Trabalho em Max Weber passou a ter um valor positivo? Sim! Mas, por quê?
Muitas são as respostas para essa pergunta, no entanto, o
A origem da palavra trabalho está fincada na palavra
“Tripalium”, que, no latim refere-se a um instrumento de
tortura utilizado na Roma antiga, como pode ser visto
abaixo:
Não só a etimologia da palavra trabalho está relacionada
a algo negativo. Historicamente, o trabalho, em si,
também foi visto como uma prática indigna, não honrosa
e inferior: na Grécia antiga, tendo em vista a estratificação
daquela sociedade, o trabalho estava reservado aos
escravos, enquanto os cidadãos procuravam se deter na
arte do pensar, do filosofar e na resolução dos problemas
da polis. Na idade média, o clero cuidava das almas e dos
negócios da igreja, a nobreza gerenciava a sua própria
riqueza. Enquanto isso, servos, camponeses e vassalos
debruçavam-se sobre o artesanato, a agricultura e sobre as
demais formas de utilização da potência física para a
construção de coisas (trabalho). Lendo o texto bíblico e
buscando interpretá-lo, podemos ver que no cristianismo
clássico o trabalho também foi visto como algo negativo,
afinal, a necessidade de trabalho colocada sobre Adão
quando este é expulso do paraíso devido ao pecado
cometido é definitivamente uma punição, um castigo.
Apesar deste histórico de má fama do trabalho, na nossa
sociedade pais e responsáveis não cansam de nos dizer:
“estou te criando para que seja um trabalhador honrado,
um cidadão de bem!”. Então quer dizer que na nossa
sociedade o trabalho deixou de ter uma visão negativa e
sociólogo alemão Max Weber pode nos auxiliar a compor
uma resposta para essa questão: podemos nos utilizar de
um dos livros de Weber para dizer que a cultura (por via
das ideias religiosas) auxiliou nesta virada de sentidos do
trabalho.
Em seu livro “A Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo”, de 1905, Weber aponta como
acontecimentos do aspecto cultural da sociedade podem
impactar e promover novos aspectos no âmbito
econômico. Em síntese, para o autor, o tal “espírito do
capitalismo” tinha uma série de afinidades com a “ética
protestante”, e esta ética auxiliou no desenvolvimento e
na expansão do capitalismo.
O livro de Weber pode ser lido aqui:
http://www.nesua.uac.pt/uploads/uac_documento_plugin
/ficheiro/8db98cff48151daf946fe625988763bfb0737c7e.
pdf
O que Weber nos diz em seu livro?
Olhando para a sociedade de sua época (século XIX),
Weber percebeu que a maioria dos ricos e a maioria dos
estudantes de sucesso das melhores universidades eram
protestantes, e não católicos. Esse fato chamou a atenção
do autor, que quis entender o motivo desta questão. Com
este dado em sua cabeça, Weber iniciou uma pesquisa
enorme atrás de respostas e novos dados. Ele disse: “Os
protestantes mostraram uma inclinação específica para o
racionalismo econômico que não pôde e não pode ser
igualmente encontrado entre os católicos”, ou seja, os
protestantes possuem uma conduta de vida que se encaixa
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perfeitamente com a conduta de vida dos mais ricos, dos
burgueses, dos acumuladores de capital, enquanto os
católicos não.
O que é a “ética protestante”?
