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Sumário

DEDICATÓRIA
PRÓLOGO
UM
DOIS
TRÊS
QUATRO
CINCO
SEIS
SETE
OITO
NOVE
DEZ
ONZE
DOZE
TREZE
QUATORZE
QUINZE
DEZESSEIS
DEZESSETE
DEZOITO
DEZENOVE
VINTE
VINTE E UM
VINTE E DOIS
VINTE E TRÊS
VINTE E QUATRO
VINTE E CINCO
VINTE E SEIS
VINTE E SETE
VINTE E OITO
VINTE E NOVE
TRINTA
TRINTA E UM
TRINTA E DOIS
EPÍLOGO 1
EPÍLOGO 2
CAPÍTULO BÔNUS
PEDIDO DA AUTORA
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Copyright © Mary Oliveira
Todos os direitos reservados.

Criado no Brasil.

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes, personagens, lugares
e acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança
com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de


qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o
consentimento escrito da autora.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo
184 do Código Penal.
DEDICATÓRIA
A você, que precisou se proteger quando deveria ter sido
protegida, que escolheu ir embora porque sabia que merecia
mais. Você é forte. Você merece ser genuinamente feliz.
PRÓLOGO
SOPHIA GARCÍA

Qual a melhor forma de se vingar do ex-namorado babaca e traidor da sua melhor


amiga, sem perder seu réu primário?
Esmagar as bolas dele com um martelo;
Decepar o pau dele;
Quebrar as janelas do carro supercaro do qual ele vivia se gabando;
Arranhar a lataria daquele carro estúpido… hum… esse talvez eu consiga fazer
parecer um acidente…
— Tira essa expressão assassina do rosto! — minha melhor amiga exclamou, muito
bêbada ao meu lado na mesa do bar em que estávamos. — A gente não vai mais olhar na
cara daquele… daquele… como é que você o chamou mesmo?
— Macho seboso de beleza inexistente e inteligência limitada.
Liz gargalhou, o pescoço fino se arqueando.
Acabei sorrindo também, porque adorava sua risada contagiante. Me confortava
saber que ela não estava triste pela traição e término, que nunca amara aquele idiota, mas
isso não me deixava menos puta.
Mesmo que Liz e eu fôssemos amigas há pouco tempo, tínhamos uma conexão
quase de almas. Uma ligação que ia além do fato de sermos vizinhas de porta, voluntárias
na mesma ONG e filhas que precisaram deixar suas famílias para conseguirem viver suas
vidas. Eu a considerava uma irmã. Uma irmãzinha que o destino havia me dado depois de
praticamente ter criado três irmãos homens.
Talvez por isso eu sentisse essa necessidade de protegê-la e vingá-la.
— Olha, se servir de conforto — ela voltou a falar, de modo mais baixo e enrolado
—, tenho certeza de que o Liam v-vai fazer aquele idiota se arrepender, tá?
Então ela riu de novo.
— Do jeito que ele saiu puto do meu apartamento mais cedo, duvido que o Dean
tenha dentes pra ostentar até o fim da noite.
Foi minha vez de rir. Porque puto e Liam Caldwell na mesma frase era quase
pleonasmo. Seu irmão mais velho era como um cão raivoso e superprotetor. Se eu não
achasse que era controlador e exagerava ao tentar impor sua vontade às vezes, eu até
poderia respeitá-lo.
Ainda que minha vontade fosse estapeá-lo e bagunçar seu cabelo negro impecável
só pelo jeito que me olhava, desconfiado no seu pedestal de arrogância. Como se tentasse
me ler apenas para confirmar que eu não era digna de estar perto da sua irmã. Ou que
estava tentando me aproveitar dela e da sua família ridiculamente rica.
Era um capullo estúpido.
— Espero que ele dedique um tratamento especial às bolas daquele desgraçado! —
respondi.
Liz emitiu um som de concordância e bocejou, se aconchegando a mim.
— Me promete que não vai fazer nenhuma loucura, amiga — ela pediu, baixinho
agora, sonolenta. — O Dean sabe que seu visto tá vencido. Eu não sei o que faria se ele te
prejudicasse de propósito para você ser deportada.
Meu coração se apertou um pouco. Pensar que um dia eu poderia ser obrigada a
voltar ao México era assustador. Não havia nada para mim lá, retornar para a minha família
seria um pesadelo.
Um que eu já odiava reviver em sonhos.
— Sabe o que eu acho? — iniciei, muito consciente da rouquidão em minha voz. —
Que já está na hora de irmos para casa.
Ela resmungou algo incompreensível e me inclinei sobre a mesa para pegar meu
celular, que tocava. Não me surpreendi ao ver o nome na tela.
Maverick Bradshaw.
— Você está com a Liz? Fomos ao apartamento dela e ela não estava lá —
perguntou, nitidamente preocupado, o que me fez abrir um sorriso.
Apesar do namoro com o riquinho insosso, Liz sempre foi apaixonada por um dos
melhores amigos do seu irmão, e eu tinha quase certeza de que Maverick retribuía os
sentimentos dela em algum nível, só escondia isso. Além de Liz ser dez anos mais nova
que ele, Liam o mataria se sonhasse que ele estava desejando sua irmãzinha.
— Estou com ela — informei, deslizando os dedos pelos cabelos lisos e castanho-
escuros de Elizabeth.
— Me diga onde. Já está tarde. Liam e eu vamos buscar vocês — disse e um
rebuliço agitou meu estômago à menção de Liam. Só tínhamos nos visto umas três vezes e
nunca trocamos mais do que cumprimentos, mas depois dos seus olhares desconfiados, a
antipatia que sentíamos era inegável e recíproca.
Após inspirar fundo e reunir força de vontade para lidar com aquele sul-coreano
arrogante, repassei o endereço do bar para Maverick.
Ele informou que chegariam em poucos minutos e desligou.
— Liz? — chamei. — Não durma ainda, o chato do seu irmão está vindo nos buscar
com Maverick.
Elizabeth se limitou a resmungar. Já parecia estar em algum lugar a caminho da
inconsciência.
Olhei para o balcão de bebidas a poucos metros e tive uma ideia.
— Vou buscar uma água para você — avisei e a ajudei a acomodar o rosto sobre a
sua bolsa na mesa. — Vai ajudar a equilibrar a quantidade de álcool em seu sangue. Não
saia daí, viu?!
Eu conseguiria observá-la de lá e só precisaria atirar meu salto agulha se algum
espertinho ousasse se aproximar dela.
Peguei meu celular e me ergui. Mantive meus olhos em Liz enquanto aguardava
atendimento. Ela permaneceu imóvel, dormindo. No entorno, pessoas riam alto,
conversavam e a música enchia o ambiente de uma melodia dançante que arrancaria fácil
qualquer pensamento sobre uma traição. Por isso mesmo eu a tinha trazido aqui. Ninguém
resistia a uma boa música latina.
Meu telefone vibrou com uma nova ligação e ver o número desconhecido foi tudo o
que precisei para saber quem era. Meu estômago revirou e a sensação só piorou com a
chegada de uma mensagem.

O que está fazendo nesse bar, mi corazón?

Congelei diante da pergunta. Os pulmões se comprimindo de uma maneira que me


impediu de respirar.
Como ele sabia que eu estava em um bar?!
Ergui os olhos, buscando-o no lugar abarrotado de gente, o coração tropeçando no
peito, com a mistura de frustração e apreensão que me dominava.
No entanto, com a chegada da minha vez na fila, fiz meu pedido e me afastei do
balcão com pressa ao receber o que precisava, querendo apenas tirar Liz dali. Hesitei por
um instante quando vi os brutamontes que eram Liam e Maverick a rodearem, tentando
acordá-la.
— Mas que porra! — Liam grunhia, impaciente como sempre. — Aquela maldita
mexicana a deixou aqui sozinha?! Desacordada?!
— A maldita mexicana está bem aqui, Caldwell — respondi. Liam se empertigou em
toda a sua grande estrutura e voltou a atenção para mim. Os cabelos lisos e bem-cuidados,
cortados à altura do pescoço, se moveram sutilmente quando seu rosto másculo e moldado
por algum Deus bondoso se voltou para mim. — E não, eu não a deixei sozinha, estava no
balcão a pouquíssimos metros, bem diante dela. Só fui buscar uma água.
— Se você não estava aqui, ela estava sozinha! Sozinha, bêbada e desacordada na
porra de um bar cheio de homens embriagados! — insistiu, os olhos faiscando de irritação,
focados em mim com a intensidade perturbadora que eu reconhecia. Que sempre fazia
algo quente arder em meu peito, mas naquele momento também me deixou à beira do
limite.
Já bastava ter que lidar com um macho surtado na minha vida, eu não precisava de
outro.
— Vá à merda, Caldwell — mandei. Não ia tentar convencê-lo de nada, muito
menos me explicar.
— Não é hora nem lugar para essa porra — Maverick lembrou, num tom sério que
era atípico dele. Das suas tiradas espertinhas e sarcásticas. — Peguem a bolsa da Liz e
vamos sair daqui.
Não precisei encará-lo para saber que já havia tomado minha amiga em seus braços
e a levava para fora do bar.
Liam chegou a abrir a boca para dizer algo, mas não lhe dei a chance de despejar
nenhuma palavra mais, apenas revirei os olhos e agarrei minha bolsa e a de Liz antes de
marchar para fora dali.
Percorremos em silêncio o caminho curto até o prédio antigo em que Elizabeth e eu
morávamos e, ao chegarmos, foi Liam quem retirou Liz do meu colo no banco detrás. Ele
não disse uma palavra nos quatro — longos e agora cansativos — lances de escada, mas
tive certeza de que não deixaria aquele assunto de lado, então tentei me preparar para
nossa discussão iminente.
— Vou trocar de sapatos e já volto — avisei, com a respiração um pouco alterada
quando chegamos ao nosso andar.
Entreguei as chaves de Liz a Maverick e só então notei que os nós dos seus dedos
estavam esfolados. Precisei de um olhar rápido para as mãos de Liam para confirmar que
os dele estavam do mesmo jeito.
Eles tinham ido atrás do babaca que havia traído minha amiga. E se seus dedos
fossem indícios, o bastardo já tinha se arrependido de mexer com a nossa garota. Eu não
poderia ficar mais satisfeita por perceber isso.
Em meu apartamento, me livrei dos sapatos e gemi de alívio quando meus pés
tocaram o assoalho frio de madeira. Alfredo miou e se esfregou entre minhas pernas
enquanto eu caminhei até a sapateira, em busca dos chinelos que gostava de usar em
casa. Acariciei seu pelo negro e sedoso e resisti à vontade de pegá-lo no colo quando
começou a ronronar.
— A mamãe já volta, Alfredo — prometi ao gatinho, os olhos negros dele, como os
meus, brilhando. — É rapidinho.
Larguei minha bolsa no sofá e retornei à entrada, no entanto, hesitei quando vi Liam
parado diante da porta à frente da minha, braços longos cruzados, camisa branca
arregaçada e amassada. O primeiro vestígio de desalinho que eu identificava nele desde
que o conhecera. Também pela primeira vez, meus olhos capturaram algo que eu nunca
imaginaria que veria naquele homem. Tatuagens. Percorrendo ambos os seus braços.
Em minha tentativa de distinguir os desenhos, vi Liam descruzando-os e cerrando as
mãos em punhos, me dando um vislumbre das veias grossas saltando nos seus
antebraços.
Engoli em seco, atingida contra minha vontade. Duas malditas vezes.
Pelas tatuagens e pelas veias.
Mierda.
— Eu vou ser direto — ele iniciou, dando um passo para frente —, se afaste da
minha irmã.
Minha sobrancelha se içou de maneira quase involuntária.
— E por que eu faria isso?
Dei outro passo que diminuiu ainda mais a distância entre nós. Nossa diferença de
altura foi ressaltada por isso.
— Você não é uma boa influência para ela — foi tudo o que ele disse e a resposta
me fez rir. Talvez não devesse, mas ri, sim, com gosto.
Ele era ridículo.
— E a Liz é o quê? Uma adolescente tola e influenciável? — atirei. — Uma
garotinha ingênua e incapaz de saber o que é certo e errado? Incapaz de decidir o que
quer ou pode fazer?
— Você…
Cortei sua resposta.
— Já que fez o favor de ser direto, Caldwell, também vou ser. — Parei bem diante
dele. — A Elizabeth, por mais que você se recuse a ver, tem vinte e um anos. É uma
mulher adulta, independente, que sabe muito bem o que quer. Se não soubesse, não
estaria aqui nesse prédio que você tanto despreza, nesse bairro perigoso que você odeia,
vivendo no Brooklyn em vez de em Manhattan sendo sufocada por você e pela sua mãe.
Minhas palavras injetaram fúria em seus olhos.
— Você não sabe de porra nenhuma! — Seu hálito mentolado me atingiu quando o
rosto se assomou ao meu, aproximando-os de um jeito perigoso. Perturbador. — Sobre
nossas vidas ou sobre… — Não o deixei concluir.
Pressionei meu indicador com força em seu peito, numa tentativa débil de afastá-lo
ao menos um pouco. Aquela coisa estalando com a nossa proximidade era inquietante
demais.
— Sei o suficiente para entender que você é um cabeça-dura arrogante que sufoca
sua irmã e é incapaz de enxergar ou aceitar que ela pode fazer as próprias escolhas
sozinha e não precisa que você decida quem é ou não uma boa influência para ela.
— Eu não precisaria decidir nada se ela não estivesse bêbada demais até para
saber como infernos chegou nesse prédio maldito! — rosnou, ainda perto demais. — Se
você não fosse uma irresponsável petulante e atrevida que invadiu a vida da minha irmã
para colocá-la em risco como hoje.
— Irresponsável?!
Ele bufou, como se nem acreditasse no meu tom incrédulo.
— Essa é a primeira vez que trocamos mais do que duas frases, Caldwell. Você não
sabe nada sobre mim! Está falando merdas baseado em vozes dessa sua cabeça surtada!
— Você… — Ele se interrompeu quando empurrei seu peito, porque já não
aguentava aquela proximidade entre nós e queria muito infligir alguma dor nele, mas o
capullo mal se moveu e o faiscar da raiva em seus olhos só pareceu mais intenso. Se
aproximou muito do que eu estava sentindo.
Liam avançou, pronto para retrucar, mas quando seu rosto pairou acima do meu, ele
se calou. O olhar castanho pesou sobre mim, fixo, atento, de um jeito que me inquietou.
Pressionei os lábios com força, o peito subindo e descendo com a respiração densa,
roçando o seu sutilmente. Por alguns instantes, cada traço do seu rosto me pareceu muito
mais atraente àquela pouca distância. Mechas perfeitas do cabelo negro faziam sombra em
parte dele. Eu quis tocá-las, sentir a textura, confirmar se eram tão sedosas quanto
pareciam, mas o que fiz foi recuar um passo, em busca de espaço para respirar, clarear a
mente e diminuir o pulsar nos meus ouvidos.
No entanto, o corpo forte me seguiu, como se atraído por uma força invisível.
— Não vai conseguir me intimidar — falei a primeira coisa que me veio à mente,
mas a rouquidão em minha voz deixou claro que a última coisa que Liam conseguia
invadindo meu espaço daquele jeito era me intimidar. E algo em seus olhos me disse que
isso também não era o que ele tentava fazer.
Retrocedi outro passo e minhas costas encontraram a parede. O peito largo me
prendeu a ela um segundo depois, perto e quente demais, mas ainda sem me tocar
diretamente. Nossa proximidade apenas criando expectativa. Elevando a tensão.
O ar entre nós se tornou escasso, carregado do seu perfume. As notas picantes dele
se infiltraram em meu sistema e sua respiração se confundiu com a minha. Engoli em seco,
incapaz de desviar os olhos dos seus ou de me afastar, presa por uma força maior do que
eu era capaz de vencer no momento.
Liam também sentia, não é? Essa energia inquietante pulsando entre nós? Nos
empurrando para perto um do outro? Era por isso que seu coração estava retumbando tão
forte?
Perdi o fôlego quando seu rosto desceu até se acomodar à curva do meu pescoço, o
hálito morno me atingiu e um tremor me percorreu inteira no instante em que ele inspirou
fundo devagar, como se sorvesse de mim. Meu cheiro, meu calor, a droga da minha
sanidade.
Seus lábios roçaram minha pele, o contato deles disparando um choque delicioso
que enfraqueceu minhas pernas.
Num movimento tão inconsciente quanto inevitável, me agarrei aos seus braços nus.
Minhas mãos formigaram sobre sua pele, seus músculos se contraíram sob meu toque,
como se nossos corpos respondessem juntos à eletricidade vibrando entre nós dois nesse
momento.
— Se afaste — mandou, num sussurro rouco em meu ouvido.
— Me afastar? — repeti, meio zonza, movendo meu rosto até encostar no seu,
testando sua reação, buscando seus lábios. Fazendo exatamente o contrário do que ele
dizia. A essa altura, acho que nenhum de nós estava raciocinando.
— Sim… porra… — Ele rosnou contra minha boca, perto demais, quase me
beijando, mas ainda resistindo a cortar o único centímetro que nos distanciava. — Se
afaste — repetiu, e desta vez compreendi que me pedia para fazer o que ele não
conseguia.
Meus dedos percorreram a linha perfeita do seu maxilar até alcançarem os fios
macios do seu cabelo. Eu estava prestes a embrenhar minha mão neles, para segurá-los e
trazer seu rosto até o meu, quando Liam agarrou meu pulso e vetou o movimento.
O aperto brusco me fez hesitar, buscar seus olhos enquanto ele afastava minha
mão. Ao me encarar, seu olhar estava duro e ele não me deu tempo de perguntar nada
antes de dizer:
— Não toque.
Um vinco de desentendimento se aprofundou em minha testa, mas suas próximas
palavras vieram rápido e empurraram para longe qualquer possibilidade de eu falar algo.
— E se afaste da minha irmã.
Semicerrei os olhos, suas palavras e tom ácido acendendo uma emoção quente e
ao mesmo tempo fria em meu peito. Me desvencilhei do seu toque e tentei empurrá-lo para
longe de novo, agora furiosa. Com ele por agir como se não estivéssemos quase nos
beijando uns poucos segundos atrás e comigo, por ter sido tola o bastante para quase ter
cedido a esse maldito beijo.
— Nunca — respondi. — Elizabeth é minha melhor amiga e você é um idiota se
acha que vou te obedecer e ficar longe dela. Eu não obedeço a homem nenhum, Caldwell
— avisei, talvez mais alto e com mais raiva do que deveria. — Homem nenhum, está me
ouvindo?!
Algo inominável brilhou em seus olhos escuros. Pude senti-los percorrerem minha
face. Cada traço, cada imperfeição, até se fixarem em meus lábios. Os dele se apertaram
numa linha fina, o peito subiu e desceu, os olhos de uísque faiscaram numa espécie de
conflito interior que obviamente o perturbava demais. O enfurecia demais.
— Bruxa — ele soprou a palavra, tão baixo e rouco que se eu não estivesse a
centímetros insignificantes daquela boca, não teria ouvido.
— O quê?!
Ele recuou um passo e cerrou as mãos como se as aprisionasse.
— Bruxa — repetiu. — A porra de uma bruxa pequena e intragável.
A raiva acendeu em meu peito como uma fogueira.
— Você está me chamando de bruxa?!
Ele acenou, em concordância, o filho da puta.
— Duvido que exista uma maldita palavra capaz de te descrever melhor que essa.
Semicerrei os olhos, avançando em sua direção, minha mão coçando para estalar
em sua cara.
— E você é um capullo estúpido! Um metidinho pomposo que se acha melhor que…
— fui cortada por um som muito característico. Uma mistura de rosnar e sibilar que veio
das minhas costas e nos fez olhar para trás ao mesmo tempo.
Arregalei os olhos ao ver meu Alfredo à frente da porta entreaberta, apoiado nas
pontas das patas, completamente eriçado, produzindo aquele som furioso com um olhar
assassino direcionado a Liam, que só emitiu um bufo.
— Um gato preto. Por que isso não me surpreende em nada? — o infeliz ainda
provocou, como se ter Alfredo se preparando para atacá-lo fosse a prova que reforçaria
seu argumento anterior.
— Cala a bo… — e, novamente, antes que eu pudesse concluir, Alfredo emitiu um
miado que mais pareceu um grito de guerra e avançou como uma sombra, um raio negro
que se agarrou à perna esquerda de Liam antes que qualquer um de nós pudesse sequer
piscar.
E eu nunca, veja bem, nunca, poderia imaginar que uma coisinha tão pequena
poderia deixar um homem daquele tamanho tão perturbado, grunhindo e xingando meu
gatinho enquanto balançava a perna longa para um lado e para o outro, tentando se
equilibrar e se livrar das garrinhas afiadas fincadas em sua panturrilha.
— Tire esse maldito bicho de cima de mim, Sophia! — ele esbravejou, a voz grave
inundando o corredor como um trovão. Ou um pedido de socorro disfarçado, não sei.
Alfredo grunhia e miava, arqueando o pescoço como um felino poderoso abatendo uma
presa.
E eu ri.
Gargalhei.
Precisei trazer uma mão à barriga e me curvar porque não consegui desviar o olhar
ou parar de rir conforme o desespero de Liam aumentava. Quando nada disso foi
suficiente, meus pés pisotearam o chão em uns pulinhos de euforia nada maduros.
— Eu vou matar esse gato maldito! — ameaçou, olhos afiados me alcançando,
enviando lâminas em minha direção.
— Eu é que vou matar você se machucar meu filho, Caldwell! — avisei e minha
ameaça pareceu mais assustadora, porque Liam resmungou algo ininteligível e voltou a
chacoalhar a perna.
Tentei me conter, para não gargalhar tão alto, mas ainda foi em vão. Continuei rindo
mesmo enquanto limpava as lágrimas dos cantos dos olhos e tentava chamar a atenção de
Alfredo, para salvá-lo das tentativas de Liam de chutá-lo para longe.
Após um estrago considerável, muitos xingamentos e uma série de ameaças à sua
integridade, Alfredo estava em meu colo, ronronando muito tranquilo a cada carícia que eu
fazia em sua cabeça peluda. Dois metros à minha frente, um Liam ofegante, suado e
levemente descabelado enviava a ele um olhar cortante. A calça de linho parcialmente
destruída e ensanguentada, resmungos ocasionais deixando seus lábios apertados.
— Gato maldito… bruxa intragável…
Ergui uma patinha de Alfredo e modulei minha voz para emitir as próximas palavras
num tom mais doce e infantil, como se fosse meu gatinho:
— Da próxima vez, fica longe da minha mamãe, Caldwell.
— Eu vou ficar! — garantiu, num grunhido furioso, quando lhe dei as costas para
retornar ao meu apartamento. — Vou ficar bem longe de vocês dois, suas coisinhas
perversas.
Eu ri e, naquele momento, não duvidei de suas palavras, que aqueles minutos
traumatizantes serviriam para mantê-lo longe de mim e de Alfredo.
No entanto, sua promessa foi quebrada meses depois, quando Liam precisou
colocar uma aliança em meu dedo e nos levar para sua casa.
Para sua vida.
UM
LIAM CALDWELL

Meses depois

Os burburinhos da nata da sociedade novaiorquina


começaram quando entrei no salão de festas do governador.
Enquanto as mais jovens se dividiam entre suspiros, risinhos
nada sutis e murmúrios de palavras como “grande”, “largo”, “beleza
exótica”, como se eu fosse a droga de uma espécie rara em
extinção; as mais velhas reforçavam os mesmos rumores que eu
ouvia desde que começara a frequentar esses eventos.
Esse é o filho do Albert Caldwell, não é? O herdeiro do Grupo
Caldwell? Aquele império de telecomunicações…
Filho adotivo. Não sei se pode ser considerado herdeiro, né?
Sim, a única herdeira de verdade o Sr. e a Sra. Caldwell
perderam ainda recém-nascida. E acho que Celina ficou estéril
depois daquela gravidez de risco.
Tadinha. Perdeu a filha e menos de cinco anos depois perdeu
o marido. E ainda ficou com o fardo de criar dois asiáticos porque o
marido era um coração-mole.
Eu acho que nunca superou as perdas. Faz anos que não a
vejo em um evento…
Pobre Celina…
Sim, pobre Celina…
E então vinham me cumprimentar ostentando sorrisos falsos
e dizendo que esperavam ver minha mãe em breve.
Eram uns desgraçados. Eu odiava ter que conviver com
essas pessoas.
— Finalmente, porra! Achei que não viria mais — meu melhor
amigo Chuck exclamou, se erguendo quando alcancei a mesa que
compartilharia com meu grupo de amigos.
Ao ver os outros se levantando para também me
cumprimentar, eu sorri. Fazia algum tempo desde que havíamos
conseguido nos reunir assim, mas esses quatro filhos da puta eram
meus irmãos. Os únicos, além de mamãe, Elizabeth e a nonna, em
quem eu confiava e por quem seria capaz de dar a vida.
Chuck Gustafson.
Blake Davenport.
Maverick Bradshaw.
Bruce Waldorf.
Éramos os Cinco Herdeiros de Nova Iorque desde que
dominamos a Columbia há alguns anos. Os reis da porra daquela
universidade e os donos da maior irmandade dela.
Depois de quase quinze anos de amizade, nossa união
permanecia inabalada. Assim como a certeza de que sempre
estaríamos disponíveis uns para os outros. E juntos para nos
proteger e livrar do que estivesse em nossos caminhos.
Cumprimentei todos com abraços e chocando nossos
punhos.
— E as mulheres de vocês? — perguntei a Bruce e
Bradshaw, sem entender por que Liz e Emma não estavam ali.
— Elas se reuniram para uma noite das garotas — Bruce
explicou. — E nenhuma delas suporta a chatice desses eventos,
então…
Ele deu de ombros. Acenei para demonstrar que
compreendia. Liz nunca foi muito adepta a sair de casa, era uma
ratinha de bibliotecas, e eu duvidava que seu relacionamento com o
filho da puta do meu amigo mudasse isso.
Quando finalmente voltamos a nos sentar, o sorriso
espertinho e já característico do Bradshaw me chamou a atenção
antes de ele me perguntar:
— Como estão os punhos, irmão?
Estreitei os olhos.
O infeliz não cansava de brincar com o perigo. E adorava me
provocar até o limite. Seu rosto de modelo da Calvin Klein estava
cheio de hematomas e inchaço graças aos meus punhos e ele tinha
a coragem de me perguntar como eu estava?
Meus amigos riram, porque sabiam que eu era o responsável
pelos ferimentos dele, seus olhos intercalando entre nós dois,
aguardando a réplica para a provocação.
— Prontos para serem usados de novo — garanti, erguendo
uma das mãos cerradas para reforçar o que eu dizia. — E seu rosto,
irmão? Será que aguenta outra rodada no tatame? Pelo visto as
habilidades da Liz com maquiagem não foram suficientes para
esconder a surra que você levou há alguns dias, não é?
Seu sorriso se expandiu, o brilho nos olhos castanhos
acendeu um alerta em minha mente. Algo muito diferente da raiva
que eu me vi forçado a engolir desde que minha irmãzinha me
contou que estava apaixonada por esse filho da puta, e da fúria que
eu senti quando descobri que ele não apenas retribuía os
sentimentos dela, mas que os dois ficaram juntos bem debaixo do
meu nariz nos últimos meses.
— A Liz não tem habilidade com maquiagem, irmão — ele
disse, ainda sorrindo —, a Sophia, por outro lado.
Foi como se ele tivesse movimentado uma toalha vermelha e
eu fosse a porra de um touro. Avancei tão rápido em sua direção,
passando por cima da mesa para agarrar as lapelas do seu
smoking, que mesmo acostumados a ver Bradshaw me provocando
e eu puto querendo esganá-lo, nossos amigos se surpreenderam.
Ainda estávamos numa festa beneficente na mansão do
maldito governador desse estado, afinal.
— De que porra você tá falando, caralho?! — rosnei,
ignorando as tentativas de Bruce e Chuck de me afastarem dele.
Não sabia se estava com mais raiva por ele usar aquele tom
malicioso para falar de Sophia quando estava esperando um filho
com minha irmã ou se por estar trazendo aquela bruxa intragável
para nossa conversa.
— Mas que inferno, Liam! — Bruce grunhiu, sem me soltar,
mas nem sua força quase sobre-humana foi suficiente para me fazer
largar nosso amigo. — Solta ele! Você está chamando a atenção
dos convidados. E esse desgraçado só está te provocando, porra!
Seja lá quem for Sophia, Bradshaw está lambendo o chão que a
Elizabeth pisa.
Bufei, apesar de tudo, eu reconhecia que esse filho da puta
estava babando pela minha irmã mesmo. Soltei-o contra a minha
vontade, mas seu maldito sorriso não se desfez. E algo em seus
olhos brilhantes fixos em mim me deu certeza de que ele estava
muito satisfeito pela minha reação. Eu só não entendi por quê.
Mantive meus olhos semicerrados, puto por esse infeliz estar
usando aquela mexicana para me provocar.
E mais ainda por ele ter conseguido.
— Quem é Sophia? — Chuck indagou. Senti seu olhar
questionador, mas não respondi, apenas peguei a taça de
champanhe que ele me estendeu.
— É a melhor amiga da Liz — Bradshaw contou, sem desviar
o olhar provocador de mim. — Ela e o Liam serão os padrinhos do
nosso bebê.
Esse lembrete me fez grunhir um palavrão e tomar a porra do
champanhe em um gole só.
— Ahhhhh — Bruce tomou a palavra desta vez, seu sotaque
britânico se acentuando nas próximas palavras: — É com ela que
você disse que ele organizará o chá de revelação do sexo do bebê,
não é?
— Sim. Eles vão descobrir o sexo do bebê amanhã.
Voltei a grunhir.
Eu não gostava de pensar em Sophia, não gostava de
lembrar dela, de como me afetava e da sua capacidade de me irritar
e provocar como se me deixar furioso fosse seu esporte preferido.
Porque ela nem precisava abrir a boca para isso, porra. Bastava me
olhar. Passar perto com aquele perfume gostoso dos infernos. E
sorrir com o sarcasmo que era muito característico dela.
Só isso e ela me deixava puto, duro e cego para qualquer
coisa além da sua boca e daquela pintinha maldita que tinha bem
acima dos lábios.
Como diabos eu ia organizar uma festa com aquela bruxa?
Eu já me sentia muito confortável no papel de tio, ansioso
até. Passado o choque de descobrir da gravidez da minha
irmãzinha, o orgulho enchia meu peito e aquela vontade louca de
sair comprando tudo de bebê que achava que Liz precisaria só
aumentava.
Mesmo sem saber se teria um sobrinho ou sobrinha, eu já
sorria feito um idiota só de lembrar que teria um bebezinho para
mimar em breve, no entanto, pensar que teria que fazer isso com
Sophia, ao lado dela, me deixava louco. Não nos suportávamos, mal
nos víamos, mas sempre discutíamos. Na última vez que nos
encontramos, há umas semanas, ela mandou eu ir me foder e
bagunçou meu cabelo de propósito, como a porra de uma
adolescente, só por saber que eu odiava que tocassem nele.
E ainda fez isso pouco depois de me convencer a doar
cinquenta mil dólares para a ONG que ela e a minha irmã ajudavam.
O pior era que eu nem sabia como infernos ela tinha me
persuadido a fazer essa porra de doação — o que, além de muito
irritante, era preocupante.
Aquela pequena bruxa intragável…
Um copo de uísque foi colocado à minha frente e isso levou
meu olhar a Blake, que o servira.
— Sophia é controladora — ele iniciou, olhos de águia
atentos a mim, levemente estreitados, como os meus ficaram ao
ouvi-lo falar assim. — E você também é. É difícil imaginar vocês
dois trabalhando juntos.
— E como diabos você sabe que ela é controladora? —
rosnei. Não via como Blake poderia conhecer Sophia. Ele era o
melhor advogado empresarial de Manhattan, herdeiro da dona do
maior escritório de advocacia do país e de um famoso ex-jogador de
futebol francês. Onde infernos havia conhecido aquela mexicana?
Blake recostou as costas no espaldar da cadeira e enfiou as
mãos nos bolsos do smoking, o azul-escuro do tecido caro mantinha
um contraste perfeito com sua pele negra retinta.
— Eu a conheci através da Liz há alguns meses e ela me
convenceu a aceitar uns casos pro bono da ONG.
Minha boca secou.
E bastou que eu imaginasse Blake e Sophia juntos para uma
labareda intensa queimar em meu peito com uma injeção de
gasolina e pólvora ao mesmo tempo.
— Vocês são amigos então? — indaguei, talvez mais alto do
que poderia, e mais interessado do que deveria, mesmo consciente
dos olhares pesados dos meus amigos nesse momento. Seria
capaz de apostar que Bradshaw exibia a porra de um sorriso
também.
Blake não respondeu imediatamente, lendo-me em silêncio,
do jeito próprio dele, que parecia enxergar até o que se passava
pela minha alma.
— Acho que podemos dizer isso, sim — foi sua resposta
impassível. Comedida.
Simples demais para englobar o que claramente tinha com
Sophia.
Ele estava interessado nela? Estava saindo com ela? Estava
transando com ela, porra?!
Quase despejei todas essas perguntas, sem me importar com
como soaria fazendo-as, mas algo às minhas costas chamou a
atenção dos meus amigos. Pude ver todos eles se retesando ao
mesmo tempo. Pelo canto dos olhos, vi uma silhueta alta se
aproximar.
— Senhores — a voz de barítono carregada de uma simpatia
fingida cumprimentou.
Meus músculos tensionaram ao ouvi-lo. Logo a mão
masculina pousou sobre meu ombro para apertá-lo numa saudação
que, à distância, daria a falsa impressão de que havia alguma porra
de cumplicidade entre mim e o meu tio.
Ou melhor, entre mim e o filho da puta que era irmão do meu
pai adotivo, atual presidente do Conselho do Grupo Caldwell e um
maldito aproveitador de merda.
— Será que posso roubar Fitzwilliam por alguns minutos? —
perguntou, com um sorriso em sua voz, como se não soubesse que
meus amigos o odiavam tanto quanto eu e estavam cientes do
desgraçado que ele era. De tudo o que já havia feito contra mim e
minha família.
Afastei sua mão do ombro e me ergui. Ao me virar para ele,
contudo, hesitei por um instante ao ver quem estava às suas costas.
A figura baixa e angelical. Loira. Delicada. Linda.
Venenosa.
Dissimulada.
Hostil.
Mimada.
A versão feminina e atraente do pai.
Duvido que eu tenha sido capaz de esconder aquele misto de
raiva e rancor que a presença de Sarah trazia, tampouco a cólera
que Alexander Caldwell provocava em mim apenas por respirar.
Quando ele se dava o trabalho de fingir que éramos uma
família unida e feliz, como eu desconfiava que pretendia fazer,
minha vontade era socá-lo. Socá-lo até fazê-lo cuspir todos aqueles
dentes de porcelana.
— Volto daqui a pouco — avisei aos meus amigos, já me
distanciando deles.
Como a falsa submissa que era, Sarah se manteve às nossas
costas, em silêncio, conforme caminhávamos por entre as mesas do
salão. Alexander cumprimentava um ou outro convidado e ignorava
a necessidade de me explicar para onde diabos estávamos indo.
— Para onde vamos? — indaguei, por entre os dentes
cerrados.
— Vamos cumprimentar a família do noivo de Sarah.
Aquelas palavras bateram em mim com força, como
Alexander sabia que fariam. E tudo só piorou quando ele
prosseguiu:
— Os negócios dessa família precisam de um herdeiro de
verdade, afinal, e Sarah finalmente encontrou alguém à sua altura,
de sangue azul, digno e capaz de assumir minha posição.
Interrompi meus passos.
O corpo magro de Sarah se chocou contra minhas costas,
mas não me importei. Sequer a encarei, punhos apertados com
força, maxilar trincado, tudo em mim se preparando, implorando,
para eu dar a resposta física e violenta que esse bastardo merecia.
Por jogar na minha cara o fato de que nunca me vira como
alguém à altura de sua filha.
Por deixar claro que eu não tinha o seu sangue azul e não
me considerava digno de assumir os negócios do meu pai.
Por nem se importar em esconder que estava armando para
colocar algum idiota na presidência do Grupo quando era eu quem
merecia e deveria ocupar esse cargo em breve.
Papai havia trilhado o caminho perfeito para que eu pudesse
assumir sua cadeira e, mesmo após sua morte, eu havia seguido
cada passo, tinha estudado como um condenado, trabalhado duro,
tanto que adquiri respeito e apoio de parte do Conselho do Grupo
graças a isso, no entanto, esse desgraçado ainda possuía mais
poder que eu.
Ao se aproveitar da fragilidade de mamãe durante o luto e
assumir os negócios que eram do meu pai, Alexander teve mais de
uma década à frente do Grupo Caldwell antes de eu concluir os
estudos e entrar no páreo, e ele aproveitou todo esse tempo para
fazer aliados e distribuir favores, de modo que hoje conseguia
cobrar dívidas e exigir apoio sem dificuldades.
E era exatamente isso que ele pretendia fazer em menos de
seis meses, quando a votação para presidência do Conselho
ocorresse. O filho da puta precisava de alguém que fosse facilmente
manipulado, e eu não seria essa pessoa. Então ele tinha encontrado
algum idiota para o papel.
— O que está fazendo aí parado? — Sarah indagou, em sua
voz doce e fina. Irritante.
Voltei minha atenção para ela e seu pai continuou
caminhando, sem notar que havíamos parado.
— Quem é seu noivo? — atirei a pergunta.
Os lábios de Sarah se curvaram num sorrisinho presunçoso.
— Oh, Liam, não me diga que ainda sente ciúmes?
— Do que eu teria ciúmes, Sarah? Da boceta que você
vendeu como virgem pra qualquer idiota que pudesse dar algo que
seu pai queria?
— Seu…
— Da vadia mimada, racista e interesseira que você é?
Seus olhos se escureceram de ódio, os lábios se
pressionaram e as próximas palavras saíram furiosas:
— Você é um filho da puta.
— Você me ensinou bem.
Ela se calou.
Alguns convidados passaram por nós e, quando ficamos
sozinhos de novo, insisti:
— Quem é ele?
Eu desconfiava de alguém.
Um casamento ajudaria Alexander a conseguir uma aliança
mais forte com algum filho da puta do Conselho, para exercer ainda
mais poder nele. Casar Sarah com algum daqueles velhos ou com o
filho de um deles seria a melhor maneira de conseguir isso.
Quando ela finalmente me deu um nome, tive a certeza de
que eu precisava.
Sem dizer nenhuma palavra mais, contornei seu corpo como
o obstáculo indesejável que era. Peguei duas taças de champanhe
com um garçom que vi no caminho e entrei na primeira sala
destrancada que encontrei naquela mansão. Precisava muito ficar
sozinho ou explodiria de raiva.
A vontade real era de quebrar Alexander com os punhos. Um
soco por vez.
Percorri a sala enquanto tomava as bebidas. Deixei as taças
vazias sobre a mesa de escritório à minha esquerda e voltei a
caminhar. Me exercitar me ajudava a pensar. Colocar a cabeça no
lugar.
O que eu faria, porra? Como infernos impediria que aquele
desgraçado roubasse de uma vez por todas os negócios de papai?
Como poderia me fortalecer diante dessa situação de merda?
Interrompi meus passos no meio da sala. A voz de Blake
retornando à minha mente.
Você precisa se casar.
Eu estava nessa guerra silenciosa com Alexander há muito
tempo e Blake, por ser um irmão para mim e advogado do Grupo,
repetia o mesmo conselho há meses.
Segundo ele, eu ainda era visto como um homem instável,
não apenas pelo meu temperamento pouco tolerante e nada
paciente, mas porque o Conselho era formado por dinossauros
hipócritas que diziam que a família estava acima de tudo. Um
casamento não apenas me livraria do título de solteiro inveterado
que eu ostentava, mas mostraria o tipo de estabilidade que aqueles
desgraçados aparentemente respeitavam acima de qualquer coisa.
Era uma merda perceber que, enquanto eu havia negado
qualquer possibilidade de casamento, de cometer o mesmo erro do
passado ao quase trazer para minha família uma desconhecida,
Alexander havia feito o contrário e garantido que sua filha tivesse a
união mais proveitosa possível, para me foder ainda mais.
Mas que porra!
A porta do escritório foi aberta de modo inesperado,
colocando um fim ao meu conflito interno. Hesitei por um instante ao
me voltar para a entrada e reconhecer a mulher que parara
abruptamente ao me ver ali.
— Me desculpe — pedi. — Eu estava precisando ficar um
pouco sozinho e acabei entrando aqui sem…
A esposa do governador me interrompeu:
— Não se preocupe, querido. — Um sorriso se abriu em seus
lábios conforme fechava a porta às suas costas. — Eu entendo.
Também vim para cá porque precisava respirar um pouco.
Concordei com um aceno enquanto ela caminhava em minha
direção.
— Vou deixá-la sozinha. Já está mais do que na hora de…
— Não faça isso — pediu, já segurando meu braço para me
impedir de sair. — Não quero ficar sozinha. Me faça companhia, por
favor.
Apertei os olhos enquanto a encarava, tentando ler em seu
semblante o que poderia estar se passando pela sua cabeça. Olhei
para a porta e algo me disse para sair. Independente do que a tinha
trazido aqui, eu não tinha nada a ver e não precisava lhe oferecer
apoio nem palavras de conforto. Não era desse tipo de homem.
Ainda assim, por alguma porra de motivo inexplicável, eu
ignorei a voz que me mandou ir embora.
E fiquei.
Acho que essa foi uma das piores decisões da minha vida.
DOIS
SOPHIA GARCÍA

É uma verdade universalmente reconhecida que se sua


melhor amiga é uma mulher incrível que o destino colocou na sua
vida, o irmão mais velho dela é um encosto metido e pomposo que
veio junto e você precisa suportar.
Mesmo que já tenha ultrapassado o limite da paciência para
lidar com a existência irritante dele.
— Se não quiser organizar a festa com o Liam, tudo bem,
amiga — Elizabeth repetiu, pela segunda vez na última meia hora,
enquanto eu me arrumava e resmungava sobre ter que lidar com
seu irmão daqui a pouco —, mas vou ter que deixar que ele
organize tudo.
— Rá! Só se você quiser muito que ele alugue metade de
Manhattan e ainda garanta que toda Nova Iorque saiba que ele vai
ser titio em breve.
Liz riu, mas sabia que eu estava certa. Seu irmão era
exagerado e podia ter tentado matar Maverick há não muitos dias,
com raiva por ele ter engravidado sua irmãzinha, mas já era o tio
mais bobo do mundo e nem se tentasse muito seria capaz de
esconder isso.
Suspirei profundamente enquanto me inclinava para a frente
do espelho e fazia o delineado com a habilidade que os anos de
prática haviam me dado. Quando voltei a me recostar no espaldar
da cadeira, a imagem da minha amiga às minhas costas, sentada na
minha cama, me fez refletir pela milésima vez sobre ter aceitado ser
a madrinha do seu bebê com o chato do seu irmão.
Eu ainda sentia uma vontade irracional de estapeá-lo e
bagunçar o cabelo impecável dele toda vez que o via e Liam
estreitava aqueles olhos julgadores para mim.
Ele ainda grunhia e rosnava como um cão raivoso sempre
que trocávamos mais do que duas frases e eu soltava alguma
provocação inocente, porque implicar com ele era divertido demais
para eu resistir.
Só precisei de dois segundos imaginando nós dois
trabalhando juntos naquela festa para chegar à conclusão mais
óbvia:
— Nós vamos nos matar.
— Não vão! — Liz declarou, seus olhos castanhos e doces
cintilando. — Se você baixar um pouquinho a guarda, vai ver que o
Liam é mais fácil de lidar do que parece, amiga! Ele é superprotetor,
cabeça-dura, exagerado e muito ciumento, além disso é…
— Você sabe que só está listando coisas ruins, não é?!
Eu a encarei por cima do ombro e ela sorriu.
— O que quero dizer é que você só conhece a casca que ele
usa com o resto do mundo e quando vir que Liam também é
atencioso, carinhoso e…
Meu bufar descrente a interrompeu.
— Eu estou falando sério! — insistiu, se levantando da minha
cama. — Um dia você vai reconhecer isso. Agora só preciso que
acredite que vai se sair bem. Conseguiu lidar com ele nos últimos
meses e ainda o convenceu a doar cinquenta mil dólares pra ONG.
Sorri ao lembrar disso, muito orgulhosa de mim mesma. Não
tinha cometido nenhum crime contra Liam e ainda havia conseguido
a nova cozinha industrial da ONG, que por sinal estava quase
pronta graças à doação daquele capullo.
— Mantenha as mãos longe dos cabelos dele e vocês vão
ficar bem — Liz afirmou e foi minha vez de gargalhar.
— Isso eu não posso garantir, amiga. Essa é minha carta na
manga pra manter aquele idiota longe e irritado o bastante pra não
me dirigir a palavra nem discutir.
Minha amiga pressionou os lábios para não rir e meneou a
cabeça em negativa.
— Foi assim que conseguiu a doação, não foi?
Dei de ombros.
— Talvez.
Liz não conseguiu ocultar a risada nesse momento,
caminhando até mim para me abraçar. Voltei minha atenção para o
espelho e a encarei através dele, aceitando seu abraço carinhoso e
pousando minha mão sobre o seu braço que me envolvia. Ela
depositou um beijo no topo da minha cabeça, com cuidado para não
desfazer os bobes que prendiam meus cabelos negros.
— Obrigada por ter aceitado, amiga — agradeceu, seu tom
baixando alguns decibéis, com aquela rouquidão atípica que a
emoção trazia à sua voz. — É muito importante para mim ter vocês
dois comigo nesse momento.
Concordei com um aceno, já sentindo meus olhos arderem,
porque eu compreendia o peso de suas palavras.
Liz estava há meses sem falar com sua mãe direito. Quando
a senhora Caldwell descobriu da gravidez, a relação das duas só
piorou. Elas não se viam há semanas. Por mais que eu soubesse
que minha amiga queria evitá-la agora, por estar frágil e magoada,
eu sabia também que queria mais que tudo ter sua mãe ao seu lado
nesse momento.
E esse desejo eu entendia melhor que qualquer coisa. Há
anos.
— Você é a melhor amiga que eu poderia ter, sabia? —
sussurrou, com lágrimas finas já deslizando por seu rosto pequeno e
delicado, de modo que eu não tive outra escolha além de acabar
com nosso abraço para conseguir me levantar e trazê-la para perto.
Envolvendo-a e a apertando forte, como forma de confortá-la. — Eu
a-amo tanto você, Sophs.
Cerrei os olhos enquanto ela chorava baixinho e apenas
deslizei meus dedos por entre seus cabelos. Um nó cresceu em
meu peito com a minha vontade de dizer o mesmo à Liz. Retribuir as
palavras que estavam aqui, na minha garganta, mas não saíam,
porque algo sempre as prendia e eu nunca conseguia proferi-las.
Então me limitei a suspirar e pressionar os lábios no topo de
sua cabeça. Ninar seu corpo pequeno, o que era bem fácil já que eu
era mais alta e mais gorda que ela.
— Você é minha pessoa, Liz — sussurrei, com dificuldade. A
referência à série que amávamos a fez rir baixinho, como eu
esperava que fizesse. — A melhor que cruzou minha vida em muito
tempo.
Ela limpou o rosto com cuidado e então se afastou devagar,
sorrindo um pouco sem graça.
— Desculpa por isso. Acho que minhas emoções já estão à
flor da pele por causa da gravidez.
Sorri ao vê-la indicar seu ventre proeminente. Liz estava tão
linda e sua felicidade por estar com o homem que amava continuava
escancarada em seu rosto mesmo depois de meses e das
inseguranças que sentiram quando descobriram que ela estava
grávida.
— Você sempre foi um pouco manteiga derretida, amiga —
lembrei e isso a fez rir ainda mais e concordar.
Voltei a me sentar à frente da minha penteadeira e a deixei se
recompor. Sinceramente, não sabia como ficaria nesse prédio
quando Liz se mudasse. E eu tinha consciência de que isso
aconteceria em breve. Maverick não a estava pressionando a sair
daqui, mas logo Liz reconheceria que voltar a viver em Manhattan
era o melhor por ela, pelo bebê e também pelo homem que amava,
porque ele já tinha sua vida e os negócios da sua família bilionária
por lá.
Soltei o ar profundamente e tentei dispersar esses
pensamentos. Focar nos meus pincéis, paletas de cores e na
maquiagem que queria fazer. Não era nada muito elaborado, mas
eu gostava de me produzir, de me sentir bem comigo mesma.
Também não queria aparecer de qualquer jeito na frente daquele
capullo estúpido.
O que era perfeitamente compreensível quando ele adorava
me encarar fixamente como se elencasse todas as imperfeições que
enxergava em mim.
Alfredo se esfregou em minhas pernas enquanto tentava
encontrar uma boa posição para dormir e reclamou com um miado
insatisfeito quando me levantei para ir buscar minha roupa na cama.
Liz remexia algumas caixas de recebidos do blog que eu
havia empilhado num móvel próximo à janela.
— Ah, meu Deus, eles te enviaram aquele vibrador
ultramoderno, Sophs! — ela exclamou, erguendo a caixa que eu
havia abandonado com um suspiro enfastiado tão logo abrira mais
cedo. — Por que ainda não testou?!
Seus olhos brilhavam de interesse e isso me fez rir.
Liam era um iludido por não querer reconhecer que sua irmã
já era essa mulher bem resolvida até com o próprio prazer.
— Se quiser, amiga, pode levar — avisei, conforme retirava
os cabides do vestido e do casaco que usaria. — Você só vai
precisar me mandar a resenha depois, para eu colocar no blog.
Enviaram um kit especial para casal também. É seu, se quiser.
— Por que não quis testar?
Meneei a cabeça em negativa, sem querer falar da minha
vida sexual lastimável nos últimos meses. Ou do fato de que não
estava conseguindo gozar sozinha. Nem com um homem.
Não se não fosse em um sonho, ao que parece. E sempre
com o mesmo macho arrogante e pomposo.
Okay que eu só saí com dois caras nos últimos cinco meses,
mas, meu Deus, qual era a dificuldade desses homens de
conseguirem fazer uma mulher tão gostosa gozar?!
Nem ensinando o caminho eles conseguiam fazer o básico
direito. Eu meio que havia perdido a confiança nas habilidades
sexuais masculinas. E só ficava mais frustrada com os sonhos
eróticos muito perturbadores que vinha tendo com aquele capullo.
— Depois de cinco anos com um blog voltado para o público
feminino, acho que perdeu a graça receber esse tipo de presentinho
— respondi, por fim, o que era verdade. Eu tinha dado alguns
cursos sobre sexualidade feminina, e gostava, acreditava no que
fazia pelas mulheres que me seguiam e descobriam muito sobre si
mesmas através das minhas aulas e posts, mas eu não estava
nessa vibe no momento.
Meu público havia crescido demais nos últimos dois anos e
acho que isso abriu meus olhos para a responsabilidade que eu
tinha ao influenciar tantas mulheres. Eu queria poder fazer isso em
mais do que o que estava relacionado à liberdade sexual delas.
Queria ajudá-las a se enxergarem, sabe? A encontrarem a si
mesmas e às suas vozes… a se valorizarem e amarem acima de
qualquer coisa, fosse um relacionamento, um emprego ou um
homem.
E minha cabeça já estava começando a trabalhar nesse
sentido.
— Nossa, amiga, você está um arraso! — Liz exclamou,
quando enfim terminei de me arrumar.
Encarei minha imagem diante do espelho de corpo inteiro. O
vestido azul-cobalto aderia às minhas curvas sinuosas com
perfeição. E acho que a segurança e altivez com que eu sustentava
esse look também ajudava o conjunto. Eu não costumava ter
inseguranças relacionadas ao meu peso, gostava das minhas
dobrinhas, não via como um problema o fato de ser gorda e de isso
ser ressaltado pelos seios grandes e quadris largos. Mesmo fazendo
academia por recomendação médica, nunca tive qualquer ambição
ou desejo de emagrecer.
Para mim, eu estava perfeita, uma grande gostosa, e a
opinião de ninguém era tão importante quanto a minha. Nem
costumava ser levada em conta.
Dei uma voltinha para observar os saltos dos quais não abria
mão. Eu não era baixa, mas adorava como eles me faziam sentir
mais elegante e poderosa.
— Está vestida pra matar — Liz comentou, parando às
minhas costas. Também já pronta para sairmos.
Sorri.
— Só se for o seu irmão.
Elizabeth gargalhou e murmurou algo como “e acho que vai”.
Nós duas ainda ríamos quando saímos juntas do meu
apartamento. Maverick havia ligado avisando que já estava nos
aguardando na entrada do prédio e seguiríamos os três juntos para
o consultório da obstetra em que Liam e eu descobriríamos qual o
sexo do bebê.
Quando me acomodei no carro, inspirei fundo e tentei me
preparar para rever aquele capullo de novo, mas duvidei de que o
caminho entre o Brooklyn e o ostensivo Upper East Side de
Manhattan fosse suficiente para me ajudar nisso.
TRÊS
LIAM CALDWELL

— A esposa do governador agarrou você?! — o berro de


Chuck ecoou do meu telefone para o carro.
Então a gargalhada exagerada do meu melhor amigo inundou
o veículo e irritou meus ouvidos.
Resisti à vontade de tirar Chuck do viva-voz e me limitei a
grunhir, pressionando os lábios de irritação, enquanto o desgraçado
continuava a rir. Essa porra de situação poderia ser muito
engraçada para ele, mas eu estava todo arranhado graças àquela
maluca. E ainda não entendia por que infernos ela tinha feito aquilo.
Não havia engolido uma vírgula da sua desculpa esfarrapada de
que estava se sentindo solitária e indesejável graças ao marido.
— Irmão, eu não sabia que você era tão requisitado entre as
coroas da alta sociedade — o alemão continuou sua provocação,
ainda rindo.
— Eu não sou. Para com essa merda, Chuck — mandei.
— Talvez consiga o apoio que precisa no Conselho se fizer
as mulheres daqueles velhos gozarem — provocou, seu sotaque
alemão ficou ainda mais irritante graças ao seu riso. — Ou melhor,
se distribuir conselhos a eles sobre como conseguir dar orgasmos a
uma mulher. Aposto que metade daqueles paus deles não
funcionam mais nem com…
— Cala a boca, porra! — bradei, já puto. Não queria voltar a
pensar no Conselho, em casamento ou qualquer merda assim. Já
tinha perdido a noite nisso. No entanto, Chuck desconhecia limites.
Era quase tão irritante quanto Bradshaw. A diferença era que
costumava pegar mais pesado nas gracinhas e só era irreverente
comigo e com nossos amigos. No trabalho e para sua família, ele
era tão frio e esnobe quanto fora ensinado a ser.
O infeliz voltou a rir, mas logo se conteve para trocar palavras
em alemão com alguém. Certamente já estava na sede das
empresas da sua família em Berlim.
Parei num sinal vermelho e aproveitei para conferir minha
imagem no espelho retrovisor. Tinha tomado o cuidado de escolher
uma camisa de gola alta, que esconderia os arranhões deixados no
meu pescoço.
Travei o maxilar ao olhar para meus cabelos, agora sem um
fio fora do lugar. Um calafrio atravessou meu corpo só de lembrar
deles sendo agarrados por aquela mulher na noite anterior. Eu nem
sabia como infernos tinha conseguido me livrar dela antes que
conseguisse baixar minha calça, fiquei tão chocado com aquela
merda toda e perturbado pelo seu agarre em meus cabelos, que
quando dei por mim, ela já estava montada no meu colo.
— Você transou com ela?
— É claro que não, caralho! Tá louco? Era a mulher do
governador.
— E vocês estavam na droga do escritório dele, numa festa
beneficente oferecida por ele. Que merda essa mulher tinha na
cabeça?! — Ele finalmente pareceu chegar ao ponto que importava
naquela questão.
— Não sei, mas não encostei nela mais do que o necessário
pra tirá-la de cima de mim e ir embora.
Chuck expirou profundamente.
— Isso não me cheira nada bem, irmão. É melhor ficar
atento. Me mantenha informado, irmão — ele pediu, após trocar
mais algumas palavras com alguém do outro lado da linha. —
Preciso desligar agora.
Concordei e encerrei a chamada. Não muito tempo depois,
cheguei ao hospital em que deveria encontrar minha irmã, cunhado
e aquela bruxa intragável.
Olhei-me uma última vez no espelho do carro para inspirar
fundo e repetir o mantra que havia inventado mais cedo, enquanto
escolhia a roupa para vestir hoje.
— Você vai ficar de boa, Liam — repeti, encarando meu
reflexo, sério. Decidido. — Não vai deixar aquela bruxa te provocar.
Não vai nem olhar para aquela pintinha maldita dela, okay? Foco,
filho da puta.
Eu vou ficar de boa. Vou ficar de boa. Tão de boa que nem o
Bradshaw vai me tirar do sério.
É isso.
Peguei meu celular e a carteira antes de deixar o carro.
Eu ainda repetia o mantra mentalmente enquanto subia o
elevador e até quando comecei a procurar por Liz e Bradshaw, não
sabia se Sophia já estava com eles. Segui as orientações da
recepcionista e percorri um corredor longo até a sala de espera da
obstetra, mas uma risada espalhafatosa me fez parar perto da
entrada da sala.
Era Bradshaw e sua merda de gargalhada estranha.
— Por que acha que nunca dariam certo, Sophs? — meu
amigo perguntou, o que me fez franzir a testa, sem entender de
quem exatamente falavam. Curioso, dei os passos que me
ocultavam e finalmente alcancei a sala de espera.
A primeira coisa que vi foi Sophia de pé de costas para mim,
num vestido azul que abraçava cada uma de suas curvas cheias e
sinuosas. Perfeitas.
Ela riu, o som irônico arrepiou os pelos da minha nuca.
— Por que o Caldwell e eu nunca daríamos certo? —
Meneou a cabeça em negativa, inspirando fundo. — Bem, ele é um
arrogante controlador, com um péssimo temperamento e uma
tendência inegável a rosnar e grunhir como um cão raivoso que está
sempre prestes a atacar — respondeu, sarcástica.
Meus olhos se estreitaram em sua direção, cheguei a dar um
passo adiante, muito tentado a surpreendê-la e fazê-la engolir
aquelas palavras no susto, mas Liz e Bradshaw, sentados em
cadeiras à frente de Sophia, me viram antes. Meu amigo sorriu
como o filho da puta que era. Olhos castanhos brilhando como os de
um menino arteiro que está prestes a contar a melhor parte de uma
piada.
Travei o maxilar.
Eu vou ficar de boa.
— Você também disse que ele é insuportável, não é, Sophs?
— Bradshaw provocou.
— E sufocante — Sophia concordou, enquanto seguia o olhar
dele.
Surpresa atravessou seus orbes negros ao me ver ali, mas
em vez de hesitar por perceber que eu estava ouvindo seus insultos,
ela abriu um sorriso. A porra de um sorriso. Daqueles que surge
devagar, com o canto dos lábios se curvando, e vai aumentando aos
poucos, com o arquear de uma sobrancelha desafiadora, até o
brilho nos olhos se tornar travesso e as covinhas nas bochechas
proeminentes se aprofundarem.
Era linda, porra. Essa desgraçada era linda demais.
— Além disso — ela prosseguiu conforme eu me aproximava,
sem ocultar o sorriso —, acho que o Caldwell nem saberia o que
fazer com uma mulher como eu numa cama.
Meu corpo inteiro enrijeceu. A provocação endurecendo mais
do que meus músculos e inflamando o tipo de emoção quente que
só Sophia era capaz de incitar. Para piorar, Bradshaw voltou a
gargalhar, e o som encheu a sala de espera.
Foda-se a porra do mantra!
— Você não tem parâmetros bons o bastante pra me
imaginar numa cama te fodendo, Sophia.
O sorriso nos lábios femininos ficou maior. Seus olhos
brilhantes me percorreram de cima a baixo, numa avaliação
minuciosa e atrevida, até alcançarem os meus de novo.
— Você sabe o que dizem sobre homens que se vangloriam
demais de suas performances sexuais, não é? — Ela içou uma
sobrancelha perfeitamente arqueada. — Prometem muito e não
cumprem nada.
Estreitei os olhos.
— Você pelo visto tem muita experiência com esse tipo… —
provoquei mais baixo, só para ela. — Talvez esteja precisando ser
bem fodida, Sophia. É por isso que está perdendo tempo
imaginando como seria ser comida por um arrogante controlador
que mais parece um cão raivoso?
Ela riu e, por alguma merda de motivo, sua risada só inflamou
algo ainda mais perigoso em mim. Perigoso e faminto… ardente…
Algo que parecia preso e louco para se rebelar.
— Já vi você grunhir e rosnar, foi impossível não pensar em
como seria se tivesse coragem de atacar — ela ergueu o queixo
arrogante e sussurrou: —, mas acho que você não tem.
— Sophia… — alertei, grave, rouco… furioso. Minha mão
coçando para envolver o pescoço pequeno e trazer seu corpo para
mim. Prendê-lo sob o meu e fazer essa filha da puta implorar para
ser fodida.
Implorar pelo meu pau.
Sophia ainda chegou a entreabrir os lábios carnudos para
replicar, mas foi interrompida por uma voz feminina:
— A Dra. Parker vai atendê-los agora.
— Graças a Deus! — minha irmã exclamou, se levantando
para vir me afastar de Sophia. — Vamos logo, Liam. Quero que
você escute o coraçãozinho do bebê!
Acabei sendo praticamente arrastado por Elizabeth até o
consultório, mas ainda troquei um último olhar com sua amiga.
Meu foco mudou completamente a partir do momento que
nos acomodamos na sala e a obstetra começou a fazer perguntas e
orientar a Liz.
Observei atento enquanto os resultados dos últimos exames
da minha irmã eram analisados e fiz todas as perguntas que me
surgiram à mente, sem me importar se pareceriam estúpidas ou se
estava sendo chato. Eu só queria ter certeza de que estava tudo
bem com ela e o bebê.
Quando a médica iniciou a ultrassonografia, apertei a mão de
Liz com força, meu coração socando as costelas de um jeito que
duvidei de que apenas eu o estava ouvindo.
— Não estou entendendo nada — avisei, meus olhos presos
a uma tela cheia de pontos cinzentos. — O que é isso?
— Seu sobrinho, irmão — Bradshaw respondeu e, ao encará-
lo, vi seu olhar bobo para a tela. Liz era abraçada por ele e tinha
lágrimas nos olhos também, como se já distinguisse as formas
perfeitas do seu bebê. — Ou sobrinha, logo você vai descobrir.
Voltei a encarar a tela, cheguei a tombar a cabeça para um
lado e semicerrar os olhos, para tentar compreender aquele
amontoado de pontos pretos e cinzas, mas nada naquela imagem
fez nenhum sentido para mim.
Mas que porra?
Olhei para Sophia aos pés da cama hospitalar e pressionei os
lábios para minar um sorriso ao perceber que ela parecia tão
perdida quanto eu. Mesmo quando a médica veio em nosso socorro,
explicar o que, entre aqueles pontos confusos, era um pezinho ou
nariz ou mãozinha, continuei sem entender nada.
— Ele é lindo, amiga — Sophia sussurrou, e eu precisei me
segurar para não rir porque era óbvio que essa desgraçada também
não estava entendendo porra nenhuma.
— É mesmo, não é? — Liz emitiu, emocionada.
— Vou ligar o áudio agora, vocês gostariam de ter a
gravação?
— Sim! — Sophia e eu respondemos ao mesmo tempo. Acho
que nos inclinamos juntos para mais perto da tela também, em
expectativa, e minha respiração travou no momento que o som mais
incrível que eu já havia ouvido na minha vida começou a encher
toda aquela sala.
Alto, forte, ritmado… rápido.
Os batimentos cardíacos que inundaram o meu coração com
o tipo de sentimento que nada nem ninguém nunca tinha sido capaz
de despertar.
Meus olhos arderam em lágrimas, porra.
— É tão… rápido… potente — sussurrei, hipnotizado,
incapaz de desviar o olhar da tela, sem me importar se não entendia
nada do que havia nela, não precisava entender quando ouvia e
sentia que meu sobrinho estava ali. Que era real.
— É incrível — Sophia concordou, sua voz rouca, carregada
de emoção.
Liz soluçou baixinho e voltei minha atenção para ela antes de
erguer sua mão para beijar o dorso, seus olhos pousaram sobre
mim.
— Você fez um bebezinho — falei, como um tolo. Ela sorriu e
acenou, lágrimas finas deslizaram pelo seu rosto delicado. — Minha
irmãzinha fez um bebezinho.
— E eu ajudei — Bradshaw lembrou.
Voltei meus olhos estreitados para ele.
— Se tivesse amor à sua vida, não continuaria me lembrando
disso, porra.
O filho da puta sorriu, porque não cansava de me provocar.
Sophia também abafou uma risadinha às minhas costas.
Inclinei-me sobre Liz, para beijar sua testa, e mantive nossas
mãos entrelaçadas nos minutos que a médica falou sobre o
crescimento e peso do bebê. Logo minha irmã recebeu a ajuda de
Bradshaw para se levantar e trocar de roupa numa sala ao lado.
Quando os dois nos deixaram sozinhos com a obstetra, ela sorriu.
— Ansiosos para saber o sexo do bebê, não é? — indagou,
ao que Sophia e eu respondemos com acenos simultâneos.
Como se para aumentar ainda mais a expectativa, a mulher
nos estendeu um envelope branco pequenino e Sophia o agarrou
rapidamente, antes que eu pudesse piscar.
— Ei! — chamei, quando ela se afastou já abrindo o
envelope. E eu a segui, porque estava curioso demais para perder
tempo discutindo. Parei à sua frente, o fôlego preso na garganta,
olhos arregalados, atentos aos de Sophia, que percorriam a folha e
umedeciam.
Ela soluçou e me encarou, lágrimas finas deslizando por suas
bochechas.
— É uma menina — sussurrou.
— Uma menina? — ecoei, rouco. Recuei um passo, instável,
a mão vindo ao peito, minha mente já produzindo a imagem de uma
versão pequenina e travessa de Liz. Sorridente. Fofa. Feliz.
Minha pequena.
— Uma menina — Sophia concordou, chorando.
— Uma menina — repeti, sorrindo feito um idiota. Lágrimas
pinicando em meus olhos. Meu peito inflando com um sentimento
forte que parecia se expandir por todos os lugares.
Não sei quem de nós tomou a iniciativa, mas em um
momento estávamos nos encarando como os bobos que já éramos
por aquela bebê e, no seguinte, estávamos abraçados, praticamente
chorando juntos.
Emocionados, repetindo o quanto ela seria linda e perfeita.
O quanto nós já a amávamos.
Por um segundo, foi impossível não pensar no quanto
mamãe também amaria essa bebê, apesar de tudo. Talvez fosse
essa criança a lhe dar forças para sair da escuridão em que estava
há tanto tempo.
— Vamos dar a melhor festa de revelação para eles, Caldwell
— Sophia disse, se afastando. As mãos já limpando a umidade do
rosto.
Precisei pigarrear para me livrar do nó que começou a
apertar minha garganta por lembrar de mamãe.
— Vamos — concordei, só então percebi que a obstetra havia
nos deixado sozinhos. Segui Sophia para fora da sala. — Vou
contratar uma empresa para organizar a festa, mas vamos precisar
ter uma ideia-base para repassar a eles. E também acho bom
encontrarmos um salão antes de pensar na decoração, mas…
— A Liz e o Maverick querem algo simples e íntimo — ela
lembrou enquanto percorríamos o corredor. — Só com os familiares
mais próximos e amigos.
— Podemos fazer uma lista pequena de convidados, então —
argumentei. — Mas não precisamos fazer algo sem graça. E não
vamos. Minha sobrinha merece…
— Caldwell… — Sophia tentou dizer algo, mas a interrompi.
—… o melhor. Eu andei pesquisando e descobri que a forma
de fazer a revelação também precisa ser criativa. Será que consigo
alugar todos os telões da Times Square ao mesmo tempo?
Sophia se precipitou à minha frente, para me forçar a parar
de caminhar, mas o que conseguiu foi quase cair quando nossos
corpos se chocaram. Precisei segurá-la pela cintura para que não
caísse do alto dos seus saltos.
Ela hesitou por um momento, um tremor suave atravessou
seu corpo macio antes de se desvencilhar de forma brusca.
Com um suspiro, ergueu os olhos para mim e avisou:
— Não vamos fazer nada exagerado nem brega!
— Brega?! — ecoei.
— Anunciar na Times Square, pro mundo inteiro saber que
você vai ser tio de uma garotinha? Sério, Caldwell?!
— Não tem nada de brega nisso, Sophia! — devolvi.
— Ah, meu Deus, vamos ter muitos problemas se sua noção
do que é brega for tão deturpada assim. — Ela bufou, revirou os
olhos e me deu as costas para voltar a andar, resmungando. —
Alugar os telões da Times Square, esse homem só pode estar
louco…
Eu a segui de perto, meneando a cabeça em negativa.
— Ah, e qual a sua ideia então, hein?! — indaguei. —
Contratar mariachis[1] para fazer o anúncio numa festa pequena e
sem graça?!
Sophia se voltou tão rápido para mim, com os olhos negros
faiscando e um dedo em riste pronto para tentar perfurar meu peito,
como ela adorava fazer, que eu soube que tinha passado dos
limites.
— Isso foi altamente preconceituoso e estereotipado! —
bradou.
Expirei profundamente e tentei me acalmar. Mordi o canto
dos lábios antes de assumir:
— Eu sei, me desculpe — pedi.
Seus olhos se estreitaram para mim, furiosos. Ela voltou a se
afastar, agora resmungando insultos em espanhol, que não
compreendi porque estava falando baixo demais.
— Vamos ter que chegar a um consenso — lembrei-a e desta
vez sua resposta me alcançou mesmo à distância.
— Ou eu posso esganar você e cuidar de tudo sozinha.
QUATRO
SOPHIA GARCÍA

Tomei um fôlego profundo pela quarta vez naquela manhã.


