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PRESENTE…
Clayre entra no apartamento ao mesmo tempo que Liana
lança o vaso. A porcelana passa a milímetros de seu rosto e se
estilhaça na parede. Ela trava surpresa, fica totalmente pálida e
corro até ela.
一 Clayre, acertou você? 一 Seguro suas mãos pequenas,
macias e estão completamente geladas.
A voz estridente da Liana grita pelas minhas costas e vejo os
olhos da Clayre lentamente se fecharem. Seguro o seu corpo em
meus braços e ela perde a consciência. Com desespero, apoio seu
rosto no meu peitoral. Passo a mão em sua testa suada.
一 Clayre, droga, porra. Liana, chama uma ambulância. 一
aviso desesperado abraçando-a forte.
一 Não precisa, ela ficou nervosa, isso é culpa sua Jack.
Leve-a até a cama, agora mesmo e nos deixe em paz.
Pego o corpo da Clayre nos braços e com cuidado sigo até o
quarto e a deito na cama. Sua fisionomia está mais serena e seus
lábios começam a recuperar a cor e imediatamente ligo o ar
condicionado. Liana permanece parada na porta, apenas olhando,
sem dizer nada. Como ela consegue ser tão indiferente à filha que
acabou de desmaiar? Passo a mão nos meus cabelos, nervoso,
jogando-os para trás e me aproximo da cama. Sento ao lado dela e
suavemente passo as mãos em seus cabelos loiros. Meu peito está
angustiado, meus nervos à flor da pele, mas nada é mais marcante
do que o desespero que senti quando vi seus olhos se fecharem.
一 Saia Jack. 一 ordena Liana puxando-me pelo braço. 一
Não vê que tudo isso é culpa sua? Minha filha ficou assustada com
a cena. Ela ficará bem, é apenas nervosismo.
一 Pegarei um copo de água com açúcar. 一 caminho para
fora do quarto abalado.
Tudo acaba de mudar dentro de mim. Nunca me senti tão
impotente, destruído, como agora. E toda essa sensação se resume
à Clayre, em vê-la machucada, inconsciente. Percebi que quando se
trata daquela garota, serei levado do céu ao inferno. Não posso
negar que a desejo intensamente e que cancelar o casamento é o
mínimo que poderia fazer. Eu a quero, eu a proclamo, eu a venero,
mas principalmente exijo que seja minha. Quero cada parte do seu
corpo, do seu coração e nunca senti isso por nenhuma pessoa no
mundo.
CAPÍTULO 13
“Olhos tristes me acompanham
Mas continuo acreditando que tem algo esperando por mim
Então, por favor venha ficar comigo
Porque continuo acreditando que tem algo esperando
Por você e eu”
(One Last Breath, Creed)
8 MESES ATRÁS
Desci as escadas do colégio sentindo meus pés doerem
miseravelmente. As luzes da festa pintavam o céu e a música era
estridente. Arranquei os saltos dourados e lancei na grama com
força. Rebeca desceu logo atrás de mim e me puxou pelo pulso
tentando me acalmar.
一 Minha mãe não apareceu, nem na formatura ela apareceu!
一 Passei as mãos no vestido longo rosa que escolhi com tanto
carinho. 一 Meu pai disse que ela estaria aqui!
一 Amiga, sério? Olha para mim. 一 encarei fixamente seu
rosto.
Rebeca é uma ruiva de cabelos longos, olhos verdes como
os meus, corpo malhado, fez parte das líderes de torcida e neste dia
usava um vestido vermelho matador.
一 Quando foi que sua mãe cumpriu algo? 一 vasculhei a
minha mente procurando a resposta.
一 Hum, nunca?
一 Exatamente e por que você achou que ela viria? Sua mãe
é um fantasma, faz de conta que morreu. 一 Ela começou a
gargalhar e poderia até ter ficado frustrada, mas esse era o poder
dela, me fazer rir com seu humor ácido.
一 Rebeca, você não tem limites.
一 Nenhum pouco, chorar por quem não se importa com você
é gostar de sofrer! Tenho algo muito melhor em mente!
一 Ah é, o que seria? 一 questionei ficando animada.
一 Que tal comermos lanche e sorvete?
一 Droga, eu topo, mas se meu pai perguntar falaremos que
foi os doces da festa que fizeram mal.
一 Combinado!
