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DARWINISMO SOCIAL, MESTIÇAGEM E RACISMO: PARA UMA OUTRA

HISTÓRIA DO SAMBA E DO TANGO (1910 – 1950)


Apresentação: o que é (contexto, conceitos, dados históricos, problema, argumento,
metodologia, pq,
Este projeto tem por objetivo geral compreender o processo de transformação do samba,
de símbolo étnico em símbolo nacional, em suas relações com teses e projetos políticos
da República. Por se relacionar não só as práticas culturais negras, mas por implicar no
reconhecimento social, artístico e epistêmico de uma população que não tinha sido
incluída nos projetos de cidadania, este processo foi muito tenso e conflituoso.
Legitimar o samba implicou em definir o papel do negro na sociedade brasileira e das
suas memórias. E, da mesma forma como acontece em relação à população negra, o
samba foi exaltado em alguns momentos e desvalorizado em outros.
Desde o final dos anos 90, venho investigando a cultura negra carioca, com destaque
especial para a música, por meio das lentes da história e da etnomusicologia.
Entendendo que o samba é pensado como representante da identidade brasileira,
entendo ser insatisfatória a quantidade de pesquisas sobre a temática. Indo um pouco
além, o samba, a música da diáspora africana no Rio de Janeiro, ainda não é um tema
valorizado dentro do espaço acadêmico.
Em uma busca rápida, pelo banco de teses da Capes e pelo Scielo, iremos encontrar
trabalhos que majoritariamente se restringem à análises de letras de música e ao desfile
de carnaval. No campo jornalístico, entretanto, encontramos uma considerável produção
de livros, principalmente no campo das biografias. Mas raros são os estudos, tanto na
área da musicologia, quanto na história, que problematizem de forma relacional
racismo, samba, identidade nacional e o mito da democracia racial. De uma forma geral,
o samba é compreendido como a música de todo brasileiro e apresentado em diversas
pesquisas um símbolo mestiçagem e da harmonia.
Narrar a história do samba como resultado de uma perspectiva racista “científica”, faz
com que entendamos o samba como uma produção decadente dos moradores das favelas
cariocas (folclorizando-o), que não pode ser difundido nacionalmente. Por outro lado,
narrar a história do samba como resultado de uma perspectiva racista culturalista, faz
com que entendamos as vozes e corpos negros como que necessitados de um
refinamento para que pudessem assim ser incorporados à nascente indústria cultural nos
anos 20 e 30. E foi assim que o samba se tornou um produto passível de exportação,
cantado por cantores e cantoras que incorporaram/adaptaram técnicas do bel-canto
europeu as suas formas de cantar durante um período da história da música conhecido
como “a década de ouro do samba”, nos anos 30 e 40, do século passado. E, na maioria
das pesquisa acadêmicas, esta narrativa é realizada de uma forma descritiva, sem
nenhum tipo de questionamento. Como se o samba tivesse “evoluído” para se tornar
síntese da cultura brasileira: deixou de ser um símbolo étnico, parte do folclore, para se
tornar um gênero musical a partir da participação dos brancos e da classe média nos
seus processos de produção e difusão.
Ao se dar destaque à participação branca na história do samba ou ao se invisibilizar
tensões, apartamos os territórios das vozes e dos corpos cantantes. Damos destaque
apenas as vozes que apagaram suas diferenças e só foram promovidas por serem
consideradas Iguais. Assim, muitas das vozes que não se renderam à democracia racial
se tornaram memórias de um tempo perdido ou parte do folclore. De ambas as formas,
as vozes, corpos e ritmos da diáspora africana no Brasil foram marginalizados da
história do país.
Assim, este projeto buscará estimular no campo da história e da música, novos debates
sobre as relações raciais no Brasil, em uma tentativa de compreensão de como o
pensamento social brasileiro, baseado em teses culturalistas, contribuiu para construir
uma versão única sobre a história do samba (desconsiderando o racismo estrutural),
versão esta ainda hegemônica nas produções reconhecidas no campo das ciências
sociais e das humanidades.
O Samba:

