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CURSO DE LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS

MANUAL DE DIDÁCTICA DA LITERATURA

ENSINO ONLINE. ENSINO COM FUTURO 2022

i
CURSO DE LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS

MANUAL DE DIDÁCTICA DA LITERATURA

3º ANO

CÓDIGO

TOTAL HORAS/1º SEMESTRE 150

CRÉDITOS (SNATCA) 6

NÚMERO DE TEMAS 3

ii
Direitos de autor (copyright)

Este manual é propriedade da Universidade aberta ISCED, e contêm reservados todos os direitos. É
proibida a duplicação ou reprodução quer seja total ou parcial deste manual, sob quaisquer formas ou
por quaisquer meios (eletrónicos, mecânico, gravação, fotocópia entre outros), sem permissão expressa
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Universidade Aberta ISCED


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Website: www.unisced.edu.mz

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Agradecimentos

A Universidade Aberta ISCED (UnISCED) agradece a colaboração dos seguintes


indivíduos e instituições na elaboração deste manual:

Autor Januario Cabarela


Vice-Reitoria Académica do ISCED
Coordenação
Universidade Aberta ISCED (UnISCED)
Design
Instituto Africano de Promoção da Educação a
Financiamento e Logística
Distância (IAPED)
Revisão Científica e Linguística
Ano de Publicação
Faculdade de Educação
Ano de actualização
2022
Local de Publicação
2022
UnISCED – BEIRA

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Índice
Visão geral ............................................................................................................................................... 7
Bem-vindo à Didáctica de Literatura ...................................................................................................... 7
Quem deveria estudar este módulo? ..................................................................................................... 8
Como está estruturado este módulo? .................................................................................................... 8
Páginas introdutórias .............................................................................................................................. 9
Um índice completo ................................................................................................................................ 9
Conteúdo do módulo .............................................................................................................................. 9
Outros recursos....................................................................................................................................... 9
Tarefas de avaliação e/ou Auto-avaliação .............................................................................................. 9
Comentários e sugestões ........................................................................................................................ 9
Ícones de actividade ............................................................................................................................... 9
Habilidades de estudo .......................................................................................................................... 10
Avaliação ............................................................................................................................................... 10
TEMA I. INVESTIGAÇÃO BÁSICA: PERFIL CIENTÍFICO DA DIDÁCTICA DA LITERATURA ......................... 11
Unidade 1.1. Paradigmas Científicos da Didáctica da Literatura .......................................................... 11
Unidade 1.2.Métodos de Estudo da Obra Literária e Didáctica da Literatura ..................................... 15
TEMA II:ASPECTOS METODOLÓGICOS DE ESTUDO E INTERPRETAÇÃO DA OBRA LITERÁRIA .............. 20
Unidade 2.1.Biografismo ...................................................................................................................... 20
Unidade 2.2. O Estruturalismo/Formalismo ......................................................................................... 23
Unidade 2.3.Pressupostos Teóricos da Análise Estrutural da Narrativa .............................................. 28
Unidade 2.4.Paradigma sociológico ...................................................................................................... 33
Unidade 2.5. Paradigma psicanalítico................................................................................................... 36
Unidade 2.6.A Estética da Recepção .................................................................................................... 38
TEMAIII: PESQUISA APLICADA, ESTRATÉGIAS DE DESIGN DE PESQUISA-ACÇÃO
Unidade 3.1. Áreas de Pesquisa da Didáctica da Literatura ................................................................. 43
Unidade3.3. A Biblioteca Escolar e a Prática Pedagógica da Leitura .................................................... 49
Unidade 4.1. Esboços de Métodos Activos: As Oficinas Literárias ....................................................... 56
Unidade 4.3. Estratégias de Aplicação da Criatividade no ensino da Literatura .................................. 69
TEMA V: DIDÁCTICA DE LITERATURA: CONCEITUALIZAÇÃO E GENERALIDADES
Unidade 5.1.Didáctica de Literatura ..................................................................................................... 79
TEMA VI. A DIDÁCTICA DA LITERATURA E OUTRAS CIÊNCIAS .............................................................. 85
Unidade 6.1.Didáctica da Literatura: Seu Âmbito e Abrangência ........................................................ 86
Unidade 6.2.Relação entre Ciência da Literatura e Didáctica da Literatura ........................................ 86
TEMA VII:INRODUCAO À ANÁLISE DO LITERÁRIO ................................................................................ 90
Unidade 7.1.As Qualidades de uma Linguagem Literária ..................................................................... 93
Unidade 7.2.Teses sobre o Ensino do Texto Literário .......................................................................... 94
TEMA VIII: ANÁLISE LITERÁRIA E PEDAGOGIA LITERÁRIA .................................................................. 105
Unidade 8.1. Análise literária e pedagogia literária ........................................................................... 106
Unidade 8.2. Análise literária e Didáctica da Literatura ..................................................................... 110
Unidade 8.3. Como Fazer uma Boa Análise Literária.......................................................................... 111
TEMA IX: PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DO TEXTO LITERÁRIO ......................................................... 116
Unidade 9.1. Métodos e Técnicas de Leitura ..................................................................................... 116
Unidade 9.2. Pressupostos de Análise Textual Comparada ............................................................... 119
Unidade 8.3. Análise Intertextual ....................................................................................................... 122
Unidade 8.4. Proposta de Análise Semiótica e Estilística ................................................................... 131

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TEMA XIV: RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO-LIVRO ............................................................................... 136
Unidade 9.1.O Papel de Mediação entre Aluno/Livro ........................................................................ 136
Unidade 9.2. Estratégias Didáctico-Pedagógicas para uma Leitura InteractivaLiterária ................... 142
TEMA X: O CONTO: ESTRATÉGIAS DE ENSINO E ANÁLISE TEXTUAL ................................................... 153
Unidade 10. 1. Conto .......................................................................................................................... 153
Unidade 10. 2.Como Trabalhar o Conto na Educação das Crianças? ................................................. 156
TEMA XI. PROPOSTA DE ABORDAGEM DOS GÉNEROS LITERÁRIOS E LEITURA NO ENSINO SECUNDÁRIO
............................................................................................................................................... 159
Unidade 11.1. Géneros Literários e Literariedade: Suas Implicações no Fenómeno Literário .......... 162
Unidade 11.2. Géneros Literários e Leitura no Ensino Secundário .................................................... 163
Referências Bibliográficas ................................................................................................................... 171

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Visão geral

Bem-vindo à Didáctica de Literatura

A Didáctica da Literatura, uma disciplina introduzida no curriculum do Curso de


Português da UnISCED, visa e vem dar uma maior amplitude e capacidade aos
estudantes, futuros professores de português do Ensino Secundário. Ademais, com
a Didáctica da Literatura, os estudantes (futuros professores de português) ficarão
mais apetrechados com conhecimentos teóricos e práticos de uma disciplina que
lhes possibilitará conhecer e materializar metodologias para o
ensino/aprendizagem do texto literário, matéria que atravessa transversalmente
grande parte dos manuais de língua portuguesa do Ensino Secundário e Pré-
Universitário.

Efectivamente, a Didáctica da Literatura, sendo outrossim uma disciplina que goza


de autonomia científica, e, hodiernamente, ferramenta pedagógica indispensável
para professores de língua portuguesa, faz convergir pontos de contacto
importantes para a consolidação da teoria e da prática dos conhecimentos sobre
outras disciplinas, nomeadamente: Teoria da Literatura, Linguística, Didáctica da
Língua, sobre História da Literatura, Antropologia Cultural, finalmente sobre
grande parte das disciplinas que completam os curricula do Curso de Português
ministrado pela UnISCED.

Tendo como ponto de incidência a leitura do Texto Literário nas suas


incomensuráveis componentes científicas e metodológica, a Didáctica da
Literatura, baseando-se no conhecimento acentuado do fenómeno literário,
principalmente no que tange à sua criação diz respeito, estimulará em ultima
instância a leitura enquanto análise, crítica e interpretação, cultivando no
estudante estratégias de desafio, ou melhor, o conhecimento e o gosto não só do
texto literário e criação literária, como também pela obra integral, sobretudo,
estimulando e incitando o aluno à descoberta, para além do sentido paradigmático
e sintagmático do texto, o sentido subjacente do texto literário, na sua dimensão
ética, cultural e polissémica.

Pretende-se, nesta cadeira abrigada de Didáctica de Literatura, intentar uma


abordagem do Texto Literário baseando-se no conhecimento exaustivo do
fenómeno literário, na sua estreita ligação com a Habilidade de leitura enquanto
análise crítico-interpretativa e de conteúdo. Serão arroladas matérias ligadas ao
conceito da Didáctica de literatura, a Pesquisa em Literatura bem como a relação
desta ciência com as outras afins.

Com a Didáctica da Literatura, traçar-se-á um percurso em direcção à relevância


cultural da literatura enquanto ciência para uma interlocução viva eficaz com texto
literário enquanto arte que, sociologicamente, pode ser definida como um sistema
simbólico de comunicação inter-humana, nas suas variadas comensurações que
vão do modo ao género e nestes do tema ao estilo, da palavra feita arte a toda
“gramática literária”, ferramentas indispensáveis ao professor e neste caso ao
aluno para a descodificação do texto, para a sua descoberta e que, normalmente,
vai mais além do que o próprio autor imaginou ser o seu discurso literário.

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Portanto, toda actividade literária envolve as seguintes categorias ou temáticas:
Discurso, Ficção, Géneros, Narração/narratividade, Poética, Estilo, Tema/motivo e
Texto.

Objectivos Gerais

Educativos

Ao fim deste módulo o estudante deverá:

• Adquirir conhecimentos sobre Metodologia do Ensino do Texto Literário;

• Desenvolver capacidades necessárias para o exercício e aplicação dos


conhecimentos adquiridos;

• Adquirir capacidades e autoformação e desenvolver capacidades científico-


didácticas que visem a intervenção activa no ensino do texto literário nas variadas
significações e perspectivas teórico-práticas.

Instrutivos

O estudante deverá:

• Aplicar criativa e imaginariamente as metodologias adaptadas para o


ensino/aprendizagem do Texto Literário;

• Prever, preparar e utilizar material didáctico adequado só nível do Ensino


me que se deve leccionar e às condições em que se realiza o processo de
ensino/aprendizagem.

• Aplicar métodos e meios de avaliação correspondentes aos objectivos


definidos.

Quem deveria estudar este módulo?

Este Módulo foi elaborado, em última instância, para todos aqueles que queiram
ser professores de Português no futuro. Com os conhecimentos propostos neste
módulo, espera-se que os futuros professores de Português possam ensinar os
textos literários cientes da complexidade que a análise do texto literário invoca.

Como está estruturado este módulo?

A organização do módulo segue transversalmente o modelo dos módulos que a


instituição propõe, nomeadamente:

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Páginas introdutórias

Um índice completo

Conteúdo do módulo

O módulo está estruturado em unidades de aprendizagem. Cada unidade irá


incluir, o tema, uma introdução, objectivos da unidade, assunto da unidade bem
como as actividades de aprendizagem, um sumário da unidade e actividades para
auto-avaliação.

Outros recursos

Para quem esteja interessado em aprender mais, apresentamos uma lista de


recursos adicionais para que você possa explorar. Estes recursos podem incluir
livros, artigos, vídeos e webgrafia.

Tarefas de avaliação e/ou Auto-avaliação

Para além do que já se avançou na Visão Geral sobre a didáctica da Literatura


merece destacar que esta cadeira, tendo um pendor teórico, tem, outrossim, um
carácter, essencialmente, prático. Será, por isso, recorrente uma prática com
suporte teórico visando materializar os objectivos, isto é, uma metodologia que
permite a integração constante entre o tratamento teórico referente ao tema e
respectivos objectivos específicos e conteúdos programáticos, e a actividade de
planificação de aulas tendo em vista o público-alvo de acordo com o seu nível
escolar.

Tarefas de avaliação para esta cadeira, encontram-se no final de cada unidade.

Comentários e sugestões

Caro estudante, este é o seu ensejo para nos oferecer propostas e fazer
comentários sobre o conteúdo da cadeira. Os seus comentários ser-nos-ão
proveitosos se bem que ajudar-nos-ão a avaliar e melhorar cada vez mais este
módulo.

Ícones de actividade

Ao longo deste manual irá encontrar uma série de ícones nas margens das folhas.
Estes ícones servem para identificar diferentes partes do processo de
aprendizagem. Podem indicar uma parcela específica do texto, uma nova
actividade ou tarefa, uma mudança de actividade, etc.

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Habilidades de estudo

Caro estudante, procure reservar algumas horas de estudo por dia e use ao máximo
o tempo disponível nos fins-de-semana. Lembre-se que é necessário elaborar um
plano de estudo individual, que inclua, a data, o dia, a hora, o que estudar, como
estudar e com quem estudar (sozinho, com colegas, outros).

Ademais, recorde-se que o seu sucesso depende da sua entrega e abnegação, uma
vez que você é o único responsável pela sua própria aprendizagem e caminhada e
cabe a si e só a si planificar, organizar, gerir, controlar e avaliar a sua própria
evolução.

Avaliação

A avaliação da cadeira será controlada da seguinte maneira:

• Avaliação contínua das actividades;

• A realização de testes escritos;

• A realização de um trabalho de investigação individual ou em grupo sobre


um tema seleccionado pelo estudante e/ou sugerido pelo docente.

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TEMA I. INVESTIGAÇÃO BÁSICA: PERFIL CIENTÍFICO DA DIDÁCTICA DA
LITERATURA

Introdução

Caro estudante, o estudo da literatura pressupõe certos dotes teóricos da parte


daquele que se lhe dedica. Sem a faculdade de apreender problemas teóricos como
tais, de compreender os métodos científicos com os quais se alcançou a sua
solução, e ainda sem a possibilidade de por si próprio os aplicar na resolução de
novas questões, fica para sempre vedado o acesso à ciência da literatura. Exige
ainda, como qualquer outra ciência, especial vocação para o objecto imediato do
estudo. Nesta unidade estabelecemos a noção de paradigma como o quadro de
referência mais amplo aceito pela comunidade científica e classificamos os
paradigmas de estudo da literatura em quatro grupos, incluindo subdivisões deles,
pois cada paradigma pode gerar várias teorias.

Objectivos Específicos

Ao completar esta unidade, você deverá ser capaz de

▪ Conhecer o perfil da Didáctica da Literatura como ciência.


▪ Reconhecer o objecto de estudo da ciência da literatura.
▪ Aprimorar paradigmas da Didáctica da Literatura.
▪ Conhecer a noção de paradigma em Didáctica da Literatura.
▪ Identificar os diferentes paradigmas e respectivas teorias.

Unidade 1.1. Paradigmas Científicos da Didáctica da Literatura

Problemas teóricos de delimitação no campo da Didáctica da Literatura podem


parecer supérfluos para o professor normal, que deve preparar uma aula sobre Os
Lusíadas ou comentários de texto. No entanto, sem uma definição clara dos
objectivos, métodos e limites da Didáctica da Literatura, seu ensino pode se tornar
fruto de uma rotina ou de uma visão puramente subjectiva.

A DL acrescenta à complexidade geral do evento educacional as dificuldades


específicas da aprendizagem verbal. A duplicidade entre a dimensão explicativa e
a normativa também ocorre no seu estudo. Por exemplo, as 'normas' que derivam
das últimas reformas educacionais visam tornar o domínio das habilidades verbais,
o objectivo essencial da área da linguagem.

Não podemos levantar aqui os problemas epistemológicos das Ciências da


Educação, expostos em detalhes pelos diferentes investigadores dessa, mas como
eles afectam o terreno concreto da Didáctica da Literatura. Da mesma forma, ao
determinar os métodos da DL, é importante dar primazia às construções e
elaborações teóricas, ou seja, atender à elaboração de técnicas específicas de
análise e observação para o nosso assunto. O método hipotético-dedutivo pode

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ser uma boa directriz, como veremos em vários exemplos. De qualquer forma, já
existem programas de pesquisa que combinam elaboração formal com análise
empírica. Por exemplo, no campo filológico, temos a contribuição de W. D. Mignolo
para uma teoria do texto literário, em analogia com os modelos cibernéticos da
caixa preta e da caixa translúcida.

De facto, podemos escolher modelos de DL que enfocam comportamentos verbais


ou "processos" (sistemas de caixa preta) ou modelos que dão relevância a variáveis
de processo (sistema de caixa translúcida). Por exemplo, o estudo do professor.
Campos Villegas, Como aprender a escrever literariamente, é implicitamente
baseado no primeiro tipo. Em contraste, um método de prescrever composição
escrita com base nos princípios da psicologia cognitiva se encaixaria no segundo
tipo de modelo.

Podemos delimitar as características da DL no conjunto das Ciências da Educação


e Ciências Humanas. Assim, na sua dimensão nomotética, fica claro que, dada a
importância da linguagem no desenvolvimento cognitivo, a Didáctica da Literatura
pode receber modelos explicativos não apenas da Psicologia e Sociologia, mas
também as propõem a partir de suas próprias categorias (um bom exemplo disso
são os modelos socioeducativos derivados do trabalho de Bernstein, baseados em
noções como código restrito, código elaborado). Em relação à dimensão
normativa, a DL pode oferecer normas racionalizadoras para a explicação da
História da Literatura ou do Comentário do Texto, mas contando com a
superposição de outros critérios de natureza social e cultural. Por exemplo, o
ensino de literatura é um exemplo magnífico do que Dreeben chama de currículo
não escrito, uma vez que o estudioso está aprendendo a classificar e caracterizar
textos em ambientes extracurriculares; assim, não é incomumum jovem consumir
regularmente subliteratura, quadrinhos e, portanto, seus gostos literários estão
sendo formados em parcelas que dificilmente foram tratadas nos programas
escolares.

Se seguirmos as directrizes de Ausubel que enfatizam o papel da aprendizagem


significativa - ou seja, daquela aprendizagem relacionada a elementos pré-
existentes na estrutura cognitiva do aluno - seria necessário integrar, por exemplo,
esse conhecimento de literaturas marginais no currículo literário. Evidentemente,
isso não é tentar reduzi-lo a romances de aventura ou histórias polifastas, mas
aproveitar esses hábitos do animal como motivação para o entendimento da
literatura.

Em suma, a DL também combina as duas divisões básicas das Ciências da Educação:


explicação e regulamentação. De facto, num artigo revelador, Mignolo aponta duas
perspectivas diferentes do estudo literário: compreensão hermenêutica e
compreensão teórica. A analogia é clara: quando, por exemplo, abordamos Terra
Sonâmbula, de Mia Couto, devemos primeiro entendê-la, ou seja, interpretando-o
de acordo com uma série de "normas" discursivas, de género etc. que configuram
o "horizonte de expectativas" do leitor, outro segundo nível de leitura é o da
compreensão teórica, que tenta explicar o texto e para isso investiga até que ponto
certos modelos ou teorias são verificados nele.

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Do ponto de vista normativo, o Ensino Aprendizagem da Didáctica deve abordar os
problemas de melhoria da compreensão literária ou da interpretação dos textos
pelos alunos. Mas do ponto de vista explicativo, a escolha de um modelo curricular
deve basear-se na análise das teorias mais relevantes e dos paradigmas mais
esclarecedores. Para tornar nossa concepção de DL mais concreta, usaremos o
modelo de Johnson (figura 1), discutindo a aplicação das directrizes do professor à
nossa disciplina.

Disciplina, Currículo, Instrução e Avaliação são as bases do planeamento didáctico


(sem descurar outras variáveis como o aluno ou a estrutura educacional). Na
realidade, um professor precisa tomar decisões sobre a selecção de
conhecimentos, experiências de aprendizagem etc. O professor deve introduzir
uma ordem de preferência, sabendo que a escola parece ser um "universo
parcialmente incerto", isto é, um universo que não possui conhecimento exaustivo.

No campo da disciplina científica, vemos que o perfil da DL seria fruto de duas


"matrizes" ou paradigmas diferentes: a) Ciências da educação e b) Ciências
filológicas.

Tanto a) como b) têm seus próprios objectos de estudo tirados separadamente,


dificultando a delimitação de quais tópicos são especificamente do DL. Vamos dar
dois exemplos ilustrativos: o ensino da conversação e o ensino da literatura.
Analisando esses tópicos,
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independentemente da sua orientação didáctica, o problema é esclarecido, porque
a conversa se torna um tópico exclusivo da configuração de uma gramática
coloquial e a literatura também se torna um problema teórico a ser elucidado por
filólogos, semiólogos. Por outro lado, se o que abstraímos é o conteúdo disciplinar
em si (ou seja, o facto de serem noções típicas de teorias linguísticas e / ou
literárias), o facto também é esclarecido porque o objecto da teoria também é
unívoco: Por exemplo, o acto didáctico "através" da conversa.

O facto "básico" de que o pedagogo e o filólogo estudam pode ser o mesmo - uma
comunicação dialogada na sala de aula, mas a diferença é que o ponto de vista de
ambos difere no objecto formal de cada ciência: se estuda literatura, outro os
processos de aprendizagem. Assim, o problema mais difícil surge quando o campo
de acção de um especialista em DL deve ser delimitado. Este último deve realmente
unir ou interconectar esses campos em uma síntese que integre as noções
fundamentais de Disciplina, bem como os critérios para seleccionar o currículo e as
instruções de planeamento. A chave estará na coerência e no rigor desta síntese.
Por onde começar? Obviamente, a estrutura conceitual das disciplinas filológicas
deve ser descoberta para se saber o que é possível, e não uma questão tão óbvia,
dada a diversidade de paradigmas. Felizmente, Saussure e seus seguidores em
Linguística, Crítica Literária ajudaram a estabelecer uma hierarquia de conceitos
bastante aceite: a linguagem é um sistema, um axioma que, trazido para o campo
literário, é reformulado com algumas variações por estruturalistas franceses, como
Barthes ou Todorov, ou por semiologistas como Lotman, Segre ou Mignolo.
Podemos afirmar, no entanto que a obra literária constitui um sistema.

Uma vez definidos os paradigmas científicos do estudo da literatura, uma operação


semelhante deve ser feita com relação à outra ciência envolvida, a Didáctica. Se no
campo filológico vemos diversidade de tendências, não surpreende que diversos
paradigmas coexistam na Didáctica. Segundo M. Lorenzo Delgado, eles podem ser
reduzidos a dois tipos essenciais:

a) O modelo clássico-tradicional.

b) Modelos sistémico-tecnológicos

O professor deve reflectir sobre qual sistema ou paradigma melhor se adequa à


realidade da escola. No modelo chamado Tradicional, a instrução é vista, acima de
tudo, como um processo de transmissão de conhecimento do professor para o
aluno, enquanto nos modelos sistémico-tecnológicos é concebida mais como um
processo interactivo, de inter-relação entre os vários elementos ou variáveis do
processo educacional (ambiente escolar, material didáctico, relações professor-
aluno). Dessa forma, o professor já pode contar com dois critérios metodológicos
muito importantes:

a) Substitua a noção de trabalho pela de sistema.

b) Substitua a noção de transmissão pela noção de interacção.

Obviamente, a panaceia não está na noção de um sistema, mas em saber como


fazer uso de suas unidades e relações em cada caso. Acreditamos que vários
paradigmas contribuíram para resolver essa questão e que, em qualquer caso, uma

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visão relacional da realidade (a base última do conceito de sistema) é sempre
melhor do que uma visão que considera literatura ou educação como conceitos
estáticos ou substâncias prefixadas.

Unidade 1.2. Métodos de Estudo da Obra Literária e Didáctica da


Literatura

Vários estudos destacam que o formalismo e a gramática geradora deram os


primeiros passos, substituindo a noção de trabalho pela noção de sistema. Assim,
do ponto de vista da pesquisa textual, o objecto da teoria é postulado como uma
construção que consiste em seleccionar e explicar as propriedades relevantes de
todo o texto e, em particular, dos textos literários. Aqui está um dos princípios
fundamentais que permitem diferenciar o conceito de crítica da teoria, pois
Mignolo enfatiza que o último trata de princípios gerais, enquanto o primeiro é
orientado para a interpretação de obras particulares. Para sistematizar a questão,
Mignolo distingue dois níveis de abordagem da obra literária: por um lado, a
compreensão hermenêutica, centrada nos problemas de interpretação e
relacionada a uma "comunidade interpretativa" (comunidade literária); por outro
lado, a compreensão teórica, orientada para problemas de explicação e
relacionada a uma "comunidade científica".

Desse modo, Mignolo destaca que a função das teorias na pesquisa literária é o
acto da produção literária em geral e não o estudo ou a leitura de dada obra.
Embora ele a critique - Mignolo continua explicando, pode com base em "princípios
gerais", na medida em que há uma aplicação destes a um trabalho específico,
inevitavelmente entramos no campo da compreensão hermenêutica, porque
interpretar um texto é nos colocar irremediavelmente nos parâmetros de uma
comunidade interprete. Parece claro que fingir que o aluno entende o texto,
reconhece os temas ou interpreta a estrutura é uma tarefa da compreensão
hermenêutica, pois tentaria fornecer a ele os princípios que regulam os textos
poéticos do século XVI, por outro lado, isso seria muito mais patente para um leitor
do século XVI, pois pertenciam totalmente à sua metalinguagem (Mignolo) ou ao
seu horizonte de expectativas (Jauss). Para a metalinguagem (ou metatexto na
terminologia de Lotman), ela é especificada numa hierarquia de valores, que
descrevemos como isto ou aquilo poético. Diante disso, há espaço para entusiasmo
ou rejeição, na medida em que interpretar é entender participativamente.

No entanto, no entendimento teórico, não se trata apenas de aceder o significado


do texto, mas de verificar uma certa teoria ou modelo que nos permita reconstruí-
lo racionalmente. Se alguém partir de um modelo de "poética" como o de Jakobson
ou Levin, comentar Os Lusíadas, por exemplo, significaria tentar verificar a
projecção das equivalências no eixo sintagmático ou detectar as matrizes fónica,
rítmica, sintáctica ou semântica nas suas Inter-relação.

Tendo esclarecido todos esses princípios, Mignolo estabelece a noção de


paradigma como o quadro de referência mais amplo aceite pela comunidade
científica e classifica os paradigmas de estudo da literatura em quatro grupos,

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incluindo suas subdivisões, pois cada paradigma pode gerar várias teorias:

I. Paradigma semiológico

1. Teorias Linguístico-Literárias

2. Teorias do texto literário

II. Paradigma Fenomenológico

1. Teorias da estrutura ontológica da obra literária

2. Teorias da Recepção

III. Paradigma sociológico

IV. Paradigma psicanalítico

Para construir uma teoria, não basta que exista um referente (o facto literário) ou
um vocabulário definido (por exemplo, 'jargão' psicanalítico), porque o objecto
dessa teoria não é apenas o fenómeno literário, mas sua estrutura conceitual. Em
termos mais simples, é a abordagem escolhida que cria seu próprio objecto,
tornando certas noções e dados relevantes (por exemplo, relações
literatura/sociedade no paradigma sociológico), o que permite a existência de
múltiplos paradigmas e múltiplas teorias, porque sempre é possível abordar novas
tácticas de estudo: por exemplo, recentemente embarca-se num caminho de
análise estética de obras literárias, com base na aplicação de noções estéticas.
Vemos que um novo paradigma pode ser considerado, o Paradigma Estético.

De qualquer forma, vemos que essa enumeração dos paradigmas de estudos de


literatura não se encaixa bem com outras classificações conhecidas. Por exemplo,
Romera Castillo, no seu manual Didáctica da linguagem e literatura, faz a seguinte
inventariação de "concepções actuais da literatura":

I. Concepção impressionista

II. Objectivo ou concepção científica

1. Crítica ao significante literário

2. A crítica ao significado literário

III. Crítica linguística

IV. Crítica semiótica

É óbvio que os níveis referidos por Mignolo não são distintos. Além disso, o autor
parece optar por críticas semióticas sem considerar as repetições didácticas de
escolher uma ou outra abordagem para o currículo escolar. Se consultarmos obras
especializadas, como a obra Teorias da literatura do século XX, encontraremos uma
acomodação maior:

1. Formalismo russo, estruturalismo tcheco e semiótica soviética.

2. Estruturalismo francês
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3. Teorias Marxistas da Literatura

4. Estética da recepção

Note-se que a classificação é mais baseada em critérios heterogéneos, às vezes


recorrendo aos “ismos”, outros sob critérios cronológicos ou nacionais, em vez de
se basear nas condições acima mencionadas de definir um objecto, possuir uma
metalinguagem etc.

Por fim, podemos apreciar plenamente as dificuldades de definir paradigmas ao


consultar trabalhos colectivos como Métodos de estudo do trabalho litúrgico.
Citemos alguns dos métodos de estudo da obra literária que são enumerados ao
longo desta obra: estudo paleográfico, bibliológico, ecdótico, filológico,
biliogênico, histórico, comparativo, biográfico, psicocrítico e semântico, formal,
Sociológico, Semiótico, Filosófico, Estético, Estrutural.

À luz das distinções metodológicas de Mignolo, a questão parece ser simplificada


muito mais operacionalmente e, assim, evita cair numa infinidade de métodos. No
que diz respeito à compreensão teórica, podemos extrair apenas os métodos e
categorias explicativos dos quatro paradigmas fundamentais descritos por esse
semiólogo. No que se refere à compreensão hermenêutica, será necessário
estabelecer uma selecção de métodos.

Mais pedagogicamente apropriado, pois, parece claro que os objectivos da


iniciação à literatura podem ser melhor alcançados com métodos semânticos ou
sociológicos do que, por exemplo, com a crítica textual. E isso não se deve à
"bondade" dos métodos, mas como consequência da recomendação de Ausubel
de que é preciso começar pelos elementos preexistentes na estrutura cognitiva do
aluno para assimilar novas informações e, obviamente, certos hábitos
socioculturais, se conhecidos.

Portanto, é importante distinguir esse aspecto da iniciação das estruturas


narrativas dos aspectos relacionados à leitura ou interpretação das narrativas. Para
o primeiro caso, podemos confiar em modelos estruturais, semiológicos, etc. e
induzir o aluno, exercitando o pensamento analítico, a reconstruí-lo: por exemplo,
descrever através de um diagrama o "caminho" de acções significativas (descrição
estrutural em sequências e funções). No caso da interpretação textual, existem
maiores possibilidades metodológicas: podemos fazer uma leitura abrangente,
contando com métodos semânticos; uma leitura avaliativa, traçando critérios a
partir dos métodos histórico, sociológico, biográfico, filosófico. Podemos até fazer
uma leitura ou reescrita criativa do texto, uma leitura especializada.

AUTO- AVALIAÇÃO

Questões de Reflexão

1.O que acontece quando o professor não tem uma definição clara dos objectivos,
métodos e limites da Didáctica da Literatura?

2. O que acrescenta a Didáctica da Literatura?

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3. Em que modelo é baseado o estudo do professor Campos Villegas para
prescrever uma composição escrita com base nos princípios da psicologia
cognitiva?

4. Em que campo se situam as características da Didáctica da Literatura?

5. Quais as metodologias seguidas na interpretação textual?

Questões de Verdadeiro e Falso

6. Romera faz a seguinte inventariação de "concepções actuais da literatura": I.


Concepção impressionista; II. Objectivo ou concepção científica; III. Crítica
linguística e IV. Crítica semiótica.

7. Ausubel afirma que é preciso começar pelos elementos preexistentes na


estrutura cognitiva do aluno para assimilar novas informações e, obviamente,
certos hábitos socioculturais, se conhecidos.

Questões de Escolha Múltipla

8. No modelo chamado Tradicional:

a) a instrução é vista, acima de tudo, como um processo de transmissão de


conhecimento do professor para o aluno, enquanto nos modelos sistémico-
tecnológicos é concebida mais como um processo interactivo, de inter-relação
entre os vários elementos ou variáveis do processo educacional (ambiente escolar,
material didáctico, relações professor-aluno).

b) a instrução é vista, acima de tudo, como um processo de transmissão de


conhecimento do professor para o aluno, enquanto nos modelos sistémico-
tecnológicos é concebida mais como um processo inperactivo, de inter-relação
entre os vários elementos ou invariáveis do processo educacional (ambiente
escolar, material didáctico, relações professor-aluno).

c) a instrução é vista, acima de tudo, como um processo de não transmissão de


conhecimento do aluno para o aluno, enquanto nos modelos sistémico-
tecnológicos é concebida mais como um processo interactivo, de inter-relação
entre os vários elementos ou variáveis do processo educacional (ambiente escolar,
material didáctico, relações professor-aluno).

d) Todas as alternativas estão correctas.

9. No campo da disciplina científica, o perfil da Didáctica da Literatura é fruto das


"matrizes" ou paradigmas diferentes:

a) Ciências da educação

b) Ciências filológicas.

18
c) Todas as alternativas estão correctas.

10. Ausubel afirma que é preciso:

a) começar pelos elementos preexistentes na estrutura cognitiva do aluno para


assimilar novas informações e, obviamente, certos hábitos socioculturais, se
conhecidos.

b) começar pelos elementos preexistentes na estrutura cognitiva do aluno para


assimilar novas informações e, obviamente, certos hábitos socioculturais, se
desconhecidos.

c) começar pelos elementos preexistentes na estrutura cognitiva do professor para


assimilar novas informações e, obviamente, certos hábitos socioculturais, se
conhecidos.

d) Todas as alternativas estão correctas.

Respostas:

6. Verdadeiro

7. Verdadeiro

8. A

9. C

10.A

19
TEMA II: ASPECTOS METODOLÓGICOS DE ESTUDO E INTERPRETAÇÃO
DA OBRA LITERÁRIA

Introdução

Pretendemos nesta unidade temática, apresentar os métodos que auxiliam a


leitura crítica e a análise e interpretação da obra literária. No caso da interpretação
textual, existem maiores possibilidades metodológicas: podemos fazer uma leitura
abrangente, contando com métodos semânticos; uma leitura avaliativa, traçando
critérios a partir dos métodos histórico, sociológico, biográfico, filosófico.
paleográfico, bibliológico, ecdótico, filológico, biliogênico, histórico, comparativo,
psicocrítico e semântico, formal, Semiótico, Filosófico, Estético, Estrutural..
Podemos até fazer uma leitura ou reescrita criativa do texto, uma leitura
especializada.O século XX propiciou o aparecimento de várias “escolas críticas”,
cada uma delas vinculada a uma perspectiva particular em relação ao fenómeno
literário. A abordagem de cada uma dessas escolas deve ser feita de modo a
considerá-la, antes de tudo, uma proposta de interpretação, sem demérito de
nenhuma frente à outra. Vejamos, então, quais as principais correntes ou escolas
da crítica literária que, aparecidas ao longo do século XX, operam
significativamente no modo como a crítica contemporânea, no século XXI, se
aproxima da literatura.

Ao completar esta unidade, você deverá ser capaz de:

Objectivos

➢ Conhecer as correntes que permitem fazer uma leitura crítica do texto


literário.
➢ Aprofundar as teorias que auxiliam a análise e interpretação do texto
literário.

Unidade 2.1.Biografismo

História da literatura é o estudo em sincronia ou diacronia ou ainda em sincronia


diacrónica das obras literárias mais representativas de uma nação ou até de todo
o mundo. O objecto da história da literatura portuguesa é constituído pela análise
das obras literárias escritas em português por autores portugueses. É ainda objecto
da história da literatura o estudo das linhas mestras do ambiente sociocultural em
que as obras nasceram pois detrás de todo o literato que cria está sempre um
homem condicionado por uma cultura (factores de natureza religiosa, filosófica,
sociológica e artística). A história da literatura deve ocupar-se ademais dos autores,
fornecendo os dados biográficos que mais interessam para o bom entendimento
das respectivas obras, influenciadas muitas vezes por elementos psicossomáticos
de temperamento e carácter do seu criador. Tais dados biográficos não raro
‘iluminam posições estéticas e até modalidades de expressam’. (Jacinto do Prado

20
Coelho, Problemática da História Literária, Lisboa: 1961).

A Crítica biográfica considera a perspectiva da vida do autor como chave para a


compreensão da obra. Um exemplo simplificado disso seria a tentativa de explicar
a obra de Manuel Bandeira a partir da associação com o facto de que o poeta teve
diagnóstico de tuberculose aos 18 anos de idade.

A figura do autor

A interpretação de uma obra literária pelo estudo do lugar histórico, artístico e


cultural ocupado pelo seu autor é prática bastante questionada nos estudos
literários contemporâneos. Embora a tradição da historiografia literária tenha dado
bastante ênfase à figura do autor, hoje em dia é preciso relativizar a abordagem do
texto para não subordiná-la directamente àquilo que sabemos sobre o autor.

Sobre este tópico, Wolfgang Kaiser nos diz que:

O conhecimento de um autor não pode oferecer auxílio algum para


a interpretação adequada da obra. Como já se disse, o ideal seria
escrever uma história da literatura“sem nomes”. Depararemos
ainda várias vezes com estas mesmas teses, tão dignas de
ponderação, posto que em contradição viva com uma boa parte dos
métodos hoje usados. Constituem, evidentemente, uma reacção
contra a tendência do século XIX para considerar as obras de
arte“historicamente”, isto é, tratando--as como documentos, como
expressão de “qualquer coisa de diferente”, destacando-se como
uma das mais importantes a categoria da individualidade do artista
criador. (Kaiser, 1985, p. 29)

Como vimos, para Kaiser a tentativa de explicar a obra considerando a figura do


autor foi corrente no século XIX, mas actualmente isso representa uma prática
bastante questionada, uma vez que a obra de arte, cada vez mais, exige sua
autonomia, inclusive em relação ao autor.

Para Antoine Compagnon (2003: 49), é necessário lembrar “a tese da morte do


autor”. Compagnon considera que a intenção do autor é o critério pedagógico ou
académico tradicional para se estabelecer o sentido de um texto literário. Resgatar
a intenção do autor foi, por muito tempo, o fim principal – ou mesmo exclusivo –
da interpretação de um texto e ainda é comum para muitos estudiosos que se
pergunte diante de um texto literário: “O que o autor quis dizer com isso?”

A intenção do autor é o ponto de partida habitual da explicação literária desde o


século XIX. Para a história literária, esse era o grande sonho: explicar a obra por
meio da descoberta da intenção do autor. Esse ponto foi, com certeza, a maior
polémica entre os teóricos da história literária e os da nova crítica, a partir dos anos
1960.

“A morte do autor” é uma tese apresentada por Roland Barthes em um artigo de


1968, intitulado justamente“La Mort de l’Auteur”(“A morte do autor”). Segun- do
as premissas de Barthes, o
21
autor não era senão o burguês, a encarnação da quintessência da ideologia
capitalista. A história literária estaria organizada ao redor da figura do autor como
se dele dependesse toda a concepção da literatura e suas funções no mundo moral
e social. Barthes e os novos críticos combatem ferozmente essa ideia, a ela
contrapondo a noção da linguagem, impessoal e anónima, como matéria exclusiva
da literatura (Compagnon, 2003, p. 50).

Não podemos reduzir a relação de um texto e seu autor à biografia.


Tradicionalmente, a história literária apresentava a biografia como o caminho
explicativo para a abordagem de uma obra, mas isso foi superado com a ideia de
que ao redor do autor há muitos elementos que precisam ser considerados.

A biografia e a obra

Quando abrimos um romance ou um livro de poesia, muitas vezes o nome do autor


na capa é um dos motivos da escolha daquela leitura. Em alguns casos,
preocupamo-nos em conhecer a vida do autor, às vezes esse é um motivo para a
escolha daquele livro. Durante muito tempo, conhecer a vida do autor foi
determinante para que uma obra fosse “bem interpretada”.

Com essa premissa, muitos estudos de obras literárias se consagraram. Entretanto,


precisamos ter em conta que o simples conhecimento da vida do autor não nos dá
os caminhos de interpretação de uma obra, pois a característica mais marcante da
obra literária é o distanciamento exercitado pelo autor em relação à sua própria
experiência, e esse distanciamento também pode ser entendido como
formalização. Por exemplo, todos nós em algum momento da vida nos
apaixonamos. Isso não significa, porém, que tenhamos sido capazes de compor
poemas e romances de amor apenas por termos experienciado o amor. O que
acontece na elaboração de uma obra artística é, antes de tudo, um processo de
formalização, ou seja, o criador – poeta, romancista etc. – conhece, ao nível teórico
ou empírico, aquilo de que quer falar e então ele cria um modo de falar sobre
aquilo. Veja então que mais importante que falar do amor é o modo pelo qual o
artista falará disso. É nesse sentido que a experiência pessoal e biográfica pouco
dirá sobre a capacidade de elaborar modos inéditos de apresentar os velhos
assuntos da existência humana, como o amor, a morte, o remorso etc.

Mas é claro que o lugar ocupado pelo autor é elemento de muita importância para
a abordagem de uma obra, no sentido mesmo de que é possível determinar um
estilo autoral, presente nas obras de um sujeito criador.

Umberto Eco (1994) diferencia o autor empírico do autor-modelo, entendendo que


aquele é o ser histórico e socialmente constituído, o homem ou a mulher cujo
nome figura na capa da obra em análise; enquanto o autor-modelo é o conjunto
de características próprias das obras produzidas por aquele sujeito. Para a
abordagem da obra literária, interessa conhecer e estudar o autor-modelo, ou seja,
as estratégias criativas que aquele sujeito criador põe em funcionamento quando
escreve.

Pensemos no caso de Machado de Assis, por exemplo. De infância pobre, ele


começou a trabalhar muito cedo, foi autodidacta, conquistou lugar no serviço
público, casou-se e, ao
22
longo de tudo isso, fez-se Busto de Machado de Assis, um dos maiores génios da
literatura brasileira. Entretanto, os dados de sua biografia não nos autorizam a
vinculá-la a sua genial produção. Diante de uma obra como a de Machado de Assis,
devemos nos interessar muito mais em registar e compreender os elementos
grandiosos das suas composições que investigar dados biográficos que nos
revelariam a chave da sua genialidade.

No Capítulo 1 da Formação da Literatura Brasileira, António Cândido aponta os


“elementos de compreensão” para a obra literária nos seguintes termos:

Quando nos colocamos ante uma obra, ou uma sucessão de obras,


temos vários níveis possíveis de compreensão, segundo o ângulo em
que nos situamos. Em primeiro lugar, os factores externos, que a
vinculam ao tempo e se podem resumir na designação de sociais;
em segundo lugar o factor individual, isto é, o autor, o homem que
a intentou e realizou, e está presente no resultado; finalmente, este
resultado, o texto, contendo os elementos anteriores e outros,
específicos, que os transcendem e não se deixam reduzir a eles.
(Cândido, 2000, p. 33)

Vemos que, para Cândido, o autor é um dos elementos fundamentais para a


compreensão do texto, porém há que se considerar outros elementos “específicos”
que transcendem os factores sociais e o próprio autor: os recursos de linguagem,
a visão do mundo, as relações entre a realidade e a criação, entre outros. Para ele,
uma obra é “uma realidade autónoma, cujo valor está na fórmula que obteve para
plasmar elementos não-literários: impressões, paixões, ideias, factos,
acontecimentos, que são a matéria-prima do acto criador” (Cândido, 2000, p. 33).
Assim, ele aponta a forma como o elemento fundamental para a análise literária,
tanto da prosa quanto da poesia.

Assim, para o autor, os dados biográficos presentes no texto não são o caminho
certo para a interpretação, a linguagem é que deve nortear a relação do leitor com
o livro. Nesse sentido é que a biografia deve interessar na medida em que apoia a
interpretação e a abordagem das muitas linguagens presentes no texto literário.

Unidade 2.2. O Estruturalismo/Formalismo

O Estruturalismo ou Formalismo Russo, desenvolveu-se na Rússia entre 1915 e


1917 (no período da Revolução Soviética). No entanto, sua consolidação só
aconteceu nos anos 1920-1930. A premissa cientificista de que a abordagem
literária deveria se pautar pela argumentação e a demonstração deu a esta
corrente de análise teórico-crítica um enfoque bastante específico para suas
análises: a materialidade do texto literário. Assim, para o Formalismo interessa o
texto enquanto objecto físico e o foco da sua atenção é a realidade do texto
enquanto linguagem. Não há ênfase ou destaque para os elementos exteriores ao
texto, como biografia do autor, história, filosofia etc.

Paralelamente ao entusiasmo com as promessas do método científico para os


estudos da linguagem, os jovens estudiosos russos apoiavam-se ideologicamente
nos ideais da Revolução
23
Soviética: o sonho de romper com os limites entre as classes e as estruturas
dominantes do regime czarista alimentou a crença de que as tradições obsoletas
dos estudos literários e linguísticos deveriam ser questionadas.

A contribuição do Estruturalismo para a literatura vem, principalmente, da


linguística e da antropologia. Como vimos, Saussure sistematizou a relação entre
significante e significado ampliando as possibilidades de leitura para a matéria-
prima da literatura, ou seja, a palavra. Se temos como atribuir vários significados
ao significante, estamos no campo da poética: num contexto poético, os
significados possíveis para um significante (a palavra) podem se ampliar bastante.

A antropologia contribui para os estudos literários por meio das pesquisas de


Claude Lévi-Strauss (1908) sobre as estruturas recorrentes nas narrativas de
comunidades primitivas, marcadamente as americanas. A partir dos estudos de
Lévi-Straus, outros teóricos estruturalistas buscaram desenvolver uma gramática
universal da narrativa que demonstrasse como os seres humanos, de modo geral e
em todas as culturas, organizam a sua experiência de vida. Vejamos agora como
esses teóricos propuseram uma estrutura universal para a narrativa humana e
como isso aparece nos estudos literários.

Os principais conceitos do Formalismo Russo

A materialidade do texto literário é um dos principais conceitos do Formalismo


Russo. Segundo Boris Schnaiderman, a Filosofia, a Sociologia, a Psicologia etc., não
poderiam servir de ponto de partida para a abordagem da obra literária. Ela
poderia conter esta ou aquela Filosofia, reflectir esta ou aquela opinião política,
mas, do ponto de vista do estudo literário, o que importava era o priom, ou
processo, isto é, o princípio da organização da obra como produto estético, jamais
um factor externo. (Schnaiderman, 1976, p. 9)

A preocupação dos formalistas se concentrava em investigar que factores textuais


fazem de um texto uma obra literária. Para Roman Jakobson, a poesia é, em sua
função, estética. Deste modo, o objecto de estudo literário não é a literatura, mas
a literariedade, isto é, aquilo que torna determinada obra uma obra literária. Tudo
servia para os historiadores da literatura: os costumes, a Psicologia, a política, a
Filosofia. No lugar de um estudo da literatura, criava-se um conglomerado de
disciplinas mal-acabadas. Parecia-se esquecer que estes elementos pertencem às
ciências correspondentes e que estas últimas podiam, naturalmente, utilizar
também os monumentos literários como documentos defeituosos e de segunda
ordem. Se o estudo da literatura quer tornar-se uma ciência, ele deve reconhecer
o “processo” como seu único “herói”. (Jakobson Apud Schnaiderman, 1976, p. 9-
10) .

Destaca-se nos dois textos citados a ideia de processo ou priom. No Brasil, este
termo foi traduzido muitas vezes como procedimento. E procedimento é um
conceito de suma importância para o Formalismo, recebendo sua definição em
1976, num ensaio intitulado “A Arte como Procedimento”, de Viktor Chklovski.

A arte como procedimento

24
A noção de procedimento orienta a indicação das diferenças entre o texto literário
e o texto não-literário: a linguagem poética, ou literária, seria distinta da linguagem
quotidiana porque nela não há interesse na função referencial e seu objectivo não
é apenas o utilitarismo da comunicação imediata.

A linguagem literária substitui a ideia de uso comunicativo pela de percepção


poética. Para isso, é preciso que o texto potencialize, por meio de procedimentos
específicos, a percepção do leitor.

Chklovski (1976: 45) afirma que para devolver a sensação de vida, para sentir os
objectos, para provar que pedra é pedra, existe o que se chama arte. O objectivo
da arte é dar a sensação do objecto como visão e não como reconhecimento; o
procedimento da arte é o procedimento da singularização dos objectos e o
procedimento que consiste em obscurecer a forma, aumentar a dificuldade e a
duração da percepção; a arte é um meio de experimentar o devir do objecto, o que
já é “passado” não importa para a arte.

Isso equivale dizer que a arte deve actualizar a visão das coisas de modo a inaugurá-
las, como se, ao usar as palavras numa determinada organização, fosse capaz de
torná-las limpas de todo o seu histórico de uso. Diante do texto poético, as coisas
ganham uma novidade que não teriam jamais na linguagem quotidiana, quando
“reconhecemos” as referências imediatamente.

A diferença entre reconhecimento e visão está no facto de que o texto poético, ao


contrário das outras modalidades textuais, deve promover uma percepção
desautomatizada do objecto.

Procedimentos de singularização

Os formalistas falavam em procedimentos de singularização, isto é, procedimentos


textuais capazes de colocar linguagem o objecto para além do foco meramente
referencial da linguagem quotidiana.

Observemos um famoso poema de Luís Vaz de Camões para verificar como se dão

esses procedimentos de singularização do objecto.

O poeta focaliza o amor, cuja referência exterior é bastante comum a todos nós.
Há uma ideia corrente, compartilhada na nossa cultura, do que seja o amor. Para
ler esse poema, entretanto, a referência da cultura não basta, pois o objecto o
amor está apresentado de modo singular, ou melhor, ele é apresentado por meio
de alguns procedimentos de singularização que activam nossa percepção e nos

25
fazem pensar sobre o amor sob uma perspectiva não tão directa como a da
referência cultural.

Para chegar a essas conclusões (que não esgotam a análise do poema) não foi
necessário accionar conhecimentos exteriores ao próprio texto – e esta é a
premissa básica do Formalismo: o texto fornece os elementos para a sua
abordagem.

São ainda noções importantes para o Formalismo Russo as seguintes:

■Estranhamento – efeito provocado pelo texto, uma vez que desautomatiza os


modos de percepção dos objectos.

■Forma – envolve a noção tradicional de forma e também o conteúdo, pois para o


Formalismo o conteúdo também é parte dos procedimentos formais.

■Motivação – relação existente ente os “motivos” accionados ao longo da


narrativa, de modo que haja unidade e coerência no encaminhamento do texto.

■Fábula – descrição dos acontecimentos propriamente ditos.

■Trama – o modo como os acontecimentos são encadeados na narrativa.

As teorias estruturalistas

De modo geral, as teorias estruturalistas centram-se na abordagem da forma e da


estrutura da obra literária. Isso significa dizer que, para os estruturalistas, não basta
compreender e analisar o conteúdo de um conto, romance ou poema: é necessário
analisar a forma e a estrutura dadas a esse texto, com isso compreendendo que
esses elementos são determinantes para os sentidos que o texto poderá alcançar.
Essa abordagem nega a relação directa entre texto e leitor, pois estabelece
elementos objectivos para a percepção do texto, sem os quais a leitura não será
nem eficiente e nem correcta. A abordagem estruturalista já foi bastante criticada
por tirar o foco da leitura do conteúdo, enfatizando os elementos formais: para
muitos, essa abordagem compromete a perspectiva humanista da leitura.

