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PERDIÇÃO SUBLIME
PRÓLOGO
1 - Ventos bravios
2 - Tilintante
3 - Olhos de águia
4 - Surpresas da vida
5 - Vapor na chuva
6 - Convite
7 - Na luz do sol
8 - Tão perto
9 - Beleza rústica
10 - Gesto de gratidão
11 - Nomes e sorrisos
12 - Ar em chamas
13 - Turbilhão
14 - Certeza súbita
15 - Fluir como um riacho
16 - Proposta
17 - Novos planos
18 - Passeio
19 - Deslumbrante
20 - Jogo de perguntas
21 - Pequeno pedaço de sonho
22 - Recrutamento
23 - Confronto
24 - Promessa de um beijo
25 - Histórias
26 - Justiça injusta
27 - Um novo horizonte
28 - Lições
29 - Pegadas digitais
30 - Informações ocultas
31 - A mil por hora
32 - Legado
33 - Dívidas
34 - Sobrevivente
35 - Adrenalina
36 - Em família
37 - Missões futuras
38 - Raízes
39 - Aprovação
EPÍLOGO
Notas da autora & Agradecimentos
Conheça “Paixão Pagã”: a história de Dimitri e Hadassa
Conheça “Provocação Preferida”: a história de Lucas e
Megan
Conheça “Provação Suprema”: a história de Leila e Mathias
Conheça “Pecado Sagrado”: a história de Alana e Alex
Conheça “Promessa Perversa”: a história de Tomás e
Josiane
OUTRAS OBRAS DA AUTORA
Sobre a autora
PRÓLOGO
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Atualmente
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Entre uma performance e outra, houve uma pausa para um
intervalo da equipe de dança.
Isis aproveitou, foi até o banheiro, retocou o batom e, ao sair,
andou até uma das sacadas do Palácio das Artes, inspirando o ar
noturno. Apesar de tudo, ainda não estava acostumada a ficar no
meio de muitas pessoas. Nada como alguns minutos de solidão
para se recompor.
— Está tudo bem?
— Só estou me recarregando — Isis falou, sentindo o calor
que a aproximação de Oliveira trazia. — A vista da capital aqui é
incrível.
Oliveira se colocou ao lado dela, apoiando a mão no gradil de
pedra.
— É linda mesmo. Está gostando da apresentação.
— Muito! Nunca vi ninguém dançar como aquela bailarina.
— Dimitri sempre elogia a dança de Hadassa.
— Ele a ama, não é? — Os olhos sonhadores de Isis se
voltaram para Oliveira. — Pude ver isso na forma como ele a olhava
dançando.
— Dimitri merece ser feliz.
Todos nós merecemos. Isis suspirou. Mas, para alguns, isso é
quase impossível.
Querendo mudar o rumo dos pensamentos angustiantes que
pairavam como uma sombra acorrentada a ela, Isis balançou a
cabeça.
— Ver Hadassa dançando é tão inspirador. Até fiquei com
vontade de dançar. — Ela esticou os braços, segurando as mãos de
Oliveira. — Você não ficou?
— Creio que não.
Isis riu, balançando o corpo, como se ensaiasse uma dança.
— Ora, não seja o homem turrão que Matilde alega que você
é!
Oliveira meneou a cabeça, os braços se mexendo um
pouquinho mais, o princípio de um sorriso ameaçando encher a
boca dele e iluminar verdadeiramente seu rosto.
Empolgada, Isis se movimentou com mais vontade, fingindo
dançar ao redor de Oliveira, o vestido se abrindo em ondas a cada
giro, sem jamais se soltar dos braços dele.
Não havia música, mas ela a escutava em todo o seu ser.
Parece que estou sonhando. E não quero acordar.
— O que você disse?
Isis parou e piscou, encarando os olhos de Oliveira.
Ela havia falado aquilo em voz alta?
Suas bochechas arderam na mesma hora.
Mas então, em vez de puxá-la para continuar com os
movimentos descoordenados ou questioná-la de novo, Oliveira
levou os lábios até a altura do cotovelo dela, depositando um beijo
suave ali.
— Parece que estou sonhando também, e isso não é comum.
Isis ofegou, usando a mão livre para agarrar o ombro dele; a
sensação era de que suas pernas poderiam falhar a qualquer
momento.
