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São Paulo
2017
1
ORIENTADOR (a): Profa. Dra. Silvana Seabra Hooper/ Prof. Dr. Marcel Mendes
São Paulo
2
2017
CDD 780.98161
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4
RESUMO
ABSTRACT
The research presented here aims to understand and contextualize the formation of the
national identity, seeking the perception of the role of Paulista Samba in this process of
formation. In addition to the search for an understanding of the reflex of rural samba in the
urban samba, paulista samba is compared to the carioca samba. It should be emphasized that
the focus of this study is the rural samba of São Paulo. The methodology used in this
academic research was the bibliographical, being this fundamental for the accomplishment of
this historiographic study, sought to use the comparative anthropological method. Using the
reading of the classics of Brazilian literature, which relate the course of national identity, we
find more elements for a better interpretation of this organization. Works by the following
authors were used: José Ramos Tinhorão, one of the main Brazilian popular music scholars of
the 19th and 20th centuries, Mário de Andrade and his contribution that proposes a parallel
between samba and the modernization of Brazilian culture. Magno Bissoli Siqueira, with the
subject of the whitening of the samba, through the appropriation of this one by the
government of Getúlio Vargas. Florencia Garramuño, with a comparative analysis of the
importance of tango and samba; The tango for Argentina, as well as the samba for Brazil,
deals with the concept "modern primitivism". The two rhythms with fundamental roles, as
they became national symbols in the first decades of the 20th century. It is concluded in this
study that there is an inherent peculiarity of samba from São Paulo, and this occurs through
the Pirapora samba bass drum , this one migrating to the capital of São Paulo and bringing
with it rural characteristics, with Geraldo Filme, Toniquinho Batuqueiro and other names. In
urban space, the rhythm reaches the streets with strings, blocks until the carnival. And
contemporaneously, there is a movement to rescue this rural samba from São Paulo, a
movement of cultural resistance through groups such as Kolombolo, Samba Authentic and
Samba da Vela.
AGRADECIMENTOS
À Deus, pela sabedoria me fornecida, pela força e coragem durante todo o percurso.
Aos colegas, com os quais eu muito aprendi, com os quais me alegrei, chorei, além de
criar amizades para além da academia.
Ao Prof. Dr. Paulo Monteiro de Araújo pelos ensinamentos e acolhimento durante
todo o percurso.
À mestranda Karina de França Silva, amiga que me incentivou em vários momentos
da minha vida tão atribulada, fazendo-me repensar e prosseguir na luta.
À Profa. Dra. Ingrid Hötte Ambrogi, pelas sugestões pertinentes no momento da
qualificação.
Ao Prof. Dr. Daniel de Lucca Reis Costa, pelo carinho, compreensão e generosidade
dedicada.
Ao Prof. Dr. Marcel Mendes, pelo acolhimento, gentileza e sabedoria com os quais me
atendeu prontamente.
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Batuque de Pirapora
Iniciado o neguinho
Num batuque de terreiro,
Samba de Piracicaba,
Tietê e campineiro.
Os bambas da Paulicéia
Não consigo esquecer
Frederico na Zabumba
Fazia a terra tremer.
Cresci na roda de bamba,
No meio da alegria,
Eunice puxava o ponto,
Dona olímpia respondia,
Sinhá caía na roda
Gastando a sua sandália
E a poeira levantava
Com o vento das sete saias
(Geraldo Filme)
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO - ...............................................................................................................13
1.1MÉTODO.............................................................................................................................13
1.2 OS CAPÍTULOS.................................................................................................................13
1.3 O PROBLEMA IDENTITÁRIO PAULISTA COMPARADO AO
BRASILEIRO...........................................................................................................................14
1.4 A LITERATURA DO SÉCULO COMO HISTORIOGRAFIA DA FORMAÇÃO
IDENTITÁRIA.........................................................................................................................16
1.5 A SEMANA DA ARTE MODERNA DE 22......................................................................17
1.6 O PROJETO NACIONAL DE GETÚLIO E O SAMBA...................................................19
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................113
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figuras
Fotos
1.INTRODUÇÃO
1.1 Método
Os métodos aos quais esta pesquisa se propôs a utilizar foram: pesquisa bibliográfica,
o método comparativo antropológico e o histórico. A razão dessa escolha foi que partir da
pesquisa bibliográfica, observou-se que, os principais autores utilizados como fundamentação
teórica tecem análises comparativas, principalmente os estudos de Tinhorão, por apresentar
análises entre o samba e a dança, por exemplo. O samba e a fofa, o samba e o fado, o samba e
o lundu, o samba e o maxixe. Já a autora Florência Garramuño se utiliza do conceito de
primitivo e do moderno em uma análise não de oposição, mas de complemento desses termos
tecendo comparações entre o samba e o tango como símbolos de construção da identidade
nacional. Garramuño compara os processos de construção dessas identidades, a brasileira e a
argentina.
A intenção com a qual se empregou esses métodos se fez para identificar, em
princípio, semelhanças entre os estilos musicais e em seguida compará-los, o samba rural e o
urbano paulista, ainda apontar relações comparativas entre o samba paulista e o carioca.
Ainda tratando do método comparativo observa-se que durante o século XX houve
uma ascendência do nível de subjetividade do método ligado ao desenvolvimento do pensar a
teoria antropológica. Com a ideia de totalidade, Mauss e Durkheim abriram uma nova
dimensão no que se refere ao uso do método e ao seu aos objetos a serem pesquisados. A
partir da cisão teórica Boas/Malinowski, o método comparativo foi utilizado das mais
diferentes maneiras, com Radcliffe-Brown, Murdock e rejeitado por outros, como Evans-
Pritchard, ou ainda usado em um momento e abandonado posteriormente, como Leach e
Geertz...1
1
Revista ANTHROPOLÓGICAS, ano 9, volume 16(1): 87-108 (2005)
13
1.2 Os capítulos
do carnaval carioca para que desta forma, pudesse profissionalizar o carnaval e receber as
verbas devidas.
O interesse pelo tema: “O samba paulista e sua relação com a formação da identidade
nacional” surgiu das discussões em sala de aula no curso de pós-graduação “Docência na
Educação Superior”, de forma específica na apresentação de trabalhos sobre cultura brasileira.
Em função da pesquisa sobre o tema: “A Formação e a Criação da Identidade Nacional”, fez-
se necessário o retorno a alguns clássicos da literatura brasileira. Partindo da reflexão sobre
essas obras, originou-se o desejo de investigar a relação do samba com a formação da
identidade nacional.
No processo de investigação e leituras foram surgindo outras questões, como por
exemplo, o que é pertencimento? Dessa forma, após a conclusão do curso de pós-graduação
lato sensu, no qual foi apresentada uma monografia com o objetivo de compreender como se
criou e formou a identidade nacional, levantaram-se outras questões, estas de cunho
estritamente cultural. O interesse pelo tema ficou mais nítido e a busca pelo aprofundamento,
pela compreensão antropológica, tornou-se necessária.
Nesta etapa do trabalho acadêmico, busca-se o entendimento da formação cultural
nacional com enfoque na música brasileira, mais especificamente no gênero samba – que se
tornou um ritmo nacional – e este numa análise antropológica, com o enfoque no samba
paulista, que tem sua relevância na composição identitária brasileira.
Neste contexto, percorreu-se a história do samba do final do século XIX e das
primeiras décadas do século XX, partindo de algumas regiões do nordeste brasileiro como o
Ceará, Pernambuco e Bahia, nesse percurso “diaspórico”, indo para o sudeste, chegando ao
Rio de Janeiro – onde se “patenteou” o samba nacional, até suas primeiras observações no
interior de São Paulo por Mário de Andrade, a partir do antropólogo Claude Lévi-Strauss,
pelo pintor modernista Di Cavalcanti, dentre outros acadêmicos ou não. A partir daqui, cabe
entender a chegada dos negros escravizados nas roças de café do interior de São Paulo, na
região de Pirapora do Bom Jesus e no decorrer do crescimento da metrópole com a
industrialização, o samba rural acabou por alcançar a capital paulista, primeiro em bairros
como Barra Funda, Casa Verde, Liberdade, até a região central, tendo como um dos bairros
mais importantes o bairro do Bixiga na cidade de São Paulo.
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brasileira a obter sucesso no exterior. Quanto ao Realismo, poucos autores foram tão
importantes para a literatura brasileira como Machado de Assis; sua obra é marcada por
pessimismo e ambiguidades, o que se identifica em personagens como Capitu e Bentinho.
Nas artes plásticas, os pintores brasileiros buscavam valorizar o nacionalismo,
retratando fatos históricos importantes. Dessa forma, os artistas contribuíam para a formação
de uma identidade nacional. No início, assim como na literatura, os artistas plásticos
brasileiros tinham como inspiração os índios, a natureza e temas afins, buscando representar
os fatos ocorridos no Brasil naquele contexto histórico.
2
Na música, Villa-Lobos trazia o folclore e os costumes populares brasileiros em forma
de composições como ”A Fiandeira”, “Cascavel”, “Camponesa cantadeira” e “Festim Pagão”.
Um dos mais relevantes acontecimentos da arte brasileira na história da formação da
identidade nacional foi a Semana de Arte Moderna de 1922. O evento, que ocorreu no Teatro
Municipal de São Paulo, entre os dias 13 e 18 de fevereiro de 1922, pode-se ser entendido
como um marco na história cultural brasileira. Essa era a intenção dos artistas envolvidos, que
levantaram a bandeira de “cultura nacional”. Assim, buscou-se reunir no evento artistas que
trabalhassem temas nacionais em suas obras.
2
http://portalarquitetonico.com.br/wp-content/uploads/534px-Arte-moderna-8.jpg
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3
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:83-Di-Cavalcanti-%E2%80%93Samba---1.jpg
pode-se analisar o quadro de Di Cavalcanti, o qual representa o samba. Assim, observa-se a soma das artes: a de
Di Cavalcanti, e esta numa representação do ritmo musical, samba. Acesso em:23/03/2017
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Nestas análises, foi abordado a questão latente desse período (primeiras décadas do
século XX), a questão da apropriação do samba pelo poder politico de Getúlio, que ao mesmo
tempo o tirou da marginalidade, o embranqueceu étnica, cultural e socialmente, segundo
análises principalmente de Siqueira que trata fortemente desta questão do embranquecimento
do samba.
O samba paulista desde sua construção nos interiores do estado de São Paulo traz uma
ancestralidade africana, assim como em outras regiões do país, onde trouxeram negros e os
escravizaram, mas em principio, não escravizaram sua cultura, cheia de crenças e costumes.
Estas crenças e costumes trazidos pelos negros escravizados se depararam com a cultura que
já havia nestas regiões do interior paulista, isto é, de uma cultura “caipira”. Pode-se concluir
que estas misturas refletiram de alguma forma, na construção do samba rural paulista. Na
citação a seguir, Antonio Cândido define a formação da “cultura caipira”.
E esta cultura caipira, que Antonio Cândido descreve, tem muita relação com o samba
rural paulista, mas antes, convém uma pergunta, a qual permeia o universo do samba e da
musica popular brasileira: Onde nasceu o samba? A partir daqui tem-se um caminho
historiográfico a percorrer, pois da mesma forma que chegaram negros de diversas regiões da
África – de diferentes tribos, com diferentes dialetos – na Bahia, também num movimento
diaspórico, chegaram as outras regiões do Brasil, como São Paulo, Rio de Janeiro. Contudo,
em principio nas fazendas para o trabalho braçal, por estas razões, talvez do clima, ou às
influências culturais regionais, surgiram variações rítmicas do samba, antes uma dança, ou
danças, como a umbigada, o jongo, o samba de bumbo, entre outros.
O que se pode concluir no presente estudo é que, através da busca pelo entendimento
das peculiaridades do samba paulista rural e suas transformações no aspecto urbano, em
relação a formação da identidade nacional, a influência cultural da formação da identidade
nacional na peculiaridade do samba paulista, este tem originalidade, apresentada em seu
ritmo, em suas letras, na utilização da viola, trazida da cultura portuguesa, também encontrada
20
no nordeste, como veremos nos capítulos seguintes, mas com presença enfática no interior
paulista. Mário de Andrade, precursor nesses estudos sobre o Samba de Pirapora, seus
batuques e batucadas, classificou o samba observado como: samba rural paulista.
Debruçando-se sobre o tema logo se descobre, por meio de registros, que o samba
descende do povo africano que chegou em Terra Brasilis.
As primeiras referências ao termo samba ocorreram, segundo indicações, descrevia
uma festa típica dos negros, o que será aprofundado e detalhado mais à frente neste capítulo.
Essas primeiras ocorrências do termo se deram no nordeste brasileiro, e migraram pelo Brasil
acompanhando os fatos históricos do país, pois a história do samba está intrinsecamente
ligada à história da construção e formação da identidade nacional.
Em finais do século XIX o Brasil era apontado como um caso único e singular
de extremada miscigenação racial. Um “festival de cores” (Airmad, 1888) na
opinião de certos viajantes europeus, uma “sociedade de raças cruzadas”
(Romero, 1895) na visão de vários intelectuais nacionais; de fato, era como
uma nação multiétnica que o país era recorrentemente representado. Não são
poucos os exemplos que nos falam sobre esse “espetáculo brasileiro da
miscigenação”.
(SCHWARZ, 1993, p. 15)
Esse espetáculo citado por Schwarz nos mostra o ambiente em que o samba se
constituiu, isto é, um espetáculo de raças de diversas culturas étnicas e classes sociais
miscigenadas. E neste contexto constrói-se um Brasil e, nele o samba.