Há algumas ideias bastante arraigadas no leitor. Uma delas é justamente a de que


uma obra literária é o produto da criatividade do autor e expressa o seu íntimo. No
entanto, não podemos esquecer que, por mais livre e inovador que seja, um texto
é resultado de várias decisões do autor também quanto à forma e a estrutura com
que o material criativo é apresentado ao leitor. Vemos, com isso, que os estudos
estruturalistas têm função importante ao centrarem-se na discussão desses
elementos.

Vejamos quais são as principais linhas que, desenvolvidas pelos estudiosos


estruturalistas, influenciaram directamente os estudos literários:

▪ Ferdinand de Saussure

O Estruturalismo começa com o pensamento de Ferdinand de Saussure (1857-


1913) que, no início do
26
século XX, mudou foco da linguística dos estudos filológicos do século XIX, que só
se preocupavam em estabelecer a história das línguas, para a abordagem do
presente da linguagem. Assim, para Saussure, interessa o estudo das línguas no
momento em que elas estão em uso, histórica e espacialmente. Chamamos essa
abordagem de sincrónica, enquanto a abordagem histórica e evolutiva das línguas
é chamada de diacrónica.

Podemos dizer, ainda, que a abordagem sincrónica é histórica e abstracta, por isso
servindo para o estudo de todas as línguas. A pergunta fundamental para entender
o pensamento de Saussure é “Como a langue (‘língua’) funciona?” Essa é a
pergunta que deu origem à linguística moderna, cujo pai é o próprio Ferdinand de
Saussure. Vamos destacar os princípios mais gerais da linguística de Saussure:

■A linguagem é um sistema de significantes;

■Os significantes são arbitrários e concebidos pela dinâmica da língua;

■Os significantes se definem pela diferença entre um e outro – por exemplo, porta
é diferente de torta;

■A ligação entre significante e significado é arbitrária e fundamental para o


funcionamento da língua.

Dito isso, podemos passar para o esquema fundamental engendrado por Ferdinand
de Saussure para explicar a relação entre significante e significado.

SIGNIFICADO

(o conceito básico de casa)

SIGNIFICANTE REFERENTE

/Kaza/ (o objecto real chamado


casa em português)

Saussure explica que a relação entre significado e significante vem da


diferenciação. Assim, nas palavras porta, morta, torta, corta, aorta, apenas o
primeiro fonema é diferente. As palavras, portanto, funcionam num sistema que
usa a diferença para criar seus componentes. Porém, encontramos aqui a
genialidade de Saussure, quando diz que o princípio da diferença não apenas cria
os significantes (palavras), mas também seu sentido. Para Saussure, o significante
(a forma) e o significado (o sentido) não podem ser separados. Se trocarmos porta
por aorta, teremos não apenas outro significante (outra forma, ou palavra) mas
também um significado completamente diferente.

Para retermos de modo mais claro e simples as ideias de Sausurre, podemos dizer
que: significado é o conceito que temos de uma determinada coisa, que pode ser
concreta ou abstracta e significante é a palavra, o nome que designa essa coisa.

27
Unidade 2.3.Pressupostos Teóricos da Análise Estrutural da Narrativa

A Análise Estrutural da Narrativa é uma disciplina que tem origem na obra


Morfologia do Conto Popular Russo, de Vladimir Propp, teórico que desenvolveu
uma abordagem sobre contos folclóricos, que se tornou válida, mais pela
metodologia adoptada, do que pelos resultados obtidos, pois estes só se revelaram
aplicáveis a estudo de um tipo específico de narrativa: os contos populares russos.

Os contos populares russos particularizam-se por serem constituídos por acções


relativamente simples, facilmente identificáveis e estruturadas numa sequência
cronológica linear com poucas personagens, desempenhando estas papéis
igualmente simples.

Propp elaborou um estudo sobre este tipo de contos, tendo concluído que na
diversidade de personagens e enredos, podem ser identificados elementos
constantes, a partir dos quais é possível determinar as principais características
estruturais dos contos populares russos. Como Primeira característica, constatou o
facto de estes contos serem constituídos por um inventário de 31 funções,
estruturadas numa ordem cronológica linear e inevitável. (Propp, 1984, p. 64)

Ao propor uma gramática para a narrativa, Propp estabelece a mesma lógica, pois
cria uma analogia entre a estrutura da oração e a narrativa. A proposta de Vladimir
Propp pode ser encontrada na íntegra no livro Morfologia do Conto Maravilhoso,
publicado em 1928.

Propp estabelece uma sequência de acções capazes de abarcar a sequência dos


eventos de modo a dar conta de qualquer narrativa. Ele chama essa sequência de
funções. Para melhor entender isso, precisamos pensar numa narrativa tradicional
em que o herói encontra uma dificuldade e se empenha em vencê-la para alcançar
um prémio. Para Propp, a lógica da acção nas narrativas pode ser abordada por
meio de um esquema estrutural dividido em funções. São 31 funções a serem
aplicadas na narrativa de modo a revelar o desenvolvimento da acção.

Quadro I

Funções de Propp

1 Ausência
2 Proibição
3 Violação
4 Procura
5 Entrega
6 Engano
7 Cumplicidade
8 Malfeitoria
9 Apelo
10 Decisão do Herói
11 Partida

28
12 Início da Prova
13 Confronto com a Prova
14 Recepção do Adjuvante
15 Deslocação
16 Combate
17 Vitória
18 Marca
19 Reparação da Falta
20 Regresso
21 Perseguição
22 Socorro
23 Chegada Incógnita
24 Impostura
25 Tarefa ordenada
26 Tarefa Cumprida
27 Reconhecimento
28 Transfiguração
29 Descoberta
30 Casamento
31 Punição

O conceito fundamental da teoria propiana centra-se na função que, de acordo


com o próprio Propp constitui a acção de uma personagem definida segundo a sua
significação no desenrolar da intriga. Para ele, as funções é que constituem a
estrutura fundamental de um condo, apresentando-se em número limitado, e
representadas numa sucessão cronológica sempre idêntica.

O universo semântico do discurso só pode ser definido como universo significativo


se possibilitar o surgimento de acções que se encaixem na estrutura actancial
representada pelos seis actantes referidos:

Quadro II

Sujeito Vs Objecto

Destinador Vs Destinatário
Adjuvante Vs Oponente

A categoria actancial “Sujeito Vs Objecto” estrutura-se em função duma relação de


finalidade, que se situa na dimensão do desejo e que se manifesta sob a forma de
procura. O sujeito é quem realiza a acção principal do enredo e o objecto é
directamente visado por essa acção, ou seja, o fim a atingir (o desejo).

Na categoria actancial “destinador vs destinatário”, o destinador é quem orienta o


sujeito para a acção desejada. O destinatário é o elemento que beneficia da acção
empreendida pelo sujeito.

29
Na categoria actancial“adjuvante vs oponente” é formada por duas espécies de
funções destintas: as representadas pelo adjuvante, que agem no sentido do
desejo e constituem as formas de auxilio-o ao sujeito, e as funções do oponente,
que criam obstáculo aosujeito, quer à realização do desejo, quer à comunicação do
objecto. O adjuvante e o oponente surgem, assim, como forcas que actuam a favor
ou contra o sujeito e que podem ser maléficas ou benéficas em relação ao seu
desejo.

O modelo actancial perspectivada por Greimas baseia-se na efectivação do desejo,


que é o objecto de comunicação entre o destinador e o destinatário. A efectivação
do desejo, encontra-se dependente da acção do sujeito, que por sua vez actua em
função do adjuvante e do oponente, tal como como esquema:

Quadro III

Destinador → Objecto → Destinatário

Adjuvante → Sujeito ← Oponente

Quanto ao inventário de funções. Greimas concluiu que as 31 funções de Propp


constituíam um inventário demasiado extenso, factor que tornava sua
estruturação demasiado complicada. Propôs assim a redução do mesmo a
unidades de carácter binário de funções em oposição, formulando o seguinte
inventário:

Quadro IV: Funções de Greimas

1 Ausência
2 Proibição vs Violação
3 Procura vs Entrega
4 Engano vs Cumplicidade
5 Malfeitoria
6 Apelo vs Decisão do Herói
7 Partida
8 Início da Prova vs Confronto com a Prova
9 Recepção do Adjuvante
10 Deslocação Espacial
11 Combate vs Vitória
12 Marca
13 Reparação da Falta
14 Regresso
15 Perseguição vs Socorro
16 Chegada Incógnita
17 Impostura
18 Tarefa Ordenada Tarefa Cumprida

30
19 Reconhecimento
20 Transfiguração vs Descoberta
21 Casamento vs Punição

Após esta reformulação, Greimas verificou que somente um pequeno número de


funções possibilitava o estabelecimento de oposições, factor que tornava este seu
novo inventário de igual modo pouco flexível e objectivo. Neste seu estudo,
Greimas concluiu ainda que existem duas grandes classes de narrativas: narrativas
de ordem aceite e as de ordem recusada. Nas primeiras, a ordem é perfeita, normal
e social. A procura e prova revelam-se como componentes humanos que instauram
uma determinada ordem. Nestes casos, o universo narrativo possui uma dimensão
equilibrada. No segundo caso, a ordem existente revela-se imperfeita, anormal e a
situação intolerável. A narrativa desenvolve-se em prol da restauração do
equilíbrio, por meio de uma sucessão de conflitos e provas com vista à solução de
toda uma situação caótica.

Como se pode verificar, tal como Propp, Greimas propôs um modelo de Análise
Estrutural da Narrativa centro nas funções das personagens. Perspectivou uma
classificação baseada em categorias actanciais, determinadas por três campos
semânticos fundamentais: o da Comunicação, o do Desejo e o da Prova,
representados sintacticamente pelo sujeito, objecto, e predicadores dos verbos.

Os actantes constituem classes de actores que interactuam segundo regras de


substituição, de multiplicação e/ode supressão.

Quadro VI: Percurso das Personagens em Ualalapi (Listagem de Acordo com as


Funções de Propp)

Este quadro trata do levantamento estatístico do percurso de funções de cada uma


das personagens inscritas na obra Ualalapi, de Ungulani Ba Ka Khosa. Como se
pode ver, em todas as personagens, encontram se assinaladas com sinal positivo
as funções violação e punição, podendo se, por este facto, concluir que todas as
personagens cometeram uma violação que as levou a sofrer uma determinada
punição.

Funções Ualala Mpu Dom Damboi Ngungunh Man Maguigua


pi ta ia a ana ua na
Violação + + + + + + +

4ª Procura + _ _ _ _ + _
5ª Entrega _ + _ _ _ _ _
6ª Engano _ _ _ _ _ _ +
7ª Cumplicida + + _ + + _ _
de
8ª Malfeitoria _ _ _ + + _ +
9ª Apelo _ + _ + + _ +
10 Decisão do _ _ + _ + + +
ª Herói

31
11 Parida + _ _ _ _ _ +
ª
13 Confronto + + _ _ _ _ _
ª c/prova
14 Recepção + + _ _ _ _ _
ª do
Adjuvante
15 Deslocação + + + + _ _ _
ª
18 Marca + _ _ + + + +
ª
19 Reparação _ _ _ + _ _ _
ª da Falta
20 Regresso + _ _ + _ + _
ª
22 Socorro _ _ _ + _ + _
ª
23 Chegada _ _ + _ _ + _
ª
24 Impostura _ _ + _ _ _ +
ª
25 Tarefa + + _ + _ _ _
ª Ordenada
26 Tarefa + + _ + _ _ _
ª Cumprida
28 Transfigura _ _ + _ _ _ +
ª ção
29 Descoberta _ _ _ _ _ _ +
ª
31 Punição + + + + + + +
ª

Interpretando este quadro, podemos chegar a algumas conclusões assentes nas


abordagens teóricas e estudos sobre Ualalapi: A ficção de Ungulani retrata um
contexto de instabilidade generalizada numa marcha inexorável para a destruição.
Em Ualalapi, verifica-se a ocorrência de uma série de fenómenos estranhos que
afectam as personagens. A explicação de tais ocorrências é feita, ora pelo narrador,
ora com base nos processos técnicos, como analepses, referências subtis e relatos
de personagens tidas como testemunhas de factos narrados. Nestes
acontecimentos é que encontram as questões simbólicas que estão por detrás do
desequilíbrio cosmológico, sempre associado a anteriores violações s pelas
personagens de normas socioculturais da comunidade.

Em Ualalapi, a relação entre os vários componentes socioculturaisestabelece-se


por umdeterminismo horizontal, estando este, por sua vez, sob acção de um
determinismo vertical. O determinismo horizontal estabelece uma relação de
previsão entre os acontecimentos da narrativa, pois cada acto tem efeitos
previstos, que se
32
manifestam por meio de outros actos ou acontecimentos. Por sua vez, o
comportamento das personagens está sujeito a uma acção providencial que regula
e estrutura as sequências, de maneira a que os transgressores das restrições ou
obrigações sejam punidos, denomina-se este fenómeno de determinismo vertical.

Unidade 2.4. Paradigma sociológico

Sociologia da literatura ou crítica sociológica é a corrente crítica que busca


compreender a produção literária como partícipe de um contexto maior, ou seja,
o fenómeno literário é visto como reflexo e como influência da sociedade em cujo
seio é produzido. Nessa medida, seria correcto afirmar que a sociologia da
literatura se preocupa fortemente com a configuração dos contextos sociais,
económicos e políticos como determinantes das motivações e modos de realização
literária.

No Brasil, o grande expoente dessa corrente é o crítico António Cândido, autor do


famoso livro Formação da Literatura Brasileira. Nesta obra, ele busca interpretar o
Brasil como nação e como sociedade por meio da literatura que se produziu nos
vários momentos da história nacional. Para Cândido, a ideia de nação compreende
a organização social e política de um país, de modo que haja unidade no
encaminhamento das acções dos governantes para atender aos anseios do povo.
Da mesma forma, a noção de sociedade é compreendida como o grupo que
congrega os habitantes de uma nação. Nessa perspectiva, a sociedade, junto com
os dirigentes da nação, tem obrigações e direitos no contexto da organização de
um país. Como vemos, essa corrente é contextualista, pois o contexto determina
os caminhos de abordagem para o texto.

A relação entre literatura e sociedade

Desde Aristóteles (384-322 a.C.), a relação da literatura com a sociedade é pensada


em termos de mimesis, ou imitação. Ao imitar a realidade, a literatura problematiza
essa realidade, tornando possível a reflexão e o comprometimento em relação ao
que se observa nos modos de poesia, narração ou teatro.

É o que podemos apontar, por exemplo, no romance O Crime do Padre Amaro, de


Eça de Queirós. Publicado em 1875, em Portugal. O romance espelha a situação
cómoda e corrupta dos padres naquela sociedade. A saga de Amaro vai desde a
infância, passa pelo seminário e relata o seu crime contra o celibato na cidade de
Leiria, onde ele desonra e engravida a jovem Amélia, que dá a luz e tem o filho, que
é levado à morte pelo próprio Amaro. A crítica à situação dos padres na sociedade
portuguesa é reveladora das intenções do texto: é preciso que os leitores se
consciencializem e mudem essa situação.

Algumas obras se prestam mais facilmente à abordagem da sociologia da literatura,


mas essa corrente leva em conta que qualquer obra literária pode ser abordada
pelo viés de comprometimento com o contexto social em que é produzida. É
preciso cuidado, entretanto, para não confundir crítica sociológica com crítica
biográfica: esta última preocupa-se com os eventos da vida do autor como
indivíduo, enquanto a primeira centra a atenção no significado colectivo que a obra
alcança ao representar e
33
reflectir sobre uma determinada época, em termos de colectividade. Vejamos um
exemplo dado por Marisa Corrêa Silva:

Uma crítica biográfica saberia que Graciliano Ramos foi preso


durante o Estado Novo de Vargas: essa crítica daria importância
total ao facto de que a obra Memórias do Cárcere seja o depoimento
pessoal de Ramos sobre esse período terrível. Conclusão: como
Graciliano Ramos é um grande escritor e escrevia sobre o que tinha
vivido, o romance só poderia ser muito bom. A crítica sociológica,
de posse dos mesmos dados, leria Memórias do Cárcere não como
um acontecimento na vida de um único homem, mas como o relato
simbólico de como muitos homens e mulheres sofreram durante o
Estado Novo. Mesmo quem não foi preso ou perseguido sentia que
a liberdade individual diminuíra; era como se todo o país estivesse
sofrendo, em maior ou menor grau, uma prisão. Não é tão
importante saber que o romance seja autobiográfico, mas sim,
verificar através da leitura, que esse romance faz uma ponte
estética entre realidade social, colectiva e representação artística.
(Silva, 2005, p. 142)

Note-se que, conforme a autora, o livro Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos,


é um romance. No entanto, a maioria da crítica especializada o considera um livro
de memórias.

O que é indubitável é o facto de ser possível dizer que a abordagem da Sociologia


da Literatura busca reconhecer as relações complexas existentes entre os
elementos textuais e seu contexto mais amplo, seu contexto de origem, como
determinação da realidade sobre a produção artística. Cabe aqui a máxima de que
“nenhum texto é uma ilha”, pois guardará sempre profundas relações com o tempo
e o espaço em que foi produzido e, também, guardará relações com os textos que
lhe são anteriores ou contemporâneos.

Os problemas da abordagem sociológica

Para qualquer abordagem sociológica da literatura, é importante compreender que


a sociedade tanto influencia como é influenciada pela literatura. Essa mútua
influência pode aparecer de modo mais directo e explícito (como na referência aos
costumes de uma época, às regras sociais, aos elementos mais visíveis da
configuração de uma sociedade) e também na estrutura mais profunda de uma
obra, revelando as mentalidades correntes em determinado tempo e espaço.

É preciso ter cuidado, entretanto, para não compreender a obra literária como
apenas um decalque da sociedade, pois isso empobreceria muito a percepção da
literatura. A arte literária se espelha na realidade pra revelar camadas mais
profundas do mundo, e algumas vezes camadas ocultas. Podemos pensar em obras
cuja referência social é mais directa e simplificada, mas, mesmo assim, estamos
diante de um universo criado paralelamente ao que existe e, só por isso, já é um
fenómeno artístico que nos coloca reflexivamente diante da realidade de modo
muito diferente do que acontece quando estamos vivendo a experiência do real.

34
O maior problema da abordagem sociológica é a tendência de algumas abordagens
críticas em centrar o foco da análise no contexto social e político da produção de
um texto. Nesses casos, as especificidades do texto acabam sendo
desconsideradas, o que prejudica justamente a abordagem da relação existente
entre a sociedade em que o texto foi produzido e o próprio texto.º

Um crítico “viciado” em uma abordagem meramente sociológica ficaria preso ao


contexto histórico, social e político dos fins do século XIX ao analisar um romance
como Dom Casmurro, por exemplo, e perderia toda a complexidade psicológica
presente no texto. Assim, seria incapaz de ver como a mentalidade do protagonista
do romance espelha certos comportamentos daquela sociedade.

AUTO-AVALIAÇÃO

Questões de Reflexão

1.O que a crítica sociológica ou sociologia da literatura procura investigar?

2.Qual é o principal nome da crítica sociológica no Brasil?

3.Onde reside principalmente a diferença entre texto épico e texto romanesco?

4. Explique por que a história literária é mais densa e completa do que a história da
literatura.

5. Qual é a importância do estudo do autor e de sua biografia para os estudos


literários?

Questões de Verdadeiro e Falso

6. A categoria actancial “adjuvante vs oponente” é formada por duas espécies de


funções destintas: as representadas pelo adjuvante, que agem no sentido do
desejo e constituem as formas de auxilio-o ao sujeito, e as funções do oponente,
que criam obstáculo ao sujeito.

7. A categoria actancial “adjuvante vs oponente” é formada por duas espécies de


funções destintas: as representadas pelo adjuvante, que agem no sentido do
desejo e constituem as formas de auxilio-o ao sujeito, e as funções do oponente,
que criam obstáculo ao sujeito.

8. Na categoria actancial “adjuvante vs oponente” o adjuvante e o oponente


surgem como forças que actuam a favor ou contra o sujeito e que podem ser
maléficas ou benéficas em relação ao seu desejo.

9. Na categoria actancial “adjuvante vs oponente o adjuvante e o oponente não


surgem como forças que actuam a favor ou contra o sujeito e que podem ser
maléficas ou benéficas em relação ao seu desejo.

35
Questões de Escolha Múltipla

10. A história literária prevê:

a) um trabalho de análise e avaliação das produções literárias no tempo e no


espaço, enquanto a história da literatura é um quadro estático em que não há
preocupação com a análise e com a avaliação.

b) um trabalho de não análise e avaliação das produções literárias no tempo e no


espaço, enquanto a história da literatura é um quadro estático em que não há
preocupação com a análise e com a avaliação.

c) um trabalho de análise e avaliação das produções não literárias no tempo e no


espaço, enquanto a história da literatura é um quadro estático em que não há
preocupação com a análise e com a avaliação.

d)Todas as alternativas estão correctas.

Respostas:

6. Falso

7. Verdadeiro

8. Verdadeiro

9. Falso

10. A

Unidade 2.5. Paradigma psicanalítico

A psicanálise na literatura é uma proposta de abordagem da produção literária que


leva em conta referências de interpretação vindas da psicanálise. Para
compreendermos o universo da psicanálise, é importante sabermos que ela não é
uma prática literária: a psicanálise é uma metodologia clínica e terapêutica. Trata-
se de um ramo da Psicologia e da Medicina. Seus principais conceitos e práticas
foram propostos por Sigmund Freud (1856-1939).

Assim, o uso da psicanálise para a interpretação da literatura deve ser


compreendido como a utilização de referências do universo da Psicologia e da
Medicina para a leitura de textos.

Como proposta clínica, a psicanálise guarda uma complexa relação com os


processos de leitura e interpretação, bem como com os processos de escrita e com
os pressupostos sobre o porquê de as pessoas escreverem e como os textos
afectam os leitores.

A psicanálise representou um avanço significativo para as pesquisas da mente


humana tanto nos campos da Psicologia como da Filosofia. Além de configurar-se
como uma teoria

36
psicológica, com vistas ao tratamento clínico, a psicanálise também definiu uma
série de conceitos que formam um arcabouço filosófico.

O pensamento de Sigmund Freud, proposto nas primeiras décadas do século XX,


plantou sementes que vários autores subsequentes desenvolveram, criticaram e
popularizaram. O pensamento de Freud está principalmente em três obras:
Interpretação dos Sonhos (1900), sua obra mais famosa; Psicopatologia da Vida
Quotidiana (1901), em que são desenvolvidos os conceitos mais famosos da teoria
da psicanálise; e Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (1905), com a discussão
sobre a motivação sexual, de 1905.

Veremos a seguir algumas noções conceituais que formam a referência da


psicanálise de modo a orientar possíveis associações com a interpretação do texto
literário.

Inconsciente

A descoberta do inconsciente é, com certeza, a maior contribuição da psicanálise


para o pensamento do século XX. Consiste também na matriz conceitual de Freud.
É a partir da compreensão do inconsciente que ele elabora todos os conceitos
subsequentes. Freud estabelece que a mente humana acolhe um conteúdo não
disponível à consciência. Este conteúdo seria acumulado ao longo da existência
como resultado das experiências vividas. Nessa perspectiva, a mente passa a ser
considerada como um enigma a ser interpretado, pois os dados para a
compreensão do comportamento e da acção humana não estaria disponível de
modo directo à consciência e à razão.

Nas palavras de Adalberto de Oliveira Souza (2005), Freud divide a representação


espacial do psiquismo em três sistemas: o inconsciente, o pré-consciente e o
consciente, colocando uma outra lógica nos processos conscientes.Essa outra
lógica está na análise sistemática do sonho, que é, para ele, o caminho que leva
ao inconsciente, comparando o conteúdo manifesto do sonho ou seja, a narrativa
que dele se faz, ao conteúdo latente, que é aquele obtido através de associações.
Freud também apresenta os mecanismos que mostram como interpretar sonhos,
tais como a condensação, o deslocamento, a figurabiliade e a elaboração
secundária”. (Souza, 2005, p. 207)

Ainda segundo Souza (2005: 207), a condensação é feita quando um elemento


único, no sonho, representa várias correntes associativas ligadas ao conteúdo
latente. Esse elemento pode ser uma pessoa, uma imagem, uma palavra. É preciso
decifrar, nesse caso, o ponto comum desconhecido que dá sentido a essa
condensação. O deslocamento é realizado quando uma representação
aparentemente sem importância no todo de um sonho ganha muita importância
para aquele que sonha. Nesse caso é preciso investigar porque algo sem
importância ganha destaque a ponto de incomodar: nesses casos, algo
aparentemente insignificante pode estar no lugar de algo importante. A
figurabilidade ocorre quando pensamentos inconscientes tomam formas concretas
no sonho e a elaboração secundária ocorre quando o próprio paciente faz a
narrativa e a explicação daquilo que sonhou.

37
Assim, vemos que na análise literária, a noção de inconsciente nos leva a considerar
o texto em duas perspectivas: a de que o texto esconde o verdadeiro conteúdo do
inconsciente, e por isso precisa ser desvendado por meio das associações
ensinadas pela psicanálise e a de que o texto é o conteúdo manifesto do
inconsciente.

Portanto, pode-se dizer que a psicanálise, como prática clínica, é prioritariamente


interpretativa, pois analisa o paciente num conjunto de circunstâncias para
interpretar da melhor forma possível as causas do seu sofrimento.

Para fazer uma abordagem psicanalítica de um texto, o estudioso deve sempre


avisar quais são suas escolhas, seus pontos de vista e seus métodos segundo o
texto analisado. É sempre preciso lembrar que nesse caso estão sendo tomados
conceitos clínicos de uma prática médica para a interpretação de textos literários
que tem, cada um, a sua especificidade.

Assim, vimos que a proposta de abordagem da psicanálise na literatura tem


possibilidades e limitações. Sempre é preciso lembrar que o texto literário não é
um “caso clínico” e, portanto, é preciso que a linguagem e os modos de expressão
literária sejam considerados em paralelo ao uso dos conceitos da psicanálise. O
objectivo de accionar esses conceitos deve ser sempre o de aprofundar a
interpretação e nunca aprisionar os sentidos que um texto possa ter.

Para construir uma teoria, não basta que exista um referente (o facto literário) ou
um vocabulário definido, porque o objecto dessa teoria não é apenas o fenómeno
literário, mas sua estrutura conceitual. Em termos mais simples, é a abordagem
escolhida que cria seu próprio objecto, tornando certas noções e dados relevantes
(por exemplo, relações literatura/ comunidade no paradigma sociológico), o que
permite a existência de múltiplos paradigmas e múltiplas teorias, porque sempre é
possível abordar novas tácticas de estudo.

Unidade 2.6.A Estética da Recepção

O texto base para a estética da recepção foi escrito por Hans Robert Jauss (1978-
1994), se chama A História da literatura como provocação à teoria literária e é
resultado de uma conferência proferida pelo autor em 1967, na Alemanha. Jauss
critica a história recente da literatura ao questionar o alcance da teoria literária
marxista (que aborda o sentido da literatura como retrato da realidade social) e da
escola formalista (que compreendia a literatura como uma sucessão de sistemas
estético-formais sem relação com o processo geral da história). Para fazer frente à
abordagem marxista e à abordagem formalista, Jauss centra o foco de estudo da
história literária no reconhecimento do verdadeiro papel do leitor. A proposta de
Jauss é que a história da literatura leve em conta as instâncias de recepção do
texto. Interessa, assim, perceber que uma obra é lida porque é compreendida,
tendo, portanto, sentido para uma época, para um grupo social e, em certa medida,
a própria obra ajuda o público leitor a compreender a sua história e o seu próprio
lugar no tempo e no espaço.

Para Jauss, o público actua sobre a obra quando reconhece os valores dessa obra
e a elege como
38
representante de um tempo ou de uma época. A obra não subsiste por ela mesma
na história, e sim, porque houve um investimento do público sobre essa obra, de
modo que é importante estudar que investimentos determinado público fez em
uma obra, para reconhecer e interpretar os sentidos dessa obra na sua recepção.
Para a estética da recepção, o texto é um objecto histórico, investido de sentido
histórico pelo público que o acolheu.

Como sabemos, os elementos envolvidos no fenómeno literário são: o autor; o


texto e o leitor. Esquematizando, podemos dizer que, sociologicamente, a arte
pode ser definida como um sistema simbólico de comunicação inter-humana e,
portanto, pressupõe a existência de:

a) Quem comunica: o artista que, mais que simplesmente transmitir conceitos e


noções, vai exprimir as realidades nele profundamente radicadas.

b) Um comunicado: a obra que representa simbolicamente o mundo, a realidade.

c)Um comunicando: o público a quem a obra se dirige.

d) O efeito: a acção da obra sobre a sociedade, efeito que se volta novamente para
o artista.

Por duas vezes, anteriormente, usamos o adjectivo simbólico. O que ele quer dizer?
Que a arte trabalha com signos polivalentes: mais que transmitir noções, conceitos,
mais que simplesmente reproduzir o real, eles produzem um outro real, criam
novos significados inesperados, estranhos, pessoais. É por isso que cada pessoa
(dependendo do seu grau de informação estética, bagagem cultural e
sensibilidade) vai sentir/“ler” de um modo único, singular, um poema de Manuel
Bandeira, uma tela de Portinari, uma sonata de Beethoven, um jardim de Burle
Marx, uma escultura de Rodin, uma apresentação do balé de Maurice Béjart, um
filme de Fellini).

A significação da obra repousa na relação dialógica que se estabelece em cada


época entre essa obra e o público. O cuidado aqui é entender a estética da
recepção como um estudo dos efeitos de recepção da obra no tempo e não como
uma emancipação absoluta do leitor, o que representaria um equívoco de
compreensão. A estética da recepção não libera o estudioso para considerar o
leitor como instância máxima de significação para a obra, mas obriga o estudioso a
reconhecer os sentidos atribuídos à obra ao longo do tempo e as determinações
para essas atribuições de sentido.

As tendências teóricas centram-se, cada uma ao seu tempo, em um desses


elementos. A estética da recepção procura concentrar no estudo do leitor
problemas bastante recorrentes dos estudos literários. A proposta de trazer a
abordagem histórica para uma reflexão mais abrangente, cujo foco não é mais o
contexto factual, e sim, as possibilidades de interpretação do texto literário como
algo capaz de afectar o meio social e psicológico de uma época, é uma das
conquistas da estética da recepção. Trata-se de considerar o leitor ou o público, de
maneira mais ampla, como o vector dos sentidos históricos e sociais que
determinada obra literária pode alcançar em seu meio de circulação.

39
E é bom ressaltar que a expressão estética da recepção cobre várias tendências
teóricas que, de um modo ou de outro, elegeram a figura do leitor e os processos
de leitura como prioridade de estudo. Zappone (2005: 155-156) sistematiza as
tendências de estudo do leitor conforme abaixo.

■Hans Robert Jauss (1978-1994) aparece como um dos autores mais exponenciais
e significativos entre os que colocam o leitor e a leitura como elementos
privilegiados nos estudos literários. As ideias de Jauss são particularmente
conhecidas sob a rubrica de estética da recepção. Além de pensar o carácter
artístico de um texto em razão do efeito que esse texto gera em seus leitores, ele
também propõe uma nova abordagem da história literária, pautada também no
aspecto recepcional. Sua proposta de história literária articula tanto a recepção
actual de um texto (aspecto sincrónico) quanto a sua recepção ao longo da história
(aspecto diacrónico), e ainda a relação da literatura com o processo de construção
da experiência de vida do leitor. Jauss reivindica que se tome como princípio
historiográfico da literatura o modo como as obras foram lidas e avaliadas por seus
diferentes públicos na história.

■Outra vertente da teoria recepcional é o Reader-Response Criticism (que poderia


ser traduzido como crítica da resposta do leitor), que se desenvolveu mais nos
domínios norte-americanos. Seus representantes mais difundidos no nosso meio
são Stanley Fish e Jonathan Culler, além de Wolfgang Iser, seu representante
alemão. O que esses teóricos têm em comum parece ser o facto de pensarem mais
especificamente nos efeitos que os textos desencadeiam no leitor. Contrapondo-
se radicalmente à ideia de que o texto é uma estrutura da qual emana um sentido,
esses autores consideram que o texto só ganha existência no momento da leitura
e os resultados ou efeitos dessa leitura são fundamentais para que se pense seu
sentido.

■Também caracterizada como uma teoria recepcional, a sociologia da leitura tem


um sotaque eminentemente gaulês (francês), como o provam a maioria de seus
representantes, capitaneados por Robert Escarpit, um dos autores pioneiros, a que
se seguiram Roger Chartier e Pierre Bourdieu. O livro intitulºado justamente
Sociologia da Literatura (1958), de Robert Escarpit, já traz as indicações principais
da direcção que seguem esses estudos de recepção. Em todos esses autores, o
estudo da literatura é feito pela via dos elementos que dão base e sustentação para
que ela exista: o público (os leitores), o próprio livro e a leitura. Escarpit entende a
literatura não a partir de seus elementos textuais, mas como um tipo de leitura que
é feita de modo gratuito e permite a evasão, o que exclui das suas pesquisas o
aspecto estético. Ele se interessa também por todos os circuitos que envolvem o
livro (sua produção na esfera do autor e do editor, sua distribuição e circulação).
Chartier, por sua vez, volta-se mais especificamente à história do livro e da leitura,
privilegiando as apropriações dos textos feitas pelos leitores e a história da leitura,
bem como a materialidade dos textos enquanto aspecto que exerce influência
directa sobre a leitura que se pode fazer – ou as leituras que se podem fazer –
desses textos. Por materialidade dos textos podemos entender o facto de que o
texto traz marcas de leitura que levarão o leitor a uma determinada compreensão.
Por exemplo, quando um texto começa com a expressão “Era uma vez...”, o leitor
saberá que se trata de um texto fantasioso, não realista, e lerá esse texto tendo em
mente essa informação.
40
O ponto convergente entre a fenomenologia e a estética da recepção está
justamente em se conceber o ser humano como uma centralidade, quer dizer, o
ponto de vista do sujeito está atrelado aos seus modos de ver o mundo, às suas
concepções e crenças, aos seus julgamentos, enfim, só se pode interpretar o
mundo a partir do lugar em que estamos observando o que nos cerca. É nessa
medida que, com a estética da recepção, o leitor ganha autonomia e autoridade ao
mesmo tempo, uma vez que suas condições de leitura serão levadas em conta
quando sua interpretação de uma obra literária for considerada. O leitor torna-se,
junto com a obra, também objecto de estudo e observação da teoria literária.

Sumário

Saussure e seus seguidores em Linguística, Crítica Literária ajudaram a estabelecer


uma hierarquia de conceitos bastante aceita: a linguagem é um sistema, um
axioma que, trazido para o campo literário, é reformulado com algumas variações
por estruturalistas franceses, como Barthes ou Todorov, ou por semiologistas
como Lotman, Segre ou Mignolo. Podemos afirmar, no entanto que a obra literária
constitui um sistema. Uma vez definidos os paradigmas científicos do estudo da
literatura, uma operação semelhante deve ser feita com relação à outra ciência
envolvida, a Didáctica. Se no campo filológico vemos diversidade de tendências,
não surpreende que diversos paradigmas coexistam na Didáctica, podendo ser
reduzidos a dois tipos essenciais: O modelo clássico-tradicional e Modelos
sistémico-tecnológicos.

AUTO-AVALIAÇÃO

Questões de Reflexão

1.Indique qual é a base de interpretação para o texto literário adoptada pela


corrente crítica conhecida como teoria marxista.

2.Indique qual é a base de interpretação para o texto literário adoptada pela


corrente crítica formalista.

3.Indique qual é a base de interpretação para o texto literário adoptada pela


estética da recepção.

4. “A obra não subsiste por ela mesma na história”. Comente.

5. Fale dos elementos envolvidos no fenómeno literário: o autor; o texto e o leitor.

Questões de Verdadeiro e Falso

6. Claro que sim, porque houve um investimento do público sobre essa obra, de
modo que é importante estudar que investimentos determinados públicos fez em
uma obra, para reconhecer e interpretar os sentidos dessa obra na sua recepção.
Para a estética da recepção, o texto é um objecto histórico, investido de sentido
histórico pelo público que o acolheu.

41
7. Esquematizando, podemos dizer que, sociologicamente, a arte pode ser definida
como um sistema simbólico de comunicação inter-humana e, portanto, pressupõe
a existência de: a) Quem comunica: o artista que, mais que simplesmente
transmitir conceitos e noções, vai exprimir as realidades nele profundamente
radicadas. b) Um comunicado: a obra que representa simbolicamente o mundo, a
realidade. c)Um comunicando: o público a quem a obra se dirige e d) O efeito: a
acção da obra sobre a sociedade, efeito que se volta novamente para o artista.

Questões de Escolha Múltipla

8. Jauss critica a história recente da literatura ao questionar:

a) o alcance da teoria literária marxista (que aborda o sentido da literatura como


retrato da realidade social) e da escola formalista (que compreendia a literatura
como uma sucessão de sistemas estético-formais sem relação com o processo geral
da história).

b) o alcance da teoria literária marxista (que aborda o sentido da literatura como


retrato da realidade social) e da escola formalista (que compreendia a literatura
como uma sucessão de sistemas estético-informais sem relação com o processo
geral da história).

c) o alcance da teoria literária marxista (que aborda o sentido da literatura como


retrato da realidade social) e da escola informalista (que compreendia a literatura
como uma sucessão de sistemas estético-formais sem relação com o processo geral
da história).

d) Todas as alternativas estão correctas.

9. Para Jauss, o público:

a) não actua sobre a obra quando reconhece os valores dessa obra e a elege como
representante de um tempo ou de uma época.

b) actua sobre a obra quando reconhece os valores dessa obra e a elege como
representante de um tempo ou de uma época.

c) actua sobre a obra quando não reconhece os valores dessa obra e a elege como
representante de um tempo ou de uma época.

d) Todas as alternativas estão correctas.

10. Foi escrito por Hans Robert Jauss (1978-1994), e se chama:

a) A História da literatura.

b) Teoria da Literatura

c) Introdução a literatura

42
d) Análise Literária.

Respostas:

6. Verdadeiro

7. Verdadeiro

8. A

9. B

10. A

TEMAIII: PESQUISA APLICADA, ESTRATÉGIAS DE DESIGN DE PESQUISA-ACÇÃO

Introdução

Pretendemos nesta unidade fazer a inventariação dos diferentes métodos activos


que tornam a literatura uma actividade prazerosa.

Ao completar esta unidade, você deverá ser capaz de:

Objectivos Específicos

▪ Conhecer os métodos activos e aplicá-los nas aulas de Literatura.


▪ Elaborar oficinas literárias de forma criativa.
▪ Objectivos
▪ Conhecer o estatuto da literatura infanto-juvenil no quadro geral
Literatura;
▪ Identificar as estratégias que promovem o gosto pela leitura da idade
infantil;
▪ Descrever as características duma obra infanto-juvenil.

Unidade 3.1. Áreas de Pesquisa da Didáctica da Literatura

Antes de abordar os tipos e estratégias de pesquisa aplicada da Didáctica da


Literatura, é conveniente fazer uma lista dos tópicos e subtópicos que seriam o
objecto da pesquisa. Obviamente, não se trata de fazer uma enumeração aleatória
de possíveis tópicos, mas de tentar definir a hierarquia de conceitos que definiriam
o escopo disciplinar da DL.

43
Um importante instrumento de classificação de documentos, mas também uma
hierarquia de conceitos com menção explícita das categorias e inter-relações
existentes na disciplina constitui tarefa básica para delinear o que comummente
se chama de matriz disciplinar.

O estabelecimento de um índice de conceitos dentro da Didáctica da Literatura não


seria uma tarefa completamente nova, pois existem, por um lado, dicionários de
conceitos filológicos e, por outro, conceitos pedagógicos. O problema de um
arranjo hierárquico é de natureza metodológica, uma vez que é difícil alcançar
unanimidade nos conceitos nucleares que permitiriam organizar a DL.

O problema fundamental seria criar um índice coordenado de conceitos de


natação, capazes de extrair os conceitos fundamentais e de reagrupá-los
adequadamente. Para isso, não podemos esquecer a dimensão própria da
Didáctica da Literatura, pois seus conceitos são "construções" ou "complexos"
construídos a partir de dois campos, o psicopedagógico e o filológico.

Assim, a didáctica do comentário do texto deveria ser abordada sob diferentes


aspectos, tais como:

a) Teoria e análise do texto

b) Hermenêutica da linguagem

c) Instrução de literatura

O plano de classificação também inclui três secções:

A) Seção Geral: didáctica relacionada com as questões gerais que caracterizariam


a Didáctica da Literatura.

B) Seção Particularizada: tópicos específicos da DL.

C) Seção Singularizada: tópicos muito específicos ou localizados.

Tendo feito essas qualificações, vamos expor o esquema de classificação dos


conceitos que sustentariam a Didáctica da Literatura e, consequentemente, as
áreas temáticas de pesquisa que delimitaríamos nela.

A) Seção Geral

1 - Paradigmas didácticos

2- Paradigmas literários

3- Sinal literário e sinal não literário

4- Psicologia da aprendizagem da literatura

5- Habilidades verbais e discursivas e aprendizado de literatura

6- Ensino da literatura na língua materna

7- Ensino da Literatura em Língua Estrangeira

44
8- Implicações didácticas da produção, recepção e processamento de textos

B) Seção Particularizada

1 - Ensino de conceitos literários

2- Ensino da História da Literatura

3- Ensino das modalidades sócio-literárias

4- Modelos curriculares de literatura

5- Técnicas de instrução de literatura

6- Métodos de avaliação da literatura

7- Literatura infantil e juvenil

8- Compreendendo e comentando textos

9- Didáctica da narração

10- Didáctica da poesia

11- Didáctica do teatro e dramatização

12- Aplicações didácticas dos métodos de estudo da obra literária

13- Ensino de géneros didácticos

14- Os meios de comunicação de massa e o ensino da literatura

15- O ensino de estilo e composição literária

16- Técnicas de trabalho intelectual e aprendizagem de literatura

C) Seção Singularizada

1- Revistas de escolas literárias

2- Actividades extracurriculares do ensino literário

3- Programas oficiais de leitura

4- Leitura de técnicas de animação

5- Coordenação entre níveis de ensino da literatura

6- Biblioteca escolar

7- Ensino a distância da literatura

8- Programas audiovisuais para o ensino de literatura

9- Ensino individualizado da literatura

10- Literatura fantástica no currículo literário

45
11- Métodos de trabalho de campo na colecta do folclore literário

12- Hábitos de leitura da população escolar

13- Livros didácticos e material documental no ensino da literatura

14- Globalidade e interdisciplinaridade no ensino da literatura

15- Orientação para estudos filológicos

16- Recursos gráficos no ensino da literatura

17- Currículo focado na experiência do aluno

18- Literatura Regional

19- Teatro escolar em diferentes níveis

20- Mitologia e simbologia aplicada à explicação de textos

21- Os mais vendidos

22- Avaliação através do sistema de crédito.

Unidade 3.2. Literatura Infanto-Juvenil e Iniciação à Leitura

Nesta unidade pretendemos reflectir sobre a função primeira que a literatura


Infanto-Juvenil exerce para o aprimoramento da leitura. Como se diz “a criança é o
pai do homem”. Um bom futuro leitor surge na idade infantil. A criança é um
individuo em processo de formação, cuja principal característica é a capacidade de
participação activa no seu próprio desenvolvimento.

A literatura infantil, utilizada de forma adequada, constitui um instrumento de


grande importância na construção do conhecimento da criança, fazendo com que
ela desperte para o mundo da leitura não só como um acto de aprendizagem
significativa, mas como uma actividade prazerosa.

Pode-se compreender a enorme importância da literatura infantil, seja oral, seja


escrita, na formação da criança, enquanto indivíduo dotado de personalidade
própria e como membro de uma comunidade (família, sociedade, nação,
humanidade) e o desenvolvimento do sentido de cidadania de que hoje tanto se
fala. É claro que para poder satisfazer esses requisitos, a literatura infantil terá que
estar adaptada ao meio social e cultural da criança e dos adultos com quem
interage no seu processo educativo, além de respeitar as fases de desenvolvimento
de cada criança.

Literatura Infanto-juvenil integra um amplo e diversificado corpus que compreende


textos que possuem como destinatário expresso: criança ou jovem.

Para Garcia (2000: 235), a Literatura Infanto-juvenil constitui um excelente meio


para dar a conhecer a criança, pessoas e culturas diferentes da nossa atitude que
deve ser transmitida no sistema do ensino.

46
A Literatura Infanto-juvenil é um ramo da literatura dedicada especialmente às
crianças e jovens adolescentes. Nisto se incluem histórias fictícias infantis e juvenis,
biografias, novelas, poemas, obras folclóricas ou culturais ou simplesmente obras
contendo ou explicando factos da vida real (exemplo; artes, ciências, matemática,
etc).

Naturalmente, o conteúdo dentro de uma obra infanto-juvenil depende da idade


do leitor. Enquanto obras literárias destinadas as crianças de dois a quatro anos de
idade são quase sempre constituídas de poucas palavras e são muito coloridas e
possuem muitas imagens e fotos e obras destinadas ao jovem adolescente muitas
vezes contêm apenas texto.

Ademais, o conteúdo de uma obra infantil deve ser de fácil entendimento pela
criança que a lê, seja por si mesma, ou com ajuda de uma pessoa mais velha. A par
disso, precisa ser interessante e, acima de tudo, estimular acriança.

Características da obra literária infanto-juvenil

a) Literatura infantil
➢ Ausência de temas adultos ou não apropriados a criança. Isto inclui guerra,
crime hediondo, drogas, etc.
➢ São relativamente curtos, ou seja, não possuem mais do que 80 a 100
páginas;
➢ Presença de estímulos visuais (cores, imagens, fotos);
➢ Escrito numa linguagem simples, apresentando um facto ou uma história
de forma clara;
➢ São de carácter didáctico, ensinando ao jovem leitor regras da sociedade
ou comportamentos sociais.
➢ No caso de obras fictícias (novelas, histórias):
➢ Possuem mais diálogos e diferentes acontecimentos, com poucas
descrições;
➢ Crianças são os principais personagens da história;
➢ Possuem um final feliz.

b) Literatura juvenil

A literatura juvenil é um ramo da literatura dedicada a leitores entre 10 a 15 anos


de idade. Factos comuns a obras desta faixa etária:

➢ Geralmente apresentam temas de interesse ao jovem adolescente, muitas


vezes controversos, como sexo, droga, violência, relacionamentos
amorosos, ect.;
➢ Personagens, especialmente protagonistas, da mesma faixa etária dos
leitores;
➢ Podem possuir imagens e fotos, mas não necessariamente;
➢ São basicamente constituídas de texto;
➢ Apresentam um número maior de páginas, [podendo atingir 200 a 300
páginas em vários casos.

Obras infanto-juvenis famosas

➢ Cinderela
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➢ Harry Potter
➢ O Jardim Secreto
➢ O Mágico de Oz
➢ Pinóquio

Função socializadora da Literatura Infanto-juvenil

Os primeiros livros direccionados as crianças foram elaborados por professores e


pedagogos no final do século XVII, com o objectivo de passar valores e criar hábitos.
Actualmente a literatura infantil não tem só este objectivo, hoje também
proporciona uma nova visão da realidade, diversão e lazer.

A literatura permite facilitar ao homem a compreender e assim emancipar-se dos


dogmas que a sociedade lhe impõe. Isso soe e possível pela reflexão crítica e pelo
questionamento dado pela leitura. Se a sociedade buscar a formação de um novo
homem, terá de se concentrar na infância para lograr esse objectivo.

A literatura infantil, utilizada de forma adequada, constitui um instrumento de


grande importância na construção do conhecimento da criança, fazendo com que
ela desperte para o mundo da leitura não só como um acto de aprendizagem
significativa, mas como uma actividade prazerosa. A literatura infantil torna-se,
deste modo, imprescindível, daí que os educadores de infância devem trabalhar
diariamente com a literatura, pois esta constitui um material indispensável que
aflora a criatividade infantil e desperta as veias artísticas da criança. Nesta etapa
de vida, os livros de literatura devem ser oferecidos às crianças por meio de uma
espécie de caleidoscópio de sentimentos e emoções que favoreçam a proliferação
do gosto pela leitura sob forma de lazer e diversão.

Por meio da leitura, a criança se apropria de culturas e saberes historicamente


acumulados pelo homem, adquirindo informações que o ajudarão na construção
do seu conhecimento. A literatura e por consequência a leitura são caminhos mais
flexíveis para desenvolver e estimular a formação de ideias, que habilitarão ao
educando para uma escrita concisa e lógica.

Nesta perspectiva, o educador deverá adoptar, nas suas aulas, actividades que
favoreçam o acto de ler e de construir seus próprios textos. Para tal, o professor
pode recorrer a seguinte metodologia: trabalhar com o intuito de tornar as aulas
significativas e prazerosas. Buscar estratégias que criem oportunidades aos alunos
para desenvolverem a autonomia da leitura, da interpretação e produção de
textos, possibilitando e incentivando a participação dos mesmos em todas as
actividades abordadas durante o período em que na sala de aula, promovendo,
desta feita, uma aprendizagem mútua.

Portanto, literatura desempenha o papel de instituição social porque utiliza a


linguagem como meio privilegiado e específico de comunicação e a linguagem é
uma criação social. Ademais, o conteúdo social das obras em si e a influência que
a literatura exerce no receptor fazem dela um instrumento poderoso de
mobilização social. Na educação infantil é necessário trabalhar com textos que
circulam na sociedade onde a criança se encontra inserida. O contacto da criança
com materiais de leitura deve ser constante para despertar nela o gosto pela

48
leitura, tornando-se um hábito e não um momento esporádico.

Unidade3.3. A Biblioteca Escolar e a Prática Pedagógica da Leitura

A escola constitui um espaço privilegiado que assegura o contacto com o mundo


por meio dos livros. Paulatinamente, os estudantes que se interessem pela leitura
ganham habilidades que lhes permitem um melhor manuseamento da informação
que recebem dos professores e do mundo exterior. Nas escolas, as bibliotecas
surgem como veículos importantes para o desenvolvimento das actividades de
ensino/aprendizagem. Considera, por isso, que a escola e a biblioteca são
elementos inseparáveis e constituem um importante incentivo para o cultivo e o
gosto pela leitura. Nesta unidade pretender esboçar a relevância que a biblioteca
escolar proporciona para o desenvolvimento da leitura.

