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Metodologia no Ensino

de História
Material Teórico
Conceitos logísticos

Responsável pelo Conteúdo:


Profa. Dra. Jurema Mascarenhas Paes

Revisão Textual:
Profa. Ms. Luciene Oliveira da Costa Santos
Conceitos logísticos

• O tempo e a História
• O entedimento do tempo histórico na sala de aula
• A historiografia e o tempo histórico: um desdobramento

OBJETIVO DE APRENDIZADO
··Desdobrar as novas tendências da historiografia, suas
características e contribuições para a pesquisa e para o ensino
de história, apresentar e analisar fontes diversas, dentre elas:
mídia impressa, depoimentos orais, programas de rádio, músicas,
vídeos, fotografias e pinturas, discutir a transdisciplinaridade no
fazer histórico;
··Refletir sobre o conceito de história, historicizar a inclusão da
disciplina nas escolas e universidades brasileiras, analisar a relação
entre história, educação e cidadania;
··Contribuir para a formação acadêmica de profissionais das áreas de
Ciências Humanas, por meio de reflexões que proporcionem maior
aprofundamento em torno do estudo da história e do processo de
ensino e aprendizagem da mesma, oferecendo-lhe contato com as
discussões mais recentes dessa área;
··Proporcionar momentos de leitura – textual e audiovisual – e reflexão
sobre os temas que serão aqui discutidos, contribuindo com sua
formação continuada e trajetória profissional.

ORIENTAÇÕES
Caro(a) aluno(a),
Seja bem-vindo(a) às nossas discussões sobre História, educação e cidadania!
Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em
fóruns de discussão e realize as atividades de sistematização, as quais lhe ajudarão
a verificar o quanto absorveu do conteúdo, pois são questões objetivas que lhe
pedirão resoluções coerentes ao apresentado no material da respectiva unidade
para, então, prepará-lo(a) à realização das respectivas avaliações. Em se tratando
de atividades avaliativas, se houver dúvidas sobre a correta resposta, volte a
consultar as videoaulas e leituras indicadas para sanar tais incertezas.
Lembre-se de que você é responsável pelo seu processo de estudo. Por isso aproveite
ao máximo esta vivência digital!
UNIDADE Conceitos logísticos

Contextualização
Que relações tem a história com o tempo, com sua duração, com o tempo
natural e cíclico do clima e das estações? Que relações com o tempo vivido e
naturalmente registrado dos indivíduos e das sociedades? O que significa curta,
média e longa duração para a história? Como fazer uso da relação história/
tempo no ensino aprendizagem em sala de aula? Serão essas as questões que
abordaremos nesta unidade.

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O tempo e a História
Para os historiadores do contemporâneo, os seres humanos passaram do
Tempo dominante da natureza ao Tempo dominado pelo homem e depois ao
homem dominado pelo Tempo.1

Vamos começar esta unidade refletindo sobre a sentença acima e a relação que
a história tem com o tempo. Como observamos, o tempo foi ganhando outros
significados e poderes em seu processo histórico e hoje convivemos com todos os
conceitos de tempo. Raquel Glezer coloca, no artigo Tempo e História:
Para historiadores, tempo é tanto o elemento de articulação da/na
narrativa historiográfica como é vivência civilizacional e pessoal. Para
cada civilização e cultura, há uma noção de tempo, cíclico ou linear,
presentificado ou projetado para o futuro, estático ou dinâmico, lento
ou acelerado, forma de apreensão do real e do relacionamento do
indivíduo com o conjunto de seus semelhantes, ponto de partida para a
compreensão da relação Homem – Natureza e Homem – Sociedade na
perspectiva ocidental. (GLEZER, p. 23, 1992 )

A história e o tempo apresentam-se como um tema articulado com diversas


abordagens processuais: o tempo cíclico da natureza, do clima e das estações do
ano, o tempo do homem, o tempo do estado, o tempo do trabalho e das sociedades.

