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Tempo e história

As vivências humanas expressam o contexto histórico de cada época.


O estudo do passado e a compreensão do presente não se relacionam de forma determinista;
portanto, as “soluções de ontem” não servem para os problemas de hoje. Sem um processo de
recriação que considere mudanças e permanências históricas, as experiências do passado não
podem ser aplicadas no presente.
Como entender as relações entre o passado e o presente?

HISTÓRIA E HISTORIADORES

A procura do saber

A compreensão das relações entre passado e presente é uma das mais intrigantes questões
da história. Em nossa opinião, a escrita da história não pode ser isolada de sua época. O historiador
vive o seu tempo; por isso, a história que ele escreve está ligada à história que ele vive. Problemas
e alegrias, lutas e sonhos surgem na reconstrução da vida humana que ele elabora. Reconstrução
essa que depende de uma série de concepções, escolhas e “recortes” feitos pelo historiador:
desde a definição do objeto do trabalho (tema, método e projeto da pesquisa) até a seleção das
fontes históricas que interessam à pesquisa.
As conclusões dos historiadores nunca são definitivas. O historiador trabalha para seu
tempo, e não para a eternidade. (Eduardo D’Oliveira França. A teoria geral da História. In: Revista
de História. São Paulo, usp, ri. 7, 1951. p. 134) Assim, a historiografia não deve ter a pretensão de
fixar verdades absolutas, prontas e acabadas, interpretações eternas, pois a história, como forma
de conhecimento, é uma atividade contínua de pesquisa. Historien em grego antigo é “procu
- rar saber”,“informar-se”. História significa, pois, “procurar’ (Jacques Le Goff. História e
memória, Campinas, Unicamp, 1996. p. 17)
O historiador investiga e interpreta as ações humanas que, ao longo do tempo, provocaram
mudanças e continuidades em vários aspectos da vida pública ou privada: na economia, nas artes,
na política, no pensamento, nas formas de ver e sentir o mundo, no cotidiano, na percepção das
diferenças. O trabalho do historiador consiste em perceber e compreender esse processo histórico.

Monitorando
1. “A história que se escreve está intensamente ligada à história que se vive.” Analise a frase e
escreva sobre a objetividade nos estudos históricos.
2. Em que consiste o trabalho do historiador?

Fontes históricas

Em suas pesquisas, os historiadores utilizam variadas fontes, das quais podem obter informações,
pistas sobre as idéias e realizações dos seres humanos no transcorrer do tempo. Essas fontes
históricas são múltiplas; podem ser, por exemplo, escritas ou não-escritas.
As fontes escritas são registros em forma de inscrições, cartas, letras de canções, livros,
jornais, revistas e documentos públicos, entre outros. As fontes não-escritas são registros da
atividade humana que utilizam linguagens diferentes da escrita, tais como pinturas, esculturas,
vestimentas, armas, músicas, discos fonográficos, filmes, fotografias, utensílios. As vivências
humanas expressam o contexto histórico de cada época.

Refletindo sobre História

Outro exemplo de fonte histórica não-escrita é o depoimento de pessoas sobre aspectos da vida
social e individual. Esses depoimentos, que podem ser colhidos a partir de entrevistas gravadas
pelo próprio historiador, servem para registrar a memória (pessoal e coletiva) e ampliar a
compreensão de um passado recente ou da história que se está construindo no presente. É o que se
chama de história oral.
Até recentemente, os historiadores utilizavam principalmente as fontes escritas para fundamentar
as pesquisas históricas. Hoje, devido ao desenvolvimento de novas tecnologias, como a televisão, o
rádio, o cinema, além do computador, os historiadores podem consultar grande variedade de fontes
não-escritas.

Sentidos da palavra história

A palavra história é polissêmica, isto é,possui diversos significados. Vejamos alguns.

História: ficção

Os livros de aventura, as novelas de televisão ou os filmes de cinema contam histórias muitas vezes
inventadas para chamar nossa atenção, fazer-nos refletir ou simplesmente para nosso entretenimento. Essas
histórias, com seus lugares e suas personagens, criadas pela imaginação humana são chamadas de ficção.
Muitas vezes, são inspiradas no conhecimento de épocas passadas, como acontece em filmes e romances
históricos ou em novelas de época.