Uma dorzinha chata de cabeça se insinuava, mas eu ainda
tinha alguns e-mails para enviar aos doadores recorrentes da ONG,
além de precisar prestar contas com os apoiadores da última
vaquinha online que havia feito para a reforma da brinquedoteca.
A parte administrativa do meu trabalho era a que eu menos
gostava, mas era necessária e essa em específico eu não poderia
delegar a ninguém.
Eu havia aberto a vaquinha online e me comprometido a
prestar contas do dinheiro arrecadado e gasto.
Eu tinha insistido na criação das redes sociais e do blog da
ONG e não podia deixar de atualizá-los.
Eu havia angariado novos doadores e era importante manter
o contato com eles, mesmo que por esses e-mails que digitava
agora, com fotos de ações e depoimentos de beneficiados pelo
nosso trabalho. Precisava lembrá-los da importância do que
fazíamos e, mais ainda, de que suas doações eram imprescindíveis
para continuarmos trabalhando.
— Vamos almoçar, Sophs? — minha colega de sala chamou
minha atenção, já se erguendo da sua cadeira poucos metros à
minha frente.
— Pode ir, Jane. Vou só terminar esses e-mails. Tenho um
compromisso daqui a pouco — avisei.
Ela acenou e se despediu rapidamente antes de sair.
Quando fiquei sozinha, abri uma das minhas gavetas e retirei
meu celular e uma barrinha de cereal dela. Eu o havia desligado
mais cedo, porque os números desconhecidos voltaram a me
perturbar com mensagens e ligações, mas Liam tinha dito que
entraria em contato hoje, para irmos visitar alguns salões de festa.
Estávamos em um impasse sobre isso há alguns dias, porque
aquele capullo estúpido se recusava a compreender o significado
das palavras simples e íntimo e vinha com ideias cada vez mais
pomposas e extravagantes quando nos falávamos.
Eu estava cogitando de verdade a coisa de esganá-lo e
cuidar de tudo sozinha, mas antes apresentaria minhas ideias e
tentaria convencê-lo a aceitá-las.
Enquanto o aparelho reiniciava e um sem-número de
notificações de ligações e mensagens de números desconhecidos
se acumulava, eu voltei a digitar o último e-mail que precisaria
enviar.
Aproveitei para comer a barrinha de cereal conforme
atualizava o blog da ONG com as fotos da reforma da nossa
cozinha industrial. Eu estava imersa de novo no trabalho quando
batidas na porta me fizeram praticamente pular na cadeira, tamanho
o susto que levei.
— ¡Madre mía! — exclamei, com uma mão pressionando o
peito agitado. Precisei tomar um fôlego profundo para conseguir
voltar a falar. — Pode entrar.
Suspirei e me recostei no espaldar da cadeira enquanto a
porta era aberta.
Um segundo depois, meu coração disparou muito mais
enlouquecido, abalado pela figura masculina que adentrou a sala,
emanando o tipo de poder e segurança que tornava impossível
desviar o olhar.
Sua estrutura alta e larga presa num terno negro com camisa
da mesma cor. Sem gravata, porque ele aparentemente não as
suportava. Olhos castanhos levemente estreitados pela irritação que
eu já reconhecia, lábios rosados apertados numa linha fina, cabelos
negros amarrados num coque samurai que eu odiei à primeira vista,
pelo simples fato de preferir vê-los soltos.
— Porra, Sophia, estou te ligando há uma hora — avisou e,
por alguns instantes, acho que não entendi suas palavras, meu
cérebro só registrou a voz. Aquela que me assombrava em sonhos
com as palavras de dias atrás.
Talvez esteja precisando ser bem fodida, Sophia.
Eu estava, droga. Estava mesmo. Muito.
E bastava me lembrar daquelas palavras, da sua rouquidão
ao proferi-las, de tudo o que Liam nem imaginava que já havia feito
comigo em meus sonhos, para eu sentir minha boceta se contrair,
numa resposta — completamente involuntária, diga-se de passagem
— que só os meses sem gozar poderiam explicar.
Eu queria poder dizer que estava sob efeito de alguma droga
ou bebida quando provoquei Liam naquela sala de espera, mas não
estava. Eu quis irritá-lo, mas principalmente, por uma razão que
ainda desconheço, quis descobrir qual seria seu limite. Não medi as
consequências e acabei levando a implicância a outro nível. Aquele
em que você flerta e irrita e provoca o outro. Tudo ao mesmo tempo.
E sabe o que era pior? Eu tinha gostado demais para o meu
próprio bem. De vê-lo puto. De flertar com ele. De imaginá-lo me
mostrando o quanto eu estava errada.
Contudo, passado aquele momento de euforia e
provocações, a consciência do que eu tinha começado se abateu
sobre mim.
Era isso mesmo o que eu queria? Me envolver com outro
homem controlador e esnobe? Não estaria repetindo os mesmos
erros do passado?
Eu não era mais a garota tola de anos atrás, sabia como lidar
com um homem, como me proteger e me afastar de relações
tóxicas, mas amadurecer às vezes não era suficiente. As ligações e
mensagens se acumulando em meu celular estavam aí para me
lembrar disso. Encerrar uma relação e se afastar podia não ser
bastante se o outro não estava disposto a aceitar um término.
Principalmente quando ele era rico e achava que podia ter tudo o
que queria.
— Você está pronta? — Liam perguntou, parando bem diante
da minha mesa. Sua estrutura, muitos centímetros mais alta que a
minha, era impossível de ignorar.
Os olhos astutos me analisaram por alguns instantes,
sondando em meu semblante que abordagem usar comigo depois
de eu flertar com ele e ameaçar esganá-lo logo em seguida.
Havíamos ultrapassado um limite. Um que já vínhamos
beirando há meses, fingindo que não sentíamos aquela eletricidade
que estalava entre nós sempre que nos tocávamos. Sempre que
discutíamos. No entanto, acho que nenhum de nós tinha certeza de
como isso afetaria a relação de antipatia que tínhamos.
Ele queria avançar de alguma maneira? Eu queria que ele
avançasse? Mesmo consciente de quem ele era?
— Só preciso de mais dois minutos e saímos — avisei,
respondendo à sua pergunta anterior.
Ele concordou com um aceno e desviou o olhar para
observar a sala minúscula que eu compartilhava com uma colega,
percorrendo tudo com curiosidade.
— Consegui liberar minha tarde e já agendei visitas a alguns
salões — informou.
Suspirei ao ouvir suas palavras. Podia apostar que ele havia
agendado visitas aos mesmos salões dos quais tinha me enviado
fotos nos últimos dias. E eu já tinha recusado todos.
— Antes disso, você vai me levar pra almoçar e vou te
apresentar minhas ideias — informei, e mesmo sem encará-lo, senti
seu olhar em mim. — Liz me mandou a lista de convidados. Ela
insistiu que não convidássemos ninguém além das pessoas que ela
e o Maverick gostariam de ver lá.
Eu ainda não o encarava, mas sabia que ele tinha
semicerrado os olhos. Liam era esperto, claro que perceberia que
eu havia pedido essa lista à Liz para garantir que ele não convidaria
metade de Manhattan só para se gabar pela sobrinha. Cheguei a
achar que ele retrucaria, mas não o fez, apesar de sua resposta
soar mais como um resmungo.
— Okay.
Voltei a digitar os últimos parágrafos do texto que precisava
concluir. Menos de dez minutos depois, Liam e eu saímos da minha
sala.
Aproveitei que ele já estava na ONG e, mesmo contra sua
vontade, o levei para ver a reforma da cozinha, que estávamos
fazendo graças à sua doação. Também expliquei como ela ajudaria
a comunidade e quantas pessoas em situação de rua seríamos
capazes de atender a partir daquela mudança.
— Está tentando me convencer a continuar fazendo doações,
não está? — ele indagou, aqueles olhos oblíquos presos a mim.
Sem se importar com os pedreiros que passavam por nós naquele
momento.
Não consegui esconder o sorriso que brotou em meus lábios
e ergui o queixo, muito confortável em assumir minhas habilidades
de persuasão.
— Estou conseguindo?
Liam me encarou em silêncio por alguns segundos, atento ao
meu rosto… e depois aos meus lábios. Achei tê-lo visto esboçar um
fantasma de sorriso, mas ele travou o maxilar e desviou o olhar.
— Não — foi sua resposta firme.
Meu sorriso aumentou.
— Isso vai mudar, Caldwell — avisei. — Eu sou muito
determinada.
Ele meneou a cabeça em negativa, grunhiu algo como “você
é uma bruxa, isso sim” e me seguiu em silêncio para fora da ONG.
Meu sorriso se manteve inabalado até chegarmos ao seu carro, o
Audi A8 luxuoso que destoava completamente daquela parte do
Brooklyn.
— Quem diria — comentei, com uma surpresa genuína,
quando ele abriu a porta para mim.
— O quê? — perguntou, sem entender do que eu falava.
Existe alguma gota de cavalheirismo em você.
— Nada — respondi, dando de ombros.
Seus olhos se estreitaram enquanto eu entrava, sempre
desconfiados, mas ele não insistiu, apenas fechou a porta e deu a
volta no carro para alcançar seu lugar ao meu lado.
— Onde quer almoçar? — perguntou. Coloquei o cinto de
segurança e a inclinação do banco me causou incômodo imediato. A
posição dele me deixava muito perto do porta-luvas. Quem quer que
o tinha usado antes, era pequeno demais.
— Não costumo comer fora, então não sei — avisei, tentando
encontrar a alavanca que me permitiria ajustar o assento. —
Conhece algum lugar bom que não me cobre os rins por uma
refeição?
O canto dos seus lábios se curvou sutilmente, não sei se por
minhas palavras ou por ele perceber que eu perdia a paciência com
seu carro.
— Conheço, sim — foi sua resposta antes de se inclinar em
minha direção. A surpresa me fez prender a respiração e paralisar.
Seu corpo não tocou o meu, mas o calor da sua pele me
atingiu mesmo assim, a tensão que percorreu o pouco espaço entre
nós foi palpável, perturbadora como a mistura do seu perfume
picante, com as notas orientais que se desprendiam dos seus
cabelos. Me senti entorpecida. Inquieta. Abalada. Não sei o que
diabos Liam fez, mas graças a Deus o banco começou a se mover
para trás, me distanciando lentamente.
Engoli em seco. Instável como não me lembrava de ficar há
muito tempo. Até meu coração estava acelerado como o de uma
adolescente tola que nunca tinha se aproximado de um cara bonito.
Francamente, Sophia.
— Você parece tensa — Liam disse, de um jeito que quase
pareceu um comentário inocente. Ele ainda estava perto demais
quando voltou seu rosto na direção do meu. Lábios provocadores,
macios, imorais, perto demais de mim. — Está com medo desse cão
raivoso atacar, Sophia?
Estreitei os olhos. Aí estava. Esse era Liam avançando o
sinal, testando o terreno, me dando a chance de mandá-lo à merda
ou aceitar a provocação.
Uma parte de mim sabia que o melhor era dar um fim àquele
jogo, acabar com o que havia iniciado naquele hospital, as chances
de seguir com aquilo e me arrepender eram grandes demais para eu
simplesmente ignorá-las, mas quando o encarei, quando vi o brilho
do desafio cintilar em seus orbes, não consegui recuar.
Não consegui dizer não.
Eu inclinei meu rosto até o seu, testei sua reação à minha
proximidade, o modo como ele mesmo avançou até os centímetros
nos distanciando serem insignificantes. Nossas respirações se
misturaram. Meus lábios formigaram.
— Com medo, Caldwell? — indaguei, consciente do
magnetismo que nossas bocas exerciam uma sobre a outra. Sorri.
— Eu ficaria desapontada se não tomasse uma atitude.
Ele agarrou meu pescoço tão rápido, que não tenho certeza
se o gemido que me escapou foi de surpresa ou prazer. A segunda
opção se mostrou mais possível quando Liam esmagou meus seios
com seu peito forte e minha boceta latejou, apertando o vazio
insuportável com o qual eu já lidava sozinha por meses demais.
— Está adorando me provocar não é, porra?
Sorri.
— Uhum.
— Mas você não me suporta, Sophia… Eu não te suporto…
Por que ignorar isso justo agora? — Ele deslizou o nariz pelo meu
rosto, inspirando meu cheiro, roçando devagar os lábios na pele que
se mostrou altamente sensível naquele momento.
— Não estamos ignorando nada — avisei.
— O que estamos fazendo então? — rosnou, em meu ouvido.
A pressão do aperto em minha garganta aumentou, meus olhos
pesaram. — Para onde vamos com essas provocações?
— Não sei.
Emiti um som baixo de prazer, os olhos entreabertos
enxergando nada além da sua boca perto demais da minha.
— É um beijo que você quer?
Liam não me deu tempo de responder.
Ele mordiscou meus lábios, os puxou para si e a tortura se
tornou ainda pior quando os chupou. Cravei as unhas em seus
ombros. Inquieta. Sem fôlego algum. Cheguei a buscar sua boca
com a minha, pressioná-las com desespero, praticamente
implorando sem palavras pelo beijo que esse filho da puta me
negava, e que ele não me deu, continuou só me torturando. Com os
lábios, os dentes, o calor do seu corpo, a firmeza das mãos
apertando meu pescoço e cintura, aquele cheiro delicioso que já me
embriagava.
— Então pede, Sophia — mandou, num sussurro rouco que
me deixou mais úmida. Liam mordeu meu lábio inferior com força,
me arrancou um gemido suave e esfregou nossas bocas na porra
de um selinho que não seria suficiente. — Pede que eu mato essa
sua vontade de ser beijada… fodida com a boca… faço até você
gozar.
Meus lábios tremiam de desejo. E ele era insuportável, quase
doloroso, mas sob a névoa de prazer em que eu estava, algum
vestígio de sanidade me encontrou. Meu corpo enrijeceu. Raiva
borbulhou quente em minhas veias.
Abri os olhos e suguei o ar com dificuldade, as mãos se
cerrando com força para empurrá-lo para longe, mas o capullo ainda
me arrancou um gemido baixinho e dengoso quando afundou o
rosto no meu pescoço, percorrendo com os dentes uma trilha
sensível que ensopou minha calcinha e me deixou pulsando. Com
as pernas trêmulas. Pronta. Ávida.
E ele nem tinha me tocado.
Não tinha nem me beijado, droga.
— Pede, porra — rosnou, e desta vez não tive certeza se foi
uma ordem ou súplica.
— Não — atirei a resposta com toda a dignidade que ainda
tinha. — Suas bolas vão explodir antes de você me ouvir pedir pra
ser fodida por você, Caldwell.
Ele rosnou em meu ouvido, o som grave e torturado abalou
minha convicção por um momento, mas me agarrei ao orgulho que
ainda me restava e o afastei com brusquidão.
Ofegantes, permanecemos em silêncio por segundos longos
que não foram suficientes para regularizarmos nossas respirações.
— Isso nunca mais vai acontecer — avisei, o que foi bastante
para Liam voltar seus olhos intensos e estreitados para mim de
novo. O desafio ainda era nítido neles e eu sabia que esse capullo
garantiria que isso entre nós se repetiria, sim, porque eu havia
escolhido cruzar aquela droga de limite, mas ele não teve tempo.
Meu celular tocou em minha bolsa e o agarrei como a um
bote salva-vidas. No entanto, bastou que eu ouvisse a voz
masculina do outro lado da linha, para perceber que havia cometido
um erro.
— Eu já estava pronto para ir atrás de você, mi corazón — foi
o que José disse antes de eu encerrar a chamada e desligar a droga
do telefone.
— Se ainda formos resolver algo sobre a festa hoje, me tire
daqui logo — mandei, tensa demais para Liam não notar.
Ele demorou a se mover, seu olhar permaneceu duro sobre
mim, mas quando percebeu que eu não o encararia nem diria mais
nada, ele ligou o carro e dirigiu para longe dali.
E então me forcei a esquecer que os últimos dez minutos
haviam acontecido.
Demoramos cerca de meia hora para chegar ao restaurante
escolhido por Liam, mas o tempo nem o silêncio entre nós foi
suficiente para melhorar meu humor.
— Que parte do “restaurante que não cobre meus rins por
uma refeição” você não entendeu? — indaguei, quando ele me
ajudou a descer do carro e finalmente vi a fachada ostensiva e
imponente do lugar do qual eu sabia que ele era um dos donos.
O Clube Oásis era um local imponente, luxuoso, longe de ser
um mero restaurante. Era um dos principais abrigos para os filhos
da alta sociedade e os estrangeiros bilionários que vinham aos EUA,
onde podiam encontrar pessoas do seu nível e interagir com quem
importava nesse mundo capitalista. Era cheio de pessoas ricas,
como Liam, que odiavam pessoas como eu.
Há alguns meses, graças a uma aposta muito bem-sucedida,
eu tinha conseguido entrar com Liz numa festa de máscaras secreta
oferecida por Liam e seus melhores amigos — que eram seus
sócios —, mas ele não precisava saber disso. Ou que eu já havia
estado ali.
— Ninguém vai te cobrar nada. Eu sou a porra do dono desse
lugar, Sophia — ele disse com um humor tão tempestuoso quanto o
meu, após fechar a porta do carro e entregar as chaves ao valete.
— Vamos.
Ele não me esperou, apenas seguiu com passos confiantes.
Observei a fachada por mais alguns segundos e bufei,
caminhando para a entrada. Liam me aguardava lá.
Eu não tinha medo de ser maltratada ou de me sentir
intimidada, já tinha passado por isso, sabia muito bem me defender
e não me sentia inferior às pessoas que tinham poder suficiente
para transitar em lugares assim. A questão era que eu era
nitidamente latina e mais do que saber que pessoas da minha etnia
e posição social não costumavam ser bem-vindas em locais como
esse, eu tinha um ranço automático desses riquinhos que nos
desprezavam. E dificilmente conseguia ocultar isso.
Quando alcancei Liam, ele pousou uma das mãos na minha
lombar e um choque intenso se arrastou por toda a minha espinha,
arrepiando minha pele. Ele me encarou, e não precisei de mais do
que isso para ter certeza de que havia sentido também. Ensaiei me
desvencilhar do seu toque, não estava disposta a lidar com aquela
coisa entre nós nesse momento, mas ele não permitiu, apenas
cerrou o maxilar e olhou para frente, enquanto me guiava até a área
do restaurante.
O maître nos acomodou numa mesa e me ajudou a sentar.
Em questão de segundos, o garçom se apresentou e nos estendeu
a carta de vinhos e o cardápio. Liam sequer perdeu tempo
escolhendo algo.
— Traga o de sempre para mim, Richard — pediu, ainda sem
me encarar.
Fiz meu pedido e, por saber que era melhor respirarmos
longe um do outro por algum tempo antes de iniciarmos uma
conversa, fui ao toalete.
Expirei profundamente quando vi minha imagem refletida no
espelho. Estava uma bagunça. Corada, com cabelos arrepiados e
uma roupa que destoava daquele lugar.
— Maldito Caldwell — grunhi, enquanto tentava me
recompor.
Peguei minha necessaire de sobrevivência na bolsa e refiz
minha maquiagem, penteei os cabelos e me perfumei novamente.
Aproveitei até para me livrar da calcinha que aquele desgraçado
tinha deixado encharcada sem nem me tocar e me lavei com a
ducha antes de vestir a calcinha de emergência e recolocar meu
jeans. Me sentia uma nova mulher quando deixei aquele toalete.
Quando me sentei novamente, Liam se servia de uma taça
de vinho.
— Você quer?
Respondi com um aceno. Um pouco de álcool me faria bem.
— Pode me mostrar a lista de convidados que a Liz te
passou? — pediu.
Concordei com um aceno e peguei o tablet. Abri o arquivo de
que precisava e o entreguei para Liam. Dois segundos foram
suficientes para ele levantar os olhos perplexos para mim.
— Nove pessoas?!
Não resisti a um sorriso.
— Contando com nós dois.
Liam meneou a cabeça em negativa, voltando a encarar a
lista, sem acreditar.
— Eles deixaram claro que queriam uma festa simples e
íntima — lembrei e, ao vê-lo abrir a boca para retrucar, eu
prossegui: — Vamos fazer a vontade deles, Caldwell. Essa é uma
comemoração para eles, lembra? É sobre eles, não sobre mim ou
você.
Ele entreabriu os lábios para contra-argumentar, mas no fim
só emitiu um grunhido, então se recostou na cadeira e bufou.
— Nove pessoas — disse, ainda sem acreditar. — Nove
pessoas, porra.
Voltei a sorrir, mas pressionei os lábios para minar o sorriso
quando ele me encarou.
— Passe para o arquivo do lado. Eu o montei para ilustrar a
ideia que tive — mandei, antes de bebericar um gole de vinho. — A
Liz quer algo aconchegante, que reúna as pessoas que realmente a
amam e estão felizes com sua gravidez, sabe? Quer um momento
de leveza e felicidade com todos. Por isso, em vez de uma festa
extravagante, pensei num piquenique ao ar livre, à beira do lago do
Central Park. Já estamos na primavera, então…
Continuei explicando todos os detalhes, mesmo vendo a
insatisfação aumentar no semblante de Liam a cada tópico que eu
avançava e ele percebia que luxo e exagero tinham passado longe
do que eu sugeria. Ainda assim, ele não me interrompeu.
Nossa comida chegou e conversamos um pouco mais
durante a refeição. O fato de fazermos isso de forma natural,
apenas com seus resmungos e grunhidos ocasionais e já
esperados, foi um alívio. Eu não queria que o que aconteceu
naquele carro atrapalhasse a tarefa que precisávamos cumprir
juntos.
Após terminarmos, convenci Liam a me levar até o Central
Park. Lá, expliquei a ele como exatamente colocaríamos minha ideia
em prática. Depois ele me levou a dois dos salões de festa que
havia pensado em alugar, mas os lugares eram tão grandes que até
ele reconheceu que seria ridículo colocar apenas nove pessoas
neles.
Ainda assim, o capullo parecia convencido de que havia uma
alternativa melhor e mais memorável que minha simples ideia. Era
irritantemente teimoso.
Passava de sete da noite quando Liam estacionou à frente do
meu prédio.
— Não precisa sair — avisei, ao vê-lo retirar o cinto de
segurança. — Eu posso abrir a porta sozinha, Caldwell.
Não foi minha intenção soar ingrata, especialmente porque
tínhamos chegado a um nível de interação civilizada, sem as farpas,
as provocações ou os flertes — na verdade, era bem sem graça,
mas talvez fosse melhor assim.
Depois daquele dia, eu estava física e mentalmente exausta.
— Sophia… — ele ainda tentou, mas o interrompi ao abrir a
porta do carro.
— Estamos ficando sem tempo — lembrei-o. — Me entregue
uma nova sugestão até amanhã à tarde ou vou procurar minha
própria decoradora e seguir com minha ideia.
— Você não…
— Eu, sim — o interrompi. — A revelação precisa acontecer
no próximo sábado.
Ele bufou enquanto eu saía.
— Obrigada pela carona, Caldwell — agradeci, mas não
aguardei sua resposta antes de fechar a porta do carro e me afastar.
Enquanto caminhava até a entrada do meu prédio, não olhei
para trás para vê-lo se afastar. Acabei expirando profundamente
como se me livrasse da tensão que ficara acumulada por todas as
últimas horas que havíamos passado juntos fingindo que não
éramos afetados um pelo outro.
Estava prestes a alcançar o portão quando meu braço foi
agarrado e meu corpo foi puxado bruscamente contra um peito
sólido. O cheiro de álcool atingiu minhas narinas antes mesmo que
eu conseguisse ver quem me segurava daquele jeito.
O ar ficou preso em meus pulmões no momento que o vi.
— Com quem você estava, hein?! — José gritou, seu aperto
em meu braço se tornou doloroso e só piorou quando tentei me
desvencilhar. — Encontrou outro babaca pra te sustentar, não foi?!
Os olhos verdes injetados me chamaram atenção, mas não
me surpreenderam por tempo o bastante para me impedir de reagir
e empurrá-lo com força suficiente para fazê-lo cambalear, tamanha
era a sua embriaguez.
— O que está fazendo aqui?! Já disse pra me deixar em paz!
— E eu já disse que isso nunca vai acontecer, caralho! — Ele
avançou em minha direção. — Quando vai entender?!
Meus braços foram agarrados e desta vez, mesmo lutando,
não consegui afastá-lo. Minha bolsa caiu.
— Volte pra sua esposa! Pra sua família! Sua mamãezinha
ficaria muito desapontada se soubesse que voltou a me procurar,
não acha?! — gritei em sua cara, tão furiosa que não previ que ele
estava fora de si o bastante para me machucar. E quando me dei
conta disso, era tarde. Bastou um empurrão violento e eu cambaleei
pela calçada até me desequilibrar num desnível e cair no chão
lamacento.
Pedras pequeninas fincaram nas palmas das minhas mãos e
uma dor aguda atingiu meu tornozelo quando tentei me mover para
sair de onde havia caído.
— Elas não têm nada a ver com a gente, cariño — José
disse, bagunçando os cabelos como se nem acreditasse que
precisava repetir isso para mim mais uma vez. — Nada, si? Você é
minha e ninguém vai… — Suas palavras foram cortadas por um
vulto que o girou pelos ombros e socou com força suficiente para
fazê-lo desabar num amontoado de sacos de lixo.
Arregalei os olhos, assustada. Quando busquei o dono do
golpe, foi a imagem irada de Liam que encontrei bem à minha
frente. O peito inflando de raiva, os punhos ainda cerrados, a fúria
em seus olhos direcionada ao homem que ele havia derrubado.
Engoli em seco. Meu coração já disparado perdeu algumas
batidas.
— O que está acontecendo aqui? — ele indagou,
intercalando o olhar entre mim e José. Quando percebeu que meu
ex estava bêbado demais para se erguer tão cedo, veio em minha
direção. — Você se machucou?
Meneei a cabeça em negativa, mas os arranhões e o sangue
na palma da minha mão lhe deram uma resposta diferente quando
me ajudou a levantar. Um braço envolveu minha cintura, me
mantendo perto, de modo que conseguiu me sustentar quando
apoiei os dois pés no chão e o tornozelo direito latejou.
— Quem é você?! — meu ex perguntou, ainda jogado sobre
o lixo. — O que está fazendo com a minha…
Liam o calou com um chute no rosto.
A cabeça de José desmoronou sobre os sacos negros,
desacordado.
Simples assim.
— Vou chamar a polícia — o aviso me trouxe de volta ao
presente.
— Não vai! — Tomei o celular de sua mão antes que ele
pudesse concluir a chamada. — Está tudo bem. Foi só um susto.
Não quero ter que lidar com a polícia agora.
Não posso lidar com a polícia — era a verdade.
— Sophia, você precisa denunciar esse filho da puta. Depois
vamos a um hospital.
— Não! Não preciso fazer nada disso! Estou bem e posso me
virar sozinha.
Sua testa se franziu em desentendimento, mas não lhe dei
tempo para pensar muito.
— Pegue a minha bolsa e me deixe passar. Preciso da minha
casa.
— Sophia… — ele ainda tentou insistir, mas o interrompi:
— Se não for fazer o que estou mandando, pode ir embora.
Não preciso mais da sua ajuda.
Liam começou a argumentar, mas não lhe dei ouvidos e
comecei a mancar até o meu prédio.
— Mulher teimosa da porra! — grunhiu, mas em poucos
segundos estava segurando minha cintura e me dando apoio para
subir os degraus da entrada.
E eu não verbalizei, mas agradeci mentalmente por isso.
CINCO
LIAM CALDWELL

— Deveríamos ter chamado a polícia! — insisti, após abrir o


portão de ferro da entrada do prédio de Sophia, que revirou os olhos
quando lhe devolvi as chaves. — Estou falando sério! Por que não
quis denunciar aquele desgraçado?
Ela expirou profundamente em resposta, sem paciência,
concentrada demais em manter os lábios cerrados para se impedir
de emitir qualquer som de dor.
— Quer que eu tire seu salto? Você pode se machucar ainda
mais e eu realmente acho que deveríamos estar indo para um
hospital agora, porque…
— Meu Deus, Caldwell, você não cansa de resmungar como
um velho chato?!
Baixei os olhos até visualizar seu rosto, indignado.
— Velho chato?!
Ela bufou.
— Sim. A droga de um velho chato.
— Por estar repetindo coisas que você não quer ouvir?!
— Pelo amor de Deus — ela exclamou, como se pedisse
calma a alguma divindade.
O som de passos vindos da escada me chamou a atenção.
— Você sabe que eu estou certo, porra! Deveríamos chamar
a polícia! Aquele filho da puta estava ameaçando você!
Sophia se desvencilhou de mim furiosa.
— Isso não tem nada a ver com você! Então fica na sua,
Caldwell!
Eu abri a boca para retrucar, mas Bradshaw e Elizabeth
emergiram abraçados e muito bem-vestidos das escadas. Nosso
foco foi direcionado a eles.
— O que está acontecendo aqui? — meu amigo perguntou.
Sophia e eu trocamos um olhar antes de despejarmos, ao
mesmo tempo:
— O Caldwell é um maldito intrometido!
— Essa bruxa intragável é teimosa demais!
— O que aconteceu com sua calça? — minha irmã perguntou
à Sophia, porque o jeans dela havia ficado imundo após a queda.
— Foi só uma tentativa de assalto — ela respondeu.
— Assalto?! — rosnei, sem acreditar naquela mentira
deslavada.
Sophia estreitou os olhos e me estapeou no braço.
— Sim, Liam, uma tentativa de assalto — repetiu, num tom
de repreensão.
Meneei a cabeça em negativa.
— Você está bem? — Liz voltou a perguntar.
Sophia acenou uma vez, mas eu expliquei:
— Ela mal consegue andar. O filho da puta a empurrou antes
de eu me aproximar. Acho até que ela torceu o tornozelo.
O olhar que recebi dela poderia ter me fuzilado, tamanha a
exasperação que havia nele. Eu teria sorrido só para provocá-la,
como ela adorava fazer comigo, mas a desgraçada ergueu uma
mão para bagunçar meus cabelos e precisei me afastar.
— Já disse pra parar de fazer essa merda! — lembrei-a, mas
Sophia apenas revirou os olhos.
— E eu já disse pra você me deixar em paz! Não preciso da
sua ajuda.
Estreitei os olhos, agora puto, mas em vez de lembrá-la de
que ela precisava sim da minha ajuda, eu apontei para o primeiro
dos quatro lances de escada até o seu apartamento.
— Vamos lá, me mostre como é capaz de subir quatro
andares sozinha com o tornozelo ferrado.
Sophia ergueu um dedo em riste para mim, abriu a boca
certamente para me mandar ao inferno, mas Bradshaw a
interrompeu:
— Vocês são bem grandinhos e podem se resolver, não é?
Então se virem. A Liz e eu temos um encontro.
Aquela bruxa irritante abriu um sorriso iluminado e voltou sua
atenção para o casal à nossa frente.
— Podem ir. — Ela acenou para os dois quando passaram
por nós. — E cuidem do meu sobrinho, por favor. Não vão fazer
estripulias.
— Seu sobrinho?! — rugi, quando Bradshaw e Liz saíram.
— Cala a boca, Caldwell — foi tudo o que ela disse, voltando
seu semblante irritado para mim. Ao que parece, isso era tudo o que
eu merecia dela. Irritação.
Tomei uma respiração profunda para me acalmar e Sophia
logo fez o mesmo, cruzando os braços.
Alguns segundos de silêncio se passaram, mas eu não disse
nada, me forcei a ficar calado enquanto a observava encarar as
escadas, obviamente tentando descobrir como as subiria sem ajuda.
No momento que seu olhar pousou sobre o tornozelo ferido e
percorreu o jeans imundo e encharcado pela lama, o ritmo da sua
respiração mudou, pude ver seu peito subir e descer com
dificuldade, tremer de uma maneira que tornou seu abalo evidente,
como se a consciência do que acontecera se abatesse sobre ela
apenas nesse momento.
Quem quer que fosse aquele filho da puta, ele a tinha
machucado. E não parecia ter sido apenas fisicamente. Eu odiei
perceber isso. Reconhecer que sua estrutura forte, bruta e
inabalável tinha sido atingida. Reconhecer que aquele desgraçado a
tinha machucado.
Sophia pressionou os lábios com força e tomou um fôlego
lento e profundo, reassumindo o controle sobre si mesma.
— Me deixe em paz, Caldwell — foi a última coisa que me
disse, mas o que era para ser uma ordem soou muito mais como um
pedido guiado pelo medo de desabar à frente de alguém.
E pior, de mim.
Quando ela ergueu o olhar de volta para a escada e percebi
que estava mesmo cogitando subir todos aqueles degraus sozinha,
eu avancei sem dizer uma palavra e a levantei em meus braços.
— Mas que porra você pensa que está fazendo?! — ela
bradou, se remexendo até quase nos desequilibrar.
— Vou carregar você.
Sua risada sem humor reverberou pelo hall de entrada do
prédio velho.
— Não, você não vai.
— Vou.
— Não vai.
Ela estapeou meu braço, então o peito, teimosa como um
caralho, e interrompi meus passos no segundo degrau da escada,
puto, quando ela soltou a porra do elástico que ainda prendia meus
cabelos.
— Sophia! — grunhi.
— Me coloque no chão!
Estreitei os olhos para ela, minha cabeça fervilhando de
irritação, mas cedi, colocando-a sobre os próprios pés enquanto
resmungava furioso:
— Bruxa intragável.
— Capullo estúpido.
Tentei, juro que tentei manter a calma, lembrar que, apesar
de Sophia ser insuportável, eu entendia demais esse seu modo
agressivo de autopreservação, que ela só não queria que eu a visse
sofrer, mas cheguei ao limite ao vê-la buscar o corrimão da escada
para conseguir permanecer de pé.
Ela estava ferida! Comprimia os lábios por causa da dor que
certamente sentia.
— Prefere que eu te jogue nas costas como um saco de
batatas, porra?! Se continuar assim, e com a droga desse salto, vai
acabar quebrando o pé!
— E você se importa com isso por quê, Caldwell?!
— Porque eu não quero que você se machuque, caralho!
Ela hesitou, no entanto, não demorou a menear a cabeça em
negativa e desviar o olhar, afetada demais para continuar me
encarando.
— Não tem motivos pra se importar comigo. E não precisa
fazer nada disso, então, me deixe em paz. Eu me viro sozinha.
As palavras saíram como algo entre um pedido exausto e um
grunhido impaciente, como se não conseguisse sustentar um sem o
outro.
Sophia vestia uma casca e só tentava mantê-la, apesar das
rachaduras, porque obviamente era mais fácil me expulsar dali e
subir todos aqueles lances de escada sozinha que se permitir
desabar à frente de alguém.
Engoli em seco.
Desci os dois degraus até o chão novamente.
— Suba nas minhas costas — mandei.
Era o máximo que eu conseguiria fazer pelo seu orgulho:
fingir que não a via desabar aos poucos. Deixá-la se recompor sem
o meu olhar sobre ela.
— Não tente fazer isso. Você não vai conseguir me carregar
por quatro andares.
Bufei.
— É mesmo? E por quê? — provoquei, numa tentativa tola
de mudar seu humor.
— Porque eu sou gorda, Caldwell! Você vai é conseguir nos
fazer rolar escada abaixo.
Sorri e a olhei por cima do ombro por um momento, só para
garantir que ela veria aquele sorriso. A provocação, mais do que o
humor que havia nele.
— Fui jogador de futebol americano, Sophia, e mantenho
uma agenda de exercícios à altura. Estou acostumado a levantar
mais do que o dobro do seu peso. A única diferença é que meus
pesos da academia não me estapeiam nem testam a porra da minha
paciência.
— Eles também não chutariam suas bolas se você os
deixasse cair — retrucou, a ameaça velada fazendo meu sorriso
aumentar. Decidi continuar naquele caminho, isso a distrairia da
merda que havia acontecido lá fora. Talvez até do que estava
sentindo sobre o que acontecera.
— Se eu te deixar cair, você tem minha permissão pra chutar
minhas bolas, Sophia — ofereci.
Ela ficou em silêncio por um segundo a mais que o normal —
que era nenhum. Obviamente sabia que haveria um "mas" ali.
— Mas — prossegui, voltando a buscar seu olhar por cima do
ombro —, quando eu conseguir te levar sã e salva ao seu
apartamento, você vai me dar o que eu quiser.
Um esboço de sorriso tentou se formar em seus lábios, mas
ela os pressionou, sem querer ceder espaço a ele. Ainda assim,
suas covinhas ficaram muito evidentes.
— Essa é sua forma de tentar me fazer implorar por um
beijo? Ou de me convencer a te deixar me tocar? — Ela cruzou os
braços e arqueou uma sobrancelha. — Porque é bem patética.
— Quem está levando a coisa pro lado sexual é você —
deixei claro. — Estou até começando a achar que não consegue
parar de pensar em mim desse jeito.
Ela bufou com desdém, então revirou os olhos.
— Você é um arrogante mesmo.
Dei de ombros.
— Vamos logo. Na pior das hipóteses, nós dois rolamos
escada abaixo com você me xingando e, no fim, ainda poderá
chutar minhas bolas.
— Você vai me deixar gravar o momento em que meu pé
encontrar suas joias pomposas.
Eu ri, dando-lhe as costas quando ela se aproximou.
— Rolar quatro lances de escada é um preço aceitável então,
se puder me chutar?
Sophia envolveu os braços ao redor do meu pescoço e
hesitou por um instante suspenso, quando aquela descarga de
eletricidade nos atingiu de novo. Seu hálito morno tocou o lóbulo da
minha orelha em sua resposta rouca:
— Sim, quero fazer isso há meses e vou poder rir de você
pelo resto da vida se tiver o vídeo.
Sua perna esquerda enlaçou minha cintura por trás e agarrei
sua coxa antes de ajudá-la a fazer o mesmo com a direita. Com um
impulso final, Sophia estava sobre mim, seus seios sendo
esmagados contra os músculos das minhas costas, o corpo macio e
gostoso me circulando, os lábios perto demais do meu ouvido, com
a respiração irregular arrepiando minha pele e mexendo com a porra
da minha mente. Precisei de alguns segundos para absorver tudo
aquilo. Para conseguir reagir.
— Quer desistir? — ofereceu.
De alguma maneira, não pareceu uma provocação.
— Não — falei, apertando suas coxas, que eu ainda
sustentava à minha volta. Sophia ofegou ao meu ouvido, o interior
das pernas se contraiu uma vez em meu entorno, em resposta à
força do meu agarre. Meu pau pulsou.
Puta merda.
Ele não devia estar respondendo a esse movimento
involuntário e inocente. Ou à certeza de que Sophia também estava
sendo afetada por essa proximidade. Não devia mesmo, porra.
Não aqui, não agora.
Engoli com dificuldade e tomei fôlego para começar a subir
os degraus.
Apesar do que meu pau queria, eu estava determinado a
manter minha mente focada apenas no fato de que Sophia estava
ferida e eu precisava levá-la ao seu apartamento o mais rápido
possível, contudo, não demorei a reconhecer a tortura que seria
fazer isso com nossos corpos se esfregando. Mais do que o seu
calor, cada roçar das nossas peles me perturbou, me tornou
superconsciente dela, de mim. De nós dois juntos.
Em algum momento, perdi a noção do lance de escada que
percorria, meu pau dolorido e inchado por todos aqueles estímulos.
Por Sophia. A sanidade se tornou apenas um fantasma distante,
que se afastava mais a cada segundo que passava.
Seus braços me apertaram um pouco mais forte à medida
que seu rosto se aproximava devagar, para inspirar lentamente o
perfume dos meus cabelos. Arrepios se arrastaram pelo meu corpo,
erguendo os pelos da minha nuca e fazendo meu coração socar o
peito, no mesmo ritmo louco do seu. Apertei a carne macia das suas
coxas com mais força e seu ofego baixinho em resposta me
desestabilizou. Acho que fiquei zonzo com o aumento da pressão
das suas pernas à minha volta, me prendendo com força, como se
eu pudesse fugir a qualquer momento.
No instante em que seus lábios tocaram minha orelha e eu
senti a pontinha dos seus dentes roçar o lóbulo, cheguei à porra do
meu limite. Estaquei no patamar da escada, instável, arfando. Pelo
esforço físico e pelo mental. Ela também tinha a respiração rasa,
como se soubesse que havia sido pega no flagra.
Movi minha cabeça até onde pude e foi bastante para ver seu
semblante corado, seus lábios rosados e úmidos, mas não para
beijá-la. Respiramos o mesmo ar carregado de tensão e
expectativa, seu hálito doce me atingiu e a necessidade de beijar
sua boca, que havia me consumido por toda a tarde desde que
torturei a nós dois no meu carro, só aumentou. Se tornou
insuportável.
Não consegui mais resistir.
Soltei sua perna boa e girei entre seus braços para encará-la
de frente, suas costas atingiram a parede mais próxima e a cobri
com meu corpo um instante depois.
Sophia prendeu o fôlego, surpresa, talvez assustada com a
rapidez dos meus movimentos e o fato de que eu estava muito mais
perto agora, com meu pau duro praticamente encaixado ao interior
das suas coxas e sua boca a uns centímetros insignificantes da
minha.
Ela engoliu em seco, os olhos negros levemente arregalados.
Por um segundo, achei que me afastaria, mas não o fez, apenas se
agarrou ao meu blazer, me mantendo perto.
— O que está fazendo, Sophia? — perguntei, num sussurro
rouco e próximo demais da sua boca. — Está me provocando? Está
tentando esquecer o que houve lá embaixo com aquele filho da
puta?
— Faz diferença? — Nossos lábios se roçaram por entre
suas palavras e precisei de muita força de vontade para não morder
e chupar os seus naquele momento. — Desistiria de me beijar em
algum desses casos?
Meneei a cabeça em negativa, perdendo a porra do controle
a cada segundo que passava. Envolvi seu pescoço com a mão,
exercendo a pressão que me permitiria manipulá-la como bem
quisesse. Sophia arfou quando a segurei mais forte.
— Então por que quer saber isso? — indagou, por entre a
respiração alterada.
— Preciso saber se vou te fazer esquecer aquele filho da
puta ou pagar por me deixar de bolas roxas.
Ela riu contra minha boca, baixinho, só para mim. O som
vibrou em meu peito.
— E se eu disser que apenas não consegui ficar quieta?
— Aí eu teria certeza de que está com tanto tesão quanto eu.
Sophia sorriu e emitiu um gemido quase inaudível quando
mordisquei seu queixo, o canto dos seus lábios. Provocando,
torturando a nós dois.
— Ainda assim, nunca vou implorar por você.
— Nunca?
Prendi seu lábio inferior entre os dentes.
— Nunca, Caldwell.
Grunhi, intensificando o aperto em sua garganta.
— Isso vai mudar, Sophia… eu também sou muito
determinado.
Como dois imãs que se atraíam e repeliam simultaneamente,
nossos lábios se uniram com violência antes de se afastarem como
se competissem por algo que o outro não estava disposto a dar.
Uma e outra vez, num roçar provocador e angustiante. Era uma
disputa de desejo. Uma briga acirrada entre tesão e orgulho. Quem
cedesse primeiro, perderia.
Fiz a escolha por nós dois.
Eu a agarrei pelos cabelos e esmaguei seus lábios com os
meus, tomei sua boca, seu fôlego e a fiz esquecer a porra do
orgulho.
Não cedi. Tomei o que queria e a obriguei a lidar com isso.
Ela gemeu, lutou contra o meu domínio, mas seu corpo
amolecia mais a cada investida da minha língua em sua boca, a
cada puxão forte que eu exercia sobre seus cabelos para mantê-la
sob meu controle.
Deslizei a mão por sua coxa, apertando-a conforme me
acomodava no interior de suas pernas, nós dois gememos quando
pressionei meu pau em sua boceta. Simulando a investida que eu
queria estar fazendo de verdade, para dentro do seu corpo perfeito.
Mesmo com todas as peças de roupa que nos distanciavam,
o prazer nos atingiu como uma descarga intensa, suficiente para
afastarmos nossas bocas e nos concentrarmos naquela fricção
deliciosa, em nos movermos juntos para praticamente foder ainda
vestidos, num lance de escadas em que poderíamos ser pegos a
qualquer instante.
— Como pode ser tão gostosa, porra — rosnei, afundando o
rosto em seu pescoço, beijando a pele arrepiada e cheirosa. Eu já
estava viciado em seu gosto doce, louco para provar também o
sabor da sua boceta.
Sophia apoiou uma das mãos em meu peito e recostou a
testa nele, ofegante. Devia ser uma visão ainda mais linda sob mim
numa cama. Nua em pelo. Suada, molhada. Minha para ser comida
e venerada. Beijada em cada canto, cada dobra, cada proeminência
macia.
Caralho.
Meu pau inchou ainda mais e precisei investir mais forte.
Sophia abafou um grito mordendo meu peito e levou sua mão livre
para minha nádega, puxando-me contra o seu corpo, buscando o
contato que só teríamos nus.
Ela tinha que estar vestindo a porra de uma calça jeans, não
é?!
Apalpei um dos seus seios e ela perdeu o fôlego que já
parecia estar escasso. Baixei sua blusa o bastante apenas para
alcançar o mamilo duro e Sophia choramingou desconsolada
quando o apertei com força, girando-o entre os dedos, consciente
de que provocava prazer, mas também dor.
Um espasmo atravessou sua boceta e atingiu também o meu
pau. Grunhi, cerrei os dentes num esforço sobre-humano para não
gozar na cueca.
Voltei a puxar seus cabelos até forçá-la a erguer o rosto para
mim de novo. Beijei sua boca, mordisquei seus lábios.
— Preciso comer você — declarei, rouco demais.
— E eu preciso gozar, Caldwell — retrucou, ofegante. —
Você vai me dar o que eu preciso.
Não foi um pedido. Foi a porra de uma ordem, uma exigência
que eu me vi louco para cumprir porque havia poucas coisas mais
sexy que uma mulher exigindo o orgasmo que só eu poderia dar.
E não havia nada mais sexy que Sophia me chamando assim
e mandando que eu a fizesse gozar.
Eu também precisava descobrir como ela ficava enquanto
gozava.
Um burburinho de vozes femininas se fez ouvir à distância
nas escadas. Tensão se instalou no corpo feminino pressionado ao
meu, mas não permiti que ela se afastasse como eu tive certeza de
que tentaria.
— Você vai gozar — avisei, ao que ela negou com a cabeça,
o olhar arregalado indo até as escadas por reconhecer que estavam
se aproximando.
Seu peito subia e descia com o coração trovejando quando
abri o zíper da sua calça e a baixei. Sophia não tentou me impedir
quando enfiei a mão em sua calcinha com dificuldade, seu corpo
inteiro se contraiu sob meu toque no momento que encontrei a
boceta encharcada, macia em cada maldita dobra. Salivei
imediatamente ao senti-la.
— Vai gozar porque eu estou mandando, porra — rosnei,
num sussurro rouco.
— Seu filho da… — Enfiei dois dedos em seu interior e
Sophia deixou de lado qualquer insulto para gemer de prazer. Suas
unhas fincaram em meu peito.
Ela começou a rebolar nos meus dedos bem devagar, como
se já nem conseguisse controlar o próprio corpo.
— Depois também vai me deixar chupar essa boceta, Sophia.
Vai me deixar lamber cada gota desse mel gostoso que tá
escorrendo pela minha mão agora.
Ela voltou a me encarar, fúria e prazer duelando naqueles
olhos negros brilhantes, sem ar, pressionando os lábios com força
para não gemer, não me deixar saber o quanto estava gostando de
ser tocada por mim, quando seu corpo tremendo e a boceta
palpitando já me diziam tudo o que eu precisava saber.
O burburinho de vozes na escada se tornou mais nítido e me
deu certeza de que ao menos duas mulheres estavam subindo.
Não perdi tempo com mais provocações, apenas estoquei os
dedos e estimulei seu clitóris por dentro e por fora a cada investida.
Não fui com pressa, nem agi como um tolo inexperiente, havia um
jeito certo de foder uma mulher com os dedos e tinha muito mais a
ver com firmeza, pressão e o ritmo dela, que com qualquer outra
coisa. Não demorei a encontrar o que fez esta em específico
amolecer contra mim e contrair seu interior com força, me sugando
mais fundo.
Sophia choramingou quando investi mais forte, deslizando
para dentro e para fora num ritmo que também me deixou na porra
do limite, só por imaginar meu pau fazendo aquilo, se enterrando
nela daquele jeito.
O ar escapou por entre seus lábios deliciosos nos sussurros
sem sentido que os abandonavam a cada investida. Sorri e a beijei
ao perceber que ela estava me xingando em espanhol, puta comigo,
com o próprio corpo, com o que sentia.
As vozes alcançaram o andar abaixo do nosso. Sophia voltou
a entreabrir os olhos e os direcionou para a escada, gemendo
baixinho, arfando, perdida entre o próprio prazer e o medo de ser
pega assim, mas não me pediu para parar, não tentou me afastar
nem acabar com o que fazíamos. Ela estava perto, muito perto, e
quando a tensão tomou seus músculos internos e se arrastou por
todos os seus membros, eu soube que ela havia chegado ao ápice.
Seu rosto bonito se contraiu de prazer e os lábios foram cerrados
para vetar qualquer som. Beijei-os e esperei até o último segundo
para tirar meus dedos e afastar nossos lábios.
As mulheres interromperam a conversa quando nos viram ali,
mas eu já havia acomodado o rosto de Sophia ao meu peito e a
cobria de modo que não veriam sua calça aberta.
Ela estava ofegante e ainda tendo espasmos ocasionais, mas
apenas acariciei seus cabelos e olhei por cima do ombro para ver as
mulheres paradas na metade da escada, nos encarando.
— Boa noite — cumprimentei, sem parar o que fazia ou me
importar em dar uma desculpa para estarmos ali. Elas poderiam
pensar que eu estava consolando uma mulher que atravessava uma
crise de pânico ou que a tinha fodido até ela gozar sem se
preocupar com quem chegava. Eu não me importava. Não viam
Sophia o bastante para saber que era ela comigo.
As duas voltaram a subir as escadas em silêncio e, após
alguns minutos, fiz o mesmo, com Sophia ainda em meus braços.
SEIS
SOPHIA GARCÍA

É isso, Deus, eu enlouqueci.


Essa era a minha única certeza enquanto Liam abria a porta
do meu apartamento. Eu continuava agarrada ao seu corpo, só que
agora de frente, e ele não fizera questão de me soltar nem para
destrancar a porta. Era tão grande, forte, duro… tinha mesmo
conseguido me carregar por todo aquele tempo sem reclamar e nem
parecia querer me soltar, se o modo como seu braço me envolvia e
seus lábios deslizavam pelo meu pescoço num carinho sutil fosse
um indicativo.
Eu continuava com a respiração meio ofegante, acho que
ainda não tinha me recuperado completamente do orgasmo. Talvez
todos aqueles meses sem gozar tivessem tornado aquele momento
ainda mais intenso. Talvez esse desgraçado fosse realmente muito
bom em foder. O fato era que eu me sentia destruída. Sem forças
mesmo. Estava ferrada, não é? Praticamente dei pro irmão da
minha melhor amiga. O que diabos eu tinha na cabeça?!
Liam ligou as luzes e fechou a porta às nossas costas com o
pé, então estacou diante da minha sala.
Talvez aqui as coisas começassem a ficar estranhas.
— Qual a porta do seu quarto? — perguntou em meu ouvido,
sua voz continuava baixa e rouca, mas, de alguma maneira, eu
soube que não havia malícia em sua pergunta. Ainda assim,
demorei alguns instantes para responder, e ele esclareceu: — Você
precisa trocar essa roupa e tirar a porra desses saltos. Seu
tornozelo está inchado. Precisa de um analgésico e de gelo.
Grunhi.
— A mais próxima da janela — informei e ele seguiu para o
lugar que eu indicara.
Em poucos segundos, Liam me depositava sobre a cama e
se ajoelhava aos meus pés.
— Não vai fingir que nada aconteceu, não é? — indagou,
focado em abrir a fivela do meu salto. — Ou agir como se eu fosse
um filho da puta e me expulsar a pontapés.
Seu tom sarcástico me fez sorrir.
— Você acha que está lidando com uma garota imatura,
Caldwell? — inquiri, com a sobrancelha arqueada de modo que ele
sorriu quando me encarou. Seu rosto estava quase à altura do meu,
mesmo que ele estivesse de joelhos. — Sou uma mulher. Sei lidar
com as consequências do que faço.
— Ótimo. — Ele retirou com cuidado meu pé do sapato. —
Será que pode lidar com as consequências de repetir o que
fizemos?
Meneei a cabeça, sem acreditar que ele estava sendo tão
direto e imoral. Por que eu estava sorrindo, meu Deus?!
Eu enlouqueci mesmo, não foi?
Não suportava esse homem e não queria me envolver com
alguém como ele. Não queria ninguém na minha vida agora,
especialmente quando José continuava no meu encalço.
Mas eu queria voltar a transar. Queria alguém capaz de me
fazer gozar. Estava frustrada com os homens e o sexo por isso, mas
esse capullo já tinha provado que conseguiria me dar prazer. E
orgasmos. Orgasmos muito intensos.
Poderíamos acabar de uma vez por todas com essa tensão
sexual mal resolvida entre nós desde a nossa primeira discussão.
Porém, ele ainda é um babaca arrogante, teimoso…
irritante… insuportável… intenso.
Sufocante.
E você o odeia, Sophia.
Não é?!
— O que exatamente está me oferecendo? — indaguei,
porque era prática. Queria saber no que me meteria se aceitasse
repetir aquilo.
— Você está procurando algo além de sexo? — ele devolveu
a pergunta.
Fiz uma careta.
— Não.
— Então não vamos ter nada além disso. — Liam voltou sua
atenção ao meu pé dolorido e precisei entrecerrar os dentes para
não emitir nenhum gemido quando o apoiou em sua coxa e
começou a abrir a outra fivela. O inchaço não parecia preocupante e
meu tornozelo também não estava roxo. Gelo e um analgésico
realmente seriam suficientes. — Vai querer que alguém saiba sobre
nós?
— Não — respondi, talvez rápido demais, porque ele ergueu
os olhos para me encarar, e eles se semicerraram devagar. Sorri.
Era óbvio que ele se sentia ofendido por isso.
— Teria vergonha de falar que está comigo? — inquiriu, e seu
tom sério me deu certeza de que minha negação veemente havia
atingido algum nervo sensível. — Ou que descobrissem que um
capullo que mais parece um cão raivoso está te fazendo gozar e
gritar de prazer?
Foi minha vez de estreitar os olhos.
— Você não me fez gritar — deixei claro.
— Ainda.
Meneei a cabeça em negativa. Não queria que meu corpo
tivesse respondido a essa promessa velada, mas ele respondeu. O
traidor.
— Não quero que ninguém crie expectativa sobre nós. Nunca
seríamos mais do que um caso.
— É mesmo?
— Sim.
— E por quê?
— Não nos suportamos. Estamos trabalhando juntos há
pouco tempo e já perdi as contas de quantas vezes quis esganar
você. Além disso, pessoas como você e eu não vivem no mesmo
mundo e eu sinceramente desprezo o mundo em que você vive e as
pessoas arrogantes que estão nele, o que, sim, inclui você em
alguns momentos. Sem ofensas.
Ele sorriu e, de alguma maneira, acho que seus olhos cor de
uísque brilharam.
— Desprezo é uma palavra bem forte — comentou.
Eu sabia que era, e também que havia exceções como Liz e
Blake, mas não voltei atrás na escolha, apenas continuei:
— Você passaria o resto dos seus dias resmungando por
minha causa e eu provavelmente me sentiria sufocada com você.
— Por que acha que eu te faria sentir sufocada?
Hesitei.
Eu já havia dito a ele que sufocava a Liz, mas não pareceu
apropriado nesse momento.
— Você é controlador, Caldwell — respondi, por fim. — Eu
não nasci pra ser controlada nem podada por ninguém. Muito
menos por um homem. Ou pelo mundo em que ele vive.
A intensidade do seu olhar naquele momento me fez desviar
a atenção.
Expirei profundamente e concluí com o óbvio, só para
dissipar aquele clima.
— E nós nos mataríamos.
Acho que ele sorriu e concordou com um aceno.
— Okay, então. Ninguém precisa saber.
— Como isso funcionaria?
— Podemos transar loucamente até saciar essa vontade
inegável que temos um do outro.
— Então, quando enjoarmos, fingimos que nada aconteceu?
Ele deu de ombros.
— Se você preferir.
— Eu prefiro. Não vamos complicar as coisas.
A sombra de um novo sorriso curvou seus lábios.
— As coisas só vão se complicar se você se apaixonar por
mim, Sophia.
Eu ri. Com gosto.
— Rá! Você não cansa de ser ridículo, não é, Caldwell? —
devolvi, acenando em negativa, ainda sorrindo. — Eu nunca me
apaixonaria por você.
Liam se inclinou em minha direção, ajoelhado entre minhas
pernas, de modo que seu rosto voltou a ficar a poucos centímetros
de distância.
— É mesmo?
Concordei com um meneio de cabeça.
Meu coração socou as costelas em resposta àquela
proximidade e só faltou saltar para fora quando Liam pressionou sua
boca à minha devagar. Uma vez… então duas… e três. Em
diferentes ângulos, encostando nossos lábios, chupando os meus
com uma suavidade torturante, mordendo-os daquele jeitinho
gostoso que me fazia sentir pontadas no baixo-ventre.
— Então isso aqui é só tesão, não é?
— Uhum — emiti, porque isso era tudo o que ele conseguiria
arrancar de mim nesse momento, já estava meio fora de órbita.
— Acho que você está certa — ele disse, envolvendo meu
rosto com uma mão, sem conseguir deixar de me beijar. — Eu
também nunca me apaixonaria por uma bruxinha teimosa e irritante
como você.
Sorri em sua boca.
— Ótimo. Nenhum perigo de complicarmos as coisas então.
Liam rosnou algo incompreensível, aprofundou o beijo e
tomou mais do que minha língua para si. Fui tomada inteira, da
ponta dos pés que se curvavam de prazer aos fios de cabelo
arrepiados pelo mesmo motivo. Não tive chance de lutar, nem sei se
quis. Esse capullo beijava tão bem que era impossível escapar do
domínio que já exercia sobre minha boca.
Quando ele afastou os lábios, estávamos os dois ofegantes.
Precisamos de algum tempo para nos recuperar. Então me esforcei
para voltar ao assunto que interessava.
— Nos encontraríamos em algum lugar? Porque minha casa
está fora de cogitação. Eu não trago homens para cá e não quero
correr o risco de a Liz te ver saindo daqui.
— Não estou usando meu apartamento agora, e não teria
problemas em levar você para lá. De qualquer forma, a Liz vai se
mudar daqui em breve. Maverick vai dar um jeito de tirá-la desse
lugar antes que a gravidez avance mais — explicou e, nesse
momento, eu percebi o quanto saber que Liz continuava morando
aqui o perturbava. — Ela vai precisar ser responsável ao menos
pelo bebê.
Todo o deleite anterior me abandonou no instante em que
ouvi essas palavras.
— Odeia tanto assim o lugar em que vivemos, Caldwell? —
Vi-me perguntando, e não foi uma questão sobre a qual refleti. Ela
apenas saiu. — E as pessoas que vivem aqui?
Liam inspirou profundamente e me encarou por alguns
instantes antes de dizer:
— Não odeio esse lugar ou as pessoas que vivem nele,
Sophia. Odeio que seja tão perigoso, odeio saber que minha irmã
mais nova está insegura, odeio saber que não sou capaz de
protegê-la enquanto está aqui. Não sei o que seria de mim ou da
mamãe se algo acontecesse à Liz.
Franzi a testa.
Ele prosseguiu:
— Ninguém vive num bairro perigoso porque quer. Ninguém
vive tão perto da miséria porque quer. As pessoas fazem isso
porque precisam. Porque não têm escolha. Eu não seria estúpido a
ponto de odiar ou julgar alguém por isso. A questão é que a Liz tem
escolha, sempre teve. Ela nunca precisou estar aqui, Sophia.
— Talvez não por questões financeiras — argumentei, porque
acreditava que ele nunca tinha pensado de verdade nisso. Uma
parte de mim achava que ele nunca entenderia o que havia trazido
Liz para cá, para viver com o suor do próprio trabalho, longe da
família; ou o que havia me feito sair do México com um namorado
que hoje eu sabia ter sido abusivo.
Às vezes você só precisa respirar longe do lugar que te
sufoca, às vezes precisa saber que é capaz de dar a si mesma o
que nunca teve. Às vezes ter certeza de que há algo melhor para
você nesse mundo, independente das dificuldades que precise
enfrentar, é tudo o que você precisa.
Liam me encarou em silêncio, com uma intensidade que,
mais uma vez, me desconcertou.
— Você também precisou vir para cá por questões não
financeiras? — perguntou. Eu me limitei a responder com um aceno,
embora não estivesse falando desse bairro em específico. — Por
causa daquele filho da puta lá embaixo?
Hesitei.
Por um segundo, todos os últimos anos da minha vida
passaram pela minha mente. Desde que dei as costas para o meu
pai e irmãos e saí do México com José. Todo o tempo que moramos
juntos em Nova Iorque enquanto fiquei sob sua proteção. Até a mãe
dele descobrir sobre mim e fazer questão de ir jogar na minha cara
que seu filho estava noivo há anos e não voltaria atrás naquele
acordo por causa de uma prostituta latina.
Porque era assim que ela me via, não é? Uma prostituta
disponível para quando seu filho quisesse, a aproveitadora que
poderia estragar seus planos de uni-lo a alguém da sua classe, a
latina sedutora que queria crescer na vida à custa do seu pobre e
inocente menino. Não a garota ingênua que ele tinha tirado do
próprio país jurando amá-la e protegê-la, não a tola inconsequente
que achou que tinha o apoio dele para finalmente estudar, não a
estúpida que tinha sido enganada por anos, acreditando que o amor
da sua vida passava semanas longe de casa porque estudar em
Harward era difícil, mas tudo melhoraria quando ele se formasse e
pudesse apresentá-la aos pais.
Não, para aquela mulher, eu era só a prostituta latina do seu
filho.
— Em partes — finalmente respondi.
— Então você o conhecia mesmo. Por que não quis
denunciá-lo?
Voltei a encará-lo naquele momento, cogitei esconder a
verdade, mas não vi motivos para isso. Não tinha vergonha da
minha condição. Se tivesse uma opção, não continuaria como
estava.
— Não posso denunciá-lo. Estou nos Estados Unidos de
forma ilegal, Caldwell. Meu visto de turista venceu há anos. Se eu
for parar numa delegacia, estou ferrada. Em vez de tirarem aquele
desgraçado do meu pé, vão me tirar desse país.
Sua falta de resposta me fez esclarecer, logo em seguida:
— Já pensei em preencher o formulário para solicitar o visto
de permanência, okay? Mas minhas chances são ruins o bastante
para eu reconhecer que ficar quieta no meu canto é o melhor que
posso fazer no momento.
Ele engoliu em seco, obviamente não sabia o que dizer.
— Podemos voltar ao assunto anterior? — pedi. — Já
divagamos demais.
Com um suspiro, ele pousou lentamente meu pé descalço
sobre o assoalho gelado e se ergueu.
— Você tem uma caixa de primeiros socorros?
— No banheiro.
— E ele é…?
— Atrás da porta ao lado do quarto.
Ele concordou com um aceno e saiu sem dizer mais nada,
então voltou segundos depois com minha caixa nada discreta. Eu já
estava focada no inchaço do meu pé.
— E uma bolsa para colocar gelo?
— Primeira gaveta da mesa de cabeceira — respondi.
Pelo canto dos olhos, notei Liam abrir a gaveta que eu havia
indicado. Demorei três segundos para lembrar o que mais eu
costumava guardar naquela droga de gaveta, mas era tarde, ele já
estava congelado diante dela.
— Pegue a bolsa e feche essa gaveta — mandei, um pouco
alto demais. Ainda assim, me forcei a manter a compostura. Não
havia motivo para me envergonhar. Eu era uma mulher adulta e
tinha todo direito de me dar prazer como bem entendia.
— Sophia… — ele iniciou, num tom provocador que quebrou
de uma vez o clima de merda que a conversa anterior havia trazido.
— Pra quê você precisa de tantos vibradores? Quantas bocetas
você tem pra…
— Cala a boca, Caldwell.
Ele me encarou por cima do ombro. Sorrindo. Merda. O filho
da puta tinha um sorriso lindo.
Liam pegou a bolsa que precisava.
— Estou realmente curioso. Precisa de tantos?
— Sim — respondi, simplesmente. Ele não precisava saber
que esses vibradores eram presentes que eu ganhava de algumas
marcas por causa dos cursos sobre sexualidade feminina que havia
dado. — Há coisas que só um vibrador pode fazer por uma mulher,
Caldwell.
Seu sorriso ficou maior.
— É mesmo?
Acenei, odiando a mim mesma por não conseguir ocultar meu
próprio sorriso.
Sob meu olhar atento, ele saiu meneando a cabeça em
negativa, provavelmente para encher a bolsa com o gelo.
Enquanto o aguardava, tive tempo suficiente para limpar os
ferimentos nas minhas mãos e me dar conta de que Liam Caldwell
estava mesmo no meu apartamento, cuidando de mim. Essa
percepção me fez interromper a respiração e voltar a encarar a
entrada do quarto. Um rebuliço estranho revirou meu estômago. Me
deixando inquieta. Cheguei a cogitar dizer a Liam que eu poderia
cuidar de mim mesma a partir dali.
Por um lado, eu não queria que ele fizesse nada disso por
sentir que precisava ou porque tinha pena de mim; por outro,
comecei a me sentir estranha. Desconfortável. Não lembrava
quando tinha sido a última vez que eu havia recebido cuidados. E
perceber que alguém estava fazendo isso agora, por algum motivo,
me incomodou.
No entanto, todos esses pensamentos ficaram de lado
quando ouvi um xingamento alto na sala e, dois segundos depois,
um Liam vermelho entrou no meu quarto apressado e resmungando.
A porta foi fechada às suas costas com um baque forte.
— O que houve?!
Ele só precisou erguer a mão à frente do semblante irritado
para eu compreender. Um arranhão longo e profundo atravessava o
dorso. Um filete de sangue respingava da ferida.
Eu juro que não queria, mas não consegui me impedir de
sorrir.
— Como infernos você dorme à noite sabendo que tem um
gato com tendências assassinas perambulando pela sua casa,
porra?!
Precisei trazer a mão à boca para abafar meu riso.
— Alfredo me protege, Caldwell. Ele só avança em alguém
que julga perigoso para mim.
Ele estreitou os olhos, puto. Eu quase podia ver fumaça sair
de seus ouvidos.
Meu sorriso aumentou.
— Sou inofensivo perto desse gato maldito!
— Vem aqui, Caldwell — chamei. — Tenho antisséptico.
Posso fazer um curativo.
Alfredo miou ameaçadoramente fora do quarto.
Liam ainda encarou a porta às suas costas enquanto
caminhava até mim resmungando.
— Porra de gato maldito.
SETE
LIAM CALDWELL

Caldwell, temos um imprevisto.

Franzi a testa ao ler a mensagem de Sophia pela barra de


notificação do celular.
Passei uma toalha nos cabelos úmidos do banho recém-
tomado e me sentei sobre a minha cama vestindo apenas a toalha
enrolada à cintura. Junto da mensagem, ela havia enviado uma foto,
mas precisei abrir nossa conversa para vê-la.
Uma selfie dela toda sorridente ao lado da minha nonna me
surpreendeu e, antes que eu conseguisse digitar uma resposta, ela
explicou:

A Liz ficou com medo de nos matarmos de verdade depois


que nos viu discutir aquele dia no hall do prédio e pediu pra sua
nonna nos ajudar a concluir os preparativos da festa.
Meneei a cabeça em negativa, sem saber que merda dizer.
Depois de dias sem ver Sophia por precisar fazer uma viagem de
emergência para o Canadá, eu estava ansioso para encontrá-la.
Sozinho. Tinha até mandado que arrumassem meu apartamento
para levá-la para lá, já que o seu estava fora de cogitação e eu não
a levaria numa droga de motel.
Estava subindo pelas paredes desde que a fiz gozar e
continuei duro naquela droga de escadaria. Ficar lembrando dos
gemidos e da expressão de prazer no rosto dela também não tinha
me ajudado em nada. Tampouco aquele seu sorriso provocador e a
pintinha maldita que eu tinha visto de novo enquanto cuidava dela
em seu apartamento e ela fazia aquele curativo em minha mão. Eu
não tinha desviado o olhar. Agora sabia que, por algum motivo, ela
escondia aquela pintinha com maquiagem.

Daqui para frente, sua nonna estará conosco até a festa, o


que é ótimo, porque estamos muito atrasados e a festa será em
alguns dias.

— Isso não é ótimo nada, porra.


Sophia me enviou outra foto com a nonna, ambas erguendo
dedos em riste para a câmera, fingindo estar sérias. A legenda me
fez rir contra minha vontade.

Agora somos duas pra te impedir de fazer algo brega.

Meneei a cabeça em negativa, sem conseguir parar de rir ou


acreditar que Liz havia colocado a nonna nisso. E que Sophia já
parecia tão confortável e cúmplice dela.
Elena Bianchi não era nossa avó de sangue. Ela havia
adotado a mim e aos meus melhores amigos na nossa
adolescência. Era uma senhorinha de cabelos branquinhos e sorriso
gentil que nos teve na palma de suas mãos em nossos piores anos.
Fora a avó postiça perfeita, sempre preocupada e disposta a nos
encher de comida e dos melhores conselhos, além de ser carinhosa
e ter sempre um jeitinho doce de conseguir o que queria. Era
impossível não a amar. Depois da minha mãe, a nonna era a mulher
em quem eu mais confiava no mundo. O único problema? Ela era
uma romântica incurável, sempre quis ver os caras e eu casados, e
praticamente já havia conseguido fazer isso com dois de nós.
E nem fodendo eu seria o terceiro.
Não estava disposto a me submeter à porra de um
casamento. Não traria qualquer uma para minha vida e a vida da
minha família, principalmente quando quase havia caído nessa
cilada anos atrás e hoje reconhecia que estávamos rodeados de
interesseiros e aproveitadores.
Eu sabia que estava com uma corda no pescoço graças ao
casamento que Alexander conseguira para Sarah. Ele a faria se unir
a um dos conselheiros e todos já reconheciam que seu apoio na
votação para escolha do novo presidente seria desse desgraçado, o
que me colocava numa situação ainda pior.
Não queria um casamento e não estava disposto subornar
ninguém em troca de votos. Me recusava a ser um filho da puta
como Alexander, mas não podia perder os negócios da família.
Eu estava fodido.

Só cheguei em casa há uma hora. Meu motorista estará no


seu prédio em alguns minutos e levará vocês ao restaurante.
Encontro as duas lá para escolhermos o buffet.

Após visualizar minha mensagem, Sophia enviou um “Okay”.


Larguei o telefone na cama e segui para o meu closet. Estava
exausto, mas não podia deixá-las sozinhas com a responsabilidade
sobre a festa da minha sobrinha. Não havia dormido porque
precisara analisar alguns documentos na madrugada e as poucas
horas de voo tinham servido para isso.
Tomei o tempo de que precisava para me preparar e o
arranhar de unhas caninas na porta do quarto me chamou atenção
enquanto eu terminava de pentear os cabelos. Sorri. Abri a porta em
poucos segundos e Hefesto saltou em minha direção, latindo e
abanando o rabo como o garoto leal e afetuoso que era.
— Eu também senti sua falta, amigão — declarei, esfregando
sua cabeça e o pelo negro sedoso do seu corpo forte e grande.
Hefesto era a porra do Dobermann mais esperto do universo e
ninguém poderia negar isso.
Ele latiu e me ajoelhei à sua frente para abraçá-lo. Era bom
vê-lo animado com a minha chegada. Desde que havíamos nos
mudado para a casa de mamãe, há mais de um mês, ele parecia
estar sempre entediado, especialmente porque tive que abrir mão
das nossas caminhadas matinais.
— Prometo que vamos passear no Central Park no fim de
semana — falei, enquanto me levantava. Ele emitiu um resmungo
de concordância e me vi sorrindo novamente. — Mas, agora, eu
preciso sair, okay?
Suas orelhas se abaixaram, em desânimo. E eu me senti um
merda. Com todas as preocupações relacionadas à Liz, à mamãe e
às empresas, eu estava negligenciando justamente quem
continuava leal a mim mesmo depois de anos.
— Me desculpe, garoto — pedi, sincero. Podia parecer
loucura, mas eu sabia que ele me entendia.
Após vestir meu blazer e pegar o celular, saí do quarto ainda
acariciando suas orelhas e ele caminhou comigo lado a lado, até
ouvir a voz de um dos funcionários da casa no andar de baixo e
disparar pelo corredor.
Bufei, observando-o inconformado. Não gostava de saber
que ele estava me trocando assim.
Conferi as horas no relógio e, ao perceber que se passava de
dez da manhã, cogitei a possibilidade de mamãe já estar acordada.
Parei à frente da porta do seu quarto, mas ainda hesitei diante dele
por alguns instantes.
Mamãe era o motivo de eu praticamente ter movido minha
vida de volta a essa casa. Achei que vir para cá seria suficiente para
tirá-la da cama, mas nem minha presença nem as tentativas de
ajudá-la a sair desse quarto estavam surtindo efeito. Mesmo após
iniciar um tratamento psicológico a meu pedido, ela só deixava esse
quarto para isso. E com muito esforço.
Tomei um fôlego profundo antes de dar três batidas na porta.
Sabia que dificilmente teria uma resposta, mas ainda assim
aguardei.
Quando sua resposta não veio, girei a maçaneta e a abri.
O aperto desconfortável e já familiar retornou ao meu peito
quando a iluminação do corredor invadiu o quarto escuro até
alcançar a cama de dossel. A silhueta pequena de mamãe estava
imersa em lençóis brancos de seda. Deitada, pálida, escondida,
perdida na escuridão. Como tinha estado nas últimas semanas.
Exalei profundamente.
Eu já não sabia o que fazer para ajudá-la. E sinceramente
essa era a primeira vez que experimentava um sentimento de
impotência tão pungente. Eu estava odiando cada segundo dessa
sensação, cada segundo em que via minha mãe desse jeito. Cada
porra de comentário especulativo que ouvia sobre ela naquelas
malditas festas em que precisava ir para representar nossa família.
Desde que brigou com Liz e ela foi morar sozinha no
Brooklyn há um ano, mamãe só havia decaído. No entanto, nas
últimas semanas, após descobrirmos que Liz estava grávida, ela
parecera atingir um abismo do qual não conseguia sair. Era como se
o medo de perder minha irmã a tivesse paralisado.
E o pior? Ela me fizera prometer que não contaria à Liz sobre
estar mal assim.
Devagar, talvez por causa da claridade que agora iluminava a
cama, seus olhos claros se entreabriram, mas não demorou a
reconhecer minha figura alta e larga parada na porta.
— Querido, está tudo bem? — indagou, baixo. Sua voz rouca
e os olhos inchados denunciando o choro recente.
Acenei de modo conciso e adentrei o quarto, sem me
importar em fechar a porta. Isso me obrigaria a ligar as luzes e eu
sabia que ela não iria se sentir confortável. Passei uma das mãos
pelo cabelo negro bem penteado e empurrei uma mecha para trás
da orelha. Inseguro demais para um homem com o meu tamanho e
idade.
— Como a senhora está? — iniciei, sentando-me ao seu lado
na cama.
— Estou bem. É apenas a enxaqueca de novo — mentiu. —
Para onde vai tão bem-vestido?
— Sempre estou bem-vestido — lembrei-a, num tom
arrogante que fez a sombra de um sorriso cruzar seus lábios. — Vou
resolver algumas coisas.
Nos últimos dias, eu havia relutado em contar a ela que
estava organizando a festa da minha sobrinha. Que ela teria uma
netinha em breve. Comecei a pensar que talvez isso só piorasse
seu estado. Se a gravidez de Liz já a fazia experimentar o terror da
gravidez que tivera anos atrás, a certeza de que Liz também estava
esperando uma menina poderia apenas piorar tudo.
Ou ser o que a ajudaria a encontrar sua redenção, não sei.
Mamãe ergueu a mão para acariciar meu rosto enquanto me
observava. O brilho de orgulho que eu costumava ver em seus olhos
já não estava neles. Havia apenas dor e aquela coisa indizível que
parecia ter roubado sua vontade de viver e deixado no lugar algo
pesado demais para ser carregado.
Envolvi sua mão com a minha e a beijei. Não dissemos nada
por instantes que se arrastaram, apenas nos encarando, no tipo de
conversa silenciosa que tínhamos às vezes. Não compartilhávamos
o mesmo sangue. Eu tinha doze anos quando fui adotado, diferente
de Liz, que tinha cinco, mas o elo que Celina Caldwell e eu
desenvolvemos ao longo dos anos, sobretudo após a morte abrupta
do meu pai adotivo, nos permitia aqueles momentos de silêncio
eloquente. De compreensão e cumplicidade.
Por isso eu sabia que ali, em seus olhos verdes brilhando de
lágrimas, não havia nada além de culpa e do questionamento que
me fizera em todas as vezes que conversamos desde que
descobrimos que Liz estava grávida.
— Ela está bem — garanti. — Forte. Saudável. Todos os
exames estão normais e… — hesitei — a bebê também está bem.
Uma lágrima fina deslizou pela bochecha de mamãe, eu a
limpei com cuidado, mas outra rolou, e mais outra.
— Quando conseguir conversar com ela, a senhora verá por
si mesma — concluí. — Logo, logo terá uma versão sapeca da Liz
perambulando por essa casa e quebrando seus vasos caros.
Mamãe acenou uma vez, no entanto, não conseguiu parar de
chorar. Nem emitir qualquer palavra. E, por saber o motivo,
entrelacei nossas mãos e beijei os nós dos seus dedos magros.
Se eu havia surtado ao descobrir da gravidez da Liz, algo em
mamãe havia se quebrado. Um tipo de barreira frágil que tinha
protegido as feridas que ela nunca conseguira curar. Sua gravidez
traumatizante e a perda de uma filha recém-nascida antes da Liz e
eu sermos adotados. A morte inesperada do amor de sua vida
poucos anos depois.
A verdade era que eu não sabia de todas as feridas que
mamãe continuava a carregar, e muito do que sabia viera dos
burburinhos que costumava ouvir nos eventos dos quais participava,
mas eu estava certo de que essas feridas se relacionavam à
superproteção que dedicava à Liz. Ao seu medo de perdê-la, de não
dar a ela a melhor vida possível. Com todas as coisas incríveis que
minha irmã merecia.
Acho que, em algum nível, mamãe e eu compartilhávamos a
culpa de ter pressionado Liz a ponto de ela ir para longe e, depois,
dividimos também a culpa irracional de ter falhado em garantir que
ela teria tudo merecia, como se a gravidez inesperada com apenas
vinte e um anos fosse impedi-la de alcançar o que quisesse.
— Vocês vão conseguir se resolver — garanti. — Talvez
demore, mas vão conseguir, mamãe. A Liz só precisa entender por
que a senhora se afastou nos últimos meses, por que se fechou e
ficou tão abalada pela notícia da gravidez. A senhora só precisa se
tratar para conseguir conversar com ela sobre tudo isso.
Mamãe não conseguiu responder, apenas desabou de vez,
num choro dolorido que eu não previ. E vê-la assim, de novo, fez um
punho de ferro agarrar meu coração. Cada batida dele latejou em
meu peito como uma dor que eu não seria capaz de remediar tão
cedo.
Acariciei seu rosto e cabelos, numa tentativa falha de acalmá-
la. Quando notei que não surtiria efeito, eu me deitei ao seu lado
sobre os lençóis e a abracei com força.
— Shhhh… — emiti baixinho, apertando-a bem forte, meu
queixo encontrando o topo de sua cabeça. Como havia feito tantas
vezes durante a adolescência, quando a encontrava escondida com
algum porta-retrato de papai, chorando sua perda porque nunca
conseguira superá-la. — Vai ficar tudo bem, mamãe… eu estou
aqui, lembra? A senhora não está sozinha.
Ela não disse nada, apenas pressionou seu rosto ao meu
peito e me abraçou.
Não deixei de confortá-la até mamãe começar a se acalmar.
Até sua respiração se aquietar e as lágrimas cessarem. O que
demorou, muito. E, ainda assim, não consegui deixá-la ali sozinha,
correndo o risco de voltar a se entupir de remédios para dormir. A
primeira e única vez que ela fizera isso, meses atrás, já havia me
traumatizado o bastante.
— Vou pedir que sua psiquiatra consiga um horário para
atender a senhora ainda hoje — avisei.
— Querido…
— Conversar com ela vai ajudar a senhora a colocar para
fora o que está aí dentro — lembrei-a. — Não vai precisar ir sozinha,
mamãe. Eu vou junto. Fico esperando o fim da sessão.
Ela não voltou a argumentar, apenas me abraçou e sussurrou
um “obrigada” baixinho.
Quase uma hora já havia se passado quando deixei seu
quarto para chamar uma das empregadas para ajudá-la a se
arrumar. Pedi também que lhe entregassem uma refeição. Avisei à
Sophia que havia surgido um imprevisto e que eu não poderia
ajudá-la hoje, mas não tive foco suficiente para manter a atenção no
telefone até ela responder. Larguei-o de lado para ligar ao
consultório da psiquiatra e garantir que ela conseguiria atender
mamãe hoje.
Não a deixaria sozinha para lidar com a merda que estava
sentindo. Nunca.
OITO
SOPHIA GARCÍA

— Quer uma carona, Sophs? — Blake Davenport perguntou,


após fechar sua pasta executiva e se erguer da cadeira em que
estivera sentado nas últimas duas horas, prestando orientações
jurídicas a alguns moradores da comunidade que rodeava a ONG.
— Não, o Caldwell virá me buscar. — Expirei profundamente
ao recolher meus próprios formulários da mesa e colocá-los na
minha bolsa. — A festa de revelação do sexo do bebê já é depois de
amanhã e estamos incrivelmente atrasados graças a ele.
O canto dos lábios carnudos do meu amigo se moveu, num
sorriso quase imperceptível de tão sutil.
— Está tão difícil assim trabalhar com ele?
Voltei minha atenção para seu rosto, uma sobrancelha
arqueada numa pergunta silenciosa: eu preciso mesmo responder
isso?
— Não sei como você pode ser um dos melhores amigos
dele — foi o que escolhi dizer. — Se eu o conhecesse há tanto
tempo quanto você, certamente já estaria cumprindo pena por
algum crime cometido contra ele.
Desta vez Blake riu.
— Ele não é tão ruim. O problema é que vocês são muito
parecidos.
— E você está me ofendendo assim de graça por quê?!
Ele meneou a cabeça em negativa, desistindo de argumentar
comigo sobre isso. Podíamos nos conhecer há menos de um ano,
mas Blake era um ótimo observador. Talvez por causa da sua
profissão. Ter se tornado o melhor advogado de Nova Iorque, e um
dos melhores do país, com certeza exigira que ele aprimorasse
aquela habilidade de ler pessoas.
Comigo ao menos, ele fazia isso tão bem que me irritava.
— Ouvi comentários de que seu ex voltou a aparecer aqui na
ONG atrás de você. Ele está te perturbando de novo? — perguntou,
quando começamos a caminhar lado a lado pelos corredores.
O único que realmente conhecia minha situação com José
era Blake. Eu nunca quis preocupar a Liz com isso, nem a trazer
para essa parte bagunçada da minha vida.
— Há alguns dias, ele apareceu na frente do meu prédio —
contei. E só por saber que Blake conseguiria ler em mim até o que
eu não dissesse, concluí: — Estava bêbado, talvez drogado. Acabou
sendo agressivo. Chegou a me empurrar no chão.
Acho que ouvi seu maxilar trincar após minhas palavras. Um
silêncio pesado se instalou entre nós.
Blake não era explosivo, ele sequer costumava demonstrar
emoções, era mais do tipo que intimidava justamente pelo perigo
silencioso que representava às vezes, mas havia sempre uma
vibração intensa e muito característica quando algo o enfurecia ou
inquietava. E eu percebia essa vibração em momentos muito
pontuais, que costumavam envolver os casos de violência
doméstica que chegavam até ele aqui na ONG.
Depois de meses o observando, eu tinha começado a pensar
que era por isso que ele continuava aqui — mesmo consciente de
que uma hora do seu trabalho custava mais dinheiro que muitas
dessas pessoas viam em vida. Algo nesse tipo de caso mexia com
Blake.
— Posso pressionar a família de merda dele — ofereceu ao
alcançarmos a entrada do prédio. Meneei a cabeça em negativa,
recusando essa ideia porque não tinha dúvidas de que a mãe de
José arranjaria um jeito de me deportar se eu a pressionasse de
alguma forma ou ameaçasse seu filho com um advogado. Blake
prosseguiu: — Você sabe que se casar é a maneira mais rápida e
fácil de conseguir um visto de permanência, não é? Se tivesse um
visto, poderia denunciar esse filho da puta.
Revirei os olhos ao ouvir essa sugestão, na minha tentativa
de continuar tratando-a como uma ideia tola, como fazia sempre que
Blake me sugeria isso. Eu não conseguia olhar para um casamento
de forma tão leviana, muito menos me casar com alguém em quem
não confiasse de verdade. Ainda que por conveniência. Além disso,
mesmo que eu nunca fosse capaz de verbalizar, havia uma parte de
mim que desejava uma união real, baseada em respeito, parceria…
confiança. Amor.
Tudo o que eu sabia que minha mãe merecia ter tido. Tudo o
que eu achei que tivesse com José.
Tudo o que nenhuma de nós teve.
Limpei a garganta e me esforcei para assumir um tom irônico
ao responder meu amigo:
— E com quem eu me casaria, espertinho?
Uma buzina alta e irritante soou por toda a rua, chamando
nossa atenção.
Parado no acostamento, num carro caro e ainda mais
luxuoso que o anterior, estava Liam nos encarando com olhos
semicerrados e uma carranca.
Ele saiu do veículo e abriu uma das portas de trás. Logo a
senhorinha doce e gentil que eu havia conhecido no dia anterior
deixava o carro vestida em outro terninho cor-de-rosa. Sorri ao vê-
la.
— Então, o Bradshaw está jogando artilharia pesada em cima
de vocês — Blake disse ao meu lado, sorrindo para nonna, mas não
entendi do que diabos falava. Só sabia que se referia a Maverick,
porque ele e Liam costumavam chamá-lo pelo sobrenome.
— Do que está falando? — perguntei, enquanto
atravessávamos a rua.
— Logo você vai saber — foi o que ele disse, com um sorriso
misterioso antes de ir cumprimentar sua nonna.
Quando a senhorinha se afastou do meu amigo e voltou sua
atenção para mim, sorri. Eu havia passado quase o dia anterior todo
com ela e me arriscaria a dizer que havíamos desenvolvido um tipo
de conexão. Seu sorriso doce e os braços abertos para mim me
deram certeza disso.
Fui em sua direção sem deixar de sorrir. Ela era bem mais
baixa que eu, mas seus abraços já tinham se mostrado tão
quentinhos e amorosos que eu não estava disposta a abrir mão
deles.
— A senhora está bem? — perguntei, inspirando o cheirinho
de morango dos seus cabelos branquinhos. Ao me afastar, observei
bem seu semblante, os olhos azuis e gentis. — Conseguiu
descansar depois da correria de ontem?
— Sim, querida — respondeu, então voltamos nossa atenção
para Blake e Liam, que se afastavam. Franzi a testa ao perceber
que Liam era quem praticamente rebocava o amigo para longe. Meu
desentendimento só aumentou ao ver a carranca que ele continuava
a ostentar quando pararam de andar e começaram a trocar palavras
em voz baixa. Enquanto Blake o encarava tranquilo e imperturbável,
Liam tinha os olhos semicerrados e o rosto levemente avermelhado,
com uma veia saltando em sua têmpora.
— O que houve? — perguntei, para ninguém em especial.
Nonna entrelaçou nossos braços e deu uma risadinha.
— Liam é péssimo em esconder como se sente, já notou,
querida? Se está irritado, aqueles olhos ficam ainda mais apertados
e os lábios contraídos; se está furioso, os punhos se cerram e todo
o corpo se prepara para um ataque; se está impaciente, fica logo
inquieto como um animal enjaulado. Me pergunto que emoção
poderia estar sentindo para fazê-lo reagir com a junção de tudo isso
de uma única vez.
— Essa é uma boa pergunta — concordei, tentando
inutilmente ler nos lábios entrecerrados dele as palavras que saíam
baixas demais para serem ouvidas.
Em algum momento, seu olhar buscou o meu. Não faço ideia
do que havia nele, mas era intenso. Quente. E fez os pelos da
minha espinha se arrepiarem num efeito dominó que pareceu mexer
com a estabilidade das minhas pernas.

