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Brasil, tendo feito uma abordagem culturalista, na qual desmitificação do negro como ser “selvagem” é um
estabeleceu uma distinção entre raça e cultura, tema central.
rejeitando as ideias racistas. Ele criou um novo conceito para a sociedade
Defendeu que a miscigenação e os mestiços no brasileira, pensou o “ser brasileiro” e definiu a formação
Brasil são uma herança cultural (mistura de povos) da sociedade brasileira a partir de três raças: índio,
positiva porque, segundo ele, a miscigenação é o africano e português.
elemento de formação da identidade nacional brasileira O índio e o negro, retratados em Casa-grande &
e, também, uma proteção contra os conflitos étnicos e senzala, não foram colocados ao lado da sociedade
raciais. brasileira, mas foram inseridos nela através da influência
Freyre desenvolve o argumento de que a cultural do nosso povo desde a comida, a dança, a
miscigenação seria o traço cultural central da sociedade música, o hábito de tomar banho, dormir na rede e
brasileira. Mas ao contrário de interpretações anteriores, tantas outras características que estão enraizadas na
não vê a mestiçagem de forma negativa e enfatiza a cultura do Brasil.
necessidade de substituir o conceito de “raça”, Gilberto Freyre dedicou-se a entender o Brasil
largamente difundido no Brasil, pelo conceito de e, para isso, não desprezou as raças, mas a partir da
cultura. Segundo ele, a família patriarcal foi a base sobre miscigenação procurou encontrar a identidade nacional.
a qual a mestiçagem se desenvolveu no Brasil. O autor valorizou os diferentes grupos étnicos e
Localizada sobretudo no meio rural, particularmente no ressaltou a contribuição que eles deram para a formação
latifúndio monocultor do Nordeste brasileiro, a família da sociedade brasileira.
patriarcal constituiu, assim, a forma social ideal para que Apesar de ter sido um dos fundadores da
a “raça” branca, colonizadora, se relacionasse com as sociologia brasileira, de ter tido relevância internacional,
demais “raças”. Freyre foi bastante criticado principalmente aqui no
A abordagem culturalista de Freyre sugere que Brasil. Vários setores da sociedade e intelectuais
a proximidade entre as culturas explicaria o caráter conservadores não aceitaram a ideia da mestiçagem e da
sincrético de nossa formação social, algo oposta às herança cultural negra. Nesta fase, em 1930, o país
culturas puras (como a Grega, por exemplo). A passava pela ideia da defesa da eugenia e do
proximidade seria resultado da influência cristã herdada “branqueamento” da raça.
dos portugueses, contrário ao elemento despótico Para aqueles que defendiam a superioridade da
oriental herdado dos mouros. Neste sentido, podemos raça branca, se verem confrontados com um
afirmar que a ideia de trópico em Freyre seria pensamento que não só defendia, mas também atribuía
responsável pela ponte entre cultura e geografia, bem importância à mestiçagem foi algo conflitivo. Neste
como pela sustentação das contradições em equilíbrio. contexto, Gilberto Freyre enfrentou muitas críticas,
É importante a noção de “neolamarkianismo” para mas através de três obras importantes, Casa-grande &
entendermos sua metodologia. senzala (1933), Sobrados e Mucambos (1936) e Ordem e
O povo brasileiro é considerado não como Progresso (1959) ele compôs a trilogia teórica cujo foco
simples soma de três “raças”, mas como resultado de passa pelo período colonial, império e transição do
um encontro mais complexo, que remete à formação da império para a república.
cultura brasileira. A partir dessa trilogia ele construiu um
Em Casa-grande & senzala, sua principal obra, panorama da sociedade brasileira, demonstrando o
Freyre tratou muito bem da questão da miscigenação e estudo de todas as transformações econômicas pelas
deixou claro que se trata da “mistura de cores” que quais o Brasil passou, desde o ciclo da cana-de-açucar
possibilitou a construção de uma “democracia racial”. até o início da industrialização no século XX.
Ele defende sua tese central sobre a democracia racial, Diferentemente de
sempre observando o predomínio dos aspectos Freyre, o historiador e
culturais em relação aos “raciais”. Nesses termos, a economista Caio Prado Júnior
mestiçagem é entendida como uma vantagem e a (1907-1990), nos livros Evolução
política do Brasil (1933) e Formação
do Brasil contemporâneo (1942)
interpreta o passado colonial
baseando-se na produção,
distribuição e consumo de
mercadorias.
