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And up until now I had sworn to myself

That I'm content with loneliness


Because none of it was ever worth the risk
But you are the only exception
The only exception - Paramore[1]
Pra você que tinha o Joey Tribbiani como personagem favorito
de friends: como vão as paixões pelos engraçadinhos de caráter
muito duvidoso?

(E para as esposas do Aaron Warner. tem uma cena muito


especial pra vocês nesse livro)
Quer entrar ainda mais na vibe do livro?

Basta usar o código abaixo para acessar a playlist que montei com carinho
pra você! Se preferir, também pode acessar pelo meu Instagram!
Antes do jogo começar

Quem nunca teve um crush em um jogador de futebol que atire a


primeira pedra. Não importa se é o futebol popular no Brasil (soccer) ou o
americano (football), em ambos encontramos jogadores gostosos que fazem
com que a gente perca horas em cenários e situações imaginárias.
Foi pensando em ajudar a sua imaginação que eu comecei a série San
Diego Pythons. De nada.
Aqui você vai encontrar uma universitária (e futura atriz em
ascensão) que quer conquistar o quarterback do time de futebol da
universidade, os Bruins. O problema é que ela não entende nada da arte do
flerte e vai contar com a ajuda de um jogador muito galinha pra tentar
ganhar o coração do seu amado. Se você tá acostumada a ler livros de
romance, você já sabe o que acontece, né? Se não tá, eu não vou estragar
sua experiência de leitura.
Não se preocupe se você não entende nada desse esporte, dediquei
vários meses de pesquisa para entregar para você uma história bem escrita e
verossímil, mas também fluida e sem detalhes tediosos.
Se você nunca assistiu um jogo, mas tem interesse em começar
recomendo o Super Bowl de 2020 (Go, Chiefs!). É um baita jogo e vai te
dar um panorama de como esse esporte funciona. Você encontra o jogo na
íntegra no YouTube. Agora, se você não tem a menor paciência para jogos,
mas quer saber o básico, no próximo parágrafo eu resumo como é a
dinâmica para ficar bem mastigadinho pra você. Fala que não sou uma fofa?
O que você precisa saber é que o futebol americano é uma briga por
território. Um time de ataque vai tentar levar a bola até a endzone do
adversário enquanto um time de defesa tenta impedir. Se o time de ataque
conseguir, ele marca o famoso touchdown. Se o time de defesa pegar a bola
antes ou impedir o avanço, a posse é deles e então troca: eles passam a
atacar enquanto o outro time defende. Essa dinâmica se repete durante os
quatro quartos da partida. Cada quarto com 15 minutos de “bola rolando”.
No final, quem tem mais pontos, vence.
Simples, não?
Diferente do primeiro livro (Wild Players), esse conta com menos
termos técnicos, visto que nosso protagonista está afastado dos campos
durante o período da história. Mesmo assim, sempre que um termo
específico do jogo aparecer no livro, terá uma nota explicando o que ele
significa. A história do Atlas e da Taylor foi escrita pensando em te manter
imersa e te fazer esquecer que existe um mundo lá fora.
Lembrando que cada livro da série conta a história de um casal
independente (se passando dentro de um mesmo universo) e pode ser lido
como uma história única/na ordem da sua preferência. Se você é uma
pessoa ligada nos detalhes, sugiro ler na ordem de lançamento para
entender toda a trajetória dos Pythons na temporada. E se você já leu Wild
Players, Wild Lovers começa exatamente uma semana depois do último
capítulo do livro.
Eu espero que você se divirta do mesmo jeito que me diverti
desenvolvendo esse casal.
Beijos e boa leitura,
Esther.
Capítulo 1 - Taylor Lynch

(ou: futura atriz confia em tarot pra conquistar crush inalcançável)

Estou convencida de que Hunter Simmons é o homem mais gostoso


que existe.
Ok, erro meu. Se estivermos falando numa escala global, o Michael
B. Jordan leva esse título. Depois, tem o Zayn Malik e o Henry Cavill, mas
Hunter com certeza fica em quarto lugar. Ele tem os olhos castanhos mais
doces que eu já vi, um cabelo que está sempre bagunçado e um corpo…
puta que pariu. Tenho certeza que foi um erro seguir o seu perfil no
Instagram, porque agora não consigo parar de olhar as suas fotos sem
camisa na praia.
Estou obcecada por Hunter desde o semestre passado, quando eu era
só uma caloura nos imensos jardins da UCLA. Ele é quarterback dos Bruins
— o que, honestamente, é só um título de status social: ninguém lembra a
última vez que o time de futebol da UCLA ganhou um jogo — e pareceu
notar a minha existência quando entrei na Kappa Kappa Gamma. Quando
eu digo “notar a minha existência”, é exatamente isso: ele sabe que eu
existo, me segue no Instagram, dá like nas minhas fotos e mais nada. Nós
conversamos umas duas vezes o semestre passado inteiro, mas estou
disposta a fazer as coisas mudarem nas próximas semanas.
— Taylor! — Julia me chama e eu pisco, assustada, bloqueando a tela
do celular antes que minhas irmãs kappa vejam quem estou stalkeando.
Abro um sorriso pra ela e finjo que estava mentalmente presente nos
últimos trinta minutos e não fantasiando como seria ter dois filhos e um
cachorro com Hunter Simmons. — O que você acha?
— O que eu acho…
— Cleo Evans — Julia continua, apontando para uma ficha de
inscrição. Estamos analisando as calouras que se inscreveram para fazer
parte da Kappa. A garota tem um longo cabelo castanho, sobrancelhas
grossas e olhos grandes. — É caloura do curso de cinema.
— Eu gostei dela — Mindy comenta, enquanto pinta uma das suas
unhas de rosa. O tom combina com a sua pele negra clara. — Ela tem
poucos seguidores no Instagram, mas é irmã da namorada do quarterback
dos Pythons. É alguém em quem podemos trabalhar, com certeza.
A menção ao quarterback me faz prestar mais atenção na conversa.
— Noah Hwang?
— Sim — Julia ri. — O que você tentou pegar em Las Vegas.
Solto um suspiro, frustrada.
— Ela é irmã da mulher que acabou com a minha chance única de
perder a virgindade com um jogador famoso em Las Vegas — reclamo. —
Todo esforço que eu fiz pra entrar no hotel sendo menor de idade não serviu
de nada. Eu até fingi ser uma das dançarinas do Hotel! Mas aí, enfim, tenho
certeza que ele ficaria comigo se não estivesse namorando.
— É óbvio — Mindy assente. — Você é gostosa, só é virgem porque
quer.
Eu rio para ela, porque é verdade. Não sou do tipo que espera uma
primeira vez romântica, num quarto cheio de flores, sais de banho
vermelhos e balões de coração. Eu só quero uma experiência que seja…
Bom, memorável. Perder a virgindade em um quartinho de estudante da
UCLA parece horrível, por exemplo.
— E porque ela não sabe flertar — completa Julia, arrancando uma
risada da namorada.
— Eu sei flertar.
Julia move a cabeça em discordância.
— Stalkear o cara no Spotify e postar todas as músicas mais ouvidas
dele no story do Instagram não é flertar.
Dou de ombros. A maioria dos homens se assusta com a minha
intensidade, por isso estou tentando ir com calma com Hunter. Eu sei que
vamos ser namorados até o fim do semestre — eu vi nas cartas do tarot —,
mas ele não precisa saber ainda. Vamos ser o casal perfeito: a líder de
torcida do curso de artes cênicas e o quarterback do curso de educação
física.
— Como a minha xará costuma dizer: find out what you want, be that
girl for a month[2] — cantarolo. — E eu voto sim. Vou ser benevolente e
ignorar o fato que a irmã dessa garota destruiu a minha vida.
Mindy dá de ombros.
— Se a gente for pensar racionalmente, ela te livrou. O seu pai te
mataria se soubesse que ficou com um cara dos Pythons.
Dou um sorriso. Meu pai é um dos empresários por trás do Los
Angeles Chargers e ele leva essa coisa de torcida muito à sério. Futebol é a
vida dele.
Mindy continua:
— Voto sim. Talvez a gente consiga usar a influência da irmã dela pra
alguma coisa.
Julia concorda.
— Tudo bem. Ela fica no quarto da Taylor, já que a Violet só volta em
janeiro — pontua, e eu concordo com a cabeça. Violet Garcia é a minha
melhor amiga e ex-colega de quarto. Ela foi fazer intercâmbio no México
semestre passado e me abandonou na Califórnia por seis meses —
Próxima…
— Vocês se importam de continuar sem mim? — pergunto, dando um
sorriso antecipado de desculpas. — Preciso fazer uma alteração na minha
grade curricular antes das aulas começarem — nenhuma das duas responde,
então eu insisto. — Por favorzinho.
Julia suspira.
— Tudo bem, vai lá.
— Obrigada! Amo vocês!
Eu pego minha bolsa e saio da sala da Kappa House correndo. Não
tenho nenhuma alteração para fazer na minha grade curricular e desconfio
que Mindy, como minha colega de curso, sabe disso, mas são quase onze da
manhã, o que significa que Hunter Simmons deve estar começando a sua
corrida matinal nas pistas da faculdade. Eu escolhi meticulosamente o meu
melhor look de academia — uma calça legging azul, minha cor favorita, e
um top da mesma cor — e o plano é andar pela pista até ele vir falar
comigo. Andar e não correr, porque não quero ficar suada na frente dele.
Já imaginei até mesmo a nossa conversa:
Sim, Hunter, eu também amo fazer esportes ao ar livre.
Não, eu não tenho namorado. Pois é. Completamente solteira,
acredita?
Claro que eu quero ir à festa de boas-vindas da Alpha Delta com
você.
Estou tão distraída criando um filme de romance dentro do meu
cérebro que esbarro em uma garota e derrubo a caixa enorme de livros que
ela carrega. Nós não nos desequilibramos por pouco e eu de imediato me
abaixo para ajudá-la a arrumar a bagunça que eu fiz, mas o nome na capa de
um dos livros me chama atenção: Sabrina Evans.
Levanto os olhos para a garota na minha frente e encontro os enormes
cabelos castanhos que vi na foto que Julia me mostrou.
— Cleo Evans! — a morena leva um susto e percebo que meu tom de
voz é um pouco estridente. Talvez eu tenha falado de um jeito que faz
parecer que estou acusando-a de um crime.
Ela arqueia uma das sobrancelhas grossas, sem entender.
— Como sabe meu nome?
— Ah! — eu ofereço uma das mãos para ela, enquanto pego seus
livros do chão — Taylor. Não a Swift. Lynch. Taylor Lynch. Eu sou da
Kappa Kappa Gamma, fraternidade que você se inscreveu. Vamos ser
colegas de quarto em um futuro muito próximo — eu me levanto. — E eu
não podia ter te contado isso, mas fica só entre a gente.
Cleo se levanta e aperta minha mão, finalmente. Ela parece chocada.
— Eu passei?
Seguro o ímpeto de perguntar se ela era excluída na escola ou algo
assim.
— Sim. Meus parabéns.
— Ei, Cleo, nós terminamos de levar as malas pro dormitório…
— Nós? Eu levei tudo.
Eu e Cleo nos viramos na direção das vozes que falam com a gente.
Falam com ela, mas, bom, eu também estou aqui. Reconheço de imediato o
quarterback dos Pythons e a irmã de Cleo, que eu nunca tinha visto o rosto
até então.
— Obrigada, gente! — Cleo abre um sorriso. Ela não menciona que
vai ter que tirar as malas do dormitório comum da UCLA e levar até a
Kappa House mais tarde, então deduzo que não quer incomodar. — Essa é a
Taylor — aponta para mim. — Minha colega de fraternidade, eu acho.
Sabrina me observa por um instante. Não sei se ela sabe que eu tentei
transar com seu namorado ou se só me acha uma péssima influência para
sua irmãzinha mais nova. Um pouco dos dois, quem sabe?
Mesmo assim, ela abre um sorriso e me cumprimenta com um aceno.
Faço o mesmo.
— Foi um grande jogo no último final de semana — comento, me
esforçando para fingir que nunca paguei um drink para Noah Hwang em
Las Vegas e muito menos pensei como seria transar com ele.
Noah concorda.
— É, foi sim.
— Bom, vocês podem ir embora — digo, apoiando uma das mãos no
ombro de Cleo. — Não que eu esteja expulsando vocês — brinco, temendo
soar indelicada. — Mas eu cuido dela a partir daqui.
Parte da minha responsabilidade como Kappa veterana é ajudar as
minhas calouras a se integrarem. Quando Julia disse que Cleo ficaria no
meu quarto, também estava dizendo que ela estava por minha conta.
— Obrigada, Taylor — Sabrina dá mais um sorriso para mim, então
se aproxima de Cleo. — Juízo, hein? Se precisar de alguma coisa liga pra
mim ou pro Noah. Não fica mais de uma semana sem falar com a mamãe se
não ela vai surtar. E não sei se é uma boa ideia contar essa história de
fraternidade pro papai, ele vai…
— Lua — Noah a encara, divertido. — Vamos. A Cleo é grandinha,
sabe se cuidar.
— Valeu, Noah — Cleo revira os olhos, dramática. — Não me
envergonhem na frente da minha colega.
Dou um sorriso para ela, tentando calcular quantos minutos tenho
para chegar na pista de corrida. Observo os três trocarem abraços e dou
graças a Deus quando o casal se afasta de Cleo, me dando liberdade para
seguir meu plano. Hunter Simmons, pista de corrida.
— Que situação constrangedora — murmuro, entrelaçando um dos
meus braços no de Cleo. Ela está com as caixas dos livros na mão e nenhum
deles parece ter estragado na queda.
— O que?
— Nada — prefiro não dizer que flertei com o namorado da irmã
dela, por motivos óbvios. Eu flertei, porque ele não flertou comigo de volta,
o que deixa tudo ainda mais vergonhoso. — Você se importa se a gente for
pra pista de corrida? Vou encontrar o meu… digamos, o meu futuro
namorado por lá.
Cleo ri. Vejo nos seus olhos que ela está ansiosa para deixar essa
caixa no quarto, mas ela assente. Deve estar tentando me agradar, como
todos os calouros fazem. Adorável.
— Como é ter um quarterback tão famoso como cunhado? —
pergunto, enquanto caminhamos na direção da pista. Eu amo os começos de
semestre na UCLA: os últimos dias de calor intenso antes do inverno, os
reencontros, o brilho no rosto dos calouros…
Cleo dá de ombros.
— Sabrina e Noah estudaram juntos na escola. Eu meio que conheço
ele a minha vida inteira, então não é grande coisa. Meu maior interesse é
nos outros jogadores do time.
Eu rio.
— Se a minha irmã namorasse um cara dos Pythons e não me
apresentasse o resto do time, eu faria um escarcéu.
— Ela acha que sou muito nova pra namorar jogadores de futebol —
Cleo revira os olhos e eu percebo que esse é um gesto frequente. — Você
sabe como as irmãs mais velhas são.
Faço que não.
— Sou filha única.
— Ah — Cleo acha graça. — Elas acham que sabem de tudo sobre a
vida só porque nasceram primeiro. A Sabrina surtou quando eu abri um
Only Fans.
— Você tem um Only Fans?
— Sim, mas eu não posto coisa de putaria — explica. — Posto curtas
que eu produzo às vezes. Tem uma galera que curte. É tudo artístico, nada
sexual, mas acredita que ela nunca me perguntou?
Faço uma careta.
— Que vacilo.
Eu abro um sorriso quando chegamos na pista e meus olhos
encontram Hunter, terminando sua segunda ou terceira volta — estou
julgando pela quantidade de suor na sua camiseta.
— Olha lá — murmuro para Cleo. — Meu futuro namorado.
— Seu futuro namorado é uma delícia, com todo respeito.
— Eu sei — observo seu cabelo desordenado cair no rosto. Sua pele
branca está um pouco vermelha por conta do exercício físico. — Espera
aqui — peço, entregando minha bolsa para ela. — Eu tenho um plano pra
fazer ele me notar.
Cleo arqueia uma das sobrancelhas, curiosa.
Eu entro na pista e me mantenho há alguns metros de distância de
Hunter. Eu deveria estar na frente, mas ele corre num ritmo que meu
pulmão nunca aguentaria. Não quero ficar suada, vermelha e esbaforida.
Percebo que meu plano tem furos quando damos a minha terceira
volta e ele ainda não falou comigo. Nem parece ter notado que estou aqui,
na verdade, o que significa que é hora de colocar minhas habilidades de
aluna do curso de artes cênicas em prática.
Eu deixo meu corpo cair na pista, com cuidado para não me
machucar.
— Ai! — gemo, alto o bastante para Hunter ouvir.
Dá certo.
Ele para de correr e se vira.
Meu coração dispara e eu esqueço até o meu próprio nome quando ele
se aproxima.
— Ei, você tá bem?
Acabei de me jogar no chão na tentativa de conseguir um encontro.
Bem, com toda certeza, não é a palavra.
— Sim — abro um sorriso para ele, passando uma das mãos pelo
tornozelo. — Tipo, mais ou menos. Acho que esse tênis não é muito bom
pra fazer corrida.
— É tênis de skate — ele aponta para a sola reta do meu sapato. — O
ideal é comprar um com amortecedores e tudo mais. Se quiser, posso te
indicar alguns.
Assinto para Hunter. Estou no meu modo olha como eu sou burrinha
e gostosa agora, então não vou dizer que meu pai me ensinou tudo sobre o
mundo dos tênis de corrida quando eu tinha dez anos de idade.
Ele oferece uma das mãos na minha direção.
— Consegue se levantar?
Percebo que fiquei tempo demais em silêncio.
— Aham — eu aceito a mão dele. Sua pele é macia e agora mais de
perto consigo sentir o cheiro do hidratante que ele passou de manhã. —
Obrigada. Me passa as indicações, sim. Acho que você me tem no
Instagram.
Hunter assente.
— Taylor Laurel, né?
Um arrepio percorre meu corpo ao perceber que ele sabe meu nome.
Parte do meu nome.
— Taylor Lynch — corrijo.
— Beleza — ele abre um sorriso. — Vou te mandar mais tarde. Se
cuida.
Sorrio para Hunter e o vejo se afastar pela pista de corrida de novo.
Solto o ar pela boca, frustrada. Ok, não foi ruim, mas não era isso que eu
estava esperando. Ele nem perguntou se eu vou na festa da Alpha Delta hoje
à noite!
Será que ele não vai?
Será que ele me acha feia?
Tiro o celular do bolso da minha calça de ginástica e faço um
beicinho frustrado para a tela onde enxergo meu reflexo.
Não, concluo.
Ele não me acha feia, só está se fazendo de difícil.
Capítulo 2 - Atlas Campbell

