Você está na página 1de 148

1

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS


CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CCH
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL

JOSÉ VINÍCIUS PERES SILVA

POMPA E REQUINTE: MEMÓRIA VISUAL DO CANDOMBLÉ E


UMBANDA EM MONTES CLAROS

MONTES CLAROS
2

2019

JOSÉ VINÍCIUS PERES SILVA

POMPA E REQUINTE: MEMÓRIA VISUAL DO CANDOMBLÉ E


UMBANDA EM MONTES CLAROS

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


História Social da Universidade Estadual de Montes Claros, como parte dos
requisitos para obtenção do título de Mestre em História social sob orientação
Prof.ª. Dra. Ivete Batista da Silva Almeida pertencente a linha de pesquisa
Cultura, Gênero e Relações Sociais.

MONTES CLAROS

2019
3

SILVA, José Vinícius Peres

Pompa e Requinte: Memória visual do Candomblé e da Umbanda em Montes Claros

Dissertação apresentada à ao programa de Pós-graduação em História Social da


Universidade Estadual de Montes Claros para obtenção do título de Mestre em
História Social

Aprovado em:

Banca Examinadora

Profa. Dra. Ivete Batista da Silva Almeida

Universidade Federal de Uberlândia/ Universidade Estadual de Montes Claros

Prof. Dr. Francisco das Chagas Fernandes Santiago Junior

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Profa. Dra. Rejane Meireles Amaral Rodrigues

Universidade Estadual de Montes Claros


4

DEDICATÓRIA

À José Fernandes Guimarães (in memorian), do qual nunca conheci, mas sou encantado com
sua história.
À minha avó materna Joana Antunes (in memorian) que me fez gostar da religiosidade.
5

AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço ao ótimo trabalho como minha orientadora Dra Ivete Batista
da Silva Almeida, que para além das orientações acadêmicas me mostrou novas perspectivas
acadêmicas. Mostrando assim como uma amiga para toda a vida.
A CAPES pelo financiamento da pesquisa
Aos meus professores, amigos e estagiário do PPGH Unimontes. Em especial aos
professores Drª Rejane Meireles e Dr. Heiberle Hirsgberg pelas importantes contribuições ao
trabalho durante a banca de qualificação.
Agradeço ao grupo de Estudos Negros, que despertou em min vários questionamentos
necessários à problemática do trabalho.
A pessoas que contribuíram para execução da pesquisa ajudando com as fontes. Em
especial aos de dentro dos terreiros Mãe Duca, Dona Vanjú, Rodolfo e Toni Preto. Além
disso, à Rilson Santos e Lúcio Benquerer pela disposição e ajuda com a imprensa e fotografia.
Ainda Gustavo Moreira e Regina do grupo Banzé.
Aos colegas de trabalho do Pronatec Unimontes, pelas contribuições. Em especial à
Ana Maria Lacerda pelos conselhos e carinho. Aos colegas da Escola Estadual de Ventania
pelo apoio.
Ao meu namorado Filipe de Jesus Sampaio pelo apoio, ajuda e incentivo. Agradeço
assim aos meus Pais Jackson e Cida, minha Irmã Eva Viviane e meus amigos, em especial
Allana Cardoso por me mostrar os caminhos da militância.
Sou muito grato a todos.
6

O canto de Ossanha vem me matando


E quem canta os males espanta
Não tá mais adiantando
Aqui, se escuta o batuque do trovão
Thor e seu martelo, Jorge e o seu dragão
Ciranda do céu, rave de tambor!

Baco Exu do Blues


7

RESUMO

SILVA, José Vinícius Peres Silva. (2019) Pompa e Requinte: Memória visual do Candomblé
e Umbanda em Montes Claros. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em
História social da Universidade Estadual de Montes Claros. Montes Claros-Minas Gerais

Este trabalho tem como objetivo identificar as representações visuais do Candomblé e da


Umbanda na cidade de Montes Claros na década de 1960. Para isso, utilizamos de materiais
imagéticos presentes em revistas ilustradas, periódicos e nos álbuns de família para identificar
assim discursos e visões sobre essas religiões. Desta forma, destacamos como foram
produzidos esses discursos externos e internos e seu processo de transformação que os
colocavam como parte de manifestações folclóricos ao lado de grupos cristãos da cidade.
Essas ideias foram apropriadas pelas elites da cidade dentro do contexto regionalista da época.

Palavras-chave: Representações, Candomblé, Umbanda e Imagem


8

ABSTRACT

SILVA, José Vinícius Peres Silva. (2019) Pompa e Requinte: Visual memory of Candomblé
and Umbanda in Montes Claros. Masters dissertation. Postgraduate Program in Social History
of the State University of Montes Claros. Montes Claros-Minas Gerais

This work aims to identify the visual representations of Candomblé and Umbanda in the city
of Montes Claros in the 1960s. For this, we use imagery materials present in illustrated
magazines, periodicals and family albums to identify discourses and visions about these
religions. In this way, we highlight how these external and internal discourses and their
process of transformation were produced that placed them as part of folkloric manifestations
alongside Christian groups in the city. These ideas were appropriated by the city elites within
the regionalist context of the time.

Keywords: Representations, Candomblé, Umbanda and Picture


9

LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Retratos de uma negra e um negro oitocentista


Figura 2. Retrato da seca do Ceará
Figura 3. Os operários: homens e mulheres
Figura 4. Festa de Bumba meu Boi
Figura 3. As máscaras da Macumba
Figura 4. Paris Match: As possuídas da Bahia
Figura 5. Página inicial de As noivas dos Deuses Sanguinário
Figura 6. Segunda parte de As noivas dos Deuses Sanguinário
Figura 7. Capa e matéria ilustrada da edição 26
Figura 8. Capa e matéria ilustrada da edição 26
Figura 9. Altar com santos da Umbanda
Figura 10. Primeiras páginas da reportagem Nos Terreiros de Umbanda e Candomblé
Figura 11. O cavalo de Ogum Laje Grande
Figura 12. Casa de Oxóssi
Figura 13. Desmascarando uma mistificação
Figura 14. Oxóssi Caçador, e Obaluaé e Omulo
Figura 15. Dança dos Orixás
Figura 16. Linha de Candomblé
Figura 17. Linha da Umbanda
Figura 18. Abertura dos trabalhos ritualísticos, com o Pai Gonzaga de Angola
Figura 19. Pai Gonzaga de Angola, incorporado no seu cavalo, tira uma de suas carimbadas
Figura 20. As seitas afro-brasileiras em Montes Claros
Figura 21. Convite para a festividade de Oxum do Terreiro Filhos de Pai Gonzaga
Figura 22. Coluna Cook tal nota de convite à festa de Oxum
Figura 23. Valete de Paus; Candomblé em Montes Claros
Figura 24. Valete de paus; agradecimento ao convite de Joãozinho da Goméia e Zé Fernandes
Figura 25. O prefeito de Montes Claros, o Dr. Geraldo Ataíde, discursa saudando o babalorixá
José Fernandes Guimarães
Figura 26. Fotografias da casa de José Fernandes, lembranças de Mãe Duca
10

Figura 27. Carteirinha de sócio do terreiro dos Filhos de Pai Gonzaga assinada pelo sacerdote
José Fernandes.
Figura 28. Fotografias guardadas de José Fernandes Guimarães, lembranças de Mãe Duca
Figura 29. Pai Gonzaga em Incorporação com o médium José Fernandes
Figura 30. Pai Gonzaga no Terreiro de Alcina
Figura 31. Toque de Umbanda da família Pereira Porto
Figura 32. No Terreiro Filhos de Pai Gonzaga, em Montes Claros, vê-se, manifestando com
Oxóssi, o babalorixá Teresino, chefe do Terreiro

Figura 33. Vanjú, recém-iniciada na casa


Figura 34. Lembrança da festa de mãe Jurema
Figura 35. Apresentações no Parque Municipal
Figura 36. Moça em Oxalá
Figura 37. Oxum ladeada pela lata
Figura 38. Cadiginá de Obaluaé
Figura 39. Oxum e Iemanjá
Figura 40. Saída de Yaôs
Figura 41. Saídas de Yaôs
Figura 42. Entrega de Deká
Figura 43. No meio com o objeto Eked de Iansã, muzenzas e Kiozô, pouco tempo antes de sua
feitura.
Figura 44. Filhos de Santo, junto com Oyá de Vanju ao meio
Figura 45. Terezino Incorporado em Críspin
Figura 46. Nova capela do Rosário
Figura 47. Nota sobre o Banzé
Figura 48. Nota sobre apresentações do Banzé
Figura 49. Movimentos da Macumba
Figura 50. Movimentos da Macumba
Figura 51. Movimentos da Macumba
Figura 52. Dançarinas da Macumba
Figura 53. Teodomiro mostra a Bahia
Figura 54. Notícias sobre a Noite na Bahia
Figura 55. Macumba vai ser atração da Noite na Bahia
Figura 57. Macumba no Automóvel Clube
11

INTRODUÇÃO

As construções e significados que produzimos sobre o outro dizem respeito sobre os


nossos repertórios individuais e coletivos. Enxergamos o diferente e o distante a partir das
nossas próprias vivências que condicionam a forma como qualificamos aquilo que não é
habitual ao nosso mundo
Nesse sentido, as religiões no Brasil são um grande exemplo desse tipo de dinâmica.
Principalmente as religiões de Matriz Africana, que na sua história estiveram vinculadas a
ambientes pouco abertos aos olhares e à compreensão externa. O que resultava, muitas vezes
na negligência e na perseguição aos seus praticantes.
Contudo, o que estamos interessados no presente estudo é encontrar justamente essas
representações visuais daquele dito diferente, ou seja, do Candomblé e a Umbanda.
Partiremos desse ponto para entender principalmente uma instância vinculada ao mundo
visual. As imagens que foram produzidas, veiculadas ou preservadas em coleções particulares
sobre esse tipo de prática religiosa foram muito importantes para criar um modo de
apresentação do povo desta religião para a sociedade.
Tomaremos como referência para o uso do conceito de representações sociais o
trabalho de Serge Moscovici (2005), em que, obviamente, não são criadas por um individuo
isoladamente. Uma vez criadas, contudo, elas adquirem uma vida própria, circulam, se
encontram se atraem e se repelem e dão oportunidade ao nascimento de novas representações,
enquanto velhas representações morrem.
Desta forma, a presente pesquisa visa compreender as representações sócias que as
fotografias produziram sobre as religiões de Matriz Africana, Candomblé e Umbanda, na
cidade de Montes Claros. Tomamos a expressão fotográfica em dois âmbitos distintos: o
primeiro no formato da matéria ilustrada, posto que, em virtude da natureza das revistas
ilustradas e na forma de uso que lhes era dada, tais imagens atingiam a um número muito
grande de pessoas. Escolhemos uma reportagem veiculada na revista Encontro no ano de
1962 como nosso ponto de partida para a problematização das representações sociais das
religiões de matriz africana e seus significados.
O outro âmbito da expressão fotográfica como formadora de referenciais visuais para a
construção de representações foi o das coleções particulares, e os noticiários da Imprensa do
período. Junto a este grupo de fontes, procuraremos entender os elementos priorizados pela
memória dos registros fotográficos pessoais do povo do terreiro; quais situações, momentos e
12

expressões foram considerados relevantes e icônicas para essas pessoas. A comparação entre
o registro fotográfico no âmbito da fotorreportagem e das coleções particulares será
necessária, pois acreditamos que a diversificação de fontes traga maior solidez para as
reflexões e discussões que serão levantadas pela pesquisa.
Dentro da proposta abordaremos dois terreiros importantes na cidade de Montes
Claros daquele período, um de Umbanda, liderado pelo Pai de Santo José Fernandes e outro
de Candomblé, fundado pelo Babalorixá Teresinho Nery Santana ambos retratados na
publicação que estudaremos durante a década de 1960 e parte de 1970. Essas duas figuras são
importantes e podem ser consideradas icônicas, tendo como base as imagens fotográficas que,
“segundo uma semiótica planar, para Ana Maria Maud in Ciro Flamarion (1997), a imagem é
um texto-ocorrência em que a iconicidade tem a natureza de uma conotação veredictória
culturalmente determinada: se se quiser, uma espécie de faz-de-conta ‘realista’ de fundo
cultural”.
Sendo assim, para memória dos praticantes dessa religião na região do norte de Minas
Gerais, os dois Pais de Santo, sendo considerados de acordo com Ângela Cristina Borges em
Umbanda Sertaneja (2007) e Tambores do sertão (2014) como grandes figuras na propagação
desses cultos na região.
A presença das referências visuais às religiões de matriz africana pode ser notada
desde o século XIX, todavia, seriam em 1951 que uma fotorreportagem de uma revista de
circulação nacional causaria grande impacto entre o público, os formadores de opinião e os
praticantes do candomblé. Em uma reportagem da revista O Cruzeiro, essa publicação trouxe
a matéria intitulada As noivas dos deuses sanguinários assinada pelo repórter Arlindo Silva,
com fotografias de José Araújo Medeiros. Nela, abordava-se um terreiro de Candomblé em
Salvador, Bahia, onde foram realizadas cerimônias de iniciação na religião. Foram
apresentadas 38 fotografias que retratavam a rotina do terreiro, rituais e sacrifícios sendo atos
que até então eram inéditos para o fotojornalismo brasileiro da época.
A reportagem é o objeto central da obra do antropólogo Fernando de Tacca (2009) em
seu trabalho intitulado Imagens do sagrado: entre Paris Match e o Cruzeiro conforme ele
retratava a revista O cruzeiro pretendia opor a outra publicação realizada por um periódico
francês do mesmo ano. A revista Paris Match também foi quem abordou inicialmente a
temática da revelação do que era proibido, fazendo-o de uma forma sensacionalista.
A publicação provocou nos jornalistas da Cruzeiro o desejo de superarem o furo de
reportagem da adversária francesa, apresentando imagens mais marcantes, causando grande
13

polêmica entre os intelectuais e o interior do próprio candomblé, mas fazendo sucesso junto
ao grande público.
Segundo Tacca (2009), as duas publicações romperam com o silêncio acerca desse
ritual sagrado, mostrando cenas e cenários da religião que caracterizaram um ambiente
fechado de registros fotográficos. As fotografias deixaram de modo geral encurtar o
distanciamento com o qual a sociedade da época olhava para os cultos do candomblé e seus
adeptos. De qualquer forma, as reportagens envolveram uma polêmica disputa sobre o lugar e
os compromissos que envolvem espaço jornalístico, sobretudo, da fotorreportagem, valendo-
se, principalmente, do ineditismo das imagens dos rituais secretos de iniciação dos praticantes
do candomblé num discurso que oscilava entre a lucratividade do furo de reportagem e a
prestação de serviço, ao trazer informação sobre o que não se conhecia.
Por meio da visibilidade que essas fotografias tiveram, fundava-se, segundo Ana Paula
Goulart Ribeiro, uma "escola de fotojornalismo baseada na importância da imagem como
notícia"1 (pg. 23), com ênfase na qualidade técnica, propiciada pelas novas câmeras de médio
formato, priorizando assim o registro documental. Ribeiro ainda coloca a diferenciação em
que as fotografias produzidas pelo O Cruzeiro sobre a Paris Match, destacando-se o papel
inovador e certa brasilidade nos conteúdo foto jornalísticos que ainda eram pouco conhecidos
entre os leitores do período.
Contudo, além da fotorreportagem, que foi o nosso suporte que nos possibilita a
compreensão de elementos que irão participar dos repertórios visuais a partir da experiência
coletiva com o contato com as imagens da imprensa, nos utilizou também das fotografias de
coleções particulares, mais especificamente, de fotografias de coleções de famílias de
praticantes da umbanda e do candomblé, com o objetivo de observarmos quais momentos são,
para eles, icônicos; seriam os mesmos que aqueles eleitos pela imprensa? Qual o lugar dessas
imagens na construção dos referenciais visuais e das representações sobre o candomblé e
umbanda para esses praticantes? Entender esses processos passa por entender um pouco sobre
o lugar da fotografia em nossa sociedade e da fotografia com fonte histórica.

1
A proposta central na imprensa ilustrada ao usar a fotografia parte de uma grande discursão sobre a definição
do fazer jornalístico. Conforme Jorge Pedro Sousa (2000), a noção de fotojornalismo é difícil de ser
estabelecida, seja pela variedade de profissionais que nem sempre apresentam “unidade na expressão e
convergências temáticas, técnicas, de abordagens e de pontos de vista” (SOUSA, 2000, p.11) seja pela confusão
provocada pelos contatos com a publicidade. Também se torna difícil estabelecer uma noção precisa quando se
têm vários fotógrafos, que se dizem jornalistas, mas se dedicam a outros suportes de difusão. Para o autor, o
fotojornalismo será entendido como a “(...) atividade que pode informar, contextualizar, oferecer conhecimento,
formar, esclarecer ou marcar pontos de vista (opinar) através da fotografia de acontecimentos e da cobertura de
assuntos de interesse jornalístico
14

A fotografia enquanto fonte é a ideia central da tese de doutorado de Marta Emísia


Jacinto Barbosa (2004) A obra aborda a realidade em que o fotojornalismo do século XIX
trouxe para a visão estereotipada do Ceará e os seus problemas com a seca. As fotos feitas nos
anos de 1877-1878 por José de Patrocínio para a revista O Besouro, com o objetivo de
informar a realidade da fome e seca em que a então província passava na época. Trazendo um
conteúdo de fotografias e xilogravuras de conteúdo forte, como pessoas esqueléticas e
visivelmente doentes e beirando à morte, essas imagens foram importantes para perpetuar um
estado de calamidade do local, que perdurou durante todo século XX.
A condição em que as imagens da seca eram publicadas no corpo do jornal e revista
estudados por Barbosa (2004) foi um importante meio para refletir como a fotografia tem um
peso no noticiário e como sua disposição institui visões e percepções de mundo para seu
interlocutor. A imagem para ela é tratada como uma "Prática social" que propõe meios para
legitimar certas realidades que muitas vezes não existiram mais que foram necessárias para o
produtor da obra, que no caso é o fotografo.
Nota-se que a partir da segunda metade da década de 40, com o final da guerra, os
temas nacionais passam a atrair a atenção dos editores de revistas de variedades, e nessa busca
por novos temas, a imprensa brasileira aumentava gradativamente seus noticiários e
reportagens que abordavam as religiões de matriz africana. Conforme a obra de Ribeiro
(2000) entre 1951 e 1962, rituais de Umbanda e Candomblé foram tema de pelo menos que
iam de simples folclore à editoria de polícia com tratamento sensacionalista e editorial
pejorativo.
A partir desse momento o Candomblé e os cultos de Matriz Africana foram
apresentados sobre um meio que propiciava uma visibilidade dentro do contexto nacional
devido às fotografias realizadas por José Medeiros. Não obstante, as rotinas dos terreiros
ganharam força dentro dos noticiários brasileiros do período, proporcionando uma maior
aceitação dessas temáticas nas páginas dos periódicos, sendo perceptível, uma mudança
gradual de olhar sobre o espetacular, para um olhar permeado por uma leitura antropológica
das práticas culturais.
Para entendermos as dinâmicas sociais que envolvem as diferentes leituras sobre esse
outro – as religiões de matriz africana – no registro fotográfico, propomos um recorte regional
a partir de outra reportagem que trata da mesma temática em uma revista ilustrada da época.
A revista Encontro de Montes Claros, Minas Gerais, mais de uma década depois da citada
polêmica entre cruzeiro e paris match veiculou uma matéria com o título Nos Terreiros de
Umbanda e Candomblé- Mistério e Pomba dos ritos fetichistas realizada pelo jornalista
15

Haroldo Lívio, com fotografias de Rilson Santos e Waldevino Fátimo. Dentro desse contexto,
dois pais de Santo, José Fernandes da Umbanda e Pai Teresino do Candomblé, destacaram-se
como os sujeitos retratados nessa reportagem. Chama-nos a atenção nessa reportagem à
estrutura do discurso visual que se distancia daquele anterior, da poderosa O Cruzeiro,
demonstrando a possibilidade de localizarmos aí um novo conjunto de situações que
caracterizariam as representações sobre o candomblé e a umbanda em Montes Claros.
Manteremos uma forma de diálogo com a publicação da revista Encontro e as imagens
realizadas pelos familiares e frequentadores dos dois terreiros na década de 1960. Essas
imagens foram encontradas em álbuns de família e negativos do período mantidos por um
descendente dos pais de santo que serão estudados. Um processo comparação será necessário,
pois acreditamos que a diversificação de fontes dentro do contexto de estudos com a
fotografia faz-se fundamental neste momento.
Desta forma, que a Umbanda aparece nos noticiários da cidade de Montes Claros
desde a década de 1950, sobre notas policiais. Como foi relatado por Borges (2007), onde o
nome do Sacerdote José Fernandes Guimarães foi vinculado a uma tentativa de uso “ilegal”
da medicina. Com o crescimento de sua casa, inauguração do seu terreiro, a imprensa muda
de estilo, e passa a vincula-lo ao calendário social da cidade, destacando com a riqueza de
suas festas. Em meados da década de 1960, o seu centro, juntamente com o trabalho do
Candomblecista Terezino Nery foram aos poucos aglutinados as ideologias de resgate cultural
e “folclórico”, que passaram a ser mantidos e vistos como manifestações populares regionais,
por mais que suas religiões foram trazidas de outros lugares do País.
O universo das representações sociais a partir de uma interpretação histórica pode ser
interpretado por meio das contribuições da Nova história cultural, onde para Peter Burke
(2008) “o historiador cultural abarca artes do passado que outros historiadores não conseguem
alcançar. A ênfase em “culturas” inteiras oferece uma saída para a atual fragmentação da
disciplina.” (p.8). Desta forma, essa linha ditou uma nova forma de identificar as relações dos
sujeitos históricos com o universo no qual eles circulam. Desta forma, pensar nas
representações suscita dentro do ambiente da cultura um grau maior de compreensão.
Sendo assim, podemos perceber que o processo das produções de conceitos e
conhecimentos da história e da cultura passou por uma mudança a partir de novas ideias e
questões relativas ao tempo no qual os próprios historiadores viveram. Conforme Sandra
Jatahy Pensavento (2005), grandes questionamentos sobre a conceituação da ciência histórica
e sua utilidade foram discutidos e reelaborados por vários estudiosos que modificaram
algumas das definições antigas sobre o conhecimento que se tinha.
16

Partindo de uma concepção de cultura como no entendimento de Clifford Geertz


(1989), como uma teia de significados tecida pelo homem, que norteia e orienta a existência
humana, propomos uma possibilidade de articulação com os estudos a religião e da
visualidade.
Trabalhar com religião e visualidade exige uma gama de diversificações que vão além
das perspectivas da própria história. Para isso é necessário um trabalho onde a
interdisciplinaridade seja abarcada e utilizada a fim de algumas compreensões.
Desta forma Burke, verificou um contraste muito acentuado entre a "antropologia
social" britânica e a antropologia cultural norte americana. Onde os britânicos ressaltavam as
instituições sociais, os norte-americanos deram destaque aos "padrões de cultura", ou em
outras palavras aspectos simbólicos e expressivos do comportamento humano.
Esta diferencia de interpretações dos aspectos culturais dizem respeito às diferencias
de preocupações que podem ser vinculados formações dessas duas metodologias. Conforme
Burke sugere, enquanto a inglesa tem influencia de processos materiais do marxismo e
estruturalismo, já as analises dos norte-americanos procuram versões mais subjetivas e
simbólicas dos fatos.
Baseando-se na antropologia interpretativa de Clifford Geertz (1989), onde o interesse
em sistemas de significados são muito presentes. Essa forma de interpretação deu todo sentido
às analises de questões culturais religiosas, pois é a partir das culturas e suas práticas
específicas, seus rituais e como eles são vistos a partir de uma ótica da própria comunidade
que são importantes para a compreensão. Desta forma, por conta da antropologia
interpretativa lidar com História das Religiões numa perspectiva cultural significa, em
primeiro lugar, abrir mão de um conceito restrito de religião.
Para compreender as religiões de Matriz Africana buscamos assim seu processo de
transformação histórica, pensar a partir do trabalho de Reginaldo Prandi (1990) onde a
necessidade de perceber as culturas negras em um “transito” que evocaram uma constante
diversificação do culto com outras propostas culturais. Desta forma, o processo de formação
tanto do Candomblé como da Umbanda moderna, tem em sua história uma ligação com
práticas que foram movimentadas de diversas regiões do País e que tem principalmente no
culto espírita kardecista seu vinculo.
Essas discussões são necessárias entender certos pontos e diálogos que o cotidiano das
religiões foi importante dentro desse aspecto central. Mas, sobretudo a isso podemos
identificar outros conceitos que possibilitam outras discussões e caminhos para o estudo dos
aspectos da religião, como é o caso da visualidade.
17

Propomos então uma interdisciplinaridade com a psicologia social, onde as ideias de


representação coletivas foram importantes para definir algumas ponderações no contexto de
estudos com a religião dentro do universo da história. A contribuição da Psicologia Social é
analisada aqui a partir dos estudar as representações sociais coletivas.
O conceito de representação coletiva nasceu na sociologia, nos estudos de Durkheim.
Foi empregado na elaboração de uma teoria da religião, da magia e do pensamento mítico.
Conforme Serge Moscovici (2005), O sociólogo argumentou que esses fenômenos coletivos
não podem ser explicados em termos de indivíduo, pois ele não pode inventar uma língua ou
uma religião. Esses fenômenos são produto de uma comunidade, ou de um povo.
A teoria das representações sociais pode ser considerada como uma forma sociológica
de Psicologia Social. A expressão usada por Moscovici, em seu estudo sobre a representação
social da psicanálise. O autor apresenta um estudo onde tenta compreender de que forma a
psicanálise, ao sair dos grupos fechados e especializados, adquire uma nova significação pelos
grupos populares. O autor ainda nos informa sobre o cotidiano das representações como;

"As representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas circulam, se


entrecruzam e se cristalizam continuamente, através duma palavra, dum
gesto, ou duma reunião, em nosso mundo cotidiano. Elas impregnam a
maioria de nossas relações estabelecidas, os objetos que nós produzimos ou
consumimos e as comunicações que estabelecemos. Nós sabemos que elas
correspondem dum lado, à substância simbólica que entra na sua elaboração
e, por outro lado, à prática especifica que produz essa substância, do mesmo
modo como a ciência ou o mito correspondem a uma prática científica ou
mítica. Mas se a realidade das representações é fácil de ser compreendido, o
conceito não o é. Há muitas boas razões pelas quais isso é assim. Na sua
maioria, elas são históricas e é por isso que nós devemos encarregar os
historiadores da tarefa de descobri-las. As razões não históricas podem todas
ser reduzidas a uma única: sua posição “mista”, no cruzamento entre uma
série de conceitos sociológicos e uma série de conceitos psicológicos. É
nessa encruzilhada que nós temos de nos situar. O caminho, certamente,
pode representar algo pedante quanto a isso, mas nós não podemos ver outra
maneira de libertar tal conceito de seu glorioso passado, de revitalizá-lo e de
compreender sua especificidade" (pg 7)

Para Moscovici a o estudo das representações sociais dentro de uma metodologia


científica foi sua crítica aos pressupostos positivistas e funcionalistas das demais teorias que
não explicavam a realidade em outras dimensões, como é o caso da dimensão histórico-
crítica.
Conforme Ciro Flamarion Cardoso (2012), o autor insiste no duplo caráter que as
representações sociais suscitam. Elas podem ser um produto pois possuem conteúdos,
organizam-se em temas e afirmam coisas sobre a realidade, é também um processo, um
18

movimento de apropriação das coisas do mundo. Em seu status cognitivo é intermediário


entre percepção e o conceito. Transparecendo essa dualidade, é preciso notar que representar
algo não é somente duplica-lo, repeti-lo, reproduzi-lo é também reconstitui-lo, retoca-lo,
mudar-lhe a constituição num sentido que seja funcional para determinados grupos de
interesse.
Portanto, ao destacar as representações como um movimento dinâmico, Moscovici
(2005) elabora uma produção de sentido para seu conceito que estende para além de uma
visão simplista e dimensionadora, pois como uma representação sobre algo é na verdade um
conjunto de outras representações já cristalizadas sobre esse algo, mostrando assim que para
esse perspectiva conceitual é um processo amplo e complexo.
Apesar das limitações enquanto investigadores do passado, o historiador da cultura
não deve se descuidar nem dos questionamentos teóricos, nem das evidências que ajudam a
constituir o relato histórico. Conforme Peter Burke (2012), a perspectiva dialógica que o
historiador desenvolve contempla as duas coisas, num esforço de produzir conhecimento
histórico crítico e responsável. Ou seja, não se pode escrever "qualquer coisa" sobre o
passado, já que a abordagem do documento como texto não exime o historiador de uma
análise cuidadosa.
Desta forma, podemos utilizar deste caminho para pensar o cotidiano da imagem
dentro de uma análise histórica no âmbito da cultura. Considerando que, nosso trabalho com
fotografia na década de 1960 deve ser ressaltado questões de grande relevância. Estamos
inseridos em um mundo onde o visual é parte de uma instancia determinante do nosso
cotidiano. Todas as sociedades humanas sempre se comunicaram, e se expressaram por meio
de imagens, todavia, em nossa sociedade contemporânea é inquestionável o fato de ter a
imagem, suplantado outras formas de comunicação e representação, permitindo-nos
compreender e expressar emoções, sentimentos e desejos. Sendo assim, a possibilidade de
pensar a história e a cultura por meio da visualidade é fundamental para perceber como as
interações sociais são produzidas e debruçadas.
Atribuímos inúmeros significados às imagens produzidas pelas sociedades, embora
toda imagem traga consigo referências de significações anteriores. Imagens são antes de tudo
ideias, nós lhes atribuímos significados que foram construídos e muitas vezes pensados e
moldados para transmitir um discurso ou pensamento específico. Por meio disso, a imagem já
produzida também ganha novos significados de acordo com suas formas de apresentação, sua
circulação e seu ambiente onde são divulgados e demonstrados para o mundo.
19

Entendemos que, para pensar em visualidade como proposta nos estudos de história
visual, o conceito de Representações sociais funcionaria como instrumental teórico
importante. Depurar as representações sociais atribuídas às imagens é um exercício no qual o
historiador deverá ter em vista o longo processo de criação, circulação e difusão desses
produtos.
Valendo-se disso, utilizaremos nosso trabalho como uma proposta exclusiva da
história visual que conforme Ulpiano T. Bezerra de Meneses (2005) é no campo da
visualidade que a história visual se apresenta:

A História, porém, diferentemente da Antropologia e da Sociologia, não


definiu uma problemática visual específica que pudesse concentrar sua
atenção, mas privilegiou o tratamento da imagem — e mesmo da imagem
como documento discursivo, deixando de margem sua múltipla presença na
vida social. A meu ver, um dos principais pré-requisitos para que a História,
sem arrefecer seus recentes compromissos com as "fontes visuais", passe
também a considerar a dimensão visual presente no todo social, seria a
organização paulatina de um quadro de referenciais, informações, problemas
e instrumentos conceituais e operacionais (inclusive para cruzamento de
dados), relativos a três grandes feixes de questões: o visual, o visível e a
visão. (p. 3)

Desta forma, perceber que nossas fontes foram problematizadas enquanto sua
especificidade. Perceber que as visualidades enquanto uma conduta própria que articula
transformações que vão além de outros meios como o texto, só a imagem como proposta de
estudo foram importantes para estabelecer tal questão. Por meio disso para se trabalhar com
tais fontes, e se produzir de fato uma história visual, faz-se necessária a reconstrução do que
se constitui a iconosfera:

É preciso procurar identificar os sistemas de comunicação visual, os


ambientes visuais das sociedades ou cortes mais amplos em estudo. Assim
também as instituições visuais ou os suportes institucionais dos sistemas
visuais ex., escola, empresa, administração pública, o museu, o cinema, a
comunicação de massa, etc, as condições técnicas, sociais e culturais de
produção, circulação, consumo e ação dos recursos e produtos visuais.
Enfim, é necessário circunscrever o que vem sendo chamado de iconosfera,
isto é, o conjunto de imagens-guia de um grupo social ou de uma sociedade
num dado momento e com o qual ela interage. (p. 3)

Perceber a imagem enquanto uma fonte histórica que necessita de uma metodologia
própria e específica. Procuramos no nosso trabalho com fotografias na década de 1950 e 60,
observar todos esses aspectos das instancias no qual as imagens são produzidas e veiculadas.
Bem como é importante observar, sobretudo os álbuns pessoais, como e porque foram
20

guardadas e os sentidos que foram dadas a elas posteriormente a sua produção. A iconsfera,
conforme Meneses (2005) aponta perpassa todo esse ambiente que a imagem se insere e ainda
o modifica.
Para identificar essa iconocidade que permeiam nosso trabalho, é importante perceber
as fotografias como uma fonte importante. Elaboradas para funcionarem como um jogo de
espelhos, a fotografia, sucinta a ilusão de substituta da própria realidade. As imagens não são
dadas, meras evidências indiciárias, mas construções imaginárias. Elas não se reduzem a
evidências documentais, objetivas. Elas simbolizações construídas histórica e socialmente.
Vistas por esse ângulo, o que importa resgatar ou discutir é o modo como uma imagem
idealiza, metaforizam, constrói um campo de significação Conforme Mauro Guilherme
Pinheiro Koury (1998).