Passamos a tarde tratando dos preparativos finais da festa de


revelação do sexo do bebê da minha melhor amiga.
Durante todas aquelas horas, Liam e eu trocamos inúmeros
olhares. Comecei a tarde irritada com ele por ter sumido ontem e
deixado minhas mensagens sem resposta sempre que eu precisava
perguntar algo a ele, e terminei inquieta, quente e formigando
porque esse desgraçado aproveitou cada chance que teve de me
tocar sutilmente, pousando a mão sobre a minha lombar para me
guiar, roçando nossos dedos, chegou até a aproximar nossos rostos
e sussurrar em meu ouvido enquanto conversávamos com um dos
fotógrafos.
Esse seu cheiro gostoso tá me deixando louco, porra.
Aquele capullo tinha jogado sujo, e se achava que eu não
conseguiria jogar ainda melhor que ele, estava muito enganado.
— Posso preparar um jantar delicioso, querida! Adoraria ter
você na minha casa — nonna avisou, seus olhinhos brilhantes e
pidões quase me convencendo a aceitar. Liam acabara de
estacionar à frente do prédio em que ela morava em Little Italy.
— Nós duas podemos marcar um café após o piquenique,
nonna — sugeri, então me lembrei de um pedido seu do dia anterior.
— Depois posso levá-la pra conhecer a ONG. Hoje eu preciso
mesmo ir. Estou na escala para o abrigo noturno que temos para
pessoas em situação de rua e…
— O quê?! — Liam perguntou, mais alto do que seria
considerado normal naquela situação. Então pigarreou e, diante dos
nossos olhares desentendidos, concluiu: — Achei que iria pra casa.
Nonna olhou dele para mim e algo brilhou em seus olhos
antes de um sorriso pequeno surgir em seus lábios.
— Tudo bem, queridos. Nos vemos no sábado então — ela
disse, já se inclinando sobre mim para me abraçar. Sorri.
Liam deixou o carro para abrir a porta para ela e acabei
saindo também. Enquanto os dois se despediam com um abraço em
que ele praticamente a cobriu, ela sussurrou algo incompreensível
para mim e que o fez me encarar.
— Vou cuidar, sim, nonna — prometeu, depositando um beijo
em seus cabelos. — Também amo a senhora.
Nonna se afastou para entrar no prédio e acenou para mim
uma última vez. Abri um sorriso e retribuí o aceno, um pouco mexida
com a troca de afeto sincera dos dois. Às vezes, como quando via
Liz com seu irmão e até com Maverick, eu me perguntava como
poderia ser tão natural a eles dizer aquelas palavras, compartilhar
tanto afeto, demonstrar sentimentos. Esse tipo de coisa sempre me
pareceu tão utópica, ficcional.
Depois que viu nonna entrar no prédio, Liam abriu a porta do
passageiro para mim e entrei sem dizer nada, tentando afastar
aqueles pensamentos.
Seguimos em silêncio por minutos que me permitiram limpar
a mente e lembrar que eu precisava avisar que me atrasaria um
pouco para chegar à ONG. Ainda teria que ir à minha casa trocar de
roupa e buscar minha mochila.
— Eu não sabia que também trabalhava na ONG à noite —
Liam comentou, quando alcançamos a ponte do Brooklyn.
— Só duas vezes por semana até podermos contratar mais
pessoal — expliquei, após digitar a mensagem e voltar a guardar o
telefone.
— É seguro, Sophia? Aquele prédio não me parece… — eu o
interrompi.
— Não precisa se preocupar, Caldwell — avisei, o olhando
por um momento. — Eu sei me cuidar e não estarei sozinha. Nunca
invadiram o prédio e as pessoas que ajudamos valorizam o trabalho
que fazemos.
Pelo canto dos olhos, eu o vi engolir em seco.
— É realmente importante para você estar lá, não é?
A pergunta prendeu o ar em meus pulmões por alguns
instantes. Uma pontada dolorosa atingiu meu peito.
— Sim. Sei o quanto o que faço ajuda aquelas pessoas.
Eu já fui uma delas.
Ele acenou uma vez, indicando que entendia, mas pelo modo
como apertou o volante e pressionou os lábios, eu soube que não
entendia. Que talvez nunca entendesse.
— E não há vigias nem seguranças lá, ao que parece.
Expirei profundamente, sem a menor vontade de prolongar
essa discussão, por isso apenas disse:
— Não.
Quase meia hora depois, assim que o carro foi estacionado à
frente do meu prédio, fui pega de surpresa por uma pergunta
distante de tudo o que eu achava que ainda poderíamos dizer um ao
outro hoje.
Liam tinha o hábito, às vezes desconcertante, de ser direto
demais.
— Você tem algum interesse no Blake?
Arqueei uma sobrancelha.
— Por que está me perguntando isso?
Ele expirou profundamente e voltou sua atenção para mim,
os olhos semicerrados, como se o fato de eu não lhe responder o
incomodasse.
— Porque eu perguntei para aquele filho da puta se vocês já
tiveram algo e ele me mandou falar com você.
Sorri.
— Te incomodaria saber que já tivemos algo? — indaguei.
Seu corpo se retesou.
— Então vocês já tiveram? Ou ainda têm?
— Me pergunto por que Blake não te respondeu isso.
Liam entrecerrou os olhos, seus lábios se contraindo de
irritação.
— Porque ele é um filho da puta como todos os meus amigos
e adora me deixar puto.
— Hum… e ele disse algo sobre estar interessado em mim?
— provoquei, porque ele obviamente ainda não percebia que eu
também só o estava irritando.
Uma veia em sua testa latejou.
— Não, Sophia, ele não disse porra nenhuma.
— E essa dúvida está te fazendo repensar nosso acordo? —
testei.
— É claro que não.
— Por quê?
— Porque se Blake te quisesse de verdade, ele não teria
hesitado em me mandar ficar longe.
Livrei-me do cinto de segurança.
— É mesmo? E se eu estivesse interessada nele? Blake é
injustamente lindo. Um dos homens mais lindos que conheço, com
certeza. Nesse caso, você desistiria do nosso acordo?
Ele rosnou um “não” e me esforcei para não rir do bico que
seus lábios formaram.
— Por quê? — insisti.
Liam se livrou do próprio cinto de segurança e avançou sobre
mim.
— Porque se você o quisesse de verdade, Sophia, se
quisesse a porra do advogado certinho em vez desse cão raivoso,
não teria gozado como uma cadela na minha mão.
Minha boceta se contraiu em resposta às suas palavras.
Nesse momento, tive certeza de que eu merecia o laudo médico de
"surtou de vez".
— Cadela, Caldwell? — ecoei, baixinho. Quase manhosa.
— Minha cadela.
— Sua, não.
Ele grunhiu. Meu sorriso aumentou.
— Se já pensou em tudo isso, qual o ponto dessa conversa?
Por que quer saber se tenho ou não interesse no Blake?
Ele desviou os olhos. Ainda mais puto.
— Está tentando me irritar de propósito, não está, porra?
— Na verdade, estou tentando te fazer enxergar o ridículo
dessas suas perguntas. Fizemos um acordo pra transar, isso não
nos dá nenhum direito um sobre o outro.
Com o semblante ainda fechado, Liam acionou um botão que
moveu seu banco para trás e, como se não fosse nada, me tirou do
meu lugar para o seu colo.
Simples assim.
— É mesmo?
— Sim, Caldwell, é exatamente isso — respondi, sem saber
por que diabos continuava sorrindo.
Ele enfiou as mãos sob meu vestido e, em vez de pará-lo ou
me afastar, tudo o que eu fiz foi envolver seu pescoço com meus
braços, louca para embrenhar os dedos em seus cabelos e puxá-los
até sua boca alcançar a minha.
Liam mordeu meu pescoço e distribuiu beijos por toda a
extensão dele.
— Temos um problema, Sophia — avisou, rouco em meu
ouvido. — Sou um filho da puta territorialista, quero sua boceta só
pra mim enquanto fodermos.
— Não seja ridículo — avisei, enterrando meu próprio rosto
na curva do seu pescoço e roçando meus lábios e dentes na pele já
arrepiada. Seu perfume era tão bom.
Ele meio rosnou, meio gemeu. O som tão gostoso de ouvir
que derreti ainda mais. Sensível, umedecendo para ele.
— Estou falando sério. Não vai precisar de outro pau
enquanto o meu estiver enterrado na sua boceta e onde mais você
me deixar enfiá-lo.
Mordisquei o lóbulo da sua orelha e adorei sentir o calafrio
que atravessou seu corpo. O modo como Liam reagia aos meus
estímulos, como se tudo fosse demais para ser escondido. Como se
não se importasse em me deixar saber o poder que eu exercia
sobre ele.
— Se quiser enfiar esse pau nos lugares em que eu o quero,
você vai ter que controlar esse territorialismo, Caldwell — mandei,
finalmente voltando a pressionar nossos lábios. — Porque eu não
vou ceder a ele, nem alimentar seu ego, só porque você quer.
— Está me testando, Sophia?
Acenei em negativa.
— Estou estabelecendo meus limites. — Suas mãos
afundaram em minhas nádegas, apertando forte, puxando meu
corpo para mais perto, até meu clitóris pressionar seu pau. Um
tremor intenso me atravessou ao senti-lo assim, mas lutei para
continuar minha linha de raciocínio. — Você pode aceitá-los o-ou
desistir agora. Ainda não transamos, e-então…
Minhas palavras se transformaram num gemido vergonhoso
no instante que Liam me fez esfregar seu pau. Meu clitóris recebeu
uma descarga de prazer tão intensa, que contraí as coxas em seu
colo, louca para senti-lo dentro de mim. Minha calcinha já estava
molhada.
Ergui meu vestido e abri a braguilha da sua calça. Gememos
contra os lábios um do outro quando o toquei por sobre a cueca.
Nem precisei afastá-la para o sentir pulsar e me surpreender com
seu tamanho e espessura. Ou para reconhecer as veias em toda a
sua extensão.
Minha boca secou.
Abaixei sua cueca. Seu pau saltou para fora dela, longo e
rígido de modo que foi impossível não o observar na luz fraca que
invadia o carro. Molhei meus lábios com a língua. A vontade de
chupá-lo veio tão forte, que não hesitei em agarrá-lo em punho.
Seu corpo inteiro se agitou sob mim.
Odiei tanto saber que não teria tempo nem espaço para
aproveitá-lo nesse carro. Foi quase doloroso reconhecer isso.
— Porra, Sophia. — Ele estava sem fôlego, e ainda assim
beijou minha boca.
— Se me quiser, tem que ser do meu jeito, Caldwell. Sem
cobranças, nem complicação. Sem possessividade. Sem me
sufocar. Pode lidar com isso?
Em resposta, ele agarrou minha nuca com firmeza e cobriu
minha boca com a sua, naquele tipo de beijo faminto que toma tudo
e não devolve nada.
Soltei um gemido baixinho. Liam afundou as unhas em
minhas nádegas e me moveu até sua ereção. Me esfreguei nela.
Rebolei em seu colo com uma maestria perigosa, que o fez gemer
em minha boca.
Lutei para manter algum fio de sanidade, mas foi em vão,
com ele apertando minha bunda e a minha mente me fazendo
imaginar seu pau todo em mim, duro desse jeito, não tinha jeito no
inferno de eu fazer algo além de me desmanchar em seu colo.
Liam desferiu um tapa forte em minhas nádegas e gemi,
adorando. Teria pedido que ele repetisse, mas ele voltou a falar
antes de mim.
— Senta no meu pau, Sophia — mandou e eu quase
obedeci, o vazio na minha boceta já estava doloroso. Não parava de
latejar. — Senta logo, porra, ou eu vou explodir.
— Goza — foi minha vez de mandar, mordiscando seus
lábios. — Pode gozar.
— Sophia…
Meu nome se transformou num gemido sexy em seus lábios
quando agarrei seu pau e fechei minha mão em punho em volta
dele. Desta vez com força, com um objetivo.
— Quando enfiar esse pau em mim, Caldwell, você vai me
dar mais do que cinco minutos de uma foda apressada e
desconfortável na droga de um carro — avisei e ele pulsou sob meu
domínio. Usei o lubrificante que já estava em sua glande e o
espalhei por onde pude em sua extensão, só então comecei a
masturbá-lo. — Você estava certo quando disse que eu precisava
ser bem fodida, okay? Agora não aceito que me dê menos que isso.
— Caralho… — ele rosnou, revirando os olhos de prazer,
beijei sua boca.
— Você prometeu me chupar — provoquei, testando o efeito
das minhas palavras em seu corpo.
— E eu vou…
— Também quero chupar você…
— Porra, Sophia.
Seu pau inchou ainda mais em minha mão, a carne macia e
cheia de tensão pelos meus movimentos firmes. As veias latejando.
Chupei seus lábios, consciente de que ele estava muito perto
de gozar.
— Se estiver disposto a fazer exames, eu penso com carinho
em transarmos sem camisinha — ofereci.
— Eu faço… eu faço…
Sorri em sua boca.
— Teríamos que ser exclusivos então — sussurrou, num fio
de voz rouco, atormentado pelo prazer.
— Posso lidar com isso — confessei e estava sendo sincera.
Ele entreabriu os olhos castanhos para mim, a testa levemente
franzida. — O que não posso é aceitar que me trate como uma
propriedade. Eu não sou de ninguém, Caldwell.
Ele me beijou devagar.
— E não quer ser?
Hesitei, a naturalidade com que fizera a pergunta quase a
tornando tão simples quanto ele fazia soar.
Aceitar me doar completamente a alguém, de novo,
significaria confiar muito mais do que eu já havia feito. E eu
duvidava de que seria capaz de fazer isso novamente.
Não respondi sua pergunta, apenas intensifiquei os
movimentos de sobe e desce. Quando o corpo de Liam se contraiu
sob o meu e seu pau pulsou forte, inchado, eu voltei a beijar sua
boca, com fome do gosto que só seus beijos tinham.
Ele grunhiu em meus lábios enquanto gozava em minha mão.
Meu nome escapou da sua boca como uma prece.
Horas depois, já sozinha, eu ainda sentia seu cheiro marcado
em mim. Assim como suas palavras e as lembranças que elas
reviraram contra minha vontade. Não só de José e da sua
possessividade, mas da opressão e machismo do meu pai, do
desrespeito e assédio dos meus irmãos. De todas as formas
deturpadas de amor e proteção que esses homens me
apresentaram antes e depois da perda da mamãe. De como a morte
dela ainda me assombrava, por eu tê-la visto definhar, mas também
por sua doença ter me mostrado o espaço que eu ocupava naquela
família. Até finalmente fugir dela.
Eu não sou de ninguém, Caldwell — lembrei das minhas
próprias palavras.
E não quer ser?
Não posso ser, não de novo.
NOVE
SOPHIA GARCÍA

Ah. Meu. Deus!


— Você mandou triplicarem o tamanho desses ursos,
Caldwell?! — bradei, sem acreditar no que ele havia feito com a
decoração da festa bem diante de mim agora. No exagero do qual
ele obviamente era o responsável. — Queria que todos no raio de
um quilômetro do Central Park soubessem dessa festa?!
Meneei a cabeça em negativa, incapaz de desviar os olhos
dos ursos de pelúcia de mais de dois metros que tinham sido
colocados entre o letreiro com os nomes que minha amiga havia
escolhido para seu bebê. Era impossível não notar aqueles
monstros com carinhas fofas chamando a atenção dos transeuntes
do parque nesse momento.
— Eu vou matar você! — grunhi, disparando um olhar ferino
para ele. — Estragou nossa decoração!
Liam pigarreou e recuou um passo para trás da nonna
quando avancei.
— Não está tão ruim, querida — ela tentou amenizar a
situação.
— Foi só uma pequena mudança, Sophia! — o capullo se
defendeu, mas minha palma atingiu seu braço e ele engoliu
qualquer outra desculpa. — Ai!
— Pequena?! — rosnei, desviando de nonna para agarrar
Liam pela camisa. — Você tem a cara de pau de dizer que essa é
uma pequena mudança?!
— Eu só queria garantir que eles aparecessem bem nas fotos
— argumentou, pressionando os lábios para ocultar a droga de um
sorriso, se aproveitando da nossa proximidade para pousar as mãos
em minha cintura. E me apertar. Forte. Porque certamente já notara
que eu adorava ser agarrada assim. Estapeei seu peito duro, para
nos obrigar a manter o foco na merda que ele havia feito. — Não
ficou tão ruim, Sophia. Agora o drone também vai capturar todos os
elementos da decoração.
— Esses ursos vão causar pesadelos nas crianças que
cruzarem com eles hoje, Caldwell — grunhi, o empurrando para
longe. Voltei minha atenção mais uma vez para a decoração. Sem
querer acreditar. Eu tinha ficado tão orgulhosa do projeto final que
aprovamos juntos dias atrás. Por que diabos esse homem tinha que
ser tão intrometido e exagerado?!
Suspirei, prendendo a ponte do nariz entre as palmas das
mãos.
Ao menos a mesa de piquenique estava perfeita. Estava tudo
quase pronto, os convidados começariam a chegar a qualquer
momento, Liz e Maverick já estavam vindo. Não tinha mais o que
fazer.
Minha cabeça começou a latejar pela irritação. Estreitei os
olhos para Liam e minha raiva só aumentou quando vi o seu meio-
sorriso de menino arteiro. Malicioso.
Irritante.
Esse capullo estúpido.
— Os convidados chegaram! — nonna exclamou, vindo até
mim para entrelaçar nossos braços. — Respire fundo, querida. E
sorria para mim, vamos.
Eu a encarei por um momento, seu rostinho delicado e
sereno, os lábios pintados de rosa esticados num sorriso doce que
era impossível não retribuir. Acabei sorrindo e a envolvendo com um
braço.
— Vamos, nonna — concordei, já acostumada a chamá-la
assim, como ela havia pedido.
Metros adiante, Blake se aproximava meneando a cabeça
com um sorriso de canto enquanto um homem loiro e alto ao lado
dele ria apontando para os ursos malditos que Caldwell havia
colocado ali. Fiz meu melhor para esboçar um sorriso, do contrário,
eu voltaria a estapear esse infeliz ao meu lado.
Logo atrás de Blake, um homem alto e largo, que mais
parecia uma montanha de músculos, se aproximava com uma
garotinha de uns oito anos no braço enquanto segurava a mão de
uma mulher de cabelos castanhos e sorriso apaixonado. Esse devia
ser o Bruce. Liz havia me falado que ele era o maior dos amigos de
Liam, e o mais bobo pela família. Já Maverick, havia me dito que ele
era um buldogue velho resmungão.
Meu sorriso se tornou genuíno quando lembrei disso.
Maverick era incorrigível.
Liam deu alguns passos à frente para cumprimentar seus
amigos e permaneci no lugar, apenas observando a interação dos
três. A irmandade e cumplicidade que era nítida nas provocações e
risadas. Nos abraços e tapas nas costas. Era algo bonito de se ver,
até. O loiro apontou para os ursos às costas deles e disse algo
antes de gargalhar com vontade. Mesmo estando de perfil para
mim, o movimento dos lábios de Liam ao dizer “vá se foder” me foi
evidente.
Foi minha vez de rir. Não precisei de muito para compreender
que seus amigos já sabiam que ele tinha sido o responsável por
aquele exagero e estavam caçoando dele.
Bem feito.
— Vamos, querida — nonna disse, já me puxando em direção
a eles. — Vou apresentá-la aos meus bambinos. Eles são grandes
assim porque todos foram jogadores de futebol americano na escola
e na faculdade, mas são uns amorzinhos, viu?
Meneei a cabeça em negativa, sorrindo, sem acreditar muito
nisso.
Chegamos praticamente junto de Bruce e sua família. A
menina nos braços dele foi colocada no chão e disparou até nonna,
toda feliz em vê-la. Enquanto as duas conversavam, observei Bruce
cumprimentar os amigos e o modo como eles cumprimentaram a
mulher que estava com ele me chamou a atenção. Não havia calor
ou cumplicidade, especialmente quando ela se voltou para Liam e
se limitou a dizer, num tom seco:
— Caldwell.
— Emma — ele retribuiu, inexpressivo.
Olhei de um para o outro sem compreender o que acontecia.
Notei também quando Bruce fez o mesmo, sua postura mudando ao
focar em Liam, o peito inflando no momento que o semblante se
fechou. Ele deu um passo à frente de Emma, como um escudo, mas
antes que pudesse dizer algo aos amigos, ela o segurou pelo braço
e o chamou. Uma troca de olhares entre os dois. Só uma. Nenhuma
palavra foi proferida, mas através daquele olhar tive certeza de que
disseram mais do que qualquer um poderia compreender. Ela o
acalmou, ele cedeu e apenas a puxou para o seu corpo,
envolvendo-a. Protegendo-a como ela permitia.
Tudo durou menos de cinco segundos, mas foi suficiente para
mexer com algo em mim. Uma certeza enraizada que sempre me
fizera acreditar que esse tipo de cumplicidade e intimidade era coisa
de filmes e livros.
Quanto de conexão duas pessoas precisavam ter para
chegarem a isso?
Emma me pegou os observando e abriu um sorriso tímido
antes de se afastar do seu homem.
— Você deve ser a Sophia, não é? A Liz falou tanto de você
quando saímos com a nonna há alguns dias, que ficamos muito
ansiosas para te conhecer!
— Ela é tudo o que a Liz disse, querida — nonna avisou, com
a garotinha ainda atracada em sua cintura. — E mais!
Sorri.
Emma e eu trocamos um abraço e beijos no rosto enquanto
nos apresentávamos. Ela era noiva de Bruce. Senti uma leveza
aconchegante em seu abraço, além de sinceridade em seu sorriso e
gestos, o que só me deixou mais curiosa para saber que rusga
havia entre ela e os outros.
Fiz uma nota mental para falar sobre isso com Blake mais
tarde.
— Querida, estes são Chuck e Bruce — nonna indicou os
amigos de Liam que eu ainda não conhecia, então deu um passo à
frente para ficar entre eles. O noivo de Emma e o loiro de olhos
claros e sorriso sarcástico, que me examinou em silêncio antes de
cravar aqueles orbes ilegíveis em meu rosto. — Chuck hoje vive na
Alemanha, talvez você não o veja com frequência, mas ele está
sempre conosco quando nos reunimos e é o mais debochado dos
meus meninos, então não se assuste, sim?
— Nonna… — Chuck tentou chamar a atenção da
senhorinha, mas ela fingiu não o ouvir.
Sorri, todos esses homões grandes e largos eram
obviamente controlados por essa senhorinha doce de um metro e
meio.
— O Bruce é meu menino mais introvertido. Talvez demore
um pouquinho para se sentir confortável com você, mas essa cara
fechada dele é só fachada, tá?
Emma riu e eu também.
Acenei e os cumprimentei com apertos de mãos.
Meu sorriso só aumentou quando nonna se voltou para a
menininha de sorriso doce e sapeca.
— E esta é a pequena Emy. A princesinha que o Bruce
demorou anos para me apresentar — alfinetou, enviando um olhar
estreitado a ele, que se encolheu em seus dois metros de altura e
músculos. — Emy, esta é Sophia, a melhor amiga da sua tia Liz.
Os olhos castanhos da menina se arregalaram e um sorriso
estonteante surgiu em seus lábios.
— Você é a Sophs! — ela exclamou, em reconhecimento.
Pelo visto, Liz já tinha falado de mim para quase todas aquelas
pessoas. — A Liz disse que você também seria minha amiga!
— Eu posso ser, se você quiser — ofereci. Ela deu uma
risadinha e veio até mim, para me abraçar.
— Eu quero, sim! Você gosta de BTS ou doramas? —
indagou, animada, já buscando coisas que poderíamos ter em
comum. Muito comunicativa e carismática para uma criança tão
pequena. — Eu posso te apresentar para eles. Tenho as melhores
dicas, Sophs! Você vai amar, eu prometo!
Suas palavras fizeram todos rirem, inclusive Liam, que a
encarava fascinado.
Quando a menina se afastou para abraçar Blake, foi erguida
nos braços dele e disse algo para Liam que o fez abrir um sorriso
todo bobo. Era nítido que ela já tinha a todos em suas mãos.

Não muito tempo depois, Liam e eu guiamos Liz e Maverick


para perto da enorme caixa que lhes revelaria o sexo do seu bebê,
eles trocaram olhares ansiosos e emocionados, sorriram um para o
outro e minha amiga teve sua testa beijada com carinho por seu
homem.
Na caixa, estavam gravados os nomes sul-coreanos que
minha amiga tinha escolhido para o seu bebê.
Min-Jun ou Ji-Na?
Além dela, numa elevação acima do gramado em que
estávamos, havia também os ursos enormes e os blocos com as
letras que formavam os nomes do bebê. Quando os dois mostraram
surpresa pela decoração, pedi:
— Desculpem, não consegui controlar a coisa do exagero
nessa parte.
Todos gargalharam das minhas palavras.
— Quando estiverem prontos, puxem a fita que está à frente
de vocês — Liam informou, rouco pela emoção.
Uma onda de expectativa tomou meu corpo enquanto eu os
observava trocarem sorrisos. Prendi a respiração quando puxaram a
fita uma vez e acho que Liam espelhou minha reação porque um
segundo depois também nos movemos juntos para aproximar
nossos corpos, presos à imagem daquelas pessoas que tanto
amávamos prestes a descobrirem que teriam uma filhinha em breve.
Eles puxaram a fita novamente, desta vez com força
suficiente para a caixa se abrir e os balões dentro dela emergirem,
voando para o céu num arco-íris de cores em tons pastéis.
Cor e vida inundaram o parque.
— Que lindo! — Emy murmurou, encantada.
Balões com pontos de interrogação começaram a surgir e
quando aqueles que formavam o nome da bebê finalmente vieram,
sussurros e exclamações de felicidade e surpresa inundaram o
ambiente.
Ji-Na era o nome da minha princesinha. E mais do que
felicidade naquele momento, vê-lo encheu a todos nós de emoção e
amor.
Maverick e Liz se abraçaram e choraram juntos quando se
deram conta de que teriam uma menina. Foi impossível vê-los tão
emocionados e não derramar algumas lágrimas também. Ou muitas.
Eles mereciam toda aquela felicidade. Tanto. Haviam
passado por coisas demais nos últimos meses.
Ao perceber minhas lágrimas, Liam sorriu e envolveu minha
cintura com um braço, puxando-me para o seu peito sólido,
oferecendo-o para que eu pudesse ter aquele momento de
fragilidade. Não consegui encará-lo, ou esconder a tensão que
tomou o meu corpo com o seu contato, mas mesmo consciente
dela, ele não me soltou e, aos poucos, eu acabei cedendo e
aceitando silenciosamente o seu conforto. Envolvi sua cintura com
os braços e deixei minhas lágrimas rolarem pela sua camisa branca,
sentindo as batidas potentes do seu coração reverberarem por todo
o meu peito.
Passadas as felicitações de todos e mais choro, acabei
envolvendo minha amiga chorosa em um abraço apertado.
— Nossa princesinha terá a mãe mais incrível do mundo,
amiga — garanti, por entre minha garganta fechada, repleta de nós
de emoção. — Você vai ser uma mãe incrível.
— E vo-você será a madrinha perfeita! Já é!
Sorri, me afastando o suficiente para limpar seu rosto.
Sorrimos juntas, e ela também deslizou seus dedos pelas minhas
bochechas, afastando a umidade. Seus olhos castanhos brilhavam
tanto.
— Sou mesmo, não é? — provoquei, só para fazê-la rir.
Nós nos abraçamos novamente por mais alguns instantes,
até nos acalmarmos e seguirmos juntas para voltar a confraternizar
com todos.
Observei a interação dos cinco amigos, as provocações por
Maverick ser o primeiro entre os Herdeiros de Nova Iorque a ter um
filho, mas foi a ameaça velada de Liam, sobre acabar com qualquer
um que machucasse sua sobrinha, que me fez rir de verdade.
Já era um bobo por essa sobrinha dele.
Após tirar fotos com Emy e Emma, conversamos e trocamos
números de telefone. Combinamos de marcar algo juntas em breve.
Aproveitei que todos estavam entretidos e conversei com o
fotógrafo, já ansiosa pelas fotos que ele havia tirado. Quando Blake
se aproximou e me ofereceu um copo de suco, sorri e agradeci,
estava mesmo com sede.
— Então, cuidar da festa foi tão difícil quanto você achou? —
ele perguntou, num tom de falsa seriedade que me roubou um
sorriso.
— Você por acaso viu aqueles ursos, Blake? — questionei,
num tom zombeteiro que arrancou uma risada atípica do meu
amigo.
— Duvido que alguém não tenha visto aqueles ursos —
respondeu.
E acabei rindo também.
— Sua pergunta está respondida, então — concluí, e meu
olhar encontrou o de Liam a alguns metros de distância, ouvindo
algo que nonna cochichava para ele, também encarando Blake e eu
lado a lado.
Algo na postura do capullo mudou, o peito inflou e seus olhos
se estreitaram. Franzi o cenho, sem entender o que acontecia, o
que nonna poderia estar dizendo para deixá-lo assim, mas não me
permiti perder tempo pensando nisso.
Beberiquei um pouco mais do meu suco e voltei minha
atenção para Blake.
— Qual o problema entre vocês e a Emma? — lancei, de
supetão. Tinha que aproveitar que estávamos sozinhos e longe o
bastante para alguém nos ouvir. — Percebi como vocês se
cumprimentaram de forma seca.
Blake não hesitou diante da minha pergunta, apenas me
analisou em silêncio por alguns instantes e tomou o que restava do
seu próprio suco.
— Há alguns anos, todos acreditamos que ela estava com
Bruce para se aproveitar dele — iniciou. — Descobrimos que a mãe
dela, que era empregada da família dele, havia engravidado do pai
dele e estava o processando. A mulher criou um inferno na família
Waldorf e acabamos colocando a Emma no mesmo pacote dela.
Ele inspirou fundo e olhou de relance para Emma e Bruce,
que riam abraçados. Nitidamente apaixonados.
— Admito que fomos uns filhos da puta, especialmente
porque Bruce ficou no fundo do poço depois de tudo. E se afastou
de todos nós. Só recentemente ele voltou e descobrimos que
podemos ter errado feio com ela.
Engoli em seco, com dificuldade graças ao nó que se formou
em minha garganta.
— Por que ela e Liam parecem ter uma relação ainda pior?
Blake voltou seu olhar escrutinador para mim, lendo-me nas
entrelinhas, sem que eu precisasse dizer mais nada. Ele sabia que
eu já tinha sido acusada injustamente de estar me aproveitando de
alguém e obviamente compreendia meu interesse em saber como
Liam tinha tratado uma mulher como eu, numa situação similar.
— Liam pode ter exagerado em algumas coisas que disse a
ela — iniciou, o que me fez menear a cabeça e soltar o ar. Sem nem
saber por que ouvir isso me atingia. Talvez alguma parte estúpida de
mim ainda quisesse que ele não fosse quem eu sabia que era. —
Mas ele tinha os próprios motivos, Sophia, estava passando pela
própria merda na época e a situação com Emma só pareceu
amplificar a dele. Ele conseguiu usar a própria raiva para se erguer
e seguir em frente, mas assistiu um dos seus irmãos desabar sem
conseguir fazer o mesmo.
Uni as sobrancelhas, sem entender. Liam tinha sido
enganado por uma mulher?
Blake meneou a cabeça e moveu o queixo para indicar algo
às minhas costas.
— Se quiser saber, terá que perguntar a ele.
Nem consegui formular uma resposta, a chegada abrupta de
Liam não permitiu.
— Algum problema, irmão? — Blake chamou a atenção dele,
provavelmente também sentiu a energia tempestuosa que ele
emanava. Para completar, tinha o maxilar travado, o semblante
fechado e aquela veia pulsando na têmpora, como se algo nele
estivesse prestes a explodir.
— Algum problema? — ecoou, intercalando um olhar entre
mim e Blake. — Eu é que pergunto. Aconteceu algo para estarem
aqui, longe de todos?
— E não poderíamos nos afastar de todos apenas para
conversar? — devolvi a pergunta, me recusava a ser educada
quando ele havia se aproximado assim, de forma tão invasiva.
— O que poderia ser tão importante a ponto de não poder
esperar o fim da festa?
Revirei os olhos.
— Quando o assunto é ser ridículo, você sempre consegue
me surpreender, Caldwell — foi o que escolhi dizer, em vez de
prosseguir com essa conversa inútil. — O que falamos não te
interessa em nada.
Ele entreabriu a boca, mas não o deixei emitir mais nem uma
palavra.
— Eu ainda estou puta por causa daqueles ursos
assustadores, então fique longe de mim.
Um sorriso travesso brincou em seus lábios rosados. De
repente, foi como se, diante da minha irritação com ele, o que o
havia trazido até aqui fosse esquecido.
— Está, é? — Estreitei os olhos para ele, que abriu um
sorriso ainda maior. — Você poderia usar essa raiva de maneiras
muito interessantes, Sophia — provocou e o estapeei com força um
segundo depois.
O capullo riu.
Riu.
Esse desgraçado.
— Está tentando me deixar furiosa, não está? E adorando
isso?!
Ele deu um passo em minha direção, invadindo meu espaço
pessoal. Seu rosto másculo pendendo muitos centímetros acima do
meu, uma vez que não pude usar saltos muito altos na grama fofa
do parque.
— Se eu soubesse que era tão bom irritar você, bruxinha,
teria começado muito antes.
Abri a boca para retrucar, mas um pigarro nada sutil me
interrompeu. Só ao olharmos para o lado, lembrei que Blake ainda
estava ali, e era tarde, o sorriso perspicaz que ele ostentava me deu
certeza de que já havia sacado o que estava acontecendo entre
mim e Liam.
— Acho que vocês precisam de um pouco de privacidade
para continuar esse jogo. Com licença.
Boquiaberta, observei meu amigo se afastar. Queria ser
capaz de dizer algo para mudar a conclusão a qual ele havia
chegado, mas sabia que todo argumento seria em vão.
Merda.
Ótimo. Agora Blake tinha certeza de que eu não suportava
esse capullo estúpido, e ainda assim estava flertando com ele.
Inspirei fundo para me acalmar, no entanto, bastou voltar a
encarar Liam para a irritação me subir à cabeça novamente.
— Se soubesse a vontade que tenho de esganar você agora,
Caldwell, não estaria com a droga desse sorriso pra cima de mim —
resmunguei. Dei as costas a ele e me afastei, mas o desgraçado
voltou a rir e me seguiu de perto.
Sua réplica não demorou a vir e abalou todos os malditos
pontos certos do meu corpo quando veio num sussurro, muito perto
do meu ouvido:
— Você parece ter um fetiche nessa coisa de me sufocar,
Sophia — iniciou e senti o sorriso em sua voz ao dizer isso. —
Podemos realizá-lo, sabia? Consigo pensar em pelo menos três
maneiras muito interessantes de você fazer isso numa cama.
— Caldwell… — tentei, só tentei fingir que ainda estava brava
demais para aceitar aquela provocação, mas suas palavras, e as
imagens que elas criaram na minha mente, mexeram comigo de um
jeito que não consegui disfarçar. Ainda assim lutei contra a droga do
sorriso.
— Com essas suas coxas grossas e deliciosas me
prendendo pelo pescoço enquanto chupo você — iniciou,
diminuindo o tom para que não fosse ouvido por ninguém além de
mim. — Rebolando na minha cara enquanto eu chupo você…
— Parece obcecado pela ideia de me chupar.
— Eu estou.
Parei de andar, percebendo que estava ofegante demais para
alguém que dera apenas uns poucos passos. Temi que algum dos
convidados notasse o rubor que eu sentia arder nas minhas
bochechas e me voltei completamente para o infeliz que conseguira
me deixar quente e úmida com essas poucas palavras.
Era irritante — para não dizer vergonhoso — que ele
conseguisse fazer isso com tanta facilidade.
E eu não podia deixá-lo ganhando assim, não é? Também
era muito boa naquele jogo. Podia ser melhor que ele, se quisesse.
E eu queria.
Avancei um passo em sua direção. Liam me acompanhou
com o olhar, atento demais ao meu rosto, aos meus lábios. A tudo o
que podia alcançar de mim sem me tocar. Às vezes eu podia jurar
que parecia até hipnotizado.
— Está obcecado? — incitei, no tom cheio de promessas que
ele usara há pouco. — Por que quer descobrir o meu gosto?
— Também. — Ele estava rouco.
— Tsc, tsc, tsc… E se eu dissesse que você poderia
descobrir isso agora mesmo, Caldwell? — provoquei. — Que
poderia senti-lo nas minhas coxas nesse momento? E que não teria
nenhum obstáculo até a minha…
— Sophia… — ele rosnou, baixinho. — Você está sem
calcinha, porra?!
— Talvez. — Sorri.
Ele avançou.
— Será que eu posso…
— Não pode — declarei, meneando a cabeça em negativa,
então lhe dei as costas novamente. — Vai continuar só imaginando
meu gosto até eu decidir que merece prová-lo.
— Sophia!
— E se continuar me irritando, vai acabar com minha vontade
de ir ao seu apartamento mais tarde.
Ele se calou. E já não estava sorrindo quando o olhei por
cima do ombro.
Eu era quem tinha o sorriso vitorioso agora.
DEZ
LIAM CALDWELL

Eles formam um lindo casal, não é, querido? — a pergunta de


nonna, feita a mim horas atrás, enquanto observávamos Blake e
Sophia rindo e conversando juntos, voltou a cruzar minha mente. —
Eu sei que você não está interessado em relacionamentos e
casamento, mas poderia me ajudar a unir esses dois, não é? O que
me diz? Já consegui convencer até Emy a me ajudar nisso, mas
você tem mais contato com eles.
Grunhi.
Ajudar a unir Blake e Sophia. Rá! Nonna não podia estar
falando sério. Não podia mesmo. E por que infernos ela achava que
justo ele era perfeito para Sophia, hein? Não tinha nem cogitado me
unir a ela também?!
Grunhi de novo, muito consciente de que já parecia um
animal àquela altura, e isso só piorou quando Sophia finalmente
emergiu da entrada do estacionamento privado. Com Blake. Eu a
estava esperando no meu carro há uns dez minutos, porque ela não
queria que saíssemos juntos do Central Park, mas tudo bem sair
com Blake, não é? Conversando e sorrindo. Esse filho da puta nem
costumava sorrir, porra. Era todo sério, um bloco de gelo com uma
expressão impassível cravada em mármore, mas estava ali todo
sorridente para ela.
Desgraçado.
Precisei de muita força de vontade para permanecer no carro
enquanto os dois conversavam sob a iluminação quente.
Reconhecer que eles eram mesmo muito próximos me incomodou
e, nesse momento em específico, me fez sentir um pouco sufocado
ali. Com uma vontade louca de ir até lá só para garantir que Blake
não ousaria tocar nela.
No entanto, eu não podia correr o risco de Sophia ficar puta
comigo de novo, a ponto de decidir não ir ao meu apartamento. Não
podia mesmo. Desde que ela me masturbou, eu estava com um
caso sério de bolas roxas que, eu tinha certeza, só se resolveria
quando eu me enfiasse até a base em sua boceta. Era como se
todos os últimos meses sufocando o desejo que sentia por ela
tivessem me trazido a essa merda de situação lastimável, quase
desesperadora. Só Deus sabe como eu aguentei o resto daquele
piquenique com a certeza de que Sophia estava sem calcinha e
molhada.
Cerrei os olhos por um instante para lembrar dos limites que
ela havia estabelecido. Eu precisava disso para controlar a vontade
insuportável de sair e chamá-la.
O que foi que ela disse mesmo? Sem cobranças e
complicação… sem sufocá-la… sem possessividade.
Eu não podia ser possessivo. Mas eu não estava sendo
possessivo, não é? Blake não precisava encostar em Sophia para
falar com ela. Ou respirar perto o bastante para sentir seu perfume.
E minha vontade de socá-lo não tinha nada de especial também. Eu
sentia vontade de socar meus amigos com frequência.
— Mas que porra! — rosnei, puto, ao vê-los se aproximarem
para um abraço de despedida. Inclinei-me para a janela, punhos
apertados conforme meu peito inflava com a respiração pesada.
Quando me tornei consciente do que fazia, eu já estava destravando
a porta e a abrindo.
— Esqueceu algo, senhor? — meu motorista indagou,
voltando sua atenção para mim no banco de trás.
— Não — respondi, mas não me dei o trabalho de encará-lo,
preso à imagem de Sophia gargalhando de algo que o filho da puta
que era como um irmão para mim havia dito. E a desgraçada ria
com gosto. — Cole, me dê meia hora antes de me deixar no
estacionamento do meu prédio — avisei.
Meu apartamento ficava a dez minutos dali, na Madison
Avenue, mas eu não aguentaria tanto tempo sem tocar em Sophia e
dez malditos minutos não seriam suficientes nem para acalmar a
fome dolorosa que eu já sentia dela.
Ele respondeu com um aceno e acionei a divisória que me
daria privacidade no veículo.
Quando vi Sophia se distanciar do meu amigo e vir na
direção do meu carro, saí para abrir a porta para ela.
Esforcei-me para devolver o cumprimento de cabeça que
Blake me deu. Ele sabia que estávamos saindo. É claro que sabia.
Esse infeliz sempre descobria tudo apenas observando a mim e aos
nossos amigos com aqueles olhos de águia, e eu tentei me acalmar
com o pacto silencioso que tínhamos de não dar em cima das
mulheres com quem o outro saía. Ele não seria tão filho da puta a
ponto de tentar tocar em Sophia.
— Algum problema? — ela perguntou, parando à minha
frente, a testa levemente franzida.
— Nenhum.
Seus olhos se semicerraram, escrutinando meu semblante.
— Tem certeza?
Inspirei fundo, sem paciência.
— Tenho.
Um meneio de cabeça e seus lábios se curvaram.
— O quê? — grunhi, sem entender o que poderia ser
engraçado a ponto de ela estar sorrindo.
— Parece que você vai rosnar e atacar o primeiro desavisado
que surgir na sua frente — comentou, suas covinhas se
aprofundando quando deu uma risadinha. Todo o seu rosto
iluminado, os olhos negros com um brilho cintilante.
Sophia passou por mim para entrar no carro, mas agarrei seu
braço e a puxei contra o meu peito, seu corpo macio não criou
resistência e ela nem pareceu surpresa com meu movimento, pois
seu sorriso não diminuiu, apenas o nariz se ergueu para que ela
pudesse manter os olhos nos meus.
— Você realmente parece estar prestes a atacar alguém,
Caldwell — a pequena bruxa ainda provocou. — Me pergunto quem.
Estreitei os olhos, aproximando nossos rostos um pouco
mais, o suficiente para nossos narizes se roçarem.
— Me deixou de pau duro a tarde toda, Sophia. A única que
eu quero atacar nesse momento é você, porra — rosnei.
— É mesmo?
Envolvi sua cintura com um braço e a prendi contra o meu
corpo, erguendo-a na ponta dos pés, de modo que minha ereção
pressionou sua barriga, aquela era toda resposta de que ela
precisava. Seus seios esfregaram meu peito e tive certeza de que
estavam livres sob o vestido que ela usava. Apertei sua nádega de
um jeito que a fez resfolegar e emitir um gemido quando a beijei
com urgência, devorando sua boca como o animal faminto que me
sentia nesse momento.
Toda macia. Toda gostosa. Seria toda minha, porra.
— Entre no carro, Sophia — mandei, acabando com o beijo
antes que fizesse uma loucura na merda desse estacionamento.
Ela piscou, lábios ainda entreabertos, respiração rasa,
precisou de alguns instantes para registrar minhas palavras e seguir
minha ordem ainda um pouco aérea.
Fechei a porta com um baque forte e dei a volta no veículo
para entrar pelo outro lado. Em questão de segundos, as maçanetas
foram travadas e avancei sobre uma Sophia que ainda parecia
entender a divisória que nos separava do motorista.
Seus lábios continuavam estavam quentes e úmidos quando
a beijei. Um som baixinho de prazer reverberou de sua garganta,
mas nem lhe dei tempo para absorver nada, minha língua voltou a
percorrer sua boca até eu ter a sua sob meu domínio de novo. E
deixá-la tão perdida que não foi capaz de fazer nada além de me
puxar para perto, cravando aquelas unhas grandes e afiadas em
meus ombros.
O carro entrou em movimento suave para sair do
estacionamento e aproveitei para mudar Sophia de posição,
trazendo uma de suas pernas para cima do estofado largo e
confortável, flexionando seu joelho e pressionando suas costas à
porta, de modo que ficasse arreganhada comigo praticamente
cobrindo seu corpo.
Uma buzina irritante soou baixo dentro do carro quando enfim
alcançamos o trânsito novaiorquino. Ergui a porra do vestido que
cobria suas coxas roliças e o puxei com força para cima, até
desnudar também sua bunda.
— O que eu falei sobre fodas rápidas e desconfortáveis em
carros, Caldwell? — ela sussurrou, ofegante, pálpebras pesadas.
— Não vou foder você aqui — garanti, mordiscando seus
lábios e queixo. Ambas as mãos deslizando sob suas nádegas, para
agarrar as polpas macias. — Vou descobrir se sua boceta é tão
doce quanto sua boca.
Ela sorriu, olhos entreabertos buscando os meus.
— Não te dei permissão pra me chupar — provocou.
— Tente me negar essa boceta então, Sophia — rosnei,
erguendo seus quadris do assento com um movimento brusco que
tanto a obrigou a se segurar como pôde para não cair, como me deu
a visão perfeita da sua boceta se contraindo em resposta às minhas
palavras. As luzes da cidade não eram fortes aqui dentro, não nos
iluminavam o bastante para eu vê-la direito, mas o suficiente para
eu reconhecer o que já havia sentido nos dedos. As dobras gordas,
depiladas e macias, o clitóris pequenino praticamente escondido por
elas. A entrada apertada e úmida. Parecia minha visão particular do
paraíso.
Deslizei a língua pelos lábios, a boca cheia de água, estava
quase babando.
Finquei as unhas curtas em suas nádegas.
— Tente, porra — mandei, hipnotizado. Sabia que aquela
posição não seria confortável para ela, mas eu compensaria
fazendo-a esquecer o significado dessa maldita palavra.
Sophia arfou quando usei o indicador e o polegar para
separar seus grandes lábios e esfregar seu clitóris. As coxas se
contraíram. Ela ergueu os quadris ainda mais e suas pernas se
fecharam ao redor da minha nuca.
Meu pau pulsou. Forte. Dolorido como o inferno.
Inclinei-me o bastante para deslizar a boca por toda a
extensão da boceta e seu gosto me inundou, grunhi de um jeito que
soou animalesco até para mim. Minha fome dela se tornou voraz.
Seu corpo deu um tranco, se contorcendo sob a pressão aveludada
e úmida da minha língua, e o meu nome escapou num gemido rouco
quando a chupei forte.
Em vez de mandá-la me afastar agora, eu a desafiei com os
olhos, enquanto lambia sua boceta e bebia seu prazer direto da
fonte. Sophia não precisou de palavras para compreender.
— Capullo — ela choramingou, prendendo-me com força,
rebolando na minha boca, se esfregando com desespero, seu corpo
ondulava e tremia. — Tente sair daí antes de me fazer gozar.
Sorri, duvidava de que ela tivesse percebido que sussurrou
aquelas palavras em espanhol. E só para provocá-la ainda mais,
prendi seu clitóris entre os lábios, apertando-o e molhando-o com a
língua logo em seguida, para fazer círculos. Atormentá-la. Levá-la
ao limite e fazê-la derrapar antes de alcançar o ápice. Torturá-la até
deixá-la louca. Dolorida. Latejando em necessidade de alívio que só
meu pau daria.
Sua mão veio de encontro aos meus cabelos, mas a contive,
impedindo-a antes que os tocasse. Pousei-a sobre seus peitos e os
apertei para mostrar o que queria que ela fizesse. Sophia obedeceu,
agarrando os montes que sobravam em suas mãos; os olhos negros
se reviraram de prazer quando pincelei seu clitóris com a língua e
ela se arqueou, fechando as coxas num aperto de morte no instante
em que o esfreguei com o polegar para deslizar a língua através da
sua entrada.
Suguei toda a umidade, provoquei-a com estímulos
simultâneos até seus tremores se transformarem em espasmos
fortes, seus gemidos se tornarem altos o bastante para serem
ouvidos pelo motorista e até seu corpo colapsar num orgasmo tão
forte que a fez desabar mole sobre mim.
ONZE
LIAM CALDWELL

As luzes quentes do meu apartamento se acenderam como


se meu próprio universo íntimo ganhasse vida para ser apresentado
à mulher exausta em meu colo.
Enquanto eu me livrava dos sapatos no hall de entrada,
seguindo o hábito do qual não abria mão ao chegar aqui, meus
olhos percorreram a sala extensa do dúplex, tentando imaginar o
que Sophia acharia dela. Todas as paredes de vidro permitiam uma
vista deslumbrante da Nova Iorque noturna que se estendia sob nós
agora, e o pé-direito aumentava a sensação de amplitude. A
decoração era composta sobretudo por aço e mármore, com a
predominância do preto nos detalhes e quadros, bem masculina,
mas nada exagerada. Talvez isso a surpreendesse.
No entanto, enquanto eu cruzava a sala e começava a subir
as escadas para alcançarmos meu quarto, o que Sophia escolheu
dizer foi:
— Você tem duas motos na sua sala.
Seu tom incrédulo me fez sorrir.
— E, de alguma forma, elas conseguem interagir com
harmonia com todo o conjunto ostensivo que você tem aqui — ela
parecia chocada quando voltou seu olhar para mim, seu rosto perto
demais do meu. Tão perto que não resisti a pressionar nossos
lábios. — Tenho pena da designer de interiores que precisou
quebrar a cabeça para conseguir esse milagre.
Sorri.
— Você tinha que encontrar algo para reclamar, não é? —
indaguei, deslizando o nariz pelo seu pescoço, numa provocação
sutil que arrepiou seus pelos. Eu estava adorando isso. Bastava me
aproximar de Sophia e até o calor do meu hálito era capaz de
desencadear esses arrepios em seu corpo, fazê-la me apertar mais
forte, como se estivesse toda sensível.
Talvez estivesse mesmo, já que tinha gozado tanto há menos
de dez minutos, que nem conseguira sair do carro com as próprias
pernas bambas.
— Não estou reclamando, só… que tipo de pessoa tem duas
motos na sala? — murmurou, pensativa, e senti o sorriso em seus
lábios.
Não consegui esconder meu próprio sorriso ao ouvir essas
palavras.
— O tipo que coleciona — respondi.
Ela meneou a cabeça em negativa, como se nem se
surpreendesse mais.
— Minha cama é ridiculamente grande, tem comentários
sobre isso? — provoquei. — Não acha que podemos fazer bom uso
dela?
Sophia se limitou a revirar os olhos, apertando os lábios para
minar um sorriso, então me abraçou mais forte para acomodar o
rosto sobre meu ombro e observar o apartamento uma última vez.
Alcancei o segundo pavimento e não demorei a atravessar a
porta do meu quarto. A escuridão nele era parcial, graças à única
parede de vidro que havia nele e enviava a luz da lua por sobre a
cama ampla. Todo o ambiente se iluminou com um comando de voz
meu.
Em poucos segundos, depositei Sophia sobre os lençóis
negros. Ela se deitou, os cabelos escuros brilhantes se estendendo
em ondas perfeitas sobre o colchão, o rosto lindo corado e com o
tipo de brilho que qualquer filho da puta sentiria orgulho de
despertar em uma mulher.
E meu peito se encheu de orgulho, porra. De satisfação.
Sophia ergueu uma perna deliciosamente torneada até seu
pé, coberto por saltos não tão altos quanto normalmente, pressionar
meu torso. Estreitei os olhos, mas ela sorriu. Com malícia. Como
uma gata manhosa que já sabia que tinha poder demais sobre mim.
E mesmo sabendo do perigo que Sophia poderia representar por ter
consciência disso, eu não a afastei, nem me afastei. Não neguei
essa porra nem lutei contra o poder que essa pequena bruxa tinha
sobre mim, em vez disso, cedi, comecei a desafivelar a sandália. E
fiz o mesmo com a outra logo em seguida, antes de cobrir seu corpo
com o meu na cama.
Concentrei o meu peso sobre os joelhos e em um braço, para
não a sobrecarregar, e acariciei seu rosto e cabelos com a mão
livre. Sophia manteve as pernas bem abertas para que eu pudesse
me encaixar entre elas e buscou meus lábios primeiro. Agarrei seus
cabelos negros com força ao aprofundar o beijo e ela se
desmanchou gemendo meu nome num pedido que foi
imediatamente compreendido e atendido. Puxei as mechas grossas
ainda mais forte.
— Acho que estou viciado nessa sua boca, Sophia — grunhi,
sem conseguir largá-la, deixando beijos e pequenas mordidas nos
lábios já inchados. Ela sorriu e um suspiro baixinho lhe escapou
quando afundei meu rosto em seu pescoço, beijando-a ali também,
inspirando seu cheiro, lambendo o suor da sua pele. — E nesse
cheiro… nesse gosto… Algo me diz que me enterrar em você vai
ser minha ruína, porra.
Ela me prendeu mais forte entre suas pernas, minha ereção
encostou na sua boceta nua e a dor disparou em choques através
do meu abdome. Eu já estava duro demais para ainda ser torturado
assim.
— Quer desistir, Caldwell? — provocou.
— Nem fodendo — rosnei.
Seu sorriso aumentou, os orbes brilhantes atentos aos meus
quando começou a puxar minha camisa para fora da calça. Ajudei-a
a se livrar da peça e percebi o momento que meu torso nu roubou
sua atenção. Seu olhar negro e fascinado intercalou entre meu peito
e braços. Mais especificamente, entre os músculos e as tatuagens
neles. Ela não resistiu a tocá-los.
— Eu nunca imaginaria isso — sussurrou. — Ou que você
gostaria de motos.
Sorri, recuando na cama para me livrar também da calça.
Sua atenção migrou para o volume grande demais na minha cueca.
— E o que imaginou, Sophia? — indaguei.
— Você é tão sério e chato… careta — sussurrou, sorrindo, o
olhar ainda preso à minha virilha. — Achei que seria do tipo que
diria que motos são perigosas demais.
Não resisti a um sorriso também, adorando vê-la tão vidrada
no meu pau, que inchou ainda mais antes mesmo de ser libertado
para sua admiração.
— Elas podem ser — admiti, rouco. — A graça está em se
arriscar mesmo ciente disso.
Ela me encarou por um instante, mas seu olhar embevecido
migrou para meu pau novamente quando baixei a cueca devagar,
consciente de que o mero atrito do tecido na minha ereção seria
suficiente para eu ter um espasmo incontrolável, dolorido como o
inferno. E foi exatamente o que aconteceu, mas antes que eu
pudesse me recuperar, aquela pequena bruxa agiu. Em um
momento ela estava deitada sobre a cama, me observando, e no
outro, estava sentada, sua mão quente e macia envolvendo minha
ereção com força, com seu rosto pairando próximo demais dela.
— Caralho, Sophia! — Meus músculos se contraíram sob seu
toque e o prazer me atingiu de um jeito que me deixou zonzo,
dominado pelo seu movimento firme. Não fui capaz sequer de
controlar o impulso dos meus quadris para foder sua mão. Estava
duro como uma rocha, porra, acho que nunca tinha ficado assim por
ninguém. — Mais forte!
Ela fez exatamente o que mandei, me apertando sem pena,
como sua boceta com certeza faria, e a pressão na minha virilha
aumentou, minhas bolas incharam. Precisei agarrar seus cabelos
para encontrar apoio.
— Você fez os exames? — murmurou, erguendo o queixo
para buscar meus olhos, sem parar de me masturbar. Acho que
comecei a ver estrelas. Não tinha mais certeza de quanto do que
sentia era dor e quanto era prazer, esses conceitos estavam bem
deturpados a essa altura. Pareciam ser uma coisa só.
— Fiz… Estou limpo, Sophia — não sei se meus sussurros
roucos por entre a respiração pesada foram audíveis para ela, mas
prossegui: — Estão n-na mesa de cabeceira.
— Então me deixa chupar você, Caldwell — pediu, de um
jeito bem manhoso, que me deu certeza de que eu seria capaz de
negar poucas coisas que essa mulher me pedisse desse jeito.
Mal terminei de concordar e ela me mandou sentar sobre a
cama. Em segundos, se ajoelhou entre minhas pernas e as unhas
longas arranharam o interior das minhas coxas, num movimento
lento e superficial que me fez agarrar seus cabelos com mais força,
adorando a provocação, a tortura, mas perto demais do meu limite
para permitir que ela prolongasse demais aquilo. Acompanhei-a com
o olhar e resfoleguei quando voltou a agarrar a base da minha
ereção. No momento que seus lábios encontraram a cabeça grossa
do meu pau, movi os quadris num impulso involuntário, me enfiando
mais fundo em sua boca.
Ela estava tão quente, porra! E úmida, como se a expectativa
de me ter em sua boca já fosse suficiente para enchê-la de água.
Nós dois gememos.
— Fique quieto — mandou.
E eu obedeci, fiquei quieto porque me mataria se ela parasse
justo agora. Mas ela não parou. Não parou mesmo. Percorreu com a
língua toda a minha extensão, me masturbou enquanto chupava
minhas bolas, então voltou a atenção para o meu pau e alternou de
novo. Eu acho que perdi a noção da realidade em algum momento,
preso à sua imagem, tenso como um inferno, gemendo e xingando
como não lembrava de já ter feito, certo de que gozaria como nunca
não importava o quanto tentasse me controlar.
Ainda assim, não a interrompi, me limitei a segurá-la mais
forte pelos cabelos, a enrijecer todos os meus músculos para
permanecer imóvel. Completamente à mercê do domínio dessa
mulher.
— Vou gozar — avisei, dando-lhe a chance de se afastar,
mas ela não o fez, só me apertou mais forte, no punho e na boca,
me ordenhando e chupando, exigindo sem palavras que eu lhe
desse o que era dela.
E eu dei, porra. Gozei duro, em jatos intensos que ela engoliu
enquanto um tremor vergonhoso atravessava meu corpo e eu me
tornava incapaz de permanecer imóvel.
Desabei sem fôlego sobre a cama, aéreo, completamente
fora de órbita. Sem forças, como se essa pequena bruxa tivesse
usurpado cada gota de energia do meu corpo.
Por entre minha visão turva e as respirações ofegantes,
Sophia surgiu como uma deusa, as pernas roliças se acomodaram
sobre meu colo, a boceta nua bem-posicionada sobre o meu pau,
que ainda pulsava e latejou muito desperto ao tê-la molhadinha,
inchada e sensível.
Sophia levantou o vestido que usava, desnudando o corpo
gostoso bem diante dos meus olhos. Para minha apreciação.
Linda.
Linda demais.
Eu queria apertar, morder e lamber cada uma das suas
dobras e curvas, trilhar com a boca cada centímetro do seu corpo,
marcar com os dentes o caminho delicioso delas e vê-la tremer de
prazer enquanto eu o fazia, incapaz de negar que era minha.
Quando ela lançou o vestido para longe, seus peitos pesaram
livres do tecido e me vi hipnotizado pela perfeição deles. Umas
poucas pintinhas salpicavam seu colo, os mamilos escuros e
pequenos estavam duros, tão prontos para minha boca. Não resisti
a trazê-la para mim, inclinando seu tronco contra meu corpo até ser
capaz de agarrar seus seios, tomá-los na boca e mamar os dois
com força, um de cada vez.
Sophia arqueou o pescoço, gemeu e rebolou gostoso, num
movimento claramente inconsciente, instintivo, espalhando nossos
fluidos antes de deslizar, se esfregando sobre toda a extensão do
meu pau, até fazer meus olhos revirarem.
Por algum milagre, eu estava semiereto, e o vai e vem
dolorosamente prazeroso dela me fez endurecer muito mais rápido
que o normal. Mordi seus mamilos, desci uma mão através da sua
espinha, até alcançar a bunda e estapear forte. O barulho do tapa
inundou o quarto, seguido do seu grito de prazer e do som
produzido pela fricção dos nossos corpos, conforme ela se movia
cada vez mais rápido, quase fora de si.
— Sophia — grunhi, baixo e rouco, um dedo atrevido
passando por entre suas nádegas e deslizando sem dificuldade até
a entrada latejante da sua boceta. — Você tá pingando, bruxinha.
— Preciso gozar — ela choramingou. E emitiu um som alto
de prazer quando enfiei um dedo em seu corpo. As pernas
tremeram tanto que ela nem conseguiu continuar se esfregando em
mim. Incapaz de controlar o próprio corpo.
— Com meu pau?
— S-sim.
Beijei seu pescoço. Mordi sua pele. Senti sua pulsação
alucinada sob minha língua e massageei sua boceta só para
provocá-la ainda mais. O fato de ela não conseguir conter os
próprios gemidos me deixou mais louco.
— Sophia? — chamei de novo, baixinho, perto do seu ouvido.
— Hum?
— Como um cão raivoso deveria comer sua cadela?
Um espasmo intenso atravessou suas paredes internas. Ela
contraiu as pernas e arfou, abalada. Os orbes negros cintilavam
embriagados quando voltou seu olhar para mim, seu rosto estava
vermelho, suado. Lindo demais. A voz saiu rouca e instável ao
responder, contra minha boca:
— De quatro, Caldwell… — ela mordiscou meu lábio inferior
—, com força.
— É? — Beijei sua boca. — Então fica de quatro pra mim.
Sophia gemeu baixinho, toda manhosa, devolveu o beijo e
fez o que mandei. Sem discutir. Sem prolongar a provocação que
obviamente já era demais para ela.
Meu peito subia e descia quando me levantei e busquei por
preservativos na mesa de cabeceira. Rasguei a embalagem, me
cobri e, em tempo recorde, estava me posicionando em sua entrada.
Uma das mãos massageando uma nádega grande e macia, a outra
segurando minha ereção e a esfregando em uma Sophia sensível,
curvada e bem empinada para mim. Deliciosa. Pronta. Deslizei os
dedos pela linha da sua coluna e agarrei seu cabelo em punho,
puxando-o devagar, mas com firmeza, até arquear seu torso para
trás, em minha direção, e poder sussurrar em seu ouvido:
— Sabe o que eu acho, Sophia?
Ela meneou a cabeça em negativa, sem fôlego, rebolando,
buscando a posição certa para me enfiar em seu corpo.
Mordi o lóbulo da sua orelha. Ela gemeu, mole, fraca.
— Que quando o meu pau entrar nessa sua boceta apertada,
eu não serei o único arruinado.
Ela não retrucou, nem negou, mas eu não precisava de uma
resposta, não precisava de uma confirmação. Eu sabia que estava
certo. E ela também. Por isso, tudo o que fiz foi estocar forte,
deslizando para dentro com uma dificuldade que não deveria existir
com toda a sua umidade, ela gritou e se contraiu à minha volta.
Perdi o ar. O foco. O prazer disparando por nossos corpos como
uma corrente elétrica vindo dela para mim e de mim para ela.
Perigosa e intensa demais.
— Más… — pediu… ou mandou.
— ¿Más?
— Si… Más… Más…
Sorri, puxando seu cabelo ainda mais forte, como ela
gostava.
— Isso, bruxinha, implora… — Mordi seu pescoço e o
espasmo que atravessou seu corpo só pareceu deixá-la mais mole
quando recuei em meus quadris e meti com força. Desta vez não lhe
dei tempo para processar o que sentia, apenas estoquei. De novo e
de novo. Ia tão fundo e rápido que Sophia voltou a tremer e latejar à
minha volta, mas não reclamou, não fez nada além de gemer e
cravar as unhas em minhas nádegas. Murmurar frases sem sentido
em espanhol.
Nós dois estávamos no limite.
— Você é muito mais gostosa do que eu pensava — rosnei
em seu ouvido, raspando os dentes em sua pele sensível —, seu
corpo, sua boceta… você por inteira, porra.
Seus joelhos começaram a tremer, instáveis, e a deixei se
apoiar no colchão para apenas receber minhas estocadas. Sophia
agarrou os lençóis, abafou seus gemidos neles e apertou meu pau,
em contrações intensas e ritmadas demais para eu acreditar que
aquela era apenas uma resposta involuntária do seu corpo.
— Puta merda! — rosnei, perdido nos seus movimentos, nas
coxas se unindo para tornar nosso encaixe ainda mais apertado, na
bunda se erguendo para me deixar ir mais fundo, nos quadris
tentando rebolar em meio às minhas investidas. Me provocando, me
lembrando do que também podia fazer comigo. Me deixando louco,
porra.
Até que estapeei sua carne macia com força e Sophia gritou
contra o colchão; bati de novo, sem pena, e ela gemeu gostoso, seu
corpo inteiro se contorcendo, a boceta latejando sem controle.
Quando o terceiro tapa estalou, um tremor intenso se apossou de
todos os seus membros e ela choramingou meu nome enquanto
tentava se afastar para diminuir a intensidade do que sentia, mas
não permiti, apenas me inclinei sobre ela e a envolvi com um braço,
meu próprio orgasmo perto demais para eu conseguir controlar.
Em meio aos seus espasmos e o gozo molhando meu pau e
pingando entre suas pernas até os lençóis, eu acabei gozando
também, sendo apertado pela sua boceta e a sentindo roubar cada
gota de porra que eu ainda poderia ter depois de Sophia ter me
chupado.
Caímos os dois exaustos sobre a cama, suados, ofegantes e
incapazes de ter qualquer pensamento coerente.
Só depois de minutos, eu consegui me livrar da camisinha
cheia e puxar Sophia para o calor dos meus braços, beijar sua pele
e aconchegar nossos corpos.
Ela prendeu a própria respiração, os músculos se retraíram
de um jeito que quase me fez hesitar, mas decidi aguardar, lhe dar
um tempo para se acostumar ao meu contato. E demorou, mas ela o
fez. Aos poucos, Sophia relaxou contra mim e acabou pressionando
o rosto ao meu peito, inspirando meu cheiro como fiz com o dela. Já
viciado naquela essência.
Essa bruxinha tinha me arruinado, porra. Essa era uma
certeza.
Eu não sabia o que era, mas essa coisa entre nós, vibrando
sob nossas peles e percorrendo nossos corpos mesmo depois de
fodermos, não era apenas tesão. Não era tesão o que tornara quase
uma necessidade trazê-la para os meus braços, pelo menos. E
também não era isso o que me fazia mantê-la neles nesse
momento.
Eu não seria capaz de nomear que porra era essa entre nós,
mas já parecia ter ultrapassado o mero desejo. Minha única certeza
era que a reação de Sophia à minha tentativa de intimidade era um
indicativo de que ela não estava pronta para reconhecer isso.
Ou para aceitar que eu exigisse ou oferecesse mais do que
ela estava disposta a dar e receber.
DOZE
SOPHIA GARCÍA

Se um homem te fode bem demais numa cama, é certo que é


capaz de te foder muito mais fora dela.
Em mais de um sentido.
Eu lembrava vagamente de ter ouvido isso em algum lugar e
essas palavras não saíam da minha mente. Enquanto eu ainda me
sentia terrivelmente sensível, com o coração batendo forte, a
pulsação agitada nos ouvidos e o calor de Liam envolvendo meu
corpo num abraço protetor e reconfortante que eu deveria ser capaz
de negar.
Nessa lógica, eu estava muito ferrada, não estava?
Nenhum homem, nunca, tinha me fodido desse jeito. E eu
nunca tinha gozado tão forte. Nunca tinha ejaculado! E olha que eu
conhecia muito bem as coisas maravilhosas que os melhores
vibradores eram capazes de proporcionar. Além de ter um
conhecimento considerável de movimentos pélvicos e ginástica
íntima que, com exceção dos últimos meses, havia tornado minha
vida sexual incrível por anos.
Nunca tinha sido assim com ninguém. Por que justo com ele,
meu Deus?! E por que eu o estava deixando me abraçar desse
jeito? Me manter tão perto? Por que era tão natural para ele fazer
isso enquanto eu, que mal sabia lidar com esse tipo de intimidade
com um homem, estava aceitando?
Nada disso fazia o menor sentido.
…eu não serei o único arruinado… ele havia dito. Será que
esse capullo também se sentia arruinado agora? Que estava com
metade desses questionamentos?!
Uma carícia suave teve início em meus cabelos longos
desgrenhados, percorreu a linha da minha coluna, eriçando pelos no
caminho e espalhando uma sensação gostosa, tranquilizante; que
me ajudou a abafar aquele excesso inquietante de pensamentos.
Por alguns segundos, conforme os dedos de Liam se moviam
sobre mim com uma delicadeza difícil de ser associada a ele, eu me
permiti apenas cerrar os olhos e respirar profundamente o seu
cheiro embriagante, a mistura de sexo, suor e do seu perfume.
Quando ele se moveu para nos mudar de posição, me
surpreendi e acabei prendendo a respiração. Minha cabeça voltou a
encontrar os travesseiros e seu rosto pairou acima do meu. Ele me
observou em silêncio, como se buscasse algo em mim ou tentasse
descobrir uma forma de dizer as próximas palavras. Cheguei a
pensar até que estava procurando uma desculpa para encerrar
aquela noite e me mandar de volta para o Brooklyn. Mas o que ele
fez foi beijar meus lábios suavemente e sussurrar, contra eles:
— Pedi que deixassem pronta uma refeição para nós. Está
com fome?
Soltei o ar devagar, com dificuldade, sem saber o que dizer.
Suas palavras tinham me pegado inesperadamente.
— Quase não comeu no piquenique — argumentou, um vinco
sutil se aprofundando em sua testa.
Engoli em seco.
— Estava ansiosa demais — admiti.
Eu tinha dois modos extremos de ansiedade. Ou comia
absolutamente tudo o que via pela frente para lidar com ela, ou não
conseguia comer nada. Era um milagre que minha pressão ainda
não tivesse baixado depois de tudo o que havíamos feito nessa
cama. E no seu carro.
Liam sorriu, aqueles olhos de uísque cintilando numa
provocação antes mesmo de ele proferir as próximas palavras.
— Ansiosa por que sabia que íamos transar?
Sim.
Mas eu nunca admitiria isso.
Meneei a cabeça em negativa e revirei os olhos.
— Não seja ridículo. — Desviei o olhar do seu. — Eu estava
ansiosa porque queria que tudo desse certo na revelação.
— Aham — provocou, sem deixar de sorrir. — Acredito.
Eu estava pronta para insistir na minha desculpa quando
seus lábios pressionaram os meus de novo. Então ele os
mordiscou… e logo fez o mesmo com o meu queixo… e desceu
pela minha mandíbula. E era tão, tão gostoso quando fazia isso.
Deveria ser pecado, sabe?
— Adora me morder, não é? — indaguei, sentindo meu
interior todo se aquecer e aquela pontada deliciosa no baixo-ventre
me lembrar de que eu continuava muito sensível. Liam enterrou o
rosto na curva do meu pescoço e deixou novas mordidas
provocantes em minha pele.
— Ainda vou morder você todinha, Sophia — prometeu, me
fazendo rir antes de ele voltar à minha boca. Para deixar beijos em
meus lábios. — Talvez depois de jantarmos.
Envolvi seu rosto com as mãos e observei seus cabelos
negros e desgrenhados, tentada a tocá-los, mas consciente de que
Liam não deixaria. Como não havia deixado no carro.
Eu ainda descobriria o motivo de ele não gostar que
tocassem em suas madeixas sedosas e bem-cuidadas.
— Estou com fome mesmo — avisei, retornando à questão
do jantar.
— Vou esquentar tudo e já volto — ele anunciou, depositando
um último beijo em minha testa e se erguendo. Travei e demorei uns
dois segundos para registrar aquele gesto e a naturalidade com que
Liam fizera aquilo.
Como se beijar a testa de uma mulher fosse algo corriqueiro.
Talvez fosse e eu que não havia convivido com homens
suficientes para receber esse tipo de beijo.
Permaneci imóvel enquanto ele se levantava muito
confortável com sua nudez espetacular e caminhava até o closet.
Em segundos, ele voltou vestido em um roupão preto e segurando
uma camisa branca bem-passada.
— Não tenho um roupão que caberia em você, mas… —
Estendeu a camisa para mim. — Essa deve servir.
Icei uma sobrancelha, sem acreditar em suas palavras.
Amarrar o roupão seria suficiente para fazê-lo “caber” em mim.
Ele sorriu.
— Você pode fingir que acredita nisso ou aceitar que eu
adoraria te ver com uma das minhas camisas. Escolha o que te fizer
sentir melhor.
Não consegui minar meu próprio sorriso enquanto me
levantava erguendo o lençol para cobrir meus seios.
— Você é um capullo mesmo — devolvi.
Ele deu de ombros, também sorrindo, e me entregou a
camisa.
— Me espere aqui — pediu, antes de sair, deixando a porta
entreaberta.
Olhei para a peça macia em minhas mãos e não resisti a
aproximá-la do rosto e inspirar o perfume. O cheiro de Liam invadiu
meu sistema como uma droga. Minha mente foi inundada por
imagens nossas de minutos atrás.
— Mas que droga você está fazendo, Sophia? — recriminei-
me baixinho, sem acreditar no que fazia.
Afastei o tecido irritada comigo mesma e evitando até olhá-lo
de novo ao vesti-lo.
Enquanto eu ainda fechava alguns botões da camisa em meu
corpo, meu telefone tocou na bolsa que Liam havia abandonado
sobre a mesa de cabeceira. Inclinei-me para pegá-lo, mas meus
joelhos reclamaram, as pernas ainda fracas e trêmulas pelo esforço
anterior.
Eu estava muito fodida.
Dei-me alguns segundos mais até me mover novamente e
agarrar o celular. Ao desbloqueá-lo, vi apenas a notificação de
chamada perdida e uma mensagem da diretora da ONG.

Estamos com um desfalque no abrigo, Sophs. Você tem


disponibilidade para vir ainda hoje?