(ou: jogador entediado decide interagir com a vida selvagem)

O cheiro salgado do mar de Venice Beach me relaxa, mas não é


suficiente para esvair a frustração do meu corpo.
Se passaram cinco dias desde o jogo que me lesionei e o médico dos
Pythons foi bem claro: nada de álcool até terminar os remédios para dor,
nada de movimentos muito bruscos, nada de alimentos inflamatórios, nada
de porra nenhuma. Minhas únicas opções de diversão são jogar videogame
— e depende do videogame, porque alguns exigem demais do meu ombro
—, assistir filmes horríveis na Netflix e ler todos os livros da extensa
biblioteca de romances do noivo do meu irmão, o que eu meio que já fiz.
Pensei que passar os três meses da minha recuperação em Santa Mônica
seria mais divertido do que em San Diego, mas a verdade é que é horrível
estar em uma cidade com tanta vida e me sentir podado.
Além disso, eu pareço um idiota andando para cima e para baixo com
essa tipoia. Ao menos eu poderia ter conseguido uma lesão que me deixasse
mais sexy, tipo uma cicatriz de guerra e não a merda de uma tipoia que me
faz parecer um perdedor que participa das olimpíadas de matemática e não
tem vida social.
Bom, eu não terei vida social nos próximos três meses, então essa
colocação é meio que certa. Mas mesmo que os astros tenham se alinhado
ao meu desfavor, não vou passar esse tempo choramingando por aí.
O canto dos meus olhos se franze enquanto eu tento enxergar melhor
a tela do meu Macbook, apoiado na canga de praia em cima da areia. Não
faço ideia se é seguro ter trago um Macbook para a praia, mas se ele
estragar eu vou ficar sabendo. Conecto na rede 5g do meu celular e começo
a fazer minhas pesquisas: quero saber tudo sobre os Bruins da UCLA.
É uma ideia que passa pela minha cabeça desde o dia que fomos na
festa da Cleo. Vou ficar três meses afastado dos campos, mas isso não
significa que eu tenha que ficar três meses afastado do futebol.
Meus olhos passam pela página dos Bruins no site oficial da UCLA.
A foto mais recente é de 2008, quando derrotaram os Cardinais da
Universidade de Stanford por 36 a 14. Depois disso, caíram em desgraça.
Nunca mais ganharam nenhum campeonato. Eles ainda participam do draft
da NFL — quando os principais times recrutam jogadores do futebol
universitário —, mas não se tem notícia de nenhum aluno que tenha sido
aprovado nos últimos cinco anos.
É arrogante pensar que eu posso salvar esse time?
Possivelmente.
Vou desistir da ideia?
Não.
Eu fuço a página da UCLA até encontrar o e-mail do treinador
responsável pelos Bruins e começo a digitar uma mensagem.
De: atlascampbell@pythons.com.br
Para: stevieparker@ucla.com.br
Assunto: (Sem Assunto)
Oi Stevie,
Meu nome é Atlas.

Encaro a tela, sentindo que não é um bom começo. Eu ainda estava na


faculdade na última vez que mandei um e-mail. Todos os meus contratos
são resolvidos através do Zade e da All Stars Agency, o que significa que,
em dias comuns, eu não mando e-mails. É óbvio que Zade não aprovaria o
que estou pensando em fazer, então estou por minha conta.
Solto o ar pela boca e continuo.
Eu jogo como left tackle nos Pythons de San Diego (você
provavelmente me conhece).
Eu estive pesquisando sobre os Bruins nos últimos dias e
fiquei interessado. Será que eu posso assistir o próximo jogo
e trocar uma palavrinha com você no final?

Meu cenho se franze. Ainda não está bom, mas é o melhor que
consigo. Sei que posso simplesmente assistir o jogo com um torcedor
normal, mas quero mostrar ao técnico que tenho interesse no time. Eu
poderia perguntar ao meu irmão, mas não sei se ele vai ficar feliz quando
descobrir que estou planejando invadir seu ambiente de trabalho.
Uma notificação aparece no canto da minha tela. Por um momento,
penso que é uma resposta de Stevie, mas percebo que me inscrevi na
newsletter da UCLA sem querer. Estou pronto para jogar o e-mail no lixo
quando o assunto me chama atenção.
FESTA DE BOAS-VINDAS DA FRATERNIDADE ALPHA DELTA
HOJE À NOITE
Considero por um instante. Seria uma boa oportunidade para explorar
o território e ver os jogadores dos Bruins mais de perto, mas não quero ir
para uma festa de fraternidade sozinho. Se tem uma coisa que eu sei, é que
universitários são caóticos. Os jogos vorazes são brincadeira de criança
perto de uma festa da Alpha Delta.
Mando uma mensagem para Noah.
ATLAS: ainda tá em santa mônica?

Ele me responde na hora.


NOAH: sim. fomos deixar as coisas da cleo na faculdade
NOAH: por que?

Mando uma foto do email que acabei de abrir.


NOAH: ah não. de jeito nenhum você vai me enfiar numa festa
universitária
NOAH: você nem pode ir
ATLAS: quem disse?
NOAH: a porra do seu médico???
ATLAS: ele disse que não posso beber, não disse nada sobre festas
NOAH: sem chance
ATLAS: ok, se eu for sozinho e me machucar a culpa é sua
ATLAS: e quando eu perder minha carreira, ir morar de aluguel e
passar fome você vai se lembrar amargamente dessa conversa…
ATLAS: tenho certeza que o chad iria comigo se estivesse aqui
ATLAS: e antes que você me julgue, os motivos pelos quais eu
quero ir nessa festa são totalmente profissionais
NOAH: por exemplo?
ATLAS: te conto lá ;)

∞∞∞
Eu não sabia que os Pythons eram tão famosos fora de San Diego.
Quer dizer, sim, meu cérebro tinha essa informação, mas é sempre
estranho ver na prática. Estamos dentro do campus da UCLA há menos de
dez minutos e já fomos reconhecidos pelo menos cinco vezes, o que me faz
repensar todo plano de treinar os Bruins. Ok, foi precipitado — e burro? —
da minha parte presumir que um jogador nacionalmente famoso conseguiria
treinar um time universitário sem atrair todos os holofotes possíveis para
cima da universidade e do time, principalmente quando esse jogador em
questão acabou de sofrer uma lesão. Jornalistas esportivos amam fazer
terrorismo em cima desse tipo de tragédia: será que ele vai se recuperar?
Vai voltar a jogar como antes? Eu já vi umas quinze manchetes desse tipo
na última semana.
— Vai — Noah começa, quando estamos na frente da mansão Alpha
Delta. Música alta e luzes coloridas escapam pelas janelas. — Me conta os
seus motivos totalmente profissionais.
— A curiosidade foi a única coisa que fez você vir?
— Obviamente. Eu poderia estar no Airbnb que eu e Sabrina
alugamos agora.
Reviro os olhos.
— Sinto muito por atrapalhar sua foda, você vai sobreviver — eu
observo o movimento dentro da casa, tentando encontrar algum dos rostos
que vi na página dos Bruins. Nada, por enquanto. — Eu estive pensando…
— Por que eu sinto que não vou gostar disso?
— Deixa eu falar! — corto. — Olha só. Eu não quero ficar os
próximos três meses olhando pro teto.
— O doutor Carter disse que…
— Esquece o doutor Carter. Eu estive pesquisando sobre os Bruins
desde a festa na casa dos pais da Sabrina e eu acho que é o projeto perfeito.
Noah não entende minha linha de raciocínio.
— Os Bruins?
— Quero trabalhar com eles — explico. — Eu vi alguns vídeos dos
caras na internet e eles não são péssimos.
— Também não são bons — Noah complementa.
Não me deixo abalar pelo comentário.
— Eu consigo fazer eles ganharem a NCAA[3].
Noah fica em silêncio por um instante, me encarando. Ele franze o
cenho. Talvez ache que eu estou brincando.
— Você bateu a cabeça?
— Fala sério, Noah.
— Eu estou falando muito sério — ele ri de nervoso. — Você não é
técnico.
Meu gesto automático é uma tentativa de dar de ombros, mas a tala
dentro da minha tipoia me impede.
— E mesmo não sendo, tenho mais experiência do que todos os caras
que já treinaram esse time. E eu não vou ser o técnico deles, eu só quero…
sei lá. Posso dar dicas, apontar o que eles estão fazendo de errado.
— E pra que?
— Pra não morrer de tédio — respondo, como se fosse óbvio. O
complemento à minha primeira frase vem um pouco mais baixo: — E
porque ninguém bota fé em mim.
— Você está num dos maiores times da NFL, é claro que botam fé em
você.
Reviro os olhos.
— Não, é diferente. Todo mundo acha que eu sou um festeiro
irresponsável incapaz de levar as coisas à sério.
Eu não preciso que as pessoas digam isso na minha cara para saber
que é isso que pensam, embora algumas já tenham feito.
Noah hesita em me responder.
— Bom…
— Viu? Até você!
— Ai, cala a boca. Você é um ótimo left tackle — ele dá uma longa
pausa, alternando o peso do corpo de um pé para o outro. — E também é
festeiro. E um pouco irresponsável às vezes…
Solto o ar pelo nariz, irritado.
— Mas a gente te ama mesmo assim! — Noah completa.
— Eu vou mostrar pra vocês.
— Conversa com o Zade antes — pede. — E com o Terry. Você sabe
que ele já não gosta muito de voc…
— Ele vai gostar depois que eu colocar um time de merda no topo do
campeonato universitário — interrompo. — Você vai ver. Vai ser ótimo pra
minha carreira.
Noah ainda não está convencido.
— Eu não colocaria minha carreira nas mãos de um timeco qualquer
só pra provar um ponto — diz. — Se não der certo, sua imagem vai ficar
eternamente atrelada a de um time derrotado. Tem outras formas de se
mostrar maduro, se é isso que você quer. Aliás, por que essa neura agora?
Você parecia estar de boa com a sua imagem de festeiro até duas semanas
atrás. Você é tipo o mascotinho do time, as garotas gostam, todo mundo está
feliz.
— Mascotinho?
Noah dá um sorriso irônico.
— Eu vou fazer o papel do seu terapeuta agora. Me diz de onde veio
essa noia.
— Tive uma conversa ruim com meu pai.
Noah suspira.
— Ah.
Chad e Noah são os únicos que sabem que a minha relação com meu
pai é péssima. William Campbell é dono da maior empresa transportadora
de carga fracionada dos Estados Unidos. Ele se casou com uma atriz hippie
viciada em mitologia grega — popularmente conhecida como minha mãe
— e nunca superou que nem eu nem Orion quisemos adentrar o seu
mundinho de negócios. Mesmo assim, ele lida infinitamente melhor com o
fato de Orion dar aulas na UCLA do que comigo. William pensa que
futebol não é um emprego de verdade e é por isso que evito falar com ele na
maioria dos dias do ano.
— Você não precisa provar nada pra ele — Noah diz, simples.
Essa é a parte engraçada de ser um homem de 23 anos com problemas
familiares. Eu sei que não devo nada ao meu pai, mas sinto a necessidade
de provar que ele está errado sempre que posso. É um ciclo viciante porque,
na verdade, ele nunca muda de opinião sobre mim, por mais que eu me
esforce. Não mudou de opinião quando entrei nos Pythons, não mudou de
opinião quando vencemos o Super Bowl no ano retrasado e não vai mudar
de opinião quando eu transformar os Bruins. Mesmo assim, eu continuo
tentando.
— É, tanto faz — é tudo que eu digo, apontando para a mansão Alpha
Delta com a cabeça. — Vamos entrar. Tá frio aqui fora.
Noah dá uma risada complacente, porque não tem frio nenhum.
Estamos na porra da Califórnia e ele sabe que essa é só a minha forma de
encerrar um assunto desconfortável.
De forma quase instantânea, eu me sinto melhor dentro da mansão.
Está tocando uma versão remixada de Famous do Kanye West que eu tenho
certeza que já ouvi no TikTok antes. Qual o problema dos jovens de hoje
em dia com músicas que não estão na velocidade 2x?
— Tá bom — murmuro para Noah. — Meu plano é dar uma olhada
nos caras do time.
— E você sabe quem eles são?
— Sei quem é o quarterback — passo os olhos pela sala lotada da
mansão, mas não encontro nenhum sinal do rapaz que vi no centro das fotos
da UCLA. — Hunter Simmons. Tenho certeza que ele veio. Você sabe,
quarterbacks são populares.
— E o seu plano é?
— Sei lá, Noah, só estou observando a vida selvagem.
— Beleza — ele dá de ombros, descrente. — Vou buscar uma cerveja
pra mim. Quer um suco?
Assinto com a cabeça e me sinto como uma criança de oito anos de
idade. Felizmente, só tenho mais cinco dias de antibiótico pela frente.
A música muda e o ambiente parece cada vez mais caótico. Tem
gente fumando, gente dançando, gente se pegando e gente passando mal, o
que é um clássico da vida universitária. Isso tudo é embalado pelo som de
Deja Vu da Olivia Rodrigo, também numa versão remix esquisita que deixa
tudo com cara de barulho. Antes que Noah volte, meus olhos caem na
entrada na mansão e eu vejo o quarterback dos Bruins subindo as escadas. É
uma decepção imediata, porque ele parece um pouquinho maior nas fotos.
Ele tem quanto de altura? Um e oitenta?
Ótimo, um quarterback meio baixinho.
Os olhos do lugar caem nele quando ele entra, acompanhado de uma
garota de cabelo curto e olhos bicolores. Burburinhos se espalham pela
festa e eu deduzo que é a primeira vez que os dois aparecem juntos
publicamente, um clássico da vida universitária. Ele não está com a mão na
sua cintura e nem de mãos dadas, então eu apostaria o meu ombro bom que
se trata de um primeiro encontro. Estão juntos, mas não estão juntos.
— Oi! — uma voz estridente chama minha atenção. É de uma garota
loira e minúscula, vestida de vermelho dos pés à cabeça. Ela tem um copo
de bebida na mão e um sorriso de orelha a orelha. Eu deveria responder
alguma coisa, mas é como se uma nuvem passasse pelo meu cérebro. Tenho
certeza que ela é a mulher mais bonita que já vi na minha vida inteira. —
Você me faz um favor?
— Que favor? — pergunto, já esperando que ela peça uma foto ou um
autógrafo. As pessoas ficariam impressionadas se eu catalogasse quantos
peitos já assinei na vida e com certeza eu não me importaria de assinar os
dela.
— Vai parecer meio estranho — ela avisa. — Mas eu preciso que
você me beije.
Eu a encaro, sem entender, sem certeza do que acabo de ouvir.
É assim que os jovens flertam hoje em dia?
— Pode fazer isso? — pergunta, e eu percebo que está ansiosa por
algum motivo, mas sinto que não sou a razão dessa ansiedade.
Eu quero questionar, mas engulo as palavras para o fundo da
garganta. Ao invés de dizer qualquer coisa eu apoio a minha mão boa na
sua cintura e a empurro até a parede da sala, com cuidado. Se essa mulher
quer me beijar, eu sinto que estou saindo em vantagem, independente do
contexto. Se ela fosse uma assassina procurada em mais de cinquenta países
eu ainda consideraria uma vantagem.
Ela está de salto, mas precisa ficar na ponta dos pés por conta da
diferença de altura. Sua mão sobe até minha nuca e percebo que ela está
evitando tocar no meu ombro, por motivos óbvios. Meus lábios encontram
os dela e sua boca tem gosto de refrigerante, energético e álcool, numa
mistura de parar corações, no sentido mais literal da frase.
A ansiedade que vi em seu corpo segundos atrás desaparece. Seus
dedos se infiltram entre os meus cachos e ela me puxa para mais perto,
soltando um suspiro contra a minha boca. Minha mão aperta sua cintura
com mais força e eu percebo que esse beijo não é mais apropriado para uma
sala lotada.
Ela também percebe, porque se afasta, apoiando a cabeça na parede.
Ela tira os olhos de mim e procura por alguém no meio da multidão, mas
não tenho certeza se encontra.
— Obrigada — diz. — Você beija bem — ela abre um sorriso para
mim e então desaparece no mar de universitários que ocupam a mansão
Alpha Delta.
Eu não tenho tempo de perguntar o seu nome e também não tenho
interesse em saber, mas o destino me prega uma peça. Assim que olho pro
chão, encontro uma pulseira de miçangas coloridas que ela deixou cair do
pulso. Bolinhas coloridas formam o seu nome e a sigla da sua fraternidade.
TAYLOR. KKG.
Penso em ir atrás dela para devolver, mas não acompanhei em que
direção ela foi. Antes que eu possa tomar uma decisão, meu celular vibra
com um novo email.
De: stevieparker@ucla.com.br
Para: atlascampbell@pythons.com.br
RE: (Sem Assunto)
Boa noite, Atlas. Me perdoe pela hora.
É impressionante saber que os Bruins chamaram sua atenção
(impressionante mesmo, considerando nossos resultados rs).
Temos um jogo nesse domingo na UCLA. Se quiser vir, será
muito bem vindo.

