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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO
CURSO DE DIREITO

NATÁLIA GALVÃO DA CUNHA LIMA FREIRE

A RESPONSABILIDADE PENAL POR OMISSÃO IMPRÓPRIA: UMA


ABORDAGEM DA IMPUTAÇÃO NA ATIVIDADE EMPRESARIAL

NATAL-RN
2019
NATÁLIA GALVÃO DA CUNHA LIMA FREIRE

A RESPONSABILIDADE PENAL POR OMISSÃO IMPRÓPRIA: UMA


ABORDAGEM DA IMPUTAÇÃO NA ATIVIDADE EMPRESARIAL

Monografia apresentada ao curso de graduação


em Direito, da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, como requisito parcial à
obtenção do título de bacharel em Direito, do
Centro de Ciências Sociais Aplicadas, da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Orientadora: Profª. Drª. Keity Mara Ferreira de


Souza e Saboya

NATAL-RN
2019
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO
CURSO DE DIREITO

A monografia “A responsabilidade penal por omissão imprópria: uma abordagem da


imputação na atividade empresarial”, de autoria da graduanda Natália Galvão da Cunha
Lima Freire, foi avaliada pela comissão examinadora formada pelos seguintes professores:

COMISSÃO EXAMINADORA

________________________________________________________

Profª. Drª.Keity Mara Ferreira de Souza e Saboya


Presidente – Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

________________________________________________________

Prof. Dr. Erick Wilson Pereira


Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

________________________________________________________

Prof. Dr. Walter Nunes da Silva Júnior


Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Natal/RN, 29 de Novembro de 2019


Aos Professores Clenio Alves Freire, Diógenes da Cunha Lima,
Gustavo da Cunha Lima Freire, Hélio Mamede de Freitas Galvão (in
memoriam) e Rodrigo da Cunha Lima Freire.
AGRADECIMENTOS

Encerro este ciclo na Universidade Federal do Rio Grande do Norte com um misto de
alegria e saudade. Nela conheci pessoas, culturas e mundos que ampliaram o meu... nunca mais
fui a mesma. E que bom!

Passei a fazer do estudo do Direito, especialmente do Direito criminal, a minha escolha


de vida, e todo texto que eu escreva, agora ou em qualquer tempo, invariavelmente estará
atravessado pelos que despertaram, em meu coração, esse desejo. Gostaria, portanto, de
agradecer-lhes, porque hoje fazem parte do que eu sou.

À Professora Keity Saboya, minha conselheira favorita, cujas ideias me encantaram


antes do Direito Penal, agradeço por ter dado sentido a minha graduação por meio do exemplo
de uma das pessoas mais geniais que conheço. E para além disso, por sua amizade, fazendo-se
presente de algum modo, por bem querer, em momentos significativos da minha vida, felizes
ou não tão felizes assim. Guardo todos, com amor e gratidão.

Ao Professor Walter Nunes, que me possibilitou sua companhia durante seis semestres,
enquanto monitora, aprendendo todos os dias algo novo, agradeço pela confiança, atenção e
carinho. O senhor é um professor no sentido mais exato da palavra, um incentivador, e tenho
muito orgulho de chamá-lo de mestre. Obrigada pelo presente que o senhor e sua família são
em nossas vidas.

Ao Professor Erick Pereira, pela referência de advocacia engajada academicamente, que


por muitas vezes fez meu olho brilhar em sala de aula. A vontade de aprender mais com sua
inteligência e segurança me levou a cursar todas as cadeiras em que lecionou, e essa escolha
muito contribuiu para o que penso sobre o papel da defesa no Direito. Sou grata pela gentileza
e solicitude com que sempre me recebeu.

Agradeço também aos mestres que, ao longo do curso, se não me ensinaram sobre
Direito Penal, me proporcionaram algo igualmente valioso: ampliaram o meu olhar sobre o
mundo e foram exemplos vocacionados. Gostaria de representá-los nas figuras da Professora
Maria do Perpétuo Socorro Wanderley e do Professor Francisco Barros.
Este trabalho, assim como minha graduação, é o somatório de muitos, direta ou
indiretamente, e a eles agradeço, antes de tudo, em nome dos meus pais, meus primeiros
Professores. Graças a eles, compreendi o valor do estudo, do trabalho e de procurar enxergar as
dores do outro. Foi meu pai que me ensinou a amar o ensino público e fazer da Universidade
Federal a minha casa, como a sala de aula sempre foi seu chão. Com minha mãe, aprendi a
caridade, que guiou diversas escolhas que fiz nesse caminho. O suporte de vocês é a minha
maior realização.

Agradeço a Eduardo, meu irmão, por dividir as dores e alegrias da vida comigo, e por
mesmo tão diferente de mim, ser a certeza de que nunca estarei só no mundo.

Aos meus avós, Olindina e Clenio, pelo incentivo à continuidade dos meus estudos, e a
uma escolha de curso tão parecido comigo, mas que não era capaz de visualizar. Talvez me
conheçam mais do que eu. Agradeço a Deus por cruzar a nossa vida e por ser um pedacinho de
vocês.

À minha bisavó Maria e minha avó Jacira, responsáveis pelo melhor cartão de visitas
que eu poderia sonhar em ter - anotaram em um papel o que eu desejava profissionalmente, e
desde então, não há um só conhecido a quem não tenham dito que a neta era “advogada
criminalista”, mesmo no primeiro ano de faculdade. Tenho muito orgulho das mulheres que
são.

Ao meu tio Diógenes, meu professor e minha inspiração para tudo, agradeço por
alimentar os meus sonhos e me ensinar a advocacia “sob o perfil da poesia”. Rogo a Deus que
me permita nunca deixar de assim vê-la.

Ao meu tio Rodrigo, agradeço o exemplo de dedicação e comprometimento com o


ensino, e por se fazer tão presente, mesmo há tantos anos vivendo do outro lado do país. Sinto
muito orgulho de sua carreira.

A Gabriel, que ouviu minhas posições, aqui contidas, com paciência e carinho, mas
sobretudo me fez entender o que Valter Hugo Mãe dizia, quando escreveu sobre quem nos faz
sentir “o dobro do que somos”. Sinto-me o dobro do que sou ao seu lado, e dividir projetos com
você é uma realização para mim.

Aos irmãos que recebi da vida: Bia, Márcia, Ruth, Aryam, Pedro e Gabriella, em Natal,
Salvador, São Paulo, Fortaleza ou Toronto - a alegria de vocês com minhas pequenas conquistas
e o interesse em compreender como vejo o mundo significa, para mim, uma prova de amor.
Obrigada por tudo.

Fiz verdadeiros amigos na Universidade, que se esforçam, em momentos de ansiedade


ou dúvida, para que eu me sinta muito mais inteligente, dedicada e competente do que serei em
toda a minha vida. Essa confiança, imerecida, me motivou muitas vezes. É um reflexo do que
vocês são. Obrigada pela companhia nessa jornada!

A Alana, Ana e Glícia, agradeço pelo suporte para que pudesse concluir esta pesquisa,
pela amizade no dia a dia de trabalho e pela alegria sincera com que me acolheram. Por essa
alegria, também, agradeço à equipe do nosso Escritório, que tanto me ajuda, representando a
todos nas figuras de João, Mércia e Roberto.

Ao Professor Laércio Segundo de Oliveira, sou grata pelas gentis e valiosas tardes de
contribuição neste estudo.

Agradeço, por fim, ao meu bisavô, Hélio Galvão, com quem não me foi permitida a
convivência terrena, mas que por inspiração divina, despertou a escolha do tema deste trabalho.
Trata-se do assunto de seu último livro publicado em vida, cuja existência só descobri após
iniciado o processo de escrita.
RESUMO

A presente monografia se propõe a analisar os desafios da atribuição de responsabilidade penal


aos dirigentes empresarias, especialmente por meio da teoria do domínio do fato e da teoria dos
crimes omissivos impróprios. A partir, inicialmente, de uma análise criminológica, busca-se
compreender a forma com que se deu a mudança de paradigma no sistema criminal, passando
a alcançar esses sujeitos, historicamente excluídos da repressão estatal. Verificam-se as
possibilidades do uso da teoria do domínio do fato enquanto meio de fundamentação da autoria,
passando a abordar, ato contínuo, os problemas da identificação de responsabilidade penal
individual no âmbito de uma organização complexa, marcada pela divisão de tarefas e funções,
como o é a empresa moderna. Postas essas considerações, passa-se à revisitação bibliográfica,
a fim de observar as possibilidades de atribuição de responsabilidade valendo-se da teoria dos
crimes omissivos impróprios, assinalando os limites à posição de garantidor, o panorama da
causalidade e a medida com que podem ser responsabilizados penalmente os dirigentes, por
intermédio disso, por condutas praticadas por seus subordinados. Confrontam-se, em seguida,
as conclusões parciais obtidas a partir desse sucedido e a aplicação prática, tomando como
ponto de partida um conjunto de casos, em que se valeu o parquet, no oferecimento da denúncia,
das categorias objeto da presente investigação. O trabalho toca, por fim, a necessidade de
revisitação dessas categorias dogmáticas, objetivando demonstrar que um modelo de
responsabilidade que considere, unicamente, a posição ocupada pelos dirigentes empresariais
no interior da estrutura, é ilegítimo à luz dos princípios penais e das disposições normativas.

Palavras-chave: criminalidade de empresa; responsabilidade penal de dirigentes; crimes


omissivos impróprios.
ABSTRACT

The present monograph aims to analyze the challenges of the attribution of criminal
responsibility to entrepreneurial leaders, especially through the theory of dominion of fact and
the theory of improper omissive crimes. Starting, firstly, from a criminological analysis, it seeks
to understand the way in which the paradigm change in the criminal system occurred, reaching
these historically excluded from state repression individuals. The possibilities for the use of the
theory of the dominion of fact as a basis for authorship are verified by addressing the problems
of the identification of individual criminal responsibility within a complex organization,
marked by the division of tasks and functions, as is the modern enterprise. Having regard to
these considerations, we move on to bibliographical revisitation in order to observe the
possibilities of attributing responsibility using the theory of improper omissive crimes,
highlighting the limits to the position of guarantor, the panorama of causality and the extent to
which leaders can be held criminally liable for conduct by their subordinates. The partial
conclusions drawn from this event and its practical application, taking as their starting point a
number of cases where the accusation offer was used, are then compared to the offer of
complaint of the categories subject to this investigation. The work finally touches on the need
to revisit these dogmatic categories, with the aim of demonstrating that a model of responsibility
that considers only the position occupied by the business leaders within the structure is unlawful
in the light of criminal principles and legal provisions.

Keywords: entrepreneurial crime; criminal liability of leaders; improper omissive crimes.


A longa noite da repressão que desceu sobre o País, se por um lado protegeu
e tornou inabordáveis à crítica todos os homens que – em qualquer posição
da engrenagem administrativa – exerceram funções de comando ou gestão
de bens e valores, por outro lado criou para eles uma pouco compensadora
atmosfera de suspeitas e reservas morais de toda ordem. Apenas prometida
de novo, embora com vigoroso enfoque de sinceridade, a tão esperada
distensão, os tênues clarões da alvorada democrática, vislumbrados nos
distantes e esfumaçados horizontes onde se cruzam tendências
contraditórias, surgem de todos os lados – como nascem da terra molhada as
miríades de sementes selvagens que esperavam o momento fecundante de
germinação – denúncias, queixas, delações, que aumentam de proporção na
sombra em que jaziam os fatos, como aqueles fantasmas folclóricos que
surgem, crescem, se avolumam, ficam gigantes e à aproximação se esfumam
em nada... é o zumbi. E este processo é um zumbi.

Hélio Mamede de Freitas Galvão, meu bisavô, em introdução da Defesa


Prévia de um dirigente, a quem se imputava o delito por mera posição. Natal,
setembro de 19751.

1
Defesa prévia, Alegações finais e Habeas Corpus publicadas em GALVÃO, Hélio Mamede de Freitas;
GALVÃO, José Arno. Responsabilidade penal de diretores de sociedade anônima: Caso BDRN. Natal: [s.n.],
1976.
SUMÁRIO

1 NOTAS INTRODUTÓRIAS .............................................................................................. 12


1.1 Casos que motivaram o presente estudo ........................................................................ 14

2 A CRIMINALIDADE ECONÔMICA: MUDANÇA DE PARADIGMA.......................17


2.1 O subgrupo da Criminalidade Econômica de Empresa e o “espírito criminal de
grupo” ...................................................................................................................................... 25
2.2 Imputação individual em organizações descentralizadas: o domínio do fato de Claus
Roxin, a experiência brasileira no Mensalão e os problemas da delegação e divisão de
tarefas ...................................................................................................................................... 29
2.3 Síntese intermediária........................................................................................................ 39

3 A RESPONSABILIDADE PENAL DOS DIRIGENTES DE EMPRESA POR


OMISSÃO IMPRÓPRIA ....................................................................................................... 41
3.1 Critérios limitativos a uma posição de garantidor ........................................................ 46
3.2 Panorama da causalidade na imputação por crimes omissivos impróprios e as
omissões simultâneas e paralelas ........................................................................................... 58
3.3 Síntese intermediária........................................................................................................ 70

4 ANÁLISE DAS DISTORÇÕES NA IMPUTAÇÃO DE DIRIGENTES POR


CRIMINALIDADE ECONÔMICA DE EMPRESA: PROBLEMAS PRÁTICOS.........73
4.1 Situação A – Responsabilidade de dirigentes de empresa por meio do domínio do
fato e “aparatos organizados de poder” ............................................................................... 77
4.2 Situação B – Responsabilidade por omissão imprópria fundada em mera posição ... 85
4.3 Situação C – Responsabilidade por fatos praticados por subordinados no contexto
empresarial .............................................................................................................................. 90
4.4 Síntese intermediária........................................................................................................ 94

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 96

6 REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 100

APÊNDICE ........................................................................................................................... 109


12

1 NOTAS INTRODUTÓRIAS

O interesse midiático sobre o poder punitivo o torna, não raro, terreno fértil para a
espetacularização. A publicidade do processo, imprescindível em um Estado de Direito,
convive com os olhares não apenas das partes, mas das esferas políticas e da opinião pública,
situando os operadores desse sistema em uma complexa relação.
De um lado, nos julgamentos penais, os conceitos e garantias impõem limites à
pretensão acusatória, enquanto de outro, enfrentam uma sociedade que se pauta pelo medo e
pela insegurança, reproduzindo um discurso emergencial. A esse discurso não interessam
garantias fundamentais, marcos teóricos para imputação, standards probatórios: o que não se
pode é deixar de aplicar a lei e condenar.
Volátil por essência, a vontade pública modifica, também, os alvos de seu raciocínio
condenatório. O fim da impunidade como demanda popular, se antes se referia apenas à cifra
negra dos crimes violentos ou à perseguição de grupos marginalizados, no panorama atual,
repercute nas classes outrora imunizadas, detentoras do poder econômico e político.
No caso brasileiro, o “Mensalão” (Ação Penal 470/STF) inaugura, ao menos se
considerado o impacto nacional, a ascensão de uma responsabilidade penal direcionada às mais
altas classes sociais, o que se perpetua, no atual momento, por meio da “Operação Lava Jato”.
A dogmática, no entanto, parece ter sido relegada a um segundo plano.
A importação de teorias do direito estrangeiro, oriundas de outros âmbitos de cultura
jurídica, na ânsia de suprir as lacunas existentes no ordenamento brasileiro e atender ao clamor
das ruas, fez morada na jurisprudência do país. Não se trata mais de lograr um resultado
seguindo a trilha da imputação, mas de determinar essa trilha a partir do resultado que se almeja.
E a criminalização dos “poderosos” parece ser, por ora, esse objetivo.
Quando o Direito cede lugar à mídia, o manejo de conceitos e noções teóricas conta
menos. As importadas teorias de que se falou, portanto, aplicam-se ainda quando incompatíveis
– entre si ou entre elas e os limites normativos –, e seus resultados são aterrorizantes. É nesse
contexto que se insere a problemática deste estudo.
Alguns dirigentes de empresas figuram, desde o “Mensalão”, entre os acusados dessas
grandes operações. Os delitos supostamente praticados referem-se, em quase totalidade, a
práticas no exercício de sua atividade econômica. Afirmar a responsabilidade penal, individual
e subjetiva, diante dessa circunstância, enfrenta como desafio as características típicas da
organização empresarial, a exemplo da intervenção de diversos sujeitos no curso dos
acontecimentos e a divisão de tarefas.
13

Analisando esse ciclo, evidencia-se um distanciamento entre os que possuíam o poder


de decidir e os sujeitos que, efetivamente, praticam a conduta delituosa. A solução adotada na
Ação Penal 470, para simplificar o percurso rumo à autoria, deu-se com o uso da Teoria do
Domínio do Fato, nos termos desenvolvidos pelo jurista alemão Claus Roxin, escolha que
permanece preponderando.
Aos poucos ganha espaço, contudo, o uso dos delitos omissivos impróprios e a posição
de garante como meio de atribuição de autoria, muito embora a doutrina pátria ainda apresente,
nessa temática, poucas contribuições. Talvez por isso, quando visualizada em denúncias,
também se valha o órgão de acusação das teorias estrangeiras. Apesar de encontrar amparo
normativo no Código Penal brasileiro, trata-se de categoria controversa, pela ausência de
clareza do texto legal aos seus parâmetros de imputação.
Uma reafirmação democrática da justiça penal, especialmente no campo do Direito
Penal Econômico, em que se englobam as condutas aqui referidas, reclama uma análise tripla.
Inicialmente, sob o viés criminológico, é preciso compreender os caminhos que conduziram a
essa expansão penal; no plano dogmático, extrair suas justificativas e as possibilidades de
preenchimento material dos conceitos e, antes de verificar as eventuais falhas de sua
transposição ao campo prático, confrontar as opções dogmáticas disponíveis com os limites
impostos pelo legislador.
O capítulo primeiro desta pesquisa propõe-se a observar a mudança de paradigma no
sistema criminal da globalização, a partir de um enfoque social, no intuito de verificar de que
maneira essa mudança orientou o aumento da repressão à criminalidade econômica. Bem assim,
serão examinadas as características desse conjunto de ações e os pontos em que se distinguem
da criminalidade clássica, para então, abordar a solução pela Teoria do Domínio do Fato e seus
percalços em âmbito empresarial.
No segundo capítulo, cuida-se do estudo da omissão imprópria, com recorte em sua
aplicação relacionada à imputação de dirigentes de empresa. Em uma revisitação doutrinária,
serão analisados os critérios limitativos da posição de garantidor, em paralelo às possibilidades
contidas no art. 13, §2º, do Código Penal, e sua harmonia com os princípios e garantias desse
sistema.
Prosseguirá o mesmo capítulo com um panorama da causalidade nos delitos omissivos,
demonstrando o incremento de dificuldade nessa temática quando diante de estruturas
empresariais organizadas, que ocasionam problemas atípicos, como as omissões paralelas e
simultâneas.
14

Por fim, o derradeiro capítulo enfrenta um grupo de casos e os caminhos eleitos, em


cada um deles, para a atribuição da autoria e a construção da responsabilidade penal. O marco
teórico para confrontá-los, verificando os acertos ou equívocos da aplicação de cada categoria,
será o resultado obtido nos capítulos imediatamente anteriores, precedendo com um exame de
adequação ao ordenamento vigente.
A metodologia deste trabalho consiste na aplicação do método de abordagem dedutivo,
haja vista partir das teorias que envolvem a temática em questão, e o método de procedimento
predominante é o monográfico. Trata-se de uma pesquisa dos tipos exploratório e bibliográfico,
baseada em fontes secundárias, como: livros de doutrina jurídica, artigos científicos, sítios
eletrônicos, Constituição Federal de 1988, legislação e denúncias do Ministério Público
Federal.

1.1 Casos que motivaram o presente estudo

A ausência de uma reflexão dogmática, que também seja adequada às soluções


legislativas disponíveis no ordenamento jurídico brasileiro, conduz às mais diversas
interpretações, por vezes tortuosas.
Não se nega uma transformação na perspectiva política e criminológica, mas se verá,
preliminarmente, que essas mudanças nem sempre correspondem à idoneidade do uso do
Direito Penal, e tampouco bastam para fundamentar uma imputação. Distanciá-la de uma
justificativa dogmático-jurídica prévia finda por situar essa responsabilidade fora do espectro
legítimo.
Para trazer maior clareza à problemática, serão utilizados, no último capítulo, os casos
práticos que motivaram o presente estudo: distintas denúncias, oferecidas pelo Ministério
Público Federal, que se valeram de conceitos cuja adequação, no contexto em que foram
aplicados, será objeto de análise neste trabalho.
Embora sejam expostos em momento último, em virtude de não se desejar,
metodologicamente, a realização de um estudo de caso, cumpre desde logo apresentá-los:

A) Denúncia Samarco
Ref. Inquérito Policial nº 183/2015 SRPF/MG

Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal referente ao rompimento


da barragem de Fundão, situada no município de Mariana/MG, gerenciada à época dos fatos
15

pela pessoa jurídica SAMARCO MINERAÇÃO S/A. Afirma o parquet, de acordo com as
investigações, que os denunciados “atuavam na condição de diretores, administradores,
membros de conselhos e de órgãos técnicos, gerentes, empregados, prepostos, mandatários ou
contratados da VALE, BHP e Samarco”, e que possuíam “conhecimento dos diversos
problemas, falhas ou “não conformidades” operacionais”, bem como do “progressivo
incremento da situação típica de risco, mesmo devendo e podendo agir para evitar o
rompimento da barragem de Fundão e os resultados penalmente desvalorados”, incidindo nas
figuras típicas por meio de condutas omissivas.
Atribuiu-se o dever de garante, além das pessoas jurídicas VALE, BHP e SAMARCO,
aos membros do Conselho de Administração da Samarco, da VALE e da BHP, aos
representantes da VALE e da BHP nos Comitês de Operação e Desempenho Operacional, aos
Diretores Executivos (Diretor Presidente e Diretor de Operações e Infraestrutura), aos gerentes
e engenheiros da SAMARCO (Gerência Geral de Geotecnia, Gerência de Geotecnia de
Barragens, Gerente Geral de Mina) e ao Engenheiro Sênior da VOGBR Recursos Hídricos e
Geotecnia Ltda., totalizando 3 (três) pessoas jurídicas e 21 (vinte e uma) pessoas físicas sob a
imputação de violação a deveres de garantia, nos termos do Art. 13, §2º, CP.

B) Denúncia Lula - Sítio de Atibaia


Ref. Inquérito Policial nº 5006597-38.2016.4.04.7000

Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal que, dentre outros,
imputa a Luiz Inácio Lula da Silva, em razão de sua função, a prática do delito de corrupção
passiva qualificada, por 3 (três) vezes, que teria se dado por meio de um esquema sob seu
comando. Assevera o parquet que cabia ao denunciado a nomeação e manutenção dos
ocupantes da Diretoria de Serviços e Abastecimento da Petrobras, sociedade de economia mista,
em cujo mandato foram assinados contratos e aditivos “comprometidos com a geração e
arrecadação de propinas” e garantindo o enriquecimento ilícito de “parlamentares dessas
agremiações, de si próprio, dos detentores dos cargos diretivos da estatal e de operadores
financeiros”.
Para tanto, na temática que interessa a este trabalho, valeu-se a denúncia de imputações
de autoria e participação por meio da aplicação de conceitos de domínio do fato e aparatos
organizados de poder, além de domínio da organização, atribuídos ao denunciado em destaque,
tanto referente à estatal petroleira quanto aos atos de diretores da empresa.
16

C) Denúncia IESA Óleo e Gás e construtora Queiroz Galvão


Ref. Inquérito Policial autos nº 5016060-38.2015.404.7000

Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal referente a supostos


crimes de organização criminosa, cartel, fraude à licitação, corrupção ativa e lavagem de
dinheiro, aos quais atribui o parquet autoria a 3 (três) executivos da IESA ÓLEO E GÁS e 5
(cinco) prepostos da construtora QUEIROZ GALVÃO.
Com relação aos executivos da IESA OLÉO E GÁS, os cargos ocupados pelos
denunciados correspondiam a Diretor, Diretor de operações, Diretor Presidente e, em momento
posterior, Diretor de desenvolvimento de novos negócios. Quanto à construtora QUEIROZ
GALVÃO, os denunciados exerciam cargos de Diretor, Diretor subordinado, Diretor de óleo e
gás, Presidente e Conselheiro da área offshore e naval da construtora.
Para a imputação das supostas condutas delituosas, utilizou-se como fundamento o
domínio funcional sobre os fatos.
17

2 A CRIMINALIDADE DE EMPRESA – MUDANÇA DE PARADIGMA

“A troca de uma ortodoxia por outra não representa necessariamente um


avanço. O inimigo é a mentalidade de gramofone, concordemos ou não com
o discurso que está tocando agora”. (George Orwell, A Revolução dos
Bichos).

Transformações marcam o nosso tempo, mas a tentativa de compreendê-las exige um


olhar sistêmico. O avanço da modernidade, com a produção social de riquezas, assim como
advertiu Ulrich Beck, conduz, também, à produção social de riscos2. De acordo com seu
entendimento, o novo paradigma dessa sociedade, agora chamada de sociedade do risco3,
coincide com a problemática da divisão de classes e da produção capitalista, presentes em “O
Capital”, no qual Karl Marx assentou sua teoria sob as evidências de que essa ordem econômica,
orientada pela indústria moderna, nortearia o ponto culminante de uma crise geral4.
Se é verdade que, para Karl Marx, a crise de legitimidade residia na própria formação
econômica capitalista e no desenvolvimento industrial, que acarretava as “misérias modernas”5
a partir das “paixões mais violentas, mesquinhas e execráveis do coração humano, as fúrias do
interesse privado”6, solucionável apenas pelo fim da sociedade capitalista, para Ulrich Beck o
desafio consiste em buscar uma via de compatibilização. Enfrenta o autor o desafio de
compreender de que modo os riscos, também advindos do processo de evolução capitalista,
podem ser limitados, de maneira que não criem obstáculos à própria modernização e,
simultaneamente, não ultrapassem os limites do suportável7.
Decerto, as obras de Marx e Beck devem ser situadas no tempo e espaço
correspondentes, mas, embora se refiram sistematicamente a épocas distintas do processo de
modernização, persevera o núcleo comum: tratam das consequências do desenvolvimento
técnico-econômico. A continuidade desses processos conduz, mais cedo ou mais tarde, aos
conflitos sociais, sejam eles de repartição de riqueza, outrora situados no centro do problema,

2
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: Hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 1998. Traducción de
Jorge Navarro, Daniel Jiménez e M° Rosa Borras. p. 25.
3
A terminologia “sociedade do risco” ou “sociedade industrial do risco”, no contexto empregado neste trabalho,
corresponde, em brevíssima síntese, à modernidade que se desprende da sociedade industrial clássica, constituindo
uma nova figura. Trata-se de conceito amplamente desenvolvido por Ulrich Beck, na construção de sua teoria
sociológica.
4
MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Tradução de Rubens Enderle. 2. ed. São Paulo:
Boitempo, 2017. (Livro I - O processo de produção capitalista). p. 91.
5
MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Tradução de Rubens Enderle. 2. ed. São Paulo:
Boitempo, 2017. (Livro I - O processo de produção capitalista). p. 78-80.
6
Ibidem. p. 80.
7
BECK, ULRICH. La sociedade del riesgo. p. 26.
18

sejam de repartição de riscos, a exemplo do cenário com o qual presentemente nos


defrontamos8.
A irreversibilidade da globalização e suas ameaças reclamam do Estado um
redimensionamento, que só será possível quando revisitados os meios para tanto. Não se pode
resumir as soluções que busquem estabilidade, no contexto atual, a uma “aceitação pragmática”
ou a um “pessimismo cínico”9; devem ser analisadas dentro da complexidade apresentada, para
que as respostas advenham de uma elaboração estratégica. Essa conjuntura impacta também o
Direito, e para o interesse maior desta pesquisa, o ramo do Direito Penal.
A legislação penal brasileira, com forte tendência à proteção do patrimônio privado e de
repressão, principalmente, a condutas típicas de grupos sociais marginalizados, foi conduzida
por um processo de criminalização primária10 que, enquanto criminalizava ações típicas de
determinados grupos, excluía, de forma deliberada, outros sujeitos da seleção penal11. Com um
recorte que priorizou, então, a tipificação de condutas a partir da divisão de classes, com
probabilidade maior de imunizar infrações típicas das classes burguesas, revela-se um dos
aspectos do caráter fragmentário do Direito Penal12, pelo qual certos comportamentos jamais
serão alcançados pelo sistema.
Esse fenômeno é visto, em um de seus primeiros enfoques, a partir dos estudos de
Edwin Sutherland. A análise de Sutherland utilizava, como ponto gravitacional, a constatação
de que o status econômico influenciava tanto na tipificação de condutas delitivas - processo de

8
BECK, ULRICH. La sociedade del riesgo. p. 27.
9
D'AVILA, Fabio Roberto. Ofensividade e crimes omissivos próprios: Contributo à compreensão do crime
como ofensa ao bem jurídico. Coimbra: Coimbra Editora, 2005.
10
Com o conceito de criminalização primária e secundária, neste trabalho, adota-se o sentido empregado por Ela
Wiecko Castillo, correspondendo a processos de definição e seleção de sujeitos criminalizados, bens jurídicos que
merecem tutela penal e comportamentos ofensivos a esses bens, dignos de repressão. A criminalização primária,
assim, se fará pela produção de normas penais, enquanto a criminalização secundária se dará na aplicação dessas
normas penais. Nesse sentido, CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de. O controle penal nos crimes contra o
sistema financeiro nacional (Lei n. 7.492, de 16.06.86). 1996. 243 f. Tese (Doutorado) - Curso de Curso de Pós-
graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1996.
p. 25-26.
Ainda, Eugênio Raul Zaffaroni e Nilo Batista, em ZAFFARONI, Eugenio Raul et al. Direito Penal Brasileiro:
Teoria Geral do Direito Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011. v. 1. p. 43.
11
Ibidem. p. 25.
12
A opção por abordar, neste momento, a ideia de fragmentariedade, em detrimento de um conceito de seletividade
penal, deve-se ao fato de que a criminalização primária é processo conduzido por agências políticas, que
selecionam, em regra, os bens jurídicos abarcados pela tutela penal, e embora permitam uma maior predisposição
a incriminar determinados grupos, em virtude do teor desses atos e condutas proibidas, não se dirige
exclusivamente a eles. A seletividade penal, que diz respeito à seleção de pessoas submetidas à coação penal, com
o fim de imposição de pena, é refletida com maior intensidade na criminalização secundária, que trata efetivamente
da ação punitiva sobre pessoas concretas, por intermédio de uma agência judicial.
Apesar dessas considerações, para um entendimento diverso, ver ZAFFARONI, E. Raul et al. Direito Penal
Brasileiro: Teoria Geral do Direito Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Renavan, 2011. p. 45, para o qual “considera-se
natural que o sistema penal leve a cabo a seleção de criminalização secundária apenas como realização de uma
parte ínfima do programa primário”.
19

criminalização primária -, quanto no número de condenações criminais - via da criminalização


secundária. Passou a conceituar, então, sob a terminologia white collar crime, as violações
legais praticadas por pessoas de status social alto, no curso de sua ocupação, destacando que o
termo se referia, principalmente, a “empresários e executivos”13. A característica primordial
para a seleção, em outras palavras, dizia respeito à classe social, e a expressão empregada pelo
autor é vista como um sinônimo do que se trata como criminalidade econômica.
Parcela do grupo a que se referia Sutherland domina, ainda, o setor industrial,
organizando a produção de bens em um sistema de livre concorrência. O surgimento de novas
tecnologias e a busca por maior produtividade, necessários para a acumulação do capital desses
indivíduos, no cenário hoje experimentado, torna o risco fator indispensável ao
desenvolvimento econômico14. Nessa medida, o risco constitui, também, um referencial
político, e dessa forma, situa os que o administram como destinatários de normas jurídicas
limitativas e de coerção15. O contexto escapa do controle de órgãos de proteção anteriormente
suficientes, uma vez que os processos de produção passam a ser vistos como fontes potenciais
de perigo16, sejam eles políticos, ambientais ou individuais.
A compreensão repercute no uso do Direito Penal como instrumento gerenciador dessas
situações, implicando uma transformação dupla. Por um lado, a globalização da economia,
especialmente dos fatores produtivos, amplia o fenômeno da delinquência econômica, pela
extensão das lesões possíveis, ocupando um espaço antes pertencente, em maior escala, à
criminalidade violenta, com repercussão corporal clara. De outro ponto, a vítima, antes
individual, é substituída pela “vítima-coletivo”, “vítima-sistema” e “vítima-mercado”17.
A dinamicidade dos fenômenos econômicos, a perda de controle sobre a técnica e até
mesmo as decisões equivocadas, adotadas pelos que gerenciam essas “fontes potenciais de
perigo”, passam a repercutir como efeitos prejudiciais diretos ou indiretos a uma coletividade.

