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1 INTRODUÇÃO

A pintura corporal constitui, certamente, uma significativa expressão sócio-cultural

dos povos indígenas brasileiros. Porém, o seu estudo não tem sido muito preconizado pelos

pesquisadores. Visto que das áreas de conhecimento produtoras de trabalhos etnográficos, o

da antropologia estética1, talvez seja o menos trilhado, sendo preterido em relação à língua,

mitos, organização sócio-política e outros.

As produções estéticas estão diretamente ligadas à totalidade do mundo indígena. E

de acordo com Silver (1979) citado por Van Velthem (1998) possuem o termo etnoarte como

o mais apropriado, pois faz referência tanto a uma tradição plástica específica como pressupõe

a contextualização sócio-cultural da arte ao considerar os verdadeiros propósitos de seus

produtores. Somando-se a isso o fato de que como comenta Vidal (1985, p.15) a faculdade

estética é inata ao ser humano, algo tão natural como o falar ou qualquer outra expressão de

atividade cognitiva. Pautado nestes suportes, buscou-se com este trabalho, desenvolver uma

pesquisa que enfocasse essa expressão estética e social em uma sociedade maranhense, os

Põhkrá Kanela (Ramkokamẽkrá).

O interesse por esse povo indígena surgiu através da leitura, em 2000, de Barros e

Zanonni (1988), Povos Indígenas no Maranhão, no qual foi possível ter as primeiras

informações acerca dos Põhkrá e demais povos nativos maranhenses. Porém, a escolha desse

tema se deu definitivamente a partir de conversa com Barros que sugeriu que fosse abordada a

pintura corporal, e não os trançados como estava no projeto monográfico. Tal mudança

representou uma decisão bem acertada, visto que existe uma variedade bem grande de padrões

de pintura corporal, e até o presente momento não se tem notícia de nenhum estudo específico

sobre essa expressão estética põhkrá.

1
Ramo da ciência antropológica que estuda as produções artísticas dos povos indígenas.
10

Sobre os indígenas maranhenses, diversos foram os povos extintos dizimados por

doenças, pela escravidão, por massacres promovidos pelos colonizadores e outros motivos

similares. Dos sobreviventes, um deles é o Põhkrá Kanela, povo pertencente à família

lingüística Jê. Sendo, portanto, de fundamental importância o estudo e a divulgação de sua

cultura para melhor ser compreendida pela sociedade “ocidental”, bem como para o seu

registro verbal e visual. Agregando-se assim à diversidade cultural maranhense na qual esses

povos nativos são vistos apenas como figurantes de um passado distante.

Esse trabalho tomou como referência o povo Põhkrá Kanela nas dimensões política,

econômica, social e cultural com destaque para esta última, porque a ela pertence o objeto

deste estudo. Em princípio para caracterizar significativamente o objeto/sujeito de estudo,

buscou-se uma identificação dos povos indígenas do Maranhão, destacando o histórico, a

classificação lingüística e os demais elementos sócio-culturais. A partir de tal identificação foi

realizado um direcionamento temático ao estudo da sociedade põhkrá subsidiada

primeiramente através de pesquisa bibliográfica específica, merecendo aqui citação as obras:

Azanha (1984). A Forma Timbira: estrutura e resistência; Crocker (1990), The Canela;

Melatti (1978), Ritos de uma tribo Timbira; Nimuendaju (1946), The Eastern Timbira;

Oliveira (2002), Ramkokamekrá – Canela: dominação e resistência de um povo Timbira no

Centro-oeste maranhense e Paula Ribeiro (2002), Memórias dos sertões maranhenses,

reunidas aos cuidados de Manoel de Jesus Barros Martins.

Posteriormente fez-se a conceituação e caracterização da arte indígena. Para esse

entendimento foi tomado como referências básicas entre outras, os livros FUNARTE.

Instituto Nacional de Artes Plásticas. A arte e seus materiais; arte e corpo: pintura sobre a

pele e adornos de povos indígenas brasileiros. Publicado pela FUNARTE (1985); ÍNDIOS

NO BRASIL organizado por Grupioni (1998); Barros (2002), A arte krikati – uma

abordagem sociológica; BOAS (1955), Primitive Art; o GRAFISMO INDÍGENA:


11

estudos de antropologia estética organizado por Lux Vidal, (1992); MULLER (1993), Os

Asurini do Xingu – História e Arte. Além de alguns outros listados nas referências. A

leitura de tais autores trouxe suporte para a discussão, análise e caracterização da pintura

corporal das sociedades indígenas, com enfoque principal para as formas de expressão, os

estilos e as suas funções.

Paralela à pesquisa bibliográfica, foi realizada pesquisa de campo na aldeia

Escalvado dos índios Põhkrá, em três viagens ao longo do ano de 2005, sendo a primeira

durante o mês de fevereiro, entre os dias 11 e 18; a segunda, nos dias 18 e 19 de junho; e a

terceira entre os dias 08 e 15 de setembro. Durante esta etapa nos acompanharam como

informantes os índios: José Pires Cahràl (55 anos), Ivan Pal Catí (23 anos), Valdemar Jôjô

(42 anos), José Hildo Amicró (c. 45 anos), Raimundo Roberto Kaapêl-Tyk-lé ou Kapertuc-ré

(75 anos); além de tantos outros em caráter mais esporádico.

Um dos resultados mais impactantes procedente da pesquisa de campo diz respeito

ao nome dessa sociedade, visto que independente da classe de idade, praticamente todos

refutam o nome Ramkokamekrá. E se autodenominam como os Põhkrá, povo do

campo/cerrado/chapada. Aceitando também serem denominados como os Kanela. Tomando-

se isso como fator relevante na construção e manutenção de sua identidade étnica, será

adotado neste trabalho o termo Põhkrá Kanela como nome dessa sociedade indígena.

Como métodos e procedimentos em campo, foram adotadas entrevistas, registro

fotográfico, coleta de desenhos produzidos pelos Põhkrá; realização de desenhos de

observação a partir dos padrões de pintura corporal utilizados por eles, além de materiais e

informações fornecidos, gentilmente, pelos também pesquisadores desse povo indígena,

Jonaton Alves Júnior e Nelma Ferreira Rolande, graduandos dos cursos de Ciências Sociais e

Educação Artística, UFMA, respectivamente.


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O estudo da pintura corporal põhkrá kanela última etapa desta pesquisa, enfoca três

aspectos básicos: o formalismo estético; a materialização (artista e as suas técnicas); e o

conteúdo temático das suas produções. Propiciando uma análise significativa da simbologia,

da estética e das referencias ligadas à vida coletiva e individual desse povo, tanto no aspecto

do cotidiano quanto no campo ritualístico, além das características técnicas ligadas a essa

forma de representação.

Estes aspectos são abordados em análise sistemática a partir de bibliografia

especifica dos códigos e simbologias da pintura corporal catalogada em campo, utilizando o

método semiótico estruturado por Charles Pierce (1839–1914) para compreensão da

simbologia inerente a essas produções; o método formal perceptivo que tem o filósofo,

psicólogo e teórico da Arte Rudolf Arnhein (1904-?) como um de seus principais

representantes; e o método iconológico desenvolvido por Erwin Panofsky (1892 – 1968).

A tarefa da iconologia é apresentar e interpretar os conteúdos temáticos de uma obra


de arte, conteúdos estes que são estabelecidos pelo reconhecimento dos objetos e dos
temas, pela história das representações dos conteúdos, e na apresentação da
apreensão e diferenciação de suas formas. (CAPELLER, 1998, p. 174).

A partir desse direcionamento buscou-se verificar e analisar a atual produção da

pintura corporal põhkrá, as suas referências sociológicas, iconológicas, iconográficas, formais

e semióticas, como fator caracterizador de referência social e estética da identidade cultural

desse povo.

Vale como observação para o registro dos termos põhkrá kanela contemplados neste

trabalho, que são verificadas muitas variações de grafia, e numa tentativa de facilitar o

entendimento e a uniformidade das suas escritas, ao longo deste trabalho, será adotada a

grafia utilizada pelo informante Ivan por ter sido ele quem em termos quantitativos mais

contribuiu durante a pesquisa de campo. No entanto, serão postas no glossário as outras

variações de escrita desses termos.


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Como nota introdutória, cita-se ainda que foram adotadas nesta pesquisa as

convenções e normas que segundo Ladeira (1982) foram estabelecidas por Jack Popjes

(lingüista do Summer Institute of Linguistics) em seu Canela Phonemics (SIL – 1971) e

corrigida posteriormente na sua Surface Structure of Canela Grammar (SIL – 1972), cujas

principais observações são as seguintes: as vogais orais a, e, i, o, u pronunciam-se como no

português; o e e o o tem som fechado quando acentuados com circunflexo; as vogais ỹ e y

pronunciam-se respectivamente como ô e u não arredondados; a vogal à pronuncia-se como a

vogal o (aberta) não arredondada.

Quanto às consoantes: o r, mesmo quando inicia a palavra, é brando: comparando

com o português a pronúncia correta do fonema situa-se entre o r e o l; o h é sempre aspirado,

como no espanhol, com sonoridade aproximada a r; o c aspirado é grafado com k; o x tem

som aproximado ao ch do espanhol (tch); o m e o n não nasalizam as vogais que os precedem,

a nasalização é assinalada através do til (ã, ẽ, ĩ e õ); o w tem som aproximado ao v do

português; o k possui som aproximado ao g; o p quando precede outra consoante possui som

de b; enquanto que o j tem som aproximado ao i; e o apóstrofo e o h indicam a oclusão glotal.

As demais consoantes se pronunciam como no português.

2 – OS PÕHKRÁ KANELA (Ramkokamekrá)

No Maranhão, os Põhkrá formam com os Apaniekrá, os Krikati, os Pukobyé e os

Krepúmkatejê (timbiras da Geralda), o grupo de sociedades indígenas pertencentes à família

lingüística Jê. Esses povos possuem uma série de similitudes culturais e sociais que os

caracterizam como os Timbira orientais2.

2
Pertence ainda a esse grupo, os Kraho do estado do Tocantins.
14

Nimuendaju (1946) comenta que se o termo Timbira for de origem tupi pode

significar “os amarrados”, pois, tin significa amarrar e pi’ra igual a passivo. Sendo, portanto

uma alusão às varias fitas e faixas de palha ou de algodão que usam sobre o corpo.

Azanha (1984, p. 7) esclarece que “no século XVIII, deveriam existir mais de 30

aldeias, ou ‘grupos locais’ Timbira. Todos esses grupos apresentavam como características

comuns a língua, o corte de cabelo, a morfologia da aldeia e a corrida de tora.”. Outro ponto

comum a esses povos são os termos “Jê” ou “Krã” na composição de seus nomes. Algo

percebido desde o início do século XIX através do cronista Paula Ribeiro (2002, p. 171) nas

suas “Memórias Sobre o Sertão Maranhense”:

[...] deste nome, e de todos os mais que hão de observar-se pertencer às tribos
Timbirás desta capitania, colher-se-á uma prova de que elas hão com efeito emanado
de um até dois ramos, pois que à exceção dos Guajojaras, todas as outras se
apelidam no último assento de seus nomes – Crãns ou Gês.

Outros cronistas que fizeram essa mesma observação, também no começo do século

XIX foram os viajantes alemães Spix e Martius (1938) que supunham que os “crãns” seriam

uma ramificação recente dos Gês. Conclusão equivocada como se poderá comprovar a seguir

a partir das análises de Nimuendaju (1946) e Azanha (1984). Segundo Nimuendaju (1946),

essas terminações não possuíam nenhuma função histórica, e a presença de um outro sufixo

dependia apenas do substantivo empregado. De modo que o uso de uma ou outra designação

dependeria da posição do sujeito, se um membro do próprio grupo ou de um outro grupo

Timbira. Porém, quem esclarece até o momento a função desses termos é Azanha (1984, p. 12

e 13).

[...] a forma cate (jê) especifica um subgrupo dentro de um domínio inclusivo. E os grupos
assim designados são grupos resultados de um processo de cisão ou fusão recente – são
“grupos locais” em sentido estrito. Entre os grupos que se designam por esta forma, a
contigüidade envolvida é territorial e, portanto política: são grupos próximos uns dos outros
em termos das relações de aliança.
Por outro lado, a forma (ca) mekra marca uma diferença quanto à origem. E o que caracteriza
as relações dentre os grupos designados nesta forma seria o estado de guerra permanente
entre eles. Não havia guerra entre os grupos que se designavam mutuamente pela forma
catejê.
15

Quanto aos Põhkrá (Ramkokamẽkrá) são conhecidos também como os Kanela

(Canela), denominação estendida também aos Apaniekrá. Tal termo possui várias

interpretações. Oliveira em trabalho dissertativo cita que

O termo ‘Canella Fina’ seria uma referência ao uso como adorno de uma estreita
faixa de algodão amarrada abaixo dos joelhos, o que facilitaria o seu desempenho
nas corridas, tornando mais ágeis esses índios. Provavelmente é um sinal diacrítico
dos próprios Capiekran em relação a outros grupos Timbira. (2002, p. 132).

No entanto, para Nimuendaju (1946, p. 30), “o nome Canella seria originário de um

acidente geográfico, a serra Canella, situada numa das extremidades do tradicional território

dos Capiekran.”. E como possibilidade ainda da origem desse termo, Paula Ribeiro (2002)

cita que há referência nos textos e documentos do século XIX, sobre o rio Corda, afluente à

direita do Mearim, que em seu alto curso banhava o território dos Capiecrã e Ponecrá, com a

denominação de rio Canella.

Mais recentemente Crocker (1990) teorizando sobre este mesmo assunto comenta

que é provável que o nome Canela seja uma alusão ao fato desse povo ser mais alto – com

suas longas pernas - quando comparado pela população regional a seus vizinhos Tenetehara.