— Me sinto perdendo o controle a cada dia que passa, a cada
dia que estou perto de você — ele murmurou, continuando com o
beijo arrepiante por toda a extensão do seu braço, as palavras
queimando a pele dela. — Não quero me aproveitar de você. Você
está passando por uma situação difícil. E eu, além de ter meus
próprios problemas, sou quinze anos mais velho. E estou agindo
como um maldito adolescente impulsivo.
— Não me importo — ela sussurrou, rouca, enquanto os lábios
dele deslizavam até chegarem à parte interna do seu pulso. — Não
me importo com mais nada. Só quero viver esse sonho. Nem que
seja por apenas um instante efêmero.
Os olhos dele buscaram pelos dela.
Ali, ela sentiu que o mundo inteiro poderia queimar.
Com uma lentidão provocante, Oliveira a trouxe para mais
perto, até tocar em seu rosto, roçando os lábios sobre os dela de um
lado a outro; um toque suave, sem pressão, mas que fez o corpo de
Isis se arrepiar por inteiro e ansiar por mais.
— Não sou de beijos públicos — ele sussurrou contra sua
boca, os dedos acariciando as mechas que escapavam do penteado
dela. — Mas, quando chegarmos em casa, te beijarei com a vontade
que estou guardando dentro de mim há muito tempo.
Não foi apenas a promessa do beijo que fez o coração dela
palpitar.
As quatro palavrinhas quase a desabaram.
E, enquanto eles retornavam para o teatro, para assistirem ao
final da apresentação, aquelas palavrinhas continuaram ecoando
dentro dela.
“Quando chegarmos em casa”.
Sorriu para si mesma.
Em casa.
22
Recrutamento
◆◆◆
Havia momentos em que o pensamento rápido e o treinamento
executado por toda uma vida eram tudo o que alguém podia ter.
E foi confiando no próprio corpo e na própria agilidade que
Oliveira agiu sem ponderar duas vezes.
Assim que caiu de joelhos, com a dor causada pelo choque do
teaser, ele trincou o maxilar, puxou o ar e ergueu o cotovelo,
atingindo o estômago do homem que o atacara.
A força do golpe fez o sujeito recuar.
Com o canto do olho, captou um segundo homem correndo na
mesma direção em que Isis havia ido.
Maldito!
Oliveira desferiu um golpe na mão do seu oponente,
desarmando-o tão rápido que ele demorou para assimilar o que
tinha acontecido.
Aproveitou aquilo.
Sem dar tempo para que o homem sacasse qualquer outra
arma, Oliveira girou e o golpeou, derrubando-o no chão.
— Você mexeu com o cara errado — vociferou, chutando-o na
perna e dando três socos em seguida, para garantir que o filho da
puta não ficasse em pé com tanta facilidade.
— Não é você que queremos — Ele cuspiu sangue.
O coração de Oliveira acelerou.
Isis!
— Oliveira!
A voz familiar de Dimitri ecoou pelo estacionamento.
Oliveira ergueu o rosto, vendo o grupo se aproximando dele.
— Não tenho tempo para explicar! Tem gente atrás de Isis! Ela
foi para lá! Precisa de ajuda!
O investigador Tomás sacou a arma do coldre, correndo na
direção que Oliveira apontava.
Fechando o punho, desferiu mais dois socos na cara do
homem que o atacara, até que ele ficasse completamente
desacordado.
— Peçam reforços! — Oliveira bradou para Alex e Alana.
E, junto de Dimitri e Lucas, correram atrás de Tomás,
acompanhando o investigador.
Se alguém machucasse Isis, poderia se considerar um sujeito
morto.
Um sujeito morto por suas próprias mãos.
Porque ninguém encostaria um dedo naquela garota e viveria
para respirar outra vez.
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Ao sair da delegacia, Isis soltou o ar demoradamente. Sabia
que Bruno ficaria puto com ela. Mas não poderia mentir para si
mesma. Não poderia deixar nenhum criminoso se safar. Quantas
mulheres morriam diariamente, violentadas, abusadas, sem jamais
terem o direito à justiça?
Não permitiria que Natanael saísse impune da morte e do
estupro de Vic.
Além disso, o pai de Bruno era um homem da lei.
A justiça deveria prevalecer para ele acima de tudo, certo?
Diferente do filho, o delegado a ouvira e a apoiara. Como
qualquer homem ou mulher em sua posição deveria fazer. Aquilo
era tudo o que Isis precisava para ter certeza de que havia feito a
coisa certa.
