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CURSO DE LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS

MANUAL DE TEORIA DA ANÁLISE DA NARRATIVA

ENSINO ONLINE. ENSINO COM FUTURO 2022


CURSO DE LICENCIATURA EM ENSINO DE PORTUGUÊS

MANUAL DE TEORIA DA ANÁLISE DA NARRATIVA

3º ANO

CÓDIGO

TOTAL HORAS/1º SEMESTRE 100

CRÉDITOS (SNATCA) 4

NÚMERO DE TEMAS 4
UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Direitos de autor (copyright)

Este manual é propriedade da Universidade aberta ISCED, e contêm reservados todos os


direitos. É proibida a duplicação ou reprodução quer seja total ou parcial deste manual, sob
quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrónicos, mecânico, gravação, fotocópia entre
outros), sem permissão expressa da entidade editora.
O não cumprimento da informação supracitada é passível a aplicação de processos judiciais.

Universidade Aberta ISCED


Rua Paiva Couceiro, Macuti
Beira - Moçambique
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Website: www.unisced.edu.mz

i
UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Agradecimentos

A Universidade Aberta ISCED endereça os seus agradecimentos às seguintes individualidades


e instituições na produção deste manual:

Autor Fernando Manuel Samuel Safo Chicumule – Doutorando em


Língua, Cultura e Sociedade; Mestre em Língua e Literatura
Portuguesa; Pós-graduado em Línguas, Literaturas e Culturas;
Especializado em Língua Portuguesa e Literaturas de Expressão
Portuguesa; Licenciado em Língua e Cultura Portuguesa;
Bacharel em Ensino de Português.

Coordenação Vice-reitoria para área académica da UnISCED


Design Universidade Aberta ISCED
Financiamento e Logística Instituto Africano de Promoção da Educação à Distância
(IAPED)

Revisão Científica e Faculdade de Ciências de Educação


Linguística
Ano de Publicação
2020
Ano de atualização
2022
Local de Publicação
UnISCED – BEIRA

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Visão geral 1
Benvindo à Disciplina/Módulo de Teoria e análise da narrativa ...................................... 1
Objectivos do Módulo....................................................................................................... 1
Quem deveria estudar este módulo ................................................................................. 1
Como está estruturado este módulo ................................................................................ 2
Ícones de actividade ......................................................................................................... 3
Habilidades de estudo ...................................................................................................... 3
Precisa de apoio? .............................................................................................................. 5
Tarefas (avaliação e auto-avaliação) ................................................................................ 6
Avaliação ........................................................................................................................... 6

TEMA 1: ESTUDO DAS PRINCIPAIS FORMAS E LINGUAGEM DA EXPRESSÃO DA ARTE


NARRATIVA 9
UNIDADE Temática 1.1. A expressão da arte narrativa e a cultura literária .................... 9
Introdução......................................................................................................................... 9
Sumário ........................................................................................................................... 13
Exercícios de AUTO-AVALIAÇÃO ..................................................................................... 13
Exercícios para AVALIAÇÃO ............................................................................................ 14
Unidade temática 1.2: A linguagem literária .................................................................. 17
Introdução....................................................................................................................... 17
Sumário ........................................................................................................................... 20
Exercícios de AUTO-AVALIAÇÃO ..................................................................................... 20
Exercícios para AVALIAÇÃO ............................................................................................ 20
Unidade temática 1.3: A narrativa.................................................................................. 25
Introdução....................................................................................................................... 25
Sumário ........................................................................................................................... 30
Exercícios de AUTO-AVALIAÇÃO ..................................................................................... 30
Exercícios para AVALIAÇÃO ............................................................................................ 31

TEMA 2: ABORDAGEM DE ASPECTOS EVOLUTIVOS E TEÓRICOS DO CONTO, DA NOVELA E


DO ROMANCE 38
Unidade temática 2.1. Abordagem teórica sobre o conto, a novela e o romance ........ 38
Introdução....................................................................................................................... 38
Resumo ........................................................................................................................... 44
Exercícios de AUTO-AVALIAÇÃO ..................................................................................... 45
Exercícios para AVALIAÇÃO ............................................................................................ 45
Unidade temática 2.2: Conto, novela e romance: principais semelhanças e diferenças49
Introdução....................................................................................................................... 49
Sumário ........................................................................................................................... 53
Exercícios de AUTO-AVALIAÇÃO ..................................................................................... 54
Exercícios para AVALIAÇÃO ............................................................................................ 54
Exercícios para AVALIAÇÃO ............................................................................................ 55
Unidade temática 2.3: Romance: a narrativa maior ...................................................... 56
Introdução....................................................................................................................... 56

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Sumário ........................................................................................................................... 63

Exercícios para AVALIAÇÃO ............................................................................................ 64

TEMA 3: NÍVEIS E MÉTODOS DE ANÁLISE DE NARRATIVA 67


Unidade temática 3.1. Modelo de análise de narrativas escritas .................................. 67
Introdução ............................................................................................................. 67
Sumário ........................................................................................................................... 76
Exercícios para AVALIAÇÃO ............................................................................................ 77
Unidade temática 3.2: Métodos de análise e interpretação literária ............................ 80
Introdução....................................................................................................................... 80
Sumário ........................................................................................................................... 83
Exercícios de AUTO-AVALIAÇÃO ..................................................................................... 83
Exercícios para AVALIAÇÃO ............................................................................................ 83
Unidade temática 3.3: Análise do discurso narrativo: produção de sentidos................ 85
Introdução ............................................................................................................. 85
Sumário ........................................................................................................................... 86
Exercícios de AUTO-AVALIAÇÃO ..................................................................................... 87
Exercícios para AVALIAÇÃO ............................................................................................ 87

TEMA – IV: ANÁLISE DE TEXTOS NARRATIVOS 91


Unidade temática 4.1. O sistema retórico da enunciação ............................................. 91
Introdução....................................................................................................................... 91
Sumário ........................................................................................................................... 98
Exercícios de AUTO-AVALIAÇÃO ..................................................................................... 98
Exercícios para AVALIAÇÃO ............................................................................................ 98
Unidade temática 4.2. Os componentes do enunciado como elementos da produção de
sentidos ......................................................................................................................... 101
Introdução..................................................................................................................... 101
Sumário ......................................................................................................................... 107
Exercícios de AUTO-AVALIAÇÃO ................................................................................... 107
Exercícios para AVALIAÇÃO .......................................................................................... 108

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Visão geral

Bem-vindo à Disciplina/Módulo de Teoria e análise da


narrativa

Objectivos do Módulo

Com o módulo de Teoria e Análise da Narrativa (TAN), pretende-se


conhecer as principais formas de linguagem de expressão da arte
narrativa e da cultura literária.

Quando terminar o estudo de Teoria e análise da


narrativa, deve ser capaz de:
• Conhecer as principais formas de linguagem de expressão
da arte narrativa e da cultura literária;
Objectivos
Específicos • Identificar as diferentes fases do conto, da novela e do
romance;
• Distinguir os diferentes níveis e métodos de análise da
narrativa.

Quem deveria estudar este módulo

Este Módulo foi concebido para estudantes do 3º ano do curso de


licenciatura em Ensino de Português da UnISCED. Poderá ocorrer
que haja leitores que queiram actualizar-se e consolidar seus
conhecimentos nessa disciplina. Esses serão bem-vindos, não
sendo necessário para tal se inscrever. Mas poderá adquirir o
manual.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Como está estruturado este módulo

Este módulo de TAN, para estudantes do 3º ano do curso de


licenciatura em Ensino de Português, à semelhança dos restantes
da UnISCED, está estruturado como se segue:
Páginas introdutórias

▪ Um índice completo.
▪ Uma visão geral detalhada dos conteúdos do módulo,
resumindo os aspectos-chave que você precisa conhecer para
melhor estudar. Recomendamos vivamente que leia esta
secção com atenção antes de começar o seu estudo, como
componente de habilidades de estudos.
Conteúdo desta disciplina / módulo

Este módulo está estruturado em Temas. Cada tema, por sua vez
comporta certo número de unidades temáticas ou simplesmente
unidades. Cada unidade temática se caracteriza por conter uma
introdução, objectivos, conteúdos.
No final de cada unidade temática ou do próprio tema, são
incorporados antes o sumário, exercícios de auto-avaliação, só
depois é que aparecem os exercícios de avaliação.
Os exercícios de avaliação têm as seguintes características: Puros
exercícios teóricos/Práticos, Problemas não resolvidos e
actividades práticas, incluindo estudo de caso.

Outros recursos

A equipa dos académicos e pedagogos da UnISCED, pensando em


si, num cantinho, recôndito deste nosso vasto Moçambique e
cheio de dúvidas e limitações no seu processo de aprendizagem,
apresenta uma lista de recursos didácticos adicionais ao seu
módulo para explorar. Para tal, a UnISCED disponibiliza, na
biblioteca do seu centro de recursos, mais material de estudos
relacionado com o seu curso como: Livros e/ou módulos, CD, CD-
ROOM, DVD. Para além deste material físico ou electrónico
disponível na biblioteca, pode ter acesso à Plataforma digital
moodle para alargar mais ainda as possibilidades dos seus estudos.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Auto-avaliação e Tarefas de avaliação

Tarefas de auto-avaliação para este módulo encontram-se no final


de cada unidade temática e de cada tema. As tarefas dos
exercícios de auto-avaliação apresentam duas características:
primeiro apresentam exercícios resolvidos com detalhes. Segundo,
exercícios que mostram apenas respostas.
Tarefas de avaliação devem ser semelhantes às de auto-avaliação
mas sem mostrar os passos e devem obedecer o grau crescente de
dificuldades do processo de aprendizagem, umas a seguir a outras.
Parte das tarefas de avaliação será objecto dos trabalhos de
campo a serem entregues aos tutores/docentes para efeitos de
correcção e subsequentemente nota. Também constará do exame
do fim do módulo. Pelo que, caro estudante, se recomenda que
faça todos os exercícios de avaliação como uma grande vantagem.
Comentários e sugestões

Use este espaço para dar sugestões valiosas sobre determinados


aspectos, quer de natureza científica, quer de natureza didáctico-
pedagógica, etc, sobre como deveriam ser ou estar apresentadas.
Pode ser que graças às suas observações que, em gozo de
confiança, classificamo-las de úteis, o próximo módulo venha a ser
melhorado.

Ícones de actividade

Ao longo deste manual irá encontrar uma série de ícones nas


margens das folhas. Estes ícones servem para identificar
diferentes partes do processo de aprendizagem. Podem indicar
uma parcela específica de texto, uma nova actividade ou tarefa,
uma mudança de actividade, etc.

Habilidades de estudo

O principal objectivo deste campo é o de ensinar e aprender a


aprender. Aprender aprende-se.

Durante a formação e desenvolvimento de competências, para


facilitar a aprendizagem e alcançar melhores resultados, implicará
empenho, dedicação e disciplina no estudo. Isto é, os bons
resultados apenas se conseguem com estratégias eficientes
eficazes. Por isso é importante saber como, onde e quando
estudar. Apresentamos algumas sugestões com as quais esperamos
que caro estudante possa rentabilizar o tempo dedicado aos
estudos, procedendo como se segue:

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

1º Praticar a leitura. Aprender a Distância exige alto domínio de


leitura.

2º Fazer leitura diagonal aos conteúdos (leitura corrida).

3º Voltar a fazer leitura, desta vez para a compreensão e


assimilação crítica dos conteúdos (ESTUDAR).

4º Fazer seminário (debate em grupos), para comprovar se a sua


aprendizagem confere ou não com a dos colegas e com o padrão.

5º Fazer TC (Trabalho de Campo), algumas actividades práticas ou


as de estudo de caso se existir.

IMPORTANTE: Em observância ao triângulo modo-espaço-tempo,


respectivamente como, onde e quando estudar; como foi referido
no início deste item, antes de organizar os seus momentos de
estudo, reflicta sobre o ambiente de estudo que seria ideal para si:
Estudo melhor em casa/biblioteca/café/outro lugar?; Estudo
melhor à noite/de manhã/de tarde/fins-de-semana/ao longo da
semana?; Estudo melhor com música/num sítio sossegado/num
sítio barulhento!?; Preciso de intervalo em cada 30 minutos, em
cada hora, etc.

É impossível estudar numa noite tudo o que devia ter sido


estudado durante um determinado período de tempo. Deve
estudar cada ponto da matéria em profundidade e passar só ao
seguinte quando achar que já domina bem o anterior.

Privilegia-se saber bem (com profundidade) o pouco que puder ler


e estudar do que saber tudo superficialmente! Mas a melhor opção
é juntar o útil ao agradável: Saber com profundidade todos
conteúdos de cada tema, no módulo.

Tome atenção: não recomendamos estudar seguidamente por


tempo superior a uma hora. Estudar por tempo de uma hora
intercalado por 10 (dez) a 15 (quinze) minutos de descanso
(chama-se descanso à mudança de actividades). Ou seja, que
durante o intervalo não se continuar a tratar dos mesmos assuntos
das actividades obrigatórias.

Uma longa exposição aos estudos ou ao trabalho intelectual


obrigatório, pode conduzir ao efeito contrário: baixar o rendimento
da aprendizagem. Por que o estudante acumula um elevado
volume de trabalho, em termos de estudos, em pouco tempo,
criando interferência entre os conhecimentos, perde sequência
lógica, por fim ao perceber que estuda tanto mas não aprende, cai
em insegurança, depressão e desespero, por se achar injustamente
incapaz!

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Não estude na última da hora; quando se trate de fazer alguma


avaliação. Aprenda a ser estudante de facto (aquele que estuda
sistematicamente), não estudar apenas para responder a questões
de alguma avaliação, mas sim estude para a vida, sobre tudo,
estude pensando na sua utilidade como futuro profissional, na área
em que está a se formar.

Organize na sua agenda um horário onde define a que horas e que


matérias deve estudar durante a semana; Face ao tempo livre que
resta, deve decidir como o utilizar produtivamente, decidindo
quanto tempo será dedicado ao estudo e a outras actividades.

É importante identificar as ideias principais de um texto, pois será


uma necessidade para o estudo das diversas matérias que
compõem o curso: A colocação de notas nas margens pode ajudar
a estruturar a matéria de modo que seja mais fácil identificar as
partes que está a estudar e Pode escrever conclusões, exemplos,
vantagens, definições, datas, nomes, pode também utilizar a
margem para colocar comentários seus relacionados com o que
está a ler; a melhor altura para sublinhar é imediatamente a seguir
à compreensão do texto e não depois de uma primeira leitura;
Utilizar o dicionário sempre que surja um conceito cujo significado
não conhece ou não lhe é familiar.

Precisa de apoio?

Caro estudante, temos a certeza que, por uma ou por outra razão,
o material de estudos impresso, lhe pode suscitar algumas dúvidas
como falta de clareza, alguns erros de concordância, prováveis
erros ortográficos, falta de clareza, fraca visibilidade, páginas
trocadas ou invertidas, etc. Nestes casos, contacte os serviços de
atendimento e apoio ao estudante do seu Centro de Recursos (CR),
via telefone, sms, E-mail, se tiver tempo, escreva mesmo uma carta
participando a preocupação.
Uma das atribuições dos Gestores dos CR e seus assistentes
(Pedagógico e Administrativo) é a de monitorar e garantir a sua
aprendizagem com qualidade e sucesso. Daí a relevância da
comunicação no Ensino a Distância (EAD), onde o recurso às TIC se
torna incontornável: entre estudantes, estudante – Tutor,
estudante – CR, etc.
As sessões presenciais são um momento em que o estudante tem a
oportunidade de interagir fisicamente com staff do seu CR, com
tutores ou com parte da equipa central da UnISCED indigitada para
acompanhar as suas sessões presenciais. Nesse período, pode
apresentar dúvidas, tratar assuntos de natureza pedagógica e/ou
administrativa.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

O estudo em grupo, que está estimado para ocupar cerca de 30%


do tempo de estudos à distância, é de muita importância, na
medida em que lhe permite situar, em termos do grau de
aprendizagem com relação aos outros colegas. Desta maneira,
ficará a saber se precisa de apoio ou precisa de apoiar aos colegas.
Desenvolver o hábito de debater assuntos relacionados com os
conteúdos programáticos, constantes nos diferentes temas e
unidade temática, no módulo.

Tarefas (avaliação e auto-avaliação)

O estudante deve realizar todas as tarefas (exercícios, actividades e


auto-avaliação), contudo nem todas deverão ser entregues, mas é
importante que sejam realizadas. As tarefas devem ser entregues
duas semanas antes das sessões presenciais seguintes.
Para cada tarefa serão estabelecidos prazos de entrega, e o não
cumprimento dos prazos de entrega, implica a não classificação do
estudante. Tenha sempre presente que a nota dos trabalhos de
campo conta e é decisiva para ser admitido ao exame final da
disciplina/módulo.
Os trabalhos devem ser entregues ao Centro de Recursos (CR) e os
mesmos devem ser dirigidos ao tutor/docente.
Podem ser utilizadas diferentes fontes e materiais de pesquisa,
contudo os mesmos devem ser devidamente referenciados,
respeitando os direitos do autor.
O plágio1é uma violação do direito intelectual do (s) autor (es).
Uma transcrição à letra de mais de 8 (oito) palavras do texto de um
autor, sem o citar é considerada plágio. A honestidade, a
humildade científica e o respeito pelos direitos autoriais devem
caracterizar a realização dos trabalhos e seu autor (estudante da
UnISCED).

Avaliação

Muitos perguntam: Como é possível avaliar estudantes à distância,


estando eles fisicamente separados e muito distantes do
docente/tutor!? Nós dissemos: Sim é muito possível, talvez seja
uma avaliação mais fiável e consistente.
Será avaliado durante os estudos à distância que contam com um
mínimo de 90% do total de tempo que precisa de estudar os
conteúdos do seu módulo. Quando o tempo de contacto presencial
conta com um máximo de 10% do total de tempo do módulo. A

1
Plágio - copiar ou assinar parcial ou totalmente uma obra literária, propriedade
intelectual de outras pessoas, sem prévia autorização.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

avaliação do estudante consta detalhada do regulamento da


avaliação.
Os trabalhos de campo por si realizados, durante estudos e
aprendizagem no campo, pesam 40% e servem para a nota de
frequência para ir aos exames.
Os exames são realizados no final da cadeira disciplina ou módulo e
decorrem durante as sessões presenciais. Os exames pesam no
mínimo 60%, o que adicionado aos 40% da média de frequência,
determinam a nota final com a qual o estudante conclui a cadeira.
A nota de 10 (dez) valores é a nota mínima de conclusão da
cadeira.
Nesta cadeira, o estudante deverá realizar pelo menos 3 (três)
avaliações e 1 (um) (exame).
Algumas actividades práticas, relatórios e reflexões serão utilizados
como ferramentas de avaliação formativa.
Durante a realização das avaliações, os estudantes devem ter em
consideração a apresentação, a coerência textual, o grau de
cientificidade, a forma de conclusão dos assuntos, as
recomendações, a identificação das referências bibliográficas
utilizadas, o respeito pelos direitos do autor, entre outros.
Os objectivos e critérios de avaliação constam do Regulamento de
Avaliação.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

TEMA 1: ESTUDO DAS PRINCIPAIS FORMAS E LINGUAGEM DA EXPRESSÃO DA ARTE


NARRATIVA

Unidade temática 1.1. A expressão da arte narrativa e a cultura


literária
Unidade temática 1.2: A linguagem literária
Unidade temática 1.3: A narrativa

UNIDADE Temática 1.1. A expressão da arte narrativa e a cultura literária

Introdução

O tema 1 percorre o estudo das principais formas e linguagem da


expressão da arte narrativa e, nesta unidade, abordamos a arte
narrativa e cultura literária como dois conceitos importantíssimos e
alvos de inúmeras análises por parte de diferentes áreas do
conhecimento humano.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

• Conhecer a expressão da arte narrativa e a cultura


literária;
Objectivos • Distinguir arte narrativa da cultura literária;
• Reflectir sobre o debate aberto acerca da distinção entre
arte e cultura.

Arte narrativa e cultura literária

Arte e cultura são dois conceitos muito fundamentais no


desenvolvimento intelectual e cognitivo de uma pessoa. Sabemos da
importância da arte como ferramenta humana para expressão de
sentimentos e sensações e percebemos a manifestação artística que
acontece de diferentes maneiras nas diversas culturas que existem. A
importância da arte e da cultura torna ambas objecto de estudo de
muitas áreas do conhecimento.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Mankew, 1975 (Colecção do Museu Nacional de Arte, Maputo)

Enquanto, por exemplo, Mankew Mahumana (n.1934) produz um


quadro artístico, os escritores, como Mia Couto ou Miguel Torga
constroem ou pintam o mesmo painel em palavras, em texto
narrativo, como é o caso do nosso estudo.

Arte narrativa é a arte que conta uma história, seja como um


momento numa história em curso ou como uma sequência de eventos
que se desenrolam ao longo do tempo. Algumas das primeiras
evidências da arte humana sugerem que as pessoas contavam
histórias com fotos.

A narrativa, no seu serviço de contar histórias, surge-nos como arte,


porque a entidade que recebe o nome de Narrador transmite
mensagens com pendor educativo, histórico, ou seja, de transmissão e
transferência de uma cultura e de passagem de uma geração anterior
para a actual. Por trás dos elementos diegéticos, está um artista que é
o autor textual, que, geralmente, inventa enredo(s), personagens,
entre outros elementos que, por meio ficcional, produz narrativas de
diversas espécies. Este processo de invenções e uma arte literária. Mas
e preciso clarificar que a narrativa nem sempre e imaginada, podendo
ser real, casos de Biografia, Autobiografia, Memória; ainda que não
dispense traços de imaginação, ou seja, quer a narrativa real quer a
narrativa imaginada intercambia as características. Só o facto de se
tratar de narrativa presume-se a verossimilhança como um elemento
transversal e carrega consigo todos os elementos de um texto
literário, por exemplo, a conotação, a plurissignificação, a polissemia.

SILVA, Ana Isabel et al (s/d) referem que a cultura literária é um


conceito vasto e abrangente, que recupera as várias áreas das
Humanidades e das Linguísticas, para se apresentar ao público em
geral como sintetizadora das correntes do conhecimento da estética
das palavras e do seu potente conteúdo transformador para as

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

sociedades humanas.

Uma narrativa como texto literário, criado por um autor ou artista,


transporta um conteúdo que representa a cultura de povos, por isso a
narrativa pode enquadrar-se na literatura de um determinado pais em
função da sua temática, por exemplo, Literatura Moçambicana,
Literatura Angolana. O artista serve-se de uma determinada língua,
como código, para veicular uma cultura, pois a língua e a cultura
encontram-se em extrema ligação.

O que é cultura (literária)?

A cultura é uma palavra de origem latina e deriva de colere, que


significa “cuidar de”. O sentido original dessa palavra está relacionado
com a agricultura e, portanto, o “cuidar de” refere-se a cuidar de algo,
de algum item da produção agrícola. A palavra cultura tomou novo
sentido ao longo do tempo. Segundo o Dicionário Michaelis,
actualmente, a cultura é o “conjunto de conhecimentos, costumes,
crenças, padrões de comportamento, adquiridos e transmitidos
socialmente, que caracterizam um grupo social”.

O debate conceitual a respeito da definição de cultura é realizado por


diversas áreas do conhecimento, como a antropologia, a história e as
ciências sociais. Neste texto, norteamo-nos a respeito do conceito de
cultura por meio das definições realizadas pela antropologia, ciência
que tem como objecto de estudo o homem e a humanidade.

A definição realizada pela antropologia afirma que cultura é o


conjunto que reúne todas as formas de conhecimento, todas as
crenças e tipos de moral de um povo, todas as leis, tradições e
costumes que são manifestados por determinado grupo social. Assim,
cultura associa-se à narrativa como sua demonstração.

Apesar disso, a palavra cultura é comumente associada também com a


arte, isto é, música, literatura, dança, escultura, pintura e teatro são
considerados demonstrações culturais. A palavra cultura pode
também se referir ao grau de instrução de uma pessoa, pois, na
comunicação popular, uma pessoa estudada é considerada uma
pessoa “culta”.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

https://www.portugues.com.br/literatura/arte-literaria.html

O que é arte?

A palavra arte tem origem do termo latino, ars, que significa técnica
ou habilidade. De acordo com o dicionário Michaelis, a arte é definida
como “atividade que supõe a criação de obras de caráter estético,
centradas na produção de um ideal de beleza e harmonia ou na
expressão da subjetividade humana”.

Apesar disso, a definição do que é arte é uma tarefa extremamente


complexa por se tratar de um conceito muito abstracto, porque o
entendimento do que é arte e do que não é arte sofreu grandes
transformações ao longo do tempo.

Sendo assim, entre os especialistas e estudiosos da área, existe uma


grande discussão a respeito de uma definição do conceito de arte.
Mesmo não existindo um consenso entre os especialistas da área,
algumas considerações podem ajudar-nos a ter um horizonte sobre o
que é arte.

A arte é uma forma como o homem expressa os sentimentos,


pensamentos e convicções. Além disso, pode ser entendida como o
resultado de uma habilidade que resulta numa obra com valor estético
utilizada como expressão de alguma ideia ou sentimento. Na visão
contemporânea, podem ser classificados como formas de arte: a
escultura, a pintura, a fotografia, a música, o teatro, o cinema, a
literatura, a dança, etc.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Sumário

Nesta unidade temática 1.1, estudamos e discutimos


fundamentalmente o seguinte:

• A palavra cultura é derivada de colere, do Latim, que significa


“cuidar de”.
• A palavra arte é derivada de ars, do Latim, que significa
“técnica”, “habilidade”.
• A cultura é principalmente associada com diferentes tipos de
artes, como a música, o teatro e a pintura.
• Existe um debate entre os especialistas a respeito do conceito
de arte, mas não existe um consenso, uma vez que a noção de
arte é bastante abstracta.
• A arte e a cultura de Grécia e Roma antigas são conhecidas
como cultura clássica.
• A escultura grega, inicialmente, possuía uma simetria na
disposição dos membros do corpo humano e tinha o intuito de
ressaltar a beleza humana.
• A escultura romana, diferentemente da grega, primava pela
valorização do realismo.

