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No início do século XX, inúmeros ritmos eram ouvidos na cidade do Rio de Janeiro:
maxixe, tango, tango argentino, tango carnavalesco, toada sertaneja, batuque, embolada,
valsa, mazurca, xote, samba, samba carnavalesco, lundu, corta-jaca, marcha
carnavalesca, charleston, one step, fox-trot, rag-time, cateretê, samba-canção, choro,
choro-modinha, choro-canção, modinha, toada, marcha, marcha-rancho, dentre outros.
(REIS, 2003:251). No entanto, apesar da diversidade da paisagem sonora, o samba foi
escolhido e alçado a símbolo da nação. De um ritmo musical produzido nas primeiras
décadas do século XX pela/nas comunidades negras cariocas, o samba transforma-se e,
nos anos 30 e 40, passa a ser conhecido nacionalmente. Deixa de ser considerado um
ritmo de origen africana para ser visto como música brasileira.
Este processo, de conversão de símbolos étnicos em nacionais, está vinculado a busca
de soluções para a população negra após a sua libertação jurídica em 1888. A recente
República Brasileira temia a presença de escravizados libertos e de seus “bárbaros”
descendentes e possíveis conflitos raciais. Entretanto, mesmo sem a República ter
planos de integrar a população negra à nação brasileira e de não se comprometer com a
participação política de todos os cidadãos, vários grupos se organizaram para atividades
tais como futebol e carnaval (CARVALHO, 1987). Deste modo, as irmandades negras,
os grupos de cucumbis, as congadas, as folias de reis, os ranchos, os cordões, as
macumbas e os grupos de samba propõem outras maneiras de organização política. Por
não reconhecer os negros como cidadãos brasileiros, a Primeira República não poderá
reconhecer a produção cultural e musical negra.
Buscando bases culturais na Europa, em especial na França, já em seu início, a
República Brasileira incorporou diversos debates sobre a desigualdade das raças vindos
do velho continente. Na verdade, os republicanos desejavam fazer do Brasil, uma
França Tropical. E por meio destes debates se buscou formas de estabelecimento dos
lugares a serem ocupados pelos brancos e pelos pretos (SCHWARCZ, 1993).
Um século antes, nos oitocentos, o projeto Iluminista, se opondo ao pensamento
medieval europeu, entendia o homem como contrutor de conhecimento e referência de
todas as coisas. Tudo podia ser conhecido, explicado e compreendido. Além de ser
produtor de conhecimento, o homem também poderia ser conhecido. Poderia ser
explicado. Segundo Almeida (2018, p.19), “o iluminismo constituiu as ferramentas que
tornariam possível a comparação e, posteriormente, a classificação, dos mais diferentes
grupos humanos com base nas características físicas e culturais”. Entre os varios
filósofos iluministas, destaco o Barão D’Holbach, um franco-alemão, que conviveu
intensamente com Diderot, Condillac, Condorcet e Rousseau. Para ele, baseado na visão
monogenista de que a origem humana era única e reforçava a igualdade entre os
homens, a racionalidade não atingia todos os povos de forma igual. Entendendo a
racionalidade e a civilização como um processo, d’Holbach (1774) acreditava que todos
os grupos humanos cumpririam seus processos históricos e se civilizariam. Muniz Sodré
exemplifica bem:
O discurso(...) evolucionista pelas [características da espécie humana]
não vê mais do que fases diversas de um mesmo processo de
transformação capitaneado pela civilização ocidental, fases de uma
verdade. Desse modo, passando a perspectiva a ser concebida como a
verdade da representação do espaço, a ausência dessa técnica no Egito
Antigo era concebida como uma etapa anterior na linha reta que
levaria ao desenho com perspectiva no Ocidente (...). (SODRÉ, 2005,
p. 26)
IV- METODOLOGIA:
Esta pesquisa será apoiada por uma substancial revisão bibliográfica, com fontes
primárias e secundárias, o que contribuirá decisivamente para a construção de um
referencial teórico que possibilite estabelecer relações entre o pensamento social
brasileiro, a história da república e a história do samba no Rio de Janeiro.
Conduzida por um olhar problematizador e qualitativo sobre as fontes bibliográficas,
busco articular diferentes campos de conhecimento, tais como história, música e
ciências sociais em uma perspectiva interdisciplinar para melhor compreender o objeto
a ser pesquisado. Utilizarei fontes tradicionais, tais como textos primários de época,
assim como uma bibliografia secundária sobre o tema.
Para tentar entender a relação entre a produção simbólica negra musical na Primeira
República (1889-1930) e as teorias do racismo “científico”, pretendo realizar um
profundo estudo sobre o período republicano e construir um mapa de autores brasileiros
que se dedicaram a entender o país no final do XIX e na primeira metade do século XX
e escreveram sobre cultura, identidade nacional, eugenia, darwinismo social,
evolucionismo, entre outros temas afins. O destaque será dado para autores que tiveram
relevância nacional e que interviram nas políticas republicanas. Considerando aqui,
como fontes primárias, os livros produzidos sobre a participação negra na construção da
ideia de nação no Brasil, destaco aqui a produção de João Batista Lacerda, Silvio
Romero, Raimundo Nina Rodrigues, Alberto Torres, Euclides da Cunha, Manuel José
Bomfim, Edgard Roquette-Pinto, Luís da Câmara Cascudo, Arthur Ramos. Pretendo
incluir também os teóricos do evolucionismo Spencer, Tylor, Darwin, Louis Agassiz e
Gobineau.