13
SUTHERLAND, Edwin H. El delito de cuello blanco. Traducción del inglés de Rosa del Olmo. Madrid:
Ediciones La Piqueta, 1999. 339 p. p. 65.
14
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de Perigo Abstrato. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 26.
15
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de Perigo Abstrato. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 27.
16
Conforme alerta Bottini, em Crimes de Perigo Abstrato, o risco não implica que as técnicas sejam,
em um primeiro momento, lesivas e prejudicias, mas o estado de risco gera uma expectativa de perigo.
No mesmo sentido, Ulrich Beck: “Risks are not the same as destruction. They do not refer to damages
incurred. However, risks do threaten destruction. [...] The concept of risk thus caracterizes a peculiar
intermediate state between security and destruction, where the perception of threatening risks determines
thought and action”. BECK, Ulrich. Risk society revisited: Theory, politics and research programmes. In: ADAM,
Barbara; BECK, Ulrich; VAN LOON, Joost (Edits.). The risk society and beyond. London: Sage Publications,
2000. p. 211-229.
17
SILVA, Luciano Nascimento. Teoria do Direito Penal Econômico: Fundamentos Constitucionais da Ciência
Criminal Secundária. Curitiba: Juruá, 2010. p. 27.
20

Configuram, em outras palavras, o risco da procedência humana como um fenômeno social


estrutural18.
Esse sucedido no Direito Penal, enquanto ramo do saber que, por essa mesma razão,
não pode ser estático, exige um aprimoramento de categorias, diante de resultados lesivos que
se apartam da delinquência dolosa tradicional19, abalando a própria construção de conceitos
que, apartados dessa problemática, aparentavam razoável consenso, a exemplo da criminalidade
organizada. É o desconserto das ideologias do Direito Penal clássico, na terminologia
empregada por Zaffaroni, para o que não há caminho, diante da complexidade apresentada, que
não implique revisitar a própria função do Direito Penal contemporâneo, de seus elementos
fundamentais e, especialmente, de seus limites formais e materiais20.
Inegavelmente, a resposta penal tem sofrido influências da dimensão subjetiva da
sociedade do risco: uma ausência de domínio, socialmente sentida, do curso dos
acontecimentos; uma falta de critérios decisórios que ocasiona angústia e insegurança21.
Em verdade, conforme lecionam Hassemer e Muñoz Conde, a opinião pública concebe,
não raramente, o delito enquanto um mal, exsurgindo ideias de luta. Luta que reivindica, de
acordo com a maior ou menor ameaça intuitivamente atribuída a cada delito, a elaboração de
uma política repressiva, caracterizando um direito penal do inimigo22.
O que se notará, ao analisar delitos econômicos, é uma hipertrofia do sistema penal para,
finalmente, alcançar os sujeitos dessa criminalidade23. Sujeitos que no sistema criminal, como
evidenciam os já citados estudos de Sutherland e, no contexto brasileiro, com destaque especial
na também referida pesquisa de Ela Wiecko Castillo, fizeram parte historicamente da “cifra
dourada”24, desaparecendo das estatísticas de crimes em virtude de seu status
socioeconômico25.

18
SILVA-SANCHEZ, Jesus Maria. La expansión del derecho penal: Aspectos de la política criminal en las
sociedades postindustriales. 2. ed. Madrid: Civitas, 2001. p. 27.
19
Ibidem. p. 28.
20
D'AVILA, Fabio Roberto. Ofensividade e crimes omissivos próprios: Contributo à compreensão do crime
como ofensa ao bem jurídico. Coimbra: Coimbra Editora, 2005. p. 30.
21
A respeito da sensação social de insegurança, ver SILVA-SANCHEZ, Jesus Maria. La expansión del derecho
penal: Aspectos de la política criminal en las sociedades postindustriales. 2. ed. Madrid: Civitas, 2001. p. 32-42.
22
HASSEMER, Winfried; CONDE, Francisco Muñoz. Introducción a la Criminología y al Derecho
Penal. Valencia: Tirant Lo Blanch, 1989. p. 37-40.
23
SILVA, Luciano Nascimento. Teoria do Direito Penal Econômico: Fundamentos Constitucionais da Ciência
Criminal Secundária. Curitiba: Juruá, 2010. p. 39.
24
CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de. O controle penal nos crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei
n. 7.492, de 16.06.86). 1996. 243 f. Tese (Doutorado) - Curso de Pós-graduação em Direito, Centro de Ciências
Jurídicas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1996. p. 27.
25
Ibidem.
21

Em termos políticos, ao analisar a tendência criminal sócio-democrática na Europa,


identifica Silva Sanchez um fenômeno peculiar, que como se demonstrará neste trabalho, reflete
o cenário brasileiro: em uma concepção inicial, os grupos popularmente identificados como
“direita” buscavam o incremento da segurança por meio da pressão punitiva, ao passo que os
rotulados de “esquerda” buscavam sua redução.
Quando assume na Europa a social-democracia, o discurso de segurança, por meio do
Direito Penal, passa a integrar ambos os grupos, ao que denominou o autor de “ideologia da lei
e ordem em versão de esquerda”; uma manipulação do sistema criminal como forma de
transformação social, utilizando os instrumentos punitivos de maneira antigarantista, para que
incidissem sobre os grupos mais poderosos.
Ao tratar de semelhante mudança de pensamento, dessa vez na da América Latina,
destaca Maria Lucia Karam, discorrendo a respeito da esquerda punitiva, que o conceito de
poderosos limita-se, para os que aderem a esse “histérico e irracional combate”, unicamente a
uma visão dos acusados enquanto sujeitos enriquecidos26. Independe, portanto, de qualquer
poder efetivo, ou de qualquer conduta sinalizadora de que operem, concretamente, um perigo,
inserindo-se na já aludida problemática da divisão de classes e da reflexividade dos riscos.
Retomando o paradoxo com Karl Marx, o fenômeno aqui tratado se traduz na inversão
do discurso: essa esquerda punitiva27, farta de uma malha penal mais estreita aos marginalizados
que às classes dominantes, passa a desejar, sob protestos contra a impunidade, que os
mecanismos repressores enfrentem, com severas condenações, os abusos do poder
econômico28. Substituem-se os ideais de direito penal mínimo29, anteriormente defendido, pelo
furor persecutório, similar ao que a distopia de George Orwell, na literatura, qualificou como
“mentalidade de gramofone”30.
Acerta Jacinto Nelson de Miranda Coutinho ao destacar que, “para a infelicidade de
todos, está-se conseguindo o milagre da (des)razão”. Uma sociedade que, com medo, passa a
integrar o coro punitivista: “Matem o bicho! Cortem a garganta! Tirem o sangue!”. Trata-se de

26
KARAM, Maria Lucia. A esquerda punitiva. Discursos Sediciosos: Crime, direito e sociedade, Rio de Janeiro,
v. 1, n. 1, p.79-92, jul. 1996.
27
Ibidem.
28
Ibidem.
29
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002. Vários tradutores. p. 83. “O direito penal mínimo, quer dizer, condicionado e limitado ao máximo,
corresponde não apenas ao grau máximo de tutela das liberdades dos cidadãos frente ao arbítrio punitivo, mas
também a um ideal de racionalidade e de certeza.”
30
ORWELL, George. A revolução dos bichos: Um conto de fadas. Tradução de Heitor Aquino. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007. p. 137. “A troca de uma ortodoxia por outra não representa necessariamente um
avanço. O inimigo é a mentalidade de gramofone, concordemos ou não com o discurso que está tocando agora”.
22

metáfora extraída de “O Senhor das Moscas”, de William Golding, para demonstrar que, mesmo
de forma inconsciente, tende-se a reproduzir, após a crise, a mesma sociedade que se tinha31.
Não se nega, no sentido apontado por Pierpaolo Cruz Bottini, que as construções
dogmáticas se atrelam a ideologias específicas. Agora, no entanto, “o elemento político que
sustenta o preenchimento normativo dos conceitos é descortinado, deixa as entrelinhas, perde
a roupagem aparentemente técnica”, surgindo como “referência necessária a materializar e
preencher os elementos de referência normativa”32.
O descrédito a outras instâncias, sua falta de abrangência e uma desconfiança à
Administração Pública como meio de proteção, conduz a uma ideia corriqueira de que seria o
Direito Penal o “único instrumento eficaz de pedagogia político-social”, valendo-se desse
sistema como um mecanismo de “civilização”. Essa concepção, repetidamente, afasta o freio
da ultima ratio, como se as bases do sistema criminal e suas garantias fossem móveis,
disponíveis, em todo caso, às correntes políticas dominantes, ou à neutralização do sentimento
negativo, presente na opinião pública.
De um modo ou de outro, a urgência por respostas penais à criminalidade econômica,
se é seguro que se funda, em partes, pela real impotência do sistema, pensado para um período
histórico diverso do que se vivencia, também corresponde a uma demanda de criminalização,
para solucionar a insegurança dessa sociedade do risco ou, como dito, para intentar pôr fim à
“criminalidade dos poderosos”, ainda que de maneira simbólica, mas em todo caso, valendo-se
de instrumentos igualmente afastados das garantias tradicionais do Direito Penal.
Em outras palavras, a lógica empregada na persecução de determinados crimes, em
particular, para este trabalho, nos crimes econômicos, considera um objetivo final, tido como
elogiável, mas desconsidera que a legitimação do poder estatal não se preenche por esse
objetivo, senão por critérios de idoneidade dos meios empregados, necessidade e
proporcionalidade33, requerendo uma justificativa em face dos princípios limitadores desse
mesmo poder34.

31
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Estado de Polícia: Matem o bicho! Cortem a garganta! Tirem o
sangue! In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Direito e Psicanálise: Interlocuções a partir da literatura.
Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 85-100.
32
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. O paradoxo do risco e a política criminal contemporânea. In: MENDES, Gilmar
Ferreira; BOTTINI, Pierpaolo Cruz; PACELLI, Eugênio (Orgs.). Direito Penal Contemporâneo: Questões
controvertidas. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 109-134. (Série IDP). p. 129.
33
SCHUNEMANN, Bernd. Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do
direito. Coordenação de Luís Greco. São Paulo: Marcial Pons, 2013. p. 77.
34
Caso contrário, ademais, se incide no “açodamento de discursos e decisões que mais encerram o condão de
refletores pessoais que refletores do justo”, crítica apresentada por PEREIRA, Erick Wilson. Lei da Precipitação.
In: PEREIRA, Erick Wilson. Consciência Democrática. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008. Cap. 17. p. 70-72,
complementada ao relembrar o julgamento de Jesus Cristo em função do clamor público, fato que levou o então
23

Nesse universo, onde emergem discussões sobre a responsabilidade penal por ilícitos de
perigo abstrato, por delitos de mera desobediência e antecipação da tutela penal35, o ilícito típico
praticado por omissão é retomado, com maior relevo, enquanto técnica de tutela. Não se trata
de uma categoria nova. As inquietações sobre sua aplicação e limites, e da necessária revisitação
acadêmica, já eram antecipados, no país, por Tobias Barreto, desde 1879, quando desejava
provar, em suas palavras, que a ideia dos delitos omissivos não era comum entre nós, mas que
em virtude disso, necessitava de “abrir caminhos através das verdades feitas na academia, como
pílulas de botica”36.
Ultrapassados mais de cem anos da advertência de Tobias Barreto, Heleno Cláudio
Fragoso afirmava, ainda, a incerteza quanto aos princípios regentes da omissão no Direito
brasileiro, ao surgimento de um dever de atuar e, de todo modo, à inadequação de que os crimes
omissivos se refiram, exclusivamente, a deveres morais37.
A preocupação persiste, e não se pode admitir, para solucioná-la, a criação de um
“Direito Penal do risco”, no intento único de alcançar grupos que julgam não serem alcançados
pelos atuais limites do Direito Penal. Embora a criminalidade econômica acarrete um inegável
custo, exige-se um Direito Penal fiel a princípios fundamentais, que salvaguarde garantias,
inerentes ao próprio sistema, sob pena de pôr em risco a construção jurídico-doutrinária
alcançada38.
Com o necessário reconhecimento de limites inultrapassáveis no sistema criminal
clássico, não se defende a manutenção da “cifra dourada”, mas que as respostas penais se

governante, Pilatos, a “passar à história como exemplo de magistrado pusilânime e insensível”. Retome-se, aqui,
a inidoneidade do “clamor público” enquanto fundamento de repressão criminal, inclusive por sua volatilidade.
35
Características que, de acordo com Winfried Hassemer, especialmente no que se refere aos delitos de perigo
abstrato, marcam o “moderno direito penal”, ampliando seu âmbito de aplicação através de uma “redução dos
pressupostos do castigo”. HASSEMER, Winfried. Persona, mundo y responsabilidad: bases para una teoría de
la imputacion en derecho penal. Traducción de Francisco Muñoz Conde y María del Mar Díaz Pita. Bogotá:
Editorial Temis S. A., 1999. p. 24-25.
36
BARRETO, Tobias. Estudos de direito. Rio de Janeiro: Laemmer & C., 1892. 468 p. (Obras de Tobias Barreto;
1). Publicação Póstuma dirigida por Sylvio Roméro. Pg. 190:
“Eu me recordo de já ter assistido ao julgamento de um processo celebre, no qual os defensores do accusado, quasi
todos tidos em conta de juristas abalisados, allegavam seriamente que a melhor prova da innocencia do reu era
que, no momento do facto arguido, ele nada praticára de positivo, mas ao contrario, se distinguira pela inação; e
quando se lhes oppunha que nesta mesma inação, que nesta mesma falta de um acto positivo, que no caso teria
servido para obstar o morticínio (trata-vase de tal delicto), consistia o crime questionado, os bons juristas riam-se
com emphase, como diante de uma extravagância. Elles não comprehendiam a solução do problema, senão envolto
nesta velha casca: A mandou por B, C, D, E, matar F? [...] Tudo isso dirige-se a um fim: provar que a ideia dos
delictos omissivos não é commum entre nós, e, como tal, necessita de abrir caminho através das verdades feitas
na academia, como pílulas na botica.”
37
FRAGOSO, Heleno Claudio. Crimes omissivos no Direito Brasileiro. Revista de Direito Penal e
Criminologia, Rio de Janeiro, v. 33, p. 41-47, jan. 1982.
38
D'AVILA, Fabio Roberto. Ofensividade e crimes omissivos próprios: Contributo à compreensão do crime
como ofensa ao bem jurídico. Coimbra: Coimbra Editora, 2005.
24

sujeitem, em todo caso, a sua própria limitação. É preciso aceitá-la, para que não se esvaziem
as “regras do jogo”, a partir da criação de um sistema paralelo, unicamente para afastar ou
flexibilizar os limites impostos à intervenção estatal39.
Desastrosamente, essa criação paralela, na temática dos crimes omissivos impróprios e,
com mais força, quando empregada junto aos delitos econômicos, tem-se verificado pela via da
criminalização secundária40. O estudo dessa responsabilidade por omissão envolve, conforme
leciona Juarez Tavares, “questões relativas ao adequado e ao inadequado, ao simbólico e ao
intuitivo”41, razão pela qual sua utilização, sem parâmetros fixados, tende a se distanciar da face
liberal e do mínimo ético, tornando-se meio de controle para problemas sociais, características
compartilhadas com o Direito Penal simbólico42.
Em nossa legislação criminal, os delitos de omissão imprópria se associam a normas
proibitivas, infringidas por um sujeito que ocupava, na data do fato, posição de garantidor de
um dado bem jurídico, razão pela qual estaria obrigado a impedir o resultado43. Por ser forma
de realização típica, submetida às regras do sistema criminal e seus princípios, a utilização do
Direito Penal será possível apenas quando se verificar, em um primeiro momento, a existência
de fato típico relevante (desvalor da ação), possível de ser atribuído a um indivíduo concreto,
em respeito às fronteiras da culpabilidade e da proporcionalidade.
Dentro do largo espectro do Direito Penal Econômico, o subgrupo da criminalidade de
empresa possui particularidades que dificultam sensivelmente essa atribuição. É que o eventual
delito, realizado no interior de empresas, enfrenta problemas que, escapando das fronteiras
desse Direito, referem-se à própria estruturação empresarial; aspectos como a divisão de tarefas,
as organizações hierárquicas e a interferência de um sem-número de sujeitos na cadeia causal.
Na premissa de que a atividade dos atores envolvidos no processo de criminalização
secundária – especialmente os órgãos de acusação e o Poder Judiciário - não se justifica

39
A respeito do assunto, Silva Sanchez, A expansão, p. 73: “Pues ya proliferan las voces de quienes admiten la
necesidad de modificar, al menos en ciertos casos, las <<reglas del juego>>. Em ello influye, sin duda, la
constatación de la limitada capacidad del Derecho penal clásico de base liberal (com sus princípios de taxatividad,
imputación individual, presunción de inocencia, etc.) para combatir fenómenos de macrocriminalidad. Pero quizá
lo debido sea entonces asumir tales limitaciones”.
40
BARATTA, Alessandro. Criminologia critica y critica del derecho penal: Introduccion a la sociologia
juridico penal. Buenos Aires: Siglo XXI Editores Argentina, 2004. p. 95, aponta a criminalização secundária como
o processo de aplicação das regras gerais, enquanto a criminalização primária, já referenciada neste trabalho,
refere-se à elaboração de tais regras, isto é, ao processo imediatamente anterior, de penalização e despenalização.
41
TAVARES, Juarez. Teoria dos crimes omissivos. São Paulo: Marcial Pons, 2018. p. 28.
42
Hassemer, Winfried, «Derecho Penal Simbólico y protección de Bienes Jurídicos», en Varios Autores «Pena y
Estado», Santiago: Editorial Jurídica Conosur, 1995, pg. 4-5. “No se trata sólo de la aplicación instrumental del
Derecho penal y de la justicia penal sino (tras ellos) de objetivos preventivos especiales y generales: transmitir al
condenado un sentimiento de responsabilidad, proteger la conciencia moral colectiva y asentar el juicio social
ético; se trata de la confirmación del Derecho y de la observación”.
43
TAVARES, Juarez. Fundamentos de teoria do delito. Florianópolis: Tirant Lo Blanch, 2018. p. 389-396.
25

legitimamente quando afastada de derivações dogmáticas e de limites normativos, buscando


sua salvação em uma jurisprudência casuística44, que impede, pelo distanciamento de limitações
e categorias claras, o próprio exercício do direito de defesa45, é que a questão da criminalidade
econômica necessita ser analisada.
Trata-se, mais do que de uma simples mudança de paradigma, que transporta a discussão
sobre crimes puramente comissivos, predominantemente dolosos, à imputação cada vez mais
alargada de modalidades omissivas, da retomada, nesse cenário, de métodos tipicamente
inquisitivos46, buscando maior eficiência das leis por meio da ação repressiva do Estado, e
regressando a ideias de primazia da tutela social em detrimento de garantias individuais47.

2.1 O subgrupo da Criminalidade Econômica de Empresa e o “espírito criminal de grupo”

A partir das considerações feitas, é possível observar a criminalidade econômica em


diferentes frentes. Por sua amplitude, quando tomada de forma genérica, corresponde a um
problema inicial, do qual podem surgir diversos subgrupos. É que o termo se refere a
determinados tipos delitivos, com características e particularidades semelhantes, em uma noção
de “familiaridade”48.
Alguns desses tipos, contudo, compartilham entre si características ainda mais
específicas, que os diferenciam dentro do núcleo genérico, sobrevindo os subgrupos. Por isso
mesmo, sua abordagem gera um leque de problemas, inalcançáveis se intentada uma solução
comum, que sirva para todo e qualquer delito econômico, sem considerar os inconvenientes
dessas condutas delitivas. É o caso, por exemplo, do ocupational crime e corporate crime.

44
SCHUNEMANN, Bernd. Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do
direito. Coordenação de Luis Greco. São Paulo: Marcial Pons, 2013. p. 160.
45
A respeito do direito de defesa, cumpre esclarecer que não se refere à mera defesa formal, satisfeita pela
oportunidade de manifestação nos atos do processo, mas do direito a uma defesa efetiva e eficiente, que só é
possível quando os parâmetros do jogo processual são claros, quando as categorias são previamente definidas,
inseridas em limites formais e materiais. Sobre a diferenciação, em âmbito processual penal, ver SILVA JUNIOR,
Walter Nunes da. Reforma Tópica do Processo Penal: Inovações aos procedimentos ordinário e sumário, com o
novo regime das provas, principais modificações. 3. ed. Natal: Owl, 2019. p. 60.
46
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002. Vários tradutores. p. 80-81. Ao caracterizar os modelos de direito penal autoritário, trata como ponto comum
entre os sistemas subjetivistas a privação de referências empíricas, construídas as figuras legais do delito
predominantemente a partir da “subjetividade desviada do réu”, alegando o Autor que o mesmo esquema pode ser
cumprido pela via judicial, a partir do abuso jurisprudencial das macroinstituições, inclusive com base na
colocação social e política do acusado.
47
Similar ao que se observa no perfil antidemocrático do Código de Processo Penal de 1941. Ver SILVA JUNIOR,
Walter Nunes da. Reforma Tópica do Processo Penal: Inovações aos procedimentos ordinário e sumário, com o
novo regime das provas, principais modificações. 3. ed. Natal: Owl, 2019. p. 38.
48
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Empresarial: A omissão do empresário como crime. Belo
Horizonte: D'placido, 2016. (Coleção Ciência Criminal Contemporânea, v. 5). p. 27.
26

No primeiro agrupamento, dos delitos ocupacionais, estaremos diante de situações nas


quais o decisivo não é a posição social do sujeito infrator, mas que a conduta delitiva tenha se
dado no transcurso de uma atividade determinada. Já na segunda situação, de delitos
corporativos, o diferencial consiste em a prática delituosa estar inserida numa organização,
podendo sujeitar-se a responsabilidades de caráter distinto (comumente, responsabilidade penal
e administrativa)49.
Essa última hipótese, de delitos corporativos, praticados por um grupo de pessoas sob
hierarquia ou em divisão de funções, assim posicionadas, originalmente, não para o
cometimento de delitos, mas para fins de atuação empresarial, é a perspectiva que mais interessa
a este estudo.
Esse modelo é trabalhado sob a noção de criminalidade de empresa 50 ou criminalidade
econômica de empresa, determinada pelos mais diversos fatores, como a associação de pessoas
sob um código de valores empresariais e a busca de um objetivo comum, que se sobrepõe aos
objetivos dos sujeitos individualmente considerados.
Assim, a razão para o surgimento de condutas delitivas, nessas estruturas, diz respeito
também a fatores ambientais, por meio dos laços de solidariedade entre os integrantes. Essa
forma de conduta é denominada de “espírito criminal de grupo”51, bastante similar às
construções de Sigmund Freud, na psicanálise, sobre a psique coletiva.
Para ele, as massas, enquanto sinônimo de indivíduos postos em situação de
coletividade, são capazes de “atos elevados de renúncia, altruísmo e dedicação a um ideal”, sob
a influência da sugestão, mas podem, também por isso, alterar seu comportamento ético tanto
acima quanto muito abaixo do que se esperaria de cada um52.
Adán Nieto Martín destaca que, no âmbito das empresas, esse comportamento pode ser
racionalizado até mesmo por usos linguísticos compartilhados entre os membros de sua

49
MARTIN, Adan Nieto et al. Compliance, criminologia e responsabilidade penal de pessoas jurídicas. In:
MARTIN, Adan Nieto (Coord.). Manual de cumprimento normativo e responsabilidade penal de pessoas
jurídicas. Florianópolis: Tirant Lo Blanch, 2018. p. 55-122. Coordenadores da edição brasileira: Eduardo Saad
Diniz e Rafael Mendes Gomes. p. 63.
50
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Empresarial: A omissão do empresário como crime. Belo
Horizonte: D'placido, 2016. (Coleção Ciência Criminal Contemporânea, v. 5). p. 35.
51
MARTIN, Adan Nieto et al. Compliance, criminologia e responsabilidade penal de pessoas jurídicas. In:
MARTIN, Adan Nieto. Manual de cumprimento normativo e responsabilidade penal de pessoas
jurídicas. Florianópolis: Tirant Lo Blanch, 2018. p. 55-122. Coordenadores da edição brasileira: Eduardo Saad
Diniz e Rafael Mendes Gomes. p. 64.
52
FREUD, Sigmund. Psicologia das massas e análise do eu. Tradução de Renato Zwick. Porto Alegre: L&M,
2019. 176 p. p. 52.
27

estrutura, atribuindo às condutas delituosas nomenclaturas de maior aceitação geral, como


“economia fiscal”, “contabilidade criativa”, dentre outros53.
A postura comportamental adotada pelos dirigentes dessa estrutura, assim como a
imagem ética que projetam na empresa, presta-se a criar uma cultura da organização. Quanto
pior seja essa cultura corporativa, mais o sistema de benefícios, incluindo a busca por promoção
e remuneração maiores, será direcionado pela adoção de determinadas condutas negativas. A
título ilustrativo, Nieto Martin menciona a repetição de argumentos favoráveis a práticas
delituosas, como afirmar que “leis são um estorvo para os negócios”, fazendo com que os
demais membros da corporação atrelem o sucesso de seu trabalho a ações que coincidam com
esses ideais.
A sensação de pertencimento e de integração ao local, o maior prestígio e a
autoafirmação podem facilitar tanto a adesão quanto a lealdade a tais apelos criminógenos54,
passando a incorporar no indivíduo pautas comuns, relacionadas a valores do grupo. É que a
empresa, tida como a congregação de esforços em prol de um objetivo, conforme definição de
Faria Costa, não se limita a expressar uma realidade social, mas “se racionaliza através de um
conceito de manifesto valor instrumental”55.
A competitividade e o livre mercado, juntamente com a busca por benefícios a curto
prazo, exigem dos administradores uma tomada de posição estratégica. Essa atividade, que deve
ser limitada por balizas que assegurem o Estado Democrático de Direito56, quando em
desequilíbrio, tende a afetar bens jurídicos de ordem coletiva, impossibilitando a
individualização da vítima57 e “desumanizando” os efeitos de uma eventual prática delituosa.

53
MARTIN, Adan Nieto et al. Compliance, criminologia e responsabilidade penal de pessoas jurídicas. In:
MARTIN, Adan Nieto. Manual de cumprimento normativo e responsabilidade penal de pessoas
jurídicas. Florianópolis: Tirant Lo Blanch, 2018. p. 55-122. Coordenadores da edição brasileira: Eduardo Saad
Diniz e Rafael Mendes Gomes. p. 64. Em trabalho no mesmo sentido, BARAK, Gregg. Unchecked coporate
power: why the crimes of multinational corporations are routinized away and what we can do about it. London:
Routledge, 2017.
54
ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresa por omissão: Estudo sobre a
responsabilidade omissiva imprópria de dirigentes de sociedades anônimas, limitadas e encarregados de
cumprimento por crimes praticados por membros da empresa. São Paulo: Marcial Pons, 2017. p. 39.
55
COSTA, José de Faria. A responsabilidade jurídico-penal da empresa e dos seus órgãos: ou uma reflexão sobre
a alteridade nas pessoas colectivas, à luz do direito penal. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Coimbra, v.
2, n. 4, p. 537-559, 1998.
56
CARVALHO, Ivan Lira de. A empresa e o meio ambiente. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru,
n. 25, p. 37-61, abr./jun. 1999. p. 39.
57
ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresa por omissão: Estudo sobre a
responsabilidade omissiva imprópria de dirigentes de sociedades anônimas, limitadas e encarregados de
cumprimento por crimes praticados por membros da empresa. São Paulo: Marcial Pons, 2017. p. 39.
28

Essas características, se de fato se prestarem a uma concepção da empresa como


ambiente propício ao surgimento de um delito estrutural58, por meio do dito “espírito criminal
de grupo”, embora tenham relevância no plano criminológico, não servem para racionalizar
psicologicamente a pena59. Ao contrário, sua verificação destaca parte da problemática à
imputação de responsabilidade individual em uma estrutura organizada e complexa.
O debate sobre alternativas sancionatórias, diante dessa constatação e motivado, muitas
vezes, pelo discurso de “combate à criminalidade”, tem retratado uma despreocupação com as
bases do Direito Penal e sua inidoneidade para a resolução de problemas sistêmicos60.
Paralelamente às discussões acerca de uma responsabilidade da pessoa jurídica,
enquanto ente coletivo, uma tendência a responsabilizar em primeira linha os órgãos de direção
empresarial tem se verificado no plano internacional61. Exemplo se observa no art. 28 do
Estatuto do Tribunal Penal Internacional, em especial na alínea “b”, com a previsão de
responsabilidade do superior hierárquico pelos crimes de competência do Tribunal, quando
cometidos por subordinados sob sua autoridade, em virtude de não ter exercido sobre esse um
“controle apropriado”.
A concepção abarcada pelo supracitado artigo se traduz na ideia de que, em
determinados contextos, a lesão ao bem jurídico, realizada por determinada pessoa física, pode
ser imputada a outrem, em virtude de sua posição hierárquica. Necessário saber, portanto, em
que ponto ou sob quais condições esse dirigente sofrerá a persecução criminal62.
Assevera Schunemann que a responsabilidade penal “do dono do negócio” tem sido
adotada pela jurisprudência e pela doutrina majoritária, mas seus fundamentos dogmáticos

58
MARTIN, Adan Nieto et al. Compliance, criminologia e responsabilidade penal de pessoas jurídicas. In:
MARTIN, Adan Nieto. Manual de cumprimento normativo e responsabilidade penal de pessoas
jurídicas. Florianópolis: Tirant Lo Blanch, 2018. p. 55-122. Coordenadores da edição brasileira: Eduardo Saad
Diniz e Rafael Mendes Gomes. p. 66;
COSTA, José de Faria. A responsabilidade jurídico-penal da empresa e dos seus órgãos: ou uma reflexão sobre a
alteridade nas pessoas colectivas, à luz do direito penal. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Coimbra, v.
2, n. 4, p. 537-559, 1998.
59
TAVARES, Juarez. A globalização e os problemas de segurança pública. Ciências Penais: Revista da
Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, São Paulo, v. 1, n. 1. p. 127-142, jan./jun. 2004. p. 18.
60
COSTA, Helena Regina Lobo da. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: um panorama sobre sua aplicação
no direito brasileiro. In: IBCCRIM et al. IBCCRIM 25 anos. Belo Horizonte: D'Plácido, 2017. p. 106.
61
SOUSA, Susana Aires de. A responsabilidade criminal do dirigente: algumas considerações acerca da autoria e
comparticipação no contexto empresarial. In: ANDRADE, Manuel da Costa; ANTUNES, Maria João; SOUSA,
Suzana Aires de (Orgs.). Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge Dias de Figueiredo Dias. Coimbra:
Coimbra Editora, 2009. v. 2. (Studia Iuridica, 99. Ad Honorem, 5). p. 1007.
62
SCHUNEMANN, Bernd. Cuestiones básicas de dogmática jurídico-penal y de política criminal acerca de la
criminalidad de empresa. Anuario de derecho penal y ciencias penales, Madrid, v. 41, n. 2, p. 529-558,
mayo/agosto 1988. p. 531.
29

permanecem insuficientes e pouco claros63. É que a complexidade da estrutura empresarial,


reconhecida pela descentralização das ações e dos processos decisórios, lança dúvidas sobre a
afirmativa de que pertence aos órgãos de direção o efetivo domínio organizacional, em todo
caso.
Para evitar que a discussão seja reduzida a uma responsabilidade baseada, unicamente,
em um mero caráter funcional, é imprescindível a análises dos aspectos objetivos dessa
estrutura, verificando de que modo impactam a imputação penal. Exige-se ainda, no cenário
brasileiro, um olhar sobre a (in)adequação de aplicar à jurisprudência construções importadas,
como as teorias do domínio do fato e da cegueira deliberada64, enquanto forma de ultrapassar
limites normativos e garantir maior efetividade ao sistema.
É o que se propõe a fazer este trabalho, tendo como objeto de análise a imputação em
autoria dolosa e os dilemas de sua verificação nesses estabelecimentos.

