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Prefácio à Sexta Edição

Muitos de nós nunca conheceram a recuperação sem o Texto Básico – nossas reuniões
são iniciadas com leituras encontradas em suas páginas; ele está nas mesas com literatura em
nossos grupos; e o livro em si é uma constante em nossa recuperação através dos meses ou anos
ou décadas. Passaram-se vinte e cindo anos desde que a primeira edição de Narcóticos
Anônimos, o nosso Texto Básico, foi publicada e, naquele tempo, NA cresceu e mudou de
incontáveis maneiras. Em diversos aspectos, o Texto Básico foi instrumental nesta evolução. Em
1982, o ano em que a Conferência de Serviço Mundial aprovou o Texto Básico, havia em torno
de 2.700 reuniões semanais de NA; hoje há mais de 40.000. Vinte e cinco anos atrás, a maioria
dos lugares do mundo não oferecia uma reunião de NA em todas as noites da semana. De fato, a
maioria dos lugares não oferecia uma reunião em nenhuma noite da semana. Agora, NA está em
123 países e nós falamos em sessenta e quatro línguas. O próprio Texto Básico está traduzido em
dezesseis línguas.
Certamente o crescimento de NA não pode ser atribuído ao poder do livro somente. Mas
o fato é que o Texto Básico é um dos meios mais eficazes que temos para levar a mensagem.
Onde quer que ele seja publicado e distribuído, NA cresce, não apenas em números mas em
gama de recuperação e experiência. À medida que nossos membros se mantêm limpos dez, vinte,
trinta e mais anos, eles são confrontados com desafios além de “não usar a primeira droga”. Na
Sexta Edição, você lerá histórias de adictos que se mantiveram limpos quando passaram pela
perda de entes queridos, doenças severas ou fatais, educando filhos, casamentos, divórcios,
conseguindo uma formação educacional, desenvolvendo carreiras profissionais e muito mais. A
ligação comum entre todas estas experiências variadas é a que nós buscamos força no programa
de NA independentemente de quanto tempo estejamos limpos ou que situação da vida estejamos
encarando. Através de décadas, temos vivido muita vida como ela é e aprendemos muito sobre o
que significa a recuperação da adicção nesse contexto.
Agora, com a publicação de nossa Sexta Edição do Texto Básico, podemos dizer que NA,
de diversas maneiras, amadureceu. Entretanto, este não foi um processo sem dores de
crescimento. De 1983 a 1988, nós publicamos cinco edições e uma revisão do Texto Básico.
Essas mudanças foram feitas de modo impulsivo e causaram um tremendo conflito em nossa
irmandade. De fato, por anos após isto, a irmandade como um todo não desejava considerar uma
revisão do livro novamente. Francamente, muitos de nós


Os números neste parágrafo são atualizados a cada impressão. Estas quantidades são da data ________.
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pensamos que nunca iríamos ver o dia em que uma nova edição do Texto Básico pudesse ser
bem-vinda pela irmandade.
Portanto, o fato de publicar uma Sexta Edição do texto é um verdadeiro marco de nossa
habilidade, como irmandade, de crescer e mudar. Apesar disso, os Capítulos Um a Dez
continuam como estavam na Quinta Edição. Esses dez capítulos falam para muitos de nós de um
modo que nenhuma outra peça de literatura o faz, com uma voz que é difícil, se não impossível,
duplicar. Entretanto, o que está significativamente diferente na Sexta Edição do texto, em adição
a este novo prefácio, é a experiência pessoal que se segue aos Capítulos Um a Dez.
Seria impossível fazer uma lista de todas as maneiras que a face de NA modificou ao
longo dos anos e esta nova edição não pretende ser um espelho, refletindo uma imagem perfeita
de nossos membros, mas tem o objetivo de representar a riqueza de nossas diferenças tão bem
quanto possa. O Texto Básico já nos diz que um adicto é bem-vindo a NA independentemente de
nossa aparência, nossa idade ou que tipo de crenças espirituais temos. A adicção é uma doença
que não discrimina e o programa de NA também não. Sabe-se que algumas pessoas têm uma
imagem do candidato ‘típico’ para NA e essa visão é bastante estreita – urbano, criminoso,
usuário de agulhas. Certamente, isto descreve muitos de nós, mas também somos profissionais,
pais, estudantes e assim por diante; vivendo em cidades pequenas e comunidades rurais em
países pelo mundo todo. Podemos apenas desejar acenar à nossa diversidade no espaço de um
livro. Mesmo nosso nome, Narcóticos Anônimos, pode não descrever plenamente nossos
membros. A adicção não tem nada a ver com nossas origens ou com as substâncias específicas
que usávamos.
Nossos membros vêm de todos matizes da vida. Não estamos contidos em fronteiras
políticas ou geográficas, nem estamos limitados por qualquer diferença individual de fé ou
filosofia. Quanto a isto, somos um tipo de utopia; não importa que conflitos desenrolem-se pelo
mundo, para dentro das portas de NA, nosso bem-estar comum vem primeiro. Nosso texto
explica que esta unidade de propósito nos ajuda a “alcançar o verdadeiro espírito do anonimato”
onde todos nós somos iguais enquanto membros do grupo. Com isto como alicerce, nós,
enquanto adictos em recuperação individuais somos, cada um, capazes de encontrar a nossa voz
distinta e de cantar uma canção que é, de modo único, nossa para cantar. Esta nova edição
apresenta algumas destas vozes.
Esperamos que a Sexta Edição do Texto Básico ofereça a visão da recuperação para
adictos por todo o mundo – aqueles que já encontraram as salas de NA e aqueles que entrarão
por nossas portas amanhã. Ao longo dos anos nossa irmandade tem mudado e nossa literatura se
expandiu e
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foi revisada, mas a mensagem se mantém a mesma: um adicto, qualquer adicto, pode perder o
desejo de usar e encontrar uma nova maneira de viver. Você é bem-vindo aqui. Por favor fique e
seja parte de nosso crescimento, nossa mudança e recuperação.
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Introdução a Nossos Membros Partilham
Em nossas reuniões, nossas vidas e nossa literatura, ajudamos uns aos outros através da
partilha de nossa experiência e das ferramentas que utilizamos para viver limpos e nos recuperar.
O Texto Básico é uma expressão deste desejo de partilhar nossa recuperação; Nossa sabedoria
coletiva ao descrever o programa nos dez primeiros capítulos e, aqui, nossas experiências
individuais em viver o programa. As vidas de nossos membros dependem de nosso programa;
nossa programa vem à vida através das vozes de nossos membros.
Nossa Primeira Tradição nos ensina a deixar nossas diferenças de lado para o nosso bem-
estar comum. O conceito de unidade descrito nesta tradição não é a mesma coisa que
uniformidade; ao longo do tempo descobrimos que aquelas diferenças são precisamente aquilo
que nos enriquece. Nas particularidades de nossas histórias a verdade de nossa mensagem
aparece; vemos o quanto realmente nos parecemos uns com os outros. Isto pode parecer uma
contradição em NA: Nosso desenvolvimento enquanto indivíduos e como irmandade diz respeito
a fomentar nossos laços comuns e nossa identidade comum; ao mesmo tempo cultivamos e
cuidamos das coisas que fazem cada um de nós ser quem somos. Precisamos destes dois pontos
de vista para nos mantermos fortes e crescer.
Desde que nosso Texto Básico foi publicado por primeira vez, nós crescemos e mudamos
como irmandade. A participação se alargou e nossa experiência se aprofundou. Hoje, somos
realmente mundiais e cada uma de nossas comunidades locais de NA também contém mundos.
Juntos tomamos a decisão de revisar esta parte do livro para abarcar e refletir estas mudanças.
Nas páginas que seguem, nossos membros partilham sua experiência em ficar limpos, manter-se
limpos e viver limpos.
A experiência partilhada é tão ampla quanto a variedade de membros que somos. Nossos
membros escrevem sobre voltar à escola, perder pessoas que amam, lidar com doenças, fazer
reparações, resolver sua sexualidade, educar filhos, servir à irmandade que amamos e incontáveis
outros sucessos e desafios. Seria impossível refletir completamente a diversidade de todos os
membros ou daquilo pelo que passamos em uma só coletânea, mas aqui temos agrupada um
pouco de nossa riqueza.
Aqueles que já estão familiarizados com o Texto Básico notarão diversas mudanças
estruturais aqui. Parte da motivação para revisar o texto era torna-lo mais fácil de navegar. Para
este fim, cada peça individual é muito brevemente resumida no início e no Índice do livro. Se
você está procurando por algo específico (como alguém que teve que lidar com doença ou
alguém que ficou limpo jovem) você poderá encontrar isto com mais rapidez.
Organizamos a coletânea em quatro seções, a primeira das quais é chamada “No
começo”. As cinco histórias que aqui estão vêm de edições anteriores do Texto Básico e não
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foram editadas para esta edição. Estas vozes de alguns de nossos primeiros membros são uma
janela sobre nossos primeiros tempos. Além dessas cinco, diversas outras histórias publicadas
anteriormente (do Texto Básico em Inglês, assim como edições em outras líguas do Texto Básico
e do Livreto Branco) foram editadas e incluídas em outras partes desta coletânea.
Após a seção “No começo”, o texto é dividido em três outras seções, cada uma iniciando
com uma variedade de citações de nossos membros. Na seção “Chegando em Casa”, membros
partilham sobre encontrar NA, ou em alguns casos, iniciando NA em sua parte do mundo.
Nossas leituras nos mostram que qualquer um pode encontrar um lar em NA “independente de
idade, raça, identidade sexual, crença, religião ou falta de religião”. Na seção “Independente de”,
membros falam sobre sua jornada para encontrar aceitação em NA e para fazer de NA um lugar
onde todos nós podemos nos sentir seguros e bem-vindos. A seção final, “A Vida Como Ela É”,
foca a prática dos princípios em face a tudo que a vida oferece: Totalmente despertos e vivos,
confrontamos alegria e tragédia e os simples prazeres da vida do dia-a-dia.
Você pode não se identificar com tudo que ler aqui – do mesmo modo que pode não se
identificar com todos que partilham em uma reunião de NA – mas esperamos que, pelo menos
algumas destas vozes o toquem e inspirem. Em NA aprendemos que, enquanto adictos, não
somos os únicos, mas enquanto pessoas somos indivíduos e nossa experiência importa.
Coletivamente, somos muito mais do que a soma das partes. Cada um de nós, independente de
nosso tempo limpo ou de onde viemos, tem algo a contribuir ao partilhar aberta e honestamente e
algo a ganhar ao ouvir com um coração aberto.
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Índice Completo do Texto Básico

Abaixo está a coletânea de resumos que aparece ao início de cada história. Este
documento foi incluído aqui para tornar mais fácil para vocês fazerem referência às peças
individuais.

NO COMEÇO

Encontrei a única reunião de NA do mundo.................................................................................15


Quando a esposa deste adicto encontrou a única reunião de NA do mundo, ele foi fisgado pelo
amor, carinho e a partilha que acontece em NA. Nesta história de nossa Primeira Edição, ele nos
conta que quando encontrou NA de modo tão improvável, o caos de sua vida terminou e a
aventura começou.

Serenidade do meio do Pacífico....................................................................................................21


Em sua história da Primeira Edição, NA deu a este rato-de-praia um direcionamento para viver.
Este adicto finalmente encontrou o seu “paraíso” nos doze passos.

Se você quer o que nós temos para oferecer................................................................................27


Depois de uma vida de uso, este “cavalheiro do sul” aprendeu que a coisa mais graciosa que ele
podia fazer era abrir as portas de uma reunião de NA. Nesta história de nossa Primeira Edição,
ele se recorda de que o primeiro homem que disse-lhe que o amava foi em Narcóticos Anônimos.

Mãe medrosa................................................................................................................................33
Nesta história originalmente publicada em nosso Pequeno Livreto Branco e adicionada ao Texto
Básico na Segunda Edição, uma mão aprende que ela pode sair do medo paralisante da adicção e
mudar completamente a sua vida. Ela reclama a sua cadeira como uma mulher em NA e espera
que um dia mais mulheres encontrarão recuperação.

Eu era diferente............................................................................................................................37
Nem todos adictos vão a prisões ou instituições para chegar ao seu fundo-de-poço. Nesta
história, originalmente publicada no Livreto Branco e posteriormente incluída na Segunda
Edição, este adicto “diferente” explica que a sua doença mantinha-o confinado a uma vida de
medo e solidão. Ele encontrou serenidade em uma vida simples em Narcóticos Anônimos.

CHEGANDO EM CASA

Agora é possível...........................................................................................................................47
Quando ela ficou limpa, não havia NA em seu país. Ela iniciou NA na Turquia se apaixonou
pelo programa mesmo quando mais nada fazia sentido para ela.

O ponto.........................................................................................................................................49
Seu melhor amigo morreu de overdose e ele continuou usando. Anos depois, este adicto voltou à
sua antiga vizinhança e fez as pazes com o seu passado.
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Parte da solução.........................................................................................................................55
Ela era uma esposa e mãe raivosa que pensou que as pílulas poderiam resolver os seus
problemas. Em vez disso, ela encontrou a solução nos passos. Esta é uma história de nossa
Primeira Edição, editada para a inclusão aqui.

Levando a mensagem...................................................................................................................59
Eles usavam juntos e ficaram limpos juntos, mas este adicto tornou-se ativo no programa
enquanto seu irmão não. Este membro da Arábia Saudita encontrou na perda de seu irmão um
poderoso motor para levar a mensagem.

Adicta jovem e irmandade nova de NA crescem juntas...............................................................63


Ela encontrou NA quando ela tinha apenas quinze anos e agora ela está limpa a mais de vinte
anos.

Que satisfação tranqüila que eu sinto em poder ser útil!...........................................................67


Algumas vezes ele era a única pessoa na sala em uma reunião, mas isto apenas renovava o
comprometimento para com a recuperação deste adicto queniano.

Restaurada à dignidade...............................................................................................................71
Ela esbarrou em NA – literalmente – e encontrou esperança e liberdade. Para esta mulher
chilena, o equilíbrio emocional começa com a honestidade.

Uma segunda chance.................................................................................................................75


Um conjunto de más decisões levaram, por fim, esta adicta a recair com treze anos limpa. Foi
uma estrada difícil de volta à recuperação, mas NA amou-a até que ela pode amá-la a si mesma.

Um novo começo........................................................................................................................79
Este adicto encontrou um lar em sua primeiríssima reunião. Ele fez o que foi sugerido e não
voltou a usar desde então.

Prisões, instituições e recuperação.............................................................................................83


Esta história de nossa Primeira Edição, editada para inclusão aqui, nos conta de um membro que
encontrou liberdade enquanto cumpria tempo através da Irmandade de Narcóticos Anônimos.

O que me faz feliz agora..............................................................................................................87


Quando NA iniciou no Japão, mesmo membros não acreditavam que uma vida normal seria
possível para uma mulher em recuperação. À medida que a irmandade amadureceu, mulheres
partilhando sua experiência em reuniões mudaram suas vidas e sua cultura.

Sanduíche.....................................................................................................................................93
Um ato simples de gentileza mostrou a este adicto holandês que ele pertencia a Narcóticos
Anônimos. Ele trabalhou para que seus medos de que um relacionamento com Deus seria
barrado para ele por ele ser gay e aprendeu a confiar no poder do amor.

Uma brasileira cansada disso tudo!..............................................................................................97


Como artista ela viajou o mundo, mas encontrou-se no isolamento da adicção onde quer que
fosse. Esta dançarina encontrou graça fora dos holofotes, nas salas de NA.
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Enjoado e cansado aos dezoito...................................................................................................103
Esta história de nossa Terceira Edição, editada para inclusão aqui, nos conta a história de uma
garota que chegou a NA adolescente por ordem judicial e encontrou amor, aceitação e
tranqüilidade da mente.

Iniciar uma reunião. Eles chegarão ...........................................................................................107


Ele deu entrada em tratamento para evitar ir preso, mas enquanto ele estava lá ele encontrou
esperança nas páginas do Texto Básico. Não havia NA naquela parte rural do Illinois, então ele
iniciou uma reunião e tem se mantido limpo passando por suas próprias dores e por aquelas da
irmandade.

Kia Ora Koutou...........................................................................................................................111


A mensagem de NA atingiu esta adicta maori. Ela ficou limpa por despeito, mas permaneceu
limpa por causa da esperança.

Ao final da estrada.....................................................................................................................115
Ela pensou que era uma viajante, mas era, na verdade, uma necessidade de fugir de si mesma.
Esta adicta norueguesa encontrou o seu caminho para casa em uma ilha do mediterrâneo.

APESAR DE...

Crescendo em NA.......................................................................................................................125
Quando ela ficou limpa aos dezesseis em Chicago, ela não tinha como saber que mais de vinte
anos depois ela estaria na Itália, sentindo como o serviço nos conecta a todos.

Um terceiro passo para mim, um salto gigantesco para minha recuperação..........................127


A adicção tirou dele as suas raízes Judaicas Ortodoxas, mas a recuperação ajudou-o a forjar um
novo relacionamento com um Deus de sua compreensão.

Finalmente conectado...............................................................................................................133
Após uma vida sentindo-se diferente, este adicto encontrou a chave para se conectar em um
workshop sobre necessidades comuns.

De líder de gang a líder de debates.........................................................................................137


Como membro de uma gang do centro-sul de Los Angeles, ele não pensava ter um futuro. Mas
NA manteve a sua promessa e agora ele tem oito anos limpo e a vida que sempre quis.

Terminalmente único.................................................................................................................139
Por ser HIV-positiva, quase negam cirurgia a esta adicta transsexual. Esperar ajudou-a a
construir um relacionamento mais forte com um Poder Superior.

Como se soletra ‘alívio’?.........................................................................................................145


Quando ela começou a ir às reuniões aos dezesseis, ela só queria evitar uma sentença de prisão.
Para sua surpresa, ela encontrou serenidade através dos passos e do serviço. Esta é uma história
de nossa Primeira Edição, editada para inclusão aqui.
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O caso exemplar ........................................................................................................................147
Este membro iroquês foi parar em uma instituição para “casos difíceis”. Quando encontrou NA,
ele percebeu eu ele era um caso exemplar de adicto.

Ateus também se recuperam......................................................................................................151


Para este adicto ateu, o processo de recuperação e dos princípios espirituais de NA são um poder
maior do que ele.

Nunca mais sozinho.................................................................................................................155


Ela ficou limpa junto com o seu marido de vinte anos e oito anos depois cuidou dele quando teve
câncer terminal e ambos os seus pais também estavam terminalmente doentes. Agora, aos
sessenta e um, ela partilha que o programa pode ajudar qualquer um de nós, não importando as
circunstâncias.

Independente da idade............................................................................................................159
Ela era a pessoa mais nova na sala, mas ele sentiu uma conexão imediata. Ao longo do tempo,
ela veio a perceber que recuperação da adicção é um laço que transcende a idade.

Adicto acadêmico.....................................................................................................................163
Como doutourando em farmacologia, seu conhecimento de drogas quase o matou. Agora, ele é
professor e tem mais de vinte anos limpo e a compreensão de que o programa não é uma ciência.

Encontrando um Deus que funciona através das pessas.........................................................169


Esforçando-se por anos em um seminário, este Pastor em recuperação achava que havia traído
Deus ao escolher NA; mas em vez disto, descobriu uma verdade simples: Deus trabalha através
das pessoas.

Eu era único..............................................................................................................................173
Quando ele era novo no programa, ele aprendeu que, independente de suas origens profissionais
e educacionais, seu lugar era em NA. Ele ficou limpo desde que sua história foi publicada na
nossa Primeira Edição ele mesmo pode revisa-la para esta edição. Para nossa tristeza, ele não
pode viver para ver esta publicação.

A VIDA DO JEITO QUE ELA É

Sopro de vida...........................................................................................................................183
Mesmo em um canto remoto do Paraíso, a doença pode nos encontrar – e a recuperação também.
Ela continuou voltando e encontrou liberdade através do trabalho destemido do inventário.

Vida e morte em NA................................................................................................................187


Ele perdeu um irmão e um filho para a doença da adicção, mas NA o ensinou a dizer “eu te
amo”, mesmo em face de tantas perdas.

O mesmo caminho..................................................................................................................193
Ele estava apavorado com a idéia de contar ao grupo quem ele era, mas quando este adicto gay
se abriu, descobriu que estava em casa.
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Trabalho interior........................................................................................................................197
A depressão quase matou esta adicta em recuperação quando ela já tinha múltiplos anos limpa.
Mas um compromisso renovado com a recuperação trouxe alívio – um relacionamento mais
profundo com um Poder Superior.

Deus entrou.................................................................................................................................201
Entre as dádivas e desafios que este adicto encarou em seus vinte anos limpo estão o câncer e
cirurgia cardíaca de peito aberto. De tudo isto, ele aprendeu sobre rendição e amor.

Um buraco da forma de Deus...................................................................................................205


Um roqueiro punk holandês encontra sentido e propósito no serviço abnegado.

Uma batata..............................................................................................................................209
Esta lésbica HIV-positiva sobreviveu grande adversidade para encontrar graça em alguns lugares
pouco prováveis.

Retrato imperfeito...................................................................................................................215
A vida sem drogas era mais dolorosa do que ele imaginava, mas ele encontrou alívio nos passos
e um lar para ele em NA de Estocolmo.

Geracional.............................................................................................................................219
Como mãe, recuperação às vezes significa aceitar a doença de seus filhos também. Esta mulher
ajudou seus filhos a encontrar o seu caminho para casa.

Basta......................................................................................................................................223
Este adicto tinha anos limpo antes de que ficasse disposto a encarar o seu comportamento
adictivo em recuperação. Ele agora sabe que não precisa mais falar limpo e viver sujo.

Finalmente livre....................................................................................................................227
Esta adicta francesa veio para NA numa nuvem de luto e arrependimento e encontrou alívio e até
mesmo alegria ao seguir as sugestões que ela ouviu nas reuniões.

Tornando-se plena................................................................................................................229
Adicção não é a única doença com que esta adicta precisa lidar. Diagnosticada com
esquizofrenia, ela fez a jornada da recuperação de paciente suicida a consultora em saúde mental.

O bem que fazemos..............................................................................................................233


Uma corrente de “coincidências” levou este adicto a encontrar um padrinho e ver que os seus
atos de serviço podem ter efeitos muito mais amplos.

Estou tão grato de que Deus ainda ouve as orações de um adicto......................................235


Através da retribuição, este adicto do centro da cidade descobriu que o seu relacionamento com a
sua comunidade e o seu Deus são as chaves para o sucesso real.

Dizendo em voz alta............................................................................................................239


Este membro da Irlanda cresceu quieto e distanciado, mas a recuperação ajudou-o a superar o seu
medo de falar em público para encontrar a sua voz e a si mesmo.
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O lado grato das circunstâncias.................................................................................................245
Esta jornada de recuperação trouxe ele de um trabalho como farmacêutico para um trabalho com
adictos em recuperação e proporcionou a ele as ferramentas para lidar com os desafios da vida –
doença, luto e intimidade.
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NO COMEÇO

Estas cinco histórias de nossos primeiros membros oferecem um vislumbre de NA no final dos
anos setenta e início dos oitenta. Foram reproduzidas exatamente como estavam quando foram
publicadas na Primeira Edição do Texto Básico.
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Quando a esposa deste adicto encontrou a única reunião de NA do mundo, ele foi fisgado pelo
amor, carinho e a partilha que acontece em NA. Nesta história de nossa Primeira Edição, ele
nos conta que quando encontrou NA de modo tão improvável, o caos de sua vida terminou e a
aventura começou.

Encontrei a única reunião de NA do mundo

O meu nome é Bob B. de Los Angeles. Quanto ao tema de pessoas, lugares e coisas, a
minha história não é muito diferente daquela do executivo, só que está no lado oposto da corda.
Eu cresci no lado errado da linha de trem, pobre, desfavorecido, na época da depressão,
em um lar desfeito. Palavras de amor nunca foram ditas em minha casa. Havia muitas crianças na
minha casa.
A maioria das coisas que eu me lembro sobre a minha vida são relembradas em
retrospecto. Enquanto elas estavam acontecendo, eu não sabia nada sobre elas. Eu só me lembro
de ir vivendo a vida me sentindo diferente, desfavorecido. Eu nunca me senti muito confortável
onde quer que eu estivesse, com o que eu tivesse em qualquer momento. Cresci em um mundo
de fantasia. As coisas do outro lado da cerca sempre pareciam ser melhores. A minha grama
nunca era verde o bastante. Minha cabeça sempre estava em horário de almoço. Eu conhecia
todos os atalhos para poder conseguir passar na escola.
Eu sempre tive o sonho de sair de casa. Não era o lugar para se estar. Minha grande
fantasia era a de que ia existir alguma coisa boa lá fora em algum lugar.
Eu comecei a usar bastante tarde na vida, eu tinha dezoito anos. Eu digo que é tarde
comparando com a idade que os garotos estão fazendo isso hoje em dia.
Minha mãe mandava na casa com mão de ferro. Era o seu método. A maneira constante
pela qual eu conseguia atenção era fazendo meu traseiro apanhar numa base diária. Descobri que
outra maneira de ter atenção era ficando doente. Quando eu ficava doente eu ganhava as coisas
que eu sentia serem necessárias, amor e atenção.
Eu culpava a minha mãe por não ter feito escolhas melhores na vida dela de modo que
fosse feliz no meu processo de crescimento.
Fui para o serviço militar porque era um lugar para onde fugir. Permaneci militar por um
longo tempo porque eles custeavam para mim as mesmas oportunidades que eu tinha em casa;
três quentes, uma cama e nenhuma responsabilidade. Posso dizer que eu era uma pessoa
responsável por que eu tinha uma patente e fiz isto ou aquilo, mas era somente porque eles me
deram instruções adiantadas sobre o que fazer, quando fazer e o quanto fazer.
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Minha primeira droga foi o álcool. Descobri que havia duas personalidades. Quando sob
efeito do álcool e, depois outros narcóticos, acontecia uma mudança de personalidade.
Mais tarde, descobri, entretanto, que essa mudança de personalidade era ainda mais
antiga. Eu era duas pessoas mesmo antes de começar a usar. Eu tinha aprendido a roubar cedo.
Eu tinha aprendido a mentir cedo. Eu tinha aprendido a enganar os outros cedo. Utilizava esses
processos com sucesso. Eu era adicto a roubar muito antes de ser adicto a drogas porque isso me
fazia me sentir bem. Se eu tivesse alguma de suas coisas boas para espalhar por aí, eu me sentia
bem. Eu tinha uma coisa com o roubo. Não podia entrar num lugar sem roubar algo.
Eu era tão ingênuo que não sabia nada sobre drogas. Drogas não eram algo do que se
falava nos anos 1930 e 40. Não é que as drogas mudaram, antigamente as pessoas simplesmente
não falavam delas. Elas não falavam de sexo, ou drogas, ou religião, nem discutiam ou
explicavam essas coisas. Simplesmente era uma das coisas das quais não se falava.
Experimentei por primeira vez a minha droga de escolha, a heroína, no Extremo Oriente.
Eu ouvi falar de ópio e experimentei isso. Descobri que você podia cozinhar a heroína e colocar
numa agulha. Em outros países, havia uma grande variedade de drogas que você podia conseguir
simplesmente entrando numa farmácia e pedindo por elas. Então, eu fiquei fora do país por nove
anos. Desta maneira eu não era confrontado com as atitudes e restrições dos Estados Unidos.
Eu não sabia nada sobre a progressão da minha doença. Não sabia nada sobre adicção. Eu
andava por aí na ignorância da adicção por muitos anos, sem saber, simplesmente sem saber.
Ninguém me explicou que quando você usa drogas pelo tempo de um ano você fica
dependente. Ninguém me contou sobre a retirada das drogas. A única coisa que alguém me falou
foi “Não fique doente” e o modo de fazer isso era continuar usando.
Um dos problemas que encontrei junto com os militares foi o de que eles te davam
ordens, te mandavam para fora e eles não enviavam o fornecedor junto. Você fica doente. Você
tenta se prevenir isso da próxima vez tentando conseguir um suprimento grande o bastante, e o
seu estoque de um mês dura uma semana, ou dois ou três dias.
Eu não sabia sobre a progressão da doença e nem sobre as conseqüências de minhas
ações. A progressão da minha doença me alcançou, no que dizia respeito aos militares, quando
comecei a transportar e contrabandear. Também, quando você usa drogas ao ponto de não
conseguir estar presente para o serviço, eles fazem cara feia. A próxima coisa que eles fazem é te
levar e te trancar. Aí, então, os militares me fizeram uma coisa cruel, eles me botaram para fora
nas ruas.
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Eu estava mal equipado para cuidar de mim mesmo. Eu tinha ido de uma mamãe para
outra mãe. Eles tinham tomado conta de mim, então eu me vi na rua com ninguém para cuidar de
mim. Eu não sabia nada sobre pagar aluguel, trabalhar e ser responsável. Assim, eu tinha que dar
essa responsabilidade para quem quer que eu pudesse. Eu passei por muitas mães.
Tive que aprender a me virar na rua. Você tem que entender que os militares têm um
monte de equipamentos que podem ser vendidos e eu costumava vender, porque eu gostava de
roubar. Eu tive que aprender outros processos, como atravessar lojas jogando cigarros e bifes
para baixo do meu braço, pular de janelas de segundo andar e correr de policiais.
Eu acho que tem uma certa excitação que vem com a adicção a drogas. Era muito
parecido com as minhas brincadeiras de criança de polícia e bandido. Descobri que existem mais
policiais do que adictos a drogas. Eles estavam por aí te vigiando. Eu nunca consegui entender
como eles podiam entrar numa multidão de pessoas e me escolher e dizer “vamos, entre no carro,
vamos embora”. Nove entre dez vezes eles me pegavam sujo.
Durante o processo de encontrar mães, uma mãe me encontrou. Eu pensei que eu devia
cercar essa daí e colocar uns papéis nela, de modo que ela não pudesse fugir.
Escolhi certo, escolhi alguém que não estava usando. Eu sabia sobre aquelas que usavam.
Elas nunca estavam lá quando eu era trancafiado. Elas nunca tinham o dinheiro da fiança. Elas
nunca podiam ir na visita porque estavam muito ocupadas cuidando de seus próprios vícios.
Então eu encontrei uma dessas fora de suspeita. Ela estava na escola e trabalhava e ela
tinha um lugar para ficar. Ela tinha uma falha, ela não sabia que ela precisava de alguém para
tomar conta. Eu era um candidato perfeito. Eu queria que tomassem conta de mim. Ela ia me
ajudar a consertar a minha cena. Ela propôs casamento na cadeia e eu disse “Sim, eu aceito. Vai
lá e paga a fiança”.
Pelos próximos três anos eu fiz ela ficar doida tentando me acompanhar. Então ela saiu e
encontrou a única reunião de Narcóticos Anônimos do mundo. Como ela conseguiu fazer isso, eu
não sei. Na época, só existia uma reunião no mundo inteiro e ela saiu e encontrou e eu mandei
ela sair para a reunião. Fiz ela ir conferir.
Você tem que entender que, naqueles dias, adictos a drogas eram muito mal vistos.
Bastava declarar que dois adictos a drogas iriam se encontrar em algum lugar que logo se
constituía uma campana policial. Era dessa forma que tratavam adictos a drogas naquela época.
Havia muito pouca compreensão sobre adicção. Eu ficava muito desconfiado com qualquer coisa
que tivesse a ver com ajuda a adictos a drogas. Eu sabia o que eles faziam
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com adictos a drogas; eles os trancafiavam, ponto! Não havia qualquer programa para ir, exceto
em Fort Worth ou Lexington (n.t.: nomes de dois presídios).
Eu sempre tinha uma estória triste para justificar meu uso. Um dia, depois de uma
daquelas viagens de seis meses para ir pegar um pão na lojinha da esquina, eu cheguei em casa e
as minhas malas estavam arrumadas na porta de casa. Ela tinha me dito quarenta vezes, ou mil
vezes, “você vai ter que ir embora”. Desta vez foi diferente. Desta vez tinha qualquer coisa no
tom de voz dela. Então eu peguei as minhas malas e fui para o único lugar que eu tinha para ir, as
ruas.
Eu tinha me acostumado a viver nas ruas. Sabia como viver na traseira de carros velhos,
lavanderias velhas, qualquer prédio vazio velho, sua casa ou minha casa. É claro que eu nunca
tive a minha casa. Eu não tinha como pagar o aluguel. Eu nunca soube como pagar o aluguel. Se
eu tivesse três dólares no meu bolso, esses três dólares seriam para a droga antes de ser para
arranjar um lugar para ficar. Era simples assim. Acho que paguei aluguel uma vez quando eu
estava usando e vivendo nas ruas, e isso foi para poder me mudar para lá. Daí em diante o nome
disso era “pegue-me se puder”. Geralmente não fazia nenhuma diferença, porque eu estava sob a
tutela do estado a maior parte do tempo. Eu só corria as ruas até que me trancassem, daí eu tinha
um lugar para ficar. Podia descansar e recuperar minha saúde para poder voltar a sair e fazer tudo
de novo.
Cheguei a Narcóticos Anônimos aproximadamente 21 anos atrás. (Escrito em 1981). Mas
eu não cheguei por mim. Cheguei somente para calar a boca dela. Ia doidão para as reuniões.
Eu não tinha carteira de motorista. Era incapaz de me empregar. Não tinha lugar para
ficar. Eu era da cor errada. Não tinha dinheiro. Não tinha carro. Eu não tinha uma patroa, ou
precisava de uma nova. Eu levava todos esses meus problemas para eles e eles me diziam
“continue voltando”. E eles diziam “pratique os passos”. Eu costumava ler os passos e pensava
que isso era trabalhar eles. Anos depois, descobri que mesmo se eu tivesse lido os passos, eu não
sabia o que eu tinha lido. Eu não entendia o que eu tinha lido.
Em muitos lugares me disseram que eu era um adicto. Eu tinha sido rotulado adicto. Do
tempo militar às cadeias e de modo bem claro eu tinha sido rotulado. Eu aceitava isso, mas eu
não entendia isso. Eu tinha que sair e fazer algumas experiências antes de voltar ao programa.
Uma das coisas que eu tive que aprender a fazer era entender de que o programa falava. Eu tive
que ficar disposto a descobrir de que o programa falava. Foi só depois de estar nos portões da
morte é que eu quis entender. Acho que a morte é a conselheira permanente. Eu tinha tido
algumas overdoses, mas isso era mais ou menos do jeito do lugar que eu sempre quis estar. Era
sempre justo antes de
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cair da beirada e tudo parecia estar bem. Quando eu saía da overdose, eu dizia “uau, me dá um
pouco mais”. Isso é insanidade!
O fim para mim foi quando eu estava para ser arrancado de uma cerca por um tiro e não
por obra de mim mesmo. Eu não gostei disso. Brincar de polícia e ladrão lá fora é perigoso. Eles
tem armas e eu não gosto de ser usado como alvo para prática. Havia mais e mais casos de
policiais enfiando canos na minha boca e por cima da minha cabeça e me dizendo para eu me
deitar de pé no muro.
No meu último dia de uso de narcóticos ou drogas de qualquer tipo, eu tinha acabado de
usar e dois policiais me colocaram todo aberto em uma cerca de arame que eu estava tentando
ultrapassar. Fiquei sóbrio e limpo imediatamente. Tudo ficou muito claro e eu não queria morrer
daquele jeito. Alguma coisa fez clique na minha mente e eu pensei, “não precisa ser desse jeito”.
Depois daquele descanso e recuperação finais, descobri que eu podia trabalhar estes
passos. O resultado foi que a somatória total da minha vida se modificou. Fiquei envolvido na
prática dos passos, tentando compreender do que eles falavam, realmente entender do que eles
estavam falando. Descobri que há uma certa quantidade de ação que vem junto com cada passo.
Eu tinha que entrar em ação sobre de que maneira os passos se aplicavam a mim. Eu sempre
achei que os passos se aplicavam a vocês, não a mim.
Me resolvi a falar sobre Deus e espiritualidade. Eu tinha enlatado Deus muito tempo atrás
e aí coloquei isso numa igreja – eu não tinha nada a ver com igreja. Descobri que Deus e
espiritualidade não têm nada a ver com igreja.
Tive que aprender para me envolver. Tem sido uma aventura e tanto. Minha vida se
modificou de tal maneira que é quase inacreditável que eu tenha estado lá algum dia. Entretanto,
eu sei de onde vim. Tem coisas que me lembram disso constantemente. Preciso da lembrança
constante de recém-chegados e de conversar com outros.
Este programa tornou-se uma parte de mim. Tornou-se, para mim, uma parte da vida e de
viver. Compreendo mais claramente as coisas que estão acontecendo na minha vida hoje. Não
brigo mais com o processo.
Vim para as reuniões de Narcóticos Anônimos de modo a cuidar das responsabilidades
que me foram dadas. Hoje, eu cuido, me importo. Sou adicto ao amor e carinho e partilha que
acontece em NA. Desejo mais dessas coisas em minha vida.
Meu problema é adicção. Tem alguma coisa a ver com drogas sendo a maneira de não
lidar com a vida, tem alguma coisa a ver com aquilo lá dentro, aquela compulsão e obsessão.
Agora eu tenho as ferramentas para fazer alguma coisa a respeito. Os Doze Passos de
recuperação são as ferramentas.
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Em sua história da Primeira Edição, NA deu a este rato-de-praia um direcionamento para viver.
Este adicto finalmente encontrou o seu “paraíso” nos doze passos.

Serenidade do meio do Pacífico


Eu sou um adicto a drogas feliz e grato, limpo pela graça de Deus e dos Doze Passos de
Narcóticos Anônimos. A vida, hoje, me preenche e há alegria no meu coração.
Não foi sempre assim. Bebi e usei drogas por doze anos, numa base diária por dez desses
anos. Eu era um adicto do tipo sem esperança. Realmente parecia para mim que eu nasci assim.
Eu nasci e me criei na Califórnia do Sul, em uma família amorosa de classe média. Tanto
eu quanto minha irmã éramos crianças queridas e amadas e isso nos foi demonstrado de todas as
maneiras. Tanto quanto posso me lembrar, eu me sentia separado dessa família toda a minha
vida. Não consigo me lembrar de sentir a simplicidade de ser uma criança.
Eu tinha a personalidade do adicto à medida que crescia, vontade própria virava quebra-
quebra. Eu sempre queria as coisas do meu jeito e se eu não conseguisse, com certeza eu fazia
todo mundo ficar sabendo disso.
Crescendo no Califórnia do Sul, eu parecia entrar em todas as coisas normais, ir à praia,
entrar em esportes, mas os medos e sentimentos de inadequação nunca me deixavam viver de
acordo com o meu potencial.
Eu fui um aluno regular por todo o tempo de escola, tinha muitos amigos mas eu me
retirava, dominado pelo medo. Acho que eu tinha mais ou menos quinze quando provei a minha
primeira droga, o álcool. Do primeiro drinque em diante eu me identifiquei com os rejeitados, as
pessoas que dormiam na praia, debaixo do pier.
Olhando para trás para esses doze anos, vejo como eu amei cada nova droga que
experimentei. O álcool foi apenas o começo; se te deixava doidão eu queria experimentar e
sempre queria mais. Não importava se era cheirar cola ou tomar pico da melhor coca ou heroína.
Eu não era um adicto rico, seletivo, eu só precisava ficar chapado e toda a minha energia era
colocada nessa direção.
Desisti da escola no último ano. Surfar tinha se tornado uma parte da minha vida, então
foi sair para o Havaí. Meus pais estavam muito confusos com o seu filho que não fazia um bom
trabalho em esconder o seu desespero. Para todos aqueles que eram sãos e viviam a vida, eu
parecia muito perdido e infeliz. Sabe, foi muito pouco tempo depois de começar a usar que o
álcool e as drogas pararam de me fazer o que faziam no começo. O medo voltara, só que muito
pior do que antes.
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Minha primeira viagem ao Havaí em 1962 foi só a primeira de muitas mais que viriam,
sempre tentando fugir de mim mesmo. O Havaí era, e é, um paraíso, mas eu só o via pelas lentes
de estar doidão. Graças ao clima quente, era fácil buscar a única vida que eu conhecia, o modo
de vida era vagar pelas ruas e dormir em carros estacionados ou outros abrigos disponíveis. Aos
dezenove, eu estava de volta ao Havaí pela terceira vez, um adicto com força total e tão perdido e
confuso que só sabia que tinha que beber e usar drogas e não havia outro jeito.
Voltando para a Califórnia ao final do verão de 1963, me peguei entrando para a
Marinha. Estando perdido, isto parecia a coisa mais fácil a fazer, era só assinar o meu nome. Era
mais fácil do que procurar um emprego. Eu já estava tão desgastado e queria algo diferente, mas
eu não sabia como pedir ajuda. A Marinha, é claro, não era a resposta. As drogas continuaram e
depois de dois anos fui dispensado. O psiquiatra disse que a minha mente tinha ficado
desordenada pelo uso de maconha e LSD e, além do mais, eu tinha pulado pela amurada do
navio, irado, na Marinha.
Me convenci de que assim que eu saísse da Marinha as coisas iriam ser diferentes,
ninguém ia me dizer o que fazer, mas eu encontrei um novo amigo nesse ponto, o mundo do
pico. Isso era em 1965 e os seis anos seguintes foram os piores da minha vida. Do modo como
vejo hoje, aqueles anos me trouxeram para o programa.
Depois de sair da Marinha, me casei. Como e porque essa mulher casou-se comigo é um
mistério até hoje. Na nossa noite de núpcias, injetei um tanto de narcótico e dormi na Praia de
Venice com os meus cachorros. Este é o tipo de comportamento que um adicto egoísta e
egocêntrico tem, preocupado apenas com ele mesmo e com ficar chapado. A maneira que eu
tinha de ficar chapado era traficar, sempre sendo o homem do meio. A casa em que nós
morávamos estava sendo vigiada, isso era no canal de Venice, em Venice, Califórnia.
Meus pais sabiam o que estava acontecendo, então, com a minha esposa grávida de
quatro meses eles nos ajudaram a sair de lá e foi voltar para o Havaí. Morávamos na praia do
norte, era uma parte mais isolada de Oahu, muitos jovens moravam lá. Isso foi no ano de 1967 e
nessa época, o LSD era mesmo muito popular e todo mundo estava dentro da coisa espiritual;
religião oriental e gurus. Havia dois professores de Harvard que estavam tomando LSD e
dizendo que você podia encontrar Deus, então eu pensei que todo esse amor, paz e alegria soava
bem. Eu tinha injetado muita anfetamina na Califórnia no ano que tinha passado. Decidi limpar
minha vida no Havaí, então tomei psicodélicos, fumei haxixe e tentei meditar.
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Eu tinha lido em algum lugar que quando o aluno estava pronto, o professor aparecia.
Mal imaginava que o Programa de Narcóticos Anônimos estava prestes a ser apresentado para
mim e que ele ia se tornar o meu professor.
Eu consegui ficar longe de injetar narcótico nesse ano. Minha mulher e eu tivemos uma
filhinha e estávamos vivendo de seguro social, morando no interior. Eu parecia me encaixar no
movimento da época; filhos das flores, a consciência do tudo é lindo. Mas mesmo assim, lá
dentro, nada estava lindo.
Tinha uma casa de quatro quartos ao lado da nossa que estava para alugar e um dia essa
mulher apareceu e nos disse que Deus tinha dito para ela que era para ela morar lá. Ela estava na
casa dos cinqüenta e tinha cabelos cinza compridos até a cintura e andava de biquini a maior
parte do tempo. Ela não tinha dinheiro, mas disse que tinha sido guiada até aquela casa.
Essa mulher parecia irradiar um sentimento de amor e alegria que eu nunca tinha sentido
em nenhum outro lugar. Imediatamente depois de conhecer ela, parecia que eu a conhecia desde
sempre. Alguma coisa em mim era atraída para ela. Mal imaginava que ela ia se tornar a minha
madrinha e ter um papel tão importante em minha vida! Esse foi o início de uma jornada que até
hoje me deixa pasmo. É uma maneira de viver, uma maneira de aprender a confiança completa
em um Poder Superior. Através de uma série de milagres, que agora eu ver como bastante
normais em minha vida, essa mulher terminou nessa casa com o aluguel pago a cada mês. Nem é
preciso dizer, essa casa se tornou uma casa do programa.
Começou a ter uma reunião nessa casa. Se chamava Grupo Beachcombers Progresso
Espiritual Viajante e através dos anos ele viajou por todos os Estados Unidos, do Havaí à costa
leste e pela Europa duas vezes, sempre atraindo o adicto que ainda sofre, oferecendo uma
maneira de sair por cima.
Lembro-me da minha primeira reunião na casa em 1968. Pela primeira vez, me senti
como se eu realmente pertencia. Não tanto por ouvir pessoas falarem de usar drogas como eu
usei, mas porque eles falavam daquilo que acontecia dentro da gente. Pela primeira vez, descobri
que outras pessoas também tinham medos. Mas mesmo com toda a esperança que essa reunião
me trouxe, foi só o começo de um período de três anos que eu não ia querer viver de novo.
Eu me identifiquei com aquela primeira reunião e queria uma maneira de viver nova. Eu
ficava limpo por um curto período e então usava de novo. Primeiro eu só tomava uma cerveja ou
fumava um baseado, mas eu sempre terminava injetando narcótico novamente. Eu não conseguia
entender na época, hoje eu percebo que eu ainda tinha reservas. Ainda tinha aquele pensamento
que eu podia usar.
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No ano de 1970 eu fiquei limpo duas vezes por três meses. A última vez foi um pouco
antes do Natal, fumei dois baseados e entrei em convulsões. Depois disso, eu tomei duas uma
vez e acabou. Por quase um ano inteiro eu não sabia o que era ficar limpo de novo. Bebia,
tomava pílulas e injetava cocaína e heroína diariamente.
Viver na North Shore fez ficar fácil me manter fora de problemas. Não tinha muita
polícia naquela área. Eu me mantive chapado, minha mulher foi embora e eu sabia que eu nunca
mais ia ficar limpo. Uma vez eu fiquei sem narcótico e injetei várias centenas de miligramas de
comprimidos de cafeína e fiquei com tremores por horas. Eu parecia estar muito desesperado por
morrer. Embora eu nunca tenha acordado na sarjeta ou no acostamento, eu acordava na praia,
debaixo de uma palmeira, com a cara na areia. Os sentimentos eram os mesmos, a sarjeta está na
mente.
Eu realmente sinto que não importa o quê ou quanto nós usamos, onde vivemos ou
quanto dinheiro temos, é o que está acontecendo dentro da gente que conta. Para mim, eu sabia
que eu estava morrendo mas, mesmo assim, não conseguia parar. Tinha desistido de NA, todo
mundo que eu conhecia no programa tinha ido embora. Minha madrinha e um grupo de adictos
limpos estavam na Europa e um dos adictos limpos estava morando em outra ilha e me
telefonava de vez em quando para saber se eu ainda estava vivo.
Na manhã de 20 de outubro de 1971, acordei com narcótico na casa e por alguma razão
saí andando para a praia e não me chapei no momento em que abri os olhos. Lembro-me que era
um dia cinzento, nublado e eu estava me sentindo sem esperança. Simplesmente sentei na praia
chorando, só querendo morrer; eu não podia continuar. Um sentimento que eu nunca tinha
experimentado na minha vida antes me atravessou. Sentin calor e paz dentro de mim. Uma voz
dizia: “acabou, você nunca mais precisa usar novamente”. Senti uma paz que nunca antes tinha
sentido.
Voltei para a casa, arrumei umas coisas e fui para o aeroporto. Estava indo para a ilha de
Maui, onde o meu amigo limpo estava. Minha recuperação começou com milagres. Eu não tinha
dinheiro, mas eu fui direcionado aos lugares certos na hora certa e cheguei a Maui. Entrei e disse
a ele que eu estava disposto a fazer qualquer coisa para ficar limpo. Manter-me limpo, hoje, é
muito mais do que só não tomar aquele primeiro pico, pílula ou drinque. É uma maneira de viver,
uma vida que eu chamo de aventura.
Eu tenho um direcionamento para viver, são os Doze Passos de NA. Ou eu pratico e vivo
estes passos ou eu morro! Realmente acredito que uma pessoa que fica limpa por qualquer
período de tempo está ficando limpa atravessando períodos em que parece não fazer sentido ficar
limpa. Sinto que todos nós nos sentimos assim em um momento ou outro.
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Fiquei limpo pela graça de Deus. Os passos se tornaram minha vida. Tive que fazer
muitos inventários, o Quarto e Quinto Passos, e vou continuar a escrever o que está acontecendo
dentro de mim e dando isso para outros.
Para mim, é desta maneira que funciona; continuar dando o velho e fazendo espaço para
o novo. Para mim, nunca é realmente fácil fazer, geralmente tenho que ser encostado na parede e
humilhado e só então eu partilho. Dizem que este é um programa de ação, que você não pode
manter se não partilhar; como isso é verdade. No começo, pensava que eu tinha que dizer todas
as coisas certas e salvar todo mundo. Hoje, eu percebo que as únicas coisas que tenho para
partilhar é o que está no meu coração. Hoje, posso entrar numa reunião e se estiver cheio do
amor do Pai, e então eu partilho isso, mas há momentos em que entro em uma reunião e quero
jogar a garrafa de café pela janela. Mas eu preciso me manter honesto, pois é desse jeito que eu
fico limpo.
Hoje, eu sei que me mantendo limpo e tendo um relacionamento com Deus como O
compreendo é a coisa mais importante de minha vida. Quando faço isto e levo a mensagem
àqueles que ainda sofrem, então o resto é provido para a minha vida. Realmente acredito que eu
não tenho que provar nada a ninguém. Levar a mensagem permitindo ao recém-chegado saber
quem eu sou por dentro e partilhando como eu trabalho os passos um dia de cada vez.
Desde que fiquei limpo em 1971, a vida tem sido tudo menos chata. Eu tenho viajado por
todos os lados. Meu padrinho foi um exemplo hábil sobre seguir o próprio coração, e de que
onde quer que fôssemos, NA estaria vivo. Às vezes não tínhamos dinheiro, mas íamos fazer o
nosso propósito primordial e Deus sempre nos mostrou o caminho.
Meu padrinho morreu três anos atrás com dezoito anos limpo. A maior parte do grupo
tem família agora e estamos espalhados pelos Estados Unidos, aprendendo lições diferentes, mas
NA sempre vem em primeiro lugar. Hoje, estou casado e busco coisas diferentes daquelas que
buscava nos primeiros anos da minha recuperação, mas eu sei que a única maneira que eu posso
ter dádivas externas é colocando o programa e Deus em primeiro lugar. Nós realmente
encontramos uma maneira de sair por cima e, enquanto continuarmos a partilhá-la, não
importando se são amor e alegria ou lágrimas e medos, tudo ficará bem.
Hoje, vivo porque existem pessoas que estão lá e se importam e vão escutar. Realmente
acredito em mágica, pois minha vida está cheia dela. Deus está nos amando agora.
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Depois de uma vida de uso, este “cavalheiro do sul” aprendeu que a coisa mais graciosa que ele
podia fazer era abrir as portas de uma reunião de NA. Nesta história de nossa Primeira Edição,
ele se recorda de que o primeiro homem que disse-lhe que o amava foi em Narcóticos Anônimos.

Se você quer o que nós temos para oferecer


Meu nome é Bill e eu sou um junkie e um bebum. Por muitos anos da minha vida parecia
que o mundo tinha me passado uma mão de cartas cruel, o que me deixava com sentimentos
inadequados. O medo comeu um buraco em mim que eu nunca pude preencher com drogas e
álcool.
Nasci no Alabama em 1933. O trabalho de meu pai requeria mudanças constantes, o que
significava novas escolas e novos rostos. Eu era pequeno e adoecido e minhas inseguranças e
inadequações perto das pessoas aumentaram. Lutei contra estes sentimentos verbalmente e com
os meus punhos. Algum tipo de punição sempre me acompanhava onde quer que fosse.
Meu pai morreu quando eu tinha sete e eu me lembro o ódio que eu sentia porque ele
tinha deixado um filho único para se virar sozinho. Uma avó, tia e mãe me mimaram até
apodrecer. Todas as vezes que a porta da igreja estava aberta, eu estava lá. Com a idade de dez
anos, todo mundo na família pensava que o batismo era o certo. Eu não senti nenhuma diferença
quando eu me levantei e depois ajoelhei. Controle era o nome do jogo. Eu tentava controlar todo
mundo em nossa pequena família e fora dela, incluindo a freira que me pegou roubando
refrigerantes num convento.
Outra forma de punição que eu sentia era a rejeição. Minha mãe casou-se com um
homem que mais tarde provou ser um adicto. Nos mudamos para outra cidade e a guerra dentro
de mim se intensificou. Brigas contínuas em casa criaram mais medos e inseguranças. Quando eu
estava fora, eu odiava a minha casa e ressentia as pessoas dentro dela. Tirando de conceitos
diferentes, eu comecei uma outra maneira de viver. Para mim não importava a que extremos eu
tinha que chegar para conseguir amor e aprovação de todo mundo. Assim cresceu a falsa fachada
cm mais desonestidade e enganos. Eu ia passar muitos anos de minha vida tentando ser alguém
que eu não era.
Alívio veio na madura idade velha de dezesseis anos na forma de álcool em um baile.
Imediatamente meu medo de garotas desapareceu. Minha inabilidade de dançar desapareceu e eu
sabia exatamente quando e onde soltar a minha nova sabedoria à respeito das pessoas. O efeito
foi embora e eu estava de volta na guerra comigo mesmo.
Eu acreditava que as regras tinham sido feitas para serem quebradas. As leis da sociedade
não eram para mim. Elas atrapalhavam a minha maneira de viver e eu comecei a lidar com a
realidade da única maneira que eu sabia e isso era usando a droga álcool. Esta é a única droga
que da qual eu tinha ficado sabendo no final dos anos quarenta e eu usei ela para aliviar a
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dor. Na época, era a melhor maneira de lidar com eles. Qualquer um podia socar os meus botões
se eu pensasse que era isso que era necessário para que me aprovassem.
Depois de uma pequena escaramuça com funcionários da escola e autoridades da cidade,
escola particular foi necessária para terminar o ensino médio. Dois anos de preparatório para a
faculdade provaram que este mundo, e tudo que está dentro dele, era um lixo.
Não me importava com ninguém nesta fase do jogo. Entretanto, eu encontrei uma jovem
moça que estava dentro de todos os meus requisitos. Ela era de uma família antiga, de aparência
muito fina e que possuía todas as graças sociais. Nós fugimos e nos casamos. Entrei num novo
relacionamento para o qual eu não estava maduro o bastante para lidar.
Fantaziava-me no futuro como o velho cavalheiro do sul, grande chapéu de brim, gravata
de tira de couro, olhando sobre seu vasto domínio com um coquetel de menta em uma mão e
uma bengala de metal na outra. Nessa época, as coisas materiais eram a base da felicidade na
minha vida. Eu olhava para as pessoas ou por cima ou por baixo, dependendo do seu valor
financeiro aparente. Depois de conseguir muitas destas coisas, felicidade e paz de espírito não
vieram. Meu salário de comprador em um grande hospital não era o suficiente. Roubar para
apoiar as minhas ambições materialistas tornou-se necessário. Os vendedores logo descobriram
meu ponto vulnerável, vinho, mulheres e música. Começaram a suprir minha demanda. Beber e
festejar todas as noites logo me tornou um destroço físico. Ao final de 1954, eu fui apresentado
por um vendedor a um pequeno baratinho chamado codeína para ficar com um hálito limpo.
Alguma coisa estava fazendo um cruzeiro em mim a cada momento de cada dia.
Eu tinha vinte e um anos de idade e era um adicto à força toda. Encontros rotineiros com
adictos e alcoólatras no hospital me convenceram de que eu era único. Eu nunca iria me tornar
como eles.
Os padrões e expectativas que coloquei para mim mesmo e para os outros eram altos
demais para serem alcançados. Toda a minha personalidade tornou-se pensamento negativo e
escapismo. Voracidade me compelia a estudar e experimentar drogas. Isto pode ter salvado a
minha vida enquanto eu estava usando. Eu tinha medo de certas combinações ao tentar sair delas.
Os anos sessenta chegaram e eu decidi que precisava de uma mudança. Deixei o hospital
para o que eu achava que eram pastagens mais verdes e comecei a viajar. A vida ainda era um
inferno. Aquele velho ninho de negativismo me acompanhava onde quer que eu fosse. Trabalhos
vieram e foram, até que não vieram mais. As estadias em cadeias e hospitais ficaram mais
freqüentes e longas.
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Em 1973, eu entrei em um pavilhão mental; fui acorrentado como um animal. Meus
psiquiatras, a quem eu constantemente enganava ao longo dos anos, sabiam de meu problema de
álcool, mas não de minhas outras adicções. Sugeriram-me que eu tentasse um Programa de Doze
Passos. Minha família estava disposta a fazer qualquer coisa, então lá fui eu com todos os
motivos errados. As pessoas eram gentis e prestativas para mim, então comecei a usá-las do
mesmo modo que tinha usado outras em toda minha vida. Eles nunca tinham me visto limpo e
seco, então como é que iam saber se eu estava usando. Eu era muito cuidadoso em não falar
muito sobre qualquer assunto para que não ficassem suspeitosos. Engano e negação eram os
jogos que eu jogava e eles quase me mataram. Neste ponto, eu tinha saído das coisas pesadas e
tinha passado para os calmantes, estimulantes e elevadores de humor. As pessoas pareciam
alegres e sóbrias e eu ficava pensando o que será que elas estavam usando. Eu não acredito que,
naquela época, houvesse um fragmento de honestidade em mim. Disposição para mudar nunca
cruzou a minha mente. Jogo, mulheres e uso eram a minha bagagem. Por mais de três anos eu
vivi voltando desesperadamente e sem esperança ao uso, e voltando ao programa.
Depois de ouvir sobre o conceito de um Poder Superior e sobre uma maneira de viver
espiritual, eu sabia que as drogas não eram para mim. Eu tinha tido um tempo em que um Deus
havia sido dado graciosamente a mim pelo ambiente, eu não entendia esse Deus. Eu sabia que
esse Deus não ia querer saber de nada com alguém como eu.
Havia momentos em que eu tentei me identificar, mas sempre parecia estar faltando alguma coisa.
Eu sinceramente penso que mesmo que meus sentimentos parecessem ser como os dos outros, parecia
faltar uma compreensão profunda da qual eu precisava. Como eles tentaram, que Deus os abençoe. Não
havia adictos em recuperação na área e nada de NA. Eu procurei pessoas com outras dependências de
drogas e finalmente encontrei uma moça no grupo. Ela tinha passado dez anos indo e voltando sem
sucesso.
As coisas até que melhoraram um pouco. Não tinha acontecido nenhuma prisão ou permanência
em hospitais por um período de dois anos. Então, no outono de 1975, tudo ficou em pedacinhos. De volta
ao hospital eu fui. Trocando o álcool pelas pílulas, eu estava de volta no velho paradoxo. Então, uma série
de eventos começou a mudar a minha vida. Havia conversas sobre me colocar na instituição do estado.
Minha família já não me queria do jeito que eu estava. Dois membros do programa vieram uma tarde para
me ver e ambos me disseram a mesma coisa; que eu não era louco, que era para voltar, não usar e pedir
ajuda.
Minha madrinha, que havia se demitido a si mesma diversas vezes do meu caso, me pegou e me
levou a uma reunião. A garota que foi junto conosco no carro falou naquela noite. Ela falou sobre o Deus
da sua compreensão. Sentado ao lado da minha mulher naquela noite eu comecei a ver onde que eu tinha
perdido o barco. Eu fui de volta àquele quarto escuro e agradeci a Deus por aquelas pessoas, porque de
alguma maneira eu sabia que eles
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se importavam. Mesmo eles não entendendo muitas coisas sobre mim, eles me deram um tempo
de suas vidas e não pediram nada em troca. Eu me lembrei do Décimo-primeiro Passo no
programa e pensei que talvez, só talvez, se eu pedisse pelo conhecimento da Sua vontade em
relação a mim e o poder de realizá-la, Ele poderia ajudar. Eu me tornei um pouco corajoso, eu
sabia que eu não era honesto, e adicionei, “P.S.: Por favor me ajude a ser honesto”. Seria ótimo
poder dizer que saí daquele hospital e nunca mais usei, mas as coisas não foram desse modo. Foi
quase como todos os outros confinamentos que eu experimentei. Eu saí daquele hospital com
exatamente aquilo que eu tinha entrado: eu mesmo!
Ação de graças, Natal e Ano Novo passaram como um aceno, um piscar e um abano de
cabeça e eu continuava a rezar. Tudo ficou pior. Minha família me colocou para fora no dia
seguinte ao Ano Novo. Eu sabia que era inútil, mas eu ainda estava pedindo por honestidade.
Mais ou menos no dia cinco de janeiro, eu comecei a diminuir as pílulas que eu estava usando.
Não foi nada agradável, mas eu sei hoje que todo aquele sofrimento era necessário. Rezar e
diminuir tinham se tornado minhas obsessões. Eu sentia que esta era a minha última chance.
Eu tomei a minha última pílula, pico, etc., em março. Pela graça de Deus eu estava
limpo! As pessoas começaram a me dizer, olha o que você conseguiu e eu comecei a acreditar
nelas. Eu fiquei me encarando tão bem que eu só me convidei para um drinque. Que despertar
duro. Eu saí daquela ressaca de bêbado, sem pílulas nem nada, pela primeira vez em mais de
vinte e um anos. Por cinco dias eu tremi e eu quero dizer tremer mesmo. No quinto dia, eu não
agüentava mais. Eu me sentei no meu pequeno volkswagen, abaixei minha cabeça e disse para
Deus, “se isto é tudo da vida para mim, não quero mais vida. A morte seria algo muito mais
misericordioso. Já não faz mais diferença”. Senti uma paz vir a mim que eu nunca tinha sentido.
Eu não sei quanto tempo durou, mas não importa. Aconteceu e essa é a parte importante. Desde
então, tenho experimentado o mesmo sentimento de tempos em tempos. Foi como ser trazido da
escuridão para a luz. Deus não me deixa ficar na luz do sol por muito tempo, mas Ele me ajudará
se eu escolher ficar no crepúsculo. Eu saí daquele carro um homem livre. Eu não me dei conta
disso por um bom tempo. Desde aquele dia, eu não tive vontade de usar.
Um Deus da minha compreensão me enviou honestidade o bastante para iniciar no
caminho certo. Eu voltei ao programa e, novamente, cometi outro erro. Eu mantive a minha boca
fechada com a intenção de deixar os vencedores me ensinar como me manter limpo. Hoje eu sei
que para mim eu tinha trilhado um caminho diferente pela adicção e eu tinha que trilhar um
caminho diferente por este programa. Eu tinha que aprender sobre mim. Por quase dois anos
neste programa, eu vi pessoas virem e irem com suas adicções que não o álcool. Uma noite em
Birmingham, eu estava partilhando com um grupo e
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também falando de drogas quando um homem se aproximou de mim com lágrimas nos olhos.
Ele me falou de seu filho e de sua filha em algum lugar dependentes de drogas. Ele disse,
“certamente Deus tem que ter um programa para pessoas como eles”. Ao longo de todo o
caminho de volta para casa naquela noite eu conversei com uma garota usando drogas, uma
colega da minha esposa. O telefone nos deu a resposta através de uns novos amigos da Geórgia e
do Tennessee em Narcóticos Anônimos. Uma visita para partilhar em Chattanooga provou ser
uma bênção. Diversas pessoas vieram de Atlanta, incluindo um rapaz de Marietta que ficava
dizendo para as pessoas que ele amava elas. Eu tinha quarenta e quatro anos de idade naquela
época, essa foi a primeira vez que um homem me disse que ele me amava. Por alguma razão
inexplicável, eu também senti o seu amor. Uns dois meses mais tarde, ele veio a Atlanta e
encontrou uma repetição de nossa primeira viajem. Eu queria tanto dar e sentir do mesmo modo
que estas pessoas. Ao final do baile aquela noite, eu ouvi algo numa conversa que foi mais ou
menos assim, “se você quer o que nós temos, vocês vai ter que praticar os passos”.
Voltei ao Alabama e comecei a praticar os passos. Aprendi sobre mim e encontrei um
Deus de minha compreensão. Confiar em Deus, Limpar a Casa, Ajudar a Outros, explica da
maneira mais simples que eu consigo. Passei muitos anos procurando por algo na virada da
esquina, ou alguém descendo a rua que me daria felicidade e paz de espírito. Hoje, através dos
passos e das pessoas em NA, encontrei uma solução. Preciso me manter honesto comigo,
manter-me de mente aberta o bastante para mudar e ter a disposição de aceitar o amor de Deus
por mim através de outros membros de NA.
Sou muito grato por nossos irmãos e irmãs na Geórgia por sua tolerância e apoio durante
o nosso primeiro ano no programa no Alabama. Eles mais ou menos apadrinharam-me naqueles
primeiros dias. Só saber que eles estavam lá já era muito confortante. Muitas vezes eu telefonei
para o meu amigo em Marietta, independente de como as coisas estivessem indo. Ele sempre
parecia ter a resposta. Mantenha a porta aberta que Deus faz o resto.
Grupos de NA agora floresceram em diversas cidades e agora aquelas pessoas estão me
apadrinhando por seu crescimento em NA e pela graça de Deus. Eu finalmente tenho tudo que
preciso, mas sem a ajuda de Deus, eu me esqueço onde coloquei.
Tem uma coisa que eu sinto que posso dar para cada adicto utilizar. Eu amo a cada um e
todos vocês e, mais importante, Deus também ama vocês! Descobri este amor no maravilhoso
Programa de NA, através da graça de Deus e de vocês. Junte-se a nós: funciona!
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33
Nesta história originalmente publicada em nosso Pequeno Livreto Branco e adicionada ao Texto
Básico na Segunda Edição, uma mão aprende que ela pode sair do medo paralisante da adicção
e mudar completamente a sua vida. Ela reclama a sua cadeira como uma mulher em NA e
espera que um dia mais mulheres encontrarão recuperação.

