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1 INTRODUÇÃO
dos povos indígenas brasileiros. Porém, o seu estudo não tem sido muito preconizado pelos
da antropologia estética1, talvez seja o menos trilhado, sendo preterido em relação à língua,
de acordo com Silver (1979) citado por Van Velthem (1998) possuem o termo etnoarte como
o mais apropriado, pois faz referência tanto a uma tradição plástica específica como pressupõe
produtores. Somando-se a isso o fato de que como comenta Vidal (1985, p.15) a faculdade
estética é inata ao ser humano, algo tão natural como o falar ou qualquer outra expressão de
atividade cognitiva. Pautado nestes suportes, buscou-se com este trabalho, desenvolver uma
pesquisa que enfocasse essa expressão estética e social em uma sociedade maranhense, os
O interesse por esse povo indígena surgiu através da leitura, em 2000, de Barros e
Zanonni (1988), Povos Indígenas no Maranhão, no qual foi possível ter as primeiras
informações acerca dos Põhkrá e demais povos nativos maranhenses. Porém, a escolha desse
tema se deu definitivamente a partir de conversa com Barros que sugeriu que fosse abordada a
pintura corporal, e não os trançados como estava no projeto monográfico. Tal mudança
representou uma decisão bem acertada, visto que existe uma variedade bem grande de padrões
de pintura corporal, e até o presente momento não se tem notícia de nenhum estudo específico
1
Ramo da ciência antropológica que estuda as produções artísticas dos povos indígenas.
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doenças, pela escravidão, por massacres promovidos pelos colonizadores e outros motivos
cultura para melhor ser compreendida pela sociedade “ocidental”, bem como para o seu
registro verbal e visual. Agregando-se assim à diversidade cultural maranhense na qual esses
Esse trabalho tomou como referência o povo Põhkrá Kanela nas dimensões política,
econômica, social e cultural com destaque para esta última, porque a ela pertence o objeto
Azanha (1984). A Forma Timbira: estrutura e resistência; Crocker (1990), The Canela;
Melatti (1978), Ritos de uma tribo Timbira; Nimuendaju (1946), The Eastern Timbira;
entendimento foi tomado como referências básicas entre outras, os livros FUNARTE.
Instituto Nacional de Artes Plásticas. A arte e seus materiais; arte e corpo: pintura sobre a
pele e adornos de povos indígenas brasileiros. Publicado pela FUNARTE (1985); ÍNDIOS
NO BRASIL organizado por Grupioni (1998); Barros (2002), A arte krikati – uma
estudos de antropologia estética organizado por Lux Vidal, (1992); MULLER (1993), Os
Asurini do Xingu – História e Arte. Além de alguns outros listados nas referências. A
leitura de tais autores trouxe suporte para a discussão, análise e caracterização da pintura
corporal das sociedades indígenas, com enfoque principal para as formas de expressão, os
Escalvado dos índios Põhkrá, em três viagens ao longo do ano de 2005, sendo a primeira
durante o mês de fevereiro, entre os dias 11 e 18; a segunda, nos dias 18 e 19 de junho; e a
terceira entre os dias 08 e 15 de setembro. Durante esta etapa nos acompanharam como
informantes os índios: José Pires Cahràl (55 anos), Ivan Pal Catí (23 anos), Valdemar Jôjô
(42 anos), José Hildo Amicró (c. 45 anos), Raimundo Roberto Kaapêl-Tyk-lé ou Kapertuc-ré
ao nome dessa sociedade, visto que independente da classe de idade, praticamente todos
se isso como fator relevante na construção e manutenção de sua identidade étnica, será
adotado neste trabalho o termo Põhkrá Kanela como nome dessa sociedade indígena.
observação a partir dos padrões de pintura corporal utilizados por eles, além de materiais e
Jonaton Alves Júnior e Nelma Ferreira Rolande, graduandos dos cursos de Ciências Sociais e
O estudo da pintura corporal põhkrá kanela última etapa desta pesquisa, enfoca três
conteúdo temático das suas produções. Propiciando uma análise significativa da simbologia,
da estética e das referencias ligadas à vida coletiva e individual desse povo, tanto no aspecto
do cotidiano quanto no campo ritualístico, além das características técnicas ligadas a essa
forma de representação.
simbologia inerente a essas produções; o método formal perceptivo que tem o filósofo,
desse povo.
Vale como observação para o registro dos termos põhkrá kanela contemplados neste
trabalho, que são verificadas muitas variações de grafia, e numa tentativa de facilitar o
entendimento e a uniformidade das suas escritas, ao longo deste trabalho, será adotada a
grafia utilizada pelo informante Ivan por ter sido ele quem em termos quantitativos mais
Como nota introdutória, cita-se ainda que foram adotadas nesta pesquisa as
convenções e normas que segundo Ladeira (1982) foram estabelecidas por Jack Popjes
corrigida posteriormente na sua Surface Structure of Canela Grammar (SIL – 1972), cujas
português; o k possui som aproximado ao g; o p quando precede outra consoante possui som
lingüística Jê. Esses povos possuem uma série de similitudes culturais e sociais que os
2
Pertence ainda a esse grupo, os Kraho do estado do Tocantins.
14
Nimuendaju (1946) comenta que se o termo Timbira for de origem tupi pode
significar “os amarrados”, pois, tin significa amarrar e pi’ra igual a passivo. Sendo, portanto
uma alusão às varias fitas e faixas de palha ou de algodão que usam sobre o corpo.
Azanha (1984, p. 7) esclarece que “no século XVIII, deveriam existir mais de 30
aldeias, ou ‘grupos locais’ Timbira. Todos esses grupos apresentavam como características
comuns a língua, o corte de cabelo, a morfologia da aldeia e a corrida de tora.”. Outro ponto
comum a esses povos são os termos “Jê” ou “Krã” na composição de seus nomes. Algo
percebido desde o início do século XIX através do cronista Paula Ribeiro (2002, p. 171) nas
[...] deste nome, e de todos os mais que hão de observar-se pertencer às tribos
Timbirás desta capitania, colher-se-á uma prova de que elas hão com efeito emanado
de um até dois ramos, pois que à exceção dos Guajojaras, todas as outras se
apelidam no último assento de seus nomes – Crãns ou Gês.
Outros cronistas que fizeram essa mesma observação, também no começo do século
XIX foram os viajantes alemães Spix e Martius (1938) que supunham que os “crãns” seriam
uma ramificação recente dos Gês. Conclusão equivocada como se poderá comprovar a seguir
a partir das análises de Nimuendaju (1946) e Azanha (1984). Segundo Nimuendaju (1946),
essas terminações não possuíam nenhuma função histórica, e a presença de um outro sufixo
dependia apenas do substantivo empregado. De modo que o uso de uma ou outra designação
Timbira. Porém, quem esclarece até o momento a função desses termos é Azanha (1984, p. 12
e 13).
[...] a forma cate (jê) especifica um subgrupo dentro de um domínio inclusivo. E os grupos
assim designados são grupos resultados de um processo de cisão ou fusão recente – são
“grupos locais” em sentido estrito. Entre os grupos que se designam por esta forma, a
contigüidade envolvida é territorial e, portanto política: são grupos próximos uns dos outros
em termos das relações de aliança.
Por outro lado, a forma (ca) mekra marca uma diferença quanto à origem. E o que caracteriza
as relações dentre os grupos designados nesta forma seria o estado de guerra permanente
entre eles. Não havia guerra entre os grupos que se designavam mutuamente pela forma
catejê.
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(Canela), denominação estendida também aos Apaniekrá. Tal termo possui várias
O termo ‘Canella Fina’ seria uma referência ao uso como adorno de uma estreita
faixa de algodão amarrada abaixo dos joelhos, o que facilitaria o seu desempenho
nas corridas, tornando mais ágeis esses índios. Provavelmente é um sinal diacrítico
dos próprios Capiekran em relação a outros grupos Timbira. (2002, p. 132).
acidente geográfico, a serra Canella, situada numa das extremidades do tradicional território
dos Capiekran.”. E como possibilidade ainda da origem desse termo, Paula Ribeiro (2002)
cita que há referência nos textos e documentos do século XIX, sobre o rio Corda, afluente à
direita do Mearim, que em seu alto curso banhava o território dos Capiecrã e Ponecrá, com a
Mais recentemente Crocker (1990) teorizando sobre este mesmo assunto comenta
que é provável que o nome Canela seja uma alusão ao fato desse povo ser mais alto – com
suas longas pernas - quando comparado pela população regional a seus vizinhos Tenetehara.
(filho). Portanto numa tradução aproximada seriam aqueles que moram ou são originários do
Vale frisar, porém, que os Kanela não aceitam ser chamados Ramkokamẽkrá, dizem
que esse nome pertence ao povo do riacho Mucura, os mateiros3(c.f. 2.1) segundo eles. Outros
informaram que Ramkokamẽkrá seriam os Kraho. Porém, é consenso entre eles que o seu
nome para identificar quem são, e Põhkatejê para definir onde moram.