2.2 Imputação individual em organizações descentralizadas: o domínio do fato de Claus


Roxin, a experiência brasileira no Mensalão e os problemas da delegação e divisão de
tarefas

Para compreender a imputação de autoria em estruturas complexas faz-se necessário,


desde o início, demonstrar seus elementos mínimos enquanto categoria dogmática. Apenas com
esse esclarecimento se pode trabalhar a participação, uma vez que corresponde a conceito de
referência, vazio sem a existência de um autor principal65.
A distinção fundamental entre ambas as categorias – autoria e participação – se dá, nos
delitos comuns comissivos dolosos, fundamentalmente em virtude de um critério: o domínio
do fato. Partindo da concepção de Claus Roxin para uma definição mais adequada ao estado
atual, considera-se autor o sujeito que: a) pessoalmente realize a ação típica; b) execute o fato
por intermédio de outro, cuja vontade não seja livre, ou que não conheça o sentido objetivo da
ação de seu comportamento ou o compreenda em menor medida que “o sujeito de trás”, ou que

63
SCHÜNEMANN, Bernd. Cuestiones básicas de dogmática jurídico-penal y de política criminal acerca de la
criminalidad de empresa. Anuario de derecho penal y ciencias penales, Madrid, v. 41, n. 2, p. 529-558,
mayo/agosto 1988. p. 536.
64
Em virtude do recorte dado a este trabalho, a temática da cegueira deliberada não será abordada. Para melhor
compreender sua aplicação prática na jurisprudência brasileira, ver SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. A
aplicação da teoria da cegueira deliberada nos julgamentos da Operação Lava Jato. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, São Paulo, v. 24, n. 122, p. 255-280, ago. 2016.
65
CONDE, Francisco Muñoz; ARÁN, Mercedes García. Derecho Penal: Parte General. 8. ed. Valencia: Tirant
Lo Blanch, 2010. p. 433.
30

tenha sua vontade substituída em um aparato organizado de poder; c) que preste, na fase de
execução, uma contribuição funcionalmente significativa ao fato66.
É o autor, assim, figura central do acontecer típico, e analisando a expressão do domínio
do fato, pode-se visualizar sua manifestação concreta em três formas: domínio da ação, domínio
da vontade e domínio funcional do fato.
Na primeira compreensão se terá a autoria imediata, isto é, o domínio sobre a própria
ação, realizando o sujeito pessoalmente todos os elementos de dado tipo penal. É a manifestação
mais clara da figura central. Ainda que tenha agido sob erro, causa excludente, de acordo com
o Código Penal brasileiro, essa situação não é capaz de alterar a autoria do fato típico, refletindo
unicamente na punibilidade67.
Já quanto ao domínio da vontade, o que se tem é um caso de atribuição de
responsabilidade ao sujeito que não praticou a conduta típica, mas foi, para tanto, a figura chave,
reduzindo o terceiro que executou o fato a mero instrumento68. Trata-se de autoria mediata.
Falta nessa hipótese a ação executória, divergindo da espécie apresentada no parágrafo anterior,
de forma que o domínio da vontade reitora é que determinará a autoria69.
Apesar da pluralidade de manifestações dessa modalidade, as razões mais substanciais
desse domínio, a partir de uma análise amparada pela teoria de Claus Roxin, consistem na
coação exercida sobre esse terceiro, no erro e no domínio por meio de um aparato organizado
de poder.
A coação sobre “o homem da frente” é circunstância problemática, desde o início,
porque não implica uma autoria compartilhada, como se verá que ocorre com a coautoria, mas
em uma verdadeira autoria dupla: tanto o que executa a ação quanto o que configura a vontade
desse executor ocupam lugar central na realização do tipo70.
Para melhor compreensão deste tópico, necessário esclarecer que domínio do fato não
é sinônimo de influência volitiva71. A influência de um agente, mais ou menos intensa sobre o
que executa o fato, não indica, por si, que possuía o domínio. Em uma rápida análise da

66
ROXIN, Claus. Autoria y domínio del hecho en derecho penal. Traduccion de la séptima edición alemana
por Joaquín Cuello Contreras y José Luis Serrano Gonzalez de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 2000. p. 337.
67
Ibidem. p. 26.
68
GRECO, Luís; LEITE, Alaor. O que é e o que não é a teoria do domínio do fato: Sobre a distinção entre autor e
partícipe no direito penal. In: GRECO, Luís et al. Autoria como domínio do fato: Estudos introdutórios sobre o
concurso de pessoas no direito penal brasileiro. São Paulo: Marcial Pons, 2014. Cap. 1. p. 19-45. (Direito Penal e
Criminologia). p. 26
69
ROXIN, Claus. Autoria y domínio del hecho en derecho penal. Traduccion de la séptima edición alemana por
Joaquín Cuello Contreras y José Luis Serrano Gonzalez de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 2000. p. 166.
71
Ibidem. p. 166.
71
ROXIN, Claus. Autoria y domínio del hecho en derecho penal. Traduccion de la séptima edición alemana por
Joaquín Cuello Contreras y José Luis Serrano Gonzalez de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 2000. p. 168.
31

legislação penal brasileira, é possível verificar a adoção de um critério diferenciador, pois se


compreendida enquanto categorias idênticas, a autoria mediata estaria configurada em toda
imputação pelo art. 122, CP, referente à instigação ou, ad absurdum, responsabilizar-se-ia
enquanto autor mediato o sujeito que instiga um crime nem sequer tentado, caso de
impunibilidade previsto no art. 31, CP.
De toda maneira, os critérios do domínio da vontade precisam de balizas, que
demonstrem em que circunstâncias a vontade determinante do sujeito de trás estaria
caracterizada.
O erro, seja de tipo ou de proibição, enquanto razão de autoria mediata, aparenta maior
simplicidade que a análise da coação e dos aparatos organizados. É que, para Roxin, o
fundamento da autoria nessas circunstâncias reside no “conhecimento superior do homem de
trás”, que domina o que executa a ação em erro como uma “marionete”, revelando-se, assim, o
“autor por trás do autor”72.
Uma das configurações mais relevantes para análise na criminalidade de empresa,
especialmente ao que nos interessa, por sua utilização na jurisprudência brasileira, é a autoria
mediata por domínio da vontade, em virtude de estruturas de poder organizada (ou aparatos
organizados de poder).
Ao construir essa figura, Claus Roxin se referiu, em sua obra, ao sujeito de trás que
dispõe de uma “maquinaria pessoal, quase sempre organizada estatalmente” com cuja ajuda
pode “cometer crimes sem ter que delegar sua realização à decisão autônoma do executor”73.
Tamanha especificidade, mais adequada se mostra sua visualização nos próprios termos
empregados pelo autor:

Contemplando la realidad con más agudeza se pone de manifiesto que este


enjuiciamiento distinto se basa en el funcionamiento peculiar del aparato, que
en nuestros ejemplos está a disposición del sujeto de detrás. Una organización
así despliega una vida independiente de la identidad variable de sus miembros.
Funciona "automáticamente", sin que importe la persona individual del
ejecutor. Basta con tener presente el caso, en absoluto de laboratorio, del
gobierno, en un régimen dictatorial, que implanta un maquinaria para eliminar
a los desafectos o a grupos de personas. Si dada esa situación (por expresarlo
gráficamente) el sujeto de detrás que se sienta a los mandos de la estructura
organizativa aprieta el botón dando la orden de matar, puede confiar en que la

72
GRECO, Luís; LEITE, Alaor. O que é e o que não é a teoria do domínio do fato: Sobre a distinção entre autor e
partícipe no direito penal. In: GRECO, Luís et al (Org.). Autoria como domínio do fato: Estudos introdutórios
sobre o concurso de pessoas no direito penal brasileiro. São Paulo: Marcial Pons, 2014. Cap. 1. p. 19-45. (Direito
Penal e Criminologia). p. 27.
73
ROXIN, Claus. Autoria y domínio del hecho en derecho penal. Traduccion de la séptima edición alemana por
Joaquín Cuello Contreras y José Luis Serrano Gonzalez de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 2000. Pg. 270.
32

orden se va a cumplir sin que tenga que conocer al ejecutor. Tampoco es


necesario que recurra a medios coactivos o engañosos, puesto que sabe que si
uno de los numerosos órganos que cooperan en la realización de los delitos
elude cumplir su cometido, inmediatamente otro va a suplirle, no resultando
afectada la ejecución del plan global74.

Notório, portanto, que alguns fatores são decisivos para que o domínio da vontade possa
se fundamentar nesses casos, e serão sistematizados, neste trabalho, na ideia de fungibilidade
do executor a uma estrutura à margem do ordenamento jurídico (uma vez que, conforme se
extrai da construção de Claus Roxin, a direção e os órgãos executores devem manter-se ligados
a um ordenamento jurídico independente, que não se mova pelo Direito75).
A última expressão concreta do domínio do fato, à luz do recorte aqui eleito, é o domínio
funcional. Essa forma, que pode ocorrer tanto na fase executiva quanto na de preparação76, parte
de uma atuação coordenada. Se contribuem dois ou mais sujeitos, em decisão conjunta, para a
realização de um ato relevante, possuem eles o domínio funcional, figurando como verdadeiros
coautores do fato como um todo77.
Nos anos de 2012 e 2013, o evento “midiático, político e judiciário que ficou conhecido
como Mensalão”78, para valer-se das palavras de Nilo Batista, surpreendeu o cenário brasileiro.
A Ação Penal 470, a que passaremos a nos referir apenas como AP 470, com forte intervenção
da mídia e pressão de grupos citados neste trabalho como esquerda punitiva, no alcance
atribuído por Maria Lúcia Karam, inaugura no país um movimento de condenação aos sujeitos
antes penalmente inatingíveis79.
Incorporaram-se ao vocábulo popular - em substituição momentânea aos, até então mais
comuns, tipos de tráfico de drogas e roubo, apenas para ilustração - os dificultosos tipos de
corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, gestão fraudulenta, dentre outros. Haveria, em
tais condenações, um “interesse social juridicamente protegido”80.

74
ROXIN, Claus. Autoria y domínio del hecho en derecho penal. Traduccion de la séptima edición alemana
por Joaquín Cuello Contreras y José Luis Serrano Gonzalez de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 2000. p. 272.
75
Ibidem. p. 277.
76
Ibidem. p. 305.
77
GRECO, Luís; LEITE, Alaor. O que é e o que não é a teoria do domínio do fato: Sobre a distinção entre autor
e partícipe no direito penal. In: GRECO, Luís et al (Org.). Autoria como domínio do fato: Estudos
introdutórios sobre o concurso de pessoas no direito penal brasileiro. São Paulo: Marcial Pons, 2014. Cap. 1. p.
19-45. (Direito Penal e Criminologia). p. 31.
78
BATISTA, Nilo. Crítica do Mensalão. Rio de Janeiro: Revan, 2015. p. 7-8.
79
RODRÍGUEZ, Victor Gabriel. Mensalão: Liberdade, massacre da imprensa e algum testemunho pessoal. In:
PEDRINA, Gustavo Mascarenhas Lacerda (Org.). AP 470: Análise da intervenção da mídia no julgamento do
mensalão a partir de entrevistas com a defesa. São Paulo: Liberars, 2013. p. 30.
80
SOUZA, Luciano Anderson de. A essência da ação penal nº 470: o crime de corrupção. Letrado, São Paulo,
n. 101, p. 26-27, jul./dez. 2012.
33

Finalmente, a responsabilidade ao “alto escalão” teria aterrissado em nosso sistema


criminal. O modo com que se atribuiu essa responsabilidade individual, entretanto, é matéria
nebulosa para a dogmática jurídica, mas como previa, à época, Lenio Streck, “cada decisão
judicial, cada interpretação de uma lei, tem uma necessária e inexorável inserção social”81.
E assim, categorias de que se valeu o Supremo Tribunal Federal, nessa ocasião,
reproduzem-se no imaginário do senso comum e, com maior gravidade, no cotidiano de práticas
jurídicas, transportadas entre operações, até o atual gigante a que se denomina “Operação Lava-
Jato”, que totalizava, até a data deste trabalho, mais de 269 mandados de prisão, 159
condenados e um somatório de penas ultrapassa a marca de 2.294 anos82.
A principal dessas categorias é a já brevemente exposta teoria do domínio do fato,
apresentando-se, nesses casos, como uma tendência para a imputação de autoria aos dirigentes
de organizações empresariais.
O uso dessa complexa tese cresce diante de uma dificuldade de localização da
responsabilidade individual, pela multiplicidade de sujeitos que intervêm ou contribuem para
as decisões, dentro de uma estrutura hierarquicamente determinada ou marcada pela divisão de
tarefas. Crucial saber, contudo, se esse proceder é adequado aos fundamentos do Direito Penal.
Adianta-se que para parte da doutrina, no que se pode citar Bernd Schunemann dentre
os mais relevantes críticos, defronta-se, nessa temática, com um “ameaçador perigo de
abandono aos princípios jurídico-constitucionais irrenunciáveis”, às custas de uma “irreflexiva
criminalização”83.
Para o autor, o problema existe porque enquanto o sucesso de uma empresa se determina
por meio de estruturas organizativas, de delegação, divisão de trabalho e hierarquia, o Direito
Penal moderno se formou “nas formas de vida do solitário social, do fora da lei”, do
“individualismo e da desorganização, da espontaneidade do momento de determinadas formas
de vida”84.

81
STRECK, Lenio Luiz. As incongruências da doutrina: o caso da AP 470, a teoria do domínio do fato e as citações
descontextualizadas. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, v. 12, n. 56, p. 97-111, jan./mar. 2015. p. 99.
82
CARAZZAI, Estelita Hass. Após 5 anos, Lava Jato soma controvérsias, 2.294 anos de penas e 159 condenados.
Folha de São Paulo, Curitiba, 17 mar. 2019. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/03/apos-5-anos-lava-jato-soma-controversias-2294-anos-de-penas-e-
159-condenados.shtml. Acesso em: 10 out. 2019.
83
SCHÜNEMANN, Bernd. Cuestiones básicas de dogmática jurídico-penal y de política criminal acerca de la
criminalidad de empresa. Anuario de derecho penal y ciencias penales, Madrid, v. 41, n. 2, p. 529-558,
mayo/agosto 1988. p. 532.
84
SCHÜNEMANN, Bernd. Temas actuales y permanentes deI Derecho penal después deI milenio. Madrid:
Tecnos, 2002. p. 129.
34

Passa-se a utilizar no presente estudo, para uma maior clareza, os conceitos de estrutura
vertical e estrutura horizontal. Enquanto estrutura vertical, trata-se da organização empresarial
baseada em divisão de tarefas e funções por hierarquia e subordinação, ao passo que a estrutura
horizontal corresponde a sujeitos situados em um mesmo plano, mas com atribuições distintas
ou complementares, representado do seguinte modo:

Fonte: Autoria própria.

O aumento da funcionalidade da empresa e, assim, da própria produtividade, é


concretizável por intermédio de muitos mecanismos. Como consequência dessa busca, a
empresa moderna é regida pelo princípio da descentralização85, em que muito além da
tradicional delegação, que implica transmitir algumas obrigações empresariais a encarregados
ou a prestadores de serviços externos – por exemplo, a transferência de responsabilidades sobre
o setor financeiro a um contador –, os sócios administradores, não raro, também executam
papéis organizacionais distintos.
Essa repartição de competências, seja entre os administradores, seja entre esses e os
encarregados, pode se dar na forma de divisão de funções ou divisão de trabalho. Alerta Heloísa
Estellita, à vista disso, que em empresas maiores, como sociedades anônimas, a divisão pode

85
SCHÜNEMANN, Bernd. Temas actuales y permanentes deI Derecho penal después deI milenio. Madrid:
Tecnos, 2002. p. 533.
35

ocorrer não apenas entre órgãos dessa administração (Conselho Administrativo - Diretoria),
mas também no interior desses órgãos, por especialidades86.
Nessa circunstância, de existência dos setores especializados na administração, o que se
percebe são sujeitos de um mesmo nível hierárquico, mas com âmbitos de atuação distintos e
delimitados. A esses, com naturalidade, submeter-se-ão gerentes e encarregados, de maneira
que, em um único espaço, podem ser observadas as figuras da divisão de tarefas ou trabalho e
da coordenação, simultaneamente. Nota-se, nessa circunstância, que embora os núcleos sejam
dirigidos por sujeitos de altos postos empresariais, suas esferas de competência são restritas.
É possível, ainda, que a gestão ocorra por meio da junção de esforços de diversas
sociedades, com personalidades jurídicas distintas, mas realizando empreendimentos comuns87,
ou em grupos de empresas, em sistema matriz-filial88, controladora e controlada.
De todo modo, independente da estrutura, fato é que as contribuições dadas pelos
sujeitos, quando partes em uma empresa, não tendem à homogeneidade. Diferem-se não apenas
em intensidade, mas qualitativamente. O poder inicial de domínio, assim, torna-se
intermediário, transformado em uma função de coordenação, o que acarreta dificuldade à
imputação de responsabilidade penal.
A referência dessa estrutura normativa é a do agente individual, autorresponsável, com
poder de decisão e que executa o comportamento típico. Em suma, refere-se à autoria dolosa
direta individual. A localização dessa responsabilidade, entretanto, apresenta-se laboriosa ou
por vezes impossível no contexto de uma atividade econômica de empresa.
Quando há delegação de funções, com o aumento do número de agentes sujeitos a um
poder de mando e vigilância, tem-se, genericamente, uma atribuição que passa do delegante
para o delegado, transformando posições originais de garantia89.
Se a solução intuitiva conduz, em um primeiro momento, a persecução por meio de um
sentido top down de atribuição de responsabilidades, um olhar mais elucidativo sobre a estrutura
empresarial demonstrará que o superior não possui, em qualquer caso, o controle do domínio

86
ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresa por omissão: Estudo sobre a
responsabilidade omissiva imprópria de dirigentes de sociedades anônimas, limitadas e encarregados de
cumprimento por crimes praticados por membros da empresa. São Paulo: Marcial Pons, 2017. (Direito Penal e
Criminologia). p. 43.
87
Ibidem. p. 43.
88
MARTIN, Adan Nieto et al. Compliance, criminologia e responsabilidade penal de pessoas jurídicas. In:
MARTIN, Adan Nieto (Coord.). Manual de cumprimento normativo e responsabilidade penal de pessoas
jurídicas. Florianópolis: Tirant Lo Blanch, 2018. p. 55-122. Coordenadores da edição brasileira: Eduardo Saad
Diniz e Rafael Mendes Gomes. p. 65.
89
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Empresarial: A omissão do empresário como crime. Belo
Horizonte: D'placido, 2016. (Coleção Ciência Criminal Contemporânea v. 5). p. 154.
36

de esferas individuais alheias. No plano concreto, a multiplicação dessas pequenas esferas de


poder dentro da empresa90 corresponde, de acordo com Renato Silveira, à criação de “liberdade
em um nível médio de competência”, mesmo em eixos hierárquicos.
Por desencadear natural, essas transferências e divisões geram problemas no fluxo de
informação91; rupturas, filtros entre os canais por onde transitam esses dados. Isso se refere,
muitas vezes, a uma filtragem voluntária, por influência dos mais diversos fatores, inclusive
pessoais, relacionados ao conteúdo da informação a ser transmitida e ao funcionamento
empresarial, como o desejo de obtenção de benefícios, prêmios, progressão de carreira, dentre
outros92, ocasionando a supressão de informações desagradáveis.
Refletidos esses aspectos sob uma perspectiva bottom up, que parte da base ao topo da
estrutura, será possível identificar que a informação, ao chegar às camadas mais altas da
empresa, não representa necessariamente um conhecimento a respeito de fatos que estão nessa
base e que, por vezes, são os pressupostos da figura típica. Em verdade, não raro, os gerentes e
administradores possuem apenas informações globais sobre a atividade93.
A divisão de funções e competências, pela dita especialização dos setores, ocasiona uma
departamentalização por conteúdo. Nesses casos, quando não se exige a tomada de decisões em
conjunto, que envolvam simultaneamente tais departamentos, dificilmente se imaginaria que
toda e qualquer decisão adotada por um departamento fosse repassada aos demais, ainda que
em mesmo nível, mas com competências distintas.
Os problemas na circulação de informações indicam, portanto, que não é presumível o
conhecimento de todos os intervenientes em uma relação empresarial a respeito de fatos,
delituosos ou não, praticados na estruturação da empresa. O impacto dessa constatação
dificulta, em um retorno aos conceitos preliminarmente apresentados, a imputação da autoria.

90
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Empresarial: A omissão do empresário como crime. Belo
Horizonte: D'placido, 2016. (Coleção Ciência Criminal Contemporânea, v. 5). p. 149.
91
MARTÍN, Adán Nieto et al. Compliance, criminologia e responsabilidade penal de pessoas jurídicas. In:
MARTÍN, Adán Nieto (Coord.). Manual de cumprimento normativo e responsabilidade penal de pessoas
jurídicas. Florianópolis: Tirant Lo Blanch, 2018. p. 55-122. Coordenadores da edição brasileira: Eduardo Saad
Diniz e Rafael Mendes Gomes. p. 67; ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresa
por omissão: Estudo sobre a responsabilidade omissiva imprópria de dirigentes de sociedades anônimas, limitadas
e encarregados de cumprimento por crimes praticados por membros da empresa. São Paulo: Marcial Pons, 2017.
(Direito Penal e Criminologia). p. 43.
92
ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresa por omissão: Estudo sobre a
responsabilidade omissiva imprópria de dirigentes de sociedades anônimas, limitadas e encarregados de
cumprimento por crimes praticados por membros da empresa. São Paulo: Marcial Pons, 2017. (Direito Penal e
Criminologia). p. 49.
93
FEIJÓO SÁNCHEZ, Bernardo José. Autoria e participação em organizações empresariais complexas. Revista
Liberdades, São Paulo, n. 9, p. 26-57, jan./abr. 2012. p. 28.
37

Do próprio conceito de empresa, enquanto grupo de pessoas organizado em busca de


um objetivo econômico comum, extrai-se uma segunda característica: a dissociação entre quem
detinha o poder de decidir e quem pratica a conduta que efetivamente se ajusta ao tipo penal94.
Suponha-se que a decisão, orientada por pareceres ou especialistas contratados, seja
tomada pelo Conselho Administrativo. A título de ilustração, imagine-se uma ordem do sócio
administrador ao gerente de uma empresa, sob orientação de um parecer técnico. A decisão que
conduz à conduta típica, embora orientada por terceiro, fora tomada pelo próprio Conselho
Administrativo, repassada ao nível imediatamente inferior na hierarquia (nesse caso, o gerente
da dita empresa), mas será executada, finalmente, por um encarregado. Assim sendo, diversas
pessoas passam a prestar contribuições distintas por natureza – aportes assimétricos – para a
prática de um único crime.
O contexto demonstra uma multiplicidade de agentes entre a decisão criminosa e o
momento de sua execução95, situação problemática quando se observa que, para fins de
atribuição da autoria, imprescindível é o conhecimento potencial do caráter injusto96 da
conduta.
Se a solução aparentava simplicidade, conduzindo a uma persecução que considere a
responsabilidade em função do nível em que se situa o sujeito, dentro da hierarquia, a
setorização interna, a existência de estruturas horizontais e os níveis de independência de
determinadas instâncias97, além dos próprios aportes informacionais, sinalizam a necessidade
de repensar a imputação individual de dirigentes no âmbito da criminalidade empresarial.
Ao passo que se compreende a setorização como parte indissociável da estrutura de uma
empresa, com finalidade econômica e organizacional, essa mesma estrutura dificulta a
verificação sobre quem, verdadeiramente, possui o domínio do fato.

94
FEIJÓO SÁNCHEZ, Bernardo José. Autoria e participação em organizações empresariais complexas. Revista
Liberdades, São Paulo, n. 9, p. 26-57, jan./abr. 2012. p. 28.
95
SOUSA, Susana Aires de. A responsabilidade criminal do dirigente: algumas considerações acerca da autoria e
comparticipação no contexto empresarial. In: ANDRADE, Manuel da Costa; ANTUNES, Maria João; SOUSA,
Suzana Aires de (Orgs.). Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge Dias de Figueiredo Dias. Coimbra:
Coimbra Editora, 2009. v. 2. (Studia Iuridica, 99. Ad Honorem, 5). Pg. 1009.
96
ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresa por omissão: Estudo sobre a
responsabilidade omissiva imprópria de dirigentes de sociedades anônimas, limitadas e encarregados de
cumprimento por crimes praticados por membros da empresa. São Paulo: Marcial Pons, 2017. (Direito Penal e
Criminologia). p. 51.
97
Nesse sentido, Renato de Mello Jorge Silveira, p. 149: “As grandes empresas, muitas vezes pela sua própria
dimensão ou gigantismo, têm estruturas de poder internas que acabam setorizando as esferas de liberdade dos
próprios funcionários, limitando, assim, a liberdade de organização de cada qual. Multiplicam-se, dessa forma,
diversas pequenas esferas de poder dentro de um microcosmo visto e percebido como uma empresa em si. [...]
Tendo-se em conta que a empresa se compõe de uma grande esfera de liberdade organizacional, mesmo que o
dirigente exerça significativo papel de mando, hão de se notar, no eixo hierárquico, micro-esferas de liberdade em
um nível médio de competência”.
38

De forma comissiva ou omissiva, para que surja a possibilidade de imputação aos


dirigentes por crimes praticados em empresas, dentro dos parâmetros da legalidade e partindo
da perspectiva aqui abordada, deve haver um claro referencial normativo e dogmático, apto a
justificar situações que ensejem ou afastem a autoria penal98. Não se sustenta, em um sistema
de garantias, imputações randomizadas, cujo referencial não seja previamente conhecido por
aquele que se submete às normas jurídicas.
Na solução majoritária, em verdade, parte-se da ideia de que os dirigentes possuem,
sempre, o domínio de esferas individuais alheias99; um “monopólio do domínio” que se
fundamenta por caráter geral, proposta incompatível com os requisitos de autoria mediata,
conforme a construção de Claus Roxin.
É, em outras linhas, um dever de proteção genérico, que desconsidera as esferas de
conhecimento. Como adverte Demetrio Crespo, na análise a respeito da responsabilidade do
empresário, por fatos cometidos por seus subordinados, ponto fundamental é observar que a
autoria não pode surgir da mera contratação de trabalhadores, pois a simples existência dessa
estrutura empresarial nada diz sobre relações de domínio do comportamento posterior desses
sujeitos100.
Não existiria, inicialmente, possibilidade de atribuir-se a autoria a determinado sujeito
por um injusto praticado por outrem, autorresponsável101. Esse princípio da
autorresponsabilidade cederá, contudo, na excepcionalidade de que o terceiro figure, não
meramente em virtude do cargo exercido, ressalte-se, mas em virtude do contexto fático, como
responsável limitado102. Apenas nessas circunstâncias, ocasionalmente, será discutida a
responsabilidade jurídico-penal dos dirigentes ou dos que fiscalizarem uma atividade
empresarial enquanto autores mediatos.
Com essas considerações, não se pretende construir a uma ideia de que,
deliberadamente, empresas possam estabelecer sua “irresponsabilidade organizada” 103. O que
se questiona, com efeito, é a compatibilidade entre a teoria do domínio do fato e sua

98
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Empresarial: A omissão do empresário como crime. Belo
Horizonte: D'placido, 2016. (Coleção Ciência Criminal Contemporânea v. 5). p. 156.
99
Ibidem.
100
CRESPO, Eduardo Demetrio. Fundamento da responsabilidade em comissão por omissão dos diretores de
empresas. Revista Liberdades, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 61-92, set. 2013. Traduzido por Adriano Galvão. p. 12.
101
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral: Questões Fundamentais: A Doutrina Geral do Crime.
2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. t. 1. p. 949.
102
Aqui, englobam-se as situações de autoridade e subordinação de pessoas plenamente responsáveis, mas que
atuam em serviço ou atividade organizada.
103
SCHÜNEMANN, Bernd. Cuestiones básicas de dogmática jurídico-penal y de política criminal acerca de la
criminalidad de empresa. Anuario de derecho penal y ciencias penales, Madrid, v. 41, n. 2, p. 529-558,
mayo/agosto 1988. p. 533.
39

aplicabilidade em tais situações, e a própria capacidade da dogmática penal clássica em resolver


problemas como os que aqui se apresentam104, advindos da sociedade do risco e dos problemas
práticos de uma expansão do Direito Penal, especialmente do Direito Penal econômico e
empresarial.

2.3 Síntese intermediária

O processo de globalização, a expansão dos mercados pelo modo de produção capitalista


e o surgimento de condutas que divergem das abarcadas pela criminalidade clássica, tendo
como mola propulsora o lucro econômico e a obtenção de vantagens comerciais, ocasionaram
uma multiplicidade de delitos verificáveis em ambiente empresarial, transformando um sistema
que se pautava em delitos de agressão, individuais, em delitos silenciosos, praticados
coletivamente.
Também os prejuízos sofreram mudança: se, em momento anterior, tratava-se de vítimas
identificadas com facilidade, agora os danos são de natureza pública, social – de maneira ampla
– e econômica. Surgem as figuras dos danos supraindividuais, centro de uma moderna expansão
do Direito Penal.
Apesar disso, a mudança de paradigma, que busca atender a demandas de um modelo
de política criminal direcionado ao “combate da delinquência econômica”, por meio de uma
dimensão subjetiva da insegurança, enraizou-se, em grande parte, no Direito Penal simbólico105.
O descontentamento com um sistema seletivo, ao defrontar-se com as condutas
criminógenas evidenciadas nas relações empresariais, fez emergir um sentimento de urgência
quanto à punição aos “delitos de colarinho branco”. Um expressivo desvalor moral, coletivo e
midiático, relacionado a ilícitos dessa ordem, deu início a uma mudança no cenário da
persecução criminal.

104
CRESPO, Eduardo Demetrio. Sobre la posicion de garante del empresario por la no evitación de delitos
cometidos por sus empleados. In: SERRANO-PIEDECASAS, José Ramón; CRESPO, Eduardo Demetrio
(Orgs.). Cuestiones actuales de derecho penal economico. Coruña: Colex, 2008. p. 61-87.
105
Observe-se, como exemplo, a justificativa para utilização do sistema criminal apresentada por Eduardo Viana,
em detrimento de punições através de outros ramos do Direito: “De início, antes de fixarmos os pontos
principiantes deste debate, é preciso deixar clara a premissa de que o interesse em recorrer ao Direito Penal para
combater esse tipo de criminalidade, com reformas legislativas, não é determinado unicamente pelos escândalos
econômicos, mas sim por um necessário e imperativo processo de modernização do Direito Penal, cujo objetivo
é restaurar e preencher os espaços de impunidade surgidos com a sociedade de risco”. NEVES, Eduardo Viana
Portela. A atualidade de Edwin H. Sutherland. In: SOUZA, Artur de Brito Gueiros (Org.). Inovações no direito
penal econômico: contribuições criminológicas, político-criminais e dogmáticas. Brasília: Escola Superior do
Ministério Público da União, 2011. p. 45.
40

Embora parta de uma necessária abordagem criminológica, a ausência de reflexões


sobre os parâmetros dessa responsabilidade, em termos dogmáticos, refletiu uma experiência
brasileira pautada no “vale tudo”. A AP 470, tendo como essência a inauguração, no país, de
uma implicação penal dos detentores do poder econômico e político, contrapondo-se às
estatísticas historicamente apresentadas, em perspectiva técnico-jurídica, revelou um sistema
igualmente discricionário.
Por meio da tese do domínio do fato, desenvolvida por Claus Roxin, buscou-se superar
os entraves de uma imputação individual de dirigentes, dificultosa em estruturas complexas e
descentralizadas, como o são as engrenagens empresariais.
A excessiva abertura que se atribuiu à tese no “Mensalão”, com intento político, e não
dogmático – dada a ausência de discussões sobre sua aplicabilidade, neste caso, pelos
operadores da criminalidade secundária –, é reproduzida, ainda hoje, em diversas condenações
criminais de dirigentes, com grande amplitude na “Operação Lava-Jato”.
Parece adequada a crítica de Lenio Streck, de que na referida Ação, o Supremo Tribunal
Federal “derrubou várias bibliotecas”106, representadas pela dogmática jurídica, como se essa
servisse para oferecer qualquer resposta, moldada não por um caminho interpretativo, mas pela
adaptação do caminho interpretativo a um resultado previamente desejado.
Decisões em atropelo às garantias, denúncias genéricas buscando mover as ações penais
em desfavor dos envolvidos nesses delitos, ignorando as especificidades do próprio ambiente
empresarial – como as assimetrias informacionais e a intervenção de diversos sujeitos na cadeia
causal – revelam, nesses casos, uma inadequação entre a doutrina utilizada para a
responsabilização dessas pessoas físicas e a correta via de responsabilidade.
É por esse sentir que, gradualmente, tem se dado espaço no plano nacional e
internacional aos delitos de omissão imprópria, mediante uma eventual posição de garantidor
desses sujeitos.
A “nova ótica” impõe questionamentos primeiros, como as possibilidades dogmáticas
de se lidar com a repressão de um “não fazer” dos dirigentes de empresa, seus desafios e
respostas. Cumpre refleti-lo, então, a partir de suas características fundamentais.

106
STRECK, Lenio Luiz. As incongruências da doutrina: o caso da AP 470, a teoria do domínio do fato e as
citações descontextualizadas. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, v. 12, n. 56, p. 97-111, jan./mar.
2015. p. 107.
41

3 A RESPONSABILIDADE PENAL DOS DIRIGENTES POR OMISSÃO IMPRÓPRIA

“Creio que na atualidade é impossível tratar qualquer problema dogmático-


jurídico prescindindo de sua perspectiva político-criminológica, mas também
é certo que não se pode analisar nenhuma questão político-criminológica sem
pensar nas formas de instrumentalizar as soluções de modo técnico-legislativo
adequado, que vede qualquer tortuoso caminho interpretativo.”107 (Eugênio R.
Zaffaroni).

