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©Copyright 2024 — BIANCA CARVALHO

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propriedade intelectual do autor. Obrigada por seu apoio aos direitos da
autora.

Este e-book é uma obra de ficção. Embora possa ser feita referência a
eventos históricos reais ou locais existentes, os nomes, personagens, lugares
e incidentes são o produto da imaginação da autora ou são usados de forma
fictícia, e qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas,
estabelecimentos comerciais, eventos, ou localidades é mera coincidência.

PLÁGIO É CRIME!

PIRATARIA (PDF) É CRIME!

Revisão: SONIA CARVALHO


Capa: Ellf Designer
Diagramação: Independente
Imagens: Depositphotos, FreePik e Canva
Assessoria de Comunicação e Conteúdo: Laura Brand
Assessoria Geral: Ana Paula Toledo
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Mil Instantes Infinitos
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Sinopse
Ilya Kravtsov é o capitão da Bratva, a organização criminosa mais
importante da Rússia. Com a fama de ser implacável e cruel, ele ganhou o
respeito de seu chefe e o direito de ser o líder das missões mais arriscadas.
Até o dia em que é convocado para um trabalho misterioso: buscar uma
encomenda especial para o pahkan. Ao chegar no local combinado,
descobre que se trata de uma garota traficada, comprada para ser esposa de
seu chefe, em uma tentativa de aliança com o Cartel.
Indignado e disposto a protegê-la, ele decide roubá-la e fugir com ela.
Alejandra Zavala já viu de tudo na vida. Entregue pelo próprio irmão para
ser vendida a quem pagasse o melhor preço, ela não imaginava que seria
salva de um destino terrível pelo homem a quem deveria temer.
Seu herói é bruto, rude e muito perigoso, mas irá defendê-la a todo custo.
Uma convivência forçada em uma cabana no meio da neve de Moscou, uma
fuga alucinada e as ameaças iminentes aproximarão os dois e os envolverão
em uma paixão avassaladora, que os colocará ainda mais em risco.
Principalmente quando Alejandra é tirada de seu salvador e lançada de novo
na cova dos leões.
Até onde Ilya será capaz de ir para manter a mulher que ama em segurança?
SUMÁRIO

PLAYLIST
Nota da Autora
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Epílogo
Cena Extra – Kolya e Zoya
Agradecimentos
PLAYLIST

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Nota da Autora

Oi, amores! Obrigada por estarem lendo mais uma história minha.

O livro do nosso ursão foi muito, muito pedido, e finalmente ele está aqui,

em toda sua brutalidade, mas com o jeitinho adorável que o transformou no


queridinho das leitoras.

Informo que o livro tem temas sensíveis, como tráfico de mulheres, mas
não possui cenas gráficas de estupro e nem de tortura. Se você está

procurando um romance dark, este não é o livro certo para você. Há uma
rápida menção a suicídio também, caso isso te dê gatilhos.

Também é importante dizer que este livro é o primeiro de uma série, então
não é necessário ler nenhum antes dele. Não há spoiler de outros e nem

pontas soltas. Você pode ler esse primeiro e depois partir para o resto da

série de máfia.

Espero que vocês se divirtam e que o livro do Ilya seja tudo o que vocês

esperaram e mais!
Para Ana Paula Barbosa, o ursão é todo seu! Espero que ame!

Para as mulheres que, de alguma forma, vivem em prisões dentro de si


mesmas. Que vocês consigam encontrar a liberdade em todos os sentidos.
Prólogo

Tire essa venda cor de rosa dos meus olhos


Estou exposta, e isso não é nenhuma surpresa
Você acha que não sei exatamente o meu lugar?
Esse mundo está me obrigando a segurar sua mão
JUST A GIRL – ASTYRIA (versão)

Guadalajara – Seis Anos Antes

ALEJANDRA ZAVALA

Fiz o sinal da cruz assim que terminei de rezar o Pai Nosso.

Que Deus me protegesse.

Nós não éramos tratadas como princesas no lugar onde eu vivia há

cinco anos, como prisioneira, por isso, quando chegaram com sabonetes,
xampus e roupas novas, comecei imediatamente a orar.
Não que não tomássemos banho todos os dias, mas o fazíamos com

uma barra de sabão dura e com cheiro de coco. Naquele dia, nos deram algo

com aroma de lavanda. O vestido que coloquei era branco, imaculado,

como o de uma boneca. Meu cabelo comprido e castanho foi deixado solto,

mas penteado cuidadosamente. Um arco rosa foi colocado na minha cabeça.

Chegaram a me maquiar com um batom e um blush – sem dúvidas

para que eu parecesse mais saudável.

Há um bom tempo não me olhava no espelho, mas naquela tarde me

foi permitido. Fui colocada diante do meu próprio reflexo pela primeira vez

depois de cinco anos, quase não reconhecendo a mulher que via.

Eu tinha só treze anos quando fui tirada da minha casa, entregue


pelo meu próprio irmão para que este pudesse ter uma posição em meio ao

Cartel, logo depois que meus pais morreram. Tive sonhos arrancados de

mim, passei a viver com medo e terminei ali, na expectativa de ser vendida

a alguém antes mesmo de fazer dezoito anos.

Era o que acontecia com as garotas que conviviam comigo.


Algumas, quando chegavam muito pequenas, e sem a aparência latina como

a minha, acabavam sendo compradas por famílias para posarem como suas

filhas; como obras de caridade, embora eu imaginasse que também não

fossem muito bem tratadas.


Outras se tornavam prostitutas em locais caros, que podiam pagar

seu preço. Muitas eram compradas por pervertidos como escravas sexuais.

Eu não sabia qual seria o meu destino.

Tinha a impressão de que estavam me guardando para algo. Eu e

mais umas três meninas que mantinham afastadas de mim, de quem mal

sabia o nome.

Bem... finalmente descobriria.

Eles vieram me buscar quando já era noite lá fora. Eu não tinha

acesso a uma janela com uma vista, mas havia um buraco bem no alto da

parede, com grades, que era por onde entrava a luz. Pegávamos sol todos os

dias, em grupos, exatamente como se fôssemos presidiárias, embora não

nos permitissem termos contato.

Recebíamos comprimidos de vitaminas, porque a alimentação e o


estilo de vida não eram os melhores.

Ainda assim, eu preferia continuar ali pelo resto dos meus dias a ser

condenada a um destino muito pior.

Léa, a mulher que cuidava de mim, também fez o sinal da cruz na

minha testa, e ao me deparar com sua expressão preocupada, foi difícil não
sentir um calafrio percorrer minha espinha.

Ela sabia de algo que eu não sabia. E não parecia nem um pouco

feliz pelo que ia me acontecer.

Deparei-me com as outras meninas vestindo roupas idênticas à

minha. Todas eram latinas, de cabelos escuros, olhos escuros. Todas magras

– mais do que seria saudável –, mas eu definitivamente era a mais alta.

Tanto que o meu vestido também era o mais curto, mostrando muito mais

das minhas pernas do que eu gostaria.

Meus olhos se encontraram com os de uma garota muito jovem

também, bem mais do que eu, e ouvi alguém a chamando de Blanca. Fosse

o que fosse que estivéssemos fazendo ali, eu tinha certeza de que

escolheriam a ela ao invés de mim. Eu só conseguia ver um dos lados do

seu rosto, porque me olhou de soslaio, mas ela era linda.

Rosto de porcelana, nariz arrebitado, lábios cheios. Era pequena e

delicada, tinha porte de donzela.

Eu era magra demais. Alta demais. Quem ia me querer?

Que Deus me perdoasse, porque eu não desejava que o destino fosse

cruel com aquela pobre garota, mas naquele momento pedi que ela fosse

escolhida e não eu.


— O que essa deformada está fazendo aqui? — um dos homens

rosnou, agarrando o braço da bonequinha de porcelana do meu lado. — Um

rosto tão bonito, todo estragado...

O desgraçado lançou a garota no chão, e foi então que eu pude ver

uma cicatriz cortando um pedaço da sua face.

Não era assim tão grande. Não minimizava em nada a sua beleza,

mas marcava seu rosto, talvez para sempre.

— Você acredita que foi ela que se estragou assim? Cortou a cara de

propósito. Era tão gostosinha, tão bonitinha... Podia conseguir um chefão.

Agora vai limpar privadas para o resto da vida.

O homem agarrou o braço da menina, e eu vi um quase sorriso em

seu rosto conforme foi levada para fora do salão onde fomos colocadas.

Limpar privadas era um destino muito melhor, sem dúvidas, do que

se tornar escrava de um “chefe”, como o desgraçado mencionou.

Bem... só sobrávamos eu e mais duas. Seria um jogo de azar.

Foram longos minutos de espera até que um homem entrou, cercado

por outros três. Ele usava um casaco de veludo muito grande, muito pesado,

por cima de um terno preto. Fumava um charuto e tinha anéis em quase


todos os dedos. Era loiro, com sobrancelhas no mesmo tom muito claro, e

suas maçãs do rosto eram tão rosadas que eu poderia jurar que tinha usado

mais blush do que eu.

— São só essas? — ele perguntou em inglês, mas com um forte

sotaque. Russo, provavelmente.

— Sim, senhor. São as latinas, como o senhor pediu. Todas

mexicanas.

Por que diabos ele só queria garotas mexicanas? Seria um fetiche?

O russo só resmungou, deu de ombros e se aproximou de nós. Na

fila, na ordem que ele decidiu seguir, eu seria a última.

Tocou o rosto de cada uma, olhou os dentes, apalpou, como se

fossem mercadorias. Quando chegou em mim, parou, me olhando de cima a

baixo.

Retirou os óculos escuros e inclinou a cabeça para o lado. Esticou a


mão para tocar em mim, como tinha feito com as outras garotas, e eu o

empurrei.

Um de seus capangas veio com o braço erguido, provavelmente

pronto para me bater, mas o russo colocou um dedo em riste, sem tirar os
olhos de mim, parecendo intrigado.

— Qual é seu nome, doçura? — ele perguntou em um espanhol

muito forçado, muito mal falado.

Não respondi de imediato, mas vi o filho da puta que quase me


bateu levar a mão ao coldre. Talvez fosse melhor levar aquele tiro e morrer

do que o cenário que estava se desenrolando.

Eu tinha chamado atenção do homem, de alguma forma, por mais


que não fosse a minha intenção.

— Seu nome, menina! — ele repetiu.

— Alejandra — falei por entre os dentes, franzindo o nariz com

nojo.

Ele devia ter uns cinquenta anos, era mais ou menos da minha altura
– um metro e setenta e cinco –, mas tinha ombros largos. Os olhos eram de
um negro profundo, que contrastavam com o loiro muito claro dos cabelos.

Eram olhos cruéis. Maliciosos.

— Hummm... a chicana tem olhos claros. Verdes ou amendoados?


Dourados? — Ele queria que eu respondesse? Ia morrer esperando. — Uma
mistura exótica com essa pele bronzeada e os cabelos escuros. — Quantos
anos ela tem? — perguntou a um dos homens que me levaram até aquele
salão.

— Dezessete. Vai fazer dezoito daqui a alguns meses.

— Hummm... — ele resmungou e finalmente levou a mão ao meu

rosto. Quis interromper de novo, mas não ousei. — Intensa. Gosto disso. —
Fui, assim como as outras, analisada como uma mercadoria. — É bonita

também. Virgem?

— Pura como uma santa — responderam por mim.

— Muito, muito bonita... — o russo murmurou, e então entrou em


alguns instantes de silêncio.

Eu respirava por um fio. Não conseguia buscar oxigênio suficiente.

Não queria que ele me achasse bonita. Não queria que voltasse o
olhar na minha direção. Não queria que se dirigisse a mim.

Rezava para que fosse embora sem escolher nenhuma de nós, para o
que quer que estivesse em sua mente.

— Vou ficar com ela. Quando fizer dezoito anos, mando alguém
buscá-la.
Ele só disse isso e saiu andando, me dando as costas, como se não
tivesse acabado de selar o meu destino inteiro.

— O quê? — gritei, mas ninguém se importou. Tentei me mover, ir

atrás do desgraçado ou fazer qualquer coisa para me defender, mas fui


agarrada.

Comecei a me debater como louca, repetindo as palavras dele na


minha mente.

Vou ficar com ela. Quando fizer dezoito anos, mando alguém buscá-
la.

— Me buscar? Me buscar para quê? — perguntei em inglês,


esperando ser ouvida, mas o meu outro braço foi agarrado, e eu comecei a

ser arrastada de volta para os fundos do casarão onde ficávamos, que dava
acesso ao enorme porão, onde nossos quartos se localizavam.

Não fui levada para lá, porém, junto às outras.

— O que estão fazendo? O que vai acontecer?

Ninguém me respondia nada, até que eu fui empurrada para dentro


de um quarto.
Não era uma suíte presidencial, mas um cômodo decente, bem

iluminado, com uma cama grande e lençóis limpos.

— A partir de agora você vai ficar aqui, menina — um dos homens

me falou.

Senti lágrimas deslizarem pelo meu rosto, queimando em meio à

dúvida e a incerteza.

— Por quê?

— Porque você foi escolhida. Vai ser a esposa do Pakhan, o chefe da


Bratva.

E com essa informação, eles saíram, batendo a porta e a trancando,

me deixando lá dentro, sem rumo, sem informações, sem saber o que fazer
para salvar a mim mesma de um futuro que parecia muito, muito sombrio.
Capítulo 1

Irmão
A escuridão parece mais acolhedora do que a luz agora?
Irmão
Sua mão treme quando você bate em um homem?
Irmão
Por que você alimenta o mesmo cão enviado para te caçar?
BROTHER – SAM TINNESZ

Moscou – Um Ano Depois

ILYA KRAVTSOV

O ronco do motor cortava o silêncio da noite enquanto eu acelerava


a moto, subindo a estrada sinuosa em direção à Colina dos Pardais – ou

Vorobyovy Gory, em russo. O asfalto rugia sob os pneus, e o vento frio da

madrugada chicoteava meu rosto. Cada curva era um desafio, uma dança
entre máquina e asfalto, e eu me sentia vivo, conectado ao rugido do motor

e à escuridão que me cercava.

Eu ia me afastando da parte agitada e caótica de Moscou, à medida

que ganhava altitude. As luzes distantes se tornavam pequenos pontos

luminosos, e a estrada se transformava em meu caminho solitário. A

adrenalina pulsava em minhas veias, misturando-se ao frio da noite.

Um frio de cortar os ossos para qualquer um, mas sempre fui muito

imune a isso. Minha mãe costumava dizer que eu era um “syn d'yavola” –

filho do diabo –, porque tinha o corpo quente como o inferno, mesmo nos

invernos mais rigorosos da Rússia.

Ao atingir o topo da colina, desliguei a moto e permaneci imóvel


por um momento. A brisa sussurrava entre as árvores, e o silêncio era

profundo, quebrado apenas pelo som distante da cidade lá embaixo. As

luzes cintilavam como estrelas urbanas, uma constelação artificial que

delineava o contorno da vida noturna.

Eu sabia que as pessoas estavam acordando aos poucos, mesmo com


o céu ainda se livrando da noite, e as luzes pipocavam, embora eu soubesse

que iriam se apagar em pouco tempo.


Caminhei até a beira da colina e, ao olhar para baixo, me senti

suspenso entre dois mundos. Abaixo de mim, a cidade pulsava com sua

própria energia frenética, enquanto, acima, o céu se desdobrava em um

vasto manto estrelado. A lua lançava uma luz pálida sobre a paisagem,

revelando detalhes que o breu escondia.

Respirei fundo, absorvendo a serenidade que envolvia aquele lugar.

Naquele momento de solidão, a Colina dos Pardais se tornou meu refúgio,

meu observatório silencioso onde eu podia contemplar o tumulto lá

embaixo e me perder na vastidão do horizonte.

Sempre que possível, eu saía da cama bem cedo, me exercitava e

dava uma volta, na intenção de partir para lugares diferentes, mas aquele
me chamava. Dali de cima, àquela hora, o silêncio me ajudava a calar as

vozes que falavam dentro de mim, quase como ecos de tudo que precisei

fazer para sobreviver e em nome da minha família.

Eu podia ver o rio Moscou serpenteando, a escuridão dos parques e

bosques arborizados. O Kremlin se erguia majestoso, uma fortaleza de

história e poder, guardião silencioso de segredos antigos.

Apoiei-me na moto e fiquei só respirando o ar da aurora, dando

boas-vindas a mais um dia.


Poderia ficar o dia inteiro daquele jeito, mas me contentei com

algumas horas.

Fechei os olhos e senti o vento gelado no meu rosto. Não nevava

àquela hora, porque estávamos em março, em meio ao desabrochar da vesna

– ou primavera. Coloquei as mãos nos bolsos, sentindo o telefone vibrar.

Não era uma ligação, mas o alarme, para me avisar que era hora de

sair daquela ilusão de vida de paz, que eu jamais poderia ter, e ir visitar o

homem que controlava tudo. Que tinha tanto poder nas mãos que, com um

estalar de dedos, poderia destruir a todos nós.

Despedi-me do horizonte, observando as luzes em tons de vermelho

começando a evanescer, e as das casas e apartamentos lá embaixo serem

apagadas uma a uma.

Isso quase me fez sorrir, enquanto prendia o cabelo em um rabo de

cavalo.

Peguei a moto novamente, subindo nela e a ouvindo urrar, quase

como se também estivesse reclamando pela partida.

Mas a vida precisava continuar.


Era uma honra ter a posição que eu e meu irmão tínhamos junto à

Bratva. Nikolai – ou Kolya, como eu o chamava – tinha trinta e quatro anos,

um a mais do que eu, e se tornara o conselheiro ou “sovietnik”, como

chamávamos, após a morte do nosso pai, ocupando seu lugar.

Com a ascensão do meu irmão, eu me tornei Brigadiry, uma espécie

de capitão, responsável pela parte braçal da coisa. Eu era o operacional, o

que colocava a porra da mão na massa.

Acima de mim, havia o Obshchak – que era nosso subchefe, Yurik

Kiselev –, irmão de Pavel Kiselev, o pakhan.

Assim como na Cosa Nostra, a nossa hierarquia era obedecida, e nós

devíamos respeito ao chefe. Exatamente por isso, seu chamado nunca

poderia ser negado, em nenhuma circunstância.

Eram pouco mais de oito quando cheguei à sua mansão em

Ostozhenka, um dos bairros mais nobres de Moscou. Fui anunciado, e toda

a equipe de segurança foi alertada a respeito da minha chegada.

Estacionei a moto, deixei o capacete preso a ela e entrei na casa,

subindo as escadas.

Fui encaminhado ao escritório de Pavel, onde meu irmão já

aguardava, sozinho, com uma expressão de poucos amigos.


— Já não era sem tempo — Kolya resmungou.

— Estou atrasado? Não reparei — provoquei, me jogando

pesadamente sobre uma cadeira ao lado dele.

Kolya me olhou de soslaio, e eu fingi que sua opinião não me

importava.

Quem nos visse juntos dificilmente negaria que éramos irmãos, mas

havia algo de muito diferente entre nós. Ambos usávamos barbas cerradas,

mas o meu cabelo loiro era longo, e o dele, curto, bem aparado. Nikolai

devia ser uns três centímetros mais baixo do que eu, e tinha a mesma

compleição musculosa que era uma característica dos homens da família.

Dimitri, o mais novo dos rapazes Kravtsov, também era grandão mesmo aos
vinte e cinco anos.

— Está levando isso na brincadeira demais, Ilya.

— Decididamente, não estou — falei com muita segurança. — Você

é que vê tudo como sendo ferro e fogo. Cinco minutos de atraso não me

tornam um irresponsável.

— Foram dez — ele soltou um resmungo, remexendo-se na cadeira.


Lá estava mais uma diferença entre nós. Kolya vivia embecado, de

blazer, camisas sociais, por mais que nem sempre pudessem esconder suas

tatuagens. Eu gostava de jaquetas e coletes de couro com jeans.

Nós dois nos levantamos quando a porta se abriu trazendo Pavel.

Mesmo dentro de sua própria casa, conosco – que éramos para ser seus

homens de confiança –, ele andava com seguranças. Tanto que um deles


ficou parado à porta.

Ele era conhecido por sua extravagância. Ternos com cores

diferentes, colares de ouro, muitos anéis, e ele tinha recém-feito uma


tatuagem no rosto.

Sorriu para nós, indicando as cadeiras para que nos sentássemos.

— Gosto de trabalhar com irmãos unidos. Em breve o jovem Mitya

também estará entre nós — foi a primeira coisa que ele falou.

— Será uma grande honra, senhor.

Puxa-saco do caralho, foi o que eu pensei, cruzando os braços


contra o peito e revirando os olhos.

— Imagino que sim — ele afirmou com arrogância, e então se


voltou para mim: — Ilya, a missão que eu tenho para você é extremamente
importante. Não vai envolver riscos à sua vida ou necessidade de violência,
no que eu sei que você é muito bom... — Ele deu uma risadinha, o que me

fez inclinar um pouco a cabeça para trás e franzir o cenho. Não podia dizer
nada, só observar, porque precisava ser obediente. — Mas é algo importante

para mim.

Eu não estava muito a fim de responder, sinceramente. Não era um

homem de poucas palavras, mas sabia quando deveria apenas analisar e


ouvir.

Kolya, no entanto, fez um sinal, como se eu fosse um garoto


pirracento, me incentivando.

— Sim, senhor — falei, cruzando a perna e colocando o tornozelo


em cima do joelho.

Eu tinha uma natureza muito inquieta, e talvez isso fosse pelo meu
tamanho, de exatos dois metros de altura, mas era muito difícil conseguir

ficar parado. Fosse com uma arma na mão, fosse sentado em um poltrona
de couro tão legítimo que eu tinha medo de dar um beliscão no móvel e ele

mugir.

— Preciso que você vá buscar uma encomenda especial para mim.

Não pense que estou delegando um trabalho medíocre ou qualquer coisa


assim. É, realmente, uma missão que eu não designaria a outra pessoa que
não fosse de extrema confiança.

Respirei fundo, me sentindo um pouco incomodado com toda aquela

formalidade e bajulação. Pavel não era assim, não era um homem de


rodeios. Ele era direto ao ponto e não costumava dar explicação de suas
ações, muito menos para subordinados.

— Que tipo de encomenda?

— Grande... Um tipo de... mercadoria. Mais relevante, digamos


assim...

Olhei para Kolya, e ele também não parecia saber do que se tratava.

Fiquei desconfiado e mais uma vez me remexi na cadeira, como se

houvesse pregos na porra do assento.

— Então você quer que eu vá buscar essa... coisa... mas sem saber o

que é. É isso? — repeti com cuidado, não querendo parecer insolente, mas
definitivamente não desejando ser feito de bobo.

— Ilya! — Kolya repreendeu.

Não olhei para o meu irmão, continuei firme com os olhos presos

em Pavel, e eu podia jurar que minha expressão não era nem um pouco
simpática.

— Acha mesmo que eu te pediria algo que pudesse te complicar,


Ilya? Somos amigos, irmãos de armas. Vocês são meus homens de

confiança. Minhas ordens são incontestáveis, mas tenho mil pessoas para
fazerem este trabalho. Não colocaria nenhum dos dois em uma situação de

perigo.

Eu duvidava muito, mas não tinha jeito. Era meu trabalho.

Aceitei a missão, mas nem isso pareceu deixar Kolya satisfeito.

Partimos cada um em seu veículo, eu na minha moto, e meu irmão

em seu carro, e quando chegamos em sua casa, uma hora e meia depois, ele
subiu as escadas da mansão onde vivia com pressa, entrando e abrindo a

porta com a maior violência.

— Que bicho te mordeu, vorchlivyy? — Rabugento. Era assim que


eu sempre o chamei, desde pequeno.

A verdade era que eu tinha uma admiração muito grande por Kolya.
Quando nossos pais morreram eu tinha apenas vinte e um anos, e ele vinte e

dois, o que o tornou imediatamente responsável pelos irmãos mais novos.


Tasha era só um bebê, e nós fizemos uma promessa de protegê-la a qualquer
custo. Suas escolhas eram por ela, para que fizesse um bom casamento – de

preferência com alguém de seu interesse – e que tivesse segurança.

— Não gostei do seu comportamento com nosso pakhan. Sabe que


ele é temperamental. Poderia usar isso contra nós a qualquer momento.
Devemos ser leais a ele.

— Hummmm... — soltei um resmungo, cruzando os braços contra o

peito. — Se algum dia você precisar escolher essa sua porra de lealdade
cega ao seu pakhan ou sua família, vamos ver o que você vai colocar na

balança.

— Pare com essa merda! Eu faço isso por vocês e... — Kolya
rosnou, e ia falar mais alguma coisa, mas foi interrompido pelo som da

porta se abrindo.

— Ilya! — a voz feminina e doce de Tasha nos interrompeu, o que


nos fez olhar na direção dela.

Minha irmãzinha veio correndo e literalmente se jogou nos meus


braços, o que me fez segurá-la fora do chão, antes que caísse.

Fazia algum tempo que eu já não morava mais na casa dos Kravtsov,
e eu sabia que minha irmã sentia a minha falta. Nós nos falávamos
constantemente por telefone, mas com as minhas viagens e missões para
Pavel, eu acabava fazendo menos visitas do que antes.

— O que você tem comido para estar tão pesada? — eu perguntei


com um sorriso de orelha a orelha, mesmo que fosse uma mentira. Aos

treze anos era possível perceber que Natasha seria uma mulher alta, mas era
magrinha como um varapau.

— Seu ogro! — Ela deu tapas nos meus ombros, então a coloquei
no chão.

Voltei meus olhos para Kolya rapidamente e o vi um pouco


desconfortável.

Por mais que não houvesse brigas e animosidade na família, eu


sabia que meu irmão se ressentia da minha intimidade com Natasha. Até

porque eu fui muito mais presente do que ele, que desde cedo assumiu um
posto ao lado do pakhan, substituindo nosso pai, e não acompanhou tanto

de seu crescimento.

Dimitri também estava com eles e estendeu a mão para me

cumprimentar, mas eu o puxei para um abraço.

— Veio para almoçar com a gente? — Tasha perguntou, empolgada.


— É... — Cocei a sobrancelha, meio que olhando para Kolya, que
tirava seu blazer nem participando da conversa. — Não sei, printsesa. Só

vim dar um oi, já que acompanhei Kolya e...

— Ah, não, Lya! Você quase não aparece. Por favor! Posso pedir

para Marya fazer uma Borscht! É o seu prato preferido!

Era mesmo. Tipicamente russo, se tratava de uma sopa de beterrabas


com legumes e carne. Fazia um tempo que eu não comia nada caseiro

daquele jeito, depois de tanto tempo morando sozinho e apelando para


comidas mais práticas.

Claro que ela me ganhou com poucos argumentos.

Mas Kolya, apesar dos pesares, também queria que eu ficasse,

porque antes de eu seguir para a missão de Pavel, teríamos outro trabalho.

Era só um almoço. Só uma missão com o meu irmão. Como na


porra dos velhos tempos.

Eu só não fazia ideia do porquê de ter a impressão de que uma


sombra me seguia por onde quer que eu fosse, anunciando um mau
presságio.
Capítulo 2

ILYA KRAVTSOV

Mesmo eu não sendo um cara acostumado a sentir frio, a brisa da


noite cortava como uma lâmina de gelo quando eu e meu irmão nos

aproximamos do armazém abandonado nos arredores de Moscou.

— É aqui mesmo? — perguntei para Kolya quando ele parou o


carro.

— É o endereço que Pavel me indicou.

Dei uma boa olhada ao redor. A lua mal iluminava o terreno deserto,

mas nossos olhos estavam acostumados à escuridão.

— Eu ainda não entendi por que Pavel te designou para isso. O que

aconteceu com os soldados dele? Não servem mais para merda nenhuma?
— Fui eu que me ofereci. Tivemos esse problema algumas vezes

antes, e Pavel acredita que alguns homens dele estão envolvidos. Homens

que ele acreditava serem de confiança.

Soltei um resmungo e me remexi no banco, assentindo.

Eu sabia que as coisas andavam estremecidas em Moscou desde que


Pavel anunciara sua intenção de criar uma aliança com uma facção do

cartel, por meio do casamento.

Alguns homens mais tradicionais acreditaram que ele estava

entregando nosso controle em mãos erradas, e mais do que isso, “abrindo as

pernas” por ganância, para um controle maior da entrada e da saída de

drogas no país, pelas mãos da nossa organização.

— E então você decidiu resolver por si mesmo...

— É minha obrigação.

— Não é. Como capitão, eu poderia ter feito isso. Tenho gente de

confiança para me seguir.

— Ninguém é de confiança atualmente, Ilya — ele falou isso

olhando para mim, com muita atenção, com um enorme vinco na testa. —

Eu só... confio em você.


Para que ele fizesse aquele tipo de confissão era porque estava

mesmo muito desesperado.

Não tinha percebido antes, porque estava muito ocupado zombando

de sua lealdade, mas Kolya parecia um pouco cansado também. Havia


olheiras sob seus olhos azuis, muito parecidos com os meus, e eu começava

a me perguntar o que estava acontecendo que eu não sabia.

Não era hora de perguntar, tampouco.

Só que eu sabia o peso que Kolya carregava. Como conselheiro de

confiança de Pavel, meu irmão tinha o dever sagrado de garantir que todas
as ordens fossem cumpridas à risca, não importava o que iria custar. Nosso

pakhan era um homem temperamental e quando as coisas não iam como ele

planejava...

Bem, eu não queria pensar.

Yurik Kisilev, o subchefe, tinha sua posição privilegiada garantida,

como um pedido do pai de Pavel, mas eu sabia que não era tão confiável

quanto o meu irmão. Estava no poder por conta de um nepotismo que

ninguém tolerava muito bem – e este era mais um motivo para meu irmão

estar se esforçando tanto para colocar a mão na massa e deixar tudo correto.
Ele acreditava que se fizesse um bom trabalho, limpando as merdas

de Yurik, os outros teriam mais respeito por Pavel.

Um som cortou a noite, chamando a minha atenção. Kolya ficou

imediatamente tenso do meu lado.

— Fique em alerta, Ilya — ele falou baixo, e eu imediatamente

destravei minha Glock, pronto para nos defender.

— Qual é a situação?

— Uma carga de armas foi desviada há três semanas. Pavel tinha

uma pista e enviou alguns homens para cá, mas eles retornaram com

notícias que de não encontraram nada. — Ele fez uma pausa, também se

armando. — É um armamento pesado, mas o problema não é só esse.

— E qual é?

— As armas eram só para disfarçar. Havia uma caixa com um HD

cheio de arquivos codificados. Era um banco de dados enorme de antigas

transações feitas pela Bratva. Se cair em mãos erradas...

— Pode ser que já tenha caído, Kolya.

— Difícil. Quem fez toda a segurança dos arquivos foi Mitya. A

pessoa poderia ter acesso a eles, encontrar em meio a todo o armamento –


por mais que tenhamos sido cuidadosos com isso também –, mas caso o HD

fosse tirado da base em que foi colocado, para começar, um sinal seria

emitido para o nosso servidor. Isso ainda não aconteceu.

Dimitri era um gênio da informática. Desde que colocara as mãos

em um computador, ainda muito criança, ficara fascinado e se tornara um

prodígio. Nosso pai o incentivou desde o início e o enviou para ser treinado

pelos melhores.

O garoto se tornara imbatível. Concordava com Kolya que se

alguém poderia ter tornado aquele HD inacessível era Mitya.

O som ao nosso redor se fez presente de novo.

— Tem alguém chegando. Precisamos pegá-los de surpresa.

— Depois de fazermos isso, o que faremos com o carregamento?

— Aí, só então vamos chamar os homens de Pavel. Por enquanto

seremos só nós dois.

Kolya foi o primeiro a saltar do carro, mas eu o segui pouco depois.

Havia dois homens ao redor do armazém, e cada um de nós deu

conta de um. Tentamos não usar as armas de início, por mais que tivessem

silenciador, porque precisávamos ser o máximo discretos. Nosso tamanho e


habilidades em combate nos diferenciavam, e o elemento surpresa facilitou

muito as coisas.

Cheguei por trás do desgraçado que precisava abater, peguei-o em

um mata-leão e mantendo uma das mãos enluvadas em sua boca, quebrei

seu pescoço. Kolya, por sua vez, usou um punhal, acertando a carótida.

Com passos apressados fomos avançando e encontrando outros

obstáculos, mas estávamos em sintonia.

Mesmo com nossas diferenças, era inegável que eu e Kolya

trabalhávamos muito bem juntos. Poderíamos ser uma dubla inquebrável,

caso quiséssemos. Fomos treinados pelo mesmo homem – nosso pai –, e a

fama dele dentro da Bratva era implacável.

Com todas essas habilidades que desenvolvemos, nos comunicando

pelo olhar, chegamos à porta do armazém, sem alarde. Não sabíamos o que

iríamos encontrar por lá, mas não precisávamos mais de tanto silêncio.

Sendo assim, meu irmão fez um sinal para mim, e eu arrombei a madeira

com um chute, enquanto Kolya me dava cobertura.

Com um estalo suave, a entrada cedeu sob meus esforços, e

adentramos o local, chamando a atenção dos filhos da puta que testavam as


armas girando-as nos punhos, verificando as balas, e um deles alisava uma

metralhadora como se ela fosse as coxas de uma mulher.

— A festinha acabou — eu anunciei, de arma apontada. Eles já

tinham pulado com o barulho que fizemos, mas a minha voz chamou mais

ainda sua atenção.

— Mas que merda é essa? — um deles perguntou.

— Ah, caralho! Fodeu! São os Kravtsov. É a besta! A besta! —


outro falou, jogando a arma que segurava na mão e erguendo os braços.

Nossa fama nos precedia. Todos eles sabiam muito bem o que iria
acontecer a partir daquele momento.

Um outro apontou a arma que segurava em mãos para nós,


chegando a atirar, mas não acertou, provavelmente por estar nervoso.

Diferente dele, apontei minha arma, atirando com precisão em sua


testa. Kolya fez mais ou menos o mesmo com mais dois.

Sobravam quatro. Um deles precisava ficar vivo. Nós dois sabíamos


disso.

Fomos avançando, em meio ao tiroteio e buscando cobertura


enquanto eles revidavam nossos ataques – ou tentavam. Não houve
perguntas, não houve conversa.

Acabei caindo no braço com um dos desgraçados, que estava

desarmado, e tentou me atacar de surpresa, mas ele não teve a menor


chance quando girei seu braço com força, quebrando-o, o que o fez cair no

chão choramingando de dor. Por estar me sentindo misericordioso, atirei em


sua cabeça também.

O local ficou repleto de sangue muito rápido, como se não


tivéssemos invadido há poucos minutos. Eu estava ofegante quando

encerramos, mas não pelo esforço físico; pela adrenalina.

Eu gostava. Porra... como gostava. Mas era diferente quando estava

com o meu irmão ao meu lado. Além de lutar para ficar vivo, precisava me
preocupar com ele.

— Você está bem? — ele me perguntou, assim que os tiros


cessaram, o que me provava que a recíproca era verdadeira e que Kolya

também se preocupava comigo.

— Sim. E você? — ele assentiu. — Sobrou algum vivo?

— Aquele filho da puta ali. — Meu irmão apontou para um sujeito

que estava com o joelho estourado e meio que em choque, provavelmente


da dor.
— É, poderia ter sido pior — eu disse, olhando ao redor, com um
pouco de sarcasmo na voz.

Mas poderia mesmo. Já tínhamos feito pior.

E guardávamos lembranças bem violentas disso – de quando eu


ganhei meu apelido de Besta da Bratva.

— O que temos que procurar? — indaguei, enquanto Kolya


segurava o sujeito que sobrara com vida, arrastando-o para prendê-lo com

uma algema a um cano preso na parede.

— Uma caixa de madeira menor. Ela está fechada com um cadeado

que possui um segredo. Se já estiver aberta, você vai encontrar outra caixa
preta dentro dela. É nessa que está o sensor programado por Mitya.

Assim que ele terminou com o sujeito, nós dois começamos a


procurar pelo objeto descrito.

Foram alguns minutos nessa busca, até que eu achei algo


razoavelmente parecido:

— Acho que é isso.

Meu irmão se aproximou, confirmando minha teoria e parecendo

aliviado. Pegou a caixa que eu tinha em mãos, abrindo o segredo e


encontrando a outra, preta, dentro. Parecia intocada.

— Ótimo. Vamos terminar aqui, porque você ainda tem coisas a


fazer.

Sim, eu tinha. Mas era até bom, porque o corpo já estava aquecido e
pronto para qualquer coisa que viesse.

Ainda demoramos um pouco mais ali, mas quando saímos,


deixamos o sobrevivente pregado à parede, pingando sangue, com um

aviso: “Ninguém trai a Bratva”.

Era esse tipo de coisa que acontecia com traidores.

Eu estava bastante ciente das consequências.


Capítulo 3

Quando você se acostumar com o fogo


Espero que ele esfrie e você congele
O passado é um lugar difícil
Para viver
Então, te vejo em breve, velho amigo
Vamos queimar de mãos dadas
HAND IN HAND – SALIVA

ILYA KRAVTSOV

Pavel não especificou o tamanho da encomenda, então optei por ir


com o meu SUV. E ainda bem que fiz isso, porque o que me aguardava era

uma caixa grande, de madeira.

Três homens me esperavam, no meio de uma estrada deserta, com o

negócio dentro de um porta-malas.


Saltei do carro um pouco desconfiado, com uma arma no coldre,

mas certo de que não precisaria usá-la para o que teoricamente deveria ser

considerado um serviço simples.

Ao menos de acordo com o que Pavel me dissera.

Assim que eu saltei e fui andando na direção deles, com o cenho


franzido e uma expressão nada amigável, percebi que os três ficaram

também em alerta.

— Nosso assunto é com Pavel Kiselev.

— Sou Ilya Kravtsov. Brigadiry do Pakhan. Qualquer assunto pode


ser tratado comigo — respondi com a voz firme, soando grave e

ameaçadora.

Não estava gostando nada daquilo.

Eram mais ou menos uma da manhã, e só o horário e o local do

encontro para a entrega da mercadoria já eram suficientemente suspeitos.

Eu ouvia o uivar do vento sussurrando no meu ouvido, e podia jurar

que ele estava me alertando de alguma coisa. Um calafrio estranho

percorreu minhas costas, e claramente era um aviso. Um tipo de intuição


que sempre me acompanhava, que precedia momentos em que eu precisava

ficar mais alerta.

Talvez esse sempre tivesse sido o segredo para eu ser bem-sucedido

nas missões às quais era designado. A minha intuição.

— Só vamos entregar ao dono da encomenda — o mais velho dos

caras falou, com um forte sotaque. Eles eram mexicanos, com certeza.

— Lamento informar, parceiro, mas sou o melhor que vai ter. Vai ser

por bem ou por mal, escolha.

Eles não demoraram para decidir, porque um deles fez um sinal para

alguém que deveria estar atrás de mim. Poderia ter sido algo muito discreto,

e eu teria sido pego desprevenido, se não tivesse excelentes reflexos e não

estivesse completamente em alerta e engajado na situação, esperando o

momento que as coisas iriam dar errado.

Eu já me virei com o braço esticado, arma em punho – que peguei

rapidamente no coldre –, atirando no sujeito à minha frente, mas girando

com a perna esticada para dar um chute em quem vinha.

A bala atingiu a cabeça do meu adversário, e o outro caiu no chão

com o chute, o que me possibilitou também atingir sua testa.


Os outros dois que restavam atiraram, mas os movimentos rápidos

que fiz para lutar me protegeram. Mais um tiro preciso pegou outro filho da

puta, só restando o mais velho, que falara antes.

— Eu devia ter imaginado que Pavel não viria. Que ele iria enviar a

besta da Bratva para buscar sua preciosa.

Preciosa o quê? Qual seria a encomenda, e por que parecia tão

protegida e disputada?

Besta da Bratva foi o apelido que me deram depois de uma

verdadeira chacina que aconteceu em meio a uma missão à qual fui

designado com o meu irmão. Fazia uns três anos mais ou menos, e

acabamos sendo emboscados por um grupo inimigo. Kolya foi ferido com

um tiro, e eu consegui, sozinho, nos tirar do local, acabando com uma dúzia

de homens.

Nunca contei para ninguém o tipo de coisa que vivi lá dentro e como

consegui salvar a nós dois, mas acabei me tornando conhecido porque

alguns dos nossos captores ficaram completamente desfigurados pela

quantidade de violência que infligi.

Imagens do mar de sangue foram espalhadas em meio à

organização, e foi graças a isso que Pavel me promoveu. As pessoas tinham


medo de mim. Eu ganhei uma reputação que nunca pedi, mas que me

garantia certo poder dentro da Bratva.

— Não sou tão burro para me meter com você, Ilya. — Ao dizer

isso, o sujeito ergueu os braços em rendição. Poderia ser uma armadilha,

então não me mexi. Continuava com a arma apontada, pronto para atirar se

fosse necessário. — Não vale a pena. Mas te aviso que eles queriam matar o

seu pakhan. Isto aqui era para ser uma emboscada. Fiquem ligados.

Aproximei-me dele, aproveitando que estava rendido e o revistei.

Achei um canivete e um revólver, que coloquei no meu bolso.

— Ajoelhe-se — ordenei, e ele o fez, encostando os joelhos no chão

da pista.

Peguei a caixa pela alça, levantando-a e sentindo-a pesada.

Provavelmente mais de cinquenta quilos.

— O que diabos tem aqui? — rosnei, mas o homem deu de ombros.

Ele realmente não queria se envolver, o que me dizia que tudo aquilo

acabaria se tornando um problema. Mais do que pensei de início.

Resmungando, tirei a caixa de dentro do porta-malas e fui levando-a

até o meu carro, andando de costas, sem tirar os olhos do homem.


Pousei-a no chão, abri meu bagageiro e a encaixei lá dentro,

fechando a porta. Voltei ao homem ajoelhado e lhe dei uma coronhada na

cabeça, apagando-o.

Entrei no carro, refugiando-me, e pensei duas vezes sobre o que

deveria fazer com o filho da puta. Eles teriam me matado sem dó. Teriam

matado Pavel.

Ainda assim, eu jamais atiraria em um homem rendido, pelas costas.

Não era covarde a esse ponto.

Anotei a placa do carro no qual a caixa estava, furando os pneus

dele e enviando a localização para Kolya, explicando a situação. Meu irmão

poderia enviar seus homens até lá e dar um jeito, principalmente para pegar
informações a respeito da possível emboscada que estava programada para

matar Pavel.

Dirigindo, tentei controlar meus ânimos. Aquela merda poderia ter

dado muito errado, mas esse não era o verdadeiro problema.

Tudo era muito estranho em relação àquela encomenda. Protegida

demais. Pesada demais. Cheia de protocolos para ser recebida. Misteriosa a

ponto de ser mantida em segredo até mesmo do mensageiro. E o pior de

tudo: a caixa parecia demais com um caixão.


Algo começou a perturbar a minha mente. Uma ideia que foi me

assombrando e se tornando mais insistente conforme meu carro ia

avançando pela M10. O encontro fora marcado no meio da estrada de

conexão entre Moscou e Leningrado – a bela e antiga São Petersburgo, que

estava quase vazia àquela hora, no meio da semana.

O homem falara algo sobre “preciosa”, no feminino. Havia boatos


de que Pavel estava noivo de alguém, que em breve iria se casar e que sua

noiva era mexicana. Essa informação foi começando a ser espalhada mais e
mais, porque, de acordo com os mexericos, o casamento estava próximo.

Não poderia ser... poderia?

Antes de voltar e entregar a encomenda, eu precisava ver com meus

próprios olhos. Mesmo que, a partir dali eu não tivesse mais nenhum
contato com o que quer que fosse a mercadoria – se é que era mesmo um

objeto –, algo dentro de mim me pedia para investigar.

Parei em um motel de beira de estrada, no qual já tinha me


hospedado uma vez, em meio a uma missão anterior. Ele tinha uma

vantagem, porque os quartos eram separados uns dos outros, e cada um


possuía uma pequena garagem.
Meu carro cabia apertado no pequeno espaço, mas iria servir ao meu
propósito.

Paguei e pedi a acomodação mais afastada que eles pudessem me


fornecer, alegando que precisava descansar e não queria nenhum tipo de

interrupção ou barulho.

Ninguém me fez maiores perguntas, e eu recebi o último quarto,

bem nos fundos, cuja vaga era escura, com alguns arbustos logo atrás que
me forneceriam abrigo suficiente.

Abri o porta-malas, percebendo que havia um pequeno molho de


chaves preso à fechadura da caixa com uma abraçadeira de nylon preta.

Imaginei que serviriam para destrancá-la.

Havia pequenos buracos ao redor dela toda... o que poderia

facilmente comprovar a minha teoria de que havia um ser humano ali


dentro.

Destranquei o negócio, mas com alguma dificuldade para encontrar


a chave correta, já que todas tinham mais ou menos o mesmo tamanho. O

tampão da caixa emperrou um pouco para abrir, porque as dobradiças


pareciam velhas e um pouco enferrujadas.

Quando o tirei, no entanto, o que vi me deixou...


Porra, eu nem sabia qual palavra caberia para a reação que eu tive.

Tinha uma garota dentro da caixa. Uma moça muito jovem, de no


máximo uns dezoito anos.

Não deveria ser uma surpresa, já que cheguei a cogitar a


possibilidade de a “mercadoria” em questão ser a tal noiva de Pavel, que

ninguém sabia quem era. Só que uma coisa era criar uma teoria muito
absurda na cabeça, e outra completamente diferente era perceber que, de

fato, eu estava certo.

O problema não era só ter uma garota dentro da caixa. O pior era
que ela estava toda acorrentada, e o elo que prendia seus punhos se erguia

para uma mordaça de ferro, quase uma máscara, que cobria sua boca inteira,
até o queixo, terminando no pescoço, onde a argola fazia a ligação das duas

restrições.

Foi por isso que não ouvi um único pio vindo dela. Isso e o fato de
ela estar desacordada.

Normalmente minha cabeça trabalhava muito rápido. Eu encontrava


soluções para problemas em tempo recorde. Provavelmente esta era uma

vantagem que sempre me tornava um adversário perigoso, e foi o que


salvou a mim e a Kolya quando fomos emboscados.
Naquele momento eu não tinha ideia do fazer.

Levei as mãos à cabeça, passando-as pelos meus cabelos, que


tinham sido bagunçados pelo vento e estavam saindo pelo rabo de cavalo

frouxo que fiz. Afastei um pouco os olhos da caixa, incapaz de continuar


olhando para aquela menina, daquela maneira.

Mas assim que a encarei novamente, ela já estava com os olhos


abertos, arregalados, olhando para mim como se eu fosse um monstro.

O que, naquele momento, eu senti realmente que era.


Capítulo 4

Não me deixe sozinho


Porque eu quase não vejo nada
Não me deixe sozinho, eu estou
Caindo dentro do escuro
Deslizando através das fissuras
Caindo nas profundezas, eu posso nunca mais voltar
FALLING FROM THE INSIDE – SKILLET

ALEJANDRA ZAVALA

Eu sentia como se meu coração já tivesse parado de bater. Para ser


sincera, essa não seria uma má ideia, levando em consideração o futuro que

teria dali em diante.

Durante todo o trajeto que percorri dentro daquela caixa, em

completo pânico por estar confinada em uma espécie de caixão, com


correntes por todos os lados e incapaz de gritar, eu só pensava em formas

eficientes de como poderia tirar a minha vida naquela situação.

Cheguei a quebrar algumas unhas e feri-las tentando arrancar um

pedaço do tampo de madeira, para usá-lo como arma contra mim mesma.

Se fosse afiado, cortaria a minha garganta?

Foi um pensamento insistente, mas desisti, porque não era uma

forma bonita de morrer, e porque eu era religiosa o suficiente para acreditar

que o suicídio não me levaria ao céu.

Embora, provavelmente, o inferno fosse melhor do que o casamento

com aquele homem. Léa me contara histórias sobre ele, acreditando que

estaria me dando alertas e cuidando de mim, mas só me deixara mais


apavorada.

Pensar em me deitar com ele. Ser obrigada a lhe dar herdeiros...

Tudo isso me apavorava a ponto de pensar em cometer loucuras. Todo tipo

delas.

Matar e morrer.

Quando abri os olhos, apavorada com a ideia de já estar nas mãos de

Pavel Kiselev, me deparei com um rosto desconhecido.


Cabelos loiros e longos, mal presos em um rabo de cavalo. Uma

barba espessa, olhos muito azuis, um cenho franzido. Ele parecia tão

surpreso ao me ver quanto eu estava com medo.

O homem começou a xingar em russo e se afastou, passando a mão


pelos cabelos, desnorteado.

A caixa estava aberta, mas não fazia ideia de como conseguiria sair

dela e correndo, estando com punhos e tornozelos presos.

O silêncio fez com que meu coração parecesse um tambor pulsando

nos meus ouvidos. Minhas costas doíam, meu corpo inteiro reclamava da
posição, e eu sentia minhas articulações dormentes. Sede, fome, frio. Eram

sensações que pareciam elevadas à máxima potência, porque a ansiedade as

aumentava.

Usando o cotovelo, comecei a batê-lo na madeira, do lado direito do

meu corpo, tentando causar um protesto.

— Der'mo! — pela forma como a palavra foi cuspida, eu podia jurar

que era um palavrão, e ele se aproximou de mim com os olhos chispando de

ódio.

Com uma facilidade absurda, eu fui tirada da caixa e jogada em seus

ombros. Esforcei-me para espernear, ainda mais quando percebi que


estávamos nos fundos de uma propriedade que não era nem de longe uma

mansão de um chefe da máfia.

Ele abriu a porta e entrou, revelando um quarto pequeno, mas limpo.

Fui jogada na cama, e pude vê-lo melhor. Eu não tinha chance

nenhuma contra um homem de possíveis dois metros de altura; um

verdadeiro gigante. Ele tinha braços que eram do tamanho das minhas

coxas e muita força neles já que manipulou meu corpo como se eu fosse

uma boneca.

Mais um praguejar, e ele veio na minha direção. Algo brilhava em

suas mãos, e eu não tive muita noção do que era, em meio ao breu do

quarto. Só soube mesmo quando ele começou a abrir as correntes.

Eu sabia que tanto o meu rosto quanto meus punhos e tornozelos

deveriam estar marcados, porque ardiam, queimavam um pouco, mas decidi

que esse era o menor dos meus problemas.

Precisava fugir dali o mais rápido possível.

Usando a arma que eu tinha mais acessível, ergui uma das minhas

pernas e tentei acertá-lo bem no meio delas. O russo loiro conseguiu se

esquivar – com um reflexo mais do que impressionante –, mas acabou se

desequilibrando um pouco por causa do colchão macio demais da cama, e


eu consegui empurrá-lo, sentindo a muralha que ele era debaixo das minhas

mãos.

Minha ação foi correr, saindo pela porta. Não fazia ideia de quais

poderiam ser minhas escolhas a partir dali, já que eu não sabia dirigir,

estava descalça e nem tinha noção de onde estava.

Mesmo assim, sem nenhum plano, eu tinha esperanças de conseguir

desaparecer, mas fui pega sem nem conseguir ir muito longe.

O russo agarrou meu braço e me puxou para si, cobrindo a minha

boca antes que eu pudesse completar meu grito. Tirou-me do chão e foi me

levando de volta, quase arrastada, enquanto eu me debatia, na intenção de

ser ouvida e vista.

Não aconteceu, porque fui carregada de volta para o quarto, e a

porta foi trancada. Tive plena certeza de que seria acorrentada novamente,

mas ele não fez isso.

— Maldito, déjame salir de aqui! Concha de tu madre! Capullo! —

eu estava gastando todos os xingamentos que conhecia, conforme socava

seu peito, sendo boba o suficiente para pensar que meus punhos fracos e
magros seriam capazes de ferir um homem daquele tamanho.
— Eu falo espanhol — ele falou na minha língua materna. Ou

melhor, ele rosnou, à medida que agarrava meus pulsos, fazendo-me

perceber que suas mãos eram mais firmes do que a corrente que fora

colocada nelas. — Não sei o que está acontecendo aqui, garota, mas não vai

sair enquanto eu não entender. Se tentar fugir, vou te pegar de novo, e torça

para isso, porque você não faz ideia de onde estamos e do que poderia

acontecer com uma garota bonita lá fora, nesta área.

— Não me importo. Tenho mais medo do que pode me acontecer

aqui dentro.

Minha confissão foi tão firme que os olhos azuis gélidos do russo se

prenderam aos meus, e eu vi algum tipo de emoção neles. Estava escuro o

suficiente para que eu não conseguisse interpretar, e nem sabia se queria.

— Escute: eu não vou te fazer mal. Não sei o que estamos fazendo

aqui, mas acho que precisamos nos explicar um ao outro.

O espanhol dele era carregado, da mesma forma como deveria ser o

inglês: cheio de sotaque. Sua voz era muito profunda, muito grossa,

intimidadora, mas ele usava de certa suavidade ao falar, ao menos comigo.

Para um homem daquele tamanho, até que ele era bem gentil.

Um cordeiro na pele de um lobo? Ou o contrário?


— Não tenho nada a explicar!

— Ah, tem sim. Primeiro de tudo: quem é você? — Havia um brilho

diferente em seu olhar, quase sarcástico.

— Eu é que deveria perguntar isso! — respondi ainda com fúria.


Não estava com paciência para conversa. Queria sair dali.

— Eu não sabia o que tinha dentro daquela caixa até abri-la.

Tinha quase certeza de que ele não estava mentindo, porque vi em


seus olhos assim que abri os meus pela primeira vez desde que nos

encontramos.

— Mas faria alguma diferença se soubesse?

— Porra, que diabos! Claro que faria! Eu não teria... aceitado.

— Imagino que trabalhe para o pakhan — o homem assentiu, e

então eu que dei uma risadinha desdenhosa. — Vai tentar me fazer acreditar
que não seria capaz de tudo pelo seu chefe?

— Sou um homem de honra, menina.

Um mafioso de honra? Era para rir. Só que guardei minhas risadas


presas à minha garganta, por pura preservação. Podia ser ousada e não ter
muito a perder, mas a última coisa que eu queria era estressar um homem
que mais parecia um urso enorme e lhe dar motivos para me machucar.

Fiquei parada, em silêncio, de pé, analisando toda a situação. Ele era


o mensageiro, isso estava muito claro. Fora designado para me buscar e me

levar até o pakhan. Talvez estivesse falando a verdade e não soubesse qual
era sua missão até aquele momento. Não sabia os detalhes, muito menos

que a “encomenda” em si se tratava de uma mulher prisioneira, que iria se


casar contra a sua vontade.

— Eu me chamo Ilya Kravtsov. Qual é o seu nome?

Olhei em seus olhos, hesitante. Falando daquele jeito, ele parecia

quase inofensivo, apesar da aparência de líder de gangue de motoqueiros.

Quando eu ainda morava em casa, com minha família, meu irmão

costumava assistir a um seriado de um Moto Clube. Toda vez que eu


aparecia no quarto dele, me mandava embora dizendo que não era o tipo de

programa que eu deveria ver.

Era essa imagem que eu tinha de Ilya.

Ainda assim, não me deixei levar tão fácil.

— Eles não te disseram o nome da noiva do pakhan? Que grosseria!


Ele passou a mão no rosto, suspirando pesadamente.

— Estou confuso aqui, corazón. — O sotaque pesado me deixou na


dúvida se o apelido doce fora usado de forma desdenhosa ou para parecer

um pouco mais terno. — Se não me disser seu nome, é assim que vou ter
que te chamar.

Relutei, mas comecei a pensar que, se ele não tivesse sido


informado sobre a minha existência e o tipo de trabalho que precisaria fazer,

poderia se tornar um aliado.

Não fazia ideia de como o traria para o meu lado, levando em


consideração o tipo de lealdade que eu sabia que existia em meio à máfia.

— Alejandra — respondi, mas sem falar meu sobrenome. Ele teria

que se contentar com isso.

— Ótimo, um bom começo.

Ele poderia estar dizendo isso, mas parecia nervoso. Inquieto.


Estressado.

Dei um passo para trás, na esperança de me manter o mais afastada


possível.

— Onde estamos? — perguntei a ele, em uma tentativa.


— Em um motel, no meio da estrada.

Tudo o que eu sabia sobre motéis me fazia acreditar que não tinham
nada a ver com aquele ali. Sempre fui uma garota curiosa a respeito de

tudo, e por vezes vi, li e ouvi coisas com amigas do colégio que não devia.
Já levei chineladas da minha mãe por fuçar livros que não deveria.

Ela me chamava de “chispa”, que significava faísca, porque eu


estava sempre fazendo algo errado.

Até tudo desandar.

— Por que me trouxe aqui?

— Eu não te trouxe aqui. Vim descansar. Abri aquela merda de baú

porque estava intrigado. Então me deparei com você.

Queria acreditar nele. Mas mesmo que acreditasse, o que isso

mudaria para mim? O que ele faria se eu lhe entregasse minha confiança?

Não que fosse difícil, já que as minhas alternativas não eram muito

boas.

— O que você vai fazer de agora em diante? — minha voz chegou a

tremer, desejando que a resposta me agradasse.


Ilya se sentou na cama, passando novamente a mão por seus cabelos

bonitos. Ele os soltou, fazendo-os cair em cascata, lisos e sedosos, por cima
de seus ombros largos.

Olhando para ele de soslaio, se não fosse um aliado do meu maior


inimigo, eu poderia dizer que era um dos homens mais bonitos que já tinha

visto na vida.

Não que eu tivesse muitas referências, por todo o tempo que passei
enclausurada, mas era uma visão agradável.

Uma espécie de guerreiro viking, misturado com motoqueiro e astro

do rock, com mãos enormes e olhos gentis. Os lábios eram bem rosados em
meio à barba loira, e eu fiquei imaginando se teria um sorriso bonito.

Não que eu estivesse interessada em ver. Nem poderia.

— Ainda não sei.

— Você não pode me entregar! Por favor! Se não sabia de nada,

pode me ajudar! — Eu devia estar pedindo demais. Como esperar qualquer


coisa de um homem que não conhecia e que poderia estar mentindo? Mais

do que isso, mesmo que não fosse esse o caso, ele poderia não querer se
indispor com seu chefe. Esse tipo de coisa deveria ser considerada traição,

não? — Ilya? Por favor!


Repeti a súplica, tomando o cuidado de falar o nome dele, porque
imaginei que isso o tornaria mais humano. Ele deixara de ser o capanga

bruto que iria me entregar a uma armadilha e se tornara o homem que


poderia vir a ser meu protetor dali em diante.

Ele não respondeu nada, então eu decidi que precisaria apelar.

Dei alguns passos em sua direção e me ajoelhei diante dele, o que

me rendeu uma expressão de surpresa. Uni uma das mãos à outra, como em
uma prece e implorei, sentindo lágrimas de verdade se avolumando nos

meus olhos.

— Eu tinha treze anos quando fui levada da minha casa por homens

do Cartel — comecei a contar com pressa, embolando as palavras, nem


sabendo se ele iria compreender por causa da diferença das nossas línguas.

— Meu irmão me entregou para o chefe da organização em troca de um


cargo para si. Passei quatro anos enclausurada, esperando o momento em

que alguém iria se interessar por mim e me comprar. Tive o azar de ser a
escolhida do pakhan. Só que não tinha nem dezoito anos. Assim que
completei, eles vieram e...

Eu ia continuar falando, mas Ilya colocou as mãos nos meus braços.

Seus olhos azuis se fixaram nos meus, e eu me senti muito tola naquela
posição de rendição.
Com facilidade, ele me levantou do chão, me ajudando a me colocar
de pé.

— Não se ajoelhe — ele quase rosnou, parecendo sentir raiva.

De mim? Teria eu dito algo errado?

— Vá se deitar e descanse. Preciso resolver algumas coisas antes de

decidir o que vou fazer.

— Mas...

— Sem mas. Estarei acordado, de olho. Tente dormir. Não vou te


fazer mal.

Eu poderia não acreditar, mas não tinha muita escolha. Era isso ou
lutar e jamais chegar a lugar algum. Ou talvez voltar para as correntes de

antes.

Respirando fundo, fiz o que ele me mandou, puxando as cobertas


pesadas da cama e me enfiando debaixo delas sem dizer nada.

Achei que não ia conseguir dormir, mas precisava esticar o corpo


em um colchão macio.

Foi questão de minutos até que eu apagasse por completo, sentindo

a exaustão se apossar de mim de vez.


Capítulo 5

Gostaria de estar morto demais para me importar


Se é que alguma vez eu realmente já me importei
Nunca tive uma voz para protestar
Então você me deu bobagens para digerir
BOTHER – STONE SOUR

ILYA KRAVTSOV

Eu tinha a porra de uma garota deitada na cama que deveria ser

minha por uma noite inteira.

Uma garota traficada. Que seria vendida.

Dezoito anos. Pouco mais velha do que Tasha.

Sempre soube, desde que peguei minha irmãzinha nos braços, que

um dia ela seria negociada em casamento com alguém que fosse relevante
para a nossa família. Alguém importante dentro da Bratva, principalmente,

ou de alguma outra máfia que pudesse criar alguma aliança favorável.

Qual era a diferença entre minha irmã e aquela garota além de

alguns anos? Assim como Alejandra, Tasha seria “vendida”, só que de um

jeito mais elitista. Toda a negociação seria feita com ela presente, em meio

a eventos, a pessoas vestidas elegantemente, com champanhe, mas Natasha

não teria a menor voz ativa para escolher o próprio marido.

Algo que eu odiava, mas que Kolya levaria adiante.

Lancei um olhar para a garota adormecida sobre a cama,

surpreendendo-me com o fato de ter realmente descansado depois de

parecer tão agitada. A exaustão provavelmente a levou a apagar, com os


cabelos escuros espalhados pelo travesseiro.

Não era difícil entender o motivo pelo qual ela tinha sido escolhida

para aquele destino. Não só a beleza evidente era explicação suficiente para

ter chamado a atenção de Pavel, mas o fogo que havia naqueles olhos

dourados.

Olhos de lince.

Ela era alta, mas mesmo assim sua cabeça batia na altura do meu

queixo. Era bem magrinha – o que não era de se surpreender, levando em


consideração que se tratava de uma garota que vivia como prisioneira –, e

apesar de provavelmente não ter muito acesso a sol e luz, sua pele tinha o

tom naturalmente bronzeado das latinas.

O cabelo castanho era liso e longo, os lábios eram...

Porra, eles eram muito tentadores. Abertos, enquanto ela respirava

durante o sono, poderiam levar um homem à loucura.

Fora a beleza mais do que evidente, ela tinha um temperamento

forte. Senso de sobrevivência, preservação, e não abaixava a cabeça de

forma submissa. Eu sabia que era intimidador, que uma mulher como ela
poderia ter medo – e claro que aconteceu, mas ela se manteve firme.

Tinha dezoito anos apenas. Quinze a menos do que eu, que tinha

trinta e três. Só uma menina e já tinha passado por tanto.

Eu não entendia por que Pavel precisava escolher uma noiva


daquele jeito. Sabia que a Bratva não andava em bons termos com o Cartel,

que talvez o Ram[on Morales, o “jefe”, não iria aceitar entregar uma de

suas garotas de boas famílias para um russo, mas, ainda assim, havia muito

que eu precisava descobrir.