Quanto ao nome Ramkokamẽkrá, segundo informaram os kanela, é composto por

ram (almécega / almíscar – protium heptaphyllum) kô (água), ka (lugar), mẽ (nós) e krá

(filho). Portanto numa tradução aproximada seriam aqueles que moram ou são originários do

lugar (arvoredo/brejo) das almécegas.

Vale frisar, porém, que os Kanela não aceitam ser chamados Ramkokamẽkrá, dizem

que esse nome pertence ao povo do riacho Mucura, os mateiros3(c.f. 2.1) segundo eles. Outros

informaram que Ramkokamẽkrá seriam os Kraho. Porém, é consenso entre eles que o seu

verdadeiro nome é Põhkrá (filhos da chapada/cerrado/campo). Segundo Ivan, usa-se esse

nome para identificar quem são, e Põhkatejê para definir onde moram.

3
Povo já extinto.
16

Possivelmente, a nominação Ramkokamẽkrá, tenha sido dada por outros povos

Timbira, e ao longo dos anos vem sendo adotada pelos autores que tem produzido trabalhos

etnográficos sobre esse povo, sem levar em consideração a sua recusa do uso desse termo para

identificá-los.

Sobre a sua língua, pertencem à família lingüística Jê, com pequenas variações às

outras línguas Timbira. De acordo com Jojô, o Centro de Trabalho Indígena (CTI)4 está

tentando unificar a língua dos Jê/Timbira. Porém durante o período do trabalho de campo foi

possível observar que não há uniformidade lingüística nem mesmo entre os Põhkrá, tanto na

parte oral como também na escrita (cf.glossário), os motivos mais significativos para tal fato

são possivelmente: a formação híbrida desse povo; os diferentes modelos de alfabetização que

sofreram ao longo dos séculos: missionários, Serviço de Proteção ao Índio (SPI), Fundação

Nacional do índio (FUNAI), CTI e similares, sem contar o fato de que alguns membros desse

povo foram alfabetizados fora da aldeia. Sendo relevante citar, ainda, que a maioria da

população também domina a língua portuguesa.

2. 1 Registros Históricos

A hoje conhecida sociedade indígena Põhkrá é resultante do amálgama de vários

povos Timbira que ao longo do século XIX foram administrados em “colônias” e ‘diretorias

parciais”5.

4
Organização não-governamental, fundada em 1979 por antropólogos e indigenistas que já trabalhavam com
povos indígenas brasileiros.
5
As “Diretorias Parciais” foram criadas pelo Decreto Imperial nº 426 de 1845, conhecido como o Regimento
das Missões. Visavam organizar a administração das sociedades índigenas. Os aldeamentos do “Diretório”
duraram até 1889.
17

Para melhor compreensão dessa formação e dos nomes desses respectivos povos, será

apresentado abaixo em forma de quadro, (Fig. 1). os seus nomes de acordo com as grafias

historicamente mais conhecidas.

PAULA RIBEIRO OLIVEIRA/COELHO NIMUENDAJU NOME REGIONAL

Capiecrã Canella Fina Canella Fina


Ramkô’kamekra
Canella Fina Canella da Chapada Canela do Ponto

Sacamecrã / Matteiro Timbira da Matta


Ca’kamekra Mateiro
Timbira da Matta Matteiro

Karekateyê
Canactegé Caracategé Timbira da Geralda
Krepúmkateye

? Crurekamekrã Kro’rekamekra ?

Figura 1 – Quadro dos povos formadores da sociedade põhkrá

As principais referências para a composição desse quadro foram os registros do

major Francisco de Paula Ribeiro, comandante da guarnição de Pastos Bons, que objetivava

garantir militarmente o assentamento de regionais6 nas terras Timbira, no primeiro quarto do

século XIX; os documentos oficiais do século XIX citados por Oliveira (2002) em sua

dissertação de mestrado e por Coelho (1990) em seu livro “A política indigenista no

Maranhão Provincial”;

Outra importante referência foi Nimuendaju (1946), etnólogo alemão que conviveu

com os Timbira, principalmente os Põhkrá entre 1929 e 1936 (esteve entre eles por seis vezes

ao longo desses anos). Deixou vasta contribuição para o estudo e a compreensão desse povo.

E como última referência, os nomes regionais, forma como os moradores da região

denominavam esses povos.

6
O termo regionais é adotado aqui como sinônimo para os não-indígenas. Principalmente os ligados à povoação
do cerrado maranhense.
18

Portanto a formação da atual sociedade põhkrá se deu, principalmente, a partir da

junção dos quatro povos mostrados no quadro acima. Tais povos serão apresentados

individualmente a seguir, obedecendo às grafias utilizadas pelas referências citadas.

 Os Capiecrã (Canela Fina)

Denominados de Canela Fina nos séculos XVIII e XIX pelos habitantes de Pastos

Bons, por Paula Ribeiro e pelos documentos oficiais daquele período, esse povo habitava

terras situadas entre a vila de Caxias (antiga São José das Aldeias Altas) e o distrito de Pastos

Bons, em áreas que faziam fronteira com o território dos mateiros com quem mantinham

guerras constantes.

Nas primeiras décadas do século XIX, os Capiekrans formavam várias aldeias que
estendiam por esse território, o qual em sua porção sul e sudeste, se avizinhava com
fazendas de criação e povoados já estabelecidos pela frente pastoril desde Pastos
Bons. [...] Desse modo, o território dos Capiekran situava-se em área de
confluência entre a frente agrícola que se expandia pelo vale do Itapecuru, e depois
também pelo Mearim e Grajaú. (OLIVEIRA, 2002, p. 133).

Em 1814, os Capiecrã seduzidos pela possibilidade de vencer as guerras constantes

com os Mateiros, firmaram acordo com a bandeira de Joaquim Álvares Guimarães, ato que

contribuiu para a sua dizimação parcial e perda de sua liberdade, pois, com recursos e

decisões das autoridades de Caxias, os Capiecrã foram aldeados, na fazenda de Antonio

Martins Jorge, e participaram, juntamente com forças oficiais7 de Caxias, de uma expedição

contra os Sakamecrã. (OLIVEIRA, 2002).

Após essa expedição, eles foram deixados em total abandono, o que motivou a sua

dispersão em pequenos grupos pelas propriedades da região “aonde, entregues a si mesmos e

à discrição das suas péssimas inclinações, furtavam para sustentar-se, os gados nos campos, e

os legumes nas roças.” (PAULA RIBEIRO, 2002, p. 178). Este mesmo autor fazendo uma

análise dessa situação cita que

7
Eram paisanos com autorização oficial, conforme PAULA RIBEIRO, 2002, p. 173.
19

até por uma ordem natural, que para haverem-se colhido as físicas vantagens em que
mediante a pacificação destes índios se tivessem posto as vistas, seria preciso contar
primeiro do que tudo com a sua ferocidade rude e selvagem em todas as maneiras, tão
pronta para adotar os vícios das outras gentes, como dificultosa de abandonar os seus,
formando por isso o mais terrível composto da natureza. (PAULA RIBEIRO, 2002, p.
179).

E como solução para tal problema Paula Ribeiro (2002, p. 179) comenta que três

providências deveriam ser tomadas, para que os Capiecrã tornassem-se “civilizados”:

1ª - uma sólida instrução do sistema social que fazia a nossa civilização, quais eram
as leis que os sustinham e quais os castigos destinados para aqueles que as
infringiam; 2ª - a fixarem-se-lhe limites territoriais, v.g., como três léguas, dentro
dos quais fizessem suas lavouras e caçadas, sem que por motivo algum pudessem
sair deles, enquanto não fossem bem instruídos no nosso idioma, usos e costumes
bons, em que deveriam ser prontamente encantados por homens dignos, que para
esses fins se designassem; assim como também se lhes forneceriam por conta do
Estado as subsistências precisas, enquanto tardasse a sustentá-los o fruto dos seus
legítimos trabalhos; 3ª - finalmente, fazê-los tremer aos primeiros delitos
cometidos, e ainda muito mais se reincidissem.

Pelas providências sugeridas acima, esse autor acreditava que se conseguiria a

solução para os “problemas” causados por essa sociedade indígena. Isso traria todas as

vantagens para os sertanejos nos seus empreendimentos agropecuários nas terras antes

pertencentes a esse e a outros povos indígenas do Maranhão. No entanto, os acontecimentos

não seguiram bem a essa idealização.

E a desgraça laborava por este sertão, e mais de dois anos flagelaram seus
progressos aos infelizes moradores, a quem por semelhante modo foi mais fatal esta
paz do que os resultados da antiga guerra; porque podendo naquele tempo opor-se
livremente a esta com as armas nas mãos, não tinham agora nem ao menos livre a
expressão para queixar-se como desafogo dados.(PAULA RIBEIRO, 2002, P. 180).

Em conseqüência disso, por volta de 1817, o governador e capitão-general convocou

os Capiecrã à vila de Caxias, argumentando que fariam outra expedição contra os Sacamecrã.

Enganados, foram mantidos alojados sem quaisquer condições de sobrevivência, o que os

obrigou a roubarem nas proximidades. E por causa disso, muitos foram presos.
20

Outra medida tomada foi a introdução proposital entre os Capiecrã da varíola, que

naquela época assolava toda a região. Como os indígenas não possuíam resistências

biológicas contra tal enfermidade, foram contaminados maciçamente. Já consumidos pela

fome e agora castigados pela varíola, os Capiecrã fugiram de onde estavam, na fuga foram

perseguidos, e muitos acabaram sendo mortos. Com essa dispersão, esse povo infectou muitos

sertanejos e outros povos indígenas pelos locais por onde passavam, gerando uma mortandade

desmedida e incontrolável à época.

Segundo Ribeiro (2002), alguns pequenos grupos dos Capiecrã passaram a viver

dispersos, uns às margens leste do Grajaú e outros a oeste do Itapecuru, num lugar conhecido

como Buritizinho. Após esse período de dispersão, os Capiecrã jamais voltaram a viver como

antes e parece que estavam condenados a ter que se submeter a certas condições impostas

pelos brancos, principalmente às reduções e aldeamentos. Assim, “em março de 1830 o

Capitão-mor da vila de Pastos Bons era comunicado sobre a necessidade de manutenção de

pólvora na povoação de Almeida, onde se concentravam índios ‘Matteiros’ e ‘Canellas’

aldeados”.(OLIVEIRA, 2002, P. 182).

O mesmo autor (2002) cita que o aldeamento resultado de grupos atomizados seria um

procedimento adotado pela administração provincial em relação aos grupos do Alto Grajaú e

Alto Mearim. E dessa política de aldeamento utilizada pelas autoridades provinciais, uma das

estratégias era a utilização, como citado anteriormente, de índios aldeados na captura dos

“não-pacificados”. Sobre esse procedimento Oliveira (2002, p. 209) comenta:

A ‘aliança’ dos ‘Canela’ com a administração colonial se manteria ao longo da


segunda metade do século XIX: de um lado fornecendo ‘guerreiros’ às expedições
contra outros grupos indígenas, colaborando firmemente na sujeição desses grupos;
e em contrapartida, obtendo benefícios junto ao governo da província, na forma de
armas de caça. Assim, em 1861, 17 índios dessa diretoria participaram, junto ao
interprete da colônia São Pedro de Pindaré, João Bento de Barros, e de uma tropa
de destacamento, de uma expedição à colônia Leopoldina, a fim de impor aos
Cramzé e Pobjé que haviam deixado essa colônia, o retorno à mesma. De outro
lado, os ‘maiorais’dos ‘Canela’eram agraciados com visitas à capital da província,
de onde retornavam sempre com fornecimento de ‘gêneros’, como tecidos,
armamentos, miçangas e instrumentos de trabalho agrícola.
21

 Os Sacamecrã (Mateiros)

Povo que habitava florestas a oeste do rio Itapecuru, entre os territórios da vila de

Caxias e os sertões de Pastos Bons. Era considerado entre os Timbira o que mais resistia ao

avanço dos brancos colonizadores daquelas terras. “Vivem quase sempre embrenhados pelas

mesmas matas, e apenas saindo aos campos furtivamente quando querem roubar as frutas

campestres dos outros Timbirás seus vizinhos, ou invadir as nossas fazendas de

gado”.(RIBEIRO, 2002, p. 171).

Em 1815, muitos Sacamecrã foram vítimas da já citada expedição de paisanos e índios

Capiecrã, dirigida pelo expediente judicial da vila de Caxias. Nesta ocasião foram enganados

com promessas de roupas, ferramentas e aliança contra outros povos indígenas. No entanto,

ao baixarem a guarda muitos foram mortos a sangue-frio, e outros conduzidos às prisões,

E na infame partilha que se fez das suas famílias em tom de escravos perpétuos,
chegando a ser arrematados em leilão público na praça da vila de Caxias e levados
aos escaroçadores dos algodões daquele distrito, aonde, amarrados como macacos
ao cepo, foram asperamente castigados para adiantar as tarefas do serviço
consignado pelos seus ilegítimos senhores. (RIBEIRO, 2002 p, 174) .

Em 1818, os Sacamecrã tiveram suas terras invadidas por outra expedição similar à de

1815, mas dessa vez não se deixaram iludir com as falsas promessas, embora tenham aceitado

alguns presentes como facas e espingardas. Porém ao longo do século XIX, foram sofrendo

outras constantes perseguições. Como comenta Coelho (1990, p. 146),

Em 1846, foram enviados da capital para a colônia[Pindaré] 36 índios Matteiros,


sendo que apenas 25 chegaram ao seu destino. [...] Esses índios haviam sido
capturados numa expedição realizada para fazer a paz com os ditos Matteiros que
perambulavam pela ribeira do Itapecuru.