Eu digitava uma mensagem explicando que não poderia ir


quando Liam retornou equilibrando uma bandeja repleta de comida.
Algo em meu semblante deve ter denunciado a minha preocupação
porque ele perguntou:
— Aconteceu algo?
Meneei a cabeça em negativa.
— Estamos com um desfalque de voluntários no abrigo
noturno e me pediram para cobri-lo.
Seus olhos se estreitaram.
— Mas já está tarde — argumentou, depositando a bandeja
sobre uma mesinha de centro que havia à frente de um sofá negro a
alguns metros da cama. — Seria perigoso ir para lá agora e ainda
passar a noite…
— Já informei que não posso ir, Caldwell — avisei e voltei
minha atenção ao telefone quando uma nova mensagem chegou.
Alguns instantes de silêncio se passaram enquanto eu
digitava. Quando meu estômago passou a realmente reclamar de
fome graças ao cheiro delicioso da comida que Liam trouxera, eu
voltei a erguer os olhos para a direção em que ele estava, ainda me
encarando.
— O que foi? — indaguei, abandonando o telefone sobre a
cama.
— Se não estivesse aqui em Manhattan, longe demais dessa
ONG, você iria, não é?
Acenei, concordando. Era a verdade. Eu não deixaria de
atender aquele pedido de ajuda se estivesse perto e livre.
Ele não disse mais nada, apenas me observou prender os
cabelos em um coque, no rosto uma expressão ilegível. Caminhei
devagar até Liam e estava prestes a me sentar sobre o sofá que ele
já ocupava quando fui puxada para o seu colo e um dos seus braços
envolveu minha cintura.
Apesar da minha hesitação momentânea diante daquela
posição, meu corpo foi rápido em aceitá-la mesmo que minha mente
nem compreendesse o porquê.
Por sorte, Liam não tratou isso como grande coisa, nem
insistiu na questão da ONG. E voltou a falar antes que eu pensasse
demais sobre essas questões.
— No nosso almoço no clube, você só comeu legumes a
vapor, então eu não sabia se você era vegetariana, vegana ou do
que gostava — iniciou, indicando a quantidade exacerbada de
comida que havia trazido —, por isso pedi que preparassem um
pouco de tudo.
Eu ri, meneando a cabeça em negativa. Não tinha comido
direito porque era tudo absurdamente caro.
— Sempre um exagerado, não é, Caldwell? — provoquei,
mesmo tocada por ele ter pensado nisso. E por ter trazido até
opções de comida mexicana. — Infelizmente não sou vegetariana
nem vegana. E há poucas coisas que eu não gosto de comer.
Desde que bem-feitas.
— Essa última parte me parece muito uma desculpa para
colocar defeito na comida dos outros.
Voltei a rir e me inclinei para pegar um burrito de um dos
pratos.
— Adoro cozinhar, comer bem e sou muito exigente, o que
posso fazer?
Liam me apertou mais forte pela cintura e depositou um beijo
em meu pescoço.
— Nisso não posso te julgar — sussurrou, a rouquidão em
sua voz trazendo um arrepio delicioso à minha pele, meu corpo
inteiro enfraquecendo sobre o seu conforme seus lábios a
percorriam. — Também adoro comer bem, sabe?
Voltei meu olhar apertado para ele, e o meio-sorriso que
encontrei fez meu coração dar uns saltos tolos. Então todas aquelas
perguntas de mais cedo retornaram.
Minha mente gritou em alerta.
Se afaste, Sophia. Se afaste agora. Você está indo por um
caminho sem volta, garota. De novo. Mas já sabe o tipo de
decepção que pode encontrar no fim dele.
Meus músculos chegaram a enrijecer, me preparei para sair
do colo de Liam e colocar uma distância segura entre nós,
determinada até a estabelecer novos limites sobre essa coisa de
intimidade, mas antes que eu pudesse fazer isso, ele me segurou
mais forte com uma das mãos e envolveu minha nuca com a outra,
voltando a aproximar nossos rostos.
— Aceitei o seu jeito, bruxinha — ele murmurou em meus
lábios, acariciando minha bochecha com o polegar, como se
soubesse exatamente o que se passava em minha mente nesse
momento. — Sem cobranças e complicação. Sem possessividade.
Sem te sufocar. Será que você pode lidar com isso?
Eu não sei, pensei, olhos presos aos seus. No entanto,
quando Liam mergulhou a mão entre meus cabelos e se inclinou
para me beijar, eu retribuí como se soubesse.
Como se pudesse lidar com essa intimidade que já
ultrapassava a sexual, como se pudesse ignorar a certeza de que
essa coisa entre nós era diferente de tudo o que eu já havia
compartilhado com qualquer homem.
Como se eu pudesse confiar de verdade nele e aceitar mais
do que o acordo que tínhamos.
Mas acho que eu sabia que não podia.
TREZE
SOPHIA GARCÍA

Dez semanas depois

— O que está fazendo aqui com esse barrigão, amiga?! —


inquiri, surpresa com a entrada de Liz na área que havíamos
fechado na rua para o jantar solidário da ONG. — Está tudo bem?
Ela sorriu, olhinhos castanhos brilhantes. Uma mão orgulhosa
acariciando o ventre de sete meses. Acabei sorrindo também, muito
boba porque minha amiga estava linda e as últimas semanas, desde
que descobrira que teria uma menininha em breve, a tinham deixado
radiante.
— Eu estou bem! Vim só ajudar nos últimos detalhes, já que
não poderei ficar à noite, para a ação.
Eu a envolvi em um abraço apertado, sentia tanto a sua falta
desde que havia se mudado do prédio. Óbvio que Manhattan era
logo ali, mas Liz agora tinha sua vida com seu homem, estava
montando sua própria casa e eu sentia muita falta de tê-la a uma
porta de distância, para conversar, rir de bobagens e assistir séries.
— Eu estou sentindo tanto a sua falta, amiga! — ela
sussurrou, se distanciando apenas o bastante para me encarar. —
Você deveria ir me visitar, sabia?! Ou me ajudar a comprar os
móveis da minha casa! Imagine nós duas montando uma casa sem
limites no cartão de crédito!
Aquilo me fez rir, por lembrar de quando éramos duas
ferradas fazendo contas no supermercado para comprar o máximo
com o mínimo possível.
— Não, você precisa aproveitar esses momentos apenas
com a sua mãe — lembrei-a, acariciando suas bochechas mais
cheias e me esforçando para manter meu sorriso.
Nos últimos meses, Liz começou a se reaproximar da mãe
enquanto aceitava a ajuda dela para escolher uma casa e deixá-la
pronta antes do nascimento da bebê. E eu não gostaria atrapalhá-
las de nenhuma maneira. Sinceramente não queria conhecer sua
mãe assim também. Já bastava estar escondendo de Liz que o
irmão dela e eu estávamos transando como dois coelhos há mais de
dois meses, eu não precisava ter que olhar para sua mãe e lembrar
que estava montando no filho dela como uma amazona. Ou arriscar
que ela desconfiasse de que era comigo que ele dormia quando não
passava a noite na casa dela. Eu conseguia imaginar a reação que
a senhora Caldwell teria e até as coisas que me diria para me
afastar, e não queria ter que lidar com isso.
— Vamos marcar outro encontro de garotas com a nonna,
então — sugeriu. — Emma já fez a prova para entrar no mestrado, e
agora que está livre disso com certeza vai aceitar nos encontrar
também.
— Tudo bem — concordei, satisfeita. Gostava de nonna e
havia gostado muito de Emma e Emy também.
Liz envolveu minha cintura com um braço e se aconchegou a
mim, fiz o mesmo com ela, sem querer soltá-la tão cedo. Paramos
diante da junção longa de mesas organizadas para receber pessoas
em situação de rua. Em algumas horas, esse lugar estaria cheio de
gente sendo bem alimentada. Expliquei para minha amiga como
tudo funcionaria hoje e acabamos engatando em assuntos
aleatórios depois disso, até eu atualizá-la sobre a loucura que
estava sendo transformar meu blog num portal voltado para o
público feminino. Ela estava me ajudando com algumas coisas.
Quando Liz encontrou duas mães dos seus alunos aqui da
ONG, eu a deixei conversando com elas e me afastei para verificar
as mensagens em meu celular. Só um pouquinho preocupada com
Liam.
Ele havia viajado para resolver alguns assuntos da empresa
e isso tinha se repetido com frequência nos últimos meses, mas
sempre mantinha contato porque era do tipo que adorava trocar
mensagens. Admito que eu havia imposto muitos novos limites entre
nós, que talvez estivesse sendo até um pouco neurótica ao tentar
prever cenários que me fariam repetir erros antigos, mas ignorar as
mensagens de Liam nunca fora algo que eu fizera. Gostava de
como ele me mandava fotos das coisas mais bobas e me fazia
participar do seu dia até nos detalhes mais idiotas — talvez o fato de
eu estar me sentindo solitária sem Liz por perto tivesse algum peso
nisso.
A questão era que ele saíra da Espanha nessa madrugada e
não havia mandado mais nenhuma mensagem desde que me
avisara do embarque. Eu sabia que nenhuma tragédia havia
acontecido porque esse tipo de notícia chegava rápido, mas era
óbvio que algo havia acontecido.
Se eu tinha aprendido uma coisa sobre Liam, mesmo me
forçando a manter uma distância segura, era que ele não era do tipo
que sumia do nada. Tampouco para chamar atenção.
Nossos jogos e provocações não envolviam coisas estúpidas
como essa.
— Sophs? — uma voz feminina chamou, arrancando minha
atenção do telefone ainda sem mensagens.
— Sim? — respondi, não me surpreendendo ao reconhecer a
diretora da ONG.
— Pode ir à cantina buscar para nós mais algumas toalhas?
Acho que ainda temos algumas nos armários de lá.
— Temos, sim! E vou lá agora mesmo.
— Obrigada, querida! — ela agradeceu, com um sorriso
gentil, e voltou a orientar os rapazes que carregavam as cadeiras.
Guardei o telefone no bolso e me apressei para dentro da
ONG novamente. Nosso novo vigia, um dos que fora contratado há
poucos meses graças a uma nova benfeitora, me cumprimentou
com um aceno educado, que retribuí com um sorriso, e abriu o
portão para mim.
Não demorei a chegar à cantina vazia e me enfiei na salinha
que fazíamos de almoxarifado para procurar o que precisava.
Passei alguns minutos nessa tarefa até encontrar sobre um armário
as três sacolas com toalhas. Estiquei o braço para alcançá-las e
aparei as duas primeiras sem dificuldade, mas a terceira exigiu mais
esforço e acabou arranhando um ferimento recente no meu
indicador.
O susto da dor inesperada me fez xingar e contrair o rosto ao
ver o sangue inundando o band-aid no meu dedo.
— ¡Carajo! — resmunguei, largando a sacola sobre o chão e
agora buscando a caixa de primeiros socorros que eu sabia que
também estava por aqui.
Inspirei fundo, tentando não me irritar de verdade com esse
ferimento estúpido de novo, e me sentei sobre o chão mesmo, para
cuidar desse sangue.
Retirei o band-aid com cuidado e umedeci o algodão com
antisséptico antes de usá-lo para limpar a ferida e estancar as
gotinhas de sangue que continuavam a surgir.
Expirei devagar, pressionando os lábios como se
conseguisse diminuir a dor que ressurgia. A ferida continuava
sensível mesmo após dias desde que eu havia me cortado no
apartamento de Liam.
Naquela noite, contudo, a quantidade de sangue fora muito
maior e tinha assustado o capullo enquanto cozinhávamos — ou
pelo menos tentávamos, já que ele era inútil até cortando temperos
e estava me deixando louca com seus pitacos sobre a quantidade
de chilli e sal que eu colocava na minha comida mexicana. Como se
ele mesmo não tivesse me feito experimentar um prato
superapimentado de comida sul-coreana.
Não consegui evitar o sorriso ao lembrar da discussão boba
naquela noite. No entanto, aos poucos, o sorriso se desfez quando
me lembrei de que Liam é que tinha cuidado do meu corte acidental
e feito um curativo para cobrir o meu dedo todo, depois insistira em
terminar minha receita sozinho para que eu pudesse “me recuperar”
— sim, ele tinha usado essas palavras. Quem ouvisse acharia até
que eu quase tinha perdido a mão.
Ele estragou minha preciosa comida mexicana, mas me deu
arsenal suficiente para provocá-lo por mensagens por toda a sua
viagem de trabalho.
Pressionei os lábios para desfazer outro sorriso e sacudi a
cabeça algumas vezes, tentando afastar aquelas lembranças. Mas
ficava cada vez mais difícil evitar que Liam ocupasse minha mente.
Nas últimas dez semanas, nos encontramos doze vezes.
Dormimos juntos em nove. E perdi as contas de quantas vezes
transamos. Em cada canto do seu apartamento, nos seus carros, na
banheira, na cozinha, até na minha sala da ONG, quando Liam viera
“conferir o resultado da reforma na cozinha que ele tinha
financiado”.
Achei que ele enjoaria rápido, sabe? Que se mostraria um
babaca e eu conseguiria mandá-lo para bem longe, mas
desenvolvemos uma espécie de relação baseada em provocações,
implicâncias, muitos beijos e sexo. E acho que comecei até a
enxergar o que Liz havia me dito sobre o seu irmão meses atrás.
Liam também é atencioso, carinhoso…
Ela estava certa. Tão certa. E fora muito difícil ser
confrontada por essa certeza. Eu não sabia como reagir a abraços,
beijos na testa e o cuidado de ninguém. Não tive isso com minha
família, nem em relacionamentos amorosos, nem mesmo José era
do tipo que gostava de abraços ou de ter suas mãos em mim pelo
simples prazer de sentir meu calor. Minha presença.
Liam era assim. E, para ele, fazer isso parecia tão natural
quanto respirar.
Enquanto, para mim, fazer isso era estranho.
Era embaraçoso.
Ser alvo desse tipo de contato era uma coisa que eu nem
sabia que queria, e agora que tinha, não sabia como lidar, por mais
que meu corpo soubesse exatamente o que fazer. Porque sempre
cedia. Sempre aceitava, mesmo contra meu bom-senso e a certeza
de que não importava o quanto Liam fosse carinhoso, o quanto
combinássemos em uma cama ou fora dela, ele ainda era um dos
herdeiros de Nova Iorque.
No lado da sociedade em que ele vivia, pessoas como eu
eram vistas, na melhor das hipóteses, como invasoras dos EUA e
mão de obra desesperada e barata. E eu nem pensava nisso como
uma forma de diminuir minha própria existência, sabe? Tampouco
de me vitimizar, porque eu não me enxergava, de nenhuma
maneira, como menos digna de alguém como Liam só porque ele
era rico. Essa era só uma forma racional de reconhecer nossos
papéis nesse mundo.
Eu podia ter sido cega em muitos sentidos no meu
relacionamento com José, especialmente por ter demorado a
compreender por que ele havia me escondido da sua família, mas
agora enxergava tudo. E sabia que como eu me via não interessava
para pessoas como José, sua mãe e o grupo seleto do qual Liam
fazia parte. Eles me enxergavam sob as lentes que queriam e elas
normalmente estavam deturpadas por desprezo, orgulho e
preconceito.
Expirei profundamente, agora determinada a afastar de vez
essa linha de raciocínio porque eu estava caindo numa espiral
infinita de pensamentos e uma dor de cabeça já se insinuava.
Concentrei-me no curativo que precisava refazer. E logo voltei
também à tarefa de encontrar as toalhas que poderiam ser usadas
no jantar solidário.
Eu já havia separado algumas quando ouvi a porta da cantina
sendo aberta e alguns passos pesados para dentro dela. Apurei os
ouvidos e inclinei o corpo em direção à entrada do almoxarifado,
que eu havia deixado entreaberta, e tentei descobrir se reconhecia
as vozes dos dois homens que entraram. Só ao reconhecê-las, eu
me tranquilizei. Eram os novos seguranças. Muito gentis e
prestativos. Há alguns dias, um deles tinha até me ajudado quando
José me abordou bêbado na rua em frente à ONG.
Essa era outra coisa que não saía da minha cabeça. Outro
problema. Eu já não sabia o que fazer para tirar aquele homem do
meu pé. Ele estava vindo atrás de mim com muito mais frequência
nos últimos dias, a ponto de eu desconfiar de que sua esposa não
estava na cidade.
Voltei a guardar o conteúdo das sacolas que havia
encontrado e ouvi a movimentação e conversa dos dois seguranças
na cantina. Quando o chiar da cafeteira se tornou audível, uma das
vozes profundas disse:
— Vou chamar Dustin para cobrir você então. O chefe
cortaria nossas gargantas se tirássemos os olhos da Srta. García
justo hoje. Esse lugar vai ficar lotado.
Meu corpo paralisou no meio do impulso que eu fazia para
me levantar do chão.
— E ele já está furioso comigo porque não interroguei o
bastardo que a atacou na parada de ônibus essa semana.
— Quem você acha que era ele? Um ex?
Uma risada baixa se fez ouvir.
— Com certeza um ex. — O barulho do café sendo
despejado em uma xícara concorreu com a voz do homem nas
próximas palavras: — Por que mais o chefe ia querer saber dele?
— Mas quem pode julgá-lo, não é? — Outra risada baixa. —
Que homem não ficaria louco de ciúmes com a possibilidade de
perder a Srta. García?
Aquelas palavras bateram em algo frágil no meu peito. Uma
certeza. Uma insegurança. Uma ferida? Eu não sabia.
— E como foi o turno fora da ONG? Ela não desconfiou de
que estava sendo seguida? Não deu trabalho por sair demais? O
pagamento é tão bom que parece até bom demais para ser verdade.
Hoje será minha vez e… — ele interrompeu as próprias palavras
quando me viu diante da porta do almoxarifado. Seu amigo derrubou
a xícara que segurava pelo susto de me encontrar ali. Os dois
obviamente notaram que eu tinha ouvido sua conversa.
Um silêncio desconfortável preencheu o ambiente.
Eu me esforcei para abrir a boca e questioná-los sobre quem
era o “chefe”, mas nenhuma palavra atravessou minha garganta.
Talvez porque eu já soubesse a resposta. Talvez porque não
quisesse aquela confirmação. Talvez porque minha mente estivesse
gritando “eu avisei” alto demais para eu conseguir me concentrar em
algo mais.
Por falta de energia para permanecer ali sustentando os
olhares daqueles desconhecidos que vinham me perseguindo sem
que eu soubesse, eu peguei a sacola de que precisaria e deixei
aquela cantina sem dizer nada a eles. Até porque, não eram eles
que precisavam responder minhas perguntas ou receber toda a
potência da raiva que começava a se acender em meu peito.
Obriguei-me a respirar fundo ao retornar à área montada para
o jantar e a ser gentil com as pessoas que me abordaram. Elas não
tinham culpa de eu ser uma estúpida que só havia conseguido se
ferrar ainda mais com outro homem possessivo que achava que
podia se meter na minha vida, monitorar meus passos e agir como
se eu fosse sua maldita propriedade intocável.
Aqueles seguranças estavam na ONG há meses. Meses.
Liam estava me escondendo que os havia contratado há todo esse
tempo? Eles estavam me perseguindo por todo esse tempo?
Como aquele capullo estúpido ousou fazer isso, droga?!
Cogitei abordar a diretora da ONG e questioná-la sobre esse
assunto. Descobrir se ela estava ciente dessa situação, porque era
óbvio que Liam havia dado um jeito de colocar aqueles homens aqui
dentro. Mas como ele tinha conseguido isso? Fizera um acordo com
a diretora?
No entanto, a chegada dos nossos convidados para o jantar
me fez desistir disso. Eu precisava ajudar a acomodá-los e fazer
com que se sentissem bem-acolhidos ali. Não deixaria Liam
estragar essa parte do meu trabalho.
Em meia hora, já tínhamos quase metade dos lugares à
mesa ocupados e as panelas industriais abarrotadas de comida já
estavam sendo posicionadas para começarmos o jantar. Liz se
aproximou de mim, certamente para se despedir, uma vez que já
parecia bem cansada graças ao peso da sua barriga.
— Você está bem, amiga? — perguntou, envolvendo-me com
um braço e apoiando sua cabeça ao meu ombro. — Parece
chateada com algo.
Tentei abrir um sorriso tranquilizante, mas não tive muito
sucesso.
— É por causa da polícia? — testou, franzindo a testa
delicada. — Não se preocupe, é de praxe virem conferir a
autorização para ocuparmos a rua assim. A senhora Colt está aqui e
vai cuidar dessa questão sem que você precise se envolver. Talvez
você nem os veja chegando e indo embora.
Acenei uma vez. Eu sabia disso. Não era o primeiro evento
nem jantar solidário que fazíamos na rua. No entanto, deixei Liz
pensar que eu me preocupava com isso. Estava fora de questão
explicar que seu irmão era um capullo manipulador e mentiroso que
tinha colocado homens para me perseguir. Ou que eu queria muito
chutar as bolas dele nesse momento. Que provavelmente o faria
quando o visse.
— Vou tentar não pensar nisso — prometi.
Ela acenou e abriu um sorriso antes de se inclinar para deixar
um beijo em meu rosto.
— Tudo bem. Agora eu preciso ir. Meus pés estão me
matando e minhas costas também.
Eu ri, abraçando-a. Começamos a caminhar juntas para a
saída.
— Vou levar você até o…
Minhas palavras foram cortadas por um urro enfurecido.
— Me larga, seu merdinha! — uma voz masculina e
conhecida gritou. — Tira essas mãos de mim!
Liz e eu paramos no meio do caminho, assustadas. Meu
coração errou várias batidas enquanto meus olhos buscavam por
José em meio à multidão de pessoas. Logo um homem foi
empurrado sobre várias pessoas, que foram caindo em um efeito
dominó, e uma brecha se abriu entre elas, suficiente para eu
reconhecer que era o vigia da ONG que estava no chão, sendo
acudido. E que fora José a derrubá-lo.
— Qual dos vagabundos vai me dizer onde está a minha
mulher, hein?! SOPHIA! APARECE, CARALHO!
Ele não estava só bêbado. Não podia. Estava descontrolado
demais.
Quando o olhar de José encontrou o meu por sobre as
pessoas que ainda tentavam se erguer, um tremor atípico percorreu
todo o meu corpo, adrenalina vibrou sob minha pele, tudo em mim
gritou para que eu corresse para longe. Não estávamos perto um do
outro, mas eu pude ver que os seus olhos claros estavam vidrados.
Como os de um viciado diante da sua droga favorita.
— Sai daqui, Liz — pedi, baixinho, colocando-me à frente
dela antes que José percebesse que ela estava comigo.
— O quê? Quem é esse homem, amiga?
Mas eu não tive tempo de explicar ou repetir a ordem.
José avançou em nossa direção feito um lunático.
E por saber que ele estava fora de si e não enxergaria que a
mulher ao meu lado estava grávida, eu me afastei da minha amiga e
me aproximei dele, me forçando a engolir o nó em minha garganta e
encontrar forças para tirá-lo dali. Para controlá-lo. Para revidar se
fosse necessário.
Eu só não contava com a força quase inumana dele naquele
momento, com o seu agarre violento, o puxão doloroso que me
desequilibrou quando tentei reagir e só facilitou que ele começasse
a me arrastar por entre as pessoas, empurrando-as e distribuindo
tapas e socos nelas pelo caminho.
Eu ouvi os gritos de Liz e dos transeuntes, senti a dor da
minha pele sendo esfolada contra o asfalto conforme era levada,
cravei minhas unhas nos antebraços de José e vi o reflexo de luzes
vermelhas e azuis no céu. Ele antecedeu o som alto da sirene de
polícia.
Então um corpo forte atingiu meu ex e o empurrou contra o
chão. Ele não me soltou e acabei sendo arrastada junto.
A última coisa que vi antes de as lágrimas nublarem minha
visão foi o mar de pessoas se abrindo para dar passagem aos
policiais.
QUATORZE
LIAM CALDWELL

Minha mente fervilhava.


Eu quase podia sentir os neurônios superaquecendo e
entrando em combustão sem acreditar que essa porra estava
acontecendo mesmo comigo. Que minha carreira estava entrando
na reta desse jeito por causa de uma filha da puta que eu nunca
tinha comido.
Encarei os meus dedos esfolados conforme abria e fechava a
mão. Ouvia as vozes dos meus amigos nesse escritório, mas minha
mente estava perdida nos minutos de conversa que eu tivera com
meu tio. Foram poucos, mas suficientes para culminar no que
certamente fora o segundo pior erro que cometi nos últimos meses.
Eu o soquei tão forte, que vi um dos seus dentes voar para
longe antes que Blake me tirasse de cima dele e me impedisse que
quebrá-lo com minhas próprias mãos. Já vinha controlando a
vontade de esmurrá-lo há muito tempo, mas as merdas que ele me
dissera tinham ultrapassado qualquer insinuação e provocação
anterior. Me tornaram incapaz de impedir aquela explosão na nossa
sede em Manhattan.

“Albert nunca devia ter te tirado daquele fim de mundo da


Ásia. Nem você nem aquela coisinha ingrata que você chama de
irmã e que deu as costas pra família na primeira oportunidade que
teve. E eu sei que ele só fez isso para garantir que eu não
assumisse os negócios, afinal, sempre pensou pequeno demais e
ignorou minhas recomendações, mas acho que podemos concordar
que não adiantou muito, não é? — Ele deixou escapar uma risada
seca, encarando-me com um desdém deslavado. — O idiota morreu
e ainda conseguiu te criar pra ser nada além de um fraco
inconsequente até aqui. Incapaz de ocupar o meu cargo… Ou foi
sua mãe que te deixou assim? Celina entende de ser fraca melhor
que qualquer pessoa.”

Grunhi novamente só de lembrar dessas palavras. Do


sorrisinho que aquele maldito não conseguia esconder ao me
agradecer por ter tornado as coisas tão fáceis para ele. Da raiva que
encenou à frente do Conselho antes da nossa conversa, quando
cheguei atrasado para uma reunião depois de um voo horrível de
mais de dez horas. Da forma como me tratou como um moleque e
me culpou por um escândalo sexual do qual eu mal tinha
consciência naquele momento. Na frente de todos.
Como eu poderia ficar quieto, porra?!
— Você transou com a mulher do governador?! — Bradshaw
berrou, para chamar minha atenção de volta ao escritório, onde
estávamos com Blake e Bruce. Apenas Chuck, que morava na
Alemanha, estava presente através de uma chamada telefônica, nos
ouvindo desde que chegamos aqui.
Os quatro tinham se reunido para tentar entender a merda
dessa situação em que eu tinha sido enfiado e descobrir como me
ajudar a sair dela.
— Eu não transei com aquela maluca! — bradei, sentindo o
meu rosto se contrair de raiva.
— Não é isso que essa manchete diz — argumentou, na
merda de um tom irônico que combinava com o sorriso tolo que
vestiu ao indicar o tablet que segurava. Essa era só uma das
manchetes que aquela desgraçada havia disseminado em sites de
fofoca e nas redes sociais. E que estava ferrando a minha vida
desde que voltei a colocar os pés nos Estados Unidos mais cedo.
Caralho, eu só queria retornar para a porra desse país e ver
Sophia logo. Agora tinha a maldita esposa do governador do estado
espalhando para Deus e o mundo um caso amoroso que nunca
tivemos.
Grunhi novamente. A cabeça latejando cada vez mais forte.
— Tem fotos, irmão — Blake lembrou o óbvio.
— Ela me agarrou! — expliquei, pela terceira ou quarta vez
nesse dia. — Vocês acham mesmo que eu seria estúpido a ponto de
trepar com a mulher do governador na porra de uma festa
beneficente na casa dele?!
— Nenhum de nós está dizendo isso — Bruce foi a voz da
razão desta vez. — O fato é que vai ser difícil desmentir essa
merda. Não importa se sua família é dona de um jornal e de um
terço dos meios de produção de informação desse país.
Cobri o rosto com as mãos, com uma vontade insana de me
tirar da minha própria pele. Raiva já estava longe de descrever a
merda que eu estava sentindo.
— Por que aquela filha da puta fez isso comigo, porra? —
questionei, para ninguém em especial. O rosto dela surgindo em
minha mente, naquele escritório. Me agarrando e tentando montar
em mim. — Com o próprio marido! Ele está em ano de campanha!
— Talvez ela queira justamente ferrar a campanha dele —
Chuck disse, através do telefone.
— Quais são os danos iniciais? — Bradshaw perguntou,
sempre disposto a pensar em soluções. — Vamos começar a
trabalhar por eles. Se você não teve um caso com aquela mulher,
ela não tem como manter esse escândalo por muito tempo.
Levantei-me agitado só por ser forçado a pensar nessa
merda de novo. Servi outro copo de uísque, já tinha perdido as
contas de quantos havia bebido e só após sorver um gole longo,
voltei a me sentar no sofá.
— Estou sob ameaça de perder a cadeira de vice-presidente
do Conselho do Grupo — iniciei, encarando o líquido ambarino no
copo. — Metade dos filhos da puta da diretoria já acha que eu sou
jovem demais para ocupar a cadeira de presidente do Conselho,
mesmo que eu administre três subsidiárias aqui em Nova Iorque,
duas em Chicago e lide com a maioria dos contratos internacionais
do Grupo. — Tomei outro gole do uísque. — Acho que o irmão do
papai vai usar esse escândalo pra me chutar pra escanteio de vez.
Só o silêncio ficou após minhas palavras.
Meus amigos sabiam o quanto era importante para mim
recuperar os negócios de papai, assumir a posição que fora dele e
guiar o Grupo segundo seus preceitos e não os da mente hostil e
elitista de Alexander. No entanto, eles também sabiam que aquele
desgraçado não permitiria que eu assumisse nada. Não quando ele
já tinha tudo sob seu controle há mais de dez anos e estava a
semanas de adquirir mais alguns anos, através do casamento
iminente de sua filha com um dos principais conselheiros.
Se minhas chances de ganhar a eleição para a escolha do
novo presidente do Conselho já pareciam preocupantes, com esse
escândalo, estavam quase inexistentes. E agora eu também
precisava lidar com a possibilidade de ser expulso do Conselho
antes mesmo da eleição.
Era como se a porra do meu mundo estivesse desabando.
— Eu já disse o que você precisa fazer para ganhar pontos
com aqueles desgraçados — Blake iniciou. Com a racionalidade fria
e inabalável de sempre. — E esse mesmo plano te ajudaria a pôr
fim a esse escândalo.
Casamento. Esse sempre fora o plano de Blake. Talvez se eu
o tivesse seguido desde o início, não estaria nessa situação de
merda agora.
Que porra, Liam! Que grande porra! Não basta sujar o nome
da família, você ainda vai perder de vez qualquer chance de
recuperar os negócios do seu pai.
— Que plano foi esse? — Ouvi Bradshaw indagar, mas não
me dei o trabalho de encará-lo novamente. Quem o respondeu foi
Bruce, em seu sotaque britânico:
— Se casar. Isso é o que pessoas como nós fazem para
adquirir mais poder. Ou ao menos para passar uma imagem estável
e respeitosa, coisa que esses velhos decrépitos de conselhos
adoram.
Chuck bufou.
— O Caldwell se casando? Vocês comeram merda por
acaso?
Casar.
A droga da palavra me trouxe uma vontade irracional de rir de
ódio, mas eu sabia que pareceria insano se o fizesse. Duvidava que
já não parecesse depois de ter socado meu tio na porra da
empresa. Onde todos poderiam testemunhar.
Casar.
Não era tão simples. Não era sobre me unir à primeira mulher
que surgisse à minha frente e ter todos os meus problemas
resolvidos. Era sobre unir forças com alguém também poderoso e
influente. Era sobre trazer para a minha família alguém que poderia
ser boa, mas também poderia causar um inferno na vida da minha
mãe. Era sobre confiar em uma mulher de novo, porque
independente do acordo por trás de um casamento, ele ainda era
exatamente isso: um casamento. E me causava náusea a ideia de
me casar por interesse. Por isso eu nunca tinha feito essa merda.
Por isso nunca tinha relevado a possibilidade de matrimônio.
Por isso, mesmo fodido com esse escândalo, eu não
conseguia pensar nessa opção. Para completar, nesse momento,
me casar com alguém com poder suficiente para me ajudar também
significaria ter que abrir mão de Sophia. E eu não conseguiria. Não
conseguiria mesmo, porra. Aquela maldita bruxinha intragável tinha
se enfiado sob a minha pele nesses últimos meses e eu sabia que
foderia minha própria mente se abrisse mão dela agora.
Eu podia lidar com suas limitações, podia até ser paciente
com suas regras e tentativas de evitar nossa aproximação, podia
esperar seu tempo… mas não podia lidar com a possibilidade de
perdê-la.
E nunca a transformaria na droga de uma amante. Nunca.
Tomei o que restava do meu uísque e me servi de mais
doses, que bebi em sequência enquanto meus amigos continuavam
a debater em meu entorno.
— Você precisa abafar esse escândalo — a voz de Blake se
ergueu acima das outras e tive certeza de que se dirigia a mim —,
para conter as consequências para o Grupo. A imagem de solteiro
inveterado não vai te ajudar nisso. Posso mediar um encontro com a
equipe do governador, para esclarecer a situação e pressioná-los a
fazer algo para remediá-la também. Não vou deixar você assumir
essa merda sozinho, levando a culpa por um caso que nunca
existiu. Se for necessário, podemos ameaçá-los com um processo.
Mantive-me em silêncio, então trouxe o copo de uísque com
gelo para a testa, tentando aliviar a pressão e o fervilhar na minha
cabeça.
— Você não precisa ter um casamento de verdade, irmão —
Blake continuou. — Posso redigir um contrato para proteger seus
bens, manter o sigilo e cláusulas para garantir que…
— Vocês não podem estar falando sério, porra! — Chuck
interrompeu. — A melhor saída pra livrá-lo dessa merda é um
casamento?! Mesmo?!
— Se pensou em algo mais, pode falar agora — Bradshaw
provocou.
O alemão grunhiu, revoltado. E todos o entendíamos. Chuck
tinha um histórico ainda pior que o meu quando o assunto era
mulheres. E para completar, fora criado apenas por homens
misóginos e babacas que viviam repetindo que a mãe dele havia
traído e enganado a todos. Não, ele nunca aceitaria a coisa do
casamento como opção para mim, especialmente depois de ver de
perto como fiquei por causa de Sarah anos atrás.
— Não dá pra confiar em qualquer mulher pra uma merda
assim! — ele argumentou. — Talvez vocês só consigam foder com
tudo de uma maneira ainda pior lá na frente.
Voltei a beber meu uísque enquanto ele ainda falava e não
perdi o momento que Bradshaw se afastou para atender uma
chamada em seu celular.
— O que houve?! Você está bem? Começou a sentir dores?!
— perguntou, o que foi suficiente para me fazer levantar já em
alerta. Ele só poderia estar falando com minha irmã. Liz estava com
pouco mais de sete meses de gravidez e nos preparávamos para
um parto a qualquer momento.
Dei duas passadas longas até Bradshaw, para ouvir o que
era dito a ele através do telefone.
— Não — a voz chorosa da minha irmã murmurava. — E-eu
preciso que você venha à delegacia do meu antigo bairro no
Brooklyn.
Meu coração congelou no peito.
— Delegacia?! — Bradshaw esbravejou. — O que houve?
— Comigo, nada. É a Sophs — disse, e se eu já estava
paralisado, todos os meus músculos se transformaram em rocha ao
ouvir aquele nome. — Houve uma confusão num jantar solidário da
ONG. Ela tentou apartar uma briga e a polícia acabou levando-a
junto dos arruaceiros, acreditando que ela estava envolvida.
Mas que porra!
Precisei cerrar as mãos em punhos para não arrancar o
telefone do meu cunhado e berrar perguntas para Liz.
— Você pode trazer o Blake? — ela pediu, a voz embargada.
— Eles chamaram a Imigração. A Sophs está sem visto há mais de
um ano e nós estamos assustadas…
Ofeguei ao ouvir isso. Ao ser lembrado disso.
Sophia pode ser deportada, e nada mais foi tão importante
quanto essa conclusão. Nem a situação fodida em que eu estava
metido na empresa, nem o escândalo que eu precisava resolver.
Liz voltou a falar, mas o choro que não conseguiu controlar a
obrigou a fazer pausas e pareceu cravar uma faca no meu peito.
Odiava saber que minha irmã estava assim, odiava tentar imaginar
como Sophia estaria numa porra de delegacia. Com medo. Sendo
tratada como uma criminosa.
Afastei-me para buscar o casaco e ignorei o olhar de Blake
sobre mim. Os questionamentos silenciosos. Só ele sabia que eu
ainda estava com Sophia. Só ele tinha alguma ideia de que a
energia violenta que eu emanava nesse momento já não tinha nada
a ver com a merda na minha vida.
— Porra, Sophia! — ele resmungou.
— Blake e eu estamos a caminho, Liz — foi a última coisa
que Bradshaw disse à minha irmã antes de sairmos do escritório.
Não registrei nada mais até o momento que me enfiei no
carro em que meu cunhado e Blake se acomodavam. Vi a dúvida e
todas as perguntas que cruzaram o semblante de Bradshaw, mas
ignorei, mesmo com Blake praticamente gritando em minha mente
que porra eu planejava fazer.
— Você… — Bradshaw tentou perguntar, mas o cortei antes
que concluísse.
— Vocês estão esperando o quê pra começar a dirigir essa
merda?!
Eles trocaram um olhar eloquente, com palavras que não
foram proferidas e, em segundos, estávamos cortando ruas
novaiorquinas.
No percurso, ouvindo os dois conversarem sobre a situação
de Sophia e o que poderia ser feito para ajudá-la, senti meu maxilar
trincar tamanha a força que usei para cerrá-lo. Meus punhos ficaram
dormentes por eu apertá-los por tanto tempo e a raiva começou a
criar imagens de uma Sophia algemada sendo levada pela
Imigração, o que foi suficiente para eu começar a me sentir um
animal preso nesse carro, inquieto, louco para chegar àquela
delegacia e avançar em qualquer filho da puta que ousasse se
aproximar dela.
— Por que ela não tentou conseguir o Green Card antes,
então? — Bradshaw questionou, voltando sua atenção para Blake,
que dirigia quase ultrapassando o limite de velocidade.
— Existem critérios para se conseguir um Green Card. Não é
tão fácil e Sophia não se enquadra nos grupos que têm mais
chances de ter o visto de permanência aprovado: não é parente de
um cidadão americano, não tem um trabalho fixo, não tem dinheiro
para investir no país e…
— Tem algo que você possa fazer para impedi-la de ser
deportada, então? Ou algo que nos ajude a conseguir um Green
Card para ela antes que seja tarde demais?
O olhar de Blake encontrou o meu através do espelho
retrovisor interno, só após escrutinar o que havia em meu
semblante, ele respondeu:
— União matrimonial.
Tensão carregou o ambiente fechado em que estávamos.
Bradshaw também buscou meu olhar na superfície do
espelho e desconfiei de que eu devia parecer prestes a ter um surto
de raiva, porque ele, assim como Blake, obviamente se preocupou
com o que eu faria quando saíssemos dali.
Ele podia não ter ideia de que Sophia e eu estávamos saindo
há meses, mas é claro que já tinha percebido meu interesse nela.
Especialmente depois que nos colocou juntos para preparar a festa
de revelação do sexo da minha sobrinha. Na época, eu podia não
ter sacado, mas hoje via com muita clareza. O filho da puta tinha
tentado dar uma de cupido.
Desviei o olhar para fora do carro e tentei domar a fera
violenta dentro de mim. Em alguma parte remota do meu cérebro,
ainda havia um indício de racionalidade, sutil, mas suficiente para
me lembrar de que, nesse caso, usar a raiva não me ajudaria a me
fazer ouvir ou obrigar alguém a liberar Sophia, não, essa situação
exigia que eu usasse a face do poder.
A arrogância. A prepotência do herdeiro que sabe que pode
ter tudo o que quiser por simplesmente ser quem é. Usar o nome da
minha família, o dinheiro, o prestígio, tudo que fosse capaz de
lembrar quem eu era na porra desse estado. E era isso o que eu
faria, sem pensar duas vezes. Porque essa era a arma que me
sobrava, quando não me respeitavam por quem eu era e quando
não me respeitavam pela força.
Eu tinha demorado, mas havia aprendido.
Saltei para fora do carro tão logo ele foi estacionado no meio-
fio de uma das delegacias do Brooklyn. Blake e Bradshaw
caminharam às minhas costas como se estivessem prontos para me
segurar e impedir que eu cometesse um crime à frente de todo o
esquadrão de polícia.
Passei os dedos através dos cabelos, numa tentativa de
arrumá-los de modo civilizado, e depois enfiei as mãos nos bolsos
do casaco negro.
Entramos na delegacia e acabamos nos separando.
Bradshaw foi atrás da minha irmã, Blake seguiu para se apresentar
como advogado a um dos detetives, mas parei no meio do salão,
observando as pessoas, em busca de Sophia, mas também do
capitão que estava à frente de todos aqueles policiais.
Ele era o meu alvo.
Não demorei a localizar o homem sisudo e de postura
imponente, nem hesitei em abordá-lo. Seu nome estava gravado no
uniforme oficial que usava.
Eu não o conhecia, mas sendo um capitão do departamento
de polícia, ele não teria dificuldade em se lembrar quem eu era. Não
apenas por ser de uma das famílias mais influentes do país, mas
porque eu comandava três das maiores subsidiárias de
telecomunicação do Grupo Caldwell, que estavam sediadas em
Nova Iorque. Era a mente por trás dos canais abertos, fechados, do
maior jornal impresso e também do maior online. Era para os meus
jornalistas que o departamento de polícia disponibilizava relatórios e
estatísticas diárias, era aos meus jornalistas que eles cediam
entrevistas. Era a nós que o comissário do Departamento de Polícia
recorria quando precisava que algo fosse disseminado na mídia.
O homem não demorou a me reconhecer depois de ver meu
cartão de apresentação, tampouco a compreender a situação que
eu lhe informei. Não sei se por meu tom de falso controle ou pela
expressão assassina que eu não conseguia mudar, mas notei a
tensão que tomou seu corpo no instante em que eu proferi uma
única palavra.
Aquela que certamente mudou tudo em sua mente e que
mudaria tudo em minha vida.
— Quem é ela? — perguntou e nesse momento precisei
buscar meus amigos através do salão. Não demorei a encontrá-los
à frente da mesa de um detetive. Meus olhos focaram em Sophia,
sentada de costas para mim, à frente do detetive velho e caucasiano
que a encarava com desprezo, meneando a cabeça em negativa
para algo que Blake dizia.
— Aquela. — Apontei para Sophia, de modo que o capitão ao
meu lado a identificasse. — Aquela é a minha mulher.
O homem acenou, ainda tenso.
— Creio que houve um engano, senhor Caldwell. Acredito
que ela tenha sido a vítima da confusão que a trouxe aqui, então?
— ele indagou, como se confirmasse a versão na qual eu queria que
acreditasse. Era um filho da puta. Porque se Sophia havia dito isso,
sua palavra não valia de nada, mas se um riquinho arrogante e
cheio de poder surgia e o obrigava a engolir essa versão, mesmo
sem provas, ele aceitava.
Acenei numa afirmativa e apertei os punhos dentro do
casaco, para controlar a ira que sentia só por mais alguns
segundos. No entanto, eu já me sentia uma bomba-relógio prestes a
explodir, sentia cada veia pulsante em meu cérebro.
— Vamos resolver essa situação agora mesmo.
Caminhamos juntos em direção à mesa do tal detetive e a
cada passo que demos, as batidas do meu coração se aproximaram
mais de socos contra minha caixa torácica. Socos que reverberaram
em meu corpo e latejaram em meus ouvidos.
Um tipo de pavio foi aceso no instante que vi Sophia passar
uma mão no rosto para limpar lágrimas. Precisei prender a porra de
um rugido em meu peito.
— Smith, pode liberar a senhorita — o capitão disse ao
detetive.
Sophia limpou o rosto de novo e voltou sua atenção para o
capitão às suas costas, fixando nele por segundos antes de seus
orbes negros percorrerem também Blake, Liz e Bradshaw, até me
alcançarem ali. E focarem em mim. Uma série de sentimentos e
emoções cruzou seus olhos, numa mistura confusa demais para eu
ser capaz de compreender tão rápido, mas intensa o suficiente para
me deixar em alerta. Preocupado com o que ela poderia estar
sentindo.
— Mas, senhor — o detetive roubou nossa atenção —, ela é
uma imigrante que foi pega no flagra. Não podemos…
— Libere a moça — o capitão insistiu.
O detetive se ergueu, o rosto tingido de vermelho graças à
irritação e o desprezo que não conseguia disfarçar.
— Mas essa latina… — O homem nunca concluiu. Avancei
sobre ele como um predador que abate uma presa, meu punho
socou a mesa que estava entre nós e o som assustou a todos no
entorno. O filho da puta praticamente engasgou com as próprias
palavras e recuou um passo quando me inclinei em sua direção,
impondo minha presença, meu tamanho, minha força.
Foda-se, eu não tinha mais qualquer interesse em esconder a
face que esses filhos da puta realmente mereciam ver.
— Essa latina é minha noiva, porra, e você vai soltá-la agora!
QUINZE
LIAM CALDWELL

— Creio que a situação já foi resolvida — a voz firme e


pacífica de Blake soou às minhas costas, um instante antes de ele
pousar sua mão sobre o meu ombro e apertar sutilmente, como se
tentasse alcançar algum vestígio de sensatez em mim e me impedir
de piorar tudo ainda mais.
— Sim, foi — o capitão da delegacia informou, então
pigarreou. — A moça está liberada.
Estreitei os olhos para o filho da puta à minha frente e me
forcei a sair daquela postura de ataque.
— Vamos, Sophia — chamei, enfim voltando minha atenção
para ela, que ainda parecia ter dificuldades de digerir o que
acontecera nesses poucos segundos. Seus olhos negros baixaram
até a mão que estendi em sua direção, para ajudá-la a se levantar
da cadeira.
— Sinto muito pelo transtorno, senhor Caldwell — o capitão
da delegacia disse, mas eu ainda não lhe dirigi um olhar, focado em
Sophia, no modo como encarava minha mão e piscava como se
tentasse afastar lágrimas. Ela engoliu em seco com dificuldade.
Franzi a testa, sem entender o que acontecia, mas já
preocupado, deixando de lado qualquer emoção anterior. Sophia
não costumava hesitar daquela maneira. E nesse momento parecia
estar à beira do limite, de um que nem mesmo eu reconhecia.
Que merda havia acontecido antes de ela chegar ali?
— Vamos, Sophs. — Liz se precipitou até a amiga,
colocando-se à minha frente. — Venha comigo.
Recolhi minha mão e observei em silêncio enquanto minha
irmã a amparava e ajudava a sair dali. Apertei os olhos ao identificar
ferimentos em um dos braços e ombros de Sophia. Precisei travar o
maxilar para me impedir de ir até ela e descobrir quem a tinha
machucado. Ela parecia abalada demais.
Em vez disso, após vê-la sair com Liz e Bradshaw, voltei
minha atenção ao capitão.
— Quem foi o responsável pelos ferimentos dela? — inquiri,
baixo, demonstrando um autocontrole e calma que pareceram
deixar o detetive e o delegado ainda mais inquietos que minha
explosão anterior.
O detetive pigarreou depois que recebeu um olhar
significativo do seu chefe.
— Ela foi presa por se envolver numa briga de rua.
— Está me dizendo que a polícia foi responsável pelos
ferimentos da minha mulher? — rosnei, voltando meu olhar afiado
para ele.
— Não! — se apressou em dizer. — Ela já estava assim
quando foi presa com o senhor… — ele revirou algumas folhas de
papel sobre a mesa — José Gonzáles Díaz, que está numa cela
aguardando seu advogado porque chegou aparentemente drogado
e se mostrou um perigo para todos.
José… esse fora o único nome que o segurança de Sophia
conseguira me dar ao relatar o ataque sofrido por ela dias atrás. Ele
havia dito que fora esse o nome que ela usara para se referir ao
desgraçado que a tinha abordado.
Acenei, migrando minha atenção para Blake, que permanecia
ali, como se ainda esperasse precisar me conter de alguma
maneira. Trocamos um olhar eloquente, não tive que dizer nada
para que ele soubesse que eu queria que descobrisse quem era
esse maldito José González.
Voltei meu olhar ao capitão da delegacia e inclinei minha
cabeça por um segundo, num cumprimento final.
— Obrigado pela compreensão, capitão — agradeci, muito
consciente de que meu tom ainda não parecia amigável nem nada
próximo a isso.
Em segundos, Blake e eu deixamos aquele maldito lugar.
— Consegue descobrir quem é esse filho da puta? —
indaguei, enquanto atravessávamos as portas de saída da
delegacia.
Blake expirou profundamente.
— Eu acho que… — ele se interrompeu quando seu olhar
capturou algo na rua, ao segui-lo, vi dois brutamontes e uma
senhora esguia e altiva se aproximarem de onde Sophia estava com
Bradshaw, que segurava a porta do carro aberta. Liz certamente já
estava acomodada nele. — Merda — Blake emitiu, ao caminhar
apressado, bem a tempo de vermos a filha da puta que seguia
Sophia desferir um tapa em seu rosto.
Um rugido animalesco escapou do meu peito ao ver aquela
merda, disparei como um trem desgovernado em direção a eles.
Passei por Blake com a visão já tingida de vermelho, as mãos
coçando para afastar os filhos da puta que se colocaram à frente da
mulher quando Sophia tentou revidar. Bradshaw precisou segurá-la
para não socar os infelizes.
— É o seu filho que está me perseguindo há mais de um ano!
— ela berrava, a plenos pulmões, como se guardasse aquelas
palavras há tanto tempo que já não reconhecesse outra maneira de
colocá-las para fora. — Ele é quem não me deixa em paz! Ele é
quem está transformando a minha vida num inferno!
— Sua prostituta latina insolente! — a senhora afastou os
homens que lhe serviam de escudo e chegou a novamente erguer a
mão para Sophia, mas desta vez eu a agarrei antes que pudesse
atingi-la.
— Que porra é essa aqui? — rosnei, prendendo o pulso fino
e erguendo os olhos furiosos para os desgraçados que ensaiaram
vir em defesa da mulher. Larguei-a ao ouvi-la gemer de dor. Estava
bravo demais para medir a porra da força que usava, mas não
queria machucá-la. Talvez aos brutamontes que decidiram se
colocar à frente dela novamente, sim.
Contudo, Blake me impediu.
— Deveria estar mais preocupada com seu filho, senhora
Díaz — ele disse, a voz profunda e aveludada, como se nada ali o
tivesse abalado. — Desta vez tenho provas para um processo capaz
de fazê-lo se arrepender de tudo o que fez hoje.
A mulher se enfiou por entre os seus seguranças, o
semblante não mais tão imponente. A sombra de preocupação
recobrindo seus olhos claros.
— Espere também — meu amigo prosseguiu, sem dar a ela a
chance de proferir qualquer palavra — um processo de agressão,
por ter tocado na minha cliente, e outro por caluniá-la.
— Sua cliente estará no fim do mundo ao qual ela pertence
antes que você tenha a chance de cumprir essas ameaças — ela
prometeu, se recompondo e pressionando os lábios numa linha fina.
— Farei questão de empurrá-la para lá. De garantir que nunca mais
consiga sair.
A mulher começou a se afastar, mas eu avancei um passo
em sua direção, a impedindo mesmo sem tocá-la.
— É bom que tenha força suficiente pra me derrubar, então
— avisei, numa mansidão fingida —, porque essa é a única maneira
de chegar até Sophia a partir de agora — informei.
Ela içou uma sobrancelha com desdém.
— E quem é você?
Meus lábios se esticaram num sorriso lento, que eu duvidava
que parecesse algo além de um alerta de perigo.
Avancei outro passo curto, obrigando-a a sustentar meu olhar
e ter certeza da seriedade em cada uma das minhas próximas
palavras.
— Eu sou o noivo da Sophia, senhora Díaz. E vou esmagar
seu filho se ele continuar perseguindo a minha mulher. Vou destruí-
lo na porra dessa cidade, expulsá-lo daqui como o rato doente que
ele é e garantir que volte ao inferno do qual nunca deveria ter saído.
— Ela arfou. — E a única forma de a senhora ajudá-lo será indo
viver sob os escombros da vida fodida que ele terá.
Enfiei minhas mãos nos bolsos do casaco e recuei um passo
para permitir que ela se afastasse. Mas não desviei meu olhar do
seu antes de concluir:
— Boa sorte para tirar seu filho drogado daqui. E pra protegê-
lo dele mesmo a partir de agora.
Ela voltou a resfolegar. O rosto vermelho, os olhos sendo
nublados por alguma emoção que não me dei o trabalho de
identificar. Seus lábios se entreabriram para retrucar, um dedo em
riste foi apontado para mim, mas um dos brutamontes com ela se
colocou entre nós dois e a chamou, lembrando-a de que precisavam
entrar.
Logo os três saíram juntos, sob meu olhar atento e
semicerrado. A imagem daquela mulher batendo em Sophia
retornou à minha mente, atiçando a raiva que ainda ardia em mim
numa queima lenta.
— Dá muito trabalho ser seu advogado, irmão — Blake
murmurou, meneando a cabeça em negativa.
— Eu não menti em nada — defendi-me. — Nem falei que ia
quebrar a cara daquele filho da puta se o visse por perto de novo…
e ela mereceu ouvir tudo o que eu disse.
Ele bufou enquanto dávamos as costas àqueles três.
— Com isso, não posso discordar — foi a última coisa que
ouvi Blake dizer antes de meu olhar alcançar Sophia novamente,
agora imóvel entre os braços de Liz, que tentava consolá-la mesmo
chorando. Olhos negros injetados de lágrimas, rosto avermelhado,
semblante exausto.
Vê-la assim me atingiu como um soco. Não consegui conter o
impulso de ir até ela e trazê-la para os meus braços, mesmo sob o
olhar desentendido da minha irmã.
— Está tudo bem — sussurrei, apertando-a um pouco mais
forte ao sentir aquela tensão passageira, que sempre tomava seu
corpo quando eu a abraçava, começar a ceder. — Ela não fará nada
mais contra você. Nem aquele filho da puta. Não vou deixar,
bruxinha.
Não me importei com a atenção de Liz e Bradshaw sobre
nós, nem me dei o trabalho de encará-los ou explicar algo. Eles que
tirassem as próprias conclusões por enquanto, eu estava focado
demais em Sophia. No tremor suave do seu corpo, no medo que ela
não conseguia esconder. Ela não retribuiu meu abraço, mas não
tentou me afastar, nem hesitou quando depositei um beijo no topo
de sua cabeça e comecei a acariciar seus cabelos, do jeito que eu
sabia que a acalmava.
— Você não será deportada — prometi.
O olhar brilhante de lágrimas de Liz encontrou o meu por
alguns segundos, achei que me questionaria sobre o que estava
acontecendo, até que me pediria para deixá-la levar sua amiga, mas
enquanto observava Sophia em meus braços e o modo como eu a
afagava, algo mudou e tudo o que ela sussurrou foi:
— Cuide da minha amiga.
Acenei, indicando que o faria, e assisti Bradshaw a guiar de
volta ao veículo.
Blake me estendeu as chaves do seu carro e indicou o de
Bradshaw, que Liz costumava usar, informando que iria embora com
eles. Agradeci. Ao vê-lo abrir a porta para si mesmo, eu ainda disse:
— Descubra o que pedi e redija o contrato para nós dois, por
favor.
O corpo de Sophia voltou a tensionar contra o meu. Blake me
encarou por alguns instantes, questionando-me silenciosamente
sobre estar certo do que fazia. E eu estava. Essa certeza se
enraizava em mim a cada segundo que passava.
Eu me casaria com Sophia. Eu a protegeria daqueles filhos
da puta. Não existia a mais remota possibilidade de eu deixá-la
sozinha ou me casar com outra mulher que não fosse ela, porra.
Em resposta a Blake, tudo o que fiz foi acenar.
— Tudo bem — anuiu, por fim.
Assisti-o entrar no carro. Só então eu ergui Sophia em meu
colo para também tirá-la dali e dar um fim àquele dia de merda para
nós dois.
— O que você está fazendo, Caldwell? — ela indagou, as
palavras já baixas sendo abafadas contra minha camisa. Pressionei
um beijo em sua testa.
— Estou protegendo você, bruxinha.
DEZESSEIS
SOPHIA GARCÍA

Lentamente, afastei algumas mechas de cabelo negro que


recobriam o rosto sereno de Liam. Seu peito se ergueu numa
respiração mais profunda que as anteriores, mas ele não acordou.
Parecia exausto.
Eu também estava, ainda assim não havia pregado os olhos.
Os eventos da noite anterior iam e voltavam em minha
mente, e eu já estava há horas lutando contra a vontade de sair dos
braços de Liam. Da sua cama. Do seu apartamento.
Não devia ter aceitado vir para cá, devia ter pedido que ele
me levasse para casa, onde eu poderia pensar sobre tudo o que
havia acontecido e organizar meu emocional abalado para decidir o
que fazer.
Mas não, eu não havia dito nada ao perceber que ele me
trazia para cá ou ao me depositar sobre o balcão de mármore do
seu banheiro e cuidar dos meus ferimentos. Nem havia resistido de
qualquer maneira ao calor do seu peito forte quando ele me
abraçara sobre a cama, me puxando para perto e acarinhando meus
cabelos até cair no sono. Eu na verdade me agarrei a ele quando
percebi que tinha dormido.
Liam nem sequer tinha me pedido para explicar o que
exatamente acontecera.
Ele só havia cuidado de mim.
E sim, eu evitava pensar nos por quês para isso porque já me
parecia perigoso demais reconhecer que eu só havia aceitado tudo
aquilo.
Resisti à vontade de voltar a tocar em seus cabelos e me
remexi sobre a cama para finalmente levantar. Cheguei a afastar o
edredom, mas antes que pudesse esticar minhas pernas para fora
do colchão, Liam me capturou e puxou de volta aos seus braços.
Seu peito me recebeu quente e sólido mesmo por sobre a camisa
masculina que eu usava. Qualquer pensamento de lutar contra a
vontade de permanecer ali se desfez no momento que seu rosto
afundou na curva do meu pescoço e ele deixou um beijo estalado
sobre minha pele sensível.
— Caralho, como senti falta do seu cheiro, Sophia —
sussurrou, a voz grave e rouca pelo sono espalhou arrepios, me
atingindo muito mais do que eu gostaria de admitir. — E de tocar
você.
Não respondi, abalada demais. Fraca pelo mero contato de
seu corpo de novo, mesmo que Liam nem tivesse feito qualquer
investida sexual. Fazia poucos dias desde que havíamos dormido
juntos, mas eu sentia como se tivesse se passado muito mais
tempo.
— Como você está? — ele perguntou. — Algo ainda dói?
Meneei a cabeça em negativa, engolindo a seco a certeza de
que meu corpo havia sentido falta do seu.
— Está com fome?
Neguei novamente, a ansiedade tinha levado meu apetite
para longe.
Ele respirou profundamente em meus cabelos e deslizou uma
das mãos sob a sua camisa que eu vestia. Eu não costumava
dormir com nada além dela e temi por um segundo que ele me
tocasse de forma íntima justo agora, mas o que Liam fez foi apertar
minha cintura, afundar os dedos na carne macia dela, em
reconhecimento, e esboçar desenhos aleatórios sobre minha
barriga. Essa era outra coisa que costumava fazer antes de
dormirmos.
— Já está pronta para conversar sobre ontem, não é? —
perguntou.
Voltei a acenar e, só porque queria olhar em seus olhos antes
de dizer qualquer coisa, eu me movi entre seus braços para me
aconchegar a ele de frente. Mas Liam foi mais rápido em fazer
questionamentos.
— O que aconteceu na ONG antes de a polícia chegar?
Hesitei diante do seu olhar já atento sobre mim. Por um
segundo, cheguei a cogitar devolver a pergunta, colocá-lo contra a
parede ao indagar se os homens que havia colocado para me
perseguir não haviam lhe passado nenhum tipo de relatório. Não
fora assim que ele chegara à delegacia?
No entanto, eu sabia que essa seria só uma saída covarde.
Uma tentativa de mudar seu foco para evitar falar sobre José. Ou
minha vida.
E eu já havia feito isso demais nos últimos meses.
Empenhada em mantê-lo à parte do que acontecia na minha vida
pessoal. E em me colocar à parte da sua.
Além disso, eu não queria usar essa questão como distração
a nada. Podia já não estar tão puta quanto antes, ao descobrir, mas
não deixaria os eventos da noite anterior diminuírem o fato de que
Liam, contra a minha vontade e permissão, havia colocado homens
para me perseguir. Para me vigiar.
Iríamos por partes.
— Ouvi você dizer que o filho daquela mulher de ontem
estava te perseguindo. Foi ele quem te abordou meses atrás na
frente do seu prédio, não foi? E há alguns dias perto da ONG? Ele é
seu ex?
— Sim, sim… e sim.
— Por que nunca me falou dele?
— Nunca achei que precisasse — fui sincera. — José sempre
foi um problema meu e…
—… e não precisava de ajuda para lidar com ele? — testou.
Meneei a cabeça em negativa e titubeei em proferir o que
realmente diria se ele não tivesse me interrompido, mas me forcei a
fazê-lo. Era a verdade.
— Nós dois somos um caso, Caldwell. Eu não poderia
esperar nem exigir nada de você sobre a minha situação com José.
Por que então falar sobre isso?
Seus olhos se estreitaram, os lábios rosados foram
pressionados numa linha fina. Logo seus orbes migraram para longe
dos meus e focaram no meu ombro ferido. Aquele sobre o qual Liam
fizera um curativo simples na noite anterior.
— Foi esse filho da puta quem fez isso com você?
Acenei numa afirmativa, desconfortável com a mudança que
minhas palavras trouxeram ao seu semblante, a fúria que Liam nem
tentou ocultar.
Ele pareceu lutar para domar o que sentia e expirou devagar.
Então, aos poucos, seu rosto assumiu uma expressão menos
fechada e um fantasma de sorriso curvou de modo sutil o canto dos
seus lábios.
— Você diz que somos um caso, mas sua ex-sogra e metade
dos policiais daquela delegacia ouviram muito bem quando eu
rosnei que você é minha noiva. Seus melhores amigos também
ouviram. Inclusive, um advogado deve estar agora mesmo redigindo
nosso contrato de casamento.
Seu sorriso já era real ao concluir essas palavras.
— Por que você está brincando com isso? — inquiri, sem
acreditar que ele realmente estava levando aquela loucura a sério.
— Não precisa se casar comigo só por causa das ameaças daquela
mulher!
— E não vou.
Semicerrei os olhos, sem entendê-lo quando afastou suas
mãos de mim e se sentou sobre a cama.
— Você precisa de um visto, Sophia — disse, simplesmente.
— Precisa de um visto com urgência ou será mesmo deportada.
— Você não tem nada a ver com isso.
Ele voltou a estreitar os olhos.
— Não vamos concordar sobre esse assunto — informou.
Encarei-o boquiaberta e me esforcei para me sentar sobre a
cama também.
— Você está louco?!
Liam ignorou minha pergunta e se inclinou sobre a mesa de
cabeceira para alcançar seu celular.
— Você não precisa se casar comigo, Caldwell!
— Mas eu quero, bruxinha — insistiu, com uma naturalidade
irritante, e não deixei que seu bruxinha me desarmasse de nenhuma
maneira.
— Você só pode estar de brincadeira.
— Na verdade, não estou.
Ele pousou aqueles olhos de uísque sobre mim novamente e
abriu seu maldito sorriso arrogante. Estava me irritando de
propósito, o filho da puta.
Minhas mãos coçaram para estapeá-lo.
— Não vou me casar com você — avisei, por fim.
— Por quê? Por que sou um cão raivoso que parece estar
sempre a um passo de avançar em alguém? Por que sou
sufocante? Controlador? Arrogante?
— Como você ainda pode se lembrar de todas essas
palavras depois de quase três meses?
— Sou rancoroso, adicione isso na sua lista.
Apertei os olhos.
— Você precisa de um Green Card e eu preciso abafar um
escândalo — informou, por fim, então virou a tela do seu telefone
para que eu pudesse vê-la. — Essa filha da puta está espalhando
que temos um caso, mas eu nunca a toquei.
Minha boca se abriu em choque e algo como fogo líquido
atravessou meu peito no instante em que compreendi a imagem que
ele me mostrava num site de fofocas. Tomei o celular das suas
mãos para ver melhor a mulher praticamente montada em seu colo
com as mãos… as mãos…
— Ela tocou seu cabelo?! — praticamente gritei, furiosa.
— Sim! — Liam respondeu, indignado. — Aquela desgraçada
me agarrou pelos cabelos, Sophia! E conseguiu provocar a droga de
uns segundos de perturbação mental que foram suficientes para ela
avançar assim. Mas eu NÃO a toquei! Eu nunca a tocaria, ouviu
bem? Ela é casada, a porra da mulher do governador e… — sua
voz foi abafada pela minha própria, em minha mente.
Ela tocou nos cabelos dele… Tocou. Nos. Cabelos. Dele.
Por que ela tocou nos cabelos dele? Nem eu podia tocar nos
cabelos dele! — Aquela coisa quente ardendo em meu peito passou
a formigar e me deixou tão inquieta, que precisei levantar da cama.
Meus olhos passearam pela matéria tendenciosa no site de
fofocas enquanto Liam continuava a falar, cada vez mais irritado
com a merda de situação em que estava.
Mordisquei a ponta da minha unha enquanto meus dedos
deslizavam sobre a tela do celular e clicavam em outra matéria. As
fotos eram tão amadoras. Não mostravam nada além da mulher
sobre Liam, como se o tivesse atacado, então havia uma dele,
agarrando os pulsos dela, para afastar as mãos dela de seu cabelo,
eu tinha certeza.
— Mierda — resmunguei, chegando a uma parte da matéria
que me deixava claro o motivo daquela artimanha.
O texto dava a entender que o governador vivia uma vida de
fachada por causa da política. Que sua esposa estava sexualmente
insatisfeita e precisara ir atrás de um homem muito mais novo, um
dos herdeiros mais bem-sucedidos do país. Especulavam até que
ele, o político republicano ultraconservador, era gay.
Era a droga de um circo armado!
— Por que se casar te ajudaria a se livrar desse escândalo?!
— Voltei meu olhar para Liam, talvez um pouco mais ríspida do que
seria necessário nessa situação. Contudo, a imagem da mulher
segurando seus cabelos ainda estava na minha mente e, graças a
isso, eu não conseguiria soar nada além de irritada nesse momento.
Eu estava transando com esse homem há meses e ele nunca
tinha me deixado agarrar seus cabelos desse jeito! Nem nas
dezenas de vezes que me chupou! Mas essa mulher tinha
conseguido isso!
Não era justo.
— Você é rico, herdeiro de um império de telecomunicações
e homem, Caldwell! Por que um escândalo assim te atingiria? Quem
sempre é xingada nessa droga de sociedade é a mulher — grunhi,
atirando o telefone sobre a cama.
Ele se aproximou de mim, olhos atentos ao meu rosto.
Preocupados.
— Eu não transei com ela — repetiu, como se acreditasse
que eu estava brava por isso. — Isso aconteceu antes de nos
envolvermos e eu não trepei com aquela desgraçada. Eu juro.
Semicerrei os olhos para ele, mas logo os desviei e cruzei os
braços.
— Responda minhas perguntas — mandei.
Ele bufou.
— Isso colocou em xeque a minha posição na empresa —
contou, por fim. — Acham que sou instável e esse escândalo piorou
muito as coisas.
— Você é instável, Caldwell — lembrei. — Ameaçou um
detetive de polícia dentro de uma delegacia!
— Ele te chamou de latina como se fosse um insulto, porra!
Inspirei fundo para tentar me acalmar. Não era como se não
tivesse gostado de ouvi-lo me defender daquele homenzinho
asqueroso da delegacia.
— Blake acha que um casamento me ajudaria a melhorar
minha imagem e abafaria esse escândalo. Ele falou até em
processar o governador e a mulher dele.
— Aposto que mais da metade das pessoas com quem você
convive não veria esse casamento ou a mim com bons olhos —
argumentei, sendo bem racional.
— Não me importo. Um casamento malvisto não deixa de ser
um casamento. Terá que servir.
Apertei os olhos e o estapeei no ombro para chamar sua
atenção de volta para mim.
— Mas eu me importo! Acha que vou gostar de ser julgada
por riquinhos arrogantes como você? Ou ficar calada? Eu pioraria a
sua situação!
— E você acha que eu deixaria qualquer riquinho arrogante
te tratar mal?!
Hesitei, só por um segundo, mas foi mais do que suficiente
para Liam compreender minha resposta.
— Não posso me casar com você — declarei, em vez de
dizer o que ele não gostaria de ouvir, mais séria agora, sem a
sombra da irritação.
Liam expirou profundamente.
— Por quê?
Não quero me sentir presa a ninguém de novo… não quero
errar de novo.
A lembrança de José me arrastando naquela rua retornou à
minha mente. A vergonha, o medo, a frustração, a raiva. Tudo me
atingiu mais uma vez. Com força.
De repente, todos os ferimentos que ele havia deixado em
meu corpo voltaram a latejar juntos.
Por anos, eu acreditei que subiria ao altar com José. Que ele
era diferente dos homens da minha família. Eu achava que o amava
e confiava nele o suficiente para querer me casar. Nunca imaginaria
que terminaria sendo perseguida. Insultada. Maltratada. Agredida.
— Não quero me casar.
Era uma meia-verdade. Eu queria sim me casar. Um dia. Não
hoje. Não quando sabia que não estava pronta para isso e precisava
de certezas que duvidava que alguém pudesse me dar. Eu queria
em um casamento mais do que era capaz de admitir e nunca me
senti inclinada a aceitar menos do que queria e merecia por
carência ou desespero.
Mesmo que minha atual situação fosse desesperadora num
nível que eu nunca havia imaginado.
Liam pigarreou, me fazendo erguer os olhos até os seus
novamente. Não precisei encará-lo por muito tempo para ter certeza
de que ele reconhecia as dúvidas que atravessavam minha mente
agora.
— Não seria um casamento de verdade, Sophia — disse,
mais baixo e rouco do que eu esperava. — Vamos fazer um
contrato, você impõe as regras e cláusulas que achar válidas,
podemos estipular um prazo também.
Suas palavras me deixaram balançada, o fato de ele desviar
o olhar e se afastar logo em seguida, também.
— Por que eu? Você deve conhecer alguém que com certeza
poderia te ajudar muito mais. Alguém com poder e dinheiro.
Ele nem hesitou em responder.
— Não confio em mais ninguém para isso, Sophia.
E aquelas oito palavras me atingiram profundamente. De um
jeito que eu nunca esperaria que acontecesse. Porque eu não tive
dúvidas de que Liam estava sendo sincero.
Ele confiava em mim.
— Caldwell? — chamei, o que foi suficiente para fazê-lo parar
no caminho para o banheiro.
— Sim?
— Por que colocou homens para me perseguirem?
Ele se voltou para mim rápido, com a testa já franzida.
— Não coloquei homens pra te perseguirem — iniciou e eu
abri a boca para retrucar, mas ele não me deu tempo. — Coloquei
homens pra te protegerem.
Liam soltou o ar dos pulmões, como se já tivesse alcançado
um limite.
— Contratei os seguranças para a ONG porque você insistia
em ir para lá à noite. E pedi que fizessem escalas para te
acompanhar em casa porque o seu bairro é perigoso e eu não
estaria perto se outro filho da puta te abordasse na entrada do seu
prédio.
— Devia ter me contado.
Ele deixou escapar uma risada seca e voltou a andar para o
banheiro.
— Como se você fosse aceitar algo assim.
— Não precisava ter feito isso, Caldwell.
— É, bruxinha, eu não precisava. Mas fiz. De nada.
A porta foi fechada às suas costas e demorei alguns
segundos para registrar suas palavras.
Ele havia colocado homens desconhecidos para me
perseguir por aí, sem eu saber, e estava irritado?
Fui até o banheiro também e ao ouvi-lo xingar lá dentro e
ligar o chuveiro, girei a maçaneta e abri a porta.
Liam nem se deu o trabalho de me encarar enquanto se
livrava da cueca boxer que usara à noite. Era tudo o que vestia para
dormir.
— Seu conceito de proteção é muito deturpado para mim —
avisei. — E não gosto que tenha omitido algo tão importante.
Quando descobri, minha vontade, além de chutar suas bolas, foi
chutar você pra fora da minha vida, Caldwell.
Ele voltou sua atenção para mim em um segundo, um vinco
na testa denunciando sua apreensão.
— Não me esconda nada assim de novo — pedi.
Liam me observou por segundos, lendo-me de um jeito que
eu sabia que ele havia aprendido contra a minha vontade nas
últimas semanas, até acenar uma vez e me dar as costas. Odiei
sentir como se minha sinceridade soasse como ingratidão, então
engoli aquela sensação. Não era certo me sentir assim só por deixá-
lo saber o que passou pela minha cabeça ao descobrir sobre
aqueles homens.
— Você quer que eu tire os seguranças, não é? Não vou
fazer isso. Posso realocá-los em Manhattan e você pode escolher
outros, não vinculados a mim, se te fizer sentir melhor — ofereceu,
mais baixo, apesar de ainda soar como um resmungo. Seu esforço
óbvio para encontrar um meio-termo para nós dois me pegou
inesperadamente. — Mas não vai ficar na porra daquele lugar sem
proteção, Sophia! Principalmente agora, com aquele filho da puta te
perseguindo e a mãe dele ameaçando…
— Cala a boca, Caldwell — mandei, me livrando da camisa
branca que vestia.
Ele voltou um olhar irritado para mim, mas se perdeu na
nudez do meu corpo um segundo depois. Engoliu em seco,
encarando-me de cima a baixo, então de baixo a cima.
— É muita sacanagem da sua parte me torturar assim, sabia?
— indagou, enquanto observava minha aproximação. — Eu fiquei
dias sem nem te tocar e agora…
— Agora você pode — sussurrei e as palavras mal tinham
saído da minha boca quando Liam avançou e me agarrou pela
bunda, me erguendo do chão até eu conseguir circular sua cintura
com as pernas e minha boca ficar à altura da sua.
— Só pra constar, eu ainda estou irritado com você —
grunhiu, as palavras saindo abafadas pelo meu pescoço conforme
ele me enchia dos beijos e mordidas que adorava deixar em minha
pele.
— Eu é que deveria estar irritada com você, Caldwell!
Colocou desconhecidos atrás de mim!
— Caralho, você é a porra de uma bruxinha muito intragável,
sabia?! — rosnou, encostando-me à parede gelada, que tinha um
contraste direto com a água quente que passou a respingar em
nossos corpos.
Pressionei nossos lábios em um beijo.
— E ainda assim, você quer se casar comigo — provoquei.
Ele grunhiu.
Arfei quando Liam alinhou nossos quadris e seu pau já duro
roçou minha boceta.
— Não quero que seja deportada — confessou, em minha
boca. — Não quero perder você.
Meu coração perdeu o compasso ali.
Prendi seu corpo com meus braços e pernas, cedendo à
vontade irracional de apenas me agarrar a ele. Por que Liam
sempre mexia comigo quando dizia essas coisas? Era injusto.
— Vou mesmo poder colocar minhas regras, Caldwell? E
você vai respeitá-las? Vai…
— Vou — prometeu, esfregando seu pau em mim. Me
provocando. Fazendo meu corpo inteiro acordar e a necessidade
latejar entre minhas pernas.
— Então eu… e-eu posso pensar em aceitar… Podemos
montar u-um contrato e depois decido se…
— Aceita logo, bruxinha… Aceita logo ser minha mulher…
— De mentira — lembrei, buscando uma fricção maior com
seu corpo.
— Uhum — ele concordou, em minha boca. Mordiscou meus
lábios. — A menos que você goste de ser minha mulher e…
— Não vai acontecer — afirmei, com toda a veemência que
consegui, porque se eu pensasse nessa possibilidade, em querer
ser de Liam de verdade, eu desistiria.
Se eu começasse a desejar isso no meio do nosso
casamento de mentira, eu estaria fodida. Muito mais do que estava
nesse momento.
Porque o que ficaria em jogo seria o meu coração.
— Não vai, né? — Ele uniu nossos lábios com força e
encaixou o pau em minha entrada já pronta.
Abri a boca para concordar, para confirmar que isso não
aconteceria, mas não consegui. Nenhuma palavra saiu.
E quando Liam me preencheu com uma estocada forte e
dura, nada mais, além de gemidos e gritos de prazer, foi proferido
por mim.
DEZESSETE

Regras do Liam para o casamento:


1) Sophia e eu vamos morar juntos;
2) Vou poder tocar, beijar e apresentar Sophia como minha;
3) Vou poder socar qualquer filho da puta que ousar tocar
nela ou desrespeitá-la. (recusada pelo advogado)

Regras da Sophia para aceitar o casamento de mentira:


1) Vou poder dar um fim a esse casamento a qualquer
momento, sem ter nenhum tipo de obrigatoriedade com
multas; (adendo do advogado: o acordo terá validade de
um ano, sugira cláusulas específicas que permitam a
rescisão ou encerramento de contrato)
2) Caldwell não tem permissão para colocar ninguém em meu
encalço e usar a desculpa de que só quer me proteger;
3) Caldwell não tem permissão para decidir nada sobre a
minha vida sem me consultar, nem tem o direito de passar
por cima das minhas decisões e vontades;
4) A mãe do Caldwell precisa estar ciente do nosso acordo e
concordar com ele;
5) Concordo em ir aos eventos e viagens de trabalho do
Caldwell desde que isso não atrapalhe meu próprio trabalho
e agenda;
6) Não precisamos dormir juntos todas as noites; (recusada
pelo noivo)
7) Vamos adotar novas medidas de contracepção;
8) Vamos nos casar com separação total de bens;
9) Seremos exclusivos; (adendo do noivo: SEREMOS FIÉIS,
ISSO AINDA É UM CASAMENTO)
10) Se o Caldwell me trair, o acordo será automaticamente
desfeito, terei direito a um divórcio consensual sem custos
e ele concordará em contrato a não ir atrás de mim, nem
me coagir ou perseguir para me fazer mudar de ideia ou por
não aceitar essa decisão;
11) Deixar outra mulher tocar em seus cabelos configura
como traição; (adendo do noivo: ????)
12) Posso ajudar a limpar o nome do Caldwell, fazer o
possível para ajudá-lo com os conselheiros da empresa,
mas não posso garantir que vou conseguir isso, nem fingir
ser quem não sou para as pessoas que fazem parte do
círculo social dele;
13) O casamento será registrado apenas na prefeitura.
Sem convidados ou cerimônia;
14) Seremos marido e esposa, não propriedades um do
outro;
15) Estamos proibidos de nos apaixonar;
16) A quebra de qualquer uma das cláusulas garantirá a
rescisão do contrato antes do prazo de um ano acabar.
DEZOITO
SOPHIA GARCÍA

Olhei para o contrato pré-nupcial que Blake havia colocado à


minha frente, na mesa de centro da sala espaçosa do apartamento
de Liam.
— Inseri as cláusulas com as exigências de vocês e esta é a
versão final, pronta para ser assinada. Leiam com atenção.
Sentado ao meu lado, Liam se inclinou em direção à mesa e
pegou as duas cópias, me entregando uma delas, uma vez que não
consegui me mover para pegá-la. Estava um pouco assustada com
a rapidez com que tudo isso estava acontecendo. Fazia poucas
horas desde que eu havia concordado com essa união, mas ainda
não me sentia completamente segura.
Troquei um olhar com Blake, que obviamente compreendeu o
que se passava comigo. Ele retirou algumas novas folhas de papel
da sua bolsa de couro e as depositou sobre a mesa de centro
também.
— E aqui estão o formulário para solicitação do visto de
permanência e a licença especial de casamento que consegui. Ela
permite que o registro da união matrimonial seja feito a partir de
amanhã na prefeitura. E o formulário pode ser enviado após o
registro.
Acenei e voltei minha atenção ao contrato, quase grata por
ele me lembrar o motivo de eu estar fazendo isso.
Mal havia terminado de ler a primeira página, quando Liam se
moveu ao meu lado e o olhei a tempo de vê-lo assinar sua via. Ele
deixou as folhas na mesa novamente e se aproximou para depositar
um beijo em minha testa.
— Termine de ler tudo. Se preferir assinar apenas depois de
conhecer minha mãe, tudo bem. Já pedi que ela nos aguarde para o
almoço.
— O quê?! — Meus olhos se arregalaram.
Liam sorriu.
— Você foi quem exigiu que a minha mãe soubesse sobre o
nosso acordo e concordasse com ele.
— Sim, mas… — eu não estou pronta para conhecer sua
mãe. Só queria que ela estivesse ciente desse casamento e do
motivo dele. Não cometeria o erro de dar a oportunidade de outra
“sogra” me chamar de prostituta latina e me acusar de me aproveitar
do seu precioso filho.
Soltei o ar com dificuldade.
— Você simplesmente disse a ela que levaria uma mulher
para ela conhecer assim, do nada?
Ele acenou em negativa.
— Eu disse que levaria minha noiva.
Como se ainda fosse possível, meus olhos se arregalaram
ainda mais.
— Não se preocupe, bruxinha, eu contei a ela a situação e
expliquei que você queria conhecê-la antes de concordar com o
casamento.
Meu coração vacilou no peito e acho que Liam reconheceu
meus receios porque acariciou meu rosto e o moveu até que eu
voltasse a encará-lo.
— Minha mãe não é como aquela filha da puta de ontem —
garantiu. — E eu nunca deixaria nem ela te tratar como aquela
desgraçada.
Suas últimas palavras fizeram coisas estranhas comigo. E
mesmo quando uma parte de mim ainda me alertou para não
acreditar nelas só porque Liam as havia dito com essa seriedade
perturbadora, a outra quis acreditar nele. Quis muito.
Talvez ele não soubesse, não tivesse a menor ideia, mas
aceitar esse casamento era o mesmo que depositar nele o tipo de
confiança que eu achei que nunca mais depositaria em homem
nenhum. Não importava se este seria um casamento de mentira.
Liam voltou a pressionar os lábios em minha testa e levou
consigo um pouco mais da minha resistência quando se ergueu.
— Vou deixar você ler tudo com calma e sozinha. Preciso
conversar com Blake sobre a merda que aconteceu ontem na
empresa. Em uma hora, vamos almoçar com mamãe.
Concordei com um aceno e assisti os dois se afastarem em
direção à porta que eu já sabia ser do escritório de Liam.
Voltei minha atenção para o contrato e me obriguei a retomar
a leitura. Me esforcei para ler tudo com calma. Na primeira versão
do texto, uma hora atrás, eu já havia tirado as dúvidas com Blake
sobre os termos que não compreendia.
Tudo parecia muito claro agora e Liam tinha acatado
basicamente todas as minhas exigências. Mesmo que eu não
gostasse da ideia de morarmos juntos, da intimidade que viria com
essa aproximação toda, eu entendi que isso era necessário para
sustentar a farsa que estávamos criando.
Ao concluir a leitura, tamborilei a caneta sobre as folhas por
alguns instantes e senti meu peito se apertar quando olhei para a
via de Liam e sua assinatura decidida me chamou a atenção. Ela
era só outra prova de que ele não tinha dúvidas ou qualquer receio
sobre o que fazia, mesmo quando mal nos conhecíamos para além
do aspecto sexual.
Fitzwilliam Caldwell.
Eu o conhecia há meses e não fazia ideia de que seu nome
era Fitzwilliam. Simplesmente aceitei me casar com um homem do
qual eu nem sabia o nome. Em minha defesa, nunca havia ouvido
ninguém o chamar assim.
Pensar na referência que fizera seus pais adotivos
escolherem os nomes dele e da minha amiga me fez sorrir.
Elizabeth e Fitzwilliam. Como Elizabeth Bennet e Fitzwilliam
Darcy, de Orgulho e Preconceito.
Inspirei fundo e voltei a encarar o contrato à minha frente,
lembrando a mim mesma de que eu não tinha outra opção. Com
esse casamento, eu ainda teria uma chance de permanecer nos
EUA, de manter tudo o que eu havia construído sozinha aqui. Uma
vida para mim. Minha liberdade do jugo da minha família.
Sem me dar mais tempo para hesitar, assinei as duas vias do
contrato e me levantei. Aparentemente, agora eu teria que me
preparar para conhecer minha sogra.
Atravessei a sala para subir as escadas, no entanto, um
baque vindo do escritório me chamou atenção. Retrocedi alguns
passos até parar à frente da porta e aproximei o ouvido dela.
— Afastado?! — o rosnado de Liam soou alto o bastante para
eu ouvi-lo. Um murmúrio quase inaudível de Blake o seguiu, mas
não consegui compreender nada, apenas as próximas palavras do
meu noivo. — Foda-se se é só uma semana, Blake! Se eu soubesse
que esse filho da puta faria isso, eu não teria quebrado só a porra
de um dente dele!
Franzi a testa ao ouvir isso, sem entender de quem falavam.
Ou do quê exatamente.
Alguns segundos de silêncio se passaram, então Blake voltou
a falar e mais uma vez não compreendi. Ele não erguia a voz como
Liam.
— Aquele desgraçado vai conseguir me chutar para fora do
Conselho, não vai? — A pergunta de Liam me alcançou. A
preocupação incrustada em suas palavras era nítida agora, muito
mais do que a raiva. — Vai conseguir roubar de vez os negócios do
meu pai e… — ele se interrompeu, acho que Blake o cortou para
dizer algo. Após alguns segundos, Liam concluiu: — Eu sei, irmão,
mas não vou abrir mão dela.
Mordi a parte interna da bochecha. Eu podia não estar
compreendendo tudo daquela conversa, nem fazer ideia de quem
exatamente Caldwell estava falando, no entanto, compreendi o
suficiente para reconhecer, pela primeira vez, que ele também tinha
muito em jogo ao me oferecer aquele casamento. Que precisava de
ajuda de verdade.
E obviamente só confiava em mim para isso.
Eu não tinha ideia do que ele estava passando na empresa
além das consequências do escândalo, tampouco sabia como
ajudá-lo, mas reconheci que estava disposta a fazê-lo, a apoiá-lo no
que pudesse. No que estivesse ao meu alcance.