3
Povo já extinto.
16
Timbira, e ao longo dos anos vem sendo adotada pelos autores que tem produzido trabalhos
etnográficos sobre esse povo, sem levar em consideração a sua recusa do uso desse termo para
identificá-los.
Sobre a sua língua, pertencem à família lingüística Jê, com pequenas variações às
outras línguas Timbira. De acordo com Jojô, o Centro de Trabalho Indígena (CTI)4 está
tentando unificar a língua dos Jê/Timbira. Porém durante o período do trabalho de campo foi
possível observar que não há uniformidade lingüística nem mesmo entre os Põhkrá, tanto na
parte oral como também na escrita (cf.glossário), os motivos mais significativos para tal fato
são possivelmente: a formação híbrida desse povo; os diferentes modelos de alfabetização que
sofreram ao longo dos séculos: missionários, Serviço de Proteção ao Índio (SPI), Fundação
Nacional do índio (FUNAI), CTI e similares, sem contar o fato de que alguns membros desse
povo foram alfabetizados fora da aldeia. Sendo relevante citar, ainda, que a maioria da
2. 1 Registros Históricos
povos Timbira que ao longo do século XIX foram administrados em “colônias” e ‘diretorias
parciais”5.
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Organização não-governamental, fundada em 1979 por antropólogos e indigenistas que já trabalhavam com
povos indígenas brasileiros.
5
As “Diretorias Parciais” foram criadas pelo Decreto Imperial nº 426 de 1845, conhecido como o Regimento
das Missões. Visavam organizar a administração das sociedades índigenas. Os aldeamentos do “Diretório”
duraram até 1889.
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Para melhor compreensão dessa formação e dos nomes desses respectivos povos, será
apresentado abaixo em forma de quadro, (Fig. 1). os seus nomes de acordo com as grafias
Karekateyê
Canactegé Caracategé Timbira da Geralda
Krepúmkateye
? Crurekamekrã Kro’rekamekra ?
major Francisco de Paula Ribeiro, comandante da guarnição de Pastos Bons, que objetivava
século XIX; os documentos oficiais do século XIX citados por Oliveira (2002) em sua
Maranhão Provincial”;
Outra importante referência foi Nimuendaju (1946), etnólogo alemão que conviveu
com os Timbira, principalmente os Põhkrá entre 1929 e 1936 (esteve entre eles por seis vezes
ao longo desses anos). Deixou vasta contribuição para o estudo e a compreensão desse povo.
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O termo regionais é adotado aqui como sinônimo para os não-indígenas. Principalmente os ligados à povoação
do cerrado maranhense.
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junção dos quatro povos mostrados no quadro acima. Tais povos serão apresentados
Denominados de Canela Fina nos séculos XVIII e XIX pelos habitantes de Pastos
Bons, por Paula Ribeiro e pelos documentos oficiais daquele período, esse povo habitava
terras situadas entre a vila de Caxias (antiga São José das Aldeias Altas) e o distrito de Pastos
Bons, em áreas que faziam fronteira com o território dos mateiros com quem mantinham
guerras constantes.
Nas primeiras décadas do século XIX, os Capiekrans formavam várias aldeias que
estendiam por esse território, o qual em sua porção sul e sudeste, se avizinhava com
fazendas de criação e povoados já estabelecidos pela frente pastoril desde Pastos
Bons. [...] Desse modo, o território dos Capiekran situava-se em área de
confluência entre a frente agrícola que se expandia pelo vale do Itapecuru, e depois
também pelo Mearim e Grajaú. (OLIVEIRA, 2002, p. 133).
com os Mateiros, firmaram acordo com a bandeira de Joaquim Álvares Guimarães, ato que
contribuiu para a sua dizimação parcial e perda de sua liberdade, pois, com recursos e
Martins Jorge, e participaram, juntamente com forças oficiais7 de Caxias, de uma expedição
Após essa expedição, eles foram deixados em total abandono, o que motivou a sua
à discrição das suas péssimas inclinações, furtavam para sustentar-se, os gados nos campos, e
os legumes nas roças.” (PAULA RIBEIRO, 2002, p. 178). Este mesmo autor fazendo uma
7
Eram paisanos com autorização oficial, conforme PAULA RIBEIRO, 2002, p. 173.
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até por uma ordem natural, que para haverem-se colhido as físicas vantagens em que
mediante a pacificação destes índios se tivessem posto as vistas, seria preciso contar
primeiro do que tudo com a sua ferocidade rude e selvagem em todas as maneiras, tão
pronta para adotar os vícios das outras gentes, como dificultosa de abandonar os seus,
formando por isso o mais terrível composto da natureza. (PAULA RIBEIRO, 2002, p.
179).
E como solução para tal problema Paula Ribeiro (2002, p. 179) comenta que três
1ª - uma sólida instrução do sistema social que fazia a nossa civilização, quais eram
as leis que os sustinham e quais os castigos destinados para aqueles que as
infringiam; 2ª - a fixarem-se-lhe limites territoriais, v.g., como três léguas, dentro
dos quais fizessem suas lavouras e caçadas, sem que por motivo algum pudessem
sair deles, enquanto não fossem bem instruídos no nosso idioma, usos e costumes
bons, em que deveriam ser prontamente encantados por homens dignos, que para
esses fins se designassem; assim como também se lhes forneceriam por conta do
Estado as subsistências precisas, enquanto tardasse a sustentá-los o fruto dos seus
legítimos trabalhos; 3ª - finalmente, fazê-los tremer aos primeiros delitos
cometidos, e ainda muito mais se reincidissem.
solução para os “problemas” causados por essa sociedade indígena. Isso traria todas as
vantagens para os sertanejos nos seus empreendimentos agropecuários nas terras antes
E a desgraça laborava por este sertão, e mais de dois anos flagelaram seus
progressos aos infelizes moradores, a quem por semelhante modo foi mais fatal esta
paz do que os resultados da antiga guerra; porque podendo naquele tempo opor-se
livremente a esta com as armas nas mãos, não tinham agora nem ao menos livre a
expressão para queixar-se como desafogo dados.(PAULA RIBEIRO, 2002, P. 180).
os Capiecrã à vila de Caxias, argumentando que fariam outra expedição contra os Sacamecrã.
obrigou a roubarem nas proximidades. E por causa disso, muitos foram presos.
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Outra medida tomada foi a introdução proposital entre os Capiecrã da varíola, que
naquela época assolava toda a região. Como os indígenas não possuíam resistências
fome e agora castigados pela varíola, os Capiecrã fugiram de onde estavam, na fuga foram
perseguidos, e muitos acabaram sendo mortos. Com essa dispersão, esse povo infectou muitos
sertanejos e outros povos indígenas pelos locais por onde passavam, gerando uma mortandade
Segundo Ribeiro (2002), alguns pequenos grupos dos Capiecrã passaram a viver
dispersos, uns às margens leste do Grajaú e outros a oeste do Itapecuru, num lugar conhecido
como Buritizinho. Após esse período de dispersão, os Capiecrã jamais voltaram a viver como
antes e parece que estavam condenados a ter que se submeter a certas condições impostas
O mesmo autor (2002) cita que o aldeamento resultado de grupos atomizados seria um
procedimento adotado pela administração provincial em relação aos grupos do Alto Grajaú e
Alto Mearim. E dessa política de aldeamento utilizada pelas autoridades provinciais, uma das
estratégias era a utilização, como citado anteriormente, de índios aldeados na captura dos
Os Sacamecrã (Mateiros)
Povo que habitava florestas a oeste do rio Itapecuru, entre os territórios da vila de
Caxias e os sertões de Pastos Bons. Era considerado entre os Timbira o que mais resistia ao
avanço dos brancos colonizadores daquelas terras. “Vivem quase sempre embrenhados pelas
mesmas matas, e apenas saindo aos campos furtivamente quando querem roubar as frutas
Capiecrã, dirigida pelo expediente judicial da vila de Caxias. Nesta ocasião foram enganados
com promessas de roupas, ferramentas e aliança contra outros povos indígenas. No entanto,
E na infame partilha que se fez das suas famílias em tom de escravos perpétuos,
chegando a ser arrematados em leilão público na praça da vila de Caxias e levados
aos escaroçadores dos algodões daquele distrito, aonde, amarrados como macacos
ao cepo, foram asperamente castigados para adiantar as tarefas do serviço
consignado pelos seus ilegítimos senhores. (RIBEIRO, 2002 p, 174) .
Em 1818, os Sacamecrã tiveram suas terras invadidas por outra expedição similar à de
1815, mas dessa vez não se deixaram iludir com as falsas promessas, embora tenham aceitado
alguns presentes como facas e espingardas. Porém ao longo do século XIX, foram sofrendo
No ano seguinte foi criada uma diretoria parcial no distrito de Barra do Corda para
acolher índios Sacamecrã e Tenetehara, que viviam às margens dos rios Corda e Mearim.