Em Formação do Brasil contemporâneo, a história
brasileira é contada do ponto de vista da produção,
distribuição e consumo da riqueza. O Brasil é analisado
como parte do processo da expansão mercantil
europeia.
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Caio Prado Júnior tem como objetivo essa transformação como um processo histórico de
caracterizar em que medida a formação do Brasil está longa duração.
atrelada ao contexto de expansão do mercado europeu. A análise que Caio Prado faz do século XIX
Para ele, a formação do Brasil se deu de fora mostra-se importante sobretudo por dois motivos.
para dentro, tendo o país se estruturado como Primeiro porque faz um “balanço final” de três séculos
fornecedor de produtos tropicais, a exemplo da cana- de colonização, depois porque se configura como
de-açúcar. Segundo esse autor, a história do Brasil deve “chave insubstituível” para compreender a sociedade
ser entendida num âmbito mais amplo, que tem relação brasileira que se constitui posteriormente.
direta com as formas de expansão do comércio europeu Essa análise nos informa quão importante é
na América do Sul. analisar o passado colonial e o período imperial para
As massas de escravos, semiescravos, pobres, entender o Brasil contemporâneo e a presença de
explorados e empobrecidos são examinadas e ganham resquícios coloniais que contribuem decisivamente para
importância na sua obra. O autor aponta também para que esse autor considere a formação do país ainda
a especificidade que se manifesta desde a colônia, incompleta.
diferenciando a sociedade brasileira da portuguesa. Essa incompletude se deve, na visão de Caio
Segundo ele, desde a época colonial os brasileiros Prado, à permanência do Brasil em uma relação de
teriam adquirido forma própria, diferente da forma subordinação e dependência em relação a outras
indígena e da portuguesa. E consequentemente, nós, sociedades.
brasileiros, teríamos começado a desenvolver uma
mentalidade coletiva singular.
A análise que desenvolve no livro Formação do
Brasil contemporâneo (1942) parte da metodologia
marxista, sobretudo no que diz respeito à compreensão
do que estaria oculto no processo de colonização da
sociedade brasileira. Sua análise busca identificar os
elementos estruturais que compuseram o Brasil
colonial.
Para esse autor, a colonização do Brasil e suas
consequências históricas devem ser pensadas a partir da Segundo ele, o passado colonial ainda está
ideia que o Brasil se integrou a uma dinâmica maior, presente na sociedade brasileira quando ele observa
diretamente relacionada à expansão marítima e que o trabalho livre não se organizou em todo o país,
comercial europeia. conservando traços do trabalho escravo. O mesmo
O empreendimento comercial baseado na raciocínio valeria para a produção extensiva destinada a
produção de gêneros tropicais para o mercado externo atender os mercados no exterior e a ausência de um
fundamenta o raciocínio de Caio Prado Júnior, uma vez mercado interno desenvolvido, que reproduz, assim, a
que a colonização europeia assume a forma de subordinação do Brasil em relação a economias de
exploração e não de povoamento no Brasil. A formação outros países.
da sociedade brasileira, no período colonial, se Cabe-nos contextualizar o pensamento de Caio
estruturou economicamente na produção de açúcar, Prado, que se alinhava aos estudos historiográficos de
tabaco, e mais tarde na extração de ouro e diamantes, seu tempo. Nas últimas décadas, estudos históricos têm
em seguida na produção de algodão e de café, destacado a dinâmica econômica colonial, a diversidade
atendendo o mercado europeu. Para o autor, a grande de atividades econômicas voltadas para o mercado
propriedade (o latifúndio), a monocultura e o trabalho interno e a importância dos pequenos produtores para
escravo se apresentam, portanto, como as três o desenvolvimento social e econômico do território
características centrais da formação social do Brasil nos durante o período colonial.