Ninguém ouviu
Um soluçar de dor
No canto do Brasil
Um lamento triste
Sempre ecoou
Desde que o índio guerreiro
Foi pro cativeiro
E de lá cantou
Negro entoou
Um canto de revolta pelos ares
No Quilombo dos Palmares
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Onde se refugiou
Fora a luta dos Inconfidentes
Pela quebra das correntes
Nada adiantou
E de guerra em paz
De paz em guerra
Todo o povo dessa terra
Quando pode cantar
Canta de dor
Convém trazer a este diálogo Peter Fry, o qual se ocupa da manipulação dos símbolos
étnicos nacionais, como a feijoada, o candomblé e o samba. Feijoada e Sou-Food16, artigo
reapresentado e discutido 25 anos depois de sua publicação. Peter Fry inicia o artigo original,
contando a história do convite que fez a um grupo de amigos negros nos EUA. Para provar
um prato que ele considera um dos ícones da cultura brasileira; quando o prato foi servido os
convidados não se surpreenderam, dizendo que aquilo era conhecido no país deles como
comida de negros. Contudo, a principal análise do autor é que a feijoada, o samba e o
candomblé são símbolos nacionais que, originários da cultura negra, incorporaram o disfarce
do racismo, pois o candomblé, assim como o samba e a feijoada fazem parte da cultura
brasileira, tanto de brancos como de negros e, segundo o autor, estimula uma opressão
disfarçada tese defendida também por Schwarz (2012).
Atendo-nos ao samba, pode-se afirmar que o samba é um gênero que se constituiu
originalmente como música dançante das camadas sociais menos abastadas. A princípio
restrito às senzalas, alcançou os terreiros, as periferias das grandes capitais e, por fim chegou
aos centros urbanos.
Segundo o Novo dicionário enciclopédico luso-brasileiro, de aproximadamente 1910,
o termo samba (s.f., bras.) significa “bailado popular”, “dança de negros”. Já na edição de
1923 do Dicionário Brasileiro contemporâneo, consta: “s.m. (bras.) Dança cantada, de
origem africana, compasso binário e acompanhamento obrigatoriamente sincopado: música
para essa dança; (fig.) baile agitado; rôlo; conflito”. Seguindo para o Minidicionário Aurélio
da língua portuguesa, edição de 1993, temos: “s.m. Bras. 1. Dança cantada, de origem
africana, compasso binário e acompanhamento sincopado. 2. A música desta dança”.
Por último, vejamos o Michaelis: Dicionário escolar – Língua portuguesa de 2002:
Samba, (quimbundo semba) s.m., Dança popular brasileira, de origem africana, com
variedades urbana e rural, cantada e muito saracoteada. Samba de breque: samba com paradas
súbitas. Samba de partido alto: espécie de samba tradicional do Rio de Janeiro. A partir desta
última data, as definições praticamente se repetem.
Segundo Tinhorão, o primeiro registro escrito da palavra samba na língua portuguesa
consta da edição de 1837 do jornal Carapuceiro, do Padre Lopes Gama, da cidade do Recife.
Assim, entende-se que o conhecimento ao menos do termo samba ocorreu décadas antes de o
ritmo vir a ser conhecido tanto no Sudeste como no Sul do Brasil.
16
Publicado em Esterci, N., P. Fry, et al., orgs. (2001). Fazendo antropologia no Brasil. Rio de Janeiro, DP&A
editora.
23
Segundo Tinhorão (2012), Lopes da Gama chama a atenção para a importância desse
personagem matuto que, no início dos anos 1800, pertencia à região rural do estado de
Pernambuco, ainda muito distante da cidade, tanto geograficamente como no que se refere ao
acesso à cultura conhecida nas cidades mais urbanizadas. Dessa forma, o que se tinha como
forma de expressão cultural e divertimento do povo pertencente à região rural eram os
“simplórios batuques africanos”.
A origem da palavra samba não é certa. Especula-se que o termo seja uma
derivação da palavra africana semba, de origem bantu18, que teria o
sentido de “umbigada” (encontrão do umbigo de uma pessoa com o umbigo
de outra, passo típico de danças afro-brasileiras). Essa dança, a umbigada,
surge com o nome semba: Essas danças, tal como pela primeira vez chamou
a atenção Édison Carneiro no início da década de 1960, tinham como
característica coreográfica comum o uso da umbigada (ostensivamente
aplicada, ou apenas insinuada pela aproximação frontal dos corpos dos
bailarinos, que batem ou fazem uma vênia), e muito razoavelmente por isso
as rodas de batuque identificadas por essa marca da semba africana passaram
a ser chamadas de sambas. (TINHORÃO, 2012, p. 85).
17
Tatamba, segundo o vocabulário pernambucano de Pereira da Costa, significava “ignorante, toleirão, ingênuo,
desconfiado”.
18
BAMBI, Ermelindo Francisco. O sagrado nas culturas bantu em Angola. Instituto Teológico Franciscano.
Disponível em:<www.itf.org.br/o-sagrado-nas-culturas-bantu-em-angola.html>. Acesso em: 19 jul. 2016.
24
O autor ainda enfatiza que o samba, como música urbana, apresentada nas primeiras
décadas do século XX, sofreria algumas modificações no decorrer de sua história. Tinhorão
afirma ainda que faltam documentos e relatos impressos que confirmem quando o samba,
antes considerado “batuque de crioulos” de tradição africana, passa a ser reconhecido como
gênero de música brasileira. Mesmo após essa denominação, o samba, no final do século XIX,
ainda era tido como “selvagem” e de “gente de baixa estirpe”:
Deve-se levar em conta que o jornal Carapuceiro era direcionado a pessoas da cidade,
e que os batuques mais expressivos da época da escravidão haviam se deslocado para a zona
rural, estabelecendo-se assim um maior contraste cultural, com o afastamento da cultura
herdada pelos negros – ou seja, a “cultura baixa” – da “cultura refinada” das elites da cidade.
Isso fortalece a ideia de que os batuques dos negros eram vistos como coisa do mato, de
matuto, “selvagem” e quando migrou para as cidades, passou a ser marginalizado.
25
Pode-se entender que nesse momento histórico, ou seja, no final do século XIX, o
samba foi apresentado como uma dança dos negros, que ocorria ao som dos batuques.
Tinhorão se atenta para o fato de que por volta de 1859 houve uma expedição científica pelo
interior do Ceará, realizada pelo botânico Freire Alemão, vindo do Rio de Janeiro. Nessa
expedição o botânico ouviu dizer que havia “um fado, que eles chamam de samba, onde se
dançavam várias danças” (ALEMÃO apud TINHORÃO, 2012, p. 89).
Ainda no século XIX, podemos observar que essas danças trazidas pelos negros saem
dos terreiros e invadem as salas dos brancos, embora a princípio, segundo a expedição do
botânico, houvesse muita repressão policial. O que se constatou por muitos anos após sua
chegada às grandes capitais como Rio de Janeiro e São Paulo.
Freire Alemão, ao saber do tal fado, logo quis conhecê-lo, mas foi alertado da
impossibilidade disso: “como quase sempre há bebedeira, os delegados de polícia com
dificuldade os consentem”19. Porém, abriu-se uma exceção devido à importância do visitante,
e este ficou surpreso com o que presenciou, descrevendo a experiência em seus manuscritos:
Hoje de tardinha (dia 28 de junho de 1859) fui fazer minha visita à família
do Senhor M.G. Valente, com o Capitão Justa; saindo de lá seriam 8 horas, o
Justa me convidou para assistir a um samba de negros na casa do Senhor
19
DAMASCENO, Darcy; CUNHA, Waldir da.(Catalogação e transcrição). “Os manuscritos do botânico Freire
Alemão”. In: Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, 1961, v. 81, p.219.
26
O botânico ainda descreve o quão admirado ficou com a fartura da mesa, tanto de
alimentos como de bebidas, e cita outras surpresas:
Aqui vale observar a utilização do tambor, pois este é um instrumento que no século
seguinte seria um elemento de identificação do samba. Outro aspecto importante é que nesse
ambiente rural, brancos e negros estão mais próximos e isto ocorre via cultura africana.
Tinhorão enfoca a questão da tatamba e observa que, assim como na zona rural, os pequenos
centros urbanos ainda tinham como maior diversão o batuque dos negros. Na zona rural, os
brancos não só observam como participam do batuque, sem o preconceito das elites dos
grandes centros urbanos da época.
O mesmo autor alerta para o fato de que os antigos batuques de negros ocorriam desde
pelo menos o início do século XVII, mas estavam restritos apenas às áreas rurais. A partir do
século XIX essas manifestações começam a ser tratadas como samba, e surgem várias
descrições dessas danças na literatura brasileira:
De fato, nos vinte anos que medeiam entre o início da década de 1870 e fins
de 1890, nada menos de três romances brasileiros têm capítulos intitulados
“Samba” – Til, de José de Alencar, de 1872; Luizinha, de Araripe Jr., de
1878; A carne, de Júlio Ribeiro, de 1885 –,e em dois outros as descrições
27
Tinhorão, atenta para a questão da descrição dessas danças nos romances brasileiros,
como reflexo dessa mistura, desse intercâmbio, entre brancos e seus escravos e colonos.
Voltando à descrição da expedição do botânico fluminense, destaca-se a referência ao jongo,
que, assim como a umbigada, é uma dança tipicamente africana, introduzida nos eventos nos
quais o samba também estava presente.
No romance O Flor de Galdino Fernandes Pinheiro descreve como os escravos em
Mangaratiba, Rio de Janeiro, desfrutavam de suas folgas de domingo: “dançando, ao som de
seu rouco tambu, o jongo, dança primitiva e selvática, mas animada e curiosa”(TINHORÃO,
2012, p. 92). Descreve o romancista:
O que se pode entender a partir dessas citações é que no interior do Nordeste, na zona
rural, a troca cultural se dava de maneira mais expressiva, havendo “maior colaboração
branco-mestiça”. Tinhorão descreve essa colaboração apontando a utilização da viola no
samba de terreiro, que desde a Bahia até o sul do país era denominado lundu; a viola é
mencionada no capítulo “O samba” do romance Luizinha, de Tristão de Alencar Araripe Jr.,
de 1878 (mas o instrumento já aparecera seis anos antes, em 1872, no jornal Constituição):
[...] pois havia umbigada (“e parou defronte do camarada”) e até a rasteira ou
pernada própria das futuras rodas de batucada da Bahia e do Rio de Janeiro,
ter comparado a ginga do “Sambista” com a expressão “quebrando o coco”,
que indicava a presença, no sertão cearense, de outra dança saída dos
batuques de negros: o coco de umbigada, comum a Alagoas, Pernambuco e
Paraíba(TINHORÃO, 2012, p.94).
Júlio Ribeiro (1940) contribui na descrição desses eventos com um registro de versos
apresentados nesses batuques:
Serena pomba, serena;
Não cansa de serená!
O sereno desta pomba
Lumeia que nem metá!
Eh! Pomba! Eh!
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[...] os que não dançavam, que não tomavam parte no samba, agrupavam-se
aos magotes, acotovelando-se; olhavam em silêncio enlevados, absortos. Do
solo batido pelo tripudiar de tanta gente erguia-se uma nuvem de pó,
avermelhada pelo clarão da fogueira (RIBEIRO, 1940, p. 107 apud
TINHORÃO, 2012, p.95-96).
Pode-se concluir então que José de Alencar, em seu romance nacional regionalista,
preocupou-se mais com a ficção do que com a descrição real do samba no interior de São
Paulo, o que foge ao tema deste trabalho.
Deve-se levar em consideração a contribuição desses romances do século XIX, de
grande relevância na história do processo de aculturação afro-brasileira, que, segundo
Tinhorão, observa-se tanto na música como na dança e nas formas de canto. O autor atenta
para uma contribuição fundamental nesse sentido, referente a um romance escrito entre 1891
e 1892, mas que só veio a ser publicado em 1952, sessenta anos depois da morte do seu autor.
30
Ainda nos atendo nessa análise de Tinhorão sobre o romance de Paiva, devido à sua
grande importância na descrição detalhada do samba no nordeste cearense, cabe ressaltar a
“fonção de samba” à qual se refere o personagem Silveira, que, tal como o chamado fado
carioca– esse descrito por outro romancista, Manuel Antônio de Almeida –, não se poderia
classificar “apenas como dança e ritmo determinados, mas uma sequência de diferentes toques
e cantorias, comandadas no caso desse samba sertanejo pela cadência das violas e as batidas
características do baião ou rojão” (ALMEIDA apud TINHORÃO, 2012, p. 99):
Na análise dessa passagem do romance de Paiva, Tinhorão afirma que não há mais
dúvida quanto aos caminhos tomados pelo samba:
A esta altura não havia dúvida de que o baião mestiço sertanejo havia
degenerado em samba do tipo negro-brasileiro de inspiração africana, pois
Secundino queixava-se de não conseguir ouvir todos os versos (“mas é uma
zoada dos seiscentos, muita coisa se perde!”) e, em dado momento, aparece a
clássica umbigada indicada pelo emprego, na descrição, do verbo atirar.
Atirar em alguém, numa dança de roda, é convocar essa pessoa para o centro
32
Seguindo a análise de Tinhorão a respeito desse romance, o clube citado havia sido
construído no século XVIII e imitava o clube existente em Fortaleza e, para a personagem
Lalinha era como um palácio. Os frequentadores desse clube eram as comunidades urbanas
que tinham origem na área rural, assim “coexistia”, no mesmo momento histórico, com os
sambas de terreiro dos negros e gente das camadas mais baixas. Revelava-se para os
conservadores pais de moças, uma novidade que aceitavam com desconfiança, como também
mostrava o Manuel de Oliveira Paiva. (TINHORÃO, 2012, p. 103).
Assim, quando, pelo despontar do século XX, a aceleração da diversidade
social, decorrente da nova divisão do trabalho estabelecida pela produção
urbano-industrial, aprofundou essas diferenças no campo cultural, a
dicotomia se consolidou: os brancos das camadas média e alta passaram a
contar com formas próprias de lazer (bailes, festas de clubes, teatros,
33
Ainda nos atendo à extensa obra de Tinhorão, podemos abordar o samba e a marcha
como produtos urbanos. Segundo o autor, esses gêneros musicais são reconhecidos como
ritmos tipicamente cariocas, pois os dois marcaram presença por aproximadamente sessenta
anos (de 1870 a 1930), após a decadência do café na região do Vale do Paraíba, acarretando
uma liberação de mão de obra escrava que se somou às outras camadas populares do Rio de
Janeiro.
Segundo Tinhorão, esses gêneros musicais são os verdadeiros representantes da
cultura urbana do Rio de Janeiro. É claro que podemos entender que o autor é reconhecido
como um defensor da cultura brasileira e grande crítico da cultura de elite, tanto que, segundo
ele, o samba e a marcha criaram ritmos específicos e capazes de atender a essas necessidades
de representantes da cultura urbana brasileira, que começa a ser representada no início do
carnaval de rua carioca: “das lentas passeatas dos ranchos e à procissão desvairada dos blocos
e cordões carnavalescos” (TINHORÃO, 2012, p. 18).