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aldeamentos conjuntos desses dois povos, eram práticas adotadas pelo governo provincial
desde o inicio do século XIX. E como registro disso, Coelho (1990, p. 162) comenta que, “em
Mearim informou que os índios [Mateiro] haviam abandonado o local em que se achavam,
criada em 1847, sendo composta por 3 aldeias Capiecrã, segundo Coelho (1990, p. 178), “[...]
O cidadão João Estevão Serraine, foi primeiro diretor desses aldeamentos, sendo, em 1854,
substituído pelo Cel. Diogo Lopes de Araújo Sales. Em 1856, esse diretor foi autorizado pelo
ponto.”
Tal iniciativa provavelmente obteve êxito, pois uma dessas aldeias iniciais, era a do
riacho do Ponto, que posteriormente daria a esse povo o apelido de Canela do Ponto, e
provavelmente foi nessa aldeia (conhecida como antiga aldeia do Ponto ou Ponto Velho) que
Posteriormente esta diretoria passou a ser ocupada também por Mateiro. Alguns
indivíduos dessa sociedade passaram inclusive a possuir certo status e poder de liderança
dentro da aldeia híbrida, pois “[...] Em outubro de 1878, o presidente da Armada remeteu ao
diretor geral dos índios, as patentes que haviam sido solicitadas para os índios matteiros: José
moradores). Sendo portanto, aqueles que habitam o lugar barrento ou lamacento. Um brejo
possivelmente. Esse nome provavelmente foi atribuído pelos Pukobyé, visto que esses dois
Parte desses que ficaram dispersos foram reunidos em uma diretoria parcial chamada
Jussaral, criada em 1853, à margem esquerda do rio Mearim, próximo à foz do rio Corda,
compartilhada também com índios Pukobyê. Sendo esta a segunda diretoria criada para
Para aldear os gaviões [Pukobyê] e Carategé que vagavam pela margem esquerdo
do rio Grajaú, desde a Palmeira Torta até algumas léguas da Vila da Chapada,
assustando os lavradores ali estabelecidos, foi criada uma diretoria parcial em
outubro de 1851. Essa diretoria foi chamada de tapera da Leopoldina e designada
pela numeração de 6ª.
Capiekran em 1863, após negociação de paz do seu chefe Curaxé com as guarnições
regionais. Nesse período habitavam às margens do Grajaú, num lugar chamado Itambeiras.”
Provavelmente esses Caracatejê que juntaram-se aos Capiecrã, pertenciam a algum grupo não
aldeado ainda, pois, a partir da análise das informações citadas acima fica a interrogação do
porquê dos Caracatejê irem morar com os Capiecrã, deixando de conviver com os Pukobyê
com quem possuíam uma relação de contigüidade e parentesco pela forma como se
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somente um estudo entre os Pucobyê poderá responder se existe ou não entre eles,
Alcântara (atual Carolina/MA) e a oeste do rio Tocantins. Após os contatos com os regionais,
a maior parte de sua população foi dizimada em conflitos ou vitimada por doenças como a
varíola. Os sobreviventes foram aldeados junto aos Capiecrã ainda na primeira metade do
século XIX.
foram a cisão ocorrida da sua sociedade em duas aldeias em 1955, o movimento messiânico
população decidiu fundar uma nova aldeia cerca de 6 km da aldeia do Ponto num lugar
chamado Baixão Preto. Sendo que parte desses migrantes já fazia suas roças nesse local e
8
Ver explicação sobre a terminação cate(jê).
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argumentava que as terras do Ponto não serviam mais para roças. A chefia dessa nova aldeia
ficou a cargo de um índio chamado Ikhé que exerceu essa função até 1957, quando o Serviço
de Proteção ao Índio (SPI) reconheceu a nova aldeia e o substituiu por outro índio de nome
Kaapêltúk.
Sobre o segundo fato, o movimento messiânico de 1963, este foi motivado pela índia
profetisa Khêê-Khwèy (Maria Castelo) que acreditava esperar um filho de Awkêê,9 começou a
pregar que os Põhkrá iriam fazer uma inversão de domínio territorial e tecnológico com os
não-índios, passando a habitar as cidades e fazer uso das tecnologias nelas encontradas,
enquanto que os não-índios iriam morar nas aldeias e depender da cultura material indígena.
Começou também a fazer pedidos exorbitantes aos índios que para atendê-la
começaram a roubar e matar gado das fazendas próximas, motivando uma retaliação por parte
dos fazendeiros, que planejaram dizimar totalmente os Põhkrá. Para protegê-los, o SPI teve
que removê-los para a área Sardinha, terra dos Tenetehara, localizada a leste da cidade Barra
sua aldeia atual, conhecida como Escalvado, construída em 1969. Esta aldeia localiza-se cerca
de 35 km da cidade de Fernando Falcão/Ma, na Área Indígena Kanela Buriti Velho (Fig. 2)10.
Esta área possui uma extensão de 125.212 hectares homologados e registrados. Área cujas
características físico-geográficas são marcadas por solo árido e arenoso da chapada; vegetação
típica do cerrado com árvores baixas e retorcidas, arbustos e brejos caracterizados pelos
9
Mito que conta a história do personagem do mesmo nome, detentor de todas as coisas e que deu a aos indígenas
a opção de escolherem o que queriam, como escolheram as coisas mais rústicas e artesanais, entregou a
tecnologia mais avançada aos não-índios, na condição de que tomariam conta dos indígenas.
10
Todas as fotos e desenhos foram realizados pelo autor desta pesquisa, salvo aqueles com autoria citada na
legenda das respectivas imagens.
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A aldeia dos kanela possui a tradicional forma circular (Fig. 3), morfologia característica
identificada ainda no início do século XIX, pois segundo Paula Ribeiro (2002), ficam sempre
aquartelados em círculo perfeito, ordinária perspectiva das suas povoações formais; no centro
do grande círculo há outro círculo pequeno, cujo diâmetro tem quatro braças, e no centro
Corda/MA, desse total, a maioria fala o português, além da sua língua jê, principalmente as
crianças e os jovens que estão sendo alfabetizados na escola da FUNAI, localizada na aldeia,
Carolina/MA.
E algumas infra-estruturas e tecnologias dos não-índios como água encanada, energia elétrica,
privadas em alvenaria na maioria das casas, dois telefones do tipo orelhão, casas de farinha,
uma casa de costura, um caminhão para o transporte de pessoas e cargas, trator e motor-serra
As suas moradias são cobertas com palha de buriti (Mauritia flexuosa), também
utilizada nas paredes. Porém, atualmente está sendo substituída pela taipa-de-mão ou pelo
adobe. Em algumas casas podem ser encontrados objetos e utensílios como aparelhos de som,
queimada e limpa para o plantio. As principais culturas plantadas são arroz (oryza sativa),
milho (Gramineae zea mays), mandioca (Maniot esculenta, Maniot utilíssima) macaxeira
(Maniot dulcis, Maniot ahipí) e feijão (Fabaceae sp.). Ainda realizam também a caça, porém
pela escassez de animais, esta atividade vem sendo abandonada gradativamente. No entanto,
ainda caçam paca (Agouti paca), tatu (Dasypus sp.), catitu (Tayassu tajacu), veado (Mazana
sp.), jabuti (Geochelone carbonaria), algumas aves e um ou outro animal a mais. Porém, uma
11
FONTE: relatório básico de observação, Maria de Jesus Fernandes, CIMI-MA, 2005.
12
Escola cujos alunos são originários dos chamados povos Timbira, funciona em Carolina/MA, em sistema de
módulos.
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das suas principais fontes de renda é o artesanato desenvolvido pelas mulheres e vendido para
formado pelas classes de idade mais avançada, conhecido como Prohkama. Este conselho é
responsável pela tomada de decisões na comunidade, pois são considerados os mais sábios e
experientes. E por eles é escolhido o chefe da sociedade, chamado Pa’hi (cacique ou capitão),
com funções ligadas à execução das decisões tomadas pelo Prohkama. São funções também
Segundo Crocker (1998), até o primeiro quarto do século XIX, o Pa’hi era escolhido
pela sua coragem e força como guerreiro e governava até morrer. Porém por volta de 1835,
passou a ser indicado pelas lideranças das diretorias parciais dos locais onde os Capiecrã
estavam aldeados. Este líder deveria saber falar o português e ter forte poder de
convencimento sobre a sua comunidade, para que ela aceitasse as decisões impostas pelos
brancos. Estes chefes recebiam títulos como se fossem militares (ver Sacamecrã), passando a
ser denominados capitão, hoje essas denominações ainda aparecem, porém sem ter uma
ao longo do ano, dois Kamahkrá na estação seca e dois Ahtĩcmahkrá na estação chuvosa,
sendo nas duas formações sempre um Kojkatejê e um Harakatejê; Além deles existe também
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basicamente todos os aspectos da sua vida. O registro de dois desses pares de metades se faz
necessário para a compreensão dos aspectos a serem abordados sobre as suas festas e a sua
pintura corporal:
divididos nelas de acordo com os nomes que recebem13, podendo irmãos ficar em metades
opostas. Nas reuniões do pátio, os Kamahkrá ficam no lado leste e os Ahtĩcmahkrá no lado
oeste. Elas são associadas a elementos opostos. A primeira está relacionada à estação seca, ao
dia e ao pátio; enquanto que a segunda à estação chuvosa, à noite e às casas (periferia da
aldeia). Essas oposições são bem mais extensas, no entanto, as mais conhecidas são as citadas
acima.