Alisei o tecido azul-escuro do único vestido que eu tinha no


apartamento de Liam. Aquele que só ficara ali porque eu havia
derramado vinho nele e precisara colocá-lo para lavar antes que
estragasse o tecido. Era lindo, valorizava meu corpo e o tom da
minha pele, sem ser vulgar. No quesito maquiagem, infelizmente, eu
não tinha nada além de um batom esquecido em uma das noites
que eu dormira aqui.
Precisaria voltar ao meu apartamento logo e descobrir se
meu celular tinha sido perdido mesmo na noite anterior, ou se
alguém o havia encontrado e guardado. Liz já devia ter me ligado
uma centena de vezes, mesmo depois de Liam avisá-la que eu
ainda estava com ele e bem.
Ouvi os passos descendo as escadas e abandonei a vista de
uma Nova Iorque cinzenta para procurar a figura masculina
irresistível que aquele capullo era. Ele terminava de dobrar as
mangas da camisa branca que vestia e sorriu quando me viu ali, já
pronta. Blake tinha ido embora há mais de meia hora.
— Você está linda — foi a primeira coisa que ele disse
enquanto se aproximava para me beijar e envolver meu rosto com
uma das mãos. O polegar resvalou um ponto acima dos meus
lábios. — Adoro essa pintinha, sabia?
Suas palavras quase me fizeram sorrir. Não era a primeira
vez que Liam dizia isso.
Eu quis pousar meu rosto em seu peito forte, me aproximar o
suficiente para tragar o seu perfume direto em sua pele, mas me
controlei e me contentei com Liam entrelaçando nossas mãos.
— Você está nervosa?
— Estou um pouco preocupada com o que sua mãe está
achando dessa coisa de casamento, que você jogou no colo dela
por telefone, antes de informar que levaria uma noiva desconhecida
para dentro da casa dela.
Liam riu ao começar a caminhar para o hall de entrada, onde
calçamos nossos sapatos porque ele cultivava um costume sul-
coreano de não os usar no interior do apartamento. E mesmo
quando havia me dito que eu não precisava fazer o mesmo meses
atrás, eu não hesitei em fazê-lo. Estava na sua casa, afinal, não
custava respeitar seu espaço.
— Não se preocupe com a minha mãe. Ela não teve
nenhuma dificuldade em entender meus motivos para esse
casamento. — Ele abriu a porta para mim. — Além disso, você não
é uma desconhecida para ela.
Icei uma sobrancelha.
— Como assim?
— Ela já ouviu muito sobre você, Sophia — provocou.
Estreitei os olhos em sua direção quando adentramos o
elevador privativo que já nos aguardava, no entanto, logo
compreendi do que ele falava.
Liz. Ela certamente já havia falado de mim para sua mãe.
— Isso me conforta — admiti. — Liz nunca falaria mal de mim
para sua mãe.
Ele me encarou por dois segundos antes de voltar sua
atenção para as portas de aço do elevador.
— Sim… a Liz foi quem falou de você para ela…
Ao alcançarmos o estacionamento, fui guiada até um dos
carros que Liam tinha nele e hesitei por um segundo quando ele
abriu a porta para mim.
— Você acha que ela vai perceber esses ferimentos? —
indaguei, indicando minha panturrilha e até as escoriações nos
meus dedos. Por sorte, os hematomas no ombro estavam cobertos
pela manga do vestido e a meia-calça preta disfarçava um pouco o
novo curativo que eu havia feito na perna.
— Ela não vai dar atenção a isso.
Liam depositou um beijo em minha têmpora e me incentivou
a entrar no veículo. Em poucos segundos, ele nos colocava nas
ruas movimentadas de Nova Iorque. Observei-as por algum tempo,
não fazia ideia de onde sua mãe morava, se era longe dali, mas
esperava ter tempo suficiente para conversar com Liam sobre essa
nossa união. Ainda não havíamos alinhado as coisas direito.
— Como exatamente você espera que eu te ajude, Caldwell?
— perguntei, voltando minha atenção para ele. — Acha que só me
apresentar como esposa vai ser suficiente?
Ele voltou seus olhos de uísque para mim por alguns
instantes.
— Blake acha melhor que eu te apresente antes como noiva.
E que deixemos todos saberem que estamos juntos já há algum
tempo, só preferimos manter sigilo.
Assenti, era mesmo melhor que surgir com uma esposa do
nada.
— Mas vamos registrar o casamento antes, para que seu
visto possa ser solicitado o mais rápido possível.
Concordei com um aceno, mas ainda senti a necessidade de
lembrá-lo:
— Apenas na prefeitura, sem convidados ou cerimônia.
Notei como Liam apertou o volante um pouco mais forte ao
ouvir minhas palavras. Eu sabia que ele não estava contente com a
ideia de se casar assim, praticamente escondido de todos e sem
nenhum registro além do que ficaria na prefeitura, e eu também não
queria ter que me casar dessa maneira. No entanto, se este era um
casamento de conveniência, de mentira, não o trataríamos como
nada além disso.
Talvez assim nenhum de nós saísse dele desejando mais do
que deveria. Talvez assim eu não cairia na tolice de esperar de Liam
mais do que havíamos concordado naquele contrato.
Ele se limitou a responder às minhas palavras apenas com
um meneio de cabeça, então mudou de assunto:
— A equipe de RP do Grupo quer que eu negue o
envolvimento com a primeira-dama, mas Blake pediu que eu não
fizesse nada até ele sair da reunião com os advogados e
assessores do governador, que será mais tarde. Não podemos dar
notas dissonantes, isso pioraria ainda mais a situação com a mídia,
e ele prefere alertá-los sobre as medidas legais que serão tomadas
se o Grupo Caldwell e eu formos ainda mais prejudicados.
Ele fez uma pausa para inspirar fundo.
— Meu problema real é com o Conselho do Grupo — iniciou
e talvez por estar atenta a ele, notei como a tensão aumentou em
seu corpo. — O irmão do meu pai é atual presidente e nós… meio
que nos odiamos. Alexander assumiu os negócios da minha família
após a morte de papai e manipulou minha mãe para assumir a
posição dele na empresa. Então ele exerceu domínio sobre tudo por
dez anos até eu conseguir me formar e assumir uma posição.
Minhas sobrancelhas se ergueram em surpresa. Nesse
momento compreendi de quem ele falava mais cedo no escritório.
— Alexander também tentou vetar minha entrada no
Conselho e depois tentou impedir que eu me tornasse vice-
presidente. O filho da puta não perde uma chance de colocar meu
trabalho e resultados à prova. Vivemos num pé de guerra silencioso,
com ele aguardando um deslize meu para me empurrar para fora do
jogo. Obviamente, esse escândalo deu o que ele precisava.
— Isso parece uma boa novela mexicana — comentei, numa
tentativa de quebrar um pouco a sua tensão. Ele voltou os olhos
para mim com um sorriso pequeno.
— E piora — contou. — Em breve, teremos as eleições para
presidência do Conselho e ele decidiu unir sua filha a um dos atuais
conselheiros para apoiar a candidatura dele e usar sua influência
para me impedir de conseguir esse cargo.
— Que filho da puta!
Liam pressionou os lábios numa linha fina ao parar num sinal
vermelho, após alguns segundos, trouxe seus olhos de uísque para
mim.
— Talvez eu o tenha socado ontem na empresa, depois de
ele me tratar como um moleque inconsequente numa reunião com
todo o Conselho, para expor esse escândalo.
Meus lábios se entreabriram em choque.
— Você o socou na empresa?
Acenou uma vez.
— Talvez tenha quebrado um dente dele.
— Talvez? — Arqueei uma sobrancelha.
Ele sorriu.
— Juro que não me arrependo.
Eu queria ter sido capaz de impedir meu próprio sorriso ao
ouvir essas palavras, mas não fui. Infelizmente, Liam e eu éramos
reativos demais, pouco dispostos a engolir ofensas, e por mais que
eu enxergasse como isso o prejudicava, eu também conseguia
entender sua atitude.
Ele voltou a dirigir.
— Então é isso? Você espera que me ter ao seu lado opere
um milagre diante desse Conselho?
Vi o canto dos seus lábios se curvar num sorriso.
— Blake acha que preciso deixar todos saberem como os
últimos acontecimentos me fizeram temer perder você e que foi isso
o que me fez agir de forma tão exagerada na empresa, além de me
fazer decidir finalmente te apresentar a todos.
— Blake é bom em inventar essas coisas — comentei.
— Você precisará ir comigo aos eventos em que eu
costumava ir sozinho — explicou. — E nas viagens de trabalho.
Depois da primeira, anunciaremos que decidimos não esperar mais
e nos casamos.
— O plano é mostrar como nossa união faz de você um
homem melhor? Mais estável e comprometido? — testei, e Liam me
encarou de novo, só por uns poucos segundos. Segundos intensos
que reviraram coisas demais em mim.
— Também — respondeu.
— E essa votação para presidência?
Ele hesitou, suas mãos se fecharam com mais força no
volante do carro.
— Preciso do apoio de mais integrantes do Conselho para
conseguir vencer a eleição em algumas semanas.
— O que eu posso fazer para te ajudar nisso? — indaguei, o
que o fez me encarar de novo, as sobrancelhas levemente
arqueadas em surpresa. — O quê? Você já sabe que minhas
habilidades de persuasão são inegáveis. E que sou muito
determinada.
Liam sorriu. De verdade. Seus olhos como duas fendas
apenas entreabertas brilharam, se tornando uma mistura irresistível
de uísque com pontinhos salpicados de mel. Ele parou o carro à
frente de um portão alto e bonito pintado de branco, então retirou o
cinto de segurança e se inclinou em minha direção, para pressionar
nossos lábios, segurar meu rosto em uma das mãos.
— Você vai deixar metade daquele Conselho de quatro, porra
— meio resmungou, meio rosnou. — Aqueles malditos não têm
nenhuma chance contra você.
— E isso seria ruim? — provoquei, baixinho porque ele
começou a espalhar beijos pelo meu pescoço. E arrepiar minha
pele. Envolvi sua nuca com a mão, resistindo à vontade de afundá-
la em seus cabelos. Queria tanto fazer isso. Tanto.
— Claro. Vou querer avançar em todos aqueles desgraçados,
Sophia — grunhiu em meu ouvido.
— Vai? Como um cão raivoso, Caldwell?
— Como seu cão raivoso, bruxinha.
Sorri.
— E por quê?
Seus lábios voltaram para os meus.
— Porque você é minha… minha cadela… minha noiva… e
será minha esposa.
— De mentira — lembrei, apesar do abalo causado pela sua
primeira afirmação. — Só de mentira.
Ele mordiscou meu lábio inferior.
— Uhum… de mentira.
DEZENOVE
LIAM CALDWELL

Sophia e eu estávamos sendo guiados pela governanta da


casa quando mamãe surgiu no topo das escadas da sala ampla e
bem iluminada. Abri um sorriso pequeno ao vê-la fora do quarto.
Isso vinha acontecendo com alguma frequência desde que ela se
acertou com minha irmã, há algumas semanas. Mesmo que eu
ainda não achasse saudável o tempo que mamãe passava deitada
no escuro daquele cômodo, eu via seu esforço para sair por Liz,
pela sua neta que chegaria em breve e, nesse momento, também
por mim.
Ao meu lado, Sophia enrijeceu e acho que até parou de
respirar por alguns instantes. Aumentei o aperto encorajador em sua
cintura e a encarei.
— Está tudo bem — lembrei-a. Pressionei um beijo sutil em
sua testa e me afastei para alcançar mamãe antes que ela descesse
o último degrau. Ela tinha um sorriso pequeno e gentil nos lábios e,
mesmo à distância, era possível notar que usava maquiagem
também.
Mamãe segurou a mão que estendi para ela e se aconchegou
ao meu peito quando a envolvi com os braços.
— Tudo bem? — perguntei. Não a via desde que havia saído
de viagem dias atrás e meu retorno fora tão atribulado que apenas
agora eu tinha conseguido vir vê-la.
Ela acenou em resposta e ergueu o rosto para me encarar.
Por ser mais baixa que Sophia, nossa diferença de altura era muito
maior.
— Como você está? — questionou, acariciando meu rosto.
— Melhor do que o esperado — respondi, então ela voltou a
atenção para Sophia a alguns passos de distância e a pequena
bruxa inspirou fundo ao se tornar alvo dos nossos olhares.
Entrelacei minha mão à de mamãe e a guiei em direção à
minha noiva.
— Mamãe, essa é Sophia García, minha noiva.
Não consegui desfazer meu sorriso. Tinha adorado essa
coisa de apresentar Sophia como minha.
— Sophia, esta é Celina Caldwell, minha mãe — prossegui e
mamãe tomou a iniciativa de se aproximar para cumprimentar a
mulher que quase parecia nervosa demais para ser a bruxinha
confiante que eu conhecia. Enquanto trocavam beijos no rosto e um
abraço, notei uma mudança nela, sua postura ganhou certa
segurança.
— É um prazer, Sra. Caldwell — ela disse.
Mamãe sorriu e voltou seu olhar para mim. Um brilho sutil e
inédito cintilou em seus orbes verdes. Algo que se aproximava muito
do orgulho que eu costumava ver neles.
— Ela é linda mesmo — constatou, por fim, depois de me
ouvir falar de Sophia nas últimas semanas, desde que notou alguns
arranhões que essa pequena bruxa tinha deixado em minhas costas
e me perguntou se eu estava saindo com alguém. — Você está com
fome, querida? Creio que nossa refeição já está quase pronta para
ser servida. Podemos conversar um pouco enquanto aguardamos, o
que acha?
Mamãe enlaçou o braço de Sophia com o seu e a guiou para
um dos sofás amplos. Observei-as em silêncio por alguns instantes,
me sentindo um pouco tolo por gostar tanto de vê-las juntas assim.
Enfiei as mãos nos bolsos da calça e me aproximei, me
acomodando em um sofá diferente, à esquerda delas.
— Liam me disse que você é a melhor amiga da Liz —
mamãe iniciou, mantendo a mão de Sophia entre as suas. — Que
era vizinha dela e que vocês se conheceram há mais de um ano.
Sophia acenou e seus olhos negros encontraram os meus
por dois segundos.
— Sim.
— Ele explicou que vocês têm motivos para esse casamento,
mas quero saber de você agora. Está bem com isso, querida?
Mesmo que tenham um acordo, isso ainda será um casamento, não
é? E pelo que entendi, você é quem precisará mover sua vida para
Manhattan. Sei como isso pode ser assustador.
— Mamãe… — tentei chamar sua atenção, mas ela manteve
seus olhos em Sophia.
— Eu só quero ter certeza de que ela está ciente e bem com
tudo isso, querido — foi o que disse a mim, num tom de repreensão
que me fez sentir a porra de um adolescente.
— Eu preciso de um Green Card, então… — Sophia se
interrompeu, hesitando por alguns instantes, olhos ainda conectados
aos de mamãe, como se repensasse o que diria. Inspirou
profundamente. — A ideia de me casar nessas circunstâncias não
me agrada. Sempre achei que só me casaria uma vez na vida. —
Ela engoliu em seco. — Mas vejo como esse acordo pode ser útil
para mim e para o Caldwell. Um casamento de mentira é um preço
baixo a se pagar para termos o que precisamos no momento e vou
conseguir lidar com isso, senhora. Não precisa se preocupar. Não
vou misturar as coisas nem tornar nada difícil para o seu filho. Logo
estaremos livres desse casamento. Ele assumirá a presidência do
Conselho das empresas de vocês, como merece, e vou poder seguir
minha vida sem qualquer preocupação com a Imigração.
Aquelas palavras bateram em mim com força.
Eu não era idiota, sabia que mais do que uma parte de mim
estava se enfiando nesse casamento também para eu ter a chance
de me aproximar de Sophia de verdade. Porque talvez assim ela
baixasse a guarda, talvez deixasse eu me aproximar e aceitasse
fazer parte da minha vida. E nos ver sem as lentes deturpadas dos
traumas que ela obviamente tinha graças àquele filho da puta.
Poderíamos ter muito mais que a porra de uma união falsa, já
sentíamos muito mais do que um tesão louco um pelo outro, e eu
estava disposto a fazer Sophia enxergar isso.
No entanto, ouvi-la falar assim chegava muito perto de me
fazer sentir estúpido. Me fazia questionar se o que eu via em seus
olhos quando estávamos juntos não era só coisa da minha cabeça.
— E seus pais? — mamãe perguntou. — Eles estão cientes
disso?
Sophia vacilou. Algo que eu nunca tinha visto cruzar seus
olhos se apoderou deles por instantes, que pareceram torná-los
reflexos de feridas nunca cicatrizadas.
Ela limpou a garganta antes de responder.
— Meu pai vive no México e eu não mantenho contato com
ele desde que migrei para os EUA — iniciou, então tomou fôlego
para prosseguir. — Minha mãe morreu quando eu tinha doze anos.
Travei o maxilar. Olhos fixos em Sophia, na sombra de dor
que ela se esforçou para esconder de seu semblante com um
sorriso pequeno que nunca chegaria aos seus olhos.
Ela havia perdido a mãe muito nova.
Em minha mente, retornei a uma conversa que tivemos
meses atrás, quando ela deu a entender que o que a havia levado
ao Brooklyn não fora apenas uma questão financeira. Contudo,
nunca sequer tinha passado pela minha cabeça que ela poderia ter
perdido a mãe e saído do México por causa de um pai abusivo.
Porque era óbvio que, para ela não manter contato com ele, algo
havia acontecido.
Era isso, então? Além do babaca do ex, ela também teve um
pai filho da puta?
— Sinto muito, querida — mamãe disse, tentando transmitir
algum conforto apertando as mãos de Sophia, que apenas meneou
a cabeça em negativa.
— Obrigada. — Ela pigarreou e desviou os olhos, sem se
atrever a deixá-los passarem perto de mim. — Não precisa se
preocupar com minha família — garantiu, por fim.
Mamãe acenou e a governanta da casa atravessou as portas
francesas que levavam à sala de jantar.
— Com licença, senhora. O almoço já está servido.
— Obrigada, Regina — mamãe agradeceu. — Vamos comer,
querida?
Sophia concordou com um meneio de cabeça e nos
erguemos juntos. Em segundos, estávamos acomodados e sendo
servidos.
Mamãe, como a boa anfitriã que costumava ser, conduziu a
conversa e não demorou a movê-la para um terreno mais seguro e
ameno. Comecei a ficar inquieto com o esforço que Sophia fazia
para não me olhar nos olhos e busquei sua mão sob a mesa,
encontrando-a suada e gelada. Entrelacei-a à minha de um jeito que
a fez paralisar por alguns instantes.
O que quer que havia acontecido em seu passado ainda a
abalava mesmo agora, após precisar responder uma simples
pergunta sobre os pais.
— Sophia trabalha na administração da ONG em que a Liz dá
aulas, mamãe — contei, inserindo na conversa um tópico que eu
tinha certeza de que voltaria a deixar Sophia confortável. Ergui sua
mão até meus lábios e beijei o dorso. — E ela é tão boa, que não
duvido que consiga tornar a senhora uma doadora assídua deles.
Mamãe sorriu.
— A Liz parece adorar o que faz. Você trabalha lá há muito
tempo, querida?
Sophia relaxou o suficiente para retribuir o aperto que eu lhe
oferecia e voltou a encarar mamãe.
— Quase três anos — respondeu, com um sorriso pequeno.
— Liz comentou que você tem um blog e já deu alguns
cursos também.
O sorriso da bruxinha aumentou.
— Na verdade, estou trabalhando para transformá-lo num
portal voltado para o público feminino. Quero expandir o conteúdo
disponibilizado lá e abranger diferentes aspectos da vida das
mulheres.
Mamãe também sorriu, provavelmente notando como o
assunto iluminava Sophia.
Nossos pratos foram retirados e a sobremesa foi servida.
— Pelo visto é algo com que você trabalha também, não é?
Que tipos de conteúdo você produz?
— Quando cheguei aos EUA, consegui acompanhar como
ouvinte algumas turmas do curso de fisioterapia de uma
universidade comunitária. Isso me levou a fazer alguns cursos na
área de fisioterapia pélvica. Eu adorava o assunto e percebi que
havia muitas coisas naquelas aulas que poderiam ajudar mulheres
se fossem transmitidas numa linguagem mais simples. A área é bem
ampla, mas acabei indo pelo caminho da sexualidade. O prazer
feminino infelizmente ainda é um tabu e eu quis ajudar outras
mulheres a tratarem esse aspecto de suas vidas de uma maneira
mais leve e até a descobrirem sobre o próprio prazer. Criei
conteúdos sobre isso por algum tempo, antes de decidir criar
cursos. Acredito que posso dizer que tenho uma comunidade fiel
hoje.
Acho que essa foi a primeira vez que ouvi Sophia contar algo
sobre a própria vida dessa maneira, e algo que colocava esse brilho
inédito em seus olhos. Havia naturalidade, orgulho e empolgação
em cada palavra… a mistura de tudo isso me fez sorrir como um
idiota e voltar a trazer sua mão para meus lábios.
— A Liz tem me ajudado com a produção de conteúdos sobre
gravidez nos últimos meses — prosseguiu. — Está compartilhando
suas experiências com cada fase da gestação, além de trazer
informações importantes do que aprende com os estudos que vem
fazendo sobre esse assunto. Ela e Maverick estão se preparando da
melhor maneira para a chegada da bebê e com a aproximação do
parto, acho que… — Ela hesitou, suas sobrancelhas se uniram de
um jeito que me fez seguir seu olhar e encontrar mamãe paralisada
e com o brilho anterior apagado de seu rosto. — A senhora está
bem?
— Mamãe? — chamei, buscando sua mão sobre a mesa,
tentando trazer sua atenção de volta a nós, mas era como se ela
tivesse caído num lugar que meu toque nem minhas palavras
poderiam alcançar. Aquele em que ela costumava se perder quando
estava em seu quarto. Que inundava seus olhos claros de apatia.
Daquele peso insuportável e desconhecido.
Meu coração se apertou no peito.
Precisei soltar a mão de Sophia para sair do meu lugar.
— Mamãe? — voltei a chamá-la, curvado em sua direção,
envolvendo seu rosto para movê-lo devagar, até mim. Seus olhos se
alagaram lentamente. Ela entreabriu os lábios trêmulos. Notei seu
esforço para proferir as próximas palavras e, ainda assim, elas não
soaram como mais do que um sussurro.
— Po-podemos ligar para s-sua irmã? — pediu, rouca. —
Preciso s-saber se ela está b-bem… a bebê pode na-nascer a
qualquer momento.
Um nó apertou minha garganta a partir dali. Compreendi
imediatamente que lembrar do parto próximo de Liz tinha sido o seu
gatilho.
Lágrimas finas rolaram pelo seu rosto, abrindo fendas na
maquiagem que disfarçava suas olheiras, que a ajudava a sustentar
a ideia de que estava bem. A mentira em que tentava nos fazer
acreditar.
Estendi as mãos até o seu rosto e limpei as lágrimas com os
polegares, mas elas começaram a rolar mais gordas e logo tudo o
que eu parecia fazer era borrar sua maquiagem, então parei.
— Ela está bem, mamãe — falei, baixinho, também rouco. —
Venha, vou levá-la para o quarto e ligamos para a Liz lá.
Ela acenou uma vez, não conseguiu voltar a falar porque
agora hiperventilava, do jeito que eu sabia que antecedia suas
crises de pânico.
Levantei-a em meu colo e a trouxe para se acomodar em
meu peito.
Meus olhos encontraram os preocupados de Sophia e ela
ensaiou se erguer para me ajudar, mas meneei a cabeça em
negativa.
— Volto em alguns minutos — avisei.
Ela concordou com um aceno e senti seu olhar em mim
enquanto saí com mamãe trêmula e iniciando uma crise de choro
em meus braços.
Não demorei a alcançar seu quarto e depositá-la na cama.
Por sorte, Liz não demorou a atender quando liguei e logo ela
insistia numa chamada de vídeo para que mamãe pudesse ver que
ela estava bem.
O nó em meu peito não diminuiu enquanto as duas
conversavam e eu buscava os remédios que sabia que mamãe
precisava tomar naquelas situações.
Quando ela encerrou a chamada, já parecia mais calma, mas
ainda chorava silenciosamente e não relutou em aceitar meu peito
após tomar os comprimidos e a água que lhe estendi.
— Me desculpe — pediu, suas lágrimas ainda encharcando
minha camisa, seus soluços ainda me atingindo como murros. A
sensação de impotência se abatendo sobre mim como uma força
contra a qual eu não conseguia lutar.
— Shhhh… — Pressionei outro beijo no topo de sua cabeça
e mantive meus dedos acariciando seus cabelos. — Está tudo
bem… a senhora está indo bem, mamãe.
Ela me apertou mais forte e fiz o mesmo, para conter os
tremores em seu corpo.
Não faço ideia de quanto tempo fiquei ali, mas quando
mamãe me pediu para deixá-la sozinha, já estava mais calma. Já
não chorava nem tremia.
— A senhora tem sessão com a psicóloga hoje? — Ela
concordou com um aceno. — Quer que eu…
— Não — ela me cortou suavemente. — Não se preocupe.
Eu já estou bem e o motorista pode me levar. Não deixe mais
Sophia sozinha.
— Mamãe… — tentei.
Ela não me encarou.
— Não vou faltar à sessão, querido. Eu prometo. Vá.
Hesitei em me mover. Seus olhos migraram até mim.
— Gostei dela — falou, um fantasma de sorriso ameaçando
curvar seus lábios, apesar da apatia que o remédio trazia. — E
gosto de como vocês olham um para o outro.
Voltei a entrelaçar nossas mãos e me inclinei para beijar a
sua.
— Ela parece estar pronta para fugir desse casamento que
ainda nem começou — comentei, num tom sarcástico que
disfarçava muito mal como eu me sentia sobre o que dizia.
— Então tente descobrir por que — aconselhou, solene. —
Duvido que seja porque não retribui seus sentimentos.
Pressionei os lábios ao ouvir essas palavras.
— Ela me parece muito cautelosa, querido. E pessoas feridas
é que se tornam cautelosas. — Mamãe fez uma pausa, sua mão se
erguendo até o meu rosto para acariciá-lo. — Em vez de pensar no
que ela diz e faz para tentar se proteger, deveria tentar entender por
que ela acha que precisa se proteger. E o que a feriu.
Encarei-a em silêncio, suas palavras se assentando em
minha mente.
— Se desculpe com ela por mim, por favor — pediu após
algum tempo. — Mas preciso descansar um pouco e me preparar
para sair novamente mais tarde.
Acenei e beijei sua testa com carinho antes de me erguer.
— À noite, eu volto — avisei, por fim. E não a deixei negar.
— Desligue as luzes, por favor.
Soltei o ar devagar próximo a porta, titubeando em ceder ao
seu pedido, mas acabei por fazê-lo.
Ao descer as escadas, encontrei Sophia acomodada no sofá
da sala. Ela se ergueu preocupada no instante em que me viu.
— Ela está bem?
— Sim. Mamãe pediu desculpas, mas não conseguirá vir se
despedir — declarei. — Desculpe por deixar você esperando.
— Não se preocupe.
Encarei-a por alguns instantes, lembrando do conselho de
mamãe e consciente de que teria que explicar o que havia
acontecido, especialmente porque, ao se tornar minha esposa,
Sophia acabaria se deparando com essa situação de novo.
Estendi a mão para ela e apertei a sua ao depositar um beijo
em sua testa.
— Vamos para casa — chamei.
Sophia concordou com um aceno e se aconchegou ao meu
corpo antes de sairmos juntos.
VINTE
SOPHIA GARCÍA

Liam atendeu meu pedido de me levar ao meu apartamento


no Brooklyn e fizemos uma viagem silenciosa até lá. Naqueles
quarenta minutos, a imagem dele preocupado e cuidando da própria
mãe não me saiu da mente, tampouco o modo como a ergueu no
colo e a tranquilizou. Atencioso, gentil, cuidadoso.
Não pareceu ser a primeira vez que fez aquilo.
Eu quis perguntar o que havia acontecido com ela, se eu
tinha dito algo errado ou se ela tivera algum tipo de pressentimento
ruim com minha amiga e por isso ficara daquele jeito, mas me
esforcei para permanecer calada. Para dar a Liam o tempo de que
ele parecia precisar para absorver o que havia acontecido e decidir
se queria compartilhar algo comigo.
Uma de suas mãos se manteve entrelaçada à minha por todo
o percurso e isso me confortou.
Quando chegamos à rua do prédio, ele estacionou, mas não
se moveu para fazer nada além de retirar seu cinto de segurança,
como fiz com o meu.
Compartilhamos mais alguns segundos em que apenas o
som das nossas respirações preencheu o carro.
— Você não fez nada de errado, Sophia — ele disse, em
algum momento, o polegar deslizando numa carícia em minha
palma. — Mamãe está em tratamento para depressão e ansiedade
há algum tempo e o parto iminente da Liz é um gatilho que a faz ter
crises de pânico há alguns meses.
Minha garganta se fechou. Encarei-o ao meu lado, sentindo
meu coração afundar no peito, se tornar pequenino. Liam não tirou
os olhos do veículo à frente do seu. Não me fitou.
— Quando a Liz não sabia de nada, era mais difícil, mas
agora que ela sabe e as duas estão se resolvendo, é mais fácil
acalmar a mamãe quando algum gatilho é acionado e ela precisa
lidar com alguma crise.
— Eu não sabia — murmurei, sentindo uma necessidade
quase dolorosa de esfregar meu peito e diminuir a pressão que
havia nele agora. — Sinto muito.
Ele meneou a cabeça em negativa e levou minha mão até
seus lábios para beijá-la pela quarta ou quinta vez nesse dia.
— É por isso que você não está morando no seu
apartamento? — indaguei, como quis fazer há semanas e evitei
porque sabia que a pergunta abriria precedente para ele indagar
sobre a minha vida. — Por isso que está morando com sua mãe de
novo?
Ele concordou com um aceno, então seus olhos finalmente
encontraram os meus, nenhum brilho malicioso ou arrogante neles
agora.
— Precisei voltar para casa quando percebi que ela estava
decaindo muito e muito rápido, mas você não precisa ir morar
comigo naquela mansão, Sophia — ele garantiu. — Podemos ficar
no meu apartamento. Você só precisa saber que não vou deixar de
ir até mamãe se sentir que ela precisa de mim.
Não consegui lhe dizer nada em resposta, ainda estava
registrando suas palavras, sua atitude, seu gesto de cuidado e amor
para com sua mãe. Foi inevitável pensar na minha madre. No que
ela havia passado. No que nós duas passamos por causa da
negligência do meu pai.
Meus irmãos e ele nunca teriam feito algo assim por ela.
Meu coração voltou a se apertar.
— Apesar do final inesperado do almoço — Liam chamou
minha atenção novamente —, conhecer minha mãe foi tão ruim
quanto você imaginou?
Nossos olhos se conectaram mais uma vez e perceber que
ele já parecia mais leve foi suficiente para me livrar de um pouco da
angústia que ameaçava ocupar meu peito.
Expirei devagar e pensei por alguns segundos.
— Não… acho que eu estava tão nervosa com a
possibilidade de receber a pior reação da parte dela e precisar me
defender que acabei… — hesitei, então engoli em seco — nem
cogitando as chances de ela ser minimamente receptiva.
Ele acenou, mostrando que compreendia.
— Ela gostou de você, bruxinha — disse, abrindo um sorriso
torto. Acabei retribuindo-o involuntariamente. — Não se preocupe
com isso.
Liam desceu do carro e deu a volta nele para abrir a minha
porta, então subimos juntos porque a ideia de pedir que ele me
aguardasse ali não passou pela minha cabeça.
Quando alcançamos o meu andar, busquei a chave reserva
no meu esconderijo e abri a porta.
— Espere aí, vou pegar o Alfredo para ele não avançar em
você — avisei e precisei pressionar os lábios para não rir da careta
que Liam fez. — O quê? Ele não gosta de você, Caldwell.
— Acho que ele deixou isso bem claro nas duas vezes que
nos encontramos, Sophia — resmungou, observando-me adentrar o
apartamento, seus olhos estreitados em irritação. — Ainda tenho na
pele as provas da antipatia desse gato maldito.
Desta vez eu ri com gosto.
Liguei as luzes da sala e Alfredo não demorou a reconhecer
minha presença e vir até mim. Peguei-o no colo e acariciei seu pelo
sedoso enquanto me livrava dos sapatos.
— Pode entrar — gritei para o Caldwell, que seguiu minha
ordem e fechou a porta atrás de si, olhos semicerrados e fixos no
meu gatinho, que se remexeu em meu colo e o recebeu com um
miado contrariado. — Calminha, Alfredo.
Liam bufou e cruzou os braços.
— Vocês vão ter que aprender a conviver, Caldwell — avisei,
mordendo a bochecha para minar uma risada que queria emergir. —
Não vou sair daqui e deixar Alfredo sozinho…
Os olhos de uísque se arregalaram.
— Está me dizendo que…. — eu o interrompi.
— Que Alfredo vai comigo para onde eu for.
Liam xingou um palavrão cabeludo quando lhe dei as costas
para alcançar meu quarto e, em poucos segundos, ele veio atrás de
mim.
— Sophia, eu não…
— Não se preocupe, Alfredo é limpinho e muito tranquilo.
— Tranquilo?! Ele vai me matar enquanto estivermos
dormindo, Sophia!
Gargalhei.
— Você é tão exagerado!
— Além disso, eu tenho um Dobermann! Ele está na casa da
mamãe, mas se formos morar no meu apartamento, eu vou levar
Hefesto comigo.
— Hefesto? — Torci o nariz. — Que nome mais estranho
para um cão.
— Rá! Porque Alfredo é o nome mais comum para gatos
pretos de cara entediada como esse maldito gato assassino.
— Ei! Cuidado com como fala do meu filho! — alertei,
encarando-o com olhos estreitados. — Se nós dois não nos
matamos nos últimos meses, Caldwell, eles vão sobreviver à
presença um do outro.
— Sophia, Hefesto tem dez vezes o tamanho desse gato!
— E Alfredo sabe se defender, não é, meu amor? — Ergui
meu gatinho e resisti à vontade de afundar meu rosto em seu pelo e
sentir seu cheirinho. Liam ficaria horrorizado.
Ouvi seu bufar insatisfeito às minhas costas, mas ignorei,
voltando minha atenção para o meu guarda-roupa. Queria trocar
esse vestido por algo mais leve e precisava começar a pensar no
que levaria para a casa do capullo. Ele também mencionou uma
viagem em breve e, além das roupas, eu precisaria organizar meus
posts do blog com antecedência, além do meu trabalho na ONG,
porque apenas parte dele poderia ser feito de forma remota.
— Que tal um hotel para pets, hein? — Liam ofereceu.
— Está disposto a deixar seu Dobermann lá também? —
testei.
Seu silêncio foi suficiente como resposta.
— Segundo aquele contrato, Caldwell, você terá um ano para
ganhar a confiança de Alfredo. É tempo mais do que suficiente.
Liam grunhiu e Alfredo emitiu um som muito parecido
enquanto esfregava seu rosto em meu peito, parecia entender cada
palavra do que dizíamos.
— Não está nem um pouquinho preocupada com Hefesto? —
ele testou.
Meus lábios se esticaram em um sorriso malicioso que Liam
pôde ver quando o encarei por cima do ombro.
— Tenho um bom histórico com cães raivosos, Caldwell —
lembrei-o. — Acho que posso lidar com mais um na minha vida.
Esperei que ele resmungasse, mas o que fez foi retribuir meu
sorriso.
— Acho que você tem uma queda por cães raivosos,
bruxinha, isso sim — provocou.
Eu ri.
— Sou boa em domá-los, você não acha?
Foi sua vez de rir. O som profundo encheu o cômodo. E o
meu peito.
Precisei desviar o olhar e focar novamente no guarda-roupas,
ou não faria nada.
— Vai preparar uma mala? — Liam indagou ao me ver revirar
algumas roupas. — Será que pode colocar nela alguns daqueles
seus vibradores?
Voltei meu olhar apertado para ele.
Liam sorriu, malicioso.
— Eu gostaria de descobrir o que exatamente eles podem
fazer por você que eu ainda não tenha feito.
Não consegui me impedir de gargalhar.
— Você é um capullo mesmo.
Ele arqueou uma sobrancelha bem-feita, seu tom baixou
alguns decibéis quando prosseguiu, a voz profunda percorrendo o
quarto:
— Estou falando sério, bruxinha. Podemos até usá-los
durante o sexo. Quão forte você gozaria com tantos estímulos,
hein? Vamos descobrir.
Meneei a cabeça em negativa e lhe dei as costas para
esconder o sorriso que ameaçou se formar. E não o deixar saber
que sua ideia tinha me tentado muito mais do que deveria.
Encontrei um vestido leve para trocar pelo que usava e só
então voltei a procurar roupas que poderia levar numa mala. Após
algum tempo apenas observando meu espaço, Liam chamou minha
atenção.
— Enquanto você faz a mala, podemos adiantar a lista que
preciso passar ao meu assistente.
— Lista? — ecoei, sem entender do que ele falava.
Quando voltei a encará-lo, ele estava abrindo a tela
expansiva do celular e buscando algo nele. Deixei alguns vestidos
sobre a cama e Liam se sentou nela como se já estivesse muito à
vontade no meu ambiente.
— Sim. — Ele pareceu achar o que procurava e digitou
algumas palavras. — Que tipo de carro você prefere dirigir?
Franzi a testa.
— O quê?
Liam ergueu seus olhos para mim novamente.
— Você vai precisar de um carro, Sophia. Para se locomover
em Manhattan e para a ONG. Me diga qual prefere.
Minhas sobrancelhas se içaram.
— Eu não sei dirigir, Caldwell — avisei. — E você não precisa
fazer isso, eu posso…
— Você vai precisar de um motorista então — ele me
interrompeu, voltando a digitar. — Mas acho importante que tire a
carteira também, nunca se sabe quando vai precisar. Pense sobre
isso e me avise depois.
Eu não sabia o que dizer.
— Tenho algumas reuniões na Europa na próxima semana,
você acha que consegue ir comigo? Posso conseguir o que você
precisar para trabalhar fora. Notebook, tablet, internet etc. Blake
pode organizar seu passaporte e visto até lá.
A essa altura suas palavras começaram a me deixar zonza.
Caminhei até a porta e a abri para deixar Alfredo do lado de fora por
alguns minutos. Não confiava em soltá-lo com Liam tão perto. Ele
não hesitaria em garantir que o capullo fosse embora com mais
cicatrizes iminentes.
— Temos o Baile de Independência no sábado — Liam
prosseguiu, alheio ao modo como suas palavras me afetavam. —
Vou apresentá-la como minha noiva nesse dia e você vai precisar de
um vestido e sapatos novos. Algumas joias também, não é? Vou
pedir que meu secretário agende um horário com alguma grife ou
ateliê da Madison Avenue. E vamos precisar de anéis de noivado e
alianças.
Engoli em seco com dificuldade.
— Teremos que deixar Alfredo e Hefesto num hotel para pets.
Talvez você precise de roupas novas para a viagem também, então
é melhor eu conseguir um cartão de crédito para você. A
responsável pela administração do meu apartamento terá que ser
avisada sobre a necessidade de encher a despensa. Se você fizer
uma lista do que gosta, posso pedir que ela…
Eu o interrompi quando tirei o celular das suas mãos e o
joguei sobre a cama. Sinceramente não sabia o que estava fazendo,
acho que só precisava que Liam parasse por alguns segundos. No
entanto, isso mudou quando seu olhar confuso alcançou o meu.
Minha mente e corpo passaram a precisar de algo mais e não me
deram a chance de lutar ou refletir sobre o que faria.
Liam não relutou em me aceitar no seu colo quando afundei
os joelhos aos lados dos seus quadris no colchão. Suas mãos só
vieram para minha cintura e me puxaram para perto, com
naturalidade, cedendo sem palavras ao meu primeiro pedido
silencioso de conforto. Talvez porque soubesse que para mim era
difícil fazer isso. Talvez porque reconhecesse que eu havia
alcançado um limite.
À minha volta, o mundo ainda girava um pouco, colocando os
últimos acontecimentos numa espiral, e continuei a buscar alguma
estabilidade no corpo forte de Liam. Envolvi seu pescoço com os
braços e fechei os olhos ao pressionar minha testa à sua.
— O que foi? Está me preocupando, bruxinha.
— Isso está indo rápido demais — sussurrei. Seus dedos
afundaram em minha pele, firmando-me ali, no presente. — Você
entende que em menos de vinte e quatro horas eu fui atacada pelo
meu ex, presa pela polícia, ameaçada, quase deportada, aceitei um
casamento, assinei um contrato pré-nupcial, conheci uma sogra
que, até ontem, mal sabia da minha existência e agora estou me
preparando para sair do lugar que eu demorei anos para transformar
no meu lar?
Liam me apertou mais forte, o calor do seu corpo transmitindo
o conforto e a segurança que eu precisava agora.
— Se me disser do que tem medo, talvez eu possa ajudar —
ele murmurou.
— Só preciso de um tempo — afirmei, porque essa era a
minha necessidade mais urgente no momento. Tempo para
absorver tudo isso. Toda essa reviravolta que minha vida tinha dado.
Liam concordou com um aceno e pressionou um beijo suave
em meus lábios.
Então ficamos naquela posição por minutos, em silêncio,
compartilhando respirações, sentindo nossos corações assumirem o
mesmo ritmo enquanto nossos corpos se aninhavam com
naturalidade. Minha cabeça parou de girar aos poucos, o excesso
de pensamentos se dissipou vagarosamente, de modo que se
tornou mais fácil organizar as emoções para lidar com o que
importava agora.
Inspirei o cheiro de Liam em seu pescoço, a essência da sua
pele, o perfume dos seus cabelos, tudo que era tão dele e já era tão
familiar para mim. Sua mão se movia em minhas costas, deslizando
em movimentos circulares e tranquilizantes.
— Nunca imaginei que me casaria com um capullo metidinho,
pomposo y estúpido — comentei em algum momento, num tom
provocador que lhe arrancou um riso baixo. Seu peito vibrou, a
pressão no meu diminuiu um pouco mais. — Ou que iria para uma
festa esnobe da alta sociedade novaiorquina… Somos uma mistura
perigosa para um evento assim, Caldwell.
Ele voltou a rir e acabei fazendo o mesmo, adorando o modo
como me apertou mais forte, parecendo nem querer me soltar.
— Prometo não deixar você avançar em nenhum riquinho
arrogante se não me deixar avançar em ninguém também — ele
disse, o que me fez erguer os olhos até alcançar os seus
novamente.
Liam acariciou meu rosto e beijou meus lábios.
— E quem vai me impedir de avançar em você, Caldwell? —
aticei. — Você também é um riquinho arrogante.
Ele se inclinou para tomar minha boca.
— Em mim você pode avançar quando quiser, bruxinha.
VINTE E UM
LIAM CALDWELL

Estiquei o braço e posicionei a câmera do celular acima da


minha mão. Perdi alguns segundos tentando focar no aro de ouro no
meu dedo anelar, só ao conseguir, eu cliquei para tirar a foto e a
enviei no grupo que tinha com meus amigos.
Antes que qualquer um deles tivesse tempo para responder,
eu digitei:

Liam Caldwell: Me respeitem porque agora sou um homem


casado. PRIMEIRO HERDEIRO DE NOVA IORQUE A SE CASAR,
PORRA.

Os quatro começaram a digitar quase simultaneamente e


sorri, tirando a atenção do celular por apenas alguns segundos para
olhar para o topo das escadas do meu apartamento, onde Sophia
surgiria a qualquer momento, pronta para irmos à nossa primeira
festa como um casal — o Baile de 04 de Julho da elite de Nova
Iorque.
Estávamos casados.
CASADOS.
Sophia e eu estávamos casados.
Aquela pequena bruxa intragável era toda minha.
Fazia vinte e quatro horas que o casamento fora registrado,
mas Sophia precisara dos últimos dias sozinha para se preparar
para deixar sua casa e só havia se mudado para o meu
apartamento hoje. Cheguei a achar que ela desistiria do nosso
acordo, contudo, ela não o fez, pelo contrário, o tempo só parecia
tê-la deixado mais segura do que faríamos a partir de agora.
E eu sabia que era bobo, que para ela esse casamento ainda
era uma farsa, que ela provavelmente havia criado mais limites para
me impedir de chegar perto demais, mas não consegui parar de
sorrir desde que Sophia chegou aqui com suas malas e
determinação.
O som de mensagens no celular apitou várias vezes, levando
minha atenção de volta à tela.

Chuck Gustafson: O QUE EU PERDI, PORRA?!


Maverick Bradshaw: Quem vê nem acredita que poucos
meses atrás esse filho da puta estava jurando de pé junto que
nunca se casaria. E a promessa de permanecer solteiro, irmão?
Engoliu com uísque?
Bruce Waldorf: GUERREIRO ABATIDO.
Blake Davenport: Alguém mais está ouvindo o tilintar da
coleira?

Gargalhei.
Cliquei na mensagem de Chuck para respondê-lo primeiro.

Liam Caldwell: Aceitei o conselho do Blake e me casei,


irmão! E você vai conhecê-la de verdade na próxima semana,
quando formos para a Europa para umas reuniões de trabalho que
tenho. Vamos passar uns dois dias na Alemanha.
Chuck Gustafson: Grande irmão de merda você é! Eu aqui,
preocupado, tentando encontrar uma forma de te ajudar, e você se
casa sem me falar nada, porra?! Quem é ela?
Liam Caldwell: Não fizemos cerimônia, só assinamos os
papéis. E você a conheceu no piquenique da minha sobrinha. É a
melhor amiga da Liz.
Chuck Gustafson: A MEXICANA QUE TE ESTAPEOU
PELO MENOS DEZ VEZES NAQUELA TARDE?
Maverick Bradshaw:
KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK ELA MESMA
Blake Davenport: Dona de 99% dos grunhidos e rosnados
do Liam naquele piquenique.
Bruce Waldorf: Acho até que a ouvi chamar o Liam de Cão
Raivoso naquele dia.
Maverick Bradshaw: BLAKE, COMECEI A OUVIR O
TILINTAR DA COLEIRA TAMBÉM.
Liam Caldwell: Vão se foder, seus filhos da puta!
Bruce Waldorf: Mal posso esperar para ver vocês juntos
hoje, irmão.
Liam Caldwell: Eu nem sabia que você ia, Bruce. Sempre
evita esses eventos.
Blake Davenport: Hoje os Herdeiros de Nova Iorque estarão
em peso naquele salão de festas, irmão.
Chuck Gustafson: Não vou conseguir ir desta vez, mas
quero detalhes dessa merda no meu privado, Caldwell!
Liam Caldwell: Amanhã explico tudo, irmão.

Guardei o celular no bolso da calça e me ergui para me servir


uma dose de bebida.
Voltei minha atenção para a parede de vidro do apartamento
e observei a noite de verão novaiorquina. Eram quase vinte horas e
o céu ainda estava claro, o pôr do sol seria dali a mais de uma hora.
Tínhamos pouco tempo para chegar ao Baile de
Independência, no entanto, eu morava muito perto do arranha-céu
em que o salão de eventos se localizava e com sorte chegaríamos
antes de todos se entreterem com os fogos de artifício.
Peguei o telefone novamente enquanto sorvia a bebida, para
falar com a governanta da mansão e confirmar se mamãe estava
bem. Já havia falado com ela hoje, mas queria ter certeza de que
estava tudo bem. Eu tinha acabado de encerrar a chamada quando
ouvi os passos de Sophia no andar de cima e girei em meu próprio
eixo para vê-la emergir no topo das escadas. Como a porra de uma
deusa, tão absurdamente linda, que me vi hipnotizado.
Tive consciência da minha boca se abrindo conforme Sophia
descia os degraus com movimentos elegantes, do meu queixo indo
para a puta que pariu quando notei a fenda na saia do vestido
verde-esmeralda. Cada curva generosa delineada pela peça bem
estruturada, sem alças, sem a necessidade de um decote para
valorizar os seios grandes e perfeitos. Meus. Ambos meus.
Foda-se, Sophia era minha. Não só seu corpo ou aquela
boca deliciosa que se abria num sorriso para mim nesse momento.
Sophia. Era. Toda. Minha.
Ela só precisava aceitar essa verdade.
Livrei-me do copo de bebida já vazio e atravessei a sala
ampla em poucos segundos, bem a tempo de segurar sua mão e
ajudá-la a descer o último degrau. Aquele choque delicioso que
costumava percorrer nossas peles quando nos tocávamos voltou.
Envolvi sua cintura com um braço e a puxei para mais perto. Seus
saltos altíssimos tornaram nossa diferença de altura um pouco
menor.
— Acho que você acabou de me converter ao monoteísmo —
sussurrei, pertinho da sua boca, apenas roçando nossos lábios
enquanto a sentia amolecer em meus braços.
— Como assim? — murmurou, também resistindo à atração
que nossas bocas exerciam uma sobre a outra.
Sorri.
— Não sou muito religioso, mas você parece algo divino
agora, bruxinha. Uma deusa… a única que eu quero venerar.
Sophia abriu um sorriso pequeno e brilhante, então beijou
minha boca, os braços circulando minha nuca, o corpo gostoso bem
pressionado ao meu. No nosso encaixe único e perfeito.
Eu já estava muito perto de destruir o trabalho impecável que
ela fizera sozinha em seu cabelo e maquiagem quando me lembrei
do que eu havia buscado mais cedo. O que estava louco para vê-la
usando.
— Eu tenho algo para você — avisei, já procurando no bolso
o que queria. Beijei sua boca uma última vez e me afastei para abrir
a caixinha e lhe mostrar seu anel de noivado.
O solitário de ouro branco.
— ¡Madre mía! — exclamou, levando as mãos para cobrir a
boca. — Olha o tamanho desse diamante, Caldwell!
Sorri.
— Me dê sua mão. — Ela hesitou em fazer o que pedi, mas
acabou cedendo.
— Só vou usar isso hoje, viu?! — avisou. — Esse anel deve
custar todos os meus órgãos em bom estado, não posso bobear
com ele. Qual a necessidade de uma pedra desse tamanho pra um
noivado de mentira que não vai durar nem uma semana?!
Revirei os olhos.
— Já deveria estar acostumada aos meus exageros —
lembrei, então sorri ao ver o anel em seu dedo gordinho. — Ficou
perfeito. Vamos.
Sophia o observou por alguns segundos, cheguei a achar que
continuaria a hesitar em sair com ele, mas o esboço de um sorriso
pequeno surgiu em seus lábios. E apenas ao vê-lo, percebi que ela
não estava habituada a nada assim, mas isso não significava que
não havia gostado.
Naquele momento eu quis enchê-la de tantas joias que ela
jamais seria capaz de sair de novo sem alguns milhares de dólares
pendurados nas orelhas e no pescoço.
Coberta com todas as pedras preciosas que merecia.
Chegamos ao arranha-céu do evento com poucos minutos de
atraso e, talvez por sorte, não precisamos compartilhar o elevador
com ninguém. Isso permitiu que Sophia se aproximasse para
arrumar minha gravata borboleta aparentemente torta.
— Você está tão gostoso nesse smoking, Caldwell —
sussurrou, o que me fez rir.
— Está nervosa?
— Não tanto quanto fiquei para conhecer sua mãe.
Sinceramente não me importo com o que essas pessoas vão pensar
de mim.
Mas se importou com o que minha mãe pensaria, não é?
Sorri.
— Eu só não quero prejudicar você — confessou.
— E não vai. Vamos nos sair bem. O pior que pode acontecer
é eu avançar em Alexander de novo. Ou em qualquer filho da puta
que babar por você.
Ela envolveu meu rosto com as mãos e me encarou séria.
— Você não vai avançar em ninguém — disse, os dedos
percorrendo devagar a minha mandíbula até tocarem meus cabelos
suavemente, como costumava fazer até eu afastá-la com cuidado.
Desta vez, surpreendentemente, não senti necessidade de fazê-lo.
— Não vai socar, xingar, nem ameaçar nem um dos convidados
dessa festa, me ouviu?
— Sophia…
Ela trouxe meu rosto para perto do seu.
— Eu estou muito gostosa nesse vestido, Caldwell, e nua só
pra você embaixo dele. Se quiser tocar em mim no fim dessa noite,
você vai ser o homem estável que esperam que o presidente do
Conselho seja.
A porra de um rosnado escapou da minha garganta.
— Você está nua?!
Sophia concordou e pressionou nossos lábios em um selinho.
Busquei sua boca, sedento por mais, mas ela me negou um beijo de
verdade.
— Sem avançar em ninguém, Caldwell, você me entendeu?
O elevador apitou.
— Diga que entendeu — ela mandou, se distanciando para
arrumar o vestido e enlaçar meu braço com o seu. — Você precisa
recuperar os negócios do seu pai e me recuso a te ver entrar no
jogo desse seu tio e perder porque ele obviamente sabe como te
tirar do sério na frente desse Conselho.
Suas palavras me fizeram hesitar por um instante e voltar
meus olhos para seu rosto.
— Guarde o cão raivoso para mim e seja o que precisa ser
perto daqueles homens — ela disse, conforme as portas do
elevador se abriam. Sophia baixou a voz ao concluir: — Faça isso e
serei o que você quiser mais tarde, Caldwell… sua noiva, esposa…
cadela.
— Minha… — rosnei, encurralando-a contra a parede de aço.
— Você será minha, Sophia. É isso que eu quero. Você. Toda
minha. Na nossa noite de núpcias.
Seus olhos se arregalaram levemente, a boca se entreabriu
quando seu peito subiu e desceu em uma respiração profunda, o
hálito doce acariciando meus lábios graças à proximidade que eu
havia imposto. Eu sabia o que viria em seguida, por isso não dei a
ela tempo para argumentar ou me lembrar que nosso casamento
era uma farsa. Apenas me afastei e impedi que o elevador se
fechasse mais uma vez.
— Porra, vou ficar de pau duro em toda essa festa agora —
grunhi e, para minha surpresa, ela sorriu.
Segurei as portas para garantir que Sophia saísse sem ser
machucada por elas.
— Vai, é? — provocou, ao passar por mim. — Ótimo. Adoro
como me come quando está faminto e com raiva.
— Caralho, Sophia! Você vai me pagar por isso!
A bruxinha riu.
— Espero que essa seja uma promessa.
VINTE E DOIS
LIAM CALDWELL

Sophia e eu paramos na entrada do salão de festas para


posar para a foto oficial do evento. Envolvi sua cintura com um
braço possessivo e ela pousou a mão com o solitário sobre o meu
peito, fazendo questão de mostrá-lo na foto que sabia que circularia
nos jornais, revistas e sites.
Sorri, mas não disse nada após agradecer ao fotógrafo e
guiá-la para dentro do salão.
Do topo da escada, tivemos uma visão privilegiada dos
convidados da festa. Políticos, empresários, investidores, bilionários
dos mais diversos segmentos, o ambiente estava cheio deles.
Olhares e câmeras começaram a saltar em nossa direção conforme
um burburinho indistinto se iniciava. Um muito maior que o que eu
estava acostumado a ouvir quando passava.
Porra, era bom que esse maldito escândalo fosse abafado
logo.
— Está pronta, bruxinha? — indaguei, mantendo Sophia
ainda parcialmente protegida por mim.
Ela acenou e abriu um sorriso pequeno.
— Pronta — disse. — Se seremos o centro das atenções,
vamos dar logo assunto para eles.
Retribuí seu sorriso e me inclinei para beijar sua testa, só
então ela segurou mais forte no meu braço e começamos a descer a
escadaria em Y. Vesti minha expressão fechada de costume
enquanto, ao meu lado, Sophia se movia elegantemente altiva,
como se soubesse que não poderia transparecer menos que sua
habitual segurança diante dessas pessoas.
Ao alcançarmos o patamar central, ficamos lado a lado, bem
diante do salão que havia se voltado completamente para nós.
Por entre os inúmeros rostos ao longo do ambiente amplo,
encontrei o do filho da puta do meu tio. Alexander parecia ter
entrado há pouco tempo com sua filha e cunhado, estava de pé
perto das escadas, trocando palavras com o prefeito e sua esposa.
Seus olhos fixos na mulher ao meu lado.
Pela primeira vez, tive medo de como essas pessoas
tratariam Sophia. De como ela seria afetada por eles. Deveria ter
pensado nisso antes e a preparado de alguma maneira. Não queria
que ela fosse machucada e sabia exatamente como esses
desgraçados podiam ser baixos.
Tensão enrijeceu meus membros diante desse pensamento.
No entanto, talvez percebendo a mudança em mim, Sophia chamou
minha atenção ao sussurrar:
— Ótimo. Cometi o erro de imaginar essas pessoas nuas e
acho que vou ter pesadelos essa noite.
Não consegui me impedir de rir e voltei um olhar rápido para
ela.
— Por que infernos você iria querer imaginar essas pessoas
nuas?
Sophia deu de ombros e abriu um sorriso travesso.
— Não sei. Lembrei desse conselho estúpido de imaginar as
pessoas nuas quando se está nervosa diante de muita gente.
Meneei a cabeça em negativa, ainda incrédulo, e voltei a
olhar para frente. Meu sorriso se manteve, não consegui desfazê-lo,
e precisei resistir à vontade de beijar Sophia diante de todas
aquelas pessoas e câmeras.
— Você é inacreditável, porra.
— E você adora, Caldwell.
Eu mais do que adoro, bruxinha.
Descemos o resto dos degraus juntos e, conforme nos
aproximávamos do meu tio, notei seu olhar pesando sobre a mão de
Sophia que carregava o anel de noivado. O modo como ele a
avaliou de cima a baixo após isso foi suficiente para me fazer travar
o maxilar e apertar os punhos.
— Senhor Caldwell — o prefeito me cumprimentou, roubando
minha atenção para si —, já estávamos achando que não viria.
Aceitei a mão que ele estendeu e a apertei com firmeza.
— Eu jamais perderia esse evento — respondi, sem
conseguir retribuir o sorriso educado do homem que eu sabia ser
uma marionete do seu partido. Voltei meu olhar para Alexander,
então para Sarah e seu noivo, que nos observava com olhos
apertados —, especialmente quando estava tão ansioso para
finalmente apresentar minha noiva.
— Mas que surpresa! — A mulher do prefeito exclamou. —
Ao que parece, os Herdeiros de Nova Iorque decidiram parar de
esconder suas mulheres do mundo.
Ela e o prefeito riram juntos, mas não entendi de que merda
falava.
Ao trocar um olhar com Sophia e ver o sorriso inabalável que
ostentava, senti um pouco da pressão em meu peito ceder.
— Esta é Sophia García — iniciei, muito consciente do peso
dos olhares sobre nós agora —, minha mulher e futura senhora
Caldwell.
Algo inominável atravessou seus olhos negros como um
vislumbre quando ela os trouxe para mim, porém, foi rápido demais
para eu compreender.
Entrelacei nossas mãos.
— Sophia, estes são meu tio Alexander Caldwell, sua filha
Sarah e o noivo dela, o senhor Adams. E, claro, o prefeito e sua
mulher, que você já deve conhecer das notícias.
— É um prazer conhecê-los.
Ela inclinou a cabeça lentamente em um cumprimento
educado.
— Seja bem-vinda, senhorita García — a esposa do prefeito
disse, conforme seu olhar percorria Sophia. — Sinta-se à vontade.
— Sim! — o prefeito exclamou. — Fiquem à vontade,
senhores. Ava e eu precisamos cumprimentar outros convidados,
mas a sacada com a vista para o Rio East será liberada em vinte
minutos e os fogos iniciarão daqui a meia hora.
Concordei com um aceno discreto e os dois se afastaram
após um último cumprimento ao meu tio, que mal aguardou a saída
do casal para nos atacar.
— Futura senhora Caldwell? — Um sorriso escorregadio
delineou seus lábios à medida que seus olhos intercalavam entre
mim e Sophia. — Desde quando? Não me diga que os últimos
acontecimentos o desesperaram tanto a ponto de sair à procura da
primeira mulher disposta a aceitar um casamento vantajoso?
Havia tantos insultos implícitos em suas palavras,
direcionados a mim e à Sophia, que eu estava pronto para avançar
sobre o filho da puta antes mesmo de registrar todos eles.
No entanto, Sophia riu.
Riu.
E apertou minha mão com força mesmo quando seu rosto
carregava a leveza de quem acabara de ouvir uma piada.
— O que os últimos acontecimentos fizeram, na verdade, foi
me dar a certeza de que precisava deixar todos saberem que
Caldwell já está comprometido, senhor. — Ela modulou seu tom
para diminuir alguns decibéis como se estivesse prestes a contar
um segredo: — Sinceramente, prefiro a tranquilidade do anonimato,
mas entre isso e mulheres achando que podem atacar o meu
homem, eu escolhi deixar claro que ele tem dona, independente do
quanto precise me expor.
Acho que meu queixo caiu.
Meu homem… caralho. Eu devia ter gostado tanto de ouvir
isso?
Sophia avançou um passo pequeno, sutil mas muito
significativo, em direção ao meu tio. Seus saltos a deixavam quase
da altura dele. O nariz se empinou, alto o bastante para seus olhos
encontrarem os furiosos dele.
— Quanto ao casamento vantajoso, sim, ele terá. Não se
preocupe. — Ela abriu um sorriso. — Estamos juntos há tempo
suficiente para o Caldwell saber que sou boa demais para ele me
deixar escapar.
Porra!
Acho que meu sorriso era tão grande naquele momento, que
qualquer imbecil no raio de um quilômetro seria capaz de ver que eu
estava louco por essa mulher. Vibrando e quase a aplaudindo bem
aqui ao seu lado.
Uma risadinha tola e irritante arrancou meus olhos
orgulhosos de Sophia direto para a versão feminina do meu tio.
Meu semblante se fechou.
— Você parece muito confiante das suas… habilidades de
prender um homem — Sarah sibilou, destilando seu veneno com o
sorriso angelical, os olhos baixando lenta e significativamente para a
barriga de Sophia. — E de onde eu vejo, elas podem ser boas o
bastante para você já o ter prendido pelo resto da vida.
Minha boca se abriu em perplexidade.
Essa filha da puta estava insinuando que Sophia estava
grávida por causa do tamanho de sua barriga?!
Desta vez eu avancei, rápido e cego pela raiva. O sangue
quente e agitado pulsando nas veias.
— Sua filha da… — Sophia interrompeu meu rosnado furioso
ao se colocar entre mim e Sarah e apertar minha mão com força,
bastou um olhar em minha direção e eu soube que me mandava
calar a boca.
Travei a mandíbula contra a minha vontade e senti como se
prendesse a droga de um animal feroz no meu peito para obedecê-
la.
Sophia voltou sua atenção para a cobra venenosa diante
dela.
— Não sei que habilidades você acha que uma mulher
precisa ter para prender um homem, Serena, mas acredito que se
eu precisasse prender o Caldwell de qualquer maneira que fosse,
ele não seria digno de mim. — A loira arqueou uma sobrancelha. —
E eu não preciso de um homem assim.
O olhar de Sophia pousou sobre o noivo de Sarah, um
homem que já havia passado dos seus cinquenta anos e nesse
momento segurava a cintura da noiva com um braço possessivo,
mas obviamente não tinha o raciocínio rápido o bastante para
compreender a sutileza do ataque nas próximas palavras:
— Você também não precisa, não é, Serena? — a pequena
bruxa disse, com um sorriso sagaz. — Prender um homem pela sua
beleza ou habilidades numa cama, digo. Era a isso que estava se
referindo há pouco, não é?
O rosto de Sarah ganhou uma tonalidade vermelha muito
rápido. Os olhos claros injetados de raiva quase saltaram de suas
órbitas quando deu um passo à frente e abriu a boca para retrucar,
mas Sophia ainda foi mais rápida:
— Quanto à possibilidade de gravidez que você insinuou, é
inexistente. — Ela indicou a si mesma com a mão livre, num
movimento ondular. — Tudo o que você vê aqui é um corpo com
curvas generosas e perfeitas que não abalam em nada a minha
autoestima ou o desejo que o meu homem tem em mim, Serena.
— É Sarah! Meu nome é Sarah!
Sophia riu.
— Oh, me desculpe. Sarah. — Ela estava pronta para dar às
costas à minha prima, mas retornou, e só tive tempo de vê-la vestir
uma expressão blasé. — Sei que nos conhecemos há pouco tempo,
mas já que faremos parte da mesma família, me vejo na obrigação
de te dar um conselho: guarde para si mesma qualquer comentário
ou insinuação sobre o corpo de alguém. Além de inconveniente e
completamente dispensável, Serena, esse tipo de comentário pode
levar alguém menos educado a te fazer engolir sua opinião com um
murro ou achar que também pode apontar coisas não tão elogiosas
do seu corpo. E talvez sua autoestima seja muito mais frágil.
Alexander segurou Sarah para impedi-la de dizer algo mais.
— Você é muito atrevida — ele disse à minha mulher.
— É uma das coisas que mais amo nela — respondi, com um
sorriso ao voltar a enlaçar a cintura de Sophia. — Não abaixa a
cabeça pra nenhum filho da puta hostil e arrogante — fiz uma pausa
breve só para encarar Sarah novamente —, ou filha da puta.
Sorri, agora vendo Alexander também ficar vermelho.
— Senhor Adams, acho que ainda não o parabenizei pela
entrada iminente na família — voltei-me para o noivo de Sarah. —
Torço sinceramente para que Alexander não encontre alguém mais
útil e poderoso para a filha antes da cerimônia.
Os olhos do homem se arregalaram.
— O quê?!
— Fitzwilliam — Alexander me chamou, num tom de alerta
que certamente indicava uma ameaça.
Meu sorriso aumentou.
— Peço que nos deem licença — foi o que escolhi dizer,
trocando um olhar com Sophia —, precisamos cumprimentar outros
convidados.
Só me dei o trabalho de acenar para Adams num
cumprimento final.
Mantive meu braço envolvendo a cintura de Sophia enquanto
a guiava pelo corredor central, por entre as mesas.
— Preciso de uma bebida — ela disse.
Peguei duas taças com o garçom mais próximo e lhe
entreguei uma.
— Me desculpe — pedi, ao vê-la tomar um gole longo, os
olhos faiscando de raiva. — Eu devia ter te preparado melhor para
esse encontro.
Ela bufou.
— Devia ter me dito que eu ia querer esganar seus parentes,
isso sim! — respondeu, num sussurro irritado, tomando o que
restava de champanhe em sua taça. — Que pessoas mais
detestáveis, Dios mio. Agora entendo por que você socou aquele
desgraçado.
— Imagine conviver com eles por anos — resmunguei,
avistando a mesa com os conselheiros do Grupo. Estavam do outro
lado do centro do salão, onde alguns casais já se moviam,
dançando uma música lenta. — Acho que precisamos de alguns
minutos antes de enfrentar o Conselho.
Parei abruptamente no meio do caminho e me livrei das
nossas taças para guiar Sophia à pista de dança. Por um segundo,
achei que ela tentaria negar, mas, na verdade, veio para os meus
braços sem nenhuma relutância. E suspirou lentamente ao
acomodar o rosto ao meu peito e me abraçar. Diante de todos os
olhares curiosos sobre nós agora.
Ignorei todos eles.
Preferi fechar a mim e à Sophia numa bolha só nossa e me
concentrar na bruxinha, em descobrir até que ponto aqueles
desgraçados a tinham atingido. Envolvi-a com cuidado enquanto
nos movíamos lentamente e beijei o topo da sua cabeça ao voltar a
falar.
— Você está bem?
Ela acenou, numa afirmativa.
— Estou bem, Caldwell. Só preciso esfriar a cabeça — disse.
— É isso ou com certeza vou avançar no próximo riquinho arrogante
que me dirigir a palavra.
Ri baixo e a apertei mais forte.
— Obrigado por me impedir de fazer isso — agradeci. Sophia
ergueu os olhos para mim. — Mas eu queria muito ter feito
Alexander engolir aquelas palavras quebrando o resto dos dentes
dele.
— Sei me defender, Caldwell — ela disse.
— Eu sei, mas não significa que precisa fazer isso sozinha
enquanto eu estiver por perto. — Acariciei sua bochecha com o
polegar. — Ainda assim, gostei da coisa do “meu homem”, viu? Pelo
menos agora eu também sei que tenho dona.
Ela me deu um tapa no peito, mas não conseguiu sustentar o
olhar irritado por muito tempo, o sorriso ameaçando tomar seus
lábios não permitiu.
— Você é um bobo — acusou. Sorri e me inclinei para beijar
seus lábios suavemente. — Um capullo estúpido… — Outro beijo.
— Um cão raivoso.
— Seu cão raivoso, até onde sei.
— Meu? — ecoou.
Acenei.
— Seu, bruxinha…
Ela não respondeu com palavras, apenas tomou meus lábios
para si, sua língua invadiu a minha boca e me fez agarrar sua
cintura ainda mais forte quando tocou a minha. Ávida. Intensa.
Deliciosa.
Sophia chupou meu lábio inferior e o mordiscou. A respiração
superficial rivalizando com a minha, já que não parecia haver ar
suficiente para nós dois naquele salão.
— Concordamos no contrato que não seríamos propriedades
um do outro, lembra?
— Uhum… mas você começou com essa coisa de ser minha
dona — provoquei.
Ela estreitou os olhos e instalou alguma distância entre
nossos rostos. Sorri.
— Eu só disse aquilo pra calar o seu tio e fazê-lo acreditar
que eu havia escolhido não ser apresentada como noiva antes —
afirmou, desviando o olhar e empinando o nariz.
Meu sorriso aumentou.
— Foi só por isso, né?
— Claro — garantiu.
— Tudo bem, então — concordei, pressionando um último
beijo em sua boca.
Acomodei seu rosto ao meu peito e Sophia voltou a relaxar
em meus braços à medida que nos movíamos lentamente, no ritmo
da música. Após alguns instantes, ela sussurrou só para mim:
— Achei que acabaríamos encontrando o governador e a
mulher dele. Esse é o tipo de evento do qual ele também participa,
não é?
— Sim, mas ele vai sumir até a poeira baixar um pouco. Está
tentando passar uma imagem de homem digno para a mídia.
Espalhou que sua esposa está doente, que teve alguns colapsos
nervosos nos últimos meses e por isso tinha agido de forma tão
“contrária à sua natureza gentil e submissa”. Pediu até que não
usassem o emocional debilitado dela para atingi-lo e criar mentiras.
— Ele jogou a culpa numa doença? Sério?
Assenti.
— Foi a melhor solução que a equipe dele encontrou.
Sinceramente, não me interessa a mentira que inventou. Blake o
forçou a fazer um pedido formal e público de desculpas a mim, em
nome dele e da esposa, pela atitude dela e negligência dele em
permitir que ela continuasse a participar de eventos quando não
estava bem. Não significa que todos engoliram as merdas que ele
disse, mas pelo menos servirá para diminuírem as especulações de
um caso amoroso entre mim e aquela mulher.
A bruxinha riu com desdém.
— Os jogos políticos são inacreditáveis.
Concordei silenciosamente e pressionei um novo beijo no
topo de sua cabeça.
— Não se preocupe com essa questão. O Conselho é meu
real problema.
Sophia se afastou o bastante para me encarar e não resisti a
me inclinar para beijar seus lábios.
— Pronta para conhecer mais riquinhos arrogantes?
Ela fez uma careta, mas acenou, aceitando a mão que eu
estendia.
— Vamos.
Eu ainda senti olhares sobre nós conforme nos afastávamos
da pista, e tive certeza de que Sophia também tinha consciência
deles e dos burburinhos, mas os ignoramos juntos.
A apresentação aos integrantes do Conselho que ocupavam
apenas uma mesa no salão foi mais rápida e bem mais tranquila.
Apesar de um ou outro olhar atravessado em nossa direção, Sophia
ainda arrancou risada de alguns homens e um elogio da filha de um
deles, que o acompanhava. No fim, acredito que a maioria comprou
nossa história de noivado e fomos parabenizados por todos.
Isso me deu alguma esperança de que a droga daquele
escândalo fosse esquecida logo. Ou que pelo menos não
influenciasse os votos daqueles homens na assembleia de eleição
do Conselho em algumas semanas.
Quando o prefeito subiu ao palco e avisou que a sacada já
estava aberta e que os fogos iniciariam em cinco minutos, muitos
convidados começaram a se erguer para garantir uma boa visão do
show anual de fogos de artifício da Macys sobre o Rio East.
Aproveitei esse momento para me afastar da mesa com Sophia.
Precisava encontrar meus amigos, no entanto, antes que eu
pescasse o celular no bolso para enviar uma mensagem no grupo e
descobrir onde exatamente eles estavam, Sophia exclamou:
— Liz!
Seus olhos brilharam e os lábios se esticaram num sorriso
sincero que só entendi quando segui seu olhar e avistei minha irmã
mais nova muito grávida e sorridente acenando para nós, sentada
numa mesa VIP próxima ao palco, nos chamando. Logo Bradshaw,
que estava ao seu lado, se levantou. Meus olhos percorreram a
mesa deles para encontrar, também acomodados nela: Bruce e
Emma, Blake e uma mulher alta e magra que estava de costas para
mim, sentada ao seu lado.
Sorri ao vê-los se erguendo para me receber.
Meus irmãos. Três brutamontes que, nesse momento, sem
proferir qualquer palavra, me lembraram que sempre estariam ao
meu lado. Mesmo não gostando da merda desses eventos, mesmo
no meio de um escândalo envolvendo a porra do governador.
Quando Blake disse que os Cinco Herdeiros de Nova Iorque
estariam em peso nesse evento, naquela mensagem mais cedo,
não compreendi o que ele quis dizer, mas agora entendia. Eles
haviam se unido para me dar apoio na frente de todos. Para lembrar
o poder e influência que tínhamos, independente do escândalo
sexual que se espalhara nos últimos dias.
Sorri para esses filhos da puta e aproveitei que Sophia foi
abraçar Liz para cumprimentar meus irmãos com abraços e socos
nos punhos.
— Achou mesmo que seria o único a ostentar sua mulher
hoje, irmão? — Bradshaw provocou.
Então Bruce concluiu, ao nos abraçarmos:
— Já estava mais do que na hora de a sociedade saber que
três Herdeiros de Nova Iorque já foram enlaçados.
Aquelas palavras me fizeram sorrir ainda mais, por
compreender que trazer suas mulheres hoje também não fora
aleatório. Era só outra maneira de reforçarem a veracidade do meu
noivado com Sophia. Para quase todas essas pessoas, eles
também ainda eram solteiros até ontem, porque Elizabeth e Emma
preferiam evitar aqueles eventos. Aquelas pessoas.
Emma principalmente.
Meu olhar a encontrou por alguns instantes, vendo-a abraçar
Sophia e trocar sussurros e risos com a bruxinha e minha irmã. Eu
sabia que ela me odiava, ela sabia que eu não conseguira confiar
nela depois das merdas que a mãe dela havia dito para Bruce, e nós
dois sabíamos que ela estava ali a pedido do dele, mas não deixei
de me sentir grato por sua presença. Por Emma não se recusar a
me ajudar mesmo depois de eu ter sido um filho da puta com ela no
passado. De tê-la insultado e acusado de coisas que hoje eu sabia
que ela não havia feito.
— Irmão — Blake chamou minha atenção ao ajudar a mulher
ao seu lado a se levantar e então envolveu a cintura dela com um
braço protetor. Ela tinha uma beleza delicada e um sorriso educado
nos lábios. Seus olhos verdes encontraram os meus e, só ao
encará-los, eu lembrei do seu rosto.
Eu a tinha conhecido há uns dois anos, na França, numa
viagem de trabalho que havia feito com Blake, mas na época seu
rosto não estava tão magro e seus cabelos ruivos estavam num
corte channel, e não ocultos por um turbante estiloso como nesse
momento.
— Talvez não se lembre — Blake prosseguiu —, porque já
faz algum tempo que a conheceu, mas esta é Amélie Roux, ela é
a…
— Esposa do seu pai — completei, voltando a encarar a
mulher. — É um prazer vê-la novamente, senhora — cumprimentei.
— Igualmente, Sr. Caldwell. — Ela acenou em cumprimento
enquanto Sophia se aproximava. Foi minha vez de envolvê-la com
um braço.
— Esta é minha noiva, Sophia García. Sophia, essa é…
— Amélie Roux! — a bruxinha exclamou. — Meu Deus, eu
não acredito que estou na sua frente!
— Você a conhece? — perguntei, trocando um olhar com
Blake, que apenas sorriu.
— Claro! Blake conseguiu que ela respondesse uma
entrevista para mim há alguns meses. Ela é a maior referência no
movimento Body Positive e na produção de moda plus size da
Europa e dos Estados Unidos, sabia?
Não, eu não sabia. Só sabia que ela fora modelo e se casara
com o pai de Blake alguns anos antes de se aposentar das
passarelas e descobrir um câncer que, aparentemente, a tinha
forçado a um novo tratamento.
— É um enorme prazer conhecê-la pessoalmente! — Sophia
disse. — Estou ansiosa para ver sua coleção da Semana de Moda
deste ano.
A mulher sorriu, desta vez com algo mais que educação,
parecia realmente feliz em ouvir Sophia.
— Obrigada. Vim a Nova Iorque para acertar alguns detalhes
do evento.
Acho que os olhos de Sophia brilharam ao ouvir aquelas
palavras e iniciar uma conversa com Amélie. Eu a deixei interagir
sozinha e voltei minha atenção para Liz, que vinha até mim.
Envolvi minha irmã com os braços e resisti à vontade de
erguê-la. Ela conseguia ser menor que Sophia e eu costumava tirá-
la do chão naqueles abraços, mas não arriscaria fazer isso agora,
com sua gravidez tão avançada.
— Como vocês estão? — perguntei, ao nos desvencilharmos,
observando seu rosto corado e delicado. Feliz. — Ji-Na tem te
deixado dormir e se alimentar direito? Bradshaw tem cuidado bem
de vocês?
Estreitei os olhos para o meu amigo às suas costas, que
apenas abriu um sorriso sacana para me irritar.
Minha irmã entrelaçou seu braço ao meu e soltou uma risada.
— Você está vendo o meu tamanho? É meio óbvio que sua
sobrinha está fazendo com que eu me alimente muito bem.
Sorri.
— Você está linda.
— Você não seria meu irmão se não tentasse me convencer
disso — ela retrucou, revirando os olhos. Então olhou para trás e
avisou: — Vamos, pessoal, os fogos já vão começar!
E me puxou para longe, mal me dando tempo de
cumprimentar Emma com um aceno.
— O que foi?! — indaguei, sem entender como uma coisinha
tão pequena e carregando o peso de uma melancia no útero poderia
me arrastar assim tão rápido.
— Como o quê, Liam?! Me atualize! — ela cochichou, em
coreano, só para garantir que ninguém entenderia o que falávamos.
— Me encontrei com Sophia há dois dias e ela me disse que esse
casamento de vocês é de mentira. Óbvio que desconfiei,
principalmente porque ela confessou que vocês estavam saindo HÁ
MESES! E depois de hoje? Dos seus risinhos, sorrisos e beijos na
frente de todos?! Duvido que tenha algo de mentira nessa história,
irmãozinho!
Suas palavras me fizeram rir.
— Sophia é a única que quer que o que temos seja uma
mentira — confessei, também em coreano, o que a fez me estapear
no peito e emitir um gritinho de comemoração, quase pulando de
alegria ao meu lado.
— Meu irmão e minha melhor amiga! — ela vibrou e, quando
percebeu que estava chamando atenção demais, tentou se
recompor, mas seu sorriso ainda era tão brilhante que poderia
iluminar toda Nova Iorque. Liz voltou a me abraçar. — Meu irmão e
minha melhor amiga!
— Você precisa se acalmar — avisei, mas também sorria
feito um idiota, principalmente quando vi Sophia se aproximar
conversando com Emma e Amélie, mas encarando minha irmã e eu.
— Sua amiga não está muito disposta a ceder, viu?
Liz me encarou e voltou a me puxar para caminhar, mas
havíamos alcançado a multidão que se formava, de pessoas se
locomovendo pelo salão para chegar à sacada extensa.
— Nunca vi minha amiga olhar para ninguém como olha para
você, nem se relacionar por muito tempo com um homem. Sophia
sabe o que quer e é exigente, Liam. Não sei pelo que exatamente
ela passou, porque antes daquela noite na delegacia, ela nunca
tinha me falado sobre aquele infeliz que a atacou, mas eu sei que
minha amiga não está disposta a aceitar menos do que merece. —
Liz ergueu os olhos castanhos para mim novamente. — Mesmo que
ela diga que esse casamento é de mentira, é muito mais do que ela
se permitiu ter com alguém em anos, e ela nunca aceitaria entrar em
algo assim se não tivesse um mínimo de confiança em você.
Expirei profundamente. Eu sabia que Liz estava certa, sabia
mesmo, mas reconhecia que estava no escuro.
— Mamãe me aconselhou a descobrir o que exatamente faz
Sophia se sentir tão… insegura sobre nós… sobre mim.
— Hummm, então já falou sobre a Sophs com a mamãe,
hein? — Ela riu e voltou a estapear meu braço, o que me fez pensar
que tinha adquirido essa mania com Sophia. — Concordo com a
mamãe. Faça isso, irmãozinho.
Liz envolveu minha cintura e se aconchegou ao meu peito.
— Minha melhor amiga será minha cunhada — sussurrou,
ainda em coreano. Ainda muito feliz. — Ah, céus, a nonna e a Emy
vão surtar quando souberem disso!
Suas palavras me fizeram rir e apertá-la um pouquinho mais
forte antes de beijar o topo da sua cabeça.
— Obrigado, irmãzinha.
VINTE E TRÊS
SOPHIA GARCÍA