Mãe medrosa

Eu pensava que um adicto era uma pessoa que usava drogas pesadas, alguém que
estivesse nas ruas ou na cadeia. Meu padrão era diferente – eu conseguia minhas drogas com um
médico. Eu sabia que alguma coisa estava errada e eu tentava acertar – no trabalho, em meu
casamento e na educação de meus filhos. Eu realmente me esforcei tentando. Ia fazendo as
coisas bem e então falhava. Eu continuava assim e a cada vez parecia uma eternidade; parecia
que nada iria mudar nunca. Eu queria ser uma boa mãe. Eu queria ser uma boa esposa. Eu queria
me envolver na sociedade, mas nunca me senti parte dela.
Passei anos dizendo aos meus filhos “desculpem, mas desta vez vai ser diferente”. Eu ia
de um médico a outro pedindo ajuda. Eu procurei aconselhamento sentindo que tudo ia ficar bem
agora, mas, dentro de mim, eu ainda dizia, “o que é que está errado?”. Eu mudava de emprego,
mudava de médicos, mudava de drogas, tentava livros diferentes, religiões e cores de cabelo. Eu
me mudei de uma área para outra, mudava de amigos e mudei a mobília. Saí de férias e também
permaneci escondida em casa – tantas coisas através dos anos – e sempre sentindo, estou errada,
sou diferente, sou um fracasso.
Quando eu tive o meu primeiro filho, eu gostei da hora que eles me apagaram; gostei da
sensação das drogas que eles me deram. Era um sentimento de que qualquer coisa que estivesse
acontecendo à minha volta, eu não sei de nada e não me importo, verdade. Todos esses anos de
tranqüilizantes me deram uma sensação de que nada era realmente importante. Perto do final, as
coisas ficaram tão embaralhadas que eu não tinha certeza do que era e do que não era importante.
Eu tremia por dentro e por fora. As drogas não ajudavam.
Eu continuava tentando, mas muito pouco. Tive que largar o emprego e estava tentando
voltar mas não conseguia. Ficava no sofá com medo de tudo. Eu pesava 47 quilos e tinha feridas
nos lábios e no nariz. Tinha diabetes e tremia de maneira que eu tinha dificuldade em colocar
uma colher na minha boca. Sentia que eu estava tratando de me matar e as pessoas à minha volta
estavam tratando de me machucar. Tive um colapso físico e mental. Eu tinha acabado de me
tornar uma avó e eu não conseguia me comunicar nem com uma criança pequena. Eu era quase
um vegetal. Eu queria ser parte da vida, mas não sabia como. Uma parte de mim dizia que era
melhor estar morta e outra parte de mim dizia que havia uma maneira de viver que era melhor.
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Quando comecei no Programa de NA, havia muitas pessoas que sugeriam todo dia coisas
para eu fazer, como comer, tomar banho, me vestir, sair para caminhar, ir às reuniões. Eles me
diziam, “não fique com medo, todos nós passamos por isso”. Eu fui a muitas reuniões ao longo
dos anos. Uma coisa mexeu comigo, uma coisa que eles disseram desde o início, “Betty, você
pode parar de fugir e você pode ser qualquer coisa que você quiser ser e fazer qualquer coisa que
você quiser fazer”.
Desde o início no programa eu escutei e observei muitas pessoas e vi elas atravessarem
muitos altos e baixos. Utilizei os ensinamentos que eu achava que eram os melhores para mim.
Minha área de trabalho teve que se modificar e eu tenho freqüentado a escola. Eu tive que
aprender tudo de novo desde o nível da alfabetização. Tem acontecido devagar para mim, mas é
de grande recompensa.
Também decidi que eu precisava me conhecer melhor antes de poder ter um
relacionamento com um homem. Estou aprendendo a me comunicar com minhas filhas. Estou
tentando muitas coisas que durante anos sempre quis fazer. Tenho sido capaz de lembrar de
muitas coisas que eu tinha empurrado para fora da minha mente. Descobri que a Betty não é uma
grande pilha de nada mas que ela é alguém e algo que eu nunca realmente parei de ver e de
ouvir. Em primeiro de abril será o meu primeiro aniversário de NA. Quem diria uma coisa dessas
no dia da mentira!
Pediram que eu atualizasse a minha história. Neste primeiro de abril será o meu
aniversário de dez anos. Eu penso, “de onde eu vim e será que realmente cresci?” Eu sei que me
casei. Eu gostaria de dizer que eu amo meu marido muito e há momentos em que é difícil para
mim dizer isto. Expressar um sentimento profundo por qualquer pessoa tem sido uma coisa
muito difícil para mim. Eu tenho sentido como se isto fosse ser tirado de mim, ou que ele fosse
me machucar ou rir de mim. Isto aconteceu algumas vezes, mas eu ainda amo ele e não foi uma
coisa assim tão grande e esmagadora. Estou aprendendo a não colocá-lo, ou a mim mesma, em
um pedestal. Se tenho tido expectativas demais sobre ele, isso significa que é melhor eu dar uma
olhada mais de perto em mim mesma. Há momentos em que conseguimos conversar e há
momentos em que demora um tempo até que possamos conversar. Como seria chato se nós dois
pensássemos da mesma maneira e tudo corresse suavemente ou se nós brigássemos
constantemente.
Ainda tenho vontades de fugir de casa e talvez voltar para as Ilhas ou para Michigan. Eu
tenho vivido no mesmo lugar por quase quatro anos. Acho que isso é um recorde para mim. Eu
ainda fico mudando a mobília de lugar. Adoro isso e eu queria por rodinhas em tudo, seria bem
mais fácil.


Escrito em 1981.
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Eu ainda não entendo os homens. De vez em quando eu digo para o meu marido que eu
sou uma mulher e que eu preciso ser levada ao cinema ou algum lugar. Estou aprendendo a
verbalizar minhas necessidades a outra pessoa. Eu também vou ao filme sozinha de vez em
quando.
Eu me formei no ensino médio dois anos atrás. Eu adoraria me formar na faculdade,
talvez em algum momento no futuro. Todo mundo precisa de algum desejo para o futuro. Minha
filha, meu cunhado e minha neta me deram um violino no Natal. Quando eu estava na escola
primária, tive aulas por um tempo curto. A escola parou de dar essas aulas e levaram o seu
violino de volta e eu nunca me esqueci disso. Eu comecei este ano tendo aulas bem devagar e
fiquei obcecada. Estava indo a dois professores e estudando em três livros diferentes. Me peguei
olhando para um dos livros e dizendo, “onde é que estou?” Assim, voltei a ter um só professor e
um livro só.
Fui operada de uma mama e eles removeram uma parte dela. Eu não vou dizer que isso
foi legal porque não foi, mas fui mais sortuda do que alguns. Eu tinha o Programa de NA e as
pessoas para falar comigo durante isso. Não posso dizer que minha vida tem sido uma dança
alegre no meio das tulipas, porque isso não é a realidade. Eu posso dizer que a minha vida está
ficando melhor agora e que eu estou mais aberta para olhar e caminhar na realidade. Com o
mundo em tanto tumulto, eu sinto que fui abençoada de estar onde estou.
Eu olho para como NA cresceu. Estamos na Alemanha, Austrália, Inglaterra, Escócia,
Itália, Brazil, etc. Talvez um dia vamos chegar aos países que são tão difíceis de chegar.
Disseram-me que não tem muitas mulheres com muito tempo no programa. Fiquei
surpresa quando ouvi isto. Eu simplesmente achava que tinha e que talvez elas tinham se mudado
para outras cidades e estados. Talvez até para algum desses países que são tão difíceis de chegar.
Quando uma mulher quer muito uma coisa, cuidado, ela pode mexer o céu e o inferno. Uma das
primeiras coisas que me disseram foi, “ninguém mais neste mundo sabe o que você quer, só
você. Se você quiser surpreender este mundo é melhor você fazer o que é certo para você, porque
ninguém mais vai fazer”. Eu dou topadas e me machuco e chupo o dedão de vez em quando, mas
com certeza eu fico mais forte a cada vez.
Eu tenho uma cadela que se chama Baba Wawa, ela era muito pequena quando minha
filha me deu. Minha filha falou, “mamãe, aqui está uma cadelinha e ela nunca vai crescer muito”.
Bem, ela ficou muito grande e me surpreende de vez em quando. Ontem à noite ela tentou brigar
com um cachorrão através de uma cerca de tela. Eu pensei que ela era ainda uma filhotinha, mas
ela já pode se defender. Acho que é como eu. Eu cresci mais do que eu percebi e, diferente da
Baba Wawa, sou conhecida por ultrapassar a cerca e correr atrás daquilo que eu quero. Também
me conhecem por derrubar essas
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cercas. Tenho a sensação de que há mais coisas para dizer, mas quem é que consegue colocar
tudo de dez anos no papel? Prefiro passar o meu tempo vivendo a vida do que escrevendo sobre a
vida.
Tenho sido ativa em NA atendendo telefones, digitando e trabalhando em diferentes áreas
de NA. Vou a reuniões e falo e ainda me sinto esquisita e estranha. Às vezes eu sou uma criança,
toda contente, outras vezes tudo passa tão suavemente que eu nem me lembro do que aconteceu
ou o que eu disse, mas eu me sinto bem. Eu estou tentando dizer isso, “graças aos Céus, nada é
tão ruim como costumava ser e tem tanta coisa ainda para ser daquilo que devia ser na minha
vida”.
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Nem todos adictos vão a prisões ou instituições para chegar ao seu fundo-de-poço. Nesta
história, originalmente publicada no Livreto Branco e posteriormente incluída na Segunda
Edição, este adicto “diferente” explica que a sua doença mantinha-o confinado a uma vida de
medo e solidão. Ele encontrou serenidade em uma vida simples em Narcóticos Anônimos.

Eu era diferente
Minha história pode ser diferente daquelas que você já ouviu, porque eu nunca fui preso
ou hospitalizado. Mas eu cheguei ao ponto de absoluto desespero que tantos de nós
experimentaram. Não é a minha ficha que mostra minha adicção, mas os meus sentimentos e
minha vida. Adicção era a minha maneira de viver, a única maneira de viver que eu conheci por
muitos anos.
Olhando para trás, eu devo ter dado uma olhada para a vida e decidido que eu não queria
ter nada a ver com ela. Eu venho de um lar “da boa moda antiga”, classe-média-alta e um lar
desfeito. Não me lembro de alguma época em que eu não tenha ficado de fora. De criança
pequena descobri que eu podia diminuir minha dor com comida e aqui começou minha adicção a
drogas.
Eu passei a fazer parte da mania pelas pílulas dos anos 50. Já naquela época eu achava
difícil tomar medicação dentro da prescrição. Imaginava que duas pílulas fariam duas vezes mais
bem do que uma só. Lembro de estocar pílulas, de roubar as receitas da minha mãe e de ter uma
grande dificuldade em fazer com que elas durassem até a próxima recarga.
Continuei a usar desta maneira ao longo da minha infância. Quando eu estava no ensino
médio e a loucura pelas drogas chegou, a transição entre drogas de farmácia e drogas de rua foi
natural. Eu já estava usando drogas todos os dias por quase dez anos; essas drogas virtualmente
pararam de fazer efeito. Fui tomado por sentimentos adolescentes de inadequação e
inferioridade. A única resposta que eu tive foi que se eu tomasse alguma coisa que eu era, me
sentia ou agia melhor.
A história do meu uso de rua é bastante normal. Eu usada qualquer coisa e tudo que
estivesse à disposição todo dia. Não importava o que eu usava, contanto que eu ficasse doidão.
As drogas pareciam boas para mim naqueles anos. Eu era um cruzador; eu era um observador; eu
tinha medo; e eu estava só. Às vezes eu me sentia todo-poderoso e outras vezes eu rezava pelo conforto
da idiotice – se eu pudesse apenas não ter que pensar. Eu me lembro de me sentir diferente – não
exatamente humano – e eu não conseguia suportar isso. Eu me mantinha no meu estado natural...
CHAPADO.
Em 1966, eu acho, eu fiquei pego pela heroína. Depois disso, como muitos de nós, nada mais me
dava onda. De início eu curtia de vez em quando, depois usava só nos fins-de-semana; mas um ano depois
eu tinha uma dependência, e dois anos depois eu saí da faculdade levando bomba e comecei a trabalhar
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onde o meu fornecedor trabalhava. Eu usava e traficava a coisa e continuei por mais um ano e
meio antes de ficar “cansado e enjoado e estar cansado e enjoado”.
Me peguei perdido e incapaz de funcionar como ser humano. Durante o último ano de
meu uso, comecei a procurar ajuda. Nada funcionava! Nada ajudava!
Em algum momento dessa busca eu arranjei o número de telefone de um homem em NA.
Indo contra o meu melhor raciocínio e sem esperança, eu fiz o telefonema que pode muito bem
ser o telefonema mais importante da minha vida.
Ninguém veio para me salvar; eu não fui curado instantaneamente. O homem somente
disse que se eu tinha um problema com drogas, que eu podia tirar benefício das reuniões. Ele me
deu o endereço de uma reunião naquela noite. Era muito longe para ir dirigindo e, além disso, eu
estava à pé. Ele também me deu o endereço de uma outra reunião que era uns dois dias depois e
mais perto da minha casa. Prometi a ele que eu ia lá dar uma olhada. Quando chegou a noite, eu
estava morrendo de medo de ser preso e com medo dos drogados que eu ia encontrar lá. Eu sabia
que eu não era como o adicto dos livros e dos jornais. Apesar desses medos, eu cheguei na minha
primeira reunião. Eu estava vestindo um terno de três peças, gravata preta e há oitenta e quatro
horas saído de uma doideira de dois anos e meio. Eu não queria que vocês soubessem quem eu
era. Acho que não enganei ninguém, eu estava gritando por ajuda e todo mundo sabia disso.
Realmente não me lembro muito daquela primeira reunião, mas eu devo ter ouvido alguma coisa
que me fez voltar. O primeiro sentimento de que eu me lembro neste programa era o medo que
remoia de que com o eu nunca tinha sido preso ou hospitalizado por causa das drogas, de que eu
não estaria apto e podia não ser aceito.
Usei duas vezes nas minhas primeiras duas semanas vindo ao programa e finalmente
desisti. Eu já não ligava mais se eu estava apto ou não, não me importava se eu era aceito, eu já
nem ligava mais para o que as pessoas pensavam de mim. Estava cansado de mais para ligar.
Não me lembro bem de quando, mas logo depois de desistir, comecei a ganhar alguma
esperança de que este programa poderia funcionar para mim. Comecei a imitar algumas das
coisas que os vencedores estavam fazendo. Fiquei pego por NA. Eu me sentia bem, era muito
bom estar limpo pela primeira vez em anos.
Depois de estar no programa por seis meses, a novidade de estar limpo acabou e eu caí
daquela nuvem cor-de-rosa em que eu estava. Ficou difícil. De alguma maneira, eu sobrevivi
àquela dose de realidade. Eu acho que as únicas coisas eu tinha por mim eram o desejo de ficar
limpo; fé de que as coisas iam ficar tudo bem desde que eu não usasse; e pessoas que estavam
dispostas a ajudar quando eu pedisse ajuda. Desde então, tem sido um vôo para cima; tive que
me esforçar para ficar limpo. Achei
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necessário ir a muitas reuniões, trabalhar com recém-chegados, participar em NA, para me
envolver. Tive que praticar os Doze Passos o melhor que pude e tive que aprender a viver.
Hoje, minha vida é muito mais simples. Eu tenho um trabalho que eu gosto, estou
confortável com o meu casamento, tenho amigos de verdade e estou ativo em NA. Este tipo de
vida parece cair bem para mim. Eu costumava gastar o meu tempo procurando aquelas pessoas,
lugares e coisas mágicos, que iriam fazer a minha vida ficar ideal. Eu não tenho mais tempo para
mágicas. Estou muito ocupado aprendendo como viver. É um processo longo e vagaroso. Às
vezes eu acho que estou ficando louco. Às vezes eu penso “e pra quê serve tudo isso?” Às vezes
eu me retraio naquele canto da auto-obsessão e penso que não tem saída. Às vezes penso que não
agüento mais os problemas da vida, mas aí, então, este programa fornece uma resposta e os
tempos ruins passam.
A maior parte do tempo a vida é bastante boa. E ás vezes a vida é boa demais, igual não
me lembro. Aprendi a gostar de mim mesmo e encontrei amizade. Vim a me conhecer um pouco
e encontrei compreensão. Encontrei um pouco de fé e, dela, liberdade. E encontrei serviço e
aprendi que ele me dá o preenchimento de que preciso para a felicidade.
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CHEGANDO EM CASA

Estes membros partilham sobre chegar ao fim da estrada e render-se. Seus caminhos para
encontrar a recuperação diferem, mas eles têm em comum o sentido de que, ao chegar a NA, eles
chegaram em casa.
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Quando finalmente tive um momento de reflexão honesta sobre a severidade da minha adicção a
drogas, eu já tinha passado pela perda de relacionamentos, trabalhos, estima, credibilidade e
moralidade pessoal. Eu estava experimentando um profundo caos espiritual.

Eu me perguntei, “o que será que aconteceu com toda aquela alegria e felicidade que eu
costumava sentir?”

Um noite eu encontrei por acaso um de meus antigos amigos de uso. Para minha surpresa, ele
estava livre de drogas. Conversamos um pouco e ele me deixou dormir na casa dele. Ele me
apresentou a recuperação. Tinha um grupo de NA que ficava a quatro quadras e eu comecei a
freqüentar diariamente. Logo me pediram para ser o RSG suplente e eu percebi que a minha vida
tinha tomado uma direção diferente e que eu não era mais a mesma pessoa perdida.

*********
Mesmo aqui na prisão, minha vida pode ser cheia de paz, ordenada e útil. E, pela graça de Deus,
estou progredindo. Ao final do meu uso, fui preso por roubo. Mesmo sabendo que eu era um
adicto, eu não admitia. Ficar doidão era o único alívio que eu sentia que podia conseguir, mas
estava fazendo menos efeito e produzindo mais problemas. Aqui, fiz contato com um padrinho
por correio. Ele me encoraja e me ajuda a trabalhar os passos. Aprendi a simplesmente seguir
orientações o melhor que eu puder.

*********
Eu não consigo escrever bem, mas sou bom administrador. Posso falhar em levar a mensagem,
mas a literatura não vai falhar, pensei. E eu sei de alguns de nossos membros que são muito
capazes. Mesmo se eles não ficarem limpos, eles podem traduzir um parágrafo, ficarei grato.
Quando encontrei um membro na Arábia Saudita que era bom em inglês, viajei para encontrar-
me com ele. Atravessar a fronteira é difícil, mas eu não me importei. Se o homem levasse muito
tempo para carimbar o meu passaporte, eu revisava as traduções enquanto esperava.

No final, muitas culturas árabes diferentes tinham que chegar a um acordo. E as diferentes
crenças sobre as palavras Deus e Poder Superior e um Poder maior que nós mesmos saíram –
tomou
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muito tempo e debate. No fim do dia, um Poder Superior é muito pessoal, mesmo para povos
Islâmicos. Finalmente, conseguimos chegar a um acordo. É maravilhoso o que os nossos
membros podem fazer – mesmo quando há ego ou orgulho envonvidos.

*********

Minha adicção piorou ao ponto de eu não conseguir falar frases completas. Minha mente estava
fraturada e muitas vezes eu não conseguia dormir por dias seguidos. Comecei a levar a sério o
que eu tinha aprendido em tratamento – vá a reuniões de NA. Eu me joguei na recuperação e
arranjei um padrinho que me ensinou a rir e a me divertir de novo sem o uso.

*********
Minha mãe foi me pegar no centro de tratamento que tinha acabado de me expulsar. Ele não
disse uma palavra até que estávamos a uma quadra de casa, onde ela parou no acostamento e
disse que me amava e que queria dar uma chance a essa coisa de recuperação. A meu ver, ela
podia ter dito essas palavras todos os dias da minha vida. Mas era a primeira vez que eu
realmente escutei ela dizer e acreditei quando ela disse “eu te amo”. Tive um lampejo de
esperança. Eu sabia que havia programas de recuperação disponíveis e encontrei alguns
membros de NA no centro de juventude às Quartas. Eles eram um grupo estranho que me
lembrava dos hippies dos anos sessenta. Eles muitas vezes ficavam por ali e conversavam
conosco, os garotos, depois das reuniões. Mas foram as leituras que me fisgaram para ficar,
falando sobre a doença da adicção e não uma específica. Hoje, sou capaz de ver as semelhanças,
em vez de ficar distraído pelas diferenças. Este grupo de pessoas me recebeu e foi como ser
adotado por cinqüenta irmãos e irmãs mais velhos.

*********

Na última noite que eu usei, tive um apagamento de memória. Quando dei por mim, o meu carro
estava estacionado de lado na avenida e tinha um saco de dinheiro na mesa de café. Eu pensei ter
roubado alguém, mas não me lembrava. Dentro de mim seu sabia que era o fim. Vi o sol subir e
pensei comigo, “chega de ficar doidão. E agora, o que eu faço?”
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Eu tinha ouvido falar de NA através de um amigo que tinha seis meses limpo e fui a uma
reunião. Eu me aproximei de um sujeito que estava na porta do local de reunião. Perguntei a ele
se era ali que ficava Narcóticos Anônimos e ele me deu um abraço. Eu não sabia o que pensar
daquilo, mas não me senti mal. Ouvi muitas coisas naquela reunião e algumas dessas coisas
fizeram sentido. Sentimentos que eu tinha reprimido por anos afloraram e meus olhos se
encheram de lágrimas quando ouvi a leitura do Só por hoje. Algumas das pessoas até pareciam
felizes. Encontrei um homem que tinha uma calma que eu queria e ele concordou a me
apadrinhar. Sinto-me muito sortudo por ter encontrado NA.

*********
Ao final do meu uso, fiquei numa desintoxicação por seis dias. Senti tremores por algumas
semanas depois da retirada física. Em outros tempos eu teria escrito uma prescrição para mim
mesma e facilmente teria reiniciado o ciclo da adicção novamente. Alguma coisa me impedia de
fazer o que eu sempre fiz. Eu estava indo a reuniões todos os dias e adorava ouvir adictos
partilhar sobre terem uma vida boa. Nas minhas primeiras reuniões, arranjei uma madrinha e
telefonava para ela todos os dias. Ela me encorajou a me envolver no serviço e me iniciou nos
passos imediatamente. No início, meu cérebro estava um pouco embaralhado, mas ela achava
que o trabalho dos passos era uma maneira excelente de me ajudar a desembaralhá-lo. Ela estava
certa.

*********
Apesar das boas vindas calorosas que recebi em minha primeira reunião de NA, eu me sentia
muito desconfortável lá. Eu sempre fico em pânico quando encaro o desconhecido. Sendo um
especialista em justificação, disse a mim mesmo que eu era muito novo. O pior é que eu acreditei
em mim mesmo! Minha doença continuou a piorar por mais dois anos. Um dia, depois de uma
virada de vinte-e-quatro horas, me sentindo desesperado, voltei para casa para encontrar o
folheto Recuperação e Juventude na minha mesinha de cabeceira. Eu tinha lágrimas nos olhos
quando abri o folheto. Eu me sentia tão desgastado. Comecei a ir a reuniões e mesmo que elas
não acalmassem meus medos de início, continuei voltando. Fiquei fascinado pela nova
linguagem: aceitação, humildade, reparações, mente aberta e Poder Superior. Graças a NA, senti
que finalmente eu ia aprender a viver e percebi que tinha muito o que aprender.
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47
Quando ela ficou limpa, não havia NA em seu país. Ela iniciou NA na Turquia se apaixonou
pelo programa mesmo quando mais nada fazia sentido para ela.

Agora é possível
Fui espancada no final da minha longa adicção. Como ser humano, eu estava acabada,
mas estava ainda sobrevivendo. Aterrorizada pela aproximação de uma morte horrível e
torturada pelos pensamentos de que eu tinha desperdiçado minha vida, sem fazer nada de bom
neste mundo. Eu estava presa dentro de minha própria cabeça – sem esperança, sem ajuda, sem
fé. Estava desesperada por uma saída.
Na outra irmandade me disseram que se eles podiam conseguir, eu também podia. Tentei
fazer tudo o que eles faziam. Por muitos meses, fiquei inconsciente. Entretanto, no meio daquele
nevoeiro, ouvi dizerem que o seu caminho era um caminho espiritual e decidi segui-los. Uma
coisa era clara: eu não tinha nada a perder. Como resultado de assistir às suas reuniões, de seu
companheirismo, de escolher uma madrinha e de trabalhar os seus passos, tive um despertar
espiritual: eu sou uma adicta!
Sou realmente grata! Eles acreditaram em mim. Eles me ensinaram. Não havia reunião de
NA em meu país quando fui apresentada a NA. Eu estava em uma outra irmandade, mas havia
adictos lá que me deram um Texto Básico. Eu costumava me deitar com o Texto Básico no meu
peito. Ele me confortava. Essa era a única maneira de conseguir dormir quando eu era nova. Este
livro falava para mim. Ele me dizia que eu não estava sozinha; existiam pessoas lá fora que
conheciam tudo o que eu tinha passado na adicção ativa. Aquela verdade bem profunda que eu
sabia mas não conseguia verbalizar, essas pessoas também sabiam. Com a primeira frase, fui
abarcada pelo NÓS. Eu não estava sozinha em minha dor. Finalmente eu pertencia a algo no
mundo. Havia esperança.
Eu tinha seis meses de total abstinência quando alguma coisa me disse: que haja reuniões
em Istambul! Pensei, “agora é possível”. Minha recuperação começou com o serviço. Sem o
serviço, não haveria recuperação. Eu investi tudo que me restava em NA. Não havia mais nada
de significativo em minha vida. Eu não gostava de viver. Eu não gostava do mundo. Eu não
gostava do sistema. Eu não gostava da pessoa que me tornei. Mas eu amava Narcóticos
Anônimos. A única coisa pela qual eu tinha paixão era NA. Finalmente, encontrei um sentido e
um propósito na vida. Hoje, sei que minha vida nunca foi um desperdício total e não será um
desperdício desde que eu me mantenha limpa, viva o programa diariamente e continue a ser de
serviço em Narcóticos Anônimos.
Gradualmente, parei de ir a outras reuniões. Encontrei uma madrinha em NA e, depois,
outra madrinha em NA que tem me amadrinhado por mais de dez anos. Aprendi a pedir ajuda e
buscar orientação. Eu
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fiz os Doze Passos e Doze Tradições de Narcóticos Anônimos duas vezes e permiti que eles me
dessem forma. Eu realmente não posso receber os créditos por ter parado de usar drogas; isto é
trabalho de um Poder maior do que eu. Mas a recuperação é uma escolha e eu sou grata por ter
sido libertada para poder fazer uma escolha consciente.
O processo de recuperação separa a pessoa que eu sou da doença da adicção que afeta
todas as áreas da minha vida. Porque eu era totalmente ignorante da minha doença antes de NA,
minha doença coloria tudo. Os Doze Passos de Narcóticos Anônimos me transformaram, de uma
criatura quase-morta física, mental, emocional e espiritualmente, primeiro em um ser humano
doente e ferido, depois em uma mulher amorosa para quem a vida é preciosa. Hoje, eu tenho um
Poder de minha compreensão a quem posso me render, pedir por ajuda, confiar e com quem
posso contar. Posso ouvir e partilhar de coração. Este programa me guiou a encarar minha
adicção e minha personalidade. Deu-me a consciência de como e de que maneira eu posso
mudar. Tem me dado a força para viver de acordo com princípios espirituais. Enquanto eu fizer
isto, só por hoje, eu não preciso usar aconteça o que acontecer.
A característica mais atraente que eu admiro nos meus companheiros adictos em
recuperação é a simplicidade. Em doze anos de me manter limpo em Narcóticos Anônimos,
tenho dito a mim mesma a cada dia: “sou um sucesso porque estou limpa hoje”.
Tenho esperanças de me tornar uma pessoa melhor. Vim a acreditar que a única coisa
permanente é a mudança. Tudo é um processo. Perdôo-me por não ser perfeita. Tenho pedido
para ser uma pessoa que as outras pessoas fiquem contentes de me ter em suas vidas. Tenho
pedido para ser real.
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Seu melhor amigo morreu de overdose e ele continuou usando. Anos depois, este adicto voltou à
sua antiga vizinhança e fez as pazes com o seu passado.

O ponto
O meu padrinho diz que este é um exemplo de “Deus aparecendo”. Vou contar-lhes a
história e deixar que vocês decidam.
A mãe de meu melhor amigo nunca gostou do fato de que nós andávamos juntos. Ela
falava para ele não trazer “aquele garoto de cabelo encaracolado” para a casa. Eu vivia no lado
errado do lado sul de Chicago; ele vivia em uma vizinhança favorita pelos pais que queriam um
ambiente melhor e mais seguro para os seus filhos. Mas ele e eu éramos grudados e nós fazíamos
quase tudo juntos. Éramos os dois adotados e parecíamos e nos sentíamos como os irmãos que
nunca tivemos.
Entrei para o exército com a frágil e precoce idade de dezesseis. A vida na minha casa era
insana. A família que me adotou, um bebê metade negro, de um orfanato alemão, tornou-se um
cenário alcoólico bastante disfuncional. Meu segundo padastro costumava bater na minha mãe
em estupores de bebedeira e ela, então, batia em mim. Um dia, depois de uma amostra
particularmente brutal da dinâmica de relacionamentos codependentes, cheguei à conclusão de
que se isso era amor, você podia ficar com a minha parte. Eu sabia que não podia mais viver
naquela casa.
Eu entrei em um escritório de recrutamento do exército num quinta-feira e no sábado à
noite eu estava em Fort Polk, Louisiana. Cinco meses depois eu estava injetando heroína em
Amsterdã, Holanda. Quatro meses depois disso eu fui dispensado com honras – eu tinha dito
para eles que eu era menor de idade. Tinha ficado muito difícil manter uma dependência de
heroína e fazer as tarefas que o exército esperava de mim a cada dia.
Voltei para Chicago e comecei a freqüentar o preparatório para a faculdade. Meu amigo e
eu nos tornamos amigos de quarto. O inverno de 1975 foi frio. Os ventos notáveis de Chicago
sopravam com força e a temperatura estava abaixo de zero todos os dias. Um dia antes do Natal
nós estávamos em nosso apartamento térreo com os nossos casacos para fugir do frio, vendo
televisão e fumando maconha. Uma cena tropical apareceu na tela mostrando a Califórnia
ensolarada com a praia, as palmeiras e uma mulher linda dirigindo um Mercedes convercível. Eu
olhei pela nossa janela, depois olhei para a TV e disse para o meu amigo, “chega desse clima,
vou para a Califórnia”. Ele imediatamente concordou e nós saímos de Chicago naquele fim-de-
semana para perseguir toda a promessa que daquela Califórnia ensolarada. Chegamos a São
Francisco numa tarde fria e molhada de janeiro. Não era nada parecido com o programa de TV;
estava quase tão frio quanto Chicago. Fiquei pensando se eu tinha cometido um erro.
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Apesar de tudo, tiramos o melhor da situação e nos acomodamos em nossa nova vida. Ele
decidiu ir para a faculdade e trabalhar um diploma. Eu decidi me imergir no grande submundo da
cena de drogas. Minha vida se tornou o que a nossa literatura descreve: eu “vivia para usar e
usava para viver”. Eu estava entrando e saindo da cadeia e meu amigo estava continuando os
seus estudos. Ele tinha se amarrado com uma pequena namorada bacana careta. Eu tinha uma
namorada também, mas ela certamente não era careta. Ela era a minha amiga de uso e, juntas, as
nossas adicções floresceram.
Em 1982 nasceu meu filho. Ele era a resposta às minhas orações: tendo sido adotado, eu
nunca tinha conhecido alguém que fosse parente de sangue. Eu queria ser um bom pai, mas a
minha adicção não permitiria que ninguém ou nada ficasse na frente dela. Eu tinha um desejo
primário por usar, todo dia, a qualquer custo. Eu me lembro o quanto me senti culpado quando
meu filho entrou num quarto e eu tinha um cinto amarrado em volta do meu braço ou quando ele
adormeceu esperando que eu saísse do banheiro, onde eu estava cochilando. Ele era o mundo
para mim e isso era o melhor que eu podia fazer.
Um dia aquele mesmo amigo me telefonou para nos encontrarmos e nos endoidarmos.
Ele era um adicto dissimulado. Ele assumia a personalidade careta durante o dia e, de vez em
quando, vinha para o meu lado escuro do mundo à noite e usava. Na época tinha uns narcóticos
na rua que estavam dando overdose nas pessoas e eu sabia que era dessa que nós precisávamos.
Era uma droga sintética, bem mais forte do que a heroína. Peguei uns papéis para nós. Nós dois
nos picamos e os dois apagaram. Eu acordei e olhei para ver meu amigo ainda apagado. Tentei
reviver ele, mas ele não acordava. Me arrastei até a entrada do prédio e pedi para alguém ligar
para a emergência. A ambulância veio e levou ele para o hospital geral.
Eles levaram ele como se estivessem levando lixo para fora. Eu acho que eles já tinham
visto tantos adictos que eles tinham perdido toda compaixão. O polícia parecia ter nojo quando
me perguntou se eu queria ir junto. Eu disse para ele que já ia para lá; eu tinha outra coisa para
fazer primeiro. Voltei para o quarto e tomei outro pico. Esta é a insanidade de minha adicção. Eu
tive outra overdose. Acordei umas seis horas depois com a seringa pendurada no meu braço.
Procurei pelo meu amigo e me lembrei que eu tinha que ir pegar ele no hospital. Quando
eu liguei da entrada do prédio para perguntar em que quarto ele estava, me informaram que ele
tinha morrido. Eu não conseguia acreditar; eu amava ele e ele se foi. Eu me senti muito mal e
culpado por meu papel nessa morte. Não conseguia entender porque Deus tinha deixado ele
morrer ao invés de mim. Na verdade, pensei que Deus tinha se enganado, já que o meu amigo e
eu éramos parecidos. Pensei que Deus estava me buscando e pegou ele por engano. Eu estava
devastado. Eu liguei para a namorada dele para contar para ela e eu ainda posso ouvir ela
gritando no telefone.
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Minha adicção se tornou suicida. Eu tinha overdoses toda hora, sempre ficando
desapontado por acordar. Eu não queria que me vissem. Lembro de atravessar a rua para que
pessoas que eu conhecia não vissem em que ponto eu tinha chegado. Tudo que eu fazia era usar,
mas eu não conseguia usar o suficiente para que a dor fosse embora. E eu não sabia que tinha
outro jeito. Eu não sabia que adictos como eu ficavam limpos. Ninguém tinha ido à área de
Tenderloin, em São Francisco, para fazer um décimo-segundo passo com nenhum de nós. Eu não
tinha a mínima idéia de que havia Narcóticos Anônimos.
Uma manhã eu estava sentado na doca da baía de São Francisco em um Buick Electra
225 no qual eu nunca colocava mais do que dois dólares de gasolina. Eram mais ou menos cinco
e meia da manhã. O meu filho de três anos estava no banco de trás e sua mãe estava no banco da
frente, implorando para que eu fosse buscar algo para eles comerem. Durante toda a noite eu
tinha tomado picos de heroína com cocaína. Eu sabia que depois de ter tomado uma que ia ter
que conseguir mais dinheiro para usar. Ela não sabia que nós estávamos duros, já que tínhamos
começado a noite com seiscentos dólares. Amarrei o cinto no meu braço e olhei pelo retrovisor.
Disse ao meu filho para se virar pois a regra era a de que ele não podia me ver tomando pico. Ele
olhou amorosamente para mim e sorriu. Então olhei para mim mesmo no espelho e tive aquele
proverbial “momento de clareza”.
Eu vi no que tinha me tornado. Meus dentes e olhos estavam amarelos, a pele da minha
face estava rachada, minhas mãos inchadas com marcas em trilha por toda superfície, tinha
sangue nas minhas calças jeans e meu pescoço estava verde pelo uso de um cordão de ouro falso.
Eu estava uma bagunça. Então olhei de novo para o meu filho. Ele estava me espiando, sorrindo.
E eu soube: soube que se eu continuasse usando ele não teria nenhuma chance. Eu sabia que
nunca iria conseguir ensinar ele a dirigir, ou jogar baseball, ou dar nó numa gravata, ou se
aprontar para um baile, ou andar de bicicleta. Eu não ligava para a minha própria vida, mas eu
percebi que não era justo negar uma vida a ele. Eu olhei para a mãe dele e percebi que ela estava
me seguindo a todo lado e que eu estava levando ela direto para o inferno. Foi quando eu fiz algo
que eu penso que quase todo adicto em recuperação pode se lembrar de ter feito, talvez até o
momento exato disso. Eu clamei por meu Poder Superior, “Deus me ajude”. Essa foi a primeira
vez que eu genuinamente pedi para meu Poder Superior para me ajudar a parar. Eu tinha querido
parar ao longo de anos, mas não sabia como. Esse pedido de ajuda não teve um resultado
imediato que eu pudesse ver. Acabei com minhas drogas e convenci minha namorada chorosa
que precisávamos ir pegar mais dinheiro para usar de novo.
Eu sei, agora, que a Deus demorando não é Deus negando. Fui preso naquele dia e fui mandado
para a cadeia. Na cadeia fizeram com que eu fosse para tratamento. Minha breve estadia com os militares
me permitia ir a um programa de veteranos. Foi aí que fui apresentado a Narcóticos Anônimos. Sou muito
grato
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a H&I porque foi H&I que me apresentou ao programa que iria salvar a vida deste adicto aqui.
Na primeira reunião de Narcóticos Anônimos que fui, eu sabia que estava em casa. Vi
adictos como eu se recuperando. Percebi que era possível viver livre da nossa adicção. Deram-
me esperança quando eu estava desesperado. Deram-me ferramentas quando eu estava
desamparado. Deram-me uma família quando eu estava sozinho. Fiquei entusiasmado com a
possibilidade de ter uma nova chance na vida. Arranjei um padrinho e ele me disse que ele me
amava, haja o que houver. Ele tem sido meu único padrinho nos últimos mais de dezenove anos.
E ele tem continuado a me amar haja o que houver. Fiquei com a guarda do meu filho quando
tinha dois anos limpo e pude ensiná-lo a andar de bicicleta, a ir às reuniões dos Lobinhos e de
vez em quando a dirigir e até a dar nó em gravata. A mãe dele decidiu continuar a usar e ela
ainda sofre. Trouxe ela a reuniões de NA, mas ela não gosta da irmandade. Alguns adictos nunca
têm o desejo de ficar limpos, portanto, esteja grato se você encontrou recuperação em NA.
Quando eu tinha três anos limpo eu estava fazendo um inventário sobre minha mãe que
me adotou. Ela tinha morrido durante minha adicção e eu estava muito ressentido de nem ao
menos ter ido ao seu enterro. No decorrer do meu inventário eu percebi que muito do meu
ressentimento era, na verdade, mágoa. Eu achava mais fácil ter raiva do que mágoa. Escrevi uma
carta de reparação e fui a Chicago para ler a carta no seu túmulo.
Antes de ir ao cemitério, parei em uma pequena praia no Lago Michigan que
chamávamos O Ponto. Sentei ali e trabalhei em minha carta e nadei na água. Pela primeira vez
em minha recuperação eu comecei a me sentir sereno. As vozes críticas em minha cabeça
pareceram se aquietar e eu senti uma sensação esmagadora de paz e calma. Passei o dia inteiro
ali tomando sol com minha recém-encontrada serenidade. Estar no Ponto nunca tinha tido este
tipo de impacto em mim antes. Ao ir embora dirigindo, percebi que eu estava perto da casa do
meu velho amigo. Alguma coisa me disse para ir lá e ver a sua mãe. Eu não tinha visto ela desde
o funeral dele, quando ela mal podia agüentar olhar para mim. Eu queria dizer a ela que eu estava
limpo e que eu sentia muito. Toquei a campainha da porta e ninguém atendeu. Então, escrevi um
pequeno recado em um de meus cartões de visita. Eu tinha começado uma carreira como
conselheiro em abuso de substâncias. A nota dizia, “Cara senhora C. eu só queria que a senhora
soubesse que eu sou um membro de Narcóticos Anônimos e estou limpo por mais de três anos e
eu trabalho ajudando outras pessoas a ficarem limpas. Sinto muito o que aconteceu a ... e sinto
muito a falta dele. Com amor, ...”. Joguei o cartão na fenda da caixa de correio que havia na
porta e voltei para o meu carro.
Antes de poder chegar ao carro um senhor abriu a porta e me chamou de volta. Ele era o
novo marido dela e não me conhecia. Ele me convidou para entrar e me sentou no sofá. Alguns
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momentos depois a mãe de meu amigo entrou na sala e estava visivelmente chocada em me ver.
Ele entregou o cartão para ela e ela leu em silêncio. Então começou a chorar, abriu os braços
para mim e nos abraçamos e os dois começamos a soluçar. Ela me perguntou se o seu filho sabia
o quanto ela o amava e eu dei certeza a ela de que ele sempre a amou. Ela me contou que ela
sempre me culpou pela adicção dele mas percebeu que ele tinha tido sempre aquelas
características de adicto e que não era culpa minha. Fomos, então, para o porão e ela me deu
fotografias e nós contamos histórias de meu amigo, seu filho. Nós rimos e choramos e nos
abraçamos. Foi uma experiência de cura incrível. Ao nos despedirmos, ela me falou “antes de ir
embora, faça uma visita ao Ponto, porque foi lá que espalhei as cinzas dele”. Eu chorei
novamente porque percebi que eu tinha acabado de ter tido o primeiro de muitos despertares
espirituais no programa de Narcóticos Anônimos.
Hoje, minha vida é uma dádiva. Estou chegando aos vinte anos limpo. Estou casado há
quinze anos e tenho outro filho maravilhoso. Encontrei minha mãe de nascimento alemã dez
anos atrás e agora tenho uma família parentes de sangue. Meu coração foi despertado e eu
aprendi como amar e como ser amado. Tenho trabalhado em tratamento por mais de dezoito anos
e escrevi dois livros para afro-americanos.
Acabei de voltar da Trigésima-primeira Convenção Mundial de NA no Havaí onde eu fui
lembrado de como este programa está mudando o mundo um adicto de cada vez.
Obrigado, NA, do fundo de meu coração.
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Ela era uma esposa e mãe raivosa que pensou que as pílulas poderiam resolver os seus
problemas. Em vez disso, ela encontrou a solução nos passos. Esta é uma história de nossa
Primeira Edição, editada para a inclusão aqui.

Parte da solução
Vivia numa fazenda, quando criança, e me sentia inferior e envergonhada perto de outras
pessoas. Eu era cheia de medo e me ficava muito raivosa quando as coisas não aconteciam do
meu jeito. Quando eu tinha vinte e um anos, me casei e continuei a tentar modificar a realidade,
querendo que todos concordassem comigo, pensando que eu é que estava certo e reagindo com
explosões de temperamento quando as pessoas discordavam de mim.
Tornei-me a mãe de três crianças. Com meu primeiro filho me sentia no controle, com o
segundo, me senti sufocada, ao terceiro me senti desesperada. Eu queria que alguém tomasse
conta de mim, em vez de tomar conta dos outros. Ser responsável me assustava. Querer ser
perfeita me fez sentir mais assustada e raivosa.
Um dia, meu marido foi até o pastor, esperando que algo pudesse ser feito por mim pois
eu estava tão raivosa. Eles encontraram um psicólogo na cidade que ficava a mais de trezentos
quilômetros. Um calmante moderado foi prescrito para mim. O psicólogo foi gentil e tentou
ajudar. Ele pensou que consultar com ele e tomar medicação iria ajudar-me com minha raiva.
Havia esperança de que eu fosse começar a lidar melhor com a realidade. Não passou muito
tempo até que o psicólogo achasse que eu estaria melhor se me dessem um calmante diferente.
Ainda assim, minha atitude não mudou, então ficou decidido que minha família deveria mudar-
se para a cidade onde meu psicólogo morava e isto resolveria os problemas matrimoniais
causados pela minha raiva.
Foi bem cedo em meu uso de comprimidos que eu comecei a pensar que não podia existir
sem a ajuda deles.
Continuando a usar, abusar e a ter overdoses, fui parar num hospital na ala psiquiátrica. O
psiquiatra veio e me disse “você não gosta de você mesma muito bem, não é?” e eu disse “você
não está me dizendo nada que eu não saiba”. Saí do hospital em poucos dias.
Eu ia ao consultório do psiquiatra e as coisas não melhoraram nem um pouco. Eu estava
com medo de que ele iria retirar a prescrição de minhas pílulas por que eu não estava tomando
elas de acordo com a prescrição.
Mudar a minha prescrição de um tipo de comprimidos para outro não pareceu ser de
ajuda. Eu esperava que as pílulas fossem uma cura milagrosa para a realidade.
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Cheguei a extremos para conseguir atenção. Um dia, liguei o gás antes do meu marido
voltar para casa, me certificando de desligar antes de que ele chegasse, pensando que ele iria
expressar preocupação com o que acontecera comigo. Ele estava alarmado e decidiu que eu
precisava ir ao hospital para mais ajuda. Eu sabia de experiências passadas que alas psiquiátricas
não ajudavam com os meus problemas.
As coisas acalmaram-se por um tempo. Eu estava visitando uma assistente social,
contando para ela que quando eu estava tomando um dos calmantes, tomando dentro da
prescrição, o mundo parecia ficar bem. “Eu me pergunto porque é que não está todo mundo
tomando isso”, pensei. Aproximadamente seis meses depois, as pílulas deixaram de fazer efeito e
eu comecei a abusar delas.
Quando os tranqüilizantes estavam acabando, eu tinha overdose de antidepressivos e
virava e mexia na cama, me sentindo terrível. Uma noite, depois de tomar vários antidepressivos,
acabei no hospital na ala cardíaca, mentindo para as enfermeiras sobre que comprimidos eu tinha
tomado e me disseram que eu devia me sentir sortuda por estar voltando para casa tão cedo. Eu
não me sentia sortuda e nem me importava em viver.
Eventualmente meu marido e eu nos separamos e eu casei novamente. Em menos de um
mês em meu segundo casamento eu fiquei raivosa, parada na pia da cozinha, comprimidos na
mão, pensando, “não tenho motivos para ficar tomando elas”, mas engolindo a mão cheia de
todos modos. Depois de dizer ao meu marido o que eu tinha feito, ele sugeriu que eu telefonasse
para uma amiga nossa que tínhamos na outra irmandade. Ela me disse que eu tinha um problema
com comprimidos. Fui a reuniões abertas da outra irmandade e me sentava lá atrás, não querendo
nivelar o meu orgulho e me identificar como uma adicta a drogas.
Eu não era capaz de parar de abusar de comprimidos, e depois que minha amiga se
mudou para outra cidade, ficou aparente que, se eu quisesse viver livre de drogas alteradoras da
mente, eu teria que ir às reuniões e admitir que era uma adicta.
Quando comecei a ir a NA depois de seis meses de viver livre de drogas, a obsessão foi
removida e um desejo ardente de parar de usar me foi dado. Eu olhava no espelho e dizia em voz
alta, “você é uma adicta a drogas”. Entre o meu primeiro e segundo ano, pude admitir ao meu ser
mais profundo que todos os comprimidos, não apenas um grupo seleto deles, eram um problema
para mim.
Sou impotente perante todas as drogas alteradoras do humor. Por anos, os comprimidos
foram um poder maior do que eu mesma. Tomava elas pelo efeito que produziam. Hoje, pela
graça de Deus, eu fui devolvida à sanidade. A insanidade do Segundo Passo é o pensamento que
precede a primeira droga.
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Minha vida é feita de situações diárias nas quais, se eu quero viver uma vida de paz e
serenidade, eu entrego aos cuidados de um Deus da maneira que O compreendo. Estar disposta a
fazer isto tornou minha vida
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mais controlável, pois estou abrindo mão de minha vontade própria. Entregar as coisas a um
Poder Superior que cuida me ajuda com a minha fé e confiança de que existe um plano divino
para minha vida. Existe um lugar aceitável para mim na sociedade e no programa.
Quando eu escrevi meu inventário, foi sugerido que eu escrevesse sobre minha raiva,
medo e culpa. Escrevi ele como uma autobiografia, começando tão cedo na história de minha
vida quanto me lembrava, de criança, antes de começar a escola, até o tempo em que eu saí das
drogas. Coloquei os nomes das pessoas que eu ressentia, lembrando que eu estava fazendo o meu
inventário e não o dos outros.
Fiz o Primeiro Passo com a minha primeira madrinha. Com ela eu partilhei o lado escuro
de minha vida e, eventualmente, alívio e liberdade vieram à minha vida. Minha compreensão é a
de que se eu partilho os erros que fiz, então os sentimentos espirituais bons irão automaticamente
tornar-se parte de minha vida.
O Sexto Passo me lembra de me ficar totalmente disposta a ser honesta, ter mente aberta
e boa vontade para ter os meus defeitos de caráter removidos. Fiz uma lista de meus defeitos no
inventário que escrevi e, no tempo certo, mais tem sido revelado a mim.
Através do trabalho dos Doze Passos, a obsessão e compulsão para usar serão removidas.
Ter minhas imperfeições removidas é um objetivo que devo perseguir pelo resto de meus dias.
Dizem que o Sexto e o Sétimo Passos são, freqüentemente, os passos esquecido do programa.
Peço todos os dias para ter a raiva removida de minha vida.
Fiz uma lista de pessoas que machuquei e fiz reparações diretas a elas, incluindo meus
filhos. A cada dia que eu não uso, estou fazendo reparações ao meu Poder Superior, a mim
mesma e à sociedade.
Hoje, eu checo a mim mesma e, quando estou fora do raio espiritual partilho meus
sentimentos com outro ser humano.
A cada dia, eu digo “por favor” na manhã e “obrigado” à noite. Dizem que aqueles que
dizem “por favor” sinceramente não voltam a usar (se você não pensa nisto na manhã, diga isso
quando se lembrar). Quando ouvi isto, comecei a levar a sério isto e a dizer, a cada dia, por
favor. Li literatura e fui a reuniões sobre os passos para me ajudar a crescer espiritualmente.
Minha maneira de viver não funcionou, então eu tive que trabalhar os passos e tentar
praticar eles em minha vida diária de modo que eu me torne útil e plena. Hoje, sou grata de ser
parte da solução, ao invés do problema.
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Eles usavam juntos e ficaram limpos juntos, mas este adicto tornou-se ativo no programa
enquanto seu irmão não. Este membro da Arábia Saudita encontrou na perda de seu irmão um
poderoso motor para levar a mensagem.

Levando a mensagem

Usar na Arábia Saudita significa vergonha para o adicto e para a família. Se alguém
disser à família que seu filho está usando, a negação é, muitas vezes, maior do que aquela do
próprio adicto. A família dirá que não, ele não está usando. Minha família teve que lidar não com
um, mas com dois filhos. Até que chegou ao ponto em que eles não podiam mais continuar em
negação sobre nenhum de nós dois. Encontrei ajuda em Narcóticos Anônimos e meu irmão não.
Minha família sempre foi instável e, um dia, meus pais se divorciaram. Quando meu pai e
minha mãe estavam no meio do divórcio, encontrei o tempo, o motivo e tudo que precisava para
usar. Comecei por largar a escola ao meio dia para beber e fumar com meus amigos. Comecei
com drogas de prescrição e, às vezes, álcool. Com o passar dos anos, passei para o haxixe. Não
terminei o ensino médio.
Na Arábia Saudita, você pode comprar drogas nas ruas, mas somente em áreas especiais.
É um país muçulmano e o álcool não é permitido, mas em algumas casas fabrica-se o álcool
ilegalmente. Às vezes você pode encontrar whiskey ou outras coisas que vêm do exterior em
lugares caros. Nesses lugares, descobri uma sensação de orgulho. Formei um círculo de amigos
que se encontravam só para usar drogas juntos. Rapidamente ficou fora de controle à medida que
a necessidade de pertencer ao grupo tornou-se a coisa mais importante. Éramos todos fracos
demais para resistir a estas pressões de nossos pares.
No começo, meu irmão usava heroína e eu haxixe. Eu ouvia falar dele e de seu uso e eu
ficava chateado pois ele estava usando heroína. Fui visitar uns amigos depois do Ramadan, um
feriado muito importante em nossa religião. Costumávamos fumar haxixe juntos, mas desta vez
encontrei eles usando heroína. Tudo o que eu disse foi, “oh, vocês têm alguma coisa nova aqui?”
À medida que minha adicção progredia, me percebi nas mesmas praças que o meu irmão ia, onde
eles vendiam heroína. O traficante somente disse, “finalmente vemos você aqui!”
Tentei controlar a minha adicção usando quantidades pequenas por períodos curtos. Daí
ela consumiu minha mente totalmente. Tudo o que eu podia pensar era como usar hoje e como
conseguir a dose de amanhã. Comecei a negligenciar o meu trabalho e minha família. Gastei
todo o meu dinheiro para conseguir tomar minha dose, que agora tinha se tornado o meu pão.
Usar tornou-se a minha única maneira de praticar a vida diária, mesmo
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perdendo a mim mesmo e a minha saúde. Comecei a sofrer tanto física quanto psicologicamente.
Minha família pediu para que eu saísse de casa. Fui morar na casa de meu pai e encontrei um
novo lugar para poder usar. Até esse momento, minha família não sabia que eu estava usando
heroína como meu irmão. Foi durante esse tempo que eles encontraram sangue nas minhas
roupas e eles desconfiaram.
Minha família exigiu que eu parasse de usar e eu prometi que eu iria, mas isto não teve
efeito. Minha enfermidade era mais forte. Minha família me cercou para me forçar a cortar
relações com meus amigos. Eu dizia a eles que iria fazer isso e então mentia e dava desculpas
para sair e ir encontrar com eles. Para poder adquirir drogas eu comecei a roubar as carteiras de
meus irmãos e a enganar meus colegas. Magoei pessoas que amo e era incapaz de parar. Minha
vida estava deteriorada. Sentia-me abandonado e rejeitado, isto só me magoou ainda mais, e eu
usava ainda mais, até que cheguei ao fundo-de-poço.
Um dia, fui a um hospital para pedir ajuda e dar um tempo. Fiz isso, principalmente, por
conta da pressão da minha família e do meu trabalho. Neste ponto, eu faltava freqüentemente ao
trabalho. Eles me mandavam ao hospital para descobrir o que estava errado comigo. Foi quando
eu descobri que não conseguia parar de usar porque o meu corpo estava doente. Todo mundo me
falava da dor nas juntas, da náusea. Percebi do que eles estavam falando quando não tinha droga
à disposição – eu não conseguia parar de usar.
Meus irmãos decidiram fazer com que eu ficasse no hospital. Eu encontrava maneiras de
fugir e voltava ao uso assim que saía. Todo mundo desistiu de mim e eu desisti de mim. Meus
únicos pensamentos eram, “até quando?” e “será que sobrevivo a esta dose?”. Mas as minhas
orações a Deus – mesmo sob efeito das drogas – tiveram um efeito em mim. Finalmente, fui
hospitalizado por minha própria vontade quando senti que as drogas deixaram de fazer efeito. No
hospital, fui forçado a assistir a reunião do comitê de hospitais e associações (o equivalente a
hospitais e instituições em outros lugares) da Irmandade de NA.
Eu costumava usar junto com um dos oradores. Corri até ele depois da palestra para
perguntar como foi que ele conseguiu ficar limpo todo aquele tempo. Sua resposta foi através do
programa de NA. Perguntei para ele como e ele me disse para ter calma e que depois que eu
saísse do hospital, que ele estaria esperando por mim. Primeiro, ele me levou até minha família,
depois, a minha primeira reunião. Eu fiquei surpreso pelas boas vindas que tive depois de ter sido
rejeitado por todo o resto das pessoas. Fiquei impressionado pelas similaridades da doença e
sofrimento e pela variedade na quantidade de tempo limpo dos membros. Durante a reunião, eu
me perguntava se eu poderia realmente gostar deles. A resposta era sim. Eu tinha me tornado
como eles e fiz parte durante quatro meses.
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Depois do quarto mês, eu tinha uma consulta marcada com o médico no meu trabalho
para dar seguimento quanto à minha condição depois de ter saído do hospital. Perguntei ao meu
padrinho sobre o que eu devia dizer ao médico. Ele me disse para explicar ao médico que a
minha saúde estava estabilizada. O médico me perguntou se eu sofria de insônia. Minha doença
veio à superfície e eu me queixei de ficar bastante tempo acordado antes de conseguir dormir.
Ele prescreveu medicação. Em questão de poucas horas eu tinha começado a substituir aqueles
remédios por outras drogas. Em poucos meses, caí no mesmo fundo-de-poço, ou pior, que eu
tinha estado antes de ter começado a tentar parar de tomar drogas. Pedi ajuda do meu padrinho e
ele me pediu que o acompanhasse ao hospital. Concordei, mas o meu médico colocou a condição
de que eu não podia ficar mais de duas semanas, pois eu já tinha utilizado todo o tempo que tinha
para licença de saúde. Depois de duas semanas de hospitalização, comecei a ir trabalhar durante
o dia e voltar ao hospital à noite. Nas minhas entradas e saídas do hospital, eles tiravam amostras
para ter certeza de que eu estava limpo. Isto continuou por três semanas e, então, eu finalmente
voltei para a irmandade.
Meu irmão acabou no mesmo hospital e nós começamos a ficar limpos juntos. Eu
trabalhava duro em mim mesmo e meu irmão trabalhava em dois trabalhos. A maior parte do seu
tempo, ele passava no trabalho. Ele não trabalhou em NA. Eu ia a NA todos os dias e me envolvi
com o serviço. Pedi ao homem que levou a mensagem para mim no hospital para ser meu
padrinho. Perguntei a ele como fazer para parar de usar e ele me disse para terminar o tratamento
e, quando eu tivesse terminado, ele me diria tudo. Meu padrinho me levou do hospital ao
trabalho durante todo aquele tempo. Meu irmão não tinha uma pessoa assim em sua vida. Meu
padrinho é um dos membros que iniciou um grupo no começo. Ele tinha três anos a mais que eu
naquela época. Fiquei perto dele do momento em que o encontrei no hospital em diante. Meu
irmão não se aproximou de ninguém e acabou se consumindo em sua vida.
Meu irmão não ficou limpo. Tentei ajudá-lo. Tentei falar com ele, mas eu não conseguia
encontrar a mente aberta. Eu sabia que quando ele prometeu ficar limpo por mim, que não iria
funcionar. Nossas esposas são irmãs e quando eles vinham nos visitar eu via que ele estava
usando. Mandei alguns amigos lá falar com ele porque pensei que eu talvez não fosse a melhor
pessoa para ajudá-lo. Eu ficava nervoso quando conversava com ele e, talvez, se não fosse da
família, ele ficasse mais relaxado. A última vez que ele foi ao hospital, quando fomos a Umrah
(nossa peregrinação menor), ele parecia bem. Nunca mais o vi com vida.
Eu estava com minha família, com todo mundo, quando encontramos ele morto de uma
recaída. Eu disse, “eu tentei e tentei ajudar você, mas eu sei que a doença foi mais forte”. Eu me
senti tão triste que não pude ajudar ele. Isto fez com que eu me tornasse mais ativo em minha
recuperação e me ajudou com os membros que eu apadrinho
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e os membros a quem levo a mensagem. Perder o meu irmão me deu o poder de ser mais ativo
em recuperação e no serviço e fazer por outros o que eu não pude fazer por ele.
Passaram-se dois anos desde que perdi meu irmão para a doença da adicção. A
mensagem que eu levo é que meu irmão e eu usamos juntos. Ele parou de usar por sete anos
comigo, mas ele não vinha regularmente às reuniões porque estava consumido com sua vida
pessoal. Ele estava encarando sua condição grave sem assistir reuniões ou trabalhar os passos.
Mesmo quando ele desistiu dele mesmo, os companheiros de NA nunca desistiram dele. Ele foi
levado de volta ao hospital vezes seguidas. Ele saia quando estava desintoxicado, ia a algumas
reuniões e voltava de novo às drogas. Foi a sua última dose e ele morreu como outros morreram
antes dele – é o final de nossa doença.
Sabemos que não podemos forçar o adicto a se recuperar; podemos apenas levar a
mensagem a cada adicto que ainda sofre da doença da adicção. Agradeço a Deus que ele tenha
mostrado a nós o caminho à irmandade de NA. Hoje – graças a Deus – com a ajuda de meu
padrinho, estou limpo por onze anos. Permaneci limpo na morte de meu irmão. Pude utilizar essa
dor para ajudar a outros. Eu tenho um trabalho e família que me deixam orgulhosos. Não preciso
mais viver na vergonha. Hoje, encontrei conexões com minha família e amigos no programa de
NA que eu tinha buscado nas drogas. Tenho uma família que me apóia. Eles me apóiam na ajuda
a outros em NA para que todos possamos nos recuperar, de modo que outros possam encontrar
esta maneira de viver. Hoje, a mensagem que levamos na Arábia Saudita é a de que a adicção
não é algo do que tenhamos que nos envergonhar ou ser envergonhados pelos outros. A
mensagem que levamos é a de que qualquer adicto pode parar de usar drogas, perder o desejo de
usá-las e encontrar uma nova maneira de viver. Hoje, existem adictos se recuperando na Arábia
Saudita – obrigado, NA.
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Ela encontrou NA quando ela tinha apenas quinze anos e agora ela está limpa a mais de vinte
anos.

Adicta jovem e irmandade nova de NA crescem juntas

Qualquer adicto pode encontrar recuperação em NA... mesmo uma garota de quinze anos
de idade em uma ilha do sul da Flórida que aprendeu a tomar café e se juntar ao pessoal que
tinha, na maioria, trinta anos de idade porque ela sabia que sua recuperação dependia deles –
mesmo quando eles pegavam no pé dela, gozavam dela por ter ficado limpa tão nova, diziam
para ela o quanto ela era sortuda de não ter que ter passado por dor de verdade, enquanto ela
sofria em silêncio por seu passado: abuso sexual, overdoses de droga, promiscuidade, prisões,
violência, solidão, culpa, paranóia. O que ela queria muito dizer era que mesmo que ela fosse
diferente (mais nova) aos olhos deles, sua dor era tão devastadora para ela quanto a dor do junkie
sem-teto ou qualquer outro. Ela estava pronta para parar, ela estava pedindo ajuda. Houve
membros de NA que disseram para ela que ela era nova demais para ser uma adicta. Outros a
evitavam ou desviavam dela. Afortunadamente, havia aqueles que disseram a ela que ela tinha
conquistado uma cadeira em Narcóticos Anônimos, disseram para ela ficar e lutar pela sua
cadeira.
Lembro-me da primeira vez em que ouvi a mensagem de recuperação. Não era incomum
entrar cambaleando doida depois do sino tocar para a aula de inglês dos calouros do ensino
médio. Quando eu entrei, naquele dia, percebi que tinha algo de diferente. A classe estava quieta
e tinha uma mulher falando com a professora.
Fui direto para o canto de trás da sala. Outros alunos, tentando evitar minha hostilidade
freqüente, saíram da minha frente. Na hora que eu estava limpando o suor de meus óculos de sol
a professora nos apresentou a mulher. Ela era uma ex-usuária de drogas e ia nos falar sobre o seu
problema com as drogas. Todo mundo perto de mim tentou me cortar quando eu perguntei para
ela se ela tinha trazido para nós um pouco das drogas que tinham sobrado.
Quando ela começou a falar da infância dela, fiz uma bola de papel na minha boca e atirei
nela com um canudinho. Alguém jogou um dever de casa amassado nela enquanto ela falava de
suas prisões e overdoses de droga. Eu ri e encorajei todos a ser tão desrespeitosos e detestáveis
quanto possível.
O tempo todo provocamos ela, sua voz permaneceu calma e firme. Apesar de minha aparente
falta de interesse, ouvi cada palavra do que ela dizia, cada palavra.
Eu já tinha querido, tentado e prometido parar de usar drogas, mas eu sempre fracassava.
Incrivelmente, venho de uma família maravilhosa com pais amorosos e dois irmãos mais velhos a quem
eu admirava. Minha proximidade com eles estava sendo destruída e eu me sentia totalmente incapaz de
fazer fosse o que fosse.
65
Nesse dia, mais tarde, duas das minhas amigas limpas chegaram perto de mim. Elas
tinham tentado me ajudar a ficar limpa muitas vezes mentindo por mim, me carregando para a
sala de aula ou para casa, implorando para que eu parasse, roubando minhas drogas e ameaçando
de me entregar. Elas me pediram para matar a próxima aula e ir me encontrar com uma pessoa.
Quando chegamos lá, era ela – a moça que tinha me fascinado tanto quanto me aterrorizado.
Antes de eu sair, ela me disse que ela gostaria de me levar a uma reunião, uma reunião de
Narcóticos Anônimos. Ela disse palavras que, mais tarde, me dariam conforto. Ela disse
confiante “você nunca mais precisa usar novamente, só por hoje.”
Ao final daquela primeira reunião, me vi na frente da sala com uma ficha de pocker toda
branca na minha mão. Fui descobrir depois que a ficha de pocker branca era um símbolo de
minha rendição e uma lembrança de que eu estava apostando minha vida se eu jogasse ela fora.
Por mais estranho que pareça, naquela idade, não sabendo nada sobre NA, senti que eu tinha
encontrado algo que mudaria a minha vida para sempre! Por alguma razão eu sabia que estava
tudo bem, pois eu tinha encontrado ajuda.
Foi assim que minha jornada de recuperação começou, me levando a lugares que eu
nunca poderia ter imaginado. Ao longo do tempo, eu aprenderia sobre as tradições e sobre a
estrutura de serviço em NA. Lá no início, eu não tinha idéia de que um dia eu ia ter a alegria de
servir fazendo telefonemas, saudando recém-chegados, entregando literatura, arrumando mesas e
cadeiras, fazendo café, levando o lixo para fora e limpando o assoalho do local de reunião.
Apesar da pressão de todos os outros adolescentes “só cumprindo o tempo”, eu fui
abençoada com a disposição de arranjar uma madrinha e construir esse relacionamento. Eu não
tinha idéia de que eu iria amadrinhar muitas mulheres ao longo dos anos porque eu tinha algo
que valia a pena passar adiante e tinha o desejo de passá-lo porque alguém tinha passado isso tão
livremente para mim.
Fui abençoada pelas dádivas de ter levado a recuperação à sério. Eu ouvia e ficava perto
dos “vencedores”, como tinham me dito para fazer. Confiei nas sugestões de minha madrinha
para ir à convenção mundial em Chicago e encontrei e partilhei recuperação com adictos do
mundo inteiro. Muitos deles ainda estão limpos hoje e eu considero-os meus irmãos e irmãs. Eu
também vi muitos adictos, a quem amo, morrerem.
Eu não sabia que, um dia, a mulher que partilhou sua história em minha aula iria recair,
ter uma overdose e morrer depois de ter ficado limpa três anos. Eu não sabia que, um dia, eu irira
pegar um medalhão de vinte anos limpa no grupo que ela havia iniciado, meu grupo de escolha
até hoje. Eu não tinha idéia da minha sorte de ter agarrado NA não apenas em minha idade nova,
mas também em uma época em que NA era nova.
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Acredito na mensagem de NA lá no fundo do meu ser, não apenas por todas as dádivas da
recuperação, mas da terrível dor que encarei em recuperação também. Houve tempos solitários,
horríveis, pelos quais eu não queria passar e houve os momentos em que eu não conseguia me
segurar, mas em que Deus, os Doze Passos e outros adictos em recuperação me puxaram para
fora deles, limpa!
A mensagem de Narcóticos Anônimos que eu me esforço para viver a cada dia, e todos
os dias, no meu coração, ainda é tão relevante para mim quanto o foi quando eu ouvi pela
primeira vez daquela mulher que teve a coragem de partilhar sua história na minha aula de
ensino médio: “que um adicto, qualquer adicto, pode parar de usar drogas, perder o desejo de
usar e encontrar uma nova maneira de viver”.