séculos XVI, XVII e XVIII. Outro autor
A produção agrária, que tinha como centro importante desse período foi
geopolítico o engenho e a fazenda, integrou-se aos Sérgio Buarque de Holanda
objetivos comerciais europeus. A figura que (1902-1982), que publicou em
predominou nesse período não foi a do pequeno 1936, três anos depois de
produtor rural, mas sim a do empresário explorador, o Casa-grande & senzala e com
empresário de um grande negócio. escrita completamente diversa
Esse quadro histórico, essa herança, é destacada da de Freyre, o livro Raízes do
por Caio Prado quando se propõe analisar a passagem Brasil.
da colônia para a nação. Para ele, é necessário De estilo mais
entender a nação a partir da colônia, observando conciso, a obra aborda o sentido político da descrença
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no liberalismo tradicional e busca possíveis soluções. como hostil e as relações pessoais são ativadas na
Tem como condicionantes teóricos a história social tentativa de frear esse processo.
francesa, a sociologia da cultura alemã, sobretudo a A cordialidade marca, para Sérgio Buarque, um
influência de Max Weber, e a teoria sociológica e conjunto de relações que configuram um grupo social
etnológica. particular. Ela sintetiza uma forma de conduta social,
Com Raízes do Brasil, Sérgio Buarque objetiva nem sempre consciente, que procura frear a
conhecer o passado com vistas para o futuro, modernização da sociedade brasileira e conservar as
preocupando-se com a transformação social. Assim, o relações sociais de favorecimento pessoal. A
movimento geral da obra consiste em apresentar as evolução da sociedade brasileira, para esse autor, deve
características da nação brasileira, os marcos principais superar essas características e se pautar na busca de uma
de mudança e os caminhos para a transformação futura. sociedade civilizada, uma sociedade urbana e
As questões centrais de sua análise giram em cosmopolita que deixe para trás o mundo rural.
torno da oposição entre o mundo rural e o mundo A Sociologia de Sérgio Buarque examina, com
urbano e entre a esfera privada e a esfera pública. Na base na análise da sociedade brasileira, a ligação estreita
concepção de Sérgio Buarque de Holanda, é preciso entre o que é público e o que é privado e seus limites.
superar essas raízes, para que nossa sociedade seja A ausência de delimitações entre essas duas esferas da
modificada. Com esse objetivo em vista, o autor traça vida social pode ser observada ainda hoje. O
um panorama histórico do Brasil que se inicia no favorecimento teve, assim, uma dinâmica que
período colonial, passa pelo Império e pela República, transcendeu os anos 1930 e se pulverizou juntamente
até os anos 1930. com a modernização da sociedade brasileira, sobretudo
Sérgio Buarque adota o referencial weberiano no que se refere à burocracia estatal.
para analisar o Brasil do período colonial. Sua inserção
no debate se dá pela denúncia dos fundamentos
agrários e patriarcais presentes na sociedade brasileira.
Mostra-se também contrário às teorias racistas e,
aproximando-se de Gilberto Freyre, entende que a
mestiçagem teve papel central na construção da
identidade nacional. Não obstante, essa aproximação
não pode ser percebida com relação à herança rural.
Enquanto Gilberto Freyre faz uma
interpretação positiva do passado rural, como algo
próprio de nossa cultura e que não deveria ser
transformado, Sérgio Buarque enfatiza a necessidade da
transformação social, da constituição de um conjunto
de regras e normas destinadas a superar um passado de
favorecimentos pessoais originários das oligarquias Vemos casos de desvio de verbas e má
rurais. administração de dinheiro público, nepotismo e
Alicerçando seu raciocínio nos tipos ideais corrupção, ao longo de todo o século XX e começo do
weberianos, Sérgio Buarque constitui um etos nacional, século XXI. Nesse sentido, a obra de Sérgio Buarque de
isto é, um conjunto de características que se sintetizam Holanda se situa como leitura fundamental para
em uma cultura específica, na medida em que explicita entender o processo histórico-social brasileiro.
os traços marcantes da sociedade brasileira da época.
Esse etos nacional tem um sentido histórico e se
fundamenta em uma relação dialética própria da
sociedade brasileira.
De um lado, Sérgio Buarque assinala a
modernização da sociedade brasileira, de outro, o
conservadorismo que tenta bloquear essa
modernização.