Cada menino de acordo com o nome que recebe passa a pertencer a um dos seis
grupos (partidos) do pátio: Hàká (jibóia – Boa constrictor); Xêp-ré/Tê-ré (morcego – Artibeus
13
Entre os Põhkrá, os meninos são nominados pelos tios maternos de maior idade. Enquanto que as meninas são
nominadas pelas tias paternas.
30
localizados a oeste. Somente duas garotas associadas (Mẽkujxwo)14 no Pepjê pertencem aos
Melatti (1978), a inserção de alguém em uma dessas metades não se realiza por nenhuma
regra de descendência unilinear e nem pela transmissão de nomes pessoais. O indivíduo passa
O que se coloca aqui como arte indígena, são as manifestações de caráter estético,
14
Garotas ritualmente associadas aos indivíduos do sexo oposto da aldeia.
15
Os Põhkrá, possuem 4 classes de idade: akhrairé/mekpryré (menino/menina); mentuajê/mekpry
(rapazes/moças); me’kore (adultos) e os meprek (os velhos).
31
Quanto aos trançados de tala aparecem no fabrico de pacará, quibano, bolsas, cestos e outros
utensílios.
cantos em coro, acompanhados na maioria das vezes pelo toque do maracá e flautas de
2. 6 – A festa do Pepjê
anual, normalmente são realizados na estação chuvosa (thitiw’yc) que vai de outubro a março;
16
Os Põhkrá usam o termo festa para se referirem às suas cerimônias e rituais.
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(amcràcator) entre os meses de abril a setembro. Cada jovem Põhkrá, segundo Nimuendeaju
(1946) deve participar de dois Khetwajê e dois Pepjê, só então estará completa a sua
iniciação.
Pepjê será analisada abaixo, visto que as únicas pinturas específicas de festa catalogadas nesta
Nimuendaju (1946) comenta que esta é a única festa dos povos Timbira cuja origem é
realmente explicada por um mito (Anexo A), o qual foi coletado por esse autor entre os
Põhkrá e narra a história de dois meninos Akréi e Kenku’nã que entram em estado de
reclusão para crescerem rapidamente e poderem vingar seus pais mortos por um gavião (H?k
ti). Após conseguirem tal intento tentam matar um outro pássaro (Kuk?’e), este mata Akréi.
Após a perda do irmão, Kenku’nã sai à procura de seu povo que havia fugido do H?k ti, até
Nimuendaju (1946), a explicação desse mito é centrada nos irmãos que ficam reclusos
acelerando o seu desenvolvimento corporal, a fim não de se casar, mas para vingar seus pais.
meninos, para fazer a população “render”. Assim, havia sempre gente suficiente para lutar.
ré), construídos no interior das casas maternas. De acordo com Nimuendaju (1946), em sua
conduz a uma privada. Existe também uma porta que dá acesso à parte posterior da casa, onde
o recluso toma banho. Dessa forma, ele não se afasta de seu quarto, nem mesmo para
Segundo Melatti (1978), a água para o banho e a comida são entregues ao jovem por
pessoas velhas, as únicas que podem vê-lo. Pois as pessoas que olham os reclusos, devem ser
indivíduos que não mantêm mais relações sexuais, pois de outra forma, o rapaz não engorda.
Alguns meses depois esses jovens saem da reclusão pintados de acordo com o seu
grupo do pátio Hàka, Xep-ré e Xewtxe-ré, grupos do leste; e Awtxet, Khet-ré e Kupẽ, grupos
do oeste. Sendo apresentados no pátio à sociedade de maneira festiva com cantos, danças,
corridas de tora. Apesar de não ter sido possível presenciar o Pepjê durante o período do
trabalho de campo, foi obtido com Ivan uma descrição bastante detalhada de suas etapas e
No início quando o tio (Ket-ti) lhe dá nome, o garoto acompanha o partido (grupo)
dele, no entanto, após participar de todas as festas este fica livre para escolher o partido que
quiser. No verão, porque no inverno estão produzindo alimento, o Prokamma decide realizar a
festa e combina com os jovens. O ikre-ré é construído pelo pai ou cunhado, qualquer um. Os
jovens do Kojkatejê e do Harãkatejê vão para a casa de suas Wỹtỹ17 (menina que representa
simbolicamente uma espécie de rainha). Qualquer mulher da casa dela passa urucu neles.
Quando chega ao final da tarde acontece a corrida de tora grande ou pequena pelos
Mẽ’koré. Após terminarem a corrida param no pátio. Os jovens saem da casa da Wỹtỹ em fila
para o pátio e ficam todos sentados misturados. O Ket-ti fala para o escolhido18 pegar seu
sobrinho. Então ele o pega por trás, realizam uma fala e o coloca no meio do pátio em direção
a casa do garoto e o leva para casa – o tio fica no pátio, e entrega para a mãe que o cobre com
um pano (esconde-o). Em seguida o pai ou cunhado o prende no ikre-ré e sua mãe ou irmã
17
Normalmente são escolhidas filhas ou netas de pessoas respeitadas pela comunidade e que ofereçam comida
durante as festas e corridas de tora. Sendo uma Kojkatejê e outra Harãkatejê.
18
Coletor (hap?'nkate), ou seja, aquele escolhido pela comunidade para apanhar os jovens e levá-los para a
reclusão.
34
manhã e tarde, se juntam fazem festa, de manhã a comunidade vai em grupo misturado na
casa dos Mamkjehtĩ (adultos líderes dos presos, são escolhidos pela comunidade)
acompanhados pelo cantador (hapryrcatê) que canta para eles que saem conduzidos por dois
homens que os pegam pelos braços dentro das casas fora do ikre-ré, rezam19 para eles e as
mulheres de suas famílias escolhem pessoas para os carregarem pela rua da aldeia. Quando
termina o canto eles são conduzidos para um local, onde acontece consulta e oferta de
qualquer alimento.
Os que os conduziram pelos braços os trazem de volta nos ombros para as suas casas,
deixam eles nas sombras dos paióis (arrumação de palhas empilhadas próximo das casas para
proteger contra sol ou chuva) que as mães prepararam com palhas de babaçu (Orbignya
phalerata) ou buriti em frente de suas casas, permanecem lá. Em seguida é feito o mesmo
com todos os outros, menos com quatro, sendo dois Ihkrat-ré (vigia/soldado) e dois
Ihkaponkatê (comandante)20.
levam pelos braços a mesma distância já na volta, estes voltam correndo junto com todos, se
comandante maior se recusa a sair de sua casa. Enquanto isso os Ihkrat-ré e o Ihkaponkatê-
kahore vão de paiol em paiol pegam os (ex) presos e os levam para um local no leste embaixo
de uma árvore onde permanecem na sombra durante cerca de quatro dias esperando o
Ihkaponkatê- pej sair. O Ihkrat-ré vai numa noite e fala para o Ihkaponkatê-pej: amẽ
iworkwarene (venha logo para cá); o Ihkaponkatê responde: hamỹ - imorpỹrento (eu já vou
para lá). Ele fala isso, mas, continua recluso e o grupo fica esperando. Essa cena se repete por
19
Não sabemos em que sentido o informante usou essa expressão.
20
Segundo Nimuendaju (1946) tanto os Ihkrat-ré como os Ihkaponkatê são compostos por um Kojkatejê e um
Harãkatejê
35
três vezes na mesma noite, depois ele decide ir para o grupo escondido com uma vara grande
e comprida. Quando chega ao grupo, ele não avisa e bate em qualquer um com a vara com
toma a vara. Depois disso o Ihkaponkatê-pej vai calmo para a sua casa e fica lá, então a mãe e
parentes o enrolam com panos. Antes de sair a comadre e o compadre dele preparam o
caminho pela rua da aldeia. Ele é amarrado com punhos de rede com os braços estendidos em
sentido lateral, as pontas das cordas são sustentadas por namoradas dos seus parentes, e ele
vai movimentado os braços como se tivesse batendo asas. Ele reza e canta e seus parentes vão
atrás de sua namorada até completar o circulo da aldeia. Então ele para em frente a sua casa.
Após esta etapa ele vai para o grupo pela manhã e o conduz cantando para fora da
aldeia. Então um garoto (qualquer um) sobe em uma árvore e canta: - hoj, hoj, hoj, hoj (o
informante não traduziu). Depois do canto retornam à aldeia e vão para o pátio. Escolhem um
local e ficam lá. No final da tarde, buscam folhas de sucupira (Bowdichia virgilioides) para
dormirem em cima durante cinco noites, porém antes de dormirem todos tomam banho.