Seguirei em estudos sobre a Era Vargas (1930 - 1945) e sobre o período populista (até
1950) e as ideias de autores que apontaram para novos caminhos para analisar o país,
tais como Mário de Andrade, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda e Roberto
DaMatta. Desta forma, poderei analisar as teorias do racismo “culturalista” na primeira
metade do século XX como forma de explicar as bases da nação brasileira.Entendendo
que os autores citados, inseridos em debates sobre a presença negra no Brasil,
produziram documentos (primários), precisarei organizar e destacar as fontes mais
importantes, em uma exploração mais profunda, as quais melhor contribuirão para que a
nossa questão de pesquisa possa ser respondida. Assim, o trabalho apresentará uma
perspectiva qualitativa, com ênfase na pesquisa documental.
Com o mapa concluído e com as fontes organizadas, continuarei a analisar o conteúdo,
entendendo quais ideias romperam as margens acadêmicas e foram incorporadas aos
discursos correntes, produzindo práticas, discursos e políticas públicas. Como já falado
anteriormente, o objeto será analisado dentro do contexto histórico. Assim, faz-se
necessário contextualizar estas fontes, inserindo-as no debate da época.
Realizarei, também, um levantamento da produção acadêmica, no campo da história,
ciências sociais, comunicação e música sobre o samba, incluindo, também os livros
produzidos por jornalistas, sambistas e folcloristas. Este levantamento incluirá
publicações científicas em periódicos, livros, anais de congressos, buscando reunir a
produção existente sobre a história do samba da forma mais abrangente possível. Ainda
em um levantamento inicial de livros, destaco os trabalhos dos jornalistas Ary
Vasconcelos, Edigar de Alencar, Francisco Guimarães (Vagalume), Henrique Foréis
Domingues (Almirante), Lira Neto, Lúcio Rangel, Orestes Barbosa, Sérgio Cabral; dos
acadêmicos: Ana Maria Rodrigues, Carlos Sandroni, Hermano Vianna, José Miguel
Wisnick, José Ramos Tinhorão, Mônica Pimenta Velloso, Muniz Sodré, Nélson da
Nóbrega Fernandes, Roberto Moura, Santuza Cambaia Neves; do folclorista e
musicólogo Renato Almeida; e dos sambistas Nei Lopes e Candeia.
Com o levantamento das fontes primárias e da produção acadêmica, jornalística e
folclórica sobre o samba do Rio de Janeiro em seu contexto de produção; torna-se
necessário retomar as leituras de estudiosos do campo das relações raciais na busca de
uma atualização conceitual e teórica. Partindo dos conceitos apresentados por autores do
campo das humanidades, a pesquisa será realizada por meio do método conceitual-
analítico o que contribuirá para uma melhor análise do objeto de estudo. Autores tais
como Muniz Sodré, Sílvio Almeida, K. Munanga, P. Gilroy, S. Hall, A. Cesaire, F.
Fanon, A. Quijano, serão revisitados. Destaco que o corpus de autores tenderá a
aumentar com o desenrolar da pesquisa.
Finalmente, de posse das fontes primárias organizadas e analisadas; do levantamento da
produção realizada por acadêmicos, jornalistas e folcloristas sobre o samba; de uma
reelaboração teórica-conceitual; realizarei a análise dos dados recolhidos como forma de
examinar as permanências e deslocamentos das bases teóricas do racismo “científico” e
“culturalista” no processo de legitimação do samba, antes um símbolo étnico, como um
símbolo nacional.
Apesar de apresentar os passos a serem seguidos para realização da pesquisa, não
entendo a metodologia de uma pesquisa como uma ferramenta externa que ilumina o
nosso caminho no encontro com a verdade. Considero que as interrogações que já
realizei, ao logo do extenso caminho trilhado, me fazem pensar a opção metodológica
como uma opção existencial, que sigo, por ser esta a forma com a qual lido com o
conhecimento. A própria escolha do tema de pesquisa, e até considerá-lo como um
tema, como algo relevante e justificável de constar em instituições valorizadas
socialmente como difusoras de conhecimento, já me coloca novas questões. No
exercício da pesquisa, recriamos nossos métodos que se adaptam aos novos tempos, aos
novos fatos, às novas perguntas e às novas circunstâncias. Como diz Peirano (2014, p.
5), “a própria teoria se aprimora pelo constante confronto com dados novos, (...)
resultando em uma invariável bricolagem intelectual”. Tratando da etnografia, me
aproprio do artigo de Peirano dizendo que uma boa pesquisa, “será também
contribuição teórica; mas se for uma descrição jornalística, ou uma curiosidade a mais
no mundo de hoje, não trará nenhum aporte teórico” (PEIRANO, 2014, p. 7). E, no caso
desta proposta de pesquisa, que apresenta perguntas a serem respondidas por diferentes
campos do conhecimento, os métodos deverão estar adequados a eles, reconhecendo a
multiplicidade das abordagens e a produção de novos aportes teóricos. Recorrendo à
pesquisa cartográfica, penso que o
método de pesquisa-intervenção pressupõe uma orientação do trabalho do pesquisador
que não se faz de modo prescritivo, por regras já prontas nem com objetivos
previamente estabelecidos. No entanto, não se trata de uma ação sem direção, já que a
cartografia reverte o sentido tradicional de método sem abrir mão da orientação do
percurso da pesquisa. O desafio é o de realizar uma reversão do sentido tradicional de
método - não mais um caminhar para alcançar metas pré-fixadas (metá-hódos), mas o
primado do caminhar que traça, no percurso, suas metas. (...) A diretriz cartográfica se
faz por pistas que orientam o percurso da pesquisa sempre considerando os efeitos do
processo do pesquisar sobre o objeto da pesquisa, o pesquisador e seus resultados.
(PASSOS et al, 2009, p.17)
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