A marcha e o samba são produtos do carnaval, mas do carnaval dos negros e das
classes mais baixas, assim pode-se entender o porquê desses estilos serem expressões próprias
desses segmentos sociais; foi daí que surgiram, segundo o autor, a primeiras expressões
culturais urbanas do Brasil, até então o que havia culturalmente eram expressões
“importadas”:
Até então, o que havia era a música operística da elite (que eventualmente
cultivava a valsa e a modinha), os gêneros estrangeiros das polcas,
schottisches e quadrilhas, importados para uso das
camadas médias e “populares”, e, finalmente, o batuque, de sabor africano,
exclusivo dos negros que formavam o grosso da camada
mais baixa, mas aos quais não se poderia chamar de povo. (TINHORÃO,
2012, p. 17).
Nesse ponto, a história começa a nos fornecer mais detalhes da trajetória do samba
pelo Brasil e suas representações sociais. Convém ressaltar que temos nos valido sempre de
um método comparativo, o que se aplica tanto na imitação europeia do carnaval veneziano
pelas classes mais privilegiadas, como no nascimento dos ranchos como uma forma de
expressão para os menos abastados – desta vez, porém, há uma herança nordestina, mais
precisamente da população baiana que se deslocou para o Rio de Janeiro, e que já tinha
incutido o ritmo dos tambores africanos. Então, o que se compara aqui são as relações do
samba (carnaval) versus o carnaval veneziano, se tratando das classes mais privilegiadas,
enquanto e o nascimento dos ranchos cariocas versus tambores africanos, uma herança dos
negros vindos da Bahia. Assim compara-se a semelhança entre os ranchos cariocas com os
baianos e a semelhança entre o carnaval carioca dos mais abastados com o carnaval
veneziano. Pode-se avaliar que essa é uma máxima da classe média e alta brasileira no
decorrer da história, a imitação do velho mundo.
4
O Censo geral de 1920 deu para o Rio de Janeiro 1.147.599 habitantes, 800 mil concentrados no perímetro
urbano e os restantes 300 mil nos subúrbios.
38
Eis como se poderia explicar que a partir de 1917, quando Henrique Júnior
aproveita o sucesso do primeiro samba lançado em disco, o “Pelo Telefone”,
para sob esse nome estrear sua revista no Teatro Carlos Gomes, não viesse a
passar mais um único ano sem que a música popular – agora produzida para
gravação em disco - deixasse de figurar como atração nos palcos da Praça
Tiradentes (TINHORÃO, 2010, p.256-257).
Aqui se inicia, então, uma nova etapa na construção de uma identidade nacional, o que
se reflete tanto na música lírica como na literatura e na música popular, que tratam em sua
maioria de temas tipicamente nacionais, fazendo com que cada grupo social sinta-se
representado.
De fato, desde que o samba inspirado nos improvisos surgidos entre gente de
partido alto das casas das tias baianas da velha zona portuária e dos antigos
mangues da Cidade Nova surgiu em 1917 como sucesso em toda a cidade,
20
Conta o músico e historiador Magno Bissoli, autor da tese de doutorado “Caixa Preta: samba e identidade
nacional na Era Vargas. Impacto do samba na formação da identidade na sociedade industrial: 1916-1945”,
apresentado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
39
Assim, segundo o autor, essa população do Estácio, de origem pobre, composta de ex-
escravisados, levados pela reforma urbana a morar nos morros, muitos vindos da Bahia,
outros do Vale do Paraíba, traziam da sua ancestralidade africana uma cultura que se tornaria
representante da cultura nacional.
Assim durante o período do carnaval, os moradores do Bairro do Estácio encorpavam
a concentração dos foliões da Praça Onze, nesta praça, desde os anos 1920, reuniam-se os
foliões com menos recursos, também aos primeiros grupos de pobres que chegam decorrente
das reformas urbanas para morar nos morros, isto por volta de 1928, eles viviam em atrito
com a polícia. Mas desta mistura de povos recém-chegados, na sua maioria descentes
africanos, surge a formação de um bloco para sair no carnaval ao som de sambas, enquanto os
ranchos saíam ao som de marchas.
40
Essa é a auto imagem normal dos grupos que, em termos do seu diferencial
de poder, são seguramente superiores a outros grupos interdependentes. Quer
se trate de quadros sociais, como os senhores feudais em relação aos vilões,
os “brancos” em relação aos “negros”, os gentios em relação aos judeus, os
protestantes em relação aos católicos e vice-versa, os homens em relação às
mulheres (antigamente), os Estados nacionais grandes e poderosos em
relação a seus homólogos pequenos e relativamente impotentes, quer, como
41
desintegrados da nova realidade. Se nos determos aos ex-escravisados, isso fica ainda mais
nítido. Aqui também os outsiders se estabeleceram na exclusão, habitando os morros, que
formam as hoje tão conhecidas favelas.
Convém convidar a este debate o sociólogo inglês Paul Gilroy (2012), que aborda a
questão da música negra e a politica da autenticidade, Gilroy trata dos paradigmas que
permeiam o conceito de nação, povo, raça e etnia. O sociólogo chama a atenção para o fato de
que estes conceitos são importados, aliás, Gilroy mostra a questão de que os negros britânicos,
os líderes e intelectuais negros, conseguiram através da construção de ideias originais sair de
uma condição de subjugo somando ideias e se posicionando perante ideias negras e brancas ,
produzindo intercâmbio de ideias, num mundo globalizado. Se colocar como cidadão
cosmopolita e participar da modernidade, não mais ser um depósito de um passado de
escravidão, ao contrário, deslocar sua identidade para a modernidade globalizada e híbrida.
Assim, pode-se defender a tese de que os tais outsiders, devem sair dessa posição se
colocando como cidadão e não mais como vítima, mesmo esse sendo um movimento difícil de
realizar quando todas as normas pré-estabelecidas tendem a beneficiar os já beneficiados, seja
por raça ou etnia, ou pela condição social ao qual pertence.
Este processo iria acontecer de qualquer forma? A música não existe para ser
“consumida”? A transformação do samba em produto era inevitável? Tinhorão sinaliza essa
mercantilização do produto nacional, ou seja, o samba.
Bem interpretado, aliás, o que no conjunto Gente do Morro fazia – e isso era
de fato novidade – era realizar a fusão dos velhos grupos de choro à base de
44
Interessante observarmos os caminhos trilhados pelo samba, mas podemos afirmar que
sua construção se dá de forma até poética, trazendo consigo elementos do cotidiano, de
mazelas humanas como a pobreza, as necessidades mais simples. O samba carrega um pouco
de tristeza nas suas letras, mas ao mesmo tempo traz alegria e contagia os povos, pois de certa
forma na dicotomia existem pontos de encontro cultural. Assim, unem-se pelo samba as
classes baixas e a classe média, o morro e o centro, brancos e negros, mas ainda com um
toque de exclusão por parte das elites. Dessa forma, voltando ao método utilizado nesse
estudo, a análise comparativa se faz presente de forma eficaz. Mas, como o foco do estudo em
questão é o samba e sua contribuição na formação da identidade nacional, debrucemo-nos
sobre Getúlio Vargas, que ficou conhecido como o líder que unia as diferenças. Vargas, para
sustentar suas ideias, utilizou-se do samba e de sua dicotomia.
21
O autor possui em sua coleção uma polca gravada em fins de 1915 pelo Grupo Carioca (disco Odeon, Casa
Edison, n. 121, 104) que soa já como autêntico samba-canção na melodia elaborada pelo trombone solista,
principalmente na terceira parte, contra o fundo de acompanhamento do cavaquinho, fazendo o “centro” com um
ritmo sapecado semelhante ao ritmo ágil e partido dos tamborins.
22
As funções vêm indicadas na cláusula 1ª de contrato assinado entre Pixinguinha e a Companhia Victor em 21
de junho de 1929. A Cláusula 2ª obrigava ainda Pixinguinha a “instrumentar quaisquer músicas destinadas a
gravação em disco pela Victor Company, ou de outros fins quaisquer e para o número de instrumentos e na
forma desejada pela Companhia”. O autor (Tinhorão) possui em seu arquivo o original desse contrato histórico
da música popular brasileira.
45
O que permeia a análise crítica de Tinhorão, além de sua visão histórica e social, é a
questão do caráter popular da música popular brasileira, pois o autor não trata apenas do
samba, com a chegada das tecnologias que está a favor da indústria cultural, transforma a
música popular brasileira em um produto que conecte todas as classes sociais e, este produto
cada vez mais sendo produzido fora do seu ambiente de original de criação. Neste ponto
Tinhorão comunga das mesmas interpretações de Siqueira, pois os dois autores alertam para o
fato de que houve uma apropriação do samba pela indústria cultural e, para tinhorão não foi
apenas o samba, mas a musica popular brasileira, e Siqueira ainda traz à discussão o problema
do embranquecimento do samba após o advento da indústria cultural.
Com a chegada das tecnologias, há uma espécie de “globalização” da cultura. Não foi
diferente com o samba, assim chega-se ao interior de São Paulo, onde a indústria da música
tipicamente brasileira também encontra produtos com potencialidade comercial, além de
diversidade cultural, pois na busca por um gênero – o “sertanejo” – encontram uma variedade
de gêneros, entre estes o samba. Mas o samba paulista será abordado com mais profundidade
no próximo capítulo, dedicado a esse tema.
O rádio foi não apenas meio de divulgação de uma cultura popular, mas também
instrumento a serviço do governo de Getúlio Vargas, para incutir na população a ideia de
46
identidade nacional. Desta forma, por estar a serviço do governo vê-se obrigatória uns
“reajustes” nesse produto, pois este acaba por se tornar produto de exportação, aí sim, se
observa a globalização cultural correspondendo ao que entende por globalização.
Nesse ano de 1935, aliás, ao ser praticamente obrigado por pressões políticas
e financeiras a assinar com os Estados Unidos um acordo de reciprocidade
econômica desfavorável ao Brasil, Getúlio Vargas procurou contrabalançar a
capitulação com a assinatura de acordo de compensação com a Alemanha,
que lhe permitia obter divisas com a exportação de produtos sem interesse
para os americanos, como arroz, a carne e o algodão. E, então, como parte de
um jogo de astúcias políticas destinado a neutralizar as imposições norte-
americanas com a ameaça de aprofundamento das relações com a Alemanha,
Getúlio autorizou a realização, em 29 de janeiro de 1936, de um programa
em ondas curtas destinado a mostrar aos alemães um pouco da música
popular brasileira. E, assim, com o locutor alemão Rudolph Kleinoschek
anunciando as músicas apresentadas e fazendo as devidas explicações, a
loura Alemanha, que em breve se lançaria à guerra orgulhosa da
superioridade da raça ariana, pôde ouvir durante uma hora os crioulos e
mulatos cariocas malandros do Estácio (como o boxeur Baiano e o vendedor
de jornais Lauro Santos, o Gradim) e os bambas dos morros (como Agenor
de Oliveira, o Cartola, e seu parceiro Carlos Moreira de Castro, o Carlos
Cachaça) cantarem suas dores de amor mestiças, em sambas
caprichosamente ritmados ao som de tamborins feitos com couro de gato
(TINHORÃO, 2010, p. 315-316).
Quem me vê sorrindo
Pensa que estou alegre
O meu sorriso é por consolação
Porque sei conter
Para ninguém ver
O pranto do meu coração 23
(CACHAÇA, Carlos. Quem me vê. Intérprete: Cartola. 1974).
23
“O Bando da Lua convidado a visitar Londres”. In: Cine-Rádio-Jornal do Rio de Janeiro, 2 mar. 1939, p.3-4.
Essa anunciada viagem à Inglaterra acabou não se realizando, pelo fato de o grupo ter viajado para os Estados
Unidos como conjunto acompanhante da cantora Carmen Miranda, em maio de 1939.
47
Siqueira (2012) aponta que a mercantilização do samba, mesmo no seu auge, não
trouxe consigo a “inclusão” esperada pelos mais pobres, principalmente para os negros, fato
observado num dos principais representantes do samba: o grande Cartola, que morreu pobre.
24
Cartola, por exemplo, só saiu da Mangueira por 4 anos (1947-1951), quando viveu em Cascadura. Depois
voltou; sempre viveu na pobreza, apesar de haver criado, nos anos 1960, o famoso Zi-Cartola. Na velhice, morou
em Jacarepaguá, que não era considerado um “bairro nobre”. Sobre a falsa interpretação de uma mobilidade
social global dos sambistas, ver LOPES, N. O samba, na realidade...A utopia da ascensão social do sambista.
Rio de Janeiro: Codecri, 1981.
48
às camadas média e alta com o trabalho dos negros e gera, ainda, lucros para
a indústria fonográfica e de divertimento. De outro, é um mito idealizado
para cooptar politicamente a grande massa de negros em todo o território
nacional.
[...] O samba acabou por se tornar o símbolo de uma brasilidade que visava
unificar e construir um Estado nacional, ao ser despojado do poder de
rebeldia que até então possuía. Onde quer que exista o samba, este será
apresentado ao negro como o elemento da brasilidade, com a qual o negro irá
se identificar (SIQUEIRA, 2012, p.163).
Portanto pode-se afirmar que mesmo com essa dicotomia citada acima, pois são
formas contrárias e complementares do papel do samba na formação da identidade nacional,
ele é o instrumento utilizado política, econômica e socialmente como o gênero nacional que,
segundo o autor, o negro irá se identificar. Dessa forma, pode-se dizer que o samba gera esse
sentimento de pertencimento no brasileiro das várias camadas sociais urbanas. Ao mesmo
tempo, o negro, que é o criador original do samba, com o projeto nacional de Getúlio passa
pelo mencionado processo de embranquecimento, e o que era uma expressão popular passa a
ser objeto catalizador de fomentos ao governo. E, para isso, segundo o autor, o samba
caminha para um distanciamento do seu criador, tornando-se outro samba diferente daquele
dos terreiros. Há de se ressaltar que este fato último era inevitável, pois agora o samba não
estava mais nas fazendas, mas num ambiente urbano que buscava a modernização.