Acontece que os protestantes calvinistas (que foram os
estudados por Weber de maneira mais extensa) possuíam
em sua crença a ideia de que as pessoas já nascem na
Terra com suas almas salvas ou não salvas por Deus, não
adiantando viver fazendo rituais que têm como objetivo
alcançar a salvação. Não se faz por onde ser salvo! Nasce-
se salvo ou não! Porém, se o indivíduo tivesse sucesso no
trabalho, na sua profissão, isso era um indicativo, um
sinal, de que ele era um dos escolhidos de Deus para
habitar o reino dos céus. Isto posto, todos queriam o
sucesso profissional. Além disso, os protestantes
históricos do período estudado por Weber
(principalmente aqueles do século XVI e XVII),
possuíam o trabalho como uma vocação, um dom de
Deus. E para glorificar a Deus na Terra, nada melhor do
que o Trabalho. Outra coisa importante da vida dos
protestantes era a vida ascética, ou seja, puritana, que não
estava presa aos prazeres da carne. Somando a ideia do
trabalho como vocação e a vida ascética, os protestantes
acumularam muito dinheiro, mas como não podiam gastar
esse dinheiro com coisas da carne (mulheres, comidas
caras, luxo e prazer), eles investiam esse dinheiro em mais
trabalho, para glorificar a Deus e para conseguir sucesso
profissional, sinalizando assim sua salvação.
O que é o espírito do capitalismo?
O espírito do capitalismo pode ser resumido na seguinte
frase: trabalho como dever para acumulação financeira e
muita racionalidade para ganhar, saber gerir e lucrar.
Weber traz em seu livro um trecho da fala de Benjamin
Franklin (calvinista americano do século XVIII que foi
um dos líderes da revolução americana). Nesta fala,
Franklin mostra como o tempo deve ser gasto para ganhar
e cuidar do próprio dinheiro, usando da racionalidade para
não perder nem o dinheiro nem a confiança dos
investidores. Você encontra o texto de Franklin na íntegra
na última página deste documento.
O acúmulo de dinheiro com muita racionalidade na
administração do mesmo era o objetivo final do espírito
do capitalismo.
Afinidade eletiva entre o “espírito do
capitalismo” e a “ética protestante”
Protestantes trabalhavam para glorificar a Deus, pois o
trabalho era uma vocação, e para ter um indicativo de sua
salvação. Capitalistas trabalhavam para acumular
dinheiro e para ter lucro.
Protestantes e Capitalistas tinham objetivos distintos: os
primeiros queriam um indicativo de sua salvação, os
segundos queriam lucrar, mas o método traçado por
ambos para alcançar o objetivo era o mesmo: gastar o
máximo de tempo possível no trabalho, buscando o
sucesso na sua profissão. Isto é o que Weber chamou de
“afinidade eletiva” entre ambos: uma coisa em comum na
conduta protestante e na conduta capitalista.
O dito popular “Deus ajuda quem cedo madruga” e a
famosa frase de Benjamin Franklin, “Time is Money”,
mostra o quanto as ideias do protestantismo e as ideias
capitalistas possuem essa imensa afinidade: o tempo deve
ser gasto para o trabalho, seja por uma razão religiosa,
seja por uma razão econômica.
Consequências imprevistas da ação dos
protestantes
Protestantes trabalharam muito para glorificar a Deus,
para agradar a Deus na Terra, pois o trabalho é um dom
divino. Protestantes trabalharam muito, pois acreditavam
que o sucesso no trabalho era um indicativo de que teriam
suas almas salvas no juízo final. Trabalhando muito e
sendo muito racionais na organização de sua profissão,
para que tivessem sucesso, protestantes acumularam
dinheiro que não gastaram com prazer e luxo, pois tinham
uma vida ascética, como explicamos acima. E, sem
querer, protestantes auxiliaram na expansão do
capitalismo: seu dinheiro era convertido em novas
fábricas, em mais trabalho, em novos empregados
assalariados: dinheiro proveniente do trabalho que servia
para a promoção de mais trabalho, que servia, assim, para
a promoção do capitalismo. Esta foi a consequência
imprevista da ação dos protestantes: eles só queriam um
indicativo de sua salvação, mas sem querer,
impulsionaram o capitalismo.
É muito importante saber que Weber nunca disse que o
protestantismo causou o capitalismo! Weber dizia que o
que existia entre protestantismo e capitalismo era uma
afinidade eletiva entre suas ideias principais, porém, se os
protestantes não tivessem traçado a ideia do trabalho
como vocação, o capitalismo teria existido da mesma
maneira. Os protestantes foram, apenas, mais uma coisa
que auxiliou na expansão do capitalismo.