História: processo vivido

As lutas e os sonhos, as alegrias e as tristezas de uma pessoa ou de um grupo social fazem parte de
sua história.
Assim, o conjunto dos acontecimentos e experiências que ocorrem no dia-a-dia, tanto de uma pessoa quanto
de um grupo, pode ser chamado de história vivida. Essa história integra uma memória (recordações) das
pessoas que a viveram.

História: conhecimento

Podemos também utilizar a palavra história em outro sentido: a produção de um conhecimento que
procura entender como os seres humanos viveram e se organizaram desde o passado mais remoto até os dias
de hoje. Um saber preocupado em desvendar a historicidade (a condição histórica) das vivências humanas.
Nesse sentido, história é uma busca de saber voltada para a compreensão da vida dos seres humanos e das
sociedades ao longo dos tempos.

Relacionando histórias

Os três sentidos da palavra história que acabamos de ver estão relacionados. As histórias vividas
pelas pessoas e a ficção não estão excluídas da história como conhecimento.
As pessoas interessadas em pesquisar ou escrever sobre história, ou ainda em ensiná-la,
escolhem os assuntos a serem estudados, que podem incluir tanto a ficção quanto as históri de vida. Assim,
uma pesquisa histórica sobie cultura, em determinada época, pode utilizar-se de obras de ficção —
literatura, por exemplo — para analisar como eram representados (ou imaginados) os lugares, as relações
entre pessoas e grupos, os costumes etc. Já um estudo sobre memória ou história oral envolve recordações
de experiências vividas, cabendo ao historiador coletar o depoimento das pessoas por meio de entrevistas.

MONITORANDO
1. Quais são os principais tipos de fontes utilizadas pelos historiadores? Aponte as diferenças entre elas.
2. Relacione os tipos de fontes estudados neste capítulo aos diferentes sentidos da “história”.
O TEMPO

Diferentes percepções temporais

A experiência do tempo faz parte do nosso cotidiano.


Quando percebemos coisas que mudaram ou permaneceram, do passado ao presente, sentimos a duração do
tempo. Quando observamos a rotina das atividades humanas, percebemos diferentes ritmos de tempo
ordenando a vida das pessoas. Quando olhamos as horas no relógio e programamos nossos compromissos,
temos uma vivência bastante comum do tempo cronológico.
Assim, podemos relacionar a noção de tempo com: sucessão de momentos; duração dos
acontecimentos; percepções de mudanças; critérios pelos quais distingui mos acontecimentos anteriores,
simultâneos ou posteriores.

Concepções do tempo

O modo como medimos o tempo pelo relógio não é universal — ou seja, não é válido para todas as
épocas e todos os povos —, mas apenas uma possibilidade de medição desenvolvida em nossa cultura,
sendo, portanto, uma construção histórica:
O modo como o dia terrestre é dividido em horas, minutos e segundos é puramente convencional.
Assim, também, a decisão de que um dado dia começa na aurora, ao nascer do sol, ao meio-dia, ao pôr-do-
sol ou à meia-noite é uma questão de escolha arbitrária ou conveniência social. (G. J. Whitrow. O tempo na
história. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1997. p. 16)

Ritmos da “natureza” e da “fábrica”

Em muitas sociedades rurais, os trabalhadores vivenciam um “tempo da natureza”, relacionado ao


dia e à noite, às variações do clima, às épocas de plantio e de colheita etc.
O historiador francês Lucien Febvre conta que a população do campo na França do século XVI se
referia ao tempo dizendo: “por volta do sol levante” ou “por volta do sol poente”.(Cf. Lucien Febvre. O
homem do século XVI. In: Revista de H&ória. São Paulo, USP, n. 1, 1950)
Já nas sociedades industriais contemporâneas, os trabalhadores de uma fábrica, por exemplo,
vivenciam um ritmo de tempo marcado pelas horas do relógio, mesmo porque as horas de trabalho, em
geral, são vendidas por determinado preço, o salário. Assim, nesse tempo da fábrica” — também
encontrado em outras atividades profissionais — a jornada de trabalho não obedece mais ao nascer e ao pôr-
do-sol ou às variações do clima, mas às exigências da empresa. (Sandra Jatahy Pesavento. O tempo social.
São Paulo, histituto de Estudos Avançados da USP, fev. 1991. p. 16. Coleção Documentos)