Siqueira concorda com Tinhorão, no que se refere à utilização do samba por Getúlio,
mostrando o papel do Estado no caminho tortuoso do samba ao ser moldado e utilizado na
construção do modelo de Estado Novo. Para tanto, Getúlio utilizou-se de atores sociais, como
músicos, políticos, negros, brancos e mestiços, buscando fomentar a união nacional entre a
indústria, a política e a sociedade, envolvendo todas as camadas da sociedade brasileira.
50
Ainda a respeito das políticas de Getúlio, pode-se compreender que elas foram além
do samba, pois tiveram abrangência em outros gêneros musicais. Convém ressaltar que
Getúlio não se ateve apenas a acordos com a Alemanha e os Estados Unidos; ele buscou
estreitar relações políticas também com os países da América Latina.
O uso da música popular como arma política de propaganda não ficaria nesse
exemplo. Já um ano antes, quando em 1935 Getúlio Vargas visitaria a
Argentina e o Uruguai, um grupo de artistas brasileiros acompanhava a
comitiva oficial com a missão de reforçar a simpatia do sorriso do
presidente. E entre esses artistas estaria Carmen Miranda e o conjunto Bando
da Lua, definido em reportagem de jornal da época como “um grupo de
rapazes da sociedade, estudantes na quase totalidade”, transformado sem
querer em “elemento de aproximação mais intensa entre povos diferentes” 25
(TINHORÃO, 2010, p.316).
Nota-se que Getúlio se utiliza da música popular, do samba de Carmen Miranda, para
compor uma imagem de um presidente que une os povos mestiços do seu país. Tinhorão nos
fornece mais informações sobre esses fatos de grande relevância histórica, para maior
compreensão das representações de Getúlio Vargas:
25
Programação estabelecida pelo Departamento de Propaganda e Cultura da Agência Nacional e reproduzida por
Marília T. Barboza da Silva e Artur L. de Oliveira Filho em seu livro Cartola: os tempos idos, Rio de Janeiro,
Funarte/Instituto Nacional de Música/Divisão de Música popular, 1938, p.59.
51
Aqui o autor deixa claro que Getúlio foi o responsável pela ida de Carmen Miranda
para a Broadway e, segundo o autor, achou conveniente que ela fosse com sua própria
orquestra. Assim, ela levou sua banda, palavras de Carmen Miranda na citação acima, por ter
levado consigo sua banda, que acarretou em críticas severas a ela por ter tido essa atitude,
pois é sabido que as elites cariocas criticaram duramente Carmen Miranda por ter levado
negros consigo representando os brasileiros.
26
Todas as manobras envolvendo a viagem de Carmen Miranda aos Estados Unidos e sua implicação com a
chamada Política da Boa Vizinhança instituída pelo governo de Franklin Roosevelt, para ganhar a simpatia dos
latinos submetidos ao imperialismo norte-americano, estão pormenorizadamente relatadas pelo autor (Tinhorão)
em seu livro O samba agora vai...: a farsa da música popular no Exterior. Rio de Janeiro: JCM, 1969.
52
Segundo o autor, pode-se observar a dicotomia que envolve toda a questão do governo
de Getúlio Vargas quando este se apropria do samba, pois o tira da marginalidade e o
transforma em elemento catalizador, atendendo à demanda do projeto do Estado nacional,
representando um governo unificador dos povos. Torna-se, assim, o contrário do que era,
passa de marginal a produto do capital e da ideologia dominante. Dessa forma, Siqueira
reafirma as contradições que envolvem a trajetória do samba na Era Vargas.
Nota-se que novamente o samba de alguma forma acaba por unir etnias. Mesmo tendo
origem especificamente africana, traz consigo um quê de união de povos, principalmente no
que tange à grande parte da população das classes mais baixas. Pois, segundo Siqueira, o
samba surgiu como sujeito propagador de alegria e festa, de união étnico-social, mas ao
mesmo tempo há a questão do branqueamento do samba. Getúlio identifica esse “poder” do
samba e o utiliza como elemento unificador dos povos e percebe que pode tirá-lo da
marginalidade e utilizá-lo como catalizador das massas; porém, o samba tem sua dinâmica
própria.
53
Nesse ponto fica nítido o tom da crítica de Siqueira, pois quanto mais nos
aprofundamos no tema proposto, mas percebe-se que houve uma manobra. Não vem ao caso
se esta foi intencional por parte de todos os envolvidos, mas o fato é que o processo histórico
da construção da identidade nacional, realizada por meio das políticas do governo de Getúlio
Vargas, trouxe muitos questionamentos e possíveis conclusões que podem gerar grande
revolta por parte dos que foram prejudicados historicamente.
É notória a forma como o samba foi “moldado”. Então, pode-se deduzir que houve
uma mudança no percurso. O samba teria seguido uma dinâmica diferente caso Getúlio não
tivesse interferido. Dentro desse processo histórico, no entanto, o samba teve grande
relevância na construção da identidade nacional, ainda que trazendo consigo o estigma da
exclusão dos negros, mas ao mesmo tempo de inclusão do samba as sociedades antes não
acessadas por ele.
É fácil compreender que o discurso por uma cultura nacional e, por extensão,
de uma identidade nacional, se pauta pela questão racial. Ao negar o outro,
torna-se dele algo que se transforma em pertencente ao novo modelo. O
outro lado da negação do papel do negro na construção de uma cultura
popular é o embranquecimento da cultura do próprio negro, que se apresenta
então como algo a ele estranha.
[...]
A contradição entre a repressão e a condenação das práticas da cultura negra,
de um lado, e sua exaltação e consumo como produto nacional, do outro,
apresentaram como resultado a apropriação do samba pela cultura
dominante, exigindo-lhe inevitável embranquecimento (SIQUEIRA, 2012,
p.170).
A seguir, Siqueira lista os brancos e mestiços que foram escolhidos para compor o
elenco, desta vez mais aceitável, para representar o gênero musical tipicamente brasileiro e
instrumento de construção de uma identidade nacional, ou seja, o samba.
Segundo ao autor, houve “preferência” por artistas brancos como os mais geniais
sambistas, pois estes representariam os brasileiros de forma mais “digna”, trazendo da classe
média letrada o verdadeiro artista brasileiro, assim como Carmen Miranda e Ary Barroso.
Assim, segundo o autor, houve certo boicote ao negro e à sua cultura, de origem
africana, com o intuito de descaracterizá-la e transformar o samba em algo pertencente aos
brancos e mestiços.
Na década de 1931 a 1940, dentro do período conhecido como “época de
ouro” da música popular brasileira, Jairo Severiano encontrou 2.176
gravações de sambas, representando 32,45% do repertório fonográfico.
Somadas às marchinhas, que muitas vezes eram compostas por sambistas
negros, ultrapassava 50% da produção. Isso representava cifras consideráveis
no mundo fonográfico, nos ganhos de impressão de partituras e de direitos
autorais. Quer dizer, embora o samba responsável pela “época de ouro”
tenha surgido no Estácio, criado por sambistas negros e pobres, estes
permaneceram pobres.
[...]
O samba embranqueceu-se para atender à demanda das camadas médias,
obtendo feições mais próprias para o corpo burguês carioca. Em uma
sociedade racista, o samba não poderia ser negro e os dividendos do seu
comércio tampouco poderiam ser divididos com sambistas negros
(SIQUEIRA, 2012, p.172).
Garramuño faz uma análise comparativa entre a importância do samba para o Brasil e
do tango para a Argentina. A autora investiga as redes e os processos culturais que levaram
tanto o tango como o samba a se tornarem, em seus respectivos países, ritmos nacionais nas
primeiras décadas do século XX. Segundo Garramuño, é verdadeira a premissa de que a
cultura é sempre um campo de conflitos, dessa forma ela investiga a dinâmica em que se
deram essas tensões na história do samba e do tango. A autora ainda examina as relações
estabelecidas por esses ritmos, inicialmente entre si e em seguida em outras esferas, como na
moda, no cinema, na pintura, entre outras formas de expressão artística. Estas são ligadas aos
vanguardistas na Argentina, assim como aos modernistas no Brasil, e associadas ao sentido
mais íntimo desse processo da construção de uma identidade nacional. Dessa forma, segundo
a autora, esses ritmos rapidamente tornam-se um palco no qual se apresentam Oswald de
Andrade e Tarsila do Amaral, Carmem Miranda, Carlos Gardel, entre outros.
brasileiros que cantam samba; a música desliza de forma sinuosa, de uma série
de compassos com sonoridades claramente referentes ao mundo do samba – a
batida do samba no violão, os instrumentos percussivos que marcam o ritmo –
para as sonoridades tangueras, introduzidas pelo bandoneon. Até Carmen
Miranda, é possível perceber uma modulação de voz mais aguda e rápida –
quase “sorridente” – ao cantar o samba, frente a uma modulação de voz mais
grave, com um acentuado alongamento das vogais, para cantar o tango em
espanhol. Se em 1937 esses ritmos já servem para definir identidades
nacionais, cada um deles, porém, se manifesta de forma tão específica e tão
diferenciada do outro que a canção se torna um verdadeiro fandango de
diferenças culturais, especialmente quando, na segunda parte, canta-se tango
em espanhol com um fundo musical feito com a batida do samba
(GARRAMUÑO, 2009, p. 15-16).
Chegou a hora!
Chegou!...Chegou!
Meu corpo treme e ginga
Qual pandeiro
A hora é boa
E o samba começou
E fez convite ao tango
Pra parceiro
Hombre, yono sé por qué te quiero
Yo te tengo amor sincero
Diz a muchacha do Pará
Pero, no Brasil é diferente
Yo te quiero simplesmente
58
A letra da música, interpretada por Carmen Miranda, traz a ideia de parceria entre o
samba e o tango, pela importância que cada um deles tem culturalmente e socialmente, e por
seu caráter de identidade nacional. Dessa forma esses dois gêneros musicais distintos
representam um papel semelhante, de união nacional, e a música de Carmen Miranda fomenta
o diálogo cultural entre o samba e o tango, o Brasil e a Argentina.
Essa confluência tratada pela autora, entre o Brasil e Argentina, encontra-se na busca
por um símbolo nacional, pois este é protagonista na construção de uma identidade nacional.
Há uma ideia bastante difundida, nas histórias dos dois ritmos, que afirma
existir uma progressiva transformação, desde as obscuras origens, nos
subúrbios de suas culturas, até sua canonização nas décadas de 1930 e 1940.
Segundo essas histórias, esse processo só foi possível porque o tango e o
samba, juntamente com as culturas que lhe deram origem, teriam se
“civilizado”. Existe uma teologia, modernista e evolucionista, muito
semelhante na maneira com que tradicionalmente se abordam essas danças e
músicas, que parte de uma pressuposta origem primitiva – mais próxima “em
sua essência” da autenticidade das classes baixas, que produziram esses sons
– e se dirige a uma sofisticação maior, quando de sua apropriação por outras
classes. Vários trabalhos de pesquisa colocaram em xeque essas hipóteses,
desde os estudos de Hermano Viana, que demonstram a participação das
elites na conformação do samba, mesmo antes do seu suposto
branqueamento, até os estudos musicológicos de Carlos Sandroni, que
demonstram que o samba canonizado, depois dos anos 1930, é um samba de
marcadas características associadas à música africana ou negra, pouco
importando a origem étnica ou social de seus compositores
(GARRAMUÑO, 2009, p. 27).
Esse tema abordado por Garramuño foi bem enfatizado anteriormente por Siqueira,
que trata com veemência a forma como se deu o processo histórico de branqueamento do
samba brasileiro. Sua crítica levanta uma forma de racismo cultural que acarretou na posse do
60
“objeto” samba por parte de uma indústria fonográfica a serviço de uma política que, juntas
(REGO apud SIQUEIRA, 2012, p. 166-167), estavam incumbidos de construir uma
identidade nacional.
A autora aborda essa mistura de elementos, que à primeira vista tem conotação
contraditória, como conceito, ou seja, o primitivismo deve ser pensado em relação constante
com a modernidade. Cabe considerar quão latente é essa questão nas formas artísticas, seja no
samba, nas artes plásticas de Di Cavalcanti, na obra de Cecília Meireles, quando tratam do
tema Brasil, pois a arte moderna representa as formas originais da cultura brasileira.
Das diversas formas de Samba, surgem várias nomenclaturas: Samba Antigo, Samba
Caipira, Samba Campineiro, Samba de Pirapora, Samba de Terreiro, Samba de Umbigada,
Samba Lenço, Samba Paulista, Samba Sertanejo, Batuque, ou, entre seus praticantes,
simplesmente Samba. – Samba de roda/Samba de bumbo/Samba rural.
Quando focamos no interior de São Paulo, Geraldo Filme, afirma que os sambas de
roda realizados pelos negros em Pirapora do Bom Jesus, em 1808, seriam a semente do
gênero por aqui, ao menos é disso que se orgulha a cidade no seu site oficial.
Romeiros fazendeiros levavam os escravos que faziam um batuque a distancia. Após a
abolição da escravatura, os ex-escravizados e seus descendentes continuaram a frequentar
Pirapora durante as Romarias e datas festivas. No começo do século 20, foram construídos
dois barracões para abrigar os romeiros que não tinham onde se hospedar, os negros ficavam
nestes barracões e ali mesmo realizavam o samba.
As formas de samba que praticavam em suas cidades, eles as faziam em Pirapora para
festejar o Santo, eram os sambas de Umbigada, Samba de Lenço jongo, o tambu entre outros.
A forte presença da zabumba (bumbo) que fazia o compasso do ritmo da dança, aos poucos
provocou a fusão da denominação dos sambas que se praticavam nos barracões de Pirapora
como samba de bumbo ou samba de Pirapora que Mario de Andrade preferiu chamar de
“Samba Rural Paulista”.
A partir das décadas de 1910 e 1920, a presença crescente dos batuqueiros em Pirapora
a tornou no reduto do samba paulista, e os batuques dividiam o motivo de atração dos
romeiros com a festa religiosa – um sincretismo, a fusão de diferentes elementos, desde
elementos culturais aos religiosos, trazidos das origens africanas à elementos do catolicismo,
essa mistura de crenças e culturas levaram os padres responsáveis pela igreja de Pirapora
decretarem a demolição dos barracões. Estes eram considerados, o antro das festividades
profanas, tentando desta forma coibir esta manifestação artística/cultural não compreendida na
época. Foi do Samba de Bumbo de Pirapora que originou uma das mais importantes
influências dos primeiros cordões carnavalescos de São Paulo.