Mantendo-me de olho na garota, me afastei ao máximo, pegando

meu celular e telefonando para Nikolai. Meu irmão precisava me explicar


algumas coisas que eu ainda não sabia.

— Onde diabos se meteu, Ilya? — foi a primeira coisa que ele me

perguntou quando atendeu, depois de o telefone chamar apenas uma vez.

— Enviei uma mensagem para Pavel avisando que iria descansar

antes de retornar, mas ele não viu. O problema é que as coisas mudaram um

pouco. — Minha voz adquiriu um tom menos simpático: — Por que diabos

não me avisou que a encomenda era uma garota?

— O quê? — Kolya pareceu surpreso também.

Então ele não sabia? Por que Pavel manteria segredo de seu próprio

conselheiro?

— O que você está falando, Ilya?

Encerrei a ligação, sem muitas explicações. Virei o celular na

direção da cama e tirei uma foto de Alejandra, enviando-a para ele.

Assim que percebi que visualizou a mensagem, telefonei outra vez.

— Estou falando disto. O nome é Alejandra. O que sabe sobre ela?

— Alejandra Zavala?

— Não faço a menor ideia.


— Se for, é a noiva de Pavel.

— Não parece bem ser uma noiva, mas escrava. A garota foi

traficada! Não é possível que você não soubesse disso! — rosnei, mas

tentando manter minha voz em um sussurro, para não a acordar.

— Eu não sabia! Ele nunca me contou a fundo a natureza desse


casamento. Só sabia que tinha escolhido uma moça, mas ela não tinha

dezoito anos ainda; que precisaria esperar. Disse que tudo foi acertado com

a família dela.

— Família é o caralho. Com os captores. Recebi uma caixa que

mais parecia um caixão, quando abri ela estava lá dentro, acorrentada,

assustada como um coelhinho.

Meu irmão ficou em silêncio do outro lado da linha, e por mais

nervoso que eu pudesse estar, esperei seu tempo. Sabia que a informação

era difícil de engolir, que ele precisava de absorver o quão grave era a

situação, mas sua reação me surpreendeu. Negativamente.

— Não faça uma loucura, Ilya. Traga a menina, como o combinado,

e depois resolveremos.

— O quê? — cuspi a pergunta, com nojo. — Não pode estar

insinuando que a melhor escolha é entregar essa garota a Pavel.


— Quando vocês chegarem, conversaremos. Podemos falar com ele,

tentar fazê-lo ver o quanto isso é...

— Vai à merda, Kolya! — eu o interrompi, sentindo minha cabeça

explodir. Comecei a andar de um lado para o outro, completamente

inquieto.

Aquilo não fazia sentido. Não era o meu irmão falando. O homem

honrado que eu conhecia.

— Estamos falando de uma mulher de dezoito anos! Não um objeto.

Como quer que eu a entregue como se fosse uma mercadoria?

— Não é da nossa conta, Ilya! — ele também respondeu com um

rosnado, muito nervoso. Ele andava assim nos últimos tempos, o que me

fazia pensar até que ponto andava saindo dos seus limites para proteger a

família.

— Como não é da minha conta? Como vou dormir tranquilo

pensando que fui o responsável por tudo isso?

— Foda-se. Venha para casa. Traga a garota. Aqui podemos

protegê-la. Vamos levá-la a Pavel e apresentar nossas condições.


Ele poderia estar sendo razoável. Era uma ideia muito melhor do

que simplesmente desaparecer com a moça e me tornar um traidor.

Um renegado.

Sabia o tipo de coisa que poderia acontecer e o tipo de vergonha que


isso proporcionaria para uma família.

Ainda assim, dei mais uma olhada na garota, bem no momento em

que se virou sobre a cama, aconchegando-se mais, parecendo relaxada. O


lençol que a cobria deixou uma parte da coxa exposta, e o vestido tinha

subido.

Imaginei Pavel colocando as mãos ali sem permissão. Torturando-a,

porque eu sabia que ele era sádico o suficiente para isso. Machucando-a,
marcando-a e a traumatizando para sempre.

Deveria haver garotas mexicanas que gostariam de se casar com ele.


Ao menos as meninas russas comentavam e tinham interesse em se associar

ao chefe da maior organização da Rússia. Ele era tão poderoso que se


tornava um ótimo partido mesmo não sendo um modelo de beleza e nem

muito gentil.

O problema era que nenhuma das mulheres que suspiravam por ele e

pela chance de se tornarem esposa do chefe sabia o monstro que ele era.
— Não posso deixar, Kolya. Ela é só uma menina. Como Tasha —
falei com um tom de voz um pouco mais suave, não só na esperança de

convencê-lo, mas também para que compreendesse os meus motivos.

Sem nem perceber, eu já tinha tomado a minha decisão.

Pensei que Kolya iria me condenar, dizer que iria mandar homens
atrás de mim, mas apenas o ouvi suspirar pesadamente do outro lado da

linha.

— Se acha que uma garota desconhecida vale mais do que sua

posição na Bratva, fuja. Mas fuja para longe. Jamais tivemos essa conversa.
Saiba que terá que se tornar um renegado para mim também. Para qualquer

outra pessoa, eu não aprovei o que vai fazer.

— E aprova, por acaso?

Era importante saber.

Porra, para mim a opinião de Kolya, por mais que nos


desentendêssemos constantemente, era importante.

Ele era meu irmão mais velho. Um homem a quem eu admirava; que
conseguiu provar sua lealdade ao pakhan de uma forma que lhe permitiu

subir na hierarquia e pegar o cargo que nosso pai um dia ocupou.


A Rússia inteira poderia virar as costas para mim, mas não os meus
irmãos.

— Eu sempre vou te amar, irmão. Sabe disso. Mas está tendo direito

à sua escolha, e eu, à minha. Não posso dizer se o que está fazendo é certo,
e eu preciso virar as costas para você. Vai precisar sair de onde está o mais
rápido possível, porque imagino onde seja e vou te delatar, mas vou te dar

tempo para sair. Por mais que odeie isso com todas as minhas forças. — Ele
fez uma pausa e suspirou: — Mas... Ostavaytes' v mire.

Engoli em seco sabendo muito bem do que se tratava aquela última

frase. “Vá em paz”. Era uma despedida. O máximo que ele poderia fazer
por mim.

Eu queria dizer alguma coisa. Não poderia pedir além do que estava

me dando, por mais que parecesse cruel aos olhos de qualquer outra pessoa.
Mas se fosse mesmo uma despedida, era uma decisão definitiva demais

para passar em branco.

A ligação foi encerrada, e eu olhei mais uma vez para a moça


adormecida.

Eu mal a conhecia. Não fazia ideia de quem era, se sua história era
real ou inventada. Mas a tinha visto presa dentro daquela caixa, e o medo
que demonstrou ao me encontrar não era ilegítimo.

Merda!

Eu estava tomando um caminho muito perigoso, por causa de uma

garota de quem eu sabia apenas o nome. Trair o meu pakhan, trair minha
organização.

Não que eu concordasse com o tipo de liderança que ele oferecia.


Não que gostasse muito dele como pessoa ou como chefe. Provavelmente

eu só precisava de um incentivo.

Pensando nisso, decidi não olhar para trás e fui até a garota, tocando

seu braço com o máximo de delicadeza.

Não queria acordá-la, mas precisávamos sair dali o mais rápido


possível.

Abriu os olhos arregalados, novamente assustada ao me ver, e... puta


que pariu! Que olhos ela tinha.

— O que foi? — ela perguntou, sobressaltada.

— Precisamos partir. Agora.

Cogitei a hipótese de ela não me obedecer, mas Alejandra deu um


pulo da cama.
— Para onde vai me levar?

— Vou te proteger. Não vou te entregar ao Pakhan. Mas vai precisar

seguir minhas instruções.

Era bom que fizesse isso mesmo, porque a partir daquele momento,

seríamos nós dois contra a Bratva inteira.


Capítulo 6

Uma vez que você puxa o gatilho,


não pode colocar a bala de volta na arma
Uma vez que você acende a faísca,
tudo que pode fazer é correr
Porque muitas pessoas conhecem seus segredos
Eu não sou o responsável pelos destroços
Você vai ficar quebrado em pedaços
TRUTH COMES OUT – WILLYECHO

ALEJANDRA ZAVALA

Acordei com o som da porta do carro sendo aberta e vi o gigantesco

Ilya de pé do lado de fora. Desde que saímos do motel anterior, ele falou

muito pouco, e sua expressão não tinha mudado.


Minha avó costumava dizer que quando fazíamos careta,

precisávamos ter cuidado com os anjos ao redor. Se algum soprasse,

ficaríamos com o rosto torto para sempre. Parecia que era isso que tinha

acontecido com Ilya. O cenho franzido se prendeu em sua testa com força,

dando a impressão de ser algo definitivo.

O silêncio acabou servindo de conforto, e eu peguei no sono mais

uma vez, o que me deixou surpresa. Não era para ficar tão vulnerável perto
de um homem desconhecido, ainda mais sem saber direito para onde iria me

levar.

Ele dissera que iria me proteger, mas por quê? Quem era Ilya
Kravtsov, afinal de contas?

Saltei pela porta que ele abrira e ergui meus olhos, me deparando

com outro estabelecimento parecido com o anterior.

— Outro motel? — foi a primeira coisa que perguntei ou falei,

depois de um bom tempo em silêncio. Tanto que minha boca tinha ficado

até seca, mas naquele momento, comecei a bater queixo por causa do frio
absurdo que estava fazendo lá fora.

Tinha começado a nevar um pouco, e eu definitivamente não estava

preparada para um tempo assim.


Percebendo isso, Ilya abriu a porta traseira do carro, pegando lá um

casaco enorme, que entregou a mim. Minhas pernas ainda ficariam

desprotegidas, mas era melhor do que nada.

— Obrigada. Vamos passar a noite aqui? — insisti.

— Hummm... — ele só soltou um resmungo, e eu não saberia dizer

se era um “sim” ou um “não”. Sem muitas explicações, ele saiu andando,

quase marchando, ajeitando seu casaco de couro sobre os ombros muito

largos.

Aproximando-se de mim, passou um braço ao redor dos meus


ombros. Ou tentou, porque rapidamente me afastei.

— O que vai fazer?

— Precisamos fingir que somos casados e pegar um quarto.

— Não podemos pegar dois?

Ele abriu um sorriso provocador.

— Nem pensar, moi rys! Vamos ter que dividir um, porque não vou

tirar meus olhos de você.

— Do que me chamou? — Também franzi o cenho, só que Ilya não

respondeu nada, apenas deixou seu sorriso se alargar e devolveu o braço


para onde estava, me puxando consigo, quase me arrastando.

Havia uma pessoa na recepção, e eu vi no relógio de parede que já

passava das cinco da manhã. Ao mesmo tempo, parecia que fazia uma

eternidade desde que aquele porta-malas tinha sido aberto, e eu vi o rosto de

Ilya na minha frente.

Ele pediu um quarto, exatamente como falou que ia fazer, e nós

subimos.

Era bem maior do que o outro, o que me deu um pouco de esperança

de privacidade.

— Se quiser tomar um banho, fique à vontade — ele ofereceu. —

Tenho algumas coisas para resolver.

Fiquei parada no mesmo lugar, observando-o se mover, segurando

uma mochila. Depois de abri-la, ele tirou uma camiseta enorme de lá de

dentro e a estendeu para mim. Por mais que eu fosse alta, o negócio

pareceria uma camisola, com certeza chegando quase aos meus joelhos.

Peguei, relutante, mas ansiosa para tirar aquele vestido ridículo com

o qual tinham me vestido – muito parecido com o virginal que usei para ser

oferecida, quase em leilão, para o pakhan.


Ainda olhando para Ilya, fiquei me perguntando o que poderia estar

em jogo para ele, caso realmente resolvesse me ajudar. Não acreditava nisso

completamente, porque não fazia nem sentido, mas precisava lhe dar um

voto de confiança, já que não tinha nenhuma outra escolha.

Resignada, entrei no banheiro, tirando a roupa e me enfiando

debaixo da água quente.

Aquele era um luxo que eu vinha tendo nos últimos meses, depois

que fui escolhida pelo pakhan. Quando era só mais uma no meio de outras

meninas perdidas, sem destino certo, o banho era sempre frio, as toalhas

eram sempre duras, as roupas eram só remendadas.

Aproveitei cada segundo, porque era o meu primeiro banho quente

fora daquele lugar. Não poderia dizer que estava finalmente em liberdade,

porque ainda não sabia realmente, mas o gosto foi diferente.

Quando saí do banheiro, vestindo a camisa de Ilya, ainda secava os

cabelos. Ele estava sentado na cama, usando só a blusa branca e uma calça

jeans, digitando freneticamente em um notebook. Tão compenetrado que

não percebeu minha presença de início. Muito sério também, de um jeito

que meteria medo em qualquer um.


Pigarreei para chamar sua atenção, e Ilya ergueu os olhos para mim,

ainda frios e distantes.

Não que eu quisesse que ele fosse simpático ou amigável, mas algo

tinha mudado depois que eu acordei. Um novo tipo de preocupação, talvez?

Era como se ele estivesse com raiva de mim. Como se eu o tivesse

obrigado a fazer algo que não queria.

— Pode usar o banheiro. Desculpa a demora.

— Hummm — mais um de seus resmungos, o que realmente fazia

com que ele se assemelhasse mais e mais a um urso para mim.

Ele fechou seu notebook, levantou-se e saiu marchando, passando

por mim e entrando no banheiro. Não satisfeito, abriu a porta logo em

seguida, colocando a cabeça por uma fresta.

— Estou com a chave, e a porta está trancada. Está nevando lá fora,

um frio do caralho. Se sair, vai se perder, e eu acredito que seja muito pior
do que se eu te achar. Pense bem antes de fazer uma besteira.

Com isso ele entrou novamente no banheiro, batendo a porta.

O que tinha dado naquele homem que parecia muito mais ranzinza

do que antes?
Mas eu não iria fugir. Ele estava certo. Minhas chances lá fora, sem

conhecer o lugar onde estava, com o frio que estava fazendo, eram nulas.

O que me restou foi terminar de secar o meu cabelo e me sentar na

cama, pensando em tudo o que tinha acontecido. Se o destino finalmente

tinha me mandado uma jogada de sorte ou se eu estava nas mãos de um

estranho que tornaria minha vida um pesadelo ainda maior.

Quando Ilya abriu a porta, com os cabelos soltos e molhados, tive


um breve vislumbre dele ainda no banheiro, escovando os dentes, mas sem

camisa.

Ele era uma muralha de músculos, com algumas tatuagens,


totalmente intimidador. Para usar a pia, que era baixa, ele estava todo

inclinado para a frente, de um jeito até desconfortável. Também precisava


se agachar um pouco para se olhar no espelho.

Quando terminou tudo, vestiu uma camisa limpa – preta daquela vez

– e retornou.

De alguma forma, eu entendia que precisava ganhar a simpatia de

Ilya. Aquilo era um jogo. Eu era só um peão em um tabuleiro onde ele era a
torre, que protegia seu rei. Se conseguisse trazê-lo para o meu lado,
conquistar sua compaixão e talvez até a sua amizade, talvez o destino me
desse uma chance de viver, não apenas de sobreviver.

— Você parece um gigante em uma terra de Hobbits — falei do


nada, o que o fez erguer a cabeça na minha direção e olhar para mim com

total surpresa.

— Você leu... Tokien?

— Li de tudo. Era a única coisa que podíamos fazer. Nós tínhamos


professores. Eu gostava particularmente da de Literatura.

Claro que tínhamos. Garotas bonitas e inteligentes poderiam agradar


a algumas pessoas, embora a maioria gostasse de suas escravinhas caladas e

submissas. Sabia de casos de muitas que tinham literalmente perdido a


língua por bancarem as sabichonas.

— Pessoas que compactuavam com o fato de você estar presa — ele

falou em um resmungo.

— Pessoas que não tinham escolha. Eu não as julgo.

— Hummm... — Aquelas respostas dele estavam começando a me


deixar um pouco irritada, para ser sincera.

Mas eu não tinha muita escolha a não ser aguentar.


Ele embolou as roupas sujas e as colocou dentro de uma sacola
plástica, enfiando-as na mochila. Depois voltou ao banheiro, secou o chão,

arrumou a pia e limpou o espelho. Nem precisava disso tudo, porque ele
não tinha sujado muita coisa, mas me parecia que Ilya era um homem muito

asseado.

O cheiro de seu cabelo era uma prova disso também, principalmente

quando passou por mim, ainda agitado e arrumando as coisas.

Estávamos os dois cansados, certamente, mas ele era uma máquina.

Ao fim de todo o seu ritual, ele se colocou do lado da cama,


voltando-se para mim. Tinha colocado algo no bolso, mas não vi o que era.

— Imagino que a cama seja grande o suficiente para nós dois, não

é? — ele indagou. — Não tem a mínima condição de eu dormir naquele


sofá, levando em consideração que preciso descansar, porque não sei se

precisarei lutar com alguém por você.

Fiquei olhando aquele sujeito comprido e largo e pensando que no

meio da noite eu certamente acabaria encostando nele. Por mais que tivesse
se deitado bem na beirada, na confusão do sono, acabaríamos os dois um

nos braços do outro.


A ideia me deixou bem constrangida, mas... novamente... eu estava

em desvantagem. Precisava dançar conforme a música.

— Promete que não vai abusar de mim? — Sabia que meus olhos

estavam cheios de súplica, o que o fez respirar fundo, compadecido.

— Não vou, Alejandra. — Ainda assim, ele veio na minha direção,

segurando o meu braço e me puxando em direção à cama, onde me fez


deitar. Deu a volta, se acomodou também, e quando eu me dei conta, havia

algo gelado no meu punho.

— O quê...?

Ao erguer o meu, o dele veio junto.

Ilya tinha nos acorrentado um ao outro.

— O que está fazendo! Solte isso agora! — gritei, em desespero. —

Não vou ficar presa a você. E se rolar para cima de mim com esse corpo
enorme? Não vou conseguir fugir, e vai me esmagar.

— Se isso acontecer, você me chama. Não tenho o sono pesado


quando não quero ter. Só preciso cochilar, e estou muito cansado para ter

que ficar cuidando se vai ou não fugir.

— Não vou fugir!


Ele abriu um sorriso sarcástico e se acomodou melhor, para dormir,

ficando de barriga para cima.

— Ilya! — eu chamei, cutucando seu braço.

— Hummm...

— Não faça isso. Ainda estou... assustada — tentei apelar para a


súplica.

— Não precisa ter medo de mim — ele respondeu com os olhos


fechados. — Vamos só dormir. Temos apenas algumas horas para isso,

enquanto meu contato não responde sobre nosso próximo destino.

— Para onde vamos?

— Só durma, Alejandra. Só durma.

Bufei, estressada, demorando a encontrar uma posição.

Mesmo com meu corpo inquieto se movendo de um lado para o

outro, Ilya não reclamou, não me mandou parar. Em minutos ele começou a
ressoar baixinho, e seu peito muito largo estabeleceu um ritmo sereno,
subindo e descendo, o que provava que tinha adormecido.

O melhor era fazer o mesmo, se é que iria conseguir.


Capítulo 7

Você nunca deve confiar no meu tipo


Eu sou um homem procurado

Eu tenho sangue em minhas mãos

Você entende?

I’M A WANTED MAN – ROYAL DELUXE

ILYA KRAVTSOV

Consegui tirar um cochilo de no máximo umas duas horas, mas era

o máximo que eu precisava para sentir minhas energias se renovarem. Em


meio a missões, já tinha dormido menos do que isso, e acostumado o meu

corpo a situações emergenciais.

Alejandra também não parecia muito propensa a pegar no sono,

porque assim que eu abri os olhos e me movimentei, eu a encontrei com os


dela abertos, fitando o nada.

Cheios de melancolia, os olhos dourados pareciam pesados, como se


aquela garota não tivesse apenas dezoito anos. Ela parecia carregar o

mundo inteiro nas costas.

— Você está bem, moi rys? — minha voz soou o mais suave que
consegui, embora pesada e rouca por eu ter acabado de acordar.

Lentamente, Alejandra se voltou para mim, me encarando.

— Só estou pensando...

— Não temos muito o que fazer. Se quiser me contar algo da sua

história...

Ela parecia um pouco surpresa por eu estar interagindo. Nas últimas

horas, desde minha ligação para Kolya, eu realmente tinha ficado um pouco
mais reservado. Pensar em perder a lealdade do meu irmão era algo

doloroso. Mas seria mais ainda perder a minha dignidade e honra como

homem.

Não era culpa de Alejandra, mas o meu inconsciente acabou

descontando nela. Sem contar o cansaço.


Eu estava um pouco melhor depois de dormir e de ter um esboço de

um plano, por menos elaborado que fosse.

— Eu sempre tentei me afastar da realidade, o máximo possível.

Quando eu era menor, e éramos liberadas para tomar nosso banho de sol,
como se fôssemos prisioneiras condenadas, eu olhava para as outras garotas

e criava uma realidade de Terra do Nunca. Como se a gente estivesse ali

para um propósito diferente do verdadeiro. — Ela abriu um sorriso

desanimado. — Eu ficava imaginando que seríamos treinadas e enviadas

para uma ilha onde nunca mais cresceríamos, e seria nosso dever defender

esse lugar.

— É um pensamento bonito.

Alejandra assentiu devagar e então continuou:

— Depois que cresci um pouco mais, minha mente começou a

acreditar que eu seria escolhida por um príncipe. Algum herdeiro de um

reino desconhecido, que iria me tornar sua princesa. Nós iríamos nos

apaixonar, ele iria me libertar, e viveríamos um conto de fadas.

— Hummm — não havia muito o que eu pudesse falar, então apenas

dei minha contribuição, incentivando-a a prosseguir.


— Conforme eu fui crescendo, isso foi mudando. De sonhadora eu

fui me tornando revoltada. Os anos passavam e nada acontecia. Por alguns

meses eu lutei contra, me tornei difícil para quem me mantinha cativa; e


veja onde isso me trouxe. Minha insolência acabou chamando a atenção do

seu pakhan.

— Ele não é mais meu pakhan.

Ela arregalou os olhos.

— Como não?

Respirei fundo e me virei na cama. Nossos punhos ainda estavam

ligados pela algema, então ficamos de frente um para o outro, deitados de

lado. Eu poderia ter nos soltado, mas no momento não pensei nisso. A

conversa era mais importante, porque de alguma forma ela criava um

vínculo entre nós.

— A partir do momento em que decidi que iria te proteger, que não

te entregaria a Pavel, eu virei as costas para a Bratva.

Os olhos dourados de Alejandra se arregalaram, ela entreabriu os

lábios, mas suspirou, recuperando a expressão melancólica de antes.

— Eu não queria causar nada disso.


— Não é culpa sua — respondi e me remexi de novo, tentando não

demonstrar o quanto tudo aquilo estava me afetando. — Foi uma escolha

minha. Eu poderia ter te entregado.

— E por que não entregou?

Naquele momento condenei a mim mesmo por estar algemado à


moça. Teria me levantado e fugido daquela proximidade. Eu não costumava

revelar meus sentimentos tão facilmente, ainda mais para uma pessoa que

era meramente desconhecida.

Ao mesmo tempo, nunca aprendi a manter o controle, como Kolya

era tão capaz de fazer. Outros homens da máfia que eu conhecia também

tinham esse dom, mas tudo em mim era intenso. Raiva, dor, tristeza... tesão.

Nada era pela metade. Eu me entregava cem por cento, e sempre me

esforcei para não permitir que isso estragasse as minhas missões.

Eu fazia um esforço do caralho para me manter na linha.

Não foi diferente em uma simples conversa com uma garota. Apesar

das minhas tentativas, no entanto, ela com certeza conseguiria ler nos meus

olhos o quanto aquele assunto mexia comigo.

— Não conseguiria ficar em paz comigo mesmo. Tenho uma irmã

alguns anos mais nova do que você. — Fiz uma pausa, fechando os olhos e
pensando no sorriso de Tasha ao me ver; no quão inocente ela ainda parecia.

— Na verdade, ela tem a sua idade quando foi capturada. Fico pensando no

que aconteceria se um filho da puta desses fizesse com ela o mesmo que foi

feito com você.

Fechei meu punho, chegando a ver os nós dos meus dedos

esbranquiçados de tanta raiva.

Também fechei os olhos, naquela tentativa de controlar minhas

emoções, antes que acabasse explodindo.

Senti um toque suave no meu braço. Dedos finos e gelados tentando

me confortar.

— Não vai acontecer nada com a sua irmã — a garota sussurrou, em

seu delicioso espanhol, que era sensual mesmo que ela não tivesse a menor

intenção de ser.

Abri os olhos e a fitei, conseguindo ver a compaixão neles. A

empatia.

Talvez eu realmente tivesse feito uma boa escolha em salvá-la. Era

uma garota que não merecia um destino cruel como o de se casar com

Pavel.
Continuamos conversando um pouco, ainda na cama, até que

precisamos comer. Soltei as algemas e pedi um serviço de quarto bem

básico, porque o motel onde estávamos não tinha um menu muito variado.

Foi um sanduíche de carne para Alejandra e três do mesmo para mim.

Enquanto eu comia, sentia seus olhos sobre mim, parecendo

surpresa com o meu apetite.

— O que foi? — indaguei em um resmungo.

— Vai passar mal com isso tudo. Não?

— Não é nem metade do que eu costumo comer. Já viu o meu


tamanho?

— Ah, sim. Já... percebi.

Alejandra rapidamente baixou os olhos para dar uma mordida em


seu modesto almoço, mas vi suas sobrancelhas erguidas, em uma expressão
de... admiração, talvez?

A garota, aparentemente, também não era boa em esconder seus


sentimentos, e naquele momento tive a impressão de que, ao menos, ela me

admirava fisicamente.
O que não era nada ruim, embora fosse complicado pra caralho,
principalmente porque eu também a admirava.

Como não? Ela era linda. Qualquer homem a desejaria só de olhá-la.

Ficamos em silêncio o resto do tempo, e eu finalmente recebi a

mensagem que estava esperando. Era bom que Alejandra tivesse comido e
descansado, porque poderíamos partir imediatamente.

— Moi rys, por favor, se apronte.

Ela assentiu, nem fazendo muitas perguntas. De um pulo se levantou

e pegou o vestido que tinha deixado secar pendurado em um cabide, e


correu para o banheiro para se trocar. Enquanto isso, eu fui arrumando

todos os vestígios do quarto.

Tínhamos deixado nomes falsos na recepção, mas, ainda assim,


Kolya me conhecia bem, e poderia acabar adivinhando os meus passos.

Entramos no carro um pouco depois, e ela foi completamente


enrolada no meu casaco, porque o tempo tinha esfriado muito. Para onde

iríamos, ela acabaria precisando de roupas mais pesadas, e eu teria que


providenciar, mas não era um problema.
— Para onde vamos? — Alejandra perguntou pouco depois de nos
afastarmos do motel. — Alguém nos encontrou?

— Não. Ainda não. Meu primo vai me emprestar uma dacha em

Zvenigorod.

— Uma dacha? E onde?

Eu cheguei a sorrir.

— Dacha é um tipo de cabana. Zvenigorod é uma cidade ao Oeste

de Moscou. É pequena, reservada e tem uma área rural grande, isolada. É lá


que vamos ficar. — Fiz uma pausa, passando a marcha e prestando atenção

na estrada, porque a neve já começava a deixá-la escorregadia. Tudo o que


não queríamos era sofrer um acidente. — No início da primavera, fica

bastante frio, é de difícil acesso, mas vai nos servir por um tempo. Depois
teremos que pensar em uma viagem um pouco mais longa.

— Para onde?

— Estados Unidos. Tenho amigos lá que podem nos ajudar também.

Só que, antes de tudo, preciso conseguir documentos para você.

— E como vai fazer isso?

Abri um sorriso de canto, desdenhoso.


— Tenho meus contatos. Não se preocupe com nada, moi rys. Deixe

as coisas comigo.

Ela assentiu, ainda sem me perguntar novamente o que era o apelido

que lhe dei. Que continuasse assim. Teríamos um longo caminho a


percorrer, não só fisicamente naquela estrada, mas também como pessoas.

Éramos dois desconhecidos que ficariam confinados juntos, em uma


situação de risco, emergencial.

No que isso nos transformaria? Em aliados ou inimigos?


Capítulo 8

Eu vou te procurar
Até que não haja mais ar nos meus pulmões

Vou te manter a salvo


Dos monstros no escuro

FIND YOU – THE PHANTOMS

ALEJANDRA ZAVALA

Uma das primeiras coisas que Ilya fez quando chegamos na cabana

– ou dacha, como ele chamava – foi acender a lareira. Precisei me sentar

bem na frente dela, enrolada em um edredom, porque não parava de tremer.

O carro subiu, subiu e subiu numa estrada, e a cabana ficava

localizada numa encosta. Ainda não estava nevando pesado, mas desde que
começara não parara, e eu sabia que iria piorar.
Havia roupas masculinas guardadas no armário do único quarto que

tínhamos, mas nenhuma feminina. Troquei o vestido com o qual cheguei e

me enfiei dentro de um moletom pesado, mas todas as calças estavam

enormes. Serviam para cobrir minhas pernas da pior forma possível, mas

nunca paravam no meu corpo.

Sentada no chão, eu as coloquei, mas mesmo assim não era

suficiente. Nem as meias.

Eu não estava acostumada com o frio, então sabia que aquela noite

seria difícil.

Já estava tremendo há pelo menos uma hora quando comecei a ouvir

sons vindos lá de fora. O ouvido não apurado fez com que eu acreditasse
que se tratava de sons de briga, porque eram baques fortes, além de

rosnados e grunhidos, como se alguém estivesse fazendo algum esforço.

Com dificuldade, levantei-me, enrolada no cobertor e com as calças

caindo, seguindo para a janela, mas tentando ficar o máximo incógnita.

Livrei minha mão do tecido pesado, esticando-a e afastando um

pouquinho a cortina para olhar lá para fora.

A imagem que me recebeu foi quase indecente.


Ilya estava sob o pôr do sol, usando uma camisa de mangas

compridas pesada, de gola alta – mas nada além disso –, com os cabelos

presos em um coque samurai, segurando um machado na mão. Ele não

parecia estar sentindo metade do frio que eu sentia, mas também tinha se

dedicado a uma tarefa bem braçal.

Erguia um machado sobre a cabeça e o descia com precisão e

violência em um toco de árvore, que eu sabia que seria usado na lareira.

O homem era um exemplo de força e concentração, bruto e violento;

rude e feroz. Um bárbaro em meio a um cenário de neve e floresta, bonito e

perigoso.

Cheguei a perder o ar ao olhar para ele.

Ele ergueu a cabeça, respirando e recebendo o ar lá de fora. De

olhos fechados, não podia me ver observando-o, mas quando fez menção de

abri-los, eu só me afastei correndo, voltando ao lugar de antes, me sentando

e fazendo o sinal da cruz, porque aquilo só podia ser pecado.

Ilya era um homem da máfia, meu protetor. A última coisa que eu

deveria querer era imaginá-lo colocando as mãos em mim e...

A porta se abriu, interrompendo meus pensamentos – graças a Deus!


Ele vinha com os braços cheios de madeira, que jogou direto na

lareira. Mexeu neles, organizando-os como pôde, e saiu para pegar mais,

sem uma única palavra. Estava novamente com aquela expressão sisuda, e
eu já começava a entender – mesmo que nos conhecêssemos há tão pouco

tempo – que Ilya tinha momentos, que precisavam ser respeitados.

— Acho que isso vai ajudar — foi o que ele disse depois,

esfregando uma das mãos na outra, para limpá-las.

— Sim, obrigada — respondi, me encolhendo.

— Amanhã prometo que vou comprar algumas coisas que possa

vestir.

— Não quero que se incomode ou gaste muito dinheiro.

Ele deu de ombros.

— Não é nada. Melhor do que você acabar caindo doente por aí.

Não podemos nos dar a esse luxo.

Ilya se afastou novamente, subindo as escadas para o mezanino da

cabana, que era onde ficava o quarto.

Conforme ele falou, comecei a me perguntar se os calafrios que eu

estava sentindo seriam mesmo por causa do frio ou se algo mais. Ilya não
parecia estar tão desconfortável, e tudo bem que ele era enorme, tinha mãos

quentes o tempo todo – o que eu já tinha sentido quando esbarrávamos –,

mas eu sentia algo estranho por dentro. Como se os meus órgãos é que

estivessem tremendo.

Como uma febre interna.

Mas, não... devia ser coisa da minha cabeça.

Ouvi o som de um telefone tocando, mas parou rápido quando Ilya o

atendeu. Por mais que não quisesse ouvir a conversa alheia, foi difícil não

prestar atenção, ainda mais quando ele falou o nome de alguém com tanto

carinho.

— Mitya, eu não posso mudar de ideia. Kolya te contou o que

aconteceu?

Não ouvi a resposta da pessoa do outro lado da linha, mas eu pude

ouvir até o som da respiração de Ilya mais pesada. Ele estava nervoso,

chateado, e de certa forma eu era a culpada por isso.

— Eu sei... sei que se me pegarem com ela, vou ser executado. Eu

não...

Executado?
Por minha causa?

— Por isso que não estava te atendendo. Não posso falar com você e

nem com Tasha. Se eu for pego, vou afirmar que vocês não sabiam de nada.

Que ela não sabia de nada. Vou dizer que a sequestrei.

Mais uma pausa. Mas que diabos ele estava falando?

Senti mais um calafrio e precisei fechar um pouco mais o cobertor

ao redor dos meus ombros.

— Ela não tem culpa de nada. É só uma garota, Mitya. Se você

estivesse no meu lugar faria o mesmo.

A voz de Ilya foi se afastando, porque ele provavelmente saiu pela

porta dos fundos da cabana. Não consegui ouvir o resto da conversa, mas

uma única palavra foi o suficiente para me impactar: “executado”.

Ilya não podia morrer por ter me salvado. Ele era um protetor, não

um traidor.

Que enorme confusão eu tinha criado. Poderia estar em uma

situação melhor do que antes, mas minha consciência também nunca ficaria

em paz caso ele fosse pego e julgado.


A ligação deve tê-lo deixado abalado de alguma forma, porque

demorou a descer. Quando o fez, eu estava deitada no sofá, sentindo meu

corpo pesado, mas incapaz de contar ou externar a preocupação com a

minha saúde.

Ele já tinha problemas demais. Fosse o que fosse, deveria ser só

uma indisposição. Logo iria passar.

— Vamos ter que dormir outra vez na mesma cama. Tudo bem por
você? — Cheguei a me sobressaltar com sua voz. Nem percebi que havia

cochilado.

Sentei-me, me ajeitando, passando a mão pelo cabelo e fungado.


Meu nariz também parecia um pouco pesado.

— Tudo bem, se você for um cavalheiro como foi antes e não

decidir me algemar de novo.

— Hummm — o resmungo de sempre veio acompanhado de passos

firmes, enquanto ele se afastava e ia para a cozinha.

Tossi umas duas vezes, bem baixinho, e me levantei, toda

empacotada.
— Você não seria nem louca de fugir daqui. A neve está apertando e
não tem nada em pelo menos quinze quilômetros — ele alertou, enquanto

abria a geladeira.

Ainda usava a mesma roupa de antes, mas havia colocado um

casaco de couro por cima da blusa de gola alta.

— Como você vai comprar as coisas amanhã, então? — Esforcei-me

para subir no banco alto da cozinha.

— Vou de carro. Vou ter que trocá-lo de novo, aliás. — Ele tinha

feito isso no caminho para a cabana, e estávamos ainda com um SUV, mas
muito menos chique do que o anterior. Ainda grande, bonito, mas uns dois

anos mais velho. — Achei uma loja de revenda no centro.

— Mesmo depois de termos trocado e de você ter usado um nome

falso?

Eu não sabia como Ilya tinha conseguido aqueles documentos


falsos, mas imaginava que já os tinha. E provavelmente ninguém sabia a
natureza deles.

— Mesmo assim. É por garantia.


Assenti, vendo-o quebrar alguns ovos. Ao mesmo tempo em que o
cheiro da manteiga derretendo fazia o meu estômago roncar, porque

estávamos há algumas horas sem comer, eu também me sentia um pouco


enjoada. Não ao ponto de vomitar, mas com um desconforto.

— Quanto tempo vamos ficar aqui? — Ilya me falava muito pouco.


Eu imaginava que ele nem poderia, não só porque ainda não confiava em

mim o suficiente, mas também porque provavelmente não tinha tudo


planejado.

Estava improvisando.

— Não sei. Alguns dias, pelo menos. Até que tudo se resolva com a

sua documentação. — Mexendo no ovo, ele soltou um novo resmungo


quando um pedaço de uma casca caiu dentro da frigideira. — Estamos

seguros aqui. Ou o máximo que podemos estar. Vou aproveitar a ida ao


centro, também, para sacar algum dinheiro.

— Novamente você precisando gastar comigo.

— Eu tenho muito dinheiro, pode ficar tranquila.

Ergui uma sobrancelha, mas não havia nenhuma arrogância em seu

tom de voz.
De onde poderia ter vindo tanto? O que ele fazia?

Bem... era um mafioso, não? Era até melhor não saber em que tipo
de negócios estava metido.

Nós comemos em silêncio, enquanto os sons ao nosso redor se


faziam presentes. A madeira crepitando dentro da lareira, o uivo de uma

coruja distante, a neve batendo ainda fina na janela.

Quando subimos, um pouco mais tarde, eu ainda sentia um frio

desesperador, mas tentei não demonstrar. Ao me deitar na cama, novamente


ao lado da Ilya, me enfiei debaixo de dois cobertores, tentando fazer com

que meus dentes parassem de bater.

Havia uma janela do meu lado da cama, e eu fiquei de barriga para

cima, olhando para ela, vendo os flocos brancos pintando a noite.

— Eu nunca tinha visto neve — falei baixinho, me sentindo um


pouco rouca. A garganta também arranhava.

— É lindo, não é? — Balancei a cabeça, em resposta, mas estremeci


mais uma vez, e ele percebeu. — Ainda com frio?

— Um pouco.
Ilya ficou quieto e hesitou, mas percebi que estava tomando uma

decisão.

— Você quer que eu te abrace? — Arregalei os olhos, surpresa. —


Meu corpo é quente. Vai te ajudar com o frio.

Nós estávamos na cama, e a oferta me deixou um pouco zonza.


Meus olhos desceram para o peito largo de Ilya no momento em que ele se

virou de lado, de frente para mim, e a vontade de me aconchegar realmente


foi forte. Não só porque eu realmente ainda estava morrendo de frio, mas

porque fazia muito tempo que alguém não me acolhia daquela forma.

— Não vou me aproveitar da situação, Alejandra.

Eu sabia que ele estava falando sério. Eu o conhecia muito pouco,


mas já conseguia confiar. Ilya era um homem muito honrado.

Virei-me de lado, de costas para ele, e tive alguns problemas para


me aproximar, levando em consideração que o meu corpo estava todo

dolorido. Sem nenhuma dificuldade o homem me puxou para si,


encaixando-me em seu corpo largo.

Tentei ignorar, minutos depois, o volume que senti na altura do meu


bumbum, e o resmungo que ele soltou, provavelmente arrependido.
Mas eu não estava. O calor dos braços fortes de Ilya foi tão
reconfortante que eu soltei um suspiro, fechei os olhos e não demorei a cair

no sono.

Durante toda a noite, minha cabeça ficou imersa em pesadelos, e

todos eles tinham como protagonista a execução de Ilya.

Na minha cabeça, eu via perfeitamente a cena de um julgamento,

onde Pavel Kiselev o condenava, e ele ia para a forca. Em outras, era


decapitado.

Imaginava que nenhum desses dois tipos de execução ainda fossem


utilizados, mas foi o mais próximo que consegui chegar.

Mas no pior deles, eu ouvia murmúrios que sabia serem meus, todos
sendo abafados pela mordaça de ferro que me colocaram. Com braços e

pernas também presos, assistia enquanto batiam nele, o chicoteavam, feriam


de todas as formas, e ele agonizava em uma morte lenta, que não merecia.

Acordei gritando, sentando-me na cama e me vendo sozinha. A neve


ainda caía lá fora, mas já era dia.

Um bilhete sobre o travesseiro de Ilya me avisava que ele fora à

cidade, comprar nossas coisas.


Era para ser algo simples; eu só deveria esperá-lo, mas ao levar a
mão à testa, percebi que estava ardendo em febre.

Em meio a tudo isso, eu não conseguia parar de pensar no sonho,


que se embolava na minha cabeça com um único delírio: eu precisava sair

dali.

Completamente inconsciente, afetada pela febre, ofegante e zonza,


levantei-me da cama, tropeçando nos próprios pés.

Eu precisava sair dali – minha cabeça repetiu.

Uma, duas, três vezes.

Mesmo que não fizesse o menor sentido, a angústia que eu sentia me


fazia acreditar que era a melhor escolha. Talvez eu morresse em meio à

neve, e isso seria uma bênção para todo mundo.

Eu só precisava deixar Ilya, porque era a única forma de protegê-lo.

Só isso.
Capítulo 9

Eu tentei transformar meu coração em pedra


E enterrá-lo profundamente sob a terra

E mesmo que eu achasse que finalmente encontrara a resposta


Ainda assim, eu chorei, não sei por que, não deu certo

IT HURTS – THE EVERLOVE

ILYA KRAVTSOV

Para um homem de dois metros de altura por dois de largura,

cabelos longos e com uma barba considerável, tentar não chamar atenção

era algo bastante complicado. As pessoas não paravam de olhar para mim.

Não só pelo meu tamanho, é claro. No meio daquela cidadezinha, eu

era um forasteiro, e isso nem sempre era bem-vindo.


O fato de estar comprando roupas femininas também chamava

atenção. Absorvente? Mais ainda. Alejandra não tinha pedido, mas... bem...

ela era mulher, né? Eu não fazia ideia de quando poderia ficar menstruada.

Por algum motivo, peguei camisinhas também. Era ridículo pensar

nisso, mas melhor prevenir do que remediar. A garota era linda, já tinha me

olhado mais de uma vez com interesse. Se acontecesse alguma coisa...

Não. Não podia acontecer. Ela obviamente tinha sido mantida

virgem por todo aquele tempo e precisava continuar assim. Não seria eu a

corrompê-la.

Coloquei tudo o que comprei na esteira do caixa e ajeitei meu boné,

que escondia minhas feições e meu cabelo ao máximo. Também não tinha
tirado os óculos, mesmo dentro do estabelecimento.

Comprei poucas coisas, só o estritamente necessário, mas

principalmente uma calça grossa e um casaco térmico para Alejandra. Até

três calcinhas, dois sutiãs, tentando adivinhar o tamanho dela. Esperava

estar certo, porque ela era alta e magra.

Não tão magra que o corpo não fosse atraente.

Ela era muito atraente.


Mas não vinha ao caso.

Paguei todas as compras, ainda sob o escrutínio das pessoas ao

redor, mas continuei firme. Segui para o carro, que eu já tinha trocado, e

entrei, pegando o caminho da dasha o mais rápido possível.

Assim que cheguei, estacionei em frente à porta dos fundos, lutando

para levar as compras para dentro, sob a neve que caía. Não era exatamente

um temporal, mas era incômodo, por mais que meu casaco fosse grosso e

que eu não sentisse muito frio.

Deixei as sacolas sobre a mesa da cozinha e estranhei que Alejandra


não tivesse aparecido. Ela poderia estar no banheiro, é claro, mas a casa

parecia silenciosa demais.

Comecei a procurá-la, sentindo o coração acelerar. Não era possível

que a garota tivesse resolvido fugir depois de tudo o que havia acontecido.

— Alejandra? — chamei o nome dela, completamente tenso.

Dando a volta pelos fundos, subi as escadas para olhar no segundo

andar, onde só havia o quarto, mas estava vazio. A cama ainda desfeita,

como se ela tivesse só levantado e sumido.


Na primeira noite em que acordamos juntos, ela prontamente se pôs

a arrumar tudo, deixando o quarto do motel impecável. Era estranho que

não tivesse feito a mesma coisa ali.

Desci, já com a adrenalina a mil, caçando a maldita garota por toda

parte até me deparar com a porta da frente destrancada, com a chave

pendurada na fechadura.

Eu sabia que poderia ser um erro, mas não tive coragem de deixá-la

trancada ali dentro. Qualquer coisa que acontecesse, ela precisaria ter a

chance de escapar. Ainda assim, tinha a impressão de que não fora uma

fuga por necessidade.

Fui seguindo o caminho das pegadas, que já estavam aos poucos

desaparecendo, mas não precisei ir muito longe.

A primeira coisa que vi foram os cabelos castanhos espalhados pelo

chão, que estava coberto de neve, embora não fosse uma camada assim tão

alta. Ainda estava enrolada no cobertor, o que era menos preocupante, mas

não fora tão longe da casa. Simplesmente não conseguira.

O que explicava algumas coisas.

Agachei-me ao seu lado, segurando-a e sentindo sua pele quente.

Estava com febre, e provavelmente tinha começado a passar mal desde a


noite anterior. Vi que tinha ficado mais pálida, que o frio parecia um pouco

exagerado, mas suspeitei que pudesse ter a ver com falta de costume.

Não era isso. A menina estava ficando doente.

Afastei um pouco os cabelos de seu rosto, olhando para seus lábios

arroxeados. Tirei o casaco e a enrolei nele, por cima do cobertor. Peguei-a


no colo, carregando-a de volta para a cabana, praguejando em russo

baixinho, não sabendo se estava mais puto com elfacea ou comigo mesmo.

Fechei a porta literalmente com um coice, ouvindo o baque pesado,

e subi as escadas.

Coloquei-a na cama e fui obrigado a tirar sua roupa, mas estava tão
desesperado que não consegui prestar atenção em nada. Só a enrolei em

mais cobertores, descartando todas as peças molhadas que estava usando.

Com as mãos agitadas, corri por toda a casa tentando encontrar um

termômetro. Acabei me deparando com um kit de primeiros socorros no

banheiro, que iria me servir.

Medi sua febre, e ela estava com trinta e nove e meio.

— Puta que pariu! — xinguei, em russo, lembrando de colocar uma

meia nos pés da garota também.


Terminando de fazer isso, corri para pegar meu telefone, que tinha

deixado na mesa da cozinha, para caçar informações no Google sobre como

proceder em um caso como aquele.

Havia cartelas de antitérmicos dentro do kit que encontrei no

banheiro, por isso aproveitei e subi com um copo d’água, agradecendo por

encontrar Alejandra com os olhos abertos.

— Ilya? — Ela me encarou com os olhos pesados e a voz mais débil

ainda. — Não! Eu tenho que ir embora...

Corri até a moça, que chegou a tentar se levantar.

— Mas o que diabos você tem na cabeça, garota? Está ardendo em

febre!

Segurei-a pelos braços, forçando-a contra o colchão, porque por

mais que estivesse claramente sem forças, tentava se debater. Os olhos

reviravam um pouco nas órbitas, demonstrando que um pouco de sua

reação era por conta de um delírio. Da febre, sem dúvidas.

— Eu não posso ser um fardo para você. Não pode dar as costas

para tudo por minha causa. Por favor, me deixa ir!


— Não, moi rys. Você está doente. Preciso cuidar de você, tudo

bem? — tentei fazer minha voz soar suave, porque se agisse com

brutalidade, tinha a impressão de que ela iria desmoronar.

Consegui fazê-la tomar o antitérmico e acalmá-la, ao menos para

que se aninhasse sob as cobertas e ficasse quieta.

Ao lado dela, na cama, continuei minha busca por informações

sobre o que fazer, então decidi preparar algumas compressas e algo para que
comesse. Talvez uma Borscht, que seria bem cheia de nutrientes para que se

recuperasse logo.

Deixei-a dormindo e fui para a cozinha, conferir se tínhamos todos


os ingredientes. Por sorte, eu havia comprado suprimentos a mais no

mercado e alguns ingredientes que me permitiriam preparar a receita.

Durante todo tempo, enquanto cortava as beterrabas e cebolas,


ficava me perguntando o que diabos estava fazendo ali. Por que aquela

garota tinha sido colocada no meu caminho?

Mesmo cético, como sempre fui, cheguei a pensar que ela era algum

tipo de missão que tinha sido jogada no meu caminho. Ela falara sobre ser
um fardo, e eu tive a impressão de que poderia ter ouvido a minha conversa

com Dimitri ao telefone.


Merda! Não era isso que eu queria, mas a cabana era pequena o
suficiente para que esse fosse um problema. Seria difícil termos

privacidade, ainda mais com um quarto só. A maior prova disso era
estarmos dormindo na mesma cama.

Demorei pouco mais de uma hora e meia para terminar minha


tarefa. Provei a sopa e estava um pouco sem sal, mas comível. Coloquei

uma porção generosa em uma tigela e a levei lá para cima.

Pousando-a sobre a cômoda, fui me aproximar da cama para colocar

a mão na testa de Alejandra e senti que parecia um pouco menos quente.

Peguei o termômetro e o coloquei sob seu braço, para medir a

temperatura, e a vi olhar para mim.

— O cheiro está maravilhoso — ela comentou com um sorriso,

parecendo mais coerente.

— Não crie expectativas — resmunguei.

— Você não parece o tipo que cozinha.

— Não sou. Mas consigo preparar algo para sobreviver. — O


termômetro apitou, e eu chequei. Trinta e oito. Ainda com febre, mas tinha

baixado.
Coloquei a cadeira da escrivaninha do lado da cama e me propus a
ajudar Alejandra a comer, literalmente dando a sopa em sua boca.

Era um ato muito íntimo, e deveria ter propósitos quase solidários,

mas minha cabeça estava tão perturbada que consegui achar extremamente
sensual a oportunidade de alimentar aquela mulher.

A forma como ela olhava para mim, o quanto seu rosto pareceu mais
corado depois de tomar algumas colheradas, e o jeito como usei um

guardanapo para limpar o canto de sua boca, quando um pouco da sopa


escapou... era tudo muito provocante.

Ou talvez eu estivesse vendo coisas onde não havia merda nenhuma.

— Você também é muito gentil para um homem desse tamanho —

ela disse quando terminamos.

Eu não era gentil. Era desajeitado e bruto com coisas delicadas

como ela. Era letal quando necessário.

— Não sou o bom moço, Alejandra.

— Por enquanto é o meu herói. Pode ser que eu ainda mude de


ideia, mas até o momento foi o único homem decente que eu conheci.
Nossos olhares se encontraram por algum momento, e eu lamentei

por ela. Que por sua vida tivessem passado tantos monstros e desgraçados
que ela precisava entregar toda a sua confiança para um mafioso.

Para a besta da Bratva.

Mas as coisas eram assim, e não havia como voltar atrás.


Capítulo 10

O mundo é um vampiro
Enviado para drenar
Destruidores furtivos
Te fazem enfrentar as chamas
E o que eu ganho
Pela minha dor?
Desejos traídos
E um pedaço do jogo
BULLET WITH BUTTERFLY WINGS – SAM TINNESZ

ALEJANDRA ZAVALA

Foram dois dias sentindo como se um caminhão tivesse me


atropelado. Com a sensação de que tudo o que eu conseguia e sabia fazer

era dormir. A sorte era ter um Ilya incansável cuidando de mim de todas as

formas, até me carregando para o banheiro quando eu precisava fazer xixi,


porque eu estava com as pernas trêmulas demais para conseguir chegar até

a pequena suíte da cabana.

No terceiro dia eu acordei me sentindo melhor, mas ainda fui

obrigada a ficar deitada por um urso resmungão, que mais parecia um

guardião.

O problema era que todos os seus cuidados e sua gentileza estavam

começando a mexer comigo. Exatamente como tinha falado para ele, fazia

muito tempo que alguém fora legal daquele jeito, e eu nem sabia como

agradecer.

Não sabia como entender o jeito como meu coração estava

começando a bater mais descompassado quando o via.

Provavelmente era a proximidade forçada, o fato de estarmos

sozinhos em uma cabana isolada, de eu estar tão frágil, e ele ter aquela veia

protetora. Com o tempo, iria passar. Ele não ia me manter por perto por

muito tempo. De acordo com o que dissera, iríamos para os Estados Unidos

assim que fosse possível, então eu poderia seguir a minha vida, talvez com
outra identidade, com outras perspectivas.

Ainda assim, teríamos mais uns bons dias juntos. O que eu faria

com o meu coração, caso acabasse se tornando tarde demais?


Tinha tirado um cochilo à tarde, me sentindo muito inútil por não

fazer nada, e acordei mais forte. Ainda estava bastante frio, mas eu já não

tremia como se estivesse tendo um ataque de hipotermia.

Medi minha própria temperatura, e ela já estava normal, na casa dos


trinta e sete. Continuaria tomando o antitérmico, me cuidando, mas o pior

tinha passado.

Meu corpo também estava bem menos fraco. Tanto que consegui me

levantar da cama – enrolada no cobertor – e desci, na intenção de buscar

meu “colega de quarto”.

Ainda não tínhamos tido oportunidade de conversar a respeito do

meu rompante doido, e eu me sentia na obrigação de pedir desculpas.

Estava sentado na sala, tomando uma cerveja no sofá de couro, todo

esparramado, com um dos braços sobre o encosto e as pernas abertas. Como

o viking que ele realmente parecia.

Não queria perturbá-lo, mas parecia só pensativo. Nem mesmo a

televisão estava ligada, o que me encorajou a me aproximar e me sentar na

outra extremidade do sofá.

Ele me lançou um olhar de soslaio, sempre parecendo desconfiado e

contrariado, mesmo que fosse o mais delicado de todos.


— Está melhor? — perguntou com a voz de barítono, o que

combinava demais com a sua aparência.

Nunca pensei que um homem como Ilya pudesse chamar a minha

atenção. Eu sonhava com príncipes encantados, com lábios perfeitos,

covinhas no queixo, olhos azuis e cabelos lisos caindo na testa. No entanto,

ele era um cara bruto, com mãos imensas e braços que pareciam toras de

madeira. Um mafioso...

Se minha mãe me visse naquele momento... Católica como era...

Mas ela ia adorá-lo só por ter me salvado e por estar me protegendo,

depois de tudo pelo que passei.

Só não gostaria dos pensamentos que ele começava a despertar em

mim.

— Bem melhor, obrigada.

Ele assentiu e deu uma golada na cerveja, voltando os olhos para o

ponto aleatório que estivera observando anteriormente.

— Preciso te pedir desculpas. Eu estava um pouco... fora de mim

quando tentei escapar.

— Escapar? — cuspiu a palavra. — Não é uma prisioneira aqui.


— Não, eu sei. Foi só maneira de falar. Mas sou grata, acredite.

Como eu disse, você foi o único homem decente que conheci até hoje.

— Os seus parâmetros não devem ser grande coisa — ele soltou um

de seus resmungos, e eu fiquei quieta, porque não parecia muito pronto para

dialogar.

Ainda assim, foi ele que continuou. Finalmente olhou para mim e

perguntou, naquele seu espanhol cheio de sotaque:

— Seu pai não foi decente com você?

Eu não esperava que a pergunta fosse ser tão direta. Não esperava

precisar tirar aquela resposta bem de dentro de mim, do ponto mais fundo,
onde ainda era muito doloroso.

— Não o conheci. Ele era do Cartel. Estuprou minha mãe, e eu

nasci. O pai do meu irmão foi quem me criou, mas me odiava, porque não

era filha dele. Ainda era casado com a minha mãe e insistia que ela tinha

provocado para ser violentado como foi. Ele a culpava mesmo sendo

vítima.

Os maxilares de Ilya se contraíram, como se ele estivesse com raiva.


— Lamento — foi tudo o que ele disse. — E seu irmão? Lembro

que disse que foi ele que te entregou...

Respirei fundo e assenti.

— Não tenho muitas lembranças desse dia, porque faz muito tempo,

e acho que acabei um pouco traumatizada. Mas me lembro muito bem de

alguém levando os homens ao meu quarto e falando: “é ela”. Só podia ser

ele. Eu ainda estava meio sonolenta, meio zonza, mas não tinha ninguém

em casa com a gente. — Novamente Ilya levou a garrafa à boca e afastou os

olhos dos meus, fitando o nada. Maxilares tensos. Ombros também. Cenho

franzido.

Eu me remexi no sofá, me ajeitando e colocando as pernas sobre o


assento, em posição de yoga, tentando ficar mais confortável, porque sabia

que o tema era difícil. Nunca tinha me aberto a respeito de tudo aquilo com

ninguém, seria a primeira vez.

— Por muito tempo eu o odiei.

— E não odeia mais?

— Não sei. Mas às vezes eu meio que o entendo. Ele fez por

sobrevivência. Era ele ou eu.


— Vocês não se davam bem?

— Ah, não. Nos dávamos sim. — Não consegui conter um sorriso,

enquanto mudava de posição, abraçando meus próprios joelhos flexionados.

Encostei a cabeça neles, olhando para o nada de um jeito meio sonhador. —

Javi era meu herói. Sempre fomos muito chegados, porque ele cuidava de

mim. É dez anos mais velho.

— Não cuidava assim tão bem, aparentemente — ele soltou em um


rosnado. — Tenho uma irmã vinte anos mais nova do que eu, Alejandra. Eu

daria o mundo inteiro por ela. Morreria para protegê-la. Se seu irmão fez o
que fez, ele não merece perdão.

Dei de ombros.

— Um dia, quem sabe, vou ter a oportunidade de falar com ele e

entender.

Ilya colocou a garrafa da cerveja na mesinha ao lado do sofá. Ele o

fez com força, porque o vidro bateu com vidro e fez um barulho forte, que
me causou um sobressalto.

— Entender o quê? Que ele não foi homem o suficiente para


proteger a irmã? Isso me enoja. Não é um homem de verdade. — Ele se

levantou, revoltado.
Fiz o mesmo, colocando-me atrás dele, estendendo a mão para tocar
seu ombro.

Com a surpresa pelo toque inesperado, Ilya se virou bruscamente, de


seu jeito expansivo, e eu dei um passo para trás, com medo de que acabasse

me atingindo sem querer, pisando em falso sobre o tapete fofo da sala, me


desequilibrando.

O excelente reflexo fez com que ele esticasse o braço e o colocasse


ao redor da minha cintura, para me segurar. A puxada que deu, que fez com

que eu fosse de encontro ao seu peito, chegou a tirar meus pés do chão e a
causar um verdadeiro estrago, porque eu cheguei a estremecer.

E não era mais pela febre.

Soltei o ar que estava preso nos pulmões, deixando que ele

escapasse pesado. Minha boca e a de Ilya estavam tão próximas que eu


conseguia sentir os pelos de sua barba em meu queixo.

O hálito quente me recebeu como um beijo.

E por falar em beijo...

O que me custava inclinar um pouco a cabeça e buscar o que eu

tanto queria? Só uma prova, não precisava ser nada elaborado, até porque
eu nunca tinha sido beijada de verdade. Não teria como comparar...

Não que eu acreditasse que aquele homem, com aquela pegada e


aquele tamanho, pudesse me decepcionar.

E o que eu sabia sobre sedução? Ele era muito mais experiente do


que eu, não só por haver uma diferença considerável em nossas idades, mas

também porque fui privada de uma vida inteira.

Só que, por alguns instantes, jurei que não precisaria dar o primeiro

passo. Pelo jeito como Ilya me olhava, com os olhos estreitos e tão intensos
que quase me desmontaram, tive a certeza de que me beijaria.

Nenhum de nós falou nada. O assunto do meu irmão ficou perdido


em meio à bruma que se formou ao nosso redor.

Fiquei surda para absolutamente tudo, e só conseguia identificar o


zumbido no meu ouvido. Sussurros de vozes que diziam que aquilo era

errado. Era como se o mundo todo tivesse parado. Nem mesmo o crepitar
da lareira ou os sons da televisão fizessem sentido.

E o cara não tinha nem me beijado, de fato.

— Moi Rys... — ele sussurrou isso, em sua língua nativa, olhando

fixamente nos meus olhos.


Queria perguntar, mais uma vez, o que significava, mas também não

queria quebrar o momento. Tinha a impressão de que se eu dissesse


qualquer coisa Ilya iria despertar daquilo que parecia ser um encanto que

lhe prendera, e então nada aconteceria.

Senti sua mão se abrir na curva da minha cintura, e seu dedo polegar

massageou um ponto nas minhas costas. Fechei os olhos, suspirando e


esperando...

Mas nada veio.

Com um de seus resmungos, ele me soltou devagar, como se

lamentasse por isso.

Então só se afastou, de cabeça baixa, me dando as costas e

escapando de mim, mas não sem deixar o seu cheiro marcado no meu corpo
e a sensação de seu toque, quase como um membro fantasma.

Melhor assim. Não era certo. Não em meio àquela situação.

Talvez um dia.
Capítulo 11

Não importa o que esteja na minha frente,


Vou continuar lutando até que eu ganhe
Quem vai me parar?
O fogo está em mim agora
COME AND GET IT FROM ME – SUN HEAT

ILYA KRAVTSOV

Conforme a saúde de Alejandra foi se reestabelecendo, ela decidiu

assumir todas as tarefas de casa. Ainda dormíamos juntos todas as noites,

mas acordava antes de mim, bem cedo, e já se colocava em movimento.

Cozinhava bem, e a dasha ficava cheirando aos ensopados e bifes

que ela fazia. Certo dia quase me coloquei de joelhos e a pedi em


casamento quando preparou uma lasanha com uma bolonhesa de lamber os

dedos.
Nos dias menos frios, caminhávamos ao redor da cabana, para nos

mantermos em movimento, e eu fazia algumas flexões, barra improvisada e

levantava pesos com o que tinha em mãos.

Pegava a garota me observando sempre que fazia algum trabalho

mais braçal, ou enquanto me exercitava, o que parecia ser uma atividade

muito atrativa para ela.

Para mim, ela nem precisava de muito esforço. Qualquer coisa que

fazia me deixava excitado como se tivesse acabado de se sentar no meu

colo só para me seduzir.

Patetícheski[1]!

Apesar desses sentimentos conturbados, tínhamos estabelecido uma


convivência pacífica. Conversávamos quando queríamos, mas não

insistíamos nisso, respeitando o silêncio um do outro.

Ela tinha uma risada sincera, um sorriso inocente – com covinhas –

e era bem inteligente.

Para o meu azar, bonita como o inferno também.

Era difícil controlar meus instintos quando a tinha por perto. Perto

até demais, principalmente em meio às madrugadas em que eu acordava de


pau duro porque se aconchegara em mim sem nem perceber. Isso foi se

tornando tão problemático que se houvesse outra opção confortável eu teria

desistido da cama. Mas o chão era gelado, o sofá era pequeno, e eu

precisava estar descansado para o caso de algo acontecer.

Na maior parte das vezes, ela ficava o dia inteiro cheia de roupas,

protegendo-se do frio. Eu me sentia grato por isso, porque seria um inferno

vê-la naquele vestidinho branco de quando a encontrei pela primeira vez,

curto, quase transparente e cheio de rendas.

Eu evitava passar pelo quarto quando sabia que estava tomando

banho, mas naquela tarde precisei pegar meu notebook, depois de receber

uma mensagem no meu celular, avisando que os documentos de Alejandra


estavam prontos.

Por algum descuido ela deixou a porta da suíte aberta, apenas uma

fresta. Passei e tentei não espiar, mas acabei me deparando, sem querer,

com ela de pé, em frente ao espelho, penteando os cabelos castanhos

molhados, só de sutiã e calcinha.