No início do século XX, inúmeros ritmos eram ouvidos na cidade do Rio de Janeiro:
maxixe, tango, tango argentino, tango carnavalesco, toada sertaneja, batuque, embolada,
valsa, mazurca, xote, samba, samba carnavalesco, lundu, corta-jaca, marcha
carnavalesca, charleston, one step, fox-trot, rag-time, cateretê, samba-canção, choro,
choro-modinha, choro-canção, modinha, toada, marcha, marcha-rancho, dentre outros.
(REIS, 2003:251). No entanto, apesar da diversidade da paisagem sonora, o samba foi
escolhido e alçado a símbolo da nação. De um ritmo musical produzido nas primeiras
décadas do século XX pela/nas comunidades negras cariocas, o samba transforma-se e,
nos anos 30 e 40, passa a ser conhecido nacionalmente. Deixa de ser considerado um
ritmo de origen africana para ser visto como música brasileira.
Este processo, de conversão de símbolos étnicos em nacionais, está vinculado a busca
de soluções para a população negra após a sua libertação jurídica em 1888. A recente
República Brasileira temia a presença de escravizados libertos e de seus “bárbaros”
descendentes e possíveis conflitos raciais. Entretanto, mesmo sem a República ter
planos de integrar a população negra à nação brasileira e de não se comprometer com a
participação política de todos os cidadãos, vários grupos se organizaram para atividades
tais como futebol e carnaval (CARVALHO, 1987). Deste modo, as irmandades negras,
os grupos de cucumbis, as congadas, as folias de reis, os ranchos, os cordões, as
macumbas e os grupos de samba propõem outras maneiras de organização política. Por
não reconhecer os negros como cidadãos brasileiros, a Primeira República não poderá
reconhecer a produção cultural e musical negra.
Buscando bases culturais na Europa, em especial na França, já em seu início, a
República Brasileira incorporou diversos debates sobre a desigualdade das raças vindos
do velho continente. Na verdade, os republicanos desejavam fazer do Brasil, uma
França Tropical. E por meio destes debates se buscou formas de estabelecimento dos
lugares a serem ocupados pelos brancos e pelos pretos (SCHWARCZ, 1993).
Um século antes, nos oitocentos, o projeto Iluminista, se opondo ao pensamento
medieval europeu, entendia o homem como contrutor de conhecimento e referência de
todas as coisas. Tudo podia ser conhecido, explicado e compreendido. Além de ser
produtor de conhecimento, o homem também poderia ser conhecido. Poderia ser
explicado. Segundo Almeida (2018, p.19), “o iluminismo constituiu as ferramentas que
tornariam possível a comparação e, posteriormente, a classificação, dos mais diferentes
grupos humanos com base nas características físicas e culturais”. Entre os varios
filósofos iluministas, destaco o Barão D’Holbach, um franco-alemão, que conviveu
intensamente com Diderot, Condillac, Condorcet e Rousseau. Para ele, baseado na visão
monogenista de que a origem humana era única e reforçava a igualdade entre os
homens, a racionalidade não atingia todos os povos de forma igual. Entendendo a
racionalidade e a civilização como um processo, d’Holbach (1774) acreditava que todos
os grupos humanos cumpririam seus processos históricos e se civilizariam. Muniz Sodré
exemplifica bem:
O discurso(...) evolucionista pelas [características da espécie humana]
não vê mais do que fases diversas de um mesmo processo de
transformação capitaneado pela civilização ocidental, fases de uma
verdade. Desse modo, passando a perspectiva a ser concebida como a
verdade da representação do espaço, a ausência dessa técnica no Egito
Antigo era concebida como uma etapa anterior na linha reta que
levaria ao desenho com perspectiva no Ocidente (...). (SODRÉ, 2005,
p. 26)