No ano seguinte foi criada uma diretoria parcial no distrito de Barra do Corda para

acolher índios Sacamecrã e Tenetehara, que viviam às margens dos rios Corda e Mearim.
22

Incapazes de manter sua autonomia diante da progressiva e inexorável ocupação de


seu território e da grande perda demográfica decorrente de epidemias, os
“Matteiro” teriam, no final da década de 90 (séc. XIX), procurado abrigo junto aos
seus antigos inimigos, os ‘Canela’ juntando-se a estes e, com isso, terminando sua
existência como grupo étnico autônomo (NIMUENDAJU, 1946, pp. 34/35).

Porém, como registrado por Paula Ribeiro e outros documentos da época, os

aldeamentos conjuntos desses dois povos, eram práticas adotadas pelo governo provincial

desde o inicio do século XIX. E como registro disso, Coelho (1990, p. 162) comenta que, “em

ofício de 28 de abril de 1860, dirigido à presidência da Província, o diretor parcial do Alto

Mearim informou que os índios [Mateiro] haviam abandonado o local em que se achavam,

com o intuito de ir morar com os canelas da Chapada.”

Outra diretoria compartilhada por Capiecrã e Mateiro foi a denominada Alpercatas,

criada em 1847, sendo composta por 3 aldeias Capiecrã, segundo Coelho (1990, p. 178), “[...]

O cidadão João Estevão Serraine, foi primeiro diretor desses aldeamentos, sendo, em 1854,

substituído pelo Cel. Diogo Lopes de Araújo Sales. Em 1856, esse diretor foi autorizado pelo

presidente da Província a fazer um ensaio de colonização, reunindo todas as aldeias em um só

ponto.”

Tal iniciativa provavelmente obteve êxito, pois uma dessas aldeias iniciais, era a do

riacho do Ponto, que posteriormente daria a esse povo o apelido de Canela do Ponto, e

provavelmente foi nessa aldeia (conhecida como antiga aldeia do Ponto ou Ponto Velho) que

ocorreu o amálgama definitivo para a formação dos atuais Põhkrá.

Posteriormente esta diretoria passou a ser ocupada também por Mateiro. Alguns

indivíduos dessa sociedade passaram inclusive a possuir certo status e poder de liderança

dentro da aldeia híbrida, pois “[...] Em outubro de 1878, o presidente da Armada remeteu ao

diretor geral dos índios, as patentes que haviam sido solicitadas para os índios matteiros: José

Brasileiro de Souza, José Casusa e Maximiano, todos pertencentes à 3ª diretoria da

Alpercatas. (COELHO, 1990, p. 178, grifos nossos).


23

 Os Caracategé ( Canactegé, Canaquetgé), Caracatejê ou Karakateye

O nome desse povo é derivado de carac (lama, barro), tege/teye/tejê (habitantes,

moradores). Sendo portanto, aqueles que habitam o lugar barrento ou lamacento. Um brejo

possivelmente. Esse nome provavelmente foi atribuído pelos Pukobyé, visto que esses dois

povos habitavam as mesmas terras. Ribeiro (2002, p. 189) cita que,

Ainda em 1814 confinava com os Purecamecrãs e Piocobgês a tribo Timbira


Canactegé; porém nesse mesmo ano a sua única povoação, que vivia pacificamente
na ribeira da Farinha, suposto pedisse a paz, que se lhe negou, foi atacada pelo
comando de São Pedro d`Alcântara [atual cidade de Carolina/Ma], auxiliado por
outros índios, ficando prisioneira boa parte dela, que foi vendida na capitania do
Pará, e dispersa o resto.

Parte desses que ficaram dispersos foram reunidos em uma diretoria parcial chamada

Jussaral, criada em 1853, à margem esquerda do rio Mearim, próximo à foz do rio Corda,

compartilhada também com índios Pukobyê. Sendo esta a segunda diretoria criada para

abrigar Caratejê e Pukobyê visto que segundo Coelho (1990, p. 180),

Para aldear os gaviões [Pukobyê] e Carategé que vagavam pela margem esquerdo
do rio Grajaú, desde a Palmeira Torta até algumas léguas da Vila da Chapada,
assustando os lavradores ali estabelecidos, foi criada uma diretoria parcial em
outubro de 1851. Essa diretoria foi chamada de tapera da Leopoldina e designada
pela numeração de 6ª.

Segundo Nimuendaju (1946, p. 35), “possivelmente foram almagamados aos

Capiekran em 1863, após negociação de paz do seu chefe Curaxé com as guarnições

regionais. Nesse período habitavam às margens do Grajaú, num lugar chamado Itambeiras.”

Provavelmente esses Caracatejê que juntaram-se aos Capiecrã, pertenciam a algum grupo não

aldeado ainda, pois, a partir da análise das informações citadas acima fica a interrogação do

porquê dos Caracatejê irem morar com os Capiecrã, deixando de conviver com os Pukobyê

com quem possuíam uma relação de contigüidade e parentesco pela forma como se
24

denominavam8, o que possivelmente supõe que seriam ramificações de um mesmo povo. E

somente um estudo entre os Pucobyê poderá responder se existe ou não entre eles,

remanescentes dos Caracatejê. E, segundo Nimuendaju (1946), possivelmente os

Krepumkatejê (timbiras da Geralda) são descendendo deles.

 Krurekamekrã ou Crurecamecrã (filhos do porco catitu)

No inicio do século XIX, habitavam em terras localizadas a norte de São Pedro de

Alcântara (atual Carolina/MA) e a oeste do rio Tocantins. Após os contatos com os regionais,

a maior parte de sua população foi dizimada em conflitos ou vitimada por doenças como a

varíola. Os sobreviventes foram aldeados junto aos Capiecrã ainda na primeira metade do

século XIX.

Segundo Nimuendaju (1946, p. 35), “na cerimônia dos Tanhak, os poucos

descendentes desse povo, ocupam o lado sudoeste da praça, mantendo simbolicamente a

posição da localização do seu habitat original”.

2.2. – Aspectos Atuais

No século XX, os fatos mais conhecidos da história desses quatros povos

amalgamados descritos acima, denominados externamente agora como os Põhkrá Kanela,

foram a cisão ocorrida da sua sociedade em duas aldeias em 1955, o movimento messiânico

de 1963 e o exílio entre os Tenetehara.

No primeiro desses fatos, aconteceu a divisão em duas aldeias, quando parte da

população decidiu fundar uma nova aldeia cerca de 6 km da aldeia do Ponto num lugar

chamado Baixão Preto. Sendo que parte desses migrantes já fazia suas roças nesse local e

8
Ver explicação sobre a terminação cate(jê).
25

argumentava que as terras do Ponto não serviam mais para roças. A chefia dessa nova aldeia

ficou a cargo de um índio chamado Ikhé que exerceu essa função até 1957, quando o Serviço

de Proteção ao Índio (SPI) reconheceu a nova aldeia e o substituiu por outro índio de nome

Kaapêltúk.

Sobre o segundo fato, o movimento messiânico de 1963, este foi motivado pela índia

profetisa Khêê-Khwèy (Maria Castelo) que acreditava esperar um filho de Awkêê,9 começou a

pregar que os Põhkrá iriam fazer uma inversão de domínio territorial e tecnológico com os

não-índios, passando a habitar as cidades e fazer uso das tecnologias nelas encontradas,

enquanto que os não-índios iriam morar nas aldeias e depender da cultura material indígena.

Começou também a fazer pedidos exorbitantes aos índios que para atendê-la

começaram a roubar e matar gado das fazendas próximas, motivando uma retaliação por parte

dos fazendeiros, que planejaram dizimar totalmente os Põhkrá. Para protegê-los, o SPI teve

que removê-los para a área Sardinha, terra dos Tenetehara, localizada a leste da cidade Barra

do Corda, onde permaneceram exilados de 1963 a 1968.

Após o retorno do exílio entre os Tenetehara, os Põhkrá se reunificaram, fundando a

sua aldeia atual, conhecida como Escalvado, construída em 1969. Esta aldeia localiza-se cerca

de 35 km da cidade de Fernando Falcão/Ma, na Área Indígena Kanela Buriti Velho (Fig. 2)10.

Esta área possui uma extensão de 125.212 hectares homologados e registrados. Área cujas

características físico-geográficas são marcadas por solo árido e arenoso da chapada; vegetação

típica do cerrado com árvores baixas e retorcidas, arbustos e brejos caracterizados pelos

buritizais e outras palmeiras nativas da região.

9
Mito que conta a história do personagem do mesmo nome, detentor de todas as coisas e que deu a aos indígenas
a opção de escolherem o que queriam, como escolheram as coisas mais rústicas e artesanais, entregou a
tecnologia mais avançada aos não-índios, na condição de que tomariam conta dos indígenas.
10
Todas as fotos e desenhos foram realizados pelo autor desta pesquisa, salvo aqueles com autoria citada na
legenda das respectivas imagens.
26

Figura 2 – Mapa dos povos Timbira


FONTE: http://www.trabalhoindigenista.org.br/mapas.asp

A aldeia dos kanela possui a tradicional forma circular (Fig. 3), morfologia característica

identificada ainda no início do século XIX, pois segundo Paula Ribeiro (2002), ficam sempre

aquartelados em círculo perfeito, ordinária perspectiva das suas povoações formais; no centro

do grande círculo há outro círculo pequeno, cujo diâmetro tem quatro braças, e no centro

deste um grande fogo.

Figura 3 – Croqui da aldeia Escalvado


27

Quanto ao aspecto populacional, os Põhkrá em 2001 somavam 1.337 índios11,

distribuídos na aldeia Escalvado, em outros pontos da suas terras e na cidade de Barra do

Corda/MA, desse total, a maioria fala o português, além da sua língua jê, principalmente as

crianças e os jovens que estão sendo alfabetizados na escola da FUNAI, localizada na aldeia,

com salas de 1ª à 4ª série do ensino fundamental, os concludentes desta etapa passam a

estudar em Barra do Corda ou na escola Timbira12 (Pinxwyj Himpejxã) do CTI em

Carolina/MA.

Além da escola, a aldeia possui um posto de saúde, ambas construídas em alvenaria.

E algumas infra-estruturas e tecnologias dos não-índios como água encanada, energia elétrica,

privadas em alvenaria na maioria das casas, dois telefones do tipo orelhão, casas de farinha,

uma casa de costura, um caminhão para o transporte de pessoas e cargas, trator e motor-serra

para o trabalho nas roças.

As suas moradias são cobertas com palha de buriti (Mauritia flexuosa), também

utilizada nas paredes. Porém, atualmente está sendo substituída pela taipa-de-mão ou pelo

adobe. Em algumas casas podem ser encontrados objetos e utensílios como aparelhos de som,

DVD, TV, bicicleta e outros mais.

Quanto à sua subsistência, retiram o mel da abelha tiúba (Hikutti), realizam a

agricultura do tipo roça de coivara com desmatamento de determinada área posteriormente

queimada e limpa para o plantio. As principais culturas plantadas são arroz (oryza sativa),

milho (Gramineae zea mays), mandioca (Maniot esculenta, Maniot utilíssima) macaxeira

(Maniot dulcis, Maniot ahipí) e feijão (Fabaceae sp.). Ainda realizam também a caça, porém

pela escassez de animais, esta atividade vem sendo abandonada gradativamente. No entanto,

ainda caçam paca (Agouti paca), tatu (Dasypus sp.), catitu (Tayassu tajacu), veado (Mazana

sp.), jabuti (Geochelone carbonaria), algumas aves e um ou outro animal a mais. Porém, uma

11
FONTE: relatório básico de observação, Maria de Jesus Fernandes, CIMI-MA, 2005.
12
Escola cujos alunos são originários dos chamados povos Timbira, funciona em Carolina/MA, em sistema de
módulos.
28

das suas principais fontes de renda é o artesanato desenvolvido pelas mulheres e vendido para

turistas na aldeia, em Barra do Corda e até mesmo em São Luís.

2.3 – Sistema político/administrativo

Os Põhkrá possuem como principal liderança e autoridade o conselho de membros

formado pelas classes de idade mais avançada, conhecido como Prohkama. Este conselho é

responsável pela tomada de decisões na comunidade, pois são considerados os mais sábios e

experientes. E por eles é escolhido o chefe da sociedade, chamado Pa’hi (cacique ou capitão),

com funções ligadas à execução das decisões tomadas pelo Prohkama. São funções também

do Pa’hi, estabelecer as relações com as outras sociedades (indígenas e não indígenas),

manter a ordem interna e interferir em conflitos internos.

Segundo Crocker (1998), até o primeiro quarto do século XIX, o Pa’hi era escolhido

pela sua coragem e força como guerreiro e governava até morrer. Porém por volta de 1835,

passou a ser indicado pelas lideranças das diretorias parciais dos locais onde os Capiecrã

estavam aldeados. Este líder deveria saber falar o português e ter forte poder de

convencimento sobre a sua comunidade, para que ela aceitasse as decisões impostas pelos

brancos. Estes chefes recebiam títulos como se fossem militares (ver Sacamecrã), passando a

ser denominados capitão, hoje essas denominações ainda aparecem, porém sem ter uma

relação direta com as forças militares.

Existem também segundo Nimuendaju (1946) os Mẽkapon catê (prefeitos)

coordenadores das atividades diárias dividindo comunitariamente os produtos; sendo quatro

ao longo do ano, dois Kamahkrá na estação seca e dois Ahtĩcmahkrá na estação chuvosa,

sendo nas duas formações sempre um Kojkatejê e um Harakatejê; Além deles existe também
29

o chefe do posto da FUNAI na aldeia, responsável pelas articulações administrativas entre a

comunidade e a citada fundação.