Ferreira (1986: 253) define no dicionário a palavra biblioteca como: Colecção


pública ou privada de livros e documentos congéneres, organizada para estudo,
leitura e consulta. Edifício ou recinto onde se instala essa colecção. Estante ou
outro móvel onde se guardam e/ou ordenam os livros.

É interessante que você saiba que não é à toa que a palavra biblioteca tem sua
origem nos termos gregos biblíon (livro) e theka (caixa), significando o móvel ou
lugar onde se guardam livros. Foi no Egipto que existiu, desde o século IV a.C., a
mais célebre e grandiosa biblioteca da Antiguidade, a de Alexandria, que tinha
como ambição reunir em um só lugar todo o conhecimento humano. Seu acervo
era constituído de rolos de papiro manuscritos – aproximadamente 60 mil,
contendo literatura grega, egípcia, assíria e babilónica.

No entanto, o conceito e as explicações para a palavra biblioteca vêm se


transformando e se ajustando por meio da própria história das bibliotecas. Para
Fonseca (1992: 60), um novo conceito “é o de biblioteca menos como colecção de
livros e outros documentos, devidamente classificados e catalogados do que como
assembleia de usuários da informação”. Isso quer dizer que as bibliotecas não
devem ser vistas como simples depósitos de livros. Elas devem ter seu foco voltado
para as pessoas no uso que essas fazem da informação oferecendo meios para que
esta circule da forma mais dinâmica possível.

Tipos de bibliotecas

Para muitos autores, a tipologia de cada biblioteca depende das funções


desempenhadas por ela. De acordo com este entendimento, ela pode ser:

a) Escolar – localiza-se em escolas e é organizada para integrar- se com a sala de


aula e no desenvolvimento do currículo escolar. Funciona como um centro de
recursos educativos, integrado ao processo de ensino-aprendizagem, tendo como
objectivo primordial desenvolver e fomentar a leitura e a informação. Poderá servir
também como suporte para a comunidade em suas necessidades.

b) Especializada – sua finalidade é promover toda informação especializada de


determinada área, como, por exemplo, agricultura, direito, indústria etc.

49
c) Infantil – tem como objectivo primordial o atendimento de crianças com os
diversos materiais que poderão enriquecer suas horas de lazer. Visa a despertar o
encantamento pelos livros e pela leitura e a formação do leitor.

d) Pública – está encarregada de administrar a leitura e a informação para a


comunidade em geral, sem distinção de sexo, idade, raça, religião e opinião
política.

e) Nacional – é a depositária do património cultural de uma nação. Encarrega-se de


editar a bibliografia nacional e fazer cumprir o depósito legal. Em alguns casos, essa
biblioteca, única, em cada país, necessita de uma política especial de recursos e,
por falta de interesse na conservação do património nacional, torna-se um
depósito de livros, sem meios suficientes para difundir sua valiosa colecção.

f) Universitária – é parte integrante de uma instituição de ensino superior e sua


finalidade é oferecer apoio ao desenvolvimento de programas de ensino e à
realização de pesquisas.

É importante entender que a tipologia de cada biblioteca nos ajuda não só a


perceber a função social de cada uma, como também requer um conhecimento
mais apurado da comunidade na qual a biblioteca está inserida, evidenciando
principalmente suas necessidades e seus anseios por informação e hábitos
culturais. Ter conhecimento das necessidades da comunidade é que propiciará o
estabelecimento de directrizes e acções que permitirão alcançar os resultados
almejados com o fazer cultural e educacional.

Biblioteca escolar

Você viu que existem vários tipos de bibliotecas. Especificamente, nesta unidade,
vamos reflectir a respeito da biblioteca que está mais próxima de si: a biblioteca
escolar.

É comum as escolas destinarem um espaço para leitura. Geralmente, esses espaços


são chamados de Salas de Leitura ou Biblioteca Escolar. Na sua escola com certeza
deve ter uma. No entanto, a experiência nos vem mostrando que na prática muitas
das bibliotecas escolares vêm sendo utilizadas inadequadamente, sob a visão de
um conceito ultrapassado. Assim, é comum observá-las sendo usadas como
simples depósitos de livros. Com relação à questão administrativa, também é
comum encontrarmos à frente das bibliotecas escolares pessoas que, apesar de
extrema boa vontade, não estão capacitadas para esta tarefa.

A escola antiga era assim: não dispunha de biblioteca, ou quando a possuía era
mais para servir de consulta aos professores e não para uso dos alunos. O ensino
era voltado para o livro escolhido e os textos indicados. No entanto, nem toda
escola é igual. Muitas delas sabem valorizar esse tesouro fantástico e tornam as
bibliotecas suas aliadas no fazer pedagógico, tornando-a uma extensão da sala de
aula.

Papel da Biblioteca Escolar

A biblioteca escolar deve desempenhar um papel fundamental no sistema


educativo, uma vez que
50
esta constitui o primeiro passo para a aquisição de competências de
manuseamento da informação. Portanto, o aluno deve habituar-se a usar a
biblioteca a partir da escola primária.

A biblioteca escolar apoia e promove os objectivos educativos constantes no


programa de ensino, criando nos alunos o hábito e o prazer de leitura, da
aprendizagem e da utilização e produção de informação que possibilitem a
aquisição de conhecimentos, a compreensão, o desenvolvimento da imaginação e
do lazer, proporcionando a base e a criação de hábitos permanentes de uso da
informação. (Issak, 2006)

A biblioteca da escolar bem como a sala de aulas, deve ser vista como um espaço
activo e fundamental para aprendizagem e não apenas como algo complementar
ou dispensável.

Aissa Issak (2006) defende que as bibliotecas devem passar a ser vistas como
centro de promoção da leitura e com a mesma importância que a sala de aulas.

Para além do contexto escola/biblioteca, o aprendizado da leitura, quer a nível


linguístico como a nível de literacia, está associado aos espaços familiares. Se ler
livros geralmente se aprende nos bancos da escola, outras leituras aprendem-se na
chamada escola da vida: a leitura independentemente da aprendizagem formal
perfaz-se na interacção quotidiana com o mundo das coisas e dos outros. (Lajalo,
2004)

A biblioteca escolar desempenha um papel fundamental no sistema educativo visto


que constitui o passo para a aquisição de competências de manuseamento ad
informação. Sendo assim, o aluno deve habituar-se a usar a biblioteca a partir da
escola primária para, assim, começar a criar seus hábitos de leitura e de uso da
língua escrita, para poder atingir resultados relevantes na sua iniciação no processo
de pesquisa e poder aplica-los ao longo da vida. Enquanto parte integrante do
processo educativo, a biblioteca escolar apoia e promove os seus objectivos
educativos constantes do programa de ensino, criando ainda nos alunos o hábito e
o prazer da leitura, da aprendizagem e da utilização e produção de informação que
possibilitam a aquisição de conhecimentos, a compreensão, o desenvolvimento da
imaginação e do lazer, proporcionando a base e a criação de hábitos permanentes
de uso de fontes de informação. (Issak, 2006, p. 11,)

Você, por exemplo, pode ser um excelente contador de histórias. Imagine-se


construindo uma poesia e apresentando seu talento para os alunos, professores e
seus colegas. Imagine você criando textos, uma peça de teatro, compondo uma
música.

Sendo a escola um espaço de aprendizagem permanente, é preciso usufruir das


coisas boas que lá existem e desenvolver suas potencialidades ajudando, assim, a
escola a crescer. É dessa interacção que estamos falando. Nesse sentido, a
biblioteca escolar não deve ser só um espaço de acção pedagógica, servindo como
apoio à construção do conhecimento e de suporte a pesquisas. Deve ser, sim, um
espaço perfeito para que todos que nela actuam possam utilizá-la como uma fonte
de experiência, exercício da cidadania e formação para toda a vida.

51
É consenso dos educadores que o desempenho escolar flui melhor quando a escola
tem uma biblioteca dinâmica.

Está escrito no Manifesto da Unesco (1976: 158-163) sobre biblioteca escolar:


“Biblioteca é a porta de entrada para o conhecimento, fornece as condições básicas
para o aprendizado permanente, autonomia das decisões e para o
desenvolvimento cultural dos indivíduos e dos grupos sociais. Assim, a escola deve
favorecer o conhecimento mútuo e, nesse aspecto, todos os que nela atuam têm
um papel preponderante. É preciso perceber que a educação não se dá
unilateralmente, só em relação ao aluno.

Que tal ampliar o olhar e verificar as potencialidades culturais, ou seja, pessoas e


instituições que desenvolvam trabalhos artísticos de um modo geral na sua cidade?
Registe na sua memória.

É participando do projecto pedagógico que você, profissional da educação, se


sentirá seguro para construir também seu conhecimento. Isso fará de você uma
pessoa mais participativa e feliz.

O “Manifesto da Biblioteca Escolar” preconiza que esta deve fornecer informação


para a criação de cidadãos bem-sucedidos na sociedade actual, baseada no
conhecimento e na informação. De acordo com este manifesto, a biblioteca escolar
deve:

_Desenvolver nos alunos competências para a aprendizagem ao longo da vida e


estimular sua imaginação, permitindo-lhes tornarem-se cidadãos responsáveis,
pensadores críticos e utilizadores efectivos da informação em todos os suportes e
meios de comunicação.

_Apoiar a utilização de diferentes fontes de informação, desde obras de ficção e


obras de referência impressas ou electrónicas, uma vez que estes recursos
complementam e enriquecem os manuais escolares e permitem aos alunos atingir
níveis mais elevados de literacia, de leitura, de aprendizagem, de resolução de
problemas e competências no domínio das tecnologias de informação e
comunicação.

_ Disponibilizar os seus serviços de igual modo a todos os membros da comunidade


escolar e ter meios financeiros suficientes para assegurar a existência de pessoal
com formação, de documentos, de tecnologias e de equipamentos.

_Ser de utilização gratuita e apoiada por legislação e políticas específicas definidas


a nível de cada país.

Os princípios enunciados no manifesto poderão ser adoptados para a criação ou


para a revitalização das bibliotecas existentes em diferentes escolas do país. Os
aspectos que seguem constituem uma proposta de reflexão e actuação inicial que
poderá eventualmente levar a uma melhoria da situação das bibliotecas escolares
em Moçambique.

Ao nível da escola

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▪ Dedicar um espaço da escola à biblioteca. Nesse espaço poderão ser criadas
actividades de incentivo à leitura como a animação de textos do manual
escolar, a realização de concursos de escrita (contos, poemas), a leitura e
análise de textos dos livros existentes, a produção de um jornal pelos
alunos, entre outros. Embora pobre em acervo, esta biblioteca irá permitir
criar uma relação com os actos de ler e de escrever, que constituirá
certamente uma iniciação para o aluno.
▪ Buscar apoio junto dos pais, da comunidade, das empresas à volta da
escola_ por exemplo, a escola poderá empenhar-se numa campanha de
recolha de livros para a sua biblioteca assegurando, contudo, alguns
critérios específicos para a selecção dos materiais a incluir na biblioteca.
▪ Apoiar os pais no encorajamento da leitura em casa, tendo em conta que o
papel da família é fundamental neste processo.
▪ Realizar actividades interactivas que envolvam alunos e outras
personalidades que possam ser convidadas para falar do prazer de ler.
Incluem-se aqui escritores, jornalistas, governantes. Estas actividades
deverão ter um carácter constante e sistemático e não acontecerem de
forma esporádica, como vendo sendo hábito.
▪ Criar na escola uma cultura de leitura em que todas as crianças e jovens
sejam encorajados a envolver-se, tornando-se leitores entusiastas e tirar
partido do gosto que todas as crianças têm de ouvir e contar histórias.
▪ Desenvolver projectos de incentivo à leitura em parceria com diferentes
entidades como, por exemplo, as universidades.

É necessário ter sempre em mente que o processo de formação do leitor é um


processo contínuo e que exige o empenho de todos. O incentivo à leitura não deve
ser apenas da responsabilidade, por exemplo da disciplina de língua portuguesa e,
portanto do professor de língua portuguesa. A responsabilidade por criar no aluno
o gosto pela leitura deve ser compartilhada por todos os professores e assumida
pela direcção da escola. Como um todo, a escola tem de dar resposta a questões
sobre como levar a cabo um projecto de leitura; quais os meios disponíveis para
operacionalizar o projecto, para que o público, entre outras. (Coutinho e Azevedo,
2007)

O processo de incentivo à leitura, que visa criar nos leitores o desejo de ler cada
vez mais materiais, pode ser operacionalizado colocando à disposição dos leitores
materiais que sejam relevantes para eles e culturalmente enriquecedores. Como
refere Azevedo (2007), ler é um acto individual que exige esforço, perseverança e
força de vontade e que, embora se aprenda a ler, a experiência de leitura se atinge
pela prática. Reconhece-se grande esforço no sentido de reduzir as taxas de
analfabetismo, mas não se pode afirmar que este esforço esteja a ser
acompanhado pela criação de uma verdadeira comunidade de leitores. É preciso
começar a reconhecer que a biblioteca escolar constitui um reforço das acções do
professor e do aluno, permitindo o estudo independente, a busca de conhecimento
e auxiliando na criação de hábitos e atitudes de manuseio de materiais
informativos e também ampliando o conhecimento sobre o mundo.

A escola que não proporciona aos alunos o contacto com a leitura, não ensina a ler.
Mas é bom lembrar que este deve ser um compromisso de todos que trabalham
na escola. Uma grande
53
força-tarefa deve ser formada para transformar a biblioteca num espaço activo
para melhorar os índices de leitura. Este é um bom começo para envolver todos os
profissionais de educação, em actividades como: hora do conto, contar histórias,
representação teatral, jornada pedagógica, concursos literários, recitais poéticos
etc.

Portanto, a escola é um ambiente privilegiado para garantir o contacto com o


mundo através dos livros, principalmente. Paulatinamente, os estudantes que se
interessem pela leitura ganham habilidades que lhes permitem um melhor
manuseamento da informação que recebem dos professores e do mundo exterior.
Nas escolas, as bibliotecas surgem como veículos importantes para o
desenvolvimento das actividades de ensino/aprendizagem. Considera-se, por isso,
que a escola são elementos inseparáveis e constituem um importante incentivo
para o cultivo e gosto pela leitura.

AUTO-AVALIAÇÃO

Questões de Reflexão

1.Fale importância da que a Literatura infanto-juvenil exerce no aspecto


psicológico.

2.Fale do papel que a biblioteca escolar exerce para o aperfeiçoamento da leitura.

3. Como promover a biblioteca escolar na sua comunidade?

4. Fale da relação Biblioteca versus Leitura.

5. Das diferentes bibliotecas arroladas, qual deve merecer melhor atenção no PEA
da leitura?

Questões de Verdadeiro e Falso

6.No esquema de classificação dos conceitos que sustentariam a Didáctica da


Literatura e as áreas temáticas de pesquisa fazem parte da Seção Geral:

a) Paradigmas didácticos e Paradigmas literários.

b) Ensino de conceitos literários e Ensino da História da Literatura

7.No esquema de classificação dos conceitos que sustentariam a Didáctica da


Literatura e as áreas temáticas de pesquisa fazem parte da secção Particularizada:

a) Psicologia da aprendizagem da literatura e Sinal literário e sinal não literário.

b) Ensino de conceitos literários e Ensino da História da Literatura.

c) Didáctica da narração e Didáctica da poesia.

8. A Literatura Regional faz parte da Secção Singularizada.

54
9. O Ensino da História da Literatura faz parte da Seção Singularizada.

Questões de Escolha Múltipla

10. Geralmente, a literatura Juvenil apresenta temas de:

a) interesse ao jovem adolescente, muitas vezes controversos, como sexo, droga,


violência, relacionamentos amorosos; Personagens, especialmente protagonistas,
da mesma faixa etária dos leitores; Podem possuir imagens e fotos, mas não
necessariamente; São basicamente constituídas de texto; Apresentam um número
maior de páginas, [podendo atingir 200 a 300 páginas em vários casos.

b) interesse ao jovem adolescente, muitas vezes controversos, como, droga,


violência, relacionamentos amorosos; Personagens, especialmente protagonistas,
da mesma faixa etária dos leitores; não podem possuir imagens e fotos, mas não
necessariamente; São basicamente constituídas de texto; Apresentam um número
maior de páginas, [podendo atingir 200 a 300 páginas em vários casos.

c) interesse ao idoso, muitas vezes controversos, como sexo, droga, violência,


relacionamentos amorosos; Personagens, especialmente protagonistas, da mesma
faixa etária dos leitores; Podem possuir imagens e fotos, mas não necessariamente;
São basicamente constituídas de texto; Apresentam um número maior de páginas,
[podendo atingir 200 a 300 páginas em vários casos.

d) Todas as alternativas estão correctas.

Respostas:

6. a) Verdadeiro

b) Falso

7. a) Falso

b) Verdadeiro

c) Verdadeiro

8Verdadeiro

9Falso

10. A

55
TEMA IV: ILUSTRAÇÕES E ANÁLISE DE CASOS

Ao completar esta unidade, você deverá ser capaz de:

Objectivos

➢ Conhecer as diferentes estratégias que funcionam como oficinas literárias.


➢ Elaborar oficinas literárias.
➢ Fazer a inventariação dos métodos activos.

Introdução

O assunto dos Comentários do Texto constituiu o "boom" dos últimos anos na


didáctica da literatura. Procurado como estratégia para solucionar todas as
deficiências de modelo historicista e ensino tradicional, passou do mais absoluto
entusiasmo, evidenciado na proliferação de trabalhos que colectam diferentes
modelos e exemplos de comentários até certo desencantamento actual, evidente,
por exemplo, nas declarações sobre a degeneração do método em direcção a uma
simples imitação de "receitas" ou orientações dadas pelo professor.

Unidade 4.1. Esboços de Métodos Activos: As Oficinas Literárias

Talvez como uma reacção ao modelo de ensino tradicional certamente passivador,


e devido ao recente boom e disseminação dos Métodos Activos em todas as áreas
pedagógicas, tenha sido gerada uma tendência que visava promover a actividade
como um núcleo essencial da literatura. Vários estudos fazem a seguinte
inventariação dos métodos activos:

56
a) Métodos pluricêntricos.

b) Métodos de globalização.

c) Classes homogéneas.

d) Métodos de individualização.

e) Métodos de socialização.

Em geral, todos esses métodos têm como denominador comum o uso de técnicas
de educação activa, que podem ser resumidas na seguinte enumeração:

- Pastas de trabalho ou aprendizado (pastas de trabalho).

- Métodos de pesquisa.

- Dramatizações

- Cadernos ou jornais escolares.

- Técnicas de estudo eficazes individuais.

- Discussões e situações problemáticas.

- Actividades manuais criativas.

- Métodos de redescoberta.

- Técnicas de observação.

- Actividades de síntese.

- Procedimentos de auto-avaliação.

- Colecções.

- Trabalho em equipa (com todos os seus procedimentos).

- Dossier ou estudo de tópicos.

- Estudo de casos.

-Métodos de perguntas.

- Cadernos de perguntas ou perguntas.

- Uso do dicionário.

- Ensino agendado.

- Interpretação e comentário de textos.

- Coloque em comum.

- Conversas rotativas dos alunos.

57
- Jogos educativos e de aprendizagem.

Em primeiro lugar, é interessante sublinhar as legendas, pois o método de oficinas


dos professores tenta ser uma alternativa ao historicismo. Eles descrevem como
um mecanismo de experiência a convicção de que tanto a exposição da história da
literatura quanto a prática do comentário eram insuficientes e que o importante
era "deixar. Dessa forma, eles justapuseram a explicação do currículo tradicional
("porque eles tinham que conhecer a história") à prática das oficinas, alternando
dias da semana para cada aspecto ou até trimestres (concebendo a história da
literatura como uma espécie de revisão ", não muito atraente, mas inevitável).

A consequência mais importante foi que a técnica da oficina forçou prescindir a


história da literatura. Eles conseguem desenhar um "conteúdo global" para o
workshop, que é especificado na aproximação da literatura através do cultivo de
géneros literários básicos.

Para a tipologia do trabalho em oficina, os professores diferenciam entre seguintes


possibilidades:

a) Um único objectivo para toda a turma.

b) Um objectivo para cada grupo de trabalho.

c) Um objectivo por aluno.

A diferença está no tipo de produtos que são gerados, projectos globais de toda a
classe ou trabalho em pequenosgrupos ou tarefas colocadas individualmente,
embora os autores enfatizem a interconexão de todas essas facetas em certas
possíveis estratégias propostas pelo professor.

Quanto ao uso da história literária como um "arsenal de modelos", poderíamos


objectar que o jornalismo também ou historiografia pode fornecer uma infinidade
de modelos de retórica, por isso permanece vazia de conteúdo de qualquer
maneira o papel da história da literatura nessas oficinas.

Outro aspecto importante do workshop são as instruções escritas que o precedem.


Os autores explicam, no estilo dos prólogos, a mecânica do workshop e as
actividades básicas a serem realizadas. Outra função que a antologia tem que
cobrir é servir como um guia de leitura. Se você quiser fazer o curso, além do
trabalho específico que é feito, uma visão mais clara e completa da história da
literatura e suas principais realizações, a antologia fornece pistas dos livros que
você pode ler para conseguir isso. A leitura dos livros citados como os mais
importantes de cada movimento ou período pode ser um complemento precioso
e agradável ao trabalho que fazemos na sala de aula. Não é ruim que você leia a
antologia frequentemente, ou seja, na ordem oferecida.

Outros usos possíveis serão indicados pelo professor. Obviamente, se estas são as
instruções do workshop, segue-se que elas teriam que ser complementadas pela
explicação do professor, pois essas indicações podem expressar as preocupações e
desejos do professor, mas não constituem um documento didáctico, como os que
vemos no ensino programado ou ensino a distância.

58
Assim certos estudos fazem o workshop de literatura gravitar em torno dos
seguintes princípios:

a) Realizar oficinas de literatura, excluindo qualquer actividade paraliterária e


focada na criação e recreação.

b) Géneros literários como guia para as oficinas.

c) Alternância de oficinas criativas e recreativas.

d) Nenhuma dicotomização entre linguagem e literatura.

e) O destinatário da oficina decide o tipo de oficina e o "tom" do mesmo.

f) Actividades de dupla compreensão e progressão no assunto.

g) Vincule o workshop não apenas às situações da escola.

h) Substituição da explicação livre pela explicação fundamentado.

i) Atenção, tanto quanto possível, aos aspectos individualizados do ensino.

Também falta análise dos recursos disponíveis, mais além da relação professor /
aluno, e as técnicas e instrumentos avaliação. É claro, por exemplo, que não pode
ser resolvido um tópico tão fundamental quanto esse - ainda que devido à sua
complexidade oferecem muitas nuancescom essa apreciação não científica como
esta: "No caso de trabalhos de oficina, a nota se torna um elemento de segunda
ordem e cada menino é configurado através dos trabalhos e das conversas
contínuas sua própria avaliação. "

Precisamente se não formos capazes de demonstrar que a estratégia oficina


inovadora produz rendimentos objectivamente melhores do que os habituais,
então o subtítulo alternativo que os autores colocam no trabalho não faz sentido.
O problema não é apenas quantitativo e estimado que os alunos escrevem muito
e que o professor aprecia seu progresso - mas precisamente encontre directrizes
objectivas que meçam todos os aspectos do processo, se a estratégia adoptada é
correcta ou se é realmente o aluno aprende mais em relação aos objectivos
propostos.

Portanto, podemos concluir que pelo menos estava errado desvincular a estratégia
das oficinas do restante da instrução da literatura. Diríamos mais, a abordagem
parece incorrecta para nós suprimirmos ou minimizarmos a história literária e
focalizar a literatura em tom de género, sacrificando a aparência tão importante
cognitivamente falando e compreensão puramente instrumental.

Outra experiência representativa situa-se na temática "Motivação e método activo


de ensino de idiomas”, no qual, apesar do título, são contemplados aspectos
interessantes da literatura. O primeiro objectivo é localizar e especificar os centros
de interesse, agrupando-os em dois blocos:

a) Textos literários que atendam às necessidades do aluno.

b) Conhecimento do seu ambiente linguístico.

59
Além de estabelecer os critérios de selecção, o autor faz enfatizar a utilidade dos
próprios alunos em colectar os textos a trabalhar, aceitar gravações, textos escritos
por si mesmos, etc. Com isso, "a sala de aula é ampliada para a localidade".

Assim, embora o aluno seleccione textos, dependendo da sua "idade, educação e


experiência", é da responsabilidade do professor "fornecer experiências que
expandam esses critérios".

O método activo é fazer do aluno uma espécie de mecanismo de pesquisa e


colector de texto, dentro e fora do na sala de aula e de maneira que essa actividade
funcione como feedback para o professor. Sublinhando o que foi mais positivo na
experiência, você está realmente declarando a estrutura do problema: a classe de
idioma está acima de toda comunicação e o transmissor-receptor dessa
comunicação é o aluno e suas próprias experiências. Também detectar os limites e
conflitos dodesign: o livro como um último empobrecedor focado na gramática,
em comparação com o livro "vivo" que alunos e professores tentam desenvolver
através das suas experiências de aprendizagem.

Da mesma forma, trabalhamos com a metodologia do núcleo do texto, analisando-


o sob diferentes pontos de vista, ou seja, procurando leitura plural e não uma mera
repetição de exercícios abrangentes.

O papel decisivo das técnicas dinâmicas também é destacado pelos grupos na


exploração da experiência. Quanto aos aspectos mais puramente literários,
observe que o autor pratica uma espécie de aprendizado indutivo da literatura,
com uma variante muito interessante: o que o professor chama métodos de
contraste, que passa a ser a aplicação sistemática de comparação intertextual. Este
método é diferente do de antologias, porque não se trata de justapor textos num
fio cronológico mas para interconectar e contrastar textos com base num critério
relevante previamente acordado.

Portanto, acreditamos que essa experiência seja um exemplo paradigmático de


como integrar objectivos funcionais básicos (expressão oral e escrita) com os
objectivos da matriz curricular (compreender os temas de um texto, local etc.),
potencializando os textos literários como uma experiência do aprendizado básico
de idiomas.

O desenho de uma Oficina de Literatura tem como princípios de trabalho que


podem ser sintetizados através dos seguintes pontos:

a) Objectivos: promover a empatia pela obra literária; assimilação de conceitos;


aquisição de habilidades.

b) Divisão em grupos de trabalho que buscam criação icónico-literária: grupos de


quadrinhos, apresentações de slides, teatro, vídeo e jornalismo.

C) Use para isso o princípio de transcodificação da literatura para artes não verbais
e vice-versa.

d) Escolha e planeamento de tarefas baseadas em centros de interesse (literatura


fantástica).

60
e) Uso da dinâmica de grupo, redes de comunicação e busca de modalidades de
equipa, tomando o cinema como modelo de "arte de equipa".

f) Educação de sensibilidade através de trabalho conjunto.

A princípio, pensava-se em aulas de oficina que desenvolveriam a criação icónico-


literária não apenas como um meio interdisciplinar, mas também para vincular-se
aos códigos dos meios de comunicação de massa que são tão bem conhecidos por
um adolescente. Progressivamente, como veremos, concluiu-se que tal estratégia
só poderia ser proposta dentro da estrutura geral de uma oficina de estética.

Assim, como o grupo assumiu suas próprias tarefas - não como sugeridas ou
impostas -, ele se auto-organizou e regulamentou até terminar de orientar o
próprio processo. Não é alheio a essa evolução, o carácter duplamente inovador
do método, no nível curricular, na medida em que normalmente eram tratados
aspectos marginalizados, como literatura fantástica e no nível de instrução, na
medida em que os alunos podiam dirigir seu trabalho de forma independente e,
em última análise, que essa experiência foi realizada num instituto rural com
poucos estímulos culturais. Nesse quadro, não surpreende que a própria
possibilidade de fazer uma um vídeo com roteiro e ideias próprias dos alunos,
embora a partir da história sem fim, constituiria um elemento altamente dinâmico.

Dessa forma, achamos que seria necessário mudar a estratégia inicialmente


pensada, para ver como poderíamos passar de um projecto elaborado
individualmente por alguns professores para um projecto assumido
colectivamente por professores e alunos, para que esses não fossem "objectos"
simples da experiência, mas "assuntos" e co-criadores dele. Isso significava, se você
preferir, um certo "banho de modéstia", pois, à medida que o Projecto foi
desenvolvido, verificou-se que o "ponto crucial" da questão não era o conteúdo do
workshop (literatura de fantasia, géneros ou qualquer outro núcleo), mas a
metodologia do próprio workshop, para que fosse necessário reduzir o papel de
"guia" do professor e aumentar a capacidade de auto-decisão do aluno se
realmente quiséssemos quebrar essa "impermeabilidade" diante do facto estético.

A partir dessas abordagens, decorrentes da reflexão sobre o desenho inicial, alguns


objectivos gerais foram desenvolvidos para o Workshop de Criação Icónico-
Literária:

1) Encontre novas direcções para pesquisas que readequem os relacionamentos


entre as partes de uma solução que não são totalmente satisfatórias (mudança de
estratégia).

2) Definir essas direcções num teste sistemático: Identifique na dinâmica da classe


as fontes de comportamento altamente variável. Seleccione as condições mais
promissoras como forma de realizar as alterações desejadas.

3) Especifique esses factores condicionantes a serem introduzidos em grupos de


criação icónico-literária que funcionariam em campos conceituais precisos
(transcodificação, intertextualidade) e operacional (diaporamas, quadrinhos).
Rastrear a rede de possíveis interações entre os elementos que dizem respeito à
estratégia proposta (professores-alunos-mídia). Identifique todas as soluções

61
possíveis que tornam esse método activo compatível com a organização da escola.
Identifique e avalie os recursos externos para o professorado que podem contribuir
com os outros elementos envolvidos (alunos, pais, cidade, administração etc.).
Especifique as inovações funcionais precisas (por exemplo, salas multiuso para
diaporamas, vídeos ...) .

4) Redefinir os objectivos de um projecto de ensino de literatura no campo do


ensino médio: especificar as condições internas para a realização do projecto
(coerência do modelo, ajuste entre objectivos e estratégias). Especifique as
condições externas: expectativas do aluno (demandas subjectivas) e do sistema
(demandas objectivas); novo papel dos centros, etc.

Uma vez estabelecidos os objectivos gerais que acabamos de definir, eles se


tornaram concretos numa série de objectivos operacionais e específicos. Esses
objectivos se referiam ao trabalho do professor e do aluno. Assim, em relação ao
corpo docente, foi contemplada uma mudança de estratégia, especificada em:

1) Uma vez que um Programa Audiovisual - daqueles previstos no Projecto - seja


visualizado, serão realizadas actividades de exploração que geram respostas do
seguinte tipo: Interpretação crítica pelo aluno de acordo com determinadas
directrizes. Invenção de versões alternativas, mudança de elementos, remodelação
do audiovisual de acordo com alguns critérios explícitos. Organização de um grupo
de trabalho sobre algumas das sugestões feitas pelos alunos.

2) Exposto um núcleo temático, o professor fornecerá directrizes que levam a:


Identificar os conceitos-matrizes.

3) Comentado uma determinada mensagem literária, o professor coordenará


actividades que levem à transcodificação do mesmo, através de dramatização,
diaporamas, cómico, ilustrações gráficas, maquetas.

4) Dada uma ideia de montagem, o professor fornecerá técnicas de composição.

Todos esses objectivos específicos do design do workshop podem ser resumidos


num: acordado sobre um tema e apoiado por programas audiovisuais, o professor
aplicará técnicas de criatividade.

Nesta mudança na estratégia de Design, os objectivos do aluno também foram


especificados, na forma de objectivos operacionais, e em quatro grandes seções
(objectivos cognitivos, psicomotores, afectivos e criativos, com base na
recomendação, incluir este tipo de objectivos entre os princípios básicos da
educação). Para evitar uma lista organizada deles, nos referimos ao Relatório de
Pesquisa, pois o que nos interessa aqui é ilustrar como os diferentes Métodos de
Design e os mecanismos de controlo que eles funcionam na frente de um tópico
como as Oficinas de Literatura. Eles tornam isso possível, como a mudança de
estratégia acima mencionada, que detalhamos anteriormente.

Observe que não tentamos comparar um método de realização dos Workshops


com outros, pois acreditamos que todos, na medida em que tentam responder a
demandas específicas de alunos e professores são, em princípio, positivos, mas
analisam os procedimentos - geralmente não explícita, mas latente ou dedutível da
exposição da experiência -
62
com a qual essas experiências foram elaboradas e controladas. Por razões óbvias,
não cabe a nós julgar a Oficina de Criação Icónico-Literária, mas seus sucessos e
inconsistências. Eles também podem ser estimados à luz dos métodos do projecto.
Por exemplo, a mudança de estratégia foi feita tardiamente e algumas abordagens
foram misturadas com outras de caminho inevitável.

O design da oficina aparece como um sistema linear no qual você planeia as etapas
sem dar a opção de variar o design. Por exemplo, as propostas criativas
mencionadas acima são apresentadas sem dar a opção de que eles são
modificados, porque são inoperantes ou por outros factores. O tema do Workshop,
como veremos, requer uma estratégia adaptável.Com o propósito de atingir os
objectivos desejados, nesta unidade temática, abordou-se acerca dos esboços de
métodos activos que funcionam como uma espécie de oficinas literárias.

Unidade 4.2. Proposta de Estratégias de Compreensão e Comentário sobre Textos

Comentar um texto, na óptica de Moreira (1989: 107)“é fazer dele um estudo


organizado para salientar, de modo lógico, as ideias do texto, a maneira como nos
são transmitidas e a intenção com que o autor faz.”

Devemos, pois, responder as seguintes questões: O que é dito? (o fundo), Quais as


ideias principais veiculadas pelo texto? Como é dito? (a forma), Quais os meios de
que o emissor se serve para agir sobre o receptor? Com que intenção é dito?

Como regra fundamental, o texto deverá ser analisado de dentro para fora, ou seja,
deveremos basear-nos apenas no texto e no que contém. Para tal será necessário:

1._ Ler o texto até o ter compreendido bem, pesquisar dificuldades lexicais e
esclarecê-las, destacar o sentido superficial do texto e tentar atingir o seu sentido
mais profundo ou conotativo.

2._ Se se tratar de um excerto de uma obra conhecida, localizá-lo na obra, retendo


para tal os pontos da obra que o poderão tornar mais claro.

3_ Destacar o tema do texto a partir do seu assunto, ou seja, encontrar a expressão


abstracta que sintetiza a intenção do autor ao tratar tal assunto.

4_ Destacar expressões ou estruturas significativas que evidenciem a intenção


fundamental do texto (polemico, trágico, lírico, quadro representativo), o tom
adoptado pelo autor (enfático, fluente, coloquial, lacónico, humorístico, irónico,
impertinente, irreverente, grave, amargo, sarcástico, desenvolto, comedido).

5._ Destacar a estrutura interna do texto para mostrar como foram articuladas as
ideias do autor.

6._ Se tratar de um poema analisar a sua estrutura externa (composição estrófica,


metro rima, ritmo) e a sua relação com a estrutura interna.

7._ Analisar a forma do texto em função do tema e da intenção do autor.

NB. É preciso ter sempre em conta que forma e conteúdo (fundo) são dois aspectos
indissociáveis que se influenciam mutuamente, como duas faces de uma mesma
moeda.
63
8._ Elaborar o Plano do comentário, atendendo a que deverá conter:

Uma introdução, cujo objective será de introduzir o leitor no nosso texto,


destacando o fio condutor do nosso comentário. Esta parte deverá apenas ser
redigida no fim da análise proposta acima, quando estiver claro, no nosso espírito,
o que é importante para comentar. A introdução será diferente de comentário para
comentário. Um desenvolvimento onde cada parte deverá enunciar e demonstrar
uma tese sobre o texto. Uma conclusão onde eventualmente falaremos da nossa
adesão ou recusa; da actualidade ou anacronismo do texto; situaremos na obra do
autor, num género, numa tendência ou numa escola literária.

9._ Redigir correctamente o comentário não esquecendo a importância da


ortografia, da pontuação, da estrutura frásica e da apresentação.

Métodos de Comentário de Texto

Encontramos a aplicação de métodos de comentários por níveis linguísticos, o que


despertou a perplexidade dos alunos quando enfrentaram a análise de fenómenos
supra-segmentais, semânticos ou fonológicos. A preocupação em classificar os
fenómenos no nível correcto - quando o conhecimento linguístico também é
limitado - acabou fazendo do comentário um inventário de descrições não
relacionadas e, é claro, o modelo linguístico acabou salvando o texto nos seus
requisitos e anulando qualquer leitura crítica ou criativa.

Observe que isso foi feito com a melhor vontade do professor para oferecer um
método rigoroso e não um mero "falador" ou superficialidade na explicação dos
textos, e nesse erro de abordagem já incorremos naqueles que se dedicam a
ensinar a literatura. Todos nós temos a experiência de ter assistido a uma
explicação em que o professor comenta um texto com todos os tipos de análise
inesperada para o aluno, mas o problema latente de contar contando fonemas ou
pares melhorou o entendimento do aluno que ainda não era tocado no fundo.

Os estudos de Mignolo supuseram, na nossa jurisdição, um esclarecimento de


particular importância para a didáctica dos comentários de texto. Como vimos,
Mignolo distingue entre dois modos ou níveis de abordagem dos textos: o
entendimento hermenêutico, focado nos problemas de interpretação, e o
entendimento teórico, orientado para os problemas de explicação.

As consequências didácticas desses princípios são relevantes, pois possibilitam a


estratificação dos comentários do texto de acordo com os objectivos e níveis de
ensino. Por exemplo, métodos como os dos professores Domfnguez Caparrós ou
Marcos Marfn - em geral, quase todos com orientação puramente filológica -
buscaram, acima de tudo, a explicação do texto, ou seja, a compreensão teórica,
verificando no texto de um modelo anterior escolhido (linguístico, retórico,
semiológico ...). As leis ou categorias de cada um desses modelos marcaram a
táctica do comentário, que deve ser pendurada na perspectiva escolhida.

Para citar um caso específico, é evidente que o que dizia respeito a Propp, Todorov,
Greimas ou Segre não é a interpretação das histórias, mas a definição de modelos
narrativos que representam sua estrutura. Por outro lado, para Lacau-Rosetti,
Rodari ou Pelegrfn, a perspectiva é de que os alunos entendam e recriem as

64
histórias que lêem. Ou seja, eles se concentram na hermenêutica da história e na
subsequente exploração didáctica dos seus começando.

Garcia Posada fornece um esquema de entendimento hermenêutico nos seguintes


termos:

1. Compreensão e informações sobre o texto.

2.Interpretação (Temas; Estrutura; Linguagem).

3. Conclusão.

Certamente, com esse método, busca-se que, antes, por exemplo, de um soneto
de Góngora, o aluno reconheça a estética e o tema do texto, ou seja, seja colocado
nos parâmetros de uma comunidade interpretativa.

Não se pode pensar que os princípios são categorias imparciais que um professor
retira de um manual e um aluno assimila sem mais delongas, uma vez que não são
resultado de observação científica, mas das próprias categorias críticas (da época
de Góngora ou de nossa) que compõem o que Lotman chama de metatexto ou o
que a teoria da recepção chama de horizonte de expectativas ou cultura literária
que cada leitor recebe de uma "comunidade interpretativa". Por outras palavras,
sempre existem elementos de valoração no entendimento hermenêutico que o
separam da abordagem científica, que deve praticar "abstenção do julgamento" ou
a formulação de preceitos.

Assim, o CH diz respeito à interpretação dos usos, enquanto o CT diz respeito ao


reconhecimento de gramáticas. Uma explicação teórica de uma história não se
refere às interpretações mais plausíveis, porque seu nível não é o da pluralidade
de leituras, mas a verificação de modelos e teorias. Um comentário buscado pelo
CT incluiria aspectos como "o acto de produção literária em geral e não a produção
ou arte literária X; o acto de ler e não a leitura da obra X ...".

Dessa forma, a compreensão do facto literário na sua generalidade requer uma


abordagem de CT, enquanto a interpretação de uma obra específica é a de CH
porqueé necessário que o aluno não esteja ancorado no nível de uso, num
entendimento "mosaico" da literatura através de fragmentos, obras ou géneros,
mas, sim, acessando gradualmente o nível do sistema.

O problema não estaria em um antagonismo entre uma instrução focada na prática


e uma instrução teórica, ou aplicada ao nosso caso, entre um comentário que
apenas busca interpretação ou outro que foca na explicação da estrutura do texto,
mas na montagem dos dois níveis, adaptando-os à estrutura e às experiências
cognitivas do aluno.

Dito de maneira mais simples, aprender literatura, como aprender direito ou


economia, implica o conhecimento de algumas categorias específicas da disciplina
que não são de todo criativas, como é o campo dos universos naturais de
significado. Assim, não basta conhecer o castelhano para entender um romance
picaresco ou um sainete: é preciso também conhecer o que se chama tradição
literária. Portanto, não se trata apenas de saber como fazer uma história, mas
conhecer os próprios
65
limites que definem uma história literária. Esses princípios contribuem para uma
reorientação metodológica da didáctica do comentário em texto, que podemos
resumir nas seguintes propostas.

Primeiramente, adoptando as categorias de Lotman e Mignolo, podemos tentar


estabelecer uma tipologia de textos e procedimentos operacionais. Com isso,
queremos determinar os procedimentos de operacionalização, ou seja, como o
processo de semiotização pode ser reconstruído, o que equivale à modelagem da
linguagem natural "pelo discurso literário (Lotman). As possibilidades são, em
princípio, as seguintes: Nos programas de pesquisa sobre o comentário de textos
no ensino médio, aventamos a hipótese segundo a qual basta dizer que
normalização e desnormalização são, alternativamente, os dois mecanismos que
consideramos essenciais na dinâmica do comentário de texto.

A) Mensagem literal ______________________ Mensagem fungível

ESTANDARDIZAÇÃO

B) Mermale consumível _____________________ Mensagem literal

DESNORMALIZAÇÃO

C) Mensagem dispensável____________M. literal _______________ Mensagem


dispensável

SEMIOTIZ. NORMAL.

O) mensagem literal_______________ M. fungible______________ mensagem


literal

PADRONIZA. RESEMIOTI.

Mas o que significa normalizar? Na sociolinguística, diz-se que uma linguagem é


normalizada quando é socialmente estabilizada. Estamos mais interessados no
significado de normalizar e padronizar, reduzindo algo difícil ou diferente de um
padrão comum conhecido, que é, em última análise, o que um garoto tem a ver
com um soneto de Góngora.

Por exemplo, quando um médico precisa fazer seu paciente entender uma doença,
ele precisa normalizar ou padronizar a mensagem médica para uma mensagem
coloquial, ou seja, ele precisa traduzir a mensagem de alguma forma ou, se você
quiser usar a terminologia de Bernstein, deve passar dos detalhes técnicos e
construções formais do código elaborado para a simplicidade do código restrito.

Mas a importância do conceito de Normalização vem da contribuição do semiólogo


Hendrics, que enfatiza que um texto deve passar por extensa padronização antes
que outras operações possam ser afectadas.

Normalização, então, seria a redução - em aplicação à linguagem poética - ou, se


você quiser, tradução intercalar da linguagem do objecto de texto e do código do
aluno. Ou seja, nos

66
colocamos em uma perspectiva cognitiva, já que o objectivo principal é facilitar a
codificação do texto, vinculando-o aos esquemas anteriores ou estruturas
cognitivas do aluno.

Além disso, assim como é necessário assimilar "textos difíceis", reduzindo sua
complexidade por meio do método mencionado acima, também é necessário
prejudicar a linguagem comum ou, como os formalistas russos queriam,
desmotivá-la. Chamamos isso de desnormalização, pois é exactamente o oposto.
Na realidade, a desnormalização é equivalente a reescrever textos, com todas as
possibilidades que autores como Lacau ou Rodari descrevem, desde alterar o final
de uma história até usar a intertextualidade.

À luz do que já foi dito, podemos recomendar uma primeira fase de comentários
gerais que tentará elucidar as características discursivas gerais e uma segunda fase
de comentários específicos, que atenderá à gramática da disciplina abordada
(comentários literários, históricos etc.)

Martfn Fernández reduz o problema a uma combinação de diferentes níveis de


comentário, mas sem hierarquizar ou delimitar os planos da leitura. Seu esboço de
um comentário geral é este:

1) Localização / classificação de um texto.

2) Comentário explicativo sobre o texto.

3) Comentário crítico.

Obviamente, o referido autor não distingue convenientemente operações como


entender, explicar ou escrever um novo texto de outro. Nesse caso, eu não definiria
o comentário explicativo como uma "explicação profunda" baseada no "método
literal" ou para o "método lógico". Quanto a seguir o "método literal" para que
"palavras, expressões e ideias sejam progressivamente explicadas à medida que
aparecem", é óbvio que uma explicação é confundida com o que descrevemos
como normalização.

Primeiro, foi estabelecido um histórico do problema a ser investigado. Isso poderia


ser considerado como o estabelecimento de um programa de pesquisa para
esclarecer aspectos como:

1) A teoria do texto literário e outros textos.

2) A interpretação do texto literário e outros textos.

3) A instrução, exploração ou ensino de textos como elemento do currículo escolar.

O problema era desenhar um modelo didáctico que seguisse a sequência de


aprendizado do aluno, ou seja, de fácil a difícil, do simples ao complexo,
reproduzindo um caminho semelhante ao que um indivíduo executa ao processar
uma mensagem textual. A solução alternativa foi projectar uma série de programas
modulares, focados nos quatro núcleos que consideramos essenciais:

1 .- Compreensão (normalização)

67
2.- Associação

3 .- Análise

4.- Síntese

Nessa perspectiva, foram revisados os métodos mais diferentes de comentários de


texto e encontrada a ausência de critérios pedagógicos sobre o problema da
compreensão, embora todos eles mostrem ponderado e sensível às capacidades
exigíveis de comentar.

O significado do problema também foi examinado, pois ultrapassou o que seria


uma simples questão didáctica da literatura, uma vez que o uso de texto em todas
as suas possibilidades é um factor essencial na preparação para a vida quotidiana.
Compreender e saber usar os textos implica credenciar não apenas a consecução
dos objectivos específicos da literatura, mas também aqueles que são chamados
de Objectivos Fundamentais ou de Desenvolvimento.

De facto, através dos programas de texto, você pode desenvolver habilidades de


pensamento analítico, pensamento sintético, criatividade, portanto, essa é uma
experiência básica do aprendizado, não apenas no campo da literatura, mas em
todo o currículo escolar. Assim, os alunos geralmente não entendem textos de
história, filosofia etc. porque eles não foram treinados nas respectivas
metalinguagens ou nas estratégias de processamento de texto.

Dessa maneira, o ensino de textos está relacionado ao tema básico estudado por
Bernstein: acesso ao código elaborado, pois, sem dúvida, possuir habilidades de
compreensão/ elaboração do texto é um sinal claro de superação das restrições do
código restrito. De facto, a literatura é a mais distante da linguagem posicional,
forma, repetitiva ou estereotipada.

Assim, existem duas etapas de design anteriores que não são praticadas neste caso
e que mais tarde impedem um design verdadeiramente alternativo ao usual e
finalmente aplicado repetidamente, embora com "disfarces terminológicos",
modelo retórico de invenção, dispositivo e elocutio.

Como as informações disponíveis são do tipo de Objectivos a serem alcançados,


vemos em resumo que são específicos da literatura (por exemplo, colocando o
trabalho no seu contexto) e funcionais ou de desenvolvimento, como a
compreensão do texto, fixando sua estrutura etc., as informações necessárias, ou
seja, as saídas, são o design alternativo. Mas acontece que isso não pode ser feito
sem a execução das etapas anteriores:

a) Exploração da situação em que o projecto operará

b) Definição da estrutura do problema (pontos críticos)

Existem métodos, como a Classificação da Informação (Jones), que permitiriam


discriminar os elementos pedagógicos e filológicos envolvidos, de forma que um
professor reúna quais contribuições, por exemplo, ele poderia extrair das
categorias semiológicas e quais do paradigma cognitivo. Isso poderia levá-lo a

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formular o design alternativo em torno de um eixo raramente empreendido, como
a compreensão pragmática de um texto.

Unidade 4.3. Estratégias de Aplicação da Criatividade no Ensino da


Literatura

A criatividade tornou-se nos últimos anos um "boom" pedagógico da divulgação


dos estudos num contexto geral de crise, transições e reformas educacionais. Hoje,
no entanto, vale a pena focar mais no assunto, porque a criatividade não é uma
utopia nem uma "receita" ou panaceia aplicável em qualquer situação.
Precisamente, o conceito de design implica, como vimos, divergência, ou seja, a
busca de soluções incomuns. Mas nem tudo o que é criativo é útil didaticamente
falando, nem tudo que é criativo é possível, se aplicarmos a abordagem sistémica.

Dessa forma, embora o professor insista em transformar a sala de aula em uma


biblioteca de brinquedos ou em actividades como as propostas por Rodari, sejam
realizadas continuamente, pouco seria alcançado se o restante dos elementos -
como os demais assuntos - o "clima" do centro, o Grupos de estudantes não
seguem a mesma direcção. Além disso, a abordagem sistémica nos diz que apenas
introduzindo uma variável - que pode ser o método alternativo - forçamos todo o
sistema reajustar suas partes.

Mas, às vezes, o sistema geralmente "se defende" desse elemento inovador,


isolando-o como se fosse uma "bolha" ou uma experiência mais ou menos
excêntrica, realizada sob condições muito limitadas. Nesses casos, não
promovemos a criatividade do aluno, mas contribuímos para a "cerimónia da
confusão" que se torna o centro em que cada professor "desfila" pela sala de aula
com métodos e estilos de ensino diametralmente diferentes.

Por esse motivo, a escolha das estratégias de aplicação da criatividade não pode
ser prescrita de maneira genérica, no nível do macrossistema, mas assume seu
significado quando parte da análise da operação de um microssistema específico.
Em primeiro lugar, devemos identificar a dificuldade, erro ou disfunção que
chamamos de ponto crítico, e somente a partir daí podemos determinar se um
método de criatividade é realmente positivo ou contraproducente para essa
situação. Por exemplo, se o aluno em geral é motivado e possui fortes impulsos de
auto-atualização, métodos como resolução de problemas ou brainstorming
certamente funcionarão melhor do que uma aula de mestrado.

Mas, noutras outras ocasiões, seria o contrário: para os estudantes acostumados a


um ensino de rotina e a rígidos papéis de professor / aluno, não é possível aplicar
subitamente circuitos ou listas de verificação do tipo "literatura é uma porcaria
porque você já sabe que é inútil" ", porque em vez de desinibí-los, poderíamos
gerar mais confusão. De fato, as maneiras de abordar um tópico - o que os
estudiosos do aprendizado de conceitos chamam de "organizadores anteriores" -
são importantes e às vezes devem estimular a criatividade desde o início, mas às
vezes não.