Após uma noite intensa onde precisei reprimir toda raiva que
eu sentia pela descoberta do que a Liana fez com a própria filha,
tivemos um jantar calmo. Obviamente não consegui matar a
saudade da Clayre, nem devorá-la com beijos e nem sentir o seu
corpo ao meu, afinal, o Gerald fez questão de ir novamente ao bar
comigo. A conversa foi distante, secreta, mas pensando em um bem
maior. Precisei concordar com ele em não revelar que Liana não é a
mãe biológica da Clayre, mas porque exatamente concordei com
isso?
Acho que no fundo me imaginei em seu lugar, pensei no
desgosto, na parte da vida que ela acharia uma fraude, no medo de
saber sobre sua família de sangue ou porque o seu pai biológico
teve coragem de dá-la para uma desconhecida. Além da grande
incógnita e da dor que carregou todos esses anos querendo
aprovação. Sua mãe realmente faleceu no parto? São tantas
dúvidas que inundá-la com todas elas parecia um castigo. Gerald
conseguiu durante a madrugada o sobrenome da Clayre e é
“Ballard”.
Quando Liana me confessou o primeiro nome, foi inevitável
não sentir a grande conexão que Clayre tem com as estrelas e o
quanto olhá-las acalma sua mente. Uma projeção inconsciente do
passado, que permaneceu em seu coração ativo e intenso.
Pesquisamos sobre a família e descobrimos que o pai se suicidou
após ser internado em uma clínica psiquiátrica, o irmão hoje com 28
anos é piloto de avião e a mãe surpreendendo todas as nossas
expectativas, está viva e é enfermeira no hospital que Clayre estava
internada.
Uma vida completamente diferente da que ela viveu em
Charleston, com uma mãe aparentemente amorosa nas fotos com o
filho mais velho. As lágrimas do Gerald se misturaram com a garrafa
inteira de whisky que tomou por medo de perder a única filha que
ele acreditou ter na vida. Não consigo imaginar algo tão destruidor,
em suas palavras sentia que ao seus olhos não tinha sido um bom
pai, porque em alguns momentos chegou a dizer coisas como “e se
ela ao saber da família esquecer de mim?”.
Eu não acreditava nisso e não sabia o que responder, mas
agora estou diante da única alternativa plausível, falar com sua mãe
e saber se ela acredita que a filha morreu naquele dia. Encaro agora
em minha frente o hospital que ela esteve internada por dias. Subo
as escadas até parar em frente à recepção.
一 Bom dia, o que precisa? 一 Pergunta a recepcionista
sorrindo.
一 Queria verificar o resultado que fiz de compatibilidade com
a Clayre Freburg para uma doação de medula. 一 Havia colhido o
exame um dia após rejeitá-la, na esperança de ser compatível.
一 Certo, qual o seu nome?
一 Jack Bourbon.
一 Ah sim, o resultado está disponível no setor de oncologia.
Pode seguir até o final do corredor que a enfermeira Emma Ballard
irá atendê-lo.
Para minha surpresa, essa era a pessoa que eu procurava. A
mãe da Clayre. Fico ansioso, respirando profundamente enquanto
caminho até o local. Gerald não tinha forças para fazer isso e eu?
Bom, estou incerto, mas jamais deixarei escapar a oportunidade de
salvá-la.
Aproximo-me da porta de vidro e uma senhora toda de
branco está de costas. O cabelo loiro como palha está preso em um
coque no topo da cabeça e ao se virar sorri simpática. Seu rosto é
delicado, a pele é madura pela idade, branca, os olhos são verdes
como os da Clayre e o sorriso é o mesmo.
“Droga, é a mãe dela”.
Sua voz calma e serena me traz a realidade.
一 Bom dia, é o Jack certo? Sente-se, o Dr. me passou o
resultado tem uma semana, estávamos aguardando você aparecer.
A sua atitude de querer ajudar sua namorada é linda. 一 Elogia e me
sento na poltrona em sua frente.
一 Espera… 一 Afirmo enquanto as lembranças da internação
da Clayre retornam em minha mente. 一 Não foi a senhora que fez
transfusão na minha namorada?
一 Isso, sou eu mesma. Eu me lembro bem dela, era uma
loira? de olhos verdes? Com o olhar triste. 一 concordo com a
cabeça. 一 Ela me disse algo que acabou ficando na mente, então
não consegui esquecer.
一 O que ela disse?
一 Que queria morrer para acabar com os conflitos de todos.