2.4 – Alguns outros aspectos

Os Põhkrá possuem uma organização baseada em pares de metades que regulam

basicamente todos os aspectos da sua vida. O registro de dois desses pares de metades se faz

necessário para a compreensão dos aspectos a serem abordados sobre as suas festas e a sua

pintura corporal:

Kamahkrá e Ahtĩcmahkrá (metades sazonais). Os indivíduos (homens e mulheres) são

divididos nelas de acordo com os nomes que recebem13, podendo irmãos ficar em metades

opostas. Nas reuniões do pátio, os Kamahkrá ficam no lado leste e os Ahtĩcmahkrá no lado

oeste. Elas são associadas a elementos opostos. A primeira está relacionada à estação seca, ao

dia e ao pátio; enquanto que a segunda à estação chuvosa, à noite e às casas (periferia da

aldeia). Essas oposições são bem mais extensas, no entanto, as mais conhecidas são as citadas

acima.

Cada menino de acordo com o nome que recebe passa a pertencer a um dos seis

grupos (partidos) do pátio: Hàká (jibóia – Boa constrictor); Xêp-ré/Tê-ré (morcego – Artibeus

sp. / carrapato – Rhipícephalus sanguineus); Xon/Xewxêt-ré (urubu – Sarcoram phus papa

/arraia – Potamotrygon laticeps), localizados a leste. E Awxêt (peba – Euphractus sexcenctus);

Khêt-ré (periquito-estrela – Brotogeris sanctthomae); e Kupẽ (não-Timbira, estranho),

13
Entre os Põhkrá, os meninos são nominados pelos tios maternos de maior idade. Enquanto que as meninas são
nominadas pelas tias paternas.
30

localizados a oeste. Somente duas garotas associadas (Mẽkujxwo)14 no Pepjê pertencem aos

grupos do pátio, invariavelmente, txep-ré e khet-ré (NIMUENDAJU, 1946).

Outro par de metades é o Kojkatejê e Harakatejê (metades rituais). De acordo com

Melatti (1978), a inserção de alguém em uma dessas metades não se realiza por nenhuma

regra de descendência unilinear e nem pela transmissão de nomes pessoais. O indivíduo passa

a pertencer a uma delas ao ser incluído numa de suas classes de idade15.

2.5 – Expressões artísticas

O que se coloca aqui como arte indígena, são as manifestações de caráter estético,

presentes praticamente em todos os aspectos e dimensões da vida põhkrá, tendo como

principais expressões, a pintura corporal (cf.cap. 4), os trançados de palha e tala, a

música/dança e o artesanato com miçangas (Fig. 4)

Figura 4 – Colar de miçangas

14
Garotas ritualmente associadas aos indivíduos do sexo oposto da aldeia.
15
Os Põhkrá, possuem 4 classes de idade: akhrairé/mekpryré (menino/menina); mentuajê/mekpry
(rapazes/moças); me’kore (adultos) e os meprek (os velhos).
31

Os trançados de palha, principalmente de buriti e buritirana (Mauritiella aculeata) são

utilizados na confecção de cofo, esteira (mançaba), máscaras, cestos e adornos corporais.

Quanto aos trançados de tala aparecem no fabrico de pacará, quibano, bolsas, cestos e outros

utensílios.

Figura 5 – Mulher trançando com fibra de buriti

Sobre a música e a dança, normalmente aparecem juntas e são realizadas a partir de

cantos em coro, acompanhados na maioria das vezes pelo toque do maracá e flautas de

cabacinha ou apito. Sendo expressadas cotidianamente à noite e nas festas.

2. 6 – A festa do Pepjê

Sobre as festas (amji kin)16, os Põhkrá possuem como principais as do Cokrit ré hô

(máscaras/ capote), do Tepjarkwa (peixe), do Pepkahàk (guerreiro), rituais ligados ao ciclo

anual, normalmente são realizados na estação chuvosa (thitiw’yc) que vai de outubro a março;

e as do Khetwajê e do Pepjê (festas de iniciação masculina), realizadas na estação seca

16
Os Põhkrá usam o termo festa para se referirem às suas cerimônias e rituais.
32

(amcràcator) entre os meses de abril a setembro. Cada jovem Põhkrá, segundo Nimuendeaju

(1946) deve participar de dois Khetwajê e dois Pepjê, só então estará completa a sua

iniciação.

Por questões de delimitação temática e de abordagem metodológica apenas a festa do

Pepjê será analisada abaixo, visto que as únicas pinturas específicas de festa catalogadas nesta

pesquisa estão associadas a ela.

Nimuendaju (1946) comenta que esta é a única festa dos povos Timbira cuja origem é

realmente explicada por um mito (Anexo A), o qual foi coletado por esse autor entre os

Põhkrá e narra a história de dois meninos Akréi e Kenku’nã que entram em estado de

reclusão para crescerem rapidamente e poderem vingar seus pais mortos por um gavião (H?k

ti). Após conseguirem tal intento tentam matar um outro pássaro (Kuk?’e), este mata Akréi.

Após a perda do irmão, Kenku’nã sai à procura de seu povo que havia fugido do H?k ti, até

que os encontra, e lá acaba se casando. Apesar do desfecho da história de Kenku’nã, segundo

Nimuendaju (1946), a explicação desse mito é centrada nos irmãos que ficam reclusos

acelerando o seu desenvolvimento corporal, a fim não de se casar, mas para vingar seus pais.

Segundo Melatti(1978), essa festa se realizava outrora para tornar grandes os

meninos, para fazer a população “render”. Assim, havia sempre gente suficiente para lutar.

Na festa do Pepjê, os jovens ficam reclusos em pequenos quartos quadrados (ikre-

ré), construídos no interior das casas maternas. De acordo com Nimuendaju (1946), em sua

época os ikre-ré eram construídos em formato redondo.

Esses jovens são superalimentados, e o quarto de reclusão possui um corredor que

conduz a uma privada. Existe também uma porta que dá acesso à parte posterior da casa, onde

o recluso toma banho. Dessa forma, ele não se afasta de seu quarto, nem mesmo para

satisfazer as suas necessidades fisiológicas.


33

Segundo Melatti (1978), a água para o banho e a comida são entregues ao jovem por

pessoas velhas, as únicas que podem vê-lo. Pois as pessoas que olham os reclusos, devem ser

indivíduos que não mantêm mais relações sexuais, pois de outra forma, o rapaz não engorda.

Alguns meses depois esses jovens saem da reclusão pintados de acordo com o seu

grupo do pátio Hàka, Xep-ré e Xewtxe-ré, grupos do leste; e Awtxet, Khet-ré e Kupẽ, grupos

do oeste. Sendo apresentados no pátio à sociedade de maneira festiva com cantos, danças,

corridas de tora. Apesar de não ter sido possível presenciar o Pepjê durante o período do

trabalho de campo, foi obtido com Ivan uma descrição bastante detalhada de suas etapas e

pormenores, descrita abaixo preservando a narração do informante, porém, acrescida com

notas explicativas entre parênteses:

No início quando o tio (Ket-ti) lhe dá nome, o garoto acompanha o partido (grupo)

dele, no entanto, após participar de todas as festas este fica livre para escolher o partido que

quiser. No verão, porque no inverno estão produzindo alimento, o Prokamma decide realizar a

festa e combina com os jovens. O ikre-ré é construído pelo pai ou cunhado, qualquer um. Os

jovens do Kojkatejê e do Harãkatejê vão para a casa de suas Wỹtỹ17 (menina que representa

simbolicamente uma espécie de rainha). Qualquer mulher da casa dela passa urucu neles.

Quando chega ao final da tarde acontece a corrida de tora grande ou pequena pelos

Mẽ’koré. Após terminarem a corrida param no pátio. Os jovens saem da casa da Wỹtỹ em fila

para o pátio e ficam todos sentados misturados. O Ket-ti fala para o escolhido18 pegar seu

sobrinho. Então ele o pega por trás, realizam uma fala e o coloca no meio do pátio em direção

a casa do garoto e o leva para casa – o tio fica no pátio, e entrega para a mãe que o cobre com

um pano (esconde-o). Em seguida o pai ou cunhado o prende no ikre-ré e sua mãe ou irmã

pega água e comida e coloca pela pequena abertura da frente.

17
Normalmente são escolhidas filhas ou netas de pessoas respeitadas pela comunidade e que ofereçam comida
durante as festas e corridas de tora. Sendo uma Kojkatejê e outra Harãkatejê.
18
Coletor (hap?'nkate), ou seja, aquele escolhido pela comunidade para apanhar os jovens e levá-los para a
reclusão.
34

No encerramento da festa acontece dança e cantiga no pátio e corrida de tora pela

manhã e tarde, se juntam fazem festa, de manhã a comunidade vai em grupo misturado na

casa dos Mamkjehtĩ (adultos líderes dos presos, são escolhidos pela comunidade)

acompanhados pelo cantador (hapryrcatê) que canta para eles que saem conduzidos por dois

homens que os pegam pelos braços dentro das casas fora do ikre-ré, rezam19 para eles e as

mulheres de suas famílias escolhem pessoas para os carregarem pela rua da aldeia. Quando

termina o canto eles são conduzidos para um local, onde acontece consulta e oferta de

qualquer alimento.

Os que os conduziram pelos braços os trazem de volta nos ombros para as suas casas,

deixam eles nas sombras dos paióis (arrumação de palhas empilhadas próximo das casas para

proteger contra sol ou chuva) que as mães prepararam com palhas de babaçu (Orbignya

phalerata) ou buriti em frente de suas casas, permanecem lá. Em seguida é feito o mesmo

com todos os outros, menos com quatro, sendo dois Ihkrat-ré (vigia/soldado) e dois

Ihkaponkatê (comandante)20.

Na casa dos Ihkrat-ré e de um dos Ihkaponkatê (Ihkaponkatê-kahore) rezam e os

levam pelos braços a mesma distância já na volta, estes voltam correndo junto com todos, se

eles chegarem antes ninguém mexe no alimento. O outro Ihkaponkatê (Ihkaponkatê-pej)

comandante maior se recusa a sair de sua casa. Enquanto isso os Ihkrat-ré e o Ihkaponkatê-

kahore vão de paiol em paiol pegam os (ex) presos e os levam para um local no leste embaixo

de uma árvore onde permanecem na sombra durante cerca de quatro dias esperando o

Ihkaponkatê- pej sair. O Ihkrat-ré vai numa noite e fala para o Ihkaponkatê-pej: amẽ

iworkwarene (venha logo para cá); o Ihkaponkatê responde: hamỹ - imorpỹrento (eu já vou

para lá). Ele fala isso, mas, continua recluso e o grupo fica esperando. Essa cena se repete por

19
Não sabemos em que sentido o informante usou essa expressão.
20
Segundo Nimuendaju (1946) tanto os Ihkrat-ré como os Ihkaponkatê são compostos por um Kojkatejê e um
Harãkatejê
35

três vezes na mesma noite, depois ele decide ir para o grupo escondido com uma vara grande

e comprida. Quando chega ao grupo, ele não avisa e bate em qualquer um com a vara com

força, todos têm que ficar atentos.

Antes disso o Ihkrat-ré fica em volta do grupo vigiando e se ele vê o Ihkaponkatê-pej

toma a vara. Depois disso o Ihkaponkatê-pej vai calmo para a sua casa e fica lá, então a mãe e

parentes o enrolam com panos. Antes de sair a comadre e o compadre dele preparam o

caminho pela rua da aldeia. Ele é amarrado com punhos de rede com os braços estendidos em

sentido lateral, as pontas das cordas são sustentadas por namoradas dos seus parentes, e ele

vai movimentado os braços como se tivesse batendo asas. Ele reza e canta e seus parentes vão

atrás de sua namorada até completar o circulo da aldeia. Então ele para em frente a sua casa.

(segundo Ivan esta etapa dura cerca de 8 horas durante a noite).

Após esta etapa ele vai para o grupo pela manhã e o conduz cantando para fora da

aldeia. Então um garoto (qualquer um) sobe em uma árvore e canta: - hoj, hoj, hoj, hoj (o

informante não traduziu). Depois do canto retornam à aldeia e vão para o pátio. Escolhem um

local e ficam lá. No final da tarde, buscam folhas de sucupira (Bowdichia virgilioides) para

dormirem em cima durante cinco noites, porém antes de dormirem todos tomam banho.

Pela manhã, eles saem da aldeia novamente e cantam – hoj, hoj, hoj, hoj e à tardinha

voltam ao pátio. Durante esse período, só comem farinha, não comem carne e nem verdura.

Durante essas noites o cantador é chamado por eles, e assim passam as noites dançando. No

dia seguinte, quando o Ihkaponkatê-pej sai, todos vão em fila para o pátio e alguns correm

com tora, de acordo com seu grupo. No último dia pela manhã se dividem em Kojkatejê e

Harãkatejê, então os seus tios os chamam para as casas de cada grupo/partido, e lá são

pintados por eles.


36

A família de cada preso corta uma tala bem comprida de buritirana e dá a eles. Após a

pintura, a irmã mais velha pinta a vara com urucu e depois todos se juntam numa casa

juntamente com o cantador, em seguida saem cantando pela rua da aldeia. Antes disso, porém,

os (ex) presos colocam um colar de miçanga feito pela namorada, se não tiver namorada, pode

ser feito pela mãe ou irmã. Retornam ao pátio, cantam e dançam misturados os grupos e o

cantador no meio deles. Após a música eles voltam para a mesma casa. Então aparece alguém

e recolhe as varas, retira os colares e divide entre as duas Wỹtỹ, quanto às varas ele amarra e

as coloca numa árvore.

Após alguns dias, os (ex) presos pegam as varas e enfiam verticalmente no pátio nos

lados kojkateje e Harãkateje. Então, realizam uma corrida de tora entre essas metades,

primeiro as Mẽkujxwo e depois os homens.

Passado mais outros dias se juntam e saem da aldeia, se pintam da mesma maneira e

os pequenos se pintam nos olhos com janaúba (Himatanthus drástica plumel ou Plumeria

drástica) e cinza (carvão), e no final da tarde voltam para a aldeia e ficam na mesma casa de

antes, lá eles só cantam, o cantador os dispensa para fora e coloca lixo em cima das Mekujxwo

e dos IhKrat-ré que correm e param a uma certa distância enquanto os (ex) presos gritam

como animais e correm atrás deles até alcançá-las, então todos dão uma volta na rua da

aldeia. E repetem mais uma volta, desta vez batendo em lata, e assim encerra a festa.