As chamadas técnicas não-directivas e, em geral, todos os métodos de criatividade


descritos, podem funcionar
69
se acomodarem as demandas desse microssistema, e nunca como um recurso
artificialmente desejado. Portanto, as aulas / oficinas geralmente funcionam mal
se Não existe uma organização aberta da escola.

A criatividade também está relacionada à estrutura do currículo: podemos dizer


que existem noções que, devido à sua complexidade ou dificuldade, precisam ser
induzidas ou reforçadas por técnicas de criatividade. Assim, a descrição de casos e
aspectos específicos (por exemplo, as viagens de Dom Quixote) se presta mais ao
aprendizado expositivo, uma vez que um método indutivo ou de descoberta seria
complicado, no qual o aluno precisaria reunir todos os dados substanciais do "
outputs ": um gráfico e uma explicação do mesmo podem ser suficientes para
fornecer uma visão completa e sintética do assunto.

Por outro lado, a compreensão do conceito “Literatura” requer um grande esforço


de compreensão e interconexão de elementos. Por exemplo, podemos propor
indutivamente o entendimento da literatura, a partir de um círculo do tipo
"literatura é o que há num livro". Em seguida, fazemos - usando a colecta
cooperativa - uma reunião de 10 ou 20 livros, misturando um livro de mecânica,
telefone ou guias de hotel, códigos legais etc.

Ao contrastar e manipular os livros, podemos pelo menos discriminar o apoio de


literatos específicos e incitar o aluno a imaginar outros suportes e a entender as
novas formas atuais (por exemplo, poesia visual). Assim, chegaríamos a formas
provisórias de compreensão do literário como uma espécie de "linguagem muito
rara": uma descrição turística certamente se pareceria com descrições de
paisagens ou ambientes de histórias ou romances, mas sempre existem - como os
teóricos da Recepção de uma certa indeterminação, uma não imitação da realidade
para configurar suas próprias características (por exemplo, as paisagens sinistras
da literatura de terror).

O desenvolvimento dessas questões nos obriga a reconstruir uma área da


literatura, algo semelhante ao que Azorin fez com seus clássicos do avivamento e
que, como veremos mais adiante, constitui para nós a melhor abordagem criativa
para entender a literatura.

Outra dimensão fundamental para considerar as estratégias de aplicação dos


métodos de criatividade é a linha de pesquisa sobre interacções linguagem-classe
social-educação.

As implicações educacionais do uso dos códigos são de extrema importância. Por


um lado, haveria esquemas de controlo familiar e, por outro, a padronização da
comunicação, que produziria um código socialmente restrito. Ambos os factores
restringem a competência do aluno, suas possibilidades expressivas.

De facto, de acordo com os estudos de Bernstein, existem dois tipos principais de


família:

1. Famílias posicionais.

2.Famílias orientadas de acordo com as pessoas.

70
A criança educada em esquemas posicionais, o papel que lhe corresponde e o uso
do código são orientados a todo momento para reafirmar essa axiologia social. Por
exemplo, quando alguns falam ou brigam na sala de aula ou escrevem "notas
secretas", tendem a assimilá-lo como uma atitude que viola seu papel como alunos,
e sempre esperam o controle posicional do professor. Consequentemente, eles
não entendem bem que são incitados ao que parece não ser atribuído ao seu papel
de estudante: auto-expressão, falando livremente, "escrevendo seus segredos" ao
professor, e certamente não entendem bem que "ler para ler" é útil. Para algo. É o
conflito que Bernstein descreve entre linguagem posicional e linguagem pessoal.

De facto, em alguns casos, o trabalho de alguns alunos pode ser conduzido com
modos imperativos ou solicitações posicionais ("cabe a você fazer isso") e, em
outros, pode ser orientado por meio de solicitações pessoais, ou seja, uma
linguagem na qual o foco está mais no aluno como pessoa do que em seu status
formal. Obviamente, não se trata de cair no inaniqueismo, porque o código restrito
também carrega sua própria estética. O que acontece é que os processos de
compreensão exigidos ao aluno têm acesso implícito ao código elaborado como
uma condição:

Bernstein considera as qualidades de fala e relacionamento da estrutura social.


Bernstein não negaria a criatividade pessoal ou a inovação cultural, mas as
colocaria basicamente na esfera da interacção humana directa. O código elaborado
leva aqueles que a usam. se voltar para si mesmos, inspeccionar seus valores ... e
valorizar formas posicionais de controle e comunicação, sempre que possível. Pelo
contrário, o código restrito permite que o indivíduo perceba sua identidade como
parte do mundo social imediato; integração pessoal e social.

As palavras de M. Douglas ressaltam um ecletismo que pode ser um guia para a


prática educacional. Assim, o aluno aprende continuamente papéis, sistemas de
avaliação e classificação da realidade, categorias e princípios. Mas, ao mesmo
tempo, ele deve aprender a tomar consciência desse papel, para que sua fala e
comportamento não se limitem a ser estereótipos. Segundo os teóricos do Social
Learning, a tomada de papéis é caracterizada pelas seguintes características:

1 .- Discriminar os atributos do papel.

2.- Distância do papel.

3.- Tolerância à ambiguidade.

4.- Diferentes formas de descentralização social alternativa.

Assumir um papel nas tarefas de comunicação e entender a literatura envolve


fomentar a empatia, compartilhar a comunicação de outras pessoas, que implica
ser capaz de assimilar - e eventualmente recriar - o elaborado - quero dizer que
Lorca usa para expressar a amargura de uma mulher estéril.

Nesse campo, existem muitos métodos criativos de interesse especial. Euridrama


é um caso que força a tomada de papéis e a desinibição. Portanto, as actividades
da literatura que desejam ter um carácter criativo devem estar localizadas, em
nossa opinião, dentro dessa estrutura de favorecer a tomada de papéis e o acesso
ao código elaborado.
71
Além disso, eles devem cumprir as condições que Rogers atribui a uma relação
pedagógica fértil:

1 .- Congruência

2.- Respeito positivo incondicional

3.- Aceitação empática

Como consequência de tudo o que foi dito, não queremos estabelecer uma lista de
possíveis métodos criativos para o ensino de literatura, porque cairíamos na
mesma inconclusão da programação convencional. Pensamos que o essencial é
projectar estratégias que levem em conta a comunicação de uma maneira muito
globalizada, incluindo a comunicação literária como modalidade central e não a
relegá-la, como costuma ser feito nos programas.

A seguir avançámos algumas actividades que marcam cada aspecto ou habilidade


essencial, nomeadamente:

1.- Actividades de codificação: faça uma composição (não importa se a chamamos


de literária ou não, se o que é incentivado no aluno é uma linguagem pessoal).

2.- Actividades de decodificação: leitura abrangente de uma obra, no duplo nível


de normalização / compreensão de seu conteúdo e resumo de seus elementos
básicos.

3.-Atividades de recodificação: transcreva uma anedota ouvida em uma história


escrita, dramatize um poema, escreva versões diferentes da mesma história, etc.

4.- Transcodificação de actividades: "conte" o que uma pintura ou uma música


sugere, ou imite uma mensagem literária.

5.- Actividades multi-codificação: formas de teatro ou para-teatro (circo, music-


hall, charlatães) como modelo básico de integração de códigos verbais e não
verbais.

6.- Actividades de metacodificação: treinamento em metalinguagens, começando


pela própria metalinguagem literária.

Quais directrizes escolher, então, aplicar estratégias de criatividade ao ensino de


literatura? Basicamente, considere a literatura na sua dimensão ambiental e,
conforme explicado por A. López Quintás nos seus trabalhos Estética da
Criatividade e Análise Estética de Obras Literárias.

Por que tomamos o jogo como o leitmotiv de um ensino criativo da literatura?


Porque o jogo é um meio criativo de campos, isto é, de campos de encontro, e a
realidade e o mundo humano são essencialmente âmbito, espaços de confluência
e interacção.

Além da relação familiar, da escola, das estruturas lógico-matemáticas, do trabalho


e de outros fenómenos, a linguagem também é um ambiente para o homem, um
ponto de encontro com outras realidades e outros mundos. A leitura de uma obra
literária é essencialmente

72
dialógica, pois requer a co-criação e a participação plena de quem a interpreta. O
problema é saber "conquistar" cada uma das áreas que compõem a experiência do
homem.

Assim como as auto-estradas ou antenas de televisão interferem na área de uma


área monumental, também existem interferências que dificultam o entendimento
da esfera literária, mas que neste caso não são especiais, mas temporárias (por
exemplo, obsolescência ou perda de memória), códigos culturais - o conceito de
honra - e artístico - o teatro em versos - que informavam a comédia clássica). Se,
para entrar no campo do Lopez de Veja e produzir esse encontro inter-humano, é
previamente necessário conhecer as regras do jogo ou as possibilidades de acção
na comédia clássica, é evidente que o esforço é ir além dos nossos próprios
esquemas para nos situarmos naqueles do século XVII. A. López Quintás também
afirma que o jogo é uma actividade irredutível e original e que, nessa medida,
possui um poder envolvente, que nada mais é do que uma maneira de se referir ao
autotelismo da obra literária.

O método de ambição lúdica que esse autor nos propõe tem certas conexões com
a estética da recepção, insistindo no carácter dialógico-criativo da leitura e
designando o intérprete de um texto ou uma tarefa de trabalho, como a seguir:

1.- Descubra o significado preciso que, além do significado imediato, as expressões


do autor adquirem em cada contexto.

2.- Cuide do que o autor deseja expressar e da lógica interna que confere coerência
ao seu discurso.

3.- Especifique ideias e eventos que o autor não expressa e indique o motivo da
lacuna.

4.- Adivinhe até o que o autor nem pensava e deveria ter feito se fosse lógico sua
intenção básica.

Assim, toda leitura autêntica constitui uma recriação da obra e, para isso, deve
assumi-la em todos os seus elementos, não como algo fossilizado, mas vibrante e
vivo, porque toda leitura passa a ser o encontro ou o diálogo, não entre o leitor e
um objecto (o livro), mas entre duas áreas relacionadas. Essas abordagens têm
grande semelhança com as expostas por Jauss no seu livro Literature as
Provocation, sendo alguns deles:

a) A historicidade da literatura não se baseia em uma relação pós-festum


estabelecida de "fatos literários", mas na experiência anterior da obra literária por
seus leitores.

b) A reconstrução do horizonte de expectativas antes do qual uma obra foi criada


e recebida no passado, permite, por outro lado, fazer algumas perguntas às quais
o texto deu uma resposta e, assim, deduzir como o leitor pode ver e entender a
obra.

c) A missão da história da literatura só é cumprida quando a produção literária é


apresentada não apenas de forma sincrónica e diacrónica na sucessão dos seus
sistemas, pelo contrário, é
73
considerada uma história especial, mesmo em sua própria relação com a história
geral. Isso não termina com o fato de que, na literatura de todos os tempos, uma
certa imagem da existência social pode ser descoberta. A função social da literatura
só se manifesta em sua genuína possibilidade, onde a experiência literária do leitor
entra no horizonte de expectativas da prática da vida, pré-forma a compreensão
do mundo e, portanto, também afeita suas formas de comportamento social.

Acreditamos que esta é uma das propostas mais rigorosas que nos permite superar
as contradições entre o historicismo e o ensino activo-criativo da literatura, uma
vez que o núcleo essencial é fazer perguntas a que um trabalho responde em um
determinado momento, destacando o que López Quintás ele se referiu como
aspectos não explícitos, mas significativos do trabalho. Acreditamos que um
tratamento desse tipo também permita preencher a lacuna entre o estudo de caso
e a visão geral, uma vez que, ao estabelecer o horizonte de expectativas, é
necessário afirmar o gosto geral dos leitores e as relações intertextuais.

Enciso e Rincón- abordariam esse tópico como um exemplo de recursos narrativos,


sendo que o género subjacente (o colóquio-carta) apresenta peculiaridades que
não podem ser abstraídas do horizonte de expectativas da época (literatura
epistolar), com o que estamos irremediavelmente "envolvidos" na história da
literatura, se, por exemplo, queremos explicar a nós mesmos a função do diálogo
nos géneros renascentistas.

Outros, mais apegados ao historicismo tradicional, levantariam a questão em torno


das secções usuais que poderíamos encontrar numa história da literatura, ou seja,
o problema do autor, as edições, a data da composição ou a intenção de o trabalho
como um conjunto de dados já estabelecido. Escusado será dizer que essa
abordagem, sendo uma ciência científica, dificilmente seria do interesse de um
aluno, muito menos quando dados históricos, literários, culturais, etc. são
amalgamados. De facto, a soma dos dados não garante que o trabalho seja
compreendido, muito menos que esse diálogo essencial entre ele e o leitor foi
estabelecido. Vimos antes que entrar num domínio também é reconhecer (ou
reconstruir) as regras do jogo, e isso não é feito simplesmente com um tipo de
conhecimento enciclopédico.

Pelo menos esse estudo monográfico, por mais erudito e fossilizador que seja, não
incorre na visão "precária" de querer oferecer todo o trabalho em alguns textos ou
episódios, os quais, é claro, o antologista sempre resume todos os trabalho ou o
mais fundamental dele. É o episódio tradicional do engano das uvas, que tem sido
a única visão do Guia para milhares de estudantes em nossas escolas.

Haveria quem levantasse o assunto em termos de morfologia do texto, dividindo a


história em unidades estruturais e tentando estudar aspectos como "os caminhos
narrativos" ou "a dimensão cómica" "da novela. Infelizmente, nossos alunos mal
conseguem explicar uma estrutura narrativa quando mal conseguem interpretar
ou capturar a história em questão.

A compreensão pragmática do texto não é fácil, pois é preciso saber como


enquadrar a situação discursiva e rotular:

74
a) Quem é o enunciador / enunciador?

b) Quem é o narrador e o personagem principal?

c) Como um homem com tão pouco treinamento sabe como relacionar sua vida
através de um género tão culto?

O entendimento semântico também não é fácil de estabelecer, pois é difícil unificar


o discurso em torno de um único núcleo: o cómico, o crítico, o folclórico? E,
finalmente, a compreensão sintáctica também apresenta problemas, embora a
morfologia narrativa tenha descoberto padrões (por que a falta de alguns
episódios?).

Portanto, as regras do jogo que definem a directriz se prestam, como o Livro do


Bom Amor, a uma ambiguidade que parece procurada. Precisamente essa falta de
clareza - junto com muitas outras ausências - já é uma resposta para as perguntas
que o trabalho tentaria responder.

S. de la Torre realiza, no seu livro Educar na criatividade, um inventário das técnicas


de criatividade, que podem ser agrupadas em três classes:

a) Métodos analógicos

b) Métodos antitéticos

c) Métodos aleatórios

Técnicas baseadas no método analógico são quando começam a partir da


semelhança. Por exemplo, um círculo em torno da ideia da história ou qualquer
outra noção. Seu carácter é heurístico, pois encontraríamos dimensões
inesperadas (por exemplo, a expressão "ter muitas histórias" como uma indicação
do metatexto).

Métodos antitéticos incluem técnicas como a lista de verificação. Uma lista de


verificação em torno do livro ajudaria a desmistificar a ideia de literatura, uma vez
que novos usos seriam investigados, mudanças de tamanho, cor, outras
possibilidades, etc. No método aleatório, os conceitos são relacionados e
combinados aleatoriamente (por exemplo, num ideograma, podemos vincular o
conceito desonestos com o conceito lumpen desde que especifiquemos mediação).
Além disso, as perguntas criativas seguem a mesma linha.

O problema não está no inventário de técnicas de criatividade, mas na definição de


estratégias para sua aplicação, e é aí que diferimos do trabalho de S. de la Torre,
porque, embora ele insista correctamente na incorporação dos objectivos da
criatividade na estrutura do currículo, no momento da realização da programação,
o tópico de prefixar as técnicas é incorrido sem nenhuma das considerações
anteriores que marcam os métodos de projecto nem a especificação da situação e
condições nas quais essas estratégias vão operar. Com isso, retornamos ao
esquema de programação padrão, sim, enriquecido com técnicas de criatividade,
embora sem saber muito bem a quem, a que horas ou sob quais condições aplicar.

AUTO-AVALIAÇÃO

75
Questões de Reflexão

1.Fale da problemática decorrente da inventariação de técnicas de criatividade.

2. O que entende por uma oficina literária?

Questões de Verdadeiro e Falso

3. O problema não está no inventário de técnicas de criatividade, mas na definição


de estratégias para sua aplicação, e é aí que diferimos do trabalho de S. de la Torre,
porque, embora ele insista correctamente na incorporação dos objectivos da
criatividade na estrutura do currículo, no momento da realização da programação,
o tópico de prefixar as técnicas é incorrido sem nenhuma das considerações
anteriores que marcam os métodos de projecto nem a especificação da situação e
condições nas quais essas estratégias vão operar. Com isso, retornamos ao
esquema de programação padrão, sim, enriquecido com técnicas de criatividade,
embora sem saber muito bem a quem, a que horas ou sob quais condições aplicar.

4. Métodos antitéticos incluem técnicas como a lista de verificação. Uma lista de


verificação em torno do livro ajudaria a desmistificar a ideia de literatura, uma vez
que novos usos seriam investigados, mudanças de tamanho, cor, outras
possibilidades, etc.

5. Pelo menos esse estudo monográfico, por mais erudito e fossilizador que seja,
não incorre na visão "precária" de querer oferecer todo o trabalho em alguns
textos ou episódios, os quais, é claro, o antologista sempre resume todos os
trabalhos ou o mais fundamental dele.

Questões de Escolha Múltipla

6. Assim, toda leitura autêntica constitui uma recriação da obra e, para isso:

a) deve assumi-la em todos os seus elementos, não como algo fossilizado, mas
vibrante e vivo, porque toda leitura passa a ser o encontro ou o diálogo, não entre
o leitor e um objecto (o livro), mas entre duas áreas relacionadas.

b) não deve assumi-la em todos os seus elementos, não como algo fossilizado, mas
vibrante e vivo, porque toda leitura passa a ser o encontro ou o diálogo, não entre
o leitor e um objecto (o livro), mas entre duas áreas relacionadas.

c) deve assumi-la em todos os seus elementos, não como algo fossilizado, mas
vibrante e vivo, porque toda leitura passa a ser o encontro ou o diálogo, não entre
o leitor e um objecto (o livro), mas entre duas áreas não relacionadas.

d) Todas as alternativas estão correctas.

76
7. A historicidade da literatura:

a) baseia-se em uma relação pós-festum estabelecida de "fatos literários", mas na


experiência anterior da obra literária por seus leitores.

b) não se baseia em uma relação pós-festum estabelecida de "fatos literários", mas


na experiência anterior da obra literária por seus leitores.

c) não se baseia em uma relação pós-festum estabelecida de "fatos literários", mas


na experiência anterior da obra não literária por seus leitores.

d) Todas as alternativas estão correctas.

8. A reconstrução do horizonte de expectativas antes do qual uma obra foi criada


e recebida no passado, permite:

a) não fazer algumas perguntas às quais o texto deu uma resposta e, assim, deduzir
como o leitor pode ver e entender a obra.

b) por outro lado, não fazer algumas perguntas às quais o texto não deu uma
resposta e, assim, deduzir como o leitor pode ver e entender a obra.

c) fazer algumas perguntas às quais o texto deu uma resposta e, assim, deduzir
como o leitor pode ver e entender a obra.

d) Todas as alternativas estão corectas.

9. A missão da história da literatura só é cumprida quando:

a) a produção literária é apresentada não apenas de forma sincrónica e diacrónica


na sucessão dos seus sistemas, pelo contrário, é considerada uma história especial,
mesmo em sua própria relação com a história geral. Isso não termina com o fato
de que, na literatura de todos os tempos, uma certa imagem da existência social
não pode ser descoberta.

b) a produção literária é apresentada apenas de forma sincrónica e diacrónica na


sucessão dos seus sistemas, pelo contrário, é considerada uma história especial,
mesmo em sua própria relação com a história geral. Isso não termina com o fato
de que, na literatura de todos os tempos, uma certa imagem da existência social
pode ser descoberta.

c) a produção literária é apresentada não apenas de forma sincrónica e diacrónica


na sucessão dos seus sistemas, pelo contrário, é considerada uma história especial,
mesmo em sua própria relação com a história geral. Isso não termina com o fato
de que, na literatura de apenas algum tempo determinado uma certa imagem da
existência social pode ser descoberta.

77
d) a produção literária é apresentada não apenas de forma sincrónica e diacrónica
na sucessão dos seus sistemas, pelo contrário, é considerada uma história especial,
mesmo em sua própria relação com a história geral. Isso não termina com o fato
de que, na literatura de todos os tempos, uma certa imagem da existência social
pode ser descoberta.

10. A função social da literatura só se manifesta em sua genuína possibilidade,


onde:

a) a experiência literária do leitor entra no horizonte de expectativas da prática da


vida, pré-forma a compreensão do mundo e, portanto, também feita suas formas
de comportamento social.

b) a experiência literária do leitor não entra no horizonte de expectativas da prática


da vida, pré-forma a compreensão do mundo e, portanto, também feita suas
formas de comportamento social.

c) a experiência literária do leitor entra no horizonte de expectativas da teoria da


vida, pré-forma a compreensão do mundo e, portanto, também feita suas formas
de comportamento social.

d) Todas as alternativas estão correctas.

Respostas:

3. Verdadeiro

4. Verdadeiro

5. Verdadeiro

6. A

7.B

8.C

9.D
78
10.A

TEMA V: DIDÁCTICA DE LITERATURA: CONCEITUALIZAÇÃO E GENERALIDADES

Introdução

Nesta unidade pretendemos apresentar ao estudante uma janela sobre a noção de


Didáctica de Literatura, disciplina que se ocupa do ensino do modo de ser da
literatura. Introduzida nos currículos universitários portugueses apenas na década
de 1980, na formação inicial de professores de Português, esta disciplina
concentra-se em problemas aprioristicamente pragmáticos da literatura, que
envolvem tanto a definição daquilo que se ensina como de quem ensina e,
sobretudo, como é que se ensina. É esta última questão, talvez, o principal fim da
didáctica.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

Objectivos

➢ Conceitualizar aDidáctica de Literatura;


➢ Identificar o objecto de estudo da Didáctica da Literatura;
➢ Definir o campo de abrangência da Didáctica da Literatura.

Unidade 5.1.Didáctica de Literatura

Num texto muito conhecido e admirado ainda hoje, "Como Ensinar Literatura",
incluído na primeira edição de Ao Contrário de Penélope, Jacinto do Prado Coelho
separa rigorosamente a literatura da pedagogia, acrescentando então: "A
literatura não se fez para ensinar: é a reflexão sobre a literatura que nos ensina."
(Bertrand, Lisboa, 1976, p.46). Outra formulação idêntica na aparência já havia sido
defendida por Jorge de Sena: "a literatura não pode ser ensinada. Ensinar seja o
que for é apresentar um instrumental adequado e explicar a maneira de uma
pessoa tirar proveito dele. Daí resulta que se ensina a escrever estudos sobre
literatura, e estudos sobre os estudos de literatura, indefinidamente; ou ainda se
ensina a ensinar literatura" (O Reino da Estupidez, vol. I, 3ª. ed., Edições 70, Lisboa,
1984, pp.96-97). Estas crenças exigem alguma discussão, porque se é claro que a
literatura seja distinta da pedagogia não deixa de ser menos verdade que podemos
falar de ensino ou didáctica da literatura sem que com isso se menospreze ou
adultere o valor individual de cada uma. Se a formulação de Jorge de Sena se refere
a um determinado contexto (a criação de um obra literária), a didáctica da
literatura só é rasurável (a didáctica da literatura) se pensarmos no ensino do ser
da literatura (muito diferente da definição que propusemos na abertura: a
didáctica como o ensino do modo de ser da literatura). Por outro lado, é evidente
que existe uma aprendizagem de quem trabalha com esta arte, em face do que se
entende por literatura. O que convém esclarecer ab ovo é aquilo que se ensina de
facto quando pretendemos ensinar literatura.

79
A definição geral apresentada por Margarida Vieira Mendes pode servir de
referência quando queremos acertar o passo da didáctica específica da literatura:
"A Didáctica é, dentro das disciplinas que constituem os Estudos Literários, aquela
que trata da arte de ensinar a Literatura. Tem como objectivo uma techné, um
saber fazer, mas não dispensa a especulação, não se limita a um receituário de
técnicas eficientes de aprendizagem, como se afirma com ligeireza num manual
clássico (Introdução à Didáctica Geral, de Imídeo G. Nérici)." ("Didáctica da
Literatura: um espaço devido na Faculdade de Letras", in Ensino da Literatura, org.
por Maria Isabel Rocheta e Margarida Braga Neves, Cosmos, Lisboa, 1999, p.33).

Segundo o EDicionário de Termos Literários de Carlos Ceia, o que é que se ensina


na teoria e prática do ensino da literatura? A rigor, não se ensina literatura
enquanto arte, mas antes os factos objectivos que instituem e disciplinam essa
arte. Enquanto expressão artística, a literatura é uma abstracção conceptual, ao
passo que os factos que nos permitem identificar objectivamente tal expressão e
indiciá-la como fenómeno artístico é que constituem o lado ensinável da literatura.
Qualquer definição de literatura é o fim da literatura e não o seu fim, no sentido
de finalidade determinada em função dos dados literários indiciados. O facto mais
belo de uma definição de literatura é a sua eterna impossibilidade de poder a vir
ser uma definição. É sempre em função do que sabemos a priori sobre o fenómeno
literário que construímos definições de literatura, quando a literatura em si mesma
é anterior a cada nova definição encontrada.

Quando julgamos ter finalmente encontrado os limites ou os contornos certos do


que seja a literariedade dos textos, já estamos atrasados em relação aos textos que
vão ser escritos/criados amanhã. De nada serve definir o que já está determinado
em si mesmo, quando o único objectivo é levar a ver melhor aquilo que está
perante os nossos olhos. A prática corrente nas escolas de introduzir o fenómeno
literário a partir de definições apriorísticas de literatura é uma falácia, pois está-se,
no fundo, a pedir ao iniciado no estudo da literatura que defina aquilo que ainda
não viu, que saiba descrever aquilo que ainda não tocou, não que não tenha em si
mesmo, em reminiscência, a possibilidade desse conhecimento, mas porque quem
o ensina não sabe como fazê-lo emergir. É esta prática que, em grande parte, é
responsável pela crença de que se ensina literatura, simplesmente. Ora, o que se
ensina na verdade e por respeito à mesma verdade é o facto literário e não a
abstracção do conjunto de todos os factos que reconhecemos como literários e que
constituem, em última instância, a literatura. Posso ensinar o sentido de um texto,
mas estou na prática a ensinar como é que consegui factualizar um conjunto de
significantes/significados dispostos num texto. Por outro lado, só posso ensinar o
sentido de um texto tal como eu, leitor livre, o concebo. A literatura-arte não está
nunca dependente da intervenção de um leitor para que a sua existência original
seja validada; mas todo o ensino dos dados objectivos da literatura depende
exclusivamente do trabalho de um leitor sobre os textos que se dizem literários.
Ensinamos literatura essencialmente porque investimos o nosso olhar naquilo que
faz essa literatura e não naquilo que a define aprioristicamente.

É correcto introduzir o estudo da literatura a partir de uma definição de literatura?


Os programas e manuais de Português para os Ensinos Básico (3ºciclo) e
Secundário (em vigor em 1995/96) resolveram o problema erradicando, pura e
simplesmente, tal prática,
80
que contudo, subsiste em muitos programas universitários de Introdução aos
Estudos Literários e Teoria da Literatura. Ambos partem de um equívoco: os
primeiros porque existe uma forma legítima de investigar o conceito de literatura;
os segundos, porque estão convencidos à partida do que seja tal conceito.

Todo aquele que inicia o ensino da literatura por uma definição do conceito de
literatura está convencido que sabe o que está a definir. Raramente este pedagogo
se predisporá à investigação, no sentido da skepsis platónica. Na verdade, ele inicia
a investigação do que não se sabe pela conclusão do que já julga ser o saber. Em
termos de ironia socrática, diríamos que tal indivíduo nunca virá a saber o que é
verdadeiramente a literatura. Só Sócrates sabe que não sabe, por isso só ele poderá
interrogar o fenómeno literário sem perturbar a sua essência; quero dizer, só pela
discussão de sucessivas hipóteses, só pela procrastinação assumida da resposta à
pergunta "O que é a literatura?" se pode chegar perto do que ela traduza de facto.

O que ensinamos, na verdade, é a symphonia das opiniões ou das hipóteses


formuladas em face do fenómeno reconhecido como literário. Mas isto não faz
com que nos possamos apresentar a uma assembleia como depositários de
qualquer explicação definitiva. O iniciado nos estudos literários tem que ser
conduzido como o iniciado nos estudos filosóficos: enunciando e aprofundando as
hipóteses, multiplicando-as, confrontando-as, mas não deixando que o conceito se
resolva, não deixando que a skepsis se esgote. Deste modo, aproximar-nos-emos
de uma verdade aceitável e, se conseguirmos que esta verdade seja confirmada
empiricamente, estaremos a ensinar literatura sem perturbar a sua existência in
petto. É uma metodologia adequada o recurso à tese do desmos (ou
encadeamento) de opiniões verdadeiras e ao ajustamento respectivo nos textos. O
professor de literatura que apenas recorre a juízos apodícticos (ou que assume
para si próprio que aquilo que enunciou é irrefutável), em vez de os fazer circular
dialecticamente, integrando-os na malha das hipóteses, regra geral, consideram o
seu saber e o seu ensino como infalíveis. Na prática, a sua estratégia pedagógica
não é muito diferente da erística que valeu aos sofistas o descrédito secular.

O saber sobre a literatura, ou sobre qualquer outra arte, só se alcança pelo diálogo
de hipóteses. Se "filosofia" quer dizer "amor (mas não posse) de saber", então
"crítica literária" há-de querer igualmente dizer a arte de discutir um texto (mas
não posse do saber sobre esse texto, do qual se exclui inclusive o seu próprio
autor). O professor que segue o caminho dos juízos apodícticos, ou sobre conceitos
ou sobre textos, e faz desses juízos o cerne do seu ensino há-de repetir para si o
que Sócrates diz do escravo com quem dialoga no Ménon: "Vês, Ménon, como eu
nada lhe ensino…", com a diferença de que o escravo aprende de facto alguma
coisa, por exemplo, as propriedades do quadrado, e o iniciado nos estudos
literários não aprende mesmo nada, porque o quadrado lhe é desenhado à frente
dos olhos por mão alheia.

Por outro lado, a didáctica da literatura que é comandada pela pergunta "O que
é?" e que exige que cada resposta seja objecto de uma refutação (elenchos) é
perfeitamente aceitável. Mais, a teoria platónica da reminiscência serve na
perfeição a qualquer tentativa de estabelecimento de um decreto sobre a essência
do fenómeno literário: se as perguntas de Sócrates não ensinam de facto
rigorosamente nada mas
81
apenas trazem à consciência do indivíduo um conhecimento adormecido, portanto
que ele já detinha, também o ensino dialéctico do fenómeno literário nada
transmite, uma vez que, inconscientemente, já sabemos aquilo que edifica esse
fenómeno.

O iniciado nos estudos literários encontra-se, decididamente, no mesmo estádio


de aprendizagem daquele em que se encontra o escravo de Ménon, que nada
sabendo aprioristicamente de geometria, à custa de um diálogo orientado por um
filósofo despretencioso, acaba por conseguir dar respostas correctas, sábias, às
perguntas "sem nexo" do mestre. Não se actua como o sofista que apenas discute
pelo (f)acto de discutir sem o prazer de chegar perto da verdade. O professor de
discurso assertório é aquele que toma a literatura como facto consumado e diz
pseudo-socraticamente: "Não vou investigar nem aquilo que sei nem aquilo que
não sei, porque é inútil investigar sobre aquilo que já sei (definir "literatura") e é
impossível fazê-lo se não souber que coisa ("literatura") investigar." O pseudo-
socratismo deste professor reside não no enunciado do paradoxo de Ménon mas
naquilo que ele não consegue ver para além dele. Retomando as palavras de
Sócrates, "é preciso não nos deixarmos persuadir por esse raciocínio erístico. Ele
tornar-nos-ia preguiçosos e só seria agradável de ouvir a homens sem espinha
dorsal. Este (o meu raciocínio) torna as pessoas trabalhadoras e agarradas ao
estudo." (Ménon, 81d). O raciocínio de Sócrates é o dos juízos problemáticos,
aqueles cuja afirmação ou refutação é considerada como possível.

Como ensinar os factos que indiciam a literatura? A definição do estatuto


existencial de uma ciência não pode nunca partir do pressuposto de anular à
partida qualquer relação com outras ciências. A literatura pode ganhar a sua
individualidade independentemente das formas de relação que adoptar com
outras ciências ou práticas de conhecimento. A literatura é fundamentalmente
uma prática epistemológica da estética, isto é, um exercício de re-criação do
mundo através da linguagem que nos esforçamos por realizar em determinadas
condições e produzir determinados efeitos e cujo resultado final terá de ser sempre
a produção de um novo significado, que escreveremos Significado, para dizer que
se trata de um universo de sentidos.

Sendo a literatura marcada pela presença necessária da linguagem, sendo na


poética clássica desde Aristóteles, uma forma de representação pela linguagem,
oposta, por exemplo à representação pela imagem que identifica a pintura, tal
facto não esgota todas as possibilidades: se é representação pela linguagem
também deve ser entendido como trabalho de representação (do autor) e
representação de uma representação (o texto que representa uma linguagem
particular). Um investigador formalista ocupar-se-á apenas com os registos finais
da representação, isto é, com o texto em si sem olhar para dentro; um investigador
socrático pré-ocupar-se-á com o trabalho textual executado por um autor (não
confundir com a pesquisa falaciosa da intenção autoral), com os efeitos que o texto
executado produz no entendimento, com as condições que fizeram com que o
texto seja representativo de uma determinada linguagem e inclusive averiguará se
o texto não representa coisa nenhuma. A poesia é uma representação pela
linguagem. – Esta definição clássica não significa apenas que a literatura seja, à
maneira como a estética romântica veio a defini-la, uma arte da linguagem, mas
também quer dizer que se
82
trata de uma arte da representação. O investigador formalista ocupa-se apenas do
primeira "arte"; o investigador socrático recreia-se entre ambas, tentando
compreender porque é que a literatura é representação e porque é que é
linguagem, que são dois caminhos complexos e distintos, até chegar à síntese do
enunciado aristotélico.

A partir daqui, toda a reflexão sobre os produtos a que se convencionou chamar


textos literários origina uma outra ciência, a crítica literária, que é, por definição
sumária, o estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados da prática
epistemológica da estética a que chamamos literatura, visando determinar os
fundamentos lógicos, o valor e o alcance objectivo dos textos ditos literários. Ora,
dizer que a "literatura não se fez para ensinar", retomando as palavras de Jacinto
do Prado Coelho, pode sugerir, em primeiro lugar, que a literatura está em conflito
com a pedagogia; em segundo, que a génese do fenómeno literário tem uma
determinada relação com a pedagogia e que essa relação se funda numa
negatividade ou exclusão recíproca; e em terceiro, que a literatura, não podendo
ser ensinada, isto é, existindo virada somente para si mesmo, nunca poderá ser
objecto de estudo.

Qualquer das leituras é incorrecta: a literatura não está em conflito com a


pedagogia ou nenhuma outra ciência, a não ser que esse conflito sirva para fazer
literatura; a génese do fenómeno literário não se faz naturalmente com o objectivo
de se relacionar com a pedagogia, da mesma forma que a pedagogia se constitui
em ciência independentemente do facto de vir a utilizar a literatura como objecto
de realização; a literatura não se fez para ser ensinada, mas de certeza que se pode
ensinar sem com isso excluirmos a sua originalidade nem nos servirmos deste facto
de relação para a separarmos da pedagogia. "É a reflexão sobre a literatura que
nos ensina", diz Jacinto do Prado Coelho. Esta proposição é mais clara, mas não
deve insinuar que tal reflexão exige a negação da pedagogia, pela simples razão
que a pedagogia, uma vez aplicada à literatura, é isso mesmo: reflexão sobre
literatura.

Em "Psychoanalysis and Education: Teaching Terminable and Interminable",


Shoshana Felman recuperou a lição pedagógica de Jacques Lacan, a partir do
Séminaire II, onde se parte da seguinte ideia, traduzida aqui livremente: Não se
pode ensinar Freud, mas unicamente a(s) condição(ões) que nos permite(m)
estudar Freud. Lacan também nos adverte de que aquilo a que chama
conhecimento textual é o objecto de estudo do professor de literatura e que tal
ciência é afinal de contas conhecimento do funcionamento da linguagem.

O ensino da literatura pode fazer-se por esta via analítica. A literatura é tão
indefinível como o conhecimento, pelo que qualquer forma de ensino da literatura
tem que passar por uma condição de indeterminação. Ensinar passa a ser
equivalente à criação de condições de acesso ao conhecimento mais do que à falsa
convicção de que é possível deter conhecimento e transmiti-lo, porque quem
segue esta via está normalmente convencido de que não tem nada para aprender
e que sabe o suficiente para cumprir profissionalmente a sua missão. Da mesma
forma que não se pode ensinar Freud também não se pode ensinar o conhecimento
nem, por conseguinte, a literatura. Mas da mesma forma que se podem ensinar as
condições que permitem
83
estudar Freud, também se podem ensinar as condições que permitem estudar a
literatura.

Se em filosofia, normalmente se aceita que o conhecimento é a representação de


alguma coisa, o ensino da literatura terá de ser sempre a representação de alguma
coisa ao espírito. Em que consiste essa coisa representada? Quer a didáctica da
literatura quer a própria literatura constituem exercícios naturais das funções vitais
da vida cognitiva, fazendo uso de todas elas: a percepção externa do mundo
sensível e dos seus fenómenos corresponde à criação textual do autor; a
consciência corresponde ao conhecimento do eu textual (todos aqueles que
podem representar esta identidade: autor, narrador, personagens) e dos seus
actos; a razão corresponde ao trabalho de leitura textual, facilmente identificado
no trabalho crítico do estudo das relações necessárias entre os sentidos de um
texto, das identidades, causalidades, finalidades, leis e princípios de significação. A
percepção externa e a consciência são funções experimentais que competem aos
criadores artísticos; procedem por observação do mundo, exercendo sobre ele a
imaginação e a memória criativa e dão-nos dados para o conhecimento em forma
de conhecimento.

Sumário

A Didáctica é, dentro das disciplinas que constituem os Estudos Literários, aquela


que trata da arte de ensinar a Literatura. Tem como objectivo uma técnica, um
saber fazer, mas não dispensa a especulação, não se limita a um receituário de
técnicas eficientes de aprendizagem, como se afirma com ligeireza num manual
clássico.

AUTO-AVALIAÇÃO

Questões de Reflexão

1.Fale da problemática do ensino da Literatura.

2. Comente a seguinte afirmação: “A Didáctica de Literatura procura contribuir


para a segurança e autonomia do futuro professor de português.”

3. Por que se afirma que a prática corrente nas escolas de introduzir o fenómeno
literário a partir de definições apriorísticas de literatura é uma falácia?

4.Por que Jacinto do Prado Coelho separa a literatura da pedagogia?

5. O que defende Jorge de Sena?

Questões de Verdadeiro e Falso

6. A literatura não se fez para ensinar: é a reflexão sobre a literatura que nos ensina.

7. A literatura não pode ser ensinada. Ensinar seja o que for é apresentar um
instrumental adequado e explicar a maneira de uma pessoa tirar proveito dele.

84
8. A literatura é tão indefinível como o conhecimento, pelo que qualquer forma de
ensino da literatura tem que passar por uma condição de indeterminação.

Questões de Escolha Múltipla

9. A literatura não se fez para:

a) ensinar

b) cantar

c) Ler

d) analisar

10. Mas da mesma forma que se podem ensinar as condições que permitem
estudar Freud, também se podem ensinar:

a) as condições que permitem estudar a literatura.

b) as condições que não permitem estudar a literatura.

b) as condições que permitem estudar a didactica.

d) Todas as alternativas estão correctas.

Respostas:

6. Verdadeiro

7. Verdadeiro

8. Verdadeiro

9. A

10.A

TEMA VI. A DIDÁCTICA DA LITERATURA E OUTRAS CIÊNCIAS

Introdução

Lembre-se que na unidade anterior dissemos que a literatura é considerada como


um sistema que nos aparece correlacionada com outros sistemas incluindo a
língua, numa dependência imediata, não deixando de lado, a pintura, a
arquitectura, o cinema, etc. Nesta, agora, vamos tratar da relação didáctica entre
a língua e a literatura.

85
Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

Objectivos

➢ Relações a Didáctica de Literatura com as outras ciências como


Pedagogia, Sociologia e Psicologia.
➢ Conhecer o campo específico da Didáctica de Literatura.

Unidade 6.1. Didáctica da Literatura: Seu Âmbito e Abrangência

Bredella (1989) afirma que hoje, entende-se a didáctica de uma disciplina como a
integração de outras disciplinas específicas - a sociologia, a psicologia e a
pedagogia.

Já Johannes Timmermann dá-nos a seguinte descrição das funções que competem


à didáctica de uma disciplina: “ A didáctica de uma disciplina alia essa disciplina
específica à ciência da educação e às ciências sociais, tendo em vista a investigação
sobre o ensino e a formação de professores. - Analisa o domínio do objecto de
disciplinas específicas, de forma a torná-lo mais acessível.

No mesmo sentido, Stocker define a didáctica de uma disciplina: "Como uma


ciência de integração de outras cuja função será de elaborar uma teoria sobre o
modo mais eficaz de organizar os processos de ensino e de aprendizagem, não
deixando de atender aos interesses do sujeito que aprende, do objecto a transmitir
e do objectivo a alcançar."

Em torno do conceito integração

A concepção da didáctica de uma disciplina como uma ciência de integração parte


do princípio de que a disciplina em causa trata do objecto, a sociologia e a
psicologia estudam o aluno e a sociedade, e a pedagogia estabelece e fundamenta
os objectivos gerais da educação, de forma que, ao organizar os processos de
aprendizagem, ela terá de reunir as três áreas.

Unidade 6.2. Relação entre Ciência da Literatura e Didáctica da


Literatura

De acordo com Karl Otto Conrady, a didáctica da literatura será entendida como
uma ciência da mediação, a qual, ao transmitir os conhecimentos dessa disciplina,
deverá atender às capacidades e aos conhecimentos limitados dos destinatários,
enquanto que a ciência da literatura se poderá dedicar ao objecto, sem que tais
limitações constituam obstáculo.

Deborlav chama a esta concepção “o entendimento pedagógico do leigo” /


conceito positivista da ciência que rejeita qualquer interrogação sobre o sentido da
ciência como não tendo carácter científico, porque entre o ser e o dever ser vê um
fosso intransponível.

86
Alfred Clemens Baumgärtner rejeita a ideia da didáctica da literatura como uma
ciência da mediação, porque isso acarretaria a adopção de critérios formais e
específicos de cada género literário, próprios da ciência da literatura. Baumgärtner
pretende que a didáctica da literatura desenvolva a sua própria atitude
problematizante em relação ao objecto da literatura.

Aceitando a concepção positivista da ciência da literatura que exclui a relevância


do literário para a existência humana, a questão do sentido formativo só poderá
colocar-se na medida em que a didáctica da literatura se separar da ciência da
literatura.

Porém, Peter Heintel defende que a questão do sentido formativo (a dimensão


didáctica) deve ser procurado dentro da própria ciência e não ser lhe aduzido a
partir de fora: a disciplina deve assumir a sua especificidade pedagógica e
formativa. Recorrendo aos conteúdos que lhe são específicos, ela deverá provar
qual é ou qual poderá ser a sua missão no que respeita à formação do homem. O
modo como ela leva estes conhecimentos a cada um, é, em comparação tarefa
secundária. (21)

Como refere Timmermann “ a ligação da didáctica de uma disciplina à ciência dessa


disciplina só pode ser justificada, na medida em que esta última contribui para a
compreensão que o indivíduo tem de si próprio e do mundo.”

A relação entre teoria e praxis na didáctica da literatura

Na concepção positivista, a didáctica da literatura é equiparada à praxis e a ciência


da literatura, à teoria. Numa tal definição dos dois conceitos, a teoria torna-se
incapaz de fornecer à praxis qualquer orientação do sentido, nem a praxis
consegue actuar sobre a teoria. E mais ainda: a problemática central da didáctica
da literatura, a diferença entre conhecer e agir, fica fora do nosso alcance.

A relação entre teoria e praxis depende daquilo que se entende por praxis. Se a
praxis for aquele domínio que está sempre sujeito às exigências da educação e da
formação, à teoria cabe a função de tornar conscientes essas exigências que
determinam a praxis e de possibilitar ao docente uma orientação do sentido que,
partindo da praxis, tem como objectivo a praxis.

O problema da legitimação do ensino da literatura e a questão da auto-


determinação e da auto-configuração. A auto-determinação pressupõe o ser
humano condicionado e finito que, em face do mundo exterior e interior, tenta
determinar-se a si próprio. Assim, à educação e à formação impõe-se também a
tarefa de abrir este mundo ao horizonte de motivação do sujeito da aprendizagem,
de modo que este possa decidir, diante do mundo interpretado.

A didáctica da literatura como teoria da educação e da formação literárias tem


como missão tornar conscientes todas as concepções, princípios e normas, de que
qualquer praxis sempre exigiu socorrer-se. Nesta medida, ela estuda o ensino da
literatura como seu objecto. Mas não lhe basta ser apenas teoria do ensino da
literatura; ela é igualmente teoria para o ensino da literatura... a didáctica tem de
pôr o problema da legitimação da literatura.

87
A didáctica da literatura necessita, ainda, da reflexão sobre as exigências
projectivas que o ensino faz aos alunos. A legitimação do ensino da literatura não
pode depender do facto de ele impor ao sujeito da aprendizagem certas normas e
modos de acção, mas, antes, de ele ser capaz de alargar o horizonte de motivação
do aluno e de diferenciá-lo.

Unidade 6.3. O Modelo de Ensino Orientado pela Crítica da Ideologia

A crítica de Fingerhut: este modelo conduz apenas à indignação moral que acaba
por redundar em resignação e cinismo, já que não proporciona aos alunos
quaisquer possibilidades de acção. A literatura como contributo para uma praxis
orientada para o sucesso ou como instrumento de uma higienização social. As
concepções de literatura de Platão e de Aristóteles como fundamento de modelos
de didáctica da literatura.

A crítica violenta de Platão (A República) - para quem a literatura não tem como
meta atingir o conhecimento da praxis correcta, da justiça e do bem, mas que se
satisfaz apenas com a representação daquilo que o homem considera justo ou
injusto, bom ou mau; ela limita-se a representar as crises da vida e as emoções
controversas da alma, sem procurar saber qual é o seu verdadeiro motivo - deve-
se, no entender de Hans-Georg Gadamer ao facto da literatura não conseguir dar
qualquer resposta a duas importantes questões:“Qual é a maneira autêntica de
viver?”- Qual é a sua “utilidade social”?

A insuficiência da literatura encontra-se no facto de ela repetir o que existe (regista


apenas a estrutura de superfície da sociedade), acomodando-se ao que existe.
Nesse sentido, o leitor, apenas, encontra confirmadas na literatura as suas
concepções e normas.

No essencial, Platão acusa a literatura de visão superficial da realidade e de, fruto


da aptidão artística do escritor, poder desvirtuar a reflexão, a razão e a
autodeterminação, na medida em que a literatura não é um domínio isolado,
retirado de todo o contexto da vida, que só consegue operar por meio do
sentimento.

De certo modo, para Platão, à literatura cabe a tarefa de fornecer regras morais e
de confirmar a ordem política, sem, todavia, se deixar tutelar, quando encarada
em termos de recepção, isto é, relacionando o objectivo geral - a realização do
homem - e a recepção da literatura. Como compreender a transição daquilo que o
ser humano é, pela sua natureza, de um estado de dependência de processos
biológicos, psíquicos e sociais para a autodestinação. E qual o papel que a arte pode
desempenhar em todo este processo?

A arte pode tornar o ser humano receptivo, para que ele atenda ao logos; pode, no
entanto, desviá-lo igualmente deste objectivo, fazendo que ele se feche ao logos.
O poder estético é, por conseguinte, ambíguo. Por um lado, ele é capaz de devolver
ao ser humano a capacidade de abandonar a sua auto-alienação, de fazer as pazes
consigo próprio, por outro lado, também é capaz de o manter preso à sua auto-
alienação e de o separar do seu si-mesmo racional, até à sua destruição na
loucura.”

88
A literatura leva até à consciência aquilo que, num primeiro momento, lhe é
estranho e incompreensível, ampliando, assim, as possibilidades de experiência e
o espaço de decisão do receptor. O ser humano, como ser finito que é, para o qual
o acesso ao mundo é sempre limitado, necessita da mediação através de outras
propostas interpretação e de compreensão do mundo, de forma a sair da sua
timidez e do seu isolamento, e poder compreender-se a si próprio, tanto na sua
diferença como na sua ligação aos outros.

Apesar de tudo o que tem sido dito, a crítica de Platão não visa a literatura em si.
(36) E nesse sentido, a concepção de literatura de Platão pode fundamentar um
modelo de didáctica da literatura que vise a “emancipação e autoconfiguração” do
ser, porque o próprio conceito de literatura integra este objectivo geral da
educação.

Serão necessárias estas observações para a fundamentação da didáctica da


literatura, quando esta se vê obrigada a obedecer ao objectivo da aprendizagem -
que consiste na leitura crítica - e que educa os alunos no sentido de desconfiarem
das estratégias de persuasão utilizadas nos textos literários? Será que essa
didáctica não encontrará nas perguntas concretas, orientação suficiente:

• Que objectivo procura o autor atingir com o texto?

• A quem serve esse texto?

• De que forma se encontra ele condicionado pela situação histórico-social?

• Que significado assume o conteúdo informativo transmitido para a esfera da vida


do aluno?

Se a crítica não conhecer as possibilidades e os limites do objecto, tornar-se-á mera


condenação do objecto, ignorando as possibilidades que ele proporciona,
tornando-se arbitrária e superficial.

Enquanto Platão, na interpretação de Rohrmoser, apreende a literatura a partir da


questão da realização do ser humano, Aristóteles, segundo Schadewalt, procura
entendê-la, tomando como ponto de partida o efeito que ela exerce no espírito do
receptor, sem preconceitos. Enquanto Platão criticara a entrega, sem reservas, aos
afectos de dor e de temor, como forma de auto-alienação, Aristóteles procura
demonstrar que esta entrega, numa perspectiva ética, não é nociva.