Enquanto caminhava pela calçada, sentindo um frio estranho
lamber sua pele, Isis se pegou olhando várias vezes para o lado.
Havia uma sensação obtusa de estar sendo vigiada.
Assustou-se quando uma viatura policial parou ao seu lado.
Com o canto dos olhos, ela viu os dois policiais que haviam tomado
seu depoimento.
— Entre. Vamos te levar até a sua casa.
— Obrigada, mas não é necessário. Vocês têm trabalho mais
importante do que me dar uma carona.
— Entre — o policial insistiu, a voz calma, confiante. — Você
acabou de fazer uma denúncia contra uma das famílias mais
influentes da nossa cidade. Para sua própria segurança, nós
ficaremos com você.
Isis sentiu um alívio avassalador.
Abriu a porta traseira da viatura e entrou.
Queria chorar, queria gritar, mas sabia que precisava se
controlar ao máximo. Pela criança que carregava dentro de si.
— Vou participar de algum Programa de Proteção à
Testemunha? Sei que isto mudará minha vida, mas não me importo,
contanto que a justiça seja feita.
Um dos policiais lhe estendeu uma garrafa de água. Isis a
aceitou e a agradeceu, sorvendo vários goles do líquido.
— O delegado cuidará de tudo.
Ela assentiu e bebeu toda a água. Abriu a boca para fazer
mais perguntas.
Mas, de repente, a vista turvou.
O olhar de Isis rolou para a garrafinha vazia que ainda
segurava.
E sua última lembrança foi estar caindo contra o banco da
viatura antes do mundo escurecer ao seu redor.
◆◆◆
Sentindo uma dor terrível por todo o corpo, Isis lutou para abrir
os olhos e assimilar o que havia acontecido.
Com dificuldade, percebeu que havia anoitecido e que estava
no meio de um bosque, ou algo do tipo. Puxou o ar, buscando todas
as forças para recuperar o controle sobre seus músculos. Um gosto
amargo enchia sua boca.
Erguendo parcialmente a cabeça, enxergou dois homens um
pouco mais à frente de onde ela estava. Eram os policiais.
— Isso é mesmo necessário? — um deles indagou.
— São ordens do delegado, que recebeu ordens do pai do
Natanael. Já estamos bem longe da cidade. É hora de fazer uma
queima de arquivo.
O coração de Isis bateu mais rápido. Eles a matariam.
Não soube como, mas uma adrenalina feroz rugiu dentro dela.
E, quando percebeu, deu um impulso para cima, se levantando e
correndo para longe.
— Porra! A filha da puta está fugindo!
Aquela foi a última coisa que Isis entendeu.
Ela correu cegamente por entre as árvores, os olhos
arregalados, a respiração ofegante. Queria gritar por socorro. Mas e
se a ouvissem antes que alguém a resgatasse? Seria capturada.
Seria morta. Seu bebê seria morto.
Além disso, em quem poderia confiar?
Os policiais estavam comprometidos. Pelo jeito, a família de
Natanael tinha poder para ditar uma justiça paralela.
A realidade caiu sobre ela. Talvez tivesse sido ingênua. Mas,
no fundo do seu coração, se o tempo voltasse, sabia que teria feito
a denúncia do mesmo jeito.
Porque, um dia, a vítima era Vic.
No outro, poderia ser ela próprio.
E, no outro, até mesmo seu bebê.
Ela quisera quebrar o ciclo. E agora pagaria o preço por uma
justiça injusta.
Isis lutou contra o instinto de correr para o descampado. As
sombras, a noite e as árvores teriam que ser suas aliadas. Não
sabia se havia outros policiais corruptos por perto. Como poderia
saber se não trombaria com alguém comprado pela família de
Natanael? Se alguém abrisse a porta de uma casa, como poderia
ter certeza de que não seria entregue em troca de suborno e
promessas?
Ela tinha que correr, se afastar, achar um esconderijo.
O eco retumbante dos tiros lhe deu mais força para correr.
“Não olhe para trás”.
Seus dentes batiam. Suor, frio, tremor, tontura, náusea; tudo
era um redemoinho dentro e fora dela.
Puxando o ar, Isis levou a mão ao ventre. Não podia desistir.
Havia mais uma vida que dependia dela.
Agarrando-se ao fio de esperança, ela continuou correndo, até
desaparecer, até ter certeza de que seus perseguidores haviam
perdido seus rastros.
Todos haviam prometido que cuidariam dela.
