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DEPOIS DE VEGAS
REJEITADA GRÁVIDA DO MELHOR AMIGO DO MEU PAI
1ª Edição
Capa: LA Design
Revisão: Gláucia Padiar
Leitura Crítica: Regiane Lemos
Betagem: Jéssica Figueiredo, Alessandra Portechel.
Diagramação: April Kroes
Ilustração: @aika_ilustra
ÁGATA RUGGIERO
Eu sempre soube o que queria na vida: a primeira,
era me tornar uma grande advogada como o meu pai, e a
segunda, ser a mulher do poderoso Filippo Gagliardi, o
melhor amigo e sócio dele.
Entretanto, por maiores que fossem os meus
sonhos, não estava preparada para me tornar a
estagiária do homem mais arrogante e bonito que havia
conhecido, nem passar tanto tempo perto de Filippo, sob
o seu olhar duro e aquecido, me sentindo umedecer e
corar a cada vez que o seu sorriso cínico se abria.
Porém, por mais que tentasse, ele não me
intimidava, para o azar dele ou não, estava decidida a
provar que não era mais uma menina!
FILIPPO GAGLIARDI
Sentia os olhos da Ágata em mim desde que ela era
apenas uma pirralha, por esse motivo sempre a evitei,
mesmo depois de ter lido aquele seu maldito diário anos
atrás, onde revelava que me queria.
O problema é que agora, com a nossa convivência
trabalhando juntos no escritório, descobri que a quero
também. Não consigo manter distância mesmo sabendo
que a garota é proibida, que tem metade da minha idade
e seu pai jamais permitiria que a sua filha inocente se
envolvesse com o seu amigo cafajeste.
No entanto, uma viagem de trabalho a Las Vegas
mudaria tudo. Uma noite quente e uma gravidez
impossível seria o nosso fim... ou o começo.
O que acontece em Vegas fica em Vegas, mas para
mim e Ágata talvez houvesse uma história depois disso.
Seja bem-vindo(a) ao universo de advogados
italianos poderosos, protetores, ciumentos e
possessivos. Aqui você conhecerá Filippo Gagliardi, um
homem de quarenta anos que tem todas essas
características e mais um pouco. Ele só não contava
ficar perdidamente obcecado e apaixonado por sua nova
estagiária, a filha do seu melhor amigo, vinte anos mais
nova.
“Depois de Vegas” conta uma história leve,
divertida, sexy e com um toque de drama que acredito
que todo bom enredo deva ter. Não é um livro com um
grande plot, tem lá os seus mistérios, no entanto, é uma
característica trabalhada ao longo dos capítulos.
Interessante informar, que o problema de saúde da
mocinha foi inspirado em uma história real de uma amiga
que tive na época da faculdade. Ela me ajudou com
várias informações.
Todos os sentimentos e cenas do casal foram
construídas com muito amor e dedicação de minha parte,
sempre prezando por uma leitura agradável para cada
leitor.
Ainda assim, devo alertar que aqui você encontrará
linguagem inapropriada para menores de dezoito
anos, cenas de sexo explícito, relacionamento tóxico
familiar e rejeição de gravidez, mas com o nosso
amado final feliz.
Espero de coração que goste do livro e seus
personagens. Que Filippo com a sua arrogância e
redenção conquiste você!
A todos aqueles que adoram os
mocinhos que de mocinhos não têm
nada. Aqueles errados que terminam
com uma boa redenção.
Escaneie o QR Code acima e acesse a
ilustração exclusiva do livro ou clique
aqui.
Três anos antes...
FILIPPO GAGLIARDI
Tive que ir ao banheiro após aquela pirralha
atrevida fazer um estrago no meu blazer. Por sorte o
suco de cereja quase não havia respingado sobre a
camisa social branca, então conseguiria utilizá-la até ir
ao meu escritório me trocar.
Tirei o pau para fora, segurei a carne dura para
despejar a urina aquecida sobre o vaso, uma maneira de
dispersar um pouco da excitação que fluía por cada veia
dilatada dele. Não sabia ao certo quantos meses fiquei
sem ver a Ágata, mas hoje constatei outra vez que o que
ela tinha de atrevida também tinha de gostosa.
Como ela pôde ter vindo aqui quase nua daquele
jeito?
Foi impossível não notar os seios fartos assim como
as coxas grossas, que pareciam ter crescido desde a
última vez que coloquei os olhos sobre a pequena
infeliz.
Pequena.
Ágata era bem menor que eu e toda perfeita.
Precisava parar de pensar nela, assim como deveria
me lembrar que ela era a filha de um dos meus melhores
amigos, meu sócio na firma que, a propósito, me
aguardava em sua sala.
Fechei o zíper da calça e fui até a pia lavar as
mãos, molhei o rosto, um calor insuportável atormentava
cada centímetro da minha pele. Passei a mão nos
cabelos e retirei a gravata, entregando-a junto com o
blazer a Tomás que me aguardava ao lado de fora.
— Está tudo bem? — Notei as suas sobrancelhas se
estreitarem.
— Por que não estaria? — devolvi, ajeitando a gola
da camisa.
— Certo, vou levar isso para a sua sala. — Fez
menção em se afastar, mas a minha pergunta o deteve:
— Tomás... acha que estou velho? — A provocação
da pequena atrevida ainda faiscava na minha mente.
— Sério? — Tomás arqueou a sobrancelha,
incrédulo, ele sabia que nada me abalava.
— Claro que não, estou na minha melhor fase, só
queria ouvi-lo dizer o quanto sou perfeito — o sacaneei,
sorrindo.
Tomás sorriu também, mas não desistiu de contra-
atacar.
— Ah, não sei. Talvez a filha do Giancarlo tenha
razão e você esteja um pouco ultrapassado.
— Quer dormir na firma hoje? — Voltei a ficar sério.
— De jeito nenhum, chefe. — Senti o medo em sua
voz.
— Então se retire. — Apontei o caminho do
elevador.
— Sim, senhor. — Foi para lá depressa e sem olhar
para trás. Gargalhei em um tom quase inaudível,
adorava trocar piada e me divertir com ele.
Entrei no corredor de acesso à sala do Giancarlo
que, assim como a minha e todas as outras, tinha uma
fachada de vidro dando visão para o interior do grande
espaço. Cumprimentei sua secretária antes de
ultrapassar a porta para encontrá-lo terminando de
preparar o seu cappuccino na máquina.
O aroma inconfundível do café somado ao leite
cremoso inundou o ambiente sofisticado, as paredes
azuis eclesiástico se harmonizavam com os móveis em
tons de cinza, além dos detalhes em madeira caramelo,
o que tornava tudo mais aconchegante.
Sentei no sofá de couro e cruzei as pernas.
— O que houve com você? — O olhar do homem de
trinta e oito anos me examinou de cima a baixo. Eu era
apenas dois anos mais velho que ele e isso não mudava
nada, tendo em vista que o infeliz por vezes era mais
sagaz.
— Um pequeno furacão esbarrou em mim —
expliquei, me julgando internamente por ter ficado duro
diante da filha dele.
Isso me tornava filho da puta demais.
— Servido? — Giancarlo ofereceu a xícara que
exalava o vapor cheiroso, todavia, com um movimento
de mão, recusei.
— Prefiro uísque. Na verdade, estou necessitando.
— Giancarlo se sentou no sofá à minha frente enquanto
eu me levantei afim de me servir, mas sentei novamente
ao lembrar que ele não bebia nada alcoólico. Não mais.
Meu amigo mudou após a morte de Aurora. — Scusa —
me desculpei.
— Ah, pare com isso. — Fez um sinal de pare com a
mão e tomou o primeiro gole do seu cappuccino,
desviando a atenção por um breve instante.
— O que quer conversar? — Engatei um novo
assunto, cruzando as pernas outra vez.
— Então dispensou mais uma estagiária...
— Ah, não acredito que é um sermão.
— O que foi dessa vez? — Após mais um gole,
Giancarlo depositou a xícara sobre a mesinha de centro.
— Muito desatenta, faz tempo que vinha
acumulando erros e hoje foi a gota d’água. Não vale a
pena detalhar. — Enfiei os dedos em meu cabelo, senti a
maciez de cada fio enquanto buscava apagar Ágata da
minha memória outra vez.
— Você é imperativo demais. — Giancarlo cruzou as
mãos, analisando-me.
— Pois somos iguais — devolvi. — Eu exijo o
mínimo, mas não se fazem mais estagiários como
antigamente. Eles não são... suficientes. — Encarei o
meu amigo de forma fixa. — Para a nossa firma ser
inteligente não basta, tem que saber se sobressair em
cada situação.
— Eu sei. — Giancarlo se recostou no sofá, a
expressão de quem tinha alguma carta na manga. — E é
por isso que quero que a minha filha seja sua estagiária
— disparou, sem ter ideia do que aquilo significava.
Nem notei quando prendi a respiração ou paralisei
feito uma estátua.
— O que foi? Está com uma vaga mesmo —
argumentou, pegando a xícara de volta.
— Nada, é que... uma vez você comentou que a
Ágata não faria estágio na Gagliardi-Ruggiero porque
não queria que achassem que ela estava sendo
privilegiada ou coisa assim... — desconversei, abrindo
as pernas, incomodado.
— Também não queria que ela, de alguma forma, se
acomodasse por estar estagiando na firma do pai, mas
calculei que prefiro Ágata aqui do que em qualquer outra
firma. Até porque temos o melhor advogado, você. —
Ergueu o indicador para mim.
— Acho que não vai dar certo, conheço a garota
desde que tinha o quê? Quinze anos? — Tentei me
lembrar. — Ela me considera como um tio, não quero
que me odeie.
Giancarlo gargalhou.
— Isso não tem importância — pontuou, secando a
sua xícara de vez. — Aliás, faz muito tempo que você
não a vê. Mais cedo ela esteve aqui, passou em primeiro
lugar no nosso teste de estágio. — Arqueei as
sobrancelhas, surpreso. Nosso teste não era fácil. —
Minha bambina é inteligente, porém, quero o seu máximo
e se ela estagiar comigo os meus sentimentos não irão
permitir que eu extraia o melhor dela. O que será
diferente com você.
Usei dois dedos para massagear a minha têmpora
direita, suavemente. A minha cabeça doía só de
imaginar ter contato com a pequena atrevida todos os
dias, a todo instante.
Era perigoso demais... Ágata era um problema que
eu precisava evitar.
— Por que não o Vito? — Sugeri. Vito era um
excelente advogado. — Estou cansado de estagiários. —
Não era totalmente verdade. Eu gostava de ensinar, de
transformar garotos e garotas em profissionais maduros
e capazes de superar qualquer desafio.