Para a história, o tempo seria o meio semelhante ao espaço em que se


desenvolvem os acontecimentos. Para a Física, o tempo seria a medida de duração
dos fenômenos, permitindo, assim, assinalar a sucessão dos eventos. O tempo é
uma mudança contínua pela qual o presente se converte em passado. Podemos
também refletir sobre o desdobramento do conceito do tempo que origina uma
discussão interessante: a do tempo e o poder.

Tempo, nos dias de hoje, é considerado moeda preciosa e frases como “ tempo
é dinheiro” viraram jargões metafóricos para o entendimento da relação do homem
com o tempo e, consequentemente, sobre o conceito discursivo do mesmo.

Pensando em uma possível cartografia do tempo, ele passou do tempo da


natureza para ser o regulador de nosso cotidiano. O tempo do trabalho, os dias
da semana, a marcação das horas e o calendário são convenções que funcionam
como formas de regular o dia a dia das pessoas. Dessa necessidade de controlar o
tempo, foram criados o relógio de água, o relógio do sol, a ampulheta e os diversos
marcadores para medir o tempo.

1 GLEZER, R. O tempo e os homens: dom, servidor e senhor. In: Contier, A. D.(org.) História em debate. São Paulo:
INFOUR/CNPq, 1992, p. 257-268. Disponível em: http://goo.gl/1mPddv ou http://goo.gl/igWG4r

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UNIDADE Conceitos logísticos

Fonte: iStock/Getty Images Fonte: iStock/Getty Images

Na direção de um desdobramento da relação do tempo com a história, Jacques


Le Goff aborda de forma profunda essa conexão. Vamos a um trecho do seu livro
História e Memória:
Matéria fundamental da história é o tempo; portanto, não é de hoje
que a cronologia desempenha um papel essencial como fio condutor e
ciência auxiliar da história. O instrumento principal da cronologia é o
calendário, que vai muito além do âmbito do histórico, sendo mais que
nada o quadro temporal do funcionamento da sociedade. O calendário
revela o esforço realizado pelas sociedades humanas para domesticar o
tempo natural, utilizar o movimento natural da lua ou do sol, do ciclo das
estações, da alternância do dia e da noite. Porém, suas articulações mais
eficazes – a hora e a semana – estão ligadas à cultura e não à natureza.
O calendário é o produto e expressão da história: está ligado às origens
míticas e religiosas da humanidade (festas), aos progressos tecnológicos
e científicos (medida do tempo), à evolução econômica, social e cultural
(tempo do trabalho e tempo de lazer). Ele manifesta o esforço das
sociedades humanas para transformar o tempo cíclico da natureza e dos
mitos, do eterno retomo, num tempo linear escondido por grupos de
anos: lustro, olimpíadas, século, eras, etc. À história estão intimamente
conectados dois progressos essenciais: a definição de pontos de partida
cronológicos (fundação de Roma, era cristã, hégira e assim por diante) e
a busca de uma periodização, a criação de unidades iguais, mensuráveis,
de tempo: dia de vinte e quatro horas, século, etc. Hoje, a aplicação
à história dos dados da filosofia, da ciência, da experiência individual e
coletiva tende a introduzir, junto destes quadros mensuráveis do tempo
histórico, a noção de duração, de tempo vivido, de tempos múltiplos e
relativos, de tempos subjetivos ou simbólicos. O tempo histórico encontra,
em um nível muito sofisticado, o velho tempo da memória, que atravessa
a história e a alimenta.2 (LE GOFF, 1990, p.13)

2 LE GOFF, Jacques, 1924 História e memória / Jacques Le Goff; tradução Bernardo Leitão ... [et al.] -- Campinas,
SP Editora da UNICAMP, 1990. p. 13

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Ele começa falando do tempo da natureza, prossegue com o tempo da
cultura, observa a construção de um tempo linear através da existência do tempo
cronológico, de acontecimentos que se repetem e de momentos de rompimento
e quebra. Toca por fim na conexão transdisciplinar da história com a filosofia e
da existência de tempos múltiplos e relativos, subjetivos e simbólicos, aspectos
renovados e muito interessantes da ciência histórica. Dentre os tópicos elencados,
chamamos a atenção para o tempo da memória, ponto relevante na engrenagem
constitutiva da tessitura histórica.