Pela manhã, eles saem da aldeia novamente e cantam – hoj, hoj, hoj, hoj e à tardinha
voltam ao pátio. Durante esse período, só comem farinha, não comem carne e nem verdura.
Durante essas noites o cantador é chamado por eles, e assim passam as noites dançando. No
dia seguinte, quando o Ihkaponkatê-pej sai, todos vão em fila para o pátio e alguns correm
com tora, de acordo com seu grupo. No último dia pela manhã se dividem em Kojkatejê e
Harãkatejê, então os seus tios os chamam para as casas de cada grupo/partido, e lá são
A família de cada preso corta uma tala bem comprida de buritirana e dá a eles. Após a
pintura, a irmã mais velha pinta a vara com urucu e depois todos se juntam numa casa
juntamente com o cantador, em seguida saem cantando pela rua da aldeia. Antes disso, porém,
os (ex) presos colocam um colar de miçanga feito pela namorada, se não tiver namorada, pode
ser feito pela mãe ou irmã. Retornam ao pátio, cantam e dançam misturados os grupos e o
cantador no meio deles. Após a música eles voltam para a mesma casa. Então aparece alguém
e recolhe as varas, retira os colares e divide entre as duas Wỹtỹ, quanto às varas ele amarra e
Após alguns dias, os (ex) presos pegam as varas e enfiam verticalmente no pátio nos
lados kojkateje e Harãkateje. Então, realizam uma corrida de tora entre essas metades,
Passado mais outros dias se juntam e saem da aldeia, se pintam da mesma maneira e
os pequenos se pintam nos olhos com janaúba (Himatanthus drástica plumel ou Plumeria
drástica) e cinza (carvão), e no final da tarde voltam para a aldeia e ficam na mesma casa de
antes, lá eles só cantam, o cantador os dispensa para fora e coloca lixo em cima das Mekujxwo
e dos IhKrat-ré que correm e param a uma certa distância enquanto os (ex) presos gritam
como animais e correm atrás deles até alcançá-las, então todos dão uma volta na rua da
aldeia. E repetem mais uma volta, desta vez batendo em lata, e assim encerra a festa.
A faculdade estética é inata ao homem, algo tão natural como o falar ou qualquer outra
expressão de atividade cognitiva (VIDAL, 1985, p. 15). E a busca pelo “belo” está presente
também é percebida entre os povos indígenas. E tal intento se manifesta através das mais
diversas expressões e produções, sendo parte delas categorizadas pela sociedade ocidental
Na realidade não há qualquer distinção de natureza entre a nossa arte e a dos povos
não-europeus, tecnicamente menos desenvolvidos. Ambas podem ser melhor
compreendidas se encaradas como expressões dos diferentes modos de sentir, de
pensar e de fazer das respectivas sociedades, e como intrinsecamente iguais, ou
compatíveis, enquanto resultados de impulsos humanos comuns.
Até o presente momento, é de entendimento comum que ao lado da arte lítica, dos
aparece como uma das principais expressões estéticas indígenas. Sendo utilizada em maior ou
estéticas por possuir o próprio corpo humano como suporte. Representando sobre o indivíduo,
uma espécie de vestimenta que o embeleza e o caracteriza, bem como ao momento em que é
festas).
aspectos não pragmáticos de objetos utilitários induz a afirmar que a necessidade de marcar,
A partir de tal afirmação, é possível inferir que a materialização do belo estético surge
como uma condição da própria existência do indígena como indivíduo e como ser social, visto
Sobre esse assunto, Van Velthem (1998, p. 87) comenta que, “os estudos sobre a
estética corporal (pintura e decoração, e máscaras) compreendem a temática mais estudada até
o presente, uma vez que é neste domínio estético que mais facilmente sobressaem aspectos
indígenas. No entanto, vale frisar que essas análises são específicas a cada etnia, não podendo
ser estendidas como referências a outros grupos. Salvo em análises comparativas. Quem
Concordamos com essa autora, quando ela estabelece essa relação entre o ético e o
corporal é a busca do belo, e a partir dele, é que se caracteriza a sua utilização. Compreendida
assim, faz-se uma inversão hierárquica do entendimento dessa expressão estética em relação
conteúdo temático.
procedimentos não possuem muita eficácia. No entanto, também são passíveis de análises
pelo seu formalismo, propiciando a obtenção de elementos específicos de análise, porém, não
de produção, que podem ser aplicados para facilitar a compreensão de tais produções.
39
Boas (1955, p. 12), “as formas elementares, tais como a simetria e o ritmo, não dependem
inteiramente da atividade técnica. São comuns a todos os estilos de arte, não sendo
uma das mais significativas características da pintura corporal indígena, existe uma certa
predileção pelo uso dessa convenção. Talvez, caracterizada pela síntese do motivo que nas
representação das pinturas corporais não figurativas. No entanto, o seu sentido também
coisas através de elementos como o ponto, a linha e figuras geométricas como o círculo e o
21
Sociedade indígena Mbyá-Guaikuru. Habita o oeste do Mato Grosso do Sul.
22
Povo da família lingüística Tupi- Guarani. Vive à margem esquerda do rio Jarí, no estado do Amapá.
23
Grupo da família Tupi-Guarani. Habita as margens do rio Xingu, no sul do estado do Pará.
40
através das abstrações visuais com conteúdo simbólico, como se, por exemplo, a mata, e seus
seres fossem vistos através de formas abstratas que também dizem respeito ao sobrenatural.
As pinturas corporais indígenas possuem cromia básica, sendo esta característica mais
técnica do que estética, pois está associada ao uso de determinado tipo de pigmento, visto que
a maioria dos povos indígenas possui algum tipo de padrão de pintura apenas em preto, obtido
vezes, também se pintarem somente com urucu (Bixa orellana). O uso do urucu junto com o
jenipapo ou carvão vegetal é uma outra opção pictórica dos grafismos corporais indígenas.
Tal discussão se faz necessária devido ao limitado número de cores utilizada na pintura
somado a outro pigmento; o preto do carvão orgânico com resina vegetal; e o pigmento de
argila, utilizado por alguns povos indígenas. Soma-se a essas cores, a própria pele inserida nas
composições gráficas através dos intervalos em negativo. Vale frisar que o uso e as possíveis
duas significações; a primeira é referente ao uso de padrões (modelos, forma) que são
uma certa continuidade na utilização ou não desses mesmos desenhos ao longo dos anos.
Sobre o primeiro tipo, um exemplo bem significativo, são os padrões de pinturas dos grupos
ou partidos masculinos, entre os Põhkrá (cf. cap. 4). Quanto ao segundo tipo, existem
Ribeiro B. (1985), possuem na sua pintura corporal, a sinuosidade como uma das principais
contribuições para a análise formal das pinturas corporais indígenas. Porém, aparecendo
cuja função específica é produzir objetos estéticos reconhecidos coletivamente como obras de
Nas sociedades indígenas a arte é um elemento que perpassa todas as suas esferas.
O artista é antes de tudo um artesão e o seu conhecimento está ao alcance de todos
assim como resultado de seu ofício, pois confecciona coisas que desempenham um
papel pragmático na vida comunitária. Entretanto, sobretudo através da decoração,
esses mesmos objetos podem clarificar para membros desta comunidade, as
intricadas e abstratas noções do código social. (VAN VELTHEM, 1998, p.88).
Portanto, o “artista” índio exerce basicamente dois papéis sociais. No primeiro, ele é
uma pessoa comum dentro da sua sociedade, exercendo basicamente as mesmas atividades
cotidianas ligadas à sua vida individual e à coletividade. Porém no segundo papel, sua função
o diferencia dos outros indivíduos, pelo seu papel de vestir os indivíduos com as pinturas
cotidianas ou específicas de algum evento social. E alguns dentro eles acabam tendo uma
rotinas específicas de cada sociedade. Na maioria das sociedades indígenas o papel de artista
(pintura corporal) é exclusividade feminina, porém em alguns momentos, essa função também
é exercida pelo homem. Tomando como referência à análise de Vidal (1985), sobre os Xikrin,
por exemplo, percebemos que é uma atividade realizada cotidianamente e executada nas casas
(o domínio das mulheres). Para elas, esse trabalho é contínuo, normalmente, estão sempre
diretamente. É percebido também que a pintura facial é aplicada sempre em primeiro lugar e
com mais esmero. Após a queda do cordão umbilical, o recém-nascido é pintado com suco de
mãe pelo filho. A escolha do desenho é livre, e é pintando a criança que a mãe se aprimora
As mulheres xikrin realizam sessões coletivas de pintura mais ou menos a cada oito
dias, na casa da esposa do chefe da aldeia. Todas recebendo a mesma pintura facial e corporal
filhos.
Outra característica interessante é que a pintura com urucu é usada na face e nos pés
e possui conotações estéticas muito mais marcantes, de ordem mágica, ritual e de auto-
afirmação. Sendo que segundo Vidal (1985) o urucu também é usado para simbolizar luto,
resguardo ou doença; e a pintura de carvão com resina é utilizada apenas pelos homens nas
deve aguardar algumas horas para poder tomar banho, de preferência que ele tome sol durante
25
Atualmente, tais expedições estão ligadas a reivindicações políticas e de luta contra os não-índios.