— Já falei, quero você e não pode negar. — O
maldito sabia que não.
Eu devia bastante a Giancarlo assim como ele devia
a mim. O conhecia desde criança, estive com ele nos
momentos mais importantes da sua vida, exceto quando
morou um bom tempo fora e retornou para assumir o
lugar de seu pai na firma, assim que o velho Ruggiero
faleceu.
Ele não voltou sozinho, trouxe uma família consigo.
Foi durante a sua estadia em Las Vegas que conheceu
Aurora e teve os seus dois filhos.
Era certo que a ele, eu não poderia dizer um não,
Ágata seria uma responsabilidade tentadora que
infelizmente teria de encarar. Mas a mim restava uma
última carta na manga para o bem da nossa amizade:
fazer da vida da garota um inferno até que ela desistisse
de trabalhar comigo.
Respirei fundo quando a assistente da Dra. Lívia
chamou o meu nome e me deu permissão para entrar em
sua sala. Fazia três dias desde que recebi a sua
mensagem e foram três madrugadas sem conseguir
dormir direito. Semana passada fiz novos exames de
rotina e a minha intuição afirmava com todas as letras
que era sobre isso que iríamos conversar.
O motivo de tanto medo?
Aos dezoito anos, comecei a sentir dores no baixo-
ventre e sangrar com frequência, quando menstruava
parecia que ia morrer. A minha barriga também cresceu,
a sensação que tinha era de ter ganhado peso.
A princípio, achei que era apenas uma bagunça no
meu ciclo menstrual, acreditei que estava mesmo
engordando, mas ao longo do tempo as dores se
tornaram intensas, então contei ao meu pai.
Preocupado, ele imediatamente me levou ao médico,
foi aí que veio o pior: eu estava com os dois ovários
comprometidos, descobrimos um cisto hemorrágico [ 5 ] no
meu ovário direito e um teratoma [ 6 ] no esquerdo. O
hemorrágico era enorme, estava prestes a se romper. O
teratoma, apesar de benigno, devido à minha genética e
características do cisto, poderia vir a se tornar um
câncer.
Não havia outra opção, fui para a mesa de cirurgia e
tive os ovários retirados. Tão jovem e já poderia me
considerar uma mulher seca por dentro, completamente
oca, sem chances de engravidar naturalmente.
Não que eu desejasse ter um bebê naquela idade,
mas algum dia pretendia sim formar uma família, algo
que fui obrigada a entender que jamais iria acontecer.
Desde então venho fazendo acompanhamento,
esses dois últimos anos foram sofridos porque era
impossível superar, já que lembrava frequentemente da
minha mãe que morreu após a descoberta tardia de um
teratoma maligno. O tumor estava em estágio avançado,
nada pôde salvá-la.
Foi a primeira vez que senti um pedaço meu sendo
arrancado, o seu falecimento levou embora o meu
coração e em seguida a vida me fez perder aquilo que
fazia de mim uma mulher, os meus ovários.
Eu me tornei uma sombra... um precipício vazio.
Senti que mergulhava todos os dias dentro da minha
própria escuridão, cuja alternativa era o afogamento.
Apenas não desabei porque meu pai permaneceu ao
meu lado, mais próximo do que nunca, sempre se
fazendo presente para mim e Enzo. Nós três tínhamos
apenas um ao outro e ele jamais suportaria nos ver
distantes de qualquer maneira.
Mas a morte de mamãe mudou a cada um de nós de
alguma forma. Uma parte nossa morreu com ela, e
quando descobri que nunca poderia ter uma filha para
homenageá-la com o seu nome, morri de novo.
— Entre, querida. Sente-se. — A mulher na casa
dos cinquenta anos, de sorriso meigo e semblante
complacente apontou para a cadeira vazia à frente da
sua mesa, onde me sentei por diversas vezes desde que
nos conhecemos.
Fechei a porta e me aproximei, contudo, não atendi
ao seu pedido. Cocei a garganta e, perturbada, caminhei
pelo espaço, indo e voltando.
— Eu não quero me sentar, doutora. — Neguei com
a cabeça, nervosa. — Diga logo o que está acontecendo
comigo dessa vez.
— Ágata, por favor...
— Só... diga — pedi, a encarando, os olhos prestes
a se debulhar em lágrima.
— Não tem nada de errado com você, eu garanto. —
Ela se deslocou até mim somente para me abraçar. —
Fique calma, está tudo bem. Te chamei aqui porque o
resultado da sua última ultrassonografia foi
surpreendente.
Afastei-me dos seus braços, enxuguei os olhos com
o dorso das mãos antes que as lágrimas caíssem.
— O quê? Do que está falando? — Estava confusa,
a minha voz saiu machucada, um pouco rouca. O nó em
minha garganta ainda apertava, me fazia respirar com
certa dificuldade.
A mulher com cabelos tingidos de vermelho me fez
sentar e pediu a sua secretária que me trouxesse um
copo d’água. Esperou até que eu me acalmasse para
então revelar:
— Está vendo isso aqui? — Apontou para a imagem
no resultado da ultrassonografia que abriu sobre a mesa.
— É um pequeno pedaço de ovário. Eu não sei como
isso aconteceu, mas... — A médica sorriu sem mostrar
os dentes. — Você tem 1,2 centímetros de ovário dentro
de você, Ágata.
— Mas... — Engoli em seco, tentando entender. —
Eu perdi tudo na cirurgia, o médico retirou os dois
ovários, como isso poderia acontecer?
Lívia suspirou antes de responder:
— Há coisas difíceis de explicar. Acompanho você
há dois anos e nunca havia surgido nada assim. —
Apontou para o exame mais uma vez, incrédula.
Capturei o papel com as imagens, encarei bem o
que restou dos meus ovários, um pontinho tão pequeno
que não deveria abrir o meu sorriso, mas abriu. A minha
ficha foi caindo lentamente até que me dei conta de
algo:
— Doutora... — Devolvi o exame à mesa e a
encarei, esperançosa. — A senhora acha que com isso,
eu... algum dia... conseguiria engravidar naturalmente?
— Infelizmente... não — ela foi sincera, segurou as
minhas mãos. — Esse ovário é pequeno demais, não
temos como saber se ele é funcional. — Tombei o rosto
para baixo, abatida outra vez. — Mas de qualquer forma,
é uma notícia boa, talvez assim possamos parar com a
sua reposição hormonal. É muito traumatizante uma
mulher tão jovem ter que usar hormônio artificial.
— Mas como o ovário é pequeno, talvez eu precise
continuar com a reposição, não é? — A fitei outra vez.
Lívia largou as minhas mãos para se recostar em
sua cadeira.
— Talvez não. Como o seu caso é atípico, eu
preciso estudar, nós continuaremos acompanhando.
— Às vezes esqueço de tomar os remédios, ainda
assim nunca me senti afetada. — Eu me levantei e a
cumprimentei em despedida.
Antes de ultrapassar a porta para ir embora, a sua
voz me deteve:
— Ágata, só mais uma coisa. — Virei-me para
encará-la de frente. — Prometa-me que não ficará
alimentando esperanças. Não quero que se iluda e se
machuque com expectativas de uma gravidez impossível.
Assenti, em silêncio.
Não era a intenção dela, Dra. Lívia era uma pessoa
incrível, mas as suas palavras ditas de maneira delicada
surtiram o efeito de um tapa marcando a minha cara.
Ao sair da clínica, não me senti bem
psicologicamente para dirigir. Peguei um táxi e pedi ao
nosso motorista para pegar o meu carro. Na viagem de
volta para casa, encostei a cabeça no vidro da janela e
assisti o sol se pôr, escurecendo a cidade. Tentei pensar
em qualquer coisa menos naquele resultado do
ultrassom... na minha mãe, mas não consegui.
Ao entrar na mansão, passei desapercebida por meu
pai e meu irmão. Consegui chegar ao meu quarto sem
ser vista e me enfiei no banheiro.
Debaixo da ducha, me permiti chorar por um longo
tempo até que vesti o roupão branco e me joguei na
cama imensa de lençóis claros, precisava do meu abrigo
confortável para esquecer os gatilhos de hoje.
Bastou alguns minutos para que escutasse batidas
fracas na porta e ela se abrisse. Enzo colocou apenas a
cabeça para dentro, me espiou com o seu rostinho
angelical e cabelos loiros como os do nosso pai:
— Papai está te chamando para jantar — noticiou.
— Diga a ele que lanchei na rua, não estou com
fome — menti, parando de observá-lo para fitar o quadro
da nossa família sobre a parede marfim, que
representava a época em que éramos felizes e sequer
sabíamos.
Escutei os seus passos até que ele se interpôs no
meu campo de visão, me estudando. Era impressionante
a semelhança de Enzo com o Sr. Giancarlo. Ambos
tinham os cabelos tingidos de um loiro-acastanhado,
diferente de mim que puxei à minha mãe, cujas mechas
eram de um loiro mais vivo, dourado. No entanto, os
meus olhos verdes pertenciam ao meu pai.
— Não adianta mentir para mim, feiosa, eu sempre
vou descobrir. — Cruzou os braços, se achando o garoto
mais esperto do mundo. Talvez ele fosse mesmo, o
menino era tão inteligente e à frente do seu tempo que
às vezes me assustava.
— Ai, feioso, me deixa em paz! — Cobri o rosto com
um dos travesseiros, virei para o outro lado.
Enzo circulou a cama até parar na minha frente de
novo. Ele tirou os sapatos e deitou para me presentear
com um abraço, sendo fofo como apenas ele sabia ser.
Eu o correspondi, me rendi fácil.
— Estava mesmo precisando — confessei, após
suspirar, mas não derramei o pranto, já tinha perdido
todas as lágrimas que precisava no banho.
Ficamos assim até quando ele notou que eu havia
me recuperado.
— Acho que você vai querer ouvir o que papai tem a
dizer — o seu tom denunciava que tinha aprontado. Me
afastei o suficiente para me deparar com o seu sorriso
travesso.
— O que fez dessa vez, hein? — questionei,
sentindo a curiosidade mandar a minha tristeza embora.
— Eu não fiz nada, foi papai quem decidiu que você
será a nova estagiária do tio Filippo — disparou, feliz da
vida, descendo do colchão com rapidez, calçando os
sapatos.
— O quê? — Levantei, perplexa. — Isso só pode ser
uma das suas pegadinhas — o acusei.
— Se não acredita, então vai lá falar com ele — me
desafiou, indo embora.
— Volta aqui, Enzo! — Tentei puxá-lo, mas o
pestinha correu, arteiro.