Para ele, o tipo ideal que explicita esse processo
contraditório é o homem cordial. Ele seria a chave
analítica para compreender como certos setores da
sociedade brasileira resistem ao processo de
modernização. Segundo ele, a modernização representa
a construção de uma nova sociabilidade, que coloca em
risco o universo das relações de favorecimento. Nesse
sentido, o Estado moderno e não centralizador é visto
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social, que a “índole brasileira” não permite distinções 4. Subdesenvolvimento e dependência econômica
raciais, que as oportunidades sociais, de toda natureza,
estão abertas a todos os brasileiros de forma igualitária, No Brasil dos anos 1930, o Estado moderno
que o negro está satisfeito com sua condição social e substituiu o Estado oligárquico e a indústria nacional
seu estilo de vida. começou a ser desenvolvida. Esse período da história
brasileira é central, pois foi em consequência desse
momento que a questão do subdesenvolvimento e da
dependência econômica do país começou a ser
discutida nos anos 1950 e 1960.
Esse debate, além de ser atual, tem relação
direta com o posicionamento do Brasil diante de outras
economias do mundo. O lugar do Brasil pode ser
pensando com base na divisão internacional do
trabalho, isto é, em como foi e ainda é construída a
economia nacional, que produtos e ramos da indústria
foram desenvolvidos na produção nacional, se são
produtos estratégicos ou matérias-primas e como essa
produção insere o país na economia mundial.
Como já vimos, a tradição econômica do Brasil,
mesmo depois da Independência em 1822, foi a de um
país produtor de mercadorias com baixo valor
agregado, que abastecia as demandas de outros países,
sobretudo da Europa e dos Estados Unidos.
A partir de meados do século XX, a economia
brasileira se desenvolveu como uma economia
periférica e complementar a outras que se estruturavam
Para Florestan Fernandes, de um lado o mito da de maneira mais sólida e tinham como base de sua
democracia racial acabou por consolidar, por exemplo, produção bens manufaturados pela indústria,
a crença de que a situação do negro se deve a sua sobretudo a automotiva.
própria incapacidade de superar dificuldades sociais, A questão do subdesenvolvimento aparece,
tais como o desemprego e a pobreza. Por outro lado, o assim, como um problema a ser enfrentado pela
mito desresponsabiliza o branco e o isenta (sobretudo Sociologia e também pela sociedade brasileira. Um dos
os brancos da classe dominante) dos efeitos da abolição principais teóricos do subdesenvolvimento é o
e da degradação da situação da comunidade negra no economista Celso Furtado (1920-2004), autor de
Brasil. Formação econômica do Brasil, publicado em 1959. Assim
Fernandes sugere, entretanto, que o mito da como Caio Prado Júnior, Furtado se preocupa com a
democracia racial pode ser usado como ponto de economia do passado colonial e chama atenção para a
partida para a melhoria da condição do negro na ligação, presente desde a colônia, entre a economia
sociedade de classes, desde que o pressuposto brasileira e a economia mundial.
democrático seja realmente alcançado. Salienta, assim, Segundo Furtado, o
que a luta em torno dessa questão deve ser levada a cabo subdesenvolvimento é
por negros e mulatos. Nos últimos anos, entretanto, uma forma de
essa questão vem sendo trabalhada por outro ângulo. organização social no
O mito da democracia racial não seria interior do sistema
simplesmente um mecanismo de acobertamento das capitalista e não uma
desigualdades e discriminações, mas também etapa que antecederia a
reproduziria a ideologia da identidade nacional que etapa seguinte. Segundo
impede a construção da igualdade entre os brasileiros. esse autor, os países
A questão da democracia racial foi discutida subdesenvolvidos tiveram
também por Gilberto Freyre em seu Casa-grande & um processo de
senzala, que considera como característica específica da desenvolvimento indireto,
cultura brasileira o encontro racial entre negros em função do desenvolvimento dos países
africanos, brancos europeus e indígenas brasileiros. industrializados.
Freyre via esse encontro com bons olhos, na medida em Assim, o Brasil se tornou dependente de países
que o convívio entre as “raças” teria se tornado desenvolvidos, condição quase impossível de ser
democrático e salutar para a sociedade como um todo. superada, a não ser por meio de uma forte intervenção
do Estado no setor industrial.