Encaro a pulseira na minha mão e o e-mail na tela do telefone.


Aparentemente, eu vou estar muito presente na UCLA esse semestre.
Capítulo 3 - Taylor Lynch

(ou: futura atriz recebendo sinais do universo)

— Mais importante do que saber o que você quer, é descobrir como


conseguir.
Bato o porta-malas do carro do Uber que trouxe as malas de Cleo para
a Kappa House. Não tem muitas coisas: duas malas grandes que eu imagino
ser onde estejam as roupas da caloura e uma caixa — a mesma que
derrubamos no dia anterior — com livros e cadernos. Fico me imaginando
se minha nova colega de quarto é uma nerd. É possível ser irmã de uma
escritora e não ser nerd?
— Foi isso que você tentou fazer ontem na pista de corrida com
aquele cara?
Ela puxa uma mala pela alça e tenta equilibrar a caixa de livros no
outro braço. Pego a mala restante e começamos a caminhar na direção do
lugar onde passaremos boa parte do tempo esse semestre.
— Aquele cara é o meu futuro namorado, mas também atende pelo
nome de Hunter. E não, aquilo foi um acidente de percurso. O como ali saiu
um pouco fora de controle. Não consegui o resultado que eu queria, mas o
que aconteceu na festa por outro lado…
Percebo o olhar curioso de Cleo. Ela tem um ar jovem de quem
encara a vida como um mundo a se explorar. Acho que vamos nos dar
muito bem.
— Me conta! Conseguiu encontrar ele na festa?
E ela tem interesse no que acontece na minha vida, o que é ótimo.
Como estudante de artes cênicas, posso ser um pouquinho viciada na
atenção das pessoas.
Definitivamente vamos nos dar bem.
— Sim. Estava com uma garota sem graça. Os dois não tinham
nenhuma química juntos. Você tinha que ver que cena pavorosa. Se fosse
comigo, todo mundo ia perceber o casal lindo que fazemos. O Hunter
também vai perceber, só precisa de um empurrão na direção certa.
Subimos o único degrau para entrar na sala da Kappa House, fazendo
uma força um pouco maior para as rodinhas da mala subirem o pequeno
patamar.
— Ele te viu?
— Acho que sim. Deve ter me visto quando entrou, mas eu não tinha
muito tempo para ficar olhando para ele. Estava focada no como beijando
outro cara.
Cleo dá uma risada, sem entender a minha lógica. Antes que ela
pergunte, adianto a resposta.
— Meu plano é mostrar pra ele que sou uma mulher desejada e que
ele teria sorte em ficar comigo. Não vou ficar pelos cantos implorando por
migalhas de atenção. — Ignoro o fato de que é exatamente isso que tenho
feito. — Então ontem, quando ele me viu beijando um cara alto, musculoso,
loiro e gostoso, aposto que viu o quanto sou interessante. É um plano
simples.
Entramos em casa. Há vozes vindas da sala ao lado.
— E qual foi a reação dele ao te ver beijando o dito cara gostoso?
Solto o ar pela boca.
— Eu não tenho certeza se ele viu. Quero dizer, deve ter visto, eu
estava bem na frente dele, não estava? Talvez ele tenha ficado constrangido
porque… — gosto da imagem que me vem à mente ao lembrar do momento
do beijo. — Bom, digamos que o boy tinha pegada. E isso com um ombro
machucado. Imagina o que não faria com os dois braços livres.
Percebo a confusão no rosto da Cleo. Não sei o que está passando
pela mente dela, mas sei que tem algo ali me escapando.
— Ah, vocês chegaram! — Ouço a voz da Mindy interrompendo o
meu raciocínio. — Venham aqui pra gente conhecer ela!
Deixo a mala parada perto da porta e faço um gesto na direção da
sala. A TV está ligada e uma cena de um filme que eu conheço muito bem
está rolando no fundo. “A verdade nua e crua” conta a história de uma
produtora de um programa de TV que usa os conselhos de um colega de
trabalho babaca para conquistar o vizinho. É óbvio que isso faz os dois se
apaixonarem, como o bom clichê que as pessoas adoram assistir.
Penso na ironia da situação. Assim como a protagonista do filme,
também preciso de ajuda para conquistar o meu futuro namorado. E se isso
fosse um sinal do universo me mostrando qual deveria ser o meu como?
— Seja bem-vinda à Kappa Kappa Gamma, Cleo Evans! — A voz de
Julia me faz voltar para o presente. As duas estão no sofá grande da sala.
Mindy está sentada com a cabeça da ruiva apoiada no seu colo e brinca com
o cabelo da namorada. — Você vai dividir quarto com a Taylor. Assim que
o filme terminar, a gente te passa mais detalhes sobre a irmandade, mas
relaxa que é super tranquilo. E qualquer coisa, pode perguntar pra ela.
Abro um sorriso na direção dela como forma de mostrar que
concordo. Então puxo a sua mão e voltamos para as malas. Como não há
elevador na Kappa House — eu tentei pedir pra instalarem, mas
aparentemente é absurdo botar elevador em uma construção de apenas dois
andares — precisamos puxar as malas escada acima. Apesar do esforço
físico, minha cabeça está fervilhando com a ideia que o filme me deu.
— Como era esse cara que você beijou?
A pergunta me pega de surpresa e preciso processar por alguns
segundos. A minha vontade é descrever o Hunter, mas eu ainda não o
beijei. Tudo questão de tempo, claro.
— Devia ter uns dois metros, o cabelo meio grande e caindo pelo
rosto. Tem uma vibe de anjo, mas sem a menor pureza, se é que você me
entende.
Cleo olhava pra mim, o rosto concentrado.
— Reparou se ele tinha alguma tatuagem?
Tento forçar a memória. Tudo aconteceu tão rápido que não me
lembro de detalhes, mas sinto uma vaga sensação que ele tinha algo
desenhado no braço.
— Acho que sim, no braço, mas não lembro o que era. Eu tava mais
concentrada na boca dele.
— Meu Deus, eu acho que eu sei quem você beijou.
Ela para no alto da escada e puxa o celular do bolso. Digita alguma
coisa e logo vira o aparelho pra mim.
— É esse aqui?
Encaro os lábios carnudos que encontraram os meus na noite passada.
Não tenho a menor dúvida de que estou olhando para a mesma pessoa.
Observo o nome embaixo da foto.
— Espera aí, ele é jogador de futebol?
Pelo choque no meu rosto, percebo que Cleo entendeu que aquilo era
um sim.
— Ai, meu Deus, eu não acredito que você beijou o Atlas! — Cleo
abafa uma risada. — Ele e o Noah vivem grudados pra todo lado. Ele tem
uma enorme fama de garoto problema, mas é um gostoso.
Estendo a mão e pego o celular da Cleo. Começo a rolar a tela
buscando mais informações. Em uma leitura dinâmica, percebo os detalhes
mais importantes que saltam aos meus olhos.
Left tackle dos Pythons…
Lesionado e afastado das partidas…
E uma reputação terrível quando o assunto é namoradas.
Parece ser o tipo de cara que se vangloria de nunca ter namorado,
como se ele fosse bom demais para se prender à uma única mulher. Por
mais incrível que possa parecer, aquilo é exatamente o que eu preciso. Já
estou apaixonada por Hunter Simmons, preciso apenas de alguém para me
ajudar a conquistá-lo.
E quem melhor que um mulherengo experiente que só quer saber de
curtição?
E que beija bem pra caralho.
O pensamento cruza minha mente. Se esse é o caminho que vou
seguir, não custa nada me divertir um pouco nessa jornada.
Devolvo o celular para Cleo, um sorriso no rosto.
— Você e o universo acabam de me dar uma ideia. Acho que já tenho
o plano perfeito para conquistar o meu futuro namorado.
Capítulo 4 - Atlas Campbell

(ou: jogador altruísta decide ajudar uma universitária


desesperada)

Eu pensava que os Bruins eram ruins, mas eu estava enganado.