A imagem significa, ao mesmo tempo, o olhar do criador e o olhar do


espectador, e a interpretação é a resultante desta interdependência, ou desta
ambiguidade de olhares, associada ou não a um terceiro olhar que busca
compreender os mecanismos sociais que desconstroem e reconstroem as
informações transmitidas pelo intercruzamento dos diversos olhares (p. 6)

Desse modo, podemos perceber na fotografia não somente como documento, mas um
grande porcentual de pesquisa. Igualmente, a fotografia para Ana Maria Mauad (2011) deve
submeter-se a críticas para que posteriormente ela possa vir a ser organizada numa ordem
cronológica. A essa ordem nos ateremos na produção da pesquisa, obedecendo a um ideal
significativo que siga um critério de seleção, a fim de que se evite a mistura da fotografia,
visto que, ainda conforme Mauad (2011), seu objeto que é a foto em si, deve ser trabalhado e
estudado separadamente, garantindo, pois a individualidade do objeto fotográfico a ser
estudado, que tanto pode ser um álbum, uma foto ou no caso uma revista ilustrada, para que
em seguida possa-se estudar a parte material.
A partir destes pontos, organizamos roteiros de análise no intuito de decompor a
imagem fotográfica em unidades, guardando a devida distinção entre forma, conteúdo e
expressão. Essa proposta é adaptada para a nossa realidade da pesquisa. É possível
destacarem-se itens como a revista nas quais as fotografias foram publicadas, agência
produtora da fotografia, ano, local retratado, tema retratado, pessoas retratadas, objetos
retratados, atributo das pessoas, atributo da paisagem, tempo retratado e fotógrafos que
produziram o material. Destacando ainda para uma análise o seu nível conceitual,
morfológico, compositivo e enunciativo.
21

Como parte do nosso trabalho com imagens foi retratado por meio da revista ilustrada,
os textos que acompanham as fotografias estabelecem uma relação que os torna um específico
tipo de fonte. Por meio disso, para perceber com os sentidos da mensagem que a imagem
transmite são alterados conforme as narrativas presentes nas matérias estudadas utilizamos
para isso a compreensão de Sophie Van der Linden, em seu trabalho Para ler o livro ilustrado
(2011), onde é necessário compreender que;

Cada obra propõe um início de leitura quer por meio do texto, ou da


imagem, e tanto um como outro pode sustentar majoritariamente a narrativa.
Se o texto é lido antes da imagem e é o principal veiculador da história, ele é
percebido como prioritário. A imagem, apreendida num segundo momento,
pode confirmar ou modificar a mensagem oferecida pelo texto.
Inversamente, a imagem pode ser preponderantemente no âmbito espacial e
semântico, e o texto ser lido num segundo momento. ( p. 122)

Pretendemos, assim, analisar as fotografias das revistas ilustradas dentro do contexto


em que foram veiculadas, nesse ínterim, dentro da reportagem, bem como de forma isolada.
Para isso, é necessário utilizar as imagens que não apareceram no corpo da reportagem e que
será foco ao longo da pesquisa.
Considerando todo percurso que foi dialogado aqui, as definições e conceitos que
possibilitam uma analise cultural da religião foram colocadas de acordo com parâmetros para
serem seguido. São métodos e técnicas que muitas vezes não definem por completo ou
parcialmente as temáticas e produções do trabalho de história. Contudo, o conceito não
corresponde aos objetivos completos da pesquisa. A sociedade em sua grande complexidade
exige uma análise muito minuciosa e cuidadosa. Pois os comportamentos humanos não são
homogêneos e nem coerentes. As pessoas são diversificadas e mudam constantemente de
formas de viver.
Sobre esta perspectiva, as religiões também podem ser analisadas dessa forma. A
quantidade de variedade e diversidade que as práticas religiosas apresentam é um alerta para
entender a complexidade de suas estruturas. Se tratando de cultura, as manifestações também
são diferentes. Os grandes agrupamentos cristãos por muito tempo definiram e se situaram
enquanto o único caminho de religião dos indivíduos. Acontece que vários cultos foram
marginalizados por algumas dessas grandes religiões, desta forma a variedade é importante,
pois o conceito e os métodos utilizados devem abarcar todas essas diversidades.2

2
Por isso, no que tange ao presente trabalho de qualificação de mestrado em história social, procuraremos dentro
do limite da pesquisa feita até o momento ressaltar tais ponderações que foram estudadas até o momento. Desta
forma, ao propor os estudos sobre imagens das religiões de matriz africana entendemos que alguns conceitos
vinculados aos estudos do fenômeno religiosos bem como de propostas voltados a antropologia da religião
22

O trabalho de pesquisa em história caracteriza-se pela observação e analise das fontes


por meio de diferentes ferramentas teórico-metodológicas buscando as relações entre
pensamentos, comportamentos e personagens. A relação da fonte com o historiador que se
torna o seu leitor advém de uma necessidade de produção onde o processo de trabalho possa
ser dialogado e transformado com outros meios de encontrar o passado.
Por isso, fez-se necessário procurar em inúmeras outras formas de busca sobre o
objeto utilizado para além da revista ilustrada mencionada. Para iniciar tal trabalho
acompanhado das fotografias e revistas que obtivemos com o editor chefe da revista
Encontro, procurando assim todos os sujeitos envolvidos nesse processo que aos poucos
revelavam novas nuances desse processo. Utilizamos de entrevistas orientadas por um
conjunto de questões, gravadas, com o objetivo de auxiliar no entendimento do processo
estudado, a partir da coleta e análise das opiniões dos sujeitos que vivenciaram o período de
produção da matéria analisada.
Produzimos no primeiro capítulo uma reflexão que pensa na iconocidade reproduzida
pelos meios que utilizavam a fotografia das religiões de Matriz Africana, destacando assim
que desde o surgimento dessas tecnologias passando pelas reproduções etnográficas da
sociedade brasileira e o povo negro que a constituída produzia imagens que colocava e
instaurava lugares para essas pessoas. Desta forma, procuramos ainda problematizar as
fotorreportagens e matérias ilustradas sobre tal temática elencando a revista Cruzeiro (1951),
para demonstrar representações sobre o candomblé e a Umbanda. Entrando dentro da nossa
proposta, estabelecemos um paralelo com a reportagem da revista Encontro (1964) de Montes
Claros, sobre os terreiros da cidade com os discursos antropológicos vigentes no período.
No segundo capitulo, destacamos partes das narrativas vindas de dentro dos terreiros
estudados. Procurando nas narrativas orais, destaques que procuram estabelecer um histórico
sobre os sacerdotes analisando assim às memórias visuais por meios das fotografias e álbuns
guardados pelos seus familiares de terreiro.
Finalizando o trabalho, apontamos para os caminhos e contextos existentes na cidade
de Montes Claros, na época estudada que aglutinou o Candomblé e a Umbanda a outras
manifestações populares, como o congado, negras e católicas, tradições que deveriam se
resgatadas e foi vinculada a postura de Folclore. Apontamos ainda o evento “Uma noite na

utilizadas no trabalho encontram-se ainda no processo inicial de concepção e estudo, fazendo com que as
analises sobre essa temáticas serem ainda brandas e não aprofundadas. Espere-se assim, que após esse processo,
as indicações e ponderações da banca possa ajudar para sanar tais questões.
23

Bahia” que continham apresentações dos terreiros, e participação da “sociedade” e elite da


cidade.
24

1° CAPÍTULO- DOS FETICHES AO REQUINTE: O CANDOMBLÉ E


UMBANDA NAS REVISTAS ILUSTRADAS

A magia negra, a índole romântica da raça brasileira, o samba e as comidas


condimentadas da cozinha baiana foram trazidos para o Brasil no bojo dos
navios negreiros que capturavam escravos no litoral do Continente Negro. E o
elemento negro, cativo e saudoso de seu lar, trouxe em seu sangue a nostalgia,
o doce langor africano e as tradições e costumes das civilizações primitivas.
(Revista Encontro, agosto de 1964, p. 9)

Nesta primeira citação destinada a caracterizar as religiões de matriz africana na


revista Encontro de Montes Claros encontramos um discurso comum posto a essas produções;
colocá-las no âmbito apenas cultural, ressaltando principalmente as suas origens africanas.
Por que essas religiões têm de ser mais africanas que brasileiras? Por que o negro é
africano e não brasileiro? Esse vínculo reflete as representações que foram construídas sobre
povos muito distintos e com culturas diferentes que sua condição histórica de escravo foi
retratada apena pela sua ancestralidade.
Perceber as construções visuais foi o nosso objetivo do presente capítulo, a partir do
discurso construído por nossas fontes. Desta forma, procuramos identificar como as
representações e discursos visuais nas revistas ilustradas foram produzidas

1. IMAGENS DO OUTRO

Por um longo tempo, o que se entendia por comunidades negras, africanas e


americanas esteve ligado às visualidades produzidas pela etnografia visual que foi iniciada no
berço do neocolonialismo europeu sobre os continentes africanos e asiáticos. Essas produções
“atreladas à fotografia ilustravam os “novos”, os diferentes” e “exóticos” como aqueles que
não pertenciam ao mesmo ambiente para os colonizadores. Desta forma, procuram na cultura
e do modo de viver desses povos como um consumo, por meio de inúmeros artifícios como
foi o caso das imagens3.
Contudo, as produções imagéticas feita nesse período utilizaram desse aspecto
montando uma visualidade para a sociedade que a consumia. Portanto, esse diferente foi

3
Demonstrando tal produção, destacamos o trabalho de Boris Kossoy e Maria Luiza Tucci Carneiro em o Olhar
do outro (1994), que conforme a coluna cultura e pensamento de Mauricio Falaviginia para o site oficial da
Unicamp (acesso: 11/07/18 às 17:24) o texto: por mais que novamente, pela força do discurso historiográfico,
sejam inseridas em outro contexto escrito, de viajantes e cronistas europeus que em suas passagens por terras
brasileiras narraram o exótico visitado, afoitos por contarem a seus pares europeus os costumes de uma
sociedade estranha, de cores e feições inquietantes.
25

capitalizado e produzido para propiciar nas ideias de colecionismo e ilustração dos outros
ambientes, representações sobre esses povos. Nesse sentido, os valores que essas imagens
estabeleceram dentro deste contexto foram por muito tempo vinculado à conquista sobre essa
sociedade justificando as dominações imperiais, se abstendo ainda dos estudos etnográficos
proporcionando a externalização de um mundo diferente e ou entretendo a partir daquele que
afeta o cotidiano da população.

Figura 1: Retratos de uma negra e um negro

Fonte: Coleção Ruy Souza e Silva in ERMAKOFF (2004)

As presentes imagens, reproduzidas em um formato retangular vertical e veiculadas


em carte-de-visite4 do momento, foi provavelmente feitas no ano de 1870 pelo fotógrafo
Alberto Henschel. Segundo George Ermakoff (2004) em O negro na fotografia brasileira do
Século XIX o produtor do trabalho era um influente empresário no campo fotográfico, que
devido sua origem alemã consegui retratar diversas faces do contexto sócio-cultural do Brasil

4
Nome dado a um antigo formato de apresentação de fotografias, patenteado pelo fotógrafo francês André
Adolphe Eugène Disdéri em 1854. De tamanho diminuto (9,5 x 6 cm), a foto, geralmente revelada pela técnica
de impressão em albumina, era colada em um cartão de papel rígido um pouco maior (10 x 6,5 cm
aproximadamente)
26

oitocentista. Por trabalhar com imagens do tamanho retrato, sua produção ainda se destacou
retratando a família real brasileira daquele período.
Sobre imagens que transmitem um fortalecimento dos seus personagens com olhares
em perspectiva de fortalecimento. Mostrando um poder que se redime por meio de suas
vestimentas “rudimentares”, Cristaliza-se assim, a cultura brasileira nas suas representações
dos negros do Brasil imperial. Henschel (1827-1882) também enviou diversos trabalhos para
Europa, e assim produzindo uma icnografia que justifica no “diferente” artigo de luxo para o
cotidiano do grande continente industrializado do momento.
As pessoas necessitavam de notícias, de novidades e de clareza sobre um mundo
desconhecido, e nada melhor do que uma reprodução “fiel” desse real, que a fotografia
proporcionava. Além desse contanto, a sua forma de reprodução mais rápida e que detinha em
si, uma lógica diferente dos padrões de arte e representação de uma realidade proporcionaram
tal aceitação e visão diferente. Por mais que essas ideias foram importantes, a sua
democratização, a participação cada vez maior das pessoas e o surgimento de fotógrafos
fizeram com que essas imagens cada vez mais foram revertidas e consumidas pela sociedade
da época. (KOSSOY e CARNEIRO,2004).
Uma definição que propomos pensar foi a Antropologia de urgência, pensada por José
da Silva Ribeiro (2005) no artigo Antropologia visual, práticas antigas e novas perspectivas
de investigação onde um diálogo de como os etnográficos atrelados ao uso da imagem eram
voltadas para a documentação e preservação das práticas culturais ameaçadas.
Numa era da reprodutibilidade técnica e da expansão industrial a Antropologia visual
orientada para alimentar e enriquecer as coleções dos museus. Tinha como objetivo situar-se
nas sociedades, “geográfica física e culturalmente distante”. Uma visão “efêmera” construída
do outro. Esta construção feita pelas novas maquina, não eram inocentes, transportavam
consigo as interpretações subjetivas dos operadores, inseparáveis da sociedade ocidental. As
tendências visualizastes dos discursos antropológicos abriram também o caminho à
representação.
Na convergência de imagens e representações sociais condicionadas nesse momento
de reprodutibilidade da técnica fotográfica, as visualidades estabilizaram certas ideias que
inseridas aos meios de comunicação de grande peso, como foi o caso das revistas ilustradas
propuseram uma acepção de imagens que muito foram consumidas e vivenciadas para o
cotidiano dos leitores desses periódicos. Essa relação estabelecida pela imprensa e as
visualidades não foram uma novidade, pois antes da fotografia já se estabeleciam ideias e
27

narrativas que expressavam uma construção imagética 5, mas foi só com o uso da
fotorreportagem, e sua intensificação ao longo do século XX que muitas dessas questões se
destacaram como interpretações de mundo.
Conforme ALMEIDA (2014), apud Gisele Freud, a fotografia trazia para a imprensa a
“possibilidade de apresentar os acontecimentos com a velocidade e o detalhamento que os
novos tempos exigiam”. Desde seu inicio, o seu uso era apenas ilustrar uma história, mas
subsequente a isso desde o final do século XIX, a apresentação de lugares distantes e a
glamorização da vida luxuosa das elites; com a chegada do cinema, surgiram ainda as seções
especializadas sobre celebridades, bem como outros grandes fatores como a guerra, a fome e
os horrores que muitas vezes noticiados e visualizados pelas imagens que estavam
acompanhados os antigos textos propuseram uma nova interpretação.
Consoante a isso, conforme a autora a fotografia seria o típico meio de expressão de
uma sociedade tecnológica, aceito por todos os grupos como instrumento capaz de reproduzir
a realidade, e ainda ela representava a capacidade de expressar os desejos e as necessidades
dos grupos sociais dominantes, e interpretar a sua maneira os acontecimentos da vida em
sociedade.
Historicamente percebemos como a técnica fotográfica foi capaz de reproduzir
inúmeras visões que ficaram marcadas por meio de indumentárias sobre as mais variadas
possíveis percepções que ela construiu. Sendo assim, no que tange ao eixo da temática
proposta pela pesquisa as construções imaginas sobre o outro foram até o momento proposta
por nós como eixo para perceber as visualidades que perduraram no final do século XIX e
início do XX. Para relatar isso, a imprensa ilustrada foi o grande foco para perceber que a
reprodutibilidade destacada tem em suas perspectivas.
Exemplificando a imprensa ilustrada e seu uso das Imagens, utilizaremos do trabalho
de Marta Emísia Barbosa, Famintos do Ceará (2004) sobre as fotografias que ainda no
contexto do Império Brasileiro noticiavam as realidades sobre a seca que existia no Ceará do
final dos oitocentos. Dentro de uma perspectiva que analisava os caminhos feitos pela
fotografia e como elas passaram a representarem ideias sobre o cearense e mais tarde o
nordeste através de imagens que paralisavam as ideias sobre um país que sobre, mais um
sofrimento longíssimo e distante.

5
Entendemos que as produções sobre algo, no caso as culturas de matriz africanas foram reproduzidas sobre
inúmeros meios que deram significados sobre estes ao longo do processo histórico. Os textos descritivos, a
literatura pode ser um exemplo. No que se refere ao trabalho, percebemos que é a imagem o ponto central de
discursão e sua proposta.
28

Pelas páginas da rudimentar O Besouro as fotografias de J. A. Correa que haviam sido


produzidas como parte de uma reportagem do Jornalista José de Patrocíno, enviado pelo
jornal gazeta de notícias, articulando o conjunto de imagens e verificando a construção de
uma icnografia da fome que tem o cerne as secas do Nordeste. Percorreram assim, o
imaginário da população brasileira e a necessidade de encontrar na seca uma visão de venda e
mercado para as imagens que as representavam.

Figura 2. Retrato da seca do seca do Ceará

Fonte: Famintos do Ceará, BARBOSA 2004.

A primeira imagem apresentada, reproduzida em formato de carte-de-visita, foi


identificada pela autora no museu Dom José em Sobral no Ceará. Fotografado pelo fotografo
J. A. Correa o preto e branco da imagem contrasta com uma posição padrão nas imagens que
foram estudas em seu trabalho. Feitas com o objetivo de representar os “horrores” da seca, o
semblante do personagem transparece tal ideia que evocam tal ideia. Na segunda imagem,
existe uma reprodução das fotografias como eram retratadas na revista O Besouro, por meio
da técnica de litogravura6, as imagens eram transmitidas para as páginas do periódico
6
Criação de marcas sobre uma matriz com um lápis gorduroso. A base dessa técnica é o princípio da repulsão
entre água e óleo. Utilizada tanto pela imprensa como pelas revistas da época. Sobre a fotografia imprensa eram
29

acrescidas de outras ilustrações que ressaltavam transmitiam a proposta inicial das


calamidades deste evento.
Transformar os acontecimentos em palco para representar a miséria sob pretexto de
não cair no esquecimento, e se investir numa reportagem de denúncia foi uma forma de levar
em consideração quem eram aquelas pessoas. As estratégias do não esquecimento mantidas
pelas revistas e do Jornal, um único e duradouro sentido.
Acerca do processo de imagens dentro da indústria da revista ilustrada, percebemos no
trabalho de Ivete Batista da Silva Almeida, As Faces do Hércules-Quasímodo:
Representações do Nordeste e dos Nordestinos Durante a Era Vargas (2014) como as
visualidades construídas acerca das percepções do outro e do diferente eram marcar das
reportagens e padrões criados sobre o diferente. No sentido proposto, o sertanejo no contexto
da década de 30, visto pela revista O Cruzeiro. Para isso, ela se optou por demonstrar, como
nesse momento as ideias que foram destacadas sobre as visões desse povo do Nordeste e
outras regiões eram construídas em ilustrações, publicidades e publicações que definiam
representações construindo e remodelando ideias que se tinha sobre os sertanejos na Era
Vargas.
As realidades construídas à partir da seca e do semiárido bem como os processos de
teorias raciais que produziam no sul e sudeste à partir do imaginário proporcionado pelas
imagens que foram produzidas ao longo do século XIX, aqui ganha novos remodelamentos
onde um ponto de transformação da relação entre o nordeste e as representações já feitas
anteriormente passaram para uma política de valorização da mão-de-obra, que aconteceu
durante o período Vargas.

Figura 3. Os operários: homens e mulheres

feitos desenhos que foram transmitidos para as folhas já imprensas com os textos dos jornais.
30

Fonte: Revista O Cruzeiro, 18 de agosto de 1945, p. 12 e 16, apud ALMEIDA 2014

Com fotografias de Jean Manzon7, a fotorreportagem busca nos trabalhadores da Serra


de Santa Maria do Suaçui, no sertão de Minas Gerais relacionarem o trabalho e suas mazelas.
Mais do que isso, ao colocar o sertanejo sobre novas representações que fugiam da seca e das
imigrações essas imagens estabeleciam. A imagem aqui ganhou um grande destaque na
matéria o periódico, destacando como nesse momento os padrões das revistas ilustradas
destacou ainda mais nas fotografias como produtoras de mensagens.
Desta forma, uma transformação de visões foi identificada pela autora em um processo
transformador, onde ideias e visão, sobretudo relativizada a partir das imagens foram
modificadas com a proporção desses novos elementos que firmaram novas ideias que não
estavam somente associadas as grandes secas.
Mais do que retratar a imprensa ilustrada no âmbito da perspectiva das fontes
imagéticas, a fotografia e as ilustração que foram estudadas pelas duas autoras propuseram
refazer os processos que modificaram e criaram ideias sobre algo, ou simplesmente sobre
pessoas. Essas construções são importantes para refazer padrões visuais construídos e refeitos

7
Esse último fotógrafo, conforme Ivete Almeida (2014, p. 33) ex-atuante na Paris Match trabalhou no
departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) no governo Vargas que foi posicionado como “estrela da
revista”. Realizou reportagens sobre variados temas atuando na fotorreportagem sobre política, personalidades,
religião e realidade brasileira.
31

no processo histórico que não é homogêneo mais sim transformador. No que tange as nossas
ideias, as construções sobre o outro, o diferente e o pouco cotidiano foi identificado como
temáticos constantemente presentes dentro deste contexto. Imagens que por muito tempo
definiam e reconcentravam as representações sociais firmadas por elas mesmas. A imprensa
ilustrada pode ter se associado às primeiras fotografias que inicialmente, acompanhadas das
etnografias aqui citadas, mostramos refletiram sobre essa necessidade de uma
reprodutibilidade que ocasionaram nessas construções. Um processo histórico que nesse
âmbito utilizou dentro dessas perspectivas da imagem para chegar a tais considerações e
visualidades sobre o diferente.

1.1 A revista O Cruzeiro, manifestações populares e Matriz Africana.

As religiosidades de matriz-africana, bem como as expressões populares, passaram por


um processo de reprodutibilidade que foram muitas vezes marcadas pela antropologia de
urgência. A cultura visual construída por meio das fotografias dos povos e práticas religiosas
ditas como perdidas e “rudimentares”, que aos poucos revelavam o distanciamento que as
transformavam em representações sociais que permaneciam nas imagens tidas e refeitas sobre
as práticas. Ao começar nosso trabalho, apresentamos a revista Encontro de Montes Claros,
como uma proposta de reproduzir e utilizar das religiões populares como um processo de
temática que principalmente envolvia os “novos” e “distantes” que essas religiões periféricas
foram retratadas a partir dessa construção de antigo e documental.
Considerando isso, no tocante as visualidades estabelecidas pelo fotojornalismo da
época encontraram na revista O Cruzeiro essa proposta amplamente divulgada que produzia
sobre as imagens dos “diferentes” pautas e reportagens que abasteciam seu conteúdo.
Segundo Jorge Luiz Romanello (2009, p.1) o periódico “era sem sombras de dúvida os mais
importantes veículo de comunicação do Brasil na época”. O público era perpassava quase
quatro milhões de leitores. Desde o seu lançamento em 1928 a proposta de um veículo
moderno com um estilo inovador, enquadrava conforme o autor “perfeitamente com os apelos
modernizantes fartamente divulgados na década anterior” (p. 2).
As abordagens de temas culturais na O Cruzeiro aconteciam desde o início da década
de 1940, usando nas figuras de Ubiratan Lemos, Luciano Carneiro, Pierre Veger e Jean
Manzon Temáticas que conforme Romanello (2009) os tipos brasileiros foram caracterizados
de forma a serem facilmente reconhecíveis, porque estereotipados. Para o sertanejo, “unhas
sujas e as mãos calejadas apoiadas em um pedaço de pau, denotando uma tarefa árdua, ou
32

pela vestimenta, além de outros traços corporais típicos como no caso do gaúcho, ou ainda as
expressões e a integração com o entorno de um porto de pequenas embarcações à vela, um
vestido de renda e um cesto na cabeça, que ajudam a caracterizar uma baiana” (p. 2).
Com isto, aparece no momento uma visualidade etnográfica “superficial e fluida”
sobre a cultura popular. Ainda segundo o autor, foi possível identificar nesse período uma
superposição de discursos sobre a nação, alguns deles de vanguarda, outros herdados do
ideário nacionalista de Vargas. Reafirmando esse momento parte das temáticas retratadas se
absteriam das religiões de Matriz Africana. Da década de 1940 e 1961, o Candomblé e a
Umbanda foram tema de pelo menos seis reportagens, entre as quais apresentam matérias
ilustradas e fotorreportagens, o que bastante significativo se considerarmos que a construção
de Brasília produziu apenas cinco em O Cruzeiro.

Figura 4. Festa de Bumba meu Boi

Fonte: Revista O Cruzeiro, 1947. Acervo da Biblioteca Nacional

Como exemplo, uma produção que trazia essa proposta de “práticas religiosas”, que se
misturavam com as expressões de matriz africana e outras propostas visuais da revista. A
matéria acima, retratando uma festa de Boi Bumba Com um texto de Luiz Alpino e
fotografias de Pierry Veger. Sobre as imagens que apresentam uma narrativa em primeira
33

instancia, com o texto que acompanha, estabelecendo uma relação de colaboração entre os
dois.
Nota-se que as fotografias que acompanham estão em posição bem destacadas que
refletem a intenção de demonstrar o valor “real” que a proposta da fotorreportagem pode
demonstrar nesse período. Compondo a cena retratada os personagens estabelecem uma
proximidade ao elemento espiritual da cena, “o boi” que transmitem a proposta etnográfica
que a produção de Veger8 pode ressaltar. A imagem maior, na parte direita da reportagem
ocupa uma página inteira da publicação e representa um homem que pela indumentária funde
a figura do “boi”, principal indivíduo da narrativa, onde sua cara pintada passa uma
transformação onde o homem se mistura ao animal sagrado.
É importante destacar que encontramos na revista destaques que utilizam dessas
temáticas, mas não definiram representações únicas acerca dessa visão “etnográfica” que essa
matéria propunha. Desta forma nota-se na presente matéria,

Figura 5. Cruzeiro: As mascaras da Macumba

Fonte: Revista O Cruzeiro, 13 de setembro de 1952. Coleção Digital da Biblioteca Nacional

8
Exercendo várias atividades como fotógrafo, jornalista e etnólogo foi um importante intelectual do século XX
que se debruçou nos estudos acerca do Candomblé e religiões africanas.
34

Sete anos após publicação com imagens de Veger, a proposta desta outra
fotorreportagem demostra o tom preconceituoso e simplista que a produção aborda para
demonstrar as religiões de Matriz Africana. Com o título, a Mascara da Macumba, com
profissionais que buscaram uma narrativa que tentavam retratar “religiões empobrecidas”
(CRUZEIRO, 1952), produziram representações agora diferenciadas das outras aqui
apresentadas.
Com imagens que utilizam de um grande espaço do trabalho, o culto retratado tem em
seu aspecto ritualístico produzido numa perspectiva quase “cômica” e rudimentar. Com a
personagem que com um charuto nas mãos e em posição comum ao transe religioso, sua
representação evoca ao uma proposta de polemizar através das expressões faciais carregadas
de uma impressão grotescas, que o próprio texto fez questão de ressaltar.
Essas reportagens, bem como outras que forma veiculadas pela Cruzeiro nesse tempo
destacado, tinham como a religiosidade com tema principal. Desta forma conforme
Ramanello (2009) “recebia enfoques diferenciados que variavam de abordagens
antropológicas e objeto de estudos do folclore brasileiro, caso de polícia, objeto de estudos da
psicanálise e outros”. Enquanto manifestações da religiosidade popular eram geralmente
caracterizadas como parte de uma cultura ingênua ou atrasadas (p.45).
Consoante a isso, partes das representações visuais destinadas no Candomblé pela
revista foram produzidas sobre essa perspectiva. Pensando nessa proposta abordaremos aqui
outra fotorreportagem que teve grande repercussão no momento ao qual foi veiculada.
Destacando ainda os significados que a circulam.

1.2 As noivas dos deuses sanguinários

A publicação intitulada As noivas dos deuses sanguinários assinada pelo repórter


Arlindo Silva, com fotografias de José Araújo Medeiros, retratavam um terreiro de
Candomblé em Salvador, Bahia onde foram realizadas cerimônias de iniciação na religião.
Foram apresentadas 38 fotografias que retratavam a rotina do terreiro, os rituais e sacrifícios
que até então eram inéditos para o fotojornalismo brasileiro da época.
A fotorreportagem para o antropólogo Fernando de Tacca em seu trabalho intitulado
Imagens do sagrado: entre Paris Match e o Cruzeiro (2009) pretendia opor a outra
35

publicação realizada por um periódico francês do mesmo ano. A revista Paris Match 9foi o
modelo para tal crítica.
Segundo o antropólogo as duas publicações romperam com o silêncio acerca desse
ritual sagrado, mostrando cenas e cenários da religião que caracterizaram um ambiente
"preservado" de registros fotográficos (TACCA, 2009). As fotografias deixaram de modo
geral encurtar o distanciamento com o qual a sociedade da época olhava para os cultos do
candomblé e seus adeptos. De qualquer forma, as reportagens envolveram uma polêmica
disputa por espaço jornalístico, valendo-se, principalmente, do ineditismo das imagens dos
rituais secretos de iniciação dos praticantes da religião.

Figura 6. Paris Match: As possuídas da Bahia.

Fonte: Paris Match Magazine, n. 112, 12.05.1951 In COSTA e BURGI, 2013.

9
Paris Match é o nome de uma revista francesa de atualidades, de periodicidade semanal, fundada em 1949 e
célebre pelo seu lema "lepoidsdesmots, lechocdesphotos" ("o peso das palavras, o choque das imagens," em
tradução literal). Desde janeiro de 2008 apresenta um outro mote: "a vida é uma história verdadeira", de forma a
inscrever o jornal num contato mais pessoal com os leitores.
36

Figura 7. Página inicial de As noivas dos Deuses Sanguinário

Fonte: Revista O Cruzeiro, 15 de setembro de 1951, pp. 12-13. Coleção digital Biblioteca
Nacional.

Figura 8: Segunda parte de As noivas dos Deuses Sanguinário

Fonte: Revista O Cruzeiro, 15 de setembro de 1951, pp. 14-16. Coleção digital Biblioteca
Nacional.
37

Com imagens em preto e branco, que hora foram apresentadas como suporte para o
texto e ainda colocado em destaque em uma página inteira. a Paris Mach, juntamente ao
cineasta e autor das imagens Henri-Georges Clouzot10 buscaram em um estudo que viu nos
“ritos fantásticos que assombravam as noites da maior cidade da América do Sul” (TACCA,
2009). Enunciando tal questão, a busca por uma cerimônia “fetichista” típicos de uma visão
dada aos países sul-americanos, demonstrando tal perspectiva de culto rudimentar.
Nota-se, que existe uma semelhança com as produções de José Medeiros para o
periódico brasileiro. A riqueza de imagens na segunda fotorreportagem destacada, com uma
maior quantidade de detalhes que demonstram uma diversidade do culto. Mas mesmo assim
as posições dos indivíduos perante o rito a pose e o momento fotografado podem demonstrar
tal inspiração entre as duas produções.
As imagens que rementem ao proibido estando ligada essencialmente a oposição feita
para com a publicação francesa, insere se em sua essência a representação do rito. Um
trabalho que se baseava muito mais no fazer, do que no que era o candomblé. Percebemos
isso nas três imagens, da publicação da O Cruzeiro que abriram a referida reportagem com
uma descrição longa do ritual de iniciação das iaôs, destacando por reproduções diretas dos
trabalhos executados nos terreiros.
Segundo Denize Conceição Camargo,

Medeiros, em sua documentação jornalística, contempla apenas


pontualmente, uma inserção no ambiente dos terreiros, suficiente para
destampar a panela do segredo. Sua profanação do ritual leva a escândalos e
descobertas próprias ao contexto-social histórico daquele Brasil, que
começava um processo de familiarização e reconhecimento, ainda que
velado, de suas próprias origens. Medeiros revela faz despontar a imagem do
ritual no interior de um roncó, até então excluído, estigmatizado, “um corpo
estranho” na sociedade da época. Ele é um de fora, como a presença de sua
fotografia no local. (2010, p. 39)

Conforme a questão, a autora informa sobre como entendemos as produções visuais da


revista por meio da obra de José Medeiros sobre o Candomblé da Bahia. As percepções que
demonstram padrões de uma investigação que se faz muito mais em “descobri” algo do que
apresentar. Demostram características visuais que representavam sobre a religião esse caráter
de proibido. Mais do que isso, por ser uma fotorreportagem essa ideia que um trabalho de

10
Conforme Tacca (2009) Clouzt, já clamado por filmes como Corbeau, de Manon, de Miquette et as Mère,
realizou no curso das cerimonias secretas onde ele foi excepcionalmente admitido após três meses de pesquisas e
procedimentos. O cineasta nunca tinha usado uma câmera fotográfica. Seu sucesso surpreendeu a ele próprio.
38

documental aqui é mais presente, pois a necessidade que esses padrões de matérias na revista
foram muitos utilizados na época.
A feitura do santo, na fotorreportagem corresponde o principal ritual da rotina do
Candomblé na vida de uma praticante. Seu aspecto “escondido” reflete o segredo que a
religião transparece por conta de uma especificidade de culto do costume dessa religião. Desta
forma, mostrar aquilo que não é permitido, foi uma proposta que instaura uma “aura” sobre o
conjunto de fotografias, de inovação e interesse. Sendo assim, o que as imagens transparecem
são necessariamente esse vinculo com o “proibido” que elas representam.
Para Fernando de Tacca (2009), o próprio significado que as imagens retratadas por
José Medeiros na Reportagem estudada foram modificadas por meia repercussão que as
fotografias tiveram naquele do momento. Pois, a própria ideia da produção da matéria veio de
uma da insatisfação da publicação da Revista Paris Mach que já havia produzido um material
visual recorrente. O periódico Francês, conforme o próprio depoimento de Medeiros no artigo
de Fernando de Tacca (2009) sofreu grande críticas por ter retratado o Candomblé da Bahia
com uma áurea sensacionalista, um “furo” de reportagem e que trazia uma visão estereotipada
do Candomblé do momento.
Desta forma, a intelectualidade no período da divulgação da matéria pela revista agiu
de uma forma apática á publicação francesa, com duras críticas e depoimentos de rejeição.
Um caso citado por Tacca de Roger Bastide que na própria O Cruzeiro, teria escrito um texto
de repúdio a publicação. Tal polemica e insatisfação da revista foi às motivações para a
reportagem que objetiva mostrar um Candomblé que é povo, por uma publicação feita por
“brasileiros”.
Posteriormente, após a polêmica gerada pela reportagem foi publicado um livro com
todas as fotografias feitas por José Medeiros no ano de 1957. No novo lançamento da obra
“Candomblé” foi acrescido 22 imagens a mais além das publicadas na revista totalizando
assim 60 imagens. A parir deste feito, uma nova interpretação sobre as discursões envolvendo
essa a reportagem foi revelada. Para Tacca (2009), com a publicação do livro;

O material fotográfico coletado por José Medeiros transformou-se em


conteúdo. De uma primeira publicação marcada pelo fotojornalismo
sensacionalista transforma-se em um documento etnográfico na apresentação
gráfica e nas marcações das legendas no formato livro. Na primeira versão
temos uma profanação do espaço do sagrado, permitindo somente para os
iniciados, ao torna-lo visível ao olhar leigo e massificado pela importância
da revista O Cruzeiro na opinião pública. Na segunda versão temos as
mesmas imagens, mas sem o tratamento sensacionalista, com uma
abordagem que transparece uma aparente neutralidade na explicitação visual
39

do ritual, transformando-as em documento etnográfico ou “cientifico”,


coroando-as com uma nova aura para o sagrado profanado. (2009, p. 43)

Do sensacionalismo proposto no primeiro momento da apresentação das imagens ao


material etnográfico, novos sentidos foram construídos para essas fotografias.
Desta forma destacamos que os reportórios culturais e visuais sobre essas religiões
perpassam justamente o embate em que essas reportagens se consolidaram naquele momento.
Partes destas representações partiram justamente de como a inserção do fotojornalismo sobre
as culturas populares de tradição negra passaram ser amplamente divulgada naquele
momento. O contato com as imagens etnográficas, posteriormente divulgadas no livro
Candomblé (1957) também foi um importante. Pois com já descrito no trabalho com a
participação cada vez maior do intelectualismo brasileiro dentro do cotidiano midiático
brasileiro, como Tacca relata informando as colunas de Roger Bastide e Pierre Veger.
Como destacado, o periódico ilustrado brasileiro inspirou na produção francesa e
principalmente em uma busca autêntica de uma produção nacional e livre de um padrão
internacional que criava estereótipos. Mas, como já definido aqui, a produção brasileira e
principalmente as fotografias publicadas reforçavam a ideia de diferente e exótico, algo que
não tornavas as duas matérias tão distantes, como a O Cruzeiro pretendia no seu início.
Entre um ritual “sanguinário” descrito e representado pelas fotografias de José
Medeiros e um grupo de “possuídas” como trouxe a produção europeia sobre o Candomblé da
Bahia essas mudanças não foram tão aparentes. Na verdade, que podemos considerar foi
analogia de imagens e ideias que foram pensadas inicialmente por uma publicação e depois
transformada em um “novo proposito”, pouco diferenciado do primeiro.