Tobias Barreto, ao escrever “Dos delitos por omissão” ainda na segunda metade do
século XIX, questionou se o delito comissivo, omissivamente perpetrado, faria parte do sistema
de direito criminal brasileiro108. Embora o Código Criminal de 1830 trouxesse ao lado da ação,
expressamente, a omissão voluntária contrária às leis penais enquanto crime, as preocupações
do autor referiam-se a uma parca reflexão teórica.
Seu crítico olhar, nesses escritos, ironizava a ausência de “mais de 3 páginas”, nas
publicações de comentários ao Código da época, que se destinassem à análise do crime por
omissão109. Foi Tobias Barreto, assim, o primeiro autor no cenário nacional a efetivamente
abordar o tema110.
Avançando a discussão para o Código Criminal de 1940, autores como Aníbal Bruno,
Nelson Hungria e Heleno Cláudio Fragoso buscaram suprir essa lacuna, dedicando seus estudos
à temática, sob uma concepção naturalística111. O contexto do supracitado Código, que conferiu
maior destaque aos princípios, favorecia também discussões em torno dos limites da imputação
penal.

107
ZAFFARONI, Eugenio Raul. Panorama atual da problemática da omissão. Revista de Direito Penal e
Criminologia, Rio de Janeiro, v. 33, n. 1, p.30-40, jan. 1982. Tradução do Dr. José Carlos Fragoso.
108
BARRETO, Tobias. Estudos de Direito. Rio de Janeiro: Laemmer & C., 1892. 468 p. (Obras de Tobias
Barreto; 1). Publicação Póstuma dirigida por Sylvio Roméro. Pg. 189.
109
BARRETO, Tobias. Estudos de Direito. Rio de Janeiro: Laemmer & C., 1892. 468 p. (Obras de Tobias
Barreto; 1). Publicação Póstuma dirigida por Sylvio Roméro. “O Dr. Mendes da Cunha, digo eu, na sua analyse
do código criminal, não se julgou obrigado a consagrar aos delictos, de que se trata, mais de três paginas, e estas
mesmas vasias de ideias, revelando pelo modo, por que encarou a questão, não ter della nem se quer um leve
pressentimento [...] É pois facílimo de conceber que, se um jurista da tempera do mencionado não contribuiu, nem
com um traço de pena, para suscitar-se e esclarecer-se o ponto, que ora discuto, nada havia a esperar dos seus
epígonos, aos quaes esta questão com todo o seu alcance, eu creio, nunca, se quer, appareceu em sonho”. p. 180-
190.
110
FRAGOSO, Heleno Claudio. Crimes omissivos no Direito Brasileiro. Revista de Direito Penal e
Criminologia, Rio de Janeiro, v. 33, p. 41-47, jan. 1982.
111
Ibidem.
42

É nessa conjuntura que Hungria trata da exigência de causalidade na omissão112 e, muito


embora, hoje, a opinião majoritária rejeite uma autêntica causalidade nesses delitos113,
reportando-se a uma “quase-causalidade”, o relevante é compreender de que modo deve ser
entendida a relação omissão-resultado, inquietude que já apresentava o doutrinador.
Para que ao menos se cogite a causalidade, é indispensável que antes exista, de um lado,
um sujeito com dever de agir, a quem se atribuirá a autoria, e do outro, a consequência desse
comportamento proibido, um desvalor do resultado.
Nos delitos impuros ou impróprios de omissão, o que se tem é um agente que assume,
por uma condição de garante, o dever de não produzir o resultado típico114. Ao modo com que
se constitui esse dever ou posição de garantia, será dedicado tópico próprio neste trabalho, mas
antecipa-se que a responsabilidade, no caso aqui tratado, exige a junção entre o dever de impedir
o resultado e a capacidade de fazê-lo.
Importa nesse momento compreender, conforme as lições de Juarez Tavares, que a
cláusula de correspondência entre ação e omissão imprópria, sem a qual essa última seria
impunível, requer que sejam atendidos dois pressupostos: que o resultado fosse evitável, em
probabilidade nos limites da certeza, se o sujeito executasse uma ação mandada no lugar da
conduta omissiva, e que comporte uma contraprova, também no limite da certeza, de que o
resultado seria idêntico, ainda que tivesse agido115.
Ainda nas lições do autor, isso se deve aos limites que impõem os princípios da
presunção de inocência, da ampla defesa e do contraditório. Sobre o primeiro princípio, que
coíbe uma imputação de resultado a determinado sujeito, sem que se demonstre a justa causa
para tanto, mais correto seria utilizar a expressão não culpabilidade116. De todo modo, por meio
dessa leitura, a atribuição do resultado ao acusado exige uma demonstração empírica de autoria.
Quanto à ampla defesa e o contraditório, adotados pela Constituição Federal de 88 em
claro acolhimento ao sistema acusatório de processo criminal, sua previsão deve ser vista como
impeditivo a um modelo de persecução que dificulte, em termos práticos, o exercício da defesa
do acusado. Como exposto em momento anterior deste estudo, esse conceito não se basta com

112
HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Claudio. Comentários ao Código Penal. 5. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1978. v. 1. t. 2. p. 20.
113
GRECO, Luís. Problemas de causalidade e imputação objetiva nos crimes omissivos impróprios. Tradução
de Ronan Rocha. São Paulo: Marcial Pons, 2018. (Direito Penal e Criminologia). p. 17.
114
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral: Questões Fundamentais: A Doutrina Geral do Crime.
2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. t. 1. p. 915.
115
TAVARES, Juarez. Teoria dos crimes omissivos. São Paulo: Marcial Pons, 2018. p. 45.
116
SILVA JUNIOR, Walter Nunes da. Curso de Direito Processual Penal: Teoria (constitucional) do Processo
Penal. 2. ed. Natal: Owl, 2015. p. 376-377.
43

a oportunidade de mera manifestação, mas reclama uma oportunidade de efetiva e eficiente


defesa.
Diz-se que há, na responsabilidade penal omissiva, um caráter subsidiário em relação à
comissiva117. Isso não significa, como se tem interpretado, sua utilização para suprir
dificuldades probatórias de condutas comissivas. Os autores que sustentam essa subsidiariedade
defendem, ao contrário, que uma omissão só poderá ser tida como relevante quando o
comportamento não puder ser concebido como uma ação118. Não se valem do princípio como
maneira de expandir a imputação por crimes omissivos, mas de controlá-la.
O suporte normativo à responsabilidade por omissão imprópria, no sistema brasileiro, é
encontrado no art. 13, §2º, CP. Será essa conduta penalmente relevante, de acordo com o que
se extrai do dispositivo em comento, quando o omitente deveria e poderia agir para evitar o
resultado. Basilar, pois, o entendimento sobre as fontes desse dever de agir.
Deriva do mesmo dispositivo a necessidade não apenas do dever de garantia, mas da
possibilidade de ação destinada a evitar o resultado penalmente relevante. Portanto, como já
citado neste tópico, só será possível cogitar a infringência de um tipo comissivo por omissão
quando a conduta fosse possível ao autor individual, e quando a adoção do agir, pelo autor,
conduzisse com probabilidade próxima à certeza ao salvamento desse bem jurídico tutelado119.
Merecem ponderações, por ora, as duas últimas circunstâncias: possibilidade de agir e
a evitação do resultado. Esclarece Pierpaolo Bottini que a possibilidade é composta pelos
elementos capacidade física de agir conforme o esperado e cognoscibilidade do contexto fático
dessa ação esperada120.
Relativamente à capacidade física, o limite deriva da natureza das coisas, da capacidade
de cumprir uma expectativa. Sua apreensão é possível por meio de uma referência a
expectativas de ação, sem a qual a omissão cometida perderia a relevância penal. Note-se que
essa capacidade deve ser analisada concretamente, levando em conta a situação do acusado ao
tempo da omissão, assim como seus recursos, conhecimentos e habilidades121.

117
ASSIS, Augusto. A responsabilidade penal omissiva dos dirigentes de empresa. In: LOBATO, José Danilo
Tavares; MARTINELLI, João Paulo Orsini; SOUZA, Humberto (Orgs.). Comentários ao Direito Penal
Econômico. Belo Horizonte: D'placido, 2018. p. 45-67.
118
DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral: Questões Fundamentais: A Doutrina Geral do Crime.
2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. t. 1.
119
SCHÜNEMANN, Bernd. Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do
direito. Coordenação de Luis Greco. São Paulo: Marcial Pons, 2013. p. 165.
120
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de omissão imprópria. São Paulo: Marcial Pons, 2018. (Direito Penal e
Criminologia).
121
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de omissão imprópria. São Paulo: Marcial Pons, 2018. (Direito Penal e
Criminologia). p. 44.
44

Neste ponto, convém relembrar, nos delitos de empresa, a problemática da assimetria


de informações, circunstância que deve ser considerada para apreender a possibilidade de agir
dos eventuais garantidores. Por se tratar, como dito, de uma capacidade concreta, a essa análise
não resta alternativa que não a observação casuística.
Semelhantemente, a medição da cognoscibilidade, que diz respeito ao conhecimento
do agente sobre seus deveres de ação, bem assim, sobre o desconhecimento do fato ou do
contexto em que deveria fazê-lo, sofre os impactos da divisão de tarefas e funções. O resultado,
para o qual deveria o sujeito ter agido no intuito de evitar, deve ser previsível e dominável122.
A ausência de um dos elementos, seja da possibilidade concreta de ação, seja da
cognoscibilidade, afastará a incidência da norma, em virtude de sua inaplicabilidade ao caso
concreto.
Com essas considerações, deseja-se afastar a ideia de que a possível existência de um
dever de garantidor dos dirigentes empresariais permitiria, de pronto, afirmar uma
responsabilidade por omissão imprópria. Verdadeiramente, essa constatação supre apenas um
dos pressupostos da tipicidade, restando ainda um “longo e árduo caminho rumo à afirmação
ou negação da punibilidade do omitente”123.
Por essa razão, antes de explorar os critérios que limitam a posição de garante de um
dirigente ou administrador empresarial, relativo aos delitos praticados no interior dessa
estrutura na qual, supostamente, exercia deveres de vigilância, é preciso esclarecer os demais
requisitos que autorizam uma responsabilidade por omissão, como modo de realização da
conduta típica.
O entendimento doutrinário preponderante assinala124, como pressupostos objetivos do
tipo, para imputação do resultado a esse garantidor, diante de uma omissão imprópria, os
seguintes requisitos: a) existência de uma situação típica; b) omissão de conduta determinada e
exigida para evitação de um resultado, embora possuísse o autor, nos termos explanados neste
tópico, capacidade física e cognoscível para fazê-lo; c) a causalidade ou, para os que assim a
compreendem, uma quase-causalidade ou causalidade hipotética, a que se dedicará um tópico

122
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de omissão imprópria. São Paulo: Marcial Pons, 2018. (Direito Penal e
Criminologia). p. 46
123
ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresa por omissão: Estudo sobre a
responsabilidade omissiva imprópria de dirigentes de sociedades anônimas, limitadas e encarregados de
cumprimento por crimes praticados por membros da empresa. São Paulo: Marcial Pons, 2017. (Direito Penal e
Criminologia). p. 76.
124
ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresa por omissão: Estudo sobre a
responsabilidade omissiva imprópria de dirigentes de sociedades anônimas, limitadas e encarregados de
cumprimento por crimes praticados por membros da empresa. São Paulo: Marcial Pons, 2017. (Direito Penal e
Criminologia). p. 78.
45

especial neste trabalho; d) imputação objetiva; e) a existência de um dever de garantia, função


de garantidor, em sentido jurídico-doutrinário, atribuível previamente ao agente.
Em seguida, apura-se o dolo ou a culpa, essa última apenas quando cabível por previsão
legal. Preenchidos esses pontos, estará presente a tipicidade objetiva e subjetiva da omissão
imprópria, o que ainda não assegura a punibilidade do agente, para a qual se exige, além da
tipicidade, a verificação de antijuridicidade e culpabilidade.
Embora não seja objeto de análise específica neste trabalho, é importante considerar,
para as problematizações que aqui serão levantadas, que os delitos omissivos impróprios
culposos se subordinam a uma excepcionalidade dos delitos culposos, admissíveis apenas
quando possível equiparar a dita omissão a uma conduta ativa. Exige-se, nessas situações, um
exame ainda mais rigoroso dos pressupostos acima elencados.
Discorrendo sobre a temática, Juarez Tavares ensina que “este exame é uma medida
adequada a impedir que o exercício do poder de punir se transforme em uma execução forçada
de relações contratuais”125.
Não obstante a crítica do autor tenha se dirigido às imputações culposas de crimes
omissivos impróprios, é possível estendê-la, de modo amplo, aos crimes comissivos por
omissão. Quando a posição de garantia ou os demais pressupostos da tipicidade, nesses delitos,
alteram-se em negação a um modelo de responsabilidade penal individual, abandonando os
fundamentos e princípios para preencher lacunas na atribuição de autoria, aproxima-se o Direito
Penal dos modelos mais primitivos e arcaicos126.
Pertinente, nessa conjuntura, reportar-se ao que prossegue Juarez Tavares afirmando:

Quando o Estado se desfaz de sua função social, o incremento de disposições


contratuais no direito penal aumenta ainda mais a irracionalidade do sistema,
porque passa a tratar a pessoa humana como situada no mesmo plano de poder,
quer dizer, na relação entre Estado e pessoa, confere-se a esta a obrigação de
se submeter às regras daquela, sob a presunção de que atua com a mais ampla
liberdade de atender ao comando normativo, ainda que para isso não fosse
capaz. Isto provoca uma profunda distorção no sistema, só passível de
correção por meio de medidas que restrinjam o alcance das normas
mandamentais127.

125
TAVARES, Juarez. Teoria do crime culposo. Prefácio de Claus Roxin. 5. ed. Florianópolis: Tirant Lo Blanch,
2018. p. 523.
126
ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresa por omissão: Estudo sobre a
responsabilidade omissiva imprópria de dirigentes de sociedades anônimas, limitadas e encarregados de
cumprimento por crimes praticados por membros da empresa. São Paulo: Marcial Pons, 2017. (Direito Penal e
Criminologia). p. 76.
127
TAVARES, Juarez. Teoria do crime culposo. Prefácio de Claus Roxin. 5. ed. Florianópolis: Tirant Lo Blanch,
2018. p. 523-524.
46

No plano concreto, a apuração dos requisitos que possibilitem a responsabilidade


omissiva é dificultosa. Pelas características do ambiente empresarial, cuja análise se dedicou o
capítulo anterior, apresentam-se dificuldades de ordem probatória na apuração dos fatos,
enquanto, no campo dogmático, a identificação de autores imputáveis encontra desafios na
descentralização128.
O julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Ação Penal 470, popularmente
conhecida como “Mensalão”, exibiu um modo de simplificar as soluções para a criminalidade
aqui tratada, por meio de uma importação teórica. Adota-se a ideia de importação, neste
trabalho, em função de ter se valido a Corte da teoria do domínio do fato, alegadamente, na
concepção de Claus Roxin, e não de uma simples expressão menos técnica de “domínio do
fato”, nos moldes que se discutia no Brasil após a reforma de 1984129.
Em uma importante ponderação, Alaor Leite atenta para os riscos de episódios como o
referido. É que dessas decisões, embora não gerem vinculação como precedente, emerge uma
força normativa do fático. A vinculação a esse modo de decidir, portanto, se não tem origem
jurídica, poderá ocorrer faticamente130, perpetuando uma confusão terminológica e material.
Substancial é entender, à vista disso, se há adequação entre a teoria empregada e sua
utilização cada vez mais contumaz na jurisprudência brasileira, no que diz respeito à atribuição
de responsabilidade aos dirigentes, bem como se é possível compatibilizá-la com os
pressupostos da omissão imprópria, posteriormente analisando essa aplicação nos casos
elencados nas notas introdutórias do presente estudo.
Antes, porém, feitas essas ponderações, passa-se à reflexão sobre as duas categoriais
mais controversas, atinentes à tipicidade objetiva da omissão imprópria situada no contexto da
criminalidade de empresa: a posição do dirigente dessas estruturas enquanto garantidor e a
causalidade.

3.1 Critérios limitativos à posição de garantidor do dirigente

128
ASSIS, Augusto. A responsabilidade penal omissiva dos dirigentes de empresa. In: LOBATO, José Danilo
Tavares; MARTINELLI, João Paulo Orsini; SOUZA, Humberto (Orgs.). Comentários ao Direito Penal
Econômico. Belo Horizonte: D'placido, 2018. p. 45-47.
129
LEITE, Alaor. Domínio do fato, domínio da organização e responsabilidade penal por fatos de terceiros: sobre
os conceitos de autor e partícipe na APn 470 do STF. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v.
22, n. 106, p. 47-90, jan./fev. 2014. p. 59.
130
LEITE, Alaor. Domínio do fato, domínio da organização e responsabilidade penal por fatos de terceiros: sobre
os conceitos de autor e partícipe na APn 470 do STF. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v.
22, n. 106, p. 47-90., jan./fev. 2014. p. 49-54.
47

O fundamento do dever especial de agir, ao menos apto a autorizar que se cogite a junção
entre a cláusula geral (no Brasil, representada no art. 13, CP) e um tipo penal, é discutido na
doutrina, preponderantemente, a partir de dois grandes critérios: o princípio do domínio sobre
os fundamentos do resultado, desenvolvido por Bernd Schunemann, e a competência por
organização, teoria de Gunther Jakobs.
Esses grupos doutrinários refletem a posição de garantidor, a seu modo, partindo de uma
devida e progressiva superação da teoria das fontes formais.
Sob a concepção de Schunemann, a estrutura comum entre uma comissão realizada por
conduta ativa e a comissão por omissão seria a correspondência entre “o centro pessoal de
controle” e o “movimento corporal causador do resultado”131. Esse domínio sobre o corpo não
poderia ser, em seu sentir, potencial ou hipotético, mas absoluto132.
Assim, assevera, “na medida em que o movimento corporal possibilita o nexo causal e
surge como fundamento imediato do resultado, o domínio imediato sobre esse fundamento
imediato do resultado é, assim, fundamento mediato do resultado”133, justificando uma
imputação penal ao sujeito.
Acrescenta o autor, em reflexões mais recentes, que na posição de garantidor, assim
como ocorre na essência da autoria por comissão, o domínio deve repousar sobre algum aspecto
essencial do acontecimento global. Nessa perspectiva, a construção de um dever de garantia
partirá de condições de domínio real, dividindo-se no domínio sobre o desamparo de um bem
jurídico e o domínio sobre uma causa essencial do resultado (onde se posiciona, por exemplo,
o domínio sobre funções perigosas).
Note-se que, assentes nessas ponderações, são os limites de domínio que demarcam os
limites da posição de garantidor.
Gunther Jakobs, de modo diverso, compreende que o fundamento da responsabilidade
penal na sociedade moderna se correlaciona com a existência de limites à configuração do
mundo externo. Em suma, por possuírem os sujeitos arbitrariedade ao fazê-lo, a

131
SCHÜNEMANN, Bernd. Sobre a posição de garantidor nos delitos de omissão imprópria: Possibilidades
histórico-dogmáticas, materiais e de direito comparado para escapar de um caos. In: SCHÜNEMANN, Bernd
(Org.). Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito. Coordenação de Luís Greco.
São Paulo: Marcial Pons, 2013. p. 159-181. (Direito Penal e Criminologia). p. 171.
132
SCHÜNEMANN, Bernd. Sobre a posição de garantidor nos delitos de omissão imprópria: Possibilidades
histórico-dogmáticas, materiais e de direito comparado para escapar de um caos. In: SCHÜNEMANN, Bernd
(Org.). Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito. Coordenação de Luís Greco.
São Paulo: Marcial Pons, 2013. p. 159-181. (Direito Penal e Criminologia). p. 171.
133
SCHÜNEMANN, Bernd. Sobre a posição de garantidor nos delitos de omissão imprópria: Possibilidades
histórico-dogmáticas, materiais e de direito comparado para escapar de um caos. In: SCHÜNEMANN, Bernd
(Org.). Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito. Coordenação de Luís Greco.
São Paulo: Marcial Pons, 2013. p. 159-181. (Direito Penal e Criminologia). p. 171
48

responsabilidade teria origem quando lesionados os limites gerais dessa configuração 134, um
status geral, pertencente a qualquer membro da sociedade.
Por esse status, ao que Jakobs considera “sinalagma de seu direito de organização”135,
a todos surgirá o dever de não ultrapassar, com ela, o risco permitido. Existirá, desse modo, um
dever de asseguramento, concluindo que “todo titular de um círculo de organização é garantidor
da prevenção de um output que exceda o risco permitido”136.
Para verificar o dever de garante conforme a teoria de Jakobs, portanto, o decisivo é
que a atribuição do curso do dano faça parte da organização daquele sujeito. Como compreende
que todos os delitos têm por base a violação de um dever de garantia, as diferenças entre ação
e omissão tornam-se irrelevantes, quando analisadas sob uma perspectiva jurídica137.
Além do dever de asseguramento, o âmbito da responsabilidade pela própria
organização, de acordo com o autor, abarca casos de deveres de salvamento e os derivados da
assunção do domínio de risco. Os deveres de salvamento surgem quando o sujeito cria um risco
prévio ao bem jurídico alheio, pondo-se em condição de garante a partir dessa criação.
Na segunda hipótese – assunção –, que para o autor não pode ser esquecida no marco
da competência por organizações, o relevante não é apenas a promessa de uma prestação, mas
que o sujeito tenha abandonado outras medidas protetivas, produzidas como consequência
dessa promessa. Desse modo, aquele que assume “organiza, pois, mediante sua promessa, uma
minoração da proteção”, devendo compensá-la. Destaca Jakobs que essa hipótese – embora
julgue que de modo inadequado – é frequentemente designada como o dever em virtude de um
contrato138.
Diferentemente de Schunemann, para quem, ainda que exista um dever formal, a
responsabilidade penal por omissão só será possível quando verificado um domínio fático sobre
o desamparo, Jakobs considera que o delito se define pela lesão de uma expectativa aos demais
membros da sociedade ou aos deveres de solidariedade.
É imperioso considerar, antes de prosseguir com as propostas teóricas acima
consideradas, que essa doutrina atual, majoritariamente, parte de variações de uma divisão

134
JAKOBS, Gunther. Ação e Omissão no Direito Penal. Tradução de Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Barueri:
Manole, 2003. (Coleção Estudos de Direito Penal, v. 2). p. 33.
135
JAKOBS, Gunther. Ação e Omissão no Direito Penal. Tradução de Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Barueri:
Manole, 2003. (Coleção Estudos de Direito Penal, v. 2). p. 38.
136
JAKOBS, Gunther. Ação e Omissão no Direito Penal. Tradução de Maurício Antonio Ribeiro Lopes. Barueri:
Manole, 2003. (Coleção Estudos de Direito Penal, v. 2). p. 40.
137
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de omissão imprópria. São Paulo: Marcial Pons, 2018. (Direito Penal e
Criminologia). p. 99.
138
JAKOBS, Günther. La imputación penal de la acción y de la omisión. Bogotá: Universidad Externado de
Colombia, 1996. (Cuadernos de Conferencias y Articulos; nº 12). p. 37-40.
49

introduzida por Armin Kauffman para compreender a matéria139. O autor elabora uma
dogmática específica para os delitos de omissão, considerando que apenas a omissão do garante
reúne os requisitos do delito comissivo140, mas que inexiste relação causal entre omitente e
resultado lesivo, razão pela qual não pode ser equiparado à ação.
Dessa maneira, para Kauffman, os tipos de resultado, previstos na Parte Especial, só
comportariam a imputação comissiva, sob pena de alargar-se a incidência. A extensão às
omissões só seria possível por uma construção jurídica específica, de modo que a imputação ao
que não impede o resultado, podendo fazê-lo, não é automática, mas exige um critério especial:
o dever de garante.
Esse dever, sob o enfoque da construção aludida, divide-se em garante de tipos especiais
omissivos e deveres de controle dos focos de perigo141, de maneira que o primeiro surgiria de
um preceito jurídico ou da assunção fática, enquanto os últimos, impondo o controle de riscos
a determinado sujeito, teriam origem na ingerência ou relações especiais de confiança142. Note-
se, por oportuno, que a teoria de Kauffman fornece importantes critérios para divisão, mas não
justifica materialmente uma posição de garantidor143.
O sistema brasileiro adotou como técnica a situação formal das fontes de posição de
garante. Nelson Hungria, ao comentar o Código Penal de 1940, afirmou que o dever jurídico de
evitação pode resultar de um mandamento jurídico, expresso ou tácito, de uma relação
contratual ou de uma situação de perigo precedentemente criada144, e que a regra do artigo deve
ser “entendida no terreno objetivo-causal”.
Em atenção ao princípio da legalidade, seja por seu fundamento político democrático-
representativo, seja de proteção particular ao poder estatal145, faz-se necessário estabelecer um
conteúdo material a essa posição de garantidor. Assim, atualmente, esse conteúdo tem se

139
ASSIS, Augusto. A responsabilidade penal omissiva dos dirigentes de empresa. In: LOBATO, José Danilo
Tavares; MARTINELLI, João Paulo Orsini; SOUZA, Humberto (Orgs.). Comentários ao Direito Penal
Econômico. Belo Horizonte: D'placido, 2018. p. 54.
140
KAUFMANN, Armin. Dogmática de los delitos de omisión. Traducción de la segunda edición alemana
(Gotinga, 1980) por Joaquín Cuello Contreras y José Luis Serrano González de Murillo Madrid: Marcial Pons,
2006. p. 252.
141
Ibidem. p. 199.
142
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de omissão imprópria. São Paulo: Marcial Pons, 2018. (Direito Penal e
Criminologia). p. 80.
143
A propósito, para situar a teoria no espaço, vale notar, como destaca Pierpaolo Bottini, que a construção de
Armin Kauffman se atrelava à legislação alemã, que naquele momento, ainda não previa cláusula geral de
equiparação para as omissões impróprias. Em uma análise transposta para o contexto brasileiro, a cláusula é
materializada no Art. 13, §2º, CP, objeto de discussão neste capítulo.
144
HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Claudio. Comentários ao Código Penal. 5. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1978. v. 1. t. 2. p. 70.
145
MARTINELLI, João Paulo Orsini; BEM, Leonardo Schmitt de. Lições fundamentais de Direito Penal: Parte
Geral. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 207-210.
50

construído na responsabilidade por fontes produtoras de perigo e pela posição especial de defesa
a certos bens jurídicos146.
No primeiro caso, a proteção pode se destinar a comportamentos do próprio sujeito ou,
também, a comportamentos e objetos sob sua responsabilidade. Aqui se situam, com maior
expressão, as hipóteses de ingerência, caso em que o dever de garantia pertencerá àquele que
criou o risco anterior do resultado (admitido no Código Penal brasileiro em seu art. 13, §2º,
“c”), e as hipóteses de responsabilidade por posição de proteção frente à conduta de
subordinados.
Já na posição especial de defesa frente a alguns bens jurídicos, é possível citar a
vinculação entre o garantidor e a vítima por obrigação social de proteção, as relações de trabalho
em que determinado sujeito se obriga à proteção de outros e a assunção de função protetiva
unilateral ou bilateral, conduzindo a confiança da proteção ao bem jurídico147.
Presumível, em face dessas conjecturas, que nosso ordenamento jurídico admite, por
vezes, imputações distintas dos limites impostos pela teoria de Schunemann ou de Jakobs. Para
Schunemann, a título ilustrativo, a posição de garantia pela ingerência restaria excluída, pois
atrela o autor à omissão imprópria a um domínio sobre a causa essencial do resultado148. De
mesmo modo, ao formular os deveres que derivam de competência institucional, Jakobs
fundamenta a responsabilidade pela preservação da confiança nessas instituições149,
circunstância que não se encontra dentre as possibilidades do Art. 13, §2º, CP.
Pertinente, no último caso, a crítica de Pierpaolo Bottini, que vislumbra a vinculação do
dever de garante a instituições desde que previsto em lei150, fundamentando-se na proteção de
bens jurídicos e não na tutela da confiança.
Com a mesma importância, pondera Juarez Tavares que a responsabilidade por infringir
deveres de organização deve considerar a descentralização administrativa dessas entidades,
neste trabalho abordada no Capítulo 2. Sob sua ótica, ainda que subsistentes as condições que
qualifiquem determinada entidade organizada, não é possível afirmar, unicamente por isso, que
daí resultam deveres impositivos que vinculam todos os integrantes, referindo-se apenas aos
que estejam associados de forma direta à atividade imposta151.

146
TAVARES, Juarez. Teoria dos crimes omissivos. São Paulo: Marcial Pons, 2018. p. 316.
147
TAVARES, Juarez. Teoria dos crimes omissivos. São Paulo: Marcial Pons, 2018. p. 316-317.
148
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de omissão imprópria. São Paulo: Marcial Pons, 2018. (Direito Penal e
Criminologia). p. 88-89.
149
Ibidem. p. 104-105.
150
Ibidem. p. 104.
151
TAVARES, Juarez. Teoria dos crimes omissivos. São Paulo: Marcial Pons, 2018. p. 92.
51

Pelas observações feitas, resta claro que a importação de teorias, por melhor construção
dogmática que apresentem, exige, em todo caso, uma atenção particular. Em primeiro lugar,
porque seu desenvolvimento se dá perante um sistema jurídico distinto do nosso, com previsão
de condutas delituosas, às vezes, inexistentes em nosso ordenamento. Posteriormente, porque
sua aplicação prática pode ser prejudicada pela disposição normativa brasileira, seja
inadmitindo hipóteses reconhecidas – a exemplo da ingerência, impossibilitada pela teoria de
Schunemann, mas prevista no Código Penal vigente - seja alargando responsabilidades que
ultrapassam os limites legais – como o fundamento pela confiança, de Jakobs.
Isso não significa legitimar, pela via da criminalização secundária, distorções às teorias,
para que se adequem aos fins desejados no caso concreto por meio de um somatório de retalhos
convenientes. Do contrário, essa discussão antecede até mesmo o processo de criminalização
primária.
O já citado princípio da legalidade impõe uma interpretação restritiva ao poder estatal.
No panorama da criminalidade de empresa e da responsabilidade de dirigentes, questiona-se a
possibilidade de que o limite da garantia se estenda ao impedimento de ações de terceiros e, em
caso positivo, da abrangência desse dever. Uma fórmula geral, previne novamente Juarez
Tavares, é incompatível com os princípios que regem a imputação individualizada, pois
“transforma a omissão em cláusula de reserva de punibilidade”152.
Para limitar o dever de vigilância sobre subordinados, enquanto forma de dominar
perigos que provêm de atos desses sujeitos, faz-se necessário retomar a análise do art. 13, §2º,
CP.
Inicialmente, a lei como fonte do dever de garantia, nos termos da alínea “a” do
dispositivo em questão, determina que o dever de agir incumbirá a quem “tenha por lei
obrigação de cuidado, proteção ou vigilância”.
Exemplo pode ser observado na Lei 12.846/2013, quando em seu art. 27 atribui
responsabilidade civil, administrativa e penal à autoridade competente que, tendo conhecimento
de infrações previstas naquela lei, não adotar providências para apuração dos fatos.
Registre-se que a vedação à analogia in malam partem, enquanto princípio norteador do
direito criminal, implica que o conceito de “lei” seja tomado unicamente enquanto lei formal,

152
TAVARES, Juarez. Teoria dos crimes omissivos. São Paulo: Marcial Pons, 2018. p. 318.
52

na forma ordinária ou complementar, afastando quaisquer outros atos normativos dessa fonte
do dever de garantia153.
Mais dificultosos, contudo, são os limites ao disposto nas alíneas “b” e “c”, do citado
dispositivo, respectivamente ao que “de outra forma assumiu a responsabilidade de impedir o
resultado” e à citada situação de ingerência.
A posição de garantidor originada na assunção de impedir resultados, lesivos ou de
perigo, a bens jurídicos alheios, pode se dar mediante contrato ou assunção fática. Na conversão
do contrato em fonte do dever de agir, valorosa é a ponderação feita por Nilo Batista e Eugênio
R. Zafarroni, para os quais essa possibilidade só existirá “quando a confiança depositada no
sujeito exprimir uma especial obrigação de cuidado, proteção e vigilância”154. O contributo
central dessa crítica é afastar a condição de garantidor por uma mera imposição de
adimplemento extrapenal.
Quando instituída pela assunção fática de proteção, a posição de garantia se dará à
medida que o sujeito manifeste sua vontade e inicie, efetivamente, o exercício da função
protetiva155.
Uma expressão dessa garantia, significativa para o contexto de responsabilidade de
dirigentes, é o exercício de determinadas funções, circunstância em que o sujeito aceita
incumbências típicas de determinado cargo. Para melhor elucidar essa possibilidade, imaginem-
se funcionários que desempenhem função de controle e proteção ambiental em determinada
indústria.
Embora aceitem o encargo individual de fazê-lo, o dever não pode ser ilimitado. Aqui,
a omissão terá relevância penal quando, além do dever de agir, houver possibilidade concreta
de realizar a tarefa de proteção, além de um ato de disposição da vítima. Nas palavras de
Schunemann, não é o dever como tal, mas somente uma relação de domínio, possivelmente
advinda dele, que permite a equiparação entre agir e omitir156.
A alínea “c”, que estipula o dever de agir motivado pela ingerência, situa a posição de
garantidor no âmbito das novas fontes de perigo. Claus Roxin observa que, embora essa
previsão fosse amplamente reconhecida na dogmática a partir do século XIX, o fundamento da

153
BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: Aspectos penais e
processuais penais: Comentários à Lei 12.683/2012. Prefácio de Maria Thereza Rocha de Assis Moura. 3. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 198.
154
ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Direito penal brasileiro: segundo volume: introdução histórica e
metodológica, ação e tipicidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2010.
155
TAVARES, Juarez. Teoria dos crimes omissivos. São Paulo: Marcial Pons, 2018. p. 327.
156
SCHÜNEMANN, Bernd. Fundamento y límites de los delitos de omisión impropia: Con una aportación a
la metodología deI Derecho penal. Madrid: Marcial Pons, 2009. p. 413.
53

garantia baseado em uma ação precedente é, desde o princípio, problemático157. Compreende


que somente pela divisão de dois grupos – assunção de funções de proteção e controle de fontes
de perigo – pode-se explicar a ingerência, como forma de garantia por controle.
De acordo com Pierpaolo Bottini, o disposto na referida alínea põe a ingerência entre os
deveres de garante diante de riscos próprios. Pelo risco criado, prossegue, o agente estará
inserido em uma esfera de domínio de outrem, de modo que sua esfera de gestão lesionará um
bem jurídico alheio158. Acrescenta Renato Silveira que a ingerência pode ser vista, também, “ao
assumir um defeito de organização da qual o agente faz, de qualquer modo, parte”159.
Sob o ponto de vista de Cruz Bottini, ainda:

A criação de um risco não permitido cria na comunidade uma expectativa,


uma confiança de que o responsável pela desestabilização do foco de perigo
tratará de restituí-lo aos patamares toleráveis, sempre que for possível fazê-lo.
É essa confiança, somada ao dever de não lesar, que respalda a equiparação
da omissão à comissão nas hipóteses de ingerência. Não se trata, portanto, de
punir alguém pela inobservância de deveres de solidariedade, de auxílio ao
próximo, de prestação de ações positivas em prol da construção de um mundo
em comum – o que justifica o dever de garante decorrente de lei ou da
assunção (alíneas a e b do §2º do art. 13 do CP). Na ingerência, alguém adentra
a esfera de direitos alheia e não toma providências para impedir o resultado
lesivo. A afetação de direitos decorre diretamente de uma intervenção do
agente no mundo de vida do outro160.