Em um minuto troquei de roupa, encontrei papai no
andar de baixo, mais especificamente na sala de
refeições, jantando em uma paz inabalável, com o garoto
ao seu lado.
— Por que o Filippo? — disparei, curiosa e um
pouco inconformada. Apoiei as mãos no topo de uma das
seis cadeiras que cercavam a mesa de madeira com
película de vidro.
Giancarlo virou o rosto rumo ao filho que abaixou o
olhar, suas bochechas enrubesceram provando que tinha
culpa no cartório.
— Seu pequeno fofoqueiro — grunhiu.
— O senhor não me disse que era segredo. — Enzo
deu de ombros. Estava para nascer criança mais
descarada.
— Achei que tínhamos um combinado, eu queria
ficar com você. — Puxei a cadeira e me sentei.
Chateada, esperei meu pai falar.
— Prefiro que fique com o seu tio. — Ele largou os
talheres, pousou as mãos sobre a mesa para me dar
total atenção. Meu pai era um homem muito bonito e
desde que me entendo por gente, todas as minhas
amigas se derretiam por ele. — Vai aprender mais com
Filippo que é um advogado ativo, o meu serviço é mais
burocrático porque sou o Sócio-Gestor da firma.
— Filippo não é o meu tio e nunca o considerei
dessa maneira — argumentei, não gostando da ideia de
ficar dividindo espaço com aquele arrogante.
— É por isso que até hoje usa o colar que ele lhe
deu de presente? — Giancarlo argumentou, um golpe
baixo demais contra sua própria filha.
Guardei o maldito pingente de balança dentro da
blusa e bufei. Papai me estudou por alguns segundos,
calado.
— Qual é o problema, querida? — a sua pergunta
me fez perceber que eu estava quase entregando o jogo,
não precisava que ele desconfiasse de nada. — Quero
que também aprenda a administrar, mas antes preciso
que se torne uma excelente advogada. Que tenha
experiência e esperteza com os tribunais, isso o Filippo
pode lhe proporcionar.
Ficamos em silêncio por algum tempo.
— Acho que sei por que ela está tão zangada. — A
voz provocativa de Enzo me congelou, ao mesmo tempo
em que capturou a atenção de Giancarlo.
— Por que, filho? — O meio-sorriso do pestinha
cresceu. Cerrei os punhos sobre as coxas e o fuzilei,
jurando internamente que se falasse algo eu iria matá-lo.
Nós tínhamos um acordo, o seu silêncio era pago.
— Minha irmã está com medo de não aguentar —
completou, então suspirei, aliviada.
— Claro que não. — Neguei, mexendo no cabelo,
ponderando as palavras. — Ele é um grande advogado,
sei que posso aprender muito, só fui pega de surpresa.
— Tentei desconversar.
— Tem certeza? — A sobrancelha de Giancarlo
arqueou, me estudando, meu peito retumbou de
nervosismo. — Escute, Filippo é conhecido na firma
como mãos de ferro. Ele tem um jeito duro de ensinar,
mas é um ótimo mestre, o melhor que temos. — Papai
capturou a minha mão, massageou os meus dedos em
apoio. — Preciso que seja forte e resiliente. Prove o
sangue que corre em suas veias e se torne a melhor
estagiária que aquela firma já viu, entendeu?
Não entendi se ele estava me cobrando ou
incentivando. Talvez fosse os dois. Os seus olhos verdes
se tornaram afiados, era nítido o quanto esperava muito
de mim. Sempre foi desse jeito.
— Tudo bem. Não vou decepcioná-lo — garanti, mas
minha alma estremeceu por dentro, insegurança
roubando toda a energia que havia em mim.
— Então, problema resolvido. — Giancarlo sorriu
largamente. — Vamos jantar. — Apontou para o
banquete à minha frente: massa ao molho Alfredo com
filé mignon.
Uma delícia a qual não consegui resistir.
Antes de usar o garfo para levar o macarrão à boca,
fuzilei meu irmão uma última vez. Ele adorava me
provocar, mas sabia que, de alguma forma, receberia o
troco.
Enquanto comia, pensei na ideia de trabalhar com
Filippo Gagliardi e senti o meu coração acelerar.
Recordei do esbarrão que tivemos naquele dia e uma
pitada daquele calor que senti quando estava em seus
braços me atingiu. Ser a sua estagiária significava estar
perto demais, era quase como ser obrigada a respirar o
mesmo ar.
O problema era que, quando ele se aproximava, eu
me transformava em uma estúpida e perdia a capacidade
de raciocinar. Era como sair de órbita ou flutuar no
universo. Um universo coberto de chamas.
Hoje realmente não era o meu dia. Podia apostar
que não!
Peguei o garfo e me aproximei do cooktop com
cautela. O fogo estava alto, o óleo dentro da frigideira
pipocava enquanto fritava o bife, do jeito que papai
gostava. Tentei virar a carne rapidamente, mas não
consegui esse feito sem queimar a mão no processo.
Tive de engolir o gemido de dor, papai detestava que eu
fizesse barulho. Não queria que ele me chamasse de
garotinho fraco outra vez.
Ele detestava fraqueza.
A pele do lado superior da minha mão ardia, concluí
que o local vermelho logo se transformaria em uma
bolha, mas estava acostumado.
Desliguei o fogo antes que o bife queimasse e, com
bastante dificuldade, o coloquei dentro do prato. As
minhas mãos tremeram quando retirei o avental que era
grande demais para o meu tamanho, segurei o prato com
cuidado. Respirei fundo antes de me encaminhar até a
sala de jantar, onde o homem me aguardava.
Lentamente, coloquei o prato sobre a mesa, à sua
frente, e aguardei ao lado, amedrontado, de cabeça
baixa, escutando-o experimentar o que havia me
ordenado fazer.
Nós tínhamos funcionárias para isso, mas meu pai
afirmava que eu era muito mimado e tinha que aprender
a me virar sozinho.
— Está uma porcaria! — bradou, lançando o prato
no chão. Os estilhaços do objeto se espatifaram e
voaram por todo lado, um deles cortou a minha
panturrilha.
— Ai! — gemi tentando conter a dor que irradiava
pelo corte, toquei o local do ferimento, meus olhos
repletos de lágrimas que era proibido de liberar.
— Andiamo! — Meu pai se levantou com brusquidão,
jogando a cadeira para trás com a força do movimento
de suas pernas, me pegou forte pelo braço.
— Não, papai, por favor. Eu não quero voltar para o
porão — implorei, desesperado, sabia que nada nem
ninguém poderia impedi-lo de me jogar lá dentro daquele
buraco escuro.
— Cale a boca, seu garotinho fraco! — grunhiu. —
Isso é para o seu bem.
A minha respiração falhou quando descemos as
escadas rumo ao subsolo, minhas mãos intensificaram a
tremedeira, os ossos doeram e o suor congelante
arrepiou a minha espinha. Meu cérebro se espremeu
dentro da cabeça, parecia que o corpo inteiro iria
explodir.
Papai me jogou contra a parede suja e se agachou
no centro do espaço onde eram guardadas as coisas
velhas que não utilizávamos mais. Tudo isso era culpa
minha, talvez ele me enxergasse como uma dessas
coisas que não serviam para nada e precisavam ficar
aqui embaixo, esquecidas.
Ele abriu o alçapão de ferro que dava passagem
para o buraco debaixo da terra. O local era tomado pelas
trevas, mal dava para respirar tão pouco enxergar.
Calafrios me tomaram, fizeram doer cada um de meus
ossos.
— Entre — ordenou, com a expressão endurecida,
apontando para o cubículo sombrio que mal me cabia.
Lágrimas rolaram por minha face. A minha garganta
fechou e me fez sufocar. As bochechas queimaram, o
suor me encharcou, os olhos abriram até mais que o
limite. Mesmo assim, obedeci, não existia outra opção.
— Um dia você ainda vai me agradecer por isso,
filho. — Papai sorriu antes de fechar o alçapão com toda
a força que possuía.
Eu só queria que tudo aquilo acabasse.
ÁGATA RUGGIERO
Após Filippo deixar bem claro que levaria ao pé da
letra o fato de não facilitar as coisas para mim, tomei a
decisão de que faria o mesmo com ele.
As lágrimas que liberei no banheiro depois da nossa
conversa no seu escritório não seriam em vão. Nunca
estive disposta a ir ali e me utilizar da vantagem de ser
filha do seu melhor amigo e Sócio-Gestor da firma para
conseguir algum privilégio, mas se ele queria esquecer
disso e da história entre as nossas famílias para me
massacrar na primeira oportunidade, que fosse, eu faria
o mesmo.
Mas não iria desistir.
Nutri esse sentimento de força e revide pelo resto
da semana, fiquei mais atenta às pessoas que
trabalhavam ao meu redor e cheguei a desconfiar até
mesmo de Tomás, no entanto, a minha intuição dizia que
não havia sido ele a roubar os meus resumos, dava para
perceber que agia como um amigo, algo que não me
deixaria menos atenta.
Filippo se manteve distante desde a nossa
discussão, suas ordens a mim eram dadas através do
Tomás, tentei lidar com isso e fingir que não estava
percebendo o que realmente acontecia.
— Aqui. Essa é a sua próxima missão. — Tomás me
entregou um novo processo assim que o encontrei no
departamento.
— Estupro? — Coloquei a minha mochila sobre a
mesa e abri o arquivo, atenta, gostava de casos
criminais.
— Sim. — Tomás cruzou os braços e se encostou na
mesa. — O réu foi condenado oito anos atrás e está
preso em regime fechado há mais tempo do que deveria.
Na verdade, ele está esquecido e precisa da nossa ajuda
para fazê-lo progredir para o regime semiaberto.
Senti raiva do infeliz sem nem mesmo conhecê-lo.
Encarei Tomás por um instante, com desgosto.
— Por mim, estupradores teriam prisão perpétua —
opinei, voltando a folhear o processo que tinha várias
páginas.
— Compartilho da mesma opinião, no entanto, o
nosso dever é fazer a Lei ser cumprida, o que não é o
caso.
— Que estranho, ele foi condenado à pena máxima,
já cumpriu mais da metade e ainda não progrediu. —
Sentei na minha cadeira, quanto mais lia mais ficava
interessada.
— Pronto, você já entendeu. Qualquer coisa, só
perguntar. — Tomás esfregou as mãos antes de sair do
meu cubículo e ir para o seu.
— Filippo vai participar desse caso? — ergui o rosto
para encará-lo.
— Não, esse será entre eu e você. Filippo não pega
casos pro bono [ 8 ] — explicou, se sentando.