2. REVISTA ENCONTRO DE MONTES CLAROS

A iconografia que as fotografias de Candomblé e Umbanda produziram dentro deste


contexto apresentado até o momento se fixaram em campos produzindo assim ideias e forma
necessárias para construções sobre esse outro, referindo a essas religiões com certos
elementos específicos que qualificavam e priorizavam ideias e construções que demonstravam
diferença, distantes das realidades e estruturas que a própria sociedade do terreiro vivia.
Procuramos na reportagem Nos Terreiros de Umbanda e Candomblé, Mistérios e
Pompa dos Ritos Fetichistas publicada no ano de 1964, com textos de Haroldo Lívio e
imagens da dupla Waldevino Fátimo de Lima, e Rilson Santos. A matéria chama atenção por
40

ter sido amplamente ilustrada, tendo sido publicada com quatorze fotografias em preto e
branco, distribuídas em seis páginas numa reportagem que inicia a quinta edição do periódico
ilustrado.
Não obstante, o que se vê aqui em consonância às primeiras fotografias da revista
Encontro de Montes Claros, foi uma diferença de postura que retratavam sobre outras
perspectivas e visões que traziam os terreiros representados. Desta forma, apesar dos 13 anos
que separam as duas reportagens as representações que foram criadas aqui também mudaram,
mas o que se pode correlacionar às propostas dentro do aspecto “Documental” que as
fotografias dentro da imprensa ilustrada propõem em seu cerne.
O editor-chefe e criador da revista em Montes Claros Lúcio Marcos Benquerer 11,
revelou algumas informações básicas que foram necessárias para estruturar a condição desse
periódico frente ao cotidiano da Imprensa na cidade naquele momento. Sua formação em
Economia e Sociologia proporcionou sua ligação com a comunicação e o Jornalismo que
aumentou seu interesse em realizar o projeto da revista ilustrada.
Sua ligação com a imprensa acontece com seu trabalho no Jornal “Montes Claros”, na
década de 1950. Participando inicialmente como repórter e redator, segundo ele “sua
facilidade com as letras” fez despertar sua participação efetiva e interesse na área da
comunicação. Juntamente com outros amigos, que estavam imersos nesse ambiente decidiram
trazer para Montes Claros, uma “modernidade” que somente uma revista ilustrada
descompromissada e com linguagem “mais fácil” poderia fazer. A necessidade de justificar a
revista como “moderna” foi uma fala recorrente do entrevistado que ressaltava tal proposta
como “inovadora e diferenciada”.
Destacando o surgimento da revista ilustrada em consonância com as demais
publicações que existiam, percebemos que esse movimento acontece em grande escala com
outras produções nacionais que surgiram a partir uma grande demanda que as imagens
fotográficas que somente as produções de revistas ilustradas proporcionaram.
Importante destacar, que na o poder advindo das revistas de variedades tem esteve
muito ligado ao valor dado às imagens nesse momento, pois conforme ria Catarina Baptista e
Karen Abreu (2010), desde o inicio do século XX nascem inúmeros veículos que se
transformariam em “verdadeiros fenômenos de vendagem”. Para exemplificar em 1928, o
jornalista Assis Chateaubriand lança a revista O Cruzeiro, que dando ênfase às grandes

11
De acordo com Ivone Silveira e Maria José Colares em Montes Claros Ontem e Hoje (1995), Lúcio Benquerer
foi fundador e diretor da revista Encontro. Ela passa a ser dirigida pelo Jornalista Jorge Silveira de 1967 à 1969.
Atuando como chefe da CODEVASF, ganhou vários concursos de contos e literatura. Foi editor do Diário de
Montes Claros de 1970 à 1981.
41

reportagens e destaque especial ao fotojornalismo, atinge, já década de 1950, a marca de 700


mil exemplares por semana.
Relatado pelo entrevistado, os periódicos que existiam em Montes Claros não
retratavam a perspectiva que as ideias da revista poderiam trazer. Nesse sentido, ele cita outro
periódico que nesse momento, a revista Montes Claros em foco que produziam um trabalho
oposto e diferenciado à necessidade vista por ele e os outros idealizadores da Encontro.

Figura .9 Capa e matéria ilustrada da edição 26

Fonte: Revista Montes Claros em Foco, outubro de 1964. Acervo do Centro Cultural
de Montes Claros
42

Figura 10. Capa e matéria ilustrada da edição 26

Fonte: Revista Encontro, agosto de 1964. Acervo particular de Lúcio Benquerer

As imagens das duas revistas de variedades apresentadas demonstram tal questão


relatada pelo entrevistado. Montes Claros em foco, como a Encontro tinham em seu conteúdo
as fotografias e como um grande destaque que abasteciam suas páginas. Como vemos nas
duas figuras, a estrutura das duas publicações obedeciam a uma estrutura bem semelhante.
Tanto nas suas capas como nas duas matérias ilustradas que acompanhavam a edição, sendo a
primeira com imagens do carnaval deste mesmo ano, e a segunda com divulgação de uma
associação de artesanato. Não obstante, as fontes que delimitavam os textos que acompanham,
estão diferentes, sendo a ultima revista com presença maior de cores nos escritos, que a
primeira.
Cada uma com edições bimestrais que hora se destacavam com destaque de produção
de matérias ilustradas acerca da realidade de Montes Claros e outras cidades próximas. Mas
também existiam outras divulgações acerca de variados assuntos nacionais. Por meio desse
ambiente, o primeiro periódico tem seu inicio de funcionamento no ano de 1955, mas a
segunda revista foi lançada no ano de 1961.
43

A imagem foi um padrão para o periódico Encontro marcando as suas edições que
aconteceram até o ano de 1968, com o seu fim. Lúcio, ainda questionado sobre sua atuação
justificou que a sua ligação com a revista aconteceu somente até o ano de 1965, e que após
isso os outros atuantes que dirigiam o periódico.
Sua produção era baixa tiragem sendo a numeração não revelada pelo entrevistado, sua
circulação se concentrava apenas em Montes Claros e nas cidades próximas da região Norte
de Minas Gerais. Por ser caracterizada para um publico local, sua produção era pequena. As
informações contidas na ficha catalográfica da edição estudada, ajuda a perceber tal
dimensão.
Em consonância a isso, as grandes gigantes do ramo nesse período, como as revistas
Cruzeiro, Manchete, Belo Horizonte, alterosa, mantinham divulgação semanal e com alta
tiragem. Segundo Catarina Baptista e Karen Abreu, essas revistas abrangiam todo o território
brasileiro que tinham produção de 15 mil a 17 mil exemplares vendidos nos anos de 1950 a
1960. Isso nos mostra o quanto, em relação a essas de circulação nacional, a encontro ainda
tinha uma dimensão local, quase que artesanal (BAPTISTA e ABREU, 2010)
A quinta edição da Encontro, no ano de 1964, foi aqui estudada e observada como o
objeto do estudo apresentamos a ficha catalográfica que acompanhava tal lançamento;

Figura 11. Equipe técnica

Ficha Catalográfica
Ano V- N° 20 Edição de agosto-setembro do ano de 1964
Valor Cr $ 200,00
Direção: Konstantin Christoff, Lúcio Marcos
Benquerer, Waldir Senna Batista
Gerentes: Humberto Santos (Montes Claros) e Lúcio
Benquerer (Belo Horizonte)
Departamento Artístico: José Luiz Paoliello, Konstantin Cristoff
Departamento Fotográfico: Arnaldo Caldeira, José Gomes, José
Gonçalves e Waldevino Fátimo de Lima
Departamento cultural: Haroldo Lívio
Departamento social Laercio Pimenta
Departamento de esportes: Departamento de esportes: Estanislau
Guimarães
44

Departamento de publicidade Departamento de publicidade: Geraldo


Edmundo e Paulo Nougueira
Redação e Administração Redação e Administração: Rua Dr.
Veloso, 675 Fone 606 em Montes Claros
Rua Rio Novo, 40- Lagoinha em Belo
Horizonte
Montagem Edno Gomes
Composição e impressão Minas Gráfica Editora, Rua dos tupis, 957
Fone 4-4352-Belo Horizonte.
Fonte: Revista Cruzeiro, agosto de 1964, p.2

As indicações da quinta edição da revista, publicação que apontaremos posteriormente


a matéria que foi analisada, nos mostra às informações importantes para compreender a
estruturação da revista. As pessoas que estavam a frente da direção de produção do periódico
participavam do cotidiano dos setores da imprensa e do ambiente do diretor que foi
entrevistado.
Conforme Lúcio Benquerer; Konstantin Christoff, Waldir Senna Batista e Haroldo
Lívio12 estavam à frente na idealização do projeto bem como na sua produção. A atuação
descrita pelo entrevistado vai desde a medicina, advocacia entre outras atuações que faziam
com que o cotidiano facilitaria para que as pessoas que produziram o trabalho estavam em
contato com o ambiente social e informativo do contexto de Montes Claros da década de 1950
e 60.
Questionado sobre essa relação, Lúcio Benquerer justificou que morava na capital no
período que esteve à frente do projeto. Por isso, mantinha dois endereços fixos, e a fabricação
era feita na mesma cidade. A sede que pertencia a Montes Claros era mantida para produção
do material, das reportagens e funcionava como departamento da administração.
Por ser uma revista de variedades, as imagens eram pensadas como foco central na
redação que a publicação mantinha algo parecido aos grandes periódicos ilustrados da época

12
Conforme Yvone Silveira e Maria José Colares em Montes Claros Ontem e Hoje (1995), Konstantin Chistoff,
nascido na Bulgária em 1932 chegou na cidade aos seis anos. Médico, atuava como cirurgião do Hospital da
Santa Casa de 1948 à 1980. Co fundador da faculdade de medicina da Unimontes, também fazia pinturas e
destacava- se desde o início como artista. Manteve várias exposições de seus trabalhos. Desempenhava o papel
de cartunista em vários veículos impressos da cidade, sendo dois deles as revistas ilustradas O Cruzeiro e Montes
Claros em Foco. Haroldo Lívio, em sua publicação Nelson Vianna, o Personagem (1995), aponta em sua
bibliografia como “cronista”. Desempenhou papel jornalístico durante muitos anos no periódico Jornal Montes
Claros, na década de 1970 e 1980.
45

como O cruzeiro e Belo Horizonte. As fotografias destinadas às inúmeras matérias que


intercalavam sobre cotidiano, eventos culturais e esportes.
No que diz respeito a grande dedicação da revista em colocar sempre a imagens em
seu trabalho existia um departamento específico para isso. Assumia o setor dedicado
exclusivamente à fotografia; Arnaldo Caldeira, José Gomes, José Gonçalves e Waldevino
Fátimo de Lima. Essa relação era muito grande, pois com pessoas específicas para produzir
esse trabalho fundamental da revista, revelava a uma poder muito grande e cuidado com o
essa parte do periódico.
Essa medida que passa a ser adotada a partir do final dos anos 40, conforme Ivete
Batista Almeida (2014), que citando a Cruzeiro; as revistas brasileiras começam a importar
menos imagens das centrais de informação estrangeiras e passam a ter os seus próprios
departamentos de imagem. Desta forma, o grande valor que se dava as imagens e as suas
qualidades tiveram ainda presentes nessa publicação devido as já consolidadas formas de
trabalho mantidas por outros periódicos desse meio.
Dentre todas as figuras apresentadas, vamos nos dedicar ao fotografo e atuante no
periódico Waldevino Fátimo. O nosso interesse esteve principalmente dedicado ao seu
trabalho com outro profissional, Rilson Santos, ambos participaram da matéria “Nos Terreiros
de Umbanda e Candomblé- Mistério e Pompa dos Ritos Fetichistas”. Desta forma,
mostraremos a ligação dos dois com a revista e seu trabalho com a fotografia nesse momento.
Waldevino, já falecido, foi explicitado por seu companheiro Rilson Santos, nas
entrevistas feitas para a produção da pesquisa, como a inspiração com o trabalho de fotógrafo.
Além de ser seu cunhado, praticou sua produção com ele por muito tempo. Para isso, o
entrevistado justificou que sua identificação pela fotografia foi devido ao seu contato com as
revistas ilustradas, como a O Cruzeiro entre outras. Sua participação com as atividades de
fotografia juntamente com seu parceiro Valdevir, como ele se referia proporcionaram um
grande avanço no conhecimento e no trabalho que ele se dedica até os tempos atuais.
Parte das informações que foram repassadas por Rilson, na sua fala, retratam sua
ligação com a fotografia em várias outras áreas desse tipo de atuação. O seu trabalho não era
dedicado apenas ao fotojornalismo, mas como fotografo que atuava em eventos e atividades
em geral. Essa multiplicidade de atuações e necessidades que as atividades vinculadas às
imagens tiveram nesse período vem de inúmeros fatores que podemos ligar, como o alto valor
do material fotográfico, as produção que era dificultada e as relações com esse profissional ter
um vinculo grande. No que diz respeito a sua formação, o entrevistado justificou que estudou
46

por correspondência13 e que após isso começou acompanhar seu amigo e cunhado em outras
atividades que necessitavam de ajuda.
A referida reportagem destacada foi feita com o acompanhamento de Waldevino
Fátimo, que mantinha uma relação próxima na sua produção, fazendo outras matérias
fotográficas para o periódico. Como já foram destacados, os dois não estava ligada
diretamente a imprensa, mas mantinham diversos trabalhos que produziram uma referência
para o cotidiano da cidade. Por isso, a proximidade dos dois fotógrafos facilitava na produção
de matéria e cobertura de eventos que a revista produzia.
Rilson Santos continuou mantendo seu trabalho em outras áreas bem como em jornais
e até mesmo na revista oposta, Montes Claros em Foco um trabalho rotineiro que
proporcionou sua participação no cotidiano da cidade. Destacamos tal proposição, ao pensar
que a relação do fotografo com esse tipo de produção era comum e imbuído desse meio, suas
fotografias absorviam tal ligação. Nesse sentido, o que entendemos dessa relação de
proximidade era uma forma de produzir que modificou o trabalho dos dois fotógrafos,
alterando sua visão e construção estética na produção de imagens.
Esse ambiente propicia às construções de fotografias que ora eram inseridas na revista,
na imprensa e que também representavam os álbuns pessoais e familiares, de acordo com o
relato do entrevistado, produziam certa condição visual que modificava e delimitava um
padrão para aquelas imagens. Contudo, o que encontramos dentro desse contexto, foi uma
relação muito intima e necessária entre a imagem fotográfica e imprensa daquela época. Os
dois fotógrafos estudados, a sua ligação com a revista e com os assuntos dedicados a ela
proporcionaram uma forma de fazer que seja própria daquela comunidade específica.
Outro ponto, a respeito da edição estudada, foi à ligação entre o departamento próprio
de fotografia que a revista mantinha com o setor dedicado a cultura. Uma das pessoas que
estavam à frente, desse departamento e que também foi o redator da reportagem aqui
estudada, Haroldo Lívio, mantinha uma relação de proximidade com tal temática. Segundo
Lúcio Benquerer, o também falecido chefe do setor dedicado a assuntos culturais mantinha
uma relação muito próxima por fotojornalismo e por assuntos temáticos e diversos que
diferenciavam do cotidiano de Montes Claros, nesse momento. Conforme o entrevistado, sua
formação em sociologia poderia ser um fator que contribuiu para produção de alguns assuntos
destinados à revista, como a matéria dedicada aos terreiros de Candomblé e Umbanda.

13
Nos anos 1940 e 1950, com a popularização do rádio e dos eletrodomésticos, se difundiram os cursos de
eletrônica e rádio por meio de 'cartas-aula'. Instituto Universal Brasileiro e Instituto Monitor, foram os pioneiros
dos cursos por correspondência.
47

Contextualizamos, informamos e procuramos até o momento destacar as relações entre


a imprensa, o cotidiano da cidade e como a fotografia passou a ser usado em consonância com
a criação e produção da revista Encontro. Portanto, esse ambiente foi necessário para essa
produção, e, portanto fez-se necessário esse processo de pesquisa para atendermos nossos
objetivos. Dentro dessa proposta, os meios de produção e criação das imagens são importantes
nos métodos utilizados na pesquisa.
Conscientes disso, recorreremos a essas descrições ao longo do capitulo. Utilizando as
entrevista que foram produzidas bem como as informações relativas ao periódico. Desta
forma, propomos pensar a reportagens que o palco central de nossas analise.

2.1 Candomblé e Umbanda para a Encontro

Uma imagem distante do nosso cotidiano pode abrir inúmeras interpretações e


curiosidade daqueles que as visualizam. Buscar nas tradições brasileiras de Matriz Africanas
temáticas para reportagens foi muito presente no fotojornalismo da década de 1950 e 60 no
Brasil do período. Algo que aparece com mais frequências nas revistas ilustradas que
noticiaram demonstrar e apresentar sobre inúmeras concepções, apresentações e
representações.
Neste sentido, apostaremos analisar a tais condições na matéria Nos Terreiros de
Umbanda e Candomblé- Mistério e Pompa dos Ritos Fetichistas da revista Encontro de
Montes Claros.
Na edição da revista estudada, (pg. 6) acompanhamos um resumo do conteúdo da
edição e com as chamadas de todas as reportagens da publicação. No resumo da matéria está
escrito;
Haroldo Lívio, recolheu farta documentação sôbre a Macumba em Montes
Claros e expôs em interessante reportagem tudo o que acontece “nos
Terreiros de Umbanda e Candomblé” Um trabalho jornalístico sério,
diferente e resultante de exaustivas pesquisas. Merece ser lido e guardado. É
um documentário. (ENCONTRO, agosto de 1964)

Nota-se que a ideia de documentário foi a principal qualificação que o trabalho


transparece dando ênfase exaltando tal questão. Consequentemente, ao propor essa ideia sobre
a reportagem, Haroldo Lívio que assinou a matéria buscava a ideia de um diferencial para os
leitores na revista. Isso ocorre justamente devido ao um aspecto no fotojornalismo acerca das
reportagens com esse teor no desse momento. Desta forma, a justificativa inicial foi utilizada
48

para destacar e “preparar” o leitor acerca da temática proposta na matéria que abriria o
conteúdo da edição V da Encontro.
Paralelamente, a fotorreportagem demonstra algo que não estava vinculada uma busca
pelo diferente, documental. Ela foi apresentada, nessa chamada inicial como um “trabalho
sério” e resultado de “exaustivas pesquisas”, mas o conteúdo que foi noticiado não estabelece
uma quantidade de informação e destaque que trazia sobre os terreiros fotografados como um
trabalho extenso da forma como foi destacado na chamada. Podemos perceber que por mais
que as imagens do Candomblé e Umbanda sejam os outros destaques na revista, o próprio
conteúdo do texto jornalístico não se difere muito, trazendo aqui uma relação de explicação
“sutil” dessas fotografias apresentadas.
Podemos ainda identificar tal questão, principalmente pelo público que a revista era
destinada, basicamente pelos próprios montesclarenses e alguns municípios próximos. Por
trazer uma ideia sobre terreiros da cidade que nesse momento era relativamente pequena, essa
proposta pode ser mais aproximada do cotidiano dos moradores da região, podendo assim ter
um cárter de apresentação por meios vinculados a “cultura” do ambiente. Sobretudo a isso,
acreditamos que esse foi aspecto inicial dessa analise, sendo apenas questões centrais do
estudo.
Considerando a nota inicial sobre a matéria, uma fotografia foi usada para ilustrar tal
apresentação. Diferentemente das outras imagens presentes no corpo da reportagem não
contem sujeitos em sua composição. Enfeitados de flores e adornos que lembram um altar
religioso católico, a característica sincrética produz uma aproximação coma tradição religiosa
comum na região do leitor14. O requinte e luxo os santos transparece, com vários elementos
cautelosos e robustos justificando assim a demonstração de cuidado refinado e bem elaborado
abre visualmente o imaginário acerca da consequente matéria dedicada.

14
Conforme Ênio José da Costa Brito (2016) estudando a folia de reis em Montes Claros, a região é marcada um
uma rica cultura que se volta na valorização dessas práticas e que por demonstrar uma fé católica que transmite e
transparece nas tradições populares da cidade.
49

Figura 12. Altar com santos da Umbanda

Fonte: Revista Encontro, agosto de 1964, p.6

Uma apresentação preparação para suavizar, menos centrada em uma representação


sobre o “proibido” que essas religiões foram costumeiramente referidas. Santa Barbara, ou
Iansã em um pedestal próprio de seu valor dentro da Umbanda reflete uma posição
hierárquica que abaixo aos seus pés, “São Cosme e São Damião” revelam o culto aos erês e
crianças, algo muito marcante dentro do cotidiano da Umbanda15. Esse formato proporcionado
pela imagem, onde uma relação subordinação, e principalmente de trindade pode ser muito
bem destacada pela fé popular que muito perdurava naquele momento estudado.

Figura 13. Primeiras páginas da reportagem Nos Terreiros de Umbanda e Candomblé

15
As explicações ritualísticas, bem como a definição mais profunda acerca das religiões aqui tratadas, serão
aprofundadas no segundo capítulo do trabalho. Portanto, para fins de estudo o Candomblé a Umbanda aqui, são
entendidas como religiões diferentes mas que estabelecem uma relação por conter elementos semelhantes.
50

Fonte: Revista Encontro, agosto de 1964, p.8

Figura 14. O cavalo de Ogum Laje Grande

Fonte: Revista Encontro, agosto de 1964, p. 8


51

Ao introduzir tal matéria, o texto e as imagens configuram uma relação muito


necessária para a construção da narrativa proposta. Estabelecendo uma relação de colaboração
tanto as imagens como a descrição do que “acontecimento” emergiu para produzir um sentido
um sentido que somado produz uma mensagem. Considerando toda a matéria ilustrada,
percebemos que a função de amplificação, onde as imagens podem refletir mais do que o
texto, mas não contradiz a informação já colocada.
O título que inicia a primeira página (8) foi destacado na cor alaranjada em uma
totalização que remete ao vermelho suave, pois devido à deterioração do material não se sabe
se a cor era mais vibrante. Ao lado do grande título, apontamos representado o Cavalo de
Ogum Laje Grande, com uma técnica16 onde apenas a imagem aparece recortada e junto ao
fundo branco, com a mesma cor do nome do texto. Essa imagem ocupa grande parte de toda a
página inicial, destacando Orixá representado. Logo depois temos uma imagem no tamanho
padrão de todas as fotografias da matéria, na casa de umbanda retratada. Uma pequena
chamada acima do título, que está em primeiro plano, pouco perceptivo no contexto geral
dessa folha introdutória, está escrito “Documento Folclórico”.
A imagem é de um homem com o corpo levemente arqueado, paramentado e com os
olhos fechados. Ao lado dessa imagem as palavras Nos terreiros de Umbanda e Candomblé
estabelece uma relação de complementaridade entre texto e imagem, nos informando que essa
imagem do homem, se refere a um personagem – da Umbanda ou do Candomblé. Abaixo do
titulo principal, tem-se um subtítulo em letras menores, “mistério e pompa dos ritos
fetichistas” fazendo a associação da imagem com algo que corresponde a um “mistério” –
reforçado pela posição corporal indecifrável e os olhos fechados do personagem. Mas
podemos pensar ainda em termos conceituais, em qual sentido de mistério? Também à pompa,
que pode ser reforçada pela paramentação do sujeito da imagem. E quanto a ritos fetichistas,
nos indica que essa manifestação religiosa não será tratada como religião, mas como rito
fetichista.
Esse aspecto inicial foi marcado pela forte tonalidade que diferencia a sua chamada da
matéria com o decorrer do texto que ocupa a seis páginas restantes. Pelo tamanho que foi
destinado para a abertura, notamos que o destaque da natureza “documental”, como foi
apresentado inicialmente no editorial pode ser confirmado com as primeiras intensão que o
leitor poderia ter ao encontrar referenciais das imagens introdutórias.

16
Essa tonalidade era utilizada nos tons de vermelho e alaranjado pois devido as fotos serem em Preto e
Branco, e já existirem processo de coloração da imagem, mas muitas vezes caro essa técnica foi utilizada pela
revista. Por conta da característica artesanal e regional da publicação, uma forma de dar destaque e “modernizar”
a suas páginas foi tal questão.
52

Encontramos além da primeira descrição realizada anteriormente outra imagem


destacada que abrange um destaque menor que a primeira. Nessa imagem conseguimos
visualizar, uma apresentação onde uma grande quantidade de pessoas estava reunida sobre um
círculo compondo uma roda de frente a visualização do leitor. Muito rico de elementos
evocam uma relativa conjuntura de união e multidão participante do rito religioso. Essa
posição escolhida pela seleção de fotografias para ressaltar esse caráter ritualístico coletivo
que o a Umbanda pode revelar. Como a legenda “Visitas de Umbanda homenageiam o
caboclo, na casa de Oxóssi” estabelecendo uma visão que complete a instância prioritária
sobre a imagem.

Figura 15. Casa de Oxóssi.

Fonte: Revista Encontro, agosto de 1964, p. 8

A imagem tornou se diferenciada dentro do estudo por conta da sua especificidade


diante todas as outras imagens entre as apresentadas nessa edição da revista. Por conter um
número maior de pessoas, em uma posição ordenada trazendo um rito em um plano aberto
contento um agrupamento, considerando ser diferente de tudo que será apresentado
posteriormente, podemos definir o objetivo do fotografo bem a intencionalidade do produtor
da matéria. Mais do que isso, o necessário na presente pesquisa é identificar esse aspecto da
visualidade enquanto um padrão e articular com as ideias que essa reportagem pode passar
53

para o leitor, bem como a necessidades de imagens que construíram representações das
religiões brasileiras de matriz africana.
Essa foto, por está logo abaixo do grande título, excepcionalmente colorido, pode ser
muito bem descrita pela sua opção de tratar de uma composição coletiva de uma cena do rito,
mas acaba por está pouco destacada e com relação a sua imagem acima, não surte muito
destaque. Além de o tamanho menor que as outras imagens de toda a matéria, contêm poucos
elementos em destaque, com exceção da estrela no centro do rito, mas que acaba por ser
despercebida diante o contexto geral coletivo, principalmente com relação as fotografia da
próxima pagina subsequente. Nota-se, que as outras fotografias, são diferentes evocam esse
ideal de “documental”, distante dos leitores.
Não obstante, percebemos posteriormente a divisão que a reportagem produziu,
diferenciando um espaço específico para a “Linha de Candomblé” (p.8 e 9) o destaque foi
destinado a casa de Oxóssi, chefiada por Pai Teresino, e após isso, nas paginas subsequentes
estão a oferta que abrangeu a “Linha da umbanda”, do Sacerdote José Fernandes. Essa
separação foi muito importante, provavelmente nas diferenciações entre as duas religiões e os
conceitos que os Pais de Santo tinham diante uma identidade muito diferente entre suas casas.
Posteriormente, esse assunto será abordado com maior clareza, no segundo capítulo do
trabalho as duas casas serão caracterizadas com mais aprofundamento.
Com relação às diferenças entre as duas Religiões, talvez a necessidade desse discurso
de diferenciação de acerto perante a própria visão do que se tinha delas como algo unificada e
relativa aos povos “negros africanos”. Desta forma, identificamos também que ao preocupar
em estabelecer uma relação destacada e fixada no texto que acompanhava a matéria, as
explicações são claras e concisas, não muito aprofundadas. Por isso, ter utilizado e dividido
em dois blocos, ressaltou ainda mais a ideia de uma divisão que tornavam duas coisas
distintas.
Essa dissociação que foi destacada pela publicação nem sempre se estabeleceu como
marcante ao definir tal diferenciação de culto. Em um passado recente, no ano de 1952, em
então reportagem da O Cruzeiro, os cultos de Umbanda, Candomblé e Espiritismo se
misturavam pelos textos fotojornalísitco do periódico.
A matéria abaixo (figura 16) que se utiliza das imagens com uma proposta de
revelação, onde o aporte da imagem revela-se assim indispensável para a compreensão da
redação, revelando assim uma narrativa que aparece a cada nova imagem. As fotografias aqui
estão intercaladas entre tamanhos médios e que em alguns momentos ocupam grande parte
das paginas. Compondo uma imagética que define o culto por meio do transe e possessão,
54

acaba por credibilizar a ideia inicial da reportagem que queria “desmascarar” um culto. O que
nos chama atenção para a discussão presente é a ideia de utilizar o termo “macumba” que
unifica os cultos, sem fazer uma diferenciação ou explicação mais detalhada dos eventos que
estão sendo retratados. A imagem apresenta o mesmo peso sobre o texto, que associados os
dois meios, apresentam uma relação de Disjunção, pois ao interlocutor ver primeiramente a
imagem, o texto a coloca como “falso” acontecimento. Ou uma “encenação”.

Figura 16. Desmascarando uma mistificação

Fonte: Revista O Cruzeiro, 1952. p. 128

Não obstante, a referida reportagem da Encontro, produz essa diferenciação ao


destacar os dois terreiros que se tratavam de cultos diferentes bem como faz essa explicação
no decorrer de sua matéria ilustrada.
Observamos diferença nas imagens da revista de Montes Claros que foram veiculadas
as posições e até mesmo a claridade que as fotografias foram feitas, além de serem em
ambientes diferentes, contem traços e objetivos que não estavam na mesma perspectiva.
Importante, também, pode ser a ênfase que a redação narrativa das duas casas se concentra em
formas diferenciadas e análises distintas.
Conforme as descrições, voltaremos à segunda página de reportagem, onde estão
contidas duas fotografias de ritos do Candomblé, além de uma pequena chamada que resume
55

toda a reportagem dos terreiros definidos como “Moc Afro-Brasileira”. Percebemos assim que
a página descrita é divida por duas colunas não demarcadas e ilustradas por outras duas fotos
cada uma em oposição á outra sendo destacadas em sentidos contrários, onde a sua oposição
demarca meia página transversal para cada uma.
As duas imagens impressas nesse trecho são em preto e branco com o destaque apenas
para o Candomblé. No entanto percebemos que tanto o texto como as fotografias tratam de
um sentido “idealizado” de uma cultura distante e ancestral, uma forma de padronização sobre
essa temática religiosa na mídia ilustrada da época. A primeira imagem é uma representação
do Orixá Oxóssi, sendo uma referência ao guardião da floresta e da caça. Na segunda
fotografia aparecem à reprodução de outras duas entidades Obaluaé e Omulo, ambos com
uma ligação forte ao espírito e conhecimento, e a ancestralidade, posto que Omolu representa
um orixá antigo.
O texto introdutório, acompanhado as imagens faz um caminho explicativo da cultura
brasileira de matriz africana colocando assim a África como berço central do surgimento das
“práticas culturais”17 que foram estudadas pela revista. Não obstante, identificamos elementos
padrões nas explicações sobre origem dessa cultura. Tanto a ligação da escravidão e a
estereótipos, “A magia negra, o samba e as comidas da cozinha baiana foram trazidos para o
Brasil no bojo dos navios negreiros” que tanto relativizava e de certa forma produz
18

credibilidade a um passado ancestral e principalmente longínquo, mostrando assim que não se


trata mais de algo “supérfluo” do “folclore brasileiro” (ENCONTRO, 1964, p 7).
Para exaltar tal construção, a redação prolonga um discurso ao dizer que; “Êsses ritos
fetichistas, ainda conservados descendentes dos negros da Escravatura, encontraram seu
“habitat” nas grandes cidades costeiras do País” retratando ainda o caráter de conservação de
uma cultura antiga. Reconfigurando tal ancestralidade, após isso, revelam uma aproximação
com base nacional das religiões descritas, onde “Vem daí a difusão, em nossa pátria, de
diversas práticas religiosas primárias do gentio da África” ligando a o Brasil a diversidade e
pluralidade que diversificou tal discurso.
Foi importante perceber que além de estacar tal concepção de retornar ao continente
africano essas práticas, o texto situa ao País para além da ideia de cultura e possibilita um

17
Nota-se que a todo o momento o texto define apenas como “práticas culturais”, “mistério “e “fetichismo”.
Desta forma, tanto o candomblé e a Umbanda não foram conceituadas enquanto religiões. Essas visões serão
aqui descritas no próximo tópico destinado.

18
Todos esses produtos da cultura, expostos no excerto são produtos da cultura brasileira o samba teve grande
influencia portuguesa, a culinária baiana a presença de saberes e fazeres indígenas e europeus, bem como o
Candomblé e a Umbanda. Uma cultura que aqui foi reduzida a uma exterioridade.
56

discurso de Nação. Por último, outro grande ponto que ressalta tal orientação foi “E o
elemento negro, cativo e saudoso de seu lar, trouxe em seu sangue a nostalgia, o doce langor
africano e as tradições e costumes das civilizações primitivas”. Mostrando assim, o critério
que a pesquisa “documental” seguiu no interior da reportagem.
Mais do que trazer um discurso que propiciava uma aceitação, pois ligar elementos do
Candomblé e Umbanda, práticas religiosas suburbanas, escondidas e negligenciadas nesse
momento (PRANDI, 1990). A revista Encontro, junto com o redator da publicação buscava
dialogar com certos padrões de práticas que vinculavam essa ideia de nacional as religiões de
Matriz africana.
Acompanhando tal discurso, as duas fotografias presentes na página 9 buscam
exatamente adicionar o valor que o texto pode ter sido colocado dentro a dinâmica desta
reportagem. Em duas imagens cada uma, identificamos dois indivíduos dentro do quadro
escolhido de destaque. Subsequente ao texto, a primeira imagem mostra em primeiro e único
plano o Ogã da casa junto ao orixá Oxóssi, esse santo que representa a casa no qual foi feita o
trabalho da revista em um aspecto onde a luz se recendia dando um grande destaque para a
cena de forma que a imprevisibilidade possa ser o foco central que a imagem propôs mostrar.
Mais do que isso, o próprio semblante dos sujeitos em posições de obediência mostram uma
cena retirada do tempo no qual o ritual estava sendo feito. Para isso, é importante perceber
como todos os elementos da foto estão sendo retratados e posto.