Qualquer adicto, até mesmo você!


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Algumas vezes ele era a única pessoa na sala em uma reunião, mas isto apenas renovava o
comprometimento para com a recuperação deste adicto queniano.

Que satisfação tranqüila que eu sinto em poder ser útil!

Nas ruas de Nairobi, Quênia, África Oriental, meu nome ia mudando à medida que minha
adicção progredia. No final, eu era só “o junkie de óculos escuros”.
Nascido nos guetos de Nairobi, eu sabia, ainda muito novo, sobre a realidade das drogas,
crime, prostituição, estupro e morte. Vem junto com o pacote nas favelas. Minha mãe faleceu
quando eu tinha dez anos e minhas irmãs foram enviadas a uma casa para crianças. Tive a sorte
de ser levado pelo meu catequista, um missionário da Noruega.
Estudei na melhor escola de ensino médio da região, que tinha uma reputação pela
extrema disciplina. Meus trabalhos escolares eram bons. Eu era excelente em esportes e fui o
capitão do time de futebol da escola. Jogava para a seleção nacional e fui o “atleta do ano” na
minha universidade. Eu tinha tudo pelo que viver. O futuro parecia brilhante para este garoto do
gueto.
Comecei a beber e fumar cigarros na faculdade. Fumar contribuía para o estabelecimento
de uma asma severa e logo fiquei incapaz de jogar futebol. Para escapar, me virei para o beber
excessivo. Amaldiçoava Deus por tirar de mim o meu esporte favorito. Com o tempo, passei a
usar qualquer droga que me oferecessem. Eu me formei com honras de segunda classe e com
uma dependência.
Com a formatura, consegui um emprego em uma empresa farmacêutica e minha adicção
foi às alturas. Que combinação: um adicto com as chaves de uma farmácia! Eu estava usando
heroína por algumas semanas, daí me desintoxicava com drogas que eu pegava na empresa. Não
foi nenhuma surpresa quando o patrão me demitiu.
Meus relacionamentos pessoais também estavam se desfazendo. Minha noiva ficou
devastada quando eu cancelei o nosso casamento três semanas antes da cerimônia. Por sorte dela,
ela foi transferida para fora da cidade. Nós já tínhamos um filho lindo que foi pego no meio disso
tudo. Eu era um junkie à solta. A heroína tinha me agarrado.
Começaram as idas aos médicos e psiquiatras. Meu médico dizia, “você vai terminar na
rua e morrer de uma overdose. Caras como você nunca se safam” e com isso eu achava que tinha
permissão para usar drogas à força toda.
Como meu bom médico havia previsto, eu estava jogado nas ruas em menos de um ano.
Enganava meus amigos e antigos colegas de trabalho. Periodicamente, me mudava para cidades
afastadas para me limpar. Depois,
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quando retornava a Nairobi, meus pés me direcionavam como um autômato aos locais de uso e
eu voltava ao ponto zero. Eu vi coisas muito muito doidas naquele tempo. Uma vez eu segurava
a mão de alguém para ajudá-lo a achar uma veia e, enquanto ele morria de uma overdose eu
limpava os seus bolsos. E corria para comprar o mesmo bagulho. Seja lá o que for que ele
estivesse usando devia ser bom mesmo.
Eu vivia entre garotos de rua e via quando eles abusavam uns dos outros. Eu não sentia
nada. Eu tinha que mendigar e quando me tornei demasiado pedinte, até a “ralé das ruas” me
evitava. Eu era indesejado pelo mundo, incluindo meus companheiros de uso. Os traficantes
passaram a odiar o pessoal que tomava pico. Ninguém queria alguém morrendo na sua porta, era
mal para os negócios.
Por sorte, eu não era bom ladrão, isso me manteve fora da cadeia. Não ter dinheiro para
comprar drogas e não saber como roubar contribuiu para a minha disposição de mudar. Com
minha força de vontade, livros de auto-ajuda, fé em Deus e mudanças geográficas, eu conseguia
me endireitar e ficar limpo por períodos curtos, mas a dor de não usar acabava por superar os
benefícios de minha recém-encontrada liberdade da adicção ativa. Fui a curandeiros e tenho
marcas no meu peito que atestam os seus esforços. Nada funcionava.
Eu estava três meses fora da heroína quando encontrei um cara com quem eu tinha usado.
Ele parecia todo limpo. Eu queria o que ele tinha. Ele me levou à minha primeira reunião de
Narcóticos Anônimos. Minha intuição me dizia que eu tinha finalmente encontrado a ajuda de
que eu precisava. Na reunião, reconheci outras pessoas com quem usei. Peguei um copo de café
e sabia que estava em casa. Eu precisava ver alguém que eu conhecia ficar limpo para poder
acreditar que a recuperação era possível para mim.
Mesmo tendo saído e voltado às salas diversas vezes depois daquela primeira reunião,
hoje eu sei que eu tinha uma escolha. Lá no fundo, eu sabia que a solução para o meu problema
com drogas estava nas salas, que NA era a minha esperança de recuperação. Eu nunca duvidei
deste fato.
Eu tenho, agora, três anos limpo. Nestes últimos três anos, eu vi outros chegarem do
mesmo jeito que eu e vi as mudanças que acontecem à medida que continuei voltando.
Testemunhar isto tornou-se uma das maiores dádivas da minha recuperação.
As reuniões no Quênia são reduzidas em número e em tempo limpo. O comum é reuniões
com quatro a quinze membros; a maioria com menos de um ano limpo. Existem barreiras
lingüísticas para membros que não se comunicam em inglês. Recentemente, a conscientização
pública sobre NA aumentou. Tem grupos iniciando em Mombasa e Malindi, nossas cidades
costeiras. Há alguns conflitos na irmandade daqui, que me disseram fazer parte do crescimento
de grupos. Eu admito
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que podíamos ter feito melhor. Entretanto, eu faço conta do progresso. Ouço as risadas. Vejo as
reuniões crescer – mas, às vezes, é difícil ter mais de uma pessoa em uma reunião.
Pessoalmente, eu gosto da quietude quando ninguém aparece para a reunião de NA. Meu
compromisso se renova cada vez que me vejo sozinho em uma sala – embora a maioria das
reuniões, hoje em dia, têm um mínimo de quatro membros (às vezes até vinte).
Há grandes amizades na irmandade aqui. Temos bolos de aniversário e respeito mútuo –
você sabe, adictos são pessoas bem pé-no-chão. Há muitos risos depois das reuniões. Meu
telefone celular parece uma agenda de NA. Vamos juntos ao boliche, ao cinema, saímos para
jantar. Recentemente, um de meus novos amigos de NA me ensinou a mergulhar, andar de jet ski
e de parasail. Eu nunca poderia imaginar fazer coisas assim e me divertir. Meus amigos, meus
amigos de verdade, agora estão em NA.
O serviço tornou-se a base de minha recuperação. Meus amigos me dizem que eu
subestimo tudo que faço, mas fico apreensivo ao partilhar sobre serviço. Tento servir com
humildade – nada se compara à alegria do serviço, a partilhar o caminho de NA, arrumar mesas,
ir à reuniões, colocar membros em contato, passar livros e outras literaturas de NA, trocar
correspondência com aqueles que visitam Quênia, ter oficinas de informação ao público, juntar
grupos novos fora de Nairobi e, agora, recentemente, apadrinhar outros membros. Países
vizinhos como Ruanda, Uganda e Tanzânia começaram a pedir por literatura. Estamos
trabalhando para que eles tenham aquilo de que precisam. Que satisfação tranqüila que eu sinto
em poder ser útil. E me sinto ainda melhor quando não falo nada sobre isso. Por favor, não
tomem isto como orgulho pelo que faço.
Minha recuperação está alicerçada em três verdades fundamentais que funcionam para
mim: primeiro, não use, aconteça o que acontecer – todos os sentimentos passam uma hora ou
outra; segundo, vá a reuniões; e terceiro – reze. Eu digo estas mesmas coisas aos meus afilhados.
Minha experiência é a de que todo o resto se ajeita quando temos isto como alicerce. Tenho
muito mais a aprender sobre a maneira de NA.
Recentemente, descobri que tenho hepatite C e tenho tido respostas sobre como lidar com
isto de membros na irmandade que vivem a quilômetros de distância. Com este novo desafio,
meus amigos em recuperação (e até mesmo suas famílias) têm me perguntado o que podem fazer
para me ajudar. Eu digo a eles que eles estão fazendo o suficiente só em estando disponíveis para
me apoiar. Também voltei à escola para um programa de pós-graduação. Tenho falado com o
filho que quase perdi durante minha adicção. Recentemente, ele me disse que me amava. Ele tem
doze anos de idade e nunca tinha
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dito algo assim antes. Não consigo expressar o quanto isto significa para mim – especialmente
depois de todo o dano que causei.
Através de minha recuperação, estou restabelecendo os relacionamentos e fazendo novos.
Também estou me descobrindo e, aos poucos, descobrindo o que posso fazer e o que posso ser.
Isto excede em muito o que eu imaginava antes de encontrar NA.
Nossa irmandade aqui ainda é nova. Membros de NA que nos visitam nos têm dado
muito. Tenho encontrado pessoas com as quais me identifico, ferramentas para viver e um
propósito que tem preenchido o vazio que existiu por toda a minha vida. Você é bem-vindo a nos
visitar aqui em Nairobi, Quênia, qualquer hora. Deus abençoe Narcóticos Anônimos.
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Ela esbarrou em NA – literalmente – e encontrou esperança e liberdade. Para esta mulher
chilena, o equilíbrio emocional começa com a honestidade.

Restaurada à dignidade

A obsessão e a compulsão estavam presentes em minha vida antes de que eu começasse a


usar drogas. Do tempo em que eu era muito nova eu tinha um problema com a maneira com que
eu usava as coisas: o modo como comia, via TV, dormia, roia as unhas e exigia atenção dos
outros.
A história de minha família foi marcada pela guerra, conflitos armados e migrações.
Meus avós saíram da Polônia foram ao Chile, fugindo da Segunda Guerra Mundial. Eu nasci no
Chile no mesmo ano em que houve um golpe e minha mãe buscou asilo político no México, onde
cresci. Eu sempre me senti diferente; eu nunca fui capaz de determinar exatamente de onde eu
era ou aonde pertencia e tinha dificuldade em me identificar com outras pessoas. Eu não tinha
nenhum conceito de Deus, porque eu venho de uma família de esquerda que é profundamente
atéia. Eu vivia no isolamento.
Me sentia desesperada por pertencer, por ser aceita e ter amigos. Quando eu tinha dez
anos de idade, fui a uma festa onde havia drogas e eu fiquei doida pela primeira vez. Desmaiei e
dois homens me colocaram dentro de um saco de dormir e me chutaram até quase me matar. Eles
também estavam usando e acharam divertido machucar outra pessoa. Eu aceitei que ia sofrer o
que quer que fosse necessário para poder andar com pessoas que usassem drogas. Sentia que
tinha encontrado a chave para entrar nos mundos de outras pessoas. Às vezes, me pergunto como
pude ter pensado que eu podia controlar o meu uso. Desde a primeira vez foi um desastre.
Não sei dizer em que momento as drogas se tornaram a coisa mais importante na minha
vida. Mas o processo de degradação progrediu rapidamente. Eu não obedecia nenhuma regra.
Fugia constantemente de casa e aprendi a trocar sexo por drogas, abrigo, comida e proteção.
Honestamente, eu não sentia nada por ninguém. Mas as drogas... me faziam sentir algo. Nada
mais importava. Eu ainda era tímida e medrosa, mas enquanto eu pudesse ficar chapada, eu podia
me trancar no meu mundo onde nada podia me tocar. Eu não sabia que havia um Deus, mas eu
sabia que o inferno existia e que eu vivia nele. Causei danos a muitas pessoas, especialmente
àqueles que me amavam mais.
Eu me formei na escola somente através das bênçãos de meu Poder Superior.
Depois da formatura, fui trabalhar e descobri que ter dinheiro significava ter drogas e
isto, por sua vez, significava ter poder. Eu acreditava que eu tinha a minha vida sob controle. Se
eu tivesse drogas, eu podia comprar outras
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pessoas para que fizessem o que eu queria. Mas não havia drogas ou dinheiro o suficiente para
preencher o buraco que eu tinha dentro de mim.
Eu não conseguia me identificar com ninguém que não estivesse usando. Tive namorados
que não usavam. Eles eram homens bons e amorosos que queriam estar comigo. Mas eu os via
como inferiores, idiotas e chatos porque não usavam. Todos esses relacionamentos terminaram
rápido.
Logo eu voltai aos mesmos lugares, vendendo meu corpo, enganando e roubando para
continuar a usar. Eu fui presa. Tive brigas de rua e confrontos físicos com minha família.
Acordava na rua vestindo quase roupa nenhuma pois tinha rasgado ou perdido as roupas. Não
importava com quem eu usava; qualquer um que tivesse drogas podia ir para a cama comigo.
Depois de cada momento de crise eu me convencia de que não era tão ruim e que eu podia tentar
mais uma vez.
Quando eu não tinha drogas, eu destruía tudo à minha volta. Eu me cortava ou batia a
cabeça nas paredes e portas. Eu também batia em outras pessoas. Terminei sozinha, porque
ninguém agüentava ficar perto de mim. Havia buracos nas portas do meu apartamento de todas
as vezes que eu bati minha cabeça em desespero.
Minha vida era horrível. Eu tinha perdido qualquer tipo de esperança de que eu pudesse
mudar. Eu não tinha nenhuma idéia de que Narcóticos Anônimos existia. Eu acreditava que eu
tinha que continuar usando. Eu não imaginava que havia outras alternativas; nem minha família,
nem eu, podíamos pagar por um programa de tratamento.
Fui apresentada a Narcóticos Anônimos de uma maneira muito estranha, que me impediu
de fechar os olhos à minha própria vida. Encontrei NA em uma praia numa noite de Ano Novo.
Havia um grupo de adictos celebrando sua recuperação em volta de uma fogueira enquanto eu
estava louca atrás de drogas. Eu literalmente esbarrei neles! Eu estava tão doida que eu não
conseguia falar. Eu não tinha idéia de quem eram essas pessoas, mas eles pareciam tão felizes
que eu pensei que talvez tivessem boas drogas. Eu fiquei contente quando eles me convidaram
para sentar-me com eles. Pensei que eles iam me dar algo realmente potente e que eu ia ficar
mais chapada.
Em vez de me darem drogas, eles me trataram melhor do que qualquer pessoa tenha me
tratado antes. Eles não me pediram nada; só ficaram comigo e isso fez diferença. Esperaram
algumas horas até que eu conseguisse falar e me disseram: se você quiser, você pode ficar limpa,
só por hoje.
Eu não consigo explicar o que aconteceu naquele momento, mas passei meu primeiro dia
limpo com membros de NA naquela praia. Achei que eles eram engraçados e havia uns dois
garotos bonitos, mas lá no fundo eu não acreditava neles. Eu não conseguia acreditar que eu seria
capaz de ficar limpa.
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Entretanto, aquele dia passou e eu não usei. Quando voltei para a cidade eu tinha cinco dias
limpa – cinco dias que passei com membros de Narcóticos Anônimos que eu nunca tinha visto
antes. Assim que cheguei à minha casa eu soube que não ia conseguir ficar limpa sozinha. Corri
para uma reunião.
Quando cheguei à minha primeira reunião, eu estava suja, sozinha e com medo. Mas senti
o carinho e a preocupação dos membros que encontrei lá e eu queria mais. Aqueles dias que eu
tinha passado na praia foram sensacionais: ninguém tinha batido em mim ou me humilhado. Eu
não tinha feito nada de errado. Eu estava cansada de minha vida e de mim mesma e eu não tinha
nada a perder, então abri a porta.
Comecei a ir a reuniões todos os dias e fiquei limpa. Eu não sei exatamente porque eu
estava nas salas de NA ou porque eu continuei a voltar. Mas eu queria o que aquelas pessoas
tinham, o brilho nos olhos, os sorrisos, a luz indescritível que adictos em recuperação têm, que
me ajudou a me recuperar.
O que aconteceu comigo é, realmente, um milagre. Continuo limpa, desde aquele
primeiro encontro com NA em uma praia. Os anos se passaram e, agora, vivo com dignidade.
Meus primeiros meses limpa foram lindos, porque eu estava sendo cuidada. Espero que todos os
adictos buscando recuperação tenham a oportunidade de receber tanto amor e atenção quanto eu
recebi quando cheguei às reuniões, porque eu recebi justamente o que precisava e muito mais.
Eu segui sugestões quando cheguei a NA. Fui a noventa reuniões em noventa dias.
Encontrei uma madrinha e comecei a trabalhar o programa. Não foi tão difícil como pensei que
seria. Depois de um tempo, me sentia tão bem que pensei que poderia assistir a reuniões com
menos freqüência. Não é uma história nova; outros membros de NA partilharam experiências
parecidas. Meu processo de recuperação foi mais doloroso porque eu, muitas vezes, perdi a
disposição de mudar e meus defeitos de caráter governavam minha vida. Eu me apego a
ressentimentos, especialmente quando acho que eu tenho razão de ficar com raiva. Mas os
ressentimentos me machucam mais do que a qualquer outra pessoa e não me permitem ir adiante,
portanto, continuo tentando perdoar. Também preciso aprender a receber orientação, porque eu
ainda não reajo adequadamente quando alguém me dá uma sugestão. Eu nunca gostei de que me
dissessem o que fazer.
Mas o sentimento, que tenho quando estou com membros de NA, quando vou a reuniões
ou quando estou em uma convenção, é tal, que às vezes faço a coisa certa. Hoje, ficar limpa é a
coisa mais importante que posso fazer. Para conseguir isto, preciso dos Doze Passos, de uma
madrinha, de um Poder Superior e do serviço. Vivi muitas experiências ruins estando limpa,
porque eu sou teimosa. Tenho a tendência a dar prioridade a outras coisas, como o meu trabalho,
meu parceiro e diversões. Quando faço isto, minha vida
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torna-se um desastre. Não aprendo rápido, mas estou começando a compreender que, enquanto
eu cuidar da minha recuperação, todo o resto ficará melhor.
Hoje, Narcóticos Anônimos faz mais sentido para mim do que qualquer outra coisa.
Drogas, sexo ou dinheiro nunca me preencheram tanto quanto doar-me aos outros tem me
preenchido. Tenho um Poder Superior agora e isso me faz sentir mais tranqüila. Confio que, não
importa o que aconteça, eu não estarei sozinha. Hoje, todas as coisas estão mais equilibradas.
Sou muito dramática. Quando não consigo o que quero, sofro demais. Preciso aprender a
permitir que as coisas aconteçam, sempre fazendo o melhor que posso. Mas o vazio que sinto
hoje não é tão profundo quanto foi no passado. Não sou tão estável emocionalmente e, de vez em
quando, tenho pensamentos obsessivos. Ainda tenho muito trabalho pela frente. Mas nada se
compara com o pesadelo de usar. Sei que eu não tenho que fazer tempestade em copo d´água.
Há muito o que fazer pela irmandade em meu país. Hoje, tem mais reuniões do que
quando eu encontrei o programa, mas muitas pessoas ainda não sabem que Narcóticos Anônimos
existe aqui. Eu não sabia. Hoje, o meu comprometimento é fazer com que todos saibam que
existimos, porque eu não quero que adictos como eu acreditem que não é possível recuperar-se.
A vida como ela é tem seus altos e baixos. Pessoas que eu amava faleceram, passei por
um divórcio e perdi um emprego. Mas eu não me machuco mais da maneira que eu fazia quando
estava usando. Eu não me corto mais e não bato mais com a minha cabeça. Vocês me ensinaram
que, hoje, não há razão para usar de novo.
Eu quero estar aqui e ser parte de tudo isto. Sentir que pertenço a esta irmandade tem sido
fundamental para me manter limpa. Houve um tempo em que pensei que se eu sobrevivesse ao
meu aniversário de trinta anos, que eu me mataria. Todos os meus ídolos eram músicos e artistas
que morreram jovens de overdose. Hoje, tenho trinta e dois anos de idade e amo estar viva. A
melhor experiência de minha vida tem sido ver como os olhos de um adicto que inicia sua
recuperação não têm mais aquele olhar de morte que tinham antes. Ver este despertar vale mais
do que qualquer outra coisa. Obrigada, para sempre e em todos os tempos, por abrir a porta da
vida para mim.
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Um conjunto de más decisões levaram, por fim, esta adicta a recair com treze anos limpa. Foi
uma estrada difícil de volta à recuperação, mas NA amou-a até que ela pode amá-la a si mesma.

Uma segunda chance

Sentada na beira do sofá com minha cabeça entre as mãos, eu me sentia totalmente
transtornada. Estava chorando, mas não sentia lágrimas, gritava, mas não havia som nenhum e eu
estava vendo meu marido de doze anos andar de um lado para o outro da casa como um animal
enjaulado. Eu estava nervosa demais para falar com ele e com medo de não fazer isto. Nossos
amigos de NA de todo o país mantinham o telefone ocupado. Todos eles tinham sugestões e
idéias. Havia muitos sussurros; planos sendo feitos. Toda a minha vida estava em completa e
total insanidade. Isto tudo parecia tão surreal; algumas semanas antes, em meu grupo de escolha
de NA, eu tinha pegado meu medalhão de treze anos e, aquele dia, me sentei no meu sofá...
recém-chegada. Hoje, eu sei que a recaída tinha começado muito antes disso.
Ao longo dos anos eu tenho ouvido muitos adictos dizerem, “um pensamento ruim e uma
ação ruim podem levar à recaída”. Para mim, na época, não era o pensamento, porque eu não
pensei; eu não tive nenhum pensamento qualquer que seja. Para mim, foi tudo uma questão de
ações ruins. Eu estava em meu escritório, sentada na mesa de meu sócio nos negócios e, dentro
de uma gaveta aberta só um pouco, vi uma pilha de cristal de metanfetamina. Coloquei minha
mão na gaveta, tirei aquilo, brinquei com ela um pouco e cheirei. Ponto. Certamente eu queria ter
pensado alguma coisa, qualquer coisa; mas não pensei... Eu tinha parado de pensar bem antes de
estar de frente com a oportunidade de fazer essa “uma ação ruim”.
Hoje, sei que muitos fatores tomaram parte em minha recaída. Eu ia muito pouco a
reuniões, quase nenhuma. Eu não estava tendo contato com companheiros adictos e tinha
mantido um ressentimento egocêntrico com minha madrinha, que nos separou por um ano
inteiro. A lista poderia continuar indefinidamente: desonestidade, complacência, ganância,
arrogância, julgamento.
Por um longo tempo eu tinha me sentido imune à recaída e tinha uma atitude de “sou
melhor”. Quando fiquei limpa pela primeira vez, eu me considerava uma adicta com um “fundo-
de-poço-não-tão-fundo”. Claro, usei muitas drogas diferentes, quase qualquer coisa que pude
colocar minhas mãos, mas cocaína e maconha eram minhas drogas de escolha. Eu era uma garota
de classe-média que virava o nariz para as drogas “sujas” como a metanfetamina ou o crack. A
progressão da minha doença, por todos esses anos limpa, é difícil de acreditar. Quando recaí,
usei como se não houvesse amanhã, como se não houvesse preço a pagar. Inconseqüentemente
despedacei as vidas daqueles que me amavam. Quanto maior a dor, mais eu usava,
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sem nenhum pensamento sobre viver ou morrer. Do dia para a noite, minha adicção, mais uma
vez, me manteve prisioneira. Eu comecei a espremer a pele da minha cara e a arrancar pedaços
de carne de meu corpo desde o primeiro dia! Continuei a acreditar que eu estava infestada de
bichinhos por um bom tempo. Eu estava fisgada e, mesmo continuando a usar, as drogas não me
davam mais onda. Eu só continuava a ficar mais e mais mental, física, emocional e
espiritualmente desligada. Sabia que tinha soltado um monstro grande. Eu me lembro de me
sentir tão presa – pelos pensamentos em minha cabeça cheia de Narcóticos Anônimos e por meu
corpo cheio de drogas.
Quando ouvi a voz de minha madrinha ao telefone, o ressentimento que tinha nos
separado por tanto tempo desapareceu. Eu realmente me senti confortada pelo som de sua voz.
As palavras dela me levaram a um lugar seguro e vulnerável onde eu não tinha estado por algum
tempo. Mas elas também confirmaram, para mim, que eu tinha me colocado em um pesadelo
real, um pesadelo que nem ela, nem ninguém, podia consertar para mim. A rendição estava
longe.
O último lugar mesmo que eu ia querer ir era para tratamento, por causa de todo o meu
julgamento sobre tratamento que eu tinha tido no passado. Eu sabia que quando minha madrinha
e outros amigos de NA começassem a sugerir isto, que era exatamente para lá que eu ia. Em um
momento de clareza, admiti que eu não queria me tornar uma estatística de “prisões, instituições
e morte”. Eu sabia que eu estava com problemas sérios. Em vez de me sentir grata de que eu
tinha uma nova oportunidade para ficar limpa, eu tinha raiva, mágoa, medo e estava doida de
paranóia. Eu tinha vivido o milagre do programa por treze anos e, agora, eu me sentia uma
extraterrestre. Parecia que eu não me encaixava em lugar nenhum, nem em NA e, com certeza,
nem nas ruas. Eu não fiquei limpa. Eu estava mentalmente instável e era um perigo para mim e
também para os outros. Eu continuei lutando contra o processo como um soldado na guerra. Eu
saí do prédio da internação com um papel de dispensa, mesmo sendo a saída contra os conselhos
da minha terapeuta. Eu estava tão crua e completamente cheia de ira. Infelizmente para mim,
foram necessárias três viagens para tratamento para, finalmente, “entender”.
Sair das drogas não foi fácil, mas era a parte mais fácil. Minha dor, vergonha, culpa e
confusão completa eram demais para agüentar. Em vez de telefonar para minha madrinha ou
para o sistema de apoio, fugi... de tudo e de todos. Fui de cidade em cidade. Terminei na minha
cidade de nascença e dei entrada em mais um centro de tratamento. Finalmente percebi que eu
era o problema. Fui ao seu programa de ambulatório por apenas três dias, mas continuei a ir ao
especialista em adicção deles por mais um ano. Ele me testava regularmente e tinha uma
orientação muito NA. Eu precisava deste tipo de compromisso. Eu era tão imprevisível. Não
confiava em nada, muito menos em mim mesma.
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Grande parte de minha recaída é turva para mim. Não tenho lembrança nenhuma da
última vez que usei antes de ir para tratamento, mas eu nunca, nunca mais vou me esquecer de
voltar a entrar pelas portas de NA. Eu estava aterrorizada. Fiquei sentada naquela primeira
reunião querendo ficar chapada e fugir. Suava. Eu tremia e parecia que ia ficar enjoada. Achava
que eu não tinha o que era necessário ter para fazer todo esse negócio de recuperação de novo.
Realmente acreditava que eu era só uma “coisa do passado”. Minha madrinha me sugeriu que
partilhasse na próxima reunião que eu fosse. A única coisa que eu disse foi o meu nome e que eu
tinha recaído com treze anos limpa. Eu nunca tive uma experiência igual a daquela noite.
Esperava julgamento e crítica, mas na verdade fui recebida com nada além de amor. Fui
abraçada pelos adictos naquela sala. Cheguei à reunião me sentindo sem esperança e saí de lá
sentindo que eu também tinha uma chance de lutar.
Desta vez, eu tinha que fazer tudo diferente. Por muito tempo eu me sentia como se eu
nunca mais fosse ser “normal” de novo e, mesmo tropeçando nos meus próprios pés ao longo do
caminho, continuei tentando. Por mais que eu adoraria dizer que eu estava grata por naquele
momento por estar limpa e que nada mais importava, não consigo dizer isso. Por muito tempo,
fiquei presa no lugar do “como eu costumava ser ou como minha aparência era”. A maior parte
da minha “vida limpa” antes de recair era algo lindo. Eu tinha alguns bons amigos, uma família
bacana e um casamento dedicado. Depois de usar, tudo, cada aspecto de minha vida, mudou.
Meus amigos e família estavam aterrorizados pela perspectiva de que eu ia acabar morrendo e o
meu casamento, por assim dizer, estava nas últimas. Eu estava tão sufocada por sentimentos que
pensei que eu ia simplesmente morrer.
Anestesiar esses sentimentos parecia ser uma opção por muito, muito tempo. Foi somente
quando comecei novamente a escrever os passos, a ser honesta com minha madrinha e a partilhar
nas reuniões que minha maneira de pensar começou a se modificar. Quanto mais reuniões eu ia,
melhor me sentia. Tive que perceber que o que eu fiz comigo mesma era um trauma para o meu
corpo e a minha mente. Eu tive que desistir de brigar com o processo de luto que era necessário
para que eu começasse a sarar, a confiar e a mudar. Foi necessário que eu chorasse a perda da
mulher que eu fui um dia, da vida que eu levei um dia e do casamento que meu marido e eu
trabalhamos tanto para construir, para que eu aceitasse a mulher que eu estava me tornando e
para construir uma nova vida para mim. Aprendi a ser gentil comigo mesma, do jeito que eu
seria com qualquer recém-chegado.
O conhecimento que eu acumulara nos primeiros treze anos tinha que ser colocado de
lado para que eu pudesse me tornar capaz de aprender. Tive que aprender a dádiva da humildade
e da vulnerabilidade. Aprendi a ser honesta comigo mesma assim como com os outros, não
importando a vergonha que eu sentisse. Aprendi como pedir ajuda e aceitá-la quando me era oferecida. Os
dias de pensar que as reuniões eram um encontro social
79
ou um desfile de moda acabaram. Para mim, as reuniões eram essenciais para me manter limpa;
era esse o negócio. Eu estava aqui, desta vez, para salvar a minha vida.
Hoje, olhando para trás, parece que aquele período da minha vida foi a muito tempo atrás.
Eu me lembro de me ajoelhar, rezando para que meu Poder Superior removesse a obsessão e
implorando por um coração tranqüilo e por paz na minha mente. O desespero que senti durante
aquele período simplesmente me faz estremecer. Além de ficar limpa, eu só queria me sentir
confortável na minha própria pele e não ser tomada pelo pesadelo de pensamentos e sonhos de
uso. Hoje, estou a mundos de distância daquela mulher que deu entrada em tratamento há mais
de sete anos atrás. Eu me sinto confortável na minha própria pele e, melhor de tudo, eu tenho
coração e mente tranqüilos. Sou extremamente grata ao meu Poder Superior, à minha madrinha e
a todas as pessoas que ajudaram a me guiar de volta à qualidade de vida que eu voltei a viver.
Tenho uma compaixão profunda pelo adicto que ainda sofre, seja o adicto que está sentado nas
salas de Narcóticos Anônimos, o adicto que ainda vai encontrar o caminho para as salas ou,
especialmente, o adicto que saiu e ainda precisa encontrar o seu caminho de volta.
Só posso rezar para que eu nunca deixe a memória da dor que foi voltar para o programa
se esvanecer e me lembrar, sempre, que eu fui amada de volta, e não julgada de volta. Eu quero
me lembrar sempre para que eu possa estender o mesmo respeito a outro adicto. Eu tenho tanto,
hoje, mas, honestamente, nada disso seria possível sem muito trabalho de base pesado. Tive que
começar por me perdoar por desrespeitar o próprio programa que salvou minha vida da primeira
vez há vinte e um anos atrás, por desrespeitar meu casamento que tinha começado em
recuperação e, por último, mas não menos importante, por me desrespeitar ao voltar a uma vida
de drogas e doença.
Hoje, não vivo mais envergonhada com o que aconteceu, mas aprendi com meus erros.
Partilho honesta e abertamente com outros adictos. Eu daria qualquer coisa, e daria tudo sob o
sol, para ter tido um curso de vida diferente mas, porque eu não posso, preciso aceitar a
responsabilidade pelas minhas próprias ações e crescer com isso. Hoje, acredito que se eu nunca
tivesse recaído, eu teria vinte e um anos de abstinência e mais nada; mas, afortunadamente, eu
tenho sete anos e meio limpa com toneladas de coração e alma, dedicação e um amor que eu
dificilmente consigo expressar em palavras. Com a ajuda de outros, dos Doze Passos e dos
princípios deste programa, meu casamento foi salvo. Eu ganhei a confiança da minha família e
amigos novamente. Não sou mais uma forasteira olhando para dentro; sou parte. Foi uma longa
estrada de volta, mas acredito que sou uma das pessoas de sorte.
80

Este adicto encontrou um lar em sua primeiríssima reunião. Ele fez o que foi sugerido e não
voltou a usar desde então.

Um novo começo

Quando assisti a minha primeira reunião de NA, esperava algo completamente diferente.
Eu imaginava que “anônimo” significava que não podíamos ver uns aos outros. Pensei que,
talvez, seria como nas notícias da TV quando mostram uma testemunha em silhueta sombreada,
com efeitos de voz esquisitos. Para mim, isto é o que significava “anônimo”. Achava que o tema
da reunião seria como sair da droga. Você sabe... “beba chá”, “tome banhos quentes”, o tipo de
coisa que meus colegas de uso me diziam quando falávamos em abstinência. Mas quando entrei
na reunião estava claro como o dia e um pessoal com aparência normal estavam por ali de pé
tomando café e fumando cigarros. Definitivamente, eles não pareciam com o que eu tinha em
mente quando pensava em adictos a drogas.
Eu não pensava no que era um adicto, mesmo sabendo que eu tinha um sério problema
com drogas. Afinal, adictos dormiam debaixo das pontes e não conseguiam manter empregos e
eles nunca poderiam ter se formado em uma universidade com notas altas como eu tinha feito no
ano anterior. É claro, eu estava trabalhando em meio expediente em uma loja de vídeo porque eu
não tinha realmente “ajeitado as coisas ainda”, mas, mesmo assim, eu achava que era diferente
do que aquilo que eu imaginava ser um adicto. Eu só tinha um problema com drogas. Eu não
tinha certeza de que este seria o lugar certo para mim, mas esperava que esse pessoal me dissesse
como sair das drogas com pouca dor e pouca bagunça e, talvez, até me ajudar a entender porque
eu continuava me chapando mesmo depois de ter parado por um tempo.
A reunião começou e eles iniciaram as leituras. Sentei e escutei. Era como ouvir alguém
inspecionar toda a minha experiência e explicar aquilo que nunca tinha feito sentido. Quando
alguém leu “uma é demais e mil não bastam”, eu me endireitei na cadeira e olhei em volta. UAU.
Aquela tinha sido a primeira vez que eu tinha ouvido aquele conceito, mesmo tendo vivido isso
pelos últimos treze anos. Eles pareciam ter uma compreensão de minha vida que eu mesmo não
possuía.
Então eles começaram a partilhar. Eu me lembro de uma pessoa chorar a morte de um
amigo e eu estava realmente surpreso com a emoção crua e com a honestidade. Eu não tinha
visto muito disto no meu mundo. Ouvi pessoas falar sobre os seus problemas “vivendo a vida do
jeito que ela é” e tendo um grande ego e baixa auto-estima. Muitos falaram sobre problemas nos
seus relacionamentos com empregadores, entes queridos ou pais. Lembro-me claramente de
pensar “Cara, que bom que eu não estou tão ferrado
81
quanto essas pessoas – eu só tenho um problema com drogas”. Eu fiquei desapontado que
ninguém tenha me dado uma receita de como ficar limpo. Eles só diziam que se eu não usasse no
período entre as reuniões, eu não ia ficar chapado. Hummm... isso podia ser fácil para eles, mas
eu era um bicho diferente. Eu era um drogado, mesmo eu tendo sido altamente funcional e não
tendo perdido tudo. Eu sabia que não podia ser tão simples assim.
Ao final da reunião, ficamos em círculo e eu me vi entre dois caras grandes que tinham,
ambos, seus braços em meus ombros. Eu estava claramente desconfortável. Todos dissemos a
Oração da Serenidade. Eu meio que murmurei junto, mas pensei, “iiih...”. Ali estava – a coisa
religiosa. Eu sou um agnóstico devotado. Claro, ouvi coisas legais, mas eu queria sair de lá o
mais rápido possível. Talvez estas pessoas saibam como não usar, mas se ficar limpo significar
passar a ser religioso, eu ia encontrar outra maneira.
Eles me deram um Livreto Branco, então, decidi ir para casa, tomar um porre para tirar a
rebarba e ler sobre como essa coisa funcionava. Foi quando um dos caras se aproximou de mim.
Ele se apresentou e me disse aquilo que eu precisava ouvir, aquilo que mudou minha vida. Ele
explicou que ele era um adicto, mas que ele não podia beber. Se ele bebesse, ele disse que
voltaria direto para sua droga de preferência. “Afinal”, ele disse, “o álcool é uma droga”. Isto não
era o que eu queria ou esperava ouvir. Primeiro, ninguém me explicou como parar sem sentir
dores e, agora, isto! Eu não tinha ido àquela primeira reunião de NA com um desejo de ficar
limpo; eu só procurava uma maneira de fazer a dor parar. Eu achei que isso significava diminuir
certas drogas e usar só o álcool – e algumas outras coisas que eu considerava “drogas sociais”.
Em vez disto, descobri, naquela primeira reunião, que este era um programa de abstinência
completa de todas as drogas. Durante a reunião, ouvi alguns caras dizerem que eles eram adictos,
e outros disseram que eram adictos e alcoólatras. Eu pensei que eu podia ser um adicto, mas eu,
certamente, não era um alcoólatra. Eu nunca cheguei a ficar com problemas sérios por estar
bêbado... pelo menos nada fora do normal. Mas o que aquele homem disse chacoalhava na minha
cabeça por todo o caminho para casa.
Quando cheguei lá, sentei na poltrona reclinável, puxei o Livreto Branco e li de ponta a
ponta. À medida que lia, um sentimento de esperança começou a me invadir. No início era algo
sutil mas, quanto mais eu lia, mais crescia. Antes de ir à reunião, de alguma maneira eu sabia que
eu precisava parar de usar minha droga de escolha mas, ao ler o Livreto Branco, comecei a
perceber que se eu não tomasse aquele drinque nesta noite, eu tinha uma chance de ter um novo
começo. Eu não conseguia pensar em “nunca mais usar”, mas se eu só não usasse nesta noite,
então eu tinha uma chance de começar a minha vida de novo.
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Pelo que eu me lembre, isso era algo que sempre quis. Ao escrever isto, estou em meu décimo-
nono ano limpo em Narcóticos Anônimos. Desde aquela minha primeira reunião que não uso.
Na minha segunda noite limpo, passei por toda minha agenda de telefones e liguei para
todo mundo de quem eu comprava, a quem vendia ou com quem eu andava. Disse a eles que
estava indo a reuniões de Narcóticos Anônimos e que eu não podia mais vê-los “por um tempo”.
Fiquei surpreso em ver que nenhum deles tentou me convencer do contrário, mas era como se
eles estivessem com medo de pegar o que quer que eu tivesse. Isto acabou sendo uma grande
decisão, pois não tinha mais ninguém aparecendo para me lembrar do estilo de vida que eu
estava deixando para trás. Eu também deixei um grande vazio em minha vida. A coisa mais
difícil no início da recuperação foi aprender a lidar com a solidão. Eu tinha de encontrar uma
maneira de preencher o vazio com algo de positivo. Ia às reuniões todos os dias, lia o Texto
Básico e tudo o mais que eu arranjasse, arrumei um encargo de serviço e um padrinho e escolhi
um grupo de escolha. Rapidamente aprendi que este não é um programa religioso. Meu primeiro
padrinho era ateu e o programa funcionava tão bem para ele quanto para o resto de nós. Ele ainda
está limpo hoje e continua funcionando para ele.
Eu tinha quatorze dias limpo quando minha namorada saiu de tratamento antes de
terminar. Eu estava tentando ver cada decisão que eu tomava ao longo do dia em termos de se
iria tornar manter-me limpo mais fácil ou não. Eu sabia que ficar naquele relacionamento não ia
tornar a minha recuperação mais fácil. Eu precisava manter o foco em mim mesmo e em minha
recuperação e não ia ter a capacidade de fazer isto se eu estivesse tendo que convencê-la de que
manter-se limpa era importante. Então, arrumei todas as minhas coisas naquela tarde e me mudei
de volta para a casa de minha mãe.
Eu tinha que aprender como ter relacionamentos com pessoas que não fossem
relacionamentos sobre drogas. Uma das coisas mais amedrontadoras era ir com as pessoas do
meu grupo de escolha para tomar um café depois de uma reunião. Eu me sentia como se eu não
tivesse nada a oferecer e que eu estava só ocupando espaço, mas eles me aceitaram como eu era,
sem expectativas. Eu pude relaxar e me divertir um pouco. Comecei a fazer amigos na
irmandade. Trabalhei os passos, fui a reuniões, me envolvi em serviço, encontrei um trabalho
novo e reiniciei minha vida novamente.
Hoje, o relacionamento que tenho comigo mesmo é de um jeito que eu nunca soube que
era isto que eu sentia falta. Tenho integridade, auto-respeito e auto-estima. Aceitei a mim mesmo
e aos outros em um nível mais profundo do que eu jamais achei possível. Tenho amizades reais
com pessoas com quem me importo. Sei que eles se importam comigo e não com as drogas ou
brinquedos que eu tenho. Tenho relacionamentos íntimos baseados em respeito mútuo, amizade e amor
com a minha família e minha parceira. Continuo muito envolvido com meu grupo de escolha e com o
serviço de H&I. Tenho uma carreira que é desafiadora e compensadora. Sou um
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membro responsável, confiável e respeitado em minha comunidade. Tenho sonhos hoje e, hoje,
vivo esses sonhos. Esta vida incrível que tenho é um resultado direto de ter assistido àquela
primeira reunião e ter ouvido a mensagem de Narcóticos Anônimos nas leituras e partilhas: que
qualquer adicto pode ficar limpo, perder o desejo de usar e encontrar uma nova maneira de viver.
Eu encontrei essa maneira e, enquanto eu seguir este caminho, não terei nada a temer.
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Esta história de nossa Primeira Edição, editada para inclusão aqui, nos conta de um membro
que encontrou liberdade enquanto cumpria tempo através da Irmandade de Narcóticos
Anônimos.

Prisões, instituições e recuperação

Cheguei a Narcóticos Anônimos pela primeira vez em uma prisão do estado. Era a minha
terceira pena na prisão em um período de sete anos, com apenas alguns meses por vez nas ruas.
Uma noite, ouvi que estava acontecendo uma reunião que tinha alguma coisa a ver com
drogas. Decidi conferir. Seria algo que me manteria fora da cela por um tempo.
Eu me lembro de como estava confuso ao sair daquela primeira reunião. De volta à cela,
fiquei remoendo todos aqueles anos entrando e saindo de cadeias e todas as coisas pelas quais
passei só para ficar chapado. Mais que tudo, percebi o quanto estava cansado de viver este tipo
de vida. Este grupo chamado Narcóticos Anônimos parecia ser um pouco demais para mim.
Disse a mim mesmo que eu não era um drogado viciado, só um cara que gostava de ficar doidão
todo dia e um ladrão que não conseguia se manter fora da cadeia. Mesmo não vendo NA como
solução para a minha loucura, ouvi algumas coisas com as quais me identifiquei, então continuei
voltando. Ouvi as pessoas em NA dizerem que eles não usavam mais, nem mesmo erva. Eu
escutei. Com certeza eu queria parar todas as situações insanas em minha vida, mas eu não
pensava em largar todas as drogas para fazer isso. Eu pensava que eu precisava aprender a lidar
melhor com as drogas.
Alguns membros de NA que vinham à prisão para partilhar nestas reuniões tinham sido
internos. Eles atribuíam a mudança em suas vidas ao apoio de Narcóticos Anônimos: um adicto
partilhando e ajudando outro adicto. Gostei de ouvir estas pessoas contarem como tinha sido e
como está sendo hoje – logo senti uma semelhança com a dor pela qual todos nós tínhamos
passado. Comecei a respeitar estas pessoas em NA que falavam sobre como encontraram uma
maneira de viver sem as drogas, o álcool e as cadeias.
Continuei a me endoidar na instituição enquanto assistia às reuniões de NA regularmente.
Os membros me diziam para continuar voltando, aconteça o que acontecer, então continuei. Com
certeza era bem melhor do que a conversa no pátio.
Logo, fui transferido para pré-soltura para uma prisão de segurança mais reduzida. Ao
arrumar minhas propriedades para esta transferência, me lembrei de quanta confusão eu tinha me
metido naquela instituição, só para usar drogas. Lá, o Homem me conhecia e eu estava bastante
nervoso só de pensar em ser observado a partir do momento em que descesse do ônibus. Eu já
estava pensando em ficar chapado assim que pudesse e endureci por dentro, de medo, sabendo o
que ia acontecer se eu fosse pego novamente.
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Fumei um baseado naquela manhã antes da longa viagem de ônibus. Eu não sabia na
hora, mas era o meu último. Eu estava cansado desta droga e da vida institucionalizada mas,
naquele momento, acho que eu não estava cansado o bastante, porque eu ainda estava usando
enquanto ia às reuniões. Eu tinha uma decisão a tomar naquela viagem de ônibus. A decisão que
fiz naquele dia foi mais por medo e por algumas coisas que ouvi naquelas primeiras reuniões de
NA.
Lembro-me de estar naquele ônibus, algemas e correntes presas à minha cintura e pés,
olhando desconfortável para o guarda atrás da grade com uma espingarda. Olhando pela janela
enquanto os quilômetros de liberdade passavam por mim, me perguntava porque eu não podia
fazer parte daquele mundo. Ficar doidão não parecia mais certo, mas pensar em não usar nada
certamente parecia estranho. Mais tarde, aprendi que era mais fácil fazer isso um dia de cada vez.
Ao chegar àquela prisão, fui encontrado por um interno que era um membro de NA. Eu
conhecia ele das reuniões que nós dois assistíamos na outra cadeia. Ver a sua cara foi realmente
algo que fez diferença. Eu sabia que ia ter o apoio que iria me ajudar a conseguir. Continuei na
irmandade nesta prisão e me tornei ativo no serviço na instituição.
Durante os últimos seis meses de minha pena, eu acordava de manhã e dizia “Só por hoje,
eu não vou usar nada”. Desta vez, comecei a ir às reuniões limpo e alguma coisa aconteceu. O
programa começou a funcionar. Andava com pessoas de NA na instituição para me manter
afastado da tentação. Havia muitas oportunidades, então não foi fácil, mas eu tinha o apoio da
Irmandade de NA. Uma vez, fui levado para fora para assistir a uma reunião de NA de fora, o
que fez com que eu quisesse ainda mais a irmandade no lado de fora.
Eu também estava começando a entender o que se importar significava: Ajudando uns
aos outros, nós conseguimos. A única pessoa que realmente me entendia era outro adicto. E a
única pessoa que podia ajudar era um adicto limpo.
Eu estava tão orgulhoso de ficar de pé diante do grupo na prisão e anunciar que tinha
noventa dias limpo! Sentir orgulho não fazia parte da minha vida antes de NA. Era um alívio e
tanto, não ter que fazer de tudo para conseguir ficar doido. Eu nunca tinha cumprido tempo assim
e, com certeza, me fez sentir ótimo.
Eu tomei a segunda decisão mais importante que de toda a minha vida através dos
conselhos que os membros de NA me deram. Esta decisão era de ter alguém de NA no portão
para me pegar quando eu fosse solto. Quando volto às prisões, hoje, para levar a mensagem,
sugiro aos internos que tenham um membro de NA no portão quando saiam. Ouvi tantos
dizerem, “Ah, eu vou
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lá conferir, mas tenho que fazer isso primeiro, ou ir para aquele outro lugar primeiro”. Não se
iluda, se você é um adicto como eu, você pode morrer antes.
Aquele primeiro dia fora foi tão correto. Fui levado a uma casa onde membros de NA
estavam me esperando. Um membro de deu um caderno de endereços novo com números de
telefone anotados e disse “me dê o seu caderno de endereços antigo. Você não precisa mais dos
seus contatos”. Outro membro me deu algumas roupas. Eu fui a um monte de reuniões naquele
dia e, certamente, recebi o amor e o carinho de que precisava, o que pareceu compensar por toda
a atenção que fez falta enquanto eu estava trancado ao longo dos anos.
Recentemente, pude ficar diante de um juiz da corte superior para receber meu certificado
de reabilitação. Eu nunca pensei que iria ficar diante de um juiz por esta razão. Sou tão grato,
hoje, que eu pude ir além da irmandade para buscar o apoio de que eu preciso – eu quero dizer
um Deus que posso compreender e falar com Ele quando eu preciso de uma Força Superior, o
Deus que encontrei em Narcóticos Anônimos.
Se você está em uma cela lendo isto, minha mensagem é para você. Se você está
pensando se as drogas ou a birita estão estragando a sua vida, descubra onde tem uma reunião de
NA em sua instituição e confira. Você pode estar salvando a sua própria vida e pode aprender
uma maneira melhor. Se um adicto pode conseguir, o outro também pode. Ajudamos uns aos
outros em Narcóticos Anônimos.
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Quando NA iniciou no Japão, mesmo membros não acreditavam que uma vida normal seria
possível para uma mulher em recuperação. À medida que a irmandade amadureceu, mulheres
partilhando sua experiência em reuniões mudaram suas vidas e sua cultura.

O que me faz feliz agora

Eu tinha vinte e sete anos quando fiquei limpo. Antes de ficar limpo, parecia que quase
não havia nenhuma mulher no Japão que fosse adicta a drogas. Parecia que eu estava sozinha.
Ninguém na minha família sabia nada sobre adicção e ninguém à minha volta falava sobre o
assunto. Companheiras de NA são muito especiais para mim porque quando eu fiquei limpa eu
era a única. Foi-me dito que se você tiver um problema de adicção igual ao meu, você deveria
evitar ter filhos. A irmandade pensava que se eu tivesse um bebê deixaria de vir às reuniões.
Ninguém tinha qualquer experiência para partilhar sobre ter filhos em recuperação. Agora, sei
que minha recuperação não é a curto prazo – este é um programa para a vida toda. Pode haver
períodos em que eu não posso ir às reuniões. Não preciso ser tão rigorosa. Mas, naquela época,
nós pensávamos que, se você não puder ir todos os dias à reunião, você ia voltar a usar. Não
tínhamos história ou experiência. É impossível ir a reuniões logo depois de ter um bebê. Se você
disser às mulheres que vêm a NA que elas precisam ser assim tão rigorosas, não haverá nenhuma
vida para mulheres em NA.
Levou dez anos para que eu percebesse que eu podia participar de NA e viver uma vida
normal. Nesses primeiros dez anos de NA, membros de NA iam a reuniões de AA também e
membros das duas irmandades, incluindo minha madrinha de AA, costumavam me dizer “como
você ousa em se casar e ter filhos antes de ficar bem”. Mas percebi que aqueles membros mais
antigos não tinham modelos de recuperação para eles mesmos. Agora, meu filho está com
quatorze anos. Ele foi o primeiro filho que nasceu do casal ativo do programa de NA no Japão.
Todo mundo acompanhou seu crescimento. Todo mundo dizia que meu marido e eu íamos nos
divorciar a qualquer momento. Já estamos juntos há dezenove anos. Nossa vida é simplesmente
uma vida normal.
Quando ingressei em NA há vinte e dois anos atrás, havia apenas uns dez membros. Os
sete de nós em Tóquio pegávamos o trem-bala para visitar os três membros de Osaka. Toda vez
que chegávamos lá, falávamos sobre como divulgar a mensagem de NA. Nos primeiros cinco
anos havia quase nenhum crescimento na irmandade. Tínhamos que procurar por recém-
chegados. Quando ouvíamos falar de que havia um adicto em uma instituição psiquiátrica em um
lugar longe, íamos lá e falávamos por entre as grades. Estávamos fazendo H&I e IP
regularmente, mas não tínhamos contatos com médicos. Meu
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marido fazia uma viagem, simplesmente entrava numa instituição psiquiátrica e perguntava se
havia algum adicto lá. Ele ia para cidadezinhas muito pequenas nas montanhas e falava com os
adictos em instituições, falava mesmo com aqueles que não tinham intenção de parar. De vez em
quando, um hospital pedia para que voltássemos para conversar com os adictos de lá. Pegávamos
o trem-bala só para ir ver apenas um adicto. Para nós, era muito importante continuar fazendo
isto. Eu ia assistir TV junto com mulheres adictas em instituições psiquiátricas. Qualquer coisa.
Como membros de NA, o que realmente precisávamos era de mais membros.
Porque havia tão poucos de nós, eu sentia muita pressão para ser a companheira de NA
perfeita. Um membro perfeito de NA vai a reuniões regularmente e ir a reuniões, às vezes, se
você é uma mulher, pode ser realmente assustador. NA estava onde estavam as pessoas jovens –
garotos com quinze ou dezesseis anos que usavam thinner de tinta – e Yakuzas mais velhos
(Yakuza é a máfia japonesa). Nenhum Yakusa vende metanfetamina para alguém de fora do seu
mundo – seria como vender para amadores. Quando eu era nova em NA, eu não queria ser vista
junto com os Yakuza – tatuagens por todo o corpo, institucionalizados por anos, tão velhos e
quebrados. E, é claro, você podia logo ver que eles eram Yakuza por causa de suas camisetas
transparentes para mostrar as tatuagens e por seus sapatos de couro de lagarto. Quando a mãe de
um de nossos companheiros estava morrendo, eles pensaram que se eles dessem um pico de
metanfetamina nela, que isso ia traze-la de volta à vida. Levou muitos anos para que esses
companheiros aprendessem a deixarem de ser aquilo que eles eram. Companheiros com essa
história de vida tinham que perceber que ser um chefão da Yakuza era diferente de ser um
padrinho.
Quando meu filho nasceu, tive dificuldades porque eu ficava em casa cuidando dele e eu
achava que não podia ter uma boa conexão com o programa. Meu marido estava sempre ocupado
e, assim, eu nunca era uma companheira de NA perfeita porque eu não podia ir às reuniões
sempre. Em vez disso, o que eu fiz, nos meus primeiros dez anos limpa, mais ou menos, foi
atender telefonemas de membros de NA em casa. Todo mundo em NA sabia o nosso número de
telefone de casa, então era como se fosse uma linha de ajuda. Normalmente, meus dias eram
tomar conta do meu filho e atender telefonemas para dar o endereço das reuniões. Agora, sei que
há tantas maneiras diferentes de servir o programa. Mesmo não podendo ir às reuniões sempre,
eu ainda assim levava a mensagem.
Durante estes tempos difíceis, arranjei uma nova madrinha. Ela me apoiava muito me
dizendo, “eu sinto orgulho de você. Você está fazendo o melhor que pode. Você não precisa se
culpar por não ir a reuniões”. Encontrei esta madrinha maravilhosa em Los Angeles. Não havia
muitos membros de NA com experiência
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no Japão, então foi preciso que fôssemos ao Havaí e a Los Angeles para encontrar membros que
pudessem partilhar conhecimento sobre o programa.
Eu tinha encontrado um grupo de mães na creche e nós ajudávamos umas às outras uma
cuidando do filho da outra. O problema era que cada vez que eu ia a uma reunião de NA, eu era
obrigada a ficar ainda mais tempo cuidando dos bebês delas. Eu também achava que os eventos
de NA tinham mais prioridade do que os eventos dos meus filhos na escola. Meu filho sempre
estava envolvido com NA e ele não tinha muita ligação com outros garotos. Eu pensava que
colocar NA em primeiro lugar, dessa maneira, era fazer o melhor, mas, hoje, penso diferente. NA
é tão importante quanto as outras prioridades que eu tenho. Trabalhar os Doze Passos é a coisa
mais importante – enquanto eu trabalhar os Doze Passos, posso priorizar minha vida de qualquer
maneira que eu quiser.
Recentemente, perdi uma quantia alta de dinheiro em meus negócios. Foi um dos piores
momentos que passei e eu não sabia como superar. Eu tinha algo em que eu acreditava e, mesmo
isso, começou a se despedaçar. Comecei a perder a confiança em mim mesma. Por causa dessa
dificuldade e da minha perda de auto-confiança, comecei a trabalhar os Passos Seis e Sete.
Depois que comecei a ver os meus próprios defeitos, o peso da pressão que eu sentia começou a
ser aliviado. Seis meses depois, eu considerava a idéia de partilhar minha história e de descrever
o que me fazia sentir feliz. O que me faz sentir feliz é que, bem no meio desse momento
realmente difícil, dessa dificuldade, percebi que eu sou uma companheira de NA. Tenho as
ferramentas que me foram ensinadas no programa e sei que ser uma companheira de NA que tem
as ferramentas me faz feliz.
Esses tempos difíceis que eu acho que não serei capaz de superar são, na verdade, uma
dádiva de meu Poder Superior e quando tudo acabar sei que sentirei alívio da pressão que sentia.
Sinto a conexão com o meu Poder Superior mais forte quando acabei de cometer um erro.
Cometer erros, na verdade, desmancha as falsas crenças que tenho. Meu Poder Superior me dá a
oportunidade de realmente ver as coisas nas quais acredito: se eu acho que o meu negócio deve
ser bem sucedido, ou que o sucesso em meu relacionamento pessoal deve ser isto ou aquilo –
meu Poder Superior sempre me dá uma chance de olhar para trás e ver como o meu pensamento
estava sendo estreito. Então, os erros que eu faço são as maiores dádivas. Sem estas dádivas que
recebo de meu Poder Superior, eu não seria aliviada de toda a pressão que coloco em mim
mesma. Eu só tenho que ser eu mesma. Percebo isto a cada vez que ganho uma dádiva. Sei,
agora, que o objetivo não é ser perfeita. Quando cometo erros, sinto uma conexão forte com meu
Poder Superior. Quando eu fiquei limpa, eu pensava que era melhor não cometer erros. Mas
agora, eu
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tenho um sentido profundo de respeito por aquelas pessoas que, não importa quantas vezes
recaiam, ainda voltam ao programa e tentam trabalhar o programa o melhor que podem. E isto é
uma mudança dentro de mim.
A irmandade no Japão, em determinado momento, começou a crescer e começamos a ter
mais literatura traduzida. Quando pudemos ler a mensagem nesta nova literatura de NA, o
programa ficou muito mais claro. A parte mais importante foi a idéia da adicção como um
comportamento obsessivo e compulsivo. Eu fiquei chocada ao ler que as drogas não eram o
maior problema para nós, mas que o problema era o pensamento obsessivo e o comportamento
compulsivo. Quando eu li isto, pensei, é isto! Esta é a vida que eu estava levando.
As companheiras, em especial, se identificaram com esta nova literatura. Elas podiam
falar sobre chegar ao fundo de poço antes do uso das drogas. Quando alguém para de usar, isto
significa lidar com dor emocional diariamente e quando você é uma adicta no Japão, a tendência
é você ter relacionamentos abusivos em que você pode estar sofrendo abusos físicos além da dor
emocional e psicológica. Muitas mulheres partilham como as drogas foram uma coisa boa para
elas, até que o uso se tornou incontrolável. Eu não tinha entendido isto até que chegou a nova
tradução. Estas mulheres também tinha tido dificuldades com a palavra recuperar. Em japonês,
recuperar significa, “voltar a ser o que você era”. As mulheres que são sobreviventes não
querem voltar a ser como eram antes. Em sua recuperação, elas querem ir adiante e crescer. Já
que essas mulheres não tinham nada desde o início de suas vidas, elas estavam vivendo no medo
de que elas realmente não tinham nada a recuperar. Quando comecei a ler as novas traduções,
ficou claro que o que estas mulheres estavam partilhando no Japão era a mesma experiência que
as companheiras americanas.
Muitas mulheres adictas japonesas têm partilhado suas experiências com abusos sexuais e
violência doméstica. Sempre dizem que ninguém sobre abuso sexual no Japão. Continuar com
essa estória nos mantém no escuro. Mas quando partilhamos nossas histórias com todo mundo,
nossas histórias iluminam o caminho para outras pessoas. Eles costumavam dizer “isso não
existe”, mas existe. Minha própria história não pode continuar uma coisa privada; precisa ser
partilhada. Se nós não partilharmos, estaremos sozinhas na escuridão. E quando nós partilhamos,
cada uma de nossas experiências se torna a experiência de todos. Isto tem modificado a cultura
no Japão. Todas essas mulheres adictas têm partilhado suas histórias e, agora, as pessoas falam
sobre violência doméstica e abuso sexual. Ninguém acreditou em nós por muito tempo. Eu
mesma não conseguia acreditar.
92
Quando cheguei ao programa pela primeira vez, tínhamos uma compreensão errada do
que era ser feliz em recuperação. Nós achávamos que “um membro de NA feliz no programa”
significava tornar-se modelo de recuperação. Recentemente, eu estava conversando com um dos
membros que tem estado entrando e saindo do programa por muitos anos. Ele passou por
diversas instituições e casou-se com três mulheres diferentes. Quando ouvi isto pela primeira
vez, fiquei muito surpresa e achava que o Poder Superior dele não ia amá-lo por causa de seus
fracassos no programa e porque ele amava três mulheres diferentes. Eu, por outro lado, continuei
voltando às reuniões por um longo tempo e amava a um só homem. Eu achava que um Poder
Superior deveria amar um membro diligente como eu, não ele. Ainda bem que, com a prática do
programa, esta maneira de pensar modificou-se inteiramente dentro de mim. Eu disse para ele,
“quem é realmente mais feliz? Pode ser você ou eu – nós não sabemos. Pelo menos, eu não posso
julgar”.
Não importa quantas vezes você recai, NA recebe você de volta – isto é o programa de
NA. NA não te expulsa. Em vez disso, NA sempre está lá para você. Eu realmente não posso
dizer quem tem uma vida melhor – o membro perfeito de NA que eu tentei ser pelos últimos
vinte anos, ou aquelas pessoas que vão e voltam ao programa. Eu acabei ficando limpa, porque
eu estava envolvida com a irmandade. Eu não fiquei limpa por ter tentado arduamente ficar longe
das drogas; fiquei limpa por causa do meu medo de que eu não iria agüentar não ser um modelo
de recuperação em NA. Quando penso desta maneira, sinto-me mais leve. Sinto mais respeito
por aqueles membros que estão se esforçando por permanecerem limpos. Acredito que o Poder
Superior não discrimina. Ver a mudança nos companheiros é sempre um grande prazer e uma
grande surpresa. Não importa quantas vezes eu assista a essa mudança, isto ainda me faz ficar
feliz.
93
94

Um ato simples de gentileza mostrou a este adicto holandês que ele pertencia a Narcóticos
Anônimos. Ele trabalhou para que seus medos de que um relacionamento com Deus seria
barrado para ele por ele ser gay e aprendeu a confiar no poder do amor.