Por meio dessas reflexões, podemos ir ao encontro dos processos constitutivos


das diversas correntes historiográficas e as formas que elas se relacionam com
o tempo. É justo na forma como elas se relacionam com o tempo que vão se
delineando outros modos de fazer história, nos quais outras abordagens e outros
sujeitos entram em cena e a escrita se revela metodologicamente e esteticamente.

Calendários de diferentes culturas:

Para o historiador, a distinção entre o passado e o presente são elementos


muito importantes. O historiador compreende que o ritmo da história se dá pela
combinação de tempos diversos, soma-se a isso a noção de fato histórico, o
conceito de repetições, permanências e transformações. Vamos, então, utilizar a
música Oração ao Tempo, de Caetano Veloso, para refletir um pouco mais sobre
o conceito de tempo por meio da subjetividade poética da canção:

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UNIDADE Conceitos logísticos

Oração ao Tempo
Compositor: Caetano Veloso
És um senhor tão bonito O que usaremos pra isso
Quanto a cara do meu filho Fica guardado em sigilo
Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo
Vou te fazer um pedido Apenas contigo e comigo
Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo

Compositor de destinos E quando eu tiver saído


Tambor de todos os ritmos Para fora do teu círculo
Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo
Entro num acordo contigo Não serei nem terás sido
Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo, Tempo, Tempo, Tempo

Por seres tão inventivo Ainda assim acredito


E pareceres contínuo Ser possível reunirmo-nos
Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo, Tempo, Tempo, Tempo
És um dos deuses mais lindos Num outro nível de vínculo
Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo, Tempo, Tempo, Tempo

Que sejas ainda mais vivo Portanto, peço-te aquilo


No som do meu estribilho E te ofereço elogios
Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo
Ouve bem o que te digo Nas rimas do meu estilo
Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo Tempo

Peço-te o prazer legítimo


E o movimento preciso
Tempo Tempo Tempo Tempo Para ouvir a música, acesse:
Quando o tempo for propício https://youtu.be/PhSpjxxC31E
Tempo Tempo Tempo Tempo

De modo que o meu espírito


Ganhe um brilho definido
Tempo Tempo Tempo Tempo
E eu espalhe benefícios
Tempo Tempo Tempo Tempo

Caetano usa palavras muito interessantes para compor o repertório que


circunda a ideia cosmológica de tempo. A ideia do tempo enquanto presente que
se tornará passado está em “És um senhor tão bonito quanto a cara do meu filho”.
Nessa frase, ele expõe o conceito belo e mágico do tempo como agente que a todo
instante está mudando, está em transformação.

Tambor de todos os ritmos, com essa sentença ele abarca o pensamento


filosófico da relatividade compositiva de tempo, que é, então, desdobrada com o
propósito de parecer contínuo, mas ser de fato inventivo, o que nos leva a pensar
que a relação que estabelecemos com o tempo pode ser uma escolha nossa.

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Podemos entender o mesmo como elemento de repetição, linearidade e
continuidade, como também um campo aberto enorme para a criação e para
o desenvolvimento da ideia de descontinuidade. Então, percebemos a relação
do tempo com o ritmo, com a impressão da repetição cotidiana, o tempo
cíclico e o tempo linear. O tempo da natureza e da cultura se entrelaçam e vão
combinando e recombinando histórias que fornecem identidades definidas que
espalham benefícios.