Figura 17. Oxóssi Caçador, e Obaluaé e Omulú

Fonte: Revista Encontro, agosto de 1964, p. 9


57

Transparecendo um ritual em movimento, pelos pés descalços dos retratados na


primeira imagem da esquerda, bem como da imprevisibilidade com que os indivíduos ao
fundo se concentram a vestimenta da divindade capturada está apresentada em um aspecto
desprentecioso. O fundo escuro e a centralização dos personagens que guiam o ambiente
podem confirmar tal explicação que o texto de introdução da matéria sugere. Bem como, a
fotografia de Oxóssi pode ser uma ilustração das descrições iniciais, mais ao mesmo tempo
eles funcionam como um só, ou seja, a narrativa que procura na África tomando para o
território brasileiro essa prática foi condicionada pelas imagens que representam essa marca
rudimentar e participativa que essas fotos destacam. Pelas formas em que a foto revela e
destaca, principalmente por um congelamento de cena, que evoca essa ideia de colocar-se
como espectador do ritual ilustra muito bem a descrição desse culto.
Ao mesmo tempo brasileiro e não folclórico foi também Africano e rudimentar, uma
oposição muito bem definida que se instala de uma forma mais sólida. Se essa era a ideia
central, talvez eles conseguissem, pois são essas as imagens que se destacam como a ideia que
foi construída do Candomblé e Umbanda. A primeira impressão visual sempre estará
condicionada ao texto que deu suporte, mas que também construiu uma narrativa conjunta à
imagem.
A imagem da direita, deparamos com duas entidades que confirmam tal hipótese aqui
levantada. Se a África foi berço e ancestralidade essa ligação aparece com maior intensidade
nas representações de Omulú e Obaluaê. Juntos, mas em uma relação de oposição com
direcionamentos distintos, os Orixás, aqui estão cobertos por uma vestimenta de palha, natural
dentro da própria mitologia, onde o primeiro representa a versão mais “nova” do segundo.
Pela essencialidade como os próprios personagens da narrativa imagética criada com relação
ao texto descritivo e a primeira imagem da página, a sensação de uma proposta antiga que as
divindades demonstram e transparecem podem sim confirmar essa ideia de algo ancestral.
Mais do que isso, os santos retratados proporcionam uma relativa transposição de realidade
convencional, pois são indivíduos cobertos por vestimentas que transbordam as configurações
do ser, não sendo capaz de definir uma ligação humana própria daquelas representações.
São, portanto, diferentes e não lineares. São imagens que não remetem a uma ligação
com o culto religioso tradicionalmente, como é o caso do cristão. Por isso, essa proposta de
uma fé, africana, ancestral e dos negros escravos talvez ganha mais força com a sacralidade
oculta que as divindades transparecem.
Finalizando esse conteúdo de apresentação dos povos do terreiro e essa ligação com ao
ancestralíssimo africano, o texto descritivo fecha com vinculo referindo as características do
58

Candomblé e Umbanda regionais. Desta forma foi relatado, “com a conquista da interclânica,
os cultos afro-brasileiros penetraram pelo interior da Nação, chegando até nós, em Montes
Claros, nos chapadões do Norte mineiro, atraídos pelo afluxo da corrente imigratória
nordestina.” Essa descrição foi usada na medida em que posteriormente, a reportagem
destacou em apresentar os dois terreiros retratados na matéria dos “ritos fetichistas”.
“Moc Afro-brasileira” foi o título escolhido para representar os cultos regionais
fotografados. Acompanhado de fotografias produzidas na casa de Candomblé de Pai Teresino,
o que podemos encontrar pela frente uma nova descrição agora feita especificamente sobre os
terreiros de Montes Claros. Iniciando assim uma apresentação da casa de santo e algumas
informações pontuais não muito extensas sobre o ambiente que foi visitado. Isso foi
importante, pois com relação ao ambiente dedicado a Umbanda, a redação vai além com
outras informações diferentes que não estão presentes na primeira parte da reportagem. Esse
texto inicial ainda configura como apresentação das duas casas de Santo, basicamente a
descrição conduz;

“Em nossa cidade existem, em pleno funcionamento, duas entidades de


primeira categoria de cultos afro-brasileiros: O grande terreiro de
Umbanda dos Filhos de Pai Gonzaga, fundado e orientado pelo Babalaô
ou Presidente vitalício José Fernandes Guimarães, inscrito no Registro Civil
das Pessoas Jurídicas do Estado da Guanabara, sob n.° 11.890, que cultua os
espíritos dos pretos velhos; o Terreiro de Oxosse Caçador, criado e
dirigido pelo pai-de-santo Terezinho Nery Santana, que recebe, na complexa
terminologia do candomblé, os títulos honoríficos de Babalorixá , Tata e
Vodunô. Ambas as organizações, as quais possuem diretorias e estatutos
devidamente legalizados, estão registradas na entidade máxima dos ritos, a
União Nacional dos Cultos Afro-Brasileiros, com sede no Rio, à rua do
Lavrádio. (ECONTRO, agosto de 1964, p. 9)

Nota-se a necessidade dar crédito os dois terreiros com o registro civis a eles cabidos.
Uma opção que demonstra ao leitor credibilidade e talvez seriedade para com as escolhas do
jornalista com a matéria realizada. Essa questão foi um ponto importante se voltarmos a
pensar como as negligencias com que essas religiões historicamente forma presenciadas em
seu processo de formação. Mais do que uma identidade de informação correta e muito bem
escolhida o registro tanto cível como em âmbito nacional pode ser um discurso necessário
para o reconhecimento do ambiente onde a reportagem foi feita. Sobre uma forte influência de
destacar a cidade ao qual foi feita bem como seus personagens centrais, os Pais de Santo
Teresino e José Fernandes, acontece pelo fato de mostrar como essa organização pode ser
típica de uma cidade aberta e grandiosa, ou como essa cidade nos seus terreiros também se
59

mostra moderna e muito bem auxiliada e com presença do direito e algo que valida um
discurso de nacional vigiante nesse momento.
O que foi importante aqui, que ao relativizar uma ligação nacional com a necessidade
de colocar o registro civil em destaque, bem como as legalidades “máximas” da união dos
cultos afro-brasileiros, transformando uma exaltação da prática para demonstrar uma
soberania e pincipalmente uma ligação próxima com esse contato nacional e muito bem
ligado ao estado e as indulgências próprias dele. Não obstante, esse ponto deverá se desdobrar
no trabalho posteriormente.
Os cultos pesquisados e descritos pela revista são ainda conceituados ao final desse
pequeno texto, como “definitivamente incorporados ao acervo de cultura popular da Princesa
do Norte” remetendo assim a uma ligação muito forte da proposta que sempre evoca, como
plano de fundo, a cidade. Uma ligação que vai se estabeleceu ao longo de todo o trabalho, faz-
se reconhecer Montes Claros, enquanto palco de uma diversidade de cultura e principalmente
qualificar o seu nome com vários aspectos que aqui se encontram demonstrando que se temos
“muitas coisas, somos muitos!”
O terreiro de Oxóssi Caçador, comandado por Pai Teresino foi determinado pelo
periódico com poucas descrições em relação ao espaço dedicado à Umbanda, em toda a
produção. Com duas páginas dedicadas ao seu acervo, apenas três fotografias ilustram essa
reportagem bem como um texto explicativo. Outra grande parte dessa narrativa é dedicada à
explicação do conceito “Similie” que tem quase metade do espaço, do trabalho para essa
discussão.
Uma descrição básica intercalada entre três fotos acima em um ao lado mostra o local
onde se encontrava o terreiro, “Vila Guilhermina”, e ainda a informação da especificidade do
Candomblé que ocorre apenas em Montes Claros, e segundo a própria revista uma “tenda” em
Teófilo Otoni. Pela interpretação, não sabemos ao certo se essa justificativa diz respeito às
casas de Candomblé, ou se é algo específico do culto que faz existir apenas nessas cidades. O
que aparece foi à primeira informação. Sabemos que no presente momento à época o
Candomblé passou a ter um crescimento de adeptos, conforma Prandi (1990) e que sua
expansão alcançou grandes expansões a partir dos anos 70.
Logo depois, o texto nos explica e conceitua os Orixás dentro do cotidiano da religião,
liga-os a origem africana e ainda cita algumas divindades que estão presentes no terreiro da
casa apresentada. Entre elas estão, Oxóssi, Oxalá, Xangó e Ogum, além dos cânticos
destinados a cada uma dos santos e suas oferendas. Nessa mesma proposta existe uma
60

diferenciação entre as funções destinadas para cada praticante e o valor grande dos atabaques
e Ogãs dentro do cotidiano do terreiro.
Entre quatro imagens que circunscrevem os dois textos informativos acerca da “Linha
de Candomblé” conceituada pela reportagem. Uma relação estabelecida consoante às três
primeiras imagens (Figura 7) que apresentam cenas de um mesmo rito em posições
semelhantes nos seus sujeitos representados. Já na última foto, de baixo as primeiras, a
comunicação estabelecida foi diferente, pois o sorriso do Êre (Figura 8) remete uma nova
mensagem que se distancia de um “ocultismo” que as três fotografias iniciais podem ter
proporcionado.
Figura 18. Dança dos Orixás

Fonte: Revista Encontro, agosto de 1964, p. 9

Da esquerda para a direita, as legendas que aparecem transmitem uma relação de


colaboração com a função de completar o sentido da imagem lê-se; “O ilá de Iemanjá,
mostrando sua presença na festa de Oruncó”, “Caboclo Boiadeiro em transe”, “Uma devota
desafiando as guias para o seu orixá”.
As três imagens em formato horizontal retangular, estão apresentadas lado a lado
compondo por três personagens com condutas independentes entre eles. A pose no qual foram
capturados demonstram uma imediatismo com o qual as fotografias foram produzidas. Por
ser um período noturno, o flash foi utilizado.
61

No primeiro momento, Iemanjá no auge da dança na roda de candomblé estende seus


braços estabelecendo uma agilidade para o contexto do ritual retratado. A entidade que
representa os cultos aos Mares tem em sua identidade na religião uma forte presença com a
ideia de mãe dos Orixás. Característica da fé, que vinculada às práticas cristãs, torna uma
entidade muito bem aceita e utilizada nos cultos de Matriz Africana, principalmente ao
vinculo com Nossa Senhora.
Para além de um movimento que as fotografias subsequentes estabelecem, essa
entidade reforça na dança possibilitando um contato pelo interlocutor ao ver como os braços
estando abertos refazendo um caminho de benção e liberdade que esses gestos podem
representar. A movimentação das vestimentas na sua cabeça também pode reforçar tal ideia
que ainda transparece pela veste em forma circular em sensação de triangular que a saia,
característica da Orixá pode refletir. Atrás disso, um grupo de pessoas que compreende a
assembleia do local, que assistem a performática passagem da divindade.
Subsequente, as próximas imagens, tanto o Caboclo como a Muzenza, estão em uma
posição deslocamento, capturados em uma posição de percurso que podem estabelecer essa
ideia de agitação, um caminho percorrido pelas entidades que apesar de estar em fotografias
diferenciadas a relação estabelecida entre elas proporcionam tal agilidade. Ricos em
elementos e uma vestimenta exuberante, cada um relacionam entre os outros sujeitos
percorrerem um mesmo caminho. A roda do candomblé pode ser um referencial que
proporciona tal acepção sobre o rito retratado.
Não obstante, não foi possível perceber que esses ritos retratados acontecem ao mesmo
tempo, mas o que as imagens podem destacar diante sua leitura se tratam de um mesmo
momento. Tanto os dois últimos citados estão virados de uma forma que estabelece uma visão
diagonal do ser, podendo assim relativizar certo percepção de mais detalhes de suas
vestimentas, bem como caracterizar com mais clareza um processo que já foi relatado no texto
descrito do periódico.
O caboclo descalço reflete ainda um pouco mais na ideia de antiquado, posto ao
observador um proposito de originalidade que remete à “antiga” e “ancestral” religião. A
entidade retratada faz a uma característica de elementos da cultura indígena que foram
acrescidos ao panteão dedicado no Candomblé. Percebe-se que a palavra transe, aparece
apenas nesse momento em toda a reportagem. Por muito tempo o vínculo a possessão e o
transe religioso foi dedicado as religiões de Matriz Africanas, mas ao que parece essa temática
não foi debruçada na reportagem. Não obstante, posteriormente essa temática será abordada.
62

A última personagem que foi representada, uma “devota”, cessa o caminho percorrido
pelas outras duas entidades apresentadas. Nota-se que, apesar de não ser uma figura de grande
hierarquia dentro da teologia própria da religião, a muzenza foi aqui retratada com igualdade
em relação aos outros dois sujeitos. Desta forma, a sua posição, os olhos fechados e os objetos
próprios do rito justificam o aspecto documental do ritual retratado.
Abaixo às essas imagens, acompanhada ao texto foi apresentado à figura de um Erê
junto aos instrumentos do culto, sem a presença de uma plateia ou outras pessoas que
participariam da cena.

Figura 19. Linha de Candomblé

Fonte: Revista Encontro, agosto de 1964, p. 9

O menino, na figura da entidade difere das outras fotografias por está de frente e com
um aspecto que evoca mensagens contrárias a primeiras apresentadas. O sorriso do garoto Erê
e a posição frontal a câmera transparece um humanização recorrente que não distancia mais
aproxima de um ritual mais humano e dinâmico. Outro ponto relativo a relação estabelecida
foi a movimentação contida nas primeiras fotografias acima e parada pela naturalidade de um
sorriso que transparece na imagem. Além que as tonalidades mais escuras e anoitecidas dos
primeiros exemplos, contrastam com uma claridade e exposição maior na imagem
subsequente.
Isso tudo pode ser muito bem explicado quando no próprio texto descreve o rito como
uma festa. Uma festa, que rodeada de “cânticos” e “expressões cabalísticas” (ENCONTRO,
1964) se concentra entre rituais que acalmam para receber os orixás, entre uma visão muito
63

descritiva e simples diante as extensões que um toque de Candomblé. Houve ainda a presença
de relatos das danças e dos batuques como uma forma da expressão completa do rito
retratado.
Ao término da primeira parte da reportagem, foi posto que, “alguns instrumentos do
Terreiro de Oxóssi Caçador já foram doados ao Museu e Centro de Estudos Folclórico de
Montes Claros” (ENCONTRO, 1964) argumentando dentro da materialidade como a cultura e
objetos desse povo tem um significado muito maior, sendo assim objeto de museus. O que faz
esses objetos e imagens terem esse valor? Completando tal intenção de vinculo com a
antiguidade e mostrando essa religião entre um processo de importante preservação.
Seguindo nesse sentido, o texto que fecha a linha de Candomblé com o subtítulo;
“Simile”. O termo foi utilizado na reportagem para designar o sincretismo religioso,
vinculando essas práticas às semelhanças entre o catolicismo. Além de uma conceituação do
nome, o redator cita alguns exemplos que vinculam os orixás do candomblé a ligação de
santos católico devido o processo de colonização. Sendo assim ele justifica que
“Continuariam adorando seus deuses africanos e conservariam seus nomes
originais, entretanto, o culto seria dedicado aos santos da Igreja Católica
Aparentemente, tratava-se de uma conversão em massa, feita da noite para o
dia”. (ENCONTRO, 1964. p. 9)

Algo importante dentro destas informações foi tratar as religiões brasileiras de Matriz
africana como fetichistas, como em; “Os fetichistas, da mesma maneira que os brancos e os
coléricos sabiam que tudo aquilo era uma farsa, pois continuavam acreditando em seus mitos
pagãos e os nomes dos mártires e beatos da Santa Madre Igreja” (ENCONTRO, 1964. p. 9)
categorizando assim os rituais que provavelmente continham esse diferencial de culto às
imagens e questões diferenciadas. Não obstante, por tratar o candomblé com essa designação
poderiam então revelar essa visão de “ancestralidade” que perdurava em seu texto, o mais
importante foi que até no título da matéria esse termo aparece.
Porque os nomes que conceituam a matéria, “Ritos fetichistas” foi vinculada de forma
única as duas religiões como Umbanda e Candomblé, pois não são usadas no decorrer do
texto? Essa visão não transparecia ser unívoca, mas com esse conceito embarcando todo
essas religiões ao mesmo nome podem ter construído representações.
Alguns exemplos “símilis” (sincretismos) foram citados no texto, como relativizar;

Xangô, deus da caça- São Jerônimo

Oxóssi, deus da caça – São Jorge


64

Iemanjá, deusa das águas salgadas e da prata- N. Sra. do Rosário

Oxum, deus da águ doce e do ouro- N. Sra da Conceição

Inhansã, deusa do raio e do cobre- Santa Barbara

Oxumarê, deus das chuvas- São Bartolomeu

Ossão deus das fôlhas- Santo Expedito

Nanamburucô ou Nanamburuquê, mãe de todos os orixás e todas as


moléstias- N. Sra. Santana

Oxalá, pai de todos os orixás- Senhor do Bonfim.

Erê e Orixá, deuses dos médicos- São Cosme e São Damião.

(ENCONTRO, 1964. p. 9)

Finalizando tal explicação o texto refere “uma grande relação de outras simílis que são
mantidas apenas para perpetuar a tradição.” Nota-se que mais uma vez a palavra tradição
aparece fortalecendo a ideia que tratamos aqui anteriormente.

Figura 20. Linha da Umbanda

Fonte: Revista Encontro, 1964. p. 10


65

Nas últimas paginas, foi destinada a Umbanda, com fotografias reproduzidas no


terreiro dos Filhos de Pai Gonzaga liderada por Pai José Fernandes (Figura 9). Uma
diferenciação foi feita, necessariamente nas primeiras frases do texto suporte da matéria. As
primeiras impressões que as imagens juntamente com o texto transparecem uma posição
diferenciada conforme o candomblé passava nas paginas anteriores. Além da quantidade de
fotografias serem maiores, os sujeitos presentes nelas salta de quantidade relativamente maior
do que as páginas anteriores.
Essas primeiras concepções destacam, a partir das imagens, um culto maior, com mais
espectadores e principalmente mais filhos de santos19 na cena. Com isso, a ideia de um
acontecimento extenso, aberto e coletivo salta das paginas como as primeiras expectativas
criadas sobre o acontecimento retratado no dia do culto.
A linha da Umbanda recebe uma caracterização muito maior que o Candomblé dos
filhos de Oxóssi, bem como um texto que evoca na figura da liderança religiosa de José
Fernandes certa força de guia e chefe daqueles cultos realizado. Essa ligação foi tão presente
que enxergamos nas seis fotografias reproduzidas nas duas páginas destinas a matéria (pagina
12 e 3) uma presença destacada do Pai chefe da casa. Cinco, das seis imagens contém o
sacerdote presente, comumente incorporado como Preto Velho.
Além de informar a localização, “margem da BR-3, proximidades do perímetro
urbano” (ENCONTRO, 1964. p. 10) o estilo e a exuberância do terreiro do Babalaô José
Fernandes é um grande destaque inicial que a reportagem prioriza. O redator Haroldo Lívio
além de relativizar a ideia de África, “Congo, Moçambique, Angola, Loanda, Mina e
Nigéria”, que foram ambientes ressaltados como berço dos cultos ao logo da reportagem.
Coloca agora nas mãos do sacerdote a grande responsabilidade na chefia do centro religioso.
Foram postos em evidência dois grandes eventos comemorados na casa; a Festa do
“Prêto Velho”, no dia 13 de maio, e o Presente da “Mãe D’Agua” no dia 8 de dezembro.
Outras festas importantes relatados pelo periódico são de Cosme e Damião (27 de setembro) e
a festa de Ogum (São Jorge, na nomenclatura umbandista). Refazendo esse caminho, tal
reportagem ainda ilustra os acontecimentos qualificando-os; conforme destacamos;

Nessas comemorações, que se revestem de grande esplendor, pompa e


requinte, expedidos convites para as altas personalidades da vida nacional e
a elas comparecem figuras de destaque em Montes Claros, atraídas pela
curiosidade e pela beleza das passagens ritualísticas, que lembram o fausto e
o colorido gritante das cerimônias tribais africanas. (ENCONTRO, 1964. p.
10)
19
É toda pessoa que, efetivamente, tem um compromisso com o orixá, vodun ou inkice e com a religião do
candomblé, ou demais religiões afro, podendo chegar à feitura de santo
66

Nota-se que a beleza e requinte foram a chave do nosso questionamento. O que estaria
por traz de tal exaltação? Diferentemente do Candomblé nas propostas relativas da Umbanda
de Babalaó José Fernandes, a destreza deste local foi muito presente. Mais que isso, ao relatar
a presença de “personalidades” à situação com que o terreiro transparece dentro da
reportagem se configura como uma proposta para além de um rito religioso distante. Já não
foi mais um culto ancestral e africano, nos arredores da cidade, mas sim uma festa que busca
na sociedade de Montes Claros ligação com seu cotidiano e a vivência cultural da cidade.
O ambiente do terreiro bem como suas dependências foram retratadas pela publicação
o “o salão de roncóo”, “quarto de santo”, “as relíquias”, “os paramentos e os amuletos”; “a
camarinha”, “a sala do médico”, e “o salão de banquete” construção de festiva que exalta
grandiosidade durante o texto ressaltando fotografias que demonstram tal relação. Pois a
proposta visual que coloca na festividade se destaca com relação à matéria realizado sobre o
Candomblé ressaltando assim uma oposição que estabelece postura diferenciada.
Consoante ainda a caracterização da Umbanda, a redação ainda sugere que; “É um
legado dos elementos negro que tanto influiu na formação do tipo étnico brasileiro, a
presença do brasileiro traz o odor e a música da macumba” (ENCONTRO, 1964. p. 10). Essa
visão sobre essas práticas reforçam nesse momento que a religião tem em sua origem o negro.
Algo importante, pois, ao relativizar tal palavra propões uma identidade que foge somente à
origem africana que já foi posto anteriormente. Além do mais a necessidade de ressaltar tal
questão foi a justificativa da origem da palavra Macumba, remetendo uma fala do próprio Pai
de Santo, “instrumento indígena africano e que macumbeiro é a expressão correta para
designar o músico que executa aquele instrumento” destacando a diante a provável
necessidade de uma abertura dessas questões para a visão diferenciada sobre o terreiro e
alguns termos pejorativos.
Finalmente, ao terminar a reportagem a narrativa mais uma vez convence de uma
apresentação para uma abertura dos terreiros para necessariamente strar esse novo.
Concluindo a fala, o exposto;

Se o leitor jamais assistiu a um espetáculo dos cultos afro-bradileiros, por


falta de interesse ou por respeito a preceitos religiosos e sociais, poderá ficar
sabendo, através das fotos que falam melhor do que o texto, a verdade sôbre
as noites africanas do Brasil (ENCONTRO, 1964. p. 10).

Justificando assim, nas imagens a relativa apresentação descrita de uma forma breve,
mas que resume a ligação do terreiro de Umbanda com o “requinte” demonstrado pela
narrativa proposta da matéria. Ao colocar-se para as imagens, o narrador já articula uma nova
67

percepção para o leitor, pois como o texto modifica nossa ideia sobre as imagens veiculadas
(VAN DER LINDER, 2011), a sua finalização dando grande validade para as ilustrações que
permeiam a imaginação dos seus leitores para o valor das fotografias.
A imagem além de despertar o interesse, justifica-se dentro do corpo jornalístico como
uma proposição para alterar uma mensagem, além de construir representações das sociedades
que nelas estão sendo significadas (MOSCOVICI, 2005). Sobre essa visão, ao que parece a
produção da Revista “Encontro” no momento das escolhas das fotografias e da produção do
texto que as acompanha bem como as próprias legendas instauraram assim uma visão
específica construindo ideias e ao mesmo tempo remodelando imaginários sobre o que seria a
Umbanda dentro do cotidiano da matéria ilustrada.
Sobre essas questões, ao instaurar as representações sobre as imagens da Umbanda de
José Fernandes, percebemos uma necessidade muito importante de vincular essas propostas
ao coletivo, grandioso e provavelmente de aceitação para com esse rito. Diferentemente do
início da reportagem em que o ocultismo e a sensação de “documentário” transparecido pela
reportagem aqui, podemos perceber que essa visão foi esquecida principalmente por colocar
no terreiro dos Filhos de Pai Gonzaga uma caracterização de festa popularmente cheia e
aberta, uma visão muito mais centrada nas propostas de festa religiosas como as católicas do
que o “escondido e periférico” Candomblé.
Nesse sentido as seis fotografias presentes na linha da Umbanda retratam uma postura
diferenciada. Sua posição em que acima encontramos quatro fotografias destas, que não estão
em primeiro plano imediato, mas que ao focar no Preto velho da cerimônia acaba por
transparecer todos os visitantes do local muito bem caracteriza das indumentárias próprias da
religião. Dentre todas as fotografias da matéria a entidade aparece em cinco, estando
incorporado na figura do Sacerdote do local. Algo muito presente, se pensarmos que no texto
que acompanha essas fotografias o nome dele aparece três vezes em um curto espaço de
tempo.
A característica de coletivo foi presente do terreiro não percebemos a
rudimentariedade proposta ao candomblé que foi colocado nas paginas anteriores. Aqui, a
festa é grande e demonstra uma riqueza de detalhes e pessoas no seu cotidiano. Vale destacar
que por se tratarem de religiões diferentes, podem ter sim uma diferença nos ritos, mas a
opção por tal qualificação não foi destacada.
Na primeira imagem, que acompanha o título, acompanhada uma considerável
quantidade de pessoas estão posicionadas ao redor e atrás da entidade presente no ritual. Com
a bengala e as veste bem típicas aderidas ao Preto Velho, sentado ele transparece em uma
68

visão de Pai, ou que demonstra uma sabedoria e liderança diante as pessoas, por está sentado
e a multidão. Não obstante, enxergamos certa similaridade nas fotografias subsequentes.

Estando associado aos ancestrais africanos, são entidades de Umbanda, o Preto Velho
foi um espírito que se apresentam em corpo de velhos africanos que viveram nas senzalas,
majoritariamente como escravos que morreram no tronco ou de velhice, e que adoram contar
as histórias do tempo do cativeiro. São divindades purificadas de antigos escravos africanos.

Figura 21. Na abertura dos trabalhos ritualísticos, o Pai Gonzaga de Angola Faz uma preleção
sôbre o evento e aconselha suas filhas de seita.

Fonte: Revista Encontro, 1964. p. 10.


69

Figura 22. ““Pai Gonzaga de Angola, incorporado no seu cavalo, tira uma de suas
curimbadas”.

Fonte: Revista Encontro, 1964. p. 10.


Um processo narrativo que todas as fotografias estabelecem entre sim aqui também se
destaca, pois na legenda inicial em que demonstra a abertura dos trabalhos pelo próprio Preto
Velho, nomeado pela reportagem por “Pai Gonzaga de Angola” dando um “conselho as suas
filhas de seitas” após isso, cada uma das imagens foi necessariamente a continuação do ritual
de uma forma cronologia posta, pois cada legenda presente nas fotos confirma tal questão.
Na terceira foto, (figura 22) a única em que o chefe da cerimônia não aparece, foi
apresentado duas entidades já diferenciadas dentro do evento ilustrado. Chamados de “índio
guaianas” estão de frete de corpo completo com vestimentas muito bem elaboradas e na
cabeça coroas que distinguem de outras suas indumentárias dos demais participantes do culto.
As penas do personagem da esquerda reforçam uma ligação a elementos indígenas que não
ocorre nas outras imagens, e posto isso o seu companheiro permanece em mesma com um
adereço próprio do rito. Coberto em seu corpo por uma manta, dando ao leitor a sensação
distanciamento a um ambiente “exótico”. Por estarem diante em mostrando seu sentimentos,
de certa forma pousaram para fotografia como um retrato como para serem notados. Não
obstante as fotografias que aparecem sempre uma postura do pai que concede benção as suas
filhas se firmam nas ideias transparecidas sobre a reportagem.
Finalizando a referida parte dedicado à casa de José Fernandes, outro personagem
aparece nas últimas duas imagens sequentes aos já apresentados.
70

Figura 23. Prêto Velho Tata-Nagô, ao lado do Pai Gonzaga, canta o hino do cerimonial.

Fonte: Revista Encontro, 1964. p. 10.


De olhos fechados, e com posturas necessariamente comuns referentes aos ritos da
Umbanda, o preto velho tata-Nagô, já estabelece uma relação de proximidade e dialogo com o
seu companheiro Pai Gonzaga (José Fernandes), isso retira a liderança transparecida do
sacerdote nas outras fotografias, mas ao mesmo tempo dinamiza o culto com a necessidade de
multiplicaram as entidades presentes no texto e nas imagens.
Descalços em uma visão proporcionalmente de respeito foram destacados como
em consonância do Candomblé a fotografia aqui ganha novas ares, próxima ao cotidiano por
meio das vestes e não muito elaborado, e que remetem ao culto mais “humanizado”. Por se
tratarem de uma indumentária menos rica de grandiosa, e pela tonalidade um pouco mais
branda e não muito saturada e com contrates bem definidos que as primeiras fotografias da
matéria, essa última bem como todas dedicadas à Umbanda, contém uma aproximação maior
com o leitor, principalmente por colocar em sua narrativa um culto mais presente, mais
costumeiro e principalmente aberto. A quantidade de pessoas, as roupas mais próximas do
cotidiano e a ligação com um sagrado próximo e não muito distante reflete tal necessidade de
expor a religião sobre novas perspectivas que não foram muito bem definidas na reportagem
dedicada ao candomblé.
71

Mais do que isso, a própria Umbanda enquanto religião dos espíritos distancia-se do
Candomblé que remete o culto a deuses sagrado e distante de lendas e costumes africanos. A
Umbanda evoca tal facilidade de acesso e principalmente de maior concepção e aceitação.
Desta forma, posteriormente trataremos mais amplamente de diferenciar as construções, as
indumentárias e principalmente os frequentadores destas duas religiões distintas, mas que
contém em sua história formações análoga. Principalmente a história que reflete o surgimento
destas duas na cidade de Montes Claros também foi um fator diferenciado nas fotografias
analisadas e irá refletir em como elas foram representadas.
Concluído tal analise, a importância da reportagem que pretendia trazer uma
documentação sobre tal religiosidade na cidade de Montes Claros do ano de 1964. Como
proposta que acabou por tornar ausente na figura da religião do outro, presente. A reportagem
institui certas representações que estão diretamente ligadas a uma conjuntura maior, onde o
contexto subjetivo das culturas visuais estabelecidas nesse momento sobre o Candomblé e a
Umbanda.

3. RITO E RELIGIÃO, DIFERENTES PERCEPÇÕES

Ao longo de todo o estudo palavras como misticismo, fetichismo, mistério, culto e


práticas foram rotineiramente destacados pelas reportagens aqui analisadas. Desde as
produções imagéticas da revista O Cruzeiro, que alternava as suas interpretações entre visões
etnográficas que qualificavam como “cultura”. Mas também reduzia essas visões ao coloca-
las como “práticas” com reportagens que reduziam em uma visão reducionista na postura de
definirem por meio de uma unificação ao designar apenas como “Macumba”.
Entrando no território regional que a Encontro representava, a necessidade de
conceituar e diferenciar esses “cultos” entre Umbanda e Candomblé. Não obstante, por essas
visões já estavam diluídas, pois procede a uma mudança de opinião. Acontece que apesar de
justificar tal dualidade de processos religiosos, eles ainda são definidos e representados pelo
“ocultismo”.
Em toda a reportagem sobre os terreiros de Montes Claros o vinculo tanto textual,
como imagético com que as publicações se preocupam define como um aspecto “cultural” que
tem na ancestralidade africana o seu surgimento. Portanto, por que esse vínculo com a
cultura? Por que essas visões nesse momento não definem o Candomblé e a Umbanda como
religião?
72

Para entender tal problematização propomos definir que desde algum tempo antes da
década de 1960, relativo ao tempo no qual nossos estudos se encontram, várias visões foram
construídas acerca das religiões de Matriz Africana. Desta forma, Andreas Hofbauer, no seu
artigo, Dominação e contrapoder: o candomblé no fogo cruzado entre construções e
desconstruções de diferença e significado (2006), utiliza desses discursos para refazer uma
construção discursiva sobre essas práticas.
Para ele, advindo de uma interpretação que buscava em padrões biológicos e
evolucionistas que seguia parâmetros para identificar a raça e mundo da simbolização que
seria cultura. Paralelamente seguindo os ensinamentos de Franz Boas, começavam a operar
com uma noção sistêmica de cultura, isto é, com a ideia de uma pluralidade cultural (p.2).
Conforme o próprio autor, essas produções advindas de uma sociedade no qual as ideias de
cientificidades começam a ser articuladas e que definiam essas culturas a partir de produções
reducionistas.
Consequentemente, o autor coloca nas interpretações de Arthur Ramos (década de
1940), definições que colocava “padrões de culturas que os negros da África transportavam
para o novo mundo” (p.2). Especialmente, desta forma a religiosidade seria exemplificada
com o objetivo de melhor avaliar possíveis processos de adaptação e transformação.
Nas interpretações de Roger Bastide, que não obstante escrevia para a revista O
Cruzeiro, reconhecido como um grande intelectual inserido no ambiente midiático da década
de 1950 vê essas religiões como “resistência cultural”. Conforme o autor ele apoiava-se,
argumentações que o “candomblé resiste a qualquer forma de mistura e às transformações
provocadas pela modernização”. O antropólogo, desta forma reduz esse vinculo de
ancestralidade ao Candomblé e utilizando a Umbanda como parte de uma sociedade sincrética
que representava a aculturação no qual esse ambiente se configurava.
É importante entender que esse discurso que diferencia as duas distinções religiosas
também foi utilizadas na referida reportagem estudada de Montes Claros. Ao propor uma
produção que dividia as duas religiões, e ao mesmo tempo qualificava o Candomblé como um
reflexo da cultura africana e Umbanda como uma “mistura”.
Importante ressaltar, que uma produção de interpretações sobre os cultos de Matriz
africana teve muito em suas abordagens temáticas que procuravam nas visões de “possessão e
transe” como ideia de uma subversão do mundo “real”. Tal questão foi um dos destaques que
a revista Cruzeiro representou em algumas das matérias aqui estudadas. Da fotorreportagem
de José Medeiros e Arlindo Silva sobre a feitura de santo em um terreiro em Salvador- BA, as
73

produções que buscava uma investigação sobre a verdadeira realidade que “desmascarava”,
tinham no transe religioso tal proposta.
Marcio Goldman, ao propor em A construção ritual da pessoa: a possessão no
Candomblé refaz esse caminho de entender como um discurso inteiro criado acerca do transe
nas religiões de matriz africana. Ao citar os autores do início do século XX até a década de
1940, ele relata que as interpretações colocavam em uma visão cientificista ao perceber tal
questão como “regressão”, “estados afetivos profundos e arcaicos” e a uma situação de
“perturbação mental” ao qual a essas religiões estavam submetidas.
Para propor uma alternativa a essas discussões, ele propõe uma visão estruturante da
antropologia de Levi-Strauss onde;

O mito, o rito e a estrutura social devem ser encarados como níveis de


manifestação dos mecanismos de ajustamento do homem ao mundo e dos
homens entre sí, níveis que se processam segundo códigos diferentes embora
intertraduzíveis, e nenhum dos quais ocupa uma posição privilegiada ou
determinada. (GOLDMAN, 1982)

Nesse sentido, ao relativizar uma autonomia da estrutura da própria religião, eles


identifica nas estruturas do ritual, e não buscar nele uma “potência de determinação que elas
evidentemente não podem possuir”.
Para entender essas práticas tentamos entender que essas Religiões podem se
percebidas com uma visão interpretativa, que aborda culturas como textos interpretáveis
concebidos, a princípio, como não conclusivos. Desta forma, conforme Hofbauer (2006) a
antropologia de Clifford Geertz abre “caminho para uma autocrítica da produção
antropológica, denominada pela literatura especializada de virada literária, dialógica e
reflexiva, que se expressaria, de forma mais cristalina, na chamada perspectiva pós-moderna”
(p.43).
Seguindo essa perspectiva, analisaremos no próximo capítulo como ocorre uma
construção visual por meio das imagens presentes nos álbuns de família produzidas dentro dos
terreiros e ainda consumidas pelos próprios frequentadores percebendo assim como foram as
representações sob dos que viviam as religiões.
74

2° CAPÍTULO-NARRATIVAS DO MEU PAI- MEMÓRIAS VISUAIS


DOS TERREIROS

Além de zelador, meu padrinho era um pai para min (...)


Depoimento de Mãe Duca. 2019.

A figura do sacerdote da Umbanda e do Candomblé esteve situado a essa condição


paternal. Foi por meio dessa importância, que eles desempenharam para a sua comunidade
religiosa, que tentamos entender o seu valor para as pessoas que conviviam com eles.
No decorrer da pesquisa até o momento, nossa preocupação esteve ligada as
representações externas produzidas. Conforme essas construções foram surgindo, houve a
necessidade de identificar como elas eram pensadas por esses praticantes, identificando assim
como eles “os viam” dentro destes círculos que se estabeleceram.
Elencamos assim, nas narrativas que se estabeleceram sobre os dois sacerdotes, sejam
a partir da historiografia nos trabalhos de Ângela Cristina Borges, em Umbanda Sertaneja
(2011) e Tambores do Sertão (2014), de Leonardo Campos (2005) Diversidades dos Ritos
Banto em Montes Claros-MG, os relatos da Imprensa e depoimentos orais também foram
pensados como fonte de analise para identificar tal construção. E a partir disso, as narrativas
visuais se configuram como instancia maior em nosso estudo, por meio dos álbuns de família
e fotografias guardadas que narram a aproximação do entrevistado com seu Pai de Santo.
As fotografias foram elencadas a partir da quantidade, procedência, como foram
guardadas. Apontando quais os elementos discursivos, estéticos e formais que todo o conjunto
dos álbuns de família apresenta. Observando ainda qual o padrão que sobrepõe e as
características gerais e específicas. Questionando sobre a origem das fotografias fazendo uma
breve analogia com o momento histórico no qual elas estavam inseridas. Analisar assim
algumas imagens que foram necessárias percebendo a fotografia como uma representação que
existe por “sí mesma” (BARTHES, 2015), mostrando que as interpretações são variadas e a
forma de vê-las não dependem apenas do contexto que as circundam.