Um século se passou e, no século XIX, os ideais iluministas serão reapropriadas pelos


evolucionistas. É Darwin que trata da unidade biológica da espécie humana, expressada
por meio de diferentes costumes e modos. Aqui cultura se confunde com civilização e é
entendida como um “modo de vida de um grupo em que se destacam formas aprendidas
e padronizadas de comportamento, universalmente, reconhecidas como humanas”
(SODRÉ, 2005, p. 33). Para entender o que caracteriza o humano, os positivistas
recorrem à ciência, especialmente à biologia. Modelos baseados em características
biológicas ou geográficas são construídos para explicar as diferenças entre as raças.
Ressignificando as ideias d’Holbach, grupos humanos de pele branca, habitantes de
clima frio teriam moral mais elevada, seiam mais inteligentes e menos agressivos -mais
civilizados – teriam, por isso, o compromisso histórico de levar a civilização para os
menos civilizados – considerados pela oposição. Estas ideias irão contribuir para
justificar o colonialismo buscando “inscrever os colonizados no espaço da
modernidade” (MBEMBE, 2018. p. 175). Seguimos ainda com Sodré (2005, p. 28) que
explica que “O racismo consiste na passagem forçada da biologia darwinista para um
monogenismo do sentido (...). Homem inferior seria o desigual, aquele que não se
assemelha ao Mesmo centrado na Europa.”
Ideias de cientistas e pensadores estrangeiros vão repercutir no pensamento social da
elite brasileira. Um deles, o francês Arthur de Gobineau, identificado com o racismo
“científico”, quando em terras brasileiras, preocupado com o futuro da nossa nação,
condenou a “mistura de raças”, já que as “raças” mestiças seriam mais fracas e
deficientes. E pior, com a mistura predominariam as características das raças mais
fracas. No caso da mistura entre brancos e pretos, os pretos ( a raça mais fraca)
predominariam e inviabilizariam a construção de uma nação forte.
“Gobineau é um diplomata que concebe a Desordem (entende-se: a
multiplicidade e o entrecruzamento das diferenças, o movimento
agonístico das diferenças) presente em toda a cultura como um desvio,
pois a desordem deveria ser exclusiva da natureza, no plano da
diversidade racial. Cultura, para ele, seria o lugar da ordem (europeia),
por sua vez destinada a corrigir a desordem racial imposta pela
natureza.” (Sodré, 2005, p. 30)

Muitos autores brasileiros divulgaram/tensionaram as teorias evolucionistas de Darwin,


Gobineau e Lombroso, conhecidas como “racismo científico” ou darwinismo social.
Neste projeto, terão destaque João Batista Lacerda, Silvio Romero, Nina Rodrigues,
Alberto Torres, Euclides da Cunha, Roquette-Pinto, Câmara Cascudo, Arthur Ramos,
por propagarem interpretações onde a mestiçagem era uma marca de degeneração,
atrapalhando a ordem e o progresso da nação. Assim, estas ideias, divulgadas pela elite
brasileira, contribuiram para impedir a plena incorporação do negro à esfera pública.
Percebe-se, então, no final do XIX e no início do XX, uma abordagem ambivalente por
parte de escritores, intelectuais e políticos brasileiros em relação à cultura negra. Ao
mesmo tempo que ela é considerada uma prática “selvagem”, ela é também exaltada
como produto da “originalidade nacional”. Um grande exemplo dessa ambivalência foi
a relação, ao final do XIX, dos grupos de cucumbis carnavalescos com jornalistas, o que
permitiu , inclusive, que eles desfilassem pela Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro (uma
das ruas mais elegantes da cidade). Sendo que, ao mesmo tempo que eram atacados por
políticos da cidade.
Mesmo ambivalente, uma das saídas encontradas para lidar com a situação foi a
proposição, inclusive por meio de políticas públicas, do branqueamento da população
brasileira. Para melhorar a raça. E esta melhoria aconteceria por meio de uma seleção
natural e social gradativa que proporcionaria um refinamento das características negras
dos mestiços.
A mestiçagem eugênica dos anos 10 e 20, que se insere em um debate
mais político do que científico, não nos permite estabelecer uma
continuidade entre a mesma e o novo enfoque cultural que a
miscibilidade ganhará nos anos 30 e 40. Esta só se consolidará com a
substituição do paradigma evolucionista social – vigente até finais da
década de 20 – pelo culturalismo, quando então a miscigenação
deixará de ser um espectro e se tornará um fator crucial para a
sinalização da singularidade nacional. (ALMEIDA, 2018, p 34)

