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Universidade Federal Rural de Pernambuco

Departamento de História

Disciplina: História e Cultura Afro-Brasileira


Docente: Maria Emília Vasconcelos
Recife, 03 de abril de 2023
Discente: Marta Raquel Nascimento Oliveira

2ª Verificação de Aprendizagem

1- Discuta as questões, temas e fontes incorporadas pela Historiografia da


Escravidão no Brasil do contexto da redemocratização pós-1980.

GOMES, Tiago de Melo. História Social e Cultura Afro-Brasileira: Uma Trajetória (anos 1980-1990).
In: RIBEIRO, Gladys Sabina [et al.] (Orgs.).Escravidão e cultura afro-brasileira: temas e problemas
em torno da obra de Robert Slenes. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2016.

Refletindo a partir dos escritos do historiador autor do do texto, Tiago Gomes,


sobre a noção conceitual de historiografia adotada por ele para compreender e
analisar o escravismo no Brasil até o período de redemocratização pós anos 80, um
cenário de alta complexidade, multifacetado e de corriqueiros desencontros. Nessa
produção, Gomes destaca a ineficiência da historiografia por Florestan
Fernandes, e dos atravessamentos culturais, políticos e econômicos que
margeiam a historicidade do escravismo no país.
Gomes faz uma viagem na historiografia apresentando como se
desenvolveram os estudos sobre a cultura afro-brasileira no Brasil. Como
citado no parágrafo anterior, o autor descarta a perspectiva de historicidade
do Florestan Fernandes, não era capaz de suprir as demandas necessárias
para se compreender a complexidade do que é a cultura afro-brasileira das
primeiras décadas do século XX. Ou seja, para Gomes, essa historiografia não
dava espaço para perceber os participantes, os envolvidos no processo
histórico, como agentes culturais e protagonistas dessas ações.
Nas décadas de 1960 e 1970 alguns estudos foram elaborados indicando
que o Brasil tinha um perfil populacional desorganizado quanto ao seu papel
histórico (de se perceber sujeitos da própria história). Mais a frente, no final
da década de 1980, essa imagem, ou ideia, se torna inaceitável, resultando
num renascimento dos movimentos sociais e das reivindicações políticas.

Paralelo a esse contexto, Tiago Gomes traz o tema da cultura


afro-brasileira relacionando a massa trabalhadora, que também produz
cultura, mas que essa a certo ponto é desvalida por partir de uma classe
majoritariamente de trabalhadores. Esse descrédito desmobiliza a classe,
tirando-os do lugar de protagonistas para espectadores. Era o Populismo.

Ainda nesse contexto, mas percebida por outro ângulo, a classe


trabalhadora é sugerida a ser percebida na perspectiva de Eduard Thompson.
Para Tiago Gomes, a percepção de Thompson foi um marco na percepção da
classe trabalhadora, uma vez que os estudos dele mudaram a historiografia
dos trabalhadores brasileiros. Segundo Tiago Gomes, se apropriar de
Thompson para além dos estudos direcionados a classe operária, trouxe um
novo ar as pesquisas sobre a escravidão. Passou-se a buscar novas formas de
perceber as experiências, valores e expectativas dos negros cativos. O marco
de início de uma nova análise social.

Então, aescravidão deixa de ser vista como algo que impossibilitava a


união estável e familiar dos cativos. Tiago traz à memória que, ainda, na
década de 70 houve um grande debate na Europa e na América do norte
sobre a oposição entre “cultura erudita” e “cultura popular”, surgindo termos
como: “biculturalidade” e “circularidade cultural”. Percebeu, também, que
havia uma necessidade de diálogo com outras áreas, como a Antropologia,
por exemplo. A partir desse movimento reflexivo, o conceito de “cultura
popular” deixa de possuir uma definição limitada, dando espaço para os
estudos da “cultura afro-brasileira”.

A relação da escravização e da cultura afro-brasileira, trazida por Tiago


Gomes numa perspectiva historiográfica de lugar dos sujeitos históricos,
identifica, ainda, que nos anos finais do século XX existiam duas (principais)
bases que conduziam os estudos sobre o tema. A primeira, a tradição
“freyriana”, criticada nas universidades desde os anos de 1960. Os estudos
freyrianos, segundo Tiago Gomes, percebiam as relações raciais a partir do
colonizador; da casa grande, minimizando o racismo. Na segunda, estava
uma tradição historiográfica que compreendia o escravismo como um fator
desorganizador da sociedade brasileira, e enxergava a escravidão como
causadora de danos irreparáveis a subjetividade dos escravos. Nessa
perspectiva, Tiago Gomes destaca a importância do trabalho de Robert
Slenes, já que este desaprova essas duas bases que anteriormente
dominavam os estudos. Para Gomes, os estudos de Slenes mostraram que
“os africanos que vieram para o Brasil foram capazes de construir uma visão
de mundo própria com sua cultura de origem e experiências do cativeiro, que
serviam de base para suas ações, até mesmo as de cunho político”. Tratasse
do desenvolvimento dos estudos sobre a cultura afro-brasileira, dentro da
seara da “nova análise social”