Mas a verdade era uma só. A verdade certeira e solitária que
conhecera e saboreara durante toda a sua vida.
Ela era a única que podia cuidar de si mesma.
27
Um novo horizonte
◆◆◆
Como sempre acontecia quando tinha um pesadelo, Isis
acordou assustada, sem fôlego.
O coração batia tão alto que ela achou que ele saltaria do peito
a qualquer instante, que ecoaria por todo o quarto.
O quarto...
Isis se deu conta de que não estava no quarto de hóspedes, e
sim no quarto de Oliveira.
Onde tive a melhor noite de toda a minha vida.
Ela se virou, notando que a cama estava vazia. Puxou e
abraçou o travesseiro de Oliveira, apertando-o junto ao peito,
inspirando o cheiro atado ao tecido, e só se levantou quando sentiu
que as batidas do seu coração haviam se estabilizado.
Depois de se levantar, ir ao banheiro e trocar de roupa, passou
no quarto onde Davi estava. Seu filho ainda dormia. Ela suspirou e
se encostou ao batente da porta, observando-o. Não se lembrava da
última vez em que vira Davi dormir tão sereno, tão profundo. Todo o
ambiente da fazenda era bom para ele.
E para ela.
Seu corpo estremeceu, esquentou; as sensações ardentes da
noite ainda vibravam por sua pele.
Jogando os cabelos para trás do rosto ruborizado, Isis deu um
beijo no filho e encostou a porta do quarto. Caminhou em silêncio
pelo corredor, até parar diante do escritório de Oliveira. A porta
estava entreaberta e, pela fresta, podia vê-lo sentado à mesa, diante
do computador.
Olhá-lo ali, mesmo à distância, fez seu coração disparar, os
dedos formigarem, sua boca desejar pela boca faminta dele, por
cada toque selvagem e impetuoso.
Suas pernas ameaçaram bambear.
Minha nossa!
Ela quase ofegou com a voracidade da imaginação.
— Pode entrar, pequena.
Surpresa por ele ter notado sua presença, mesmo estando tão
concentrado no computador, Isis terminou de abrir a porta e
adentrou no escritório. O cheiro amadeirado da decoração invadiu
suas narinas.
— Não conseguiu dormir? — ela perguntou.
— Perdi o sono há uma hora. Lucas me mandou mensagem.
Dimitri, Alex e ele estão investigando o homem que apareceu aqui
na fazenda noites atrás, para ver se descobrem sua identidade.
O homem que fez acusações sobre a morte de Sofia.
Um arrepio lambeu a nuca de Isis.
As imagens dos sonhos pulsaram vívidas atrás dos seus
olhos.
Tentou afastar aquelas cenas com um movimento de cabeça.
— E eles vão conseguir descobrir a identidade dele, sendo que
nem a polícia, nem o hospital, nem você descobriu?
— Eu treinei aqueles dois. E posso dizer que os alunos
superaram o mestre. São bons no que fazem. Só hesitei em pedir a
ajuda deles porque não queria envolvê-los nos meus problemas.
Dimitri e Lucas possuem suas próprias parcelas de tormento para
resolver.
— E algo me diz que vocês não usam meios legais para
descobrirem certas informações.
— Algo me diz que você está certa. Mas não sei se eles
encontrarão algo. Ordenei para que aqueles dois não se metessem
em problemas.
Ela esboçou um sorriso; Isis descobriu que adorava a forma
como Oliveira falava de Dimitri e Lucas. Como ela nunca tivera
amigos de longa data, admirava a amizade que existia entre os três.
— E você, está bem? — Oliveira indagou, erguendo o rosto. —
Achei que dormiria até tarde.
— Tive um pesadelo. Creio que reviver o passado mexeu
comigo.
— Vamos resolver tudo isso. Tanto a identidade do sujeito que
apareceu aqui e a verdade por trás das acusações que fez, quanto
sua situação com aquele riquinho mimado e com os policiais
corruptos.
— Já falei que é perigoso demais e...
Oliveira ergueu um dedo, cortando-a.
— Isso está fora de discussão. Chega de fugas para você.
Chega de viver com medo.
Isis bufou e revirou os olhos. Oliveira a acusava de ser
teimosa, mas ele também era teimoso igual a uma mula.
— Ok. Só não me deixe de fora. Me conte tudo o que
descobrir.
— Combinado. Quer tomar café? Comeu um pão?
