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Araranguá
2018
FERNANDA SIEGLITZ PANATTA
Araranguá
2018
Dedico o presente trabalho as minhas filhas,
Maria Alice e Amanda, e meu noivo Adilson
Martins pelo esforço e apoio empregado em
me auxiliar durante a trajetória do curso e da
pesquisa, e por todas as orações em meu favor.
Dedico, também, a Érika Alves, quem me
inspirou com sua história pesquisar sobre o
tema e encontrar uma solução jurídica para seu
caso.
AGRADECIMENTOS
O presente trabalho tem por escopo principal demonstrar os efeitos no direito sucessório que
surgem após o reconhecimento da multiparentalidade, entendida como a possibilidade de
coexistência de mais de um pai ou mãe no registro de nascimento, bem como os resultados
que podem de fato ocorrer e as jurisprudências correlatas. Para esta análise, realizou-se a
ponderação entre a evolução histórica do conceito de família e esta instituição no
ordenamento jurídico brasileiro, a análise do termo socioafetividade e seus princípios, da
multiparentalidade e seu reconhecimento, sendo isso tudo sob o prisma do direito sucessório.
As considerações iniciais serão sobre o conceito de família na atualidade e suas novas
composições, as formas de vínculo entre pais e filhos decorrentes do liame afetivo sob a égide
do princípio da dignidade da pessoa humana e afetividade. Desenvolve-se o tema na intenção
de esclarecer como o direito sucessório vem abarcando esta nova realidade jurídica brasileira.
Por fim, contemplar-se-á uma análise jurisprudencial do posicionamento dos tribunais quanto
à casos que envolvem estes institutos, bem como os efeitos de seu reconhecimento. A
metodologia que será utilizada no presente trabalho é a dedutiva, sendo utilizado o
procedimento monográfico, com natureza qualitativa e técnica de pesquisa bibliográfica.
The main purpose of this paper is demonstrate the effects on inheritance law that arise after
the recognition of multiparentality, understood as the possibility of coexistence of more than
one parent in the birth record, as well as the results that may actually occur and the related
jurisprudence. For this analysis, the historical evolution of the concept of family and this
institution in the Brazilian legal system was analyzed, the analysis of the term
socioafetividade and its principles, multiparentality and its recognition, all being under the
prism of succession law. The initial considerations will be on the concept of family in the
present and its new compositions, the forms of bond between parents and children resulting
from the affective bond under the aegis of the principle of the dignity of the human person
and affectivity. The theme is developed in order to clarify how inheritance law has been
encompassing this new Brazilian legal reality. Finally, a jurisprudential analysis of the
position of the courts regarding cases involving these institutes, as well as the effects of their
recognition, will be contemplated. The methodology that will be used in the present work is
the deductive one, being used the monographic procedure, with qualitative nature and
technique of bibliographic research
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 12
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE FAMÍLIA..................................... 14
3 CONCEITO DE FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ..... 23
3.1 MODALIDADES DE FAMILIA NO ORDENAMENTO JURIDICO BRASILEIRO.. 24
3.1.1 Famílias consanguíneas ........................................................................................... 25
3.1.2 Família monoparental ............................................................................................. 26
3.1.3 Famílias nucleares e extensas ................................................................................. 26
3.1.4 Famílias reconstituídas, mosaicas ou pluriparentais ............................................. 27
3.1.5 Famílias homoafetivas............................................................................................. 27
3.1.6 Famílias poliafetivas................................................................................................ 29
3.1.7 Família substituta.................................................................................................... 30
3.1.8 Família anaparental ................................................................................................ 30
3.1.9 União estável ........................................................................................................... 31
3.1.10 Família matrimonial ............................................................................................... 31
3.1.11 Família sociafetiva................................................................................................... 32
3.1.11.1 Parentalidade socioafetiva ...................................................................................... 33
4 DA MULTIPARENTALIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
E SEUS FEITOS NO DIREITO SUCESSÓRIO .............................................................. 35
4.1 BREVE EXPLANAÇÃO DOS PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM O INSTITUTO DA
MULTIPARENTALIDADE ................................................................................................ 39
4.1.1 Da dignidade da pessoa humana ............................................................................ 39
4.1.2 Da afetividade.......................................................................................................... 40
4.2 MULTIPARENTALIDADE NO DIREITO DE FAMÍLIA .......................................... 41
4.3 EFEITOS DO RECONHECIMENTO DA MULTIPARENTALIDADE ...................... 43
4.3.1 Da extensão do parentesco ...................................................................................... 44
4.3.2 Do direito a mudança ao nome e inclusão dos pais e avós no registro civil .......... 45
4.3.3 Das obrigações de alimentar ................................................................................... 46
4.3.4 Da guarda de filho socioafetivo menor ................................................................... 47
4.3.5 Do direito de visitas a todos familiares ................................................................... 48
4.3.6 Dos direitos sucessórios ........................................................................................... 48
4.3.7 Conflito entre genitores........................................................................................... 48
4.3.8 Procedimento para o reconhecimento da multiparentalidade .............................. 49
4.3.8.1 Por ação declaratória .............................................................................................. 50
4.3.8.2 Por ação investigatória............................................................................................ 50
4.3.8.3 De forma incidental ................................................................................................ 51
4.3.8.4 Por reconhecimento das partes................................................................................ 51
4.3.8.5 Por reconhecimento em escritura pública ................................................................ 52
5 EFEITOS DA MULTIPARENTALIDADE NO DIREITO SUCESSÓRIO .............. 53
5.1 ASPECTOS GERAIS DO DIREITO SUCESSÓRIO NA MULTIPARENTALIDADE 53
6 CONCLUSÃO .............................................................................................................. 60
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 61
ANEXO A – Acórdão Tribunal de Justiça de Santa Catarina ......................................... 70
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1 INTRODUÇÃO
transição seria a de fila à esposa, sem alteração nenhuma do fato na sua capacidade,
não possuindo direitos próprios perpetuamente, por toda sua vida, podendo ser
repudiada por ato unilateral do marido.
Pode-se analisar a família na era romana sob o prisma de que era exclusivamente
patriarcal, ou seja, toda autoridade era delegada ao homem, ao pai, ele como patriarca era o
centro do lar, desempenhando todas as funções e os bens matérias constituídos pela instituição
familiar pertencia a ele (AGUIAR, 2018).