Já na primeira república, os projetos nacionais sempre se dirigiram no sentido de


institucionalizar o racismo, tornando-o parte do imaginário nacional.
(…) a prevenção republicana contra pobres e negros manifestou-se na
perseguição movida por Sampaio Ferraz contra os capoeiras, na luta
contra os bicheiros, na destruição, pelo prefeito florianista Barata
Ribeiro, do mais famoso cortiço do Rio, a Cabeça de Porco, em 1892.(
CARVALHO, 1990, pp. 30-31)
As disputas entre os setores agrários e os setores industriais, a partir de 1930, ressaltam
a necessidade da unidade nacional, além da criação de um mercado interno. Produzindo
novos discursos, “a desigualdade racial – que se reflete no plano econômico – é
transformada em diversidade cultural e, portanto, tornada parte da paisagem nacional”.
(ALMEIDA, 2019, p. 49)
Assim, abandonamos, em 1930, o racismo explícito e passamos a divulgar a diversidade
racial brasileira com um racismo implícito. O racismo não foi abandonado, apenas
modificado e incorporado ao imaginário social brasileiro. As narrativas originárias do
projeto culturalista buscam apontar soluções para a unidade nacional que estava
emperrada em função da nossa diversidade racial.
A ruptura política nos anos 30 e 40 acelera a transformação do samba em símbolo
nacional. Relembrando que o projeto de Vargas era civilizar e higienizar o povo, como
samba poderia compor este projeto? Para a sua legitimação, a República Populista
recorre aos elementos da cultura dita popular que já faziam parte de referências em
circulação na sociedade, elevando-os a símbolos nacionais. Entendendo ser necessária a
construção de um pacto que organizasse os lugares sociais da população negra, pacto
não realizado pela Primeira República, o populismo vai difundir sons e imagens que
confirmem a harmonia racial em terras brasileiras. A partir de referências negras.
Este racismo que se pretende racional, individual, determinado,
genotípico e fenotípico, transforma-se em racismo cultural. O objeto
do racismo já não é o homem particular, mas uma certa forma de
existir.(...) Assiste-se à destruição dos valores culturais , das
modalidades de existência. A linguagem, o vestuário, as técnicas são
desvalorizados. (...) Para isso, é preciso destruir os seus sistemas de
referência. A expropriação, (...) o assassínio objetivo desdobram-se
numa pilhagem dos esquemas culturais (...). O panorama social é
desestruturado, os valores ridicularizados, esmagados, esvaziados.(...)
O exotismo é uma das formas desta simplificação. Partindo daí,
nenhuma confrontação cultural pode existir. Por um lado, há uma
cultura à qual reconhecem qualidades de dinamismo, de
desenvolvimento, de profundidade. Uma cultura em movimento, em
perpétua renovação. Frente a esta, encontram-se características,
curiosidades, coisas, nunca uma estrutura.( FANON, 1980, pp 54-55)

Assim, uma parte da música negra é transformada em folclore, tornando-se parte de um


setor valorizado apenas como representante de uma memória nacional e não por sua
qualidade. Por outro lado, para se tornar símbolo nacional, o samba precisa ser
sustentado pelos ideais da democracia racial. Agora em lugar de se desqualificar o
samba, a elite política, cultural e econômica determina qual será o seu valor e o seu
significado.
A transformação do samba, uma música negra, em música nacional ainda é pouco
estudada, entretanto o livro de Vianna é uma dessas exceções tão importantes e
populares que chegou a ser base de um documentário sobre sambistas da Velha Guarda
da Portela . Para Vianna, as relações raciais no Brasil resultaram em um intercâmbio
profícuo entre diversos “mediadores culturais”, sendo o samba o melhor exemplo.
Vianna, ainda preso às teorias Freyrianas, não trata das relações de poder imbricadas
nesta circularidade cultural e nem do racismo em relação às produções culturais negras.
Sem se preocupar com as tensões raciais, o livro também não contextualiza as questões
(simbólicas, inclusive) apresentadas pela República em sua busca de legitimação.
Este projeto parte do principio de que “o racismo é sempre estrutural, ou seja, de que ele
é um elemento que integra a organização econômica e política da sociedade.”
(ALMEIDA, 2019: 15). Considera, também, que “a sociedade contemporânea não pode
ser compreendida sem os conceitos de raça e de racismo” (ALMEIDA, 2019: 15). Por
isso, insatisfeita com a resposta apresentada por Vianna, com este projeto tenho
pretensões de apresentar novas questões e uma nova história do samba. Ao buscar
preencher lacunas na literatura sobre o samba , de forma a se afastar das bases teóricas
do culturalismo, este projeto se justifica.
Assim, relacionando história do Brasil Republicano, ideias evolucionistas e
culturalistas, identidade nacional e samba, busco entender de que forma o racismo, em
suas diferentes manifestações, interfere na compreensão/difusão sobre a genealogia do
samba no Rio de Janeiro.