Questões se apresentam, no entanto, com a indagação sobre os métodos que avaliariam


esses riscos, bem assim quanto aos requisitos para que um fato anterior seja capaz de
desencadear o dever de garantia161. Evidente que, considerando uma imputação objetiva,
algumas situações serão excluídas da responsabilidade por ingerência, destacando-se, dentre
elas, as limitações impostas pela causalidade e pelo risco permitido.
Para atribuir a alguém um comportamento prévio, que o relacione com o risco da
ocorrência do resultado, nos termos empregados pelo Código Penal, é exigível que essa conduta

157
ROXIN, Claus. Ingerencia e imputación objetiva. Revista Penal, Valencia, n. 19, p. 152-161, jan. 2007.
Disponible en: http://201.23.85.222/biblioteca/index.asp?codigo_sophia=62162. Acceso en: 20 out. 2019. p. 154.
158
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de omissão imprópria. São Paulo: Marcial Pons, 2018. (Direito Penal e
Criminologia). p. 162-163.
159
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Empresarial: A omissão do empresário como crime. Belo
Horizonte: D'placido, 2016. (Coleção Ciência Criminal Contemporânea, v. 5). p. 196.
160
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de omissão imprópria. São Paulo: Marcial Pons, 2018. (Direito Penal e
Criminologia). p. 163.
161
Nesse sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral: Questões Fundamentais: A Doutrina
Geral do Crime. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. t. 1. p. 945. “Todavia, se a questão constitui, em último
termo, um problema de ilicitude e se esta é sempre uma ilicitude pessoal e não meramente causal, então deve-se
ter por seguro que a causação de um perigo, em si mesma considerada, é incapaz de fundar um dever de garantia
e a consequente posição de garante”.
54

tenha sido praticada diretamente pelo sujeito, seja iniciando a ação ou assumindo o controle da
causalidade. Isso se deve aos efeitos do art. 13, §1º, do mesmo diploma legal, que determina a
superveniência de causa relativamente independente como excludente da imputação.
A posição de garante nesse caso, todavia, não deriva de uma mera causalidade, mas da
imputação objetiva de um atuar prévio, razão pela qual importa analisar se o risco criado
correspondia a um risco não permitido162. Tampouco basta que seja uma conduta contrária ao
dever, sem prejuízo de ponderar-se o caso à luz de critérios de criação e diminuição de riscos,
bem como de análises sobre o comportamento da vítima, em atenção ao princípio da
autorresponsabilidade163.
Podemos ressaltar, por conseguinte, que independente do fundamento da posição de
garantidor que se vislumbre, a existência dessa posição denota apenas uma relação especial com
dado bem jurídico ou fonte de perigo, mas não implica, tão somente por isso, que o sujeito
deveria agir para evitar o resultado. Apenas uma situação concreta de perigo é capaz de indicá-
lo.
Assim, em âmbito empresarial, a despeito de se compreender que os dirigentes exercem
uma função de garantidor em relação aos riscos dessa estrutura, disso não se extrai uma
responsabilidade sobre lesões praticadas por seus subordinados. Se assim o fosse, incidiria
sobre esse dirigente uma responsabilidade penal fundada em mera posição, vedada no Direito
Penal, por afastar uma imputação objetiva na medida em que viola o princípio da
culpabilidade164.

162
CRESPO, Eduardo Demetrio. Fundamento da responsabilidade em comissão por omissão dos diretores de
empresas. Revista Liberdades, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 61-92, set. 2013. Traduzido por Adriano Galvão. p. 64.
163
A análise do comportamento da vítima condicionada pelo princípio da autorresponsabilidade exige, para que
se atribua o dever de garantidor a um terceiro, que a ação não esteja incluída no âmbito de responsabilidade da
própria vítima. Embora o conceito seja retomado no tópico 3.3 deste estudo, para maiores considerações ver
GRECO, Luís. Domínio da organização e o chamado princípio da autorresponsabilidade. In: ZILIO, Jacson Luiz;
BOZZA, Fábio da Silva (Orgs.). Estudos críticos sobre o sistema penal. Curitiba: LedZe, 2012.
164
Sobre a sistemática da imputação objetiva, destaca Ingeborg Puppe, em PUPPE, Ingeborg. A imputação objetiva
do resultado a uma ação contrária ao dever de cuidado. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v.
27, n. 155, p. 103-123, maio 2019. p. 121, que “primeiramente, há de se averiguar esse curso causal. Ou seja: deve-
se identificar aquela condição verdadeira e suficiente para a ocorrência do resultado, da qual a ação constitui parte
necessária. Com isso, há de ser investigado quais as características dessa ação que se mostram incompatíveis com
o dever de cuidado do autor na situação concreta. Apenas quando a ação possuir tais características é que o agente
terá criado um perigo concreto”.
Com relação ao princípio da culpabilidade, adota-se neste trabalho o sentido de culpabilidade como função
limitativa da pena, de maneira que por meio desse princípio, apenas atos externos dirigidos por vontade, capazes
de lesionar bens jurídicos ou colocá-los em perigo, podem sofrer repressão estatal. Ver, para tanto, ROXIN, Claus.
A culpabilidade como critério limitativo da pena. Revista de Direito Penal, Rio de Janeiro, 11/12, p. 7-20,
jul./dez. 1973. Disponível em: http://201.23.85.222/biblioteca/index.asp?codigo_sophia=20441. Acesso em: 21
out. 2019; CRESPO, Eduardo Demetrio. Culpabilidad y fines de la pena: con especial referencia al pensamiento
de Claus Roxin. Revista de Derecho Penal, Buenos Aires, n. 2, p. 197-239., 2007; SANTOS, Juarez Cirino dos.
Culpabilidade: desintegração dialética de um conceito metafísico. Revista de Direito Penal, Rio de Janeiro,
15/16, p. 51-64, jul./dez. 1974 e, nesta Universidade Federal do Rio Grande do Norte, MARQUES, Vinicius de
55

Outrossim, o próprio caput do art. 13, CP, faz referência a uma ação ou omissão
determinada, que seja causa de um resultado, para que exista relevância penal. Assim, apenas
por ocupar determinada posição, a imputação viola, sobretudo, a própria letra da lei165.
Não obstante a insuficiência da cláusula geral para elucidar as bases materiais da posição
de garantidor, algumas considerações parciais podem ser elencadas, a partir de uma
interpretação dogmática do dispositivo, especificamente no que interessa à responsabilidade
dos dirigentes de empresa.
Em primeiro lugar, na responsabilidade por fontes de perigo – ainda que eventualmente
compreendida como decorrência de deveres de confiança, concepção a que não se filia este
trabalho, por visualizar, nas alíneas do art. 13, §2º, CP, apenas a possibilidade de um dever
anuído, expressa ou tacitamente, ou por ingerência –, os próprios conceitos de perigo e de
controle são imprecisamente determináveis, do que decorre, também, uma incerteza quanto à
amplitude do dever de garantia.
Certamente, a verificação do controle e domínio, para fins de responsabilidade penal,
depende de uma análise concreta. Essa afirmativa, por outro lado, não corresponde a uma
posição de garante meramente casuística, o que seria incompatível com os próprios corolários
do princípio da legalidade. Exige-se um conhecimento anterior dos parâmetros dessa atribuição,
previamente delineados e, principalmente, que sejam possíveis quando confrontados com a
limitação normativa e com as garantias penais166.
A proporcionalidade imposta no processo penal – entendimento que perfeitamente se
estende ao sistema criminal, de forma ampla – exige que, em caso de conflito de preceitos,
prevaleça “o garantidor da liberdade sobre o que fundamenta sua supressão” 167. Desse modo,
deve ser tratada também a responsabilidade por garantia – existindo dúvidas sobre o parâmetro

Godeiro. Individualização da pena e aplicação da pena: Aportes para uma teoria da decisão final. 2018. 100 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Curso de Direito, Centro de Ciências Sociais Aplicadas,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2018. Cap. 1. p. 25-27.
165
ESTELLITA, Heloísa. Causalidade na omissão: Um panorama dos problemas das omissões paralelas e
sucessivas na criminalidade de empresa. In: LOBATO, José Danilo Tavares; MARTINELLI, João Paulo Orsini;
SANTOS, Humberto Souza (Orgs.). Comentários ao Direito Penal Econômico Brasileiro. Belo Horizonte:
D'placido, 2018. p. 73.
166
Em verdade, esta limitação se relaciona, também, com a própria dignidade do homem. Isso porque, conforme
leciona Keity Saboya, “deve-se compreender que o princípio da dignidade humana impede que o homem seja
convertido em objeto de persecuções permanentes, como se a espada de Dâmocles estivesse sempre pendente
sobre si. [...] Do contrário, o homem seria submetido a uma situação jurídica indefinida, indigna com a condição
humana, assemelhando-se a “máquina de persecução” a um “epulão insaciável, movida pela fobia de deixar
impune o hipotético réu””. SABOYA, Keity. Ne Bis in Idem: História, Teoria e Pespectivas. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2014. p. 165-166.
167
Trecho do voto do Ministro Eros Grau, em julgamento de mérito do HC 95009, STF.
56

de sua fixação e quando incerta diante do contexto fático, sua excepcionalidade reclama o
afastamento.
Algumas considerações a respeito dos limites da posição de garantia, especialmente em
ambiente empresarial, são evidenciadas a partir dessa premissa e do disposto neste capítulo. Em
primeiro lugar, que o uso das classificações de omissão imprópria pode, de fato, apresentar
utilidades práticas na seara empresarial, mas necessita atender aos fundamentos materiais de
uma posição de garantia.
Para tanto, é preciso compreender que o manejo de coisas ou a distribuição de funções
não gera, automaticamente, um dever de garante. Esse dever está condicionado a uma previsão
legal, à assunção ou ingerência.
Na ingerência, a imputação está limitada aos desdobramentos de um risco não
permitido, que ocasiona um resultado típico em virtude de desatenção às normas de cuidado168.
O alcance da ingerência, contudo, impõe que essa posição de garante não derive de uma mera
causalidade, mas da imputação objetiva de uma ação prévia169, sob pena de transformar-se em
instrumento de reprimenda penal às simples irregularidades.
Ainda quanto a esse fundamento da posição de garantia, importante notar que a
desatenção aos critérios limitadores pode conduzir a uma inadmissível responsabilidade
objetiva. Para evitá-la, a ingerência deve subordinar-se a alguns pressupostos, como o domínio
da causalidade, a existência de conduta não acobertada pelo risco permitido – e que o risco
proibido seja objeto de norma170–, que a ação consequente não se insira “na inteira
responsabilidade do executor”171 e que não se trate de ação autorizada por causa de justificação.
A respeito de um dos aspectos acima citado, “que o risco proibido seja objeto de norma”,
causa preocupação também a legitimidade da construção penal a que se refere. Em alguns casos,
a própria previsão do risco, tamanha a insuficiência, exigirá elementos valorativos, ampliando
as inseguranças. Na legislação penal brasileira, pode-se citar enquanto exemplo o crime de

168
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de omissão imprópria. São Paulo: Marcial Pons, 2018. (Direito Penal e
Criminologia). p. 134.
169
CRESPO, Eduardo Demetrio. Sobre la posicion de garante del empresario por la no evitación de delitos
cometidos por sus empleados. In: SERRANO-PIEDECASAS, José Ramón; CRESPO, Eduardo Demetrio
(Orgs.). Cuestiones actuales de derecho penal economico. Coruña: Colex, 2008. p. 76.
170
Juarez Tavares, ao tratar da limitação no que tange ao risco, elenca, além dos dois requisitos expostos, a
necessidade de que a conduta não se inclua no risco habitual de vida, que o risco desencadeado pela ação
precedente possa se exaurir no resultado e que a inatividade posterior não tenha sido objeto de avaliação exclusiva
ou complementar por outra norma. TAVARES, Juarez. Teoria dos crimes omissivos. São Paulo: Marcial Pons,
2018. p. 336.
171
Ibidem. p. 340. A limitação pela inteira responsabilidade do executor refere-se aos parâmetros impostos pelo
princípio da autorresponsabilidade.
57

gestão temerária de instituições financeiras172, em que surgem as mais diversas divergências


doutrinárias, referentes ao bem jurídico tutelado ou à identificação do critério material que
define quais condutas importam nessa forma de gestão173.
Por permear a discussão dogmática como um todo, em casos de delitos praticados em
âmbito empresarial, não se pode olvidar que a estruturação institucional dilui a criação dos
riscos, seja entre setores, seja entre sujeitos divididos em tarefas, o que dificulta a visualização
de quais membros efetivamente criaram o que conduziu ao resultado. Apesar disso, essa
dificuldade não pode bastar para que exista um dever de agir, referente ao domínio do dirigente
empresário sobre os sujeitos que pertençam à empresa, uma vez que a contratação de
funcionários é fato em conformidade com o ordenamento jurídico174.
Adequadas as considerações de Mir Puig, diante desse contexto, sobre o papel de
garantia. Para o autor, é ilógico interpretar que quem produz um perigo sem vontade e sem
imprudência deva arcar com a lesão dolosa, unicamente por não impedir esse resultado.
Assumirá o papel de garantia, de acordo com sua construção, aquele que cria ou amplia o perigo,
em momento anterior, ou a quem corresponda pessoalmente, no momento do fato, o controle
do qual dependa o bem jurídico175.
A relevância dessa construção, embora não tenha partido de reflexões específicas para
o contexto empresarial, reside em afastar um dever quase inato de garante ao titular da
organização, interpretação possível quando considerada absoluta a teoria de Jakobs.
Adota-se aqui, por maior adequação, a perspectiva de Feijóo Sanchez e, no cenário
jurídico nacional, de Pierpaolo Bottini, de que a imputação por garantia, em contexto
empresarial, tem como palavra-chave a competência, e não o domínio, entendida aquela como
“conjunto de deveres de cuidado incidentes sobre a esfera de atuação do empresário,
decorrentes do risco por ele criado (ingerência) ou das atribuições por ele assumidas diante de
riscos alheios (por lei ou assunção)176.
Constatar a existência desse dever de garantia, contudo, em qualquer das modalidades,
é insuficiente para a imputação do resultado, pois corresponde apenas a um requisito inicial.

172
Lei 7.492/82, Art. 4º. “Gerir fraudulentamente instituição financeira: Pena – Reclusão de 3 (três) a 12 (doze)
anos, e multa. Parágrafo único: Se a gestão é temerária: Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa”.
173
Para uma maior compreensão sobre a problemática e possíveis soluções jurídico-dogmáticas, ver RUIVO,
Marcelo Almeida. Criminalidade financeira: Contribuição à compreensão de gestão fraudulenta. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2011.
174
CRESPO, Eduardo Demetrio. Sobre la posicion de garante del empresario por la no evitación de delitos
cometidos por sus empleados. In: SERRANO-PIEDECASAS, José Ramón; CRESPO, Eduardo Demetrio
(Orgs.). Cuestiones actuales de derecho penal economico. Coruña: Colex, 2008. p. 76.
175
PUIG, Santiago Mir. Derecho Penal: Parte General. 8. ed. Barcelona: Editorial Reppertor, 2006. p. 328.
176
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de omissão imprópria. São Paulo: Marcial Pons, 2018. (Direito Penal e
Criminologia). p. 135.
58

Por esse motivo, serão analisados a seguir alguns critérios e problemas práticos, notadamente
quanto à existência de nexo entre omissão e resultado.

3.2 Panorama da causalidade na imputação por crimes omissivos impróprios e as omissões


simultâneas e sucessivas

Discorrendo sobre o injusto penal e os riscos não permitidos, sustenta Claus Roxin que,
como princípio básico da teoria do Estado, “o poder estatal de intervenção e a liberdade civil
devem ser levados a um equilíbrio, de modo que garanta ao indivíduo tanta proteção estatal
quanto seja necessária, assim como tanta liberdade individual quanto seja possível”177. Sendo
a missão subsidiária do Direito Penal a proteção de bens jurídicos, sob pena de intervir-se
indevidamente nas liberdades individuais, não haveria de se pensar em responsabilidade nos
delitos de resultado que prescindisse da dependência entre ação ou omissão e da mudança
ocasionada no mundo exterior.
Considere-se, no presente estudo, o termo “causalidade na omissão”178 – para afastá-lo
das discussões doutrinárias a respeito da existência de uma autêntica causalidade179 ou apenas
de uma causalidade hipotética180 –, enquanto relação condicional lógica. Não se tratará aqui da

177
ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do Direito Penal. Organização e tradução de
André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018. p. 39.
178
Expressão empregada por Luís Greco, em GRECO, Luís. Problemas de causalidade e imputação objetiva
nos crimes omissivos impróprios. Tradução de Ronan Rocha. São Paulo: Marcial Pons, 2018. (Direito Penal e
Criminologia), em substituição às locuções “quase-causalidade” e “causalidade hipotética”.
179
A respeito disso, admite Gimbernat Ordeig que na atualidade ainda se afirma esta relação, como “categoria del
pensamiento que enlazaba antecedentes con conseguientes”, bem como permanece a compreensão, para alguns
autores, de que a modificação do mundo exterior pode se dar por condições positivas ou negativas. Ressalta, por
outro lado, que essas compreensões ainda são pouco preponderantes, pois a doutrina majoritária rejeita uma relação
de causalidade entre omissão e resultado, substituindo-a por uma probabilidade próxima à certeza de que a ação
omitida o evitaria. GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. La causalidad en la omisión impropia y la llamada omisión
por comisión. Anuario de derecho penal y ciencias penales, Madrid, v. 53, p. 29-132, jan./dec. 2000. p. 33-35.
Há, ainda, a posição de Schuemann, para quem os resultados não se imputam diretamente em virtude de uma
causalidade ou de causalidade potencial, mas em razão do domínio, que pode se dar por uma ação causal ou por
outros fatores. SCHÜNEMANN, Bernd. Fundamento y límites de los delitos de omisión impropia: Con una
aportación a la metodología deI Derecho penal. Madrid: Marcial Pons, 2009. p. 427.
180
Sustenta este entendimento, a título exemplificativo, Muñoz Conde, para quem “realmente la omisión no puede
ser entendida como componente causal de ningún resultado, ya que la causalidad exige la puesta en marcha de
uma fuerza desencadenante que por definición falta em la omisión (ex nihilo nihil fit). Lo que importa em la
imputación de un resultado a uma conducta omisiva o, si se prefiere la terminología clásica, en la comisión por
omisión, es la constatación de una causalidad hipotética, es decir, la posibilidad fáctica que tuvo el sujeto de evitar
el resultado”. CONDE, Francisco Muñoz; ARÁN, Mercedes García. Derecho Penal: Parte General. 8. ed.
Valencia: Tirant Lo Blanch, 2010. p. 243-244.
Sobre isso, também, esclarece Silva Sanchez que “la a veces denominada "causalidad" o "cuasicausalidad" de la
omisión no tiene por función la de establecer una relación de causalidad que realmente no existe. Más bien, se
trata de un criterio de imputación objetiva deI resultado paralelo a los que se dan en la comisión activa superpuestos
a la causalidad y como sus correctivos.”. SANCHEZ, Jesus Maria Silva. El delito de omision: Concepto y sistema.
2. ed. Buenos Aires: Bdef, 2003. p. 294.
59

causalidade por meio de um conceito ontológico-real, que compreenda as condições negativas


como causais em sentido estrito181.
É que, conforme previne Luís Greco, o debate supracitado (a respeito de denominá-la
causalidade ou apenas quase-causalidade) tem natureza terminológica, mais atrelado às
perspectivas filosóficas, importando neste momento questionar como deve ser concebida a
relação entre o omitir e o resultado lesivo182. É preciso interpretar, diante dos problemas
práticos, a norma prevista no art. 13, CP.
De acordo com as lições de Muñoz Conde, compartilhadas em momento anterior deste
estudo, a omissão se refere a uma ação determinada, constituindo sua essência a partir dessa
não realização. Por isso mesmo, o sujeito, para figurar enquanto autor, deveria possuir meios
de realizar, à época do injusto, a ação devida183.
O exemplo mais recorrente a ilustrar os delitos omissivos, nas doutrinas mais clássicas
ou nos modernos manuais184, refere-se às mães que permitem a morte de seus filhos, por meio
da falta de cuidado ou por inanição. De fato, trata-se de situação clara, em um primeiro olhar,
para demonstrar a existência do omitir como forma de realização típica. O exemplo se aparta
da clareza inicial, porém, quando há dúvidas se a prática da ação devida evitaria o resultado.
Conceba-se uma situação em que, apenas após a morte da criança, seja diagnosticada
uma doença rara, que lhe exigia cuidados muito superiores aos ordinários. Não é possível
afirmar, diante dessa hipótese, que a prática de uma ação pela genitora, desconhecendo a
situação, fosse capaz de evitar o resultado morte. O exemplo é indicativo de que, mesmo nos
mais simples dos problemas concretos, as variáveis lançam dúvidas não sobre o desvalor do
comportamento, mas sobre ser o resultado atribuível ao sujeito, enquanto autor.
Superada a existência de um dever de agir, nos limites a que se reporta o subtópico
precedente, perduram as dificuldades de aferir em que medida o comportamento omitido seria
apto a preservar o bem jurídico. Na criminalidade de empresa, a dificuldade convive com um

181
SANCHEZ, Jesus Maria Silva. El delito de omision: Concepto y sistema. 2. ed. Buenos Aires: Bdef, 2003. p.
286.
182
GRECO, Luís. Problemas de causalidade e imputação objetiva nos crimes omissivos impróprios. Tradução
de Ronan Rocha. São Paulo: Marcial Pons, 2018. (Direito Penal e Criminologia). p. 19-20. Apesar dessa colocação,
sustenta o autor posição pessoal quanto à existência de causalidade, ponderando, todavia, que não está seguro do
argumento, “ainda que nele não enxergue qualquer erro”.
183
CONDE, Francisco Muñoz; ARÁN, Mercedes García. Derecho Penal: Parte General. 8. ed. Valencia: Tirant
Lo Blanch, 2010. p. 238. “La possibilidad de acción es, por conseguiente, el elemento ontológico conceptual básico
común tanto a la acción como a la omisión”.
184
A saber, no Brasil, o exemplo é utilizado desde Tobias Barreto, em 1892, BARRETO, Tobias. Estudos de
Direito. Rio de Janeiro: Laemmer & C., 1892. 468 p. (Obras de Tobias Barreto; 1). Publicação Póstuma dirigida
por Sylvio Roméro, p. 140, ao recente MARTINELLI, João Paulo Orsini; BEM, Leonardo Schmitt de. Lições
fundamentais de Direito Penal: Parte Geral. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 434.
60

modelo de responsabilidade penal que se volta a condutas típicas, antijurídicas e culpáveis


praticadas, muitas vezes, por um único indivíduo, que reúne os atributos de “posse de
informação, do poder de decisão e da prática de uma conduta executiva”, circunstância
distanciada do que se verifica em perspectiva empresarial185.
É necessário, para que seja possível imputar o resultado ao agente, que exista conexão
entre esse mesmo resultado e a omissão praticada, por meio do nexo de causalidade. Destacam-
se, nesse laborioso intento, duas correntes principais: a teoria da evitabilidade e a teoria da
diminuição do risco.
De acordo com a teoria da evitabilidade, não se poderá imputar objetivamente ao sujeito
um resultado que, ainda que adotasse a ação devida, reproduzir-se-ia do mesmo modo186.
Faltaria, no caso, conexão da infração do dever, de forma que o resultado não se gerou pela
imprudência do agente187.
A medida que determina essa causa é, assim, a segurança ou probabilidade próxima à
certeza de que o comportamento correto conduzisse ao mesmo resultado. O grau dessa
probabilidade, sem embargo, apto a conduzir ou afastar uma responsabilidade penal, permanece
incerto188.
Quanto à teoria da diminuição do risco, esclareça-se, de início, que parte de uma
modificação da teoria do aumento do risco, de Claus Roxin, para quem o resultado só poderá
ser imputado quando a conduta do autor criar um perigo para o bem jurídico, não acobertado
por um risco permitido, e que esse perigo tenha se realizado no resultado concreto189.
Entende, por risco permitido, a conduta que cria um risco de relevância jurídica, mas
que de modo geral – o que, em suas palavras, independe do caso concreto – está permitida,
excluindo a imputação objetiva190. Assim, se uma conduta alternativa conduzia com segurança

185
ESTELLITA, Heloísa. Causalidade na omissão: Um panorama dos problemas das omissões paralelas e
sucessivas na criminalidade de empresa. In: LOBATO, José Danilo Tavares; MARTINELLI, João Paulo Orsini;
SOUZA, Humberto (Orgs.). Comentários ao Direito Penal Econômico Brasileiro. Belo Horizonte: D'placido,
2018. p. 69-113. p. 69.
186
“Si se da por seguro o, por lo menos, como muy probable que si el sujeto hubiera realizado la acción mandada,
el resultado no se hubiera producido, entonces se podrá indagar si cabe también la imputación objetiva del
resultado al sujeto de la omisión. [...] La evitabilidad del resultado es, pues, el criterio que, matizado y completado
con los derivados de las teorías de la causalidad y de la imputación objetiva, nos permite imputar ese resultado a
una conducta omissiva.” CONDE, Francisco Muñoz; ARÁN, Mercedes García. Derecho Penal: Parte General. 8.
ed. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2010. p. 244.
187
ORDEIG, Enrique Gimbernat. Teoría de la evitabilidad versus teoría del aumento del riesgo. Anuario de
derecho penal y ciencias penales, Madrid, v. 68, p. 21-62, anual. 2015. p. 26.
188
Ibidem. p. 28.
189
ROXIN, Claus. Derecho Penal: Parte General: Fundamentos. La estructura de la teoria del delito. Traducción
de la segunda edición alemana y notas por Diego-Manuel Luzon Peña,Javier de Vicente Remesal y Miguel Díaz
y García Conlledo Madrid: Civitas, 1997. t. 1. p. 364.
190
Ibidem. p. 371.
61

ao mesmo resultado, não se realizou uma superação do risco permitido no curso do


acontecimento, afastando a imputação191. Ao formular esse entendimento, referia-se o autor,
originalmente, aos delitos comissivos.
Na mudança a que se chamou de teoria da diminuição do risco, a existência de uma
chance de salvamento é bastante para que o omitente responda pelo delito192. Um exemplo
auxilia em sua elucidação: partindo desse enfoque, um médico que omite uma radioterapia a
paciente com câncer, que se realizada, elevaria sua sobrevida de 5 a 10 anos, responderá pelo
delito consumado, por não criar a chance, sendo possível193.
Não restam dúvidas, observando o caput do art. 13, CP, quanto a uma referência
expressa do legislador à omissão como causa. Propõe Juarez Tavares, na doutrina brasileira,
uma nova fórmula de causalidade para interpretá-lo, a que denomina causalidade funcional.
Interessaria saber se estava o sujeito em condições de realizar a ação devida, em uma
perspectiva relacionada à “orientação de conduta com base na realidade empírica e em face da
lesão do bem jurídico”, e não de uma capacidade de atuar, como se expôs até este ponto. A isso
se acresceria a probabilidade nos limites da certeza de que a conduta impediria o resultado.
Trata-se de um somatório de elementos para definir a causalidade, considerados pelo
autor como elemento funcional-normativo e elemento empírico194. Em outras palavras:

Em lugar de se afirmar que a omissão será causa de um resultado quando sua


eliminação hipotética implique também a inocorrência do resultado, deverá se
proceder a um juízo negativo: não haverá causalidade quando a exigência da
ação devida não possa orientar a conduta do sujeito, com base no critério da
probabilidade nos limites da certeza diante do resultado e da lesão do bem
jurídico. [...] A questão básica da causalidade na omissão reside, pois, na
identificação do que possa constituir uma conditio sine qua non do resultado,
partindo de que esta condição deverá estar referida a um aspecto empírico,
como também a um aspecto normativo, de determinação de sentido da própria
atividade devida195.

191
Ibidem. p. 379.
192
GRECO, Luís. Problemas de causalidade e imputação objetiva nos crimes omissivos impróprios. Tradução
de Ronan Rocha. São Paulo: Marcial Pons, 2018. (Direito Penal e Criminologia). p. 23.
193
Exemplo que pode ser visto em GRECO, Luís. Problemas de causalidade e imputação objetiva nos crimes
omissivos impróprios. Tradução de Ronan Rocha. São Paulo: Marcial Pons, 2018. (Direito Penal e Criminologia).
p. 23, adaptado de decisão do Supremo Tribunal Alemão sobre o caso, em que se aplicou a teoria da evitabilidade
para absolvição do delito de homicídio culposo.
194
TAVARES, Juarez. Teoria dos crimes omissivos. São Paulo: Marcial Pons, 2018. p. 368-369.
195
TAVARES, Juarez. Teoria dos crimes omissivos. São Paulo: Marcial Pons, 2018. p. 369.
62

Em sentido semelhante advoga Tiago Joffily, ao trabalhar a importância da


complementariedade entre critérios causais e normativos, na atribuição de autoria de qualquer
tipo de injusto196.
A obscuridade consiste em não existir, nos crimes omissivos, ponto de apoio
naturalístico que permita formular um processo de dedução hipotética, como ocorre nos crimes
comissivos. Portanto, determinar precisamente as ações juridicamente exigidas, essencial para
o nexo de causalidade, requer maior esforço, devendo comportar ainda, assim como a atribuição
do dever de garante, a possibilidade de contraprova.
Sem a concreta ação exigida, não será possível uma imputação objetiva do resultado em
crimes omissivos impróprios e, por consequência, não se tratará de acusação certa.
Permanece necessário, contudo, ainda se interpretado o art. 13, CP, a partir do sentido
que lhe atribui Juarez Tavares, recorrer às propostas de solução anteriormente elencadas, seja
por intermédio da evitabilidade, seja da diminuição do risco.
Independente da forma adotada, deve-se levar em conta, assim como sustenta Luís
Greco, que a causalidade desempenha no Direito Penal tão relevante papel, que apenas em
situações de urgência se deveria modificá-la, preferindo-se sempre “deixar intocados os
elementos do conceito de causalidade”197. Urgência que evidentemente não se refere à simples
conveniência político-criminal, pautada por uma mudança criminológica198, pois “o sentimento
de que a imputação é adequada sob um prisma político-criminal, não afasta o dever de
fundamentar a operação interpretativa”199.
Se aplicada a teoria da evitabilidade, preponderante, será necessário estabelecer os
parâmetros para que a conduta devida tivesse evitado o resultado com probabilidade próxima à
certeza. Uma alta probabilidade, embora seja relevante em termos de investigação, não basta
para a imputação omissiva. Capitais são os limites da certeza, que não se baseiam no senso
comum ou na experiência do julgador, mas em dados objetivos, em confronto com as exigências
do tipo legal200.