Conforme explana Nascimento (2010, p. 256):
Na Antiguidade Romana - A cidade antiga - a família é tida como um grupo de
pessoas que a religião permitia invocar o mesmo deus manes. Tinha por obrigação
principal a celebração do culto aos mortos, oferecendo banquete fúnebre aos seus
antepassados. Uma família bastante patriarcalista, imperava a figura do marido, pois
este era encarregado de dar continuidade a sua família e do culto aos antepassados,
os seus deuses; ficando a mulher submissa e em situação inferiorizada, sem muitos
direitos. Tida assim, pois eles acreditavam que depois da morte haveria uma segunda
existência, além da nossa vida terrena, um local perto dos homens, era para eles a
própria casa, sendo necessário para dar continuidade à vida pós-morte, que os
parentes vivos, ficassem com a obrigação/dever de trazer a felicidade dos seus
deuses, uma sobrevivência feliz e para isso, a família devia sempre ser continuada.
Para Dantas (1991, p. 19), no direito romano a base da família era patriarcal sendo
que o pai detinha o poder sobre os seus filhos, netos, sua esposa, a esposa de seus filhos e de
seus netos, sendo que quem detinha o pátrio poder também era o responsável pelas finanças,
pois não existia o patrimônio da família mas sim o patrimônio do “pater famílis”.
Numa família bastante patriarcal, imperava a figura do marido, pois este era
encarregado de dar continuidade a sua família e do culto aos antepassados, os seus deuses;
ficando a mulher submissa e em situação inferiorizada, sem muitos direitos.
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Era assim entendida, pois acreditavam que depois da morte haveria uma segunda
existência e, nesta vida pós-morte, os parentes vivos ficariam com a obrigação/dever de trazer
a felicidade dos seus deuses. Isso era encarado como uma sobrevivência feliz e para isso, a
família devia sempre ser continuada.
De modo geral, a família vista por eles tinha a finalidade de perpetuar o culto dos
seus antepassados, de forma universal e abrangente. O princípio de todo o direito civil dessa
época girava em torno de manter a família, e em consequência o culto doméstico. Logo, a
família da antiguidade era protegida pela religião, o que foi a mola impulsionadora para o
crescimento da sociedade e a formação dos preceitos atuais. Em que pese ainda se guarde
obediência ao chefe familiar, hoje a família concebe igualdade de decisão e a chefia do lar
entre homem e mulher (NASCIMENTO, 2010).
Por sua vez, durante a idade média, o conceito de família traz o ensinamento de
que o casamento era algo obrigatório, mas não tinha por fim o prazer. Seu objetivo religioso
seria o culto doméstico dos seres, fazendo com que procriassem:
Durante a idade média, nas classes nobres, o casamento esteve longe de qualquer
conotação afetiva. A instituição do casamento sagrado era um dogma da religião
doméstica. [...] Desaparecia a família pagã, a cristã guardou esse caráter de unidade
de culto, que na verdade nunca desapareceu por completo, apesar de o casamento ser
tratado na história mais recente apenas sob o prisma jurídico e não mais ligado á
religião oficial do Estado. A família sempre foi considerada como célula básica da
igreja. (VENOSA, 2015, p. 21).
Nota-se que a família nessa seara era um modelo ainda patriarcal, com predomínio
do homem, na supremacia da relação conjugal e os laços de sangue prevaleciam, mas o afeto
nos matrimônios não existia: esses relacionamentos não se embasavam no amor (RENON,
2009, p. 84).
Com a evolução do pensamento e construção social, “a família atual contudo
difere das formas antigas no que concernem suas finalidades, composição e papel dos pais e
mães. [...] o homem vai para a fábrica e a mulher lança-se no mercado de trabalho”
(VENOSA, 2005, p. 6),
Da mesma maneira, Brito (2009, p. 59) tem a opinião que,
A chamada família contemporânea nasceu de profundas mudanças da dilatada
lacuna entre a família clássica e a família moderna. Com as constantes
transformações da sociedade, a família moderna adquiriu um novo paradigma,
acolhido por sua nova identidade, cujos valores se modificaram. A realidade das
famílias modernas esboçou uma revolução em sua organização, enfraqueceu o
autoritarismo do pai ao tempo que a mãe deixou o fogão para concorrer com os
homens no mercado de trabalho. Destarte, a sociedade transformou-se novamente,
posto que a mulher com sua habilidade influenciou positivamente o mercado de
trabalho, a política, a educação e o próprio homem.
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Percebe-se então, que “na medida em que se evoluem os tempos, o ser humano, de
forma geral, altera seus hábitos e se desapega de velhos conceitos e princípios herdados pelos
antepassados trazendo profundas modificações nos padrões clássicos das famílias” conforme
abona Rizzardo (2009, p. 1).
No Brasil, a “tradição brasileira se adequou ao sistema romano germânico do
direito legislado, também conhecido como sistema do civil law, que é calcado na positivação
do direito pela norma” (GAGLIANO, 2009, p. 26).
Desde os primórdios desta civilização, os brasileiros foram considerados uma
sociedade onde o homem era o detentor de todo poder, assim como já visto em outras
civilizações ao longo do estudado, na época do Brasil império (OLIVEIRA, 2012, p.15).
Para Carmona (2010), o modelo patriarcal poderia ser entendido como um grupo
composto por núcleo conjugal e sua prole legítima em que se incorporavam parentes,
escravas, afilhados, agregados, concubinas e bastardos. Todos abrigados sob o mesmo
domínio, na casa grande ou na senzala, sob a autoridade do patriarca, que era considerado
dono de tudo, inclusive do mando político.
Tal modelo familiar entrou em crise no século XX, após vastos anos de
colonização portuguesa (CASSETARI, 2017).
Conforme texto descrito por Bezerra (2017, p. 187),
Foi escolhida uma Assembleia legislativa que elaborou a nova Constituição em três
meses. Na verdade, grande parte da redação ficou a cargo dos juristas Rui Barbosa e
Prudente de Morais. [...] A Constituição de 1891 determinava: A criação de três
poderes Executivo, Legislativo e Judiciário ficando extinto o Poder Moderador; A
separação entre o Estado e a Igreja Católica. O Estado seria o responsável pela
emissão de certidões e certificados e o clero católico deixaria de receber subvenção
do Estado; A liberdade de culto para todas as religiões; A garantia do ensino
primário obrigatório, laico e gratuito; A proibição do uso de brasões ou títulos
nobiliárquicos; A instituição do voto universal para cidadãos alfabetizados; A
criação do Poder Legislativo bicameral. Os deputados tinham um mandado de três
anos e os senadores nove anos. Isto pôs fim ao Senado vitalício; O surgimento do
Poder Legislativo provincial. Assim, as províncias poderiam criar suas próprias leis
e impostos, tendo mais autonomia em relação ao poder central.
que precedia as cerimonias de qualquer culto” evidenciando mesmo que de forma sucinta
como era visão social de família da época, conforme aduz Rizzardo (2009, p. 19).
Houve nesse período da história algumas revoluções, e anos mais tarde entra em
vigor a constituição de 1934 abordando temas sobre a regulamentação da família em título
próprio e capítulo específico que tratou de mencionar que o casamento era indissolúvel.