IV- METODOLOGIA:

Esta pesquisa será apoiada por uma substancial revisão bibliográfica, com fontes
primárias e secundárias, o que contribuirá decisivamente para a construção de um
referencial teórico que possibilite estabelecer relações entre o pensamento social
brasileiro, a história da república e a história do samba no Rio de Janeiro.
Conduzida por um olhar problematizador e qualitativo sobre as fontes bibliográficas,
busco articular diferentes campos de conhecimento, tais como história, música e
ciências sociais em uma perspectiva interdisciplinar para melhor compreender o objeto
a ser pesquisado. Utilizarei fontes tradicionais, tais como textos primários de época,
assim como uma bibliografia secundária sobre o tema.
Para tentar entender a relação entre a produção simbólica negra musical na Primeira
República (1889-1930) e as teorias do racismo “científico”, pretendo realizar um
profundo estudo sobre o período republicano e construir um mapa de autores brasileiros
que se dedicaram a entender o país no final do XIX e na primeira metade do século XX
e escreveram sobre cultura, identidade nacional, eugenia, darwinismo social,
evolucionismo, entre outros temas afins. O destaque será dado para autores que tiveram
relevância nacional e que interviram nas políticas republicanas. Considerando aqui,
como fontes primárias, os livros produzidos sobre a participação negra na construção da
ideia de nação no Brasil, destaco aqui a produção de João Batista Lacerda, Silvio
Romero, Raimundo Nina Rodrigues, Alberto Torres, Euclides da Cunha, Manuel José
Bomfim, Edgard Roquette-Pinto, Luís da Câmara Cascudo, Arthur Ramos. Pretendo
incluir também os teóricos do evolucionismo Spencer, Tylor, Darwin, Louis Agassiz e
Gobineau.
Seguirei em estudos sobre a Era Vargas (1930 - 1945) e sobre o período populista (até
1950) e as ideias de autores que apontaram para novos caminhos para analisar o país,
tais como Mário de Andrade, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda e Roberto
DaMatta. Desta forma, poderei analisar as teorias do racismo “culturalista” na primeira
metade do século XX como forma de explicar as bases da nação brasileira.Entendendo
que os autores citados, inseridos em debates sobre a presença negra no Brasil,
produziram documentos (primários), precisarei organizar e destacar as fontes mais
importantes, em uma exploração mais profunda, as quais melhor contribuirão para que a
nossa questão de pesquisa possa ser respondida. Assim, o trabalho apresentará uma
perspectiva qualitativa, com ênfase na pesquisa documental.
Com o mapa concluído e com as fontes organizadas, continuarei a analisar o conteúdo,
entendendo quais ideias romperam as margens acadêmicas e foram incorporadas aos
discursos correntes, produzindo práticas, discursos e políticas públicas. Como já falado
anteriormente, o objeto será analisado dentro do contexto histórico. Assim, faz-se
necessário contextualizar estas fontes, inserindo-as no debate da época.
Realizarei, também, um levantamento da produção acadêmica, no campo da história,
ciências sociais, comunicação e música sobre o samba, incluindo, também os livros
produzidos por jornalistas, sambistas e folcloristas. Este levantamento incluirá
publicações científicas em periódicos, livros, anais de congressos, buscando reunir a
produção existente sobre a história do samba da forma mais abrangente possível. Ainda
em um levantamento inicial de livros, destaco os trabalhos dos jornalistas Ary
Vasconcelos, Edigar de Alencar, Francisco Guimarães (Vagalume), Henrique Foréis
Domingues (Almirante), Lira Neto, Lúcio Rangel, Orestes Barbosa, Sérgio Cabral; dos
acadêmicos: Ana Maria Rodrigues, Carlos Sandroni, Hermano Vianna, José Miguel
