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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

DISCIPLINA: IH452 Antropologia Social

DOCENTE: Prof.ª. Izabel Missagia

DISCENTES: Alexandre Vinicius Nicolino Maciel

Allan Cesar Elidio de Sá

Kayo Eduardo Masello de Almeida

Lucas de Oliveira Menino

Seropédica

[2018-02]
SOBRE A AUTORA

Lilia Katri Moritz Schwarcz possui graduação em História pela Universidade de


São Paulo (USP), mestrado em Antropologia Social pela Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP) e doutorado pela mesma instituição da graduação. Autora de
vários livros, entre eles “Lima Barreto triste visionário”, estruturou toda sua pesquisa
acerca dos negros no Brasil, assim como sua imagem e a conceituação de raça para
obtenção dessas titulações acadêmicas. Atualmente é professora Titular do Departamento
de Antropologia da USP e membra do corpo editorial da Companhia de Letras e possuindo
artigos em diversos jornais de veiculação nacional, como a Folha de São Paulo. i

COMPLEXO DE ZÉ CARIOCA: Notas sobre uma identidade mestiça e


malandra - Lilia Katri Moritz Schwarcz

Existe um debate a respeito das fronteiras entre as disciplinas de História e


Antropologia. “A história se faz mais antropológica e cultural, e a antropologia encontra a
história e dialoga com o contexto”.

No caso dos artigos elaborados por historiadores, a antropologia é vista sempre


como modelo estrutural. Enquanto os antropólogos, veem a história como uma disciplina
positivista. Em ambos os casos existe uma tendência de ver o outro de forma unitária,
ignorando a fato de que dentro das disciplinas há escolas, vertentes e recortes. São
elaborados modelos em que a história representa a diacronia e a antropologia representa a
sincronia, como se as duas disciplinas constituíssem pares opostos.

A autora, ao invés de simplesmente se atentar aos processos de construção e


desconstrução de sentidos, procura focar as persistências. Destacar a existência de valores
de permanência, que sobrevivem à infraestrutura mais imediata, e ressignificados,
dialogam em outros contextos.

Pela fábula das três raças é possível observar como a cultura nacional se formou por
um processo de tradução, seleção, cópia, alteração e atualização. Construindo e
descontruindo a mestiçagem.

Os intelectuais costumam criticar a falta de cultura nacional, tradição local e


singularidades que distingam a nação. Roberto Schwarz (1987) chamou de "mal-estar da
cópia" o sentimento negativo na busca por singularidades. Como se as gerações vindouras
tivessem que apagar tudo que está estabelecido e criar algo.

O artigo busca fazer indagações sobre a insistência de vincular a identidade


nacional a uma espécie de mestiçagem peculiar, uma mestiçagem que, de racial e
difamadora, se faz moral e nacional. Mestiçagem re-significada em malandragem, no
exemplo do personagem do Zé Carioca (criada por Walt Disney, em 1942). Uma
identidade dada, não pela falta, mas por uma opção cultural.

Com a independência política brasileira de 1822, começaram os esforços para se


desvincular a antiga metrópole e constituir um novo império. Fundação de faculdades de
medicina e direito. Em 1839 foi criado o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(IHGB), que em 1844 promoveu um concurso intitulado “Como escrever a história do
Brasil”. O vencedor, o alemão Karl von Martius, defendia a tese de uma história
miscigenada, e das relações inter-raciais vinha sua singularidade. Esse estrangeiro que
inaugurou o mito das três raças. O mito das 3 raças e a miscigenação entre estas, apontava
essa mistura como causa da degeneração da humanidade. Cientistas e estudiosos que
vinham ao Brasil nesse período ratificam essa teoria. A miscigenação tinha sua
singularidade, porém era reconhecida como algo negativo para humanidade que os
impossibilitariam de chegar a civilização. Por outro lado, mesmo defendendo as diferenças
entre raças, Romero afirmava que tal miscigenação poderia ser positiva. Contudo, nesse
período, começa a aparecer a promessa de um Brasil branco, o qual no período são
elaborados projetos de lei que beneficiavam a vinda de mão de obra europeia em
detrimento da asiática e africana. Desta maneira, o tema racial aparecia como fundamento
para definição da identidade brasileira.