Pensei a respeito, é claro que o todo-poderoso
senhor Gagliardi não se importaria com os menos
favorecidos, ele deixou bem claro que estávamos aqui
para faturar, clientes que não tinham dinheiro para nos
pagar não eram de seu interesse, apenas serviam para
manter uma boa imagem da firma.
Fiquei de pé, deixei o processo sobre a mesa e
apoiei os antebraços sobre a parede que me separava
de Tomás.
— O que foi? — Ele parou de ler os documentos à
sua frente para me dar atenção.
— Desculpe a curiosidade, mas... enquanto eu faço
isso, o que vocês dois vão fazer?
— Então, lembra dos resumos que você fez semana
passada?
— Acqua Viva e Poseidone. — Recordei das duas
empresas multimilionárias que pretendiam se fundir.
Estudei as potencialidades e o mercado das duas, a
fusão tinha tudo para ser um sucesso.
— Acqua Viva é a nossa cliente e a Poseidone fez a
proposta de fusão. No início, o Filippo ficou desconfiado
porque a Poseidone é um pouco maior, mas ele estudou
a empresa com base nos pontos que você ressaltou no
resumo e decidiu que é um bom negócio. — Tomás
ergueu o documento que estava lendo. — Esse é o
contrato que os clientes vão assinar, estou revisando,
mais tarde todos estarão aqui para concluir o negócio.
— Se quiser ajuda... — ofereci.
Tomás me analisou com certa pena antes de
responder:
— Acredite, Ágata, eu adoraria. De verdade. Mas
Filippo foi bem claro quando disse que queria você
cuidando do pro bono. — Tomás foi delicado nas
palavras, senti sinceridade em sua voz.
Balancei a cabeça em positivo e ele voltou ao
trabalho, encerrando o assunto.
Suspirei assim que retornei para o meu lugar, não
precisava ser inteligente para entender o óbvio: Filippo
não me queria metida em seus casos, quanto mais
distante melhor. O irônico é que ele não se importou em
usar os meus resumos como base para analisar a
proposta de fusão, apesar de quase ter me estrangulado
por um simples atraso.
Devido ao fluxo intenso no departamento, decidi ir
para a biblioteca, onde teria silêncio para me concentrar
no caso de estupro. O lugar era enorme, com várias
mesas de estudo espalhadas de um lado do espaço, e
diversas estantes abarrotadas de livros jurídicos do
outro.
À medida que analisava cuidadosamente cada
evidência daquele processo, me encontrei indignada ao
perceber que havia uma grande possibilidade do réu ser
inocente.
— Não pode ser... — sussurrei, após ler o laudo
duvidoso da perícia.
Acessei o notebook à minha frente e entrei no
sistema que me daria acesso aos depoimentos daquele
julgamento. Abri o vídeo em que o réu se pronunciava,
oito anos trás:
— Estou dizendo, eu sou inocente! — Ricardo
chorava enquanto tentava se defender das acusações do
promotor. — Não a estuprei, nós tínhamos um caso e ela
não quis aceitar quando falei que iria embora! Jamais
estupraria uma mulher, por favor... — O homem desabou
em lágrimas, desesperado. Suas mãos tremiam, os
soluços explodiam em sua garganta, ele estava
desesperado. — Por favor, Alessia, diga a verdade... por
que está fazendo isso comigo? Por que, Alessia? — Se
referiu à vítima e pendeu o rosto para baixo, enfiou as
mãos nos cabelos. — Eu tenho uma filha... — lamentou,
aquilo apertou meu coração.
Fiquei ainda mais em dúvida, meu lado feminino não
queria acreditar nele, mas meu lado advogada afirmava
que naquele caso em específico, havia muita coisa
errada.
Assisti o quanto consegui e quando não tive mais
estômago, corri para o banheiro, abalada, rememorando
cada prova e fato que me fazia acreditar que havia
acontecido uma injustiça.
Adentrei em um dos boxes e, assim que terminei de
esvaziar a bexiga, escutei a voz de um homem do outro
lado da porta, parecia estar falando ao telefone:
— Não se preocupe, Sr. Rossi, deu tudo certo, nós
acabamos de assinar o contrato. — Estranhei um homem
no banheiro feminino, mas entrei tão aturdida com os
depoimentos que tinha assistido que fiquei em dúvida se
havia sido ele ou eu a errar de endereço. — Pode
começar a comprar as ações, em poucas semanas a
Poseidone vai assumir a Acqua Viva e eles não terão
para onde correr. — Frio me tomou por dentro, levei a
mão ao peito, encostei o rosto na porta para entender se
o que escutei era mesmo verdade. — Exatamente, o
senhor será dono de tudo. Filippo Gagliardi e seu cliente
sequer fazem ideia de que caíram em um golpe. —
Gargalhou, empolgado.
Ouvi passos de tamancos, o homem se assustou.
— Oh, merda! Desculpe, senhoras. Banheiro errado.
— Ele se distanciou, então saí do box.
Ultrapassei as duas mulheres que haviam acabado
de entrar e segui o engravatado até o hall, onde o
observei apertar a mão de Filippo ao mesmo tempo em
que lhe lançava um sorriso falso. O infeliz devia ser o
advogado representante da Poseidone e havia acabado
de fechar um ótimo negócio, pra ele.
Tentei ficar escondida atrás de uma coluna, mas,
como se sentisse a minha presença, Filippo virou o rosto
e me avistou, logo depois que o trapaceador entrou no
elevador para ir embora.
Assustada por ter sido pega em flagrante, voltei a
me esconder, motivada por um impulso ridículo.
Entretanto, raciocinei que deveria contar a ele o que
tinha descoberto, afinal, ficar escondida ali não
resolveria nada.
Assim que dei o primeiro passo para encontrá-lo,
esbarrei em um peitoral sólido que me jogou para trás.
Atrapalhada, recuei, perdi o equilíbrio ao pisar em falso,
meu salto quebrou e quase fui ao chão, mas o Sr.
Gagliardi me segurou com rapidez, uma mão foi ao meu
braço e a outra à minha lombar.
Fui puxada contra o seu corpo, bastou meu olhar se
prender ao dele para que eu sentisse as minhas
bochechas arderem, devia estar corando outra vez.
Não adiantava, não tinha o que fazer, nada iria
evitar a magia que me inundava quando ficava tão
próxima a ele. O mundo esvaziava, tudo se tornava
escuro e a única fonte de luz abrigava somente a nós
dois, em um paraíso que existia apenas dentro da minha
cabeça.
— Quantas vezes vou ter que te segurar, Ágata? —
A voz rouca me arrepiou, sequer notei que engolia em
seco, que poucos segundos foram o suficiente para ser
arrebatada por uma onda de calor.
— O meu... salto — gaguejei, despertando da
hipnose que seus olhos me causavam.
— O quê? — Filippo me afastou com cuidado e
observou ao redor, felizmente ninguém nos dava
atenção, dessa vez o esbarrão foi mais rápido, apesar
de eu ter tido a impressão que durou horas.
— Quebrou... o meu salto quebrou, e agora? Que
vergonha... — Levei as mãos ao rosto assim que me
encostei na coluna para tomar apoio, tentando não
colocar peso no pé prejudicado para não parecer uma
manca. — Como vou andar pela firma desse jeito?
— Creio que você não anda com sapatos de
reserva. — Filippo esticou um sorriso que me irritou.
— Está achando engraçado? — sussurrei, o
detestando. — Não posso dar um passo sem denunciar o
problema, não é adequado para um escritório!
— Que tipo de marca você usa? Com certeza não é
de qualidade — debochou, o desgraçado se divertia com
a minha situação.
— Se não vai ajudar, não atrapalha! — reclamei,
tentando fingir que estava plena diante das pessoas que
passavam por nós.
Filippo fechou o sorriso e analisou a minha
expressão de dor.
— Se machucou? — ele realmente parecia
preocupado.
— Acho que não foi nada demais. — Olhei para o
meu pé, talvez meu tornozelo estivesse querendo inchar.
Filippo pensou rápido e observou ao redor mais uma
vez.
— Certo, consegue chegar ao elevador?
— Acho que sim — respondi, desconfortável, a dor
irradiava. O elevador era o lugar mais próximo e fechado
onde poderia me esconder.
— Vou caminhar ao seu lado, é só ir devagar,
ninguém vai perceber — me incentivou, paciente.
Concordei com a cabeça e dei o primeiro passo,
meu rosto se retorceu de dor, me amaldiçoei por ser tão
atrapalhada e frágil na frente dele.
Filippo cumpriu a sua promessa e me guiou até a
caixa metálica sem me tocar, usando o seu corpo para
ocultar como podia o meu defeito. Levantei o salto
quebrado apenas o suficiente para andar, estava quase
o arrastando e agradeci internamente por não ser fino.
Que saudade dos meus tênis.
Por sorte, o elevador no qual entrei com a Ágata
estava vazio. Apertei no botão que nos faria descer para
o quadragésimo sexto andar.
— Para onde estamos indo? — Curiosa como era,
ela perguntou, assim que as portas metálicas se
fecharam, nos presenteando com a privacidade.
— É um andar em reforma, mas hoje está vazio. —
Capturei o celular do bolso, comecei a digitar uma
mensagem para a Emma.
— Por quê?
— Os homens foram para outro setor — expliquei. —
Quanto você calça?
— Por quê? — As sobrancelhas dela se estreitaram,
surpresa.
Minha nossa, como perguntava!
Suspirei. Parei de digitar e a olhei.
— Quanto... você calça, Ágata? — indaguei
lentamente, me aproximei da menina. Ela se encostou na
barra de ferro da parede ao fundo onde havia um
espelho de corpo inteiro. Suas bochechas ruborizaram
no instante em que a testemunhei mirar a minha boca
como se fosse algum fruto proibido, porém, desejoso.
Aquilo me enlouqueceu por dentro. Cada expressão
delicada sua, cada movimento que fazia com os olhos e
lábios ou o corpo inteiro, era como um maldito feitiço
não intencional, mas que fazia efeito.
Ágata pendeu o rosto para baixo antes de
responder, evidentemente incomodada ou envergonhada,
não soube identificar.
— Trinta e três. — Fiquei surpreso, era um pezinho
de princesa. Em contrapartida, eu era um homem que
calçava quarenta e quatro.
— Certo. — Ela voltou a me olhar como se estivesse
esperando algo que não aconteceu. Lhe dei espaço, me
concentrei no celular.
As portas do elevador se abriram, avistamos um
espaço amplo, vazio e silencioso que estava em fase de
pintura.
— Está pedindo novos sapatos para mim? —
deduziu. — Se for isso, não precisa se preocupar. — A
ignorei, devolvi o celular para o bolso da calça social
quando saí do elevador. Segurei as portas para que ela
pudesse vir.