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1. Tempos de mudança
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transformação da sociedade se identifica com as forças do indivíduo de certas amarras do trabalho taylorista e
produtivas enquanto a conservação social se identifica fordista.
com as relações de produção. Haveria ainda exploração do trabalho, mas essa
Existem no capitalismo forças produtivas exploração seria de um grupo e não da forma
capazes de produzir o necessário para toda a população fragmentária que o trabalho no taylor-fordismo
do planeta. No entanto, esse desenvolvimento não imprimia. Nestes novos termos, o trabalho seria mais
interessa às relações de produção, que preferem manter qualificado, exigindo mais responsabilidade do
o desenvolvimento limitado aos interesses do capital, trabalhador e, sobretudo, seria um trabalho mais
restringindo o acesso e a socialização dos produtos. intelectualizado se comparado ao da fábrica fordista.
Com a reestruturação produtiva dos anos 1960 Expressões como “satisfação no trabalho” e
e 1970, esse tema volta ao centro da discussão “participação ativa do trabalhador” são consideradas
sociológica. As novas tecnologias da informação, como um índice que estabelece uma relação distinta do
distintas das tecnologias anteriores, pareciam dar outro trabalhador com seu trabalho. Resumindo, o
sentido às sociedades contemporâneas, na medida em trabalhador teria se libertado de algumas limitações
que abriam novas formas de participação social e impostas pelas atividades tradicionalmente fabris.
política aos indivíduos. Falou-se de uma Revolução
Informacional, que teria transformado a base produtiva
do capitalismo.
Diferente da Revolução Industrial, que se
caracterizou como uma revolução da indústria e teve
seu foco no trabalho realizado nas máquinas, a
Revolução Informacional teria como base de produção
não mais a matéria física, mas a informação. Enquanto
a Revolução Industrial se caracteriza pela
transformação de um produto com base no trabalho
manual, na Revolução Informacional o trabalho
intelectual predomina e não se limita à indústria, mas
está presente em todos os setores da economia.
Em seu livro A Revolução Informacional (São Apesar da criação de novas qualificações
Paulo: Cortez, 1999), o sociólogo francês Jean Lojkine profissionais, inclusive algumas que retomam a
(1939-) entende que esse tipo de produção não é fruto capacidade intelectual do trabalhador, o que deve ser
apenas de uma transformação tecnológica. Para esse ressaltado é o grau em que esses trabalhos podem ou
autor, não se trata da simples utilização da informática não fazer parte de escolhas e estruturas gerenciais
em atividades de formação, comunicação e gestão, mas alheias à intervenção do trabalhador. Nesse sentido, a
sim de uma mudança na utilização humana da pergunta central seria: a Revolução Informacional é de
informação. fato um processo de libertação do trabalhador em
A questão central para entender o trabalho relação a atividades penosas e enfadonhas ou não passa
informacional na produção ou nos serviços tem relação de um processo de intensificação do trabalho, que agora
com as formas de liberação do trabalhador. Para também controla as formas de produção intelectual?
Lojkine, muitas foram as tentativas de controlar esse Deve-se levar em conta que toda transformação
tipo de atividade de forma taylorista, isto é, retirando os tecnológica não tem fundamentação neutra, mas
saberes dos trabalhadores e os transferindo para a obedece aos interesses da sociedade. Nesse sentido, a
gerência. Mas essas tentativas não tiveram êxito, já que produção informacional parece estar longe de libertar
as atividades criadas pela Revolução Informacional se os trabalhadores dos atuais padrões de exploração e
apoiam na produção e troca de informações por meio dominação social.
das tecnologias da informação.
Ocorreu uma diferença significativa na 3. Valorização e financeirização do capital
utilização das tecnologias da informação, pois,
diferentemente das tecnologias tradicionais, as NTICs Nas últimas décadas, as sociedades capitalistas
(novas tecnologias da informação e comunicação) não se estruturaram com base em um processo de
se caracterizam como um processo de substituição de financeirização do capital. A valorização do capital
trabalhadores por máquinas. Segundo Lojkine, essas baseada na extração de mais-valia e na exploração da
tecnologias são diferentes na medida em que força de trabalho foi avolumada por um processo que
demandam uma interatividade do trabalhador com a já se observava desde o final do século XIX e que nas
máquina, tendo a invenção humana um papel central últimas décadas tornou-se economicamente
nesse processo. Projeta-se, assim, uma relação entre a hegemônico: o acúmulo de riquezas desenvolvido por
utilização das tecnologias da informação e a libertação mecanismos e canais financeiros e não apenas por meio
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das atividades produtivas (na indústria, no comércio e o lucro ou perda e não o aumento ou redução da
na agricultura). lucratividade da empresa.
