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17/03/2023, 00:24 Revista Educação Pública - História das mentalidades

ISSN: 1984-6290
Qualis B1 - avaliação CAPES 2020-2024
DOI: 10-18264/REP

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História das mentalidades

Prof. Dr. Eduardo Marques da Silva

De acordo com Jacques Le Goff, temos novas maneiras de ler a História, principalmente a social. Tudo
havia sido transformado, e novamente a maneira de perceber a História se modificava
metodologicamente. Saber como se deu o tudo acabava sendo mais um novidadeiro e estrondoso
desafio, com novos pensadores do tempo historiográfico no mundo e para o mundo, com foco na
História das Mentalidades. Para ele, mentalidade vai além da história. É, inicialmente, ir ao encontro de
outras ciências humanas.

Segundo Le Goff, Marc Bloch reconhece no estudo das mentalidades da Idade Média uma ampla gama
de crenças e de práticas – algumas legadas por magias milenares, outras nascidas em épocas
relativamente recentes no seio da civilização animada de grande fecundidade mítica.

O historiador das mentalidades aproximar-se-á, pois, do etnólogo, visando a alcançar o nível mais
estável das sociedades. Ernest Labroussediz que o social é mais lento que o econômico e o mental mais
ainda do que o social.Do estudo dos ritos, das práticas cerimoniais, o etnólogo remonta para as crenças, os sistemas de valores. Assim, os
historiadores da Idade Média, após Marc Bloch, Percy Ernst Schramm, Ernst Kantorovicz, Bernard Guenée, por meio das sagrações, das curas
milagrosas, das insígnias do poder, das recepções reais, descobriram uma mística monárquica, uma mentalidade política e renovaram a história
política medieval.

Próximo do etnólogo, o historiador das mentalidades deve também se duplicar em sociólogo. Seu objeto é o coletivo. A mentalidade de um
indivíduo histórico, sendo esse um grande homem, é justamente o que ele tem de comum com outros homens de seu tempo. O historiador de
mentalidades encontra-se particularmente muito próximo do psicólogo social. As noções de comportamento ou de atitude são para este e para
aquela essência.

A Psicologia social inclina-se para a Etnologia e desta para a História. Dois domínios manifestam essa inclinação recíproca da história das
mentalidades: os marginais e desviados nas épocas passadas e o progresso paralelo das sondagens de opinião e de análises históricas de
comportamentos eleitorais. Desse ponto de vista, um dos interesses da história das mentalidades revela-se: as possibilidades que oferece à
Psicologia histórica de ligar-se a outra grande corrente da pesquisa histórica de hoje: a História quantitativa.

Ciência aparentemente do movente e do matizado, a história das mentalidades pode, com certas adaptações, utilizar os métodos quantitativos
aperfeiçoados pelos psicologistas sociais. Da mesma maneira, seus vínculos com a etnologia permitirão que recorra a outro grande arsenal das
ciências humanas atuais: os métodos estruturalistas.

Mas a história das mentalidades não se define somente pelo contrato com as outras ciências humanas e pela emergência de um domínio
repelido pela história tradicional. Ela é o lugar de encontro de exigências opostas que a dinâmica própria à pesquisa histórica atual força ao
diálogo. Situa-se no ponto de junção do individual e do coletivo, do longo tempo e do quotidiano, do inconsciente e do intencional, do
estrutural e do conjuntural, do marginal e do geral. Quando Huizinga chama Jean de Salisbury de “espírito pré-gótico”, reconhecia-lhe uma
superioridade de antecipação com respeito à evolução histórica, pela expressão em que o espírito evoca a mentalidade, fazendo desta a
testemunha coletiva de uma época, como Lucien Febvre fez de um Rabelais arrancado ao anacronismo dos eruditos das ideias para voltar à
historicidade concreta dos historiadores das mentalidades.