Ágata tentou caminhar, notei o vermelho e o inchaço
no seu tornozelo esquerdo, não poderia permitir que
continuasse se esforçando. Ela demoraria para
conseguir, sem contar que poderia cair de novo.
— Venha aqui. — Me aproximei outra vez e, contra a
sua vontade, a peguei no colo, quebrando qualquer regra
que havia me imposto de não a tocar.
— O que está fazendo, Filippo? — Foi pega
desprevenida, mas sabíamos que não poderia revidar.
Caminhei com a garota em meu colo sem conseguir
me desprender dos seus olhos, havia um paredão de
vidro no final do corredor em que estávamos e que nos
iluminava em meio àquele vazio desorganizado, com
baldes de tinta, poeira e lonas espalhadas.
Algumas janelas estavam abertas, o vento soprava
suave, arrastando alguns fios dourados sobre a sua face
enternecida. Parecia brincadeira para um homem na
minha idade admitir que gostei de tê-la em meus braços,
de sentir que a estava acolhendo ou a protegendo seja
lá de que maneira fosse.
Fui nocauteado por seu perfume suculento e
insaciável, uma doce fragrância da exótica cereja negra
misturada à uma nota tentadora de amêndoa.
Não era difícil imaginar o cheiro de Ágata porque
ele a descrevia totalmente: era aquele lugar onde a
inocência se cruzava com o pecado, um odor poderoso
que me hipnotizou como se o tempo passasse em
câmera lenta.
Não queria afastá-la do meu corpo, mas o fiz, assim
que a coloquei sobre uma cadeira, bem devagar. A
minha ereção pulsou entre as pernas, dolorida, um alerta
que fez eu me dar conta de que estava prestes a
ultrapassar os limites.
Com Ágata sempre era sim, à beira do abismo.
Dei-lhe as costas e me afastei, buscando respirar,
sentia que estava pegando fogo.
— Grazie... — Escutei a sua voz afetada pelo
mesmo tesão que me corrompia. Era visível que Ágata
me queria assim como eu a estava querendo.
Merda!
— Pedi à Emma que trouxesse novos sapatos para
você — anunciei, sem olhá-la. Esfreguei a mão na
garganta e a desci até o meu pau, sutilmente, para
tentar colocá-lo em uma posição que não me
incomodasse tanto. — Ela chegará logo, se não se sentir
bem, pode ir para casa. — Fiz menção em partir, mas a
menina me impediu.
— Filippo... — Parei de caminhar e virei apenas o
rosto em sua direção. — Eu ia lhe contar que aquele
advogado da Poseidone armou para você — disparou,
me fazendo esquecer do calor que nos rondava naquele
momento.
— O quê?
— Foi por isso que eu estava espiando vocês dois
conversarem. Eu o escutei ao telefone, ele estava
falando com um tal de... Sr. Rossi, afirmou que você e
seu cliente não imaginavam que haviam sofrido um golpe
e que em pouco tempo eles iriam assumir a Acqua Viva.
Raciocinei sobre as suas palavras. Um sentimento
ruim se apossou de mim ao rememorar toda a conversa
que tive com aquele infeliz durante o fechamento do
negócio.
— Tem certeza, Ágata? — Queria a sua confirmação
outra vez, mas no fundo sentia que tudo o que disse era
verdade.
— Sim — confirmou, eu assenti, a raiva me
dominando aos poucos.
— Espere Emma aqui, tenho que resolver isso. —
Ela concordou.
Caminhei depressa até o elevador, troquei um último
olhar com a garota antes das portas se fecharem. O Sr.
Rossi e seu advogado iriam descobrir que em meio a
esse mar dos negócios, eu não era qualquer peixe tolo,
mas sim um tubarão.
Respirei fundo e esfreguei as mãos no rosto assim
que fiquei sozinha. Meu coração trovejava no peito, os
bicos dos meus seios estavam sensíveis, além de me
sentir afogueada entre as pernas.
O que foi aquele olhar do Filippo?
Posso estar ficando louca, mas... pela primeira vez,
tive a impressão de que ele compartilhava da mesma
energia que me incendiou durante todos esses anos.
Como se não fosse o bastante a surpresa de ter me
carregado em seus braços, Filippo me encarou faminto,
da maneira que apenas um homem com segundas
intenções encararia uma mulher. Jamais esperaria um
gesto tão cavalheiro e romântico da sua parte depois de
tanto tempo ganhando a sua indiferença, mas nada me
preparou para aquele olhar. Suas pupilas azuis se
transformaram, era como se estivessem fervendo.
Usei a minha mão de leque para dissipar um pouco
daquele calor, apesar do vento suave continuar soprando
pelas janelas abertas ao final do corredor.
Após um bom tempo, Emma finalmente surgiu com
os meus novos sapatos. A ruiva elegante era um
mulherão de impressionar, poderia ser facilmente
confundida com uma modelo, até mesmo caminhava
como uma, sem precisar forçar.
— Garota, como conseguiu isso? — indagou,
mirando o meu machucado ao mesmo tempo em que me
entregava a caixa que carregava nas mãos.
— Meu salto quebrou. — Mostrei a ela, àquela
altura já estava descalça e, para a minha sorte, o
inchaço já não estava tão aparente assim, no entanto,
ainda doía.
— Parece que não tem muita sorte. — Emma cruzou
os braços e sorriu. — Dias atrás, deu uma trombada no
Filippo e molhou a roupa dele, hoje o seu salto quebrou.
Tem certeza de que não passou sobre algum gato? —
brincou, nós trocamos sorrisos.
— Não, é de nascença mesmo — expliquei,
enquanto calçava os sapatos novos.
— Quer ajuda? — ofereceu, quando me viu levantar.
— Isso aí parece estar doendo.
— Sim, está, mas eu não vou embora agora. Preciso
continuar estudando aquele processo — expliquei,
apesar da dor me incomodar.
— De jeito nenhum, você vai para casa colocar um
gelo nesse machucado. — Emma enlaçou seu braço ao
meu, dando-me apoio para voltar ao elevador.
— Mas...
— Sem “mas”, isso não está em discussão —
sentenciou, agindo como se fosse a minha mãe,
obrigando-me a rir de novo, porém, lembrei de uma coisa
e parei de caminhar. Desfiz o nosso agarre.
— Olha, se estiver fazendo isso porque eu sou... a
filha do...
— Nada disso, enlouqueceu? — Emma me encarou
como se não acreditasse no que tinha acabado de ouvir.
Ela emanava bom humor e humildade, isso me encantou.
— Minha gentileza não pode ser comprada, querida,
apenas merecida. — Enlaçou meu braço de novo. — Não
se iluda, se eu estivesse naqueles dias, acredite, você
estaria fazendo isso sozinha.
Entramos no elevador às gargalhadas.
— Agora vem cá, como conseguiu a ajuda do chefe?
Nunca o vi se importar em fazer um favor desse tipo a
ninguém. — Emma me largou para apertar o botão que
nos levaria de volta ao nosso andar de trabalho.
— Também me surpreendi. Ele parece tão duro e
sombrio — confessei, já estava a tratando como se fosse
minha melhor amiga.
— Menina, quase dei um tapa na cara dele naquele
dia em que ele te falou aquele monte de bobagens...
E assim continuamos a dialogar, nos entendemos
rapidamente, a sensação era de que já nos conhecíamos
há bastante tempo.
ÁGATA RUGGIERO
Mais de dez horas de voo para chegar na fabulosa
cidade de Las Vegas teria deixado qualquer pessoa
exausta, comigo não foi diferente. Apesar de ter feito
uma viagem divertida entre diálogos com Tomás e boas
sonecas, não via a hora de pisar em terra firme, sair
daquele jatinho onde, depois de algum tempo, passei a
me sentir entediada.
Tomás se mostrou uma boa companhia, ele era
cativante, engraçado, e a sua ansiedade para conhecer
a minha terra natal me contagiou.
Fazia anos que não andava em Vegas, mas assim
que pousamos fui vivificada pela explosão de cores e
brilho que era aquela cidade durante à noite. Era a mais
populosa e mais densamente povoada do estado
americano de Nevada, fazia jus ao seu letreiro mais
famoso, fabulosa, não havia melhor adjetivo para
descrevê-la.
Enquanto o táxi nos levava pela luxuosa Strip [ 1 2 ] ,
fomos inundados pela beleza e riqueza dos hotéis ao
longo da avenida, todos com cassinos, alguns também
eram resorts, parecia um mundo encantado e infinito.
— Caramba... — Tomás assobiou, impressionado.
Cada um de nós ocupava uma janela do carro. — É tudo
tão... magnífico! Emma nunca vai se perdoar por ter
perdido essa oportunidade. — Nos entreolhamos,
sorrindo.
— Ela ainda não explicou o que aconteceu? —
indaguei, aproveitei o instante para esticar a perna
esquerda que queria dar câimbra, fiquei muito tempo
sentada.
— Apenas disse que teve uma urgência. — Tomás
voltou a observar pela janela, sorrindo.
— Não venho aqui desde os quinze anos, nem sabia
que estava com tanta saudade. — Senti o vento soprar
os fios desordenados do meu cabelo, suguei uma lufada
daquele ar fresco e quente que me fez lembrar da minha
mãe, de tudo o que vivemos ali.
Meus olhos quiseram transbordar em lágrimas,
permiti que algumas delas molhassem a minha face sem
dificuldade, um nó apertou a minha garganta. Foi difícil
engolir a saliva, mas consegui. Limpei o rosto antes que
alguém percebesse.
O hotel em que aconteceria a comemoração da
fusão das empresas era um resort cinco estrelas
simplesmente gigantesco, com mais de quatro mil suítes
e várias atrações internas: cassinos, cinemas,
restaurantes, shows fantásticos, um shopping anexo e
tudo o que se pudesse imaginar ou o dinheiro comprar.
— Eu amo Vegas, é a minha terra natal, mas você
concorda que é muito longe de Milão e muito caro para
comemorar uma fusão? — perguntei a Tomás assim que
deixamos o táxi e seguimos com as nossas malas para a
entrada principal.
— Concordo... — ele gargalhou. — O Sr. Mancini é
o nosso cliente mais excêntrico. Acho que ele tem tanto
dinheiro que não sabe como gastar, e agora que se uniu
à essa outra empresa... Dio Santo!
Entramos em uma fila enorme para fazer o check-in,
o que nos deixou estressados logo de cara porque o
cansaço da viagem se uniu ao da chegada.