Ainda, esclareceu que a família só era constituída através dele, com proteção do estado, e
poderia ser reconhecido casamento religioso com habilitação dos nubentes e através da
confissão do ministro religioso, desde que não contrariasse a ordem pública e os bons
costumes (BRASIL, CF, 1934).
Já na constituição denominada de “Estado Novo” ou “Constituição Polaca” de
1937, que nasceu fruto de um golpe de Estado e era entendida como uma “carta de inspiração
fascista, de caráter marcantemente autoritário e com forte concentração de poderes nas mãos
da Presidência da epública” conforme explicam Paulo e lexandrino (2013 p. 28), o
conceito jurídico de família constituída pelo casamento indissolúvel estaria em sintonia com o
contexto histórico, social e político da época.
Em continuidade, a Constituição do Brasil (CF, 1946), ao contrário das outras
legislações constituintes não foi precedida por uma comissão especial para discuti-la. Há de
ser entender que, nesta época acompanhavam-se todos os temores do fim da Segunda Guerra
Mundial e início da Guerra Fria, portanto a constituição de 1946 teve como alicerce a
Constituição de 1934 (CASTRO, 2008, p. 504).
Na Constituição de 1967 (BRASIL, CF, 1967), considerava-se que a família só
ocorria através do casamento, conforme fica evidenciado no dispositivo legal, que em seu art.
167 versa que a família é constituída pelo casamento, tendo direito à proteção dos poderes
públicos. Versa, ainda, que o casamento será indissolúvel e que o casamento religioso será
reconhecido a requerimento dos nubentes perante autoridade competente.
A Emenda Constitucional de 1969 (BRASIL, CF, 1969), inovou o ordenamento
jurídico brasileiro ditando que a família, sendo constituída através do casamento poderia ser
desfeita, havendo a separação judicial desde que passados três anos de separação conjugal.
Para Lenza (2011, p. 119) “sem dúvida dado o seu caráter revolucionário
podemos considerar a EC n. 1/69 como a manifestação de um novo poder constituinte
originário, outorgando uma nova carta”.
Abordando mais sobre as mudanças que ocorreram a partir de 1969, deve-se
entender que o país estava sendo governado por militares, e isso acarretava em
20
descontentamento geral por parte da sociedade que exigia nas ruas, via protestos e passeatas,
eleições diretas.
Conforme descrito no artigo jurídico de Vieira e Brito (2014, p. 74):
Em 1978, através do pacote de junho, foi revogado o AI-5 e vários dispositivos que,
baseados nele, cassavam direitos políticos; a suspensão do Congresso Nacional
tornou-se impossibilitada e, dessa forma, foram limitados o poder do chefe do
executivo. Em 1979, vários presos políticos, perseguidos pelo regime, são
anistiados; é reestabelecido o pluripartidarismo. Em 1982, tem-se eleição direta para
Governadores de Estado. Em 1983, inicia-se o movimento Diretas Já, que vai
propor a volta das eleições diretas para Presidente da República. O fim desse
período se dá com a posse de um presidente civil, José Sarney, que cumprindo
mandamento da EC 26/85, instala a Assembleia Nacional Constituinte, em 1987. Os
trabalhos desta Assembleia ultimam com a promulgação da vigente Constituição de
1988.
Para abordar a Constituição Federal de 1988, é preciso compreender que o país sai
de uma época de ditadura militar e é tangente a necessidade da construção de uma nova
organização social.
O doutrinador Cassetari (2017, p. 30) leciona que:
Justamente com a Constituição Federal de 1988 denominada “Constituição Cidadã”
acabou dando lugar à família afetiva, já que esse novo paradigma é que servira de
base para a construção do atual conceito de família. Assim sendo, a família
moderna possui a proteção estatal, ou seja, um direto subjetivo público oponível
erga omnes, que é adotado na grande maioria dos países, independentemente de
questões políticas e ideológicas. Com isso, podemos afirmar que a família moderna
possui amparo no princípio da solidariedade, que fundamenta e existência da
afetividade em seu conceito e existência e dá a á família uma função social
importante, que é a de valorizar o ser humano.
Assim, onde houver uma união de pessoas ligadas por laços afetivos, sendo esta
sua finalidade fundamental, haverá família.
As famílias atuais, para tanto, podem ser divididas por afetividade e pelo
pluralismo familiar. A necessariamente essa forma de divisão pelo fato de que essa entidade
familiar é constituída indubitavelmente pelas relações de afeto, carinho, respeito e
solidariedade entre seus membros.
Esses elementos valorativos são encontrados em todas as espécies de famílias
regradas pelo ordenamento jurídico, conforme aduz Vianna (2011, p. 512):
O afeto, enquanto característica inata dos seres humanos, é mais do que uma
garantia constitucional, é um direito natural do homem. [...] A família atual está
vinculada ao elemento que explica sua função, a afetividade. O princípio da
afetividade compreende, sobretudo, a evolução do direito tornando-o aplicável a
todas as formas de manifestação da família, tendo como premissa uma nova cultura
jurídica que possa permitir a proteção e o reconhecimento estatal de todas as
entidades familiares, centrando-se no afeto como sua maior preocupação.
Essa entidade familiar foi reconhecida pela Constituição Federal como sendo base
da sociedade e tendo proteção especial do estado: “ rt. 226. § 4º ntende-se, também, como
entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”
(BRASIL, CRFB, 2018).
É o instituto familiar onde apenas existe um dos genitores, responsável pela
criação e educação da criança. Tornou-se um dos arranjos familiares mais conhecidos na
sociedade atual.
Em consonância, como colaciona Dias (2015, p. 2), tais mudanças no
entendimento “começaram a alargar o conceito de família. As mudanças chegaram à
Constituição Federal que enlaçou no conceito de família, outorgando-lhes especial proteção,
outras estruturas de convívio. [...] a chamada família parental: um dos pais e seus filhos”.
São aquelas famílias compostas, por exemplo, uma mãe e um filho, um pai e seus
filhos:
A família monoparental ou unilinear desvincula-se da ideia de um casal relacionado
com seus filhos, pois estes vivem apenas com um dos seus genitores, em razão de
viuvez, separação judicial, divórcio, adoção unilateral, não reconhecimento de sua
filiação pelo outro genitor, produção independente, etc. (DINIZ, 2002, p. 11).
De outra feita, o entendimento de Leite (2003, p. 22) sobre a temática diz que
“uma família é monoparental quando a pessoa considerada (homem ou mulher) encontra-se
sem cônjuge ou companheiro e vive com uma ou várias crianças”.
Pode-se observar que esta é uma forma comum de modelo familiar nos dias
atuais, a sociedade aceita e o reconhece como instituição familiar.