Levando mais adiante a ideia de conexão do tempo com a ideia de magma,


ou seja, com a ideia de algo que se move, que está em ebulição, no entrelugar
continuidade e descontinuidade, vamos ler e aprofundar nossos conhecimentos
com um trecho de um texto que conecta o tempo ao universo do trabalho no
mundo ocidental:

O tempo do trabalho
No ocidente europeu medieval, o dia de trabalho era definido pelas condições
naturais, o levantar e pôr do sol: uma unidade única para medir o dia de trabalho no
campo e o trabalho urbano, cujas divisões eram as horas religiosas, reminiscências
da Antiguidade Romana.
A atividade humana, dizendo melhor, o trabalho era demarcado pela luminosidade:
o tempo de trabalho era de uma economia determinada pelos ritmos agrários, sem
pressa, sem preocupação com exatidão, sem inquietudes sobre produtividade.
Segundo Le Goff, tal descrição corresponde a uma sociedade sóbria e pudica, sem
grandes apetites, pouco exigente, pouco capaz de esforços quantitativos. Podemos
considerar, da mesma forma, que, para o autor citado, o marco da transformação
foi a introdução do trabalho noturno: heresia urbana, interditada e punida com
pesadas multas. Mas, a divisão interna do dia de trabalho, lentamente, estava sendo
alterada, em evolução pouco notada: a hora “none” que corresponde às 14h foi
recuado para as 12h, introduzindo a pausa para uma refeição na oficina, e iniciando
um processo de subdivisão do dia de trabalho.
No final do século XIII, o conflito pelo horário de trabalho já estava firmemente
estabelecido, com o avanço do trabalho noturno, iniciando-se o questionamento
da noção de “dia laboral”.
Na crise do século XIV, a definição de “dia laboral” tornou-se mais eficiente:
inicialmente, os operários solicitaram sua ampliação, depois solicitaram aumento
salarial, com o argumento de que haviam aumentado os pesos e as dimensões dos
tecidos. Le Goff considera tais argumentações como expediente dos trabalhadores
têxteis para aliviar a crise, com a deterioração dos salários reais e a alta dos preços.

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UNIDADE Conceitos logísticos

A autorização do trabalho noturno foi dada por Felipe, o Belo. Por sua vez, os patrões
procuraram regulamentar rigorosamente o dia de trabalho, instituindo os “sinos de
trabalho”, torres com sinos especiais que regulavam o trabalho nas cidades têxteis,
delimitando o tempo dos tecelões, que era também o tempo dos novos mestres –
em uma conjuntura de crise, a ascensão social se tornara possível.
A introdução dos “sinos de trabalho” não ocorreu de forma pacífica. Em diversas
localidades, os trabalhadores se revoltaram contra eles. Entre o século XIV e início
do século XV a questão entre patrões e operários esteve centrada na duração do dia
a dia de trabalho, incorrendo em pesadas multas aqueles que desobodecessem aos
horários. A redução do dia de trabalho foi motivo da mesma forma que a criação da
diferença entre dia a dia laboral; a inserção de tempo de descanso no decorrer do dia
laboral, a admissão do tempo para o trabalho pessoal.
Devemos considerar que, nas comunas, o tempo marcado pelo “sino de trabalho”,
pelo “sino do mercado”, que assinalava o tempo urbano, diverso do tempo religioso,
servia simultaneamente para as atividades de defesa, administração, convocação
de reunião de conselho e juramentos. A vida urbana começava a ser lentamente
aprisionada pelo sistema cronológico – tempo do quotidiano, tempo de horas
certas, tempo do trabalho medido. As igrejas perderam o monopólio do controle do
tempo, sinal importante do início do processo de laicização.
Le Goff destaca com atenção especial o fato de que os “sinos de trabalho”, na realidade,
não traziam consigo qualquer inovação tecnológica e significavam uma nova relação
com o tempo, pois a separação entre tempo natural, tempo profissional e tempo
sobrenatural acabou desenvolvendo novas formas de pensamento, especialmente a
que possibilitou a separação da profissão da salvação. (GLEZER, 1992, p. 1)

Esse é um texto belíssimo que é colaborativo para esclarecer como o passado


se conecta com o presente. Os conceitos de passado e presente estão conectados
ao conceito de tempo. A forma como o tempo é visto e entendido, e a forma
como os homens e as sociedades se relacionam, como ele interfere diretamente
nos processos históricos, nas mentalidades e, portanto, nos acontecimentos e
fatos sociopolíticos e, também, no desdobramento das relações econômicas.
Absolutamente, tudo está conectado ao tempo.