Sanduíche

Eu me lembro do hall onde eram as escadas em que eu estava sentado. Olhei para o
madeiramento das escadas e imaginei que agüentaria uma corda.
Eu também sabia que eu não faria nada para morrer, mesmo não querendo continuar.
Procurei na lista o número de uma linha de ajuda. Telefonei e falei com um homem. Ele
disse que eu podia me encontrar com ele para tomar um café. Eu não precisava dizer nada mas,
se eu quisesse, eu podia.
Fui me encontrar com ele e tentei manter minha tristeza dentro de mim. Tomei uma
chícara de café e fiquei contente por não estar em casa onde as paredes pareciam se fechar em
cima de mim. O homem me contou das reuniões que ele estava freqüentando e me perguntou se
eu gostaria de ir com ele. Eu queria; eu não queria ficar sozinho.
Antes de ir para a reunião, passamos pela casa dele. Ele imaginou, ou talvez eu tenha
dito, que eu não comia nada há alguns dias. Ele fez um sanduíche para mim. Isso me
impressionou muito. Eu tinha feito coisas que me pesavam na consciência. Eu tinha mentido,
manipulado e, pior, tinha utilizado de violência. Eu não merecia, mas aquele homem, ainda
assim, estava lá me ajudando.
Ele me levou à minha primeira reunião. Várias pessoas falaram comigo, mesmo assim, eu
não me lembro do que foi dito. Eu sei que chorei. Eu me lembro do sentimento que tive quando
estava com aquelas pessoas. Senti o seu calor. Senti que tinha algo em comum com as pessoas
que estavam ali. Senti que pertencia, que eu pertencia a eles. Eu nunca tinha sentido algo assim.
Eu sempre me senti diferente com todo mundo, mesmo com a minha família. Vivíamos
em uma aldeia, mas nós não éramos de lá e as pessoas falavam um dialeto estranho. Freqüentei
uma escola diferente da dos garotos da minha rua. Eu não tinha amigos de verdade e o meu
irmão mais velho morreu quando eu estava no fundamental.
Meus pais estavam sempre brigando e eu tinha vergonha. Muitas vezes saía fugindo da
casa com a minha mãe. Depois de algumas horas, meu pai nos encontrava e nos levava de volta
para casa. Quando eu era pequeno, aprendi que, para os adultos, gritar, brigar, usar e fugir eram
maneiras normais de lidar com os problemas. Eu era um garoto esperto e sensível com um início
inseguro na vida.
O sentimento de pertencer que eu tive naquela primeira reunião, então, era muito
importante – fez com que continuar voltando fosse uma certeza.
95
Foi difícil atravessar aquelas primeiras semanas sem usar. Cada dia parecia não ter fim
até chegar a próxima reunião. Quando parei de usar, foi como se eu estivesse em uma caverna
profunda e escura por muitos anos e, de repente, estava em plena luz do sol. Meus olhos
precisavam se ajustar à luz que, às vezes, doía terrivelmente. Tudo ficou mais intenso, o que era
bom e o que era ruim. Vivendo sem anestesia, eu não entendia os sentimentos que, de repente,
tinham uma oportunidade de vir à superfície. Às vezes, pensava que estava ficando louco porque
eu podia ficar imensamente triste sem motivo, por vezes isso durava dias. Outros adictos que se
lembravam de suas próprias dificuldades me davam a segurança de que tudo ia ficar bem. Eu não
precisava entender tudo imediatamente. Sempre haveria alguém em quem me escorar. Eu estava
seguro.
Eu continuei voltando e ficou mais fácil. A obsessão desapareceu.
Quando eu comecei a ir às reuniões, pensei que o meu problema tinha começado havia
uns dois anos. Eu tinha tido um relacionamento tóxico com um homem que eu pensava amar e
estar preparado para dar a minha vida por ele. Eu me descaracterizei completamente e pensei que
isso era amor. As brigas, quando usávamos, chegavam a ficar tão fora de controle que partíamos
para cima um do outro com garrafas de vinho cheias. Mas, quando abri meus olhos para a minha
própria realidade, comecei a ver que o meu problema tinha começado muito antes.
Eu me lembro quando o álcool saiu dos meus poros na semana do funeral da minha mãe,
mesmo eu tendo só vinte anos. Eu me lembro de já ter tido brigas em bares antes; que outros
relacionamentos já tinham terminado antes; que eu já tive vontade de morrer antes e que tinha
feito tentativas patéticas para isso. Esta não era a primeira vez que eu passava por nada disto.
Passei por situações em que pessoas quiseram me matar. Descobri que eu sempre tentei
encontrar minha salvação nas drogas, no sexo obsessivo, nos relacionamentos, em fumar, etc. Eu
tinha mergulhado em comportamento adictivo por muito, muito tempo. As pessoas em NA
ofereciam um ambiente seguro no qual eu podia dizer qualquer coisa e partilhar tudo. Esta
segurança me permitiu olhar além dos dois últimos anos e ver padrões que estiveram lá por
décadas.
Eles também me ajudaram a ver as coisas boas que fiz, o modo como as pessoas podiam
contar comigo, meu trabalho voluntário, minhas boas intenções e as pessoas boas na minha vida.
Quando as coisas saiam do controle, eu sempre pensei que era um resultado de alguma
força exterior. Eu era inteligente, eu ainda tinha minha casa e meu trabalho, não podia ser tão
ruim assim. Se, ao menos, as pessoas pudessem enxergar o meu valor. Se, ao menos, eu morasse
ou trabalhasse em algum outro lugar. Se, ao menos,
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o clima fosse melhor. Se, ao menos, não houvesse serviço militar. Se, ao menos, o meu irmão
tivesse ficado vivo, ou minha mãe. Se... se... se, ao menos, eu não fosse viciado. Eu tinha os
meus motivos. Eu era uma vítima.
Aprendi a reconhecer sentimentos. Quando alguém em uma reunião falava de medo, eu
ficava genuinamente contente de que isso eu não sentia! O ambiente seguro de NA me deu a
oportunidade de encarar meu próprio medo. Aprendi que aquela criança assustada e sozinha
ainda está em mim. Meu medo era profundo e profundamente escondido – medo de que eu não
valesse nada, medo de ser deserdado, medo do vazio... eu não conseguia lutar contra esse medo
sozinho; não conseguia nem mesmo nomeá-lo. Velhos sentimentos de vazio e solidão podem
ainda se apoderar de mim. Mas os Doze Passos de NA e as pessoas no programa, a quem amo
tanto, me mostraram um outro caminho. A segurança e a solidariedade que recebo do programa
me deram espaço para respirar. Recebi liberdade de escolha. Eu não preciso mais responder às
situações da mesma maneira que antes.
No início, eu não gostava da palavra Deus. Ela me fazia pensar em pessoas e instituições
que julgavam os outros pelo que eles eram, como as igrejas que me expulsariam porque eu sou
gay. Ela me dava medo. Eu tinha tanto medo de que eu não me encaixaria em um programa de
doze passos! Partilhava isto nas reuniões. Conversei com outros adictos e aprendi que a
espiritualidade é algo pessoal. O que importava era o que eu achava que era Deus, mais ninguém.
Com a ajuda deles, aprendi a confiar em um poder de amor que é muito maior do que eu.
Quando contei ao meu pai que eu era um adicto, ele me disse que o pai dele tinha
morrido de adicção. Meu avô, aparentemente, não era o boêmio das histórias de família. Ele era
um adicto. Quando era um garoto novo, o meu pai tinha que ir até o bar implorar a ele por
dinheiro para as despesas da casa. Aquele homem morrera de álcool depois de deixar sua mulher
e filhos na pobreza. Por vergonha, meu pai nunca tinha contado isto a ninguém. Descobrir este
seu segredo me deu mais compaixão por meu pai e mais compaixão por mim mesmo. Tenho uma
doença que já ocorreu em minha família diversas vezes. Eu não escolhi ser um adicto. Sou
incapaz de tirar a doença de mim. E outras pessoas, sejam elas adictas ou não, também têm as
suas histórias. Começar a ver o quanto sou impotente e encontrar mais compreensão da
impotência de outros me deixou respirar novamente. Quando meu pai morreu, sua viúva e outros
puderam contar comigo, como um homem maduro que podia ser um apoio às pessoas. Eu não
preciso aprovar o que eu já fiz, ou o que os outros fizeram. Mas eu ganho mais e mais liberdade
de me desatar de um passado negativo, de um comportamento negativo e de pensamentos
negativos. Pude ter o espaço para encontrar mais lados bons em mim e nos outros. Isto tornou a
minha vida extremamente mais linda.
97
Não preciso mais ser esmagado por meus sentimentos. Meu mundo se tornou maior do
que os sentimentos em que estou preso. É mais fácil abrir mão deles. Posso abrir mais espaço
entre meus sentimentos, meus pensamentos e meu comportamento, espaço necessário para fazer
escolhas. Nem sempre consigo fazer as escolhas certas. Ainda há coisas que podem me levar em
uma direção que eu não quero ir. Eu ainda tenho meus dramas e o meu pânico. Sou um ser
humano e não sou perfeito. Mas posso ver muito progresso e sou muito grato.
Fui abençoado. Estou em um relacionamento feliz no qual aprendo a lidar, de uma
maneira saudável, com os confrontos comigo mesmo e com outra pessoa. Tenho amigos. Sou
capaz de dar amor e sou capaz de receber amor. Sou um adicto. Isto não é mais uma deficiência,
mas um motor para dar forma à minha vida de uma maneira positiva. Para mim, é importante
continuar sendo vigilante; a doença está aqui e continuará aqui então, minha recuperação
também precisa estar aqui. Cada vez mais, aprendo a confiar no amor sem fim e no poder que
encontro na espiritualidade do programa.
Eu não sou mais uma vítima dos outros, ou de mim mesmo. Eu não preciso mais usar,
não importa o que aconteça. Eu sou responsável por minha recuperação. Se eu voltar a cair em
um sentimento de auto-piedade quando acontecer algo de desagradável, então tenho os meios
para lidar com isto. Não estou só; tenho pessoas que me apóiam quando peço por isto. Quando
tenho um momento de desespero, sempre haverá pessoas com quem falar. As coisas não estão
sempre bem, mas elas estão sempre melhorando.
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Como artista ela viajou o mundo, mas encontrou-se no isolamento da adicção onde quer que
fosse. Esta dançarina encontrou graça fora dos holofotes, nas salas de NA.

Uma brasileira cansada disso tudo!

Narcóticos Anônimos me resgatou das profundezas do desespero e me devolveu a vida.


Eu nasci no Rio de Janeiro e cresci no norte do Brasil em uma família grande. Meu pai era
distante, raivoso e cheio de moralismo, mas minha mãe era gentil e muito boa para nós. A vida
era difícil, mas eu me sentia amada. Fomos ensinados a amar aos outros e a ser responsáveis. Eu
pensava em mim como uma pessoa especial.
Eu tinha dezessete anos quando fiquei bêbada pela primeira vez. Odiei o gosto, mas
adorei o modo como me fez sentir. Foi como se as portas do universo tivessem se aberto para
mim. Eu sempre quis ser dançarina e cantora. Em 1974, comecei a dançar com uma companhia
folclórica no Brasil e fui apresentada à maconha por um outro dançarino. Adorei o modo como
me senti: algo estava brilhando dentro de mim, me fazia sentir forte. Depois daquele primeiro,
quis outro e outro. Quando íamos fumar, ele me levava para os bastidores do teatro e me dizia
para não contar para ninguém. O segredo era excitante. A progressão para outras drogas veio
rápido.
Estávamos viajando pela Europa e, mesmo sem falar outras línguas, sabíamos onde
encontrar drogas. Fui me tornando cada vez mais dependente do uso. Fui convidada a ficar em
Londres e me juntar a uma companhia de teatro brasileira. A maioria dos atores usava e eu me
sentia em casa. Na peça, todos os atores ficavam nus no palco. Na primeira noite, fiquei bem
doidona para conseguir tirar toda a minha roupa. Quando a companhia voltou para o Brasil, eu
fiquei em Londres.
Gastei todo o meu dinheiro com drogas e terminei vivendo em uma ocupação de casa
com outros adictos, roubando de lojas para comer, fazendo danças em topless para conseguir
dinheiro. Experimentei ácido com outro adicto – vou te contar, foi mais do que a gente esperava.
Fiquei grávida e a decisão de abortar foi como decidir o que comer; não havia sentimentos (hoje,
quando penso sobre isto, tenho muitos sentimentos). Dois dias depois do aborto, me
apresentaram a cocaína – foi um caso de amor que durou mais de dez anos.
A companhia de dança estava ensaiando outro show e eu decidi voltar. Levei LSD
comigo para vender. Foi uma loucura fazer isto, mas eu era tão arrogante que nem pensava nas
conseqüências. De qualquer maneira, eu fiz e, no Brasil, comecei a traficar. Eu sabia que era
perigoso, mas
99
eu me sentia invencível. Eu usava para ir à praia todos os dias e, logo, todo mundo sabia sobre os
ácidos porque as pessoas na praia estavam muito doidas.
Fui abordada por uma pessoa que disse que queria comprar. Combinamos de nos
encontrar à noite. Era uma armação e o único motivo de eu estar viva hoje é porque mencionei o
nome de um amigo que um deles reconheceu e eles foram embora. Eu tremia, meu coração batia
tão rápido que eu pensei que ia explodir. Um deles foi preso e alguém me disse que a polícia
estava procurando uma mulher de cabelos vermelhos – era eu. Raspei a cabeça.
Engravidei novamente e tive outro aborto. No Brasil, isto era muito difícil. Fui a um
médico clandestino e peguei uma infecção. Eu estava com muita dor e tive que contar à minha
mãe para que ela me levasse a um médico particular. Eu sabia que a minha mãe estava sofrendo
e que minhas irmãs estavam todas com raiva de mim. Minha família não sabia como lidar
comigo. Eles não sabiam a extensão do que estava acontecendo, mas sabiam que era sério. Eu
roubava da minha família e dos meus amigos para conseguir drogas. Estava tão infeliz que era
como se a minha barriga virasse do avesso. Lá estava eu, a imagem do desespero, em negação,
mentindo, fingindo que estava tudo bem. Tudo que eu fazia, fazia como se não houvesse
amanhã. Eu era impotente.
Eu me concentrei no show porque eu queria sair do Brasil. Ensaiei feito louca. Em março
de 1976 nós partimos para a Europa. Primeiro, fomos a Caracas, depois para a França. Em
Amsterdã, depois do show, eu fui com outra dançarina para esse lugar em que você paga para
entrar e pode comprar qualquer droga que quiser. Tive um apagamento que quase me matou.
No final da turnê, fiquei em Londres. Fui convidada a uma festa de Ano Novo onde
encontrei o homem que se tornaria meu amor, meu marido e meu refém. Fui morar com ele. Eu
estava tão contente de estar apaixonada que, por um tempo, não usei muito. Meu namorado me
sustentava. Eu cuidava do apartamento, ia à escola aprender inglês e costurava para conseguir
dinheiro. Estávamos felizes.
Fomos a uma festa reggae e foi uma loucura – eles tinham de tudo. Naquela noite, meu
namorado não conseguia me encontrar para ir para casa. Voltei dois dias depois com uma
desculpa. Comecei a usar cocaína novamente, a fumar erva todo dia e cada vez mais uma pessoa
na qual não se podia confiar. Meu namorado estava cuidando tão bem de mim e eu me
comportava tão mal! Eu não conseguia perceber o que estava acontecendo, mas comecei a usar
cada vez mais e a esconder isso dele.
Através de amigos, consegui um contrato para trabalhar como artista em Cannes, em
Mônaco e em Nice. Nós nos apresentávamos para turistas em restaurantes e casas de coquetel. O
show era à noite. Tudo
100
que nós fazíamos durante o dia era usar, ir à praia e usar mais um pouco. Eu ficava doida o
tempo todo. Depois do show, ia para os cassinos e descobri a minha adicção ao jogo. Eu não
conseguia parar até que tivesse perdido todo o dinheiro que eu tinha comigo, todo o dinheiro que
tinha ganhado e, então, não tinha mais droga para usar.
Eu tive um caso. Eu me sentia culpada por meu namorado, mas a intensidade era a de um
adicto querendo mais de qualquer coisa que houvesse. Estava usando cocaína o tempo todo. Uma
noite, cheirei tanto antes do show que eu não conseguia cantar; minha voz não saía e o meu nariz
começou a sangrar. Tive que sair do palco. Atitudes como esta tinham conseqüências para todo o
grupo, mas eu não me importava. Quando o gerente veio falar comigo, paquerei ele até que tudo
ficou esquecido.
Comecei a ficar conhecida e tinha bastante trabalho. Eu disfarçava e manipulava.
Maquiagem e roupas extravagantes eram minha salvação! Em 1980, fui trabalhar no Caribe.
Novamente, a maioria dos músicos era de adictos. Tudo que eu tinha que fazer era estar no palco
às nove da noite e fazer o meu número até as onze e meia. Antes e depois disto, tudo que eu fazia
era usar. Esta foi a época mais temerária dos meus dias de uso. Pessoas que queriam estar
comigo me davam quantidades grandes de cocaína. Uma noite, depois do show, saí com um
homem em um iate. Usei muito. Ele desmaiou. Eu estava semi-consciente e sabia que alguma
coisa estava errada. Parecia que o meu coração batia dentro da minha boca e o meu lado
esquerdo estava paralisado. Pensei, bastante calma, “vou morrer”. Então pensei, “eu não quero
morrer” e, de alguma maneira consegui sair da cabine. Percebi, para meu horror, que estávamos
no meio do mar. Estava perdendo os sentidos. Fiquei realmente assustada. Pedi a Deus que não
me deixasse morrer. Prometi que não usaria novamente. De alguma maneira, consegui abrir o
chuveiro e a água fria ajudou a circulação a voltar. Quando voltei ao local onde estava
hospedada, um dos músicos estava usando. Ele me ofereceu e aceitei. Eu era impotente e minha
vida estava incontrolável.
Quando meu namorado me encontrou no aeroporto, ele não me reconheceu. Ele ficou
horrorizado – me disse que eu parecia morta. Tinha perdido muito peso. Pelos próximos dois
anos, fiz shows de fim-de-semana em cidades diferentes. Eu saía no sábado de manhã, me
apresentava à noite e voltava domingo. Levava minhas drogas comigo. Não tinha medo de nada.
Encontrei músicos doidos. A maioria deles adictos. Às vezes, meu cérebro ficava consciente da
loucura: era como se o meu corpo estivesse retorcido, minhas mãos seguravam o copo com tanta
força que ele quebrava. Eu estava incontrolável, confusa e infeliz.
Meu namorado me pediu em casamento e fomos ao Brasil. Mesmo no dia do meu
casamento eu estava doida. Fui capaz apenas de me manter de pé durante toda a cerimônia, para
não envergonhar demais a ele ou a minha família.
101
Meu último ano de uso foi um pesadelo. Parei de me apresentar e até de cuidar de mim mesma.
Eu não me importava com o que as pessoas pensavam de mim. Eu ia até os traficantes e voltava
para casa dias depois.
Fui chamada para fazer um bico em Paris e pensei que uma mudança de ares me faria
bem. Depois da apresentação, eu saí e até hoje aquela noite é um apagamento total. Quando
voltei para Londres, eu estava mesmo chapada. Eu parecia um dedão machucado, com um
vestido de pele de leopardo, atraindo atenção para mim. Fui presa no aeroporto de Londres.
Fiquei furiosa. Eu não sabia porque eles estavam me prendendo. Tinha um policial me dizendo o
quanto as drogas faziam mal e, na minha cabeça, eu dizia “sim, sim...” Este foi o começo do final
do meu uso. Era agosto de 1986.
Minha jornada de recuperação começou quando um amigo me levou a uma reunião de
NA. Nós tínhamos usado juntos, e ele tinha nove meses limpo. Eu estava muito doente, muito
magra e não sabia se estava indo ou vindo. Meu marido me mandou para um centro de
tratamento. Eu não me sentia humana. Era como se, no meu lugar, havia um enorme poço de
arrogância, negação, ilusões, medo, dor, desespero. Era mais do que eu podia agüentar. Depois
de ficar em tratamento por três meses, eu saí, acenando o meu dedo médio para todo mundo.
Tendo ficado em abstinência por três meses e tendo ido a reuniões de NA, mesmo
relutante, era claro para mim que, para mim, o uso tinha acabado. Mas eu tinha que ter certeza.
Tudo o que eu ouvi nas reuniões era verdade: minha rápida e devastadora recaída me deixou com
sentimentos que eu não conseguia compreender e voltei para tratamento. Foi tão difícil voltar,
mas sou grata por ter encontrado coragem e por ter sido determinada a ficar e a realmente olhar
para a doença que queria me ver morta. A dor emocional era intensa e houve momentos em
tratamento em que pensei que ia morrer, mas o amor e carinho de outros adictos me ajudaram a
seguir adiante e a tomar um dia de cada vez. Ás vezes eu só conseguia um minuto de cada vez e
tudo bem.
A rendição me permitiu voltar, devagarzinho, a ser humana novamente. Eu reconheci que
estava morta por dentro. Eu estava física, espiritual e mentalmente doente. Decidi parar de lutar e
deixar as pessoas entrarem e, pouco a pouco, fui restaurada à sanidade. Fui para uma casa de
apoio para mulheres. Meu primeiro pensamento foi “odeio mulheres!”. Mandei esse pensamento
ir embora e funcionou (eu faço isto muito). Comecei a olhar para a minha raiva, para os
sentimentos de auto-piedade e para a negação sobre o que eu fiz quando usava. Confiando no
processo, usando o programa, sendo ajudada e ajudando a outros, comecei a ver que eu tinha
compaixão e que eu me importava com os outros.
102
Quando eu fiz os Passos Um, Dois e Três pela primeira vez, foi como acender a luz: eu
saí da escuridão. Comecei a acordar todas as manhãs com este novo sentimento dentro de mim –
eu tinha esperança. Escrever o meu Quarto Passo foi, definitivamente, um ponto de virada. Pude
encarar todo o lixo e começar a reconhecer o que havia de bom em mim. Percebi que eu podia
nutrir isso e me tornar uma pessoa melhor. Havia muito trabalho a fazer, mas eu não tinha medo
de abrir mão, de crescer e de ir adiante!
Eu realmente acredito que passar pelo meu Quinto Passo, partilhando com outro ser
humano a verdadeira natureza de meus erros, foi a coisa mais humilde que eu já fiz. No dia que
fiz meu Quinto Passo, estava chovendo, o céu estava encoberto com nuvens escuras. Depois, saí
para dar uma volta na praia. Estava muito frio e eu estava chorando. Quando olhei para cima,
havia um traço de azul no céu e o sol brilhou por um minuto, para mim, isso foi o meu Poder
Superior me dizendo que eu ia ficar bem. Eu me senti feliz, um despertar espiritual...
Narcóticos Anônimos é a minha vida. Permitiu-me ver, sentir, ser eu mesma e conquistar
grandes coisas ao longo dos anos. Eu não poderia estar onde estou hoje se não tivesse praticado
prece e meditação. Meu Poder Superior é amoroso, gentil e verdadeiramente meu amigo.
Aprendi a aceitar a vida como ela é, não como eu gostaria que ela fosse. Trabalhar os passos
ainda é o propósito primordial em minha vida. Eu adoro ir a reuniões e crescer. Eu gosto de
conversar com outros adictos e sempre tenho tempo para o recém-chegado.
A recuperação me deu a oportunidade de me tornar mãe, uma das coisas mais
maravilhosas que já me aconteceu. A vida não é perfeita. Quando minha filha tinha três anos, ela
foi diagnosticada autista. Ao longo dos anos, tem sido um verdadeiro desafio. Ela é adorável e
conseguimos nos divertir juntas mas, ás vezes, ela é impossível de conviver. Tenho a sorte de ter
um marido que me apóia em todos os sentidos. Estamos casados há vinte anos e ele é muito bom
com ela. Quando eu não consigo lidar, ele assume. Minha filha está com dezesseis, agora, e
temos um filho que tem treze. O programa me ajuda a lidar com minha vida e seus desafios.
Hoje, eu acredito que tudo vai ficar bem. Tenho alguns dias muito difíceis, mas tenho
ferramentas que me ajudam a ver o caminho.
Quando cheguei à recuperação, eu estava emocional e espiritualmente morta. Era como
se eu estivesse em um buraco profundo e escuro. Eu não conseguia ver nada, nenhuma
esperança, só desespero. Indo a reuniões e partilhando como estava sendo, as coisas começaram
a fazer sentido. Aprendi com as experiências dos outros. Ser capaz de me calar e ouvir, servir, ter
a coragem de sair do meu ambiente seguro, eu
103
mudei. Antes que eu percebesse, eu estava fora daquele buraco de vez, com grandes perspectivas
para a minha vida. Eu pratiquei os Doze Passos diariamente e sou grata que hoje consigo admitir
quando estou errada. Posso aprender com meus erros. Não sou mais tão dura comigo mesma.
Tenho dezoito anos limpa. Minha jornada de recuperação é cheia de acontecimentos
maravilhosos. Amo minha vida, minha madrinha e minhas afilhadas. NA, os passos, o Poder
maior do que eu mesma, o apadrinhamento e o serviço me ajudaram a ver o meu potencial. Eu
me encontrei.
Eu tenho o meu próprio negócio, agora. Se alguém me dissesse, quando entrei em
recuperação, que eu seria capaz de gerir meu próprio negócio, eu diria que estavam brincando.
NA também me ajudou a voltar a cantar. Fui convidada a partilhar em uma convenção e, quando
terminei, todos pediram que eu cantasse. Eu não sabia o que fazer, mas eles continuavam a gritar,
canta, canta e, para minha surpresa, comecei a cantar e adorei! Obrigada, NA.
Minha gratidão a NA é colossal por me dar a chance de continuar minha vida como
adicta em recuperação, tornando possível para mim ser uma mãe, esposa e amiga amorosa.
Acredito que é só dando o que eu tenho que posso mantê-lo. Sinceramente, espero que minha
história alcance alguém que precise de ajuda e que ele ou ela permitam a recuperação funcione
para eles como funciona para mim. E a corrente continua a crescer...
104
Esta história de nossa Terceira Edição, editada para inclusão aqui, nos conta a história de uma
garota que chegou a NA adolescente por ordem judicial e encontrou amor, aceitação e
tranqüilidade da mente.

Cansada e enjoada aos dezoito

Comecei a usar drogas quando eu tinha treze anos de idade. Daquele ponto em diante,
minha vida girou em torno das drogas e das pessoas com quem eu usava. Eu fazia qualquer coisa
para usar. Fui para cama com homens para usar, roubei da minha família e amigos e menti e
enganei todo e qualquer um que eu consegui enganar. Em um ano, eu era uma prostituta.
Quando eu tinha dezesseis anos me casei. Meu marido e eu nos separamos em dez meses;
ele não queria usar.
O ano seguinte de minha vida girou em torno de relacionamentos ruins e muita droga. Eu
me tornei uma junkie. Eu usava tudo que eu conseguisse mendigar, emprestar ou roubar em um
dia. Às vezes, era muito; outras, não era nada. Estava afundada no uso e, logo, eu me vi afundada
em um novo relacionamento. Nós tentamos nos limpar uma vez depois da outra, sem nenhum
sucesso. Fomos presos muitas vezes. Ele roubava e furtava e eu dava golpes e me chapava.
Atiraram nele e o mataram. Todos os meus amigos estavam ou mortos, ou na cadeia. Eu estava
completamente sozinha. A última vez que fui presa, foi uma semana antes do meu aniversário de
dezoito anos. Minha família não queria mais ter nada a ver comigo. Eu não tinha nada nem
ninguém.
Eu me odiava pelo que eu tinha me tornado. Tentei suicídio e nem mesmo isto funcionou.
Eu estava cansada e enjoada de tanto ficar cansada e enjoada. Eu queria morrer. Eu queria viver.
Parecia que eu não conseguia fazer nenhuma das duas coisas.
Minha oficial de liberdade assistida me mandou para NA com um cartão do fórum para
carimbar na sala. Comecei com uma reunião por semana e passei para cinco por semana, depois
de quatro testes de droga que deram positivo. Minha oficial de liberdade assistida queria que eu
conseguisse. Ela estava em outro programa anônimo e ela tinha a fé que eu não tinha. Eu me
lembro o quanto foi difícil ficar limpa. Eu tinha a mania do “eu queria”.
Continuei a me relacionar com pessoas que estavam usando. Continuei a traficar
comprimidos de farmácia. Eu não usava pílulas, mas o tráfico me colocava em uma posição
próxima à heroína. Mas eu ainda não entendia porque não conseguia ficar limpa. Tive sucesso
em ficar limpa por uns oito dias. Eu estava ficando em um bar, traficando de novo, e me vi
chapada novamente. Fiquei lá sentada, com o queixo no peito, percebendo que isto tinha deixado
de ser bom. Nada tinha mudado lá fora.
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Alguma coisa aconteceu. Finalmente, eu tinha chegado ao fundo-de-poço de que eu tinha
tanto ouvido falar. Simplesmente, não dava mais para continuar. Na manhã seguinte, me rendi,
totalmente, sem reservas.
Logo depois disto, encontrei com um antigo contato em uma reunião. Ela tinha uns nove
meses limpa. Ela me deu muita esperança, tornou-se minha amiga e me deu amor. Arranjei uma
madrinha e segui orientações. Nós íamos a duas, três, às vezes quatro reuniões por dia nos meus
primeiros seis meses. Comecei a trabalhar e continuei a ir a pelo menos uma reunião por dia. Eu
era a secretária de duas reuniões de NA e representante de serviços do grupo (RSG) de outra.
Levava pessoas a reuniões e me envolvi com as pessoas em casas de recuperação. Fiz do
programa a minha vida.
Nem tudo foi fácil para mim, desde que cheguei aqui. Houve tempos realmente difíceis.
Eu não era daquelas pessoas que entraram pelas portas de NA e cuja obsessão foi removida
imediatamente. Eu me lembro de, uma vez, ficar sentada na banheira; pareceu uma eternidade,
porque isso era tudo que eu podia fazer para me impedir de ir me endoidar. Rezei para que a
obsessão fosse removida. Eu continuava a dizer a mim mesma: “Só por hoje, eu não vou me
drogar, isto também passará, só por hoje, só por hoje...” passou.
Depois de um ano limpa, perdi meu trabalho, minha colega de quarto, meu carro e meu
apartamento, tudo em uma semana. Eu tinha a fé de que Deus não ia me trazer tão longe só para
me largar. Deus não me dá mais do que aquilo que eu posso agüentar. Acreditei que qualquer
coisa que fosse tirada seria substituída por algo melhor. E foi.
A irmandade nunca falhou em me dar o apoio que precisava, mesmo se isto significasse
um telefonema às três da manhã. Eles sempre estiveram lá para mim. Você mantém o que tem
passando adiante, então, eu também estive disponível aos outros.
Trabalho os passos e utilizo os princípios do programa em todas as minhas atividades.
Eles funcionam, eu sei que os passos funcionarão em qualquer coisa. Todas as minhas
experiências reforçam isto. Entregar minha vontade e minha vida aos cuidados de Deus me dá
paz. Ver os passos funcionando em minha vida e ver alguém que eu conheci quando chegou pela
primeira vez crescer para tornar-se um indivíduo maravilhoso traz um sentimento tão bom!
Passar adiante o que me foi dado e vê-los passar adiante é fantástico. O amor e cuidado neste
programa é algo que você não encontra em nenhum outro lugar: um adicto ajudando outro
adicto.
Aprendi a viver a vida como ela é. Através das reuniões, da irmandade e dos passos, eu
aprendi a aceitar e, até mesmo, a amar a mim mesma. Cresço continuamente através do
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programa. encontrei um Poder maior do que eu mesma que é amoroso, não o Deus punitivo com
o qual cresci. Tenho fé, hoje, que o meu Deus está cuidando de mim. Toda a minha vida procurei
por respostas através de minhas aventuras. Finalmente, encontrei paz interior.
Eu não preciso mais sentir aquela desmoralização total, lamentável e incompreensível. Eu
não preciso mais me odiar, ficar sozinha ou me sentir indesejada. Hoje, aprecio a vida. Tenho
eventos da irmandade, pic-nics, festas, bailes, acampamentos e convenções. Tenho outros
interesses com os quais eu nunca sonhei que um dia iria fazer. Tenho um bom trabalho fazendo o
que gosto. Freqüento a escola e vou bem na escola. Tenho o carro que sempre sonhei ter. As
coisas são boas na minha vida, hoje. O meu pior dia limpa sempre é melhor do que o meu melhor
dia de uso. Tenho vinte e três anos de idade e, em dezembro, completo cinco anos limpa.
Descobri que, realmente, não é o que nós usávamos, quanto usávamos ou por quanto tempo
usamos que nos traz aqui; são os sentimentos, o desespero e a desesperança que sentíamos. A
Terceira Tradição diz, “O único requisito para ser membro é o desejo de parar de usar”. As
pessoas me amaram para este programa. Elas seguraram minha mão e me disseram que estava
tudo bem e elas me deram aquele amor duro de me mandar sentar, me calar e ouvir quando eu
precisava disto, também. Narcóticos Anônimos é uma maneira de viver para mim hoje. Eu não
desistiria disto por nada, pois sem isto, eu não teria nada. Narcóticos Anônimos me devolveu a
vida e, por isto, sou eternamente grata.


Escrito em 1981
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Ele deu entrada em tratamento para evitar ir preso, mas enquanto estava lá, encontrou
esperança nas páginas do Texto Básico. Não havia NA naquela parte rural do Illinois, então ele
iniciou uma reunião e tem se mantido limpo passando por suas próprias dores e por aquelas da
irmandade.

Iniciar uma reunião, eles chegarão

Eu tinha quarenta e quatro anos de idade, tinha passado dois períodos na cadeia,
encarando de doze a sessenta anos pela última condenação. Eu continuava usando, indo a um
centro de tratamento ambulatorial para enganar todo mundo de modo que eu não precisasse
voltar à prisão. Bem, funcionou! O trapaceiro enganou eles de novo e acabei na liberdade
assistida. Se eu conseguisse passar pelos testes de droga, meus problemas estariam acabados. Foi
só a sorte: peguei um teste sujo. Por que Deus não respondeu às minhas preces? Eu só tinha
pedido que Ele me ajudasse a passar no teste de droga. Desta vez, eu realmente tinha que
preparar uma trapaça grande, então dei entrada por mim mesmo em um centro de tratamento de
internação. É claro que eu não precisava de tratamento, mas eu tinha que fazer com que a lei
pensasse que eu realmente queria ajuda.
A melhor coisa que me aconteceu no tratamento foi que o meu conselheiro me deu um
Texto Básico de Narcóticos Anônimos. Eu mal conseguia tirar os olhos dele depois de que
comecei a ler. Parecia que este livro tinha sido escrito para mim. Pela primeira vez, senti
esperança. O Texto Básico foi como um mapa para me ajudar a encontrar uma maneira de sair e
construir uma vida nova. Mesmo eu estando limpo há apenas umas duas semanas, tomei duas
decisões: eu ia me tornar um membro de Narcóticos Anônimos e eu ia iniciar uma reunião na
minha cidade. Com a esperança que a leitura do Texto Básico me deu, eu realmente acreditei que
uma reunião de Narcóticos Anônimos iria fazer adictos ficarem limpos.
Eu venho de uma cidade pequena no Illinois e do outro lado do rio tem outra cidade
pequena. Havia um certo número de reuniões da irmandade de AA, mas não havia nenhuma
reunião de NA. Eu disse ao meu conselheiro que eu ia iniciar uma reunião de NA na minha
cidade quando saísse de tratamento. Ele me disse que eu não ia ser capaz de realizar isso e que,
ao invés de tentar isto, eu deveria ir para uma casa de apoio. Mas eu sou teimoso, então não dei
ouvidos.
Fiquei limpo em junho, tive alta do tratamento na primeira semana de julho e, em três de agosto
de 2000 nós tínhamos nossa primeira reunião de Narcóticos Anônimos! Foi devagar no início. Só havia
uns dois de nós nos primeiros meses, mas nós perseveramos. A notícia de que havia uma nova reunião se
espalhou. Vieram membros do estado do Iowa para nos ajudar através do seu serviço de longo alcance.
Um deles nos trouxe os quadros dos passos e das tradições e outras literaturas. Eu estava tão grato! Foi a
primeira vez que percebi quanto amor a Irmandade de NA tem para oferecer.
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Estas reuniões não aconteceram por pura sorte. Tivemos a nossa parte nas dores de
crescimento. Pense numa sala com dez a quinze adictos, todos no Primeiro Passo, com nenhum
apadrinhamento experiente para orientar. Vamos falar de ser impotente e incontrolável! E todos
nós achávamos que sabíamos de tudo. Fizemos todos os erros que você pode imaginar. As
recaídas eram comuns. Aconteciam desentendimentos sobre membros trazerem bíblias e outros
materiais não-NA para as reuniões. Daí havia os jogos de paquera, que causavam novos
ressentimentos e até algumas recaídas. A coisa mais difícil para mim era que muitos dos adictos
que vieram logo depois de mim continuavam a me procurar para dar orientação. Puxa, eu
também estava no Primeiro Passo!
Lembre-se, estamos na parte rural do Illinois, não em Chicago. As grandes áreas
metropolitanas com comunidades de NA estabelecidas ficavam, pelo menos, a cem quilômetros
de distância e podiam muito bem estar do outro lado do mundo. Se você tivesse dificuldades com
outros membros não havia outras reuniões para assistir de modo a evitar-se um ao outro. Ou você
lidava com o seu ressentimento, ou saía e ia usar. Nós só tínhamos uma reunião.
Percebi que, se era para isto funcionar e se era para eu sobreviver, então eu tinha que agir.
Comecei a ir a um grupo fora da cidade, encontrei um padrinho e alguma ajuda. Graças a Deus
pelo apadrinhamento. Quando buscamos ajuda, adictos em recuperação vieram para partilhar sua
experiência, força e esperança conosco. Como resultado disto, aprendemos maneiras melhores de
praticar o programa e de levar a mensagem de NA. Passados cinco anos, ainda estamos
cometendo erros, mas sobrevivemos e estamos ficando mais fortes. No ano passado, nos
juntamos ao comitê de serviço de área. Viajamos todos os meses a outras comunidades de NA e,
agora, recebemos mais apoio dos “de fora da cidade”. Como os nossos membros ficaram mais
estáveis em suas recuperações, começamos a fazer o mesmo tipo de serviço de longo alcance que
ajudou nosso grupo nos estágios iniciais. Como resultado disto, existem, agora, diversos grupos
de NA ativos num raio de cinqüenta quilômetros do nosso grupo de escolha. Esta é uma outra
experiência maravilhosa pois estamos realmente dando de graça o que nos foi dado tão
livremente.
Nossa área tem uma convenção anual e alguns outros eventos grandes. Esta é uma ótima
oportunidade para nossa pequena irmandade de NA experimentar os benefícios de ser parte de
NA maior, então temos, freqüentemente, caravanas de adictos viajando em uma “jornada de
recuperação”. A interação com adictos que não vejo tão freqüentemente me ajuda a vivenciar a
importância da frase “princípios acima de personalidades”: Quando eu volto para casa, me esforço mais
para deixar passar as falhas dos outros. Espero que eles também estejam aprendendo a perdoar os meus
defeitos.
Os Doze Passos de Narcóticos Anônimos me ajudaram a mudar de dentro para
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me tornar um homem melhor. Eu me sinto o mais espiritual quando deixo meu Poder Superior
trabalhar por meu intermédio para ajudar um outro adicto que ainda sofre. Uma das maiores
bênçãos que recebo como um membro de Narcóticos Anônimos é ver recém-chegados chegando
acabados e amedrontados, sem saber o que fazer, duvidando se isto vai funcionar para eles e,
então, vê-los começar a mudar. Eles se rendem, começam a partilhar honestamente e ganham a
luz da recuperação em seus olhos à medida que praticam os passos.
NA está vivo e bem na Illinois rural, graças, em parte, a um conselheiro que emprestou
um Texto Básico a um trapaceiro. Aprendi uma nova maneira de pensar e viver uma vida melhor
e mais produtiva do que eu jamais imaginei. Ao escrever isto, tenho mais de cinco anos limpo e
nosso grupo da cidade acabou de comemorar seu pic-nic de aniversário de cinco anos. Meu
grupo de escolha já teve mais de 3.600 reuniões. Só por hoje, através de NA, muitos adictos
estão vivendo a promessa da liberdade da adicção ativa em nossa área. Por isto, eu serei
eternamente grato. Se você iniciar uma reunião, eles vão chegar!
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A mensagem de NA atingiu esta adicta maori. Ela ficou limpa por despeito, mas permaneceu
limpa por causa da esperança.

Kia ora koutou


Ko Lois taku ingoa. Meu nome é Lois
Ko Hikurangi te Maunga, Minha montanha é Hikurangi,
Ko Waipaoa te awa, meu rio é Waipaoa,
Ko Rongopai taku marae, meu Lugar Sagrado é Rongopai,
Ko Ai-tanga-Mahaki toku iwi, minha tribo é Aitanga Mahaki,
No Aotearoa ahau e sou uma adicta. eu sou da Nova Zelândia e sou uma adicta.

Kia Ora Koutou

Por onde começo uma história que eu não deveria estar aqui para contar? Sou uma
mulher Maori que veio a este programa esperneando e gritando. Eu tinha vinte e oito e tinha sido
mandada pelo tribunal para fazer tratamento em Auckland, Nova Zelândia. Eu acreditava que o
tratamento seria um “cartão para sair da cadeia” para mim e que eu iria usar quando saísse de lá.
Eu sabia que era uma adicta quando usei o álcool pela primeira vez aos treze anos de
idade. Depois daquele primeiro drinque, eu me lembro de pensar, “Ei, essa sensação é mesmo
gostosa” e continuei até apagar. Exagerei por um tempo, bebendo às sextas-feiras à noite, mas de
usar álcool a fumar bagulho, a bater nos médicos para conseguir drogas prescritas, a injetar
drogas pesadas – uau, a progressão foi rápida. Fiquei chocada em ver como tudo aconteceu tão
rápido. Quando eu tinha dezoito, eu era mãe solteira com uma filha de dois anos de idade
vivendo do seguro saúde em conjunto habitacional e utilizando o esquema de metadona do
governo. Desde o início, o meu objetivo era ser uma adicta. Eu adorava a sensação de ficar fora
de mim. Eu estava profundamente envolvida no submundo do crime e o estilo de vida caótico era
excitante.
Minha família me amava muito, mas eu continuava a tirar tudo deles. Todas as promessas
que eu fiz a eles eram promessas vazias. “Eu prometo que vou parar, mãe; eu só preciso de
algum dinheiro para me organizar”. “Eu prometo que vou. Prometo que vou pedir ajuda.
Prometo que não vou faltar no aniversário da minha menina pequena...” Sim, certo. Minha
família sabia que minha adicção estava me matando, mas eu não conseguia ver isto. Eles
decidiram cuidar das minhas crianças para mantê-las à salvo de mim. Que bênção isto foi!
Tentei mudar. Eu me mudei, pensando que uma nova cidade seria um novo começo. Eu
conseguia por alguns meses, mas depois de começar de novo, não conseguia mais parar. Para
ficar limpa, tentei relacionamentos, mas eu sempre escolhia adictos. Tentei instituições
psiquiátricas, mas eles me deram mais drogas. Tentei encontrar um Deus para mim,
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mas isto não funcionou. Eu não conseguia entender porque eu continuava a usar quando a minha
vida estava desmoronando à minha volta. Fisicamente, eu estava detonada: perdi todos os meus
dentes e pesava seis pedras e meia (quarenta e cinco quilos). Eu estava desprovida de qualquer
poder superior e o meu wairua (espírito) estava quebrado. Realmente, só pensava em uma coisa:
em como ia usar e conseguir mais drogas. Não conseguia ver nenhuma cura. Eu era uma adicta e
adictos usam drogas, ponto final. Se isto significasse me matar no processo, então que fosse
assim.
No final do meu uso, estava feio: os meus “amigos” queriam me pegar por ter roubado
deles, minha whanau (família) não queria me ver porque tudo o que eu trazia era polícia e
problemas e a polícia achava que eu era só uma amolação de adicta que criava muito trabalho
com a papelada; eles queriam me desaparecer, para fora do pelo deles. Eu me odiava e a todos à
minha volta. Eu não conseguia nem mesmo me matar direito; acordava no pronto socorro e
pensava, “porque diabos vocês estão me mantendo viva?”.
Eu estava sentada do lado errado da janela na delegacia de polícia de Auckland, onde o
meu parceiro estava tentando conseguir uma fiança para me tirar. Ele tinha trazido nossos filhos
com ele e eles estavam chorando, querendo saber quando a mamãe ia voltar para casa. Meu
parceiro me implorava para parar de usar e para olhar para a dor que eu estava causando à nossa
whanau. Por aquele breve momento, eu disse a mim mesma, isto tem que parar. No fundo, eu
tinha tido o bastante. No dia seguinte, compareci diante do juiz que me disse que eu podia ir para
tratamento ou para a cadeia. Eu achei ter escolhido a saída fácil e escolhi o tratamento, mas teria
sido mais fácil ficar três meses na prisão do que ter que ir a todos aqueles grupos! Quem é que
quer saber como você realmente se sente por dentro? Quem é que quer saber que todos os
relacionamentos que você teve estavam baseados em nada além da adicção? Quem é que quer
saber que você tem uma doença incurável, mas que pode ser detida? Eu é que não!
No meu primeiro dia em tratamento, pequei o ônibus com todas as minhas malas até um
traficante para ter um último gostinho. Cheguei no local do tratamento uma hora atrasada.
Quando cheguei, a gerente me disse que eu estava atrasada demais – que as oito da manhã tinha
sido o horário para dar entrada. Eles me disseram para voltar em uma semana. Fiquei furiosa por
ela me ter recusado, uma adicta querendo ajuda (na verdade, doidona) e eu disse que era tudo
conversa e que eu ia mostrar pra ela! Por pura teimosia, eu me joguei para provar que eu
conseguia fazer isto. Esta foi a decisão que salvou a minha vida. Estou limpa há dezenove anos
desde aquele primeiro dia.
O milagre que acontece quando um adicto ajuda a outro é sem paralelo. Comecei o
tratamento sem saber o que esperar. Toda manhã, acordava com meu corpo gritando
114
por usar. Eu falava comigo mesma e dizia, “pelos próximos dez minutos eu não vou usar”, e
passava. Aquelas fatias de dez minutos se tornaram dias, depois semanas e depois meses.
Através de NA, comecei a ouvir a mensagem de esperança. Aos poucos, meus olhos
limpos viam, nas salas, pessoas com quem eu tinha usado. Pelo que eu achava, estas pessoas
eram sem-esperança e eles tinham parado de usar. Pareciam felizes. Isto me deu a esperança de
que, talvez, eu também pudesse. Minha cabeça enlameada começou a ficar mais clara à medida
que as drogas saíam do meu sistema. Eu estava aprendendo a praticar os passos em tratamento e
sugando toda a melhora que acontece com adictos ajudando uns aos outros, mas eu ainda tinha
reservas sobre ficar limpa. Eu achava que não conseguia. Eu não acreditava em mim. Graduei no
tratamento, mas lá fora, no mundo real, eu estava cheia de medo. Fiquei lá dentro a todo custo
porque eu tinha medo demais de voltar para fora.
Descobri que a liberdade da adicção ativa vem com um preço. Eu fiz tudo que me
disseram para fazer. Larguei o amor da minha vida porque ele ainda estava usando e eu sabia que
eu não ficaria limpa se voltasse com ele. Eu nunca fiz contato com nenhum de meus parceiros de
uso por medo de usar. Abri mão de minha casa e de todas as minhas posses para me mudar para
o outro lado da cidade. Eu queria começar uma vida nova para mim e para minhas crianças.
Quando saí de tratamento, me disseram para arranjar uma madrinha, ir a reuniões e não
usar a todo custo. Para dizer a verdade, não fiz mais nada além disso. Ia às reuniões, trabalhava
os passos e não usava – mesmo que em todos os dias, nos meus primeiros dois anos, o meu
primeiro pensamento ao acordar era que eu queria usar drogas. Depois de conquistar o respeito
de minha whanau, pude levar os meus filhos para morar comigo. Eu ainda era uma mãe solteira
com crianças pequenas vivendo do seguro social em um conjunto habitacional, mas eu estava
limpa. Eu tinha reuniões de NA e os nossos Doze Passos para me ajudar. Aprendi uma lição
valiosa: pensar em usar drogas não significa realmente fazer isso.
Comecei a aceitar a minha impotência perante a adicção. Os primeiros dois anos de
recuperação foram um processo de luto para mim. Meu luto era por meu antigo estilo de vida e
pelos rituais do uso. Meu luto era pelas drogas como se fosse por um antigo amante familiar. Aos
poucos, à medida que fui saindo desse luto ficando limpa um dia de cada vez, eu estava deixando
ir embora a minha adicta. Eu me sentia vazia por dentro.
Foi quando comecei a pegar o Segundo Passo: “Viemos a acreditar que um poder maior
do que nós poderia devolver-nos à sanidade”. Amo tanto a este passo! Ele me permitiu ver que
eu precisava preencher a mim mesma com alguma outra coisa. Reuniões de NA, minha
madrinha, o grupo e o trabalho dos passos – tudo isto iria ajudar a me restaurar à sanidade. Cada
dia daqueles dois primeiros anos era
115
difícil, mas era “um programa de primeiras-vezes” – a primeira vez alimentando a mim e à
minha whanau limpa, a primeira vez que me encontrei com as professoras e que levei as crianças
à escola limpa, a primeira vez que paguei as contas limpa, a primeira vez abrindo uma conta no
banco limpa, partilhar nas reuniões limpa, tomar café com outros adictos limpa, a primeira vez
que fiz sexo limpa (esta foi grande). Aos poucos, comecei a mudar. Eu me lembro do primeiro
dia em que acordei sem ter o desejo de usar drogas. Levou dois anos, mas o desejo foi removido
por aquele momento. Uau, esta foi uma marca grande. Por um momento, minha sanidade tinha
sido restaurada. Comecei a me sentir bem sobre quem eu era e sobre o lugar a que eu pertencia
neste mundo.
Comecei a compreender a mensagem de esperança para esta adicta. Depois daquele
milagre, decidi sair da previdência e voltar para a escola – me formei em serviço social. Eu tinha
saído da escola com quinze anos, não tinha educação formal alguma e pensava que era burra –
mas isto foi possível porque eu encontrei as salas de NA. Minha família também ficou bastante
chocada, pois eu sou a única na família a ter ido à universidade. Agora, já tenho sido um membro
produtivo da sociedade por algum tempo, mantendo um emprego direito de “madame” pelos
últimos quinze anos de recuperação. Às vezes, me deixa passada: estou nessas reuniões
profissionais pensando: “será que é realmente eu?”. Às vezes, eu me belisco diante dos milagres
de minha vida. Eu tenho o presente maior: a companhia de minhas crianças, respeito e aroha.
Isto foi, realmente, um milagre. Comprei minha primeira casa em recuperação, tenho um
trabalho bacana que eu adoro e pelo qual sou paga, tirei a minha carteira de motorista aos trinta e
tenho um carro, tenho dinheiro no banco pelo qual trabalhei duro. Eu não tenho que roubar e
furtar para conseguir chegar no fim do mês, não estou mais parada nas esquinas das ruas
esperando pelo homem aparecer, não tenho mais polícias arrebentando minha porta e tenho esta
fé inabalável de que tudo vai ficar bem, não importa o que aconteça, enquanto eu não use, vá a
reuniões e confie em meu poder superior.
Se você é novo no programa e está lendo isto, por favor dê um tempo para você. Vá em
frente, faça um dia de cada vez, minuto por minuto se for preciso, telefone para alguém de NA e
vá a uma reunião que eu te prometo, existe esperança para nós adictos e os milagres acontecem
bem além de nossos sonhos mais doidos.
Arohanui: A vontade de Deus para todos nós.
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Ela pensou que era uma viajante, mas era, na verdade, uma necessidade de fugir de si mesma.
Esta adicta norueguesa encontrou o seu caminho para casa em uma ilha do mediterrâneo.

Ao final da estrada

Cheguei à minha primeira reunião de NA graças a voluntários de décimo-segundo passo.


Não é que eu não tenha tentado parar de usar; eu não tinha feito mais nada além disso nos
últimos anos. Mas, de todos modos, eu tinha tentado sozinha. Viajei ao redor do mundo,
mudando de cidades e de continentes. Eu teria mudado de planeta se eu pudesse. Tentei de tudo
para ficar longe das drogas. Parei em diversas ocasiões. Substituí uma droga por outra. Tentei
mudar de namorados. Tive um bebê, achando que era certo que isso ia me fazer parar de usar.
Mas se eu não conseguia parar de usar por mim, como eu ia conseguir parar por outra pessoa?
Nada nem ninguém conseguia me parar.
Desde que me lembro sempre tive a necessidade de escapar de mim mesma e de meus
sentimentos. Quando criança, vivia no mundo dos livros e da fantasia num esforço para escapar
de emoções como medo, vergonha, inadequação, insegurança, inferioridade e super-
sensibilidade. Eu me tornei outra pessoa. Ia para longe de minha família sempre que podia para
poder experimentar algo diferente. Eu tinha que ter excitação, algo de diferente todo o tempo. Saí
de casa aos dezesseis anos de idade. Na época, eu já tinha começado a usar drogas. Terminei me
juntando aos hippies no início dos anos setenta, saí da Noruega e fui à Dinamarca. Continuei a
usar e comecei a contrabandear drogas porque eu não conseguia manter um emprego. Fui adiante
para a Índia – na trilha hippie – e terminei na “estação terminal”, que era Goa, na Índia. Aqui, eu
andava com doidos do mundo inteiro. Podia por as mãos em todo tipo de drogas. Achei que tinha
chegado ao Paraíso. Eu olhava de fora, mas não existe lugar como o paraíso para um adicto na
ativa. As drogas se voltaram contra mim. Fui aprisionada pela minha adicção e tentei fugir uma
vez depois da outra. Continuei meu comportamento criminoso e me tornei uma traficante de
drogas internacional. Terminei na cadeia mas continuava a usar mesmo encarcerada. Eu me
tornei uma consumidora de drogas extravagante. Eu tinha desenvolvido um estilo de vida de
drogas, festas e viagens. Mas as emoções das quais eu tentava escapar me alcançavam: vergonha,
medo, inferioridade, desespero e solidão somente ficaram cada vez maiores. Eu não podia mais
continuar. Teve um momento em que eu tinha certeza de que ia morrer uma adicta usando. Eu
estava
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perto da morte. Tinha desenvolvido bronquite crônica e os ataques ficaram cada vez mais
freqüentes. Um médico me disse que eu ia morrer disso.
Foi nessas condições em que dois membros de Narcóticos Anônimos me encontraram e
me trouxeram a mensagem de recuperação. Eles salvaram a minha vida. Eles me disseram que eu
tinha uma doença e que a recuperação era possível. Fui para um centro de tratamento e comecei a
freqüentar reuniões de NA. Eu me mudei de volta ao meu país de origem depois de estar longe
por dezenove anos. Enquanto passava alguns meses no sul da Europa, tive a oportunidade de ir à
minha primeira convenção local de NA e à minha primeira convenção regional Européia. Voltei
à Noruega, iniciei uma reunião de NA em minha cidade de origem e me tornei ativa em tentar
espalhar a mensagem sobre NA para o público. A maior parte do tempo, eu me sentava sozinha
naquela reunião de NA, mas quando parei de ficar tentando ouvir passos e, ao invés disto, me
foquei no fato de que eu estava lá pelo meu próprio bem, as coisas ficaram bem melhores. Eu era
um membro de NA, mesmo se eu estava lá sozinha.
Depois de um ano, me mudei para o sul, ainda limpa, e me envolvi em uma comunidade
de NA já estabelecida com dois ou três grupos funcionando. Formamos uma estrutura de serviço
e, devagar mas com segurança, NA começou a crescer na Noruega. Comecei a trabalhar os
passos e eu também, devagar mas com segurança, comecei a crescer.
Tenho a doença da adicção, da mesma maneira hoje quanto há uns anos atrás. Sou
impotente mas tenho um poder maior do que eu mesma em minha vida hoje que tem me ajudado
a ser restaurada à sanidade. Só por hoje, eu não preciso mais escapar de mim mesma nem de
meus sentimentos. Entrego minha vontade e minha vida a Deus como compreendo Deus, que
tem me aliviado de tentar controlar pessoas, lugares e coisas para tentar conseguir que as coisas
sejam do jeito que eu quero que sejam. Agora, é com Deus – os resultados, quero dizer; o
trabalho de base depende de mim. Assisto a reuniões regularmente, onde tento manter o foco em
levar a mensagem de recuperação e em dar de graça o que outros membros tão generosamente
me deram. Tive a oportunidade de trabalhar alguns Quarto Passos que me revelaram meus
antigos padrões de comportamento que não eram saudáveis. Eu me livrei da vergonha e da culpa
que tinham se tornado um peso tão grande. Tive a oportunidade de trabalhar minhas qualidades –
partes de mim que eu não sabia possuir. Nunca, nem em meus sonhos mais doidos, imaginei que
eu pudesse partilhar tão honestamente tudo sobre mim com outro ser humano, minha madrinha,
no Quinto Passo. Ao partilhar sobre mim, pude começar a gostar de mim. Sou apenas mais um
ser humano com defeitos de caráter e falhas. Que revelação.
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Mais adiante, no Oitavo Passo, fiz uma lista das pessoas a quem eu tinha prejudicado e
me coloquei em primeiro lugar na lista. Machuquei muitas pessoas, mas nenhuma tanto quanto
machuquei a mim mesma. Eu não tinha nada além de desprezo por mim mesma, então não havia
limite para a dor que eu infligia a mim mesma. Estava vagarosa mas certamente danificando a
pessoa lá no fundo de mim a quem eu detestava. Outras pessoas a quem machuquei, geralmente
eram pessoas próximas a mim. Eram pessoas que eu amava enquanto estava investindo pela vida
afora com minha necessidade egocentrada de gratificação imediata. Fiz reparações diretas
àqueles a quem fazê-lo não iria prejudicá-los ainda mais. Ao invés de infligir mais mágoa,
pratiquei o amor, a compaixão e o perdão. Minha experiência é a de que é muito mais fácil fazer
reparações diretas do que indiretas, porque a última leva muito mais tempo para fazer.
Continuo fazendo reparações para mim mesma diariamente. Hoje, cuido de mim.
Agradeço ao meu Poder Superior diariamente por minha vida e por minha recuperação. Estas são
duas dádivas que só depende de mim cuidar bem. Faço isto trabalhando o programa de
recuperação de NA e também praticando um estilo de vida saudável. Parei de me encher de
químicos. Como comida saudável, descanso, faço exercícios e delimito fronteiras quando
necessário. Na verdade, hoje, eu me trato com respeito e amor porque eu mereço.
No Décimo Passo, faço um inventário diário e olho para o meu comportamento ao longo
do dia. Hoje, sou mais capaz de dizer “desculpe, erro meu”, quando não ajo de acordo com meus
valores. Rezo e medito diariamente e tento agir de acordo com a vontade de Deus.
Freqüentemente, posso distinguir a vontade de Deus pelo modo como sinto as coisas. Se uma
resposta me atinge como um raio ou trovão, geralmente é a minha vontade. Se uma resposta se
desenvolve ao longo de tempo, geralmente é a vontade de Deus. Não sou mais controlada pelo
meu comportamento egoísta.
É assim que um despertar espiritual tem sido para mim. Tenho passado por uma mudança
radical de personalidade como resultado de trabalhar os Doze Passos. Ainda estou envolvida
ativamente em fazer serviço. Trabalho meu Décimo-Segundo Passo continuamente. Hoje, tenho
uma mensagem a passar adiante, uma mensagem de recuperação da doença da adicção. Só posso
manter o que tenho ao dar livremente e há muitas maneiras pelas quais posso levar a mensagem.
Eu não estava limpa durante aquele encontro com voluntários de décimo-segundo passo
muitos anos atrás em uma ilha do Mediterrâneo. Ao colocar minha filha pequena na cama,
naquela noite, usei o resto das minhas drogas. Sentei no chão da cozinha, por horas, chorando em
desespero. Aqueles membros de NA me disseram que a minha recuperação dependia só de mim.
Dependia de mim pedir ajuda. Quando fui dormir, naquela noite, eu tinha me
119
decidido. Eu queria ficar livre das drogas. O início do processo de rendição começou naquela
noite e, quando acordei na manhã seguinte, eu tinha esperança, pela primeira vez em anos.
Continuo gostando de viajar e continuo gostando de andar com adictos. Tenho tido a
oportunidade de experimentar NA como uma irmandade mundial. Antes, eu encontrava adictos
de todos os lugares do mundo. Agora, encontro adictos em recuperação de todos os lugares do
mundo. Que diferença e que privilégio.
120

INDEPENDENTE DE...

Nossa literatura nos diz que NA está aberto a qualquer um, “independente de idade, raça,
identidade sexual, crença, religião ou falta de religião”; as peças nesta seção também tocam em
classe econômica e ocupação. Os membros que partilham aqui escreveram sobre encontrar amor
e aceitação em NA e neles mesmos, mesmo quando isto era o que menos esperavam.
121
122
Quando cheguei à minha primeira reunião de NA, com quarenta e dois, ouvi uma mulher dizer,
“se houver alguém aqui que está vindo pela primeira vez, por favor venha até aqui à frente para
pegar um chaveiro branco.” Todas as sessenta pessoas se viraram e olharam para mim. Fui para a
frente da sala, sem saber que eu estava prestes a ter o primeiro contato físico com outro ser
humano em mais de quatro anos. A mulher maravilhosa que me deu o chaveiro me abraçou
como se estivesse segurando um de seus próprios filhos e me sussurrou ao ouvido, “você nunca
mais vai precisar usar de novo”. Ela me deu algo que eu não tinha tido por muitos anos –
esperança.

Agora, sou um cidadão de terceira idade aos sessenta e cinco com treze anos limpo e um avô de
duas crianças que me ensinam o princípio espiritual do amor incondicional. Ser capaz de fazer
algo por alguém além de mim mesmo tem sido a experiência mais gratificante de minha vida.

*******
Minha primeira internação foi aos doze anos de idade, logo depois de começar a usar drogas.
Mesmo não gostando da sensação de estar doidão, continuei usando. Usei drogas que eu disse
que eu nunca usaria. Pensava em suicídio todos os dias e enfiei uma espingarda na minha boca
aos quatorze mas não consegui puxar o gatilho. Eu era um preso condenado aos quinze e odiava
minha vida.

Usei por mais ou menos dois anos e meio no total. Parei enquanto estava em tratamento pela
terceira vez e continuava a me sentir infeliz. Eu precisava de uma resposta. Fui apresentado a NA
mais uma vez naquele tratamento. Tinha ficado cansado de viver na dor e cada vez criar mais
dor. Eu queria alívio.

Nós lemos o Texto Básico e desta vez eu acreditei. Comecei a sentir que eu estava em um
caminho que podia me levar para fora da minha dor. No dia que saí do tratamento, fui direto a
uma reunião. Eles me disseram que me amavam e que eles queriam que eu continuasse voltando.
Continuei.

********
Sou um Esquimó, nascido e criado no norte escuro e congelado. Quando vestia minha parca
costurada à mão que minha mãe tinha feito, os garotos gozavam de mim. Eu odiava a minha
parca, a minha mãe, minha etnia e a mim mesmo.
123
As drogas tiravam a rebarba e me ajudavam a esquecer. Em algum momento, saí com uma bolsa
que minha tribo oferecia. Minha doença progrediu e eu gastei a maior parte de meu dinheiro em
drogas. Um amigo que eu considerava pior do que eu me disse que estava indo a uma reunião de
NA. Perguntei se ele queria que eu fosse junto para dar apoio a ele e fui. Mal sabia eu que ia me
identificar com todas as leituras e com as coisas que os outros partilharam. Eu me senti tão bem
quando saí daquela reunião.

Tanta coisa aconteceu desde então. Por muito tempo, eu não conseguia partilhar na frente dos
outros. Com a ajuda do meu padrinho e meu trabalho comigo mesmo, fui capaz de partilhar mais
de uma dúzia de vezes. Isto é impressionante. Trabalhar os passos e ir a reuniões tem me ajudado
a me melhorar comigo mesmo, minha cultura e minha etnia. Hoje, sou orgulhoso de quem sou.

********
Em meu inventário, contei todos os meus segredos. Admiti para o meu padrinho até mesmo a
coisa que eu não ia contar para ninguém – eu sou gay.

Ele perguntou, “por quanto tempo isto tem te corroído?”


Eu respondi, “tanto quanto posso me lembrar”.
Ele perguntou, “o teu poder superior sabe que você é gay e isso está tudo bem para ele?”
Eu respondi, “já que foi deus que me criou, tenho certeza que sim. E eu acredito que está tudo
bem para ele”.
“Então, o único que tem um problema com esse assunto é você”, ele disse.

Ele tinha mesmo razão. O medo tinha sido o fator motivante por toda a minha vida, me
impedindo de agir e de crescer e de ser eu mesmo. Eu aceitei que o meu poder superior somente
quer que eu faça o meu melhor e deixe os resultados por conta dele. Sinto que fui agraciado com
a recuperação.

********
Como Nativa Americana, fui ensinada que nasci com um espírito e que fui abençoada com sete
espíritos guardiões. Em minha adicção ativa, eles se dispersaram e não podiam me ajudar até que
eu quisesse me ajudar. Passei a acreditar que a adicção é uma doença viva, que respira e que irá
124
tirar da pessoa aquilo que ela mais ama. Vai despedaçar a vida da pessoa até que tudo tenha sido
perdido. Eu me lembro de dizer ao meu marido, em desespero, que o meu espírito tinha ido
embora.

Houve um momento em que fui banida de minha terra e de minha tribo. Estava encarando mais
de dois anos de prisão. Estava cansada e, de todo coração, queria a mudança. Minha irmã
falecida veio a mim em espírito e disse, “você pode ficar limpa, agora”. Eu acreditei nela. Com
NA, eu tenho sido capaz de tornar minha vida humilde. Fiz reparações a todas as pessoas e aos
meus ancestrais em público. Com um voto aberto, a tribo decidiu a meu favor e, agora, tenho
meu povo de volta. Meu espírito sobreviveu, graças à minha recuperação.

********
Cresci em uma família religiosa sinceramente devotada. A igreja era o centro de minha vida
social e eu freqüentava escolas religiosas. Entretanto, eu não me encaixava bem, mesmo quando
eu queria. Fiquei grávida fora dos laços do casamento e isto devastou minha família. Vi meu pai
chorar pela primeira vez. Escolhi manter a gravidez, em parte devido à minha religião mas
também porque eu me importava com o meu pai. Dei à luz a um menino lindo e renunciei a ele
em favor de outra família. A dolorosa verdade é que eu sucumbi à pressão de minha família, da
igreja e da sociedade.

Depois da faculdade, descobri as drogas e minha corrida não terminou enquanto eu não estava
mental e espiritualmente destruída. Fui parar num tratamento e encontrei uma mulher que seria a
minha madrinha pelos próximos dezenove anos. Por volta dos oito anos limpa, senti uma falta de
crescimento espiritual. Tive contato com um líder espiritual de uma tradição da Índia. Comecei a
estudar este caminho e experimentei a sensação de estar amando Deus. Tive medo de que a
irmandade de NA iria me rejeitar por minha dedicação a este caminho, mas a minha comunidade,
surpreendentemente, me apoiou. Mais recentemente, tenho me desenvolvido em uma tradição
espiritual que não é da Índia, mas é do México. Tenho um professor que nos tem mostrado uma
maneira de honrar o espírito e a terra. Tenho qualidades que estão começando a despertar e estou
redescobrindo uma parte de mim que há muito estava adormecida.

Vários anos atrás, encontrei o filho que eu tinha dado para adoção. É muito estranho e
maravilhoso. Não sou a mãe que eu teria sido se as coisas fossem diferentes. A melhor maneira
de descrever é que somos “estranhos íntimos” e isto é uma história que continua.
125

********
Demorou dois meses estando limpo e envolvido ativamente em NA e com os passos para que a
obsessão de ficar doidão se perdesse. E nunca mais voltou. Como ateu, eu olhava para os outros
adictos no programa como “o poder do exemplo”. Compreendi poder como a habilidade de
efetuar mudança. Vi poder naqueles à minha volta que estavam limpos e apreciando o mundo em
que viviam e buscando soluções para os seus problemas do dia-a-dia. E para mim, ver é
acreditar.

Tudo que aprendi em recuperação tem sido aprendido de outros adictos, aqueles com problemas
similares e que se esforçaram para superá-los. Eu faço as mesmas coisas que os outros membros,
exceto acreditar na oração. Acredito que, se a oração funcionasse, não haveria pessoas infelizes
no mundo. Mas NA funciona, enquanto eu estiver envolvido com os passos e tradições como
uma maneira de viver.
126
Quando ela ficou limpa aos dezesseis em Chicago, ela não tinha como saber que mais de vinte
anos depois ela estaria na Itália, sentindo como o serviço nos conecta a todos.