São as famílias que podem ser conhecidas como naturais, nucleares - que incluem
os pais e os filhos, e extensas - que são que as mais tradicionais do ordenamento jurídico,
estando diretamente ligada a ideia de família biológica.
Para confirmar, Estatuto da Criança e do Adolescente afirma que:
Art. 25. Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou
qualquer deles e seus descendentes.
Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende
para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes
próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de
afinidade e afetividade. (BRASIL, ECA, 2018).
27
Estranha e engessadamente “parece que ninguém percebe que este conceito dispõe
de um pressuposto que vai além do consanguíneo”. A lei exige que exista um vínculo de
convivência, afinidade e afetividade da criança com algum parente como família extensa
(DIAS, 2016, p. 146).
Esta entidade familiar, cada dia mais comum na sociedade hodierna, é composta
por pessoas do mesmo sexo ou da mesma identidade de gênero, que se unem pelos laços
afetivos.
Para Dias (2018, p. 5), essa é uma realidade atualíssima e mesmo que não tenha
regulamentação própria, precisa da tutela jurisdicional:
As uniões entre pessoas do mesmo sexo, ainda que não previstas expressamente na
Constituição Federal e na legislação infraconstitucional, fazem jus à tutela jurídica.
A ausência de regulamentação impõe que as uniões homoafetivas sejam
identificadas como entidades familiares no âmbito do Direito das Famílias. A
natureza afetiva do vínculo em nada o diferencia das uniões heterossexuais,
merecendo ser identificado como união estável. Preconceitos de ordem moral não
28
Por haver falta de previsão legal que regulamente a união homossexual no Brasil,
e ter uma demanda pungente sobre o assunto, para essa modalidade familiar, nos casos
recorrentes no judiciário, usa-se uma interpretação extensiva e analógica da legislação, bem
como os princípios constitucionais para embasar as decisões de reconhecimento dessas
famílias.
Colaciona-se a informação sobre o Projeto de Lei n 2285 DE 2007, que ainda está
em tramitação na Câmara de Deputados, que traz em seu artigo 68 o reconhecimento sobre a
União Homoafetiva, evidenciando-se assim um avanço para a sociedade,
Art. 68. É reconhecida como entidade familiar a união entre duas pessoas de mesmo
sexo, que mantenham convivência pública, contínua, duradoura, com objetivo de
constituição de família, aplicando-se, no que couberem, as regras concernentes à
união estável. Parágrafo único. Dentre os direitos assegurados, incluem se:
I – guarda e convivência com os filhos;
II – a adoção de filhos;
III – direito previdenciário;
IV – direito à herança. (BRASIL, PL nº 2285, 2007).
Nota-se nessas unidades familiares que estas são baseadas em afeto e carinho
entre seus integrantes, valores esses que também se encontram presentes em todas as espécies
de família disciplinadas pela legislação pátria. Ainda que o “afeto, enquanto característica
inata dos seres humanos, é mais do que uma garantia constitucional, é um direito natural do
homem” (VIANNA, 2011, p. 527).
Noutras palavras, onde existir uma união de pessoas ligadas por laços afetivos
haverá uma família.
29
Para compreender essa unidade familiar, precisa-se entender que não se compõem
somente por dois indivíduos – um casal, mas sim por mais de duas pessoas dentro de uma
mesma relação afetiva. Assustadoramente imoral para alguns, comumente aceito por muitos,
incluindo operadores do mundo jurídico, ainda que sem base legal.
No entendimento de Dias (2016, p. 143), favorável a este instituto:
Os termos são muitos: poliamor, família poliafetiva ou poli amorosas. O formato de
tais arranjos familiares também. No entanto, todas as formas de amor que foge do
modelo convencional da heteronormatividade e da singularidade, são alvo da
danação religiosa e, via de consequência, da repulsa social e do silêncio do
legislador. Ou o silêncio ou a expressa exclusão de direitos. Nada mais do que uma
vã tentativa de condenar à invisibilidade formas de amor que se afaste do modelo
monogâmico. Já a união poliafetiva é quando forma-se uma única entidade familiar.
Todos moram sobre o mesmo teto. Tem-se um verdadeiro casamento, com uma
única diferença: o numero de integrantes. [...] Traição e infidelidade estão perdendo
espaço.
reconhecimentos desse tipo de família, existente mas não aceita no ordenamento jurídico
vigente.
Essa modalidade familiar tem uma definição bem simples: é a família que passa a
suprir a família biológica da criança e do adolescente. E isso ocorre de forma permanente com
a adoção ou de forma eventual, transitória, denominadas de guarda ou tutela.
Esta modalidade familiar tem regramento próprio e previsto no Estatuto da
Criança e Adolescente de 1990. O art. 28 versa sobre a colocação do menor no lar substituto,
mediante guarda, tutela ou adoção. E os seguintes incisos e artigos vem regulamentando a
forma que se deve proceder nestes casos, como ouvir o menor sempre que possível, manter
irmãos unidos no mesmo grupo familiar e/ou sempre se levara em conta o grau de parentesco
ou afinidade e afetividade dessa família (BRASIL, ECA, 2018).
A família substituta pode ser constituída por qualquer pessoa maior de 18 anos, de
qualquer estado civil, e não precisa obrigatoriamente ter parentesco com a criança. A família
adotiva e o instituto da adoção, para Venosa (2005, p. 295):
É modalidade artificial de filiação que busca imitar a filiação natural. Daí ser
também conhecida como filiação civil, pois não resulta de uma relação biológica,
mas de manifestação de vontade [...]. A filiação natural ou biológica repousa sobre o
vínculo de sangue, genético ou biológico; a adoção é uma filiação exclusivamente
jurídica, que se sustenta sobre a pressuposição de uma relação não biológica,
mas afetiva. A adoção moderna é, portanto, um ato ou negócio jurídico que cria
relações de paternidade e filiação entre duas pessoas. O ato da adoção faz com que
uma pessoa passe a gozar do estado de filho de outra pessoa, independentemente do
vínculo biológico (grifos do autor).
Nessa espécie de família, observa-se que os membros não são aliados por laços
sanguíneos, mas sim por afinidade, carinho, compaixão e amor, ou seja, os pais não são os
pais biológicos dos filhos, mas agem como assim o fossem.
É conceituada sendo como aquela família unida por algum laço de parentesco,
mas sem a presença dos pais. Organizada pela convivência entre parentes dentro de um
mesmo lar, com objetivos comuns, sejam eles de afinidade ou até mesmo econômico. Como
exemplo, podem-se citar dois irmãos ou primos que convivem juntos, tios e sobrinhos.
31
União estável é uma união não passageira existente entre pessoas dispostas a
conviver em um vínculo de afinidade e amor.
Foi reconhecida como entidade familiar e regulada na Constituição de 88:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[...]