3 – A PINTURA CORPORAL COMO FORMA DE EXPRESSÃO INDÍGENA

A faculdade estética é inata ao homem, algo tão natural como o falar ou qualquer outra

expressão de atividade cognitiva (VIDAL, 1985, p. 15). E a busca pelo “belo” está presente

em todas as sociedades e em todas as épocas da história humana. Esta busca, portanto,


37

também é percebida entre os povos indígenas. E tal intento se manifesta através das mais

diversas expressões e produções, sendo parte delas categorizadas pela sociedade ocidental

como arte. Segundo Ribeiro D. (1980, p. 257),

Na realidade não há qualquer distinção de natureza entre a nossa arte e a dos povos
não-europeus, tecnicamente menos desenvolvidos. Ambas podem ser melhor
compreendidas se encaradas como expressões dos diferentes modos de sentir, de
pensar e de fazer das respectivas sociedades, e como intrinsecamente iguais, ou
compatíveis, enquanto resultados de impulsos humanos comuns.

Até o presente momento, é de entendimento comum que ao lado da arte lítica, dos

trançados, da fiação/tecelagem, da música, da plumária e da cerâmica, a pintura corporal

aparece como uma das principais expressões estéticas indígenas. Sendo utilizada em maior ou

menor grau por praticamente todas as sociedades indígenas.

A pintura corporal possui um caráter diferenciado em relação a essas outras expressões

estéticas por possuir o próprio corpo humano como suporte. Representando sobre o indivíduo,

uma espécie de vestimenta que o embeleza e o caracteriza, bem como ao momento em que é

usada, contemplando o cotidiano e os outros momentos específicos (as grandes cerimônias e

festas).

Segundo Barros (2002, P. 48), “entre os indígenas brasileiros a preocupação com os

aspectos não pragmáticos de objetos utilitários induz a afirmar que a necessidade de marcar,

pela via do belo, certos artefatos e a própria pele é uma constante”.

A partir de tal afirmação, é possível inferir que a materialização do belo estético surge

como uma condição da própria existência do indígena como indivíduo e como ser social, visto

que esta dimensão estética se manifesta em todos os aspectos da sua vida.

Sobre esse assunto, Van Velthem (1998, p. 87) comenta que, “os estudos sobre a

estética corporal (pintura e decoração, e máscaras) compreendem a temática mais estudada até

o presente, uma vez que é neste domínio estético que mais facilmente sobressaem aspectos

cognitivos importantes, como a noção de pessoa”.


38

Tais estudos são capazes de propiciar conhecimentos específicos sobre as sociedades

indígenas. No entanto, vale frisar que essas análises são específicas a cada etnia, não podendo

ser estendidas como referências a outros grupos. Salvo em análises comparativas. Quem

também analisa essa temática é Vidal (1985, p. 17), segundo ela:

Aplicada no corpo, a pintura possui uma função essencialmente social e mágico-


religiosa, mas é também a maneira reconhecidamente bonita e correta de
apresentar-se, havendo aqui uma correspondência entre o ético e o estético [...].
Entendida assim, a decoração é a projeção gráfica de uma realidade de outra ordem,
da qual o indivíduo enquanto indivíduo também participa, projetado no cenário
social através da pintura que o veste.

Concordamos com essa autora, quando ela estabelece essa relação entre o ético e o

estético. No entanto, entendemos que em alguns momentos, a condição primordial da pintura

corporal é a busca do belo, e a partir dele, é que se caracteriza a sua utilização. Compreendida

assim, faz-se uma inversão hierárquica do entendimento dessa expressão estética em relação

ao pensamento da citada autora.

Na construção teórica sobre a pintura corporal indígena, três serão os aspectos

abordados a seguir: o formalismo estético; a materialização (artista e as suas técnicas); e o

conteúdo temático.

3.1 – Formalismo estético

No estudo da história da arte ocidental, principalmente a européia, convencionou-se a

identificar objetos artísticos, classificando-os formalmente e a definir os seus pertencimentos

a estilos e movimentos artísticos. Em relação às produções estéticas indígenas, tais

procedimentos não possuem muita eficácia. No entanto, também são passíveis de análises

pelo seu formalismo, propiciando a obtenção de elementos específicos de análise, porém, não

de produção, que podem ser aplicados para facilitar a compreensão de tais produções.
39

Sobre a pintura corporal, em específico, as mais significativas e aplicadas dessas

convenções formais gráficas e pictóricas são: a simetria, o escalonamento, a geometrização, a

abstração (não-figurativo), a cromia, a padronização e a sinuosidade.

Tendo o corpo como suporte plástico expressivo, os povos indígenas indistintamente

representam seus grafismos e pinturas de maneira simétrica ao longo do corpo. Segundo

Boas (1955, p. 12), “as formas elementares, tais como a simetria e o ritmo, não dependem

inteiramente da atividade técnica. São comuns a todos os estilos de arte, não sendo

características de uma região particular”.

Já o escalonamento, aparece na pintura corporal de vários povos indígenas, sendo

utilizada em diversos tamanhos e posições. Entre os Kadiwéu21, podem ser percebidos em

composições em diagonal, já entre os Waiãpi22 são representados tanto na horizontal como na

vertical, dependendo do motivo que esteja representado; enquanto que a geometrização – é

uma das mais significativas características da pintura corporal indígena, existe uma certa

predileção pelo uso dessa convenção. Talvez, caracterizada pela síntese do motivo que nas

suas representações, melhor se adequam, através de abstrações geométricas. Por facilitarem a

reprodução padronizada ao longo do corpo.

Conforme Muller (1985), entre os Asurini23 as abstrações geométricas, cuja forma

lembra arabescos, recebem nomes e inspiração de elementos da natureza – fauna e flora; do

sobrenatural – noções e seres; e da produção cultural – enfeites, formas gráficas e objetos.

Como característica, a abstração é utilizada como sinônimo para o tipo de

representação das pinturas corporais não figurativas. No entanto, o seu sentido também

corresponde ao processo de abstrair e sintetizar as formas a partir da realidade concreta, do

mundo mítico e da cosmologia indígenas. Nesse processo, os indígenas representam seres e

coisas através de elementos como o ponto, a linha e figuras geométricas como o círculo e o

21
Sociedade indígena Mbyá-Guaikuru. Habita o oeste do Mato Grosso do Sul.
22
Povo da família lingüística Tupi- Guarani. Vive à margem esquerda do rio Jarí, no estado do Amapá.
23
Grupo da família Tupi-Guarani. Habita as margens do rio Xingu, no sul do estado do Pará.
40

triangulo principalmente. Segundo, Muller (1985), os Asurini representam e se comunicam

através das abstrações visuais com conteúdo simbólico, como se, por exemplo, a mata, e seus

seres fossem vistos através de formas abstratas que também dizem respeito ao sobrenatural.

As pinturas corporais indígenas possuem cromia básica, sendo esta característica mais

técnica do que estética, pois está associada ao uso de determinado tipo de pigmento, visto que

a maioria dos povos indígenas possui algum tipo de padrão de pintura apenas em preto, obtido

do jenipapo (Genipa americana), ou de algum tipo de carvão vegetal. Porém, é comum, às

vezes, também se pintarem somente com urucu (Bixa orellana). O uso do urucu junto com o

jenipapo ou carvão vegetal é uma outra opção pictórica dos grafismos corporais indígenas.

Tal discussão se faz necessária devido ao limitado número de cores utilizada na pintura

corporal indígena: o vermelho de urucu; o preto-azulado do jenipapo; o preto do jenipapo

somado a outro pigmento; o preto do carvão orgânico com resina vegetal; e o pigmento de

argila, utilizado por alguns povos indígenas. Soma-se a essas cores, a própria pele inserida nas

composições gráficas através dos intervalos em negativo. Vale frisar que o uso e as possíveis

simbologias dessas cores/tintas são específicas de cada sociedade indígena.

Enquanto convenção básica, a padronização, assim como a abstração, também possui

duas significações; a primeira é referente ao uso de padrões (modelos, forma) que são

pintados repetidamente ao longo do corpo; quanto à segunda significação, esta corresponde a

uma certa continuidade na utilização ou não desses mesmos desenhos ao longo dos anos.

Sobre o primeiro tipo, um exemplo bem significativo, são os padrões de pinturas dos grupos

ou partidos masculinos, entre os Põhkrá (cf. cap. 4). Quanto ao segundo tipo, existem

exemplos em praticamente todos os povos indígenas.


41

É possível observar também a sinuosidade nas pinturas corporais através de elaborações

livres ou de padrões, principalmente pelo uso de linhas onduladas. Os Juruna24 conforme

Ribeiro B. (1985), possuem na sua pintura corporal, a sinuosidade como uma das principais

características, através de composições que harmonizam espaços positivos e negativos,

criando um efeito visual bem expressivo.

Tais determinações ou características não são fixas, no entanto, trazem grandes

contribuições para a análise formal das pinturas corporais indígenas. Porém, aparecendo

agrupadas tornam-se quase que despercebidas.

3.2 – A materialização (o artista e as suas técnicas)

A tradição européia cristalizou o conceito de artista enquanto categoria profissional,

cuja função específica é produzir objetos estéticos reconhecidos coletivamente como obras de

arte. Enquanto que

Nas sociedades indígenas a arte é um elemento que perpassa todas as suas esferas.
O artista é antes de tudo um artesão e o seu conhecimento está ao alcance de todos
assim como resultado de seu ofício, pois confecciona coisas que desempenham um
papel pragmático na vida comunitária. Entretanto, sobretudo através da decoração,
esses mesmos objetos podem clarificar para membros desta comunidade, as
intricadas e abstratas noções do código social. (VAN VELTHEM, 1998, p.88).

Portanto, o “artista” índio exerce basicamente dois papéis sociais. No primeiro, ele é

uma pessoa comum dentro da sua sociedade, exercendo basicamente as mesmas atividades

cotidianas ligadas à sua vida individual e à coletividade. Porém no segundo papel, sua função

o diferencia dos outros indivíduos, pelo seu papel de vestir os indivíduos com as pinturas

cotidianas ou específicas de algum evento social. E alguns dentro eles acabam tendo uma

habilidade mais refinada na execução dessas produções.


24
Grupo da família Tupi-Guarani. Habita o parque indígena do Xingu, no estado do Mato Grosso.
42

O processo de execução de uma pintura corporal segue procedimentos, condições e

rotinas específicas de cada sociedade. Na maioria das sociedades indígenas o papel de artista

(pintura corporal) é exclusividade feminina, porém em alguns momentos, essa função também

é exercida pelo homem. Tomando como referência à análise de Vidal (1985), sobre os Xikrin,

por exemplo, percebemos que é uma atividade realizada cotidianamente e executada nas casas

(o domínio das mulheres). Para elas, esse trabalho é contínuo, normalmente, estão sempre

pintando alguém, um filho, um neto, um irmão, o marido ou a si mesmas com motivos

aplicados com um pincel-lasca feito do folíolo de folhas de palmeira, ou com a mão

diretamente. É percebido também que a pintura facial é aplicada sempre em primeiro lugar e

com mais esmero. Após a queda do cordão umbilical, o recém-nascido é pintado com suco de

jenipapo. Esse procedimento é entendido como uma manifestação de carinho e de interesse da

mãe pelo filho. A escolha do desenho é livre, e é pintando a criança que a mãe se aprimora

como pintora. Sendo que nos adultos, os desenhos obedecem a padrões.

As mulheres xikrin realizam sessões coletivas de pintura mais ou menos a cada oito

dias, na casa da esposa do chefe da aldeia. Todas recebendo a mesma pintura facial e corporal

escolhida com antecedência. Só participam desses momentos as mulheres casadas e com

filhos.

Outra característica interessante é que a pintura com urucu é usada na face e nos pés

e possui conotações estéticas muito mais marcantes, de ordem mágica, ritual e de auto-

afirmação. Sendo que segundo Vidal (1985) o urucu também é usado para simbolizar luto,

resguardo ou doença; e a pintura de carvão com resina é utilizada apenas pelos homens nas

caçadas e expedições guerreiras25. Independente do tipo de pintura, normalmente o indivíduo

deve aguardar algumas horas para poder tomar banho, de preferência que ele tome sol durante

essa espera, para a tinta fixar melhor.

25
Atualmente, tais expedições estão ligadas a reivindicações políticas e de luta contra os não-índios.
43

Quanto às técnicas e materiais expressivos um pressuposto básico para a criação do

objeto artístico é o domínio técnico da matéria-prima. Somando-se a isso, a habilidade e

capacidade de reproduzir ou criar formas e padrões característicos e aceitos pela sua

sociedade. (VIDAL, 1992). A necessidade de tal aceitação por parte da sua sociedade está

ligada aos desenhos e padrões representativos de sua identidade cultural e social. E em

conseqüência disso o “artista” é aquele que possui a função e habilidade de reproduzir algo

estético e aceito coletivamente. Sobre os tipos de materiais e a maneira de usá-los são bem

variados. No entanto, alguns são bem comuns à maioria das sociedades indígenas.

Dessas técnicas a mais usual de todas é a pintura com jenipapo. Segundo Ivan, entre

os Põhkrá, prepara-se essa tinta ralando o fruto verde, espremendo o sumo e o misturando

com um pouco de água e pó de carvão vegetal para o desenho ficar mais nítido. Em seguida, é

colocado para fervura até ficar preto. Quando atinge esse ponto, é armazenado em vasilhames

para uso imediato ou posterior. Essa pintura pode ser executada com mão ou com pincéis de

lascas de madeira, pequenos talos com algodão na ponta ou penas de algumas aves. Na

elaboração dessa tinta, algumas sociedades indígenas não misturam o jenipapo com carvão,

deixando-o puro com uma tonalidade mais azulada.