一 Meu peito dói e aperto os olhos. 一 Dei um conselho a ela e no
final me disse que adoraria ter uma mãe como eu. Enfim… bobeira
minha. 一 A mulher vira de costas abrindo o envelope e talvez essa
seja a brecha que eu precisava.
Decido encorajá-la a continuar falando.
一 Por que a Clayre dizer isso mexeu com a senhora? Tem
filhos? Ela segura os papéis na mão e o olhar entristece.
一 Sim, eu tenho o Baylor, mas perdi minha filha ainda bebê,
no parto e por isso escolhi ser enfermeira, para ajudar, acolher e dar
o meu melhor por todos que sofrem e quem sabe até conseguir
prolongar ao máximo a vida deles.
“Essa definitivamente é a mãe da Clayre”.
一 Se a sua filha estivesse viva, o que diria a ela? 一 Emma
para por alguns segundos encarando-me fixamente surpresa pela
pergunta.
一 Bom, nossa, são tantos anos. Mas, eu acho que diria que
a amei todos os dias desde que partiu. Todas as noites olhei para o
céu e de alguma forma avistava uma estrela e parecia ser ela
brilhando. Eu… diria que daria tudo para um dia vê-la porque não
tive a chance de conhecer o seu rostinho, quando acordei do coma
já havia partido.
一 Desculpe, sinto muito. Eu… 一 Lamento secando a lágrima
intrusa que caiu dos meus olhos.
一 Olha que lindo, você chorando, não imaginei que minha
história fosse mexer com você.
一 Ah… 一 Ilustro um meio-sorriso sem graça e me ajeito na
cadeira. 一 Homens choram afinal. 一 concluo e sorrimos juntos. 一
É que lembrei da minha namorada sabe, ela está doente precisando
de uma doação de medula.
一 Sim, já tive na minha família casos como o dela, é uma
doença genética, eu sou doadora. 一 Sua revelação me entrega que
então não é compatível com a Clayre, trazendo uma grande
desolação para o meu coração.
一 E seu filho também?
一 Ah não, ele ficou traumatizado com a perda da irmã, tinha
10 anos na época e nunca mais quis entrar em um hospital.
一 A minha namorada nasceu aqui, nesse hospital.
一 Sério? Não olhei toda a ficha dela.
一 Sim, foi no dia 21 de julho. Há 18 anos. 一 A mulher fica
pálida. 一 A senhora acredita em milagres? 一 Emma franze a testa,
junta as sobrancelhas e estreita o olhar, buscando sentido para o
meu questionamento.
一 Sim, eu acredito em milagres. 一 Disfarçando o
desconforto pela minha forma invasiva, ela me entrega o exame. 一
Infelizmente o senhor não é compatível. 一 Frustro-me com sua
revelação.
一 Eu não sou, mas talvez o seu filho seja. 一 Digo sem
pensar.
一 O que meu filho tem a ver com isso? Chamarei o
segurança, estou estranhando os seus questionamentos. 一 A
fisionomia torna-se amedrontada.
一 Não, espera… 一 suplico. 一 Tudo bem, serei direto, talvez
não acredite em mim, mas a sua filha não morreu naquele dia.
一 Saia daqui! 一 grita aflita, com a respiração tornando-se
profunda.
一 Emma o seu marido alguma vez confessou que deu sua
filha para uma desconhecida que havia matado o próprio bebê? 一
Sua respiração que era ofegante, trava.
Seu rosto empalidece e ela leva a mão aos lábios.
一 O que é isso? Como sabe das maluquices que meu
marido falava? Ficou sabendo da nossa história? Com isso não se
brinca. Ele estava sofrendo. Achou que me perderia e enlouqueceu
após perder a nossa filha.
一 Não, de jeito nenhum. Estou aqui porque uma mulher que
conheço confessou que no dia 21 de julho recebeu de um homem
uma bebê para trocar pela sua, e que aceitou, mas nunca conseguiu
amar a criança.
一 Quem é a criança?
一 A Clayre, minha namorada. Ela precisa encontrar sua
família verdadeira, eu preciso salvá-la e não me importo se está me
achando louco, mas eu não vou desistir até que acredite em mim.
一 Aquela moça?
一 Sim. 一 Ela fica em silêncio pensativa. 一 Clayre não sabe
de nada.
一 O quê?