63
Anexa a esta pergunta temos outras que a completam, por exemplo: O que é o samba
rural paulista? O que é o samba paulista urbano? Em que o samba paulista se difere do
carioca? Essas questões preenchem o universo ao qual esta pesquisa se propõe responder, para
tanto, convém um aprofundamento na sua historiografia, como feito anteriormente quando
tratamos no capítulo da história do Samba. O que essa pesquisa aponta é que o samba rural
paulista se difere do urbano e do carioca, de diversas formas, são elas: o toque caipira o qual
tratou Antônio Cândido(1998), este trazendo como um dos seus principais elementos a viola,
além da utilização do bumbo, e suas características de contar as crenças e o cotidiano, isto no
final do século XIX ao início do século XX, nas plantações de café, na pobreza, a falta de
dinheiro, de reconhecimento da cultura negra, o papel do branco no samba, pois estes
começam a participar dessas romarias e dessa mistura cultural, quem traz esses elementos nas
suas obras, são, principalmente: Geraldo Filme e Toniquinho Batuqueiro.
Já quando nos debruçamos sobre o samba urbano de São Paulo, obrigatoriamente
deve-se citar Adoniran Barbosa, este com Demônios da Garoa, Germano Mathias e o zoólogo
da USP Paulo Vanzolini, entendendo que estes são os representantes de grande relevância na
história do samba paulista urbano. Posteriormente, Geraldo Filme e Toniquinho Batuqueiro
vieram engrossar o coro do samba paulista na capital, principalmente na Praça da Sé com os
engraxates sambistas. Daí começa uma espécie de fusão entre o urbano e o rural. Neste espaço
urbano com o advento dos rádios e revistas o acesso ao samba carioca, também trouxe suas
contribuições culturais, estas com grande influência na criação e profissionalização do
carnaval paulista.
Osvaldinho da Cuíca conta uma de suas primeiras experiências como músico sambista
em São Paulo quando ainda nos seus vinte anos de idade, mas já um profissional que
acompanhava outros sambistas. Quando ninguém mais que Adoniran Barbosa – já
reconhecido como um grande artista – o chamou para uma conversa.
64
Osvaldinho reconhece que assim como Adoniran, acabou por ser envolvido no ritmo
do samba carioca que era visto e reconhecido como o nacional, até então. Tanto é que segue
explicando que após sua releitura que lhe deu embasamento e reconhecimento de algo que ele
era um dos protagonistas.
Ele (Osvaldinho) tinha uma relação interpessoal com Adoniran, criou-se essa relação,
após o primeiro encontro na TV Record. Quando, o ainda menino, Osvaldinho da Cuíca entra
para o cordão carnavalesco Garotos do Tucuruvi, em 1958, já se destacava pela sua habilidade
precoce na confecção e manejo dos instrumentos percussivos, e através dessas habilidades se
tornaria um dos batuqueiros mais virtuosos do país.
Na segunda metade da década de 1960, Osvaldinho conciliava um estilo de vida
tradicional com severas doses de vanguarda, que resultaria em importantes parcerias em sua
carreira. "Em 1967, entrei para o Demônios da Garoa, junto com o Adoniran", recorda com
emoção do sambista paulista por natureza e de nomes saudosos da música brasileira com
quem teve a oportunidade de conviver, como Ataulfo Alves, Ismael Silva, Nelson
Cavaquinho, Clementina de Jesus, Cartola e Geraldo Filme.
Em 1974, Osvaldinho grava seu disco de estreia como intérprete, produzido pelo selo
Marcus Pereira. O músico recorda o episódio em que José Ramos Tinhorão - importante
crítico musical - publica no Jornal do Brasil uma crítica sobre o disco: "Ele começou me
elogiando como profissional, mas 'meteu o pau' no meu trabalho dizendo que eu não
acrescentei nada à cultura paulista regional. Que o meu disco refletia um padrão carioca de
samba e não exaltava o samba rural de São Paulo."
Ao contrário do que se espera, a reação do músico foi inusitada: "Ao invés de eu achar
ruim, me tornei amigo do Tinhorão, agradeci e comecei a militar pela valorização do samba
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de São Paulo", conta Osvaldinho, apontando o momento como "importantíssimo" para a sua
carreira.
Assim como citado no primeiro capítulo, o samba antes de mais nada surgiu como
uma expressão cultural de ascendência africana, com misturas de ritmos como citado por
Tinhorão: a fofa, o fado, o lundu, com maior enfoque na dança do que no gênero musical, pois
este variava. Já em São Paulo nos interiores, onde habitava a maioria da população paulista, o
que se aponta é para algo caipira, sertanejo. Um ponto importante na historiografia do samba
paulista são os apontamentos de Mário de Andrade, nos quais ele traz à tona a suposta
primeira ocorrência escrita do termo “samba” em São Paulo.
Nesta pesquisa pode-se observar que em São Paulo, assim como no restante do país
onde o samba surgiu, houve semelhança no caminho e na forma que o samba aparece, ou seja,
primeiro no interior da cidade de São Paulo e, posteriormente caminha para os bairros da
cidade de São Paulo, para no inicio do século XX, ter suas primeiras aparições, na região
central da capital, incluindo a esta o bairro do Bixiga, o qual se tornou um dos bairros mais
importantes da cidade, no que tange ao samba. Vamos utilizar dados fornecidos por
pesquisadores que conseguiram o relato de alguns dos atores desta história, a história do
samba paulista.
Aqui vale esclarecer a razão da utilização das obras bibliográficas, as quais nos
debruçaremos a seguir: Um Batuque Memorável no Samba Paulistano – Gomes, 2010 e
Batuqueiros da Paulicéia – Osvaldinho da Cuíca e Domingues, 2009. Essas duas obras trazem
relatos de atores que fizeram parte e que construíram a historiografia do samba paulista.
Quanto a obra de Osvaldinho da Cuíca e Domingues logo nas primeiras páginas encontra-se
sua importância, além de explicar, também mais razões da escolha de José Ramos Tinhorão,
como principal bibliografia de fundamentação teórica desta pesquisa, pois este teve influência
66
vital nesta obra de Osvaldinho da Cuíca, além de fazer com que Osvaldinho revisse seu
posicionamento como elemento contribuinte do samba paulista e sua história, como veremos a
seguir:
SAMBA DA PAULICÉIA
(Osvaldinho da Cuíca)
(CUÍCA e DOMINGUES, 2009, p. 13).
67
Neste samba Osvaldinho mistura em sua letra a história do samba paulista trazendo pra
Barra Funda: “Era quizomba ou pagode, ninguém sabia dizer”.
Junto a essa “diáspora interna” o samba migrou pelo país e depois dentro do Estado de
São Paulo onde, também teve sua polarização até chegar à capital. E esta cultura representada
por este gênero musical, o samba, antes proveniente e representante de uma cultura afro-
brasileira e, além disso, um gênero com característica rural, vinda dos terreiros das fazendas
do interior para a capital onde começa a se tornar um produto urbano, no ambiente hibrido
urbano, vai se transformando em algo novo com influências e misturas com o cotidiano
urbano. Fica fácil perceber que a inspiração de uma composição reflete o meio em que seus
compositores vivem. A inspiração para as composições vem do cotidiano, e refletem a
realidade e o momento histórico em questão, o samba e o samba paulista têm essa
característica, por exemplo, final do século XIX e início do século XX. Os sambas de
Toniquinho Batuqueiro e Geraldo Filme, falam da roça, da falta de condições dignas de
moradia na favela, já em São Paulo, nas periferias, já depois do meio do século XX Adoniran
Barbosa e Paulo Vanzolini falam da fábrica, dos bares do centro, da Boemia e, Geraldo filme
começa a falar do carnaval de São Paulo e os elementos que compunham esse universo.
Aqui vale relembrar a contribuição inicial a respeito do samba de Clara Nunes, que
trazia consigo essa característica harmônica e rítmica da utilização da viola e violão e menos
percussão. Assim como podemos observar no samba rural paulista, um samba rural, caipira.
Cito a seguir a lenda que explica a importância de Bom Jesus de Pirapora, lenda que é
composta por uma mistura que conta muito sobre o samba paulista e o conflito cultural entre o
povo escravizado que ali chegou e se imbricaram com a religiosidade branca, na cultura
local , cultura caipira e suas crenças.
Diz a história que, em 1725, foi encontrada numa braça do rio Tietê, apoiada
numa pedra, uma bonita imagem de Jesus Cristo, Feita de madeira e medindo,
1,78m, o presente trazido pelo rio poderia ter sido facilmente levado dali para
a igreja de Santana do Parnaíba (município mais próximo) pelo carro de boi
oferecido por um fazendeiro da região, mas um atoleiro da várzea arruinou a
remoção. Aturdidos, os três escravos negros que tentavam transportar a
imagem discutiram por horas uma maneira de resolver o problema, até que um
deles, o carreiro, sugeriu uma mudança na disposição dos eixos do carro e
69
tudo se resolveu. Foi o primeiro milagre do Bom Jesus, não pelo desencalhe,
mas porque o tal carreiro era surdo e mudo. Extasiados pela sensação de terem
presenciado uma verdadeira revelação divina, os três interpretaram o
desencalhe e a cura como sinais de que a imagem queria permanecer ali – uma
ideia bastante recorrente entre os católicos brasileiros, vale dizer – e que
aquele seria um lugar santificado. O local onde a imagem foi encontrada
(apelidado de “Beco do Rio Santo”) foi marcado com uma cruz e logo passou
a receber romeiros interessados no poder milagroso da estatueta e das águas
do Tietê, enquanto no ponto exato do milagre foi construída uma capela.
(CUÍCA e DOMINGUES, 2009, p. 23-24).
Assim pode-se recuperar essa informação de suma importância para que se atribua
uma data à historiografia do samba paulista e o seu símbolo, até então mais forte, o samba-de-
bumbo, considerado um ancestral do samba cosmopolita.
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Cuíca se atém a explicar e pontua a participação do bumbo e suas relações fortes com os
cantos africanos.
[...] Tal cuidado tinha fundamento, pois a poderosa igreja de Pirapora não
escondia sua rejeição por esse tipo de manifestação. Por outro lado o que
parecia ser um “confinamento” – muitos sambistas interpretavam assim –
acabou sendo a garantia da liberdade para sua expressão, pois, sob a proteção
72
Essa relação de Pirapora com as Escolas de Samba da capital acontece de forma rica
em trocas culturais entre os artistas mais importantes na história do samba paulista, pois os
sambistas da capital encontravam-se com os outros sambistas do estado nesses barracões, os
quais têm muitas histórias e composições feitas nesses encontros. Um desses exemplos é uma
música de Geraldo Filme que abre essa pesquisa (Batuque de Pirapora).
Falando em Geraldo filme, vale aqui darmos o devido reconhecimento a este artista
paulista e, um dos mais importantes sambistas, além de ser um dos responsáveis pelo
“intercâmbio cultural” do samba rural (de bumbo) e o urbano, pois transitou nesses dois
universos proporcionando esse hibridismo cultural, entre a cidade de São Paulo e o interior
da cidade. Geraldo Filme, também é o autor de um dos sambas mais importantes da Escola de
Samba Vai-Vai, o qual é um dos sambas mais importantes da escola (Tradição - Vai no
Bixiga pra ver).
Voltando a Pirapora e suas manifestações culturais, passemos agora aos conflitos
culturais e religiosos:
Mas outras razões, mais cotidianas, ou melhor, mais ligadas a anomia social,
contribuíram para que estes festejos minguassem.
As razões pelas quais essas manifestações culturais perderam o peso estão claras,
contudo, algo permanece vivo. Basta direcionar nossos olhares para este, dentre outros
estudos acadêmicos que buscam a compreensão de um movimento de resgate às culturas
“originais” paulistas, mas este com enfoque no samba paulista.
Sendo assim, quebra-se uma era, o samba de bumbo perde esse espaço de celebração
e, devido a este conflito entre a religião e a cultura de um povo – que em sua maioria eram
74
negros – há uma quebra nesta forma de representação cultural de uma expressão específica
desta região do Brasil.
É preciso ressaltar, no entanto, que a convivência tão plural ainda não havia
determinado o atual cosmopolitismo da cidade. Ao contrário. Havia uma certa
resistência da elite em aceitar influências dos imigrantes e, mais ainda, dos
negros recém-libertos. O convívio democrático entre pretos e brancos,
brasileiros e europeus, que nos abriria inúmeras perspectivas de máxima
importância, ficava quase restrito aos bairros pobres, como Barra Funda, Brás
e Bixiga – hoje centrais, mas que, na época, formavam uma espécie de
periferia do centro social e econômico da cidade – ou aos então distantes e
semi-rurais Jabaquara, Mooca, Santana e Lapa (citando, apenas, alguns dos
mais importantes)
(CUÍCA e DOMINGUES, 2009, p.34)
Aqui chegamos a formação dos bairros da cidade de São Paulo, com sua formação já
com característica multicultural, desde de o princípio de sua construção cultural já tinha em
sua composição a diversidade e seus conflitos
misturaram aos índios que – pelo o que informa os livros de história – sempre viveram nessas
terras. Voltando as serestas:
A seresta, porém, ainda que bastante assimilada pelos setores mais pobres da
sociedade, não resumia a vida cultural de São Paulo. Os negros também
cultivavam suas próprias formas de expressão musical, em geral, ligadas a
uma religiosidade sincrética, resultante da certa identificação dos orixás
africanos com a divindade e os santos do cânone cristão e, em menor medida,
com seres e conhecimento ocultos da fé indígena. A história registra severas
repressões aos seus cantos e danças, tais como os presentes nas festas de
Nossa Senhora do Rosário, os chamados tambaques (definidos por Tinhorão
como uma “versão paulistana dos reinados de congos dançados em frente à
igreja da padroeira em suas festas”), ou os moçambiques, congadas e
batuques. No entanto, sua musicalidade sobreviveu, dando frutos de valor
incalculável até os nossos dias.