O fazer história, construir uma linha de historiografia da escravidão a


partir de um lugar, também histórico, do processo de redemocratização,
indica para temas onde se identica discusões sobre a “Teoria da História”, e,
sobretudo indicações para o estudo do conceito de “cultura”, já que, segundo
Gomes, as visões apresentadas no texto como tradicionais, eram na verdade
a tentativa de uma cultura dominante em suprimir uma cultura subalterna
em nome da manutenção e fortalecimento de seu poder.

Toda essa reflexão está muito bem alinhada com um dos textos do
historiador Roger Chartier que Tiago Gomes utiliza como referência
bibliográfica, no qual podemos encontrar um debate sobre as ditas “cultura
erudita” e “cultura popular”.

Desta forma, os anos das décadas de 1980 e 1990 se fazem importantes,


pois foram momentos de modificação nos estudos históricos, surgimento de
novos pensares e diminuição da hegemonia dos grupos que haviam reduzido
a parcela populacional negra a um processo de desumanização, dando voz a
estes personagens os quais são protagonistas de sua própria história,
percebidos como diversos mas com afinidades culturais étnicas, que
produziam uma cultura autêntica, diferente das que originaram seus grupos,
sendo essa o ponto de partida para entender o surgimento e formação da
cultura afro-brasileira, que mais a frente se torna critério de construção
identitária de um povo.

3- Discuta qual a compreensão acerca dos movimentos sociais negros para


Petrônio Domingues e disserte sobre as ações, formas de organização e as
demandas da população negra organizada da Primeira República até a
contemporaneidade.

DOMINGUES, Petrônio. Negro no Brasil: histórias das lutas antirracistas. In: Histórias
Afro-Atlânticas: [Vol. 2] Antologia. PEDROSA, Adriano; CARNEIRO, Amanda &
MESQUITA, André (Orgs.). São Paulo: MASP, 2018.

Domingues traz alguns apontamentos sobre a trajetória do Movimento Negro


desde a primeira República (1889) até os anos 2000, divididas em três etapas, e uma
quarta etapa que consiste em uma hipótese sugerida pelo autor sobre uma possível
mudança de paradigma dentro do movimento. A proposta dele é demonstrar que
desde a República Velha o movimento vem desenvolvendo estratégias de luta pela
inclusão social do negro e contra o racismo. Seu ponto de partida é a produção
intelectual da liderança negra, como por exemplo, José Leite, Francisco Lucrécio,
Abdias do Nascimento, Hamilton Cardoso, Lélia Gonzalez, e outras. Ao inserir o
movimento negro dentro da perspectiva dos movimentos sociais, Domingues
considera que o Movimento negro é a luta dos negros na perspectiva de resolver seus
problemas na sociedade abrangente, em particular os provenientes dos preconceitos e
das discriminações raciais, que os marginalizam no mercado de trabalho, no sistema
educacional, político, social e cultural.

