO: consumido inteiramente pelo fogo do altar oferecida todas as
manhas e tardes no tabernáculo, (Ex.29.38-42);
A OBLAÇÃO: significa “aproximação”. Não eram animais, mas produtos da terra.
Consagração a Deus dos frutos do trabalho humano;
SACRIFÍCIO DE PAZ: oferta voluntária. Maior parte do corpo do animal comida pelo
ofertante e seus convidados em um banquete;
SACRIFÍCIO PELO PECADO: expiar pecados cometidos por ignorância e erro;
SACRIFÍCIO PELA CULPA: violação dos direitos de Deus ou do próximo tais como
descuido no dízimo e furto;

O SACERDÓCIO
Deus nomeou Arão e seus filhos para o sacerdócio (Ex 19.6), os levitas eram seus
ajudantes;
Serviam como mediadores entre o povo e Deus e ministravam nas coisas sagradas do
tabernáculo;
Deveria ser homem sem defeito físico, casar-se com mulher idônea, não contaminar-se
com costumes pagãos nem tocar coisas imundas;
Nem os levitas ou os sacerdotes receberam terra de Josué quando distribuiu Canaã. Os
levitas recebiam dízimo de outras tribos;

AS FESTAS SOLENES
Denominadas “santas convocações”. Foram instituídas como parte do pacto do Sinai (Ex 23.14-
19)
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PROPÓSITOS:
As festas davam aos Israelitas a oportunidades de refletir sobre a bondade de Deus;
Fazer com que os Israelitas não esquecessem que eram o povo de Deus;
O DIA DO DESCANSO (23.3) Israel lembrava seu criador e o fato de que Ele
descansou de sua obra criadora no 7º dia;
A PÁSCOA (23.5-8) Todos os hebreus deveriam ir a Jerusalém participar. Celebrava a
saída do Egito e a redenção efetuada pelo cordeiro pascoal (12.1 – 13.10);
PENTESCOSTES (23.15-21) esta festividade marcava o fim da colheita do trigo e se
ofereciam a Deus as primícias do sustento básico dos Israelitas;
A LUA NOVA E A FESTA DAS TROMBETAS (23.23-25) Comemorava-se no
primeiro dia de cada ano com toque de trombetas e sacrifícios;
O DIA DA EXPIAÇÃO (16 e 23.26-32) dia mais importante do calendário judeu. O
sumo sacerdote reunia todos os pecados de Israel e acumulados por um ano e os
confessava a Deus pedindo perdão.
FESTA DOS TABERNÁCULOS (23.33-43) Era a última festa do ano e durava 8 dias.
Comemorava-se o fim da colheita e a peregrinação do deserto;
O ANO SABÁTICO (25.1-7) ao entrar na terra prometida, os israelitas deveriam
passar um ano em cada sete sem semear nem colher. A terra devia descansar;
O ANO DO JUBILEU (25.8-22) Dois anos seguidos de descanso a cada cinquenta
anos: liberdade aos escravos, devolver a terra que haviam adquirido e perdoar as dívidas
dos outros.

Algumas Leis
Ano do Jubileu (Lv 25.8-22): a cada 50 anos os escravos deviam ser libertos, a terra
devolvida a seu dono original, as dividas perdoadas.
Go’el (Lv 25.25, 47-49): o resgatador era o parente mais próximo que devia resgatar o
parente ou as posses dele.
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IV. NÚMEROS (rB;d.miB.)


TÍTULO E CONTEÚDO

O Livro de Números, ganhou este título no fato de que várias passagens do livro se ocupam
com listas numéricas de um tipo ou outro. Os acontecimentos importantes no deserto podem ser
constatados neste livro. Na Bíblia Hebraica é chamado de bemidebar (rB;d.miB.) que significa no
deserto (Nm1.1). Números registra um enredo comovente. Contém vários detalhes sobre o
itinerário dos filhos de Israel, descreve suas andanças pelo deserto, registra sua idolatria e
imoralidade em intervalos frequentes demais e nos conta do juízo de Deus sobre eles, por causa
dos seus pecados. Tudo isso soa muito deprimente, mas é preciso lembrar que não é mera
história. Há várias lições profundas para nós neste livro. Este, como outros livros bíblicos, foi
“escrito para nossa instrução” (Rm 15.4). Portanto, ao lermos esta história do povo hebreu e sua
peregrinação, devemos pensar sobre nós mesmos e nosso caminho com Deus. À luz deste livro,
devemos perguntar se estamos andando no ritmo do Senhor. Só podemos ser realmente felizes,
se trilharmos o caminho que lhe agrada. Na Bíblia, a vida muitas vezes é retratada de forma
análoga como uma viagem. A Palavra de Deus mostra que é fácil pegar uma curva na direção
errada, e é esse o assunto de Números. Os Filhos de Israel cometeram vários erros graves e
estes erros estão abertamente registrados nesta história.

Números começa com uma série de orientações para organizar o povo a fim de marchar do
Sinai para a terra prometida. As tribos são contadas, a sua ordem no acampamento e na marcha
é especificada, os impuros são expulsos da comunidade, o altar e os levitas são dedicados ao
serviço de Deus, e celebra-se uma segunda Páscoa. Agora a nação está pronta para começar a
marcha em direção a Canaã (1.1-10.10). Vinte dias depois começa a jornada, encontram-se
dificuldades no caminho, mas chega-se em segurança a Cades, nos limites de Canaã (10.11-
12.16). De Cades são enviados doze espias para inspecionar a terra. O seu relatório é tão
desanimador que o povo propõe que se volte do Egito (13.1-14.4). Então Deus ameaça
aniquilar a nação, mas é persuadido pela intercessão de Moisés a comutar a sentença para
quarenta anos de perambulação no deserto.

O capítulo 15 contém leis a respeito de ofertas de manjares, libações, pecados arbitrários e


borlas nas vestes. Os capítulos 16-17 relacionam várias rebeliões contra as prerrogativas dos
sacerdotes e levitas. O capítulo 18 estabelece as ofertas que eles devem receber, e o capitulo 19
as regras de purificação depois de um falecimento. Nos capítulos 20 e 21, depois de um
intervalo de quase quarenta anos, recomeça o movimento em direção à terra, com vitórias sobre
os cananeus no Neguebe e os amorreus na Transjordânia. O resto do livro (22-36) relata o que
aconteceu a Israel enquanto este esperava para atravessar o Jordão, do lado oposto ao da cidade
de Jericó. Esses capítulos incluem as profecias de Balaão a respeito do futuro de Israel (22-24),
a idolatria em Baal Peor (25), outro recenseamento (26), leis a respeito da terra, festivais e
votos (27-30). A derrota dos midianitas e o pedido das tribos de Gade, Rúben e Manassés de se
estabelecerem na Transjordânia são o assunto de 31 e 32. Finalmente encontra-se a lista de
lugares em que Israel acampou (33) e algumas leis que tratam da distribuição da terra prometida
(34-36).
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PROPÓSITOS

Um propósito obvio do livro é registrar o período desde o encontro com o Sinai até a
preparação em Moabe para a entrada na terra prometida. Entretanto, há muito mais do que isso.
A jornada entre o Sinai e Cades- Barnéia, passando pelo golfo da Acaba, levaria apenas 11 dias
(Dt. 1.2). A rota direta consumiria poucos dias a menos e, passando por Edom e Moabe,
dificilmente mais que duas semanas. A narrativa deixa claro que o período de trinta e oito anos
foi uma punição pela falta de fé: ninguém da geração incrédula teve permissão para entrar na
terra (Nm 14.20-45). Números portanto, não é só o trecho de história antiga, mas outra lista de
atos de Javé. Trata-se de uma história complexa de infidelidade, rebelião, apostasia e frustração,
em contraposição com fidelidade, presença, provisão e paciência de Deus.

ESTRUTURA

O princípio mais importante empregado na ordenação do livro de Números é o uso da forma


rondó, ou talvez mais exatamente a forma variação. Ele é redigido em grandes ciclos, onde são
separadas três importantes ocasiões de revelação: Sinai, Cades e planícies de Moabe – por duas
passagens em trecho que descrevem as jornadas de Sinai e Cades, e de Cades às planícies de
Moabe. Teologicamente, estes ciclos exemplificam o princípio de tipologia. A história se
repete, com variações de curso, porque ela se baseia em dois fatores que não mudam: O caráter
de Deus e a pecaminosidade do homem. Embora Números, à semelhança de outras partes da
Bíblia , não apresente a história como cíclica, há um desenvolvimento dentro de cada ciclo, e é
comparando cada ciclo com o precedente que se torna visível o pleno significado da fase
posterior. Se a tipologia determina a estrutura genérica do livro, devemos também notar que ela
sublinha o agrupamento tríplice das histórias acerca da murmuração dos capítulos 11-12, 16-17
e da narrativa de Balaão no capítulos 22-24, bem como sêxtuplo padrão de acampamento no
capítulo 33.

O material de Números não pode ser entendido separadamente daquele que procede em Êxodo
e Levítico. Os três livros que ficam no meio do Pentateuco estão intimamente ligados,
formando Gênesis o prólogo e Deuteronômio o epílogo desta coleção.

Números, portanto, parece o produto final de um amplo processo de composição. Fazemos bem
em examiná-lo segundo os três horizontes de interpretação. Em primeiro lugar, o livro falava
aos judeus acerca de sua história passada. Explicava por que Moisés, Arão e seus descendentes,
remidos no Êxodo e comissionados por Deus no Sinai, não herdaram pessoalmente a terra
prometida. Ao mesmo tempo, testificava a paciência de Deus e sua presença junto a seu povo
peregrino. Em segundo lugar falava de sua história presente durante o exílio e imediatamente
depois dele. Aliás, é provável que Números tenha sido recomposto em sua forma final durante
esse período turbulento de desorientação. O terceiro horizonte falava aos judeus sobre sua
história futura. Há uma forte palavra de alerta: “Não desobedeçais aos mandamentos da aliança
divina nem vos esqueçais de sua promessa de fidelidade. Por duas vezes Deus vos conduziu
pelo deserto à terra da abundância. Permanecei fiéis ao longo das gerações, e continuareis a
gozar da terra que é dádiva de Deus”

DATA E AUTORIA

Tradicionalmente afirma-se que Moisés foi o autor de todo o Pentateuco, exceto a narrativa de
sua morte, em Deuteronômio 34. Isto significa que ele foi composto em meados do século XIII
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a.C. ou no fim do século XV a.C. Os principais argumentos em favor deste ponto de vista são
as declarações constantes do Pentateuco, dizendo que Moisés escreveu pessoalmente algumas
partes deles (Ex 24.4; Nm 33.2; Dt 31.9,22) a reivindicação constante de que as leis lhe foram
reveladas (Ex 25.1; Lv 1.1) e a pressuposição de autoria mosaica, expressa pelo Novo
Testamento (Mt 8.4; 19.7; Lc 24.44; Jo1.45). Porém, com o desenvolvimento da análise
histórica e literária da Bíblia, surgiu uma variedade de ressalvas a essa teoria, com alguns
estudiosos negando toda e qualquer validade histórica do livro. Hoje, pelo contrário, existe
apoio considerável para a ideia de que Números incorpora muito material histórico, embora
transmitido em várias formas e editado e revisado substancialmente. Alguns elementos do
problema são o fato de que não se faz menção do autor no livro. A única referencia a atividade
literária de Moisés está em Nm 33.2 e todo o resto do livro é escrito na terceira pessoa. Outro
problema é o material consideravelmente antigo é encontrado em Números. Ao mesmo tempo,
existem alguns problemas na harmonização do material, em especial, certas leis, ordenanças e
práticas cultuais. Em alguns casos, estudiosos concluem que há reflexos de práticas posteriores.
O material antigo demonstra conhecimento antigo do deserto, do povo israelita e de suas
constantes reclamações e demonstrações de desprezo para com Moisés, bem como muito
material descritivo sobre o próprio Moisés.