1- JOSÉ FERNANDES GUIMARÃES A “CONSTRUÇÃO” DE MÉDIUM PARA


BABALORIXÁ

Conhecido como pioneiro da Umbanda em Montes Claros e sua região, muitas das
memórias sobre o médium estiveram ligadas ao seu trabalho de difusor da religião no
ambiente onde vivia. Conforme Ângela Cristina Borges em Umbanda Sertaneja (2011) e
Tambores do Sertão (2014), parte dos relatos orais descritos por ela “emergia um clima de
75

nostalgia, mistério, admiração, fé e misticismo” (p.175). Assim, as lembranças dos seus


conhecidos estudados pela autora destacam para exaltação da sua figura de “Pai” que seus
afilhados do terreiro descreviam.
A narrativa criada para justificar a força de Seu José Fernandes Guimarães remonta a sua
infância, com as primeiras experiências mediúnicas que fizeram com que procurasse a
Umbanda para um esclarecimento e como relata a autora “Cura”. Desta forma, Borges (2011)
e (2014) indica que os aspectos terapêuticos da religião facilitaram com que a inserção nesse
universo. O ambiente no qual foi inserido pertencia a “Maria Luiza” da cidade de Belo
Horizonte, onde viveu sua infância. O seu nome está ligado a “madrinha” que observou sua
mediunidade e consequentemente desenvolvendo espiritualmente, tornando-se assim
umbandista. Não foi identificado pela autora um registro oficial desse centro, mantendo assim
apenas os depoimentos dos afilhados de Zé Fernandes.
Em Montes Claros, seu trabalho como sacerdote começa em meados da década de 1940
com o “Centro Espírita Nossa Senhora do Rosário” atuando dentro da “Umbanda de Mesa”
Borges (2007) diversos trabalhos eram executados, tais como reuniões e cultos próprios
daquele ambiente. Além do contato com os frequentadores e praticantes da religião
umbandista de sua casa, Seu Zé Fernandes Guimarães fazia diversos atendimentos para o
público da cidade e da região. Atendimentos repletos de uma carga “mediúnica”.
José Fernandes era visto como um “médico espiritual”, e tinha uma convenio com
farmácias e amizades com médicos. Ele receitava alguns medicamentos e diagnosticava
enfermidades (BORGES, 2011). Os médicos quando tinham dificuldade de receitar e
diagnosticar alguma doença encaminhavam para José Fernandes que depois voltavam de novo
para os mesmos médicos, e os médicos assinavam a receita. As ervas e os medicamentos de
ervas eram diagnosticados por ele. Não os remédios reais conforme relatos orais de Maria do
Carmo.
As atividades do centro se alternavam entre esses dois momentos, as sessões noturnas com
as devidas atividades espirituais e os atendimentos voltados à medicina alternativa que
acontecia durante o dia. Essa dualidade foi algo delimitador como a obra e trabalho do médio
se apresentava para a cidade na época. Pois, conforme Borges (2011) e (2014) os trabalhos
terapêuticos desempenhados por ele fez com que seja “sendo hoje inclusive, a primeira e
principal lembrança da sua existência entre os moradores antigos da cidade” (p. 84).
Entre os trabalhos mantidos com a Umbanda e os atendimentos e consultas que
realizavam o tornavam nome conhecido na região como um “curandeiro” e médico espírita.
Conforme as lembranças de frequentadores do ambiente de atendimento, os trabalhos eram
76

feitos como “consultas médica” que os seus clientes descreviam os sintomas e enfermidades e
o próprio médium indicava um diagnóstico com ervas, e ou remédios alternativos produzidos
em sua própria casa Borges (2011).
O centro Nossa senhora do Rosário mantinha atividades voltadas a Umbanda no período
noturno. Com reuniões de desenvolvimento espiritual que destacavam os cultos aos pretos
velhos, Caboclos e Meninos de Angola, como as “sessões de posse” com escoras e exus
Borges (2011). Essas sessões foram descritas por Borges (2007), como pouco rotineiras e que
a rotina dos trabalhos era por motivações “alheiras” para resolução de problemas materiais e
amorosos (nota sobre a umbanda da época).
Como médium e vidente, sua postura extrapolava as noções de apenas um conhecido
umbandista, pois a ideia de que se tinha sobre ele, conforme Borges (2011) representavam
muitas vezes variedades de afazeres o tornando um homem místico aos olhos do povo da
época. Parte desse imaginário vem da figura do seu guia e preto velho que o acompanhava,
Pai Gonzaga.
Associado à sua figura, o seu companheiro espiritual era quem ministrava as sessões
umbandistas no período noturno de sua casa, e que o ajudava na sua vidência e
desenvolvimento como o seu poder espiritual. Conforme. Associados com uma provável
dualidade que se estabelecia entre os dois personagens o “poder” de Seu Zé Fernandes
ultrapassava o que era comumente referido aos médiuns por conta da carga e do valor que seu
preto velho se estabelecia ao seu corpo físico e mental
Extrapolando assim, os imaginários construídos sobre a figura do médium em 1959 o
sacerdote inaugura outro ambiente voltado a sua religião, o “Terreiro dos Filhos de Pai
Gonzaga”. Esse feito, conforme Borges (2011) e (2014) teve em sua produção e execução
com o contato do médium com algumas figuras do candomblé, sendo a maior de todos, seu
amigo “Joãozinho da Goméia” do Rio de Janeiro e Mãe menininha da Bahia. Pai Joãozinho
mantinha grande influência com o trabalho de Terezino Nerry, candomblecistas que também é
personagem da pesquisa. Desta forma, os próprios rearranjos das religiões se complementam
e a seu destaque com Zé Fernandes produziu uma necessidade de um local voltado a festas e
trabalhos com a “Umbanda de Terreiro”, diferente das sessões mediúnicas que eram
executadas no centro Espírita Nossa Senhora Aparecida. Consequentemente com as festas
aqui incrementadas em um calendário religioso, que até e não era executado pelo sacerdote.
Conforme depoimento oral de Maria do Carmo, “Ele ganhou o terreno para construir o
terreiro”. Todo isso, conforme a sua afilhada de terreiro “era para as festas que eram
77

realizadas como caboclo de serra mandinga, Festa da Oxum, Barco de Iemanjá, festa de
Cosme e Damião”.
Essa proximidade com o Candomblé de Joaozinho da Gomeia, não fez de Zé
Fernandes um candomblecista, mas proporcionou um enriquecesse de seu trabalho na
Umbanda diversificando assim o ambiente religioso no qual ele estava inserido. O babalorixá,
conforme Borges (2011) despertou no médium a necessidade de “saudar” seu “orixá de
cabeça”20. Sendo assim, dentro de seu calendário festivo a festa dedicada à mãe Oxum
destacou-se entre as atividades do Terreiro “Filhos de Pai Gonzaga”.
Parte da associação de José Fernandes e Joãozinho da Gomeia tem relação a sua
“clarividência”, e sua facilitada de adivinhar os acontecimentos, e isso fez com que os
zeladores se aproximassem com o médium e passaram a serem amigos e próximos conforme
depoimento de Mãe Duca. O tratamento de vidência era feito fora de assuntos religiosos, mas
para assuntos pessoais
Em agosto de 1958, em uma publicação da federação espírita e umbandista brasileira
fundada por Tancredo da Silva Pinto21, a revista Mironga destacava a construção do seu
terreiro. Tal fato foi apresentado em uma matéria em folha inteira que destacava a atuação e
trabalhos de José Fernandes como do Candomblecista Terezino Nerry Santana;

20
No livro Orixás Ancestrais, de Rubens Saraceni temos a conceituação onde é explicado que na energia divina
viva de Deus se encontra a origem dos nossos códigos genéticos específicos e que são esses que determinarão as
naturezas distintas de cada ser e que por sua vez, distinguem também os Orixás. A obra faz um comparativo
entre a energia divina e os ácidos nucléicos que dão origem ao DNA e RNA do corpo humano, exemplificando
assim a forma de concepção do espírito. Dito isso, entendemos que as características do seu Orixá ancestre vão
ser sua natureza íntima, o seu modo de agir e sentir circunstâncias diversas que não irão mudar. A forma como
você se relaciona com você mesmo, seu furor ou sua doçura interna que só quem é do seu convívio íntimo ou
que está disposto a perceber, tem a capacidade de identificar. O Orixá ancestre traz para o ser aquela
característica que se manifesta quando ele está em plenitude com o seu “eu” e é, portanto, a sua essência. Fonte:
https://umbandaead.blog.br/2017/01/02/o-que-significa-ser-filho-de-um-orixa/ acesso dia 20/04/2019 as 23:11

21
Segundo Marlyse Meyer (1993), em Caminhos do imaginário no Brasil, sendo um dos idealizadores da escola
de Samba Vavai, no Rio de Janeiro, esteve muito tempo ligado às produções culturais como o Carnaval. Como
autor de samba pertenceu a União brasileira de Compositores (UBC), criando alguns trabalhos no Samba. Como
ator de cinema e jornalista, funda a revista Mironga na década de 1950. Como responsável pela luta contra a lei
do silêncio que estabelecia os batuques advindos dos terreiros apenas até às 10 horas da noite, trabalhou como
essencialmente como militante da época. Para tal citação foi também um dos fundadores da Confederação
Espírita Umbandista do Brasil (CEUB) na década de 1950, Nesse contexto, juntamente Martinho Mendes
Ferreira instauraram a instituição. Tancredo viajou por todo o país, fundando federações em defesa da religião
em Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pernambuco e outros estados com o propósito
de organizar e dar personalidade ao culto a nível nacional. Essa atuação foi destaque que fortaleceu ainda mais
seu vínculo com a religião conforme a autora por meio do contato com seus avós africanos foi iniciada em
Angola, criando o rito “Omolokôi” misto de Fé Banto e Umbanda, para muitos, conforme destacado por ela foi
“Um papa negro”. Principalmente por conta de uma vasta participação de elementos culturais, como sambista e
organizador do carnaval e atitudes políticas que institucionalizaram a sua ligação com as religiões de Matriz
Africana, principalmente a Umbanda.
78

Figura 24. As seitas afro-brasileiras em Montes Claros

Fonte: Revista Mironga, julho e agosto de 1958. Acervo do IHG de Montes Claros

No que concerne à caracterização do terreiro de José Fernandes o periódico o define


como;
E está agora terminando a construção do maior terreiro do Brasil. Em breve,
babalorixás cariocas, fluminenses e mineiros serão convidados para
assistirem a imponente solenidade da inauguração dêsse esplendoroso
templo. Erguido em uma vista área de terra situada à cinco quilômetros da
progressista cidade de Montes Claros empório do Norte de Minas- O novo
terreiro dos Filhos de Pai Gonzaga vai constituir o orgulho das seitas afro-
brasileiras. Todo de cimento armado, as suas proporções impressionam
realmente, desde o amplíssimo salão de danças rituais até o suntuoso pegi
(altar) até os espaços para os automóveis. O babalorixá José Fernandes
Guimarães merece a maior cooperação, pois seu trabalho em favor do
progresso da seita é verdadeiramente notável. (MIRONGA, p. 18. julho e
agosto de 1958)

Tal postura valorizava o ambiente que estava em andamento, priorizava um valor


social dado à figura do médium. Essa visão mantida pela publicação contribuía para fortalecer
o nome de José Fernandes tanto para o culto como para o ambiente. Na reportagem também é
apresentado uma fotografia com o sacerdote e o então prefeito de Montes Claros José Ataíde.
Acerca da imagem e das representações que foram divulgadas na revista estarão presentes nos
próximos tópicos do trabalho.
79

Ao criar um ambiente externo ao centro Nossa Senhora do Rosário para seu trabalho.
O seu ofício passa por uma nova perspectiva onde os dois ambientes ao mesmo tempo em que
se complementavam, devido ao seu nome mantido como médium e de Pai de Santo de
Umbanda. O funcionamento do terreiro acontecia em um local externo da cidade, que
conforme Borges (2011) facilitou na inclusão dos instrumentos “Atabaques” proporcionando
na forma atual da execução da Umbanda na região. E ainda conforme Borges (2011)
facilitando o problema com a polícia não os perturbando durante a noite em seus toques.
O crescimento da cidade proporcionou com tal mudança, por conta da impossibilidade
das sessões “terreiradas” que poderiam incomodar os seus vizinhos devido ao ritual ser
noturno e longo com a presença dos toques. Esse sempre foi um desejo do sacerdote que
gostaria que sua fé extrapolasse os atendimentos e sessões espiritualistas mantidas no seu
primeiro endereço. Desta forma, os dois lugares foram utilizados, tanto no caso das sessões de
passe, Umbanda de mesa e atendimentos mediúnicos como no seu terreiro fora nos limites da
cidade onde ocorriam as festas destinadas aos calendários festivos da Umbanda. E, portanto,
de sua intenção, por meio da proximidade do Candomblé, da festa de Oxum, sua Orixá mãe
de “sua cabeça”.
Os instrumentos utilizados, bem como as vestimentas na execução das festas e das
sessões foram originalmente emprestados por Joãozinho da Gomeia, que por ser carioca e ter
sido conforme Leonardo Campos (2004) um “respeitável” sacerdote poderia ter tido alguma
relação com a matéria veiculada no periódico da associação espírita Umbandista do Brasil.
Toda essa construção social dada ao trabalho de José Fernandes, seu crescimento
como uma figura importante devido suas atividades e com o terreiro com o destaque de seu
centro umbandista proporcionou a ele esse aumento da visibilidade conseguindo toda uma
repercussão e brilho ao seu nome. Apesar desse pioneirismo que evocou à sua pessoa,
podemos estabelecer outra visão da Umbanda em Montes Claros? Como foi construído esse
destaque para o sacerdote?

1.1 As festas na cidade

O médium José Fernandes tem em seu nome um destaque que o fez ser lembrado para
além do ambiente religioso de matriz-africana da cidade. Isso se deu por conta da extensa lista
de atividades que desempenhou durante sua vida, tais como seus atendimentos mediúnicos,
como decorador de festas com temática cultura afro-brasileira e com relações próximas aos
políticos da época. O próprio contato com que tinha com os diversos setores da sociedade de
Montes Claros serviu para ocupar vários espaços com sua Umbanda. Partes das
80

representações externas aos umbandistas da Cidade aprecem após a construção do Terreiro


“Filhos de Pai Gonzaga”, que tiveram principalmente na festa de Oxum vários motivos para
desdobrarem para variados suportes de apresentação para o cotidiano no qual a casa estava
inserida.
Para Zé Fernandes a festa de Oxum era muito importe, mas para Mãe Duca todas
tinham o mesmo peso. A festa do Preto Velho, Pai Gonzaga para ela era grandiosas, que
acontecia no dia 13 de maio, mesmo dia de comemoração da libertação dos escravos.
O que “os de dentro” do seu ambiente conforme o depoimento de sua sucessora Mãe
Duca, parte das ideias de ser “o mais importante” e o “pioneiro” teve sua construção durante a
fase de proximidade com a sociedade de Montes Claros na década de 1960. Desta forma, esse
espaço começou a ser destacado nas grandes festas dedicadas a sua Orixá de cabeça Oxum.
Conforme, Mãe Duca José Fernandes trabalhava anualmente na comemoração até o ano de
sua morte, 1975. Apesar de existir um calendário variado para as festividade e sessões
“terreiradas” que ocorriam na sua casa fora do meio urbano, a festa da entidade tinha um
grande destaque dentro do cotidiano da cidade.
Desta forma, a divulgação da festividade não se limitava aos seus frequentadores
umbandistas, mas para toda a região. Segue convites que aparecem no trabalho de Borges
(2011) fornecidos pelo seu filho biológico, Wagner Guimarães;

Figura 25. Convite para a festividade de Oxum

Fonte: Carlos Wagner Guimarães apud BORGES, Ângela Cristina Soares. 2007
81

Isso demonstra como a preocupação do Pai de santo ao externalizar sua festa para
todos. Apesar de existirem outras casas de Umbanda na cidade e que, portanto, teria
festividades, mas que não careciam de grandes apresentações como era o caso da festa de
Oxum.
Para além dos folhetos sobre a programação de sua festa, no periódico impresso
Gazeta do Norte22 na coluna Cook Tall, de Lazinho Pimenta23 da cidade de Montes Claros
manteve várias publicações a respeito das festividades e sessões (públicas) no terreiro “Filhos
de Pai Gonzaga”. Conforme publicação de 8 de dezembro de 1962;

Figura 26: Coluna Cook tal nota de convite à festa de oxum

Fonte: Jornal Gazeta do norte, 8 de dezembro de 1962. Disponível no CPDOR


UNIMONTES

O espaço concedido ao terreiro aparece sempre associado às colunas sociais.


Embaralhado de outros convites de outras festas da cidade, e junto a isso felicitações para
personalidades elencadas pela matéria essa local quebra com a diferente percepção de uma

22
Jornal Gazeta do Norte, teve seu fundador o jornalista Dr. José Tomás de Oliveira, com experiência em
Recife, de onde vivia. Ele durou cerca de 50 anos na cidade. (SILVEIRA e MOREIRA, 1995)
23
Lazinho Pimenta foi o primeiro colunista social a permanecer nos jornais, firmando o nome e tornando-se
querido pela sociedade foi jornalista Lazinho Pimenta. Realizou grandes festas, entre elas as eleições de Miss
Montes Claros, Brotos do Ano, Festas das Mães. Foi professor de História cursando na Fafil, começou o
jornalismo na Gazeta do Norte, passando para o Jornal de Montes Claros. Recebeu homenagens e a medalha da
Inconfidência. (SILVEIRA e MOREIRA, 1995)
82

Umbanda puramente periférica e “escondida”. A necessidade de se mostrar o mundo faz das


festas de Seu Zé Fernandes como uma representação de apresentar seu espaço para a cidade e
cotidiano destas.
O nome do sacerdote aparece ainda em mais duas publicações no ano de 1962.
Ambos os momentos no espaço “Valete de Paus” escrito por Maria Luiza Prates e Carlos
Alberto Prates Correia. Anterior à publicação do Cook Tall, ambas em janeiro de 1960.
Ocorre desta forma;

Figura 27. Valete de Paus: Candomblé em Montes Claros

Fonte: Gazeta do Norte, 7 de janeiro de 1960 Disponível no CPDOR UNIMONTES


83

Figura 28. “Valete de paus” agradecimento ao convite de Joãozinho da Gomeia e Zé


Fernandes

Fonte: Gazeta do Norte, 31 de janeiro de 1960. Disponível no CPDOR UNIMONTES

No primeiro exemplo, a nota faz alusão ao terreiro de José Fernandes como


“Candomblé” mesmo que ao que estudamos para pesquisa, e ainda conforme Borges (2011) o
Sacerdote nunca foi iniciado nessa religião e não gostava de desvincular seu culto
umbandista. Apesar da festa de sua Orixá ainda assim sua visão de si mesmo era relativo à
Umbanda. Ao que indica, era comum unificar as duas religiões como um “acontecimento”,
pois a própria nota informa que os escritores da coluna forma “assistirem a um Candomblé”
(GAZETA DO NORTE, 1960).
Descrevendo o acontecimento como do “folclore afro-brasileiro” 24, a nota o
qualificava como elementos próprios descaracterizando o aspecto religioso. Ainda o ponto de
destaque foi à demonstração de “pobreza do rito” qualificação que menosprezava o culto,
única opinião que encontramos em todas as fontes analisadas. E como foi destacado no
primeiro capítulo, o terreiro é tido como limpo, confortável e “moderníssimo”, característica
muito presentes nas representações da imprensa local.
Já a segunda nota destaca a presença do sacerdote candomblecista Joãozinho da
Gomeia, a importância do seu mentor foi posta na nota de agradecimentos dos escritores.
24
Ao colocar a Umbanda com “Folclore” a nota reforça a temática que será trabalhada no próximo capítulo da
pesquisa. Onde, parte das representações de cultura popular soma-se práticas religiosas de Matriz Africana.
84

Como foi explicada anteriormente, a presença do Pai de Santo para o médium era rotineiro
nos seus trabalhos e devido ser de outros estados e uma figura “respeitável” o fazia como uma
qualificação importante para o cotidiano da cidade.
Somado à participação nas colunas sociais, outro fator que acionava a sua construção
de respeitável e ponte da Umbanda com a sociedade foi seu contato com o setor político do
momento. Como aparece o Então prefeito de Montes Claros, Geraldo Ataíde em umas das
sessões no terreiro Filhos de Pai Gonzaga, na já apresentada revista Espírita Umbandista,
Mironga em 1958

Figura 29. O prefeito de Montes Claros, o Dr. Geraldo Ataíde, discursa saudando o
babalorixá José Fernandes Guimarães

Fonte: Revista Mironga, julho e agosto de 1958. Acervo do Instituto Histórico e Geográfico
de Montes Claros

A fotografia veiculada na revista registrava o evento religioso, se encontra ainda nas


cores preto e branco no formato retangular padronizado da revista. Por se tratar de um evento
noturno, o flash foi utilizado. A imagem reflete uma grande presença de grão fotográfico no
seu quadro, por conta do processo fotográfico noturno. As linhas que aparecem por meio do
alinhamento dos personagens que compõe a imagem, constitui um elemento formal que
separa os diferentes planos e cenas que observamos. As formas e objetos que estão presentes
proporcionam uma determinada composição rica e bem detalhada de variados momentos e
percepções que somente essa cena proporciona.
85

Enunciando um ponto de vista onde o posicionamento de todos os encenadores do


quadro, existe uma visão que se enxerga a altura dos olhos, que provavelmente a pose desses
atuantes proporcionou para tal questão. São diferentes personagens com aspectos que
transmitem uma heterogeneidade na foto, pois ao mesmo tempo em que vários praticantes da
religião bem como de seu Babalorixá seu Zé Fernandes, está também presente no terreiro o
então prefeito da cidade, Geraldo Ataíde.
Essa posição também evoca uma ideia de união, que apesar de se mostrar em um
conjunto diferenciado, em uma percepção geral, a fotografia transparece homogeneidade por
conta da posição. Os objetos que compõe a cena, na parte ao fundo dos personagens também
denunciam uma proposta de festividade do rito. A Umbanda de Zé Fernandes está em festa, e
para isso uma personalidade que demonstra maior credibilidade sobre esse evento está na
figura do prefeito.
A legenda da imagem presente na matéria já apontava que a personalidade “discursava
saudando o Babalorixá”. Essa relação de colaboração da fotografia com o texto que o
acompanha reforça o interesse de destacar a sua festa junto ao sacerdote como essa
apresentação do seu terreiro, tanto no sentido de se visto como grandioso como ainda ressaltar
a sua importância dentro do cotidiano na cidade.
Essas relações extrapolaram o ambiente de matriz africana na cidade, pois a
necessidade de ser visto e notado por vários setores, fez com que José Fernandes construísse
sua própria representação para aquela sociedade. Seja pela participação de colunas sociais e
da ida dos políticos da cidade as suas festividades.
Fazendo parte das memórias na Imprensa da cidade, as notas e informação demostram
também representações que foram construídas sobre o sacerdote. Acerca destas visões e como
são estabelecidas tais produções o próximo capítulo do trabalho abordara tal questão.

1.3 Outras narrativas

Essas informações foram constadas em relatos orais com uma frequentadora do local
durante a década de 1950. Conforme Eva Rodrigues Silva, moradora de Francisco Sá a
presença na casa de José Fernandes não era religiosa mais para “cura” de um “mau físico”.
Atualmente evangélica, a entrevistada não via o médium como um pai de Santo da
Umbanda e assim desconhecia que seu trabalho estendia para outras práticas. De forma
diferente, apesar de demonstrar a importância dado ao seu trabalho, Rilson Santos comparou
José Fernandes ao de “Chico Xavier de Montes Claros”. Esse misto de curandeirismo e
86

mediunidade colocado na figura de José Fernandes delimitou a sua visão perante as pessoas,
estendo assim para além dos limites da religiosidade Umbandista. É certo que parte da
sociedade procura o mediu como uma alternativa mais barata do que a medicina
convencional. Sobre esses o depoimento oral concedido Eva rodrigues justifica tal questão.
Mas sua atuação ultrapassava essa condição sendo reconhecido também como guia espiritual.

1.3.1 -Depoimento de Mãe Duca e Dona Neusa

Aos três anos, Maria do Carmo, em 1958 foi orientada para um tratamento espiritual
com José Fernandes, ficando “internada” no centro Nossa Senhora, enquanto seus pais
voltavam para a zona rural onde trabalhavam. Durante o um ano e meio que passou no local,
Mãe Duca, como hoje é chamada, passou por um desenvolvimento espiritual que a aproximou
do sacerdote, mantendo assim como seu zelador e padrinho. Para ela José Fernandes era como
um “Pai” que auxiliava na sua vida durante o tempo que ficou internado no centro. Após isso,
começou-se assim a fazer parte das reuniões e trabalhos espirituais do local, mantendo uma
amizade e carinho pelo seu padrinho. Mãe Duca, ainda menina e com pouco conhecimento
ajudou como babá de uma filha do Sacerdote.
Nota-se que a narrativa da sacerdotisa, sua história de iniciação na Umbanda se
confunde com à do próprio Zé Fernandes. Que devido as enfermidades o desenvolvimento na
religião foi indicado.
Hoje sacerdotisa da Umbanda, Mãe Duca revela que sua função esteve associada aos
aprendizados que fez junto com toda a sua vida ao lado de seu padrinho espiritual. Após sua
morte a família que não era umbandista, não continuou com os atendimentos e finalizaram as
atividades da casa 25. Por não esperar a morte, os afilhados não guardaram nenhum material. E
por isso mantendo a função de Mãe pequena 26 na casa, com o falecimento de seu mentor, o
desejo despertou, conforme em própria fala;

Eu não tinha desejo, vontade de abrir minha casa. Uma casa, mas os filhos
que ficaram com ele. Du Carmo, precisamos de você para continuar essa
missão, nessa conta de nos deixar a ver navios, nos precisamos continuar
nossa missão. E você era o ombro do meu padrinho. Então ninguém melhor

25
No projeto da presente pesquisa, tivemos como objetivo a análise de álbuns de família guardados por seus
afilhados de santo bem como de seus familiares. Não conseguimos entrevista com seus filhos de sangue nem
com a família.
26
Segundo sacerdote da casa de Umbanda. Mantinha seus próprios clientes e ajudava em trabalhos mais
complexos na falta do chefe do centro.
87

do que você! Tem que ficar conosco. Aí foi que falei, não tem jeito de tirar
esse título de Mãe Pequena. Não tá fácil. Foi então que eu abri essa casa.

José Fernandes morreu com 56 anos no ano de 1975. Mãe Duca começou com os
atendimentos antes da morte de José Fernandes, no centro Nossa Senhora Aparecida. Com o
cargo de Mãe Pequena, segundo ela Ombro dele ajudava nos atendimentos e tinha os seus
próprios clientes. Ele havia doado o peji 27, para ela montar seu próprio centro, pouco tempo
antes da morte. Antônio Rabelo, prefeito de Montes Claros, costeou a passagem dos afilhados
da casa de José Fernandes para seu velório em Belo Horizonte.
Guardado no arquivo do seu Centro Umbandista, designado “Senzala Pai Felipe”, Mãe
Duca, disponibilizou cinco fotografias que remetem as suas memórias de seu Padrinho José
Fernandes. Destas imagens, apenas duas o contém presente. Todas elas são em Preto e
Branco, e três delas estão fixadas em papel branco A4, com legendas datadas no ano de 1960.
Sobre os fotógrafos que fizeram a imagem, ao ser questionado, o nome de por Valdevino
Fátimo. Profissional que foi responsável pela matéria “Nos Terreiros de Candomblé e
Umbanda” da Revista Encontro, retratada no presente trabalho no capítulo anterior.
Por ser um templo religioso, ao lado de sua residência, as imagens guardadas por ela
apresentam um destaque familiar, mas que somado a postura de sua casa, torna-se propriedade
do seu centro Umbandista, estando no arquivo, qualificando-se assim lembranças que fazem
parte não somente da sua memória quanto pessoa, mas como sacerdote. A presença das
imagens no arquivo de sua casa de Umbanda soma-se aos documentos guardados sobre a
história de seu templo, isso se faz perceber que as memórias do seu Padrinho, são parte de sua
casa e da sua vida espiritual.
Ambas as fotografias estão presentes no formato 24X35 cm apenas a última de forma
horizontal. Com poucos grãos na imagem, apesar de todas serem feitas durante o período
noturno. Isso se dá ao fato de serem feitas todas em momentos festivos, a primeira e a última
foram no Terreiro “Filhos de Pai Gonzaga”. A segunda imagem foi explicada por Mãe Duca,
como uma apresentação do Evento “Noite na Bahia”, no qual seu Padrinho foi produtor e
decorador. Sobre esse evento, trataremos no próximo capítulo do trabalho.
Compondo as três imagens, elas aparecem em ritmo parado em equilíbrio dinâmico.
Os elementos que compões a imagem não estão em tensão, apresentando uma organização
com relação a cena no qual foram representados. Os trajetos visuais dos elementos se
constituem diretamente com o objetivo de visão do interlocutor da imagem. Na primeira e
última imagem as poses dos sujeitos estão diretamente fixas para a câmera, em pose natural.
27
Altar na Umbanda apresentado na página ???
88

Já a segunda imagem, a baiana retratada está parada, mas não olha fixamente para a objetiva,
estando assim posando dentro da apresentação que foi representada.

Figura 30. Fotografias da casa de José Fernandes, lembranças de Mãe Duca

Fonte: Arquivo do Centro Umbandista Senzala de Pai Felipe


89

Com sujeitos que estão retratados em plano geral, destacando todo o corpo do
personagem, uma caracterização de toda cena está presente no documento. Como uma forma
de apresentar a imagem e seus personagens. Somente na última imagem, é que vemos um
enunciativo mais descontraído onde as pessoas posam de forma familiar e reflete uma
coletividade. Ambas imagens, por retratares elementos específicos, para Mãe Duca tem um
significado importe por estar presente nas duas imagens. Todas além de estarem refletindo
suas ligações com José Fernandes, lembranças de sua juventude e que reproduzem quando
ainda era “menina” como ela nos informou.
Na última imagem, encontramos em uma Festa no Terreiro dos filhos de Pai Gonzaga,
presente Joãozinho da Gomeia de xadrez e “Pai Gitander” de São Paulo, ao lado e no fundo
dos dois Pais de Santo do Candomblé, estão os frequentadores do terreiro de José Fernandes.
O destaque para as duas personagens, ilustra como essas pessoas foram muito
influentes no ambiente religioso da Umbanda de José Fernandes dentro da década de 1960. A
sua amizade com Miguel grosso, mãe menininha, Pai Gitader, Joãzinho da Gomeia, João de
Ogum era algo muito presente no cotidiano de sua vida, para Mãe Duca. Por conta disso ele
frequentava os terreiros de Candomblé da Bahia e do Rio de Janeiro.
Seu padrinho não aparece em nenhuma das três imagens apresentadas por ela que
retratavam as lembranças tanto do terreiro, festas e outras atividades. Mãe Duca mantinha
apenas duas imagens que apareciam o seu Iniciador. Essas lembranças estavam vinculadas
principalmente ao terreiro dos Filhos de Pai Gonzaga e fazem parte dos poucos resquícios do
templo religioso que foi encontrado no decorrer da pesquisa.
“Meu Padrinho era Caprichoso, tudo dele era muito bem feito”, Mae Duca, rememorar
a figura do seu mentor religioso reforça ainda mais as representações que encontramos sobre
o Sacerdote. Como, dedicado, organizado em bem-disposto, seu terreiro destacou-se por conta
de toda uma carga dada aos modelos “cariocas” que ele manteve por conta do contato com
outros pais de Santo do Candomblé do Rio de Janeiro. Para isso, um dos objetos guardados
era de sócio do terreiro, que ela apresentou como uma lembrança.
Datada de 1961, isso confirma que as atividades do terreiro ganharam grandes
proporções por volta desse momento, entre os anos de 1958, conforme a reportagem da
revista Mironga, do Rio de Janeiro, e se estende ao longo dos anos de 1960, conforme as
reportagens do Jornal local Gazeta do norte.
90

Figura 31. Carteirinha de sócio do terreiro dos Filhos de Pai Gonzaga assinada pelo sacerdote
José Fernandes. Sócia: Maria do Carmo P. Santos.

Fonte: Arquivo do Centro Umbandista Senzala de Pai Felipe

Figura 32. Fotografias guardadas de José Fernandes Guimarães, lembranças de Mãe Duca

Fonte: Arquivo do Centro Umbandista Senzala de Pai Felipe

Juntamente com a identificação de matrícula dentro do terreiro, com assinaturas e


quitação de mensalidade, o documento ainda aponta para uma organização superior aos
91

tratamentos familiares que os terreiros de Umbanda e Candomblé costumavam ter. Uma


forma de produção muito maior e bem condizente com outras documentações que foram
apresentadas durante o trabalho.
Outro objeto ligado às lembranças de membro do Terreiro, Mãe Duca apresenta-se
ainda duas fotografias no formato 3X4, que segundo ela feitas em tempos diferentes. A
primeira seria correspondente dos primeiros anos da década de 1960, e a segunda poucos anos
antes de sua morte, que ocorreu em 1975. Essas fotografias para ela comprovam seu
relacionamento próximo com o seu Padrinho.
A imagem a seguir contém um destaque importante dentre as outras documentações
analisadas do centro de Mãe Duca. Com José Fernandes aparecendo, incorporado ao seu
preto-velho “Pai Gonzaga”. Na mitologia da Umbanda o Preto velho vem de uma
ancestralidade aonde sua evolução espiritual veio por meio da dor e do sofrimento, pois eram
antigos escravos nos tempos que negros eram perseguidos. Desta forma, conforme Lourival
Andrade Junior (2013),

Ao mesmo tempo em que sofria, resignava-se, e assim, dizem os seguidores


da Umbanda, alcançou em sabedoria e generosidade o que outras entidades
não conseguiram. Ao mesmo tempo em que com sua dolorosa vivência na
senzala o fez evoluir. Estes anciãos tinham um poder significativo,
aconselhando o não conflito, como incitando a fuga quando considerava a
melhor alternativa. Ao morrerem continuavam sendo cultuados da mesma
forma que na África se faziam com os mortos. O mundo dos vivos e o dos
mortos faziam parte do mesmo universo. (p. 1)

Conforme o historiador, os pretos velhos são conhecidos por meio de sua característica
paternalista, que os associam com dons e aconselhamentos que transbordam para uma
necessidade mediúnica de tratar, curar e revelar aos seus seguidores aflições e medos de sua
vida. Isto dá a eles um lugar “privilegiado na família de santo, como são chamados os
membros dos rituais umbandistas, ou seja, aqueles que nos próprios nomes demonstram
experiência e por isso devem ser respeitados” (ANDRADE,2013. p.8).
Compreendendo um lugar muito relevante no panteão das entidades do Terreiro de
José Fernandes, a sua própria casa detém o nome de seu Preto Velho guia. Este que foi um
espírito que conforme Mãe Duca, o acompanhou desde sua jornada como Umbandista, ainda
quando criança, iniciando sua mediunidade, até sua morte. O valor dado ao Pai Gonzaga
esteve ligado também as justificativas de sua vidência, que sua afilhada dizia ser a origem de
sua “fama” na cidade.
92

Para ela,
No caso do meu padrinho, o diferencial do Pai Gonzaga é porque a pessoa
do meu padrinho tinha clavidência, ele puro aqui conversando com você, ele
tinha essa clarividência, acontecia isso. Na incorporação, era mais seguro,
mais tranquilo, assegurar essa clarividência. O pai Gonzaga, ele, ele,
conseguia entrar no, nu na situação de uma pessoa. Tomar um passe, se
benzer, e ele descobrir algo que tinha ali. Por causa do médium, que vem
com o dom de clarividência. Não é por causa do preto velho.

Esse papel dado a sua vidência que premeditava os acontecimentos da vida, garantiu
parte das construções discursivas colhidas nas narrativas orais sobre o sacerdote. Tanto Eva
Rodrigues, como Rilson Santos também afirmavam que “o dom de prever acontecimentos” o
fez ganhar proporção que detinha.
Parte da iconografia atual, correspondente ao sacerdote José Fernandes estava atrelada
a figura do Pai Gonzaga. Pois as imagens recuperadas no decorrer da pesquisa, que retratavam
as festas e outras atividades da Umbanda, sempre encontrou a incorporação de seu preto
velho, sobre uma mesma posição comum as expressões facial da entidade, bem como de sua
identidade específica. Na Umbanda é comum o culto aos espíritos que tem em sua maioria,
pretos velhos, pretas velhas, caboclos, baianos, boiadeiros, ciganos e outras entidades. 28
As características desta entidade foram listadas por Andrade (2013) como
normalmente curvado para frente, andar lento e pesado, fala baixo, usa alguns objetos (p.4).
No caso do Pai Gonzaga, o cachimbo, a muleta e rosários eram presentes dentro da sua
incorporação. Parte das indumentárias que o padronizam em todas as imagens recolhidas
durante a pesquisa. Captando assim, um arquétipo de ancião africano presente na mitologia da
religião vindas do processo escravista.
Dentre elas, estão uma imagem disponível por Mãe Duca, outras recolhidas nos álbuns
de Família de Dona Neusa, filha de Mãe Alcina, que era afilhada de José Fernandes. Fotos
retiradas de festividades, que o Pai Gonzaga aparece. Temos também como exemplo, a
matéria da revista ilustrada Encontro de 1964, apresentado no primeiro capítulo do trabalho,
que contém representado o preto velho no qual se refere.