— Merda! — praguejei baixinho, irritado comigo mesmo.

Quatro noites antes, quase a beijei. Segurei-a pela cintura porque se

desequilibrou, e deveria ter sido só isso, mas por pouco não me controlei.
Ela era minha protegida. Eu era um renegado. Nossos mundos

tinham colidido, mas isso não queria dizer que eu poderia cruzar limites.

Alejandra era proibida para mim. Mais do que qualquer outra. Uma

coisa era eu salvá-la de uma vida de escravidão em um casamento terrível.

Outra era roubar a noiva do meu pakhan e tomá-la como minha.

Mas era o que eu queria fazer. Por mais perigoso e insano que

pudesse ser.

Só que enquanto conseguisse me segurar, eu o faria. Não podia

prometer que seria para sempre, ainda mais vendo-a daquele jeito.

Chegando a balançar a cabeça para me livrar do transe, agarrei o

computador e saí de perto, marchando para a saída do quarto e batendo a

porta sem querer com força. Alejandra provavelmente deve ter se dado

conta da minha presença, com o barulho que eu fiz, mas isso já nem

importava.

Fui descendo as escadas, irritado por me comportar como um

adolescente cheio de libido, mas ouvi um barulho que me deixou em alerta.

Eu tinha espalhado armas pela casa, para o caso de haver

necessidade de usá-las, então tudo o que precisei fazer foi terminar de

descer os degraus, colocar meu notebook sobre um aparador e abrir uma


gaveta do mesmo. Uma pistola semiautomática descansava lá dentro, por

isso girei a chave, a peguei e a destravei.

Não havia muito o que eu pudesse fazer, porque quem quer que

estivesse lá fora já tinha visto as luzes acesas e talvez até ouvido o barulho

que fiz ao sair do quarto. O carro continuava estacionado nos fundos da

dasha, e a neve de frente da varanda fora limpa naquela mesma tarde.

Seria muito fácil criar uma armadilha para duas pessoas, ainda mais

isolados como estávamos, sendo assim, eu fui me aproximando da fonte do

barulho, entendendo que se tratava de um carro se aproximando.

Poderia ser qualquer coisa; desde uma pessoa perdida precisando de

ajuda a um mercenário da Bratva, pronto para nos surpreender.

Mas se estava tentando isso, deveria ter sido mais discreto em sua

aproximação.

A batida na porta me surpreendeu. A voz que veio logo em seguida

mais ainda.

— Ilya? Abra.

A pessoa do outro lado da porta nem precisava se identificar. Não

havia chance de eu não saber de quem se tratava.


Era Kolya.

Eu não ia responder. Apenas dei alguns passos e me posicionei de

uma forma que tivesse mira perfeita caso ele entrasse.

Era o meu irmão. Por que diabos eu tinha que estar cogitando a

possibilidade de atirar nele?

— Ilya! Eu vou entrar de um jeito ou de outro. Não estou armado.

— O que está fazendo aqui, então? — indaguei, com cautela.

— Precisamos conversar.

Hesitei, ainda parado na mesma posição.

— Conversar é o caralho. O seu pakhan te mandou aqui, não foi?

— Ele não faz ideia de onde estou — afirmou, soltando um suspiro

alto. — Dá para parar com essa palhaçada, Ilya? Eu te deixei fugir. Poderia

ter te encontrado muito antes, se quisesse.

Refleti por alguns instantes, caminhando na direção da porta e

olhando lá para fora através da janela ao lado. Meu irmão estava parado,

todo encasacado, com um cachecol vermelho cobrindo o pescoço, mas

sozinho. Girei a maçaneta e a abri, mantendo a arma apontada para Kolya.


Ele tinha as mãos erguidas enquanto entrava, virando as costas em

uma tentativa de manipulação. Se confiava o suficiente em mim para fazer

isso, por que eu não poderia confiar nele?

Era uma tática eficaz, mas não comigo, que estava em total alerta.

— Sente-se no sofá e mantenha as mãos no joelho — quase rosnei.

De acordo com a criação que recebemos era uma falta de respeito tratar

meu irmão mais velho dessa forma, mas era o que eu estava sendo obrigado
a fazer.

Ele obedeceu, parecendo submisso demais para o meu gosto.

— Ilya, o que...? — A voz de Alejandra surgiu, e eu nem precisava

olhar para saber que estava no topo das escadas.

Bela hora para ela aparecer.

Não desviei meus olhos de Kolya, mas ele, por sua vez, deu uma
boa olhada na moça.

— Ah, acho que entendi — meu irmão soltou, ainda olhando para
Alejandra.

— Alejandra, vá para o quarto. Fique lá — disse em espanhol, ainda


vigiando Kolya. Conhecia muito bem o meu irmão para saber exatamente
que tipos de movimentos ele poderia fazer e a forma como poderia retaliar.

Ela obedeceu imediatamente, correndo e fechando a porta.

— Agora tudo fez sentido, irmão. Não que eu duvidasse, mas ela é
linda.

Ergui a cabeça, sentindo meus ombros tensos.

— Não é por isso. Nunca seria por isso. — Aquela insinuação me


deixou com raiva. Era bem verdade que eu estava cheio de tesão na garota,
mas isso jamais iria prejudicar o meu julgamento. — O que está fazendo

aqui, Kolya? Deixou bem claro que daria as costas a mim caso eu fizesse a
escolha de proteger a garota.

— Não pude. Tasha ficou desolada quando soube.

— Por que diabos contaram a ela? — perguntei em um grunhido


quase animalesco.

— Porque eu não vou passar pano para você. Porque Tasha é uma
garota esperta. E porque ela precisa saber. Não quero que saia te

defendendo em algum evento da Bratva. Sabe que ela vai ser renegada
também se fizer isso.
Meus ombros caíram, e se eu não estivesse tão convicto de que
qualquer movimento em falso meu colocaria Alejandra em perigo, teria

vacilado.

Tasha era meu ponto fraco. Sempre seria. Pensar que eu poderia tê-
la colocado em risco por causa da minha nova reputação de merda seria a
minha ruína.

— Além do mais... precisei tomar uma atitude que eu não queria em

relação a ela — Kolya falou, parecendo contrariado.

— Como assim?

— Eu a prometi em casamento a Oleyno Ivanov.

Ivanov era um associado da Bratva, que investia muito dinheiro na

organização e tinha boa parte do crime organizado da Rússia em suas mãos.


Era um canalha manipulador que jogava o jogo sempre ao seu favor,

deixando que os outros se fodessem.

— O quê? — mais uma vez eu rosnei. — Ivanov é um filho da puta.

E ele é mais velho do que eu!

— Um filho da puta poderoso. Eles só vão se casar quando ela fizer

dezoito.
— Ele nem mora mais na Rússia! Ninguém da família, que eu saiba.

— Por um tempo. Vai voltar. Ela estará segura, Ilya. Ele é um amigo
de Pavel, vai ser um aliado para a nossa família.

— Merda! — urrei. — MERDA!

Não era nada disso que eu queria. A última coisa que eu poderia

desejar era que minhas ações afetassem a minha irmãzinha.

— Como ela está com isso?

— Eu não faria nada sem o consentimento dela.

— Imagino o tipo de consentimento que ela deu.

— Contrariada, é claro. Mas sabe que precisa fazer o que for melhor

para a nossa família. — Ele fez uma pausa e deu de ombros. Nessa atitude,
ele tirou um pouco uma das mãos do joelho, e eu fiz um sinal para que a

retornasse. — Ao menos alguém está pensando com a razão. E é uma garota


de treze anos!

Respirei profundamente, sentindo minha cabeça explodir. Cada um


dos meus neurônios parecia estar dando choque, me paralisando por

completo.
— Pavel vai achar vocês em algum momento, Ilya. Ele tem

recursos.

— E eu tenho um bom plano. Você me treinou bem, Kolya — falei


com desdém.

— Treinei. Por isso te achei aqui. Cheguei em Levchin muito


rápido.

Andrei Levchin era nosso primo, dono da cabana, que estava me


ajudando em tudo, inclusive com a documentação de Alejandra. Ele era
parente de Kolya também, mas acabou se aproximando muito mais de mim,

e ninguém sabia sobre aquela pequena propriedade que ele tinha, até porque
era dono de muitas.

— E, não, ele não te dedurou. Só que você sabe muito bem que eu

tenho meus meios de descobrir as coisas também.

Claro. Ele era bom. Meu irmão era o cara mais estrategista e

inteligente que eu conhecia.

— E o que vai fazer agora que nos encontrou? Vai nos entregar?

Kolya me olhou bem nos olhos. Parecia estar ponderando.


— E se eu dissesse que sim? Você iria me matar por aquela garota?
— ele perguntou muito calmo, como se já soubesse a resposta.

— Não por ela. Por tudo o que representaria esse casamento com
Pavel. Mas, não. Você sabe que eu não te mataria, Kolya.

— Então desista de tudo isso. Vou dar um jeito. Podemos proteger a


garota, e eu vou encontrar uma forma de inventar outra história. Dizer que

foi tudo um engano. — Como eu fiquei parado, sem desistir de manter


minha arma apontada, ele continuou: — Pavel pediu sua cabeça, Ilya. Se ele

te encontrar, vai levar a moça junto, e ela vai sofrer as consequências.

— Como ele está com você? Te culpa?

— Não, porque eu precisei contornar as coisas. Mas foi por pouco.

— Tem alguma chance de esse casamento de Tasha ser desfeito se


eu voltar?

Eu sabia que Kolya poderia mentir. Ele poderia falar que sim, que
conversaria com Oleyno, mas conhecia a honra do meu irmão, porque

tínhamos sido criados pelo mesmo homem. Apesar dos pesares, o mesmo
sangue corria em nossas veias.

— Não. Não posso. Está decidido.


— Então não há muito que eu possa fazer. Lamento, brat[2]...

Um tiro eu não teria coragem de dar, mas voei sobre Kolya,

agarrando-o pelo pescoço. Meu movimento foi tão rápido que me tornei
inesperado, segurando-o em um mata-leão até que apagasse.

Ainda na mesma gaveta em que peguei a arma, agarrei um par de


algemas – o mesmo que fora usado em Alejandra quando a encontrei – e o

arrastei até a escada, prendendo-o ao corrimão. Claro que deixei as chaves


perto também, ao alcance de seu pé, para que pudesse se soltar quando

acordasse.

Então subi, já gritando por Alejandra, para que ela juntasse suas

coisas para que sumíssemos dali o mais rápido possível.

Era ainda mais definitivo. Eu estava dando as costas pela segunda


vez para tudo que conhecia e para tudo a que jurei lealdade.
Capítulo 12

Agora você está me perguntando sobre a vida


Menina, não ande nessa linha
Você não sabe que eu paguei um preço
Não tente bisbilhotar
Garota deixa aquelas luzes sozinhas
DEVIL KNOWS – ARMEN PAUL

ALEJANDRA ZAVALA

Foi uma viagem cansativa. Não só por ser longa, mas porque

fizemos várias paradas e escalas. Em cada uma delas, passamos apenas uma
noite e já pegamos outro voo.

Uma semana assim, mas era uma estratégia de fuga.

O destino final foi Chicago. Não fazia ideia do motivo disso, porque
Ilya não me falava muitas coisas. Na verdade, desde a visita de seu irmão à
cabana, ele passara a ficar ainda mais silencioso e pensativo.

Não consegui entender absolutamente nada da conversa, porque eles


falaram em russo. Não houve briga, gritaria, e o tom – apesar de ser uma

língua muito forte – era de respeito e quase... ternura. Se é que homens

daquele tamanho poderiam ser considerados assim.

Os dois estavam magoados. Profundamente. E eu sabia que era o

motivo de toda aquela briga.

Usando nomes falsos, paramos na locadora de carros, depois de

sairmos do aeroporto, e Ilya começou a dirigir sem me dizer uma palavra

sobre o nosso destino.

Ele usava um boné e óculos escuros, e uma música de dark country

tocava no rádio, preenchendo o silêncio. Só que eu estava completamente

incomodada.

Cansada da viagem, poderia apenas dormir e acordar quando


chegássemos aonde quer que ele estivesse nos levando. O problema era que

eu me importava demais com ele para não me preocupar com o que estava

acontecendo.

— Você está bem? — perguntei, com a sensação de que receberia

um fora, embora soubesse que ele não era assim.


— Não sei — não foi uma resposta grosseira. Pelo contrário, ele

pareceu soltá-la em um desabafo.

— Faz cinco dias que estamos viajando e ainda não paramos para

conversar. Quer fazer isso?

— Não sei — ele repetiu, e eu quase revirei os olhos.

— Acho que eu preciso saber algumas coisas, não é? Ao menos para

onde vamos.

— Stone Haven, em Illinois. Chegaremos em duas horas, mais ou

menos.

Assenti. Era um começo.

— Por que lá?

— Tenho amigos.

Novamente balancei a cabeça, dando a entender que compreendia.

— Eles vão nos ajudar?

— Vão nos esconder — corrigiu. — São boas pessoas.

Eu esperava que fossem, de fato. Mas se Ilya confiava neles, já era

um bom começo.
A viagem foi tranquila, e nós vimos o pôr do sol na estrada.

Consegui cochilar por alguns instantes, mas muito pouco, porque logo

chegamos, e Ilya abriu a porta para mim.

Ele pegou nossas mochilas no bagageiro e as colocou no ombro.

Eram três, razoavelmente pesadas, mas daria conta disso e de carregar a

mim – se fosse preciso – com todos aqueles músculos. Um urso, de fato.

Por estar adormecida, eu não tinha percebido antes, mas nós

entramos em uma espécie de condomínio fechado de casas. Todas elas eram

iguais, com exceção de uma, que ficava ao final da rua, que era uma

verdadeira mansão.

Nenhuma das casas era pequena, na verdade; todas possuíam dois

andares, algumas tinham um terceiro – provavelmente um sótão –, e a

fachada era composta por uma cerca branca e jardim. Uma varandinha com
rede, sofás de vime e um ambiente de lar.

Algo que há muito tempo eu não via. Não sentia.

— Seu russo filho da puta! — Olhei sobressaltada na direção da

voz, que falava em inglês, mas a pessoa que vinha até nós estava sorrindo

de orelha a orelha, parecendo muito feliz por ver Ilya.


Os dois se seguraram em um abraço bem masculino, e o cara que

surgiu do nada foi tirado do chão por Ilya.

— Cara, que saudade do caralho! — o homem desconhecido

repetiu.

— Eu também estava, Hun! Que bom te ver!

Eles se afastaram, e dava para ver o quanto os dois se gostavam, em

uma relação mais fraternal do que Ilya tinha com seu irmão, aparentemente.

— Ah, então essa é a señorita? — ele perguntou assim que me viu.

— Hunter Phoenix. — Ele estendeu a mão ainda sorrindo.

Desde que saí do cativeiro onde vivia, o tal Hunter Phoenix fora o

homem mais simpático que lidou comigo. Ilya era gentil e protetor, mas

dificilmente sorria daquele jeito, como se sua alma inteira estivesse em seus

olhos.

Percebi algumas coisas em Hunter. Algumas mais óbvias, como o

quanto ele era grandão – uns cinco centímetros apenas mais baixo que Ilya

e super musculoso também. Tinha os cabelos longos, mas eram castanhos.

Havia uma falha em sua sobrancelha, que parecia muito com uma cicatriz

branca e discreta. Cheio de tatuagens, uma se destacou por pegar boa parte

do seu antebraço, quase como se fosse um bracelete tribal.


Em seu dedo havia um anel todo de aço, com uma caveira entalhada

sobre uma pedra quadrada.

Aceitei o cumprimento e abri um sorriso discreto.

— Alejandra Zavala. Muito prazer.

— Queremos que fiquem à vontade por aqui. Ilya sabe que está em

família, que vamos cuidar de vocês como se fossem um dos nossos.

Olhei ao redor e ainda não tinha entendido o conceito de “um dos

nossos”, mas eles pareciam uma comunidade. Grandes portões fechavam o

condomínio, e havia dois homens guardando a única entrada, mas crianças

brincavam em um espaço que era como uma pracinha, e outras pessoas

também caminhavam sem muita preocupação.

Ouvia o ronco de algumas motos ao longe, e as pessoas eram

barulhentas, no melhor dos sentidos. Meu coração se revirou no peito, com

uma sensação boa como há muito tempo eu não me permitia ter.

Ilya e Hunter conversaram um pouco mais, mas meu urso protetor

logo veio na minha direção, pegando as mochilas do chão e me mostrando

uma chave.

Ele abriu a porta da casa onde estávamos e me convidou a entrar.


— Bem-vinda ao seu lar por tempo indeterminado.

Não era um motel de estrada. Não era uma cabana isolada no meio

da neve. Principalmente, não era um quarto escuro onde a porta estava

sempre trancada e a janela tinha grades.

Era uma casa aconchegante, com um jardim bem-cuidado e uma

sala com um tapete felpudo. Um sofá com uma manta colorida, uma mesa

de jantar de madeira, com quatro cadeiras. A cozinha era equipada e


espaçosa, com uma enorme janela atrás do fogão.

Era cálida, cheirava a lar, como o único que conheci quando ainda
era só uma menina. Sem nem entender o motivo, meus olhos marejaram, e
eu fiz um enorme esforço para que Ilya não percebesse.

— Ainda não é um hotel cinco estrelas, mas é decente, limpo e

seguro.

Hotel cinco estrelas? Quem precisava disso?

— Eu poderia viver a vida inteira aqui e ainda mal pisei na casa —


respondi com toda a sinceridade. Minha voz falhou um pouco, mas não me

importei. Ilya podia pensar o que quisesse; talvez eu fosse mesmo só uma
garota boba e deslumbrada com poucas coisas.
Se reparou o quanto eu estava emocionada, não comentou. Apenas
me guiou pela casa, e eu quase lamentei que tivesse dois quartos, porque, de

uma forma ou de outra, tinha me acostumado a dormir do lado daquele


homem enorme e de acordar nos seus braços, sem querer querendo, para me

proteger do frio.

Organizamos tudo o que podíamos e ao final da tarefa, estávamos

exaustos jogados no sofá. Eu já estava quase dormindo, depois de jantarmos


algo que uma vizinha – que Ilya chamou de Sra. Hollis – levou, a pedido de

Hunter. Era um assado delicioso com batatas, e eu comi até minha barriga
inchar.

Na maior parte das vezes quem ia para a cozinha entre mim e Ilya
era eu, e por mais que eu fosse muito boa no fogão, comer refeições

preparadas por outra pessoa que também sabia a dose perfeita de tempero, o
ponto certo da carne e que fazia tudo com muito amor, era outra coisa.

Também não me lembrava a última vez que tinha comido algo caseiro e tão
bom.

Até mesmo a toalha que colocamos na mesa, parecendo tirada de


um piquenique, deixou o meu coração meio balançado no peito.

Ouvi alguns sons de risadas lá fora e me peguei contagiada por eles,


sorrindo também, sem nem saber o motivo. Ainda fazia um pouco de frio, e
eu estava usando uma calça e um suéter de moletom, além de meias, mas
em comparação com a Rússia, a temperatura era perfeita.

— Sei que já te agradeci algumas vezes — comecei a falar, o que

chamou a atenção de Ilya, fazendo-o olhar para mim. — Mas isto aqui... eu
realmente não tinha noção do que o quanto uma casa de verdade estava me
fazendo falta.

— Hummm...

Acabei rindo de sua resposta, já acostumada com seus resmungos.


Eles também estavam se tornando confortáveis para mim.

— Não importa quanto tempo a gente fique aqui. Dois dias, uma
semana, um mês. Sei que não vai ser definitivo, mas obrigada por me fazer

lembrar do que é um lar.

Estendi a mão e peguei a dele, tocando-a com delicadeza.

Pensei que ele iria se afastar ou recusar, mas entrelaçou os dedos nos
meus. Era como se também estivesse buscando algum tipo de conforto.

Ilya mantinha uma carcaça forte, queria fazer o tipo que não se
entrega e que não perde a pose de durão, mas sentia que também estava
cansado. Mais do que isso, que tinha entregado mais de si do que jamais

poderia dar.

Ele vendera sua alma no momento em que decidira me salvar e me

roubar de seu próprio chefe.

Ficou olhando para nossas mãos, enquanto usava o polegar para

acariciar a minha, e eu senti meu coração acelerar. Era o momento de tomar


uma atitude; ou então nunca sairíamos do mesmo ponto.

Eu me remexi no sofá, me aproximando e montando em seu colo.


Levei uma das mãos ao seu rosto, tocando a parte da bochecha que não

tinha nenhum traço de barba.

Os olhos de Ilya ficaram mais estreitos, mas ele manteve as mãos

longe de mim.

— O que está fazendo, moi rys? — aqueles sussurros acabavam


comigo. A respiração pesada também.

O apelido então...

— Você não vai mesmo me dizer por que me chama assim?

— Não. O que quero agora é saber o que está fazendo.


— Eu só me sentei no seu colo. O resto acho que vai ter que ficar

por sua conta.

Ele inclinou a cabeça para o lado, bem devagar, e seus olhos se


prenderam na minha boca. Estremeci só de pensar que seria beijada. Um
calafrio veio junto com todos os pensamentos sobre como seria.

Senti os dedos dele subirem até o meu pescoço, envolvendo-o na

mão inteira – que era tão absurdamente grande que poderia quebrá-lo ao
meio. Um dos dedos tocou a minha boca, traçando o contorno, enquanto ele

permanecia em silêncio.

— Ty prekrasna — ele novamente falou baixinho, de um jeito rouco,


e eu inclinei a cabeça um pouco para trás, conforme sentia a pressão da

ponta dos dedos principalmente na curva do meu ombro. — Você é linda.

Eu não saberia dizer em que língua soava mais bonito, se em russo


ou espanhol.

Não poderia afirmar como eu mais gostava que sua mão me


segurasse, no pescoço ou na nuca, como aconteceu logo depois, quando

segurou mechas do meu cabelo e o puxou para trás, abrindo ainda mais
espaço.

Deus, eu ia pegar fogo.


Ele aproximou o rosto do meu, mas ainda não me beijou. Só se
inclinou um pouco mais e inspirou, sentindo o meu cheiro de sabonete e

xampu, porque eu tinha lavado o cabelo algumas horas atrás.

Soltou aquele leve rosnado que já era característico e segurou meu

cabelo com mais força.

O que ele estava esperando, meu Deus? Eu ia derreter sobre suas

pernas, sobre aquelas coxas grossas que eu podia sentir que eram
irritantemente torneadas só pela forma como meu bumbum se acomodava a

elas.

— Moi rys... — ele repetiu, com um tom diferente. De frustração.

Como se não pudesse mais lutar contra.

Jurei que realmente seria beijada, mas a campainha tocou, nos


tirando do transe.

Imediatamente sobressaltei-me, me lembrando do quanto fiquei em


alerta durante o período que passamos naquela cabana, presos, longe do

resto do mundo.

— Não tenha medo. Estamos seguros — ele já tinha falado aquilo


algumas vezes, mas provavelmente fazia questão de repetir para que não
restasse nenhuma dúvida.

Saí de seu colo e houve um momento entre nós. Os dois em silêncio,

olhando um para o outro. Ilya com os olhos cheios de promessas...

Mas nenhum dos dois teve coragem de dizer nada.

Ele se levantou, abriu a porta, e eu vi que o visitante era Hunter.

Este acenou para mim, mas Ilya saiu, para que conversassem na varanda,
provavelmente algo sobre todo o ocorrido que nos levou até ali.

Suspirando derrotada e cheia de desejos, desliguei a televisão no


controle, peguei o travesseiro que eu tinha colocado no sofá e o levei

comigo para o quarto que seria meu, bufando pela falta de sorte e falta de
timing de Hunter.

Entrei, mas não fechei a porta, só me joguei na cama, abraçando o


mesmo travesseiro que estava lá embaixo, pensando que aquela seria a
minha primeira noite sozinha depois de alguns dias dormindo com

companhia.

Peguei no sono, porque estava muito cansada, mas em algum


momento da madrugada acordei sentindo o colchão sob mim afundar,
quando um corpo pesado se acomodou nele também.
Girei devagar na cama e vi Ilya deitado, de barriga para cima, com a
mão sobre o abdômen, parado como um poste.

— O que foi?

— Hummm — resmungou, mas acrescentou: — Não estava


conseguindo dormir.

Sorrindo, me aconcheguei no travesseiro, mantendo a distância

segura que ele estabeleceu.

Só que não foi nenhuma surpresa acordar de manhã com nós dois
enroscados um no outro, buscando o conforto que tínhamos nos acostumado
a oferecer e desejar.
Capítulo 13

Você concederia ao diabo esta dança?


Você faria parte dos planos dele?
Agora você tem um pouco de sangue nas mãos
Bem, isso só pode terminar de uma maneira...
PLAY DIRTY – KEVIN MCALLISTER

ALEJANDRA ZAVALA

Conseguimos reestabelecer nossas forças a ponto de no dia seguinte

acordar cheia de energia.

Pulei da cama, fiz o café e o tomei, preparando ovos com bacon,

sentindo o cheiro maravilhoso que ficou espalhado pela cozinha. Ilya

desceu logo depois, me acompanhando na refeição.

Ele também parecia um pouco mais relaxado, conversando e falando

mais do que o normal – o que ainda não era muito, para dizer a verdade.
Assim que terminamos, saímos da casa, e ele foi me apresentando as

pessoas aos poucos, me deixando surpresa com a hospitalidade e o

sentimento de família que aquela comunidade me proporcionou. As

crianças eram uma gracinha, as mulheres, simpáticas, e os homens, até o

momento, tinham sigo gentis, respeitosos.

Por último, fomos levados à casa da família Phoenix – do líder da

comunidade –, que era a mansão ao fundo do complexo, e conheci o pai de


Hunter, descobrindo que ele tinha mais dois irmãos: Drake e Adelle. Foram

breves apresentações, e o Sr. Phoenix – que se chamava Caleb – nos

desejou as boas-vindas, também abraçando Ilya como se fosse um filho de

quem sentia muita saudade.

Fomos almoçar na casa de uma das famílias, que insistiu muito, e eu


fiquei encantada com o casal de crianças que eles tinham. Por ser um

domingo, o pai deles estava presente, e foi para a mesa conosco, ajudando a

esposa em tudo.

Era engraçado de ver, aliás, porque ele era grandão também, mas

muito “obediente” por assim dizer.

Eles se chamavam Joshua e Gillian Voight. Ela era uma mulher

linda, com os cabelos castanhos e olhos claros. Ele era um cara bem bonitão
também, de cabelos curtos e castanhos, todo tatuado, uma barba grossa, e

caladão como Ilya, mas muito gente boa.

Não consegui deixar de perceber que todos os homens usavam o

mesmo anel quadrado com a caveira. Devia ser um símbolo, alguma


exigência do que quer que eles formavam.

Sem dúvidas, uma irmandade.

Eu não tinha muito contato com desconhecidos, e às vezes me sentia

acuada com tantos rostos novos. Era como um bichinho do mato assustado,

em meio a um novo mundo. Mas um mundo que eu sabia que ia me


conquistar muito facilmente.

E isso era um problema. Porque eu tinha muito medo de me apegar

a coisas e pessoas, e elas simplesmente serem tiradas de mim.

Saindo da casa dos Voight, eu e Ilya nos sentamos um pouco na


pracinha, em frente ao laguinho que fora construído ali. Carpas nadavam lá

dentro, inabaláveis, sem ter nenhuma noção do quanto o mundo era

perigoso do lado de fora daqueles muros.

E eram muros altos. Altos demais para serem ignorados.


Ilya, como sempre, parecia calado, olhando para o horizonte. Não

demoraria a vir o pôr do sol, e a luz dourada que vinha lá de cima parecia

iluminá-lo de um jeito que o deixava quase irreal. Uma estátua viva no auge
de sua masculinidade e sensualidade perigosa.

Tentei me segurar ao máximo, mas fazia mais de vinte e quatro

horas que tínhamos chegado ali, e eu ainda não sabia de absolutamente nada

a respeito daquelas pessoas.

— O que é isto aqui, Ilya? Como você conhece essa gente?

— Conheci Hunter na faculdade.

Cheguei a erguer uma sobrancelha, surpresa com a informação.

— Na faculdade? Nem sabia que você tinha feito.

Ilya sorriu, me olhando de esguelha.

— Há muitas coisas sobre mim que você ainda não sabe.

— Há muitas coisas sobre você que nunca me disse — provoquei.

Ele assentiu, me dando crédito.

— Estudei na Espanha. Não cheguei a me formar. Fiz Relações

Internacionais. Era a ideia do meu pai, que eu tivesse esse papel dentro da
máfia. — Ele fez uma pausa. — Hunter estudava Administração, mas

tínhamos algumas matérias em comum. Os dois forasteiros, cabeludos e

cheios de tatuagem. Nos identificamos.

— E ele terminou?

— Sim. Vai herdar os negócios do pai um dia.

— Que são...?

Ilya se inclinou para pegar uma folha caída no chão, mantendo-a

entre os dedos, para brincar com ela.

— A maior parte deles envolve motos. Conserto, venda e revenda, e

todos os itens necessários para um motoqueiro usar. É uma marca grande e

respeitada, com sedes até em outros países. Mas eles têm algumas outras

coisas.

— Ilegais?

— Não drogas. Mas cigarros, bebidas, armamento. Um tipo de

máfia, em menor escala e mais controlada.

Assenti mais uma vez. Era difícil imaginar aquelas pessoas, que

tinham criado um verdadeiro lar dentro daquele espaço, que eram

acolhedoras e gentis, estando envolvidas em crimes e negócios ilícitos.


Mas as aparências podiam enganar, sem dúvidas.

— Caleb se tornou o líder dos Wildfire, que é esta organização, em

uma espécie de duelo contra o antigo chefe.

— Ele matou o cara? — minha voz subiu uma oitava, e eu vi

algumas pessoas ao redor me olhando torto.

— Foi justo, uma luta mano a mano. O filho da puta era marido de

Jordana, mãe de Hunter. Abusivo, violento e cruel. Não só com a esposa,

mas com todos aqui.

— Hunter não é filho dele, então.

— Não, mas ele o criou como um. Drake e Adelle, sim, são seus

filhos biológicos. — Ele fez uma pausa. — Assim como na máfia, há uma

hierarquia aqui dentro. Caleb é o líder, e ele tem um subchefe, irmão dele,

que você ainda não conheceu, mas que retorna hoje à noite de uma viagem

com a esposa. O nome dele é Kellsier, e a esposa, Cadence, ou, como a

chamam, Cady.

— E Joshua? Ele também é importante, não é?

— É o que os mafiosos chamam de conselheiro. É irmão, bem mais

novo, de Jordana. Foi assim que eu conheci todas essas pessoas, aliás.
Tentando ajudar Josh em um problema. Hunter me trouxe, e eu passei

algum tempo aqui.

— Todos gostam muito de você.

— É recíproco. Sei que vão cuidar de nós.

— Até quando?

— Até podermos te levar para outro lugar seguro, com mais uma

nova documentação, um emprego e uma oportunidade.

E então nós nos separaríamos. Já sabia disso, e ele nem precisava

falar.

Eu teria tudo que sempre sonhei, principalmente minha liberdade.


Poderia estudar, arrumar um emprego, ter um lugar para viver e que fosse

realmente meu. Uma casinha como aquela onde eu e Ilya ficaríamos


morando por um tempo, que era simples, aconchegante e perfeita.

O meu destino pertenceria só a mim, o que, sem dúvidas, era um

privilégio que nunca sonhei em ter.

Mas eu não teria Ilya.

Esse pensamento foi me acompanhando durante boa parte do dia, e

à noite, quando saímos da casa, para irmos a uma festa à fogueira, nos
fundos do complexo onde os Wildfire moravam, me peguei em silêncio,
observando as chamas se erguendo e se tornando faíscas que pareciam

quase querer tocar o céu.

Ilya estava com os homens, bebendo uma cerveja, e eu não tinha

pegado uma única garrafa para mim, só um marshmallow, que não tive
coragem de assar na fogueira, porque ainda estava um pouco tímida.

Provavelmente percebendo isso, Gillian se aproximou, sentando-se


ao seu lado, acompanhada de Jordana. A mais jovem me entregou uma

garrafa de cerveja, e eu hesitei um pouco antes de pegar.

— Não seja boba, menina! Está entre amigos, perto de casa. Um

homem daquele tamanho para te carregar caso fique um pouco bêbada. Só


se diverte. Deus sabe o quanto você merece.

Ela tinha um ponto.

Peguei, portanto, a bebida e brindei com elas, batendo garrafa com


garrafa. Dei um gole, e o negócio desceu amargo pela minha garganta, mas
estava geladinha. Não era como se fosse verão, mas depois dos dias gelados

em Moscou, eu estava até com um casaco fininho.

Jordana pegou o espetinho da minha mão e o levou à fogueira,


enquanto Gillian puxava assunto.
— E então... você tem planos? Tem algo que queira fazer agora que
tem sua liberdade?

No dia em que eu e Ilya fomos almoçar em sua casa, contamos a

história para Joshua e Gillian, assim como tinha sido feito para os outros.
Hunter, sem dúvidas, sabia desde o início, a respeito de tudo, e achei justo
que fosse contado, porque eu era uma forasteira.

As pessoas ouviram minha história sem alarde, sem demonstrar

pena – que era o que eu não queria –, e era assim que Gillian estava
comentando também.

Jordana retornou antes que eu pudesse responder. Agradeci, e ela se

sentou ao nosso lado.

— Vocês sabem que eu ainda não pensei em nada? Tudo aconteceu


tão rápido... — respondi, colocando uma mecha de cabelo atrás da minha

orelha. Eu me sentia tímida, porque ainda não tinha muito costume de lidar
com tantas pessoas.

— Aqui temos muitas atividades. Eu sou a responsável por muitas


delas — Jordana falou, em um tom maternal.

Bem, ela tinha um filho de mais de trinta anos, apesar de não


parecer. Ela poderia mesmo ser minha mãe. Pensar nisso me deu um aperto
no peito. Há muito tempo eu não pensava nela, porque tentei me proteger de

muitos sentimentos.

Em meio àquelas pessoas e todo aquele sentimento de lar, eu

acabaria sofrendo pela ausência.

— Eu vou adorar ajudar — respondi, em um tom de voz baixinho,

ainda com medo de incomodar.

— Temos várias atividades, mas principalmente estamos precisando

de alguém na nossa creche. Alguém que cuide dos menorezinhos.

— Eu amo crianças! — exclamei, muito animada. — Meu Deus,

eu...

— O salário não é muito, mas...

— Eu ainda vou receber para cuidar deles? — As duas riram da

minha forma de falar.

— Claro. Aqui todo mundo ganha um salário pelas atividades que

oferece. Ilya vai trabalhar com Hunter também.

— Em quê?

Jordana e Gillian se entreolharam, e eu entendi que ele iria fazer


algo fora dos padrões.
— Hunter é um... mercenário — Gillian explicou. — Caleb não

gosta muito disso, porque acredita que ele ainda vai se meter em alguma
confusão grande, mas o rapaz é bom.

— Acha que Ilya pode correr riscos se for trabalhar com ele?

Jordana abriu um sorriso.

— Seu Ilya sabe se cuidar, querida.

— Meu? Ele não é meu. Definitivamente! — afirmei, dando um


gole na cerveja, esperando que isso fizesse o nó na minha garganta descer

mais facilmente.

— Bem... ele te olha de um jeito que... — Gillian se abanou e

também levou a garrafa à boca. — Uau! Quando Josh me olha assim, a


gente deixa as crianças na casa de alguém e passa a noite inteira na cama.

— Você acha? — Arregalei os olhos.

— Mulher, eu tenho certeza! Ele deve estar se segurando, porque a

situação de vocês é complicada... mas quer saber? — Gillian se levantou e


estendeu a mão para mim. — Vamos dar um incentivo a ele.

Ela me ajudou a me levantar, e foi até a caixa de som, trocando a


música que tocava. Antes era um rock antigo, meio clássico, mas ela
escolheu um reggaeton bem sensual.

— Vamos colocar uma coisa mais latina, para dar as boas-vindas à

nossa señorita aqui! — ela falou bem alto e me guiou a um espaço vazio,
começando a se remexer no ritmo da música.

Joshua foi o primeiro a soltar um uivo de incentivo, batendo palmas,


gritando um “minha mulher é um gostosa”, apaixonado pela esposa.

Fiquei um pouco parada, sem saber o que fazer, mas quando outras
mulheres também vieram para dançar conosco, inclusive Jordana, fui me

animando.

E quando olhei para Ilya... entendi o que Gill quis dizer.

Ele estava me comendo com os olhos, e eu mal tinha começado a

me mexer.

Bem... eu poderia provocar um pouquinho...


Capítulo 14

Uma coisa me dominou ultimamente


Não, não me conheço mais
Parece que as paredes estão todas se fechando
E o diabo está batendo na minha porta
Eu estou fora de mim
LOSE CONTROL – TEDDY SWIMS

ILYA KRAVTSOV

A porra do meu coração acelerou no peito assim que a vi em meio

às outras mulheres, começando a dançar. Se não fosse sexy como o inferno

por si só, ela estava sorrindo, claramente feliz.

Nenhum de nós dois tinha tido tempo para isso desde que nos

conhecemos, em meio às circunstâncias mais absurdas possíveis. Não fazia

nem um mês desde a primeira vez em que nos vimos, mas era mais do que
óbvio que tínhamos criado um vínculo.
E não tinha nada a ver com as noites em que dormíamos na mesma

cama, abraçados como se fôssemos um casal. Era sobre as coisas pelas

quais eu sabia que ela havia passado, e tudo pelo que eu havia aberto mão.

Éramos empáticos um com o outro. Isso nos aproximava. Fazia com

que quiséssemos proporcionar conforto, mesmo que não fôssemos amigos.

Ou será que já podíamos nos considerar assim?

Eu queria ser amigo daquela mulher?

— Ih, russo desgraçado... você tá ferrado! — Hunter comentou,

rindo com Joshua, antes de este começar a gritar pela esposa. — Com todo
o respeito, a sua mexicaninha é uma deusa.

— Ela não é minha — rosnei a resposta, sem tirar os olhos dela, mas

levando o gargalo da garrafa à boca. — Se eu tocar nela, estou morto.

— Por quê? Você vai permitir que ela ainda pertença a outro

homem?

— Não. De jeito nenhum...

Percebi a cilada na qual caí. Hunter não estava apenas falando de


Pavel. Ou estava? Só que a forma como sua pergunta e minha resposta
soaram, deram a entender que eu não ia permitir que Alejandra fosse de

qualquer outro, porque ela precisava ser minha.

Mas não seria exatamente essa a questão?

— Então você quer que ela seja sua. Se quer mesmo isso, precisa

fazê-la entender quais são os seus desejos.

Era muito mais complicado do que isso.

Troquei a perna que apoiava o meu corpo, apoiando meus quadris

no encosto de um banco porque a última coisa que conseguiria fazer seria

ficar sentado.

Planejava nem me mexer. Só observar.

Até porque... olhar não tirava pedaço.

E ela estava muito, muito linda, iluminada em meio à luz dourada da

fogueira, com os cabelos ondulando bem de leve, por causa do esforço da

dança. Eu podia imaginá-la girando as saias de um vestido longo enquanto

se remexia, mas uma calça jeans delineava suas curvas, e a camisa de

mangas compridas tinha caído em um dos ombros, porque o tamanho era

um pouco acima do correto, e isso a deixava muito sensual.


Os olhos dourados estavam brilhando, de prazer e de divertimento, o

que deveria, por si só, ser suficiente para mim, já que podia imaginar que

aquela menina não tivera alegrias e liberdade como aquela em muito tempo.

Ela merecia curtir.

Tanto que quase me afastei. Não queria estragar seu momento com o

meu péssimo humor.

Mas foi aí que Drake Phoenix apareceu.

Ele era um rapaz de vinte e cinco anos, de cabelos curtos, com suas

tatuagens, alto e corpulento. Sabia que as garotas de Stone Haven eram

loucas por ele, porque Hunter sempre me dizia que o moleque não parava

em casa e na maior parte das vezes sumia do complexo e só aparecia no dia

seguinte, com um sorriso de orelha a orelha.

Ele era um sedutor e estava com uma das mãos na cintura de

Alejandra.

Ela chegou a olhar para mim, de esguelha, e eu não sabia se era para
tentar me colocar ciúme ou se por vontade própria, mas sorriu para Drake e

aceitou dançar com ele.


Apesar de saber da reputação do garoto, eu também sabia que ele

não era um babaca, que não iria fazer nada contra a vontade dela.

O problema era exatamente este: ela querer.

Vi quando o babaquinha se inclinou e sussurrou algo no ouvido dela

que a fez corar e murmurar um “obrigado” em inglês. Ela, aliás, falava a


língua perfeitamente, com um sotaque muito, muito sexy.

— Se você não for rápido, meu irmão vai dar o bote, parceiro —

Hunter falou do meu lado, e por mais que minha vontade fosse mandá-lo

enfiar aquele conselho no rabo, sabia que tinha razão.

Alejandra era uma garota inexperiente, e as atenções de um rapaz


jovem e bonito com certeza acabariam mexendo com ela.

O problema era que eu adoraria que se soltasse e vivesse uma

aventura. Mas porra... se era para ela se entregar a alguém. Que esse alguém

fosse eu.

Porque, que Deus me perdoasse, mas ela realmente não seria de

mais ninguém se não fosse minha.

Sem nem perceber o que fazia, entreguei minha cerveja a Hunter e

fui me aproximando.
Apesar de Drake também ser um cara fortão, eu me senti desajeitado

perto dele. Bruto demais, grande, rude, com mãos enormes que não se

encaixariam tão bem na cintura dela, como as dele.

Mas que isso se fodesse, porque eu a desejava mais do que qualquer

outro.

— Perdeu alguma coisa aqui, Drake? — indaguei em um tom nada

amigável.

Ele ergueu os olhos para mim, um pouco surpreso. Talvez não

esperasse que eu fosse surgir e reivindicar alguma coisa com a garota. Ela,

por sua vez, deu alguns passos para trás, afastando-se do outro, fixou os

olhos em mim. Havia um sorriso em seu rosto, bem discreto, quase


vitorioso.

— Porra, Ilya, me desculpa. Eu não sabia que...

— Que ela está comigo? — Foi um movimento ousado,

especialmente porque não era exatamente verdade. O que quer que tivesse

acontecido naquele dia em que quase nos beijamos, não podia ser

considerado relevante para que eu acabasse a considerando como minha.

— É... eu achei que... Alguém me disse que vocês dois não estavam

juntos e...
— Pois estamos — eu disse novamente em um rosnado, agarrando o

braço dela e a olhando nos olhos. — Não é, moi rys?

Ela poderia negar. Poderia simplesmente dizer que eu estava louco,

que ela não estava com ninguém, até porque merecia viver e ser jovem.

Mas Alejandra assentiu. E fez isso com veemência.

Eu poderia ter ignorado a forma como sorriu para mim, mas não fui

capaz. Minha mão se fechou ao redor de seu punho, e eu só a puxei,


enquanto marchava de volta para a casa onde estávamos morando, abrindo

a porta e a colocando lá dentro, sem acender as luzes, sem mal fechar a


porta.

Eu não aguentaria mais um único minuto sem a provar.

— Ilya... — ela chamou meu nome baixinho, e ia dizer mais alguma

coisa, mas não permiti. Podia falar o que quisesse depois; podia até me
pedir que rezasse, que eu faria. Naquele momento, porém, eu me inclinei e

reivindiquei sua boca.

Eu não estava mais nem pensando quando minha língua abriu seus

lábios, invadindo-a e começando a bebê-la devagar, sorvendo o sabor que


eu queria ter experimentado desde quando começamos a conviver.
Alejandra soltou um gemido baixinho, o que só incentivou minha
selvageria. O braço que estava preso à sua cintura tornou-se mais

possessivo, e eu a tirei do chão, levando-a até a parede mais próxima.

Coloquei-a no chão e segurei seu rosto com ambas as minhas mãos,

o que me permitiu aprofundar o contato.

O beijo era insano. Devia ser o primeiro dela, como era fácil de

imaginar pela doce inexperiência, mas nos encaixamos rapidamente, e


Alejandra foi seguindo, imitando os movimentos da minha língua,

correspondendo com toda a sua entrega. Eu me sentia um fio desencapado,


soltando faíscas, entrando em curto-circuito.

Parecia que ainda não estávamos perto o suficiente, então minhas


mãos desceram para sua cintura, usando-as para novamente tirá-la do chão,

colocando-a sentada sobre o aparador ao nosso lado.

Eu queria me ajoelhar em meio às suas pernas abertas e chupá-la até

que me implorasse por clemência. Queria que gritasse meu nome e que
saísse daquela casa marcada por mim. Que todos olhassem para ela e

vissem sua boca inchada pelos meus beijos. Era muito territorialista da
minha parte, mas não queria permitir que mais alguém se aproximasse sem

pensar que me pertencia.


— Moi rys — sussurrei, enquanto novamente a segurava pelos
cabelos, dando um puxão neles. A outra mão se encaixou no pescoço dela,

enquanto minha língua, já fora de sua boca, lambia seus lábios, como se
eles fossem uma fruta da qual eu queria roubar todo o suco.

Não havia nada de sutil nos meus toques, na minha pegada. Eu


deveria ir com mais calma, deveria saber que Alejandra era uma coisinha

delicada demais para mim, mas a minha cabeça não estava em concordância
com o meu corpo. Não conseguia controlar os impulsos das minhas mãos de

a segurarem com mais força, nem dos meus dentes de quererem mordê-la
inteira.

Mas ela estava respondendo da mesma forma. Quando tirei a mão

do pescoço frágil e substituí meus dedos por meus lábios, lambendo uma
trilha que seguia pelas veias que eu quase conseguia sentir pulsar, ela
afundou as unhas no meu couro cabeludo, também puxando o meu cabelo.

Assim que fez isso, nos tornamos uma confusão de ofegos e


gemidos, grunhidos e de bocas se chocando.

Esfregávamos os corpos um no outro, como se disso pudéssemos


tirar nosso sustento. Eu me aproximei tanto dela, enlaçando-a com tanta

força, que senti seus seios sendo esmagados contra o meu peito.
Ela era toda suave e macia contra toda a minha rigidez. O contraste

perfeito.

Estávamos completamente ofegantes quando me afastei, mas senti

os dedos de Alejandra na lapela da minha jaqueta, me puxando para si. Só


para que não se sentisse rejeitada, eu lhe dei um selinho, admirando o

quanto ela estava mesmo muito linda toda desconcertada depois dos meus
beijos.

— Não vamos mais longe do que isso, moi rys — minha voz estava
mais rouca do que o normal. — Ao menos não por enquanto. Precisamos

nos acalmar e voltar para festa. É a sua primeira depois de muito tempo,
não quero estragar.

— Você não está estragando nada — ela quase choramingou, e eu


consegui sorrir.

— Mas é o certo. Vamos com calma. Você é muito inocente. Mas


mais do que isso, é complicado. Podemos causar um estrago enorme se

formos mais longe.

Alejandra abaixou a cabeça e assentiu. Segurei seu queixo com os

meus dedos e ergui seu rosto, com os olhos estreitos.


— Você é deliciosa. Linda. E eu te quero tanto que mal sei como

vou sobreviver a esta noite dormindo do seu lado.

— Não precisa.

— Mas é assim que vai ser. Com calma. Vai valer a pena.

Dei outro beijo nela e me afastei, estendendo a mão para ajudá-la a


descer do aparador, para que voltássemos à festa.

Ela desceu sozinha, parecendo um pouco contrariada, e eu senti o


meu pau chegar a doer com aquela expressão desafiadora

— Você está sendo covarde — ela falou, com um espanhol


carregado.

Não iria cair em sua pilha, mas... puta que pariu. Ela era tentadora.

— Vai preferir que eu seja levada de novo, ainda virgem, para ter

que me entregar a alguém a quem desprezo?

— Não, mas não quero que faça amor comigo só para...

— Eu quero que você me foda, Ilya.

Ergui uma sobrancelha, surpreso.

— Onde aprendeu a falar assim, garota?


— Eu fui sequestrada com treze anos. Antes disso, soube de muitas
coisas. E não é como se fôssemos mantidas longe de tudo. Havia filmes,

livros. Eu posso ser inocente, mas não vai me enganar. Sei tudo o que
acontece, e não quero que seja com outra pessoa. Quero que seja com você.
Capítulo 15

Não há ninguém como você


Mal posso esperar pelas nossas noites
Imagino as coisas que poderemos fazer
Só quero ser amada por você
NO ONE LIKE YOU – J2

ALEJANDRA ZAVALA

Quero que seja com você...

Meu Deus, o que eu estava fazendo?

Respirei fundo uma, duas, três vezes, tentando me acalmar. Não era
assim que se reagia quando a adrenalina estava a mil? Pois o fato de o meu

coração estar batendo fortemente contra o peito deveria ser um indicativo

de que eu estava prestes a entrar em uma crise de ansiedade.


Eu tinha acabado de praticamente implorar que um homem me

fodesse. Com essas palavras. Um homem como Ilya, que poderia me

quebrar ao meio.

Na minha primeira vez.

Eu não saberia explicar qual fora a reação dele. Nós dois


continuávamos parados, do mesmo jeito, há alguns minutos, nos olhando.

Precisava falar alguma coisa, mas estava nervosa demais para obrigar

minha mente a formular qualquer pensamento.

Ele, por sua vez...

Bem, Ilya parecia completamente predatório. Mais ainda quando em

poucos passos se aproximou de mim, me prensando novamente na parede,

com aquela mão possessiva no meu pescoço.

— Quer dizer então que você quer que eu te foda, garota? Como? —

a última palavra saiu como um daqueles rosnados que eu tinha a impressão


de que só Ilya conseguia soltar.

— Eu... eu... não faço ideia.

— Então não faça propostas ao diabo se não sabe o que ele vai te

dar em troca.
Estremeci, não apenas por suas palavras, mas também porque o

homem aproximou demais a boca da minha, e eu quase ainda podia sentir

os efeitos do beijo de antes. O roçar de sua barba no meu queixo. A porcaria

do cheiro dele que parecia impregnado em mim.

Eu queria mais. Que Dios me perdoasse, mas eu precisava ir até o

fim.

— Eu quero, Ilya. Mas não sei o que pedir — tentei fazer com que

minha voz soasse mais firme, porque tinha a impressão de que ele não iria

atender ao meu pedido se eu não parecesse completamente segura.

— Como. Você. Quer. Que. Eu. Te. Foda, Alejandra? — A cada

palavra que ele dizia parecia incitar uma batida mais forte do meu coração.

Ele continuava com a mão no meu pescoço, enquanto o nariz passeava pelo

meu rosto, me inspirando.

Ilya já tinha um jeitão meio selvagem, meio bruto, mas

aparentemente quando tinha a ver com sexo – e até mesmo com beijos – ele

parecia se transformar em um animal sensual e voraz.

— Eu... não sei.

— Hummmm — com o rosnado de sempre, ele foi arrastando a

boca pela minha pele, chegando à curva do meu ombro. Fiquei surpresa
quando senti sua mão segurar meu seio em concha, enquanto o polegar

massageava meu mamilo devagarzinho, me fazendo estremecer. — Só há

um jeito de foder. Você quer mesmo que eu faça isso ou quer sexo delicado?
Gentil?

— Você consegue ser delicado? — tentei brincar.

— Não. Mas por você posso aprender — e então ele se

transformava, do predador selvagem no sedutor gentil novamente.

Usava uma blusa de flanela quadriculada com uma camiseta de

algodão branca por baixo, e eu acabei levando uma das mãos ao seu peito.

Deslizei-a pelos contornos dos músculos enormes, descendo-a até o

abdômen, o que o fez fechar os olhos bem apertados e engolir em seco.

Por que diabos o destino tinha decidido enviar um homem tão

bonito e tentador para me salvar?

— Eu quero tudo. Quero te conhecer como amante das duas formas,

é possível? Não sei quanto tempo teremos e...

Interrompendo o que eu dizia, ele tomou minha boca, sugando meu

lábio inferior, para me calar.


— Não fala isso. Não agora. E sobre o que é possível fazer, ordene e

eu vou obedecer, querida. Vou conceder todos os seus desejos. Dos mais

inocentes aos mais pervertidos. Serei seu escravo esta noite.

— Ah, Deus... — suspirei, quase sentindo as pernas bambas, mas

não por muito tempo, porque Ilya me agarrou pelas coxas, me erguendo e

colocando minhas pernas ao redor de sua cintura larga.

Ele subiu a escada comigo em seus braços, como se eu pesasse nada

mais do que alguns poucos quilos, e isso porque não parou de me beijar.

Seus passos eram firmes, o chute que deu na porta foi sexy, e ele não me

colocou na cama imediatamente. Só me colocou no chão, me encostando na

parede e me girando para que eu ficasse de frente para ela.

Agachando-se devagar, ele foi tirando a calça jeans que estava

colada às minhas pernas, levando a calcinha junto, me deixando nua da

cintura para baixo.

— Você tem noção das coisas que eu vou fazer? Ao menos na teoria.

— N-não muito.

— Vou te contar, então — ele falou, puxando meus quadris para que

ficassem empinados, e abriu minhas pernas. — Eu vou colocar o dedo


dentro de você. Primeiro um, depois dois. Vou chegar bem fundo,

Alejandra. Vai ser gostoso, eu prometo.

Cumprindo a promessa, ele fez exatamente isso.

Sempre fui curiosa em relação às minhas partes íntimas, e já tinha

colocado o dedo lá dentro, depois de ver um filme na TV, de madrugada,

quando todo mundo pensava que eu estava dormindo. Ninguém, onde as

meninas ficavam, controlava muito o que assistíamos, e até tinha a

impressão de que gostavam quando nos informávamos daquele tipo de

coisa, porque a maioria de nós seria usada para fins sexuais.

Definitivamente a sensação não chegava nem perto.

Não só porque os dedos de Ilya eram enormes, tanto quanto ele, mas

porque ele sabia muito bem como usá-los.

Enquanto os movimentava, me provocando diversas sensações, ele

agarrou uma das faces da minha bunda, apertando-a com força, a ponto de

que eu sabia que seus dedos ficariam marcados ali.

— Gostosa. Não só linda, mas gostosa. Toda deliciosa. Você sabe

que daqui a pouco eu vou te carregar para a cama e te chupar até que me

peça para parar, né? Estou salivando por isso.


— Dios mio, Ilya!

Estava tão absorta nas emoções que ele estava me proporcionando

que nem percebi quando tirou a roupa, mas ele se aproximou e colou seu

membro em mim, para que eu sentisse sua ereção.

— Sente o tipo de coisa que faz comigo? Estou duro como pedra,

Alejandra. Louco para estar dentro de você.

Então Ilya fazia o tipo que curtia falar coisas sujas durante o sexo.

Eu não estava reclamando, até porque a voz dele era erótica por si

só.

— Você é grande. Vai... caber? — perguntei cautelosa, e ele riu.

— Sim, moi rys. Você foi feita para mim, pode acreditar. — Ele fez

uma pausa, e enquanto esfregava seu pau na minha bunda e me masturbava,


agarrou meu cabelo, puxando-o para trás e se inclinando para falar no meu
ouvido: — Coloque as mãos na parede e se segure. Vai precisar.

Obedeci, ansiosa pelo que viria, e então eu senti o outro dedo de Ilya
– que ele prometeu – entrando em mim. Só que ele ainda estava

movimentando o primeiro com certa delicadeza, cuidado. Quando me


invadiu novamente, deixou de lado o controle e praticamente socou minha
boceta, usando o polegar para massagear meu clitóris.

Gemi alto, absorvida nas sensações desconhecidas. Ilya puxou


minha cabeça um pouco mais para trás e me beijou, de língua, e se eu

conseguisse formular qualquer pensamento coerente, teria me perguntado


como é que ele conseguia manter a coordenação daquele jeito, me

proporcionando diferentes tipos de estímulos?

O beijo era gostoso, a pegada era firme, e os calafrios que eu sentia

me deixavam de pernas bambas. Eu não tinha uma única chance.

Eu nunca tinha conseguido me dar um orgasmo sozinha, mas já

tinha ouvido descrições de como era. Lido. Conversado com amigas antes
de tudo acontecer. Eu estava prestes a ter um.

Tentei entender as respostas do meu próprio corpo, absorver cada


sensação, mas foi como um furacão. Como um tornado, surgindo do nada e

varrendo meu discernimento.

Demorei a entender que o som que ecoava por todo o quarto era de

um gemido meu, mas quando compreendi era tarde demais, porque já nem
conseguia mais me manter de pé, quanto mais controlar meus próprios sons.
Fui erguida nos braços de Ilya, que me carregou até a cama, já me
deitando lá e novamente abrindo minhas pernas.

— Agora eu vou te chupar, Alejandra. E, por Deus, eu quero isso há

muito tempo. Então não se espante se eu perder um bom tempo aqui.

Um bom tempo? Como assim...? Quanto?

Tentei entender, enquanto ainda retornava ao planeta Terra, depois


do orgasmo, mas não consegui prestar muita atenção em nada, porque a

língua molhada e quente veio bem no meu clitóris, enquanto ele novamente
mergulhava os dedos bem fundo, excitando novamente a minha carne que
estava bem sensível.

Ele começou assim, mas depois de me deixar completamente em

chamas, foi deslizando até estar um pouco mais abaixo, abrindo meus lábios
vaginais para enfiar a língua lá dentro sem piedade. Ilya lambeu, sugou,

chupou e torturou, e se tê-lo me masturbando já fora o suficiente para que


eu me rendesse, com o sexo oral eu comecei a lentamente perder a

sanidade.

Ergui mais os quadris, tentando absorver cada segundo com avidez.

Gemia sem me importar com quem pudesse me ouvir, e mal sabia o que
fazer com as mãos. Usava-as para agarrar os lençóis, mas era uma delícia,
também, puxar as mechas do cabelo longo de Ilya e segurá-lo ali,

exatamente onde estava.

Gozei mais uma vez, mas ele não parou. Continuou com a mesma

exploração, a mesma voracidade, como se me saborear fosse um deleite ao


qual ele não estava disposto a se privar.

Tanto que mais um orgasmo veio. Um terceiro, e eu já estava


trêmula, toda lânguida, quando Ilya veio para cima de mim, mais uma vez

devorando meus lábios.

— Estou de camisinha, ok? — ele falou isso, chegando mais

próximo e acomodando seu pau bem na minha entrada molhada, o que me


permitiu sentir a textura do látex.

Assim como não tinha percebido que ele tirara a roupa, também não
me dei conta daquele outro movimento.

O beijo recomeçou, e ele foi me invadindo, mas com uma


delicadeza que ainda não me parecia compatível com seu tamanho.

Tomando todo o cuidado para me machucar o mínimo possível.

Como eu estava completamente sensível, de todos os orgasmos


anteriores, ele deslizou tranquilamente, até chegar ao meu hímen que se
rompeu de uma forma dolorosa, como se algo estivesse sendo rasgado

dentro de mim.

Mordi o lábio inferior, para conter a dor, e ele foi enchendo meu
rosto de beijos.

— Vai passar, moi rys. E então quando você estiver completamente


pronta, eu vou te mostrar as outras formas de fazer amor. Vou te foder,

como me pediu para fazer.

Então não seria a única vez. Tentei pensar nisso como sendo uma
coisa boa, e me entreguei, relaxando um pouco. Não demorei a me

acostumar com seu tamanho, com a sensação de tê-lo dentro de mim.

Eu ficaria dolorida, algo arderia, mas tantas coisas ruins já tinham


acontecido comigo. Sentir dor por uma coisa boa era quase um alívio.

Eu estava perdendo minha virgindade com um homem por quem eu


estava atraída, talvez até apaixonada. Era um privilégio.

Na primeira investida, Ilya rosnou como sempre.

— Deliciosa. Vou perder a cabeça com você, Alejandra.

E ele foi mesmo perdendo aos poucos. Entrando e saindo.


Explorando. Girando os quadris de um jeito que me fez ver estrelas – sem
dor, só prazer.

Agarrei-me aos ombros muito largos, quase me segurando conforme

as estocadas iam se tornando menos gentis. Entrelacei as pernas em sua


cintura, cruzando meus tornozelos em suas costas, e Ilya levou uma das

mãos à cabeceira da cama, segurando-se e tomando impulso.

Logo eu já nem conseguia me lembrar da minha virgindade perdida,

porque tudo era tão gostoso que sequer parecia ser a primeira vez.

— Ilya! — gemi alto quando uma investida tirou completamente o

meu ar. — Ilyaaaa! — prolonguei o grito quando uma outra quase me fez
esquecer o meu nome.

— Você vai gozar, não vai? Estou sentindo. Está toda apertada ao
meu redor. Puta que pariu! — ele grunhiu, e eu respondi como dava, em

meio aos gemidos. — Ainda bem, porque não vou aguentar muito mais
tempo.

Nós dois nos perdemos nos nossos próprios gemidos, até que
chegamos ao clímax quase juntos. Eu primeiro, e ele logo depois, em

sintonia.

Foi mágico. Foi perfeito. E eu queria mais daquele homem por


quem eu estava me apaixonando irremediavelmente.
Capítulo 16

Vá dê uma facada no meu coração


Afie todas as facas que você tem
Porque eu sou à prova de balas, então atire
E você não vai me escapar ou me enganar
FEARLESS – KAT LEON

ILYA KRAVTSOV

Das piores coisas que poderiam acontecer, eu e Alejandra estarmos

nos apaixonando, sem dúvidas era a mais fodida.

Não era difícil que acontecesse uma atração, porque desde o início
eu soube que havia uma química entre nós, e porque estávamos convivendo

forçadamente, mas chegar a envolver sentimentos, era uma reviravolta que

provavelmente nenhum de nós dois esperava.


Eu me controlei o máximo que pude para mantê-la intocada, mas

seu argumento de não querer que outro homem tirasse sua virgindade, caso

fosse encontrada e levada a Pavel, me pegou.

Ela passara muitos anos confinada e sendo preparada para ter um

destino que consistiria em não ter escolhas a respeito de seu corpo. Quando

lhe foi dada a liberdade, aquela deveria ser uma decisão importante: dizer

sim ou não. Pedir para ser “fodida” por um homem por quem sentia desejo.

E, sim, eu ainda conseguia ouvir o som da voz dela falando a

palavra ecoando dentro da minha cabeça. Cada vez que isso acontecia, a

porra do meu pau inquieto pulsava dentro da calça como se eu fosse um


maldito adolescente.

Meus pensamentos foram interrompidos pelo barulho da porta de

correr sendo aberta, depois de Hunter a abrir.

Estávamos na parte dos fundos de uma das lojas do complexo onde

os Wildfire moravam, e nem todos tinham acesso àquela parte. Tanto que

quando ele abriu a porta do que era uma espécie de porão, acendendo a luz,
a primeira coisa que vi foi um arsenal de armas digno de um exército.

Eu sabia que eles vendiam aquelas armas, que conseguiam com

exclusividade de um fabricante árabe, mas nunca tinha visto todas juntas,


alinhadas, organizadas e expostas, com um código logo abaixo,

provavelmente de identificação.

— Escolha a sua — Hunter me falou, apontando para o local, que

sem dúvidas era um paraíso para qualquer um que gostasse de dar uns tiros
de vez em quando.

Eu ia comprar uma daquelas armas, é claro. Exatamente por isso,

era tão difícil escolher em meio a tantas opções.