O entendimento do tempo histórico na


sala de aula
Os PCN orientam o modo como devemos apresentar a passagem do conceito
de tempo para o aluno do ensino fundamental. É um passo que deve ser dado de
maneira indireta, por meio da abordagem dos conteúdos em sala de aula. Vejamos
como os Parâmentos Curriculares Nacionais mencionam esse procedimento para
o ensino de História:

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No estudo da História considera-se, principalmente, a dimensão do
tempo entendida como duração, a partir da identificação de mudanças e
de permanências no modo de vida das sociedades. São essas mudanças
que orientam a criação de periodizações, como, por exemplo, as clássicas
divisões da História do Brasil, que distinguem os períodos Colonial,
Imperial e República, tendo-se como referência, principalmente, o tipo de
regime político vigente em diferentes épocas.

De modo geral, dependendo das referências de estudo sobre uma sociedade,


pode-se dividir o tempo histórico em períodos que englobem um modo
particular e específico dos homens viverem, pensarem, trabalharem e se
organizarem politicamente. A divisão da História em períodos baseados
nas mudanças e nas permanências auxilia a identificar a continuidade ou
a descontinuidade da vida coletiva. Assim sendo, pode-se compreender
e tentar explicar quando e como um modo de viver e de pensar sofreu
grandes transformações, quando permaneceu por longos períodos sem
qualquer mudança, ou ainda quando tal mudança foi ocorrendo aos
poucos, ou mesmo quando deixou de ocorrer.

Nos trabalhos com os alunos, não deve existir a preocupação em ensinar,


formalmente, as conceituações de tempo histórico, mas sim um propósito
didático de escolher temas de estudos que abarquem acontecimentos
possíveis de serem dimensionados em diferentes durações: longa, média e
curta duração. Por exemplo, podem ser trabalhados fatos políticos que se
sucedem com rapidez no tempo, mudanças em costumes que demoram
uma geração, ou regimes de trabalho que se prolongam por séculos.

Os acontecimentos podem ser estudados, ainda, na sua singularidade


temporal; explicados a partir dos limites restritos de sua relação com
alguns outros acontecimentos próximos de seu tempo. Podem ser
estudados na sua inserção numa estrutura histórica maior, isto é, nas
relações estabelecidas com outros acontecimentos que extrapolam o
tempo presente e revelam a continuidade de aspectos sociais e econômicos
resistentes a décadas e séculos; e/ou revelam a descontinuidade de lutas
sociais, de organizações políticas, de costumes e valores interrompidos e
retomados no seu processo.

Nesse caso, cabe ao professor criar situações pedagógicas para revelar


as dimensões históricas de tais acontecimentos, expondo suas relações
com o presente, o passado e sua presença imbricada na História.
(BRASIL. PCN, 1998, p.58 e 59).

A temporalidade é ferramenta fundamental para o ensino de História, ela


atravessa o cotidiano do professor no processo ensino-aprendizagem. A aula
de história pode ser uma verdadeira viagem no tempo, pode revisitar o passado
próximo, assim como um tempo mais pretérito. Sem a noção de tempo, não tem
como se chegar à compreensão e formatação da grade curricular do curso de
história em diferentes níveis.

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A própria divisão da História em períodos é fruto de mudanças e permanências


dos acontecimentos históricos e podem ser colaborativas para o entendimento da
vida coletiva, como da vida individual e do cotidiano. Pode colaborar, também, para
o entendimento de como um modo de viver e de pensar se desenvolveu, porque
sofreu transformações, e ainda porque, muitas vezes, ocorrem períodos longos na
história em que não acontece nenhuma mudança.