28
É importe perceber que ao tentar conceituar a Umbanda e de seus espíritos cultuados, nosso intensão não foi
estabelecer uma homogeneização dos rituais. Pois a própria diversidade ritualística é uma das mais importantes
marcas desta formação religiosa. “A Umbanda, entre outras, está neste campo de múltiplas interpretações. Seu
ritual se altera de tempos em tempos e mesmo num mesmo espaço religioso (terreiro, centro espírita, entre outras
designações) existem enormes possibilidades de percepção das mediunidades e das formas de se dedicar aos
Orixás e entidades” (ANDRADE,2013.p.8)
93

Figura 33. Pai Gonzaga em Incorporação com José Fernandes

Fonte: Arquivo do Centro Umbandista Senzala de Pai Felipe, década de 1960


94

Destacada por Mãe Duca como uma fotografia de autoria de Valdevino Fátimo, esse
documento apresentado em preto e branco, em formato 24X35 realizado com objetiva normal,
comum a realidade da época. O flash foi utilizado, por conta do evento noturno, presente
ainda por conta do período do dia, a granulação aparece. Sobre personagens ao fundo, o
primeiro plano da imagem destaca a entidade sentada onde a visão impulsiona para a figura
central da construção narrativa da fotografia: O preto Velho.
O formato retangular da imagem consegue identificar um plano aberto de todo o
personagem, e ao fundo, as baianas compõe a cena, com características de festividade. Isso
aparece com bastante frequência nas imagens apresentadas no primeiro capítulo do trabalho,
onde a reportagem da revista ilustrada de Montes Claros foi analisada. Sobre a luz que incide
diretamente no Pai Gonzaga incorporado em José Fernandes, a sua postura exibe destaque
diante a narrativa imagética.
Estático e parado, a movimentação da cena ao fundo dinamiza o acontecimento,
embora o ponto central, fixo, parado e sentado coloca essa movimentação oposta na cena. O
que torna a imagem simples em primeiro momento mais complexa ao entender todos os
elementos compositivos da cena. A pontualidade no qual foi representado o evento ainda
contrasta com essa movimentação.
Sobre um plano horizontal, as representações elencadas do Preto Velho curvado,
descalço e com um gestual típico da entidade, como foram apresentadas anteriormente. Essa
visão do Pai, anciã, sábio posto ao santo representado refaz tanto o interlocutor da imagem,
como ainda adiciona a sua postura de uma carga espiritual, sobrenatural devido aos olhos
fechados do personagem.
. Parte da iconografia sobre o Pai Gonzaga aparece ainda no junto de álbuns de
Família de Dona Neusa de Oliveira, filha de uma afilhada iniciada na casa de José Fernandes
Alcina Nunes. O terreiro de Dona Alcina foi fundado com a ajuda do Sacerdote, e por volta da
década de 1960 já realizava atividades no Bairro Santa Rita de Montes Claros.
95

Figura 34: Pai Gonzaga no Terreiro de Alcina

Fonte: Arquivo pessoa Neusa Nunes década de 1970

Em dois momentos diferentes da mesma celebração Pai Gonzaga, aparece com as


mesmas características do preto velho descrita anteriormente. Mas no espaço de Dona Alcina.
As imagens em tamanho horizontal em preto e branco e sobre um formato, apontam para
figura descalço e abençoando o local.
A memória visual foi assim o ponto central para estabelecer como as lembranças
foram importantes dentro da visão espiritual que cerca o sacerdote. Saber como eram
representados e os valores dados aos documentos guardados amplia nosso repertório acerca
do mundo dos terreiros apontados no primeiro capítulo. Entender que parte dessa
documentação foi forma de exemplificar as representações acerca de José Fernandes.

1.2 Outras “Umbandas em Montes Claros”

José Fernandes não foi o primeiro a desenvolver a Umbanda em Montes Claros. Esse
percurso foi apresentado na tese de Ângela Cristina Borges (2014) Tambores do Sertão, onde
a autora apresenta desde o século XIX, em imprensa da época relatos imaginativos sobre a
magia e curandeirismo que para ela configura o campo que propicia o aparecimento dessas
96

práticas. Desta forma, os elementos que encontramos na década de 40 e 50 do campo das


religiões de Matriz Africana configurou-se a partir da presente imaginação que pairava sobre
a feitiçaria que era comum na região.
Dentro deste contexto, a cidade foi apontada por ela como uma local onde existia tanto
um número significativo de Centros de Espiritismo Kardecistas como a “Umbanda de Mesa”.
Ela ainda aponta para as práticas da “quiromancia” que praticava trabalhos de descarrego,
magia negra, cura entre outras atividades (BORGES, p.78. 2007). Ao que aponta a autora, ao
citar Wesley Soares Caldeira O Espiritismo em Montes Claros (2001) apud (BORGES, 2007)
o espiritismo passou a ser reconhecido com a fundação do primeiro centro e 1939. Essa
mesma casa, para o autor, era lembrada como “centro mediúnico que contendo algumas
lembranças das doutrinas de Allan Kardec” (p.78).
Relativo a esse acontecimento a influência que ocorria entre a Umbanda e o Kardecismo
foi retratado por Reginaldo Prandi em As religiões afro-brasileiras e ascensão e declínio
(1990) onde ele vê que acontece a fundação do primeiro terreiro de Umbanda através de uma
dissidência do Kardecismo. Esse terreiro do Rio de Janeiro, “rejeitava a presença de guias
negros e caboclos, considerados pelos kardecistas mais ortodoxos como espíritos inferiores”.
Sobre esse terreno onde a Umbanda acontecia em sessões noturnas, fosse comparada aos
elementos do espiritismo existente na cidade. Esse ambiente foi marcado por um
conhecimento que proporcionava os misticismo e mediunidade que a característica da religião
umbandista em Montes Claros e sua região. Para tanto, o próprio centro espírita Nossa
Senhora do Rosário, mantido pelo sacerdote José Fernandes Guimarães se enquadra na
religião que aqui era praticada. Contudo as diferenciações que os toques de atabaques
proporcionaram aparecem subsequentes. Por isso, que no trabalho de Borges (2011) muitas o
nome “Terreiro” ou “Toque de Umbanda” aparecem relativos apenas aos anos 1950. Na
década de 1950, os terreiros aparecem na cidade com o aspecto novo a religião Umbandista.
Ao incrementar o toque dos atabaques, as maneiras de acontecimentos dos cultos
aproximaram muito da forma como é feito na atualidade. Para tanto, os pioneiros no que
concerne à Umbanda de Terreiro foi apresentado por Borges (2011), como o casal Waldemar
e Laurinda Pereira Porto, oriundos da cidade Vitória da Conquista na Bahia, Eliezer Gomes
Araújo e Ilizário também baiano mais sem localidade informada.
Em entrevista oral, no atual terreiro de Umbanda Divino Espírito Santo, Jesuína
Pereira Porto filha e dessedente do casal Pereira porto informou a documentação do ano de
registro em cartório da casa. Datado de 1955 o documento, mas com início das atividades
entre 1951 e 1952 (Associação Espiritualista Umbandista e Folclórica dos Cultos Afro-
97

Brasileiros do Norte de Minas Gerais, 2019). Sempre trabalhos voltados aos toques e festas
que diferenciavam das sessões mediúnicas que ocorriam com os trabalhos de José Fernandes.
A sede atual do terreiro está situada no mesmo espaço que foi inaugurado a 60 anos. E
com orgulho, Dona Gelza (Jesuína Porto) mantém uma fotografia dos seus pais
acompanhados do amigo e pai de Santo Ilizário. A fotografia permanece no álbum da família
e ainda em um banner médio dentro do seu terreiro, a direita da entrada e do Pegi, ou altar.

Figura 35. Toque de Umbanda da família Pereira Porto

Fonte: Arquivo pessoal de Jesuína Pereira Santos disponível do Terreiro

Informações sobre o fotografo que produziu a imagem bem como o ano com exatidão
a sacerdote não deixou disponível. Por conta de suas lembranças, acredita-se que ela remonta
à um período anterior ao ano 1955, quando a construção de seu terreiro já havia se concluído.
Com uma iluminação diurna e poucos grãos na imagem, sobretudo ao seu suporte, em
formato de cartão médio. Presente um alinhamento na imagem proporcionado pela pose dos
personagens retratados. Esses mesmos se encontram organizados onde a profundidade da cena
foi quebrada com a natureza representada ao fundo. O primeiro sentado na direita, Seu
Waldemar Pereira Porto encontra ao lado de sua mulher à sua esquerda. O outro homem
sentado, seu Ilizário que também era sacerdote e mantinha uma própria casa.
Vemos na imagem apresentada uma pose comum ao momento histórico no qual ela
representa e uma fileira horizontal de frequentadores do terreiro Divino Espírito Santo. As
98

vestimentas próprias das necessidades da religião ainda exaltam o caráter espiritual que ele
evoca. Para além do que a imagem transmite com relação à época onde está inserida é
também uma lembrança que do Dona Gelza, ao ancorar suas memórias sobre os Pais ainda a
coloca como relíquia do seu terreiro atestando assim a longevidade de sua casa, que desta
forma é vista por ela com um maior grau de importância com relação à outros terreiros.
O espaço apresentado na fotografia foi registrado no local onde estava o terreiro, que
foi onde segundo sua proprietária, foi descrito com orgulho “o primeiro toque de Umbanda de
Montes Claros”. O local se encontrava em uma região afastada e periférica da cidade.
Conforme Borges (2011) e (2014) esses foram os motivos pelo qual a falta de terreiros com
atabaques dentro da zona urbana pelo incomodo e receio dos sacerdotes com a polícia e os
sons ocasionados pelos instrumentos. Pois então, todos os três terreiros foram no início
construído fora das áreas urbanas por conta do transtorno que poderia gerar.
Esse também pode ser um fator para entender por que existia a separação em duas
áreas dos trabalhos de José Fernandes em Montes Claros. O seu terreiro somente começou a
manter atividades de “toque” depois de 1958 em outro local de onde aconteciam suas sessões
mediúnicas e atendimentos alternativos.
Apesar das variedades de casas e centro que iriam desde a participação de espiritismos
kadercista, Umbanda de mesa e Umbanda de Terreiro não se pode confundir que a maioria da
população protestava o catolicismo. Um meio religioso extremamente católico e cheio de
referências da cultura popular existia na cidade. O contraste com relação às religiões de matriz
africana era pequeno e que as práticas de José Fernandes fizeram com que houvesse um
estreitamento das relações.
Os três sacerdotes apresentados até o momento não mantinham atividades exclusivamente
com a Umbanda (BORGES, 2011) diferentemente do médium que tinha como profissão sua
vida de médico espiritual. O que é importante para entendemos que sua vida voltada ao
mundo espiritual era muito mais presente e destacada que os outros pelas suas relações e
intencionalidades de ser visto como médium da Umbanda.
Desta forma, destacaremos tudo aquilo que foi trabalhado de dentro e fora de sua
atividade de Umbandista para demonstrar para a sociedade dos terreiros de Montes Claros
bem como os externos a religião na intenção de ser amplamente conhecido pelo seu ofício e
como um “embaixador” de matriz africana na região.
99

2-O CANDOMBLÉ NO TERREIRO OXÓSSI CAÇADOR

Diferentemente da popularização da Umbanda em Montes Claros e sua região, o


Candomblé aparece e posteriormente. No trabalho de Leonardo Campos, A diversidades de
ritos nos Candomblés Bantos de Montes Claros (2004), aponta que foi no ano de 1957 que o
primeiro terreiro dedicado à religião foi fundado na cidade. Seu Terezino Nery de Santana o
Pai de Santo responsável pela casa obteve formação em Salvador Bahia inicialmente no ano
de 1952, primeira vez que foi ao candomblé, e em 1955 o momento em que foi efetivamente
iniciado.
Por meio de ainda a entrevista concedida por Rodolfo Awo Ifalanu e Dona Vanju para
pesquisa, ambos filhos de Santo do sacerdote, o terreiro onde ocorreu seu desenvolvimento
era comandado pelo Tata-ti-Inkisse Miguel Arcanjo Paiva-Miguel Grosso ou Deundá, nome
de sua digina29. E depois teve de “pagar obrigação” com Ilizário, outro sacerdote da mesma
região.
Partes das memórias descritas pelo Pai de Santo apontam como o terreiro de seu
mentor ligado a tipologia elencada por ele como nação Nago-Vodum. Conforme Campos
(2004) os seus questionamentos de pesquisa circundam a necessidade do Sacerdote em
ressaltar sempre que seu trabalho foi diferente dos outros candomblés por conta da sua nação.
Por isso, segundo ele, apesar de seu Pai ter afirmado em vida que praticava “Ketu” as
características do cultor eram essencialmente Nagô-Vodum para Terezino.
Ketu, Angola, Gegê são parte das características comuns dadas aos diferentes tipos de
Candomblés praticados. Partes dessas designações foram retratadas por campos e aparecem
como uma forma de cada terreiro se posicionar como uma identidade própria. A literatura
especializada30 aponta para essa diversidade e pluralidade que ainda sofrem alterações

29
Segundo Campos (2004) tradicional nome dado após iniciado no Candomblé de Angola. Sendo que esse passa
a ser utilizado pela comunidade do terreiro.
30
Deve- se lembrar que a África é um continente gigantesco em extensões territoriais e as maneiras de
comunicação não eram como na atualidade. O homem desde cedo observou que há energias presentes em tudo
que o rodeia e que elas na maioria das vezes têm o total controle sobre os acontecimentos e os ciclos da vida ,
essas energias são o Orixás, Inkices ou Voduns como são chamados. Cada pedaço daquele território tinha seu
reino e ele cultuava as Divindades de formas díspares, embora todos reconhecessem a presença de cada uma
delas. Assim surgiram as nações do Candomblé. Quando esses povos foram atacados brutalmente e tirados à
força de suas nações para serem escravos, eles espalharam pelo mundo uma mistura de tradições, que deu origem
a outras vertentes do Candomblé (como os presentes no Brasil) e levaram a sua própria cultura às demais
localidades do planeta. Essa forma de vida das religiões que eles mostraram ao mundo, deve-se ao fato de que
com o fim de seus grandes reinos e suas autonomias, os africanos foram obrigados a se fortalecerem ainda mais
na fé em sua religião e propagar por meio da memória e da fala a sua cultura. Essas eram as únicas maneiras de
acreditarem que toda sua história não morreria ali e que pudessem ter um fio de esperança em um amanhã
melhor. Fonte: https://www.iquilibrio.com/blog/espiritualidade/umbanda-candomble/nacoes-do-candomble/
acessado dia 21/04/2019 às 19:14
100

regionais tornando o Candomblé não unanime entre os seus praticantes. Apesar dessas
diferenciações o que torna tão importante os seus sacerdotes ressaltarem tanto a sua diferença
diante dos outros? O que o Nagô-Vodum de Terezino Nery pode dizer sobre as outras
designações, a ponto de o próprio corrigisse as memórias do seu Pai de Santo?
Ao ser questionado sobre a origem do nome de sua nação do Candomblé, o sacerdote
justificou através de alguns personagens importantes que definiram sua formação. Miguel
Grosso, que para a memória dele foi seu Pai de Santo no qual passou por sua iniciação. Desta
forma, Miguel foi iniciado por Ilizário de Oxum, ambos aparecem na nossa pesquisa com
ligação aos dois terreiros aqui estudados. Eram conhecidos como os “mais formosos” e
“importantes” do País. (colocar qual a ligação dos dois com José Fernandes) O termo Nagô-
Vodum é regional e corresponde à nação do qual o Candomblé de Teresino foi destacado por
ele. No seu depoimento, o Nagô-Vodum, corresponde à uma mistura entre o Candomblé de
Nação Angola e Ketu, correspondendo ao que era feito no terreiro do seu Pai Miguel Grosso.
A partir de 1957, o funcionamento do terreiro “Oxóssi Caçador” começa na cidade. No
ano seguinte, em reportagem para revista Umbandista, de publicação nacional noticiou o
cotidiano do terreiro, juntamente com os trabalhos de José Fernandes. O periódico foi
apresentado na página ???? e a notícia acompanha com uma fotografia;

Figura 36. “No Terreiro Filhos de Pai Gonzaga, em Montes Claros, vê-se,
manifestando com Ôxossi, o babalorixá Theresinho, chefe do Terreiro.

Fonte: Revista Mironga, junho de 1958


101

Presente na revista Mironga, no ano de 1958, essa imagem apresenta-se como gênero
de Fotografia de imprensa e subdivide ainda dentro de um contexto social, pois representa um
ambiente de convívio religioso, ou seja, o terreiro. Com um texto estabelece uma relação de
colaboração, pois as duas instâncias da mensagem revelam um sentido que emerge da relação
entre os dois. Devido à uma informação que excede o representado na fotografia.
Em um formato retangular, ainda nas cores preto e Branco, foi produzida sobre uma
grande angular e normal. Entre 50 à 60 mn. A iluminação está presente por meio do uso do
flash, sendo, portanto, realizado o registro no período noturno. Com relação a forma como a
fotografia se apresenta existem uma maior presença do grão fotográfico, devido a pouca
iluminação existem uma saturação a imagem por meio do aumento da sensibilidade sobre o
filme fotográfico. As linhas que foram destacadas na perspectiva do fotógrafo, não são
uniformes e transmite uma relação de movimento, que centraliza na figura orixá. A textura da
imagem revela um grão fotográfico menor com pequena profundidade, com um desempenho
dos objetos fotografado nítido, mas ainda assim, com pequenas sensações oneroso. A
sensação geral que o flash transparece é uma proposta frontal que não focaliza em apenas um
sujeito ou ponto específico da imagem, mais revela uma ligação mais suave e uniforme sobre
o quadro representado. O contraste revela uma gama tonal de cinzentos ampla com uma
tonalidade que expressa uma possível espetacularização.
A composição geral da cena revela uma relativa perspectiva sobre o espetáculo que
cria um ritmo de movimento. Um equilíbrio dinâmico sobre a presença da dança e da roda que
os sujeitos presentes podem destacar. Há também um destaque para o contraste de luz,
sobretudo diante a tonalidade das roupas que os sujeitos utilizam uma padronização que não
se aplica ao personagem principal, o santo incorporado no Babalorixá Teresino. O trajeto
visual em direção a cena é destacado por uma dinamicidade estática que a quadro fotográfico
transmite. A pose dos sujeitos revela uma instantaneidade com relação ao evento fotografado,
pois a dança foi retratada em seu momento de acontecimentos. Dentro do interior de um local
fechado, a representação acaba por se plana com poucas distorções na imagem. Perfazendo
assim uma habitabilidade que a fotografia sugere dentro de sua composição central. A
duração do trabalho pode ser percebida como um instâneo rápido e momentâneo.
O Ponto de vista físico atinge altura dos olhos, onde as atitudes dos personagens
revelam uma semelhança entre eles que se diferenciam apenas do sujeito enunciativo
principal que é o orixá. O sujeito principal demonstra tal ligação principalmente pelas vestes
que configuram um grau de excepcionalidade sobre os seus acompanhantes que onde os
olhares das personagens se concentram para o centro do evento enunciando assim um
102

distanciamento com relação ao contexto geral do ambiente retratado. As relações de


textualidade são demarcadas pelo movimento de transe religioso que transparecem novos
significados na imagem.
A entidade, que em transe, revela o centro das atenções dos seus observadores que
acompanham o culto. Para além de uma reprodução do evento, as movimentações com que o
Orixá transparece demonstram um culto dinâmico. Nota-se que os presentes da cena estão
todos olhando surpresos para a divindade que caminha em posição típica da dança sagrada
para o culto. Em primeiro plano, os sujeitos se posicionam como observadores, mais para traz
ao fundo a sensação de um conjunto e de uma quantidade grande de pessoas evocam a ideia
de multidão, onde a prática acontece em uma aceitável população mostrando a popularidade
que a religião pode atingir.
Essa fotografia acima foi um destaque da reportagem da revista espírita Mironga no
ano de 1958. Partes de suas imagens na primeira eram dedicadas as “seitas umbandistas” de
Montes Claros. Apesar de ser uma representação do Candomblé do terreiro dos filhos de
Oxóssi, comandado pelo Babalorixá Teresino, o texto conceitua a prática religiosa aos ritos
espiritas da Umbanda.
No ano de 1969 que começa os trabalhos com iniciação de “muzenzas”, com cinco
primeiros noviços de seu terreiro. As iniciações foram importantes, pois para a religião isso
significa que a casa tem autonomia de gerar novos sacerdotes e com isso aumentar seu
alcance.
A história contada de si próprio, em Campos (2004), relembra sempre as dificuldades
com relação aos toques e horários na cidade. Isso fez com que inicialmente os trabalhos
fossem encerrados às 22 horas. Com o passar do tempo às alianças políticas e apoio das
autoridades fez com que seu terreiro fosse impedido de ser perturbado.
A importância dada às situações de preconceito que dificultavam na execução dos
cultos foi um ponto de destaque no depoimento dado ainda em vida na pesquisa de Leonardo
Campos. Esses relatos foram ainda acompanhados pela sua “influência política” que facilitou
na sua permanência diante o ambiente preconceituoso da cidade. Ao exaltar tal questão, o
sacerdote demostra uma narrativa construída para qualificar nas figuras políticas o seu grau de
“respeitável”.
Tanto na memória de Terezino Nery, como no caso de José Fernandes, os dois
sacerdotes estão rodeados de narrativas de que eram “importantes” e “influentes”. Destacando
tal informação, esse relato se tornou social, pois foi usado como validação para justificar a
inserção e aceitação dos trabalhos religiosos de matriz africana na região. Talvez como
103

recurso de permanência e ou resistência no local onde estavam inseridos ou em um ambiente


que proporcionavam tal destaque às suas posturas como sacerdotes.
O fato era também que no Candomblé e na Umbanda a figura do sacerdote,
(babalorixá e Pai de santo etc.) as hierarquias tiveram muita importância na manutenção da
religião, concentrando assim uma construção importante sobre o “líder religioso”. Além de
bem respeitado sua postura deveria esteve ligado aos “bons relacionamentos” com as
autoridades. Desta forma, no caso do nosso estudo, o vínculo com políticos era presente
dentro das construções rememoradas pelos seus afilhados do terreiro bem como no próprio
depoimento do Teresino sobre sua chegada e permanecia da sua casa no local citado.

2.1 Memória Visual

Ambrósia Cardoso Maria de Jesus, ou como é conhecida Dona Vanju passou problema
de saúde que nas palavras dela “só o espiritismo que me curou” saiu da região de Gorutuba, e
Terezino acabou de educá-la mantendo em sua casa. Narrativo também presente no
depoimento de Mãe Duca, durante sua história com José Fernandes. Ela foi a alguns outros
lugares, mas todos indicaram o seu Pai de Santo. Ela procurou uma outra curandeira da
região, aconselhando assim o desenvolvimento com Terezino.
E assim, ela herdou sua casa e terreiro, mas não exerce a função de sacerdote depois
da morte de seu Pai. Segundo ela “os filhos dele não continuaram com os toques dos
terreiros”, afirmando ainda condições de assumir porque segundo ela “deve ter
conhecimento”.
O edifício onde era executado as festas e seu terreiro, junto com seus mobiliários e sua
casa construída ainda em vida são hoje mantidas. Acerca dessa situação Dona Vanju, diz que
todo o seu atual patrimônio foi doado por seu pai ainda em vida.
Partes das memórias sobre o Candomblé são mantidas quantidade de fotografias
guardadas por ela. Juntamente com todos os utensílios do terreiro Oxosse Caçador e
documentações. Em uma mala, ao qual pertencia ao próprio Terezinho, estão guardadas como
relíquias do passado, uma forma de recorrer as lembranças. Com cerca de 265 fotografias, que
datam desde a década de 1950, as imagens são um fiel retrato não linear das memórias da vida
do Pai de Santo, associadas assim a sua vida religiosa. É um aspecto comum aos sacerdotes
do Candomblé, que moram em seu próprio terreiro e mantém uma vida dedicada a esse ofício.
Dentre de todas as imagens que constam no arquivo, guardado por dona Vanju, 202
destas imagens são de ambientes e temáticas diretas ao terreiro Oxóssi. As outras fotografias,
104

foram outros momentos corriqueiros do sacerdote como viagens, fotos familiares e outras
imagens

Figura 37. Dona Vanjú, recém iniciada na casa

Fonte: Arquivo pessoal


105

Figura 38. Apresentações no Parque Municipal

Fonte: Arquivo pessoal

Figura 39. Apresentações no Parque Municipal

Fonte: Arquivo pessoal


106

Dona Vanju se lembra dessas fotografias, justificando o valor de seu Pai diante a
externalidade. Nas imagens acima vemos duas representações de algumas atividades que eram
feitas no Parque Municipal de Montes Claros. Não encontramos nenhuma outra i informação
de como era esses espetáculos, pois a entrevistada justificou que a participação da sua casa
não estava condicionada ao ritual religioso, mas eram apresentações mantidas para a
população da cidade. Isso ainda confirma a construção social e peso que o Pai de Santo foi
incluído em algumas das memórias na Imprensa e Literatura que trabalhamos no próximo
capítulo da Dissertação. No verso da fotografia aparece “ Lembrança da festa de Mãe Jussara
no 7 de Julho de 1977. Vanju e Célio, 02/07/1977. 15 de agosto de em noites de Iemanjá
festejamos essa data flor e laricó”.
Ao que tudo indica, a legenda que aparece no verso estabelece uma relação de
revelação sobre a Imagem, sendo ela o veículo preponderante. Mas do que isso, ao está escrito
três datas diferentes com letras diferenciadas, o documento representa esse vínculo com várias
outras memórias que elas carregam.
Essas três imagens estão em posição vertical, formato tradicional e foram retiradas de
apresentações e eventos externos as práticas espirituais no terreiro. Com o uso do flesh em
todas as imagens, pois se tratam de acontecimentos noturnos os personagens posam para a
captura em de forma tradicional e de corpo cheio. Montando assim a impressão de
caracterização de sujeito, justamente de forma mais idealizada e expositiva. Ao que tudo
indica as imagens das criações não correspondem a um trabalho espiritual ou gira, e nem que
elas foram iniciadas na religião, principalmente por conta dos pés calçados, ao que seria
impossível conforme Vanju afirmou, que no terreiro de Seu Pai os trabalhos eram realizados
todos descalços.
Nas primeiras imagens, se trata de Vanju, com as vestimentas de Muzenza, junto outro
frequentador do local. Nas duas imagens subsequentes, são crianças não iniciadas com roupas
de orixás Omolu e Oxóssi, na primeira e na próxima imagem, se repete o primeiro Orixá
representado e Xangó. Questionada sobre as crianças, Vanju afirmava que isso era comum,
principalmente em dias de apresentações no parque e que as crianças eram filhos dos
frequentadores do Local.
A figura sagrada dos Orixás para o andamento do mundo, no Candomblé se dá ao
valor mitológico e narrativo do mundo que os cerca. Para entender tal questão, as imagens
presentes no conjunto de guardado por Vanju apontam para o grau de importância destes no
107

cotidiano religioso do terreiro Oxóssi Caçador. Das 264 imagens que foram retiradas do local,
135 delas tiveram alguma ligação com os Orixás. Seja em incorporação, saídas de Santo,
apresentações culturais e festas eles estavam presentes como parte concreta do culto.
Parte da cosmovisão do povo Ioruba, (nota) que são a ligação direta a religião estudada
demostra-se neles a forma como o entendimento do percurso humano e da prática na vida
adere-se a entidades sagradas. Conforme Reginaldo Prandi os Orixás “alegram-se e sofrem,
vencem e perdem, conquistam e são conquistados, amam e odeiam. Os humanos são apenas
cópias esmaecidas dos orixás dos quais descendem” (p.24)
Desta forma, a narrativa mitológica proposta sobre os seus panteões sagrados evoca
para um condição do sagrado próximo a condutas humanas que transparecem para a vivencia
do iniciado no candomblé. Mas não se deve relocar aos Orixás uma postura humana, como
são os santos para os católicos. Míticos e valiosos, os orixás representam mais do que isso,
eles são mais do que humanos, são poderosos e mágicos, formas e aparecias que dão o poder
da força da natureza e do ensinamento, por isso as formas do tempo-espaço-natureza são
associadas a eles em um ritual que o colocam como necessários para o andamento do mundo.
A cosmologia iorubana expressa nos mitos apresenta-se tanto como princípio quanto
como meio e como fim: está na origem do mundo e é instrumento tanto para interagir com o
mundo como para mantê-lo tal como descrito nos mitos. Ao afirmar que “para os iorubás
antigos, nada é novidade, tudo o que acontece já teria acontecido antes” (18), Prandi enfatiza
esta força ontológica intrínseca à concepção mítica dos iorubas. Eles são forma de expressar e
dizer sobre o mundo, “são causas e efeitos ao mesmo tempo” (p. 19)
É no cotidiano ritualístico, por meio da atualização contextualizada dos mitos e
incorporação desses, que se afirmar e se articula o mundo dos valores para os
candomblecistas. Nisso, ao ter a postura dos orixás como tão presentes a prática religiosa,
entendemos que é por meio deles que existe, o mundo, as pessoas e a religião. São por meio
deles que o ritual acontece, e não por causa deles que se existe a religião.
Ao ser questionada sobre o seu orixá de cabeça, Vanju explica que as festas eram
compostas por todos os santos, e que seu poder era importante para fazer do Pai de santo
presente na vida das pessoas que ali frequentavam. 31

31
É importante ressaltar que, aos referir se a mitologia Iorubana, exemplificada por Regilnaldo Prandi,
procuramos trazer explicações próximas para entendimento da liturgia candomblecista. Como nossa pesquisa
aborda um fenômeno religioso local, e no período anterior existem algumas variações. Exemplificando, no
terreiro estudado, existem outros elementos sagrados como Caboclos, Êres e Pretos Velhos que foram
comumente associados ao panteão Umbandista. Acontece que existem variações nas práticas, e muito foi
mudado com uma influência a “africanizado” na religião. Coisas que identificamos, no ritual de Terezino Nery,
esses elementos ainda existiam, não constando apenas a fé nos orixás.
108

Nas imagens subsequentes identificamos a figura sagrada de três orixás são eles
Oxum, Obaluaê e Iemanjá. Figuras importantes no panteeão da casa, dona Vanju diz que
todos tinham festas específicas durante o tempo dedicado a eles. As suas lembranças são mais
claras no que tange a festa de Oxóssi e Caboclo que foram realizados todas de uma única fez
em fevereiro.
As próximas imagens foram datadas por Vanju como sendo na década de 1960,
período do auge do terreiro que recebia muitos frequentadores e que colhia os frutos dos
grandes investimentos realizados pelo Pai de Santo na década passada. Presente em
fotografias em preto e branco, elas se encontram e posição horizontal. Com grandes contrastes
que fazem as cores pretas erem grande destaque na imagem, algo a ser explicado pela luz
noturna e uso do flash que foram usados.
As poses dos personagens foram retratadas em movimentação, principalmente junto ao
papel sagrado dos orixás. A primeira, Iemanjá acompanhada de duas muzenzas que guiam a
divindade no ritual que auxiliam na dança sagrada. Na imagem, Obaluaé está acompanhado
com o chefe da casa Terezino que professa os cânticos da gira (nota sobre o cântico e a gira
no candomblé.
Figura 40. Moça em Oxalá, e Obaluaé

Fonte: Arquivo pessoal


109

Figura 41. Oxum ladeada pela lata,

Fonte: Arquivo pessoal, 23 de julho de 1997

Nessa imagem, o verso acompanha uma legenda “Oxum ladeada de lata” datada em
dia 23 de julho de 1977, já o período de consolidação do terreiro. Em posição horizontal, as
imagens contêm um formato 24X30 maior do que as outras apresentadas anteriormente
proporcionando um campo de visão muito maior e com mais nitidez sem a granulada que as
fotos noturnas tinham. Aqui a posição dos sujeitos reforça a movimentação do terreiro que
tanto foi destaca por Dona Vanju, questão importante para entendermos como as
representações construídas sobre a movimentação foi mantida.
Sobre o orixá, Oxum tem em seu seio de feminino a proteção das águas doces e a
paixão e amor. Por sua grande devoção, a posição está serena e com pouco dinamismo,
acompanhado do Pai Santo, chefe da casa que a guia. O conjunto ao fundo a observa, sendo o
ponto central da narrativa da imagem. O grau forte a vestimenta e as performances ficam
nítidos diante a o brilho de sua vestimenta diferenciada das outras pessoas.
Os orixás são performáticos, e para isso são destaques em todas as imagens. Mais do
que apenas materiais expositivos para as narrativas visuais, eles carregam em si um mistério
sagrado, que os evocam que os codificam como algo superior. Para entendê-los não são
apenas as roupas as posições e movimentos, mas o conjuto todo que os tornam míticos e
inacessíveis. Diferentemente do Preto Velho de José Fernandes, que foi analisado
110

anteriormente, os Orixá na mitologia são forças da natureza, divindades que não foram
humanos e por isso a sua devoção passa a ser diferenciada que no culto Umbandista.
Na próxima imagem, vemos em tamanho horizontal em preto e Branco, a
representação de Obaluáe com uma guia ao seu lado. O movimento do santo contrasta com a
muzenza que se une tornando uma pose dinâmica. A face da “catingé”, nome do senhor
representado conforme Vanju está transparecendo uma fala e movimentação, isso diz que a
foto foi realizada durante a gira, e por isso o destaque dado a esse movimento o torna
diferenciado com as outras imagens apresentadas.

Figura 41 Cadiginá de Obaluaé

Fonte: Arquivo pessoal


111

Figura 42. Oxum e Iemanjá

Fonte: Arquivo Pessoal

A última imagem que representa os Orixás, temos mãe Oxum e Mãe Iemanjá juntos.
Em posição horizontal, a imagem foi realizada na década de 1960, e contém vários elementos
diferenciados com relação as outras imagens. Aqui todos os personagens participam do ritual,
com as mãos voltadas para os santos estando os participantes mais próximos do ocorrido.
Desta forma, ao centro da narrativa, Oxum, que está incorporada em Terezino acompanha
Iemanjá de lado abrindo espaço para sua irmã. Como todas as cenas de Orixás, ao fundo
elementos e objetos do terreiro enfeitam todo o salão.
A seguir duas imagens de saídas de Sando de iniciados ou Yaôs. A iniciação no
Candomblé corresponde ao ponto principal de uma casa, pois é por meio desse ritual que
aumenta o número de adeptos e filhos de santo do Sacerdote. Por isso, é o ponto central onde
conforme Toni Preto, atual presidente da associação das religiões de Matriz Africana na
Cidade inicia-se uma nova vida dentro do terreiro. São por meio de novos Yaôs, que a casa se
expandiu. O nome mais comum entre os entrevistados é o processo de Saída de Santo, bem
como a s palavras “fez santo” e meu “pai de santo”. A seguir duas fotografias de saídas que
constavam nos álbuns de Terezino. Uma correspondente a década de 1960 e ao outra no final
de 1970. A última (figura 44) foi a única imagem colorida selecionada para o trabalho.
112

Figura 43. Saída de Yaôs

Fonte: Arquivo Dona Vanju

Figuras 44. Saídas de Yaôs

Fonte: Arquivo pessoal

Rodeado de várias pessoas que compões as duas cenas, as narrativas são ricas de
elementos e outros aspectos que tornam o evento dinâmico. Na primeira em preto e branco,
113

formato horizontal, os personagens saem de dentro do quarto “escuro” descrito por Dona
Vanju como “camarinha” espaço onde o iniciado passa um período por orações e rituais que o
consagram como iniciado em algum Orixá no Candomblé. Parte desses detalhes sobre como
ocorre os rituais de iniciação, apesar das diferenças regionais, foram descritos no primeiro
capítulo do trabalho.
Na segunda imagem os iniciados que estão cobertas de uma pintura típica do processo
de iniciação entraram na roda e sobre o transe, começaram fazer os movimentos. As cores
destacam umas fotografias voltadas pelas tonalidades avermelhadas pela saturação das
imagens noturnas e analógicas. A luz que se volta para os personagens principais das duas
imagens os evocam dos yaós para o momento. Mas uma vez, como os orixás o ideal sagrado
presente nas imagens os configura como uma quebra de realidade e os consagra o ambiente
pelo seu valor espiritual. Se trata de duas imagens que reforçam isso, que ganha maior
destaque a partir dos movimentos e semblantes das faces capturadas.