Exercícios de AUTO-AVALIAÇÃO

Perguntas
Coloque V (Verdadeiro) ou F (Falso) nas perguntas (afirmações) que
se seguem:
1. A arte literária está relacionada com a leitura e análise de textos
verbais e, por isso, é considerada como sendo a arte construída
pelas palavras.
Verdadeiro
Falso
2. Arte narrativa é a arte que conta uma descrição, seja como um
momento numa música em curso ou como uma sequência de
eventos que se desenrolam ao longo do espaço.
Verdadeiro
Falso
3. A arte é uma forma como o homem expressa os sentimentos,
pensamentos e convicções.
Verdadeiro
Falso
4. Arte é uma actividade humana ligada às manifestações de ordem
comunicativa, realizada por meio

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

de uma grande variedade de


linguagens: arquitectura, desenho, escultura, pintura, escrita, músi
ca, dança, teatro e cinema, em suas variadas combinações.
Verdadeiro
Falso
5. Segundo o Dicionário Michaelis, actualmente, a cultura é o
“conjunto de reconhecimentos, hábitos, mitologias, modelos de
comportamento, adquiridos e transmitidos individualmente, que
caracterizam um grupo social”.
Verdadeiro
Falso

Respostas: 1V, 2F, 3V, 4V, 5F.

Exercícios para AVALIAÇÃO

Questões de reflexão
1. Qual é a diferença entre o termo cultura de forma genérica e a
cultura literária?
2. A Arte e cultura são dois conceitos muito fundamentais no
desenvolvimento intelectual e cognitivo de uma pessoa. Comente em
torno desta afirmação.

Perguntas

I. Leia o texto que se segue:


Arte ao alcance de todos
Apoderar-se de espaços públicos em nome do registo histórico, da
arte livre e da contestação sempre atraiu as pessoas, desde o início
dos tempos. Desenhos do quotidiano das comunidades já podiam ser
vistos nas cavernas, em pinturas rupestres, datadas da Pré-História.
Inscrições urbanas semelhantes também podem ser encontradas na
cidade de Pompeia (na Itália), que mesmo tendo sido invadida por
lavas vulcânicas, preservou as marcas de manifestos e propagandas
políticas impressas nas construções. Esses registos fazem parte da
história do graffiti – ou grafite, em português - , uma prática que hoje
em dia é considerada uma arte, um movimento e a expressão de uma
cultura de classe. O grafite moderno, feito com tinta e latas de spray,
teve origem em Nova Iorque, nos Estados Unidos, ainda durante os
anos 70, quando o movimento hip-hop dava os seus primeiros passos.
Os símbolos gravados nos muros serviam como forma de comunicação
entre gangues. Essa prática ainda está
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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

vinculada à cultura de periferia, não só nos Estados Unidos, mas


também no Brasil. A diferença é que hoje existe uma divisão mais
nítida entre a pichação, usada como instrumento de protesto e de
vandalismo, e o grafite, que embora mantenha a característica
marginal, é considerado uma expressão da arte de rua. (...) O grafite é
uma das expressões mais populares da arte de rua, mas existem
outras técnicas plásticas que integram as intervenções urbanas.
Colagem, stencilart e pintura mural também são algumas das práticas
desenvolvidas. Dança, música e encenações teatrais integram, da
mesma forma, essas manifestações. (...)
(Gazeta do Povo, Curitiba, 4 set. 2005. Caderno G – adaptado)

II. Lido o texto, responde às 10 perguntas fechadas, que se seguem:

1. O que significa arte?


A. Actividade humana ligada às manifestações de
ordem estética ou comunicativa, realizada por meio de
uma grande variedade de linguagens.
B. Actividade que supõe a criação de obras de caráter
religioso, centradas na recepção de uma realidade de
beleza e harmonia ou na expressão da objectividade
humana.
C. Forma como o homem expressa os prazeres, as realidades
e os resultados de uma determinada investigação numa
época histórica da Humanidade.
D. Resultado de uma habilidade que resulta num livro com
valor moral utilizado como expressão da definida posição
ou conclusão.

2. Distinga arte da cultura, no contexto narrativo.


A. A arte é um modelo como o ser vivo expressa os
sentimentos, atitudes e convicções enquanto a cultura é o
“conjunto de reconhecimentos, costumes, descrenças,
padrões de comportamento, apreendidos e transmitidos
individualmente, que caracterizam um grupo social”.
B. A arte é uma maneira como o homem informa os
sentimentos, pensamentos e convicções enquanto a
cultura é o “conjunto de conhecimentos, costumes,
crenças, padrões de comportamento, adquiridos e
transmitidos socialmente, que caracterizam um grupo
social”.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

C. A arte é uma forma como o homem expressa os


sentimentos, pensamentos e convicções enquanto a
cultura é o “conjunto de conhecimentos, costumes,
crenças, padrões de comportamento, adquiridos e
transmitidos socialmente, que caracterizam um grupo
social”.
D. A arte é uma formação como o homem expressa as
aspirações, pensamentos e convicções enquanto a cultura é
o “conjunto de compreensões, hábitos, crenças, padrões de
comportamento, adquiridos e transmitidos socialmente,
que caracterizam um grupo social”.
3. O que sempre atraiu as pessoas, desde o início dos tempos?
A. Apoderar-se de espaços privados em nome do registo
cultural, da arte livre e da impugnação.
B. Apoderar-se de espaços privados em nome do registo
geográfico, da arte livre e da contestação.
C. Apoderar-se de espaços públicos em nome do registo
histórico, da arte livre e da contestação.
D. Despojar de espaços públicos em nome do registo social, da
arte livre e da contestação.
4. Na Pré-História, onde poderiam ser encontrados os desenhos do
dia-a-dia das comunidades?
A. Nas cavernas e em pinturas rupestres.
B. Nas comunidades e na Pré-História.
C. Nos caves e nas rochas.
D. Nos desenhos e nos átrios.
5. Em que cidade estão marcadas inscrições urbanas?
A. Beira
B. Itália
C. Pemba
D. Pompeia
6. Como actualmente é considerada a prática do grafite?
A. Uma arte, um movimento e uma cultura de classe.
B. Uma arte, uma paralisação e uma cultura de classe.
C. Uma cultura de massas, um movimento e uma literatura.
D. Uma narrativa, uma expressão e uma arte de classe.
7. Faça a localização espácio-temporal do grafite moderno?
A. Em Nova Iorque, nos Estados Unidos, durante o movimento

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

hip-hop.
B. Em Nova Iorque, nos Estados Unidos, durante os anos 70.
C. Em Pombeia, na Itália, durante os anos 70.
D. No Brasil, durante os primeiros passos do hip-pop.
8. Qual era a utilidade dos símbolos gravados nos muros?
A. Forma de baptismo
B. Forma de comunicação
C. Forma de sacralização
D. Forma de violência
9. Como hoje o grafite, embora mantenha a característica marginal,
é considerado?
A. Uma comunicação da arte do campo.
B. Uma expressão da arte de rua.
C. Uma expressão da cultura de rua.
D. Uma expressão da narrativa de rua.
10. Quais são as outras manifestações de arte?
A. Dança, música e teatro.
B. Mimica, fúria e canção.
C. Obediência, comunhão e encenação.
D. Sonho, admiração e paixão.
Respostas: 1A, 2C, 3C, 4A, 5D, 6A, 7B, 8B, 9B, 10A.

Unidade temática 1.2: A linguagem literária

Introdução

O que acabamos de abordar foi a relação entre arte e cultura. Agora,


nesta unidade, vamos concentrar-nos na linguagem literária. Ela
apresenta muitas especificidades: a variabilidade, a complexidade, a
conotação, a multissignificação e a liberdade de criação.
Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

• Conhecer a linguagem literária;


• Identificar os traços peculiares do discurso literário;
Objectivos
• Distinguir a linguagem literária na poesia da linguagem
literária na prosa.

Linguagem literária

Se olharmos Literatura como arte, fica mais fácil compreender os


recursos linguísticos empregados para a construção de uma linguagem
diferente, distinta da linguagem usada no nosso quotidiano. Para cada
situação, utilizamos um tipo de discurso, adequando-o ao contexto
comunicacional no qual estamos inseridos. A Literatura constitui um
tipo especial de comunicação, caracterizada pela utilização de recursos
expressivos e estilísticos, no qual predomina a linguagem literária.

A linguagem literária apresenta diferenças peculiares, muito embora


tenha uma estreita relação com o discurso comum. Dentre os traços
singulares do discurso literário, PEREZ, Luana Castro Alves (2020)
destaca os seguintes:

▪ Complexidade: Isso acontece porque a linguagem literária não tem


compromisso com os sentidos que comumente são atribuídos às
palavras, extrapolando assim o seu nível semântico. Por esse
motivo, o texto literário não é apenas um objecto linguístico, mas
também estético.

▪ Multissignificação: A Literatura apresenta uma linguagem que a


difere da linguagem utilizada no quotidiano. Diferentemente do
discurso que adoptamos no nosso dia-a-dia, no qual predomina o
uso objectivo da fala. O discurso literário pode apresentar
múltiplas leituras e interpretações.

▪ Conotação: A linguagem literária é conotativa, isto é, uma palavra,


quando usada no sentido conotativo, permite diferentes
significados e múltiplas interpretações. A conotação permite que
ideias e associações extrapolem o sentido original da palavra,
assumindo assim um sentido figurado e simbólico.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

▪ Liberdade na criação: Na criação de um texto literário, o artista


pode inventar novas maneiras de expressar-se, desvinculando-se
dos padrões convencionais da língua, bem como da gramática
normativa que a rege.

▪ Variabilidade: Assim como a língua, a Literatura também


acompanha as mudanças culturais, que podem ser notadas não só
no discurso individual, mas também no discurso cultural.

A linguagem literária pode ser encontrada nos poemas, cujo discurso


é permeado por elementos que conferem maior expressividade e
beleza ao texto.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

A linguagem literária pode ser encontrada na prosa, em narrativas de


ficção, na crónica, no conto, na novela e no romance.

Os textos literários não possuem compromisso com a transparência e,


por esse motivo, muitas vezes demandam de nós um maior senso
estético e maior capacidade de analisar e interpretar esse tipo de
discurso.

Sumário

Nesta unidade temática 1.2, estudamos e concluímos que a Literatura


encontra-se a serviço da arte e faz da criação literária um objecto
linguístico e estético, ao qual podemos atribuir novos significados
construídos a partir de nossas singularidades e perspectivas. O texto
literário repercute em nós na medida em que revela emoções
profundas e a sua compreensão dependerá das nossas vivências, do
nosso repertório cultural e da nossa visão do mundo.

Exercícios de AUTO-AVALIAÇÃO

Questões de reflexão
1. O que é linguagem literária?
2. Quais são as especificidades da linguagem literária?
3. O que é conotação?
4. O que é complexidade?
5. Qual é a diferença da linguagem literária na poesia e da linguagem
literária na prosa?

Exercícios para AVALIAÇÃO

I. Leia o texto que se segue:

ISSO É MUITA SABEDORIA

Quando fazemos tudo para que nos amem e não conseguimos, resta-
nos um último recurso: não fazer mais nada. Por isso, digo, quando
não obtivermos o amor, o afeto ou a ternura que havíamos solicitado,
melhor será desistirmos e procurar mais adiante os sentimentos que
nos negaram. Não fazer esforços inúteis, pois o amor nasce, ou não,
espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Às vezes, é
inútil esforçar-se demais, nada se consegue; outras vezes, nada damos
e o amor se rende aos nossos pés. Os

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade


mendigada, uma compaixão ou um favor concedido. Quase sempre
amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer.
Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e
falhado, resta-nos um só caminho... o de mais nada fazer.
Clarice Lispector, https://www.pensador.com/clarice_lispector_textos/

1. Como se afirma a linguagem literária no texto da Clarice


Lispector?
A. Texto de carácter essencialmente informativo.
B. Texto cuja principal característica é a objetividade.
C. Texto cujos recursos são a conotação para conferir às palavras
sentidos mais amplos do que elas realmente possuem.
D. Texto cuja linguagem é denotativa para expressar o real
significado das palavras.

2. Sobre os textos literários, é incorreto afirmar que…


A. possui grande compromisso com a clareza e a objectividade,
podendo ser encontrada em reportagens, notícias, manuais de
instrução e outros textos cuja principal característica seja a
informatividade.
B. o discurso literário, diferentemente do discurso adotado em
nosso dia a dia, pode apresentar diversos recursos estilísticos
capazes de oferecer múltiplas leituras e interpretações.
C. uma das principais características da linguagem literária é a
liberdade criativa, permitindo que o artista desvincule-se dos
padrões convencionais da língua, bem como da gramática
normativa que a rege.
D. a complexidade da linguagem literária é notada no uso de
conotações e metáforas, nas quais as palavras extrapolam seu
nível semântico.

3. Sobre as características da linguagem não literária, estão correctas


as alternativas:

I. Diferentemente do que acontece com os textos literários, nos quais


há uma preocupação com o objecto linguístico e também com o estilo,
os textos não literários apresentam características bem delimitadas
para que possam cumprir sua principal missão, que é, na maioria das
vezes, a de informar.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

II. Apresenta características como a variabilidade, a complexidade, a


conotação, a plurissignificação e a liberdade de criação.

III. A linguagem não literária faz da linguagem um objecto estético, e


não meramente linguístico, ao qual podemos inferir significados de
acordo com nossas singularidades e perspectivas. É comum na
linguagem não literária o emprego da conotação, de figuras de
linguagem e figuras de construção, além da subversão à gramática
normativa.

IV. Na linguagem não literária, a informação é repassada de maneira a


evitar possíveis entraves para a compreensão da mensagem. No
discurso não literário, as convenções prescritas na gramática
normativa são adotadas.

V. A linguagem não literária pode ser encontrada na prosa, em


narrativas de ficção, na crônica, no conto, na novela, no romance e
também em verso, no caso dos poemas.

A. I e IV.
B. II, III e V.
C. I, III e IV.
D. I e V.

4. Em que género se encontra a linguagem literária do texto em


analise?

A. Poesia.
B. Narrativa.
C. Épico.
D. Dramático.

5. “ Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a


outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-
história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve.
Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou. [...] Enquanto
eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever.
Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer?
Se antes da pré-pré-história já havia os monstros apocalípticos? Se
esta história não existe, passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um
fato. Os dois juntos – sou eu que escrevo o que estou escrevendo. [...]
Felicidade? Nunca vi palavra mais doida, inventada pelas nordestinas
que andam por aí aos montes. Como eu irei dizer agora, esta história
será o resultado de uma visão gradual – há dois anos e meio venho aos
poucos descobrindo os porquês. É visão da iminência de. De quê?
Quem sabe se mais tarde saberei.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Como que estou escrevendo na hora mesma em que sou lido. Só não
início pelo fim que justificaria o começo – como a morte parece dizer
sobre a vida – porque preciso registrar os fatos antecedentes. “
LISPECTOR, C., A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
A elaboração de uma voz narrativa peculiar acompanha a trajectória
literária de Clarice Lispector, culminada com a obra A hora da estrela,
de 1977, ano da morte da escritora. Nesse fragmento, nota-se essa
peculiaridade porque o narrador:
A. observa os acontecimentos que narra sob uma óptica distante,
sendo indiferente aos factos e às personagens.
B. relata a história sem ter tido a preocupação de investigar os
motivos que levaram aos eventos que a compõem.
C. revela-se um sujeito que reflecte sobre questões existenciais e
sobre a construção do discurso.
D. admite a dificuldade de escrever uma história em razão da
complexidade para escolher as palavras exactas.
6. São características da linguagem literária, EXCEPTO:
A. Variabilidade.
B. Multissignificação.
C. Denotação.
D. Liberdade na criação.
7. “A origem da poesia se confunde com a origem da própria
linguagem. Talvez fizesse mais sentido perguntar quando a linguagem
verbal deixou de ser poesia. Ou: qual a origem do discurso não
poético, já que, restituindo laços mais íntimos entre os signos e as
coisas por eles designadas, a poesia aponta para um uso muito
primário da linguagem, que parece anterior ao perfil de sua ocorrência
nas conversas, nos jornais, nas aulas, conferências, discussões,
discursos, ensaios ou telefonemas [...]
No seu estado de língua, no dicionário, as palavras intermedeiam
nossa relação com as coisas, impedindo nosso contato direto com
elas. A linguagem poética inverte essa relação, pois, vindo a se tornar,
ela em si, coisa, oferece uma via de acesso sensível mais direto entre
nós e o mundo [...]
Já perdemos a inocência de uma linguagem plena assim. As palavras se
desapegaram das coisas, assim como os olhos se desapegaram dos
ouvidos, ou como a criação se dasapegou da vida. Mas temos esses
pequenos oásis – os poemas – contaminando o deserto de
referencialidade.”
ARNALDO ANTUNES
No último parágrafo, o autor refere-se à plenitude da linguagem
poética, fazendo, em seguida, uma
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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

descrição que corresponde à linguagem não poética, ou seja, à


linguagem referencial.
Pela descrição apresentada, a linguagem referencial teria, em sua
origem, o seguinte traço fundamental:
A. O desgaste da intuição.
B. A dissolução da memória.
C. A fragmentação da experiência.
D. O enfraquecimento da percepção.

8. O que é variabilidade?
A. É um recurso linguístico que acompanha as mudanças
culturais, que podem ser notadas não só no discurso individual,
mas também no discurso cultural.
B. É um recurso linguístico que não tem compromisso com os
sentidos que comumente são atribuídos às palavras,
extrapolando assim o seu nível semântico.
C. É um recurso linguístico que permite que a linguagem tenha
diferentes significados e múltiplas interpretações.
D. É um recurso linguístico que permite que ideias e associações
extrapolem o sentido original da palavra, assumindo assim um
sentido figurado e simbólico.

9. É correcto afirmar que a literatura se encontra ao serviço da…

A. arte.
B. xilogravura.
C. manifestação do pensamento.
D. escrita poética.

10. Texto 1
Descuidar do lixo é sujeira
“Diariamente, duas horas antes da chegada do caminhão da
prefeitura, a gerência de uma das filiais do McDonald’s deposita na
calçada dezenas de sacos plásticos recheados de papelão, isopor,
restos de sanduíches. Isso acaba propiciando um lamentável banquete
de mendigos. Dezenas deles vão ali revirar o material e acabam
deixando os restos espalhados pelo calçadão. ”

Texto 2
O bicho
“Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Não examinava nem cheirava:


Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.”
I. No primeiro texto, publicado por uma revista, a linguagem
predominante é a literária, pois sua principal função é informar o leitor
sobre os transtornos causados pelos detritos.
II. No segundo texto, do escritor Manuel Bandeira, a linguagem não
literária é predominante, pois o poeta faz uso de uma linguagem
objetiva para informar o leitor.
III. No texto “Descuidar do lixo é sujeira”, a intenção é informar sobre
o lixo que diariamente é depositado nas calçadas através de uma
linguagem objectiva e concisa, marca de textos não literários.
IV. O texto “O bicho” é construído em versos e estrofes e apresenta
uma linguagem plurissignificativa, isto é, permeada por metáforas e
simbologias, traços determinantes da linguagem literária.
Estão correctas as proposições:
A. I, III e IV.
B. III e IV.
C. I, II, III e IV.
D. I e IV.

Respostas: 1 C, 2 B, 3 A, 4 B, 5 C, 6 C, 7 C, 8 A, 9 A, 10 B.

Unidade temática 1.3: A narrativa

Introdução

Propomo-nos a definir o texto narrativo. Para isso começaremos por


delimitá-lo em relação ao texto lírico e o dramático. Mas antes de
efectuar essas delimitações, há que deixar bem explícito que o texto
narrativo se caracteriza fundamentalmente pelo seu radical de
apresentação – um narrador, explicitamente individualizado ou
reduzido ao grau zero de individualização, funciona em todos textos
narrativos como a instância enunciadora que conta uma história.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:

• Conhecer as características do texto narrativo;


• Caracterizar o texto narrativo literário;

Objectivos • Reconhecer os elementos da narrativa.

Contextualização
Todos os homens produzem na sua vida quotidiana um número
indefinido de textos narrativos, isto é, textos em que contam, relatam
sequências de eventos de que foram agentes e/ ou pacientes ou de
que tiveram conhecimento como testemunhas presenciais ou como
leitores ou ouvintes de outros textos. No âmbito da sua vida privada,
desde suas relações familiares às suas relações com amigos, como
âmbito da sua vida social e institucionalmente regulada, por exemplo,
todo o curriculum vitae, toda a história clínica, toda a acção judicial,
todas as confissões religiosas pressupõem um texto narrativo, o
homem não podem deixar de produzir textos marcados pela
narratividade. Na sua existência, no plano biológica como nos planos
psíquico e cultural, no foro individual como no foro social, o homem
situa-se na temporalidade e entre temporalidade e narratividade há
uma interrogável relação recíproca. Por outro lado, a narratividade
encontra-se intimamente correlacionada com o conhecimento que o
homem possui e elabora sobre a realidade, devendo ser sublinhado
que lexemas como “narrar”, “narrativa” e “narrador” derivam do
vocábulo latino narro, verbo que significa “dar a conhecer, “ tornar
conhecido”, o qual provém do adjectivo gnanus, que significa “
sabedor, “ que conhece”.

Portões da Baróvia. Divulgação de Curse of Strahd. (Artista: Jedd


Chevrier)
A figura acima ilustra uma narrativa de aventuras. Trata-se,
obviamente, de uma diegese com personagens, espaço, ou seja, com
os elementos narrativos que determinam a aventura.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

A narratividade pode manifestar-se em textos dependentes de


diversos sistemas semióticos. Os textos narrativos verbalmente
realizados constituem apenas uma classe dos textos narrativos não-
verbais – na pintura, na cultura, na mímica, na dança, no cinema
mudo, na banda desenhada sem enunciados, etc. E textos narrativos
que só em parte são verbalmente realizados – no cinema falado, na
ópera, na banda desenhada contendem enunciados etc. Todo o texto
narrativo, independentemente dos sistemas semióticos que
possibilitam a sua estruturação, especifica por nele existir uma
instância enunciadora que relata eventos reais ou fictícios que
sucedem no tempo, originados ou sofridos por agentes
antropomórficos ou não, individuais ou colectivos, e situados no
espaço do mundo empírico ou de um mundo possível.
Na classe dos textos narrativos linguisticamente realizados, alguns
autores distinguem os textos narrativos naturais, isto é, textos
narrativos que são produzidos na interacção comunicativa da vida
quotidiana e normal, dos textos narrativos artificiais, isto é textos
narrativos que são produzidos em peculiares contextos de enunciação,
com a intencionalidade alheia àquela interacção comunicativa e em
conformidade, e em muitos casos, com normas e convenções
estabelecidas em vários códigos específicos. Os textos narrativos
literários, classificáveis em vários géneros dependentes do modo
narrativo – epopeia, romance, novela, etc – constituem um
subconjunto dos narrativos artificiais.
O texto narrativo literário caracteriza-se fundamentalmente pelo seu
radical de apresentação – um narrador, explicitamente individualizado
ou reduzido ao grau zero de individualização, funciona em todos
textos narrativos como a instância enunciadora que conta uma
história.
O texto narrativo, caracterizando-se por representar uma sequência
de eventos, comporta como elemento estrutural relevante da sua
forma de conteúdo a representação do tempo:
(i) do tempo- cronologia, que marca a sucessão dos eventos;
(ii) do tempo concreto;
(iii) do tempo histórico, que subsume o tempo cronológico e o
tempo concreto, que configura e desfigura os indivíduos e
as comunidades sociais.
Por outro lado, a sequência dos eventos e os agentes do texto
narrativo situam-se necessariamente num espaço, num espaço
físico e social, com os seus condicionalismos, as suas leis, as suas
convenções e os seus valores um espaço sempre interligado com o
tempo, em particular com o tempo histórico, gerador e
modificador da cultura. A relevância do tempo e do espaço e da
sua correlação na forma do conteúdo do texto narrativo diferencia
este do texto lírico; a especificidade da representação e
funcionalidade do tempo e do espaço
27
UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

no texto narrativo diferencia este do texto dramático.

O texto narrativo

O texto “O cavalo e o burro”, de Monteiro Lobato exemplifica um


texto narrativo, onde os dois animais são personagens, desta forma
tratar-se de uma fábula. São neste enredo vários elementos da
narrativa que tornam o texto narrativo, por exemplo os modos de
expressão: diálogo, narração e descrição; entre outros elementos que
elucidam a narratividade.

No texto narrativo, existe um narrador que conta uma história, a

28
UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

acção onde intervêm personagens, que se movimentam num espaço e


num tempo. O narrador pode estar presente ou ausente da acção
narrada, ou seja, pode ser um narrador participante ou não
participante.

Gerard Genette em Discurso da Narrativa, (1972), distingue vários


tipos de narrador, mediante o seu lugar na diegese2:

(i) narrador autodiegético, i.é, aquele que narra as suas


próprias experiências como personagem central dessa
história.
(ii) narrador homodiegético, isto é, aquele que não sendo
personagem principal da história, é ele que narra os
acontecimentos a ela inerentes, como personagem
secundária.
(iii) narrador heterodiegético, ou seja, aquele que não fazendo
parte da história, a narra, por ex., Gore Vidal, The
Smithsonian Institution, (1999). Ou seja, trata-se de um
narrador não-participante.