(CUÍCA e DOMINGUES, 2009, p.35)
Neste ponto nos deparamos com as questões religiosas imbricadas às culturais, muitas
vezes devem ter somado e outras devem havido conflito, pois eram povos de crenças e
costumes muito diferentes e ligados de forma intrínseca às culturas de cada povo.
Assim, pode-se compreender um pouco mais sobre alguns costumes que perduram
desde o descobrimento do Brasil até os dias de hoje, formando, assim a historiografia
brasileira. Trazendo consigo, como numa colcha de retalhos, a junção de partes que vão dando
sentido ao todo e, ainda mais importante no que se refere a este estudo, a participação do
samba nessa construção cultural. Quando observamos o quanto a arte representada, neste caso
através do samba, pode formar uma identidade nacional. Já quando nos debruçamos sobre o
papel do samba paulista na formação da identidade nacional, se faz notória a sua relevância,
77
pois tem toda uma peculiaridade que se diferencia dos demais, mesmo quando verifica-se que
também há muita similaridade na forma que se construiu a história do samba dentro do
multiculturalismo étnico em outras regiões do pais, além dos atores que participaram deste
contexto.
27
São Paulo- SP- Brasil- Grupo de crianças do Cordão do Camisa Verde e Branco na
romaria a Bom Jesus de Pirapora em 1925. Havia uma ligação muito grande dos
cordões carnavalescos paulistanos e a Festa de Bom Jesus de Pirapora.
Nesta parte da historiografia do samba paulista, assim como o samba nacional, pode-se
perceber o samba como um componente do carnaval, pois não se tem carnaval sem samba.
[...] Os corsos tiveram especial sucesso em São Paulo, vicejando até o início
dos anos 40, quando as restrições decorrentes da II Guerra mundial (que
fizeram cair drasticamente as importações de novos veículos, peças e gasolina)
reduziram bastante o uso de automóveis no Brasil. Depois da Guerra, a
indústria automobilística apostou suas fichas nos carros “fechados” – aqueles
com capotas fixas – e os corsos minguaram definitivamente.
(CUÍCA e DOMINGUES, 2009, p.37)
A importância dada a estes detalhes se fará notória para uma visão geral do
entendimento do papel do samba paulista e , por que não dizer? De São Paulo na construção
da identidade nacional, pois esta cidade cosmopolita é o retrato da diversidade que constrói de
forma multicultural sua identidade frente ao mundo.
Continuemos dar a devida atenção à pesquisa de Osvaldinho da Cuíca e Domingues:
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http://fotospublicas.com/acervo-historico/imagens-historicas-carnaval-de-sao-paulo/
79
Esta é uma das fases mais importantes da história, pois traz um pouco da vida de um
dos atores mais importantes na história do samba paulista no ambiente urbano. Dionísio
Barbosa é uma das peças fundamentais para a formação das escolas do samba paulista.
Pode-se notar que o carnaval carioca, de alguma maneira, sempre esteve presente
nesse início da formação do samba paulista urbano, seja nos cordões, seja nas escolas de
samba, ora como parâmetro para fortalecer o samba rural paulista, ora para nivelar as escolas
paulistas às cariocas.
Como o método utilizado nesse estudo, assim também se faz para analisar o samba
paulista, nos utilizando do samba e do carnaval carioca como contraponto na análise
comparativa.
Assim como no Rio de Janeiro o Estado Novo de Getúlio teve sua “participação”, no
caso do Rio de Janeiro, se apropriando do samba como elemento catalizador, já em São Paulo
dando algumas “sugestões” para melhor sua aceitação.
[...] o Grupo da Barra Funda/ Camisa Verde e Branco foi o cordão mais
importante de toda a história de São Paulo. Seu aparecimento motivou a
fundação de outros tantos que acabaram por determinar a cara dos primeiros
50 anos dos festejos momescos da cidade. Dionísio, contudo, pouco desfrutou
das glórias de sua iniciativa. Em 1939, cansado das intrigas e pouco
reconhecimento do carnaval de rua paulistano, decidiu se afastar da função de
comandante do grupo, levando-o a encerrar suas atividades.
Somente em 1952 o Camisa Verde e Branco voltou a se reunir e, em 4 de
setembro de 1953, foi re-fundado oficialmente. O principal responsável pela
sobrevida do Camisa foi Inocêncio Tobias (também conhecido como
Inocêncio Mulata), amigo de Dionísio e morador do bairro. Junto com os
amigos Colombina, Feijó e Bagdá, Inocêncio reorganizou o Samba na Barra
Funda e preparou os alicerces para a grandeza que o Camisa Verde e Branco
ostenta até hoje. Dionísio Barbosa, contudo, só voltaria a vestir um figurino
alviverde em 1975, dois anos antes de seu falecimento.
(CUÍCA e DOMINGUES, 2009, p.43-44)
se muito mais nas cenas dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro,
grandiosos desde os anos 40, do que na realidade local paulistana. Outro equívoco
frequente é tratar os cordões como meros embriões das escolas de samba, esquecendo
que tiveram uma organização própria, original e auto-suficiente por muitas décadas
(CUÍCA e DOMINGUES, 2009, p.44).
Esses questionamentos da citação acima são de suma importância para que se possa
vislumbrar a compreensão do real papel do samba paulista na formação da identidade
nacional. Desta forma, poder-se-á construir uma imagem daquele tempo histórico, pois falsas
informações podem distorcer a realidade e dificultar a compreensão dos fatos. Para tanto,
Osvaldinho da Cuíca descreve como acontecia um cordão que, segundo ele, saíam no final da
tarde, de uma das ruas estreitas do centro de São Paulo e perambulavam pelas ruas do centro
até a manhã do dia seguinte, isso acontecia na metade do século XX.
Numa daquelas ruas estreitas e escuras do centro de São Paulo, cheia de gente
a espera dos desfiles, ouve-se o toque de clarins e surge uma movimentação
diferente. O povo, ansioso, começa a se comprimir, rumando em direção à
calçada, e já pode ver os balizas, girando e arremessando seus bastões (feitos
cuidadosamente com o dobro da medida do antebraço de se usuário0, abrindo
caminho para o resto do cordão. Os balizas vêm vestidos com sapato branco,
meias da mesma cor que vão até o joelho, calça de elástico bufante presa no
joelho, camisa tingida com as cores do cordão, adornada com bordados ou
lantejoulas, boné e uma capa vistosa com um belo desenho. São dois tipos de
balizas: os que encantam o público com seu malabarismo, inspirados
diretamente nos balizas da fanfarra do regimento de Fuzileiros Navais carioca
– eu, como meu pai, fui um deles! –, e os que têm apenas a função de afastar
os curiosos que dificultam a passagem do cordão, inclusive, usando o muque,
se necessário. Aliás, os primeiros também colaboram nessa função e têm até
um truque para abrir caminho: passando por ruas mal iluminadas – como as
históricas Rua São Bento e Rua do Comércio –, eles ameaçam jogar baliza pra
cima e, que nem mágicos, a escondem na capa. As pessoas, supondo que o
bastão foi jogado tão alto, que se perdeu na escuridão, saem estabanadas para
os lados, com medo de que lhes caia na cabeça. Subitamente, o bastão
reaparece na mão do baliza e o cordão consegue passar. Vale dizer, contudo,
que isso só funciona porque, de vez em quando, alguém joga de fato o bastão e
deixa cair de propósito em cima da multidão...(CUÍCA e DOMINGUES,
2009, p.45).
O papel da mulher no samba é algo a ser discutido, mas isso já contemplará outra
pesquisa. O que nos move nesse estudo é o samba paulista e os elementos que o compuseram,
não se pode deixar de lado informações que contam não só a historicidade do samba, mas
fatos presentes na história e na arte, principalmente nas letras dos sambas. As letras dos
sambas trazem consigo muito do momento histórico e neles seus padrões vigentes.
São muitos detalhes na descrição de como se comportavam esses cordões, sendo assim
acredito na importância de fornecer mais algumas peculiaridades desta prática que ocorreria
no carnaval paulista na metade do século XX.
Mais um elemento importante destacado por Osvaldinho, o travesti tinha seu papel
social definido através do carnaval, através do samba, assim o samba se transforma num
espaço de aceitação das diversidades.
Ser batuqueiro era algo engraçado. Eu me lembro bem que, durante cada
desfile, furavam-se muitos surdos e bumbos por conta do contato direto das
peles com a madeira das baquetas. Além disso, havia a necessidade de se
esquentar o couro repetidas vezes, a fim de que esticasse e possibilitasse um
som mais claro e forte. Tal necessidade fazia com que os batuqueiros fossem
catando e guardando folhas de papel pelas ruas, pois sabiam que precisariam
acender não uma, mas muitas fogueiras ao longo da noite. Parecia que, a cada
vez que a pele esfriava, ficava mais murcha do que estava antes. Se tivesse
sereno, então, pior: tinha de fazer fogo ainda mais vezes e com papel úmido!
As fogueiras só diminuíam depois de algumas horas, quando o pessoal,
bêbado de cachaça, deixava de ligar para a qualidade do som. (CUÍCA e
DOMINGUES, 2009, p.48).
Mais um elemento presente no samba, mas aqui acredito que mais utilizado no cordão
e posteriormente, nos carnavais modernos – mais agudo e menor no seu tamanho –, o apito
marcou a história do samba paulista e seu maior apitador, pelo que dizem os sambistas e uma
linda canção, visto sua história de sambista boêmio e mulherengo: Pato N´Água.
O maior apitador da história paulista foi, provavelmente, o Pato N’Água
(Walter Gomes de Oliveira), do Vai-Vai, um batuqueiro brilhante e um líder
nato, capaz de impor sua autoridade a todos os batuqueiros do cordão. Sob o
seu comando, o batuque do Vai-Vai teve dias gloriosos e se tornou o mais
respeitado da cidade. Pato, negro alto, forte, ossudo e muito ágil, era também
um valente convicto que criava inimigos com a mesma facilidade que
imaginava suas evoluções no apito. Numa manhã de 1969, porém, foi
encontrado morto num córrego de Suzano. A versão oficial era de que ele teria
sofrido um enfarte e se afogado, mas isso não convenceu ninguém, pois a
jaqueta que vestia tinha furos muito suspeitos. O dramaturgo Plínio Marcos,
amigo dele, arriscou uma outra versão, dizendo que sua morte se deu por obra
do Esquadrão da Morte. Geraldo Filme, amigo de longa data de Pato N’Água,
autor da bela homenagem “Silêncio no Bixiga”, afirmava que ele saiu de táxi
para ver umas “comadrinhas”(como chamava suas amantes) e que o chofer,
estranhando a corrida que já durava um dia inteiro, o teria entregue a policiais
de uma delegacia, onde foi visto com vida pela última vez. O certo é que
muita gente podia querer matar Pato, inclusive os eventuais maridos e amantes
das “comadrinhas”, e a aparência de uma vingança se reforça pela ironia de
terem jogado seu cadáver na água (CUÍCA e DOMINGUES, 2009, p.49).
E como é fato recorrente no samba, essa história triste e cheia de nuvens encobrindo a
verdade, daí surge um samba lindíssimo e comovente. Além de ser um dos mais conhecidos
dentre os sambas de Geraldo filme.
86
Silencio no Bixiga
Silencio, o sambista está dormindo.
Ele foi, mas foi sorrindo.
A noticia chegou quando anoiteceu.
Escolas, eu peço o silencio de um minuto.
O Bixiga está em luto:
O apito de Pato N’Água emudeceu.
Partiu, não tem placa de bronze,
Não fica na história,
Sambista de rua morre sem glória
Depois de tanta alegria que ele nos deu. Assim, um fato repete de novo:
Sambista de rua, artista do povo,
É mais um que se foi sem dizer adeus
(CUÍCA e DOMINGUES, 2009, p.49-50).
Pode-se ver além nesse samba, crítica social, que imortaliza o seu protagonista. Pato
N’Água ficou conhecido e é cantado até os dias de hoje nas rodas de samba de São Paulo.
Para encerrarmos esse assunto que são os cordões, convêm mais alguns detalhes como,
por exemplo, o repertório utilizado.
A música dos cordões era tão livre quanto sua apresentação. A variedade
rítmica usada pelos cordões paulistas das primeiras décadas de 1900 era
tamanha, que documentos da época dão conta de que alguns até valseavam em
seus desfiles, contrariando a máxima de que a música carnavalesca deva ser,
87
Essa nova fase em que se inicia a instalação da indústria cultural no Brasil, pode-se
afirmar que o “intercâmbio” cultural se instalou, pois a facilidade de acesso ao outro, se faz
mais eficiente e rápida.
Outra característica do samba de São Paulo que prevaleceu até os anos 60 era
o maior peso do batuque, feito com muito surdo e bumbo e pouca miudeza
(pandeiro, cuíca, frigideira, chi-chique...). A influência dos batuques caboclos
de Pirapora e do interior do estado era, evidentemente, a razão desse peso.
Atualmente, porém, houve uma padronização – burra, é bom dizer – das
baterias, o que eliminou boa parte dos traços regionais dos diversos desfiles
que ocorrem pelo Brasil. Uma perda recente que eu lamento muito é a bateria
da Vai-Vai ter deixado de fazer uma evolução criada pelo Pato N’Água, uma
simulação de uma briga entre os batuqueiros que transformava a bateria numa
grande bagunça por alguns instantes, mas que, assim que soasse o apito,
voltava à mais perfeita harmonia. Era algo bonito e bem original. (CUÍCA e
DOMINGUES, 2009, p.52).
Essa questão do Brasil não preservar suas memórias é incômoda. O que poderia ser a
marca, como as cores da Mangueira, a águia da Portela... tirar a evolução criada por Pato
N’Água é uma perda para a memória da escola. A Vai-Vai tem muito da formação do perfil
cultural do samba da cidade de São Paulo, assim o que a escola preservar de sua história, a
cidade de São Paulo, também terá preservada uma parte importante da sua história cultural.
O Vai-Vai foi o único dos grandes cordões paulistanos que começou com
evidente maioria negra. Formado no Bixiga, pedaço mais baixo da Bela Vista,
no final dos anos 20 (a data oficial da fundação é de 30, mas conheço
composições de 28 e 29 feitas por Henricão para o grupo), o cordão logo se
tornou o principal reduto dos batuqueiros de Pirapora na capital. Também
pudera. A maior parte de seus fundadores frequentava as festas de Bom Jesus
(CUÍCA e DOMINGUES, 2009, p.55).