TEOLOGIA

Números é um livro que pode confundir o leitor em certo sentido. Listas de tribos são seguidas
de relatos de eventos históricos, regulamentos sobre sacrifício são dados ao lado de detalhes de
controvérsias jurídicas complexas. É tudo muito importante como história, porque queremos
conhecer o roteiro do povo de Deus em seu caminhar à Terra Prometida. Mas quais são as
lições principais deste livro para o cristão hoje? Ele nos faz lembrar que Deus se preocupa com
os detalhes práticos da vida cotidiana. Alguns cristãos pensam que ele só está interessado em
religião. A saúde física de seu povo era tão importante para Deus como comunhão espiritual. E
mais, o livro nos ensina que Deus usa toda sorte de pessoas, com vários dons, para seus
propósitos.

Conquanto seja verdade que pessoas especialmente nomeadas tinham responsabilidades bem
definidas, todo mundo tinha trabalho a fazer. O culto do tabernáculo dependia tanto daqueles
que levavam os móveis como dos sacerdotes que ministravam ali. Na obra de Deus há trabalho
para todos. Diz-nos também que quando nosso Deus gracioso faz uma promessa, ele sempre a
cumpre (23.19). E ainda o livro nos faz lembrar da seriedade do pecado e, especialmente, da
impossibilidade de nós escondermos nossos pecados de Deus (32.23). Finalmente, Números
ilustra o fato de que eles seguiram o Senhor com integridade (14.24, 32.12) trazem deleite ao
coração dele e alegria imensa ao seu próprio coração.

Outros aspectos podem ser apontados:


- A presença de Deus. De uma forma tão maravilhosa que não pode ser compreendida, o
Senhor fez com que sua presença entre os Israelitas fosse conhecida visualmente. (9.15ss.)
- A providência de Javé. O período do deserto foi de demonstração constante da provisão
de Senhor nas necessidades do povo. Números destaca esse cuidado de três maneiras: as
histórias sobre orientação, proteção e suprimentos materiais (10.11-14.45; 16-17; 20-25;
27.12-23; 31.1-33.49); as instruções na lei de Deus (1.1-10.10; 15; 18-19; 26.1-27.11; 28-
30; 33.50-36.13) e as instituições de padrões efetivos de liderança (11.1-14.45; 16.1-35;
27.12-23).
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- Paciência. O Senhor é longânimo. Números está repleto de relatos sobre as queixas dos
israelitas. Eles pediam peixes, pepinos, melões, alho-porós, cebolas e alhos do Egisto (v.
5) como se tivessem esquecido das dificuldades da escravidão. Quando os espias voltam
de Canaã com histórias de gigantes e cidades muradas, o povo estava prestes a escolher
um capitão para voltar ao Egito (14.4) a paciência de Deus se esgota e Ele declara que
nenhuma daquela geração entraria na terra (exceto Calebe e Josué).
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V. DEUTERONÔMIO (~yrIb'D>h; hL,ae)


1. TÍTULO E CONTEÚDO
O Livro de Deuteronômio contém uma grande quantidade de discursos reunidos em três blocos
e isto mostra a adequação do nome hebraico do livro. Na Bíblia Hebraica é chamado de ’elleh
haddebarim (~yrIb'D>h; hL,ae – “São estas as Palavras”) ou simplesmente debarim –
“Palavras” (Dt 1.1). Praticamente apenas o relato da morte de Moisés pode ser chamado de
“narrativa,” o restante é uma coleção de discursos acompanhados de notas introdutórias em
geral. Na Septuaginta (LXX) e na Vulgata, o livro recebeu o nome de Deuteronomion
(deuterono,mion – Dt 17.18 ) – “Segundo Livro da Lei – cópia da Lei” e deixa claro o
reconhecimento dos editores da relação que este livro tem com Êxodo onde ocorre a
apresentação da Lei pela primeira vez. Esta relação direta com a Lei pode indicar o propósito
constitucional do livro, e possibilita o entendimento de que o livro seja uma exposição
abrangente do Decálogo. Em suma, o caráter de Deuteronômio corresponde mais ao de um
documento do que para simplesmente uma coleção de discursos.

2. ESBOÇO
Geralmente as análises do livro de Deuteronômio se estabelecem no nível de suas divisões
básicas – os três discursos de Moisés. Fica claro o tamanho desproporcional dos discursos
comparados entre si. Então, isto pode significar que tanto o 1º discurso (1.6-4.43) quanto o 3º
(29.1-30.20), que são pequenos, são como que molduras para o bloco maior e principal, o 2º
discurso (4.44-26.19).
Um esboço básico pode ser o seguinte:
Introdução: 1.1-5
Primeiro Discurso – Atos de Yahweh: 1.6-4.43
De Horeb até Bet-Pegor: 1.6-3.29
Possibilidades e Perigos na terra da Promessa: 4.1-43
Segundo Discurso – Lei de Yahweh: 4.44-26.19
Leis litúrgicas: 12.1-16.17
Leis legislativas: 16.18-18.22
Leis Diversas: 19.1-25.19
Apêndice litúrgico: 26.1-19
Depois da Travessia – Cerimônia em Siquém: 27.1-28.68
Incumbências: 27.1-26
Bênçãos e maldições: 28.1-68
Terceiro Discurso – Aliança com Yahweh: 29.1-30.20
Propósito da revelação de Yahweh: 29.1-29
A Aliança Firmada: 30.1-20
Palavras Finais de Moisés: 31.1-32.47
Morte de Moisés: 32.48-34.12

3. REFLEXÃO DEUTERONOMISTA DA HISTÓRIA DE ISRAEL


Após a morte do rei Josias (609 a.C.) a reforma religiosa não foi continuada por seus
sucessores. Em 586 a.C. Jerusalém e o templo caíram sob Nabucodonosor, e muitos foram
levados cativos. A literatura deuteronomista adquiriu novas ênfases: De um lado enfatizou que
Israel era culpado da catástrofe, desrespeitou o culto exclusivo a Yahweh e não viveu de acordo
com as leis da aliança, por isso perdeu a posse da terra (6.18; 11.8b, 22-25). De outro, recorreu
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também à tradição da aliança com Abraão e os patriarcas (cf. Gn 15.18; 17), onde a aliança por
parte de Yahweh não depende da obediência de Israel (4.31; 7.9; 9.5; 30.6). Acima de tudo está
a graça. Por isso, pensou-se a respeito da nova vida na futura reconquista da terra. Para isso
levou-se em consideração as necessidades concretas das comunidades exílicas e pós-exílicas
que acabaram gerando uma volumosa ampliação do material legislativo nos capítulos 19-25.
Essas leis correspondem em sua forma à sequência dos mandamentos do Decálogo como segue
o esquema abaixo:
1º Mandamento: 12.2-13.19 6º Mandamento: 22.13-23.15
2º Mandamento: 14.1-21 7º Mandamento: 23.16-24.7
3º Mandamento: 14.22-16.17 8º Mandamento: 24.8-25.4
4º Mandamento: 16.18-18.22 9º Mandamento: 25.5-12
5º Mandamento: 19-21; 22.1-12 10º Mandamento: 25.13-16

4. ÊNFASES TEOLÓGICAS
O Deuteronômio representa a primeira grande síntese teológica em Israel. Ela sistematizou pela
primeira vez as diversas tradições sob as linhas mestras do compromisso exclusivo de Israel
com seu Deus Yahweh, e da relação Deus-povo segundo o modelo de uma relação pactual entre
o vassalo e o Senhor firmada com um contrato – “aliança – berit”. O Deuteronômio projeta uma
sociedade em que todas as esferas da vida são abarcadas por essa relação com Deus. A teologia
do Deuteronômio reflete temas tão centrais quanto “monoteísmo”, “lei e Evangelho”, “terra”,
“juramento de destruição” e “promessa aos antepassados”. Nele o povo de Deus se concretiza
sobretudo por meio de um aprendizado conjunto da fé. Os textos 6.6-9 e 11.18-21 exortam para
que o povo decore a lei com métodos mnemônicos. O povo que surge da palavra de Deus
encontra sua auto representação na “festa” e na “celebração”. Quando as famílias de Israel
trazem seus sacrifícios (p. ex. 12) e contribuições (p. ex. 14.22-27) ao único santuário ou ali
festejam a Festa das Semanas os das Tendas (16.9-12 e 13-15), alcançam a alegria perfeita
diante de seu Deus na oração e refeição comunitárias. Este povo é um povo santificado 7.6;
14.2; 26.19.

À estas duas festas contrapõem-se um outro tipo de liturgia, a “celebração” da Páscoa. Ela
compreende a memória do sofrimento na forma de dramatização cultual, a angustia da saída do
Egito. Pelo consumo dos pães ázimos, a comida da aflição e da caminhada, o Israel que já vive
na terra da promessa também volta a ser o povo de Êxodo. Um ideal de “fraternidade” é
desenvolvido em Deuteronômio conectando-se com a sociedade tribal pré-monárquica de
Israel, mantida por uma elevada consciência igualitária. A fraternidade ultrapassa qualquer
“direito” e transforma todo o Israel num espaço em que vigora o comportamento que reside
apenas no interior de uma família. Esse amor ao “irmão”, que abrange todo o povo, é possível
porque Deus se deu como dom a esse Israel como seu único Deus e o convoca a amá-lo de todo
o coração, como podemos ver em Dt 6.4-5, a chamada – Shema’.

5. A RELEVÂNCIA
A sociedade idealizada no Deuteronômio faz parte da pré-história da Igreja do Novo
Testamento. As diferentes teologias dos escritos do NT coincidem na circunstância de que em
suas afirmações centrais recorrem justamente ao Deuteronômio. A comunidade primitiva de
Jerusalém é caracterizada em At 2-5 especialmente a partir do modelo do povo de Deus do
Deuteronômio. At 3.22 comprova com Dt 18.15, 18 que Jesus Cristo é o “profeta” anunciado
por Moisés e que somente quem lhe der ouvidos permanecerá no povo de Deus. Além disso, em
At 4.34 concretiza-se o programa de ordem social deuteronômica de Dt 15.4: no Israel
messiânico congregado por Jesus não existem mais diferenças sociais.
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O Shemá Israel (Dt 6.4-5) é a norma fundamental da fé em Yahweh. Israel deve amar seu
Deus pela prática em que concretiza sua ordem social, a lei deuteronômica. O amor de Israel
para com seu “Único” e sua consequente “civilização do amor” origina-se do ouvir (amor ex
auditu). João acentua esse mandamento principal do “amor a Deus” (Jo 5.42) ou a Jesus (Jo
8.42), bem como a ligação dele com o cumprimento dos mandamentos (Jo 14.15, 21, 23; cf. 1Jo
5.2). A Toráh enquanto configuração concreta da salvação, sobretudo enquanto projeto da
dimensão social da salvação, continua sendo o coração da “nova aliança” (ver Jr 31.33 como
pano de fundo de Dt 30.1-14). No Sermão do Monte (Mt 5-7) tampouco proclama uma nova
Torah, e sim radicaliza a do Sinai. Seu cumprimento perfeito (cf. 5.48) – a justiça maior (5.20)
– realiza-se no seguimento de Jesus (Mt 5.17-20). A teologia da lei e a doutrina da justificação
em Paulo encontram suas premissas sobretudo no Deuteronômio, que já desenvolve a dialética
entre “lei e graça”. A novidade é que Paulo introduz nela o evento de Cristo como figura do
agir redentor de Deus e inclui também as nações na dimensão do povo de Deus da justificação.
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PARTE II - LIVROS HISTÓRICOS

1. JOSUÉ
1.1 O General
O primeiro versículo do livro de Josué apresenta algumas informações a respeito deste homem
que empresta o seu nome ao livro. Josué era filho de Num, que primeiramente chamava-se
Oséias - Hoshea‘ - ([;veAh) que quer dizer “salvação” (Dt 32.44; Nm 13.8) e após a morte de
Moisés deu continuidade à procissão com destino à terra prometida. Parece que foi Moisés
quem adicionou o nome divino ao nome Oséias e passou a chamar este de Josué - Yehoshua‘ -
([;vuAhy>) que significa “salvação de Yahweh” ou “Yahweh é salvação”. O termo grego ’Iesous
(VIhsou/j), em português Jesus, deriva da contração aramaica Yeshua‘ ([;WvyE) conforme pode ser
verificado em Ne 3.19. Josué foi escolhido por Moisés para ser seu assistente pessoal. Logo no
início recebeu a incumbência de comandar um destacamento com a função de defender o povo
dos ataques amalequitas (Ex 17). Josué como representante da tribo de Efraim participou do
grupo dos doze que espionaram as terras de Canaã (Nm 13.8). Junto com Calebe foram os
únicos da geração do Egito que puderam entrar na terra prometida (Nm 14.30).