Texto de Benjamin Franklin
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“Lembre-se que o tempo é dinheiro. Para aquele que poupado sem causar grandes inconvenientes”. “Por seis
pode ganhar dez shillings por dia pelo seu trabalho e vai libras anuais poderás desfrutar do uso de cem libras,
passear ou fica ocioso metade do dia, apesar de não gastar desde que sejas um homem de reconhecida prudência e
mais que seis pence em sua vadiagem ou diversão, não honestidade.” “Aquele que gasta um groat por dia
deve ser computada apenas essa despesa; ele gastou, ou inutilmente, desperdiça mais de seis libras por ano, que
melhor, jogou fora, mais cinco shillings. “Lembre-se que seria o preço do uso de cem libras.” “Aquele que
o crédito é dinheiro. Se um homem deixa seu dinheiro em desperdiça o valor de um groat de seu tempo por dia, um
minhas mãos por mais tempo que o devido, está me dando dia após o outro, desperdiça o privilégio de usar cem
os juros, ou tudo o que eu possa fazer com ele durante libras a cada dia.”
esse tempo. Isto atinge somas consideráveis quando
alguém goza de bom e amplo crédito, e faz dele bom uso. “Aquele que perde inutilmente o valor de cinco shillings
“Lembre-se que o dinheiro é de natureza prolífica e de seu tempo, perde cinco shillings, e poderia com a
geradora. O dinheiro pode gerar dinheiro, e seu produto mesma prudência tê-los jogados ao mar.” “Aquele que
gerar mais, e assim por diante. Cinco shillings circulando perde cinco shillings, não perde apenas essa soma, mas
são seis; circulando de novo são sete e três pence e assim também todas as vantagens que poderia obter investindo-
por diante, até se tornarem cem libras. Quanto mais dele a em negócios, e que durante o tempo em que um jovem
houver, mais produz a cada aplicação, de modo que seus se torna um velho, se tornaria uma soma considerável.”
juros aumentam cada vez mais rapidamente. Aquele que
mata uma porca prenhe, destrói sua descendência até a
milésima geração. Aquele que “mata” uma coroa, destrói
tudo aquilo que poderia ter produzido, até muitas libras”.
“Lembre-se do ditado: O bom pagador é dono da bolsa
alheia. Aquele que é conhecido por pagar exata e
pontualmente na data prometida pode, a qualquer
momento e em qualquer ocasião, levantar todo o dinheiro
de que seus amigos possam dispor. Isso, por vezes, é de
grande utilidade. Além da industriosidade e da
frugalidade, nada contribui mais para a subida de um
jovem na vida que a pontualidade e a justiça em todos os
seus negócios; por isso, nunca mantenha dinheiro
emprestado uma hora sequer além do tempo prometido,
para que o desapontamento não feche para sempre, à bolsa
de teus amigos”. “As menores ações que possam afetar o
crédito de um homem devem ser levadas em conta. O som
do teu martelo às cinco da manhã ou às oito da noite,
ouvido por um credor, te o tornará favorável por mais seis
meses; mas se te vir à mesa de bilhar, ou ouvir tua voz na
taverna quando deverias estar no trabalho, cobrará o
dinheiro dele no dia seguinte, de uma vez, antes do
tempo.” “Isto mostra, entre outras coisas, que estás
consciente daquilo que tens; fará com que pareças um
homem tão honesto como cuidadoso, e isso aumentará teu
crédito.” “Não te permitas pensar que tens de fato tudo o
que possuis, e viver de acordo. Esse é um erro em que
caem muitos que têm crédito. Para evitar isso, mantenha
por algum tempo uma contabilidade exata de tuas
despesas e tuas receitas. Se, de início te deres ao trabalho
de mencionar os detalhes, isso terá este bom efeito:
descobrirás que mesmo pequenas e insignificantes
despesas se acumulam em grandes somas, e discernirás o
que poderia ter sido e o que poderá ser, no futuro,