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento. (BRASIL, CRFB, 2018).
Nessa acepção, o Código Civil Brasileiro regra em seu artigo 1.514 que: “o
casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a
sua vontade de estabelecer vínculo conjugal e o juiz os declara casados” (B S CC,
2018).
Ainda, o mesmo dispositivo legal limita-se a descrever os direito e deveres de
ambos os cônjuges:
Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:
I – fidelidade recíproca;
II – vida em comum, no domicílio conjugal;
III – mútua assistência;
IV – sustento, guarda e educação dos filhos;
V – respeito e consideração mútuos. (BRASIL, CC, 2018).
Como exposto alhures, este foi por longos anos considerados o modelo único de
família aceito no ordenamento jurídico, mas com as mudanças culturais, e com a evolução
social, fez-se necessário ampliar as novas formas familiares.
Assim preceitua Maluf (2012 p. 18) quando explana que “afetividade como a
relação de carinho ou cuidado que se tem com alguém intimo ou querido, como um estado
psicológico que permite ao ser humano demonstrar seus sentimentos e emoções a outrem”.
Após comprovada essa relação de parentalidade socioafetiva, tem-se como
consequência a multiparentalidade, para que esses institutos existam necessitam estarem
diretamente atrelados aos princípios constitucionais, assim como já ensinava Lôbo (2003, p.
42). Esse instituto efetiva o princípio da dignidade da pessoa humana e da afetividade,
reconhecendo no campo jurídico a filiação – amor, afeto e atenção - que já existe no campo
fático.
Tem-se primordial discorrer o conceito de multiparentalidade e como se dá o seu
reconhecimento no direito familiar.
35
e não é por isso que uma irá prevalecer sobre a outra, pelo contrario elas devem coexistir em
razão de serem distintas”.
Após o avanço nas relações familiares, como já estudado anteriormente, a
sociedade progrediu muito e passou admitir o instituto da pluriparentalidade, mormente
conhecido como multiparentalidade, tornando-a uma realidade que a justiça começou a
acolher.
Dias e Oppermann (2018, p. 74) afirmam que:
O evoluir da sociedade levou a uma verdadeira transformação da família, que passou
a ser referida no plural: famílias. Um mosaico da diversidade, um ninho de
comunhão de vida, cuja vocação é a realização pessoal de cada um de seus
membros, o respeito ao outro e a proteção das individualidades no coletivo familiar.
Nesta mesma perspectiva também a filiação foi alvo de profunda mudança. O afeto,
elemento identificador das entidades familiares, passou a servir de parâmetro para a
definição dos vínculos parentais. De um lado existe a verdade biológica,
comprovável por meio de exame laboratorial, que permite afirmar, com certeza
praticamente absoluta, a existência de um liame genético entre duas pessoas. De
outro lado há uma verdade que não mais pode ser desprezada: a filiação
socioafetiva, que decorre da estabilidade dos laços familiares construídos ao longo
da história de cada indivíduo e que constitui o fundamento essencial da atribuição da
paternidade ou maternidade.
Cabe ressaltar, que para caracterizar a posse do estado de filho, faz-se necessário
entender quais elementos estão incutidos nesse novo instituto: “a atribuição de nome o
tratamento de filho e o reconhecimento no meio social dessa relação paterno-filial devem ser
públicos notórios estáveis e inequívocos” (N 2014 p. 2).
Complementa-se que a caracterização da filiação sociológica com base na posse
de estado de filho é consequentemente aferida de modo objetivo, mantendo-se, dessa forma, a
segurança jurídica das relações sociais.
E, por corolário lógico, a filiação socioafetiva, que tem como fundamento a posse
de estado de filho, é construída no dia-a-dia, lastreada no afeto, assim como descreve Tartuce
(2017, p. 56):
A filiação decorrente de vínculo exclusivamente socioafetivo é questão que encontra
amparo na Constituição Federal, no Código Civil e no Estatuto da Criança e do
Adolescente. A jurisprudência dos Tribunais estaduais e superiores já admitem
como uma realidade a possibilidade de registro da paternidade socioafetiva. [...]
A premissa afirmada é confirmação de um antigo dito popular, emanado da
expressão pai é quem cria (grifo próprio).
seus membros ajudem uns aos outros, colaborem na formação um do outro, deve ser
um lugar de concretização de projetos de vida e realização interior.
Como expõe Costa (2011, p. 18), esse princípio “é a base de todo o ordenamento
jurídico brasileiro, sendo considerado o mais importante. É com base neste princípio que se
impõe um tratamento digno e isonômico a todas as pessoas, estendendo a qualquer tipo de
filiação ou família”.
Para Dias (2012, p. 62) esse princípio da dignidade humana é o mais universal de
todos os princípios. É um macroprincípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade,
autonomia privada, cidadania, igualdade, uma coleção de princípios éticos.
Conforme leciona Pereira (2005, p.100), o princípio da dignidade da pessoa
humana “significa em primeira e última análise igual dignidade para todas as entidades
familiares”.
Não há como falar na instituição familiar sem que se fale na dignidade da pessoa
humana. Há vínculo entre ser individuo de uma família e ter o mínimo existencial para
sobreviver, pois, em sua gênese, família é a proteção do individuo e de sua existência.
4.1.2 Da afetividade
Para Pereira (2012, p. 59), pode-se ter a compreensão que esse princípio não está
expressamente escrito em texto constitucional, mas veio de encontro com as necessidades
sociais familiares conforme fica evidenciado, pois:
em que pese não estar positivado no texto constitucional, pode ser considerado um
princípio jurídico, à medida que seu conceito é constituído por meio de uma
interpretação sistemática da Constituição Federal (art. 5, § 2º, CF), princípio é uma
das conquistas advindas da família contemporânea, receptáculo de reciprocidade de
sentimentos e responsabilidades. Pode-se destacar o anseio social a formação de
relações familiares afetuosas, em detrimento da preponderância dos laços
meramente sanguíneos e patrimoniais. Ao enfatizar afeto, a família passou a ser uma
entidade plural.
Nesse sentido também liveira (2002 p. 242) reafirma que “a família só tem
sentido enquanto unida pelos laços de respeito, consideração amor e afetividade”. Devido à
importância, o princípio da afetividade é capaz de gerar vínculos jurídicos de filiação
socioafetiva, a partir da relação de afeto, carinho e cuidado.
Portanto, podemos afirmar que desses vínculos jurídicos gerados através do afeto,
carinho e cuidado, nascem os novos institutos familiares, como é o caso da multiparentalidade
estas inovações vem sendo amplamente abarcadas pela jurisprudência atual. São somatizações
advindas do sentimento que trazem consequências diretas no mundo jurídico (CASSETARI,
2017, p. 16).