Havia uma sessão só de pistolas, e por mais que eu quisesse admirá-

las, precisávamos ser objetivos. Eu tinha três comigo, e não havia


necessidade para mais uma.

Aliás, uma das pendências que eu precisava colocar em prática, era

ensinar algumas coisas a Alejandra, principalmente a atirar.

Era melhor do que ficar levando a garota para cama.

Parei diante de uma parede protegida por vidro, que era uma

verdadeira exibição de fuzis. Eu tinha sido treinado para usá-los, pela

própria Bratva, e conhecia muito bem o alcance e poder de cada um.

Todos eram bem tentadores, mas um belíssimo Fuzil Ass 5.56

chamou mais a minha atenção. Era grande, pesado, preto, com mira. Talvez
um pouco exagerado para o tipo de serviço urbano que eu faria, trabalhando

para a Cosa Nostra como mercenário, mas era paixão à primeira vista.

— Aquele ali. — Apontei, e Hunter nem questionou, apenas abriu o

vidro com a chave que estava em suas mãos, a retirou do suporte que a

segurava e a entregou para mim.

No momento em que a segurei, senti como se ela fosse uma

extensão dos meus braços.

— Ela é cara... — ele afirmou, enquanto eu a testava em diferentes

posições.

— Sabe que dinheiro não é o meu problema. — Nem olhei para

Hunter de tão hipnotizado que estava. — Acho que vou chamá-la de Catja.

— Por que isso?

— Essa belezinha precisa de um nome. Armas são temperamentais

como mulheres e precisam ser bem-cuidadas.

— Interessante — Hunter disse. — O que será que a señorita pensa

dessa sua opinião?

Estava demorando para que o assunto viesse à tona.


— Hummm — resmunguei, ainda não olhando para ele, mantendo o

foco no meu novo brinquedo.

— Vocês não voltaram ontem para a fogueira.

— Devemos satisfação a algum de vocês?

Hunter deu uma risadinha.

— Não precisa ficar tão arisco. Não vou te crucificar por isso. A

menina é linda, só quero te lembrar do quanto é complicado.

— Não preciso que me lembre de nada disso — resmunguei.

— Não precisa ou não quer? — Hunter se remexeu, começando a

prender o cabelo com o elástico que estava pendurado no seu pulso. —

Escuta: você é como um irmão para mim e é bem-vindo aqui nos Wildfire

pelo tempo que for preciso...

— O que isso quer dizer, Hun? Vai me dar um aviso por colocar a

comunidade em risco?

— Não. Aceitamos vocês aqui sabendo do risco. Mas o problema é

que eu me importo com você e ao estar por perto, vai ter que entender que

as pessoas vão se preocupar e acabar se metendo um pouco. Somos uma

família.
— E você não gosta nem um pouco dos mexericos.

— Não. Mas é diferente quando se trata do cara que já salvou a

nossa pele uma vez, e a quem devemos muito. Em nome de Caleb, eu acho

que precisamos saber o tipo de risco que vamos enfrentar. Uma coisa é você

estar protegendo a garota, de maneira inocente, como um guardião. Outra é

você transformá-la em sua amante, ou namorada, e ela ser a prometida do

pakhan. Sabe qual vai ser a punição para isso.

Respirei fundo.

— É tarde demais agora — afirmei, com a voz rouca e pesada. —

Não estou arrependido. Não foi planejado.

— Nunca é. — Hunter deu uma olhada para a arma, dando de

ombros. — Talvez seja uma boa que você tenha uma porra de um fuzil

deste tamanho com você.

Fiquei um pouco preocupado com a forma como ele falou.

— Não vou ficar com vocês por muito tempo. Não quero trazer

perigo para este lugar.

— Nossos muros não são altos daquele jeito à toa, Ilya. Temos

nossos inimigos e estamos preparados para lutar. A única coisa que me


preocupa é o quanto vai sofrer caso ela seja tirada de você.

Dei um soco no balcão de madeira à nossa frente, sentindo o

estresse corroer minhas veias.

— Ninguém vai tirá-la de mim. Isso não é uma opção.

Hunter ergueu as mãos em rendição, quase como se eu o estivesse

ameaçando.

— Não vai. Não precisa ficar tão reativo assim.

— Então acho melhor mudarmos de assunto. O que posso esperar

desse trabalho?

Hunter tinha conseguido entrada para mim em meio aos homens que
prestavam serviços à Cosa Nostra. Era um grupo seleto de pessoas, e ele

tinha conquistado a confiança de Giovanni Caccini, o chefe da máfia de


Chicago, e de Dominic Ungaretti, de Nova Iorque.

Ele me explicou algumas coisas que costumava fazer, que nem

sempre era chamado, apenas quando muito necessário. Eram sempre


serviços mais complicados, ou secretos, ou pessoais, que os próprios

homens da Cosa Nostra não conseguiam resolver.


Deu alguns exemplos de coisas que já tinha feito, e eu só ouvi
acreditando que daria conta de tudo tranquilamente, ainda mais em parceria

com Hunter.

— Seja como for, não importa o que faremos, eu quero que você

tenha em mente que não pode demonstrar nossa amizade para nenhum deles
— eu expliquei minha única condição.

— Não vai começar com essa merda, Ilya!

— Estou falando sério. Caso alguém descubra minha ligação com a

Bratva, você vai se safar e dizer que não sabia de nada. Também vou bater
nessa tecla. Precisa pensar nas pessoas da Wildfire. Eles não precisam de

mais essa complicação por minha causa.

Mais uma risada de Hunter.

— Você se superestima demais, Ilya. Não estava aqui com toda a

merda que deu com Josh. Só chegou depois e salvou todo mundo. Nós
criamos nossas próprias confusões. Sabe disso.

— Por isso mesmo não precisam de mais.

— Preocupe-se com sua Alejandra. Inclusive fiquei sabendo, pela

minha mãe, que ela se entusiasmou com a ideia de trabalhar na creche.


Acho que teremos mais uma mão de obra.

— Vai ser bom que ela se distraia um pouco. Mas também estou
pensando em treiná-la. Deixá-la menos indefesa.

— Se isso for te deixar mais tranquilo, acho que é uma boa ideia.
Temos o centro de treinamento. Caleb não vai se importar se você o usar.

Hunter fez uma careta ao falar aquilo, e eu sabia que tinha a ver com
sua relação com o padrasto, que andava estremecida. Era fácil ver pela

forma como falavam um com o outro, como eu já os tinha visto discutir.

Caleb sempre fora o herói da vida de Hunter, principalmente pela

forma como ele os livrou do pai violento e do líder terrível que os Wildfire
tinham, mas algo havia acontecido.

Eu poderia perguntar, depois que ele fora tão indiscreto em relação a


mim e a Alejandra, mas preferi não entrar no assunto. Seria abrir demais as

portas para que nossa intimidade se tornasse complicada.

Cada um com seus problemas, e eu já tinha muitos para lidar.

O maior deles estaria na minha cama naquela noite, e eu não fazia


ideia de como iria resistir.
Capítulo 17

Mas fui lentamente me expondo a você


Como fui me aproximar tanto de você?
Agora você está vivendo na minha cabeça
Você está no meu sistema
Deveria fortalecer minhas defesas
Mas em vez disso, eu me desdobro
OVEREXPOSED – LIA KNAPP

ALEJANDRA ZAVALA

Aquela era a quinta vez que eu me via no chão, com as costas no


tatame, de pernas para o ar, depois de Ilya me derrubar. Durante o último

mês, ele vinha tentando me ensinar algumas técnicas de defesa pessoal, mas

era completamente desleal eu ser treinada por um urso, que tinha braços do

tamanho das minhas coxas.


— Eu acho que você deveria deixar que outra pessoa me treinasse.

Disse que Gillian é boa nisso... — falei, enquanto me levantava e me

aproximava da mesinha onde havia uma garrafa d´água e uma toalha.

Peguei as duas. Dei um gole na bebida e sequei o suor da minha testa.

— Se você for pega, não vão te dar a adversária mais fácil.

— Mas duvido que algum seja um urso como você — resmunguei.

— Poderia, pelo menos, pedir a outro dos rapazes. Drake ou Hunter, talvez.

Imagino que eles sejam difíceis, mas não tanto quanto você.

— Nenhum deles vai treinar você — ele falou com total convicção,

naqueles rosnados violentos que dava quando ficava indignado com algo.

— Nenhum deles vai tocar em você.

Fiquei parada, olhando para Ilya de costas.

Ele usava uma camiseta branca, sem mangas, e... meu Deus do céu.

Eu nunca tinha parado para olhar o quanto as costas de um homem


poderiam ser tão sexy. Ainda mais com as tatuagens que ele tinha. Não

eram muitas, mas eram bem-feitas, bonitas.

Ilya também estava tomando um pouco de água, e eu ergui a

sobrancelha, pensando que seria divertido brincar com aquela situação.


— Ué, por que não? — provoquei.

— Porque eu não quero.

Dei alguns passos para a frente, me aproximando. Ele estava até

respirando mais pesado.

Então Ilya Kravtsov estava com ciúme? Bom saber.

Tinham se passado quatro malditas semanas desde que fizemos sexo


pela primeira vez, e Ilya parecera um pouco mais calado comigo. Também

tinha o fato de que ele saía de casa todos os dias para seguir Hunter em suas

missões para a Cosa Nostra, e falava muito pouco sobre isso.

Chegava em casa, tomava um banho e íamos jantar. Eu ia começar a

trabalhar na creche no dia seguinte, pela manhã, e estava mais do que

animada por isso. Não só porque teria uma atividade que me faria ter menos

a impressão de que tinha me tornado uma dona de casa ou uma esposa –


não que houvesse problema nenhum nisso, só que nunca foi a minha

escolha –, mas porque pela primeira vez na vida eu ganharia o meu próprio

dinheiro.

Não era muito, mas suficiente para me animar.


Às noites, acabávamos indo parar na cama um do outro e fazíamos

sexo. Sempre quente, sempre intenso, sempre do jeito Ilya de ser, embora

ainda sentisse que ele vivia em uma contradição comigo. De um lado queria
me devorar, de outro, se continha, porque até eu mesma precisava admitir

que nossa situação era a mais complicada possível.

Mais complicada ainda porque eu estava completamente rendida

àquele homem. Apaixonada. Sem volta.

Vê-lo com ciúme acendeu uma pequena faísca de esperança no meu

peito. Por isso eu não poderia deixar passar.

— Você não quer? Por que não quer? — baixei a minha voz a um

ronronar, ousando bancar a sedutora. O que eu sabia que eu não era.

— Hummm... não me provoque, Alejandra.

— Por quê? O que vai fazer?

Ilya continuava de costas, respirando ainda mais pesado. A sala

onde estávamos era rodeada de espelhos, com tatames no chão, algumas


barras de ferro circundando-a. Ficava dentro de um centro de treinamento,

onde havia também um estande de tiro, com alvos e tudo o mais.


Ainda não tínhamos chegado nessa parte, mas Ilya já tinha me dito

que iria me treinar nisso também.

— Porra, Alejandra! — O homem estava colocando fogo pelas

ventas, e eu olhava para ele pelo espelho ao nosso lado. Com aquele cabelo

preso em coque, ele parecia mais ainda com um viking, e eu ficava me

perguntando como era possível que eu ficasse tão excitada, sentindo o meio

das minhas pernas doerem, só de olhar para ele.

Coloquei a mão em seu ombro, tocando-o apenas com as pontas dos

dedos, mas foi o suficiente para que ele me agarrasse e me tirasse do chão

com um movimento tão ágil que nem vi direito como fui parar encostada no

mesmo espelho por onde o estava admirando anteriormente.

Cheguei a soltar um gritinho de surpresa, meio zonza com a forma

como estava sendo manipulada.

— Não quero que ninguém te toque, porque você é minha — aquela

voz, soando rosnada, cheia de possessividade, me deixava louca.

— Sou? — perguntei com um olhar inocente, e ele me acomodou

sentada sobre a barra de ferro.

Não sentada, na verdade, mas com um pedaço do bumbum apoiado

nela. Era um pouco desconfortável, mas quem ligava para isso?


— Minha. Será que preciso te marcar inteira para que você entenda

isso, moi rys?

— Talvez precise...

Ilya não esperou outro comando, só se inclinou para a frente,

agarrando cada um dos meus pulsos e os prendendo, com suas mãos, ao

espelho atrás de mim.

Ele ainda não tinha soltado aquele lado violento comigo, e eu estava

esperando ansiosamente por isso. Tanto que gemi baixinho quando o beijo

veio feroz.

Sem nem pensar onde estávamos, eu comecei a tirar sua camisa, e

ele fez o mesmo com a minha. Era um local público, afinal. Qualquer um da

comunidade poderia entrar e nos encontrar.

Provavelmente Ilya pensou na mesma coisa, porque me colocou no

chão e se afastou, indo direto à porta, trancando-a.

Cheguei a passar a língua pelos lábios enquanto o observava

caminhar de volta na minha direção, com seu andar confiante, usando só

uma calça de moletom.


Se tive qualquer impressão de que esse rápido afastamento poderia

quebrar o clima, ela foi dissipada no momento em que ele terminou de me

despir, me deixando totalmente nua.

— Sem câmeras aqui? — perguntei, com um pouco de pudor.

— Não, nenhuma.

Daquele jeito grosseiro, Ilya terminou de falar e já me girou,

colocando-me de costas para si. Segurando o meu pescoço, ele puxou


minha cabeça contra o seu peito, segurando meu queixo com dois dedos

para que eu ficasse com o rosto parado.

— Olhos no espelho. Quero que você me veja te dando prazer para

que entenda que ninguém mais vai te tocar como eu posso fazer.

Só com isso eu já podia sentir minhas pernas bambas.

A outra mão foi parar em um dos meus mamilos, puxando-o a ponto


de eu sentir um incômodo. Mas a forma como estremeci foi de prazer, não

de dor.

— Vai aguentar o que eu fizer, não vai, moi rys? Vai, porque eu sei

que você gosta e que está esperando por isso há muito tempo.

— Como você sabe?


— Porque você pediu que eu te fodesse na nossa primeira noite.

— E ainda não fez isso? — Ilya já tinha sido bruto algumas vezes,

mas o que eu sabia sobre sexo?

— Nem perto de tudo o que eu posso fazer. Não fui nem metade do

quão bruto posso ser, se você quiser. — Ao dizer isso, ele girou o meu
mamilo de novo com força, e a reação no meio das minhas pernas foi

instantânea.

— Por favor, Ilya... — foi tudo o que eu consegui dizer, enquanto

arfava e sentia meu corpo ficando indefeso contra ele. Deliciosamente


exposto.

— Então fale. Repita o que disse para mim daquela vez. Peça — a
última palavra saiu de novo em um rosnado, e ele apertou meu mamilo com

mais intensidade.

— Me foda. Com força. Do jeito que você quiser. Quero o jeito Ilya
de amar. Quero tudo...

— Então continue olhando.

Eu mal pisquei. Muito menos quando sua mão enorme saiu do meu

pescoço e começou a percorrer meu corpo, descendo pela minha barriga e


encontrando o monte depilado entre as minhas pernas. A outra continuou no
meu seio, e ele apertou tanto o bico quanto o clitóris entre dois dedos,

massageando-os e mantendo o mesmo ritmo nos dois.

Ele parecia uma rocha atrás de mim, com os braços me circundando.


A imagem do meu corpo respondendo a ele, tornando-se corado, as
expressões involuntárias do meu rosto... Tudo era um sonho erótico que eu

nem acreditava que estava vivendo.

Seus dentes morderam o lóbulo da minha orelha, e depois ainda


arranharam meu pescoço. Vi quando usou o pé para puxar um banco de

madeira para mais perto de nós, e em seguida eu já estava sobre ele, depois
de Ilya colocar as mãos na minha cintura e me erguer como se eu não

pesasse nada.

Ao me deixar mais alta, ele conseguiu ter mais acesso à minha


boceta, mergulhando um dedo lá dentro, avançando bem fundo, até me

fazer gemer mais alto.

— Molhada pra caralho. Eu perco a cabeça, Alejandra. Só de sentir


isso tudo nos meus dedos já me faz ter vontade de te foder contra um desses
espelhos.
Estremeci, mas senti um de seus braços ao redor dos meus quadris,

me sustentando ali.

— É o que você vai fazer? — indaguei, entre curiosa e muito

ansiosa.

— Ah, moi rys. É sim. É o que eu vou fazer. Mas só depois de outra

coisa.

Ilya circundou o meu corpo, colocando-se de frente para mim. Abriu

um sorriso tão malicioso que era quase perverso.

— Quero que nos olhe pelo espelho enquanto eu te fodo com a

minha boca.

Eu ia morrer. Sério.

Não ia sobrar uma única migalha de Alejandra para contar a

história.

Ilya colocou ambas as mãos espalmadas na minha bunda, me

levando mais em direção à sua boca, e começou a me chupar gostoso, sem


nenhuma piedade.

Algumas vezes acabei fechando os olhos, mas a curiosidade de nos


olhar era sempre maior.
Ele parecia um Deus no reflexo do espelho. Um guerreiro viking,

nórdico, que me venerava de todas as formas. O que mais eu poderia


querer?

Cheguei a arquear o corpo para trás, em resposta ao prazer que ele


estava me proporcionando, mas, sempre atento, ele me segurou,

espalmando uma das mãos nas minhas costas.

— Eu não vou aguentar — sussurrei, sem nem saber se ele tinha


ouvido.

— Então goza para mim.

Foi o que eu fiz. Derretendo em seus braços, em sua boca, perdendo

o controle, me transformando em um brinquedo em suas mãos.

Assim que eu cheguei ao orgasmo, ele me colocou no chão,

encostada em um dos espelhos, porque não tinha forças para ficar de pé


sozinha.

Ilya tirou sua calça, ficando nu por inteiro. O filho da mãe tirou uma
camisinha do bolso, o que me surpreendeu.

Eu ia perguntar se ele já estava encarando nosso treinamento com


algum tipo de maldade, mas nem tive tempo, porque assim que recuperei o
meu fôlego já estava sendo pega, erguida do chão, prensada no espelho e
sendo fodida com as pernas entrelaçadas na cintura dele.

Eram estocadas impiedosas e foram ganhando ainda mais


intensidade conforme eu sentia que Ilya ia se perdendo dentro de mim.

Chegou ao ponto que eu precisei me segurar com força, com braços e


pernas, porque ele socava sem parar, uma, duas, três vezes, quase como se

estivesse com raiva.

Gritei alto com cada uma das investidas, e ousei olhar no espelho ao

nosso lado. Com nossos corpos unidos, nós parecíamos um só. Ficava
difícil não pensar que o que havia entre nós era mais do que apenas sexo,

quando parecíamos tão em sintonia, tão imersos, como se nada lá fora


importasse.

Quando gozamos, instantes depois, eu ainda estava nos olhando,


tentando entender onde um começava e onde o outro terminava.

Tentando entender como eu faria para abrir mão daquele homem se


chegasse o momento em que eu fosse obrigada a isso...
Capítulo 18

Segure a escuridão, quebre o amanhecer


Esconda as sombras na penumbra da manhã
Ouça os sussurros, fantasmas no nevoeiro
Perdido em ecos e o dano está feito

TAKE ME UNDER – ADONA

ALEJANDRA ZAVALA

Se eu já não estivesse apaixonada por Ilya, vê-lo cercado por

crianças seria o meu fim.

Não era a primeira vez, na verdade, porque quando chegamos e

fomos apresentados a todos – ou que ele reencontrou quem já conhecia –,

eu vi uma predileção pelos pequenos, que ele me explicou como sendo

costume, já que cuidara dos dois irmãos mais jovens.


Ilya pouco falava da família, mas quando o fazia era com muito

carinho. Isso me deixava pensando no quanto tinha feito mal para ele ao

separá-los. Apesar de não ter sido intencional, a culpa fora minha, mesmo

que indiretamente.

Principalmente da menina, por quem ele tinha um amor fraternal

que era notável só pela forma como mencionava seu nome.

Ele fora comigo até a creche da comunidade, só para me

acompanhar, mas acabou ficando lá por uma hora, chegando a se jogar no

chão para que as crianças subissem nele, como se fosse mesmo um urso

gigante e fofo.

Nunca tinha visto um sorriso como aquele em seu rosto, por mais
que ele guardasse alguns para mim que não compartilhava com mais

ninguém.

Ah, e as crianças o amavam também. Puxavam seu cabelo e sua

barba, riam quando ele fazia alguma careta engraçada, e mais ainda do jeito

como ele as pegava e jogava para o ar, com segurança e força.

Era de suspirar.

Ele ainda sorria quando se aproximou de mim, depois de olhar no

relógio, provavelmente já atrasado para encontrar Hunter, para realizarem


uma de suas missões ultrassecretas para a Cosa Nostra.

— Você vai ficar bem? — ele perguntou, bem sério novamente, mas

com um tom terno e os nós dos dedos acariciando meu rosto.

Fechei os olhos, recebendo o carinho.

— Vou ficar ótima. Impossível não ficar no meio dessas fofuras. —

Assim que eu disse isso, Ilya abriu um enorme sorriso, balançando a

cabeça.

Então fez algo inesperado: inclinou a cabeça e me deu um beijo, na

frente de todo mundo. Foi só um selinho, mas era a primeira vez que fazia

uma demonstração pública de afeto.

Eu não sabia exatamente a natureza dos serviços que ele fazia, se

eram perigosos, mas senti um aperto no coração quando olhei pela janela e

o vi subindo em sua moto, acompanhado de Hunter e de um dos rapazes, a


quem tinham me apresentado por alto, mas de quem eu não lembrava o

nome. Charlie, talvez.

Jordana se aproximou de mim, colocando-se ao meu lado, também

apoiando os braços na janela, enquanto ouvíamos o ronco da moto levando-

os para longe de nós.


O tal Charlie – se é que era esse mesmo o nome do sujeito – deu

uma olhada por cima do ombro e foi o último a seguir. Com o capacete era

difícil ler sua expressão, mas também não importava.

— Como você fica bem com isso? Sem saber se ele vai voltar em

segurança? — perguntei com sinceridade, coração aberto, imaginando que a

situação dela era muito pior do que a minha, porque Hunter era seu filho.

Ilya...

Bem, Ilya não era nada meu.

Jordana sorriu e deu de ombros.

— Eu tive que me acostumar. Hunter sempre foi um garoto da vida.

Ele nunca parou aqui por muito tempo. Depois que conseguiu esse trabalho,

é o maior período em que tenho o meu filho por perto. Mas algo me diz que

ele ainda vai embora, sabe? Que essa estabilidade toda não vai durar.

— Por que você acha isso?

— Conheço a minha cria. Caleb e ele entram muito em atrito,


porque meu marido quer que Hun assuma os negócios, que pare com ele

para ver arquivos, entender um pouco mais da parte burocrática, e ele não

quer de jeito nenhum. Ele não quer herdar a liderança dos Wildfire, porque

isso o prenderia aqui para sempre.


— Mas Caleb ainda é muito jovem. — Ele não deveria ter mais de

cinquenta e cinco anos. Era um cara bem bonitão ainda, fortão, formando

um casal perfeito com a esposa, que era deslumbrante também. — Não vai

precisar passar o Moto Clube adiante tão cedo.

— Nunca se sabe quando algo pode acontecer. No meio em que

vivemos, qualquer dia pode ser o último.

Aquilo pegou fundo no meu peito, e assim que ela se afastou ainda

dei uma olhada pela janela, pensando na minha intuição, tentando

compreender o que ela queria dizer.

Eu só sabia que havia algo de errado.

Tentei afastar o pensamento e voltar às crianças, recebendo

instruções sobre o que fazer.

Em companhia delas, não demorei a me envolver no ritmo do dia e

fazer o que precisava ser feito. Foram fraldas trocadas, mamadeiras,

risadinhas e choros. Ao final do expediente, eu já me sentia apegada a

todos. E eles a mim.

Dava vontade de ficar o dia inteiro por lá, e eu cheguei até a enrolar

um pouco para sair, porque não queria voltar para casa e ficar pensando na

segurança de Ilya até que ele retornasse.


E na verdade, eu nem sabia quando isso ia acontecer, porque aquele

tipo de “serviço” não tinha prazo.

Passei o resto da tarde faxinando a casa, por mais que tudo estivesse

tão limpo que chegava a brilhar. Esfreguei o chão ajoelhada, tirei pó, lavei

roupas, cozinhei para uma semana... e nada de ele chegar.

Eram sete da noite quando Gillian bateu na minha porta, me

chamando para ir até o barzinho de Caleb.

Era meio que um hobby para ele, já que os negócios mesmo

consistiam em outras coisas, mas eu nunca tinha ido para lá. Achei que

poderia ser uma boa forma de passar o tempo, então aceitei.

Só troquei de roupa, porque tinha acabado de tomar um banho, e

parti com ela.

Chegando lá, fui guiada à mesa onde Jordana já nos esperava, e elas

me ofereceram o mesmo drinque que estavam bebendo, que era um gim-

tônica.

— Vocês acham que é normal essa demora deles? Estão o dia inteiro

fora... — perguntei a Jordana, sentindo que minhas pernas não paravam de

balançar debaixo da mesa com a quantidade de nervosismo que sentia.


— Tem vezes que demoram mais do que isso. Hunter já ficou fora

uma semana.

— Uma semana? — minha voz subiu uma oitava.

— Mas ele avisou. Não será o caso de hoje, até porque eles não
levaram nada além da roupa do corpo.

Respirei fundo, tentando me acalmar.

— Um dia ainda vou ser como você. Ficar tranquila e só esperar.

— É o que nos resta, querida — Jordana colocou a mão sobre a

minha, de um jeito maternal, dando alguns tapinhas.

Uma música animada – um rock antigo, que era o que mais se ouvia
por ali – começou a tocar, e nós trocamos o assunto. Caleb veio se sentar

conosco, beijando a esposa, e eu tive oportunidade de conhecê-lo um pouco


melhor.

Ele ainda me olhava com um pouco de desconfiança, mas

provavelmente faria isso com qualquer forasteira. Era muito protetor em


relação à sua comunidade, e eu imaginava que já tinha passado por muitas

coisas, tanto fora dos Wildfire quanto ali dentro.


Ele se levantou novamente, e eu olhei mais uma vez no relógio que
estava pendurado na parede, vendo que já eram quase onze da noite. Decidi

me levantar para ir ao banheiro e, ao chegar lá, precisei me apoiar na pia e


respirar fundo, desejando controlar meus pensamentos.

Eu não servia para aquele tipo de vida. Não conseguia me imaginar


sendo namorada – ou esposa... – de um homem que colocava a vida em

risco o tempo todo. Ser mãe de alguém assim... deveria ser insuportável.

Talvez fosse melhor voltar para casa e me enfurnar lá, debaixo das

cobertas. Talvez se conseguisse dormir, o tempo passasse mais rápido...

Saí do banheiro, já pensando em falar isso com as meninas. Tinha

bebido um só drinque, mas de acordo com Caleb, eu poderia colocar na


conta de Ilya. Iria falar primeiro com ele, depois com elas, mas...

Foi só sair do banheiro para eu enxergar, entrando no bar, uma


figura de cabelos loiros, longos, que quase precisava se abaixar para passar

pelo batente, de tão alto. Ele vinha acompanhado com os outros dois, e
todos eles pareciam intactos.

Ilya ainda não tinha me visto, mas imaginava que alguém tinha lhe
dito que eu estava lá, porque seus olhos pareciam buscar os arredores.
Sem nem pensar no que fazia, saí correndo em sua direção,
desviando-me das pessoas no nosso caminho, e me jogando em seus braços.

Talvez fosse uma reação exagerada, que gerou alguns burburinhos e até
gritinhos ao redor, mas Ilya me pegou, me segurando pelas coxas, e me deu

um beijão de tirar o fôlego. Ele também não parecia tentado a esconder as


emoções.

— Isso tudo é porque sentiu a minha falta, moi rys? — ele sussurrou
deliciosamente soltando minhas coxas mas colocando o braço ao redor da

minha cintura e me mantendo suspensa do chão.

— Também. Mas eu estava preocupada — eu disse, sem nem conter


sentimentos, enterrando minha cabeça na curva do seu ombro.

Senti Ilya suspirar, me apertando um pouco mais contra si. Era como

se ele também soubesse que poderia não ter retornado.

— Está tudo bem. Vou sempre voltar para você.

A ênfase que ele deu na palavra me provocou novamente aquele

aperto no peito. Por que diabos eu estava tão sensível a essas coisas? Por
que sua frase me soou mais como uma promessa definitiva e não como algo

dito em um momento de fragilidade dos dois?

Ilya me soltou logo em seguida, mas fomos até a mesa, abraçados.


Eu deveria estar mais aliviada com a presença dele, mas foi só olhar

para o lado e ver que Charlie estava nos observando, com o cenho franzido,
direto no balcão do bar, pedindo uma cerveja.

Havia algo de estranho nele, mas eu preferia não especular. Até


onde sabia era um membro da comunidade há algum tempo, trabalhava na

oficina e passara a participar das missões com Hunter. Não tinha motivo
algum para eu desconfiar. Era só uma impressão porque eu estava demais à

flor da pele.

Só que ela foi me perseguindo por algum tempo, conforme eu

continuava vendo o cara olhar para mim e para Ilya como se tivesse algo de
errado em nossa presença ali. Ele também estava bebendo demais, o que me

preocupava.

A impressão se tornou certeza quando precisei novamente ir ao

banheiro e não quis incomodar ninguém para que fosse comigo. Já estava
quase chegando na porta quando o próprio Charlie agarrou o meu pulso e

me puxou para si.

Estávamos próximos à área do banheiro, que era mais reservada, e o

bar também não estava assim tão cheio para que fôssemos vistos.
— Mexicana safada. Você e aquele russo estão sujando nossa

comunidade. Dois traidores. Cartel e Bratva unidos. Podem enganar nossa


gente boa que acredita que são inocentes, mas não a mim.

Tentei me desvencilhar, meio assustada por sua reação, mas ele me


segurou com mais força, chegando a machucar meu braço e me

empurrando, me jogando contra a parede e me prendendo contra ela, com a


cara virada para o concreto.

Havia uma pequena rachadura nela, com um desnível, e eu senti

minha bochecha arder, provavelmente sendo cortada. Nada profundo, bem


superficial, mas o calor característico de um pouco de sangue escorrendo
me assustou.

— Você ficou louco? — perguntei, sem acreditar no que estava


acontecendo.

Claro que eu já não estava muito segura com o jeito como ele olhava

para nós, mas não imaginei que fosse aquele o motivo, muito menos que
acabaria chegando a extremos.

— Não. Loucos ficaram todos aqui por acreditarem que estão entre
amigos. Sei as coisas que a Bratva e o Cartel podem fazer.
— Não estamos mais ligados a nada disso. Estamos aqui por bem,
para nos proteger. Não queremos confusão e nem fazer mal a vocês.

— Não vão mesmo, porque eu não vou deixar — sua voz soou
ameaçadora o suficiente para que eu sentisse meu corpo tremer.

Ele ia fazer algo drástico, principalmente quando me girou e me


colocou à sua frente, de costas para ele, cobrindo a minha boca com sua

mão. Estava prestes a começar a me arrastar para algum canto, quando


consegui reagir e usar uma das técnicas que Ilya me ensinou.

Consegui deslocar meu corpo para o lado, colocando-me em uma


posição mais favorável. Com um rápido movimento, peguei o braço de

Charlie com minha mão livre e apliquei pressão na articulação do cotovelo.


Instintivamente, ele soltou um grito de dor, e eu consegui me afastar.

Saí correndo sem nem olhar para trás, esquecendo-me totalmente da


vontade de ir ao banheiro. Ouvi uma voz masculina que não pertencia ao

doido que me agarrou, parecendo indignada. Talvez com ele mesmo, mas
não dei bola. Só queria chegar em Ilya.

Ele me viu apressada e assustada e rapidamente se levantou da


cadeira, colocando-se de pé, em alerta. Novamente me joguei em seus
braços, mas com um sentimento completamente diferente de momentos
atrás. Não era alívio, mas pavor.

Charlie estava muito, muito alterado, e eu tinha a impressão de que


iria fazer alguma besteira.

— Moi Rys, o que houve? — Ele me segurou pelos braços, me

afastando um pouco de si. Claro que viu o corte no meu rosto. Por menor
que fosse, era uma evidência do que tinha acontecido.

Seus olhos muito azuis se arregalaram, e logo foi se formando uma

expressão de ódio. Uma de suas mãos se ergueu até o machucado, e seu


cenho se franziu.

— Quem fez isso com você?

Não tive tempo de responder, porque uma comoção se formou.

— Aí, Ilya... precisa nem perguntar para ela.

Só senti Ilya me puxando para o lado com pressa, e um corpo caindo

no chão. Era Charlie, empurrado por alguém. Quando me voltei na direção


da confusão, vi Caleb. Ele nos vira, sem dúvidas e levara o maluco até nós
para receber sua punição.
As coisas foram acontecendo muito rápido depois disso. A raiva de
Ilya o levou a agarrar Charlie, tirando-o do chão e o jogando em seus

ombros como se ele fosse um saco de batatas podres. As pessoas correram


atrás dos dois, provavelmente para ver o espetáculo, e eu só morria de
medo.

Não era só uma briga de bar. Havia mais alguma coisa naquela

decisão de Charlie de ficar contra nós, na forma como falara. Como se ele
tivesse um passado que envolvia a Bratva e o Cartel, e que isso fosse
respingar em nós, em meio à sua ira.

Ilya colocou Charlie no chão, do lado de fora do bar, onde havia

uma fonte. Agarrando-o pela nuca, ele afundou a cabeça do babaca na água,
deixando-a submersa por algum tempo.

— No que estava pensando para colocar as mãos na minha mulher

desse jeito, sukin syn[3]? — Eu não sabia o que essa palavra significava, mas
pela forma como foi proferida, com certeza era algum xingamento.

Em qualquer outro momento, eu poderia ter analisado a forma como


ele se referiu a mim com mais calma, mas estava assustada demais para

isso.

Charlie se debatia, então Ilya o puxou de volta.


— Entende que se machucá-la novamente, eu vou ter que matá-lo?

— Seu russo filho da puta! — Charlie falou, cuspindo água para

todos os lados, mas Ilya afundou a cabeça dele novamente

Ilya não parecia inclinado a parar, e eu estava começando a ficar


nervosa. Toda aquela noite vinha sendo uma provação grande, e eu me

sentia mais apavorada do que era capaz de descrever.

Senti mãos nos meus ombros me puxando e uma voz suave feminina
dizendo:

— Vem, querida. Vamos cuidar de você.

Por um momento achei que fosse Jordana, então eu fui.

Mas não demorei a sentir uma pancada na cabeça e ter a sensação de


que a escuridão que me engoliu seria minha companheira por muito e muito
tempo.
Capítulo 19

Eu não conhecia o amor de jeito nenhum


E só senti dor
Quando purguei meus pecados
E isso transbordou
Eu lutei
E eu perdi...
FOUGHT AND LOST – NIKKI WHITE

ILYA KRAVTSOV

Pela terceira vez, tirei a cabeça do filho da puta da fonte, e ele


engasgou, tossindo e cuspindo água para todos os lados. Joguei-o no chão,

agarrei-o pela gola da blusa encharcada e dei um soco em sua cara, com

toda a minha força. No primeiro, ele apagou.

Eu ia partir pra cima de novo, mas meus dois braços foram

segurados.
— Calma, irmão. Calma — Hunter pediu. Ele estava de um lado, e

Joshua de outro.

— Calma? Você viu como estava o rosto dela? Viu como estava a

porra do rosto dela? — respondi, transtornado.

O dia tinha sido muito estressante. Eu já tinha percebido a


animosidade de Charlie comigo, a implicância, e a missão que deveria levar

poucas horas, que era apenas encontrar um inimigo de Giovanni Caccini e

descobrir algumas informações, levou muito mais do que isso, só porque o

cara não acatava absolutamente nenhuma das minhas estratégias, como se

eu estivesse ali para prejudicar e não ajudar.

No final das contas, tudo foi resolvido, conseguimos as


informações, e fomos muito bem pagos por isso. Ainda assim, eu tinha

ficado com um ódio do caralho do babaca. Só que nem se comparava com o

meu sentimento ao perceber que Alejandra tinha sido ferida por ele.

— Caleb, você viu o que aconteceu, não viu? — perguntei,

conseguindo me soltar dos dois. Na hora da raiva, nem três ou quatro


homens daquele tamanho iriam conseguir me segurar.

— Vi, mas não consegui entender o que estava acontecendo. — Ele

cruzou os braços contra o peito e abriu um sorriso de canto. — Sua garota


se saiu muito bem. Me apressei para tentar defendê-la, mas nem precisei.

A sensação de orgulho queimou por dentro, mas eu tinha mais

coisas a descobrir.

— Ele... bateu nela?

— Ele a empurrou contra a parede. Acho que algo a machucou

assim. Mas não sei o motivo. Só ela vai dizer o que houve.

Olhei ao redor, já procurando por Alejandra, mas não a vi. Estava

em um dilema entre cuidar do desgraçado que estava apagado no chão ou

buscá-la.

— Daremos um jeito nele, Ilya; vai atrás da garota.

— Ele é da comunidade, Caleb. Eu, não — afirmei, preocupado.


Conforme a minha cabeça ia ficando mais fria, pensava que aquela reação

poderia ser um tiro no pé.

Charlie era um cara que estava nos Wildfire há muito tempo. Eu

nem parte do MC – moto clube – era. Era só um forasteiro. Um renegado da

máfia russa. Como eles iriam ficar do meu lado em uma briga como aquela?

Talvez fosse mesmo melhor encontrar Alejandra e pensar em um

plano B. Não deveria ter me acomodado, acreditando que ali estaríamos


seguros. Havia muita coisa em jogo.

— Isso não importa para nós. Ele agrediu uma mulher. Sabe como

tratamos esse tipo de gente.

Bem... eu sabia. Com o histórico do que tinha acontecido com

Jordana, eu tinha muita noção de como eles, principalmente Caleb, tratavam

agressores.

Assenti e me apressei em sair dali, passando por entre os rostos

conhecidos, para começar a procurar por Alejandra.

Por ser mais alto do que a maioria, parei no meio do bar e dei uma

olhada geral, não a encontrando de cara. Perguntei a Kellsier, que estava no

balcão, controlando tanto as fofocas como os pedidos, e ele me informou

que não a viu mais.

Pedi ajuda a Drake para procurar por ela, ainda no bar, e fui para

casa, imaginando que poderia ter ficado assustada e retornado para lá.

Assim que cheguei, me deparei com a porta destrancada,


imaginando que poderia ter só entrado e esquecido de passar a chave.

Estava tudo apagado, no entanto.


— Alejandra? — chamei, já me preparando para subir as escadas,

para caçá-la no quarto, no andar de cima.

Odiava que pudesse tê-la assustado, pela minha reação violenta, mas

precisava que entendesse que faria de tudo para protegê-la. Se alguém a

havia machucado, essa pessoa merecia pagar por isso.

Eu estava com um dos pés sobre a escada quando fui surpreendido

por um movimento à minha esquerda. Fora só uma questão de distração...

— Ilya Kravtsov? — Eu odiava a forma como os não-russos

pronunciavam meu nome. Ainda mais pessoas que não estavam

acostumadas a fazer isso.

A luz não foi acesa, então eu rapidamente senti meus ombros tensos.

A casa tinha sido invadida.

— Charlie nos contou que você é um traidor de merda...

Ergui um pouco a cabeça, ainda paralisado no mesmo lugar. Outro

movimento no alto do lance das escadas chamou a minha atenção, e eu

consegui ver outra pessoa com minha visão periférica.

Um homem.
— O que estão fazendo aqui? — perguntei em um tom de voz bem

baixo, repleto de ódio.

— Viemos te buscar, para te entregar à Cosa Nostra. Os chefes

precisam saber que têm um russo da Bratva trabalhando para eles.

— Mais do que isso: a Besta da Bratva, não é? — o outro, do alto da

escada, falou, com uma risadinha perversa.

Este era o meu medo desde o início, principalmente por Hunter. Mas

naquele momento o meu medo maior foi por Alejandra.

— Onde está a garota? — indaguei com um rosnado.

— Ela foi levada para outros fins. Ficamos sabendo que o seu

pakhan foi enganado também. Quem trai o próprio chefe pode trair

qualquer um, não é?

Puta que pariu! Eles tinham levado Alejandra para Pavel!

Só de pensar nisso, meu corpo se inflou. Por vê-la machucada, eu já

estava sentindo meu sangue correr mais quente, mas pensar nela sendo

levada de volta para a Bratva, para encarar as consequências, me faria

voltar a ser a besta que eles realmente me acusavam de ser.


Perdi completamente a cabeça. Pulei das escadas, em um salto que

me fez cair do outro lado do corrimão, voando sobre o sujeito que estava no

primeiro andar, usando os punhos em seu maxilar. Tentei pensar que não

iriam atirar, porque chamariam a atenção de toda a comunidade. Mesmo

com silenciador, alguém na casa ao lado poderia ouvir.

A comunidade era unida o suficiente e bem treinada. Claro que


aqueles filhos da puta tinham entrado lá com a ajuda de Charles.

Meus socos eram tão rápidos e fortes que o sujeito ficou zonzo em

poucos segundos. Ou outro veio para cima de mim, e eu também reagi, me


defendendo, lutando como um animal.

Logo havia mais dois dentro da minha casa, e eu estava tentando me

defender de quatro, embora um deles estivesse bem judiado. Podia dar


conta; já tinha feito muito pior antes, mas a picada no meu pescoço foi

desleal, sem que eu nem soubesse de onde tinha vindo.

Acordei com um jato de água na cara, no susto. Os punhos presos

por correntes, em meio a um cubículo escuro, que demorei a enxergar por


completo, por causa da parca iluminação.
Meus joelhos doíam, porque eu estava apoiado no concreto com
eles. Tinham tirado a minha camisa e me deixado só com a calça jeans.

Algo estalou nas minhas costas, ardendo, e eu sabia que estava


sendo chicoteado. Não reclamei de dor. Não daria esse gostinho a ninguém.

— Para quem está trabalhando, Besta? Não é para a Bratva, não é?


Já que traiu o seu pakhan. — Mais um estalo.

Rosnei, fechando os punhos e cerrando os maxilares.

— Idi na khuy — soltei em russo, já sabendo que eles não

entenderiam.

— Fale a nossa língua, filho da puta!

Mais um açoite.

Eu podia aguentar muito mais do que isso, se soubesse que


Alejandra estava a salvo.

— Posso passar informações, caso me digam o que fizeram com ela


— optei pelo inglês porque aquilo eu queria que entendessem.

— Já falamos o que fizemos. Agora, a sentença dela quem vai dar é


o seu pakhan. Imagino que o conheça melhor do que nós.
Sim, eu conhecia. Era exatamente por isso que estava tão tenso.

Mas se não havia nada que pudesse ser feito, eu ficaria em silêncio.

Foram duas horas aguentando os desgraçados se revezando. Eles

pareciam sentir prazer em me torturar, e ao final eu me sentia um trapo de


gente. Minhas costas ardiam como se alguém tivesse colocado fogo nelas, e

mesmo assim não fora o suficiente, porque ainda suportei um punhado de


sal, que eles acreditaram que me faria falar.

Continuei calado.

Eles queriam saber sobre ela. Sobre meus irmãos. Preferia ser

retalhado por inteiro a pensar que uma palavra minha poderia piorar a
situação daqueles a quem eu amava.

Quando fui deixado sozinho, que ouvi a porta pesada bater, eu já


estava quase inconsciente. Queria conseguir me jogar naquele chão, mesmo

que fosse cair de cara nele caso soltassem meus punhos, mas não conseguia.

Perdi os sentidos mais de uma vez, com a boca seca, desesperado

por água. Meus cabelos grudavam na testa suada, mas se eu os jogasse para
trás, os fios grudariam nos ferimentos e seria muito pior.
Porra... eu sentia o sangue escorrer por toda parte. Pingar no chão,

em uníssono com uma goteira em algum ponto daquela cela. Isso só me


fazia sentir mais vontade de beber um pouco d’água.

Não saberia dizer quanto tempo fiquei ali esperando, mas em algum
momento entrei em um delírio. Sonhando ou acordado, abri os olhos e vi

Alejandra na minha frente. Linda, vestida de branco como na primeira vez


em que nos vimos, vindo na minha direção.

Eu não podia soltar as mãos para tocá-la, então ela se desfez na


minha frente, virando pó.

Onde ela estaria? O que estaria passando?

Se pensar nela com um pequeno corte no rosto já tinha me deixado

irado, imaginar que poderia estar sofrendo o mesmo que eu, me deixava
pronto para explodir o mundo inteiro, se me fosse permitido.

Em um rompante traiçoeiro de determinação, respirei fundo e


comecei a puxar as correntes, de onde quer que elas estivessem presas.

O rosto de Alejandra veio novamente na minha cabeça.

Por ela, eu tirei forças do fundo do meu ser e mais uma vez puxei as
correntes.
Olhei para o lado, e elas estavam conectadas a um elo meio

enferrujado, preso a uma coluna de madeira. Se eu estivesse em plenas


condições, teria me soltado com algum esforço. Na situação em que me

encontrava, só mesmo pensar em buscar Alejandra para protegê-la e


defendê-la me faria realizar aquele feito.

Soltei um urro com o terceiro puxão, porque senti os ferimentos das


minhas costas rasgando a minha pele.

Que se fodesse. Alejandra era mais importante.

O quarto puxão fez com que eu ouvisse a madeira ceder. Também

senti que as correntes se moveram um pouco.

Precisei recuperar o fôlego, mas mais do que isso não eram só as


costas que doíam. Os punhos certamente ficariam em carne viva.

Novamente: não me importei. Sair dali era uma questão de vida ou


morte para a mulher que eu...

Não. Não era hora de admitir pela primeira vez o que eu sentia por
ela. Só quando estivéssemos frente a frente, e eu pudesse dizer olhando em

seus olhos.
Mais alguns puxões foram necessários, e eu consegui soltar uma das
correntes primeiro. Mas isso me deu ímpeto para continuar tentando, até

que arranquei a segunda.

Precisei de alguns instantes para me recuperar, tanto que me joguei

no chão, de barriga para baixo. Talvez tenha perdido novamente a


consciência, mas despertei ao ouvir a porta se abrir.

Não adiantaria de nada ter as correntes soltas se fosse para me


prenderem de novo. Eu nem sabia onde estava, mas daria um jeito de

escapar.

— Caralho! Ele se soltou! — um dos homens exclamou, surpreso.

— Como fez isso, desgraçado?

Eu não ia responder. Não só porque não conseguia, estando ofegante

daquele jeito, mas porque ele não merecia resposta.

Mais uma vez me esforçando ao meu limite, eu me levantei e usei a

corrente que ainda estava presa ao meu pulso para agarrar um dos capangas
por trás, enforcando-o.

Estendendo a perna, chutei o outro, que estava à minha frente,

enquanto quebrava o pescoço do que estava como meu refém.


Girando a corrente com o outro braço, acertei a cara do segundo,
que foi para trás com um impulso.

Mais dois chegaram. Eu estava transtornado.

Com apenas as duas correntes como arma, eu levei os quatro ao


chão. Em minutos.

A porta estava aberta, e eu saí por ela, marchando, com os cabelos


caindo no rosto. A adrenalina queimava tanto no meu corpo que já nem
sentia mais a dor dos machucados. Provavelmente depois eles iriam cobrar

seu preço, mas entrei em uma névoa de violência, que era muito parecida
com a que me tomou anos atrás, quando precisei salvar a mim e a Kolya. O

acontecimento que me rendeu o meu apelido.

Passando pelo corredor, que eu nem sabia para onde iria me levar,
percebi um espelho ao meu lado. Olhando para meu estado, tudo o que eu
vi foram meus cabelos loiros e soltos caindo no meu rosto. Os ferimentos
das costas sangravam e não estavam num estado bonito.

Havia sangue pelos meus cabelos também. Nos meus punhos. Nas
minhas mãos. No meu corpo inteiro.

Ele escorria e pingava no chão.


Daquele jeito, eu realmente parecia uma besta.

— O que vocês fizeram com este homem? — a voz masculina me

colocou em alerta.

Engoli em seco, tentando extrair energia de onde elas não existiam


mais.

Quando ergui os olhos para quem quer que estava chegando,

enxerguei Giovanni Caccini e Dominic Ungaretti. Ao lado deles, Hunter


Phoenix, meu amigo, vinha caminhando.

Ele parecia bem, mas correu em minha direção, para me segurar,


quando minhas pernas fraquejaram e eu quase caí no chão.

— Alguém pode me explicar o que aconteceu aqui? — Giovanni


insistiu. — Este homem trabalha para mim.

— Mas, senhor... ele é da Bratva. Está aqui por algum motivo...

— Eu já sei de tudo isso. Levem-no para um lugar decente e cuidem


de seus ferimentos. Vamos resolver isso e conversar.

Não consegui ouvir muito mais coisa, porque acabei desfalecendo


novamente, pensando em Alejandra.
Capítulo 20

Está trovejando dentro do meu peito


Juro que isso não é típico de mim
Mas se desistir disso, afundarei até o limite
Mas estarei aqui esperando por você
Este amor é improvável
BAD TIMING – BLINDLOVE

ILYA KRAVTSOV

Eu estava deitado de bruços em uma cama, sem saber direito quanto

tempo tinha perdido. A dor me fazia despertar de tempos em tempos, mas

me sedavam novamente, o que me deixava puto.

Por vezes, mesmo sentindo a febre consumir o meu corpo e os

cortes nas minhas costas arderem como se eu estivesse deitado sobre um

ferro em brasa, tentei me levantar, chegando a empurrar o médico – que


chamavam como Doutor Cavendish, mas de quem eu nem tinha visto a cara

–, enquanto grunhia o nome de Alejandra.

Era só o nome dela que eu falava, aliás. Nos momentos de agonia,

nos momentos de alívio, nos momentos de delírio.

Eu tinha falhado em protegê-la. Mas não importava se eu precisasse


me levantar daquela cama agonizando de dor, mesmo doente ou ferido.

Mesmo se quebrassem meus braços e pernas. Eu ainda me arrastaria pelo

mundo inteiro só para encontrá-la.

— Ilya? Se aquiete, porra! Precisa se recuperar! — a voz de Hunter

soou ao meu lado, autoritária.

— Ale... Alejandra... — arfei. — Moi rys...

— Já estamos procurando por ela. Caleb e Kellsier estão tentando

rastreá-la. Estão com Charles, tentando pegar informações. A coisa não está

bonita por lá.

— Diga que quero... — comecei a falar, mas fui interrompido por

um acesso de tosse. — Quero ele vivo. Preciso... — Soltei um suspiro,

chegando a fechar o punho pela impotência de não conseguir falar. —

Preciso colocar as mãos nele.


— Faremos isso. Mas precisa descansar. Quando estiver bem,

Giovanni e Dominic querem falar com você. Eles estão do nosso lado.

Depois de ouvir isso, cai novamente em um sono profundo.

Fui acordando e apagando várias vezes, até que comecei a me sentir

melhor. Ao menos ao ponto de conseguir permanecer acordado.

Três vezes ao dia, alguém vinha passar uma pomada nas minhas

costas e refazer os curativos, e alguns deles começavam a coçar a um nível

insuportável.

Ainda assim, consegui me vestir e caminhar até uma espécie de

escritório, onde os dois homens de quem eu já conhecia o rosto estavam me

esperando. Dominic, aparentemente mais inquieto, estava de pé, com os

quadris apoiados na mesa, com um ar de deboche que sempre lhe

acompanhava. Caccini era pura seriedade.

— Lamentamos pelo que aconteceu. Primeiro de tudo, gostaríamos

que soubesse que não ordenamos nada disso — foi Giovanni quem falou.

— Eu sou um renegado da Bratva. Não era prudente confiar em

mim — minha voz saiu rouca a um ponto que chegou a me surpreender. Ao

mesmo tempo, estava mais grave do que o normal, porque eu me sentia

vazio por dentro. Quase como um espectro.


— Acha mesmo que não investigamos as pessoas que contratamos?

— Dominic perguntou com um sorrisinho malicioso no rosto. — Além do

mais, não era difícil, porque um sobrenome falso como o que nos deu não
anula a sua descrição peculiar, Ilya Kravtsov. — Ele fez uma pausa,

tragando um pouco do charuto. — A Besta da Bratva. Não acha que era

uma aquisição e tanto para nós? Se tínhamos dúvidas disso, elas teriam

encerrado no momento em que quase se livrou sozinho de vários homens,

mesmo estando muito ferido.

— Quantos dias fiquei desacordado? — perguntei, mantendo uma

espécie de postura militar. Ombros erguidos, cabeça também, mãos na

frente do corpo. Quase imóvel, porque qualquer movimento mais bruto

poderia me causar dor, e eu não queria demonstrar fragilidade.

— Cinco — foi Hunter quem respondeu. Ele também estava entre

nós.

— Der'mo![4] — praguejei baixinho, por entre os dentes.

Só conseguia pensar em Alejandra.

— Seja como for, Charles Hill não trabalharia mais para nós, mesmo

que os Wildfire não fossem dar um jeito nele, que é o que eu imagino que

irá acontecer, não tem serventia nenhuma para nós — Giovanni afirmou.
— Até porque era um baita imprestável — Dominic completou,

remexendo-se. — Você e Hunter são aquisições bem mais interessantes.

Exatamente por isso não temos a intenção de mudar nossa decisão.

Ergui um pouco mais o queixo, porque, de alguma forma, eu sentia

que viria um “mas”.

— Só que não toleramos mentiras. E tentou mentir para nós —

Caccini falou. — Já recebeu um castigo e não vamos te debilitar ainda mais.

O preço, no entanto, vai ser sua lealdade a nós.

— Eu sou leal — respondi com um grunhido.

— Precisamos de um pouco mais do que isso. — Dominic começou


a caminhar, e eu conhecia aquele tipo de atitude para intimidação. —

Sabemos que você era o capitão da Bratva. E que os traiu... — Ele abriu

outro sorriso. Um que me faria ter uma imensa vontade de lhe dar um soco

na cara só pela audácia. — O que te torna um pouco menos leal... concorda

comigo?

— Dominic! — Giovanni tentou repreender, mas eu sabia que o

chefe da máfia de Nova Iorque tinha suas próprias regras e não era de
respeitar quase ninguém.
— O que queremos é que pelo menos por um tempo esteja

totalmente disponível para nós. Sabemos de suas habilidades, ficamos

impressionados com elas, e acreditamos que será uma aquisição importante

para nós.

— Eu tenho algo importante a fazer — continuei respondendo sem

nenhum traço de humor.

— Sabemos disso. Sua garota foi levada à Bratva. Também sabemos

as circunstâncias que os uniram, o quanto os dois estão em perigo. — Olhei

para Hunter, mas ele não desviou o olhar. Sabia que poderia ter sido ele a

contar, mas não o julgava. Se ele não provasse sua lealdade à Cosa Nostra,

nós dois estaríamos encrencados. — Vamos ajudar com o que for possível.

Pode continuar sua busca por ela, mas se o chamarmos, deve se apresentar o

mais rápido possível. Podemos fornecer recursos para sua busca e a

proposta de pagamento é irrecusável.

— Eu tenho bastante dinheiro.

— Lamento que não seja essa a questão. Está em débito conosco —

ele tinha perdido o ar irônico e estava falando muito sério.

— Eu posso sumir e nunca mais aparecer.


— Confie, vamos te encontrar. Ou vamos encontrar os Wildfire.

Temos uma boa relação com eles, como deve saber. Não queremos que isso

mude. Se é que me entende.

E foi desse jeito que eu assinei meu pacto com a Cosa Nostra.

Para que pudesse me recuperar por completo, voltei ao complexo

dos Wildfire, e tanto Jordana quando Gillian e Cady cuidaram de mim como

se eu fosse um irmão. Aos poucos fui voltando ao normal, mas os homens


me obrigaram a fortalecer o meu corpo de novo.

Foram apenas quinze dias de repouso – o que já estava me deixando


louco –, mas eles estavam certos. Se queria estar pronto para encontrar
Alejandra e para salvá-la – se é que ainda estava viva –, o que eu tinha que

fazer era me preparar para isso.

Quando comecei a sentir o meu corpo um pouco mais forte, decidi


que era hora de ir para a Rússia, porque pelas informações que eu e os

outros conseguimos, ela fora realmente levada para lá.

Mas na noite anterior à minha partida, eu tinha algo a fazer.

Charlie ainda estava vivo. Por um fio, mas estava.


Caleb e os outros extraíram todas as informações que podiam dele,
mas o filho da puta se mijou ao me ver.

— A besta! Ele matou todo mundo... Todo mundo... — a voz


trêmula começou a falar, conforme eu ia me aproximando. Percebendo seu

medo, comecei a me movimentar de propósito como um predador.

Franzi o cenho, cerrei os punhos e peguei uma das correntes que

estavam no chão. Sabia que o pessoal do Wildfire tinha mostrado a ele as


imagens das câmeras de segurança, do que fiz para me soltar e para matar

os homens que me mantinham prisioneiro.

Ele estava apavorado.

— Você machucou a minha mulher — falei em um tom ainda mais


feroz, como se eu fosse um animal selvagem. Um ceifador. Quando cheguei

bem próximo, sussurrei em seu ouvido: — Eu vou ser o seu pior pesadelo a
partir de agora.

Enrolei a corrente em seu pescoço e a apertei tanto que jurei que iria
quebrá-lo. Mas não tão rápido. Ele ainda iria sofrer.

Horas depois, já de banho tomado e com a morte – muito, muito

sofrida – de Charles nas costas, arrumei minhas coisas e as coloquei na


moto.
Fui me despedindo de um por um, abracei uma Jordana chorosa,
abracei Adelle – filha dela – com carinho e deixei Caleb por último.

Ele levava algo na mão, que estendeu para mim. Fiquei surpreso em

ver o anel com a pedra quadrada dos Wildfire, com a caveira em destaque.

— Não posso aceitar isso, Cal — falei para ele, me sentindo ainda

meio perdido.

Ao levar Alejandra para lá, eu tinha aberto uma possibilidade de

perigo para eles. Charlie era parte da comunidade, e eles precisaram matá-
lo. Nada disso seria esquecido por mim.

— Você é nosso amigo. É um Wildfire por tudo que já fez por nós.
Se quiser voltar, a qualquer momento, em qualquer circunstância, estaremos

aqui.

Era uma grande honra. Tão grande que era difícil colocar em

palavras o quanto eu estava emocionado.

Depois de tudo o que tinha acontecido, eu sentia como se o meu

coração não estivesse mais batendo no peito da mesma forma de antes. Aos
poucos eu ia voltar à realidade, mas o fato de Alejandra ter sido tirada de

mim e o jeito como fui torturado e o que precisei fazer... era o tipo de coisa
que não saía da cabeça de um homem tão fácil.
Por isso eu precisava de um tempo.

Um urso solitário... Era o que eu precisava ser.

Abracei meu amigo, fiz o mesmo com Hunter e subi na moto.

Coloquei o capacete, dei a partida e segui, saindo pelos portões bem


guardados do complexo, indo pegar meu voo.

Em algum momento, um dos homens de Caleb iria buscar a moto


que eu iria deixar no estacionamento do aeroporto.

Eu estava voltando à Rússia... com muitas contas a acertar.


Capítulo 21

Eu tenho brincado com meus demônios


Criando problemas para mim mesmo
E esses dias estão longe de acabar
Você sabe que eu não posso ajudar
E isso está me matando por dentro
PRAY – JRY

ILYA KRAVTSOV

Jurei que eles não iriam me receber. Que minha ligação seria

ignorada ou que criariam uma armadilha. Eram meus irmãos, mas nem

sempre conhecíamos aqueles que julgamos serem nossos aliados.

Eu queria ir na mansão. Sabia que só assim conseguiria ver Tasha.

Mas era um sonho distante.

Nunca mais poderia voltar sem colocá-los em risco.


O encontro, então, foi marcado na colina. Todos nós estaríamos de

moto, sem tirar os capacetes, usando absolutamente nada que pudesse nos

condenar. Até mesmo as roupas seriam diferentes, e as tatuagens, cobertas.

Não sabia se meu irmão iria acatar minhas condições, mas decidi confiar.

Fui o primeiro a chegar, e cheguei a fechar os olhos, respirando

fundo. Queria tirar o capacete para sentir o ar lá fora, mas foi a primeira

regra que eu mesmo criei. Não podia bobear.

Eles demoraram pelo menos uns vinte minutos. Quase perdi as

esperanças, mas ouvi os sons das motos.

Os dois estavam lá.

Queria puxá-los para um abraço, principalmente Dimitri, mas me

contive. Não era prudente.

— Obrigada por virem — falei, com cautela. Não sabia direito ainda

por que eles tinham aceitado o encontro, mas estava feliz de terem
aparecido.

— Sentimos sua falta, Ilya — claro que foi Dimitri que falou.

— Eu também — respondi com a voz embargada.


— O que quer conosco? — Kolya cuspiu as palavras. — Será que

não tem noção do quanto é perigoso? Que já nos colocou em problemas

demais? Se não fosse por tudo que eu tive que fazer...

— Sei de tudo isso. Não estou minimizando o problema. Mas


preciso encontrá-la.

Kolya deu uma risada amarga.

— Não é possível! — ele quase rosnou. — Está mesmo pedindo que

a gente procure a sua garota?

— Vocês não sabem onde ela está? Nem você, Mitya? — Eu sabia

que meu irmão caçula tinha acesso a informações secretas desde que

começara a trabalhar com Pavel. Poderia ser uma esperança.

— É claro que não! — Kolya respondeu pelo outro. — Pavel está

com os dois pés atrás conosco. Nunca nos daria uma informação como esta.

Continuei ignorando-o, voltado para Mitya. Eu não conseguia ver

seus olhos tão bem, por causa do capacete, mas ele assentiu.

— Kolya está falando sério. Não sabemos nada de Alejandra.

Deixei escapar um palavrão, me sentindo frustrado.


Eu tinha demorado muito. Àquela altura, ela poderia nem estar viva

mais; ou ter sido submetida a tantas coisas...

Porra, eu nem queria pensar.

— Eu não vou descansar até encontrá-la — constatei, nem sabendo

se era uma promessa para mim mesmo ou para eles. — Vou revirar a Rússia

inteira. O continente. O planeta. Vou trazê-la de volta para mim.

— Se apaixonou por ela? — Nikolai indagou, balançando a cabeça

em negativa, me condenando. — Se apaixonou por uma mulher que não

deveria ser sua.

— E deveria ser de quem, então? — rosnei. — De um filho da puta

que iria estuprá-la e fazer filhos nela à força?

— Uma coisa é protegê-la, Ilya, mas você fez tudo errado. Deve

ter... tocado na garota também, não é?

Fiquei calado, porque daquela parte eu não me arrependia, mas

também não me orgulhava.

— Zasranets[5]! Nunca pensei que te veria agindo com o pau ao

invés da cabeça!
Ainda afetado por tudo o que estava acontecendo, parti para cima do

meu irmão, mas Mitya nos separou antes que as coisas pudessem ficar mais

feias.

— Parem com isso vocês dois. Ilya, é melhor sair logo daqui antes

que alguém nos veja. Não temos notícias de Alejandra. Você precisa superar

isso. Está fora do nosso controle. Pavel não deve tê-la mantido viva. É

impossível!