— O que você está fazendo?! — indaguei, me agarrando ao


seu pescoço como pude quando Liam inesperadamente me ergueu
em seu colo.
O elevador apitou e as portas se abriram no hall de entrada
do apartamento.
— Estou carregando você. É assim que as recém-casadas
entram em casa na noite de núpcias, sabia? — Seu tom provocador
quase me fez rir, quase. Ele parou para se livrar dos sapatos e
seguiu apenas de chinelo e meias direto para as escadas. Os olhos
de uísque encontraram os meus. — Além disso, você disse que os
sapatos estavam te matando.
Sorri e acomodei meu rosto à curva do seu pescoço. Eu
estava bem cansada depois de todas aquelas horas na festa, sobre
aquele salto.
— Como você consegue me carregar assim, hein? E ainda
subir escadas. Não sou exatamente leve.
— As horas diárias de academia têm que servir para alguma
coisa, bruxinha.
Liam pressionou beijos em meu rosto a cada degrau da
escada. Minha pele se arrepiou num eriçar gostoso que fez um
ótimo trabalho em me deixar quente. Retribuí o carinho roçando os
lábios em seu pescoço, inspirando a mistura embriagante de
perfume ambarino e picante com a fragrância característica de sua
pele. E ainda havia seus cabelos. Macios e tão cheirosos que me foi
impossível não aproveitar para inspirar fundo neles também.
Liam empurrou a porta do quarto com o pé e, em poucos
segundos, me depositou sobre a cama. Uma espécie de déjà vu me
atingiu quando o colchão macio afundou sob meu peso e uma das
minhas pernas foi erguida. Sorri e pressionei meu salto contra o seu
peito de novo, à altura certa para ele conseguir retirá-lo. Como havia
feito na nossa primeira noite ali.
A fenda do vestido deslizou, expondo ainda mais minha coxa,
talvez até o interior nu das minhas pernas. Na posição em que
estávamos, Liam seria capaz de ver tudo. E acho que viu, porque
seu peito subiu com uma respiração pesada, falha. Ele lambeu os
lábios.
— Sophia?
— Hum?
— Quão cansada você está?
Sorri, adorando vê-lo praticamente hipnotizado por mim.
— Muito, Caldwell — provoquei.
Ele deixou um dos meus sapatos cair no chão e segurou a
perna direita para tirar o outro.
— O suficiente pra negar que eu te chupe, bruxinha?
— Nunca — respondi, seus olhos voltaram a encontrar os
meus, meu pé foi liberto do salto. Logo seu corpo quente me cobriu
e pude agarrá-lo pelas lapelas do smoking, livrá-lo dele e trazê-lo
para bem perto, até seus lábios rosados roçarem os meus e eu
conseguir fechar minhas pernas ao redor da sua cintura.
Prendendo-o como sabia que nós dois precisávamos depois
daquela noite exaustiva.
Sua boca veio até a minha numa provocação desleal,
mordiscando o canto dos lábios, a carne macia deles, para então
chupá-los e contorná-los com a língua aveludada. Ansiosa pelo
beijo, prendi seu lábio inferior com os dentes e retribuí as
provocações, Liam gemeu baixinho, daquele jeito que atingia meu
baixo-ventre e me fazia derreter, mas não fez nada além de me
tentar, me deixar ávida pelo beijo que continuaria a me negar.
Reclamei com um resmungo incoerente quando ele se
afastou. Através dos olhos entreabertos e respiração alterada,
observei-o desabotoar a camisa branca, o peitoral firme surgiu
devagar para minha apreciação, cada músculo bem definido que eu
já tinha percorrido com as mãos e os lábios, cada desenho aleatório
das tatuagens sexy que ele tinha e que me faziam babar. Quando
Liam se livrou das abotoaduras e seus braços foram libertos da
camisa, eu já me sentia meio hipnotizada pelas tatuagens que havia
neles. E as veias grossas, ah, as veias, elas mexiam comigo de um
jeito que nem os homens com quem eu já tinha saído haviam
conseguido. E só perdiam para as veias do seu pau.
Minha boca se encheu de água só de lembrar dele.
Eu teria tomado a iniciativa de tirar a calça de Liam, mas ele
agiu antes, com pressa, e tirou também a cueca. O eixo duro surgiu
para mim, e me ouvi gemer baixinho, de antecipação, só por vê-lo.
— Não me olha assim, porra — rosnou, envolvendo-o em
punho, o peito subindo com uma respiração profunda, mas não
consegui desviar o olhar. Minha necessidade de tê-lo em mim
aumentou naquele momento. Um tremor suave se apossou das
minhas coxas quando ergui o vestido com dificuldade e ampliei a
abertura das pernas. Nua para ele, molhada porque esse capullo
nunca precisou nem me tocar para me deixar assim.
Liam resfolegou.
— Vem — mandei, rouca. — Eu já tô pronta.
Ele agarrou o próprio pau com mais força, cerrou o maxilar,
cada músculo tenso daquele corpo gostoso pareceu se contrair, mas
Liam não se moveu.
— Me mostra como você se dá prazer, bruxinha.
Hesitei por alguns segundos, em conflito entre insistir na
minha ordem ou obedecer a de Liam. E eu quis ser teimosa, quis
muito honrar minha personalidade e deixá-lo louco assim, mas havia
uma coisa que eu queria mais há algumas semanas.
Vê-lo se masturbar.
Cheguei a sonhar com isso em uma das viagens de Liam,
quando ele dissera que apenas se tocar pensando em mim não era
suficiente. Precisava de mim de verdade.
— Me mostra como você goza quando eu não estou perto —
mandei, numa voz falha e rouca que nem parecia a minha, conforme
descia meus dedos até a minha boceta já molhada, meus olhos
percorrendo o corpo do capullo até alcançar os seus novamente,
porque eu queria ver neles o efeito que minha imagem lhe causava
agora.
Lambuzei os dedos com meus próprios fluidos e os trouxe
para meu clitóris num movimento circular lento. Liam puxou uma
respiração difícil e umedeceu os próprios lábios, quase saindo do
lugar quando provoquei minha entrada e a contornei antes de voltar
ao ponto que nós dois sabíamos concentrar meu prazer. Precisei
travar as pernas e afundar os pés no colchão para me impedir de
fechá-las quando prendi o clitóris entre os dedos e o castiguei,
intensificando a pressão nele. Mudando o ritmo e esfregando mais
forte.
Liam grunhiu e começou a se masturbar com força, olhos
vidrados em mim, percorrendo cada parte do meu corpo, se
demorando na boceta que latejava diante do seu olhar, e se fixando
no meu no instante em que um gemido estrangulado saiu dos meus
lábios.
Quase engasguei com a saliva assistindo o tratamento
impiedoso que ele dedicava ao próprio pau, a raiva e a urgência nos
movimentos, o modo como o eixo rígido inchava e as bolas se
moviam, a glande rosada e úmida. Tão grande, tão meu. Eu
precisava dele em mim.
Meus olhos reviraram e minha cabeça pendeu para trás,
pesada demais para eu conseguir mantê-la erguida quando todo o
meu corpo se preparava para gozar.
Não vi o momento que Liam avançou, mas meu grito
inesperado reverberou em todo o quarto quando ele trocou meus
dedos pela sua boca e simplesmente me devorou. Mãos grandes
prendendo minhas coxas, garantindo que permaneceriam abertas
para ele apesar da minha necessidade de fechá-las. Tremi toda,
fraca, pernas bambas e a mente em frangalhos, nenhum
pensamento coerente ou energia capaz de nada além de me fazer
rebolar em seu rosto. Louca, perdida.
Meu corpo parecia se desfazer em espasmos, meu mundo se
resumia ao golpear insano da língua perversa de Liam em meu
clitóris, ao modo enlouquecedor como ele passou a me chupar logo
em seguida, à necessidade dolorosa que eu já sentia de tê-lo dentro
de mim.
Eu quis tanto agarrar seus cabelos, prendê-los entre meus
dedos, que forçar as mãos a permanecerem quietas foi uma tortura,
me fez buscar seu olhar, pedir sem palavras, e acho que ele não
entendeu o que eu queria, porque o que fez foi soltar minhas pernas
e se afastar.
Havia algo de animalesco em Liam conforme se posicionava
de joelhos na cama, o membro rígido pesou em minha coxa quando
se inclinou sobre mim, achei que finalmente me beijaria, mas o que
ele fez foi segurar os dois lados da fenda do vestido e puxá-los com
força, rasgando o tecido caro até alcançar o zíper lateral e fazer o
mesmo com ele, me livrando da peça verde-esmeralda em
segundos. Me deixando nua.
— Caldwell! — reclamei. Tinha gostado do vestido.
— Eu estava louco pra fazer isso, bruxinha — confessou,
olhos vindo até os meus de novo de modo que pude vê-lo se inclinar
para pressionar os lábios entre os montes dos meus seios e me
deixar ainda mais sensível com a pressão deliciosa exercida pela
sua língua nas aréolas. — E isso.
Seu cabelo resvalou a pele sensível do meu colo enquanto
Liam sugava meus seios e maltratava os mamilos com os dentes,
como adorava fazer. Suas mãos agarraram minhas pernas, seu
corpo se moldando ao meu, esfregando-me numa tentação
perigosa. Levei minhas mãos aos seus ombros, me perguntando o
que ele faria se eu as enfiasse em seus cabelos, se eu os puxasse
como estava louca para fazer.
— Caldwell… — chamei, sem fôlego, pronta para pedir que
me deixasse tocar neles, mas ele me interrompeu antes que eu
prosseguisse.
— Só hoje — proferiu em minha boca, a voz grossa e rouca,
sexy como o inferno. — Me deixa comer você sem camisinha só
hoje, bruxinha. Depois voltamos a usá-la como você queria.
Ele achou que eu o lembraria do preservativo, mas isso nem
passou pela minha cabeça.
— Sei que concordamos com aquela cláusula, mas… é
nossa noite de núpcias — ele prosseguiu, pressionando nossos
lábios. — E você está usando aquele DIY, não é?
Ri em sua boca.
— É DIU, Caldwell — lembrei e ele sorriu, logo me beijou de
novo, seu pau voltou a esfregar minha entrada e me fez latejar em
carência, em saudade dele me preenchendo. Já fazia dias desde a
última vez. As próximas palavras saíram entre um gemido: — E eu
estou usando, sim.
— Então posso? — pediu, olhos de uísque brilhando.
É nossa noite de núpcias… nossa noite de núpcias… noite de
núpcias. Liam tinha falado como se fosse tão real, não é? O
casamento. O que tínhamos. O que ele queria. E eu deveria lembrá-
lo de que não era, sabia que sim, mas não consegui.
Simplesmente não consegui.
Não depois daquela festa, de ter descoberto como era ser
sua. Como era tê-lo na frente de todos. Me reverenciando e
acariciando a cada oportunidade, como se não fosse capaz de
manter as mãos e os olhos longe de mim.
Se tudo aquilo fosse apenas encenação, Liam era tão bom
que até eu acho que estava sendo enganada.
— Me deixa tocar seus cabelos — pedi, envolvendo sua face
com as mãos, roçando as mechas sedosas que pendiam entre
nossos rostos.
— Sophia…
— Por favor.
Seu coração retumbou forte, os olhos conectados aos meus,
levemente arregalados, consciente de que aquela era a primeira vez
que eu pedia por favor, que eu pedia qualquer coisa. Por segundos
e sem palavras, ele tentou compreender por que eu queria aquilo,
mas não afastou minha mão do seu rosto nem recuou diante da
carícia lenta que iniciei, contornando a linha da mandíbula, então as
bochechas, sem desviar o olhar do seu.
Liam permaneceu imóvel, atento a mim, como eu estava a
ele, conforme minhas mãos entremeavam os fios macios e se
embrenhavam neles. Um calafrio sutil atravessou seu corpo quando
agarrei algumas mechas negras e trouxe seu rosto para mais perto
do meu, nossos lábios se roçaram, mordisquei os seus e os beijei
sem pressa, deslizando os dedos num afago sutil em seu couro
cabeludo, muito parecido com o que Liam dedicava a mim quando
sentia que eu precisava relaxar.
— Eu quis fazer isso desde a primeira vez que te vi, Caldwell
— confessei, em sua boca, envolvendo sua cintura com minhas
pernas, prendendo seu quadril ao meu até seu pau me esfregar de
novo e nós dois sermos atingidos por uma descarga de prazer que
nos fez gemer juntos.
— Tocar nos meus cabelos?
— E ser comida por você enquanto puxo eles.
Ele sorriu, sorriu contra meus lábios, todo bobo, e não resisti
a retribuir e beijá-lo de novo.
Enfiei uma das mãos entre nossos corpos e seu pau pulsou
quando o toquei, seu gemido baixo enviando uma pontada deliciosa
ao meu baixo-ventre, me enchendo de ansiedade, expectativa. Não
precisei verbalizar meu consentimento, bastou encaixá-lo na minha
entrada, e Liam me invadiu com um impulso impetuoso e profundo,
que me fez gemer mais alto, choramingar seu nome, num pedido
desconexo por mais. Meu corpo vibrou com o grunhido que lhe
escapou, cada músculo da minha vagina se contraindo à sua volta,
apertando-o. Agarrei seus cabelos ainda mais forte quando ele se
afastou, busquei apoio, tentando me preparar para a próxima
investida, mas foi em vão, Liam veio tão forte, que o impacto me
abalou de dentro para fora, num tremor intenso que me arrancou um
grito de prazer.
Mantive seus cabelos presos em punho e cravei as unhas da
outra mão em suas costas. Ondulei sob seu corpo, rebolando para
ele, contraindo meus músculos o bastante para tornar nosso
encaixe doloroso de tão apertado, do jeitinho que nos enlouquecia.
— Qué delicia… — eu repetia baixinho, em espanhol, sem
conseguir manter a boca fechada.
— O que é uma delícia, bruxinha? Meu pau? Eu? Ser fodida
por mim?
— T-tudo — exprimi, num murmúrio perdido entre as arfadas
e beijos.
— Será que você aguenta mais forte?
— S-sim! Sim, Caldwell — choraminguei.
Quase saí de mim quando ele ergueu meus quadris da cama
e meteu com mais força. Ao primeiro impacto bruto, meu corpo se
arqueou, seu nome me escapou num grito só seu, proferido em
seus lábios.
Nós nos movemos juntos, o suor de nossas peles nos
fazendo deslizar a cada fricção, o latejar dos nossos sexos unidos
nos roubando gemidos abafados pelos lábios um do outro, tudo isso
potencializou o prazer que eu sentia. Tornou impossível não me
prender a ele.
Sem deixar de se mover, Liam agarrou minha garganta e
tomou minha boca num beijo feroz, quase agressivo, como quem
reivindica uma posse e não está disposto a abrir mão de nada sobre
ela. Me perdi na droga daquele beijo, meu cérebro virou gelatina, a
boceta derreteu como a minha mente.
— Minha — Liam rosnou, por entre o beijo e uma investida
dura. — Minha cadela. — Ele pontuou as palavras com outra
estocada. — Minha esposa. — E outra. — A porra da minha mulher.
Meu corpo vibrou em resposta.
Ele não deixou de me beijar, não parou de meter, seu peito
forte esmagando meus seios, cada roçar das nossas peles enviando
ondas de energia através do meu corpo, sobrecarregando-o com o
prazer, com suas palavras, com tudo o que só esse capullo era
capaz de provocar. Meus olhos queimaram em lágrimas de regozijo,
de necessidade de algo mais que só ele poderia me dar.
— Goza, bruxinha — mandou, rouco, ofegante, no limite. —
Goza pro teu homem.
Não tive controle sobre o modo como meu corpo respondeu à
sua ordem. Nem tive tempo para impedi-lo de obedecê-la.
Tampouco forças para lutar contra o orgasmo que me varreu inteira,
da ponta dos dedos aos fios de cabelo. E mesmo tendo meu mundo
virado de ponta-cabeça com a intensidade do clímax, Liam ainda me
manteve sob seu domínio com um beijo. Gemendo comigo
enquanto tremíamos e gozávamos juntos.
Sem fôlego.
Sem forças.
Sem capacidade de raciocinar.
Foi como fiquei.
Suado e ainda tentando restabelecer o ritmo da respiração,
Liam segurou meu corpo mole e me levou para o seu peito ao se
acomodar sobre a cama. Nos aconchegamos ofegantes e passamos
minutos assim, com ele me envolvendo e abraçando conforme nos
recompúnhamos.
Em algum momento, suas mãos se embrenharam nos meus
cabelos e, mesmo sem energia, fiz um esforço para usufruir do
direito recém-adquirido de tocar nos seus também. No entanto, não
consegui dizer nada. À medida que o tempo passava e a névoa de
prazer se dissipava, minha mente começou a entrar em curto-
circuito graças às suas palavras.
Minha cadela. Minha esposa. A porra da minha mulher.
Teu homem.
Eu sabia que precisava dizer algo sobre isso. Algo como não
somos propriedades um do outro… ou isso ainda é um casamento
de mentira. Ou pare de agir como se isso aqui fosse real…
Contudo, eu não consegui. De novo. Liam e eu estávamos
casados há vinte e quatro horas e ele já estava me deixando em
conflito. Sem entender até que merda estava acontecendo comigo.
— Bruxinha?
— Hum?
— Há uns dias você disse algo que ficou na minha cabeça —
iniciou, o que, por sorte, me arrancou dos meus pensamentos. —
Quando fomos à casa da mamãe, você disse a ela que sempre
achou que só se casaria uma vez na vida.
Prendi a respiração ao ouvir aquelas palavras. Nunca
imaginaria que Liam diria algo assim. Ainda mais nesse momento.
— Acho que não entendi. Você quis dizer que não se casaria
de novo se a primeira vez não desse certo, foi isso?
Hesitei por alguns instantes, titubeando entre responder ou
dar alguma evasiva. Os segundos se passaram e o silêncio entre
nós se tornou desconfortável, mas Liam não insistiu na questão,
nem me pressionou. Só respeitou meu silêncio e continuou a me
acarinhar.
Em algum momento, acho que isso me fez ceder. E me
dispor a ser sincera com ele, e comigo.
— Eu sempre achei que só me casaria se tivesse certeza.
— De que queria se casar?
Meneei a cabeça em negativa, agradecendo silenciosamente
pela nossa posição não me obrigar a encará-lo agora.
— De que tinha comigo alguém que estaria disposto a
respeitar de verdade todos os votos do casamento. Independente do
que acontecesse.
Nem precisei ver seu rosto para saber que ele havia franzido
a testa.
— Acho que não entendi. Por que alguém se casaria se não
estivesse disposto a isso?
Um sorriso sem humor curvou meus lábios.
— Você já pensou de verdade sobre os votos de casamento,
Caldwell? — perguntei, em vez de responder. — Às vezes acho que
a maior parte das pessoas não faz isso. E não tem ideia do que é
amar, respeitar e cuidar de alguém na tristeza e muito menos na
doença. A verdade é que a maior parte delas não está disposta a
fazer isso nem quando tudo está bem.
Parei por alguns instantes, dando a nós dois tempo suficiente
para absorver aquelas palavras. Para refletir sobre elas. Quando
minha mente voltou a vagar pelo passado, entre meu pai, meus
irmãos e José, Liam iniciou um afago novo em meus cabelos e me
puxou de volta ao presente.
— A maior parte de vocês, homens, entra num casamento
sem qualquer ideia de como cuidar de si mesmos e acham muito
fácil abandonar esposas e filhos que precisam de vocês, ou
simplesmente delegar a tarefa de cuidar deles à mulher mais
próxima.
Engoli o nó doloroso em minha garganta ao concluir aquele
desabafo. Porque acho que era isso o que essas palavras eram. Um
desabafo.
— Já viu alguém próximo passar por isso?
Lágrimas nublaram minha visão ao pensar em mamãe. Em
tudo o que ela sofreu ao ser abandonada pelo homem que amava
quando mais precisou dele. Em tudo o que eu passei ao cuidar dela
e dos meus irmãos quando mal sabia como cuidar de mim. Tudo
porque papai decidiu que eu, com dez anos de idade, era a pessoa
certa para isso. Não ele.
Eu nunca me arrependeria de ter ido embora, mas me
arrependia de não ter feito isso logo que mamãe morreu. Talvez
assim não tivesse visto meus irmãos se transformarem em cópias
mesquinhas do meu pai. Cópias muito dispostas a me manter como
propriedade da família naquela casa, sem estudos ou expectativas,
para cuidar do nosso pai quando chegasse a hora. Enquanto todos
iam viver suas vidas.
Limitei-me a acenar em resposta para Liam.
— É por isso que você não mantém contato com seu pai? —
ele perguntou inesperadamente, o que me fez congelar em seus
braços.
Cada músculo do meu corpo enrijeceu nos segundos
suspensos que seguiram suas palavras. Minha respiração ficou
presa na garganta.
— Como… — tentei, mas não consegui concluir, a confusão
em meu peito e mente não deixou.
— Você pareceu muito abalada ao falar dos seus pais
quando almoçamos com a mamãe, então pensei que talvez tivesse
um bom motivo para não manter contato com seu pai. Ter sido
abandonada me parece um ótimo motivo — explicou, sem erguer
sua voz ou alterar o tom tranquilo. Sem nem mesmo interromper as
carícias sutis em meu cabelo. Como se soubesse que qualquer
mudança sua faria eu me fechar.
Cerrei os olhos por alguns instantes e fiz um esforço para
respirar profundamente e me livrar do embargo na garganta antes
de elucidar:
— Ele não nos abandonou como você pensa.
Liam hesitou no movimento suave que fazia.
Não sei de onde tirei coragem para me mover em seus
braços até girar entre eles e ser capaz de encará-lo, mas acho que
parte dela veio da necessidade de descobrir o que havia em sua
expressão nesse momento.
— O que ele fez, bruxinha? — indagou, preocupado, um
vinco profundo entre suas sobrancelhas bem-feitas, lábios
levemente estreitados, olhos de uísque atentos percorrendo meu
rosto, lendo-me.
Um nó prendeu minha garganta.
— Minha mãe ficou doente e, quando se tornou incapaz de
se cuidar sozinha, meu pai passou a tratá-la como um fardo. Dizia
coisas horríveis a ela e chegou a tirá-la do quarto dos dois, para
colocá-la no meu. Então deixou comigo a responsabilidade de
cuidar dela.
Seu maxilar travou, pude ouvi-lo trincar com a força que o
cerrou.
— Vivíamos num vilarejo em Oaxaca e papai trabalhava na
capital. Às vezes passava dias sem ir em casa, sem ligar para saber
como ela ou meus irmãos e eu estávamos. Nunca nos deixou
passar fome, mas dificilmente foi um bom pai ou marido… Por muito
tempo, fomos nós quatro e a ajuda ocasional de um vizinho ou
parente distante. Até mamãe morrer.
A raiva era tão crua em seus olhos naquele momento que eu
quase desisti de concluir, mas havia algo de libertador em colocar
aquelas palavras para fora pela primeira vez depois de tantos anos.
Como se elas estivessem me sufocando por dentro sem eu saber.
— Cuidei dela como pude, até sua morte — contei. — E
continuei a cuidar da casa e dos meus irmãos depois que ela se foi.
Por anos. Quando percebi que nenhum deles me deixaria estudar
ou sair daquele lugar, porque me queriam naquela casa disponível
para todos, eu aceitei vir para os Estados Unidos com José.
— Você disse que sua mãe morreu quando você tinha doze
anos — proferiu, num tom que eu nem saberia descrever, mas que
eu nunca tinha ouvido.
— Sim. Mas saí do México aos vinte e um.
— Bruxinha… — ele tentou, mas meneei a cabeça em
negativa, recusando qualquer condolência.
— Construí minha vida aqui, Caldwell. Mesmo quando fui
expulsa da casa de José pela mãe dele. Mesmo quando precisei da
ajuda da ONG para ter onde dormir e até o que comer. Eu cuidei de
mim mesma, dei a volta por cima e estou bem. Não preciso de pena
agora, tá?
Ele assentiu em silêncio, suas mãos envolvendo meu rosto,
polegares deslizando pelas minhas bochechas para limpar a
umidade que havia nelas. Seus lábios pressionaram minha testa e
ele me envolveu em um abraço forte e protetor, em que eu senti
tudo o que sabia que ele queria dizer nesse momento. Ainda assim,
ele sussurrou:
— Sua mãe teria orgulho da mulher que você se tornou,
bruxinha.
Sua declaração me atingiu tão fundo que não fui capaz de
sufocar um soluço. Ou impedir as lágrimas.
Recostei minha testa ao seu peito e me deixei ser embalada
pelo seu conforto. Sob meu rosto úmido, ouvi seu coração socar sua
caixa torácica, em golpes furiosos que não diminuíram por minutos e
só começaram a se aquietar quando o meu assumiu algo próximo
de regularidade. Como se apenas reconhecer que eu me acalmava
fosse capaz de acalmá-lo também.
Embrenhei as mãos por entre os cabelos de sua nuca e
comecei a acariciá-los.
A pressão em meu peito se atenuou aos poucos.
— Não consigo ver um casamento de forma leviana, Caldwell
— confessei, porque sentia que precisava encerrar de vez esse
assunto. — Se um dia eu conseguir confiar em um homem o
bastante para subir ao altar com ele, não espero ter essa sorte duas
vezes. Ou errar duas vezes, se descobrir tarde demais que me
enganei com alguém.
E eu já tinha me enganado com José. Não chegamos a nos
casar, mas eu acreditei estar pronta para isso. Acreditei que ele era
o homem certo para isso. E tudo o que consegui foi deixar de ser
propriedade da minha família para me tornar uma propriedade dele.
Liam me apertou mais forte.
— Agora entendo por que hesitou em aceitar o nosso
casamento… — afirmou, próximo ao meu ouvido, acariciando meus
cabelos com delicadeza. — Não sei se um dia você sentirá de
verdade o tipo de certeza que precisa sobre alguém, bruxinha, mas
espero que um dia se permita confiar em mim o bastante para sentir
comigo a segurança que tanto precisa.
Com a velocidade com que foram registradas por mim, suas
palavras reviraram minha mente. A esperança implícita nelas, de
que um dia eu fosse capaz de confiar nele, atingiu pontos sensíveis
do meu coração, por reconhecer que Liam queria mesmo aquilo.
Que eu confiasse nele.
Eu não sabia para onde estávamos indo com aquela relação,
o que mudaria em nós depois daquela noite e de tudo o que
vivemos nela, contudo, apesar das incertezas, não fugi dos seus
braços, do seu calor e conforto. Não fugi de Liam.
Tudo o que fiz foi apertá-lo mais forte. E torcer
silenciosamente para que ele conseguisse me ler bem o bastante
para entender que eu já confiava nele a ponto de não querer soltá-
lo.
Ou ir embora.
VINTE E QUATRO
SOPHIA GARCÍA

Encarei as tortillas crocantes de milho que eu havia feito há


pouco e mordi o canto dos lábios quando meus olhos passearam
pela mesa repleta dos bowls com guacamole, salsa rústica, creme
azedo e chilli, que eu também havia feito. Sem falar nos recheios de
frango e carne.
Fazia menos de uma hora que eu havia acordado e tomado
um banho e, numa tentativa de ocupar minha mente com algo útil,
que não me deixasse lembrar que havia me exposto demais e nem
tinha certeza de como lidar com isso quando Liam aparecesse, eu
tinha cozinhado.
Agora estava ali, diante de tacos pré-prontos suficientes para
alimentar dez pessoas.
Expirei lentamente e ergui o olhar da mesa para o
apartamento imenso que se estendia além dela. Vazio e silencioso,
porque Liam provavelmente ainda estava dormindo e nós dois
havíamos decidido deixar Alfredo e Hefesto num hotel para pets
para serem acostumados à presença um do outro até voltarmos da
viagem que faríamos para a Europa.
Eu não me sentia desconfortável nesse apartamento, porque
já estava habituada a vir aqui, e até a cozinhar porque adorava
minha própria comida, mas era estranho saber que essa seria minha
casa nos próximos meses. Eu já estava muito acostumada ao meu
próprio canto no Brooklyn.
Deixando esse pensamento de lado, retornei à cozinha para
buscar os talheres no balcão. Tinha acabado de recolher os que
precisaria quando um arrepio suave atravessou minha espinha e me
fez empertigar, reconhecendo a presença de Liam antes mesmo de
vê-lo. Um instante depois, fui envolvida pelos seus braços fortes e
calor. Os talheres caíram das minhas mãos e tilintaram sobre o
balcão. Cada músculo da minha estrutura cedeu ao primeiro contato
dos seus lábios em meu pescoço. A força das minhas pernas
oscilou. O cheiro delicioso do seu sabonete de banho flutuou em
meu entorno, inebriando-me com a facilidade já inerente a ele.
— Achei que poderíamos almoçar fora hoje, mas você
cozinhou para um batalhão — provocou, num sussurro rouco em
meu ouvido, seu hálito morno e mentolado aguçando arrepios
deliciosos pela minha espinha. — Vamos receber alguém?
— Não. Eu só… me empolguei um pouco.
— Um pouco? — ele provocou, senti o sorriso em sua voz. —
Depois eu sou o exagerado, hein?
Liam me girou em seus braços e me ergueu sobre o balcão.
Nossa diferença de altura se reduziu a nada e logo ele se
acomodava entre minhas pernas para aproximar nossos rostos.
— Conseguiu descansar? — indagou, acariciando minha
bochecha. Não resisti a circular sua cintura com as pernas e
pressionar as mãos em seu peito nu, para percorrê-lo lentamente
até alcançar sua nuca. — Está bem?
Acenei.
Ele hesitou, tenso, quando enfiei minhas mãos por entre seus
cabelos de novo, mas, assim que comecei a fazer um carinho suave
em seu couro cabeludo, relaxou. Estava se acostumando a me
deixar tocá-lo assim.
Seus lábios encostaram nos meus, então sua testa
pressionou a minha. Um pouco da minha própria tensão começou a
se dissipar por causa dos esboços aleatórios que seus dedos faziam
em minha cintura e barriga, massageando minhas dobrinhas, como
ele adorava fazer antes de dormirmos.
— É estranho — sussurrou, em algum momento.
— O quê?
— Deixar alguém tocar no meu cabelo de novo… já tinha
esquecido a sensação.
Sorri.
— Sempre foi vaidoso demais para deixar que o tocassem,
não é? — instiguei, só para manter as coisas leves entre nós. E
evitar o terreno perigoso que eram os eventos da noite anterior. —
Eu estava certa sobre você ser um metidinho pomposo.
Ele riu em minha boca.
— Um dia você vai ter que admitir que estava errada em
todos os preconceitos que tinha sobre mim, sabia?
— Errada? De onde eu vejo, eu estava certa sobre você ser
um cão raivoso… um riquinho arrogante… e um metidinho
pomposo… exagerado, irritante, impaciente…
— Esqueceu sufocante — devolveu.
— E rancoroso.
Ele ainda sorria quando voltei a beijar sua boca. Não resisti a
prendê-lo mais forte ao meu corpo. Ávida para tê-lo mais perto,
grata por não haver entre nós nenhum clima estranho, por Liam não
agir como se precisasse pisar em ovos para não me machucar ou
lembrar da nossa conversa anterior.
Quando acabamos com o beijo, nossos olhos se encontraram
e o brilho indizível que havia nos seus fez meu coração tropeçar,
perder batidas, diminuir o ritmo, para então saltar, disparar como
louco e retumbar com a potência de quem recebeu uma injeção de
adrenalina. Ele mergulhou o rosto em meu pescoço e o mero
contato dos seus lábios naquela parte sensível foi suficiente para
me fazer estremecer e me agarrar aos seus cabelos com mais força.
Liam grunhiu em meu ouvido pelo puxão inesperado e o som
reverberou sob minha pele.
— É desconfortável? — indaguei. — Ou incômodo me deixar
tocar neles?
— Não — a palavra vibrou em minhas veias. — Não mais,
pelo menos.
Assenti.
E, só porque já estava segurando aquela pergunta há meses
demais, mas agora sentia que tinha o privilégio de poder fazê-la, eu
o inqueri:
— Por que não deixava ninguém tocar neles, Caldwell?
Minhas palavras pairaram entre nós. Liam demorou a reagir a
elas, talvez refletindo sobre a resposta. Seu hálito quente acariciou
meu pescoço quando ele respondeu.
— O motivo pode parecer bobo. — Apesar das palavras, não
havia humor em sua voz.
— Não me surpreenderia se fosse — respondi, o apertando
em meus braços também, nossa respiração havia assumido o
mesmo ritmo.
Liam inspirou fundo.
— Passei anos num orfanato em que todos os garotos
recebiam o mesmo corte de cabelo e o bullying era uma merda
muito presente — iniciou, seu tom seco como se a lembrança hoje
não causasse nada além de desgosto. — Numa madrugada, uns
garotos rasparam meu cabelo enquanto eu me debatia, sem
conseguir impedir.
Uma pontada dolorosa atingiu meu peito ao ouvir aquelas
palavras. Segurei seu corpo um pouco mais forte.
— Quando me mudei para os EUA e me transformei no
novato asiático e magrelo de uma escola de riquinhos, uns babacas
se reuniram pra me encurralar e tentar fazer o mesmo. Diziam que
iam me ajudar a parecer menos um mongoloide, já que não podiam
fazer nada sobre os meus olhos rasgados. De novo, eu não
conseguiria impedir que fizessem aquela merda, não tinha forças
pra isso, mas Bradshaw e Bruce me ajudaram.
Engoli em seco.
Nunca teria imaginado que Liam já havia sofrido bullying
assim, ele era tão grande, forte, parecia sempre pronto para se
proteger ou proteger as pessoas com quem se importava que…
interrompi meus pensamentos.
Talvez ele tenha se tornado grande e forte justamente para
isso.
— Foi assim que se tornaram amigos? — perguntei.
Ele concordou com um aceno e pressionou um beijo delicado
em meu ombro antes de voltar a afundar o rosto na curva do meu
pescoço.
— Não demorei a perceber que, se quisesse sobreviver
naquele lugar, eu teria que aprender a me proteger com os punhos.
Os dois também me ensinaram a fazer isso.
Assenti, para mostrar que compreendia. Sabia como ser
desrespeitado, oprimido e atacado, de qualquer maneira que fosse,
poderia nos tornar reativos. Revoltados, até. Precisei aprender a ser
assim e agora descobria que Liam também precisara. Que sua raiva
era uma forma de proteção. Uma reação explosiva que ia na
contramão da passividade que a maior parte das pessoas adotava
quando se via numa situação abusiva.
Foi o que aconteceu na delegacia há alguns dias, não foi?
Quando ele me defendeu daquele detetive asqueroso?
— Depois que quase o cortei por causa de uma ex que não o
suportava nem entendia por que eu não deixava que o tocasse, eu
decidi que além de não permitir que encostassem nele, não deixaria
ninguém influenciar nenhum tipo de mudança nele ou em mim.
Principalmente se quisessem isso por causa de alguma merda de
motivo racista.
Voltei a assentir.
— Adoro seu cabelo, Caldwell — confessei, baixinho,
deslizando os dedos por seu couro cabeludo, os fios macios
acariciando as falanges. — Odeio quando você o deixa preso.
Senti seu sorriso em minha pele.
— Você adora me provocar bagunçando-o, isso sim — ele
retrucou, meio indignado. Eu também ri.
— Adoro provocar você. Ponto.
Ele se afastou apenas o bastante para me beijar com
suavidade, olhos brilhantes nos meus. Nos encaramos em silêncio
por algum tempo, entre os beijos que ele continuou a depositar em
meus lábios, naquela provocação doce que adorava fazer.
— Depois de comermos, vamos sair? — pediu, de repente.
Franzi a testa.
— Para onde? Eu preciso adiantar alguns posts do meu
portal e…
— Aceite e você vai descobrir.
Estreitei os olhos, desconfiada. Seu sorriso se ampliou.
— Caldwell…
— Se não fizermos isso hoje, teremos que fazer em algum
outro momento antes da viagem.
Arqueei uma sobrancelha, num questionamento mudo. Liam
me agarrou pela bunda e me tirou de cima do balcão, para me levar
até a mesa.
— Vamos logo, bruxinha.
Observei-o em silêncio, ainda desconfiada, mas ele tinha um
brilho tão travesso e moleque em seu semblante, que não consegui
resistir.
E acabei cedendo.

Pouco mais de uma hora depois, Liam estacionava à frente


de uma loja no SoHo[2]. Em poucos segundos, ele me ajudou a
descer do carro e entrelaçou nossas mãos.
— Teríamos chegado em quinze minutos se você tivesse
aceitado vir na minha moto — Liam repetiu, pela terceira vez desde
que deixamos o estacionamento no seu carro.
Sorri.
— Não vai conseguir me fazer subir naquela coisa
monstruosa, Caldwell — garanti. Nunca tinha subido numa moto,
nem tinha coragem para mudar isso. E não entendia esse seu
interesse repentino de me colocar na garupa da sua motocicleta
quando eu nunca o vira pilotar nenhuma das cinco que tinha no seu
estacionamento privativo. Só admirá-las. Como um garotinho com
seus brinquedos preferidos.
Ele resmungou algo ininteligível e me puxou para mais perto,
desistindo de continuar insistindo. Ao menos por ora.
Observei as fachadas das lojas de grife que se sucediam por
toda a rua e comecei a compreender o que exatamente ele queria
fazer aqui. Engoli em seco, um pouco desconfortável com o
pensamento que me ocorreu. Eu já havia negado sua ideia
estapafúrdia de me comprar um carro, mas era capaz de reconhecer
que não tinha vestidos e roupas elegantes o bastante para os
eventos e jantares que ele estava acostumado a ir.
Ainda assim, não consegui me livrar da sensação incômoda
que me atingiu. Eu lembrava da última vez que tinha deixado
alguém pagar algo para mim e não havia terminado bem.
— Você acha que precisa me vestir bem, Caldwell? —
perguntei, enquanto ele seguia confiante ao meu lado. — Ou que
precisa comprar algo para mim?
Liam fez uma careta e voltou sua atenção para meu rosto.
— Abaixa sua guarda porque não é nada disso.
— Então o que estamos fazendo aqui?
Ele desviou o olhar e pigarreou. Se eu não o conhecesse,
diria até que estava constrangido.
— Temos essa tradição de casais na Coreia do Sul — iniciou,
o que me fez arquear as sobrancelhas.
— Tradição?
— Sim, Sophia. Tradição — respondeu, na defensiva.
Paramos diante de uma loja e nem me dei o trabalho de ver
qual era, estava mais determinada a descobrir do que ele falava.
— Que tradição?
— Talvez seja mais um costume. — Ele deu de ombros,
ainda não me encarava. — Os casais fazem algumas coisas para
mostrar a todos que estão juntos. Pra reforçar que estão em um
relacionamento, sabe?
— Sei.
Por que eu estava sorrindo?
— Uma dessas coisas é vestir cores ou roupas combinando.
— Ele voltou a limpar a garganta. — Então pensei que poderíamos
fazer isso também, já que, você sabe, não é? Estamos tentando
convencer a todos desse relacionamento.
Não consegui me impedir de rir e ele me puxou devagar para
perto, colando nossos corpos e baixando o rosto até nossos olhos
se encontrarem. Eu não conseguia parar de sorrir.
— Eu estou falando sério — avisou.
— Você sabe que isso é brega, não é? — provoquei.
Ele sorriu e acenou.
— Se você não quiser…
Meneei a cabeça em negativa.
— Podemos fazer isso… para convencer a todos de que
estamos juntos — me apressei em pontuar —, mas nada
exagerado, okay? Nada de frases que se completam ou moletons
de pelúcia de animais.
Seu sorriso era brilhante quando me puxou para dentro da
loja ao passo que dizia:
— Claro, claro…
Liam manteve seu braço envolvendo minha cintura enquanto
falava com a atendente e se apresentava. Me surpreendi ao ouvir a
mulher dizer que já o estava aguardando. Começamos a segui-la
pelas escadas num tom vivo de vermelho e meus lábios se
entreabriram em choque ao ver o símbolo da Roux, loja da madrasta
de Blake.
— Eu amo tanto o trabalho dessa mulher! — exclamei,
encantada com cada detalhe daquele lugar. Apesar de não ter poder
aquisitivo para ser uma cliente assídua da Roux, da última vez que
lancei um curso e bati uma meta de vendas dele, me dei o luxo de
me presentear com algumas peças daqui. Fora o gesto mais caro de
amor e autocuidado que ofereci a mim mesma em anos. E eu não
me arrependia.
— Eu sei — Liam respondeu, com um sorriso arrogante. —
Você deixou isso bem claro ontem. Acho até que a senhora Roux te
considera uma fã meio obcecada…
Estreitei os olhos para ele, mas acabei sorrindo, porque sabia
que estava certo.
Eu acompanhava Amélie Roux desde que ela era uma
modelo plus size anos atrás, a admirava demais também, seu
talento, determinação nos negócios e sobretudo sua força para
enfrentar um câncer. Pela segunda vez. Sinceramente, achava que
ela merecia muito mais que o babaca de marido que tinha. O pai de
Blake era um verdadeiro hijo de puta que não cansava de
envergonhá-la internacionalmente, mas eu tentava não a julgar, não
sabia o que a mantinha naquele casamento e encontrar forças para
sair dele não devia ser fácil quando se passava por um tratamento
tão difícil.
Eu só torcia para que ela encontrasse alguém melhor. Aquela
mulher merecia alguém que a valorizasse e amasse
incondicionalmente.
— Pedi que ela nos desse duas horas privadas nessa loja —
Liam avisou, o que me fez arregalar os olhos, surpresa. — Então
não se preocupe com nada além de pegar tudo o que quiser aqui. É
o que eu farei.
Meneei a cabeça em negativa.
— Você é tão exagerado… e metido.
Ele deu de ombros.
Alcançamos o primeiro andar luxuoso, com divãs na cor
creme e um lustre enorme bem no centro, e Liam se acomodou em
um estofado na parede de vidro central.
— Vocês gostariam de beber algo? Temos chá, café,
champanhe…
— Chá para mim — ele pediu, então me encarou, em busca
de uma resposta.
— Água.
A mulher assentiu e se aproximou com um tablet que
apresentava o catálogo da loja, então nos explicou que poderíamos
combinar looks, cores e experimentar o que escolhêssemos.
Sentei-me ao lado de Liam e passamos alguns minutos
discutindo as peças e combinações. Comecei a perder a paciência
em determinado momento, porque o que esse homem tinha de
gostoso, tinha também de exagerado e irritante.
E isso era muita coisa.
— Cores, Caldwell — lembrei. — Vamos combinar apenas
cores e tecidos, okay? Para suas gravatas e lenços. Casacos.
Ele resmungou, mas acabou concordando. Então
experimentamos roupas sociais para os compromissos que ele teria
na Europa, nos quais eu o acompanharia. Em algum momento entre
os vestidos e conjuntos que eu colocava, desisti de esconder os
sorrisos que tomavam meus lábios a cada vez que eu deixava o
provador e Liam me recebia com palavras como:
Linda pra caralho.
Gostosa.
Sexy.
Deliciosamente elegante.
Perfeita.
Minha deusa, porra.
A toda vez que ele me via, seus olhos de uísque brilhavam
como se me venerasse através deles. E acho que isso era
exatamente o que ele fazia, mesmo sem dizer nada.
A sensação era incrível.
Quando finalmente deixamos a loja cheios de sacolas, Liam
me convenceu a entrar em outra para comprarmos dois moletons
“Yin-yang” expostos na vitrine, daqueles que precisavam ser
vestidos por um casal para se completarem. Como ele me
convenceu a isso? Não sei. Foi em algum momento entre ele
agarrar minha cintura, me puxar contra o seu corpo, me beijar e
sussurrar que poderia circular pelo apartamento usando só aquela
calça, e ela não disfarçaria em nada o tamanho do seu pau.
Só para mim, entende? Não sou de ferro.
Por fim, ele me arrastou para uma joalheria e tudo o que
disse quando eu o questionei foi “o Dia da Prata está chegando”.
Tamborilei o pé no chão enquanto assistia Liam concentrado
diante de um expositor de peças de prata.
— O que é o Dia da Prata?
— É uma coisa da Coreia — limitou-se a essa explicação,
então se dirigiu ao atendente do outro lado do balcão de vidro. —
Vou precisar que faça uma gravação nesse pingente.
O homem assentiu e entregou a Liam papel e caneta. Uni as
sobrancelhas ao vê-lo desenhar uma série de caracteres na folha —
certamente da língua escrita da Coreia — e logo depois acertar o
pagamento. Então fomos guiados a um estofado numa ala contígua,
para aguardar.
Liam não soltou minha mão.
— Eu não sabia que você mantinha tanto contato com suas
raízes — comentei, aceitando quando ofereceu seu peito para eu
me acomodar. — Apesar de ter aprendido a falar coreano, sei que a
Liz não mantém.
Ele ergueu nossas mãos unidas e beijou a minha.
— A Liz mal se lembra dos anos que viveu na Coreia —
contou. — Nós dois fomos levados ainda bebês ao orfanato, mas
ela tinha cinco anos quando foi adotada. Eu tinha doze. Muito da
minha visão de mundo e de relações foi moldada a partir do que
aprendi lá.
— Foi difícil? Se adaptar aos EUA?
— Um pouco. A cultura é muito diferente. A língua. O estilo
de vida das pessoas. Os valores. Mas tive muita sorte, meus pais
adotivos sempre foram maravilhosos. — Ele fez uma pausa,
pensativo. — Meu pai era um homem incrível, sabe?
Completamente apaixonado pela minha mãe, como ela era por ele.
Me ensinou a ser alguém melhor. Muito melhor. E foi um herói para
mim e para a Liz.
Aumentei o aperto entre nossas mãos.
— Você tinha quantos anos quando ele morreu?
— Quinze… — Seu peito subiu com uma respiração
profunda. — Sei que convivemos por poucos anos antes de ele
morrer, mas me sinto muito sortudo por ter tido a chance de
conhecê-lo e tê-lo como meu pai.
Ergui meu rosto devagar e me estiquei para conseguir beijá-
lo. Agora entendia por que era tão importante para ele tirar os
negócios da família das mãos do seu tio desprezível.
— Acho que vocês quatro foram sortudos — comentei. — Ele
por ter vivido um amor com sua mãe e ter sido seu pai e da Liz, e
vocês por terem o conhecido.
Ele acenou em concordância e devolveu o beijo que lhe dei.
Voltamos a nos acomodar um ao outro e encarei nossas
mãos entrelaçadas. A aliança que Liam já usava desde a noite
anterior. O anel de noivado que ainda estava na minha. E que seria
substituído também por uma aliança.
Segundo o contrato que assinamos, tínhamos um ano de
casamento pela frente e, mesmo que ainda parecesse muito tempo,
eu não pude deixar de me perguntar o que aconteceria quando
aquele prazo acabasse.
Contudo, logo me esforcei para afastar aquela pergunta e
todas as outras que surgiram à mera lembrança do que havia
acontecido nas últimas vinte e quatro horas. Eu não queria pensar
demais sobre nada disso. Sabia que me recriminaria se o fizesse,
que voltaria a sentir a necessidade de afastar Liam a uma distância
segura, mas eu não queria isso tanto quanto não queria pensar
demais sobre meus motivos para permitir sua aproximação nos
últimos dias.
Quando o atendente retornou com uma caixa de joia e a
entregou a Liam, ele agradeceu e, impaciente, a abriu para me
mostrar o que havia no interior.
Engoli em seco ao ver a pulseira de prata delicada, formada
por tranças finas e adornada por quatro berloques cravejados por
pedrinhas brilhantes. Um deles era uma plaquinha que tinha os
caracteres que Liam havia escrito no papel algum tempo atrás, e
outro era um S, certamente do meu nome, então havia um de
gatinho muito fofo e brilhante, que parecia meu Alfredo, e outro
berloque de um cachorro, que devia parecer seu Dobermann.
Sorri.
— O que está escrito? — perguntei, observando a placa
pequenina de prata.
Liam abriu um meio-sorriso, olhos de uísque cintilando.
— De um lado, está o meu nome.
— Fitzwilliam em coreano?
Ele meneou a cabeça em negativa.
— Esse é meu nome de verdade, o que recebi no orfanato.
Meus lábios se entreabriram em choque enquanto Liam
retirava a pulseira da caixa. Estendi o pulso para que ele a
colocasse em mim.
— E como eu pronuncio o seu nome? — Eu não fazia ideia
de como ler aquele alfabeto.
Ele colocou a joia e a acariciou por alguns instantes.
— Lee Rowoon.
— Lee Rowoon — repeti, com um sorriso bem bobo. Eu não
fazia ideia do que significava, mas combinava com esse capullo de
um jeito de Fitzwilliam nunca conseguiria. — Lee é sobrenome, não
é?
Ele assentiu.
— Sim, o sobrenome vem antes na Coreia do Sul.
Acenei, lembrava de ter visto algo sobre isso em algum lugar.
— E do outro lado, o que está escrito?
Seus olhos se ergueram da peça para encontrar os meus por
alguns instantes, a intensidade neles criando um rebuliço em meu
peito, do tipo que só aumentou minha curiosidade e expectativa.
Liam levantou meu pulso entre nós e segurou a plaquinha. Após
alguns segundos a observando, ele respirou fundo e leu, numa
pronúncia diferente e rica, que me deu certeza de que falava em
coreano:
— Lee Rowoon — girou a plaquinha para me mostrar o outro
lado — sara…
O toque do seu celular o interrompeu bruscamente.
— Só um momento, esse toque é só da… — ele não
concluiu, se ocupou em alcançar o celular no bolso. — Oi, mamãe…
Regina? — atendeu. O tom levemente hesitante me chamou
atenção e levou meu olhar para seu rosto, só para ver a
preocupação bem estampada nele. Liam enlaçou meu braço com o
seu e começou a me guiar para a saída. — Hospital?! Como isso
aconteceu?!
Paramos de caminhar e uma pontada de apreensão atingiu
meu peito. Medo cruzou seu olhar, mas um instante depois foi
substituído pela raiva.
— Alexander foi ver a mamãe?!
Mierda.
Engoli em seco.
— Tudo bem. Vou encontrar vocês no hospital. Não avise à
Liz. Deixe que eu falo com ela.
Ele encerrou a chamada com um grunhido furioso.
— Vou matar aquele filho da puta, porra! — rosnou,
assustando algumas pessoas que passavam por nós.
— O que houve? — perguntei.
Liam voltou a envolver minha cintura e me guiar pela calçada,
até onde havíamos deixado seu carro, mas não respondeu
imediatamente, era como se precisasse controlar uma fera dentro
de si antes disso. Eu já estava acomodada ao seu lado no carro
quando ele disse:
— Mamãe passou mal e está no hospital. Desculpe, bruxinha,
mas eu preciso ir até ela. Vou deixar você no apartamento e…
— Eu vou com você, Caldwell.
Ele me encarou por um segundo, talvez dois, titubeando. Mas
não negou. Na verdade, não disse nada. Apenas se concentrou em
dirigir para fora dali.
VINTE E CINCO
LIAM CALDWELL

Eu já me sentia um animal encarcerado depois de um minuto


no elevador do hospital. Quando as portas finalmente se abriram,
avancei para fora e praticamente arrastei Sophia junto, já que ela
também segurava minha mão com força, retribuindo meu aperto.
A caminho dali, descobri que mamãe já estava em um quarto,
em observação após ser atendida. Que tivera uma crise de pânico e
precisara ser trazida às pressas para cá por causa da taquicardia.
Na recepção, me informaram que ela estava nesse andar e…
— Senhor?! — A voz da governanta da mansão atravessou a
sala de espera e me fez buscá-la com os olhos, até a encontrar a
alguns metros de distância, se erguendo de uma cadeira. — Me
desculpe, eu não consegui ficar com a senhora Caldwell, seu tio me
expulsou do quarto e disse aos funcionários do hospital que ficaria
com ela, então…
— O quê?! — rosnei, minha visão sendo tingida de vermelho.
Precisei soltar a mão de Sophia porque acabaria a machucando
sem querer por apertar os punhos. — Em que quarto ela está?
— No 312.
— Caldwell — Sophia tentou chamar minha atenção quando
disparei em direção ao corredor como um touro, mas não consegui
respondê-la, já estava cego pela raiva, dominado pela urgência de
tirar aquele filho da puta de perto da minha mãe. De descobrir se ela
estava bem, de acalmá-la sobre o que diabos a havia trazido até
aqui.
Conforme eu ultrapassava os metros corredor adentro, meu
peito inflava e eu sentia o latejar das minhas veias seguindo o ritmo
desenfreado do meu coração. Tive consciência de Sophia às
minhas costas, tentando alcançar minhas passadas longas e
pesadas, mas ela não foi rápida o bastante.
Empurrei a porra da porta e o estrondo dela contra a parede
soou por todo o quarto. A primeira coisa que vi foi mamãe sentada
sobre a cama, olhos arregalados e assustados, vermelhos das
lágrimas que banhavam seu rosto, mãos enfiadas por entre os
cabelos castanhos, à altura dos ouvidos, como se tentasse impedir
que algo chegasse até eles. Tremendo. Eu estava a metros de
distância e ainda assim conseguia vê-la tremer incontrolavelmente,
porra.
Meu peito subiu com uma lufada de ar que pareceu me
queimar de dentro para fora. Quando registrei a figura alta de
Alexander de pé ao lado de mamãe, se assomando a dela,
obviamente a coagindo, meu maxilar trincou.
Não tive tempo para pensar. Meu corpo agiu sem que
qualquer comando precisasse ser dado.
Avancei sobre Alexander e o agarrei pela garganta, erguendo
seu pescoço à força e o aproximando do meu rosto, nivelando
nossos olhares até ele ser capaz de reconhecer a gana assassina
que havia despertado em mim. O único vestígio de consciência que
eu ainda tinha só me permitiu fazer uma coisa antes de arrastar
aquele filho da puta para fora daquele quarto. Lembrar que não
poderia piorar ainda mais o estado de mamãe.
— Fique com a mamãe, bruxinha — pedi, através de um tom
áspero que não consegui disfarçar. — Eu já volto.
Não aguardei uma resposta e à primeira tentativa de
Alexander de se livrar do meu agarre, eu só restringi com ainda
mais determinação a passagem de ar pela sua garganta e o arrastei
como o lixo que era.
Quando a porta bateu às minhas costas, meu punho cerrado
foi de encontro ao seu rosto. A potência do soco empurrou o filho da
puta para longe, fazendo-o cambalear pelo corredor vazio e se
chocar contra a parede mais próxima. O impacto reverberou por
todo o meu braço, mas a dor não me alcançou.
E não nos dei tempo para processar nada.
Avancei novamente, cego pela raiva. Esmurrei aquele filho da
puta com tanta força, que o sangue respingou carregado de saliva
para fora da sua boca. Então eu o golpeei de novo. E de novo.
Quase não sentindo a dor que aqueles golpes causavam em mim
mesmo. Tudo o que eu registrava era o seu rosto aristocrático se
deformando bem diante de mim.
Quando me dei conta, já estávamos no chão, com ele
subjugado pelo meu corpo, incapaz de se mover sob meu peso,
minhas mãos circulando seu pescoço. Seus lábios partidos, sangue
emergindo do seu nariz e boca, as narinas se dilatando com as
tentativas falhas de tragar ar aos pulmões. Sem sucesso.
Ao longe, ouvi uma movimentação de pessoas e senti o
estrondo dos passos pesados no chão, se aproximando.
Cortei a distância entre nossos rostos, até nossos olhos se
encontrarem.
— Não sei que porra você pensa que está fazendo, mas eu
só vou avisar uma vez — rosnei, com a gravidade de uma promessa
que nada me impediria de cumprir. — Não mexa com a minha
família. Não se aproxime da minha mãe, irmã ou mulher. Não ouse
pensar em me atingir através delas, Alexander. Eu mato você sem
pensar duas vezes se fizer essa merda de novo, está me ouvindo?!
Sua resposta veio através das tentativas desesperadas de
respirar quando finalmente soltei sua garganta. Meus braços foram
agarrados por dois homens vestidos com uniforme hospitalar e não
lutei contra suas tentativas de me tirar de cima daquele filho da puta.
Eu ainda respirava com dificuldade ao me desvencilhar e
reconheci a aproximação de seguranbças do hospital. Nem hesitei
em mandar:
— Tirem esse filho da puta daqui. Ele não tem permissão
para se aproximar do quarto da minha mãe.
Notei a hesitação dos funcionários do hospital, certamente
em dúvida se era mesmo o homem caído e sangrando quem
deveria ser expulso dali, mas não me importei. Sequer me dei o
trabalho de direcionar qualquer outro olhar a Alexander, que ainda
tossia e cuspia sangue como um cachorro caído naquele chão frio.
Arrumei meu cabelo desgrenhado, empurrando-o para trás, e
arregacei as mangas da camisa para disfarçar o quanto estavam
amassadas depois dos meus movimentos. Tomei algumas
respirações profundas e estava prestes a ir até mamãe quando ouvi:
— Obrigado, Fitzwilliam… por me dar… o que e-eu
precisava… para te tirar do meu caminho.
Travei a mandíbula, minhas mãos se cerrando em punhos
mais uma vez, no entanto, fiz o esforço hercúleo de apenas sair dali
sem voltar a avançar naquele bastardo.

Após retornar ao quarto, encontrei Sophia sentada à frente de


mamãe sobre a cama, erguendo o rosto inchado de lágrimas dela e
as limpando com delicadeza. Quando entrei, as duas interromperam
o que quer que murmuravam e me encararam. Sem dizer nada,
avancei e fechei a porta às minhas costas.
Sophia se ergueu em silêncio e me deu espaço para me
acomodar ao lado de mamãe. E só me senti respirar de verdade no
momento que a tomei entre meus braços e a aconcheguei ao meu
peito.
Ainda assim, meu coração parecia socar minhas costelas
com cada vez mais determinação, se recusando a se acalmar diante
dessa situação.
— A senhora está bem? O que aconteceu? — indaguei,
baixinho para não a assustar, mas ela se recusou a responder e
apenas me abraçou mais forte.
— O que vo-você fez, querido? — perguntou, a voz saindo
estrangulada pelas emoções, abafada pela minha camisa. — Com
seu tio?
— Eu o expulsei daqui — limitei-me a essa resposta. —
Aquele filho da puta estava atormentando a senhora. Aposto que
veio parar aqui por causa dele.
Ela soluçou e essa foi toda a confirmação de que precisei.
Foda-se, eu não me arrependia da merda que havia feito. Se
não agisse agora, aquele desgraçado poderia fazer algo pior contra
mamãe depois. Se queria uma reação minha, tinha conseguido. Nós
dois lidaríamos com as consequências do que havíamos feito.
Mesmo consciente do olhar de Sophia sobre nós, evitei
encará-la, sem saber como eu me sentiria se encontrasse algum
tipo de julgamento ou medo em seus olhos. Eu não queria que ela
pensasse em mim como os homens horríveis que tinham passado
pela sua vida, mas acho que eu tinha dado motivos para isso.
Porque era óbvio que ela e mamãe sabiam que eu não havia
apenas expulsado Alexander daqui.
Fiquei quase uma hora segurando mamãe daquela maneira,
acariciando seus cabelos e a confortando. Quando batidas soaram
na porta e, alguns segundos depois, uma médica entrou, eu precisei
sair da cama para deixar que ela se aproximasse e aferisse a
pressão de mamãe. Observei em silêncio os movimentos da mulher
e seu semblante, tentando ler nele se estava tudo bem, e só me
tranquilizei quando ela confirmou que estava.
— Sua frequência cardíaca está normal. A senhora ainda
está sentindo algum tipo de tontura ou dor de cabeça?
Meneou a cabeça em negativa.
— Tudo bem. Os resultados dos seus exames também estão
normais, o que indica que os sintomas que apresentava ao chegar
aqui eram apenas fruto da crise de pânico, senhora Caldwell.
— Ela vai precisar ficar em observação essa noite? —
questionei, procurando a mão de mamãe para segurá-la. Ela não
hesitou em entrelaçar a sua à minha.
— Não vejo razão para isso, senhor. O ambiente familiar fará
melhor à sua mãe, que o hospitalar. Se precisarem, podem retornar
ou entrar em contato comigo.
Assenti e mamãe e eu agradecemos à mulher antes que ela
saísse, informando que já poderíamos ir para casa.
— Vou ligar para o motorista — avisei antes de pressionar um
beijo na testa de mamãe, então me esforcei para encarar Sophia
sentada no sofá à esquerda da cama. Em seu semblante, não havia
nada que me dissesse o que poderia estar pensando e isso pareceu
afundar uma pedra de gelo em meu estômago. Ainda assim,
sustentei seu olhar e dei os passos que nos distanciavam. — Vou
levar você para o apartamento, okay? Mas terei que passar essa
noite na mansão.
— Querido, não precisa… — mamãe iniciou, mas nem a
deixei concluir.
— Isso não está em discussão, mamãe. Também preciso
falar com os seguranças, aquele filho da puta não conseguirá mais
entrar naquela casa.
Mamãe expirou lentamente e não argumentou mais.
— Eu vou com você — Sophia disse, numa decisão que
pareceu inesperada até para si mesma, mas logo completou: — Se
você quiser, claro.
Demorei a absorver suas palavras. O apoio mais do que sutil
que ela oferecia. A certeza de que, o que quer que minha reação
violenta tivesse mudado nela, não fora suficiente para fazê-la querer
distância.
Não titubeei em aceitar.
Nunca hesitaria em aceitar ter Sophia mais perto. E odiaria
voltar a passar alguma noite sem ela em meus braços.
— Vamos juntos então — concluí.
Deixei o quarto para fazer a ligação para o motorista e pedi
que a governanta da casa, que ainda estava na sala de espera, nos
aguardasse também. Tinha acabado de encerrar a ligação quando
uma chamada de Blake fez o celular tocar em minha mão.
Xinguei um palavrão cabeludo o suficiente para atrair a
atenção de duas enfermeiras no corredor, mas acabei atendendo.
Se ele já soubesse o que eu tinha feito, não adiantaria fugir.
— Blake?
— Irmão, te enviei por e-mail as informações da investigação
que você me pediu.
Suspirei ao ouvir suas palavras. Na noite da delegacia, eu
havia pedido que Blake descobrisse para mim quem era o filho da
puta do ex de Sophia e quem era sua família em Nova Iorque
também.
— Tudo bem. Amanhã leio tudo, irmão — respondi, então
considerei lhe contar a merda que havia feito. Por alguns instantes,
encarei os sapatos pretos bem lustrados que usava e meu silêncio
obviamente serviu de alerta.
— O que você fez, Liam? — indagou, como um irmão mais
velho que conhece bem demais seu irmão mais novo, já deixando
um suspiro exausto lhe escapar por saber que teria que me livrar de
alguma encrenca. A chamada chiou um pouco.
Pigarreei antes de iniciar.
— Alexander foi atrás de mamãe em casa, ela acabou tendo
uma crise de pânico e foi trazida para o hospital. Quando cheguei
aqui, aquele filho da puta a estava atormentando e precisei tirá-lo de
perto dela.
Um. Dois. Três segundos de silêncio até ele voltar a expirar
fundo e repetir:
— E tudo o que você fez foi retirá-lo de perto dela?
Hesitei numa resposta e seu grunhido ecoou da chamada.
Limpei a garganta mais uma vez.
— Talvez você precise se preparar para receber um processo
contra mim — fiz uma pausa breve para não despejar tudo de uma
única vez. — Talvez eu tenha dado uma surra naquele filho da puta.
Quase pude vê-lo menear a cabeça em desgosto enquanto
repetia “talvez” num tom sarcástico.
— Se prepare para receber um pedido formal da sua
expulsão do Conselho, irmão — ele disse após algum tempo
absorvendo o que eu havia dito. — É óbvio que aquele desgraçado
te vê como uma ameaça e está disposto a tudo para te destruir
antes mesmo da eleição para a presidência. Ele não vai perder essa
chance depois do que você fez.
Meu coração passou a pesar como concreto no peito.
Pressionei o punho à parede alva ao meu lado conforme aquelas
palavras saltavam em minha mente, e as de Alexander, de quando o
deixei nesse mesmo corredor, retornavam e zombavam do meu
descontrole.
Não consegui dizer nada em resposta.
— Venha até o meu escritório amanhã para decidirmos como
conter os danos. Por hoje, esfrie a cabeça e tente não fazer
nenhuma loucura.
Concordei com um aceno, mesmo que ele não visse.
— Obrigado, irmão — murmurei, antes de encerrar a ligação
e observar meu celular, meio paralisado ali, naquele corredor.
Nos últimos meses, eu vinha passando por situações
sucessivas que me obrigavam a enxergar a possibilidade de perder
minha posição no Grupo como algo cada vez mais certo, no entanto,
nesse momento, acho que a certeza de que isso realmente
aconteceria me roubou o chão.
Eu perderia minha cadeira no Conselho, porra.
Perderia os negócios do meu pai para aquele filho da puta.
Dei-me alguns minutos a mais para lidar com essas certezas
e não deixar nenhuma emoção relacionada a isso transparecer em
meu semblante ao retornar ao quarto e, quando o fiz, estaquei
diante da porta entreaberta dele, porque a imagem de Sophia de pé
às costas de mamãe, trançando os cabelos castanhos e longos
dela, me pegou completamente desprevenido.
— Eu duvido que ele veja a senhora como um fardo, como a
senhora teme — Sophia dizia, concentrada nos movimentos suaves
que realizava para trançar as madeixas de mamãe. — E a senhora
não nos atrapalhou em nada, na verdade, provavelmente impediu o
Caldwell de comprar metade de SoHo hoje.
A sombra de um sorriso atípico surgiu nos lábios de mamãe.
Meu coração tropeçou ao ver aquilo. Era tão difícil vê-la sorrir de
verdade nos últimos tempos.
— Ele é um pouco exagerado, não é?
Sophia sorriu.
— Um pouco?
Pressionei minha testa ao batente da entrada e me vi incapaz
de me mover para sair dali. Não queria interromper as duas.
Mas então o rosto cansado de mamãe voltou a se tornar
vazio e o embargo nas palavras seguintes fez alguma coisa trincar
em meu peito.
— O pai dele era assim, sabia? Meu Albert sempre foi um
homem de grandes gestos.
A bruxinha hesitou ao ouvir aquelas palavras.
— Sinto tanto a falta dele, mas adoro ver como ele
influenciou meu menino. — Ela fez uma pausa para limpar a coriza
e as lágrimas que voltavam a banhar suas bochechas. — Odeio que
Liam tenha sentido que precisava assumir responsabilidades que
não eram dele após a morte do pai. Sobre mim, Elizabeth e até
sobre as empresas. Odeio não ter tido forças para impedir isso… e
continuar não tendo.
Um nó trancou minha garganta.
— Ao menos nisso Alexander estava certo — ela prosseguiu,
frágil e rouca. — Fui tão fraca que meu filho precisou ser forte até
por mim. E tão tola, que ele é quem sofre as consequências de eu
ter dado a Alexander poder sobre o Grupo.
Sophia meneou a cabeça em negativa.
— A senhora não tem culpa de ter estado doente, muito
menos de aquele mau-caráter ter se aproveitado disso. Não o deixe
transferir essa culpa, nem manipular a senhora, viu?
Mamãe não respondeu.
A bruxinha amarrou o final da trança com um elástico e se
sentou ao lado de mamãe, sua mão pousando sobre a dela, com
uma naturalidade que faria qualquer um duvidar que essa era a
segunda vez que se encontravam.
— A senhora está lutando para recuperar sua saúde agora e
tenho certeza de que isso é suficiente para o Caldwell. E para a Liz.
Eles amam demais a senhora, sabia?
— Obrigada, querida — mamãe sussurrou, emocionada. E só
compreendi suas palavras porque consegui lê-las em seus lábios.
Afastei-me da entrada para esfregar meu peito e lidar com os
nós que haviam surgido graças àquela conversa. Precisei de mais
um tempo para conseguir voltar e abrir a porta, mas quando o fiz, e
encontrei Sophia ainda sentada ao lado de mamãe, ambas com as
mãos entrelaçadas, minha vontade foi puxá-la para os meus braços
e a apertar forte, porra, prendê-la a mim e nunca mais a deixar sair.
Nunca mais viver um dia sem essa mulher ao meu lado.

Mais tarde naquela noite, após jantarmos e mamãe se


recolher, levei Sophia para o meu quarto e a deixei parada no centro
dele, analisando todos os meus itens de decoração e porta-retratos,
enquanto eu me trancava no banheiro para tomar um banho rápido
e limpar os ferimentos em meus dedos. Coloquei curativos nos que
me pareceram mais feios.
Após Sophia também se banhar e vestir uma das minhas
camisas para dormirmos, eu a aconcheguei em meus braços e
inspirei o perfume natural da sua pele enquanto compartilhávamos
um silêncio confortável. Por alguns segundos, ainda temi que ela me
afastasse ou até voltasse a tensionar diante do meu contato, como
semanas atrás, mas isso não aconteceu.
— Caldwell?
— Sim, bruxinha? — Seu pescoço se arrepiou com o roçar
involuntário dos meus lábios em sua pele sensível.
— Aquele homem estava tentando te provocar de novo, não
é?
Demorei a respondê-la, sem querer trazer Alexander para
nossas vidas mais uma vez nesse dia, mas acabei assentindo.
— E pelo visto conseguiu — continuou, sem erguer a voz ou
deixar transparecer em seu tom qualquer tipo de julgamento. — E
agora?
Como um viciado que busca consolo em sua droga preferida,
inspirei o cheiro delicioso dos cabelos de Sophia enquanto refletia
sobre sua pergunta.
— Blake acha que ele vai pedir minha expulsão definitiva do
Conselho.
Ela nem hesitou ao ouvir aquelas palavras, na verdade, se
virou em meus braços para conseguir me encarar.
— Eu não entendo — sussurrou, meneando a cabeça para
reforçar o que dizia. — Você me disse que ele tinha o apoio da
maior parte do Conselho. Se tem mesmo, por que está tão
determinado a te tirar dele antes mesmo da eleição que você disse
que farão em algumas semanas? Não faz sentido…
Franzi o cenho.
— Não é a primeira vez que Alexander tenta me ferrar,
bruxinha — contei.
— Ele já tinha usado sua mãe para isso? Ou te provocado a
ponto de te deixar com raiva suficiente para espancá-lo? Mais de
uma vez em menos de uma semana?
Hesitei.
— O que quer dizer?
— Não sei, Caldwell. — Ela soltou o ar com força, ainda
acenando em negativa, olhos estreitados como se algo
incomodasse sua mente. — Mas ter ido atrás da sua mãe não foi só
uma atitude baixa, foi extrema. Ele sabia que conseguiria uma
reação sua dessa forma, e nem se importou se essa reação fosse
violenta, pelo visto. Só queria te desestabilizar.
Pressionei o polegar em sua testa, tentando desfazer o vinco
que se formara nela, então me inclinei para beijar aquele ponto e,
logo em seguida, os seus lábios.
— Não se preocupe com isso — avisei. — Blake vai me
ajudar a resolver essa merda da melhor maneira possível.
Ela assentiu e retribuiu meu beijo, então avançou sobre mim,
me abraçando com braços e pernas. E o prazer que senti ao ter seu
corpo assim foi muito além do sexual, porra. Acho que essa era a
primeira vez que Sophia tomava a iniciativa num contato carinhoso,
só por sentir que eu precisava. E sem hesitar de qualquer maneira,
sem precisar ultrapassar a tensão típica do seu corpo. Porque não
havia tensão. Não mais, pelo menos.
— Fiquei com medo de te assustar por ter avançado naquele
filho da puta — confessei, em seu ouvido.
Ela meneou a cabeça em negativa.
— Não sei o que exatamente você fez, mas vi o estado em
que aquele homem deixou sua mãe. Sei que ele mereceu.
Eu a apertei ao ouvir suas palavras.
— Você a defendeu da maneira que aprendeu a se defender,
Caldwell — sussurrou, entremeando uma das mãos em meus
cabelos. — Admiro seu cuidado e proteção com sua mãe. Seria
hipocrisia te julgar quando eu sei que, se pudesse, teria feito o
mesmo para defender minha madre do desdém cruel do meu pai.
Cerrei os olhos e segurei Sophia bem forte contra o meu
corpo, mergulhando o rosto na curva do seu pescoço e inspirando
fundo. Precisei cerrar os dentes para manter a boca fechada e me
impedir de dizer algo de que me arrependeria depois.
Sophia e eu não estávamos na mesma página. Eu sabia que
estava ultrapassando suas reservas e receios aos poucos, mas não
estávamos na mesma página ainda e ela certamente fugiria se
tivesse qualquer ideia de que eu já não tinha dúvidas do que sentia.
Da certeza que pulsava mais forte em meu peito desde que a vi
chorar pela primeira vez na noite anterior e quis esganar seu pai e
todos que a fizeram sofrer. Desde que reconheci que, sim, eu era
capaz de admirá-la ainda mais do que já admirava. Desde que ela
não apenas se abriu para mim, mas me deixou saber, sem palavras,
que já estava me dando partes de si que eram só minhas. As mais
frágeis, as que ela não mostrava para qualquer pessoa.
Eu estava apaixonado por essa mulher, porra. E seria uma
merda guardar esses sentimentos enquanto ela não estivesse
pronta para lidar com eles, mas eu me esforçaria para fazê-lo. Não
correria o risco de perdê-la por ser precipitado.
Por sufocá-la de alguma maneira.
VINTE E SEIS
LIAM CALDWELL

Semicerrei os olhos diante das palavras na tela à minha


frente. O relatório que Blake havia me enviado sobre José e sua
família me dava certeza de que ele era nada mais que um filho da
puta mesmo. Um médico medíocre no melhor hospital do estado —
cujos donos eram seu padrasto e seu sogro —, casado há mais de
um ano, com uma mulher que inclusive estava grávida.
Mas não fazia nem uma semana que esse desgraçado
estava perseguindo e atacando Sophia na frente de dezenas de
pessoas, porra.
Qual era o caralho do problema dele?!
Para piorar, eu sabia que ele estava fazendo essa merda há
meses, era esperto o bastante também para compreender que o
desgraçado se aproveitava do fato de que Sophia não tinha a quem
recorrer, uma vez que não tinha parentes aqui ou a possibilidade de
prestar queixas contra ele. Estava vulnerável num país que não era
o seu. Graças a ele.
José continuaria a assediá-la, tinha chegado ao ponto de
agredi-la. O que viria em seguida?!
Grunhi.
Não podia pensar nessa merda. Precisava ser prático ao
menos em relação a isso. Eu estava com Sophia agora, eu a
protegeria. Esse filho da puta não encostaria mais nela. E pagaria
por tudo o que havia feito até aqui.
Anexadas ao relatório, havia algumas fotos da família dele,
assim como informações mais específicas relacionadas ao seu
trabalho e até hobbies. Meus olhos pousaram sobre o atual chefe do
hospital em que ele trabalhava — tio da esposa de José — e sua
fisionomia me pareceu familiar. Foquei no nome sob sua foto e me
esforcei para lembrar se já o conhecia pessoalmente, de algum
evento ou até mesmo do Clube Oásis, mas não consegui. Era
provável que o conhecesse sim, já que minha família só era
atendida na merda do hospital que ele gerenciava.
Então um pensamento me ocorreu.
Sophia poderia ter encontrado seu maldito ex ontem, porra,
enquanto estávamos com mamãe. Aquele filho da puta trabalhava
lá.
— Mas que caralho! — esbravejei.
Afastei o tablet e o deixei sobre o recamier antes de esfregar
minhas têmporas para diminuir as pontadas sutis que já se
iniciavam. Eu mal havia dormido essa noite, pensando no que
Sophia dissera e estava com um dia cheio pela frente. A começar
pela reunião com Blake.
O barulho da porta do banheiro chamou minha atenção e
voltei meu olhar para ela a tempo de ver Sophia saindo dele já
pronta. Usando um dos vestidos que havíamos comprado no dia
anterior. Linda, porra, porque não havia chance de não ser assim.
— Pronto? — perguntou, conforme se aproximava segurando
seus saltos.
Assenti e a puxei para o meu colo quando percebi que se
sentaria na cama para calçar os sapatos. Ela riu ao ter sua nuca
presa em minha mão, com o pescoço à minha mercê, e o arqueou
para me deixar beijá-lo. Sorri com o tremor suave que se espalhou
por seu corpo quando o fiz.
— Não posso me atrasar, Caldwell — ela lembrou, baixinho,
mesmo quando nem tentava se afastar, na verdade enfiou uma das
mãos em meus cabelos, espalhando em meu corpo um calafrio que
já não tinha nada a ver com o desconforto de ter alguém tocando
neles. — Tenho uma reunião no Brooklyn em uma hora.
— Eu sei — respondi, então dediquei mais atenção à sua
boca, mordiscando os lábios que eu adorava. — Tenho uma reunião
com Blake daqui a pouco também.
Ela acenou e retribuiu o meu último beijo.
Sophia colocou seus sapatos e se ergueu para pegar a bolsa.
— Sua mãe vai tomar café conosco? — indagou.
— Ela dificilmente sai do quarto para fazer isso — confessei,
levantando-me do recamier.
Sua testa se franziu.
— Ela faz as refeições todas no quarto?
— Normalmente, sim. Às vezes é difícil convencê-la a sair
dele. Nas últimas semanas, ela tem se esforçado para fazer isso
para ajudar a Liz com a reforma da casa. E para a terapia.
Sophia engoliu em seco, então baixou os olhos até sua bolsa
tiracolo.
Abri a porta e a aguardei passar por ela, mas a bruxinha
ainda hesitou por alguns instantes.
— Eu posso… convidá-la para visitar a ONG?
Foi minha vez de hesitar.
— A Liz estará lá, depois vamos para um almoço só de
mulheres, com a nonna e a Emma. Talvez sua mãe possa ir junto…
ou talvez goste de algo na ONG também, e se distraia com as
crianças ou um dos nossos projetos.
Encarei-a por alguns instantes, sem saber o que dizer. Sabia
que Sophia queria ajudar, mas não tinha certeza de que mamãe
aceitaria algo assim. Minhas tentativas de fazê-la ingressar em
alguma atividade sozinha ou em grupo, nos últimos meses, tinham
sido frustradas.
Eu também tinha receio de mamãe ter uma crise. Ela já não
estava acostumada a interagir com muitas pessoas desconhecidas
ao mesmo tempo e se isso acontecesse, talvez…
Interrompi meus próprios pensamentos, reconhecendo,
quase tarde demais, minha entrada no mesmo círculo vicioso de
sempre. A psicóloga de mamãe já tinha me alertado sobre a minha
tendência de colocar minhas preocupações à frente da oportunidade
de mamãe decidir o que queria ou não.
Eu precisava mudar se quisesse que mamãe também tivesse
essa chance.
— Você pode tentar — cedi.
Um sorriso pequeno surgiu e ela veio até mim.
— Não se preocupe, Caldwell, eu vou cuidar dela, tá? E a Liz
também.
— Você nem sabe se ela irá — lembrei.
Sophia meneou a cabeça em negativa e se colocou na ponta
dos pés para beijar minha boca.
— Você fala como se não conhecesse minhas habilidades de
persuasão.
Sorri e a puxei para perto. Cheguei a argumentar quando
deixamos o quarto, mas segundos depois, após encontrarmos
mamãe já à mesa, nos aguardando, repensei meus próprios
argumentos.
Enquanto tomávamos café e interagíamos, não pude deixar
de observar as duas conversando ou de sentir meu coração saltar
ao ver Sophia fazer mamãe rir em certo momento. Nem mesmo os
vestígios da noite maldormida em seu semblante foram capazes de
ocultar a luz momentânea que aquele riso trouxe aos seus olhos.
Algo em mim sabia que ela só tinha descido para o café para
não nos deixar sozinhos de novo, como no jantar da última semana,
mas naqueles minutos eu tive certeza de que o que a manteve ali foi
aquela bruxinha. Porque Sophia já a tinha enfeitiçado também.
Por isso não me surpreendi quando, mesmo nitidamente
hesitante, mamãe concordou em acompanhá-la à ONG.

Soprei devagar a xícara fumegante de chá que a secretaria


de Blake me servira há pouco e observei meu amigo por sobre a
borda, sentado no sofá à frente do meu. Meu celular pesava no
bolso como um lembrete da ligação que eu recebera de Sarah
enquanto dirigia até aqui.
— Alexander solicitou uma reunião com o Conselho —
informou, o que me fez encarar o conteúdo da xícara e refletir sobre
suas palavras por alguns segundos.
— Ele vai pedir minha expulsão se eu não renunciar ao meu
cargo — avisei —, além de me processar por agressão. Sarah me
ligou para dizer isso hoje.
Sua sobrancelha se içou de modo sutil, num questionamento
simples que não precisava ser verbalizado.
— Não vou renunciar a nada — declarei. — Posso lidar com
as consequências da merda que fiz, mas não vou abrir mão da
minha cadeira no Conselho. Ele que me tire de lá, se puder.
Blake expirou profundamente e acenou.
— E sua mãe? Vai querer processá-lo por assediá-la em casa
e no hospital? Pelo que entendi, foi isso que aconteceu, não foi?
Abandonei a xícara de chá na mesa de centro entre nós.
— Mamãe nem quis me contar o que aquele filho da puta
disse para deixá-la no estado em que a encontrei, então duvido que
queira levar essa questão para uma delegacia.
Ele acenou novamente e abriu os botões do terno antes de
se inclinar para frente, sua postura profissional.
— Temos duas situações distintas aqui. As consequências
legais para o que você fez e as administrativas, no Grupo Caldwell.
Um acordo seria o mais vantajoso nessa situação, mas duvido que
Alexander aceite um se você não estiver disposto a ceder à
exigência que ele já apresentou, a que implica diretamente na
responsabilidade que você assumirá na empresa. — Ele fez uma
pausa breve e pressionou os lábios grossos como se ainda
escolhesse as palavras. — Você o agrediu voluntaria e
conscientemente, mas fez isso numa reação súbita a uma
provocação. À agressão psicológica sofrida pela sua mãe. Seu
crime imputa culpa, mas não dolo. Então, desde que consigamos
provar que ele te provocou e agrediu sua mãe psicologicamente,
você não precisará se preocupar. Posso contornar a situação até
chegarmos a uma multa. Você tem testemunhas?
Assenti, com um suspiro de alívio.
— A governanta da mansão e acredito que outros
funcionários de lá também. Além de Sophia, que estava comigo
quando cheguei ao hospital.
Ele expirou profundamente.
— Menos mal. Podemos tentar usar a decisão do juiz para
reverter a punição que você sofrer no Conselho, mas… — ele
ergueu seus olhos castanhos para mim novamente — talvez isso
não aconteça antes da eleição para a presidência.
Sua conclusão veio como um balde de água fria.
Não respondi e Blake voltou a se reclinar no encosto do sofá,
me dando o silêncio que sabia que eu precisava.
Senti seu olhar sobre mim por alguns instantes, mas me
forcei a ignorá-lo conforme remoía o que Sophia havia dito na noite
anterior.
— Acha que Alexander fez isso só para me impedir de me
eleger para o cargo de presidente do Conselho? — indaguei, em
algum momento.
Seus olhos se apertaram quase imperceptivelmente, sem
revelar nada além de uma dúvida sutil. O controle que Blake exercia
sobre si mesmo e o que transparecia, em situações como essa, era
quase irritante.
— O que quer dizer? — foi direto ao ponto.
Bufei.
— Sophia me disse algo que me deixou pensativo.
— O quê?
— Ela acha que Alexander ter ido atrás da mamãe foi uma
atitude extrema, mesmo para ele. Especialmente porque ele já tem
o apoio dos Conselheiros para garantir que Adams assuma sua
posição na presidência.
Blake me observou, acho que refletindo sobre minhas
palavras e o que estava implícito nelas.
— Você acha que ele pode ter tido outra razão para te atacar
— concluiu e, com seu raciocínio ágil e afiado, atirou: — A exigência
dele foi específica para não te denunciar, não foi?
Franzi a testa, encontrando alguma dificuldade para
acompanhar seu raciocínio.
— Ele exigiu que você renunciasse à sua cadeira no
Conselho — elucidou. — É óbvio que não quer apenas impedir que
você se torne o presidente, ele quer você fora. A questão é: o que
ele ganha se você não estiver no Conselho?
Estreitei os olhos, tinha passado a noite pensando nisso,
então nem precisei refletir antes de responder:
— Se eu não estiver no Conselho, Alexander vai conseguir
guiar o Grupo sem a minha interferência e fiscalização constante.
Não terei poder para vetar suas decisões ou abrir discussões sobre
elas.
Algo inominável atravessou os olhos de Blake como um
vislumbre. Tão rápido que mal tive tempo de registrá-lo. Então ele
se ergueu do sofá e enfiou as mãos nos bolsos da calça do terno
Armani ao começar a caminhar pelo escritório. Reflexivo,
irritantemente enigmático. Com o semblante ilegível. Postura
elegante. Tranquilidade inabalável.
Transparecendo não apenas a porra da calma que eu nunca
teria, mas um domínio sobre as próprias emoções e o que diabos se
passava em seu interior.
Grunhi, sem paciência para tentar lê-lo nesse momento. Para
falar a verdade, nem era algo que eu conseguia.
— Será que pode compartilhar seus pensamentos, irmão? —
provoquei, também me erguendo. Ignorei a xícara de chá intocada
sobre a mesa de centro e percorri o escritório até alcançar o minibar
ao lado da estante de prêmios e diplomas que meu amigo
ostentava.
— O noivo de Sarah atua em que área do Grupo?
Comecei a me servir com um licor, já que ainda era cedo para
beber algo mais forte.
— Financeira.
Blake se voltou para mim, recostando-se na borda da mesa
de madeira.
— Chuck me pediu algo no mínimo estranho há alguns dias
— iniciou, olhos atentos a mim. — Ele queria que eu contratasse um
detetive de confiança para rastrear a origem de alguns valores
obtidos por Super Pacs que apoiam o concorrente do atual
governador de Nova Iorque.
O copo que eu trazia à boca parou a uma distância
considerável dela quando registrei aquelas palavras.
Super Pacs eram basicamente comitês que recebiam
doações expressivas e ocultas feitas por bilionários do país, para o
financiamento da campanha de alguns políticos, normalmente em
troca de favores, caso fossem eleitos. A origem desses fundos não
era divulgada, mas essas doações vinham mudando o rumo das
últimas eleições. Eram uma merda que escancarava o poder que os
ricos e poderosos tinham sobre as eleições e decisões tomadas
pelos nossos governantes.
Era uma das coisas que meu pai e eu abominávamos, e que
o vi se recusar a fazer quando era vivo.
Mas por que Chuck pediria que Blake investigasse algo
assim?
Talvez lendo a pergunta que estava em minha mente, meu
amigo explicou:
— Ele não engoliu o fato de a mulher do governador ter
envolvido especificamente você num escândalo sexual — iniciou. —
E começou a investigar o que poderia estar por trás disso, se ela
estava mesmo tentando acabar com a carreira do marido, o que
ganharia ao envolver você nisso e quem mais obteria vantagens
com a queda do atual governador. E com a sua.
Os indícios de uma dor de cabeça ressurgiram à medida que
minha mente começou a trabalhar para compreender o que Blake
estava me dizendo. E o que deixava subentendido também.
— Acha que Alexander está envolvido nisso? — tentei, mas
essa certeza já se enraizava em minha mente.
Ele apertou a borda da mesa.
— É uma possibilidade que, nesse momento, depois do que
ele fez contra a sua mãe, eu não descartaria.
— Mas que porra! — grunhi, tomando a dose de bebida em
um só gole. — E os Super Pacs? Será que esse filho da puta estava
desviando dinheiro do Grupo para financiar campanhas em troca de
favores?!
Caralho, agora tudo fazia sentido! O noivo de Sarah ser um
velho com mais de cinquenta anos, mas com influência no Conselho
e poder para interferir na área financeira da empresa. A
necessidade de me expulsar do Conselho a qualquer custo, antes
que eu pudesse me tornar presidente dele ou descobrir o que
Alexander estava fazendo às escondidas, para influenciar o rumo
das eleições do estado.
— Eu vou… — rosnei, mas Blake nem me permitiu concluir.
— Você vai se acalmar e ficar calado até termos certeza. E
provas.
— Mas…
— Sem mas, irmão — ele concluiu, contornando sua mesa
para se acomodar em sua cadeira. — Se conseguirmos provas,
você não apenas vai conseguir expulsar Alexander do Grupo, mas o
levará a um tribunal. Apoiar Super Pacs não é crime, mas desviar
dinheiro de uma empresa, é.
Ele digitou algo em seu computador.
— Você pode conversar com Chuck sobre isso durante a
viagem.
Desabei sobre o sofá e segurei o rosto entre as mãos.
— Chuck ficou puto comigo porque me casei sem avisá-lo —
contei. — Talvez já estivesse fazendo essa investigação justamente
para eu não chegar ao ponto de precisar me casar.
— Ele realmente não queria que você chegasse a isso,
irmão… não de novo.
Engoli em seco ao ouvir suas palavras. Sabia que Blake
estava certo. Chuck odiava que eu quase tivesse me casado com
Sarah anos atrás, especialmente por ela ter se mostrado uma filha
da puta interesseira e racista. Por ter me enganado.
— Já contou à Sophia sobre Sarah? — Blake indagou após
alguns minutos de silêncio, como se soubesse que minha mente já
vagava por esse ponto específico do passado.
— Não. Sinceramente não vejo razão para falar sobre isso.
Sarah não significa mais nada para mim e Sophia não seria ingênua
a ponto de cair em nenhuma armação dela — afirmei.
— Eu sei, mas não significa que ela não devesse saber que
você quase se casou com sua “prima”. Mesmo contra sua vontade,
Sarah ainda faz parte da sua vida social. Sophia continuará
cruzando com ela.
Grunhi, sem querer admitir que Blake, talvez pela milésima
vez nesse dia, estava certo.
— Vou contar a ela — concordei, por fim.
Não era como se Sarah fosse capaz de representar um
perigo para nossa relação, não é?
VINTE E SETE
SOPHIA GARCÍA

Sarah e eu quase nos casamos há alguns anos.