No entanto, tivemos sorte com os nossos quartos, já
estavam reservados para os convidados da festa e
apenas por isso tivemos um tratamento melhor do que a
maioria das pessoas que ficou à deriva em meio aquele
caos.
Eram poucos funcionários para a grande demanda, a
maioria deles parecia estar pouco se importando com os
hóspedes que chegavam, como se o investimento que
fizeram para estar ali não fosse grande coisa.
Assim que finalmente consegui entrar na minha
suíte, me frustrei por não ter uma vista privilegiada que
era o sonho de qualquer um ao ir para um hotel como
aquele, mas agradeci mentalmente por tudo estar
extremamente limpo.
Agradeci também o fato do nosso evento acontecer
apenas na noite de amanhã, teríamos tempo para
aproveitar durante o dia.
A primeira coisa que fiz, foi tirar a roupa e
mergulhar na banheira. Poderia pensar em qualquer
coisa durante aquele banho relaxante, mas foi Filippo
Gagliardi que dominou a minha mente, assim como a
raiva por tê-lo visto com aquela mulher. O bom de estar
em Las Vegas era que não veria aquele rosto sexy pelo
resto do fim de semana, iria tentar me divertir para
esquecer que aquele advogado cafajeste existia.
Saí do banheiro vestida em um roupão confortável,
caminhei até a cama ao mesmo tempo em que enxugava
o cabelo com uma toalha. Peguei o meu celular assim
que escutei o som da notificação, sorri ao ler a
mensagem de Tomás:
ÁGATA RUGGIERO
Filippo me acompanhou até o estacionamento e me
beijou várias vezes antes de finalmente me deixar partir.
Quando saí do seu prédio, um abismo se formou em meu
peito, era como se faltasse um pedaço de mim.
A cada vez que nos encontrávamos, demorava mais
a sair dos seus braços porque a verdade era que eu não
queria ir. Não queria me afastar do seu toque, dos seus
beijos nem dos seus abraços ou da sensação de o
receber entre as minhas pernas.
Quando estávamos na firma, era uma tortura fingir
que ele era apenas o meu chefe arrogante e mal-
humorado. Pensava em Filippo a todo instante, queria
saber o que estava fazendo, tinha uma necessidade
absurda de vê-lo, de falar ou lhe tocar, mas não podia,
precisava ser coerente.
Se o nosso envolvimento viesse à tona, seria um
golpe pesado demais para o meu pai. Seu melhor amigo
e sua única filha. A filha a quem ele tanto se apegou
após a morte da esposa e que seria capaz de proteger
com a própria vida devido ao medo de perdê-la.
Giancarlo Ruggiero sempre foi bastante protetor quanto
a mim, e descobrir que eu estava “namorando” para ele
significaria uma maneira de me perder.
Assim que passei pelos portões da propriedade,
estacionei na frente da mansão e tentei chegar às
escadas que me levariam até o meu quarto, entretanto,
não consegui, Giancarlo me impediu:
— Duas e meia da madrugada — sua voz severa
reverberou pela sala, em seguida a luz de um abajur foi
ligada em meio à escuridão, revelando a imagem de meu
pai sentado no sofá, de pernas cruzadas, o semblante
sério.
— Pai? O que ainda faz acordado? — Desisti de
subir os degraus e me esforcei para me aproximar dele,
cada osso do meu corpo parecia congelado.
— Você não atende mais as minhas ligações, quer
que eu me conforme apenas com uma mensagem onde
mente dizendo que foi fazer um trabalho com as suas
amigas...
— Eu não menti! — Apoiei as mãos no topo do sofá
que estava à frente do dele.
Engoli em seco, meu coração acelerou. Papai levou
o copo de água que segurava até a boca e molhou a
garganta, sem pressa e sem parar de me olhar com
severidade.
— Quem é ele? — a pergunta saiu calma e com uma
certeza que me apavorou.
— Não tem ninguém, pai — falei devagar, calculei
cada palavra. — Eu realmente estava com as minhas
amigas. Por que está desconfiando assim de mim? —
Contornei o sofá e me sentei, se permanecesse de pé
certamente iria cair devido ao medo que me afligia.
Papai era um homem esperto, e continuava me
encarando como se já soubesse de toda a verdade.
— Filha, seja sincera com o seu pai — pediu.
— Mas...
— Já tive a sua idade, sei o que está acontecendo
com você. Está se protegendo?
— Pai! — Levei as mãos à lateral do rosto, minhas
bochechas ardiam, tinha certeza de que estava
vermelha. Respirei fundo, tomei coragem. — Não é o
que está pensando — insisti na mentira, precisava
convencê-lo.
— Ágata, olhe para mim — ordenou, firme. Deixou o
copo sobre a mesinha de lado e apoiou os cotovelos
sobre os joelhos, cruzou as mãos. — Posso aceitar tudo
de você, menos mentira. Entendo que nunca
conversamos sobre esse tipo de assunto, mas... porra!
Só restou eu, você e o Enzo! — Respirou fundo, fechou
as pálpebras por um breve instante. — Faz tempo que
notei que está diferente, esperei que me falasse alguma
coisa, quis te dar espaço, mas estou cada dia mais
preocupado. — Ele se levantou, insatisfeito. — Se
demorar demais terei que descobrir sozinho — ameaçou.
Foram suas últimas palavras.
Giancarlo começou a se afastar e eu me desesperei:
— Pai... — A velocidade que utilizei para ficar de pé
me nocauteou. De repente, tudo girou ao meu redor,
minha visão ficou turva, percebi que iria ao chão quando
meu pai me segurou.
— Filha! O que está acontecendo? — Percebi a
preocupação em sua voz.
— Nada... só fiquei tonta. — Coloquei a mão na
testa, pisquei algumas vezes na tentativa de voltar a
enxergar com clareza.
Papai me fez sentar no sofá, foi pegar uma água
para mim e ficou ao meu lado até que eu melhorasse,
acariciou o meu rosto.
— Amanhã vamos ao médico — afirmou.
— Não. — Me afastei de seus braços, ajeitei a
postura. — Deve ser porque estou dormindo pouco, sem
contar que não me alimento direito — cogitei,
procurando uma explicação para aquele mal-estar
repentino.
— Eu te avisei que estava pegando pesado no
estágio, a faculdade te exige muito também. — Giancarlo
segurou a minha mão, ainda estava tenso.
— O senhor sabe que isso é normal, pai. Como
disse, já teve a minha idade e passou pelas mesmas
experiências. — Entrelacei os nossos dedos. — Mas eu
dou conta — garanti, sorrindo.
— Filha... — Seu semblante suavizou.
— Está tudo bem, pai. — O abracei, não queria
olhar em seus olhos enquanto mentia. — Por favor,
acredite em mim. — Meu coração se apertou, doeu. No
entanto, doeria bem mais se ele soubesse a verdade.
— Está certo. — Enfim, ele me correspondeu, seus
braços fortes me cercaram. — Mas não custa nada fazer
alguns exames e conferir se está tudo bem. Até porque,
devido ao problema que teve...
— Não tem nada de errado, falei com a médica há
alguns meses. — Me afastei, Giancarlo não parecia
convencido. — Tudo bem, vou procurá-la de novo.
Prometo.
Ele assentiu, passou a mão em meus cabelos. Por
fim, depositou um beijo sobre a minha testa.
— Vamos dormir, vou acompanhá-la. — Giancarlo
me ajudou a levantar, dessa vez não senti nada, mas
sabia que por dentro tinha algo de errado. E pior, sentia
que meu pai não havia acreditado em nenhuma das
minhas palavras.
Após me reunir com um cliente, deixei o meu
escritório e segui até o departamento do Tomás. Poderia
simplesmente chamá-lo, mas desde que passei a me
envolver com a Ágata, averiguar o que ela estava
fazendo sempre que tinha oportunidade se tornou quase
um hábito.
Antes de atravessar as portas do departamento,
avistei a garota em um diálogo divertido com o infeliz.
Como sempre, Tomás estava dentro do cubículo dela,
encostado à sua mesa, com um olhar encantado que me
irritava.
Nos últimos tempos, a amizade deles estava se
tornando tão séria, que até suco de cereja que ela
gostava ele trazia todos os dias. Sem contar as vezes
em que iam almoçar juntos, isso quando eu não a
“sequestrava” para que tivesse aquele momento comigo,
algo raro, já que o excesso de trabalho, o pouco tempo
que tínhamos e o alto risco de sermos flagrados por
algum conhecido me impedia.
Me aproximei deles, porém, apenas fui notado
quando limpei a garganta e os fuzilei.
— Filippo? Pode falar, quer alguma coisa? —
Surpreso, Tomás ajeitou a postura assim que me viu.
— Sim, que você venha comigo — afirmei, severo,
tendo ainda mais certeza do que estava prestes a fazer.
— Certo — confirmou, contornando o cubículo para
vir ao meu encontro.
Encarei Ágata uma última vez, ignorei a sua
expressão sapeca, ela adorava me provocar e agia como
se não tivéssemos fodido ontem feito dois coelhos.
Levei Tomás até um escritório ainda não utilizado,
completamente montado e bem longe do departamento
no qual trabalhava.
— Nossa... — Ele ficou impressionado, se
aproximou do paredão de vidro com uma vista digna de
filme. — Eu ainda não tinha visto esse escritório. —
Voltou a olhar para mim. — Quem trabalha aqui?
Guardei as mãos dentro dos bolsos antes de
respondê-lo:
— A pergunta certa é: quem vai trabalhar aqui? —
respondi, com um olhar sugestivo.
— Não... — Tomás sorriu, entendendo o recado. —
Sério? Esse... esse é o meu...?
— Sim, Tomás, a partir de agora esse será o seu
escritório. Você não será mais um Associado, estou te
nomeando Sócio-Júnior. — Sorri.
Ao ver a felicidade inundando o rosto do rapaz,
soube que estava resolvendo dois problemas de uma só
vez: primeiro, dei a ele o que sempre buscou e
verdadeiramente merecia porque era um ótimo
advogado. Segundo, o tiraria de uma vez por todas de
perto da Ágata.
Ou era isso ou jogá-lo pela janela. Para manter a
minha boa reputação seria melhor a opção menos
violenta.
— Passei a vida toda esperando por isso. Caramba,
Filippo, não sei o que dizer! — Ele não conseguia
acreditar.
— Não diga nada, apenas aperte a minha mão e
trate de voltar ao trabalho. — Ofereci a mão a ele, nos
cumprimentamos.
— Grazie. Vou terminar alguns serviços e depois
faço a mudança!
Assenti, então o deixei sozinho. Ao tomar o caminho
de volta para o meu escritório, me deparei com a Emma
nervosa marchando em minha direção.