A partir do século XX, na década de 30, esses modelos raciais começam a ser
questionados e a palavra Raça cai em desuso, pois para época, as diferenças entre grupos
deveriam ser explicadas a partir de argumentos de ordem social, econômica e cultural. Essa
mistura de “raças” ganha outro sentido na obra de Freyre, Casagrande e senzala. O nome
raça deveria ser abandonado e em seu lugar usar o termo cultura. Nesse período, autores
modernistas como Mario de Andrade, tentam dar ressignificação a palavra raça, e como
estratégia para pensamento social vivido na época, por meio da figura de Macunaíma,
pensam em reinventar outro sentido para o nome raça.
Na mesma década em que começa a cair em desuso o termo “Raça”, o período
governativo definido como Estado Novo, inicia projetos públicos em torno da união das
três raças, por intermédio de intelectuais ligados ao Governo. Nesse momento o “mestiço
vira nacional”, no entanto, nesse mesmo período cresce o processo de desafricanização, na
busca de clarear simbolicamente, de elementos culturais.

Tal política se reflete em três elementos culturais de origem africana que passam a
ser tornar nacionais: a Feijoada, a Capoeira e o Samba.

O prato que no período escravista, era composto pelos produtos mais baratos e
muitas vezes sobras que seriam jogadas no lixo, passa a ser símbolo de uma nação. A
feijoada e seus acompanhamentos são interpretados como a união das raças e das riquezas
da terra, como cita a autora a partir da obra de Reis (1994):

O feijão preto e o arroz branco remetem metaforicamente aos elementos


negro e branco de nossa população. A eles misturam-se ainda os
acompanhamentos: o verde da couve é o verde das nossas matas; o
amarelo da laranja, um símbolo de nossas potenciais riquezas materiais.

Já a capoeira que na primeira Republica fora incluída no Código Penal, é


oficializada como esporte Nacional Brasileiro em 1937. A capoeira passa a ser interpretada
como uma união de todas as raças, assim sendo é mestiça, um fruto da cultura brasileira.

Símbolo maior da cultura Brasileira, o primeiro samba gravado nasce no início do


século XX nas vielas do Centro do Rio de Janeiro, derivado do samba de roda, que assim
como a capoeira fora reprimido no século XIX, por ser considerado “dança de preto”. No
entanto a inserção do maxixe no batuque original do samba, fez com que o mesmo
passasse a ser apreciado em variados bailes e contribuiu para a afirmação do samba
tipicamente Brasileira. Com essas mudanças o samba sai da marginalidade e ganha as ruas.

Tais políticas implementadas no governo de Getúlio Vargas visavam a formação de


uma real identidade brasileira, sem apegos aos períodos colonial, imperial e da república
velha (compreendida por Vargas como uma continuidade do período anterior). A elevação
de elementos intrinsicamente ligados à cultura africana, buscava gerar uma suposta
harmonia entre as raças responsáveis por formar o Brasil.
Após mencionar uma “possível tolerância racial” do Governo Vargas a autora
expõe uma dualidade para com a imagem da malandragem., produzida e reproduzida,
interna e externamente. A primeira imagem, negativa associa a malandragem à vadiagem,
falta de trabalho e a uma possível criminalidade. Já a segunda, associa a um sujeito bem-
humorado e carnavalesco. Para esse segundo tem-se a exemplificação de Garrincha e
Romário. Ela chama o fenômeno de lidar com a desordem nos espaços públicos e oficiais
de “dialética da malandragem”.

Por fim, retomando a questão de que a identidade se encontra na singularidade


cultural do sincretismo dos brasileiros ela remonta a ideia de que o sincretismo não é um
mal, mas um benefício construído e reconstruído ao longo do tempo.

Sendo assim, em suma, a identidade da nação é uma construção que deve levar em
consideração o fator histórico como formador de uma visão que se reconstrói
continuamente e que as estruturas sincréticas da sociedade é o que caracteriza a sua
particularidade.
i
Lilia Katri Moritz Schwarcz. Disponível em:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4783890P3 . Acesso em 04 outubro
2018.

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