Crescendo em NA

Consegui chegar a NA pelos mesmos motivos que, em geral, as pessoas chegam e, graças
à irmandade e aos Doze Passos, eu literalmente cresci em NA ao mesmo tempo que NA cresceu
à minha volta.
Fiquei limpa em Chicago em 1983, quando eu mal tinha dezesseis anos e todas as
reuniões da área metropolitana cabiam em uma só folha de papel. A maior parte da nossa
literatura ainda não tinha sido escrita, tínhamos fichas de pôquer ao invés de chaveiros e o meu
primeiro Texto Básico era uma fotocópia da versão de aprovação de literatura. Havia poucas
mulheres e mais ninguém tão novo quanto eu era nas reuniões que eu freqüentava. Com seis
meses limpa, eu estava fazendo meu plantão atendendo à linha de ajuda de NA de um telefone
público na casa de apoio para delinqüentes juvenis em que eu estava morando.
Hoje, olhando para trás, parece que NA e eu éramos ambos adolescentes que cresceram
juntos. Foi um período de rápida expansão da irmandade – a cada fim-de-semana nós viajávamos
para reuniões ou fóruns, aprendendo como ficar limpos juntos.
A maneira como você se identificava nas reuniões tinha se tornado da maior importância
– nós estávamos forjando a nossa própria identidade como irmandade, dizendo, sim, nós
podemos nos recuperar em NA, só NA. O que aprendi depois de ter passado mais da metade de
minha vida em NA? Simplesmente que os básicos são só isto, básicos. Não há substituto para ser
de serviço, ter um bom padrinho ou madrinha, trabalhar os passos e ir a reuniões. Tive a sorte de
ter crescido com doze ferramentas incríveis para viver – os passos. Tive que confrontar muitas
dificuldades ao longo de minha recuperação. Mas nunca houve nada que as ferramentas de
recuperação não pudessem me ajudar a superar e, ainda mais importante, me ajudar a aprender e
a crescer com as dificuldades.
Quando eu tinha uns dez anos limpa, me mudei para uma reserva Nativo Americana
muito remota, onde não havia reuniões de NA. Pude me manter limpa e continuar a trabalhar os
passos mantendo relacionamentos fortes com outros adictos e com minha madrinha (com quem
estava há quinze anos).
Hoje, sei que posso fazer qualquer coisa que eu escolha fazer na vida, enquanto eu estiver
disposta a fazer o trabalho básico. Parti de ser uma desistente do ensino médio para ter uma
graduação de mestrado e trabalhar com tribos Nativas de todo o país em Washington, DC. Eu
ainda estava nervosa na primeira vez que tiveram que ver meus antecedentes para poder ter
permissão para ir à Casa Branca encontrar o presidente, até que me lembrei de que eu era
127
menor de idade quando fiquei limpa, então minha ficha estaria limpa! Viajei por todo o mundo e
fiz um trabalho no qual acredito e que irá trazer benefícios a outros.
E, agora, estou escrevendo isto na Itália. Comecei uma carreira nova, uma coisa que
adoro e que foi feita para mim e estou de volta no serviço de NA. Sou membro ativo no meu
grupo de escolha e Narcotici Anonimi na Itália. Tenho uma madrinha e sou madrinha de duas
mulheres fascinantes. O programa, aqui, parece muito com o NA no qual cheguei muitos anos
atrás e estou contente e honrada em ser parte de outro ciclo de crescimento em NA, desta vez, do
outro lado do mundo.
Três anos atrás, assisti à minha primeira convenção de NA Italiana. Cada reunião na
convenção era baseada em uma entrada do livro de meditações diárias Só por hoje. Em minha
primeiríssima reunião, ouvi um homem italiano com quatorze anos limpo dizer que ele lê esse
livro todos os dias e que isto ajudou a salvar sua vida e a mantê-lo limpo. Tive uma explosão
espontânea de lágrimas. Quando eu tinha dezoito anos, eu era coordenadora regional de literatura
e por dois anos coordenei o que chamávamos, na época, “projeto do livro diário”. Todo fim-de-
semana fazíamos workshops de edição no porão da casa da minha mãe onde eu dava entrada nas
versões corrigidas em um dos primeiros computadores Apple (era uma CPU com monitor
pequenininho portátil tudo em um!).
Durante este tempo, eu nunca parei de pensar sobre o impacto que podíamos ter em outra
pessoa. Eu não me dei conta disto até anos mais tarde quando eu estava do outro lado do mundo
em uma convenção. Lá, ouvi outra adicta falando em italiano sobre a sua vida ter mudado como
resultado da literatura na qual nós tínhamos trabalhado no porão da casa da minha mãe. Hoje,
compreendo como o que fazemos em nossas vidas e em nossa recuperação pode ser sentido ao
redor do mundo. Através de NA e do serviço que fazemos pela irmandade, cada um de nós está
conectado de alguma maneira. Vindo de uma tradição Nativo Americana, sempre me ensinaram
que nós somos todos aparentados e interconectados. Em minha adicção ativa, eu nunca entendi
ou acreditei nisto. Através de Narcóticos Anônimos, eu agora compreendo porque preciso
continuar voltando, não importa quanto tempo eu esteja limpa. Finalmente, compreendo o que
minha família tem tentado me dizer todos esses anos. Mitakuye oyasin. Somos todos parentes.
128
A adicção tirou dele as suas raízes Judaicas Ortodoxas, mas a recuperação ajudou-o a forjar
um novo relacionamento com um Deus de sua compreensão.

Um terceiro passo para mim, um salto gigantesco para minha recuperação

Nasci em 1954. Fui adotado, ao nascer, por uma família judaica ultra-ortodoxa da cidade
de Nova Iorque. Os meus pais eram pessoais muito honradas. Meu pai era um homem humilde,
espiritualmente justo. Ele era dedicado à sua religião. Eu não poderia ter tido pais melhores. Eles
sempre me disseram a verdade sobre ter sido adotado. Ainda que os meus pais me amassem
muito, eu me sentia abandonado pelos meus pais naturais. Eu me sentia diferente. Sentia que não
pertencia; que não me ajustava. Acreditava que eu tinha tido uma sorte fora do comum por ter
uma família que me amava, mas achava que, na verdade, não merecia isto. Sempre me senti
sozinho e inferior. E eu sempre soube que havia algo que eu poderia fazer para me sentir melhor
por dentro, só que eu não sabia o que era que eu tinha que fazer.
Fui educado à maneira ortodoxa tradicional. Íamos ao templo semanalmente, rezávamos
três vezes ao dia, comíamos somente comida kosher, observávamos o Sabbath e os feriados.
Aprendi a ler hebreu ao mesmo tempo que aprendi a ler inglês. Quando jovem, trouxe muita
alegria aos meus pais. Quando eu tinha doze anos, corri para dentro de uma casa que estava se
incendiando e ajudei a uma senhora cega a se salvar. Saí na primeira página do jornal. Meus pais
estavam muito orgulhosos de mim. Mas tudo o que eu queria era ser igual a todo mundo. Nós
nos vestíamos de forma diferente das outras pessoas, agíamos de modo diferente, falávamos uma
língua diferente e comíamos comida diferente. Eu realmente queria ser bacana.
A adicção não foi um comportamento aprendido. Sou um adicto desde que eu posso me
lembrar. Primeiro, usei a fantasia para sair de mim mesmo. Eu me vestia como Super-homem e
dava voltas correndo com meus braços à minha frente, como se eu pudesse voar. Queria muito
ser um super-herói. Fui ensinado sobre o poder da oração: se eu rezasse no momento certo, no
local certo e com a intenção correta, as minhas orações seriam atendidas. Freqüentemente, rezava
para que Deus permitisse que eu voasse e tivesse superpoderes. Eu não ia utilizar meus poderes
para roubar bancos. Eu queria utilizar os meus poderes para ajudar as pessoas necessitadas. Mas
Deus não me deixou voar. Quando cresci e deixei de lado as manias de super-herói, eu “substituí
uma pela outra” e comecei a tocar guitarrra imaginária. Todo dia eu voltava da escola para casa,
ia para o meu quarto, colocava um disco, ficava na frente do espelho e tocava junto com a banda.
Por aquelas uma ou duas horas eu não era um garoto judeu do Bronx. Eu era o quinto Beatle. Era
o sexto Rolling Stone. Então, minha mãe gritava que era hora do jantar e eu tinha que voltar a ser
eu.
129
Um dia, meus pais saíram à noite. Peguei uma garrafa do vinho do meu pai e, quando eles
voltaram para casa, me encontraram desmaiado no chão da sala com uma garrafa de vinho vazia.
Eu nunca mais toquei guitarra imaginária. Tinha encontrado uma nova maneira de sair de mim
mesmo. Mais ou menos nessa época, li um artigo, em uma revista, sobre pessoas que usavam um
determinado tipo de droga, ficavam achando que podiam voar e pulavam de um prédio para suas
mortes. Qualquer um que lêsse esse artigo diria, “eu vou ter que ficar longe dessa droga”, mas
não eu. Eu disse, “finalmente, agora eu sei como vou fazer para voar”.
Meu pensamento não era que eles tinham morrido porque tinham usado, tinham morrido
porque eles eram burros e eu ia ser mais esperto que eles. “Vou usar essa droga e, se eu achar
que posso voar, começo a bater os braços enquanto fico no chão e vôo até o topo do edifício”.
Era essa a minha lógica.
Logo comecei a me afastar das minhas observâncias religiosas. Profanava o Sabbath
fumando. Parei de observar as leis religiosas por causa de minha necessidade de continuar a usar.
Toda vez que tive que escolher entre minha tradição e usar, eu, dolorosa e relutantemente
escolhia usar. Me afastei cada vez mais, até um estilo de vida sobre o qual eu não sabia nada e,
na verdade, do qual não gostava. Meu pai tentou tudo que pode para me ajudar a parar de usar.
Ele teria feito qualquer coisa. Por mais que eu respeitasse e amasse meus pais, a doença da
adicção me fez trazer para eles nada além de vergonha e tristeza.
Continuei a usar todos os dias, trocando de uma droga para outra, vagando de uma cidade
para outra. À medida que empurrava as pessoas para longe de mim, elas começaram a desistir de
mim e eu comecei a desistir de mim mesmo. Fui tropeçando pela vida sem esperança com
relação ao futuro. Tudo que eu fazia terminava em desastre. Um casamento falido, uma carreira
falida, uma falência geral. Fiquei limpo por um dia para assistir à cerimônia de bar mitzvah do
meu filho e tive que sair no meio da recepção para voltar para a casa de crack. Eu estava pronto
para morrer. Não tinha sobrado nenhuma razão para viver. Eu era uma mancha no nome da
minha família. Tinha vergonha daquilo que eu tinha me tornado.
Finalmente, em dezembro de 1993, dei entrada em um centro de desintoxicação. Entrei
pesando 55 quilos. Meus braços e coxas tinham a mesma grossura. Eu parecia um sobrevivente
de campo de concentração. Eu estava raivoso, arrogante, de mente fechada, com ódio, teimoso e
em completa negação sobre a doença da adicção. Cara, eu era um problema sério nas mãos deles.
Eles tentaram me convencer de que eu tinha um problema com drogas, mas o uso era a solução
para qualquer problema que eu pudesse ter tido.
Quando desisti da escola porque estava usando todos os dias, eu não tinha tido um
problema com drogas, eu tinha um
130
problema educacional. Quando saí da casa de meus pais porque estava usando, eu não tinha tido
um problema com drogas, tinha um problema de família. Quando minha mulher me deixou
porque eu estava usando na frente das crianças, eu não tinha tido um problema com drogas, tinha
um problema conjugal. Quando vendi o carro da família por umas duas “pedras”, eu não tinha
tido um problema com drogas, tinha um problema de transportes. A minha negação estava nestas
condições quando fui apresentado a Narcóticos Anônimos.
Consegui passar pela desintoxicação e por uma instituição de tratamento e terminei sendo
mandado para uma casa de apoio ao norte do estado de Nova Iorque. Assisti à minha primeira
reunião de NA na noite que cheguei. Levantei minha mão e disse que eu era novo ali e eles me
passaram uma lista de reuniões ao redor da sala para juntar números de telefone dos outros
membros para que eu ligasse. Eu ainda tenho essa lista de reuniões. Ela andou na minha carteira
pelos primeiros dez anos da minha recuperação. Agora, ela está rasgando e eu a mantenho na
minha sala de estar. De vez em quando, olho para aqueles nomes e vejo que a maioria daquelas
pessoas que colocaram seus nomes nela ainda estão limpos.
Comecei a servir bem cedo na minha recuperação e fui beneficiado grandemente por
encontrar a humildade através do serviço. Comecei a trabalhar os passos com meu padrinho. Por
um longo tempo tive dificuldades com o terceiro passo. Eu não conseguia compreender a
diferença entre espiritualidade e religião, e eu tinha que estabelecer um novo relacionamento
com um Poder Superior. Esta dificuldade tem sido o maior desafio da minha recuperação.
Também tem sido a experiência mais gratificante da minha vida. Meu padrinho pensou que eu ia
passar pelo trabalho do Terceiro Passo em alguns meses e que eu ia começar a escrever o meu
Quarto Passo lá pelo final do ano. Em vez disto, passei quase vinte meses buscando um Poder
Superior amoroso e protetor que iria “guiar-me na minha recuperação e mostrar-me como viver”.
O problema era que a minha idéia de Poder Superior era de um homem velho com uma
barba longa que tinha um cartão com a pontuação da minha vida em uma mão e um raio na outra.
Definitivamente, ele ia me mandar para o inferno. Como é que eu podia tomar a decisão de
entregar a mnha vontade e a minha vida aos cuidados dele? Mas era bem evidente, para mim,
que aquelas pessoas em NA que tinham trabalhado o Terceiro e o Décimo-primeiro Passos
tinham uma certa serenidade neles que eu não tinha. Eu queria tanto ter isso. Tive que encontrar
uma nova definição de Poder Superior. Levou muito tempo. Pesquisei na biblioteca, na internete.
Fui a retiros espirituais. Fui ao culto no templo e conversei com o rabino. Falei com muitas
pessoas na irmandade sobre o Poder Superior delas. Algumas destas experiências foram muito
boas e outras não. Um dos retiros que fui me deixou totalmente desligado. Mas, ainda assim, não
deixei que isso me dissuadisse de trabalhar este passo.
Aos poucos, as coisas começaram a mudar. Comecei a falar com o meu Poder Superior
regularmente. Eu
131
comecei a ver o meu Poder Superior agindo na vida das outras pessoas e comecei a agradecer a
ele por isso. Comecei a ver evidências de que meu Poder Superior estava agindo na minha vida.
Comecei a rezar por outras pessoas e a ver algumas de minhas preces ser atendidas. Então,
separei um tempo especial para, regularmente, falar com o meu Poder Superior e pedir à Sua
ajuda na minha busca para encontrá-lo. Então, um dia, enquanto eu meditava, notei que meu
Poder Superior não estava mais carregando um raio com ele. Esta revelação me permitiu a me
aproximar mais do meu Poder Superior. Aos poucos, notei mudanças em mim. Comecei a ver o
lado bom das pessoas à minha volta. Comecei a compreender os problemas das outras pessoas e
a rezar por elas para que encontrassem uma solução. E depois de construir um relacionamento
com o meu Poder Superior e com a Irmandade de NA, eu também não via mais o cartão de
pontuação na mão dele. Cheguei à revelação de que eu era uma pessoa boa e que eu não ia
terminar no inferno. Agora, é difícil para mim imaginar que uma pessoa possa fazer trabalho de
H&I por diversos anos e ainda achar que vai para o inferno.
Eu continuo nesta jornada. Continuo crescendo. Meu amor por meu Poder Superior está
se fortalecendo a cada dia. Alguma coisa dentro de mim ainda está me chamando para voltar
para a minha religião. Tentei voltar aos cultos. Uma companheira adicta me convidou a ir ao
templo com ela nos feriados. Não foi tão ruim quanto da última vez. As coisas estão melhorando
devagar. Estou ficando mais confortável com meu relacionamento com meu Poder Superior. Sei
que hoje não posso voltar às práticas religiosas ortodoxas de minha juventude. Mas estou
chegando cada vez mais perto. Meu relacionamento com meu Poder Superior me lembra de uma
história que meu pai costumava contar sobre um pai cujo filho tinha se afastado. Um dia, depois
de muitos anos, o pai mandou um mensageiro encontrar o seu filho e dizer a ele para voltar para
casa. O filho respondeu, “não posso”. Então, o pai mandou o mensageiro de volta para dizer,
“então, se aproxime o tanto que conseguir que eu faço o restante do caminho e vou ao seu
encontro”. Meu Poder Superior tem feito o restante do caminho para me encontrar. Sei, hoje, que
o meu Poder Superior está completamente de bem com o local onde me encontro, mas que ele
continuamente coloca oportunidades no meu caminho para que eu cresça espiritualmente. Só que
essas oportunidades são, freqüentemente, disfarçadas de catástrofes. Elas podem ser somente
experiências ou podem ser experiências de aprendizado. Depende de mim. Tenho uma escolha.
Sou realmente grato ao programa de Narcóticos Anônimos. Minha vida, agora, tem um
propósito. Eu me amo e amo a todos à minha volta. Sou grato aos meus predecessores que se
certificaram de que haveria uma cadeira para mim, com um folheto sobre ela, em NA. Tenho
uma dívida de gratidão para com eles. A única maneira que conheço para retribuir esta dívida é
me envolver e me certificar de que haja uma reunião com uma cadeira disponível para um
recém-chegado hoje. Todo mundo me fez sentir bem-vindo. Como sou grato que eu
132
pude ficar limpo! Nunca mais quero usar de novo. Percebi que estar limpo e viver limpo é como
ter a sua primeira TV a cores. Você nunca mais quer voltar ao preto e branco. Eu me aproximo
de recém-chegados e procuro por pessoas que estão com dificuldades com o seu conceito de um
Poder Superior e partilho minhas experiências com eles. Hoje, sou realmente grato que Deus não
me deixou voar. Este programa funciona.
133
134
Após uma vida sentindo-se diferente, este adicto encontrou a chave para se conectar em um
workshop sobre necessidades comuns.

Finalmente conectado

Sou uma adicta que passou muitos anos lutando contra a maré esmagadora da adicção a
drogas ativa. Sou lésbica e me sentia odiada por isso e que a minha vida nunca iria me oferecer
as coisas que os outros pareciam conseguir tão facilmente. Convencida de que minha orientação
sexual era o maior problema, dia a dia fui ficando mais enraivecida e desafiadora contra as
pessoas e as instituições. A alienação, os problemas legais e minha vergonha, culpa, solidão,
degradação e desespero chegaram a ser um ciclo tão frenético em minha vida que houve um
momento em que o suicídio parecia ser a única opção boa. Através dos serviços de intervenção
do pronto-socorro de um hospital, me vi sendo encaminhada a uma instituição de tratamento.
Fui apresentada ao programa de Narcóticos Anônimos através de um grupo de pessoas
que dedicavam tempo voluntário a coordenar reuniões de Narcóticos Anônimos em diversos
centros de tratamento. Na época, minha única contribuição a estas reuniões era o ressentimento,
a raiva, a dor e a desesperança que emergia quase toda vez que eu partilhava com o grupo. Os
coordenadores sempre me diziam que as coisas iam melhorar. Muito embora eu tenha resistido a
cada passo da caminhada, houve algo que ficou comigo do carinho e preocupação que eles
demonstravam durante e após as reuniões.
Finalmente, comecei a ouvir o que as outras pessoas partilhavam durante as reuniões. As
leituras de grupo me interessavam independentemente de minha sensação de ser diferente de
todo mundo. Comecei a já não ver a hora de chegarem estas reuniões que eram um alívio
temporário à minha dor, confusão e medo constantes. Um dia, a percepção de que eu estava
ficando limpa mexeu comigo; dei boas-vindas a esta mudança em minha vida como uma pessoa
afogada que descobre uma bóia. Finalmente, fui capaz de pronunciar as palavras “sou uma
adicta” com uma nova compreensão. Isto é o que eu chamo de minha “inscrição” no programa.
Chegou o momento em que compreendi que a única maneira de prevenir a volta ao mesmíssimo
ciclo de destruição que deixei nas ruas era substituí-lo pela recuperação.
À medida que fui ficando limpa, mais privilégios me eram dados no centro. Assistia a
reuniões de fora, passava tempo com outros adictos que se dispunham a ir me buscar e ia a
atividades que eram organizadas por diversos grupos. Gostei de fazer estas coisas porque, pela
primeira vez na vida, eu estava vivendo uma vida e me divertindo sem ter que usar drogas. A
vida tinha melhorado
135
dramaticamente em um período de tempo bem curto mas, mesmo assim, eu ainda faltava uma
sensação real de fazer parte. Havia outros adictos que partilhavam comigo sobre ser gay, mas eu
achava que eles evitavam falar do assunto nas reuniões por estarem envergonhados de sua
orientação sexual. Meu objetivo secreto era assistir a uma reunião de Narcóticos Anônimos de
gays e lésbicas para, finalmente, ter o meu estilo de vida único e os meus sentimentos de
alienação verdadeiramente validados. Finalmente, o centro me permitiu assistir a uma reunião de
propósito especial. Eu mal podia esperar para explicar ao grupo o quanto era irônico este título
para uma reunião. Meus propósitos não eram especiais. Eu era uma lésbica tentando trabalhar um
programa que pessoas hetero tinham criado.
Saí daquela reunião de propósito especial desapontada; ninguém abordou o fato óbvio de
que ser gay era diferente da norma. A reunião não aconteceu de nenhuma maneira diferente de
qualquer outra reunião que eu tinha assistido até então e eu tinha esperado que acontecesse.
Voltei toda semana, pensando que seria diferente, mas os adictos de lá falavam sobre as mesmas
situações sobre as quais eu ouvia nas outras reuniões. Levou algum tempo até que eu percebesse
que era esperado que eu arranjasse uma madrinha, trabalhasse os passos e fosse às reuniões como
se a minha orientação sexual não importasse. Quando eu, finalmente, ganhei coragem para
explicar a minha indignação e desapontamento a outro adicto em recuperação gay, eles só riram
e me disseram que ficar limpo vinha em primeiro lugar; as soluções para os meus problemas
viriam logo após. Fiquei abismada em ver que esta pessoa não reconhecia a injustiça e o ódio que
as pessoas gay encaravam em suas vidas cotidianas. Ficar limpa era maravilhoso mas nunca iria
resolver os problemas reais que nós tínhamos que encarar como indivíduos gays, lésbicas,
bissexuais e transexuais. Aprendi a manter esses sentimentos para mim mesma, esperando que,
um dia, eu poderia ajudar a outra pessoa gay a compreender que ela podia ficar limpa apesar da
alienação e ódio que encaravam diariamente.
Logo após esta decisão, os adictos que vinham ao centro de tratamento, anunciaram
excitados que iria haver uma convenção de Narcóticos Anônimos no estado. Seu entusiasmo e
disposição de nos apoiar nesta convenção conquistou o diretor do centro. Eu me vi no banco de
trás do carro de uma das funcionárias de apoio em minha primeira saída para fora da cidade.
Durante a nossa viagem, descobri que ela também era companheira de Narcóticos Anônimos e
que acreditava que, com a ajuda da irmandade, qualquer adicto podia praticar o programa com
sucesso e aprender a se manter limpo. Ela fazia parte de um grupo responsável por esta
convenção e, muito certamente, por minha ida. Nós falamos sobre ficar limpa todo o caminho e
alguma coisa dentro de mim quebrou só um pouquinho. Disse a ela que estava com medo. Ficar
limpa no centro
136
estava sendo mais fácil, agora, mas eu estava com medo de pensar que eu iria ter que sair logo e
ficar limpa sozinha. Foi quando eu ouvi a coisa mais profunda que jamais algum adicto em
recuperação tinha me dito e isso foi que quando você está na Irmandade de Narcóticos
Anônimos, você nunca está sozinha. Nunca quis tanto acreditar em alguém quanto eu queria
acreditar nas palavras dela.
Na convenção, me senti imediatamente esmagada pelo número de pessoas que estavam
presentes. Não tinha nenhuma certeza sobre o que eu estava sentindo. No dia seguinte, foi
sugerido que eu me voluntariasse para cumprimentar e abraçar as pessoas na convenção. Isto era
difícil para mim, mas parecia que os outros adictos não percebiam a minha inadequação. Por
causa de minha falta de idéias melhores, e nenhum lugar para me esconder, fiz um turno de
quatro horas de voluntária e, então, olhei na programação de workshops buscando algo
interessante para assistir.
Fui ao workshop de gays e lésbicas naquela tarde. A esta altura, eu estava totalmente
exausta de tanto abraçar e cumprimentar que não conseguia expressar a minha frustração e
descontentamento para com o tema especial desta reunião. Meus pensamentos estavam nublados
e eu tive que me esforçar para segurar as lágrimas que ficavam enchendo meus olhos. Escutei
cada gota que os dois oradores partilharam naquele workshop. Então, eu me sentei lá e ouvi
outros adictos que foram à frente para partilhar seus pensamentos brevemente.
Ao olhar para trás, vejo esta experiência e percebo que, ainda que a mensagem tenha sido
partilhada em outras reuniões de propósito especial, esta foi a primeiríssima vez que eu ouvi
adictos gays e lésbicas falarem sobre suas dificuldades internas em aprender a se identificar.
Percebi que não era o ódio da sociedade que me impedia de me sentir conectada; era o meu
próprio ódio que eu tinha que combater. Ninguém tinha causado tanto dano para mim, à respeito
de minha sexualidade, quanto eu causei a mim mesma ao me achar única, vitimizada e com a
mente fechada. Encontrar um lugar de paz teria que vir através do trabalho dos Doze Passos com
alguém que tivesse o conhecimento e a experiência no trabalho destes passos. Não tenho certeza
se foi porque eu me sentia tão esmagada, ou cansada, ou perdida naquele momento do tempo.
Tudo que sei é que eu não conseguia mais encontrar energia para brigar intelectualmente com as
pessoas que queriam me ajudar. Foi quando eu realmente comecei a sentir meu caminho pelo
programa de Narcóticos Anônimos.
A experiência daquela primeira convenção mudou minha atitude sobre minha própria
vida e eu desejava ardentemente aquele sentimento poderoso de unidade e espírito de grupo todo
o tempo. Minha disposição de encontrar uma madrinha, partilhar meus pensamentos, fazer o
trabalho dos passos e ouvir aos outros foi lá para as alturas.
137
Depois de sair do centro, me vi sendo voluntária para todos os tipos de serviço: fazer
café, cumprimentar quem chega na sala, empilhar cadeiras, falar com recém-chegados e partilhar
pelas reuniões sobre a minha dificuldade em compreender os passos ao invés de falar das coisas
que eu achava serem inaceitáveis no mundo. Ninguém me rejeitou para um encargo por causa de
minha orientação sexual. Outras mulheres em Narcóticos Anônimos ofereceram a oportunidade
de que eu as amadrinhasse apesar de eu ser lésbica e quando estou procurando por uma
madrinha, ser gay nunca foi uma condição. A crença de que minha orientação sexual sempre
seria a dissidência entre eu e os outros se dissolveu. Meu encargo no meu grupo de escolha me
levou a assistir a reuniões de comitê de serviço de área e eu gosto da oportunidade de estar
envolvida nesse nível. Depois de algum tempo de envolvimento com minhas responsabilidades
de área, encontrei uma oportunidade de me tornar membro do comitê de planejamento para a
convenção que tinha acendido a chama da mudança em minha atitude. Nos últimos anos, meu
comprometimento com o serviço em Narcóticos Anônimos me levou ao comitê de serviço
regional e ofereceu oportunidades de aprender as responsabilidades de dois tipos diferentes de
encargos.
As oportunidades de trabalhar com os outros e me tornar parte desta irmandade amenizou
a necessidade doída que eu tinha de pertencer a algum lugar. Através do trabalho dos passos e da
prática do programa de Narcóticos Anônimos, descobri muito sobre mim mesma. Uma das
dádivas que recebi é o desejo profundo de trabalhar com outros. Este é o remédio que aplico às
velhas cicatrizes que raiva, medo, ressentimento e alienação deixaram. Não dá para expressar em
palavras em uma página a minha gratidão por esta maneira de viver; ela aparece sempre que
tenho a oportunidade de ajudar a outras pessoas em sua jornada de recuperação. Agradeço aos
membros de Narcóticos Anônimos por criar espaços como as reuniões de propósitos especiais
para propiciar a mim a chance de explorar alguns dos sentimentos que arrastei comigo para o
programa. Eu não fazia idéia de que a solução começaria com a minha aceitação de mim mesma.
Depois disto, desenvolvi naturalmente a capacidade de aceitar e me importar com os outros. Este
é, realmente, um programa de “nós” e eu nunca fiquei tão feliz e contente em descobrir que eu
sempre fui exatamente como todo mundo é.
138
Como membro de uma gangue do centro-sul de Los Angeles, ele não pensava ter um futuro. Mas
NA manteve a sua promessa e agora ele tem oito anos limpo e a vida que sempre quis.

De líder de gang a líder de debates

Cresci no centro-sul de Los Angeles. Quando era criança, eu tinha uma asma tão severa
que precisava tomar injeções a cada duas semanas para mantê-la sob controle. Eu me sentia
diferente das outras crianças, já que eu não podia correr ou brincar sem sofrer de um ataque de
asma. As brigas de socos foram a maneira que encontrei para lidar com os sentimentos que eu
tinha sobre ser diferente.
No ginasial, minha saúde melhorou, mas meu comportamento violento piorou. A casa em
que cresci ficava na fronteira entre gangues de rua rivais. Eu tinha medo desses caras, mas queria
que eles gostassem de mim. Um dia, encontrei um baseado no playground. Eu estava com medo
de mais de fumar, então dei para um cara mais velho que era membro de uma das gangues.
Depois disso, deixaram que eu andasse com eles. Aprendi o seu andar, seu modo de falar e o seu
comportamento. Depois que fumei meu primeiro baseado, me senti parte do grupo de verdade.
Logo, fumar erva era um acontecimento diário. Uma noite, fumei o que eu achava que era erva,
mas era PCP. Comecei a fazer experiências com drogas diferentes.
Da idade de treze anos em diante, assisti a, pelo menos, um funeral por ano, às vezes dois
ou três. Com tanta morte à minha volta, eu sempre pensei que podia ser o próximo e realmente
não pensava ter um futuro. À medida que os anos passaram, meu uso de drogas e as minhas
atividades violentas com a gangue aumentaram. Eu vivia uma vida de crime, carros rebaixados,
drogas e violência sem realmente saber que isso era um problema.
Depois que fui apresentado ao freebase de cocaína, nada mais importava, só isso. Sou o
pai de dois garotos e duas garotas, mas usar cocaína era tudo em que eu focalizava. Comecei a
vender todas as coisas que eu tinha adquirido, incluindo meu carro rebaixado personalizado e
premiado. Meus manos e minha família tentaram me impedir sem sucesso.
Em 1990, fui seqüestrado por uma gangue rival, porque o negócio com algumas armas
tinha dado errado. O primeiro cara colocou uma arma no meu peito e apertou o gatilho... não
acertou. O motorista disse para eles fazerem isso fora do carro. Eles me tiraram do carro e eu
comecei a lutar com o segundo cara pela arma. Ele colocou a arma no lado da minha cabeça e eu
ouvi um pop, senti um calor e vi um flash brilhante. Vi outro flash e senti o calor de um segundo
tiro, que entrou pelo meu pescoço. Eles me deram por morto e me largaram lá, mas eu cambaleei
até uma mercearia onde alguém chamou ajuda. A caminho do hospital ouvi os paramédicos
dizerem que eles estavam me perdendo. Esta foi a primeira vez em que eu realmente acreditei em
um Poder Superior.
139
Enquanto estava no hospital, me disseram que eu tinha sido acertado com três tiros, dois
no pescoço e um na cabeça. Os médicos removeram uma das balas da parte de trás da minha
cabeça; deixaram uma na minha nuca e uma ainda está alojada embaixo da minha língua. Fui
dispensado do hospital um mês depois e fui ficar com minha mãe em Atlanta, Geórgia.
Fiquei limpo por minha conta por um tempo mas, eventualmente, comecei a usar de
novo. Eu fui apresentado ao programa de Narcóticos Anônimos e partilhei limpo e vivi sujo até
que cheguei a um ponto em que não agüentava mais. Aos onze meses limpo, recaí e sofri meses
de uso. Voltei a tratamento e consegui acumular dezoito meses limpo. Usei de novo e, mais uma
vez, perdi tudo que tinha obtido – acima de tudo, o meu auto-respeito. Cheguei à conclusão de
que eu só podia me manter limpo se eu me rendesse ao programa. Eles me disseram: se as drogas
não te matarem, o teu estilo de vida vai. Eu tinha que ficar disposto a mudar o processo do meu
pensamento e, ainda mais, meu comportamento.
Atualmente, estou apreciando ter oito anos de recuperação com minha esposa e filhos.
Sou um profissional de sucesso, um estudante prestes a receber um diploma de bacharel e um
pai, avô e marido orgulhoso e devotado. Com meu Poder Superior e o programa de NA, estou
vivendo a vida que sempre quis. Aprendi que este é um programa de progresso, não de perfeição
e eu ainda tenho grandes mudanças à minha espera. A única maneira que posso conseguir obter a
liberdade que tantos outros já conseguiram antes é, em primeiro lugar, não usar, aconteça o que
acontecer, implementar os Doze Passos e ajudar a outros levando a mensagem de esperança.
Narcóticos Anônimos me fez uma promessa, anos atrás, e esta promessa era a liberdade da
adicção ativa. Obrigado, Narcóticos Anônimos, por cumprir a promessa.
140

Por ser HIV-positiva, quase negam cirurgia a esta adicta transexual. Esperar ajudou-a a
construir um relacionamento mais forte com um Poder Superior.

Terminalmente única

Meu nome é..., e eu sou só mais uma adicta. Às vezes, tenho que me lembrar disto: sou só
mais uma adicta. Como mulher transexual pós-operada, meu sentimento de ser única não é
injustificado; existem menos de cinqüenta mil de nós nos Estados Unidos. Somos uma minoria
caluniada e ridicularizada por muitos, discriminada e, muitas vezes, rejeitada por nossos amigos
e famílias. Pode ser uma existência dolorosa, de ressentimentos, medo, auto-piedade e auto-
aversão – sentimentos que minha doença adora explorar.
Ninguém sabe ao certo porque algumas pessoas são transexuais. No fim das contas, o
importante é que eu aceito a mim mesma. Quando era criança, eu sabia que tinha alguma coisa
de errado comigo, mas eu não sabia o quê. Muitos adictos se descrevem como sendo pessoas que
nunca se sentem parte, eu sentia isto e mais ainda. Adolescente, descobri que a maconha curava a
minha vergonha intensa e me fazia sentir que pertencia.
Apesar de meu novo personagem cabeludo, eu me alistei na Força Aérea dos Estados
Unidos. No serviço militar, eu festejava ainda mais forte, um cara “doido e descontrolado”. Eu
me entrosava com os meus colegas de festa, exceto por uma coisa: comecei a me travestir –
vestir roupas de mulher – escondido.
Eu não sabia de onde tinha vindo essa compulsão e tentei resistir a esse impulso.
Conseguia, às vezes, negar por meses, mas o sentimento sempre voltava. Eu sentia uma vergonha
profunda sobre meu segredo, então fumava ainda mais bagulho para diminuir a culpa. O que
tornava isso ainda mais intrigante era que eu achava as mulheres muito mais atraentes do que os
homens.
No início de 1983, me apaixonei por uma mulher que eu achava que ia me ajudar a me
curar daquilo que eu achava ser um mero fetiche. Ela aceitou meu passado desde que eu tivesse
parado e eu realmente acreditei que tinha. Três meses depois de eu propor casamento, fomos
morar juntos e eu comecei uma faculdade ao sul de São Francisco.
A escola me forçou a diminuir bastante o meu uso de droga e o meu “fetiche” voltou mais forte
do que antes. Lutei contra ele por mais de um ano e, finalmente, minha pesquisa na biblioteca da
faculdade sugeria fortemente que eu podia ser uma mulher transexual – uma mulher presa num corpo de
homem – o que levou a um divórcio apenas quinze meses depois do nosso casamento.
Iniciei o caminho da transição para ser mulher em tempo integral durante o meu último semestre
na faculdade. Todo mundo ficou doido. Todos os meus “amigos” me deixaram para lá, minha família se
afastou
141
e sofri abuso de desconhecidos, mesmo na escola. Nem mesmo a empresa de faxina doméstica
para a qual eu trabalhava permitiria que eu fosse trabalhar como mulher. Comecei a amaldiçoar a
Deus por me ter feito desse jeito, se é que existia mesmo um Deus.
Finalmente, eu disse que se dane o mundo hetero por me tratar assim. Motivada pela
rebelião tanto quanto pela pobreza, me virei para a prostituição – pelo menos as pessoas que me
pagavam pelo sexo eram gentis comigo. Isolada no bairro de baixo meretrício, com poucos
amigos verdadeiros e minha vida cada vez mais sem esperança, encontrei alívio em drogas
injetáveis. Três meses antes eu juraria que nunca iria usar uma agulha. Mas isso era comum para
a minha doença; eu estava sempre fazendo coisas que eu dizia que nunca faria.
Cinco meses depois, admiti que minha vida estava incontrolável, mas acreditava que era
o transexualismo que a tornava assim, então, tentei voltar a ser homem. Pouco depois de viver
como homem de novo, descobri que eu estava HIV-positiva. Os próximos dois anos trouxeram
uma espiral para baixo de adicção crescente, três meses de cadeia, duas internações psiquiátricas,
três tratamentos e meia dúzia de overdoses, das quais várias quase me mataram. Em resumo:
prisões, instituições e (quase) morte.
Todos os três tratamentos requeriam que eu fosse a reuniões de NA, onde ouvi uma
mensagem de esperança. Em agosto de 1988, dei entrada em mais um tratamento, só que, desta
vez, eu realmente admiti a mim mesma que eu era uma adicta. Quatro semanas depois, eu ainda
estava limpa; nem mesmo a cadeia ou o treinamento básico tinham conseguido isto.
Logo, minha mente ficou clara e comecei a sentir meus sentimentos de novo. Foi quando
eu soube que tinha um problema. Com seis semanas limpa, meu sentimento mais esmagador foi
o de que eu era uma mulher dentro do corpo de um homem. À medida que as semanas
progrediram, este sentimento se intensificou. Com dez semanas eu sabia com certeza que, se eu
não lidasse com minha transexualidade, eu voltaria ao uso ou cometeria suicídio.
Saí daquele tratamento sem casa, sem trabalho e sem dinheiro, mas eu tinha uma data de
tempo limpo, um padrinho e um grupo de escolha e isso era suficiente. Eu me joguei em NA, de
alguma maneira acreditando que tudo iria ficar bem. Milagres começaram a acontecer duas
semanas depois de ter saído do tratamento. Seis meses depois eu estava vivendo em um hotel
livre de drogas e começando um trabalho de programação de computador para empresas. Eu
rangia os meus dentes e me apresentava como um rapaz para ser contratado, mas acreditava que,
algum dia em breve, eu poderia ser eu mesma, uma mulher, todo o tempo. Por seis meses, fui um
modelo de adicto em recuperação e um empregado exemplar. Fui a reuniões diariamente bem
além dos noventa dias, trabalhei os passos com meu padrinho, li toda literatura de NA e tive
diversos encargos de serviço. Muito embora eu tivesse um terapeuta de gênero experiente, eu
precisava que meu programa de NA lidasse com sanidade com todas as dificuldades de
142
ser quem eu era.
Só porque eu estava limpa e não trabalhava mais com sexo não significava que as pessoas
iam parar de gritar “bicha” e “boneca” para mim nas ruas. Nem, também, meus pais aceitaram o
meu novo eu. E algumas pessoas ficavam me encarando quando eu entrava nas reuniões. Tinha
dias que eu fazia a Oração da Serenidade uma dúzia de vezes. O mais próximo que eu cheguei de
usar, naquele ano, foi quando abordei a minha gerente de departamento com uma carta do meu
terapeuta e expliquei que eu estava pronta para viver minha vida como mulher transexual em
tempo integral, inclusive no trabalho. Uma parte do peso nas costas aliviou quando ela disse que
eu era um bom empregado e que ela não tinha nenhum problema com isso, mas que a decisão
final seria do vice-presidente de divisão.
Meu padrinho e meus amigos de recuperação disseram que eu tinha feito tudo que podia,
que eu devia entregar para o meu Poder Superior – mais fácil falar do que fazer. Claro, quando
partilhava nas reuniões, eu falava de PS do jeito que todo mundo falava, mas eu tinha minhas
questões com Deus. Eu ainda não tinha perdoado Ele ou Quem-quer-que-seja por me fazer uma
mulher transexual, então eu tinha pouca fé de que eu não ia ser demitida. Ao invés de usar, fui ao
dobro de reuniões e rezei como se eu realmente acreditasse. Para minha surpresa, um mês depois
eu me tornei, oficialmente, a mais nova garota do escritório. Imagine só se eu tivesse cedido à
minha doença e usado, naquele fim-de-semana mais longo da minha vida!
Dois anos e meio depois de viver e trabalhar como mulher na minha carreira de escolha,
fiquei complacente. Eu tinha dinheiro, crédito e amigos e estava sendo paga como jornalista
freelance. Tinha esquecido aquela drogada patética que eu tinha sido. Além disso, eu estava
profundamente apaixonada por uma mulher e morando com ela. Eu não tinha muito tempo para
reuniões. De qualquer maneira, eu estava cansada de pessoas que ficavam me encarando. Eu até
tinha me distanciado do meu padrinho, então, estava me armando totalmente para uma queda.
Todo esse tempo eu tinha economizado dinheiro para a grande cirurgia que iria me tornar
anatomicamente mulher. Meu terapeuta concordou que eu estava pronta, mas em 1992 fiquei
arrasada por descobrir que nenhum cirurgião de mudança de sexo confiável consideraria me
operar por causa da minha infecção com HIV.
Todo o meu medo, ressentimento e auto-piedade vieram borbulhando à superfície mas,
em vez de procurar meu padrinho e minhas reuniões, busquei consolo na minha namorada.
Quando esse relacionamento se tornou disfuncional, fui direto para o modo adicto,
usando apenas seis dias depois do meu bolo de quatro anos. Voltei logo para NA, mas recaí de
novo. Passei três anos e meio convenientemente esquecendo que o álcool é uma droga. Finalmente,
retornei ao programa em março de 1997, empurrada por uma doença do fígado que, mais tarde, descobri
ser hepatite C. Comecei os passo de novo com minha nova madrinha, mas cravei os pés no Passo Três.
Deus tinha sido
143
quem tinha me colocado neste corpo de homem onde eu ia ficar presa para sempre por causa de
um vírus mortal. Talvez as novas medicações para HIV podiam me manter viva, mas e daí? Eu
seria um “esquisito” pelo resto da minha vida. Eu não queria ter nada a ver com Deus.
Por dois anos tudo o que fiz foi ir a reuniões mas, eventualmente, parei de fazer até
mesmo isso. Com três anos e meio limpa, me vi mergulhando em depressões cíclicas e
profundas. Uma ira repentina estava sempre prestes a explodir; eu me tratava mal. Mas eu não
queria usar. Eu queria me matar, literalmente. Em vez disto, arranjei uma madrinha nova, voltei
ao Passo Um e comecei de novo com noventa dias em noventa reuniões. Desta vez, trabalhei os
passos como nunca antes. Estudei a literatura como se eu estivesse me preparando para as provas
finais. Escrevi um mini-ensaio para cada passo. Passei semanas em um Quarto Passo exaustivo e
passei toda uma tarde fazendo o Quinto com minha madrinha. Também não hesitei quando
chegou ao Oito e Nove. Até fiz reparações com pessoas que tinham me ferrado grande, porque
esta era a minha limpeza doméstica espiritual, não a deles. Em um ano eu tinha completado todos
os passos, tão minuciosamente quanto pude.
Ao longo daquele ano, notei mudanças sutis. Eu não era mais tão rápida a explodir em
raiva e estava sendo muito mais gentil comigo mesma. Comecei a acreditar na afirmação que a
minha madrinha me prescreveu: “eu sou a criança preciosa de uma Deusa amorosa que quer que
eu seja feliz”. Acima de tudo, eu não vivia mais em medo e auto-piedade perpétuos. Meu
despertar espiritual não veio como um raio de luz mas aos poucos, ao longo de um período de
tempo. O primeiro grande teste veio no meu aniversário de NA de quatro anos, quando a
empresa para a qual estava trabalhando há doze anos teve demissões em massa. Por alguma
razão, eu não entrei em pânico como eu teria feito no passado. Ao invés de bater nas paredes,
respirei fundo e busquei um novo cargo na empresa. Do nada, me ofereceram um cargo melhor.
O milagre dessa dificuldade não foi a oferta de trabalho no último minuto, mas a resposta calma
tão incomum para mim. Foi o primeiro sinal de minha fé crescente.
A razão pela qual eu hoje tenho uma fé inabalável pode parecer estranha para a maioria
das pessoas, mas foi o momento mais poderoso de despertar espiritual. Em 2001, descobri um
cirurgião talentoso que podia me tornar fisicamente completa enquanto mulher, apesar do meu
HIV. A pegada era que meu sistema imunológico tinha que ficar estável em um certo nível. Dado
que minha contagem de células T, o primeiro indicador de minha saúde, estava sempre
flutuando, eu quase reverti as coisas vivendo em medo em vez de fé. Em lágrimas, confessei
minhas preocupações para minha madrinha que me disse que eu tinha que entregar para o Poder
Superior, me lembrando que “se for para você fazer essa cirurgia, então você vai fazer”. Quando
meus olhos se encheram de lágrimas sem esperança, ela me perguntou gentilmente: “quem é que
está no comando?”
144
Era o que eu menos queria e mais precisava ouvir. Quando chegou a hora que eu fiquei
de joelhos para a oração da noite, eu tinha entregado ao meu Poder Superior o melhor que pude.
Dormi como um bebê naquela noite. Alguns dias antes de eu ter que pegar o avião para a minha
cirurgia, tive uma percepção impressionante: Meu Poder Superior sempre soube o que era o
melhor para mim, mas o meu ego me dizia que eu é que sabia o que era melhor. Quando eu não
ficava em cima do que quer que fosse que eu queria, nunca antes tinha parado para pensar que,
talvez, as coisas aconteçam por uma razão.
Ao olhar para trás, finalmente compreendi que fui negada a cirurgia em 92 porque eu não
estava pronta para ela. Desleixei da minha recuperação e disse barbaridade sobre Deus, ainda
quase tão medrosa e egocentrada quanto como eu era quando tinha uma agulha no meu braço. Eu
não confiava realmente no meu Poder Superior e eu não podia ter lidado com essa montanha
russa de acontecimentos que foram os meses seguintes. Pensei que estava pronta, mas Deus sabia
que não era assim. Foi, de fato, uma bênção que fui forçada a esperar até agora por esta cirurgia.
Só espero que esta lição profunda fique para o resto da minha vida, para a próxima vez que eu
não conseguir o que eu quero, na hora que quero.
Ao escrever isto, estou chegando perto do meu nono aniversário em NA, grata por ter
sido curada da hepatite e por estar há três anos sem nicotina. Além de estar limpa, a maior dádiva
é a fé verdadeira em meu Poder Superior, a quem escolho chamar Deusa. A fé me ajudou a
ultrapassar a doença que costumava comandar a minha cabeça. Sempre que me pego me
desviando de volta para os meus defeitos, eu me lembro que a Deusa é que está no comando.
Tudo que eu preciso fazer é viver os princípios do programa o melhor que puder e Ela vai tomar
conta do resto.
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146
Quando ela começou a ir às reuniões aos dezesseis, ela só queria evitar uma sentença de prisão.
Para sua surpresa, ela encontrou serenidade através dos passos e do serviço. Esta é uma
história de nossa Primeira Edição, editada para inclusão aqui.

Como se soletra ‘alívio’?

Quando entrei em Narcóticos Anônimos pela primeira vez, eu tinha dezesseis anos e
estava cheia de reservas. Eu era jovem demais para parar de usar para sempre. Achava que ainda
tinha muita diversão para ter. A única razão pela qual eu estava lá era porque, se eu não
estivesse, eu seria colocada na prisão por dois anos.
Só que eu não estava me lembrando de que eu já não tinha diversão há algum tempo.
Claro, tinha tido alguns momentos excitantes, mas há anos eu que realmente eu já não me sentia
bem por dentro. Eu me sentia infeliz. Entrei neste programa de joelhos, esvaziada de todos os
sentimentos humanos. Eu estava como os mortos vivos.
Minha adicção começou quando eu tinha uns onze anos de idade. Matava aula, fumava
maconha, ficava bêbada. Quando eu tinha treze, já estava injetando heroína, vivendo na sarjeta a
4.500 quilômetros de casa, com um homem que não falava a mesma língua que eu. Quando olho
para trás, não posso evitar de ficar com medo do quanto a minha adicção progrediu rápido.
Quando eu tinha quatorze, fui parar em uma cadeia de segurança máxima para mulheres
por uns quatro meses. Menti sobre a minha idade para que eles não me mandassem de volta para
casa e eles acreditaram! Vejo isto, hoje, como um exemplo principal da minha insanidade.
Quanto ao meu eu espiritual, bem, este simplesmente não existia. Eu tinha um Deus de
emergência para quem rezava quando eu era trancafiada ou estava em uma situação apertada.
Imaginava que Deus tinha bem me tirado da Sua lista e que eu estava por conta própria. Tinha
parado de pensar em mim mesma como uma pessoa, muito menos alguém que pudesse ser
amada e amar. Eu achava estar estragada e com danos cerebrais ao dezesseis. Durante os últimos
seis meses de uso, apliquei todos os químicos que caíram nas minhas mãos e, ainda assim, não
conseguia encontrar alívio. Eu nunca tinha me sentido tão só e sem esperança. Eu me sentia
como se eu tivesse sessenta e cinco anos de idade e como se tivesse experimentado de tudo. Eu
tinha me vendido totalmente. Eu tinha sido estuprada diversas vezes, tive um aborto, vivido com
seis homens diferentes, tinha sido espancada e estava trancada de novo. Nada disto, entretanto,
era pior do que a prisão na qual eu me mantinha.
Nas condições que eu estava, não foi difícil para mim me render. Era claro ver que as
pessoas nas reuniões simplesmente não estavam sofrendo tanto quanto eu. Este foi o meu
incentivo para ficar limpa. Acho que este foi o único motivo pelo qual continuei por aqui no meu
primeiro ano.
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Durante o meu primeiro ano no programa, eu também fazia terapia. Esta era uma boa
desculpa para não trabalhar os passos. Quem precisa de uma madrinha? Eu tinha uma terapeuta.
Quem precisa fazer um Quarto Passo? Eu vou a um grupo para vomitar meus sentimentos. Eu
ainda estava para encontrar a recuperação. Então, uma coisa aconteceu. Comecei a me envolver
com o serviço. Isto me colocou em contato com adictos que tinham experimentado a
recuperação. Estas pessoas falavam de um Poder Superior e de entregar a sua vontade. Eles
também me diziam para arranjar uma madrinha e fazer um Quarto Passo. Mais uma vez, eu
podia ver que essas pessoas não estavam sofrendo tanto quanto eu estava então, segui suas
sugestões.
A primeira coisa que fiz foi olhar para mim mesma e me render incondicionalmente.
Acreditava sinceramente que um Poder Superior podia restaurar minha sanidade e que eu ia parar
de tentar descobrir qual era a vontade de Deus, mas simplesmente aceitar as coisas como elas
eram e ser grata.
Arranjei uma madrinha, fiz meu Quarto Passo e partilhei o meu Quinto. Senti um alívio
real e verdadeiro. Chamo esta paz interior de serenidade. Com um contentamento tão grande, foi
fácil continuar pelos passos.
Eu já não me odiava por causa dos meus defeitos, porque eu tinha fé de que eles seriam
removidos por meu Poder Superior, no tempo Dele. Já não tenho medo do meu passado. Sei a
quem prejudiquei. Acertei as coisas com estas pessoas e estou disposta a acertar com aqueles que
não pude encontrar.
Pratico os Passos Dez, Onze e Doze diariamente e tenho experimentado uma virada de
180 graus.
Hoje me sinto realmente bem e sou grata ao meu Poder Superior e a Narcóticos
Anônimos por me dar uma recuperação que posso apreciar e partilhar com outros adictos.
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Este membro iroquês foi parar em uma instituição para “casos difíceis”. Quando encontrou NA,
ele percebeu eu ele era um caso exemplar de adicto.

O caso exemplar

Eu sou um adicto. Em Narcóticos Anônimos, aprendi o que isso significa: quem somos, o
que temos em comum, para onde nossa natureza nos leva e como nos recuperamos juntos.
Minha família descende dos Canyenkehaka, o povo Iroquês que os europeus chamam de
Moicanos. Fui ensinado que dentro de todas as criaturas vive uma alma que deseja somente paz e
conforto, próximo ao fogo caloroso do coração. A alma é a que mantém o espírito, que quer
muito voar além do corpo e da mente. Somente seremos um com o Grande Espírito quando
nossas almas deixarem nossos espíritos livres. Este conceito de espiritualidade faz sentido para
mim. Entretanto, minha alma é escura. Tudo que consigo abrir mão vai coberto de marcas de
patas. A recuperação espiritual começou quando descobri Narcóticos Anônimos e comecei a
trabalhar os Doze Passos e viver a maneira de NA.
Bem cedo, perdi a fé simples com a qual tinha começado. Super-sensível e exposto sem
ela, eu me voltei para mim mesmo. Minha crença é a de que a minha alma fez o meu espírito de
refém por medo e guardou-o trancado. Eu me tornei uma criança distante vivendo em um mundo
de sonhos. Talvez eu sempre tenha sido um adicto. Atribuí-a qualidades mágicas a pessoas,
lugares e coisas, como se uma cura para o meu vazio estivesse neles. Outros garotos
problemáticos, esconderijos secretos e brinquedos, primeiro, e depois amores, colegas e drogas
se tornaram todos objetos de obsessão para mim.
Quando eu tinha sete anos de idade, quebrei a minha perna de maneira bem ruim.
Descobri sobre dor insuportável e o horror e o terror que vêm com ela e a capacidade de um
químico de me aliviar a dor e o medo. Era milagroso. Num estalar de dedos, meus problemas
desapareciam. Meus ossos ainda estavam quebrados. O que importava era que eu não sentia eles.
Três coisas caracterizavam meu uso de drogas desde o início. Primeiro, eu sabia que era
errado, o que o tornava mais atrativo. Segundo, eu usava para remover o desconforto, seja físico,
emocional ou psíquico – geralmente me jogando na inconsciência no processo. E terceiro,
nenhuma conseqüência negativa podia me dissuadir.
Corri riscos bizarros. Quando eu tinha quatorze, eu tinha quebrado os dois braços, as duas
pernas e um dente da frente, sendo recompensado com analgésicos a cada vez. Tive problemas
com as autoridades e, quando eu já tinha a idade suficiente, fui preso. Eu era raivoso e cheio da
razão. Meu uso de drogas avançava de modo estável. Eu era adicto a todos tipos de coisas:
químicos, sexo,
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relacionamentos, jogo, roubo e escapismo sob qualquer forma. Aos riscos, à quebra de regras, a
comer demais, a gastar demais, a ceder demais, até mesmo ao caos da minha vida diária. Eu
estava escravizado pelo pensamento impulsivo e pelo comportamento compulsivo.
Acabei numa instituição para casos difíceis, de criminosos a psicóticos. Nós todos
comíamos juntos em uma grande sala de jantar. No meu primeiro dia lá, fui esfaqueado com um
garfo quando sentei numa cadeira ocupada pelo amigo imaginário de uma mulher. Eu me lembro
de olhar em volta para todas aquelas almas perdidas – esquizóides alucinados, catatônicos,
dementes afundando em remorso silencioso, adolescentes cortadores dos pulsos que cheiravam
sacarina nas mesas – e percebi que eu pertencia ali. O somatório de todos os meus recursos e
experiência tinha me trazido ali. Esta era a minha família, agora. Percebi a verdadeira extensão
de minha doença, mas eu não tinha idéia de algo que me ajudasse.
Um dia, várias pessoas de fora da instituição vieram para falar. Eles se apresentavam
como adictos, membros de Narcóticos Anônimos. Leram um livrinho branco e o pouco que
compreendi fez sentido para mim. Uma delas contou sua história. Ela falou de sentimentos que
eu sempre tive, mas que nunca tinha ouvido colocados em palavras. Então, as outras pessoas
falaram. Eu me identifiquei com suas dificuldades e reconheci o desespero que eles sentiam.
Mas, ainda assim, eles estavam cheios de esperança e humor, o que eu achei suspeito. Decidi que
eles estavam pregando algum culto de temperança. Ainda assim, o que eu ouvi fez eco em mim.
Quando eles voltaram por lá, eu apareci para ouvir mais.
Quando fui liberado, perguntei pelas reuniões de Narcóticos Anônimos em minha área.
Ouvi as pessoas partilharem suas experiências. Alguns tinham passado por momentos mais
difíceis do que eu. Outros falavam de longo “tempo limpo” ou “voltar” de uma recaída, ambos
me deram a mesma esperança. O que me fascinava era a capacidade dos membros de NA de
expressar seus sentimentos, bons ou ruins. Em uma reunião, tinha um cara que passou a mão
pelo próprio peito e disse, “isto é o grande Canyon”. Outra vez, uma mulher apontou para a
própria cabeça e chamou-a de “mil palhaços num carrocel”. Outros falavam chorosos de recaída
recente e diziam, “eu sei que tenho uma doença de vergonha, mas isto parece vergonha vezes
dez”. Isto bateu em mim como se fosse um guindaste de demolição. Claramente, era aqui que eu
devia estar.
Enquanto ia a reuniões e aprendia sobre a natureza da minha adicção, eu ainda andava
com velhos amigos em velhos lugares. Seis semanas depois, usei. Mas, agora, nenhuma
quantidade de drogas podia suprimir a aversão que eu sentia pelo que estava fazendo. Caí de
volta na
150
velha maneira de pensar e me comportar, que tirou de mim qualquer senso de humanidade.
Foram os piores dez meses da minha vida.
Naquele período, eu tinha internalizado o que ouvi nas reuniões de NA. Era verdade o
que se dizia sobre a natureza progressiva da minha doença. Ficar limpo por um tempo não tinha
me curado. Era verdade o que se dizia sobre a natureza involuntária da minha destrutividade,
minha completa inabilidade de me controlar pela força de vontade. Eu podia ver as coisas que
tinham trazido a minha recaída. Em vez de andar com pessoas da irmandade, tinha corrido de
volta aos meus camaradas de uso. Eu nunca tinha trabalhado os passos ou pegado um padrinho.
A primeira vez que li os Doze Passos, percebi que eles eram os princípios mais radicais que eu já
tinha visto. Mas eu não me preocupei com todo aquela “coisa espiritual sem sentido”.
Chegou o dia em que eu não podia continuar. Eu estava com nojo de mim e não sentia
nada além de raiva, desgosto e vergonha. Quando fui a uma reunião de NA, me sentei na frente e
chorei, eu vim para dentro saindo do frio lá de fora pela última vez.
Vim a acreditar que o grupo era um poder maior do que eu que podia me restaurar à
sanidade. Com esta esperança, comecei a pedir sugestões. Procurei um padrinho para me orientar
através dos passos. Tomei uma decisão de entregar minha vida para um espírito amoroso para o
qual eu podia rezar. Pedi, com sinceridade humilde, por alívio de minha auto-destruição. Minha
fissura de usar tinha sido removida. Nunca mais voltou.
Que família cuidadora e maravilhosa. Nós amamos, respeitamos, apoiamos e protegemos
uns aos outros. Juntos, procuramos os recém-chegados. Apadrinhamos o nosso crescimento
individual e coletivo. Levamos a mensagem de esperança e liberdade de NA aos adictos que
sofrem. E nós amamos e nos importamos uns com os outros até que aprendamos a amar e cuidar
de nós mesmos.
Hoje, quando me sinto desafiado, raivoso, amedrontado ou confuso, trabalho passos.
Nossos passos fazem milagres em minha vida a cada vez que eu os pratico. Em Narcóticos
Anônimos, aprendi quem eu sou e o que o que isto requer de mim. Aprendi que eu sou um “caso
exemplar” – o que é bom, já que temos uma solução exemplar em nosso Texto Básico. Eu
aprendi a viver a vida como ela é, a ser grato pelas bênçãos da natureza. Diariamente, eu rezo ao
Poder Superior ao qual fui reunificado em NA: “Grande Espírito, permita que minha alma fique
em paz, que meu espírito fique livre e que minha mente fique imperturbada e limpa”.
151
152
Para este adicto ateu, o processo de recuperação e dos princípios espirituais de NA são um
poder maior do que ele.

Ateus também se recuperam

Cresci sem nenhum ensinamento sobre deus. Meu pai, embora tenha sido criado por uma
família devotada, renunciou a toda fé na religião que haviam ensinado a ele. Eu também não
conseguia acreditar que havia algo lá fora que tivesse algum poder mágico para fazer o
impossível – desafiar as leis da física. Havia muitas coisas além da minha compreensão, mas
atribuir essas coisas a uma entidade divina era, na minha cabeça, só uma maneira de evitar o
medo do desconhecido. Um deus, ou diabo, como fosse, era utilizado por muitas pessoas para
ficar com os créditos ou com a responsabilidade dos erros daquelas pessoas. Eu via as
instituições da religião como meios de controlar as massas e eu não queria ser controlado.
Eu fiz de refutar este deus, no qual as outras pessoas acreditavam e colocavam sua fé, a
minha missão, mas elas resistiam. De fato, apesar de todos os meus esforços, nunca convenci
uma só pessoa de que ela estava errada e de que eu estava certo. Eu só me isolei ainda mais.
Assim, quando eu fiquei limpo, no mínimo, fiquei apreensivo. Mas eu estava pronto para
uma nova maneira de viver, então, focalizei no hoje, e só por hoje eu estava no Passo Um. E não
havia nenhum deus no Passo Um. Arranjei um padrinho que me ensinou a comparecer e
depender. Ele me ensinou sobre como me tornar disponível e não ser julgador. Ele partilhou a
sua experiência e permitiu que eu partilhasse a minha. O fundamento da minha recuperação foi
assentado no nosso relacionamento. Eu queria o que ele tinha e estava começando a conseguir.
Seguimos adiante para o Passo Dois e foi a hora de atravessar a ponte deus. Saí numa
busca para encontrar um poder maior do que eu mesmo. Saí da minha zona de conforto e
procurei pessoas de fés religiosas que fossem tanto convencionais quanto não-convencionais.
Abri a minha mente para o que funcionava para outros. Questionei, ouvi e pratiquei. Minha
busca me levou a diversos grupos religiosos e espirituais diferentes, mas eu não encontrei meu
lugar entre nenhum deles. Eu procurava por algo quantificável, algo tangível para colocar à
mostra – “Está vendo isto? É nisto que eu acredito. Este é o deus da minha compreensão”.
Talvez, se eu pudesse encontrar esse deus, a recuperação pudesse ser mais fácil. Mas não foi isto
que encontrei.
Sem nenhuma descoberta importante, me sentindo perdido e derrotado, decidi abordar o
Passo Dois de outra maneira. Talvez os passos, a irmandade, o serviço e o meu padrinho seriam
suficientes para me ajudar a encontrar
153
recuperação, sem um deus.
Os Passos Três, Sete e Onze colocavam o maior desafio por causa de suas referências a
deus e a oração. Os Passos Dois e Seis também requeriam um pensamento criativo. Praticando o
Segundo Passo, NA e o grupo se tornaram um poder maior do que eu. Ao participar e servir, fui
capaz de colocar as necessidades do grupo e as do adicto que ainda sofre antes das minhas
vontades. Meu egocentrismo começou a diminuir e uma restauração à sanidade começou a
acontecer. Eu estava exatamente onde deveria estar. Podia ver que minhas dificuldades não
tinham sido em vão, mesmo nos momentos difíceis. Eu estava experimentando a vida e o
resultado disso era crescimento.
No Terceiro Passo, comecei a entregar a minha vida e minha vontade ao processo de
recuperação e aos princípios espirituais que podiam ser encontrados nos passos. Me disseram
para ser honesto sobre minha crença, mesmo se fosse desprovida de um deus; pois, de outra
maneira, os passos restantes não seriam de nenhum valor. Comecei a ter fé no que a recuperação
tinha para me oferecer. Com a força e a coragem que encontrei, continuei com os passos
restantes.
No Passo Seis, os meus defeitos de caráter estavam na minha mente. Ao ficar mais
consciente dos seus efeitos na minha vida, tentei controlar meus defeitos tentando suprimi-los. O
resultado foi que eles pareceram ficar pior, pareciam causar mais danos tanto para aqueles
próximos a mim quanto para mim mesmo. Cheguei ao ponto em que eu estava totalmente
disposto a ser livrado dos meus defeitos e segui adiante para o Passo Sete.
Acreditando que a humildade era um aspecto importante do Sétimo Passo, procurei a
outros para saber de sua experiência. Ao buscar seriamente a experiência de outros, incluindo
aqueles com quem eu tinha muito pouco em comum, eu estava tendo atos de humildade. Buscava
viver a vida seguindo princípios espirituais para diminuir meus defeitos. Ao invés de só tentar
me livrar de meus defeitos, busquei substituí-los com alguma coisa positiva.
O Passo Onze foi um pouco um enigma. Comecei a ficar conhecido por dizer: “Eu sou
um ateu que acredita no poder da oração”. Esta afirmação, que tinha a intenção de chocar as
pessoas, tornou-se uma convicção. Orar não era ficar de joelhos e fazer pedidos a uma entidade
divina. Ao invés disso, orar era a forma como eu vivia. Como oração, todas as minhas decisões
se tornaram importantes e relevantes, não importando o quanto elas podiam parecer
insignificantes. Eu via a meditação como uma ferramenta ou um exercício para ajudar a expandir
a consciência. Ela me ajudou a me colocar no aqui e agora e a manter a minha presença de
espírito ao longo de todo o dia.
O resultado foi um despertar espiritual, a descoberta de que eu podia ficar limpo, trabalhar os
passos, ser um membro ativo de Narcóticos Anônimos, ter uma vida que vale a pena viver e levar uma
154
mensagem de recuperação. Tudo isto foi possível sem um deus. Meu medo inicial de não poder
ficar limpo porque eu não “vim a acreditar” em um deus tinha passado. Eu agora tinha provas de
que era possível e a prova era a minha maneira de viver.
Apadrinhei muitas pessoas, algumas que tiveram dificuldades com a crença em deus e
outras que tinham uma fé religiosa firme. Aqueles com dificuldades descobrem que não estão
sozinhos e são aceitos como são. Aqueles com fé firme descobrem que, eles também, podem
partilhar abertamente comigo e suas crenças são aceitas e bem-vindas. De todos modos, meus
afilhados e eu temos a oportunidade de crescer juntos. Confio que aquilo no que eles vêm a
acreditar tem o poder de ajudá-los e eles têm a mesma confiança naquilo que eu vim a acreditar.
Às vezes, nós discordamos nos detalhes, mas os detalhes não são o que nos mantêm limpos. O
que nos mantêm limpos é a escolha que cada um de nós faz de não usar e de viver esta maneira
de viver o melhor que podemos.
Este é um programa espiritual, não religioso. Eu tento diversas abordagens ao trabalho
dos passos. Eu ainda leio e tento expandir meu conhecimento sobre temas espirituais e,
constantemente, revejo minha experiência e contemplo o seu significado em minha vida. Isto não
quer dizer que eu não questione a minha crença de tempos em tempos, ou que eu não tenha
dificuldades, porque eu tenho. A vida não é sempre fácil. Às vezes, em tempos difíceis, eu me
sinto sozinho. Acreditar em um deus é algo atraente, porque eu sei que outros encontram
conforto nisso, mas eu não. Mas hoje eu tenho uma solução espiritual. Os passos me dão uma
referência para aplicar princípios espirituais. O serviço age como um condutor para aliviar o meu
modo de pensar egocêntrico. A irmandade me lembra de que eu não estou sozinho e o meu
padrinho é um guia para o processo. Continuo sendo uma pessoa em busca. Qualquer um com o
desejo de ficar limpo pode ficar limpo.
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Ela ficou limpa junto com o seu marido de vinte anos e oito anos depois cuidou dele quando teve
câncer terminal e ambos os seus pais também estavam terminalmente doentes. Agora, aos
sessenta e um, ela partilha que o programa pode ajudar a qualquer um de nós, não importando
as circunstâncias.