一 Ela não sabe que a Liana não é sua verdadeira mãe, nós
descobrimos pela recusa na doação e não sabemos se deveríamos
contar ou não, mas eu te imploro. 一 Fico de joelhos e a mulher
arregala os olhos. 一 Você precisa acreditar em mim, você precisa
salvar a minha estrela dourada.
一 Preciso vê-la. Primeiro, eu preciso ter certeza.
一 Claro, mas como irá ter certeza sem um exame?
一 Só preciso olhar em seus olhos, preciso…
一 Olha, essa revelação foi chocante para nós. Clayre é
apegada ao pai, ele está sofrendo muito com tudo isso, mas nesse
momento só queremos vê-la bem. O seu filho pode fazer o exame e
como irmão a chance de compatibilidade é grande.
一 Ele não viria ao hospital.
一 Revele a verdade a ele. Olha, eu não tenho motivos para
mentir. Moro aqui em Miami, todos conhecem o meu bar e se quiser
pode questionar a minha família, eu não sou louco. Estou
desesperado, é diferente. Esse grande segredo foi revelado ontem e
pode ser a única forma de salvar a mulher que amo, então, inventar
tudo isso não faz sentido, até porque as chances de compatibilidade
são baixas. 一 A mulher desvia a atenção para o chão, pensa por
alguns segundos e eleva o rosto.
Seu olhar possui traços de sofrimento, o mesmo que vejo na
Clayre. Uma sofreu pela falta da mãe e a outra pela ausência da
filha que jurou ter perdido.
一 Reviver tudo isso trará uma grande angústia para mim e
para o meu filho. Porém acredito em você. Algo dentro de mim não
me deixa recusar e automaticamente me lembro do meu marido.
Sofreu por anos atormentado, achávamos que estava fora de si, que
fantasiou e se tornou psicótico e agora, ouvindo as suas palavras,
talvez tenhamos sido negligentes. Uma vez ele disse que logo após
entregar nossa filha foi atrás da mulher, para pegá-la de volta, mas
ela se mudou e nunca mais conseguiu achá-la. Ele ficou anos
repetindo isso, não dormia, tornou-se depressivo e no fim perdeu a
sanidade por uma culpa que achávamos que não existia.
一 Emma, não busque culpados. A dor faz as pessoas agirem
de forma inesperada. De um lado tínhamos uma mãe que matou a
própria filha em um surto e do outro um pai, sofrendo a possível
perda da esposa, com a desilusão de construir uma família sozinho.
Nenhum dos dois agiu certo, mas naquele momento estavam fora
de si, todavia, algumas escolhas não podem mais ser facilmente
desfeitas e cabe ao destino colocar tudo no lugar, no momento
certo.
Seu semblante fica apático, as lágrimas se formam enquanto
ela tenta conter as próprias emoções levando a mão ao peito.
一 Sabe quantas vez disse a Deus que preferia ter ido no
lugar da minha filha? Um milhão de vezes e imaginar que ela possa
estar viva, tão perto de mim, é chocante e, ao mesmo tempo,
eletrizante.
一 Emma preciso ser sincero com você. 一 Ela trava, mas fica
genuinamente atenta.
一 Não queremos que a Clayre saiba, sei que talvez possa
ser uma escolha egoísta, mas desde pequena sonhava em ter o
amor da mãe e enfim, foi abandonada bebê. Eu estava noivo da
suposta mãe dela… 一 A mulher arregala os olhos. 一 Tudo piorou,
a mãe disse coisas horríveis e ela está sensível. Nós contaremos,
mas acho que se encontrar um doador e seu filho for compatível ela
ficará mais forte para enfrentar o que for.
一 Ah, meu Deus. Ela sofreu muito? Como pode essa mulher
ter aceitado ficar com a minha filha e a abandonado depois. Isso é
um absurdo.
一 Algumas mulheres não nasceram para serem mães
Emma. Outras acham que não nasceram e aprendem e algumas
sonham em ser. Infelizmente pessoas narcisistas também podem ter
filhos e continuam sendo iguais.
一 Espero que um dia ela possa me amar.
一 Tudo que ela sempre quis foi ter o amor da mãe, é
impossível ela não te amar, com o tempo tudo ficará bem!
一 Como faremos para que eu possa vê-la?
一 Não sei!
CAPÍTULO 47
“Estações, elas vão mudar
A vida vai fazer você crescer
Os sonhos vão fazer você chorar, chorar, chorar
Tudo é temporário
Tudo vai passar
O amor nunca morrerá, morrerá, morrerá”
(Birds, Imagine Dragons)