Muito embora sabido de outros vários princípios que norteiam o direto de família,
indispensável à explanação destes acima, apenas, pois instransponíveis quando se fala do
pedido de reconhecimento da multiparentalidade, seja na via judicial ou outra possível.
Essa declaração judicial tem efeito ex tunc, ou seja, retroage ao momento em que
iniciou a vinculação, abarcando todos os atos praticados antes da prolação da sentença
(PRETTO, 2013, p. 31).
Portanto, dessa sentença judicial ou reconhecimento voluntário em cartório,
criam-se efeitos no mundo jurídico quais sejam: “Direito ao Parentesco, Direito ao Nome,
Direito à Convivência e Guarda, Direito a Alimentos, Direito à Herança entre outros”
(LOUZADA, 2015, p. 34)
4.3.2 Do direito a mudança ao nome e inclusão dos pais e avós no registro civil
Quanto ao registro civil, conforme trata a Constituição Federal em seu artigo 1º,
inciso III, onde versa como direito fundamental da dignidade pessoa humana, o direito do uso
do nome do pai pelo seu filho é entendimento uniforme entre a doutrina e jurisprudência, não
podendo ser vedado a quem lhe deseja fazer uso e tem direito (BRASIL, CRFB, 2018).
Ainda sobre a temática do nome, convém trazer os ensinamentos de Venosa
(2015, p. 26):
O nome é, portanto, uma forma de individualização do ser humano na sociedade,
mesmo após a morte. Sua utilidade é tão notória que há exigência para que sejam
46
Cabe ressaltar, neste momento, que “as decisões mais importantes da vida da
criança (formação escolar, educação religiosa, atividades extracurriculares), e as decisões da
vida cotidiana cabem à pessoa com quem a criança reside” (SEVERINO, 2011, p. 63).
Se as tomadas de decisões, fiscalização e supervisão do desenvolvimento do
menor ou do indivíduo enquanto filho entrarem em conflito entre os pais biológicos e afetivos
estará o judiciário apto a julgar essa lide. Assim estabelece a lei civil em seus dispositivos,
artigo 1.517 e 1.567 do Código Civil (BRASIL, CC, 2018).
O reconhecimento do vinculo plural socioafetivo, tornando o registro civil
multiparental, detém titulares e procedimentos específicos de concessão. Em que pese
advindo de uma construção social, a legitimação é criteriosa.
sua morte aos seus herdeiros, em razão de aplicação da lei ou do testamento (PEREIRA,
2017).
De maneira clara e objetiva, o direito das sucessões é o ramo do “direito civil
cujas normas regulam a transferência do patrimônio do morto ao herdeiro, em virtude de lei
ou de testamento. A palavra sucessão significa substituir uma pessoa por outra, que vai
assumir suas obrigações e adquirir seus direitos” (MENEZES, 2018, p. 75).
Esse direito a herança esta garantido na Carta Magna em seu Art. 5º, incisos XXX
e XXXI em que “é garantido o direito de herança; a sucessão de bens de estrangeiros situados
no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros,
sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus” (BRASIL, CRFB, 2018).
O Código Civil também regulamenta esse instituto, em seu artigo 1.784,
determinando que a herança transmite-se aos herdeiros legítimos e testamentários a partir do
momento da abertura da sucessão, ou seja, a partir da morte do indivíduo (BRASIL, CC,
2018).
Segundo Silva (2017, p. 48) é da transmissão de patrimônio que versa o direito
das sucessões. Quando o titular dos direitos e obrigações falecer, esses bens incorporam e
passam a se chamar espólio. Portanto sucessão é “a transferência do patrimônio do morto aos
herdeiros, em virtude de testamento ou de lei. A palavra sucessão significa substituir uma
pessoa por outra, que vai assumir suas obrigações e adquirir seus direitos quando a causa da
extinção da pessoa é a morte”.
Ainda, explica Santos (2014, p. 51) que são duas as “fontes de que nascem o
direito sucessório: a) A lei: a lei transmite o direito; b) Vontade da pessoa: a pessoa que
morreu teve a vontade de criar o direito”.
O artigo 1.829 do Código Civil Brasileiro estipula a ordem de sucessão legítima
nos seguintes termos:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado
este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação
obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão
parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais (BRASIL, CC, 2018).
Em comento aos incisos do referido artigo, entende-se que o inciso I trata afirma
que, na falta de disposição de última vontade do indivíduo, deverão receber a herança os
55
descendentes, que em sua maioria se caracterizam na figura dos filhos e netos, juntamente
com o cônjuge sobrevivente.
O inciso II traz expressamente que, na falta de descendentes, terão direito a
suceder os ascendentes, e conjuntamente com o cônjuge sobrevivente. Já o terceiro inciso
versa sobre a presunção de não haverem descendentes ou ascendentes do falecido, caso em
que o único herdeiro legítimo será o cônjuge sobrevivente.
No inciso IV do referido artigo, depreende-se que os parentes colaterais são os
últimos a terem preferência na linha sucessória. Estes são aqueles parentes que não possuem
qualquer relação de ascendência ou descendência, mas possuem um ancestral em comum com
o falecido (BRASIL, CC, 2018).
Tartuce e Simão (2013, p. 207) ensinam que “a ordem do chamamento dos
parentes, cônjuge ou companheiro do falecido decorre da presunção legal de afetividade que
estes possuíam com o falecido, ou seja, os parentes a quem o de cujus oferecia mais
proximidade e afeto têm preferência à linha sucessória”.
Portanto, se ocorrer a primeira regra, existindo por tanto uma classe de herdeiros,
a próxima classe será excluída, e assim por diante. Noutras palavras, os de grau mais próximo
excluem da sucessão os de grau mais remoto.
Em continuidade os mesmos autores Tartuce e Simão (2013, p. 209) afirmam que
dessa regra poderá surgir exceção, conforme exposto a seguir:
Como primeira exceção, haverá concorrência sucessória entre o cônjuge
sobrevivente e os descendentes do falecido em certas situações, dependendo do
regime de bens do casamento (art. 1.829, I, do CC/2002). Ato contínuo, haverá
concorrência sucessória entre o cônjuge sobrevivente e os ascendentes do falecido
qualquer que seja o regime de bens (art. 1.829, II, do CC/2002). Também haverá
concorrência sucessória entre o companheiro sobrevivente e os descendentes do
falecido sobre os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável (art.
1.790, I e II, do CC/2002). Não obstante tudo isso, haverá concorrência sucessória
entre o companheiro sobrevivente e ascendentes ou colaterais do falecido sobre os
bens adquiridos onerosamente na constância da união estável (art. 1.790, I e II, do
CC/2002). Por fim, haverá o direito real de habitação ao cônjuge,
independentemente do regime de bens e de sua participação na herança (art. 1.831
do CC/2002).