Este estudo não tem como foco o carnaval, nem as escolas de samba, mas na crença de
que essas informações venham a desenhar o papel do samba paulista em meio a formação da
identidade nacional em suas imbricações.
Com a chegada dos italianos à Bela Vista e com seu notável entendimento
com os antigos moradores do local – Adoniran Barbosa dizia: “no Bixiga, até
os crioulinhos têm sotaque italiano...” –, a agremiação cresceu bastante,
diversificou suas referências e se tornou anda mais democrático. Funcionando
como escola de samba desde 1972, o Vai-Vai é o maior detentor de títulos do
carnaval paulista. (CUÍCA e DOMINGUES, 2009, p.56).
O marco no carnaval paulista, lamentado pela maioria dos sambistas deste tempo
histórico, foi a “adaptação” do carnaval paulista ao carioca, como representante dessa
mudança temos um mineiro, Seu Nenê. A razão pelo lamento é que a partir daí inicia-se um
processo de profissionalização do Carnaval paulista, e este tendo como modelo principal a
Portela.
O tom dos comentários dentre os sambistas, às vezes, é que o Seu Nenê era o
“culpado” pela “contaminação” do samba paulista, ou melhor, do carnaval paulista, pelo
carioca. Segundo Osvaldinho da Cuíca, houveram outros fatores que somaram a este
movimento da Escola de samba Nenê da Vila Matilde.
90
Nota-se certo lamento na citação de Osvaldinho, mas ao mesmo tempo ele mesmo
quem foi convidado para fazer todas as adaptações – do carnaval paulista ao carioca – na
bateria da Vai-Vai. Além da falta de verba que se tinha para o carnaval paulista, daí a
necessidade de se adaptar as normas cabíveis as quais legitimariam investimentos no carnaval
paulista, que antes disso, não passava credibilidade pela desorganização geral.
Assim, percebe-se que seria praticamente impossível falar do samba paulista sem falar
do carnaval, pois estão intrinsecamente ligados, mas será que este samba-rural paulista se
perdeu nesses novos carnavais absorvidos dos cariocas?
O samba, que desde sua origem mais remota esteve ligado a festividades, não
ficava de fora das celebrações juninas. Aliás, o fato de o samba paulista mais
típico ter sido cunhado, em boa medida, num ambiente rural ou semi-rural
colaborou decisivamente para que se adequasse bem ao caráter interiorano
dessas festas, conhecidas como “festas caipiras” – até hoje, as variantes do
samba rural paulista encontram abrigo em festas juninas, identificando-se mais
com estas do que com o carnaval. [...] o samba foi, pouco a pouco, sumindo
das festas juninas de São Paulo. Até os anos 50, por exemplo, eu me recordo
de dançar muito samba nas animadas frestas de São João da rua Ponte Pensa,
no Tucuruvi, apelidadas de “poeirinhas” por conta da poeira que levantava do
chão de terra [...] no antigo Parque Xangai, o pessoal da Lavapés fazia uma
grande festa junina em que o samba não só estava presente, como reinava
soberano! (CUÍCA e DOMINGUES, 2009, p.82).
[...] Na realidade, a maior parte das datas festivas em que se fazia samba em
São Paulo – geralmente, dias sagrados para a fé e a história dos afro-
descendentes brasileiros – estava fora dos períodos carnavalescos e pré-
carnavalescos: o dia 13 de maio, que marca a abolição da escravatura do país:
os dias 16 de julho de 7 de outubro, que correspondem, respectivamente, a
Nossa Senhora do Carmo e a Nossa Senhora do Rosário, duas das
manifestações da Virgem Maria mais prezadas pelos negros; o dia 5 de
outubro, dedicado a São Benedito, o mais conhecido santo de pele negra. Isso,
sem falar nos finais de semana do mês de agosto, em que ocorriam as já
descritas comemorações de bom Jesus de Pirapora.
A relação do samba com as festas de negros, porém, não era a única possível.
Recordo-me bem que, até nas festas de Nossa Senhora de Achiropita,
tradicionalmente comandadas pelos italianos no Bixiga, costumava sair samba
– ainda que aquelas noites frias de agosto tivessem como principais atrações
os conjuntos de choro. (CUÍCA e DOMINGUES, 2009, p.82-83).
92
Esses fatos ocorrendo nas primeiras décadas do século XX, e, assim como no Rio de
Janeiro, o samba começa suas formas de expressão na marginalidade, essas características são
semelhantes, pra não dizer, idênticas nos dois casos.
São Paulo tem, novamente, em suas construções elementos enriquecedores de sua
cultura e, com a cara da formação identitária da cidade.
Além do samba que ocorria nessas rodas, o autor ainda cita a tiririca (derivada da
capoeira), também acontecia em rodas e, movida a sambas conhecidos e divulgados no rádio
ou composições específicas como uma cantada por Geraldo Filme:
Segundo Osvaldinho, a tiririca também sumiu, por volta dos anos 50 e 60. Outro fato
lamentado. Assim, vamos percebendo o quanto da cultura vai se deixando de lado e se
perdendo nas memórias não resgatadas.
Uma tradição que persiste em Santos e São Paulo, como em todos os pontos
do pais,é a ligação do samba com a vida social e religiosa das roças de
umbanda e candomblé. Samba-de-roda, por exemplo, tido como a principal
matriz do samba carioca, é uma parte indissociável das celebrações do
candomblé da Bahia, em que exerce o papel de comunhão dos fiéis após os
cultos. (CUÍCA e DOMINGUES, 2009, p.89).
Ainda que o samba estivesse espalhado por toda a São Paulo da primeira
metade do século passado, havia apenas um lugar onde era seguro encontrar
batucada em qualquer um dos 365 dias do ano: o centro da cidade. Era o
samba dos engraxates, tão divertido e tão legítimo, que hoje sobrevive apenas
nas mãos e vozes de uns poucos, como o velho Gilson Bahia (Hermenegildo
Francisco dos Santos), que tem sua cadeira na Praça da República, onde
organiza uma animada roda de samba 2 ou 3 vezes por semana. Nos áureos
tempos, era uma multidão de engraxates que se reunia em lugares como a
Praça da Sé e Praça João Mendes (as Praças da República, Patriarca e Clóvis
94
Esses engraxates foram os nossos principais nomes do samba paulista. Dentre eles os
nomes como Osvaldinho da Cuíca, Germano Matias, Toniquinho Batuqueiro e Geraldo Filme.
Ser engraxate era um dos caminhos mais atraentes para um jovem de origem
humilde – como eu fui –, obrigado a ganhar a vida sem instrução escolar, mas
ainda desejoso de liberdade. No agitado dia-a-dia das calçadas era possível
sentir-se o senhor de seu próprio destino, respirando a brisa que a própria
cidade respirava, a brisa do progresso desembestado, das levas de migrantes e
imigrantes que chegavam sem parar, dos automóveis tomando as ruas; enfim,
do mundo que se construía e derrubava, minuto a minuto, diante dos seus
olhos (CUÍCA e DOMINGUES, 2009, p.92).
Esse ambiente do centro da cidade de São Paulo, acaba por se tornar um “laboratório”
cultural, pois o que parece é que esse espaço público se torna favorável para novas
construções que se dá pela forma cosmopolita com que a cidade vai se transformando e o
samba é protagonista neste espaço com características multiculturais.
A imagem dos engraxates era uma cena fácil de ver na região central de São Paulo.
Aliás, essa forma criativa de se engraxar acaba por ser um atrativo para os clientes potenciais.
[...] mas de pouco volume sonoro para uma roda de samba, os engraxates
imaginaram muitas outras adaptações musicais do seu material de trabalho, o
que tornava o eventual “auxílio luxuoso” de um pandeiro ou surdo um mero
acessório para a batucada. Ao experimentar com criatividade as caixas de
madeira, por exemplo, perceberam que, batendo na lateral inferior com os
calcanhares, conseguiam uma frequência sonora mais grave, semelhante a do
surdo. Batucando com as palmas das mãos na parte superior da lateral, faziam
um som médio, de caixa. Da mesma lateral, ainda depois de usada para
limpara a graxa das mãos, era possível tira um gemido grave da cuíca, através
de um hábil movimento de fricção dos dedos. As escovas também tinham
grande utilidade: as grandes, percutidas uma nas outras, davam um som
vigoroso de palmas, enquanto as pequenas eram usadas como baquetas do
principal “instrumento” daquelas batucadas: as tampas das latinhas de graxa.
Essas tampas, feitas de ferro (ao contrário das atuais, de alumínio, que,
embora mais leves e resistentes, não têm um timbre tão bonito), tiniam como
ágeis frigideiras. As possibilidades musicais da tampinha da lata de graxa
95
eram tais, que acabaram consagradas nacionalmente após sua adoção pelo
grande Germano Mathias nos anos 50 (CUÍCA e DOMINGUES, 2009, p.92-
93).
Germano Mathias me indicou sua biografia: Samba Explícito, que assim como
Osvaldinho da Cuíca conta sua história e a história do samba paulista.
Esse poder catalisador das rodas de samba do centro de São Paulo foi de suma
importância para o enriquecimento deste, pois, pode-se crer que essa contribuição do samba
rural e das periferias paulistanas, dá o tom do samba Paulista urbano, ou urbanizado. Além de
alimentar a memória da cidade ao citar nomes de ruas, avenidas, praças e comércios locais da
época, assim fortalecendo e conservando a história, a memória da cidade.
[...] Há, porém, um nome que não pode ser esquecido de maneira nenhuma
quando se fala em samba dos engraxates: Toniquinho Batuqueiro, um negro
nascido em Piracicaba, em 1922, e radicado em São Paulo desde a juventude.
[...] na verdade, ele gostava de participar de tudo o que acontecia por lá e era
um dos pouquíssimos engraxates que podia trabalhar (e fazer batucada, é
claro!) em pontos alheios sem ser incomodado, devido à forte liderança que
exercia sobre seus colegas (CUÍCA e DOMINGUES, 2009, p.94-95)
Toniquinho Batuqueiro é um dos principais atores deste samba rural paulista e sua
transição as rodas de samba da capital. Se deve ressaltar a importância dada a sua obra por
Renato Dias do Kolombolo de Diá Piratininga e T-Kaçula do Samba Autêntico. Gravando
suas músicas e revisitando todo seu repertório, no Projeto Memória do Samba Paulista, além
de filmes documentários, nos quais os dois têm forte participação. Na contemporaneidade do
samba paulista esses dois nomes são de suma importância no que se refere ao resgate da
memória do samba paulista.
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Toniquinho tentou inúmeras vezes partir para a carreira artística, mas não
obteve sucesso, embora tenha se apresentado bastante na noite paulistana e
trabalhado com alguns nomes de muito valor, como Geraldo Filme (num
célebre trio também integrado por Zeca da Casa Verde, formado por sugestão
do dramaturgo Plínio Marcos) e seu amigo Germano Mathias. Toniquinho
também alçou vôo pelo mundo das escolas se samba, tendo certo destaque por
fundar a mencionada Brasil Novo e assinar alguns sambas-enredo históricos, a
exemplo de “História de Vila Brasilândia”, feito com Carioca para o primeiro
desfile da Rosas de Ouro. Por tudo isso, mesmo que não tenha consolidado
uma carreira estável, Toniquinho criou várias amizades entre o pessoal das
escolas de samba, os músicos profissionais e os radialistas paulistanos ( seu
talento para as relações públicas era impressionante!), passando a ser o
principal – e, talvez, o único – canal de comunicação entre os anônimos
engraxates-sambistas e o meio musical profissional (CUÍCA e DOMINGUES,
2009, p.95).
Incrível que quanto mais se conhece, mais se percebe o quão próximos todos os atores
que formaram o samba paulista “tradicional”, próximos geograficamente e suas histórias de
vida se cruzando e, esses cruzamentos resultam da criatividade artística, muitas vezes, por
falta de instrumentos e falta de condições financeiras para tê-los, surge os truques, as saídas
criativas, através de descobertas como engraxates e o ócio que e este papel social os dava, no
espaço público à criação, além de certa cumplicidade entre eles, como também, uma parceria
amigável, onde os sambistas se aproximavam independente das condições sociais.
.
Eu pessoalmente, chamei Toniquinho Batuqueiro para tocar comigo sempre
que pude. Uma amostra do nosso trabalho em parceria é “Ditado Antigo”, que
fiz a partir de duas estrofes de um samba com o mesmo nome composto por
ele há quase 30 anos, mostrando sua influência interiorana, temperada nos
batuques de Pirapora.
Ditado Antigo
Ah, jongueiro,
Bate no couro, que tem festa no terreiro!
Uma eficiente via de contato de parte da periferia como centro de São Paulo
era o transporte ferroviário, símbolo por excelência da modernidade no inicio
do século XX. Chacoalhando ao balanço moroso das maria-fumaça, sempre
preocupados com as brasinhas que saíam da fornalha e chamuscavam a roupa
e os cabelos, iam e vinham milhares de paulistanos, cujo deslocamento físico
também implicava num deslocamento cultural, na medida em que punha em
contato as ainda díspares referencias da cidade e dos subúrbios. Como não
poderia deixar de ser, o samba, filho ilustre da classe baixa, viajava junto
sobre os trilhos, criando intersecções entre sambistas de todos os cantos. Aliás,
é bom ressaltar que o samba, desde seus primeiros anos, tem uma história em
comum com os trens, a começar pelas rodas das estações Barra Funda (vizinha
ao Largo da Banana) e Valongo, pontas paulistanas e santista da ferrovia
Santos-Jundiaí, e da estação de Barueri – os antigos, como o Toniquinho
Batuqueiro, pronunciavam “Bariri” –, ponto de encontro dos bambas que iam
para Pirapora (CUÍCA e DOMINGUES, 2009, p.96-97).
Na citação acima nota-se que a cidade de São Paulo, desde o início do século XX
estava intrinsicamente ligada ao interior e, principalmente a Pirapora do Bom Jesus. Esse
intercâmbio cultural era contínuo, segundo os relatos levantados nessa pesquisa, assim no
momento em que a igreja começa a desaprovar os festejos nos barracões e nas ruas, essa
confluência cultural, assim como seus representantes, buscam outros espaços de celebração
de sua cultura. Com essa rejeição da igreja de Pirapora, o samba de bumbo desloca-se para o
espaço urbano, numa intersecção, fusão, com o samba urbano, encontrando outros espaços,
como os vagões dos trens da cidade.