— Acordei com o estômago meio embrulhado. Acho que vou
demorar um pouco para sentir fome.
— Tem algum plano para agora cedo?
— Só preciso atualizar a agenda de entrega das hortaliças.
— Bom, deixe a agenda para depois. Já que você está em pé
e não quer tomar café, podemos adiantar uma coisa que planejei
para hoje.
— Tem a ver com meu trabalho?
Oliveira negou e apanhou uma sacola preta, que estava ao
lado da mesa, e ficou em pé.
— Venha comigo, pequena.
Isis assentiu e o seguiu para fora da casa, perguntando-se
para onde estavam indo enquanto atravessavam uma trilha de
pedregulhos. Os ombros largos de Oliveira enchiam sua vista, e
tudo o que ela conseguia pensar era nas sensações da noite
passada, no calor que o corpo forte e grande dele provocara no seu.
Quando Oliveira a fitou de soslaio, Isis baixou o rosto, as
bochechas ruborizadas.
Mesmo fitando o chão, tinha certeza de que podia sentir o
sorriso de canto, todo provocativo, que se insinuava na boca dele.
Eles pararam em uma clareira; os primeiros raios de sol se
insinuavam pela copa das árvores. Havia um suspiro de névoa no
ar, um toque adormecido na mata.
— Aqui é um bom lugar.
— Para...? — Isis indagou, curiosa.
— Para eu te ensinar a atirar.
Ela arregalou os olhos, ligeiramente surpresa.
Oliveira soltou a sacola que segurava no chão e tirou uma
arma de lá de dentro. Estendeu-a para Isis. Cautelosa, ela a
observou; era pequena, preta, ideal para ser carregada com
discrição.
— Acha mesmo que isso é necessário, Álvaro?
— Sim. — Oliveira encaixou os dedos de Isis na arma; o
contato entre suas peles provocando arrepios nela. — Prometi que
te protegeria. Que protegeria o rapazinho. Mas pode ser que nem
sempre eu esteja por perto. E ficarei mais aliviado sabendo que
pode se defender sozinha.
Isis pensou no pesadelo, na sensação de impotência, nos risos
odiosos de Natanael e Bruno, no medo que a devorou quando não
conseguiu encontrar Davi.
Puxou o ar, fitou Oliveira e assentiu.
— Tudo bem. Me ensine.
Lentamente, as mãos de Oliveira se soltaram das dela,
deixando que os dedos de Isis segurassem o cabo da arma. Era
uma semiautomática, leve, mais fácil de portar do que ela tinha
imaginado.
— Está carregada?
— Sim, mas só vai disparar se você apertar o gatilho.
— E o que eu preciso saber antes de apertar o gatilho?
De forma sucinta, ele explicou sobre as travas, a munição, a
quantidade de tiros e todo o cuidado que ela precisaria ter.
Isis o escutou com atenção, assimilando cada ensinamento.
Ao beijo do vento, as árvores farfalhavam baixo, como se não
quisessem que os sons provocados por suas folhas atrapalhassem
a aula.
— Fique aqui. Mantenha os pés afastados.
— Assim?
— Isso. Deixe os braços um pouco abaixo da altura dos
ombros. É importante mantê-los firmes para aguentar o impacto do
tiro.
— E onde vou atirar?
— Ali. Naquele tronco.
Isis afastou os pés e firmou os ombros, seguindo cada
instrução de Oliveira. Podia sentir a pulsação aumentando conforme
segurava o cabo da arma com mais força. Era a primeira vez que
tocava em uma semiautomática. Hesitação e euforia se misturavam
em seu sangue.
Mirou no tronco.
O dedo que deslizava pelo gatilho estava molhado de suor frio.
Seu coração batia na garganta.
— Não sei se...
— Vou te ajudar. Mas só uma vez.
Antes que Isis pudesse sequer se mover, Oliveira se colocou
atrás dela; o calor que seu corpo irradiava quase a arrebatou.
Os braços dele se ergueram ao redor dela, espalhando seu
perfume enquanto ele encaixava as mãos nas suas. A suave
pressão entre seus corpos fez Isis morder o lábio inferior.
— Atiraremos juntos nesta primeira vez, ok?
Isis balançou a cabeça. Era impossível falar ou raciocinar com
aquele homem praticamente colado nela.
E uma vozinha no fundo da sua mente lhe dizia que Oliveira
sabia daquilo e que, mesmo mantendo as feições sérias, estava se
divertindo.