196
JOFFILY, Tiago. O resultado como fundamento do injusto penal. Florianópolis: Empório do Direito, 2016.
p. 199.
197
GRECO, Luís. Problemas de causalidade e imputação objetiva nos crimes omissivos impróprios. Tradução
de Ronan Rocha. São Paulo: Marcial Pons, 2018. (Direito Penal e Criminologia). p. 35-36.
198
Demonstrada neste trabalho, no que concerne ao seu objeto de estudo, no capítulo 2.
199
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de omissão imprópria. São Paulo: Marcial Pons, 2018. (Direito Penal e
Criminologia). p. 198.
200
TAVARES, Juarez. Teoria dos crimes omissivos. São Paulo: Marcial Pons, 2018. p. 392.
63

Opõe-se a crítica de que dificilmente será possível essa afirmação201, desaguando em


uma insegurança dupla: seja, invariavelmente, superando barreiras dogmáticas para que se
impute o resultado, por meio da flexibilização de requisitos, seja desprotegendo o bem jurídico.
Aparenta maior acerto, atualmente, optar a jurisprudência pela teoria da diminuição do
risco, exigindo que a omissão seja seguramente causa do resultado, em sua configuração
concreta (momento e lugar determinados)202. O juízo normativo, por outro lado, dependeria de
uma análise sobre a ação devida criar, efetivamente, uma “chance de salvamento”.
Nesse último sentido, esclarece Heloísa Estellita que, sendo as lesões ao bem jurídico
severas a ponto de a ação devida não implicar qualquer chance de salvamento, não haveria
imputação do resultado por omissão, assim como se não houvesse aumento de chances de
salvamento, por meio da omissão causal, a conduta seria atípica203.
Introduzindo essas questões no âmbito prático da criminalidade de empresa, observar-
se-á, também, a significativa repercussão da delegação e divisão de tarefas ao averiguar a
causalidade de determinada omissão para o resultado, ainda que presentes a posição de
garantidor, o dever de agir e capacidade físico-real para fazê-lo.
Conectar omissão e resultado, mediante nexo de causalidade, para só então imputá-lo
objetivamente ao omitente (tipicidade objetiva), torna-se ainda mais difícil no contexto de
intervenção de vários sujeitos no acontecimento que desemboca em resultado típico204.
Não será incomum que, constatada essa situação típica, as características da gestão
empresarial, como a fragmentação de tarefas e a natureza coletiva dos comportamentos, acarrete
desafios à individualização das condutas.
Em meio a isso, a presença de omissões simultâneas e sucessivas inaugura uma série de
novos problemas, atinentes a uma responsabilidade penal que não se desenvolveu com vistas à
aplicação nesse âmbito. Entre o garantidor e o resultado haverá, aqui, a interposição necessária
de um terceiro.

201
Sobre essa formulação, aponta Juarez Tavares que em uma classificação inicial, a probabilidade era dividida
em objetiva e subjetiva, o que foi substituído pelas concepções científicas mais modernas de explicação epistêmica,
explicação modal e explicação ôntica, e a partir desses enfoques, segue-se para a criação de graus de probabilidade.
Com relação a esses, permanece a divergência valorativa, do que extrai o autor considerações sobre a necessidade
de uma lei geral de causalidade. A respeito disso, TAVARES, Juarez. Teoria dos crimes omissivos. São Paulo:
Marcial Pons, 2018. p. 378-392.
202
GRECO, Luís. Problemas de causalidade e imputação objetiva nos crimes omissivos impróprios. Tradução
de Ronan Rocha. São Paulo: Marcial Pons, 2018. (Direito Penal e Criminologia).
203
ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresa por omissão: Estudo sobre a
responsabilidade omissiva imprópria de dirigentes de sociedades anônimas, limitadas e encarregados de
cumprimento por crimes praticados por membros da empresa. São Paulo: Marcial Pons, 2017. (Direito Penal e
Criminologia). p. 259.
204
GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. Causalidad, omisión e imprudência. Anuario de derecho penal y ciencias
penales, Madrid, v. 47, n. 3, p. 5-60, set./dez. 1994. p. 21.
64

Na constelação das omissões simultâneas, observadas na divisão horizontal, em que não


raro o decidir sobre condutas empresariais se dará por colegiados – a exemplo do Conselho de
Administração ou das decisões de sócios em Sociedades Limitadas205 –, o voto de cada membro,
se redundante e tido de maneira isolada, não é capaz de determinar o resultado, dada a
impossibilidade de, por si, determinar sua produção ou prevenção.
Poderiam alegar os membros, então, uma ausência de causalidade do voto para o
resultado típico, o que não estaria incorreto ao considerar decisões que demandem maioria de
votos. Assim também, em decisões unânimes, ultrapassado esse marco de maioria, todos os
votos seguintes seriam redundantes para a decisão tomada, de maneira que ainda que o sujeito
adotasse posicionamento contrário, não mais haveria capacidade de influir na votação.
Acresça-se a isso o fato de que, em Conselhos de Administração, os votos são secretos,
o que conduz, ao menos em uma perspectiva teórica, a uma posição individual que desconhece
as razões de decidir dos demais.
Optar por uma exoneração recíproca, diante dessa conjuntura, permitiria a existência de
núcleos verdadeiramente imunes, deliberadamente criados pelos sujeitos empresariais. Um
exemplo prático da “irresponsabilidade organizada”206 que anunciou Schunemann.
Não é admissível, por outro lado, por meio de uma responsabilidade que exige
contribuições individuais, a imputação do resultado a todos os membros, tão somente por
integrarem o órgão colegiado.
Tampouco se pode falar em causalidade cumulativa207, pois os votos redundantes em
nada contribuíram para o resultado, e nem mesmo podem ser identificados, quando secretos208.
Admitir a causalidade cumulativa, nesse contexto, elevaria à condição de causa uma
circunstância remota209.

205
Para valermo-nos dos exemplos de ESTELLITA, Heloísa. Causalidade na omissão: Um panorama dos
problemas das omissões paralelas e sucessivas na criminalidade de empresa. In: LOBATO, José Danilo Tavares;
MARTINELLI, João Paulo Orsini; SOUZA, Humberto (Orgs.). Comentários ao Direito Penal Econômico
Brasileiro. Belo Horizonte: D'placido, 2018. p. 69-113. p. 71.
206
SCHÜNEMANN, Bernd. Cuestiones básicas de dogmática jurídico-penal y de política criminal acerca de la
criminalidad de empresa. Anuario de derecho penal y ciencias penales, Madrid, v. 41, n. 2, p. 529-558,
mayo/agosto 1988. p. 533
207
Perspectiva na qual cada uma das contribuições seria causa do resultado.
208
ESTELLITA, Heloísa. Causalidade na omissão: Um panorama dos problemas das omissões paralelas e
sucessivas na criminalidade de empresa. In: LOBATO, José Danilo Tavares; MARTINELLI, João Paulo Orsini;
SOUZA, Humberto (Orgs.). Comentários ao Direito Penal Econômico Brasileiro. Belo Horizonte: D'placido,
2018. p. 69-113. p. 82.
209
GRECO, Luís. Problemas de causalidade e imputação objetiva nos crimes omissivos impróprios. Tradução
de Ronan Rocha. São Paulo: Marcial Pons, 2018. (Direito Penal e Criminologia). p. 47-48.
65

Por meio de uma modificação da conditio sine qua non210, é proposta, para a resolução
dessa problemática, a figura causalidade alternativa: “se várias condições podem ser suprimidas
mentalmente de forma alternativa, mas não cumulativamente, sem que desapareça o resultado,
todas elas deverão ser consideradas causa”211.
Essa solução, entretanto, constrói-se sobre arbitrariedade, uma vez que transforma em
causa o que, no plano fático, não é – tal como os votos redundantes. Assim como a causalidade
cumulativa, evidencia-se inaplicável.
A problemática, conforme se observa, ainda não foi superada no plano da causalidade,
do que se extrai a consequência de necessária revisitação212, e deixa claro que as possibilidades
iniciais, seja por meio da teoria da equivalência, seja a adoção da teoria da diminuição do risco
– embora essa última se apresente como adequada, por ora, nas hipóteses de omitente único –
são insuficiente para solucionar casos dessa ordem.
Uma alternativa ao problema, proposta por Luís Greco, é a resolução pela figura da
coautoria, reconhecendo a impossibilidade, sem a dita revisitação, de que a culpabilidade seja
apta a resolvê-lo213. Assim, imputar-se-ia a conduta integral a cada sujeito que faça da parte do
“projeto” dessa conduta214.
Cumpre relembrar, oportunamente, que mesmo admitida a coautoria, perduram os
desafios dessa situação: conforme se descreveu no subtópico 2.2 do presente estudo, a coautoria
se destinaria apenas aos delitos dolosos, seguindo sem amparo os casos de omissão culposa,
admitida apenas na figura do colegiado, justamente a que se refere às omissões simultâneas.
No mesmo sentido de dificuldade se encontram as omissões sucessivas, definidas como
aquelas em que “a causalidade na omissão inicial é mediada por omissões sucessivas de outros
garantidores”215, ou seja, em que omitentes deveriam agir sucessivamente para a evitação do
resultado.

210
ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresa por omissão: Estudo sobre a
responsabilidade omissiva imprópria de dirigentes de sociedades anônimas, limitadas e encarregados de
cumprimento por crimes praticados por membros da empresa. São Paulo: Marcial Pons, 2017. (Direito Penal e
Criminologia). p. 262.
211
GRECO, Luís. Problemas de causalidade e imputação objetiva nos crimes omissivos impróprios. Tradução
de Ronan Rocha. São Paulo: Marcial Pons, 2018. (Direito Penal e Criminologia). p. 49.
212
Ibidem.
213
Ibidem. p. 52.
214
ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresa por omissão: Estudo sobre a
responsabilidade omissiva imprópria de dirigentes de sociedades anônimas, limitadas e encarregados de
cumprimento por crimes praticados por membros da empresa. São Paulo: Marcial Pons, 2017. (Direito Penal e
Criminologia). p. 263.
215
ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresa por omissão: Estudo sobre a
responsabilidade omissiva imprópria de dirigentes de sociedades anônimas, limitadas e encarregados de
cumprimento por crimes praticados por membros da empresa. São Paulo: Marcial Pons, 2017. (Direito Penal e
Criminologia). p. 265.
66

Surgem, com maior incidência, nas estruturas verticais, seja na divisão de trabalho por
delegação, seja pelos limites impostos à possibilidade jurídica de agir, na organização
empresarial, quando determinado sujeito depende de outros para que cumpra seus deveres de
evitação do resultado. Apesar da prevalência nessas estruturas, não há óbice para verificá-lo
também em estruturas horizontais, pela incumbência diversa de atribuição, embora se
encontrem os sujeitos em um mesmo nível hierárquico216.
A não ocorrência do resultado estará condicionada, em suma, à conduta sucessiva de
um superior – na hipótese de estruturas verticais – ou de uma ação executiva ulterior – nas
estruturas horizontais.
Para uma melhor compreensão, tome-se o exemplo do compliance officer. Antes de
abordá-lo, entretanto, faz-se necessário situar a figura do compliance no centro das medidas de
gestão adequadas ao ambiente corporativo, tanto para a promoção de melhorias no
comportamento ético desses locais quanto para promover, por meio dos padrões de controle, a
evitação de resultados delitivos217.
A coordenação ou direção dessa atividade se realizará por meio de determinado sujeito,
designado para atuar no ambiente empresarial, exercendo a função de compliance officer ou
“oficial de ética”218. Sua missão seria garantir a adequação, o fortalecimento e o funcionamento
dos sistemas de controle interno219, mitigando riscos e buscando alcançar o cumprimento de
leis e regulamentos, em um local marcado por rupturas informacionais e descentralização.
O poder de supervisão e de autonomia desse sujeito, no entanto, não é homogêneo,
dependendo da realidade adotada para sua organização: tanto pode atuar como responsável
máximo, fazendo parte da alta direção empresarial, ou influindo nas decisões do órgão diretor,
quanto atuar apenas como um subordinado.
De todo modo, o fundamento de sua posição se relaciona com a responsabilidade social
corporativa, a já dita ética empresarial e, se tomado como verdadeiro o “espírito criminal de

216
ESTELLITA, Heloísa. Causalidade na omissão: Um panorama dos problemas das omissões paralelas e
sucessivas na criminalidade de empresa. In: LOBATO, José Danilo Tavares; MARTINELLI, João Paulo Orsini;
SOUZA, Humberto (Orgs.). Comentários ao Direito Penal Econômico Brasileiro. Belo Horizonte: D'placido,
2018. p. 69-113. p. 72.
217
SAAD-DINIZ, Eduardo. Compliance sob a perspectiva da criminologia econômica. In: CUEVA, Ricardo Villas
Bias; FRAZÃO, Ana (Orgs.). Compliance: perspectivas e desafios dos programas de conformidade. Belo
Horizonte: Fórum, 2018. p. 167-191.
218
MARTÍN, Adán Nieto. A institucionalização do sistema de compliance. In: MARTÍN, Adán Nieto
(Coord.). Manual de cumprimento normativo e responsabilidade penal de pessoas jurídicas. Florianópolis:
Tirant Lo Blanch, 2018. p. 231-256. p. 242-243.
219
WALKER JUNIOR, James; FRAGOSO, Alexandre. Da omisão penalmente relevante e a função de compliance
tax criminal nas empresas. In: WALKER JUNIOR, James; FRAGOSO, Alexandre (Orgs.). Direito Penal
Tributário: Uma visão garantista da unicidade do injusto penal tributário. 2. ed. Belo Horizonte: D'placido, 2019.
Cap. 9. p. 421-441.
67

grupo”, com a necessidade de figurar enquanto representante de um “autêntico contrapoder


empresarial”220.
Quando delegadas ao compliance officer (CO) tarefas de reconhecimento de fontes de
perigo ou de identificação das violações jurídicas praticadas no interior da empresa, o
descumprimento desses deveres, por meio de um diagnóstico inadequado ou de uma falha da
comunicação, pode permitir que sobrevenha o resultado típico. Essa situação se dará, por
exemplo, quando a informação fornecida pelo CO aos dirigentes influir na omissão adotada,
pondo em dúvidas se, havendo uma correta comunicação, teriam agido para evitar o resultado.
Em outros termos, lança-se dúvida sobre a atuação do segundo garantidor – dirigente –
ser a mesma se houvesse o correto cumprimento de dever pelo primeiro garantidor221 – CO.
Assim como se buscou demonstrar quando comentadas as omissões simultâneas,
também aqui as duas teorias principais – da evitabilidade e da diminuição do risco – serão
percebidas como insuficientes.
Por um lado, aproxima-se do impossível determinar, nos limites próximos à certeza, que
se adotada a ação devida pelo CO, essa seria apta a evitar o resultado222, conduzindo mais uma
vez à irreponsabilidade ao primeiro, em todo caso, se aplicada a teoria da evitabilidade.
Noutro ponto, embora pela teoria da diminuição do risco fosse possível pensar que a
ação, se adotada, poderia criar uma chance de salvamento, o que, tomadas as posições de Claus
Roxin, seria aplicável ao caso em comento – uma vez que compreende a “condição de uma
condição”, por si, enquanto condição do resultado223 –, permanece incerta a decisão de agir do
segundo garante, não dizendo mais do que mera possibilidade224. Disso não se pode extrair que

220
MARTÍN, Adán Nieto. A institucionalização do sistema de compliance. In: MARTÍN, Adán Nieto
(Coord.). Manual de cumprimento normativo e responsabilidade penal de pessoas jurídicas. Florianópolis:
Tirant Lo Blanch, 2018. p. 231-256. p. 243.
221
Saliente-se que o termo “garantidor”, aqui, é empregado apenas para situar as omissões no tempo e espaço. Não
se trata, sobremaneira, de afirmar a posição de garantidor do complicance officer sem verificar os aspectos
trabalhados no subtópico 3.1, especialmente a previsibilidade do resultado. Tampouco de atribuir a essa figura,
também sem análise prévia, uma ideia de garantidor originário.
222
ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresa por omissão: Estudo sobre a
responsabilidade omissiva imprópria de dirigentes de sociedades anônimas, limitadas e encarregados de
cumprimento por crimes praticados por membros da empresa. São Paulo: Marcial Pons, 2017. (Direito Penal e
Criminologia). p. 266.
223
ROXIN, Claus. Problemas da causalidade intermediada psiquicamente. In: ROXIN, Claus. Novos estudos de
Direito Penal. Organização de Alaor Leite. Tradução Luis Greco et al. 1. ed. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p.
152-181.
224
A respeito da teoria de Claus Roxin e do que se revela neste ponto, cumpre, para fins de registro, apresentar
crítica de Paulo de Sousa Mendes, em MENDES, Paulo de Sousa. Crítica à idéia de diminuiçäo do risco de
Roxin. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 4, n. 14, p. 102-118, abr./jun. 1996, para quem a
adoção da teoria de diminuição do risco “usada com cautela, pode apenas desempenhar a função de mera heurística,
qual sinal intuitivo para a busca das verdadeiras razões materiais que sirvam de arrimo à interrupção do nexo de
imputação objectiva. Tais razões resumem-se, fundamentalmente, num princípio de proporcionalidade na aferição
dos títulos de responsabilidade”.
68

a ação devida diminuiria o risco, no que parece adequada a ponderação de Luís Greco, para
quem “um curso causal real, passível de ser distinguido de algo meramente hipotético, parece
não existir no presente contexto”225.
Sustenta esse último autor, ainda com apoio na diminuição do risco, embora com
fundamento distinto do que apresentara Roxin, que o comportamento adequado poderia ser
presumível por uma “regra de experiência”. Compreende, a partir disso, que em uma sociedade
onde impera o direito, enquanto fator de orientação observado por uma maioria, apesar de não
se poder postular a ficção de que o segundo garantidor (no esquema que aqui apresentamos) se
comportará sempre em conformidade com a norma, esse padrão deveria ser aceito como regra
de experiência226.
Constata-se que, também aqui, não há harmonia nas soluções apresentadas. A
divergência doutrinária indica, além dos riscos de adotar-se como absoluta qualquer das teorias,
que inexiste, ainda, uma resposta global à questão do nexo de causalidade na omissão
imprópria.
São muitos os pontos problemáticos da causalidade na omissão, os quais, quando
somados ao âmbito da criminalidade de empresa, como se observou, ampliam a complexidade
da temática. É preciso ter em vista que, apesar disso, a dificuldade não justifica o afastamento
da causalidade na omissão, exigida no Brasil mediante expressa no art. 13, CP.
Impõe-se, por conseguinte, que a temática seja refletida com serenidade pela
jurisprudência, para que não ocorra um abandono tanto dos limites normativos quanto de um
fundamento material, dogmaticamente amparado, que preencha os conceitos.

3.3 Síntese intermediária

Quando se imputa a determinado sujeito a prática de um ilícito, unicamente pela posição


ocupada na estrutura empresarial, passa-se, em primeiro lugar, a violar uma série de princípios
caros ao sistema criminal.
As noções de garantia, quando corretamente utilizadas, em nada se relacionam com uma
responsabilidade objetiva, rechaçada por nosso sistema criminal, mas a que se assemelha à

225
GRECO, Luís. Problemas de causalidade e imputação objetiva nos crimes omissivos impróprios. Tradução
de Ronan Rocha. São Paulo: Marcial Pons, 2018. (Direito Penal e Criminologia). p. 75.
226
Ibidem. p. 78-79.
69

imputação de dirigentes por mera posição. Tampouco o Direito Penal Econômico funciona
como ramo apartado da ciência jurídica, que comporte tratamento disforme com a realidade
global desse sistema. Seus institutos não podem, em busca de um alargamento da punibilidade,
apresentarem-se como quebras sistêmicas.
Se optar a jurisprudência pela omissão imprópria, enquanto estratégia de
responsabilidade penal, deverá ater-se a seus pressupostos. A identificação de um dever de
garantia, atribuível a esse sujeito, é imperiosa, mas ressalte-se que mesmo presente o dever de
garantia, não se demonstrará, apenas com base nisso, a existência de uma responsabilidade
omissiva imprópria.
Quando discutida a posição de garantidor de um dirigente, principalmente em face a
delitos praticados pelos membros da estrutura empresarial, não se pode olvidar que a
responsabilidade penal possível, em nosso ordenamento, é individual, pela prática de uma
conduta determinada. Desse modo, os aspectos de tipicidade devem ser preenchidos.
Porquanto, um dever de garantidor, que pressupõe um dever especial de agir para evitar
o resultado, só terá conformidade com o art. 13, §2º, CP, quando determinada por lei uma
obrigação de cuidado, proteção ou vigilância, quando de outra forma assumir o sujeito a
responsabilidade de impedir o resultado ou em virtude da ingerência. Do contrário, o que se
tem é uma ofensa ao princípio da legalidade, pela falta de previsão legal. Ofensa que também
se dará quando imputado um dever por simples posição ocupada em um ambiente empresarial,
por ferir a exigência clara da norma penal.
Enquanto conjunto de pessoas organizadas para a persecução de fins econômicos,
adotando o discurso da livre concorrência para pautar as relações de produção, da atividade
empresarial podem decorrer riscos, seja de lesionar bens jurídicos individuais e externos, sejam
bens jurídicos coletivos, supraindividuais. Por esse motivo, sem retomar aqui as objeções
doutrinárias a essa conclusão, quem exerce o controle, mesmo que parcial, sobre a fonte de
perigo, estaria sujeito a eventual atribuição como garantidor de vigilância, com fundamento na
alínea “b” do art. 13, §2º, CP.
Além do controle sobre as fontes de perigo, outros entendimentos que se prestam a
fundamentar a posição de garantidor de um dirigente empresarial, essencialmente, são o poder
diretivo sobre os subordinados e a ingerência. No primeiro caso, o elemento principal é a ideia
de domínio sobre um resultado, que decorreria de seu poder de “comando”; no segundo, a
existência prévia de uma organização potencialmente perigosa, que gerando um risco não
permitido, implicaria o dever de agir desse sujeito para evitar resultados lesivos.
70

Dentre os pontos apresentados como óbice a essas imputações, destacam-se a falta de


correspondência, muitas vezes, entre os dirigentes e as ordens emitidas aos subordinados, por
uma limitação de poderes diretivos e operacionais, verificável tanto em estruturas de
organização horizontal quanto vertical, e distância entre o que cria o risco desaprovado, na
ingerência, e o resultado. Essa última, mais sensível em estruturas que possuem diversas
camadas de gestão, separando a cúpula diretiva dos encarregados.
O §2º do artigo 13, CP, exige, ainda, para que seja relevante a omissão, que haja o dever
concreto de agir, isto é, que se trate da inatividade de uma conduta exigida de evitação do
resultado típico, além da possibilidade, ou seja, e que tivesse o agente capacidade físico-real de
fazê-lo. Deve comprovar-se que o agente possuía, à sua disposição, possibilidade de agir para
evitar o resultado – capacidade física e cognoscibilidade do contexto fático –, identificação que
é impactada sobremaneira, na criminalidade de empresa, pela divisão de tarefas e funções. É
que, nesse momento, levar-se-á em conta a capacidade concreta do agente ao tempo da conduta,
o que perpassa problemas como a assimetria informacional.
Importante rememorar, à vista disso, a necessidade de que essa imputação admita uma
contraprova, sob pena de ferir o princípio da ampla defesa, do contraditório e da presunção da
não culpabilidade, garantias constitucionais, motivo pelo qual os critérios de imputação devem
ser claros ao agente.
Não se pode afastar, igualmente, os alcances do princípio da autorresponsabilidade.
Tendo aplicação geral no Direito, ao determinar que, em um contexto abstrato, cada sujeito terá
preferencialmente a responsabilidade por suas ações227, sua relevância na matéria aqui tratada
significa que apenas quando não presente a vontade desse sujeito, pelo domínio por meio de
um terceiro, será possível a flexibilização, imputando a esse o resultado da conduta daquele.
Caso contrário, poderá pensar-se não a uma hipótese de omissão, mas de imputação recíproca
por coautoria, se afirmar-se a existência de plano comum.
Mesmo superada essa parte inicial, constatada uma situação típica, um dever de agir por
meio da posição de garantidor e a capacidade física de evitar o resultado, o que corresponde a
um desvalor da conduta, é preciso considerar, agora sobre o desvalor do resultado, o nexo de
causalidade e a imputação objetiva.

227
Para maiores esclarecimentos na temática, GRECO, Luís. Domínio da organização e o chamado princípio da
autorresponsabilidade. In: ZILIO, Jacson Luiz; BOZZA, Fábio da Silva (Orgs.). Estudos críticos sobre o sistema
penal. Curitiba: LedZe, 2012.
71

Nessa conjuntura, para que o resultado possa ligar-se ao omitir do garantidor,


principalmente quando o resultado que se lhe atribui parte de uma conduta praticada por pessoa
diversa, supostamente subordinada, será preciso pensar na categoria da causalidade.
Trata-se de requisito que, ao menos no Brasil, não pode ser afastado ou substituído, sob
risco de, mais uma vez, ferir-se o princípio da legalidade e seus corolários, uma vez que exigido
pelo caput do art. 13, CP.
As duas principais propostas de solução, apresentadas como a teoria da evitabilidade e
a teoria da diminuição do risco, essa última aparentando maior acerto, também se mostram
insuficientes para responder, finalmente, aos problemas que se apresentam no âmbito da
criminalidade empresarial, em delitos omissivos impróprios.
Decisões colegiadas, implicando omissões simultâneas, e questões como a interferência
do compliance officer na atuação dos administradores da empresa, suscetíveis a um cenário de
omissões sucessivas, revelam a necessidade de que a esfera de responsabilidade desses sujeitos,
enquanto garantidores, seja vista com cautela.
Apesar da maior adequação da omissão imprópria à imputação de dirigentes, em
detrimento do anterior e inadequado uso da teoria do domínio do fato nesse campo, embora não
livre de percalços, a jurisprudência brasileira vem, pouco a pouco, aplicando essas
compreensões fora de contexto.
Em vez de fixar parâmetros, ao próprio poder de garante e aos meios para se aferir em
que circunstâncias mínimas a ofensa ao bem jurídico será atribuível ao empresário, tem se
verificado, diante dos desafios de identificação no contexto fático, um inaceitável atropelo de
respostas penais.
72

4 ANÁLISE DAS DISTORÇÕES NA IMPUTAÇÃO DE DIRIGENTES POR


CRIMINALIDADE DE EMPRESA: PROBLEMAS PRÁTICOS

“Que fim pode ser legítimo quando algo já nasce problemático, ab


ovo? Procedimentos heterodoxos, mesmo que para finalidade legítima? Isso
é conforme a ordem constitucional?”228 (Lenio Streck).

Retomando o conceito de criminalização secundária, a que se fez referência no início


deste trabalho, na qualidade de ação punitiva que se exercerá sobre pessoas concretas, com
operacionalidade por meio de diversos atores, merece destaque sua submissão à agência
judicial, cuja orientação reúne precipuamente o órgão de acusação e o julgador.
O caráter mitológico do discurso criminal, no sentido atribuído por Rubens Casara, não
raro conduz à sua instrumentalização para restabelecer uma paz social violada – muito embora
um efetivo restabelecimento, por meio da persecução, não encontre amparo em pesquisas
empíricas229.
As considerações de Sigmund Freud, em Totem e Tabu, ao abordar os modos com que
o tabu se manifesta, talvez se prestem a clarear esse sentimento na responsabilidade de
dirigentes por criminalidade de empresa. Explica Freud que, aquele que adota uma conduta
proibida, transgredindo o tabu, torna-se o próprio tabu. Atenta, apesar disso, para o fato de
existirem determinadas pessoas, em estados especiais, que ainda que não executem qualquer
conduta proibida, terão o tabu aderido a sua imagem230.
Isso se deve, conforme o psicanalista, dentre outros fatores, ao estado ocupado pelo
indivíduo despertar em terceiros um conflito de ambivalência231. Se rememorada a construção
de Sutherland, reforçada no cenário nacional por nomes como Ela Wiecko Castilho, quanto à
imunidade histórica em que se posicionam os sujeitos da criminalidade econômica, será
possível compreender de que modo os dirigentes empresariais foram, gradativamente, inseridos
nessa posição232.
É com essa perspectiva, também, que se pode constatar um processo de naturalização,
na esfera social, das condutas adotadas pelos agentes de criminalização secundária, ainda que

228
STRECK, Lenio. Porque processo penal e garantias jamais rimam com "heterodoxia"! ConJur, São Paulo, 13
dez. 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-dez-13/senso-incomum-porque-processo-penal-
garantias-jamais-rimam-heterodoxia. Acesso em: 08 out. 2019.
229
CASARA, Rubens R. R. Mitologia Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 197.
230
FREUD, Sigmund. Totem e Tabu: Algumas correspondências entre a vida psíquica dos selvagens e a dos
neuróticos. Tradução do alemão de Renato Zwick. Porto Alegre: L&pm Editores, 2013. p. 75.
231
Ibidem. p. 76.
232
O próprio Sigmund Freud, embora não se refira especificamente aos dirigentes de empresa, utiliza como
exemplo dessa categoria figuras situadas em espectros de poder, como os reis e os chefes. Ibidem, p. 76.
73

irregular, na persecução de tais sujeitos. Em uma análise sob o viés filosófico, oferecido por
Márcia Tiburi, o problema se insere em uma situação limite no que concerne à moral e à ética.
Em verdade, afirma, é “como se a ética e a moral realmente fossem excrecências inúteis” diante
do momento que se presencia233.
Há de se admitir que a substituição de um desejo democrático pelo desejo de audiência,
guiado pelo insaciável furor persecutório, não é evento novo. O fascínio pela repressão ao crime
acompanha a sociedade por séculos – que o demonstrem as execuções públicas, representadas
por espetáculos dantescos234, como o ainda estudado “cumprimento de sentença” de Tiradentes,
condenado à forca em 1792 –, estimulado pelos meios de comunicação.
A novidade, entretanto, reside no maior alcance dessas agências de comunicação, em
sua influência nos valores sociais, na capacidade de alterar o significado da realidade e nos
sentimentos que despertam nesses grupos235, atrelado aos efeitos simbólicos da mística “luta
anticorrupção”. Ao contrário, sua consequência no discurso jurídico, com maior ênfase desde a
AP 470, nada tem de simbólica: vem-se traduzindo, pragmaticamente, na utilização de
caminhos heterodoxos para alcançar o “legítimo fim”, e no que toca a este estudo, flexibilizando
os meios de imputá-lo.
Abandonando a valiosa lição de Schopenhauer, ao afirmar que quem quiser que seu
julgamento seja crido, deverá proferi-lo sem paixão, dado que “toda impetuosidade tem origem
na vontade: razão pela qual se haverá de atribuir o julgamento em questão a esta, e não ao
conhecimento, que é frio por natureza”236, o intento de responsabilizar os dirigentes
empresariais, como se ilustrará aqui por meio de denúncias oferecidas pelo órgão de acusação,
parece dizer mais sobre o tabu freudiano do que sobre a dogmática-jurídico-penal.
Crer-se-á, ainda ao valer-se da precisa lição, “que o juízo se originou da vontade
excitada” antes de que “a excitação da vontade tenha surgido do juízo” 237. Abandonados os
critérios de imputação, esvaziados os conceitos e afastados os limites impostos pelas garantias,

233
TIBURI, Marcia. Ética, hoje: o que a Lava Jato nos coloca como questão. 2019. Disponível em:
https://revistacult.uol.com.br/home/etica-lava-jato-marcia-tiburi/. Acesso em: 14 ago. 2019.
234
SHECAIRA, Sérgio Salomão. A criminalidade e os meios de comunicação social de massas. Revista
Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 3, n. 10, p. 135-143, abr./jun. 1995.
235
“De uma maneira ou de outra, as mensagens que são transmitidas passam a integrar a maneira de ser da
população que está submetida a sua influência. O mundo atual, mundo das comunicações, vive da ficção, da
fantasia, em que a definição de realidade assume um papel maior que a própria realidade. [...] Sentimentos intensos
e ocultos como a agressividade, os preconceitos sociais, raciais e morais e, principalmente, o medo, ganham vida
própria no grande espetáculo”. SHECAIRA, Sérgio Salomão. A criminalidade e os meios de comunicação social
de massas. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 3, n. 10, abr./jun. 1995. p. 136.
236
SCHOPENHAUER, Arthur. Aforismos para a sabedoria de vida. Tradução do alemão de Gabriel Valladão
Silva. Porto Alegre: L&PM, 2019. p. 219.
237
Ibidem.
74

é possível atingir o resultado a que se prestou a acusação: oferecer respostas penais aos anseios
públicos. Inverte-se a “ordem natural das coisas”, de maneira que o caminho argumentativo é
que decorrerá de um resultado desejado e preestabelecido.
A linguagem de que se valem esses instrumentos, assim como se destacou, ao abordar
o suposto “espírito criminal de grupo”, e a utilização de termos que facilitam a adesão a
investidas criminógenas, adquire aqui uma carga de violência simbólica, de perpetuação do
poder punitivo, a depender do momento em que sejam empregadas certas terminologias.
Expressões como “supremacia do interesse público”, “ponderação de valores” e “justa medida”,
apenas para elencar alguns exemplos, visam a transformar a ponderação em um “enunciado
performativo”238, descriterioso.
Dessa maneira, o preenchimento de determinados conceitos se dará por loteria, viciada,
muitas vezes, a depender de quem figura como acusado. Abre-se espaço para o cometimento
de arbitrariedades, sopesando princípios e categorias para um maior êxito probatório ou para o
oferecimento de soluções ao caso concreto, que se apresenta imensamente dificultoso em dadas
circunstâncias, como a que se revelou ao tratar, por exemplo, das omissões simultâneas.
Os problemas práticos são, sobretudo, de legitimidade. A simplificação ou o uso de
retalhos, construídos ao selecionar aspectos favoráveis ao intento punitivo em diversas teorias,
ainda quando incompatíveis umas com as outras, distancia-se da base do próprio sistema
criminal e da racionalidade da ordem jurídica239.
No tocante ao último aspecto, ao menos três hipóteses de violação se manifestam: a
ausência de clareza nos conceitos, impedindo que sejam verificáveis por qualquer pessoa; a
dificuldade de compreensão dos elementos constitutivos na disciplina dos fatos; e a
criminalização fundada não apenas em desdobramentos causais sensíveis, o que representa, à
luz do Código Penal brasileiro, e conforme já demonstrado, um problema de legalidade.
A sobrecriminalização, firmada por um processo político que expande o sistema
criminal e o endurecimento de sanções, por meio do medo e do sentimento de identificação

238
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto - Decido conforme minha consciência? 4. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2013. (Coleção O Que É Isto?). p. 51-52.
239
A respeito disso, esclarece Juarez Tavares que, “ainda que o significado de racionalidade seja polissêmico, será
possível impor condições mínimas que possam impedir a constituição de uma ordem jurídica irracional”. Assim,
assinala, seguindo a metodologia proposta por Hubner, uma ordem jurídica racional exigirá a presença, ao menos,
dos seguintes requisitos: “a) edificação de conceitos que, por sua clareza, possam ser identificados por qualquer
pessoa; “b) a disciplina de fatos de modo a possibilitar a compreensão de seus elementos constitutivos; c) a
sistematização de normas que obedeçam a uma sequência lógica; d) a fundamentação da criminalização apenas
sobre condutas e seus desdobramentos causais sensíveis; e) a subordinação das normas às características empíricas
da conduta e às condições de seu autor, segundo suas possibilidades e participação no processo de elaboração
legislativa.”. TAVARES, Juarez. Fundamentos de teoria do delito. Florianópolis: Tirant Lo Blanch, 2018. p. 63.
75

com as vítimas, adquirindo outros contornos quando essas se transformam em vítima-coletivo,


é também refletida nessas denúncias.
São parte de um sistema criminal politizado, em último grau, pela tendência de
“governar pelo crime”240 e pelo populismo punitivo, política adotada, em âmbito internacional,
por George H.W. Bush, nos Estados Unidos, e retomada por Donald Trump.
No cenário brasileiro, na era Lula e, posteriormente, no governo Dilma Rousseff, surge
a mesma política, pontualmente visualizada nas duras legislações de combate à corrupção, a
exemplo da Lei 12.846/2013 (“Lei Anticorrupção”), da alteração na Lei 9.313/98 pela Lei
12.683/2012 (“Nova Lei de Lavagem de Dinheiro”) e, ainda, da Lei 12.850/2013 (“Lei das
Organizações Criminosas”), também utilizada nessa matéria.
Atualmente, com especial força no governo Bolsonaro, observada em uma gestão que
se expressa no estigma, na imposição de pena como forma de evitar “um mal maior”, e na
“barbarização legislativa” para satisfazer uma demanda contra a impunidade241.
Por meio dessas críticas, não se afirma a impropriedade de construções penais
econômicas, como outrora se presenciou, mas a falha na aplicação de algumas dessas
categoriais e entendimentos, motivada pelos apelos sociais, conduzindo a um modo de punir
ilegítimo.
Sobre os casos que inspiraram esse debate, por esse mesmo motivo, não se fará qualquer
análise a respeito da culpabilidade, que corresponde a um segundo momento na imputação
penal. Propõe-se, em contrapartida, um olhar sobre o início desse caminho rumo à punibilidade
de dirigentes; uma demonstração, amparada pela dogmática e pela legislação penal brasileira,
da (in)compatibilidade entre os pressupostos de responsabilidade penal e os tortuosos meios de
imputação adotados nessas circunstâncias.