Alguns autores classificam o sujeito narrador em dois tipos, a saber,


narrador na primeira pessoa ou narrador participante e narrador na
terceira pessoa ou narrador não-participante. Opondo-se a esta
classificação, Mieke Bal, “Narratology: Introduction to the Theory of
Narrative, (1998), diz que durante o acto de narrar, o narrador pode
optar pela primeira ou terceira pessoa. Contudo, considera que em
qualquer dos casos tanto a primeira como a terceira pessoa são ambas
“eu”, pois ainda que a narrativa esteja na terceira pessoa, o discurso
narrativo poderia ser sempre precedido por “Eu narro:” Além disso, o
uso da linguagem implica a existência de um locutor que articule, e
esse locutor terá de ser, forçosamente, um “eu”. Relativamente ao seu
lugar na narrativa, este autor considera dois tipos de narrador: o
“narrador externo” e o “narrador personagem”, conforme se situam
dentro ou fora da história. Bal considera ainda funções do narrador, os
aspectos segmentais que incluem descrições, ainda que estes possam
aparentar uma importância marginal nos textos narrativos.

A personagem principal ou protagonista é a que desempenha o papel


mais importante na acção. As personagens secundárias têm um papel
menos destacado. Os figurantes não desempenham um papel
específico, mas contribuem para a criação de ambientes e para um
melhor entendimento da história narrada.

As personagens são caracterizadas a partir da fala do narrador ou de


outras personagens, e também a partir do seu comportamento. Assim,

2
Termo de origem grega divulgado pelos estruturalistas franceses para designar o
conjunto de acções que formam uma história narrada segundo certos princípios
cronológicos.
29
UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

as personagens podem ser caracterizadas fisicamente e através dos


seus sentimentos e comportamentos.

Na acção, podemos detectar acontecimentos principais e secundários,


consoante o seu grau de importância. A acção pode ser aberta ou
fechada. Ao contrário da acção fechada, a acção aberta permite ao
leitor imaginar a continuação da história.

O espaço e o tempo são elementos importantes, pois permitem-nos


saber onde e quando se passa a acção.

Num texto narrativo, encontramos, geralmente, três modos de


apresentação do discurso: a narração (apresentação das acções e dos
acontecimentos); a descrição (apresentação das personagens, dos
objectos, dos espaços); o diálogo (conversa entre as personagens).

Sumário

Na unidade temática 1.3., abordamos que os homens produzem


quotidianamente um número indefinido de textos narrativos. A
narratividade encontra-se intimamente correlacionada com o
conhecimento que o homem possui e elabora a história sobre a
realidade. Ela pode manifestar-se em textos dependentes de diversos
sistemas semióticos. O texto narrativo literário caracteriza-se
fundamentalmente pelo seu radical de apresentação – um narrador,
que funciona como instância enunciadora que conta uma história.
Além do narrador, presente ou ausente da acção narrada,
estruturalmente na narrativa existe a representação do tempo:
cronológico, concreto, histórico; situa-se um espaço: físico e social;
exercem as acções, principais ou secundárias, as personagens,
assumindo papéis específicos na diegese; encontram-se três modos de
apresentação do discurso: a narração, a descrição e o diálogo.

Exercícios de AUTO-AVALIAÇÃO

Questões de reflexão
1. Em que consiste um texto narrativo?
2. Quais são os modos de expressão da narrativa?
3. Que tipo de tempo narrativo conhece?
4. Qual a função desempenhada por um narrador na diegese?
5. Como se classifica o narrador quanto a presença?

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Exercícios para AVALIAÇÃO

I. Leia o texto abaixo e responda às questões que se seguem:


A VELHOTA

Eu juraria que não cheguei a perder o conhecimento embora pouco antes de


cair tivesse experimentado aquele estado de embotamento de sensibilidade
que, quando nos toma, restringe a nossa capacidade de defesa aos gestos
puramente instintivos mas estupidamente lentos, que todos conhecem nos
boxeurs «grogues». Acho que ninguém podia avaliar o esforço tremendo que
fiz nesses não sei se longos se breves momentos, para conduzir os meus
punhos, brutalmente pesados antes de ganharem movimento e incrivelmente
flutuantes depois de erguidos. Entretanto, às pancadas que recebiam, não se
aliviava qualquer sensação física porque só lhes percebia o eco diluindo-se
lentamente dentro da minha cabeça. Esse maldito eco e só ele é que foi o
culpado de eu cair. É que atrapalhava-me muito e fazia com que antes de
levantar um braço tivesse de pensar com força que tinha que levantar um
braço. Caí lentamente, com plena consciência de estar caindo.

Primeiro senti-me quase bem no chão, embora o eco continuasse a encher-


me a cabeça. Quando abri os olhos veio o zumbido e senti raiva de mim
mesmo por ter caído. O eco atrapalhava-me a vista a tal ponto que não tinha
a certeza do que via, mas depois, quando a minha vista deixou de tremer, vi
as duas pernas vestidas de escuro, que, nascidas uma de cada lado do meu
corpo cresciam longamente para cima, tesas e tensas, convergindo para a
placa de metal brilhante do cinto. Por cima delas, lá em cima, perto da
lâmpada do tecto, a cara fitava-me, atenta, sorrindo satisfeita. Voltei a fechar
os olhos.

Senti-me a tremer, mas o eco era mais suportável porque deixava de se


processar desordenadamente para ser uma espécie de latejar. Só voltei a
abrir os olhos quando tive a certeza de que o tipo já se tinha ido embora,
farto de provar aos outros que realmente me batera.

Eu precisava de ir para casa. Acho que já tinha vontade de o fazer antes


mesmo de entrar no bar, por isso, o que aconteceu lá dentro não era o que
me levava a ter tanta vontade de ir para casa. Não via a velhota e os miúdos,
não sei desde quando, porque ultimamente voltava a casa muito tarde e saia
muito cedo, mas não tinha bem a certeza de os querer ver mais alguma vez. A
velhota era insípida e os miúdos eram chatos e barulhentos, sempre com
porcarias para resolver. Claro que isso não era nada que se comparasse àquilo
do bar, de há bocado, ou de todos os outros bares, restaurantes, átrios de
cinemas ou quaisquer outros lugares no género em que todos me olhavam
duma maneira incomodativa, como que a denunciar em mim um elemento
estranho, ridículo, exótico e sei lá o que mais. Que nojentos! E eu sem poder
rebentar exactamente por causa do raio da velhota e dos ranhosos dos
miúdos!

31
UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Aquilo do bar, ainda há bocado, era afinal o que se passava: eu não consegui
bater o tipo porque ele era todos os outros, e exactamente como isso é que
ele me bateu. Não adianta contemporizar, tudo é a mesma coisa. Mesmo os
que têm a mania de que fazem excepção só são isso em campos neutros ou
quando tenham necessidade de vir até mim, porque, em volta deles edificam
muros de tabus e defendem-se com os mesmos nojentos olhares enojados
sempre que alguém vai para além desses muros. Eu que o diga!

Eu precisava de ir para casa. Ia comer arroz e caril de amendoim como eles


queriam que fizesse, mas não para encher a barriga. E precisava de ir para
casa para encher os ouvidos de berros, os olhos de miséria e a consciência de
arroz com caril de amendoim.

Sentada na esteira a velhota estava quieta, a ver os miúdos a comer. De vez


em quando levantava-se um e vinha trazer-lhe o prato de alumínio para ela
servir-lhe mais. Foi de uma dessas vezes que a velhota deu comigo. Estava
com a colher de pau erguida, cheia de arroz, e ia despejá-lo no prato, quando
parecendo lembrar-se de qualquer coisa, se virou para a porta. Logo que me
viu espreitou para o fundo da panela e perguntou-me se queria comer.

— Ainda não sei se quero comer ou não — respondi.

Virou-se para o lume, demorou-se um bocado a olhar para as chamas com a


concha ainda no ar e depois perguntou:

— Estás zangado? Estás tão zangado que não podes comer e nem sabes se
queres ou não?...

— Não, não estou zangado.

A velhota pensou ainda um bom pedaço e resmungou:

— Então está bem, se não estás zangado... E como ao dizer isto estivesse
virada para o miúdo, perguntou-lhe como se isso lhe interessasse mais do que
qualquer outra coisa.

— Quito! O que é que tu estás para aí a mastigar sem parar, Quito?

Antes que Quito desimpedisse a boca para poder responder, a Khatidja


berrou lá do fundo:

— Esse Quito está a mastigar a carne que roubou do meu prato sem eu ver! É
minha, mamã! Chi? Quito, tu és um ladrão! — e voltando-se para mim — É
minha, estou-te a dizer, Mano!

O Quito mostrou na palma da mão tudo o que tirou da boca e admirou-se:

— Esta carne, Kati, esta aqui? Foi a Mamã que me deu, estás a ouvir? — e
para mim

—Não foi, Mano?

32
UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

A essa altura já os miúdos estavam num berreiro desgraçado e a velha impôs-


se:

— Shhh!...

Calou-se tudo num instante menos a Khatidja, que ainda choramingava:

— É minha.... É minha... Ele roubou! Chi! Quito não tens vergonha? Eu vi-te...
Mas os outros miúdos ajudaram a velhota:

— Shhh!... A Khatidja virou-se para eles:

— Shhh!...

E desataram-se todos a fazer «shhh».

Com a colher de pau ainda erguida a velhota olhava para aquilo tudo. Depois
os miúdos fartaram-se da brincadeira e voltaram a comer e o Quito pôs na
boca tudo o que tinha na mão. Só então é que a velhota despejou a colher no
prato do miúdo. Antes de lhe pôr caril pensou um bocado e voltou a servir-lhe
outra e outra colherada de arroz. Quando o miúdo se ia embora perguntou-
me com um ar distraído:

— Mas é verdade que não sabes se queres comer ou não?

— Bem, e se eu quiser? (Aborrecia-me aquela insistência, caramba!).

A velhota pareceu ficar aflita. Espreitou para o fundo da panela e sorriu-se


para mim como que a desculpar-se:

— É que só há ucoco!

Lá dos cantos os miúdos comentaram: Chi!! A ucoco?! O Quito fez «shh» e


tudo se pôs a fazer «shh».

A velhota berrou e os miúdos continuaram a comer.

— E então por que é que insistes em perguntar se quero comer? E o que é


que tu vais comer?

— Eu não tenho fome — respondeu a velhota.

— Mas não há mais comida, não é isso?

— Eu não tenho fome... Não tenho, juro que não tenho. Mas se tu quiseres
faço chá num instante, queres?

— Eu também não tenho fome.

— Nesse caso faço chá para os miúdos, para eles tomarem, se continuarem
com fome.

Depois não me pude furtar ao impulso de abraçar a velhota. Ela manteve-se


quieta quando enterrei a cabeça entre os seus seios. Rindo-se nervosa,

33
UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

protestou:

— Mas tu não costumas fazer isso... E continuou a rir-se até ter coragem de
me apertar nos braços.

— Meu filho...

Senti-lhe os dedos ásperos a percorrerem-me timidamente ia cara. Depois


beijou-me e riu-se muito. Ouvi os miúdos a rirem-se também.

«Tu não costumas ser assim! O que é que foi... Meu filho... Meu filho... Tens
fome? Queres que faça chá para ti?»

Eu já não ouvia aquele tom de voz desde não sei quando e talvez nem me
lembrasse de o ter ouvido alguma vez.

— Bateram-te? Diz-me, meu filho, eles bateram-te? Quem foi?

— Não, não me bateram.

— Mas eles fizeram-te alguma coisa, não fizeram? Tu estás com raiva, não é?

Tentei não falar, mas não tive tempo de pensar:

— Eles destruíram tudo, eles roubaram, eles não querem...

Senti-a prender a respiração e endurecer ligeiramente.

— Não queres contar? Não? Não queres?

— Não serve de nada. Os miúdos aproximaram-se:

— Conta, conta...

— Nada, vocês hão-de crescer, agora não chateiem.

— Sim, meu filho, há o tempo, o tempo... Tudo há-de mudar, tudo há-de
melhorar... E quando eles crescerem...

— Hão-de crescer... Pois hão-de crescer nisto...

— De verdade que não queres contar?

— Conta, conta!— e os miúdos rodeavam-nos na esteira.

Não, eu não contaria. Não fora para isso que viera para casa. Além disso, não
seria eu a destruir neles fosse o que fosse. A seu tempo alguém se
encarregaria de os por na raiva. Não, eu não contaria.

— Meu filho... Acho que me sobressaltei ao ouvir a velhota.

— Meu filho, eu não entendo bem o que estas para aí a dizer, palavra que
não entendo. Mas tu tremes, tu estás ou assustado ou muito zangado ou
outra coisa qualquer, e o que tu dizes não é bom, porque estás a tremer,
palavra que estás a tremer...

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Talvez a velhota tivesse razão porque deve ser raro a velhota não ter razão.
Mas de toda a maneira isso não modificava nada. Eu não contaria e pronto; e
ainda que contasse de que serviria isso? Sim, de que serviria, se a porcaria, o
raio da porcaria daquilo tudo viria para aqueles miúdos com outros
pormenores, em outras circunstâncias e com outros nomes?

— Eh, vocês todos! Dormir, anda! Sim, dormir, o que é que estão a olhar?
Dormir!... Mas... quem sabe? E também por que não acreditar? Por que não
acreditar em qualquer coisa de giro? Como por exemplo que a formação dos
miúdos fosse diferente da minha e que lhes conferisse uma condescendência
para com aquelas coisas, uma condescendência que as minhas coordenadas
emocionais não comportavam... E que talvez, eu sei lá, que talvez para com
eles o tempo obrigasse a mais compreensão, mais carinho, sim, a mais
humanidade... Porque talvez a velhota tivesse razão, há o tempo, o tempo...

— Meu filho os miúdos já se foram...

— Sim, eu vou dizer: eles bateram-me.

— Quem foi? Mas isso não é tudo, tu tremes...

— Sim, isso não é tudo. E até não é nada. Eles fizeram-me pequenino e
conseguem que eu me sinta pequenino. Sim, é isso. Isso é que é tudo. E
porquê? Eles nem o dizem de alto. E tudo cai, cai de repente, com barulho
aqui dentro, e cai e cai e cai...

— Bem, acho que o melhor é não querer saber disso para nada, porque não
percebo nada do que tu dizes...

Ficámos silenciosos os dois, e de tal maneira estávamos abraçados que não


sabia se era realmente ela que tremia. Tenho a impressão de que só neste
momento é que vi as chamas, embora estivesse há muito tempo a olhar para
elas. O seu calor era bom e envolvia-nos, mas para isso elas torciam-se num
bailado estranhamente rubro. Só deixei de as olhar quando a velhota falou
duma maneira que me fez logo pensar que ela tinha estado um bom pedaço a
matutar na maneira de me dizer qualquer coisa que afinal não disse. Acho
que ela só disse:

— Meu filho...
Luís Bernardo Honwana

Perguntas
1- Gerard Genette distingue vários tipos de narrador, mediante ao
seu lugar na diegese que são:
A. Autodiegético, homodiegético e heterodiegético.
B. Omnisciente, não omnisciente e figurante.
C. Presente, ausente e neutro.
D. Principal, secundário e terciário.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

2- O texto narrativo caracteriza-se por representar uma sequência


de eventos:
A. cronológico, de acção e do tempo.
B. cronológico, do tempo concreto e da acção.
C. cronológico, do tempo real, do tempo histórico.
D. do espaço, da acção e do tempo.

3- Quais são os modos de apresentação do discurso que


predominam no texto narrativo em pauta?
A. Narração, descrição e diálogo.
B. Monólogo, reflexão e histórico.
C. Narratário, discrição e cronologia.
D. Narração, ruido e espaço.

4- Quais são os textos narrativos-literários?


A. Banda desenhada, romance, instrução turística, ode.
B. Epopeia, elegia, diário, manual de uso.
C. Epopeia, romance, crónica, conto, fábula.
D. Jornal, artigo, reportagem, epopeia.

5. Alguns autores classificam o sujeito narrador em dois tipos


que são:
A. Narrador na primeira pessoa e narrador na segunda
pessoa.
B. Narrador na primeira pessoa e narrador participante.
C. Narrador não-participante e narrador na terceira pessoa.
D. Narrador participante e narrador não-participante.

6. O que é narrador autodiegético?


A. Aquele que a narra mesmo não fazendo parte da história.
B. Aquele que conta a história na segunda pessoa.
C. Aquele que narra a história como personagem principal.
D. Aquele que narra a história como personagem secundária.

7. Que subgénero da narrativa se enquadra o texto “A velhota”?


A. Conto
B. Lenda
C. Novela
D. Romance

8. Qual são as funções de um figurante num texto narrativo?


A. Centrais das acções e insignificantes na decoração.
B. Decorativas dos ambientes e insignificantes no enredo.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

C. Dominantes da história e descritivas.


D. Narrativas da diegese e comentadoras principais.

9. O texto narrativo apresenta vários momentos e um deles e a


acção onde podemos detectar acontecimentos principais e
secundários, consoante o seu grau de importância. Apresente a
diferença entre a acção aberta e a acção fechada.
A. A acção aberta permite ao escritor antecipar a história
ao passo que na acção fechada observa-se o recuo da
diegese no tempo e a prolepse dos acontecimentos.
B. A acção aberta permite ao leitor escrever a continuação
da história ao passo que na acção fechada observa-se a
acção em vias de solução e a sorte final do tempo e do
espaço.
C. A acção aberta permite ao leitor imaginar a
continuação da história ao passo que na acção fechada
observa-se a acção solucionada e a sorte final das
personagens.
D. A acção fechada permite ao leitor imaginar a
continuação da história ao passo que na acção aberta
observa-se a acção solucionada e a sorte final das
personagens.

10. A que literatura pertence o escritor Luís Bernardo Honwana?


A. Angolana
B. Cabo-verdiana
C. Moçambicana
D. Portuguesa

Respostas:
1 A, 2C, 3A, 4C, 5D, 6C, 7A, 8B, 9C, 10C.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

TEMA 2: ABORDAGEM DE ASPECTOS EVOLUTIVOS E TEÓRICOS DO CONTO, DA NOVELA E DO


ROMANCE

Unidade temática 2.1. Abordagem teórica sobre o conto, a novela e o


romance
Unidade temática 2.2: Conto, novela e romance: principais
semelhanças e diferenças
Unidade temática 2.3: Romance: a narrativa maior

Unidade temática 2.1. Abordagem teórica sobre o conto, a novela e o romance

Introdução

Nesta unidade temática 2.1, começamos por referir que o texto


narrativo é, sempre, sob modalidades várias, um intercâmbio, um
discursivo no qual se entrecruzam, se metamorfoseiam, se
corroboram ou se contestam outros textos, outras vozes e outras
consciências, pois é reflexo de algo de imaginação que não existe
particularizado na realidade de todos, mas no espírito de, apenas seu
criador. As narrativas podem ser tanto em verso como em prosa,
todavia essa última é mais comum ao modelo moderno. Por esse
motivo, nesta unidade, propomos-lhe a abordagem de aspectos
evolutivos e teóricos do conto, da novela e do romance.

Ao completar esta unidade / lição, você será capaz de:

• Explicar por que razão um texto narrativo é um texto


literário.
Objectivos • Abordar os aspectos evolutivos e teóricos do conto, da
novela e do romance

Aspectos evolutivos e teóricos do conto, da novela e do romance

Soares (2007) retrata que o épico será manifestado sempre que


repercutir a intenção de englobar a realidade numa única obra. Nesse
novo período, as narrativas podem ser tanto em verso como em prosa,
todavia essa última é mais comum ao modelo moderno. Dessa forma,
percebe-se que, embora não vigorem com a mesma intensidade, as
suas ascendências encontram-se presentes nesse novo padrão. Ainda
sobre o aspecto supracitado, é importante ressaltar que, Motta (2006)
aborda, de modo bastante relevante, sobre a origem e evolução do
género ao traçar um percurso sobre o estilo desde o seu surgimento
na antiguidade e a sua evolução até à
38
UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

modernidade. Para exemplificar esse percurso é esboçado


metaforicamente o desenho de uma árvore utilizando as principais
formas narrativas. O ponto de partida do item metafórico inicia com a
formação das raízes, que situam três formas: o mito, a lenda e o
conto, esses três pilares exercem a função de base para o épico. A
respeito dessas bases originárias, o autor afirma:

Do entrelaçamento das três raízes originárias da semente


do género narrativo, (...) brotará na superfície do terreno
histórico conhecido, o tronco da poesia épica, a quarta
grande forma narrativa. Essa forma constituirá o
sustentáculo de uma das partes principais da árvore até o
momento de sua bifurcação em um ramo notadamente
empírico e outro ficcional. (Ibidem, p.59)

Seguindo essa linha de pensamento do autor, nota-se que esse


entrelaçamento composto pela tríade modelou a narrativa tradicional,
dando origem à poesia épica retratada metaforicamente pelo tronco
de uma árvore, numa abordagem mais profunda pode relacionar-se
como aquilo que suporta as suas ramificações, factor constituinte de
uma revisão teórica sólida desse modelo que ainda que se tenha
dividido em razões de sua evolução, é possível perceber nuances de
suas bases servindo como ponto de partida para o aperfeiçoamento
desse modo literário. A narrativa ocidental teve início com a epopeia,
no entanto é na Grécia antiga que se encontram informações
completas desde o seu princípio até o amadurecimento. O
abastecimento sobre o estilo em verso se encontra nas obras dos
críticos literários como exemplo Aristóteles, que é considerado como o
primeiro a tratar do histórico da epopeia.

O início da prosa marca uma mudança importante: “nesse processo, a


narrativa passa da oralidade à escrita, o cantor e o contador são
substituídos pelo narrador, e o epopoios, o fazedor de versos dá lugar
ao logografhos, o escritor de prosa.” (ibidem p.99)

39
UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Franz Kafka – autor que incluiu elementos fantásticos em suas


narrativas

Essa evolução ocorre após o êxito da épica que se manifestava


sobretudo de forma versificada e oral sob o comando de um contador.
Como menciona o autor, o narrador substitui esse representante da
narrativa oral assim como aquele que faz versos cede a vez para o
escritor. Após o distanciamento da tradição pela ficção e o empírico
surge o romance o novo modelo que atende os anseios da sociedade
burguesa, sendo ele o veículo de expressão desse grupo social
emergente. Contudo a origem dessa forma moderna situa-se no
período do pós-renascimento, com as obras Lazarillo de Tormes de
autoria desconhecida e Dom Quixote de Cervantes, nas quais o herói
não é mais divinizado, mas de certa forma ridicularizado. Mesmo
distante da esfera tradicional, essa nova modalidade ainda tem
aspectos que a correspondem revelando um fundo mítico histórico e
ficcional. Esse modelo encontra-se na colocação da copa da árvore
traçada pelo autor citado anteriormente, que situa o ponto mais alto
da transformação narrativa. Numa abordagem mais sintetizada,
Stalloni (2003) referencia a epopeia a partir da sua relação com o
épico enfatizando que a mesma não passa de uma renovação do
estilo. No entanto, muitas dessas manifestações não tiveram
reconhecimento da obra e assim a mesma decaiu, tendo sido

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

revigorada no período romântico em que os autores modernos


tentaram recuperar o estilo, mas sem êxito, pois alguns cometeram
exageros. Nos séculos XIX e XX também houve traços da mesma, mas
se tratando apenas do mesmo tom característico da forma longe de
serem as obras consideradas como tal. Devido ao assunto do épico ser
voltado apenas para um momento histórico e destinado ao colectivo
sendo mais difícil repercutir esse assunto, o romance caracteriza-se de
forma triunfal por corresponder ao individualismo que é característico
da fase moderna.

Pontuado sobre as transformações ocorrentes ao estilo, é importante


ressaltar que ele dispõe de qualidades que lhe são particulares e essas
resultam de seus elementos, uma vez que presentes nas espécies que
deste se originam são os mesmos que fazem com que este padrão
apresente singularidade em termos de traços próprios. Por outro lado,
a ausência deles resulta em textos sem sentido, pois são dispostos de
maneira interligada em que um depende do outro para a construção
de sentido. Soares (2007) referencia esses termos dentro da estrutura
do romance sendo dispostos de maneira interligada em sua
construção compondo elos entre os mesmos: “Em qualquer dessas
formas, ora perfeitamente delineadas e identificáveis, ora
desestruturados e camuflados, o enredo, as personagens, o espaço, o
tempo, os pontos de vista da narrativa constituem os elementos
estruturados do romance.” (p. 43)

Assim a estrutura dele é composta por parte daqueles definindo-os


como identificáveis ou camuflados. Em relação ao enredo entende-se
que o mesmo apresenta uma ligação com a personagem, surgindo
através das acções das mesmas. A forma como são organizados os
acontecimentos é que caracteriza a sua existência. A protagonista por
sua vez tem a função de desencadear as acções dentro da trama,
existem dois tipos: plana e redonda, atribuindo a primeira a
característica de permanecer de um único modo do início ao fim da
história ao passo que a segunda sofre uma variação no percurso da
narrativa. O desenrolar da história ocorre por meio do tempo que
pode ser cronológico ou psicológico. O espaço é o local onde as
personagens actuam, esse elemento pode ser interior, referindo-se ao
ambiente mental, ou exterior dando margem ao cenário físico. É um
ponto importante na construção de uma narrativa pelo facto de estar
ligado ao tempo em que juntos dão forma ao enredo. O narrador é
observado sob dois pontos: se participa da intriga sob o ponto de vista
da primeira pessoa, sendo o protagonista ou personagem secundária
ou se o mesmo é ausente, não participando de modo activo, mas
conhecendo o inconsciente de quem actua. O ponto de vista como é
pontuado pela autora, refere-se a maneira como é narrada a história,
em que a mesma menciona três tipos distinguidos por Jean Poullon,
que são: visão por trás; visão com e visão de fora. Também faz
menção a Vítor Manuel de Aguiar e Silva em que traz outras formas de

41
UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

foco nomeadas como: focalização heterodiegética, homodiegética,


interna, externa, omnisciente, restritiva, interventiva e restritiva. No
foco visão por trás, mencionado anteriormente, consiste ao
conhecimento total do narrador sobre as personagens e a trama, a
visão com quem anuncia a história tem o mesmo conhecimento de
quem a protagoniza e a visão de fora a exposição é feita sem adentrar
na mente das personagens. Enquanto o foco narrativo de Aguiar e
Silva é apresentado por termos contrários em que na primeira o
enunciador não actua, contrário à homodiegética, em que ele é
agente. Portanto quando o narrador conhece o interior das
personagens é nomeado de interna. Por outro lado, quando apresenta
apenas aspectos visíveis recebe o termo de focalização externa. Ao
conhecimento em totalidade sobre as personagens e a história, o
termo é omnisciente, todavia quando o narrador tem o mesmo
conhecimento das personagens é restritivo. Quanto à intervenção
desse elemento na história através de comentários, a focalização é
interventiva, controverso a ausência de intervenção situação nomeada
como neutral.