Com as mãos de Oliveira sobre as suas, Isis posicionou a mira
da arma. A respiração dele balançava os fios dos cabelos dela.
— Preparada?
— Preparada.
O disparo ecoou pela clareira.
Seu corpo sentiu o impacto do tiro, e ela recuou, colidindo as
costas no peito de Oliveira.
— Muito bem. Outra vez.
Oliveira afastou as mãos.
Confiante, Isis disparou de novo. E de novo. E de novo. Até
que não houvesse mais munição. Até que seus ouvidos estivessem
apitando.
— Eu deveria ter arranjado uns protetores auriculares — ao
ouvi-lo falar aquilo, Isis se deu conta de que Oliveira ainda estava
parado atrás dela.
— Como fui na minha primeira aula?
— Está se mostrando uma boa aluna.
Propositalmente, ela deu um passo para trás, as costas
roçando no peito dele.
— Preciso de mais aulas?
— Talvez. Mas não agora.
De súbito, as mãos dele apertaram sua cintura, pressionando-
a contra a rigidez de seus quadris. Isis ofegou. Ele não a soltou.
Sentiu os lábios de Oliveira descerem pela linha do seu pescoço, os
dentes roçando em sua pele já sensível.
— Cuidado — ela sussurrou, a voz rouca. — Você está
provocando uma mulher armada.
— Acho que isso deixa tudo mais... Interessante.
A boca dele continuou tracejando seu pescoço, enquanto os
dedos acariciavam sua cintura, deslizando preguiçosamente para
baixo de sua blusa. Isis não conseguiu segurar o murmúrio que saiu
de sua própria garganta ao ter o quadril pressionado com mais força
contra o dele.
Ela inclinou a cabeça, ansiando por beijá-lo, por...
O som do toque de um celular quebrou toda a quietude da
clareira.
— Mas que diabos... — Oliveira praguejou.
O corpo de Isis reclamou quando ele se afastou dela.
Ela se virou, o rosto ainda corado, vendo-o atender a ligação.
Vincos encheram a testa de Oliveira enquanto a pessoa do outro
lado da linha falava alguma coisa.
— Certo. Certo. Estarei no aguardo.
Assim que desligou o celular, Oliveira a fitou.
— Dimitri e Lucas descobriram a identidade do homem
misterioso. E estão vindo para cá agora mesmo.
29
Pegadas digitais
◆◆◆
Leila piscou demoradamente, assimilando o pedido de
Oliveira.
— Você não recebeu o relatório na época?
— Recebi sim.
— Tem alguma coisa que você achou estranha no relatório e
não comentou na época?
— Não. Tudo estava normal. Mas... Olha, sei que vai parecer
estranho, e não posso te dar detalhes. Se você puder, cheque-o
para mim, por favor.
Leila silenciou por um momento. Mas, então, soltou o ar e
relaxou os ombros. Pessoas que passavam pelo processo de luto,
mesmo após um ano, às vezes apresentavam comportamentos
como aquele. Embora quisesse questioná-lo, achou melhor fazer o
que Oliveira pedia; principalmente se aquilo significasse diminuir um
pouco da dor que ele sentia.
— Tudo bem. Me dê um minuto.
— Obrigado, Leila.
Ajeitando-se melhor na frente do computador, ela fechou o
arquivo de registros de entrada e saída do hospital, e acessou o
sistema relativo à necropsia.
Enquanto o sistema carregava, olhou duas vezes por cima do
ombro, apenas para confirmar que não havia ninguém por perto.
Rever relatórios de autópsia não era algo ilegal, mas... Havia algo
no ar, algo que Oliveira não estava lhe contando.
E aquilo a deixou inquieta.
Buscou pelo nome de Sofia e esperou que o relatório abrisse.
Uma pequena caixa de texto surgia no meio da tela.
— Que estranho...
— O que foi?
— Não consigo acessar o relatório da autópsia. Diz que
somente os médicos responsáveis possuem autorização. Estranho.
Eu faço parte da equipe legista. Acho melhor falar com o doutor
Thales e...
— Espere.
Leila escutou um chiado do outro lado da linha, como se o
celular estivesse sendo passado para outra pessoa.
— Oi. — Era uma nova voz agora. — Eu sou o Lucas. Vou te
passar umas instruções. Se você as seguir passo a passo,
conseguirei remotamente quebrar a codificação do sistema e você
vai poder acessar os laudos. Tudo bem?