Pode-se entender implicitamente que a figura do afeto foi levada em conta pelo
legislador, uma vez que os parentes que são mais próximos do indivíduo terão preferência na
linha sucessória (SILVA; LATINI; PELLIZZONE, 2015).
O Código Civil até permite que o indivíduo deixe um ato de última vontade, como
por exemplo, o testamento, mas essa permissão não pode ser total. O próprio regramento legal
garante aos herdeiros necessários, em seu artigo 1.846, a metade dos bens da herança, o que
56
se chama de legítima: “pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens
da herança, constituindo a legítima” (BRASIL, CC, 2018).
Sendo assim, o testador poderá dispor apenas de metade de seus bens, obrigando-
se a deixar outra metade para seus herdeiros necessários, conforme disposto no artigo 1.845,
sendo que, entendidos por estes estão “os descendentes, os ascendentes e o cônjuge”
(BRASIL, CC, 2018). Noutros termos, os pais, os filhos, os avos, os netos ou o cônjuge.
Sobre a reserva da legítima, Silva, Latini e Pellizzone (2015, p. 169) aduzem que
se não houver nenhum herdeiro necessário, o testador terá liberdade na totalidade de seus
bens e “todos os demais parentes serão considerados herdeiros facultativos, que serão os
parentes colaterais até o quarto grau e o eventual companheiro do falecido”.
Ainda, cumpre esclarecer que há divergência nas doutrinas quando se fala de
companheiro no que prisma das sucessões. A doutrina majoritária defende a ideia que o
companheiro efetivamente pertence à classe dos herdeiros facultativos. Todavia, apesar de
minoritária, existe uma corrente que alega que o companheiro deve pertencer à classe dos
herdeiros necessários, comparando-se à figura do cônjuge do falecido.
Pode-se dizer que a diferença dos efeitos sucessórios entre as duas classes de
herdeiros é que o herdeiro necessário possui pleno direito à metade dos bens do falecido,
apenas sendo excluído da sucessão em um dos casos listados no artigo 1.814 do Código Civil:
Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I - que houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou
tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro,
ascendente ou descendente;
II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou
incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da
herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.
Todavia, Cassetari (2017, p. 275) afirma que aqueles parentes com uma relação
afetiva mais próxima do falecido têm grande preferência na linha sucessória. O afeto irá muito
além da preferência no direito sucessório a ponto de diferenciar, dentro dos sucessores
legítimos, aqueles mais próximos do de cujus, tornando-os herdeiros necessários e
concedendo-lhes, automaticamente, direito à metade dos bens da herança.
Após superarem-se de maneira sucinta os aspectos gerais do direito sucessório,
discorrer-se-á sobre isonomia entre os herdeiros descendentes do falecido, mais
especificamente dos eventuais filhos que este possa ter.
57
6 CONCLUSÃO
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http://ri.ucsal.br:8080/jspui/bitstream/prefix/371/1/DISSERTACAOPEDROSPINOLA.pdf
ANEXO A – Acórdão Tribunal de Justiça de Santa Catarina
RELATÓRIO
VOTO
2 A admissibilidade do recurso
2.1 Um esclarecimento necessário
direito processual adquirido e a coisa julgada, conforme melhor leitura do art. 14 do Código
de Processo Civil de 2015.
A temática, para ser melhor compreendida, comporta exegese da teoria do
isolamento dos atos processuais, pela qual, muito embora se reconheça o processo como um
instrumento complexo formado por uma sucessão de atos inter-relacionados, advindo nova lei
processual e se deparando esta com um processo em desenvolvimento, para fins de definir sua
específica incidência ou não sobre cada ato, necessário se faz verificar se possível tomá-los
individualmente.
Dessa forma, constata-se se os elementos do ato a ser praticado são efetivamente
pendentes e independentes dos atos anteriores - aplicando-se, portanto, a lei nova - ou se
possuem nexo imediato e inafastável com um ato praticado sob a vigência da lei anterior,
passando a ser tomados, enquanto dependentes, como efeitos materiais dele - aplicando-se,
assim, a lei antiga -, vez que imodificável a lei incidente sobre os atos anteriores, seja porque
atos processuais perfeitos (uma vez consumados ao tempo da lei antiga), seja porque existente
sobre eles um direito processual adquirido (uma vez passíveis de exercício ao tempo da lei
antiga, com termo pré-fixo de início de exercício ou condição preestabelecida inalterável para
o exercício).
Outro não é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ, REsp n.
1.404.796/SP, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 26.3.2014), firmado, aliás, em sede
de Recurso Especial Repetitivo (arts. 543-C do Código de Processo Civil de 1973; e 1.036 a
1.041 do Código de Processo Civil de 2015).
Dessa forma, tendo o interlocutório guerreado sido publicado em 18/11/2016 (fl.
46), isto é, quando já em vigência do Código de Processo Civil de 2015, o caso será analisado
sob o regramento do novo Diploma.
2.3 A filiação
biológica ou socioafetiva. O registro não nasce per se, mas sim é conseqüente a algo que lhe é
anterior. Não é causa, mas conseqüência. Não é originário, sim sequencial.
Maria Berenice Dias analisa as diferenciações entre os vínculos parentais
biológicos e socioafetivos:
Dois fenômenos marcaram de forma significativa tudo que a lei diz, a doutrina
sempre sustentou e a jurisprudência vinha decidindo sobre os vínculos de parentalidade. Até
hoje, quando se fala em filiação e em reconhecimento de filho, sempre se esteve a falar em
filiação biológica. Em juízo sempre foi buscada a chamada verdade real, sendo assim
considerada a relação de filiação decorrente do vínculo de consanguinidade.
O primeiro grande marco que introduziu profunda revolução no direito das
famílias foi a quebra do princípio de que a família se identificada com o casamento.
No momento em que se admitiram como entidades familiares estruturas não
constituídas pelo matrimônio, passou-se a reconhecer a afetividade como elemento
constitutivo da família. Essa mudança de paradigmas não se limitou ao âmbito das relações
familiares. Refletiu-se também nas relações de filiação. O prestígio que se emprestou à
afetividade, como elemento identificador da família, passou a ser também o elemento
identificador dos elos de filiação.
Outro acontecimento veio trazer reflexos significativos no que diz com os
vínculos parentais. Os avanços científicos, que culminaram com a descoberta dos marcadores
genéticos e permitem a identificação da filiação biológica por meio de singelo exame não
invasivo, desencadearam verdadeira corrida ao Judiciário, na busca da "verdade real".
(Manual de Direito das Famílias. 5ª ed., rev., atual. e ampliada. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009, p. 331).