De acordo com Vidal (1985), entre os Kayapó Xikrin, a pintura feita com jenipapo

pode ser considerada como vestimenta e representa o cotidiano, o normal. E os motivos

representados são sempre em forma de desenhos geométricos de linhas retas ou quebradas.

Outro pigmento utilizado é o urucu (Fig. 6), obtido através da fervura de semente

dessa planta embebida em água. Na medida em que vai fervendo, o corante vai se descolando

da semente e emergindo para a superfície da água, formando uma camada. Nesse ponto, é

retirado para resfriamento, quando isso ocorre, esse corante endurece, e é colhido em forma

de bola e enrolado num pedaço de tecido, ou algo semelhante que sirva a esse propósito26.

26
- informações obtidas também com o Ivan.
44

Figura 6 – Índia põhkrá com bola de urucu.

A pintura de urucu é realizada com uso das mãos (Fig. 7), sendo a tinta preparada

misturando o pigmento com o suco de babaçu obtido mastigando a amêndoa na boca.

Dependendo da região utilizam outros tipos de aglutinantes, sendo que atualmente, algumas

sociedades já utilizam alguns produtos industriais.

Figura 7 – Índia põhkrá pintando com urucu


45

Existem ainda algumas tintas obtidas com pigmentos minerais ou vegetais

misturados com resinas como o leite da janaúba para fixar o pigmento sobre a pele. Essas

técnicas são executadas normalmente com as mãos. De modo geral todas essas técnicas são

executadas durante o dia para poderem fixar-se sobre a pele, ficando o indivíduo impedido de

tomar banho durante algumas horas para não apagar a pintura. Quanto à durabilidade, a mais

resistente é a de jenipapo, que permanece por cerca de duas semanas, após a execução. Porém,

a de urucu desaparece em poucos dias.

3.3 – O conteúdo temático e as referências de uso

Os dois primeiros pontos de análise da pintura corporal expuseram as convenções do

seu formalismo e o seu executor/artista e as suas técnicas e procedimentos. Este terceiro

elemento constitutivo pressupõe que essas produções são elaboradas representando

determinados motivos temáticos, e suas características de uso. Segundo Velthem (1998, p.

88), “através da arte são transmitidas referências sobre a vida em sociedade: o sexo, a idade, o

grau de parentesco, a filiação clânica, a metade exogâmica de seus membros e também noções

acerca do mundo não social: a natureza e a sobrenatureza”. Enquanto que para Vidal (1993, p.

560), a pintura corporal é um dos meios de marcar uma dependência cultural ou étnica, uma

identidade individual, uma relação com o meio tecnológico, um status e num papel, uma

ligação com o sobrenatural, e uma atitude pessoal diante das regras e das atitudes do interior

dessas regras.

Traçando um paralelo entre o entendimento de Vidal e Van Velthem sobre essa

temática, percebe-se que Velthem em sua análise consegue sintetizar praticamente todo o

universo temático e de uso da pintura corporal indígena brasileira. Enquanto que Vidal está
46

mais voltada para a visibilização das possíveis funções dessa expressão. Mas ainda assim é

possível identificar em seu texto, o conteúdo temático. Embora não seja enfatizado por essas

autoras, vale frisar que como primeira condição de uso da pintura corporal, o belo estético é

caracterizado e variado de acordo com quem usa, com o motivo representado e com o

momento de sua utilização.

Tomando como referência algumas categorias listadas por Van Velthem temos dois

grupos temáticos básicos sobre a pintura corporal indígena, a vida em sociedade e o mundo

não social. No primeiro, ela insere todos os aspectos da vida do indivíduo, listados e

analisados a seguir

Entre os povos indígenas algumas representações caracterizam o sexo como categoria

de pintura corporal. Um exemplo disso é o motivo zoaketé, cuja tradução é ‘pintura de

verdade’, de uso exclusivo feminino entre os Asurini. (Muller, 1985). Outro povo no qual se

percebe essa diferenciação é o Xikrin, pois segundo Vidal (1985), entre eles a pintura do

corpo diferencia os indivíduos por sexo e idade.

Existe também o comentário de Muller (1993) sobre essa categoria a partir de

estudos sobre os Asurini. Entre eles, o que diferencia a pintura masculina da feminina é a

distribuição do desenho dos padrões ao longo do corpo, os homens possuem divisões

horizontais, enquanto que nas mulheres os motivos são representados na vertical. Havendo

ainda outras divisões comuns ambos os sexos. São elas: o rosto; metade do rosto, entre o nariz

e o queixo até as orelhas; ombro; braço; mão; tronco e coxas até abaixo do joelho; perna, do

tornozelo até abaixo do joelho; e pé.

Esta mesma autora cita que os padrões e motivos asurini, são básicos para ambos os

sexos, a diferença entre eles se manifesta na distribuição vertical (feminina) e horizontal

(masculina). Vale frisar que em praticamente todas as sociedades indígenas existe essa

caracterização da pintura por sexo, havendo, no entanto, motivos de uso comum a ambos.
47

Outra categoria listada por Van Velthem é a idade. Vidal, (1985), faz uma

significativa observação sobre os Xikrin, a respeito da pintura das crianças, afirmando que o

corpo da criança é o laboratório da jovem mãe para a aprendizagem da pintura, visto que é

usando e reusando o corpo do filho que uma mulher ensaia, aprende e se qualifica como

pintora. E normalmente os desenhos executados por elas nas crianças são livres, sem

obedecerem a nenhum tipo de padrão.

É possível supor, respeitando as características específicas de cada sociedade

indígena, que o conteúdo/motivo/tema representados caracterizando as idades ou fase da vida

do indivíduo, são de acordo com o momento, seja ele cotidiano ou festivo (ritualístico).

Um dos exemplos disso é observado nos Põhkrá, nas suas pinturas dos partidos (cf.

cap. 4), na dos corredores de toras e na dos guerreiros, elas só são permitidas a determinados

indivíduos por grupo e classe de idade, e são representados só em determinados momentos.

Quanto ao grau de parentesco – esta talvez seja a mais complexa de todas as

categorias analisadas por Velthem, pois o que é parentesco no contexto indígena? São aqueles

descendentes ou ascendentes geneticamente? São os parentes associados por laços

matrimoniais, sociais e ritualísticos? Entre os Jê/Timbira, mais especificamente os Põhkrá, os

tipos de representação pictórica corporal por parentesco, são observados nos ritos, pois

normalmente os garotos pertencem aos mesmos grupos/partidos dos tios maternos que os

nominaram e conseqüentemente usam as mesmas pinturas nos ritos de iniciação. Existe o

parentesco citado nos registros bibliográficos sobre a pintura corporal dos Kadiwéu, cujos

padrões segundo Ribeiro B. (1985), constituíam propriedade privada de famílias de alta

hierarquia, estando esse tipo de parentesco ligado à noção de classe social. No entanto,

segundo essa autora, atualmente, vivem vestidos com os panos que conseguem no trabalho em

fazendas vizinhas, e raramente pintam o corpo. A única aplicação que restou à sua inigualável

arte gráfica é a ornamentação de artefatos que vendem como souvenirs.


48

Em relação à filiação clânica como categoria temática, em termos gerais, diferencia

as sociedades indígenas pelas suas representações na pintura corporal. Havendo também

diferenciação em subgrupos ou grupos menores dentro de uma mesma sociedade, como é o

caso dos Timbira que em algumas de suas festas, os indivíduos são divididos em grupos

(partidos), cada um, possuindo seu próprio padrão de pintura (cf. grau de parentesco), que

normalmente são associados a animais. Conforme Velthem (1985), para os Kayapó Xikrin, a

ornamentação do corpo confere ao indivíduo status de ser humano em contraposição aos

outros seres vivos da floresta e, especialmente, status de Kayapó em contraposição a outros

grupos indígenas que habitam a mesma região. Ser Kayapó é, de uma certa forma, aparecer

adequadamente pintado e ornamentado segundo os seus próprios padrões. Quanto ao segundo

grupo temático definido por Velthem como o mundo não social. Esse grupo trata das

representações da natureza, do mundo mítico e da cosmologia. Embora tais representações

também sejam percebidas na dimensão social, pois, o entendimento que as sociedades

indígenas possuem sobre essas categorias, ocorrem dentro de convenções e determinações

coletivas. Ou seja, o que é de conhecimento do indivíduo, normalmente, também o é da sua

sociedade.

4- A PINTURA CORPORAL PÕHKRÁ KANELA

A pintura corporal dos Põhkrá Kanela, basicamente está associada ao cotidiano ou a

algum evento, seja ele uma festa, um pesadelo, uma corrida de tora, ou de outra natureza.

Dando a esse povo um certo ‘status’ de ‘vestimenta’ especial, pois não a usam simplesmente

por usar, e sim para aparecerem mais dignos e belos. Bem como para simbolizar e caracterizar

momentos específicos.
49

O primeiro registro conhecido sobre a pintura corporal dos Põhkrá Kanela, foi

elaborado por Paula Ribeiro (2002), no início do século XIX. Em sua narrativa ele cita que

esses indígenas, à sua época, viviam exatamente nus, tal e qual a natureza os produziu, usando

por única compostura pintar seus corpos com tinta preta feita do suco da fruta que se chama

jenipapo e com a tinta vermelha extraída da semente do urucu. Prosseguindo em sua descrição

esse autor comenta que tiram da planta janaúba, um leite pegajoso, com o qual vão fazendo

alguns desenhos em seus corpos, e os quais cobrem depois com penas miúdas e pintadas de

diversos pássaros que apanham; também aplicam essas tintas em grandes listras por todo o

corpo.

Embora o registro de Paula Ribeiro sobre a pintura Corporal dos Põhkrá Kanela seja

apenas descritivo, traz informações significativas sobre esta expressão, visto que através da

sua crônica é possível identificar as técnicas (tintas), jenipapo, urucu e janaúba, além das

representações formais, desenhos, listras e plumagem.

Paula Ribeiro teve um olhar bastante aguçado, algo percebido quando ele cita a

execução de desenhos e posterior revestimento com plumas de aves. Este processo segundo os

informantes Põhkrá Kanela somente é realizado nas festas ou então, como homenagem

funerária às antigas Wỹtỹ e às Mẽkujwxo. Quanto às listras, provavelmente são as realizadas

verticalmente, pois as horizontais, normalmente só são observadas nos corredores de tora. E a

respeito dessas corridas, possivelmente esse autor não assistiu a nenhuma delas, visto que

essas corridas são bem atraentes e grandiosas, e mobilizam boa parte dos homens da aldeia.

Algo que não passaria despercebido por um cronista detalhista como Paula Ribeiro. Após

Paula Ribeiro, quem descreve a pintura corporal Põhkrá Kanela é Nimuendaju (1946),

principalmente, os padrões representados sobre os jovens reclusos na festa do Pepjê (Fig. 8)


50

Figura 8 – Padrões dos grupos do pátio: Hàka, Xep-ré, Xewxet-ré, Awxet, Khet-ré e Kupẽ

Sobre esses padrões e os grupos aos quais estão associados, este autor observou que

são pintados no encerramento dessa festa, no horário da manhã, pelos seus tios maternos que

os nominaram. Essas pinturas (Fig. 9) são representadas, em forma de padrão que se repetem

em ambos os lados da parte dianteira do corpo, em forma de listras simétricas da largura de

uma mão. Começando um pouco abaixo dos olhos à altura da base do nariz, descendo através

do pescoço, dos peitos, chegando até um pouco acima dos joelhos; outra ramificação desce

pelos braços até metade do antebraço.

Figura 9 – Disposição da composição da pintura


corporal dos grupos do pátio: padrão Hàka
51

Na festa do Pepjê, os jovens e as garotas associadas são pintados de acordo com o

padrão do seu grupo Hàka, Xep-ré, Xewxet-ré, Awxet, Khet-ré e Kupẽ, ainda nas casas antes

de irem para o pátio, essas pinturas são realizadas com jenipapo e urucu. Segundo Crocker

(1990) a composição desses padrões vem sendo modificada ao longo dos anos, visto que

apenas um padrão é idêntico aos observados por Nimuendaju no início do século XX. No

entanto, sem dados precisos, não cabe aqui ficar especulando sobre os possíveis fatores que

motivam tais mudanças.

Analisando as representações dos padrões desses grupos, o Hàká, provavelmente é

inspirado na estampa da pele dessa serpente, pois é composto por duas meias-lua côncavas

vermelhas intercaladas por dois pequenos losangos; o Xep-ré tem na sua representação a

forma de um ‘X’ com pequeno círculo no cruzamento das duas diagonais, e decoração com

pequenos pontos vermelhos nas laterais, porém foi catalogado também este padrão com

composição semelhante ao Xewxet-ré, este possui padrão como o Hàká, com duas meias-lua,

porém sem o preenchimento com a tinta de urucu. Suas áreas são decoradas com pequenos

pontos em preto e o intervalo entre elas é ocupado por uma linha de pontos também em preto.

Possivelmente este padrão representa a abstração da arraia.

O primeiro dos grupos do oeste, o Awxet também possui semi-luas, sendo duas

grandes e estreitas nas laterais, e duas menores nas partes superior e inferior. Todas são

representadas em negativo, com pequenos pontos pretos. A área dos intervalos entre elas é

pintada com urucu, uma outra representação deste padrão foi elaborada por Ivan, sendo

composto uma meia-lua e pequenos círculos dando ao desenho a forma de uma pegada

(Fig.10); já a pintura do Khet-ré é formada por uma estrela de quatro pontas em diagonal,

intercalada na vertical por área pintada com urucu, e na horizontal por espaços vazios; o

último dos grupos é o único que não possui nome de animal, pois para os povos Timbira, o

termo Kupẽ significa, o estranho, ou seja, aquele que não é Mehin (da mesma carne, parente).
52

O padrão desse grupo é composto por seis pontas de lança dispostas em três pares simétricos.