Certo.
Aquela história estava ficando cada vez mais bizarra.
Com o que Oliveira tinha se metido?
Mas, pelos anos que o conhecia e pela forma carinhosa e
protetora que sempre o via tratando Isis e Davi, decidiu lhe dar o
benefício da dúvida.
— Tudo bem.
De forma paciente, Lucas passou as instruções para ela, e
Leila as seguiu, sentindo o coração acelerar a cada minuto que se
passava. Vez ou outra, olhava por cima do ombro, temendo ser
flagrada.
— Acho que agora vai...
Assim que ele disse aquilo, a pequena caixa de texto
desapareceu do centro da tela.
Leila arfou baixinho, surpresa.
— Conseguiu o acesso? — Lucas perguntou.
— Sim. Como você fez isso?
— Não posso revelar todos os meus segredos.
Leila achou melhor não perguntar outra vez. Algo lhe dizia que
aquilo poderia complicá-la ou colocar seu trabalho em risco.
— Fique tranquila. — A voz era de Oliveira de novo. —
Qualquer problema, nós assumiremos a culpa.
Inclinando-se em frente a tela do computador, ela começou a
rolar a autópsia para baixo, assimilando as principais informações
obtidas.
— Causa da morte... Infarto agudo do miocárdio, causado pela
hipertensão gestacional.
Ela podia tatear a dor na forma como ele respirou, e aquilo fez
seu coração se apertar.
Ninguém merecia perder alguém que amava.
— Foi este o laudo que recebi.
Leila continuou correndo os olhos pela tela e pelo relatório.
Piscou. Leu de novo a linha seguinte. Piscou mais uma vez. Seus
lábios se separaram pouco a pouco.
— O que é isso...?
— O que foi, Leila? — escutou Oliveira grunhir do outro lado
da linha, visivelmente impaciente.
— Uma dose alta de suplementos termogênicos foi encontrada
nos exames feitos na Sofia. Mas uma dose muito alta mesmo, capaz
de provocar um ataque cardíaco. — Com o celular preso entre a
orelha e ombro, Leila rolou o laudo da autópsia para baixo,
assimilando as informações restantes. — Sofia praticava algum
esporte?
— Não. Ela estava grávida. E nunca tomou essas coisas. Tem
certeza de que é isso que consta no relatório?
— Tenho sim. Não faz sentido.
— Não faz mesmo. Porque eu recebi o relatório na época.
Minha memória é boa. Não havia nenhuma informação sobre
termogênicos encontrados nos exames. — A tensão crescia na voz
de Oliveira. — E eu sei que Sofia jamais tomaria uma coisa dessas
estando grávida.
A cabeça de Leila trabalhava a mil por hora.
Como aquele detalhe não havia sido informado ao marido de
Sofia? Não era o procedimento padrão. E por que ela nunca ouvira
uma menção sequer ao fato de uma mulher grávida ter morrido de
parada cardíaca, e que a autópsia acusou uma dose incomum de
termogênico no organismo?
— Preciso verificar melhor isso agora mesmo.
— Leila, espere...
— Ligo para você daqui cinco minutos.
Leila desligou o celular e se levantou.
Ainda pensativa, escutou um barulho às suas costas; antes
que pudesse se virar por completo, algo a atingiu com força na
cabeça, e ela caiu desacordada no chão.
31
A mil por hora
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Atualmente
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— Vá por ali! — Oliveira gritou para Dimitri, dando mais um tiro
com a espingarda. E mais um. E outro. Nenhum acertava Rodrigo.
O filho da puta era rápido e usava o canavial para se proteger. —
Vamos cercá-lo!
Eles se separaram.
As botinas de Oliveira batiam contra a terra, e ele empunhava
a espingarda, pronto para eliminar qualquer ameaça.
Aos poucos, a plantação foi sumindo.
Oliveira acelerou e alcançou o descampado por um lado, no
mesmo instante em que Dimitri vinha do outro sentido, atraindo a
atenção de Rodrigo e de Isis.
A mira da arma de Rodrigo se voltou para Dimitri.
Oliveira trincou a mandíbula.
Agora eu te pego, filho da puta.
Não importava que aquilo fosse um ataque covarde.
Oliveira ergueu a espingarda, mirando as costas de Rodrigo.
E quando tentou atirar, nada aconteceu.
Tentou de novo. E de novo. Nada.
A munição havia acabado.