O relógio

O modo de vida nas sociedades atuais levou-nos a uma crescente preocupação com o tempo
cronológico, que se traduz pela constante consulta aos relógios.
Logo que foram inventados, os relógios mecânicos eram instalados nas torres das igrejas, nos
monumentos de praças, nos edifícios públicos. Atualmente, considerado um instrumento básico para a
organização das rotinas diárias, encontra-se no pulso das pessoas, no veículo, na parede, sobre a mesa, nas
agendas etc.
O tempo do relógio passou a governar, em grande parte, o cotidiano das pessoas, mesmo
contrariando as necessidades naturais. Há a hora de acordar, de comer, de trabalhar, de tomar banho, de
dormir etc.
Calendário

O tempo pode ser organizado em unidades (ano, mês etc.) relacionadas aos interesses de uma sociedade.
Em função disso surgiram os calendários que consistem em uma criação sociocultural ligada a diversos
fatores como: observações astronômicas, crenças religiosas, valores sociais etc. Todo calendário tem uma
história, aliás, muitas histórias.(Cf. Jacques Le Goff. História e memória. op. cit. p. 485)
Diferentes povos criaram calendários, de acordo com seus conhecimentos, critérios e necessidades. Supõe-
se que o primeiro calendário foi criado entre 3000 e 2000 anos antes do nascimento de Cristo,
provavelmente pelos chineses, egípcios ou sumérios, com base na observação do Sol e da Lua.
Calendário - sistema que estabelece um modo de contar o tempo. O termo deriva do latim calendarium,
(“livro de contas” do qual constavam os juros dos empréstimos, pagos nas calenae, que correspondiam ao
primeiro dia dos meses romanos).
Atualmente, o calendário cristão é o mais utilizado no mundo, embora nem todos os povos o
tenham adotado. Muçulmanos e judeus, por exemplo, têm sistema próprio de demarcação de tempo.

Calendário cristão

Os povos cristãos têm como marco básico da contagem do tempo o nascimento de Cristo.
Em 532, um monge, Dionisio, o Pequeno (...), constatando a impotência dos cristãos quanto a entenderem-
se sobre a data da criação do mundo, propôs que se iniciasse a era cristã com o nascimento de Cristo, que
ele situava no ano 753 de Roma. A sua proposta foi adotada por toda a cristandade e hoje a era cristã é a
mais usada no mundo. (iacques Le Goff. História e memória. op. cit. p. 522)
Segundo o calendário cristão, as datas anteriores ao nascimento de Cristo recebem a abreviatura
a.C. (antes de Cristo); as datas posteriores podem vir acompanhadas ou não da abreviatura d.C. (depois de
Cristo).
No calendário cristão (...), o ano fixado para o nascimento de Cristo foi considerado o ano 1 da era
cristã e não o ano zero; possivelmente porque o conceito do zero ainda era pouco difundido na Europa
Ocidental. (Bertília Leite e Othon Winter. Fim de milênio — uma história dos calendários, profecias e
catástrofes cósmicas. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1999. p. 18)
No século XVI, o papa Gregório XIII convocou uma comissão de astrônomos que promoveu ajustes
no calendário cristão. O resultado ficou conhecido como reforma gregoriana, dando origem ao calendário
que ainda hoje utilizamos. A reforma gregoriana foi posta em prática a partir de 1582.
Assim como outros calendários, o cristão agrupa o tempo em dias, semanas, meses e anos. Os
períodos maiores podem ser agrupados de dez em dez anos (décadas), de cem em cem anos (séculos), de
mil em mil anos (milênios).
O século é uma unidade de tempo muito utilizada nos estudos de história. Costuma-se mdicar os
séculos por algarismos romanos, uma tradição que vem da Roma antiga: século XV ,do ano 1401 ao ano 1
500); século XXI (do ano 2001 ao 2100).
Um modo fácil de saber a que século pernce determinado ano é somar 1 ao número de centenas do
ano. Por exemplo: no ano de 1997, o número de centenas é 19. Temos então:
1997— 19+1 =séculoXX
Assim, 1997 pertence ao século XX.
No entanto, quando um ano termina em 00. como o ano 2000, por exemplo, temos iaia exceção à regra.
Nesse caso, o número de itenas indica o século. Veja:
L 2000 —‘ século
2000 — séculoXX