Gancho (2006) faz um estudo abordando os mesmos elementos


excepcionais, a mesma pontua cada um com maiores detalhes, nesse
contexto o enredo é abordado de forma sintética, porém enfatiza as
suas partes como: exposição, complicação, clímax e desfecho, que
giram em torno de um conflito. Já a personagem é apontada como um
ser fictício, que desencadeia a trama, a autora estabelece
classificações a ela como: protagonista, antagonista e secundária.
Assim como promove uma caracterização quanto ao seu modo plano e
redondo. O tempo possui uma ligação com a trama no requisito da
época que se passa a história, assim como é fundamental para situar a
duração da mesma. O espaço tem a função de interagir com as acções
das agentes de modo influenciador. Por outro lado, o narrador é
apontado como o elemento crucial à intriga, denominado como o
organizador. As variantes da focalização em primeira pessoa são do
estilo testemunha em que a personagem principal que narra a trama e
enunciador protagonista que também é a figura central que apresenta
os fatos, porém de modo mais crítico.

Leite (2001) estabelece uma abordagem sobre o foco enunciativo


tradicional em que o mesmo difere do moderno. Na poesia épica, ele
apresentava a mesma visão da narração que todos tinham, além de se
manter distante dos factos exercendo a função de mediador.

Aguiar e Silva (2007) no seu livro “Teoria da Literatura” faz um


parecer: os antigos consideravam as obras literárias greco-latinas
como modelos ideais e inultrapassáveis e negavam a possibilidade de
criar novos géneros literários ou de estabelecer novas regras para os
géneros tradicionais; os modernos (...) defendiam a legitimidade de
novas formas literárias (...) admitiam que os géneros canónicos (...)

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

pudessem assumir características novas (...) (p.356).

Sendo assim, o autor repercute as ideias contrárias dos antigos e


modernos assim como os autores anteriores. Sobretudo, com base no
seu parecer, as obras pertencentes à antiguidade eram consideradas
pelos defensores da preceptiva como forte apoio para sustentar os
seus argumentos, sendo que essas davam suporte para a negação da
possibilidade de criação de novos estilos e outras normas. Por outro
lado, os críticos opostos tinham na defensiva a possibilidade de novas
classes e sendo os modos genéricos possíveis de mudança.

Para Massaud (2003): “os géneros não são leis nem regras fixas, mas
categorias relativas dentro das quais cada escritor se move na vontade
(...)” (p.65). O autor defende a ideia de aspecto livre sem
estabelecimento de regras quanto a inspiração artística na composição
de obras. Assim um escritor podendo realizar uma produção sem um
padrão que o limite em que ainda tem o livre arbítrio quanto ao
conteúdo que escreve se configura nesse molde na conjectura
descritiva. Desse modo é possível afirmar que o autor acima citado
assume uma posição na defensiva de ideias novas sem se manter
neutro diante de uma questão que apresenta controvérsias.

Depois de ter apreendido sobre as teorias que envolvem o padrão em


questão convém identificar quais são as atribuições que o faz
continuar existindo. Sendo assim o crescimento e expansão de uma
categoria genérica depende das suas características ou traços em
criações literárias, quanto mais escritores escolher esse estilo como
molde das suas obras mais ele estará expandido. Desse modo, um
grande acervo de espécies com atributos do mesmo resulta na
pluralidade ou multiplicidade: o género é uma figura de pluralidade.
Para que haja género, é preciso que haja reunião, fundamentada
sobre critérios de semelhança, de elementos individuais tomados em
número indefinido, mas de importância bastante significativa.
(STALLONI Yves, 2003. Pag.13-14)

Seguindo nessa linha de raciocínio, um modo literário para continuar a


existir é necessário que existam traços do mesmo numa ou mais
produções literárias. Desse modo, convém situar o género narrativo
como sendo um estilo plural por ser rico em espécies pelo facto delas
apresentarem características que pertencem ao mesmo. No entanto,
nem todas as espécies pertencem a esse modelo, como esclarece
Tavares (2002) “Quando classificamos certas espécies em
determinados géneros, não significa isso que elas sejam exclusivas
daqueles géneros”.(p.115) Através dessa afirmação, o autor contribui
na defesa da mescla das classes, uma vez que se uma narrativa pode
ser utilizada por mais de uma classe e com características externas a
essas configura o hibridismo.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Em relação às espécies classificadas ao narrativo, o mesmo considera


algumas em verso como: epopeia, romance ou xácara, canção de
gesta, balada, poema heróico ou narrativo, poema herói-cómico,
poema burlesco e poema alegórico ou prosopopaico. Das espécies em
prosa são pontuadas: romance, novela, conto, anedota, crónica,
apólogo e parábola.

A palavra romance em forma primitiva resignava-se ao sentido de


idioma sendo sinónimo de vernáculo, recebe o nome desse termo os
poemas narrativos que eram escritos nessa língua. É também
conhecido como xácara, foi difundido por diversas regiões como:
Inglaterra, Espanha, França, Alemanha e Irlanda. De modo formal essa
espécie é caracterizada como poemas populares com desfecho
indeterminado. A novela resume os elementos do romance, na qual os
diálogos ocorrem num curto tempo de duração, as narrações são
directas sem rodeios. O conto é considerado como a narrativa mais
breve, que admite conteúdos diversos como as duas anteriores. Há um
problema na distinção das três narrativas anteriores pelo facto de se
assemelharem ao conteúdo, e a técnica distintiva geralmente é feita
através do tamanho de cada uma revelando uma decadência do
critério

Stalloni (2003), por apresentar um estudo com o foco em tempos


modernos, aborda apenas formas em prosa, porém traz uma
contribuição importante ao retratar sobre as subdivisões do conto e
romance, que são nada mais que a perpetuação e expansão do estilo
literário pelos séculos. O romance é dividido em: heróico, cómico,
picaresco, por cartas, de formação, histórico, autobiográfico e
Nouveau Roman. Por outro lado, o conto divide-se em quatro tipos:
gaulês, maravilhoso, filosófico e fantástico. E são esses múltiplos
assuntos que expande essas formas de modo dinâmico e ainda mais
fáceis de agradar ao público devido à apresentação de uma temática
variada.

Resumo

Nesta unidade temática 2.1., tratamos o romance como um modelo


que, na sua génese, atende os anseios da sociedade burguesa, sendo
ele o veículo de expressão desse grupo social emergente, e é mais
extensivo. A novela resume os elementos do romance, na qual os
diálogos ocorrem num curto tempo de duração, as narrações são
directas sem rodeios. O conto é considerado como a narrativa mais
breve, que admite conteúdos diversos como as duas anteriores.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Exercícios de AUTO-AVALIAÇÃO

Questões de reflexão
1. O que advoga Soares (2007) sobre o épico?
2. Como se apresentam as narrativas, quanto à mancha gráfica?
3. Quais são os três pilares que exercem a função de base do épico?
4. O que entendes por enredo?
5. Qual é a diferença entre protagonista e personagem principal?

Exercícios para AVALIAÇÃO

Perguntas

Leia o texto abaixo e responda às questões que lhe segue:

Uma ideia toda azul

Um dia o Rei teve uma ideia. Era a primeira da vida toda, e tão
maravilhado ficou com aquela ideia azul, que não quis saber de
contar aos ministros. Desceu com ela para o jardim, correu com ela
nos gramados, brincou com ela de esconder entre outros
pensamentos, encontrando-a sempre com igual alegria, linda ideia
dele toda azul. Brincaram até o Rei adormecer encostado numa
árvore.

Foi acordar tateando a coroa e procurando a ideia, para perceber o


perigo. Sozinha no seu sono, solta e tão bonita, a ideia poderia ter
chamado a atenção de alguém.

Bastaria esse alguém pegá-la e levar. É tão fácil roubar uma ideia:
Quem jamais saberia que já tinha dono?

Com a ideia escondida debaixo do manto, o Rei voltou para o


castelo. Esperou a noite. Quando todos os olhos se fecharam, saiu
dos seus aposentos, atravessou salões, desceu escadas, subiu
degraus, até chegar ao Corredor das Salas do Tempo.

Portas fechadas, e o silêncio.

Que sala escolher?

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Diante de cada porta o Rei parava, pensava, e seguia adiante. Até


chegar à Sala do Sono.

Abriu. Na sala acolchoada os pés do Rei afundavam até o tornozelo,


o olhar se embaraçava em gazes, cortinas e véus pendurados como
teias. Sala de quase escuro, sempre igual. O Rei deitou a ideia
adormecida na cama de marfim, baixou o cortinado, saiu e trancou a
porta.

A chave prendeu no pescoço em grossa corrente. E nunca mais


mexeu nela.

O tempo correu seus anos. Ideias o Rei não teve mais, nem sentiu
falta, tão ocupado estava em governar. Envelhecia sem perceber,
diante dos educados espelhos reais que mentiam a verdade. Apenas,
sentia-se mais triste e mais só, sem que nunca mais tivesse tido
vontade de brincar nos jardins.

Só os ministros viam a velhice do Rei. Quando a cabeça ficou toda


branca, disseram-lhe que já podia descansar, e o libertaram do
manto.

Posta a coroa sobre a almofada, o Rei logo levou a mão à corrente.

Ninguém mais se ocupa de mim — dizia atravessando salões e


descendo escadas a caminho das Salas do Tempo — ninguém mais
me olha. Agora posso buscar minha linda ideia e guardá-la só para
mim.

Abriu a porta, levantou o cortinado.

Na cama de marfim, a ideia dormia azul como naquele dia.

Como naquele dia, jovem, tão jovem, uma ideia menina. E linda.
Mas o Rei não era mais o Rei daquele dia. Entre ele e a ideia estava
todo o tempo passado lá fora, o tempo todo parado na Sala do Sono.
Seus olhos não viam na ideia a mesma graça. Brincar não queria,
nem rir. Que fazer com ela? Nunca mais saberiam estar juntos como
naquele dia.

Sentado na beira da cama o Rei chorou suas duas últimas lágrimas,


as que tinha guardado para a maior tristeza.

Depois baixou o cortinado, e deixando a ideia adormecida, fechou


para sempre a porta.

A chave prendeu no pescoço em grossa corrente. E nunca mais


mexeu nela.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

COLASANTI, Marina. Uma ideia toda azul. 19.ed. São Paulo: Global
Editora, 1998.

1. Que género literário pertence o texto lido?

A. Épico.
B. Lírico.
C. Narrativo.
D. Poético.

2. Quais são as características do género narrativo?

A. No género narrativo, há sempre um eu que se expressa,


elemento que é responsável pelo subjectivismo atribuído a
esse tipo de composição.
B. O género narrativo apresenta um enredo, no qual existe uma
situação inicial, a modificação da situação inicial, um conflito, o
clímax e o epílogo. Os elementos que compõem o género
narrativo são narrador, tempo, lugar, enredo ou situação e as
personagens.
C. O género narrativo é marcado pela afectividade e pela
emotividade do clima lírico, sempre relacionado com o íntimo
e a introspecção.
D. O género narrativo faz referência à narrativa feita em forma de
versos, contando histórias e factos grandiosos e heroicos sobre
a história de um povo. O narrador fala do passado, o que
justifica os verbos sempre empregados no tempo pretérito.

3. Que subgénero da narrativa é o texto em análise?

A. Conto
B. Novela
C. Romance
D. Banda Desenhada

4. Faça a localização espácio-temporal da história?


A. À noite nos gramados.
B. De noite nos Corredores.
C. Tempo passado no azul.
D. Um dia na casa do Rei.

5. Após o distanciamento da tradição pela ficção e o empírico, com


que objectivo surge o romance?
A. Atender os anseios da sociedade burguesa.
B. Configurar o hibridismo.
C. Estabelecer a inspiração artística.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

D. Veicular a expressão do capitalismo.

6. Classifique o narrador quanto à presença no texto.


A. Autodiegético
B. Heterodiegético
C. Homodiegético
D. Protagonista

7. Como classifica, no texto, o narrador quanto à ciência?


A. Focalização externa
B. Focalização interna
C. Não ominisciente
D. Omnisciente

8. Que partes, segundo Gancho (2006), o enredo enfatiza?


A. Explicação, complicação, clímax e resolução.
B. Exposição, complicação, clímax e conflito.
C. Exposição, complicação, clímax e desfecho.
D. Exposição, conflito, salvação e desfecho.

9. Que figura de estilo ocorre nas frases: “Quem jamais saberia que
já tinha dono?”/ “Que sala escolher?”?
A. Gradação progressiva
B. Interrogativa directa
C. Interrogativa indirecta
D. Interrogativa retórica

10. De quem se refere “Uma ideia toda azul”?


A. Ministro
B. Mulher real
C. Mulher sonhada
D. Rei

Respostas: 1C, 2B, 3A, 4D, 5A, 6C, 7D, 8C, 9D, 10C.

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Unidade temática 2.2: Conto, novela e romance: principais semelhanças e


diferenças

Introdução

Já reparou que nas unidades anteriores temos estado a referirmo-nos


a respeito das espécies da narrativa. Nesta unidade temática 2.2,
iremos concentrar a nossa atenção às principais semelhanças e
diferenças do conto, da novela e do romance. O conto, a novela e o
romance são três géneros literários distintos, mas que, devido a
semelhanças de algumas das suas características, podem confundir o
leitor quanto ao tipo de texto que está sendo lido. Esta confusão é
bastante natural, pois diferentes textos literários caracterizam-se
similarmente, embora pertençam a géneros distintos.

Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:

• Compreender as principais semelhanças e diferenças do


conto, da novela e do romance;
• Caracterizar o romance no universo literário.
Objectivos

O conto é uma narrativa curta, que em geral, apresenta um número


reduzido de personagens em relação à novela e ao romance. A acção
decorre num curto espaço de tempo e geralmente a história gira em
torno de um único conflito. A literatura universal é repleta de grandes
nomes que são considerados mestres da narrativa curta, como Edgar
Allan Poe e Guy de Maupassant, ambos considerados também
precursores do terror e do sobrenatural.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

O Professor Luiz Carlos Santos Simon (s/d) esclarece que a definição


do conto apresenta várias controvérsias: muitos preocupam-se em
distingui-lo do romance e da novela, privilegiando apenas a sua
inclusão no conjunto de textos narrativos; outros se detêm sobre
requisitos básicos para que um texto seja classificado como conto; e
há ainda aqueles que se concentram em determinadas marcas, como
brevidade e fragmentação, que os contos geralmente põem em
evidência. Em torno de todos esses aspectos, sempre há divergências.

Neste ponto de debate, é importante que se tenha em conta que o


conto é uma micro-narrativa que, no julgamento de James Cooper
Lawrence (1976:70), “o conto como é conhecido nos séculos XIX e XX
não é uma nova forma de literatura, mas um gênero literário básico,
cujas características essenciais permaneceram intactas através dos
tempos”.

A ideia de brevidade, de uma história compacta, de uma concentração


de personagens, de tempo e de espaço caracterizam o conto como
narrativa rápida na produção e na recepção, transmitindo sempre uma
lição educativa.

A novela, provem do italiano novella: notícia; narração de


acontecimento real ou imaginário, é uma narrativa de carácter breve,
sendo, porém, considerada mediana entre o conto, de menor
extensão, e o romance, de maior extensão. Dentre as principais
características desse género estão: a sequencialidade dos factos, a
linguagem objectiva, a narração rápida e a variedade de temas. É um
género que facilmente pode ser confundido tanto com o conto,
quanto com o romance. Um autor que se destacou no género é o
escritor russo Lev Tolstói, cuja novela “A morte de Ivan Ilitch” (1886) é
considerada por muitos estudiosos o exemplo mais perfeito do género
em toda a literatura universal.

Carlos Reis (2003) refere que o conto manifesta-se sob uma acção
singular e concentrada, o romance contem um paralelo de várias
acções e a novela é uma concatenação de acções individualizadas.
Eikhenbaum, formalista russo, define a diferença entre um e outro em
artigo de 1925. Para ele, “o romance é sincrético, provém da história,
do relato de viagem, enquanto novela é fundamental: provém
do conto (Poe) e da anedota (Mark Twain). A novela baseia-se num
conflito e tudo o mais tende para a conclusão.”
As origens da novela remontam aos primórdios do Renascimento,
designadamente a Giovanni Boccaccio (1313-1375) e a sua grande
obra, o Decameron, que, sobretudo por seu aspecto realista, rompeu
com a tradição literária medieval. Trata-se de uma compilação de cem
histórias contadas por dez pessoas refugiadas numa casa de campo
para escaparem dos horrores da Peste Negra, a qual é objecto de uma

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

vívida descrição no preâmbulo da obra.


Ao longo de dez dias (daí o nome decameron, do grego deca: dez),
sete mulheres e três homens, para ocuparem as longas horas
de ócio do seu autoimposto isolamento, combinam que todos os dias
cada um conte uma história, geralmente subordinada a um tema
designado por um deles. Refira-se ainda outra obra, escrita em
francês, com o mesmo tipo de estruturação: o Heptameron, da autoria
de Margarida de Navarra (1492-1549), rainha consorte de Henrique II
de Navarra. Nessa, são dez viajantes que se abrigam de uma violenta
tempestade numa abadia. Impossibilitados de comunicarem com o
exterior, todos os dias cada um conta uma história, real ou inventada.
Em forma de epílogo, cada uma é concluída com comentários dos
participantes, em ameno diálogo. Era intenção da autora que, à
semelhança do Decamerão, a obra compreendesse cem histórias,
porém a morte impediu-a de realizar o seu intento, não indo além da
segunda história do oitavo dia, num total de 72 relatos. Será também a
morte prematura que poderá explicar uma certa pobreza de estilo,
contrabalançada, porém, por uma grande perspicácia psicológica.

https://www.portugues.com.br/literatura/novela.html

Soares (2007) advoga que, na novela, “faz-se predominar a ação sobre


as análises e as descrições e são selecionados os momentos de crise,
aqueles que impulsionam rapidamente a diegese para o final”.
Na telenovela, uma história de ficção é desenvolvida na televisão, na
qual actores desenvolvem os papéis de personagens. É dividida em

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

capítulos ou episódios, sendo exibidos num número médio de 100


capítulos. Algumas vezes, as telenovelas são resultados de adaptações
de romances e novelas. Entretanto, não se pode confundir novela.
Literárias.

O romance é mais extenso em relação aos anteriores e diferencia-se


deles não só pelo maior número de páginas, mas também por trazer
uma quantidade maior de personagens que se relacionam através dos
conflitos que não são únicos, como nos tipos anteriores. Entre os
escritores que se sobressaem nesse género temos na literatura
universal, nomes como Gustave Flaubert, Fiódor Dostoiévski e Jane
Austen são muito lembrados quando o assunto é romance.

O romance é uma forma literária narrativa escrita em prosa, que se


popularizou na literatura ocidental durante o século XIX. As suas
origens remetem a Dom Quixote, novela de cavalaria escrita por
Miguel de Cervantes no século XIV, considerado um precursor do
romance moderno.

A forma literária do romance apresenta, de maneira ficcional, a


experiência social da modernidade, uma representação mais
próxima da experiência individual, que possui um contexto
temporal e espacial.

https://centrodepesquisaeformacao.sescsp.org.br/

Tipos de romance

• Romance histórico: é aquele em que as acções são


ambientadas em dado evento histórico. Trata-se de uma
narrativa ficcional que se desdobra em determinado espaço-
tempo que corresponde a um período histórico verídico.
Estão ausentes as análises psicológicas aprofundadas ou
críticas sociais.
• Romance regional: diz respeito a narrativas que têm o
componente do espaço intensamente caracterizado.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Geralmente, trata-se de um espaço rural, ou distante dos


grandes centros urbanos, cujos costumes e cultura são
representadas em primeiro plano, representando a “cor
local” desses espaços.
• Romance de formação: narra uma história de crescimento e
amadurecimento de um protagonista, ilustrando as
dificuldades e percalços durante o longo caminho de
formação moral, física e psicológica de um ser humano.
• Romance de acção: possui uma trama complexa e a história é
centrada nos desdobramentos da acção do protagonista. Os
acontecimentos sucedem-se uns aos outros, frequentemente
repletos de surpresas e derivações da trama principal. Um
evento comum pode ter uma consequência inesperada,
levando a sequências extraordinárias de acções, geralmente
superadas pelo protagonista (herói) com astúcia, inteligência,
força etc. Os chamados romances policiais encaixam-se nesta
categoria, com a especificidade de localizarem a acção em
torno de investigações criminais.
• Romance picaresco: protagonizada por um pícaro, isto é,
uma personagem de origem humilde, sem trabalho ou
profissão fixa, que vive das mais diversas ocupações para
garantir sua sobrevivência, muitas vezes envolvendo-se em
actividades escusas ou ilícitas. O pícaro é um anti-herói, e
antes de tudo um ingênuo que aprende a malandragem e a
picaretagem a partir do embate directo com a realidade
circundante. A narrativa constrói-se a partir de vários
episódios vivenciados pelo protagonista, com a característica
de possuir um tom bem-humorado.
• Romance autorreflexivo: caracteriza-se por inserir no texto
colocações que dizem respeito ao próprio acto de escrevê-lo.
Há uma presença activa do leitor na construção textual e
uma exposição das estruturas que compõem a narrativa.
• Romance psicológico: centrado na consciência individual das
personagens. Em lugar de um narrador externo e
omnisciente, desenvolve-se a história a partir do olhar e da
interioridade de uma (ou mais) personagem.

Caro estudante, esses são apenas algumas das principais


características desses géneros. Poderá enriquecer o seu saber com
leituras definidas nas referências bibliográficas.

Sumário

Nesta unidade temática 2.2, o conto, a novela e o romance são três


géneros literários distintos que, devido à semelhanças de algumas das
suas características, podem confundir o leitor quanto ao tipo de texto
que está sendo lido.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

O conto é uma narrativa curta, com um número reduzido de


personagens e uma concentração do espaço e do tempo em relação à
novela e ao romance. Novela é uma narrativa de carácter breve,
considerada mediana entre o conto e o romance. Este é uma narrativa
mais longa, com uma multiplicidade de personagens e diversidade de
espaços e tempos.

Exercícios de AUTO-AVALIAÇÃO

Questões de reflexão
1. O que entende por conto?

2. Defina novela.

3. O que é romance?

4. Como Carlos Reis distingue o conto da novela e do romance?

5. Quais são os tipos de romance?

Exercícios para AVALIAÇÃO

Perguntas
1. Leia o texto que se segue e depois responda às questões
apresentadas.

SENHOR DOUTOR, LHE COMEÇO

Eu somos tristes. Não me engano, digo bem. Ou talvez: nós sou


triste? Porque dentro de mim, não sou sozinho. Sou muitos. E esses
todos disputam minha única vida. Vamos tendo nossas mortes. Mas
parto foi só um. Aí, o problema. Por isso, quando conto a minha
história me misturo, mulato não das raças, mas de existências.
A minha mulher matei, dizem. Na vida real, matei uma que não
existia. Era um pássaro. Soltei-lhe quando vi que ela não tinha voz,
morria sem queixar. Que bicho saiu dela, mudo, através do intervalo
do corpo? O senhor, doutor das leis, me pediu de escrever a minha
história. Aos poucos, um pedaço cada dia. Isto que eu vou contar o
senhor vai usar no tribunal para me defender. Enquanto nem me
conhece. O meu sofrimento lhe interessa, doutor? Não me importa a
mim, nem tão pouco. Estou aqui a falar, isto-isto, mas já não quero
nada, não quero sair nem ficar. Seis anos que estou aqui preso
chegaram para desaprender a minha vida. Agora, doutor, quero só ser
moribundo. Morrer é muito de mais, viver é pouco. Fico nas metades.
Moribundo. Está-me a rir de mim? Explico: os moribundos tudo

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

são permitidos. Ninguém goza-lhes. O respeito dos mortos eles


antecipam, pré-falecidos. O moribundo insulta-nos? Perdoamos, com
certeza. Cagam nos lençóis, cospem no prato? Limpamos, sem mais
nada. Arranja lá uma maneira, senhor doutor. Desarasca lá uma
maneira de eu ficar moribundo, submorto.
Afinal, estou aqui na prisão porque me destinei prisioneiro.
Nada, não foi ninguém que queixou. Farto de mim, me denunciei.
Entreguei-me eu mesmo. Devido, talvez, o cansaço do tempo que não
vinha. Posso esperar, nunca consigo nada. O futuro quando chega não
me encontra. Onde estou, afinal eu? O lugar da minha vida não é esse
tempo? Deixo os pensamentos, vou directo na história. Começo no
meu cunhado Bartolomeu. Aquela noite que ele me veio procurar, foi
onde iniciaram desgraças.
Mia Couto, Vozes Anoitecidas

Exercícios para AVALIAÇÃO

Questionário

Escolha a opção correcta das perguntas colocadas a seguir:

1. De que autor moçambicano é o texto?


A. Lília Momplé
B. Mia Couto
C. Paulina Chiziane
D. Ungulane Ba Ka Khosa

2. De que tipologia textual se trata?


A. Texto Descritivo
B. Texto Didáctico-Científico
C. Texto Informativo-referencial
D. Texto Narrativo

3. Como classifica o narrador da diegese quanto à presença?


A. Autodiegético
B. Heterodiegético
C. Homodiegético
D. Intradiegético

4. O conto, a novela e o romance são textos distintos mas


confundem-se…
A. pela complexidade na narração.
B. pela sequencialidade na narração.
C. pelo seu estilo breve.
D. por serem histórias fictícias.