Após a consagração desses dois institutos - paternidade biológica e paternidade
socioafetiva - , intensos debates passaram a ser travados na doutrina e na jurisprudência, com
o fito de consagrar qual modalidade de vínculo deveria prevalecer em caso de colisão, isto é,
quando as paternidades biológica e socioafetiva não coincidissem em um único sujeito.
Acerca da temática, Fátima Nany Andrigui e Cátia Denise Gress Krueguer
preconizam que: "Não há, na Constituição Federal, referência de primazia entre afetividade e
consanguinidade. Existem, assim, duas verdades reais: a biológica e a socioafetiva".
(ANDRIGHI, Fátima Nancy; KRUGER, Cátia Denise Gress. Coexistência entre a
socioafetividade e a identidade biológica - uma reflexão. In: Família e Jurisdição II.
BASTOS, Eliane Pereira; LUZ, Antônio Fernandes da. (coords). Belo Horizonte: Del Rey,
2008 , p. 84)
Neste mesmo vértice:
Destarte, de se reconhecer que tanto a filiação biológica como a
socioafetiva encontram guarida na Constituição Federal de 1988.
Na maior parte dos casos, a biológica também envolverá o afeto -
que estará presente desde o surgimento do vínculo. Na socioafetiva,
por sua vez, o sentimento de afeto é construído ao longo da vida,
porque se quis e desejou. Há um projeto comum, que permite a
integração e pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe
da entidade familiar. (SANTOS, Marlouve Moreno Sampaio. Reflexões
sobre a paternidade nas relações familiares sob a ótica do direito e da
psicanálise. In: Família e Jurisdição III. BASTOS, Eliane Pereira;
75
Consoante se sabe, a tutela provisória tem por fito dar eficácia imediata à tutela
definitiva, possibilitando sua pronta fruição. Sendo provisória, há de ser necessariamente
substituída por uma definitiva, a qual poderá confirmá-la, revogá-la ou, ainda, modificá-la.
Caracteriza-se por ser obtida em cognição sumária, sobretudo em um juízo de probabilidade,
bem como por sua precariedade, eis que passível de revogação ou modificação a qualquer
tempo, desde que, por certo, alteradas as condições ensejadoras de sua concessão. Não se
predispõe, por sua natureza, à produção de resultados imutáveis, sendo inapta à cristalização
com a coisa julgada material, à luz da necessidade de obediência ao devido processo legal.
Diz-se tutela provisória de urgência "aquela concedida quando houver elementos
que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do
processo" (art. 300 do Código de Processo Civil de 2015). Ela poderá ser cautelar (dotada de
cunho assecuratório) ou antecipada (caráter satisfativo), tem como pressupostos gerais: [a]
probabilidade do direito (fumus boni iuris), sendo este o juízo de verossimilhança que
possibilita contemplar uma verdade provável dos fatos aduzidos e de sua subsunção à norma
invocada, com aptidão prefacial a gerar os efeitos objetivados; e [b] perigo de dano ou risco
ao resultado útil do processo (periculum in mora), presente quando demonstrado um risco de
dano concreto (e não hipotético ou eventual), atual (na iminência de ocorrer) e grave (com
aptidão para prejudicar ou impedir o pleno exercício do direito). Há, ainda, como pressuposto
específico, a reversibilidade dos efeitos da decisão, que consiste na possibilidade de retorno
ao statu quo ante, caso alterada ou revogada a medida, elemento inerente à provisoriedade da
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tutela e que possui como objetivo coibir abusos na utilização da providência processual,
preservando o adverso contra possíveis excessos no seu emprego.
Versando o caso sobre tutela provisória de urgência, aplicam-se as disposições
contidas no artigo 300 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015, os quais preceituam:
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver
elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de
dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1o Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o
caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos
que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada
se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2o A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após
justificação prévia.
§ 3o A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida
quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Art. 301. A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada
mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto
contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para
asseguração do direito.
Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a
parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência
causar à parte adversa, se:
I - a sentença lhe for desfavorável;
II - obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer
os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco)
dias;
III - ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese
legal;
IV - o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da
pretensão do autor.
Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a
medida tiver sido concedida, sempre que possível.
2.4.1 A espécie
87 dos autos de origem); [e] profissional de saúde (fl. 89 dos autos de origem); [f] amigos (fls.
91 e 96/97 dos autos de origem); e [g] ex-namorada (fl. 95 dos autos de origem).
Acrescente-se a isso que, quando do preenchimento do prontuário de saúde do
falecido, a lacuna "mãe" foi preenchida com o nome da agravada (fl. 73 dos autos de origem).
Em entrevista pessoal fornecida pelo de cujus, esse expressamente referenciou seus tios como
sendo seus pais, afirmando ter sido por eles adotados, sendo válido consignar que o
documento foi colacionado pela própria agravante (fl. 132 dos autos do agravo).
Não fossem suficientes os documentos supra indicados, ainda há nos autos
inúmeras fotos indicando o intenso convívio do de cujus com a família dos agravados (fls.
103/162 dos autos de origem), bem como prints screens de conversas usuais que esse
mantinha com os integrantes da família dos recorridos por meio digital (fls. 91/129 dos autos
do agravo de instrumento).
De se consignar, ainda, que a agravante assinou contrato de prestação de serviços
advocatícios em que concordava em doar 50% (cinquenta por cento) dos bens deixados por
ele para os agravados (fls. 98/99 do autos originais). Igualmente, assinou acordo de partilha
extrajudicial, no qual os bens integrantes do espólio do falecido restavam divididos entre ela e
os dois recorridos, indicados enquanto pais de criação (fls. 100/102 dos autos de origem).
A questão deverá ser melhor equacionada mediante instrução probatória, visto que
a agravante afirma ter assinado tais documentos desconhecendo seu teor, dado que é
analfabeta.
Nada obstante, ainda que se desconsidere esses dois documentos, os autos se
encontram fartamente instruídos, demonstrando a verossimilhança da alegação.
No que concerne ao periculum in mora, esse se evidencia em razão da
possibilidade de dissipação do quinhão hereditário pertencente aos agravados na
eventualidade de sua demanda vir a ser julgada procedente.
Consoante salientado no parecer ministerial:
Aqui o perigo na demora é inverso: se revogarmos a tutela provisória
concedida em primeiro grau, a agravante poderá eventualmente
dilapidar o quinhão que no futuro pode ser reconhecido aos agravados,
ao passo que a manutenção da medida não afetará, ao menos de
maneira severa, qualquer das partes, já que está o patrimônio
momentaneamente indisponível aos envolvidos. (fl. 302 dos autos do
agravo).
3 A conclusão
Assim, quer pelo expressamente consignado neste voto, quer pelo que do seu teor
decorre, suplantadas direta ou indiretamente todas as questões ventiladas, deve o recurso ser
conhecido e desprovido, tudo nos termos supra.
É o voto.
Gabinete