São horríveis.
Não são só ruins. Assisti-los jogando quase me causa dor física. A
maioria dos jogadores parece não ter ideia do que está fazendo e eu me
pergunto se eles estão ali só por causa do crédito extra. Hunter, o
quarterback, é quem tem mais potencial, mas ele não consegue fazer muito
com um time de patetas recebendo seus lançamentos. Os jogadores não
impressionam individualmente e como equipe muito menos: não tem
sinergia, conexão, confiança. Se eu não tivesse pesquisado sobre os Bruins,
apostaria que eles acabaram de se conhecer e estão jogando juntos pela
primeira vez na vida.
Noah estava certo quando disse que eu não deveria me meter nisso,
mas sou orgulhoso demais para assumir.
Stevie me encara. Estamos no topo de uma arquibancada lotada de
estudantes que não se importam com o resultado vergonhoso. Os Bruins
perderam de 31 a 8, mas ninguém esperava um resultado muito diferente,
por isso estão se divertindo mesmo assim.
— O quarterback é bom — digo, porque essa é a única coisa que tem
para ser elogiada ali, e ainda sim estou fazendo esforço para ser gentil. Se
eu fosse honesto, diria que ele é razoável.
— Bom? — Stevie parece não acreditar no que eu digo e tudo bem
porque nem eu acredito — E todo resto é…
— Uma desgraça — completo, e o homem solta uma risada, cansado.
— Pois é.
— Mas todo mundo começa de algum lugar — incentivo, ainda sem
abrir mão do meu plano. — Sabe? Eles podem melhorar.
Stevie passa os dedos pelo cabelo grisalho e ralo, movendo a cabeça
em negativa.
— Não acho que eles estejam preocupados em melhorar. São jovens,
só querem saber de festa, bebida e sexo.
Encaro os jogadores prontos para se retirarem do campo. Bom, não
parece verdade. Diferente dos estudantes, eles estão abalados com o
resultado. É difícil diferenciar frustração de aceitação e naqueles rostos eu
enxergo os dois. Eles querem resultados melhores que esse, mas não acham
que são capazes de alcançá-los. Ninguém acha. Tenho uma experiência de
mais de vinte anos com um pai que duvida da minha capacidade o tempo
inteiro, então sei bem como eles estão se sentindo.
— A gente deveria tentar — o que eu quero dizer, na verdade, é: você
precisa confiar no seu time, caralho. — Né?
Stevie franze o cenho.
— Qual a sua proposta?
— Eu poderia te ajudar a treinar os Bruins — eu me esforço para não
soar arrogante. Técnicos são muito temperamentais. — Estou livre pelos
próximos três meses — aponto para o meu ombro com a mão boa. — E vai
me fazer bem continuar em contato com o esporte.
Stevie não parece certo.
— E o técnico dos Pythons concordou com isso?
— Não falei com ele. Nem com minha agência, nem com ninguém na
verdade.
Stevie acha graça.
— Ah, muito bom — ele acena para os jogadores quando eles sobem
na arquibancada. — Bom trabalho, Bruins! — é a maior mentira que já
ouvi. — Vou conversar com os rapazes do time. Se eles toparem, por mim
tudo bem. Mas tem que falar com toda sua equipe antes. Não precisamos
criar uma rusga com o time de San Diego.
Torço a boca. Não sei se Zade ou Terry vão ficar felizes com essa
história, mas eu dou um jeito.
— Tudo bem? — Stevie pergunta.
— Sim — não — perfeito — péssimo.
Vou me preocupar com os detalhes da coisa depois.
Stevie dá um sorriso para mim e me deixa sozinho nas arquibancadas.
Fico curioso para saber o que os jogadores do Bruins vão achar da ideia. Se
eu fosse um jogador universitário num time de merda ficaria muito feliz em
saber que um cara dos Pythons descobriu minha existência, mas sei que não
é tão simples assim. Para aceitar ajuda, você precisa admitir que está na
merda e essa é justamente a parte complicada da coisa.
— Atlas!
A voz estridente arrasta meus pensamentos para longe. Sei que já a
ouvi em algum lugar antes, mas não consigo reconhecer de imediato até que
a vejo: a garota da festa.
Taylor.
Eu não lembro de ter dito meu nome ontem, mas não é como se eu
não estivesse na capa de todos os jornais da Califórnia na última semana,
então deduzo que ela é uma pessoa ligada em esportes.
Taylor é pequena, por isso consegue passar pelas pessoas na
arquibancada para chegar até mim com uma facilidade considerável. Ela me
lembra uma Polly Pocket.
— Que bom que te encontrei aqui — ela não espera as pessoas
responderem antes de continuar falando? — Eu precisava mesmo falar com
você — não, é completamente ligada no 220.
A observo por um segundo antes de dizer qualquer coisa. Ela está
usando uma camisa branca com uma única frase em vermelho: Who’s
Taylor Lynch anyway? Ew![4] e eu fico curioso para saber se ela manda fazer
as próprias roupas.
— Eu fiquei com a sua pulseira — digo, evidenciando a pulseira no
pulso da minha mão saudável. Deixei aqui porque sou a pessoa mais
desorganizada do mundo e tinha uma chance muito grande que eu a
perdesse em um dos corredores da casa gigante do Orion.
— Ah! — Taylor abre um sorriso. Aparentemente, ela sempre está
sorrindo. — Pode ficar. Considere um presente — diz, e seu comentário cria
uma interrogação na minha cabeça. Não era sobre a pulseira que ela queria
falar? — Por causa do seu ombro.
— Acho que só uma pulseira mágica resolveria isso aqui — e não
quero pensar nisso, porque a ideia de fazer uma cirurgia fica pairando
minha cabeça o tempo inteiro, como um fantasma. — Mas obrigado.
— Eu vou precisar de outro favor seu.
— Se quiser que eu te beije de novo, vai ser um prazer.
— Não, não dessa vez — seus olhos passam rapidamente pela minha
boca e ela perde a linha de raciocínio por um momento. — Vou precisar de
um favor um pouquinho mais complicado que esse.
— Não posso te ajudar a esconder um corpo, não vai pegar bem.
Taylor ri.
— Um pouco mais complicado que beijar, mais simples que esconder
um corpo — explica. Ela aponta para o meu ombro. — Você tá com muito
tempo livre, né? Não deve poder fazer muita coisa com isso daí.
— Pode se dizer isso.
— Certo — Taylor hesita. Eu estou começando a ficar com medo do
que ela tem pra me dizer, porque universitárias podem ser muito malucas
quando querem. Talvez ela me convide pra adentrar uma seita ou vender
produtos que fazem parte de um esquema de pirâmide. — Vai ser estranho,
mas você precisa ter a mente aberta.
— Tudo bem. To com a mente aberta.
— Tá vendo aquele cara? — ela aponta para uma cabeça castanha ao
lado de Stevie, na porta da quadra esportiva. É o quarterback, ainda dentro
dos seus trajes de jogo, discutindo sobre alguma coisa com o técnico. —
Nós somos almas gêmeas — solta.
Eu franzo o cenho, me segurando para não rir do seu comentário.
Como eu falei, maluca.
— Mas — Taylor continua. — Ele não entendeu isso ainda. E eu to
com uma certa dificuldade de fazer ele perceber que eu sou a garota perfeita
pra ele.
— Tá — sinto que acabei de cair de paraquedas num filme de
comédia romântica adolescente. — E onde eu entro nisso?
— Eu posso ter gasto um tempinho te stalkeando hoje mais cedo —
ela conta, apenas parcialmente envergonhada. — E eu fiquei sabendo que…
Bom, você tem uma grande fama de conquistador.
— Conquistador? — ironizo. — Dá pra ver na sua cara que você quer
dizer galinha.
— Tá bom, você tem fama de galinha — corrige. — Uma grande
fama de galinha, mas eu não queria te ofender.
— Não ofende — e é verdade, porque tenho preocupações maiores do
que a forma como as mulheres me enxergam, principalmente quando elas
continuam terminando na minha cama no final do dia de todo jeito.
— Quero que me ajude a conquistá-lo — diz, sem mais rodeios. —
Você sabe o que os homens gostam e tem facilidade com as mulheres. Pode
me fazer parecer mais interessante pra ele.
Eu a encaro, imaginando que tem alguma parte dessa história que ela
ainda não me contou.
— Você já tentou dar em cima dele?
Taylor ergue os ombros.
— Mais ou menos.
— E ele não tomou nenhuma iniciativa?
Taylor faz que não.
— Esquece, o cara é gay — falo, e é simples assim. Nenhum homem
hetero precisaria que alguém como Taylor parecesse mais interessante.
Tenho certeza que ela é a garota mais bonita do campus e, se não for, com
certeza está entre as três primeiras. — Parte pra próxima.
— Não! — Taylor protesta. — Ele estava com uma garota na festa
ontem. Foi por isso que eu te beijei.
— Estava tentando chamar atenção dele?
Taylor move a cabeça em afirmativa.
— Você me usou — rio, incrédulo. — Meu deus, que peste.
— Sinto muito por ter magoado seus sentimentos, não era minha
intenção.
— Eu vou demorar alguns meses pra me recuperar desse baque —
zombo. — Mas eu estou de bom humor, por isso vou ignorar que suas
intenções comigo eram as piores possíveis e ajudar você.
Os olhos de Taylor disparam. Acho que nem ela estava esperando que
eu fosse sem noção o bastante para aceitar a sua proposta pirada.
— Sério?!
Assinto.
— Pra ser honesto, eu não tenho nada melhor pra fazer até meu
médico me liberar. E se tudo der certo, vou passar muito tempo com o
Hunter nos próximos meses então… é, acho que dá pra fazer alguma coisa
pelo seu caso.
Taylor abre mais um sorriso enorme.
— Quando a gente se casar, eu te chamo pra ser padrinho.
Eu acho graça da sua empolgação.
— Sou alérgico a casamentos, mas agradeço o convite.
— Eu to atrasada pro meu treino das líderes de torcida — ela diz,
abrindo sua bolsa. Taylor tira mais uma pulseira colorida lá de dentro e
enfia no meu pulso. — Toma, é meu número.
Franzo o cenho.
— Faz pulseirinhas com seu número de telefone?
Taylor dá de ombros.
— Faço pulseirinhas com tudo — e o jeito como ela diz faz parecer
algo normal. — A gente vai conversando, tá? Obrigada! — e da mesma
forma que apareceu, do nada, Taylor desaparece por entre as pessoas da
arquibancada, com pressa.
Eu encaro a pulseira.
Definitivamente, Taylor Lynch é maluca.
Mas de alguma forma, isso não me assusta.
Capítulo 5 - Taylor Lynch

(ou: futura atriz apaixonada por mãos)

O universo recompensa quem trabalha em nome do amor. Parece


brega, mas é a mais pura verdade. Estou sentada na minha mesa bem no
centro da sala de aula quando vejo aquele cara perfeito entrando pela porta,
seu olhar esquadrinha a área e para quando encontra o meu. Ele abre um
pequeno sorriso ao me notar, fazendo o meu coração derreter dentro do
peito. Infelizmente não há nenhum lugar vago ao meu redor. Cogito me
levantar e barganhar para alguma dessas pessoas cederem lugar para o amor
da minha vida. Se eu contar que estamos destinados a ficarmos juntos,
qualquer um vai aceitar. Ou melhor, qualquer pessoa sensata, aceitaria.
Atrapalhar o destino de fazer o trabalho dele atrairia karma negativo para o
resto da vida.
Eu sei que o meu jeito pode assustar as pessoas às vezes. Sou intensa,
gosto das coisas do meu jeito e talvez eu tenha uma pequena obsessão em
planejar a minha vida. Mas eu não consigo olhar para o que está errado logo
na minha frente e não fazer nada. E, no momento, a coisa mais errada no
planeta é o fato de Hunter e eu estarmos separados.
Ok, tem algumas outras coisas que talvez sejam mais importantes,
mas não vou encarnar a miss universo e dizer que desejo a paz mundial.
Quero minha paz. E ela tem olhos e cabelos castanhos.
E a maior prova de que estou sendo apenas uma serva do destino, é o
fato de um estudante de educação física estar na minha sala agora. Até onde
eu sei, artes cênicas não compartilha nada com a grade curricular dele. Por
isso o universo nos deu uma forcinha criando um caminho alternativo por
onde podemos caminhar de mãos dadas.
Não sei quem teve a brilhante ideia de inventar as matérias optativas,
mas essa pessoa está convidada para o nosso casamento. Porque, sim, ele
vai acontecer.
Se não fosse para ser, me diz então como Hunter e eu caímos na
mesma sala? Sei que gosto de planejar tudo, mas não teve o meu dedo
nisso. Não me matriculei em ASL[5] porque vi a lista de alunos e o nome do
meu futuro marido estava lá. Se desse para fazer isso, eu teria feito, mas não
vem ao caso.
Sem contar que saber que ele pegou uma matéria focada em inclusão
ainda o deixa ainda mais incrível. Ele não é um brutamontes gostoso
apenas. É um brutamontes gostoso com coração.
— Bom dia, turma — a professora entra na sala e já vai direto para a
mesa. Apoia a pasta em cima do tampo de madeira e encara os alunos. O
que mais me chama a atenção nela é a empolgação estampada no seu rosto.
Depois de mais ou menos uns cinco minutos falando — e sempre
fazendo os sinais com as mãos — ela entrega uma página para cada aluno
com as letras do alfabeto e o sinal correspondente.
— Agora, quero que vocês façam duplas para poder praticar e se
comunicarem.
Meus olhos procuram Hunter. Ele varre a sala com o olhar e para em
mim. É aí que a mágica acontece.
Ele faz um gesto. Apontando para mim e depois para ele. Meu futuro
namorado me chamou para ser sua parceira de exercícios.
Sei que o convite dele foi para a atividade de ASL, mas no meu
coração, sinto que teve algo mais no pedido. As peças estão no lugar, agora
é só fazer as jogadas que farão com o que o quarterback perceba que já está
apaixonado por mim.
Vai ser lindo contar para nossas crianças que tudo começou em uma
sala de aula e que o pai delas foi quem tomou a iniciativa. Eu só precisava
estar lá.
— Oi — ele se coloca a mesa ao lado da minha. — Não sabia que
você também tinha interesse em língua de sinais — interessada eu estou em
você, meu amor. — Taylor… — por um segundo, acho que ele vai acertar
meu sobrenome dessa vez, mas não acontece. Ele deixa a frase no ar e
desiste no meio do caminho. — Não é?
Me controlo e tento parecer uma pessoa normal perto dele. O lado
bom de ser uma ótima atriz é que eu posso escolher quem eu quero ser para
me livrar de situações constrangedoras. Com Hunter, serei a mulher
confiante, aquela que sabe do seu valor e que não aceita menos do que
merece. Mal sabe ele que se ele que eu faria tudo o que ele me mandasse.
Ai, meu Deus, tem quanto tempo que ele tá esperando uma resposta?
— Sim. — Mudo a postura na cadeira. — Você ainda me deve
indicações de tênis de corrida, lembra? — sorrio. — Estive no jogo dos
Bruins ontem.
A verdade é que sei tudo sobre a vida dele. Sei a cor favorita, onde ele
gosta de sair com os amigos, sei que adora cerveja quando vai pras festas,
que pedala na Venice Beach todo domingo de manhã e que ama tênis Vans.
Porém, essa é a Taylor apaixonada. Ainda vai levar um tempo para o Hunter
conhecê-la. Vamos devagar, deixa ele ver o quanto sou interessante antes.
— Nossa, sinto muito que tenha assistido a um jogo nosso — ele abre
um sorriso sem jeito. — Não desejaria isso nem para os meus inimigos.
O que a Taylor apaixonada diria?
— Eu não fui lá por causa do jogo. Fui por você.
O que eu digo:
— Ah, não foi tão ruim assim. Além disso, como líder de torcida,
vejo vários jogos do time da UCLA. Você joga bem.
Percebo que acerto em cheio quando o sorriso sem jeito ganha um
pouco mais de vida. Ele olha dentro dos meus olhos quando diz.
— Muito gentil da sua parte dizer isso.
Definitivamente está muito calor nessa sala. Como ninguém mais está
derretendo? Sinto o coração acelerar e me vem a vontade de elogiar cada
detalhe dele para mostrar que posso ser ainda mais gentil. Poderia começar
com a boca. Ele tem um sorriso largo que ilumina o rosto quando se abre.
Tem um nariz fino, na medida certa para receber um beijo na ponta e os
cabelos têm o cumprimento ideal para mergulhar os meus dedos e puxar
com força na minha direção durante um beijo apaixonado.
— Por que você decidiu fazer essa disciplina? — A voz dele me
resgata do meu devaneio. A Taylor apaixonada quase tomou o controle. Eu
preciso ficar atenta com ela. — Pensando bem, eu nem sei qual é o seu
curso.
— Artes cênicas. — Vejo as sobrancelhas se levantarem de surpresa.
— E decidi fazer essa matéria por vários motivos, mas os principais são
ampliar as oportunidades de atuação no mercado e também, claro, pra
incluir mais pessoas e poder ter uma equipe diversificada no futuro. Minha
amiga, Violet, queria fazer essa matéria comigo, mas ela ganhou uma bolsa
pro intercâmbio, então…
Percebo um sorriso tímido se abrir no rosto de Hunter que me faz
perceber que ele gostou do que eu disse.
— E você? Por que escolheu ASL?
Nossa conversa é interrompida pela voz da professora na frente da
sala.
— Agora, quero que vocês usem o alfabeto para comunicar palavras
simples um para o outro. Nada muito elaborado. O objetivo da aula de hoje
é vocês criarem familiaridade com o alfabeto.
Familiaridade com o alfabeto e com o futuro namorado.
— Por causa do namorado da minha mãe — ele retoma. — Jerry é
surdo, e pensei que aprender a me comunicar com ele seria algo importante.
Meu baby realmente tem um coração.
Não tenho tempo de responder à pergunta pois a professora caminha
na nossa direção.
— Vocês vão perceber que não precisam dizer nenhuma palavra
usando a voz durante a aula. Quero ver as mãos de vocês agitadas no ar.
Concordamos e começamos a praticar os exercícios. Hunter vai
primeiro e faz os sinais das letras do próprio nome. Ele parece ter um pouco
de facilidade na tarefa e fico pensando se ele já tinha começado a estudar
por conta própria.
Na minha vez, faço os sinais de T-A-Y-L-O-R e abro um sorriso. Tem
algo estranho em me apresentar e não acrescentar “não a Swift” logo em
seguida. Preciso aprender os sinais para essa parte.
A aula avança enquanto vamos trocando palavras. MÚSICA, FESTA,
FACULDADE, FUTEBOL, FILME, CINEMA, AMOR e várias outras. É
incrível como o tempo passa rápido e chegamos no final do horário.
— Vocês foram ótimos! Na próxima aula, vamos aprender alguns
gestos universais bem úteis na comunicação. Vou enviar a cópia deles para
o e-mail de vocês.
O silêncio e a paz da sala são interrompidos pela movimentação dos
alunos que precisam seguir para as outras aulas. Eu só quero ficar aqui,
sentada de frente para Hunter enquanto tento decorar cada detalhe do rosto
perfeito dele.
— Bom, até que foi divertido — ele diz e se levanta.
Percebo que tenho poucos segundos para reagir e causar uma boa
impressão. Um elogio. Preciso de um elogio.
— Foi mesmo. Você tem mãos bonitas.
Assim que as palavras saem da minha boca eu sinto a vergonha me
inundar.
MÃOS BONITAS? QUE PORRA FOI ESSA TAYLOR?
— Obrigado. — Ele abre um sorriso, uma sobrancelha levantada. —
Tá aí uma coisa que nunca ouvi. Bom, vou nessa. A gente se esbarra por aí.
Ele caminha me deixando plantada ali na cadeira. Fico parada por um
longo tempo sem acreditar no que acabei de fazer. Não acho que arruinei o
nosso futuro juntos. Um dia, isso se tornará uma história engraçada. Mas no
momento, não tem a menor graça.
Só percebo que estou sozinha na sala quando a turma da próxima
matéria começa a entrar. Reúno meus pertences e saio. Pego o meu celular e
começo a digitar um pedido desesperado de socorro para a única pessoa que
pode me ajudar.
TAYLOR: SOS
TAYLOR: preciso de ajuda PRA ONTEM
TAYLOR: meu deus, eu sou um caso perdido
TAYLOR: nunca mais quero falar com um homem na vida