43
sociedade. (VIDAL, 1992). A necessidade de tal aceitação por parte da sua sociedade está
conseqüência disso o “artista” é aquele que possui a função e habilidade de reproduzir algo
estético e aceito coletivamente. Sobre os tipos de materiais e a maneira de usá-los são bem
variados. No entanto, alguns são bem comuns à maioria das sociedades indígenas.
Dessas técnicas a mais usual de todas é a pintura com jenipapo. Segundo Ivan, entre
os Põhkrá, prepara-se essa tinta ralando o fruto verde, espremendo o sumo e o misturando
com um pouco de água e pó de carvão vegetal para o desenho ficar mais nítido. Em seguida, é
colocado para fervura até ficar preto. Quando atinge esse ponto, é armazenado em vasilhames
para uso imediato ou posterior. Essa pintura pode ser executada com mão ou com pincéis de
lascas de madeira, pequenos talos com algodão na ponta ou penas de algumas aves. Na
elaboração dessa tinta, algumas sociedades indígenas não misturam o jenipapo com carvão,
De acordo com Vidal (1985), entre os Kayapó Xikrin, a pintura feita com jenipapo
Outro pigmento utilizado é o urucu (Fig. 6), obtido através da fervura de semente
dessa planta embebida em água. Na medida em que vai fervendo, o corante vai se descolando
da semente e emergindo para a superfície da água, formando uma camada. Nesse ponto, é
retirado para resfriamento, quando isso ocorre, esse corante endurece, e é colhido em forma
de bola e enrolado num pedaço de tecido, ou algo semelhante que sirva a esse propósito26.
26
- informações obtidas também com o Ivan.
44
A pintura de urucu é realizada com uso das mãos (Fig. 7), sendo a tinta preparada
Dependendo da região utilizam outros tipos de aglutinantes, sendo que atualmente, algumas
misturados com resinas como o leite da janaúba para fixar o pigmento sobre a pele. Essas
técnicas são executadas normalmente com as mãos. De modo geral todas essas técnicas são
executadas durante o dia para poderem fixar-se sobre a pele, ficando o indivíduo impedido de
tomar banho durante algumas horas para não apagar a pintura. Quanto à durabilidade, a mais
resistente é a de jenipapo, que permanece por cerca de duas semanas, após a execução. Porém,
88), “através da arte são transmitidas referências sobre a vida em sociedade: o sexo, a idade, o
grau de parentesco, a filiação clânica, a metade exogâmica de seus membros e também noções
acerca do mundo não social: a natureza e a sobrenatureza”. Enquanto que para Vidal (1993, p.
560), a pintura corporal é um dos meios de marcar uma dependência cultural ou étnica, uma
identidade individual, uma relação com o meio tecnológico, um status e num papel, uma
ligação com o sobrenatural, e uma atitude pessoal diante das regras e das atitudes do interior
dessas regras.
temática, percebe-se que Velthem em sua análise consegue sintetizar praticamente todo o
universo temático e de uso da pintura corporal indígena brasileira. Enquanto que Vidal está
46
mais voltada para a visibilização das possíveis funções dessa expressão. Mas ainda assim é
possível identificar em seu texto, o conteúdo temático. Embora não seja enfatizado por essas
autoras, vale frisar que como primeira condição de uso da pintura corporal, o belo estético é
caracterizado e variado de acordo com quem usa, com o motivo representado e com o
Tomando como referência algumas categorias listadas por Van Velthem temos dois
grupos temáticos básicos sobre a pintura corporal indígena, a vida em sociedade e o mundo
não social. No primeiro, ela insere todos os aspectos da vida do indivíduo, listados e
analisados a seguir
verdade’, de uso exclusivo feminino entre os Asurini. (Muller, 1985). Outro povo no qual se
percebe essa diferenciação é o Xikrin, pois segundo Vidal (1985), entre eles a pintura do
estudos sobre os Asurini. Entre eles, o que diferencia a pintura masculina da feminina é a
horizontais, enquanto que nas mulheres os motivos são representados na vertical. Havendo
ainda outras divisões comuns ambos os sexos. São elas: o rosto; metade do rosto, entre o nariz
e o queixo até as orelhas; ombro; braço; mão; tronco e coxas até abaixo do joelho; perna, do
Esta mesma autora cita que os padrões e motivos asurini, são básicos para ambos os
(masculina). Vale frisar que em praticamente todas as sociedades indígenas existe essa
caracterização da pintura por sexo, havendo, no entanto, motivos de uso comum a ambos.
47
Outra categoria listada por Van Velthem é a idade. Vidal, (1985), faz uma
significativa observação sobre os Xikrin, a respeito da pintura das crianças, afirmando que o
corpo da criança é o laboratório da jovem mãe para a aprendizagem da pintura, visto que é
usando e reusando o corpo do filho que uma mulher ensaia, aprende e se qualifica como
pintora. E normalmente os desenhos executados por elas nas crianças são livres, sem
do indivíduo, são de acordo com o momento, seja ele cotidiano ou festivo (ritualístico).
Um dos exemplos disso é observado nos Põhkrá, nas suas pinturas dos partidos (cf.
cap. 4), na dos corredores de toras e na dos guerreiros, elas só são permitidas a determinados
categorias analisadas por Velthem, pois o que é parentesco no contexto indígena? São aqueles
tipos de representação pictórica corporal por parentesco, são observados nos ritos, pois
normalmente os garotos pertencem aos mesmos grupos/partidos dos tios maternos que os
parentesco citado nos registros bibliográficos sobre a pintura corporal dos Kadiwéu, cujos
hierarquia, estando esse tipo de parentesco ligado à noção de classe social. No entanto,
segundo essa autora, atualmente, vivem vestidos com os panos que conseguem no trabalho em
fazendas vizinhas, e raramente pintam o corpo. A única aplicação que restou à sua inigualável
caso dos Timbira que em algumas de suas festas, os indivíduos são divididos em grupos
(partidos), cada um, possuindo seu próprio padrão de pintura (cf. grau de parentesco), que
normalmente são associados a animais. Conforme Velthem (1985), para os Kayapó Xikrin, a
grupos indígenas que habitam a mesma região. Ser Kayapó é, de uma certa forma, aparecer
grupo temático definido por Velthem como o mundo não social. Esse grupo trata das
sociedade.
algum evento, seja ele uma festa, um pesadelo, uma corrida de tora, ou de outra natureza.
Dando a esse povo um certo ‘status’ de ‘vestimenta’ especial, pois não a usam simplesmente
por usar, e sim para aparecerem mais dignos e belos. Bem como para simbolizar e caracterizar
momentos específicos.
49
O primeiro registro conhecido sobre a pintura corporal dos Põhkrá Kanela, foi
elaborado por Paula Ribeiro (2002), no início do século XIX. Em sua narrativa ele cita que
esses indígenas, à sua época, viviam exatamente nus, tal e qual a natureza os produziu, usando
por única compostura pintar seus corpos com tinta preta feita do suco da fruta que se chama
jenipapo e com a tinta vermelha extraída da semente do urucu. Prosseguindo em sua descrição
esse autor comenta que tiram da planta janaúba, um leite pegajoso, com o qual vão fazendo
alguns desenhos em seus corpos, e os quais cobrem depois com penas miúdas e pintadas de
diversos pássaros que apanham; também aplicam essas tintas em grandes listras por todo o
corpo.
Embora o registro de Paula Ribeiro sobre a pintura Corporal dos Põhkrá Kanela seja
apenas descritivo, traz informações significativas sobre esta expressão, visto que através da
sua crônica é possível identificar as técnicas (tintas), jenipapo, urucu e janaúba, além das
Paula Ribeiro teve um olhar bastante aguçado, algo percebido quando ele cita a
execução de desenhos e posterior revestimento com plumas de aves. Este processo segundo os
informantes Põhkrá Kanela somente é realizado nas festas ou então, como homenagem
respeito dessas corridas, possivelmente esse autor não assistiu a nenhuma delas, visto que
essas corridas são bem atraentes e grandiosas, e mobilizam boa parte dos homens da aldeia.