O desenho desse padrão não possui preenchimento com tinta de urucu. Quanto à inspiração de

sua representação, não existe qualquer suposição ou informação registrada ou conhecida.

.
Figura 10 – Padrão do grupo Awxet,
desenho sobre papel elaborado por
Ivan

Vale ressaltar que as representações desses padrões analisados acima são baseados em

versões desenhadas por informantes, (Fig.11), visto que essas pinturas só são realizadas na

festa do Pepjê, e assim sendo é possível que tenha havido variações na elaboração dos

desenhos coletados, pois segundo os informantes eles só sabem desenhar a pintura de seu

grupo, e mesmo assim alguns diziam não saber.

Figura 11 – Ivan executando


desenho sobre papel
53

Outras pinturas significativas dos Põhkrá Kanela são as dos corredores de tora,

personagens significativos em praticamente todos os eventos sociais. Esta categoria, assim

como os reclusos, possui padrões que só podem ser utilizados por eles, sendo o mais
27
conhecido o Mehkajcàrà hôc , (Fig. 12), representado com largas faixas em preto e (ou)

vermelho. Essas faixas são representadas sobre o peito e abdome e também sobre os braços. E

pernas com as áreas preenchidas até a altura da panturrilha.

Figura 12 – Padrão Mehkajcàrà hôc

Além das pinturas já citadas, existem as pinturas livres, que são utilizadas tanto no

cotidiano quanto nas festas pelos indivíduos que não estejam submetidos aos rigores da

arbitrariedade daquele evento. Ao longo da pesquisa de campo foi possível catalogar nove

padrões dessas pinturas sendo que alguns possuem pequenas variações das mesmas formas

básicas ou então junção de dois padrões em uma só composição. Nessas pinturas é que se

percebe a maior diversidade de motivos e padrões, visto que não precisam se subordinar à

arbitrariedade de padrão como os reclusos. Esses indivíduos são pintados pelas mulheres com

as mais diversas combinações de grafismos geométricos e livres.

27 cf. análise das pinturas abaixo


54

Algumas pinturas possuem o mesmo padrão e formas básicas tanto para os homens

adultos/corredores de tora como também para as pinturas livres, variando às vezes apenas as

cores ou a composição sobre o suporte corporal. No quadro abaixo, (Fig. 13), segue a listagem

de todos os padrões catalogados, com as suas respectivas traduções e usuários.

NOME TRADUÇÃO USUÁRIO

Hàka hoc Pintura da jibóia Geral

Xep-ré jará hoc Pintura da asa do morcego Geral

Kagã hoc Pintura da cobra Geral

Ratãj kàh hoc Pintura da casca da laranja Geral

Mehkrahtetet pi hoc Pintura da mãe do bebê mãe jovem

Me wa xawah hi hôc Pintura de dente apontado/cerrado Geral

Tê-re hoc Pintura do carrapato mulher kojkateje

Meh hoc/ Pintura qualquer Geral

Me hoc pó Pintura mais larga menina nova

In toh hôc po Pintura mais larga da cara

Mekpry hôc Pintura da moça mulher jovem

Ron hoc krãh k’a pintura da casca da macaúba Geral

Ih hoc xwah hi Pintura do cipó escada homem adulto

Khen pu ti hôc Pintura da pedra grande bonita homem adulto

Kraho hôc Pintura Kraho Kraho

Mehkajcàrà hôc Pintura atravessada, pintura da bacaba Homem adulto28

Mehkàpi hôc Pintura do homem adulto Homem adulto/corredor

de tora

28
- os meninos também usam, desde que não seja bem elaborada a pintura.
55

Xep – ré hôc Pintura de morcego Homem adulto/corredor

de tora

Tep hôc Pintura do peixe Homem adulto/corredor

de tora

Rohti xwahnã hôc Pintura de dente de sucuri Homem adulto/corredor

de tora

Portĩ hôc Pintura do sapo Homem adulto/corredor

de tora

Figura 13 – Quadro dos padrões de pintura põhkrá catalogados29

Basicamente as pinturas livres possuem a mesma ocupação espacial no corpo, o que

varia é o padrão representado e a técnica utilizada: pintura com urucu, com janaúba, ou com

jenipapo. Algumas pinturas são executadas com mais de uma dessas técnicas. Sobre esse

assunto, Carneiro da Cunha (1978, p. 53 e 54) comenta que

[...] não cortar o cabelo e abster-se de pinturas corporais, restrições que são sempre
concomitantes, significam, em todos os contextos, não participar da vida pública.
Assim, foi nos dito certa feita, os homens mais velhos não pintam o corpo, apenas
braços, pernas e rosto já que ficam sentados às portas das casas, de lá exortando os
corredores de toras e os participantes dos rituais. Pela mesma razão, asseguram-nos
então, não se pinta a criança até ela sair ao pátio, apenas se a tinge com urucum.
Renunciar à ornamentação corporal implica teoricamente não correr com toras, não
cantar nem dançar no pátio.

Estabelecendo uma análise comparativa entre o entendimento dessa autora, as falas

dos velhos e as observações em campo. Foi verificado que entre os Põhkrá a sua pintura está

realmente ligada à vida pública, e os indivíduos que mais se destacam nos eventos e no

cotidiano, normalmente são os que aparecem mais pintados, sendo que em termos

quantitativos se destacam as mẽkpry (moças), (Fig.14), e os corredores de tora na sua maioria

29
- não estão aqui incluídos os padrões de pintura dos reclusos da festa do Pepjê, por já terem sido apresentados
acima.
56

pertencentes à classe dos mẽtuajê (rapazes), idades nas quais os indivíduos, independente de

qual sociedade pertença, normalmente são mais vaidosos, confirmando a idéia de que a

pintura corporal antes de qualquer outra coisa é um atributo estético. Outro dado a ser

acrescentado para o destaque dessas classes é que de acordo com alguns informantes velhos,

um dos objetivos das festas é movimentar os jovens, fato bastante percebido durante nosso

período de campo.

Figura 14 –: Mẽkpry pintadas

Porém, também se pintam os membros das demais classes de idade: mẽkpryré

(meninas pequenas) e mẽ’kore (adultos), quanto aos mẽprek (os velhos), segundo alguns

informantes, os de sexo masculino, só se pintam durante as festas, mas com os mesmos

padrões das demais classes de idade. No entanto, algumas mulheres dessa mesma classe nos

informaram que não se pintam porque o pau-de-leite (janaúba) fica longe. Ou seja, elas não se

pintam porque a árvore janaúba fica distante e devido à idade elas não têm como alcançá-la

para buscar a matéria-prima para essa que é a pintura mais utilizada entre os Põhkrá Kanela.

Sobre a ocupação espacial da pintura sobre o corpo, é representada de forma igual na

parte dianteira, posterior e nos braços. Normalmente começa com uma ‘gola’ em ‘V’ aberto

de ombro a ombro, composto por uma ou duas faixas em preto, podendo ou não ser
57

preenchidas com urucu; dessa gola, nas pinturas das mulheres, partem listras verticais que

descem até a região do ventre. Nos homens, essas listras começam na altura do peito;

ladeando essas listras, acompanham formas com padrões geométricos; essa mesma

composição se repete nos braços, terminando com uma ‘pulseira’ em preto/jenipapo; a pintura

se completa nas pernas com um preenchimento total ou parcial que desce até a altura da

panturrilha.

As mẽkpry completam as suas pinturas com pequenas marcações no rosto, acima,

abaixo e nos lados externos dos olhos, e na altura das bochechas, (Fig.15), essas marcações

são representadas em vermelho ou preto, raramente se observa as duas cores juntas.

Figura 15 – Índia põhkrá com pintura facial

Para uma compreensão mais significativa apresentaremos abaixo as ilustrações 30 dos

padrões catalogados e listados em quadro acima, com análise sintética sobre cada um deles. O

padrão Hàká hôc, (Fig. 16), segundo os informantes Joana Kupẽ (84) e Antonio Canin (61),

30
as desenhos serão representados em forma de barra para se ajustarem melhor à estrutura do texto, no entanto,
aparecem no corpo dos Põhkrá em forma de coluna.
58

representa a pele da cobra jibóia, sendo usado principalmente pelas mẽkpry para as danças no

pátio. Porém, de acordo com Raimundo Roberto (75), este seria o desenho do Khen – pu

cahàk (pedra bonita comum). Este padrão é representado por formas triangulares

seqüenciadas em positivo com barra também em positivo com espaço em negativo entre elas.

Este padrão também pode ser chamado de Mẽ wa xawah hi hôc, com tradução significando

pintura de dente apontado, por fazer alusão aos dentes dos Põhkrá quando são apontados de

forma a parecerem com os de peixes como a piranha (Serrassalmus sp.). Algo facilmente

identificado na sua representação.

Figura 16 – Hàká hôc, Khen – pu cahàk ou Mẽ wa xawah hi hôc

Outro padrão encontrado é o Xep-ré jará hôc (Fig. 17), este padrão é inspirado nas

asas do morcego, sendo utilizado pelas mulheres, principalmente as mẽkpry, nas festas, e

também nas corridas de tora. O desenho deste padrão sobre o corpo é realizado com tinta de

janaúba, e trás a estilização da asa do morcego em positivo, ladeado internamente por barra

vertical. Este padrão possui uma variação masculina utilizada pelos corredores de tora e

pintada também com urucu.

Figura 17 – Xep-ré jará hôc


59

Já o motivo Kagã hôc, (Fig. 18), conhecido a pintura da cobra, conforme Marinaldo

Crotô (26), é utilizado pelo individuo para ganhar força,segundo ele, toda pintura de animal

representa as características daqueles animais. Sendo este padrão utilizado tanto pelos homens

corredores de tora como pelas mẽkpry. De acordo com José Pires, este padrão também

conhecido como Portĩ Hôc (pintura do sapo). A sua composição possui a forma em positivo

das presas de uma cobra, sendo complementado internamente por linha reta média com

intervalo em negativo.

Figura 18 – Kagã hôc ou Portĩ hôc.

O Mẽhkrahtetet pi hôc é o padrão de uso das mulheres que só possuem um ou dois

filhos, e é composto por dois pequenos riscos que alternam inclinações para a direita e para a

esquerda, (Fig. 19). Durante a pesquisa de campo encontramos composições com este padrão

justaposto ao Intoh hôc – pó (ou pintura larga da cara). Porém os informantes disseram que

aquela pintura estava errada porque as duas não podem ser pintadas juntas.

Figura 19 – Mẽhkrahtetet pi hôc ou Intoh hôc – pó


60

Quanto ao Tê-ré hôc ou pintura do carrapato, (Fig. 20), representa segundo os

informantes, a costa do carrapado, sendo usado pelas mulheres da metade Kojkatejê durante

as festas. O seu desenho traz pequenos triângulos cheios, intercalados por semiluas.

Figura 20 – Tê-ré hôc

Em seguida temos o Mẽh hôc, (Fig. 21), que os informaram definiram apenas como

pintura qualquer. É usado pelas mulheres durante as festas. O seu desenho é composto por

triângulos como vértices invertidos que se alternam ao longo da composição que é completada

por duas barras internas, a primeira em vermelho e a outra em preto.

Figura 21 – :Mẽh hôc

A In toh hôc pó, (Fig. 22), pintura larga da cara é um padrão segundo os informantes,

que é usado por quem tem mais força (corredores de tora) ou então por quem não tem

responsabilidade ainda como as mẽkpry-ré. Este padrão consiste basicamente em duas listras

largas pintadas em preto, sendo em alguns casos completada externamente por outra em

vermelho.

Figura 22 – In toh hôc pó


61

Já a Mẽkpry hôc, (Fig. 23), ou pintura da moça, e´um padrão híbrido formado a partir

do In toh hôc po e do Mẽ wa xawah hi hoc e pode ser utilizado livremente pelas garotas.

igura 23 – Mẽkpry hôc

Sobre o Ron hôc krãh k’a, (Fig. 24), pintura da casca da macaúba (Acrocomia

aculeata), este segundo os informantes, só usam esta pintura para embelezar mesmo e

normalmente, as mẽkpry-ré. O seu desenho consiste apenas listras estreitas na vertical.

Figura 24 – Ron hôc krãh k’a

O oposto disso é percebido no Ih hôc xwah hi (Fig. 25) inspirado no cipó escada de

jabuti (Bauhimia guianensis aulb), conforme os informantes, este padrão é usado porque o

cipó tem muitas qualidades, é forte, tem muitas utilidades no dia-a-dia, e por isso é importante

usar esta pintura.

Figura 25 – Ih hôc xwah hi.


62

Quanto ao Khen pu ti hôc, (Fig.26), este segundo Raimundo Roberto, significa pedra

grande bonita, e é usado pelos homens adultos. O seu desenho é bem diferente dos demais

padrões, pois é composto em forma retangular até a altura do peito, possuindo como

elementos internos barras em positivo e negativo entrecortadas por triângulos.

Figura 26 – Khen pu ti hôc

Outro exemplo de composição diferente é o Kraho hôc, (Fig. 27), pois segundo os

informantes, este padrão é originário dos índios Kraho. O desenho deste padrão é formado por

faixas verticais em vermelho e preto ladeadas por triângulos vazados.

Figura 27 – Kraho hôc

Dos padrões observados entre os homens o mais conhecido e utilizado é o

Mẽhkajcàrà hôc, (Fig.28), conhecido como pintura atravessada ou pintura da bacabeira

(Oenocarpus bacaba), esta pintura sempre é utilizada nas corridas de tora, segundo os

informantes só pode usá-la quem pode correr com tora grande, porém os garotos a usam,

embora apenas com desenho mais simples para demonstrarem que quando crescerem querem

ser fortes e grandes corredores. A composição deste padrão é formada por largas faixas em

vermelho e preto, que se alternam. Às vezes na ausência de uma destas cores, o espaço, da

ausente é deixado em negativo.