Por sorte, a resposta não demora a chegar.


ATLAS: calma, foi tão terrível assim?
TAYLOR: eu disse que ele tem mãos bonitas
Atlas: HAHAHAHAHA
TAYLOR: isso não tem graça!!
ATLAS: tem sim
ATLAS: o cara deve ter achado graça também k
ATLAS: me encontrar às 16h na venice beach
ATLAS: vou dar um jeito nisso
TAYLOR: fechado. você vai salvar minha vida.

Agora me resta esperar que Atlas consiga fazer um milagre.


Capítulo 6 - Atlas Campbell

(ou: jogador e conselheiro amoroso nas horas vagas)

— Eu quero me enterrar.
É a primeira coisa que Taylor diz quando joga uma canga do meu
lado e se senta na areia da praia. Ela acabou de sair do treino das líderes de
torcida, eu percebo, julgando pelo seu uniforme azul e amarelo. Eu tento
não reparar o quanto ela fica gostosa dentro dele, mas é uma batalha
perdida.
— Com toda certeza, foi um elogio inesquecível.
Taylor suspira, dramática.
— Ele deve achar que sou uma maluca com fetiche em mãos.
— Melhor do que ser uma maluca com fetiche em pés.
— Você tem um ponto — Taylor junta as pernas na frente do corpo,
encarando as ondas que quebram na sua frente. — Eu fiquei a aula inteira
me policiando e falei merda no final. Inacreditável.
— Precisa ser mais suave quando quiser fazer um elogio. Assim
como as mulheres não gostam que fiquem o tempo inteiro falando sobre
suas características físicas, homens também não gostam. Vai. Cita dez
coisas que você gosta nele.
A expressão de Taylor se transforma em uma interrogação.
— Ele é bonito.
— Nada físico.
Taylor demora ainda mais para responder. Caralho, ela consegue ser
pior que eu.
— Ah! — ela estala os dedos. — Ele joga futebol super bem.
Não consigo conter uma risada.
— Eu estava no jogo ontem, bem é uma palavra fortíssima.
— Estou fingindo que não entendo nada de futebol — Taylor dá de
ombros. — Vou deixar essa responsabilidade pro meu pai. Quando o Hunter
for o meu marido, ele pode usar as reuniões de família no natal pra dizer
que ele é um jogador de merda, mas eu vou ficar quietinha por enquanto.
— O seu pai?
— Elijah Lynch. Você sabe. Acionista majoritário dos Chargers.
Eu cerro os olhos, demorando alguns segundos para absorver a
informação. Não faz dois meses que tivemos uma treta em campo com esse
time e agora estou aqui ajudando a filha de um dos donos dele. O que
poderia dar errado? Taylor não espera, como a metralhadora ambulante de
palavras de sempre:
— É engraçado, porque meu pai cortaria minha língua fora se
soubesse que eu estava beijando um jogador dos Pythons — ela brinca. —
Mas eu gosto de dar emoção pra vida do velho — e o jeito que ela fala é
carinhoso. — Então tudo bem.
— Ele vai ficar super feliz quando você estiver namorando um
jogador de futebol fracassado.
— Não, nada disso. Você vai treiná-lo, não vai?
— Ah, você ficou sabendo.
— As fofocas na UCLA voam, principalmente quando envolvem um
jogador com fama internacional.
— Sabe o que o Hunter acha disso?
— Não. Não falamos sobre você, mas… Bom, ele parece desanimado
com o time. Acho que vai aceitar bem a ideia.
Movo a cabeça em afirmativa.
— Você tá procrastinando — reclamo. — Não disse dez coisas que
gosta nele.
— Dez é um número muito grande! — Taylor protesta, cruzando os
braços.
— Ok, cinco.
— Ele está cursando a disciplina de linguagem de sinais porque quer
aprender a falar com o namorado surdo da mãe — diz, animada. — Ele…
— Taylor para. Ela fica em silêncio por quase um minuto inteiro, e isso é
praticamente o maior tempo que já a vi calada, se excluirmos o momento
que sua língua estava ocupada se esfregando na minha. — Ele é Hunter
Simmons e isso deveria ser um elogio por si só.
— Tem certeza que tá apaixonada por ele?
— Sim! — Taylor não hesita, como se qualquer opção contrária fosse
um absurdo completo. — Eu sou uma especialista em paixão, Atlas.
— Uma especialista em paixão que não sabe flertar.
— Paixão é sobre amor, não é sobre flerte. Eu tinha dez anos de idade
quando me apaixonei pela primeira vez, pode confiar em mim quando digo
que sei do que estou falando.
— Dez anos de idade?
Taylor assente.
— Pelo meu coleguinha da escola. Ele me deixava comer as
bisnaguinhas dele.
A imagem que vem na minha cabeça é engraçada: Uma Taylor com
bochechas infinitamente maiores e bracinhos gordos comendo uma dezena
de bisnaguinhas no jardim de infância.
— E você?
— Eu o que?
— Quando se apaixonou pela primeira vez?
Eu a encaro, e é a minha vez de demorar para responder. Parece
estranho dizer que nunca aconteceu, embora seja verdade. Eu já gostei de
algumas garotas, mas nada muito intenso. Aquela coisa que os filmes e
livros de romance falam, sobre o coração acelerado, as mãos suando, o frio
na barriga… nunca senti nenhuma dessas coisas.
— Não sou do tipo que se apaixona — digo, simples. — Nunca
aconteceu.
Os olhos de Taylor se arregalam como se eu tivesse acabado de dizer
que como filhotes de cachorro no café da manhã.
— E como você vive?! — ela pergunta, incrédula. — A vida é muito
entediante quando não estamos obcecados por ninguém.
— Acho que tenho outras obsessões — é tudo que eu digo, porque
não quero me aprofundar nesse assunto. — Mas não vamos falar sobre
mim. É você que precisa de ajuda pra conquistar alguém, não eu.
— Certo. Os elogios.
— Tente ser genérica na próxima. Diz que ele é inteligente, por
exemplo.
Ela assente, como se estivesse tomando notas.
— E não elogia demais — alerto. — Vivemos numa sociedade
patriarcal, machista e todo aquele blá blá blá envolvendo sociologia básica.
Homens são ensinados que precisam conquistar as mulheres, então, se você
parecer fácil…
— Ele não vai me querer — Taylor completa.
— Isso. Precisa mostrar pra ele que tem muitas opções. Ele precisa se
sentir… escolhido.
Taylor solta um suspiro dramático, talvez o terceiro daquele dia.
— Homens são mais complicados que matemática — reclama. — E
olha que eu quase repeti essa matéria no colegial, várias vezes.
— Você está complicando as coisas porque está apaixonada, ou pelo
menos acha que está — eu ergo uma das mãos na direção dela. — Me dá
seu celular.
Taylor tira o celular da bolsa e eu noto que ela está usando
pulseirinhas novas. Ela fez uma pro time dos Bruins e uma dizendo que
ama linguagem de sinais. Ela realmente faz pulseiras pra tudo.
— O que vai fazer?
— Tentar resolver sua situação constrangedora com as mãos. Encosta
a cabeça no meu ombro — ela cerra os olhos, mas segue minha sugestão,
botando a cabeça no meu ombro saudável. Eu abro a câmera do Instagram e
passo o celular de volta para ela. — Tira uma foto. De cima, sem aparecer
meu rosto.
Taylor não entende o que estou tentando fazer, mas ela se aconchega
mais contra o meu corpo e levanta um dos braços para tirar a foto. São
quase cinco da tarde e a praia está pintada por tons bonitos de amarelo e
laranja: a famosa golden hour que as blogueiras tanto falam. Nossa foto fica
perfeita.
Pego o celular de volta da sua mão e ajusto a fotografia na tela,
mostrando apenas o suficiente para conseguirem perceber que é um homem
ao seu lado. Coloco um coração discreto no canto inferior da tela e posto.
— O que você…
— Vem cá, a gente precisa comprar alguma comida — digo enquanto
me levanto, sem mais explicações.
Taylor faz uma careta, mas me segue. Ela embola as duas cangas que
usávamos e enfia dentro da minha ecobag — não acredito que estou usando
a porra de uma ecobag, mas foi o que achei mais rápido na hora de sair de
casa —, e me acompanha até uma das barraquinhas de cachorro-quente da
praia.
— Sou vegetariana — ela avisa.
Eu demoro alguns minutos, mas encontro a opção vegetariana do
cardápio e entrego nas suas mãos.
— Segura na direção da praia.
Taylor faz o que eu peço e eu me coloco atrás dela, tirando uma foto
do cachorro-quente de carne vegetal em suas mãos, enquadrando uma boa
fatia do mar e da areia da praia atrás. Enquanto eu escrevo uma legenda, ela
se senta em um dos bancos próximos à barraquinha.
— Olha só — mostro a tela. Eu escrevi “espero que todo mundo
concorde que o cachorro-quente vegetariano de Venice Beach é o melhor
do mundo”. — Se ele tiver interesse, vai responder seu story.
Taylor arqueia uma sobrancelha.
— Por que ele responderia meu story se acabei de postar foto com
outro cara?
— Não tem nada naquela foto que indica que o cara em questão é seu
namorado. Só postamos pra incentivar a boa e velha rivalidade masculina.
— Ele vai ficar com ciúmes?
— Depende de quão dodói da cabeça ele é — eu me sento na frente
dela. — Mas não estamos trabalhando com ciúmes, estamos trabalhando
com… Disputa de território.
— Eu duvido que ele responda depois que elogiei as mãos dele.
Taylor dá uma mordida no cachorro-quente, frustrada. Eu coloco o
telefone na mesa entre nós.
— Confia em mim — aponto o celular com a cabeça. — Espera cinco
minutos.
Taylor não parece convencida. Ela continua comendo seu cachorro-
quente e balançando as pernas para frente e para trás num ritmo vicioso,
incapaz de ficar parada por mais de um segundo completo. Uma gota de
molho de tomate escorre por seu queixo e num movimento automático eu
levo meu dedo até a mancha, limpando-a.
Ela me encara.
Tem uma grande chance que eu tenha perdido tempo demais
encarando sua boca, mas Taylor ri. Felizmente, sou salvo pelo gongo
quando o celular dela vibra.
Ela me encara de novo antes de ver a notificação, incrédula.
Eu pego o celular antes, aproveitando a deixa perfeita para me afastar
dela.
@HUNTER: O do Pacific Park é melhor (não sei sobre o
vegetariano, mas o de carne com certeza) :P