As palavras do capullo não saíam da minha cabeça.
Martelavam uma após a outra.
E eu… hum… percebi que talvez você precisasse saber
disso…
Talvez… Talvez eu precisasse saber que ele quase se casara
com a droga da prima gordofóbica e desagradável dele. Talvez eu
precisasse saber que ele continuava a vê-la com frequência, em
todos aqueles encontros e jantares da empresa… talvez eu
precisasse saber que esse capullo estúpido quase tinha cortado seu
cabelo por causa daquele projeto malsucedido de dama da alta
sociedade. Talvez eu precisasse saber que ele já tinha sido louco
por ela a ponto de pedi-la em casamento.
Talvez.
Meneei a cabeça em negativa, ainda me recusando a
acreditar nisso.
Fazia mais de vinte e quatro horas que ele me contara e eu
não conseguia parar de remoer essa mierda, não conseguia engolir
essa verdade. Ou parar de imaginá-lo com aquela cobra venenosa e
me perguntar como?! Como esse homem pode ter sido idiota a
ponto de cair na dela?!
E ele tinha mesmo se apaixonado, não é? Já que a tinha
pedido em casamento.
A estupidez masculina diante de uma mulher bonita deveria
ser estudada.
— Estamos chegando — Caldwell informou, como se
soubesse que eu havia me perdido em pensamentos de modo tão
profundo que sequer registrava a paisagem bucólica e deslumbrante
que tínhamos de uma parte da Alemanha nesse momento. Diferente
dos prédios frios que eu vira em Londres no início da nossa viagem
e do cenário de ficção científica futurista que tinha conhecido em Lá
Défense, em Paris. Mas não o encarei e não o deixei entrelaçar
nossas mãos quando quis. — Bruxinha… — ele tentou chamar
minha atenção para si, se inclinando sobre mim no carro,
aproximando seu rosto da minha orelha. — Até quando vai ficar
brava, hein?
— Eu não estou brava — menti.
— Tem certeza?
— Uhum.
— Então me dá um beijo.
— Não.
O infeliz riu.
— Não precisa ter ciúmes da Sarah, sabia?
— Rá! — exclamei, enfim voltando a encará-lo,
profundamente irritada. — E quem disse que eu estou com ciúmes,
hein?! Me poupe, Caldwell!
Ele entreabriu os lábios para argumentar, mas eu voltei a
falar antes que o fizesse:
— Eu só acho engraçado que você demorou todo esse tempo
pra me contar algo tão simples. Estava com medo de quê, hein?
Ele abriu um sorriso provocador e não resisti a estapear seu
peito.
— Pare com isso — mandei.
— Bruxinha…
— E não me chame assim.
Ele resmungou algo incompreensível e o carro diminuiu a
velocidade, o que me fez voltar a atenção para a janela, bem a
tempo de ver a mansão de dimensões faraônicas da qual nos
aproximávamos.
Uau.
Apenas… uau.
A família de Chuck obviamente era bilionária. Eram donos de
um conglomerado de empresas, segundo Liam, então só podiam ser
mesmo.
— Não quero continuar brigado com você, me diz o que eu
posso fazer para você me perdoar — Caldwell voltou a dizer e tive
que expirar profundamente antes de encará-lo. — Já pedi
desculpas.
— Não estamos brigados — avisei.
— Mas você nem está me deixando te tocar ou beijar, porra!
— Você está de castigo.
— De castigo?
— Sim. Eu pedi para você não me esconder coisas
importantes, lembra? Você escondeu e agora só vai me tocar
quando a minha raiva passar.
Seu queixo caiu.
— Sophia… — ele resmungou, como um menino levado que
não esperava ser repreendido de forma tão dura.
O carro foi enfim estacionado e o motorista desceu.
— Lide com as consequências das suas ações — concluí, me
livrando do cinto de segurança.
A porta do meu lado foi aberta e aceitei a ajuda do senhor
gentil para descer sem dedicar nenhum olhar a mais para Caldwell.
Achei tê-lo ouvido proferir um palavrão antes de também deixar o
carro, mas ignorei.
Quando parou ao meu lado e envolveu meu corpo com um
braço possessivo, eu cheguei a ensaiar o movimento para afastá-lo,
mas o capullo só me apertou mais forte e se inclinou para sussurrar
em meu ouvido:
— Nós ainda precisamos que todos acreditem que estamos
juntos, lembra?
Semicerrei os olhos para ele.
— Não estamos em Nova Iorque e eu duvido que seu amigo
não saiba que esse casamento é de mentira. — Eu me arrependi
daquelas palavras no segundo em que as disse. Cheguei a recuar
um passo incerto com o impacto que a última delas teve sobre mim,
mas Liam não me deixou ir muito longe. Pude ver sua expressão se
fechar e algo inenarrável cruzar seu semblante por um instante que
trouxe um aperto ao meu peito.
— Não importa se é uma mentira — grunhiu, o tom áspero e
a palavra final me atingindo com ainda mais força ao ser proferida
por ele. Estávamos há dias demais sem repetir essa verdade, mas
sermos lembrados dela não deveria ter sido tão dolorido.
Liam voltou sua atenção para a entrada da mansão quando a
porta da frente foi aberta. Mesmo à distância, reconheci que o loiro
alto e grande que surgiu era seu amigo. Não lembrava bem do seu
rosto porque mal havia interagido com ele no piquenique há alguns
meses, mas imaginava que ele viria nos receber.
— Você se lembra do que eu disse sobre Chuck? — Liam
perguntou, começando a me guiar para a entrada.
Acenei numa afirmativa.
— Ele é desconfiado por natureza e não tem filtro ou limites
para as provocações que faz.
— Talvez seja difícil, porque eu o conheço há anos e ainda
sinto vontade de socá-lo com frequência, mas não o deixe provocar
você.
Eu teria sorrido ao ouvi-lo, mas ainda estava lidando com os
efeitos das nossas palavras anteriores. Com a certeza que me
ocorreu de forma inesperada: enquanto nós dois tínhamos sido
forçados a este casamento pelas circunstâncias, Liam teria se
casado com Sarah de verdade. Por vontade própria. Por amá-la e
querer passar o resto de sua vida com ela.
E eu odiei reconhecer o quanto isso me incomodava.
Uma rajada de ar nos atingiu ao alcançarmos o patamar das
escadas. Quando Liam foi cumprimentar nosso anfitrião, o calor do
seu corpo me abandonou. Chuck deixou toda uma postura
imponente e inalcançável para abrir um sorriso ao abraçar o amigo e
dar tapas amistosos em suas costas. Como irmãos que não se viam
há décadas.
— Você nunca ficou tanto tempo sem ir a Nova Iorque, porra
— Liam disse.
— Você também nunca passou tanto tempo sem vir aqui,
irmão — Chuck devolveu, então seus olhos me alcançaram. Seu
sorriso não vacilou. — É óbvio que esteve ocupado.
— Muitas coisas aconteceram nas últimas semanas — Liam
concordou.
— Sei que sim, agora você está casado e nem pude ser a
porra do seu padrinho — prosseguiu, voltando-se completamente
para mim. — Nos conhecemos há alguns meses, não foi? Sophie?
— Sophia, na verdade.
Ele me estendeu sua mão num cumprimento, que aceitei.
— Chuck Gustafson.
— O mais debochado dos meninos da nonna, se me lembro
bem das palavras dela.
Ele riu, olhos cinzentos levemente estreitados para mim,
como se me lessem e julgassem ao mesmo tempo. Apesar do seu
sorriso, havia algo mais ali.
Uma suspeita. Uma desconfiança. Talvez algo entre essas
duas coisas.
— Sou o mais bonito, sexy e bem-sucedido também, mas
isso ela não diz, não é?
Abri um sorriso.
— Você pode reclamar pessoalmente no aniversário dela, na
semana que vem.
Ele semicerrou os olhos.
— Ela te mandou em missão para me convencer a ir, foi?
Desta vez eu ri e estava pronta para confirmar quando Liam
voltou a envolver meu corpo e me puxou para seus braços, num ato
tão escancaradamente possessivo que eu teria rido dessa atitude
boba se não tivesse me surpreendido.
— O tamanho do seu ego deveria ser objeto de estudo —
disse ao amigo.
Chuck içou uma sobrancelha irônica, o esboço de um sorriso
debochado surgindo em seus lábios.
— Sarcasmo, como paciência e serenidade, não te cai bem,
irmão. E cá entre nós? Não é só o tamanho do meu ego que deveria
ser objeto de estudo.
Tentei em vão ocultar meu sorriso diante daquelas
provocações, Liam revirou os olhos.
— Por quê? O tamanho do seu pau é inversamente
proporcional a ele? Se for, consigo entender por que nenhuma
mulher fica com você por mais de uma noite. Deve ter o menor pau
do mundo.
Chuck riu.
— Estou disposto a te provar que não, mas só se for a sua
mulher a medir.
Minha boca se abriu em choque.
Liam avançou tão rápido sobre o amigo, o agarrando pela
garganta e prendendo à parede mais próxima, que eu quase não fui
capaz de registrar o movimento.
— Desgraçado — Liam rosnou, punho cerrado pronto para
encontrar o rosto do alemão, que o analisava com olhos de águia.
Espertos e atentos.
— Caldwell — chamei, sem acreditar que estávamos ali há
cinco minutos e ele já estava avançando em alguém. — Solta ele.
— É, Caldwell — Chuck repetiu, num tom zombeteiro através
do aperto que sofria em sua garganta. — Me solte porque tenho
créditos pra te provocar pelo resto da semana. Você me deve, filho
da puta.
Eu não sabia do que Chuck estava falando, ou qual a razão
da mudança súbita em seu tom, mas foi suficiente para Liam emitir
um grunhido animalesco e soltá-lo.
— Não devia ter feito nada sem me falar, porra — disse, ao
que Chuck respondeu revirando os olhos e bufando. — Vamos
conversar.
— Queria que tivesse dito isso antes de eu colocar o meu na
reta pra você não precisar entrar na merda de um casamento. E
você entrar mesmo assim. — Seu olhar estreitado encontrou o meu.
— Sem ofensas, princesa.
— Não chame minha mulher desse jeito.
Chuck voltou a encarar o amigo, ainda mais desconfiado,
medindo-o em busca de respostas para perguntas que não consegui
compreender. Então me encarou, perscrutando-me sem nem tentar
disfarçar.
Logo pareceu chegar a uma conclusão.
— Pelo visto, você não aprendeu nada com seus erros, irmão
— foi tudo o que o alemão ainda disse conforme meneava a cabeça
em negativa, o desgosto em seu semblante era nítido. — Continua
caindo pelos mesmos motivos.
Franzi o cenho, sem entender, mas ficando cada vez mais
curiosa. Ele estava falando do casamento? De mim?
Entramos na mansão e dois homens uniformizados,
carregando nossas malas, nos seguiram. Liam exalou o ar em
busca de calma e procurou meus olhos.
— Eu preciso conversar com Chuck, bruxinha, mas você
pode ir descansar um pouco.
— O jantar será servido em meia hora — o alemão concluiu.
— Fique à vontade para conhecer a propriedade, se quiser. Pode
seguir Emmett e Gunter para os aposentos de Liam.
Eu assenti.
Liam se aproximou e fez questão de segurar meu rosto para
beijar meus lábios de modo que eu não pudesse negá-los, como
vinha fazendo desde que ele me contara sobre seu noivado com
Sarah.
— Nos vemos daqui a pouco, okay? — sussurrou.
Limitei-me a responder com um aceno, então assisti os dois
seguirem por um corredor ao lado das escadas. Na verdade, não
desviei o olhar até vê-los entrarem, aparentemente discutindo, em
um cômodo a muitos metros de distância.
Encarei os homens que subiam as escadas e cheguei a dar
passos para segui-los, mas minha curiosidade falou mais alto. E
segui o caminho feito por Liam e seu amigo.
Tentei não fazer barulho com meus saltos à medida que me
aproximava da porta que Liam havia atravessado e não demorei a
ouvir as vozes alteradas dos dois atrás dela.
— Eu vi como aquela filha da puta pisou em você, irmão!
Como te humilhou por quem você é! Vi você na merda do fundo do
poço quando descobriu que ela só estava contigo por causa do seu
dinheiro. Do que o pai dela queria! Você a amava e isso quase
fodeu com a sua vida! Quão burro você tem que ser pra cometer o
mesmo erro duas vezes, hein?!
— Sophia não é a Sarah! — Liam esbravejou.
— Isso só o tempo dirá, irmão. Você demorou anos pra
descobrir quem aquela vadia da Sarah realmente era. Quem sabe
quanto tempo vai demorar para descobrir que essa Sophia
também… — ele nunca concluiu. A próxima coisa que ouvi foi o
baque forte de algo pesado na porta. Sobressaltei-me com o susto e
precisei sufocar um grito cobrindo a boca. Meu coração saltou. Tive
certeza de que Liam estava empurrando o amigo contra a porta
nesse momento.
— Não abra a porra dessa boca pra falar da minha mulher. —
Engoli em seco ao reconhecer a aspereza em seu tom. — Você é
meu irmão, me viu no meu pior momento e esteve comigo quando
os caras mal sabiam o que estava acontecendo, mas isso não te dá
o direito de insultar minha mulher ou desconfiar dela. Você vai ficar
ao meu lado, Chuck, porque isso é o que nós fazemos. E vai confiar
na minha decisão mesmo sendo incapaz de confiar em uma mulher,
me ouviu?
Uma movimentação estranha deles me confundiu, mas logo
compreendi que tinham se afastado da entrada.
— Você precisa lidar com as merdas que seu pai colocou na
sua cabeça, irmão — Liam atirou.
— Cala a boca!
— Nem todas as mulheres são como sua mãe.
— Cala a porra da boca, Liam!
O silêncio que seguiu aquela ordem me permitiu pousar a
mão sobre o peito e me obrigar a respirar. Cogitei me afastar, dar
privacidade a eles, mas não consegui. Queria saber o que mais
Liam diria.
— Como descobriu sobre Alexander estar desviando dinheiro
da empresa? — A voz de Caldwell voltou a se fazer ouvir, ainda
próxima à porta. — E sobre os Super Pacs?
Franzi a testa, confusa com as perguntas.
— Não descobri, eu deduzi depois de perceber que ele
estava apoiando o adversário do atual governador às escondidas.
Por isso pedi para o Blake rastrear as doações feitas aos Super
Pacs, mas ele não precisa mais se preocupar com isso. Eu já
consegui as confirmações de que precisava.
— Como?
Segundos de silêncio se passaram entre os dois. Suficientes
para eu desconfiar de que estavam falando baixo demais para eu
ouvir, no entanto, Liam exclamou:
— Você pediu um favor ao seu tio?! Mas que porra, Chuck!
Aquele filho da puta pode te encrencar e… — Suas palavras foram
cortadas pelas furiosas do amigo:
— Eu achei que estava ajudando você, caralho! Para de
reclamar! Agora temos provas contra Alexander! Eu posso lidar com
a cobrança de uma merda de favor mais tarde. Já estava pensando
mesmo em voltar para Nova Iorque. Cansei de viver seguindo as
ordens do meu pai.
— Eu me viraria sozinho. Não precisava ter feito isso.
Chuck riu, mas soou seco demais mesmo com a risada
abafada pela porta.
— E deixar você perder para aquele filho da puta? Nem
fodendo… Não adianta pensar em nada disso agora, irmão. Está
feito. Agora basta você conseguir o registro de gastos e
transferências do Grupo. Os valores são altos, não será difícil
encontrar a evidência que precisa para provar o desvio do dinheiro.
O silêncio voltou a reinar. Ou pelo menos assim pareceu.
Talvez eles só tivessem parado de erguer a voz.
Encarei a porta por mais alguns segundos, minha mente
retornando às palavras dos dois. A maior parte delas confusa
demais para eu conseguir compreender algo além de que Alexander
estava roubando a empresa e que Chuck havia conseguido provas
disso.
E sobre Sarah. O noivado. Sobre Liam ter realmente se
apaixonado por ela. E ficado no fundo do poço com o término dos
dois. Com a suposta traição dela e do pai dela.
Blake havia me falado algo sobre isso, não tinha? Meses
atrás, no piquenique?
Nada disso devia me incomodar, mas incomodava.
Depois de ser levada ao quarto, pedi que avisassem aos dois
que eu estava sem fome e preferia descansar. Então me enfiei
debaixo do chuveiro para um banho longo, que me deu tempo
suficiente para refletir.
Em algum momento, compreendi que o que me incomodava
não era apenas saber que Liam havia se apaixonado por Sarah. Era
a certeza de que, apesar de tudo, o que ele tinha sentido e desejado
com ela fora real. Ao menos da parte dele.
E por mais que eu tivesse ignorado minhas incertezas sobre
o que estávamos fazendo com esse casamento nos últimos dias, e
o que estávamos sentindo, eu não consegui ignorar nenhuma delas
agora. Nada além do contrato que assinamos representava uma
certeza entre nós. Não era estúpido demais eu estar me agarrando
a algo assim? Sem definições? Sem nenhum tipo de segurança ou
certeza?
Ele queria mesmo algo além do casamento de mentira? Tinha
dito que eu era sua mulher, não tinha? E eu, eu queria que
tivéssemos mais do que aquela farsa diante de todos? Eu estava
pronta para isso, meu Deus?
Passei horas remoendo aqueles pensamentos e acabei não
estranhando a demora de Liam para vir ao quarto. Quando o ouvi rir
alto e grunhir um palavrão para Chuck do outro lado da porta, olhei
para o relógio na mesa de cabeceira e vi que se passava de meia-
noite.
— Você nunca vai superar aquela Barbie Russa, não é? —
Liam perguntou, num tom de provocação. As palavras saíram altas
e enroladas, como se pesassem em sua língua. — Ela socou essa
sua cara arrogante e atingiu seu coração de gelo.
— Vá se foder, seu filho da puta — o alemão resmungou, a
voz soando meio arrastada. Estavam bêbados. Os dois. Com
certeza. — Se acha que eu vou ser um pau-mandado como você,
está enganado, viu? Isso nunca vai acontecer.
Liam riu.
— Diga o que quiser, mas eu vou dormir agarrado na minha
mulher enquanto você fica aí sozinho.
— Sua mulher uma ova. Esse casamento é uma mentira com
prazo de validade.
— Vá se foder! — foi a vez de Liam rosnar, ainda remexendo
na maçaneta da porta, como se não conseguisse acertar nem o
movimento para abri-la.
Levantei-me da cama com alguma dificuldade por já estar
aconchegada a ela por muito tempo e calcei as pantufas que havia
trazido, só então fui abrir a porta. Caldwell cambaleou para dentro
do quarto e precisei ajudá-lo para que não caísse.
— Bruxinha, você veio dormir sem mim, senti sua falta.
Chuck gargalhou.
— Bruxinha. Está mais pra sua dona… Aposto que se ela
mandar, você late, filho da puta.
— Cala a boca, Chuck — grunhiu, arrumando sua postura e
me puxando contra o seu peito. Então declarou, no que ele
obviamente acreditava que era um sussurro só para mim: — Se
você pedir, eu faço qualquer coisa, bruxinha.
As palavras me roubaram um sorriso tolo e o alemão
gargalhou ao ouvi-las. Seu corpo grande demais começou a se
afastar tropego, provavelmente indo para seu quarto.
— Boa noite aos pombinhos — foi a última coisa que ele
disse.
Fechei a porta com um chute e resmunguei ao sentir o cheiro
de álcool em Liam.
— Ah, meu Deus, Caldwell. Por que você bebeu assim?
Ele me apertou forte em seus braços e beijou o topo da
minha cabeça.
— Você ainda está brava comigo, hein? Não quero que fique
brava comigo, bruxinha. Não contei sobre a Sarah porque não
queria falar de como fui enganado… ou como ouvi aquela
desgraçada dizer que sentia nojo do meu toque… e odiava meus
cabelos e olhos… e tudo que eu era — murmurou, em sua voz
rouca e arrastada. As palavras saíram emboladas, uma sobre a
outra, mas não me atingiram menos profundamente por isso.
Cerrei os dentes, lembrando da sua “prima”.
Aquele projeto peçonhento de dama da alta sociedade…
— Mas não posso ficar sem tocar em você… — Liam
prosseguiu. — Eu gosto tanto de tocar em você, não, eu amo… não
poder te tocar é tortura… tor-tu-ra.
Sorri pelo jeito que ele repetiu a palavra, como se ela fosse
nova e fizesse um percurso engraçado em sua boca. Fiz meu
melhor para empurrá-lo até a cama e ele desabou sobre ela com os
pés para fora.
— Minha cabeça está girando, bruxinha — resmungou, se
remexendo como se seus membros pesassem muito mais que o
normal. O álcool tinha subido à sua cabeça.
— É porque você está bêbado.
— Eu não estou bêbado — declarou, entreabrindo os olhos e
erguendo as sobrancelhas, então o braço, com o indicador em riste
apontando para mim e para o vazio ao meu lado. — Por que tem
duas de você?
— Não tem duas de mim.
— Tem, sim. Duas Sophias bem gostosas na minha frente.
Caralho, eu estou sonhando, não estou?
Meneei a cabeça em negativa, desistindo de argumentar.
— Tire essa camisa, Caldwell. — Voltei minha atenção aos
seus sapatos.
Ele abriu um sorriso.
— Vamos fazer um ménage com a outra de você, bruxinha?
Humm… Não estou sonhando, acho que morri e fui para o paraíso.
Inclinei-me para tirar os sapatos dos seus pés e o deixei só
de meias por causa do frio.
— Você está falando muita besteira.
— Você vai me deixar te apresentar Hamburgo na minha
moto, não vai? A gente podia ir agora, mas acho que não consigo
me levantar. Amanhã nós vamos. Você vai inaugurar as garupas de
todas as minhas motos, bruxinha.
O capullo riu, como se tivesse dito algo muito engraçado,
mas o riso não demorou a esmorecer. Seus olhos fixaram em meu
pulso, nesse momento nu, sem a pulseira que ele havia me dado.
Eu a tirava para dormir todas as noites. No entanto, por algum
motivo, não a ver em mim pareceu incomodar Liam, pois o que
havia em seus olhos, quando me sentei ao seu lado e comecei a
abrir os botões da sua camisa, já estava longe de ser felicidade.
Ele desviou o olhar.
Apesar de ficar confusa, não o questionei, foquei em terminar
de abrir sua camisa e voltei minha atenção ao seu cinto e à
braguilha da calça. Liam costumava dormir apenas com a cueca.
— Será que consegue tirar a calça agora? — perguntei, ao
que ele respondeu fazendo movimentos incertos para se livrar da
peça. Precisei descer da cama novamente para ajudá-lo.
Quando retornei, ele já estava apenas com a boxer e me
puxou para os seus braços. Ao pressionar o rosto em seu peito,
encontrei apenas seu calor e o cheiro másculo de sua pele. Não
resisti a me agarrar ao seu corpo. Sentindo cada batida firme e
ritmada do seu coração. Como se tudo o que eu precisava durante
as últimas horas de conflito interno agora estivesse ao meu alcance.
Ele inspirou fundo em meus cabelos.
— Você me magoou hoje, bruxinha — sussurrou.
— Eu? Quando?
— Casamento de mentira.
Hesitei.
— Caldwell…
— Eu sei que você quer acreditar nisso, que talvez seja mais
fácil — prosseguiu, ainda daquele jeito arrastado. — E eu entendo
que com o histórico de homens filhos da puta que passaram pela
sua vida seja mais seguro para você pensar assim, sabe? Pelo
menos enquanto se acostuma ao que temos… e-e a confiar em
mim…
Um nó pequenino se formou em minha garganta.
— Eu posso esperar seu tempo, bruxinha… estou tentando
não sufocar você, tá? — Ele voltou a beijar o topo da minha cabeça.
— Mas não diz que esse ainda é um casamento de mentira quando
nós dois sabemos que não é.
— Não é? — repeti, num fio de voz que parecia tudo menos a
minha.
— Não… pra mim nunca foi, bruxinha.
— Caldwell… — tentei outra vez, mas o embargo em minha
garganta não me permitiu concluir.
— Eu queria a cerimônia, sabia? Queria você entrando na
igreja com a porra de um vestido branco… Queria a festa em que eu
poderia esfregar na cara de toda a cidade que estava com uma
mulher incrível como você… eu queria tudo. E nem sei quando
comecei a desejar isso, mas eu desejava… eu desejo. — Lágrimas
queimaram em meus olhos e os cerrei com ainda mais força, numa
tentativa inútil de espantá-las. — Mas você fugiria, então eu aceitei o
seu jeito. O seu tempo.
Liam bocejou e repetiu seu ritual noturno das noites em que
dormíamos juntos: enfiou uma das mãos sob o que eu vestia e
apertou minha cintura, acariciando e massageando a carne macia
nela.
Sua respiração assumiu um ritmo mais lento, tranquilo. Ele
estava perto de adormecer.
— Eu não quis magoar você — confessei.
— Sei que não.
— Me desculpe.
— Tudo bem.
Deslizei uma mão suavemente pelos músculos definidos de
suas costas.
— É isso o que você quer para nós? — perguntei. — Um
casamento?
Ele não hesitou em responder, mas já parecia vagar entre a
consciência e a inconsciência quando o fez.
— Quero saber que você confia em mim… o bastante para
querer isso. — Seu peito inflou com uma respiração mais profunda.
— Para aceitar que eu seja o único homem a subir num altar com
você, bruxinha.
Meus olhos voltaram a pinicar com as lágrimas, como se
brasas tivessem sido colocadas sob as pálpebras cerradas, mas
ainda me esforcei para erguer o rosto do seu peito e encará-lo.
Observar seu rosto bonito e sereno, os cabelos lisos desgrenhados,
de modo que não resisti a afagá-los.
Na mesa de cabeceira do seu lado da cama, vi a pulseira que
ele havia me dado. Eu quis pegá-la, mas à primeira tentativa de me
afastar dos seus braços para isso, Liam resmungou e me segurou
mais forte. Cedi e me inclinei apenas para beijar seus lábios.
— Caldwell?
Ele demorou a responder, mas o fez.
— Hum?
— O que está escrito na pulseira que você me deu?
— Você fugiria se soubesse, bruxinha.
— Isso quer dizer que não vai me dizer? Nunca?
— Só quando você estiver pronta… e eu… — Ele voltou a
bocejar, cada vez mais entregue ao sono —… eu vou esperar por
isso.
Eu não soube o que dizer em resposta e acabei apenas
voltando a me aconchegar em seu peito, para sentir as batidas
regulares do seu coração e me permitir relembrar esses poucos
minutos de conversa. Aceitar o conforto que suas palavras me
traziam, as certezas que elas implantavam para substituir as
inseguranças. Os medos.
Não duvidei de Liam. De que ele me esperaria e respeitaria o
meu tempo.
E mais do que me fazer sentir aliviada, não ter dúvidas me
fez sentir segura.
Acho que pela primeira vez em minha vida.
VINTE E OITO
LIAM CALDWELL

— Alfredo — grunhi.
Estreitei os olhos para o gato maldito de Sophia. Os orbes
petulantes dele me encontraram conforme sua pata acariciava sem
pressa o pelo sedoso de Hefesto.
Meu Dobermann.
Meu filho de quatro patas.
Meu garoto grande e feroz que costumava assustar os
desavisados que cruzavam seu caminho.
Ele estava agora servindo de almofada para a porra daquele
gato.
Fazia dois dias que Sophia e eu havíamos voltado da
Alemanha. Dois dias que eles estavam juntos no meu apartamento.
Eu não tinha ideia de que merda tinham feito com eles no hotel em
que os colocamos para serem treinados e acostumados à presença
um do outro, mas eu esperava tudo, menos ver meu amigão assim,
vencido, aceitando a derrota de ter esse felino dos infernos o
dominando desse jeito.
Grunhi ao me aproximar dos dois, empurrando para fora dos
pés o sapato que usara nas últimas horas na empresa, para minha
reunião com o Conselho, e calçando os chinelos que usava em
casa.
Ajoelhei-me no chão, mais perto de Hefesto que do gato,
porque apesar de os dois não estarem tentando se matar agora, eu
não confiava nesse bichano. Não fazia vinte e quatro horas que ele
tinha me arranhado. Dentro da porra da minha casa.
— Vamos, amigão — chamei, estendendo uma mão para
acariciar suas orelhas, ele reagiu movendo a cabeça para seguir
meu carinho, o rabo agitado, feliz. — Você precisa reagir, não pode
deixar esse gato maldito vencer assim. Precisa se impor, garoto.
Um miado de alerta soou pela sala ampla e levou meu olhar
apertado para o tal Alfredo.
— Fica na sua — mandei, mas só consegui fazê-lo avançar
com a pata para estapear a mão que eu usava para afagar o pelo de
Hefesto, como se me mandasse soltá-lo. — Essa ainda é minha
casa, porra! E esse é o meu cachorro!
Alfredo miou em discordância e mostrou as unhas afiadas,
num alerta silencioso.
Semicerrei os olhos e cheguei a abrir a boca para desafiá-lo a
cravar aquelas garras em mim de novo, mas uma gargalhada
explodiu às minhas costas, enchendo o apartamento, e levou minha
atenção para o patamar da escada, onde Sophia estava nos
observando.
— O que é isso, Caldwell?
Grunhi.
— Esse seu gato maldito — rosnei, voltando a encará-lo, bem
a tempo de ver Hefesto se erguendo para correr até Sophia
abanando o rabo. Como fazia desde que a tinha conhecido e
aprovado seu cheiro depois de longos instantes de investigação
minuciosa. O que era inédito em se tratando dele.
A bruxinha sorriu para ele e se inclinou para afagá-lo.
— Ele é um gato, Caldwell, não vai entender seu surto —
avisou.
— Duvido. Esse gato não é normal — argumentei,
direcionando um olhar de esguelha para Alfredo, que se levantou
em suas quatro patas e me deu as costas, empinando o focinho
com a cara entediada de sempre.
Sophia riu e terminou de descer o lance de escadas com
Hefesto em seu encalço, só então notei que tudo o que ela vestia
era uma das minhas camisas brancas.
— Você está bem? — perguntei, alcançando-a para puxá-la
contra o meu corpo. Envolvi sua cintura e pressionei um beijo em
seus lábios. Sophia emitiu um som baixinho, e uniu as pernas antes
de também me rodear com os braços e recostar seu queixo ao meu
peito, para manter nossa proximidade e ainda assim me encarar.
Muito mais do que confortável com esse tipo de contato entre nós,
ela se mostrava receptiva. Entregue.
E eu estava adorando isso, porra.
Sinceramente, não entendia o que havia acontecido na nossa
viagem à Alemanha para deixá-la assim, para falar a verdade eu
sequer lembrava direito do que acontecera na noite que chegamos
lá, mas eu sentia Sophia diferente. E decidi aproveitar cada segundo
dessa mudança em vez de perder tempo tentando entender o que a
havia motivado.
Chuck tinha dito que eu provavelmente havia implorado
perdão de joelhos para ela enquanto estava bêbado e, apesar de tê-
lo mandado ir se foder quando me disse isso, eu não duvidava de
que te tivesse feito uma merda dessas. Ficava muito piegas quando
bebia demais.
— O motorista conseguiu pegar tudo? — indaguei. Sophia
tinha recebido coisas relacionadas ao seu blog no seu endereço
antigo e insisti que deixasse o motorista ir buscá-las. Não queria que
ela fosse sozinha até lá. O bastardo do seu ex podia não estar
conseguindo falar com ela, já que ela havia mudado de telefone e
número após perder o antigo, mas os seguranças que eu havia
colocado na ONG tinham relatado a presença do filho da puta nos
dias em que estávamos viajando. Fui atrás dele pela manhã, na
porra do hospital em que trabalhava, só para descobrir que ele tinha
ido a um congresso fora do estado.
— Sim. Consegui até preparar vídeos e conteúdos
relacionados a boa parte deles, só faltam os… — ela se
interrompeu, como se estivesse prestes a dizer algo que não devia,
então pressionou os lábios para minar um sorriso. Estreitei os olhos,
desconfiado.
— Sophia…
A pequena bruxa meneou a cabeça em negativa, se
recusando a me responder antes mesmo de ouvir meu
questionamento.
— Como foi a reunião? — perguntou, e essas palavras
conseguiram mudar o meu foco imediatamente.
— Vetaram minha candidatura à cadeira de presidente do
Conselho. Perdi também o direito ao voto na próxima eleição,
porque suspenderam minha participação nas assembleias pelos
próximos dois meses e…
Suas sobrancelhas se ergueram.
— Deixaram claro que esse foi o segundo cartão de aviso
que recebi por deixar as minhas relações pessoais afetarem a
empresa, no próximo serei exonerado do meu cargo no Conselho.
— Expirei lentamente, exausto dessa merda, mesmo quando
tentava acreditar que conseguiria reverter essa situação. — Não fui
expulso, mas é como se tivesse sido. Ao menos até o próximo
presidente ser eleito.
— Pelo menos Alexander não conseguiu te expulsar
definitivamente — lembrou. — Você conseguiu os registros
financeiros da empresa?
Acenei.
Eu havia contado à Sophia sobre as minhas desconfianças e
as de Blake, de que aquele filho da puta estava tentando me
arrancar à força do Conselho para que eu não representasse mais
um risco às suas ações duvidosas na empresa, em especial aos
desvios de dinheiro que eu estava investigando.
— Fiz isso hoje. Chuck me recomendou um contador que
analisará tudo para detectar algum tipo de erro, incongruência ou
registro suspeito nos últimos doze meses. Já encaminhei os dados.
Agora é aguardar.
Foi sua vez de acenar e se erguer nas pontas dos pés para
beijar meus lábios.
— Ele vai encontrar o que precisa — sussurrou. Concordei
com um meneio de cabeça e retribuí seu beijo, provocando-a.
Agarrei sua cintura um pouco mais forte, para prendê-la a mim e
sustentar aquela posição. Sophia deixou escapar outro som
baixinho, como se meu movimento tivesse mexido com algo
sensível demais. Ela cerrou os olhos por alguns instantes, só então
prosseguiu, mais baixo: — Você vai conseguir colocar aquele hijo de
puta atrás das grades e…
— Não quero falar sobre esse desgraçado, bruxinha…
Ela não retrucou, apenas aceitou meu pedido e me beijou,
sua língua veio ávida tocar a minha, seu gosto inundou minha boca
e fez a porra do meu corpo inteiro vibrar, cheio de saudade depois
de um dia inteiro sem beijá-la.
Enfiei uma das mãos em seus cabelos e agarrei sua bunda
com a outra, apertando a polpa macia, do jeito que lhe roubava a
força das pernas e nesse momento a fez também se esfregar em
mim.
— Você está sem calcinha, porra — grunhi, erguendo a
camisa que era tudo o que cobria seu corpo gostoso.
— Não estou, não — emitiu, sem abandonar meus lábios. Ela
sorriu, ambas as mãos alcançando minha nuca e se embrenhando
em meus cabelos. Deslizei a mão pelas suas nádegas grandes e
nuas, demorei a localizar o elástico fino no topo, enfiado entre elas.
Um som grave e rouco me escapou.
— Você vai me matar, bruxinha — declarei.
Sophia riu em minha boca.
— Acho que você vai gostar ainda mais da parte da frente —
instigou e minha primeira reação foi mergulhar minha mão entre
suas pernas.
— Caralho… — Meu pau latejou. Meus dedos escorregaram
entre a umidade viscosa da sua boceta e o anel de pérolas que
contornava sua entrada. — O que é…
Sophia arfou quando a esfreguei. O atrito das pérolas no seu
clitóris e lábios vaginais a fez gemer, separar as pernas um pouco
mais para mim.
— Calcinha tailandesa… e muito lubrificante.
Hefesto latiu, se agitando, provavelmente sem entender o
que acontecia e estranhando os sons que a bruxinha estava
emitindo, mas só me importei de verdade com isso quando ouvi a
porra do miado de alerta daquele gato maldito. Um olhar para a
direção do som e vi que ele estava de pé, numa posição de ataque
mesmo com todos os metros que nos distanciavam.
Mas que porra…
Interrompi a carícia e Sophia reclamou.
— Vamos pro nosso quarto. Quero ver isso melhor —
sussurrei.
Nem lhe dei tempo de responder, só a peguei em meu colo e
subi as escadas sem nem ver se éramos seguidos.
— Preparei uma surpresa, Caldwell — sussurrou, pertinho do
meu ouvido. Num tom manhoso que era só meu.
— Surpresa?
Sophia assentiu e mordeu o lóbulo da minha orelha.
— Você me pediu para trazer alguns vibradores, lembra?
Um grunhido abandonou meu peito e me apressei para
chegar à porta do nosso quarto. Um instante depois eu a empurrei
com o pé para fechá-la às nossas costas.
— No banheiro — Sophia pediu e a levei para lá.
O cheiro dos sais de banho me atingiu antes da visão das
velas acesas, que estavam bem-posicionadas para criar um
ambiente aconchegante e ao mesmo tempo sensual. Para
completar, a banheira estava cheia, com espuma quase
transbordando, e havia uma caixa preta misteriosa pousada sobre a
borda de mármore dela.
— Bruxinha… — emiti, ainda deslumbrado, sem na verdade
saber o que dizer.
Sophia beijou minha boca.
— Me coloca no chão.
Obedeci ao seu pedido e continuei observando tudo aquilo
enquanto ela se livrava das minhas roupas.
— Estamos comemorando alguma coisa? — indaguei, sem
entender o que tudo aquilo significava.
Ela meneou a cabeça em negativa.
Ajudei-a a tirar o que ainda restava das minhas roupas.
— Vá para a banheira — mandou, tão logo me viu nu e duro
como o inferno.
Não hesitei em seguir sua ordem, mas também não tirei
meus olhos de Sophia conforme o fazia. Ela prendeu os próprios
cabelos num rabo de cavalo longo, colocou uma música baixa e
sexy para tocar no seu celular e se aproximou desabotoando a
camisa branca que vestia, revelando aos poucos cada curva
deliciosa do seu corpo. Da pele sedosa que eu adorava beijar e
morder.
Eu já estava praticamente hipnotizado quando a calcinha
vermelha surgiu. O pedaço de renda transparente que me deixava
ver sua boceta me fez babar e latejar sob a água quente da
banheira. Meu pau chegou a inchar, porra.
Acompanhei sua aproximação como um animal sedento
prestes a avançar numa presa, a respiração pesada e as mãos
coçando para tocá-la. Mas em vez de vir até mim, ela se acomodou
sobre a borda de mármore da banheira, no lado oposto ao meu,
seus seios cheios e pesados subindo e descendo com o movimento
do seu peito a cada respiração. Eu quis afundar o rosto entre eles e
chupar os dois, prender a carne macia entre os lábios, então nos
dentes e…
— Bruxinha… — chamei, sem fôlego, ao vê-la separar as
coxas para me dar a visão do meu paraíso particular.
O anel de pérolas se esticou e friccionou sua boceta
molhada, pareceu tocar um ponto particularmente sensível, porque
Sophia deixou escapar um som baixinho de prazer.
— Você disse que queria saber o que meus vibradores
podem fazer por mim, lembra? — indagou.
Só consegui acenar em resposta, preso à imagem da sua
boceta, salivando para chupá-la. Nem me importava se Sophia
havia passado lubrificante em si mesma por causa das pérolas, eu
me certificaria de deixá-la molhada até ser capaz de sentir apenas o
seu gosto.
No entanto, um som me desviou do meu objetivo. Um zumbir
sutil e contínuo soou baixo, mas era característico. Eu sequer
precisei ver direito o que ela segurava para ter certeza de que era
um vibrador. Logo eu acompanhava ávido o percurso que Sophia
esboçava com ele, desde os seus mamilos durinhos até o vale entre
seios, numa descida lenta por sua barriga, passando pelo triângulo
de renda da calcinha até…
Um grunhido animalesco abandonou meu peito.
Sophia se apoiou sobre uma mão, no mármore às suas
costas, e ampliou ainda mais a abertura das pernas, seu corpo
inteiro deu um tranco suave no instante em que o vibrador tocou seu
clitóris, sua respiração se alterou, ela prendeu os lábios entre os
dentes e gemeu baixinho. Demorei a perceber que aquele não era
um simples vibrador, era um sugador de clitóris, um potente o
bastante para fazer Sophia se contrair em segundos.
E eu estava perto o suficiente para ver sua entrada úmida,
mas não para tocá-la.
— Me deixa chupar você — pedi.
— Não.
— Lamber?
Ela sorriu e acho que teria insistido numa negativa, mas a
tentativa se transformou num gemido que a fez proferir umas frases
incompreensíveis em espanhol.
— Bruxinha…
— Eu passei meses sem conseguir gozar por sua causa,
sabia? — provocou, bem baixinho, rouca pelo prazer. Olhos
embevecidos conectados aos meus. — Eu te odiava tanto por
isso… por me fazer gozar só quando sonhava com você, Caldwell.
— Porra, Sophia. — Agarrei meu próprio pau com força, ele
já estava endurecido e inchado de um jeito quase sufocante sob a
água ainda quente da banheira.
— Esse é o meu vibrador preferido, sempre gozo rápido com
ele, mas por sua causa, ele não me deixa mais satisfeita… porque
sempre quero seu pau.
Gemi só de ouvir isso e me remexi, ensaiando o movimento
que me permitiria me aproximar de Sophia, mas ela me impediu.
Meneou a cabeça em negativa, as pernas ameaçando se fechar
com a intensidade do que sentia.
— Deixei um presente pra você — avisou, indicando a caixa
preta na borda ao meu lado. — Coloca ele…
— Sophia…
— Coloca logo, Caldwell… eu preciso gozar…, mas quero o
seu pau em mim quando fizer isso.
Grunhi, também estava louco por isso. Abri a porra da caixa e
peguei o que havia dentro dela sem nem entender o que era.
Voltei meu olhar confuso para a bruxinha, que agora tinha um
sorriso nos lábios.
— É um anel peniano com vibrador — informou, seu corpo
gostoso começando a se contorcer com os espasmos que ela
tentava controlar. — É à prova d’água. Coloca pra mim…
— Sophia…
— Por favor… — choramingou, a cabeça pendendo para trás
com o movimento abrupto das suas pernas se fechando
involuntariamente. Água respingou em nosso entorno, mas ela não
afastou o vibrador, seguiu torturando a si mesma bem diante de
mim. A boceta pingando, encharcando as pérolas da calcinha, para
minha apreciação. Eu quis tanto chupá-la. Tanto. — Por favor…
Ela estava implorando, porra. Minha mulher estava
implorando.
— Vem me ajudar, bruxinha — pedi, louco para tê-la mais
perto.
E ela veio. Ofegante e derramando mais água banheira afora,
abandonou a merda do sugador de clitóris e veio até mim, trêmula,
mas com determinação para conseguir sentar em meu colo e tomar
o anel de mim.
— Puta merda — gemi. Meu mundo girou com a onda de
prazer que me engoliu no momento que Sophia agarrou meu pau e
colocou a porra do anel apertado nele, o deslizando até a base. A
peça pequena conectada a ele ficou voltada para cima, e apesar da
estranheza que havia em sentir aquele anel de silicone me
apertando, havia também um tipo novo e diferente de prazer
envolvido. Um que só aumentou quando minha mulher se ergueu
sobre os próprios joelhos e me encaixou em sua entrada. Sua
boceta se contraiu com força, tamanha a sua sensibilidade agora.
Mas ela não desistiu, nem calou os próprios gemidos conforme
descia sobre o meu pau.
O anel de pérolas também me envolveu e a pressão diferente
que ele exerceu sobre mim me cegou. O prazer que eu já sentia se
potencializou. Para completar, Sophia estava quente e molhada, tão
sensível que palpitava à minha volta e gemia a cada centímetro que
descia.
Ela precisou buscar apoio em meus ombros e choramingou
em meus lábios, nossas respirações tão alteradas que mal
conseguíamos emitir qualquer palavra.
Agarrei sua bunda com ambas as mãos e afundei os dedos
na carne macia ao guiá-la para rebolar. O anel me apertou forte, sua
boceta também e as pérolas friccionaram nossas peles de um jeito
que me deu certeza de que eu enlouqueceria.
Sophia se inclinou sobre mim e a mudança sutil foi suficiente
para ela esfregar o clitóris e a base do meu pau com duas pérolas.
Seu corpo teve um espasmo intenso, mas não a deixei parar, guiei
seus movimentos até ela conseguir assumir o controle sobre eles e
cavalgar com a habilidade que só ela tinha.
A água se agitou entre nós, ondulando e transbordando em
nosso entorno.
Aproveitei para agarrar seus cabelos e trazer sua boca para a
minha.
— Gostosa… — Mordi seus lábios, o cantinho deles, seu
queixo. — Minha…
— Sua.
A palavra me acertou como um golpe inesperado.
Reverberou em meu peito e foi mais do que suficiente para fazer
meu coração e mente colapsarem.
Paralisei.
— Bruxinha… — chamei, sem ter certeza de que ouvira bem,
desejando mais que tudo que ela confirmasse o que havia dito. — O
que você…
— Sua, Caldwell… — repetiu, mesmo ofegante. — Eu disse
que sou sua.
— Minha — rugi. Intensifiquei o aperto em seus cabelos e a
puxei para mais perto, seus seios pressionaram meu peito. — E
eu…
Ela parou de se mover e isso por si só foi suficiente para eu
calar a boca.
— Você é meu, Caldwell… — afirmou, mordiscando meu
lábio inferior e contraindo os músculos da boceta até me apertar
com força. Dor e prazer dispararam através do meu corpo e só se
intensificaram a cada palavra que Sophia disse em seguida. — Meu
cão raivoso… meu marido… meu homem.
Seus lábios encontraram os meus.
Foi minha vez de sorrir, como um idiota, completamente
arrebatado por essa mulher, sem nenhuma chance de volta.
— Seu, bruxinha… todo seu.
Ela me beijou. Me beijou como se quisesse me mostrar que
aquilo era sério, que sua entrega era real… assim como suas
palavras, o que ela queria e a chance que estava nos dando.
E eu me agarrei a ela, fiz isso como um desesperado. Um
náufrago com um bote salva-vidas.
Sophia era minha… e queria ser minha, porra.
Sem acabar com o beijo, a bruxinha voltou a se erguer sobre
os joelhos e enfiou uma das mãos entre nossos corpos para ligar o
vibrador do anel peniano. Gememos juntos com a onda de prazer
que percorreu nossos corpos e os sons foram abafados pelos
nossos beijos, pelo barulho da água se movendo a cada impulso
que fazíamos juntos para buscar mais conexão um com o outro.
A porra daquela vibração não demorou a nos levar ao limite
e, quando Sophia esfregou seu clitóris no vibrador, sua boceta se
perdeu em espasmos. Seu corpo se contraiu sobre o meu e meu
nome escapou dos seus lábios em um grito que ecoou nos quatro
cantos daquele cômodo.
Eu nem tentei me controlar, gozei duro, beijando a boca que
era minha. Segurando o corpo gostoso que era só meu.
A mulher incrível que era toda minha.
VINTE E NOVE
SOPHIA GARCÍA

Um gritinho de felicidade zumbiu em meus ouvidos quando a


porta do apartamento de nonna foi aberta e meus olhos
encontraram a irmãzinha de Emma com um sorriso enorme, um
chapéu de chef e o rostinho sujo de trigo.
— Oi, Sophs! — Seus olhinhos se arregalaram e brilharam
quando viu Liam às minhas costas. — Aaaah, Liam!
Foi impossível não sorrir quando ela veio até nós, para nos
abraçar. Liam riu, a ergueu nos braços enquanto entrávamos e
fechou a porta às nossas costas.
— Como você está, gatinha? — ele perguntou. Acabei rindo
ao ver como Emy corou e riu ao ouvi-lo chamando-a assim.
— Eu estou bem!
— Onde estão todos, meu amor? — perguntei, estranhando o
silêncio no apartamento.
Liam e eu tínhamos nos atrasado uns vinte minutos do
horário combinado para ajudar a nonna com o jantar de aniversário
dela — já que ela insistia em cozinhar tudo.
— A nonna pediu que fossem lá para o terraço arrumar a
mesa. O tio Maverick, o Bruce e o Blake estão arrumando a
churrasqueira. O Chuck disse que ia reparar as bebidas.
Liam riu.
— Aquele filho da puta é um maldito preguiçoso. Reparar as
bebidas.
Estapeei seu braço para chamar sua atenção para mim.
— Cuidado com as palavras na frente da menina! — sibilei, o
que o fez arregalar os olhos, percebendo tarde demais o que tinha
dito. — A Liz estava certa quando disse que teríamos que treinar
você pra controlar essa boca suja.
Emy riu.
— A nonna tá na cozinha — ela avisou, por fim.
Liam parecia já conhecer a casa, então apenas o segui, no
entanto, paramos antes de alcançar a porta da cozinha quando
Emma surgiu dela equilibrando duas travessas de vidro e sorriu ao
me ver.
— Sophs!
— Em!
Retribuí o sorriso e me inclinei ao seu lado para
cumprimentá-la com um beijo no rosto. Estava gostando cada vez
mais dela.
— Tudo bem, amiga?
Ela acenou e indicou a porta às suas costas.
— A nonna está aí com a senhora Caldwell.
— Ela me disse que viria.
Desde o nosso almoço de mulheres na semana passada,
quando nonna conhecera a mãe de Liz e Liam, ela insistira horrores
que a senhora Caldwell viesse para seu almoço de aniversário e
minha amiga se certificara de que ela estivesse aqui.
O sorriso que Emma ostentava esmoreceu no momento que
seus olhos encontraram Liam, que a cumprimentou com um aceno.
— Emma.
— Caldwell.
Intercalei meu olhar entre os dois. O tom seco dela foi o
mesmo de meses atrás, no piquenique, mas o de Liam havia
mudado. E mesmo que eu não soubesse denominar a mudança
nele, estava atenta o bastante para notar o seu desconforto diante
da mulher do seu amigo.
Eu não gostava do fato de que Liam tinha sido um filho da
puta com Emma. Nós duas estávamos desenvolvendo uma boa
amizade e eu não queria que sua relação ruim com meu capullo
fosse uma sombra entre nós, tampouco que Liam tivesse uma
relação ruim com uma das minhas amigas.
Teria que conversar com ele sobre isso.
— Eu preciso levar isso lá para cima e ajudar a Liz e a Amélie
a arrumarem tudo.
— Amélie está aqui?! — exclamei, surpresa.
Emma sorriu e assentiu.
— Eu não a conhecia, mas é óbvio que ela é muito especial,
os olhos da nonna brilharam como eu nunca vi quando ela chegou.
Sorri, feliz por isso. Nonna merecia ter com ela todos que
amava. Era seu dia especial.
— Eu preciso ir. Nos vemos no terraço. Se comporte, Emy.
A menina concordou com um aceno sapeca e Emma se
afastou.
Quando entramos na cozinha, Liam colocou Emy no chão e
foi cumprimentar sua mãe, já eu, fui direto para nonna, que me
aguardava com um sorriso afetuoso e olhinhos brilhantes. E, óbvio,
vestindo cor-de-rosa.
— Feliz aniversário, nonna — sussurrei, apertando-a com
carinho em meus braços e depositando um beijo em seus cabelos.
Outras palavras se acumularam em minha garganta, junto da minha
vontade de proferi-las, de deixá-la saber que, naqueles poucos
meses, ela havia se tornado uma parte importante da minha vida,
com seu jeitinho, carinho e doçura, com sua preocupação maternal
e até conselhos, mas nada além daquelas três primeiras palavras
saiu.
Todas as outras ficaram presas em minha garganta e
continuaram assim quando nos afastamos. Meu coração pesou no
peito, me senti péssima por não conseguir lhe dizer o mínimo. Nem
um terço do que eu sentia.
— Obrigada, minha querida. — Ela estendeu a mão para
acariciar meu rosto. — Ter você aqui me faz muito feliz, sabia?
Assenti, sentindo meus olhos pinicarem. Eu sabia, sim, ela
não tinha reservas em deixar isso claro sempre que nos víamos.
Tentei, mas acho que não consegui retribuir seu sorriso sincero
também, ou fingir que não estava incomodada comigo mesma
agora.
O que eu sentia só piorou quando Liam envolveu a nonna em
seus braços e sussurrou não apenas suas felicitações, mas o
quanto era grato por tê-la em sua vida. O quanto a amava.
Como podia ser tão fácil para ele dizer coisas assim? Mesmo
sóbrio?
O bolo em minha garganta aumentou e decidi me afastar
para cumprimentar a senhora Caldwell, que me parecia um pouco
melhor que da última vez que a vi há alguns dias, depois de Liz e eu
a deixarmos algumas horas na brinquedoteca da ONG, para ler para
as crianças.
Eu acreditava de verdade que a ajudar a sair do quarto já era
um bom começo para que ela melhorasse. Após levá-la alguns dias
comigo para a ONG, concluí também que dar a ela motivos para sair
de casa por si mesma, para se cuidar e viver por si mesma, e não
apenas pelos filhos ou porque tinham lhe pedido, era outra coisa de
que ela precisava.
Ela fora esposa e era mãe, mas antes disso era mulher, e
acho que se esqueceu desse fato em algum momento. Mas eu me
esforçaria para ajudá-la a se lembrar.
— Como a senhora está? — perguntei após abraçá-la.
— Estou bem, querida.
Ela entrelaçou nossas mãos e acariciou meu rosto.
— Há algo diferente em você. Parece mais iluminada… feliz?
Não consegui ocultar o sorriso. Antes, essa pergunta teria me
deixado ansiosa, mas não agora, depois de perceber que ela torcia
por mim e por Liam.
— Feliz — confirmei.
Ela sorriu.
Um apito soou e levou sua atenção ao forno às suas costas.
— Os pãezinhos ficaram prontos, Elena — ela avisou para
nonna e as duas se uniram para pegar as formas e trocar
comentários sobre a aparência dos tais pães.
— Vou subir para ajudar os caras — Liam avisou, vindo até
mim para me beijar nos lábios e acariciar meu rosto por alguns
instantes. — Nos vemos lá em cima, bruxinha.
Assenti.
Fiquei na cozinha para auxiliar com o que ainda precisava ser
feito e, em poucos minutos, Emy me ajudava a montar as bruschette
enquanto me contava sobre seu mais novo dorama preferido — ela
era muito fã de doramas e queria me convencer a assistir um.
Cheguei a me surpreender com sua dicção e parei para encará-la
em alguns momentos, um pouco surpresa porque a menina tinha
nove anos, mas se comunicava como alguém de vinte. Emma já
havia comentado comigo que Emy tinha uma inteligência acima da
média, além de ter memória eidética, mas essa era a primeira vez
que eu conversava com ela por tanto tempo. E era nítido que a
menina adorava tudo relacionado à Coreia do Sul.
Talvez por isso não tenha lhe passado despercebido o
berloque na minha pulseira.
— Ah, meu Deus! Você também é fã do Rowoon?! —
exclamou, boquiaberta, olhinhos escuros brilhando quando se
ergueram para mim.
— O quê? — Hesitei.
Ela apontou para a minha pulseira.
— Rowoon. É o que está escrito na sua pulseira, não é? Eu
adoro tanto esse cantor. E ele também é um ator INCRÍVEL. Um
dos mais lindos e fofos da Coreia. Eu amo demaaaaais, sabe? Onde
você comprou esse pingente? Será que tem de outros idols?
Demorei a compreender suas palavras e ela franziu a testa
quando notou meu desentendimento.
— Eu… não conheço esse cantor — contei, erguendo meu
pulso para que ela pudesse ver minha pulseira melhor. — Esse é o
nome de outra pessoa que conheço. Foi um presente.
Ela sorriu, bem sapeca.
— Não me diga que é o do Liam, porque senão eu vou surtar
— cochichou, acariciando os quatro berloques encantada. Eu ri, ela
também, mas então girou a plaquinha com o nome dele e seus
olhos se arregalaram. — Ah, meu Deus! Ah, meu Deus! Ah, meu
Deusinho!
Nonna e a senhora Caldwell nos encararam do outro lado da
cozinha, sem entender o que estava fazendo Emy dar pulinhos de
emoção naquele momento. Eu apenas dei de ombros, porque
também não entendia.
— O que foi?
— É o nome do Liam, não é?!
Ela levou uma mão à boca, voltando a dar pulinhos, girando a
plaquinha com as palavras escritas em coreano.
— É claro que é, que pergunta boba a minha! — ela voltou a
rir — quem mais poderia dizer que ama você em coreano, né?
Meu coração parou.
A respiração travou.
— Ah, Sophs! Que lindo! Agora tudo faz sentido. — Ela
ergueu os berloques um por vez enquanto dizia: — O S, de Sophia,
o gatinho que você me disse que tem, o cãozinho que o Bruce me
disse que o Liam tem, e aqui o nome dele em coreano. É a família
de vocês.
Ela levou uma mão ao peito, emocionada. Sua voz saiu um
pouquinho rouca quando ela leu o que estava na plaquinha:
— Lee Rowoon ama você.
Eu a encarei boquiaberta. Não consegui fazer nada além
disso enquanto sentia meu peito subir e descer com as respirações
profundas que comecei a tomar, por necessidade de oxigênio para o
meu cérebro.
— Eu tenho um pôster escrito “saranghae” em coreano, mas
é por causa da música do Meer Nash, que eu amo, sabe? E nos
doramas, meu momento preferido é quando o mocinho diz
“saranghae”… Você é TÃO SORTUDA por ter um coreano pra te
dizer isso, Sophs… Agora vocês são meu casal preferido do mundo
todinho, mas não conta pra Emma, tá?
Ela continuou a falar animada, sorridente e tão emocionada
que não percebeu o que suas palavras tinham feito comigo. Tentei
disfarçar com um sorriso, tateando a cadeira mais próxima para me
sentar. Minhas pernas pareciam ter perdido a consistência. As
forças.
É a família de vocês.
Lee Rowoon ama você.
Meu coração parecia pronto para sair do peito. Minha mente
voltou a vagar para o momento que Liam me dera a pulseira. Então
para a noite em que estava bêbado, há mais de uma semana,
quando ele me disse que eu fugiria se soubesse o que estava
escrito nela. Que não estava pronta para descobrir isso.
O modo como meu coração martelava no peito me fez
acreditar na possibilidade de ele estar certo, mas talvez eu nunca
estivesse preparada para ouvir aquilo. Aquelas três palavras. Ditas
por aquele homem.
Meu homem.
Liam me dera aquela pulseira depois da nossa noite de
núpcias. Um dia após o nosso casamento que, naquela prefeitura,
eu repeti para mim mesma que era de mentira.
…pra mim nunca foi, bruxinha…
Um nó se instalou em minha garganta.
Liam me amava.
Ele me amava mesmo, meu Deus. Eu sentia que sim, não só
agora, mas… mas acho que há muito tempo. Talvez só tivesse
escolhido fechar os olhos para isso porque era mais fácil não ver,
não encarar os meus próprios sentimentos e descobrir o que eu
sentia…
Porque eu… e-eu também o amava. Eu amava aquele
homem. Só nunca soube o que faria se assumisse isso para mim
mesma.
E acho que eu ainda não sabia.
TRINTA
LIAM CALDWELL

A gargalhada estranha de Bradshaw ecoou pelo terraço após


ouvir uma das merdas de Chuck.
— Sabe quem mais eu ouvi jurar que nunca abriria mão da
solteirice? — indagou, com seus olhos provocadores procurando os
meus por sobre a garrafa de cerveja que ele segurava. Ele apontou
para mim com o garfo tridente que usava para mover a carne na
churrasqueira. — Aquele idiota ali.
Bruce riu. Com gosto. Como poucas vezes o víamos fazer.
— O que foi que ele disse meses atrás? — perguntou, em
seu sotaque britânico. — Que erámos frouxos? Que nunca se
permitiria cair numa armadilha de relacionamento?
— E agora ele mesmo se enfiou em uma — Blake completou,
com um sorriso de canto antes de tomar outro gole de cerveja.
— Eu nunca disse isso — menti, cínico. — Vocês estão
loucos.
Chuck se recostou ao parapeito e meneou a cabeça em
negativa, olhos estreitados intercalando entre nós.
— Mas nem fodendo que eu vou ser como vocês! —
exclamou, erguendo a voz, que ecoou no espaço aberto até a rua lá
embaixo, para quem quisesse ouvir. Então riu e apontou para Bruce:
— Um nerd que caiu de quatro pela melhor amiga e duvido que
tenha comido outra boceta além da dela — seu dedo foi para
Bradshaw —, um cafajeste que tomou um chá de boceta da irmã do
amigo e agora vai ser pai e marido… — Blake me impediu de
avançar naquele filho da puta por ouvi-lo falar assim da minha irmã.
O dedo de Chuck mirou em mim —, um masoquista que virou
cadela de uma latina que adora estapeá-lo…
Bradshaw explodiu em outra gargalhada. Bruce também.
Blake meneou a cabeça em negativa, mas não deixou de rir. Ao
longe, Liz, Emma e Amélie nos encararam, sem entender do que os
infelizes riam.
E eles não pararam, porra. Bradshaw riu tanto que seu corpo
parecia que ia se desmontar, ele precisou se apoiar ao parapeito
para não cair.
Eu grunhi, olhos semicerrados para o alemão que apenas
içou a sobrancelha debochada, me desafiando a negar.
— Vá se foder — mandei.
Chuck terminou sua bebida e aguardou que os filhos da puta
parassem de rir para voltar sua atenção ao Blake.
— E você, hein, Davenport? Certeza que também não
escapa… Acredito quando dizem que os certinhos e quietinhos são
os mais perigosos. Até onde sei, você foi o que mais teve
relacionamentos amorosos de nós cinco. Só se fechou nesse
quesito depois do intercâmbio que fez pra França na época da
faculdade. Teve a porra do coração partido por lá, não foi?
Encaramos nosso amigo, que se limitou a menear a cabeça
em negativa, enigmático.
Eu sabia que seu pai tinha tentado uni-lo a alguma mulher da
elite francesa, mas nunca conseguiu nem ganhar sua confiança. A
relação dos dois era péssima. Acho que Blake nunca o perdoaria
pelas agressões que vira sua mãe sofrer dele quando era pequeno,
nunca engoliria as tentativas do pai de se aproximar. Talvez porque
não conseguisse acreditar que o desgraçado tinha mudado.
— Blake sempre comeu quieto mesmo — Bradshaw
concordou, estreitando os olhos para o nosso advogado que
permanecia imperturbado pelas provocações. — Não duvido que
tenha comido mais que qualquer um de nós também.
Chuck riu e eu cheguei a sorrir, mas a porra do sorriso ficou
congelado em meus lábios. Uma dúvida passada retornou
inesperadamente, me acertando com força e fazendo meu sangue
esquentar.
Blake sempre comeu quieto… E nunca negou que tinha
transado com Sophia.
Com a minha mulher.
Voltei meu olhar dardejante para o desgraçado, pronto para
atirar a porra daquela pergunta para ele, e usar força se ele desse
uma de espertinho para evitar responder mais uma vez, mas nem
tive tempo de abrir a boca. Meu celular tocou em meu bolso e tomou
minha atenção quando meus amigos voltaram a gargalhar por
alguma droga de motivo que eu não entendia.
Peguei o celular do bolso e verifiquei a tela só para confirmar
que era Sarah me ligando. De novo. Aquela infeliz estava me
perturbando por todo o dia. Com mensagens e ligações, insistindo
que precisava falar comigo. Eu desconfiava de que queria falar
sobre as exigências que seu pai achava que podia fazer no
processo de agressão que abrira contra mim, mas Blake já havia me
orientado a não os responder. A deixar para resolvermos aquela
questão com o juiz.
Recusei a chamada e guardei o aparelho novamente.
— O que foi, irmão? — Chuck indagou, parando ao meu lado
para envolver meu ombro com o braço.
— Sarah está o dia todo enchendo a porra do meu saco —
resmunguei. Ele riu.
— Estou louco pra ver aquela infeliz como uma barata tonta
quando o paizinho dela for preso.
Um sorriso sarcástico se abriu em seus lábios.
— Não tenho certeza de que ela ficará triste quando isso
acontecer — contei. — Se ela for esperta, vai enxergar que ter o seu
pai preso significará estar livre dele.
Chuck deu de ombros.
— Que se foda. Eu preferia que ela fosse acusada e presa
junto com o pai, mas não encontramos nada que a incrimine, então
fico satisfeito em tirarmos tudo que aqueles infelizes têm e enviar
Alexander para a prisão. Por sorte, Blake é o melhor no que faz e
vai garantir que isso aconteça nos próximos dias.
Meneei a cabeça em negativa. Chuck era um filho da puta
vingativo. E implacável quando se falava em cobrar ofensas e
traições. Ao menos nisso, era parecido com seus familiares.
A porta do terraço foi aberta e mamãe surgiu com nonna,
Sophia e Emy, equilibrando uma série de travessas e bandejas com
ainda mais comida. Como se Amélie, Liz e Emma já não estivessem
arrumando a mesa extensa com mais comida do que provavelmente
seríamos capazes de comer.
Meus olhos encontraram os de Sophia mesmo à distância e
sua hesitação momentânea ao me ver acionou um alerta em minha
mente.
— Já volto, irmão — avisei a Chuck.
Abandonei minha cerveja na mesa em que tinha terminado
de preparar a carne e fui até Sophia, certo de que havia algo errado.
— O que houve, bruxinha? — perguntei, preocupado. Tirei o
peso das travessas da sua mão e caminhei ao seu lado para as
levarmos à mesa, observando-a, tentando entender o que poderia
ter acontecido, mas ela não me encarou.
— Não foi nada.
Abandonei a comida sobre a mesa e entrelacei minha mão à
de Sophia, levando-a comigo para atrás do caramanchão coberto
por flores e trepadeiras suficientes para nos ocultar. Era pouco mais
de sete da noite, mas ainda estava claro, o sol se poria depois das
nove.
— Me conte — pedi, atento ao seu rosto, lendo cada
mudança sutil nele. Cheguei a achar que precisaria insistir por mais
algum tempo, até que Sophia me daria alguma evasiva e se
afastaria, mas o que ela fez foi acabar com a distância entre nós e
me abraçar. Sua cabeça se aconchegou ao meu peito e a envolvi
também com meus braços.
— Caldwell?
— Sim?
— O que é o Dia da Prata? — Franzi a testa, sem entender
de onde ela tinha tirado essa pergunta. — Há duas semanas, você
disse que o Dia da Prata estava chegando, por isso me deu a
pulseira de prata, não foi? Mas nunca me explicou o que essa data
significa.
— Hum… A Coreia do Sul tem doze dias no ano com
significado para os casais, bruxinha. Um em cada mês. Tem Dia do
Beijo, do Abraço, da Rosa, do Vinho…. O Dia da Prata é um deles,
talvez o mais importante, mas foi uma desculpa. Eu só queria te dar
a pulseira. Queria que a tivesse sempre com você — assumi.
— Por quê? Você nem me disse o que está escrito nela.
Sorri, de um jeito provocador que ela não veria por causa da
nossa posição. Beijei o topo da sua cabeça e a apertei um pouco
mais forte enquanto inspirava o cheiro delicioso dos seus cabelos
negros.
— O fato de eu não dizer não muda o que está escrito, não
é? Ou o que essas palavras significam, bruxinha. Você não precisa
ouvi-las nem as entender para elas serem o que são. Para terem
significado. — Afastei-me o suficiente para pegar seu pulso e erguê-
lo entre nós, de modo que nós dois pudéssemos ver a joia, os
sentimentos que estavam gravados e imutáveis nela. Em mim. — E
eu não preciso dizê-las para você as ver. Elas estão aqui. Eu as
sinto e você também.
Seus olhos umedeceram, os lábios tremeram suavemente
antes de ela os apertar e inspirar fundo.
— Bruxinha… — chamei, preocupado.
Sophia se ergueu na ponta dos saltos e pressionou nossos
lábios. Eu ainda não entendia o que acontecia, mas ela não me deu
tempo de perguntar nada, apenas aprofundou o beijo, e eu retribuí,
porque não conseguiria negar. Suas mãos se enfiaram em meus
cabelos e os puxaram do jeito que só ela podia fazer, enquanto sua
língua explorava minha boca, e se entregava à minha em um beijo
lento, apaixonado. Novo se comparado a todos os outros que já
havíamos trocado.
Quando separou nossos lábios, ela não impôs qualquer
distância entre nós, deixou que eles se roçassem a cada respiração
e me segurou mais forte, a tensão se espalhando por seus
músculos não a impedindo de me manter perto.
— Caldwell?
— Sim?
— Eu… — Hesitou. Sua respiração falhou, a tensão em seu
corpo aumentou. — Eu a… — Ela não concluiu. As palavras
pareceram travar em sua garganta. Presas por um tipo de nó
invisível.
Beijei-a suavemente e tentei dissipar seu nervosismo com
uma provocação:
— É a primeira vez que vejo você perder as palavras assim,
sabia? — Pressionei nossos lábios em outro beijo. — Inarticulada
como se não fosse capaz de me xingar fluentemente em duas
línguas diferentes enquanto me estapeia… — Seus lábios se
contraíram num sorriso pequenino. — Se não te conhecesse, diria
que está tentando dizer que me ama.
Seu corpo congelou, mas não a deixei permanecer assim,
agarrei sua cintura e a prendi a mim, mordisquei seu lábio inferior.
— Mas como conheço, vou acreditar que sua dificuldade é
para implorar pelo meu beijo… nós dois sabemos que você ainda
não está acostumada a fazer isso, mas vai.
Ela estapeou meu peito.
— Caldwell… — sussurrou, e o que era para soar como um
alerta saiu como um chamado enquanto ela voltava a se agarrar a
mim. A tensão a abandonando.
— Não se preocupe, eu já disse que sou determinado. Logo
você também será fluente em implorar para ser beijada e comida.
Seu tapa foi mais forte desta vez.
— Você é um capullo mesmo.
— E você ama, bruxinha.
Ela me encarou em silêncio, e não negou. Não negou, porra.
Apenas manteve aqueles olhos negros, intensos e cintilantes,
conectados aos meus, como se quisesse me deixar ver coisas que
não seria capaz de colocar para fora de outra maneira. E acho que
eu vi. Por isso sorri feito um idiota e voltei a beijá-la.
No entanto, logo a voz de Bradshaw nos alcançou ali,
anunciando que o churrasco estava pronto. Isso foi suficiente para
Sophia acabar com nosso beijo.
— Precisamos voltar — lembrou. E tudo o que fiz foi acenar a
contragosto.
Estávamos retornando à mesa, onde todos já se
acomodavam e conversavam alto, quando Sophia parou de andar e
apertou minha mão para que eu fizesse o mesmo.
— Espera!
— O que foi?
Ela voltou um olhar para suas costas, mais especificamente
para onde Bruce e Emma estavam, rindo juntos.
Sophia pigarreou, limpando a garganta. Seu rosto assumiu
uma expressão diferente.
— Pode me dizer por que você e Emma são tão secos um
com o outro?
A pergunta me pegou de surpresa. Desviei o olhar do seu
para buscar Emma, aconchegada aos braços do meu amigo.
Precisei de alguns segundos para formular uma resposta. Não fazia
ideia de como Sophia reagiria ao que eu diria.
— Eu… fui um filho da puta com ela — assumi,
desconfortável. — Achei que ela tinha traído Bruce, fiquei puto e a
insultei, acusei de coisas que só descobri há pouco tempo que ela
nunca fez.
Sophia assentiu.
— E?
— E? Como e?
— Você fez merda, sabe que fez merda e sabe que ela não
merecia. E agora? Vai fazer o quê, Caldwell?
Minhas sobrancelhas se ergueram involuntariamente.
Sophia semicerrou os olhos, então meneou a cabeça em
negativa, como se nem acreditasse que precisava mesmo me dizer
o óbvio.
— Agora você pede perdão. E reza para ela conseguir te
perdoar.
— Sophia…
— É isso ou continuar com esse clima estranho entre vocês,
Caldwell. E só vai piorar, porque Emma e eu estamos nos tornando
amigas, nos aproximando, e não pretendo me afastar dela ou deixar
que suas merdas a afastem de mim, entendeu?
Expirei profundamente ao ouvir aquilo. Ela pousou as mãos
na cintura e ergueu o queixo, já parecia ter esquecido o que quer
que ocupava sua mente há poucos minutos.
— Prefere o clima estranho com a mulher de um dos seus
melhores amigos, mesmo ciente de que foi você que errou e é o
único que pode consertar isso?
— Não, Sophia, não prefiro, eu só… — ela me interrompeu e
voltou para os meus braços para beijar minha boca.
— Ótimo. Tome uma atitude — sussurrou, entre outro beijo.
E se afastou, me levando junto pela mão.
Nós nos acomodamos na mesa com Sophia à esquerda de
mamãe e Liz à direita. Como era habitual nos aniversários da
nonna, Bradshaw se ergueu para fazer o discurso e agradecê-la por
estar em nossas vidas.
Em meio a sorrisos e animação, cantamos os parabéns e
nonna apagou suas velas com o lembrete de Emy de fazer um
pedido.
Em pouco tempo, todos se serviam e comiam trocando
comentários e provocações ocasionais, como a grande família que
nos tornávamos.
Depois de uma hora, eu já tinha recusado duas chamadas de
Sarah, silenciado meu telefone e as palavras de Sophia ainda não
tinham saído da minha cabeça. Na verdade, pareciam martelar
como o lembrete de que eu estava postergando a droga de um
pedido de desculpas há tempo demais. E por qual motivo? Já tinha
assumido para mim mesmo a merda que havia feito com Emma.
Um gritinho de animação de Emy levou minha atenção aos
puffs em que ela estava com Amélie, se olhando num espelho rosa
após ser maquiada como uma princesa. Toda sorridente e boba
enquanto a madrasta de Blake a encarava fascinada, seus olhos
verdes brilhantes como eu não tinha visto em toda aquela noite em
que ela só parecera confortável com Sophia, Blake e nonna, que a
tratava como sua filha. O cansaço de estar chegando ao final de
outro tratamento era nítido em seu rosto, a fazia parecer mais velha
quando devia ter apenas uns dez anos a mais que Blake, mas sua
força era nítida. Estava ali para quem quisesse ver. E eu mal a
conhecia, mas a admirava por isso.
Minha atenção foi desviada por Emma, que se ergueu
avisando que buscaria mais suco. Segui-a com o olhar por um
momento, meu coração se agitando no peito, agoniado.
Troquei um olhar com Sophia, sentada no sofá rústico com
mamãe, trançando os cabelos dela enquanto as duas conversavam
com Liz, que estava deitada no colo de mamãe, acariciando seu
ventre de oito meses.
A bruxinha nem precisou dizer nada para eu compreender o
que dizia.
Agora ou nunca, Caldwell.
Tomei fôlego para o que faria e decidi que era melhor acabar
com aquilo de uma vez. O contrário significaria continuar com
aquela sensação incômoda sempre que encontrasse com Emma em
algum evento.
Saí da mesa em que estava com meus amigos e segui Emma
até o freezer que nonna tinha ali. Ela tinha acabado de fechar a
porta dele quando parei ao seu lado.
— Emma — iniciei nosso diálogo habitual.
— Caldwell — ela seguiu o roteiro, sem se dar o trabalho de
soar receptiva, também não ia esperar que eu dissesse mais nada,
porque agarrou as garrafinhas de suco e estava saindo pela
tangente quando a impedi, parando à sua frente.
Emma suspirou.
— Eu preciso falar com você — avisei, baixo, sentindo a nuca
pinicar e a orelha esquentar, certo de que havia olhares sobre nós
agora.
Ela içou uma sobrancelha, então pousou as garrafinhas sobre
o freezer e cruzou os braços, como se tentasse se proteger do que
quer que eu fosse dizer em seguida.
Eu não podia julgá-la por isso.
— Eu quero me desculpar — iniciei. — Por ter sido um filho
da puta com você… por ter te envergonhado na faculdade depois
que o Bruce foi embora… por te insultar, desprezar e desrespeitar
naquela época e quando te vi naquele parque no ano passado… —
A vergonha levou a maior sobre mim ali. Meu orgulho foi ao chão,
pisoteado pela consciência que se abatia sobre mim conforme
minhas palavras se transformavam num filme em minha mente e eu
me dava conta de que não merecia o seu perdão porra nenhuma. —
Por todas as coisas horríveis que disse pra você, por desconfiar de
você e não ter tentado ouvir seu lado da história. Por ter julgado
você e Bruce quando reataram.
Emma engoliu em seco, parecendo ter dificuldade de
absorver minhas palavras.
— Eu sinto muito, Emma — prossegui. — Não espero que
consiga me perdoar agora, mas espero que consiga fazer isso um
dia. Do fundo do coração.
Ela ainda não disse nada, não conseguiu fazer nada além de
me encarar e a agonia em meu peito aumentou por isso. Eu não
tinha ideia de como ela reagiria, mas seu completo silêncio não
passara pela minha cabeça. Tampouco o desconforto que eu sentia.
A vergonha de mim mesmo.
Emma certamente também relembrava tudo o que eu havia
lhe dito.
— Eu me arrependo do que fiz e sinto muito… de verdade —
concluí.
Ela engoliu em seco e acenou uma vez.
— Obrigada por me dizer isso — respondeu, após algum
tempo. — Não muda nada do que fez ou disse, mas acho que é o
começo de um encerramento para o que passou.
Assenti.
— Também espero ser capaz de te perdoar de coração um
dia, Caldwell — concluiu.
— Obrigado por ter ido ao Baile de Independência com o
Bruce. Sei que, mais do que qualquer um de nós, você tem motivos
para odiar o círculo social do qual fazemos parte.
Ela acenou.
— Fiz aquilo por Bruce… e pela Sophs. Não queria que ela
estivesse naquele lugar sem apoio.
— De qualquer forma, obrigado.
Emma voltou a acenar e me encarou em silêncio por alguns
instantes, talvez me lendo, talvez buscando razões para duvidar da
minha sinceridade. Eu não fazia ideia, mas senti como se sua
guarda fosse abaixada devagar, à medida que ela descruzava os
braços.
Observei-a pegar as garrafas de suco novamente e se
afastar.
— Vamos voltar. Todos já estão olhando pra nós.
Eu a deixei seguir na frente e exalei o ar lentamente, sentindo
que me livrava de um peso que sequer sabia que estava
carregando. Emma podia não estar pronta para me perdoar, mas
isso não significava que um dia não estaria.
Sophia veio para o meu lado quando retornei e o sorriso que
encontrei em seus lábios valeu todo desconforto e vergonha que eu
sentira durante aquela conversa.
Já passava de onze da noite quando Sophia e eu nos
acomodamos no banco de trás do carro, após nos despedirmos de
todos e abraçarmos a nonna pela quinta ou sexta vez na noite.
Quando o motorista começou a nos guiar de volta para o meu
prédio, Sophia parecia exausta e me livrei do meu cinto para me
aproximar dela e envolvê-la com meus braços.
— Caldwell? — chamou, contra o meu peito, sua voz saiu
abafada por isso.
— Sim?
— A Amélie é próxima de vocês? Dos Herdeiros de Nova
Iorque, digo.
Franzi a testa. Sophia estava cheia de perguntas que eu não
fazia ideia de onde saíam.
— Não. Acho que foi a primeira vez que participou
presencialmente no aniversário da nonna. Nos anos anteriores, ela
apenas ligava e enviava um presente.
— Sim, nonna comentou que ela se fechou muito por causa
da doença, mas está se reabrindo agora com a aproximação do fim
das sessões de quimioterapia.
— Por que perguntou isso?
Senti seu sorriso se abrindo contra o meu peito antes de ela
responder minha pergunta.
— Porque o Blake não tirava os olhos dela.
Semicerrei os olhos.
— E eu acho que ela nem percebe, sabe? Mas eu percebi. E
a nonna também.
Sophia riu, então se afastou para me encarar.
— A nonna sempre percebe tudo, não é? Aquela cabecinha
dela está sempre trabalhando. Quando estamos indo numa direção,
ela já foi, mapeou o caminho e voltou.
— Por que se importa se o Blake estava encarando a Amélie,
hein? — soltei, e as palavras soaram como um resmungo.
A bruxinha voltou a rir e se inclinou para me beijar.
— Você está com ciúmes do Blake? De novo?
— Não… eu só não entendo esse seu interesse nele. — Ela
ainda estava sorrindo quando voltou a me beijar.
— Um dos seus melhores amigos pode estar apaixonado
pela esposa do pai dele e você não acha isso nem um pouquinho
surpreendente?
— Não acho, porque não acredito que esse é o caso. Ele só
é protetor com ela por causa da doença. Acho que são amigos.
Sophia riu com desdém.
— Você é muito ingênuo, Caldwell.
Bufei.
— Não acha que ele poderia ser amigo de uma mulher? Mas
você é amiga dele, não é? E sempre foi só amiga, não é?
Seus olhos se estreitaram para mim, um sorrisinho
provocador despontando em seus lábios, realçando a pintinha fofa
que Sophia tinha acima deles.
— Você continua remoendo isso. — Ela riu. — Sim, Caldwell.
Blake e eu somos apenas amigos. Sempre fomos apenas amigos…
mas…
Congelei diante da porra daquela última palavra.
— Nós saímos e nos beijamos uma vez, logo depois que nos
conhecemos — confessou. — Mas eu não quis levar aquilo adiante.
Não queria que qualquer envolvimento entre nós influenciasse no
apoio que ele se mostrou disposto a dar à ONG, então decidimos
deixar aquilo para trás e ser amigos…
— Amigos… — repeti, a palavra saindo com desgosto,
trazendo um sabor acre à minha boca. — Amigos…
Sophia voltou a rir.
— Você é tão bobo — repetiu.
— Bobo… — resmunguei, desviando o olhar para a janela do
carro, observando a avenida calma pela qual passávamos.
— Bobo — insistiu. — Quem foi que roubou todos os meus
orgasmos sem nem me tocar, hein, Caldwell?
A pergunta me fez sorrir como o filho da puta que eu era.
— Eu. E sou o dono de todos eles também. — Não poderia
ter soado mais satisfeito e orgulhoso em declarar isso.
Ela meneou a cabeça em negativa, ainda rindo.
— Bobo.
Abri a boca para responder, mas não tive a chance. O carro
freou com brusquidão e me empurrou contra o assento da frente. O
arranhar do pneu no asfalto cortou a noite, abafando o meu
grunhido pela dor que disparou no meu ombro. Ouvi o eco das
palavras incompreensíveis que Sophia emitiu quando o cinto a
prendeu contra o seu banco e impediu que ela também fosse
arremessada. Meus ouvidos zumbiram.
Voltei meu olhar embaçado para a bruxinha a tempo de ver
sangue deixando seu nariz. O desespero me tomou ali, com aquela
imagem, de modo tão profundo que nem registrei direito a merda
que veio depois.
A buzina ensurdecedora que soou cada vez mais próxima.
O cantar dos pneus de um veículo que não era o nosso.
A luz intensa que preencheu a janela às minhas costas.
O impacto violento contra a porta do meu lado.
O carro foi empurrado para a direita, meu corpo foi mais uma
vez arremessado e continuou fora do meu domínio quando
capotamos através da pista.
A última coisa que vi antes de perder os sentidos foi Sophia
de cabeça para baixo, desacordada e sangrando.
A última coisa que senti foi dor. E medo.
Muito medo.
TRINTA E UM
SOPHIA GARCÍA

Acordei com uma pressão insuportável nos ouvidos. Minha


visão tão embaçada que precisei piscar inúmeras vezes para
conseguir limpá-la e, ainda assim, não enxerguei nada, pois a
iluminação intensa que atingiu minhas pupilas me forçou a abaixar
as pálpebras mais uma vez.
Minha cabeça latejou.
Esforcei-me para abrir os olhos de novo, devagar desta vez,
e em algum momento consegui me acostumar à iluminação do
quarto. Demorei a compreender onde estava e acho que a certeza
só me atingiu quando o cheiro de álcool e produtos de limpeza
penetrou minhas narinas.
Era um hospital.
O susto de reconhecer isso foi bastante para acionar as
memórias que haviam me levado até ali.
O acidente.
Liam sendo lançado de um lado a outro no carro.
O mundo girando diante dos meus olhos.
A escuridão.
A lembrança nítida do ruído ensurdecedor da lataria do carro
se amassando pareceu me levar ao momento em que tudo
aconteceu. Senti-me sufocada por aquele som, que se repetiu de
novo e de novo, enquanto a cena do carro capotando era repassada
em looping. Como uma tortura mental da qual eu não conseguia
fugir. As veias do meu cérebro latejaram. O esforço mental para
fugir da minha própria mente me roubando o pouco de energia que
eu parecia ter. Me deixando desesperada.
Até que apaguei.
Não tenho ideia de quanto tempo depois um burburinho de
vozes distantes me alcançou, mas tentei me agarrar a elas para
voltar à consciência. E minha determinação só aumentou quando
reconheci as donas daquelas vozes.
— O que houve, nonna? — Emma perguntou. Em seguida, o
barulho de uma porta se fechando ecoou em meus ouvidos.
— E-eu não s-sei, querida. — Ela soluçou e a aflição em sua
voz trouxe pontadas dolorosas ao meu peito. Me fez lutar com mais
desespero para abrir os olhos. — Eles o-o levaram às pressas p-
para fazer mais e-exames porque…
— Shhh… respire, nonna.
Àquela altura, eu já me tornava consciente do meu peito
subindo e descendo, agitado com a respiração irregular. Pesada.
Difícil. Demorou, mas em algum momento, eu consegui saltar para a
realidade e minhas pálpebras se abriram de novo.
As luzes cegantes do quarto de hospital me receberam.
Precisei trazer minha mão ao rosto para protegê-lo daquela
iluminação e acho que meu movimento chamou a atenção das duas,
pois a próxima coisa que ouvi foi Emma exclamar:
— Ela acordou! — Senti sua aproximação da cama em que
eu estava. — Como você se sente, Sophs?
A preocupação estava estampada em seu rosto, e no de
nonna, sentada num sofá às suas costas, com seu rostinho
vermelho e úmido, mas não consegui responder. Minha boca foi
mais rápida para perguntar, por entre minha respiração ofegante:
— Onde está o Caldwell?
Elas hesitaram. Nitidamente. E isso foi suficiente para o meu
coração afundar no peito.
— Onde ele está, Em? — soprei a pergunta, rouca, e tão
frágil que ela soou como nada além de um murmúrio quase
inaudível. — E-ele está bem? Ele e-está… — Não consegui concluir,
o embargo em minha garganta não permitiu.
Uma cortina de lágrimas nublou minha visão e soluços
escaparam sem a minha permissão, o medo assumindo o controle
sobre mim e me fazendo ignorar a dor que latejou por todos os
meus membros quando me mexi para sair da cama. Cheguei a
afastar os lençóis, ver a bata azul e fina que vestia, mas antes que
colocasse uma perna nua e ferida para fora, Emma me conteve.
— Você não pode sair agora, Sophs, espere a médica voltar,
sim? Você não poderá ver o Liam nesse momento. Ele está fazendo
uma bateria de exames.
Minhas lágrimas rolaram.
— E-ele está b-bem?
Emma me abraçou.
— Ele vai ficar, amiga. Tente se acalmar que, assim que o
liberarem, eu levo você para vê-lo, tá?
Assenti, mas um soluço me escapou e ver o rosto de nonna
inchado de lágrimas só piorou minha situação.
Elas não estavam me escondendo nada, não é?