Josué foi consagrado sucessor de Moisés para liderar em instâncias políticas e militares o povo
paralelamente à atuação religiosa do sacerdote Eleazar (Nm 27.18-23). Josué já devia ter pelo
menos 70 anos e era mais novo que Calebe quando liderou os hebreus na conquista de Canaã.
Não foi um homem executivo burocrático, antes foi à frente de batalha e liderou o povo na
prática doando-se totalmente à sua missão, conquistar.6 O caráter de Josué faz parte da
mensagem teológica do livro. Sua atuação é retratada como um tipo de um reinado ideal, de
justiça, sabedoria, liberdade e lealdade a Yahweh em Israel. É o único personagem que como
herói político e militar no Antigo Testamento não tem sua biografia manchada por
desobediência e rebeldia contra o Senhor.7

1.2 Estrutura do Livro

O Livro de Josué descreve a conquista de Canaã pelas tribos de Israel sob a liderança do
general Josué e também a distribuição da terra entre as tribos. Este processo de tomada é
descrito como uma grande marcha de conquista militar. O conteúdo do livro consiste no
comprometimento de Josué e o povo hebreu com a Torah que observada garantia a posse da
terra. O livro pode ser dividido em três partes: 1º bloco → Js 1.1-12.24; 2º bloco → Js 13.1-
22.34; 3º apêndice → Js 23.1-24.33. Nos dois blocos principais do livro mostra-se como sob a
liderança de Josué, fiel a Yahweh, a terra é conquistada e distribuída entre as tribos. O apêndice
coloca em evidência a questão do relacionamento entre Deus e os hebreus sob a seguinte
alternativa: servir a Yahweh, ou aos deuses da terra, ou deuses estrangeiros. A seguir um
esboço do livro:

1º bloco – A Conquista da terra: 1.1-12.24


O chamado de Josué: 1.1-9

6
HOFF, Paul. Os Livros Históricos. São Paulo: Ed. Vida, 1996, p. 24.
7
LASOR, William S. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2002, p. 153.
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A entrada na terra: 1.10-5.12


Preparativos para atravessar o Jordão: 1.10-18
O envio dos espiões: cap. 2
A travessia do Jordão: 3.1-4.18
O acampamento em Gilgal: 4.19-5.12
A conquista da terra: 5.13-12.24
Teofania de Yahweh: 5.13-15
A queda de Jericó: cap. 6
A campanha contra Ai: 7.1-8.29
O altar em Ebal: 8.30-35
O tratado com os gibeonitas: cap. 9
Expedições do Sul e do Norte: caps. 10-11
Relatório da conquista: cap. 12

2º bloco – A Distribuição da terra: 13.1-22.34


As tribos da transjordânia: cap. 13
A parte de Calebe: cap. 14
A parte de Judá: cap. 15
A parte de José: cap. 16-17
As tribos restantes: 18-19
As cidades de refúgio: cap. 20
As cidades dos levitas: 21.1-42
Partida das tribos destinadas a transjordânia: cap. 21.43-22.9

Apêndice – 23.1-24.33
Exortação à aliança com Yahweh: cap. 23
Firmando a aliança: 24.1-28
Notas finais: 24.29-33

1.3 Autoria e Data

A tradição atribui a autoria da maior parte do livro ao próprio Josué e a finalização da obra ao
sacerdote Finéias (24.33). É claro que Josué não pode ter composto todo o livro, pois há no
livro o relato de sua morte (24.29). A arqueologia não tem ajudado a esclarecer as dúvidas
quanto a conquista da terra ter ocorrido tal qual está no livro de Josué. Os dados arqueológicos
não podem servir como evidência decisiva para negar um núcleo histórico no livro de Josué
com relação, por exemplo, a conquista de Jericó. Em outros sítios da região de Jerusalém a
evidência não contradiz explicitamente o relato bíblico. Já as evidências de Ai mostram que o
relato da conquista desta cidade não tem natureza histórica, e explica-se esta contradição bíblica
como sendo uma lenda etiológica.8 No século XIX, a alta crítica considerava o livro de Josué
como uma extensão do Pentateuco através da busca das fontes literárias J (Javista), E (Eloísta),
P (Sacerdotal) e D (Deuteronomista) também em Josué. Na época recente, é a ligação entre
Josué e a obra Deuteronomista que tem sido objeto de atenção em detrimento da pesquisa das
fontes. Disto tem resultado que o material mais antigo encontra-se nos capítulos 1-12 que foi
compilado por um editor deuteronomista que deve ter acrescentado informações posteriores

8
Os hebreus que se instalaram no local das ruínas chamadas de ‘Ay (y[;), que em hebraico significa ruínas, destas
ruínas os colonos formaram a lenda da conquista de uma cidade cananéia naquele local pelo grupo de Josué. Ver:
MAZAR, Amihai. Arqueologia na Terra da Bíblia: 10.000 a 586 a.C. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 325-327.
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como listas de cidades e descrições de fronteiras prováveis da época da monarquia a partir do


século X a.C.9 No segundo bloco foi acrescentada uma seção deuteronomista (cap. 13-21) e
mais tarde foram feitos outros acréscimos.

Devido à temática da terra em relação a Israel é possível defender que a redação essencial do
livro de Josué na forma como nos é apresentada tenha sido feita na época do exílio. Isto porque
depois de 586 a.C. Judá sem a condição de estado autônomo, surgiu a pergunta pela relação de
Judá e Israel com sua terra. Numa visão retrospectiva por meio de uma narrativa da conquista
da terra através de Josué propôs-se que a terra foi dada por Yahweh e devido Israel ter se
voltado a outros deuses, conseqüentemente a terra foi perdida. Seguindo as teorias de Martin
Noth, alguns chegam a dizer que esta narrativa da conquista sob o comando do sucessor de
Moisés, Josué, é fictícia.10 Porém, o que se pode dizer com certeza é que é muito difícil
estabelecer como se deu a formação de Israel tanto considerando o livro como histórico ou
fictício. Assim, não se pode separar a revelação de Deus da história real e de seu registro em
textos.11 É possível perceber que enquanto estudamos história podemos detectar grandes
verdades sobre experiência.

Não se trata de um simples relato de como Israel perdeu a terra, mas especialmente um plano de
como Israel pode reaver a terra que Yahweh havia dado. Assim, os sucessos das campanhas de
Josué são explicados pela sua fidelidade a Yahweh é e observância da Torah. Josué descrito
como servo de Yahweh e comprometido com a Torah é uma antítese que dispensa a figura de
um rei para a libertar Israel.

1.4 Situação Histórica

A data da entrada na terra e início da invasão pode variar segundo os dados bíblicos entre os
anos de 1408 a 1250 a.C. Dentro deste período a poderosa XVIII dinastia do Egito que
dominou por muito tempo as cidades-estado cananeias havia chegado ao fim e a dinastia
seguinte continuou a enfraquecer-se. Este arrefecimento do poder Egípcio pode ser visto nas
Cartas de Amarna onde os reis cananeus pedem ajuda a Faraó contra exércitos que estavam
devastando as terras no século XIV a.C. Estes invasores mencionados podem ser exatamente o
grupo de Josué se adotarmos a data mais antiga para o êxodo em 1446 a.C. e a entrada na terra
em 1408 a.C. As Cartas de Amarna também mencionam os ’apirus, um povo ou sujeito social
que eram conhecidos por suas ações mercenárias no Antigo Oriente Médio. Embora seja
interessante identificar os ’apirus com os hebreus, não é possível encontrar na maioria das
referências elementos que indiquem alusões aos hebreus. O que se pode dizer é que a lacuna
imperial neste período deixou as cidades cananeias sem a ajuda egípcia, e assim a conquista
seria bem mais possível.

Canaã era organizada em cidades-estado independentes politicamente. Coincidiam umas às


outras na religião politeísta e na sociedade tributária. Documentos ugaríticos atestam que as
práticas religiosas cananeias baseavam-se na prostituição religiosa (culto à fertilidade),
sacrifício humano (em especial de crianças), variedades de divindades. Segundo Gn 15.16; Lv

9
Alguns exemplos podem ser fornecidos para indicar uma redação antiga: a principal cidade fenícia era Sidom
(13.4-7) mas depois era Tiro; o santuário ainda não tinha localização permanente (9.27); os gibeonitas ainda eram
servos inferiores no santuário (9.27, cfr. II Sm 21.1-6); os jebuseus ainda ocupavam Jerusalém (15.8, cfr II Sm 5.6-
10); topônimos antigos são usados e necessitam de interpretação (15.9).
10
ZENGER, E. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2003, p. 174-175.
11
LASOR, William S. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2002, p. 156.
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18 e Dt 9.4, essas práticas eram passíveis do julgamento de Yahweh e este poderia usar vários
meios para efetuar o seu julgamento, quer fosse semelhante ao de Sodoma e Gomorra, quer
fosse usando os hebreus. Estes aspectos da cultura e religião cananeia certamente não deveriam
ser assimilados pelo povo hebreu. Isto talvez explique a violência contra os cananeus contida
no livro, pois a limpeza étnica-cultural-religiosa poderia propiciar um ambiente ideal para a
formação do povo de Deus. Apesar de ainda assim ser constrangedora, esta explicação encontra
eco no resultado da história. Israel acabou por não cumprir a aniquilação, fez alianças com reis
cananeus e acabou por aderir às práticas religiosas pagãs e recorrendo a divindades cananeias,
que de acordo com a mensagem dos profetas ocasionou o julgamento de Yahweh através do
exílio.