Sobre a periodicidade na história: Gordon Leff recordou com veemência:


Explor

“A periodização é indispensável a qualquer forma de compreensão histórica”[1969, p.


130], acrescentando com pertinência: “A periodização, como a própria história, é um
processo empírico, delineado pelo históriador” [ibid., p. 150]. Acrescentarei apenas
que não há história imóvel e que a história também não é a pura mudança, mas sim
o estado das mudanças significativas. A periodização é o principal instrumento de
inteligibilidade das mudanças significativas. (p.38)

Vamos analisar um plano de aula enquanto proposta de abordagem e conexão


do passado com o presente.

Plano de aula – Escravidão: ontem e hoje8


Objetivos específicos:
Promover a reflexão sobre a utilização da mão de obra escrava no Brasil; favorecer o
estabelecimento de relações entre passado e presente; possibilitar o debate sobre a condição
da população negra na atualidade.
Objetivos Gerais:
1. Conhecer o significado do conceito de escravidão durante os períodos colonial e imperial.
2. Estabelecer relações entre a escravidão no passado e no presente, analisando semelhanças
e diferenças.
Estratégias:
1. Levar à sala de aula reportagens e notícias diversas sobre o trabalho compulsório na
atualidade: exploração de trabalhadores brasileiros que migram para outras regiões, em
busca de melhores condições de vida, e de estrangeiros que vêm ao país e são submetidos a
situações degradantes. Orientar os alunos para que façam a leitura individualmente.
2. Depois de realizada a leitura, solicitar que exponham os principais fatos. Os alunos que
tiverem lido o mesmo texto podem ajudar a sintetizar as principais informações.
3. Escrever na lousa o significado da palavra escravidão e fazer uma explanação sobre o tema.
É fundamental que a questão econômica seja evidenciada, desde que o professor a relacione
a outros aspectos, como, por exemplo, as teorias sobre inferioridade e superioridade das
raças.
Recursos utilizados:
1. Matérias de jornais e revistas.
2. Rádio
3. Internet
4. Livro didático

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O uso de mapas com a turma, em sala de aula, é um método muito interessante
para o entendimento do tempo histórico. Vejamos a análise abaixo:

Leitura de mapas históricos


Serve para que a turma observe como os aspectos geográficos – locais e globais –
são modificados com os eventos históricos. O uso de mapas de diferentes períodos
e a possibilidade de compará-los criticamente auxilia na compreensão de conceitos
como mudança e permanência.
O crescimento das cidades em função da expansão econômica ou a influência de
acontecimentos políticos para os fluxos migratórios, por exemplo, são questões que
podem ser trabalhadas com essa atividade. “Não se trata apenas de visualizar um
mapa antigo, mas colocá-lo também ao lado de outros, considerando o contexto
histórico de cada momento”, explica Jaime Baratz, mestre em Educação e docente
da Universidade do Estado da Bahia (Uneb).
Também é importante estudar o cenário em que um mapa foi feito e compará-lo
com outros do mesmo período, buscando perceber que o conceito de verdade única,
em História, não existe.
Para entender melhor o crescimento de São Paulo, Cristiane Casquet de Souza
Elias, professora do 4º ano do Colégio Oswald de Andrade, na capital paulista,
propôs aos alunos estudar diversos mapas do estado, organizados entre 1930 e
1970. “Assim, eles compreenderam melhor as temáticas abordadas nos textos
estudados que falavam sobre a expansão geográfica da região no período”,
explica. Durante esse processo, é importante discutir constantemente com o
grupo o que se manteve e o que foi alterado, na paisagem urbana.
Fonte: http://goo.gl/rkMzgO

A historiografia e o tempo histórico: um


desdobramento
Le Goff colocou ( 1990, P.16):
A história é a ciência do tempo. Está estritamente ligada às diferentes
concepções de tempo que existem numa sociedade e que são um
elemento essencial da aparelhagem mental dos seus historiadores. Com
as mudanças paradigmáticas na escrita da história na primeira metade do
século XX, emergiu com Fernand Braudel uma metodologia interessante
para o entendimento do tempo histórico em suas nuances.