As palavras de Mitya pegaram fundo no meu peito. Eu sabia que

estava agindo como um garoto pirracento, mas meu humor nos últimos dias

não andava dos melhores. Não me sentia eu mesmo.

Se Alejandra não estivesse mais viva, como estaria a minha

consciência? Como eu iria viver com aquela angústia de saber que eu tinha

feito tudo errado, e ela pagara por isso?

Mas seria melhor que vivesse como uma prisioneira, escrava de um

marido que iria abusar dela de todas as formas?

— Ilya, eu preciso denunciar sua presença aqui para Pavel. Se

alguém descobrir, preciso que nossa família esteja segura. Mas eu vou fazer
isso te dando tempo para fugir. Vá para qualquer lugar, mas não apareça
mais aqui. Estou te dando mais uma chance, como seu irmão, mas isso pode

colocar todos nós em perigo.

Ele estava certo. Se eu fosse visto em Moscou, por mais que

tomasse cuidado, as pessoas logo me associariam à minha família. Se Kolya

se adiantasse e fizesse a denúncia, estaria um passo à frente.

— Faça como quiser. Eu entendo.

Preparei-me para subir na moto, sem nem me despedi. Fui

impedido, no entanto, quando Mitya colocou a mão no meu braço.

— Vou descobrir se ela está viva, irmão. Ao menos isso.

— Dimitri! — Nikolai repreendeu, mas eu quase chorei com a

promessa do meu irmãozinho.

Queria mesmo abraçá-lo, implorar que cumprisse; até ajoelhar se

fosse preciso. Mas se eu conhecia uma pessoa que tinha a chance de

descobrir se Alejandra estava viva, por intermédio da tecnologia, era


Dimitri.

— Obrigado.

Não deixei que as emoções ficassem mais ainda à flor da pele, por

isso subi na moto e desapareci dali o mais rápido possível.


A última coisa que pensei, enquanto observava o sol nascer do

horizonte, descendo da colina, foi que se Alejandra estivesse viva, eu ainda

a levaria ali.

Era a minha mais profunda promessa.

ALEJANDRA ZAVALA

Eu me sentia mais quebrada por dentro do que por fora.

Mas poderia ser pior... era no que eu tinha que pensar.

Quando despertei, depois de ser sequestrada dentro do complexo


dos Wildfire, um déjà vu surgiu na minha cabeça. Despertei deitada sobre

algo duro, com correntes nos meus punhos e tornozelos e a maldita mordaça
de ferro na minha boca.

Eu estava ali há dias. Tinha começado contando, na intenção de


manter minha sanidade, mas depois fui deixando de lado. Que importância

teria? Logo eu iria morrer. Ou iria desejar morrer.


Pensava em Ilya, mais do que seria prudente. Ele teria que passar a
ser um sonho muito distante, mas eu queria que estivesse vivo. Só isso. Que

não o tivessem machucado muito, que conseguisse seguir sua vida sem
mim.

Não me arrependia do que tinha acontecido entre nós, muito menos


de ter vivido alguns dias bons ao seu lado. Seriam minha melhor lembrança.

Aquilo ao que eu iria me agarrar quando as coisas ficassem obscuras


demais.

Porque eu sabia que esse momento ia chegar. Aquela espera era


parte da tortura psicológica.

Nem sabia onde estava. Passei tempo suficiente desacordada – ao


menos até onde sabia – para que pudessem ter me levado de avião de um

país para o outro. Não havia janelas no local onde eu estava, e também não
importava.

Eu só queria que tudo acabasse logo.

Eles tiravam a mordaça quando me obrigavam a me alimentar e a

beber água, o que acontecia poucas vezes durante o dia. Também me


obrigavam a tomar um banho, como se isso fosse fazer alguma diferença.
Roupas limpas eram entregues, mas tudo isso era feito muito rápido, e então
eu era acorrentada novamente.

Tentei usar as técnicas ensinadas por Ilya, mas ficava cada dia mais

fraca e deprimida.

No entanto, ninguém tinha me tocado, como achei que logo

aconteceria quando fosse devolvida ao pakhan.

No dia, portanto, que ele apareceu no horário em que eu deveria me

alimentar, eu já me sentia tão apática que não senti sequer o coração


acelerar. Era como se meu corpo estivesse guardando forças para se manter
vivo.

— Ora, ora, quem diria... Era tão linda no primeiro dia em que eu vi.

Agora parece um bagaço...

Ele estava à minha frente, e eu continuei só jogada no chão, de lado,

porque era a posição mais confortável com os braços ligados aos tornozelos
por um elo de correntes.

Diferente de quanto o vi na primeira vez, ele tinha uma tatuagem no


rosto. Uma espécie de tribal de muito mau gosto, que ele provavelmente

achava muito interessante.


— Coloquem-na de joelhos — ele ordenou aos homens que estavam

com ele, que não hesitaram para cumprir.

O chão sob o meu corpo era desnivelado, só no cimento, e eu quase

chorei quando meu osso entrou em contato com a superfície, que com
certeza o deixaria em frangalhos.

Com apenas um movimento de Pavel, meus pulsos foram soltos,


mas presos às minhas costas. A mordaça foi tirada, ao mesmo tempo em

que um prato foi colocado à minha frente, no chão.

— Coma — ele ordenou.

Tinha, provavelmente, mais de vinte e quatro horas que eu não


colocava nada no estômago, com exceção de água, porque não levaram.

Meu estômago doía tanto que achei que iria me comer de dentro para fora.

Naqueles dias de cárcere, tudo o que eu vinha recebendo para comer


era um pedaço de pão e alguns ovos cozidos. Diante de mim estava um belo
prato com pedaços de frango, cebola caramelizada, legumes. Tudo cheirava

muito bem.

— Coma! — ele ordenou de novo.


Eu queria negar, queria ter forças para isso, mas acabei me

inclinando para a frente, sem nem poder apoiar os cotovelos no chão,


precisando forçar mais ainda os joelhos no cimento, me equilibrando para

tentar comer.

Caí de cara no prato umas três vezes, me sujando toda, e quase

chorando de dor. Eu sabia que ia passar mal se comesse muito, então parei
quando achei que era o suficiente, e os homens vieram para me dar água,

limpar a minha boca e recolocar a mordaça.

Pavel tinha um sorriso no rosto quando se agachou para poder me


olhar nos olhos.

Ele usava um blazer verde oliva, sempre muito chamativo, e seus

cabelos loiros estavam penteados para trás. Cheirava a um tipo de colônia


amadeirada, cujo aroma eu nunca mais esqueceria na vida.

— Você é suja. Porca! Meu pau nem consegue subir pensando que

aquele filho da puta do Kravtsov te comeu. Mas vai chegar a hora que eu
vou acreditar que está um pouco mais limpa e vou colocar minhas mãos em
você. Enquanto isso, aproveite a hospedagem cinco estrelas.

Ele não disse mais nada. Apenas se levantou, ajeitou o terno e fez

um sinal para que seus homens o seguissem, trancando a porta de ferro da


cela em que eu estava, me deixando sozinha, no escuro.

Foi só na manhã seguinte que a primeira surra veio.

Mas não foi a última.


Capítulo 22

Você está se escondendo?


Fingindo que está segura?
Todas as fugas
Agora você não pode mais escapar
E está vindo
Todos os animais irão escapar
A coragem será subjugada
Mas lá dentro é o medo que você sente
CRUEL WORLD – FJORA

ALEJANDRA ZAVALA

Meus lábios estavam secos, as minhas mãos, rachadas. Minha


alma... em pedaços. Os dias pareciam anos, e eu já tinha perdido a conta,

mas suspeitava que fazia quase um mês que eu estava ali dentro.
Só comia porque era obrigada. Só bebia água porque a minha boca

ficava tão seca que eu sentia como se tivesse comido areia.

Sabia que estava fraca demais, cada dia mais entregue, e ao mesmo

tempo em que não queria que isso acontecesse, porque me sentiria mais e

mais vulnerável, desejava que essa fragilidade me apagasse e me levasse

para longe. Que me permitisse afundar na escuridão do inconsciente que era

muito mais convidativa do que o breu daquela cela perdida no mundo.

Eu sentia o cheiro do sabonete que me obrigavam a usar e o xampu

com cheiro de coco, e ambos me deixavam enjoada. Ou talvez fosse o

estômago quase vazio.

Ou talvez fosse toda a situação em si. Não saber se eu ia sair viva


dali, ou se era melhor morrer, em comparação com a possibilidade de ter

um homem como Pavel me tocando, depois de ser amada por Ilya.

Toda vez que eu pensava nele, a dor era ainda maior.

Então eu evitava pensar... Por mais que eu tivesse tanto tempo, que

as horas passassem tão devagar, e tudo o que me restasse fosse fazer minha

mente trabalhar, para não enlouquecer.

Tinham acabado de me dar a única refeição do dia e me soltado para

o banho, para o qual eu já marchava sem resistência, depois de tanto me


surrarem por desobediências.

Eu só queria ser deixada em paz.

Em todo aquele tempo em que eu estava ali, nunca tinha acontecido

de a porta se abrir duas vezes em um único dia. Quando aconteceu, eu

cheguei a estremecer, jurando que algo de muito, muito ruim viria.

Dois homens com o rosto coberto entraram. Ambos eram grandes, e

se fecharam por alguns instantes dentro da cela.

Cheguei a tentar fugir quando se aproximaram, porque pareciam

sorrateiros demais. E se fossem capangas de Pavel? Ele dera ordens para

que ninguém me tocasse, que sequer falassem comigo, porque queria me

“purificar” depois de ter me entregado para Ilya. Só que... eu via a forma

como alguns deles olhavam para mim, principalmente porque eu precisava

me banhar e ficar nua para isso.

Soltei um murmúrio abafado pela mordaça e tentei me arrastar pelo

chão, mesmo sendo a coisa mais estúpida que eu poderia fazer, já que

estava dentro de um cubículo do qual não poderia escapar.

— Mas que diabos é isso no rosto dela? — a voz de um homem

jovem falou, com certa indignação.


O outro, ao lado dele, percebeu o quão assustada eu estava e tirou a

máscara, revelando um rosto que eu conhecia, por mais que só de vista, mas

que era muito, muito similar a outro que estava cravado no meu coração.

Era o irmão de Ilya... Nikolai o nome dele, não?

O segundo rapaz também fez o mesmo, e por mais que seu rosto não

fosse familiar, também tinha os mesmos traços, em uma versão um pouco

mais jovem.

Devia ser Dimitri...

O que eles estavam fazendo ali?

Sem dizer muitas coisas, apenas bufando, Kolya remexeu nos bolsos

e tirou alguma coisa de metal, que enfiou nas fechaduras que me

mantinham prisioneira, conseguindo me libertar.

Tentei erguer a mão, para tocar meu próprio rosto, mas meu corpo

doía tanto e estava tão dolorido que meu braço acabou caindo. Teria batido

no chão com força se mãos firmes não o tivessem segurado.

Com gentileza essas mesmas mãos me seguraram, me tirando do

chão, e eu fiquei deitada sobre pernas masculinas. Abri os olhos devagar e


vi o rosto do irmão mais jovem de Ilya, com seus olhos azuis muito

preocupados.

— Kolya, ela está toda machucada — Dimitri falou em um sussurro.

— E só pele e osso. Precisamos tirá-la logo daqui — Kolya tinha

uma voz tão parecida com a de Ilya... Um timbre pesado, profundo. Mais
eloquente, como um político.

Percebi que estava compreendendo o que diziam, mas demorei a

entender que era inglês.

Por que não estavam falando em russo?

E... eles iam me tirar dali? Até onde eu sabia, Kolya era leal a

Pavel...

Ele mesmo me tirou dos braços de Dimitri, com um cuidado que me

surpreendeu. Soltei um gemido, porque minhas costas estavam machucadas,

sendo que eu nem me lembrava mais de quê.

— Desculpa. Me desculpa — ele falou, daquela vez em espanhol, e

eu apenas encostei a cabeça em seu peito. O homem tinha a mesma

compleição musculosa de Ilya, o que me gerou um conforto que eu não

deveria sentir.
Tudo o que precisou foi de alguns passos para que eu acabasse

apagando, me sentindo segura, sem nem saber se podia.

Quando acordei, estava, pela primeira vez em muito tempo, deitada

em uma superfície macia. Demorei para conseguir abrir os olhos,

aconchegada, desejando permanecer assim por muito tempo.

Não sabia se era melhor estar fora daquele chão, sem as correntes,

porque poderia significar muitas coisas. Ilya amava os irmãos,

principalmente Dimitri, mas eu não sabia quais eram suas intenções.

— Alejandra? — a voz poderosa, que eu já reconhecia como sendo

de Kolya, me chamou. Provavelmente tinha percebido que eu estava

acordada.

Tomei coragem de abrir os olhos, e vi os dois ali, parados à minha

frente, ambos muito sérios.

Engoli em seco, ainda sentindo minha garganta muito seca, mas

alguém tinha hidratado a minha boca.

— Onde... onde estou? — Mal reconheci minha voz de tão rouca

que estava. Na verdade, era como se eu tivesse desaprendido a falar. Depois

de pelo menos um mês quase completamente calada, era difícil ter forças

para conseguir proferir as palavras.


— Num hotel. Estamos em Moscou. Precisamos conversar. —

Kolya se atinha a frases curtas, ditas de um jeito quase rude. — Acabei de

pedir algo para comermos, mas enquanto não chega, acha que consegue nos

ouvir? Ou está fraca demais para isso?

Assenti. Ouvir era fácil. Falar era um pouco mais difícil.

— Conseguimos uma espécie de... barganha com Pavel... — ele

falou com cuidado, como se estivesse hesitando em contar.

— Barganha?

Lancei um olhar na direção de Dimitri, e ele estava parado no


mesmo lugar, com os braços cruzados. Ele era alto como os irmãos, mas era

mesmo mais jovem. Uns dez anos, talvez, ou qualquer coisa assim – mais
próximo à minha idade.

— Consegui contato com seu irmão, Javier, e fiz um acordo com


Pavel para libertá-la, contanto que seja entregue a ele.

— O quê? Meu irmão? — Ele só poderia estar enganado. — Meu


irmão me vendeu para o Cartel.

— Parece que a história não foi bem assim. Mas seja como for, ele
está disposto a te receber e cuidar de você.
— Mas Pavel aceitou isso? Como...? — eu ainda estava confusa.

— Conseguimos convencê-lo de que seu irmão está em poder de um

HD que foi roubado há pouco mais de dois meses.

— E está?

— Não. — A resposta foi curta e grossa, e eu entendi que não era


para fazer mais perguntas. — Mas não é do interesse de Pavel criar uma

guerra com o Cartel. E convenci seu irmão a fazê-lo acreditar que iria
entregar esse HD a Morales.

Ramón Morales era o atual chefe do Cartel. O líder de todos,


inacessível e que controlava a parte burocrática da coisa. Era um homem

que realmente não perdoava seus inimigos.

— Há informações comprometedoras nesses arquivos, e se caírem


nas mãos de Morales, será um pouco complicado para Pavel — Dimitri

falou, complementando a informação que seu irmão me deu.

— O preço para que ele mantenha tudo em segredo é que você seja

devolvida.

— Para que ele possa me vender novamente? — cuspi as palavras,

com asco.
Eu amava Javier, ele sempre foi meu irmão mais velho. Por isso a
sua traição me feriu tanto.

— Acredite no que estamos dizendo. Seu irmão não vai te fazer mal.

Foi um mal-entendido, mas vocês dois terão que falar sobre isso. Não é meu
papel intermediar.

Pouco conhecia Nikolai, mas já compreendia que não era uma


grosseria velada. Ele só era daquele jeito, mais direto, menos gentil.

De uma forma ou de outra, eles tinham me salvado.

— Obrigada. Mas... e Ilya? Eu preciso saber dele. Por favor...

Kolya e Dimitri se entreolharam, e o irmão mais velho respirou


fundo.

Teria Ilya morrido? Era isso que eles estavam hesitando em me


dizer? Imediatamente senti meu coração acelerar, desesperado com essa

possibilidade.

— Ele está bem — Kolya respondeu, e eu quase desmaiei de alívio.

— Está trabalhando com a Cosa Nostra, mas sei que vai procurar por você
por muito tempo. — Meu coração apertou de novo. Porque eu queria que

me encontrasse. Queria que me levasse consigo e que pudéssemos sumir


daquele mundo horroroso, só nós dois. — Só que esta é outra condição,

Alejandra. Foi o combinado para que pudéssemos te tirar de onde estava.

— O quê?

— Ilya não pode saber onde você está. Se descobrir os dois estarão
em perigo, além de nós, nossa família.

Eu sabia o que Kolya estava querendo dizer. Ilya, em algum


momento, poderia descobrir meu paradeiro, mas o máximo que eu

conseguisse fugir dele, era o que eu deveria fazer.

Fiquei calada, sentindo lágrimas se avolumarem nos meus olhos,

mas ele prosseguiu:

— Sei que não é culpa sua, mas você foi a desgraça do meu irmão.

— Kolya! — Dimitri o repreendeu.

— Estou sendo sincero. Nossa família era respeitada. Agora tudo


está por um fio. Pavel ainda confia em mim, porque me esforço para isso,

mas esse movimento que fiz para te salvar foi muito perigoso.

— Por que fez isso, então? — perguntei, tentando erguer a cabeça,

encontrando um pouco de força na minha voz.


— Porque apesar de tudo, meu irmão te ama. E eu não poderia te

deixar na situação em que estava, sabendo que é importante para Ilya.

Por trás de toda a grosseria e rudeza de Kolya, ele era um homem


honrado.

Eu teria que aceitar os termos, por mais que doesse. Por mais que
saber que nunca mais poderia ver Ilya me destruísse, eu teria uma chance.

Era a isso que eu precisava me agarrar.


Capítulo 23

A escuridão está chegando


Não há sentido em correr
É apenas o que é
O começo do fim
Não há lugar para correr
Não há lugar para se esconder
Sinto nos meus ossos
Estamos ficando sem tempo
RUNNING FOR THE NIGHT – GAITS

ALEJANDRA ZAVALA

Eles alugaram um local para ficarmos por alguns dias, para que eu
me recuperasse. Mesmo assim, precisei usar alguma maquiagem, comprada

por Dimitri em um shopping local, além das roupas limpas, antes de


sairmos para o aeroporto ou as pessoas estranhariam, mesmo sendo um

jatinho particular.

Sentindo-me um pouco mais recuperada depois do repouso forçado,

eu estava parada no meio da Rota 15, em Culiacán, no México. Não

conseguia parar de remexer as pernas, de tremê-las, ansiosa.

Há anos eu não via Javier. Quando nos separamos, ele era só um

garoto de vinte e três anos, que se viu com a responsabilidade de cuidar da

irmã depois da morte dos pais. Eu não tinha noção das escolhas que fizera,

e precisava ouvir a história de sua boca, lhe dar uma chance.

O asfalto árido se estendia à frente, como se estivesse ansioso para

engolir qualquer vestígio daquele encontro. As sombras dançavam ao redor


dos arbustos retorcidos à beira da estrada, e o vento fazia cócegas no meu

rosto, conforme o meu cabelo voava, saindo do rabo de cavalo improvisado

que fiz.

Na última vez em que estive naquela estrada foi quando saímos de

Guadalajara, para que Javier pudesse aproveitar novas oportunidades. Ele


dissera que era um emprego novo, mas me explicara muito pouco, e depois

eu fui tendo minhas desconfianças.


Parecia que tinha acontecido há uma vida inteira atrás, mas foram só

cinco anos. O quanto de ingenuidade e inocência eu tinha perdido ao longo

daquele caminho?

Um carro parou pouco à frente do nosso. Tanto Kolya quanto


Dimitri se posicionaram em pontos estratégicos, quase como muros ao meu

redor.

Ambos estavam armados, e eu comecei a rezar, pedindo que meu

irmão não desse motivos para que atirassem. Para que Javier realmente

tivesse boas intenções comigo.

Eu nem sabia mais rezar, mas decidi que precisava reaprender.

A porta se abriu e Javier saltou. Era difícil não reconhecer a pessoa

com quem se conviveu por tanto tempo, mas aquele, à minha frente, pouco

tinha do garoto que eu conheci, apesar de manter o mesmo rosto.

Meu irmão tinha se tornado um homem.

Queria não sentir nada ao vê-lo, apenas me manter indiferente,

porque se ele partisse mais uma vez o meu coração e decidisse me entregar

ou me vender outra vez, seria ainda mais doloroso. Mas... meu coração se

retorceu no peito, porque Javier era toda a família que eu tinha. Como eu

não iria me emocionar ao vê-lo.


Ele estava sozinho, assim como os irmãos Kravtstov não tinham

levado mais ninguém. Provavelmente porque o meu resgate precisava ficar

em completo segredo.

Javier mal olhou para mim. Ele manteve passos firmes,

aproximando-se de Kolya e Dimitri, o queixo forte erguido. Havia uma

barba em seu rosto, que eu nunca tinha visto antes. O cabelo castanho, do

mesmo tom do meu, estava cortado espetado, bem penteado. Ele usava uma

camiseta preta de manga comprida e uma calça jeans.

Também estava armado, aliás.

— Obrigado por cuidarem dela — ele falou, muito sério. Muito

compenetrado.

Toda a emoção que eu sentia por ele estar perto de mim não parecia

recíproca.

— Javi... — eu falei baixinho, quase desmoronando. Senti a mão de

alguém no meu braço, me firmando, mas era Dimitri.

Javier sequer olhou para mim.

— É importante que não se esqueça do combinado. Ela precisa ficar

escondida. Meu irmão vai encontrá-la. Conheço Ilya e o quão determinado


ele pode ser por algo que quer muito. E ele a quer. Isso não pode acontecer.

Queria gritar que isso era um absurdo, que eu também queria Ilya e

que tínhamos o direito de ficar juntos. Mas eu entendia o ponto de Kolya.

Assim como o irmão ele também era um protetor, só que cada um da sua

forma. Ele dera um jeito de me salvar, mantendo Ilya em segurança, o que

dizia e muito sobre quem ele era por trás da fachada séria e sisuda.

— Estou ciente. Vamos fazer todo o possível para que ela se

mantenha incógnita.

— Se Ilya sequer chegar perto dela, Pavel vai chegar primeiro e vai

causar um estrago.

Javier respirou fundo.

— Não vai acontecer.

Kolya assentiu, e eu percebi que Dimitri ainda mantinha a mão no

meu braço, como se, a qualquer momento, precisasse me puxar para si e me

tirar do alcance de Javier.

Só que ele não podia fazer isso para sempre, tanto que meu irmão

segurou o meu outro braço, com mãos gentis, mas ainda sem olhar para

mim.
O que estava acontecendo? Por que tanta indiferença?

Dimitri me soltou com hesitação, e eu fui andando ao lado de Javier

para o carro que estava parado do outro lado. Sem despedidas dos irmãos

Kravtsov. Sem... adeus. Assim como não pude me despedir do meu Ilya –

meu ursão gentil.

Deixei que as lágrimas que estavam presas caíssem, esperando que

ninguém as visse. Tinha passado dias com aqueles dois, mas não sabia

absolutamente nada sobre eles. Nem mesmo de Dimitri, que era o mais

legal comigo, mais delicado. Não conversamos; eles apenas me ajudaram a

me recuperar, me fazendo comer, me hidratar, e depois pegamos um voo

longo, da Rússia até o México.

E era isso.

Eles tinham sido personagens importantes da minha história, mas

existiram nela só de passagem. Com quantas outras pessoas isso não

acontecia?

Eu jamais iria esquecê-los. Assim como não esqueceria Ilya, mas de

uma forma diferente.

Passo a passo, fomos nos aproximando do carro, enquanto eu sentia

que não conhecia o homem ao meu lado, embora ele fosse meu próprio
irmão. Meus pensamentos estavam tão acelerados, tão desconexos, que uma

coisa completamente banal surgiu sobrepondo-se às outras.

Parei de caminhar subitamente e girei o corpo, sentindo mais fios de

cabelo se soltarem e atingirem meu rosto.

— O que é moi rys? — perguntei aos irmãos de Ilya. — Em russo...

qual o significado?

Eles pareceram um pouco perdidos por alguns instantes, mas


Dimitri foi quem respondeu:

— Meu lince.

Se alguém tivesse enfiado uma faca no meu coração, teria sido

menos doloroso. Eu sabia que ele me chamava assim em referência aos


meus olhos, mas fora sempre tão carinhoso e terno ao usar o termo que

soava como a coisa mais romântica possível.

Depois de tirar a dúvida, finalmente segui com meu irmão e

entramos no carro.

Éramos dois desconhecidos em meio a um espaço confinado. O

silêncio era desconfortável, era quase tóxico. Eu não sabia como puxar
assunto. Não sabia como simplesmente dizer que ele tinha roubado cinco
anos da minha vida; que me levara a situações traumáticas e que por muito
pouco não tinha sido pior.

Eu queria jogar tudo isso na cara dele, mas não sabia o que ele iria
fazer dali em diante. Não imaginava sequer para onde estávamos indo.

Foram uns vinte minutos calada, engolindo toda a mágoa. Quando


saltamos, entramos na casa para onde ele me levou, e a primeira coisa que

aconteceu foi Javier me puxar para seus braços e me apertar contra eles, da
maneira mais emocional possível.

— Ale!!! Ale!!! Meu Deus, eu não acredito que você está aqui! Que
está de volta comigo!

Fiquei presa em seus braços, meio imóvel, meio que sem saber
como reagir. Podia colocar os braços ao redor de sua cintura, mas não fazia

ideia do que estava acontecendo. Até aquele momento Javier não fora nada
além de seco e indiferente comigo.

Eu sempre me senti pequena em seus braços, mas meu irmão tinha


crescido naqueles últimos cinco anos. Ombros mais largos, peitoral amplo.

Por que eu deveria me sentir tão segura, com seu cheiro familiar, se Javier
não fizera nada até aquele momento para que eu confiasse que iria me

proteger?
Afastou-me de si, segurando-me pelos braços, me olhando nos
olhos.

— O que eles fizeram com você? — rosnou, provavelmente vendo

os machucados no meu rosto. A mordaça de ferro tinha deixado algumas


marcas, principalmente porque havia dias mais quentes. Eu teria que cuidar
um pouco da pele, na altura do queixo, mas isso não importava. A última

coisa que eu queria na vida era ser bonita.

A minha aparência só me proporcionou coisas ruins.

Menos Ilya. Mas eu tinha a impressão de que ele teria gostado de


mim mesmo se eu fosse menos atraente.

Javier começou a me vasculhar por inteiro, me virando de um lado

para o outro. Assim que pousamos no México, o tempo estava um pouco


mais quente do que na Rússia, então eu consegui tirar o casaco que Dimitri

comprara para mim. Meus braços estavam todos à mostra, principalmente


meus punhos esfolados.

— Alejandra! O que fizeram com você? Eles... te tocaram? Te


violaram?

Desvencilhei-me de seus braços, dando passos para trás.


— Como acha que tem o direito de ficar indignado por qualquer

coisa, sendo que foi o causador da minha desgraça? — perguntei com


rancor.

Jurei que tinha perdoado, que a mágoa não era mais tão relevante,
mas ao vê-lo diante de mim, depois de tudo pelo que passei naquele último

mês, tudo retornou com força total.

E talvez nem fosse ele o objeto da minha raiva naquele momento,

mas acabei descontando.

Ele passou a mão pelos cabelos, respirando fundo.

— Nós precisamos conversar. Tudo o que você pensa que aconteceu


não passa de um mal-entendido.

— Foi o que Nikolai me disse, mas ainda não entendo como possa

ser possível.

Eu me lembrava do dia em que os homens chegaram. Eles

invadiram a minha casa no meio da noite, num horário em que Javier


estava. Disseram que ele tinha aberto a porta, que me entregara, e, de fato,

não houve briga, não houve luta. Deixou que me levassem... só isso.
— Eles falaram... que você me vendeu — afirmei, chorando. —

Tudo aconteceu e você não me protegeu. Como entraram na nossa casa,


Javi? Você estava lá!

— Eu estava, Ale. Mas não fui eu que te vendi! Você se lembra da


Chica?

Eu me lembrava dela, é claro. A mulher que trabalhava para nós

desde que eu era pequena.

Um arrepio percorreu minha coluna enquanto eu assentia,


respondendo a Javier.

— Ela me drogou, Alejandra! Eu estava dormindo pesado quando

eles chegaram para te buscar. Só soube do seu desaparecimento no dia


seguinte, e mesmo assim ela tentou me convencer de que não sabia de nada.

Te procurei como louco por meses. Até descobrir a verdade... — Ele fez
uma pausa. — Foi ela que te vendeu. Ganhou um dinheiro tão bom por isso

que se demitiu e nunca mais a vi. Nem sei se está viva ou morta, mas eu
juro que vou matá-la se a encontrar.

Precisei dar alguns passos para trás, para me apoiar na parede mais
próxima.
Tudo em que acreditei durante cinco anos era uma mentira? O ódio
que eu senti do meu próprio irmão, de uma das pessoas que eu mais amava

na vida, fora infundado?

A mágoa que inflava o meu coração não deveria existir, mas a

alimentei por tanto tempo que não sabia mais como viver sem ela.

— Eu... eu não sei o que dizer... — falei em um sopro de voz, e vi

uma mulher vindo na nossa direção.

Ela não deveria ser muito mais velha do que eu, e também tinha

cabelos castanhos, compridos. Era muito bonita, mas não a conhecia.

— Não precisa processar tudo isso agora. Acho que o que mais

precisa é descansar — meu irmão falou, enquanto eu assentia, me sentindo


zonza. — Esta é Helen. Ela vai cuidar de você, te mostrar o seu quarto.

Acho que vai ficar mais à vontade com uma mulher, depois de tudo o que
aconteceu.

Novamente assenti, perdida, sentindo as mãos de Helen nos meus


braços.

— Amanhã, quando você acordar, tenho muito a te mostrar. Muito a

te dizer. Acho que... vamos fazer uma diferença juntos.


Do que ele estava falando?

Eu não fazia a menor ideia, para ser sincera.

Mas naquele momento nem tentei discutir, só deixei que a garota me

guiasse pelas escadas da casa, até um cômodo, em que entramos, deixando


meu irmão e toda a sua história na qual eu ainda não sabia se acreditava

para trás.
Capítulo 24

Há muitos vícios para te manter submerso


Na ilusão do tempo
Para te afastar das melhores coisas da vida
Para te manter na linha de frente
Para te proteger da tua própria luz
Para te quebrar até que queiras morrer
Eles se alimentam do teu medo para sobreviver
CHILDREN OF LIGHT II – MEG MYERS

ALEJANDRA ZAVALA

Helen lançou um olhar para o meu irmão antes de saltar do carro, na


manhã seguinte. Nós saímos logo depois de tomarmos café da manhã, feito

por ela.

De início, achei que ela apenas trabalhava para Javier, mas os

olhares que trocavam e o tipo de intimidade com que conviviam, como se


tocavam quando pensavam que eu não estava observando, me contava outra

história.

Não era nem lógico eu pensar que ela era muito jovem para ele, com

seus dezenove anos, porque a minha diferença de idade para com Ilya era

maior ainda.

Assim que ela bateu a porta e saiu andando em direção à casa

enorme na qual tínhamos estacionado em frente, senti Javier pigarrear. Ele

ainda estava com uma das mãos no volante, mesmo que já tivesse desligado

o motor do carro, como se precisasse fazer algo com elas.

— Sei que já não confia mais em mim há um bom tempo, mas eu

preciso confiar em você. Preciso de você. — Continuei ouvindo, prestando


atenção, mas sem saber direito o que pensar. Não conhecia mais o meu

irmão, e ainda não tínhamos conversado melhor sobre a história que me

contou no dia anterior. Fosse como fosse, mantive meus olhos presos nele,

embora ele não conseguisse me encarar. — A gente vai entrar naquela casa,

e o que você vai encontrar é algo que eu construí ao longo desses cinco

anos, como um meio de compensar por não ter te protegido.

— Javier, eu não estou entendendo...


— Vai entender. Eu trabalho para o Cartel, Alejandra, mas não da

forma como está pensando. Ramón e Raúl Morales — ele estava falando

dos irmãos, chefes da organização mais poderosa do México — não toleram

o tipo de coisa que fizeram com você. Eles sabem o que eu faço, apoiam,

me ajudam financeiramente, mas não podem se envolver... Imagino que vá

entender por quê.

— Estou ficando assustada.

— Não fique. Você vai... gostar do que vai ver... Mas antes preciso

que me prometa que nada, em hipótese alguma, vai te fazer falar sobre isso.

Nem mesmo pelo seu russo... o Ilya.

A menção do nome dele foi muito dolorosa. Imaginava que ainda

seria assim por um bom tempo, mas esperava, também, que em algum

momento passasse. Nós tivemos uma convivência de apenas alguns meses,

e por mais que tivesse sido intensa, em todos os sentidos, nenhum amor era

eterno.

Ao menos era o que eu acreditava, por tudo o que tinha visto até
então.

— Eu e Ilya... não vai mais acontecer. Não podemos ficar um com o

outro. Ele seria morto. E eu também... A família dele... — Eu queria parecer


firme, mas minha voz estava quebrando. Não era justo. Nunca seria.

— Não importa. Só quero que me prometa que vai cuidar do

segredo que vou te contar como se fosse seu.

— Prometo. — Que escolha eu tinha? Estava nas mãos de Javier, ele

era a minha única salvação.

Ao menos ele pareceu satisfeito, porque saltou do carro, e eu entendi

que poderia fazer o mesmo.

Caminhamos juntos na direção que Helen seguiu, e ele abriu a porta.

Não precisou nem fazer isso para que eu ouvisse os sons que vinham lá de

dentro. De... crianças.

Assim que o local se revelou, o que eu vi à minha frente foi um

grupo considerável de meninas – alguns poucos meninos também – e de

garotas mais ou menos da idade que eu tinha quando fui roubada da minha

própria casa. Eram pelo menos dez ou doze crianças, além de Helen e de

uma outra moça muito parecida com ela, um pouco mais jovem.

— Javi, o que é isso? — perguntei, observando tudo e todos. Alguns

me olhavam com desconfiança, outros com medo, e eu fiquei com o

coração apertado, porque nenhuma criança deveria demonstrar aquele tipo

de emoção, tão vulnerável.


— São crianças que resgatamos. Eu e um grupo de amigos. Elas

teriam o mesmo destino que você.

Meu coração parou no peito.

Comecei a caminhar em meio àquelas pessoas, aos rostinhos

curiosos, que provavelmente não viam pessoas novas há muito tempo,


tentando ser cautelosa para não os assustar.

Um dos garotinhos veio correndo na minha direção, colocando-se à

minha frente. Ele não podia ter mais de quatro anos, com suas perninhas

gordinhas e o rostinho redondo de criança.

— Você é a Alejandra? — ele perguntou com uma vozinha doce.


Parecia o menos assustado de todos, com os olhinhos muito abertos.

Agachei-me, tentando ficar o máximo de sua altura, com o coração

derretendo.

— Eu sou. Você me conhece?

O pequeno balançou a cabeça. Havia um ursinho marrom em seus

braços, que ele agarrava com força.

— Tio Javi fala muito de você. Que você viria e que também

ajudaria ele a cuidar da gente.


Lancei um olhar para Javier, ainda com o coração acelerando e a

respiração falhando.

— Este é Diego. — Javier se aproximou, pegando o garotinho nos

braços e o erguendo. — É um garotão esperto, que come como um touro, e

que eu tenho certeza de que vai ser crescer bastante — ele falou com o

menino com muito carinho.

— Vou ser grande que nem você, tio.

— Ah, eu não tenho dúvidas!

Enquanto ele ainda mantinha com o menino no colo, outras crianças

foram se aproximando e também cumprimentando meu irmão. Ele falava

com todas elas e foi aproveitando para me apresentar cada uma.

Uma das meninas se chamava Eva, e tinha treze anos. Sua irmã,

Serena, tinha quinze, e as duas eram irmãs de Helen. O resto consistia em

pequenos que foram resgatados.

Fiquei encantada com cada um deles e com a forma como foram se

aproximando aos pouquinhos de mim. Diego tinha uma irmãzinha de um

ano e meio, que era a coisinha mais preciosa, e se chamava Mercedes – ou

Mercy, como era chamada. Eles dois ganharam o meu coração porque eram
tão carinhosos e tão entregues, carentes, que minha vontade era mantê-los

comigo o tempo inteiro.

Almoçamos todos juntos e depois, mais tarde, eles ficaram sob os

cuidados de Serena e Eva, que eram as maiorzinhas, além de duas mulheres,

que estavam responsáveis por eles na ausência de Javi e Helen. Fui levada

até o terceiro andar do casarão, onde ficava um sótão. Ao entrar lá, percebi
que se tratava de uma espécie de escritório, onde nós nos acomodamos para

conversar.

— Eles são tão pequenos... — foi o meu primeiro comentário ao


pensar nas coisinhas doces que interagiram comigo minutos atrás. Alguns

mais, alguns menos.

— Diego e Mercedes, por exemplo, são filhos de uma garota que


não conseguimos salvar. Ela morreu durante nossa fuga. Ambas as crianças

são frutos de estupros — Javier me explicou.

— Meu Deus... Mas tem meninas de nove, oito anos...

— Todas elas foram roubadas de suas famílias e as estamos

localizando para devolvê-las — foi Helen quem falou. Ela se sentou sobre a
mesa, do lado de Javier, muito segura de si, muito profissional. — Já

devolvemos muitas, mas algumas ficaram, porque não confiamos nos pais.
— É possível que eles tenham vendido as próprias filhas? — Aquilo
ainda me chocava.

— Bem... você achou por muito tempo que eu tinha feito isso com
você.

Assenti, compreendendo aonde ele queria chegar.

— Mas sobre as crianças, temos dez atualmente, sem contar com

Eva. Serena, Jackie e Ariella que cuidam delas, mas ainda é pouco.

— Helen não fica aqui? — perguntei, e a garota sorriu.

— Não. Eu sou de campo. Como Javi e os outros.

— Quem são os outros?

Javier se remexeu na cadeira, antes de responder.

— Somos um grupo de quatro. Precisamos de mais gente, se


quisermos expandir. Se quisermos salvar mais pessoas. Mais crianças.

— Como é feito esse trabalho?

— Temos acesso a informações de dentro do Cartel, já que tanto


Javi quanto os outros trabalham para os Morales. Existe um código para

cada tipo de mercadoria que é entregue — Helen falou com desdém. —


Quando há mulheres ou crianças no meio, o código é diferente. É aí que
somos avisados e entramos em ação. Nós os pegamos durante o translado.

— Como conseguem essas informações?

— Com os próprios Morales, às vezes, ou com homens próximos a


eles. Querem a droga, mas não querem se envolver com tráfico humano —

meu irmão explicou.

— Eles não são santos.

Tanto Javier quanto Helen riram.

— Claro que não. Nenhum de nós é. Nem o seu Ilya, hermanita. Só

que há limites que não cruzamos. Ramón e Raúl têm irmãs. Duas meninas.
O pai deles comprou a esposa, mãe de seus filhos, e ela sofreu a vida inteira

na frente deles.

— As pessoas têm camadas, Alejandra. Não se pode colocar uma

pessoa, por ser da máfia, em um rótulo. Você mesma poderia decidir odiar
todos os mafiosos russos pelo que aconteceu, mas imagino que não seja

assim, não é? — Helen complementou a fala do meu irmão, em total


sintonia com Javier.
E ela estava certa. Eu não odiava aquelas pessoas, especialmente

quando três deles me salvaram, cada um à sua forma. Pavel era um


monstro, mas não era o caso de todos.

Até mesmo Nikolai, que era mais sério e que deixara bem claro que
eu não poderia mais ver Ilya, nem chegar perto dele, estava buscando uma

forma de nos proteger. A mim e ao irmão.

Fomos interrompidos por um bater na porta. Uma das mulheres, que

eu sabia ser Jaqueline – ou Jackie, como a chamavam – colocou a cabeça


por entre a fresta.

— Pode vir aqui, Javi? — ela perguntou, e meu irmão deu um pulo
da cadeira, levantando-se e atendendo ao seu chamado.

Fiquei sozinha no cômodo, com Helen, que ficou me observando


antes de falar qualquer coisa.

— Ele sofreu anos por você, sabe? — ela começou a falar. — Devo
minha vida a Javier. A minha e das minhas irmãs. — Suspirou, respirando

fundo. — Deus sabe onde eu estaria hoje em dia. Onde elas estariam.

— Isso faz quanto tempo?


— Dois anos. Eu tinha acabado de fazer dezoito quando nos

pegaram. Nosso pai nos vendeu.

Ergui a sobrancelha, ainda mais surpresa por ela ter falado aquilo
como se não fosse uma informação horrível.

Dias atrás, eu poderia dizer que não me surpreendia, mas ao


descobrir que Javier não fora o responsável por eu ter sido vendida, era

mais difícil pensar que um pai seria capaz de fazer isso com três filhas.

— E então vocês... — Era uma intromissão da minha parte, mas ela


estava conversando, falando sobre si.

— É, nós nos apaixonamos. Ele nos protegeu e me treinou, porque a

última coisa que quero na minha vida é ficar novamente indefesa. Nem
deixar minhas irmãs na mesma situação. Eu estava muito traumatizada, e a

forma como ele lidou comigo me salvou também. — Helen colocou a mão
no meu ombro, depois de se levantar de onde estava sentada. — Seja bem-

vinda ao nosso grupo, Alejandra. Deixe que a gente cuide de você, contanto
que cuide de nós também.

Helen saiu caminhando até a porta, me deixando sozinha.

Eu nem precisava pensar. Se a situação fosse mesmo aquela, eu

queria ajudar. Seria uma forma de esquecer meus próprios traumas e meu
coração partido.
Capítulo 25

Nós não somos invisíveis


Nós somos os estranhos no corredor
Leve você para o subterrâneo
Onde as sombras solitárias são finalmente encontradas
HERE COME THE MONSTERS – ADONA

Estrada de Monterrey-Nuevo Laredo (México) – Dois anos depois

ALEJANDRA ZAVALA

Aquela era uma estrada conhecida como La Carretera de la Muerte –


a estrada da morte. Repleta de cemitérios clandestinos, era o palco de

assaltos, assassinatos e uma via de passagem para carregamento ilegal.

Eram 219km de puro horror, escuridão e com uma aura muito pesada.

Não era a primeira vez que montávamos guarda por ali, aguardando

uma denúncia feita por alguém do alto escalão do Cartel. Nem sempre
sabíamos se a fonte era confiável, e já tínhamos quase caído em armadilhas,

mas éramos bem-treinados para isso.

Estávamos em dois carros, e eu estava acompanhada de Blaze, um

dos melhores amigos do meu irmão; um americano que crescera no México

e acabara se aliando ao Cartel junto de seus dois irmãos, Orion e Axell –

todos os três acabaram parando no nosso grupo, que era chamado de Ojos

de la Noche – ou Olhos da Noite. Javi e Helen aguardavam no outro,


enquanto os outros dois esperavam em outro canto da estrada, a postos, para

o caso de precisarmos.

— Michael Jackson ou Elvis? — ele perguntou, do nada, o que me


fez sorrir. Eu tinha formado dupla com Blaze exatamente porque nós dois

éramos os mais jovens do grupo, embora ele tivesse uns cinco anos a mais
do que eu.

Ele era bem-humorado, meio cínico, meio canalha, mas nos

dávamos bem. Quando estávamos esperando para dar cabo de uma missão,

ele começava com aqueles joguinhos, o que me distraía. Foi ele que me

manteve sã na primeira vez em que saímos em campo para resgatar duas

mulheres da minha idade que foram levadas e que seriam escravizadas se

não fosse por nossa ajuda.


Desde que fui entregue a Javier, minha vida tinha ganhado um

propósito diferente. Era violenta, cruel, e eu recebia choques de realidade

todos os dias.

Sabia que tinha sido uma das sortudas, apesar do mês terrível que
passei em poder de Pavel e da Bratva. Encontrar Ilya fora uma grande sorte,

porque àquela altura eu poderia estar casada e submetida a dar herdeiros a

um homem por quem sentia asco.

Ou, se não fosse comprada por Pavel, eu teria sido levada a algum

bordel, obrigada a vender o meu corpo sem ganhar um único centavo por

isso. Seria submetida a um esquema muito assustador, que enriquecia

muitos e matava mulheres todos os dias.

Naquela noite era sobre uma criança. Uma só. Mas lutaríamos por

cada uma delas.

— Incapaz de escolher. Por que não posso ter um pouco de cada

um? As músicas estão aí, é só dar play.

— Garota esperta. Por isso é a minha favorita.

Eu sabia que Blaze tinha uma quedinha por mim, sempre insistia

que poderíamos nos divertir juntos, mas só isso. Ele gostava de sexo sem

compromisso, o que não era a minha praia.


Tanto que eu fiquei calada por algum tempo, depois de sorrir com

sua resposta, e ele pareceu entediado, trazendo o assunto à tona.

— Você ainda sofre? Por ele, no caso...?

Blaze nem precisava explicar de quem estava falando.

— Sim. Ainda penso nele. Não todos os dias, mas quase todos —

respondi, com um sorriso. Meu cabelo estava preso em um rabo de cavalo,

então eu o ajeitei só para ter o que fazer com as mãos.

Uma música do Aerosmith começou a tocar no rádio, e eu vi meu

amigo tamborilar os dedos no volante, no ritmo.

— Não imagino como possa ser esse tipo de amor. Nunca senti nada

parecido. Como Javi sente por Helen, por exemplo.

— Um dia você vai sentir.

Dando de ombros, ele ajeitou o boné que usava na cabeça, cobrindo

seus cabelos castanhos claros. Ele tinha heterocromia, um olho de cada cor,

e dizia que esse era o seu charme.

— Não faz muita diferença também. Eu não largaria essa vida por

nada, e acho difícil uma mulher que entenda o que fazemos.

— Bem... algumas de nós entendem.


— Mas algumas de nós não me dão bola. — Ele deu uma piscadinha

para mim, sorrindo aquele sorriso sexy que poderia deixar qualquer uma de

pernas bambas.

Uma que não fosse completamente apaixonada por um russo

enorme, que mais parecia um urso, que a beijara em cada vez com se fosse

a última e que a tocara como se eu fosse a coisa mais valiosa a ser venerada.

Cheguei a estremecer só de pensar.

— Olha... tem um caminhão vindo... — Blaze comentou, olhando

para o espelho retrovisor, e começamos a nos colocar em alerta.

Abri o porta-luvas, tirando a arma de lá, ficando com ela na mão.


No meu tornozelo eu tinha um pequeno punhal, que ficava lá, guardado,

caso fosse necessário. Não só para atingir um adversário, mas também para

usar em mim, se alguém me capturasse.

As coisas aconteceram como sempre. Interceptamos o caminhão, em

meio à estrada deserta, e não deixamos testemunhas. Helen era sempre

muito visceral. Por mais que tivéssemos nos tornado amigas, ela quase

nunca falava sobre o que a levara até ali, mas eu sabia que gostava de fazer
tudo com as próprias mãos, usando suas duas adagas – com as quais ela era
muito boa –, como se precisasse causar dor para se libertar do próprio

sofrimento.

Era sua terapia.

Ela foi a primeira a saltar do carro e correr, como uma sombra, para

o lado do motorista, depois que o caminhão foi parado. Escalou a porta,

quebrando o vidro e usando a adaga no pescoço do homem.

Ao mesmo tempo, eu e Blaze saltamos também, usando nossas

armas.

Eram três homens na frente, e dois saíram da caçamba. Esses dois

atiraram, acertando Orion, mas estávamos de colete à prova de balas. Ele

chegou a grunhir, mas nem foi ao chão.

Eu e Blaze entramos na caçamba, enquanto os outros guardavam a

estrada, para o caso de mais alguém surgir. Imaginamos que isso não

aconteceria porque se tratava de uma única criança.

Para nós, isso era o suficiente.

Abaixamos as armas, como sempre fazíamos quando íamos nos

aproximar de uma vítima, e eu tomei a dianteira. Por mais que houvesse

mulheres que também participavam, que ajudavam a traficar crianças, era


um pouco mais difícil. Blaze sendo um cara grandão como era, poderia

assustar a menina.

Fui caminhando devagar, chamando-a pelo nome:

— Crystal? — chamei com a voz mais doce possível. Era sempre eu


que era enviada para o primeiro contato com as crianças, porque era mais

paciente.

Não que Helen não fosse, mas em missões, sabíamos que ela ficava
muito mais à flor da pele.

— Crystal? Está tudo bem. Nós viemos te salvar. Meu nome é


Alejandra. Vamos cuidar de você.

Ouvimos um barulho, e eu e Blaze nos entreolhamos.

Dei só mais um passo, e ouvi passinhos vindo em minha direção.


Arregalei os olhos ao observar uma coisinha muito pequena. Muito menor
do que eu pensava que fosse.

Aquela menininha não tinha mais do que uns dois anos e meio.

Ela correu até mim e agarrou minhas pernas, com o corpinho todo
trêmulo. Nós sabíamos que a mãe dela tinha morrido tentando salvá-la, mas
não queria nem pensar no que aquela garotinha tinha visto.
Agachei-me e a peguei no colo, e ela se agarrou também ao meu
pescoço.

— Está tudo bem, querida. Tudo bem...

Coloquei a mão em sua cabecinha e novamente olhei para Blaze,

preocupada.

Levei a pequena para o carro, e nós partimos para casa.

Era uma viagem de treze horas, de um local para o outro, então


fizemos duas paradas para que a criança pudesse ir ao banheiro e comer.

Fingimos que ela era nossa filha, e como ela era muito boazinha cooperou
em tudo, principalmente porque parecia cansada e dormiu quase o tempo

todo.

Desde que eu tinha chegado para trabalhar com o grupo do Ojos de


la noche, muitas crianças foram devolvidas aos pais. Outras foram adotadas,

por famílias decentes. Conosco permaneciam apenas Eva, Serena, Diego,


sua irmãzinha Mercedes e mais duas crianças, que tinham entrado há pouco
tempo, além do filhinho de Jaqueline.

A rotatividade era grande, então uma das maiores regras que

estabelecíamos era não se apegar a nenhuma delas.


Só que por Diego e Mercedes fora impossível me manter
indiferente. Eles eram tão doces, tão amáveis... e eu sentia que me viam

como sua mãe, embora nunca me chamassem assim.

Um dia, se eu tivesse a oportunidade... eu mesma os adotaria. Mas


ainda não tinha condições de cuidar de mim mesma quanto mais me tornar
responsável oficial daqueles anjinhos.

O problema era pensar que a pequena Crystal poderia ser outro

“problema” – embora essa não fosse a palavra certa a ser usada. Durante
todo o percurso para casa, ela se agarrou a mim e não quis me soltar. Nem

mesmo para tomar banho com Serena; nem mesmo para dormir.

Só quando já estava novamente exausta que consegui me separar


dela, colocá-la no colchão, apagada, e me afastar.

Fiquei observando-a por um tempo, quase com medo de que

acordasse e não me visse por perto, encantada com seu rostinho, os cabelos
castanhos, a bochecha rosada. Talvez estivesse um pouco abaixo do peso,

mas isso iríamos resolver.

Assim como Diego e Mercedes, ela não tinha mais ninguém. Teria

que ser adotada, o que era um processo muito mais complicado.


Saí do quarto me sentindo cansada, me reunindo com os outros na

área externa da casa.

Jaqueline me entregou uma cerveja, e eu me sentei no sofá, ao lado

dela, encostando a cabeça em seu ombro. Tínhamos formado uma amizade


tão forte, com uma convivência tão intensa, que era como se elas fossem

minhas irmãs.

Helen estava sentada no colo do meu irmão, e eu também sentia

como se nos conhecêssemos há muito tempo. Ela me respeitava e gostava


de mim principalmente porque sempre cuidei de Eva e Serena, inclusive

contando história de Ilya para elas, que ainda acreditavam em amor, mesmo
tendo passado por tudo que passaram.

— A pequena grudou mesmo em você, Ale — Axell, um dos


rapazes do grupo, falou.

— Demais até. Ainda não entendi o porquê.

— Você foi a primeira pessoa que ela viu, né? A pessoa que a salvou

— Helen opinou.

— Ei, eu estava lá também. Não acham que ver um cara bonito


como eu poderia ter deixado a menina apegada a mim?
A reação ao comentário de Blaze foi a mesma: quase todos

reviraram os olhos, e Orion deu um tapa no boné dele. Sabíamos que ele
falava essas coisas de brincadeira. Não era um arrogante, pelo contrário.

— Falando sério, Ale... a mãe dela tinha o mesmo biotipo: cabelos


longos, castanhos, olhos claros. Claro que a menina criou uma associação

— Javier, sempre muito lógico, explicou.

— Você só tem que tomar cuidado — Orion, o mais sério do grupo,


falou com sua voz forte. — Em algum momento, vão ter que ser separadas.

Esta deveria ser a melhor parte: quando as crianças iam embora,

porque tinham sido adotadas ou devolvidas às suas famílias. Por algum


motivo, Diego e Mercedes sempre ficavam. Eu nunca entendia como

crianças tão lindas e adoráveis podiam nunca ser escolhidas, embora outras,
mais velhas, já tivessem saído. A pequena Crystal seria diferente?

— Não quero pensar nisso agora. Estou feliz por termos conseguido

salvá-la.

— Isso aí! — Jaqueline ergueu a garrafa dela de cerveja, propondo

um brinde. — A mais um trabalho bem-sucedido.

Tentei sorrir, comemorando com meus amigos – que tinham se

tornado minha família –, mas sem conseguir tirar os pensamentos da


menininha perdida que encontramos e que precisaria de tanto amor.

Foi difícil, particularmente, porque eu e Javier precisávamos viajar

na noite seguinte e passar dois dias nos Estados Unidos, mais precisamente
em Los Angeles, para tentar descobrir algumas informações sobre mais um

caminhão que sairia de lá para o México, em uma semana. Haveria um


evento do qual precisaríamos participar, e iríamos de forma oficial, a mando

de Ramón Morales.

Javier poderia levar Helen, mas ela não queria colocar os pés nos

Estados Unidos de forma nenhuma, porque tinha traumas a respeito do


lugar. Jaqueline não iria sem o filho. E qualquer um dos rapazes chamaria

muita atenção.

Uma mulher era a melhor escolha, então eu iria.

Quais as chances de dar alguma merda? Estados Unidos era um país


grande o suficiente para que eu não precisasse ter medo de esbarrar em Ilya,

nem em qualquer um de seus amigos. Seria uma única noite. Uma única
festa. Um local fechado, uma festa privada.

As meninas me ajudaram a escolher o vestido, e eu decidi por um


tom quase da cor dos meus olhos, meio bronze, meio cobre, delineando

minha cintura, alguns brilhos, e uma estola transparente. Eu não precisaria


fazer absolutamente nada, além de acompanhar meu irmão. Ninguém
saberia quem eu era, e seria apresentada com o nome que eu vinha usando

nos últimos tempos: Ana Garcia – usando o sobrenome das minhas amigas.

Minha função era estar lá, caso desse algum problema. Caso meu

irmão precisasse de ajuda, embora fosse apenas para observar o suposto


mandante do carregamento, que aparentemente envolveria o sequestro de

algumas garotas.

Ainda assim, eu me sentia linda quando saí do hotel. Muito mais


bonita do que há muito tempo senti. Meu corpo ganhara um pouco mais de
músculos e força desde que Ilya começara a me treinar, o que ajudava os

contornos do vestido a ficarem mais corretos.

As meninas tinham me emprestado alguns produtos de maquiagem,

e eu tinha pegado um tutorial no Youtube, o que consegui reproduzir da


forma mais simples possível. Escovei os cabelos, deixando-os cair pelas
minhas costas, lisos, pesados e longos.

Respirei fundo conforme subíamos as escadas para o salão onde o


evento aconteceria, enquanto pensava novamente: o que de errado poderia
acontecer?
Capítulo 26

Quando os lobos estão rondando


E a luz está ficando fraca
O que você estava pensando, quem leva a culpa?
Você não vai me dizer
Qual é o seu limite?
ENDGAME – KLERGY

ILYA KRAVTSOV

Se tinha uma coisa que eu odiava era precisar andar todo embecado.

Naquela noite fui obrigado a colocar uma camisa social e um blazer, grato

por não precisar me aventurar em uma gravata. O evento era chique, mas

não formal o suficiente para smoking e essas merdas todas.

Eu teria que ir acompanhado de Enrico Preterotti, chefe da máfia de

Los Angeles. Ele iria com sua esposa, Sienna, e por mais que fossem boas
companhias, me senti entediado desde o momento em que saltei do carro.
Além dos ternos, eu também odiava eventos como aquele. Eram

raras as ocasiões em que era convocado, mas a Cosa Nostra estava com

alguns problemas para lidar com uma pequena intervenção do Cartel, que

decidira montar uma sede no meio de Los Angeles, envolvendo tráfico

humano no meio. Aquela era a cidade do pecado, onde lindas garotas


aportavam para tentar a chance em Hollywood, prontas para serem

enganadas por promessas perigosas.

Este era um assunto que mexia pessoalmente comigo, e eu aceitei a

missão, quando Enrico me chamou, mesmo que fosse só algum tipo de

intimidação. A imagem de Alejandra me assombrava, porque sempre que

eu fechava os olhos, eu ainda a via dentro daquela caixa, em um porta-

malas, com os olhos de lince assustados, pronta para ser vendida como uma

mercadoria.

O objetivo da minha vida era encontrá-la. Eu realizava trabalhos

para a Cosa Nostra, e isso era o que me mantinha são. O pagamento era

muito bom, acima da média, mas eu não precisava de dinheiro. Não quando

tinha uma herança absurda, que nunca quis, deixada pelo meu pai.

Ainda assim, os homens da Cosa Nostra eram generosos com quem

lhes eram leais, e eu tinha escolhido ficar do lado deles, porque tínhamos
nos tornado amigos, principalmente depois de Giovanni e Dominic me

pouparem.

A cada intervalo de missões para as quais eles me chamavam, eu

usava meus recursos para tentar reunir informações. Ela parecia ter
desaparecido como um fantasma, e eu não tinha sequer a noção se estava

mesmo viva ou morta.

Consegui, uma vez, pegar um dos homens que trabalharam para

Pavel quando ela foi levada. Eu o torturei por dias, pregando suas mãos na

parede e usando de todos os métodos possíveis para arrancar informações

úteis, mas tudo o que ele me dissera foi que eles a tinham jogado em uma

cela, que ela poderia ter morrido lá dentro pela forma como estava sendo
tratada.

Fazia dois anos. Eu temia que estivesse ainda naquele lugar. Por

mais que fosse terrivelmente doloroso pensar em sua morte, às vezes eu

torcia para que Deus – se é que existia um – fosse benevolente e a tivesse

levado para o paraíso, para que deixasse de sofrer.

— Ilya? — a voz graciosa de Sienna me trouxe de volta. Senti sua

mão em meu braço e voltei meus olhos na direção dela. — Você está bem?
Era, sem dúvidas, uma das mulheres mais bonitas que qualquer um

já tinha visto. Os cabelos ruivos longos chegavam quase à sua cintura, os

olhos verdes eram cristalinos, e ela tinha uma elegância de quem nasceu em
berço de ouro e foi criada como uma princesa.

Ela sabia sobre Alejandra. Todos eles, na verdade. Quando Enrico

me chamou, ele o fez com todo o cuidado, por conta do quanto o assunto

me afetava.

— Estou. Vamos em frente.

Assim que entramos no salão, eu peguei uma taça de champanhe,

entornando-a.

— Não é uma boa vodca, infelizmente — comentei com Enrico, e

ele abriu um meio-sorriso. O sombrio chefe de Los Angeles só guardava

seus sorrisos para a esposa.

— Não, não é. Mas até que você tem se acostumado muito bem com

os nossos uísques.

— Hummm — soltei um resmungo, dando de ombros. — Quando

não se tem coisa melhor, até pode servir. Um dia vou te levar a Moscou e

vamos beber juntos até cair.


— Vai ter que pagar essa promessa.

Eu poderia tentar, mas a verdade era que eu mal tinha coragem de

pisar na Rússia desde que tudo aconteceu. Desde a última vez que vi meus

irmãos.

Tinha retornado por pistas a respeito de Alejandra, mas se não fosse


por ela, eu não pretendia colocar os pés no país tão cedo. Não se isso fosse

colocar minha família em perigo.

Separei-me do casal, que precisava fazer sua social de praxe e fui

me misturando às pessoas. Este seria o meu trabalho: em meio a todos

aqueles rostos, encontrar o do filho da puta que nos daria informações sobre

o tráfico de mulheres que vinha acontecendo de forma descarada por aquela

cidade.

Peguei mais uma taça de champanhe, além de alguns canapés. Já

que estava numa merda de festa de rico, ao menos ia fazer valer minha

presença.

Encostei-me em uma pilastra, aproveitando da minha altura

considerável para observar o local por inteiro, me sentindo como se fosse


um segurança particular. O que não me preocupava. Provavelmente minha

família tinha muito mais dinheiro do que boa parte daqueles babacas, mas
muitos me olhavam como se eu estivesse deslocado ali, mesmo com um

terno que custava o salário de um dos garçons.

A barba, o cabelo longo – mesmo preso em um coque –, minha

altura e o fato de eu ser tão corpulento, me deixavam muito em evidência.

Para o bem e para o mal.

Uma mulher não demorou a se aproximar. Ela era bonita, talvez um

pouco mais velha do que eu, com um balançar sensual dos quadris.

— Eu não conheço você... — ela comentou, com uma voz sensual.

— Não sou daqui — respondi, e a mulher quase suspirou ao ouvir o

som da minha voz.

— Reparei. É um refresco em meio aos engravatados convencionais

que temos por aqui. Embora, o seu amigo, o belo Enrico Preterotti, também

seja um deleite para os olhos.

— Imagino que considere o mesmo da esposa dele — foi uma


resposta um pouco atravessada, mas tentei ser o máximo gentil possível.

— Sim, uma beldade — disse com desdém. — Mas voltando a falar

sobre você... tem nome?


— Tenho — respondi, com um sorriso, sem dizer o que ela queria

ouvir.

A mulher ergueu a sobrancelha, surpresa com a minha indiferença.

— Eu sou a Martha. Viúva.

— Pensei que estávamos falando sobre nomes.

— Sim, mas gostaria de saber o seu. E se você está disponível.

— Não, não estou. Lamento.

Ela ficou novamente surpresa, tanto que engoliu em seco e olhou


para a minha mão. A única coisa que eu usava nela era o anel dos Wildfire,

que nunca mais tirei do dedo, desde que fui presenteado por eles.

— Casado não é.

— Não. Mas não estou disponível — fui um pouco mais enfático,


esperando que ela compreendesse.

Em outro momento da minha vida, eu poderia ter aproveitado a


oportunidade. Mesmo trabalhando, poderia fazer a minha parte e depois

tentar a sorte com a bela Martha. Seria divertido, sem dúvidas,


principalmente por ela parecer estar muito empolgada.
Seria uma forma de aliviar o meu estresse e de me entreter.

O problema era que eu realmente não me sentia disponível.

Alejandra fora tirada de mim. Nós não terminamos, nenhum dos


dois queria que o relacionamento fosse destruído. Enquanto eu não

descobrisse que ela estava morta, não conseguiria me relacionar com


mulher nenhuma.