Algo que não passaria despercebido por um cronista detalhista como Paula Ribeiro. Após
Paula Ribeiro, quem descreve a pintura corporal Põhkrá Kanela é Nimuendaju (1946),
Figura 8 – Padrões dos grupos do pátio: Hàka, Xep-ré, Xewxet-ré, Awxet, Khet-ré e Kupẽ
Sobre esses padrões e os grupos aos quais estão associados, este autor observou que
são pintados no encerramento dessa festa, no horário da manhã, pelos seus tios maternos que
os nominaram. Essas pinturas (Fig. 9) são representadas, em forma de padrão que se repetem
uma mão. Começando um pouco abaixo dos olhos à altura da base do nariz, descendo através
do pescoço, dos peitos, chegando até um pouco acima dos joelhos; outra ramificação desce
padrão do seu grupo Hàka, Xep-ré, Xewxet-ré, Awxet, Khet-ré e Kupẽ, ainda nas casas antes
de irem para o pátio, essas pinturas são realizadas com jenipapo e urucu. Segundo Crocker
(1990) a composição desses padrões vem sendo modificada ao longo dos anos, visto que
apenas um padrão é idêntico aos observados por Nimuendaju no início do século XX. No
entanto, sem dados precisos, não cabe aqui ficar especulando sobre os possíveis fatores que
inspirado na estampa da pele dessa serpente, pois é composto por duas meias-lua côncavas
vermelhas intercaladas por dois pequenos losangos; o Xep-ré tem na sua representação a
forma de um ‘X’ com pequeno círculo no cruzamento das duas diagonais, e decoração com
pequenos pontos vermelhos nas laterais, porém foi catalogado também este padrão com
composição semelhante ao Xewxet-ré, este possui padrão como o Hàká, com duas meias-lua,
porém sem o preenchimento com a tinta de urucu. Suas áreas são decoradas com pequenos
pontos em preto e o intervalo entre elas é ocupado por uma linha de pontos também em preto.
O primeiro dos grupos do oeste, o Awxet também possui semi-luas, sendo duas
grandes e estreitas nas laterais, e duas menores nas partes superior e inferior. Todas são
representadas em negativo, com pequenos pontos pretos. A área dos intervalos entre elas é
pintada com urucu, uma outra representação deste padrão foi elaborada por Ivan, sendo
composto uma meia-lua e pequenos círculos dando ao desenho a forma de uma pegada
(Fig.10); já a pintura do Khet-ré é formada por uma estrela de quatro pontas em diagonal,
intercalada na vertical por área pintada com urucu, e na horizontal por espaços vazios; o
último dos grupos é o único que não possui nome de animal, pois para os povos Timbira, o
termo Kupẽ significa, o estranho, ou seja, aquele que não é Mehin (da mesma carne, parente).
52
O padrão desse grupo é composto por seis pontas de lança dispostas em três pares simétricos.
O desenho desse padrão não possui preenchimento com tinta de urucu. Quanto à inspiração de
.
Figura 10 – Padrão do grupo Awxet,
desenho sobre papel elaborado por
Ivan
Vale ressaltar que as representações desses padrões analisados acima são baseados em
versões desenhadas por informantes, (Fig.11), visto que essas pinturas só são realizadas na
festa do Pepjê, e assim sendo é possível que tenha havido variações na elaboração dos
desenhos coletados, pois segundo os informantes eles só sabem desenhar a pintura de seu
Outras pinturas significativas dos Põhkrá Kanela são as dos corredores de tora,
como os reclusos, possui padrões que só podem ser utilizados por eles, sendo o mais
27
conhecido o Mehkajcàrà hôc , (Fig. 12), representado com largas faixas em preto e (ou)
vermelho. Essas faixas são representadas sobre o peito e abdome e também sobre os braços. E
Além das pinturas já citadas, existem as pinturas livres, que são utilizadas tanto no
cotidiano quanto nas festas pelos indivíduos que não estejam submetidos aos rigores da
arbitrariedade daquele evento. Ao longo da pesquisa de campo foi possível catalogar nove
padrões dessas pinturas sendo que alguns possuem pequenas variações das mesmas formas
básicas ou então junção de dois padrões em uma só composição. Nessas pinturas é que se
percebe a maior diversidade de motivos e padrões, visto que não precisam se subordinar à
arbitrariedade de padrão como os reclusos. Esses indivíduos são pintados pelas mulheres com
Algumas pinturas possuem o mesmo padrão e formas básicas tanto para os homens
adultos/corredores de tora como também para as pinturas livres, variando às vezes apenas as
cores ou a composição sobre o suporte corporal. No quadro abaixo, (Fig. 13), segue a listagem
de tora
28
- os meninos também usam, desde que não seja bem elaborada a pintura.
55
de tora
de tora
de tora
de tora
varia é o padrão representado e a técnica utilizada: pintura com urucu, com janaúba, ou com
jenipapo. Algumas pinturas são executadas com mais de uma dessas técnicas. Sobre esse
[...] não cortar o cabelo e abster-se de pinturas corporais, restrições que são sempre
concomitantes, significam, em todos os contextos, não participar da vida pública.
Assim, foi nos dito certa feita, os homens mais velhos não pintam o corpo, apenas
braços, pernas e rosto já que ficam sentados às portas das casas, de lá exortando os
corredores de toras e os participantes dos rituais. Pela mesma razão, asseguram-nos
então, não se pinta a criança até ela sair ao pátio, apenas se a tinge com urucum.
Renunciar à ornamentação corporal implica teoricamente não correr com toras, não
cantar nem dançar no pátio.
dos velhos e as observações em campo. Foi verificado que entre os Põhkrá a sua pintura está
realmente ligada à vida pública, e os indivíduos que mais se destacam nos eventos e no
cotidiano, normalmente são os que aparecem mais pintados, sendo que em termos
29
- não estão aqui incluídos os padrões de pintura dos reclusos da festa do Pepjê, por já terem sido apresentados
acima.
56
pertencentes à classe dos mẽtuajê (rapazes), idades nas quais os indivíduos, independente de
qual sociedade pertença, normalmente são mais vaidosos, confirmando a idéia de que a
pintura corporal antes de qualquer outra coisa é um atributo estético. Outro dado a ser
acrescentado para o destaque dessas classes é que de acordo com alguns informantes velhos,
um dos objetivos das festas é movimentar os jovens, fato bastante percebido durante nosso
período de campo.
(meninas pequenas) e mẽ’kore (adultos), quanto aos mẽprek (os velhos), segundo alguns
padrões das demais classes de idade. No entanto, algumas mulheres dessa mesma classe nos
informaram que não se pintam porque o pau-de-leite (janaúba) fica longe. Ou seja, elas não se
pintam porque a árvore janaúba fica distante e devido à idade elas não têm como alcançá-la
para buscar a matéria-prima para essa que é a pintura mais utilizada entre os Põhkrá Kanela.
parte dianteira, posterior e nos braços. Normalmente começa com uma ‘gola’ em ‘V’ aberto
de ombro a ombro, composto por uma ou duas faixas em preto, podendo ou não ser
57
preenchidas com urucu; dessa gola, nas pinturas das mulheres, partem listras verticais que
descem até a região do ventre. Nos homens, essas listras começam na altura do peito;
ladeando essas listras, acompanham formas com padrões geométricos; essa mesma
composição se repete nos braços, terminando com uma ‘pulseira’ em preto/jenipapo; a pintura
se completa nas pernas com um preenchimento total ou parcial que desce até a altura da
panturrilha.
abaixo e nos lados externos dos olhos, e na altura das bochechas, (Fig.15), essas marcações
padrões catalogados e listados em quadro acima, com análise sintética sobre cada um deles. O
padrão Hàká hôc, (Fig. 16), segundo os informantes Joana Kupẽ (84) e Antonio Canin (61),
30
as desenhos serão representados em forma de barra para se ajustarem melhor à estrutura do texto, no entanto,
aparecem no corpo dos Põhkrá em forma de coluna.
58
representa a pele da cobra jibóia, sendo usado principalmente pelas mẽkpry para as danças no
pátio. Porém, de acordo com Raimundo Roberto (75), este seria o desenho do Khen – pu
cahàk (pedra bonita comum). Este padrão é representado por formas triangulares
seqüenciadas em positivo com barra também em positivo com espaço em negativo entre elas.
Este padrão também pode ser chamado de Mẽ wa xawah hi hôc, com tradução significando
pintura de dente apontado, por fazer alusão aos dentes dos Põhkrá quando são apontados de
forma a parecerem com os de peixes como a piranha (Serrassalmus sp.). Algo facilmente
Outro padrão encontrado é o Xep-ré jará hôc (Fig. 17), este padrão é inspirado nas
asas do morcego, sendo utilizado pelas mulheres, principalmente as mẽkpry, nas festas, e
também nas corridas de tora. O desenho deste padrão sobre o corpo é realizado com tinta de
janaúba, e trás a estilização da asa do morcego em positivo, ladeado internamente por barra
vertical. Este padrão possui uma variação masculina utilizada pelos corredores de tora e
Já o motivo Kagã hôc, (Fig. 18), conhecido a pintura da cobra, conforme Marinaldo
Crotô (26), é utilizado pelo individuo para ganhar força,segundo ele, toda pintura de animal
representa as características daqueles animais. Sendo este padrão utilizado tanto pelos homens
corredores de tora como pelas mẽkpry. De acordo com José Pires, este padrão também
conhecido como Portĩ Hôc (pintura do sapo). A sua composição possui a forma em positivo
das presas de uma cobra, sendo complementado internamente por linha reta média com
intervalo em negativo.
filhos, e é composto por dois pequenos riscos que alternam inclinações para a direita e para a
esquerda, (Fig. 19). Durante a pesquisa de campo encontramos composições com este padrão
justaposto ao Intoh hôc – pó (ou pintura larga da cara). Porém os informantes disseram que
aquela pintura estava errada porque as duas não podem ser pintadas juntas.
informantes, a costa do carrapado, sendo usado pelas mulheres da metade Kojkatejê durante
as festas. O seu desenho traz pequenos triângulos cheios, intercalados por semiluas.