Nunca mais sozinha

Eu tenho sessenta e um anos de idade e estou limpa a quinze. Meu marido e eu ficamos
limpos juntos. Ele tinha cinqüenta e dois, na época, e eu tinha quarenta e seis. Nós tínhamos
filhos mais velhos do que a maioria das pessoas nas nossas reuniões. Para nós, NA parecia ser
um monte de garotos novos. Eu achava que não podíamos nos identificar.
Mesmo sendo as pessoas mais velhas que nós víamos nas reuniões, ficamos e ouvimos a
mensagem de recuperação em NA: que qualquer adicto pode viver limpo e perder o desejo de
usar. Íamos às reuniões todas as noites. Sentados nas salas um dia após o outro com o mesmo
monte de garotos, nós ouvimos eles contarem as nossas próprias histórias. Ouvimos pessoas falar
do sentimento de desespero que a sua adicção tinha levado a eles e da dor de tentar parar e não
conseguir. Ouvindo essas histórias, sabíamos que, independente da idade, a dor da adicção era a
mesma para todos e que nós pertencíamos a este lugar. Em algum momento, nós até encontramos
algumas outras pessoas da nossa idade.
Eu tinha usado desde que era uma criança pequena quando eu atacava o armário de
remédios da minha mãe. No colegial, o pai da minha melhor amiga era anestesista. Podíamos
utilizar o “Livro de Referência do Médico” como um catálogo para decidir o que tomar. Nessa
época, outra amiga me virou para a maconha. Ela disse, “fume isto”. Eu queria ser tão legal
quanto ela, então fumei. Nos trinta e três anos seguintes eu procurei drogas de costa a costa e fiz
delas o centro da minha existência.
No final dos anos 1960 e início dos 70, parecia que toda a América tinha descoberto as
drogas. Eu me sentia como se fosse a vanguarda da nossa cultura. Mas quando o resto do país
parecia ter parado de usar, eu continuei. Quando eu finalmente quis parar, não conseguia.
Finalmente, em algum momento do final dos anos 80, meu marido ficou deprimido.
Quem poderia imaginar! Você enche o seu organismo com depressores e, depois, fica pensando
porque está deprimido. Ele foi para tratamento pela sua depressão e, lá, foi apresentado a NA.
Ele se mudou para uma casa de apoio, ia a reuniões e tentou ficar limpo mesmo continuando a
comprar drogas para mim. Ele durou três meses assim, depois recaiu e partiu para uma virada de
três anos.
Enquanto isso, eu estava usando mais do que sempre. Eu estava dependente de algo que
eu nem mesmo gostava. Finalmente, chegou o dia em que eu percebi que eu não conseguia
desistir das drogas, então desisti da vida. Eu
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sabia que havia pessoas que não usavam drogas e que suas vidas eram claramente melhores do
que as vidas de qualquer um que eu conhecia e que usava, certamente melhores do que a minha
vida. Mas nunca pensei que eu pudesse mudar, que eu pudesse ser uma pessoa diferente, uma
pessoa que não usasse. Eu não queria mais e eu não conseguia ver uma maneira de parar. Então,
comprei uma dose grande e usei tudo. E Deus entrou na minha vida.
Mesmo sendo no meio de um dia no meio da semana, meu filho passou na minha casa.
Até hoje, ele não sabe porque ele passou por lá. Ele me encontrou desmaiada, mas ainda viva, e
chamou uma ambulância. Este não tinha sido um pedido de ajuda como de outras vezes. Desta
vez, eu estava seriamente tentando morrer. Acordei no hospital amarrada em cinco lugares.
Eles me deram a escolha entre uma internação voluntária de dez dias e uma internação
involuntária por tempo indeterminado. Escolhi ficar voluntariamente. A grande surpresa foi a
sensação de alívio que eu senti. Eu não precisava fingir que estava tudo bem. Eu não precisava
mais me esforçar para manter as aparências. Eu precisava de ajuda e eu ia ter.
Meu marido tinha estado em NA antes, então ele sabia o que fazer. Ele vinha ao hospital
me pegar de passagem e me levava a uma reunião. Então ele me deixava de volta no hospital e ia
para casa se chapar. Quando os dez dias terminaram e eu estava pronta para ir para casa, ele
percebeu que ele ia ter que ficar limpo se eu fosse ficar limpa. Então, fomos os dois a uma
reunião. Era o primeiro dia dele e eu tinha dez dias a mais.
No primeiro ano, fomos a uma reunião por dia – às vezes, duas ou três. Arranjamos
padrinhos, trabalhamos os passos e tínhamos toda a nossa vida social em NA. Tínhamos
encargos no serviço. Arrumamos um grupo de escolha. Fizemos amigos. Percebemos que a
diferença de idade era irrelevante, porque os nossos sentimentos eram os mesmos que os de
todos ali.
No começo, foi difícil fazer o trabalho dos passos. Os Passos Um, Dois e Três não eram
tão difíceis porque a impotência e o descontrole da vida eram auto-evidentes. Eu sabia que estava
viva por causa de um Poder Superior. Mas o Passo Quatro era outra coisa. Como é que eu ia
escrever sobre quarenta e seis anos de ressentimentos e comportamento errado? Eu não tinha
idéia de quem eu tinha prejudicado, roubado ou causado danos. Imaginei que era praticamente
todo mundo que eu tinha chegado perto em toda a minha vida. Fui guiada por uma companheira
com mais experiência que me disse que, com o tempo, o meu Poder Superior iria revelar o que
eu precisava ver. Quando eu fizesse os passos de novo, mais coisas apareceriam. Isto possibilitou
que eu continuasse em frente.
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Quando eu estava no meio do meu Oitavo Passo, fui convidada a visitar a minha família
por uma semana. Eles viviam a 5.000 quilômetros de distância da minha casa. Rapidamente,
trabalhei o meu Nono Passo com minha madrinha para que eu pudesse fazer reparações à minha
mãe, padrasto, irmão e cunhada tudo em uma semana. Todos eles disseram que a única reparação
que eu podia fazer a eles era ficar limpa.
A vida ficou boa. Fui estudar e conquistei diploma de bacharel e, depois, de graduada.
Comecei a minha própria prática de psicoterapia. Meu pai até disse que ele estava orgulhoso de
mim, uma coisa que ele nunca antes tinha dito em toda a minha vida.
Quando eu tinha seis anos limpa, um amigo com mais experiência em NA morreu de
câncer. A irmandade juntou-se à sua volta e o apoiou durante a sua doença. Junto com o serviço
de cuidados à domicílio, havia dois adictos com ele todo o tempo. Um de seus afilhados se
mudou para a casa dele e dormia lá. Ele falava sobre a sua experiência enquanto ele morria; ele
disse eu estava crescendo – mudando de espinho para rosa. Ele morreu limpo com grande
dignidade e força. Ele nos ensinou como viver limpo e ele nos ensinou como morrer limpo.
Dois anos depois, o meu marido foi diagnosticado com câncer. Meu pai estava morrendo
de câncer e a minha mãe estava com uma doença cardíaca. Ficar limpo nos dá a oportunidade de
lidar com as condições das nossas vidas, quer gostemos delas ou não, de uma maneira que
podemos nos sentir bem. Não importa o que acontece, o que importa é como reagimos ao que
acontece. Perder o meu marido ou o meu filho era a única reserva no meu Primeiro Passo.
Fui a reuniões e falei de minhas reservas. Eu tinha medo de que eu não seria capaz de
ficar limpa sem o meu marido. Eu não tinha certeza se eu queria ficar viva sem ele. Tínhamos
estado juntos por vinte e oito anos, educado nossos filhos juntos, viajado juntos, cuidado um do
outro nos piores anos de nossa adicção e tínhamos ficado limpos juntos. Desde que ficamos
limpos, nosso relacionamento tinha se aprofundado e desabrochado em um relacionamento de
respeito mútuo profundo e amor incondicional. Ele era o meu coração. Não conseguia imaginar a
vida sem ele.
Meu marido esteve doente por seis meses. Durante esse tempo, viajamos ao México e ao
Havaí. Ele foi à convenção mundial em San José. Foi quando eu aprendi, pela primeira vez, a
buscar e pedir por ajuda. As pessoas no programa foram maravilhosas durante a doença dele. Os
afilhados dele, minha madrinha e afilhadas, e amigos da irmandade, todos telefonavam
freqüentemente e vinham toda hora visitar. Uma de minhas afilhadas é enfermeira. Ela estava
sem trabalho na época, então ela chegava rápido sempre que eu chamava se eu precisasse sair.
Pessoas amorosas, que se importavam, rodearam-nos
159
todo o tempo. O nosso assistente social do hospital, que havia cuidado de outro amigo de NA,
nos disse que NA era o melhor sistema de apoio que ele jamais tinha visto.
Eu não pude ver o meu pai antes dele morrer, porque ele morreu apenas onze dias antes
do que o meu marido. Minha mãe morreu dezoito meses depois disso. Eu estava aterrorizada
com a idéia de que, agora, eu ia ficar sozinha. Pensei que a dor de todas essas perdas ia
transformar meu coração em gelo. Pensei que ia me sufocar porque eu não conseguia respirar. A
única coisa que eu conseguia fazer era ir a uma reunião. Eu falava da minha dor. Continuei a
falar disso até achar que as pessoas iam fugir de mim quando me vissem. Procurei meu Poder
Superior. Fiquei em um Décimo-primeiro Passo por vários anos seguintes. Eu vim a conhecer e
confiar no meu Poder Superior, cuja única vontade para mim é que eu utilize as oportunidades
que a vida oferece para que eu melhore e cresça.
Era, e ainda é, muito difícil. Mas eu não tive que usar. Eu me mantive conectada ao meu
programa. Mesmo até hoje, vou de três a seis vezes à reunião, por semana. Tenho uma madrinha.
Trabalho os passos. Sou madrinha de muitas mulheres. Sirvo e leio a literatura. Tenho uma
comunidade espiritual e a minha fé, confiança e o meu relacionamento com Deus têm se
aprofundado e ficado mais forte. Tenho bons e maus dias. Ainda tenho tanto a aprender sobre
viver limpa. Quando fica difícil, vou a uma reunião ou telefono a uma amiga ou trabalho com
uma afilhada ou ajudo a outra pessoa ou oro e oro e oro. Trabalho o Passo Doze tentando praticar
os princípios espirituais, que aprendi em NA, em todas as minhas atividades, tanto dentro quanto
fora das salas.
Minha vida está plena. Sou tão grata a NA por ter pegado uma garotinha ferida e doente
de quarenta e seis anos e ensinado ela como viver – limpa.
160
Ela era a pessoa mais nova na sala, mas ele sentiu uma conexão imediata. Ao longo do tempo,
ela veio a perceber que recuperação da adicção é um laço que transcende a idade.

Independente da idade

A primeira companheira de NA com quem falei na minha vida tinha a mesma idade da
minha mãe. Estou limpa desde o verão depois do meu primeiro ano de ensino médio. Eu tinha
usado drogas por apenas alguns meses. Foram os meses mais longos da minha vida. Naquele
período de tempo, fui colocada sob custódia policial, expulsa da escola e obrigada pelos meus
pais a dar entrada em uma clínica. Eu sabia que tinha um problema e sabia que precisava de
ajuda. A primeira vez que ouvi falar de Narcóticos Anônimos foi quando eu vi esse nome numa
lista em uma apostila na minha clínica. Eu não tinha muitas opções, então, decidi tentar isso daí.
A primeira coisa que notei sobre NA era que todo mundo era mais velho do que eu. Era raro ver
alguém com menos de dez anos a mais do que eu. Essas pessoas estavam usando bem antes de eu
nascer. Quando eu estava no jardim de infância brincando com blocos de madeira, eles estavam
traficando, sendo presos e vivendo nas profundezas da adicção ativa. Seria possível que eu
tivesse alguma coisa em comum com esses caras velhos?
Esta pergunta foi respondida antes mesmo da reunião começar quando uma companheira
de NA que podia, muito bem, ter sido minha mãe, me perguntou se eu era uma adicta. Foi a
primeira vez que alguém me perguntou isto e eu não sabia o que dizer. Eu não precisava dizer
nada. Eu senti. Houve uma conexão entre nós duas que transcendeu a idade. Eu podia sentir isso
na voz dela, nos seus olhos e no seu espírito. Havia algo lá que eu não tinha sentido antes e que
eu queria sentir novamente.
Eu me sentei bem no fundo da sala. Não me lembro de nada que foi partilhado na
reunião, mas me lembro de ouvir nas leituras que “qualquer pessoa pode juntar-se a nós,
independente de idade”. Isto era tudo que eu precisava ouvir. Eu estava tão desesperada para me
sentir parte de algo e pertencer a algum lugar que eu simplesmente me agarrei a essas palavras e
continuei voltando. Quanto mais eu ouvia as pessoas partilhar, menos pensava em sua idade.
Quando socializava com os companheiros depois de uma reunião e saíamos para jantar fora, eles
deixaram de ser “os mais velhos” e se tornaram meus amigos. Quando eu contava para eles como eu me
sentia, eles respondiam com um reconhecimento que eu nunca terei de não adictos da minha idade.
Hoje, estou no primeiro ano do preparatório para a faculdade e estou vivendo uma vida peculiar
para uma estudante universitária. Às sextas à noite, quando a maioria dos meus colegas de classe saem
para festejar com drogas, eu vou ao meu grupo de escolha de NA. Partilho sobre como estou me sentindo,
o que preciso trabalhar na minha recuperação e como acho que posso melhorar. Saio da reunião com
outros adictos que têm mais do dobro da minha idade. Na maioria das vezes, ainda sou a pessoa mais
nova em muitas reuniões. É uma dádiva rara e preciosa ter a oportunidade de
161
ficar limpa cedo na minha vida. A recuperação é um processo para a vida toda e eu sou grata por
ter toda a minha vida pela frente. Eu preciso de todo o tempo que possa conseguir. Quando vejo
pessoas jovens entrarem na sala, tento levar a mensagem de que a recuperação é possível em
qualquer idade. Pode ser tentador pensar que eu não estou doente o suficiente para a recuperação.
Eu não usei drogas pesadas o bastante. Meu poço não foi fundo o suficiente. Como minha
madrinha me disse, o fundo do poço é quando você decidir parar de cavar. Para ser membro não
é necessário ter grande experiência anterior.
Eu tento dar de graça a membros de NA mais jovens. Quando levo a mensagem de
recuperação para centros de tratamentos juvenis, eu me sinto profundamente grata de que a
mensagem foi levada para mim e que, agora, tenho a oportunidade de retribuir isso. Quando me
aproximo e falo com recém-chegados jovens, sou lembrada de onde iniciei e o quanto já cresci
em recuperação. Alguns anos atrás, tive a oportunidade de falar em um fórum chamado
“Juventude em Recuperação” em minha convenção regional. Tomei este compromisso de serviço
com um espírito genuíno de humildade. Ao olhar para a multidão cheia de adolescentes e jovens
adultos, senti a presença de meu Poder Superior. Eu nunca tinha visto tantos adictos jovens antes.
A sala parecia um auditório de faculdade. Ali estavam todos aqueles adictos exatamente como
eu. Percebi que não sou tão diferente, afinal. Depois da reunião, um adolescente me disse que eu
tinha partilhado a história dele. Não dá nem para começar a contar o número de vezes em que me
sentei em uma reunião e achei que o orador estava partilhando a minha história, seja eles sendo
da minha idade ou muito mais velhos. Sei que sempre haverá pessoas com as quais me
identificarei, no nível das experiências específicas e no nível espiritual.
É uma coisa estranha quando acontece de companheiros mais velhos me dizerem que
tenho sorte de ter ficado limpa tão jovem. Sim, tenho muita sorte, como qualquer outro membro
de Narcóticos Anônimos. Prefiro pensar em mim como parte de uma irmandade cheia de almas
afortunadas, em vez de me achar um indivíduo excepcionalmente sortudo. Posso me desviar do
caminho quando começo a pensar em mim mesma como diferente de outros membros de NA. A
conclusão é a de que qualquer um pode juntar-se a nós e se sentir tão parte do programa quanto
todos os outros.
Sempre me lembrarei de quando eu estava em uma reunião com só mais um outro
companheiro. Estava caindo uma grande tempestade lá fora, mas, por acaso, eu morava bem
perto daquela reunião, então andei até lá de qualquer maneira. A única pessoa lá era cinqüenta
anos mais velha do que eu. Eu ainda nem tinha entrado no mercado de trabalho e ele já estava
aposentado. Eu já tinha ouvido ele partilhar, antes, sobre se sentir diferente porque todo mundo
era tão mais novo do que ele. Naquela noite, partilhamos sobre nossas vidas e nossas
experiências. Os detalhes eram diferentes, mas os sentimentos e o espírito eram os mesmos.
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A questão não podia ter ficado mais clara para mim. Somos uma irmandade com uma gama
diversa de experiências e uma identidade comum: adictos em recuperação.
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Como doutourando em farmacologia, seu conhecimento de drogas quase o matou. Agora, ele é
professor e tem mais de vinte anos limpo e a compreensão de que o programa não é uma
ciência.

Adicto acadêmico

A voz distorcida do rádio da polícia dava uma descrição minha para as autoridades. Corri
para a manhã congelada e comecei uma viagem em zigue-zague para o meu apartamento. Virei a
minha jaqueta do avesso para que a cor ficasse diferente. Estava rastejando pelos quintais de
fundo das casas das pessoas em uma cidadezinha universitária do meio-oeste, um pequeno
Rambo, inchado e atordoado pelo efeito da droga. Ansiosamente, eu perguntei aos vizinhos se
eles tinham visto a polícia por perto, meus olhos esbugalhados em pânico, a jaqueta pelo avesso,
sem dormir por dias. Com a sua confirmação nervosa de que eles não tinham visto ninguém,
entrei, joguei fora meu estoque e caí num sono profundo, apesar da eminente invasão da polícia.
Que eu tenha ouvido o “rádio da polícia” em um banheiro de um prédio deserto da
universidade às quatro da manhã da véspera do dia de Ação de Graças nem passou pela minha
cabeça. O delírio de que eu estava prestes a ser preso parecia absolutamente real e potencializou
a minha reação patética de pânico. Eu estava me picando com um tipo de metanfetamina por três
dias seguidos sem dormir e a overdose causou uma psicose temporária.
Encontrei esta droga específica no departamento de farmacologia em que eu era um
estudante de doutorado. Foi a última substância obtida em minha sintetização contínua. Meus
estudos tinham se tornado uma estória oca para encobrir; a busca por drogas era a minha
atividade principal. Isso tudo continuou acontecendo perto de colegas estudantes, funcionários e
professores que estavam ficando cada vez mais preocupados com o meu comportamento
estranho e minha aparência cada vez pior. À medida que cresceu a consciência de que havia
substâncias saindo dos laboratórios, as medidas de segurança continuavam a ser melhoradas.
Sintetizar substâncias foi ficando cada vez mais difícil e os meus padrões foram abaixando à
medida que meu apetite por drogas continuava aumentando. Eu não chamaria uma paranóia
esquizofrênica induzida quimicamente uma onda de qualidade, mas eu tinha passado do ponto em que o
uso tinha uma conexão remota com recreação. As drogas tinham se tornado o centro da minha vida.
A Noite da Invasão Policial é só uma estória do fundo de poço que experimentei antes de eu
poder procurar ajuda. As conseqüências do meu uso – ser expulso por uma namorada que tinha
finalmente desistido; minha pele cinzenta; minhas pernas e braços cobertos de marcas de agulha; a
completa decadência de minha rotina; a canalização de toda a minha energia, recursos e criatividade para
encontrar drogas; colocar em risco as carreiras e reputação de meus colegas – tudo isso fez ficar claro
para mim que eu tinha um problema com drogas. Perto do final, admiti que a morte por uma overdose
providenciaria uma saída.
165
Foi onde minha adicção me levou. Tudo o que eu tinha era o medo e a necessidade de usar
drogas a qualquer custo. Minha principal ilusão era a de que o meu problema envolvia apenas a
mim mesmo; ou eu resolvia o problema, ou então ninguém poderia. O isolamento é o calçamento
da estrada da adicção ativa e ele quase me matou.
Finalmente, minhas ações trouxeram uma solução, mas não a solução que eu imaginava.
Num toalete de banheiro eu me injetei com uma droga para rebater os efeitos de outra. Tive um
colapso e, quando acordei, dei de cara com dois seguranças enlouquecidos pensando que eu
estava morto. Fui colocado no hospital e expulso do programa de doutorado com o aviso de que,
se eu entrasse no prédio eles chamariam a polícia. A minha carreira científica terminou e minha
recuperação começou.
Ser expulso da universidade foi a melhor coisa que me aconteceu. Não, eu não parei de
repente de usar; eu ainda não tinha terminado. Mas alguma coisa tinha mudado. Esta perda, junto
com todas as outras, me fez admitir que, talvez, eu não conseguia controlar o meu problema. Eu
tinha a sensação de que, talvez, as coisas podiam ser diferentes, mas eu ainda não sabia nada
sobre viver limpo. Outras pessoas teriam que me mostrar isto.
A doença da adicção corta todas as fronteiras sociais e econômicas. Quando as pessoas
têm esta doença, as drogas encontram elas. As rotas variam enormemente, mas o destino é
sempre o mesmo. Eu não cresci em uma família abusiva. Vivia em uma cidade próspera e fui
educado em um excelente sistema de educação pública. Tinha uma casa confortável e uma
família que era amorosa mas que estava perplexa com o meu comportamento auto-destrutivo. Eu
tinha talento, saúde, oportunidades, amigos e apoio material em todos os sentidos. Mas eu sou
diferente das pessoas normais; tenho uma pré-disposição para a adicção. Hoje, posso ver que
alguns de meus pensamentos e comportamentos mais antigos davam as dicas do que estava por
vir.
Encontrei maneiras de ficar doidão, as coisas comuns que as pessoas fazem na escola.
Mas eu senti estas experiências de modo importante. Eu me lembro vividamente a primeira vez
em que me embebedei, a primeira vez que usei cada uma de uma longa lista de drogas. Meu uso
parecia controlado, mas eu fiquei doidão todos os dias durante o ensino médio e qualquer droga
que houvesse por perto eram parte da mistura. Na faculdade, eu fazia, regularmente, coisas que
eram estrangeiras, egoístas e perigosas para conseguir ficar doidão. Eu adorava ser um estudante
e aprender, mas a vida paralela de uso constante estava sempre lá.
O adicto em mim tem recursos incríveis para encontrar e usar drogas. Quando eu estava
na graduação, eu realmente achava a farmacologia (a ciência da ação das drogas) fascinante. Mas
esta escolha também tornou as drogas acessíveis a alguém que não tinha as “malandragens da
rua”. Nos anos que se seguiram, um processo letal ocorreu ao mesmo tempo que os meus interesses
legítimos. No fim, quando os objetivos começaram a
166
atrapalhar o uso, eles foram caindo ao longo do caminho. A progressão da minha doença podia
ser medida pela série de barganhas comigo mesmo que fiz e quebrei nas tentativas de controlar o
uso: “eu nunca vou usar durante a semana” caiu para “eu nunca vou injetar drogas” que caiu para
“eu nunca vou deixar isto prejudicar a minha carreira” que caiu para as drogas se tornando a
minha carreira. Minha especialização acadêmica sobre drogas era um impedimento perigoso para
a minha recuperação. Eu estava convencido de que o meu conhecimento das drogas tornaria elas
mais controláveis. Agora, percebo que isto é como um especialista em balística achar que é à
prova de bombas. A minha arrogância e ilusão seriam engraçados se não tivessem quase acabado
comigo.
Minha recuperação começou com a gentileza não merecida por parte de um dos muitos
professores a quem eu ferrei durante o meu uso. Em um ato de pura generosidade, ele encontrou
um conselheiro sobre drogas que não seria enganado por minha tendência em manipular as
pessoas com o meu nível educacional. Em minhas primeiras sessões com ele, minha aparência
era horrível, o que eu falava parecia loucura e eu ainda pensava que tinha tudo sob controle. Mas
em algum lugar do meu cérebro delirante estava o desejo de mudança. Aquele conselheiro foi a
primeira pessoa que eu jamais havia encontrado que se chamava a si mesmo de adicto e que
tinha descoberto como viver sem as drogas. Isto era intrigante: eu queria saber mais á respeito
disso. Primeiro, ele conquistou minha confiança e, depois de algumas semanas, ele armou a
armadilha: “se você quiser continuar a vir aqui, então você vai ter que fazer uma outra coisa”.
Mais testes? Tarefas de leitura? Consultar médicos? Não. “se você quiser continuar a vir aqui,
você vai ter que começar a ir a reuniões”. Embora eu estivesse cético e amedrontado, decidi que
era melhor ir. Um adicto manipulador manipulado com sucesso por um adicto em recuperação!
Cheguei lá com o meu “radar para as diferenças” ligado ao máximo, encontrando todos os
tipos de maneiras pelas quais eu seria diferente dessas pessoas e não parte da multidão. Eu era arrogante e
julgador, prestando atenção às diferenças superficiais ao invés das semelhanças mais profundas.
Entretanto, havia uma diferença que me surpreendeu. Eu tinha pensado que os passos seriam algum tipo
de conjunto de instruções sobre não usar – “Passo 1: Não usamos opiáceos. Passo 2: Nós não injetamos
nada...” Mas, quando ouvi os Doze Passos lidos em voz alta, eles nem mesmo mencionavam as drogas!
Ali estava uma sala cheia de gente que estava se mantendo limpa utilizando um conjunto de idéias que
nunca me haviam ocorrido. Como as minhas idéias sobre me manter limpo tinham falhado redondamente,
encontrei esperança no fato de que estas pessoas estavam fazendo algo diferente e encontrando resultados
diferentes.
Algumas pessoas experimentam a recuperação como um raio: um flash de compreensão e clareza,
a remoção imediata da vontade de usar. O efeito do programa em mim foi mais como a chuva ou o vento,
gradualmente erodindo minhas crenças falsas. É um processo que continua a cada dia que me mantenho
limpo. Gradualmente, fui aprendendo que tenho uma doença incurável e fatal, que ter esta doença não é
culpa minha mas
167
que buscar a recuperação é responsabilidade minha. Aos poucos vim a acreditar que a irmandade
é tóxica para a adicção e que o isolamento é um pré-requisito para a recaída. Ainda preciso ser
lembrado de que a melhor informação sobre recuperação que eu posso obter é ouvida de outros e
não da minha própria cabeça ruidosa. Ainda tenho dificuldade de lidar com a verdade de que, em
recuperação, as ações boas geralmente vêm antes da compreensão completa; isto faz com que o
cientista em mim se arrepie todo. Em alguns dias, aprendo algo de novo, em outros, me sinto
como se não estivesse fazendo progresso algum – portanto, não há motivo para pressa.
A vida que tenho levado é a dádiva improvável da recuperação. Sou professor em uma
universidade grande. Meus colegas são incrivelmente brilhantes, criativos e enérgicos; trabalhar
com eles me faz humilde e me sinto honrado por sua confiança e respeito. Tenho
relacionamentos duradouros dentro e fora de NA, um relacionamento saudável com minha
família e o luxo de ganhar a vida fazendo o que eu adoro e respeito. Eu fui realmente abençoado
e tudo isto vem de viver da maneira de NA. Isto não significa que minha vida é perfeita. Tenho
problemas, medos, frustrações e uma dificuldade constante com a baixa auto-estima. Mas posso
imaginar onde eu estaria se eu não estivesse ficado limpo. Eu me lembro de um conhecido do
ensino médio chamado Mike. Tivemos caminhos muito parecidos. Nós dois éramos interessados
em ciências, nós dois terminamos em departamentos de farmacologia, nós dois usamos pesado e
nós dois achamos que o nosso conhecimento iria nos proteger. Mas o Mike morreu de uma
overdose mais de vinte anos atrás. Minha vida é uma dádiva, não importa o que trazem os
detalhes do dia, e eu devo isto à recuperação.
“Você pode ter conseguir ter qualquer coisa que você quiser, desde que esteja disposto a
pagar o preço”. Esta é uma “pérola” que ouvimos freqüentemente nas salas de NA. Para mim,
não é só uma questão daquilo que eu possa querer, mas, também, sobre o que eu já conquistei.
Meu padrinho me disse que todos os dias que fico limpo são uma dívida que tenho com NA,
portanto estou disposto a pagar pela recuperação que tenho hoje. O preço de meu crescimento
contínuo em recuperação é oferecer as mesmas dádivas a outros. Quando eu não tinha a
experiência para saber sobre este caminho, outros, tanto adictos quanto não adictos me ajudaram
a encontrar o caminho. Eles estavam fazendo o trabalho do Poder Superior e, agora, está claro
para mim porque a irmandade é o fundamento da recuperação. Gosto de lembrar que o edifício
inteiro da recuperação de doze passos, mesmo antes de que houvessem quaisquer passos,
começou quando um adicto procurou o outro para pedir ajuda.
Mesmo com mais de vinte anos limpo, ainda tenho que lutar contra a vontade de me
distanciar das pessoas nas reuniões me concentrando nas diferenças. Eu sempre tento olhar para
as semelhanças entre eu e meus companheiros
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adictos. Mas isto não significa que somos todos iguais. Em NA, unidade não é uniformidade e
não há melhor exemplo disto do que o tanto que adictos podem ser diferentes uns dos outros. NA
é uma casa grande o suficiente para caber todo tipo de pessoa. Nós podemos falar qualquer
língua, ser de qualquer política ou idéias sobre o nosso Poder Superior e ter tido qualquer tipo de
infância. Neste grupo de pessoas diverso e crescente há sempre alguém para cada um, um
padrinho, um confidente ou um recém-chegado confiante. É a nossa diversidade que torna a
recuperação possível para qualquer um. Nenhum adicto precisará se sentir com se não
pertencesse, quer ele conheça a torre de marfim ou seja o guarda da torre.
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Esforçando-se por anos em um seminário, este Pastor em recuperação achava que havia traído
Deus ao escolher NA; mas em vez disto, descobriu uma verdade simples: Deus trabalha através
das pessoas.

Encontrando um Deus que funciona através das pessoas

Fiquei parado na porta, prestes a entrar na minha primeiríssima reunião de doze passos.
Com uma mão na porta, parei e olhei para o céu noturno. “Deus”, orei, “espero que isto não o
envergonhe. Espero que ninguém aí de dentro goze de mim pelo tempo todo que eu gastei
tentando fazer isto sozinho – só eu e você sozinhos. Se algum desses adictos aí dentro zombar de
mim e perguntar onde está o meu Deus agora, eu não sei o que dizer”. Ao passar por aquela
porta, eu honestamente achava que tinha escolhido NA no lugar de Deus.
O tema daquela primeira reunião era o Segundo Passo. Eles estavam lendo de um livro
sobre como vieram a acreditar que um poder maior do que eles podia restaurá-los à sanidade.
Gradualmente fui caindo em mim sobre o fato de que eles estavam falando do Deus que eu tinha
acabado de deixar do lado de fora da porta! Eu pensei que estivesse escolhendo NA no lugar de
Deus, só para descobrir que ele era a essência, o poder superior, de NA. Eu estive na faculdade e
por dois anos num seminário, mas eu tive que vir a NA para descobrir que Deus trabalha através
das pessoas – e, muitas vezes, apesar de nós mesmos.
Algumas pessoas ficam surpresas ao ouvir que eu sou tanto um adicto quanto um pastor.
Eu sei que isto me chateava. Isto me incomodava tanto que, depois de dois anos de treinamento
de seminário, saí e me juntei à Marinha. Quatro anos de uso pesado depois, destroçado pela
culpa, agitado e me revirando na escuridão da madrugada, encharcado de suor frio, assombrado
pela consciência do hipócrita que eu tinha me tornado. Todas as manhãs, acordava de ressaca e
orava ferventemente, chorando para Deus sobre o quanto eu estava arrependido, prometendo
nunca mais fazer isso de novo. Então, todas as noites, eu estava chapado de novo – se é que
demorava tanto. Na manhã seguinte, o padrão se repetia, sempre sendo sincero, jogando fora o
bagulho e jurando, prometendo com todo o meu coração que nunca mais faria isso de novo – e,
então, fazendo tudo de novo no mesmo dia. Este ciclo vicioso continuou repetidamente por anos
e estava me matando. Eu desejava nunca ter nascido.
Então, um dia, eu não acordei com muita ressaca. O esquecimento do dia anterior não foi
tanto e fui me lembrando demais para conseguir agüentar. Odiava a mim mesmo pelas
lembranças que vinham. Eu tinha bastante certeza de me lembrar ter usado drogas pesadas na
noite anterior. Você sabe, eu sempre me limitei a usar o “bagulho leve”. Não tinha sobrado muito
sobre o que eu pudesse sentir orgulho, mas eu era muito determinado sobre o fato de que eu
nunca tinha usado o “bagulho pesado” – e que eu nunca iria,
171
não, muito obrigado. Mas naquela manhã eu fui me lembrando devagar que eu tinha, de fato,
usado um bagulho pesado na noite anterior. Eu tinha feito uma coisa que eu sabia que nunca iria
fazer. “O que mais será que eu vou acabar fazendo, dessas coisas que eu sei que nunca vou
fazer?” Eu estava aterrorizado em pensar no que eu podia acabar fazendo no meu próximo
apagamento de memória.
Eu estava aterrorizado o bastante com relação à próxima vez que eu ficasse doidão que eu
fiquei limpo durante toda a semana. Consegui ficar limpo até a sexta-feira por puro terror mas,
agora, tinha chegado o fim de semana. Eu tinha uma boa idéia do que ia acontecer se eu saísse.
Eu era jovem, livre e solteiro e era sexta-feira à noite. Eu estava com tanto medo do que eu
estava prestes a fazer que eu tentei procurar pelo número de NA na lista, mas não conseguia
encontrar. Eu estava tão desesperado que liguei para o número de informações e pedi o número.
Eu me senti tão humilhado. A moça que trabalhava nas informações da empresa telefônica
poderia ter sido uma de nós, ela foi tão gentil. Ela me deu o número e me certificou de que eles
seriam capazes de me ajudar. Ela ainda insistiu para que eu voltasse a ligar para ela
imediatamente, caso eu não conseguisse completar a ligação. Disquei o número que ela me deu e
um cara atendeu. Ele foi tão gentil comigo quanto ela tinha sido. Ele concordou em vir me pegar,
mas eu assegurei a ele de que eu iria encontrar o caminho para a reunião. Encontrei e, depois da
minha oração na porta, que fez minha barriga contorcer, entrei para a minha primeira reunião e
me encontrei com o cara que tinha estado do outro lado da linha.
Ele foi o primeiro de muitos “adictos que abandonaram” que me ajudaram a encontrar
uma nova vida, livre das drogas. Outro cara que estava naquela primeira reunião tinha ganhado
um livro numa rifa e me deu o meu primeiro Texto Básico. Então, eles perguntaram se havia
alguém que quisesse se juntar à sua nova maneira de viver e eu pensei “bem, sim...” Eles
disseram que levantasse a mão quem quisesse se juntar à essa nova maneira de viver, então eu
joguei a minha para o alto. Eu era tão ingênuo que me assustei quando eles todos começaram a
bater palmas para mim, cada um deles me olhando nos olhos e sorrindo para mim. Então, eles me
fizeram ir lá para a frente pegar uma ficha. Eles todos apertaram a minha mão e alguns até me
abraçaram. Eu me odiava, então fiquei derrubado pelo fato de que eles pareciam gostar de mim.
Eu fiquei me lembrando de que eles não me conheciam de verdade.
Quando aquela primeira reunião acabou, eu não queria ir embora. Eu não sabia na hora,
mas o meu despertar espiritual tinha começado e eu estava com medo de que eu perderia ele
quando saísse pela porta. Então eles me deram números de telefone e orientações para ir para
casa e levar o livro para a cama e ler até que eu caísse no sono. E então ir a uma reunião por dia por, pelo
menos, noventa dias. Isto se tornou minha vida pelos próximos três meses. Eu voltava para casa do
trabalho e ia a uma reunião, então voltava para casa e lia o livro na cama até que, finalmente adormecia.
Ao fim daqueles “noventa dias, noventa reuniões” eu fiz tudo de novo.
172
Levou dois anos para que eu parasse de fazer a “valsa de NA” (trabalhando os passos 1-
2-3, 1-2-3 ...). Quando ouvi falar em uma reunião para trabalhar o Passo Quatro como se não
houvesse Passo Cinco, eu pude, finalmente, me abrir e colocar tudo para fora, escrevendo todo
que eu tinha feito e que ainda me incomodava. Planejei jogar na privada ou queimar assim que
terminasse de escrever e isto me libertou para continuar escrevendo sem o medo paralisante de
que alguém iria descobrir o quanto eu era hipócrita. O engraçado é que assim que acabei de
escrever o meu Quarto Passo, imediatamente liguei para o meu padrinho e pedi que ele me
ajudasse a trabalhar o Passo Cinco.
Ele concordou em ouvir meu Quinto. Eu tremia pensando em tudo que eu tinha escrito
sobre ser um imprestável no sábado à noite e um falso santo no domingo de manhã. Quando
terminamos, ele me olhou bem nos olhos e disse, “você acabou de jogar fora qualquer desculpa
que você poderia ter para usar – definitivamente”. Então ele me disse que me amava e me deu
um grande abraço.
Quando ele me disse que me amava e me deu um grande abraço, fiquei no chão. Sempre
que os meus amigos da igreja pareciam gostar de mim aos domingos de manhã, eu sabia que, se
eles soubessem o quanto eu tinha sido mau na noite anterior, eles não iam gostar de mim.
Sempre que os meus amigos de uso pareciam gostar de mim, eu sabia que eles não iriam gostar
se eles soubessem o quanto eu era careta – quer dizer, eu realmente ia à igreja todo domingo de
manhã. Eles me odiariam se eles soubesse disto. Mas aqui estava o meu padrinho, sabendo de
tudo tanto sobre meus sábados à noite quanto meus domingos de manhã e, ainda assim, ele me
amava. Pela primeira vez na minha vida, alguém sabia de tudo sobre mim e mesmo assim
gostava de mim! Eu estava cantando alto ao dirigir para casa naquela noite. Estava mesmo!
Quando vim pela primeira vez a NA, eu não queria realmente parar de usar; eu só queria
que parasse de doer. Mas, finalmente, percebi que a única maneira de parar de sofrer era parar de
usar. (“Maldição!”) Eu tinha a esperança de que NA iria me ensinar como continuar sem dor – e
sem ficar mal, mas, pelo menos, ficar limpo. Aos poucos, o milagre do programa aconteceu.
Aos poucos, a obsessão de usar foi removida. Depois de um tempo, percebi que tinha
passado um dia inteiro sem vontade de ficar doidão. Então, alguns dias se passavam sem aquela
fissura terrível, então uma ou duas semanas. Agora, não tenho nem certeza de quando foi a
última vez em que estive nem mesmo interessado em usar. Eu costumava pensar que eu não
podia mais usar; agora, eu sei que eu não preciso mais usar. Isto é um milagre, o milagre de NA!
Eu costumava ficar chapado a partir do momento em que acordava, mesmo antes de ir ao
banheiro pela manhã e, então, ficava doidão durante o dia inteiro até que desmaiava à noite. E
fazia o mesmo no dia seguinte e no outro. Eu achava que precisava disto. Tentei trocar de droga,
ouvi dizer que isso se chama – “trocar de assento no Titanic”.
173
Mas nada funcionava. Para mim, ficar por até mesmo um só momento sem estar fissurado por
ficar chapado é uma dádiva milagrosa de Deus!
Dezesseis anos mais tarde, continuo limpo – pela graça de Deus. O Deus que trabalhou
através daqueles adictos em NA agora trabalha através deste adicto em recuperação.
174
Quando ele era novo no programa, ele aprendeu que, independente de suas origens
profissionais e educacionais, seu lugar era em NA. Ele ficou limpo desde que sua história foi
publicada na nossa Primeira Edição ele mesmo pode revisa-la para esta edição. Para nossa
tristeza, ele não pode viver para ver esta publicação.

Eu era único (revisada)

Eu não tinha para onde ir e achava que ninguém poderia me ajudar, já que a minha
situação era tão diferente da situação dos outros. Achava que estava condenado a continuar em
um impulso em direção à autodestruição que já tinha me esvaziado de qualquer determinação de
lutar. Eu me achava único – isto é, até encontrar a Irmandade de Narcóticos Anônimos. Desde
esse dia, minha vida passou a ter um novo significado e uma nova direção.
A minha origem é de brancos de classe média, onde o sucesso é quase uma coisa tomada
como garantida. Tive uma vida acadêmica excelente e fui para a escola de medicina na
Califórnia e na Escócia. Olhava para os meus colegas de escola que estavam experimentando
drogas com um desdém esnobe; achava que eu era bom demais e esperto demais para isso. Eu
achava que um adicto a drogas era uma criatura de vontade fraca, vazia, que não devia ter
nenhum propósito na vida ou qualquer senso de valor. Eu não iria, eu não podia, cair nessa
armadilha, já que eu era um conquistador, alguém que estava ganhando no jogo da vida. Eu tinha
um potencial tão grande.
Algum tempo depois de que eu comecei a residência em um hospital de prestígio da costa
oestes dos Estados Unidos, tive a minha primeira experiência com narcóticos. Achava que era
curiosidade; talvez eu estivesse procurando por “algo melhor”. Eu ficava maravilhado pela
maneira com que pacientes com dores severas relaxavam quando uma pequena dose de morfina
era injetada em suas veias. Isso era para mim! No decorrer dos próximos poucos meses o meu
mundo desabou à minha volta. A experimentação rapidamente deu lugar ao abuso e, então, à
adicção, com todo o desespero selvagem e autocondenação que só o adicto conhece.
Logo depois de que comecei a residência para treinamento em neurocirurgia, a ilusão de
que eu podia controlar o meu uso de narcóticos tinha evaporado. Procurei ajuda com um
psiquiatra. Fui hospitalizado em uma instituição psiquiátrica por alguns dias. Quando me senti
melhor, convenci ao psiquiatra de que estava bem o bastante para voltar ao meu programa de
treinamento. Ele foi ingênuo, otário ou ignorante à respeito da adicção e me deixou seguir
alegremente o meu caminho. Durei alguns meses antes de recair. Sem nenhuma mudança em
minha maneira de pensar ou no meu comportamento, cada recaída era seguida de outra e eu
estabeleci um padrão que iria manter por quase dez anos. Continuei a tentar psiquiatras e
instituições psiquiátricas, mas sempre depois de cada tentativa recaia de novo.
175
Depois de ter realizado diversos procedimentos cirúrgicos chapado, me pediram para
deixar a residência. Outra hospitalização se seguiu e eu voltei ao meu padrão de recaída. Além da
institucionalização, tentei mudanças de trabalho, mudanças geográficas, livros de auto-ajuda,
programas de metadona, usar somente aos finais de semana, trocar por pílulas, casamento, spas
de saúde, dietas, exercício e religião. Nenhuma dessas coisas funcionou mais do que
temporariamente. Com base no meu histórico, me disseram que eu era incorrigível e que não
havia esperança para mim.
Depois de uns cinco anos de uso pesado, desenvolvi uma alergia física à minha droga de
preferência. A cada vez que eu usava, os tecidos em volta do local de injeção morriam. No
início, eu conseguia prevenir o processo utilizando a cortisona, mas depois voltava. Enquanto
isso, desenvolvi todos os efeitos colaterais dos esteróides. Quando cheguei na minha última
hospitalização, meu sistema imunológico estava derrubado e eu era um destroço físico. Pior
ainda, eu estava totalmente desmoralizado e sofrendo de uma falência espiritual da qual eu não
tinha consciência. A negação e o auto-engano eram tão grandes que eu não conseguia perceber a
criatura digna de pena que eu tinha me tornado.
Dei entrada em uma instituição de tratamento. Lá, pela primeira vez, fui confrontado por
médicos que eram, eles mesmos, adictos. Eles me perguntaram primeiro se eu queria ajuda e,
então, se eu estava disposto a fazer qualquer coisa para me recuperar. Eles me explicaram que eu
poderia ter que perder todas as minhas posses materiais, minha permissão para praticar, minha
profissão, minha esposa e família, até mesmo o meu braço. Primeiro, eu travei. Achei que não
havia nada de errado comigo que um pouco de descanso e relaxamento não dessem jeito. Mas,
em vez disto, fiz um pacto com eles: eu iria ouvir e obedecer sem questionar. Eu tinha sido
sempre independente e isto foi, certamente, uma mudança para mim. Esta tinha sido a minha
primeira apresentação ao amor firme que me ajudou tanto em NA.
Durante um mês no hospital, uma grande mudança aconteceu comigo. Fui forçado a ir a
reuniões de NA fora do hospital. Primeiro eu fiquei rebelde. Estas pessoas não eram como eu;
eles eram junkies comuns, drogados, cabeças-de-pílula, baladeiros de êxtase e cheiradores de
coca. Como é que eu podia me identificar com eles? Eles não tinham vindo do mesmo lugar que
eu. Eles não tinham passado pelo que eu passei. Eles não tinham conquistado o que eu
conquistei. Mas quando eu escutei, ouvi a minha história, repetidamente. Estas pessoas
experimentavam os mesmos sentimentos que eu, a sensação de perda, ruína e degradação. Eles
também tinham estado, desesperados, sem-esperança e abatidos pelo mesmo monstro terrível que
eu. Mas eles conseguiam rir de seu passado e falar sobre o futuro em termos positivos. Parecia
haver um tal equilíbrio entre seriedade e leveza com uma sensação poderosa de serenidade. Eu
queria muito o que eles tinham.
176
Ouvi sobre honestidade, tolerância, aceitação, alegria, liberdade, coragem, boa vontade,
amor e humildade. Mas a coisa mais grandiosa que escutei foi sobre Deus. Eu não tinha nenhum
problema com o conceito de Deus, eu dizia ser um crente. Eu só não conseguia entender por que
Ele tinha me abandonado. Eu tinha estado orando a Deus da mesma maneira que uma criança
pede presentes ao Papai Noel, mas eu ainda me agarrava à minha vontade própria. Sem ela, eu
raciocinava, eu não teria nenhum controle sobre a minha vida e não conseguiria sobreviver.
Alguém me mostrou que talvez fosse este todo o problema. Disseram que talvez eu deveria
buscar a vontade de Deus primeiro e, então, colocar a minha vontade de acordo com a Dele.
Hoje, oro somente pela Sua vontade para mim e pela força de levá-la adiante em uma base diária
e tudo está bem. Descobri que as Suas dádivas são incontáveis quando eu entrego
consistentemente a minha vontade e a minha vida aos Seus cuidados.
Através do processo de estudar, escrever, trabalhar e, por fim, viver os Doze Passos de
Narcóticos Anônimos eu fui levado por um caminho que me trouxe um novo relacionamento
com o Deus da minha compreensão. Só isto já demonstra o poder de mudança que o programa
pode trazer. E essa mudança, quando multiplicada por muitos adictos, fará do mundo um lugar
melhor para todos, tanto adictos quanto não adictos.
Já que tudo que eu ganhei de meu envolvimento em Narcóticos Anônimos foi me dado de
graça e incondicionalmente, me foi incumbida a tarefa de dar de graça a outros também.
Descobri que a maneira de fazer isto é através do serviço.
Para mim, uma forma especial de serviço tem sido o apadrinhamento. De modo a me
lembrar de minhas atitudes xenofóbicas anteriores, Deus, em sua sabedoria infinita, e com seu
humor, me arranjou afilhados que são homens de diversas origens. Muitas vezes, a única coisa
que temos em comum é a nossa doença da adicção. As diferenças sobre as drogas que usávamos,
nossa origem étnica, origem sócio-econômica, orientação sexual ou sistema de crenças espiritual
já não criam barreiras a relacionamentos amorosos e frutíferos. Cada um me ensinou mais do que
eu posso relacionar aqui e parece que a “via de mão dupla” da qual falamos quanto ao
relacionamento de apadrinhamento tem um peso maior para o lado do meu crescimento e
conscientização pessoais. Minha interação com adictos – que tinham sido os objetos de meus
medos – enriqueceu-me além de qualquer expectativa que eu tivesse quando cheguei às salas de
NA.
Encontrei uma nova casa na Irmandade de Narcóticos Anônimos. Encontrei o meu chamado na
vida, que é levar a mensagem ao adicto que ainda sofre. Estou tão grato a Deus e a NA por poder fazer
isto hoje!
A percepção das diferenças nas quais eu tinha me concentrado foi só mais uma maneira pela qual
a minha doença me separou de vocês e que me fazia me achar “desqualificado” para a recuperação em
NA. Descobri que vocês
177
são exatamente como eu. Não sou mais alguém melhor ou pior do que ninguém. Sinto um
verdadeiro amor e camaradagem na Irmandade de Narcóticos Anônimos. Meu despertar
espiritual tem sido que eu sou um adicto comum – eu não sou único.
178

A VIDA DO JEITO QUE ELA É


A recuperação da adicção é muito mais do que somente não usar drogas. À medida que nos
mantemos limpos, encaramos desafios e somos agraciados com dádivas. Estes adictos partilham
sobre a prática dos princípios do programa enquanto se mantêm limpos e vivem a vida do jeito
que ela é.
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A hepatite C estava me matando, então tive que começar a tomar medicação. Tive que aprender a
viver com seringas dentro de casa. Tive que aprender a me injetar o remédio na mesa da cozinha
com as janelas abertas, ao invés de me picar como se fosse droga no banheiro com a porta
fechada. Tomar a medicação foi a coisa mais dolorosa que eu já fiz na minha vida e eu tive que
fazer isto por um ano. Foi um inferno vivo. Mas isto fez com que eu danasse pelo Terceiro
Passo. Tinha que ser assim, pois o tratamento não funcionava para mim e eu tinha que ter fé. A
hepatite continua em mim. Continuo sendo um adicto. Os passos e o meu padrinho me ensinaram
coisas que nunca imaginei. Estou em paz com o mundo. Tenho uma nova maneira de viver. Pode
ser que eu tenha que voltar a me medicar. Pode ser que não. Estou deixando isto aos cuidados do
meu médico e de Deus. Vou ver como faço. Tenho NA. Tenho uma vida.

*********
Numa manhã, decidi doar plasma para que eu tivesse o dinheiro para comprar uma dose de
heroína. Esperei por um bom tempo no centro de doações e pareceu estranho que eles não
chamavam pelo meu nome. Finalmente, um médico com uma bata branca me chamou ao seu
consultório. Ele disse sem rodeios, “você ficou HIV-positivo. Você está permanentemente
retirado do programa de doação de plasma”. Eu andei pelas ruas, me sentindo anestesiado por
dentro. Eu me joguei em uma compulsão de proporções sem paralelo. Fui parar no Novo
México, quase morto e dei entrada em um tratamento. Eu me lembro de um adicto falando sobre
o quanto ele amava NA e seus princípios. Explodi em choro, admitindo ser um adicto e pude me
tornar ativo em Narcóticos Anônimos.

Algum tempo depois eu comecei a namorar uma garota que tinha HIV e ela terminou morrendo
de AIDS. Eu tinha que dar comida para ela com a colher e cuidar dela. Foi uma experiência
horrível. Eu me lembro de ir a reuniões dizendo, “eu posso ficar limpo”, mas, na verdade, me
questionando se isso era possível. Na noite em que ela morreu, telefonei para o meu padrinho e
para outro amigo de NA. Eles vieram para a minha casa para me dar apoio. Depois que ela foi
levada e todos foram embora, eu estava com medo. O que eu ia fazer? Então eu comecei a
escrever o meu Terceiro Passo e o meu Poder Superior me mostrou que se eu não usasse e
continuasse trabalhando o programa, realmente não havia nada a temer.

*********
181
Um dia, descascando batatas, percebi uma fraqueza nas minhas mãos. Não dei atenção a isso
achando que era a minha artrite agindo. Então eu tive dormência e formigamento nas minhas
pernas e pés. Logo depois, eu estava incapaz de ficar de pé e andar. Levaram-me ao pronto
socorro e, depois, me transferiram a um hospital de rehabilitação física, onde me diagnosticaram
com uma doença nervosa. Fiquei incapaz de ir a reuniões durante este tempo e meu padrinho me
ajudou muito. Continuei a trabalhar meus passos e a ler meu Texto Básico. Sentia tanta falta das
reuniões e sentia tanta solidão – sentia falta do mundo lá de fora. Depois de dois anos, eu já era
capaz de me levantar novamente e de dar alguns passos. Agora, posso me movimentar com ajuda
de um andador. Foi uma bênção tão grande ter tido o apoio de meu padrinho e do Poder Superior
durante este tempo difícil. Acho que não teria conseguido sem eles.

*********
O programa me ensinou que posso me recuperar da adicção, independente de outras doenças.
Sofro de dor crônica e preciso aceitar que os hospitais, médicos e medicações são parte do meu
“aqui e agora” se eu quiser ficar em NA e fora da negação. No passado, eu ouvia as pessoas me
dizerem que eu não estava limpo e que não podia ingressar em NA porque eu tinha que tomar
medicação. Eu tinha permitido que os outros me tirassem do único lugar em que encontrei alívio
– as salas de NA. Agora, estou de volta há quase dois anos e estou tão grato pela habilidade de
trabalhar o programa, do mesmo modo que todo mundo. Tenho um padrinho e trabalho os
passos. Sirvo e vou a reuniões regularmente. A meditação e a oração me ajudam a reduzir minha
dor. Consegui ficar em NA somente porque estava disposto a me aceitar. Desta vez, eu não vou
embora!

*********
Eu não podia acreditar que estava tendo este tipo de comportamento com cinco anos limpa! Eu
não tinha nada para colocar a culpa, nenhuma desculpa para dar. Eu não estava doidona e nem
era jovem e inexperiente. Eu era responsável e com esta consciência, me sentia suja e sem-
esperança. Vim a compreender plenamente a frase “você é tão doente quanto os seus segredos”.

A maneira de parar o caso, parecia, era contar para o meu marido. Naquele dia, o ponto mais
baixo de minha vida começou; eu estava intensamente envergonhada. Eu não apenas tinha traído
o meu marido e a esposa do cara, mas a minha
182
irmandade também tinha sido traída por causa da confusão e desunião que se seguiram em nossa
pequena comunidade. Trabalhei os passos por este capítulo de minha vida e acredito que nunca
teria sobrevivido ao meu comportamento sem o programa de NA. Eventualmente, o meu marido
e eu voltamos a ficar juntos. Ele me ensinou amor incondicional, perdão e integridade. Hoje, nós
dois tentamos ajudar a outros em recuperação que possam estar passando por esta situação.

*********
Eu estava na casa da minha mãe, fazendo as decorações para as festas. Minha esposa me
telefonou e ela estava chapada. Ela disse para mim coisas horríveis e que não posso repetir.
Quando cheguei em casa depois de terminar a decoração, ela estava no sofá e parecia ter
desmaiado. Então vi que minha espingarda estava no chão em frente ao seu corpo. Chamei a
emergência e fiquei parado lá em choque, chorando e amaldiçoando a Deus. Rezei por sua
vontade para ela, que alguma coisa acontecesse de modo que ela não precisasse sofrer mais. Fui
detido e levado como suspeito até que o suicídio foi confirmado como sendo a causa da morte.
Eu podia dar um só telefonema e liguei para o meu padrinho. Ele foi para lá e, no dia seguinte, a
irmandade veio e queria ajudar de qualquer maneira possível.

À medida que o tempo foi passando, o luto não passava. Eu sabia que tinha que me render a isso.
Eu não podia trazê-la de volta, mas eu podia buscar sanidade para mim. Finalmente, alguém
partilhou que a resposta era a fé e não desistir cinco minutos antes do milagre acontecer. Segui a
sugestão e escrevi uma carta para ela partilhando a minha recuperação e as coisas não ditas que
eu precisava dizer e me senti libertado do peso do luto. Deixo Deus lidar com isto. Às vezes,
pego minha vontade de volta, mas a dor não é tão ruim quanto antes.

*********
Toda uma nova vida começou quando fui ao preparatório para a universidade, buscando um
sentido de valor próprio. A vida estava interessante, desafiadora e apreciável – ultrapassando as
fronteiras intelectuais e sociais com as quais eu estava acostumado. Mesmo eu estando duro a
maior parte do tempo, estudar era uma experiência incrível. Meu padrinho ficou preocupado
quando a minha ida a reuniões diminuiu devido à carga de trabalho acadêmico. Mas eu mantive
contato com a minha rede de apoio de NA e, nos intervalos, corria para tantas reuniões quanto
possível. Terminei o preparatório com honras e fui adiante para conseguir um diploma
universitário.
183
Meus filhos e meu padrinho estavam na formatura e a lembrança de o quanto eles estavam
orgulhosos enche o meu coração. Sou tão grato a NA pelo sucesso que experimentei em
recuperação!
184
Mesmo em um canto remoto do Paraíso, a doença pode nos encontrar – e a recuperação
também. Ela continuou voltando e encontrou liberdade através do trabalho destemido do
inventário.

Sopro de vida

Eu não tenho nenhum problema em aceitar que nasci uma adicta. Está nos meus genes.
Onde eu cresci eu era apenas a menina branca, ou Haole, na minha sala. Em havaiano, “ha ole”
significa sem sopro ou espírito de vida. Todos os dias na escola era um dia de mata-a-Haole,
então eu tinha que brigar muito. Mesmo os adultos zombavam de mim no ponto do ônibus por eu
ser uma Haole. Com meus cabelos vermelhos e minhas sardas, eu era tão branca que me sentia
repugnante. As pessoas me olhavam e diziam: “O que tem de errado com ela? Ela parece doente.
Ela é tão branca!” Eu sentia muita vergonha. Na quarta série eu pedi ao meu irmão para desenhar
uma tatuagem grande de uma âncora e uma corrente no meu braço. Meu pai era da Marinha, e
naquele ano nós estávamos com uma capitã chilena na nossa casa. Eu queria ser ela – ou Pippi
Longstocking, que era bem rica, era forte o suficiente para levantar um cavalo, tinha um macaco
de estimação e estava a maior parte do tempo sozinha. Ela parecia comigo.
Eu fui molestada por vários tipos de pessoas – amigos dos meus pais, babás, e pessoas da
vizinhança – desde o jardim-de-infância. Isso me endureceu por dentro. Eu congelei meu coração
e encontrei o pior de mim. Eu me tornei um objeto e minha sexualidade se tornou minha única
força. Era onde eu encontrava minha validação, onde eu acreditava encontrar minha força e
minhas habilidades.
Eu já estava nas ruas de Waikiki aos quinze anos de idade. Conheci a recuperação quando
ainda era adolescente, mas fiquei entrando e saindo das salas por muitos anos. Eu sentava no
fundo da sala e ficava calada. Eu pedi a uma mulher para me amadrinhar porque eu queria ter um
nome para quando as pessoas me perguntassem: “Quem é sua madrinha?”
Devido à minha adicção e aos meios e maneiras que eu utilizava para usar mais, eu causei
muito mal a mim e aos outros. Nenhuma degradação era grande o suficiente para acabar com a
dor que eu sentia por dentro. Recaí várias vezes. Sofri abortos. Estava num emaranhado de
doença, vergonha, medo e raiva. Em certo momento, eu vivia numa casa deteriorada na parte
Leste de LA e tinha só um vestido. Eu realmente estava mal na fita. Eu era nojenta. Vivia como
um animal. Da minha janela, eu ficava olhando as mulheres no ponto de ônibus indo para os seus
trabalhos e pendurando a roupa nos seus quintais pequenos e cercados. Eu estava morrendo. Meu
espírito estava morrendo. Perguntei a Deus: “Por que eu tenho que ter isso? Por que eu não posso
ter uma vida simples? Eu não preciso de muito. Eu só quero me sentir... decente.” Com os
recursos que pude juntar, eu me mudei para a parte rural e mais remota do Havaí. Lá, eu não
conhecia ninguém.
185
Pedi a Deus que me ajudasse a me ajudar. Eu estava desesperada. Liguei para a Linha de
Ajuda e fui a uma reunião de NA. Tinhas três pessoas na sala. Elas todas partilharam e então
olharam para mim! Era a hora de eu abrir a boca e falar. Eu comecei a rodar as salas. Nós éramos
um grupo pequeno. Nós saíamos juntos: íamos à reunião, ao cinema, jantar. Tomávamos café a
noite inteira e conversávamos. Nós nos telefonávamos para saber se estava tudo bem antes de
dormir e acordávamos no dia seguinte limpos. Eu ajeitei meus dias. Fui a eventos em outra
região e percebi que as pessoas em outras ilhas estavam limpas. Então, fui a uma convenção e
descobri que existiam pessoas em outros estados, e mesmo em outros países, que estavam
limpas! Minha vida em recuperação começou a se expandir, e a escuridão não podia mais se
manter. Eu estava deixando a luz da recuperação entrar.
Tomei uma decisão e uma vida espiritual se tornou real. Eu comecei a sentir uma certa
liberdade. De repente, eu tinha escolhas. Voltei para a escola e terminei meus estudos. Eu fiz
algumas reparações e resolvi meus problemas legais. Eu me dediquei a servir ao programa.
Num certo ponto eu me tornei muito séria. Eu me tornei mais lúcida e passei a usar – não,
eu impunha – as tradições e nossa política no serviço como uma espada. Alguém me disse: “Se
todo mundo vivesse na lei do olho por olho, nós seríamos todos cegos.” Eu tive que parar de
arrancar os olhos das pessoas à minha volta no serviço. Aprendi que minha vida depende da
unidade de NA e que eu precisava de uma pele mais dura e um coração mais suave.
Comecei a perceber que eu continuava a praticar padrões de comportamento que estavam
me matando. Tive que desistir. Dei à minha madrinha inventários que descreviam crimes contra
a sociedade e instituições, mas eu não tinha dado os “crimes contra mim”. O resultado de guardar
essa vergonha do meu passado me fez agir em desonestidade, raiva violenta, adicção a sexo,
relacionamentos em série, jogo, terapia de retaliação, dívidas, anorexia-bulimia. Eu era uma
adicta na ativa sem droga. Esses comportamentos são defeitos de caráter que ficam no meu
caminho de viver a vida na sua plenitude. Senti o gosto do que a liberdade poderia ser, mas não
sabia como consegui-la. Estava exausta.
Eu tinha algumas crenças arraigadas que estavam me matando. Toda minha raiva e
ressentimentos do passado, minha infância, meus erros, minha tristeza, minha perda – aquela dor
tão profunda, nenhum comportamento destrutivo poderia extirpá-la – tinha que ir embora. Se eu
não deixasse que ela fosse toda embora, eu não viveria. Em lágrimas, eu a escrevi toda num
papel. Encontrei uma madrinha que foi como uma cirurgiã em relação aos meus inventários. Ela
me disse: “Você está pronta para se conhecer?” Eu pensei, não sei. O que vai acontecer quando
eu deixar isso sair de mim? Eu estava com medo. Ela me disse: “O PS está aqui, agora. Nós
somos amadas e estamos à salvo.” Então eu desisti e depois disso, senti alívio. Eu me perguntei
por que não tinha feito isso
186
antes! Eu me senti viva, e você sabe o que mais? Eu me senti limpa. Percebi que ficar limpa era a
nova onda! Isso era trabalho de passos? Gostei disso! Aprendi que eu não me machucaria com
isso. Eu também sabia que tinha muito trabalho a fazer para me livrar de tudo que eu tinha
guardado. A construção estava à caminho.
Eu amo a minha madrinha. Ela me ajuda a viver através dos princípios espirituais. Ela me
olha fundo nos olhos e reflete a mim mesma em retorno. Ela me amava estivesse quer eu
estivesse trazendo graça ou impertinência à baila e ela me ensinou a me amar apesar disso tudo.
Percebi que eu não era apenas uma pessoa; eu não poderia ser depois de ter sido tão fraturada.
Na verdade eu estou dividida em três pessoas. Existe a “baixo eu”, que é a adicta. Essa pode ser
desonesta, pode beliscar um bebê quando ninguém estiver olhando. Ela é aquela que fumou todo
o seu próprio dinheiro da fiança. Essa ainda é uma parte de mim. Daí tem a “meio eu”; ela é uma
cidadã, ela paga as contas, é uma boa filha, irmã, esposa e trabalhadora. Ela é decente. É uma
servidora de confiança. Ela pode aparecer e ser alguém com quem se pode contar. Ela é generosa
e engraçada e amável. A “alto eu” é a minha natureza exata: é quem o meu PS pretende que eu
seja. Essa é a parte de mim que é compassiva, não julgadora, de mente aberta e cheia de graça.
Essa parte de mim é pura luz e puro amor. Quando eu amadrinhei uma companheira pela
primeira vez, eu perguntei: “Mas como eu faço isso? Que tipo de papel é esse? Que tipo de voz
eu necessito ter?” Eu aprendi que se eu for apenas humana, uma adicta em recuperação como eu
sou, e deixar o PS guiar nós duas, está tudo bem. O meu PS me manda pessoas para eu aprender
sobre mim mesma.
Segura do amor dessa Irmandade e trabalhando os passos, eu comecei a sarar. Eu aprendi
a perdoar as pessoas que me causaram mal quando eu era pequena. Isso é possível! Essas
memórias me entristecem, mas eu não preciso mais carregá-las como um fardo. Eu entendi que
nosso símbolo de quatro lados como uma moldura para se viver: Eu, Deus, Sociedade e Serviço.
Essa é a base na qual eu vivo o programa e como eu trabalho os passos.
Aprendi como transformar minha raiva em ação criativa. Aprendi a discordar e até a
discutir e ainda assim conviver. Aprendi padrões saudáveis para relacionamentos e com a
família. Aprendi que a bondade significa que eu acredito que tudo que outra pessoa faz ou
acredita é tão importante quanto minhas próprias ações e crenças. Essa é uma afirmação simples,
mas que me remete a um caminho muito intrincado de recuperação. Algumas coisas muito
surpreendentes aconteceram e eu sei que essa é a magia da recuperação. Estarei trabalhando um
passo e, quando eu estiver pronta, um véu será retirado dos meus olhos e verei a verdade. Esse é
o caminho para a liberdade.
Sinto onda com a vida. Eu rio com vontade e com a minha boca bem aberta. Eu sinto alegria e
desapego de mim mesma. Eu sinto num nível muito profundo. Tenho contato consciente. Oração e
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meditação me trouxeram um contato com os outros e com o meu PS que a minha adicção tornou
impossível. A adicção me separou da vida. NA me permitiu encontrar o caminho para o meu
coração, a ouvi-lo e a pensar a partir dele. Meu coração não está mais congelado. Está quente. É
como a diferença entre se sentar na sombra e no sol. Estou muito grata. O sopro da vida me foi
dado. Obrigada, Narcóticos Anônimos.
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Ele perdeu um irmão e um filho para a doença da adicção, mas NA o ensinou a dizer “eu te
amo”, mesmo em face de tantas perdas.