Segundo Schadewalt, Aristóteles insere a literatura no domínio do entretenimento


e do lazer. A Aristóteles interessava apenas a “caracterização mais exacta do prazer
e da alegria características da tragédia”, e não uma intenção pedagógica.
Aristóteles não compreende a arte na acepção de uma auto-realização do ser
humano, mas segundo critérios de higiene - terapêuticos. O espectador passa por
uma purificação, à semelhança de uma purga medicinal; associada, precisamente,
ao prazer, e este prazer é inofensivo.

Tendo em conta a interpretação que Aristóteles dá da literatura, temos um modelo


de fundamentação da didáctica da literatura completamente diferente do
pressuposto na doutrina de Platão. Um modelo em que a literatura tem uma
função recreativa e
89
compensatória. (38) Uma literatura liberta de todas as imposições de ordem ética,
política e noética..., espaço de fruição plena, de distensão e de alegria. Uma
literatura capaz de garantir o descanso das grandes massas, suprimindo as tensões
entre os vários estratos da população.

Duas concepções diferentes quanto ao efeito da literatura

A obra literária como proposta de sentido no qual o que está em causa é a “praxis
orientada para o sucesso”, exige do receptor que ele, por um lado, veja o que é
representado, projectado sobre as suas representações e normas e que, por outro,
ele ponha em causa as suas representações. O processo de recepção é uma
operação consciente e a realidade ficcional e a do receptor estão inter-
relacionadas.

De acordo com a segunda concepção, o processo de recepção é caracterizado por


o receptor se deixar dominar por aquilo que é representado na obra literária, de
tal forma que se esquece de si próprio e do mundo. Ele deixa-se submergir no
mundo da “bela aparência”, de modo que o mundo de sofrimento, com as suas
representações e normas, deixa de existir. Entre o mundo ficcional e a realidade da
praxis não deve existir qualquer relação.

Se a literatura não for definida, tomando como referência o horizonte de


motivação e o entendimento que o receptor tem de si próprio, ela, ou perde todo
o carácter vinculativo ou se torna objecto de manipulação.

A discussão actual em torno da didáctica da literatura

A - O método da redução explicativa: quando a literatura é explicada com base na


necessidade de distensão, alívio, distracção e compensação. Neste sentido,
explicar consiste em negar o objecto naquilo que ele tem de diferente.

B - Uma hipótese de escapar às consequências da aplicação do “método de redução


explicativa”: será a literatura não ser analisada em função de factores que a
condicionam, mas em função do “que, em última instância, interessa quer ao poeta
quer ao leitor”.

Sumário

A relação didáctica entre a língua e a literatura não pode ser entendida como uma
relação de sucessividade ou sobreposição quando sabemos que é parte integrante
da competência do falante, a capacidade de explorar, desde as fases mais precoces
da sua actuação verbal, as virtualidades cognitivas e lúdico-catárticas de uma
relação autotélica com a língua.

AUTO-AVALIAÇÃO

Questões de Reflexão

1. Qual é o facto mais belo de uma definição de literatura?

90
Questões de Verdadeiro e Falso

2. Segundo o EDicionário de Termos Literários de Carlos Ceia não se ensina


literatura enquanto arte, mas antes os factos objectivos que instituem e
disciplinam essa arte.

3. Enquanto expressão artística, a literatura não é uma abstracção conceptual.

4. Os factos que nos permitem identificar objectivamente a expressão e indiciá-la


como fenómeno artístico é que constituem o lado ensinável da literatura.

5. Qualquer definição de literatura não é o fim da literatura e é o seu fim, no


sentido de finalidade determinada em função dos dados literários indiciados.

6. O que se ensina na verdade é o facto literário e não a abstracção do conjunto de


todos os factos que reconhecemos como literários e que constituem, em última
instância, a literatura.

7. A literatura-arte está nunca dependente da intervenção de um leitor para que a


sua existência original seja validada.

8. A literatura-arte depende exclusivamente do trabalho de um leitor sobre os


textos que se dizem literários.

9. Ensina-se literatura essencialmente porque investimos o nosso olhar naquilo que


faz essa literatura e não naquilo que a define aprioristicamente.

10. De acordo com Karl Otto Conrady, a Didáctica da Literatura será


entendida:

a) como uma ciência da mediação, a qual, ao transmitir os


conhecimentos dessa disciplina, deverá atender às capacidades e aos
conhecimentos limitados dos destinatários, enquanto a ciência da
literatura se poderá dedicar ao objecto, sem que tais limitações
constituam obstáculo.

b) como uma ciência da mediação, a qual, ao transmitir os


conhecimentos dessa disciplina, não deverá atender às capacidades e
aos conhecimentos limitados dos destinatários, enquanto a ciência da
literatura se poderá dedicar ao objecto, sem que tais limitações
constituam obstáculo.

c) como uma ciência da mediação, a qual, ao transmitir os


conhecimentos dessa disciplina, deverá atender às incapacidades e aos
conhecimentos limitados dos destinatários, enquanto a ciência da
literatura se poderá dedicar ao objecto, sem que tais limitações
constituam obstáculo.

d) Todas as alternativas estão correctas.

91
Respostas:

2. Verdadeiro

3.Falso

4.Verdadeiro

5. Falso

6. Verdadeiro

7. Falso

8. Verdadeiro

9. Verdadeiro

10.A

TEMA VII:INRODUCAO À ANÁLISE DO LITERÁRIO

Introdução

A obra literária é a representação perfeita da relação entre o homem e o mundo


em que vive. Vigora na literatura uma correspondência bastante acentuada entre
o sofrimento do sujeito enquanto ser agente, metafísico e o local da acção, espaço
material e mensurável. Essa dicotomia é que contribui para a criação da obra de
arte e é o que gera o conflito que vai desencadear um desfecho de acordo com a
intencionalidade do criador. Nesta unidade recapitulamos os níveis de análise
textual. Vamos tratar especificamente dos níveis pré-textual e sub-textual. Como
já anunciámos, a estes níveis se situam as circunstâncias externas à obra literária,
e as que explicam a produção da obra.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

92
Objectivos

➢ Analisar os textos literários de acordo com as circunstâncias de sua


produção.
➢ Analisar os textos tendo em conta os níveis.

Unidade 7.1.As Qualidades de uma Linguagem Literária

A ciência da literatura parece indicar o seu próprio objecto com a expressão;


literatura. Literatura abrange toda a linguagem fixada pela escrita. Ora é inegável
que há outras ciências que têm por objecto, no todo ou em parte, textos literários.
Todavia um texto jurídico, um dicionário, uma carta comercial, não pertencem,
evidentemente, ao número dos objectos da ciência da literatura.

É pois legítimo afirmar que as Belas Letras (Belles Lettres) são o objecto especial da
ciência da literatura, e que, em face dos outros textos, se apresenta como algo de
suficientemente diferenciado. (Kaiser, 1976, p.7).

A literatura superpõe ao plano do conteúdo o plano da expressão (o modo de dizer,


o como): reforça-se o conteúdo na expressão, isto é, o escritor não só procura
reproduzir o mundo, mas recriá-lo nas palavras. Assim, explora-se a função estética
do signo, que procura associações novas entre as palavras, que procura a
conotação.

Diz-se que literatura é um conjunto de obras literárias de uma Nação. O seu estudo
deve, por isso, abranger apenas obras literárias. Para ter literariedade uma obra
deve ser construída numa linguagem predominantemente estética_a linguagem
literária. São as seguintes as qualidades de uma linguagem literária arroladas por
Barreiros (s/d, pp. 13-14):

A linguagem literária cria, em parte, a realidade que exprime. Eminentemente


subjectiva, a linguagem literária não se ajusta a uma realidade externa que a
delimite, nem sequer procura exprimir directamente tal realidade. A sua finalidade
essencial é representar um mundo da ficção, mundo imaginário que ela cria,
mundo ao qual nos transporta e onde nos faz viver. Por outras palavras, a
linguagem literária invoca da na obra não tem um referente histórico.

Com isto não excluímos a possibilidade de a obra literária incluir na narração


personagens e lugares reais, nem ainda a de manifestar aberta a intenção de
aproximar o seu mundo de ficção do mundo real. O autor, mesmo sem pretensão
de retractar o universo verdadeiro e real, esforça-se por criar um universo tanto
quanto possível, verosímil. A verosimilhança com a realidade é o que a linguagem
literária representa; não a realidade em si.

A linguagem literária admite a pluralidade de significações. Ao contrário da


linguagem de carácter científico, que deve exprimir com rigor absoluto conceitos
rigidamente determinados,
93
sem ambiguidades, sem equívocos, a linguagem literária é manejada pelo escritor
como um símbolo plurissignificante.

O literato descobre e explora nas palavras sentidos que a evolução semântica


tornou obsoletos para o vulgo ou então relaciona sentidos próprios e figurados
dentro dos vocábulos e joga com eles. O leitor vai assim descobrindo infindos
matizes na frase, uma variedade de significações que são um deleitoso
divertimento para o seu espírito. E acontece que esta pluralidade de significação
não se limita a frases soltas, mas estende-se a partes importantes da obra inteira.
Os episódios retratados na obra prestam-se a diversas interpretações.

É por esta razão que as obras-primas, com o decorrer do tempo, ajustando à análise
e contemplação de sucessivos leitores, ganham inexaurível riqueza, no lugar de si
esgotar, de espremida, ou seja, a linguagem literária é ambígua e profundamente
conotativa. Daí afirmar-se que a obra de arte só está plenamente realizada com a
interpretação de cada destinatário, mas dentro dos limites que a ciência da
literatura impõe.

A linguagem literária estrutura-se sobre figuras e imagens, isto é, esforçando-se


por evitar vulgaridade, os lugares comuns, a rotina criada por linguagem falada, a
monotonia da expressão científica. A adjectivação desbotada pelo uso, as
metáforas gastas, o sentido linear dos vocábulos é, tanto quanto possível, posta de
parte. O escritor vai descobrir nas palavras sentidos só virtualmente presentes, por
isso ignorados do vulgo; constrói relações novas entre substantivos, adjectivos e
advérbios; lança mão de significações figuradas deste modo uma visão muito
subjectiva do mundo.

As figuras e imagens são muitas e variadas. Cada uma revela ao leitor um conteúdo
emotivo próprio, o qual as palavras, tidas em si mesmas, dificilmente poderiam
manifestar.

A linguagem literária vive da musicalidade inerente à fisicidade dos vocábulos. De


facto, as palavras, conjunto de sons articulados, na linguagem científica só tem a
missão significar. O leitor faz incidir a sua atenção no significante, sem se importar
com a sonoridade que constitui a essência física do significante. Não se dá o mesmo
na linguagem literária. Aqui, as palavras e as frases na sua essência física, ou seja,
na sequência de sons, surgem como autênticos valores estéticos de carácter
acústico. No Barroco e no Simbolismo, a fisicidade dos vocábulos foi
insistentemente explorada como importante elemento de valorização estética.
Como tal, o tratamento do signo linguístico é fundamental em qualquer texto
literário.

Unidade 7.2.Teses sobre o Ensino do Texto Literário

Num encontro em que lhe cabia apresentar, Aguiar e Silva (1998:13-14) formula
cada tese de modo conciso, sem tecnicismos teoréticos e terminológicos e faz
acompanhar cada tese de sucintos esclarecimentos e comentários. E porque a
linguagem é número, no sentido originário desta a palavra, e porque os números
se inscrevem no mais fundo da sabedoria dos deuses e dos homens, o autor,
propõe enumerar dez
94
teses, numa espécie de decálogo ou de via-sacra com dez estações para mediar e
ganhar esperança:

TESE I

O texto literário – mais propriamente, o texto poético – desempenhou, ao longo


de toda a história do Ocidente, um papel preeminente na formação escolar,
educativa e cultural dos jovens e não existem razões substantivas para que se
altere significativamente, e muito menos para que se abandone, essa herança
multissecular.

Entre a linguagem verbal, entre cada língua histórica, e a poesia existe uma
primordial e permanente relação ontológica, semiótica, social e cultural. Os textos
poéticos orais e escritos foram e são por excelência os espaços e os organismos da
constituição, do desenvolvimento e da ilustração das línguas históricas. Neles
coexistem, em tensão criadora, a exemplaridade e a normatividade linguísticas e a
inovação, a inventividade e a fantasia verbais, muitas vezes bordejando mesmo a
transgressividade e nessa fronteira de aventura e risco abrindo novos horizontes
de expressão e comunicação. Os textos poéticos – e neles incluo muitos dos textos
fundacionais das mitogonias e das religiões, como é o caso da Bíblia – são os textos
mais perduráveis, mais vivos e mais fecundantes, de todas as culturas.

Não se pode ensinar a língua sem o estudo da poesia, não se pode ensinar a poesia
sem o estudo da língua. A gramática, a retórica e a poética, três artes fundamentais
da cultura e da escola do Ocidente, têm como um dos seus pilares mais sólidos a
indissociabilidade da língua e da poesia. A grande filologia romântica e pós-
romântica conservou e renovou essa tradição, que foi prosseguida e aprofundada,
em quadros teóricos e metodológicos diversos, pela Estilística idealista, pelo
Formalismo russo e pelo Estruturalismo da Escola de Praga.

Infelizmente, grande parte da Linguística contemporânea, em especial a Linguística


gerativa e a Linguística derivada da filosofia analítica, operou uma cisão
terrivelmente empobrecedora entre língua e poesia, reduzindo a língua a uma
esfarrapada manta de retalhos cognitivistas e rasamente semântico-pragmáticos e
perdendo de todo o entendimento da língua como energia discursiva, como
produtividade textual, como modelação do mundo e do homem e como epifania
das potências, dos voos e das funduras da fantasia e da imaginação.

TESE II

Em todos os segmentos do sistema educativo, desde o 1.º ciclo do ensino básico


até ao ensino secundário, o texto literário não deve ser considerado como uma
área apendicular ou como uma área perifericamente aristocrática da disciplina de
Português, como uma espécie de quinta senhorial escondida nos arredores da
grande cidade da língua, mas como o núcleo da disciplina de Português, como a
praça maior dessa cidade, como a manifestação por excelência da memória, do
funcionamento e da criatividade da língua portuguesa.

Quando se diz “núcleo” e “praça maior”, se está a afirmar obviamente a


necessidade de estudar,
95
nos diversos segmentos do sistema educativo, outros tipos ou outras classes de
textos, numa polifonia, consonante e contrastiva, de vozes, de estratégias e de
arquitecturas discursivas. Retomando e afeiçoando ao meu propósito e argumento
um famoso símile de Wittgenstein, direi que, na cidade da língua, os subúrbios
proletários, as vielas dos bairros antigos, as ruas de azafamada actividade do
comércio e dos serviços, as avenidas e os largos residenciais, as pracetas de
elegante e discreto remanso, afluem à «praça maior», talvez o único lugar possível
de encontro, de cruzamento e de mescla, das variedades diatópicas e diastráticas
do tecido linguístico da urbe.

TESE III

Os textos literários lidos e estudados na disciplina de Português do ensino básico e


do ensino secundário devem ser escolhidos tendo em consideração os estádios de
desenvolvimento linguístico, psicológico, cognitivo, cultural e estético dos alunos,
mas devem ser sempre textos de grande qualidade literária, isto é, no sentido mais
lídimo da expressão, textos canónicos: textos modelares pela utilização da língua
portuguesa, pela beleza das formas, pela densidade semântica, pela originalidade,
pela riqueza e pela sedução dos mundos representados.

É urgente recuperar para os livros escolares de Português os significados


originários, tantas vezes esquecidos e desfigurados, das palavras antologia e
florilégio: colheita e colecção de flores, conjunto dos mais belos, gráceis e
esplendorosos textos. Dentro da relatividade e da pluralidade diacrónicas e
sincrónicas dos gostos, há que escolher com gosto os textos a ler e a estudar.

Defende-se, em particular, a ideia de que, ao longo dos três anos do ensino


secundário, deviam ser estudados o que denomino núcleos de textualidade
canónica, em número não muito elevado por cada ano. Denomino «núcleos de
textualidade canónica» textos ou corpora de textos cuja qualidade estético-
literária, cuja relevância linguística e cultural e cuja capacidade de irradiação
criadora sejam inequivocamente reconhecidas no campo da literatura portuguesa,
e que sejam adequadamente representativos dos diversos períodos ou estilos
epocais e dos diversos modos, géneros e subgéneros literários.

Reconhece-se que o conceito de cânone literário, presente na expressão e na ideia


de «núcleos de textualidade canónica», pode gerar ensino da literatura o conceito
de cânone é fecundo e mesmo indispensável, se não for construído como um
conceito imóvel, fechado, fundamentalista e ideologicamente manipulado.

TESE IV

Ao longo do ensino básico e do ensino secundário, a disciplina de Português, tendo


o texto literário como área nuclear, na perspectiva atrás delineada, deve
desempenhar um papel central na educação das crianças, dos jovens e dos
adolescentes, com o adequado aproveitamento das possíveis articulações dos
textos literários com textos pictóricos, com textos musicais e com textos fílmicos,
por exemplo.

A formação e o desenvolvimento da sensibilidade e do gosto estéticos não são um


luxo, um privilégio ou um adorno supérfluos, aristocráticos ou burgueses, pois que

96
constituem uma dimensão primordial e constante, antropológica e socialmente, do
homem. A escola de massas, que acolhe nos nossos dias crianças e jovens de
múltiplos estratos sociais, alguns deles culturalmente muito desfavorecidos, deve
desempenhar também neste domínio um papel emancipatório, proporcionando a
todos, a partir das suas diversidades culturais de origem e sem as humilhar ou
rasurar, o acesso a um capital simbólico que transcende as clivagens das classes e
dos grupos sociais. Os autores clássicos não pertencem, enquanto tais, a nenhuma
classe social.

Não se deve cair na tentação de ocultar aos jovens e adolescentes, em nome de


uma pedagogia catequeticamente optimista, os universos sombrios, trágicos,
cruéis e perversos da literatura de todos os tempos. A representação poética dos
sofrimentos, dos horrores eabismos da vida humana, como ensina Aristóteles, tem
um efeito catártico, regulador do equilíbrio das paixões e convulsões da alma. É
este um domínio particularmente complexo e melindroso, com implicações e
consequências psicológicas, éticas e sociais muito importantes. Se são de condenar
um entendimento e um programa angelistas da educação estética, reduzindo esta
a um catecismo beatificamente kitsch de virtudes privadas e públicas, cabe
igualmente rejeitar, no âmbito da escola, uma educação estética dominada pelo
negativismo corrosivo, pelo pessimismo antropológico, pelo niilismo desesperado.

TESE V

Uma língua e uma literatura e, por conseguinte, os textos, em geral, e os textos


literários, em particular, constituem-se e desenvolvem-se na temporalidade
histórica de uma comunidade social e de uma cultura, mas o reconhecimento da
sua historicidade não impõeque o estudo do texto literário, sobretudo no ensino
básico, seja dominado pela história literária.

O texto literário, nas suas estruturas formais, retóricas, estilísticas, semânticas e


pragmáticas, deve ser o fulcro do processo de ensino-aprendizagem e será a partir
da descrição, da análise, da interpretação e da valorização dessas estruturas que
se efectuarão as aconselháveis ou indispensáveis correlações e articulações com a
história da língua e da literatura, com os períodos literários e com os contextos
histórico-sociais.

É urgente, é terapeuticamente urgente, que os programas de Português do ensino


secundário, nas diversas áreas, deixem de impor o ensino abrangente da história
da literatura portuguesa, desde a poesiatrovadoresca até ao romance de Vergílio
Ferreira ou à poesia de Manuel Alegre. Não é com o ensino da história literária – e,
sobretudo, não é com o ensino de uma esquelética, esquemática e dogmática
história literária – que se seduzem e formam leitores e que se educa o gosto
estético-literário.

Os programas de Português do ensino secundário devem possuir portanto uma


coluna vertebral, digamos assim, textocêntrica, mas não devem confinar-se a um
textocentrismo extreme ou clausurado sobre si mesmo. A partir de cada “núcleo
de textualidade canónica”, com sustentação nas estruturas verbais, retóricas,
estilísticas, sémicas e pragmáticas dos próprios textos, deverá ser produzida e
transmitida a informação transtextual considerada como indispensável e
apropriada para tornar
97
mais rica, mais fascinante e mais rigorosa também a construção do sentido de cada
texto. Partir do texto e regressar sempre ao texto, mas tendo adquirido, antes e ao
largo do périplo textual, saberes e instrumentos de análise e compreensão que
permitam perfazer com segurança, mas sem destruir o mistério e a emoção da
descoberta, a viagem textual. A hermenêutica do texto literário co-envolve a
inteligência, a intuição, a sensibilidade, a emoção e o desejo, mas não dispensa os
saberes especializados, as regras metodológicas, as técnicas de análise pertinente.

Nos programas de Literatura Portuguesa do ensino secundário,os “núcleos de


textualidade canónica” devem ser equilibradamente representativos dos diversos
estádios da história da língua e da literatura. Quando digo “equilibradamente
representativos”, estou a excluir evidentemente hiatos, rasgões ou vazios, quer em
unidadescronológicas relativamente bem delimitadas como os séculos literários,
quer em entidades com fronteiras temporais mais difusas como as épocas e os
períodos literários, visto que tais vazios, rasgões ou hiatos tornariam opaca ou
mesmo impossível a compreensão da dinâmica dos processos histórico-literários.
Todavia, quando digo “equilibradamente representativos”, também não estou a
advogar qualquer critério aritmético de igualitária repartição diacrónica dos
«núcleos de textualidade canónica». A representação equilibrada deve assegurar a
compreensão da mencionada dinâmica, mas deve também, e principalmente,
manter uma relação de proporcionalidade com o valor reconhecido e atribuído aos
autores e aos textos (a referência a cânone implica a referência a valor). Nesta
perspectiva, não vejo qualquer razão impeditiva de que tais “núcleos de
textualidade canónica” pertençam predominantemente ao século XVI e à época
moderna e contemporânea – desde o Romantismo até aos nossos dias –, em
especial no que diz respeito aos programas destinados aos alunos das áreas de
Ciências Exactas e Naturais e de Tecnologias. Estes últimos programas, sem
descurarem a articulação do estudo dos textos literários com a consolidação e o
apuro do conhecimento da língua portuguesa – este deve constituir um objectivo
primordial e permanente de qualquer programa de Literatura Portuguesa –, devem
conceder sobretudo relevância às dimensões antropológicas, éticas e sociais da
literatura, de modo a enraizar e a fazer florescer nos alunos uma formação
humanística que dialogue, como sabedoria, com a sua formação científica e
tecnológica.

O modelo de programa de Literatura Portuguesa que proponho para o ensino


secundário tem fundamentalmente os seguintes objectivos: reduzir a extensão dos
programas; diminuir a massa de informação histórico-literária a transmitir e a
decorar; formar leitores que leiam com gosto, com emoção e com discernimento,
na escola, fora da escola e para além da escola. Se se quiser, um modelo de
programacom o objectivo de formar leitores para a vida, no sentido plural desta
expressão: leitores para toda a vida e leitores que buscam nos textos literários um
conhecimento, uma sabedoria, um prazer e uma consolação indispensáveis à vida.

TESE VI

É importante que, desde o 3.o ciclo do ensino básico e ao longo do ensino


secundário, se preste a devida atenção às estruturas formais e semânticas que no
texto literário relevam dos modos, dos géneros e dos subgéneros literários, pois
que as determinações e os
98
condicionalismos arquitextuais são factores relevantes para a didáctica do texto
literário. Um texto lírico, por exemplo, não pode ser estudado à luz demodelos de
análise aplicáveis a textos narrativos.

Os modelos de descrição e análise textuais de matriz arquitextualnão podem,


todavia, ser utilizados mecanicamente, como se o sentido de um texto fosse
inteiramente subsumível naqueles modelos. Em última instância, o professor e o
aluno têm de ler e interpretar um texto literário concreto e irredutivelmente
individual, num diálogo hermenêutico entre as estruturas textuais e a memória, a
informação,a sensibilidade e a imaginação do leitor-intérprete.

O acto interpretativo deve ser sólida, rigorosa e coerentemente apoiado na forma


do texto, na forma da expressão e na forma do conteúdo, e na
informaçãolinguística, literária e cultural do leitor, mas não é
cientificamentedeterminável. Ler e interpretar um texto literário é um acto crítico,
ou seja, é um acto que envolve e comporta hipóteses e juízos que não
sãocientificamente controláveis. Por isso mesmo, não há uma interpretação ne
varietur de um texto literário, o que não significa que toda e qualquer
interpretação seja legítima e admissível e que não existam critérios para distinguir
as interpretações fundamentadas das interpretações forçadas, arbitrárias ou até
aberrantes. O professor tem de saber traçar cuidadosa e prudentemente a
fronteira entre a legítima e saudável, a todos os títulos, liberdade crítica e
hermenêutica e aconfusão e o laxismo interpretativos.

TESE VII

A leitura e a interpretação dos textos literários devem ser para os alunos uma
viagem guiada pelo professor com segurança, mas com delicadeza e com discrição,
de modo que o aluno seja efectivamente um leitor com identidade própria, isto é,
um leitor que lê com a sua memória, a sua imaginação, a sua experiência vital, as
suas expectativas e os seus conhecimentos linguísticos-literários. É necessário que
as emoções – a alegria, a tristeza, a angústia, a piedade, a indignação a revolta... –
, fundamentais nos jovens e nos adolescentes, não sejam asfixiadas ou esterilizadas
no acto de leitura por impositivas grelhas de leitura ou por modelos analítico-
interpretativos de aplicação mecânica.

Na educação estético-literária, é indispensável alcançar o que alguns especialistas


da ciência cognitiva designam por «conhecimento quente» (hot cognition), ou seja,
um conhecimento que está profundamente ligado às emoções e aos afectos. As
emoções não são um factor de perturbação ou um resíduo impuro da experiência
estético-literária, pois constituem a resposta natural e insubstituível do leitor às
representações do mundo, da vida e do homem que o texto literário lhe
proporciona. Nesta perspectiva, as emoções e os afectos são indissociáveis do
conhecimento do mundo e da vida e do conhecimento de si próprio que o texto
literário possibilita e desenvolve no leitor. As opiniões, as crenças e os valores do
leitor são interpelados pelo texto literário a nível da inteligência e a nível da
sensibilidade e dos afectos, num diálogo em que a inteligência clarifica e depura as
emoções e em que estas vivificam e fertilizam a inteligência. Este processo
interactivo da razão e das emoções, mediado pelas formas linguístico-textuais,

99
constitui uma das mais valiosas contribuições das humanidades para a educação
da criança, do jovem e do adolescente.

TESE VIII

Os textos literários, pelo modo como utilizam, reinventam e potenciam, sob todos
os pontos de vista, a língua portuguesa e pela sua ligação memorial ao destino e à
aventura de uma terra, de um povo e de uma cultura, constituem o thesaurus por
excelência da identidade nacional. Desde a poesia trovadoresca, porém, até à obra
de Fernando Pessoa, de Vergílio Ferreira ou de Carlos de Oliveira, os textos
literários têm sido também o lugar de diálogo criativo com outros textos de outros
povos, de outras terras, de outras culturas. A identidade nacional não é uma ilha,
uma cidadela ou uma prisão. Tal como a identidade individual se constrói no
diálogo com o(s) outro(s), assim a identidade de um povo e de uma nação se vai
plasmando, num processo interminável, no diálogo com as culturas de outros
povos e de outras nações. Camões, Garrett, Eça ou Fernando Pessoa não teriam
escrito a obra que escreveram sem o diálogo intertextual que mantiveram com
Petrarca, com Sterne, com Flaubert, com Walt Whitman. Os grandes textos
literários nunca nos clausuram num nacionalismo míope e bafiento: religam-nos à
Europa e ao mundo.

TESE IX

Na análise e na interpretação dos textos literários, deve ser utilizada com


parcimónia, com clareza e com rigor, a terminologia das metalinguagens
linguísticas e literárias. Sublinho com parcimónia, porque a inflação de tais
terminologias terá um efeito devastador na relação dos alunos com os textos. No
3.o ciclo do ensino básico e sobretudo no ensino secundário, torna-se
indispensável, porém, fornecer aos alunos termos e conceitos fundamentais da
gramática, da linguística, da retórica e da poética, mostrando, a partir dos textos e
com os textos, a sua utilidade heurística, cognitiva e hermenêutica.

TESE X

Os textos literários no Ocidente são, desde há cerca de vinte e cinco séculos,


predominantemente textos escritos. Nas suas macroestruturas técnico-
compositivas e nas suas microestruturas retóricas e estilísticas, os grandes textos
literários são as mais belas, as mais complexas e as mais rigorosas manifestações
da língua escrita. Por isso mesmo, deve o estudo dos textos literários ser orientado
poeticamente, isto é, a arte de ler e interpretar deve induzir e incentivar nos alunos
o desejo e o gosto de escrever.

O texto literário escrito, se é um objecto percepcionado e apreendido visualmente,


possui uma corporeidade verbal em que o ritmo, a música, o rosto fónico das
vogais, das consoantes, das sílabas, das palavras e dos sintagmas desempenham
uma função nuclear. O corpo do texto só pode ser conhecido e apreciado em todo
o seu esplendor, em todos os seus segredos, mistérios e fascínios, se for
literalmente incorporado pelo leitor, se o leitor dele amorosamente se apoderar
pela leitura em voz alta. Dizer um poema é uma forma soberana de entender um
poema.

100
Unidade 7.3.Níveis e Métodos de Análise de Textual

A explicação da obra literária numa perspectiva biografista constitui, sem dúvida,


a forma mais simplista e linear de tentar penetrar nos meandros significativos do
objecto de análise. Inspirando no princípio concebido e difundido por Sainte-Beuve
de que a um certo temperamento corresponderia forçosamente uma determinada
obra, o estudo biografista da literatura preocupa-se fundamentamente em
devassar os pormenores mais íntimos da vida do escritor – das relações relações
de parentesco às condições concretas de existência, da formação intelectual às
leitura, preferências literárias, situação profissional, ligações de amizade, posição
económica, etc. Deste modo, colocando à tónica da sua elaboração crítica no
conjunto de circunstância de implicação individual que pré-existem relativamente
ao texto literário, o crítico delineia uma imagem, por vezes, do homem que foi o
escritor, servindo-se, para tanto, das informações ou indícios que julga poder
recolher na obra que lê, utilizando-a mais como documento do que como objecto,
estético, tenta, portanto, encontrar nela a projecção da problemática estritamente
pessoal que caracteriza a existência do autor.

(i) Nível pré-textual

Segundo Matos, M, apud Taine, “o famoso método que faz (sainte-Beuve), o


mestre insdiscutível da crítica do século XIX, este método consiste em não separa
o homem e a obra, a considerar que não é indiferente para julgar o autor de um
livro (...) ter primeiro respondido às diferentes questões que parecem mais
estranhas à sua obra (...) rodear-se de todas as informações possíveis sobre um
escritor, coleccionar a sua correspondência, a interrogar os homens que o
conheceram, conversando com os que estão vivos, lendo o que eles puderam
escrever sobre ele, se já morreram, este método desconhece o que um convívio
um pouco profundo connosco mesmo nos ensina: que um livro é o produto de um
eu diferente daquele que nós manifestamos nos nossos hábitos, na sociedade, nos
nossos vícios.”

A contestação deste método baseava-se no facto de esses estudos postularem


uma relação linear e directa entre a vida e a obra, segundo a teoria romântica da
expressividade: a obra exprimiria o autor com sinceridade, o que sabemos não ser
exacto; quantas vezes uma obra surge precisamente em contradição com a vida,
para contrabalançar limitações fracassos.

Houve ainda outras razões para desvalorizar o biografismo: estudios da literatura,


não dispondo de documentação que permitisse reconstituir a vida de um autor,
procuraram na obra ecos de alegadas experiências biográficas, o que deu lugar à
invenção de biografias fantasiosas que, ainda por cima distorcem o sentido dos
textos.

Estes pressupostos, como é bom de ver não encorajam a procura da génese da


obra nas circunstâncias biográficas do autor.

Ainda no domínio do estudo da génese de uma obra, a história literária investiga


as fontes e influências. Qualquer texto nasce no âmbito de uma tradição, tendo
origem e no seu processo de elaboração estímulos que partem de obras anteriores

101
ou contemporâneas lidas pelo autor.

Este tipo de estudo, de modo semelhante ao do biografismo, mereceu reservas


porque foi frequentemente praticado sem ter em conta a elaboração que o texto
faz da fonte que assimila. Desta feita, o anunciar das fontes e influências pode
apresentar-se como mero inventário que pouco esclarece o texto em estudo. Ou
então, pode aparecer como uma colecção de influências, colagem de textos
alheios, se a perspectiva adoptada for a da erudição seca e factual. Ora importa ter
em conta que não serão os textos alheios que se tornam estímulo para a obra nova,
mas antes o escritor desta encontra neles ecos de aspirações ou de problemas que
são seus, e que de alguma forma se articulam com as suas necessidades
expressivas.

Na sequência deste tipo de estudos, tem-se vindo que a tomar consciência de que
nenhum texto vive isoladamente; pelo contrário, surge inserido num vasto sistema,
o sistema literário; e aí, entra em diálogo, aproveita, cita, contradiz ou paródia
textos anteriores ou contemporâneos. Este domínio é hoje denominado
intertextualidade. Nenhum texto nasce do nada. O seu autor conhece, melhor ou
pior, uma série de obras cujos ecos se repercutem no texto que cria.

A tentativa de delimitar determinados percursos de acesso corresponde antes de


mais à confirmação da ideia de que não é possível conceber uma leitura que
totalmente esgote as virtualidades significativas da obra literária; para além disso,
a delimitação a que nos referimos revelar-se-á extremamente útil porque poderá
fazer, a partir dela, uma ideia mais justa e cabal da capacidade operatória das
distintas metodologias críticas. Deste modo, propomo-nos encarar a abordagem
crítica de um texto literário a partir da concepção de três níveis distintos: um nível
pré-textual ao qual interessam primordialmente as circunstâncias externas que,
envolvendo a existência da obra literária, não explicam forçosamente a sua criação;
um subtextual efectivamente responsável pela gestação da obra literária; e um
nível textual em que se encontra comprometido prioritariamente o próprio texto.

Porque na unidade anterior falamos dos elementos que correspondem à um nível


pré-textual, daqui em diante, falaremos dos dois últimos.

(ii) Nível sub-textual.

A referência a um nível sub-textual inspirador de um certo tipo de abordagem


crítica do texto literário obriga, antes de mais, a tentar estabelecer os termos em
que uma concepção se define. Deste modo, entendemos como sub-textual o nível
em que é possível detectar certos impulsos e factores, de carácter individual ou
colectivo, que, encontrando-se subjacentes e latentes em relação ao nível textual,
estão ao mesmo tempo disponíveis para serem actualizados pela concretização do
texto literário. Em certo sentido, uma tentativa de definição como a que
enunciamos não pode deixar de ser relacionada com o conceito de genotexto. Por
outro lado, o nível subtextual definido não se identifica também com a concepção
determinista da criação literária defendida pelos histórico-literários de feição
marcadamente positivista, tal não acontece porque a análise literária
fundamentada na delimitação do espaço sub-textual não se baseia na descoberta
de relações lineares no que respeita aos factores responsáveis pela criaçào do
texto, mas sim na ideia de
102
que o discurso literário reflecte de modo distorcido e não especular essas
motivações genéticas.

(iii) Nível textual

A fixação da leitura crítica no nível textual relaciona-se de alguma maneira com as


conquistas teóricas recentemente alcançadas no domínio da teoria do texto.
Referimo-nos em particular a noção teorizada e divulgada por Jean Bellemin- Noel:
a noção de ante-texto. Este autor encara o ante-texto como possibilidae de
desortinar a gestação de sentidos patenteados pelo texto literário. o conceito de
ante-texto permite superar determinadas carências metológiacs. Em primeiro
lugar, porque constitui uma alternativa para a génese artística tal como a história
literária a concebia, já que substitui as preocupações pré-textuais (fontes,
influências, etc.) por considerações relacionadas, por exemplo, com a semântica,
com a métrica, com a retórica ou seja, com características especificamente
estéticas do texto literário. el segundo lugar lugar, porque, procurando a
antecedência do texto mais do que os seus antecedentes, o estudo da
problemática do ante-texto aparece dotado de um carácter dinamico que neste
momento nos interessa vincar. É esse carácter dinâmico que vamos, para já
reencontrar na referência à intertextualidade.

Sumário

Para se conseguir que o aluno se torne um leitor crítico, o ensino deve colocar o
texto como uma possibilidade de reflexão e recriação, associando a actividade de
leitura à produção de outros textos pelos alunos e facilitando a expressão de suas
visões sobre o texto. Porém, sabe-se que o professor encontra-se diante de uma
realidade educacional que não permite em termos de estrutura, um trabalho
diversificado em suas aulas. Para criar e inovar o professor precisa investir em sua
formação continuada e numa constante actualização.Os níveis auxiliam uma
análise mais consentânea e mais profícua.

AUTO-AVALIAÇÃO

Questões de Reflexão

1.Desenvolva estratégias específicas para tornar seus alunos como leitores críticos.

2.Refira-se, na sua opinião, aos objectivos da aula de literatura no ensino


secundário.

3.Resuma cada uma das dez teses.

4.Procure um ou dois textos de autores moçambicanos, como Noémia de Sousa,


José Craveirinha e, analise-os sob ponto de vista das circunstâncias e motivações
que explicam a sua produção.

5.Os textos literários no Ocidente são, desde há cerca de vinte e cinco séculos,
predominantemente textos escritos.

103
Questões de Verdadeiro e Falso

1.O corpo do texto só pode ser conhecido e apreciado em todo o seu esplendor,
em todos os seus segredos, mistérios e fascínios, se for literalmente incorporado
pelo leitor.

2. O corpo do texto só pode ser conhecido e apreciado em todo o seu esplendor,


se o seu leitor amorosamente não se apoderar pela leitura em voz alta. Dizer um
poema é uma forma soberana de entender um poema.

3. A leitura e a interpretação dos textos literários devem ser para os alunos uma
viagem guiada pelo professor com segurança, mas com delicadeza e com discrição,
de modo que o aluno seja efectivamente um leitor com identidade própria.

4. O aluno não deve ser um leitor que lê com a sua memória, a sua imaginação, a
sua experiência vital, as suas expectativas e os seus conhecimentos linguísticos-
literários.

5. Na educação estético-literária, não é indispensável alcançar o que alguns


especialistas da ciência cognitiva designam por «conhecimento quente» (hot
cognition), ou seja, um conhecimento que está profundamente ligado às emoções
e aos afectos.

6. As emoções são um factor de perturbação ou um resíduo impuro da experiência


estético-literária, pois constituem a resposta natural e insubstituível do leitor às
representações do mundo, da vida e do homem que o texto literário lhe
proporciona.

7. A ideia de que “As opiniões, as crenças e os valores do leitor são interpelados


pelo texto literário a nível da inteligência e a nível da sensibilidade e dos afectos,
num diálogo em que a inteligência clarifica e depura as emoções e em que estas
vivificam e fertilizam a inteligência” é avançada na 7ª tese.

8. O processo interactivo da razão e das emoções, mediado pelas formas


linguístico-textuais, constitui uma das mais valiosas contribuições das
humanidades para a educação da criança, do jovem e do adolescente.

Questões Escolha Múltipla

9. Qualquer texto nasce no âmbito de uma:

a) tradição, tendo origem e no seu processo de elaboração estímulos que partem


de obras anteriores ou contemporâneas lidas pelo autor.

b) tradição, tendo origem e no seu processo de não elaboração estímulos que


partem de obras anteriores ou contemporâneas lidas pelo autor.

c) tradição, tendo o seu desenvolvimento e no seu processo de elaboração


estímulos que partem de obras anteriores ou contemporâneas lidas pelo autor.

104
Todas as alternativas estão correctas.

10. A explicação da obra literária numa perspectiva biografista constitui, sem


dúvida, a forma:

a) mais simplista e linear de tentar penetrar nos meandros significativos do objecto


de análise.

b) mais complexa e linear de tentar penetrar nos meandros significativos do


objecto de análise.

c) mais simplista e linear de tentar não penetrar nos meandros significativos do


objecto de análise.

d) Todas as alternativas estão correctas.

Respostas:

1. Verdadeiro

2. Falso

3. Verdadeiro

4. Falso

5. Falso

6. Falso

7. Verdadeiro

8. Verdadeiro

9. A

10. A

TEMA VIII: ANÁLISE LITERÁRIA E PEDAGOGIA LITERÁRIA

Introdução

Nesta parte procura-se compreender as técnicas que fazem uma obra literária
eficaz, identificando-os nos livros que você lê e escrever um breve ensaio
explicando o que você identificou. A Análise Literária incentiva o aluno a pensar
sobre como e por que um poema, conto, romance ou peça foi escrito.

105
Objectivos

➢ Incentivar estudante para começar a pensar sobre o porquê a literatura


funciona através de conversa sobre questões para discussão.
➢ Dominar as técnicas para ensinar os alunos a escrever ensaios curtos como
respostas a algumas indagações.
➢ Cultivar o amor do estudante à leitura do texto literário e sua consequente
análise.

Unidade 8.1. Análise literária e pedagogia literária

Tentemos apreender de forma mais precisa o que é a análise literária e, depois


disso, quais as suas potencialidades pedagógicas.

Para Reis (1990: 138), etimologicamente, analisar significa decompor, captar e


descrever os elementos que integram um todo; o que significa operar um
movimento oposto à síntese. No que toca à análise literária, é corrente encontrar-
se em obras que dela se ocupam um equívoco que importa rebater: trata-se de
programar a análise, ou seja, prever um conjunto de comportamentos
invariavelmente repetidos perante qualquer texto, o que equivale a pensar que
todos os textos são idênticos, solicitando por isso um processo de descrição que
ignore as suas peculiaridades distintivas.

É certo que análise literária, por assim dizer, aquém de opções metodológicas
particulares, pode compreender movimentos fundamentais (a análise
propriamente dita e a interpretação), sem que isso corresponda a um roteiro
minucioso e constantemente repetido; mas também é certo que a natureza
literária do texto (e não estritamente linguística) obriga a ponderar os
componentes em que, sem prejuízo das dominantes de modo/género e de período,
se elabora uma singularidade estética: recursos estilísticos, estratégias ficcionais,
articulações temáticas, composição estrutural, etc.

Dir-se-á, por isso, que a análise literária é uma leitura que procura fazer uma
descrição circunstanciada dos elementos técnico-compositivos que integram um
texto e atingir, em conexão com essa descrição, as suas dominantes semânticas;
de acordo com critérios metodológicos previamente estabelecidos e sem postergar
a sua condição de exercício escolar, a análise literária implica também a formulação
de um juízo crítico, designadamente visando os termos em que se articulam os
elementos técnico-compositivos e os componentes semânticos.

Assim, o texto pode ser encarado como a sínese superiormente elaborada de uma
mensagem cultural (propriamente estética, ideológica, histórica) que envolve o
escritor e o seu tempo; e a análise literária, enquanto trabalho crítico e escolar,
levará o aluno a apreender os modos de construção artística dessa mensagem e a
atingir sentidos eventualmente situados para além da intenção consciente do
escritor.

106
A análise literária é uma análise de como vários dispositivos literários numa obra
de literatura, cuja função é para criar significado, e para enfatizar o tema do
trabalho.

A análise literária avalia o uso de conceitos literários importantes, tais como:


Enredo, Cenário Narração /ponto de vista, Caracterização, Imagens, Metáfora ou
símile, Tenor e veículo, Género, Irony / ambiguidade, Dicção, Ritmo e métrica e
Esquema de rimas.

A análise literária também pode analisar as influências externas sobre um texto,


tais como: Contexto histórico, Políticos, sociais contextos religiosos e Ideologia.

Análise Literária é decomposição de um texto em suas partes constitutivas, para


perceber o valor e o relacionamento que guardam entre si e para melhor
compreender, interpretar e sentir a obra como um todo completo e significativo.

A análise literária não se reduz, pois, ao comum comentário do texto, trabalho


colateral ao mesmo texto, que não vai até à sua essência, nem à sua explicação,
nem ao mero estudo da biografia do autor. Deve ir mais além, abrindo caminho
para a crítica, para a história, que investigará sobre o autor e os antecedentes da
obra; e para a teoria da literatura, que extrairá da obra os princípios susceptíveis
de formulação estética.

A análise de texto, ensina Nelly Novaes Coelho (0 Ensino da Literatura), é o esforço


por descobrir-lhe a estrutura, seu movimento interior, o valor significativo de suas
palavras e de seu tema, tendo em mira a unidade Intrínseca de todos esses
elementos. Pressupõe o exame da estrutura do trecho e da linguagem literária (o
vocabulário, o valor das categorias gramaticais usadas), o tipo de figuras
predominantes (símiles, imagens, metáforas… ), o valor da sintaxe predominante
(frase ampla ou breve, tipos de subordinação e coordenação, frases elípticas…), a
natureza dos substantivos escolhidos; tempos ou modos de verbo, uso expressivo
do artigo, da conjunção, dos advérbios, das preposições, etc., tudo em função do
significado essencial do todo. Uma boa análise de texto, isto é, de fragmento só
pode ser realizada quando o todo, a que ele pertence, tiver sido perfeitamente
interpretado.

Um esquema-roteiro para a análise crítico-interpretativa de uma obra pode ser:

a) Leitura lúdica para contacto com a obra. Essa leitura é feita pelo aluno
inicialmente.

b) Fixação da Impressão ou impressões mais vivas provocadas pela leitura. Essas


impressões levarão à determinação do tema.

c) Fixação do tema (ideia central, eixo nuclear da acção).

d) Leitura reflexiva norteada pelo tema, e pelas ideias principais pressentidas na


obra. É durante esta segunda leitura da obra que se Inicia a análise propriamente
dita, pois é o momento em que devem ser fixadas as características de cada
elemento estrutural.

107
e) Anotação meticulosa de como os elementos constitutivos do romance foram
trabalhados para Integrarem a estrutura global.

Esta anotação deverá obedecer, mais ou menos, a um roteiro disciplinador:

1) Análise dos factos que integram a acção (Enredo).

2) Análise dos traços característicos daqueles que vão viver a acção (Personagens).

3) Análise da acção e personagens situadas no meio-ambiente em que se movem


(Espaço).

4) Análise do encadeamento da acção e personagens numa determinada sequência


temporal (Tempo).

5) Análise dos meios de expressão de que se vale o autor: narração, descrição,


monólogos, intervenções do autor, género literário escolhido, foco narrativo,
linguagem, interpolações, etc.

A Análise do Discurso

A Análise do Discurso é considerada, assim, uma teoria de ruptura, o resultado de


uma série de reflexões filosóficas e epistemológicas, construídas a partir de críticas
ao realismo metafísico, platónico e do empirismo lógico aristotélico, cujas
representações de sentido se efectivam na dualidade lógica e retórica, em que a
primeira ressoa em relação à segunda.

Na sua prática corrente, a análise literária constitui uma actividade fortemente


influenciada pela Linguística e pela análise do discurso. Definida como a parte da
linguística que determina as regras que regem a produção de sequências de frases
estruturadas, a análise do discurso projecta-se sobretudo naqueles modelos de
análise literária marcados por uma concepção transfrásica do discurso literário.

A análise estrutural e em particular a análise estrutural da narrativa são tributárias


dessa concepção: com efeito, postula-se, regra geral, uma homologia entre as
estruturas das unidades transfrásicas, o que permite falar numa gramática
narrativa. Deste modo, considera-se que o texto, na sua globalidade, não se deixa
apreender como mera sequência de frases; funciona como uma unidade de nível
superior, cuja coerência é em grande parte assegurada pela vigência de unidades
de natureza transfrásica, asseguradas segundo regras combinatórias específicas.

A análise do conto popular russo levada a cabo por Propp teve, como é sabido, uma
influência decisiva na afirmação das potencialidades metodológicas da análise
estrutural da narrativa. Os trabalhos de Claud Bremond e Greimas a, sobretudo os
publicados nos anos 60 a 70, foram disso mesmo um testemunho flagrante, e a
análise estrutural da narrativa, proposta e episodicamente praticada por Barthes,
nem sempre de forma metodologicamente consistente, reafirma a orientação
translinguística já mencionada e realça a independência dos elementos que, numa
estrutura, asseguram a coerência do texto.

A evolução dos modernos estudos literários não deixa de fazer recair sobre a
análise estrutural reparos a que importa dar alguma atenção. Conforme observa

108
Reys (1989: 24) “uma das críticas mais justas que pode fazer à poética estruturalista
é a sua negligência pelos modos de expressas na literatura; a tradução de um relato
a uma estrutura de proporções subjacentes, por exemplo, priva-nos do texto, não
só de muitos dos seus significados, dos seus modos de representar, senão
simplesmente, das suas palavras. ”

Já análise semiótica não encara o texto como uma entidade fechada e de certa
forma estática: é o resultado de uma produtividade, orientada para a dinamização
de um processo de comunicação e significação. Do que se trata então, em primeira
instância, é de descrever os signos que estruturam o texto e os códigos de onde
revelam; a produção sígnica e a sua estruturação são, de um modo geral, uma
produção de sentido. O que suscita uma reflexão sobre os signos literários numa
tripla dimensão: semântica (no que toca à representação do sentido propriamente
dita), sintáctica (quanto aos modos de articulação sintagmática dos signos) e
pragmática (no que respeita aos efeitos dos signos sobre o seu receptor).

O materialismo foi a alternativa viável para a saída dos idealismos tanto de Platão
quanto de Aristóteles, atrelado ainda aos estudos da psicanálise.

É necessário destacar que a cientificidade da Análise do Discurso tem seu vínculo à


linguística, e que a formação de sua comutação teórica se efectiva via materialismo
althusseriano e a psicanálise lacaniana. Possenti (2005, p. 357) destaca que “A
Análise do Discurso pode tratar cada um desses ‘temas’ – mas os trará rompendo
com o que a linguística faz com cada um deles”.

Em relação às teorias filosóficas idealistas, o ideário de que a consciência cria a


existência se torna o ponto de contradição aos entendimentos da AD, pois o sujeito
teria em si a aura de criação, é ele que sabe, cria, domina os objectos. No
cruzamento teórico das bases da AD, pode-se perceber que o sujeito detentor de
sentidos é desconstruído.