Em seguida temos o Mẽh hôc, (Fig. 21), que os informaram definiram apenas como
pintura qualquer. É usado pelas mulheres durante as festas. O seu desenho é composto por
triângulos como vértices invertidos que se alternam ao longo da composição que é completada
A In toh hôc pó, (Fig. 22), pintura larga da cara é um padrão segundo os informantes,
que é usado por quem tem mais força (corredores de tora) ou então por quem não tem
responsabilidade ainda como as mẽkpry-ré. Este padrão consiste basicamente em duas listras
largas pintadas em preto, sendo em alguns casos completada externamente por outra em
vermelho.
Já a Mẽkpry hôc, (Fig. 23), ou pintura da moça, e´um padrão híbrido formado a partir
do In toh hôc po e do Mẽ wa xawah hi hoc e pode ser utilizado livremente pelas garotas.
Sobre o Ron hôc krãh k’a, (Fig. 24), pintura da casca da macaúba (Acrocomia
aculeata), este segundo os informantes, só usam esta pintura para embelezar mesmo e
O oposto disso é percebido no Ih hôc xwah hi (Fig. 25) inspirado no cipó escada de
jabuti (Bauhimia guianensis aulb), conforme os informantes, este padrão é usado porque o
cipó tem muitas qualidades, é forte, tem muitas utilidades no dia-a-dia, e por isso é importante
Quanto ao Khen pu ti hôc, (Fig.26), este segundo Raimundo Roberto, significa pedra
grande bonita, e é usado pelos homens adultos. O seu desenho é bem diferente dos demais
padrões, pois é composto em forma retangular até a altura do peito, possuindo como
Outro exemplo de composição diferente é o Kraho hôc, (Fig. 27), pois segundo os
informantes, este padrão é originário dos índios Kraho. O desenho deste padrão é formado por
(Oenocarpus bacaba), esta pintura sempre é utilizada nas corridas de tora, segundo os
informantes só pode usá-la quem pode correr com tora grande, porém os garotos a usam,
embora apenas com desenho mais simples para demonstrarem que quando crescerem querem
ser fortes e grandes corredores. A composição deste padrão é formada por largas faixas em
vermelho e preto, que se alternam. Às vezes na ausência de uma destas cores, o espaço, da
informantes, de uso exclusivo dos homens adultos e a sua utilização normalmente só ocorre
durante as festas. O desenho deste padrão é composto por meia-semente pintada em preto e
Também pertencente aos adultos é o Tep hôc ou pintura do peixe, (Fig. 30). De acordo
com informantes o desenho deste padrão retrata os dentes do peixe. O seu desenho é
representado por duas faixas pretas na vertical com uma terceira em negativo entre elas.
A ultima ilustração de padrão é referente ao Rohti xwahnã hôc, (Fig. 31), ou pintura
de dente de sucuri (Eunectes murinus). Sendo este também um padrão característico dos
corredores de tora. E traz na sua representação a forma dos dentes desse réptil, de maneira
estilizada com duas barras em preto verticais separadas por uma mais larga em vermelho, e na
parte externa do motivo as formas pontiagudas que fazem alusão aos dentes da sucuri,
uma das mais significativas características da sociedade Põhkrá Kanela, conforme foi
representações é possível perceber uma das bases da sua altivez estético-cultural, bem como
5 – CONCLUSÃO
percorrer o caminho que leva aonde somente os olhos (idéias) chegam, pois, para a realização
de tal empreitada, muitos são os obstáculos e somente quando são superados é que se
elaboração do projeto de pesquisa até este momento conclusivo. Muitos foram os caminhos
com obstáculos e tantas foram as descobertas que trouxeram novos olhares e novos
A primeira e também uma das mais significativas descobertas foi o nome Põhkrá
Kanela, visto que eles são denominados nos trabalhos etnográficos como os Ramkokamekrá,
termo refutado por todos os membros dessa nação indígena. Aparentemente, seria apenas uma
questão de nominação, porém, representa algo bem mais significativo, pois, Ramkokamẽkrá
significa os filhos ou oriundos do lugar/brejo das almécegas. Enquanto que Põhkrá representa
os filhos do campo, cerrado/chapada bioma no qual esse povo encontra elementos de sua
foram obtidos ainda na cidade de Barra do Corda com índios que residem ou estavam lá por
outros motivos. Quando se chegou à aldeia vários imprevistos aconteceram, dos quais os mais
relevantes foram: a não realização da festa do Pepjê que por informações equivocadas
aguardou-se ansiosamente, porém a festa que aconteceu e a qual oportunamente assistiu-se foi
reclusos foram obtidos somente por desenhos realizados pelos informantes; outro imprevisto
ocorrido foi a ausência de um ou outro dos informantes por estarem viajando ou trabalhando
nas suas roças; bem como também do numero reduzido de indivíduos pintados durante a
primeira estada em campo, ocasionando uma mudança de método para obtenção de imagens
das suas pinturas corporais, sendo adotado então, a coleta de desenhos executados por eles
sobre papel e posteriormente mostrados aos mais velhos para a identificação dos nomes e
significados.
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Sobre a pintura corporal enquanto elemento estético e social põhkrá, muitos são os
registros e descobertas realizadas ao longo de todo o trabalho, sendo uma delas sobre as
técnicas utilizadas: urucu, jenipapo e principalmente a janaúba que eles chamam de pau-de-
leite. Estas técnicas normalmente são de domínio feminino, que realizam as representações
pictóricas e gráficas sobre a pele de todos os indivíduos indistintamente, exceção feita apenas
às pinturas dos reclusos da festa do Pepjê, realizada pelos seus tios maternos.
mais belos, embora dependendo do padrão representado também haja uma associação
simbólica com o motivo natural ou sobrenatural que inspirou aquela pintura em especifico.
No cotidiano põhkrá quem mais se pinta são as mẽkpry, no entanto as demais classes de idade
também se pintam, exceção feita a momentos especiais como o luto. Nestes padrões usados
no cotidiano normalmente se destaca a pintura com janaúba por ser uma técnica mais
acessível.
sendo especificas de determinados indivíduos nos eventos. Como exemplo temos os padrões
de pintura corporal dos reclusos do Pepjê, os quais só são usados pelos indivíduos de cada
grupo, dando assim a essas pinturas uma outra função além da estética que é a função social,
natureza mais histórica como comenta Jojô, segundo ele a pintura não muda, pois foi assim
que receberam de seus avós. Porém contrapondo-se a ele existem relatos de outros
informantes que dizem que antes havia mais pintura, e algumas diferentes das de hoje. E vale
relembrar também que de acordo com Crocker (1990), os padrões de pintura dos reclusos vêm
67
informantes, antes não se pintavam com jenipapo, pois só conheciam o pau-de-leite. Porém,
Paula Ribeiro (2002) comenta o uso dessa técnica ainda no início do século XIX.
pintura corporal enquanto elemento da identidade põhkrá foi bem notório e relevante, visto
que a mantêm em uso constante mesmo quando estão fora da aldeia; e foi possível observar
esta arte expressada até mesmo sobre uma boneca de uma criança na aldeia. Relembrando o
pensamento de Jojô, o que se percebe é o seu engajamento e interesse em manter viva essa
expressão bem característica da sua identidade cultural, pois, a ele e a qualquer outro Põhkrá,
está claro que o formalismo dessas representações sofre alterações, mas, as suas funções
estéticas e sociais é que vêm se perpetuando ao longo dos tempos, e parece ser este o
verdadeiro sentido da sua frase a pintura não pode mudar, pois assim a recebemos de nossos
avós. Visto que associados a elas, recebem dos seus avós, fundamentos, princípios, “leis” e
outros elementos culturais, e não apenas as representações formais dessa expressão artística.
corporal entre os Põhkrá, no entanto o resultado foi bem satisfatório mesmo com um período
de campo relativamente curto e apesar das informações sobre alguns padrões estarem quase
merece aprofundamentos bem maiores, algo a ser concretizado em outras pesquisas que
pretende-se realizar, bem como espera-se que seja feito por outros pesquisadores como Nelma
REFERÊNCIAS
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materiais; arte e corpo: pintura sobre a pele e adornos de povos indígenas brasileiros. –
GLOSSÁRIO
às casas e a terra
Hro’pô Rompo
Kocrit Kocrit-ré ho
Kocrit-ré ho
krahti
Ka Lugar Cá
pátio e o céu.
(Berubu)
Ko / Co / Cu Água Co
corredores de tora
bacabeira
Mẽkprỹré
pĩ
cerrado
Prohkãma,
ré Pequeno Ré
hôc (sucruio)
Ti Grande Thi