Percebendo que eu permanecia firme, que não tinha a menor


intenção de mudar de ideia, ela se afastou, aproximando-se de outro

homem, um pouco mais jovem do que eu.

Eu não queria ver Martha flertar com alguém, por isso meus olhos

se afastaram, seguindo para um ponto próximo, me levando a ver uma


pessoa de costas. Meus ombros ficaram tensos imediatamente, porque o que

eu conseguia ver era uma silhueta generosa, com cabelos castanhos caindo
lisos até uma cintura muito fina.

Eu conhecia aquele corpo. Conhecia aqueles cabelos.

Amava cada um deles.

Havia pessoas no meu caminho. Homens e mulheres que eu queria

empurrar, mas não conseguiria medir a minha força enquanto meu coração
acelerava desesperado no peito. Se tocasse em qualquer um ali, acabaria
machucando uma mulher ou homem que não tinham nada a ver com a

história.

Eu ainda não tinha conseguido ver o rosto da mulher. Ela continuava


de costas para mim, no máximo de lado, e eu tinha medo de me aproximar,
tocar nela e ver outra garota. Outra, que não a minha Alejandra.

Mas era ela. No momento em que segurou a taça, dando uma risada,

eu reconheci aquele som. Não parecia tão verdadeiro quanto aquelas que
compartilhávamos, mas era reconhecível.

Eu reconheceria aquela mulher em qualquer lugar. A minha mulher.

Tentei controlar meus instintos e agir com estratégia. Não podia

voar em cima dela nem a tirar dali carregada nos meus ombros, para tentar
exigir explicações, mas também não podia acreditar que estivesse ali,

segura, bem-vestida, rindo e participando de um evento fechado da máfia,


sem que eu não tivesse sequer noção disso.

Para mim ela ainda estava presa em um cativeiro qualquer, passando


necessidades e sendo privada do básico.

Deus, como ela estava linda. Eu era doido por Alejandra, louco por
sua beleza, mas nunca a tinha visto daquele jeito. Não tive oportunidade de
levá-la em um encontro, ou para uma festa, porque vivemos nossos breves

meses em alerta, temendo que alguém surgisse para reivindicá-la.

Acabou acontecendo da mesma forma.

Como um stalker, comecei a me movimentar quando ela também se


pôs a andar. Fui atrás, seguindo-a, só para ver o que ia fazer.

Ela andava como uma modelo em seus saltos altos, tão elegante, tão
sensual, que eu precisei passar a mão no rosto, para afastar os pensamentos

que estavam se formando na minha cabeça.

O que ela tinha feito comigo?

Ela estava dando a volta pelos fundos da casa, e eu nem imaginava o

que poderia estar querendo fazer. Quando a senti o mais longe possível dos
outros, decidi me aproximar.

Havia algo de errado na presença de Alejandra naquela festa. Ela


parecia desconfortável, vigiando os arredores, e só não tinha me visto

porque eu era muito bom em me manter incógnito quando queria, mesmo


com o meu tamanho.

Fazia dois anos que eu procurava por ela, e lá estava. Ao alcance das
minhas mãos. Tão ao alcance, que não fui capaz de me conter e precisei
estender uma delas e segurá-la.

Ela levou um susto quando a puxei na minha direção e mais ainda

quando a empurrei de encontro ao muro. Estávamos nos fundos da


propriedade, o mais longe possível dos convidados, mas achei que poderia
ser mais seguro se eu a cobrisse com o meu corpo, para que ninguém a

visse ali.

— Ilya? — Ela arregalou os olhos de tal forma que foi impossível


não pensar que eu também a afetava, assim como ela afetava a mim.

Eu queria gritar. Queria perguntar o que diabos tinha acontecido e

por que ela estava em uma festa, linda como uma deusa, enquanto eu
agonizava de preocupação com sua segurança.

Queria brigar com ela, pegá-la e a tirar dali o mais rápido possível

antes que a levassem de mim novamente.

Queria muitas coisas, mas ela olhou para mim com aqueles olhos

deslumbrantes, que me colocariam de joelhos a qualquer momento, e abriu


os lábios que eu estava louco para beijar há dois anos.

— Ilya... — ela soltou em um suspiro, e eu a senti derreter, enquanto


lágrimas começavam a surgir.
Inconscientemente levei o polegar ao seu lábio inferior, acariciando-
o, mal conseguindo conter o ar dentro dos meus pulmões.

Era ela... eu teria lutado uma guerra inteira para conseguir tê-la nos
meus braços daquele jeito de novo. E então ela surgira da forma mais

inesperada possível.

Provavelmente eu deveria conversar com ela, falar alguma coisa,

tentar descobrir algo... Mas tudo o que consegui fazer foi segurar seu rosto
entre as minhas mãos e reivindicar sua boca em um beijo desesperado.
Capítulo 27

Às vezes, odeio a maneira como


Me afundo na dor
Me perco em minhas emoções mais sombrias
Minha mente continua ficando mais fria
Eu sei que tenho que encarar isso
Queria poder te lavar da minha pele
Mas há sal no meu sangue
SALT IN MY BLOOD – SINEM

ALEJANDRA ZAVALA

Meu Deus... eu estava beijando Ilya!

Era a última coisa que poderia acontecer, tanto que eu tinha a

impressão de que se tratava de um sonho muito enevoado e distante, porque


no momento em que ele me tocou e me colocou contra aquela parede, nada

mais teve a sensação de ser real.


Por quanto tempo esperei para estar novamente naqueles braços?

Para ser envolvida por seu calor, por seu cheiro? Por quanto tempo, naquela

cela vazia, suja e fria, eu chorei, pedindo que alguém me devolvesse o

homem por quem me apaixonei? Que ele surgisse, arrombando aquela

droga de porta e me levando para a segurança?

Eu tinha me conformado. Construí uma vida para mim mesma,

fazendo algo que me dava propósito. Era livre – na medida do possível –,


estava em meio a amigos, a pessoas a quem eu amava, mas ainda me faltava

algo, porque era a imagem dele que surgia todas as noites, quando eu ia

dormir, sonhando que ainda teria o meu final feliz, por mais que parecesse

impossível.

Só que lá estava ele. Me beijando, abrindo meus lábios com sua


língua, pedindo passagem e me devorando como se, de fato, não passasse

de um sonho.

Talvez se eu me esforçasse para acordar...

Mas eu não queria.

Meu Deus, eu realmente não queria.

— Alejandra... Porra... eu... — Ilya parou de me beijar só pelo

tempo suficiente de proferir aquelas palavras, e logo voltou com mais fúria,
tirando as mãos do meu rosto e colocando-as na minha cintura, me

afastando um pouco da parede para me abraçar.

Aquele abraço de urso... Eu poderia me perder nele novamente.

— O que você está fazendo aqui? — ele finalmente perguntou, mas

ainda assim não afastou os lábios dos meus. Continuou me beijando, me

apertando contra si com toda aquela pegada que eu jamais esqueci.

Soltei um gemido frágil, meio que lutando para encontrar

discernimento para responder. Eu mal conseguia pensar.

— Me diz o que preciso fazer... Você está aqui contra a sua vontade?

Tem alguém te maltratando? Porra, Alejandra... só tem que estalar os dedos

para que eu te tire daqui e te esconda de novo.

Se isso tivesse acontecido dois anos atrás eu estaria chorando de

alívio. Só que eu tinha encontrado o meu lugar.

Mas mais do que isso: o alerta de Nikolai fora muito claro. Se eu

ficasse com Ilya; se só desse razão ao meu egoísmo e concordasse em fugir

dali com ele, colocaria os Kravtsov em perigo. Seria o mesmo que colocar

uma bala na cabeça do homem por quem eu era tão apaixonada.


— Eu... — tentei começar a responder, enquanto pensava em como

iria sair daquela situação.

Antes de ser arrebatada por ele, estava caminhando em direção a

uma porta dos fundos, que eu e Javier encontramos ao estudar a planta do

salão, por onde eu ia sair. Meu irmão tinha passado a mão no celular de um

dos homens que estávamos investigando, e eu ia até o nosso carro, me

esconder e entrar em contato com Orion, que era o nosso hacker, para tentar

acessá-lo e buscar informações secretas.

Era uma porta de funcionários, e eu sabia que ficaria aberta a noite

inteira, porque o pessoal iria entrar e sair com comida e até objetos pesados.

Eu ainda poderia fugir por ela... Precisava fazer isso.

Mas como iria me libertar dos braços de Ilya, quando ele não

parecia nem um pouco inclinado em me deixar partir?

— Fala comigo, moi rys. — Eu já sabia o que significava aquele

apelido. Era a primeira vez que o ouvia, falado por sua voz maravilhosa,

sabendo do que ele estava me chamando. — Não me deixa assim... eu te...

Um barulho nos tirou do frenesi, fazendo Ilya se virar com pressa.

Ele ia dizer...
Ia dizer que me amava?

Minhas pernas estavam bambas quando ele me soltou, e nós dois

ouvimos seu nome.

— Ilya Kravtsov? Se não é o traidor da Bratva... a cadelinha da

Cosa Nostra...

Havia dois homens ali. Bêbados, com certeza. Eles estavam

procurando briga, mas não eram páreo para Ilya, nem de longe.

— Quem diria que encontraríamos o urso traidor aqui, se pegando

com uma mulher qualquer.

Na intenção de me proteger, ele colocou o corpo enorme na frente

do meu e ergueu os ombros enormes, pronto para me defender, se fosse

preciso.

Era a minha chance. Por mais que doesse, por mais que eu quisesse

ficar ali com ele, fugir com ele, ser levada para onde quer que ele desejasse,

não era justo. Com ele mesmo, aliás. Eu não iria obrigá-lo a novamente

entregar sua segurança e a de sua família por minha causa.

— Me desculpa... — sussurrei, sem nem saber se ele iria ouvir e saí

correndo, escapando pela porta dos fundos.


Não sabia se ele tinha chamado meu nome, olhado na minha direção

ou até mesmo ido atrás de mim. O carro de Javi estava parado bem diante

da porta, e eu estava com a chave, para que fugisse caso fosse necessário.

Só me joguei dentro dele e parti para o hotel onde estávamos

hospedados, me certificando o tempo todo se havia alguém me seguindo.

Não tinha.

Segui o caminho todo dirigindo com mãos trêmulas, agarrando o

volante com força, enquanto lutava para não chorar.

Só fiz isso quando cheguei na suíte do hotel, me jogando na cama

com o mesmo vestido, sem nem me dar ao trabalho de trocar.

Acreditando que só poderia ser uma brincadeira, me agarrei ao

travesseiro, me enchendo de autopiedade. Fazia um bom tempo que eu não

chorava, que não me entregava aos meus próprios sentimentos, mas por

Ilya... ele me tornava vulnerável de um jeito que eu nem conseguia explicar.

Cada respiração parecia um esforço, como se meu peito estivesse

apertado por correntes mais pesadas e mais fortes do que aquelas que um

dia me prenderam naquela cela onde passei o pior mês da minha vida.
Uma batida na porta me deixou em alerta, me fazendo levantar da

cama.

E se fosse Ilya? E se ele tivesse me seguido?

Besteira... ele não conseguiria subir. O hotel não daria minhas


informações...

— Ale? — Ouvi a voz do meu irmão do lado de fora e respirei

aliviada.

Corri para abrir a porta para ele, que entrou com os olhos

preocupados.

— Você está bem? Teve uma confusão nos fundos da casa, eu fui até

lá e vi que o carro tinha ido embora...

— O que aconteceu? Ele está bem? — Se Ilya tivesse se machucado


naquela briga com os bêbados, eu nunca me perdoaria, mas nem passou
pela minha cabeça que isso pudesse acontecer.

— Você o viu, né? — Meu irmão suspirou e se sentou na cama, com


os olhos cheios de pesar. — Claro que ele está bem. Foi vergonhoso para os

outros dois. Seu russo é uma arma por si só, hermanita.


Cruzei os braços contra o peito, e Javier se levantou, vindo até mim,
me puxando para um abraço.

— Não fica assim... Queria poder ajudar, mas...

— Não tem o que fazer, Javi. Foi só uma coincidência que não era

para ter acontecido. Vai passar... — Ele ia dizer mais alguma coisa, mas o
interrompi e levei o assunto para o que realmente importava: as coisas que

tínhamos descoberto e as pessoas que iríamos salvar.

O meu coração partido era muito menos relevante do que a vida de

outras pessoas.

Afundei minha cabeça no trabalho, de todas as formas, precisando

ser um pouco mais cautelosa, porque Javier me alertara que Ilya estava
incansável. Mais ainda do que antes.

Ele era um homem de estratégias, mas Javier colocou Nikolai

Kravtsov do nosso lado, além de alguns integrantes da Cosa Nostra, que nos
davam direcionamento de qual caminho ele estava seguindo em sua busca
por mim.

Cada vez que eu recebia essas notícias de Ilya, de como ele

continuava procurando, porque precisava saber se eu estava bem, meu


coração simplesmente não cicatrizava. Claro que aos poucos ele foi
espaçando mais, se aquietando, e eu esperava que desistisse, porque se
acabássemos nos esbarrando de novo, eu não conseguiria fugir dele de

novo.

Foram mais três anos de trabalho junto aos Ojos de la noche. A cada
missão resolvida e mulheres e crianças salvas, eu tentava me agarrar à ideia
de que poderia ser suficiente. De que, se quisesse, teria uma vida plena, ao

lado de um cara como Blaze que não se importaria em se juntar à minha


cama – se eu o aceitasse – e iniciar um relacionamento, mesmo que torto e

sem pretensão de casamento.

Só que eu me sentia completamente estragada para qualquer outro


homem. Mesmo depois de cinco anos ao todo, o meu coração ainda batia

por Ilya. Sempre bateria.

Eu jurei que nunca mais o veria. Estava quase conformada com isso,
até que a vida virou de cabeça para baixo novamente.

Foi uma noite muito similar àquela em que eu fui sequestrada pelo

Cartel pela primeira vez. Fui acordada pelo barulho da porta da frente sendo
arrombada. A pequena Crystal estava dormindo na minha cama, como
sempre acontecia em noites em que acordava em meio de pesadelos. Ela

não tinha feito nem seis anos, mas já tínhamos descoberto muitas coisas a
respeito de seu passado, de seu pai, das violências cometidas na sua frente.
Podiam ter se passado três anos desde que chegara em nossas vidas,

e ela estava consideravelmente melhor, mas ainda havia traumas. Tínhamos


uma psicóloga que passara a nos visitar uma vez por semana, para

conversar com nossas crianças, e eu tinha esperanças de que ficaria bem.

Diego e Mercedes ainda estavam conosco. Eram as únicas crianças

na casa. Ainda bem.

Quando os sons me acordaram, eu me levantei da cama, tentando

fazer o mínimo de barulho. Acordei Crystal e coloquei um dedo sobre os


lábios para que ela ficasse em silêncio.

Senti seu corpinho tremer violentamente, enquanto eu me inclinava


para pegar a arma que mantinha na cômoda ao lado da minha cama.

Também aproveitei para trancar a porta do meu quarto antes de qualquer


outra coisa. Era no segundo andar, mas poderíamos dar um jeito de sair pela

janela, caso fosse necessário.

Não era uma paranoia. Era parte do nosso treinamento. Os sons

constantes do primeiro andar eram um sinal. Tínhamos colocado pequenas


“armadilhas” na casa inteira, para que fosse possível sermos alertados de

qualquer entrada de intrusos. Todos os membros da Ojos sabiam da


existência delas e não as acionariam.
Aquele era o nosso lar. Não era mais a sede oficial da nossa

organização, tanto que era guardada só por mim e por Helen. Jaqueline
também ficava conosco, mas ela tinha viajado com o filho e estava ausente

por alguns dias.

Então éramos só nós.

Ajudei-a a colocar um casaco, calçar os chinelos, mas nem tive

tempo de colocar nada por cima do meu baby doll, porque continuei
ouvindo barulhos vindos lá de fora.

— Crys, fique ao meu lado. Não saia de perto de mim.

— Ale... — ela sussurrou, assustada, e eu levei novamente o dedo

aos lábios, tentando fazê-lo com todo o carinho. Eu tinha sido treinada para
aquilo. A criança, não.

Dei um beijo em sua cabeça e fui olhar pela janela, vendo que havia
dois homens lá embaixo. Eu poderia atirar neles, dali onde eu estava, e

acertá-los com o máximo de precisão, só que isso só chamaria atenção. Não


fazia ideia de quantas pessoas tinham entrado.

Minutos se passaram, conosco em alerta. As nossas instruções eram


para salvar quem quer que estivesse conosco. Eu poderia sair, poderia tentar
verificar o que estava acontecendo lá fora, mas Crystal deveria ser a minha
prioridade naquele momento.

Ouvi um grito abafado, o que me apavorou e que me obrigou a


agarrar Crystal e cobrir sua boquinha com a minha mão, rezando para que

ela não falasse nada.

— Cariño, por favor... — pedi a ela, preparando-me para lutar,

porque passos estavam se aproximando.

A porta do quarto em que eu estava foi arrombada, e eu apontei a

arma, pronta para atirar.

Mas o que eu vi me fez recuar.

Helen tinha se rendido. Estava sendo algemada por um dos homens,

olhando para mim, tentando se comunicar comigo através do olhar. Eva se


debatia nos braços de outro, enquanto mais um agarrara Diego e Mercedes.

Não havia muito o que pudéssemos fazer, a não ser tentar entender o
que estava acontecendo.

E rezar. Porque eu tinha a impressão de que dali em diante todo o


pesadelo recomeçaria.
Capítulo 28

Não há uma única memória em mim onde não haja você


Desde que nosso amor começou
Deve haver algo de estranho no céu
Porque você não está aqui, e eu não posso ver seus olhos
SUPERJADED – AUSTIN JOHN WINKLER

ILYA KRAVTSOV

Os caras da Cosa Nostra não eram muito bons em servir uma vodca

de qualidade, mas se reproduziam como coelhos. E eu tinha um fraco por

crianças.

Todos os chefes tinham passado a confiar plenamente em mim, nos

últimos cinco anos, e eu tentava acreditar que isso compensava o fato de


meu próprio irmão, o homem que eu sempre admirei, ter me virado as

costas.
Ou melhor... eu virei as costas para ele. Para a Bratva inteira.

Por uma mulher que... fugiu de mim.

Patético.

O bebê de Giulio Cipriano, conselheiro da máfia do Texas, era uma

coisinha redonda e adorável. Sorrira para mim com pouco esforço e

envolvera a mãozinha no meu indicador, erguendo os bracinhos, ainda meio

desajeitados, para tocar a minha barba.

Eu estava resolvendo uma situação para eles, que envolvia inclusive

a segurança daquela criança e de sua mãe, o que eu tinha como sagrado.

Apesar de tudo que tinha acontecido, eu também era leal a eles, com

todo o meu coração. Aos poucos, aquelas pessoas foram se tornando

importantes para mim, quase como uma família. Não substituiria a minha,

de forma alguma, mas preenchiam um espaço que ficara vazio.

Giulio e eu estávamos conversando sobre algumas perguntas que fiz

a Allegra, a mãe de seu filho, quando um barulho me colocou em alerta.

Era vidro quebrando, e por mais que pudesse ser apenas um acidente

doméstico, dei quase um pulo no sofá, levando a mão ao local onde eu

deixava minha arma.


Odiava brincar com uma criança estando armado, mesmo com o

revólver sempre travado, mas levando em consideração a quantidade de

confusões na qual a Cosa Nostra se metia? Era um mal necessário.

Daquela vez, porém, tudo o que eu vi foi a babá do neném, parada à


minha frente, com os olhos arregalados.

— Ilya? Você é Ilya Kravtsov?

Fiquei curioso. O que será que aquela garota, que não tinha muito

mais do que uns dezoito anos, poderia saber sobre mim? Pelo que Giulio

me falara, ela era brasileira e se chamava Serena.

— Me conhece? — perguntei com uma sobrancelha erguida, vendo

o quanto ela parecia atordoada.

— Seu nome... Ela falava o seu nome... O tempo todo.

— Ela quem? — Giulio se inseriu na conversa.

— Alejandra. Ela nos ajudou, a mim e à minha irmã. Cuidou de nós.

Estava nas mãos deles, e eu não sei o que aconteceu depois. Não consegui

trazer a minha irmã, ela prometeu cuidar dela... Foi... um anjo nas nossas

vidas — ela costurava palavras, completamente nervosa, mas só uma

importou.
O nome dela.

Levantei-me de um pulo, partindo para cima da garota e segurando

seus braços. Vi que Giulio se colocou em alerta imediatamente, como se eu

fosse causar algum mal àquela coisinha.

— Você sabe onde ela está? Sabe algo que pode me ajudar?

— Não sei onde, mas posso te contar tudo o que eu sei. Se prometer

me ajudar a encontrar minhas irmãs.

— Vou até o inferno procurar por elas se for preciso e se me ajudar a

achar minha Alejandra.

Meu coração estava acelerado. Minha respiração...? Eu tinha

perdido totalmente o controle dela. Só queria arrancar todas as informações

daquela menina.

Guiei-a até o escritório da casa de Giulio Cipriano, me fechando

com ela lá.

Parecíamos dois inquietos, cada um com seus pensamentos.

— A última vez em que eu a vi, ela estava em um evento. Linda,

toda bem arrumada. Achei que tinha ficado presa pela Bratva — continuei
falando em inglês com a moça, percebendo que ela não tinha absolutamente

nenhum sotaque.

Ao contrário de mim. Por mais que eu já estivesse mais

familiarizado com a língua e que dificilmente metesse palavras em russo no

meio da conversa, ainda não negava que não era nativo.

— Não, não ficou. — A menina cruzou os braços, colocando ambas

as mãos nos cotovelos, como se aquilo pudesse mantê-la no controle. — Ela

foi devolvida a Javier, o irmão.

— O bastardo que a vendeu para o Cartel quando ela era só uma

garotinha? — falei com tanto desprezo que poderia ter escapado veneno da

minha boca se eu só cuspisse.

— Não foi assim que aconteceu. Ele foi enganado. Sedado enquanto

ela era roubada de sua casa, denunciada pela mulher que trabalhava como

empregada. Procurou por Alejandra por muitos anos.

— Isso é novidade.

— Pois é. Assim como deve ser novidade, também, que ele é líder

de uma organização que intercepta emissários de tráfico de crianças e

mulheres.
Sim, era novo. Cheguei a inclinar a cabeça para o lado, em total

confusão, quase não acreditando que estávamos falando da mesma pessoa.

— Javier Zavala? Ele... ele está fazendo isso?

— Há nove anos. Assim que Alejandra foi entregue a ele, ela se

juntou a nós.

Daquela vez eu ergui as duas sobrancelhas.

— Ela está... está lutando contra o tráfico?

— Com unhas e dentes. É uma guerreira. Cuida das crianças como

se fosse mãe delas, mas também sai em campo na maior parte das vezes.

— Você disse que não sabe onde ela está... mas não está com o

irmão?

Serena balançou a cabeça, ainda com os braços cruzados.

— Tem pouco mais de duas semanas... A casa onde ela vive com as

crianças foi invadida. Javier tem investigado sua localização, e acredito que

já tenha chegado a algumas informações. — Serena abaixou a cabeça pela

primeira vez, parecendo triste. — Levaram minhas irmãs com ela. Eva e

Helen. Eu fui enviada para trabalhar aqui porque quis, e estava sempre em

contato com ela. Inclusive continuo em contato com Javier.


— Como sua espiã?

— Sim, mas não como você pensa. Não tenho intenção de

prejudicar a Cosa Nostra, mas de repassar informações. Inclusive de você,

para que Alejandra pudesse se manter longe.

— O quê? — Pelo jeito como ela fugiu de mim, não era de se

admirar que sua intenção fosse se manter o mais longe possível.

— Foi uma exigência de quem a entregou para Javier. Seus irmãos a


salvaram da Bratva, mas pediram que ela nunca te procurasse, ou isso te

colocaria em perigo.

— Meus irmãos!? — Eu estava ficando cada vez mais perdido

naquela história. Quase desnorteado.

— Nikolai e Dimitri. São eles, não são?

— Sim... são, mas...

Eu poderia jurar que Kolya não iria se intrometer naquele assunto;

que nunca deixaria que Dimitri também se envolvesse. Apesar de tudo, eu


devia a segurança de Alejandra a meus irmãos. Se eu a tinha visto daquele

jeito, linda e segura, foram eles os responsáveis.


Eu tinha passado a ter mais contato com Dimitri ao longo dos anos.
Conforme ele foi amadurecendo e ganhando mais autonomia,

principalmente com seu trabalho, conseguiu se unir a mim em algumas


missões, às vezes até mesmo à distância. Ainda assim, ele nunca me contou

sobre Alejandra. Sobre tê-la salvado com Kolya.

Era algo que eu precisava conversar com ele.

— Pois foi isso que aconteceu, só que infelizmente todos da casa


foram levados. Eu não sei qual era o propósito disso, mas Javier acredita

que Alejandra e Helen fossem os alvos.

— Acha que Javier me receberia? Se eu fosse falar com ele?

Podemos, juntos, tentar encontrá-la. Com as informações que ele tem e os


meus recursos. Tenho amigos que também ajudariam.

Serena pareceu um pouco mais animada. Seus olhos chegaram a


brilhar, e ela soltou os braços, parecendo menos contida.

— Sim. Eu tenho certeza de que sim. Posso colocar vocês dois em


contato.

— Agora. Precisamos fazer isso agora.


Para a minha sorte, ela simplesmente concordou, saindo do
escritório, correndo para chegar ao seu quarto. Fui atrás o tempo todo,

vendo-a pegar o celular, discar um número e esperar chamar.

A partir daquele momento, eu me enchi de esperança.

Tomei algumas decisões – nem todas fáceis – e conversei com os

homens da Cosa Nostra, explicando que precisaria me ausentar por algum


tempo. Conversei com Dimitri e ofereci para ele a posição no meu lugar,

concordando em comparecer em um último evento antes de partir, porque


meu irmão não poderia se ausentar imediatamente.

Eu imaginava que seria uma decisão muito complicada para ele,

porque uma coisa era prestar alguns serviços esporádicos; outra,


completamente diferente, era passar um tempo considerável com outra

organização. Ele iria em segredo, sem contar para Pavel o que estava
fazendo, e nem mesmo para Kolya. Mas era uma decisão de um homem de

trinta anos, feito, que sabia muito bem o que queria da vida.

Pavel não iria colocar sua cabeça a prêmio, porque ele tinha provado
seu valor. Era insubstituível. Se Dimitri morresse, com ele iriam muitos dos
segredos de acesso a servidores importantes para toda a Bratva. Com dados

que seriam destruídos por outra pessoa de sua total confiança, que eu sabia
muito bem quem era: nosso primo Andrei Levchin.
Informação que eu jamais compartilharia com ninguém.

Seria só mais uma noite, antes de eu partir direto para o México,


onde encontraria Javier. Hunter já estava avisado e se oferecera para ir

comigo. O irmão de Alejandra dissera que tinha mais três homens de


confiança para entrarem na missão conosco.

O cerco estava montado. Tínhamos duas localidades em nossa mira.


As duas seriam nosso alvo em breve.

Tudo o que eu precisava fazer era acompanhar meus amigos da


Cosa Nostra um evento – daqueles que eu odiava – e proteger a criança,

filho de Giulio, que seria apresentado à toda a organização.

Poderia ser algo banal, algo rotineiro. Eles eram ricos, sofisticados e

precisavam manter as boas relações. Eventos como aquele aconteciam o


tempo todo. Eram viagens e mais viagens para atender a todos os

compromissos sociais que tinham, principalmente quando você fazia parte


da alta hierarquia.

O problema era que o histórico não era favorável. Confusões e caos


eram mais comuns em festas da Cosa Nostra do que alguém sofrer um

acidente de carro andando em alta velocidade, numa estrada cheia de curvas


e com a pista molhada.
Não foi diferente daquela vez.

Talvez eu estivesse muito iludido de que tinha chegado o meu

momento de encontrar Alejandra; de tirá-la de onde quer que estivesse e de


ter a oportunidade de finalmente conversarmos.

Talvez eu devesse ter deixado para lá, mas acabei me jogando na


frente de Allegra, noiva de Giulio e mãe do lindo bebezinho que seria

apresentado, tomando um tiro em seu lugar.

Quando caí no chão, sendo rodeado por pessoas, sentindo o sangue


escorrer e empapar minha camisa, e olhando para o teto com um enorme e

luxuoso lustre, tudo no que eu conseguia pensar era que precisava


sobreviver.

Por ela.

Seria ela que me faria me agarrar à vida, porque poderia ser a última
coisa que eu faria, mas iria encontrá-la.
Capítulo 29

Um triste destino, um jogo de tolos


Despedaçados e divididos
Um homem doente faz sua jogada final
Uma linha tênue, cruzada para encontrar
Os segredos que você vem escondendo
De agora em diante, nada será o mesmo
SIN AFTER SIN – ALTER BRIDGE

ILYA KRAVTSOV

O corpo todo doía, mesmo que o tiro tivesse pegado em uma parte
específica – o meu ombro.

Eu me lembrava de muitas poucas coisas, mas principalmente da

certeza de que não poderia deixar uma mãe – no caso, Allegra – ser ferida.

Teria feito isso por qualquer uma, mas a noiva de um amigo exigia um

cuidado especial.
Não saberia dizer quanto tempo passei dentro de um período de

limbo em que meus pensamentos foram tragados para as minhas melhores

memórias com Alejandra. Ao mesmo tempo em que eu queria despertar de

vez para resolver, finalmente, a minha vida, me sentia cansado.

Pela primeira vez em muito tempo, eu sentia a exaustão me

dominando. Eu sabia que o fato de ter perdido muito sangue tinha a ver com

isso, mas não era só o meu corpo que estava dando sinais disso.

Eu lutava em pequenas batalhas infinitas quase diárias. Corria de um

lado para o outro, para cuidar de todos e não me ressentia disso. Fora uma

boa forma de ocupar a minha cabeça naqueles últimos cinco anos.

O problema era que por mais que tivesse disposição para continuar,
para lutar por quem amava, eu sabia que estava na hora de seguir um outro

ritmo. Não abandonaria a Cosa Nostra – ao menos não depois de encontrar

Alejandra –, mas tentaria dividir as responsabilidades com outras pessoas.

Treinar outros homens de confiança. Conversar com o pessoal da Wildfire,

talvez.

Eu já tinha despertado antes, mas ainda me sentia tão cansado que

passava mais tempo dormindo do que acordado. Quando finalmente me vi

pronto para sair do torpor, era Dimitri que estava do meu lado.
— Ei, brat[6]! Que merda de susto resolveu nos dar, hein? — Eu

deveria ter dado muitos sinais de que estava acordado, porque Mitya surgiu

próximo a cama quase como se tivesse se teletransportado.

— Há quanto tempo estou de cama? — perguntei, ainda sentindo a

voz muito rouca.

— Ah, que bom te ver também. Fico feliz que esteja satisfeito por

encontrar seu irmãozinho do lado da sua cama, que nem um guardião.

Não pude conter um sorriso. Era bom ter o garoto ao meu lado. Por

mais que ele já não fosse um garoto há um bom tempo.

— Largue de ser um bebê chorão e me responda — falei em um

grunhido, mas acrescentei, olhando nos olhos de Mitya e suavizando a voz:

— Mas estou feliz em te ver.

Mitya pegou a minha mão e a apertou entre as suas duas,

permanecendo alguns instantes em silêncio, em uma comunicação muda,

que apenas duas pessoas que se amavam muito eram capazes de


compartilhar.

— Você está assim há cinco dias. Mas vai precisar de um pouco

mais para se recuperar, antes de ir buscar sua Alejandra.


Só de ouvir o nome dela, eu já sentia meu corpo inteiro estremecer.

Precisei me remexer um pouco na cama e soltei um resmungo de

dor, bem baixo, mas suficientemente visceral para Dimitri franzir o cenho,

em solidariedade.

Que ele nunca levasse um tiro, pelo amor de Deus. Tudo o que eu

queria era que meus irmãos ficassem intactos.

— Você sabia... Sabia que ela não estava mais com a Bratva — eu

falei, sem conseguir esconder um pouco da mágoa que sentia.

Mitya baixou os olhos para o chão, soltando a minha mão.

— Era isso ou ela ficaria lá. Você não tem noção de como a

encontramos, Lya — ele começou a falar, mas ia se interromper. Peguei sua

mão de novo, apertando-a ao máximo que conseguia, chamando sua

atenção.

— Não me poupe dos detalhes. Quero saber...

Jurei que estava pronto para saber de tudo, até porque eu merecia,

depois de não a ter protegido como deveria, mas conforme Dimitri foi

falando, quase pedi que parasse.


Cheguei a chorar lágrimas de raiva ao pensar em todas as coisas que

Alejandra deveria ter passado. Eu seria torturado daquela forma novamente,

como aconteceu depois que fomos separados, se fosse para que ninguém

sequer tivesse se encostado nela. Receberia cada golpe, teria cada cicatriz

refeita, se com isso pudesse protegê-la.

Pior do que tudo isso, era pensar que ela estava novamente em

perigo.

Assim que me senti melhor, nem esperei a liberação do médico e me

despedi de todos. Peguei minha mochila, coloquei-a nas costas e parti para

o aeroporto em um táxi, pegando meu voo para o México.

Fui recebido horas depois por um rosto familiar. Por que eu não

tinha pensado nisso antes?

Javier Zavala era o mesmo homem que fora abordado pela abusada

Martha, na festa em que compareci com Enrico, três anos atrás. A mesma

festa onde encontrei Alejandra pela última vez.

Ele estendeu a mão, para que nos cumprimentássemos, mas

enquanto hesitava em apertá-la, algumas coisas se passaram pela minha


cabeça.
A primeira de todas era que ele tinha mudado muito. Por tudo o que

Serena me falou, não apenas a irmã dele tinha sido sequestrada, como sua

namorada. Era fácil entender por que seu cabelo estava todo desgrenhado e

a barba, enorme. Havia olheiras profundas em seus olhos, e ele parecia

cansado como um fantasma.

A segunda era que eu queria muito dar uma porra de um soco em

sua cara. Totalmente sem fundamento, mas Alejandra tinha sido entregue à
sua proteção, e mesmo assim ele a levara a um evento, onde ficara

completamente exposta, até mesmo a mim.

Só que eu sabia que estava errado. Ela tinha virado uma agente de

campo, era trabalho dela. Eu sentia um puta orgulho.

Quando finalmente apertei a mão dele, quase como se cada um de

nós estivesse disputando forças através daquele simples cumprimento, eu

senti como se estivéssemos selando um pacto.

— Sei que temos muito o que conversar e que precisamos nos

conhecer. Você é homem que minha irmã ama, então preciso te fazer um

milhão de perguntas, mas primeiro, podemos concordar que nossa

prioridade é salvá-la?

— Cem por cento.


Eu não ia focar no que ele tinha dito sobre eu ser o homem que a

irmã amava e ter usado o tempo presente para isso, não o passado.

Depois poderíamos pensar nesses detalhes. Javier estava certo.

Havia muito a fazer.

Hunter e Drake chegaram dois dias depois, e eu conheci Orion,

Blaze e Axell, homens de Javier. Eles me explicaram melhor como

funcionava a Ojos de la Noche, como Alejandra e Helen faziam parte disso,


e também me disseram que algumas crianças foram sequestradas.

Seria uma missão para encontrar mais pessoas. Mais vidas seriam
salvas.

Eu sentia uma camaradagem muito grande em relação a eles, assim


como sentia entre os Wildfire. Era algo diferente do que eu via na Cosa

Nostra, que, por mais que fossem todos muito amigos e estivessem
dispostos a matar e morrer pelo que consideravam uma família, tinham

certa formalidade.

Tanto no grupo de motoqueiros quanto naquele grupo rebelde do

Cartel eu via quilos e quilos de testosterona, mas um amor fraternal que era
evidenciado nas piadinhas entre si, embora todos estivessem com um humor

um pouco mais sombrio, pelo sequestro das duas mulheres do grupo.


Algo me dizia que Blaze, um dos mais jovens do grupo, não parecia
muito satisfeito com a minha presença. Ele era um pouco mais visceral em

relação a Alejandra, e eu comecei a sentir o sangue esquentar, com


lampejos de ciúme.

Teria ela ficado com ele para me esquecer? Ou somente se sentira


atraída, e os dois tinham iniciado um relacionamento?

Era direito dela, é claro, mas eu não conseguia não ter vontade de
dar um soco na cara dele, de qualquer forma.

Só que, mais uma vez... isso não era importante.

Passamos todo o tempo que tínhamos, mal dormindo, investigando

com todas as informações possíveis. Javier já tinha traçado um caminho e


todas as possibilidades que ele desenhara levavam a Moscou. A Pavel.

Ele tinha contatos fortes dentro do Cartel, e os irmãos Morales eram

seus amigos pessoais. Os dois lhe deviam favores e conseguiram algumas


informações.

O que me restava era tentar alguma coisa com Kolya.

Pegamos um voo para Moscou, e eu precisei me segurar ao máximo

ao pisar na minha terra depois de tanto tempo pela primeira vez.


Ouvir a minha língua. Sentir o cheiro do meu país... Foi forte para
mim.

Senti a mão de Hunter no meu ombro, apertando-o de forma

amigável, para me transmitir força.

Foi significativo.

Kolya não me respondeu daquela vez, como da primeira. Quando


tentei seu telefone, ele não me atendeu. Não respondeu às minhas

mensagens. Então precisei fazer do jeito antigo.

A mansão dos Kravtsov era uma fortaleza. Eu não poderia tentar

invadi-la, ou colocaria Tasha em risco. Mas eu conhecia os hábitos do meu


irmão. Sabia que ele treinava à noite, em uma academia, depois que esta

fechava. Por ser a mão direita do Pakhan, ele tinha muitos privilégios,
inclusive este.

Fui sozinho, porque a intenção não era intimidá-lo. Era ter uma
conversa.

Foi um pouco mais fácil entrar na academia do que seria na casa da


minha família. Também foi fácil ouvir os sons de Kolya, enquanto ele

provavelmente praticava seus golpes em um saco de areia.


Por mais sorrateiro que eu tivesse tentado entrar, ele me ouviu.

Tinha apurado seus sentidos durante o trabalho com a Bratva, e me ensinara


a fazer o mesmo.

Rapidamente estava com uma arma apontada para mim, por mais
que eu nem soubesse de onde ela tinha surgido. Era triste pensar que meu

irmão precisava estar em alerta o tempo todo. Não que eu não estivesse,
mas por que diabos tinha que ser assim?

Ergui as mãos, mas percebi que ele deixou os ombros relaxarem um


pouco ao ver que era eu.

— Ilya? — ele chamou em tom interrogativo, surpreso. O cenho


franzido não me permitia entender se ele estava só surpreso ou também

incomodado por me ver ali. — Me deu um susto, porra! O que está fazendo
aqui?

Ele não abaixou a arma.

— Precisamos conversar.

Com passos lentos e cuidadosos eu fui andando. Não para me

aproximar dele, mas havia um ringue a nos separar, então eu fui passeando
pela lateral dele. A expressão atenta em meu rosto deveria estar bem
evidente, porque eu nem tentei disfarçar. Também estava armado, embora

nunca fosse atirar no meu irmão.

— Achei que tinha deixado bem claro que não poderíamos mais ter
contato. Você nem deveria estar na Rússia — ele praticamente rosnou.

Kolya não tinha mudado muito em cinco anos. Continuávamos


muito parecidos, embora cada um do seu jeito. Ele estava ficando cada vez

mais parecido com o nosso pai, e eu podia ver que tinha feito novas
tatuagens.

Parecia maior também, como se tivesse passado aqueles anos

fazendo mais exercícios e se tornando mais forte. Mas contra o quê ele
tanto queria lutar?

— Você sabe que ele a pegou de novo, não sabe?

— O quê? Do que está falando, Ilya?

— Abaixe a arma, Kolya. Não sou seu inimigo. Já deveria saber

disso.

Ele hesitou um pouco, mas o fez. Para a minha surpresa, inclusive.

Eu sabia que ali dentro ninguém nos veria. Havia câmeras, mas poderíamos
dar um jeito nas imagens.
— Estou falando de Alejandra — respondi finalmente, depois que
ele baixou a arma.

— Essa garota ainda? Faz cinco anos, Ilya.

— Poderia fazer muito tempo mais. Eu não vou parar até ela estar

segura. E sei que não está. — Fiz uma pausa. — Também sei que você a
salvou com Dimitri naquela época, mesmo tendo jurado que não iria se

meter. Obrigado.

Kolya ergueu o queixo, respirando fundo. Ele não iria responder,

mas para mim é o suficiente.

— Preciso que me ajude de novo.

Ele deu uma risada de escárnio.

— Você deve estar louco. — Começou a tirar as luvas aos poucos.

— Não, não estou. Sei que seu coração não se tornou pedra, Kolya.

Sei que vê as coisas que Pavel faz e não concorda com elas. O irmão que eu
conhecia nunca concordaria — enquanto falava, fui me abaixando e

entrando no ringue. Tinha uma ideia. Perigosa, mas a única coisa que eu
podia fazer.
Kolya estava calado. Esperava que esse fosse um sinal de que estava
ouvindo e concordando ao menos um pouco com o que eu dizia.

— A minha proposta é a seguinte: nós dois estamos loucos para cair


na porrada, não estamos?

— Não tenho nada a te dizer, Ilya.

— Assuma, Kolya. Por mais que nos amemos como irmãos, você
tem raiva de mim pelo que eu fiz. Eu tenho raiva de você por nunca ter me
contado que levou Alejandra ao irmão dela.

— Eu fiz o que eu pude por ela, porra! Será que não entende? — ele

se estressou. Bom sinal.

— Sei. E novamente: agradeço. Mas, ainda assim, eu precisava

saber que ela estava bem.

— Você teria corrido para ela no momento em que descobrisse.

— Talvez. Mas não temos como saber. — Tirei minha jaqueta. —

Agora, o que nós dois precisamos é de um acerto de contas. — Tirei a blusa


logo em seguida, jogando ambas no chão. — Vamos, Kolya. Se eu ganhar,
você me ajuda. Se você ganhar, eu vou embora e não te perturbo mais.
— Não é assim que funciona, Ilya! Eu não posso fazer mais nada
para te ajudar!

— Não é a mim. É uma garota inocente. Dimitri me contou como


ela estava quando vocês a encontraram — eu sentia como se estivesse
negociando algo, argumentando, tentando manter a paciência. — Como
acha que deve estar agora? Tem mais de um mês.

Vi que ele estremeceu. Não respondeu nada, apenas veio na direção


do ringue, já sem luvas. Seria mano a mano mesmo.

Ao se aproximar de mim, a primeira coisa que fez foi olhar para o


meu ferimento.

— Mas que merda foi isso? — Ele apontou. — Levou um tiro?

— Tem alguns dias. Já estou bem.

— Porra, Ilya! Eu não vou lutar com você se não está cem por

cento!

— Tarde demais.

Então eu voei nele, sem nem pensar duas vezes.


Capítulo 30

Tudo se foi agora, tudo se foi


Eu não tenho mais nenhum lugar onde me esconder
Corações despedaçados ainda se partindo
Como o mundo no qual você está desvanecendo,
Tornando-se pó
INSIDIOUS – ANY GIVEN SIN

ILYA KRAVTSOV

Começamos trocando socos humildes, e o meu primeiro soco foi

difícil. Aos poucos fui tentando fazer minha mente entender que ele tinha

errado comigo. Assim como também errei com ele. Com a nossa família.

Tentei me consolar, me lembrando de todos os anos que passei

afastado de Alejandra, no quanto ele virou as costas para nós e em como

tudo poderia ter sido diferente se não fosse tão leal a Pavel.
De alguma forma, as coisas foram ficando mais intensas, um pouco

mais violentas. Nós dois tínhamos o mesmo tipo de técnica, porque

treinamos juntos. Nosso pai nos ensinou, assim como ensinara a Dimitri. O

problema era que eu realmente não estava no meu perfeito

condicionamento.

Se eu perdesse, tinha muito mais em jogo do que Kolya. Não podia

me permitir.

O tempo ia passando, e nenhum de nós dois parecia tentado a parar.

Eu sabia que estava com o nariz sangrando o suficiente, cuspindo sangue, e

Kolya não estava em melhor estado.

Foi ele que me derrubou primeiro. Consegui sair de seu agarre,


virando o jogo ao meu favor, mas mal consegui segurá-lo, porque o

ferimento queimou.

Fiz um esforço sobre-humano para mantê-lo sob mim, enquanto

socava o seu rosto mais uma vez, tanto que minha testa se empapou de suor.

Eu teria vencido nosso combate se não estivesse prejudicado. Não

teria vencido fácil, porque meu irmão era osso duro de roer, mas

conseguiria me esforçar mais.


Quando Kolya conseguiu novamente reverter a situação, eu ainda

não estava disposto a me dar por vencido. Por mais que já estivesse vendo

pontos pretos por toda parte, por causa da dor, eu não quis desistir.

— Ela não pode ficar lá, Kolya. Não pode — grunhi, depois de
suportar um soco forte do meu irmão.

— Você precisa parar, Ilya! Chega! Essa garota tirou tudo de você.

— Não! — gritei. Era um urro de dor, mas ao mesmo tempo de pura

indignação. — Ela me deu tudo! Algo que você nunca teve.

Jurei que Kolya iria me socar novamente, e já estava pronto para me

defender, mas ele desistiu. Deixou o punho cair e aos poucos foi se

levantando. Estendeu a mão para mim, me ajudando a me colocar de pé

também.

Nós dois nos colocamos um de frente para o outro. Nem precisava


olhar para o enorme espelho que havia na parede para ter noção de que

deveríamos estar um desastre. Eu olhava para Kolya com o rosto todo

fodido e tinha uma boa impressão de como deveria estar o meu.

— Não vou mais lutar com você machucado. Vou descobrir a merda

da informação que quer.


Uma faísca de esperança se acendeu no meu coração, e eu levei a

mão à cicatriz, como se esse toque pudesse fazê-la doer menos. Os pontos

tinham sido tirados poucos dias antes, e ela ainda estava muito sensível,
mas não sangrara. E eu nem sabia como.

— É sério isso?

— Não sei como vou poder ajudar, porque tenho total certeza de que

se Pavel tem qualquer coisa a ver com esse novo sequestro de Alejandra,

não vai deixar escapar tão fácil, muito menos para mim. Seja como for,

tente se manter escondido ao máximo. Fale com Andrei, vá para a cabana.

Faça a merda que for preciso para que ninguém descubra que está em

Moscou. — Ele foi falando, enquanto ia marchando para sair do ringue.

Quando desceu dele, começou a pegar suas coisas. — E eu entro em

contato. Não me procure.

Com isso, Kolya abriu a porta e fez um sinal para que eu saísse.

Eu não queria fazer isso, porque temi que nunca mais tivesse

notícias suas, mas foi necessário.

Parti para uma das cidades nos arredores de Moscou naquela

madrugada mesmo, evitando ir à cabana, porque éramos muitos e porque

não queria incluir Andrei em toda a situação.


O problema era entre mim e Kolya. Entre mim e a Bratva. Meu

primo também fazia parte dela, tinha seu espaço, mas não precisava trair o

pakhan por minha causa mais uma vez.

Fiquei em total agonia por dias, sem conseguir dormir, e tentando

me manter mais forte novamente, enquanto meu ferimento cicatrizava um

pouco mais.

Quando a ligação de Kolya veio, com uma localização e com

algumas informações sobre o local onde ela estava – sem que eu nem

soubesse como tinha conseguido –, eu saí naquela noite mesmo.

Sem um plano. Sem estratégias.

Sabia que estava cometendo uma loucura, mas o meu sangue parecia

envenenado, correndo pelas minhas veias, fazendo o meu coração bater

acelerado.

Assim que eu saí, na minha moto, soube que meus amigos viriam

atrás de mim, porque também estavam com o endereço. Talvez eu estivesse

colocando todos em risco, mas meu objetivo naquele momento era matar a

todos. Acabar com qualquer pessoa que pudesse estar mantendo minha
mulher em cativeiro, assim como crianças.
Cheguei no lugar em menos de duas horas – um trajeto que levaria

um pouco mais de tempo para ser percorrido em outra situação. Com todas

as informações que Kolya me mandou, eu sabia quantas pessoas estariam

guardando aquela porra de galpão, que eles chamavam de QG.

Novamente: eu não fazia ideia de como meu irmão tinha conseguido

tantos detalhes. Talvez ele tivesse ido até lá, como um espião, porque havia

fotos no e-mail que nos enviou, de uma conta anônima.

Dei um beijo na minha enorme arma, comprada com os Wildfire,

que eu chamava de Catja, sabendo que ela iria me ajudar. Que fosse o que

Deus quisesse a partir dali.

Eu sabia que Hunter e os outros deveriam estar chegando logo em


seguida, então Alejandra e as meninas não ficariam desamparadas.

Só que eu estava com ódio no corpo.

Peguei os dois primeiros, do lado de fora, com tiros à distância.

Assim que os acertei na cabeça, tomei a dianteira, avançando e me

aproximando da porta.

Exatamente como Kolya avisara, o local estava bem-guardado.

Tanto que logo em seguida vieram dois, tentar me cercar, mas eu já estava
com um punhal na mão, acertando um na jugular e o outro, com um tiro,

aproveitando que tinha sido treinado para ser ambidestro.

Salpicos de sangue foram lançados no meu rosto e na minha

camiseta branca. Minha mão também ficou manchada.

Era um sangue que me dava prazer. Daria mais ainda quando

Alejandra estivesse livre.

Mais três apareceram, e eu nem lhes dei tempo para atirar. Enfiei a
porra do dedo no gatilho, metralhando-os.

Pelas minhas contas faltavam poucos, então eu só fui entrando.

Já tinha feito muito pior, não estando sequer armado. Ninguém ia

me segurar.

Um dia eu fui conhecido como a besta da Bratva. Não era por acaso.

Por ela... eu era capaz de despertar esse demônio que ainda vivia
adormecido dentro de mim. Não importava que, depois, minha consciência

ficasse tão suja quanto minhas mãos.

Por ela eu derrubaria aquela cidade inteira. O país.

O mundo.
Entrei por outra porta, depois de arrombá-la com um chute, e fui
recebido por três homens. Nem pensei, apenas mirei Catja, atirando em

todos que apareciam pelo caminho. Abri a boca enquanto fazia isso,
deixando um som gutural escapar por ela, de pura raiva.

— Filhos da puta, saiam da porra do meu caminho! — rosnei,


depois que todos eles já estavam no chão, destruídos.

Continuei marchando; um homem com um único objetivo.

Alguém surgiu à minha direita, e eu apenas usei o braço que já

segurava Catja – que estava presa ao meu peito, com uma faixa de couro
transversal –, para acertá-lo no meio do peito, causando um buraco

considerável. Nem precisei olhar, apenas continuei focando no meu


caminho.

Mais uma porta apareceu no meu caminho, e eu a chutei com toda


violência, já erguendo a arma, pronto para massacrar qualquer um que

estivesse lá dentro e que me impedisse de chegar até Alejandra.

Tudo o que ouvi ao abri-la foi um grito feminino. Depois o silêncio.

Respirando pesadamente, olhei de um lado para o outro,

encontrando um enorme espaço vazio. Um pouco sujo, com uma janela


pequena cheia de grades. Por mais que fosse noite, eu tinha certeza de que
aquele minúsculo buraco na parede não permitia que a luz entrasse direito
naquela bosta de cativeiro.

Havia uma estrutura de concreto de um lado, toda fechada por

paredes altas, com uma porta de ferro, que eu poderia jurar que era uma
cela.

Não queria nem pensar que Alejandra poderia estar ali dentro.

Ouvi ruídos de movimentos e coloquei Catja em posição para ser

usada, franzindo o cenho para tentar ver quem estava se escondendo.

— Saia daí! — ordenei, mas ninguém me obedeceu.

Continuei parado onde estava, plenamente consciente de que talvez


fosse uma armadilha. Alguém poderia surgir de trás e me acertar, me pegar

desprevenido, mas eu tinha a sensação de que a quantidade de corpos que


deixei para trás assustaria um pouco.

— Saia! — rosnei novamente, mas cheguei a me arrepender de fazer


isso, porque quatro silhuetas foram surgindo em meio à escuridão.

A garota veio na frente, se colocando diante dos outros, corajosa e


de cabeça erguida. Não poderia ter mais de quatorze anos, e eu sabia muito

bem quem ela era. A semelhança não deixava mentir.


— Eva? — perguntei, cauteloso. Algo me dizia que era a irmãzinha

perdida de Serena. — Eva Garcia?

Ela ficou tensa, com os ombros tesos.

— Estou aqui para ajudar. Vim salvar vocês — alertei, mas me


lembrei de que Alejandra falava de mim para as meninas, então acreditei

que o meu nome a deixaria um pouco mais confiante. — Sou Ilya.

Não imaginava que sua reação seria tão passional, porque ela veio

correndo na minha direção, se jogando nos meus braços.

Eu estava completamente sujo, mas a menina pareceu não se

importar. Esse breve gesto foi o responsável por fazer com que minha
humanidade retornasse ao meu corpo. Depois de ter matado várias pessoas,

de ter causado uma enorme destruição para chegar até aquele ponto, aquela
menina me salvou.

Afastei-a um pouco de mim, agachando-me e a segurando pelos


braços.

— Onde está Alejandra? — Eu já tinha olhado na direção das outras

pessoas que estavam com ela, mas vi que se tratavam de três crianças. Dois
meninos e uma menina. Deviam ter entre seis e oito anos. Talvez menos,

porque eu não conseguia precisar, pela distância em que estávamos.


Eva apontou para o cubículo fechado.

Alejandra tinha sido confinada ali dentro.

— Não sabemos como ela está. Tem quatro dias que foi jogada ali,
porque tentou proteger a outra menina que estava com a gente. Uma

garotinha de cinco anos. Ela lutou como uma leoa, e teve suas
consequências.

Aquela era a minha Alejandra. Entregava-se de corpo e alma para


proteger a quem amava.

Era por isso que eu seria capaz de tudo para protegê-la também.

Desvencilhando-me da menina, caminhei na direção da porta e me

preparei para atirar nela, já que era de ferro. Minha arma faria um estrago
naquela fechadura, mas Eva colocou a mão no meu braço.

— Se você atirar, pode chamar a atenção de alguém. Tem muita


gente lá fora.

Voltei os olhos para a menina, muito sérios, tentando esconder a


vergonha.

— Não há mais ninguém lá fora.


Eu não precisava dizer que tinha matado a todos, porque ela
entendeu. Tanto que apenas engoliu em seco e não disse mais nada.

Afastou-se de mim e foi para perto das crianças, segurando-as e tampando


seus ouvidos.

Só precisei atirar uma vez na fechadura para que ela se abrisse.

A luz dentro do cubículo era precária, mas eu conseguia ver a forma

magra de Alejandra caída no chão, com o rosto virado para a parede. Havia
correntes em seus tornozelos e em seus punhos, e eu sabia que ela estava

machucada. Um prato de comida deplorável estava jogado no chão, e eu


podia ver uma torneira e uma latrina em um canto.

Ela estava sendo tratada como um animal.

Jogando Catja para trás, agachei-me e a virei para mim com

cuidado. Os cortes em seu rosto, além dos hematomas fizeram meu sangue
ferver. Usava um vestido branco, que não combinava em nada com o estilo

de roupa que ela preferia vestir. Era quase uma piada, porque era curto
demais, como o de uma criança.

Sem dúvidas a tinham obrigado a usar... aqueles pedófilos de merda.

Ela abriu os olhos muito debilmente, quando acariciei seu rosto, e


então me viu.
— Ilya... — sussurrou baixinho, mostrando que apesar do seu
estado, tinha um pouco de consciência.

— Sou eu, amor. Eu voltei. Vou te levar daqui e destruir qualquer


um que tentar te tirar de mim outra vez.

Era uma promessa de sangue. E eu morreria antes de deixar de

cumpri-la.

Ouvi passos e me coloquei em alerta, mas a voz de Hunter me


deixou um pouco mais tranquilo.

— Somos nós, Ilya! Somos nós!

Javier veio até mim, para também ver a irmã – que já tinha
desmaiado de novo –, e me ajudou a abrir as correntes, usando uma espécie

de ferramenta que tinha levado consigo.

Ele tentou pegá-la no colo, mas eu só rosnei, entregando Catja para


ele e tomando Alejandra nos meus braços, eu mesmo, incapaz de deixar que

qualquer pessoa fizesse isso.

Os outros iriam me ajudar a levar as crianças, mas tudo o que eu


ouvi foi Javier perguntando a Eva onde estava Helen. Ela não sabia.
Eles ficaram para trás, enquanto eu marchava com a mulher
desacordada nos meus braços, indo até a saída, sendo seguido por Hunter e

Drake. Cada um deles trazia uma criança no colo, e Eva vinha caminhando,
com lágrimas nos olhos.

— Eles vão ficar. Tem uma mulher e uma criança que não foram
encontradas — Drake avisou.

Devia ser a criança que Alejandra tentou proteger. Ela ficaria


arrasada em saber que não tínhamos conseguido salvá-la.

— Tudo bem. Precisamos sair logo daqui com eles.

— Ela está bem? — Hunter perguntou, preocupado, olhando para

mim.

— Não sei. Precisamos de um médico. Não podemos levá-la a um


hospital.

— Daremos um jeito.

Eu esperava que sim.

Realmente esperava que sim.


Capítulo 31

Quando todos os dias passam à luz do fogo


Nunca desapareceremos na noite
E estamos vulneráveis, somos atraídos pela chama
Somos como fogo para a chuva
Não é estranho que o amor esteja no caminho?
Nunca desaparece, nunca desaparece
FIRELIGHT – WITHIN TEMPTATION

ALEJANDRA ZAVALA

Eu tinha visto Ilya... Seria um sonho? Seria minha mente pregando

peças?

Ele não poderia ter me encontrado, né? Depois de tanto tempo...

Enquanto pensava nisso, apaguei de novo.


— Vamos, querida. Você precisa se alimentar. Está com febre — era

a voz de Jaqueline. Mas ela não poderia estar cuidando de mim. Não

naquele lugar.

Teria sido ela sequestrada também?

Não... por favor! Não...!

Eu queria despertar, mas não queria enxergar a realidade que se

formava ao meu redor.

Sentia meu corpo sendo erguido às vezes, quase como se eu não

pesasse nada, e ouvia a voz de Blaze ajudando Eva e Jaqueline a cuidarem


de mim. Sentia quando me levava ao banheiro, completamente grogue, e os

dois tentavam me dar banhos frios, para baixar a febre.

Eu ria, porque os dois eram como cão e gato o tempo todo. Não

conseguiam se decidir se o que sentiam era tesão encubado ou ódio.

Eu tinha a minha própria opinião.

Ilya também falava comigo. Com a voz mais suave de todas, mas

por poucas horas no dia.

Ele conversava comigo, durante o tempo que eu ainda me sentia

fraca demais para retornar. Ouvia enquanto explicava que estava ajudando
Javier a buscar Helen e Crystal.

— Crystal... — eu chamava o nome dela e sentia a mão enorme

acariciando minha testa, beijos no meu rosto com o toque de uma barba da

qual eu conhecia o cheiro.

E então eu me perdia de novo na escuridão.

Eu fui melhorando aos poucos, e, quando finalmente acordei,

Jaqueline e Eva estavam no quarto, conversando, e quase pularam da cama

quando me ouviram chamar.

Eu estava chamando o nome de Crystal.

— Oi, amiga! Que bom que voltou para nós! — Jaqueline parecia

um pouco emocionada, afastando mechas do meu cabelo.

Eva veio trazendo um copo d’água com um canudo, que eu bebi

como se estivesse perdida em um deserto por anos.

Jackie checou minha temperatura, e afirmou que eu já estava sem

febre.

Também me deram de comer e Blaze chegou para me ajudar a ir ao


banheiro. Claro que ele soltou algumas gracinhas no caminho, mas me
abraçou assim que me colocou no chão, bem forte, afirmando estar feliz por

eu estar de volta e bem.

À noite, eu realmente me sentia melhor. Cheguei a caminhar de

braços dados com Jackie, indo até a varanda da casa onde estávamos e nos

sentando lá. Eu tinha um xale enrolado nos meus ombros e um chocolate

quente na mão. Cada coisinha que eu comia e bebia me dava mais energia,

por isso eu estava ingerindo mais calorias do que o normal, embora com

parcimônia.

— As crianças... — perguntei, desejando desesperadamente ver ao

menos Diego e Mercy.

— Dormiram há pouco. Quer que eu chame?

— Não. Deixe que eles descansem. — Os pobrezinhos já tinham

passado por poucas e boas, precisavam de um pouco de paz. — Onde Ilya

está? — Achei que estaria de sentinela dentro da casa para me receber

quando acordasse, mas não o vi em lugar nenhum durante o dia inteiro.

Jaqueline deu um sorriso desanimado.

— Você tinha que ver como ele chegou aqui. Alucinado, Ale.

Chegou a cair na porrada com Blaze e um dos amigos dele que tentaram
afastá-lo de você. — Jaqueline fez uma pausa. — Ele matou todos.

Sozinho.

— É o quê? — Aquilo me surpreendeu.

— Blaze me contou. Falou que quando chegou no lugar, precisou

passar pela trilha de corpos que Ilya deixou. Que ele estava tão transtornado
que se transformou realmente na Besta que diziam que ele era enquanto

estava na Bratva.

Respirei fundo, nem tentando imaginar.

— Ele te ama, Ale. Meu Deus... como aquele homem te ama!

— Então onde ele está?

— Ele e Javier foram interrogar um cara que interceptaram, que era

para estar no galpão onde te encontraram. Acho que eles vão massacrá-lo.

Assenti, sentindo meu coração apertar, querendo mencionar Helen e

Crystal, mas quase como se tivesse ouvido o meu chamado, o ronco de uma

moto ecoou na noite. Senti minhas mãos tremendo tanto que precisei

colocar a xícara que estava segurando sobre a mesinha ao meu lado, porque

definitivamente eu iria derrubá-la.


Ele tirou o capacete, sem ainda olhar na minha direção, e o cabelo

voou com o vento, quase como se ele tivesse saído de um comercial de

qualquer produto muito, muito masculino.

Aliás, Ilya era o cúmulo da mais profunda e viril masculinidade.

Como era possível que mesmo depois de tantos anos eu ainda conseguisse

senti-lo dentro de mim?

Quando me viu, ele simplesmente ficou parado – já de pé do lado da

moto –, colocando o capacete preso ao banco. Seus olhos se fixaram na

minha figura lânguida e pálida, enquanto eu me levantava.

Nenhum dos dois fez nada por alguns instantes. Era como se

estivéssemos testando o mundo. Como se quiséssemos esperar que ele se


desequilibrasse para aquele reencontro.

Não consegui esperar, no entanto. Não queria deixar mais nada nas

mãos do destino.

Minutos atrás eu poderia jurar que não conseguiria arrancar energias

de nenhum ponto do meu corpo, mas minhas pernas encontraram forças

para me levar até ele. Deixei o xale cair em algum ponto do caminho, não

me importando com mais nada, a não ser o fato de eu estar finalmente

correndo para Ilya.


Ele me pegou no meio do caminho, tendo vindo na minha direção

também, me segurando e me tirando do chão em um abraço de urso.