Vida e Morte em NA

Cheguei a NA pela primeira vez em 1986. Procurei pelas diferenças, encontrei-as, e usei
por mais um ano e meio. Quando retornei, eu me rendi com o desejo de fazer qualquer coisa para
ficar limpo. Segui sugestões, cometi novos erros, e os altos e baixos emocionais foram
diminuindo devagar junto com o meu desejo de usar.
Eu cheguei a esse programa pai de dois filhos maravilhosos. Quando tinha dois anos
limpo, fui abençoado com um terceiro filho. Durante minha recuperação, fiz o melhor para ser
um bom pai. Cometi erros, mas também aprendi a amá-los, protegê-los e prover para eles ao
invés de controlá-los, dominá-los e enchê-los de lágrimas como tinha feito a maior parte da
minha vida. Eu não queria que meus meninos viverem da mesma maneira que eu vivi: com ódio,
raiva, medo e falta de amor pela vida. Não importava a mensagem que eu levava com minhas
palavras, meus meninos viam como eu agia e reagia às situações. Eu tive que aprender a trilhar o
caminho de NA e fazer meu melhor para aplicar os princípios em todas as minhas atividade,
porque meus filhos iriam copiar as minhas qualidades e os meus defeitos de caráter.
Esse programa funciona de uma forma misteriosa. Meu pai me disse que me amava duas
vezes na vida: quando o Chicago Bears ganhou a Super Taça e uma vez numa Festa de Ano
Novo. Mas graças a NA, os últimos anos da sua vida foram diferentes. Ele recebeu um
diagnóstico de câncer em 1996 e os meus filhos, ao pularem na sua cama no hospital, disseram
“eu te amo, vovô”, como sempre diziam. Eu aprendi a dizer “eu te amo” em NA; eu ensinei aos
meus filhos e, para minha surpresa, meus filhos ensinaram ao meu pai. Naquele dia, no hospital,
bem na minha frente, meu pai machão disse: “eu amo vocês também”. Eu fiquei perto dele na
sua luta; ele morreu seis meses depois. Graças a NA, meu pai deixou este mundo sabendo que
meus filhos o amavam e com meus filhos sabendo que o avô os amava. Ele morreu aos 58 anos
com 19 anos limpo.
Meu irmão lutou contra a doença da adicção por muitos anos.
Ele sabia que eu ia a reuniões de NA. Eu o convidei para vir comigo. Ele tentou outros
caminhos para lidar com a doença, mas elas eram apenas soluções temporárias. A adicção estava
sempre no topo; ele estava sendo sugado aos poucos. Eu aprendi que NA está aberto para
qualquer adicto que esteja buscando recuperação. Ele sabia que eu o amava incondicionalmente,
mas quando ele estava usando, eu tinha que amá-lo à distância. Ele sabia que eu estaria ali para
levá-lo a uma reunião assim que ele quisesse.
189
No dia 21 de junho de 2001, recebi uma ligação do hospital. Me falaram que meu irmão
tinha sofrido um terrível acidente. Eu não sabia direito como eles tinham conseguido meu
número. Eles não me disseram se ele estava bem e eu sabia que ele não estava. Eu fui para o
hospital e me pediram para identificar o meu irmão porque ele não tinha sobrevivido. Ele estava
lá, machucado e morto: foi-se para sempre aos trinta e quatro anos de idade. Ele foi transar, ficou
doidão e, no caminho de volta para casa, deu de cara com um viaduto em alta velocidade,
morrendo instantaneamente.
Um dia antes, ele tinha vindo almoçar comigo no trabalho (era um horário e um local
seguros para nos encontrarmos). Nós saímos um pouco e, quando ele foi embora, me disse: “eu
te amo, irmãozão” e eu respondi “eu te amo também”. Devido ao que eu aprendi nesse programa,
as últimas palavras que troquei com o meu irmão foram “eu te amo”. Mais tarde eu descobri que
os funcionários do hospital encontraram meu número porque ele tinha meu cartão no bolso desde
o dia anterior – obrigada NA, por não me lembrar a não me fechar completamente para os
adictos resistentes. Eu queria que ele tivesse desejado o que nós tínhamos a oferecer a ele e
tivesse feito um esforço para consegui-lo.
Mais uma vez meu coração foi despedaçado, meu espírito enfraqueceu e minha fé
titubeou. Meus filhos ficaram arrasados. Eu fiz o que me ensinaram a fazer: trabalhar os passos,
orar, ligar para o meu padrinho, ir às reuniões e estar disponível para as pessoas amadas. Eu
precisava estar rodeado de pessoas que me amavam dentro e fora das salas de NA. Meus amigos
da Irmandade estavam lá naquele dia e desde quando eu fiquei limpo. No meu coração, eu sabia
que eles sempre estariam lá.
Até agora, não foi tão difícil escrever sobre esse assunto porque eu tive alguns anos para
sentir o luto dessas perdas. Mas o que eu vou descrever agora, não desejo a ninguém que tenha
essa experiência. Nos últimos nove meses, perdi a esperança, o entusiasmo e o interesse pela
vida. Sinto um vácuo no local em que meu coração existia. Eu tenho chorado mais nesses
últimos meses do que chorei minha vida inteira.
Há aproximadamente dois anos, meu filho veio morar comigo e eu percebi que ele estava
usando. Ele sabia que nos últimos quinze anos, eu tinha sido um membro ativo de NA. A doença
da adicção e o terror e a destruição que vêm com ela não eram nem um pouco estranhos a ele.
Nós batemos cabeça. Eu pedi ajuda a outros adictos em recuperação para lidar com meu filho na
adicção ativa. Seu uso progrediu, meu coração se partiu quando eu o vi adormecendo sentado por
efeito da heroína. Em um ano, ele partilhou que não via mais esperança para sua vida ou de ficar
limpo.
Ele decidiu buscar ajuda e veio para NA em março de 2004. Fomos a algumas reuniões juntos,
mas ele queria ir às reuniões sozinho. Ele começou a trabalhar o programa e começou a partilhar comigo
num nível mais profundo. Nós acertamos algumas arestas do passado,
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pelo que eu sou imensamente grato. Foi muito bom vê-lo confiar no programa e começar a
limpar alguns segredos que o assombravam.
Nossa literatura nos diz que “aqueles que continuam indo regularmente às reuniões
mantêm-se limpos”, mas meu filho escolheu não continuar indo às reuniões depois que fui para o
Afeganistão. Eu sei que não posso tirar o programa da minha alma e dá-lo a outra pessoa, mesmo
esperando que eu pudesse dá-lo ao meu filho. Ele recaiu no final de novembro de 2004. Eu voltei
de fora do país para ver o esqueleto do meu filho enroscado na posição fetal em um hospital
depois de uma overdose. Quando ele acordou, ele me disse que estava sem esperança e que
apenas queria sentar num quarto e usar para sempre. Ele disse que não era tão forte quanto eu e
que não conseguiria ficar limpo. Eu garanti a ele que, se eu conseguia ficar limpo, ele também ia
conseguir. Meu estômago estava embrulhado.
Já que eu estava fora da área por muito tempo, resolvi fazer noventa dias, noventa
reuniões para conhecer alguns dos adictos em recuperação do local e voltar a me envolver no
serviço de NA. Eu sei que se eu não tivesse feito esses “noventa em noventa” e não tivesse
reforçado bem minhas bases, o que estava para acontecer teria me incapacitado espiritualmente.
Meu filho foi para outro centro de tratamento no início de dezembro, mas não queria
visitas e quase não telefonava. Quando ele me ligou do tratamento, eu perguntei se ele estava
indo às reuniões de NA. Ele disse: “os caras de NA pararam de vir perto do Natal”. No final de
janeiro ele decidiu morar numa casa de apoio na Califórnia. Eu fui contra a idéia. Disse a ele que
ele tinha recaído de forma tão intensa da última vez, que eu tinha medo de não vê-lo vivo outra
vez. Eu tinha lágrimas nos olhos quando o abracei ao me despedir dele na estação de trem com a
mãe dele. Ele viu meus olhos marejados e me perguntou se eu estava bem. Eu estava sem fala
naquele momento, e balancei minha cabeça dizendo que sim. Ele sabia que eu não queria que ele
fosse. Eu era impotente perante a decisão dele.
Ele saiu do tratamento dia três de fevereiro e foi para a casa de apoio dia cinco, o mesmo
dia em que eu comecei como líder de painel da nova reunião de H&I que nós começamos na
unidade de onde meu filho tinha acabado de sair.
Ele me ligou da casa de apoio uma semana depois. Ele pareceu muito preocupado e falou
que estava apavorado porque ele e o seu colega de quarto tinham recaído na noite anterior. Então
ele disse as palavras que eu estava esperando: “Eu quero voltar para casa”. Eu me senti
cautelosamente aliviado, porque eu sei que adictos na ativa dizem qualquer coisa para
conseguirem dinheiro. Eu mandei para ele uma passagem de trem sem direito a restituição do
dinheiro. Ele saiu no dia seguinte e estava vindo para casa para morar comigo e com seu outro
irmão. No outro dia, recebi uma ligação da mãe dele. Eu achei que ela fosse só me confirmar que
era para eu pegá-lo na estação de trem. Eu estava errado.
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Ela estava gritando histericamente e jogou “nosso filho está morto!”. Eu não queria
acreditar nisso – ele estava quase em casa. Meu coração quase parou quando ela me disse que ele
foi encontrado morto dentro de um banheiro do trem na cidade de Kansas. Meu filho
maravilhoso, divertido, extrovertido, menino de família, respeitável, amoroso, estava morto aos
vinte e um. Ele usou mais uma dose e ela o matou. Eu nunca mais abraçarei meu filho, nunca
mais darei gargalhadas com ele outra vez. Eu nunca mais irei pescar ou ao cinema com meu filho
de novo. Minha sobrinha diz que ele vive nos nossos corações. Mas eu sou egoísta: eu o quero
perto de mim. O normal seria que ele tivesse enterrado a mim, não eu a ele.
Viver com esse pesadelo de mudança de vida tem sido desafiador. Ver meu próprio filho
em um caixão despedaçou meu coração. Eu já passei por todos os tipos de “e se”, “podia ter
sido”, “devia ter sido” e “mas se?”. Eu fiz o melhor que pude. Eu o amei incondicionalmente e
estive disponível para ele.
Trabalhar os passos diminuiu a culpa e arrependimento que eu senti. Eu aprendi a
permitir que as pessoas que eu amo, respeito, e admiro saberem o impacto que elas têm na minha
vida. Eu também preciso estar disponível para a minha família e para os meus amigos que estão
comigo na minha tragédia, mesmo que eu me sinta desconfortável e não saiba o que dizer. Eu só
preciso estar ao lado deles; nenhuma palavra mágica se faz necessária.
O fundamental é que, se não fosse por Narcóticos Anônimos, eu não teria tido
ferramentas para lidar com a perda do meu pai, do meu irmão e, mais do que tudo, do meu filho.
A jornada continua. Mais lições me aguardam nas reuniões e no antes e no depois das reuniões.
Nos últimos nove meses, houve quatro mortes por overdose em nossa área. A morte em virtude
da doença da adicção é uma coisa real. Esta é uma doença séria e que mata. Mas hoje eu tenho
uma escolha.
Sim, existe perda e dor na recuperação, mas a jornada em NA tem sido muito mais
recompensadora do que eu jamais poderia imaginar. Para nomear apenas alguns sonhos
realizados, desde que eu fiquei limpo, eu sou o único filho de sete irmãos a ter diploma de nível
superior. Eu viajei ao redor do mundo e fui afortunado o bastante de poder assistir reuniões no
Japão, na Turquia, na Índia e na Malásia. Ano passado, estive na Alemanha, no Uzbequistão e no
Afeganistão. A jornada continua à medida que eu aprendo a lidar com a perda do meu
maravilhoso, extrovertido e lindo filho. Eu espero que ele cuide de mim e dos seus irmãos.
Eu não culpo a Deus nem a ninguém pela morte do meu filho. Ele escolheu colocar uma
agulha no braço; a morte foi o resultado. Ele estava vindo para casa, mas em algum ponto da
viagem a doença da adicção fez o que ela sabe fazer melhor.
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Agora eu sei que a vida é preciosa e eu tento mandar as flores antes do funeral. Eu faço o
melhor para me aproximar dos recém-chegados, sempre. Eu continuo a fazer o que eu fiz para
me manter limpo nos meus primeiros noventa dias.
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Ele estava apavorado com a idéia de contar ao grupo quem ele era, mas quando este adicto gay
se abriu, descobriu que estava em casa.

O Mesmo Caminho

Eu sabia que estava condenado e que nunca poderia mudar. Eu sempre seria um adicto,
um delinqüente, um condenado e um homossexual. Quando comecei a freqüentar NA, uma das
coisas que eu não queria ser era gay. Eu sempre quis me ajustar e ser gay me fazia me sentir
diferente e envergonhado. Achei que se talvez eu parasse de usar, poderia ser como uma pessoa
normal.
Eu assisti reuniões esporadicamente entre 1981 e 1989, mas não importava quantas vezes
eu tentasse, eu não conseguia pegar o ritmo de NA. Parecia que NA ajudava algumas pessoas,
mas não a mim. Eu era diferente. Eu não tinha esperança e era imune à recuperação.
Nos meus primeiros anos de idas e vindas a NA, eu ouvi os companheiros fazendo piada
dos homossexuais e dizendo que os gays não conseguiam ficar limpos. O único homem gay que
eu conheci recaiu depois de três anos limpo. Ele nunca mais voltou, então eu comecei a acreditar
que isso era verdade. Eu acreditava que eu era diferente porque lá no fundo eu sabia que era gay
e, devido a isso, eu não ficaria limpo.
Hoje, percebo que durante os nove anos em que eu fiquei tentando ficar limpo – me
odiando por ser gay, me odiando por ser adicto e me odiando por ter jogado fora minha liberdade
pelos meus pais, meus parceiros, cadeias e tribunais – eu nunca realmente tentei viver o
programa de Narcóticos Anônimos. Claro, eu ia às reuniões e partilhava quando chamado, mas
não segui a simples sugestão que meu padrinho me deu – não use, aconteça o que acontecer!
Ele me disse para assistir às reuniões regularmente para que eu pudesse ver que eu não
era único e para aprender a responsabilidade de fazer parte de uma consciência de grupo. Ele me
disse para trabalhar com um padrinho para que eu pudesse experimentar a alegria profunda de
um relacionamento baseado no amor incondicional de um adicto ajudando outro. Ele me sugeriu
prestar serviço para me ajudar a me livrar do egocentrismo e da auto-obsessão. Mas eu não dei
ouvidos porque eu nunca ia conseguir mudar.
Toda vez que eu olhava os Doze Passos, o Passo Nove sempre parecia maior. Eu falava
para mim: “Por que se preocupar? Você nunca vai conseguir pagar todo o dinheiro que você
roubou, recuperar toda a destruição que você causou, ou voltar atrás em todas as mentiras que
você contou aos seus avós, ao seu pai, à sua mãe, ao seu irmão, à sua irmã e a todos aqueles que
tentaram te amar. Você devia simplesmente desistir.”
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Quanto mais eu pensava no meu comportamento, mais convencido eu ficava de que seria
impossível fazer reparações. Eu fui mau demais; eu fui longe demais. Quando eu disse ao meu
padrinho porque trabalhar os passos não ia funcionar para mim, ele sorriu e disse que eu não me
preocupasse com o trabalho do Passo Nove. Ele me disse que a única coisa com a qual eu
deveria me preocupar era com o trabalho do Passo Um e que a melhor forma de trabalhá-lo era
não usando. Eu poderia me preocupar com o Passo Nove quando, e se, eu chegasse lá. Eu usei
meu medo, minha culpa, minha vergonha e minha insegurança como desculpas para continuar
usando. Minha vergonha de fazer reparações não me deixou enxergar os potenciais da vida
maravilhosa que me aguardava. Quantas vezes eu confundi o que estava na minha frente com o
que estava diante de mim. Se eu soubesse disso, quem sabe eu teria ficado limpo antes.
A primeira vez que eu partilhei no grupo que era gay foi muito difícil. Eu tinha cinco
anos limpo e freqüentava as mesmas reuniões regularmente. Eu nunca falei sobre ser gay. Eu me
referia aos meus namorados como “ela” ou “dela” sempre que abordava meus relacionamentos.
Eu fui convidado a partilhar minha história em uma reunião grande e eu sabia que minha recém-
descoberta honestidade me pedia que eu partilhasse a verdade a meu respeito.
Na noite em que eu estava escalado para falar, meu padrinho, inesperadamente, trouxe
sua esposa, que não é companheira, para a reunião aberta. Ela tinha me recebido para jantar
várias vezes e é uma cristã muito devotada. Eu não queria que ela soubesse que eu era gay. Eu
tinha medo de ela me rejeitar. Eu orei pelo meu comprometimento de partilhar abertamente
naquela noite. Apesar do meu medo, contei minha história com honestidade pela primeira vez.
Quando terminei, ela me olhou e me deu um enorme sorriso, dizendo que estava tudo bem. As
pessoas vieram me abraçar e ninguém me gozou ou me ridicularizou por eu ser gay. A partir
daquele dia, eu sabia que poderia me recuperar como um homem gay em Narcóticos Anônimos.
Desde aquela noite eu tenho voltado à casa do meu padrinho e da esposa dele para jantar ou ver
um filme. Ele tem sido meu padrinho nos últimos dezoito anos.
Quanto mais eu partilhava a verdade sobre a minha vida, mais isso ajudava aos outros; e
quanto mais eu ajudava aos outros, mais eu crescia na minha recuperação. Essa verdade funciona
tão bem para mim hoje quanto funcionou quando eu tinha trinta dias limpo.
Quando eu tinha treze anos limpo, meu amigo recebeu um diagnóstico de câncer na
garganta. Eu me tornei a principal pessoa a cuidar dele. Eu ia com ele às consultas, ficava com
ele no hospital nos dias de cirurgia, radioterapia e quimioterapia e o ajudava na recuperação pós-
tratamento. Eu pegava os remédios dele na farmácia e ajudava a lhe dar as doses. Eu não pensei
nenhuma vez um usar a medicação dele. Meus anos em NA me deram a habilidade de ajudar ao
meu amigo
196
sem tirar proveito da situação. Por causa de NA eu ainda era capaz de fazer todas as outras coisas
importantes na vida, tais como ir às reuniões regularmente, trabalhar os passos, cumprir minhas
responsabilidades de serviço, comparecer no meu trabalho e ser um parceiro amoroso no meu
relacionamento.
A recuperação me abençoou com uma vida fora de NA, uma vida com a qual eu sempre
sonhei que conseguiria. Hoje em dia, todos os meus casos de delitos graves de falsificação, roubo
e fuga foram encerrados. O tempo que eu passei nas cadeias e presídios é uma memória distante.
Minha história criminal não tem mais impacto no meu presente ou no meu futuro. Paguei todas
as minhas dívidas e fiz todas as minhas reparações financeiras. Como eu aprendi a ser
financeiramente responsável, pude começar minha própria empresa e ter muitas das coisas que
eu queria.
Meus pais, meu parceiro, meus parentes e meus amigos confiam em mim e gostam de
estar comigo. Eu não tenho mais vergonha de ser gay. Eu tenho orgulho disto, porque é
necessário coragem para viver abertamente dentro e fora de reuniões como um homem gay. Estar
limpo também me deu a oportunidade de assistir a reuniões nos cinco continentes. Eu estou
vivendo meus sonhos, e os meus sonhos são muito mais sãos e muito maiores do que os que eu
tinha quando estava usando. Eu sei que a base da vida que eu levo hoje reside completamente na
prática dos princípios espirituais que aprendi em NA. Eu acredito que meu Poder Superior me dá
um adiamento diário dos horrores da minha adicção; é por isso que eu continuo voltando.
Apesar de eu ter melhorado desde quando cheguei a NA pela primeira vez, ainda sofro
pelo meu egocentrismo e minha auto-obsessão. Preciso me lembrar de me manter centrado na
minha recuperação para trabalhar esses defeitos de caráter. Um meio de se fazer isso é servir aos
outros. Quando eu estou servindo, não estou preocupado comigo, e quando eu não estou
preocupado comigo, estou mais perto de Deus e tenho uma sensação de paz interior.
Eu nunca pensei que a vida fosse ser tão boa para mim. A melhor decisão que eu tomei
foi marcar uma data de tempo limpo e mantê-la. Tudo o que eu experimentei, tudo o que aprendi
e tudo que me foi dado pelo meu Poder Superior está disponível para qualquer adicto que se
empenhe em praticar este programa um dia de cada vez.
Eu sou muito grato ao meu padrinho e aos outros que vieram até mim para partilhar e sou
grato àqueles que chegaram depois e que abriram seus corações e suas mentes, me permitindo
partilhar com eles o que me foi dado. Nós precisamos uns dos outros para ficar limpos e
precisamos fazer tudo o que for possível para ajudar qualquer pessoa que esteja procurando se
livrar da dor e do sofrimento da adicção a encontrar essa liberdade em NA. Hoje, estou livre para
andar na luz da recuperação com um senso de
197
propósito e dignidade. Hoje, eu sei que nós somos todos diferentes, mas nosso desejo de
recuperação nos permite viajar juntos no mesmo caminho.
198
A depressão quase matou esta adicta em recuperação quando ela já tinha múltiplos anos limpa.
Mas um compromisso renovado com a recuperação trouxe alívio – um relacionamento mais
profundo com um Poder Superior.

Trabalho Interior

Meu uso foi muito semelhante ao de qualquer outro; minha droga de escolha era mais!
Enquanto eu estava fora da realidade e não tinha que encarar a vida, estava tudo certo comigo.
Mas depois de um tempo, perdi o desejo de viver. Eu estava constantemente no tribunal por
crimes que minha adicção tinha me feito cometer. Eu progredi dos pequenos furtos em lojas e
das batidas de carteira para o roubo dos presentes dos meus próprios filhos, para crimes que eu
não posso mencionar. Eu não ligava para nada, desde que alcançasse o completo esquecimento
de tudo.
Meus filhos viveram minha adicção comigo; eles viram as drogas, o crime, a morte, as
batidas policiais, a doença, o isolamento, a miséria de uma existência que eu tinha o desplante de
chamar de “vida”. Contanto que eles estivessem na escola para eu sair para conseguir dinheiro,
eu não ligava, mesmo se estivessem doentes.
Foram dezenove anos numa concha; dia após dia a mesma triste realidade de viver com
uma doença que queria me matar e que torturava aquelas pessoas que tiveram a falta de sorte de
fazer parte da minha vida.
Minha vida virou um inferno. Meu parceiro foi embora, meus filhos estavam sendo
tirados de mim, eu estava no caminho de volta para a prisão. Tinham me oferecido ajuda ao
longo dos anos, mas sempre recusei aceitá-la. Orgulho, teimosia e o amor pelas drogas estavam
me matando e aos meus filhos. Um médico me disse que se eu não parasse de usar, eu teria
apenas seis meses de vida. “Tá bom, tá bom”, pensei, “eles sempre dizem isso”. Mas aquilo ficou
na minha cabeça. Alguma coisa (hoje eu chamo isso de “Deus”) me disse: “Mude ou você vai
morrer”. Eu pedi ajuda e minha jornada rumo à recuperação começou.
E que jornada! No tratamento me falaram que eu tinha que assistir às reuniões de
Narcóticos Anônimos. Eu estava tão apavorada, não posso nem começar a descrever o medo. Eu
me escondi no armário, eu não iria a nenhuma reunião e o que os miseráveis fizeram? Eles me
cagüetaram (salva-vidas, na verdade) e me colocaram num ônibus. Eu fiquei na reunião mas não
ouvi nada além do que estava na minha própria cabeça. Eu estava tão presa à auto-obsessão que
estava com medo de ir ao banheiro. Foi um inferno. Eu continuei voltando, no início porque era
obrigada e, graças a Deus, eu tinha mesmo que ir. Em algum momento eu comecei a ouvir, e
comecei a ter alguma esperança, e comecei a rir, e comecei a entender um pouco mais, e comecei
a querer viver!
199
Então o tratamento acabou; agora era comigo. No primeiro ano, fui a duas reuniões por
dia, levantei o braço para todos os encargos, não completei nenhum deles, mudei de madrinha
quatro vezes porque chegava a hora do Quarto Passo! Eu ia contar a elas quem eu era; eu não
tinha a menor idéia de quem eu era. Então esse foi meu primeiro ano: reuniões, madrinhas, fazer
amigos; aprender muito devagar a fazer compras, a me vestir, a me comunicar, a pagar as contas;
aprender como ser mãe – regras básicas para se viver. Eu dirigia ilegalmente e achava que a
polícia não me pararia porque “eles devem saber como eu tenho me comportado!”. Isto é
insanidade, mas esse era o meu pensamento no meu primeiro ano e sabem de uma coisa? Eu
adorava! Eu me sentia fazendo parte pela primeira vez na vida.
Eu era muito doida, mas estava começando a juntar os cacos da minha vida. Assistia às
reuniões regularmente. Arrumei uma nova madrinha e tomei a decisão de abrir mão de grande
parte da minha vontade. Eu sabia que tinha que avançar no trabalho dos passos ou poderia ficar
louca e usar de novo. Esse era o começo da verdadeira honestidade, mente aberta e boa vontade
para mim e a prática desses princípios abriu a porta para o crescimento e para o alívio.
Eu fiz quatro anos de faculdade e consegui um emprego no qual eu era boa. Meus filhos
voltaram a morar comigo. Eu viajei. Tive e perdi meu primeiro relacionamento limpa. A vida era
divertida. Eu adorava estar limpa, adorava ser parte de uma irmandade fantástica onde eu me
sentia como em família.
Então, de repente, eu comecei a afundar. Uma depressão instalou-se em mim. Tudo ficou
duro, escuro, sem esperança. “Isto também passará”. Eu ia às reuniões diariamente, partilhava,
falava com os amigos, ia ao trabalho e tentava viver da forma mais normal possível. Dois meses
passaram a ser três, quatro, cinco e eu estava trabalhando e indo para casa dormir, sem ir às
reuniões, sem atender o telefone, sem comer. Eu me sentia como se estivesse num buraco negro
e que eu não conseguiria sair de lá. “Isso não é para ser assim”, gritava algo na minha cabeça. Eu
me lembro de ter ficado sentada no primeiro degrau da escada, me balançando e segurando meus
quadris por conta da dor física, doía muito. Eu estava aos prantos e gritando “Socorro!” Pensei
em usar, qualquer coisa que me diminuísse a dor, mas eu sabia que usar não seria a solução. Usar
só pioraria as coisas. Então, achei que a solução seria morrer; eu queria morrer. Eu estava limpa
há sete anos e cheguei a um fundo de poço emocional em recuperação. Eu tentei de tudo para me
consertar, exceto verdadeiramente trazer um poder maior amoroso para minha vida. Trabalhar,
comprar, namorado, sexo tinham sido meus deuses e eu nem sabia disso. Eu liguei para minha
madrinha e pedi ajuda. Comecei a ir às reuniões de novo.
Desse momento em diante, trabalhei o relacionamento mais importante da minha vida:
aquele com o meu poder superior, Deus. Percebi que, jamais, nenhuma pessoa, lugar ou coisa
pode me (página 199) tornar plena, mas o programa de Narcóticos Anônimos poderá. Foi tão
difícil para esta adicta compreender o lema “Isto é um trabalho interior”, mas é verdade. Eu estou
200
mais envolvida no serviço do que nunca. Fui coordenadora da convenção da nossa Área no ano
passado e estou envolvida este ano de novo, sou vice-coordenadora do nosso comitê de serviço
de área. Eu adoro os relacionamentos que tenho quando presto serviço. Eu vou às reuniões
regularmente, ajudo aos recém-chegados e tento ser grata. Hoje em dia eu procuro paz para
minha mente e satisfação através do programa de Narcóticos Anônimos.
201
202

Entre as dádivas e desafios que este adicto encarou em seus vinte anos limpo estão o câncer e
cirurgia cardíaca de peito aberto. De tudo isto, ele aprendeu sobre rendição e amor.

Deus entrou

Quando eu cheguei pela primeira vez a Narcóticos Anônimos, eu achava que não
conseguiria viver sem drogas por vinte e oito horas, quanto mais por vinte e oito anos. Eu morria
de medo que NA não ia funcionar para mim. Eu tinha tentado religião, psiquiatria e o
militarismo. Sendo um veterano, pensei que o Governo poderia e me salvaria, mas eles não
puderam. Entrei na minha primeira reunião de Narcóticos Anônimos sozinho – atrás de mim
estavam cadeia, hospitais, violência, orfanatos, uma mãe doente dependente vales de comida e
doações do governo e um pai que nos abandonou. Um casal de adictos que levou para uma casa
onde moravam outros adictos limpos. Eu não comi nem dormi por dias, mas encontrei a
mensagem de recuperação.
Um dos presentes que recebi em recuperação foi ter me apaixonado e me casado com
minha mulher. Nós estamos juntos há vinte e cinco anos e temos sido fiéis um ao outro por todo
este tempo. Antes de conhecer minha esposa, eu era um garoto selvagem; é inquestionável que
trabalhar os passos me ajudou a ter um relacionamento com ela. Depois de estarmos juntos há
cinco anos, minha esposa disse que necessitávamos ter intimidade. Eu queria que ela tivesse me
pedido um milhão de dólares – teria sido mais fácil dar isso a ela. E, a princípio, achei que ela
estava falando de sexo, mas não era sobre sexo, era sobre dividir com ela quem eu era. Os passos
me deram a coragem para ser honesto e íntimo com outro ser humano.
Narcóticos Anônimos também me deu a habilidade não de me fixar num emprego, mas
de trabalhar meu caminho do mais baixo cargo de uma empresa até a posição de vice-presidente.
Eu nunca terminei o último ano do colegial então, ser o vice-presidente de uma indústria líder era
uma realização. Eu ia para o trabalho todos os dias, era disciplinado e confiável. Quando eu ia
trabalhar, não importava se eu ia ser aceito ou promovido ou contratado ou despedido; o que me
importava era permanecer limpo e tentar andar com a verdade que eu tinha encontrado nos
passos.
Quando estava há dois anos no meu trabalho, eles contrataram um psicólogo para pegar o
cérebro de todo mundo. Eu disse à minha esposa que eles iriam descobrir quem eu era e que
iriam me despedir. Quando fui encontrar aquele homem, disse a mim mesmo que mentiria, mas
daí ele começou a me fazer perguntas e eu acabei partilhando o equivalente ao meu inventário
com ele. Depois que acabou, eu achei que ele fosse me dizer que era para eu desistir. Mas ele
disse que, apesar dos executivos da empresa
203
precisarem saber de tudo o que eu tinha dito a ele, que eles também precisavam saber o que ele
tinha a dizer-lhes – que ele nunca sentiu tamanho nível de honestidade e integridade, como a que
eu tinha partilhado com ele, de ninguém em toda a sua carreira. Ele queria me agradecer e disse
que iria me contratar num piscar de olhos.
Eu também fui abençoado com oportunidades de servir e dar de graça à Irmandade. Uma
das coisas mais profundas que me aconteceram foi quando procrastinei e não tinha nenhum
orador para um compromisso de H&I, me forçando a fazer o painel no hospital de desintoxicação
sozinho. Mesmo eu tendo tempo limpo, eu ainda me sentia intimidado de ir lá sozinho. Foi um
painel conjunto com adictos com duplo diagnóstico – a maior parte deles com problemas físicos
e muitos que eram veteranos de guerra. Eu arrumava os folhetos e tirava o inventário de todo
mundo, porque eu estava com medo e isso me fazia sentir melhor. Um garoto entrava e dizia:
“Eu fiz melhor do que ele”, uma mulher entrava e dizia “Ela vai achar que eu estou doente”.
Finalmente, Deus entrou. E Deus entrou na forma de uma pessoa que parecia que tinha vindo do
mesmo clã de onde eu vim – ele tinha as mesmas tatuagens, ele penteava o cabelo do mesmo
jeito que eu e a única diferença entre mim e ele é que ele estava escoltado por dois assistentes
hospitalares. Ele era o que os outros chamavam de adicto congelado. Ele tinha colocado uma
agulha de heroína sintética no braço e ela o tinha congelado pelo resto da vida. Dentro desse
homem, sua mente andava quilômetros por minuto, mas no exterior ele estava se babando todo.
Ele nunca mais poderia conversar com outra pessoa, muito menos pegar num telefone ou
escrever um passo. Como é que eu poderia tirar o inventário deste homem? Naquele momento,
eu sabia, de uma maneira diferente, que estamos todos juntos nisto e, pela graça de Deus, eu
estava lá. Eu sabia que se pudesse fazer alguma coisa por aquele homem, seria pensar nele
quando eu sentisse vontade de reclamar por não estar com vontade de escrever um inventário ou
de atender ao telefone. Quando eu falei na desintoxicação aquele dia, lágrimas saíam dos seus
olhos – esse homem mudou a minha vida.
Quando eu comemorei vinte e dois anos limpo, eu tive uma série de dificuldades.
Primeiro, depois de estar com meu empregador há vinte anos, fui colocado na lista de cortes da
empresa. Recebi um aviso prévio e fui embora. Eu me senti abandonado, tumultuado e
envergonhado. Uma semana se passou e a minha sogra, a quem eu amava profundamente,
morreu. Minha esposa então foi atacada fisicamente por um membro da família e foi necessária
toda minha força para não atacar de volta. Eu lutei para conseguir uma carreira fixa por um ano e
meio e minhas finanças ficaram seriamente comprometidas. E no momento em que eu estava me
encontrando com um grupo de executivos para um grande emprego, minha vista ficou turva e eu
não conseguia enxergar direito. Eu tive um derrame. No hospital, me disseram que eu tive dois
derrames cerebrais devido a um problema
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cardíaco. Eu tinha um furo no coração e teria que sofrer uma cirurgia cardíaca. Eu fiquei com
muita raiva de Deus e meu sentimento era de que eu não tinha ficado limpo para passar por isso.
Mais uma vez meu padrinho me lembrou que eu precisava lidar com a vida do jeito que ela é e
que eu era abençoado de ter o suporte do amor de um Deus e um programa de recuperação.
Eu queria poder dizer que fiquei bem depois disso. Eu fiquei, espiritualmente, mas
continuei a ter problemas físicos. Dois anos depois da minha cirurgia cardíaca, foi diagnosticado
que eu tinha câncer. Eu ainda não tinha um emprego estável e descobri que tinha um câncer
muito agressivo. Orei e chorei e conversei e mais uma vez eu me rendi a um poder superior
amoroso. Era, ao mesmo tempo, tanto humilde quanto libertador. Fiz uma cirurgia radical e me
informaram que eu tinha ficado livre do câncer. Com os meus problemas físicos, um dos meus
maiores medos era ficar dependente da medicação prescrita. Eu li Em tempos de Doença e meu
padrinho e meus afilhados monitoravam minha medicação; o milagre foi que eu não tive uma
obsessão por usar.
Recentemente, descobri que o câncer voltou e que as últimas três taxas estavam cada vez
mais altas. A última vez que fui no oncologista, ele me disse que eu teria que tomar oito semanas
de radioterapia diária. Eles me dizem que as chances são muito boas de que eu fique curado deste
câncer. Ainda estou me rendendo. Tudo isto me modificou profundamente. E, ainda assim, a
verdade é que o medo e a ansiedade que vêm junto com o diagnóstico de câncer de ter sofrido
uma cirurgia cardíaca não é nada perto de como eu me senti quando eu entrei pelas portas de
NA. O medo, a solidão e o isolamento que eu sentia naquela época eram muito piores do que o
que eu estou passando hoje. Tenho recebido muito apoio dos meus amigos de NA,
particularmente dos mais antigos. Alguns dos meus afilhados desistiram – um deles, quando eu
disse que tinha câncer, deu um pulo e disse: “Como você pode fazer isso? Meu pai fez a mesma
coisa”. Eu sabia de onde ele tinha vindo. Ele começou a chorar e tentou ir embora e eu disse:
“isso não tem nada a ver com você; você sabe disso”.
Com certeza existem desafios quando lidamos com qualquer doença. Quando eles
começam a retirar a sua próstrata e os seus gânglios linfáticos e todo o resto, é um problema
fazer sexo. O que me chateava mais, mesmo eu e minha mulher não tendo filhos, é que eu nunca
poderia ter um filho. Isso acabou comigo. Todas essas coisas me pegaram de uma só vez. Eu tive
que trabalhar na rendição ao fato de que eu não iria ter nenhum filho e que o meu nome não seria
perpetuado. O que eu recebi desse processo foi um desejo profundo de ser útil aos outros – não
apenas à Irmandade de NA, que amo muito, mas à humanidade.
205
Quando eu fiz minha cirurgia cardíaca, fiquei na UTI e tinham todos aqueles tubos saindo
de mim. Eu estava saindo da anestesia e a dor era insuportável – eu não conseguia falar, sentia
muita sede. Eu tinha minha família e as pessoas que amo ao meu redor, mas existia uma pessoa –
eu sabia que era uma figura masculina – que parecia que podia ler minha mente. Depois eu fui
saber que aquele homem era um adicto que eu não via há muitos anos. Ele soube que eu estava
na UTI e deu seu jeito no hospital para se unir à minha família e praticamente tomou o controle.
Minha família viu esse homem ser tão amável comigo – eu ainda fico emocionado com isso.
Para mim, isso resume o programa. Eu tenho passado por muita coisa e quero ficar com raiva de
Deus, mas sei que tudo isto não tem nada a ver com Deus ou com ficar com raiva de Deus. Esses
desafios me ensinaram sobre o amor. O amor foi a coisa mais difícil de aceitar em recuperação.
E o que é mais difícil para mim é aceitar e me dar esse amor. Que presente profundo – amar e ser
amado. Agradeço a NA, ao meu padrinho e especialmente aos Doze Passos por continuarem a
me ensinar.
206
Um roqueiro punk holandês encontra sentido e propósito no serviço abnegado.

Um buraco da forma de Deus

Desde quando eu consigo me lembrar, sempre achei que alguma coisa dentro de mim, e
com o mundo lá fora, estava errada. Quando eu era criança, esse sentimento era vago e
indefinido mas, assim que atingi a puberdade, me transformei em um adolescente insatisfeito,
raivoso e cheio de ódio. Fui expulso da escola. Eu estava roubando. Fugi de casa e fui mandado
para um internato. Eu estava trancado dentro de mim mesmo, solitário e infeliz.
Quando fumei meu primeiro baseado, eu me senti bem pela primeira vez. Já não me
sentia vazio. Logo, entrei para um mundo que eu achava intoxicante. Era o início dos anos
oitenta e a atmosfera de ruína, punks e resistência contra a sociedade burguesa se encaixava
perfeitamente a mim.
Por alguns anos seguintes, vivi uma vida completamente separada do mundo normal. As
pessoas com quem eu andava estavam vivendo da mesma maneira e tinham a mesma aparência
que eu. Vivíamos em casas ocupadas e a noite tinha se tornado o nosso mundo. Nós pintávamos
o nosso cabelo, nossas roupas e nossos rostos. Naturalmente, as drogas eram parte disso tudo. Eu
usei tudo o que consegui. Minha favorita era a anfetamina, porque eu podia ficar vários dias sem
dormir e me dava aquela aparência desgastada que eu tanto gostava. Usar drogas e ter a
aparência que tínhamos me dava um sentimento poderoso. Eu não conseguia compreender
porque todo mundo não usava drogas. Eu adorava usar, especialmente os rituais de enrolar
baseados, bater carreiras e preparar um pico. Eu fazia disto uma verdadeira arte. Eu achava que
as pessoas normais eram entediantes e cinzentas.
Eu estava tão fascinado pela imagem romântica da vida de junkie que eu me agarrei a ela
por mais tempo do que eu deveria. Eu estava passado; já não me sentia bem usando. Um mês
antes de ter ido para tratamento, me disseram que eu tinha HIV. Isto não me ajudou a ser otimista
sobre o meu futuro. Eu queria mudar a minha vida.
Nove anos depois de meu primeiro baseado, fui para uma clínica de reabilitação. Eu tinha
vinte e cinco anos, estava duro, sem casa e era um destroço. Emocionalmente, eu ainda era o
adolescente que eu tinha sido no começo do uso. Comecei a ver que eu não tinha usado drogas só
porque era parte do meu estilo de vida. Comecei a sentir o vazio, as inseguranças e os medos que
as drogas tinham encoberto.
No tratamento, eu fiquei um pouco mais estável e calmo, mas eu ainda me sentia vazio
por dentro. Eu consegui uma nova casa, voltei para a escola e tive alguns trabalhos mas,
gradualmente, comecei a usar de novo. Viver sem usar parecia impossível para mim. Eu podia
ficar limpo por um período de tempo curto, mas esses períodos
207
terminavam sempre em tamanha depressão que eu usava de novo. Eu acreditava que todo mundo
tinha que usar alguma coisa!
Quando eu, finalmente, cheguei ao fundo de poço, eu não estava usando tanto, mas o
desalento e o desespero que eu sentia tinham ficado insuportáveis. Dentro de mim, eu sabia que
estava morrendo. Eu estava totalmente derrotado. Acho que eu tive que chegar ao ponto de estar
pronto para o programa.
Em minha primeira reunião de NA eu fiquei impressionado com a honestidade das
pessoas que partilhavam. Eu me identifiquei com o que ouvi. Comecei a ir regularmente a
reuniões e, aos poucos, comecei a pegar uma pontinha de esperança – talvez eu conseguiria ficar
limpo como as pessoas na reunião.
No começo, eu ainda estava usando, mas depois de algumas semanas eu finalmente parei.
Quando eu anunciei na reunião que eu tinha passado o meu primeiro dia limpo, todo mundo
aplaudiu. Eu não conseguia acreditar! Saber que eu podia ir a uma reunião todos os dias à noite
era a maneira que eu conseguia passar pelo dia limpo. eu sabia que o sentimento quente que eu
tinha durante e depois da reunião era real.
Aqueles primeiros meses de recuperação foram uma época feliz para mim. Eu tinha
encontrado, finalmente, a minha casa. De forma duradoura, o vazio que eu sempre senti começou
a desaparecer.
Eu ainda era emocional e fisicamente instável. Por um longo tempo eu tinha que tirar
sonecas à tarde – um dia era simplesmente longo demais para mim. Era difícil, para mim,
desenvolver disciplina, para lavar a louça e limpar minha casa. Eu tive que começar a viver tudo
de novo.
Eu me joguei no programa. Passei muito tempo com outros adictos e fiquei amigo de
alguns deles. Pedi para alguém ser o meu padrinho e ele me ajudou a trabalhar os passos. Mais
tarde, as pessoas me pediram para que eu fosse seu padrinho e ajudei a elas com os passos do
mesmo modo que o meu padrinho tinha me ajudado. Comecei a servir. Servir em NA tem me
ajudado muito na minha recuperação. No serviço, aprendo sobre mim mesmo e fazer alguma
coisa pelos outros me faz sentir bem. Isto é parte de como nosso programa funciona.
NA não apenas salvou minha vida; me deu uma vida completamente nova. Sou capaz de
fazer coisas que sempre quis fazer. Posso trabalhar, ir à escola e servir a outros. Não sou mais
um parasita interessado apenas em mim mesmo. Hoje, sou parte da sociedade e isto é gostoso de
sentir.
Já se passaram mais de dez anos que soube que sou HIV-positivo e eu não acho que eu algum dia
estive tão saudável quanto agora. Quando eu tinha mais ou menos um ano limpo, eu consegui parar de
fumar cigarros e sou muito grato por isso. Faço esportes, tenho uma alimentação saudável e tento cuidar
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do meu corpo. Viver com HIV é algo incerto e, às vezes, fico com medo de que ficar doente e
morrer. Mas o programa me ensinou que “só por hoje, eu não preciso ter medo”.
A dádiva mais importante que recebi de NA é um sentido de espiritualidade. Cresci com
Deus da maneira que os meus pais compreendiam Ele. Quando eu me tornei um adolescente
raivoso, a primeira coisa que eu tirei da minha vida foi Deus. Eu não queria ter nada a ver com
um Deus que me dizia para sentir culpa e vergonha. Graças a NA, encontrei Deus da maneira
como compreendo Ele: um Deus amoroso que me entende e me ama.
Uma vez, eu ouvi alguém dizer em uma reunião: “O buraco na sua barriga tem o formato
de Deus”. Em outras palavras, somente Deus pode preencher esse buraco. Foi isto que aconteceu
comigo. O buraco na minha barriga está preenchido com o amor das pessoas em NA e com
Deus. Eu agradeço a Deus por NA e agradeço a NA por Deus.
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Esta lésbica HIV-positiva sobreviveu grande adversidade para encontrar graça em alguns
lugares pouco prováveis.

Uma batata

Estou escrevendo isto em um hospital para AIDS em Toronto, Ontario, Canadá, onde
atualmente estou residindo. Eu me rendi à doença da adicção e encontrei recuperação em 1983.
Quando entrei pela primeira vez nas salas, encontrei todas as razões possíveis para não querer
estar lá. Eu era a única lésbica, a única indígena e havia tão poucas mulheres! Foi somente
depois de mais ou menos um mês indo diariamente às reuniões que percebi que eu não era assim
tão importante – que as outras pessoas nas salas não se importavam quem eu era, de onde eu
vinha ou o que eu tinha usado. Eles só se importavam comigo, como adicta buscando
recuperação.
Eu sempre chegava tarde e saía antes da Oração da Serenidade do final da reunião. Não
tinha jeito de eu deixar alguém me dar um abraço, quanto mais ficar me conhecendo. E não tinha
jeito de eu rezar para um Deus que, na minha opinião, nunca tinha feito nada por mim. Eu tinha
rezado diariamente quando era criança – rezando para que Deus parasse o abuso, rezando para
que Deus ajudasse minha mãe a parar de beber, rezando para que Deus trouxesse o meu pai de
volta para mim. Essas orações nunca foram respondidas, então eu não ia rezar para Deus agora.
Quando eu tinha uns dez dias limpa, eu arrumei as malas e me mudei para o outro lado do
país. Fui parar em Seattle, onde eu já tinha morado. Minha primeira parada foi na casa de uma
ex-parceira, sabendo que ela teria drogas. Já tinha passado alguns anos desde que eu a tinha visto
e ela parecia diferente. Eu disse a ela que estava com muita dor e que precisava de uma dose. Ela
olhou para mim e disse que ela sabia exatamente onde conseguir o que eu precisava. Nós saímos
no carro dela até uma grande casa amarela. Imagine a minha surpresa quando eu percebi que ela
tinha me levado a uma casa de recuperação, onde as reuniões aconteciam diariamente! Naquela
noite, era uma reunião de oradores e a minha ex foi partilhar a sua experiência, força e esperança.
Ela terminou sua partilha sugerindo a todos os recém-chegados que arranjassem um grupo de
escolha, um padrinho e que fosse a noventa reuniões em noventa dias.
Olhei em volta, na sala, e vi uma mulher com quem eu me identificava. Achei que ela
seria uma boa madrinha, então pedi a ela que me amadrinhasse. Ela me disse que sim e que nós
devíamos nos encontrar para falar sobre isso. Naquela mesma noite, ela e duas outras foram se
endoidar e terminaram em um acidente de carro. Os que estavam com ela morreram
instantaneamente. Ela resistiu. Quando fiquei sabendo, no dia seguinte, em uma reunião, fui
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visitá-la no hospital. O que eu vi me chocou. Ela tinha perdido os braços e pernas na batida. Eu
olhei para ela deitada e pensei, “esta é minha madrinha”. Ela morreu no dia seguinte.
Quando eu tinha noventa dias limpa, mais uma vez eu fiz as malas e me mudei para
Portland, Oregon. Lá, a primeira pessoa a me receber foi uma policial militar em recuperação.
Depois da reunião, ela me convidou a me juntar a ela e outros para tomar café. Fiquei
maravilhada com a diversão que foi aquela noite. Rimos muito, falamos de tudo – não apenas de
recuperação – e aprendi que havia muitos outros pais e mães solteiros nas salas. Fui presenteada
com um Texto Básico quando os membros do meu grupo de escolha perceberam que eu não
tinha um. Assisti a reuniões diariamente, levando meus filhos comigo quando era necessário.
Contribuí com a Sétima e acho que fui voluntária para fazer uma leitura – uma vez.
Ninguém nunca soube quando chegou o meu primeiro aniversário, porque eu nunca
partilhei. Meus filhos tinham ficado para dormir na casa de amigos, então fui à reunião naquela
noite, mas recusei os convites para sair para o café. Eu tinha outros planos. Fui para casa e me
enforquei no porão. O Deus que eu não queria achou conveniente ter uma enchente acontecendo
na minha casa naquela noite e quando o encanador chegou, ele me encontrou pendurada no
porão. Cortaram a corda imediatamente. Acordei no hospital vários dias depois para ver aquela
mulher das reuniões sentada ao lado da minha cama.
Ela estava segurando a minha mão e me dizendo para agüentar, rezando ao Deus que ela
amava para que me desse outra chance. Quando fiquei coerente o suficiente para falar, ela me
perguntou se eu tinha telefonado para minha madrinha antes de tentar me matar. Balancei a
cabeça que não e disse a ela que eu não tinha uma madrinha. Sabendo que eu nunca iria pedir,
ela disse, “bem, você sabe! Eu vou ser a tua madrinha temporária até que você encontre uma”.
Ela terminou sendo minha “madrinha temporária” pelos oito anos seguintes. Este
relacionamento terminou somente quando Deus chamou ela de volta para casa. Uns seis meses
depois que ela começou a me amadrinhar, eu fui fazer reparações. Eu estava dirigindo pela
estrada e me peguei falando em voz alta. Esse negócio de “Poder Superior” estava pesando na
minha cabeça, porque eu ouvia falar disso todo dia nas reuniões. Tendo tido uma educação
católica, eu sabia a respeito de milagres e pedi para que, se houvesse um Deus, que me fosse
dado algum sinal. Eu disse isso em voz alta. De repente, a carga do caminhão à minha frente se
soltou. Fardos de batatas caíram pela estrada. Estacionei o meu carro e saí para ajudar ao
fazendeiro. Ele ficou muito grato e me ofereceu um saco de batatas. Eu disse, “não obrigado –
mas será que eu posso ter UMA batata?” Ele não sabia porque eu queria só uma, mas disse,
“claro!”
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Quando cheguei em casa, liguei imediatamente para a minha madrinha. “Acho que eu
encontrei o meu Poder Superior”, eu disse para ela. Ela me convidou para ir até lá para falar
sobre isso. Embrulhei a minha batata e entrei na casa dela. Estendi a minha mão. Ela olhou para
a batata, olhou para mim e, em sua sabedoria, perguntou se a batata tinha um nome. Eu disse a
ela que o nome era Pessodi. Ela sorriu para mim e me disse “Nossa, que maravilhoso! PESSOD
– Proteção Especial Sob Direção!”
O tema da reunião naquela noite foi, é claro, Poder Superior. Partilhei a minha
experiência. Ninguém riu de mim. Depois da reunião, deixei que os membros da nossa
irmandade me abraçassem pela primeira vez. Comecei a trabalhar os passos e me vi pegando um
bolo e um chaveiro pelo aniversário que eu não tinha comemorado. Os companheiros também
me deram muitos presentes – batatas palha, um chapéu de batata, vales-presente para batatas
fritas e sacos de batata.
Foi nessa época que o Patrick entrou na minha vida. Ele ia a muitas reuniões mas tinha
sumido há algum tempo. Todo mundo tinha achado que ele estava fora usando. Quando ele
voltou para as salas, ele estava muito magro e obviamente doente. Ele partilhou que tinha
passado os últimos meses no hospital em uma ala para AIDS e que ele estava morrendo. Eu não
conhecia bem o Patrick, mas ele partilhou que não tinha nenhuma família e eu tinha recuperação
o bastante, em mim, para saber que ninguém precisa morrer sozinho quando é um membro de
NA. Eu me aproximei e ofereci participar da equipe de cuidados para ele. Patrick me ensinou
muito sobre viver nos quatro meses seguintes. Segurei a sua mão enquanto ele dava seu último
suspiro e a irmandade se certificou de que ele teria um funeral decente. Patrick me mostrou como
viver e como morrer limpo.
Quando eu tinha dois anos limpa, eu estava trabalhando o meu Nono Passo. Eu sabia que,
para poder continuar me recuperando, eu tinha que ser realmente honesta com a minha madrinha
e, então, eu tinha que me entregar à polícia por causa de antigos processos criminais. Em 1980,
eu tinha seqüestrado meus próprios filhos, tentando protegê-los de mais abusos por parte do seu
pai. Como resultado disto, eu era procurada por um total de cinco acusações de crime. Minha
madrinha não me julgou. Eu não achava que eu teria qualquer outra escolha. Eu sabia que se eu
ia me recuperar, que eu tinha que estar disposta a fazer qualquer coisa e fazer reparações era algo
que eu tinha que fazer.
Para me entregar à polícia, eu tinha que voltar ao Canadá. Ficar na frente da juíza me
trouxe muitas lembranças. Mas, desta vez, eu estava limpa e as minhas preces a Deus não eram
“Por favor, me tire da cadeia, prometo que nunca mais faço isto!” Agora, eu abria mão da minha vontade
e pedia a Deus para decidir o que era o melhor. Depois de um longo julgamento, o juri me achou culpada.
Eu estava encarando um total de cinqüenta anos na prisão. Eu sabia que seria duro, mas também sabia que
o H&I iria à prisão,
213
levando a mensagem de recuperação lá para dentro e que nós poderíamos fazer reuniões nossas
na cadeia. A juíza, entretanto, viu que eu estava em recuperação e mudou quatro dos cinco
vereditos. Ela me condenou apenas por uma acusação, “dar abrigo”. Ao dar a sentença, ela disse
que não havia dúvida de que eu senti a necessidade de abrigar os meus filhos e que eu estava em
recuperação e que tinha oferecido informações que eu podia muito bem ter negado. Terminei
vivendo em Ottawa, Ontario, trabalhando em um abrigo. Lá, eu me reconectei com as minhas
raízes indígenas e com a espiritualidade.
Eu estava limpa a sete anos quando fui estuprada e esfaqueada durante a crise de Oka.
(Em 1990, houve um conflito armado de treze meses entre a Nação Moicana de Kanesetake e o
governo do estado do Quebec, na cidade de Oka.) Meu médico fez os pontos necessários e me
fez um teste para anticorpos HIV. O teste deu negativo. Foi o mesmo com o teste que fiz seis
meses depois. Estava sendo muito difícil para mim ficar em Ottawa depois do ataque e eu me
mudei para Rochester, Nova Iorque, onde eu tinha muitos amigos em recuperação. Eu sabia que
eles iriam me ajudar a lidar com esta violência contra mim e me ajudar a dar continuidade à
minha recuperação.
Um mês depois de chegar a Rochester, uma amiga partilhou que estava com medo de ir
fazer o teste HIV. Concordei em ir com ela. O teste dela deu negativo. O meu, voltou “reagente”.
Perguntei ao doutor o que isto significava e ele me disse que eu tinha HIV, que eu ia desenvolver
AIDS e morrer. Eu não contei a ninguém. Por seis semanas, eu me sentei sozinha no meu
apartamento, sem atender ao telefone ou à campainha da porta, sem ir a reuniões. Mesmo
sabendo que eu tinha contraído o HIV através do estupro, eu estava cheia de vergonha. Parecia
que uma bomba tinha explodido no meu colo. Eu estava aterrorizada com o que viria pela frente,
tendo visto tantos amigos morrerem de AIDS.
Tomei a decisão de, ao invés de trazer vergonha à minha família ou magoar àqueles em
recuperação que me amavam, que seria melhor se eu morresse. Eu não queria usar, então, fui até
uma ponte. Eu estava prestes a pular quando senti a energia do meu pai à minha volta. Juro que
eu podia até sentir o cheiro da loção de barba dele! Eu me lembro das palavras que ele usava
para me dizer, quando eu era criança: “Se você, algum dia, duvidar do amor do seu Criador, vá e
abrace uma árvore!” Devagar, desci da ponte e fui até uma velha árvore da margem. Eu me
sentei, abraçando ela, e chorei. Fui a uma reunião do dia seguinte e partilhei.
Mais ou menos um ano depois eu decidi voltar ao Canadá, com a esperança de que a
minha doença ajudaria à minha família disfuncional a se reunir novamente. Pensei que eu
precisava estar perto de meus filhos e meus netos. Logo descobri que um contato contínuo com a
minha família somente me manteria doente. Nada iria atrapalhar a minha recuperação. Decidi
que, se Deus achasse que eu devia ter HIV, eu ia fazer a vontade Dele/Dela e cuidar de mim
primeiro. Eu também fui fazer treinamento e me tornei uma
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educadora para AIDS. Viajei por todo o país fazendo prevenção de AIDS e workshops
educativos e levando a mensagem de esperança para aqueles que ainda estavam presos na doença
da adicção de que não era tarde demais para eles, que eles PODIAM se recuperar! Passaram-se
quinze anos desde que fui infectada com HIV. Esta doença teve o seu impacto, mas eu fiz o
sugerido. O mais importante: eu não usei!
Foi só quando um médico me disse que eu ia morrer que eu comecei a viver. A cada dia,
agradeço ao Criador por mais um dia de vida, mais um dia de recuperação e pergunto o que eu
posso fazer para ajudar alguém naquele dia. Espero que partilhar a minha história possa ajudar
um adicto a encontrar recuperação.
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A vida sem drogas era mais dolorosa do que ele previu, mas ele encontrou alívio nos passos e
um lar para si em NA de Estocolmo

Retrato Imperfeito

Ser um membro de NA é a coisa mais importante da minha vida hoje. O meu propósito
primordial é me recuperar em NA. Estou limpo há onze anos e tenho visto o que acontece
quando NA se torna secundário. Eu encontrei meu lar em NA e na Suécia. Sou muito grato pela
comunidade sueca de NA ter me aceitado e ter me amado incondicionalmente neste último ano
que tenho vivido em Estocolmo.
Eu cresci nos Estados Unidos numa família profundamente marcada pela adicção. Ver as
pessoas usando fazia parte da minha existência diária. Quando fiquei limpo, tinha um
ressentimento gigantesco contra a minha família. Eu os culpava pela minha adicção e coloquei
na conta deles todos os acontecimentos desagradáveis da minha infância. Graças à experiência de
outros membros de NA, aprendi que a única pessoa que ficava machucada pelos ressentimentos
era eu. Como resultado do trabalho dos passos, de partilhar com os outros, de receber coragem e
força do meu Poder Superior, eu tenho sido capaz não apenas de perdoar honestamente, mas
também de fazer reparações pelos erros que eu cometi.
Eu não tinha contato com meus pais há um bom tempo, mas quando eu tinha três anos
limpo, falei a eles que eu era um adicto. Disse a eles que a maneira como eu tinha me
comportado com eles tinha sido errada. Esta frase simples iniciou um processo contínuo de
recuperação entre nós que resultou num relacionamento de amor e respeito hoje.
Meu primeiro baseado acendeu uma revelação máxima: quando eu fumava maconha e
bebia cerveja, eu me sentia melhor. Todo o medo, a paranóia, a insegurança e os sentimentos de
condenação iminente desapareciam e eu ficava inteiro e sorrindo. Eu me sentia poderoso, ao
invés de fraco. Eu não conseguia articular o que eu sentia, mas daquele ponto em diante, meu
propósito na vida era usar drogas para me sentir diferente. Eu não sei por que estava tão cheio de
medo e de auto-aversão. Me pareceu importante no início da minha recuperação descobrir por
que eu me tornei um adicto. Mesmo se fosse possível descobrir por que (e eu não acho que seja),
isto não modificaria meu compromisso com a recuperação ou me daria a cura da adicção.
À medida que o meu uso progredia, progredia também a insanidade. Quando eu tinha
dezessete anos, eu já tinha sido preso sete vezes e me tornei um freqüentador assíduo do juizado
da infância e da juventude. Eu não conseguia
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explicar por que eu estava fazendo o que estava fazendo. Algumas vezes eu parecia um garoto
bem comportado, e no minuto seguinte eu estava sendo preso. À medida que os anos se
passavam, o tempo que eu agüentava sem usar diminuía e o preço por usar aumentava. Apesar
das minhas melhores intenções e do meu desejo sincero, eu não conseguia parar. Eu posso contar
repetidamente exemplos intermináveis de insanidade devido ao meu uso de drogas –
criminalidade, violência, problemas de saúde – mas esse é um caminho que ninguém precisa
explicar a um adicto. Hoje em dia, o que eu procuro focalizar quando penso na adicção ativa não
são os acontecimentos insanos, mas o sentimento de solidão, desespero, falta de esperança,
insanidade e menos valia. No final do meu uso, as drogas não podiam mais aliviar esses
sentimentos. Minha solução para a vida tinha parado de funcionar e eu me convenci de que não
existia outra saída a não ser me tirar de cena.
Na época em que eu estava contemplando o suicídio, meu Poder Superior colocou um
adicto em recuperação na minha vida. Ele me levou à minha primeira reunião, mas eu não fiquei
limpo desde então. Depois de anos de uso, eu não conseguia passar pela retirada da heroína.
Quando eu tentava, meu corpo todo se revolvia, então eu diminuí gradativamente, até que
finalmente tomei minha última dose. Eu nunca vou me esquecer daquelas duas semanas, eu
nunca mais quero passar por aquilo outra vez. Fiz isso sozinho porque eu não sabia pedir ajuda.
Eu estava finalmente limpo e achei que meus problemas estivessem resolvidos, porque meu
problema era usar drogas. Então, quando eu parasse de usar tudo iria ficar bem, certo? Eu não
podia estar mais errado!
Meus primeiros seis meses limpo foram terrivelmente dolorosos. Parecia que alguém
tinha arrancado minha pele e tinha me exposto à vida sem nenhuma habilidade para enfrentá-la.
Graças ao amor e à ajuda de outros adictos em recuperação, comecei a ter breves momentos de
pausa na minha montanha russa emocional diária.
Eu fui à várias reuniões, pelo menos uma por dia e normalmente duas aos sábados e
domingos, por muitos anos. As reuniões me davam momentos de sanidade. Eu sempre me sinto
em paz nas reuniões. Depois de dois meses, perguntei a um adicto cuja recuperação eu respeitava
se ele podia ser meu padrinho. Essa decisão deve ter sido inspirada pelo Poder Superior. Apesar
dos meus melhores esforços, eu não conseguia manipulá-lo para ver “o meu lado da história” e
ele insistiu que eu trabalhasse os passos. Com relutância, e mais por medo de recair do que
qualquer outra coisa, comecei a trabalhar os passos para melhorar minha habilidade. Desde
então, tem havido base na minha recuperação. Eu não tive problemas em admitir que era
impotente perante as drogas mas, inicialmente, tive dificuldade de entender que o termo adicção
ia muito além de uma substância específica. Eu também não tive dificuldade de admitir que
minha vida estava incontrolável; existia uma ampla evidência disso!
219
O Segundo Passo colocou um enorme empecilho para mim. Eu pensei que o termo Poder
Superior fosse apenas um pequeno truque para enganar os adictos inocentes a acreditarem num
Deus religioso e eu cheguei ao programa cheio de ressentimentos contra a religião organizada.
Felizmente, meu padrinho e outros me asseguraram que NA é sobre espiritualidade, não religião.
Eu não sabia o que espiritualidade significava, então, fui procurar no dicionário e ouvi a
experiência de outros adictos em recuperação. Depois de ter aceito que eu não estava sendo
trapaceado, foi muito mais fácil admitir que eu precisava de ajuda de alguma coisa fora de mim
que fosse mais forte do que eu para me ajudar a remover o comportamento irracional da minha
vida.
Meu terceiro passo foi baseado no entendimento de que do meu jeito não funcionava e
não funcionaria. Eu tentei abrir mão de controlar minha vida e segui um novo caminho: o
caminho de NA. Procrastinei o Quarto Passo até que meu padrinho me deu uma data limite para
o meu Quinto Passo. Ele me explicou que o Quarto Passo é para fazer um inventário dos padrões
que repeti continuamente na minha vida e que me punham em conflito comigo e com os outros.
Eu também escrevi algumas coisas que aconteceram comigo durante meu uso e que eu achei que
nunca fosse contar a ninguém. Abordei o Quinto Passo com ansiedade. Eu nunca tinha sido
honesto com ninguém antes e estava com medo do meu padrinho me rejeitar depois de ouvir meu
Quarto Passo. Ao invés disso, o Quinto Passo foi o começo da minha liberdade, o momento no
qual eu comecei realmente a me sentir um membro integrado de NA. Meu padrinho me disse que
eu não era diferente de nenhum outro adicto.
Os defeitos de caráter que identifiquei no meu Quinto Passo formaram a lista de defeitos
que eu pedi de boa vontade para que fossem removidos. Muitos dos defeitos eu queria
removidos; outros eu não queria abrir mão, tais como manipulação e desonestidade. Achava que
se eu abrisse mão de todos os meus defeitos, então ficaria indefeso. Pedi ao meu Poder Superior
para me livrar de alguns dos meus defeitos de caráter só depois que alguém me explicou que
humildemente não tem nada a ver com humilhação. Ele disse que humildade não é pensar menos
de você, mas pensar menos em você.
Meus Oitavo e Nono Passos me ajudaram a limpar um pouco do lixo do meu passado e
eu só fiz reparações depois de conferir com o meu padrinho o que eu iria dizer. Ele me disse que
eu não deveria dizer “me desculpe”, mas sim explicar que meu comportamento tinha sido errado.
Na maior parte das vezes, minhas reparações foram aceitas, em outras, não. O Nono Passo, na
minha experiência, refere-se a limpar o meu lado da rua; não se refere a sempre ter uma
discussão mútua e gratificante com alguém com quem errei. Houve algumas reparações que eu
não pude fazer e meu padrinho me disse as coisas que eu poderia fazer no lugar de fazer essas
reparações diretamente.
220
Tento praticar o Décimo Passo todas as noites, mas na realidade eu normalmente faço
reparações diretas no dia seguinte ao que eu cometido um erro, apesar de estar progredindo no
sentido de fazer reparações imediatamente. O Décimo-primeiro Passo é onde eu tenho focalizado
grande parte de minha energia recentemente. Eu me sinto muito melhor quando medito
regularmente e busco a sabedoria, a força e a orientação do meu Poder Superior. Explorei muitas
organizações espirituais e li muitos livros para me ajudar a desenvolver meu próprio conceito de
um Poder Superior amoroso.
Expresso gratidão a NA através do serviço e do apadrinhamento. O serviço assegura que
haja reuniões para que os recém-chegados possam ouvir a mensagem de recuperação. Algumas
vezes eu reluto em aplicar os princípios da recuperação em duas áreas principais da minha vida:
trabalho e envolvimentos românticos. Devagar, o programa está se infiltrando nessas áreas à
medida que eu estou perdendo o desejo de sofrer a dor de fazer as coisas do meu jeito. Uma parte
importante da recuperação é aceitar que eu cometo erros e me perdoar por esses lapsos de
julgamento. Comecei a me amar o suficiente hoje para sorrir quando eu me confundo e para rir
dos padrões que crio para minha vida.
Quando penso sobre tudo o que me foi dado como resultado do trabalho do programa de
NA, sinto tanta gratidão! Muito freqüentemente, minha mente adicta focaliza no negativo, mas
quando eu re-focalizo minha mente para os aspectos positivos da vida, percebo que adicto
afortunado eu sou hoje. Uma coisa que eu tive que aprender várias e várias vezes em recuperação
é que eu não devo esperar de mim mesmo a perfeição. Meu pensamento adicto espera de mim
que eu seja perfeito, um padrão do qual eu não posso chegar nem perto. Meu padrinho sempre
me diz para viver a vida como uma roupa frouxa. Eu nunca entendi o que ele quis dizer até muito
recentemente. Um dos maiores despertares que tive é o conhecimento de que a minha visão era
muito limitada no começo para perceber todas as possibilidades que a recuperação me oferece.
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Como mãe, recuperação às vezes significa aceitar a doença de seus filhos também. Esta mulher
ajudou seus filhos a encontrar o seu caminho para casa.