5. “Eu somos tristes.” e “Ou talvez: nós sou triste?”. A frase citada
apresenta um erro de…
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A. género.
B. grau.
C. número.
D. pessoa.

6. “O senhor, doutor das leis, me pediu de escrever a minha


história”. Onde geograficamente a personagem se encontra?
A. Em casa
B. Na prisão
C. No hospital
D. No tribunal

7. “Ninguém goza-lhes”. Classifique a palavra sublinhada.


A. Advérbio de modo
B. Advérbio de negação
C. Nome próprio
D. Pronome indefinido

8. Desarasca lá uma maneira de eu ficar moribundo, submorto. A


palavra sublinhada é…
A. acrónimo.
B. amálgama.
C. estrangeirismo.
D. neologismo.

9. Que modo de expressão predomina no texto?


A. Descrição
B. Diálogo
C. Monólogo
D. Narração

10. Que figura de estilo predomina no texto?


A. Aliteração
B. Interrogativa retórica
C. Metáfora
D. Personificação

Respostas:

1 B, 2 D, 3 A, 4 D, 5 C, 6 B, 7 D, 8 D, 9 D, 10 B.

Unidade temática 2.3: Romance: a narrativa maior

Introdução

Na evolução das formas literárias, durante os últimos três séculos,

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avulta como fenómeno de capital magnitude o desenvolvimento e a


crescente importância do romance. Nesta unidade temática 2.3,
vamos apresentar, de forma sucinta, o género romance.

Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:

• Conhecer a evolução histórica e semântica do romance;


• Caracterizar o romance no século XIX.
Objectivos

Alargando continuamente o domínio da sua temática, interessando-se


pela psicologia, pelos conflitos sociais e políticos, ensaiando
constantemente novas técnicas narrativas e estilísticas, o romance
transformou-se, no decorrer dos últimos séculos, mas sobretudo a
partir do século XIX.

O romance é uma forma literária relativamente moderna. Embora na


literatura helenística e na literatura latina apareçam narrativas de
interesse literário, o romance não tem verdadeiras raízes greco-
latinas, diferentemente da tragédia, da epopeia, etc., e pode
considera-se como uma das mais ricas criações artísticas das
modernas literaturas europeias.

Na Idade Média, o vocábulo romance designou primeiramente a língua


vulgar, a língua românica que, embora resultado de uma
transformação do latim, se apresentava já bem diferente em relação a
este idioma. Depois, a palavra romance ganhou um significado
literário, designando determinadas composições redigidas em língua
vulgar e não na língua latina, própria dos clérigos. Apesar das
flutuações semânticas, o vocábulo romance passou a denominar
sobretudo composições literárias de cunho narrativo.

No período renascentista, alcançou grande voga o romance pastoril,

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

forma narrativa impregnada da tradição bucólica de Teócrito e de


Virgílio e fortemente influenciada por duas obras de Boccacio. O
romance pastoril, no qual a prosa se mescla com o verso, é uma
narrativa marcadamente culta: os seus pastores, movendo-se numa
natureza idealizada ou fabulosa, estão apenas nominalmente ligados à
vida da pastorícia.

É no século XVII, porém, sob pleno signo do barroco, que o romance


conhece uma proliferação extraordinária. O romance barroco
apresenta-se estreitamente com o romance medieval e caracteriza-se
geralmente pela imaginação exuberante, pela abundância de situações
e aventuras excepcionais e inverosímeis: náufragos, duelos, raptos,
confusões de personagens, aparições de monstros e de gigantes, etc.

No concerto das literaturas europeias do século XVII, a espanhola


ocupa um lugar cimeiro no domínio da criação românica.

O romance, como ficou exposto, é um género sem antepassados


ilustres na literatura greco-latinas e, por conseguinte, sem modelos a
imitar, nem regras a que obedecer.

É inegável que o romance, até ao século XVIII, constitui um género


literário desprestigiado sob todos os pontos de vista. Embora desde há
muito se reconhecesse o singular poder da arte de narrar, o romance
era todavia conceituado como obra frívola, cultivado apenas por
espíritos inferiores e apreciado por leitores pouco exigentes em
matéria de cultura literária. O romance medieval, renascentista, e o
barroco dirigem-se, fundamentalmente a um público feminino, ao
qual oferece motivos de entretenimento e evasão.

Durante o século XVIII, o romance transforma-se em penetrante e, por


vezes, despudorada análise das paixões e dos sentimentos humanos,
em sátira social e política ou em escrito de intenções filosóficas.

Quando o romantismo se revela nas literaturas europeias, já o


romance conquistara, por direito próprio, a sua alforria e já era lícito
falar de uma tradição romanesca. Entre os finais do século XVIII e as
primeiras décadas no século XIX, o público do romance alargara-se
desmedidamente e, para satisfazer a sua necessidade de leitura,
escreveram-se e editaram-se numerosos romances.

Com o romantismo, por conseguinte, a narrativa romanesca afirma-se


decisivamente como uma grande forma literária, apta a exprimir os
multiformes aspectos do homem e do mundo.

Se o século XVII constitui a época da moderna tragédia, o século XIX


constitui inegavelmente o período mais esplendoroso da história do
romance.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Paulina Chiziane, Primeira Romancista Moçambicana

Classificação tipológica do romance

Têm sido várias as tentativas para estabelecer uma classificação


tipológica do romance. Wolfang Kayser estabelece a seguinte
classificação.

a) Romance de acção ou de acontecimentos. Romance


caracterizado por uma intriga concentrada e fortemente
desenhada, com princípio, meio e fim bem estruturados
b) Romance de personagem. Romance caracterizado pela
existência de uma única personagem central, que o autor
desenha e estuda demoradamente e à qual obedece todo o
desenvolvimento do romance.
c) Romance de espaço. Romance que se caracteriza pela primazia
que concede à pintura do meio histórico e dos ambientes
sociais nos quais decorre a intriga. O meio descrito pode ser
geográfico ou telúrico.

Texto exemplificativo de um extracto de romance:

A ESTRADA MORTA
Naquele lugar, a guerra tinha morto a estrada. Pelos caminhos
só as hienas se arrastavam, focinhando entre cinzas e poeiras.
A paisagem se mestiçara de tristezas nunca vistas, em cores
que se pegavam à boca. Eram cores sujas, tão sujas que tinham
perdido toda a leveza, esquecidas da ousadia de levantar asas
pelo azul. Aqui, o céu se tornara impossível. E os viventes se
acostumaram ao chão, em resignada aprendizagem da morte.
A estrada que agora se abre a nossos olhos não se entrecruza
com outra nenhuma. Está mais
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deitada que os séculos, suportando sozinha toda a distância.


Pelas bermas apodrecem carros incendiados, restos de
pilhagens. Na savana em volta, apenas os embondeiros
contemplam o mundo a desflorir. Um velho e um miúdo vão
seguindo pela estrada. Andam bambolentos como se caminhar
fosse seu único serviço desde que nasceram. Vão para lá de
nenhuma parte, dando o vindo por não ido, à espera do
adiante. Fogem da guerra, dessa guerra que contaminara toda
a sua terra. Vão na ilusão de, mais além, haver um refúgio
tranquilo. Avançam descalços, suas vestes têm a mesma cor do
caminho. O velho se chama Tuahir. É magro, parece ter
perdido toda a substância. O jovem se chama Muidinga.
Caminha à frente desde que saíra do campo de refugiados. Se
nota nele um leve coxear, uma perna demorando mais que o
passo. Vestígio da doença que, ainda há pouco, o arrastara
quase até à morte. Quem o recolhera fora o velho Tuahir,
quando todos outros o haviam abandonado. O menino estava
já sem estado, os ranhos lhe saíam não do nariz mas de toda a
cabeça. O velho teve que lhe ensinar todos os inícios: andar,
falar, pensar. Muidinga se meninou outra vez. Esta segunda
infância, porém, fora apressada pelos ditados da sobrevivência.
Quando iniciaram a viagem já ele se acostumava de cantar,
dando vaga a distraídas brincriações. No convívio com a
solidão, porém, o canto acabou por migrar de si. Os dois
caminheiros condiziam com a estrada, murchos e
desesperançados. Muidinga e Tuahir param agora frente a um
autocarro queimado. Discutem, discordando-se. O jovem lança
o saco no chão, acordando poeira. O velho ralha: - Estou-lhe a
dizer, miúdo: vamos instalar casa aqui mesmo. - Mas aqui?
Num machimbombo (autocarro) todo incendiado? - Você não
sabe nada, miúdo. O que já está queimado não volta a arder.
Muidinga não ganha convencimento. Olha a planície, tudo
parece desmaiado. Naquele território, tão despido de brilho,
ter razão é algo que já não dá vontade. Por isso ele não insiste.
Roda à volta do machimbombo. O veículo se despistara, ficara
meio atravessado na rodovia. A dianteira estava amassada de
encontro a um imenso embondeiro. Muidinga se encosta ao
tronco da árvore e pergunta: - Mas na estrada não é mais
perigoso, Tuahir? Não é melhor esconder no mato? - Nada.
Aqui podemos ver os passantes. Está-me compreender? - Você
sempre sabe, Tuahir. - Não vale a pena queixar. Culpa é sua:
não é você que quer procurar seus pais?
- Quero. Mas na estrada quem passa são os bandos (Bandos:
designação popular de bandidos armados). - Os bandos se
vierem, nós fingimos que estamos mortos. Faz conta falecemos
junto com o machimbombo. Entram no autocarro. O corredor
e os bancos estão ainda cobertos de corpos carbonizados.
Muidinga se recusa a entrar. O velho
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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

avança pelo corredor, vai espreitando os cantos da viatura. -


Estes arderam bem. Veja como todos ficaram pequenitos.
Parece o fogo gosta de nos ver crianças. Tuahir se instala no
banco traseiro, onde o fogo não chegara. O miúdo continua
receoso, hesitando entrar. O velho encoraja: - Venha, são
mortos limpos pelas chamas. Muidinga vai avançando, pisando
com mil cautelas. Aquele recinto está contaminado pela morte.
Seriam precisas mil cerimónias para purificar o autocarro. - Não
faça essa cara, miúdo. Os falecidos se ofendem se lhes
mostramos nojo. Muidinga arruma o saco num banco. Senta-se
e observa o recanto conservado. Há tecto, assentos, encostos.
O velho, impávido, já se deitou a repousar. De olhos fechados,
espreguiça a voz: - Sabe bem uma sombrinha assim. Não
descanso desde que fugimos do campo. Você não quer
sombrear? - Tuahir, vamos tirar esses corpos daqui. - E porquê?
Cheiram-lhe mal? O miúdo não responde logo. Está virado para
a janela quebrada. O velho insiste que descanse. Desde que
saíram do campo de deslocados eles não tinham tido pausa.
Muidinga permanece de costas viradas. Se escuta apenas o seu
respirar, quase resvalando em soluço. Então, ele repete a
sussurrante súplica: que se limpe aquele refúgio. - Lhe peço, tio
Tuahir. É que estou farto de viver entre mortos. O velho se
apressa a emendar: não sou seu tio! E ameaça: o moço que
não abuse familiaridades. Mas aquele tratamento é só a
maneira da tradição, argumenta Muidinga. - Em você não
gosto. - Não lhe chamo nunca mais. - E me diga: você quer
encontrar seus pais porquê? - Já expliquei tantas vezes. -
Desconsigo de entender. Vou-lhe contar uma coisa: seus pais
não lhe vão querer ver nem vivo. - Porquê? - Em tempos de
guerra filhos são um peso que trapalha maningue (Maningue:
muito, demasiado). Saem a enterrar os cadáveres. Não vão
longe. Abrem uma única campa para poupar esforço. No
caminho do regresso encontram mais um corpo. Jazia junto à
berma, virado de costas. Não estava queimado. Tinha sido
morto a tiro. A camisa estava empapada em sangue, nem se
notava a original cor. Junto dele estava uma mala, fechada,
intacta. Tuahir sacode o morto com o pé. Revista-lhe os bolsos,
em vão: alguém já os tinha vazado. - Eh pá, este gajo não
cheira. Atacaram o machimbombo há pouco tempo.
O miúdo estremece. A tragédia, afinal, é mais recente que ele
pensava. Os espíritos dos falecidos ainda por ali pairavam. Mas
Tuahir parece alheio à vizinhança. Enterram o último cadáver.
O rosto dele nunca chega a ser visto: arrastaram-no assim
mesmo, os dentes charruando a terra. Depois de fecharem o
buraco, o velho puxa a mala para dentro do autocarro. Tuahir
tenta abrir o achado, não é capaz. Convoca a ajuda de
Muidinga: - Abre, vamos ver o que está dentro. Forçam o
fecho, apressados. No interior da mala
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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

estão roupas, uma caixa com comidas. Por cima de tudo estão
espalhados cadernos escolares, gatafunhados com letras
incertas. O velho carrega a caixa com mantimentos. Muidinga
inspecciona os papéis. - Veja, Tuahir. São cartas. - Quero saber
é das comidas. O miúdo remexe no resto. As mãos curiosas
viajam pelos cantos da mala. O velho chama a atenção: ele que
deixasse tudo como estava, fechasse a tampa. - Tira só essa
papelada. Serve para acendermos a fogueira. O jovem retira os
caderninhos, guarda-os por baixo do seu banco. Não parece
pretender sacrificar aqueles papéis para iniciar o fogo. Fica
sentado, alheio. No enquanto, lá fora, tudo vai ficando noite.
Reina um negro silvestre, cego. Muidinga olha o escuro e
estremece. É um desses negros que nem os corvos comem.
Parece todas as sombras desceram à terra. O medo passeia
seus chifres no peito do menino que se deita, enroscado como
um congolote (Congolote: bicho de mil patas, maria-café). O
machimbombo se rende à quietude, tudo é silêncio taciturno.
Mais tarde, se começa a escutar um pranto, num fio quase
inaudível. É Muidinga que chora. O velho se levanta e zanga: -
Pára de chorar! - É que me dói uma tristeza... - Chorando assim
você vai chamar os espíritos. Ou se cala ou lhe rebento a
tristeza à porrada. - Nós nunca mais vamos sair daqui. - Vamos,
com a certeza. Qualquer coisa vai acontecer qualquer dia. E
essa guerra vai acabar. A estrada já vai-se encher de gente,
camiões. Como no tempo de antigamente. Mais sereno, o
velho passa um braço sobre os ombros trementes do rapaz e
lhe pergunta: - Tens medo da noite? Muidinga acena
afirmativamente. - Então vai acender uma fogueira lá fora. O
miúdo se levanta e escolhe entre os papéis, receando rasgar
uma folha escrita. Acaba por arrancar a capa de um dos
cadernos. Para fazer fogo usa esse papel. Depois se senta ao
lado da fogueira, ajeita os cadernos e começa a ler. Balbucia
letra a letra, percorrendo o lento desenho de cada uma. Sorri
com a satisfação de uma conquista. Vai-se habituando,
ganhando despacho. - Que estás a jazer, rapaz? - Estou a ler. - É
verdade, já esquecia. Você era capaz ler. Então leia em voz alta
que é para me dormecer.
O miúdo lê em voz alta. Seus olhos se abrem mais que a voz
que, lenta e cuidadosa, vai decifrando as letras. Ler era coisa
que ele apenas agora se recordava saber. O velho Tuhair,
ignorante das letras, não lhe despertara a faculdade da leitura.
A lua parece ter sido chamada pela voz de Muidinga. A noite
toda se vai enluarando. Pratinhada, a estrada escuta a estória
que desponta dos cadernos: Quero pôr os tempos...
Mia Couto, in Terra Sonâmbula,
Disponível em: https://metavest.com.br/livros/Terra-
sonambula.pdf
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Sumário

Na unidade temática 2.3., vimos que o romance é uma narrativa


literária organizada numa sequência de fatos interligados e que
acontecem em determinado tempo. Alguns desses textos não são
construídos numa relação temporal lógica, mas é possível reconstruir a
temporalidade.

O romance consegue abraçar diversos outros géneros em sua


estrutura. Isso porque é uma narrativa longa e criada com diversos
textos. Num romance é possível contar histórias reais ou imaginárias,
ou até as duas juntas.

Os tipos de romance são: romance de acção ou de acontecimentos,


romance de personagem e romance de espaço.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Exercícios para AVALIAÇÃO

Questões de reflexão
1. De que forma o romance consegue abraçar diversos outros
géneros em sua estrutura?
2. Classifique o texto “A estrada morta” quanto ao género, tempo,
acção e personagens.

Perguntas
1. O que entende por romance?
A. É uma forma literária com raízes greco-latinas que ganhou um
significado cultural a designar determinadas composições
redigidas em línguas novilatinas.
B. É uma forma literária relativamente moderna que ganhou um
significado literário designando determinadas composições
redigidas em língua vulgar.
C. É uma forma literária relativamente moderna que ganhou um
significado literário designando determinadas composições
redigidas em língua de clérigos.
D. É uma forma literária relativamente moderna que se considera
como sendo uma das menos ricas criações artísticas modernas.

2. Quando o vocábulo romance designou-se uma língua vulgar?


A. Na Idade Clássica.
B. Na Idade Contemporânea.
C. Na Idade Média.
D. Na Idade Moderna.

3. Como se caracteriza o romance barroco?


A. Aparição de gigantes, realidade insignificante e descrição de
desgraças.
B. Domínio da criação literária, exuberância da acção e narração
dos feitos heroicos.
C. Imaginação exuberante, abundância de situações e aventuras
excepcionais.
D. Natureza bucólica, idealizada ou fabulosa, ligada a vida da
pastorícia.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

4. Durante o Séc. XVIII, o romance…


A. constituiu um género literário desprestigiado sob todos pontos
de vista.
B. dirige-se fundamentalmente a um público masculino.
C. era conceituado como obra frívola cultivando, apenas, os
espíritos inferiores e apreciado por leitores pouco exigentes
em matéria de cultura literária.
D. transformou-se em penetrante e, por vezes, despudorada
análise das paixões e dos sentimentos humanos, em sátira
social e política ou em escrito de intenções filosóficas.

5. Entre os finais do Séc. XVIII e as primeiras décadas do Séc. XIX,


A. a narrativa romanesca afirma-se decisivamente como uma
grande forma literária apta para camuflar as multiformes do
homem e do mundo.
B. houve a necessidade de parar com edição e publicação de
novas obras tidas como cultivadoras de espíritos inferiores e
apreciadas por leitores nada exigentes.
C. o público do romance alargara-se desmedidamente e, para
satisfazer a sua necessidade de leitura, escreveram-se e
editaram-se numerosos romances.
D. os leitores queimaram todas livrarias principais onde poderiam
encontrar-se romances devido ao seu preço elevado.

6. Com o romantismo, a narrativa romanesca afirma-se como…

A. uma grande forma literária, apta a exprimir os multiformes


aspectos do homem e do mundo.
B. uma grande forma literária, apta a informar os multiformes
aspectos do homem e da mulher.
C. uma grande forma não literária, inconveniente a exprimir os
multiformes aspectos do homem e do mundo.
D. uma pequena forma literária, apta a exprimir os multiformes
aspectos da Terra e do Céu.

7. No romance,
A. uma personagem apresenta uma grande flexibilidade para
reconstruir a temporalidade.
B. uma personagem possui uma linguagem abstracta e

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

estruturada.
C. uma personagem não pode surgir a meio da história e
desaparecer depois de cumprir sua função.
D. uma personagem pode surgir a meio da história e desaparecer
depois de cumprir sua função.

8. Quem é geralmente considerado o precursor do romance


moderno?
A. Alain Robbe-Grillet
B. Dom Quixote, de La Mancha
C. Honoré de Balzac

D. Miguel de Cervantes Saavedra

9. Quem são os romancistas moçambicanos?


A. Luandino Vieira e Castro Soromenho.
B. Mia Couto e Paulina Chiziane.
C. Nelson Saúte e Noémia de Sousa
D. Sérgio Vieira e Armando Guebuza.

10. Que figura de estilo predomina em “Naquele lugar, a guerra


tinha morto a estrada”?
A. Anáfora
B. Metáfora
C. Personificação
D. Sinédoque

Respostas: 1B, 2C, 3C, 4D, 5C, 6A, 7D, 8B, 9B, 10C.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

TEMA 3: NÍVEIS E MÉTODOS DE ANÁLISE DE NARRATIVA

Unidade temática 3.1. Modelo de análise de narrativas escritas


Unidade temática 3.2: Métodos de análise e interpretação literária
Unidade tematica 3.3: Análise do discurso narrativo: produção de
sentidos

Unidade temática 3.1. Modelo de análise de narrativas escritas

Introdução

Nesta unidade temática 3.1., centrar-nos-emos na construção de um


modelo de análise de narrativas escritas. Lembremo-nos que a
elaboração de uma narrativa escrita é uma tarefa complexa. Contar
adequadamente uma história requer a conjugação de competências
comunicativas desde das competências linguísticas, sociolinguísticas e
pragmáticas.

Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:

• Analisar pormenorizadamente as produções de textos


narrativos;
Objectivos • Construir um modelo de análise de textos narrativos;
• Dimensionar as narrativas;
• Estruturar géneros narrativos;
• Estabelecer a coerência e coesão textuais;
• Verificar as construções de coordenação e subordinação;
• Incorporar componentes sintácticas na narrativa.

Modelo de análise de textos narrativos

Inspirado no Projecto Diversidade Linguística na Escola Portuguesa, é


necessário que se construa um modelo de análise de textos narrativos
que permite observar, em momentos distintos, diferentes níveis

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

textuais:

▪ Dimensão das narrativas

▪ Organização textual

▪ Estrutura da narrativa

▪ Coerência e coesão textuais

▪ Coordenação e subordinação

▪ Sintaxe

Num contexto didáctico, o desempenho global dos alunos deve


resultar da soma dos desempenhos obtidos em cada um dos níveis
textuais. Apesar de o modelo distinguir diferentes níveis textuais, o
texto narrativo deve ser encarado sempre como um todo. Assim
sendo, atribui-se mais importância a aspectos relacionados com a
coerência e a coesão dos textos do que aos domínios do vocabulário,
da ortografia e da pontuação. O modelo de análise procura descrever,
pormenorizadamente, o desempenho que se espera que os alunos
tenham em cada um dos níveis textuais, um “desempenho ideal”.
Cabe ao professor ser flexível na aplicação do modelo, tendo em conta
o desenvolvimento cognitivo e a proficiência linguística dos seus
alunos.

Em cada nível textual, distinguimos diferentes parâmetros de análise,


os quais podem ser excertos das narrativas dos alunos. Na transcrição
dos exemplos devem ser respeitados sempre a ortografia utilizada
pelos aprendentes.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

O modelo de análise que se pretende que seja seguido no estudo da


narrativa passa por acolher tabelas de análise que permitirão
decompor a informação necessária para uma interpretação coesa e
coerente. A título elucidativo, trouxemos para si a demonstração de
uma possível analise temática percorrendo seis fases estratégicas. Esta
prática metodológica de análise pode ser utilizada a textos narrativos
para dela dessecar os elementos que cosem o tecido da diegese.

Dimensão das narrativas

Um primeiro aspecto que imediatamente salta à vista quando se olha


para um texto é a sua dimensão. Independentemente de se pedir aos
alunos que elaborem uma história com um determinado número
(mínimo) de palavras ou de frases, a sua dimensão permite formar
uma ideia acerca do desempenho dos alunos.

É importante ter em consideração que um parâmetro como a


dimensão das narrativas representa apenas uma etapa na análise e na
avaliação global de um texto. Os dados quantitativos devem ser,
necessariamente, completados com outros dados, de ordem
qualitativa. Para isso, torna-se necessário olhar para dentro dos textos
e observar, um a um, os aspectos que os possam valorizar. Repare que
os textos narrativos ou as narrativas embora tenham a mesma
dimensão, podem diferir significativamente em termos de qualidade.

Podem considerar-se as categorias e subcategorias de narrativas de

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

acordo com a sua dimensão:

Tipos de narrativa:

Gancho (2010) refere que as narrativas em prosas mais difundidas são


o romance, a novela, o conto e a crónica (ainda que esta última não
seja exclusivamente narrativa).

a) Romance
É uma narrativa longa, que envolve um número considerável de
personagens (em relação à novela e ao conto), maior número de
conflitos, tempo e espaço mais dilatados. Podemos classificar o
romance quanto a sua temática. Os tipos mais conhecidos são de
amor, de aventura, policial, ficção científica, psicológico, etc.

b) Novela
É uma narrativa mais curta do que o romance, isto é, tem um número
menor de personagens, conflitos e espaços, ou tem-nos em igual
número ao romance, com a diferença de que a acção no tempo é mais
veloz na novela. Difere com a telenovela, a qual tem uma série de
casos (intrigas) paralelos e uma infinidade de momentos de clímax.

c) Conto
É uma narrativa mais curta, que tem como característica central a
condensação do conflito, tempo, espaço e a redução do número de
personagens. O conto é um tipo de narrativa tradicional. Os contos
variam entre: fábulas, lendas, danda desenhada.

d) Crónica
Por se tratar de um texto híbrido, nem sempre apresenta uma
narrativa completa; uma crónica pode contar, comentar, descrever,
analisar. De qualquer forma, as características distintivas da crónica
são: texto curto, leve, que geralmente aborda temas do quotidiano.