1.5 Ênfases Teológicas

Muito tempo antes Yahweh havia prometido a Abraão que sua descendência herdaria uma terra.
A promessa foi transmitida até chegar em Josué que iniciou a tomada da terra. O conceito de
promessa e cumprimento tem lugar de destaque na história de fé de Israel. Desde a libertação da
escravidão do Egito, Deus cumpriu o que prometeu aos hebreus. Isto era sempre lembrado
pelos profetas quando exortavam o povo a voltar para o seu Deus. O monoteísmo é uma
proposta evidente no livro de Josué. Israel deve adorar somente uma divindade e nem qualquer
uma, só Yahweh, o Deus da dádiva da terra. Se caso optasse por cultuar outros deuses perderia
direito a terra. Alienado à promessa da terra estava o comprometimento com a Torah de
Yahweh que regulava não só a relação entre a divindade e o povo, mas entre o próprio povo. A
igualdade e solidariedade oriundas da justiça e misericórdia era o propósito antitético à
sociedade de classes tributária do Antigo Oriente Médio. A fidelidade aos estatutos javistas
proporcionaria o Descanso na terra. Este descanso consistia no fim da opressão, das angústias
do deserto, da violência da guerra. Como povo de Deus, Israel deveria experimentar a shalom.
Esta perspectiva do descanso desenvolveu-se como símbolo profético do descanso que Jesus
Cristo dá aos seus discípulos (Hb 4.1-11).

A promessa, o monoteísmo, o descanso, a terra, e as vitórias na guerra podem ser vistas sob
uma perspectiva de esperança para o povo que é fiel a Deus, a saber: contra qualquer estimativa
de poder humano, não há poderes terrenos capazes de resistirem a Yahweh e por conseguinte ao
povo fiel.

1.6 Textos de difícil interpretação

No cap. 2 os espiões que Josué enviou a Jericó entraram na casa da prostituta Raabe que
morava nos muros. Porque estes homens foram para a casa de uma prostituta? Provavelmente
porque sua identidade poderia ficar oculta num lugar de comum parada de viajantes. Todavia,
os espiões foram logo descobertos, cabendo a Raabe protegê-los.

A proteção de Raabe se deu com uma mentira, e pode ser intrigante o fato de que ela e sua
família foram poupadas na destruição de Jericó. O texto não diz que Deus aprovou sua mentira,
mas que ela foi abençoada por sua profissão de fé no Deus de Israel (v. 9-13) e poupada por ter
dado segurança aos espiões. Pode-se dizer que todos os cidadãos de Jericó que confessassem o
Deus de Israel como fez Raabe também seriam poupados. Quanto à mentira de Raabe, não foi
ela quem causou a destruição da cidade. A cidade já estava condenada por Deus, e Raabe
BACHARELADO EM TEOLOGIA 29
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demonstrou sua fé entregando a cidade para a destruição. A mentira em alguns textos do Antigo
Testamento tem sentido diferente de hoje.12

Na teofania em 5.13-15 o comandante do exército do Senhor mostra que a vitória não será de
Josué nem do povo, mas do próprio Deus que se empenha em realizar sua obra. Sem Deus,
Josué e o povo não poderiam ter conquistado Jericó. O general Josué age como servo ao
reconhecer a presença de Deus.

Na guerra entre os gibeonitas e os reis amorreus no cap. 10, Josué orou ao Senhor e o sol e a lua
se detiveram até que a vitória ocorresse v.12-15. É um evento literal ou figurado? Certo é que
naturalmente o sol não deve ter parado, pois este não gira em torno da terra e sim o contrário.
Mas para o hebreu era o sol que girava. Há vários relatos folclóricos sobre um dia em que o sol
não se pôs. Não é possível saber se estas lendas se reportam ao mesmo evento narrado aqui. O
que o texto deixa claro é que a vitória foi executada pelo Senhor que: os feriu e os perseguiu,
fez cair uma chuva de pedras tão devastadora que o número de mortos foi muito maior que os
que morreram pela espada v.10-11. O que pode ser defendido pela tradução literal do texto e
análise da poesia como sentido figurado é que o pedido era que o calor do sol não castigasse ou
sua luz fosse suave para garantir a vitória.

1.7 Aprendendo com as histórias:

No capítulo 9 Josué fez um acordo com os gibeontas. Analise a situação e responda as


perguntas:
a) Qual a importância de um juramento?
b) O que é mais importante: uma ordem de Deus ou um acordo com homens?
c) Qual foi o erro de Josué e o israelitas?
d) A solução encontrada por Josué foi satisfatória?
e) Como Josué deveria ter agido para evitar o constrangimento?
f) Pode ser atribuída a Josué a acusação de ter desobedecido a Deus?
g) Como pode ser aplicado este ensino aos cristãos de hoje?

1.8 Sugestão para Sermão

Escolhas e decisões - Josué 24

O cap. 24 contém elementos de uma confissão de fé proveniente do culto, ampliados pelo


Deuteronomista para explicar a transformação da associação de tribos em uma unidade político-
cultual de Israel. Desta maneira e seguindo a ótica do autor, a unidade do povo é criação de
Yahweh mesmo e uma consequência da fé. O ato fundante é a fé em um só Deus. Este Deus
congrega as tribos e lhes determina seu futuro. A pergunta essencial que se faz ao povo reunido

12
Para um estudo mais aprofundado sobre a mentira no Antigo Testamento, ver: GUSSO, Antonio Renato. A
Mentira no Antigo Testamento. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, STBSB, 2003.
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em Siquém não é, pois, se querem optar por este ou por aquele Deus; e sim se querem decidir-
se entre os deuses imóveis e sujeitos a um determinado território, ou o Deus que está sobre
todos os pontos geográficos. Esta exposição recorda o Decálogo e sobre tudo o primeiro
mandamento.

A tendência básica do ser humano – de todos os povos – é acomodar-se às circunstâncias. Para


satisfazer as necessidades mais imediatas, “buscam” os deuses locais. Mas Yahweh, o Deus da
história, não nos deixa quietos. Chama, insiste, empurra, exige escolha, pede resposta, solicita
responsabilidade. Nossa opção por Deus – o Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo – só pode ser
resposta a sua opção por nós, nunca ao contrário.

Esboço
1. Uma decisão fundamental.
2. Uma decisão interior.
3. Uma decisão responsiva.

Uma renovação total e urgente é necessária no mundo para o fim da exclusão social e violência
causada por pessoas sem Deus. Mas toda renovação começa com uma tomada de posição e
uma clara decisão: o que devemos fazer, o que queremos fazer. Com a avalanche de idolatria,
de falsos líderes e movimento de secularização dos valores sagrados, a igreja, o povo de Deus,
está diante da alternativa de optar novamente pelo Deus da história, da vida e da salvação, ou
deixar-se arrastar por pelo secularismo idólatra que destrói e exclui.
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2. JUÍZES
2.1 Os Libertadores
Após a morte de Josué, o período subseqüente foi marcado por grande desorganização,
desavenças e derrotas. Mas, no livro de Juízes quando o povo clamava ao Senhor, ele levantava
juízes – líderes – capazes de livrar o povo das mãos dos opressores (Jz 2.16). Estes juízes são
pessoas especiais, revestidos do poder de Deus, líderes carismáticos, fazem algo extraordinário.
A liderança dos juízes não era transmitida para os filhos. Para que alguém pudesse ser
considerado um líder, Deus tinha que deixar claro que estava com ele. A palavra shofet (jp.vo)
designa alguém que dispensa justiça, que pune o malfeitor e vindica o justo. Este heróis tribais
foram chamados de shofetym (~yjip.vo) que significa juízes, mas devido à sua principal atuação
foram algumas vezes chamados de moshya‘ ([;yviAm) que significa “libertador”. Considerando
que nem todos os juízes julgaram, mas que todos atuaram livrando o povo dos inimigos,
libertadores seria a melhor tradução para o nome deste livro.

2.2 Estrutura do Livro

O livro dos Juízes descreve o período posterior à ocupação da terra de Canaã pelas tribos de
Israel e anterior ao surgimento da monarquia. Este tempo é comumente denominado de a época
dos “juízes”, ou seja, dos líderes das tribos.O conteúdo do livro apresenta uma divisão de três
partes: Introdução → Jz 1.1-3.6; Os Juízes → Js 3.7-16.31; Relatos → Jz 17.1-21.25. A seguir
um esboço do livro:

Introdução – A morte de Josué e o fracasso das tribos: 1.1-3.6


Resumo da conquista da terra: 1.1-2.5
A nova geração: 2.6-3.6

Os Juízes – Seqüência de opressão e libertação: 3.7-16.31


Opressão de Cusã-Risataim: 3.7-11
Juíz: Otniel
Opressão de Eglom: 3.12-31
Juíz: Eúde 3.15-30
Sangar 3.31
Opressão de Jabim: 4.1-5.31
Juízes: Débora e Baraque 4.4-5.31
Opressão dos Midianitas: 6.1-8.32
Juíz: Gideão 6.11-8.32
O levante e a queda de Abimeleque: 8.33-10.5
Juízes: Tola 10.1-2
Jair 10.3-5
Opressão de Amom: 10.6-12.15
Juízes: Jefté 11.1-12.7
Ibsã 12.8-10
Elom 12.11-12
Abdom 12.13-15
Opressão dos Filisteus: 13.1-16.31
Juíz: Sansão 13.1-16.31
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Relatos – 17.1-21.25
Mica e seu sacerdote: 17.1-13
A migração da tribo de Dã: 18.1-31
O ultraje em Gibeá: 19.1-30
Guerra entre Benjamin e Israel: 20.1-48
A reconciliação das tribos: 21.1-25

2.3 Autoria e Data

A tradição judaica atribui a autoria do livro a Samuel. Porém nada há no livro que indique
claramente esta atribuição. É mais correto entender que a autoria é anônima. A data da
composição da maior parte do livro deve ser o período da monarquia. É claro que há textos
contemporâneos aos juízes, por exemplo, o cântico de Débora 5.2-31. Mas o livro só poderia ter
sido finalizado pelo menos duzentos anos depois. Alguns acham que se deu no início da
monarquia, na época de Saul e disto sustenta-se a hipótese tradicional da autoria de Samuel. A
expressão “Naqueles dias não havia rei em Israel” encontrada em Jz 17.6; 18.1; 21.25 indica
com certeza a composição da maior parte do livro durante a monarquia.

2.4 Situação Histórica

Canaã era uma terra formada principalmente por montanhas e vales e conseqüência disto é que
esta região favorecia o assentamento de um grande número de cidades estados e não a
integração de um povo. A geografia da região produzia isolamento ao invés de comunicação.
Diante destas dificuldades, não foi possível aos hebreus conquistarem de uma vez e nem
totalmente a terra de Canaã. Alguns povos permaneceram na terra durante este período, e a
explicação teológica para isto é que eles foram deixados na terra a fim de provar a fidelidade
dos hebreus a Deus (3.1). Os povos deixados na terra de Canaã não eram somente cananeus,
mas também havia heteus, amorreus, ferezeus, heveus, jebuseus.

A geografia, as lutas contínuas com os outros habitantes e as tensões internas entre as tribos são
elementos que compunham o quadro do povo hebreu no tempo dos juízes. As tribos eram
formadas por agrupamentos de vilas ocupadas por clãs que eram compostos por várias famílias.
A estrutura social era igualitária e não hierárquica. A associação das doze tribos tinha como
fator unificador a aliança que Deus havia feito com seu povo.

Durante e depois do exílio babilônico surgiu a pergunta de como a terra poderia continuar
sendo governada sem a instituição da monarquia. Os deuteronomistas mostram como o Espírito
de Yavé agiu sobre determinados homens e mulheres capacitando-os a dirigir e livrar o povo
em tempo de crise. A era dos juízes representa para os deuteronomistas o modelo contrário
ideal ao tempo da monarquia, que para eles tinha conotação negativa.

