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Gilberto Freyre

Gilberto Freyre foi um dos primeiros e mais proeminentes pensadores da sociologia brasileira. Freyre tentou
compreender as relações sociais dos brasileiros no período colonial de nosso país, procurando estabelecer uma
relação de classes entre senhores e escravos para a formação das relações sociais no século XX. Para Freyre, havia
uma espécie de relação cordial e harmônica entre senhores e escravos durante o período colonial. A suposta
harmonia era advinda do fato de que, a despeito de outras nações escravocratas, como os Estados Unidos, no Brasil,
houve uma miscigenação entre negros e brancos.

Ideias de Gilberto Freyre: As ideias de Gilberto Freyre não foram muito bem aceitas por grande parte da elite
brasileira do início do século XX e também não foram aceitas pelos estudiosos de raça e etnia que tentavam expor e
destruir o racismo ao longo dos séculos XX e XXI. Isso ocorreu porque Freyre defendia que, durante o período
colonial, houve uma relação amistosa entre senhores e escravos. Segundo os estudos antropológicos do intelectual,
a miscigenação que houve no Brasil durante o período colonial, que misturou negros, brancos e índios, era um sinal
de que a colonização do território brasileiro baseou-se em uma relação pacífica do homem branco europeu com as
demais etnias. Essa ideia geral desencadeou o que Freyre chamou de democracia racial no Brasil.

Teoria da democracia racial: Tendo vivido nos Estados Unidos, o sociólogo conviveu com a segregação racial
presente no país. Aqui, ao contrário do que acontecia na América do Norte, não havia uma segregação racial oficial.
Freyre procurou os vestígios sociológicos para esse traço de nossa formação e concluiu que, durante a colonização,
houve uma relação cordial entre senhores e escravos. Os senhores, brancos, não faziam questão de não se misturar
com os negros, segundo Freyre. Inclusive, na teoria do sociólogo, havia uma íntima relação dos senhores brancos
com suas escravas, que, muitas vezes, resultava em atos sexuais. A crítica que se pode fazer a essa ideia, que foi
endossada por estudiosos das relações étnico-raciais no Brasil, é que as supostas relações entre senhores brancos e
as mulheres negras e indígenas (que resultaram na miscigenação) não eram, em sua maioria, relações sexuais
consensuais. Eram relações forçadas de estupro e abuso sexual.

Casa-Grande e Senzala: A obra Casa-Gande e Senzala foi a mais difundida de Gilberto Freyre, sendo traduzida
para mais de 10 idiomas. A escrita do livro iniciou-se num momento em que o autor exilou-se em Portugal, por conta
da divergência política com o novo governo de Getúlio Vargas, que chegou ao poder com um golpe em 1930.

Em Casa-Gande e Senzala, Freyre procurou sair do óbvio nas análises sociais: política, economia, sociedade em
geral. Ele preferiu aprofundar-se em outros temas: vida doméstica, constituição familiar, formação das casas-grandes
(onde viviam os senhores brancos) e senzalas (onde viviam os negros), para entender o engenho de açúcar e a
propriedade rural como os centros do Brasil colonial.

Uma mistificação que Freyre ajudou a promover, talvez por influência de seu professor de antropologia em Columbia,
foi a de que a miscigenação e a localização geográfica do Brasil (na linha tropical) eram fatores negativos que
colocavam o país em uma posição inferior à Europa. A teoria da democracia racial trata-se de uma mistificação
ideológica que Freyre, infelizmente, ajudou a construir baseado na ideia errônea de que a relação entre senhores e
escravos era pacífica, que os índios aceitaram a colonização de maneira pacífica e que isso promoveu uma relação
democrática e a miscigenação.

Essa visão freyreana, apesar de ter algum valor para o entendimento da vida colonial no Brasil, não se concretiza. As
análises atuais sobre a desigualdade social, inclusive, associam verdadeiramente a desigualdade e a exclusão com a
questão social. Talvez o ponto de partida de Freyre que o levou a formular a teoria da democracia racial (e que era a
relação racial explicitamente segregacionista dos Estados Unidos) tenha o levado a perceber uma democracia racial
no Brasil por haver nele uma relação mais branda entre negros e brancos.

No entanto, o racismo velado e estrutural nunca deixou de existir por aqui, e a desigualdade social mostra-se como
um fator fortemente provocado pela escravidão e pela relação de submissão à qual negros e índios foram obrigados
pelo homem branco. Portanto, a tese principal de Casa-Gande e Senzala parece não se sustentar, ao passo que o
livro constitui uma interessante ferramenta para a compreensão da vida cotidiana da sociedade colonial.

O que Gilberto Freyre defendia?

Freyre foi na contramão de quase todas as teorias antropológicas que surgiram no século XIX por meio de
intelectuais como Herbert Spencer. As teorias antropológicas clássicas eram etnocêntricas e defendiam a supremacia
da “raça” branca em relação às demais. Políticos e intelectuais brasileiros trouxeram tais ideias de “pureza racial”
para o Brasil e tentaram, no início do século XX, um “branqueamento” da população brasileira como proposta para a
melhoria da sociedade.