Como sabemos, a crónica é uma informação comentada, narrada da


primeira pessoa, ou seja, é uma reflexão da Notícia.

Organização textual
Diana (2017) descreve quatro aspectos:
• Apresentação: também chamada de introdução, nessa parte
inicial, o autor apresenta os personagens, o local e o tempo em que se
desenvolverá a trama.
• Desenvolvimento: aqui grande parte da história é desenvolvida
com foco nas acções dos personagens.
• Clímax: parte do desenvolvimento da história, o clímax designa
o momento mais emocionante da Narrativa.
• Desfecho: também chamada de conclusão, ele é determinado
pela parte da narrativa, onde a partir dos acontecimentos, os conflitos

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

vão sendo desenvolvidos.


Há quem pode destacar o título como um aspecto a considerar na
estrutura da narrativa, mas não aconselhamos para esse destaque.

Estrutura da narrativa

A nível da estrutura da narrativa pretende-se verificar se os leitores,


alunos ou aprendentes têm conhecimento do potencial da estrutura
genológica do texto narrativo e, mais concretamente, elaboram-se as
suas histórias em conformidade com as características que lhe são
inerentes. As principais características do texto narrativo são:

o Localização temporal inicial

o Localização espacial

o Ambiente

o Narrador

o Discurso

o Modos de expressão

o Técnicas ou sequências narrativas

o Referência às personagens

o Utilização de tempos verbais

o Ordenação de eventos

o Conclusão

Localização temporal

A nível da localização temporal inicial, pretende-se verificar se os


alunos introduzem de forma adequada as suas narrativas, situando-as
no tempo. A presença de um elemento de localização temporal é
fundamental no texto narrativo, uma vez que este remete para um
mundo próprio, com um tempo necessariamente distinto daquele do
momento da escrita. A localização temporal inicial pode ser feita de
diversas formas. A forma mais convencional de o fazer, na literatura
infantil, é através da expressão era uma vez. Outra forma de introduzir
a noção de tempo consiste em colocar uma expressão adverbial de
tempo no início da frase de abertura. A localização temporal pode
envolver alguns problemas.

Diana (2017) considera alguns aspectos importantes na construção de


narrativas:

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Duração da história

Muitas histórias se passam em curto período de tempo, todavia outras


têm um enredo que se estende ao longo de muitos anos. Os contos de
um modo geral apresentam uma duração curta em relação aos
romances, nos quais o transcurso do tempo é mais dilatado.

• Tempo cronológico

É o nome que se dá ao tempo que transcorre na ordem natural dos


factos no enredo, isto é, do começo para o final. Está, portanto, ligado
ao enredo linear (que não altera a ordem que os factos ocorreram);
chama-se cronológico porque é mensurável em horas, dias, meses,
anos, séculos.

• Tempo psicológico

É o nome que se dá ao tempo que transcorre numa ordem


determinada pelo desejo ou pela imaginação do narrador ou dos
personagens, isto é, altera a ordem natural dos acontecimentos.

Localização espacial

Dado que as coordenadas espaciais dos eventos descritos no texto


narrativo podem não coincidir com as que se verificam no momento
de enunciação, torna-se necessário informar sempre o leitor sobre o
onde da história. Preferencialmente, esse tipo de informação é
fornecido no início do texto.

A ausência de localização espacial pode dever-se à utilização de um


estímulo visual. De certa forma, esse estímulo estabelece um
conhecimento partilhado entre quem escreve e quem lê, podendo
levar alguns alunos a omitir uma informação que assumem como
óbvia. Tratando-se de uma localização inicial, apenas devem ser
consideradas correctas as expressões espaciais que ocorram no
princípio da história.

Referência às personagens

Todo o texto narrativo tem personagens. Pretende-se verificar, a nível


da referência às personagens, os nomes, o grau parental, o
relacionamento e outros aspectos sociais. Neste parâmetro, está em
causa apenas o facto de os alunos referirem, ou não, as personagens
esperadas. As referências das personagens devem ser observadas a
nível da coesão textual.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Classificação dos personagens:


a) protagonista: é o personagem que dá origem a história.
— herói: é o protagonista com características superiores às de seu
grupo;
— anti-herói: é o protagonista que tem características iguais ou
inferiores às de seu grupo, mas que por algum motivo está na posição
de herói, só que sem competência para tanto.
b) antagonista: é o personagem que se opõe ao protagonista, seja por
sua acção que atrapalha, seja por suas características, diametralmente
opostas às do protagonista. Enfim, seria o vilão da história.
c) personagem principal: trata-se de uma entidade cuja historia gira
em torno dela; é a centralidade da diegese.
d) personagens secundários: são personagens menos importantes na
história, isto é, que têm uma participação menor ou menos frequentes
no enredo; podem desempenhar papel de ajudantes do protagonista
ou do antagonista, de confidentes, enfim, de figurantes.

Ambiente
É o espaço carregado de características socioeconómicas, morais
psicológicas, em que vivem os personagens. Neste sentido, ambiente é
um conceito que aproxima tempo e espaço, pois é a confluência
destes dois referenciais, acrescido de um clima.

Narrador
Não existe narrativa sem narrador, pois ele é o elemento estruturador
da história. Dois são os termos mais usados pelos manuais de análise
literária, para designar a função do narrador na história: foco narrativo
e ponto de vista (do narrador ou da narração). Tanto um quanto outro
se refere à posição ou perspectiva do narrador frente aos factos
narrados.

Tipos de narrador
a) omnisciência: o narrador sabe tudo sobre a história;
b) omnipresença: o narrador está presente em todos os lugares da
história.
Narradores diegéticos
De acordo com o modelo proposto por Genette et al, distinguem dois
tipos de narrador. Por um lado, encontramos o Narrador
intradiegético. Trata-se de um narrador que é simultaneamente
personagem, no mundo ficcional. Se é personagem e narrador da sua
própria história, é um narrador homodiegético. Se a personagem-
narrador não pertence à história que está a narrar, será um narrador
heterodiegético. Por outro lado, existe o Narrador extradiegético.
Será o narrador externo, que regula registos visuais e sonoros e se
manifesta através de códigos cinematográficos e distintos canais de
expressão e não através de um discurso verbal.
Em resumo, podemos estabelecer a divisão tripartida da presenca do
narrador no mundo diegético: (i) narrador autodiegético, que além de

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

narrar a diegese é igualmente personagem principal ou protagonista


da história; (ii) narrador homodiegético, que conta a história e
desempenha, em simultâneo, a função de personagem secundária; (iii)
narrador heterodiegético, que simplesmente narra a história como
apenas observador externo à diegese.

Narratário: a quem o narrador dirige o seu discurso, o narratário não


pode ser confundido como leitor, por tanto, é uma entidade fictícia
(Alves, 2009). O narratário, criado pelo autor textual, é o destinatário
(receptor) intradiegético que lhe é contada a história normalmente
pelo narrador ou por alguma personagem.

Discurso narrativo
Discurso directo
É o registo integral da fala do personagem, do modo como ele a diz.
Isso equivale a afirmar que o personagem fala directamente, sem a
interferência do narrador, que se limita a introduzi-la.

Discurso indirecto
É o registo indirecto da fala do personagem através do narrador, isto
é, o narrador é o intermediário entre o instante da fala do personagem
e o leitor, de modo que a linguagem do discurso indirecto é a do
narrador.

Discurso indirecto livre ou Semindirecto


É um registo de fala ou de pensamento de personagem, que consiste
num meio-termo entre o discurso directo e o indirecto, porque
apresenta expressões típicas do personagem, mas também a
mediação do narrador.

Modos de expressão (Alves, 2009):


o Narração: o narrador conta a história na terceira pessoa,
usando o verbo no pretérito perfeito, trata-se de um momento
de avanço na acção em vários acontecimentos importantes
para o desenrolar da acção.
o Descrição: trata-se do momento de pausa na acção. Nenhum
acontecimento importante no desenrolar da acção.
o Diálogo: comunicação entre duas ou mais personagens,
caracteriza-se pela presença dos dois pontos e travessão.
o Monólogo: a personagem fala consigo própria.

o Reflexão: consiste na concentração do estado espiritual e das


ideias do personagem, evitando a impulsividade e a
precipitação de juízos. É marcada geralmente por reticências.

Ordenação de eventos

Após ter feito uma localização temporal, uma localização espacial e

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

após ter referido as personagens, os alunos devem começar a narrar


eventos. Embora por razões estilísticas seja possível inverter a ordem
dos eventos narrados, estes são preferencialmente apresentados de
forma sequencializada. Para que os alunos possam executar com êxito
a tarefa solicitada, devem produzir um texto que refira todos os
eventos, respeitando, ao mesmo tempo, a relação lógica e temporal
entre eles.

Tempo verbal

Os eventos do texto narrativo situam-se, por definição, num tempo


distinto do momento de enunciação. O tempo para que remete o
texto narrativo é, por norma, o passado, podendo os acontecimentos
narrados ter efectivamente acontecido, ou não. Quer isso dizer que,
salvo o emprego do presente histórico – que não consideraremos aqui
– os alunos devem elaborar as suas narrativas utilizando formas
verbais do pretérito. A utilização de formas do presente será
apropriada quando os alunos optem por introduzir fragmentos de
discurso directo.

A capacidade de articulação de diferentes formas verbais ao longo de


um texto e, mais concretamente, a capacidade de articulação de
formas do pretérito perfeito com formas do pretérito imperfeito é
uma questão que deve ser analisada, não no âmbito da estrutura de
género, mas antes a nível da coerência e coesão textuais.

Conclusão

Uma última característica do texto narrativo abordada é a conclusão.


Ao contrário de outros elementos narrativos descritos, a conclusão
não constitui uma operação obrigatória no potencial da estrutura
genológica do texto narrativo. Uma possível forma de terminar uma
história, por exemplo, sem fazer propriamente uma conclusão,
consiste em descrever simplesmente o último evento da mesma.

Não sendo obrigatória, a conclusão pode representar, no entanto,


uma mais-valia para o texto narrativo. A sua presença é indício de que
os alunos conseguem abstrair-se da simples descrição de eventos
sequencializados, construindo uma narrativa com princípio, meio e
fim.

Coerência e coesão textuais

Enquanto a nível da estrutura de género pretendíamos verificar se os


alunos conheciam e respeitavam as características intrínsecas ao
género narrativo, a nível da coerência e coesão textuais, pretendemos
observar o desempenho dos alunos face às características que
qualquer texto deve exibir, independentemente do género a que
pertence. Mais concretamente, pretendemos ver se os alunos utilizam
adequadamente mecanismos variados
75
UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

de coesão referencial, temporal e interfrásica para criar textos


internamente coerentes e coesos, quer do ponto de vista estrutural,
quer do ponto de vista da transmissão de conteúdos. Tendo em conta
que existem diversos factores que podem contribuir para a coerência
e a coesão de um texto, desenvolvemos vários parâmetros de análise:

o Introdução de personagens

o Desenvolvimento da narrativa

o Coerência de tempos verbais

o Marcação temporal e marcação lógica.

Coordenação e subordinação

Ao avaliar um texto narrativo, devemos observar se os alunos têm


consciência de que o discurso escrito tem uma forma própria de
hierarquizar a informação, concretizada na complexidade sintáctica
dos enunciados. Podemos fazer um levantamento das estruturas
sintácticas utilizadas pelos alunos, distinguindo frases simples,
constituídas por apenas uma oração, de frases complexas, constituídas
por duas ou mais orações, ligadas entre si por meio de estruturas de
coordenação ou estruturas de subordinação.

Sintaxe

O correcto domínio da sintaxe é um elemento fundamental na


elaboração de qualquer texto narrativo. Para que se possa elaborar
um discurso coerente, torna-se necessário ter conhecimento de
realidades sintácticas tão diversas como: a existência de diferentes
constituintes frásicos: sujeito, verbo, objecto directo, objecto
indirecto, etc; a ordem por que devem aparecer os constituintes
frásicos; a estrutura interna dos constituintes frásicos; a concordância
nominal, em género e número; a concordância verbal, em pessoa,
número, tempo e modo; a selecção argumental dos verbos,
distinguindo entre verbos intransitivos, verbos transitivos directos,
verbos transitivos indirectos e verbos bitransitivos.

Sumário

Nesta unidade temática 3.1., reflectimos sobre a construção de um


modelo de análise de textos narrativos que permite observar, em
momentos distintos, diferentes níveis textuais:

▪ Dimensão das narrativas

▪ Organização textual

▪ Estrutura da narrativa

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

▪ Ambiente

▪ Narrador

▪ Narratário

▪ Modos de expressão

▪ Discurso

▪ Coerência e coesão textuais

▪ Coordenação e subordinação

▪ Sintaxe

Exercícios para AVALIAÇÃO

Perguntas

Leia o texto que se segue, depois responda às questões


apresentadas.
Texto

A velha estava sentada na esteira, parada na espera do homem


sadio no mato. As pernas sofriam o cansaço de duas vezes: dos
caminhos idosos e dos tempos caminhados.
A fortuna dela estava espalhada pelo chão: tigelas, cestas,
pilão. Em volta era o nada, mesmo o vento estava sozinho.
O velho foi chegando, vagaroso como era seu costume.
Pastoreava suas tristezas desde que os filhos mais novos foram na
estrada sem regresso.
“Meu marido está diminuir”, pensou ela. “É uma sombra”.
Sombra, sim. Mas só da alma porque o corpo quase que não
tinha. O velho chegou mais perto e arrumou a sua magreza na esteira
vizinha. Levantou o rosto e, sem olhar a mulher, disse:
- Estou a pensar.
- E o quê, marido?
- Se tu morres como que eu, sozinho, doente e sem as foras,
como que eu vou-lhe enterrar?
Passou os dedos magros pela palha do assento e continuou:
- Somos pobres, só temos nadas. Nem ninguém não temos. É
melhor começar já a abrir a tua cova, mulher.
A mulher, comovida, sorriu:
- Como és bom marido! Tive sorte no homem da minha vida.
O velho ficou calado, pensativo. Só mais tarde a sua boca teve
ocasião:
- Vou ver se encontro uma pá.
- Onde podes levar uma pá?

77
UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

- Vou ver na cantina.


- Vais daqui até na cantina? É uma distância.
- Hei-de vir da parte da noite.
Todo o silêncio ficou calado para ela escutar o regresso do
marido.
Farrapos de poeira demoravam o último sol, quando ele voltou.
- Então, marido?
- Foi muito caríssima - e levantou a pá para melhor a acusar.
- Amanhã de manhã começo o serviço de covar.

Mia Couto, Vozes Anoitecidas

Questões de reflexão

1. Como classifica o extracto que acabou de ler e Porque?


2. Em que tempo e se classifica o texto e como se classifica
o narrador?
3. Os eventos do texto narrativo situam-se, por definição,
num tempo distinto do momento de enunciação. O
tempo para que remete o texto narrativo é, por norma, o
passado, podendo os acontecimentos narrados ter
efectivamente acontecido, ou não. Comente a afirmação

Questionário

1- Os textos narrativos são do género literário. Como classifica o


extracto que acabou de ler?
A. Conto
B. Crónica
C. Novela
D. Romance

2- Na frase “- Somos pobres, só temos nada. Nem ninguém não


temos. É melhor começar já a abrir a tua cova, mulher.” que
discurso predomina?
A. Directo
B. Indirecto
C. Indirecto livre
D. Semidirecto

3- Espaço é, por definição, o lugar onde se passa a acção numa


narrativa. Localize a acção textual no espaço geral.
A. Na cova
B. Na esteira
C. No caminho
D. No campo

78
UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

4- Em que tempo está localizado o texto em análise?


A. Cronológico
B. Psicológico
C. Real
D. Social

5- Como se classifica o narrador quanto à presença na diegese?


A. Extradiegético
B. Heterodiegético
C. Homodiegético
D. Intradiegético

6- “A - Estou a pensar. B - É o quê, marido? A - Se tu morres


como que eu, sozinho, doente e sem as forças, como que eu
vou-lhe enterrar?”. Classifique o modo de expressão patente
nas frases citadas.
A. Descrição
B. Diálogo
C. Monólogo
D. Narração

7- Na frase “A velha estava sentada na esteira, parada na


espera do homem sadio no mato.”, em que tempo verbal do
modo indicativo se encontra o verbo sublinhado?
A. Presente
B. Pretérito imperfeito
C. Pretérito mais que perfeito
D. Pretérito perfeito

8- Classifique a oração subordinada adverbial sublinhada da


frase “Pastoreava suas tristezas desde que os filhos mais
novos foram na estrada sem regresso”.
A. Condicional
B. Conformativa
C. Final
D. Temporal

9- Que funções sintácticas, respectivamente, se vislumbram nos


segmentos seguintes: A velha / estava sentada/ na esteira?
A. Sujeito / Predicado / Complemento Circunstancial de
Lugar
B. Sujeito / Predicado / Complemento Circunstancial de
Modo
C. Sujeito / Predicado / Complemento Directo
D. Sujeito / Predicado / Nome Predicativo de Sujeito

10- Que recurso estilístico predomina na frase: “As pernas


sofriam o cansaço de duas vezes”?

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

A. Anacoluto
B. Metonímia
C. Personificação
D. Sinestesia

Respostas: 1A, 2A, 3D, 4B, 5B,6B, 7B, 8D, 9A, 10B.

Unidade temática 3.2: Métodos de análise e interpretação literária

Introdução

O tema da unidade 3.2 chama a atenção às palavras exigidas pela


análise e interpretação da obra literária, enfatizando o facto de que a
camada imaginária dá acesso a camadas mais profundas da obra, por
meio das quais se revela Métodos de análise e interpretação literária
um contexto de valores cognoscitivos, morais, político-sociais, em
suma, uma interpretação da vida humana. Para tanto, demonstrará
que é graças à direcção específica, operada pelo entre-jogo entre as
camadas mais exteriores e as mais profundas, que se compõe o plano
metafísico da obra literária. O esforço de interpretação crítica consiste
em tornar visíveis as estruturas da totalidade, compreendendo a
função das partes e camadas para mostrar a eficácia e o sentido dos
elementos no todo da obra, a cooperação das partes na organização
total. O desenvolvimento do curso, para ensaiar a visão reguladora dos
princípios teóricos, partirá de exemplos práticos (prosa e poesia do
século XX e XXI), que exijam o comentário, resistam à descrição
analítica e ofereçam dificuldades de interpretação.
Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:

• Descrever o texto literário a partir de três níveis de


análise;
• Reflectir sobre o funcionamento de textos literários para
Objectivos uma interpretação coerente.

Michel Focault descreveu a Ordem do Discurso como uma construção


de características sociais. A sociedade que promove o contexto do
discurso analisado é a base de toda a estrutura do texto, atrelando,
deste modo, todo e qualquer elemento que possa fazer parte do
sentido do discurso. O texto só pode assim ser chamado se o seu
receptor for capaz de compreender o seu sentido, e isto cabe ao autor
do texto e à atenção que o mesmo der ao contexto da construção de
seu discurso. É a relação básica para a
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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

existência da comunicação verbal: emissão – recepção –


compreensão.

In Gestão da Informação • RAE electron. 1 (1) • Jun 2002


A análise lexical permite interpretar e fazer uma leitura adequada e
dinâmica das questões abertas, no processo de análise e interpretação
da narrativa.
Os métodos de análise e interpretação literária partem da necessidade
de uma leitura crítica, por meio de um comentário, de uma descrição
analítica e de uma interpretação narrativa. Ainda nesta primeira etapa
é importante destacar: (i) a explicação de textos como instrumento
didáctico-pedagógico; (ii) a leitura estilística: a explicação de textos;
(iii) a leitura de textos que exigem ou que incorporam comentários.
Na segunda fase, faz-se a análise, que consiste na descrição de
elementos estruturais da narrativa, evidenciando-se procedimentos
como (i) as distinções iniciais sobre a arte de contar histórias (natureza
e formas da ficção); (ii) a identificação da temática: tema, motivo e
função; (iii) a identificação das personagens, dos tempos e dos
espaços; (iv) a posição do narrador: técnica ficcional.
Na terceira fase, faz-se a interpretação, que consiste nos actos
seguintes: (i) compreensão traduzida em palavras: elucidação da
estrutura significativa; (ii) comentário sobre problemas de
interpretação (carácter selectivo e arbitrariedade da interpretação;
interpretações contraditórias e excludentes; interpretação e
linguagem adequada); (iii) critérios de validação da interpretação
(legitimidade linguística, correspondência ou abrangência, adequação
genérica, coerência); (iv) desconstrução analítica e integração
interpretativa (visão totalizante e posição desconstrucionista;
verossimilhança e limites da interpretação).
Texto

É quase manhã e eu ainda brigo com os lençóis. Não tenho


outra doença: a insónia intercalada
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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

por sonos breves e estremunhados. Afinal, durmo como os bichos que


persigo por profissão: a salteada vigília de quem sabe que demasiada
ausência pode ser fatal. Para chamar o sono, recorro ao mesmo
expediente que a minha mãe usava para nos adormecer. Recordo a
sua história preferida, uma lenda da sua terra natal. Era assim que ela
cantava:

Antigamente, não havia senão noite. E Deus pastoreava as


estrelas no céu. Quando lhes dava mais alimento elas engordavam e a
sua pança abarrotava de luz. Nesse tempo, todas as estrelas comiam,
todas luziam de igual alegria. Os dias ainda não haviam nascido e, por
isso, o Tempo caminhava com uma perna só. E tudo era tão lento no
infinito firmamento! Até que, no rebanho do pastor, nasceu uma
estrela com ganância de ser maior que todas as outras. Essa estrela
chamava-se Sol e cedo se apropriou dos pastos celestiais, expulsando
para longe as outras estrelas que começaram a definhar. Pela primeira
vez houve estrelas que penaram e, magrinhas, foram engolidas pelo
escuro. Mais e mais o Sol ostentava grandeza, vaidoso dos seus
domínios e do seu nome tão masculino. Ele, então, se intitulou patrão
de todos os astros, assumindo arrogâncias de centro do Universo. Não
tardou a proclamar que ele é que tinha criado Deus. O que sucedeu, na
verdade, é que, com o Sol, assim soberano e imenso, tinha nascido o
Dia. A Noite só se atrevia a aproximar-se quando o Sol, já cansado, se
ia deitar.

Com o Dia, os homens esqueceram-se dos tempos infinitos em


que todas as estrelas brilhavam de igual felicidade. E esqueceram a
lição da Noite que sempre tinha sido rainha sem nunca ter que reinar.

Esta era a lenda. Quarenta anos mais tarde esse embalo


materno não produz efeito. Não tardo a saber se volto para o mato,
onde os homens esqueceram todas as lições. Será a minha última
caçada. E, de novo, ecoa em mim a primeira de todas as vozes: “E tudo
era tão lento no infinito firmamento!”.

Manhã cedo, mal dormido, preparo-me para me deslocar à


sede do jornal, a dois quarteirões de minha casa. Antes de sair, porém,
retiro do armário a minha velha espingarda. Coloco-a sobre as pernas
e as minhas mãos tateiam-na com o carinho de um violinista. O meu
nome está gravado na culatra: Arcanjo Baleiro – caçador. O meu velho
pai deve estar orgulhoso de como, em mim, se prolongou a velha
tradição da família. Foi essa tradição que nos afeiçoou o nome: nós
somos os das balas, os Baleiros.

Mia Couto, in A Confissão da leoa

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Sumário

O tema abordado na unidade temática 3.2 preocupa-se em descrever


o texto literário a partir de três níveis intimamente correlacionados: o
estrutural, o funcional e o interpretativo. A descrição estrutural visa a
mapear a organização interna do texto; a funcional procura explicar a
sua meta e a interpretativa é norteada para a percepção do
significante (simultaneamente denotativo e figurativo), cujo
significado será atribuído por meio do jogo proposto pela leitura,
utilizando os níveis anteriores de análise como coordenadas. Em suma,
com este tema reflecte-se sobre textos literários, enfatizando o
funcionamento de um texto, verificando quais de seus vários aspectos
são relevantes e quais são inconsistentes para uma interpretação
coerente.

Exercícios de AUTO-AVALIAÇÃO

Questões de reflexão
1. Aponte as fases de modelos de análise e interpretação narrativa.
2. O que se destaca na leitura crítica?
3. Classifique quanto ao género literário o extracto de Confissão da
leoa, de Mia Couto.
4. O que entende por método?
5. Em que consiste análise?

Exercícios para AVALIAÇÃO

Leia com atenção as afirmações abaixo e indique as opções correctas:

1. Em que consiste o esforço da interpretação crítica?


A. Compreender a função das partes e camadas.
B. Mostrar a eficácia e o sentido dos elementos no todo da obra.
C. Tornar invisíveis as estruturas da totalidade.
D. Tornar visíveis as estruturas da totalidade.

2. A interpretação consiste…
A. na elucidação da estrutura significativa.
B. no comentário sobre problemas de interpretação.
C. no exame detalhado sobre determinada matéria ou assunto.
D. nos critérios de validação da interpretação.
3. As distinções iniciais sobre arte de contar histórias, a identificação
da temática, das personagens, dos tempos e dos espaços e a posição

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

do narrador são procedimentos de:


A. Análise
B. Arte literária
C. Interpretação
D. Leitura critica
4. Num texto, encontram-se descritos três níveis intimamente
correlacionados:
A. Nível analítico, estrutural e interpretativo.
B. Nível estrutural, funcional, interpretativo.
C. Nível estrutural, organizacional e funcional.
D. Nível funcional, interpretativo e crítico.