São três regiões do conhecimento que apontam para essa reconfiguração: o


marxismo, que afirma a não transparência da história, a psicanálise, que “escuta”
a não-transparência do sujeito, e a linguística, que se constitui na não
transparência da língua. O que acarreta imediatamente dois deslocamentos
paralelos: o do sentido e o da própria língua, posta essa relação com a história. A
Análise do Discurso é a forma de conhecimento que se realiza em seu objecto – o
discurso – pela conjunção desses três modos de opacidade: a do sujeito, a da língua
e a da história. (Orlandi, 2002, p. 65)

Por isso, um dos principais cismas da AD é a desconstrução de um sujeito que tenha


domínio sobre o sentido e a língua deixa de ser vista como algo transparente, já
que as condições de produção do que é dito deslocam os próprios sentidos do dito
e do não dito.

Logo, a língua não é transparente, nem o sujeito é exterior a ela. O


‘desdobramento’ do sujeito – como ‘tomada de consciência’ de seus ‘objectos’ – é
uma reduplicação da identificação, precisamente na medida em que ele designa o
engodo dessa impossível construção da exterioridade no próprio interior do
sujeito. (Pêcheux, 1997, p. 172)

109
Discursivamente, é no sujeito que a língua acontece no homem, o qual não se
destitui de suas ideologias nem de seu inconsciente. Sendo que ocorre, na clivagem
do inconsciente e na interpelação ideológica do indivíduo, a constituição de um
sujeito assujeitado e demarcado pelos deslizes de sentido construídos em seus
discursos.

Faz-se mister destacar que não se pretende por meio da Análise do Discurso
polarizar uma relação entre língua e discurso, como na relação dicotómica de
Langue e Parole, de Saussure. Na acepção estruturalista, a língua era entendida
dentro de um sistema fechado em si mesmo, não pensada sua relação como o
mundo.

Unidade 8.2. Análise Literária e Didáctica da Literatura

A integração da análise literária na Didáctica da Literatura far-se-á com as cautelas


exigidas pelo nível de ensino em que essa integração se dá, bem como tendo em
atenção os objectivos que se pretendem atingir. Entre outros aspectos que essa
questão envolve, destaca-se o atinente às terminologias e ao aparado conceptual
a utilizar.

Em níveis de iniciação à leitra literária será contraproducente enlear o aluno em


termos rebarbativos que, levando-o a fixar-se no plano da utilização da
terminologia, conduzem inevitavelmente à subalternização do texto enquanto
entidade artística e à descaracterização da análise literária como leitura crítica.
Mas isso não impede que o professor de, dominando a metalinguagem dos estudos
literários e sendo detentor de um nível superior de informação teórica e
metodológica, orientar a análise literária por forma a atingir o ponto ideal da
conjugação entre dois comportamentos que o aluno são solicitados: por um lado,
o culto de uma argúcia e de uma capacidade de penetração crítica que uma
sensibilidade estética progressivamente amadurecida deverá favorecer, por outro,
o aperfeiçoamento de um discurso crítico que, superando os bloqueamentos da
simples paráfrase, se assuma inequivocamente como autónomo em relação ao
discurso literário. Por outras palavras, não é pela descrição mecânica de esquemas
rimáticos ou pela classificação de analepses que se legitima pedagogicamente a
análise literária, mas é importante que o professor saiba alertar o seu aluno para a
funcionalidade estético-semântica de certas regularidades fónico-estilísticas, no
texto poético, ou de determinados movimentos temporais, no texto narrativo.

Um outro aspecto relevante para a correcta integração pedagógica da análise


literária tem que ver com a determinação do seu nível e âmbito de trabalho. É
possível, segundo reis (1981: 62) “encarar a abordagem crítica do texto literário a
partir da concepção de três níveis distintos: um nível pré-textual ao qual
interessam primordialmente as circunstâncias externas que, envolvendo a
existência da obra literária, não explicam forçosamente a sua criação; um nível
subtextual efectivamente responsável pela gestação da obra literária; um nível
textual em que se encontra comprometido prioritariamente mas não
exclusivamente o próprio texto literário”.

Como é óbvio, não se trata de isolar rigidamente instâncias ou componentes do


texto literário. O que
110
importa é afirmar que a análise literária, em princípio, não tem que colocar
questões ligadas à génese do texto; cabe-lhe analisar e interpretar o texto
enquanto entidade acabada, sem com isso se pretender que a análise literária,
ultrapassando o que é o seu estatuto natural de exercício escolar, cumpra suas
funções, cumpra funções que competem, por natureza, à história literária, à
sociologia da literatura ou à crítica psicanalítica. Qualquer destes domínios, sem
procurarmos agora quais são as subcorrentes metodológicas ou articulações
internas, transcende a Didáctica da Literatura e exige uma utensilagem conceptual
e uma bagagem cultural que o aluno de Literatura, ao nível do ensino secundário,
obviamente não possui nem tem que possuir.

Que a fixação da análise literária no nível textual não obriga a uma leitura fechada
sobre si mesma, mostra-o a própria definição do texto literário como entidade
eminentemente cultural: como afirma Walter Mignolo, pode entender-se por texto
literário toda a “forma discursiva verbo-simbólica que se inscreve no sistema
secundário e que, ademais, é conservada numa cultura”. E acrescenta: “O literário
é apenas um caso particular do texto: o literário se define por um conjunto de
motivações (normas) que fazem possível a produção e recuperação de textos
enquanto estruturas verbo-simbólicas em função cultural. ” (Mignolo, 1987, pp.
56-57)

O texto literário não será, pois, lido e analisado como simples artefacto. Sublinha-
o indirectamente Cesare Segre, quando referindo-se à análise funcional do texto
literário, formula dúvidas quanto ao seu grau de suficiência: “A análise funcional
pode prescindir, no primeiro momento, de apelações à história. Põe em evidência
na obra de arte a totalidade de macro e microestruturas das que depende sua
eficácia; considera-a, em definitivo, como um organismo cujas partes são
mutuamente condicionadas e condicionantes. O problema é se a descrição deste
organismo coincide com a sua compreensão, e se, uma vez mais, existe
compreensão fora da história.” (Segre, 1970, p. 25)

Dotado necessariamente de coesão formal e semântica, o texto literário não deve


ser encerrado numa análise limitadamente funcional. Na medida em que participa
de uma semiose cultural alargada, os seus constituintes verbais e transverbais, bem
como a sua estrutura semântica (os elementos do co-texto) podem e devem ser
postos em relação com o extratexto (da História, da Cultura, das Ideologias, etc.),
com o intertexto (os outros textos que com ele dialogam) e com o arquitexto (as
determinações de modo e género literário). Assim, um soneto de Camões, um
trecho narrativo do Eurico o Presbítero ou uma ode de Álvaro de Campos podem
ser objecto de uma análise literária exercida de forma intensiva, mas a partir daí e
de modo extensivo, a analise literária pode conduzir a reflexões ideológico-
culturais, genológicas, etc. que acabam por confinar com os objectivos que
motivam a leitura da obra integral.

Unidade 8.3. Como Fazer uma Boa Análise Literária

Conhecer os aspectos básicos de uma narrativa é o primeiro pré-requisito para


fazer uma boa análise literária.

111
A análise literária é o acto de decompor um texto no intuito de observar cada
componente que o constitui. Ou seja, de estudar os aspectos integrantes de uma
narrativa. Desse modo, você conseguirá compreender, interpretar e assimilar os
sentimentos e valores de uma obra.

Porém, para atingir esse objectivo, é necessário aplicar correctamente a análise


literária, explorando todas as características do texto.

Por exemplo, um dos erros mais comuns de quem estuda romance é de não
conhecer os principais elementos que o integram. Do mesmo modo, não pode ser
considerada análise comentários escritos sobre um material, por mais correto ou
relevante que seja. Antes de quaisquer conclusões, é importante examinar todo o
corpo narrativo.

Por isso, para ajudá-los a realizar uma boa análise literária, separamos 7 itens a
serem explorados logo após a leitura da obra. Confiram:

1. Enredo

No texto narrativo, o enredo ou trama é responsável por sustentar a história. É


quem irá desenvolver ou construir o conteúdo por meio da conexão de fatos que
fundamentem a ação narrativa. Por meio dele, é possível encontrar o conflito ou
tensão no texto que motiva as personagens a se movimentarem. Onde está a força
principal de todos os acontecimentos? Quem segura o enredo? Lembre-se que
enredo e personagem dependem um do outro.

Como visto, todo enredo está presente na estrutura do conflito. Desse modo, para
analisar a obra, é necessário encontrar três pontos principais: o início,
desenvolvimento e clímax.

•O início expõe o conflito do romance, da situação que culminará em todo o


desenrolar da trama;

•O desenvolvimento são todas as consequências que o conflito trará, ou seja, os


níveis (baixo e alto) de tensão apresentados para serem resolvidos;

•O clímax são os acontecimentos finais da problemática; é onde ocorre o desfecho.

Obs.: É permitido iniciar uma obra pelo desfecho e, depois, serem apresentados o
início e o desenvolvimento do conflito. Isso pode ocorrer em obras que utilizam
flashbacks para narrarem os acontecimentos. Apesar da alteração da ordem
cronológica, esses três pontos (início, meio e fim) estarão presentes em todos os
textos narrativos.

Resumidamente, o enredo é o esqueleto de uma obra literária.

1. Tempo e espaço

O tempo e o espaço se referem ao contexto histórico e ao local onde a narrativa se


desenrola. No decorrer do texto, podemos encontrar os acontecimentos históricos,
presentes no romance, e determinar em que época a história se passa. Também é
possível identificar o local por meio dos ambientes e lugares citados.

112
O tempo e o espaço podem estar presentes numa obra de forma clara, ou seja,
diretamente mencionada pelo narrador ou personagem. Ou de forma mascarada,
quando apenas as descobrimos ao ligarmos alguns factores ao texto, como, por
exemplo:

1.Se a narrativa nos apresenta a época da ditadura, pressupomos que a história


acontece em meados de 1964 e 1985;

2.Se a narrativa cita a Rua do Ouvidor, concluímos que o enrendo ocorre no Rio de
Janeiro, porque essa Rua é famosa naquela cidade. Além disso, podemos identificar
o espaço por meio da descrição do ambiente e da análise do aspecto social de um
determinado lugar.

Obs.: Caso o tempo e o espaço não possam ser definidos, descreva-os como não-
identificados ou não-definidos. Há outro modo para tratar locais inexistentes,
como cidade/estado/país, é chamá-los de fictícios.

3. Narrador

O narrador é a entidade que conta a história, podendo se apresentar das seguintes


formas:

• Heterodiegético: narrador que não é personagem da história, esse é o mais


adotado pelos escritores;

• Homodiegético: narrador que faz parte da história, mas não é o


personagem principal;

• Autodiegético: narrador que é o personagem principal da narrativa,


protagonista.

Obs.: Dentro desses narradores, podemos encontrar a narrativa em 1ª e 3ª pessoa.


Contudo, em relação à 3ª pessoa, há ainda o narrador omnisciente (aquele que
sabe de todos os acontecimentos e as personagens), o qual pode se apresentar em
duas versões: intruso (quem se intromete na história) e observador (quem apenas
narra os fatos sem interferir). E em relação à 1ª pessoa, existe o narrador seletivo
(quem narra os fatos da forma que quer, podendo mascarar alguns aspectos ou
acontecimentos à sua maneira).

4. Linguagem

Por meio da linguagem é possível analisar a forma como a obra é escrita e até
mesmo narrada. Por exemplo, ao pegarmos um livro antigo, observamos que o
vocabulário é diferente do actual. Assim, o primeiro passo para estudar uma
narrativa de linguagem é verificá-la como simples ou rebuscada, formal ou
informal, culta ou marginalizada, etc.

Outro aspecto a ser adoptado é levantar os estilos de linguagem. Esse tipo de


estudo é complicado porque exige um pouco mais de conhecimento sobre o
assunto. Porém, em alguns casos são fáceis de serem identificados e sempre
acrescentam pontos para uma análise literária.

113
No livro O Cortiço, por exemplo, há alguns exemplos de figuras de linguagens. O
autor Aluísio de Azevedo utiliza o ‘animalismo’ ou ‘zoomorfismo’ para caracterizar
seus personagens com características animais.

No total, existem cerca de 21 figuras de linguagens – ter conhecimento básico


sobre cada uma delas é essencial para uma boa análise.

4.Personagens

As personagens devem ser analisadas tanto no aspecto físico como no aspecto


psicológico. Contudo, é necessário respeitar a ordem de importância das
personagens da seguinte forma:

• Personagens principais (protagonista(s) e antagonista(s));

• Personagens secundárias.

Obs.: A análise das personagens principais deve ser feita de forma mais completa.
Além das descrições físicas e psicológicas, podemos analisar alguns aspectos sociais
e históricos, se houver, como também traçar um perfil mais aprofundado sobre
suas motivações, desejos e anseios.

6. A importância da obra

Depois de todo esse processo de análise dos elementos que compõem uma
narrativa literária, você conseguirá discorrer sobre o livro como um todo. Basta
seguir a sua própria opinião, baseada nas estruturas textuais analisadas acima e, a
partir disso, determinar a importância de cada obra para a literatura.

Sumário

Para estudar um determinado texto, devemos fazê-lo como um todo até adquirir
uma visão global, para que possamos dominar e entender a mensagem que o autor
pretendia relatar quando escreveu. Os textos de estudos requerem reflexão por
aqueles que os estudam e, portanto, a leitura dos mesmos exige um método de
abordagem. Devemos compreender, analisar, interpretar e, para isso, temos que
criar condições capazes de permitir a compreensão, a análise, a síntese e a
interpretação do seu conteúdo. Analisar é decompor um texto completo em suas
partes para melhor estudá-las. Sintetizar é reconstituir o texto decomposto pela
análise e interpretar é tomar uma posição própria a respeito das ideias enunciadas
no texto, isto é, dialogar com o autor. Portanto, o núcleo da atenção do analista
sempre reside no texto, ou seja, o texto é ponto de partida e ponto de chegada da
análise literária.

AUTO-AVALIAÇÃO

Questões de Reflexão

1. Quais outros elementos que a natureza literária do texto obriga a ponderar?

114
2. Por que diz que a análise literária não se reduz, pois, ao comum comentário do
texto?

3. O que entende por a análise de texto?

4. O que pressupõe a análise de texto?

Questões de Verdadeiro e Falso

5. A análise literária é uma leitura que procura fazer uma descrição circunstanciada
dos elementos técnico-compositivos que integram um texto.

6. A análise literária não implica a formulação de um juízo crítico, designadamente


visando os termos em que se articulam os elementos técnico-compositivos e os
componentes semânticos.

7. O texto pode ser encarado como a síntese superiormente elaborada de uma


mensagem cultural (propriamente estética, ideológica, histórica) que envolve o
escritor e o seu tempo.

8. A análise literária, enquanto trabalho crítico e escolar, não levará o aluno a


apreender os modos de construção artística dessa mensagem e a atingir sentidos
eventualmente situados para além da intenção consciente do escritor.

5. O que avalia análise literária?

Questões de Escolha Múltipla

10. A análise literária avalia o uso de conceitos literários importantes, tais como:

a) Enredo, Cenário Narração /ponto de vista, Caracterização, Imagens, Metáfora


ou símile, Tenor e veículo, Género, Irony / ambiguidade, Dicção, Ritmo e métrica e
Esquema de rimas

b) Apenas a narração

c) Apenas a linguagem.

d) Apenas a intenção do autor.

Respostas:

5. Verdadeiro

7. Falso

8. Verdadeiro

9. Falso

10. Verdadeiro

115
TEMA IX: PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DO TEXTO LITERÁRIO

Introdução

Diz-se que literatura é um conjunto de obras literárias de uma Nação. O seu estudo
deve, por isso, abranger apenas obras literárias. Para ter literariedade uma obra
deve ser construída numa linguagem predominantemente estética_a linguagem
literária. A análise do texto literário invoca diferentes mecanismos ou
procedimentos dada a sua natureza complexa. Nesta unidade temática
debruçamo-nos sobre os pressupostos de análise textual comparada. Constituem
orientações metodológicas para esta análise: Afinidades Temáticas, Aproximação
de Motivos e Distanciamento. Decifrar os pontos convergentes e divergentes
corrobora com a perspectiva de análise numa dimensão comparatista.

Ao terminar esta unidade, você deve ser capaz de:

Objectivos

➢ Conhecer os pressupostos da análise comparada.


➢ Aperfeiçoar a análise comparada do texto literário.
➢ Descrever os pilares da análise comparada do texto literário.
➢ Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:
➢ Aperfeiçoar os instrumentos de análise estilística de um texto;
➢ Descodificar a mensagem subjacente numa figura de estilo.
➢ Delimitar os âmbitos e instrumentos de análise estilística de um texto;
➢ Caracterizar o modo como se estruturam os enunciados enfermados por
figuras de estilo e os contextos que presidem as figuras de estilo num text

Unidade 9.1. Métodos e Técnicas de Leitura

O estudo de um texto exige do leitor disciplina e disposição, o que nem sempre é


bem visto pelos leitores, diante da impressão de monotonia que, à primeira vista
causam os textos científicos. António Joaquim Severino apresenta o método de
leitura analítica, que, além de facilitar a compreensão de textos, leva o leitor a tirar
prazer do conteúdo das
116
leituras académicas. Esse método tem por objectivos: 1º - fornecer uma
compreensão global do texto a ser estudado; 2º - treinar à compreensão e a
interpretação crítica dos textos; 3º - treinar o desenvolvimento do raciocínio lógico;
e 4º - fornecer instrumentos para o trabalho intelectual desenvolvido nos
seminários, no estudo dirigido, no estudo pessoal e em grupos, na confecção

Diante das dificuldades a ser enfrentada pelo leitor, faz-se necessário o


estabelecimento de regras ou medidas a ser seguida. A primeira medida a ser
tomada é o estabelecimento de uma unidade de leitura. Unidade é um sector do
texto que forma uma totalidade de sentido. Severino (2007) considera a unidade
de estudo como sendo um capítulo, uma secção ou qualquer outra subdivisão. O
leitor deverá determinar a unidade de acordo com a acessibilidade ao texto,
natureza e familiaridade com o assunto.

A leitura analítica

A leitura de um texto deve ser feita de maneira contínua, evitando-se intervalos de


tempo muito grande entre as várias etapas de análise, classificadas segundo os
metodologistas em: análise textual, análise temática, análise interpretativa,
problematização, e síntese pessoal.

A análise textual

A análise textual constitui-se no primeiro contacto do leitor com o texto, e tem por
finalidade propiciar uma visão panorâmica, uma visão de conjunto do raciocínio do
autor, como também inserir o leitor no estilo e metodologia adoptado pelo autor
do texto. Nessa primeira leitura, o leitor fará um levantamento dos elementos
básicos necessário a compreensão do texto, tais como: colectar algumas
informações sobre a vida e obra do autor; assinalar as palavras desconhecidas do
seu vocabulário e efectuar uma pesquisa de seu significado para facilitar a
compreensão do texto; procurar esclarecimentos em fontes complementares, das
referências feitas pelo autor sobre factos históricos, outros autores ou outras
doutrinas.

Este trabalho de busca de esclarecimentos tem uma tríplice vantagem: em


primeiro lugar, diversificando as actividades de estudo, ele torna-se menos
monótono e cansativo; em segundo lugar, propicia-se uma série de informações e
conhecimentos que passariam desapercebidos numa leitura assistemática, em
terceiro lugar, tornando o texto mais claro, sua leitura ficará mais agradável e
muito mais enriquecedora. (Severino, 1996 p.53)

Ele ainda sugere que a análise textual pode ser encerrada com uma
esquematização do texto, ou seja, uma visão de conjunto da unidade (de leitura)
em várias etapas, de acordo com a sequência redaccional da mesma.

Muitos confundem o esquema com o resumo do texto, isso porque o esquema


permite uma visão total do texto conforme sua estrutura: introdução,
desenvolvimento e conclusão. Muito embora estes momentos não se apresentem
de forma clara ou explícita, é possível o leitor decompor o texto nestas três etapas
e depois fazer as divisões exigidas pela própria redacção no interior de cada uma
delas.

117
A análise temática

Vencida a primeira etapa da leitura analítica, o leitor deve possuir elementos


necessário para a compreensão da mensagem global veiculada na unidade. A
análise temática procura ouvir o autor e apreender sem intervir no conteúdo da
mensagem. É como se o leitor pudesse estabelecer um contacto com o autor, para
através de perguntas, descobrir o conteúdo da mensagem.

Como não podemos falar com o autor, busca-se saber do que fala o texto. A
resposta a esta questão revela o tema ou assunto da unidade. Mas nem sempre o
título da unidade dá uma ideia fiel do tema. Às vezes apenas o insinua, por
associação ou analogia. Neste caso é necessário tentar a apreensão da mensagem
do autor através da problematização do tema. Pergunta-se pois, ao texto em
estudo: como o assunto está problematizado? Qual dificuldade deve ser resolvida?
Qual o problema a ser solucionado? Captada a problemática, surge
espontaneamente o que o autor fala sobre o tema. A resposta a esta questão revela
a ideia central, proposição fundamental ou tese.

A ideia central pode ser considerada como uma hipótese geral da unidade e deverá
ser considerada para efeito de raciocínio. A outra questão a ser considerada é como
o autor demonstra sua tese, como comprova sua posição básica. Qual foi o seu
raciocínio, sua argumentação?

É necessário o leitor compreender que, é através do raciocínio que o autor expõe


passo a passo, seu pensamento e transmite sua mensagem. O raciocínio, a
argumentação, é o conjunto de ideias e proposições logicamente encadeadas,
mediante as quais o autor demonstra sua posição ou tese, que constitui a estrutura
lógica do texto. De posse desses elementos o leitor possui a base estrutural para
efectuar o resumo ou síntese de um texto.

A análise interpretativa

Interpretar é tomar uma posição própria a respeito das ideias enunciadas, é


superar a estrita mensagem do texto, é ler nas entrelinhas, é forçar o autor a um
diálogo. Das etapas da leitura analítica, esta é sem dúvida a mais difícil e delicada,
uma vez que os riscos de interferência da subjectividade do leitor são maiores.

A primeira etapa de interpretação consiste em situar o pensamento desenvolvido


na unidade de estudo e em verificar como as ideias expostas nesta unidade se
relacionam com as posições gerais do pensamento do autor.

A segunda etapa de interpretação consiste em situar o autor no contexto mais


amplo da cultura filosófica em geral, junto as suas posições aí assumidas, nas várias
orientações filosóficas existentes.

Vencidas as duas primeiras etapas, parte-se em busca de uma compreensão


interpretativa do pensamento exposto e explicitam-se os pressupostos que o texto
implica.

Num outro momento, estabelece-se uma associação uma associação das ideias
exposta no texto com outras ideias semelhantes, comparando as ideias temáticas
afins.
118
O próximo passo da interpretação é a crítica ou a formulação de um juízo crítico,
de uma tomada de posição, de uma avaliação cujos critérios devem ser delimitadas
pela própria natureza do texto lido.

Ao terminar a análise interpretativa, o nível de conhecimento do leitor ter-se-á se


ampliado em quantidade e em qualidade. Mas cabe aqui uma última observação:
uma leitura analítica responsável não requer um número determinado de leituras.
Tudo depende da extensão e complexidade da unidade de leitura, bem como da
capacidade analítica do leitor. O estudante deverá realizar tantas leituras quantas
se fizer necessário para a compreensão do que foi lido.

A problematização

A problematização é a quarta abordagem da unidade com vista ao levantamento


dos problemas para a discussão e a reflexão pessoal e principalmente em grupo. O
debate e a reflexão são essenciais a actividade científica, pois propiciam a
descoberta de questões que estão explícitas ou implícitas no texto.

A síntese pessoal

A discussão da problemática, bem como a reflexão a que ela conduz, devem levar
o leitor a uma fase de elaboração pessoal ou síntese. É a fase da construção lógica
de uma redacção própria, mas com base no texto lido.

Portanto, para analisamos um texto devemos fazer por etapas, possibilitando por
fim, a construção de um raciocínio global, obedecendo a algumas etapas de
análises: Análise Textual, que consiste em buscar informações a respeito do autor
do texto, verificar o vocabulário, entre outros, podendo ser finalizada com uma
esquematização do texto, tendo como finalidade apresentar uma visão de
conjunto da unidade; Análise Temática que procura ouvir o autor, apreender sem
intervir, fazendo ao texto uma série de perguntas, onde as respostas fornecem o
conteúdo da mensagem; Análise Interpretativa que visa a interpretação, segundo
situações das ideias do autor, faz-se uma leitura analítica, objectivando o
amadurecimento intelectual; Problematização visando o levantamento do
problema relevante, para a reflexão pessoal e discussão em grupo; Síntese Pessoal
que consiste na construção lógica de uma redacção, baseada na problemática
levantada pelo texto; e por fim conclui valorizando a leitura analítica como
responsável no desenvolvimento de posturas lógicas na vida do estudante-leitor.

Unidade 9.2. Pressupostos de Análise Textual Comparada

A literatura comparada pode ser compreendida como uma estratégia


interpretativa e ao mesmo tempo uma metodologia para a compreensão da
literatura no tempo e no espaço. A sua proposta básica é colocar lado a lado obras
que podem esclarecer-se mutuamente, e isso significa dizer que obras com
elementos de composição semelhantes podem, quando comparadas, servir de
referência uma à outra.

Da mesma forma, a comparação pode se dar pela análise de elementos que se


diferenciam, de modo que as diferenças de composição sirvam de esclarecimento
entre as obras abordadas.
119
As diferenças e semelhanças entre obras que uma abordagem comparativa pode
apontar dependem dos interesses do analista, uma vez que as obras a serem
comparadas podem ser colhidas de diferentes épocas e de diferentes espaços.

De modo genérico, podemos dizer que qualquer manual de literatura, seja


elaborado com critérios estéticos ou históricos, opera por comparação: ao propor
uma sequência de obras no tempo ou dentro de um período estético, o crítico está
colocando essas obras em situação comparativa e, necessariamente, o lugar que
elas ocupam na crítica é determinado por comparação.

Estratégias de comparação dos textos literários

A comparação entre textos literários pode obedecer às mais variadas motivações.


Podemos seleccionar textos para comparação motivados pelo interesse em
compreender como obras diferentes representam o mesmo elemento – por
exemplo, comparar a representação do mar em obras de Luís Vaz de Camões e
Fernando Pessoa. E também é possível ampliar o espectro da comparação ao
seleccionarmos autores de diferentes nacionalidades. A seguir apresentamos
algumas estratégias de comparação e suas respectivas motivações.

A. Comparação entre obras de diferentes autores na representação do mesmo


objecto

Um exemplo dessa estratégia seria a investigação dos modos de representação do


sertão brasileiro em obras de João Guimarães Rosa e Gracialiano Ramos. Uma
comparação entre as obras Grande Sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, e
Vidas Secas, de Graciliano Ramos, poderia elucidar as diferentes formas de
representar o sertão brasileiro e mesmo a diversidade de elementos que compõe
esse objecto – o sertão.

B. Comparação entre obras de diferentes autores na utilização do mesmo género


literário

Aqui o exemplo poderia ser a investigação dos modos de apropriação do género


teatral da tragédia por um autor como Nelson Rodrigues, na peça Vesti- do de
Noiva, em comparação com a realização do género trágico em uma obra como
Édipo Rei, de Sófocles. A comparação entre as duas obras poderia revelar que
Nelson Rodrigues se apropria dos elementos tradicionais do género trágico ao
mesmo tempo em que moderniza e actualiza alguns elementos, comparativa-
mente ao que podemos observar em Édipo Rei, de Sófocles.

C. Comparação entre obras de diferentes autores de diferentes nacionalidades

A comparação de obras de autores de nacionalidade francesa e de nacionalidade


portuguesa seria um exemplo dessa estratégia. Há estudos comparativos que
buscam investigar o tratamento do tema do adultério feminino em Madame
Bovary, do francês Gustave Flaubert, e O Primo Basílio, do português Eça de
Queirós.

D. Comparação entre obras de diferentes autores de diferentes épocas históricas

120
Um exemplo dessa estratégia seria a comparação entre a obra de um autor como
Gonçalves Dias, poeta romântico do começo do século XIX, e a obra de um autor
como Mário de Andrade, expoente do Modernismo brasileiro, no início do século
XX. Uma comparação como esta poderia elucidar os modos como se percebe a
nação brasileira em diferentes momentos de sua história.

De forma alguma as estratégias comparativas aqui propostas esgotam as


possibilidades de trabalho da literatura comparada: na verdade, apenas ilustram a
amplitude do campo de investigação que a literatura comparada estabelece. As
motivações para que se implemente uma investigação comparativa são infinitas,
uma vez que o próprio analista pode, de acordo com seus interesses de estudo,
propor elementos a serem comparados em obras variadas.

E há ainda a possibilidade de relação comparativa entre a literatura e outras artes


como, por exemplo, a pintura e o cinema. Dessa maneira, são propostas discussões
críticas muito produtivas, que esclarecem tanto os modos de funcionamento da
literatura como das artes com as quais ela pode ser comparada para fins de análise
e compreensão.

E. Comparar para interpretar

Nos estudos literários, as estratégias de comparação revelam um aspecto


recorrente na literatura: o facto de as obras “conversarem entre si”. Em termos
de teoria literária, essa permanente conversa entre as obras é chamada de
intertextualidade.

Se tomarmos para comparação um texto de 500 a.C., como o Édipo rei, vamos
perceber que há várias obras posteriores que “conversam” com esse texto tão
antigo – conversam no sentido de estabelecerem intertextualidade com Édipo Rei,
apropriando-se de formas de realização do texto e actualizando essas formas.

Há casos em que um autor cita directamente o outro, dando de imediato um


caminho para a comparação interpretativa. É o que acontece, por exemplo, com o
romance Amor de Perdição, do português Camilo Castelo Branco, em que o
narrador, a uma certa altura, cita os livros do francês Honoré de Balzac para
explicar que em Amor de Perdição os problemas das personagens são resolvidos
de modo diferente do proposto por Balzac nos seus romances. Essa
intertextualidade explícita faz com que o estudioso imediatamente se interesse em
comparar os romances de Camilo Castelo Branco com os romances de Balzac,
justamente para confirmar essas diferenças que o próprio autor aponta.

E vale ressaltar que a intertextualidade é uma prática muito antiga na literatura.


Podemos dizer até que esse é o modo de a literatura funcionar, citando a si
mesma. Em alguns momentos da sua história a intertextualidade esteve mais
visível ou com mais prestígio; em outros, a ideia de originalidade escondeu um
pouco as práticas intertextuais.

O desafio da literatura comparada, contudo, é justamente o de verificar em que


medida as obras se relacionam e como se dá a intertextualidade na relação entre
diferentes obras, de diferentes lugares e diferentes momentos históricos.

121
Unidade 8.3. Análise Intertextual

Deve haver no mais pequeno poema de um poeta, qualquer coisa por onde se note
que existiu Homero.

A novidade, em si mesma, nada significa, se não houver nela uma relação com o
que a precedeu. Nem, propriamente, há novidade sem que haja essa relação.
Saibamos distinguir o novo o novo do estranho, o que, conhecendo o conhecido, o
transforma e varia, e o que aparece de fora, sem conhecimento de coisa nenhuma.
Entre os escritores que descendem com novidade da velha estirpe incógnita há a
mesma diferença que há entre o homem que nos dá uma sensação de novidade,
por, falando mal nossa língua, nos dizer estropiadamente qualquer frase dela.
(Fernando Pessoa/Ricardo Reis, s/d)

Intertextualidade verbal apresenta como dimensão constitutiva múltiplas relações


dialógicas com outros textos. Estas relações dialógicas pressupõem
necessariamente a langue, que possibilita e garante a interindividualidade dos
signos, mas não existem no sistema linguístico, manifestando-se a nível da
enunciação e, por conseguinte, da produção textual.

O texto é sempre, sob modalidades várias, um intercâmbio discursivo, uma


tessitura polifónica na qual confluem, se entrecruzam, se corroboram ou se
contestam outros textos, outras vozes e outras consciências.

Fundamentando-se nos estudos de Bachtin, Julia Kristeva designou o fenómeno do


dialogismo textual com um termo destinado a conhecer uma fortuna excepcional
na teoria e críticas literárias contemporâneas: intertextualidade. Num do seus
ensaios sobre as teorias linguísticas e poéticas de Bachtin, escreve Kristeva que
«tout texte se construit comme mosaique de criations, tout es absorption et
transformation d̛ un autre texte. A la place de la notion d̛ intersubjectivité s̛ instale
celle d̛ intertextualité, et le langage poétique se lit, au moins, como double» .

Definindo-se a intertextualidade na acepção de Aguiar e Silva (2011: 624-625)


como uma interacção semiótica de um texto com o outro(s), definir-se-á intertexto
como o texto ou o corpus de textos com os quais um dado texto mantém aquele
tipo de interacção. Michael Riffaterre, com intento de evitar as ambiguidades e
interpretações resultantes de um conceito muito lato de intertexto, propõe que se
defina intertextualidade como uma relação rígida por uma identidade estrutural,
devendo ser considerados o texto e o seu intertexto como variantes da mesma
estrutura. Parece-nos que este conceito de intertextualidade e de intertexto, cujas
conexões com a metafísica estruturalista são óbvias, falseia a dinâmica da semiose
textual e se torna por isso inaceitável: nada comprova que os textos constituam
necessariamente uma reiteração especular de outros textos e que a
intertextualidade represente a actualização de elementos invariantes, a
manifestação variável de constantes formais e semânticas. Ocorrem fenómenos de
intertextualidade caracterizáveis em termos de identidade estrutural, mas
ocorrem também múltiplos fenómenos de interacção textual que são refractários
a tal caracterização. Se a intertextualidade decorre do princípio fundamental de
que não existe semiose ex nihilo e se a sua análise deve ter em conta a existência
de universais pragmáticos, semânticos e sintácticos, também é certo que a

122
intertextualidade constitui um fenómeno de semiose cultural, actuante na história
e no confronto das forças ideológicas e sociais, carecendo de convalidação
científica, a ideia de que os textos da cultura representam tão-só a modulação
metamórfica de matrizes atemporais.

Representando a intertextualidade uma característica de todos os textos verbais e,


mais latamente, de todos os textos semióticos, carece de fundamento conceber a
intertextualidade como marca distintiva do discurso e dos textos literários ou como
«âmago da experiência literária». Pode-se afirmar que o fenómeno da
intertextualidade desempenha, quer na produção, quer na recepção literárias, uma
função relevante, que não encontra paralelo em qualquer outra classe de textos.
Esta função correlaciona-se com o «paradoxo histórico-estético», com a
capacidade de o texto literário produzir, diacrónica e sincronicamente, múltiplos e
novos significados, com a singular riqueza formal e semântica da memória do
sistema semiótico literário.

Se a intertextualidade se define como a interacção semiósica de um texto com


outro(s) texto(s) é incorrecto e abusivo como a intertextualidade a manifestação,
na estrutura formal e semântica de um texto literário, de caracteres próprios de
outras artes como, por exemplo, a pintura e a música. Semelhante fenómeno, quer
apresente uma dimensão marcadamente transindividual, caracterizando neste
caso um estilo de época_ pense-se, por exemplo, na influência da pintura na poesia
descritiva do neoclassicismo ou na influência da música na poesia simbolista_,
ocorre porque o policódigo literário contém regras, preceitos e convenções que
permitem, legitimam ou valorizam as inter-relações formais e semânticas da
literatura com outras artes e não porque a produção de um determinado texto
literário envolva relações intertextuais com um determinado texto musical. Por
outras palavras, trata-se de um originário e substantivamente pertencente ao
plano sémico, ao passo que a intertextualidade pertence ao plano ético (embora,
como fenómeno de produção textual, se encontre regulada pelo sistema).

Consideramos igualmente incorrecto falar-se de intertextualidade a propósito de


características formais e semânticas que um texto compartilha com outros textos,
em virtude de um e outros se integrarem no mesmo género ou no mesmo
subgénero literários. Como no caso anterior, trata-se originariamente de um
fenómeno do plano sistémico e não, em rigor, de um fenómeno intertextual,
embora as regras e as convenções do género literário conduzam logicamente à
instauração e até à proliferação de fenómenos intertextuais entre textos do
mesmo género (o intertexto de uma égloga, por exemplo, será constituído
predominantemente por outras églogas).

Em função da natureza do intertexto, a intertextualidade pode ser exoliterária ou


endoliterária (esta distinção classificativa não implica que o texto literário
apresente apenas conexões de intertextualidade exoliterária ou de
intertextualidade endoliterária, pois que todo o texto literário depende, em grau
variável, de um intertexto não literário e de um intertexto literário). No caso da
intertextualidade exoliterária, o intertexto é constituído quer por textos não
verbais_ um texto pictórico, por exemplo, pode ter importantes relações
intertextuais com um texto literário_, quer por textos verbais não literários: obras
historiográficas, filosóficas,
123
científicas, ensaios, artigos de jornais, livros didácticos, enciclopédias, etc. No caso
da intertextualidade endoliterária, o intertexto é constituído por textos literários.

Embora a intertextualidade endoliterária seja normalmente mais relevante, a


intertextualidade exoliterária pode apresentar, em muitos casos, uma importância
de primeiro plano: em Os Lusiadas de Camões, algumas obras historiográficas
desempenharam uma função valiosa na produção do texto épico; o comentário de
Marsíleo Ficino ao Banquete de Platão exerceu profunda influência na produção
de muitos textos líricos do Renascimento; obras como o Portugal contemporâneo
e a História de Portugal de Oliveira Martins mantem relações intertextuais salientes
com os romances de Eça de Queirós como Os Mais e A ilustre casa de Ramires. A
intertextualidade exoliterária manifesta-se sobretudo nas estruturas semânticas e
pragmáticas do texto literário, ao passo que a intertextualidade endoliterária se
pode manifestar equipolentemente a nível de qualquer dos códigos discrimináveis
no poli código literário.

Como temos referenciado, nas entrelinhas deste texto, a intertextualidade é


entretecida pelo diálogo de vários textos, de várias vozes e consciências. Este
dialogismo, na sua dinâmica originaria e essencial, hetero-autoral: textos de Dante
interactuam com textos de Petrarca, textos de Petrarca representam matrizes
hipogramáticéas de textos de Garcilaso, textos de Garcilaso são absorvidos e
metamorfoseados por textos de Herrera…Conjuntamente com a intertextualidade
hetero-autoral, todavia, pode manifestar-se numa intertextualidade homo-
autoral: textos de um autor podem manter relações intertextuais_ e relações
privilegiadas_ com outros textos do mesmo autor, numa espécie de auto-imitação
marcada tanto pela circularidade narcisista como pela alteridade (ao auto-imitar-
se, ao auto-citar-se, o autor espelha-se a si mesmo e é, no entanto, já outro). André
Breton, por exemplo, ao escrever L`amour fou, incorpora e transforma neste texto
narrativo fragmentos de outro texto seu, Tourneso.

A intertextualidade homo-autoarl não deve ser confundida com um outro


fenómeno que Jean Ricardou designa de intertextualidade interna e que Lucian
Dallenbach prefere denominar auto-textualidade: um texto cita-se, repete-se,
glosa-se e espelha-se a si próprio, numa espécie de “mise en abyme”. Em nosso
entender, este fenómeno, que tende para uma impossível autarcia intratextual_
no fundo, mais uma metamorfose da mítica aspiração a uma linguagem adâmica_,
representa exactamente o contrário da intertextualidade.

A presença e a acção do intertexto num texto literário podem manifestar-se de


modo explícito: assim acontece com a citação, que consiste na reprodução total ou
parcial de um texto noutro texto, sem quebra da coesão semântica ou formal deste
último, com a paródia e com a imitação declarada, cuja existência depende stricto
sensu da existência do texto parodiado e do texto imitado. A intertextualidade
pode actuar de modo implícito, oculto ou dissimulado: assim sucede com a alusão,
com as referências crípticas, de natureza hermética e iniciática, a outros textos,
com a imitação de tipo fluido, etc.

A intertextualidade desempenha uma função complexa e contraditória nos


processos de homoestase e de mudança de sistema semiótico literário. Por um
lado, a intertextualidade representa a força, a autoridade e o prestígio da memória

124
do sistema da tradição literária: imita-se o texto modelar, cita-se o texto canónico,
reitera-se o permanente, cultua-se, em suma, a beleza e a sabedoria sub specie
aetermitatis ou, pelo menos, sub specie continuitatis. Por outro lado, a
intertextualidade pode funcionar como um meio de desqualificar, de contestar e
de destruir a tradição literária, o código literário vigente: a citação pode ser
pejorativa e ter propósitos caricaturais; sob o signo da ironia e do burlesco, a
paródia contradita, muitas vezes desprestigia e lacera, tanto formal como
semanticamente, um texto relevante numa comunidade literária, procurando, por
conseguinte corroer ou ridicularizar o código literário subjacente a esse texto, bem
como os códigos culturais correlatos, e intentando assim modificar o alfabeto, o
código e a dinâmica do sistema literário.

Quer a função corroboradora, quer a função contestatária da intertextualidade


dependem imediatamente da metalinguagem literária_, ou seja, A metalinguagem
do neoclassicismo justifica, aconselha e impõe a função corroboradora, ao passo
que a metalinguagem dos movimentos de vanguarda proclama a necessidade da
função contestatária e subversiva_ e, mediamente, da ideologia correlacionada
com aquela metalinguagem. Semântica e pragmaticamente, aliás, toda a
intertextualidade, mesmo quando aparenta circunscrever-se a uma simples
actividade lúdica, a um divertimento gratuito, nunca é ideologicamente inocente
ou asséptica, reenviando sempre, embora muitas vezes de modo dissimulado,
oblíquo e até oculto, uma cosmovisão, a um universo simbólico em que se acredita
ou que se denega.

Esta função dual desempenhada pela intertextualidade, nuns casos fortalecendo e


convalidando a homeostase do sistema literário, noutros casos contribuindo para
a sua alteração e até para a sua subversão, só aparentemente é contraditória , pois
representa uma manifestação específica da lógica profunda e da dinâmica de todos
os sistemas semióticos culturais. Em termos psicanalíticos, tal dualidade funcional
exprimir-se-ia pela “ansiedade da influência” analisada por Harold Bloon: todo o
novo grande poeta estaria vinculado por uma relação de tipo edipiano a um grande
poeta seu predecessor, representando este, ao mesmo tempo, a matriz, a tradição
e a autoridade à quais não é possível eximir-se e contra as quais trava uma luta
contínua, ora surda, ora aberta, na tentativa de impor a sua própria originalidade.
(Aguiar e Silva, 2011, p. 633)

B. Originalidade e Intertextualidade

Escrevo com frequência interpretações doutros poetas. Perguntam-me porquê?


Respondo precisamente citando um poeta: “J ̓' imite. Tout le monde imite, tout le
monde ne dit pas” (Aragon). Porém, os poetas nestas coisas não devem ser
tomados muito à letra. O poeta é um fingidor, etc.

Em todo o caso temos consciência, mais ou menos, que a poesia de cada um se faz
também com a poesia dos outros no permanente confronto da criação. Para
descobrir o há de pessoal em nós, para nos distanciarmos, já se vê. Mas não se foge
completamente a certos contextos literários mais afins. Encontramos sempre, com
maior ou menor conhecimento do facto, numa linhagem que nos convém e é
dentro dela que trabalhamos pelas nossas pequenas descobertas, mesmo os se
pretendem de uma total originalidade. Não há revoluções aliterações literárias que

125
rompam cerce com o passado. Olhem para elas, procure bem, e lá encontrarão
cartas fontes próximas oh até distantes. Claro, os escritores que contam são
aqueles que acrescentam ou opõem alguma coisa ao que já existe, ou exprimem
de maneira diferente, mas cortes totais, rupturas, não se dão. (Carlos de Oliveira,
O Aprendiz de Feiticeiro, 1971)

A literatura sempre esteve na direcção de diferenciação de géneros, de formas, de


estilos de escrita, de épocas, de temas, de personagens, de cenários. Embora, ao
longo da História, seus estudiosos tenham buscado um conceito que unificasse
essa proliferação ilimitada e lhe desse uma identidade, a contínua renovação,
impelida, no passado, pela emulação dos melhores e, modernamente, pelo ideal
da originalidade, impede que se pense num domínio claramente circunscrito.

Seja no interior das obras individuais, seja entre elas, seja no seu contorno imediato
ou mais distante, interpenetram-se características, de modo que conceitos como
literatura, culta literatura de massa, literatura popular, ou literatura nacional,
literatura universal, ficção/não-ficção perdem sua força delimitadora. Hoje se
torna impensável a noção de que a literatura só é tal quando produzida por um
génio, por uma espécie de inspiração inexplicável, que não deve nada à tradição
ou às instituições ou pessoas que formam o chamado sistema literário. As
bandeiras actuais são o hibridismo e a intertextualidade: nada provém do nada.

Mesmo os períodos literários não são estanques. Determinadas características de


um período podem passar para outro período. Acontece que determinada
convenção estética é comum aos vários períodos. Por exemplo, Camões pode
fazer-se eco de uma convenção própria do Romantismo e Antero, por sua vez, pode
não ficar alheio a outra que seja própria do Classicismo. Ademais, o que às vezes
nos parece modalidade estilística típica de um período vai surgir isoladamente em
vários períodos.

C. Variação da estrutura temática

As relações que definem a estrutura temática do texto esclarecem-se num campo


nocional de múltiplas dimensões.

Não se restringem, pois, a interacção de unidades significativas, mas estendem-se


a outros eixos da significação, tais como: as práticas intertextuais, as operações
metalinguísticas e os procedimentos que asseguram coesão e coerência do texto.
(Guimarães, 2004, p. 25)

As práticas intertextuais inscrevem o texto novo num campo intelectual já


conhecido do leitor, com quem estabelecem uma espécie de convivência pela
reutilização do material que remete a um “já escrito” que predetermina o texto e
lhe assegura a previsibilidade , desde a simples reminiscência até a citação.

A leitura linear cede o espaço a uma leitura em travessias e vinculações, fixando-


se na confluência de excertos emergentes de horizontes múltiplos.

Tomemos, por exemplo, o caso da citação_ instrumento intertextual capaz de


desempenhar várias funções, segundo a sua colocação na linearidade do texto.
Assim, podemos concebê-la como simples ilustração_ o próprio termo ilustração
referenciando bem a
126
possibilidade de uma função puramente ancilar da citação. Tomemos como
exemplo_ para não irmos longe demais_ a nota de roda pé abaixo, com a qual
ilustramos a noção de intertextualidade exemplificada na forma de citação.

Noutros contextos, o recurso da citação pode funcionar como um tema, tal como
acontece quando cumpre a função de epigrafe e aí se define como o factor de
vinculação do texto a um determinado sentido, quando não mesmo a um universo
literário. É exemplo disso O pirotécnico Zacarias, Murilo Rubião, colectânea de oito
contos precedidos de epígrafes bíblicas, estas com carácter funcional na história,
numa insinuação do sentido, em funda analogia com a linha temática dos contos.

Veja-se, por exemplo, a epígrafe que precede o conto “ O Edifício”: “Chegará o dia
em que os teus/pardieiros se transformarão/em edifícios;/naquele ficarás fora da
lei.”

Harmoniza-se com o tom profético da epígrafe a predição da lenda inserida no


conto, segundo a qual surgiriam graves desentendimentos entre operários,
atingindo o octingentésimo andar do edifício em construção.

A expressão bíblica “fora da lei” explica a realização da profecia, não obstante a


esperança do engenheiro construtor: “daqui para frente nenhum obstáculo
interromperá nossos planos! (os olhos permaneciam humedecidos, mas os lábios
ostentavam um sorriso de alvitez).”

É possível ainda atribuir-se à passagem que se representa no texto pela citação


uma função conclusiva, tal como acontece, por exemplo, no final do conhecido
romance de Umberto Eco, O nome da rosa, onde a citação latina “Stat rosa pristina
nomine, nomina nuda tenemus” traduz em síntese o espírito que vivifica a obra.

Texto-enxerto, a citação enraíza-se no seu novo meio, articulando-o com os outros


contextos e, assim, efectivando o trabalho de assimilação, que, ao lado do da
transformação, propõe-se como essência da intertextualidade. (Guimarães, 2004,
p. 27)

D. Tipos de Intertextualidade

Há muitas maneiras de realizar a intertextualidade sendo que os tipos de


intertextualidade mais comuns são:

•Paródia: perversão do texto anterior que aparece geralmente, em forma de crítica


irónica de carácter humorístico. Do grego (parodès) a palavra “paródia” é formada
pelos termos “para” (semelhante) e “odes” (canto), ou seja, “um canto (poesia)
semelhante à outra”. Esse recurso é muito utilizado pelos programas humorísticos.

•Paráfrase: recriação de um texto já existente mantendo a mesma ideia contida no


texto original, entretanto, com a utilização de outras palavras. O vocábulo
“paráfrase”, do grego (paraphrasis), significa a “repetição de uma sentença”.

•Epígrafe: recurso bastante utilizado em obras, textos científicos, desde artigos,


resenhas, monografias, uma vez que consiste no acréscimo de uma frase ou
parágrafo que tenha alguma relação com o que será discutido no texto. Do grego,
o termo “epígrafhe” é formado pelos vocábulos “epi” (posição superior) e “graphé”

127
(escrita). Como exemplo podemos citar um artigo sobre Património Cultural e a
epígrafe do filósofo Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.): "A cultura é o melhor conforto
para a velhice".

•Citação: Acréscimo de partes de outras obras numa produção textual, de forma


que dialoga com ele; geralmente vem expressa entre aspas e itálico, já que se trata
da enunciação de outro autor. Esse recurso é importante haja vista que sua
apresentação sem relacionar a fonte utilizada é considerado “plágio”. Do Latim, o
termo “citação” (citare) significa convocar.

•Alusão: Faz referência aos elementos presentes em outros textos. Do Latim, o


vocábulo “alusão” (alludere) é formado por dois termos: “ad” (a, para) e “ludere”
(brincar).

Outras formas de intertextualidade são o pastiche, o sample, a tradução e a


bricolagem.

Exemplos

Segue abaixo alguns exemplos de intertextualidade na literatura e na música:

E. Ilustrações da Intertextualidade na Literatura

Fenómeno recorrente nas produções literárias, segue alguns exemplos de


intertextualidade.

O poema de Casimiro de Abreu (1839-1860), “Meus oito anos”, escrito no século


XIX, é um dos textos que gerou inúmeros exemplos de intertextualidade, como é o
caso da paródia de Oswald de Andrade “Meus oito anos”, escrito no século XX:

Texto Original

“Oh! que saudades que tenho

Da aurora da minha vida,

Da minha infância querida

Que os anos não trazem mais!

Que amor, que sonhos, que flores,

Naquelas tardes fagueiras

À sombra das bananeiras,

Debaixo dos laranjais!”