2.5 Tema Teológico

O livro de Juízes mostra como Yahweh, pela mediação de pessoas por ele incumbidas, interfere
na história em tempos de crise e reverte a crise em benefício do seu povo. Estas crises na
história do povo de Deus são provocadas pela rebeldia deste contra Yahweh e sua adoração a
outras divindades. A paz e a salvação no livro de Juízes pressupõe uma radical monolatria a
Yahweh. Ao longo de todas as histórias isoladas do livro sempre se retoma a salvação do povo
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de Deus. Aos que renegam a idolatria e retornam a Yahweh, ele não nega sua salvação. Apesar
de os juízes livrarem o povo é obvio na mente dos autores que Deus é quem salvava o povo.
Todas as pessoas que se dispuserem a servir Deus podem ser usadas por ele. Embora alguns
juízes não têm um comportamento adequado ao cristianismo, a revelação gradual da pessoa e
da vontade de Deus pode esclarecer estas dificuldades.

2.6 Os Juízes
Otniel – parente de Calebe, livrou os hebreus de Cusã-Risataim da Mesopotâmia;
Eúde – homem de confiança em Israel, muito corajoso e de muita fé;
Sangar – um nome estrangeiro;
Débora e Baraque – juíza e profetiza, mulher de Lapidote (4.4) que significa relâmpagos,
provavelmente o soldado Baraque era seu marido, pois a palavra lapidote parece referir-se
ao temperamento de Débora e equivocamente considerado o nome de um homem.
Gideão – livrou Israel dos midianitas; o perigo neste tempo era tão grande que encontramos
Gideão batendo o trigo no lugar chamado lagar. No lagar pisava-se uvas e o trigo era
batido ao vento.
Abimeleque – “meu pai é rei”, um aventureiro, matou 70 de seus irmãos, governou uma parte
de Israel, machista ao extremo que foi morto por uma mulher.
Jefté – um renegado, filho ilegítimo de Gileade, criado no meio de povo estrangeiro, foi
incumbido de defender o povo por se um líder.
Sansão – o mais espetacular dos juízes, seu nome tem relação com o “sol” e deve ter sua
origem em outra língua que não a hebraica, atuou durante 20 anos, matou muitos filisteus,
nazireu não podia cortar o cabelo, nem comer uvas e seus derivados, e nem tocar em
corpo morto.

2.7 Análise de Texto


Leia o relato sobre o juiz Jefté e analise o texto de Jz 11.29-40 respondendo:
a) Qual foi o voto de Jefté?
b) De que forma Jefté cumpriu o seu voto?
c) Como Jefté deveria ter agido, antes e depois do voto?
d) Que lições tiramos deste texto para os nossos dias?

2.8 Sugestão para Sermão

Provas e Provações - Jz 6.25-32

1º - Deus se deixa provar;


2º - Deus também prova;
Aplicação: É impossível agradar a Deus sem fé.
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3. 1 e 2 SAMUEL
Os livros de I e II Samuel originalmente eram somente um, e a divisão atual talvez seja do
início da era cristã. A LXX (Septuaginta) também apresenta uma divisão, mas trata os livros de
Samuel e Reis como partes de uma única obra chamada o livro dos Reinos. Na Vulgata são
denominados I, II, III e IV Livro dos Reis. Nesta disciplina estudaremos os livros conforme a
divisão cristã atual, ou seja, os livros de I e II Samuel serão estudados separadamente de I e II
Reis. Estes livros têm como propósito registrar o início da monarquia, mostrando as carreiras de
Samuel, Saul, Davi e Salomão.

3.1 Os Personagens

Em I e II Samuel três personagens são tratados como os protagonistas dos relatos. Os três têm
ligação entre si devido ao tempo a que se refere o relato. Estes personagens são: o próprio
profeta Samuel que dá nome ao livro, Saul que se tornou o primeiro rei de Israel e Davi, o
maior e mais emblemático rei de Israel. Samuel pode ser considerado o fundador da monarquia,
Saul, o tirano infiel, enquanto Davi, o rei ideal, ou seja, um rei verdadeiramente teocrático.

3.2 Estrutura do Livro

Os livros de Samuel são emoldurados pelos cânticos de gratidão de Ana (I Sm 2,1-10) e de


Davi (II Sm 22,1-51 que pode ser comparado ao Sl 18). Entre os cânticos é descrito o período
da história desde o nascimento do último juiz, Samuel, passando pelo surgimento da
monarquia, pelo primeiro rei, Saul, pelo governo de Davi, chegando há pouco tempo antes da
morte deste. O conteúdo do livro apresenta uma divisão de quatro partes: A Narrativa de
Samuel e Saul→ I Sm 1.1-15; A ascensão de Davi → I Sm 16-II Sm 5; O reinado de Davi → II
Sm 6,9-20; Relatos diversos → II Sm 21-24. A seguir um esboço do livro:

3.3 Autoria e Fontes

Na antiguidade era comum classificarem as obras literárias mediante as primeiras palavras ou à


pessoa de destaque que se ocupavam as primeiras colunas do texto. Esta pode ser uma razão
pela qual a tradição atribui a boa parte do livro à pena de Samuel. Porém, o fato de Samuel ter
morrido antes de Davi chegar a ser rei é fundamental para impedir que a autoria de Samuel seja
postulada a todos os dois livros. Em I Crônicas 29,29 uma fonte é citada a respeito dos “atos de
Davi” que estão registrados nas “crônicas de Samuel, o vidente”, e aqui fica claro que não
houve a intenção de propor com o nome a autoria das crônicas.

As histórias dos eventos da vida de Samuel, de Saul e de Davi, bem como os relatos que
destacam a Arca da Aliança foram tecidos em círculos ou seções que levam adiante a narrativa
desde o tempo dos juízes até o estabelecimento do reino de Davi. A variedade de círculos
narrativos pode ser exemplificada através das várias fontes usada pelo autor: Narrativas de
Samuel, Natã e Gade (I Cr 29,29); as Crônicas de Davi (I Cr 27,24); Livro dos Justos (II Sm
1,18); e também pela tradição oral.
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Disciplina: Estudos no Antigo Testamento 1 – Pentateuco e Livros Históricos
Período: 2º Semestre/2015
Professor Responsável: Prof. Dr. Gelci A. Colli

3.5 Temas Teológicos

É possível destacarmos alguns temas teológicos recorrentes nos livros de Samuel a partir da
perspectiva do exílio, que propõe que a monarquia não havia feito bem para Israel devido a seu
afastamento de Deus e de suas mudanças sociais. Por outro lado, se considerarmos as narrativas
sobre Davi que são perfeitamente favoráveis ao reinado davídico, será possível tratar o texto
como uma apologia à monarquia sob a dinastia de Davi. Com o fim da monarquia em 586 a.C.
as esperanças foram orientadas para um rei salvador prometido por Deus que deveria ascender
da casa da Davi, porque a dinastia davídica jamais desapareceria (II Sm 7). Na dinâmica da
história deuteronomista fica evidente sua noção de que a história transcorre sob a direção de
Deus, a tal ponto que até mesmo os poderosos devem se submeter a esta realidade. Se Saul,
Davi ou Samuel não reconhecerem que Deus governa tudo e todos, certamente perderão suas
posições de poder. Isto fica claro no exemplo de Saul. A decadência do reinado de Saul parece
preparar a idéia do grande reinado de Davi e Salomão. Em decorrência disto, Jerusalém ganha
lugar de destaque em relação ao Norte (Shilóh).

3.6 Análise de Texto

1 - Leia o relato de I Samuel 17 e relate as dificuldades do texto:

2 - Leia o relato de I Samuel 28 e responda:


a) Porque Saul procurou a necromante?
b) A mulher conhecia, ou não, a Saul?
c) Saul falou realmente com Samuel?
d) Que lições tiramos deste texto para os nossos dias?

3 - Leia o relato de I Samuel 24 e responda: Qual o problema em realizar um censo?


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4. 1 e 2Reis
Os livros dos Reis na realidade constituem um único livro. A subdivisão em dois livros,
mediante o corte após 1Rs 22:54, não se justifica sob o aspecto do fluxo narrativo, porque por
meio dela se interrompe a história de Acazias de Israel nas partes 1Rs 22:52-54 e 2Rs 1:1-18.
Essa subdivisão é encontrada pela primeira vez na LXX, motivada pela extensão do livro, e
foram denominados 3º e 4º livro dos Reinos. A partir da LXX a bipartição foi adotada pela
Vulgata e somente depois introduzida nas Bíblia hebraicas nos séculos XV e XVI. O conteúdo
geral deste bloco são relatórios das carreiras dos reis de Judá e Israel, desde Salomão até a
invasão babilônica.

4.1 Tema/Mensagem
Nos Livros dos Reis o sucesso esta relacionado diretamente com a fidelidade a aliança com
Deus. Pode-se tirar quatro princípios que são ilustrados nas narrativas de Salomão, Jeroboão,
Elias e Josafá.

A ambição egoísta afeta os outros: Salomão é o modelo de fracasso por ter agido por
iniciativa própria e para sua própria vantagem. A nação foi espiritualmente afetada,
moralmente degradada e dividida politicamente.

Conduta ímpia corrompe a outros: Jeroboão é o modelo do fracasso real que atinge o povo.
Um profeta disse a esposa de Jeroboão que Deus desistiria de Israel por causa dos pecados
de seu esposo, que ele “cometeu e tem feito Israel cometer” (1Rs 14:16, 15:26,30,34). Se o
rei peca, ele leva seu povo a pecar da mesma forma.

Testemunho corajoso inspira outros: Elias e sua coragem ao enfrentar os profetas de Baal é
uma ilustração vívida da confiança em Deus que deve ter o povo de Deus.

Santidade pessoal enriquece a outros: Josafá, um rei piedoso de Judá, que buscava
glorificar a Deus, certa vez ajudou a Jeorão, rei de Israel que estava em guerra com os
moabitas. O profeta Eliseu deixou claro que a fidelidade de Josafá seria honrada por Deus
apesar da infidelidade de Jeorão (2Rs 3:14).13

4.2 Fontes
Livros dos Atos de Salomão: 1Rs 11:41
Livros das Crônicas dos Reis de Judá: 2Rs 20:20
Livros das Crônicas dos Reis de Israel: 2Rs 13:8
Isaías 36-39: 2Rs 18-20

4.3 Estrutura
Os livros dos Reis iniciam a narrativa nos últimos dias de Davi (1Rs 1) e delineiam, passando
pela sucessão no trono e pela subdivisão do reino depois da morte de Salomão, um quadro dos
dois reinos, agora divididos, Israel e Judá, até a ruína de cada um deles (ruína de Samaria: 2Rs
17; ruína de Judá: 2Rs 25). Os livros dos Reis podem ser desmembrados em três partes

13
BROWN, Raymond. Entendendo o Antigo Testamento: esboço, mensagem e aplicação livro por livro. São
Paulo: Shedd Publicações, 2004, p. 71-82.
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principais: o reinado de Salomão (1Rs 1-11), a história dos reinos divididos (1Rs 12-2Rs 17) e
a história dos reis de Judá (2Rs 18-25).