— Eu não sei como aquela mulher conseguiu entrar
aqui, já pedi que se retirasse, ameacei chamar os
seguranças, mas ela falou que se isso acontecesse faria
um escândalo! — disparou, não precisou citar o nome da
pessoa para que eu soubesse de quem se travava.
— Deixa que eu resolvo — garanti, assenti de
maneira ríspida e continuei, Emma veio logo atrás de
mim.
Uma mulher de cabelos castanhos curtos usando um
vestido preto envelhecido me aguardava na porta da
minha sala. Greta era a última pessoa na face da Terra
que eu desejava ver, parecia cansada, carregava um
semblante preocupado, e apesar de ser apenas dez anos
mais velha do que eu, a infeliz ainda continuava sendo
bonita.
— Que merda você está fazendo aqui? — grunhi,
revoltado. Olhei ao redor para ter a certeza de que
ninguém além de Emma nos observava.
— Preciso falar com você, e dessa vez não aceitarei
que me expulse como se não fosse alguém importante —
argumentou, ousada como de costume.
Greta jamais abaixava o maldito nariz empinado,
sempre achando que ainda possuía algum poder sobre
mim. Sorri, em deboche.
— Você nunca foi importante pra mim — deixei
claro, meu maxilar enrijeceu a ponto de doer.
— É mentira e você sabe disso, querido. — Fechei
os olhos por dois segundos, irritado. — Filippo, eu não
vim aqui para brigar, preciso de um advogado. O caso é
sério.
— Vá embora agora ou eu te arrasto à força e não
duvide da minha capacidade de fazer isso. — Dei um
passo em sua direção, de queixo erguido, olhar
assassino.
Apesar da fúria correndo em meu sangue, consegui
manter a conversa civilizada, não seria burro a permitir
que alguém da firma desconfiasse que estava diante de
uma inimiga, alguém que cavou um buraco fundo em
meu peito impossível de ser tapado.
— Filippo, acalme-se. — Emma se aproximou ainda
mais, forçando um sorriso.
Os olhos de Greta foram cobertos por uma frágil
camada líquida, algo que não me comoveria.
— Se você me ajudar juro que nunca mais vou te
procurar. Eu desapareço — prometeu, mas havia
passado da época em que eu acreditava nas suas
promessas.
— Eu não vou te ajudar, procure outro advogado,
um que seja tolo o bastante para confiar em você. Agora
saia da minha frente — rosnei baixo, os punhos
cerrados.
Greta assentiu, evidentemente inconformada, e
amarga. As pupilas escuras antes molhadas, haviam
secado com rapidez. Ela deu alguns passos para longe,
mas não se afastou por completo, virou e me encarou
uma última vez:
— Você me tirou tudo, Filippo! E estou prestes a
perder a migalha que me restou. Era o mínimo que
poderia fazer! — grunhiu, sua pele parecia arder de
ódio, levando embora a imagem de pobre coitada que
tentou passar em um primeiro momento.
— Se não se importa, vou acompanhar a senhora
até o elevador! — Emma se interpôs à minha frente,
como um escudo, e obrigou Greta a partir.
Só então respirei de verdade, mas tive dificuldade
em puxar a primeira lufada de ar. Entrei em minha sala,
tonto, senti o coração desacelerar, a pele esfriou, estava
tendo um maldito ataque de pânico! Forcei as minhas
pernas a se moverem, com muito custo alcancei o
frigobar, bebi um pouco de água. Meu cérebro foi
invadido com várias lembranças do passado e me
atormentou de tal maneira que achei que iria cair.
— Filippo! Filippo, você está bem? — Emma entrou
no escritório. A princípio, a sua imagem pareceu um
vulto e a sua voz estava distante.
Respirei fundo, fechei os olhos. Aos poucos busquei
me acalmar.
— Sim, estou — respondi, minha testa estava
molhada devido ao suor.
— Eu vou ligar para a sua terapeuta e depois
desmarcarei todos os seus compromissos. Está mais do
que na hora de você voltar! — Emma correu até a minha
mesa e fez a ligação que evitei por vários meses.
Ela tinha razão, precisava retornar com a terapia.
ÁGATA RUGGIERO
Ao chegar em casa e entrar no banheiro,
testemunhei as minhas coxas meladas, o esperma de
Filippo ainda sujava a minha pele, no entanto, estava
acostumada. Tomei um banho relaxante antes de colocar
um pijama e ir até a cozinha, onde Enzo preparava algo
sobre a ilha.
— O que está aprontando, feioso? — Me aproximei,
sentindo o cheiro da pasta de amendoim que ele usava
para rechear o seu sanduíche.
— Sanduíche com pasta de amendoim! —
respondeu, empolgado. — Mas não adianta pedir, está
acabando e eu não vou te dar. — Protegeu o prato
sabendo que eu poderia simplesmente tomar, como fazia
quando queria provocá-lo. No entanto, daquela vez a sua
atitude não seria necessária, o odor do amendoim
embrulhou o meu estômago.
— Nossa, tem certeza que essa pasta não está
vencida? — perguntei, ficando enjoada.
— Claro que não, veja! — Ele aproximou a lata de
mim, o que piorou a minha situação.
— Não... — me afastei e cambaleei até a pia mais
próxima, onde vomitei o que havia comido mais cedo.
— Feiosa? O que está acontecendo? — Enzo largou
a lata sobre a ilha e veio tentar me auxiliar, apavorado.
Ergui a mão em uma tentativa de impedi-lo de se
aproximar, tendo em visto que o cheiro do amendoim
também estava nele, a pasta melada na ponta dos seus
dedos.
Vomitei outra vez, me senti fraca.
— Vou chamar o papai! — Ele fez menção em sair
da cozinha.
— Não! — Ofeguei, o paralisando. — Não faça isso.
Não quero deixá-lo ainda mais preocupado. — Abri a
torneira e me lavei, devagar. — Não foi nada... deve ter
sido alguma coisa que comi e não me fez bem. — Era
mais uma desculpa que não me convencia.
Tinha mesmo algo de errado.
— Acho que você vomitou porque sentiu o cheiro da
pasta de amendoim. — Enzo voltou a se aproximar,
observando-me atentamente como se a sua mente
inteligente cogitasse alguma coisa. — Papai disse que a
mamãe não suportava sentir o cheiro de amendoim
quando estava grávida — disparou, como se algo se
encaixasse dentro da sua cabeça.
— Você está louco? — Fiquei horrorizada. — Pare
de falar besteira! — A maneira como os meus batimentos
cardíacos aceleraram fez com que o meu cérebro ficasse
em alerta.
— Não estou dizendo que você está grávida, irmã,
só lembrei que...
— É melhor encerrarmos esse assunto! — Saí da
cozinha depressa, corri de volta para o meu quarto,
entretanto, passei mal ao chegar no topo da escada,
minha visão embaçou mais uma vez.
Com bastante esforço, alcancei a minha porta e
entrei, deitei na cama e levei alguns minutos para me
recuperar. Aqueles sintomas não eram os mesmos que
senti quando adoeci pela primeira vez, mas não era
possível que a ideia do meu irmão fosse verdade, apesar
que... a minha menstruação estava atrasada, lembrei.
Minha cabeça doeu e ficou tão pesada que parecia
ser espremida por meus pensamentos. Nada mais fazia
sentido. Rolei na cama a noite inteira, sequer consegui
dormir e quando amanheceu decidi que precisava ter
certeza.
— Não vai ao estágio hoje, filha? — Papai
perguntou assim que assistiu eu me sentar à mesa. Ele
estava na ponta e Enzo do outro lado, à minha frente.
— Não, vou ver a minha médica — respondi, mas
não consegui desgrudar os olhos do meu irmão, estava
tentando me certificar de que ele não havia falado nada
do que tinha acontecido na noite anterior.
— Sentiu mais alguma coisa? — Olhei para o meu
pai, não sabia se ele estava me testando ou se
realmente não sabia de nada, o nervosismo que me
corroía por dentro e que eu tentava esconder não
permitia.
— Não, mas prometi ao senhor, não prometi? —
respondi, observei Enzo continuar bebendo o seu café
em silêncio, testemunhando a minha mentira.
— Grazie. — Giancarlo assentiu com um meio-
sorriso e apertou a minha mão.
Assim que terminamos de comer, ele saiu com o
Enzo e eu fui à farmácia mais próxima, após enviar uma
mensagem a Filippo avisando que não compareceria na
firma porque faria exames de rotina. Filippo quis saber
se estava tudo bem, confirmei dizendo que sim, aquela
loucura de gravidez não tinha a menor possibilidade.
Assim que retornei ao meu quarto, fui ao banheiro
com o teste, li as instruções e fiz o que tinha que fazer.
Não precisei esperar muito, a resposta veio rápida na
forma de duas linhas rosadas, a cor bem forte e viva,
quase vermelha.
Meu cérebro entrou em parafuso. Boquiaberta, não
consegui me mover. Tapei a boca, meus olhos foram
inundados por lágrimas, esperei que uma daquelas
linhas desaparecesse, mas não aconteceu.
Eu estava grávida.
Fiquei surpreso quando Emma avisou que um dos
maiores empresários da Itália queria marcar uma reunião
comigo. Pasquale Lombardo, era um magnata na casa
dos setenta anos conhecido por ser arrogante e exigente
nos negócios tanto ou mais do que eu, e até onde sabia
vivia trocando de advogado, já que costumava forçá-los
a burlar a Lei para que fizessem as suas vontades.
— Senhor Lombardo, seja bem-vindo, em que posso
ajudá-lo? — cumprimentei-o e apontei para a cadeira do
outro lado da minha mesa, onde o homem de cabelos
grisalhos se sentou.
— Filippo Gagliardi, estou ansioso para começar a
pagar os seus honorários — ele disparou, logo depois de
cruzar as pernas com certa classe, um sorriso de quem
podia tudo tomando o seu rosto.
— Até onde sei ainda não assinamos nenhum
contrato. — Recostei em minha cadeira, à vontade.
— Não seja tolo, você sabe quem sou e também
entende que se estou agora na sua sala é porque o
escolhi para ser o meu advogado. Preciso de um homem
de coragem. — Ergueu uma sobrancelha, momento em
que, sem perceber, denunciou que estava necessitado,
não de um advogado, mas sim de um que fosse capaz de
fazer o trabalho sujo sem questioná-lo.
— Acertou, Pasquale, eu sou realmente corajoso,
mas não tolo e nem de longe me interessa fechar
qualquer negócio com você — disparei, sem rodeios.
O homem foi pego de surpresa, algo semelhante a
ter levado um tapa na cara. Muito provavelmente alguém
sequer tinha coragem de lhe negar alguma coisa.