Geracional

Aos dez anos limpa, tive que encarar uma crise em minha família. Viver o programa de
Narcóticos Anônimos me deu as ferramentas para criar uma vida boa para mim mesma e para
meus filhos. Eu queria que eles participassem em suas vidas e prosperassem. Mas, apesar de
meus esforços e atenção, do aconselhamento e das conseqüências, meus dois filhos adolescentes
estavam fora de controle no seu uso de drogas. Eu estava perdida quanto a saber o que fazer para
ajudá-los.
Educar dois garotos é algo que apresenta muitos desafios em qualquer caso, mas quando
eu tinha um filho com menos de dois anos e estava grávida de nosso segundo menino, cheguei
em casa, um dia, para encontrar meu marido morto de uma overdose. Minha vida era dolorosa e
exaustiva, mas eu abaixei a cabeça, abracei meus meninos para bem perto e forcei adiante. Os
efeitos da morte do meu marido podem ainda me atingir de modos surpreendentes – o luto
tomando conta de mim ao sentir o cheiro de sua água de colonha em uma loja ou quando percebo
que as única memórias que nossos meninos têm dele são histórias e fotografias.
Alguns anos depois desta morte, eu não conseguia mais lidar com o luto com meus
próprios esforços. Minha longa história de uso esporádico cresceu para um nível novo e
incontrolável. Um ano depois, desisti de minha carreira e deteriorei rapidamente – mente, corpo
e espírito. Eu não perdi minha casa ou meus filhos, mas perdi meu entusiasmo, minha compaixão
e minha energia.
Eu não conseguia conectar emocionalmente com os meus meninos, então trouxe para
casa um mentor e ajudante para cuidar das necessidade físicas deles. Ele provou ser o anjo da
família. Alimentava e vestia meus garotos novos quando eu estava debilitada, penteava o cabelo
deles e levava-os à creche e à escola. Ele se tornou a pessoa com quem eles podiam contar.
Então, ele se tornou parte da solução do meu problema real: ele estava envolvido numa
intervenção que a minha família preparou para mim. Fui para um tratamento e, enquanto a minha
família cuidava dos meus filhos em outro estado, ele escrevia aos garotos todos os dias. Ele
continua sendo parte da nossa família, vivendo em nossa casa e sendo o mentor dos rapazes, uma
parte vital de nossas vidas.
Ouvi falar de NA pela primeira vez em tratamento e duvidei que pudesse ser a resposta
para mim. Eu me envolvi em Narcóticos Anônimos com relutância. Não passei a fazer parte de
nenhum grupo, eu não sabia pedir ajuda, eu não tinha um Poder Superior e nem queria encontrar
um e eu não me dava muito bem com as outras mulheres. Ter crescido na casa em que cresci me
ensinou a ser independente e a esconder
222
meus sentimentos. Mas eu continuei a ir a reuniões e, por fim, pude ouvir a mensagem.
Finalmente arranjei uma madrinha e ela sugeriu que eu fosse conhecer algumas mulheres, que eu
pegasse algum encargo de serviço e começasse a trabalhar os passos. Este foi o início da
verdadeira recuperação para mim. As mulheres no programa me mostraram como amar e ser
amada, como pedir ajuda, como servir em todas as áreas da minha vida, como encontrar um
Poder Superior em tudo e como experimentar alegria na minha vida diária.
Comecei a viver minha vida em recuperação. Nossa casa estava cheia de pessoas da
irmandade. Meus amigos em NA eram a minha vida todo dia. Meus compromissos de serviço me
mantinham envolvida e eu segurei o meu lugar como membro da comunidade de NA. Assisti a
muitas reuniões e me sentia como um bom exemplo de uma pessoa vivendo em recuperação.
Infelizmente, eu estava vivendo com a crença equivocada de que, por ser uma adicta com
uma recuperação “bastante boa”, eu poderia impedir os meus filhos de algum dia experimentar a
adicção ativa. Tendo perdido meu marido e meus pais para a doença da adicção, eu me
comprometi comigo mesma a terminar o ciclo da adicção com a minha própria recuperação. Eu
pretendia proteger meus filhos da adicção ativa. Mas isto estava além do meu controle.
Parecia que as nossas vidas estavam sempre em caos. Sempre que o telefone tocava, eu
me retesava e ficava pensando qual seria a crise que me esperava desta vez. Passei meus dias
tentando saber por onde eles andavam e com quem estavam, esperando conseguir mantê-los fora
de problemas. Falei com professores, conselheiros, mentores, pais, minha madrinha e com
amigos em recuperação. Como sempre fui uma pessoa que tenta pintar a cena cor-de-rosa, eu
agia como se as coisas estivessem melhores do que realmente estavam. Tentei minimizar,
justificar e negar que as coisas estavam tão ruins quanto estavam. Pratiquei “pensamento
mágico” dizendo a mim mesma que tudo ia se resolver sozinho. A realidade era que meus filhos
estavam, os dois, se afundando.
O que estava a meu alcance era estar lá para ajudar a eles quando eles estivessem prontos
a ser ajudados. Aos quinze anos, meu filho mais novo tomou a decisão de parar de usar. Eu
prometi ajudar se ele não conseguisse sozinho. Quando ele não conseguiu ficar limpo sozinho,
nós levamos ele a um centro de tratamento para adolescentes. Eu não sabia se havia alguma
maneira de ajudar ao meu filho de dezessete anos de idade e, de alguma maneira, eu tinha
desistido dele. Terapia familiar era um dos componentes principais do centro de tratamento e nós
todos fomos às sessões juntos. Comecei a recobrar alguma esperança. Continuamos com o
aconselhamento, cada um de nós individualmente e nossa família inteira e começamos a desfazer
os comportamentos que não eram saudáveis e que levaram ao nosso tumulto.
223
Todo o tempo rezei e trabalhei os passos. Fui a reuniões, cumpri com meus
compromissos de serviço e me mantive próxima à minha comunidade. Observei as pessoas em
NA que tinham passado por experiências parecidas. Recebi a mensagem, repetidamente, de que
meus filhos também tinham um Poder Superior e que as nossas vidas estavam se desenrolando
perfeitamente. Para mim, não parecia ser assim quando eu olhava para o meu mais velho e suas
dificuldades em manter o compromisso de ficar limpo em função do irmão mais novo. Quando
meu caçula completou o programa de tratamento, todos nós fomos lá buscar ele. Deixamos o
irmão mais velho lá, no lugar dele. Continuamos no caminho que tínhamos começado dando
continuidade à terapia familiar.
Nós estamos entre os muitos que encontraram o caminho para Narcóticos Anônimos por
diversas passagens e eu estou aqui graças aos milagres que nos trouxeram aqui. O importante é
que estamos aqui e agora estamos todos em recuperação. Tivemos que aprender a apoiar um ao
outro enquanto mantemos programas separados. Nossa família está em um caminho diferente e
nós temos novas maneiras de nos relacionar uns com os outros. Não é sempre fácil, mas é
sempre melhor do que o que conhecíamos na adicção ativa.
Por muitos anos, eu tenho sido grata pelo que Narcóticos Anônimos tem feito em minha
vida. Agora, ao ver o amor da irmandade envolver meus filhos, minha gratidão é desmedida.
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225
Este adicto tinha anos limpo antes de que ficasse disposto a encarar o seu comportamento
adictivo em recuperação. Ele agora sabe que não precisa mais falar limpo e viver sujo.

Basta

Com tudo que tinha sobrado dentro de mim eu gritei “basta!” Não dava para contar o
número de vezes que eu disse isso. Eu sinceramente não queria usar mais. Mesmo assim, estiquei
o braço até a mesa, em direção à própria causa da minha dor. Não era algo que eu queria fazer,
mas lá estava eu, em direção de mais uma dose. “Não!” minhas palavras ecoavam, mas eu estava
sozinho. Ouvi uma voz baixa: “Você quer viver ou morrer?” Fiquei ali sentado olhando para o
meu suprimento aparentemente interminável de destruição. Fiquei pensando se eu não tinha,
finalmente, ficado louco: Será que eu tinha mesmo ouvido o ultimato da morte? Será que Deus
tinha falado? Senti uma mudança abrupta. Meu espírito, com o que deve ter sido suas últimas
forças, me puxou arrasado e acabado em direção a vida. As lembranças de promessas vazias me
enchiam, de todas as pessoas a quem desapontei e todos que magoei. Eu tinha realmente
esperança de que desta vez ia ser diferente. Olhei para o relógio e orei a Deus que me ajudasse.
Finalmente, às 6:30 da manhã, peguei o telefone.
Isto foi a mais de sete anos atrás. Fui apresentado a Narcóticos Anônimos através de
Hospitais e Instituições enquanto estava residente em uma instituição local de desintoxicação em
Saskatoon, Saskatchewan. Eu tive uma recaída rápida depois de cinco meses e meio limpo.
Depois disso, fiquei limpo e comecei a trabalhar os passos, me envolvi no serviço, mantive
contato com um padrinho e comecei a colocar em prática a minha recuperação. Depois de voltar
à escola para buscar uma carreira, me mudei para Edmonton, Alberta, e encontrei um trabalho
que adoro e no qual ainda trabalho hoje. Desde o início da minha recuperação, comecei a ter
sentimentos de pertencer, de esperança e de paz. Continuo extremamente grato pela vida que NA
me ajudou a desenvolver. Os dias intermináveis de desespero, solidão, desesperança e vergonha
se foram.
Quando eu tinha alguns anos limpo, depois que um relacionamento fracassou, meu
padrinho propôs começar a observar questões de relacionamento através do trabalho dos passos.
Comecei a ver um padrão nos tipos de dificuldades que eu tinha nos relacionamentos com
mulheres. Comecei a compreender os motivos pelos quais eu buscava relacionamentos que não
me preenchiam: Isto me permitia me concentrar na culpa fora de mim, em vez de olhar para mim
mesmo. Mas ao invés de encarar estas questões, comecei outro relacionamento com outra mulher
em recuperação antes de ter terminado o relacionamento anterior. Eu queria olhar para o meu
padrão de buscar mulheres para me sentir valorizado, mas joguei de lado o toque persistente em
meu ombro que me dizia que eu devia examinar o papel que o sexo tinha em minha vida.
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Durante este último relacionamento, eu continuava a agir sexualmente em segredo,
racionalizando e justificando estes comportamentos para mim mesmo, usando o meu tempo
limpo como uma defesa contra a maré de culpa que crescia. Uma vergonha permanente e secreta
estava crescendo dentro de mim. O sexo me permitia sentir desejado e querido, por um curto
período de tempo. Depois que eu agia, depois que o prazer terminava, a vergonha voltava a se
instalar. E eu ainda não estava falando do assunto.
Quando minha namorada dizia que a minha adicção estava correndo solta, eu resistia,
culpava, saía fora dos trilhos, racionalizava e começava a murmurar sobre liberdade de auto-
expressão, coroando todas as minhas defesas com a justificação. Eu ia e fazia de novo, com os
mesmos resultados: prazer temporário seguido de uma culpa persistente que eu tentava ignorar.
Aos poucos, cada onda sexual criava uma tolerância que requeria uma “dose” maior de
comportamento desviante para criar a mesma experiência de escape. Na época, eu não conseguia
ver a semelhança que havia entre isto e o meu uso de drogas. Minhas defesas e meu segredo me
mantinham cego para o meu comportamento. Inevitavelmente, comecei a pensar sobre como as
drogas poderiam complementar as minhas experiências sexuais. A princípio, este pensamento era
tentador e tinha um apelo para mim e, então, eu descartava ele como um aborrecimento. No dia
em que eu empurrei para o lado o poder devastador da adicção, eu me tornei um contribuinte
consciente da minha doença.
Uma noite, enquanto eu novamente cruzava o local de flerte usual, comecei a procurar por um
traficante. Desta vez o pensamento não foi nada sutil. Uma fissura de usar drogas me tomou com uma
força mortal, uma força da qual eu tinha esquecido. Foi como se minha mente tivesse saído brevemente
de férias. Eu ainda conseguia me ver mais ou menos como eu estava, mas era como se eu fosse um
observador de minhas próprias ações. Vi uma ambulância estacionada e os atendentes estavam colocando
alguém dentro dela. Ocorreu-me o pensamento de que isto, provavelmente, tinha alguma coisa a ver com
adicção, talvez uma overdose. Continuando a dirigir pela rua, notei quatro policiais fazendo sua ronda a
pé. Então, como se uma parte de mim que estava faltando retornasse, eu me peguei me sentindo chocado
e com medo, questionando o que eu estava fazendo nesta parte da cidade. Fui direto para casa.
Mal cheguei em casa, fui para a cama. As velhas fitas começaram a rodar na minha cabeça: “O
que há de errado contigo?” “Você está doente!” “O que é que você estava pensando?” “Não conte para
ninguém.” “Apenas desista.” Eu me sentia só, desvalorizado, sem esperança e desesperado. Algo em mim
gritava por alívio. Rezei por ajuda e, através de minhas orações, comecei a compreender o que eu
precisava fazer.
No dia seguinte, eu fiz contato com outro membro de NA, um afilhado. Apesar de meus medos,
eu contei ao meu amigo sobre o que tinha acontecido na noite anterior e sobre os meus segredos. Ele
soltou lágrimas de preocupação genuínas e eu me senti aceito, compreendido e amado
incondicionalmente. Apesar de minha vergonha, eu me comprometi com ele a ir a uma reunião naquela
noite. Fiquei perto dele durante todo o dia,
227
fui à reunião e, então, me comprometi a fazer contato com ele no dia seguinte também. Eu fui a
uma reunião de manhã e partilhei diretamente a minha experiência recente e expus os segredos
obscuros de minha vergonha à luz da recuperação perante um grupo de homens. Chorei. Depois
dessa reunião, passei na casa do meu padrinho e comecei o processo de ser honesto com ele.
Diversos homens em recuperação me telefonaram regularmente expressando o seu amor,
preocupação e encorajamento. Um dia, cheguei a uma reunião e percebi que eu não tinha me
comprometido com ninguém de ir lá. Pela primeira vez desde que eu tinha quase usado, eu
estava em uma reunião por mim mesmo.
Eu fui logo honesto com a minha namorada. Reconheci meu comportamento e validei as
suas preocupações. Falando dos meus segredos, dei os primeiros passos rumo à melhora do meu
comportamento. Aprendi, com isto, que o retorno que recebo daqueles que são próximos a mim e
a maneira como reajo a esses retornos são uma indicação direta de como está a minha
recuperação. Somos os olhos e ouvidos uns dos outros e construir relacionamentos com outros
adictos em Narcóticos Anônimos me dá o apoio de que preciso para encarar a mim mesmo e para
crescer em minha recuperação.
Durante grande parte de minha recuperação eu me mantive envolvido no serviço, assisti a
reuniões regularmente, participei e completei grupos de passos e criei relacionamentos com
outros adictos no programa. E eu rezei. Como resultado disto, eu tenho uma enorme rede de
apoio estabelecida para me ajudar quando eu mais preciso. Uma coisa é aplicar este programa
quando eu quero ficar limpo, outra coisa bem diferente é aplicar este programa quando eu quero
voltar a usar. É assim que este programa funciona para mim.
Acredito que, naquela noite em que eu tinha saído por aí, foi o meu Poder Superior
amoroso que me manteve seguro. O trabalho que eu tinha feito no início da minha recuperação
serviu de base para que eu construísse um programa de recuperação mais profundo e mais
significativo hoje. Agora, compreendo que eu posso falar limpo e viver sujo. Eu já tive o
bastante. Hoje, eu não quero só ficar limpo de drogas, quero viver limpo.
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Essa companheira francesa veio para NA sob uma nuvem de tristeza e arrependimento, mas
encontrou alívio e até alegria ao seguir as sugestões que ela ouvia nas reuniões.

Enfim Livre

Quando cheguei à minha primeira reunião de NA, eu estava derrotada e meu coração,
doente. Em seis meses, minha mãe e minha irmã morreram de adicção. Eu não conseguia
entender mais nada. Minha vida não valia mais à pena. Eu não sentia mais nada além de
vergonha. Eu tinha uma filha pequena e estava sem condições de cuidar dela. Meus últimos dois
meses usando foram terríveis; pensei que fosse morrer. A retirada da droga me doeu fisicamente
e eu nem sabia o que estava errado. Tive uma febre violenta e praticamente não tinha energia
para nada. Eu rezava para morrer, mas lá no fundo eu queria ficar viva por causa da minha filha.
Eu não queria abandoná-la como fui abandonada quando eu era pequena.
Meus pais eram alcoólicos. A violência era uma coisa normal; medo, rejeição e abandono
estavam sempre presentes. Quando eu era muito nova, eu, minha irmã e meu irmão fomos
abandonados pela minha mãe num apartamento. Ela estava com medo do nosso pai e foi embora.
Passei toda a minha vida em ambientes de crime. Fiz strip-tease por muito tempo eu não sentia
nada pelo meu corpo. Amorteci minhas emoções, tinha medo de viver e tinha medo de me sentir
vulnerável. Tinha medo dos homens e tinha medo das mulheres. Não sabia em quem confiar.
Minha mãe tinha acabado e morrer quando eu aterrissei na minha primeira reunião no
hospital onde eu estava internada. O partilhador se identificou como adicto e alguma coisa dentro
de mim me disse “Eu também sou adicta a drogas. Não posso viver sem elas”. Então, eu me
levantei. Na frente da sala, falei: “Estou aqui”. Foi tudo o que eu conseguir dizer. Eu não
conseguia parar de chorar. Eu me sentia derrotada e me rendi. Ouvi e tentei pegar todas as
sugestões. Eu queria passar por aquilo. Deus estava ali, eu O sentia através dos membros.
Devagar, comecei a entender palavras como “impotente”, “vida se tornando descontrolável”,
“perdendo a sanidade” e assim foi. Peguei minha ficha de um, dois e três meses e chorei todas as
vezes. Disseram-me que eu ia ultrapassar minha tristeza e isto me ajudou a não usar mais.
Senti a vida voltando para mim. Os companheiros me encorajavam, mesmo comigo
mantendo-os à distância. Eu não tinha fé em mim mesma, e muito menos em outro ser humano.
Mas eu fiz tudo o que
230
me foi sugerido: arranjei uma madrinha, trabalhei os passos (por escrito), estabeleci contato com
os companheiros e com as afilhadas, me arrisquei a contar meus segredos e partilhei o que me foi
ensinado.
Eu aprendi a expressar o que eu sinto. Hoje sou capaz de me ouvir e de dizer não. A
recuperação também me deu presentes lindos. Eu me casei com um companheiro e nós estamos
juntos há oito anos. Tenho um filho de quatro anos – um bebê de NA – e uma linda filha de
quinze anos. Aprendi a amar a vida e a me comunicar. Aprendi a aprofundar meu contato
consciente com Deus. Além disso, eu me libertei das conseqüências do abuso e dos meus medos,
especialmente do medo de ser feliz. A vida não é sempre um mar de rosas, mas nunca mais será
o horror que era. Obrigada, NA.
231
A adicção não foi a única doença com a qual essa companheira teve que lidar. Após o
diagnóstico de esquizofrenia, ela transitou da posição de paciente suicida para o de conselheira
em saúde mental.

Tornando-me Inteira

Oi. Eu sou uma adicta em recuperação e meu nome é ..... Eu digo que sou uma adicta
primeiro porque eu se eu não me lembrar o que eu sou, quem eu sou não importa. Hoje foi um
bom dia no trabalho. Para uma pessoa que já esteve às expensas do seguro social por invalidez e
vivendo em abrigos do governo, isso é realmente um milagre da recuperação. Hoje, como
conselheira em saúde mental, eu trabalho com pessoas que, como eu, receberam o diagnóstico de
graves problemas de saúde mental.
Quando os outros conselheiros falam sobre seus clientes eu fico pensando; e se eles
soubessem que eu já tive todos aqueles sintomas e soubessem que eu usei todas aquelas drogas.
Em um dia de baixa auto-estima, algumas vezes eu me sinto tão transparente, como se os outros
pudessem ver através de mim e sinto como se eles estivessem apenas tolerando a minha
existência por eu ser tipo uma cobaia. O bom é que esses dias passam. Auto-estima abaixo de
zero costumava ser uma maneira de viver para mim.
Quando entrei pela primeira vez em recuperação, tentei ficar limpa sem nenhuma
medicação por nove meses e apenas ia às reuniões – sem Deus, sem madrinha e sem passos. Aos
noventa dias limpa, um dia, depois de uma briga terrível com meu marido que usava, voltei para
casa e encontrei ele morto. Continuei indo às reuniões e, além de não estar tomando os remédios,
eu não estava usando nenhuma das sugestões que me davam.
Trabalhar o programa do meu jeito e sem remédios me levou, onze meses depois, a um
surto psicótico e a mais uma tentativa de suicídio limpa. Eu sou impotente perante a vida e a
morte. Isso não me matou, nem parou com os incessantes pensamentos psicóticos que eu tinha
vinte e quatro horas por dia. Eu achava que as pessoas liam a minha mente e podiam colocar
pensamentos nela. Eu cheguei a achar que eu tinha sido capturada por alienígenas durante uma
invasão hostil e que vocês faziam parte da conspiração.
Minha mente estava muito doente naquela época não só devido a adicção, mas a outra
doença chamada esquizofrenia. Fizeram diversos diagnósticos de vários tipos de esquizofrenia,
inclusive esquizofrenia paranóica. Depois de alguns meses de tortura mental, nos quais vivi
horrores inacreditáveis para mim até hoje, eu finalmente me dirigi a uma internação psiquiátrica,
onde me estabilizaram com medicamentos. Que maravilha era não estar mais agonizando,
tentando não ouvir vozes. Que maravilha conseguir algum alívio através da medicação
psicotrópica.
232
Logo após a internação, meu pai morreu. Acho que ele morreu porque percebeu que eu
finalmente estava me cuidando. Comecei a fazer todo o básico em NA e nunca mais deixei de
fazer. Além disso, apesar de eu ter sido uma ateísta devota, comecei a ser uma exploradora
espiritual, tentando todos os tipos de fé e sugestões que eu recebia da Irmandade nas reuniões
para desenvolver um relacionamento positivo com um Poder Superior. Tomei medicamentos por
mais um ano e meio enquanto aprendia algumas novas ferramentas que me ajudavam. Tive muita
ajuda externa e finalmente meu médico me autorizou a tentar viver sem medicamentos e a fazer
check-ups regulares, o que tenho feito desde então.
Uma das maiores questões da minha vida é a busca por uma família. Eu era filha única e
nunca tive ligação com a minha mãe. Sempre recebi mensagens confusas e me sentia condenada
se eu fizesse e condenada se eu não fizesse. Fui ensinada que as crianças eram para ser vistas e
não ouvidas. Como eu não fui validada como um indivíduo em crescimento, eu me sentia visível
aos olhos, mas não ao coração. Perdi a inocência quando era bem nova. Quando eu tinha treze
anos, estava usando diariamente e comendo e tomando purgantes compulsivamente. Minha vida
antes de Narcóticos Anônimos era sem amor e sem lei.
Muitos dos meus comportamentos adoecidos eram maneiras não saudáveis de tentar
recapturar minha inocência e de criar uma família. Eu queria uma nova família que estivesse ali
quando eu precisasse dela, que me amaria incondicionalmente. Em decorrência de situações
ocorridas na minha infância, o meu recurso foi um comportamento sexual, mas a minha
inocência não se refez desta maneira. Quando abandonei e perdi meu “poder inferior”, revivi a
dor da minha juventude em relacionamentos disfuncionais, voltando à fonte da minha dor em
busca de conforto repetidamente.
Comecei a entender que em NA estou numa enorme família ampliada onde eu não vou
receber mensagens confusas. Graças a Deus este programa é simples. Em NA eu encontrei a
clareza e a direção pelas quais eu sempre procurei. Agradeço a Deus pelas mensagens espirituais
simples e pela sabedoria coletiva que encontro em NA. Em casa, as regras sempre mudavam. De
forma reafirmadora, esses princípios espirituais simples nunca mudam.
Narcóticos Anônimos me ajudou a estacionar minha doença numa base diária e a viver a
solução de muitos problemas. Não tenho comido nem tomado purgantes compulsivamente, nem
me auto-mutilado, nestes quinze anos que estou em NA. Não tenho mais ouvido vozes, desde
aquela tentativa de suicídio do início. Tenho tido muita ajuda externa para lidar com as minhas
questões de saúde mental. Tenho sido capaz de lidar com qualquer sintoma residual da doença
através da recuperação. No tempo em que eu tinha inclinações suicidas, eu não agia naqueles
impulsos. O suicídio é uma solução permanente para um problema temporário. Naqueles
momentos
233
eu dizia para mim talvez no futuro, mas não hoje e então os sentimentos e o desejo passavam. A
Quinta Tradição nunca me deixa sem propósito e nem só; como um membro do grupo eu posso
sempre levar a mensagem ao adicto que ainda sofre.
Em NA, aprendi a sentir meus sentimentos e a me sentir um ser humano integrado,
completo. Hoje eu sei que as conseqüências de não sentir são muito piores do que as
conseqüências de sentir. Hoje, sei que meus sentimentos existem por uma razão e com um
propósito. Eles não existem só para me atormentar até o extremo. Quando estou atenta e com a
mente cheia, fazer um check-up do pescoço para cima me mostra o que eles estão querendo me
dizer. Então eu não preciso tomar decisões na emoção, reagindo ou correndo do medo e da dor.
Isto me pertence e eu abro mão e deixo deus agir.
Recentemente me largaram e, ao invés de ficar agarrada na rejeição, eu fiz um inventário.
Partilhei, partilhei e partilhei. Cansada e abandonada, aprofundei minha rendição para encontrar
o amor e a graça de Deus me preenchendo ainda mais do que antes. Sei que para viver eu preciso
doar e perdoar – dar de graça o que me foi dado de graça; perdoar e não me prender aos meus
padrões de vitimização nos relacionamentos. Hoje, tenho relacionamentos de qualidade,
baseados no respeito e na igualdade. Em NA aprendi que quanto mais eu abro mão, mais livre eu
fico e que quando faço isto nos meus relacionamentos, sou capaz de dar e receber amor
incondicional.
Aprendi que minha história continua se desdobrando e que cada dia representa mais
algumas páginas do livro. Sabendo que mais será revelado me deixa entusiasmada, já que cada
dia é um mistério nas mãos do meu Poder Superior. Minha experiência humana não é só a minha
doença e eu não posso culpar minha doença por cada experiência humana. Não existe vergonha
em viver hoje. Eu tenho o direito de ser feliz, triste, falível, alegre, ignorante, às vezes estúpida,
em débito ou fora, de ser deixada por um cara ou de ser feliz junto com alguém e de muitas
outras coisas.
Com a ajuda dos outros e dos passos, me mantendo aberta para aprender e para que se
aproximem de mim, eu não tenho medo. Tenho uma força que não é minha. Os passos me
ajudaram a ser uma mulher fortalecida. Nós sempre ouvimos, não desista antes do milagre
acontecer. Bom, no início da minha recuperação alguém me disse para fazer um diário de
milagres. A cada dia eu vejo várias coincidências e milagres na minha vida. Então eu queria sair
e dizer não desista antes do milagre acontecer. Porque a vida em si mesma é rica em milagres.
234
Uma série de coincidências levou esse adicto a encontrar um padrinho e a ver que nossos atos
no serviço podem ter efeitos de longa distância.

O Bem que Fazemos

Algumas vezes eu tenho o estranho sentimento de que eu estou exatamente onde deveria
estar, que as pessoas entram na minha vida por algum motivo e que as coincidências são, bem,
não são bem coincidências. Nossos atos têm conseqüências que normalmente não conseguimos
visualizar. Nós nunca saberemos como nossos pequenos atos reverberam no mundo. Algumas
vezes o menor de todos os atos desapegados ganha vida própria e faz a diferença na vida de
incontáveis outras pessoas.
Depois de sair de um centro de tratamento na minha cidade natal, fui morar numa casa de
apoio há algumas milhas de distância. Quando saí da casa de apoio, eu fazia parte da comunidade
local de NA e tinha um emprego, então fiquei. Quando eu tinha quase quatro anos limpo, voltei
para a cidade onde eu cresci. Eu tinha acabado de perder meu padrinho e sabia que precisava de
um novo para me ajudar com os estresses e mudanças da realocação. Por sorte, havia uma
convenção de NA acontecendo a poucas quilômetros dali pouco tempo depois que me mudei.
Eu não conhecia ninguém lá, me senti muito sozinho e não estava me divertindo. Mas
fiquei e me lembrei de que o meu propósito naquela convenção era encontrar um novo padrinho,
mesmo se eu me sentisse à parte. Eu já estava limpo tempo o suficiente para saber que a
recuperação às vezes requer que façamos coisas que não estamos gostamos de fazer, como
conhecer novas pessoas mesmo que você tenha medo de falar com elas. Às vezes eu só precisava
de mexer nos pés um pouco, encarar um pouco de medo e esperar pelo melhor.
Meus primeiros anos limpo também tinham me mostrado que as pessoas comprometidas
com o serviço em NA normalmente são as pessoas que possuem uma recuperação consistente,
por isso eu fui a um Workshop das Doze Tradições. No Workshop das Tradições Dez a Doze, o
partilhador se apresentou como Jim. Ele falou muitas coisas legais; ele também me pareceu
levemente familiar. À medida que eu o ouvia, eu fui me dando conta de que era mesma pessoa
que tinha levado a mensagem no centro de tratamento em que eu estive internado. A minha
memória daqueles meus primeiros dias limpo era confusa, então eu não tinha certeza se aquele
era o mesmo cara de quatro anos antes.
Depois da reunião, eu me aproximei dele. Aquilo era intimidador: ele tinha muito tempo
limpo e já estava falando com um monte de pessoas. Eu perguntei se ele foi levar a mensagem no
centro de tratamento em que eu estava há quatro anos atrás. Ele disse que sim e, depois de quatro
anos, eu tive a
235
oportunidade de agradecer àquele cara sem nome que levou a mensagem pela primeira vez a
mim. Eu disse que ele foi a pessoa que me apresentou NA, que a reunião de Hospitais e
Instituições em que ele partilhou teve uma impressão profunda em mim e me ajudou a me
agarrar ao Primeiro Passo e que eu estava ficando limpo há quilômetros de distância nos últimos
quatro anos.
Apesar de mal conhecê-lo, confiei que nós tínhamos sido colocados juntos por alguma
razão e pedi que ele me apadrinhasse. “É uma honra”, ele respondeu. Ele me convidou para sair
com ele e com outros amigos para jantar. Quanto mais conversávamos, mais certeza eu tinha da
escolha do meu padrinho. Ele me apadrinhou pelos oito anos seguintes e serviu como modelo
para mim em muitas áreas da minha vida; nós somos próximos até hoje. Qual o mistério que me
fez cruzar com este homem na minha primeira semana em casa, no meio de vários milhares de
adictos em recuperação na região? Como foi que eu fui parar exatamente no workshop em que
ele estava partilhando? Como a convenção foi tão convenientemente marcada para poucos dias
depois que eu me mudei? Em um flash, eu vejo uma série de coincidências que me levaram
àquele momento.
Me ocorreu que eu nunca sabemos o bem que fazemos. Um ato de serviço pode fazer
uma profunda diferença e o bom trabalho de um adicto pode repercutir de uma forma que não
podemos prever. Para mim, tem algo de mágico nisso, alguma coisa que me faz continuar
acreditando num poder maior do que eu. Ele não sabia que eu tinha ficado limpo, que eu tinha
me tornado um membro produtivo da sociedade e que eu também estava levando a mensagem
em hospitais e instituições; eu fui apenas mais um adicto com quem ele falou num compromisso
semanal assumido por um ano, quatro anos atrás. O círculo completo da recuperação – um adicto
em recuperação ajudando o outro a ficar limpo e o outro começando a levar a mensagem por si
só – aconteceu, tudo sem o seu conhecimento. Daquele momento em diante, eu nunca mais
duvidei que os meus esforços no serviço são válidos.
236
237
Através da retribuição, este adicto do centro da cidade descobriu que o seu relacionamento com
a sua comunidade e o seu Deus são as chaves para o sucesso real.

Estou tão grato de que Deus ainda ouve as orações de um adicto

Minha história é igual à de muitos que chegaram antes de mim e à de muitos que virão
depois. Infelizmente é muito comum à maioria dos homens urbanos afro-americanos. Isso inclui
uma infância caracterizada pelo crime, uso de drogas intravenosas e um apagão espiritual
imposto pela doença: quando eu era criança, eu conhecia Deus, mas durante a adicção ativa
minha doença me proibiu de ter um relacionamento com ele.
Quando penso na minha infância, percebo que eu me sentia atraído pelas pessoas na
minha comunidade que vivam na rua. Eu os admirava e aspirava imitá-los. Essa com certeza não
era a atitude de todos na comunidade. Muitos dos meus amigos viam essas pessoas como uns
“sanguessugas da comunidade”, que não valiam nem elogios nem respeito. Eu tive uma irmã e
um irmão que se formaram e serviam como excelentes modelos, então é difícil compreender por
que eu fui atraído para as ruas. Talvez pela solidão e pelo vazio que eu sentia enquanto criança.
Ou então pelo meu desejo de aceitação, ou pela minha necessidade de “me sentir alguém”.
Qualquer que tenha sido o caso, minha obsessão pelas “ruas” me levaria ao final a anos de
tristeza e dor.
Acredito que comecei a usar drogas porque quando criança eu me sentia isolado da minha
família e da comunidade e nunca me ajustei a nenhum componente particular da sociedade. Eu
estava sempre triste e depressivo e a maconha, em um pequeno grau, me libertou do isolamento,
da dor e da solidão. Além disso, eu era um menino insignificante que precisava de outras pessoas
na minha vida para me proteger dos abusos e para me sentir aceito; o uso me forneceu proteção e
aceitação. Eu nunca gostei de fumar maconha. Ela me deixava paranóico, me fazia agir de forma
“idiota” e me dava larica. Apesar dessas sensações desagradáveis, continuei, porque ser aceito
pelos meus parceiros era um valor importante para mim naquela época.
Na escola secundária, experimentei heroína e ela instantaneamente substituiu a maconha
como minha droga de escolha. Ela parecia aliviar toda minha dor, angústia, e sentimentos de
falta de esperança – no início. Ela me livrou da necessidade de “proteção”, porque me deu uma
falsa noção de dureza e de coragem. Eu me tornei um “cara durão” e cometi crimes para manter
meu hábito. Eu nunca teria tido coragem de fazer aquelas coisas antes. Minha adicção me levou
ao isolamento
238
da minha família, à associação apenas com outros adictos, à problemas com a justiça, e a um
completo desinteresse pela escola. Eu saí do segundo grau e viajei pelo país, tentado “me
encontrar”.
Saí e voltei para Atlanta em três ocasiões diferentes, a última vez em 1984. Nessa época
eu orava pedindo para parar, me reorganizar e superar meu uso de droga. Entretanto, essa doença
tinha sua própria agenda. Eu voltei a usar drogas diariamente. Dividia um apartamento com um
sobrinho e um amigo. Eles também eram adictos, então nós três usávamos juntos. Um dia, depois
de quase entrar em overdose e chegar ao ponto de me sentir “cansado e de saco cheio de me
sentir cansado e de saco cheio”, eu me ajoelhei e fiz a famosa oração “Por favor, Deus, me
ajude”. Eu me sinto tão grato por Deus ainda ouvir a oração de um adicto. Logo depois, fui à
minha primeira reunião de Narcóticos Anônimos. Desde aquele dia, Deus, os Doze Passos, meu
padrinho e a Irmandade têm trabalhado todos juntos para me libertar da adicção ativa.
Logo no início da minha recuperação, aprendi o valor de estar envolvido na Irmandade e
me tornei ativo no serviço de NA, logo me tornando comprometido em ajudar os outros. Tive
vários encargos no serviço. O que eu ganhei dessas experiências foi a confiança nas minhas
habilidades de servir.
Meu primeiro “trabalho de verdade” foi como conselheiro. Todavia, tendo em vista que
eu não tinha nem o diploma secundário, eu era profissionalmente limitado. Falaram-me
repetidamente que eu não poderia tirar minha credencial. Meu ressentimento evitou que eu
buscasse meu diploma. Eu acreditava que as experiências da vida e a recuperação pessoal eram
mais valiosas.
Agindo por sugestão do meu padrinho, finalmente decidi buscar meus estudos. Com essa
decisão vieram várias barreiras e desafios. Eu estava fora da escola há quase 20 anos e
literalmente não sabia por onde começar. Saí da escola secundária porque a escola atrapalhava
minha missão de adicto em tempo integral. No começo da minha recuperação, incentivado pelos
vários companheiros “mais velhos” da Irmandade, eu fiz um supletivo (um equivalente ao
secundário). Mas eu tinha trinta e cinco anos e me achava velho para começar uma carreira
universitária. Achava que estaria na metade dos meus quarenta anos quando me formasse. E eu
não tinha a menor idéia de como eu iria ir à faculdade e me manter financeiramente. Todavia, eu
sabia que Deus não tinha me trazido para a recuperação para me manter preso num trabalho sem
futuro.
Eu nunca teria feito isso naquela altura da minha vida. Eu estaria morto e enterrado, mas
pela graça e misericórdia de Deus eu fui abençoado com o meu ingresso na Irmandade de
Narcóticos Anônimos.
239
Eu sabia que poderia conseguir tudo o que eu quisesse, inclusive um diploma
universitário, contando que eu me mantivesse na graça do meu Poder Superior. Fui capaz de me
manter no seu beneplácito por causa do meu padrinho, dos Doze Passos de NA e dos meus
amigos em recuperação. Cada um deles me convenceu de que Deus tinha planos positivos para
mim, mas que eu deveria me manter obediente e confiar Nele. Essa confiança só poderia ser
expressada através da prática diária dos princípios de NA.
A faculdade foi muito difícil. Eu tinha hábitos de estudo muito precários (na verdade, eu
não tinha nenhum hábito de estudo) e eu não sabia ler direito. Eu consegui ler o Texto Básico e a
literatura de NA, mas nenhuma outra literatura prendia meu interesse. Fui forçado a me tornar
ativo em grupos de estudo e isso passou a ser mais um desafio. A maior parte dos meus amigos
mais próximos eram membros de NA. Ao longo dos anos nós desenvolvemos nossa própria
linguagem e partilhávamos a mesma filosofia de vida. Meus companheiros de estudo não tinham
o “programa” e era difícil para mim interagir com eles. Estudar na biblioteca também era
desafiador. O silêncio literalmente me deixava louco. Ao invés de estudar, eu normalmente me
pegava viajando. Apesar desses desafios, através de oração e meditação diárias, consegui
completar um curso politécnico e fui aceito para um curso de graduação numa faculdade de
vanguarda no curso de serviço social.
A universidade me apresentou mais alguns desafios. Durante meus anos de uso, eu
experimentei sentimentos incomensuráveis de falta de importância, falta de esperança e
desespero. Apesar de eu ter me formado no curso politécnico com excelentes notas, eu ficava me
perguntando se eu era inteligente o suficiente para ser um aluno universitário e suspeitava que
meus companheiros e professores acreditavam que eu não estava lá pelas minhas habilidades,
mas sim pelo meu senso de afirmação. Eu conversava com alguns poucos alunos afro-
americanos no campus. Eu não acreditava que os estudantes brancos pudessem se identificar com
as minhas experiências. Tive uma experiência parecida com essa no início da minha recuperação,
quando existiam apenas dez ou doze afro-americanos ativos na minha comunidade de NA.
Quando a raça era levantada como problema, nós éramos logo lembrados de que a adicção é uma
doença oportunista que afeta a todos nós independente da raça. Se fôssemos nos recuperar,
teríamos que descobrir uma nova estratégia que nos permitisse trabalhá-la de forma que as
influências de raça/racismo não impedissem nosso progresso.
A despeito desses desafios, eu me formei em serviço social. Em uma só vida Deus me
concedeu duas chances de viver e eu estou numa posição em que posso ajudar as pessoas a
evitarem algumas das experiências dolorosas pelas quais passei. Para mim, esse é o grande
presente
240
que eu recebi. Como membro de NA e assistente social, foi-me dada a responsabilidade de
ajudar aos outros.
Eu mencionei que durante meus primeiros dias em Atlanta eu vivi com um sobrinho e
com um amigo. Em 1991, meu sobrinho morreu devido a complicações com a AIDS. Logo
depois, meu amigo pegou uma pena de vinte e cinco anos na prisão. Hoje eu estou celebrando
mais de vinte e um anos limpo. Estou buscando um doutorado em serviço social. Além disso,
trabalho como diretor executivo de uma organização de recuperação sem fins lucrativos que
fundei. Nenhuma destas conquistas teriam sido possíveis sem meu Poder Superior e sem a
Irmandade de NA.
Nos primeiros dezessete anos de recuperação, consegui ganhar tudo o que um “irmão das
ruas” poderia sonhar em ter, incluindo uma bolsa de estudos de quatro meses na África do Sul,
onde eu tive a bênção de ajudar à comunidade de NA crescer. Todavia, nesse período de ganhos
materiais, eu me sentia como se tivesse perdido minha alma. Eu tinha um “poder superior” na
minha vida, mas nenhum relacionamento com ele. – não o tipo de relacionamento que nós
discutimos no Décimo-primeiro Passo.
Um dia em que eu estava limpo e arrasado, me apresentaram os membros de NA que
falavam abertamente sobre seu amor por Deus e sobre uma conexão entre a sua crença em Deus
e sua recuperação da adicção. Eles falavam mais sobre progresso espiritual do que sobre
perfeição espiritual e aquilo era importante para mim porque eu nunca acreditei que pudesse
encontrar ou manter os padrões nos quais as pessoas de fé pareciam usar para viver. Hoje eu não
comparo minha recuperação em NA, minha caminhada na fé ou meu amor por Deus com
ninguém. Entender minha responsabilidade foi um despertar espiritual que eu tive ao longo do
trabalho dos Doze Passos de Narcóticos Anônimos.
241
Este membro da Irlanda cresceu quieto e distanciado, mas a recuperação o ajudou a superar o
seu medo de falar em público para encontrar a sua voz e a si mesmo.

Dizendo em voz alta

Eu era uma criança quieta. Ser quieto funcionou para mim. Quando as coisas ficavam
difíceis, descobri que um silêncio impenetrável era, freqüentemente, minha melhor defesa.
Tenho uma fotografia de mim mesmo com uns dez anos de idade, que mostra um garotinho
muito solene fitando a câmera. Isto me lembra como era crescer no tipo de lar em que quase
sempre era mais sábio me guardar para mim mesmo. Mesmo naquela idade eu constantemente
buscava uma fuga e passei muito da minha infância perdido em leituras.
As vezes em que tirei a cabeça de um livro tempo o suficiente para me pronunciar, os
meus medos foram apenas reforçados. Aos onze anos de idade fui escolhido para fazer uma
leitura na cerimônia em que ingressaria na Igreja Católica. Minha família estava toda lá, assim
como o arcebispo local. Embora não estivesse sobrecarregado de fé, eu sabia que isso era
importante e realmente não queria estragar nada. Quando um dos padres veio e perguntou num
sussurro se eu estava pronto, eu me lancei imediatamente pela passagem. Ditas numa voz clara,
alta, minhas palavras amplificadas ecoaram pela enorme igreja. Quando a leitura estava
terminada, senti que havia algo errado e olhei para cima para encontrar o arcebispo me
encarando por cima dos seus óculos. Senti uma pontada repentina de vergonha e percebi que era
para eu ter esperado ele falar primeiro. Foi um daqueles momentos que parecem durar para
sempre. Conforme iniciaram de fato a cerimônia eu me senti muito pequeno e muito errado e
odiei isto. Isso ajudou a arraigar em mim um pavor de falar em público. Mais tarde na vida,
descobri que muitas pessoas tinham mais medo de falar em público do que da morte. Aquilo fez
muito sentido para mim.
Esta fobia só piorou quando os meus hormônios entraram em cena e, repentinamente, me
vi o proprietário do que era, para um garoto de treze anos, uma notável e profunda voz de
barítono. Eu estava muito consciente do meu ruído subsônico que surgia cada vez que eu abria a
boca e o efeito que isso tinha nas pessoas quando a ouviam pela primeira vez. Eu também
comecei a usar nessa época. Toda a leitura valeu a pena (fiz muitas pesquisas sobre os diferentes
tipos de drogas e já estava ansioso para me servir do cardápio todo). Disse a mim mesmo que
enquanto eu não ultrapassasse o limite usando uma determinada droga, tudo estaria bem.
Com o progresso da minha adolescência e o meu envolvimento pesado com as drogas, eu
descobri que, quando eu usava, isso me ajudava a conversar com as pessoas. Claro, quando digo
pessoas, eu quero realmente dizer garotas. Quando
242
não estava usando, eu caía num silêncio rígido. Depois de um tempo, tudo que eu conseguia falar
com algum grau de confiança era sobre drogas.
Quando me tornei adulto, a única razão por não ser demitido do trabalho era que eu
trabalhava por conta própria. Embora não ajudasse muito na minha reputação profissional ser
regularmente revistado na rua pelo esquadrão anti-drogas local. Tinha um limite a atribuir o meu
comportamento descontrolado ao meu “temperamento artístico”. Quando a minha família e meus
colegas tentavam descobrir o que estava acontecendo comigo, eles se deparavam com um
silêncio sepulcral. As únicas pessoas que realmente conheciam o tipo de vida que eu levava eram
as pessoas com quem eu usava. Eu estava experimentando sentimentos terríveis de inadequação
e auto-aversão que nem mesmo as drogas pareciam mais mascarar. Há muito que havia
ultrapassado o limite que estipulei para mim mesmo. Só faltava ultrapassar os limites que nem
mesmo eu havia imaginado.
Então, uma das minhas amigas começou a freqüentar reuniões de NA. Embora eu
tentasse desesperadamente ficar limpo, a idéia de despejar minhas tripas na frente de um monte
de estranhos numa sala me enchia com tal ansiedade aguda que resolvi achar um outro caminho.
Tentei substituir drogas, só usar quando tivesse uma certa combinação de drogas e comecei a ir a
um terapeuta. Nada adiantou (eu conseguia parar de usar, mas não conseguia parar de pensar em
drogas). Parecia que o único jeito de parar de pensar nelas era usando-as. Claro, assim que eu
usava, o próximo pensamento era sempre “eu tenho que parar de fazer isso”.
No fim, eu não consegui ver outro caminho, daí chamei a minha amiga e ela me levou à
minha primeira reunião. Quando cheguei lá, reconheci as pessoas na sala. Algumas delas eu já
conhecia, da escola ou da ativa mas, de um jeito ou de outro, reconheci todos que estavam lá.
Eles eram como eu e eu era como eles. De certa maneira, não eram como eu, no modo como
pareciam não se levarem tão terrivelmente a ferro e fogo como eu fazia. De fato, alguns deles
estavam verdadeiramente rindo deles mesmos. E mais significante ainda, eles estavam falando
sobre todos os sentimentos, medos e inseguranças que eu carreguei por toda a minha vida. Eu
sempre achei]que eu era o único que jamais os havia sentido. Foi uma experiência muito
profunda e eu me senti em casa pela primeira vez em muito, muito tempo. Este sentimento foi
rapidamente substituído por um crescente horror assim que percebi que a reunião era daquelas
que a partilha vai sendo passada de pessoa em pessoa na roda. As partilhas estavam caminhando
pela sala na minha direção. Eu me lembro de desejar o mais forte que pude que a reunião
acabasse antes que chegassem a mim. Claro que não acabou, e daí, por educação, eu disse o meu
nome, que eu era um adicto e que eu realmente não gostava de falar de mim mesmo. Foi tudo o
que eu consegui dizer na minha primeira reunião de NA. Apesar de sentir que estava me
chamando
243
de adicto para ser aceito, quando disse essas palavras algo mudou em mim. Eu não sabia disso na
hora, mas havia acabado de começar a trabalhar o Primeiro Passo.
Agora, eu adoraria dizer que assim que comecei a experimentar o amor e aceitação que
vieram a mim das pessoas nas salas o medo de falar em público foi removido imediatamente.
Mas não foi. Tive que superar algo em mim para ser capaz de partilhar. Pior ainda, depois que eu
percebi que precisava falar sobre mim mesmo, partilhar nas reuniões se tornou ainda mais difícil
– porque eu odiava não saber do quê estava falando.
Mais ou menos nessa época também se tornou evidente para mim que, “partilhar era
comparar”. Eu estava cercado de pessoas que pareciam ser muito mais espertas, mais articuladas
e mais engraçadas do que eu. Toda vez que abria a minha boca eu lutava para falar através de
uma avalanche de pensamentos “não bons o suficiente”. Obviamente, muitos desses
pensamentos estavam refletidos no que eu partilhava. Sair do meu canto da sala era um pouco
mais do que só “me maltratar”. Parecia que quando eu partilhava, o que vinha à superfície
primeiro eram todos os meus defeitos de caráter, ao ponto que algumas vezes pensei serem tudo
que eu tinha dentro de mim. Olhando agora, vejo que era um processo bastante útil, embora não
fosse muito confortável na hora. Assim como a minha voz, meu sotaque me marcou como
alguém de uma parte da cidade diferente de muitas pessoas das reuniões. De início, fiquei
tentado a ajustar o sotaque para ser aceito melhor, mas mesmo assim eu pude ver que era apenas
mais uma maneira de não me sentir bom o suficiente.
A maior parte do tempo, eu fui cruel comigo mesmo quando partilhava, obcecado pelo
que as diferentes pessoas na sala poderiam estar pensando sobre o que eu tinha dito. Demorou
um pouco para perceber que muitos deles eram provavelmente tão auto-obcecados quanto eu.
Aproximadamente aos dois anos limpo, eu fui a uma convenção européia e estava partilhando no
meu costumeiro murmúrio baixo numa reunião de maratona quando uma voz arrogante me
solicitou que falasse mais alto. Ao subir o volume em um grau (para um murmúrio quieto), tive o
terrível pensamento que talvez durante os últimos dois anos ninguém lá do meu grupo tinha
ouvido uma só palavra do que eu disse, mas eles todos tinham sido educados demais para me
dizer isso e eu teria que começar tudo de novo.
O negócio era que embora em um nível profundo eu sentisse que nunca seria bom em
partilhar, e que nunca teria a facilidade que notava em outros membros à minha volta, era de
importância vital que eu continuasse a tentar. Todas as vezes que abria a boca e nada que saísse
parecesse fazer sentido algum – ou até pior, as muitas vezes em que travei completamente – e
embora por dentro eu morresse um pouco a cada vez que isso acontecia, eu sabia que tinha que
seguir em frente, porque eu
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precisava partilhar para fazer parte de NA. Lá no fundo eu sabia que precisava fazer parte de NA
se quisesse sobreviver. Até então, a minha maneira de encarar a vida tinha sido bem simples: se
não der certo na primeira, desista. Era muito incomum para mim me deparar com esse fracasso
constante, que era como eu encarava isto, mas eu continuei. Uma coisa que ajudou muito foi
quando comecei a perceber que todas as críticas vinham de dentro de mim e que o que eu recebia
das pessoas à minha volta nas reuniões era encorajamento e aprovação.
Depois que estes primeiros anos se passaram, comecei até mesmo a abrir mão e aceitar
que uma maneira de partilhar fácil, expressiva, estaria sempre além do meu alcance, mas que só
porque eu não conseguia partilhar tão bem como as pessoas que admirava não significava que eu
era menos adicto em recuperação do que eles. Comecei a verdadeiramente trabalhar os passos e
um dos modos imediatos em que vi os benefícios era que quanto mais eu os trabalhava, mais
fácil se tornou, para mim, partilhar aberta e honestamente.
Assim, como já estava acontecendo em muitas outras áreas, os milagres começaram a
acontecer nesta parte da minha vida. Muito disto tinha a ver com a prática, que é a única maneira
pela qual me tornei bom em qualquer coisa na minha recuperação, incluindo trabalhar os passos,
apadrinhar companheiros e servir. Ao invés de sempre encarar isso como um mal necessário,
comecei a me sentir mais relaxado em relação a partilhar em reuniões e até comecei a, de vez em
quando, apreciar a partilha. Era até mesmo solicitado pela minha associação profissional a
presidir algumas de suas reuniões, uma habilidade que aprendi fazendo o serviço em NA. Daí,
quando o meu avô morreu há alguns anos, a minha família me pediu que fizesse o louvor no seu
funeral (tendo sido a ovelha negra durante o uso, ser chamado para ser prestativo desta maneira
significou algo grande para mim). Preparei um louvor breve, acrescentando as palavras “fale
devagar” em letra de fôrma bem grande no alto da página. Ao subir no púlpito eu orei pela
habilidade de fazer o que precisava fazer. Quando cheguei lá respirei fundo e falei de coração
sobre este homem que eu admirava tanto e o quanto orgulhosa a nossa família era dele. Quando
acabou, a congregação aplaudiu e eu voltei ao assento ao lado da minha mãe. Seus olhos
brilhavam de orgulho e me senti muito grato a NA por toda a ajuda que me havia sido dada face
ao desafio.
Os milagres continuam até o dia de hoje e não mostram sinais de parar. No ano passado,
muito depois de ter desistido de ser chamado, fui o orador principal na nossa convenção regional.
Assim que o momento da verdade se aproximava, os meus nervos estavam em frangalhos. Um
companheiro mais velho da mesa em que eu estava se inclinou e disse baixinho, “Apenas seja
você mesmo”. Aceitei o seu conselho e, para minha surpresa e deleite, eu até gostei de falar na
frente de quase toda a irmandade local. Ao se aproximar o final da minha partilha, houve um
aplauso educado quando mencionei que havia feito tudo certo em recuperação.
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Isso foi seguido por risos quanto apontei para o fato de que também tinha feito tudo errado. E
quando disse que o maior erro que já havia feito em recuperação foi pensar que não era bom o
suficiente, pude sentir as ondas de identificação dos membros me lavando com os seus aplausos.
Sou muito grato a Narcóticos Anônimos por tantas coisas, assim como pela habilidade de
sobreviver o tempo suficiente para me conhecer e valorizar verdadeiramente. Têm acontecido
muitos despertares e milagres ao longo do caminho e um dos mais importantes para mim foi que
através das reuniões e do programa de NA, eu encontrei a minha voz. E através de encontrar a
minha voz, eu encontrei a mim mesmo.
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Sua jornada de recuperação o trouxe de um trabalho como farmacêutico para um trabalho junto
a adictos em recuperação e lhe deu as ferramentas para lidar com os desafios da vida – doença,
luto e intimidade.

O lado grato das circunstâncias

O momento em que mais temi pela minha recuperação foi quando eu tinha doze anos
limpo e esse medo intenso durou pelos quatro anos seguintes da minha jornada pessoal.
Uma série de mortes de entes queridos na minha vida aconteceu em curta sucessão: meu
irmão, minha mãe, meu pai e um amigo próximo que ajudei a entrar em recuperação. Parecia que
o meu luto, que permanecia vinte e quatro horas ia durar para sempre. No meio das tentativas de
lidar com estas perdas, eu contraí uma infecção letal e passei noventa dias no hospital, só
conseguindo mexer os membros com um esforço enorme. Fiquei assim por seis dias seguidos.
Uma máquina respiratória inspirava e expirava por mim em um ritmo barulhento e pesado por
cinco semanas e eu tinha um ferimento na perna aberto até o osso que tinha de ser limpo e
coberto de poucas em poucas horas. Parecia muita coisa ao mesmo tempo. Eu deitei lá, sem
sentir coragem, sem fé e sem esperança de que algo de bom fosse jamais acontecer. Eu ficava
pensando que se não estivesse hospitalizado, provavelmente não conseguiria ter ficado limpo.
Estar lá, preso, não me deixou escolha, de certo modo.
Passei os dois anos seguintes aprendendo a andar, trabalhar e funcionar de novo, aos
poucos. Isto consumia tudo, exigindo tudo o que eu tinha e tudo o que os outros me davam:
apoio, amor, tempo e lágrimas. O encorajamento veio de outros membros de NA, do meu
padrinho e da mulher dele, e da minha família.
Esses eram os desafios impulsionadores, os desafios inevitáveis. Eu os chamava de
“desafios sem escolha”. Eu tinha de fazer tudo que pudesse para ganhar algum grau de
funcionalidade e conforto. No entanto, havia outros desafios. O maior deles era a questão de
como eu poderia encontrar o que precisava nos Doze Passos de NA, nas reuniões de NA e no
apoio oferecido pelos amigos. Não era tão óbvio para mim.
O meu padrinho, junto com a mulher dele, era a minha inspiração para superar isso. Eles
partilhavam comigo sobre viver com limitações, viver com problemas médicos e simplesmente
sobre o dia-a-dia da vida. Nós conversávamos sobre esta nova oportunidade de viver quando
poderia muito bem estar morto. Nós conversávamos sobre a obrigação que todos nós tínhamos –
isto é, levar a mensagem aos outros para que nós pudéssemos nos manter em recuperação. Tudo
o que eu conseguia pensar era o quanto era difícil quando eu me consumia com o desejo de que
algo fosse diferente. Procurei alguma oportunidade de encontrar gratidão para a minha vida e
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para me render a estar obcecado com os meus próprios problemas. Como eu poderia levar
qualquer mensagem de recuperação ao menos que pudesse chegar à gratidão pelas minhas
circunstâncias? Este foi o ímpeto para a minha trajetória desde então até agora. Todos os dias
tento permitir a mim mesmo ser absorvido comigo mesmo por um certo período de tempo, um
pouco maior num dia ruim, e então eu me volto para uma perspectiva mais positiva.
Revisar os Passos de Um a Três todos os dias significa que eu passo pelo processo de
reconhecer o quanto sou impotente, confirmar a minha crença de que um Poder Superior está lá
para me ajudar e de abrir mão da minha vontade própria. Isto me leva a um estado de gratidão,
esperança e ajuda de modo que posso trabalhar os nove passos restantes. É isto que eu faço todos
os dias e é como me mantenho em recuperação hoje. É a base do meu programa.
Eu me lembro de quando comecei a usar como se fosse ontem. Eu tinha sido afastado da
vida várias vezes durante anos devido a uma doença intestinal crônica e, a cada vez, passava pela
dificuldade de ficar só com analgésicos e saindo da medicação. Por doze anos consecutivos, eu
tinha sido hospitalizado por várias semanas a cada ano e tentado parado de usar a medicação de
analgésicos, sem muito sucesso. Depois de uma série de eventos muito dolorosos, a minha única
irmã ficou seriamente doente. Ela morreu imobilizada num quarto de hospital após uma extensa
cirurgia e prolongado sofrimento. Eu a havia levado à cirurgia e a última imagem real dela nunca
me deixou. Lembro-me distintamente de tomar uma decisão consciente naquele momento de que
eu faria o que fosse preciso para nunca me sentir daquele jeito de novo. Eu cheguei muito perto
de atingir aquele objetivo por um certo tempo, mas logo descobri que eu tinha um problema
inesperado: eu não conseguia parar de usar drogas, mesmo quando eu queria. Não demorou
muito, perdi toda a esperança e estava convencido de que morreria usando, e logo.
Após ser tratado por uma infecção de uma agulha suja e ser excluído do meu trabalho e
da minha família, cheguei a NA com trinta e cinco anos de idade, em Janeiro de 1981. Eu tinha
ido parar num centro de tratamento local onde o dia todo era ocupado com os sintomas da
retirada de opiáceos, choro involuntário e uma constante súplica por drogas. Eles me deram uma
fita de um adicto em recuperação falando sobre ficar limpo e me disseram para ir às duas
reuniões de NA da nossa cidade. Eu fiz isso e não fiquei surpreso de não ter achado nenhum
outro profissional de saúde lá. Entretanto, eu encontrei outros adictos, e alguns tinham um rastro
marcado nos braços como eu, então me senti bem de estar lá. Uma coisa era certa: eu não sabia
como estar em casa sem usar. Os adictos na reunião partilhavam com grande paixão sobre o
desespero de não conseguir para de usar drogas, como haviam se alienado de todos próximos a
eles, como perderam toda a esperança e não sabiam como ficar limpos até chegarem a NA. Ficou
logo óbvio para mim que eu me sentia muito melhor nas reuniões de NA
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do que em qualquer outro lugar, e então eu ia para as reuniões de NA sempre que possível.
Os outros adictos na minha reunião de NA me disseram que eu provavelmente teria que
pensar em abandonar a minha profissão para ficar limpo. Isso fez sentido para mim porque,
depois que eu parei de usar por algumas semanas, estava aterrorizado com a idéia de voltar a ser
farmacêutico e ficar rodeado por remédios. Não conseguia imaginar trabalhar com narcóticos e
seringas sem me automedicar de vez em quando. Depois de escolher não usar drogas aquele dia,
minha primeira rendição significativa para a recuperação foi desistir totalmente de investir na
minha profissão e na minha identidade como farmacêutico porque eu queria ficar limpo mais do
que qualquer outra coisa na vida.
Então eu segui a trilha de milhares de adictos que chegaram antes de mim. Fui à reuniões,
li a literatura, pedi ao meu padrinho ajuda para encontrar maneiras de fazer os passos terem
significado para mim e me envolvi na nossa irmandade local de NA. Depois de estar limpo por
cerca de dois anos, demos início ao comitê regional e à linha de ajuda. Os outros adictos me
diziam o que fazer e eu dava o melhor de mim para fazer o que diziam. As reuniões de NA
cresceram em nosso estado, de duas reuniões para mais de cem, como resultado da linha de
ajuda. Foi a minha primeira experiência com o serviço de NA e tentar fazer algo de bom por
outro adicto. Naquela época eu mal percebia que eu não tinha escolha além de fazer isto se eu
quisesse ficar limpo; só queria fazer porque queria que outros adictos encontrassem o que eu
estava encontrando. Mais tarde, percebi que partes da nossa literatura diziam que devemos “dar
de graça o que recebemos de graça para poder mantê-lo” e foi a primeira vez que me identifiquei
com isto.
Eu me matriculei na escola na esperança de encontrar uma nova maneira de ganhar a
vida. Enquanto estava lá, com cinco anos limpo, me candidatei para um trabalho que envolvia
trabalhar com outros adictos. Esta situação de trabalho rapidamente tornou-se uma dádiva e uma
maldição. Era recompensador e especial trabalhar com adictos em recuperação todos os dias,
mas para minha surpresa, me sugava emocional e espiritualmente e frequentemente desafiava a
minha recuperação pessoal de maneiras que nunca havia imaginado. Eu estava com muitas
personalidades fortes o tempo todo. Tive que aprender a questionar a minha motivação
constantemente no meu trabalho: eu estava realmente trabalhando para ajudar os outros ou estava
apenas tentando conseguir fazer o que eu achava que deveria acontecer?
Meu padrinho foi uma grande ajuda para mim ao ensinar-me algumas diretrizes simples
para usar a cada dia (por exemplo, perceber exatamente quais são as minhas responsabilidades e
fazer o meu melhor para realizá-las, mas não me envolver em assuntos periféricos ou políticas de
serviço). Ele também me ensinou que o meu trabalho não podia ser a minha recuperação de jeito
nenhum. Eu tinha que manter a minha recuperação fora do trabalho e nas horas livres ou então eu
não teria sucesso no trabalho e nem em manter a minha integridade pessoal.
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Algumas das coisas mais significativas que aprendi na minha recuperação foram na área
de família. Hoje, eu ainda estou com a mulher com quem eu estava quando usava. De fato, eu
tive três relacionamentos com a mesma mulher: antes de usar, na ativa e em recuperação. Cada
período foi diferente de diversas formas. Os meus próprios níveis de comprometimento e
honestidade foram diferentes, de maneiras óbvias, em cada uma dessas fases mas também de
algumas maneiras profundas e talvez menos óbvias que o meu trabalho com os passos me ajudou
a observar. Eu aprendi, depois de muitos anos de recuperação, que não é só porque algo vem à
minha cabeça que eu preciso dizer à minha esposa o que estou pensando. Algumas vezes é
melhor que eu não diga nada e posso realmente me virar e sair da sala ao invés de dizer algo que
a magoe. Além do mais, eu tenho a responsabilidade de honrar esta mulher muito especial e me
comunicar com ela com honestidade mas também com grande sensibilidade. As coisas não giram
mais em torno de mim. Eu posso e deveria doar a ela do mesmo modo que dôo a adictos; de fato,
tenho uma obrigação de doar cem por cento do meu melhor a ela e a outros. É um objetivo para o
qual trabalho todo dia.
Há uma memória vívida de antes mesmo de entrar em recuperação que nunca me sai da
cabeça. Aconteceu antes mesmo de começar a usar, enquanto estava praticando farmacologia na
drogaria local da minha comunidade. Eu era muito comprometido com a saúde pública e não
deixava passar a oportunidade de “prender” adictos quando apareciam com receitas falsas para
conseguir drogas. Eu estava convencido de que fazia uma coisa boa para eles e para a
comunidade. Uma noite um adicto chegou com a receita de um narcótico que era obviamente
forjada. Quando chamei a polícia e um policial veio, o adicto se desmanchou em choro e soluços.
“Por favor me mate agora, atire agora”, ele implorava. Sua paixão era genuína e comoveu a
todos nós. Logo nós (o adicto, o policial e eu) estávamos todos chorando por ele porque era
óbvio que ele preferia morrer a não conseguir aquilo de que precisava. Não entendi isso muito
bem na hora e por muito tempo depois. Hoje eu entendo do fundo da minha alma, porque senti a
mesma coisa e com a mesma paixão. Esta é uma das razões pelas quais eu me dedico a ajudar
outros adictos. Talvez um dia eu possa ajudar aquele mesmo adicto, o que entrou na drogaria
naquela noite, a encontrar recuperação em Narcóticos Anônimos.
Enquanto cada novo dia é o mais importante da minha recuperação, descobri grande valor
em ficar limpo por um longo período. Apesar de que a pessoa que eu era ainda está dentro de
mim de várias maneiras, não sou mais reconhecido por ser ele: a minha identidade é muito mais
quem eu sou e como vivo a minha vida agora. A minha recuperação é a minha primeira
prioridade, mesmo após todos estes anos. Faço o que é
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necessário para conviver com as minhas limitações físicas e meus problemas e obtenho a força
para fazê-lo trabalhando com outros adictos um a um. Eu tenho uma mensagem clara a passar:
Um profissional com formação que tem uma doença que altera a vida consegue ficar limpo em
Narcóticos Anônimos se ajudar a outros a fazerem o mesmo e continuar a pedir ajuda.
Outros caracterizaram a mensagem da minha história com muito menos palavras do que
usei aqui: a história de como um cara comum pode ser consumido pela adicção e encontrar a
recuperação em Narcóticos Anônimos. É simples e é a minha porta para a liberdade da adicção
ativa. Eu gosto disso.

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