Fernand Braudel criou uma nova teoria para a História, na primeira metade
do século XX, que divide a mesma em três tempos diferentes: a curta duração, a
média duração e a longa duração. A curta duração é uma História que abrange,
mais ou menos, o tempo da vida de uma pessoa, os acontecimentos que ela pode
acompanhar pessoalmente. A média duração é como a História dos acontecimentos
políticos, econômicos, sociais etc., enfim, acontecimentos que normalmente
demoram mais acontecendo do que o tempo de vida de uma pessoa. Já a longa
duração seria, a princípio, quase que uma História Geográfica, coisa para milhares

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de anos, uma História que constataria as mudanças dos continentes, dos mares,
das montanhas – e costuma ser tão longa que a gente quase não se dá conta que o
planeta está passando por ela.

Acredita-se que, para Braudel, existem diversos tempos, próprios dos


acontecimentos. A apreensão do evento se dá por meio do ritmo breve, ou curto.
Outras temporalidades objetivam dimensões da totalidade histórica, a conjuntura
(tempo médio) e a estrutura (tempo longo). O acontecimento é apenas um dos
ritmos da história.

Braudel oferece uma metodologia para que a História disciplina possa alcançar
a totalidade da história objeto. Braudel afirma que a história, ao mesmo tempo,
lida com o tempo (as diferentes temporalidades) e com a sincronia (já que o tempo
longo é quase uma sincronia, uma vez que, na estrutura vemos abarcadas várias
unidades menores de tempo.

No livro “O Mediterrâneo”, Fernand Braudel cria uma perspectiva metodológica


profundamente original: a longa duração histórica, que superou nossas
visões habituais acerca dos fatos, fenômenos e processos sociais, a partir da
radicalização de sua dimensão temporal, de suas muito heterogêneas durações
sociais e históricas. Em consequência, sua proposta se abre não apenas para os
historiadores, mas também para todo o conjunto dos cientistas sociais. É uma
nova forma de aproximação às realidades históricas que, a partir deste prisma dos
múltiplos tempos ou das diferentes “temporalidades”, chegou inclusive a questionar
o ordenamento ou “episteme” atualmente vigente, quadriculado e fragmentado,
dessas mesmas ciências sociais.

Segue trecho do livro “O Mediterrâneo” de Braudel:


O que é o Mediterrâneo? Mil coisas ao mesmo tempo. Não uma paisagem,
mas inúmeras paisagens. Não um mar, mas uma sucessão de mares. Não
uma civilização, mas civilizações sobrepostas umas às outras. Viajar pelo
Mediterrâneo é encontrar o mundo romano no Líbano, a pré-história na
Sardenha, o islã turco na Iugoslávia. É mergulhar nas profundezas dos
séculos, até construções megalíticas de Malta ou até as pirâmides do Egito. É
encontrar coisas muito velhas ainda vivas, ladeando o ultramoderno: ao lado
de Veneza, falsamente imóvel, a pesada aglomeração industrial de Mestre.
[...] É ao mesmo tempo imergir no arcaísmo dos mundos insulares e
surpreender-se diante da extrema juventude de cidades muito antigas,
abertas a todos os ventos da cultura e do lucro, e que, há séculos, vigiam
e comem o mar.
Tudo por que o Mediterrâneo é uma encruzilhada muito antiga. Há
milênios tudo converge em sua direção, confundindo e enriquecendo sua
história: homens, animais de carga, veículos, mercadorias, navios, ideias,
religiões, artes de viver. (BRAUDEL, 1988, p.2)

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Para Braudel, muito mais do que um espaço geográfico, o Mediterrâneo
é também um espaço cultural, que interfere na construção das civilizações que
historicamente viveram em suas margens. Em Braudel, se é verdade que o meio
determina o homem, também o é que o homem interage imprevisivelmente sobre
o meio, possibilitando um alto grau de dinamismo e de respostas culturais para as
questões do meio e do tempo.