Formaram-se no século XIX os bancos e a Determinadas ações aumentam de valor sem
figura do capitalista que comercializa dinheiro, isto é, o que haja um aumento proporcional da produção real. O
capitalista financeiro. Tomar dinheiro emprestado de economista francês François Chesnais (1934-)
um banco é uma forma estrutural de valorizar o capital. convencionou chamar o período de avanço da finança
O capitalista industrial faz isso a fim de investir na de mundialização do capital. Um processo que se define
produção com o objetivo de lucrar por meio da pela liberalização de capitais pelo mundo, ou seja, pela
exploração do trabalho. Com esse lucro, o capitalista possibilidade de captação de recursos financeiros em
industrial paga os juros para o capitalista financeiro. diferentes mercados.
Mas tanto o lucro quanto o juro são frutos da mais-valia Em seu livro A mundialização do capital, Chesnais
produzida. analisa o capitalismo de hoje para demonstrar o caráter
Na prática, o capitalista financeiro potencializa destrutivo das forças econômicas atuantes a partir da
o lucro do capitalista industrial quando dá a ele um década de 1980. Essa liberdade de investimento
crédito. O problema é que além de potencializar a capitalista permitiu uma movimentação de capitais pelo
acumulação capitalista, esse crédito que o banco mundo, o que fez desenvolver amplamente a
concede dá origem ao capital fictício. valorização do capital fictício, sobretudo nos países
Como Marx define o capital fictício? mais ricos. Entretanto, essa valorização é interrompida
De um lado, o empréstimo é aplicado no quando ocorre queda de salários e de investimentos, e
processo de produção para gerar mais-valia, isto é, o nos anos 1990 e na primeira década do século XXI as
dinheiro emprestado é considerado produtor de juros. crises se multiplicaram.
No entanto, nem todo empréstimo é aplicado à Para a economista brasileira Maria de Lourdes
produção. Essa forma de dinheiro emprestado que não Mollo (1951-), estamos vivendo um período em que o
entra no processo de geração de mais-valia é processo de financeirização das economias parece ter
considerada por Marx como uma forma fictícia de chegado ao seu limite. De qualquer forma, é importante
capital. considerar a intrínseca relação entre capital industrial e
O desenvolvimento da financeirização nas capital financeiro. Desde sua origem, o
últimas décadas faz com que a finança prevaleça em desenvolvimento capitalista teve sua base estruturada
relação à produção de mercadorias. Isto é, os valores nessa relação, que se aprofundou com a liberalização
negociados no mercado de ações são superiores àqueles dos fluxos de capital nas últimas décadas.
gerados pelas atividades produtivas. Para observar esse A contenção ou o desenvolvimento de um
fenômeno, basta considerar o produto interno bruto desses polos (capital industrial e capital financeiro),
(PIB) de determinados países e compará-los aos valores intrinsecamente complementares da economia
negociados em suas bolsas de valores. capitalista, depende da participação decisiva do Estado.
Do final da década de 1970 até meados da Exemplos disso são os empréstimos públicos dos
primeira década do século XXI, os valores negociados Estados Unidos para salvar determinados bancos da
nas bolsas foram muito superiores ao valor dos PIBs de falência.
todos os países de economia capitalista desenvolvida.
Há, portanto, uma diferença entre a produção real e o
que se negocia na forma de títulos e ações; isto é, entre
a valorização real e o capital fictício.
4. modernidade e pós-modernidade
Assim, a valorização das ações de uma empresa
não está relacionada diretamente a seu lucro ou perda
Como categoria de uma época, modernidade
em um período específico, mas sim à avaliação na Bolsa
designa o período chamado iluminista, que se inicia no
de Valores. O que importa é a avaliação da bolsa sobre
século XVIII e está relacionado a um projeto intelectual
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