4.1 Situação A – Responsabilidade de dirigentes de empresa por meio da teoria do domínio


do fato e “aparatos organizados de poder”
A principal via de imputação aos dirigentes de empresa indicada pela jurisprudência,
exaustivamente repetida na AP 470, é a atribuição de autoria mediante “domínio do fato”, com
fulcro na teoria de Claus Roxin.

240
LYRA, José Francisco Dias da Costa. A sobrecriminalização ou a tendência de governar pelo crime e a
produção de castigos injustos: os excessos do Pharmakon no direito penal da modernidade. Revista Brasileira de
Ciências Criminais, São Paulo, v. 26, n. 150, p. 450-480, dez. 2018.
241
Valendo-se este trabalho da terminologia empregada por LYRA, José Francisco Dias da Costa. A
sobrecriminalização ou a tendência de governar pelo crime e a produção de castigos injustos: os excessos do
Pharmakon no direito penal da modernidade. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 26, n. 150,
dez. 2018. p. 470.
76

Cumpre esclarecer, preliminarmente, que mesmo após a reforma da Parte Geral do


Código Penal brasileiro, em 1984, permaneceu no ordenamento a opção por um sistema unitário
de autor. É o que está contido, expressamente, na própria Exposição de Motivos à “Nova Parte
Geral”242, e previsto no art. 29, caput, CP, quando determina que aquele que de qualquer modo
concorre para o crime incide nas penas a esse cominadas, na medida se sua culpabilidade.
Esse sistema, entretanto, não é inteiramente incompatível com uma diferenciação das
modalidades de autoria, o que resta evidenciado ao aludir o legislador à culpabilidade, no final
do dispositivo, limitando uma interpretação mais radical. Daí que, ao tratar da temática, será
dito que o Brasil adotou uma “teoria unitária temperada”, a qual, em termos mais adequados,
corresponde a um “sistema unitário funcional”243.
Posto isso, é que se poderá analisar em que medida o Código Penal brasileiro admite a
dita teoria de Roxin, e se sua utilização, de maneira geral, é aplicável à punibilidade de
dirigentes e superiores hierárquicos. Para tanto, serão utilizadas duas denúncias oferecidas pelo
Ministério Público Federal, valendo-se, no primeiro caso, do domínio do fato para imputar a
autoria aos dirigentes da empresa IESA OLÉO E GÁS e QUEIROZ GALVÃO244, e no segundo,
ao ex-presidente Lula245, por atos de corrupção passiva praticados na empresa de economia
mista Petrobras.
O ponto de partida básico é que, em qualquer modelo de imputação, não é admissível
uma responsabilidade originada na simples ocupação de cargo, pressupondo, então, uma
necessidade de ação ou omissão desse sujeito para a responsabilidade penal.
Nos contornos dados por Claus Roxin, a teoria do domínio do fato diferencia autores e
partícipes, o que corresponde a uma concepção que tem como base o sistema diferenciador de

242
Item 25: “O Código de 1940 rompeu a tradição originária do Código Criminal do Império, e adotou neste
particular a teoria unitária ou monística do Código italiano, como corolário da teoria da equivalência das
causas (Exposição de Motivos do Ministro Francisco Campos, item 22). Em completo retorno à experiência
passada, curva-se, contundo, o Projeto aos critérios dessa teoria, ao optar, na parte final do artigo 29, e em seus
dois parágrafos, por regras precisas que distinguem a autoria de participação. Distinção, aliás, reclamada com
eloqüência pela doutrina, em face de decisões reconhecidamente injustas.”. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-2848-7-dezembro-1940-412868-
exposicaodemotivos-148972-pe.html. Acesso em: 15 out. 2019.
243
Isso se deve ao fato, como esclarece Pablo Alflen, de ter o legislador brasileiro admitido uma diferenciação
entre as modalidades de autoria, mas não estabelecer a acessoriedade do autor imediato. ALFLEN, Pablo
Rodrigo. Teoria do Domínio do Fato. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 169.
244
Denúncia apresentada em 1.1, “B”
245
Denúncia apresentada em 1.1, “C”
77

autoria e participação, e não o unitário246, rechaçando, ainda, premissas causais-naturalísticas,


que nessa última hipótese serviriam de suporte247.
Reinterpretar o caput do art. 29, CP, nos moldes dessa teoria, adaptando-a no que
coaduna com a opção do legislador248, traria para a dogmática brasileira a análise da autoria
imediata, autoria mediata e coautoria tendo como critério reitor os três tipos de domínio,
detalhados no subtópico 2.3 deste estudo: o domínio da ação, o domínio da vontade e o domínio
funcional. Aquele que não o possuir poderá, ainda, ser responsabilizado, mas apenas na
condição de partícipe.
A jurisprudência, no entanto, parece não ter realizado qualquer reinterpretação,
assinalando os termos em que existiria compatibilidade entre o sistema unitário adotado pelo
legislador e a teoria do domínio do fato, pensada para o sistema diferenciador.
O que se evidencia, ao contrário, é a transposição das diretrizes do domínio do fato aos
casos sob análise, desconsiderando sua incompatibilidade com a ordem jurídica vigente249. No
primeiro deles, o Ministério Público Federal buscou fundamentar, através do domínio funcional
do fato, o status de autoria a 7 (sete) dirigentes.
Tal qual a construção de Roxin, conforme se adiantou, o domínio do fato não seria, em
si, a definição de autoria, mas um critério reitor; um conceito aberto, não classificatório250. Por
essa razão, afirmar em uma denúncia ou decisão que um determinado sujeito é autor, por possuir
“o domínio do fato”, não delimitando quais circunstâncias concretas o situam como “senhor”
desse fato, corresponde a uma assertiva vazia de conteúdo.

246
Observe-se, por exemplo, em ROXIN, Claus. Autoria y domínio del hecho en derecho penal. Traduccion de
la séptima edición alemana por Joaquín Cuello Contreras y José Luis Serrano Gonzalez de Murillo. Madrid:
Marcial Pons, 2000. p. 489-490.
247
Sobre esta afirmativa, ver GRECO, Luís; ASSIS, Augusto. O que significa a teoria do domínio do fato para a
criminalidade de empresa. In: GRECO, Luís et al (Orgs.). Autoria como domínio do fato: Estudos introdutórios
sobre o concurso de pessoas no direito penal brasileiro. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 81-122. (Direito Penal
e Criminologia). p. 87 e ALFLEN, Pablo Rodrigo. Teoria do Domínio do Fato. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 196-
170.
248
Nesse ponto, convém informar a existência do problemático PSL nº 236, de 2012, tratando da Reforma do
Código Penal Brasileiro, ainda em tramitação. O anteprojeto apresentado pretende inserir o concurso de pessoas
no Art. 38, referindo-se, expressamente, a autor como aquele que “domina o fato”, inclusive “utilizando aparatos
organizados de poder”, categoria desenvolvida por Claus Roxin. Para consulta:
https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106404. Acesso em: 15 nov. 2019.
249
ALFLEN, Pablo Rodrigo. Teoria do Domínio do Fato. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 170.
250
“Hay que encontrar un procedimiento com ayuda del cual quepa compelemntar en su contenido el concepto de
domínio del hecho de una manera que parte dé cuenta de los cambiantes fenómenos vitales, y por otra parte también
pueda alcanzar uma gran medida de determinación. Además, debe permitir someter a una regulación
generalizadora de las formas básicas que aparecen uma y otra vez en la multiplicidad de los grupos de casos, y al
mismo tiempo ofrecer la posibilidad de valoración justa de los casos concretos que escapan a la normación
abstracta. Alcanzar estos fines tan distintos sólo es posible concibiendo el domínio del hecho como concepto –
permítaseme la expresión – “abierto”.” ROXIN, Claus. Autoria y domínio del hecho en derecho
penal. Traduccion de la séptima edición alemana por Joaquín Cuello Contreras y José Luis Serrano Gonzalez de
Murillo. Madrid: Marcial Pons, 2000. p. 146.
78

Essa ideia, ainda, não é aplicável a todas as espécies delituosas, excluindo-se, por
exemplo, os delitos de dever, os delitos de mão própria e os delitos culposos251.
Disso decorre que não será possível confundir o domínio do fato com o poder de evitá-
lo, para atribuí-lo, assim, a todo e qualquer dirigente, em uma intuitiva posição de garantidor.
Isso porque essa teoria se refere aos delitos de domínio, comissivos dolosos. A posição de
garantidor, por sua vez, é prevista no art. 13, §2º, CP, como elemento típico dos crimes
omissivos impróprios, aos quais a ideia de domínio do fato é absolutamente inaplicável, mesmo
no sistema diferenciador.
Ademais disso, o domínio funcional do fato (apenas uma das expressões do domínio
do fato) deriva da existência de um plano comum – e da impossibilidade de realizá-lo se não
atuarem conjuntamente –, de ter cada sujeito “o fato em suas mãos”252, dividindo tarefas e
contribuições relevantes. Surge, portanto, já como resultado da argumentação, não podendo,
nem mesmo logicamente, ser também seu fundamento253.
Com base nesse conceito, se imputou a autoria aos dirigentes na primeira denúncia,
com destaques inseridos neste trabalho, inicialmente quanto ao delito de corrupção ativa:

“OTTO GARRIDO SPARENBER: como já salientado, exercia o cargo de diretor de


operações da IESA ÓLEO E GÁS, sendo o responsável pelas operações e implantações de
obras. Foi OTTO GARRIDO quem assinou o contrato com a COSTA GLOBAL, conforme será
oportunamente imputado. Em relação a este contrato, OTTO GARRIDO SPARENBER
apareceu numa planilha de PAULO ROBERTO COSTA como ponto de contato da IESA.
Esses fatos indicam que OTTO GARRIDO SPARENBER tinha domínio funcional sobre os
fatos criminosos envolvendo a corrupção na IESA ÓLEO E GÁS” (fls. 32 e 33).

“RODOLFO ANDRIANI: ocupava posição de diretor da IESA ÓLEO E GÁS e participava,


juntamente com VALDIR CARREIRO, das reuniões do cartel.

251
Luís Greco e Alaor Leite, em GRECO, Luís; LEITE, Alaor. O que é e o que não é a teoria do domínio do fato:
Sobre a distinção entre autor e partícipe no direito penal. In: GRECO, Luís et al (Orgs.). Autoria como domínio
do fato: Estudos introdutórios sobre o concurso de pessoas no direito penal brasileiro. São Paulo: Marcial Pons,
2014. Cap. 1. p. 44.
252
ROXIN, Claus. Autoria y domínio del hecho en derecho penal. Traduccion de la séptima edición alemana
por Joaquín Cuello Contreras y José Luis Serrano Gonzalez de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 2000. p. 309.
253
Assinalam Luís Greco e Alaor Leite, em GRECO, Luís; LEITE, Alaor. O que é e o que não é a teoria do
domínio do fato: Sobre a distinção entre autor e partícipe no direito penal. In: GRECO, Luís et al (Orgs.). Autoria
como domínio do fato: Estudos introdutórios sobre o concurso de pessoas no direito penal brasileiro. São Paulo:
Marcial Pons, 2014. (Direito Penal e Criminologia). Cap. 1. p. 39-40, que esse corresponde a um dos erros mais
comuns ao aplicar a teoria do domínio do fato na jurisprudência.
79

Em mensagem eletrônica apreendida na sede da IESA em 14/11/2014, RODOLFO ADRIANI


aparece como destinatário de uma mensagem enviada por “valerio” cujo tema é a lista de
convidados para UCH do COMPERJ, com budget de R$ 1,5 bilhão (Anexos 274 e ss.- evidência
nº 21). Esse fato indica que RODOLFO ANDRIANI tinha domínio funcional sobre os atos de
corrupção ativa que eram desencadeados na IESA ÓLEO E GÁS como um verdadeiro modelo
de negócio.” (fl. 33)

“PETRÔNIO BRAZ JUNIOR, ANDRÉ GUSTAVO DE FARIAS PEREIRA, OTHON


ZANOIDE DE MORAES FILHO, AUGUSTO AMORIN COSTA e ILDEFONSO
COLARES FILHO ocupavam cargos de diretoria e tinham domínio funcional dos atos
criminosos praticados por intermédio da QUEIROZ GALVÃO.” (fl. 34).

A respeito das condutas de cada denunciado acima referido, aptas a atribuir-lhes a


autoria sob justificativa de um “domínio funcional”, assim individualizou o parquet:

“PETRONIO BRAZ JUNIOR é diretor da Construtora QUEIROZ GALVÃO desde 2012,


tendo substituído ILDEFONSO COLARES no controle dos pagamentos de propina. Na busca
e apreensão na sua residência, foram encontradas anotações manuscritas de uma reunião do
cartel. Essa evidência corrobora outras provas elencadas pelo CADE (Anexos 274 e ss.) como
mensagens eletrônicas tratando dos encontros do grupo criminoso, o que indica a consciência
do denunciado acerca do modelo de negócios baseado no pagamento de propina pela QUEIROZ
GALVÃO.” (fl. 34.)

“ANDRÉ GUSTAVO DE FARIAS PEREIRA: era diretor da QUEIROZ GALVÃO também


subordinado a ILDEFONSO COLARES na condução das atividades ilícitas. Isso se comprova
pelo fato de o denunciado ser destinatário das mensagens eletrônicas relacionadas à atividade
do cartel, já mencionadas nos tópicos anteriores. Ademais, ANDRE GUSTAVO enviou e-mail
marcando uma reunião do cartel para 18/06/2013, conforme se detalhou na imputação do crime
contra a ordem econômica.” (fl. 34)

“OTHON ZANOIDE DE MORAES FILHO: era diretor de óleo e gás da QUEIROZ


GALVÃO. Há um abundante conjunto de provas já mencionadas que apontam para OTHON
ZANOIDE DE MORAES FILHO como um dos responsáveis na QUEIROZ GALVÃO para
tratar de assuntos referentes ao pagamento de propina e a manutenção do cartel da
80

PETROBRAS, comparecendo nas reuniões para definir os ajustes e fazendo contatos diretos
com ALBERTO YOUSSEF para acordar o pagamento de propina por intermédio de doações
oficiais.” (fl. 33).

“ILDEFONSO COLARES FILHO: até 2012, foi presidente da CONSTRUTORA QUEIROZ


GALVÃO, sendo o principal líder do Grupo QUEIROZ GALVÃO em questões relacionadas
ao cartel e aos atos de corrupção e lavagem de dinheiro na PETROBRAS. Comparecia as
reuniões do Clube e mantinha contato direto com os agentes públicos corruptos da
PETROBRAS para acertar detalhes do pagamento de propina.”. (fl. 34).

Confrontando as definições de autoria verificadas na denúncia com o domínio do fato,


de Claus Roxin, e notadamente o domínio funcional do fato, reiteradas vezes afirmado pelo
parquet, supondo-se que a teoria fosse aplicável ao sistema unitário, algumas condutas
restariam de pronto excluídas de sua abrangência. Frise-se, por oportuno, que este trabalho não
se propõe à análise de culpabilidade, mas apenas da adequação entre os pressupostos de
imputação da autoria aos dirigentes e o caminho adotado.
Com relação aos acusados André Gustavo de Farias Pereira, diretor da Queiroz Galvão;
Petrônio Braz Júnior, também diretor da construtora Queiroz Galvão; e Otto Garrido Sparenber,
diretor de operações Iesa Óleo e Gás, o suposto domínio funcional do fato se justificaria, de
acordo com o parquet, respectivamente, pelo envio de um e-mail marcando reunião para o cartel
e por ser destinatário de mensagens eletrônicas relativas a suas atividades, por “ter consciência”
acerca do modelo de negócios baseado no pagamento de propinas pela empresa e por figurar
na planilha de um dos envolvidos como ponto de contato da IESA.
Ainda que se alegue reprovabilidade das condutas, não seria possível fundar a
responsabilidade por meio de uma autoria por domínio funcional. Isso porque nenhuma das
condutas descritas acima se reporta à realização, de mão própria, de elementos do tipo ou da
execução de uma tarefa fundamental no marco de organização desse plano comum. Mesmo
com relação ao diretor André Gustavo, afirmando-se ter enviado e-mail no intuito de marcar
reunião para o cartel, em nada se refere o parquet a uma conduta ativa no delito imputado, que
nesse momento se tratava de corrupção passiva, nos termos do art. 333, CP, e não formação de
cartel, como prevê o art. 4º da Lei 8.137/90.
O domínio funcional, além disso, difere-se pela imputação de autoria recíproca, que
pressupõe a existência de plano comum e contribuição relevante de cada coautor. Assim, trata-
81

se de erro conceitual afirmar a conformidade dessas condutas, unicamente pelo descrito, com o
domínio funcional do fato, expressão da teoria do domínio do fato.
Com relação ao diretor Rodolfo Andriani, destinatário de mensagem cujo tema seria a
lista de convidados para uma suposta negociata de valores ilícitos, indicando essa situação que
“tinha o domínio funcional sobre os atos de corrupção ativa que eram desencadeados na IESA
ÓLEO E GÁS como um verdadeiro modelo de negócio”254, note-se que, ainda que porventura
existisse conhecimento do diretor a respeito de práticas ilícitas desencadeadas na empresa,
poderia cogitar-se o dever de evitá-las por meio de uma posição de garantia, mas não seria
possível, igualmente ao que se narrou acima, a imputação de autoria por intermédio do domínio
funcional. Decorre essa afirmativa da ausência de realização de mão própria dos elementos do
tipo, e por se inserir a posição de garantia no âmbito das condutas excluídas da teoria do
domínio do fato.
Especificamente na verificação do “plano comum”, em contexto empresarial, elemento
que torna dificultosa sua evidência é a distância entre os dirigentes empresariais e os
funcionários, bem como as assimetrias informacionais, impondo dificuldades concretas ao
preenchimento de requisitos para a coautoria, por meio dessa expressão de domínio.
Tal qual o plano comum, a análise do que representaria uma “contribuição relevante”
em contexto empresarial, enfrenta diversos percalços. Esse requisito objetivo pode se
manifestar, assim como se expôs no subtópico 2.2, tanto na fase preparatória quanto na fase
executória. Apesar de assim afirmá-lo255, Claus Roxin, no desenvolvimento de sua teoria,
mostra-se adequada a ressalva de Luís Greco e Augusto Assis, para quem “parece que, por
maior que seja, não há contribuição prestada na fase preparatória que possa compensar a falta
de contribuição relevante na fase executória”256.
A gravidade de imputar-se reciprocamente uma conduta delituosa, permitindo inclusive
que os dirigentes respondam não apenas por seus atos, mas também pelos praticados, à primeira
vista, por terceiros, exige uma forte legitimação.
Diante das dificuldades apresentadas, assim como, afastando-se do plano hipotético,
verdadeiramente não ser adequado transpor a teoria do domínio do fato para o sistema unitário
de autoria e participação, conforme se antecipou, sem repensá-la – o que não se daria

254
Fl. 33 da denúncia em questão.
255
ROXIN, Claus. Autoria y domínio del hecho en derecho penal. Traduccion de la séptima edición alemana
por Joaquín Cuello Contreras y José Luis Serrano Gonzalez de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 2000. p. 323– 326
e 334-336.
256
GRECO, Luís; ASSIS, Augusto. O que significa a teoria do domínio do fato para a criminalidade de empresa.
In: GRECO, Luís et al (Orgs.). Autoria como domínio do fato: Estudos introdutórios sobre o concurso de pessoas
no direito penal brasileiro. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 81-122. (Direito Penal e Criminologia). p. 96.
82

casuisticamente, mesmo porque, para os moldes em que foi concebida, as generalidades da


teoria dependem de um preenchimento doutrinário com observância a grupos de casos, e não
jurisprudencial –, parece pertinente que se busquem soluções já contidas no ordenamento
brasileiro.
O conceito mais acertado para buscar uma responsabilidade da pessoa física dos
dirigentes, em situações como as descritas na denúncia sob exame, seria valer-se o parquet de
uma análise à luz da teoria dos crimes omissivos impróprios. Hipóteses como essas, onde há
ausência de um comando do superior hierárquico, que caracterizaria um delito comissivo, mas
que o resultado poderá se dar pelo não impedimento, em virtude de um comando omitido,
encontram espaço nas discussões em torno do art. 13, caput, CP.
Caberá, então, que se observe não mais a existência de plano comum ou de contribuição
relevante, mas em um primeiro momento, de um dever de garantia, para o qual não bastará uma
análise meramente formal, sob pena de incorrer-se na mesma inconsistência. Não se trata de
alargar o Direito Penal, como se busca fazer, desde o caso Mensalão, com o distorcido uso da
teoria do domínio do fato, como se fosse um escape mágico para ampliar as punições257, mas
de uma opção metodologicamente aceitável se aferida concretamente.
Na denúncia em que figurou como acusado o ex-presidente Lula, por seu turno, no
momento das imputações de corrupção ativa e passiva, valeu-se o Ministério Público Federal
das noções de domínio do fato assentada na modalidade de domínio da vontade por aparato
organizado de poder. Trata-se de expressão também detalhada no subtópico 2.2 do presente
estudo, referente às organizações estruturadas verticalmente, dissociadas da ordem jurídica, da
qual se vale determinado agente para emitir ordens, que serão executadas por sujeitos em
posição hierárquica inferior, tendo sua vontade fungível à estrutura. O agir desses encarregados
se dará como “mera engrenagem de uma estrutura automática”258, sendo o agente que se valeu
dessa um autor mediato. É a figura do domínio da organização.
Assim definiu o parquet a relação do acusado com a Petrobras, empresa brasileira de
economia mista, com grifos acrescidos neste trabalho:

257
Interessante, a respeito disso, a conclusão de Luís Greco e Alaor Leite, ao analisar as hipóteses de
responsabilidade de dirigentes se utilizada a teoria do domínio do fato, em detrimento dos ordinários recursos do
Art. 29, CP. Afirmam os autores, ao final do estudo, que “se alguém, reportando-se ao domínio do fato, chegar a
uma conclusão que pune mais do que seria possível punir só com recurso ao Art. 29, do CP, há grande
probabilidade ou mesmo uma presunção de que esse alguém esteja aplicando a ideia de domínio do fato de forma
errônea, usando como artimanha retórica um termo cujo real significado desconhece”. 257 Luís Greco e Alaor Leite,
em GRECO, Luís; LEITE, Alaor. O que é e o que não é a teoria do domínio do fato: Sobre a distinção entre autor
e partícipe no direito penal. In: GRECO, Luís et al. Autoria como domínio do fato: Estudos introdutórios sobre o
concurso de pessoas no direito penal brasileiro. São Paulo: Marcial Pons, 2014. Cap. 1, pg. 45.
258
Ibidem. p. 27-28.
83

“Nesse contexto de atividades delituosas praticadas em prejuízo da Petrobras, LULA dominava


toda a empreitada criminosa, com plenos poderes para decidir sobre sua prática, interrupção e
circunstâncias. Nos ajustes entre diversos agentes públicos e políticos, marcado pelo poder
hierarquizado, LULA ocupava o cargo público mais elevado e, no contexto de ajustes
partidários, era o maior líder do Partido dos Trabalhadores. Nessa engrenagem criminosa,
marcada pela fungibilidade dos membros que cumpriam funções, a preocupação primordial dos
agentes públicos corrompidos não era atender ao interesse público, mas sim atingir, por meio
da corrupção, o triplo objetivo de enriquecer ilicitamente, obter recursos para um projeto de
poder e garantir a governabilidade. Os atos de LULA, quando analisados em conjunto e em seu
contexto, revelam uma ação coordenada por ele, desde o início, com a nomeação de agentes
públicos comprometidos com o desvio de recursos públicos para agentes e agremiações
políticas, como foi o caso dos Diretores da Petrobras, até a produção do resultado, isto é, a
efetiva corrupção para atingir aquelas três finalidades.” (fl. 107).

O trecho acima transcrito busca, de um lado, conceituar a ideia de domínio da


organização, atribuível ao acusado, e de outro, as noções de que funcionaria a Petrobras, nessas
circunstâncias, como um aparato organizado de poder. Inúmeros erros conceituais, sem
embargo, residem nessa imputação.
Em primeiro lugar, ainda que se imaginasse uma compatibilidade entre a teoria do
domínio do fato e o sistema unitário, sua utilização, na hipótese delituosa acima abordada,
findaria impossível.
Consoante o aqui exposto, a teoria de Claus Roxin possibilita a diferenciação entre
autores e partícipes apenas nos delitos de autoria geral. O delito de corrupção passiva, previsto
no art. 317, CP, no entanto, corresponde a um delito de dever, no qual apenas o sujeito possuidor
de um dever jurídico determinado poderá ser imputado na condição de autor, conjectura que
torna inidôneo o uso do domínio do fato.
Não bastasse isso, o domínio da organização, como subespécie desse domínio do fato,
tem como um de seus elementos estruturais que o executor não se apresente como “pessoa
84

individual livre e responsável”, mas como figura “anônima e substituível”259. Excepciona, desse
modo, o princípio da autorresponsabilidade260.
Para tanto, sua vontade é fungível a uma estrutura similar a uma maquinaria, limitada,
conforme determina o próprio doutrinador, às estruturas situadas à margem do ordenamento
jurídico. Toca, esse ponto, uma característica intrínseca: a estrutura não se torna um aparato
organizado de poder por algumas condutas perpetradas em seu interior, mas surge como um261.
Em nada se assemelham essas definições à Petrobras, sociedade de economia mista para
a persecução de fins lícitos, dotada de estatuto e fiscalizada por órgãos federais. Mesmo que se
considere, em seu interior, a existência eventual de ações criminosas, a organização empresarial
se diferencia de todos os aspectos sob os quais constituiu Claus Roxin a figura dos aparatos
organizados.
Não há, ainda, qualquer fungibilidade, empiricamente comprovada, dos membros que
compõem seu quadro, mas apenas referência genérica a esse conceito, o que não é apto a
autorizar que delitos perpetrados por membros, prima facie, autorresponsáveis, fossem
atribuíveis também ao acusado, por meio da figura da autoria mediata por domínio de
organização.
Põe-se em evidência, mais uma vez, a inadequada utilização da teoria do domínio do
fato enquanto via de responsabilidade penal de dirigentes, seja por meio do domínio funcional,
seja do domínio da vontade.

4.2 Situação B – Responsabilidade por omissão imprópria fundada em mera posição

Apesar de a teoria dos crimes omissivos desempenhar um significativo papel na


abordagem do Direito Penal Econômico Empresarial, a responsabilidade individual não se
funda em uma imposição abstrata de deveres. Faz-se necessário delimitar a abrangência desses
crimes omissivos na relação empresarial, as hipóteses de imputação penal aos garantes e as
concretas condições de cumprimento que possuíam na posição que ocupavam.