Na primeira etapa, em 1888 marcada pela abolição da escravatura, e em 1889 é


proclamada a República no Brasil. A população negra foi marginalizada, pois, embora
a escravidão teha sido abolida, a população negra ficou limitada politicamente, como
impedimentos que limitavam o direito ao voto, e socialmente, onde foram
“empurrados” para os morros e periferias, e psicologicamente, onde o racismo,
pautado na doutrina do racismo científico somado a uma política de branqueamento,
trouxe imigrantes europeus para o Brasil. Nessa época o termo raça é utilizado como
uma forma de diferenciação biológica. Acreditavam que a humanidade estaria dividida
em raças e que essa diferenciação determinava o comportamento de diferentes
grupos sociais.
Nessa perspectiva havia uma “hierarquia racial”, onde algumas raças eram tidas
como superiores umas às outras, umas seriam mais “evoluídas” do que outras, o que
“justificaria” a dominação de um grupo sobre o outro. O racismo científico se apoiava
em técnicas ou hipóteses que “sustentavam” essa ideia.
Após a abolição da escravatura, a população negra passou a viver à margem da
sociedade, excluída, sem direito à moradia, ao emprego e à dignidade. Diante disso, os
negros passaram a instituir movimentos de mobilização racial negra, como por
exemplo, o Club 13 de Maio dos Homens Pretos (1902); o Centro Literário dos Homens
de Cor (1903); a Associação Brasileira dos Homens Pretos (1917). Esses movimentos
tinham uma perspectiva assistencial, e sua base de formação era a classe de
trabalhadores negros: portuários; ferroviários e ensacadores, contribuindo para a
formação de uma identidade sindical. Em decorrência, surgiram algumas associações,
dentre elas : entre 1907 e 1937: 123 associações negras em São Paulo; entre 1889 e
1920: 72 associações em Porto Alegre; e entre 1888 e 1929: 53 no Rio Grande do Sul.
As mulheres possuíam uma importância não apenas simbólica no movimento.
Elas eram a maior parte das associadas e frequentavam com maior assiduidade. A
Cruzada feminina que mobilizava negras para trabalhos assistenciais, ao passo que as
Rosas Negras organizavam bailes e festivais artísticos.
Um elemento importante nesse primeiro período foi a Imprensa Negra, que
consistia em jornais elaborados por negros para tratar de suas próprias questões, pois
a comunidade negra tinha necessidade de uma imprensa alternativa, que transmitisse
informações que não se obtinha em outra parte, ou seja, nos jornais da comuns,
destinados ao letrados da sociedade. Os jornais que mais se destacaram em São Paulo
foram: A Pátria (1889); O Combate (1912); O Menelick (1915); O Bandeirante (1918); O
alfinete (1918); A Liberdade (1918); A Sentinela (1920); Clarim da Alvorada (1924),
dentre outros. O principal objetivo desses jornais era combater o “preconceito de cor”
como se costumava dizer. As notícias davam voz às mazelas que afetavam a população
negra no trabalho, em relação à moradia, educação e saúde. Além disso, denunciavam
a segregação racial, que impediam negros de frequentar determinados lugares, como
hotéis, clubes, cinema, teatro, restaurantes, estabelecimentos comerciais e religiosos,
inclusive escolas, ruas e praças públicas.
Apesar de tudo isso, de acordo com Domingues, nesse período ainda não havia
um caráter eminentemente político no movimento negro, pautado em um programa e
projeto ideológico definido. A importância do Movimento Negro, frente aos problemas
que se colocavam naquele momento, se deu com o a conquitas de uma de suas
demandas pelo então presidente da República Getúlio Vargas, que era a não proibição
de negros na Guarda.
A segunda fase inicia, partindo do Movimento Negro, mas, agora, no contexto
da Ditadura Militar ( 1945 a 64).
Instituído o Estado Novo, a repressão política em vistas de evitar movimentos
contestatórios foi inevitável. No entanto, com sua queda, o movimento negro, ressurgi
com uma atuação ainda maior. Surge nesse período a União dos Homens Negros
(UHC), um movimento social de caráter hierárquico que tinha por finalidade elevar o
nível econômico e intelectual das pessoas negras em todo o Brasil, para que elas
pudessem ingressar na vida social e administrativa do Estado. Em 1940, já possuía
representação em 10 estados brasileiros.
A primeira Lei antidiscriminatória (Lei Afonso Arinos) foi aprovada em 1951 após
um escândalo, no qual uma bailarina norte-americana, Katherine Dunham, foi proibida
de se hospedar em um hotel em São Paulo. Nesse clima, inicia-se a terceira fase,já no
contexto da Redemocratização ( 1978 a 2000). A rearticulação do movimento negro
também se deu pelacriação do Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial,
com atos públicos contra casos de discriminação racial. Dois casos importantes
resultaram em mobilizações públicas de protesto contra o racismo. O primeiro foi o
caso de discriminação racial sofrida por 4 jovens no Clube de Regatas Tietê e o
segundo foi o assassinato de Robson Silveira da Luz. Os protesto ocorreram em 7 de
julho de 1978 e mobilizou cerca de 2 mil pessoas. Uma carta aberta convocava os
negros a formarem Centros de Luta.
Surge o 13 de Maio data de Comemoração da Abolição da Escravatura, passa a ser
o Dia Nacional de Denúncia Contra o Racismo. O Movimento Negro Unificado (MNU)
passou a incentivar os negros a assumirem sua condição social adotando oficialmente
o termo “negro” para designar todos os descendentes de africanos escravizados no
Brasil, retirando assim a sua conotação pejorativa. Nesse sentido “negro” passa a ser
uma forma de os negros resistirem à opressão que caracteriza a condição de “ser”
negro como algo ruim. Os negros passam a se identificar, a se reconhecerem como
negros.
Por fim, como uma hipótese interpretativa, Domingues propõe uma leitura sobre
o Hip-hop, surgido como um movimento cultural inovador, uma possível nova fase do
movimento negro. Para Domingues, esse movimento apresenta características na
fala e na linguagem que remetem à periferia. Nesse sentido, haveria um rompimento
com o discurso vanguardista das entidades negras tradicionais para um discurso mais
acessível aos jovens negros tidos como não intelectuais. O Hip-hop expressa a rebeldia
da juventude negra, a forma dela se perceber na sociedade.

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