(Casimiro de Abreu, “Meus oito anos”)

Paródia

“Oh que saudades que eu tenho

Da aurora de minha vida

128
Das horas

De minha infância

Que os anos não trazem mais

Naquele quintal de terra!

Da rua de Santo António

Debaixo da bananeira

Sem nenhum laranjais”

(Oswald de Andrade)

Outro exemplo é o poema de Gonçalves Dias (1823-1864) intitulado Canção do


Exílio, o qual já rendeu inúmeras versões. Dessa forma, segue um dos exemplos de
paródia, o poema de Oswald de Andrade (1890-1954), e de paráfrase com o poema
de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987):

Texto Original

“Minha terra tem palmeiras

Onde canta o sabiá,

As aves que aqui gorjeiam

Não gorjeiam como lá.”

(Gonçalves Dias, “Canção do exílio”)

Paródia

“Minha terra tem palmares

onde gorjeia o mar

os passarinhos daqui

não cantam como os de lá.”

(Oswald de Andrade, “Canto de regresso à pátria”)

Paráfrase

“Meus olhos brasileiros se fecham saudosos

Minha boca procura a ‘Canção do Exílio’.

Como era mesmo a ‘Canção do Exílio’?

Eu tão esquecido de minha terra...

Ai terra que tem palmeiras

129
Onde canta o sabiá!”

(Carlos Drummond de Andrade, “Europa, França e Bahia”)

F. Intertextualidade na Música

Há muitos casos de intertextualidade nas produções musicais, veja alguns


exemplos:

A música “Monte Castelo” da banda legião urbana cita os versículos bíblicos 1 e 4,


encontrados no livro de Coríntios, no capítulo 13: “Ainda que eu falasse as línguas
dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como
o sino que tine” e “O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor
não trata com leviandade, não se ensoberbece”. Além disso, nessa mesma canção,
ele cita os versos do escritor português Luís Vaz de Camões (1524-1580),
encontradas na obra “Sonetos” (soneto 11):

“Amor é um fogo que arde sem se ver;

É ferida que dói, e não se sente;

É um contentamento descontente;

É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;

É um andar solitário entre a gente;

É nunca contentar-se e contente;

É um cuidar que ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;

É servir a quem vence, o vencedor;

É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor

Nos corações humanos amizade,

Se tão contrário a si é o mesmo Amor?”

Igualmente, a música “GoBack” do grupo musical Titãs, cita o poema “Farewell” do


escritor chileno Pablo Neruda (1904-1973):

“Ya no se encantarán mis ojos en tus ojos,

ya no se endulzará junto a ti mi dolor.

Pero hacia donde vaya llevaré tu mirada

130
y hacia donde camines llevarás mi dolor.

Fui tuyo, fuiste mía. ¿Qué más? Juntos hicimos

un recodo en la ruta donde el amor pasó.

Fui tuyo, fuiste mía. Tú serás del que te ame,

del que corte en tu huerto lo que he sembrado yo.

Yo me voy. Estoy triste: pero siempre estoy triste.

Vengo desde tus brazos. No sé hacia dónde voy.

...Desde tu corazón me dice adiós un niño.

Y yo le digo adiós.

Portanto, a intertextualidade é um recurso realizado entre textos, ou seja, é a


influência e relação que um estabelece sobre o outro. Assim, determina o
fenómeno relacionado ao processo de produção de textos que faz referência
(explícita ou implícita) aos elementos existentes noutro texto, seja a nível de
conteúdo, forma ou de ambos: forma e conteúdo. Grosso modo, a
intertextualidade é o diálogo entre textos, de forma que essa relação pode ser
estabelecida entre as produções textuais que apresentem diversas linguagens
(visual, auditiva, escrita), sendo expressa nas artes (literatura, pintura, escultura,
música, dança, cinema), propagandas publicitárias, programas televisivos,
provérbios, charges, dentre outros. A Literatura comparada Consiste na proposta
de que uma obra literária pode esclarecer outra obra literária e vice-versa. Nesse
aspecto, faria sentido estudar Machado de Assis a partir de sua aproximação com
Shakespeare, por exemplo.

Unidade 8.4. Proposta de Análise Semiótica e Estilística

A análise estilística é o pano de fundo da análise textual literária. As figuras de estilo


são o perfume da linguagem literária, em razão disso, figurativa e conotativa. Este
nível de análise requer do leitor a capacidade de operar abstracções sem as quais
a compreensão torna-se impossível ou deficitária. Interpretar e analisar é, acima
de tudo, um processo de busca de significados que os significantes veiculam ou que
se supõe veicularem.

A abordagem estilística se preocupa em dizer quais são os aspectos sintácticos,


semânticos, lexicais, morfológicos e sonoros que caracterizam determinada obra.
Além disso, ela compreende pelo menos três estágios: a explicação, a valoração e
o arrolamento.

■Explicação – inicialmente, é preciso detectar e explicar certos fenómenos


linguísticos do texto que se quer analisar, estabelecendo as relações de interesse –
sejam elas biográficas, ideológicas ou estéticas. Tais fenómenos linguísticos se
configuram como selecção de vocabulário, repetição, organização sintáctica e
correlações semânticas, entre outros.

131
■Valoração – via de regra, não se separa totalmente da explicação, pois ao levantar
determinada característica linguística do texto já se diz se essa característica
“valoriza” o texto ou não. Trata-se de apresentar, paralelamente ao levantamento
dos fenómenos linguísticos, a sua importância e sua pertinência para o conjunto
de sentidos que o texto alcança.

■Arrolamento – significa fazer o rol, a lista de ocorrências linguísticas do texto. Essa


etapa também deve acontecer paralelamente à explicação, pois não há sentido em
descrever e arrolar (listar) os procedimentos linguísticos de um texto literário sem
atribuir-lhes um sentido, explicando-os e relacionando-os entre si.

Uma análise orientada para a valorização do signo e, neste momento, para o relevo
eventualmente conferido ao significado, fundamenta-se na noção de que toda a
linguagem literária é essencialmente plurissignificativa; o que implica a ideia de
que o discurso literário dificilmente se confina, do ponto de vista semântico, aos
limites estreitos de um sentido unívoco, mas antes se concebe como discurso
plurívoco em que confluem planos isotópicos. Para que se efective uma análise
estilística eficiente, esses planos deverão ser não apenas detectados, mas também
coerentemente interpretados, à luz de uma certa sensibilidade estética que
nenhuma leitura crítica pode dispensar.

Deste modo, não causará estranheza que uma das características específicas da
linguagem literária que de modo mais flagrante opera com o significado, receba,
no seio da análise estilística, atenção especial: refere-se ao carácter conotativo da
linguagem. Representando uma atitude subjectiva do escritor perante a
denotação, a conotação implica o estabelecimento de uma polivalência
significativa deduzida da imposição de valores suplementares sobrepostos a uma
função puramente informativa da linguagem.

Uma análise estilística que atente na importância das conotações que povoam o
texto não deve cingir-se à verificação da polivalência significativa, como não pode
limitar-se à noção de que essa polivalência, se estende à colectividade, de acordo
com a necessidade de funcionamento social da linguagem literária, mais do que
isso, uma análise estilística debruçada sobre a conotação deve empenhar-se em
enraizar a elaboração formal por ela responsável no estatuto ideológico e afectivo
do escritor responsável pelo estilo peculiar que enforma o texto literário.

A estilística vê a obra literária como linguagem que importa estudar nela mesma.
Os estudos estilísticos incidem sobre qualquer dos domínios gramaticais: ora sobre
a camada sonora, sobre a fonologia: os acentos, entoações, onomatopeia e outros
efeitos de motivação fonética, aliterações, harmonia; bem como sobre a prosódia,
articulação, etc.

A Análise Estilística

A análise estilística é o pano de fundo da análise textual literária. As figuras de estilo


são o perfume da linguagem literária, em razão disso, figurativa e conotativa. Este
nível de análise requer do leitor a capacidade de operar abstracções sem as quais
a compreensão torna-se impossível ou deficitária. Interpretar e analisar é, acima
de tudo, um processo de busca de significados que os significantes veiculam ou que
se supõe veicularem.
132
Uma análise orientada para a valorização do signo e, neste momento, para o relevo
eventualmente conferido ao significado, fundamenta-se na noção de que toda a
linguagem literária é essencialmente plurissignificativa; o que implica a ideia de
que o discurso literário dificilmente se confina, do ponto de vista semântico, aos
limites estreitos de um sentido unívoco, mas antes se concebe como discurso
plurívoco em que confluem planos isotópicos. Para que se efective uma análise
estilística eficiente, esses planos deverão ser não apenas detectados, mas também
coerentemente interpretados, à luz de uma certa sensibilidade estética que
nenhuma leitura crítica pode dispensar.

Deste modo, não causará estranheza que uma das características específicas da
linguagem literária que de modo mais flagrante opera com o significado, receba,
no seio da análise estilística, atenção especial: refere-se ao carácter conotativo da
linguagem. Representando uma atitude subjectiva do escritor perante a
denotação, a conotação e implicando o estabelecimento de uma polivalência
significativa deduzida da imposição de valores suplementares sobrepostos a uma
função puramente informativa da linguagem.

Uma análise estilística que atente na importância das conotações que povoam o
texto não deve cingir-se à verificação da polivalência significativa, como não pode
limitar-se à noção de que essa polivalência, se estende à colectividade, de acordo
com a necessidade de funcionamento social da linguagem literária, mais do que
isso, uma análise estilística debruçada sobre a conotação deve empenhar-se em
enraizar a elaboração formal por ela responsável no estatuto ideológico e afectivo
do escritor responsável pelo estilo peculiar que enforma o texto literário.

Portanto, o que deve constituir o objectivo da análise estilística das figuras de


retórica não é a simples enumeração acrítica dos recursos deste domínio que
povoam o texto literário; para além disso, a análise estilística deve procurar
articular harmoniosamente duas atitudes específicas:

a) O conhecimento e capacidades de descrição do funcionamento retórico das


figuras;
b) Tentativa de descortinar, em certos textos, a importância relativa de
determinada ou determinadas figuras. Procedendo assim, poderá muitas
vezes uma leitura estilística atenta explicar não só a organização estético-
semântica de certas práticas literárias a partir do processo específico de
elaboração de uma (ou várias) figura(s) de retórica preponderante(s); mais
do que simples comportamento formal, esse processo de elaboração
serásusceptível de remeter ao posicionamento do escritor perante aquilo e
aqueles que o rodeiam.

Breve Análise Estilística do Texto “Rio Douro”

A linguagem de Alves Redol é figurada, tende a separar-se do referente (Rio Douro)


arrastando-nos para um mundo de “alucinação e de sonho”. O texto de Redol
infringe ou transgride as regras do código normativo, desvia-se dele pelo recurso
de expressões que fogem à sua aplicação usual. Os significantes adquirem novos
significados: fora do contexto do texto de Redol, os signos “louco, cansado,
obstinados, raivoso” não evocariam o referente Douro, nem os olhos verdes nem
as suas águas.
133
Alves Redol cria uma linguagem literária, personificando o rio e convidando ao
sonho através do contraste: “é um caminho de alucinação e de sonho_cansa e
conforta”, afasta-nos da referência prática, _Rio Douro_Leva-nos a conotação.

Observa-se que o texto foi construído com intuitos estéticos e como manifestação
artística. O observador escolhe as palavras, combina-as criando um ambiente novo,
com significações desusadas e mais ricas. A intensão estética definida pela função
de linguagem eleita_ função poética, que resulta de todas as associações de
palavras de sentido figurativo, das leituras polissémicas, da extensão dos
significados que as palavras ganham, das tonalidades e do ritmo que o texto possui.

Percebemos nesse texto um outro uso da linguagem: mais do que reproduzir a


realidade, ele procura recriá-la em palavras, superpondo ao plano do conteúdo o
da expressão (o modo de organização dos signos). Na sua selecção de palavras
Alves Redol privilegiou as que sugerissem o estranhamento e com forte carga
conotativa: “O Douro cansado chegou”.

O texto de Alves Redol é literário, pois não tem um carácter programático e não
tem como prioridade a função informativa. Ele atesta a presença de redundâncias
e aparatos linguísticos, a linguagem conotativa, plurissignificativa, polissémica,
subjectividade no conteúdo e na linguagem, do primado da função poética de
linguagem, a relevância de elementos estéticos e remete para o texto não literário
não só a transparência como também a perfeição.

Embora tenhamos escolhido uma prosa para exemplificação do texto literário, isso
não quer dizer que este deva aparecer obrigatoriamente sob a forma de prosa. Não
é a forma técnica (prosa ou verso) que classifica o texto como literário, mas o modo
como se organiza a mensagem.

Sumário

O que deve constituir o objectivo da análise estilística das figuras de retórica não é
a simples enumeração acrítica dos recursos deste domínio que povoam o texto
literário; para além disso, a análise estilística deve procurar articular
harmoniosamente duas atitudes específicas: O conhecimento e capacidades de
descrição do funcionamento retórico das figuras e A tentativa de descortinar, em
certos textos, a importância relativa de determinada ou determinadas figuras.

AUTO-AVALIAÇÃO

Questões de Reflexão

1.O estudo de um texto exige do leitor disciplina e disposição, o que nem sempre
é bem visto pelos leitores, diante da impressão de monotonia que, à primeira vista
causam os textos científicos. Concorda com a afirmação? Justifique.

2.O que entende por unidade de estudo?

3. Em que consiste a literatura comparada?

4. O que entende por literatura nacional?

134
5. Como se procede a análise cruzada?

Questões de Verdadeiro e Falso

6. No método de leitura analítica de António Joaquim Severino facilita a


compreensão de textos, leva o leitor a tirar prazer do conteúdo das leituras
académicas.

7. O método de leitura analítica tem por objectivos: 1º - fornecer uma


compreensão global do texto a ser estudado; 2º - treinar à compreensão e a
interpretação crítica dos textos; 3º - treinar o desenvolvimento do raciocínio lógico;
e 4º - fornecer instrumentos para o trabalho intelectual desenvolvido nos
seminários, no estudo dirigido, no estudo pessoal e em grupos.

8. Unidade não é um sector do texto que forma uma totalidade de sentido.

Questões de Escolha Múltipla

9. O texto de Alves Redol é literário:

a) pois não tem um carácter programático e não tem como prioridade a função
informativa.

b) pois tem um carácter programático e não tem como prioridade a função


informativa.

c) pois não tem um carácter programático e não tem como prioridade a função
apelativa.

Todas as alternativas estão correctas.

10. Uma análise estilística debruça sobre:

a) a conotação deve empenhar-se em enraizar a elaboração formal por ela


responsável no estatuto ideológico e afectivo do escritor responsável pelo estilo
peculiar que enforma o texto literário.

b) a denotação deve empenhar-se em enraizar a elaboração formal por ela


responsável no estatuto ideológico e afectivo do escritor responsável pelo estilo
peculiar que enforma o texto literário.

c) a conotação e não deve se empenhar em enraizar a elaboração formal por ela


responsável no estatuto ideológico e afectivo do escritor responsável pelo estilo
peculiar que enforma o texto literário.

d) Todas as alternativas estão correcta.

Respostas:

6. Verdadeiro

135
7. Verdadeiro

8. Falso

9. A

10.A

TEMA XIV: RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO-LIVRO

Introdução

Pretendemos, nesta unidade reflectir em torno da relação existente entre o


professor, o aluno e o livro. Ao longo dos tempos a investigação na área da
Linguística e da Didáctica tem mostrado que o acto de ensinar é muito complexo e
que o saber do professor e um saber feito de saberes. O objectivo fulcral deste
estudo consiste em ajudar o professor de Português na selecção da melhor
estratégia para utilizar nas suas aulas de leitura tendo sempre em foco o percurso
de aprendizagem dos seus alunos para que, pela selecção de estratégias de
diferenciação adequadas, promovam o desenvolvimento linguístico e
comunicativo de todos eles contribuindo assim, para a formação de cidadãos
comunicativamente competentes.

Ao completar esta unidade, você será capaz de:

Objectivos

➢ Reflectir em torno da relação existente entre o professor, o aluno e o livro


enquanto elementos indispensáveis no PEA da leitura.
➢ Descrever o papel de mediação do professor entre o livro e o aluno. Indicar
as finalidades da leitura.

Unidade 9.1.O Papel de Mediação entre Aluno/Livro

Todas as pesquisas desenvolvidas ao longo dos últimos tempos sobre como tornar
os alunos leitores competentes têm sido unânimes em afirmar que o acto de ler
está alicerçado na capacidade humana de compreender e interpretar o mundo. A
escola tem sido vista como um espaço de leitura em que diferentes situações nos
colocam em contacto com as palavras para as nomear, reconhecer, dar sentido ao
mundo onde vivemos e que temos necessidades de aprender e desvendar.

136
Segundo Cagliari (1994), a leitura deve ser extensão da escola na vida das pessoas
para que elas sejam capazes de entender a sociedade em que vivem e transforma-
la num mundo melhor. Se considerarmos que a função da escola não é apenas
ensinar a ler e escrever, mas levar o indivíduo a fazer uso da leitura e da escrita,
envolvendo-se em práticas sociais que delas dependem e também das relações dos
seus grupos sociais, culturais e económicos (literacia), é preciso que haja primeiro
disponibilidade de material de leitura (jornais, revistas, acesso à biblioteca,
livrarias, CD-ROM e também acesso à internet, etc.).

A sedução para gostar de ler começa na escola. Para poder ler é preciso saber ler e
ter material de leitura. Portanto, o primeiro passo da escola consiste em assegurar
um correcto e adequado processo de iniciação à leitura. Essa leitura como prática
sociocultural deve estar veiculada ao prazer desenvolvido através de actividades
de discussão e apreciação dos significados atribuídos ao texto, com várias
interpretações dentro de um clima de estimulação e com resultados significantes
para os leitores e professores, que permitam que o aluno tenha contacto com
textos literários e científicos, abrindo-lhe assim as portas para se tornar leitor e
escritor no futuro.

Existe uma relação entre hábitos de leitura e sucesso escolar dos alunos. Esta
afirmação responde afirmativamente às seguintes hipóteses: a) Os alunos que
apresentam hábitos de leitura mais consistentes obtêm melhores resultados e
mais sucesso escolar; b) Apesar de inserida num contexto sociocultural
desfavorecido, a escola pode estimular a criação e o desenvolvimento de hábito de
leitura.

O acto de ler permite-nos aprender, entrar no mundo dos outros, imaginar e


recolher informações para a construção do nosso próprio universo. Através da
leitura, o ser humano pode tomar decisões, criticar, aprender, definir a sua posição
em relação a um determinado assunto, tornar-se político, professor, cientista,
conhecer a cultura do seu país, enfim, tornar-se um cidadão melhor preparado
para a vida. No caso do aluno, a leitura permite uma maior segurança no processo
de aprendizagem. Parece não haver dúvidas de que a capacidade de ler é
considerada uma capacidade essencial para a realização pessoal e profissional de
qualquer indivíduo. Porém, é importante considerar que esta capacidade não é
inata no ser humano e, por isso, é necessário estimular e inserir hábitos de leitura,
seja em casa, na escola ou no trabalho, sendo mais fácil que tais hábitos sejam
estimulados na infância, visto que as crianças têm capacidade de assimilar novos
conhecimentos através da brincadeira. Esta capacidade de aprender brincando
poderá ser usada como um processo de iniciação à leitura. (Hillesheim e Fachin,
2003/2004)

De acordo com a American Library Association (1989), para produzir um cidadão


leitor será necessário que escolas e faculdades compreendam e integrem o
conceito de “information literacy” (literacia da informação) nos seus programas de
aprendizagem e que elas desempenhem um papel de liderança na preparação de
indivíduos e instituições para tirar vantagem das oportunidades inerentes à
sociedade de informação.

137
Pensar nas crianças e nos problemas com elas relacionados implica a necessidade
de ter me primeira linda Valores do futuro; para elas tudo está no princípio, mesmo
quando ao nascer se encontram já na posse de factores determinantes da evolução
que se seguirá ou se as esperam situações fortemente condicionantes. Até essa
luta individual e inevitável com o trazido e o encontrado está no princípio. Mas
como perspectivar o futuro sem atender ao presente se é no presente que o futuro
que o futuro firma raízes? Tudo quanto toca a criança deve ser cuidado com
atenção e perícia para que não sejam gerados riscos ao desenrolar do futuro. Do
muito que cerca a criança, os livros constituem elemento actuante, tanto pela
presença como pela ausência. (Rocha, 1992, p. 15)

Desses livros_ que são potenciais agentes modeladores dos seres do futuro que
são as crianças de hoje_ pouco se fala; neles ainda pouco se pensa, mas elas aí
estão, aí tem estado há dezenas de anos, espalhando emoções, deixando
recordações, operando Segundo vectores variados, raramente reconhecidos come
forca actuante. Contos, ilustrações, poemas, ou ausência de tudo isto, condicionam
quem dessa força nem se apercebe. Contos, poemas e ilustrações são levados à
criança, na ignorância ou no esquecimento do poder neles contidos. Contos,
ilustrações e poemas que já não chegam só do livro, pois os modernos mass media
escancaram vias de acesso mais rápidas e sedutoras para os contos, poemas e
ilustrações. Os mass media podem atrair as crianças para essas mesmas histórias,
ilustrações se poemas, não por substituição do livro ou do contador de histórias,
mas por selecção provocada pela própria natureza da moderna tecnologia.

Como fenómeno social que é, deve ser analisado nas suas características, funções
e efeitos, e também no quando, como e onde do seu nascimento e este só pode
ser compreendido em ligação com condicionantes, inevitáveis ou não. A análise da
relação entre criança e livro conduz-nos a longo mergulho com o passado. O livro
é a forma palpável assumida por um fenómeno anterior à própria existência desse
mesmo desse mesmo objecto. A relação criança-livro é precedida pela relação
criança-história contada, a oralidade precedendo o texto escrito.

A escola tem, hodiernamente, como função primordial, como função primordial, a


formação de pessoas críticas e aptas para o exercício da cidadania, conscientes das
suas obrigações e dos seus direitos. Para que os alunos possam chegar a esta
formação, é necessário que passem por uma série de aprendizagens, e precisam
de contar com um orientador, representado pelo professor, durante estas
aprendizagens.

Várias são as ocasiões em que se critica o modelo actual do ensino em


Moçambique. Chega-se ao extremo de ter alunos em níveis superiores sem que
saibam ler. A arte de ler é adquirida pelo hábito de leitura. Muitas vezes necessita
de incentivo dos professores. Mas parece que estes se apartaram da sua tarefa, ou,
provavelmente, a própria escola de hoje não oferece incentivos.

Sabe-se que, a prática de leitura se faz presente nas nossas vidas desde o momento
em que começamos a compreender o mundo à nossa volta. No constante desejo
de decifrar e interpretar o sentido das coisas que nos cercam, de perceber o mundo
sob diver4sas perspectivas,
138
de relacionar a realidade ficcional com a que vivemos, no contacto com um livro,
enfim, em todos estes casos estamos, de certa forma, lendo, embora, muitas vezes
não nos devemos conta.

A actividade de leitura não corresponde a uma simples descodificação de símbolos,


ma significa, de facto, interpretar e compreender o que se lê. A leitura precisa
permitir que o leitor apreenda o sentido do texto, não podendo transformar-se em
mera decifração de signos linguísticos sem a compreensão semântica dos mesmos.

Nesse processamento do texto, tornam-se imprescindíveis também alguns


conhecimentos prévios do leitor: os linguísticos, que correspondem ao vocabulário
e regras da língua e seu uso; os textuais, que englobam o conjunto de noções e
conceitos sobre o texto; e os do mundo que correspondem ao acervo pessoal do
leitor. Numa leitura satisfatória, ou seja, na qual a compreensão do que se lê é
alcançada, esses diversos tipos de conhecimento estão em interacção. Logo,
percebemos que a leitura é um processo interactivo.

Para que isto ocorra, é necessário que exista o professor. É necessário que o
professor tenha plena consciência do seu papel enquanto orientador e mediador.
O ensino não se baseia apenas na acção de enunciar aquilo que sabe, produz
também, produz-se numa relação muito mais complexa do que isto. O ensino deve
basear-se numa relação psicopedagógica, uma relação que activa o processo de
aprendizagem no aluno.

Podemos afirmar que o professor assume um papel de mediação na relação


aluno/livro. O seu papel é de importância insofismável tendo em conta que é na
mediação que se estabelece o processo educativo intencional, capaz de tornar o
aluno sujeito das suas acções, integrando-a de maneira participativa no espaço
histórico-social. Um processo educativo que leve ao desenvolvimento da
criatividade, da imaginação, da capacidade de ler o mundo na mediação das
leituras possíveis em cada texto, que tome o aluno leitor, ou seja, um apreciador
da arte implícita em cada forma de linguagem e na ralação entre todas elas, que
possibilite a sua humanização (a fim de efectivar-se como homem consciente,
diferenciado pelas suas capacidades, aptidões e pensamentos plenamente
humanos).

O livro e a sua leitura, Nessa perspectiva, para que possa ser apropriado polo aluno
de forma consciente e constitutivo do seu pensamento deve ser mediado. Partindo
do pressuposto de que para que um objecto seja, de facto, apropriado pelo sujeito,
ele deve ser utilizado conforme o uso social que lhe foi conferido historicamente_
e que tal uso deve ser aprendido_, e estando esse processo directamente vinculado
ao papel do educador, a leitura só se constitui em apropriação à medida que se dá
com o objective inscrito no próprio texto. Dessa forma, o aluno vai-se tornando
leitor e tendo formadas em si as habilidades, aptidões e competências próprias da
actividade do ler.

Em suma, as relações entre professor, aluno e livro sempre foram um assunto


presente nas concepções de ensino e das tendências pedagógicas, ainda que em
algumas delas, estas relações fossem quase inexistentes, concebendo o professor
como a figura máxima de poder dentro da sala de aula, enquanto os alunos
figuravam apenas como
139
receptáculo de todo o saber enunciado pelo professor. O comportamento do
professor com o aluno define, muitas vezes, o comportamento deste e sua
capacidade de efectivação de aprendizagem, da construção do seu próprio
conhecimento através da orientação do professor. Mas para que tudo isto possa
gerir um sentido, é necessário, primeiro, que a escola esteja presente. O professor
para transmitir ao aluno o hábito de leitura precisa, antes, de ter o mesmo hábito,
provavelmente incentivado pela escola para tal.

As crianças desde sempre manifestaram um grande fascínio pelos contos e em


todas as sociedades e culturas existem histórias que lhes são contadas, passando
de geração para geração. Durante muito tempo, o hábito de contar histórias era
tão comum que ninguém se preocupava em reflectir sobre o seu valor.

As pessoas, simplesmente, depois de um dia de trabalho, reuniam-se e contavam


histórias, sobretudo as pessoas mais velhas, tendo as crianças como principais
ouvintes. Talvez porque as pessoas mais velhas sabiam mais histórias, tinham
vivido mais tempo. Talvez ainda porque como as crianças, tinham menos trabalho,
mais tempo livre. E contar histórias às crianças é uma boa forma de as manter
seguras e sossegadas, sem ter o trabalho de “correr atrás delas”.

Actualmente, todos os educadores concordam sobre a importância dos contos


para a formação da criança, quer do ponto de vista afectivo e psicológico, quer
ainda no processo de socialização e conhecimento do mundo.

O conto parece encarregado pela tradição oral de que saiu, de uma missão
educativa de maior importância, que consiste em ensinar as crianças que é preciso
passar de uma idade a outra, de um estado a outro, através de metamorfoses
dolorosas. O conto demonstra brilhantemente, no decorrer de uma acção
dramática fortemente condensada, que a metamorfose da criança em adulta está
cheia de perigos mas é possível.

Ao longo da nossa formação e da nossa própria experiência com crianças,


apercebemo-nos da grande importância dos contos infantis para as crianças.
Procurámos mostrar neste trabalho, que as histórias infantis, quer contadas
oralmente quer lidas por adultos ou pela própria criança, influenciam de forma
muito significativa a vida das crianças, contribuindo para um desenvolvimento
harmonioso da sua personalidade. É interessante notar que na nossa cultura, o
hábito de contar histórias estava profundamente implantado nas famílias e
comunidades.

Quase todas as pessoas mais velhas se lembram do seu tempo de infância em que
se juntavam crianças para ouvir histórias contadas por avós ou tios ou
simplesmente pessoas que tinham o dom de contar, de maravilhar a audiência.

Hoje, tal como em muitas outras sociedades, as mudanças que se verificaram


exigiram novas formas de organizar o tempo e a vida das crianças sobretudo no
meio urbano, onde os vizinhos já não se juntam, a diversão fundamental em casa
é a televisão, acompanhada dos jogos de computador, e as histórias quando
chegam às crianças é sobretudo através dos desenhos animados ou dos livros.

140
No aspecto psicológico, a literatura infantil tem por fim ajudar a criança a viver
naturalmente as suas etapas psicológicas para evitar que venha a ser um adulto
com fracturas de personalidade. É por esta razão que todo o livro deve ser
criteriosamente escolhido para que satisfaça as necessidades básicas da criança
dentro do seu nível etário e a promova integralmente num ambiente de prazer.

A leitura permanece uma das chaves fundamentais da cultura, apresenta


vantagens perfeitamente únicas, embora ninguém goste de fazer uma coisa que
lhe é particularmente difícil. Se muitas crianças e mesmo muitos adultos não lêem,
é por que não sabem ler bem, acham a leitura demasiado difícil e acesso aos livros
muito complicado. Em obediência à lei do menor esforço, procuraram outra fonte
de informação ou de distracção.

A leitura é um modo de ampliação de referências, de enriquecimento de vivências,


de comunicação, de formação de personalidades.

O livro alarga a percepção do mundo, educa a sensibilidade, abre as portas do


imaginário, enriquece-nos e enriquece o nosso diálogo com os outros.

A aventura de ler começa muito cedo. A leitura é uma aprendizagem social que
ultrapassa o quadro social começando muito antes da entrada na escola. A leitura
começa antes da leitura. A criança lê o mundo que a rodeia muito antes de ler um
livro. O mundo é um livro aberto. Lê o sorriso da mãe que se debruça no berço, lê
a natureza, lê a cor e a forma dos objectos que lhe são familiares.

Vários autores têm assinalado o paralelismo entre o pensamento inconsciente e o


pensamento infantil ou primitivo a criança tem como adquirido que as suas
relações com o mundo inanimado obedecem ao mesmo modelo das que o ligam
ao mundo animado dos seres humanos: bate a porta que se fechou sobre ela. A
criança não vê o mundo da mesma maneira que o adulto. A ordem do mundo é
experienciada segundo o modelo familiar.

Psicólogos, Pedagogos, Psicanalistas têm vindo a sublinhar a importância das


aquisições feitas nos primeiros anos de vida para o desenvolvimento e a
aprendizagem. Segundo investigação realizada por Benjamin Bloom, o indivíduo
desenvolve desde a sua concepção até aos 4 anos cinquenta por cento da sua
inteligência.

Palavras, ideias, sonhos, as descobertas feitas nas primeiras canções de embalar


nos primeiros contos, vão ficar para sempre presentes. Na mais tenra idade, mal
acabam de nos cantar a canção que faz o recém-nascido sorrir e adormecer, abre-
se a era dos contos. Associam-se os primeiros tempos da leitura ao emprego do
maravilhoso, sobre tudo através dos contos. As narrações e os contos precedem e
preparam um uso pessoal do livro e incita o leitor, "empurram-no"
encantadamente, puxam-no para o livro que contem as maravilhas ouvidas e ainda
outras.

Os contos arrastam o jovem ouvinte, que brevemente se transformara em jovem


leitor, para além das fronteiras do seu domínio familiar e estrito, transportam-no
para um mundo com aspectos múltiplos e surpreendentes. As palavras

141
transportam-nos, transformam-nos, ajudam a transformar o mundo, a criar um
mundo diferente daquele que nos rodeia.

O investimento dos pais é determinante. O livro pode ser um lugar de encontro da


criança com adulto. Nos primeiros anos, o livro deve ser um objecto familiar no
ambiente que a rodeia que pode tocar, cheirar, manusear. O livro é um lugar
privilegiado de trocas intelectuais e afectivas. Transforma-se num território denso,
atravessado de tensões, prenhe de sons, odor, sinais, misto de dito e de não dito,
provocando ou não na criança o desejo de ler, tornando-se fonte de paixão ou de
desinteresse. A criança é levada a construir-se através do outro, das complexas
redes de relação que vai estabelecendo, o crescimento da inteligência e o
crescimento afectivo são resultantes de interacções sociais.

Os pais podem fazer uso do " crédito afectivo" de que dispõem junto dos filhos,
contribuindo para que o livro ganhe o valor de objecto transaccional. Como o
encorajamento à leitura vem em geral dos pais, a atitude da criança perante o livro
reflectirá frequentemente a tonalidade afectiva das relações reais que a criança
mantém com o pai ou com a mãe. Um certo número de psicanalistas começaram a
admitir que o livro pode ser considerado, pelo menos numa primeira aproximação,
como um objecto transaccional de certo modo o equivalente do lenço ou da
coberta com que os mais pequeninos esfregam o nariz para reencontrar o
sentimento de plenitude e de segurança que lhe permitirá adormecer.

É fundamental que a criança comece a dar-se conta, desde muito cedo, que nasce
dos livros não nasce uma única vez para desaparecer em seguida, mas pode
renascer sempre que nós o desejarmos. Na criança que está habituada a ouvir
contar histórias, a manipular um livro, cresce o desejo de saber o que está escrito
num livro, de aprender a ler. O desejo de ler é o desejo de violar o obscuro, o desejo
de possuir um segredo, de ser capaz de exercer por si mesmo uma transformação
do inerte.

Unidade 9.2. Estratégias Didáctico-Pedagógicas para uma Leitura


Interactiva Literária

Ler supõe decifrar sinais gráficos e abstrair deles pensamentos. Fazem parte da
leitura os seguintes elementos: percepção (reconhecimento de palavras),
compreensão e interpretação, apreciação e aplicação.

A leitura deve ser vista como uma actividade activa e criativa, em que o leitor, deve
compreender e interpretar o texto que leu.

Ler é aprender o significado do conjunto de símbolos descodificados, tentar


descobrir o sentido que o autor deu a narrativa e comparar as próprias experiências
com as descritas no texto, descobrindo novos conceitos e reformulando os antigos.
Leitura é o acto de criação do leitor, pois o leitor cria algo diferente do que o autor
propôs, modifica a obra que lê. A respeito disso, é que a leitura desenvolve, a
capacidade interpretação e a competência linguística do leitor, uma vez que elas
ganham consciência e fortificam a sua leitura.

142
O que interessa mesmo no acto de ler literariamente um livro não é a sua
classificação técnica, ou maior ou menor conhecimento, mas é a forma como o
conhecimento que temos do mundo se altera. A competência literária diz-nos não
tanto o de funcionamento de um texto literário, mas antes possibilita descobrir
nele o que se aproxima do nosso quotidiano.

A leitura reflexiva permite ampliar conhecimentos e adquirir novos conhecimentos


gerais e específicos, possibilitando o censo de quem tem os níveis mais elevados
de desempenho actos, factos e síntese.

A interpretação como uma das etapas fundamentais da leitura, permite que muitas
leituras surjam ou transpareçam. Para Veigas (2003: 3) “a leitura aumenta a
capacidade de percepção de concentração e de interpretação de significados”.

A maior vantagem da leitura literária (dos clássicos ou modernos, maiores ou


menores) é esta e a única forma de leitura que podemos nunca esquecer. Com base
nessa ideia as escolas devem seleccionar obras que congregam estes elementos ou
que permitem ao aluno descobrir sozinho o que há de melhor nesse texto, para
permitir a sua retenção.

É no primeiro ciclo que a criança adquire e desenvolve uma competência de leitura.


Para tal, o professor tem de realizar uma sábia selecção e exploração de textos que
possibilitem o aluno alargar a sua capacidade interpretativa e apurar a fruição
estética de textos literários. Ademais, o professor além de estimular a reflexão e o
questionamento deve fomentar leituras pessoais levando os discentes a
perceberem de que a literatura está centrada na vida.

Desse modo, cada professor deve ter em conta os textos a atribuir aos alunos,
tendo em conta os níveis em que vai trabalhar, para facilitar a interpretação,
leitura, compreensão, estímulo. É preciso criar um contacto directo entre a obra e
o aluno, logo nas classes iniciais e não se distanciar e para que isso aconteça, o
professor deve gostar de ler e estar familiarizado com as diferentes obras e seus
autores.

A leitura tem a capacidade de nos transportar para um mundo completamente


diferente do nosso, tem a capacidade de nos fazer imaginar o imaginável, de pensar
e reflectir sobre assuntos banais com os quais nos debatemos diariamente. Porque
com a leitura tudo se torna agradável e harmonioso por mais dura e cruel que seja
a realidade. E quando se encontram grandes ou pequenas descrições, é
absolutamente fantástico imaginar tudo o que se enumera com todos os detalhes,
as belas e imponentes paisagens, espaços agitados, luminosos e majestosos
edifícios, e tantas outras coisas que são mencionadas e descritas ao pormenor e
nos fazem sonhar.

Com uma simples leitura tiram-se muitas vezes grandes conclusões e


ensinamentos para uma vida. Porque o que se lê não é nada mais do que a nossa
realidade transporta para o papel. Por isso é extremamente ridículo substituir os
livros por outras actividades, com um livro enriquece-se o vocabulário e adquirem-
se conhecimentos, enquanto um filme, não existe comparação possível.

143
Ler é importante porque leva a pessoa a ter contacto com várias ideias diferentes
(dos autores), adquirindo assim uma visão mais ampla do mundo e dos conflitos
que envolvem a humanidade e a sociedade. Quando se tem uma visão mais ampla,
se tem também mais material para formar as próprias ideias e resolver de melhor
forma os próprios problemas.

Ler também é um exercício de imaginação e prazer, pois ao ler, diferente do que


acontece quando se assiste a um vídeo, as imagens se formam na sua mente, pela
sua bagagem cultural e pelo seu estado emocional. Isso equivale a dizer que o texto
se renova a cada leitura, visto que amanhã, o mesmo leitor já saberá mais do que
sabe hoje e estará em um outro estado emocional, o mesmo texto terá para ele
um “significado novo.”

É importante frisar também aquilo que todo mundo diz, e é uma grande verdade:
ao ler a pessoa pode conhecer e ir à lugares, que, de outra forma seria impossível.
A leitura é um passaporte com visto permanente para todos os lugares, culturas e
mundos, reais ou até imaginários. É uma fonte de diversão e prazer.

Para que os indivíduos mantenham a capacidade de fomentar as suas opiniões e


apreciações é importante que continuem a ler por si próprios, a forma como lêem,
bem ou mal, e aquilo que lêem não pode depender deles, mas a razão pela qual
lêem deve ser do seu interesse e no seu interesse.

Ler é imaginar; com e pela leitura a função simbólica está sempre alerta. A
ultrapassar a fase de decifração penosa em que arranja ao código escrito sons e
sentidos, a presença do texto enquanto texto irá desaparecendo gradualmente. O
livro que se segura nas mãos, que se vai folheando é um objecto sem a presença
do qual a ausência do leitor no mundo é impossível. Ler não é tocar nos seres, nos
objectos, nas paisagens. Mas talvez seja a actividade de que mais justiça a
materialidade do imaginário. Ler, ler o que quer que seja, é sempre fazer apelo à
imaginação.

Para as crianças na idade de pré-leitura ou da aprendizagem da leitura, o essencial


do corpus literário parece ser constituído por contos, sejam tradicionais ou
modernos. Do conto se poderia dizer que é velho com o mundo, e que certamente
existiu muito antes de se ter tornado texto escrito ou impresso sem fazer como tal
parte do corpus das obras literárias. Através do género conto poder-se-ia estudar
duma forma mais extensiva e aprofundada a evolução do livro para crianças.

Numa base estritamente pedagógica, o livro pode servir de suporte a múltiplos


exercícios a que os alunos se prestam com maior ou menor boa vontade, a que
aderem melhor ou pior. Se se fala de prazer de ler, há uma partilha que só se
efectiva se o professor e os alunos estiverem implicados, se houver uma certa
cumplicidade. Não falamos sobre um livro que nos emocionou, de que gostámos,
com alguém de quem não gostamos, ou que não é indiferente.

Para a maior parte dos alunos a leitura é encarada como um acto social e vista em
função do olhar dos outros. Trata-se de um passatempo, no meio de outros
passatempos, nem se que muito apetecido, pois a concorrência é desleal. Carregar
num botão e comandar do sofá a sucessão de umas horas diárias de desenhos
animados e vídeo-clips, eis
144
um passatempo que está ao alcance de uma boa parte dos nossos alunos, que na
sua grande maioria o preferirão ao prazer de uma boa leitura (de acesso muito
menos imediato). Para uma criança poder considerar que a leitura é uma aventura,
uma viagem, um encontro com os outros, um acto que, para além das aparências,
implica profundamente o ser que num pensamento e numa imaginação-outra,
para se estabeleça uma verdadeira troca_ qual é o caminho?

A experiência demonstra abundantemente que o professor que esteja


verdadeiramente convicto da importância de uma educação da criança ao nível da
sensibilidade, do desenvolvimento do imaginário, da utilização de uma linguagem
rica, aberta, multifacetada, consegue que a maioria dos seus alunos, mesmo
desfavorecidos familiar e culturalmente à partida, gostem de um determinado livro
que é considerado difícil ou em desacordo com a mentalidade da “criança
moçambicana média”.

A experiência prova que esses professores conseguem, precisamente graças a este


tipo de livros, desbloquear o imaginário e as possibilidades linguísticas dessas
crianças demasiado “normalizadas” cuja linguagem se encontrava reduzida a um
vocabulário pobre, estereotipado e utilitário.

Tudo isso pressupõe que não se reduza o livro a um esqueleto, que não
se reduzam os textos, dos contos ou outros, a meros pretextos de
análises mais ou menos descabeladas e “esvaziantes” que lhe roubem
o sopro da vida que os anima e se transmite. Tudo isso pressupõe
também que não há receitas-tipo, nem milagres pedagógicos por
correspondência. A aventura do livro vivida dentro de uma aula é, até
certo ponto, única e irrepetível pois as histórias dos seus participantes
(alunos e professor) e a sua conjugação nunca são rigorosamente
coincidentes com as novas aventuras vividas por participantes
diferentes.

O ensino da leitura e um dos marcos para aquisição do conhecimento, e


considerada ao mesmo tempo, uma das preocupações a nível mundial para todos
os envolvidos na educação, manifestando-se sobre diferentes formas. Uma vez que
ele não é um conceito restrito, há necessidade de se criar formas para a divulgação,
onde podemos criar um encontro ou intercessão entre a obra e o aluno, mas de
uma forma prazerosa. A literatura deve procurar enriquecer as experiências
daqueles que lêem, fazendo parte do dia-a-dia do aluno. Tal como refere Sabino
(2008: 2) “ler representa também uma dimensão da inclusão social.”

Avançámos neste estudo algumas actividades criativas que podem permitir ao


aluno praticar uma leitura para diversos fins e situações, nomeadamente: leitura
básica que permite o desenvolvimento das habilidades específicas da leitura
informativa, que permite a procura de informações, e leitura recreativa para
satisfação pessoal.

145
Unidade 9.3. Estratégias Didácticas para o Ensino da Leitura

A leitura é um modo de ampliação de referências, de enriquecimento de vivências,


de comunicação, de formação de personalidades.

Na aula Língua Portuguesa, o principal objectivo consiste em desenvolver a


competência comunicativa do aluno, de forma criativa. Para que este objectivo seja
alcançado, o professor deve proporcionar ao aluno o contacto com situações
variadas e permitir a utilização de textos diversificados.

O aluno preocupado em descodificar as palavras uma a uma não consegue


compreender ou assimilar a relação entre as palavras. Neste caso, este aluno tem
dificuldades em estabelecer relações entre as diferentes unidades do texto.

Contente (2000: 13) apresenta algumas dificuldades que o aluno encontra na


leitura:

•Ao não compreender uma palavra, tenta encontrar o seu significado. Assim, ou
perde o sentido global do texto ou pura simplesmente abandona a leitura que está
a fazer.

•Na organização textual, ou porque o aluno desconhece a sintaxe e a articulação


das frases, o aluno não consegue constituir as macro-estruturas semânticas que
lhe são enviadas pela memória a longo prazo.

•No domínio referencial (conteúdo, tema abordado, aspectos culturais) o aluno


não consegue articular os seus próprios conhecimentos e as novas informações
que lhe são dadas.

O professor deve fornecer aos alunos, antes de uma leitura, uma abordagem
mesmo que sumária sobre o tema, de maneira que este tenha primeiro a
possibilidade de reconhecer, articular e por último, compreender e assimilar o
sentido.

Aprender a ler é escolher a sua própria estratégia, dependendo da situação e das


razões pelas quais se faz a leitura. As estratégias de leitura dependem por um lado
do texto a ler, do tipo de escrita, do género, da finalidade e ainda de um projecto
de leitura que o próprio aluno estabelece. Pode-se sensibilizar os alunos para uma
diversidade de leituras, pedindo-lhes que tentem estabelecer projectos de leitura
em função da necessidade que têm na vida quotidiana.

A leitura, na aula, de textos escolhidos em função do interesse dos alunos, favorece


a adopção de estratégias diversificadas. Propor um projecto de leitura é uma
actividade pedagógica importante uma vez que a leitura na sala de aula se efectua
em situação natural.

Sugerimos algumas actividades de leitura a realizar na aula:

1. Propor uma leitura através de formulação de hipóteses sobre o conteúdo do


texto. Não se trata de compreender a totalidade do texto, mas de verificar que se
pode decifrar e assimilar fragmentos de sentido.

146
2. Fazer sublinhar palavras que causam problemas de compreensão. Sóapós uma
leitura global do texto é que o aluno vai procurar no dicionário as palavras que
continuam a causar problemas, podendo o professor optar por explicá-las.
Verificar-se-á que algumas palavras inicialmente desconhecidas, deixaram de o ser
após a leitura global do texto. Poder-se-á ainda pedir ao aluno que explique quais
os processos a que recorreu para desbloquear as dificuldades que inicialmente
encontrou na sua leitura.

3.Fornecer um texto desconhecido do aluno para este decifrar. O professor


também pode pedir ao aluno que seja ele a encontrar um texto, sobre um
determinado tema e a propô-lo na aula. Ao propor este texto, o aluno efectuou
uma actividade de pesquisa e consequentemente fez a sua própria leitura e
interpretação do texto e ainda poderá explicar o motivo dessa escolha.

Na prática da leitura é importante que o leitor/aluno não seja um receptor passivo


do sentido que constantemente desconhece, mas, ao contrário, que coopere com
o professor e com outros alunos (turma) para construir o sentido.

Reforçamos a ideia de que para uma boa leitura é necessário conjugar-se a


significação proveniente dos dados fornecidos pelo texto e os conhecimentos que
leitor já possui.

A seguir à actividade de leitura deve recorrer-se a actividades de reacção/reflexão


que tentem relacionar os novos conhecimentos, fazendo resumos, esquemas,
trabalhando o vocabulário do texto e reagrupando-o semanticamente.

A significação do texto nasce de convergência da contribuição prestada por cada


aluno para sua interpretação.

Propostas para uma Leitura Interactiva

Segundo Contente (2000: 18) “A leitura interactiva acontece quando existe o


reconhecimento dos elementos do código (aspectos lexicais e sintácticos que
permitem ao leitor assimilar o sentido) e a projecção dos conhecimentos do leitor
sobre o texto”.

As actividades pedagógicas de leitura devem ser orientadas de maneira a favorecer


uma melhor antecipação do sentido, para uma formulação de hipóteses e para
uma activação dos conhecimentos já adquiridos.

O professor deverá fornecer ao aluno meios de construção para a compreensão


escrita, tendo em conta as possibilidades e capacidades do aluno/ leitor para que
a sua leitura se torne activa e eficaz.

Os textos apresentam disparidades tipográfico-icónicas que constituem uma


enormidade de variáveis visuais sobre as quais o aluno leitor se deve apoiar para
penetrar no sentido do texto.

São aspectos que funcionam como índices para o leitor:

▪ Origem do texto, autor, tipo de documento.


▪ Os títulos.

147
▪ A divisão do texto (parágrafo, capítulos),
▪ Enumeração das partes,
▪ tipo de letra adoptado (itálico, sublinhado, parênteses, maiúsculas),
▪ Início dos parágrafos,
▪ Citações (introduzidas por aspas).
▪ Ilustração do texto (imagens, fotos).

Orientação da estratégia da leitura

A orientação de leitura deverá ter como objectivo principal favorecer a


compreensão e não apenas avaliar.

É também e importante que o professor explicite o motivo pelo qual pede ao aluno
que execute uma actividade de leitura.

Seguidamente apresentamos algumas estratégias de processo de


ensino/aprendizagem da leitura baseadas num estudo efectuado por Fancine
Cicurel (1991) apud Contente (2000: 20-21):

1.Ler

O professor indica o que é necessário ler.

2.Fazer

O professor chama a atenção para um elemento, para localizar no texto (sublinhar).


Essa estratégia deverá sempre ser precedida de uma busca por parte do aluno.

3. Dizer

É o momento em que o professor avalia a compreensão do aluno. Este responde a


um questionário ou apenas diz onde encontrou determinado elemento.

4. Reconhecer

O texto fornece sempre elementos que são reconhecidos pelo aluno. Poder-se-á
pedir ao aluno para referir o que reconhece através de conhecimentos
anteriormente adquiridos.

5. Antecipar/formular hipóteses

Em relação ao que já conhece e em função do contexto, o aluno faz proposições


sobre o sentido de uma palavra, sobre o texto ou sobre um a função. Nesta
actividade estimula-se a criatividade e a imaginação. O aluno poderá comparar as
hipóteses formuladas com os dados do texto.

6. Localizar/seleccionar

O aluno procura os elementos específicos, desdobrando o texto, mas também o


lêcom atenção de maneira a encontrar o determinado elemento referido.

7. Hierarquizar ou classificar

148
O leitor ou aluno, ao seleccionar os elementos, agrupa-os e classifica-os.

8. Estabelecer relações

O texto compreende necessariamente elementos repetidos. O aluno procura


encontrar elo lexical, lógico, argumentativo entre diferentes elementos.

9. Relacionar e interpretar

Pede-se ao aluno para dar sua opinião, e para atribuir um sentido ao texto lido.
Valoriza-se a interacção entre o texto e o leitor mas tambémentre os próprios
leitores, aproveitando a experiência pessoal de cada indivíduo.

10. Sintetizar

É uma actividade que é, muitas vezes, solicitada pelo aluno, uma vez que a
compreensão passa necessariamente pela síntese. O professor encoraja o
aluno/leitor a encontrar a ideia principal, a perguntar do que se trata, e finalmente
a resumir o texto.