Após ser examinada por uma médica, tomei analgésicos para


dor e eles me derrubaram por algum tempo. Quando acordei,
precisei de alguns instantes para reconhecer onde estava,
aparentemente sozinha. Pela janela pequena do quarto, pude ver
que já era noite.
Meus olhos passearam pelo cômodo, parando na porta que
desconfiei ser de um banheiro, foquei nela e apurei os ouvidos,
tentando identificar qualquer som que me dissesse que havia
alguém lá. Ao perceber que estava mesmo sozinha, me esforcei
para me sentar e, mesmo com meus membros pesados e latejando,
não me dei tempo para sofrer, apenas empurrei os pés para fora da
cama.
Respirei com dificuldade por causa de um desconforto nas
costelas, havia alguns arranhões em minhas mãos e não demorei a
notar o curativo sobre um ferimento em minha testa. Livrei-me do
acesso do soro e pousei um dos pés sobre o chinelo que havia ao
lado na cama, quando percebi que tinha firmeza suficiente, calcei-o
e tomei fôlego para andar para fora dali.
Não fazia ideia de quanto tempo havia se passado ou de que
horas eram, mas precisava ver Liam. Ter certeza de que ele estava
bem. E descobrir o que havia acontecido.
Quando abri a porta, vi dois brutamontes uniformizados de pé
na entrada do quarto, ambos me encararam surpresos e trocaram
olhares quando avancei para o corredor.
— Senhora Caldwell… — Um deles disse e demorei a
compreender que falava comigo. Quando me dei conta disso, a
aliança pesou em meu dedo, levou embargo à minha garganta e
lágrimas aos meus olhos. — Sua amiga foi apenas buscar o jantar e
voltará em alguns minutos, peço que a aguarde no quarto.
Eu ignorei suas palavras e me apoiei à parede do corredor
longo, vozes conhecidas me alcançaram, mas não consegui
distinguir as palavras. Havia outros homens no corredor, parados
diante de outra porta. Armados.
— Onde está o… o-o meu marido? — perguntei, rouca por ter
passado tanto tempo sem falar.
Os dois homens voltaram a trocar olhares e hesitar. Ao
encará-los, notei que também estavam armados. Meu coração
disparou no peito.
Quem eram esses homens, meu Deus? Por que estavam
todos armados?
— É melhor que aguarde sua… — Ele não concluiu. Outra
das portas do corredor foi aberta e um Chuck transtornado a
atravessou seguido por Bruce.
— Vou atrás daquele filho da puta! — o alemão rosnou.
— Blake já está cuidando disso, irmão. A polícia vai encontrar
Alexander. Ele vai pagar pelo que fez com Liam e…
— Não vai! Ele vai fugir, porra! — Sua fúria ecoou por todo o
corredor. — Fui atrás daquela filha da puta da Sarah, ela me disse
que ele ia fugir! Foda-se se ela concordou em depor contra o pai, se
contou à polícia que ele foi o responsável por aquela porra de
acidente, se tentou avisar ao Liam que isso aconteceria. Não
adianta termos provas e testemunhas disso e do desvio de dinheiro
se aquele bastardo de merda conseguir fugir!
— Chuck…
— Vou cuidar dessa merda do meu jeito, Bruce — ele o
cortou, voltando a encarar o amigo com o peito inflando de fúria.
Sua postura nada menos que agressiva, brutal. — Garanta que
esses seguranças não saiam da porra desse hospital nem cometam
qualquer erro. Se machucarem nosso irmão ainda mais, eu vou
colocar a porra dessa cidade abaixo, caralho!
Minha respiração ficou presa na garganta. Não consegui
levar ar aos pulmões ao ver Chuck disparar para longe com Bruce
em seu encalço. Engoli em seco. A mente saltando entre as
palavras ditas por ele.
Se machucarem nosso irmão ainda mais… Liam. Ele estava
falando de Liam, não estava?
— Sophs! — A voz de Emma atravessou o corredor às
minhas costas. Busquei-a por sobre o ombro e meus músculos
tensionaram dolorosamente com o movimento.
Ela se aproximou segurando uma mochila e uma bandeja
com comida, e as entregou a um dos seguranças antes de vir até
mim.
— Não devia ter saído do quarto. — Minha cintura foi
envolvida por seu braço e ela me deu apoio. — Venha, você precisa
co…
— Quero ver o Caldwell — avisei, muito consciente do tremor
atravessando o meu corpo e repercutindo em minha voz. — Ele e-
está naquele outro quarto, não é?
Emma apertou os lábios, hesitando em me confirmar.
— Se não for me ajudar a ir até lá, eu vou sozinha. Não tente
me impedir, Em — concluí, meus olhos voltaram a arder, o nó na
garganta aumentou. — Eu preciso ver meu capullo.
— Mas ele não está… acordado.
— Não me importo. Eu preciso vê-lo.
Ela expirou devagar e fez um sinal para o outro segurança,
que logo veio para o meu lado, me ajudar.
Engoli o embargo na garganta e a dor que atravessou minha
panturrilha quando comecei a dar passos através do corredor. Tentei
me concentrar em apenas vencer aqueles metros até o quarto.
Quando a porta dele foi aberta para mim, precisei de alguns
momentos antes de entrar. O impacto de ver Liam desacordado
sobre uma cama de hospital tornou impossível controlar as lágrimas.
Minhas pernas teriam cedido se eu não estivesse recebendo apoio
de Emma e do segurança.
— Se você preferir… — minha amiga tentou dizer, mas a
interrompi.
— Vamos entrar.
Ela inspirou fundo e acenou. Limpei as lágrimas que já
banhavam minhas bochechas e adentrei o quarto um pouco trêmula.
Cada passo para dentro dele me permitia ver os ferimentos de Liam
um pouco melhor e isso me machucou. Muito.
Um soluço me escapou quando paramos bem diante da
cama, ao lado dos aparelhos que o monitoravam.
Seu peito subia e descia lenta e ritmicamente. O corpo
coberto por um lençol azul que certamente ocultava seus
ferimentos, o rosto bonito marcado por escoriações. Os cabelos
desgrenhados de um jeito que eu sabia que ele odiaria se estivesse
acordado.
Outra lágrima fina caiu.
O aperto em minha garganta se tornou mais opressivo.
Dor disparou através das minhas costas quando me inclinei
para frente até minhas mãos alcançarem as mechas negras que eu
adorava, deslizei o polegar sobre o maxilar perfeito e entremeei as
mãos nos cabelos para arrumá-los como podia. Não consegui muito
progresso e minha vontade de desabar só aumentou por isso. Mais
lágrimas encheram as linhas d’água dos meus olhos, e o mesmo
desespero que senti mais cedo, ao acordar e lembrar daquele
acidente, ameaçou voltar e assumir o controle sobre mim.
— Caldwell… — chamei, tão baixo que quase não me ouvi. O
nó doloroso em minha garganta não me permitindo erguer a voz
mais do que isso. Mas ele não reagiu de nenhuma maneira, nem ao
meu toque em sua mão. — Caldwell…
— Ele não está pronto para acordar, amiga — Emma avisou,
num fio de voz que denunciou sua emoção. — Vamos voltar para o
seu quarto e depois…
— Como assim ele não está pronto para acordar? — repeti
suas palavras, voltando um olhar desentendido para ela. — Você
disse que ele fez exames, não foi? — Minha voz falhou e as
próximas palavras saíram entre soluços que não consegui controlar.
— E-ele se feriu gravemente, foi i-isso? Por que e-está aqui então?
Esse quarto-o é…
Emma acenou em negativa.
— Ele teve uma entorse de grau dois em um dos tornozelos,
fraturou algumas costelas e teve uma laceração na perna, além de
escoriações mais simples, mas os exames de imagem não
mostraram nada mais grave. Liam ficou em observação por todo o
dia e a noite de ontem na unidade intensiva, mas não houve
complicação em seu quadro, então o trouxeram para cá.
Limpei as lágrimas em meu rosto, sentindo algo como uma
desopressão em meu peito.
— Então ele está bem?
Emma engoliu em seco e tomou fôlego para proferir as
palavras que, em algum lugar da minha mente, eu sabia que
partiriam meu coração.
— Clinicamente, sim. Ele só… não acordou.

Emma não conseguiu me convencer a sair do quarto de


Liam. Nem qualquer uma das enfermeiras que garantiram que não o
deixariam sozinho.
A senhora Caldwell estava hospitalizada. Liz tinha ficado em
observação após saber do acidente e passar mal, e nonna e
Maverick estavam com ela. Chuck provavelmente havia saído numa
caçada para pegar Alexander, que pelo que entendi estava foragido.
Bruce estava atrás dele. E Blake estava cuidando dos processos
administrativos e criminais que tinha aberto contra Alexander no dia
anterior. Eu não deixaria Liam sozinho com algum desconhecido,
não quando já sabia que o que havíamos sofrido não fora um
acidente, mas uma tentativa de assassinato.
Por isso eu estava ali, há horas. Talvez horas demais. Já
havia trocado de roupa e seguia as indicações médicas, tomando os
remédios para dor. Havia comido muito pouco e mal trocara
palavras com alguém. Na verdade, quase não havia aberto a boca.
Tudo o que eu fazia era controlar as lágrimas enquanto encarava
Liam inconsciente naquela cama e rogava para que a Virgem de
Guadalupe o acordasse logo.
No entanto, a dor em meu peito aumentava com o passar das
horas.
Não parecia certo, e muito menos justo, que algo assim
acontecesse agora. Estávamos bem e felizes e… juntos. Finalmente
juntos. E-eu estava me abrindo, estava me abrindo depois de tantos
anos… de mantê-lo longe por todos esses meses, de temer tanto
enxergar o que estava sentindo… Então, por quê? Por que ele tinha
que estar aqui? Ferido? Desacordado há quase quarenta e oito
horas? Sendo estudado como se nem mesmo esses médicos o
analisando fossem capazes de compreender o que acontecia?
— Sinais vitais normais — uma das médicas da equipe
multidisciplinar informou, levando minha atenção a ela. Ao grupo
que estava reunido diante de um Liam ainda desacordado, na
verdade.
— E os exames de imagem? — um médico mais velho
indagou.
— Nenhuma alteração, nem mesmo depois do episódio de
perda de consciência.
Agarrei minha pulseira enquanto os observava listar os
exames que haviam feito. Meus dedos deslizando sobre os
berloques até agarrarem a plaquinha de prata.
— Não houve hemorragia, parada cardíaca, AVC
isquêmico… nada. — outro homem disse.
— E ele acordou. Por alguns segundos, ele recuperou a
consciência. A mãe, a avó e um dos irmãos dele estavam aqui e
viram, tentaram falar com ele, mas ele perdeu a consciência
novamente depois de alguns segundos — alguém completou.
— É possível então que a razão da perda de consciência não
seja física, mas psicológica — a mulher que se apresentara como
psicóloga mais cedo disse. — O acidente pode ter sido um trauma
grande demais, as consequências dele também. Essas são coisas
com as quais a mente do paciente pode não estar pronta para lidar.
Alguns acenos de concordância seguiram aquelas palavras.
— É importante mantermos o monitoramento. O acidente foi
grave e algumas sequelas podem demorar a aparecer. Só
poderemos descartá-las depois que ele acordar.
Os cinco médicos pareceram satisfeitos com aquela
conclusão e, em segundos, três deles foram embora, deixando
apenas as mulheres. A médica da família e a psicóloga, que se
aproximaram de mim.
Levantei-me do sofá e limpei a umidade remanescente no
rosto.
— Senhora Caldwell, vamos continuar investigando o motivo
de ele ainda estar inconsciente, mas o trauma psicológico nos
parece a melhor possibilidade no momento.
Acenei, o nó em minha garganta aumentou ainda mais.
— Nesse caso, estimular o senhor Caldwell pode ajudá-lo —
a psicóloga disse, de modo gentil. — Com o som da voz de pessoas
que ele ama ou toques característicos. Isso pode acalmar seu
subconsciente.
Meu olhar desviou delas para encontrar Liam ainda sobre a
cama.
— Tudo bem — concordei.
Elas se despediram e deixaram o quarto ao passo que um
dos seguranças entrava, para me informar que a cama que Bruce
conseguira para mim já tinha chegado e sido conferida.
Observei em silêncio quando entraram com ela e a montaram
ao lado da de Liam. Então a copeira trouxe uma bandeja com o meu
jantar e a deixou na mesa de centro pequenina que havia à frente
do sofá.
Encarei a comida por alguns segundos, sentindo meu
estômago revirar só de olhar para ela. Meu nervosismo e ansiedade
a recusando antes mesmo de eu prová-la.
Aproximei-me de Liam mais uma vez e agarrei o suporte
lateral da cama. Senti os nós voltarem a se acumular em minha
garganta, o choro entalado na garganta. Eu sequer lembrava
quando tinha sido a última vez que havia chorado tanto.
Talvez aos doze anos. Depois de perder mamãe. Depois de
implorar que ela não me deixasse sozinha. Depois de repetir que a
amava milhares de vezes até sentir minha voz sumir. E eu perceber
que ela havia partido.
Voltei a limpar as lágrimas do rosto e engoli o nó em minha
garganta, meus olhos voltando a se fixar nas pálpebras abaixadas
de Liam.
Por que você não acorda, hein? Por que não abre os olhos
para mim?
Eu preciso que você abra os olhos, Caldwell. Preciso tanto.
Inesperadamente, batidas na porta soaram pelo quarto.
Limpei o rosto pela milésima vez no dia e arrumei minha postura,
me preparando para lidar algum outro funcionário do hospital.
Contudo, o homem que surgiu, apesar de estar vestindo um jaleco e
usando um crachá, não era nem de longe alguém que eu esperava
ver aqui. Ou em qualquer lugar.
Não tão cedo.
Como se em câmera lenta, eu o assisti fechar a porta às suas
costas e dar passos em minha direção. Meus pulmões pararam de
trabalhar quando seus olhos tempestuosos capturaram os meus.
Meu corpo paralisou diante do seu escrutínio.
— Senhora Caldwell? — José perguntou, com uma repulsa
óbvia mesmo quando a expressão em seu rosto revelava que o que
sentia sobre essas palavras não se limitava apenas a isso. — É
assim que todos estão te chamando. Quase não acreditei quando vi
sua ficha… Conseguiu mesmo outro idiota para te sustentar, não
foi?
Ele riu, sarcástico.
Meu coração passou a martelar no peito, mas me esforcei
para não deixar transparecer. A parte racional do meu cérebro sabia
que eu não podia permitir que José percebesse o quanto me
assustava. O quanto sua presença me perturbava. Não podia dar
esse gostinho a ele tanto quanto não estava disposta a deixá-lo me
coagir de novo.
Ser agredida e humilhada publicamente uma vez já tinha sido
mais do que suficiente. Eu não lhe daria a chance de fazê-lo uma
segunda. Não era mais a mulher vulnerável às ameaças e
perseguições dele. Não era mais imigrante ilegal. Não podia ser
presa ou deportada. Não estava mais sozinha.
Eu era mais do que capaz de assumir o controle dessa
situação. Mesmo que estivesse um caco, podia reunir força
suficiente para expulsar esse desgraçado daqui.
E foi o que me esforcei para fazer.
José não tinha vantagem nesse território, não é? Se havia
entrado nesse andar com todos os seguranças que Chuck e
Bradshaw haviam colocado, isso significava que eles não tinham
motivos para desconfiar dele. Eu lembrava que a família de sua
esposa era dona de uma rede de hospitais, não sabia que era a
deste hospital, mas essa agora era uma certeza.
O infeliz trabalhava aqui. Aqui, de todos os malditos hospitais
de Manhattan. Qual a droga da chance de isso acontecer?
Ele baixou o olhar de desdém até Liam, torceu os lábios e
abriu a boca para dizer algo, mas fui mais rápida.
— O que quer? — inquiri, com uma facilidade que não
existira horas atrás. — Pretende me agredir novamente? Ou talvez
sair gritando para todo o hospital que é meu dono?
Ele estreitou os olhos. Se houvesse alguma gota de humor
em mim depois de todo aquele dia, eu teria sorrido com sarcasmo.
Mas não havia, então minhas palavras continuaram a sair apenas
secas. Distantes. Indiferentes.
— Não… você não está drogado o suficiente para isso, não
é? — provoquei, sem precisar erguer a voz, consciente do seu
maxilar travando, do punho se cerrando ao lado do corpo. — E sem
as drogas você não passa de um homem fraco e patético, dominado
pela mãe e pela própria ganância. Não seria capaz de chamar
atenção no hospital da família da sua esposa. Ou correr o risco de
perdê-la por causa de uma prostituta latina.
Seu semblante se fechou. Ele avançou um passo largo para
contornar a cama, mas minhas próximas palavras o congelaram no
lugar.
— Se aproxime mais um passo e me veja fazer um escândalo
muito pior que o que você fez na ONG — ameacei, meus olhos fixos
aos seus. — Ouse me tocar de novo, José, e eu juro que destruo
sua vida. Seu casamento. Seu trabalho. Tudo. Faço tudo o que não
pude quando sua mãe me expulsou da sua casa sem um teto,
dinheiro ou a droga de um visto.
— Você me deve…
Meneei a cabeça em negativa, mesmo que não fosse capaz
de mover nem um centímetro do resto do meu corpo.
— Saía daqui, José.
Em vez de obedecer, ele avançou.
— SEGURANÇA! — gritei, a plenos pulmões. E mesmo que
José tenha tido tempo suficiente para me alcançar e agarrar, a porta
foi aberta um instante depois e o som inconfundível de armas sendo
engatilhadas pôde ser ouvido logo em seguida. — Tirem esse
homem daqui. Ele não tem permissão para chegar perto de mim ou
do meu marido. Garantam que ele não tenha permissão nem para
acessar esse andar.
— Sophia… — o infeliz ainda tentou, mas foi cortado pelas
palavras dos seguranças, ditas em uníssono:
— Sim, senhora.
Eles não hesitaram em seguir minha ordem e, sob a mira de
uma arma, José não fez nada além de proferir uma ameaça que não
me esforcei em registrar.
Também não me dei o trabalho de ameaçá-lo, mas enquanto
o via ser escoltado para fora, eu decidi que aquela seria a última vez
que o veria. Decidi que não esperaria que ele levasse minhas
palavras a sério, tampouco que desse qualquer novo passo em
minha direção quando estivesse bêbado ou drogado.
Eu o denunciaria. Faria o que não pude por todos os meses
que se passaram. Denunciaria aquele hijo da puta e o forçaria a
lidar com as consequências de tudo o que havia me feito. Com a
justiça e com sua família.
Isso era o mínimo que ele merecia.
Quando a porta foi fechada às costas do segurança, meu
corpo permaneceu rígido, com todos os músculos tensionados. Não
me movi, não vacilei. Não desabei como sentia que precisava. Ao
menos não até meus olhos se direcionarem a Liam de novo. Ainda
inconsciente e distante demais para eu alcançar. Para me alcançar.
Para me envolver em seus braços, me acalmar e me confortar. Me
proteger. Como só ele era capaz.
Sentei-me sobre o banco ao lado da cama e me inclinei até
conseguir entrelaçar nossas mãos, ignorando a dor que disparou
através da minha costela quando o fiz. Ergui sua mão até meus
lábios e a apertei forte, trazendo-a contra o meu peito porque essa
era a única forma de abraçar Liam agora.
— Acorda, Caldwell, por favor… — pedi. — Você queria que
eu implorasse e eu estou implorando. Acorda… Eu preciso que você
acorde… preciso que fique bem. Não posso perder você…
O embargo em minha garganta me impediu de continuar
falando por alguns minutos, e muitas lágrimas rolaram até eu
conseguir forçar novas palavras a saírem, mas não desisti. A
psicóloga tinha dito que isso poderia ajudá-lo, então continuei.
As palavras saíram instáveis, roucas, algumas pesaram em
minha língua, outras pareceram se espremer por entre os nós da
minha garganta e, quando apenas implorar não surtiu efeito,
comecei as tentativas de negociação…
— Se você acordar, eu prometo inaugurar as garupas de
todas as suas motos… prometo aceitar todas as roupas bregas de
casal que você gosta… prometo admitir que estive errada em todos
os preconceitos que tinha sobre você… e não reclamar dos seus
exageros pomposos…
Apertei sua mão na minha um pouco mais forte e deslizei
com o banco para mais perto da cama, até ser capaz de voltar a
acariciar seus cabelos e rosto, beijar os ferimentos superficiais que
maculavam sua pele e sentir o pulsar agitado da veia em sua testa.
Beijei sua têmpora e finalizei arrastando meus lábios até seu ouvido.
Cerrei os olhos. As próximas palavras saíram mais leves depois de
todas que as precederam, como se as primeiras tivessem desatado
nós e limpado o caminho.
A exaustão e o sono talvez tivessem sua parte nisso também.
— Se você acordar, Caldwell, eu prometo tentar te fazer tão
feliz quanto você me faz… prometo deixar você saber o quanto te
admiro… prometo dizer que te amo… todos os dias.
— Promete?
Acenei.
— Prometo… todos os dias.
— Eu vou cobrar, bruxinha.
Meu coração tropeçou.
A voz baixa e rouca me atingiu apenas naquele momento,
expulsou o ar dos meus pulmões e me fez erguer o rosto para
buscar seus olhos. Encontrá-los abertos foi suficiente para encher
os meus de lágrimas.
— Vo-você… — Meus soluços não me permitiram concluir.
Suas pálpebras pareciam pesadas, o cansaço em seu
semblante era nítido, mas ele ainda me ofereceu um esboço de
sorriso.
— Não chora, bruxinha…
Suas palavras só me fizeram chorar ainda mais. E eu sabia
que devia chamar a médica, mas só consegui fazê-lo depois de me
levantar do banco e envolver Liam como pude em meus braços. Me
agarrando a ele enquanto desabava num choro de alívio que fez
meu peito tremer.
Eu ainda chorava como uma boba quando uma enfermeira
entrou no quarto e arregalou os olhos ao ver Liam acordado. Logo
ela saiu informando que chamaria a médica.
Não consegui me afastar dele nem quando a Dra. Sanders
chegou. Mantive nossas mãos entrelaçadas e meus olhos presos a
Liam conforme ele respondia às perguntas dela e acho que só me
dei conta de que as duas haviam saído quando Liam me chamou
para os seus braços.
— Suas costelas… — tentei, mas ele me interrompeu.
— Só um pouquinho… Só preciso sentir você nos meus
braços, bruxinha… — Ele falava baixo e pausadamente. —
Atravessei um inferno achando que tinha perdido você.
Eu não entendi do que ele falava, mas compreendi seu medo,
também sentia como se tivesse atravessado um tipo de inferno
depois de todo aquele dia. Por isso fui para os seus braços. Tinha
certeza de que nós dois precisávamos daquele contato com a
mesma intensidade.
Tentei não o pressionar com meu peso e senti meus olhos
voltarem a arder quando ele me abraçou e apertou como pôde,
inspirando o cheiro dos meus cabelos, depositando beijos suaves
onde alcançava. Acabei fazendo o mesmo, num reconhecimento
que se mostrou urgente.
— Eu senti tanto medo de perder você — assumi, rouca
demais. Numa voz quase irreconhecível.
— Também senti medo de perder você.
Afastei-me o bastante para conseguir ver seu rosto, acariciá-
lo com devoção antes de beijá-lo devagar, um centímetro por vez.
— Bruxinha?
— Hum?
— Preciso dizer o que está escrito na pulseira.
— Já sei o que está escrito.
— Sabe?
— Sei… mas quero ouvir você dizer.
— Quer? — Havia um sorriso bobo em seus lábios quando os
beijei.
— Quero, Caldwell.
Ele envolveu minha nuca com uma mão e aproximou nossos
rostos o suficiente para mordiscar meus lábios. Me provocar como
ele sempre adorou fazer.
— Acho que me apaixonei por você entre a primeira vez que
me chamou de capullo estúpido e a primeira vez que me estapeou,
bruxinha… — confessou, em meus lábios. — E vim me apaixonando
por você um pouco mais a cada vez que você sorriu para mim… a
cada discussão tola que tivemos… a cada provocação que
trocamos… a cada parte sua que você me deu aos poucos… Acho
que nunca tive chance contra você e tudo o que sempre me fez
sentir.
Ele deslizou o polegar pelo meu rosto, limpando as lágrimas
que banhavam minhas bochechas.
— Eu amo você, bruxinha.
Um soluço me escapou. Seus lábios encontraram os meus.
— Não sei quando me apaixonei por você — admiti, baixinho.
— Mas acho que, de alguma forma, tudo em mim sempre soube que
eu só poderia ser sua… Mesmo quando eu não sabia, quando não
via e até quando queria fugir. Eu já era sua. E acho que tudo o que
fiz nos últimos meses foi aceitar isso. Aceitar você. Aceitar nós dois.
Aceitar que eu… que eu amo você, Caldwell. Amo tanto.
Ele beijou minha boca.
— Ama, é?
— Si… te quiero, mi capullo estúpido[3].
Ele sorriu.
— Saranghae, jag-eun manyeoui[4].
TRINTA E DOIS
LIAM CALDWELL

— Fruta?!
A pergunta de Bradshaw ecoou na sala extensa do meu
apartamento, seguida pela gargalhada cética de Chuck, que
também observava Liz de pé diante de quatro Herdeiros de Nova
Iorque, com um dedo em riste e ostentando o barrigão de nove
meses que ela já dizia não aguentar mais.
— Filho da fruta? — Blake se certificou, também sem
acreditar.
— Sim! — foi Sophia a responder, abraçando Emy, que
estava sentada em seu colo. — Vocês cinco precisam aprender a
controlar suas bocas sujas perto da Emy e da Ji-Na. E quanto mais
rápido começarem a treinar, melhor.
Foi minha vez de rir. Pontadas de dor reverberaram pelas
costelas, por causa das fraturas que ainda estavam em processo de
cura, mas não consegui me conter.
— Vocês não estão falando sério — respondi, meneando a
cabeça em negativa. — Filho da fruta?
— Não é tão difícil — Bruce disse, então deu de ombros. —
Eu já me acostumei.
Bradshaw gargalhou e se ergueu para abraçar Liz pelas
costas. Depositou um beijo no topo de sua cabeça e sussurrou algo
no ouvido dela, que apenas sorriu e acenou em resposta. Dois
bobos apaixonados. Às vezes me irritava pensar que esse infeliz
estava com minha irmã, mas a maior parte do tempo, ao menos nos
últimos meses, eu me sentia aliviado. Ninguém cuidaria da Liz nem
a amaria mais do que esse filho da puta.
— Vocês vão nos dar uma lista com versões alternativas de
palavrões pra usarmos na frente das crianças? — Blake perguntou,
chamando minha atenção de volta para a conversa.
Liz, Sophia e Emma responderam com acenos simultâneos.
— E se não fizermos isso? — Chuck provocou, recostando-
se ao meu sofá, com seu habitual sorriso sarcástico. Apesar de essa
sua postura ser irritante, foi bom vê-lo assumi-la novamente. E sorrir
assim. Ele havia ficado dias puto, tenso e irritado com a busca por
Alexander, e acho que só agora, dias depois de entregá-lo à polícia,
é que voltava a ser ele mesmo.
Era um filho da puta implacável, mas leal. E acho que eu
estaria em dívida eterna com ele e Blake. Com todos os meus
amigos, na verdade. Eles tinham não apenas cuidado da minha
proteção e da minha família nos meus dias de recuperação, mas
tinham se mobilizado para garantir que a ameaça contra mim fosse
extinguida, que Alexander e o noivo de Sarah fossem expulsos do
Conselho e indiciados por seus crimes na administração do Grupo.
E a despeito da punição que eu havia recebido semanas atrás, e do
fato de que estava de licença para me recuperar, como vice-
presidente do Conselho, quem assumiria a cadeira da presidência
seria eu.
E eu devia isso a eles. Aos meus irmãos.
— Vão fazer, sim — nonna garantiu, se aproximando com
mamãe, ambas segurando bandejas com suco e pizzas. Sophia se
ergueu para ajudá-las. — Precisam começar a treinar para quando
tiverem seus filhos.
Chuck e Blake riram de suas palavras, Bruce se limitou a um
sorriso antes de levar Emma para seu colo e abraçá-la. Tudo o que
consegui fazer foi encarar Sophia distraída com mamãe. Há anos eu
não pensava na possibilidade de ser pai. Achei que não confiaria em
alguém de novo a ponto de me casar, que dirá para ter um filho.
Mas ali estava eu, casado, louco pela bruxinha que vinha em
minha direção nesse momento, trazendo suco para mim. Exibindo o
sorriso mais lindo do universo.
Sophia e eu ainda não havíamos conversado sobre ter filhos,
ainda estávamos nos acomodando ao casamento e à minha
recuperação. Ela nunca me disse se desejava ser mãe, mas se
quisesse, eu adoraria, porra. Adoraria ter filhos com essa mulher.
Seria o homem mais feliz e sortudo do mundo se isso um dia
acontecesse.
Peguei o suco que Sophia me ofereceu e a trouxe para se
sentar ao meu lado no sofá. Entrelacei nossas mãos e ela sorriu,
antes de se inclinar para beijar meus lábios e voltar sua atenção
para o centro da sala, onde nonna argumentava com Chuck.
— Concordem logo. Vocês vão precisar ser bons tios pra
minha filha — Bradshaw disse. — Isso incluirá tratá-la como uma
princesa, socar todos os infelizes que não o fizerem e não
envenenar a mente dela com as palavras sujas que têm nas suas.
Blake meneou a cabeça em negativa ao ouvir aquelas
palavras. Trocamos um olhar e não consegui evitar o sorriso.
— Okay. Vou aderir a essa mer… — interrompi minhas
próprias palavras e o palavrão pela metade só serviu para fazer
mamãe e Emy rirem. — Vou fazer isso.
Sophia voltou seu olhar para mim.
— Vou monitorar você, Caldwell — avisou, então diminuiu
sua voz alguns decibéis antes de sussurrar em meu ouvido: — E
descobrir uma boa punição para toda vez que você cometer um
deslize.
Sorri, meus olhos presos ao brilho travesso que havia nos
seus, à felicidade que me parecia tão presente neles desde que
voltamos para casa, ela era a mesma que eu via em seus orbes
negros todos os dias que acordava Sophia com beijos em seu
pescoço e ombros, a mesma que ficava estampada em seu
semblante quando me contava que havia alcançado alguma meta
em seu blog ou angariado algum novo benfeitor para a ONG.
Era a felicidade que Sophia não tinha reservas em
compartilhar comigo hoje.
Quando eu lembrava do medo que senti ao vê-la sangrando
naquele carro, do terror que sua ausência no quarto de hospital me
causou quando acordei nele e não a vi, eu entendia por que a mera
possibilidade de tê-la perdido naquele acidente tinha feito com que
minha mente preferisse me desligar de tudo.
Depois de ter Sophia, uma vida sem o seu sorriso e olhos
brilhantes seria insuportável demais para ser vivida.
Beijei sua boca suavemente e ergui sua mão entrelaçada à
minha para beijar a aliança em seu dedo. Aquela que eu esperava
que ela aceitasse trocar em breve.
Sophia se ergueu para ir mostrar Alfredo e Hefesto para Emy
e a acompanhei com o olhar enquanto o pensamento que não
desgrudava da minha mente há dias retornava. Não perdi o
momento que ela cutucou Emma e Liz para a seguirem escada
acima, tampouco as risadinhas cúmplices que elas trocaram quando
saíram juntas, mas ignorei isso para focar no que eu precisava
planejar.
— Tudo bem, querido? — mamãe perguntou, certamente
preocupada com o meu silêncio repentino. Ela se sentou ao meu
lado e se inclinou para observar a bota imobilizadora que tinha sido
colocada em meu pé antes de eu receber alta do hospital. — Está
sentindo alguma dor?
Acenei em negativa.
— Não, senhora Caldwell. — Envolvi-a com um braço e a
trouxe para perto, para conseguir depositar um beijo no topo de sua
cabeça. — Estou pensando numa coisa que quero fazer.
Ela me encarou com curiosidade.
— E eu posso saber que coisa seria essa?
Sorri.
— Só se estiver disposta a me ajudar.
Mamãe riu e aproveitei que estavam todos distraídos para
contar a ela o que estava planejando. Em algum momento, chamei
também nonna e Bruce e fiz o mesmo. O infeliz tinha doutorado em
fazer coisas bregas e românticas para sua mulher e nonna era
proprietária de um dos restaurantes românticos mais requisitados de
Nova Iorque. Era expert em proporcionar os melhores pedidos de
casamento nele.
E pelo jeito que os olhos daqueles dois brilharam quando
comecei a falar, tive certeza de que pedir sua ajuda fora a melhor
coisa que eu poderia ter feito.

Algumas semanas depois

Você já chegou?

A mensagem de Sophia piscou na tela do meu celular no


momento que estacionei o carro em uma das minhas vagas de
garagem do prédio. Digitei rapidamente uma resposta afirmativa
para ela e logo deixei o carro. Nervoso. Ansioso. Com o peito
carregado de expectativa.
Hoje era o dia, porra.
Depois de semanas planejando e organizando tudo com
nonna, mamãe e Bruce — e me esforçando até o meu limite nas
sessões de fisioterapia que precisei fazer por causa do meu
tornozelo, para ficar bem para hoje, estava tudo pronto.
A caixinha com o anel simbólico de noivado pesava no bolso
da minha calça negra e não fazia vinte minutos que eu havia
recebido a confirmação de que estava tudo pronto.
Sophia não tinha ideia do que eu estava fazendo, mas eu
acreditava que a surpresa era um elemento indispensável essa
noite. Adoraria vê-la em seu rosto quando se deparasse com o que
eu havia feito.
Peguei o elevador e, em poucos segundos, as portas dele se
abriram no hall de entrada do meu apartamento. Desfiz-me dos
sapatos e calcei os chinelos antes de cumprimentar Hefesto
esfregando seu pelo sedoso e dispensar um olhar apertado para o
gato de Sophia, que estava muito bem acomodado sobre a porra da
minha Cosmic Starship, da Harley Davidson, que ficava no centro da
sala. O desgraçado parecia fazer questão de que eu o visse
marcando território nela, estava sempre ali quando eu chegava do
trabalho. Eu já havia o arrancado dela umas três vezes — e
adquirido um sem-número de novos arranhões enquanto o fazia —,
mas esse felino maldito insistia.
E eu não desistiria dessa guerra.
— Sophia? — chamei, alto o suficiente para que ela me
ouvisse no segundo andar, mas ela não me respondeu.
Enfiei as mãos nos bolsos da calça e girei a caixinha de
veludo que estava dentro de um deles conforme subia as escadas.
— Bruxinha? — continuei chamando através do corredor até
o nosso quarto. Talvez ela estivesse no banheiro. Quando
finalmente alcancei nosso quarto, abri a porta. — Bruxinha, você
está…
As palavras se desfizeram em meus lábios.
Fui paralisado pela imagem diante dos meus olhos.
Um corredor de velas brancas se formava a partir da porta,
enviando uma iluminação quente e delicada para pontos
estratégicos do quarto escuro. Meus olhos percorreram a trilha de
velas lentamente, passando pelas pétalas de rosas brancas e
vermelhas que se distribuíam pelo caminho. Adentrei o cômodo com
passos um pouco hesitantes, ainda absorvendo tudo o que
encontrava, ainda tentando me convencer de que estava mesmo
vendo tudo aquilo. Foi só quando vi Sophia que a ficha caiu.
Ela estava parada ao lado da cama, sorrindo, e o tremular
das velas fazia seus olhos brilharem de um jeito quase celestial.
— Bruxinha… — tentei, mas minha atenção foi desviada para
o que estava ao seu lado e qualquer possibilidade de eu conseguir
falar foi extinguida ali, diante dos balões pairando sobre o colchão.
Do que estava escrito com eles.
— Eu sei que já estamos casados, Caldwell — Sophia iniciou.
— Sei que nada disso era necessário e que talvez pareça bobo,
mas… e-eu acho que merecemos tudo o que não tivemos antes.
Acompanhei com o olhar, praticamente hipnotizado, quando
ela veio até mim. Parecia nervosa, talvez um pouco insegura sobre
a minha reação. Seu peito inflou com uma respiração profunda no
instante em que parou à minha frente.
— Talvez não se lembre, mas uma vez você me disse que
queria que tivéssemos tido uma cerimônia de casamento… e queria
que eu confiasse em você o bastante para querer uma também. —
Ela precisou fazer uma pausa e hesitou por um segundo quando a
segurei contra o meu corpo, incapaz de manter minhas mãos longe
nesse momento. — E para aceitar que você fosse o único homem
com quem eu subiria em um altar.
— Bruxinha…
— Você é o único homem com quem eu me casaria, Caldwell
— sussurrou, rouca. — O único em quem eu confio, o único que me
faz sentir segura… o único com quem eu encontro as certezas de
que preciso… o único a quem eu confiaria minha vida.
— Eu… — Ela retirou algo do bolso do vestido que usava.
Uma caixinha de veludo.
— O único que eu a-amo.
— Então, se você ainda quiser me ver entrando numa igreja
vestida de branco… e ter uma festa grande e pomposa… e-eu
também quero.
— Bruxinha… — emiti, baixinho, segurando seu rosto e
deslizando os polegares pelas suas bochechas para limpá-las,
inclinei-me em sua direção para beijar seus lábios. — Está me
pedindo em casamento? De verdade?
Ela acenou, os braços envolvendo minha cintura, para me
manter perto.
— Seria apenas a cerimônia que não tivemos na igreja, claro.
Porque nosso casamento na prefeitura ainda é válido, então… Você
aceita?
Eu ri, porque não conseguia acreditar que havíamos decidido,
os dois, fazer aquilo. E naquela noite.
Beijei sua boca.
— Claro que eu aceito, bruxinha — respondi e continuei a
deixar beijos suaves pelo seu rosto, pude sentir o canto dos seus
lábios se curvando em um sorriso. — Acho que nós dois não só
queremos a mesma coisa, mas tivemos a mesma ideia, sabia?
Deixei outra risada baixa escapar antes de pegar a caixinha
de veludo do meu bolso para mostrá-la à Sophia, que abriu os lábios
em choque.
— Você… — ela não conseguiu concluir.
— Se eu também preparei um pedido de casamento? Sim.
Seus olhos foram alagados por mais lágrimas de emoção.
Sorri e voltei a beijar sua boca.
— Inclusive, eu adoraria que você pudesse vê-lo. Fiquei
muito orgulhoso do resultado final, sabe?
Ela riu e se colocou nas pontas dos pés para envolver minha
nuca com as mãos.
— Me mostre então — sussurrou.
O sorriso em meus lábios se tornou malicioso, mas eu não
disse mais nada, apenas a beijei uma última vez, deixei que
colocasse em meu dedo o anel que havia comprado para mim e a
tirei dali.
Nosso destino foi um dos prédios mais altos de Manhattan,
às margens do Rio East e com vista para o One World Trade Center
e o Empire State. Bruce fora o responsável por conseguir aquilo
para mim.
Sophia manteve sua mão apertando a minha com força
conforme subíamos os mais de setenta andares pelo elevador e sua
ansiedade era nítida mesmo sem que ela dissesse nada. Sua
respiração estava pesada, o coração socava as costelas tão forte
que seria impossível não o sentir uma vez que estávamos bem-
aconchegados um ao outro.
Quando as portas de aço se abriram, um tapete vermelho
surgiu rodeado por luzes em forma de rosas. A bruxinha prendeu a
respiração ao vê-las e só segurou minha mão mais forte à medida
que seus olhos seguiam o tapete até o lance de escadas que nos
levaria ao terraço.
Precisei incentivar Sophia a sair do elevador e não consegui
desviar o olhar do seu semblante encantado a cada passo que
demos, a cada degrau que subimos. Antes de abrir as portas corta-
fogo da cobertura, eu trouxe sua mão para meus lábios e a beijei
com delicadeza, seus orbes se ergueram para mim e algo em meu
peito se expandiu quando vi a emoção estampada no seu rosto
lindo, a expectativa, as lágrimas que claramente queimavam em
seus olhos.
Aproximei-me para beijar sua testa e engoli o nó de emoção
que se prendeu à minha garganta, só então empurrei as portas e as
segurei para que Sophia entrasse.
O caminho feito pelo tapete vermelho se estendeu por vários
metros à nossa frente, até um arco grande e delicado de rosas
brancas e luzes amareladas pequeninas, que o faziam cintilar
mesmo à distância que estávamos. As luzes decorativas em formato
de rosas, que antes apenas ladeavam o tapete, estavam agora
distribuídas por todo o terraço.
Sophia segurou minha mão com força conforme seus olhos
saltavam por todos os mínimos detalhes que nos circundavam.
Quando enfim paramos sob o arco, depositei um beijo suave
sobre seus lábios.
— Tudo está tão lindo, Caldwell — ela sussurrou, num fio de
voz irreconhecível.
Sorri e envolvi sua cintura com um braço, trazendo-a para o
meu peito, aconchegando-a a mim e movendo nossos corpos para
frente, diante da vista da cidade cintilante, do céu noturno que não
apresentava estrelas.
Uma rajada de vento frio nos atingiu, agitando seus cabelos
longos para trás.
Ao longe, se erguendo sobre o Rio East, um conjunto de
drones com luzes de LED surgiu como se emergisse da água para o
céu, numa fila e sincronia perfeita. Grande o suficiente para ser visto
por todo esse lado de Manhattan.
— Meu Deus — emitiu, boquiaberta.
Sorri, desviando o olhar dos drones porque já sabia
exatamente quais desenhos e palavras eles formariam. Quando
encarei Sophia, o brilho de emoção em seus olhos já transbordava
em lágrimas.
— Você disse que eu não podia alugar todos os telões da
Times Square para fazer o mundo todo saber que eu teria uma
sobrinha… mas nunca disse nada sobre eu alugar mil drones pra te
pedir em casamento diante de metade de Manhattan.
No céu escuro acima do Rio, os drones se moveram para
esboçar as palavras uma por vez. E acho que meu coração socou o
peito mais forte a cada letra que surgiu.
Eu amo você, bruxinha.
Aceita casar comigo?
Sophia soluçou, seu peito tremeu com o choro que não
conseguiu segurar. Quando me ajoelhei à sua frente, uni suas mãos
entre as minhas e as beijei.
— Nada disso aqui é surpresa, mas me recuso a abrir mão
dessa parte — sussurrei, rouco, com um sorriso que ela retribuiu
enquanto limpava o rosto. — Eu sei com que seriedade você
enxerga casamentos, bruxinha, e estou aqui, de joelhos, ciente
disso e disposto a cumprir, em todos os dias da minha vida, cada
um dos votos que trocarmos…
Abri a caixinha de veludo e a ergui para Sophia.
— Eu quero todas as coisas bregas que possam fazer você
sorrir ou chorar de felicidade como agora, quero os dias ruins ao seu
lado para que você nunca precise ficar sozinha neles. Quero os dias
felizes segurando sua mão porque ver você feliz me faz feliz. Quero
que seja eu a cuidar de você sempre que precisar porque conquistei
esse direito nos últimos meses e não estou disposto a abrir mão
dele. Quero te ver brilhar e conquistar tudo o que desejar e te
sustentar sempre que achar que não tem forças para seguir… Eu
quero uma vida com você. Com tudo de bom, ruim e difícil que
possa vir com ela. Quero você, bruxinha…
Sua mão tremia quando foi estendida para mim. Beijei-a com
carinho antes de deslizar o anel simbólico em seu dedo, e logo
Sophia se ajoelhava à minha frente, segurando meu rosto para
aproximá-lo do seu, roçar nossos lábios enquanto nossos corpos se
moldavam e as batidas dos nossos corações se reconheciam.
Com aquela naturalidade única que já era nossa.
Entre beijos suaves e doces em meus lábios, Sophia
declarou:
— Também quero uma vida com você, Caldwell… Quero tudo
com você, ao seu lado... sempre.
EPÍLOGO 1
SOPHIA GARCÍA

Diante da janela da limusine, eu inspirei fundo, hipnotizada


pela fachada da Catedral de St. Patrick, que parecia cada vez maior
à medida que nos aproximávamos. Meses atrás, quando Liam e eu
a visitamos, antes de decidir que nos casaríamos nela, ela não me
parecera tão intimidante. Ou majestosa. Eu na verdade a havia
achado grande demais para o casamento, mas, se comparada às
outras opções de Liam, ela era a menos exagerada.
E a que mais se aproximava do que eu já havia desejado um
dia.
Uma igreja bonita, num dia de outono, com alguém que me
amasse e estivesse disposto a passar o resto da vida ao meu lado.
Eu tinha tudo isso e não poderia estar mais feliz ou satisfeita.
Um aperto um pouco mais forte em minha mão levou minha
atenção para o interior do veículo.
— Tem certeza de que está bem? — a senhora Caldwell
perguntou, talvez pela terceira hoje, estendendo uma mão para
acariciar meu rosto, com um cuidado materno que havia surgido nos
últimos meses e sempre fazia meu coração errar um pouquinho as
batidas.
Eu acenei em resposta, tentando conter minha emoção para
não destruir o trabalho impecável que a maquiadora havia feito.
— É só nervosismo e ansiedade — repeti, as mesmas
palavras que lhe dissera pela manhã, após ela me encontrar
passando mal antes do meu dia de noiva começasse. — As últimas
semanas de preparação dos detalhes finais foram muito
estressantes.
— Tem certeza de que não está…
— Tenho — interrompi. — Eu uso DIU… É só minha
ansiedade atacando.
Ela acenou, mas não pareceu muito convencida.
— Eu coloquei na sua mala alguns testes por via das
dúvidas, além de algumas balas para enjoo e aspirinas. Não sabia
se teriam fácil acesso a isso na lua de mel, então…
— Tudo bem, mas não se preocupe, sim? — pedi,
devolvendo o aperto em sua mão. — Eu estou bem.
Ela não respondeu. Contudo, eu conhecia o meu corpo.
Sabia como a ansiedade agia sobre ele e reconhecia o que vinha
sentindo como consequências dela. A minha perda de apetite e de
peso também confirmavam minha hipótese. Quando o casamento e
a festa passassem, todos eles iriam embora, como se nunca
tivessem existido.
O carro foi estacionado à frente da catedral e meu coração
deu um salto, disparando no peito de uma maneira que fez o sangue
pulsar em meus ouvidos e a ansiedade alcançar níveis
estratosféricos.
Tentei respirar fundo novamente e aquietar o revirar que
reiniciou em meu estômago.
Celina desceu primeiro, com a ajuda do motorista. Em
seguida, Liz e Emma surgiram para ajudá-la com a cauda do meu
vestido e o véu. Ambos eram enormes e eu queria poder dizer que
esse exagero fora de Liam, mas tinha sido todo meu. Assim como o
vestido branco deslumbrante. Tudo em que ele tentou interferir foi
sobre a lingerie da nossa noite de núpcias.
Ele pediu que eu não usasse nenhuma.
E eu concordei quando prometeu que não rasgaria meu
vestido. De novo.
Sorri ao lembrar disso e tentei manter esses pensamentos
mais leves em minha mente quando deixei o carro. Mas a emoção
me atingiu forte no momento que me deparei com minha melhor
amiga chorona e sua pequena Ji-Na nos braços. Minha princesinha
era uma mini versão da mãe e arregalou os seus olhos castanhos e
oblíquos levemente quando me viu. Logo seus lábios formavam um
biquinho, aquele que prenunciava o choramingo dengoso que só
cessava quando ela conseguia que eu a pegasse no colo.
Minha menininha linda.
Não resisti a me inclinar para deixar um beijinho na testinha
dela e abraçar Liz e Emma. Elas já choravam como se não tivessem
me visto pronta uma hora atrás, antes de virem para a igreja.
— Você está deslumbrante, Sophs — Emma disse, erguendo
um lencinho para capturar a lágrima teimosa que escapou dos meus
olhos, sem borrar a maquiagem.
— Liam está em tempo de esganar um pobre coitado, amiga
— Liz disse, e acabei rindo porque não duvidava nada disso. — É
melhor você entrar logo ou o padre vai desistir de celebrar esse
casamento.
Acenei em concordância e abracei as duas uma última vez,
agradecendo por estarem ali comigo.
Emma me entregou meu buquê e o encarei com um sorriso.
As principais flores dele tinham significado especial para mim e para
Liam. Dálias eram as minhas flores preferidas e, além de serem as
flores do México, elas representavam a união e o comprometimento.
Enquanto as flores de cerejeira, que Liam pedira para adicionarmos
na decoração e eu decidira pôr no buquê, simbolizavam a
eternidade na cultura coreana.
Era o que eu queria. O que sabia que nós dois queríamos.
Um compromisso eterno.
Engoli em seco para me livrar do embargo na garganta e
aceitei a ajuda de Blake para subir as escadas.
Todos os Herdeiros de Nova Iorque seriam nossos padrinhos,
porque Liam se recusara a escolher apenas um e disse que não se
importava se pareceria um exagero ter quatro, no entanto, Blake era
quem me levaria ao altar. Ele já era como um irmão para mim e
tinha sido leal e companheiro desde sempre. Fora a primeira pessoa
a ficar do meu lado contra José e a mãe dele, antes mesmo de eu
me casar com Liam, e fora ele também a garantir que aqueles
infelizes pagassem pelo que haviam me feito.
Não havia ninguém melhor que Blake para me entregar ao
meu capullo.
— Você está linda, Sophs — ele disse, parecendo orgulhoso,
quando paramos no local em que deveríamos ficar para aguardar
nossa vez de entrar.
Hefesto latiu para chamar minha atenção e sorri, para então
enviar beijos a ele. Seu rabo sempre se agitava quando me ouvia
produzir aquele som de beijos. Liam o chamava com assovios, e eu,
com beijos. E como o garoto obediente que era, ele sempre vinha.
Meus olhos passearam pela fila que iniciava com Alfredo. Ele
seria o primeiro a entrar na igreja, seguido por Hefesto — que
levaria as alianças — então Emy entraria com sua cestinha de
pétalas de rosas. Depois havia Emma, a senhora Caldwell e, por
fim, Liz e Ji-Na, que estava em seus braços.
Blake e eu entraríamos por último.
Quando as portas foram abertas e a sinfonia do órgão da
igreja iniciou, ficou um pouco mais difícil de respirar, meu peito subiu
e desceu mais profundamente e o vestido pareceu mais apertado
que o normal. Celina voltou a atenção para mim e me esforcei para
sorrir quando ela se aproximou para beijar minha testa e, em
seguida, fazer o mesmo com Liz e sua neta, que era sua maior
paixão.
— Respire fundo — Blake orientou, percebendo que meu
nervosismo estava cada vez maior.
À medida que todos entravam e os acordes da música
preparavam todos para a minha entrada, eu comecei a achar que
teria uma crise de ansiedade bem ali, no entanto, quando coloquei
os pés na igreja e meus olhos encontraram os do meu capullo
muitos metros à minha frente, tudo mudou. Foi como se um pavio
que tivesse sido aceso e estava prestes a explodir fosse de repente
apagado.
Então eu ignorei a música e os burburinhos no entorno,
foquei apenas no meu homem, no sorriso bobo que ele não
conseguiu esconder ao me ver. A cada passo em sua direção,
minha frequência cardíaca diminuiu um pouco mais, a pressão em
meu peito e pulmões baixou. Minha respiração pareceu acertar um
ritmo saudável.
Sorri, também boba. Apaixonada. Certa de que me ver
também fora tudo o que ele precisara para se acalmar.
Pareceu demorar uma eternidade até Blake e eu
alcançarmos o altar e ele me entregar ao amigo. Um choque
delicioso atravessou meu braço, arrepiando os pelos dele, quando
Liam segurou minha mão e a levou aos lábios.
— Acho que acabei de me apaixonar por você de novo,
bruxinha — sussurrou, sua boca pertinho da minha. — Eu estava à
beira de um ataque de nervos, mas valeu cada segundo.
Eu ri em seus lábios. Acariciei seu rosto másculo, os cabelos
negros bem-penteados. Não resisti a beijar sua boca e sussurrar,
como já havia me acostumado a fazer:
— Eu amo você.
Seu sorriso se ampliou ainda mais. Entreguei meu buquê à
Emma e Liam e eu nos posicionamos diante do padre, com nossas
mãos entrelaçadas. E a mantivemos assim em toda a cerimônia.
Quando trocamos os votos, Liam fez questão de proferir cada
palavra olhando em meus olhos, como se quisesse me deixar ver a
sinceridade em cada uma delas. E me dar a certeza de que ele
estava determinado a respeitá-las em todos os dias da nossa união.
Lágrimas encheram meus olhos e transbordaram carregadas
de emoção. Eu não duvidei de Liam. Aqui, diante dele nesse altar, e
de todas as pessoas que amávamos, eu não senti nada além de
certezas, porque a segurança que esse homem me transmitia em
palavras me abraçava, e a que ele me oferecia com ações me
nutria. Por isso eu acreditava em nós dois todos os dias.
Por isso estaria disposta a lutar por nós dois para sempre.
EPÍLOGO 2
LIAM CALDWELL

Um movimento abrupto na cama me acordou. Os lençóis


foram puxados para longe do meu corpo e se transformaram num
vulto negro no quarto de hotel semiescuro. O susto me impediu de
reconhecer Sophia imediatamente e só o fiz quando ela correu
apressada para a porta do banheiro, vestindo nada além de um
lençol preto envolto no corpo.
O que ouvi dois segundos depois foi suficiente para fazer
com que eu me levantasse num salto e saísse em disparada para o
banheiro, sem me importar se estava nu.
Cheguei a tempo de ver Sophia fechar a tapa do vaso e
desabar sentada no chão, limpando a boca com o dorso de uma
mão enquanto a outra massageava a barriga. O peito subindo como
se o esforço para colocar para fora o conteúdo do estômago a
tivesse exaurido.
— Bruxinha… — chamei, preocupado.
Adentrei o banheiro e me aproximei para tirá-la daquele chão.
Coloquei-a sobre o balcão de mármore da pia e umedeci uma toalha
para ajudá-la a limpar seu rosto. Ela estava pálida, com a respiração
agitada e evitando me encarar. Notar isso fez um desespero
silencioso ascender em meu peito.
— Me diga como posso te ajudar aqui — pedi. — Depois nós
vamos para um hospital e...
— Hospital, não — respondeu, reforçando a negativa com um
meneio de cabeça. — É só um mal-estar passageiro. Os últimos
dias foram caóticos por causa do casamento e…
— Sophia…
— Vou ficar bem, Caldwell — garantiu, erguendo o rosto
ainda pálido para me encarar. — Esses dias longe de tudo vão me
ajudar.
Entreabri os lábios para argumentar, mas ela não me deu
tempo.
— Sua mãe colocou uma caixinha com remédios na minha
mala. Pegue pra mim, por favor.
Hesitei por alguns segundos em deixá-la sozinha, mas
Sophia já não parecia tão instável por ter vomitado, apesar de
continuar pálida. Ela se inclinou sobre a pia para buscar sua
necessaire, que estava perto da torneira desde que chegamos a
esse hotel. Eu a vi tirar dela uma escova de dentes e o creme dental
antes de expirar fundo e repetir:
— Vá logo, Caldwell.
E acabei cedendo, mesmo preocupado.
Peguei a caixa e a entreguei à Sophia. Deixei-a ter seu tempo
no banheiro e vesti uma boxer para aguardá-la. Dei voltas pelo
quarto amplo, abri as janelas que nos permitiam uma visão
privilegiada da praia caribenha e teria me permitido alguns minutos
para observar aquela beleza deslumbrante, mas ainda estava
preocupado demais com minha bruxinha.
Depois do que me pareceu uma eternidade sem nenhum som
vindo do banheiro, a impaciência não me permitiu ficar quieto, por
isso bati na porta.
— Está tudo bem aí, bruxinha?
Ela não respondeu.
— Sophia? — tentei de novo, aproximando o ouvido da porta,
para tentar ouvir qualquer som, mas não identifiquei nada e a
preocupação só aumentou.
Pousei a mão sobre a maçaneta, hesitando por um segundo,
mas só até reconhecer que se não quisesse a minha entrada,
Sophia já teria me mandado para longe. Empurrei a porta achando
que ela tinha desmaiado e avancei banheiro adentro aflito, no
entanto, eu a encontrei sentada sobre a borda da banheira,
encarando algo que não consegui identificar.
— Sophia? — chamei novamente, me aproximando devagar,
cada vez mais preocupado. — O que você está sentindo, bruxinha?
Está me deixando preocupado.
Ela engoliu em seco e a senti tensa quando me ajoelhei à sua
frente, tentando ver seu rosto direito, encontrar seus olhos.
Um soluço escapou dos seus lábios.
Meu coração trincou.
— Bruxinha? — tentei novamente, agora mais do que aflito.
— Me diz o que você tem...
— E-eu... — Suas palavras foram cortadas por outro soluço,
que veio acompanhado com lágrimas. Ela entreabriu os lábios para
falar de novo, mas desistiu e apenas me estendeu o que está em
suas mãos.
Três bastões pequenos e brancos que me fizeram franzir o
cenho enquanto intercalava o olhar entre eles e uma Sophia ainda
chorosa. Girei-os na mão até conseguir ver o que eram e paralisei.
Meu coração deu um salto e acho que comecei a senti-lo na
garganta.
— Isso são...
— Testes d-de gravidez — ela sussurrou, por entre os
soluços.
Meus olhos saltaram entre os três testes enquanto uma
agitação insana se arrastava por todo o meu corpo.
Minha respiração ficou superficial quando notei que só havia
uma coisa em comum com todos eles.
— O que duas linhas querem dizer, bruxinha? — indaguei,
rouco, num fio de voz vergonhoso entre minhas arfadas.
Sophia ergueu os olhos alagados de lágrimas para mim, os
lábios trêmulos.
— Que eu estou grávida.
Acho que meu mundo parou por alguns segundos, e logo
depois começou a girar rápido demais.
— Bruxinha... — tentei, meu coração se expandindo e sendo
inundado por emoção.
— Nós não planejamos.... — ela completou, ainda chorando.
— Achei que estávamos seguros, que...
Eu avancei em sua direção e a envolvi em meus braços.
— Shhhhh... — tentei acalmá-la. — Está tudo bem...
Ela me abraçou forte e pressionou o rosto ao meu peito nu.
Acariciei seus cabelos e lhe dei algum tempo para se acalmar. Eu
não entenderia o que ela estava sentindo se não pudéssemos
conversar.
Quando a tensão começou a abandonar o corpo de Sophia,
ela me segurou mais forte.
— Eu estou grávida, Caldwell — repetiu.
Pressionei um beijo no topo de sua cabeça.
— Você não quer ter filhos é isso?
Ela meneou a cabeça em negativa.
— Não é isso, e-eu... quero, sim.
— E então?
— Eu tinha planejado nossa gravidez para daqui a dois anos
— sussurrou, rouca, então fungou baixinho. — Nem sei se você está
pronto para isso, se eu estou pronta para isso. Se você quer isso.
— Eu quero — declarei. — Eu estou pronto... Eu estou
ansioso para ter filhos com você, bruxinha.
Ela voltou a soluçar, a umidade quente das suas lágrimas
deslizava pelo meu peito. Rocei meus lábios em sua têmpora e
depositei nela um beijo suave antes de sussurrar em seu ouvido:
— Você não tem ideia do quanto eu amaria ver você grávida
de um filho meu, bruxinha... do quanto ter uma mini versão sua para
me enlouquecer ainda mais me faria o filho da puta mais sortudo do
mundo... do quanto um garotinho com a sua determinação e a
minha impaciência me deixaria louco, mas também insanamente
feliz.
— Caldwell...
— Eu seria a porra de um pavão orgulhoso ao seu lado,
bruxinha.
Sophia ergueu o rosto para me encarar e acariciou minha
nuca, embrenhando as mãos em meus cabelos.
— Eu amo tanto você, sabia? — sussurrou.
Sorri e acenei uma vez.
— Não importa se não planejamos, vamos conseguir dar o
nosso melhor — garanti.
Mais lágrimas deslizaram pelo seu rosto.
— Vamos — concordou.
Beijei sua boca.
— Eu também amo vocês, bruxinha... os dois. Eu amo vocês
dois.
CAPÍTULO BÔNUS

Aviso:
Só leia se quiser saber mais sobre outros personagens desta
história. Este capítulo termina com um gancho.

LIAM CALDWELL

Tamborilei os dedos na coxa conforme assistia a mesma


cena ser reprisada no terceiro jornal consecutivo. Era a quinta ou
sexta vez que eu a via e ainda não acreditava.
Não parecia ser real.
Não podia ser.
Blake não faria uma merda dessas, caralho. Era o Blake. O
filho da puta imperturbável. O autocontrole personificado. A porra de
um bloco de gelo inexpressivo e inabalável.
O Blake que eu conhecia não invadiria uma coletiva de
imprensa como um anjo da morte enviado para ceifar uma vida.
O advogado certinho que eu conhecia nunca socaria alguém
na frente de metade da mídia esportiva internacional.
O homem que eu conhecia buscava alternativas legais,
cumpria as leis e ficava satisfeito em fazer um filho da puta pagar
por seus crimes garantindo que ele enfrentaria a punição da justiça
numa prisão. Ele nunca faria justiça com os próprios punhos. Nunca
faria nada para manchar seu prestígio imaculado. Nunca perderia o
controle diante de ninguém.
Ainda assim, a porra da imagem na minha frente me
mostrava Blake avançando em seu próprio pai, socando-o diante de
dezenas de câmeras e o acusando de ser um agressor covarde…
Um filho da puta sem escrúpulos que pagaria por seus crimes.
Eu já tinha decorado as malditas palavras.
Levantei do sofá e desliguei a TV do hotel. Dei voltas pelo
quarto tentando descobrir que merda havia acontecido. Tínhamos
vindo à França para tratar de negócios. Não estávamos aqui há um
dia completo e Blake tinha conseguido uma encrenca a nível
internacional.
O mundo só poderia estar ao contrário.
Liguei para Blake pela milésima vez, servi e tomei três doses
de bebida e estava indo para a quarta quando ouvi a porta do quarto
dele, ao lado do meu, ser fechada. Larguei o copo num aparador e
disparei para fora da minha suíte. Em segundos, eu estava socando
a porta de Blake e o chamando sem me importar se perturbaria
algum outro hóspede.
Demorou até o filho da puta atender, e quando o fez, eu não
lhe dei oportunidade de me mandar à merda ou bater a porta na
minha cara, eu a empurrei como um trator e entrei.
— Mas que porra você fez, Blake?! — rosnei. — Aquelas
imagens já devem estar rolando por todo o mundo, caralho!
Ele fechou a porta do quarto e se voltou para mim com um
semblante inexpressivo. Nesse momento, contudo, eu reconheci
que aquela era apenas uma máscara. Uma que não era boa o
bastante para ocultar a fúria que crepitava sob a superfície.
O ódio que envenenava seus olhos castanhos.
Ver isso foi bastante para me fazer sair da minha postura
ofensiva. Algo estava errado. Muito errado, porra.
O que seria capaz de deixar Blake desse jeito?
— Irmão, eu não estou julgando você — eu nem tinha moral
para isso —, só quero entender o que aconteceu. Vamos precisar
lidar com a polícia? Vou ter que te mandar às escondidas para Nova
Iorque? Me diga o que posso fazer.
— Você não precisa fazer nada. Tenho o controle da
situação, eu só… — O baque forte de algo caindo no chão e se
estilhaçando o interrompeu, minha atenção voou imediatamente
para a porta que eu sabia ser do banheiro.
Tentei me aproximar de lá, certo de que havia alguém lá
dentro, mas Blake me impediu e a tensão em seu corpo o denunciou
de um jeito que sua impassibilidade não faria.
— Quem está aí, irmão? — perguntei. — Me deixe te ajudar,
porra. Preciso entender o que está acontecendo para saber como
agir!
Tudo o que ele fez foi me encarar em silêncio, cada músculo
do seu corpo enrijecido. Em alerta, quase em modo defensivo.
Inesperadamente, a porta do banheiro foi aberta. Devagar, de
um jeito quase hesitante. Voltei meu olhar para ela, para descobrir
quem estava ali, mas demorou até que alguém aparecesse.
Demorou até que um rosto surgisse das sombras.
No entanto, quando o vi, eu entendi tudo. Seu ataque diante
de todos, a agressão e as acusações contra o seu pai, essa postura
protetora, a fúria malcontida.
Os hematomas no rosto daquela mulher me disseram tudo.
— Porra — grunhi, numa mistura de revolta e descrença. O
pai de Blake havia feito aquilo? Tinha agredido a própria mulher?
Blake me largou, mas a força da sua raiva só se intensificou e
se tornou quase uma presença hostil naquele quarto. O silêncio ali
dentro parecia gritar tantas coisas que me deixou inquieto.
— Você precisa ir para um hospital — avisei. — E então, para
uma delegacia.
Amélie só meneou a cabeça em negativa, incapaz de dizer
algo em resposta. Logo ela desabou num choro que só escancarou
ainda mais a sua fragilidade diante do que havia sofrido.
E Blake ficou transtornado, porra, como um animal feroz
obrigado a conter seus impulsos.
Nesse momento eu entendi que esta não era a primeira vez
que essa merda acontecia, era a primeira em que ele agia contra a
vontade daquela mulher. A primeira vez que ignorava o silêncio dela
e jogava a merda no ventilador.
— O que você fez, Blake? — Amélie perguntou.
Blake não a encarou. Não me encarou. Mas eu não precisei
olhar em seus olhos para identificar a determinação que havia neles.
— Eu te dei uma escolha, Amélie — ele respondeu. — Você
vai ter que escolher quem vai proteger. Aquele filho da puta ou eu.
Hesitei, sem compreender o que Blake dizia. Ou pelo menos
demorando a compreender o que parecia fazer sentido apenas na
cabeça daqueles dois.
Contudo, em algum momento, eu compreendi.
Blake havia socado o desgraçado do seu pai na frente da
imprensa esportiva de toda Europa e tinha deixado todos saberem o
motivo do que fazia.
Se Amélie não denunciasse o marido e deixasse todos
saberem o que ele havia feito, o único que se foderia
irremediavelmente seria Blake.
Esse filho da puta tinha colocado uma corda no pescoço e
dado a ela o poder de enforcá-lo, porra.
E eu não tinha ideia do que essa mulher faria.
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Ele é o herdeiro de um império.


Ela era a filha da empregada da família.
Eles se amavam, mas foram separados. Anos depois, se reencontram e ele está
disposto a lutar para tê-la de novo, mesmo que agora precise aprender a proteger
e cuidar de uma menininha fofa para ter as duas em sua vida.
Bruce Waldorf é um magnata arrogante que só amou uma mulher na vida , estava
pronto para pedi-la em casamento quando descobriu que ela era a filha da amante de
seu pai, e que estava sendo enganado para ser vítima de um golpe.
Emma Hale é uma jovem doce e esforçada que perdeu o homem que amava por
causa dos erros de sua mãe , e agora cria sua irmã mais nova sozinha enquanto sua
progenitora esbanja o dinheiro da pensão da menina em viagens.
Um acordo milionário os coloca frente a frente de novo, para trabalharem juntos depois
de cinco anos, e o reencontro inesperado é suficiente para Bruce perceber três coisas:
Primeiro, Emma continua sendo a única mulher que ele ama.
Segundo, cometeu um erro ao desconfiar dela no passado.
Terceiro, vai rastejar para tê-la de volta se for preciso.
O que ele não esperava era que sua irmãzinha mais nova o ajudaria nessa empreitada,
que o conquistaria com sua doçura e que acabaria se tornando a segunda a ter seu
amor e proteção incondicional.

Você encontra: segunda chance, Found Family, romance com bilionário, grumpy &
sunshine, cicatrizes emocionais, hot de milhões.

Leia Maverick e Liz aqui!

MELHOR AMIGO DO IRMÃO — AGE GAP — GRAVIDEZ


INESPERADA — FOUND FAMILY

Ele é um bilionário cafajeste e dez anos mais velho.


Ela é virgem e irmã do seu melhor amigo.
Eles se entregaram a uma noite avassaladora de paixão e
agora terão que lidar com as consequências dela.

Maverick Bradshaw é um herdeiro indecente do ramo da


hotelaria. Com quase 31 anos vividos com muito prazer e
irreverência, ele tinha certeza de três coisas: nunca se casaria,
jamais teria um filho e sempre protegeria a irmã mais nova do seu
melhor amigo. Até de si mesmo.
Elizabeth Caldwell é uma jovem linda e promissora que
sempre foi protegida pelo irmão e pelo amigo bem-humorado,
espertinho e safado dele. Maverick foi seu primeiro e único amor e,
apesar de acreditar que ele nunca retribuiria seus sentimentos, ela
nunca o esqueceu.
Uma festa de máscaras promíscua muda tudo. Os dois se
entregam aos sentimentos que nutriam em silêncio, ao desejo
avassalador que reprimiam, e agora Elizabeth está determinada a
conquistar Maverick a qualquer custo.
O que nenhum deles esperava era que uma gravidez abalaria
seus mundos, abrindo antigas feridas, testando amizades e o amor
que os dois sentiam.
Uma bebê inesperada seria capaz de curar as feridas de um
pai relutante?
PEDIDO DA AUTORA
Olá, leitor, se chegou até aqui, espero que este livro tenha te
proporcionado muitas emoções, que estes personagens tenham
conquistado um espacinho no seu coração. Se isso aconteceu, te
peço que indique este livro a um amigo, nas redes sociais, ou
mesmo que deixe sua avaliação aqui na Amazon. Isso me ajuda
muito e pode fazer com que esta história encontre novos leitores e
corações.
Talvez você não saiba, mas sua recomendação faz toda a
diferença. O poder de reconhecer o trabalho de um autor é todo seu.
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Eu transei com a minha chefe.


Sim, exatamente isso. Eu a odiava, ela não me suportava, mas bastou que uma
crise na empresa forçasse a nossa aproximação para que transássemos como dois
animais e entrássemos em um acordo tácito sobre nos divertir por alguns dias.
Até ela sumir.
E me deixar louco.
Eu sabia que ela tinha segredos e sabia que eu não tinha motivos para insistir em
encontrá-la quando o que nós tivemos foram apenas alguns encontros regados a sexo
quente. Eu podia ter isso com outra mulher e não tinha nenhum motivo para ela estar
dominando a minha mente, não é? Ou para eu decidir que poderia e deveria cuidar dela
quando ela mais precisava, certo?
Errado.
Eu estava me apaixonando por aquela Diaba e agora precisava conquistá-la. Fazê-
la enxergar que também estava apaixonada. Convencê-la de que poderíamos ficar juntos.
Só não sabia que lutar contra o passado dela seria meu maior desafio.

Leia aqui!
[1]
Grupos musicais mexicanos que interpretam músicas populares do gênero também
conhecido como Mariachi.
[2]
Bairro de Manhattan conhecido por abrigar butiques de grifes nacionais e internacionais,
além de lojas luxuosas, galerias de arte e bares superbadalados.
[3]
Sim… eu amo você, meu babaca estúpido.
[4]
Eu amo você, bruxinha.

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