98
Esses bairros da cidade de São Paulo como o Brás, era outro reduto de sambistas e
europeus recém chegados ao Brasil. Claro, que assim que se houve essa relação do trem
com samba, se espera saber a história da música de Adoniran Barbosa “Trem das Onze”-
uma das músicas mais gravadas no Brasil e no mundo.
Que Adoniran inventava as histórias das músicas dele, já era sabido, pois o Ernesto
passou a vida dizendo que não houve nada daquilo que diz “O Samba do Ernesto” o qual ele
conta que o Ernesto furou com ele e com uns amigos. Iracema é outra música que segundo
amigos dele contam, foi uma moça que o esnobou e ele fez a música matando a Iracema
atropelada.
[...] veio morar na capital paulista apenas aos 22 anos de idade, depois de
passar por Valinhos (onde nasceu), Jundiaí e Santo André. Trata-se de
Adoniran Barbosa, o filho de italianos no interior que radicalizou a pronúncia
caipira-italianada da capital paulista em suas composições e representou a
cidade, seu dia-a-dia e seus habitantes com muita sutileza, explorando até a
99
Há de se concordar com Paulo Vanzolini, pois como cantora eu sempre que possível
interpreto essa música, pois sua importância histórica é valorosa. Esta música conta o seu
tempo, ou seja, o tempo do lampião, o tempo em que se ascendia o fogão a lenha, o tempo
em que se escrevia bilhetes num papel...
Convém ressaltar que o samba paulista tem esse detalhe a ser observado, essas letras
tristes, melancólicas, de questionamentos de condições sociais, falando do racismo, de
religiosidade, de escravidão e, Adoniran Barbosa, com característica única, deu uma cara ao
samba paulista urbano e, quando nos debruçamos para falar dos maiores interpretes do
samba de Adoniran, o Demônios da Garoa, fica ainda mais nítida a diferença do samba
paulista, se comparado ao carioca e, mais ainda se comparado ao samba do nordeste, pois a
sutileza com que se trabalham as vozes, é única, além de ser o grupo mais antigo em
atividade segundo o Guinness Book .
Adoniran nasceu João Rubinato, em 1910. No início dos anos 30, ainda sem
ter um rumo certo na vida – saltando de emprego em emprego e colecionando
ofícios, como os de entregador de Marmitas, varredor, mascate e encanador –,
começou a se apresentar em programas de calouros das rádios de São Paulo.
Achou por bem escolher um nome artístico, já que o seu nome de batismo lhe
parecia incompatível com um sambista. Acabou escolhendo uma combinação
do primeiro nome de um companheiro de boemia, carteiro de profissão, e o
100
A acolhida nas rádios, porém, não foi como Adoniran imaginava, sendo
gongado em vários programas. Passado um ano de tentativas, conseguiu ser
aprovado no programa de Jorge Amaral, na Rádio Cruzeiro do Sul, cantando
“Filosofia” (de Noel Rosa). “O rapaz do gongo devia estar dormindo”, dizia,
anos depois, com muito humo. Surgiu-lhe, então, um convite de Paraguaçu
para ir cantar semanalmente na Rádio São Paulo, mas mediante cachês que
mal pagavam a condução de ida e volta (CUÍCA e DOMINGUES, 2009,
p.125).
Essas histórias de vida, explicam muito de quem é aquele sambista, pois está explícita
em suas letras e melodias, pois estas carregam estas histórias, aqui de Adoniran, ali de
Toniquinho, acolá de Osvaldinho e assim por diante. Esses atores que protagonizaram a
história do samba paulista urbano, em suas realidades trazem muito de semelhanças.
relação de Molles e Adoniran: “Ele via no Adoniran Barbosa uma outra faceta
que o próprio Adoniran não via”.
Essas questões das amizades de Adoniran é uma história a parte, pois o que consta é
que ele morreu sem dinheiro, pois emprestava , pagava contas dos amigos, gastava muito,
sendo assim, não tinha uma situação financeira estável. Convém ressaltar que essa é uma
máxima entre os sambistas, na sua maioria, principalmente os negros, poucos conseguiram
progredir de forma estável, inclusive os cariocas como Cartola, ou mesmo Noel Rosa. No
filme que conta sua biografia, mostra ele sempre numa situação de instabilidade financeira.
Nos atendo ao samba paulista, é comum em relatos de muitos sambistas, essa questão de
dificuldades financeiras, novamente segundo relatos, os negros eram os menos favorecidos,
não que Adoniran não tivesse tido dificuldades, pois como citado anteriormente, ele teve
muitas portas fechadas. Mas há de se convir que ele era um homem com multitalentos, o que
lhe deu mais possibilidades de tentativas até chegar ao sucesso.
Esse encontro foi perfeito e resultou numa cara do samba paulista urbano e, fez com
que a imagem de Adoniran e Demônios da Garoa ficassem associadas para sempre. Pois até
103
hoje Demônios da Garoa é convidado por serem os intérpretes das músicas de Adoniran
Barbosa, como já dito anteriormente, o grupo musical com mais tempo em atividade.
Embora poucos saibam, o ano de 1944 foi capital para a história dos
Demônios da Garoa. Foi quando o conjunto recebeu um menino magrinho,
mas que tinha uma voz maravilhosa, chamado Arnaldo Rosa. Com ele, o
106
afirmam sua participação na formação do grupo e, sua esposa (aquela que sugeriu o nome)
foi quem o fez sair do grupo. O seu reconhecimento só aconteceu em 1990 quando Arnaldo
Rosa parou o show para homenagear quem estava na plateia que era o primeiro violão dos
Demônios da Garoa, segundo o autor, ele se emocionou muito. Segundo Osvaldinho há
muitas informações desencontradas nessas histórias propagadas a respeito do samba paulista
e, principalmente sobre Demônios da Garoa e Adoniran Barbosa, por exemplo, “Saudosa
Maloca” e o “Samba do Arnesto” não teve como inspiração para a forma peculiar de cantá-
los, os engraxates do centro da cidade de São Paulo, mas foi inspirado pelo próprio Adoniran,
ele inspirou a forma de interpretar dos Demônios da Garoa, além de não ter nenhuma
referência de que os Demônios da Garoa frequentassem as batucadas dos engraxates (CUÍCA
e DOMINGUES, 2009, p.132).
No que tange aos engraxates, quem se inspirou e frequentou essas rodas de samba dos
engraxates do centro da cidade de São Paulo é Germano Mathias, esse, segundo o autor,
conviveu intensamente com os engraxates, batuqueiros e jogadores de tiririca. Contudo,
nascido em família branca, lusitana e de classe média do Pari, apreciava as batucadas dos
negros, desde sua infância. Além de na sua adolescência ter participado dos cordões
marginalizados.
Foi numa roda de samba no centro da cidade que, certa vez, o onipresente
Toniquinho Batuqueiro, sabendo do seu talento incomum, encaminhou-o ao
rádio. Germano, passou a frequentar, então, os bares da Avenida Ipiranga,
onde se reunia boa parte dos radialistas, sobretudo os da Rádio Nacional, e
logo começou a cantar em programas de calouros. Já no primeiro deles, o “Aí
vem o Pato”, de Jayme Moreira Filho e Odilon Araújo, foi eleito o melhor
calouro, entoando corajosamente um samba de sua autoria chamado “Na Barra
Funda”. O sucesso se repetiu nos programas seguintes, pois, inteligentemente,
Germano elaborou uma fórmula infalível: escolhia músicas alegres e de sua
autoria, o que já causava boa impressão, tocava a inusitada e suingadíssima
tampinha de lata de graxa e criava divertidos jogos cênicos para incrementar
as interpretações, sempre repletas de mímica, caretas, trejeitos e samba no pé –
o que, obviamente, só podia ser visto pelo auditório e pelos jurados
presentes.[...] em 1955, seguiu essa mesma linha, apresentado sua parceria
com Doca (João Firmo Jordão) “Minha Nêga na Janela”. O resultado foi uma
vitória ainda mais brilhante do que as anteriores, pois, dessa vez, eram nada
menos que 300 concorrentes! (CUÍCA e DOMINGUES, 2009, p.131).
[...]
Já em 1956, Germano Mathias teve ótima repercussão com a gravação de
“Minha Nêga na Janela”, editada pela Polydor, e, no ano seguinte, conquistou
a critica especializada com seu LP Germano Mathias, Um Sambista Diferente,
vencedor dos prêmios Roquete Pinto e Guarany [...] em 1958, com o
lançamento do samba “ Guarde a Sandália Dela”, parceria sua com o também
paulistano Sereno – esse samba, aliás, voltaria a fazer grande sucesso em
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meados dos anos 60, numa gravação de Elis Regina e Jair Rodrigues(CUÍCA e
DOMINGUES, 2009, p.131).
Caco Velho, Germano Mathias traça seu progresso da complexidade rítmica que tornou
Germano Mathias numa referência obrigatória do samba, sui generis do samba-sincopado.
Devido a sua convivência com Caco Velho no período em que ele morou em São Paulo,
Germano, absorveu e alcançou um ponto de divisões tão ricas, que, na música brasileira, só
pode ser equiparado ao do “Rei do Ritmo”, Jackson do Pandeiro (CUÍCA e DOMINGUES,
2009, p.135-136).
Aqui pode-se observar o quão um artista de um estado está ligado a outro e a
importância dos meios de comunicação, ainda restrito nos meados do século XX, mas deve-se
observar que de alguma forma cada artista traz consigo referências da sua originalidade
regional, mas na troca, na soma, cria-se algo novo, “novas identidades”, estas novas
identidades podemos observar nas definições dadas por Stuart Hall (1992) na sua obra “a
Modernidade cultural na Pós-modernidade”, ele conclui que a sociedade moderna traduz-se
em constante mudança, principalmente no que tange ao processo de globalização e sua
repercussão na formação da identidade cultural. Stuart Hall, classifica essa modernidade como
tardia. Ainda Hall, trata que: “Dentro da cultura, na marginalidade, embora permaneça
periférico em relação ao mainstream, nunca foi um espaço tão produtivo quanto é agora, e
isso não é simplesmente uma abertura, dentro dos espaços dominantes, à ocupação dos de
fora”. (HALL, 2013, p.375-376)
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As contribuições nasceram nos interiores paulistas com as tradições caipiras somadas as dos
imigrantes europeus. Essas tradições em Pirapora se fundiram umas as outras, as crenças
religiosas africanas com as ocidentais, além das expressões culturais incrementadas com
batuques dos bumbos dos sambistas, sendo observados, inicialmente, no início do século XX
por Mario de Andrade, que o denominou Samba rural paulista. Essas misturas étnicas
culturais deslocam-se para a capital de São Paulo, somando-se ao urbano, transformando o
samba. Sendo assim, o samba de bumbo perde esse espaço de celebração e, devido ao conflito
entre a religião e a cultura de um povo – que em sua maioria eram negros – há uma mudança
na forma de representação cultural de uma expressão específica desta região do Brasil, o
interior paulista.
Quando o samba rural chega ao espaço urbano, no inicio do século XX, se apresenta
nas rodas de samba na Praça da Sé, onde com os engraxates se reuniam para fazer samba,
dentre estes engraxates surgiram nomes que ficariam gravados na história do Samba Paulista
urbano, estes engraxates na sua grande maioria eram pobres de descendência negra.
Quando nos atemos aos grandes nomes da história do samba paulista, encontramos
Adoniran Barbosa, Paulo Vanzolini, Geraldo Filme, Demônios da Garoa, Toniquinho
Batuqueiro, Osvaldinho da Cuíca, dentre muitos outros nomes, que são a prova que o samba
paulista tem identidade própria, esta demonstrada através dos seus músicos e intérpretes.
Pode-se concluir que essa é a relação do samba paulista com a formação da identidade
nacional, pois músicas como Trem das Onze, Um homem de Moral, Ronda , Tradição, etc. é o
retrato da contribuição paulista à cultura brasileira. Além do fato intrínseco na cultura
brasileira que é a mistura, a miscigenação, o hibridismo cultual, características estas desde a
colonização do Brasil, com o recebimento das contribuições dos portugueses, holandeses,
ingleses, italianos, espanhóis, japoneses. Mas o foco desta pesquisa foi a análise do samba
rural paulista e o urbano, a partir daí, pode-se fomentar a comparação deste samba paulista
urbano com o samba urbano carioca.
O objetivo proposto foi atingido nesta pesquisa acadêmica e, apontou o movimento de
resgate do samba rural “tradicional” paulista abordando a criação de grupos formados com a
intencionalidade de pesquisar e mostrar compositores paulistas, músicos sambistas, em um
movimento de recuperação desse samba rural paulista e o urbano, constituídos por sambistas
na sua maioria de descendência negra. Nestes movimentos sociais culturais citamos: o
Kolombolo, fundado por Renato Dias; Samba autêntico , fundado por T-Kaçula e o Samba da
Vela, há mais de 15 anos, uma roda mantém acesa a chama do samba, em Santo Amaro, na
Zona Sul de São Paulo.
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Desta forma, a conclusão a qual este trabalho chegou foi de que há um samba rural
paulista, que já vem sendo pesquisado por outros acadêmicos e músicos, mas o que trazemos
de novo é a observação deste resgate ao samba rural paulista; o samba de bumbo de Pirapora,
em um movimento híbrido, formando o samba Paulista urbano. Com este resgate também
recuperou-se as manifestações religiosas de descendência africana, que foi de onde o samba
surgiu, no Kolombolo, tem-se respeito aos Orixás, aos Santos, além de imagens e velas. Tanto
no Kolombolo como no Samba Autêntico, como no Samba da Vela, as reuniões são em
círculo, formando as rodas de samba. No Kolombolo só se canta samba paulista tradicional e
modernos também. Já no Samba Autêntico canta-se sambas de todas as regiões do Brasil e
com enfoque no samba paulista, enquanto o Samba da Vela canta-se apenas músicas
compostas por compositores que fazem parte deste grupo, e o samba só acaba quando a vela
apaga. A continuidade desta pesquisa com ênfase aos grupos de resgaste ao samba paulista se
dará no Doutorado.
113
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