63

Figura 28 – Mẽhkajcàrà hôc

Mehkàpi hôc ou pintura do homem adulto, (Fig. 29) é um padrão segundo os

informantes, de uso exclusivo dos homens adultos e a sua utilização normalmente só ocorre

durante as festas. O desenho deste padrão é composto por meia-semente pintada em preto e

vermelho intercalada por pequenas faixas horizontais em vermelho. A composição é

completada por duas barras verticais uma em vermelho e a outra em preto.

Figura 29 – Mehkàpi hôc

Também pertencente aos adultos é o Tep hôc ou pintura do peixe, (Fig. 30). De acordo

com informantes o desenho deste padrão retrata os dentes do peixe. O seu desenho é

representado por duas faixas pretas na vertical com uma terceira em negativo entre elas.

Sendo a composição completada externamente por formas triangulares intercaladas por

pequenas faixas horizontais em vermelho.

Figura 30 – Tep hôc


64

A ultima ilustração de padrão é referente ao Rohti xwahnã hôc, (Fig. 31), ou pintura

de dente de sucuri (Eunectes murinus). Sendo este também um padrão característico dos

corredores de tora. E traz na sua representação a forma dos dentes desse réptil, de maneira

estilizada com duas barras em preto verticais separadas por uma mais larga em vermelho, e na

parte externa do motivo as formas pontiagudas que fazem alusão aos dentes da sucuri,

pintados na base em vermelho e preto nas pontas.

Figura 31 – Rohti xwahnã hôc

A diversidade desses motivos e composições de padrões gráficos e pictóricos expõe

uma das mais significativas características da sociedade Põhkrá Kanela, conforme foi

observado em campo e registrado em fotografias (Anexo B), pois através dessas

representações é possível perceber uma das bases da sua altivez estético-cultural, bem como

referências para o entendimento e manutenção da sua organização social.

5 – CONCLUSÃO

Lançar um olhar sobre um objeto/sujeito de pesquisa é como vislumbrar um

horizonte, algo importante e em principio simples. Porém, o grande desafio, no entanto, é

percorrer o caminho que leva aonde somente os olhos (idéias) chegam, pois, para a realização

de tal empreitada, muitos são os obstáculos e somente quando são superados é que se

consegue chegar ao horizonte buscado, compreendendo-o de maneira mais apropriada e


65

significativa. Para a concretização deste trabalho algo semelhante aconteceu desde a

elaboração do projeto de pesquisa até este momento conclusivo. Muitos foram os caminhos

com obstáculos e tantas foram as descobertas que trouxeram novos olhares e novos

entendimentos a cerca dos Põhkrá Kanela.

A primeira e também uma das mais significativas descobertas foi o nome Põhkrá

Kanela, visto que eles são denominados nos trabalhos etnográficos como os Ramkokamekrá,

termo refutado por todos os membros dessa nação indígena. Aparentemente, seria apenas uma

questão de nominação, porém, representa algo bem mais significativo, pois, Ramkokamẽkrá

significa os filhos ou oriundos do lugar/brejo das almécegas. Enquanto que Põhkrá representa

os filhos do campo, cerrado/chapada bioma no qual esse povo encontra elementos de sua

história e identidade étnica.

Ao longo da pesquisa de campo várias foram as adaptações realizadas em

decorrência de dificuldades de acesso à aldeia, algumas informações e até mesmo desenhos

foram obtidos ainda na cidade de Barra do Corda com índios que residem ou estavam lá por

outros motivos. Quando se chegou à aldeia vários imprevistos aconteceram, dos quais os mais

relevantes foram: a não realização da festa do Pepjê que por informações equivocadas

aguardou-se ansiosamente, porém a festa que aconteceu e a qual oportunamente assistiu-se foi

o Khetwajê. Conseqüentemente, as representações visuais dos padrões de pintura corporal dos

reclusos foram obtidos somente por desenhos realizados pelos informantes; outro imprevisto

ocorrido foi a ausência de um ou outro dos informantes por estarem viajando ou trabalhando

nas suas roças; bem como também do numero reduzido de indivíduos pintados durante a

primeira estada em campo, ocasionando uma mudança de método para obtenção de imagens

das suas pinturas corporais, sendo adotado então, a coleta de desenhos executados por eles

sobre papel e posteriormente mostrados aos mais velhos para a identificação dos nomes e

significados.
66

Sobre a pintura corporal enquanto elemento estético e social põhkrá, muitos são os

registros e descobertas realizadas ao longo de todo o trabalho, sendo uma delas sobre as

técnicas utilizadas: urucu, jenipapo e principalmente a janaúba que eles chamam de pau-de-

leite. Estas técnicas normalmente são de domínio feminino, que realizam as representações

pictóricas e gráficas sobre a pele de todos os indivíduos indistintamente, exceção feita apenas

às pinturas dos reclusos da festa do Pepjê, realizada pelos seus tios maternos.

A respeito da pintura corporal, ela está ligada basicamente a dois momentos, o

cotidiano e os eventos (festas, ritos, corridas de tora e outros). No primeiro momento as

pinturas possuem um caráter fundamentalmente estético, ou seja, pintam-se para tornarem-se

mais belos, embora dependendo do padrão representado também haja uma associação

simbólica com o motivo natural ou sobrenatural que inspirou aquela pintura em especifico.

No cotidiano põhkrá quem mais se pinta são as mẽkpry, no entanto as demais classes de idade

também se pintam, exceção feita a momentos especiais como o luto. Nestes padrões usados

no cotidiano normalmente se destaca a pintura com janaúba por ser uma técnica mais

acessível.

No segundo momento as pinturas estão mais presas ao rigor de uso e de representação,

sendo especificas de determinados indivíduos nos eventos. Como exemplo temos os padrões

de pintura corporal dos reclusos do Pepjê, os quais só são usados pelos indivíduos de cada

grupo, dando assim a essas pinturas uma outra função além da estética que é a função social,

pois situa o individuo na sociedade e no evento realizado.

Outras considerações sobre a pintura corporal põhkrá recebem um enfoque de

natureza mais histórica como comenta Jojô, segundo ele a pintura não muda, pois foi assim

que receberam de seus avós. Porém contrapondo-se a ele existem relatos de outros

informantes que dizem que antes havia mais pintura, e algumas diferentes das de hoje. E vale

relembrar também que de acordo com Crocker (1990), os padrões de pintura dos reclusos vêm
67

sendo modificados bastante desde a época de Nimuendaju. E possivelmente, já vinham se

modificando em épocas anteriores. Com relação às técnicas, de acordo com alguns

informantes, antes não se pintavam com jenipapo, pois só conheciam o pau-de-leite. Porém,

Paula Ribeiro (2002) comenta o uso dessa técnica ainda no início do século XIX.

É importante citar que ao longo da pesquisa de campo, a percepção da presença da

pintura corporal enquanto elemento da identidade põhkrá foi bem notório e relevante, visto

que a mantêm em uso constante mesmo quando estão fora da aldeia; e foi possível observar

esta arte expressada até mesmo sobre uma boneca de uma criança na aldeia. Relembrando o

pensamento de Jojô, o que se percebe é o seu engajamento e interesse em manter viva essa

expressão bem característica da sua identidade cultural, pois, a ele e a qualquer outro Põhkrá,

está claro que o formalismo dessas representações sofre alterações, mas, as suas funções

estéticas e sociais é que vêm se perpetuando ao longo dos tempos, e parece ser este o

verdadeiro sentido da sua frase a pintura não pode mudar, pois assim a recebemos de nossos

avós. Visto que associados a elas, recebem dos seus avós, fundamentos, princípios, “leis” e

outros elementos culturais, e não apenas as representações formais dessa expressão artística.

Retomando questões mais genéricas, no início da pesquisa havia uma enorme

interrogação acerca do quantitativo e qualitativo do que se iria encontrar sobre pintura

corporal entre os Põhkrá, no entanto o resultado foi bem satisfatório mesmo com um período

de campo relativamente curto e apesar das informações sobre alguns padrões estarem quase

desaparecendo da sua memória coletiva.

E finalmente, como já é de tradição vale frisar que este objeto/sujeito de pesquisa,

merece aprofundamentos bem maiores, algo a ser concretizado em outras pesquisas que

pretende-se realizar, bem como espera-se que seja feito por outros pesquisadores como Nelma

Ferreira Rolande que atualmente também pesquisa a pintura corporal põhkrá.


68

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72

GLOSSÁRIO

VOCÁBULO TRADUÇÃO APROXIMADA PRONUNCIA APROXIMADA

Akrá Seu filho (a) Akrá

Ahkraré Criança pequena A’kràré

Ahtĩcmahkrá Metade sazonal associada a A’tucma’krá

Atykmakrá elementos como o inverno, a noite,

às casas e a terra

Alôhhõ – ré Cepo pequeno Alô’ rrom ré

Amcaom pej Bom dia Amcaompei

Hro’pô Rompo

amcràcator Verão Amcrócatô

Amji kin Festa Am ikin

Awxet Peba Altheit

Càpore Bacaba Cópore

Croatô Buritirana Crôatô

Cróa Buriti Crôá

Crĩ, crin Aldeia Crin

Cocrit Seres associados à água; Côcrit

Cuhkryt personagens principais da festa

Kocrit Kocrit-ré ho

Cocrit-ré ho Kỹ’krỹt réhrô

Cuhkryt-ré ho Festa do capote, máscaras. côcrit’rérrô

Kocrit-ré ho

Cupẽ/Kupẽ Não-índio, estranho, não-mẽhin Kupeim

Cùukhên Cutia Cuuquein


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Harãkatejê Do oeste, metade cerimonial. Rarangateiê

Hàk Falso, imitação Róhk

H?k Gavião R?k

Hàka, Hààkha, Jibóia/ cobra veado Rohká

Hapryrcatê Cantador Raprurkatê

Hoc, hôk Pintura, desenho Rôq

Ih xwah hi Cipó escada Hithuarrí

Ihktãhkà, prỹti Chapéu Iqtankà, prôti crahti

krahti

Intohhoc pó Pintura larga da cara Intorrókpô

inxẽ Mãe Intchê

inxu Pai Intchu

itõi Irmã Itoin

itõ Irmão Iton

Ixw’y’yjê Cunhada Itchu’uiê

Ipjê Marido Ipiê

ipro Esposa Iprô

Ikrá Meu filho (a) Icrá

Ikre-ré Casa pequena Ikreré

Jara Asa Iára

Kàgã/Càgã Cobra Cagan

Ka Lugar Cá

Kamahkrá Metade sazonal associada a Camacrá

elementos como o verão, o dia, o


74

pátio e o céu.

Katejê Local, pertencimento Catêiê, catêzê

Krá Filho Crá

Khet-ré Periquito-estrela Quê’lé

Ket-tĩ Tio Quê’thi

Ket-ré Avô Quêt ré

Khen Pedra Quen

Khen-pu cahàk Pedra bonita comum Kenpôcarrók

Khen-pu-ti Pedra grande bonita Quen pô thi

Kojkatejê Metade ritual, estão no lado leste Côi’gatêiê / côi’ gatêzê

Khwўl cuupu Macaxeira embrulhada Cuuio côôpô

(Berubu)

Ko / Co / Cu Água Co

Krahkà Adorno de cabeça usado pelos Crohcô

corredores de tora

kuprї Novo Cuoprô

Lap Onça Lap

Mamkjehti Líder do pepjê Mamkiêtí

Mẽ Nós, nosso, a nós Mem

Mẽhin Parentes, da mesma carne. Memrin

Mẽhkà pi hôc Pintura do homem adulto Memkapirrôk

Mẽhkajcàrà hôc Pintura atravessada, pintura da Memkaicaaraa rôk

bacabeira

Mẽhkujxwo Garota associada aos meninos Memghu-ithuo


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reclusos nas festas

Mẽhkoré Homens adultos Memhkóré

Mẽh hôc Pintura qualquer, nossa pintura Memhrroq

Mẽh hôc pó Pintura larga Memrôk pô

Mẽcprỹré, Menina nova (pequena) Memqprô ré

Mẽkprỹré

Mẽcpry, Mẽkpry Mulher jovem, moça Memqprô

Mẽtwajê Homem jovem, rapaz Memtuaiê, memtuazê

Mẽhprek Velho, idoso Memprék

Mẽhãpa’hikuj Rainha geral Memramparricuie

Mẽwaxahhi Dente apontado Mem-uatcharrie

Mẽh krahtetet pĩ Mãe jovem, mulher que só tem um Memcratetet pô

Mẽh krahton tuw filho Memcraton tuo pô

(Mẽ)karon Almas, espíritos memgaron

Panjapỹ Chapéu de pena de arara pãiapô

Pahi Chefe, cacique Parrí

Põhkatejê Os que vivem no campo, cerrado Poncatêiê, poncatêzê

Põhkrá Os filhos (oriundos) do campo, Ponkrá

cerrado

prek Velho prek

Prohkama, Conselho dos mais velhos Pro’kama

Prohkãma,

pràpêkuj Sogra prôpêkuie


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Pu, impej Bonito Pô

Ramko Almíscar, almécega Ranço

Ratãj kàh-hôc Pintura da casca da laranja Ratãicarrôk

ré Pequeno Ré

Ron hôc krãh kà Desenho da casca de macaúba ron rôk crankà

Rohti xwahnã Pintura de dente de sucuriju Rôthíchuahnanrôk

hôc (sucruio)

Tahitiw’yc Inverno Tarritiuuk

Tê-ré Carrapato Thêré

Ti Grande Thi

Tuj-ré Avó Tuiré

Txon, xon Urubu Tchon(o)

Xewxet – ré Arraia Tchêutiré

Xep – ré Morcego Tchêhbré

Xep – ré jara Asa de morcego Tchêhbré iara

Wỹtỹ Rainha Voto


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ANEXO B: Fotos dos Põhkrá


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