E o arquejo indignado que saiu do fundo de sua garganta
atraiu a atenção de Rodrigo, fazendo-o olhar para trás.
Olho no olho.
Os olhos do assassino de Sofia.
— Não bastava ter entregado meu pai covardemente para os
selvagens — sibilou. — Ainda ia atirar em mim pelas costas?
A adrenalina inundou seu sangue, e Oliveira correu na direção
de Rodrigo, lançando a espingarda sem munição no chão. Seus
corpos se chocaram no meio do campo. Com um golpe, Oliveira o
desarmou, mas a arma acabou voando para longe.
Rodrigo se moveu com agilidade, agarrando Oliveira e o
jogando contra o chão.
Ao longe, ele escutou Isis gritar seu nome.
E aquilo foi tudo o que precisou para se recompor.
Oliveira investiu contra os pés de Rodrigo e segurou seus
tornozelos com força, derrubando-o. Rosnando, Rodrigo usou a sola
do sapato contra o rosto de Oliveira e o empurrou para trás.
Rapidamente, ofegando sem parar, os dois ficaram de pé.
Oliveira avançou, desferindo um chute lateral que atingiu as
costelas dele, deixando-o sem ar e fora de ação por alguns
instantes. Com o canto dos olhos, podia ver Dimitri tentando mirar a
arma em Rodrigo, mas hesitando em atirar para não o atingir.
Oliveira exalou forte.
Era melhor que Dimitri não atirasse.
Aquela briga era sua.
Por Sofia. E por Isis.
Por tudo o que aquele filho da puta tinha tirado dele — e que
ainda queria tirar.
Ele transferiu seu peso para o pé esquerdo e desferiu outro
chute lateral quando Rodrigo fez menção de se jogar aonde a arma
de fogo tinha caído. Sem trégua, Oliveira ergueu o joelho direito e
deu um golpe em cheio no nariz do veterinário.
Rodrigo desabou, mas moveu a perna, enganchando a canela
de Oliveira e o levando para o chão outra vez.
Eles se atracaram, rolando entre socos e cotoveladas; quando
conseguiu uma brecha, Oliveira esticou a mão e tirou a faca que
sempre carregava escondida em sua botina.
Seus olhos se cravaram nos olhos de Rodrigo.
— Você é cria do seu pai. Tão podre quanto ele. Mas agora
você vai finalmente reencontrá-lo.
E, com um movimento, enfiou a faca na garganta dele.
O sangue verteu na mesma hora.
Um milhão de imagens correram por sua mente; seus anos no
exército, seu trabalho na reserva, na fronteira, as crianças indígenas
mortas por Peixoto, o dia em que viu Sofia pela primeira vez, o
vislumbre da fazenda que compraram, a notícia da gravidez, a
esposa caída no chão, a manhã cinzenta do velório; eram cenas
que caíam como se vidro houvesse explodido bem diante dos seus
olhos.
Mas o vidro foi soprado por um vento forte, um tornado,
levando-o a uma noite de rajadas furiosas; Oliveira também viu uma
garota encolhida, assustada, mas com os olhos lampejando em uma
determinação absurda, pronta para defender o próprio filho com
toda a força que tinha.
Ele soltou a faca, soltando um arquejo sôfrego.
— Está tudo bem. — Sentiu a mão de Dimitri em seu ombro.
— Estou aqui. Cuidarei de tudo.
Largando Rodrigo no chão e deixando que Dimitri ligasse para
a polícia, Oliveira se levantou e correu até Isis e Davi, envolvendo-
os nos seus braços.
— Não sei o que faria se tivesse perdido vocês — sussurrou.
— Nós estamos aqui — Isis sussurrou de volta, se apertando
contra o seu peito. — E não vamos a lugar nenhum.
Oliveira fechou os olhos, sentindo as lágrimas, o alívio, o
palpitar intenso do coração.
Sua família estava segura.
E ele jamais permitiria que alguém os machucasse outra vez.
37
Missões futuras
Fim
Notas da autora &
Agradecimentos
Que emoção escrever "fim" em mais uma história. Foi tão, mas
tão apaixonante poder compartilhar toda a trajetória da Isis e do
Oliveira com vocês!
ELLK · LIVRO 1
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No enlace dos braços da noite, mais uma jovem corre sem olhar
para trás. Em vão.
Esvanecerá entre o suplício e o tormento. Pois o erro foi
cometido. Ela não deveria ter confiado em ninguém.
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