5. Quais são as etapas de uma leitura critica?


A. Comentário, descrição analítica e interpretação narrativa.
B. Estrutura funcional, representação do texto e comentário.
C. Explicação, organização interna e narração interpretativa.
D. Interpretação, significado das palavras e argumentação.

6. Qual é a temática no extracto A Confissão da leoa?


A. Grandes feitos da guerra
B. Orgulho da luta dos 16 anos
C. Representação da mulher
D. Valorização do homem

7. Que recurso estilístico foi aplicado na frase “Afinal, durmo como


os bichos que persigo por profissão”?
A. Comparação
B. Metáfora
C. Metonímia
D. Personificação
8. Que história se conta no extracto A Confissão da leoa?
A. Ataques de bandidos armados
B. Ataques de leões
C. Mulheres calculistas
D. Velhos assanhados

9. Qual é a posição técnica do narrador na diegese A Confissão da


leoa?
A. Autodiegético
B. Extradiegético
C. Heterodiegético
D. Homodiegético

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

10. Que subgénero da narrativa é o extracto A Confissão da leoa?


A. Conto
B. Lenda
C. Novela
D. Romance

Respostas: 1D, 2A, 3A, 4A, 5A, 6C, 7A, 8B, 9D, 10D.

Unidade temática 3.3: Análise do discurso narrativo: produção de sentidos

Introdução
Nesta unidade temática 3.3., iremos discutir sobre alguns conceitos
fundamentais e as tarefas da análise do discurso narrativo. Procura-se
delinear, dentre as várias linhas da análise do discurso narrativo, as
propostas da semiótica greimasiana, com o propósito de enfatizar a
importância dessa linha de estudos dentro da Linguística moderna.

Ao completar esta unidade / lição, será capaz de:

• Discutir alguns conceitos fundamentais e as tarefas da


análise do discurso;
• Delinear as propostas da semiótica greimasiana na
Objectivos análise discursiva da narrativa;
• Enfatizar a importância dessa linha de estudos dentro
da Linguística moderna.

Análise do discurso narrativo

Historicamente, a análise do discurso toma uma unidade de análise


maior do que a frase fez que o estudo do "texto" passasse a ocupar
lugar central nos estudos linguísticos. O texto narrativo e o discurso
narrativo são dois conceitos que devemos distingui-los.

85
UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

LÍBERO Revista eletrônica do Programa de Mestrado em Comunicação


da Faculdade Cásper Líbero ISSN 1517-3283 ANO XX - No 39 JAN. /
AGO. 2017

Greimas (1975) defende que um texto é formado por uma estrutura


que articula diferentes elementos e constitui um sentido coeso e
coerente. Com isso, podemos afirmar que um texto, geralmente,
possui:

(1) um nível fundamental, que é a primeira etapa do percurso de


geração de sentido, ponto de partida da geração do texto, em
que se determina o mínimo de sentido a partir de que ele se
constrói -trata-se da relação de oposição ou de diferença entre
dois termos, dentro de um universo semântico. Esses valores
fundamentais podem ser tomados como positivos (eufóricos)
ou negativos (disfóricos). Essa oposição vai determinar a linha
argumentativa do texto;

(2) um nível narrativo, que é o segundo nível do percurso gerativo


de sentido, onde os valores fundamentais são narrativizados a
partir de um sujeito. Assim, a narrativa constitui-se de quatro
fases: a) MANIPULAÇÃO; b) COMPETÊNCIA: manipulado, o
sujeito precisa adquirir competência para realizar a acção. Essa
competência pode ser o SABER, o PODER e o QUERER; c)
PERFORMANCE: os sujeitos realizam a acção; d) SANÇÃO:
depois de realizada a acção, os sujeitos são recompensados
(sanção positiva) ou punidos (sanção negativa). O que difere
um texto de outros textos que têm os mesmos valores básicos
é o modo como esses valores e essa narrativa são
discursivizados, o que significa dizer que um texto possui uma
estrutura discursiva;

(3) um nível discursivo, que é o patamar mais superficial do


percurso gerativo do sentido, o mais próximo da manifestação
textual. As estruturas narrativas convertem-se em discurso
quando assumidas pelo sujeito da enunciação: ele faz uma
série de "escolhas", de pessoa, de espaço, de tempo e de
figuras, contando a história a partir de um determinado "ponto
de vista". A narrativa é, assim, "enriquecida" com essas opções
do sujeito da enunciação.

Sumário

Na unidade temática 3.3, abordamos o tema Análise do discurso


narrativo: produção de sentidos onde discutimos alguns conceitos
fundamentais e as tarefas da análise do discurso narrativo,
procurando-se delinear, dentre as várias linhas da análise do discurso
da narrativa, as propostas da semiótica greimasiana, com o objectivo
de enfatizar a importância dessa linha de estudos dentro da Linguística

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

moderna.

Exercícios de AUTO-AVALIAÇÃO

Questões de reflexão
1. Quais são os diferentes níveis que constituem um texto coeso e
coerente, segundo Greimas (1975)?
2. Quais são os valores opostos dentro do universo semântico num
texto?
3. O que é uma narrativa?
4. Como se classifica a narrativa quanto ao desfecho?
5. Distinga autor do narrador.

Exercícios para AVALIAÇÃO

Leia atentamente o texto e responda-o clara e objectivamente ao


questionário que o segue.
Texto
SONHOS DA ALMA ACORDARAM-ME DO CORPO

Sonhei-lhe. Ela estava no quintal, trabalhando no pilão. Pilava


sabe o quê? Água. Pilava água. Não, não era milho, nem mapira, nem
o quê. Água, grãos do céu.
Aproximei. Ela cantava uma canção triste, parecia que estava a
adormecer a si própria. Perguntei a razão daquele trabalho.
- Estou a pilar.
- Esses são grãos?
- São tuas lágrimas, marido.
Foi então: vi que ali, naquele pilão, estava a origem do meu
sofrimento. Pedi que parasse mas a minha voz deixou de se ouvir.
Ficou cega a minha garganta. Só aquele tunc-tunc-tunc do pilão
sempre batendo, batendo, batendo. Aos poucos, fui vendo que o
barulho me vinha do peito, era o coração me
castigando. Invento? Inventar, qualquer pode. Mas eu daqui da cela só
vejo as paredes da vida. Posso sentir um sonho, perfume passante.
Agarrar não posso. Agora, já troquei minha vida por sonhos. Não foi só
esta noite que sonhei com ela. A noite antepassada, doutor, até
chorei. Foi porque assisti minha morte. Olhei no corredor e vi sangue,
um rio dele. Era sangue órfão. Sem o pai que era o meu braço cortado.
Sangue detido como o dono. Condenado. Não lembro como cortei.
Tenho memória escura, por causa dessas tantas noites que bebi.
E sabe, nesse tal sonho, quem salvou o meu sangue espalhado?
Foi ela. Apanhou o sangue com as suas mãos antigas. Limpou aquele

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

sangue, tirou a poeira, carinhosa. Juntou os pedaços e ensinou-lhes o


caminho para regressar ao meu corpo. Depois ela me chamou com
esse nome que eu tenho e que já
esqueci, porque ninguém me chama. Sou um número, em mim uso
algarismos não letras.
O senhor me pediu para confessar verdades. Está certo, matei-
lhe. Foi crime? Talvez, se dizem. Mas eu adoeço nessa suspeita. Sou
um vivo, não desses que enterra as lembranças. Esses têm socorro do
esquecimento. A morte não afasta-me essa Carlota. Agora, já sei: os
mortos nascem todos no mesmo dia. Só os vivos têm datas separadas.
Carlota voou? Daquela vez que lhe entornei água foi na mulher ou no
pássaro? Quem pode saber? O senhor pode?
Uma coisa eu tenho máxima certeza: ela ficou, restante, por
fora do caixão. Os que choravam no enterro estavam cegos. Eu ria. É
verdade, ria. Porque dentro do caixão que choravam não havia nada.
Ela fugira, salva nas asas. Me viram rir assim, não zangaram.
Perdoaram-me. Pensaram que eram essas gargalhadas que não são
contrárias da tristeza. Talvez eram soluços enganados, suor do
sofrimento. E rezavam. Eu não, não podia. Afinal, não era uma morta
falecida que estava ali. Muito-muito era um silêncio na forma de
bicho.
Mia Couto, Afinal, Carlota Gentina não chegou de voar? in Vozes
Anoitecidas

Questionário

1. Analise o primeiro período do primeiro parágrafo do texto na


dimensão sintáctica.
A. SU indefinido, Sonhei-lhe – PRE e - lhe – COD.
B. SU indeterminado, Sonhei-lhe – COD e -lhe – COI.
C. SU nulo, Sonhei-lhe – NPS e - lhe – COI.
D. SU subentendido, Sonhei-lhe – PRE e - lhe – COI.

2. Na dimensão semântica, o diálogo presente no texto exprime:


A. renúncia, alegria, exiguidade de satisfação.
B. sacrifício, contentamento, exiguidade de gozo.
C. sacrifício, sofrimento, abundância de mantimento.
D. sacrifício, sofrimento, exiguidade de mantimento.

3. Faça a análise do 2º parágrafo, na dimensão pragmática.


A. A personagem deleitava-se a lamentar com emoção,
exprimindo o sentimento de paz.
B. A personagem trabalhava a lamentar com mágoa, exprimindo
o sentimento de alegria.
C. A personagem trabalhava a lamentar com tristeza, exprimindo
o sentimento de dor.
D. O narrador trabalhava a lamentar com tristeza, exprimindo o
sentimento de dor.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

4. Identifique a construção anafórica.


A. Aquele sangue limpou, que a tirou, carinhosa.
B. E sabe, nesse tal sonho, quem o salvou?
C. Ela foi quem o apanhou com as suas mãos antigas.
D. Foi então: vi-a que ali, naquele pilão.

5. Identifique a construção catafórica.


A. A noite antepassada, doutor, até chorei.
B. Depois ela mo chamou que eu tenho e que já esqueci, porque
ninguém me chama.
C. Não foi só esta noite que a sonhei.
D. Tenho memória escura, por causa dessas tantas noites que
bebi.

6. Classifique a subordinação que ocorre na frase: E sabe, nesse tal


sonho, “quem salvou o meu sangue espalhado?”
A. Oracao Subordinada Adverbial Causal
B. Oracao Subordinada Adverbial Final
C. Oracao subordinada integrante interrogativa directa
D. Oracao Subordinada Relativa

7. Classifique a coordenação que ocorre na frase: Foi crime? Talvez,


se dizem. “Mas eu adoeço nessa suspeita”.
A. Oracao Coordenada Adversativa
B. Oracao Coordenada Conclusiva
C. Oracao Coordenada Copulativa
D. Oracao Coordenada Explicativa

8. A ORIENTAÇÃO da história delimita-se no segmento diegético


seguinte:
A. “Aproximei. (…)Tenho memória escura, por causa dessas tantas
noites que bebi.”
B. “E sabe, nesse tal sonho, quem salvou o meu sangue
espalhado? (…)Sou um número, em mim uso algarismos não
letras.”
C. “O senhor me pediu para confessar verdades. (…)O senhor
pode?”
D. “Sonhei-lhe. (…). Água, grãos do céu.”

9. A COMPLICAÇÃO da história delimita-se no segmento diegético


seguinte:
A. “Aproximei. (…)Tenho memória escura, por causa dessas tantas
noites que bebi.”
B. “O senhor me pediu para confessar verdades. (…)O senhor
pode?”
C. “Sonhei-lhe. (…). Água, grãos do céu.”
D. “Uma coisa eu tenho máxima certeza: (…)Muito-muito era um

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

silêncio na forma de bicho.”

10. A MORAL da história delimita-se no segmento diegético seguinte:


A. “Aproximei. (…)Tenho memória escura, por causa dessas tantas
noites que bebi.”
B. “E sabe, nesse tal sonho, quem salvou o meu sangue
espalhado? (…)Sou um número, em mim uso algarismos não
letras.”
C. “O senhor me pediu para confessar verdades. (…)O senhor
pode?”
D. “Uma coisa eu tenho máxima certeza: (…) Muito-muito era um
silêncio na forma de bicho.”

Respostas: 1D, 2D, 3C, 4D, 5B, 6C, 7A, 8D, 9A, 10D.

90
UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

TEMA – IV: ANÁLISE DE TEXTOS NARRATIVOS

4.1. Unidade temática: O sistema retórico da enunciação


4.2. Unidade temática: Os componentes do enunciado como
elementos da produção de sentidos

Unidade temática 4.1. O sistema retórico da enunciação

Introdução

Ao completar esta unidade, você deverá ser capaz de:

▪ Abordar o texto narrativo;


▪ Reconhecer uma referência discursiva, oral ou escrita;
▪ Caracterizar os encadeamentos lógico-retóricos;
Objectivos
específicos ▪ Analisar o sistema semiótico da enunciação.

Análise do texto narrativo

No contexto interdisciplinar, este tema ANÁLISE DE TEXTOS


NARRATIVOS é recorrentemente abordado e merece mais análise por
constituir a parte semântico-pragmática do uso da língua. Antes de se
tomar como objecto de estudo a narrativa, temos o ‘texto’ como o
primário objecto, por se tratar de qualquer referência discursiva, oral
ou escrita, que os utilizadores recebem, produzem ou trocam. Deste
modo, ocorre o acto de comunicação linguística se existir um texto. As
actividades linguísticas e os processos são todos analisados e
classificados em função da relação do utilizador e de
qualquer/quaisquer interlocutor(es) com o texto, quer este seja
considerado um produto acabado, um artefacto, ou como um
objectivo, quer um produto em processo de elaboração. Os textos têm
muitas funções diferentes na vida social e apresentam,
consequentemente, diferenças na forma e na substância.

Outro termo de maior destaque é ANÁLISE que se configura numa


universalidade ao abarcar diversificadas áreas do saber. No caso
específico desta área linguístico-comunicacional, a análise procura
depreender as proposições de base que justificam as frases de
superfície que delas resultam por diversas transformações, estudando
os fenómenos de anáfora e catáfora e de coesão e coerência do texto.
Associamos o termo Análise ao Discurso formando a expressão Análise
do Discurso para melhor enquadrarmos neste capítulo temático.

91
UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Gallisson e Coste (1983, pp.208-209) referem que a análise do discurso


procura caracterizar a organização léxico-semântica e/ou sintáctico-
semântica dos textos descrevendo redes de equivalências ou
caracterizando os encadeamentos lógico-retóricos. Servimo-nos da
análise do discurso para estabelecer relações com problemática da
análise de conteúdo e da descrição dos fenómenos enunciativos.

As duas unidades temáticas que compõem este capítulo dedicam-se


ao exame da narrativa do ponto de vista da sua caracterização e
organização do vocabulário, dos grupos frásicos, das expressões
semânticas e de enunciados pragmáticos do uso da linguagem
narrativa.

O sistema retórico e semiótico da enunciação

Birov, 1966 apud Gallisson e Coste 1983, p.672 concebe, no sentido


geral, sistema como “conjunto de elementos interdependentes que
formam um todo”. A narrativa deve ser analisada como um todo, ou
seja na totalidade estruturada e organizada onde se verificam relações
de (inter)dependência e de solidariedade entre os elementos de
narratividade, neste contexto encaramos o texto narrativo como um
sistema, ou seja, uma referencia discursiva, oral ou escrita, organizada
e estruturada.

A Retórica - Na Antiguidade e na Idade Média | Prof. Dr. Ricardo da


Costa
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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Ferdinand Saussure, no sentido particular, define a língua como um


“sistema de sinais… que só conhece a sua ordem própria” e os seus
seguidores concebem a língua como sistema formada por um conjunto
de sistemas, por exemplo sistema semiótico.

Greimas apud Gallisson e Coste (1983, p.642) advoga que a semiótica


“seria uma construção de metalinguagens ou de sistemas de símbolos
nocionais com vista ao conhecimento científico dos modos de
significação.” Kristeva introduz o conceito semanálise (termo
psicanalítico); “ciência crítica e desconstrutiva do sentido”, “que
deveria” atingir a zona em que se agrupam os germes daquilo que
significará na presença da língua” (Ducrot-Todorov, 1972).

Na primeira unidade deste capítulo, ou seja, na unidade temática 4.1,


abordamos a análise do texto narrativo como um sistema semiótico de
enunciado. As bases transportadas de Birov, Saussure e sucessores,
Greimas, Kristeva, Ducrot-Todorov em conceitos nocionais-chave da
análise narrativa suficientes para migrar ao conceito de enunciação,
que se entende, em sentido lato, como a realização de uma troca
linguística entre locutores concretos, em circunstâncias particulares.

Passemos para a parte prática que consiste na apresentação de um


texto narrativo e das linhas da análise do sistema retórico e semiótico
de enunciação:

Leia com muita atenção o texto Os Aparecidos, de Mia Couto e


responda claramente às linhas do sistema retórico e semiótico de
enunciação.

Texto

É uma verdade: os mortos não devem aparecer, saltar a fronteira do


mundo deles. Só vêm desorganizar a nossa tristeza. Já sabemos com
certeza: o tal desapareceu. Consolamos as vivas, as lágrimas já
deitámos, completas.
Ao contrário, há desses mortos que morreram e teimam em aparecer.
Foi o que aconteceu naquela aldeia que as águas arrancaram da terra.
As cheias levaram a aldeia, puxada pelas raízes. Nem ficou a cicatriz do
lugar. Salvaram se os muitos. Desapareceram Luís Fernando e Aníbal
Mucavel. Morreram por dentro da água, pescados pelo rio furioso. A
morte deles era uma certeza quando uma tarde apareceram mais
outra vez.
Os vivos perguntaram muita coisa. Assustados, chamaram os milícias.
Compareceu Raimundo que usava a arma como se fosse enxada.
Estava a tremer e não encontrou outras palavras:
- Guia de marcha.
- Você está maluco, Raimundo. Baixa lá essa arma.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

O milícia ganhou coragem quando ouviu a voz dos defuntos. Mandou


que recuassem.
- Vão donde que vieram. Não adianta tentarem alguma coisa: serão
rechaçados.
A conversa não se resolvia. Surgiu Estevão, responsável da vigilância.
Luís e Aníbal foram autorizados a entrar para se explicarem às
autoridades.
- Vocês já não são contados. Vão morar onde?
Os aparecidos estavam magoados com a maneira como eram
recebidos.
- Fomos levados no rio, aguámos sem saber onde e agora vocês nos
tratam como infiltrados?
- Espera, vamos falar com o chefe dos assuntos sociais. Ele é que tem a
competência do vosso assunto.
Aníbal ainda tristeceu mais. Agora somos assunto? Uma pessoa não é
um divórcio, um milando. Não é que tinham um problema: era a vida
inteira que faltava resolver.
O responsável veio. Estava gordado, a barriga curiosa, espreitando na
balalaica. Foram cumprimentados com o respeito devido aos defuntos.
O responsável explicou as dificuldades e o peso deles, mortos de
regresso imprevisto.
- Olha: mandaram os donativos. Veio a roupa das calamidades, chapas
de zinco, muita coisa. Mas vocês não estão planificados.
O Aníbal ficou nervoso com as contas de que eram excluídos:
- Como não estamos? Vocês riscam a pessoa assim qualquer maneira?
- Mas vocês morreram, nem sei como que estão aqui.
- Morremos como? Não acredita que estamos vivos?
- Talvez, estou confuso. Mas este assunto de vivo não-vivo é melhor
falarmos com os outros camaradas.
E foram para a sede. Explicaram a sua história mas desconseguiram de
apresentar provas da sua verdade. Um homem arrastado como peixe
só procura o ar, não se interessa de mais nada.
O responsável consultado concluiu, rápido:
- Não interessa se morreram completamente. Se estão vivos ainda
pior. Era melhor ter aproveitado a água para morrerem-se.
O outro, o da balalaica em luta com os botões, acrescentou:
- Não podemos consultar as estruturas do distrito, dizer que já
apareceram fantasmas. Vão responder que estamos envolvidos com o
obscurantismo. Mesmo podemos ser punidos.
- É verdade - confirmava outro. - Já assistimos um curso da política.
Vocês são almas, não são a realidade materialista como eu e todos
que estão connosco na nova aldeia.
O gordo sublinhava:
- Para abastecer a vocês temos pedir reforço das quotas. Como vamos
justificar? Que temos almas para dar comida?
E assim ficaram sem mais conversa.
Luís e Aníbal saíram da sede, confusos e abatidos. Lá fora, uma
multidão curiosa contemplava-os. Os dois aparecidos decidiram

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

procurar Samuel, o professor.


Samuel recebeu-os em casa. Explicou-lhes a razão de eles estarem fora
das contas do abastecimento.
- Os responsáveis daqui não são como das outras aldeias. Fazem
candonga com os produtos. São distribuídos primeiro às famílias deles.
Às vezes dizem que não chega enquanto na casa deles está cheio.
- Porquê não denunciam?
Samuel encolheu os ombros. Soprou no fogo para dar fora ao lume.
Flores vermelhas das chamas espalharam o perfume da luz no
pequeno quarto.
- Olha, vou dizer um segredo. Algum queixou-se às estruturas
superiores. Dizem que esta semana há-de vir uma comissão saber a
verdade das queixas. Vocês devem aproveitar essa comissão para
expor o vosso caso.
Samuel ofereceu a casa e a comida, até que chegasse a comissão de
inquérito.
Anibal sentou o pensamento nas traseiras da casa. Longamente
contemplou os próprios pés e murmurou baixinho como se falasse
com eles:
- Meu Deus, como somos injustos com nosso corpo. De quem nos
esquecemos mais? É dos pés, coitados, que rastejam para nos
suportar. São eles que carregam tristeza e felicidade. Mas como estão
longe dos olhos, deixamos os pés sozinhos, como se não fossem
nossos.
«Só por estarmos em cima, calcamos os nossos pés. Assim começa a
injustiça neste mundo. Agora, neste caso, os pés sou eu e Luís,
desimportados, caídos na poeira do rio.
Luís chegou-se com menos luz que uma sombra e pediu-lhe explicação
daquele murmúrio.
Aníbal contou-lhe a descoberta dos pés.
- Era melhor se pensasse uma maneira para mostrar essa gente que,
afinal das contas, somos alguns.
- Sabe o quê? Antigamente o mato, tão vazio de gente, me fazia medo.
Pensava só podia viver nas pessoas, vizinho de gente. Agora, penso o
contrário. Já quero voltar no lugar dos bichos. Tenho saudades de ser
ninguém.
- Cala-se, você. Essa conversa já parece dos espíritos.
Calaram-se os dois, receosos da sua condição trémula. Muitas vezes
mexiam nas coisas, raspavam no chão como se quisessem confirmar a
matéria do seu corpo. Luís perguntou:
- Ser que verdade? Não ser que somos mesmo falecidos? Pode ser eles
têm razão. Ou talvez estamos nascer outra vez.
- Pode ser, meu irmão. Pode ser tudo isso. Mas o que não está certo
serem acusados, serem esquecidos, riscados, indeferidos.
Era a voz de Samuel, o professor. Aproximou-se trazendo na mão
algumas mangas que distribuiu pelos dois candidatos à existência.
Cascaram os frutos, enquanto o professor continuava:
- Não é justo esquecerem que vocês, vivos ou mortos, fazem parte da

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

nossa aldeia. Afinal, quando foi preciso defender a aldeia dos


bandidos, vocês não pegaram as armas?
- E verdade. Até eu sofro desta cicatriz da bala do inimigo. Aqui.
Aníbal erguia-se para apontar a prova do sofrimento, um risco fundo
que a morte escrevera nas costas.
- Todos sabem que vocês merecem ser contados. É medo, só, que lhes
faz calar, aceitar mentiras.
De pé, como que estava, Aníbal espremeu a raiva nos seus punhos. A
manga gotejou e o sumo doce-triste caiu.
- Você, Samuel, sabe as coisas da vida. Não acha que é melhor sairmos,
escolhermos outro lugar?
- Não, Aníbal. É melhor ficar. Hão-de conseguir, tenho a certeza. E
depois, um homem que abandona um sítio porque foi derrotado, esse
homem já não vive. Não tem mais lugar para começar.
- Afinal, Samuel? Você também não acredita que somos vivos?
- Cala-te, Luís. Deixa o Samuel nos conselhar.
- Esses que vos complicam hão-de cair. São eles que não pertencem a
nós, não são vocês. Fiquem, meus amigos. Ajudam-nos no nosso
problema. Nós também não somos considerados: somos vivos mas é
como se tivssemos menos vida, como se fôssemos metades. Isso não
queremos.
Luís levantou-se e espreitou no escuro. Andou em círculo e regressou
ao centro, aproximando-se do professor:
- Samuel, não tens medo?
- Medo? Mas, essa gente tem que cair. Não foi a razão da luta acabar
com esta porcaria de gente?
- Não estou a falar disso - respondeu Luís. - Não tens medo que nos
apanhem aqui contigo?
- Com vocês? Mas, afinal, vocês existem? Não posso estar com quem
não existe.
Riram-se. Levantaram-se e separaram-se pelas duas portas da casa.
Anibal, antes de entrar:
- Eh, Samuel! A luta continua!
A comissão chegou três dias depois. Era acompanhada por um
jornalista que se interessou pela história de Luís e Aníbal. Prometeu-
lhe mexer no problema.
Se as coisas não se resolvessem, ele publicaria no jornal e os
responsáveis da aldeia seriam desmascarados.
A comissão trabalhou durante dois dias. Convocaram então uma
assembleia geral dos aldeões. O recinto ficou cheio vieram todos saber
das novidades.
O chefe da comissão anunciou as solenes conclusões:
- Estudámos com muita atenção o problema dos dois elementos que
deram aparecimento na aldeia. Chegámos à seguinte conclusão oficial:
os camaradas Luís Fernando e Aníbal Mucavel devem ser considerados
populações existentes.
Aplausos. A assembleia parecia mais aliviada que contente. O orador
prosseguiu:

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

- Mas os dois aparecidos bom serem avisados que não devem repetir
essa saída da aldeia ou da vida ou seja lá de onde. Aplicamos a política
de clemência, mas não iremos permitir a próxima vez.
A assembleia aplaudiu agora com convicção.
Ao outro dia, Luís Fernando e Aníbal Mucavel começaram a tratar dos
documentos dos vivos.
Mia Couto, Vozes anoitecidas

Linhas de análise do sistema semiótico da enunciação

1. Analise o texto, nos seguintes aspectos:

1.1. O universo diegético (tipo de narrativa).

1.2. A diegese, a intradiegese e a homodiegese.

2. Analise o discurso do conto, nos aspectos seguintes:

1.1. Registos de língua (literário, cuidado, padrão, técnico-


profissional, familiar, popular).