— Gostei do seu senso de humor. — Balançou o
dedo indicador em minha direção, sorrindo, levando as
minhas palavras como uma piada. — Agora vamos falar
de negócios.
— Acho que ainda não entendeu, então deixe-me
explicar: — apoiei os cotovelos sobre a mesa, cruzei os
dedos e o encarei com seriedade — não sou como os
outros advogados, não penso apenas na quantidade de
dinheiro que os meus clientes podem me oferecer. Não
trabalho em meio à podridão e, Pasquale, com todo
respeito, é de conhecimento público a sujeira que você
faz quando quer algo.
— Como se atreve?! — O homem se ergueu,
irritado.
— Essa pergunta seria minha, você entra no meu
escritório me tratando como se eu fosse o seu
empregado. — Me levantei, calmo, porém, sem um pingo
de paciência para alguém como ele. — Mesmo que
algum dia tivesse a sorte de trabalhar comigo, eu seria o
seu parceiro de negócios, não um pau mandado.
— Algum dia, Sr. Gagliardi, vai se arrepender do
que disse! — rosnou ao apontar o dedo para mim. — E
de ter me tratado como se eu fosse um qualquer.
Apoiei-me sobre a mesa e me inclinei em sua
direção, o olhando do alto, já que tínhamos uma boa
diferença de tamanho.
— Eu não respondo a ameaças, Pasquale. E se não
quiser sair do meu escritório ameaçado também, é
melhor se retirar agora! — grunhi, enfurecido.
O velho bufou e, enfim, me deu as costas,
desaparecendo. Sentei-me estressado, pensando que às
vezes o inferno enviava pessoas às nossas vidas apenas
para nos irritar de graça, não era possível!
Tentei voltar ao trabalho no notebook, mas antes
conferi se havia alguma resposta da Ágata à minha
última mensagem, na qual perguntei se tinha feito os
exames e se estava tudo bem. Ela ainda não havia
respondido, sequer ficou online desde a última vez.
Como se adivinhasse que eu estava pensando em
sua filha, Giancarlo entrou em minha sala, pescando o
olhar interessado de Emma e de outras duas
funcionárias que conversavam com ela em seu cubículo.
— Tem um minuto? — Ele fechou a porta, com cara
de poucos amigos.
— Claro. — Apontei para a cadeira disponível, onde
o homem se sentou.
— Bom, Filippo, vou direto ao ponto: sabe me dizer
se está havendo alguma coisa entre o Tomás e a Ágata?
— disparou. Seu olhar desconfiado provava que aquela
ideia o perturbava.
— Até onde sei, nada. Por que a pergunta? —
indaguei, incomodado, tentando encontrar uma posição
mais confortável em minha cadeira.
— Desde aquela viagem dos dois à Vegas que a
minha filha está diferente. Algo mudou. Tenho quase
certeza que ela está saindo com algum cara, e como os
dois não se desgrudam...
— Você deduziu que fosse ele — completei,
incomodado por ele, por estar escondendo aquele
segredo de um grande amigo.
— Ontem ela deixou de ir à faculdade para ajudá-lo
a organizar o novo escritório. Eles costumam almoçar
juntos, trabalhavam lado a lado e teve aquela viagem
para Vegas. — Giancarlo suspirou, e a maneira como
esfregou a sua barba cerrada denunciava que aquela
possibilidade também o incomodava.
— Olha, Giancarlo...
— Se viu alguma coisa, preciso que me diga. —
Apoiou os braços sobre a mesa e aproximou o rosto.
— Não vi nada, passei mais tempo com o Mancini,
porém, os dois estavam sempre por perto — menti,
desconfortável. Pensei como seria se eu estivesse no
lugar dele. E era óbvio que sequer passava por sua
cabeça que o cara com quem a sua filha estava saindo
estava bem à sua frente.
Giancarlo se recostou em sua cadeira,
decepcionado.
— Mas, não estou entendendo, se a Ágata tivesse
alguém... isso seria um problema? — Quis testá-lo,
cruzei as mãos sobre a mesa.
Giancarlo demorou a me encarar, era como se
procurasse a melhor resposta.
— Na verdade, eu não sei. — Cruzou as pernas, seu
pé balançava impaciente. — Ela é a minha única menina,
compreendo que agora é adulta e que tem as suas
necessidades, mas queria estar preparado... de alguma
maneira. — Senti a sua agonia, o compreendi e me senti
ainda mais filho da puta por isso. — Faz tempo que
desconfio, esperei que me contasse porque Ágata nunca
foi de me esconder nada, mas o tempo passou e ela
continua escondendo e se tem que esconder é porque
existe um problema.
Era verdade, o problema era eu, a amizade entre as
nossas famílias, a diferença gritante entre as nossas
idades.
— Eu entendo — foi o que pude responder, meu
maxilar enrijeceu.
— Era isso, vou voltar ao trabalho. — Giancarlo se
ergueu, o seu olhar de pai preocupado me atingiu mais
fundo do que deveria.
Eu havia prometido à Ágata que não iria contar
nada, mas naquele momento percebi que não poderia
permitir que aquilo continuasse. Conhecia bem o
tamanho da ferida que um maldito segredo poderia criar,
e não era nada bonito.
— Giancarlo, espere. — Me levantei, estendi a mão
em sua direção, fazendo com que se virasse. Giancarlo
esperou, mas a minha voz não saiu, raciocinei e percebi
que disparar um segredo daquela magnitude não seria
prudente. — Talvez… Ágata queira apenas um pouco de
privacidade e está esperando o momento certo para te
contar — falei, com cautela.
Minhas palavras pareceram fazer efeito em sua
cabeça, o seu semblante preocupado suavizou.
— Você é pai e tem todo o direito de estar
preocupado, mas a sua filha é uma das garotas mais
responsáveis que já conheci — continuei, guardei as
mãos dentro dos bolsos. — Se você estiver certo e ela
estiver conhecendo alguém, talvez ainda não se sinta
preparada para compartilhar, entende?
— Tem razão… — Giancarlo abaixou o olhar, senti o
peso da sua mente tomada por milhares de
pensamentos. — Talvez eu esteja ansioso demais e a
pressionando sem perceber. — Ele voltou a me encarar,
satisfeito. — Grazie, Filippo…
— Com licença. — Emma entrou no escritório, nos
interrompendo. O seu olhar estava em alerta, o que
mostrava que havia algo de errado. — Desculpe, Filippo,
mas é urgente.
— Emma, só um momento, estou conversando com o
Giancarlo.
— É urgente mesmo. É aquela mulher outra vez.
Greta, pensei. Giancarlo sorriu, provavelmente
pensando besteira.
— Você não muda mesmo, não é? — comentou,
balançando a cabeça, achando graça.
— Não, Giancarlo. Não é o que está pensando. —
Contornei a mesa, me aproximei dele.
— É a Greta que resolveu surgir dos mortos para me
incomodar — contei, era um dos podres da minha vida
dos quais meu amigo tinha conhecimento.
O seu sorriso morreu.
— Greta? Não acredito. — Giancarlo desviou o olhar
de mim para a Emma. — Onde ela está?
— Lá embaixo, ameaçando fazer um escândalo se o
Filippo não aparecer. — Emma cruzou os braços,
indignada.
— Eu vou cuidar disso — garanti a Giancarlo.
— Sei que vai. — Ele deu dois tapinhas em meu
ombro. — Depois me conte como foi. — O homem se
preocupava comigo, era um amigo de verdade, mas a
sua amizade não estava sendo devidamente
correspondida por mim, não quando eu escondia o que
estava fazendo com a sua filha.
Siga-me no Instagram e
não perca nenhuma novidade!
@autormariolucas
[1]
Vamos.
[2]
Obrigado(a).
[3]
Santo Deus!
[4]
Desculpe-me.
[5]
Decorre do rompimento de um pequeno vaso do cisto no ovário, ocasionando
sangramento em seu interior. Eles costumam desaparecer de forma natural, porém,
quando de tamanho grande, em casos graves, é necessário a cirurgia.
[6]
O teratoma é um dos vários tipos de tumor que surgem a partir das células germinativas
dos ovários, pode ser maduro (benigno) ou imaturo (maligno).
[7]
São decisões judiciais que, baseadas em casos concretos, servem de parâmetro para
julgamentos posteriores de casos semelhantes.
[8]
No caso da advocacia pro bono, o advogado oferece seus serviços de forma voluntária
e gratuita, sem receber honorários ou remuneração pelos serviços prestados. Porém, vale
ressaltar que pode existir a cobrança dos honorários de sucumbência pela parte vencedora
do processo.
[9]
Marca fictícia de relógios de luxo pertencente à família Javier, grupo de homens
poderosos da série Intenso Demais. Todos os livros disponíveis na Amazon.
[10]
É um britânico que foi injustamente condenado e preso em 2003 pelo estupro de uma
mulher de 33 anos em Salford, Grande Manchester.
[ 11 ]
Baseado no conto de Roald Dahl, este cômico e fantástico filme segue o jovem Charlie
Bucket e seu avô Joe. Eles se juntam a um pequeno grupo de ganhadores de uma
competição, os quais vão para um passeio na mágica e misteriosa fábrica do excêntrico
Willy Wonka. Ajudado por seus anões trabalhadores, Wonka esconde uma surpresa para
durante o passeio.
[12]
Las Vegas Strip ou Las Vegas Boulevard, é a avenida que contém os cassinos mais
imponentes do mundo.
[13]
É uma rua localizada no centro da cidade de Las Vegas, Nevada. É considerada a
segunda rua mais conhecida de Las Vegas, fechada para carros, repleta de cassinos e
coberta em sua maior parte por um telão gigantesco em uma enorme estrutura de metal
em forma de arco que fica a 27 metros do chão.
[14]
Ooforectomia é o procedimento cirúrgico de remoção de um ou dos dois ovários (uni
ou bilateral). Trata-se de uma intervenção radical, portanto é indicada apenas em casos
graves de comprometimento dos ovários ou de prevenção de tumores.
[15]
Hotel Resort e Cassino de referência em Las Vegas.
[16]
O fetiche consiste em sentir atração e prazer pelos pés.
[17]
Cidade do Pecado, apelido de Las Vegas.
[18]
É uma fobia específica relacionada ao escuro. Tal transtorno está catalogado no
Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Representa o excesso de
ansiedade quando alguém se expõe a cenários de penumbra ou completa escuridão.
[19]
Rapaz.
[20]
Casal protagonista do livro Amada Por um Italiano: paixão proibida. Livro onde
Filippo aparece pela primeira vez.