O discurso dos homens, em qualquer tom em que tenha sido pronunciado – o da convicção, o da emoção, o da ênfase –, é frequentemente
apenas um amontoado de ideias feitas, de lugares comuns, de restos de culturas e de mentalidades de diversas origens e várias épocas. André
Varagnac fala de arqueocivilização, restos sendo reunidos por coerências mentais, senão lógicas, seguindo o deciframento de sistemas psíquicos
próximos da bricolage intellectuel em que Claude Lévi-Strauss reconhecia o pensamento selvagem.

A história das mentalidades obriga o historiador a interessar-se por alguns fenômenos essenciais de seu domínio: as heranças (das quais os
estudos ensinam a continuidade), as rupturas, a tradição, as maneiras pelas quais se reproduzem mentalmente as sociedades, as defasagens,
produto do retardamento dos espíritos em se adaptar às mudanças e a inegável rapidez com que evoluem os diferentes setores da história, um
campo de análise privilegiado para a crítica das concepções lineares a serviço histórico.

https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/10/16/historia-das-mentalidades#:~:text=Segundo Le Goff%2C Marc Bloch,animada de grande fecundidade mítica. 1/2


17/03/2023, 00:24 Revista Educação Pública - História das mentalidades

Os homens servem-se das máquinas conservando as mentalidades anteriores a elas. Os automobilistas têm vocabulário de cavaleiros; os
operários das fábricas do século XIX, a mentalidade dos camponeses. A mentalidade é aquilo que muda mais lentamente. História das
mentalidades, história da lentidão na história.

Qual a origem da história das mentalidades?Mental que se refere ao espírito e tem origem no vocabulário da escolástica clássica medieval. O
aparecimento de mental (no século XV) e mentalidade (no século XIX) indica que o substantivo corresponde a outras necessidades, decorre de
uma conjuntura que não o adjetivo. Mentalidade, filha da filosofia inglesa do século XVII, designa a coloração coletiva do psiquismo, a maneira
particular de pensar e de sentir “de um povo, de certo grupo de pessoas etc.”. Confinado em inglês, a língua técnica da filosofia, em francês
torna-se logo de uso corrente, surgido no século XVIII no domínio científico do campo de uma nova concepção da história. Inspira Voltaire
(Enssai sur lês moeurs et l’espirit des nations (1754), como está no dicionário Robert, 1842).

Em 1900, Proust sublinha a novidade e a palavra toma seu sentido corrente. É o sucedâneo popular da Weltanschauung alemã, a visão do
mundo, de tudo um pouco, um universo mental ao mesmo tempo estereotipado e caótico. É uma visão corrompida do mundo, o entregar-se à
propensão dos maus instintos psíquicos. Fatalidade pejorativa, direto ou antífrase. Uma vil ou bela mentalidade, ou que mentalidade. O inglês a
conservou no caso do adjetivo: mental (subentendendo-se deficiente).

REFERÊNCIAS
LE GOFF, Jacques. História nova. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
HOBSBAWM, E. J. Bandidos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1976. SILVA, Eduardo Marques da. As neoamazonas e o moderno mundo
econômico em transformação: onde surgem? Disponível em: www.educacaopublica.rj.gov.br. Publicado em 3 de março de 2009.

SILVA, Eduardo Marques da. Raízes de uma escola de inclusão social e sociocultural cidadã para apresados recuperáveis: uma sugestão. Disponível
em: www.educacaopublica.rj.gov.br. Publicado em 16 de janeiro de 2007.

SILVA, Eduardo Marques da. Pós-escravidão, a educação submissa na cibercidadania. Disponível em: www.educacaopublica.rj.gov.br. Publicado em
21 de agosto de 2007.

Publicado em 4 de maio de 2010

Leia também:
Os tempos da História
História das mentalidades
Os Vestígios do Rio Colonial
Exclusão social e negros na PM
As Revoluções Industriais, as invenções e a educação
Publicado em 04 de maio de 2010

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