Para Gilberto Freyre, a miscigenação era positiva. Como estudioso de antropologia, Freyre era adepto das teorias do
antropólogo alemão, radicado nos Estados Unidos, Franz Boas. Boas defendia que a cultura de um povo deveria ser
estudada não em comparação à própria cultura do antropólogo, mas com uma imersão desse profissional naquela
cultura como se fizesse parte dela. Isso permitiria ao estudioso olhá-la de perto e sem preconceitos.

Para Freyre, o Brasil colonial apresentou uma sociedade que miscigenou e integrou africanos, índios e brancos, e era
isso que teria formado uma raça mais forte, mais intelectualmente capaz e com uma cultura mais elaborada.

Apesar de ser conhecido por pensar a identidade brasileira, Gilberto Freyre também se interessou por outras
culturas, como a inglesa e a italiana. O autor foi responsável por valorizar a cultura portuguesa e a influência desse
povo na formação brasileira. No período de política arianista do nazismo, os portugueses eram considerados também
uma raça impura.

A publicação de "Casa Grande & Senzala", de Gilberto Freyre, em 1933, acabou se transformando em um marco da
cultura brasileira. Para o antropólogo Darcy Ribeiro, trata-se do "mais brasileiro dos livros já escritos". No entanto, o
livro não foi bem aceito por intelectuais conservadores nem pela Igreja Católica, uns incomodados pela defesa da
mestiçagem e da herança negra, outros pela descrição da vida sexual na colônia. Na década de 1930 era
predominante no pensamento brasileiro a defesa da eugenia e a ideologia do branqueamento da raça. No campo
internacional, em alguns países, consolidava-se o racismo como política de Estado, como na Alemanha nazista. É
neste cenário adverso que foi publicado o primeiro livro do pernambucano Gilberto Freyre. Três anos depois da
publicação de "Casa Grande & Senzala" foi editado "Sobrados e Mucambos", uma espécie de continuação daquela
primeira obra, centrada no século 19, ainda no período imperial. Somente em 1959 a trilogia foi completada com
"Ordem e Progresso", livro que tem seu foco no estudo da transição do império para a república. Com esses três
livros, Gilberto Freyre construiu um amplo painel da sociedade brasileira, estudando as transformações econômicas
ocorridas no país desde o ciclo da cana-de-açúcar até a nascente industrialização, já no século 20.

Uma obra prolífica Freyre publicou mais de 30 livros; alguns deles foram traduzidos em mais de 15 países. Deu aulas
em universidades latino-americanas, nos Estados Unidos e na Europa. Na construção dos seus livros, trabalhou com
fontes pouco utilizadas pelos pesquisadores até então, como anúncios de jornal, relatos de história oral e cantigas de
época. Sua atuação política também não pode ser esquecida. Freyre trabalhou como assessor e como uma espécie
de chefe de gabinete do governador Estácio Coimbra, em Pernambuco, no final da República Velha, e depois, em
1946, como deputado constituinte. Atuou também no Congresso como crítico da discriminação racial e defensor das
demandas históricas da região Nordeste. Freyre também participou dos embates políticos por meio de conferências e
artigos. Mostrando como sua visão política era heterodoxa, acabou flertando com o colonialismo português na África,
o que se pode ver na leitura de "O Mundo que o Português Criou" ou "Aventura e Rotina". Também apoiou o regime
militar brasileiro. Mesmo assim, a sua obra, especialmente a trilogia que teve início com "Casa Grande & Senzala",
teve um caráter revolucionário no Brasil, acentuando um paradoxo entre a atuação política de Freyre e seu brilhante
trabalho de pesquisa sobre o patriarca do rural brasileiro.

Um sistema econômico, social e político Para o autor, "a casa-grande, completada pela senzala, representa todo um
sistema econômico, social, político: de produção (a monocultura latifundiária); de trabalho (a escravidão); de
transporte (o carro de boi, o banguê, a rede, o cavalo); de religião (o catolicismo de família, com capelão subordinado
ao páter-famílias, culto dos mortos, etc.); de vida sexual e de família (o patriarcalismo polígamo); de higiene do corpo
e da casa (o 'tigre', a touceira de bananeira, o banho de rio, o banho de gamela, o banho de assento, o lava-pés); de
política (o compadrismo). Foi ainda fortaleza, banco, cemitério, hospedaria, escola, santa casa de misericórdia
amparando os velhos e as viúvas, recolhendo órfãos". A defesa da miscigenação é um dos pontos altos do livro:
"Sem deixarem de ser relações - as dos brancos com as mulheres de cor - de 'superiores' com 'inferiores' e, no maior
número de casos, de senhores desabusados e sádicos com escravas passivas, adoçaram-se, entretanto, com a
necessidade experimentada por muitos colonos de constituírem família dentro dessas circunstâncias e sobre essa
base. A miscigenação que largamente se praticou aqui corrigiu a distância social que doutro modo se teria
conservado enorme entre a casa-grande e a mata tropical ; entre a casa-grande e a senzala." "Casa Grande &
Senzala" tem como centro analítico o Nordeste açucareiro. Suas teses não devem ser generalizadas para o mundo
colonial da América Portuguesa. A economia mineradora, por exemplo, no século 18, teve uma estrutura econômico-
social distinta, apesar de ter também no escravo sua principal força de trabalho.

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