1.2. Locutor, alocutário e referência.

1.3. Narrador e narratário.

1.4. Técnicas ou sequências discursivas (encadeamento,


alternância e encaixe)

1.5. Ordem temporal e focalização.

1.6. Narração e descrição.

1.7. Diálogo e monólogo.

1.8. Neologia.

3. No texto, extrai frases complexas com…

1.1. orações coordenadas.

1.2. orações subordinadas.

4. Transforme “Os Aparecidos” em Notícia.

5. Invente uma Entrevista ao escritor Mia Couto sobre a sua


produção literária.

O tecido narrativo que Os Aparecidos ilustra é justificado nestas


representativas linhas de orientação da análise do sistema retórico e
semiótico de enunciação da diegese. Os elementos narrativos
propostos para a análise demonstram um autêntico sistema,
organizado e estruturado, de interdependência, entre as partes, na

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

desconstrução (decomposição) textual da narrativa para a posterior


compreensão.

Sumário

Nesta unidade temática 4.1, estudamos e discutimos


fundamentalmente o sistema semiótico da enunciação narrativa,
partindo, em linha introdutória, pelo enquadramento do capítulo 4:
Análise de textos narrativos, abordando a essência de uma análise, de
uma análise do discurso e do texto como uma referência discursiva,
por escrito ou oralmente. Em seguida, elucidamos o sistema semiótico
da enunciação, do ponto de vista teórico, em primeiro momento, e no
contexto prático, no segundo momento, que consistiu na análise de
um conto.

Exercícios de AUTO-AVALIAÇÃO

Questões de reflexão
1. Que entende por texto?
2. Aponte dois objectivos de uma análise.
3. Em que consiste a análise de discurso?
4. O que é sistema, segundo Birov?
5. Como Greimas define semiótica?

Exercícios para AVALIAÇÃO

Perguntas
Adquira, leia com muita atenção Os Novos Contos de Guicalango, de
Diogo Araújo Vaz, e responda claramente às questões apresentadas.

1. Analise o texto “Ruzere, o Mane”, identificando o tipo do universo


diegético, utilizado por E. Souriau.(cfr. Reis e Lopes, Dicionário de
Narratalogia)

A. Narrativa argumentativa

B. Narrativa descritiva

C. Narrativa explicativa

D. Narrativa expositiva

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

2. Analise o texto “Ruzere, o Mane”, explicando o “mundo possível”


à inteligibilidade da história. (op.cit.)

A. O conto parte de uma base imaginada, que é a vida e a


morte descrita, os espaços – rio Luenha, vale e rochedos -,
e a impossibilidade da existência das personagens-tipo no
contexto africano.

B. O conto parte de uma base real, que é a vida e a morte


descrita, os espaços – rio Luenha, vale e rochedos -, a
possibilidade da existência das personagens-tipo no
contexto africano.

C. O conto parte de uma base real, que é a vida e a morte


descrita, os tempos – rio Luenha, vale e rochedos -, a
possibilidade da inexistência das personagens-tipo no
contexto africano.

D. O conto parte de uma base real, que é a vida e a morte


descrita, os espaços – rio Luenha, vale e rochedos -, a
possibilidade da existência das personagens-figurantes no
contexto europeu.

3. Analise o texto “Ruzere, o Mane”, descrevendo e classificando a


diegese, a intradiegese e a homodiegese. (Idem)

A. A história foi contada por dentro, por um narrador


extradiegético ou heterodiegético.

B. A história foi contada por fora, por um narrador


extradiegético ou heterodiegético.

C. A história foi descrita por dentro, por um personagem


extradiegético ou homodiegético.

D. A história foi lida por dentro, por um narratário


extradiegético ou heterodiegético.

4. Analise o discurso do conto “Apocalipse”, identificando locutor,


alocutário e referência, em extensão ao ponto de vista de E.
Benviniste (1974).(Ibdem)

A. As personagens são em separado locutores e alocutários, e


a extensão é o Apocalipse, que era o momento infernal
que o Homem esperava após à sua morte.

B. As personagens são em simultâneo locutores e alocutários,


e o referente é o Apocalipse, que era o momento infernal
que o Homem esperava após à sua criação.

C. As personagens são em simultâneo locutores e narratários,


e a mensagem é o Apocalipse, que era o momento

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

angelical que o Homem esperava após à sua criação.

D. As personagens são em simultâneo locutores e alocutários,


e o referente é o Apocalipse, que era o momento infernal
que o animal esperava antes da sua criação.

5. Analise o discurso do conto “Apocalipse”, identificando narrador e


narratário, em extensão ao ponto de vista de E. Benviniste
(1974).(Ibdem).

A. Narrador autodiegético, que conta a diegese na 2ª pessoa


gramatical, e neste conto figura um narratário.

B. Narrador heterodiegético, que conta a diegese na 3ª


pessoa gramatical, mas neste conto não figura nenhum
narratário.

C. Narrador homodiegético, que conta a diegese na 1ª pessoa


gramatical, mas neste conto não figura nenhum narratário.

D. Narrador intradiegético, que conta a diegese na 3ª pessoa


gramatical, mas neste conto não figura nenhum narratário.

6. Analise o discurso do conto “Apocalipse”, descrevendo a ordem


temporal, em extensão ao ponto de vista de E. Benviniste
(1974).(op.cit.).

A. O tempo decorre cronológica e linearmente em função da


sequência das acções.

B. O tempo decorre cronológica e universalmente em função da


sequência das acções.

C. O tempo decorre psicológica e linearmente em função da


sequência das acções.

D. O tempo decorre social e aleatoriamente em função da


sequência das acções.

7. A narração do conto “Apocalipse” ocorre no pretérito perfeito,


conferindo

A. momento de analepse.

B. momento de avanço.

C. momento elíptico.

D. momentos de pausa.

8. A descrição do conto “Apocalipse” ocorre no pretérito


imperfeito, conferindo

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

A. momento anacrónico.

B. momento de avanço.

C. momento de prolepse.

D. momentos de pausa.

9. Que registo de língua predomina no enunciado: “…animais para


alegrar o cosmos” (p.27) do conto “Apocalipse”?

A. Corrente

B. Cuidado

C. Literário

D. Popular

10. Que registo de língua predomina no enunciado: “No sexto dia,


Deus acabara de labutar…” (p.27) do conto “Apocalipse”?

A. Familiar

B. Padrão

C. Popular

D. Técnico-profissional

Respostas: 1B, 2B, 3A, 4B, 5B, 6A, 7B, 8D, 9C, 10B

Unidade temática 4.2. Os componentes do enunciado como elementos da


produção de sentidos

Introdução

A unidade temática 4.2 fecha o capítulo 4 sobre análise de textos


narrativos com os componentes do enunciado como elementos da
produção de sentidos. Retomamos Componentes para evidenciar os
elementos da narrativa, entidades necessárias para a existência de um
texto narrativo. Discutimos no pano da superfície sobre enunciado vs
texto e enunciado vs discurso. Concebemos os elementos narrativos
como processos indispensáveis para a produção de sentidos nas
construções discursivas ancorados na narrativa como espécime
estratégico do acto comunicativo.

101
UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Ao completar esta unidade, você deverá ser capaz de:

▪ Analisar um texto narrativo;


▪ Articular os componentes enunciativos para produção de sentidos;
▪ Elaborar unidades de significação para formar sentidos textuais.
Objectivos
específicos

Componentes do enunciado

Para analisar um texto narrativo, entramos num campo narrativo,


obviamente, onde será necessário o nosso saber microscópico sobre a
narrativa para podermos descortinar os componentes do enunciado
narrativo. Entendemos os componentes narrativos os extra- e
intratextuais. Os extra-textuais são o autor e o leitor ou ouvinte mas
na nossa análise privilegiamos os componentes intratextuais, porque
estes são constituintes controláveis da diegese, o produto requerido.

O enunciado é uma sequência dos elementos segmentais da cadeia e a


mensagem narrativa o conjunto dos factos segmentais e supra-
segmentais. Martinet, 1969 explica que o enunciado é utilizado para
apreensão de dados, supondo que da parte do emissor, a escolha e a
organização dos meios lexicais e gramaticais e da parte do receptor, a
reconstituição da informação transmitida pelo emissor.

Neste contexto, notamos dentro da diegese essa enunciação que


consiste na troca linguística entre os interlocutores, os personagens,
em situações dialógicas (ou monológicas) de codificação da mensagem
pelo locutor com a intenção enunciatária de obter efeitos e
experiências sobre o destinatário, e de descodificação pelo alocutário
com a finalidade enunciativa de interpretar a informação recebida,
aceitar ou não a mensagem que foi organizada numa estratégia

102
UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

discursiva apropriada em função do interesse do emissor.

Elementos da produção de sentidos

Kristeva (1969) apud Gallisson e Coste (1983, p.584) caracteriza a


produtividade dos textos como “trabalho da língua pelo texto, através
de uma construção do sentido numa prática afastada do simples uso
de representação e de comunicação”, portanto redefine-se o texto
como trabalho de produção como algo dinâmico.

A partir de um texto produzido – uma narrativa – e submetido ao


público leitor e aos críticos literários abre-se um ensejo para a
produtividade de outros textos advindos dos consumidores. Os
elementos envolvidos numa narrativa desempenham um papel de
elevado destaque para os destinatários; mesmo os elementos
extradiegéticos, como o autor, por exemplo Mia Couto, só pelo facto
de se saber que o texto ou livro disponível pertence a esse autor passa
a ser apetecível o seu consumo pelo leitor, confiante de que a
referência discursiva produzirá sentido. Também acontece com os
elementos intradiegéticos, como personagem, tempo, espaço, entre
outros. Notabiliza-se no romance, exemplo, por existir como suas
espécies o romance de personagem ou o romance de espaço – onde o
receptor opta por que estilo a aderir. Por isso os elementos narrativos
contribuem sobremaneira na produção de sentidos; aliás, o
destinatário pode, nalguns dos casos, antecipar a história justamente
pela actuação presente no texto, daí que existe uma narrativa aberta,
que o receptor pode completar a história, produzir um sentido.

As escolas linguísticas, na actualidade, integram o sentido em duas


vertentes: (i) referencial, que depende da relação signo-realidade e (ii)
estrutural, que depende da relação dos signos entre si. Neste
contexto, o sentido transcende o valor, o significado e a significação
linguística para uma representação social e psicológica.

Passamos, em seguida, à parte prática desta unidade:

Adquira, leia atentamente o texto Mestre Finezas, de Manuel


Ferreira, e responda às questões que lhe são colocadas, como leitura
orientada aos componentes do enunciado como elementos da
produção de sentidos.

Nº Questões Obs.

1. O texto Mestre Finezas, de Manuel Ferreira, é uma


narrativa. De que subgénero se trata? Justifica a sua
resposta.

103
UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

2. Atente no primeiro parágrafo do texto.

2.1. Identifique os tempos verbais


presentes.
2.2. Refira as alterações operadas nas
personagens.
2.3. A partir desse parágrafo, atribuia um
título ao texto.
3. Sob que aspectos pode caracterizar Mestre Finezas?
Justifique.

3.1. Transcreva expressões ou palavras


que realizam a sua caracterização.
4. No excerto, fala-se da concorrência.

4.1. Transcreva a frase que se prende com


a situação.
4.2. Manifeste a sua opinião dizendo se a
concorrência é boa ou má.
5. Como é que os dois amigos se entreajudam?

6. Explique o sentido da frase: “Os seus olhos ganham


um brilho metálico”.

6.1. Refira o recurso estilístico que ai se


realiza.
7. Classifique a presença e a visão ou ciência do
narrador no universo diegético, fundamentando com
exemplos textuais.

8. Extraia do texto uma descrição e uma narração.

9. Transforme o discurso do 2º parágrafo do texto em


discurso indirecto.

10. Transcreva do texto:

10.1. uma frase simples.


10.2. uma frase complexa coordenada.
10.3. uma frase complexa subordinada.
11. Mestre Finezas não está desempregado, mas
sofre as angústias de um desempregado. Além disso,
vive o grave problema da solidão.

Ora, viver no desemprego ou viver na solidão e


frequente nos nossos dias. Conheces, com certeza,
algum caso.

Real ou imaginada, escreva a história de alguém


que vive uma destas circunstâncias.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

As linhas de leitura apresentadas a cima mostram que os


componentes dos vários enunciados que constituem o texto levam-
nos a produzir (novos) sentidos.

A seguir, apresentamos as possíveis respostas, que é o sentido


produzido do texto analisado:

Nº Sentidos produzidos Obs.

1. O texto do Mestre Finezas, de Manuel Ferreira, é uma


narrativa. Trata-se do subgénero Conto, porque é uma
narrativa de pouca extensão, de um número reduzido de
personagens -, de um tempo restrito e de uma acção
muito simples.

2. No primeiro parágrafo do texto,

2.1. os tempos verbais presentes são pretérito


perfeito do Indicativo “Passaram”, “parti” e “Voltei”
e presente do Indicativo “é” e “tem”.
2.2. as alterações operadas nas personagens são
as seguintes, o narrador – Carlinhos – cresceu,
voltou ‘homem’ e o Mestre Finezas ficou velho
‘tem os cabelos todos brancos’.
2.3. A partir desse parágrafo, atribui-se um
título ao texto. (Resposta sugestiva e pessoal, p.e.,
Mestre Finezas, O regresso do Carlinhos, De volta a
vila natal
3. Pode caracterizar-se Mestre Finezas sob aspectos da
caracterização directa, que consiste na descrição das
características das personagens feita, por um lado, por elas
próprias – autocaracterização - e, por outro, pelo narrador
ou outra personagem – héterocaracterização.

3.1. Exemplo de transcrição de expressões ou


palavras que realizam a sua autocaracterização: “-
Estou um velho, Carlinhos.”. e o narrador faz a sua
heterocaracterização: “Mestre Finezas é … a
mesma figura alta e seca.” (…)

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

4. No excerto, fala-se da concorrência.

4.1. Transcrição de uma frase que se prende


com a situação: “Também abriram, na vila, outras
barbearias cheias de espelhos e vidrinhos, e
letreiros sobre as portas a substituírem aquela bola
com um penacho que Mestre Finezas ainda hoje
tem a entrada da loja.”

4.2. Manifestação da opinião pessoal dizendo se


a concorrência é boa ou má (Respostas em volta do
efeito de disputar a primazia com outra(s)
pessoa(s); competição mercantil entre barbeiros,
conjunto dos concorrentes, acto de afluir
simultaneamente a um mesmo ponto ou lugar;
afluência, confluência) – Mestre Finezas vs Vila
5. Os dois amigos entreajudam-se: o Carlinhos frequenta na
barbearia do Mestre Finezas, seu confidente e freguês, e
este apresenta-lhe recordações.

6. A frase: “Os seus olhos ganham um brilho metálico”


significa que os olhos do Mestre Finezas encharcavam-se
de lagrimas devido a nostalgia que o possuía.

6.1. O recurso estilístico que ai se realiza e


metáfora.
7. O narrador no universo diegético quanto à presença é
narrador autodiegético “Passaram anos. Parti para os
estudos. (…) Mestre Finezas e ainda a mesma figura alta e
seca.” e quanto a visão ou ciência e narrador omnisciente
“ Mestre Finezas passa necessidade. (…) e o seu único
confidente”.

8. Extração do texto de uma descrição “Mestre Finezas e ..”


ate …todos brancos” e uma narração “ Passaram anos. Um
dia, parti para os estudos.”

9. Transformação do discurso do 2º parágrafo do texto em


discurso indirecto: O Mestre Finezas pedia-lhe as vezes
que olhasse bem para ele e insistia-lhe que lhe olhasse
bem e lhe dissesse que aquele era o mesmo homem que
ele conhecera.

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

10. Transcrição textual de:

10.1. uma frase simples, p.e.: “ Mestre Finezas


passa necessidade”.
10.2. uma frase complexa coordenada – ex. 3o
período 3o paragrafo.
10.3. uma frase complexa subordinada – (escolha
pessoal)
11. Mestre Finezas não está desempregado, mas sofre as
angústias de um desempregado. Além disso, vive o grave
problema da solidão.

Ora, viver no desemprego ou viver na solidão e


frequente nos nossos dias. Conheces, com certeza, algum
caso.

Elaboração de uma história, real ou imaginada, de


alguém que vive uma destas circunstâncias:

Respeitar: Estrutura, Conteúdo e Discurso

Total

Assim, os componentes de vários enunciados do texto concorrem para


a produção de sentidos na narrativa quando os interlocutores,
emissores da história e os receptores dessa mesma história
comungam o mesmo código há, desta forma, um acto comunicativo.

Sumário

Nesta unidade temática 4.2., estudamos e discutimos


fundamentalmente os componentes do enunciado como elementos
da produção de sentidos. Notamos que componentes dos enunciados
podemos considerá-los como elementos da narrativa, entidades
fundamentais para a existência de um texto narrativo. Discutimos no
pano da superfície sobre enunciado vs texto e enunciado vs discurso.
Concebemos os elementos narrativos como processos indispensáveis
para a produção de sentidos nas construções discursivas ancorados na
narrativa como espécime estratégico do acto comunicativo. Ainda foi
apresentada uma componente prática para mostrar o processo de
análise textual que migra à produção de sentidos.

Exercícios de AUTO-AVALIAÇÃO

Questões de reflexão
1. Distinga enunciado da mensagem.
2. Em que consiste a Enunciação?

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3. Como se caracteriza a produtividade de textos?


4. Quais são as duas vertentes de sentido?
5. Sentido, o que é?

Exercícios para AVALIAÇÃO

Perguntas
Leia com muita atenção o texto que se segue e responda claramente
às questões apresentadas, escolhendo a opção correcta.

Texto

É quase manhã e eu ainda brigo com os lençóis. Não tenho


outra doença: a insónia intercalada por sonos breves e
estremunhados. Afinal, durmo como os bichos que persigo por
profissão: a salteada vigília de quem sabe que demasiada ausência
pode ser fatal. Para chamar o sono, recorro ao mesmo expediente que
a minha mãe usava para nos adormecer. Recordo a sua história
preferida, uma lenda da sua terra natal. Era assim que ela cantava:

Antigamente, não havia senão noite. E Deus pastoreava as


estrelas no céu. Quando lhes dava mais alimento elas engordavam e a
sua pança abarrotava de luz. Nesse tempo, todas as estrelas comiam,
todas luziam de igual alegria. Os dias ainda não haviam nascido e, por
isso, o Tempo caminhava com uma perna só. E tudo era tão lento no
infinito firmamento! Até que, no rebanho do pastor, nasceu uma
estrela com ganância de ser maior que todas as outras. Essa estrela
chamava-se Sol e cedo se apropriou dos pastos celestiais, expulsando
para longe as outras estrelas que começaram a definhar. Pela primeira
vez houve estrelas que penaram e, magrinhas, foram engolidas pelo
escuro. Mais e mais o Sol ostentava grandeza, vaidoso dos seus
domínios e do seu nome tão masculino. Ele, então, se intitulou patrão
de todos os astros, assumindo arrogâncias de centro do Universo. Não
tardou a proclamar que ele é que tinha criado Deus. O que sucedeu, na
verdade, é que, com o Sol, assim soberano e imenso, tinha nascido o
Dia. A Noite só se atrevia a aproximar-se quando o Sol, já cansado, se
ia deitar.

Com o Dia, os homens esqueceram-se dos tempos infinitos em


que todas as estrelas brilhavam de igual felicidade. E esqueceram a
lição da Noite que sempre tinha sido rainha sem nunca ter que reinar.

Esta era a lenda. Quarenta anos mais tarde esse embalo


materno não produz efeito. Não tardo a saber se volto para o mato,
onde os homens esqueceram todas as lições. Será a minha última
caçada. E, de novo, ecoa em mim a

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

primeira de todas as vozes: “E tudo era tão lento no infinito


firmamento!”.

Manhã cedo, mal dormido, preparo-me para me deslocar à


sede do jornal, a dois quarteirões de minha casa. Antes de sair, porém,
retiro do armário a minha velha espingarda. Coloco-a sobre as pernas
e as minhas mãos tateiam-na com o carinho de um violinista. O meu
nome está gravado na culatra: Arcanjo Baleiro – caçador. O meu velho
pai deve estar orgulhoso de como, em mim, se prolongou a velha
tradição da família. Foi essa tradição que nos afeiçoou o nome: nós
somos os das balas, os Baleiros.

Mia Couto, in A Confissão da leoa

Questionário

1. “Afinal, durmo como os bichos que persigo por profissão: a


salteada vigília de quem sabe que demasiada ausência pode ser
fatal.” Qual é a profissão referida no trecho supracitado?

A. Caçador

B. Enfermeiro

C. Médico

D. Pastor

2. Por que razão o protagonista se assemelha aos bichos?

A. Brincar com os bichos

B. Causar insónias

C. Dormir muito

D. Morar no mato

3. Localize no tempo a história narrada no texto.

A. Madrugada

B. Manhã

C. Tarde

D. Noite

4. Quem é o protagonista deste texto?

A. Leoa

B. Mãe

C. Mia Couto

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D. Narrador

5. “Recordo a sua história preferida ...”. Que subgénero narrativo é


a história referida pelo narrador?

A. Conto

B. Lenda

C. Provérbio

D. Romance

6. Que tipo de sequência narrativa o narrador utilizou ao introduzir


uma nova história na estrutura do texto em análise?

A. Alternância

B. Encadeamento

C. Encaixe

D. Ordenação

7. Que figura de estilo predomina na história imitada pela mãe?

A. Anástrofe

B. Gradação

C. Hipérbole

D. Personificação

8. Classifica os narradores das duas histórias quanto à presença.

A. Autodiegético e heterodiegético

B. Heterodiegético e homodiegético

C. Homodiegético e intradiegético

D. Intradiegético e autodiegético

9. “O meu velho pai deve estar orgulhoso de como em mim se


prolongou a velha tradição da família”. A que tradição o narrador
refere?

A. Caçar animais

B. Contar histórias

C. Matar os animais

D. Pastorear o gado

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UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

10. Que modo de expressão literária está patente no sublinhado da


frase 11?

A. Descrição

B. Diálogo

C. Monólogo

D. Reflexão

Respostas: 1A, 2B, 3A, 4D, 5B, 6C, 7D, 8A, 9A, 10 A.

Referências bibliográficas:

1. ADORNO, A.W. Teoria Estética. Lisboa, Edição 70, 1982;

2. BARTHES, Roland. Análise Estrutural da Narrativa. Rio de Janeiro, Ed.


Vozes, 4ª Ed. 1976;
3. BARTHES, Roland. Crítica e Verdade. Lisboa, Edições 70, 1986;
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5. Batoréo, Hanna Jakubowicz (2000). Expressão do Espaço no Português
Europeu. Contributo Psicolinguístico para o Estudo da Linguagem e
Cognição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian / Fundação para a
Ciência e a Tecnologia.

6. BRATT, Beth. A Personagem. São Paulo, Ed. Ática, 1987;


7. COELHO, Jacinto do Prado (Direcção). Dicionário de Literatura. 3º Vol.
(N/R); 4ª Ed.; Porto, Mário Figueirinhas Editor EIRL, 1997;
8. ECO, Umberto. Leitura do Texto Literário. Lisboa, Ed. Presença, (S.d);
9. ECO, Umberto. O Signo. Lisboa, Ed. Presença, 1985;
10. FIGUEIREDO, Maria J., V. e BELO, Maria T., Comentar um texto Literário,
Lisboa, Presença, 4ª Ed., 1975.
11. Gonçalves, Perpétua e Maria João Diniz (2004). Português no Ensino
Primário: Estratégias e Exercícios. Maputo: Instituto Nacional de
Desenvolvimento da Educação.

12. Gouveia, Adelina e Luísa Solla (2004). Português Língua do País de


Acolhimento – Educação Intercultural. Lisboa: Alto Comissariado para a
Imigração e Minorias Étnicas.

13. Gouveia, Carlos A. M. e Luísa Azuaga (1998). Língua. Volume de Didacta:

111
UnISCED CURSO: Ensino de Português; 30 Ano Disciplina/Módulo: Teoria e análise da narrativa

Enciclopédia Temática Ilustrada. s/l: FGP-Editor: 223-237.

14. HJELMSLEV, Louis. Prolegomena to a Theory of Language. Wisconsin, the


University of Wisconsin Press, 1963;
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16. KAISER, Wolfang, Análise e Interpretação da Obra Literária, Coimbra,
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literaria.htm. Acesso em 23 de julho de 2020.
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Europa-América, 4a edição (S.d).

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