11. Observar

Para compreender não é apenas necessário fazer-se a leitura, mas fazê-la com
atenção, tentar dar sentido a elementos parlinguísticos dos quais por vezes não
nos apercebemos de uma maneira consciente. Observar é uma etapa preparatória,
mas também uma actividade que reveste o trabalho de compreensão. O
aluno/leitor assume então a posição de “observador” do texto.

12.Verificar a compreensão

Mentalmente, o aluno está constantemente a formular hipóteses sobre a


compreensão e recorre a diversas estratégias para verificar se compreendeu bem
(tenta encontrar a coerência, o contexto e pede uma explicitação). Certas
actividades propostas ao aluno têm por finalidade específica ajudá-lo a observar se
ele compreendeu bem o sentido do texto.

Se não for proposto ao aluno uma linha de leitura, acontece, por vezes, que o aluno
leitor, ao ler, vai parando sistematicamente em cada palavra desconhecida para
ele, o que entrava as possibilidades de compreensão global do texto.

A interacção da leitura facilita o trabalho de grupo. Se for proposto a cada grupo


uma tarefa específica de leitura, estes grupos ao apresenta-la, estabelecerão
contactos e trocas de informação enriquecedoras. Quando se passa à utilização de
propostas de trabalho para a aprendizagem da escrita, convém estar atento ao
objectivo da actividade de leitura.

Metodologia Interactiva

Depois de uma leitura e análise do texto pede-se ao aluno para fornecer


interpretações. Uma análise sobre a situação inicial terá por objectivo suscitar
curiosidade do leitor, levando-o a aprender como se desenvolve a intriga. A
interacção entre texto/leitor deve ser favorecida. Há três possibilidades segundo
Contente (2000: 25):

149
1. Interacção no sentido do leitor-texto

O texto deve ser visto como um texto veiculando um sentido a construir. Assim,
pedir-se-á que durante a leitura o aluno formule hipóteses sobre a situação, o que
irá acontecer. Seguidamente poderá interpretar a atitude de uma personagem ou
propor outro desenvolvimento do acontecimento.

2. Interacção no sentido texto-leitor

O texto tem um efeito sobre o leitor e este pode manifestar a sua reacção perante
o texto e poder-se-á mesmo identificar com uma personagem ou ainda referir o
que o texto significa para ele.

3. Interacção entre os membros da turma que comparam as diferentes


hipóteses

O trabalho em grupo será privilegiado com cada grupo. A cada grupo serão
distribuídas tarefas diferenciadas (acção, personagens, narrador, etc.)

Itinerários de leitura

Poderemos indicar alguns itinerários de leitura, como actividades a desenvolver:

A pré-leitura é uma etapa de observação global do texto, de antecipação que serra


a preparação à leitura. Cria-se condições favoráveis à recepção do texto,
informações do tipo linguístico e significado de determinadas palavras-chave.

Exploração da situação inicial, durante a qual é determinada a narrativa, de


maneira que permita formular hipóteses e criar no leitor um desejo de ler. O aluno
poderá reler a situação inicial e extrair o máximo de informações, não só as
explícitas, mas também as implícitas. Estimulando uma leitura inicial de uma obra,
o aluno procura seguir com mais atenção e prazer a narrativa e a sua construção.

A leitura-descoberta do texto que se organiza à volta de pesquisas tenta encontrar:


personagens, tempo, espaço, léxico, etc. O texto é lido integralmente ou por
sequências narrativas. Pode fazer-se uma exploração textual através da entrada e
saída de personagens, o tipo de relações entre elas. Incidindo sobre uma
personagem específica, podemos evidenciar os dados base: nome, idade, sexo,
profissão, estatuto social, etc; as relações que mantém com outras personagens,
se é principal ou secundária; aparência dada pelo vestuário, gestos, traços físicos;
caracterização fornecida pelo narrador ou deduzida pelo leitor.

Para uma competência da compreensão da narrativa, é necessário apreender as


etapas principais da narrativa. O fio condutor pode ser feito através da situação
inicial e o final da narrativa. Construir os elos que são os elementos fundamentais
para a compreensão da narração.

O professor pode determinar as diversas etapas da narrativa e organizar


actividades à volta destesblocosnarrativos.

A pós-leitura tenta recriar as condições de uma leitura seguida de comentários


(conta-se o que se leu, formula-se opiniões, faz-se apreciação da obra).

150
Depois da leitura do texto, é indispensável encorajar o aluno/leitor a fazer uma
distanciação da narrativa e confrontá-la com o seu próprio sistema de valores.
Procurar-se-á favorecer a interacção texto/leitor, encorajando o leitor a participar
no processo interpretativo, ao dar, por exemplo, um sentido, ao referir o efeito que
a obra exerceu sobre ele, ao formular a sua opinião, e referir se o texto se
desenrolou da maneira que ele previa.

O processo de leitura favorece o imaginário e a criatividade, o aluno poderá


inventar sequências através do prolongamento da história ou modificá-la,
tornando-se co-escritor da mesma.

Sumário

A leitura tem uma grande importância em vários sentidos, podemos citar alguns:
aprender; tirar boas notas; falar bem e escrever bem; ser informado da realidade.
Esses são os motivos básicos da leitura. Mas o motivo principal para se ler é o
crescimento interno, como homem, como ser pensante, só se justifica ler se
também se pensa, ler e decorar, ler e não aprender, ler e não reflectir, é perder
tempo. A leitura não pode ser uma obrigação e sim uma opção, aquele que reflecte
sobre o que lê, tem senso crítico, capacidade de transmitir o crescimento. A leitura
é um modo de ampliação de referências, de enriquecimento de vivências, de
comunicação, de formação de personalidades. Na aula Língua Portuguesa, o
principal objectivo consiste em desenvolver a competência comunicativa do aluno,
de forma criativa. Para que este objectivo seja alcançado, o professor deve
proporcionar ao aluno o contacto com situações variadas e permitir a utilização de
textos diversificados.

AUTO-AVALIAÇÃO

Questões de Reflexão

1.Proponha algumas actividades criativas que podem permitir ao aluno a praticar


uma leitura para diversos fins e situações, nomeadamente: leitura básica, leitura
informativa e leitura recreativa.

3. Que papel exerce o professor ou o encarregado de educação na relação


aluno/livro?

4. Por que se aconselha o contacto precoce da criança com o livro?

5. Que critérios devem ser observados na organização do acervo bibliográfico?

6. Comente a seguinte afirmação: “Sem leitura, não se formam bons leitores nem
bons escritores.

Questões de Verdadeiro e Falso

6. A pré-leitura não é uma etapa de observação global do texto, de antecipação


que serra a preparação à

151
leitura. Cria-se condições favoráveis à recepção do texto, informações do tipo
linguístico e significado de determinadas palavras-chave.

7. Exploração da situação inicial, durante a qual é indeterminada a narrativa, de


maneira que permita formular hipóteses e criar no leitor um desejo de ler. O aluno
poderá reler a situação inicial e extrair o máximo de informações, não só as
explícitas, mas também as implícitas. Estimulando uma leitura inicial de uma obra,
o aluno procura seguir com mais atenção e prazer a narrativa e a sua construção.

8. A leitura-descoberta do texto que se organiza à volta de pesquisas tenta


encontrar: personagens, tempo, espaço, léxico, etc. O texto é lido integralmente
ou por sequências narrativas.

Questões de Escolha Múltipla

9. A leitura tem uma grande importância em vários sentidos, podemos citar alguns:

a) aprender

b) tirar boas notas

c) enriquecer o vocabulário

d) todas as alternativas estão correctas.

10. A leitura é um modo:

a) de ampliação de referências

b) de enriquecimento de vivências

c) de comunicação

d) Todas as alternativas estão correctas.

Respostas:

6. Falso

7. Falso

8. Verdadeiro

9. D

10. D

152
TEMA X: O CONTO: ESTRATÉGIAS DE ENSINO E ANÁLISE TEXTUAL

Introdução

Nesta unidade, dedica-se uma leitura e compreensão de um conto, como forma de


sistematizar os conhecimentos que adquiriu acerca da análise e interpretação de
um texto. Recorremos a essa tipologia textual por ser mais difundida no contexto
actual.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

Objectivos

➢ Definir o conto.
➢ Distinguir o conto moderno do tradicional/clássico.
➢ Interpretar o conto “Mbelele” de Aníbal Aleluia.

Unidade 10. 1. Conto

O conto é uma espécie literária que se integra numa das formas naturais da
literatura – a narrativa, tal como romance e a novela, cujas origens têm sido
procuradas sobretudo em elementos míticos e folclóricos adquirindo então plenos
direitos de cidadania artística e irrecusável autonomia estética.

No entanto, na perspectiva de Paz e Moniz (2004: 49), conto é retrato breve, oral
ou escrito, de uma história ou uma ficção, na qual participa um número reduzido
de personagens numa concentração espácio-temporal.

Sebastião et al (1999: 82-85), consideram o conto tradicional como sendo aquele


que é de tradição oral, tem sua origem no povo anónimo e pertence a um
património universal e intemporal, existe nos diferentes povos e culturas, desde os

153
tempos primitivos desempenhando uma função lúdica ou moralizante. Neste, o
tempo e o espaço são determinados. Nos contos tradicionais encontramos toda
uma panóplia de variados temas relacionados com: a mulher (teimosa,
desmazelada, gulosa, etc.), a infidelidade, a fidelidade, o engano, o homem
dominado pela mulher, a superstição, a feitiçaria, a magia, a crença no destino,
etc., que são a base das nossas análises neste trabalho.

No que respeita às personagens, encontra-se uma imensa galeria de personagens


astuciosas, engenhosas, irreverentes e maliciosas que se servem de ardis bem
como imaginados, de manhas e de espertezas para atingirem os seus objectivos.
Na obra que ousamos analisar, as personagens representando diversas atitudes da
sociedade moçambicana aparecem a atestar o modus vivendi e o modus faciendi
das comunidades inscritas ao longo do vale do Zambeze bem como da comunidade
moçambicana no seu todo.

Em todos os grupos de Moçambique ainda predominantemente orais, o conto é


um meio poderoso de transmissão de informação, mais do que isso, o conto íntegra
a realidade actual, ironiza, critica, analisa situações e conflitos vividos pelas
pessoas. (Sebastião et al, 1999, p.83)

Nos contos está subjacente uma componente ideológica. A escolha das


personagens, dos acessórios e incidentes não é feita ao acaso; explica-se pelo
recurso às crenças e aos costumes, aos gestos e às técnicas da vida quotidiana de
um determinado povo. Os contos interpretam e essa interpretação permite
compreender o modelo que neles se reflecte, os problemas que a vida põe às
pessoas e as soluções propostas.

Mas sabemos também que o narrador vai sempre com a sua originalidade
contrapondo os valores e as intenções dos vários intervenientes. Assim, nem
sempre é o mais forte que sai vitorioso, mas o mais esperto ou que injustamente é
atacado. Se expressa aqui a ordem normal da moral, pelo contrário seria a inversão
da moral, ou seja, quando vence o mais forte.

Tão importante como as palavras são o modo de cantar, a entoação e o ritual


seguido. Sempre que se conta uma história, o contador recria-a tal como os
ouvintes, por meio de novas canções, novos gestos, novos pormenores sem, no
entanto fugir da concepção teleológica que orienta o final do conto, ou seja, a lição
ou intenção moral do conto.

Papel dos contos na formação da personalidade

Se os livros para as crianças que se publicam actualmente não têm uma intenção
tão flagrantemente moralista, nem por isso o seu conteúdo é menos normativo. Os
modelos propostos, a representação da sociedade devem estar de acordo com um
determinado ideal de criança, de " homem", devem responder aos horizontes de
espera dos adultos em relação às crianças.

Os livros para crianças são agentes do processo de socialização, oferecem modelos


e uma representação adequada da sociedade. Se assim é, poderemos perguntar
porque é que se continua a "investir" tanto nos contos? Que valores, que imagens,

154
que modelos são transmitidos? Que " horizontes de espera" da Família e da
Sociedade contemplam?

A descoberta do mundo faz na criança um mundo de interrogações, suscita


inúmeras perplexidades. Muitos dos adultos que lidam com a criança nem sempre
fornecem respostas satisfatórias, e ou constroem murros de incompreensão e de
silêncio, ou manifestam uma indiferença pouco propícia ao estabelecimento de
uma relação mais profunda. "Mas que dispare!", " Que pergunta tão tola!", "pára
de fazer perguntas absurdas! ", "Estas bem, esta bem, qualquer dia falamos nisso
", " Agora é melhor ir fazer os deveres", " Quando fores mais velho, vais
compreender " frases tantas vezes repetidas por adultos apressados.

A tradição oral proporciona, duma forma poética e estilizada, elementos de


resposta a questões sobre a causa das coisas, a origem de certos comportamentos,
fornecem receitas para crescer. Esclarece, por exemplo, porque é que os cães e os
gatos são inimigos e se disputam, porque é que as pombas só põem dois ovos,
porque é que os ursos não têm rabo, porque é que a água do mar é salgada.

A partir do conhecimento deste tipo de contos, as crianças puderam sentir se


tentadas a construir as suas próprias narrativas, a inventar outras respostas às
questões que a natureza lhes põe. Graças aos contos etiológicos, ficaram despertas
para o conhecimento do mundo da natureza que um pouco mais tarde puderam
aprofundar em álbuns documentais ou livros de divulgação científica.

Os contos são uma fonte de divertimento e possuem uma função educativa. Desde
Platão em a República, pôs em realce a sua importância como factor educativo,
que se tem vindo a chamar a atenção para essa dimensão lúdica e pedagógica que
Peraultt sabiamente sintetizou: instruir e divertir.

É perfeitamente compreensível o favor que tem merecido este género de


composições. Os contos exercem de modo atraente a sua função moralizadora,
advertem sem magoar, são a moral viva em acção o vasto palco da vida, onde cada
um de nós representa e se sente repreendido mas sem o perigo de se ver exposto
a alheia zombaria. Os contos populares instruem, educam e divertem, que são os
três mais altos objectivos que pode alcançar toda verdadeira obra de arte.

A dimensão lúdica e pedagógica dos contos

A educação estética " por meio do folclore afina a sensibilidade, que é inseparável
da inteligência; as crianças criadas sem canções, sem contos, sem poesia, são
crianças espiritualmente mais pobres do que as outras. Os psicólogos e os
professores sabem-no muito bem. Porque a educação estética começou no berço",
afirma Carmen Bravo Villasante.

A função essencial do conto na educação é " dar alegria; na alegria e pela alegria,
excitar e alimentar o espírito ". Não é necessário insistir sobre o valor cultural do
folclore em geral e dos contos populares em particular como elementos de
identidade cultural de um povo.

A evolução social, o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa


saturados de mensagens provenientes de outros âmbitos culturais, assentaram um
rude golpe nestas
155
manifestações enraizadas no mais fundo da nossa existência como povo. Daí que
todo o trabalho encaminhado para a revitalização desse tesouro nos pareça
importante.

Diferentes acessos às histórias

No passado a maioria das crianças nascidas em famílias pouco letradas não tinha
contacto com o livro antes de entrar na escola. O encontro entre ambos ocorria
com sete anos, na primeira série, classe da alfabetização. O livro era único, não
havia outro, colectivo, cada aluno tinha um exemplar, e didáctico, a cartilha. Esse
livro, objecto puramente escolar, não tinha função social, isto é, não era utilizado
fora da escola. Em vez de aguardar a conclusão do processo de alfabetização para
só então entrar nos primeiros anos de vida ou até mesmo nos primeiros meses. De
facto, não existe idade mínima para a criança ser presenteada com obras de
literatura infanto-juvenil, folheá-las no sofá e escutar “histórias do livro na cama
antes de dormir.

Mesmo sem saber ler, as crianças tem acesso a literatura pelo caminho da escuta.
A tradição da voz alta é antiga. Depois da reforma ela já era frequente na Europa
entre as famílias protestantes nas quais os patriarcas diziam textos sagrados da
bíblia durante a noite. No Brasil, séculos atrás, letrados reunidos em saraus
escutavam poemas da boca dos seus autores, reuniões essas que hoje ainda
perduram sobre novas formas.

Essa prática sempre esteve presente na escola. Todo leitor conheceu em sua
escolaridade algum professor que dizia textos literários para o prazer do auditório,
sem cobrar tarefas escolares dos seus ouvintes. Essa voz alta sistemática não
somente encantava os alunos, fascinados pela musicalidade da voz do professor
como também revelava as obras escritas da literatura.

Uma parte do sucesso de vendas do Daniel Pennac (1997) prove da sua proposta
de reactivar uma escuta do texto marcada pela qualidade, em oposição a exercícios
de decifração isentos da dimensão comunicativa. Dado novo é que hoje a
variedade dos textos ao alcance da criança é muito mas ampla e mas bem adaptada
aos seus interesses, tanto pela temática abordada, enquanto pela língua utilizada.

A entrada dos livros da literatura infanto-juvenil nas famílias de classe média leva
os pais a assumirem também o papel daquele que profere, até então restrito a
determinadas reuniões, bíblicas ou poéticas. Hoje felizmente, a voz alta está
ganhando espaços educacionais diversificados fora das classes privilegiadas; ela se
manifesta também nas bibliotecas, creches, além de espaços sociais tais como
núcleos de educação informal, hospitais ou jardins públicos.

Unidade 10. 2.Como Trabalhar o Conto na Educação das Crianças?

Os contos estão vivos nas aplicações pedagógicas. Assim, a escola poderá


estabelecer a ponte de ligação com os contos, uma vez, em muitos casos, a família
deixou de o fazer.

O professor poderia constituir o factor-chave, o elemento de união entre a função


pedagógica, cultural e
156
sociológica, pois tem um elemento insubstituível para unir essas três esferas: o
conto.

Para que isso possa acontecer, torna-se necessário que possuía ampla formação
científica e pedagógica, que conheça o assunto em profundidade, que esteja
penetrado do valor do que transmite. Necessário também se torna dispor de
metodologias seguras e de conhecimentos objectivos que lhe permitam mover-se
à vontade nesta temática particular.

Para poder trabalhar os contos, é necessário conhecer muitos. É necessário possuir


um vasto reportório variado, conhecer bem a fundo toda a vastidão do património
oral (neste caso, moçambicano) pertencente a este género narrativo. Graças a
reedições recentes da maior parte das antologias de contos moçambicanos, torna-
se possível entrar em contacto com o que foi salvo pelos folcloristas e etnógrafos,
que representa apenas uma parte.

Necessário e interessante se torna também o conhecimento de contos


pertencentes a outros continentes e países, visto que o estudo do conto se pode
relacionar com a diversidade cultural e formação de um espírito universalista.

Ter critérios seguros de selecção no que respeita às versões, às adaptações e às


ilustrações que acompanham o texto dos contos em algumas edições para crianças
é também indispensável.

O professor é o mediador, o facilitador, que estabelece a ponte entre a criança e o


livro. Já alguém escreveu e muita gente disse que, se o professor de Português
tivesse conseguido imprimir nos seus alunos o gosto pela leitura, teria conseguido
tudo.

É preciso admitir, logo à partida, que só se consegue fazer amar aquilo que se ama.
Uma obra pode apresentar um interesse seguro do ponto de vista didáctico. Se não
nos disser nada, se não “aquecer o coração”, será que vale a pena trabalhá-la? A
emoção que se comunica é a única que pode criar um verdadeiro clima de
entendimento e de troca.

Falar (dos livros) dos contos que desbloqueiam o imaginário das crianças, que lhes
permitem reencontrar um uso lúdico, pessoal e criativo da língua, conduz-nos a
repensar os contos como vias de acesso à literatura escrita, particularmente a uma
literatura poética e fantástica. Nem sempre se compreende plenamente o valor
educativo do poético e do fantástico, talvez porque não se lhe vê uma utilidade
imediata uma vez que se trata de um valor indirecto, que age a longo prazo,
subterraneamente. A literatura é a grande educadora, como lhe chamou Aragón.

O papel do fantástico não consiste em dar receitas de saber ou de acção. Os contos,


enquanto fonte de maravilhamento e de reflexão pessoal, desbloqueiam e
fertilizam o imaginário pessoal do ouvinte/leitor, contribuem para a formação de
crianças (que serão adultos) mais criativas e mais livres. O poder dos contos reside
na capacidade de incitar grandes e pequenos a viver um tempo fabuloso. O mundo
tem necessidade do poder dos contos e da sua subversão poética para sobreviver.

A essência do conto é constituir um subterfúgio, um meio indirecto de


aprendizagem do
157
imaginário e do encantamento da linguagem, uma aprendizagem da vida, do
mundo e das relações humanas. O conto, sobretudo o conto maravilhoso, contado
às crianças ou lido por elas, pode ser encarado na perspectiva de uma iniciação_ a
aprofundar e a desenvolver ao longo de toda a existência do indivíduo_ à literatura
fantástica e à linguagem do imaginário, à imaginação simbólica, à cultura dos
sonhos. Os sonhos dos homens, depositados nos contos, nas lendas, nos mitos, são
coisas profundas, complicadas e frágeis.

Não se trata de os domesticar, regulamentar e recuperar, mas de os reconhecer


como parceiros permanentes do diálogo do homem consigo próprio. Ao educador-
poeta, mais que ao pedagogo moralizante e armado em psicanalista, cabe iniciar a
criança à prática do conto, a essa cultura dos sonhos.

Sumário

AUTO-AVALIAÇÃO

Questões de Reflexão

Leia o conto e responda às questões.

Mbelele

De manhã, a terra era fresca. O ar gélido cortava a pele. O céu apresentava-se dum
azul puro, levemente empanado por um véu violeta que desaparecia à medida que
o sol subia, diluído por um calor de estufa, sempre crescente.

Os homens erguiam os olhos para o firmamento, aterrados pela perspectiva da


fome, como que em súplica muda aos deuses da chuva. Mas a abóbada continuava
cérula, sem uma nuvem, com uma pureza quase de turqueza.

As várzeas estavam já limpas; o povo cansara-se mais uma vez, derribando plantas
bravias; as charruas tinham sulcado a terra, revirando a resteva; as enxadas haviam
pulversado o folhiço. E tudo isto secara àquele sol de aço.

O próprio rio minguara, lentamente, fugindo da álea dos chorões que lhe
delimita¬vam o leito, até se restringir a um fio sinuoso, humilde, gemebundo.

Seis colheitas antes, a fome visitara a região nas asas roxas dos acrídeos. O
gafanhoto, em ondas maciças, limpara com sofreguidão as culturas viridentes e
promisso¬ras, deixando as machambas nuas, os galhos erectos em gesto de
súplica, cruelmente fustigados pelo sol, como símbolos do espectro da fome.

O povo sofrera muito.

Anos depois, o rio tufara com arrufos de soba pérfido, assoprando para as margens
a sua baba cor de ocre, invadindo sanzalas e machambas, submergindo gado e
gente, levando a todos os lares a miséria e o luto, o desespero e as lágrimas. Toda
Gaza fôra, então, uma terra de desolação. Dir-se-ia estendidas sobre ela as asas do
anjo mau do Apocalipse.

E agora, antes que o povo se refizesse, chegam a seca, cruel e dura, levando a
impo¬tência aos braços

158
vigorosos do povo, enxugando rios, queimando a terra, calcinando a bosta que
estrumava as machambas.

A amplidão térmica era singularː ao ar gélido matinal sucedia um bafo de siroco,


quando o sol do zénite, dardejava sobre a terra os raios, de fogo. Então, os galhos
crepitavam como chamiços numa queimada; a miragem voluteiava,
caprichosamente, na várzea ampla, qual neblina ondulando rente à terra cansada.

_ <<Os nguluves estão zangados>>_ dizia o povo, observando com tristeza o céu
indiferente às suas queixas. E todos procuravam descobrir que desacatos às
vontades dos mortos se expiavam tão dolorosamente.

Cansados de sofrer, sobas e povo se reuniram em solene banja. Unanimemente


acordaram na purificação da terra, olvidada, havia muitos anos, não obstante
tantas desgraças seguidas.

Um nhamussoro imolara carneiros e bodes; matara galinhas, separando-lhes os


bicos, e volteando-as no ar muitas vezes e batendo com elas os corpos dos sobas e
retirara-se, prometendo fartura de chuva ainda naquela lua.

Mas não chovera!

Muitas luas tinham bebido as águas do Indico. Já todos estavam certos de que o
nhamussoro fôra derrotado pela ira implacável dos nguluves.

«A culpa é dos moços, gente. Foram estragados pelos brancos. Não obedecem às
leis velhas da raça. Não fazem a purificação anual da terra» – gritam Mucindo, o
soba velho, apontando com a canha a planície queimada pelo sol.

Os moços, como resposta, pegavam nos xitendes, faziam as malas e partiam para
os «compounds» a alistarem-se para o Jone. As raparigas guardavam os berimbaus
nos cantos das palhotas e iam para Mafalala e Estrada Nova vender amor.

Vendo a ruína ameaçando a terra e o povo, os sobas mandaram uma deputação


con¬sultar Nengueuassuna (o homem de perna de mosquito), o mais famoso
nhamussoro de que havia memória em toda Gaza.

– «Ide fazer mbelele... » – tal a sentença de nhamussoro.

Perguntas:

1.Em que sistema literário enquadra o conto Mbelele?

2.Como se faz presente a modernidade e a tradição neste texto.

3.O texto atesta uma conflitualidade entre a tradição e a modernidade. Desenvolva


a afirmação.

4. Qual seria a sua opinião em relação a sentença: – «Ide fazer mbelele... » – tal a
sentença de nhamussoro.

5. Apresente um conto da sua realidade.

159
Questões de Verdadeiro e Falso

6. A essência do conto é constituir um subterfúgio, um meio indirecto de


aprendizagem do imaginário e do encantamento da linguagem, uma aprendizagem
da vida, do mundo e das relações humanas.

7. A entrada dos livros da literatura infanto-juvenil nas famílias de classe média leva
os pais a assumirem também o papel daquele que profere, até então restrito a
determinadas reuniões, bíblicas ou poéticas.

8. Uma parte do sucesso de vendas do Daniel Pennac (1997) não provém da sua
proposta de reactivar uma escuta do texto marcada pela qualidade, em oposição a
exercícios de decifração isentos da dimensão comunicativa.

Questões de Escolha Múltipla

9. A essência do conto é constituir:

a) um subterfúgio, um meio indirecto de aprendizagem do imaginário e do


encantamento da linguagem, uma aprendizagem da vida, do mundo e das relações
humanas.

b) um subterfúgio, um meio directo de aprendizagem do imaginário e do


encantamento da linguagem, uma aprendizagem da vida, do mundo e das relações
humanas.

c) um subterfúgio, um meio indirecto de aprendizagem do real e do encantamento


da linguagem, uma aprendizagem da vida, do mundo e das relações humanas.

d) Todas as alternativas estão correctas.

10. O conto, sobretudo o conto maravilhoso, contado às crianças ou lido por elas,
pode ser encarado na perspectiva de:

a) uma iniciação_ a aprofundar e a desenvolver ao longo de toda a existência do


indivíduo_ à literatura fantástica e à linguagem real, à imaginação simbólica, à
cultura dos sonhos.

b) uma iniciação_ a aprofundar e a desenvolver ao longo de toda a existência do


indivíduo_ à literatura fantástica e à linguagem do imaginário, à imaginação
simbólica, à cultura dos sonhos.

c) uma iniciação_ a aprofundar e a não desenvolver ao longo de toda a existência


do indivíduo_ à literatura fantástica e à linguagem do imaginário, à imaginação
simbólica, à cultura dos sonhos.

d) Todas as alternativas estão correctas.

160
Respostas:

6. Verdadeiro

7. Verdadeiro

8. Falso

9. A

10. B

TEMA XI. PROPOSTA DE ABORDAGEM DOS GÉNEROS LITERÁRIOS E LEITURA NO


ENSINO SECUNDÁRIO

Introdução

Neste texto, propomo-nos reflectir sobre processos e estratégias de representação


dos géneros literários na leitura em contexto escolar. Urge reabilitar o estudo dos
géneros porque eles remetem para a noção central de literariedade concebido
como elemento determinante que de uma mensagem verbal uma obra de arte e
que permite distinguir um texto literário_ dotado de certos elementos estéticos _
e um texto não literário _ desprovido desses mesmos elementos. A noção de
género, elemento crucial da descrição literária, levanta suficientes questões
teóricas ao ponto de tentarmos, antes de passarmos à descrição das categorias
abrangentes, definir o seu sentido, delimitar o seu campo de acção, revelar as suas
dificuldades e revelar o porquê da sua abordagem como matéria no ensino
secundário.
161
Objectivos

➢ Conhecer a génese da divisão triádica dos géneros literários e sua


relevância no PEA.
➢ Aperfeiçoar as estratégias didácticas e pedagógicas de ensino dos géneros
literários.
➢ Reflectir sobre processos e estratégias de representação dos géneros
literários na leitura em contexto escolar.

Unidade 11.1. Géneros Literários e Literariedade: Suas Implicações no


Fenómeno Literário

Para Stalloni (2010: 18-19) O género é uma categoria que permite reunir, de acordo
com vários critérios, um certo número de textos. O género é uma espécie de
paradigma primordial, um arquétipo, uma essência, na qual cada obra que os
actualiza constitui uma determinada inflexão, uma singular concretização.

Géneros literários são categorias de obras literárias que, tendo a mesma finalidade
fundamental, apresentarão estrutura parecida e obedecerão a normas
semelhantes. São uma classificação tipológica das obras literárias, baseada em
elementos de forma e conteúdo e na sua relação funcional. Têm a sua origem no
valor exemplar de uma obra que origina outras do mesmo tipo. A autoridade
advém-lhe do reconhecimento e aceitação por parte dos autores e do público. A
sua função é múltipla: para o autor, recurso fácil, enquanto forma genérica
previamente estabelecida; para o leitor, coordenada de referência ou orientação;
para o crítico, terreno comum a partir a partir do qual faz a análise comparativa ou
a valorização. (In Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura).

Se quanto à forma, a literatura pode manifestar-se em prosa ou verso, quanto ao


conteúdo e à estrutura, as obras podem ser classificadas em géneros literários. Na
Grécia clássica, o filósofo Aristóteles (384-322 a.C.) adoptou uma tripartição para
os géneros: lírico, épico e dramático. No entanto, como a epopeia (exposição
narrativa) praticamente desapareceu desde o século XVIII, modernamente tem-se
desmembrado do género épico o narrativo.

A Crítica Literária considera constitutivos de um Género Literário os seguintes


aspectos: o Tema comum, a Estrutura ou composição comum, o Predomínio de
Processos Comuns para além do 4º aspecto proposto por H. Gunkel (1862-1932),
aparentemente extrínseco à obra literária: a Situação Vital (Sitz im Leben) ou o
contexto social de onde surge, ganha corpo e se desenvolve.

O género é uma das especificidades mais pertinentes da literariedade. Com efeito,


o reconhecimento de traços comuns a diversos discursos permite atestar a sua
pertença a um conjunto e portanto ratificar o seu estatuto literário. Utilizando a
terminologia de Genette

162
apud Stalloni (2010: 176) “o género remete para a literatura através do critério
remático, definindo o rema o tipo de discurso por oposição ao tema, que se aplica
ao conteúdo do discurso.”

A literatura pode assim, pela referência ao género, encontrar uma definição


provisória, pois a definição parece situar-se no cruzamento de uma forma (quadros
retóricos, técnicas de escrita e de composicao) e de um sentido (orientações
temáticas, significados declarados ou subjacentes). Reconhecer o género de uma
obra é inevitavelmente, reintegrá-la simultaneamente na perspectiva da história
literária e na crítica analítica. Uma referência dupla (diacrónica e sincrónica), um
procedimento duplo (descritivo e crítico) e uma intenção dupla (normativa e
hermenêutica) acompanham permanentemente a leitura de género. A estrutura
que o género constitui não é mais que o início do acesso à mensagem. Porque,
como indica Umberto Eco, toda a descrição é interpretação: “Não se pode
descrever uma estrutura artística senão interpretando-a e toda a indicação sobre
a estrutura da mensagem constitui já interpretação dessa mensagem.” (Stalloni,
2010, p.177). Portanto, ao descrever o texto, o género prepara a descodificação.

A distribuição em géneros assenta num desejo de ordem, no duplo sentido da


palavra. Por um lado, ao incluir os objectos em determinadas categorias, podemos
pôr um ponto final à confusão gerada por uma produção que ficou por classificar.
O género, enquanto etiqueta de classificação, institui-se como um instrumento
operativo na racionalização que consiste em passar do impreciso para o preciso,
do indeterminado para o determinado, do geral para o específico. Por outro lado,
esta ordenação é uma classificação no sentido em que a categoria genérica
predetermina o conteúdo das produções que nela se integram. Ele apresenta-se
sob a forma de uma divisão estanque, regida por regras imperativas cuja
observância condiciona a coerência. De forma a estabelecer as características dos
géneros foi necessária definir critérios de inclusão que, institucionalizados em
termos normativos, se transformaram em requisitos codificados. Todo o género
pressupõe leis que o definem, fronteiras que o circunscrevem, teorias que
orientam o seu uso e que aprovam a etiqueta de uma determinada designação. É
possível à partida imaginar quais são as questões relativas à intransigência dos
géneros e que é necessário mudar e quais as transgressões que essas regras
implicam.

Unidade 11.2. Géneros Literários e Leitura no Ensino Secundário

Maria de Lourdes Ferraz, num artigo sugestivamente intitulado «O ensino da


literatura e a lição desconstrucionista de Paul de Man», reflecte sobre a questão
do ensino da literatura na actual situação de reestruturação dos cursos de Letras,
invocando a perspectiva desconstrucionista de Paul de Man. Considera como úteis
ensinamentos a abertura a leituras plurais, relativizando assim o próprio sentido
da leitura, mas reclamando, ao mesmo tempo, a objectividade no caminho
escolhido. Pondera Maria de Lourdes Ferraz: «não a impossibilidade da leitura-
interpretação, mas a impossibilidade de uma só leitura e a não-existência de uma
leitura verdadeira; a abertura permanente às reformulações da leitura-teoria-
leitura; finalmente a aprendizagem de que o único critério (que não é
primariamente estético) para a apreciação dos discursos que a literatura sugere é

163
o do rigor analítico desses mesmos discursos» (Ferraz, 1990: 144).

Por seu turno, Fernanda Bernardo, numa longa reflexão sobre a leitura na
perspectiva de Jacques Derrida, interroga-se acerca dos pressupostos ideológicos
da leitura, dizendo: «como continuar também a ignorar que a praxis da leitura, a
simples — mas, sem dúvida, sem simplicidade — postura ‘diante’ de um ‘texto" é
iminentemente (ultra)-ético-política?» (Bernardo, 1992: 180).

Teorias menos polémicas, mas didacticamente mais promissoras, como a estética


da recepção e a pragmática literária, veiculam o problema da acção do texto sobre
o leitor, à luz de um novo quadro teórico. Entre os domínios actualmente
convocados, refiram-se a teoria da enunciação, a teoria do texto, a teoria dos actos
de fala, que redimensionaram o estudo da literatura, propondo uma perspectiva
não exclusivamente estética dos textos mas extremamente útil ao estudo dos
constrangimentos formais dos géneros literários que as obras configuram'.
Completam o campo de investigação os trabalhos que se voltam para a leitura em
situação, tendo em conta as operações cognitivas implicadas'.

Deste modo, qualquer teoria da leitura que valorize a interacção entre texto e
leitor, traduzida nos efeitos estéticos daquele e nas respostas deste, para ser
produtiva, não pode desligar-se da necessidade de determinar o horizonte teórico
da leitura.

Ao abordar os géneros literários no contexto da leitura escolar, temos em conta


algumas evidências: os géneros constituem um aspecto da racionalidade da
literatura e são de natureza convencional, contratual, pragmática'. Deduz-se destes
princípios que as obras literárias manifestam uma determinada configuração dos
géneros. Desde o romantismo, tendem a contrariar a orientação prescritiva das
poéticas clássicas, verificando-se práticas literárias que subvertem
constrangimentos estéticos de uma determinada época, período, autor, obra, sem
que se possa deixar de pensar e falar em géneros literários.

A literatura contemporânea, fértil na produção de todos os géneros, solicita uma


teoria dinâmica dos géneros que tenha em conta as convenções próprias de cada
um, passiveis de serem modificadas em função de factores diversos.

À guisa de identificação e caracterização dos modos de representação dos géneros


no processo de leitura na escola, refira-se:

a) Na maior parte dos casos, os jovens leitores fazem leituras apressadas,


incompletas, pouco profundas.
b) A representação do conteúdo semântico dos textos normalmente é
amparada pelo professor, mesmo quando suscita maieuticamente as
respostas dos alunos.
c) As referências culturais, míticas, simbólicas, filosóficas são também
descodificadaspelo professor que assim preenche a memória do aluno, mas
não substitui a sua leitura.
d) A complexa rede de elementos internos e exteriores que confere
significação ao estilo das obras e dos autores também é desmontada a par
e passo pelo professor.

164
e) Os conteúdos da leitura configuram uma espécie de amálgama. Diante de
situações de bloqueio, o aluno e o professor não podem sentir-se bem.

Há que incentivar processos práticos de leitura que “obriguem” a memória a


funcionar desde um primeiro contacto com o texto. Trata-se de treinar as direcções
do olhar, de despertar o aluno para o trabalho da leitura, com vista a uma melhor
competência. Ora se os alunos demostram resistência à leitura, é natural que estas
assumam particulares. Nesta altura, há que perguntar: qual é o efeito do texto
sobre o leitor? De aceitação, recusa, compressão, incompreensão, valorização
estética, ideológica?

Dada a natural experiência verbal e discursiva do leitor, mesmo de pouca instrução


é capaz de penetrar no universo dos livros, mas a situação da leitura escolar exige
contacto diferente com a obra literária, exige um pronunciamento sobre o
conteúdo dos livros, baseado em conhecimentos; há rubricas programáticas a
cumprir em nome das quais os alunos são avaliados. Uma posição pragmática
perante o problema e a responsabilização do leitor, o seu engajamento nas
actividades de leitura, com vista a cumprir objectivos previamente delineados, para
o que é preciso considerar as suas operações cognitivas.

Ao aluno importa progressivamente familiarizar-se com os aspectos semântico-


pragmáticos dos textos literários, dominar viárias tipologias discursivas, de forma
a tornar-se mais competente na leitura, ao mesmo tempo que amplia o seu
horizonte de expectativa. Se entendermos que a leitura activa implica a
verbalização do que se lê, a competência discursiva torna-se um factor
fundamental de aprendizagem, pois constitui um suporte para a compreensão
hermenêutica. Assim, à medida que constrói imagens das obras literárias o aluno-
leitor deverá ir formalizando uma consciência abstracta dos elementos
constitutivos dos géneros literários. Pensamos que pode considerar um trabalho
centrado em actividades como: ler, comparar, seleccionar, antever hipóteses,
pesquisar informações, enfim, actividades relacionadas com a apreensão dos
sentidos do texto. Deste modo, trata-se de pôr em acção uma concepção e uma
metodologia de leitura como prática interactiva em que o leitor dá os primeiros
passos, em solidão, acabando por partilhar os seus movimentos com outros
leitores.

Sabendo-se que a compreensão é um horizonte que se forma e que funciona de


modo diferente em cada leitor, que não se dá toda de uma só vez, há que treinar
as operações intelectuais de interacção com o texto, que podem assumir diversas
formas como a intuição, a pré-compreensão, a verificação de hipóteses e tomar em
consideração as relações com o co-texto as circunstâncias de enunciação, os
pressupostos e o trabalho inferencial, incluindo a abdução.

Nos anos terminais do ensino secundário (10.º, 11.º, 12.º anos) espera-se que os
alunos desenvolvam estas operações mentais e queremos acreditar que têm
competências para o fazê-lo. Nestes anos, de verdadeira iniciação da história da
literatura portuguesa, de crescente familiarização com os modos e géneros
literários, traduzida numa abordagem rigorosa do texto literário, a capacidade de
atribuir e justificar o sentido do se lê constitui competência fundamental
necessária aos alunos de letras. Importa assegurar, nesta fase propedêutica aos

165
estudos literários de nível superior, uma progressiva inteligibilidade da natureza
complexa da literatura. Para a realização deste projecto, torna-se necessária uma
intensa prática de leitura e a concomitante reflexão sobre os procedimentos
estético˗literários, o que nem sempre acontece com os jovens leitores.Nesta fase,
não se pretende que se ensinem os processos da leitura, embora haja situações
que pedem ao professor mais esta dádiva, demostrando o modo como ele, leitor
mais experiente, rompe barreiras ou, então, fica “preso por um texto sobre o qual
não sabe o que dizer.

Nestes níveis da leitura na escola valoriza-se relação afectivo-existencial com o


texto, a experimentação do prazer do texto. Tais concepções, se não forem
amparadas por uma metodologia de leitura, podem cair no vazio interpretativo
com os resultados pouco eficazes.

A chamada leitura escolar pressupõe ainda o debate, discussão, enfim, a circulação


de ideias. Das vozes que emanam no espaço colectivo que é uma sala de aula, além
da voz do professor, ésabido que são poucos alunos que intervêm com o seu
contributo.As oportunidades são as mesmas, as habilidades não. A atitude do
aluno é normalmente de escuta. No entanto o professor espera a palavra dos
alunos, espicaçando-os. Por isso é muito comum somente através dos textos
escritos pelos alunos o professor ter uma perspectiva das imagens que estes fazem
da obra literária. Considerando as limitações acima expostas da leitura e as suas
implicações, acreditamos que um trabalho centrado nas dificuldades dos alunos
pode contribuir para o sucesso escolar.

Tendo em conta a observação de práticas pedagógicas e a leitura de textos diversos


dos alunos do secundário (8ª a 12ª classe), apresentamos alguns dados acerca das
representações que estes elaboram dos modos e géneros literários. A situação de
representação que se reveste de maior “sucesso”e facilidade é comummente a de
géneros narrativos,dependente, no entanto, da complexidade semântica das obras
em causa.

Maior dificuldade revelam os alunos na apreensão do discurso lírico. Tal


resistência tem a ver, entre outros factores, com o magro espaço consagrado à
poesia no currículo escolar. Mas esta não deve ser a causa principal, já que,
tradicionalmente, a poesia ê considerada mais difícil do que a narrativa. A maior
espessura semântica do texto lírico exige mecanismo e leitura específicos que
proporcionem o desvelamento de sentidos, da sua complexidade temática (Reis,
1982, pp.41-55), cujas estratégias operam sobretudo através das associações
paradigmáticas e sintagmáticas, lembrando a lição jakobsoniana.

Das componentes dos géneros mais apreendidas podemos apontar algumas que
nos parecem ser as principais, como o conteúdo semântico, com uma certa
diversidade de respostas, verificando-se maior heterogeneidade, fluidez e grandes
indecisões na captação de traços formais e elementos técnicos-compositivos e
retórico-estilísticos. A excepção de personagens e temas, no que diz respeito à
narrativa e ao drama, a previsão das respostas é extremamente variável. Na nossa
opinião, um handicap visível é a dificuldade de dialogar com o texto, para o que se
requerem capacidades discursivas, de ginástica mental e verbal.

166
Apesar dos elementos que temos vindo a constatar em observações de práticas
pedagógicas e na leitura de escritos dos alunos, cremos que ainda é prematuro tirar
conclusões acerca de leituras como prática interactiva porque na prática do ensino
há muitos percursos, justamente em função do heterogéneo perfil do leitor que
temos vindo a esboçar.

De facto, qualquer professor tem, na sua memória de mestre que pretende


promover a inteligência do aluno, a perspicácia e a sensibilidade, a lembrança de
situações diversas: dos amantes da literatura e que põem em acção essa relação
afectiva, cumprindo, ao mesmo tempo, os objectivos da leitura escolar; dos
amantes da leitura, mas que resistem ao ritmo do calendário escolar e aos
conteúdos programáticos, nomeadamente às obras que não podiam escolher.

O professor, mesmo quando não consegue romper barreiras e resistências, não


deixa de dar seu testemunho pessoal para uma importante vocação pedagógica da
escola –a de contribuir para a formação humanista do indivíduo. A relação com o
livro felizmente que não se limita ao espaço de um ano lectivo e a vida pode levar
o leitor resistente, passado tempo, a gostar de ler. Se afloramos o percurso do
professor, foi com o intuito de relativizar a questão do insucesso, pois ele não e o
único educador nem um propagandista da literatura a toda a força. As pessoas têm
o direito derecusar. Por outro lado, o simplesmente facto de o aluno ser um leitor
assíduo fora da escola, não égarantia de sucesso escolar na disciplina de português
e na abordagem das obras de literárias, assim como o sucesso escolar não é , de
modo algum, atestado de cultura literária. Oque fica nos leitores da relação com os
livros são coisas extramente difíceis de identificar, mensurar, e apenas pode dizer-
se que a frequentação dos livros é prova de cultura.

A elaboração de actividades por parte do professor para levar a cabo as operações


produtivas surge todas as vezes que se pensa num novo texto, o que torna inviável
receitas sobre como ensinar o conto, romance, a novela, a poesia trovadoresca, os
sermões de Vieira. No entanto, porque a literatura é um sistema semiótico, não
nos afastamos da sua capacidade de comunicação, e por isso, defendemos uma
didáctica dos géneros literários suportada metodologicamente pela pragmática e
estética da recepção, oque significa que o leitor é obrigado a situar-se no universo
dos textos, reagindo com respostas diversas: o gesto de interpretar, a situação da
fruição, etc. Assim, pouco e pouco, o leitor adquire uma capacidade discursiva que
se reflecte no à vontade diante da obra literária, no renascer da empatia, por vezes
ausente da leitura escolar, e no prazer que experimenta em explorar os seus
“Mundos possíveis”. A tudo isto são alheias as operações de leitura, materializadas
em actividades diversas e apoiadas por instrumento de leitura. Se concordamos
com Figueiredo (1991: 194) quando diz: “ler é uma técnica e uma arte”,
entendemos que recomendações de tarefas genéricas como ler, interpretar,
analisar, comentar, trazem resultados que, nem sempre, satisfazem os professores
de todos os níveis de ensino, incluindo o superior.

A questão que os professores dos anos terminais se colocam, acerca das


competências que os alunos devem possuir à estrada para a universidade, é
possível responder, situando-nos em relação às instruções do programa de
“Português” quando considera como uma das finalidades desta disciplina:
“proporcionar a aquisição
167
de métodos que reforcem ou permitam o domínio das operações intelectuais
inerentes à prática do discurso e à reflexão linguística e estético-literária”. Segundo
os conselhos de Umberto Eco, poderíamos referir a urgência de uma especial
disponibilidade para fazer “passeios inferenciais” (certamente trabalhosos) mas
sobretudo a consciência de que a obra literária é uma singularidade extremamente
complexa e séria, cuja frequentação é importante para o indivíduo em diversas
áreas e momentos da vida.

A didáctica do professor, nesta perspectiva, privilegia uma articulação entre o


conhecimento científico da literatura e os modos de apreensão na leitura da sua
expressão multiforme.

Reconhecemos, nestas considerações sobre processos mentais e estratégias


didácticas de representação dos géneros literários no processo da leitura escolar,
algum idealismo, pois o percurso do professor, em termos científicos e
pedagógicos, sendo certamente mais fácil que o do aluno, nem sempre se realiza a
contento, mesmo quando detecta dificuldades e sabe como supri-las.

Nesta reflexão perfilhamos uma pedagogia do ensino da literatura que implica um


modo não individualista de estar no ensino. Implica a troca de experiências, o
diálogo de várias vozes, a produção, circulação e discussão de materiais didácticos,
numa perspectiva de projectos levados a cabo por professores e alunos.

Sumário

O principal objectivo de uma tipologia dos géneros é evidenciar princípios e noções


susceptíveis de facilitar a compreensão dos textos. Discernir os laços que unem
diversas obras, assinalar as constantes e as diferencias ao longo dos séculos,
identificar a presença recorrente de convenções (desvios à normas) não são
concessões a uma visão normativa da literatura, mas instrumentos de uma
hermenêutica. Sendo o objectivo último de todo o trabalho crítico ler e
compreender a obra, os instrumentos que facilitam estas tarefas não devem ser
rejeitados. A tal ponto que, após um período de queda em desgraça, o género, a
par das diversas noções que fazem parte da retórica, conheceu um interesse
renovado que, para alguns, remeteria este termo para o cerne dos estudos
literários: O género é o ponto de encontro da poética geral e da história literária
factual e é, por isso, um objecto privilegiado, o que bem lhe poderia valer a honra
de se tornar personagem principal dos estudos literários.

Exercícios de AUTO-AVALIAÇÃO

1.Relacione o conceito de literariedade com a noção dos géneros literários.

2. O que implica uma pedagogia do ensino da literatura?

3. Dos três modos fundacionais da literatura, onde reside maior dificuldade por
parte dos alunos?

4. O que se requer para ultrapassar as dificuldades de dialogar com o texto?

168
5. Considerando as limitações acima expostas da leitura e as suas implicações,
acreditamos que um trabalho centrado nas dificuldades dos alunos pode contribuir
para o sucesso escolar.

AUTO- AVALIAÇÃO

Questões De Reflexão

1.Defina género segundo Para Stalloni.

2. Qual é a característica dos géneros literários a segundo a sua finalidade?

3. Qual é a origem dos géneros literários?

4.Donde provem a autoridade dos géneros?

5. Fale da função dos géneros literários.

6. O que a literatura contemporânea solicita no campo dos géneros?

7. Por que a didáctica dos géneros literários deve ser suportada


metodologicamente pela pragmática e estética da recepção?

8. O que defende o paradigma da Estética da Recepção?

Questões de Verdadeiro e Falso

8. Para Stalloni, género é uma categoria que permite reunir, de acordo com vários
critérios, um certo número de textos.

9. Géneros literários são categorias de obras literárias que, tendo a mesma


finalidade fundamental, apresentarão estrutura parecida e obedecerão a normas
semelhantes.

Questões de Escolha Múltipla

10. O género é:

a) o ponto de encontro da poética geral e da história literária factual e é, por isso,


um objecto privilegiado, o que bem lhe poderia valer a honra de se tornar
personagem principal dos estudos literários.

b) o ponto de desencontro da poética geral e da história literária factual e é, por


isso, um objecto privilegiado, o que bem lhe poderia valer a honra de se tornar
personagem principal dos estudos literários.

c) o ponto de encontro da poética geral e da história literária factual e é, por isso,


um objecto privilegiado, o que bem lhe poderia valer a honra de se tornar
personagem secundária dos estudos literários.

d) Todas as alternativas estão correctas.

169
Respostas:

8. Verdadeiro

9. Verdadeiro

10. A

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