4.4 Formas
As narrativas reais em sua maioria obedecem a uma moldura padrão característica para a
historiografia dos reis de Judá e Israel:
Reis de Judá Reis de Israel
Introdução: Introdução:
Datação sincrônica Datação sincrônica
Idade ao assumir o trono
Duração do governo Duração do governo
Nome da mãe do rei
Avaliação teológica Avaliação teológica
Conclusão: Conclusão:
Localização de fontes Localização de fontes
Nota de falecimento Nota de falecimento
Local de sepultamento
Sucessor Sucessor

As apresentações dos profetas também contém elementos básicos em sua configuração:


a - Fórmula de evento da palavra/fórmula do mensageiro
b - Justificativa
c - Ameaça
d - Cumprimento

4.5 Os Profetas
Uma segunda característica dos Livros dos Reinos é a apresentação de profetas e suas atuações,
dentre os quais podemos destacar alguns: Aías de Siló (1Rs 11:29-40; 14:1-18), Miquéias,
filho de Imlá (1Rs 22:5-28), Elias (1Rs 17-19, 21, 2Rs 1:1-2:18), Eliseu (1Rs 19:19-21, 2Rs 2-
9, 13:14-21), Isaías (2Rs 18-20 = Is 36-39). Os profetas nestes livros são especialmente as
pessoas enviadas por Deus aos reis, que anunciam a destruição do rei e da terra.

4.6 Ênfases Teológicas

4.6.1 Pureza e unidade do culto


O culto a Deus deve ser mantido livre de todos os elementos estrangeiros, e seu único lugar
de realização é o templo de Jerusalém. Em todos os demais santuários, Deus não pode ser
adorado.

4.6.2 Teologia da História


Visto que Deus não é adorado exclusivamente, conforme sua exigência, e como os reis e os
povos de Judá e Israel se desviam para o culto a Baal e Asherá, bem como as outras
divindades, precipita-se sobre todos eles o juízo.

4.6.3 O Papel dos Profetas


Os profetas são enviados por Deus para exortar a que não se renegue o verdadeiro culto a
Deus. Eles dispõem, de poderes milagrosos, e sua palavra se realiza. Esse elemento vale
também e sobretudo para os seus prenúncios da ruína dos reinados dos estados de Israel e
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Judá. O arrependimento do rei pode provocar um adiamento da chegada da desgraça (1Rs


21:17-29; 2Rs 22:15-20; 2Rs 20:1-11).

4.6.4 Conseqüências na História da Teologia


Considerando que nos livros dos Reis foram criticados os reis em vista de sua orientação e
prática religiosa, tornou-se importante para o futuro limitar a função dos reis. Esse objetivo
se cristaliza no projeto de constituição do livro de Ezequiel (Ez 40-48) e na lei do
Deuteronômio para o reinado (Dt 17:14-20). Nesses projetos o rei está subordinado aos
sacerdotes, ou está ao lado do sumo-sacerdote (Zc 4:1-14). A idéia do templo em Jerusalém
como único lugar legítimo de adoração a Deus foi muito importante para o pós-exílio contra
os judeus de Elefantina (Egito) e contra o santuário samaritano sobre o monte Gerizim.

4.7 Textos para Estudo

a) Conselhos de Davi a Salomão - 1Rs 2:1-12


Coragem, pois, sê homem (v.2) = sê forte, firme, violento, duro
Guardar os preceitos do Senhor (v.3)
Não permitir que Joabe morra em paz (v.6)
Ser benevolente com os filhos de Barzilai (v.7) = recompensar
Matar Simei (v.9) = 1Cr 28:5; Jr 48:10

b) Alistar os milagres de Eliseu e fazer um paralelo com os do Novo Testamento.


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5. 1 e 2Crônicas

Os livros das Crônicas na realidade constituem um único livro. A subdivisão em dois livros é
encontrada pela primeira vez na LXX, talvez motivada pela extensão do livro. O título hebraico
divrey hayamim (~ymiy;h; yrEEb.d)i que significa “assuntos dos dias, cosias dos dias, coisas que
aconteceram no passado, eventos do tempo” caracteriza a obra como descrição histórica. A
LXX designou o seguinte título paraleipomena (paraleipomena) que indica “coisas deixadas de
lado, omitidas, ocultas” com o sentido de “coisas acrescentadas.” A Vulgata denominou o livro
pelo termo “crônicas” através de uma sugestão de Jerônimo. O tempo descrito nos livros das
Crônicas estende-se do início da história humana à viabilização do recomeço após o exílio
babilônico. Apesar de ter como base os livros de Samuel e Reis, as Crônicas não são simples
comentários destes. Antes, constitui-se numa obra independente que utiliza fontes bíblicas e
extra-bíblicas.

5.1 Tema/Mensagem
O templo constitui o centro gravitacional da exposição cronista e da sua teologia. A mensagem
desta obra pode ser reduzida a dois versículos que a sintetizam: 1Cr 17.12 e 2Cr 7.14. Cada um
é colocado num contexto de revelação divina a Davi e Salomão. Davi leva o povo de Israel a
adorar a Deus. Observando a atuação do próprio Davi, deve-se procurar meios de melhorar a
sua adoração. O êxodo está direcionado para a construção do templo (2Cr 6.5-11). As
conquistas de Davi estabelecem Jerusalém como o local do templo lugar sagrado. Salomão é
eleito o construtor do tempo e organizador do culto. Uma lição da história é inicia-se na
narrativa de Salomão “o povo que honra o Senhor terá sucesso”, porém ao fim do livro
percebe-se que a queda do povo é resultante de governantes e um povo que se desviam do
Senhor.

5.2 Fontes
Livros das Crônicas de Samuel: 1Cr 29:29
Livros das Crônicas de Natã: 1Cr 29:29
Livros das Crônicas Gade: 1Cr 29:29
Livros da História de Natã: 2Cr 9:29
Profecias de Aías: 2Cr 9:29
Visões de Ido: 2Cr 9:29, 12:15, 13:22
Relatos de Semaías: 2Cr 12:15
Relatos de Jeú: 2Cr 20:34
Livro dos Reis de Israel e Judá: 2Cr 27:7
Livro das Histórias dos Reis de Israel e Judá: 2Cr 24:24
Profecias de Isaías: 2Cr 26:22

5.3 Autoria e Data:


Alguns sustentam que pode ser Esdras, pois tinha acesso a biblioteca do governador Neemias
(2Mb 12:15), pelo fato do autor se mostrar muito bem informado. Todavia faltam dados
históricos para que esta hipótese seja elevada a uma afirmação exata. Analisando as
características literárias da obra percebe-se que as Crônicas são literatura típica de escribas.
Quanto à data é fácil localizar o livro no período pós-exílico. Se Esdras é mesmo o autor, então
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o livro foi composto entre 450 a 425 a.C. Se não, deve-se considerar o tempo entre o fim do
século VI até o século II a.C. como possibilidade para a data da composição.

5.4 Estrutura
O livros das Crônicas pode ser apresentado por um esquema bem simples, porém bastante
relevante:

I - Genealogia: 1Cr 1-9


II - Reinado de Davi: 1Cr 10-29
III - Reinado de Salomão: 2Cr 1-9
IV - Reis de Judá: 2Cr 10-36

5.5 Ênfase Teológica


A exposição toda de Crônicas é perpassada por termos chave como “buscar a Deus”,
“humilhar-se”, “praticar o que é bom, justo e verdadeiro perante Deus”, e por termos contrários
como “praticar a infidelidade”, “abandonar a Deus”, “desrespeitar a palavra de Deus”. As
histórias dos reis exemplificam essa estrutura básica.

Em outra perspectiva, as Crônicas mostram as condições de como se constrói identidade


religiosa sob uma intensa pressão cultural: a atualização da tradição, concentração no essencial
e disposição para fazer as distinções. A perspectiva cultual que à primeira vista parece ter puçá
atualidade, é rompida nos próprios livros pela tora, ou, concretamente, a orientação declarada
no mandamento principal, torna-se reconhecível com força geradora/realizadora de história.

5.6 Situação Histórica


Com o fim do exílio não veio a vida livre e abundante que poderiam esperar os judaítas. As
dificuldades não cessaram, e o retorno à terra implicou em mais situações difíceis para os que
voltaram e para os que haviam sido deixados na terra. O cronista tem sensibilidade aguçada em
relação às circunstâncias contemporâneas dele, à maneira que o passado ilustra o presente, e
procura ensinar a seu povo as densas lições da graça e do julgamento na história de Israel. Essas
lições foram cruciais para a sobrevivência do povo após o exílio babilônico. Com o desterro do
exílio, a fé dos judaítas foi colocada em dúvida, sendo necessário que fossem dadas respostas à
crise de fé que tomou conta do povo. Portanto, garantir ao povo que Deus estava no controle da
história era fundamental neste momento. Este rememorar do passado tencionava levar Israel a
uma autocompreensão sadia sob a luz dos propósitos de Deus. Era importante saber como o
povo havia sido formado, com Deus os tinha conduzido através das épocas difíceis, como
receberam e às vezes rejeitaram a Lei, porque o messias devia ser da casa de Davi, como era o
templo original.

Em relação ao reino do Norte, as Crônicas parecem assumir uma atitude de abertura, pois
parece preservar o ideal das doze tribos, mesmo que centralizadas em Jerusalém. Isso pode
indicar que não há neste momento a luta contra os samaritanos, e sim advertência contra o
perigo da influência helênica predominante no IV século a.C.

5.7 Textos para Estudo


a) O reinado de Manassés – 2Cr 33:1-20, comparar com 2Rs 21:1-18

b) Qual os propósitos do relato da genealogia?


1 – estabelecer a herança: de propriedade, direito ao trono, ao sacerdócio e à liderança;
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2 – organizar, determinando como deveriam distribuir a terra e assim por diante;


3 – manter o povo em contato com o que Deus havia feito pelos seus ancestrais;
4 – mostrar que os propósitos de Deus para com o Israel ainda estavam em vigor;
5 – a descendência de Davi e Salomão que é vital para a identificação do Messias;
6 – a descendência de Levi para identificar aqueles que podiam servir no templo;
7 – evitar que indivíduos de outros povos se infiltrassem no meio do povo.
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6. Rute

O livro de Rute está na divisão canônica dos Escritos na bíblia Hebraica, era lido no dia de
Pentecostes, no culto judaico, a festa da colheita e da entrega da Lei (Torah). A defesa da
leitura deste livro durante a festa de Pentecostes se dá desta forma: o livro de Rute fala de
colheita, da cevada e do trigo (1:22; 2:23); Davi, o bisneto de Rute faleceu numa festa de
Pentecostes; a conversão de Rute ao judaísmo é apropriada à festa que celebra a dádiva da
Torah; a fidelidade de Rute simboliza a fidelidade de Israel para com a Torah; o verdadeiro
cumprimento da Torah está na prática do amor ao próximo (Lv 23:19-22).

6.1 Autoria e Data


O livro é apresentado sem qualquer indicação sobre a autoria, apesar de indicar o período em
que a história se passa, a época dos juízes. A tradição e o Talmud hebraico atribuem a autoria
do livro de Rute a Samuel, e nesse caso a data da escrita seria a época de Davi, mais
provavelmente durante o seu reinado. Mas a crítica tem sugerido outras épocas para a data da
escrita que descartam a autoria de Samuel pela impossibilidade cronológica. No movimento da
teologia feminista foi formulada a proposta de que o livro foi redigido no período pós-exílico e
sua autoria atribuída às mulheres camponesas, pois, elas no conto dominam os diálogos,
revelam os costumes, movimentam a história.

6.2 A mensagem do Livro:


O livro de Rute, longe de ser uma história inocente, enquanto novela que distrai o leitor, tem
em sua redação traços que indicam uma ordenação de coisas na história que dão dicas a respeito
do que se quer deixar transparecer.