Imediatamente comecei a chorar. Toda a força que eu sabia que tinha, que

foi construída naqueles últimos anos em que meu corpo e minha mente

foram treinadas para estar em alerta e sobreviver a tudo, se esvaiu, porque

eu só queria ser a garota de Ilya, que seria protegida por ele e embalada

dentro daqueles braços de aço.

— Moi rys... moi rys... — ele sussurrou depois de me colocar no


chão, enquanto duas mãos seguravam meu rosto em concha.

Na última vez em que nos encontramos, ele me beijou até quase me

deixar sem sentidos. Jurei que iria fazer o mesmo, mas foi meu corpo que
não suportou a pressão, tanto da energia que gastei quanto da emoção.

Cambaleei em seus braços, estremecendo em calafrios indesejados,

sentindo a cabeça girar.

Ilya xingou algo em russo, e conforme me segurava com um braço,


esforçava-se para tirar a própria jaqueta com a outra mão, colocando-a ao

redor dos meus ombros. Com um movimento ágil, ele me tirou do chão,
como uma noiva, e começou a me carregar de volta para a casa.
— Espera! — pedi, ainda com a voz frágil, quase sem ar. — Me
beija.

Eu sabia que podia ser errado. Por mais que Jackie tivesse dito o que
disse, não queria apostar todas as minhas fichas de que Ilya ainda gostava

de mim. Ele poderia ter me procurado por todo aquele tempo por conta de
uma dívida de honra.

Mas a forma como olhou para mim quando pedi o beijo...

— Assim? — Ele aproximou o rosto do meu, quase unindo nossas

bocas, ainda me mantendo em seus braços.

— Assim.

E então eu me senti arrebatada, como sempre acontecia. Não havia

mais frio, não havia mais fraqueza. Não havia mais dor. Só nós dois, em
meio à noite fria, perdidos em nós mesmos.

Agarrei seus ombros, sentindo a jaqueta se deslocar, mas isso não


importou. Eu só queria estar presa a ele, quase como se precisasse disso

para ter a certeza de que não iríamos mais nos separar.

Não importava o que os irmãos dele tinham me pedido, eu iria

aproveitar aquele momento. Que o mundo inteiro se fodesse. Eu queria


aquele homem. Ele me queria. Ninguém iria nos proibir.

Senti seu braço que estava nas minhas costas subir um pouco
escorregando com cuidado, e a mão enorme se encaixando na minha nuca,

me segurando e colocando pressão nos dedos. Não importava que eu


estivesse mal, com as energias quase drenadas, mas Ilya não poupou o
beijo.

Ele nunca fazia nada pela metade.

— Eu senti tanto a sua falta — sussurrei para ele, quando o beijo foi
encerrado, e eu pude aninhar minha cabeça em seu peito.

Ele beijou o topo da minha cabeça, ajeitando o braço novamente nas


minhas costas, e começando a me carregar finalmente para dentro da casa.

Ilya me levou lá para cima, mas ao invés de me deitar na cama, ele


se sentou na poltrona do quarto comigo sentada sobre suas pernas. Esticou o

braço para puxar uma manta que estava sobre o colchão, cobrindo-me com
ela. Tão cuidadoso e delicado que eu me sentia como se fosse uma peça de

cristal.

— Como você está? — perguntou, me apertando contra si, me

dando a sensação de que eu era muito pequena em relação ao seu corpo


imenso.
— Fisicamente, bem. Mas... Helen... — até mencionar o nome delas

era difícil.

Ilya suspirou.

— Estamos lutando por elas, moi rys. Não vamos desistir, mas pelo
que descobrimos hoje, elas estão com Pavel.

— O quê? — Desaninhei a cabeça do seu ombro para olhar em seus


olhos.

— Vamos tentar a ajuda de Kolya.

— Ele não vai ajudar. Não vai ser desleal.

— Andei descobrindo algumas coisas. A lealdade dele está um

pouco abalada. Não sei direito ainda o que aconteceu, mas pelo que fui
descobrindo aqui e ali, nesse meio tempo em que chegamos em Moscou, é

que houve uma briga entre os dois.

— Ainda não é o suficiente para ele decidir trair a Bratva.

— Mas aí é que está. A Bratva não está muito satisfeita com Pavel.

— Se ele caísse... quem assumiria?

— Pela lei da organização, o irmão dele, Yurik.


— Então continuaria na família...

— É, mas Yurik é um pouco diferente. Por mais que seja violento,

sisudo e muito sombrio, não acredito que compactuaria com certas coisas.
Muito menos com venda de crianças e mulheres.

— O que deveria ser o mínimo.

Ilya assentiu, mas levou a mão ao meu rosto, colocando os dedos

sob o meu queixo, erguendo-o.

— Eu vou matá-lo, moi rys. Por tudo que ele fez com você. Vou dar

um jeito de colocar minhas mãos nele e fazê-lo se arrepender de cada


segundo de agonia que te fez passar.

Ele disse aquilo olhando profundamente nos meus olhos.

Só que eu não queria falar de morte naquele momento. Não queria

falar de coisas ruins, porque finalmente estava nos braços do meu homem.

— Estou tão cansada... — sussurrei, novamente me aconchegando

nele.

— Por que não dorme mais um pouco? — perguntou, acariciando

meus cabelos.

— Porque não quero me separar de você.


Ele soltou uma risadinha baixa, o que me fez suspirar. Era o melhor
som do mundo.

— Não precisa. Não vou a lugar algum. E você pode ficar


exatamente onde está.

— Promete não me levar para a cama?

— Não, mas prometo me deitar do seu lado e te abraçar, pode ser?

— Pode.

Ele continuou a me fazer carinho devagar, e eu sabia que tínhamos


muito a conversar, muito a decidir, mas eu só me entreguei enquanto ele

sussurrava “moi rys” com a voz rouca e suave.

— Eu já sei o que isso significa. Meu lince...

Não consegui sequer ouvir a resposta que ele deu, porque peguei no
sono imediatamente depois.
Capítulo 32

Muitas orações sem resposta


Muitas perguntas vistas como pecado
Apenas ceda silenciosamente
Bem, eu nunca mais farei isso
Uma história que só o tempo dirá
Estou preso dentro de um poço dos desejos
WISHING WELL – BEN MOODY

ILYA KRAVTSOV

Eu ainda não tinha tido coragem de levar Alejandra para a cama.


Tinha amanhecido lá fora, mas continuava com ela no meu colo, aninhada

em mim.

Por vezes, depois de um cochilo ali mesmo na poltrona, eu acordava

meio sobressaltado, precisando tocá-la para ter a certeza de que estava


mesmo ali. Depois de tantos anos... ela finalmente estava onde deveria

sempre pertencer: nos meus braços.

Eu não queria me mexer, com medo de que ela simplesmente

desaparecesse, virando poeira.

O que era absurdo, mas foram tantos anos de espera por um


momento como aquele, que eu tinha medo de absolutamente tudo.

Estava de olhos fechados, apertando-a contra mim, quando senti


algo repuxando a minha manga.

Olhei para o lado e vi duas coisinhas pequenas de pé, olhando pra


mim, desconfiadas. Eu sabia quem eram: o garotinho se chamava Diego e

tinha nove anos. A menina era irmã dele, e tinha seis, quase sete.

Tinha salvado os dois, mas pouco nos falamos. Eu mal tinha parado

na casa, e por mais que quisesse saber se estavam bem, tinha que fazer isso

por intermédio de Eva, que era a única que deixavam chegar perto.

Aliás, a garota tinha dezessete anos, e não quatorze como pensei a

princípio. Ela só era pequena e magrinha.

Aos poucos eu fui vendo os dois irem se aproximando mais dos

outros, que já conheciam, mas comigo ainda eram relutantes, assim como
com Hunter e Drake.

Aparentemente a curiosidade os tinha vencido.

— Ela tá bem? — o menininho perguntou. A garotinha, por sua vez,

estava com um dos dedinhos na boca, ainda assustada, mas ao lado do

irmão.

Os dois estavam com os dedinhos entrelaçados. E magros demais.

Teriam deixado de dar comida para duas crianças naquele cativeiro?

Eu ia mesmo matar Pavel.

— Ela está dormindo — falei baixinho, abrindo um sorriso e

levando um dos dedos à boca, em um sinal de silêncio. — Mas está bem,

sim.

— Por que você não coloca ela na cama? — ele insistiu.

— Você tem razão. Como não pensei nisso antes? — Eu sabia que

as crianças gostavam daquele tipo de elogio, e também sabia que o pequeno

Diego era importante para Alejandra. Qual melhor forma de conquistar uma

criança do que incentivar sua inteligência. — Você é o herói dela, sabia? Ia

acordar com uma baita dor nas costas se não pensasse nessa solução.

Ele se aprumou todo.


— Tia Ale sempre fala isso. Que eu protejo ela. Faço isso mesmo,

sempre.

— Conto com você para isso, mas pretendo estar por perto de agora

em diante, então seremos uma dupla. Ok?

O menino assentiu, todo feliz, e ficou me observando enquanto eu

me levantava com Alejandra nos braços, com todo o cuidado para que não

acordasse. Ela só emitiu um som, que era quase um suspiro, o que me fez

sorrir.

Eu parecia pronto para gastar todos os meus sorrisos só porque ela

estava ali.

Coloquei-a na cama com cuidado, ajeitando a manta para cobrir seu

corpo.

— Uau! Você é muito fortão, né? Tia Ale deve ser pesada — a

garotinha finalmente falou.

Não pude conter uma risada.

— Não, ela não é. — Infelizmente tinha perdido peso naquele

período em que ficara presa, e eu conseguia sentir isso não só nos meus

braços, mas nos ossos que pareciam um pouco mais evidentes.


— Não para você — Diego disse, revirando os olhos.

— Mas você vai ser um garoto grande também.

— Tipo você? Porque a tia Alejandra falava de você o tempo

inteiro. Ela contou que você parecia um urso, que era maior que o tio Javi e

os outros, mas eu não acreditei, porque eles são muito grandões. Mas...
puxa... ela tinha razão. Quero mesmo ser que nem você um dia.

Ele falava pelos cotovelos. Gostei dele de cara.

— Vai ser. No momento certo, vai poder começar a trabalhar o seu

corpo para ser forte, para ser resistente.

O menino novamente se aprumou, todo orgulhoso. A menininha

sorriu se aproximando um pouco mais e ficando bem à minha frente.

Sentei-me na cama, disposto a não sair de perto de Alejandra até que ela

acordasse, porque tinha prometido ficar ao seu lado, e meu coração se

revirou no peito com o sorriso que a criança me deu.

— Eu quero ser bailarina. Diego diz que é bobeira, porque eu tenho

que ser que nem a tia Ale ou a tia Helen. Mas eu gosto de dançar.

— Você pode ser o que quiser, malen'kaya printsessa.

— Do que me chamou?
— Princesinha.

Isso a fez sorrir ainda mais.

Os dois se sentaram do outro lado da cama, e nós continuamos a

conversar, enquanto esperávamos que Alejandra acordasse.

Aos poucos eles foram ficando mais ansiosos para vê-la e falar com

ela, mas quando abriu os olhos, a primeira coisa que fizeram foi jogar os

bracinhos ao seu redor e apertá-la com força.

Queria pedir que tivessem cuidado e calma para lidar com

Alejandra, mas ela também estava fazendo o mesmo com eles, chorando

emocionada.

Os três formavam uma família, isso era um fato. Senti novamente

como se tivessem colocado um punho enorme no meu peito e retorcido o

meu coração.

Javier tinha me contado que Alejandra era como uma mãe para as
três crianças; que por mais que os pequenos fossem carinhosos com todo

mundo, o amor por ela era diferente.

Eu conseguia compreendê-los.
Depois de muitos beijinhos e de mais abraços, Eva surgiu no quarto,

pedindo que as crianças fossem tomar banho e café da manhã. Ela deixou

uma bandeja para Alejandra, beijou-a no rosto também, e saiu.

Levantei-me e peguei a comida, levando-a até ela, começando a dar

o omelete em sua boca, em garfadas espaçadas.

— Você não precisa fazer isso — ela falou baixinho, olhando para

mim.

Também a encarei, meio bobo, meio atordoado.

— Não tem nada no mundo que eu queira mais do que te mimar,


moi rys. Não neste momento. Vai ter que me aguentar sendo um pouco

intenso nesses dias, porque nem mesmo um guindaste vai me tirar do seu
lado. Nem o apocalipse vai me proibir de cuidar de você.

Ela suspirou, sorrindo.

— Eu não mereço você, Ilya.

Sem responder, eu me inclinei para lhe dar um beijo, que ela


correspondeu. Quando me afastei um pouco, levei a mão ao seu rosto,

acariciando-o suavemente. Com o máximo de delicadeza que minhas mãos


brutas conseguiam ter.
— É um sonho ter você aqui, na minha frente. Estou ainda meio
dormente com tudo isso, sabe? Quase não me lembrava do quão linda você

é.

Alejandra baixou os olhos, tímida.

— Não estou muito neste momento.

Ergui seu queixo para que me olhasse.

— É e sempre foi a devushka mais bonita que eu já conheci.

— Até mesmo que a ruiva belíssima que estava com você na festa
em que nos encontramos? — ela disse em um tom provocador, e eu quase

ri; quase me deixei levar pelo resquício de ciúme que eu sentia no seu tom
de voz.

Era bom finalmente poder me deixar levar por algo tão fútil e tão
banal.

A luta não havia terminado, muito pelo contrário. Havia uma


criança e uma mulher nas mãos de Pavel, e nós precisávamos salvá-las.

— Sienna Preterotti? Ela é casada, moi rys. Com um dos homens


mais poderosos e perigosos da Cosa Nostra. Os dois são apaixonados um
pelo outro. — Fiz uma pausa. — E eu sou apaixonado por você. Nunca
deixei de ser. Nunca houve outra. Nem no meu coração, nem no meu corpo.

Ela prendeu o ar por um momento, mas eu não disse nada. Também

queria perguntar se tinha acontecido o mesmo de sua parte, e afirmar que


não tinha problema se não tivesse ficado em celibato nos últimos anos, mas
fiquei quieto. O jeito como o tal de Blaze olhava para ela me dava vontade

de socar uma parede. Não queria me mostrar tão à flor da pele.

Mas isso ficou um pouco inviável, alguns momentos depois, quando


ele bateu na porta e entrou, depois da permissão de Alejandra.

Ela já tinha acabado de comer, e eu coloquei a bandeja sobre a

cômoda, onde Eva a deixara, mas me levantei quase que imediatamente,


bancando o babaca territorialista.

O filho da puta literalmente me ignorou.

— Precisa de alguma coisa, Ale? Estou disponível.

Sabia que ele andava ajudando Jaqueline e Eva a cuidar dela. A

lavá-la, a levá-la ao banheiro se necessário. Eu deveria ser grato, mas só


conseguia sentir o meu sangue esquentar.
— A partir de agora eu estou aqui. Pode deixar esse tipo de coisa

comigo — quase rosnei, o que o deixou puto.

— Pois é, mas não estava até agora.

— Porque estava tentando salvar a vida de duas pessoas que são


importantes para ela. Agora se isso não é o bastante para você, só dê meia-

volta e não se meta onde não é chamado, parshivets[7]. O assunto é entre


mim e a minha mulher.

Ele nem era tão mais novo assim. Eu estava com trinta e oito, e ele
devia ter uns vinte e nove. Mas era abusado. Tanto que deu uma risada
debochada.

— Sua mulher?

— É. Ela é. E vai ser enquanto quiser. Enquanto precisar de mim,


enquanto eu for necessário.

Nós dois nos olhamos como se estivéssemos prontos para subir em


um ringue, mas paramos quando ouvimos Alejandra pigarrear.

— Muita testosterona em um cômodo só, rapazes. — Então ela se


virou para Blaze: — Querido, Ilya vai me ajudar a partir de agora. Mas eu

realmente te agradeço. Por tudo.


Os olhos diferentes do rapaz, cada um de uma cor, se tornaram um

pouco mais melancólicos, como se ele estivesse se tocando, naquele


momento, que tinha perdido a garota de verdade. Jurei que iria agir como

um babaca, que iria falar algo grosseiro para ela, mas assentiu, se inclinou,
beijou sua cabeça e se afastou, voltando-se para mim, colocando o dedo na

minha cara, como se não fosse pelo menos uns dez centímetros mais baixo
do que eu – o que lhe deixava com pelo menos ainda um metro e noventa

de altura.

— Ai de você se não cuidar dela direito.

Com isso, ele só saiu, dando uma olhada por cima do ombro e
fechando a porta com força.

— Ele é legal, sabe? — Alejandra soltou, provavelmente


percebendo que eu ainda estava olhando na direção do sujeito.

— É apaixonado por você. Isso já me deixa com um belo ranço.

— Não chamaria de paixão. É uma atração. Ele não está acostumado


a ser rejeitado. Acho que cismou comigo. Mas eu tenho a impressão de que

ele e Jaqueline se dariam muito bem e...

Uma coisa no que Alejandra falou me chamou atenção, tanto que a

interrompi quando me inclinei em sua direção, me deitando sobre ela,


apoiando minhas mãos no colchão para não deixar que meu peso a
sufocasse.

— Rejeitou? Você nunca ficou com ele?

Ela deu uma risadinha, levando as duas mãos ao meu rosto.

— Não, ursão. Sempre foi você também.

Sem conseguir resistir, eu a beijei. E beijei, beijei, beijei, me

deitando na cama com ela e implorando para que daquela vez eu não a
perdesse de novo.
Capítulo 33

ILYA KRAVTSOV

— Eu estava com saudade de comer pizza — Diego falou,

lambendo os dedos depois de comer seu quarto pedaço. O garoto deu um

sonoro arroto, o que me fez rir.

— Ei, modos! — Alejandra repreendeu, como se fosse uma mãe, e o

garoto obedeceu com todo o respeito.

Fazia três dias desde que tinha despertado, e eu fui observando

aquela dinâmica com as crianças. Eles eram loucos por ela. Os olhinhos

chegavam a brilhar. Sentiam muita falta da outra pequena, o que também

parecia mexer muito profundamente com os sentimentos de Alejandra,


— A gente comeu pizza tem três dias, Diego! — a princesinha

falou, colocando uma das mãos na cintura, quase como se desse um sermão

no irmão.

Ele deu de ombros.

— Eu comeria todos os dias.

Jaqueline se levantou, recolhendo os pratos e rindo das crianças.

Eva a ajudou, levando os copos, e Alejandra pediu que os deixasse ali.

— Crianças... vamos? — Ainda de pé, Jaqueline fez o sinal, e Juan,

o filho dela, foi o primeiro a se levantar, obediente.

— A gente não pode ficar um pouquinho mais? — Diego perguntou.

Desde que chegamos em Moscou, nós nos estabelecemos em um

prédio vazio, ocupando três dos apartamentos. As estadias foram


proporcionadas pelo meu primo, Andrei, e nós tínhamos nos dividido em

grupos. Quem era do Ojos de la Noche em um apartamento; os meus

amigos dos Wildfire em outro. As mulheres estavam ficando com Alejandra

e as crianças, mas desde que eu assumi a responsabilidade sobre ela,

deixaram um apartamento inteiro só para nós.


Os meninos sempre relutavam em ir embora, e eu sentia o coração

partir ao ver a cena deles olhando para Alejandra como se tivessem medo

de que algo acontecesse novamente. Por mais que tivessem sido

sequestrados todos juntos, o tempo que ela passou naquele cubículo os

traumatizou.

Eram só crianças e já tinham perdido muita coisa. Apesar de serem

bem tratados e de terem uma família naqueles homens e mulheres que

cuidavam deles todos os dias, ainda precisavam de amor. A maior prova

disso era que tinham se apegado a mim muito, muito rápido.

— Hoje não, querido. Outro dia, tá? — Jaqueline insistiu e o menino

assentiu, cabisbaixo, mas obediente.

Os três pequenos – incluindo Juan – beijaram Alejandra, que os

puxou para um abraço apertado, e eles seguiram, deixando que Eva

fechasse a porta.

Assim que ficamos sozinhos, pela primeira vez em três dias e com

Alejandra se sentindo melhor e mais forte, nós dois compartilhamos uma


risada.

— Por que será que eu tenho a impressão de que isso foi uma

armadilha para nós? — Ela se levantou depois de dizer isso, pegando o meu
prato e o levando para a pia também.

— Hummm — soltei um resmungo qualquer, porque me sentia

incapaz de falar, à medida que ela caminhava e parava de frente para a pia,

usando uma calça legging que marcava todas as suas curvas.

Eu amava aquela mulher inteira, mas se tinha algo que me deixava

de joelhos era vê-la com uma calça como aquela, com o bumbum generoso

empinado e redondo.

Ela deu uma risadinha, enquanto abria a torneira para começar a

lavar a louça.

— Senti falta desses seus resmungos.

Levantei-me da cadeira, tentando fazer o mínimo de barulho, indo

até ela e me colocando atrás de seu corpo, o que a fez estremecer.

— Só dos resmungos? — falei em um sussurro profundo, e ela

tremeu de novo nos meus braços.

Apoiei ambas as mãos na bancada da pia, cercando-a, enquanto

descia a boca até o pescoço. Seus cabelos castanhos estavam presos em um

rabo de cavalo, deixando aquela área livre.


Alejandra pousou o prato dentro da pia, com as mãos cheias de

detergente, suspirando e deixando a cabeça tombar no meu ombro.

— Senti falta disso também — ela afirmou, quase derretendo.

Ergui a mão e embolei meus dedos em seu cabelo, puxando-o para

trás. A outra mão foi parar no seu pescoço, segurando-o como eu sabia que
ela gostava que eu fizesse, em um ato de dominação e possessividade.

Tudo o que eu queria era marcar minha mulher de novo. Reviver de

onde paramos. Reivindicá-la como minha mais uma vez.

Rosnei ao levar a língua ao ponto mais sensível entre sua orelha e a

nuca, lambendo e soprando, fazendo-a soltar um gemidinho.

— Não precisamos fazer nada, se você não quiser. A armadilha pode

ser montada outro dia também — eu disse, mas já me sentindo quase

frustrado. Poucos toques, poucos beijos em seu pescoço, e eu já sentia meu

pau ficar mais duro do que pedra dentro da calça de moletom que usava.

— Não ouse.

Dei uma risada rouca ao ouvir o desespero dela.

— Você ainda está machucada? Sente dor?


— Sinto... — ela falou, e eu comecei a recuar, até que a ouvi

completar: — No meio das pernas. Está doendo muito. Você precisa me

tocar logo.

Minha risada explodiu no peito, e eu nem me lembrava há quanto

tempo não ria assim. Era diferente quando brincava com uma das crianças

da Cosa Nostra ou quando saía com os rapazes para beber. Sempre havia

um vazio.

Com Alejandra, era como se eu tivesse encontrado meu caminho

para casa novamente.

— Tem certeza? — insisti, sabendo de toda a situação.

— Por favor — ela falou com a voz embargada. — Eu não estou

bem, mas é emocional. Não vou ficar bem enquanto não tiver Crystal

comigo. Sexo não vai resolver o problema. Não vai me curar. Mas por

alguns instantes eu vou fingir que está tudo bem. Depois eu vou voltar a

sofrer pela minha menininha. Mas com você... — Suspirou mais uma vez.

— Só faça isso por mim, Ilya. Alguns momentos bons. É o que eu te peço.

Como eu poderia negar? Ainda mais se era o que eu tanto queria...

Delicadamente, tentando me conter, tirei o suéter que ela usava,

descobrindo que não tinha colocado absolutamente nada sob ele.


— Abra a torneira — falei em tom de ordem, o que a deixou meio

atordoada.

Apesar disso, obedeceu. Estendi meus braços, colocando as mãos

sob a água que caía, molhando-as. Sabia que a água estava gelada àquela

hora, apesar de não ser inverno em Moscou. Estávamos novamente na

primavera, assim como quando nos conhecemos.

Usando polegar e indicador, fui direto em seus mamilos, girando-os,


fazendo Alejandra sibilar e gemer baixinho com o toque dos meus dedos

molhados e gelados contra sua pele quente.

Imediatamente ela começou a esfregar uma coxa na outra, então eu


arqueei o quadril para a frente, prendendo-a contra a bancada da pia para

que não se mexesse daquele jeito.

— Ilya! — ela gemeu o meu nome, e eu quase perdi a cabeça.

Girei os bicos com mais força, decidido a provocá-la.

— Ainda está com dor na bocetinha, moi rys? — eu mesmo estava


arfante, doido para me enterrar dentro dela.

— Muita!

— Será que se eu te chupar bem gostoso, essa dor passa?


— S-sim... sim!

Girei Alejandra com força, puxando-a mais para o lado na bancada

da pia e a colocando sentada nela, deixando-a bem na beira.

Tirei sua calça, puxando-a pelas pernas, trazendo a calcinha junto,

deixando-a completamente exposta para mim. Lambi os lábios, desejando


sentir o gosto dela novamente na minha língua, abrindo suas pernas ao

máximo.

Ajoelhei-me entre elas, respirando fundo e levando a língua ao

clitóris bem de levinho. Só isso já foi o suficiente para que eu me sentisse


zonzo.

— Ah, porra, Alejandra! Acho melhor a gente não continuar com


isso. Eu não vou... não vou conseguir me controlar. São cinco anos sem te

tocar. — Sem tocar mulher alguma, na verdade. — Você ainda não está cem
por cento. Se eu te machucar, não vou me perdoar.

Ela agarrou meus cabelos com força com um olhar quase assassino.

— Ilya Kravtsov, se você ousar parar, eu vou pegar uma faca nessa
gaveta e te ameaçar até estarmos na cama, com você dentro de mim.

Explodi novamente em uma risada.


— Meu Deus, como eu te amo! — falei, antes de novamente usar a
língua no mesmo ponto, fazendo-a se remexer sobre a bancada. Era uma

tortura divertida, e eu sabia que isso me ajudaria a me controlar e lhe daria


mais prazer.

— Gosto de quando me pega com força. Não vai me machucar.


Como eu posso olhar para um homem como você e não pensar em um sexo

bruto e selvagem?

Eu teria explodido em outra gargalhada se um nó não tivesse se


formado na minha garganta e se minha razão não tivesse sido sobrepujada

pela porra do tesão desenfreado que se manifestou pelo meu corpo.

Não conseguindo mais me controlar, nem mesmo para provocá-la,


enfiei a língua dentro dela com vontade, movimentando-a, girando-a e

ouvindo os gritos que saíram enquanto eu a lambia. Chupei com força, me


lambuzando dela, sugando e devorando.

— Ilya, eu vou gozar muito, muito rápido — ela avisou, e eu me

deleitei naquelas palavras.

— Como você quiser, amor. Só que tenha certeza de que não vai ser

só uma vez esta noite. Ainda vou te devorar em cima daquela mesa ali e te
foder contra uma parede, já que que quer que eu seja bruto.
Eu estava pronto para tudo isso, mas não para parar. Nada me tiraria

dali naquele momento, do meio das pernas dela, ouvindo-a gemer.

Alejandra se remexeu sobre a bancada, arqueando os quadris, então,

eu peguei suas pernas e as coloquei sobre os meus ombros, o que me deu


ainda mais acesso, continuando a chupá-la.

Ela ergueu uma das mãos, se segurando no armário logo em cima, e


eu a puxei ainda mais para a beira, deixando-a apoiada só por um fio.

— Goza para mim, moi rys! — falei quase em tom de ordem, e ela
acabou acatando, porque seu corpo pedia. Eu a senti estremecer, enquanto

gemia alto. Tão alto que eu jurei que todos ouviriam naquele prédio.

Ainda não estava satisfeito.

Colocando suas pernas ao redor da minha cintura, eu a tirei dali e,

como prometido, a levei até a mesa. Ela ainda estava trêmula, ainda estava
um pouco lânguida, então a pus de costas para mim, com o torso apoiado na
madeira.

— Se segure — alertei mais uma vez e peguei seu cabelo, puxando-

o para trás com força. Com dois dedos, a penetrei, ainda a sentindo molhada
do gozo anterior.
Estava sensível também, insaciável.

Ela abriu os braços e se segurou nas beiradas da mesa, com as mãos

em garras, enquanto eu a fodia dom os dedos, que escorregavam tão


facilmente que chegava a me deixar salivando.

Dei um tapa em sua bunda, porque não resisti. Estava redonda ali à
minha frente, empinada e totalmente vulnerável. Quase me arrependi,

porque ela ainda tinha passado por traumas, tinha sido espancada e ferida,
mas Alejandra me surpreendeu:

— Mais forte.

— Tem certeza? — Sabia que a pergunta poderia estragar o

momento, mas achei prudente. Ainda estávamos nos reencontrando, eu não


queria apressar nada.

— Tenho. É você. Não é mais ninguém. Não fui tocada dessa forma.

Eu ainda não tinha perguntado, mas senti certo alívio. Já estava mais

do que pronto para matar todos os filhos da puta que a machucara, mas se
ela tivesse sido estuprada eu iria sair do apartamento naquele momento e

iria matar Pavel na frente de todo mundo, sem me importar com as


consequências.
Conforme ela pediu, aumentei a intensidade do próximo tapa.

Ela gemeu tão alto, e mais ainda porque peguei seu cabelo com mais

força, que até eu mesmo soltei um grunhido, tentando um terceiro golpe.

Continuei naquele ritmo, entre estocadas com o dedo e estalando

minha mão em sua bunda, até não aguentar mais e abaixar a minha calça,
tirando-a da forma mais desajeitada possível. Como já sabia dos esquemas

de Jaqueline para aquela noite, peguei a embalagem de camisinha que


coloquei dentro do bolso da calça, a abri e posicionei o látex no meu pau,

penetrando-a.

Aparentemente Alejandra não esperava isso, porque soltou um grito

ainda mais alto, se é que era possível.

— Você não ia me comer contra a parede? — ela perguntou

ofegante.

— Também vou. Mas, por favor, eu preciso disso. Só um pouco...

Com a primeira investida, minha mão estalou mais uma vez na sua

bunda. Daquela, eu agarrei a carne generosa, grunhindo de tesão, sentindo a


boceta molhada de Alejandra se fechar ao meu redor.
— Quente, apertada...! Como eu poderia querer outra mulher, porra?
Você foi feita para mim. É minha. Minha! — falei isso com direito a mais

uma investida. Uma tão forte que ela choramingou.

— Não pare. Por favor. Me dê mais.

— Dou, moi rys. Tudo que você quiser.

Fiquei até com medo pela forma como comecei a fodê-la. Eu era
grande, em todos os sentidos, e... porra, eu estava alucinado. Eu movia os
quadris com tanta gana, tanta raiva, que a mesa começou a ranger ao ponto

de que poderia não aguentar.

O primeiro estalo perigoso me colocou em alerta. Com medo de ela


se machucar de verdade, tirei-a de lá de cima com pressa, e esse movimento

fez o móvel ceder, de fato, tombando para o lado com a perna torta.

Agarrado a Alejandra, que levou um baita susto, nós começamos a


rir. Ambos nus, ela de frente para mim, gargalhando, com os cabelos soltos

do rabo de cavalo.

Puxei o prendedor, deixando as mechas castanhas caírem por suas


costas, e inclinei a cabeça para o lado deliciado com aquela imagem.
Eu queria dizer tantas coisas... tantas e tantas... mas naquele
momento não consegui. As palavras pareciam pequenas demais para o tanto

que eu procurei aquela mulher, pelo tanto que a busquei e a desejei durante
aqueles anos.

Levei a mão ao seu rosto, acariciando-a com o nó dos dedos,


jurando que meus olhos estavam brilhando de um jeito diferente.

— Por que está me olhando assim?

— É porque eu sou muito apaixonado por você.

— A ex-besta da bratva, o homem que mais parece um urso... quem


olha para você não imagina o quão terno pode ser.

— Você me ensinou a ser melhor. E vai me ensinar muito mais


ainda.

Ao dizer isso, eu me inclinei e a beijei, daquela vez com muito mais

delicadeza do que antes. Suspirei contra a sua boca e enquanto ainda a


devorava daquele jeito eu me inclinei, pegando-a pelas coxas e finalmente
levando-a até a parede, encostando-a lá.

Eu a ergui um pouco mais, para me encaixar dentro dela, fazendo-a


descer pelo meu pau ainda ereto, me preparando para cumprir a promessa e
a foder daquele jeito. Como não parei de beijá-la, acabamos colidindo com
uma mesa, que tinha um vaso sobre ela, derrubando-o. Também derrubamos

um quadro no caminho, porque assim que me vi dentro dela, já perdi


novamente o controle.

Seria sempre assim. Eu nunca me fartaria dela.

Gargalhamos um pouco mais, e eu me sentia... feliz. Ela claramente


não estava por completo ali, porque seu sorriso não era o mesmo de sempre,
mas em algum momento estaria. Depois que sua garotinha estivesse
conosco.

Naquele momento, eu só daria o que ela me pedira. Escapismo.

Momentos de prazer em meio à dor.

Então eu a fodi com força.

Porra... com tanta força...

Alejandra tentava se agarrar a qualquer coisa, mas acabou se


agarrando a mim mesmo. Com braços e tornozelos entrelaçados nas minhas
costas. Eu a arrastava para cima e para baixo na parede, encaixando-a em
mim, fazendo-a subir e descer, quase me cavalgando, quicando sem parar.
Eu já estava ficando suado, mesmo no clima ameno, quando senti

que estava chegando lá.

— Vou gozar, linda. Por favor, venha comigo.

Ela também estava no limite, eu sabia disso, então assentiu e gemeu


alto, quando eu dei mais uma, duas estocadas, para encerrarmos, enquanto

urrava com o prazer desesperado.

Ficamos algum tempo parados, até que eu a levei para a poltrona


mais próxima, nos jogando lá, observando o que tínhamos feito.

— Nada mal, né? — ela falou ofegante. — Uma mesa quebrada, um

quadro derrubado, um vaso quebrado.

— Isso foi só o primeiro round. No próximo, colocamos fogo na


casa.

Ela riu, ainda contida, ainda com aquela sombra nos olhos, mas era
um começo.
Capítulo 34

Você verifica embaixo da sua cama para ver se estou lá


Quando você olha para cima, estou logo ali
Acariciando seus cabelos
Me perdendo dentro do meu mundo,
você não sabe onde estive
AIMED TO KILL – JADE LEMAC

ALEJANDRA ZAVALA

Por muitos anos da minha vida eu me vi prisioneira. Confinada entre

quatro paredes claustrofóbicas. Quando saí da minha primeira prisão, fiquei

escondida na cabana com Ilya e depois dentro do complexo dos Wildfire.

Fui sequestrada novamente e mergulhei nas missões com meu

irmão, o que meio que atiçou um foco muito forte. Não tive tempo para

passear e nem para tentar conhecer um pouco do mundo que me foi negado
por muitos anos.
Sabendo de tudo isso, e tomando todos os cuidados possíveis para

não sermos seguidos, Ilya me colocou em sua moto e me prometeu um

nascer do sol inesquecível.

Subimos uma colina que ele me informou se chamar Colina dos

Pardais. Eram pouco mais de quatro e quarenta da manhã quando paramos,

e ele tinha me informado que, na primavera, em Moscou, o sol nascia por

volta das cinco e vinte.

Ainda estava tudo escuro quando tirei o capacete, parada em um

ponto estratégico, mais deserto e mais vazio, meio escondido, em meio à

rodovia.

Era arriscado, mas nós dois estávamos preparados para isso. Ambos
armados, e eu não era mais a donzelinha indefesa de antes.

Queria respirar um pouco de ar puro, depois de tanto tempo de

confinamentos diferentes, e agradecer por aquela liberdade.

Que bom que Ilya compreendia isso e não tentava me prender em

uma redoma.

Trocamos de lugar, para observar o que estava por vir, e eu me

sentei de lado na moto, à frente de Ilya, e ele passou os braços ao redor do

meu corpo, enquanto encostava a cabeça em seu peito.


Algum tempo em silêncio foi necessário, porque a noite também

estava muito bonita e merecia ser reverenciada, embora eu já conseguisse

observar pontos de luz, do sol querendo nascer.

— Você criou uma família em meio àquelas pessoas — Ilya falou


subitamente, depois de minutos calado.

— Sim. Gosto que a gente tenha um senso de comunidade. Não

somos tão grandes como os Wildfire, mas me dá a impressão de lar

também.

— Também tive essa sensação. Com exceção do imbecil do Blaze, é


claro.

Não consegui conter uma risada.

— Você com ciúme é tudo para mim.

— Não é um sentimento bom de se ter. — Ele fez uma pausa,

enquanto eu ainda ria. — As crianças, no entanto...

Meu sorriso se ampliou, ao passo que eu me aninhava ainda mais

nele.

— Eles são especiais, né? É porque você ainda não conheceu

Crystal. Ela é uma coisinha deliciosa. É tão carente, mas foi se tornando
mais sapeca conforme foi se acostumando conosco e... — Rapidamente

uma onda de melancolia me dominou. — Espero que ela continue assim.

Mesmo depois de tudo...

— Vai continuar. Vamos cuidar dela, moi rys.

Suspirei.

— Sim. Sei que sim. — Depois de uma pausa, continuei: — Você é

muito bom com crianças.

— Ah, isso eu sou mesmo. Tem que ver os malénkiye da Cosa


[8]

Nostra. Eles não param de se reproduzir como coelhos, e todos eles me

chamam de “Tio Lya”. — Os olhos azuis dele brilhavam ao falar das

crianças. — É por eles que eu defendo tanto aquela organização.

— Pelas crianças? Não pelos amigos?

— Por todos. São pessoas diferentes do que imaginei antes de

conhecê-los. Mas as crianças são o meu fraco. Não posso permitir que

fiquem sem seus pais e suas mães.

Passei a mão pelo rosto dele, sentindo que meu coração poderia

explodir por aquele homem, que era muito, muito mais do que qualquer um
poderia esperar ao olhar sua aparência bruta. Ele era o dono da alma mais

terna possível por debaixo da carcaça violenta.

— Você sabe que eu acho que Mercedes está um pouquinho

apaixonada por você? — confessei, brincalhona. Ilya ergueu uma

sobrancelha.

— Por mim?

— Como não? Os olhinhos dela brilham quando te vê. Fica toda

vermelhinha e já comentou comigo o quanto você é bonito.

— Eu? — Ele chegou a levar a mão ao peito, realmente surpreso. —

Bonito?

— Como assim, Ilya? Você não se acha bonito?

— É claro que não.

Revirei os olhos.

— Pois fique ciente de que ao menos nove entre dez mulheres

dariam um braço para ter uma chance de uma pegação forte com você.

— É sério isso?
— Eu nem deveria ter falado. Agora você tem noção de que pode

escolher outra entre essas nove — falei, cruzando os braços.

Com todo o cuidado, Ilya me pegou nos braços, me girando sobre a

moto, sem nenhum esforço e me colocando montada em seu colo, com as

pernas ao redor de sua cintura.

Será que ele não tinha noção de que aquele tipo de coisa que fazia,

de manipular o meu corpo como bem entendia, era o sonho de qualquer

mulher?

Estávamos os dois de calça jeans, mas só de saber que seu pau

estava logo abaixo da minha boceta, eu já a senti doer.

— Passei todo esse tempo em que ficamos separados sem sequer

pensar em outra mulher. Nunca fui um galanteador, Alejandra. Sempre quis

alguém para não só esquentar a minha cama, mas acordar comigo todos os

dias e eu poder chamar de minha. Apesar de tudo, eu tive um exemplo de

amor correspondido na minha família.

— Seus pais?

— Sim. Nosso pai podia ser um monstro fora de casa. Ele era

violento, bruto e não tinha piedade de ninguém, mas com a nossa mãe? Ele

era completamente diferente. Foi um bom pai também, principalmente para


Tasha, a nossa princesinha. E para Dimitri. Acho que comigo e com Kolya

ele precisava provar um ponto, e por mais que pudesse ter sido pior, ele nos

criou para ser duas fortalezas. E isso incluiu uma disciplina que eu não

testaria com os meus filhos.

As duas últimas palavras que Ilya disse mexeram comigo.

Ele queria ser pai. Provavelmente iria querer ter seus próprios filhos.

E... Deus, como merecia. Era tão bom com crianças, tão gentil, tão
carinhoso. De fato, eu sentia que Mercy tinha ficado meio encantada com

ele, porque, por mais que Javi e os outros fossem ótimos com ela, Ilya era
diferente.

Ele a ouvia, penteava seus cabelos, observava enquanto dançava

com um carinho paternal.

Só que eu tinha outros planos...

— Sobre isso... — Pigarreei, hesitando em entrar no assunto. —

Não estou querendo pressionar alguma coisa, até porque... se você pensar
bem... nós dois ficamos juntos de verdade só por alguns meses. Mas o fato é

que eu... Eu tenho intenção de adotar as crianças. Diego, Mercedes e


Crystal. Então imagino que se você vai ficar comigo, ou se tem intenções de

assumir um relacionamento, precise e mereça saber.


Tive todo o cuidado de falar, porque realmente não queria que ele
pensasse que eu estava pulando etapas, mas ele levou a mão ao meu rosto,

olhando nos meus olhos daquele jeito que só Ilya sabia olhar.

Ele tinha um olhar que me fazia pensar que conseguia acessar a

minha alma.

— Não importa se tivemos um dia ou alguns meses; a forma como

nos conectamos, como nos apaixonamos, não é trivial. Tudo entre nós foi
intenso de um jeito que fez com que você ficasse marcada na minha pele

como todas essas tatuagens que eu tenho.

Ele tinha feito novas, aliás. Algumas delas cobriam cicatrizes que eu

desconhecia antes daquela lacuna em nosso relacionamento.

Ainda com aquele olhar intenso, ele continuou falando:

— Eu quero tudo em relação a nós dois. Se formos ficar juntos, se

em algum momento conseguirmos deixar esse caos todo para trás, você vai
se tornar minha esposa, e vamos levar as crianças conosco.

Cheguei a ficar sem ar diante daquela resposta, porque era


completamente inesperada. Não que eu duvidasse do coração de Ilya, mas

aquilo era muito real.


— Eu te amo — sussurrei para ele, colocando os braços ao redor
dos seus ombros.

Ele me agarrou pelas coxas com força, me puxando para si, e nós

aproximamos nossas bocas ao mesmo tempo, em sintonia. O beijo veio


forte, como sempre, com aquele gosto de selvageria que nos seduziu desde
o início.

Só nos afastamos quando os feixes de luz anunciaram o amanhecer.

Estávamos ali para isso, para ver o sol nascendo, então eu foquei meus
olhos no céu, que começava a se pintar de laranja e belos tons de magenta.

Fiquei atenta, vendo a bola de fogo emergir do horizonte devagar, se

erguendo lentamente. Em silêncio, eu contemplava aquela visão linda,


agradecendo a Deus por me dar aquela oportunidade de estar ali, com o

homem que eu amava, tendo aquela experiência.

Quando olhei para Ilya, de soslaio, ele não estava olhando para o
céu, mas para mim.

— Não vai ver o sol? — perguntei, em um sussurro.

— Não. Tenho coisa muito mais bonita para olhar.

Como não amar aquele homem?


Sem me importar com o nascer do sol, agarrei-o novamente e o

beijei, começando a me mover em seu colo, de forma provocativa.

Ilya soltou um grunhido, por causa do atrito dos nossos corpos, e me

segurou com mais força. Chegou a se inclinar, me deitando sobre a moto,


agarrando meus punhos e os segurando contra os dois lados do guidão.

Sua boca foi descendo pelo meu maxilar, percorrendo até meu
pescoço, enquanto eu erguia meus quadris, só para me esfregar mais e mais

nele.

— Não vou foder você aqui, Alejandra. Comporte-se — ele rosnou

deliciosamente.

— Aqui, não. Mas podemos ir para algum lugar. Não podemos? —

eu falei, quase suplicante.

— Podemos fazer qualquer coisa que você quiser.

Com essa resposta, nós nos afastamos, já ansiosos pelo que estava

por vir, e então eu saí da moto, subindo novamente atrás dele e colocando o
capacete, partindo logo em seguida, deixando o nascer do sol para trás.
Capítulo 35

Meu sonho imaculado


Feito de fôlego e pele,
Eu estive esperando por você
Marcada como uma tatuagem
COME UNDONE – MY DARKEST DAYS (versão)

ALEJANDRA ZAVALA

A julgar pelo que eu conhecia de Ilya, o lugar que ele escolheu me

surpreendeu e muito. Era um hotel sofisticado – uma suíte presidencial,

com uma cama enorme no meio do cômodo, uma antessala e um espaço

amplo, com uma sacada e uma bela vista.

— Acho que não vai ser uma boa ideia se quebrarmos alguma coisa

aqui dentro — brinquei, levando na brincadeira o que tinha acontecido na


última vez em que fizemos sexo.
As crianças ficaram muito curiosas para saber como tínhamos

conseguido quebrar tantas coisas em tão pouco tempo, e a desculpa de que

Ilya era muito desastrado precisou ser usada. Os adultos, por sua vez,

tentaram encobrir risadinhas, e Jackie chegou a se abanar pensando no caos

que tínhamos causado juntos.

— Tenho planos. Nenhum deles envolve uma mesa ou uma parede.

Ergui uma sobrancelha, enquanto passeava pelo quarto, tirando o

casaco, já que o ambiente tinha aquecedor.

— Ah, não?

— Não. Nada disso.

Ainda era cedo, de manhã, então eu fui direto à sacada, mas sem sair

pela porta de vidro, contemplando o céu. O mesmo que tínhamos deixado

de lado para chegar àquele hotel.

— Tire a roupa — ele falou em tom de ordem, com aquela voz

rouca de enlouquecer.

— Por que você não tira? — Girei na direção dele, me colocando de

costas para a porta de vidro.

— Porque quero te observar.


Ele se sentou na cama, com as pernas abertas, me observando com

olhos ferinos.

Arranquei a blusa de dentro do cós da calça jeans, levei as mãos à

borda, mas não a tirei de cara.

— Só tiro se você também tirar para mim.

Ilya abriu um sorriso perverso, e nós dois fomos nos despindo, um

olhando para o outro, em um mesmo ritmo.

Quando terminamos, lá estava ele, em toda a sua glória masculina,

já ereto só de olhar para mim.

— Eu quero chupar você — falei, ousada, pensando que fazia tanto

tempo que talvez eu já nem me lembrasse mais como era.

Ele soltou um rosnado, enquanto levava a mão ao próprio pau,

acariciando-o, e me proporcionava a visão mais erótica que eu poderia ter.

O homem parecia um deus grego, com aqueles ombros largos, a cintura

estreita, a barriga cheia de gominhos, as coxas torneadas, se tocando para

mim.

— Tinha planos românticos, Alejandra. Vai arruinar todos eles se já

começar assim.
— É? — Fui me aproximando, me colocando entre as pernas dele,

sem tocá-lo. — Por quê?

— Porque você vai me deixar louco, e eu vou perder completamente

o controle. Vou ter que te pegar forte.

— Daquele jeito que eu gosto? — Ajoelhei-me entre as suas pernas,

me aprontando.

— Daquele jeito.

Então eu não perdi tempo. Levei a boca ao pau de Ilya, descendo

aos poucos, até levá-lo à altura da minha garganta. Chupei, suguei e usei a

língua, subindo e descendo, sugando a cabeça com força, me deleitando

com os sons que ele fazia.

Senti seus dedos firmes agarrarem o meu cabelo, e eu adorava

quando ele fazia isso. Adorava quando soltava seu lado selvagem,

motoqueiro, mafioso... o que quer que toda aquela combinação perigosa

proporcionasse.

Subi e desci novamente, deslizando com força, lambuzando-o e

segurando suas bolas para acariciá-las, à proporção que o chupava.


— Alejandra... — ele soltou novamente com um tom gutural,

profundo, em alerta.

Não respondi, apenas continuei, me deliciando com seu sabor, com

o quão grande e duro ele era.

— Por que não se toca enquanto me chupa? — ele ronronou.

— Você quer isso? — perguntei tirando a boca dele e o olhando nos

olhos.

— Quero. Pra caralho.

Fiz o que pediu, levando primeiro o dedo ao meu clitóris, soltando

um gemido ao mesmo tempo em que o tomava novamente na boca.

Voltei a chupá-lo com gosto ao mesmo tempo que começava a me

masturbar, encaixando o dedo onde quer que ele alcançava, soltando um

gemidinho, porque queria que fosse o dele ali.

Ilya xingou algo em russo, e rosnou mais algumas vezes, até que eu

senti suas mãos ferozes nos meus braços, me arrancando de onde estava.

Com um movimento quase vertiginoso, eu fui jogada na cama, e ele me

colocou de quatro, enterrando o próprio pau em mim, ainda com ele

molhado, deslizando com uma facilidade deliciosa.


— Eu realmente tinha planos de te dar romance. De te levar para a

banheira e de masturbar devagar — ele foi dizendo isso por entre estocadas

pesadas. — Mas estou aqui, te tratando como se não fosse a mulher que eu

amo.

— Posso ser as duas coisas. A mulher que você ama e uma

vadiazinha na sua cama.

Ilya soltou uma gargalhada, e eu sempre me deleitava com aquele

som, porque ele era raro, precioso.

Foram algumas estocadas, que me renderam alguns gemidos, mas

fui novamente girada e colocada de barriga para cima.

Vendo-o do ângulo que eu estava, ele novamente me pareceu um

Deus nórdico. A luz que entrava pela varanda o iluminava de um jeito que

fazia com que os contornos do seu corpo se destacassem com poder. Tão

maior do que eu, o homem poderia me dominar sem esforço, e eu queria

isso.

Com uma expressão provocadora, fui me arrastando para longe dele,

ainda em cima da cama, o que já o fez olhar para mim com um ar de

repreensão.
— Não brinque comigo, moi rys. Não quando eu estou alucinado

por você.

Não falei nada, só me levantei da cama, ainda me afastando dele, de

costas.

— Não quero romantismo, Ilya. Quando eu quiser, vou te avisar.

Para todos os outros momentos, quero meu urso em plena forma.

Ele estava com um dos joelhos na cama, então o tirou devagar,


vindo na minha direção. Com os cabelos soltos, caindo sobre os ombros,

não se apressou, mas parecia letal. O que eu via em seus olhos era desejo,
mas consegui imaginar o que um inimigo pensaria daquele homem
intimidador em um momento de violência.

Colidi com algo, lhe dando algum tempo para vir até mim. Quando

chegou, colocou cada uma das mãos de um dos lados da minha cabeça, me
encurralando. Nessa posição, tomou minha boca de forma abrupta, me

dando um daqueles beijos vertiginosos.

Deixei que meu corpo correspondesse, que eu me derretesse contra

o dele, mas na primeira oportunidade, escapei por baixo de um de seus


braços, sabendo que ele estava facilitando as coisas para mim.
Se Ilya não quisesse brincar, eu não sairia de seus braços a não ser
que permitisse.

Um braço possessivo veio enlaçar minha cintura, e eu fui arrebatada


do chão, em meio a sons muito sexy, tanto meus quanto dele.

Ilya literalmente me jogou contra a porta da varanda, mas tomando


todo o cuidado para não me machucar, me imprensando lá, de costas para

ele. Ainda me mantendo com os pés fora do chão, toda sustentada por
apenas um de seus braços, fui penetrada, encaixada em seu pau, precisando

espalmar minhas mãos no vidro.

Meu rosto também foi amassado contra ele, enquanto o homem

metia em mim com força.

Tanta força que eu jurei que iria desmaiar de tanto prazer.

— Você quer brincar, né, neposlushnyy[9]? Pois então eu vou entrar


no seu jogo. Mas vou te fazer chorar me pedindo para te foder.

Mas ele já não estava me fodendo? O que...

Depois de algumas estocadas poderosas, ele saiu de dentro de mim,

novamente me içando do chão e me lançando na cama.

— Ajoelhe-se. De frente para mim — era uma ordem.


Meu Deus, como me excitava ouvir aquela voz de trovão falando
daquele jeito!

Fiz o que ele ordenou, e então o vi prender o cabelo em um coque,

amarrando-o com os próprios fios. Com um sinal da mão, mandou que eu


me aproximasse, ficando na beirada da cama.

Inclinei a cabeça, pronta para abocanhá-lo novamente, mas Ilya não


deixou. Agarrou meu cabelo de novo, puxando minha cabeça para trás, e

segurou o meu pescoço, daquele jeito possessivo, inclinando meu rosto para
onde queria que ele ficasse, pronto para o beijo.

Soltando as mechas, ele desceu a mão, levando-a ao meu mamilo,

girando-o tortuosamente. A boca desceu também, indo em direção ao outro,


que foi chupado até que eu quase gritasse.

Ele era bom com as mãos, mas com a boca... Ilya devia ganhar um

prêmio.

E então ele desceu mais e mais, voltando a me masturbar.

Novamente com a boca livre, tentei lhe dar um sexo oral, mas meu cabelo
foi agarrado. Tentei estender a mãos, e ele rosnou.

— Mantenha essas mãos na cama. Agarre o lençol, porque vai


precisar.
— Eu quero te tocar.

— Não vai — outro rosnado. — É o meu jogo agora.

Ele se ajoelhou diante de mim outra vez e levou a língua ao meu

clitóris, enquanto os dedos indomáveis continuavam a me penetrar, a


investir com força. Fiz o que falou e fechei meus dedos em garra no lençol,

pronta para ter o meu primeiro orgasmo do dia, mas ele parou.

— Não, não faça isso — choraminguei.

— Você. Vai. Implorar — ele falou pausadamente, vindo para cima


de mim como uma torre, agarrando minha cintura e se deitando na cama

comigo, me puxando para cima, novamente como se eu não passasse de


uma boneca.

Ele me torturou um pouco mais, mordendo meus mamilos e roçando

seu pau na minha boceta, mas sem me penetrar. Segurou meus braços ao
lado do meu corpo, espalhando beijos infinitos por cada centímetro de mim,
e novamente chegando ao meio das minhas pernas.

Eu já tinha dito que ele era incrível com a boca, não tinha? Pois

daquela vez ele se superou.


Meus gritos rasgavam a minha garganta, e eu me contorcia na cama,

buscando mais e mais daquela língua. Eu chamava o nome dele, xingava


em espanhol, mas ele parou novamente quando comecei a me contrair.

Não tinha outro jeito. Ele era o vencedor do jogo.

— Por favor, Ilya... pelo amor de Deus!

— O que você quer, moi rys? Peça. Com todas as letras.

— Me fode. Por favor.

Foi o que ele precisou para se deitar na cama e me agarrar. Do

contrário do que pensei, ele não se colocou em cima de mim, mas nos girou.

— Quero que você monte em mim. Que dite o ritmo.

Nós nos posicionamos depois que eu assenti, e a sensação de


deslizar por seu pau, sentando-me nele, foi preciosa. Pensei em começar

devagar, com movimentos leves, mas assim que ele foi até o fundo, não
pude mais me conter.

Com sua ajuda, das mãos firmes em meus quadris, eu me vi


cavalgando o homem em um ritmo frenético. Quiquei, com as mãos em seu

abdômen sarado, ofegante e trêmula, gemendo como uma gata no cio.


Quando Ilya ainda levou o polegar ao meu clitóris, brincando com
ele, e os dedos da outra mão a um dos mamilos, eu chorei de verdade.

Nunca tinha sentido nada parecido, e o orgasmo veio de um jeito que eu


jurei que não iria conseguir ficar consciente por muito tempo.

Ele precisou me mover sobre seu corpo, com o poder de seus braços
e mãos, porque eu me derramei sobre o seu peito, mas sem deixá-lo sair de

dentro de mim.

Ilya se sentou na cama, me levando junto, mantendo um dos braços

ao redor das minhas costas, para me firmar.

Erguendo os quadris, ele conseguiu manter nosso ritmo, até que

também chegou ao clímax, derramando-se em mim.

Beijou minha testa, minha boca, sussurrando algo em russo que eu

poderia jurar que era um “eu te amo”. E mesmo se não fosse, soaria assim
para mim.

O que tínhamos era precioso, em todos os sentidos. Ele era precioso.

E se o destino permitisse, em algum momento formaríamos uma


família e seríamos felizes. Era só o que eu queria.
Capítulo 36

Fecho meus olhos e não tenho medo


Assisto as brasas desaparecerem
Esperei por este dia chegar
Eu sei que não sou o único
WALK THROUGH FIRE – THE EVERLOVE

ILYA KRAVTSOV

— Filho da puta! — Ouvi a voz de Javier, logo depois de eu entrar,

de mãos dadas com Alejandra, no apartamento que ele dividia com os

outros rapazes. Também o vi dar um soco na mesa com o punho fechado.

— Acalme-se, hermano. — Eu ainda não tinha tido a oportunidade

de ter muito contato com aqueles caras, mas pelo que já havia conseguido
perceber, Orion era o mais calmo e comedido de todos.

Estendeu a mão para tocar o amigo, tentando passar um pouco de


conforto, mas Javier deu um tapa na mão dele. Eu sabia que não era
intencional, mas cada um lidava com suas merdas de forma diferente.

— O que aconteceu, afinal? — Jaqueline perguntou.

— Pavel Kisilev aconteceu. Esse filho da puta. O diabo! Ele é o

diabo! — Javier rosnava como um leão, e tanto Hunter quanto Orion foram

até ele segurá-lo. Eu fiquei parado, apertando a mão de Alejandra,


impedindo-a de ir até o irmão.

— Pega leve, cara. Senta um pouco, porque a gente precisa que você
explique o que houve — Hunter tentou dizer, mas Javier se soltou de seus

braços, continuando a andar de um lado para o outro.

— Acabei de receber uma ligação do filho da puta. Nem sei como

ele conseguiu meu telefone, mas imagino que consiga qualquer merda que

quer com um estalar de dedos. — Ele fez uma pausa para respirar fundo,

então prosseguiu: — Ele vai se casar com Helen.

— O quê? — Alejandra se manifestou. Eu podia sentir pelo tom


dela que estava horrorizada só com a ideia.

— Isso mesmo que vocês ouviram. E quer saber o pior? Ele vai

contar a todos que Crystal é filha deles dois. Vai inventar essa porra dessa

mentira, porque aparentemente já era momento de ter um herdeiro. E falou


tudo isso com um deboche, um pouco caso... que se eu pudesse, teria

atravessado a linha e matado o desgraçado naquele momento.

— Não! Mas isso não tem cabimento! Quando me levou, lá do

complexo dos Wildfire, ele decidiu que não iria mais se casar comigo,
porque eu não era mais virgem. Ele queria uma esposa... pura.

— Parece que mudou de ideia.

Eu senti Alejandra ficar tensa do meu lado.

— Ele... ele ficou obcecado por Helen quando chegamos. Não

parava de olhar para ela. Eu deveria ter imaginado...

Ainda estava preocupado com Alejandra quando o irmão dela voou

na minha direção, agarrando as lapelas da minha jaqueta.

— É o seu pakhan, não é? Você foi leal a ele por anos. Seu irmão

ainda é. Deveria ter vergonha e...

Com um movimento rápido, sem muito esforço, eu arranquei as

mãos dele de mim e o joguei em cima do sofá, inclinando-me em sua

direção, erguendo um dedo em riste.

— Deixei essa lealdade de lado por sua irmã. Porque me apaixonei

por ela e porque fiz o que era certo. Se quer descontar essa raiva em
alguém, é melhor guardá-la para quando chegarmos a Pavel. Está lutando a

batalha errada.

Com isso, me afastei dele, antes que perdêssemos a cabeça.

Conseguia imaginar seu desespero, porque passei por isso por muito tempo.

A cada dia que eu pensava em Alejandra nas mãos daquele sádico, eu

enlouquecia um pouco mais.

Só que de nada adiantava quebrar a casa toda a não agir. Se Helen e

a criança estavam mesmo nas mãos dele, e ele tinha planos de usá-las, era

necessário resolver o problema e tentar apoio de alguém de dentro, em

quem eu confiava.

Peguei o telefone e chamei o número de Kolya, enquanto Alejandra

entrava na cozinha – cômodo para o qual eu tinha me encaminhado, depois

da briga com Javier.

Como sempre acontecia quando eu precisava falar com o meu

irmão, tive a impressão de que não iria me atender de primeira, mas me

enganei.

— Você não vai me deixar em paz, não é? — resmungou, e se as

coisas não estivessem tão caóticas eu teria sorrido. De alguma forma,

estávamos nos reaproximando.


— Não enquanto não resolvermos a situação. Há pessoas em perigo,

Kolya. Uma criança pequena.

Eu sabia que isso seria mais do que suficiente para convencê-lo.

Ele ficou em silêncio por alguns instantes, e então eu ouvi o barulho

de uma porta se fechando. Sua voz baixou para um sussurro em seguida:

— Fiquei sabendo sobre a noiva. É a garota que ele sequestrou junto

com Alejandra, não é?

— É. Ela mesma.

Ouvi um suspiro forte do outro lado da linha.

— Pavel não está bem, Ilya.

— Não é uma novidade — falei com deboche.

— Estou falando sério. Parece que ele surtou de vez quando

começaram a pressioná-lo para se casar e ter filhos. Ele está há algum

tempo no poder e nunca se estabeleceu. Para a Bratva, isso é uma afronta.

Querem tirá-lo.

— Isso não te dá uma chance?

— Não sou casado também.


— O que poderia ser resolvido facilmente.

Kolya soltou um resmungo do outro lado, mas logo voltou a falar:

— Não é o assunto agora, Ilya. O que estou te dizendo é que

descobri algumas coisas.

— Você precisa me contar. Entendo a sua lealdade, mas são outras

coisas em jogo agora.

— Eu sei. Onde você está? Me diga que vou te encontrar.

Aquela foi uma grande surpresa, mas de forma alguma eu iria

recusar não apenas a ajuda de Kolya mas como também a sua presença.

Passei o endereço do prédio onde estávamos ficando, temendo que

Pavel pudesse enviar alguém para segui-lo, mas meu irmão parecia bem

confiante quando chegou e eu abri a porta para ele.

— Tudo bem? Sem riscos?

Ele praticamente revirou os olhos para mim.

— Quer ensinar o padre a rezar a missa, porra?

— Sempre de excelente humor!


Ele foi tirando o casaco de couro e o pendurando no cabideiro ao

lado da porta. Por baixo usava uma blusa de manga comprida cinza, de lã, e

calça jeans.

Ergueu os olhos enquanto entrava e viu Alejandra, que estava

parada de pé, próximo à entrada da cozinha. Cumprimentou-a com um

meneio de cabeça, e ela fez o mesmo, antes de anunciar:

— Vou deixar vocês sozinhos. Se quiserem qualquer coisa, estarei


no apartamento de cima.

Ela ia ficar com as crianças, é claro. Desde mais cedo, que


recebemos a notícia dos planos de Pavel para com Crystal, eu sentia
Alejandra muito calada, muito distante, o que era compreensível depois de

tudo pelo que ela tinha passado nas mãos de alguém que agora estava com
sua amiga e a criança que ela tanto amava.

Segurei-a e me inclinei para beijá-la, então a deixei sair. Kolya ficou

observando nosso comportamento, e assim que ela saiu, comentou:

— Você realmente a ama.

— Tinha alguma dúvida?


— Não depois de tudo o que você fez por ela. Mas ver pessoalmente
é diferente. — Pensei que ainda ia continuar nesse assunto, mas logo

mudou, depois de respirar bem fundo. — Não posso ficar muito tempo.
Precisamos conversar.