1. Escreva os séculos correspondentes aos seguintes anos:


a) 1996 b)2000
c) 716 d)1822

2. Indique o ano em que começou e o ano em que terminou cada século a seguir:
a) II b)VIII
c)XX d)XVIII
3. Folhele as páginas deste livro e escolha cinco datas de acontecimentos que você achar interessantes.
Escreva a que séculos essas datas pertencem.
Periodização histórica

Para organizar a compreensão dos estudos históricos, os pesquisadores elaboram periodizações


visando ordenar os acontecimentos e temas analisados.
Como escreveu Jacques Le Goff, não há história imóvel e a história também não é pura mudança, mas sim o
estudo das mudanças significativas. A periodização é o principal instrumento Inteligibilidade (qualidade do
que é inteligível, que pode ser compreendido) das mudanças significativas.(Jacques Le Goff. História e
memória. op. cit. p. 47)
Concebidas pelos historiadores, as penodizações históricas estão de acordo com o ponto de vista de
quem as elaborou. Vejamos uma peniodização muito utilizada e tradicional, que divide a história em
grandes penodos:
• Pré-história — do surgimento do ser humano até o aparecimento da escrita (c. 4000 a.C.);
• Idade Antiga ou Antigüidade — do aparecimento da escrita até a queda do Império Romano do Ocidente
(476 d.C.);
• Idade Média — da queda do Império Romano do Ocidente até a tomada de Constantinopla pelos turcos
(1453);
• Idade Moderna — da tomada de Constantinopla até a Revolução Francesa (tomada da Bastilha, 1789);
• Idade Contemporânea — da Revolução Francesa até os dias atuais.
Essa divisão foi feita por historiadores europeus que, no século XIX, davam maior importância às
fontes escritas e aos fatos políticos. Por isso, todo o período anterior à invenção da escrita foi chamado de
Pré-história. E, por serem europeus, esses historiadores estabeleceram como marcos divisórios das “idades”
da história acontecimentos ocorridos na
Europa.

Pré-história

A Pré-história é o longo período do passado que abrange desde o surgimento do “homem


primitivo” (hominídeo) até a invenção da escrita. O termo tem sido criticado, pois o ser humano, desde seu
aparecimento no planeta, é um ser histórico, mesmo que não tenha utilizado a escrita em algum período.
Outras expressões foram propostas para denominar os povos sem escrita, como povo pré-letrado ou povo
ágrafo (sem escrita). O uso dessas expressões, entretanto, não se generalizou.
Como o uso do termo Pré-história é consagrado mundialmente, podemos empregá-lo, mas cientes
de que esse período também faz parte da história.

Periodização tradicional da história

A periodização tradicional da história (Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade
Contemporânea) é muito criticada por vários motivos, entre eles o fato de ter sido elaborada com base no
estudo de apenas algumas regiões da Europa, do Oriente Médio e do norte da África. Portanto, não pode ser
generalizada a todas as sociedades do mundo. Além disso, ela adota certos fatos como marcos dos períodos,
dando a errônea impressão de que as mudanças históricas — que, em geral, fazem parte de um processo
longo e gradativo — ocorrem repentinamente.

1. Procure em revistas e jornais frases em que apareça a palavra história. Registre-as em seu caderno e,
depois, identifique em que sentido (ficção, processo vivido, conhecimento) a palavra foi utilizada.
2 O saber histórico é seletivo e limitado Reflita sobre essa afirmação e comente-a.
3 Observe uma fotografia que não seja atual das pessoas que moram com você Verifique por exemplo
vestimentas, corte de cabelo, ambiente, entre outros elementos. Que diferenças e semelhanças podem ser
percebidas em relaçao à sua vida hoje? Como explicar isso?

4. Qual a importância de conhecer a história da sociedade em que vivemos? Discuta a questão com os
colegas e, depois, escreva suas conclusões no caderno.

Cotrim,Gilberto. História Global,Brasil e Geral. 8ª ed.S.P.Saraiva

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