— Viu? Eu disse.
Taylor tira o celular da minha mão e encara a tela, boquiaberta.
— E agora?
— E agora nada.
— Como assim? É a oportunidade perfeita pra eu dizer pra ele me
levar até lá.
— Não, tá maluca? — movo a cabeça em negativa. — Tem que se
fazer de difícil, principalmente depois de elogiar as mãos dele.
Taylor solta um muxoxo, irritada.
— Você vai curtir a mensagem, só isso.
— Ai, que ódio — ela curte a mensagem e coloca o telefone em cima
da mesa. — Quero pular pra parte que somos namorados e eu não preciso
ficar fazendo joguinho de desinteresse.
— Você vai chegar lá — incentivo. — Graças a mim, mas vai chegar
lá.
— Você é muito convencido, Atlas-não-o-Corrigan.
— Tá me comparando com um personagem da Colleen Hoover?
Taylor tomba a cabeça ligeiramente para o lado.
— Não esperava que você fosse pegar a referência.
— Entendo alguma coisa de livros de romance.
— O homem que nunca se apaixonou entende de livros de romance?
— Taylor ri. — Parece meio fora do personagem pra mim.
— E é, mas estou lendo os da Elle Kennedy agora.
— Você não está.
Aponto a ecobag no seu colo com a cabeça.
— Tem um exemplar aí.
Taylor cerra os olhos para mim. Ela enfia uma das mãos dentro da
bolsa e tira o exemplar de “A conquista” que enfiei dentro dela antes de sair
de casa.
— Eu duvido que você leu isso — diz, descrente. — Colocou isso na
bolsa pra parecer mais interessante pra mim.
Eu a encaro, incrédulo.
— Olha se não é a garota que acabou de me chamar de convencido
sendo mais convencida ainda. Por que eu ia querer parecer interessante pra
você?
— Posso não saber flertar, mas eu conheço o seu tipo.
— O tipo que finge ler livros de romance pra levar garotas virgens e
inocentes pra cama?
A palavra virgem parece deixá-la desconfortável, mas eu finjo que
não notei.
— Exatamente esse tipo — ela guarda o livro de volta na bolsa. — Se
você leu mesmo, qual personagem morreu?
Eu sussurro o nome para ela, evitando que qualquer outra pessoa
ouça.
Taylor solta uma risada, ainda em choque.
— E como ele morreu?
— Num acidente.
Ela pensa por um segundo.
— Caralho, você leu mesmo.
— Sim, mas isso vai ser segredo nosso. Arruinaria a minha reputação
se as pessoas soubessem que eu leio livros de romance.
Taylor revira os olhos para mim. Seus lábios se movem suavemente e
ela está prestes a soltar um xingamento quando alguma outra coisa chama
sua atenção, atrás de mim.
— Aquilo é um paparazzi? — pergunta, apontando para um homem
com uma câmera em punho, alguns metros distante.
— Sim — uma onda de preocupação passa pelo meu corpo. Se os
jornais apontarem que estou saindo com a filha do maior investidor do time
rival, estou fodido. — Que merda.
— Eu estacionei o meu carro aqui perto — ela desce do banco com
um pulo, sem esperar que eu faça qualquer outro comentário. Eu tento
prever que tipo de foto o homem tirou pelo ângulo que ele se encontra, mas
Taylor pega minha mão e me puxa antes que eu possa chegar a uma
conclusão. — Anda logo! Você é péssimo com fugas rápidas.
Não consigo evitar rir da forma que ela fala e deixo que ela me arraste
até o seu carro a poucos metros da praia. É uma cena engraçada pra quem
estiver vendo, porque eu sou grande demais e ela é pequena demais. É
como se um pinscher estivesse puxando um golden pela coleira. Vou contar
com a sorte e rezar para os santos que acredito e os que não acredito para
que o fotógrafo não tenha conseguido nenhuma foto boa, ou o Zade vai
surtar.
Tudo que eu menos preciso é que ele surte, principalmente quando
ainda não contei a ele sobre os Bruins.
Taylor entra no carro primeiro e abre a porta para mim. Seu carro é
um Jeep azul berrante e dá pra ver que ela gosta muito das cores da própria
universidade.
— Você não pode dirigir também, né?
Movo a cabeça em negativa.
— Não. Sou completamente inútil pelos próximos três meses.
Eu afundo o corpo no banco do carona. Sempre tive uma paixão por
velocidade e não tinha percebido o quanto vou sentir falta de dirigir até
agora.
— Mas você vai ficar bem — Taylor dá um sorriso consolador. Eu
não vou contar pra ela que, talvez, eu não fique. — Onde fica a sua casa?
Passo o endereço da casa de Orion, que por acaso é bem perto de
onde estamos. Se não fosse pelo paparazzi, eu não me importaria em voltar
a pé.
Taylor coloca o endereço no GPS e entra no aplicativo do Spotify em
seguida, selecionando a playlist de músicas mais tocadas nos Estados
Unidos. Ela gira a chave do carro e começamos a contornar a orla da praia
enquanto ela canta todas as letras a plenos pulmões, como se eu não
estivesse do seu lado.
Taylor Lynch não dá a mínima para a minha presença e eu não sei se
isso me conforta ou me incomoda, mas vou ter tempo de descobrir.
— Bom, tá entregue — ela diz, assim que para na frente da casa de
Orion, depois de dez minutos de música ininterruptos. Sua voz está até um
pouquinho mais rouca do que antes. — Obrigada pela intervenção de
emergência.
— É um prazer te ajudar a conquistar seu futuro marido — zombo,
totalmente ciente de quão estranha essa frase soa.
Taylor sorri e eu saio do carro, arrastando minha ecobag para fora.
Tiro o celular e confiro que — ainda — não saiu nenhuma fofoca sobre
mim nos jornais. Bem que o universo podia me dar uma forcinha e cortar
essa, porque os últimos dias não foram nada fáceis.
— E aí — Orion me cumprimenta, num tom animado demais, assim
que me vê entrando pela porta. — Quem era a garota?
— Meu deus, deixa de ser fofoqueiro — reclamo. — Tava espionando
da janela?
— Sim — ele dá de ombros. — Fiquei esperando um beijaço
acontecer e não rolou nada. Você já foi melhor, irmãozinho.
— Vai se foder — e se eu não estivesse com a minha mão boa
ocupada, eu teria mostrado o dedo do meio. — Ela é minha… — não tenho
uma boa palavra para usar, então vou na mais óbvia: — amiga, eu acho.
— Caralho, uma semana fora dos campos e você já foi rebaixado pra
friendzone.
— Você não tem alguma prova pra corrigir? Um noivo pra encher o
saco?
— Já acabei de corrigir todas as provas — ele abre um sorriso
convencido. — E o Carlos viajou a negócios, então estou por sua conta. Se
quiser me atualizar das fofocas da sua vida…
— Não tem fofoca nenhuma. Estou ajudando essa garota a sair com
um cara, só isso.
Orion deixa uma gargalhada escapar.
— Meu Deus, você tá vivendo um filme de comédia romântica ruim
— debocha. — Esse tipo de coisa nunca dá certo. Vai acabar se
apaixonando por ela no lugar do cara.
É a minha vez de rir.
— Porra, você bateu a cabeça?
— Não — Orion dá de ombros. — É o que sempre acontece.
— Tá bom, você com certeza bateu a cabeça, então eu vou te
relembrar cinco coisas básicas. Meu nome é Atlas, 23 anos, solteiro
convicto, nunca me apaixonei e nem pretendo.
— Se quer minha opinião…
— Não quero.
— Eu acho que faria bem pra você.
— Sabe o que me faria bem? Noite da pizza — e essa é a minha
forma nada discreta de mudar de assunto. — Na falta do seu noivo, nós
temos alguns vídeo games pra zerar.
Orion balança a cabeça em negativa, repreendendo meu
comportamento.
— Eu vou te dar uma surra no Mortal Kombat.
Me viro para deixar a bolsa no quarto.
— Até parece — grito lá de dentro. — Vou ganhar de você mesmo
com uma mão só.
Eu deixo a ecobag de Orion em cima da cama do quarto de hóspedes
e meus olhos caem na pulseira com o número de Taylor ainda no meu
pulso. Solto o ar pela boca, descrente de tudo que Orion acabou de falar.
Eu nunca me apaixono.
Muito menos por uma garota emocionada como Taylor Lynch. Nós
não poderíamos ser mais diferentes.
Capítulo 7 - Taylor Lynch

(ou: futura atriz e fanfiqueira profissional nas horas vagas)

— Precisamos conversar, Taylor Lynch.


A voz vinda do corredor me pega de surpresa e faz com que eu
derrube o iPhone no meu rosto. Me levanto assustada por tantos motivos
que é até difícil decidir qual é o pior:
Meu pai está na porta do meu quarto, sendo que, em quase um ano de
faculdade, ele nunca colocou os pés no campus da UCLA.
Está sempre muito ocupado com o time dele para se preocupar com o
que acontece na minha vida. Isso talvez tenha um pouco a ver com o fato de
ele sempre ter sido contra a minha escolha de cursar artes cênicas.
Porém, ainda pior que a visita surpresa, é o tom frio e calmo da voz.
A única vez que a ouvi assim, foi quando, sem querer, eu fechei o portão da
garagem em cima do seu Lexus quando eu tinha 12 anos. Desde então,
nunca mais vi esse lado dele. Pelo menos não direcionado a mim.
Tenho mais do que motivos suficientes para deduzir que estou com
grandes problemas.
— Oi, pai. Eu não sabia que você…
— Silêncio. — Ele entra no quarto e lança um jornal na minha
direção. — Você tem um minuto para me explicar isso se quiser continuar
brincando de faculdade.
Olho para Cleo do outro lado do quarto que, graças a todos os deuses
existentes nas mais diversas culturas, entende que o momento é delicado, se
levanta e sai do quarto — não sem antes dar uma boa secada no meu pai,
fato com o qual já estou acostumada, visto que o empresário chama muita
atenção — me deixando sozinha com Elijah Lynch.
Meu pai é um amor de pessoa, desde que não pisem no calo dele. E
pelo que parece, eu fiz isso com um salto alto.
Pego o jornal. Está aberto em uma matéria da seção de esportes.
Antes mesmo de eu ver a manchete, já sinto o corpo gelar.
É uma foto minha com a cabeça apoiada no ombro de Atlas. Quase
uma releitura da selfie que fizemos na tarde de ontem. Um paparazzi
conseguiu capturar justo aquele momento. O título da matéria era
sensacionalista como sempre:
ROMEU E JULIETA NÃO MORRERAM?
Passo os olhos pela notícia e leio um tanto de asneiras. Estão dizendo
que Atlas e eu estamos juntos e levantando vários possíveis motivos para
isso. O pior deles é que Atlas está me usando para obter informações
sensíveis sobre o time do meu pai. Não é à toa que meu pai está possesso.
Foram ótimos 6 anos sem receber aquele olhar.
— Estou esperando, Taylor — a calma na voz dele causa um impacto
muito maior do que se ele estivesse gritando. — Para não ser injusto, vou
ouvir sua explicação.
Tento organizar as informações na minha mente. Não posso perder a
calma. Se tem algo que irrita o dono dos Chargers é alguém se deixar levar
pela emoção em uma conversa séria.
— Pai, isso é uma grande besteira — aponto para o jornal. — Sabe
como a mídia é, não podem ver nada que querem transformar em notícias.
Vejo a sobrancelha dele tremer. É um movimento sutil, que não dura
mais que um segundo, mas esteve ali.
— Deixa eu ver se entendi, você quer dizer que isso não aconteceu?
— Não — me apresso em corrigir. Mentiras nunca funcionaram,
muito menos meias verdades. Por isso, desde sempre optei em ser sincera
com ele, mesmo que isso gere problemas. — Aconteceu sim. Ontem fomos
à praia. O Atlas está na UCLA enquanto se recupera da lesão. Foi lá que
nos conhecemos. Ele vai ajudar os Bruins. — Percebo que ainda não disse a
parte mais importante e finalizo antes que ele me corte. — Somos apenas
amigos, nada além disso. Nunca rolou nada entre a gente. Nem vai rolar.
Certo, é uma meia verdade. Não preciso explicar que nos beijamos na
festa. Quando eu estiver namorando o Hunter, isso não vai importar.
Meu pai fica em silêncio por vários minutos. Apesar dos pesares,
nossa relação é tranquila na maior parte do tempo. Meu pai é uma pessoa
difícil de lidar, mas se você toma alguns cuidados, não aparecem conflitos
muito grandes. Além disso, ele sabe que não minto para ele.
Os ombros dele relaxam e só então noto que eu estava prendendo a
respiração. Me sento na cama, feliz pelo meu quarto estar minimamente
organizado. Não gostei do meu pai ter entrado ali daquele jeito, mas sei que
não é o momento de implicar com isso.
— Eu posso ficar despreocupado quanto a isso, Taylor? Não quero
ver burburinhos rolando por aí. Isso destrói a moral do time. — Ele solta o
ar pela boca. — Ainda mais no meio da temporada. Não vai demorar pra
começar os playoffs e a última coisa que quero é jogador entrando em
campo pensando que o rival tem toda a nossa estratégia em mente. E isso
pode impactar minha posição no board com os outros acionistas. Nenhum
investidor vai querer colocar dinheiro em um time com suspeita de
vazamentos de informações.
— Pode ficar tranquilo, pai — digo e sou sincera. — Eu não sinto
nada pelo Atlas. Somos amigos.
Ele faz um aceno. Só então parece ter percebido onde está. Olha ao
redor e não faz nenhum comentário. Sei que é o jeito dele de dizer que não
tem nada para criticar.
— Tome cuidado, Taylor. Se são amigos, tente fazer coisas que
amigos fazem. Não fique deitando no ombro dele assim — ele aponta para
o jornal. Você sabe bem como esses abutres são.
— Vou tomar cuidado, pai. — Penso em contar sobre minha paixão
por Hunter, mas decido deixar passar. Ele está lidando bem com o que
acabo de dizer, então não faz tanto sentido. Além do mais, acho estranho
falar dos caras que gosto para o meu pai. Por mais que a gente tenha uma
relação respeitosa, nossa intimidade não é tão grande.
— Ok — ele vira o corpo prestes a sair.
— Se quiser, podemos almoçar juntos — arrisco, porque está quase
no horário de almoço.
— Tenho que voltar correndo pro escritório. Reunião importante com
um patrocinador.
— Claro, entendo.
Ele caminha para a porta, mas para antes de sair.
— Filha, desculpa ter entrado assim.
Ele não olha para mim, mas sinto o nervosismo desaparecer aos
poucos. Meu pai é um homem bom, no fim das contas. Metódico, mas bom.
— Tudo bem, pai. Boa reunião.
Ele levanta a mão e sai pelo corredor.
Me deixo cair na cama e pego o jornal. A pior parte é perceber que o
surto do meu pai é justificável em certa medida. Qualquer pessoa que olhar
para essa foto vai pensar que somos um casal apaixonado.
Ainda bem que não somos. Acabo de perceber que Elijah Lynch não
seria nosso maior fã.