Figura 45. Entrega de Deka- Obrigação no Candomblé,

Fonte: Arquivo pessoal


114

Figura 46. No meio com o objeto Eked de Iansã, muzenzas e Kiozô

Fonte: Arquivo pessoal

Figura 47. Filhos de Santo, junto com Oyá de Vanju ao meio

Fonte: Arquivo Pessoal


115

Nas três imagens acima (figuras 45,46 e 47), foram representados o cotidiano, que
mostram o Terezino com seus filhos de Santo e outros frequentadores. Três imagens em
posição horizontal em preto e branco com alto contraste do preto que remontam década de
1960. A primeira com as inscrições no verso “Entrega de Deká, querido filho de Santo, Pai ou
Mãe de Santo”, sobre uma perspectiva reveladora, Vanju disse que esse foi um sinal de
mostrar que o iniciado passa a ser Pai de Santo e podendo abrir sua casa. Esse procedimento
foi realizado por ele depois de suas obrigações de sete anos após serem iniciados. Como a
entrevista disse, foram muitos os seus filhos de santos iniciados.
Juntamente com os filhos da casa Vanju acompanha seus irmãos e ao seu lado direito
encontra Ricardo, que posteriormente seria Pai de Santo consagrado na década de 1990 na
cidade que conforme Cristina Borges ele....
Abaixo, Terezinho encontra-se com seus filhos em conversa após um evento na casa
principalmente juntos e vestidos. O que essas imagens enunciam um cotidiano grandioso que
a casa teve, a multidão, o contato com seus filhos e o grau família dão sentido as imagens que
retratam justamente isso, ao guardar as fotografias que eram de seu Pai, Vanju se sente
importante, pois deixa sua figura viva e destaque a importância do Pai e amigo que o
sacerdote despertou para sua vida. Grande Parte das imagens não conta com legendas nem
foram datadas, mas o que se mostra importante e como ao retratar os acontecimentos do
cotidiano as fotografias imortalizaram o jeito de se fazer e tornam-se relíquias de uma
construção de passado que representa todo ideal construído em cima do sacerdote.
Questionada sobre ser fotografada, a entrevistada disse que eram muito comuns, como
fotografar um batizado na igreja ou um casamento. Que parte da iniciativa de haver fotógrafos
no terreiro vinha de seu Pai que tinha uma mente inovadora. Ela não soube dizer qual era o
fotografo que realizou as imagens, mas que ao que tudo indica, no começo da década de 1960,
Valdevir estava presente.
Escolhida por ela como a mais antiga de todas as fotos, a imagem de formato
horizontal em preto e branco representava Terezino ainda jovem no terreiro de seu Pai Miguel
grosso na Bahia. Essa foi uma representação de seu erê do Candomblé “Crispin” que o
acompanhou por toda a vida. De copo toda expondo todas as vestimentas comuns ao espírito
que esteve incorporado no momento da imagem, ela ainda acompanha inscrições ao verso
nomeando a entidade.
116

Figura 48. Terezino Incorporado em Éré Crispin

Fonte: Arquivo pessoal

O que as fotografias guardadas demonstram o valor que as narrativas colocam sobre o


sacerdote e seu terreiro. As memórias visuais que esses documentos nos trazem ganham um
maior peso a partir dos laços familiares e ainda do valor sagrado que as imagens carregam. Ao
guardar esses documentos, Dona Vanju se lembra do cotidiano do terreiro, e ao ressaltar isso,
sua vida também perpassa essas memórias, sua vida espiritual, pois seu próprio nome não é
mais lembrado como o real mais a digina do terreiro. Ao guardar o material, as fotografias
cristalizam o aspecto sagrados dos espíritos, tal como um significado espiritual, como um
santo. Esse peso é imortalizado as memórias de seu Pai de Santo e do Terreiro, que as tornam
especiais.
Após entender como a imagética afeta as narrativas sobre os sacerdotes estudados,
procuramos no próximo capítulo demonstrar parte do cotidiano da cidade de Montes Claros,
ressaltando a inserção dos terreiros em variadas instituições das elites.
117

CAPÍTULO 3- PERFORMANCES DA “MACUMBA” -


FOLCLORIZAÇÃO DAS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA

Escrever sobre o folclore, não teria sentido se omitisse o que há de mais puro,
mais significativo e de mais sensibilidade, que é o grupo Banzé. Um grupo
genuinamente montesclarense, que tem levado o nome de Montes Claros além
das fronteiras, através dos variados programas. O grupo que vem pesquisando
diversos campos-afrobrasileiros, o que vai pela Macumba, Catopês, Folia,
Guaiano, Quadrilha, Dança de São Gonçalo, Samba, Embola, Lundu e tudo
mais que possa interessar no ramo folclore que se dá na Zona rural. (BRASIL,
1983. p.158)

Parte das representações sobre as religiões de Matriz Africana, que foram objeto de
estudo até o momento surgiram de uma construção discursiva que as enquadravam como
folclore. Essas ligações às colocavam como aglutinada a manifestações populares da tradição
católica mantidas na cidade. Para tal modo, o Candomblé e a Umbanda foram apropriados em
diversos meios onde foi posto como “espetáculos” que o apresentava para a elite da cidade.
Desta forma, dois eventos foram postos a problematizações nesse período estudado:
As apresentações da dança “Macumba” realizada pelo grupo folclórico Banzé e o evento
“Uma noite na Bahia” proposto pela coluna social “Repórter em Sociedade” do Jornal “Diário
de Montes Claros”. Ambos os momentos foram estudados por meio dos relatos orais,
repercussão na imprensa, literatura e a instância maior de nossa pesquisa; a fotografia.
A ideologia regional-modernizadora que vigorava no momento em Montes Claros,
sobretudo na sua elite intelectual, política e econômica contribuiu para que essa visão fosse
mantida sobre essas religiões, perfazendo assim uma forma de entender como as
representações, incluindo os visuais, fossem gestadas e pensadas.

1-MONTES CLAROS, REGIONALISMO MODERNIZADOR

A cidade de Montes Claros, em 1960, passava por transformações advindas desde a


década de 194032. Essas mudanças estiveram ligadas ao processo “modernizador” que
conforme Laurindo Mekie Pereira (2007) vivia seu auge desenvolvimentista. Isso se
intensificou com a ideologia regionalista que pairava sobre as elites da região. Tal contexto

32
Para Rejane Meireles Amaral Rodrigues em Memórias em Disputa (2013) o discurso que revelava uma
necessidade de “modernização” na sociedade da cidade, esteve muito presente na imprensa no começo do século
XX. Ao entender esses discursos, a autora procura no embate que se instaurou em considerar as práticas
“campesinas” como antigas qualificando assim uma mudança no local.
118

faz-se necessário ao entendermos que concepções voltadas às valorizações das práticas


“folclóricas” mantidas durante esse período, absorvem do ideal regionalista da época.
O regionalismo foi usado no momento como forma e veículo de expressão da
ideologia, desta forma era para Laurindo Mekie uma “visão de mundo da fração regional da
burguesia, e, um instrumento fundamental para que ela conquiste e exerça a hegemonia sobre
os demais grupos”. (PEREIRA, 2007)
Tal articulação ideológica foi proporcionada pela criação de dois órgãos em Montes
Claros, que tinha como proposito o desenvolvimento regional. A Sociedade Rural de Montes
Claros em 1944 e a Associação Comercial e Industrial de Montes Claros em 1949. Ambos os
órgãos eram integrados por um diversificado grupo de pessoas. Participavam médicos,
farmacêuticos, proprietários rurais, comerciantes e advogados.
Os órgãos aqui criados foram descritos, como incentivadores do desenvolvimentismo
da região, que era vista com ares de “atraso” pela elite da cidade naquele momento. O
importante da criação destas entidades eram as pessoas que estavam a frente deste processo.
Um misto de bacharel e latifundiários que desempenhavam várias funções dentro da
economia e política da região. Como exemplo Laurindo Mekie Pereira (2007), cita que a
Sociedade Rural, era presidida inicialmente Geraldo Athayde, advogado e fazendeiro, foi
deputado estadual de 1946-1950 e prefeito de Montes Claros em 1957-1958.
Na ACI, Associação Comercial e Industrial de Montes Claros, foi criada em 1949 por
Plínio Ribeiro que era médico, professor, industrial e fazendeiro. Ambas as figuras
mantinham atuação polivalente, diversas funções sociais que perpassavam a vida políticas dos
personagens. Laurindo Mekie ainda informa que os dois órgãos mantinham os mesmos
membros e que a participação nesses eram comuns encontrar a importância das grandes elites
de Montes Claros e região.
Existia uma ligação entre as entidades privadas e uma relação com a coisa pública.
Essa configuração existia tanto com a sociedade rural de Montes Claros e a ACI. O que fazia
com que parte dessa elite se apropriasse do poder na região, conduzindo desde a década de
1940, as suas propostas desenvolvimentistas que somavam o crescimento econômico e
industrial da região.
Além do controle político e econômico da região, a ideologia regionalista pairava
sobre essa elite, parte dessas ideias circulavam no contexto da cidade desde a década de 1940
119

até os anos 1980. Conforme o autor, acontece uma intensificação com a criação da Sudene 33
no ano de 1959.
Ao identificar tal alteração, Pereira (2007) percebe que já em meados da década de
1950 e 1960, o governo do estado de Minas Gerais desempenha políticas diferencias para com
a região, que tinha como Montes Claros com polo regional do local. Mais do que isso, esse
tretamento foi preenchido ao fato de a Sudene aderir a região, pois o órgão foi criado para
estabelecer um desenvolvimento do Nordeste. Para o autor, tal ligação da região ao conjunto
nordestino fortalecia ainda mais a ideologia regionalista desenvolvimentista.
A política de desenvolvimento levada a efeito pela Sudene, e pelo Governo do Estado
na região também, para Pereira (2007) contribui para formatar certas dinâmicas próprias na
economia regional. A região do norte de minas começou a ser delimitada ao longo de toda a
segunda metade do século XX, correspondendo a atuação da sudene, ou definida como
nordeste de Minas. Em outros momentos anteriores, ela abrangia outras regiões que eram
conhecidas como sertões das Minas.
Essa diferenciação também é histórica. Diferentemente da corrida mineradora que
abastecia a colônia portuguesa durante o século XVIII, o norte de Minas Gerais fazia parte
dos conhecidos sertões, que tem origem no século anterior e não mantinha atividades
mineradoras. Parte da Historiografia sobre o tema, como aborda Pereira (2007), ora evoca a
contribuição das bandeiras paulistas na colonização da área, ou ainda indica a participação
dos baianos na construção dos grandes currais ao longo do Rio São Francisco. O certo que a
região manteve se próxima tanto das grandes regiões das minas, enviando mantimento
produzidos na região, como um local de grande produção de pecuária extensiva.

33
A primeira tentativa de criação de um órgão de fomento ao desenvolvimento do nordeste do Brasil se deu com
o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN). Em 1958 o GTDN foi transformado em
Conselho de Desenvolvimento do Nordeste (Codeno) Criada originalmente pela Lei 3.692, de 1959, a Sudene
veio substituir o modelo dos dois órgãos precedentes a ela (GTDN e Codeno). Foi idealizada no governo do
presidente Juscelino Kubitschek, tendo à frente o economista Celso Furtado, como parte do programa
desenvolvimentista então adotado. Seu principal objetivo era encontrar soluções que permitissem a progressiva
diminuição das desigualdades verificadas entre as regiões geoeconômicas do Brasil. Para tal fim, foram
engendradas ações de grande impacto, tais como a colonização do Maranhão, os projetos de irrigação em áreas
secas, o cultivo de plantas resistentes às secas, entre outras. Absorvida pelas administrações que se seguiram,
durante a Ditadura militar foi tendo cada vez mais seu uso desviado dos objetivos iniciais, sendo considerada
uma entidade que, além de não realizar os fins a que se propunha, era um foco de corrupção. Por conta disso e
após uma sucessão de escândalos, em 1999 a imprensa iniciou um debate sobre a existência do órgão, extinto
finalmente em 2001 por Fernando Henrique Cardoso. A retomada das propostas de Juscelino e Furtado, porém,
foi defendida pela administração Lula, e finalmente o órgão foi, em 2002, recriado, desta feita com o nome de
Agência do Desenvolvimento do Nordeste e a sigla ADENE, ainda durante o governo Fernando Henrique
Cardoso.
120

Com a atuação da Sudene na região do Norte de Minas Gerais, o desejo emancipador


ganhou novas ares que proporcionou ainda mais a necessidade de instaurar uma doutrina
separatista. Isso ocorre ao longo da década de 1960, onde foi analisado por ele alguns eventos,
com congressos reuniões e notas em Imprensa dá época, como o Jornal Gazeta do Norte,
mesmo periódico citado na presente pesquisa.
Ao certo, o que tudo indica, foi que Montes Claros no contexto no qual a pesquisa se
insere, estava passando por momentos intelectuais que os colocava dentro de propostas
desenvolvimentistas, logo ligadas diretamente a suas ideologias regionalistas e separatistas
com o restante do estado de Minas Gerais. Para, além disso, ao pensar que as elites regionais
mantinham tal ideologia, suas visões estavam focadas justamente ao regional, que ligaria uma
intensa valorização de símbolos que correspondia verdadeiramente as tradições da região.
O que de fato, o separatismo proposto pela política da época pode dizer sobre a
valorização da tradição religiosa de Montes Claros e sua região? O que o regionalismo tem
ligação com a valorização do folclore? Sobre essa problemática que vem nosso interesse.
Com esse objetivo que pensamos em contextualizar e mostras como essa relação se
estabelecia nessa época estuda.

2- RELIGIOSIDADE E FOLCLORE

A cidade Montes Claros possui em sua característica a fé católica, muito comum em


pequenos munícios de regiões sertanejas no Brasil. A partir das primeiras décadas do século
XX conforme Jânio Marques Dias (2015), a cidade começa a sofrer as mudanças que a
ultramontanísimo34 se proponha, sendo assim, as devoções que eram amplamente divulgadas
por meios das grandes festas, nas praças e ruas da cidade foram aos poucos tornando
familiares e espaços domésticos.
Para isso, símbolos das festas de Agosto, como a devoção a Nossa Senhora do
Rosário, São Benedito e Divino espirito Santo, que pairavam na tradição e devoção religiosa,
ganha novos ares agora a partir da década de 1930, com as novas devoções de santos mais
“catequéticos” como a devoção sagrado coração de Jesus e a São Vicente de Paula. Mantendo
assim parte das formas litúrgicas que a Igreja necessitava nesse período.
Contrastando assim com a religiosidade da região, as Festa de Agosto que
correspondiam sempre formas mantidas conforme Dias (2015) como expressões da fé
34
O ultramontanismo defendia e reforçava a autoridade do Papa. Inicialmente, ultramontano significava um
católico convicto fiel ao Papa. Com o concílio Vaticano I (1869-1870), que reforçou o poder do Papa e
proclamou a sua infalibilidade. (SOUZA, 2007 p. 7)
121

regional e marco no calendário festivo e religioso do local. Elas sempre aglomeram dentro da
cidade festas de Divino Espírito Santo, Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito. Com a
participação dos reinados de cada um santo em acontecimentos de o total de uma semana.
Além da grande festa que envolvem a missa de casa santo, o seu reinado, conta ainda com a
congada, expressão que conta com agrupamento de Catopês, Caboclinhos e Marujos.
As expressões populares da cidade começam então a fazer parte na década de 1960,
berço das modificações políticas e culturais da região, como objeto de resgate das culturas e
“expressões folclóricas” regionais. É nesse seio que parte das elites começam a trabalhar na
valorização das práticas tidas como populares e marcá-las para utilizarem como característica
da cidade de Montes Claros.
Umas valorizações da tradição e dos costumes ganham destaque na obra do
memorialista Hermes de Paula, que em Montes Claros, sua história sua gente e seus costumes
(ano), sintetizam um variado aglomerado de informações de cunho memorial sobre a cidade.
Desde lendas, memórias, nomes políticos, mudanças na cidade e uma caracterização que
passa desde a história como a memória da cidade desde o elencado “Araiar das formigas” no
século XVIII. Ao certo, o memorialista também foi conceituado por Yvone Silveira e Maria
José Colares (1995), como historiador e folclorista.
Ao tratar em seu trabalho sobre as festas de agosto, Paula aponta o seu “surgimento
como elencado em 1839)”. Para o autor, a origem das festas religiosas na região de Montes
Claros inicia-se com a Construção da Capela de Nossa Senhora do Rosário a pedido da
Confraria dos Homens pretos. Como marco de origem, a acentralidade e antiguidade dos
festejos, o classifica como um grande momento de “importância” para a permanecia da festa
par o andamento da cultura e resgate ressaltando assim a permanência

Não, não acabem com a “festa de Agosto”. Ela é a única festa popular de
Montes Claros. Dansem Catopês, teçam cipós, caboclinhos; naveguem
marujos; corram cavaleiros! A diversão não é privilegio de uma só classe –
aquela que detém dinheiro. 434

A poesia traz dos festejos ganha um valor de beleza que corresponde a magia e valor
que a festividade traz. Mas é por meio de várias outras atividades que aparecem nesse
contexto social, principalmente mantida pela elite política e intelectual da cidade que o evento
passa a ser associado com aspecto da manifestação cultural e não apenas como expressão
religiosa.

Essa proposta ganha força anda como a sua vinculação ao ser recolocada como
manifestação cultural, seu conceito se expande nesse período, quando que a secretaria de
122

cultura da cidade passa a valorizá-la como motivo de resgate e cultura de seu povo.
Conceituando o evento, a historiadora Carla (ano) demonstra que,

Uma manifestação folclórico-cultural que acontece nas ruas por meio dos
catopés, marujos, caboclinhos, reinados e também em forma de evento com
apresentações musicais e folclóricas, além da Feira de Artesanato.

Esse conceito de “folclórico-cultural” passou a ser mantido após a criação do festival


folclórico que segundo Jânio Marquês Dias (2015) devido aos incentivos e a
“desvincularização do calendário litúrgico”, na cidade de Montes Claros, essas festas forma
congregadas no mês de agosto como festival folclórico. Com o apoio de alguns “órgãos
oficiais, interessados na divulgação e preservação da memória, Montes Claros transforma-se
em cidade de Arte e da cultura” (pg 130).

Esse laço de preservação acontece durante o período após a década de 1960 em


Montes Claros. Época que se implementava o concílio Vaticano II e auge da ideologia
regionalista. Esse momento da realidade religiosa na região, foi a época da implementação do
concílio vaticano segundo que trouxe uma série de mudanças na religião católica da Norte de
Minas.
Fabio Antunes Vieira (2014) aponta para o ano de 1964 com o fim das missas em
latim, a assembleia Diocesana de Pastoral que foi uma forma de dinamizar a recepção do
concílio. Esse momento, a partir desse tempo foi um período que começa a revelar uma maior
aproximação dos leigos e dos movimentos pastorais na cidade. Esse momento foi um
acontecimento que delimitou claramente uma nova teologia e desencadeou uma nova forma
de orientar todo o agir clerical.
Desta forma, a igreja ganhou novos ares com agora uma aproximação com seus fiéis,
se antes com a romanização, se estabelecia uma ordem e tentava-se desvincular os “cultos
populares”, essa aproximação da igreja com os fiéis torna-se mais fácil a necessidade de
preservação das memórias e expressões populares que tinham nas festas de Agosto o seu
grande marco discursivo de preservação.
Somado a isso, o ideal de modernização e regionalismo, proporcionado pelas elites
conforme Pereira (2007) vigora assim com uma maior força, principalmente no tocante a
criação de instituições que pretendiam modernizar a região. Por fim, vários outros
acontecimentos, que a partir desse momento forma realizados como criação de locais que
incentivam a cultura proporcionaram para esse resgate de tradições e memória elencadas
como “perdidas”.
123

A partir disso, vários elementos compõem para tal situação, como a construção da
nova capela do rosário, criação do Conservatório de municipal de música, ambos em 1962,
criação do centro de estudos folclóricos, em 1963, grupo Banzé em 1968, festival folclórico
em 1978 e Centro de Extensão Cultural em 1979.

2.1 Conservatório

Consoante Yvone Silveira e José Colares Moreira (1995) 35 em março de 1961, o então
prefeito de Montes Claros, Simeão Ribeiro Pires, “entregou a chave de uma casa situada na
Rua Dr. Veloso 486”, para que fosse instalado o Conservatório que funcionou como
Municipal até a sua estadualização em 1962, com o nome Conservatório Estadual de Musica
Lourenço Fernandes. Para as autoras, “o edifício tinha como objetivo dar oportunidade para
todos os revelação de muitos, realmente artistas”. Finalizando assim, “ele se constitui um
marco cultural na vida de Montes Claros e oportunidade de muitas donas de casa saírem para
lecionar piano, canto, teoria musical e História da Musica” (pg.32). Dentro alguns nomes que
aprecem como professoras a própria autora citada, Maria José Colares de Moreira como
professora de História da Musica que posteriormente foi o nome principal por traz do grupo
folclórico Banzé.
Segundo as autoras foi por conta do Conservatório, juntamente com os estudos da
Cadeira de Folclore, “fez ressurgir as Festas de Agosto e logo a secretaria de Cultura
organizou o I Festival de Folclore, sob a direção de Clarice Maciel” (pg.34), tornando a fazer
parte do calendário das festas populares. Aglutinando aos festejos de agosto.

2.2 Capela de Nossa Senhora do Rosário

35
Como as autoras dizem, o trabalho de História trazia várias referencias de inúmeras divisões da cidade de
forma branda mais que juntamente com toda as fotografias que ilustravam a publicação soava como um conjunto
de produções de memória para a valorização da cidade. Contando história desde a sua origem no século XVII,
com o arraiar das formigas elas passam pelo dito “Montes Claros de ontem” com alguns órgãos como imprensa
e escolas elencadas como antigas e a cidade de “hoje” com outros elementos que circundam a vida social da
cidade como a imprensa, praças, a década de 1940 a sudene. Por último elas adentram o seu tema com maior
propriedade que era a cultura e as artes. Essa publicação do ano de 1995 traxia a intensão de “preservar o arcevo
de fotografias que nos chegou às mãos, doado pelo Sr. Zeca de Joel”. “Fotografias que representam fatos
ocorridos desde a formação do Município, e que serão lembrados, através delas, nesta síntese histórica, dando
destaque aos construtores do progresso”.
124

Em 20 de Setembro de 1960, o jornal “Gazeta do Norte” noticiava a construção de


uma nova capela dedicada à nossa senhora do rosário,

A velha capela do Rosário, construída pelo tropeiro paulista José Joaquim


Marques, aqui radicado nos idos de 1830, parecia ameaçar um
desmoronamento e foi condenada por uma comissão de engenheiros. Como
medida preventiva de um possível desastre, está agora sendo demolida. No
mesmo local mas em posição que permita o alinhamento da avenida Cel.
Prates, será construída outra capela de linhas modernas. Sob a mesma
inovação- Nossa senhora do Rosário e São Benedito- e inspirada nos festejos
de Agosto. Será assim dentro uma concepção moderna, mantida a velha
tradição dos catopés, marujos, caboclinhos.

Como destacado em nota, conforme documentação da Secretaria de Cultura de Montes


Claros, a capela teria sido inaugurada em 1962, com um projeto diferenciado ao modelo
barroco oitocentista que existia anteriormente, e ainda em uma posição diferenciada, pois a
antiga ocupava o mesmo espaço onde foi construída a Avenida Coronel Prates. A construção
da nova capela fez parte das reformas modernizadoras que a cidade passava durante o
período. Desta forma, o então prefeito Simeão Ribeiro, tinha como grande proposito a
construção da Rodovia que abria espaço para uma circulação maior de carros e desafogaria o
trânsito do centro da cidade.
Ainda sobre o desejo de modernizar o projeto, regata a popularização do estilo
arquitetônico Moderno, muito em vigor no momento devido os modelos brasilienses que a
nova capital do país vigorava.
Figura 49. Nova capela do Rosário

Fonte: Acervo de Fotografia da Secretaria Municipal de Cultura, Montes Claros


125

Conforme Jânio Marques Dias (2015) “símbolo da manifestação da fé das festas de


Agosto” a nova capela representava as formas da elite assim destacar a preservação das
tradições da festa e principalmente dos grupos que participavam com ainda grande destaque a
uma “Vau Clarineta de Navio”, em frente, onde tal postura homenagearia os Marujos, grupo
que participa do Congado da festa. Esse formato foi pensado justamente para ser uma
homenagem ao congado, onde foi posteriormente reconhecida como capela dos “Catopês”,
destaque principal da festa e dos futuro festival folclórico.

2.3 Festival Folclórico

Como foi relatado anteriormente, “O Festival do Folclore” foi uma produção em


conjunto da prefeitura e do Conservatório Lourenço Fernandes. Mai próximo dos dias atuais
somente em 1978 acontece sua primeira edição juntamente das Festas de Agosto e ainda
correspondente ao mês que se dedica ao folclore no País.
Conforme o próprio livro de Memória de Yvone Silveira e José Colares (1995) aponta
para essa ligação próxima entre as aulas de História da Musica e Folclore ministrada pela
segunda escritora. Conforme as autoras “o festival conta com a mistura de danças, cores,
ritmo dos grupos folclóricos de Montes Claros”. Essas apresentações contam ainda, conforme
as autoras das apresentações grupo Banzé, que serão estudados posteriormente.

2.4 Centro de Estudos Folclóricos, Museu do Folclore.

Ao apontar sobre a, sobre a fundação da “sociedade Amigas da Cultura” recorda que a


atual diretora (1981) Milene Coutinho Maurício, foi a primeira presidente do Museu do
Folclore, criado em 1963, no Conservatório Estadual de Música Lorenzo Fernandes, que teve
dois anos de duração. Ainda, segundo as autoras, “em 1963, foi fundado o Museu e Centro de
Estudos Folclóricos, o projeto foi apresentado na Câmara Municipal de Montes Claros, pelo
vereador Cândido Canela”. Com o patrocínio do Conservatório Lorenzo Fernandes o Museu
foi inaugurado em uma de suas salas, no dia 29 de novembro de 196336.
36
De acordo com o Jornal de Notícias de 30 de Setembro de 2000, em 12 de agosto de 1993 foi inaugurado o
Centro de Tradições Mineiras- Museu do Folclore. Com espaço mantido pela Universidade Estadual de Montes
Claros, o local contava com a orientação da professora de folclore, Zezé Colares, que fundou e dirigia o grupo
Banzé. O “CTM” abrigava obras de arte de grandes artesãos, artistas plásticos e escritores, que caracterizavam
algumas das manifestações folclóricas da região. As festas de agosto, do terreiro de Oxóssi Caçador, das festas
natalinas e de uma coleção de peças sacras (...). Parte dessa mesma descrição aparece na nota sobre a presença
dos objetos do Terreiro de Terezino Nery no centro de estudos folclóricos em 1964, da revista Encontro. Ao que
tudo indica, os objetos desse centro foram remanejados para o espaço da Universidade de Montes Claros, e aos
poucos mantinham uma proximidade com o grupo Banzé.
126

Na publicação da revista Encontro, fonte de estudo no primeiro capítulo do trabalho,


foi citado o “Centro de Estudo Folclóricos”, onde objetos do Terreiro Oxóssi Caçador
estrariam presentes nesse espaço. Parte das ideias que relacionavam ao Candomblé e como ele
foi utilizado ao destacar e aglutinar a tradição Norte Mineira, com as religiões de Matriz
Africana vieram desta proposta gestada na década de 1960.
As tradições assim foram pouco a pouco resgatadas nesse período para ressaltar ainda
a importância da região e das manifestações que foram destaques desse local. Desta forma, ao
associá-las como manifestações “folclóricas” como os catopés, marujos e Caboclinhos como
objeto de resgate institucionalizando com os diversos setores criados nesse período,
destacando-se assim como emissão de artística e cultural para o povo. Dentro do
conservatório, das festas folclóricas, do centro de estudos folclóricos, a fé e as manifestações
populares foram resgatadas como forma de permanecer vivas sobre tradições que resumiam a
vida do cotidiano de Montes Claros.
Ressaltando ainda, acompanhado desse resgate, o Candomblé e a Umbanda foi
adicionado a essas manifestações, isso ocorreu por meio das elites e outro meios que
proporcionavam tal condição. No livro de memórias de Yvonne Silveira e Zezé Colares, essas
atividades constavam como semelhantes;

Reinados, reisados, congados, macumbas, candomblé, cantigas de roda,


lendas de fadas, sacis, mãe-d’água, mula sem cabeça e tantas outras, bem
como as comidas típicas fazem parte da cultura popular, transmitida
oralmente por muito anos (...) Hoje, reconhecendo-se a importância da
preservação dessa cultura, que remonta às origens de cada povo, há inúmeras
obras sobre o assunto, e o empenho para que as danças, os brinquedos,
enfim, tudo o que faz parte do folclore seja apresentado, nos dias e meses do
calendário, como manda a tradição. (1995, p.54)

Uma das autoras que embora sido escrito no 30 anos após o momento estudado
participou das inúmeras instituições citadas anteriormente. Parte da escrita sobre a
necessidade de manter viva as tradições, remetem aos congados e outras manifestações
católicas as religiões de Matriz Africana. Não obstante a cultura, que até então era entendida
como ancestralidade negra e africana, ao poucos eram reduzidos a uma ingenuidade popular
que se tornava-se como uma única coisa a ser resgatada.
Ainda assim parte dessas ideias de preservar o folclore da cidade condicionando sua
ligação ao Candomblé e a Umbanda. Henrique de Oliveira Brasil em 1983, no seu livro de
análise geográfica e espacial sobre a cidade História e Desenvolvimento do de Montes Claros,
aponta,
127

As tradições e costumes quase sesquicentenários estão vivos, inseridas na


mente e no quotidiano da cidade, que cresce a passos largos, galgando o
progresso, como grande polo de desenvolvimento econômico, social e
cultural. O folclore germina no coração do povo. É cantado e decantado nas
serestas, através do ritmo das congadas, marujadas e cabloclinhos, foliões
candomblés e Umbandas. (pg.145)

Esse mesmo pensamento foi mantido ainda na década de 1980 com os dizeres do
autor. O candomblé e Umbanda não é ainda religião, mas manifestação popular. E sobre essa
ótica que consideramos a seguir analisar o grupo Banzé e sua participação e contribuição para
tal pensamento.

3-GRUPO BANZÉ

O grupo nasceu no conservatório em 1968, conforme Yvone Silveira e Zezé Colares


(1995) “um grupo de danças feito para ilustração das aulas de História da Música e de
Folclore” regidas pela Professora José Colares de Araújo Moreira, e que teria o destino de
torna-se o melhor, no gênero folclórico, em Minas Gerais.
Com apoio da direção do conservatório a primeira apresentação foi em abril de 1969,
no conservatório com a crítica de arte Mari’Stella Tristão, que aplaudiu e considerou o
trabalho excelente. Alargaram-se as pesquisas do folclore regional, foi enriquecido o
repertório e o Grupo iniciou a marcha do sucesso, apresentado-se para todo o Brasil, e depois,
pelo exterior.
Foi destacado ainda no texto, que o grupo preservou o folclore e projetando Montes
Claros para toda a parte. Na época da publicação do livro o grupo Banzé tinha um covênio
com a Universidade Estadual de Montes Claros, com a ajuda do Reitor Dr. José Geraldo de
Freitas Drumond.
Conforme Regina Cabral, que esteve desde o primeiro ano de fundação do grupo,
espetáculos como a traíra, Macumba e Catopês eram as principais atividades mantidas no seu
inicio. Ao que foi indicado pela entrevistada, essas apresentações foram criadas ambas
durante os anos inicias do grupo nos anos de 1970. A ligação do grupo esteve ligada ao
conservatório e a Universidade Estadual de Montes Claros durante muito tempo.
Parte da grandiosidade do grupo foi construída posteriormente, após a década de 1980,
onde tanto nos depoimentos de entrevistados do vídeo institucional, como da imprensa da
128

época retratava as viagens internacionais para as apresentações como um grande destaque


para o grupo e para a cidade de Montes Claros.
Isso fez com que as memórias atuais passassem por essa construção, parte do que se
tem hoje sobre o que o grupo representa mistura-se a história “oficial” da cidade e da região,
justamente por tal feito, conforme reportagem do jornal do Norte em publicação do ano de
1984, as viagens internacionais citadas por Regina. Com o título “Banzé dança e canta para
americano ver” a nota ainda ressaltava a importância de levar a “cultura montesclarence para
o exterior” 19 de abril de 1984.
Como esse calor da “cultura local” passou a ser levado para outras regiões com as
apresentações em todo o território nacional, e com as apresentações internacionais até a
década de 1980, o grupo parte a ser destaque dentro do cotidiano da cidade. Ligado a setores
da política e outros agrupamento com condiziam com a sociedade de Montes Claros, essa
visão passou a ter esse peso por proporcionar uma visibilidade para a cidade e, além disso,
mostrar as “raízes dessa terra”. .
Ainda na década de 1970, quando o grupo ainda detinha esse reconhecimento
nacional, as ideias de reconhecimento do “folclore” regional e valorização deste já eram
presentes, conforme nota do Jornal “Diário de Montes Claros”;

Dia 15 de setembro, no Cine Montes Claros, o já famoso conjunto


folclórico Banzé, fará uma de suas maiores apresentações. A turma
está num embalo total, com vistas à sua viagem no princípio de 1974,
à Argentina. O BANZÉ depois de mostrar a muitos Estados
Brasileiros a sua arte, parte agora para o exterior. Os ingressos vêm
sendo vendidos pelos componentes do mesmo e temos a certeza, toda
a nossa cidade irá prestigiar o grande acontecimento. (Diário de
Montes Claros, 19 de agosto de 1973)

Esse prestígio social ao “Conjunto folclórico” foi noticiado principalmente ao


convidar os leitores do jornal na coluna social “Repórter em Sociedade”. Ao afirmar a
viagem do exterior, reforça o que parte das memórias sobre o grupo se intensificaram.
Conforme, os relatos de Regina aos poucos as apresentações foram se dedicando a outros
estados brasileiros mantendo espetáculos com a proposta de trazer esse fato do folclore
brasileiro.

3.1 Espetáculo “Macumba”


129

Trazendo elementos escolhidos com base nessas pesquisas, o terreiro Oxóssi Caçador
fez parte dessas apresentações através do espetáculo “Macumba”. Conforme Regina que
participou do projeto, a dança tinha várias referencias a cultura dos orixás que a aproximação
de Zezé Colares com o terreiro de Terezinho. Isso ocorre em meados da década de 1970 e
não explicitando uma data correta para tal evento. O certo é que o espetáculo continua sendo
apresentado até os dias atuais como repertório do grupo.
A entrevista ainda conta que por meio dessa aproximação, vários instrumentos foram
emprestados do terreiro, e que o grupo ainda chegou a ter participação dos Ogãs no seu grupo
de participantes. Somado a isso, o espetáculo era apresentado juntamente com as primeiras
apresentações mantidas durante os 10 anos inicias do grupo de Zezé Colares. Juntamente com
o espetáculo votado aos catopés, Marujos e caboclinhos, Pastorinhas e a Macumba como
repertório. De inicio, o grupo se configurou como apenas ensaios que pretendiam ser
executadas em eventos do conservatório e depois da prefeitura, mas posteriormente com a
exteriorização do grupo as apresentações eram feitas em outras cidades de Minas e depois em
todo o Brasil.
No candomblé de Pai Terezinho, o grupo encontrou uma forma de valorização de
práticas elencadas como “folclóricas” e aproximava-se assim a outros espetáculos que tinham
como a intensão a reprodução de práticas regionais. Como foi o caso das danças inspiradas
nas festas de Catopês, Marujos e Caboclinhos elementos religiosas das festas populares de
agosto na cidade.
No histórico feito sobre o sacerdote no livro, Montes Claros ontem e Hoje as autoras
apontam as relações próximas de Terezino com o grupo Banzé e como uma “personalidade”
para a cidade. Conforme tal escrito,

Ano de nascimento, 05 de fevereiro de 1930, em Montes Claros. Fez o santo


em 1950, com o Pai Miguel Arcanjo Paiva, “Miguel Grosso”, um dos mais
famosos babalorixás da época. Ele foi feito em Salvador, e seu santo de
cabeça em Logunede/Oxum, que no sincretismo representa São Miguel
Arcanjo, e seu Caboclo era boiadeiro, o primeiro encentado a se manifestar
no terreiro de Oxóssi Caçador. Babalorixá Italegi em 1954, Terezino,
constitui-se o primeiro a tocar “nação” nesta cidade. Terezinho foi membro
da associação Umbandista e Folclórica de Montes Claros e do Norte de
Minas Gerais. (SILVEIRA e MOREIRA, 1995)

Assim o nome do sacerdote aparece junto a grandes personalidades da história da


cidade que se destacaram no ramo da cultura. Isso foi ainda mais marcante quando ele era
ligado às apresentações do grupo Banzé.
130

José Fernandes também ganhou espaço, a relatá-lo como famoso “Pai de Santo” que
fez sucesso com seu terreiro de umbanda, muito frequentado pelos montesclarenses e pessoas
da região. O Banzé foi várias vezes ao terreiro, para aprender as danças com as baianas ou
filhas de Santo, e a tocar o atabaque, reconhecendo, por isso a cooperação do “Pai de Santo”
José Fernandes.
Mantidas hoje na Fundação Banzé, ainda pelo neto da Fundadora Maria José Colares
Moreira. Existem algumas fotografias da década de 1970, com a representação do espetáculo
“Macumba” idealizada durante o inicio do grupo.
Parte dessas fotografias foi por muito tempo exposta no museu do folclore e Centro de
Tradições mineiras, que foi administrada pela Zezé Colares em Parceria com a Unimontes.