Nos nomes, os seu significados tem relação com cada momento do livro:
Belém (betlehem - ~x,l, tyBe): Casa de Pão região muito produtiva;
Elimeleque (%l,m,ylia/): meu Deus é rei;
Noemi (ymi[\n"): agradável, amável, prazer, doçura, deleitável;
Malom (!AlÜx.m;): alegria, canção, a raiz significa enfraquecer, doente, franzino;
Quiliom (!Ayl.ki): pereceu, da raiz: definhamento, ser destruído;
Orfa (hP'r>['): nuca;
Rute (tWr): graciosa, amizade
Mara (ar'm'): amargura;
Boaz (z[;Bo): há força nele;
Obed (dbeA[): servo;

Na geografia, os movimentos dos personagens do livro sempre revelam a volta para casa, para a
família, para a terra. A conclusão mostra que a casa é o centro da história.

Nas palavras, há uma determinada repetição em cada seção que indica o tema predominante: a
palavra “voltar” ocorre doze vezes em 1:6-22. A frase “catar a sobra da colheita” ocorre doze
vezes em 2:2-23. A palavra “resgatar” ocorre sete vezes em 3:9-13, e a seguir, em 4.1-8 ocorre
quatorze vezes. A palavra “nome” sete vezes em 4:5-17.
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6.3 Estrutura
O livro de Rute pode ser apresentado por um esquema bem simples, porém bastante relevante.
Começa com a descrição da opressão em que vive o povo e termina com a descrição do final
feliz que o povo espera realizar. Entre os dois pólos está a caminhada da reconstrução do povo:

I – Tragédia familiar de Noemi: Rt 1:1-5 1-9


II – O triste retorno: Rt 1:6-22
III – O encontro com o Resgatador: Rt 2:1-3:18
IV – O resgate: Rt 4:1-12
V – Final feliz: 4:13-22

6.4 Várias Interpretações e Teologias


Para compreender o livro de Rute depende de se considerar ou não como secundária a
referência a Davi em 4:17b. Se admitirmos Davi como ponto central da narrativa deve-se
compreender o livro como uma legitimação, ou apologia aos antepassados moabitas de Davi.
Se deixarmos de lado a figura de Davi, é possível então encontrarmos grande número de
explicações sobre o livro, segue algumas delas:
● uma bela história, que enaltece a fidelidade da viúva – Herman Gunkel;
● uma recomendação da hesed “fidelidade, solidariedade” como virtude fundamental;
● uma história de mulheres do tempo dos juízes: devido ao grande número de relatos
sobre mulheres no livro de Juízes (Débora, Jael, a mulher sem nome, a filha de Jefté, a
primeira mulher de Sansão, Dalila, e finalmente, Rute);
● um gênero literário: um conto popular que exalta o espírito do clã e da família;
● um escrito em prol da prática do levirato e do dever de recompra da propriedade
perdida;
● um escrito de protesto contra a política pós-exílica de isolamento, xenofobismo e
intolerância;
● um escrito de oposição à proibição de matrimônios mistos emitida por Neemias e
Esdras;
● uma “história de mulher” que visa trazer à memória a grande relevância das mulheres
para a história de Israel.

Se partirmos da perspectiva de Noemi, que perdeu seus filhos e está ameaçada pela “morte no
meio da vida”, é uma ilustração do povo de Deus no exílio e/ou imediatamente posterior ao
exílio, que alcança a plenitude da vida pela solidariedade de Rute, a novela tenciona ser uma
história de esperança para Israel. Ou seja, o Deus doador da vida tem o objetivo de se revelar
em pessoas doadoras da vida. A estrangeira Rute, que age com coragem e sensibilidade, é
modelo dessa verdade de Deus.
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Em outra perspectiva, a genealogia no final do livro pontua Davi, e nesse sentido Rute entra
para a galeria das mães de Israel. O livro pode então ser uma elaboração de como chega o
nascimento do messias: pela prática da solidariedade cotidiana, de acordo com o exemplo de
Rute. No momento e lugar em que isto acontece, Israel pode ter esperança de que está nascendo
o go‘el (laeg)O “o resgatador” que realiza o direito dos injustiçados e traz vida aos pobres.

6.5 Situação Histórica


A situação histórica-social preservada nas linhas de Rute apresenta um tempo de fome,
migração, pobreza e desesperança. O povo perdia suas propriedades; e os parentes mais ricos
recusavam a ajuda aos mais pobres. Numa sociedade campesina, a terra era objeto de
transações financeiras. O clã era a unidade básica da sociedade, mas não parecia mais funcionar
como deveria. Embora estava assegurado pela lei alguns direitos fundamentais dos pobres,
esses estavam sendo ignorados. A organização política não indica a presença da monarquia,
somente juízes (Rt 1:1), e a questões eram decididas nos tribunais dos anciões, às portas das
cidades.

Apesar do primeiro versículo do livro de Rute indicar que a história se passa no tempo dos
juízes, não quer dizer que o livro foi escrito neste período. Muito já se discutiu sobre a época da
escrita do livro e as hipóteses variam desde o tempo de Samuel até depois do exílio. Todavia,
devido as comparações feitas entre as afirmações do livro com as épocas da história de Israel,
os pesquisadores recentes tem concluído que o livro foi escrito durante o século V a.C., mais ou
menos 100 anos após o fim do exílio babilônico. Para esta afirmação seguem os argumentos
principais:
● Os problemas que marcaram a situação do povo no livro de Rute são os mesmos do
povo da Palestina no V século a.C.: desapropriação das terras dos pobres pelos ricos (Ne
5:1-5); problemas com a observância da lei do resgate (Ne 5:8-11); problemas com
casamento com estrangeiras (Ed 9:1-2; 10:2-10); Ne 13: 23-27); problema da
desintegração das famílias, dos clãs (Ne 7:4-5).
● O pensamento do livro de Rute é o tem o mesmo delineamento de outros livros do
período exílico e pós-exílico (Jô, Jonas e Isaías 40-66): o universalismo da fé em Deus; a
esperança do novo Davi; o sofrimento e a retribuição; o “servo sofredor”.
● A forma de escrita do livro, na opinião de muitos hebraístas, é característica da época
pós-exílica.

A época do procedente do exílio babilônico tinha deixado os que retornaram para a terra com a
esperança de reconstruir o povo, já que os que ficaram não conseguiram reconstruir Jerusalém,
mesmo morando nos arredores. A esperança não se concretizou, os conflitos aumentaram (Ne
5:1-5). A pobreza era cada vez maior (Ag 1:6). Na busca de resolver os problemas, houve três
propostas diferentes, cada qual com sua própria maneira de ver a situação, a missão e a
organização do povo.
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Zorobabel e o sacerdote Josué (Ed 3:1-3) tentaram reconstruir o altar e o templo de Jerusalém
com o apoio dos profetas Ageu e Zacarias (Ag 1:12-15; Zc 4:6-10). Para eles o sofrimento do
povo era devido ao abandono do povo em relação ao altar e ao templo em ruínas (Ag 1:3-11).
Esdras, um escriba de muita capacidade, atribuía a causa dos males do povo à influência dos
costumes pagãos inseridos no meio judeus por causa do casamento com mulheres estrangeiras
(Ed 9:1-2; 10:2-10). Para resolver o problema era necessário a observância da Lei (Ne 8:1-8) e
o fim dos casamentos mistos (Ed 10:3-11).

Neemias, sensível aos problemas do povo, exigiu que os ricos devolvessem aos pobres as terras
roubadas e perdoassem as dívidas acumuladas (Ne 5:7-13). Além disso, tentou reconstituir as
famílias, os clãs, e cuidou da segurança reconstruindo as muralhas de Jerusalém (Ne 2:11-3:38;
5:16). Tudo indica que Neemias observava a reconstrução do povo através da lei do ano jubilar.
Esta lei mandava que a cada 50 anos, se desfizessem todas as dívidas e todas as compras e
vendas de terras (Dt 15:1-11; Lv 25:1-34). Neemias queria que os ricos andassem no temor de
Deus, observando a sua lei (Ne 5:9).

Estas três propostas ou tendências, muitas vezes misturadas entre si, são o contexto e o quadro
referencial mais amplo, dentro do qual surge o livro de Rute.
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7. Esdras-Neemias

Esdras e Neemias formavam inicialmente um único livro. A separação se deu num segundo
momento e foi motivada pela incisão em Ne 1:1 que trás o título de “memórias de Neemias” até
7:73 e os capítulos 11-13. Nesse caso, as memórias de Esdras iniciam em Esdras 7-10 e
terminam em Neemias 8-10. O Cânon Hebraico provavelmente considerava os dois livros como
uma única obra, pois, Esdras é encerrado sem as devidas notas massoréticas finais, e a
contagem do total dos versículos aparecem somente no fim de Neemias e se refere aos dois
volumes. A divisão não deve ter ocorrido antes do século XV d.C., e provavelmente os círculos
cristãos.

Os nomes dos livros e o número dos escritos atribuídos a Esdras são diferentes na Bíblia
hebraica e nas tradições antigas:
Bíblia Hebraica Septuaginta Vulgata Edições Modernas
Esdras Esdrasb 1Esdras Esdras
Neemias Esdrasg 2Esdras Neemias
Esdrasa 3Esdras 3Esdras*
Esdras 4Esdras 4Esdras*
* Estes textos não estão incluídos nas bíblias católicas e protestantes.

7.1 O Livro de Esdras


7.1.1 Os Personagens

O livro de Esdras tem como personagens principais, duas pessoas:

a) a primeira parte do livro, os caps. 1-6 têm Zorobabel (Semente da Babilônia), o governador –
Pehah: termo persa para governador – que comandou o primeiro grupo dos que voltaram para
Judá após o exilo babilônico. Como descendente da linhagem real de Davi (1Cr 3:16-19) foi
símbolo de esperança para os judeus e lançou os fundamentos do novo templo, ainda,
baseando-se em Zc 4:9 pode-se dizer que também completou a edificação deste. Zorobabel e
seu grupo tiveram que enfrentar o grande desafio de iniciar a reconstrução da cidade e do
templo. Estes capítulos compreendem cerca de 20 anos.

b) nos caps. 7-10, porém com um intervalo de 60 anos após o cap. 6, ou seja, 80 anos após o
retorno do primeiro grupo, agora com o segundo grupo que retorna, temos um sacerdote e
especialista na lei judaica chamado Esdras (Ed 7:1-6), cujo nome dá título ao livro e parece
significar “Deus é auxílio” ou “Aquele a quem Yahweh ajuda”.14 Esdras e seu grupo
enfrentaram decididamente o problema dos casamentos mistos no meio de todo o povo, apesar
das duras conseqüências sociais disto.

“Estes dois líderes enfrentaram problemas humanamente insolúveis mas foram bem sucedidos
porque tratavam de fazer aquilo que era a vontade de Deus. Com certeza, também nos dias
14
GASS, Ildo Bohn. Uma Introdução à Bíblia: Exilo Babilônico e Dominação Persa – vol. 5. São Leopoldo/São
Paulo: CEBI/Paulus, 2004, p. 119.
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atuais, a boa mão do Senhor continua sobre aqueles que estão prontos para obedecer às suas
ordens.”15

7.1.2 O conteúdo do Livro


No livro de Esdras encontra-se registrado o retorno dos judeus, sua chegada e reinstalação nas
terras dos pais. Sabe-se que da ordem de Ciro para que fosse reconstruído o templo, somente o
altar de sacrifícios foi restaurado (Ed 3.1-13). Porém, o povo que havia ficado em Judá durante
o exílio reivindicou sua participação no processo de restauração do templo e conseqüentemente
da vida político-religiosa de Israel. A recusa dos repatriados em compartilhar a construção do
templo se deveu ao entendimento de que somente os que retornaram da babilônia é que
poderiam ser considerados judeus puros (Ed 2).Houve ainda interferências externas que
acabaram impedindo a reconstrução do templo por cerca de 17 anos. É que Ciro havia morrido
em 530 a.C., talvez por isto a sua ordem não fora cumprida. Após a morte de Cambises em 522
a.C., filho e sucessor de Ciro, Dario, filho do governador de Susã e oficial da corte da Cambises
assumiu o poder e consolidou o domínio persa.