259
ROXIN, Claus. Autoria y domínio del hecho en derecho penal. Traduccion de la séptima edición alemana por
Joaquín Cuello Contreras y José Luis Serrano Gonzalez de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 2000. p. 273.
260
Ver GRECO, Luís. Domínio da Organização e o chamado Princípio da Autorresponsabilidade. In: GRECO,
Luís et al (Orgs.). Autoria como domínio do fato: Estudos introdutórios sobre o concurso de pessoas no direito
penal brasileiro. São Paulo: Marcial Pons, 2014. Cap. 6. p. 203-214. (Direito Penal e Criminologia).
261
A respeito disso, Figueiredo Dias: “A organização revela-se como uma “unidade funcional” com vida própria,
independente dos concretos indivíduos que a compõem. Devido à rigorosa disciplina interna, consubstancia um
instrumento ao serviço das decisões tomadas pelas instâncias de cúpula”. DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões
fundamentais do direito penal revisitadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 366.
85

Em termos práticos, a influência das esferas diretivas só pode ser interpretada se


compreender-se de que modo essas estruturas se organizam (se se trata, por exemplo, de uma
estrutura constituída de forma horizontal ou vertical), sua dinâmica de funcionamento e os graus
de liberdade em seu interior.
É que o dever de agir, daquele que porventura ocupe uma posição de garantidor, não
corresponde a um simples dever genérico de evitar o resultado, mas de um dever de praticar
conduta determinada, no intuito de evitar lesão a um bem jurídico ameaçado. Sua determinação,
portanto, depende de uma análise concreta: a existência de uma situação de perigo verificável
e de uma conduta omitida, capaz de evitá-la ou diminuí-la, embora possuísse o sujeito
capacidade físico-real de fazê-lo, o que inclui a cognoscibilidade e a possibilidade jurídica de
agir.
Ainda que a atividade empresarial conviva com riscos, esses, quando permitidos, não
adquirem relevância penal. Apenas quando ultrapassados seus limites, quando da criação de um
risco não permitido ou quando o omitente tenha por lei ou assunção dever funcional de evitar
riscos alheios, será possível cogitar uma imputação ao garantidor.
Esse dever de garantia, no entanto, em respeito à forma de responsabilidade penal
individual, não terá origem no cargo ocupado pelo agente na empresa, mas na necessária
fundamentação material dessa posição de garantidor, tendo em vista as possibilidades que
acolhe o Código Penal brasileiro, nas alíneas “a”, “b” e “c” do art. 13, §2º.
A desatenção a esses pressupostos conduz, invariavelmente, a uma ausência de clareza
na responsabilidade, abandonando as noções de ultima ratio e os freios do princípio da
legalidade, para aproximar-se da sobrecriminalização. É o que se observará na imputação por
omissão imprópria, sob forte apelo midiático, aos dirigentes da Samarco, BHP e Vale, em
virtude do rompimento da barragem de Fundão, culminando no desastre de Mariana262.
Ao caracterizar a omissão penalmente relevante e a posição de garantia, afirmou o
parquet, com grifos inseridos neste trabalho:

“Apurou-se ao longo das investigações que os denunciados, atuando na condição de diretores,


administradores, membros de conselhos e de órgãos técnicos, gerentes, empregados, prepostos,
mandatários ou contratados da VALE, da BHP e da SAMARCO, e, tendo conhecimento dos
diversos problemas, falhas ou “não conformidades” operacionais, narrados no Item 3 desta
denúncia, e do progressivo incremento da situação típica de risco, mesmo devendo e podendo

262
Denúncia apresentada em 1.1, “A”.
86

agir para evitar o rompimento da barragem de Fundão e os resultados penalmente desvalorados,


deixaram de impedi-los e de evitá-los, razão pela qual incidem nas figuras típicas abaixo
indicadas na forma do art. 13, § 2º do Código Penal c/c art. 2º da Lei n.º 9.605/98.”. (fl. 198)

Destaca-se, nesse trecho, que a atribuição do dever de garantia tem como ponto de
partida uma afirmativa genérica, semelhante a uma responsabilidade solidária, que se
admissível em âmbito de responsabilidade civil, rechaça-se por completo em seara penal.
Inexiste, no supracitado trecho, qualquer individualização de condutas e contribuições, aferição
concreta do dever de agir, da cognoscibilidade, da possibilidade jurídica e da existência de nexo
causal, segundo o próprio art. 13, caput, CP.
Tratando do “dever e poder de agir” dos Membros do Conselho de Administração,
integrado por representantes da VALE e BHP, outro trecho mostra-se fundamental para uma
adequada análise dos pressupostos de omissão imprópria, quando em estruturas marcadas pela
divisão de tarefas e funções:

“E, mesmo nas hipóteses em que determinou a adoção de medidas específicas relacionadas à
gestão dos rejeitos produzidos pela SAMARCO, o Conselho omitiu-se em exercer seu poder-
dever de vigilância e suas competências organizativas, uma vez que se contentou em receber
passivamente informações não condizentes com a crítica realidade operacional da barragem de
Fundão transmitidas pelos diretores, KLEBER TERRA e RICARDO VESCOVI, ou pelos
representantes dos Comitês e Subcomitês de Assessoramento. Enfim, os membros do Conselho
de Administração, figurando na condição de administradores da SAMARCO, deixaram de
empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo
deveria empregar na administração dos seus próprios negócios (art. 145 c/c art. 153, ambos da
Lei 6.404/76)138. Dessa forma, podendo e devendo agir para evitar o rompimento da barragem
de Fundão, uma vez que detinham obrigações de cuidado, proteção e vigilância, omitiram-se
de exercer seus deveres de organização, coordenação e vigilância geral das atividades da
empresa, deixando de impedir e de evitar os resultados penalmente desvalorados, razão pela
qual incidem nas figuras típicas abaixo indicadas na forma do art. 13, § 2º do Código Penal c/c
art. 2º da Lei n.º 9.605/98.” (fl. 203 e 204).

Como se buscou demonstrar neste trabalho, uma das características mais comuns do
ambiente empresarial é a descentralização e a execução, em âmbito vertical ou horizontal, de
papéis organizacionais distintos. As esferas de competência desses sujeitos, a partir disso, serão
87

também restritas, o que, somado às assimetrias informacionais, afastam a noção intuitiva de que
os administradores possuiriam, em todo caso, informações pormenorizadas sobre o
funcionamento de cada setor empresarial.
Quando a tomada de decisão desses administradores depende de orientação ou
esclarecimento de outros membros – a exemplo do que se descreveu no trecho acima
colacionado –, importará saber em que medida essas informações repassadas influíram no
omitir desses sujeitos, pois a capacidade fática de agir é composta, também, pela
cognoscibilidade263, diretamente relacionada ao conhecimento potencial do caráter injusto da
conduta.
Destarte, não é possível afirmar que, sem essa evidência, esteja caracterizada a
capacidade concreta de agir dos membros do Conselho de Administração.
Em um segundo momento, o trecho apresenta inconsistência conceitual, ao atribuir ao
Conselho de Administração obrigações de “cuidado”, “proteção” e “vigilância”, como se estes
guardassem, entre si, a condição de sinônimos. As categorias, que partem de uma divisão das
espécies de garantidores proposta por Armin Kaufmann264, possuem conceitos distintos, com
ideia central variável, inclusive, conforme o marco teórico que se utilize – como ilustração,
observe-se, assim como se antecipou no capítulo 3, que enquanto os garantidores de proteção,
para Schunemann, têm como ideia central a custódia, para Jakobs, seriam determinados pela
competência institucional.
Em linhas gerais, contudo, os garantidores de proteção possuem dever de vigiar e conter
perigos externos, que possam afetar o bem jurídico vulnerável, estando esse em relação de
dependência com o garantidor. Os garantidores de vigilância, por outro lado, possuem dever de
preservação de bens jurídicos e contenção de riscos, oriundos de uma fonte de perigo,
livremente organizada, mas devendo respeitar as esferas de segurança alheias, hipótese que
abarca também a ingerência265.
No mesmo erro incorre a imputação aos representantes da VALE e da BHP nos Comitês
de Operação e de Desempenho Operacional. Inicialmente, informa o parquet que os ditos

263
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de omissão imprópria. São Paulo: Marcial Pons, 2018. (Direito Penal e
Criminologia). p. 140-141.
264
KAUFMANN, Armin. Dogmática de los delitos de omisión. Madrid: Marcial Pons, 2006. Traducción de la
segunda edición alemana (Gotinga, 1980) por Joaquín Cuello Contreras y José Luis Serrano González de Murillo.
p. 309-313.
265
ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresa por omissão: Estudo sobre a
responsabilidade omissiva imprópria de dirigentes de sociedades anônimas, limitadas e encarregados de
cumprimento por crimes praticados por membros da empresa. São Paulo: Marcial Pons, 2017. (Direito Penal e
Criminologia). p. 96-103.
88

Comitês possuíam competências distintas, reunindo-se 3 (três) vezes ao ano para assessorar o
Conselho de Administração (fl. 204). Desse modo, afirma:

“Podendo e devendo agir para evitar o rompimento da barragem de Fundão, uma vez que
detinham obrigações de cuidado, proteção e vigilância, os representantes da VALE e da BHP
no Comitê de Operações e no Subcomitê de Desempenho Operacional se omitiram de exercer
seus deveres de assessoramento em questões técnicas e relacionadas à operação da barragem
de Fundão, concorrendo para que aqueles que detinham efetivo poder de decisão deixassem de
impedir e de evitar os resultados penalmente desvalorados, razão pela qual incidem nas figuras
típicas abaixo indicadas na forma do art. 13, § 2º do Código Penal c/c art. 2º da Lei n.º
9.605/98.” (fl. 205).

Ignora-se, novamente, a exigência do art. 13, §2º, CP, quanto à capacidade física de agir.
Em ambos os casos, ausente a possibilidade concreta de ação, deve-se afastar a incidência da
norma.
Outro ponto que merece questionamento, também nos dois casos, é de o parquet não
ter se remetido à causalidade das omissões. As hipóteses referidas se enquadram na figura das
omissões simultâneas, o que torna ainda mais complexa a atribuição de responsabilidade penal,
por não ser possível a imputação de resultado a todos os membros, unicamente por integrarem
o órgão colegiado.
Na mesma denúncia, imputa o Ministério Público Federal, ainda por omissão imprópria,
responsabilidade penal aos Diretores Executivos, a quem competiria a “direção dos negócios”,
o desenvolvimento de políticas gerais, códigos de conduta e zelar pela conformidade legal e
societária da SAMARCO (fl. 206).
Com fundamento apenas em suas atribuições na forma do estatuto, conclui o parquet,
também nesse caso, pela violação aos deveres de “cuidado, proteção e vigilância” (fl. 206).
Já quanto aos gerentes e engenheiros da SAMARCO, do seguinte modo atribuiu-se o
dever de garantia:

“Pelo fato de os gerentes/empregados serem engenheiros com profissão regulamentada pela Lei
n.º 5.194/66 e pela resolução do Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura (CONFEA) n.º
1.010/2005, a eles impunha-se, ao longo do tempo em que estiveram à frente da barragem de
Fundão, os deveres de cuidado, proteção e vigilância relacionados à observância de seu Código
de Ética (Resolução CONFEA 1.002/2002)” (fl. 208).
89

“Enfim, os gerentes/engenheiros, figurando na condição de profissionais com profissão


regulamentada e como responsáveis técnicos pela implementação e operação da barragem de
Fundão, deixaram de observar, no exercício de suas funções, princípios éticos e deveres
profissionais, como: de utilizar técnicas adequadas; de assegurar os resultados propostos e a
qualidade satisfatória nos serviços e produtos; de observar a segurança nos seus procedimentos;
de prezar pelo desenvolvimento sustentável na intervenção sobre os ambientes natural e
construído, e na incolumidade das pessoas, de seus bens e de seus valores e de alertar
plenamente seus empregadores dos riscos e responsabilidades relativos às prescrições técnicas
e às consequências presumíveis de sua inobservância.
Dessa forma, podendo e devendo agir para evitar o rompimento da barragem de Fundão, uma
vez que detinham deveres de cuidado, proteção e vigilância, omitiram-se de exercer suas
competências técnicas definidas nos normativos internos da SAMARCO sobre a gestão das
barragens, se omitiram de exercer deveres ético-profissionais previstos na Resolução CONFEA
n.º 1.002/2002 e se omitiram de fiscalizar as atividades delegadas aos inferiores hierárquicos,
deixando de impedir e de evitar os resultados penalmente desvalorados, razão pela qual incidem
nas figuras típicas abaixo indicadas na forma do art. 13, § 2º do Código Penal c/c art. 2º da Lei
n.º 9.605/98.” (fl. 209).

Tanto na atribuição de deveres de garantia aos Diretores, quanto aos Gerentes e


Engenheiros, parece ter se valido o parquet das noções de “obrigação legal” de garantia,
previstas na alínea “a” do art. 13, §2º, CP. Tal opção, contudo, viola o princípio da legalidade
e da reserva legal.
A obrigação decorrente da lei deve ser compreendida sob viés restritivo. Nela, não estão
abarcados, por exemplo, os decretos, mas unicamente a lei em sentido estrito. Assim, ainda que
conste no estatuto ou nas resoluções profissionais determinada obrigação, essa não constituirá,
para o sujeito, um dever automático de garantia.
Será imprescindível, no caso concreto, que haja anuência expressa ou tácita desse
sujeito, por meio de um comportamento positivo – que não corresponde, também, à mera
ocupação de cargo – para que seja possível pensar, primitivamente, em um critério material
fundamentador dessa posição.
De mais a mais, o que se observa a partir da denúncia apresentada, quando em confronto
com os pressupostos de imputação por omissão imprópria, é uma confusão entre o dever de
garantia e a posição ocupada pelo agente na estrutura empresarial. Confusão essa que
90

possibilita, ilimitadamente, um alargamento da responsabilidade penal em contexto de empresa,


pois vale-se de características lícitas de sua organização, como a divisão de tarefas e funções.

4.3 Situação C – Responsabilidade por fatos praticados por subordinados no contexto


empresarial

Situação típica de ambientes empresariais é a delegação de poderes, competências e


funções, especialmente quando a organização se compuser em estrutura vertical, hierarquizada.
Por meio desse fenômeno, o sujeito delegante cederá parcela de seus poderes a um terceiro, a
quem se denominará delegado, podendo realizar-se essa circunstância nos diversos níveis
empresariais, não restritos a uma perspectiva top down.
As normas de cuidado impostas aos garantes não compreendem, como regra, o dever de
impedir resultados lesivos que advenham da conduta dolosa ou culposa de terceiros266,
excetuadas as situações em que o garante possuía domínio completo sobre esse terceiro, seja
por assunção, seja por dever legal. Fragmentado o poder de controle, o mesmo ocorrerá, pois,
com o âmbito de vigilância do garantidor.
Cumpre observar, no entanto, quais atividades podem ser objeto de transferência,
modificando a titularidade dos deveres. A figura do compliance officer, já abordada neste
trabalho, é uma dessas hipóteses, em que se contrata um sujeito externo à empresa para atuar,
fundamentalmente, na vigilância e prevenção de práticas ilícitas em seu interior.
Não é viável, por outro lado, que Conselhos de Administração deleguem sua gestão,
mas é possível que o façam com atribuições secundárias, desde que não descaracterizem o
administrador enquanto um267. O mesmo pode ser pensado dentro de um departamento
financeiro ou de controladoria nessas instituições.
Ao contrário do que se pode imaginar, por intuição, quando analisada apenas sob a
perspectiva de incremento na problemática da responsabilidade penal, essa delegação de
funções e tarefas, além de necessária ao desenvolvimento da atividade econômica, amplia a
proteção de bens jurídicos268.
Por um lado, gera um dever de garantia, por meio da assunção, ao que aceita executar
as funções que lhe foram conferidas – delegado – e, por outro, para o que o transmite – delegante

266
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de omissão imprópria. São Paulo: Marcial Pons, 2018. (Direito Penal e
Criminologia). p. 266.
267
ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresa por omissão: Estudo sobre a
responsabilidade omissiva imprópria de dirigentes de sociedades anônimas, limitadas e encarregados de
cumprimento por crimes praticados por membros da empresa. São Paulo: Marcial Pons, 2017. (Direito Penal e
Criminologia). p. 147-148.
268
Ibidem. p. 149.
91

–, remanesce um dever de supervisão do trabalho desse delegado, substituindo o dever de


garantia imediato sobre o foco de perigo269.
Esse dever não representa, evidentemente, uma responsabilidade de supervisionar todo
e qualquer ato que pratique o delegado, inclusive pela existência das esferas de liberdade
profissional desse, motivo pelo qual se invoca, nessa relação, o princípio da confiança270. Se
assim não fosse, a delegação esvaziaria-se de sentido, pois remanesceria para o delegante
originário o controle completo da atividade desempenhada.
A depender da dinâmica empresarial, pode-se visualizar uma verdadeira cadeira de
delegações. O dever de supervisão, porém, limita-se às atividades por ele transmitidas. Melhor
dizendo: se houver nova delegação, transmitindo o delegado parcela da responsabilidade que
recebera a um terceiro, subordinado, caberá a ele supervisioná-lo, estando desincumbido o
primeiro delegante.
Novamente, a denúncia aos funcionários da Samarco, BHP e Vale271 fornece contributos
práticos à verificação dos problemas dessa dinâmica, em termos de imputação penal enquanto
garantidores.
O Conselho de Administração da empresa, de acordo com o que se extrai da denúncia,
possibilitou a criação de Comitês, aos quais foram delegadas as funções de análise em decisões
e controles, assessoria aos membros do Conselho por meio de um conhecimento especializado
e oferecimento de recomendações, para orientarem as decisões tomadas pelo primeiro.
Corresponde essa modalidade à delegação de certas atividades administrativas, gerando para o
delegante um dever de vigilância sobre essa atuação, a qual, como se adiantou, estaria pautado
pelo princípio da confiança.
O Comitê de Desempenho Operacional teria como atribuição definir planos de melhoria
operacional, analisando e monitorando o desempenho operacional da companhia, de acordo
com o Regimento Interno da empresa. (fl. 204). Esse comitê, no entanto, vinculava-se ao

269
SOUZA, Artur de Brito Gueiros. A delegação como mecanismo de prevenção e de geração de deveres penais.
In: MARTÍN NIETO, Adán; SAAD-DINIZ, Eduardo; GOMES, Rafael Mendes (Coords.). Manual de
cumprimento normativo e responsabilidade penal das pessoas jurídicas. 2. ed. São Paulo: Tirant lo Blanch,
2019. p. 220.
270
O caso clássico, que levou ao desenvolvimento pela jurisprudência alemã do princípio da confiança, referia-se
ao dever de cuidado nas relações de trânsito. No entanto, embora não tenha sido previsto para estruturas
empresariais, esclarece Flávia Siqueira que o princípio, ao longo do tempo, deixou de se vincular apenas às
particularidades desse contexto, aplicando-se a outras situações em que haja intervenção de terceiros em um
resultado lesivo. PEREIRA, Flávia Siqueira Costa; NASCIMENTO, Adilson de Oliveira. A teoria da imputação
objetiva e o princípio da confiança no direito penal: considerações à luz do funcionalismo de Claus Roxin. De
Jure: Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 13, n. 23, p. 47-100,
jul./dez. 2014.
271
Denúncia apresentada em 1.1, “A”.
92

Comitê de Operações, ao qual competia assessorar o Conselho de Administração em questões


técnicas, ainda de acordo com o Regimento. (fl. 205).
Ao imputar-lhes a responsabilidade por meio de omissão imprópria, afirmou o parquet
que, da forma descrita acima, “detinham obrigações de cuidado, proteção e vigilância” os
representantes da VALE e BHP integrantes desses Comitês, de maneira que

“Se omitiram de exercer seus deveres de assessoramento em questões técnicas e relacionadas à


operação da barragem de Fundão, concorrendo para que aqueles que detinham efetivo poder de
decisão deixassem de impedir e evitar os resultados penalmente desvalorados” (fl. 205).

É questão problemática a atribuição de responsabilidade, sob justificativa de existirem


deveres de garantia, aos membros dos referidos Comitês. O Conselho Administrativo, se
encarregado da atividade de gestão da sociedade, conforme representa a denúncia, poderia,
licitamente, delegar tarefas, mas não a responsabilidade pela tomada de decisões. Rememore-
se a impossibilidade de que o Conselho transmita responsabilidades de maneira a
descaracterizar sua função de administrador.
Esse transmitir se efetiva, constituindo na figura do delegado um novo garantidor (por
meio da assunção, prevista no art. 13, §2º, “b”, CP), quando o delegado efetivamente inicia o
exercício das funções assumidas, em substituição ao delegante. Nesse contexto, é o delegante
– Conselho de Administração – que prosseguirá com deveres de vigilância ativa quanto aos atos
do delegado, e não esse que passará a tê-los com o Conselho de Administração, nos termos em
que aduz o parquet.
Ao delegado, nesse caso, tampouco seria possível o dever de agir, concretamente, para
evitar o resultado lesivo. A abrangência de sua atuação é limitada no âmbito do acordo, às
atribuições que efetivamente assumiu, implícita ou tacitamente.
Na individualização de condutas, o parquet requereu a condenação dos membros do
Comitê nos termos do art. 13, §2º, “a”, o que corresponde a um dever de garantia com
fundamento em imposição legal.
A delegação de vigilância, nas condições expostas no início dessa análise, não possui
efeitos exoneratórios. Não se recorre, em atenção ao princípio da legalidade, aos postulados da
legislação extrapenal para constituir essa posição de garantia, mas depende da assunção fática
de uma fonte de perigo ou de deveres de proteção a um bem jurídico determinado.
Uma imputação aos delegados, assim, se existente, encontraria previsão no art. 13, §2º,
“b”, não cabendo o uso de Regimento Interno que fixa sua atividade delegada, por analogia in
93

malam partem, em substituição à lei, exigência da alínea “a”, do mesmo dispositivo,


equivocadamente assinalada. Essa disposição, inclusive, será irrelevante na análise concreta do
dever de agir, se não restar demonstrado que sua previsão corresponde ao exercício fático272.

4.4 Síntese Intermediária

Não parecem restar dúvidas de que a opção pelo domínio do fato, enquanto forma de
imputação da autoria, ao menos nos moldes desenvolvidos por Claus Roxin, não se
compatibiliza com o sistema de autoria proclamado na Exposição de Motivos.
Mesmo que se identifique a opção brasileira como uma teoria unitária “temperada”,
admitindo a separação de autor e partícipe segundo o critério da culpabilidade, o apoio causal-
naturalístico, nos crimes comissivos, impede a transposição das categorias do domínio do fato,
pensado em consonância com um sistema diferenciador. Tampouco admite a teoria seu
alargamento aos crimes omissivos.
Ao observar o uso do domínio do fato em casos práticos, que intentavam torná-lo
fundamento de autoria – embora não tenha sido concebido, tampouco, para essa substituição,
mas apenas como um critério reitor – comprova-se, empiricamente, uma violação tanto
principiológica quanto normativa.
Os casos expostos, no entanto, poderiam ser solucionados se verificadas posições de
garantia, recorrendo à omissão imprópria, amparada pelo Código Penal brasileiro. Essa opção,
em verdade, ofereceria respostas mais adequadas a um leque de casos envolvendo a
criminalidade de empresa, hoje tratados por meio de uma insustentável responsabilidade top
down.
Para que seja possível o uso da omissão imprópria, entretanto, deve-se ter em vista seus
pressupostos e delimitações conceituais. É por não fazê-lo que, ainda quando utilizada como
caminho de imputação, identificaram-se diversas inconsistências.
Em primeiro plano, tem-se a impossibilidade de compreender o dever de garantia como
equivalente à posição ocupada por determinado sujeito na estrutura empresarial. Essa
responsabilidade genérica é vedada pelo próprio art. 13, caput, CP, ao determinar que o
resultado de que depende a existência do crime só é imputado a quem lhe deu causa.

272
ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresa por omissão: Estudo sobre a
responsabilidade omissiva imprópria de dirigentes de sociedades anônimas, limitadas e encarregados de
cumprimento por crimes praticados por membros da empresa. São Paulo: Marcial Pons, 2017. (Direito Penal e
Criminologia). p. 168.
94

A omissão, tida como causa, só adquire relevância penal quando os contornos do dever
de garantidor estiverem limitados à possibilidade jurídica de agir; ao que do sujeito era esperado
no âmbito da competência individual, juridicamente regulada.
Essa possibilidade será aferida no plano concreto, levando-se em conta o modo de
organização da empresa e, assim, a capacidade físico-real de evitar o resultado. Nesse cenário,
importa verificar a cognoscibilidade, isto é, que conheça o sujeito seus deveres de ação, o
contexto em que deveria fazê-lo e seja capaz de prever o resultado típico. O dever de garantia
não se confunde com um dever genérico de evitação, mas representa um dever de praticar
conduta determinada.
É preciso considerar, ainda, que identificar a posição de garantia e o dever de agir é
apenas o primeiro passo rumo à punibilidade desses sujeitos. Necessário que se estabeleça, em
sequência, o nexo de causalidade e a imputação objetiva, apenas para preencher os pressupostos
objetivos do tipo, etapa que também não encerra a responsabilidade, uma vez que remanesce a
necessidade de averiguação dos pressupostos subjetivos.
Diante das considerações feitas, a imputação por omissão imprópria, se fundada na mera
posição ocupada pelo sujeito, assemelha-se a uma responsabilidade objetiva, inadmissível no
sistema criminal de um Estado de Direito.
O que se deve buscar com a omissão imprópria, nos delitos de empresa, não é um
alargamento desmedido, fazendo uso de abstrações e distorcendo teorias estrangeiras para
suprir a dificuldade de identificar a responsabilidade individual, quando diante de estruturas
complexas, utilizando, para sua construção, conceitos antagônicos, esvaziados de sentido. É,
sim, que sejam refletidas pelos operadores de justiça as particularidades da dogmática da
omissão, a fim de estabelecer as molduras de sua incidência.
No que tange especificamente à criminalidade empresarial, o conhecimento dos agentes
de criminalização secundária – seja o julgador, o titular da acusação ou a própria defesa – sobre
o funcionamento da estrutura-empresa é imperioso. O fenômeno da delegação de poderes,
situação clássica nesses ambientes, representa um problema bastante significativo nessa
temática.
As esferas de liberdade dos sujeitos, em um contexto de organização de tarefas voltadas
a concretizar um objetivo comum, devem ser identificadas, sob pena de optar-se pela imputação
de toda a cadeia de gestão, o que também corresponde à inaceitável responsabilidade objetiva.
Concretizar os objetivos empresariais requer a desconcentração dos poderes de certos
núcleos, delegando-os a outros, para o aumento da produtividade. Há poderes, no entanto, que
não podem ser delegados, seja por imposição legal, seja porque descaracterizariam a própria
95

gestão, como o citado exemplo do Conselho Administrativo. Esse é o primeiro ponto que se
deve levar em conta, quando a imputação exigir que sejam enfrentadas tais relações, pois
implica no tortuoso dilema da responsabilidade pelos fatos praticados por terceiros.
Mesmo as atividades que podem ser delegadas, alterando os deveres originários,
acarretam para o delegante um dever residual de vigilância, que passará a ser exercido sobre o
correto desempenho das funções pelo delegado. A transferência se dará apenas quando esse
último assumir, verdadeiramente, o desempenho da atividade, pouco importando o que conste
nos Regimentos Internos, se não corresponderem à realidade fática.
Eventuais fatos delituosos, praticados no âmbito de atuação deste delegado, só serão
atribuíveis também ao delegante se resultarem de falha em seus deveres residuais de fiscalizar,
adequadamente, o cumprimento da atividade. Não se trata de um dever absoluto, mas razoável,
pautado pelo princípio da confiança, o que demanda também uma análise concreta.
Pensar de forma responsável a punibilidade nos crimes empresariais perpassa, assim, a
necessidade de corrigir, desde a peça acusatória, os mitos e distorções conceituais aplicados
nesse campo.
Se parece mais adequado o uso da omissão imprópria, em um número expressivo de
situações atinentes à criminalidade de empresa, o que se infere, em linhas gerais, é a necessidade
de que o uso da omissão seja fiel aos preceitos dessa modalidade dogmática, sob pena de
representar, em vez de um caminho metodológico possível, a expressão de uma ausência de
segurança jurídica, manipulada pelo arbítrio.
96

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão sobre a responsabilidade de classes que, em momento anterior, fizeram


parte da “cifra dourada” do sistema penal, é mesmo tema mitológico. Demandas de
criminalização que atinjam os detentores do poder econômico, expandindo o Direito Penal
clássico, são parte de um fenômeno social e criminológico, que se decorre de uma mudança de
orientação político-criminal legítima, contribui para a aniquilação do sistema de garantias,
quando destituída de amparo dogmático.
Embora pareça à ideologia política dominante que a criminalização do outro não surtirá
efeitos sobre seu grupo, o novo paradigma do Direito Penal indica o contrário: o arbítrio, o
afastamento das bases do Direito Penal mínimo, a subversão às garantias na busca pela punição
de inimigos tende a reproduzir-se, sucessivamente, alternando os sujeitos.
Uma crença no sistema criminal como instrumento civilizatório, seja qual for o grupo a
que se destine, em um processo de vilanização e marcado por discursos de emergência, conduz
a respostas penais desastrosas, mas destinadas a suprir o clamor público e a pressão midiática.
Tende-se a neutralizar apenas temporariamente o sentimento negativo, presente nesses ramos,
por meio do incremento na repressão.
É o que se verifica, também, na criminalidade de empresa. No afã de oferecer soluções
penais ágeis, desconsidera-se a construção dogmática, importam-se teorias e, acriticamente, a
partir disso, constrói-se a responsabilidades dos dirigentes. Tudo sob os ares de legitimidade,
de quem busca atingir fins tidos como desejáveis, ainda que por caminhos heterodoxos.
A conjuntura empresarial evidencia as fragilidades de uma teoria do delito projetada
para uma criminalidade muito diversa. A própria delimitação de autoria em organizações
descentralizadas, marcadas pela hierarquia ou pela divisão de tarefas, pelos aportes assimétricos
e pela ausência de uma homogeneidade informacional, intensifica a problemática.
Cenário propício a gerar, enfim, no plano da dinâmica da responsabilidade, a
flexibilização dos pressupostos de imputação, capaz de adequar quaisquer meios à finalidade
que se propõe o acusador.
A primeira consequência disso, no plano econômico empresarial, é a tentativa de atingir
os superiores hierárquicos por uma ideia de domínio, situando-os como detentores do domínio
do fato nos delitos cometidos no interior de estruturas por eles controladas.
Se superada essa aplicação teórica, uma vez que se pauta no sistema diferenciador de
autoria, opção não adotada pelo legislador brasileiro, a teoria dos crimes omissivos impróprios,
97

com delimitação das posições de garantia, apresenta-se como resposta mais técnica à imputação
desses sujeitos.
Há que se ater, no entanto, às particularidades da dogmática omissiva, análise prévia a
sua utilidade prática. Algumas considerações, quanto a isso, devem ser feitas. Em primeiro
lugar, para que seja possível falar em omissão imprópria, no Brasil, deve-se reportar ao art. 13,
§2º, CP, que restringe as fontes do dever de garantia à imposição legal de deveres de cuidado,
proteção e vigilância; ao que de outra forma tenha assumido a responsabilidade por evitar o
resultado ou, por fim, ao que com seu comportamento anterior crie o risco de ocorrência desse
resultado (ingerência).
A referência, no primeiro caso, em virtude da vedação à analogia in malam partem que
se impõe no Direito Penal, é a lei em sua concepção formal. As medidas que regulam profissões,
ou até mesmo os Regimentos da empresa, não são aptas a gerar, desse modo, um dever de
garantia.
Quanto à segunda fonte, há referência clara à assunção, que não se constitui por previsão
formal, ou pela mera ocupação de um cargo. Para que surja o dever de garantia, nessa
circunstância, essa assunção deve ser voluntária, manifestando-se de forma implícita ou tácita,
mas verificável no plano fático.
Nessa hipótese se enquadram, também, os deveres de vigilância gerados pela delegação
de funções ou tarefas.
Como última fonte do dever de garantia, pensa-se na ingerência, em que o sujeito cria
um risco não permitido pelo descumprimento de normas de cuidado ou de um dever ordinário
de diligência, ocasionando, dessa maneira, o risco da criação do resultado. Questão
fundamental, aqui, é compreender os modos com que se constituem os riscos não permitidos e
a relação de controle do sujeito quanto a sua produção.
Nota-se que o requisito inicial para a punibilidade, em todas as hipóteses descritas, é a
ocorrência de um resultado, para o qual se exigirá a intervenção do sujeito garantidor no intuito
de evitá-lo. Esse dever de ação, representado pela capacidade físico-real de fazê-lo, é composto
pela cognoscibilidade e pela capacidade jurídica. Invariavelmente, a averiguação se dará
concretamente, levando em conta a estruturação empresarial.
A ausência de qualquer dos pressupostos afasta a incidência da norma, pois nos termos
previstos no art. 13, caput, CP, a circunstância se transformará em omissão sem relevo penal.
Presentes o dever de garantia e a possibilidade de ação, é preciso, ainda, que se
estabeleçam a causalidade e a imputação objetiva do resultado, sem o que também se violará o
art. 13, caput, que expressamente o exige. Não se ateve o presente estudo às divergências
98

doutrinárias quanto a existir, na omissão, uma causalidade real, quase-causalidade ou


causalidade hipotética, considerando-se apenas, inclusive pela exigência normativa clara, que
se verifique um nexo causal entre a conduta omitida e o resultado. Isso se dará por intermédio
de um preenchimento material pelas balizas da teoria da evitabilidade ou da teoria da
diminuição do risco, apresentando essa última maior acerto.
Importante considerar que as duas teorias supracitadas não se prestam a substituir a
causalidade, mas a fornecer referências para sua definição, reprimindo uma punibilidade
alargada e descriteriosa.
Foram demonstradas, todavia, situações em que os critérios atualmente aplicados não
são suficientes ao oferecimento de respostas, conduzindo a uma “irresponsabilidade
organizada” em contexto empresarial. É o caso das omissões sucessivas e simultâneas, para as
quais, embora se concebam doutrinariamente algumas alternativas, não há resposta uníssona,
harmônica, salientando a urgência de que a temática ocupe as discussões da doutrina e
jurisprudência nacional.
Conforme se destacou no início deste trabalho, o avanço teórico do Direito Penal exige
a aceitação de seus próprios limites, para que não funcione como mero instrumento à realização
de interesses políticos e populares, ao preço do retrocesso. As categorias dogmáticas não
exprimem abstrações, devaneios utópicos, embora assim as visualize o furor persecutório da
relativização. Correspondem, ao contrário, à afirmação primeira das garantias individuais, em
matéria criminal.
Dessa forma, só é possível cogitar eventual responsabilidade aos dirigentes de empresa
na condição de garantidores, com o uso da teoria da omissão imprópria, se os standards expostos
ao longo do presente estudo indiquem, no caso concreto, compatibilidade entre as regras
estabelecidas e a situação fática em que se situava o agente. Delineiem, bem assim, sua
possibilidade concreta de agir, com a qual, de outro modo, não se teria produzido o resultado.
Abandonada essa premissa, conceber-se-á o sistema, independente da ortodoxia
dominante, como o “zumbi”, apresentado na epígrafe do presente estudo: embora aumente de
proporções, como um “fantasma folclórico” que cresce e se avoluma, à aproximação se esfuma
em nada.
99

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APÊNDICE

APÊNDICE A – LISTA DE DENÚNCIAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL


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Situação A
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Situação B
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Situação C
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