Figura 50. Movimentos da “Macumba”

Fonte: Acervo do Grupo Folclórico Banzé. Década 1970

Figura 51. Movimentos da “Macumba”


131

Fonte: Acervo do Grupo Folclórico Banzé. Década 1970

As duas imagens coloridas, demostram uma visão diferenciada sobre todo o conjunto
de fotografias apresentadas na pesquisa. Por conter cores, presumimos que se trata de
produções um pouco mais elaboradas devidas o uso de cores ser muito mais caro na década de
1970. Com isso, o fator de o Banzé ser um instrumento da elite intensifica tais questões sobre
elas.
Em tamanho médio, no sentido horizontal, o autor das representações da dança foi
Rilson Santos, já apresentado no primeiro capítulo do trabalho mantendo trabalhos como
fotojornalista, estúdio fotográfico e eventos sócias da cidade. Todas as outras fotografias
subsequentes foram feitas no mesmo dia de apresentações da “Macumba”, realizadas no
Centro cultural de Montes Claros, espaço mantido como teatro e atividades culturais.
Parte das imagens serem coloridas serve justamente para ressaltar o que a dança
conduz a ideia de pluralidade que o Candomblé se propõe. É um recurso que foi utilizado
pelas “Baianas”, termo apontado por Regina para apontar alguns dos personagens que
aparecem no espetáculo. Além delas temos a baiana do centro, que representam uma Yaô em
processo de iniciação e os orixás que não foram muito bem delimitados nesse período,
aparecem como figuras diferenciadas nas vestimentas como na primeira imagem como uma
132

“cabocla”, e nas demais fotografias uma figura próxima ao orixá Oxosse, patrono do terreiro
de Terezinho Nery.
Os movimentos se referem a “gira” no Candomblé que apontam para um movimento
muito usual e próprio da liturgia religiosa. Não existe candomblé sem dança, e por isso a
reprodução da dança, transmitida pela fotografia refere-se a esse modo de dançar. Onde uma
roda coesa é criada dançada pela “muzenzas”, no caso do espetáculo, pelas baianas e ao
centro um personagem místico está sendo referenciado como um orixá, caboclos e no caso
específico da primeira imagem, a iniciada.
Para ainda refletir tal postura, a ideia de ritual que o espetáculo causava, elementos
como a vela refletem essa capacidade de “absorver” a tradição religiosa do Candomblé. Tais
elementos foram reproduções de algumas danças da casa “Oxosse Caçador”.
Enunciando um aspecto de ritual as imagens transmitem esse ponto de revelar a
espiritualidade do candomblé a partir de suas representações performáticas do espetáculo.
Logo, a imagem não tem esse peso espiritual trabalhado, sobretudo com as fotografias dos
rituais da casa de Teresino no primeiro capítulo.

Figura 52. Movimentos da “Macumba”

Fonte: Acervo do Grupo Folclórico Banzé. Década 1970


133

Figura 53. Movimentos da “Macumba”

Fonte: Acervo do Grupo Folclórico Banzé. Década 1970

São imagens que expões as apresentações do Grupo, que ao reproduzir danças do


terreiro o coloca com “expositor” do folclore, e como um museu ou outra forma de apresentar
a cultura regional por meio do viés da dança. É viva, é expositiva e é folclórica. Então, ao
escolher o candomblé como uma forma de revelar o folclore regional, as dançarinas vestem o
folclore e representam o “folclore” e não uma religião. As fotografias desta forma se
apresentam como lembranças do Banzé e não do terreiro, que foi utilizado como pesquisa e
apresentação de um espetáculo do grupo e não religioso.
Em formato vertical, identificamos as duas fotografias acima como um destaque para o
personagem e não para a movimentação da dança com as duas primeiras. Com uma
representação de Oxóssi, as penas verdes da dançarina fazem que um destaque sobre o
personagem fosse revelado. Sorridente, uma postura própria do espetáculo, que emite sobre
ela o fator de exuberância e animação que a dança proporciona.
As próximas duas imagens são reproduções das baianas em pose comum a fotografia
de cotidiano. Como personagens, as vestimentas aparecem como “fantasias” e contém ainda
esses elementos voltados as ideias folclóricas e de exposição.
134

O espetáculo foi remodelado durante a década de 1980, que segundo Gustavo Colares,
com uma ajuda de uma coreografa de Belo Horizonte colocou movimentos e outros elementos
que aproximavam da Bahia. O que faz se pensar que aos poucos as lembranças da macumba
estavam ligadas a essas mudanças mais próximas dos dias atuais. Ainda assim, essa nova
“versão” da dança ganhou um prémio estadual, esse nome o manteve com uma apresentação
atual.
As imagens que representam o “espetáculo” apresentados no Museu Folclórico, as
tornam conforme Ivete Batista da Silva Almeida em As religiões de Matriz Africana na Mira
da Imprensa Ilustrada em;
Tomada como testemunha da verdade, a imagem potencializa a
representação do real, permitindo a exposição, ou mesmo a
superexposição dos indivíduos de maneira espetacular, reconstruindo o
mundo e mesmo auxiliando na criação de estereótipos, ou seja, de modelos
reducionistas, a partir de uma intensa oferta de recortes, selecionados,
enquadrados e organizados, a serviço dos princípios ideológicos que
norteiam a elaboração de uma narrativa quase que teatral sobre o outro
(ALMEIDA, 2018. p.5)

Ao representar o Candomblé de Terezinho ao mundo do espetáculo, e imortalizá-lo


por meio das imagens como forma e “prova” de um passado o grupo Banzé refaz esse
caminho o reduzindo as manifestações folclóricas que se enquadravam nos moldes da época.

3-Uma Noite na Bahia- A “macumba” vai à sociedade

Todos os entrevistados na pesquisa sempre apontaram para o Sacerdotes José


Feranandes e Terzinho como os verdadeiros “divulgadores” das religiões de matriz-africana
para a sociedade de Montes Claros. Tal justificativa foi dada justamente pois suas
apresentação para o ambiente no qual eles viviam era justamente diferente, eles tinham a
necessidade de estabelecer boas relações com outras pessoas vistas como importantes para
essas pessoas.
Desta forma, assim parte do evento “Uma noite na Bahia” garantia para que essas
representações sobre as duas figuras, que ajudaram na decoração e apresentações,
contribuíssem para tal ideia. Portanto, foi com essa visibilidade para a “sociedade de moc”
que os dois pais de santo utilizaram para divulgar suas religiões.
135

Acerca do evento, foi uma proposta do colunista social, Teodomiro Paulino37, que
assinava a coluna “Repórter em Sociedade”, mantida pelo Jornal Diário de Montes 38 Claros ao
longo dos anos de 1960 à 1970. Atuando hoje no periódico “Jornal de Noticias", o jornalista
retratou algumas informações consoantes as suas promoções que tinham como objetivo a elite
da classe média da cidade naquela época. Por isso, ao tratar desse evento, ele rememora que
faziam diversos outros bailes temáticos, sempre no edifício Automove Clube e o Maxmin
Clube, ambos os espaços que eram frequentados pela camada mais alta da região.
A festa era mantida como evento importante para a sociedade, e foi realizada com
algumas modificações ao longo de 10 anos, conforme sua própria fala. Para descrever com
melhor clareza tal evento, a impressa do momento, principalmente os trabalhos do colunista,
surgiram como forma importante para descrever o evento.
Desde sua primeira edição, no ano de 1966 em fevereiro próxima do Carnaval. As
temáticas da Bahia com elemento comumente referido ao estado eram colocadas postos ao
lado de apresentações dos terreiros de José Fernandes e de Terezinho. Conforme o próprio
colunista, os sacerdotes também participavam da curadoria do evento, juntamente com a
decoração realizadas pelos próprios. A proposta das apresentações que recriavam os rituais
era uma forma de associar elementos culturais baianos e ainda uma visibilidade para a prática
da cidade com sua apresentação para o mundo.
Na primeira edição em nota na coluna “Reporter em Sociedade” os preparativos
apontavam para a “autenticidade da festa” desta forma;

José Fernandes Guimarães que muito nos tem ajudado nessa promoção,
seguirá sábado para a Bahia onde assistirá a festa do Bonfim e tratar de
assuntos relacionados a grande noite. PORTANTO, temos certeza que nosso
“top-set” viverá no próximo dia 22, realmente UMA NOITE NA BAHIA.
(DIÁRIO DE MONTES CLAROS, 11 de Janeiro de 1966)

37
Theodomiro Paulino iniciou a carreira de colunista social no Diário de Montes Claros, em 1965, onde
permaneceu até a intuição do mesmo, passando para o Jornal do Norte. No qual continua fazendo comentários
dos acontecimentos sociais promovendo festas famosas como Personalidades do Ano, Glamour Girls, Destaques
Jovens, Brotos do Ano. Tinha como foco as listas sobre “As dez mais elegantes eram famosas, movimentadas a
cidade, esperava, ansiosa, os nomes das escolhidas, publicadas com fotografias, na Revista Montes Claros em
Foco, de Atalília Machado”. Em suas festas, a autora aponta para o destaque de “visitantes ilustres” como
govenador, artistas, empresários e misses. Ganhou medalha da Inconfidência, homenageado pela prefeitura entre
outro prémios. (SILVEIRA e MOREIRA, 1995)
38
Diário de Montes Claros, fundado pelos jornalistas Décio Gonçalves e Júlio Melo Fanco, surgiu no dia 20 de
maio de 1962, que tinha uma periodicidade de 3 vezes por semana. Fazia parte da Empresa S. A. Gráfica Editora
de Jornais /SAGRES. Presidida pelo Sr. Euler de Araújo Lafetá e contava com setenta acionistas. (SILVEIRA e
MOREIRA, 1995)
136

A participação do sacerdote era integralmente grande, principalmente no que tange ao


seu trabalho de decorador do evento. Conforme própria fala de Teodomiro, José Fernandes
desempenhou como decorador em outros eventos que promovia como o Moc Colonial. Em
outras notas ele aparece como decorador de casamentos, sendo confirmada por sua afilhada
Mãe Duca.
O valor dado ao trabalho de José Fernandes, já o qualificava primeiro com sua
Umbanda, que o tornou símbolo de curandeiro e médico espiritual da cidade, e aos poucos seu
nome reflete o lado artístico e cultural que suas apresentações do terreiro ganharam com as
performances. Ainda pensando na primeira edição da festa, dois dias após a nota, outro
noticiário exalta a grandiosidade do evento.

Enquanto isso, o colunista social Teodomiro Paulino chega ao final dos


preparativos da sua próxima promoção, denominada “Uma noite na Bahia”
já com cerca de 90 mesas reservadas até quando registramos estas notas. A
festa promete alcançar sucesso absoluto, visto o interesse de nossa
sociedade, que não vem dando trégua, solicitando a cada instante a sua mesa.
Os nomes de maior influencia em nosso meio social participarão do soirée,
cujo nome vem sendo divulgado com assiduidade nas colunas da capital.
Será no próximo dia 22, no salão de festa do majestoso Automóvel Clube,
que estará totalmente decorado com originais motivos baianos. (DIÁRIO DE
MONTES CLAROS, 13 de Janeiro de 1966)

Como era natural, o colunista exalta a participação de importantes pessoas que


frequentaram seu evento, e como isso o faz “destaque” diante essa sociedade que ele ressalta.
A procura destacada pode referendar uma necessidade de divulgação do evento
principalmente por motivos de arrecadação.
Por último, o tom de destaque para a festividade, rememora assim a ideia de “requinte
e elegante”, de forma análoga como foi apresentado o Candomblé e a Umbanda na Revista
Encontro em 1964 (ver capítulo 1)

Promoção que revolucionará todos os nomes elegantes do nosso “grande-


monde”..A decoração será algo esnobativo e cinematográfico, o que fará da
festa algo mais espetacular e original já realizada na city... tudo nessa festa
será diferente de todas as outras pois gostamos de oferecer promoções de
gabarito e não nos preocupando com o lucro. (DIÁRIO DE MONTES
CLAROS, 13 de janeiro de 1966)

Ao trazer elementos do esnobativo e cinematográfico, os preparativos para festa a


colocam em um discurso narrativo apelativo que convida ao interlocutor o desejo de conhecer
137

e adentrar o que foi apresentado. Principalmente a informação referente ao lucro e como a


dedicação foi importante para a construção da festa.
Na edição do dia 15 de janeiro, as notícias da festa não estavam limitadas a coluna
social do periódico. Pagina de abertura, uma nota informava o acontecimento somado a uma
imagem que destacava diante todas as notícias que o acompanhavam. Sendo a única
fotografia da pagina inicial, chamava atenção por está ao meio das notícias que
acompanhavam. Apesar da pequena nota, a imagem a que ilustra, ganha um peso,
principalmente com a visibilidade que o recurso propõem.
Os dois elementos que compõe a noticia mantem uma relação de colaboração uma
função de revelação, onde a imagem torna-se instancia secundária diante a noticia que a
conduz como uma ilustração do informativo. A fotografia está em preto e branco, não contém
nenhuma legenda ou informação, sobre o acontecimento. Como a nota faz alusão ao
acontecimento do futuro, o evento representado apenas foi usado para uma ênfase passada
sobre a produção da festa. Compondo por quatro personagens, duas baianas e outro dois
“caboclos” estão sentados em posição estática e em pose do cotidiano. Tal ligação com a
mensagem que emerge da imagem seria mantida pela vestimenta dos sujeitos apresentados.
Ao fundo, decoração típica, pouco transparente por conta da deterioração do material.

Figura 54. Teodomiro mostra a Bahia


138

Fonte: Diário de Noticias, 15 de Janeiro de 1966. Arquivo de Américo Martins

Observando “a participação de alguns nomes importantes” a nota prometia um


importante “show com passistas e ritmistas do Rio de Janeiro”, além de um “interessante
número de macumba, onde a ornamentação seria a mais cara já vista na cidade”. A macumba
aqui foi o elemento que utilizado ao lado das outras das outras apresentações. Que adiciona tal
evento, não o coloca em primeiro.
139

Para ainda despertar no leitor uma valorização do evento, a nota ainda aponta que a
“noitada vem sendo bastante comentada em sociedade prometendo mesmo superar Moc
colonial” 39
. Apontando uma nova festa também promovida pela coluna social, o evento
destaca o cotidiano da cidade, onde parte da visibilidade dada a Umbanda de José Fernandes
transparece a sociedade.
Na mesma edição, mas agora na coluna “Repórter em Sociedade” a o evento foi mais
uma vez noticiado como primeira nota da coluna. Aguardado para o “próximo sábado” a festa
onde “Montes Claros se deslumbrará num ambiente de requinte e originalidade”. Para a nota
do dia 15 de janeiro de 1966, o show “terá como ponto alto uma demonstração de Macumba
com os seus participantes usando riquíssimas trajes de padrões”. Nessa nota, o peso dado as
apresentações da Umbanda foram maiores.
No dia 18 de janeiro, outra nota informa a presença de José Fernandes que havia
“regressado da Bahia” com a decoração e baianas necessárias. O médium tem grande valor
aqui por conta tanto da sua sabedoria como Pai de Santo, como decorador do evento. Após tal
nota, a coluna notícia em mais duas edições o evento, sempre acompanhado de uma
caracterização, e como foi feito em todas as notas do mês de janeiro, era o primeiro assunto
do Colunista no seu espaço do Jornal.
E assim, no dia 27 de janeiro, Quinta-feira 40, Teodomiro informa do sucesso de sua
festa, que ainda aparece na coluna social, e no seu espaço desta mesma, conforme imagem;
Com agradecimentos diretos ao José Fernandes, o colunista demonstra o valor que a
apresentação organizada teve ao mostrar o “Candomblé” de forma discreta e simplicidade e
com muito bom gosto. Isso de fato, demonstra como era essa apresentação do ambiente
religioso festivo feito por José Fernandes para essa sociedade. Confirmando ainda, em relato
mantido tanto pelo colunista em entrevista durante o trabalho, as apresentações não tinham
teor religioso, mas era uma representação do que era feito em Terreiro.
Mãe Duca, afilhada de José Fernandes e sacerdote, apresentada no capítulo anterior
também comentou sobre a “Noite na Bahia” descrevendo como um momento muito
significativo para seu padrinho, e que as apresentações eram feitas pelos frequentadores e
afilhados do terreiro “Filhos de Pai Gonzaga”. Sendo que as apresentações eram feitas por
vestimentas de baianas e sem fins religiosos, mas performático. Acerca de tal evento, Mãe

39
Moc colonial, também foi um baile produzido pelo colunista Teodomiro Paulino. Ao longo das edição do
Periódico “Diário de Montes Claros” de 1966, identificamos outros eventos, como o “Encontro de Jovens” e
“Glamour Girls” . Todas amplamente divulgadas na sua coluna .
40
Não estavam disponíveis as edições de segunda-feira no arquivo procurado. Por isso, não foi possível analisar
a reação ao evento logo após o seu dia de execução, no dia 23 de Janeiro, domingo.
140

Duca contém uma fotografia, que foi apresentada na pagina ????? Onde foi nesses eventos
promovidos no Automóvel Clube, que ocorreu o registro.
Notas sobre a Noite da Bahia aparecem em mais quatro edições do periódico no ano de
1966. Na última delas, no dia 18 de outubro, promovendo o seu novo evento “Moc Colonial”
que segundo a reportagem, remetia a temática colonial brasileira. Rememorava o evento de
janeiro como “a melhor festa de todos os tempos” em Montes Claros, e por isso seria também
decorado pelo sacerdote José Fernandes. Em entrevista, Mãe Duca, confirmou que seu
padrinho fez trabalhos como decorador para além da temática afro-brasileira, e que manteve
essa atividade por muito tempo. Em outros momentos, José Fernandes também aparece na
coluna exaltando seu dom de decoração.
Finalizando o ano de 1966, em uma retrospectiva dos acontecimentos propostos pela
coluna social de Teodomiro Paulino, foi recordado a “Noite da Bahia” como a “melhor já
realizada em Montes Claros em todos os tempos”. Reafirmando ainda a presença de “Baianas
autenticas”, e reafirmando o show de Macumba apresentado pelo Sr. José Fernandes e seu
terreiro.
A festa dedicada ao ano de 1967, já contava com a participação de apresentações
chefiadas pelo sacerdote do Candomblé, Terezino Nery Santana. Isso aumenta assim, nossa
construção da pesquisa onde a figura dos dois se igualavam para uma representação única
sobre o candomblé e a Umbanda na cidade.

O grandioso show de “Uma noite na Bahia”, estará sendo divido em


duas partes. Na primeira, será apresentado um número de COPOEIRA
com passistas que virão especialmente para o acontecimento. Já na
segunda, o sr. Terezino Nery Santana apresentará espetacular número
de CANDOMBLÉ com vários ritmistas, baianas e inúmeros
componentes desse ritual afro-brasileiro. Show inédito e autêntico,
que dará sem dúvidas alguma, maior brilho à noitada que culminará
com grandioso grito de carnaval. (Diário de Notícias. 28 de janeiro
de 1966)

A festa continuou sendo realizada até o ano de 1975, de acordo com entrevisto
realizado com o colunista social. Conforme as análises feitas com as publicações do “Diário
de Montes Claros” os anos que obtivemos foram 1966, 1967, 1969 e 1973. Todos aparecem
noticiários sobre o evento, com qualificações e características análogas as apresentadas até o
momento.
Com a coluna do dia inteiramente dedicada as explicações sobre as apresentações
religiosas foram descritas em dois momentos justamente para o evento, no dia 22 de setembro
141

de 1973. A postura com relação as apresentações de candomblé ganham novos ares e


significados, pois diferentemente do que tinha sido relatado à oito anos, quando as primeiras
notas sobre a descrição do evento aparecem. A nota introdutória apresenta uma descrição
muito mais densa, e didática sobre a religião.
Dividia em três momentos, a noticia foi acompanhada de uma fotografia média, acima
da matéria com o título logo abaixo “Macumaba vai ser atração da noite na Bahia”. Com isso,
ao abrir a matéria, a imagem apresenta uma relação de colaboração com o que está descrito,
principalmente por conta da ideia de ilustração que foi utilizada consoante ao texto.
Em preto e branco, sem alguma legenda identificativa quanto ao acontecimento, ou o
autor, o texto descritivo pode revelar uma narrativa que transforma a imagem como seu
suporte narrativo. Com personagens em momentos festivos, a movimentação na imagem está
presente, principalmente com um dinamismo que ela sugere. Ao que enuncia, esses elementos
que compões a imagem confirmam o imaginário estabelecido pelo texto com relação às
descrições dos rituais do candomblé, mostrando assim o requinte e riqueza da festa.
Os vestidos longos das baianas que brilham e foram destaques na imagem, a variedade
de instrumentos que aparecem, os “ogãs” ao fundo, e principalmente a dança sendo executada
produzem tal questão.
Figura 55. Macumba no Automóvel Clube

Fonte: Diário de Montes Claros, 12 de agosto de 1973. Acervo de Américo Martins

Introduzindo os textos descritivos, em “Mistérios da Bahia”, foi feita uma descrição de


como ocorre às apresentações do Candomblé relatando o uso de sacrifícios, cânticos e danças
142

sagradas. Tal ideia remete as temáticas trabalhadas no primeiro capítulo da pesquisa, com a
reportagem ilustrada da revista “Encontro”. Destacando, o ritual em seu lado oculto, a
proposta chama atenção ao “proibido” e exótico, termos constantemente utilizados por muito
tempo ao representar tais religiões.
Após isso, outros elementos foram introduzidos na narrativa, como objetos “garrava
com azeite de dendê, farofa e copo de cachaça” e com o sagrado “Exu” e seu papel de abrir o
ritual, a sua licença. O poder dos atabaques foi descrito, como importante para a dança que foi
o grande destaque dado a cerimônia. Com isso “as filhas cantam para todos os orixás... da sua
mãe que se senta perto da orquestra e sacode o ajjá”.
Com o final de toda essa descrição, somado a imagem que acompanha a matéria
dentro da coluna “Repórter em Sociedade”, estabelece-se assim, uma narrativa que revela ao
público uma dimensão nova sobre as apresentações, que ao serem explicadas renovam as
representações que foram descritas anteriormente com as notas publicadas sobre a festa no
ano de 1966. Agora, se o espetáculo de “Macumba” era parte do acontecimento do evento,
aqui nessa nota, ele se torna o alvo principal do entretenimento que a festa iria proporcionar.
Parte dessas ideias forma ainda ressaltada ao estabelecer que a festa trouxesse toda a
“beleza folclórica do candomblé sendo mostrada”. “Essa narrativa ainda se associa ao fato de
o evento, depois de alguns anos serem feitos foi transformado tradicional no calendário social
de Moc”. Além disso, a associação do Candomblé a baia foi feita, onde o Candomblé e algo
pertencente apenas ao estado, utilizando toda cultura baiana a reduzindo com uma religião
que tem em suas representações diretas a cultura regional deste lugar.
No dia 16 do mesmo mês, outra nota na coluna, agora já apontava para apelativos
elementos tradicionais da Bahia, como o pelourinho, a cidade baixa e o farol da barra que
aparecem com prenúncio do evento. E desta forma o convite se torna variado conforme o
anteriormente descrito. E sempre acompanhado do Show de Macumba, que seria realizado.

Considerações Finais
143

Aos poucos, os relatos, notas, reportagens e fotografias produzidas sobre a Umbanda e o


Candomblé mostraram como visões dos elementos religiosos que circundam José Fernandes
Guimarães e Terezino Nery Santana foram apropriadas por diversos meios para elencá-los
como narrativas de manifestações populares e tradicionais. Tudo isso, contribuiu para que as
representações sobre as religiões de matriz africana cristalizassem esse discurso naquele
cotidiano estudado durante a década de 1960.
Sobre isso, ao identificar esse discurso, a pesquisa buscou sempre notar o que era
fabricado sobre os dois sujeitos. Temas que Serge Moscovici (2007) elencou como
representações sociais, que estabelecem “uma ordem que possibilitará as pessoas orientar-se
em seu mundo material e social e controlá-lo”. Desta forma, as representações são elencadas
por ele como “históricas” sendo o trabalho do historiado importante para descobri-las.
Por isso, ao procurar os discursos sobre as religiões de Matriz africana, percebemos que
ideias se sobressaíram ao passar do tempo, e que com a ajuda de acontecimentos de ordem da
sociedade no qual elas estavam inseridas transformaram essas visões. As ideologias regional-
nacionalista que pairavam sobre as elites da época estudada, bem como o imaginário criado
com a ajuda das mídias cristalizavam assim as ideias sobre essa temática.
Desde o ano de 1951, quando a Umbanda de José Fernandes aparece em um noticiário
policial às interpretações sobre sua religião qualificavam para uma visão suburbana e
desitelecutalizada, por conta de um processo de exercício ilegal da medicina. Ao longo do
aumento de sua influência dentro da cidade, e com inauguração de seu terreiro Filhos de Pai
Gonzaga, os relatos da imprensa modificaram ao ponto de noticiar suas festas e exaltar seu
espaço como grande e “pomposo”. Destacado nas colunas sociais dos Jornais.
Associado assim ao Candomblé, que a partir da década de 1960 teve grande destaque
nas produções artísticas do País, Zé Fernandes passa a ser figura importante dentro deste
contexto principalmente por conta das festas de “macumba” e foram por elas que sua religião
ganha abertura e visibilidade na sociedade de Montes Claros. Fato que associado aos grandes
destaques da mídia visual do momento no País, foi associado a intelectualidade de Montes
Claros buscasse no seu terreiro estudo e visibilidade como forma de exemplificação dessa
temática em Volga.
Nesse momento, Terezino Nery também entra no círculo associando-se a beleza e ao
destaque da Macumba. Tal exemplificação, a revista Encontro de Montes Claros, em 1964
pode muito bem definir essa definição de representações que estudamos.
Aos poucos, a partir da retomada da tradição “norte-mineira” e principalmente com uma
proposta de resgate da cultura regional, a Umbanda e o Candomblé foram associados ao
144

folclore, sobretudo com o ajuda do grupo Banzé e outros elementos que os circulavam. Isso
fez com que essas religiões fossem olhadas mais como símbolos das tradições da cidade e aos
poucos foram aglutinados entre as manifestações populares.
Esse resgate advém do entendimento intelectual do período histórico do qual estudamos.
As manifestações populares eram vistas, que prevaleceu no Brasil, durante muito anos foi
estabelecido a partir da Carta do Folclore Brasileiro, escrita durante o I Congresso Brasileiro
de Folclore, em 1951. O manifesto reconhecia o fato folclórico como “maneiras de pensar,
sentir e agir de um povo, preservadas pela tradição popular e pela imitação”. Esse vínculo não
estava ligado ao que o autor colocava como círculos eruditos. Além de que vários termos os
caracterizavam como tradicionalidade, espontaneidade, funcionalidade e regionalidade.
Esse discurso advém quando o folclore foi relacionado a identidade brasileira, foco de
resgate cultural que a intelectualidade do país procurava ressaltar no início do século XX. O
negro, o indígena, o sertanejo passaram a serem incluídos com o projeto de nação da república
brasileira. Por meio dessa constante preocupação a literatura e intelectuais voltam-se para as
manifestações populares buscando uma “autenticidade” que representasse essa beleza de “ser
brasileiro” (GOMES, 2008).
Assim, como partem de uma transformação de representações, os dois terreiros foram
associados a esses discursos nas apresentações de suas produções fotografias, e por meio
delas que identificamos como essas representações de beleza e requinte foram somadas a
serem tradição, manifestações populares, folclóricas e africanas.
Foi por meio da imagética que se construiu essa visão, elementos que tanto tiveram
ligação a produções nacionais, como eram temáticas constante em revistas ilustras, Cruzeiro,
como em acontecimentos regionais, na festa Noite na Bahia. O que fazem entender que a
Umbanda e o Candomblé foram ligados ao um objeto de “espetáculo” e “entretenimento”. Foi
pela beleza, pelo “requinte” que essas religiões forma lembradas. Ao que entendemos que, por
mais que essas religiões tentaram se reconhecidas em na sociedade de Montes Claros, elas
foram aceitas por meio de seu “requinte” das manifestações, mas não como “sagradas”.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Ivete Batista da Silva. As faces do Hércules-quasímodo: representações do


nordeste e dos nordestinos durante a era Vargas. Tese de Doutorado. USP. São Paulo. 2014
145

ANDRADE JUNIOR, Lourival. Adorei as almas: Umbanda, Preto-velho e escravidão. Anais


da XXVII Simpósio de História da ANPUN. Natal/ RN 2013

BARBOSA, Marta Emisia Jacinto. Famintos do Ceará: imprensa e fotografia entre o final do
século XIX e o início do século XX. São Paulo. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. 2004.

BARBOSA, Carla Cristina. Sertão: Cultura e Poder. Montes Claros: Editora Unimontes,
2007.

BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2015

BATISTA, Íria Catarina Queiróz e ABREU, Karen Cristina Kraemer. A história das revistas
no Brasil: Um olhar sobre o segmentado mercado editorial. Boc.ubi 2010. unisinos/unisul-br

BURKE, Peter. O que é História Cultural? Tradução de Sergio Góes de Paula. Rio de
Janeiro, Jorge Zahar, 2005

BORGES, Cristina. Umbanda Sertaneja. Cultura e religiosidade no norte de Minas Gerais.


Montes Claros: Editora Unimontes, 2011.

BORGES, Ângela Cristina Marques. Tambores do Sertão: Diferença Colonial e


Interculturalidade: entreliçamento entre Umbanda/Quimbanda e Candomblé Angola no Norte
de Minas Gerais. Tese de Doutorado, 2012. PUC-SP

CALDEIRA, Wesley Soares. O Espiritismo em Montes Claros – 1885 a 2001. Montes


Claros: Impreset, 2001.

CAMPOS, Leonardo Cristiane. A diversidade dos ritos bantos na cidade de Montes Claros:
norte do estado de Minas Gerais/ Brasil, a partir da segunda metade do século XX. Montes
Claros: Editora Unimontes, 2004.

CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Domínios da história. 2000

CARDOSO, Ciro Flamarion. O uso, em história, da noção de representação sociais


desenvolvida na psicologia social: um recurso metodológico possível. Revista Psicologia e
Saber social, 1(1), p. 40-52, 2012.

CAMARGO, Denise Conceição Ferraz de. Imagética do candomblé: uma criação no espaço
mítico-ritual. Tese de Doutorado, 2010. Unicamp

Diário de Montes Claros. Periódico de Montes Claros. Acervo pessoal de Américo Martins.
Edições 1966-1975.

DIAS, Jânio Marques. Em busca da religiosidade sertaneja: fé e cultura no sertão dos gerais-
Montes Claros (MG). Unimontes, 2015
146

ENCONTRO, Revista Ilustrada. Disponível no acervo pessoal de Lúcio Benquerer. Edição V


de Agosto-Setembro de 1964.

ERMAKOFF, George: O negro na fotografia brasileira do século XIX. Rio de Janeiro:


George Ermakoff Casa Editorial, 2004.

FREITAS, Henrique; OLIVEIRA, Míria; ZANELA, Amarolinda e MOSCAROLA, Jean. O


Método da Pesquisa Survey. Revista da administração. São Paulo v.35. 2000

Gazeta do Norte, Periódico do Norte de Minas. Disponível DPDOR/UNIMONTES. Montes


Claros: 1960-1962.

GEERTZ, Clifford. (1989). A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Editora Guanabara
Koogan

GOMES, Salatiel Ribeiro. Vaqueiros e Cantadores: A desafricanizada cantoria sertaneja de


Luís da Câmara Cascudo. Padê, Brasília, v.2, n.1. 2008

GOLDMAN, Marcio. A construção ritual da pessoa: a possessão no Candomblé. Dissertação


de mestrado, Museu Nacional, UFRJ. 1982.

HOFBAUER, Andreas. Dominação e contrapoder: O candomblé no fogo cruzado entre


construções e desconstruções de diferença e significado. Revista Brasileira de Ciência
Política, nº 5. Brasília, janeiro-julho de 2011, pp. 37-79

JORNAL DO NORTE. Acervo da Secretaria de Cultura de Montes Claros. 19 de Abril de


1984
KOGURUMA, Paulo. Conflitos do Imaginário: a reelaboração das práticas e crenças afro-
brasileiras na Metrópole do Café, 1890-1920-São Paulo: Annablume: Fapesp, 2001

KOSSOY, Boris e CARNEIRO Maria Luiza Tucci. Olhar do outro: O negro na iconografia
brasileira do século XIX. Rio de Janeiro Edusp.1994.

LINDER, Sophie Van der. Para Ler O Livro Ilustrado. Cosac & Naify; Edição: 1ª (28 de
março de 2011)

KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro. Fotografia e a questão da indiferença in, Imagens &
ciências sociais, João Pessoa, Editora Universitária. 1998

MEYER, Marlyse. Caminhos do imaginário no Brasil. EdUSP, São Paulo.1993

MEDEIROS, José. Candomblé, São Paulo. Instituto Moreira Salles. 2009

MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Rumo a uma História Visual. In: MARINS, José de
Souza;ECKERT, Cornélia; NOVAES, Sylvia Caiuby (orgs). O Imaginário e o poético nas
Ciências Sociais. Bauru: Edusc, 2005.

MIRONGA, Revista da Confederação Umbandista Brasileira. Disponível no Instituto


Histórico e Geográfico de Montes Claros. Edição 2 de 1958.
147

MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. Rio de


Janeiro, Vozes, 2003.

MONTES CLAROS EM FOCO, Revista ilustrada, disponível no Centro Cultural de Montes


Claros. Edição 20 de 1964

PEREIRA, Laurindo Mékie. Em nome da região, a serviço da capital: o regionalismo político


norte mineiro. Tese de doutorado do programa de pós-graduação em História Econômica.
USP, São Paulo. 2007

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & história cultural. 2ª Edição. Belo Horizonte:
Autêntica, 2005. 132p

PRANDI, Reginaldo. As religiões afro-brasileiras e ascensão e declínio. In: TEIXEIRA,


Faustino; MENEZES, Renata (Orgs). Religiões em Movimento. O censo de 1990. Petrópolis:
Vozes, 2013.

RODRIGUES, Rejane Meireles Amaral. Memórias em Disputa: Transformando modos de


vida no sertão e na cidade. Jundiaí, Paco Editorial: 2013

ROMANELLO, Jorge Luiz. A natureza no discurso fotográfico da revista O Cruzeiro:


paisagens e imaginários no Brasil desenvolvimentista 1954-1961. 2006. 251 f. Tese
(doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras de Assis, 2006.

RIBEIRO, José da Silva. Antropologia visual, práticas antigas e novas perspectivas de


investigação. Revista de antropologia, São Paulo, USP, 2005, v. 48 nº 2 (2005)

SILVEIRA E MOREIRA, Yvonne de Oliveira e Maria José Colares. Montes Claros de


Ontem de Hoje. Publicação da Academia Montesclarense de Letras. 1995

SOUSA, Jorge Pedro. Fotojornalismo: Uma introdução à história, às técnicas e à linguagem


da fotografia na imprensa. Biblioteca on-line de Ciências da Comunicação. Porto 2002.

TACCA, Fernando Cury. O Cruzeiro versus Paris Match e Life Magazine: um jogo
espetacular. 2009.

TACCA, Fernando Cury. Imagens do Sagrado: Entre a Paris Match e o Cruzeiro.-Campinas,


SO: Editora da Unicamp, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo,2009.

VIEIRA, Fábio. O concílio no Sertão: as transformações do catolicismo no Norte de Minas a


partir do Concílio Vaticano II. Montes Claros: Unimontes, 2014.
148

Você também pode gostar