Wisnick, José Ramos Tinhorão, Mônica Pimenta Velloso, Muniz Sodré, Nélson da
Nóbrega Fernandes, Roberto Moura, Santuza Cambaia Neves; do folclorista e
musicólogo Renato Almeida; e dos sambistas Nei Lopes e Candeia.
Com o levantamento das fontes primárias e da produção acadêmica, jornalística e
folclórica sobre o samba do Rio de Janeiro em seu contexto de produção; torna-se
necessário retomar as leituras de estudiosos do campo das relações raciais na busca de
uma atualização conceitual e teórica. Partindo dos conceitos apresentados por autores do
campo das humanidades, a pesquisa será realizada por meio do método conceitual-
analítico o que contribuirá para uma melhor análise do objeto de estudo. Autores tais
como Muniz Sodré, Sílvio Almeida, K. Munanga, P. Gilroy, S. Hall, A. Cesaire, F.
Fanon, A. Quijano, serão revisitados. Destaco que o corpus de autores tenderá a
aumentar com o desenrolar da pesquisa.
Finalmente, de posse das fontes primárias organizadas e analisadas; do levantamento da
produção realizada por acadêmicos, jornalistas e folcloristas sobre o samba; de uma
reelaboração teórica-conceitual; realizarei a análise dos dados recolhidos como forma de
examinar as permanências e deslocamentos das bases teóricas do racismo “científico” e
“culturalista” no processo de legitimação do samba, antes um símbolo étnico, como um
símbolo nacional.
Apesar de apresentar os passos a serem seguidos para realização da pesquisa, não
entendo a metodologia de uma pesquisa como uma ferramenta externa que ilumina o
nosso caminho no encontro com a verdade. Considero que as interrogações que já
realizei, ao logo do extenso caminho trilhado, me fazem pensar a opção metodológica
como uma opção existencial, que sigo, por ser esta a forma com a qual lido com o
conhecimento. A própria escolha do tema de pesquisa, e até considerá-lo como um
tema, como algo relevante e justificável de constar em instituições valorizadas
socialmente como difusoras de conhecimento, já me coloca novas questões. No
exercício da pesquisa, recriamos nossos métodos que se adaptam aos novos tempos, aos
novos fatos, às novas perguntas e às novas circunstâncias. Como diz Peirano (2014, p.
5), “a própria teoria se aprimora pelo constante confronto com dados novos, (...)
resultando em uma invariável bricolagem intelectual”. Tratando da etnografia, me
aproprio do artigo de Peirano dizendo que uma boa pesquisa, “será também
contribuição teórica; mas se for uma descrição jornalística, ou uma curiosidade a mais
no mundo de hoje, não trará nenhum aporte teórico” (PEIRANO, 2014, p. 7). E, no caso
desta proposta de pesquisa, que apresenta perguntas a serem respondidas por diferentes
campos do conhecimento, os métodos deverão estar adequados a eles, reconhecendo a
multiplicidade das abordagens e a produção de novos aportes teóricos. Recorrendo à
pesquisa cartográfica, penso que o
método de pesquisa-intervenção pressupõe uma orientação do trabalho do pesquisador
que não se faz de modo prescritivo, por regras já prontas nem com objetivos
previamente estabelecidos. No entanto, não se trata de uma ação sem direção, já que a
cartografia reverte o sentido tradicional de método sem abrir mão da orientação do
percurso da pesquisa. O desafio é o de realizar uma reversão do sentido tradicional de
método - não mais um caminhar para alcançar metas pré-fixadas (metá-hódos), mas o
primado do caminhar que traça, no percurso, suas metas. (...) A diretriz cartográfica se
faz por pistas que orientam o percurso da pesquisa sempre considerando os efeitos do
processo do pesquisar sobre o objeto da pesquisa, o pesquisador e seus resultados.
(PASSOS et al, 2009, p.17)

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