∞∞∞
Saio da sala de aula empolgada, ainda sem acreditar na oportunidade
que acabamos de ouvir. Gravo um áudio explicando o que aconteceu para
Mindy: foi um péssimo dia para ela matar aula. Nos últimos minutos, o
professor de dramaturgia trouxe a notícia de que tinha conseguido alguns
convites para a premiére de Água para Elefantes, um filme que amei assistir
e agora terei a chance de ver a adaptação para o teatro. O professor ainda
não deixou claro se será um sorteio, mas estou muito empolgada com a
possibilidade. Se ele decidir fazer alguma atividade para selecionar os
felizardos, me dedicarei a ela como se minha vida dependesse disso.
Porque quando eu decido que quero algo, nada consegue me parar.
Sigo pelo corredor na direção da próxima aula, minha cabeça
continua viajando em um cenário futuro que envolve a minha presença em
uma premiére da Broadway Hollywood, cercada de gente importante e
fazendo contatos que serão muito úteis para minha futura carreira de atriz.
Estou caminhando no segundo andar do prédio, ainda distraída,
quando reparo os cabelos castanhos do amor da minha vida passando pelo
térreo. De onde estou, tenho uma vista privilegiada e sei que ele não me viu
ainda. Não sei o que ele poderia estar fazendo no prédio de artes. Por mais
que eu queira pensar que está me procurando, não sou iludida. Posso ser
obcecada, mas meus métodos se baseiam em observação. E sei que Hunter
ainda não percebeu que está apaixonado por mim. Tudo questão de tempo,
claro.
Mas o que sei também é que não sou mulher de desperdiçar as
oportunidades que a vida me dá.
Desço as escadas correndo, aproveitando que tenho o fator surpresa a
meu favor. Confiro as horas no celular e sei que esse pequeno desvio vai me
fazer perder os primeiros minutos da próxima aula, mas não me importo.
Meu futuro casamento está em jogo.
Diminuo o passo a ponto de parecer uma caminhada normal e sigo
meu caminho a poucos metros de onde Hunter está. Ele parece perdido e,
por um segundo, cogito se realmente está ali por minha causa. Conto até
cinco em voz baixa e tento manter a calma. Encarno a atriz que habita em
mim e levanto a cabeça, olhar sempre fixo em algum ponto à frente, e
atravesso o hall do prédio sem olhar para o quarterback.
Quando estou perto de entrar no prédio, escuto a voz atrás de mim e
preciso de uma energia capaz de levar um foguete para o espaço para conter
o sorriso que ameaça aparecer nos meus lábios.
— Taylor! Ei, Taylor!
Olho para trás, a expressão confusa sem saber quem poderia ter me
chamado. Assim que vejo Hunter correndo na minha direção, finalmente
relaxo o rosto permitindo um sorriso discreto.
— Oi, Hunter! — Ele se aproxima e me cumprimenta com um beijo
no rosto. Isso é uma novidade para mim. — Não sabia que você vinha aqui
nas artes. Não me diga que tem aula aqui também?
Ele solta uma pequena risada. É um som tão lindo que me dá vontade
de pedir ele pra repetir para eu gravar. Colocaria para tocar todas as noites
antes de eu dormir.
— Eu tava só passando, marquei com um amigo de pegar uma coisa
com ele.
Eu realmente tento manter os dois pés na realidade, mas o Hunter
também não me ajuda. Uma resposta vaga dessa alimenta muito a fic na
minha cabeça.
Ele veio por minha causa.
Me recordo das dicas de Atlas e tento não despejar um balde de
elogios logo de cara. Então percebo que estou encarando ele sem dizer
nada. Preciso agir rápido.
— Ah, entendi. Bom, eu tenho uma aula agora, então…
Sinto meu corpo odiar minha boca por deixar aquelas palavras saírem.
Sei que o Atlas disse que eu precisava mostrar que sou interessante e que o
mundo não gira ao redor de Hunter, mas como fazer isso com essa
gravidade tão grande que ele tem sobre mim?
— Claro, sim… — ele parece um pouco chateado e meu coração
aperta. Estou prestes a desmentir e dizer que aceito matar aula para fazer
algo com ele, mas ele é mais rápido. — Eu vi você no jornal hoje. Tá
ficando famosa.
Como estudante de artes cênicas, a gente aprende muitas coisas que
são extremamente úteis no dia a dia. Perceber as emoções escondidas por
trás de cada fala é uma delas. E o Hunter é uma bagunça nesse momento.
Há nervosismo, expectativa e medo, tudo misturado atrás do sorriso que ele
sustenta no rosto perfeito.
Finjo indignação.
— Ah, você viu? — Cruzo os braços. — Hoje a gente não pode nem
ir mais na praia sem aparecer esses abutres, como o meu pai diz, querendo
fofocas.
Sinto o coração apertar como se uma mão metálica o comprimisse ao
extremo. É muito difícil não gritar para o meu amor que não existe nada
entre mim e o Atlas.
— Entendi — ele solta uma risada nervosa. — Então você e ele não
estão… juntos?
Um mini sorriso aparece no meu lábio, foi mais forte que eu. Tento
disfarçar transformando ele em uma risada.
— Eu e o Atlas? Não — reparo o alívio estampado no rosto dele. —
Somos só amigos, ele tá me ajudando em um projeto.
Hunter está fofo com um sorriso no rosto e sinto que se ele me pedir
em casamento nesse instante, eu jogaria a mochila para o alto enquanto
gritava o SIM para o prédio todo ouvir.
— Entendi. Bom, vou deixar você ir pra aula agora. A gente se
esbarra por aí.
Ele levanta a mão em um aceno e abro um sorriso. Giro o corpo pra
entrar para o prédio e saio a passos apressados e mecânicos. Repito um
mantra na minha cabeça: não posso pular, não posso pular, não posso pular.
Sigo para a minha aula, mais um capítulo da minha fic foi escrito com
sucesso.
Capítulo 8 - Atlas Campbell

(ou: jogador protagonista de uma tragédia shakespeariana)

ATLAS: estão chamando a gente de Romeu e Julieta?


TAYLOR: é. dramático.
TAYLOR: se eles soubessem……

Encaro a mensagem, em dúvida se isso seria melhor ou pior. Imagino


uma matéria de jornal cheia de detalhes sobre como eu estou ajudando uma
garota do curso de artes cênicas da UCLA a conquistar o quarterback dos
Bruins. Com certeza, uma foto minha com Taylor na primeira página é
melhor que isso. Não é a primeira vez que tiram fotos minhas com mulheres
e eu espero que o fato dela ser filha de Elijah Lynch não seja suficiente para
render esse assunto por muito tempo.
Eu coloco o notebook em cima da mesa da sala de Orion, clicando no
link que a All Stars me mandou por email. Não me sento, porque a
ansiedade corrói boa parte do meu corpo agora. Não sei como introduzir o
assunto dos Bruins nessa reunião e sei que as fofocas nos jornais torram a
paciência de Zade. Normalmente, ele tem um pouquinho mais de
consideração com as minhas péssimas ideias.
A câmera inicia e eu passo os dedos pelo cabelo, numa tentativa de
parecer um pouco mais responsável. É inútil, porque Zade já me conhece,
meus cachos estando arrumadinhos ou não.
— Bom dia — Zade sorri do outro lado, a sala de conferências fria da
All Stars servindo como cenário para sua câmera. O seu sorriso é tenso. Na
verdade, nem sei se dá pra dizer que é um sorriso. — Você já deve ter
visto…
— Sim. Romeu e Julieta, muito original.
Zade suspira.
— De todas as mulheres da Califórnia…
— Fui escolher logo a filha do maior acionista dos Los Angeles
Chargers? — eu forço uma risada, tentando melhorar o clima. — Não
estamos saindo.
Os lábios de Zade se fecham em uma linha fina.
— Parte de mim tinha esperança que não estivessem, você não odeia
sua carreira tanto assim — ele zomba. — Mas você sabe como essas coisas
são. Uma nota no jornal é suficiente pra fazer metade dos Estados Unidos
achar que é verdade. Elijah Lynch me ligou hoje.
Arqueio uma sobrancelha.
— O que ele disse?
— Ah, você sabe… — Zade gesticula demais, o que indica que foi
uma conversa delicada. — Como empresário, ele quer você bem longe da
filha dele. Como pai, ele quer você bem longe da filha dele.
Reviro os olhos.
— Fala sério. Ele acha que sou um predador sexual ou algo assim?
— Ele acha que você é namorador — tenho certeza que não foi essa
palavra que Elijah usou. — Você sabe, Atlas, que sua imagem na mídia
seria muito pior se não fosse sua pouca idade, seus olhos azuis e o
cabelinho de anjo. O famoso privilégio branco, entende? — eu movo a
cabeça em afirmativa. — Mas não é todo mundo que acredita nas suas boas
intenções. Elijah não acredita. E como seu agente, preciso que seja honesto
comigo. Não tem nenhuma chance de você estar minimamente envolvido
com essa garota, tem?
Eu nego de imediato. Não vou mencionar o beijo na festa da Alpha
Gamma porque não preciso que mais cabelos brancos cresçam na cabeça de
Zade.
— Somos amigos — respondo, simples.
Zade concorda.
— Certo. Seria muito complicado que vocês mantivessem uma
relação para além disso.
— Por quê? — a tranquilidade na expressão de Zade diminui. — Só
por curiosidade.
— Envolve muitas coisas — ele dá um suspiro rápido. — Os
jogadores dos Chargers poderiam ficar inseguros com a própria equipe do
time, achando que alguém passaria informação para Taylor e depois para
você. E aí, quando eles começassem a perder os jogos, a torcida ficaria puta
com o relacionamento de vocês. Nós também não teríamos como garantir
que a Taylor não repassaria informações internas dos Pythons pro
adversário então… Você entendeu, não entendeu?
Faço que sim.
— Pode ficar tranquilo. Não tá nos meus planos me envolver com ela.
Zade assente. Não acho que ele confia em mim, mas é verdade. Nem
se eu quisesse me envolveria com ela, considerando sua obsessão
patológica por Hunter Simmons.
— Aproveitando — começo, pronto para uma discussão. Se ele não
ficou puto comigo por causa da fofoca nos jornais, vai ficar agora. — Eu
estou meio que desenvolvendo um projeto.
Zade arqueia uma das sobrancelhas grossas.
— Um projeto?
— Sabe os Bruins?
— O time da UCLA?
— Isso. Eu estive pensando… talvez eu pudesse ajudar.
— Ajudar?
— É. Conversei com o técnico deles. Posso dar umas dicas, fazer o
time se integrar melhor… talvez até levá-los até a final da NCAA.
— Eu não vejo porque você gastaria seu tempo com um time de
futebol universitário, Atlas.
Eu aponto para a tipoia no meu braço.
— Vão ser longos três meses. Seria uma forma de não me afastar
totalmente do esporte durante esse tempo.
— Está me contando isso, mas vai fazer mesmo que eu te diga que é
uma péssima ideia, não é?
— Sim, como sempre.
Zade solta o ar pelo nariz e deixa uma risada sem humor escapar.
— Certo, mas não envolva a imagem do Pythons nisso. E quanto
menos atenção atrair, melhor. Não precisamos atrelar seu nome ao de um
time que não vence há meses — ele pensa por um momento. — Vou querer
relatórios semanais de como estão indo. Se não tiver resultados em um mês,
cai fora.
Concordo, mas agora estou mentindo. Se decidi ajudar, vou até o
final, mesmo que eles continuem sendo os fracassados de sempre.
— Sobre a Taylor — Zade retoma. Preciso segurar a vontade de sair
da chamada e fingir que minha internet caiu. — Por favor, seja responsável.
Nós acabamos de sair da maior crise da carreira do Noah e não precisamos
de mais um problema.
— Será que você pode confiar um pouquinho em mim? Não
aconteceu nem vai acontecer nada, prometo. Pode cortar metade do meu
salário se eu quebrar minha promessa.
Zade ri, mas sei que ele não está convencido, nem perto disso. Eu sou
o garoto problema dos Pythons — o cancelamento do Noah foi um ponto
muito fora da curva — e é óbvio que ele não confia em mim, porque eu
sempre tomo as piores decisões possíveis nas piores situações possíveis.
— Tenha um bom dia, Atlas. Vou esperar atualizações suas.
Eu dou um sorriso para ele e deixo que saia da chamada primeiro.
Meus olhos caem no jornal em cima da mesa, perto de onde posicionei o
notebook. Resisto à vontade de olhar minhas fotos com Taylor com mais
atenção. Elas continuam ali, como a prova de um crime que eu não cometi
ainda.
E nem vou.