Assenti e fui pegar duas cervejas, uma para cada um de nós.

Pedi que se acomodasse no sofá, e por um momento, uma sensação

de nostalgia me abateu. Fazia mais de cinco anos que eu não tinha um


momento como aquele com meu irmão. Era triste pensar que o assunto que

nos unira fora o mesmo que nos separara.

— Sei que precisamos falar sobre Pavel, mas eu preciso saber como

está Tasha. Ela não ia... se casar?

Precisei engolir em seco para fazer aquela pergunta. Não queria nem

pensar na minha irmãzinha nas mãos daquele babaca do Oleyno Ivanov,


mas pela cara que Kolya fez, não foi difícil perceber que algo tinha dado

errado naquele casamento.

— O filho da puta ainda não apareceu. Está viajando e continua

dizendo que voltará em breve, mas não temos muito mais notícias. Mas
ainda acho que foi uma escolha correta, ou então eu tenho a impressão de

que Pavel acabaria tomando Natasha como esposa.


— O quê? — indaguei em um tom gutural.

— Ele chegou a cogitar. A sorte foi esse noivado dela.

— Mas só se ele quisesse ser morto durante a cerimônia. Eu já estou

louco para pôr as mãos nele, acabaria tendo hora e local marcado.

— Eu o mataria antes também, Ilya. Não permitiria que tocasse em

Tasha.

Aquele era o Kolya que eu conhecia e amava. A ferocidade em sua

voz e expressão, ao pensar em proteger Tasha, era suficiente para mim.

— Mas como eu disse... Pavel não está bem. Descobri algumas

coisas que fizeram mais sentido.

— O quê?

— A obsessão dele por ter uma esposa mexicana veio do passado.


Parece que uma garota do Cartel o rejeitou. Ele a matou, mas nunca

ninguém descobriu. Só que agora ele tem essa coisa na cabeça. É mais
perigoso do que pensávamos.

— Como descobriu isso?

— Yurik me contou.
— O irmão de Pavel? — mais uma coisa que me surpreendia

naquela noite.

— É, mas isso morre aqui. Ele também está preocupado e assustado.

Alguns associados estão começando a desertar. Isso pode ser desastroso


para a Bratva. Acho que posso conseguir mais algumas informações com

ele, se for cauteloso.

— Muito cauteloso. Kolya, Yurik é irmão de Pavel. Pode ser uma

pessoa um pouco mais equilibrada, mas a ligação entre eles ainda é mais
forte. Cuidado para não ser pego numa armadilha.

— Não serei. Mas vale dizer que eles não são irmãos como nós.

Fiquei calado, tentando absorver o que ele tinha acabado de dizer.

— E que tipo de irmãos nós somos?

Kolya contraiu o maxilar, não parecendo satisfeito com o que teria


que dizer, mas sem jeito de negar que tinha começado o assunto.

— Do tipo que morreriam um pelo outro.

Sim, isso era real. Um fato. Eu daria a vida por qualquer um dos

meus irmãos.
E também pela mulher que apareceu pouco depois que Kolya foi

embora, na varanda do apartamento, me fazendo companhia, já que eu tinha


ido me acomodar lá, com a minha cerveja, mas sozinho.

Ela chegou, tirou a garrafa da minha mão e se sentou no meu colo,


tomando um gole.

— Como foi? — ela perguntou, mas com o corpo ainda tenso. Seus

olhos estavam vermelhos, e eu podia ver que tinha chorado.

— Melhor do que pensei. Ele vai nos ajudar — falei baixinho,


colocando os braços ao redor dela. — Vamos achá-las. Pavel não vai ter

chance contra nós.

— É, eu sei. Confio em você.

Alejandra pousou a cerveja na mesinha ao lado e encostou a cabeça

no meu peito.

Eu não decepcionaria sua confiança.


Capítulo 37

Poderia ser para sempre, uma vida inteira juntos


Poderia ser para sempre, você e eu
Minhas memórias permanecem aqui,
elas apenas ficarão gravadas
FOREVER YOU AND ME – THE TESKEY BROTHERS

ILYA KRAVTSOV

Alejandra se revirou na cama naquela noite, presa em pesadelos que

pareciam angustiantes demais, a julgar pela forma como ela acordava. Isso

foi se repetindo nos dias seguintes, e eu tentava apertá-la contra os meus

braços para afastar o desespero que sabia que sentia.

Apesar de não falar, ela se sentia culpada. Tinha saído, estava


comigo, relativamente segura, enquanto sua amiga e a menina continuavam

nas mãos de um louco.


Kolya se comunicava conosco sempre que possível. A colina era um

dos nossos pontos de encontro, sempre com capacetes, sempre tentando

passar incógnitos, e no dia em que ele me falou que a pequena Crystal

estava sendo bem cuidada, apesar dos pesares, eu vi Alejandra parecer um

pouco mais aliviada.

Ele não tinha notícias de Helen, no entanto.

Dez dias depois da visita de Kolya ao apartamento, Javier chegou

novamente surtando, com a porra de um papel na mão. Um convite muito

formal para o noivado dele com Helen.

Continha a informação de se tratar de uma cerimônia privada, onde

apenas eu e Alejandra estávamos convidados.

— Isso não está me cheirando bem — ela falou, ao meu lado,

enquanto o irmão quicava de um lado para o outro.

— O caralho que esse negócio vai acontecer. Nós vamos incendiar o


local, Ilya. Está me ouvindo? Se você não for comigo, eu vou sozinho e vou

matar aquele desgraçado.

— Javier, calma. Precisamos montar uma estratégia. É, sim, a nossa

chance de resgatar Helen e Crystal, mas...


— Mas o caralho! Quando foi a sua vez, quando era Alejandra, você

saiu daqui como um louco, pegou a merda da sua moto e partiu sem olhar

para trás. Matou um monte de gente sozinho, mas poderia ter morrido e

deixado ela ainda mais em perigo.

Ele tinha razão. Eu precisava admitir.

— Não quer dizer que a gente precise cometer o mesmo erro. As

coisas agora são um pouco mais complicadas. Pavel não vai ser louco de

deixar o lugar mal protegido.

— O outro também não estava e mesmo assim você entrou.

— Vamos entrar novamente. E tirá-las de lá. Mas agora temos a

ajuda do meu irmão, e o plano precisa ser mais elaborado. Eu errei, fui

impulsivo, e poderia ter sido muito pior. Não queremos colocá-las em risco.

Javier estava ofegante, passando a mão pelo cabelo. Ele era


impulsivo, estressado, rabugento, mas era um bom homem. Não poderia

culpá-lo por estar desesperado pela ausência da namorada.

— Eu amo aquela mulher. Não tínhamos nos casado ainda, porque

ela parecia querer salvar o mundo inteiro antes disso. Mas... eu também não

pedi. Não porque não quisesse, mas porque também estava perdido demais

no foco do meu trabalho.


Alejandra estendeu a mão, tocando o rosto dele.

— Ela sabe do seu amor, hermanito. E você vai ter muitas chances

de prová-lo daqui em diante.

Javier olhou para Alejandra com olhos suplicantes, como se

precisasse daquela certeza para continuar funcionando.

Estávamos todos com os ânimos muito abalados. Aquele evento

seria a nossa chance de salvar as duas, por isso nos reunimos no

apartamento de Javier naquela mesma tarde, tentando juntar o máximo de

informações que possuíamos para montar uma estratégia.

Se somente eu e Alejandra éramos os convidados, ele tinha planos

para ela também. O casamento com Helen me fazia acreditar que iria matá-

la, e a mim também, o que precisava nos deixar muito mais em alerta.

Kolya ia conseguindo o máximo de dados que poderiam nos ajudar,

tanto do local, como poderia ser invadido, quanto da sanidade de Pavel e do

que ele pretendia fazer. Meu irmão tentava ter acesso aos convidados do

evento, mas até aquele momento isso era mantido em segredo.

Conversei um pouco com meus amigos da Cosa Nostra, até para

saber também como eles estavam, e Dominic também quis saber os detalhes

do que iríamos fazer. Eu sabia que eles tinham uma excelente noção de
estratégia, porque viviam o tempo todo em guerra, então não me fiz de

rogado e o deixei falar.

Uma noite antes do evento, nós nos reunimos no terraço do

apartamento de Javier. Não queríamos que o clima fosse de despedida nem

nada assim, mas precisávamos de um momento mais leve, para espairecer.

As crianças estavam conosco, e fizemos hambúrgueres e batatas

fritas, além de pedirmos pizza. Para os adultos, havia cerveja e um pouco de

vodca.

A noite não estava tão fria, então pudemos nos aconchegar ao ar

livre, observando as estrelas, cada um com seus pensamentos. Eu sabia que

Hunter e Drake sentiam falta de casa, e já tinha pedido que voltassem, mas

não quiseram nos abandonar. Iriam até o fim naquela história.

Ninguém tinha dito muita coisa até que a campainha tocou. Fiquei

surpreso, porque não estávamos esperando mais ninguém, e fui

pessoalmente lá embaixo, receber quem quer que fosse o visitante

inesperado.

Saquei minha arma e mantive-a em punho, caminhando o máximo


devagar possível, com toda a cautela. Havia um olho mágico na porta, por

onde olhei, me deparando com Kolya lá fora.


Eu tinha avisado a ele que iríamos nos reunir naquela noite, para

bebermos um pouco e nos prepararmos para o dia seguinte, mas nunca

imaginei que ele apareceria.

Já estava prestes a abrir a boca para cumprimentá-lo, quando fui

interrompido pela imagem de uma pessoa logo atrás dele.

Sem dúvidas eu reconheceria o rosto em qualquer lugar, mas não era

mais o da minha menina, que eu não via há cinco anos. Ali estava uma

mulher linda, que perdera os traços juvenis.

Por um momento eu fiquei parado, me sentindo um idiota por não

correr até ela e abraçá-la com força, como queria ter feito por tanto tempo.

Só que simplesmente não conseguia fazer nada. Meus pés pareciam presos
ao chão. Eu queria esconder a arma que tinha em punho, mas nem isso

conseguia fazer.

— Lya? — ela chamou com a voz chorosa. E foi ela também que

correu até mim, se jogando nos meus braços como fazia quando era só uma

menininha.

Kolya se apressou em pegar a arma da minha mão, e eu pude

segurá-la contra mim, tirando-a do chão e sentindo meus olhos marejarem.


— Eu senti tanto a sua falta! — ela sussurrou, com os braços

magrinhos ao redor do meu ombro, usando de toda a sua força.

Não conseguia falar nada. Meus olhos embaçaram, e eu comecei a

chorar de soluçar.

Queria dizer a ela o quanto também sentia a sua falta, o quanto

precisei daquele abraço por tanto tempo, mas todas as minhas palavras

pareciam ter desaparecido. Tudo o que consegui falar foi o nome dela,
sussurrado em meio aos soluços que faziam com que eu me sentisse só um

garotinho.

Minutos depois, coloquei minha irmã no chão e passei as mãos por


seu rosto, tentando reconhecer os novos traços mais maduros e tentando

encontrar a minha menininha ali.

Ela estava linda. Não me admirava que o filho da puta do Pavel


quisesse se tornar um pretendente. Minha garotinha tinha crescido, e eu

mataria qualquer um que a magoasse.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, vi que Kolya estava

olhando por cima do ombro, para um ponto logo atrás. Nem precisei me
virar para saber que era Alejandra que estava ali, ainda mais porque Tasha

foi se afastando, colocando um sorriso enorme no rosto.


— É ela, não é? Eu sei que é. Mitya falou que ela tinha os olhos
mais bonitos que ele já tinha visto. — Minha irmã começou a arrumar os

cabelos loiros e lisos, como se precisasse disso para parecer uma verdadeira
Barbie. — Oi! Eu sou... bem... a sua cunhada!

Fofa. Adorável. Como sempre.

Natasha podia ter perdido a carinha de criança, mas o jeitinho era o

mesmo.

Era triste pensar que em algum momento aquele mundo obscuro em

que vivíamos acabaria por corrompê-la. Eu podia ter minhas diferenças com
Kolya, mas a verdade era que ele a tinha protegido da melhor forma

possível. Natasha continuava a mesma garota maravilhosa de sempre.

Alejandra surgiu para cumprimentá-la e foi puxada para um abraço.

Deus, como aquilo era importante para mim: ter as duas mulheres da

minha vida juntas, em um mesmo ambiente.

Já estávamos prestes a nos afastar, comigo ainda calado e me

sentindo completamente bobo quando o sol do elevador colocou a todos nós


em alerta. Não havia mais ninguém morando no andar. Não tínhamos

porteiro, porque o prédio pertencia a Andrei, e ele não fora sequer


inaugurado, mesmo com os apartamentos todos mobiliados.
Era mais fácil alguém subir e nos pegar em uma armadilha, embora
tivéssemos um sistema de segurança bem forte que transformava as portas

em verdadeiras fortalezas.

Só que a minha emoção tinha roubado o melhor de mim, e eu deixei


a guarda baixar.

Kolya foi um pouco mais rápido e usou a arma que estava em sua
mão, que pegou quando eu abracei Tasha e apontou na direção de quem

quer que estivesse chegando.

Para a minha imensa surpresa, assim que o elevador se abriu, eu vi a


figura de três homens de preto, usando casacos enormes.

Dominic, Zander e Giulio. Três dos mafiosos mais importantes da

Cosa Nostra.

— Mas o que diabos vocês estão fazendo aqui? — tive que

perguntar, ainda incrédulo.

Dominic, o chefe da máfia de Nova Iorque, com seu ar de dono do

mundo, foi se aproximando, enquanto tirava o cachecol.

— Se você acha que vai entrar em uma missão contra aquele

desgraçado do Pavel sem a nossa companhia, está muito enganado. — Ele


fez uma pausa, entrando na casa. — E confesso que eu estava com saudade

de uma boa vodca.

Ele passou, Giulio – o conselheiro da máfia do Texas – fez o

mesmo, me cumprimentando com a cabeça, e só Zander ficou.

Sério como sempre, quase do meu tamanho, ele parou diante de

mim com um ar solene.

— Você nos ajudou quando precisamos. Nada mais justo do que

retribuirmos.

E foi isso.

Eu tinha a porra de três dos homens mais poderosos dos Estados

Unidos no meu pequeno exército.

Bem... isso tinha que funcionar.


Capítulo 38

ALEJANDRA ZAVALA

— Você já viu mais homens bonitos por metro quadrado? — Jackie

comentou comigo, em um sussurro, depois de pegar um pedaço de pizza e


se sentar.

Dei uma risadinha, pousando o copo de refrigerante na mesa.

— Eu fiquei um tempo com os Wildfire, né?

— Sim, sim. Mas eles são tipo o Ilya. E, eu juro, amiga, que acho o

seu homem uma perdição, mas olha esses engomadinhos! Tudo de Armani.
Aquele ali é possivelmente o homem mais bonito que eu já vi no mundo —

ela estava se referindo a Zander Hesterfield.


Eu precisava concordar que ele era de tirar o fôlego, mas eu ainda

preferia o meu ursão.

Não era só eu, aliás. Mercedes tinha vindo correndo de dentro da

casa, com um papel na mão, para mostrar um desenho. Ele poderia tê-la

evitado, já que estava com os amigos, bebendo, mas dedicou toda a sua

atenção à garotinha.

— Olha, tio Lya! Eu, você, Diego e a tia Alejandra. A gente não

parece uma família?

Respirei fundo quando Ilya olhou para mim com um sorriso. Eu

sabia o que ele estava pensando: na nossa conversa do outro dia, na colina,

quando eu falei que queria adotar as crianças.

— E por que nós não seríamos uma? — Deliciado, ele pegou a

garotinha e a colocou sentada em sua perna. — Maneirem no palavreado,

drugs. A malen'kaya printsessa vai ficar um pouquinho aqui, e ela entende

alguma coisa de inglês.

A conversa mudou em um estalar de dedos. Antes, Dominic estava

falando sobre um tal clube do qual ele era dono, mas não conseguiu

concluir muito bem o assunto; só entendi que ele estava convidando todas

aquelas pessoas e descrevendo o tipo de coisa que acontecia lá.


Um clube de sexo, por assim dizer. Sem nome. Extremamente

privado. Só a nata da máfia comparecia.

Os casais tinham direito a se entocarem em salas VIP, onde podiam

fazer de tudo. Eu não sabia muito bem o que significava BDSM, mas Jackie
me fez o favor de explicar, dizendo que era o ápice da “putaria que a

deixava toda molhada” – palavras dela.

Fiquei curiosa. Não conseguia, em um primeiro momento, me

imaginar fazendo sexo com os movimentos restritos, depois de ter passado

tanto tempo acorrentada em duas celas diferentes, mas pelo brilho dos olhos

de Ilya ao olhar para mim, ele parecia gostar. Querer.

Quem sabe um dia? Depois que eu conseguisse fazer bastante

terapia?

Com Mercy na sala, todos aqueles homens grandes e intimidadores

se tornaram cachorrinhos gentis. A menininha se tornou a atração do

evento, e até Kolya, que era o mais “antipático” de todos – por assim dizer

– abriu sorrisos quando ela falava alguma gracinha.

Claro que ela ficou toda animada com aquela atenção, mas todo o

amor que tinha em seu coraçãozinho era para Ilya. Mesmo com a diferença
de aparências, já que ele era muito louro, e ela tinha cabelos castanhos e

cacheados, poderiam facilmente se passar por pai e filha.

Um dia eles seriam...

— Se eu já não estava excitada antes, agora é game over. O que tem

de mágico em um monte de homens, cheios de testosterona, brincando com

uma criança fofa? Ainda mais uma menininha — foi Jackie quem

comentou. Eva estava ao nosso lado, concordando. — Ainda mais para uma

mãe solo!

— Bem... Tem um homem ali que é doido pelo seu filho...

Apontei com a cabeça para Blaze, que passava por Juan e parava

para implicar com ele, de um jeito que pessoas com muita intimidade

faziam uma com a outra. O garotinho jogou a cabeça para trás em uma

gargalhada e o homem enorme se inclinou para beijar a cabecinha dele, com

todo amor.

— O Blaze? O. BLAZE? — ela exclamou com indignação.

— Se você falar um pouco mais alto que isso, ele vai atender ao

chamado.
— E nem é um chamado. Ou é? — Eva completou minha

provocação, e nós duas rimos, enquanto Jaqueline continuava indignada.

— Vocês não podem estar insinuando que eu... — Tanto eu quanto

Eva nos entreolhamos, chegando a erguer uma sobrancelha em total desafio.

— Não é possível que você nunca percebeu que os dois têm muita
química! — Até mesmo uma garota de dezessete anos tinha percebido.

— Eu e Blaze? Gente, vocês estão loucas? A gente nem se dá bem.

Estamos sempre discutindo. Ele é gato? É. Pra caralho. Mas... não... eu acho

que ele nem sente atração por mim... É... absurdo... — ela já estava

gaguejando.

Eu nem ia falar mais nada. O tempo diria.

Assim que Diego apareceu para chamar Mercy, ela deu um beijinho

super doce no rosto de Ilya, pulou do colo dele, e deu tchau para os outros,

que lhe deram muita atenção.

Quando a criança saiu, todos estavam sorrindo, só retornaram à

conversa de antes, como se nada tivesse acontecido, mas Ilya continuou

olhando para ela, com aquele sorriso bobo.


— Quando é que vamos começar a falar, de fato, da nossa missão de

amanhã? Não querendo cortar o papo divertido, mas eu acho que a gente

pode nem nunca conhecer esse clube, né?

Eu já sentia que Javier não estava muito satisfeito com o andamento

da reunião, ou o que quer que estivesse acontecendo ali, mas nenhum dos

homens parecia muito inclinado a começar.

— Deixa eu te dar um conselho, amigo? — Dominic começou a

falar, remexendo-se na poltrona onde estava sentado como um rei. Era essa

aura que ele passava: de um verdadeiro imperador, dono do mundo. As

pernas abertas, o copo de vodca na mão, a roupa bem alinhada, a aparência

impecável. — Quando se está prestes a entrar em uma missão tão perigosa,

às vezes é bom ter um momento para lembrar que a vida é preciosa. Se eu

estivesse em casa, brincaria com meus filhos e levaria minha esposa para

cama. Faria o que mais gosto de fazer, para que amanhã, quando eu tiver
que lutar, dar o melhor de mim para voltar para aqueles que amo.

Cheguei a ficar emocionada com as palavras de Dominic. Ele podia

ter um jeito debochado – o que ficava claro a cada palavra que dizia –, mas

também sabia falar sério.

Ilya tinha me contado, brevemente, que ele estava sendo cotado

como um possível Don da Cosa Nostra. O chefe dos chefes, que iria liderar
toda a organização, e fazia sentido. Começava a entender o motivo.

Com o que Dominic falou, Ilya se levantou, vindo se sentar perto de

mim e me colocando em seu colo. Aproximando-se do meu ouvido,

sussurrou:

— Não importa o que aconteça amanhã, lembre-se de que eu te

amo.

— Eu também te amo — respondi, e nós trocamos um beijo rápido,


discreto, enquanto os outros voltavam a conversar.

Javier pareceu entender o ponto de Dominic e entrou no clima,


mesmo ainda muito tenso e preocupado. Todos estávamos, mas sem dúvidas

era mesmo melhor aproveitar aquelas breves e raras horas de paz.

No dia seguinte, acordamos todos em um clima muito diferente.

Jackie e Eva arrumaram as crianças, porque iriam partir para a cabana de


Andrei, onde ficariam escondidas até que tudo terminasse. Bem ou mal.

Elas tinham instruções para irem para os Estados Unidos, caso as


coisas dessem errado, com algumas opções. Lorenzo estava pronto para

recebê-las e levá-las para perto de Serena, que era irmã de Eva, ou


poderiam ficar com os Wildfire, que as receberiam. Outra opção seria
retornar à sede dos Ojos de la Noche, onde Axell e Ariella tinham ficado,
guardando o local.

À noite, as duas, no entanto, me ajudaram a me arrumar. Os homens


da Cosa Nostra tinham me levado um vestido de presente, feito por Kiara

Caccini, que era a esposa do chefe de Chicago, mas também a estilista das
poderosas mulheres da máfia.

Ele era lindo, em um com claro, leve, com flores em rosa bem
femininas e suaves, mas não era só isso. A saia dele era longa e rodada

exatamente para que por baixo eu pudesse usar uma calça no mesmo tom,
no estilo legging, para ter mais mobilidade. Quando a confusão estourasse,

eu poderia arrancar aquela saia, deixá-la de lado sem nenhuma dificuldade,


e usar as pernas.

O bom era que aquela saia também escondia as armas que eu iria
levar comigo, na expectativa de que ninguém me revistasse na entrada.

Eu sabia que Ilya estava muito tenso, e foi isso que percebi também
quando saí do quarto, já pronta, e o encontrei testando as armas, verificando

se todas estavam com balas. Ele não tinha colocado um terno, mas sua
jaqueta de couro de sempre. Uma nova, preta, brilhosa, que caía nele como

uma luva.
Deve ter ouvido o som dos meus sapatos pisando no chão de tábua
corrida do apartamento, porque se virou imediatamente, e eu vi seu peito

subindo e descendo ao me ver.

— Uau — foi o que ele conseguiu dizer.

Dei uma voltinha ao meu redor, mostrando toda a obra prima de

Kiara, além do meu cabelo, que tinha sido escovado e cacheado nas pontas.

— Samaya oslepitel'naya zhenshchina v mire — ele pronunciou

baixinho, quase como uma oração, e então traduziu: — A mulher mais


deslumbrante do mundo.

Fui até ele e me coloquei na ponta do pé para beijá-lo. Mesmo com


os saltos, Ilya era bem mais alto do que eu.

— É uma pena te ver assim e ter que te levar para aquele lugar. Não
vou conseguir te dissuadir, não é?

— Não. Há muito em jogo — ele assentiu, e eu comecei a checar as


armas também. — Vai dar tudo certo. Temos muitas pessoas do nosso lado.

Até o irmão dele.

— Disso ainda não temos certeza. Kolya está desconfiado.

Dei uma risadinha.


— Taí uma coisa que eu não imaginaria sendo diferente. Kolya é

uma pessoa desconfiada por natureza, amor. Ele...

Antes que eu pudesse terminar de falar, senti o braço de Ilya enlaçar

minha cintura com força, me puxando para si. Isso me deixou surpresa,
porque estávamos falando algo tão sério que não conseguia entender o

motivo de uma demonstração de carinho.

— Amor? Me chama assim de novo... — ele pediu, todo derretido.

Por um momento eu cheguei a esquecer tudo pelo que íamos passar


e só correspondi:

— Amor... eu te amo.

A resposta dele foi me tirar do chão daquele jeito bruto dele, cheio
de rompantes, e me beijar, beijar e beijar.

Acabamos parando na cama, para um sexo rápido e feroz, quase


como uma despedida, embora os dois estivessem confiantes de que

estaríamos em casa ainda naquela noite.

E com Pavel morto.

Quando saímos, ainda conversamos um pouco com os outros, que


estavam com o plano na ponta da língua. Temia por Javier, que estava mais
nervoso do que o normal, e pelo que ele poderia fazer naquela situação.

O evento aconteceria num salão fechado e discreto, no bairro de

Khamovniki, que Ilya me explicou ser um local mais afastado da cidade. A


casa era imensa, opulenta, e eu me senti intimidada conforme subia as
escadas.

Ninguém nos revistou, o que já deveria ser um sinal de que o lugar

estava mais do que guardado por homens de Pavel.

Ainda assim, lá dentro estava vazio. Só havia eu e Ilya, caminhando


de mãos dadas por um enorme salão, todo escuro.

Eu o sentia completamente tenso ao meu lado, com a certeza de que

se tratava de uma armadilha.

Mas nós já sabíamos disso e estávamos preparados. Esperávamos

que Pavel não pensasse o contrário. Que estivesse realmente acreditando


que apareceríamos naquele lugar sem qualquer precaução.

Ilya passou um braço protetor pela minha cintura, me puxando para


si, no momento em que uma luz se acendeu. As primeiras pessoas que

vimos foi Kolya e Tasha. Nós já sabíamos que ela seria obrigada a
comparecer, mas imaginava que, para Ilya, sabendo tudo o que iria

acontecer, ver a irmã ali seria terrível.


Ao lado deles, um homem que eu imaginei que fosse Yurik.

Yurik e Pavel tinham duas irmãs bem mais jovens – Zoya e Larisa –,

mas, embora vivessem na Rússia, eram completamente alheias à máfia;


filhas de outra mãe, garotas de outro mundo. E não tinham sido convidadas,

aparentemente.

Pavel foi surgindo aos poucos, com um de seus ternos

extravagantes, em um tom de beterraba. A tatuagem no rosto era a mesma


de antes, que vivia nos meus pesadelos mais assustadores.

Por vezes, minha imaginação me traía, e eu me pegava sonhando


com ele colocando as mãos em mim ou me fazendo comer do chão.

Aqueles olhos frios, maldosos, cruéis...

E ele estava com Crystal. Carregando-a desacordada nos braços e a


colocando sentadinha sobre uma cadeira.

— O que fez com ela? — perguntei em um rosnado. Ilya tendo que


me segurar.

— Só está dormindo. Achei que seria melhor assim. Mas que alegria
que vocês vieram. Os convidados de honra!
Crystal tombou a cabecinha para a frente, e chegou a se remexer um
pouco, o que me deixou um pouco mais tranquila, ao constatar que

realmente deveria estar só sedada. Ilya ficou ainda mais tenso atrás de mim.
Eu sabia que quando mexia com crianças ele ficava um pouco mais

passional.

— O que é tudo isso, Pavel? Por que nos convidou para essa

palhaçada? — Ilya trovejou ao meu lado, segurando minha cintura com


mais força.

— Palhaçada? É uma apresentação formal da minha noivinha ao


meu capitão. Ou ex, né? Veja se ela não é linda...

Outra luz se acendeu, de forma completamente teatral, e eu vi Helen


presa a uma cadeira, com punhos e tornozelos acorrentados, e a maldita

mordaça de ferro igual à que usei por muito tempo.

Ela olhava para mim, muito mais magra do que antes, ferida e com o
olhar apático. Pavel tinha destruído a mulher forte que era, e eu temia que,

se a salvássemos, não conseguíssemos recuperá-la.

— Eu quero propor um acordo com você, chicana — o filho da puta


falou com desdém. — Sei que gosta da garotinha, e eu posso devolvê-la ao

seu querido Ilya, com a condição de que se ofereça no lugar da sua amiga.
Ilya me segurou com mais força, mais ainda quando Pavel tirou uma
arma e a encostou na cabeça de Crystal, que continuava apagada graças a

Deus.

Mas só de ver isso eu já deixei um grito apavorado escapar da minha


garganta.

Pavel, por sua vez, parecia gostar de tudo aquilo, porque ainda

acrescentou:

— É pegar ou largar...
Capítulo 39

Eu esperei por esse momento, dei tudo de mim


Esculpi meu nome de pedra e na história
Reinos que se opõem a mim se transformam em pó
Ah não
Eu não vou virar pó
WITNESS THE MASTERPIECE – GANYOS

ILYA KRAVTSOV

Senti Alejandra se mover do meu lado, e eu sabia que ela poderia,

em algum momento, cogitar a troca. Mas quando Pavel colocou a arma na

cabeça da criança, precisei segurá-la com força antes que saísse correndo

para Crystal.

O grito abafado que ecoou pelo salão veio de Helen. A mulher

parecera apática até aquele momento, com as energias sugadas, mas eu tive
a impressão de que ela serraria os próprios braços e pernas naquele
momento só para se soltar e proteger a criança, principalmente pela forma

como começou a se debater.

— Você não vai machucar a criança. Não disse que quer usá-la para

se passar por sua herdeira? — Ilya cuspiu as palavras, ainda tentando se

controlar.

— Não vou matá-la, mas nada impede de eu deixá-la ferida, à beira

da morte, ou com uma cicatriz. Ou até mais do que isso... com um dos

membros incapacitados para sempre.

— Meu Deus! Você é um monstro! — Alejandra falou por entre os

dentes ao meu lado, indignada.

Novamente eu a segurei comigo.

— É uma barganha. No mundo em que eu vivo, querida, é matar ou

morrer. Precisamos fazer sacrifícios pelas coisas que queremos. Você é a

minha obsessão. Pensei que poderia me contentar com uma versão fajuta,
mas a bonitinha aqui nem mexicana pura é. Só mestiça. Posso aceitá-la, mas

tenho que fazer uma última tentativa.

— Ela não vai trocar de lugar — afirmei, porque eu sabia que,

naquele momento, eu deveria ser a parte racional da coisa.


Tínhamos pessoas preparadas para invadir aquela merda. Pessoas

bem treinadas, homens poderosos que sabiam o que estavam fazendo. Ela

não podia querer...

— Se afaste dela, por favor. Eu faço o que você quiser — Alejandra


falou, ofegante, apavorada.

Nós já contávamos que ele usasse a criança para nos chantagear; que

iria brincar com as emoções de Alejandra, e nós tínhamos combinado o que

seria feito. Só que ela se soltou das minhas mãos, de surpresa, começando a

correr na direção de Crystal.

— Alejandra! — chamei, atordoado, e olhei para Kolya.

Ele também parecia não entender absolutamente nada.

— É uma escolha minha — ela falou, ainda de costas para mim.

Com a mão estendida para trás, discretamente, tentou fazer um sinal.


Prestando atenção em absolutamente tudo que ela fazia, não desviei os

olhos de seus movimentos, então vi o exato momento em que tentou me

avisar algo.

Fiquei quieto. Precisava confiar nela.


Alejandra parou no meio do caminho, ainda de frente para Pavel,

com a cabeça erguida.

— Para que eu vá até você, precisa me dar uma prova de boa fé.

Meu antigo pakhan riu. Uma gargalhada psicótica, temível. Ele

trocou o peso do corpo de um pé para o outro e passou a mão pelo cabelo,

lambendo o lábio inferior.

Ele tinha um desejo doentio por Alejandra. Só que era algo tão

tóxico, tão louco, que não permitiu que a estuprasse quando ela foi

sequestrada, cinco anos atrás. Ainda bem, mas era algo a se pensar.

— O que você quer, querida? Me peça o mundo e eu te darei —

respondeu com deboche.

— Crystal.

Ele gargalhou mais ainda.

— Acha que eu vou entregar a criança ao seu herói, garota? Não

estou tão desesperado.

— Não tem problema. Pode entregá-la a alguém da sua confiança.

Pode ser ele... talvez... — Alejandra apontou para Kolya, seu irmão.

Pavel pensou por um tempo.


Eu sabia que o filho da puta não era inteligente o suficiente para ter

algum tipo de desconfiança. Era por isso que sempre se apoiou em Nikolai

e em Yurik, tanto por ambos serem mais jovens quanto por terem mais

poder de lógica do que ele.

Ambos estavam do nosso lado, até onde eu sabia. E esperava.

— Nikolai, venha pegar a menina.

Meu irmão nem hesitou, apenas se aproximou do corpinho

adormecido e retirou a criança da cadeira com todo o cuidado, pegando-a

em seus braços e a levando para longe.

— Mas fique por perto. E a mantenha com você. Vamos ver se a


chicana tem mesmo culhões para proteger a pequena.

Apesar de ter liberado Crystal para o meu irmão – o que já me

deixou um pouco aliviado –, ele foi para cima da mulher, apontando a arma

na cabeça dela.

Helen estava com lágrimas nos olhos, mas também tinha se

acalmado. Eu não a conhecia, mas pelo que me disseram, era corajosa, e eu

imaginava que estava pronta para morrer, contanto que a criança ficasse em

segurança.
Assim que Alejandra viu Crystal em segurança, ela continuou sua

caminhada.

— Quando chegar aqui, eu vou querer um beijo. Para selar nosso

pacto.

Doente. Desgraçado.

Eu sabia que precisava encenar um pouco também, embora não

fosse bom nisso, ou acabariam entendendo que não se tratava de uma

escolha aleatória de Alejandra.

— Não faça isso... Alejandra! Não se entregue! — Tentei dar alguns

passos à frente, mas fui detido por dois soldados de Pavel, que finalmente

se aproximaram.

Claro que eles estavam ali, só esperando para assumirem seus

lugares.

Aqueles dois não conseguiriam me segurar. Não com a minha


mulher em perigo, mas eu precisava seguir o curso do que Alejandra estava

planejando, ao menos precisava lhe dar uma chance de testar o que tinha em

mente.
— Fica calmo aí, drug. Precisa aceitar perder — Pavel falou muito

confiante, principalmente quando Alejandra começou a subir na espécie de

palco onde ele estava.

Ela foi fazendo isso devagar, provavelmente querendo ganhar

tempo.

Quando chegou, Pavel usou a mão livre para agarrar o braço dela,

puxando-a para si. Só de vê-lo tocando-a, eu já tive vontade de me soltar


dos dois filhos da puta e correr para ela.

— Esperei muito tempo por isso — ele falou com um sorriso


nojento no rosto, inclinando-se para encostar os lábios nos dela.

— Eu também — ela falou, e por um momento não consegui


entender o que aconteceu.

Pavel congelou no lugar, com os olhos arregalados, e soltou um som


estrangulado. Os soldados que estavam do meu lado foram se adiantando na

direção dele, provavelmente percebendo algo que eu não tinha visto.

Movendo-me um pouco, me dei conta: Alejandra tinha tirado um

punhal de algum lugar de seu vestido projetado por Kiara, e tinha acertado
Pavel bem na altura da barriga.
— Desgraçada! Sua vadia!

Foi inesperado até mesmo para mim. Mas mais ainda quando o

salão começou a ser invadido, aparentemente a mando de Kolya que já não


segurava mais a criança, tendo-a entregado a Yurik, que saía,

provavelmente para deixar Crystal em algum lugar seguro, mas também


levando Tasha – ainda bem.

Então o irmão estava mesmo contra o outro irmão. Bom para nós.

Tudo aconteceu rápido demais.

Vi Javier entrar correndo por uma porta, já todo sujo de sangue,


assim como Hunter e Zander.

Por outro lado, vinham Orion, Blaze, Giulio e Dominic. Este

segurava a minha arma – minha Catja – e veio direto para mim, acertando
os dois sujeitos que voltavam, para tentar se aproximar.

Eles estavam perigosamente perto, mas o chefe da máfia de Nova


Iorque tinha uma mira perfeita.

— Se me dessem a chance de matar mais uns três com essa coisinha


aqui, eu não iria te devolver. — Ele tirou a faixa de couro do peito, me

entregando a arma. As coisas estavam explodindo ao nosso redor, tanto que


ele girou bem rápido, já com outra arma em punho, que tirou do coldre, e
acertou um capanga que estava vindo de outro lado, mas Dominic parecia

quase divertido.

Assim que peguei minha Catja, coloquei-a no peito e já comecei a


metralhar quem quer que vinha entrando pela porta. Giulio veio para se
colocar ao nosso lado, então deixei que ele e Dominic lidassem com quem

estava entrando e saí correndo, em meio ao tiroteio, para seguir até


Alejandra.

Era óbvio que Pavel tinha uma rede de segurança muito forte, mas

nós éramos quase um exército de poucos homens. Todos bem-treinados e


cheios de ódio. Era impossível nos deter.

Fui atingido no rosto por alguém com um canivete, mas foi um corte

superficial, e a pessoa logo levou um coice da minha arma, e depois mais


alguns golpes.

Quando a maior parte dos homens de Pavel estavam no chão, eu me

voltei para o palco e vi o filho da puta, mesmo após a punhalada, usando


um braço para segurar Alejandra contra si, com uma faca apontada para sua
garganta.
— Vocês se acham muito espertos, né? Mas ela é minha! Se não for

nesta vida, vou levá-la comigo para o inferno!

Mas eu sabia que Pavel não queria morrer. Ele era arrogante,

excêntrico e expansivo. Amava o poder que tinha, e provavelmente já sabia


que acabaríamos com ele. Estava usando Alejandra como escudo para nos

chantagear.

— Abaixa essa arma, Ilya! Todos vocês! Vão ficar com a criança e a

outra garota, mas eu vou levar quem eu queria.

Ele cambaleou, mal conseguindo se manter de pé, mas a segurando

com firmeza contra o peito, como refém.

Com um sorriso no rosto, Pavel passou a lâmina de leve no braço de

Alejandra e depois levou a faca à boca, lambendo o sangue dela.

— Doente desgraçado — cuspi em russo, tentando encontrar um


ângulo onde pudesse acertá-lo, mas ele não era alto, e Alejandra estava de
salto, o que a deixava quase do tamanho dele.

Ele caminhava de costas, cambaleante, mas levando Alejandra

consigo.
— Se qualquer um de vocês tentar me impedir de sair, ela morre.

ELA MORRE!

Enquanto ele continuava, um vulto veio em sua direção. Helen


surgiu, aproximando-se dele pelas costas, então o apunhalou bem na coluna.

Assim que o braço afrouxou na cintura de Alejandra, ela também se


soltou, roubando a faca que ele segurava e enterrando-a pouco acima do

outro corte que tinha feito.

Blaze queria se aproximar, mas fiz um sinal. Era o momento delas.

Era a vingança que precisavam.

No momento em que Pavel caiu no chão, as duas se ocuparam dele.

Todos nós ficamos observando, enquanto Helen cortava dedo por dedo de
uma das mãos de Pavel, sem pressa, fazendo-o urrar de dor. Alejandra se

levantou, pegando a mordaça de ferro que estava jogada no chão, para


colocar no rosto do filho da puta.

— Seus gritos estão me dando dor de cabeça! — Claro que o rosto


das duas era mais delicado, então ela precisou forçar o negócio e o apertou

o máximo que pôde, calando Pavel.


Ninguém as interrompeu, só mesmo quando Pavel deu seu último
suspiro, que Helen montou sobre ele e começou a apunhalá-lo várias vezes,

enquanto chorava.

Eu e Javier subimos para nos aproximarmos delas, e o irmão de

Alejandra agarrou sua namorada, tirando-a de cima do homem, morto.


Puxei Alejandra para mim, girando-a nos meus braços e a beijando.

— Acabou. Agora acabou — sussurrei para ela, em meio ao banho


de sangue que se formou, perto das paredes com manchas. Um lugar que

ficaria marcado para sempre.

Ainda abraçado a Alejandra, lancei um olhar para o meu irmão, que

também estava no meio do salão. Com sua arma na mão, ele parecia seguro
demais do que tinha acabado de fazer. Ele sabia de algo que eu não.

Quais mais surpresas ainda teríamos dali em diante?


Capítulo 40

O medo é um machado e me corta profundamente


Derramando rios de sangue onde costumava haver luz
Entalhando cada letra do seu nome na minha pele
Agora eu ajoelho-me no chão de um templo para os feridos

MACHETE - SPELLES

ILYA KRAVTSOV

Reunidos no antigo escritório de Pavel, fomos chamados por seu

advogado, para a leitura de seu testamento. Eu não fazia ideia do motivo

pelo qual ele tinha feito um onde eu e Kolya éramos mencionados, mas

estávamos lá, aguardando.

Fazia três dias de sua morte; de toda confusão. Yurik mantivera sua
promessa de contar uma história de que todo o caos se dera por uma

invasão do Cartel para recuperar Helen e a criança. Não havia registros de

que eu ou Alejandra tivéssemos participação na morte de Pavel, muito


menos na chacina que aconteceu, então o depoimento do Subchefe da

Bratva e do consigliere – mesmo que este fosse meu irmão – teria de valer.

— Houve algumas mudanças no testamento do Sr. Pavel Kiselev há

dois anos. Uma mudança que pode implicar em algo muito sério — o

advogado falou, enquanto remexia em alguns papéis. Pegou um deles e o

estendeu para Yurik. — Reconhece esta assinatura como sendo do seu

irmão?

— Sim, parece legítima.

— Ela foi autenticada e reconhecida, como manda a lei. Eu fui

testemunha, e o Sr. Kiselev estava em perfeitas faculdades mentais quando

fez essa modificação.

Então ele começou a ler o testamento, tendo bastante cuidado com a

parte mais relevante de todas: ele nomeava meu irmão, Nikolai Kravtsov

como novo pakhan, ordenando que fosse mantido o cargo de seu irmão,

Yurik, como subchefe.

— Mas que porra é essa? — Yurik perguntou, levantando-se de um

pulo.

— Como o Sr. Pavel não tinha herdeiros, ele pôde nomear quem

quiser para substituí-lo, especialmente sendo alguém que já está inserido na


hierarquia — o advogado explicou.

Tudo o que eu conseguia fazer era olhar para o meu irmão e analisar

suas expressões.

Ele estava muito calmo, muito impassível para quem tinha acabado

de praticamente receber a coroa da maior organização russa.

Ele já sabia, foi tudo o que eu consegui pensar.

— É uma família de traidores! — ele disse, mas Kolya olhou para

ele, de um jeito bastante peculiar, o que o manteve calado.

O que diabos meu irmão sabia que mantinha os irmãos Kiselev tão à

sua mercê? Que segredo ele escondia que lhe garantia tanta segurança?

O advogado continuou falando, depois que Yurik se acalmou e até


voltou a se sentar.

Eu também era mencionado naquela merda de testamento,

informando que se Kolya assumisse, eu poderia voltar a Bratva, caso

estivesse vivo, recuperando meu cargo como Brigadier.

Tudo aquilo era tão absurdo que nem parecia real.

Quando o homem foi embora, depois de todos nós assinarmos

documentos, demonstrando ciência do que fora dito, o clima ficou um


pouco pesado dentro do escritório.

Yurik se levantou de novo e foi direto em Kolya, que também se

colocou de pé. Meu corpo ficou em alerta, porque algo me dizia que seria

preciso muito pouco para que os dois entrassem em um combate físico.

— Acha que vai conseguir me chantagear para o resto da vida,

usando aquela merda de HD? — Yurik rosnou, colocando um dedo na cara

do meu irmão.

Kolya só ergueu a cabeça, altivo, já assumindo a postura de pakhan.

Afinal, esta seria sua posição dali em diante.

— Deu certo, não deu? — ele respondeu com sarcasmo, e eu vi

Yurik levar as mãos à lapela de seu paletó.

— Desgraçado! Você convenceu Pavel assim também, não foi?

Mas de que diabos eles estavam falando? Eu me lembrava de um

HD, que tínhamos recuperado anos atrás, mas ele não estava com Javier?

Fora exatamente ele que fora usado como barganha para que Kolya e
Dimitri pudessem tirar Alejandra do cativeiro.

Ou será que eu estava alucinando?


— Cada um joga com as armas que tem — Kolya falou

pausadamente, com um sorriso debochado no rosto.

Yurik estava pronto para socar a cara de Nikolai, mas eu corri e me

meti no meio dos dois, separando-os.

— Parem já com isso! — rosnei, sentindo que estava separando a


briga entre duas crianças, mas cujo motivo era coisa de gente grande.

Os dois ficaram se olhando por algum tempo, como se fossem cair

na porrada a qualquer momento. Yurik parecia pensar.

— Eu vou aceitar essa merda... Vou permitir que tome o meu lugar

de direito com uma condição.

— Você não está em...

— Cala a boca! Eu posso muito bem mudar o meu depoimento a

respeito do que aconteceu com o meu irmão. Contar tudo o que foi

arquitetado naquela noite, que teve até envolvimento da Cosa Nostra, para

quem o seu irmão trabalha. — Yurik apontou para mim.

Nenhum de nós disse mais nada. Eu tinha a impressão de que Kolya

estava muito certo de que Yurik não diria nada, tanto que pareceu ouvir sua

condição mais por cortesia.


— Você vai ter que se casar com uma das minhas irmãs. Zoya... é a

mais velha.

— O quê? — Kolya quase cuspiu as palavras.

— É isso que você ouviu. Eu preciso que uma delas se case, e você

vai entender o motivo. Para ser sincero, seria bom se Larisa também se

casasse com o seu irmão, Dimitri.

— Meu irmão nem está na Rússia.

— Não está, mas ela pode ir para os Estados Unidos com ele. Ou ele

pode voltar.

Kolya estava pálido. Era a primeira vez desde que aquela reunião

começara que eu o via perder um pouco a calma.

Ele tinha trinta e nove anos e ainda não tinha se casado. Teria que

mudar isso a partir daquele momento?

— Não posso colocar meu irmão em uma situação dessas. Posso

propor, posso... conversar... mas...

— Mas você se casará com Zoya. Ela é uma boa moça. Tem vinte e

dois anos e precisa... bem... ela precisa sair de onde está.


— Preciso pensar — Kolya falou em um fio de voz, praticamente se

jogando na cadeira.

— Não tem o que pensar. Você vai precisar se casar ou vai ser

perseguido como Pavel era. Zoya é uma ótima escolha; vai ser respeitada

por toda a Bratva, por ser minha irmã. E é a única forma de eu me manter

calado a respeito de tudo o que eu sei.

Kolya deu um soco na mesa.

— Aquela merda de HD tem informações que colocariam a sua

família na lama. O nome do seu pai. Que destruiriam, inclusive, a reputação


das suas irmãs só por terem o mesmo sobrenome! — meu irmão grunhiu,
transtornado.

— Foda-se. É o mínimo que você pode fazer. Se eu for seu

subchefe, para termos uma boa relação, eu exijo que se case com Zoya. E
mais do que isso, que seja um bom marido para ela. É o que ela merece.

A discussão entre os dois continuou por mais algumas horas, e eu


me sentia um intruso ali, enquanto eles falavam sobre o destino de cada um

dos dois.

Já tinha passado a hora do almoço quando voltei para casa,

encontrando Alejandra arrumando algumas coisas. Com um fone no ouvido,


ouvindo música, ela levou um susto quando me aproximei e coloquei os
braços ao redor de sua cintura.

— Desculpa — pedi, beijando seu pescoço.

Ela tirou o fone, colocando-os sobre a estante do apartamento

providenciado por Andrei, no qual ainda estávamos.

Girou nos meus braços e me deu um beijo na boca.

— Como foi? — perguntou, preocupada.

— Louco. Kolya foi nomeado pakhan.

— Como assim?

Dei de ombros.

— Ainda não sei direito, porque não consegui conversar com ele,

mas acho que ele tem algumas informações dos Kiselev nas mãos. Algo que
poderia prejudicá-los em meio a Bratva. Por isso sempre conseguiu tudo o

que queria.

— Faz sentido.

Ainda abraçado a ela, dei um beijo em sua cabeça, porque estava

prestes a entrar em um assunto delicado.


— De acordo com o testamento de Pavel, eu posso voltar a ser
capitão, se Kolya assim quiser.

— E é o que você quer? — Ela se afastou, me olhando nos olhos.

— Eu quero o que você quiser. Tenho meu trabalho com a Cosa


Nostra, e eu sei que eles precisam de mim, mesmo que agora tenham

Dimitri. Mas posso ficar, se você preferir. Ou podemos ir para o México, e


eu vou tentar uma vida lá.

Ela sorriu, levando a mão ao meu rosto, que ainda estava com um
leve corte, da briga contra os homens de Pavel.

— Não sei o que fiz para merecer você, mas acho que é uma decisão
que precisamos tomar juntos. Se quer o meu voto, o tempo que passamos

com os Wildfire foi um dos melhores que eu vivi nos últimos anos. Gostei
das pessoas, do ambiente, do meu trabalho na creche.

— Se é para lá que você quer voltar... Ficando em Chicago, eu posso


trabalhar para a Cosa Nostra sem problemas.

Ela assentiu.

— Teremos que levar as crianças, mas acho que Diego vai amar. Ele

adora motos e se deu muito bem com Hunter. — O rosto de Alejandra se


tornou um pouco mais melancólico. — A questão seria Crystal.

Desde que Crystal e Helen retornaram, era fácil perceber que a


menina tinha criado um vínculo muito forte com a outra mulher. Tanto que

esta já afirmara que iria adotá-la. Ou seja, Alejandra acabaria se afastando


da criança.

— Eu a amo como uma filha, mas entendo que o que ela e Helen
criaram juntas é uma coisa que não posso e não quero ultrapassar. Quero

que as duas se curem. São muito importantes para mim.

— Podemos vê-las sempre, amor. Você tem o seu irmão, seus outros

amigos. Eu trabalho para a família Cipriano constantemente. Estaremos


perto. Podemos pegar um voo rápido e passar um final de semana com eles.

Alejandra suspirou, parecendo se acostumar com a ideia.

— Eu quero ficar com os Wildfire, se você quiser também.

— Como eu disse, você é a nossa guia. A capitã. É quem sempre vai

dar as ordens. Mas eu tenho uma pergunta a fazer: você quer voltar, como
minha namorada, ou como minha esposa?

Minha pergunta pareceu deixá-la tão surpresa que Alejandra chegou


a ficar boquiaberta.
— Isso é... um pedido? — a voz dela subiu até uma oitava.

Sem dizer nada, me agachei, me apoiando em um só joelho, tirando

o anel do meu dedo. O anel dos Wildfire, aliás.

— Vou te comprar um anel ainda, moi rys. O maior e mais bonito

anel de todos, mas esse aqui representa algo para mim, então acho que pode
representar algo para você também. — Os olhos de Alejandra marejaram.

— Eu quero que me aceite. Que se torne minha esposa. Que seja minha
para sempre. Vai me dizer um sim?

— Eu vou. Todos os dias da minha vida.

Como um bobo, peguei sua mão e posicionei o anel em seu dedo,

que ficou tão largo que quase caiu.

Nós rimos, e eu me levantei, segurando-a com força contra mim e a

beijando.

— E assim que nos casarmos, vamos entrar com o pedido de adoção

das crianças, ok? Elas serão nossas também.

Alejandra me apertou mais contra si, e eu a tirei do chão enquanto a

beijava, ouvindo-a sussurrar contra a minha boca que me amava.


Em breve ela seria minha esposa. Muito em breve, porque eu
definitivamente não iria esperar para que nos casássemos. Para que ela

fosse minha para sempre.

Porque eu iria lutar todos os dias para que nunca mais fosse tirada

de mim.

Ela e minha nova família.


Epílogo

ILYA KRAVTSOV

Sete Anos Depois – Chicago (Complexo dos Wildfire)

O garoto passou voando por mim, descendo as escadas e falando

comigo com um aceno.

— Ei, ei, ei, moleque! Onde pensa que vai desse jeito? — eu o
interrompi, vendo-o colocar a jaqueta de couro, que era bem parecida com a

minha.

— Foi mal, pai. É o Caleb. Ele me chamou para dar uma volta com

Drake e Rhys. Vamos até o Lago Michigan ver o pôr do sol.

Aquele garoto tinha começado a pilotar naquele exato ano, assim

que completou dezesseis, mas desde então a gente não conseguia mais

mantê-lo fora de uma moto. Foi uma sintonia impressionante desde que
chegamos ao complexo dos Wildfire, para ficar de vez, e Diego se tornou

parte deles muito rápido.

Assim como também se tornou parte da minha vida. Ele e sua irmã.

Meus filhos.

Ou... dois deles. Até porque o chorinho da nossa neném começou a


ecoar pela casa, enquanto nosso pequeno de três anos vinha correndo, atrás

do irmão – de quem era um verdadeiro grude –, com suas perninhas

arqueadas.

Roman era o nosso garotinho de dois anos e meio. Travesso,

inquieto, independente, ele era um pequeno furacão. Loirinho como eu, mas

com os olhos da mãe, ele tinha a alma de um rebelde, mas o coração


carinhoso, olhos bondosos.

Já Yulia, nossa menininha, tinha nascido há pouco mais de cinco

meses, e era por quem meu coração derretia todos os dias. Como pai de

outra menina, eu já sabia qual era a sensação de ter uma garotinha sob sua

proteção, de ser o exemplo de primeira figura masculina importante para


alguém. Eu não sentia um amor diferente por nenhuma das duas. Mas

entender que eu tinha quatro filhos, todos incríveis, era mais do que um

presente. Ainda mais para mim, que gostava tanto de crianças.


— Diego? — Alejandra surgiu na sala, com Yulia no colo, os

cabelos longos presos em um coque, com vários fios soltos. Linda como

sempre. — Eu falei que você deveria pedir ao seu pai se podia ir, não que

iria só comunicar a saída.

— Ah, talvez eu tenha entendido errado... — ele coçou a nuca.

Também usava os cabelos mais longos, embora os dele fossem castanhos.

— Entendeu errado, né, espertinho?

— Deixa o garoto ir, moi rys. O pessoal vai cuidar dele — falei, o

que fez Diego sorrir abertamente e vir até mim, beijando meu rosto.

— Obrigado, pai! — Ele também foi até a mãe, beijou-a e fez o

mesmo com a irmãzinha. — Até mais, gente!

Alejandra ficou olhando para o garoto, vendo-o sair pela porta, e eu

peguei Yulia do colo dela, brincando com a neném. Os poucos fios de


cabelo já eram dourados como os meus, e ela tinha olhos azuis. Meus genes

eram fortes, e meus pequenos pareciam dois russinhos.

Ainda bem que Diego e Mercedes eram mexicanos, e até parecidos

com Alejandra, o que nos tornava uma família bem dividida.


— Ele bem que podia ir para a fogueira com a gente, né? — ela

comentou, enquanto colocava os brincos.

— Ele quer se divertir sem a gente. Já está nessa idade. Precisa

entender isso.

Ela deu de ombros.

— Ainda bem que Roman e Yulia ainda vão demorar muito para

entrar nessa fase.

— É, mas Mercedes... — Eu pirava só de pensar que qualquer

espertinho poderia colocar as mãos na minha garotinha. Qualquer um que

cogitasse sair com ela, teria que passar por mim primeiro.

— Calma, ela ainda é nosso grudinho. Mais seu do que meu, né?

— O que eu posso fazer? Minhas filhas são loucas por mim... —

Puxei Alejandra para um beijo, e a doce Yulia no meu colo se mexeu, como

se quisesse também participar.

Rocei de leve a barba em seu narizinho, o que ela adorava, e a fez

rir.

— Mercy? Vamos? Já está pronta? — minha esposa chamou a nossa

mais velha, que veio correndo.


Ela surgiu com um short jeans tão curto que eu quase vi estrelas.

— Onde pensa que vai assim? — perguntei para ela, com o cenho

franzido.

A garota riu.

— Ai, pai! Sério? A mamãe usa essas coisas o tempo inteiro.

E eu ficava louco de ciúmes, é claro, mas não ia mencionar.

— Mas sua mãe é adulta. Você acabou de fazer treze.

Ela se aproximou, colocou os braços ao redor da minha cintura, e

encostou a cabeça na minha barriga.

— Você é o melhor, papai, mas pode ficar tranquilo. Gosto de me

vestir assim, mas não pretendo namorar ainda. Sabe que eu quero estudar.

É, a safadinha queria estudar ciência da computação e se tornar tão

foda quanto o tio Dimitri, por quem ela era louca.

Nós dois acabamos ficando fixos como associados da Cosa Nostra,

por isso estávamos nos Estados Unidos. Morávamos lá, mas Dimitri não

tinha ligação com os Wildfire, embora sempre fosse bem-vindo por lá e

tivesse realizado alguns trabalhos para eles, principalmente quando, mais de


uma vez, foi necessário ajudá-los com situações complicadas.
Mas sobre Mercy... ela era uma doce nerdzinha, o que não queria

dizer que não seria notada por alguém muito em breve; alguém que poderia

partir seu coração.

E morrer no dia seguinte, porque eu jamais permitiria que saísse

impune.

A danadinha sabia o jeito de me ganhar. Tanto que com esse

argumento, nós saímos para nos encontrar com nossos amigos, em uma das

raras noites de folga.

Alejandra tinha voltado a trabalhar na creche, e ela era amada por

todos no complexo, porque cuidava de cada criança como se fosse sua. Os

nossos ficavam com ela por lá o dia todo, e era bom que ela tinha ajuda de
mais algumas pessoas.

Naquele instante, soltamos nosso garotinho com as outras crianças,

e Gillian rapidamente veio pegar Yulia dos braços de Alejandra, não só para

mimar um pouco a neném como para deixar a mãe se divertir.

Por ainda estar amamentando, ela não pegou uma cerveja, mas

serviram suco, e eu peguei a vodca que eles aprenderam a servir por minha

causa.
Em algum momento, uma música sensual mexicana começou a

tocar, e todos pediram que eu e Alejandra fôssemos dançar.

Eu não era exatamente um pé de valsa, mas gostava de ter minha

mulher nos meus braços, então não perdi a oportunidade.

Nós nos aproximamos, e Alejandra deu a primeira rebolada na

minha frente, com um requebrar maravilhoso dos quadris. Eu a segurei por

eles, girando-a e colocando-a de costas para mim, ouvindo as pessoas


ovacionando ao redor.

Todos diziam que tínhamos muita química, e isso era verdade. Eu


era louco por ela; ela era louca por mim, e isso não apagou com o tempo.
Pelo contrário.

Passando um braço por sua cintura, me inclinei e sussurrei em seu

ouvido:

— Eu te amo, moi rys. Para sempre.

— Eu também te amo. Mas agora vamos lá, mostre que os russos


também sabem se mexer um pouco!

E então nós giramos e giramos, rindo, com o crepitar do fogo ao


nosso redor e a vida se desenrolando da melhor forma possível.
Aquilo era tudo nosso, e nenhum de nós iria negligenciar.

FIM
Cena Extra – Kolya e Zoya

Ela estava atrasada. Podiam ser só vinte minutos, mas uma das
coisas que eu mais prezava era por pontualidade.

Ordem, disciplina, controle. Eram palavras que estavam no meu

vocabulário diariamente. Palavras que eu queria que as pessoas que me

rondavam também respeitassem.

Aquela mulher seria minha esposa. Eu tinha concordado com essa

merda de casamento para proteger a minha família. Ilya seria morto ou


preso caso as coisas que aconteceram naquele dia, durante o bizarro

noivado de Pavel viessem à tona. Só que isso não queria dizer que eu estava

satisfeito.

Fazia dois meses que tudo tinha sido estabelecido. Eu e Yurik não

estávamos nos melhores termos um com o outro. Ele era meu subchefe, mas
não confiava nele em absoluto, por isso coloquei Andrei, meu primo, como

meu conselheiro.

Eu não tinha sequer pedido para ver uma foto da moça. Não faria

diferença para mim. Seria um casamento apenas no papel, apenas uma

burocracia para manter minha família e minha posição como pakhan em

segurança.

Nunca planejei me casar. Eu tinha amantes, desfrutava de sexo

quando queria, mas não pensava em ir além disso. Precisaria ter herdeiros

um dia, e queria ter filhos, mas isso poderia ser arranjado também.

Só que tudo tinha mudado.

Ouvi sons de pessoas se aproximando, e a porta finalmente se abriu.

Mantive-me de costas, porque sabia que no momento em que olhasse para

ela as coisas ficariam mais reais, mas quando fomos deixados sozinhos, não

pude mais esperar.

— Pode, ao menos, ter a decência de olhar para mim? — ela

perguntou com uma voz suave, mas cheia de rancor.

Fiz o que pediu – ou ordenou – e no momento em que meus olhos

caíram sobre ela, a surpresa foi quase imediata.


Ela não era bonita, como Yurik tinha dito. Era, facilmente, a mulher

mais linda que eu já tinha visto.

Os cabelos eram castanhos, em um tom de mel, quase claros, longos

e ondulados. As mechas caíam perfeitas até a cintura, com partes douradas


em meio aos marrons, contrastando como fios de ouro. Os olhos eram

enormes, muito azuis, e os lábios tinham um tom rosado mesmo sem um

único traço de batom.

Era delicada, embora não fosse uma mulher baixinha. Devia ter

quase um metro e setenta de altura, e tinha um corpo esguio, mas com

curvas.

Se eu fosse obrigado a selecionar uma esposa pela aparência, sem

dúvidas Zoya Kiselev seria a candidata perfeita.

— É um prazer conhecê-la — eu tentei, me aproximando e

oferecendo a mão para um cumprimento.

Ela se aproximou de mim, colocando-se muito perto, quase me

dando a sensação de que iria me beijar. Tanto que olhou para os meus

lábios, e eu tive a certeza de que não importava o que iria acontecer

conosco, eu iria corresponder.

— Não posso dizer o mesmo.


Aquilo me surpreendeu.

— O que...?

— Não pense que não sei de tudo que aconteceu. Você trapaceou

para conseguir a posição do meu irmão. Este casamento é um absurdo, mas

aceitei, porque não tenho escolha. Por mim e pela minha irmã. Mas saiba

que por tudo que Yurik me falou, você não é a minha pessoa preferida no

mundo, então não espere que nosso casamento seja um mar de rosas. Muito

menos que vai colocar as mãos em mim.

Ótimo! Estávamos começando bem...


Agradecimentos

Mais uma vez, muito, muito obrigada por terem lido a história do
Ilya e da Alejandra! Amo saber que vocês engajaram mesmo nesse mundo

da máfia que eu criei, e, sim, teremos histórias de muitos personagens que


apareceram por aqui, neste livro.

Por favor, se você tiver um tempinho, deixa uma avaliação lá na

Amazon. Isso vai ajudar o livro demais!

E não esqueça de me adicionar nas redes sociais, participar dos


meus grupos e me contar o que achou deste livro!

.
.
[1]
Patético, em russo.
[2]
Irmão, em russo.
[3]
Filho da puta, em russo.
[4]
Merda, em russo.
[5]
Imbecil, em russo
[6]
Irmão, em russo.
[7]
Moleque, em russo.
[8]
Pequenos, em russo.
[9]
Safada, em russo.

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