Do mito à História, do tempo cíclico ao linear progressivo, ao teleológico


e ao devir, da causalidade primária sequencial cronológica às temporalidades
braudelianas; da passagem do tempo da natureza ao tempo social, do tempo do
trabalho natural ao tempo do trabalho industrial, o tempo real como fronteira
última – todas estas transformações marcaram as relações dos homens com o
passado, e atuam em seu presente tanto em seus atos como nas formas de
percepção do passado.

Para os historiadores do contemporâneo, os seres humanos passaram do Tempo


dominante da natureza ao Tempo dominado pelo homem e depois ao homem
dominado pelo Tempo.

Raquel Glezer3 destaca:


Tempo é palavra de muitos significados, e em alguns deles empregado
como sinônimo de passado, ciclos, duração, eras, fases, momentos ou
mesmo história, o que contribui para o obscurecimento das discussões
teóricas dos historiadores sobre ele, e acaba confundindo o público leitor.

Da noção de tempo civilizacional derivaram filosofias, teorias,


historiografias, com seus calendários, cronologias, periodizações por
momentos, seleções de fatos marcantes – elementos mutáveis a cada
leitura, a cada narrativa historiográfica, sempre datada, quer a de nacionais
quer a de estrangeiros.

Historiadores convivem com as tensões inerentes ao tempo em que vivem


e as formas de análise e compreensão, instrumentalmente dadas. Sabem
que estão imersos no tempo, no seu tempo, e, simultaneamente devem
trabalhar com ele, para os atos da profissão, no ‘corpus documental’
selecionado para pesquisar o tema, o assunto, o objeto de estudo em
um dado momento: organizar, recortar, dividir, estruturar, analisar,
compreender, explicar, generalizar, teorizar, sintetizar [...] (GLEZER, p. 1)

Para a história, a compreensão do tempo, situa-se em lugar semelhante ao


espaço onde se desenvolvem os acontecimentos. O tempo presente em mudança
contínua converte-se em passado.

Assista ao vídeo que trata sobre a questão do tempo:


Explor

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gYXHCs9lV-4

3 GLEZER, Raquel. Tempo e História. Ciência e cultura volume. 54 número 2. São Paulo Oct./ Dec. 2002.
In: http://goo.gl/NDYWPf

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UNIDADE Conceitos logísticos

Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Vídeos
Além do Cosmos: O Tempo (Dublado) – Documentário National Geographic
https://goo.gl/dwN0Bl
Oração ao Tempo – Caetano Veloso
https://www.youtube.com/watch?v=Xcpf473RJ3E

 Leitura
Portal MEC
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro051.pdf
Tempo e História
http://goo.gl/aitAJf

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Referências
B823p Brasil. Secretaria de educação Fundamental. Parâmetros curriculares
nacionais: história, geografia/ secretaria de Educação Fundamental. Brasília:
MEC/SEF, 1997.

BRAUDEL, Fernando; O espaço e a história no Mediterrâneo. Fernand Braudel;


São Paulo, SP. Ed. Martins Fontes. 1988.

GLEZER, Raquel. Tempo e História. Ciência e cultura volume. 54 número 2. São


Paulo Oct./ Dec. 2002 in: http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-
67252002000200021&script=sci_arttext

Glezer, R. “O tempo e os homens: dom, servidor e senhor” In: IEA/ USP –


Coleção Documentos, Série estudos sobre o tempo, maio de 1992. In: http://
www.cefetsp.br/edu/eso/fausto/tempo_historia.pdf

LE GOFF, Jacques. História e memória, Campinas, SP Editora da INICAMP, 1990.

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