7.1.3 Referências Históricas:16


Duas questões sãos as que mais chamam a atenção dos pesquisadores:
1) Quais são os fatos históricos por trás dos relatos do cronista?
2) Quando atuaram Esdras e Neemias, em especial, quem precedeu quem?

As duas questões estão entrelaçadas.

Não há consenso a respeito da segunda questão. De acordo com Ed 7.7, Esdras vem a
Jerusalém no 7º ano do rei Artaxerxes. Presume-se que seja Artaxerxes I Longimano (465-425).
Nesse caso, a missão de Esdras teria iniciado em 458 a.C. Segundo Ne 2.1, a missão de
Neemias ocorreu no 20º ano presumivelmente do mesmo rei Artaxerxes, ou seja, em 445. Há
muitas dúvidas sobre a precedência de Esdras, das quais as mais importantes são:
1 – Esdras veio para implantar a lei entre o povo judaíta (Ed 7), mas Neemias teve que
investir muita energia para impor diversos preceitos da lei (Ne 13).
2 – Os casamentos mistos dissolvidos sob Esdras (Ed 9-10) continuam existindo na época
de Neemias (Ne 13).
3 – Esdras encontrou a cidade de Jerusalém já populosa (Ed 10.1), enquanto que, de acordo
com Ne 7.14, ainda havia poucos habitantes.
4 – Ed 9.9 parece pressupor o final da construção dos muros.
5 – Para seu projeto de repovoamento de Jerusalém, Neemias toma por base uma lista de
repatriados (Ne 7) que ainda não inclui os que retornaram sob Esdras (Ed 8); também na
reconstrução dos muros (Ne 3) estes não teriam participado.
6 – Conforme Ne 11.16; 13.13, Neemias designou tesoureiros para o templo, no tempo de
Esdras, eles já existiram (Ed 8.33).

Estes argumentos levaram muitos a pensar que Esdras veio a Jerusalém no 7º ano de Artaxerxes
II (404-359), ou seja, em 398. Contra essa hipótese levantou-se o argumento de que, conforme
os papiros de Elefantina, a páscoa estava regulada já em 419 a.C. pressupondo, portanto, a
implantação de lei de Esdras. Além disso, deve-se perguntar por que o cronista teria colocado a

15
GUSSO, Antonio Renato. O Livro de Esdras. Apostila do Autor.
16
KILPP, Nelson. Esdras e Neemias. em: RIBLA (Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana), nº 52, vol.
3, 2005, pp. 178-179 [562-563].
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missão de Esdras antes da de Neemias, uma vez que, em sua época, ele ainda podia ser
facilmente questionado pelos seus leitores, pois certamente perceberiam o erro.

Há os que admitem que Esdras e Neemias atuaram simultaneamente como se pode deduzir dos
três textos nos quais estão juntos: Ne 8.9; 12.26; 12.36. Porém nenhum nem outro refere-se a
atuação do outro, eles nem tomam conhecimento um do outro. Além disso, mesmo com
atribuições distintas, os poderes de ambos são muito semelhantes, de modo que uma
simultaneidade teria provavelmente redundando em conflito.

Permanece estranho, no entanto, que o redator cronista não só pressupõe a simultaneidade de


Esdras e Neemias, mas também coloca atividades essenciais de Esdras após a chegada de
Neemias, como a leitura da lei (Ne 8). Estes dados podem ser compreendidos com maior
facilidade se as atuações de ambos se intercalaram, ou seja, se Esdras veio a Jerusalém no
intervalo das duas estadas de Neemias. Segundo Ne 13.6-7, Neemias voltou à Pérsia em 433
para retornar certo tempo depois. Por este motivo, muitos pensam que Esdras não veio no 7º,
mas no 37º ano de Artaxerxes, ou seja, em 428, para ficar por pouco tempo em Jerusalém até o
retorno de Neemias.

7.1.4 Estrutura do Livro:


O livro de Esdras pode ser dividido em duas partes principais que facilitam o entendimento:
I – Caps. 1-6: Zorobabel e a reconstrução do Templo;
II – Caps. 7-10: Esdras e o compromisso com a Lei;

7.1.5 A Mensagem:
Seguindo o modelo estrutural Raymond Brown também dividiu a mensagem em duas partes
correspondentes a cada bloco estrutural:

I – Nos caps. 1-6 três princípios relativos ao trabalho para nosso Deus podem ser lembrados:
a) o trabalho de Deus exige pureza: referente à recusa da ajuda dos samaritanos da
parte dos exilados que voltaram;
b) o trabalho de Deus provoca oposição: referente aos artifícios criados com o
intuito de atrapalhar a reconstrução do Templo por grupos avessos ao projeto de
reconstrução;

c) o trabalho de Deus produz alegria: referente às ações de graças encontradas no


texto (3:11-13, 6:22).

II – Nos caps. 7-10 algumas qualidades do servo de Deus, o sacerdote e escriba chamado
Esdras:

a) um homem de fé: referente à recusa da escolta militar persa para a viagem até
Jerusalém (8:22,31;

b) um homem de ação: referente a atitude contrita de Esdras ao constatar que o povo


em Judá estava vivendo com padrões espirituais aquém do ideal de Deus, por isso,
entregou-se a oração em favor do povo;
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c) um homem de coragem: referente ao fato de Esdras mandar que as mulheres e


filhos estrangeiros fossem mandados embora.17

7.2 O Livro de Neemias

7.2.1 O Personagem

O nome Neemias significa “Yahweh consola, conforta” e refere-se ao personagem principal do


livro. Neemias era o copeiro do rei em Susã, capital do império Persa naquele momento (Ne
1:1,11). A sua tarefa como copeiro era encher a taça do rei e provar previamente a bebida (Ne
2:1), o que indica que Neemias tinha confiança absoluta do rei, uma vez que tinha a tarefa de
evitar um possível envenenamento da bebida real.

7.2.2 O conteúdo do Livro:


Há evidências que indicam que Neemias esteve duas vezes na província de Judá. Na primeira
vez, sua tarefa principal era reconstruir a repovoar Jerusalém para que a capital da província de
Judá pudesse ser transferida de Samaria, de acordo com a tradição da pesquisa bíblica, ou,
segundo as novas correntes da pesquisa bíblica embasadas em recentes descobertas
arqueológicas, de Masfa18 para o monte Sião. A reconstrução dos muros era fundamental, já
que Zorobabel e Josué haviam reconstruído o templo há quase um século antes. Neemias
enfrentou diversas correntes opositoras ao seu projeto de reconstrução: dos nobres de
províncias vizinhas (Ne 3:33-4,8); dos nobres de Judá aliados ao samaritano Sanbalate e ao
amonita Tobias, por meio de casamentos, contratos comerciais e outros tipos de interesses (Ne
6:17-19, 13:4-9,28); dos nobres de Técoa, ao sul de Jerusalém (Ne 3:5). Nenhum destes grupos
conseguiu impedir Neemias, pois ele tinha apoio do império (Ne 2:9).

7.2.3 Estrutura do Livro:


O livro pode ser dividido em quatro partes que representam cada uma delas um passo decisivo
para a reconstrução de Israel:

I – Ne 1:1-7:4: Edificação dos muros da cidade para proteção;


II – Ne 7:5-10:40: Compromisso com a Lei;
III – Ne 11:1-12:47: A reorganização da sociedade;
IV – Ne 13: Implantação da Aliança;

7.2.4 A Mensagem:
Visto que o livro narra um período em que a reconstrução dos muros da cidade de Jerusalém
era de primordial importância, é no que se há para fazer, ou, na missão a ser realizada, que o
livro se concentra. O livro de Neemias indica que devemos fazer o trabalho de Deus por
completo, para servirmos alegremente ao lado de outros cristãos, para sermos fortes e resolutos
quando há oposição, para nos entregarmos a ele em obediência amorosa e constantemente
conservarmos nossas vidas limpas, para que ele as use.19

17
BROWN, Raymond. Entendendo o Antigo Testamento: esboço, mensagem e aplicação livro por livro. São
Paulo: Shedd Publicações, 2004, p. 91-96.
18
GASS, Ildo Bohn. Uma Introdução à Bíblia: Exilo Babilônico e Dominação Persa – vol. 5. São Leopoldo/São
Paulo: CEBI/Paulus, 2004, p. 81-82.
19
BROWN, Raymond. Entendendo o Antigo Testamento: esboço, mensagem e aplicação livro por livro. São
Paulo: Shedd Publicações, 2004, p. 100.
BACHARELADO EM TEOLOGIA 50
Disciplina: Estudos no Antigo Testamento 1 – Pentateuco e Livros Históricos
Período: 2º Semestre/2015
Professor Responsável: Prof. Dr. Gelci A. Colli

8. Ester

O livro de Ester é pouco conhecido no meio cristão, mas tem alta consideração entre os judeus.
A narrativa do livro é patriótica. Mostra como os judeus sofreram injustiça por todo o império
Persa chegando a ponto de quase terem sido exterminados. Uma das características mais
singulares do livro é que não nenhuma referência direta a ação de Deus, nem mesmo utiliza-se
de um dos seus antigos nomes ou epítetos. A outra é que o livro serve de história etiológica, ou
seja, explica a origem da festa de Purim. O livro foi transmitido em três tipos de texto: um
hebraico; dois gregos, um longo e um curto. As bíblias protestantes apresentam a tradução do
texto hebraico e os acréscimos oriundos das versões gregas são tidos como “fragmentos
dêutero-canônicos” do livro de Ester.

8.1 A mensagem do Livro:


O livro de Ester ensina Deus coloca seus servos exatamente no lugar e função específica para
agirem como facilitadores ou agentes de promoção dos atos salvíficos de Deus (4:14).

8.2 Estrutura
O livro de Ester pode ser dividido em quatro partes: uma história introdutória, os relatos
principais e a conclusão que institui a festa de Purim (Mudança da sorte):

I – De serva a Rainha: Es 1:1-2:23


II – O Plano de Hamã: Es 3:1-4:17
III – A Reação de Ester: Es 5:1-7:10
IV – A reversão da situação: Es 8:1-10:3

8.3 Situação Histórica


A situação histórica de Ester requer a construção imaginativa de um palco de “história
mundial”, no qual se reflete sobre o significado do judaísmo em meio a um mundo não-judeu e
atualiza as tradições históricas de Israel para a existência judaica sob as condições da diáspora.
Provavelmente no período de 485-465 a.C. o rei persa Assuero também poderia ser conhecido
como Xerxes I (Ahashverosh). A jovem judia Hadassa, órfã criada pelo seu parente Mordecai,
acabou se tornando rainha de Assuero em lugar de Vasti, e recebeu um nome persa, Ester,
talvez com referência à deusa Ishtar. A narrativa desenvolve uma série de coincidências de
fatos isolados que culminam com o livramento dos judeus diante da ameaça de extermínio. A
harmonia dos eventos revelam uma atividade sobrenatural na história, ou, como alguns gostam
de se referir: “As coincidências em Ester são as impressões digitais das mãos de Deus em
ação.”20

20
LASOR, William. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 588.

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