∞∞∞
— Atlas Campbell vai acompanhar nossos treinos a partir de hoje —
é a primeira frase que Stevie solta no meio da quadra lotada de jogadores
universitários.
Eu fico de pé ao lado dele, observando cada rosto que me encara. Não
estão me ovacionando por estar aqui, mas também não parecem infelizes
com a minha presença. Acho que é um bom meio termo para começarmos o
trabalho: se gostarem demais de mim, vão ser um bando de puxa-saco. Se
gostarem de menos, não vão me respeitar. Uma relação morna é suficiente
para o trabalho que teremos pela frente.
— O cara dos Pythons? — o rapaz no centro da quadra me encara,
como se duvidasse das minhas boas intenções. Se não me falha a memória,
ele é o middle linebacker. Acho que vi o seu nome marcado em uma
legenda no site de fotos da UCLA. Daniel Mishra, se meu cérebro não tiver
inventado esse nome. — Quanto estão pagando pra ele fazer caridade?
Alguns dos rapazes soltam risadas espaçadas.
— Foi o Altas quem se ofereceu — Stevie explica. — Ele enxerga
potencial em vocês.
— Nem nossos pais enxergam potencial na gente — Hunter brinca,
arrancando mais algumas risadas dos jogadores. Isso é bom. Dá pra ver que
o quarterback tem alguma moral com os companheiros de time, embora isso
não esteja sendo mostrado em campo.
— A flor que desabrocha na adversidade é a mais rara e mais bela de
todas — e eu me sinto um coach resgatando essa frase. — Nunca assistiram
Mulan na vida? — o silêncio deles diz muito. — Tudo bem, vocês não
tiveram infância — zombo, e dessa vez consigo algumas risadinhas em
resposta. Como Orion consegue ser professor? Lidar com jovens é um saco,
não que eu não seja um. — A primeira fase da temporada da NCAA já
começou e vocês perderam os três primeiros jogos, então vão precisar
ganhar seis dos próximos nove para se classificarem para os playoffs.
Acham que conseguem?
Não recebo uma resposta verbal. Stevie me encara com uma
expressão de “eu avisei” e Hunter move a cabeça em negativa.
— Bom, eu estou aqui pra fazer vocês conseguirem, então não me
envergonhem. Eu vi o jogo de vocês no último final de semana e não são
ruins — eu dou uma pausa, porque não vou fazê-los vencer mentindo. —
Bom, alguns de vocês são péssimos. Mas o Hunter, por exemplo, é muito
bom na corrida. A defesa do Daniel também é boa. Precisa melhorar em
alguns pontos, mas é boa.
Daniel não está convencido.
Talvez Hunter seja minha melhor forma de conquistar a confiança
deles.
Stevie percebe a resistência do time, então intervém.
— Atlas quis propor uma coisa diferente hoje — ele começa. —
Dinâmicas de grupo.
Hunter franze o cenho.
— Dinâmicas de grupo?
— Vocês até funcionam bem como atletas individuais, mas são
horríveis enquanto time. Precisam se conhecer, aprender mais um do outro.
Futebol também é sobre sinergia. Aposto que não sabem o nome completo
de todos os colegas de time.
— E você sabe? — eu não consigo ver qual deles perguntou, mas
movo a cabeça em afirmativa.
— Eu seria um perdedor se não soubesse. Mais do que meus colegas
de trabalho, são meus amigos, não são? Vencer com eles, perder com eles.
Ok, talvez amizade não seja a palavra certa, mas empatia e confiança são os
princípios de todo esporte em grupo. Como o quarterback vai fazer um bom
lançamento se não conhece os seus recebedores? E como eles vão se sentir
preparados para receber a bola se não confiam no trabalho do quarterback?
— Nós ganhamos uma sessão de terapia em grupo? — Daniel
pergunta. Odeio ter que ser maduro e não poder revirar os olhos para ele.
— Sim — respondo, simples. — E é ótimo, porque estão precisando
— aponto para as pranchetas em cima do banco onde os reservas costumam
sentar. Tem uma para cada jogador. — Vocês vão fazer duplas e responder
as cinco perguntas da lista um para o outro. Depois vão trocar de dupla. A
ideia é que no final do exercício todo mundo saiba a resposta um do outro.
São perguntas sobre a vida, sobre amizades, sobre filmes… não tenham
vergonha de responder.
Nenhum deles se move até Stevie soprar seu apito.
Obrigado, caralho, é tão difícil assim mostrar um pouquinho de
respeito?
— Isso não vai funcionar — Stevie murmura.
— Conversamos quando eles estiverem classificados para a NCAA
— respondo.
Eu deixo os jogadores se organizarem e me afasto, sentando na
arquibancada. Mesmo longe, vou ficar de olho neles o tempo inteiro. Fiz
esse tipo de dinâmica um milhão de vezes no meu primeiro mês dentro dos
Pythons e sei que o mínimo para jogar bem é conhecer as pessoas que estão
do seu lado.
— Atlas — a voz de Hunter chama minha atenção. Passo os olhos por
seu uniforme azul e amarelo e de imediato quero xingá-lo por não ter ido
fazer o exercício. — Acha que isso vai dar certo?
— Não se você ignorar os exercícios que estou propondo.
Hunter solta o ar pela boca.
— Não me sinto confortável com a ideia de responder essas cinco
perguntas. São pessoais demais.
— Nesse caso você precisa mesmo de uma sessão de terapia — eu me
viro na direção dele. — Responde pra mim.
Hunter faz uma careta.
— Não é o que eu quero que você faça, mas vai ser um começo —
explico, apontando a prancheta na sua mão. — Fica mais fácil se você
pensar que eu não estou nem aí pra qualquer coisa que você me fale, o que é
verdade. Só não confesse nenhum crime, por favor.
Hunter se senta do meu lado. Ele dá um longo suspiro antes de
começar.
— Vai ter que responder as perguntas também.
Eu o encaro, incrédulo.
— Não preciso responder, diferente de vocês eu tenho uma carreira.
Ele se levanta e ameaça ir embora.
— Tá bom, inferno — reviro os olhos. O profissionalismo foi pro
caralho. — Me dá essas perguntas.
Hunter dá um sorriso, satisfeito. Ele se senta de novo e lê a primeira
pergunta:
— Se você pudesse viajar no tempo, para qual época iria? — ele
pensa por um instante — Fácil. 1910.
— Que específico. Por quê?
— Foram quando surgiram os cabarés de luxo nos Estados Unidos.
— Se pudesse voltar no tempo, iria comer uma puta de luxo?
Hunter dá de ombros.
Faço uma careta. Ao mesmo tempo que é uma resposta que eu daria,
também acho absurdo que Taylor Lynch esteja apaixonada por esse cara.
— Acho que eu escolheria algum momento histórico. A queda do
muro de Berlim, por exemplo.
— Só tá dizendo isso pra parecer cultzinho.
— Você nunca vai saber.
Hunter revira os olhos.
— Ok, próxima. Se tivesse que escolher viver sem um dos cinco
sentidos, qual seria?
— Paladar ou olfato. São os mais dispensáveis.
Hunter concorda. Ele lê a próxima pergunta:
— Se soubesse que vai morrer amanhã, o que faria hoje?
— Acho que testaria formas de morrer — digo, e Hunter franze o
cenho. — Andaria de carro em alta velocidade, jogaria roleta russa, essas
coisas de gente viciada em adrenalina.
— Você se considera viciado em adrenalina?
— Essa pergunta não está no questionário — corto. — Sua resposta?
— Faria um super banquete com todas as minhas comidas favoritas.
Assinto. Hunter está pronto para ler a próxima pergunta quando o
time das líderes de torcida entra no ginásio, a caminho do vestiário. Meus
olhos caem em Taylor e, de novo, aquela saia cheia de babados amarelos e
azuis me assombra. É curta demais e brinca com a minha imaginação de um
jeito que não deveria acontecer depois da minha reunião com Zade.
Decido ignorar a presença dela. Percebo que os olhos de Hunter
também acompanharam a loira por um minuto e aproveito a deixa para
fazer o meu papel de cupido.
— O que acha dela? — pergunto, direto.
— Taylor Len…
Eu percebo que ele está perto de errar o nome, então corrijo antes que
ele o faça.
— Lynch.
— Taylor Lynch — ele repete. — Acho ela legal.
— Só legal?
Hunter me encara, sem saber qual resposta eu estava esperando.
— Devia chamar ela pra sair — comento. — Ela é gostosa.
Os olhos dele caem em Taylor de novo. Ela está conversando com
Daniel na quadra e parece mil vezes mais relaxada do que quando conversa
com Hunter. Provavelmente porque a frase meu futuro namorado, marido
ou o que quer que seja não está brilhando em tons neon dentro da sua
cabeça.
— Acha que ela ia querer sair comigo?
— Ah, entendi, você tem problemas de autoestima.
— Não é problema de autoestima — ele bufa. — É só que… Ela é
bonita. E filha de um cara super rico. Não sei se é o tipo de garota que
olharia pra mim.
— Você é o quarterback — relembro. — Não é o casal perfeito? A
líder de torcida e o capitão do time de futebol, todo mundo sabe disso,
nunca assistiu um filme de romance? Confia em mim, chama ela pra sair.
Eu me responsabilizo se você levar um fora.
Hunter ri. Ele não confirma e nem nega minha sugestão quando passa
para a próxima pergunta.
Capítulo 9 - Taylor Lynch

(ou: futura atriz sem química)

— E a cena escolhida é…
O professor de dramaturgia coloca a mão dentro de um pequeno pote
transparente. Do meu lugar, consigo ver os vários pedaços de papel
embolados sendo misturados.
Ele tinha decidido que a forma mais justa de escolher os alunos que
ganhariam os ingressos era através de um miniconcurso. É justo,
considerando que uma premiére da Broadway in Hollywood pode render
muitos contatos para um estudante de artes cênicas. Hollywood já está
lotado de nepobabys e nós não precisamos de mais gente sem talento
recebendo atenção.
Ok, teoricamente, eu sou uma nepobaby, mas não do ramo de
Hollywood, então não conta.
Volto a encarar o pote. Ali dentro estão dezenas de cenas famosas do
cinema, desde Star Wars até Uma linda mulher. Eu adorei a escolha da
atividade. Por mais que possa cair uma cena difícil, é algo sobre o qual
tenho controle. Basta eu ensaiar até a exaustão e vou acabar conseguindo os
ingressos.
— A cena do beijo na chuva de Diário de uma paixão.
Escuto alguns suspiros, gritos abafados e até alguns xingamentos. E
consigo entender todas as três. Por mais que não seja um filme
tecnicamente difícil no quesito atuação, essa cena tem grandes flutuações de
humor: primeiro o casal está rindo, depois gritando e por fim, é, se
beijando.
Eu não acredito que o Mr. Ford colocou cenas de beijo nas opções.
— Eu não sei se todos estão familiarizados com esse filme, — ele
retoma — mas garanto que é uma oportunidade de ouro para vocês
treinarem um pouco do que já vimos em aula. Vocês estão no segundo
semestre, está na hora de começarem a testar coisas mais ousadas, aquelas
que vão exigir que vocês não saibam o que as personagens querem, mas
sim sintam os sentimentos delas. Sofram as suas angústias, se deleitem com
suas vitórias. Alguma pergunta?
Várias mãos se levantam pela sala, inclusive a de Mindy.
É ela que o professor escolhe primeiro.
— A cena é um beijo entre um homem e uma mulher. No caso, para
essa apresentação, precisa ser assim também?
Mr. Ford abre um pequeno sorriso.
— Adorei a pergunta. — Ele se levanta e caminha pela sala. — Eu
vou sortear os pares aleatoriamente no dia da apresentação, então não
precisa. A ideia é ver como vocês trabalham no improviso — vários alunos
reclamam daquela decisão, mas por um lado, eu fico feliz. Não tem
ninguém na sala por quem eu me sinta atraída a ponto de ter uma química
que poderia ajudar na atuação. Agora estamos todos em pé de igualdade —
Podem ser duas mulheres ou dois caras, tanto faz. Porém, e isso agora eu
digo em um espectro mais amplo, já comecem a se acostumar com a ideia
de fazer cenas românticas com qualquer pessoa. Claro, você pode sempre
dizer no seu currículo que você não beija homem, mulher ou ninguém, mas
saiba que isso fecha portas.
— Todos precisam participar?
A pergunta vem de algum ponto do fundo da sala, mas não percebo
quem a faz.
— Não. Apenas quem quiser concorrer aos ingressos. Como
professor, obviamente vou recomendar que vocês participem,
principalmente porque essas premiéres podem acabar gerando contatos
importantes em Hollywood. Mesmo assim, vai de vocês.
Os minutos restantes da aula passam voando em meio às perguntas e
conversas sobre a tarefa. Surpreendendo até mesmo o Mr. Ford, a sala
inteira decide participar.
— Eu vou abrir uma ficha no sistema e vocês marquem qual papel
cada um vai fazer: Noah ou Allie — ele avisa, assim que o sinal anunciando
o fim da aula toca.
— Eu não acredito que a nossa primeira apresentação pública vai ser
uma cena de beijo. Uma cena de beijo hetero. — reclama Mindy, enquanto
saímos do prédio da artes. Eu duvido que alguma garota escolha fazer o
papel do Ryan Gosling, então é provável que a maioria dos casais formados
sejam entre homens e mulheres. — Tanta coisa melhor pra escolher. Eu tava
torcendo pela cena do Jack Torrance em O iluminado.
— Pelo menos não foi uma de choro.
Mindy arregala os olhos.
— Credo, imagina chorar no meio da faculdade inteira? Deixa essa
parte só pros banheiros fechados depois da liberação de notas.
Abro um sorriso nervoso. Felizmente, no semestre passado fui
aprovada com notas altas em todas as matérias. Eu realmente amo atuar e
não consigo me imaginar fazendo outra coisa. A Taylor de 5 anos que fingia
ser a Alice no país das maravilhas estaria muito orgulhosa ao ver aonde
chegamos.
Mesmo assim, a ideia de fazer nossa primeira apresentação curta me
assusta um pouco.
— Olha, eu sei que o professor disse que a ideia era fazer um
improviso — ela retoma —, mas assim, até parece. Ninguém vai seguir
isso. O que você acha da gente ensaiar? Eu pensei em fazer o papel do
Noah.
Sempre que escuto o nome Noah, me lembro do fora que levei em
Vegas quase um mês atrás para o jogador dos Pythons. Será que vai ser
sempre assim agora, universo? Nem um segundo de paz?
— Foda-se o patriarcado — brinco. — Acho uma ótima ideia.
Seguimos para a Kappa House e no caminho assistimos à cena do
beijo pelo menos 5 vezes no YouTube. Pausamos em algumas partes,
voltamos em outras, a ideia é pegar não apenas as falas, mas também as
emoções e expressões.
Quando chegamos na irmandade, já temos boa parte das falas
decoradas.
Entramos animadas e já corremos para a sala. Algumas meninas estão
espalhadas pelo lugar. Entre elas, Cleo, que parece a única prestando
atenção no filme preto e branco que se arrasta pela TV.
— Cleo, podemos usar a TV? — Pergunto, já pegando o controle no
sofá. — Você vai adorar, prometo.
A caloura me encara, curiosa.
— Claro. Esse filme tá esperando para que eu o veja há mais de 70
anos, não vai ligar de esperar mais uns minutos — ela gira o corpo no sofá,
os olhos como duas bolas de ping-pong ricocheteando entre eu e a Mindy.
— O que você duas tão inventando?
Abro um sorriso e olho para Mindy. Me sinto bem ao ver que ela
também está empolgada com a ideia de finalmente encenar uma cena de
verdade.
— Você já vai descobrir.
Digito Diário de uma paixão cena do beijo no YouTube e clico em
um dos vídeos que aparecem. As meninas da irmandade param o que
estavam fazendo um segundo para olhar para a gente.
— Se alguém ainda não assistiu esse filme — Mindy começa. —
Melhor vazar.
Ninguém se moveu. Cleo parece ter começado a entender o que
estava para acontecer.
— Algum projeto?
Eu me aproximo do rosto dela e sussurro:
— Sim. Minha futura carreira em ascensão.
Ela solta uma risada baixa e ajeita a postura no sofá, pronta para
assistir a cena.
Mindy e eu tomamos nossas posições.
Estamos sentadas no chão para fazer a parte da conversa dentro do
barco. Finjo alimentar os patos imaginários, o que para mim é uma tarefa
fácil. Essa parte transcorre sem problemas, mas a parte das risadas na chuva
não sai muito boa. Precisamos tentar várias vezes e, ainda assim, o
resultado não é satisfatório. Há algo faltando entre a gente, mas decidimos
avançar. Quando chegamos na discussão antes do beijo, estamos
completamente fora de sintonia.
Não há a menor fagulha entre a gente, nem uma emoçãozinha para
apimentar a cena. É como se estivéssemos ensaiando para a parede. Talvez,
de forma inconsciente, eu esteja desconfortável com a ideia de beijar a
namorada da minha colega de irmandade. Eu me recuso a ser talarica.
As meninas tentam ajudar dando palpites e até chegam a trocar de
lugares, ora comigo, ora com a Mindy, mas o resultado não melhora muito.
— Quer saber, desisto — digo, me sentando no chão depois de mais
de uma hora de tentativas fracassadas. — A gente tentou de várias formas,
mas não tá dando certo — eu solto uma risada derrotada. — Nós não temos
química.
Mindy solta o ar pela boca e se senta ao meu lado.
— Que saco. Pelo menos a gente já decorou as falas.
Concordo em silêncio, a mente divagando. Eu precisava mesmo era
treinar com alguém que eu quisesse beijar, alguém pelo qual meu coração
acelerasse assim que o vejo. Mas ainda é cedo para eu pedir isso para
Hunter. Se a gente já estivesse namorando, minha vida seria muito mais
fácil.
Sei que parte do conceito de atuar é fingir, mas todo mundo sabe que
ficção e realidade se misturam um pouquinho nessas horas — mas nunca
diga isso a um ator, ele vai negar até a morte.
Como se o universo quisesse me mostrar que não está nem aí para o
que penso, Julia acaba de entrar pela porta. Está suada e traz o cabelo ruivo
amarrado em um coque alto, o que me faz deduzir que estava ensaiando a
nova coreografia do time das líderes de torcida.
— Nossa, que aglomeração é essa aqui?
Antes de receber alguma resposta, Mindy se levanta e a puxa pela
mão.
— Vem, você precisa me ajudar em uma coisa.
Sinto um misto de emoções dentro de mim. Por um lado, estou feliz
que Mindy tenha alguém com quem treinar, por outro, sinto a injustiça da
situação me invadir. Não quero ir na premiére só pelo espetáculo, mas
também porque será um evento muito importante para o meu futuro
profissional.
Eu preciso encontrar um jeito de ensaiar. Nem que seja sozinha.
Pego minha mochila e me preparo para sair.
— Aonde você vai?
— Vou pro anfiteatro. Eu preciso ensaiar esse texto.
Cleo faz que sim. Ela olha alguma mensagem no celular antes de me
responder. Ouvi dizer que ela está saindo com um dos caras do time de
hóquei — ou era de basquete? — mas não sei se isso é verdade.
— Não quer que eu vá com você?
— Não precisa, pode voltar pro seu filme super interessante de 3
horas — zombo. — Talvez Erik me encontre pelas coxias do teatro e salve a
minha apresentação.
Cleo demora alguns segundos, mas abre um sorriso, pegando minha
referência. O fantasma da Ópera. Eu aceno para ela e saio da casa, pronta
para passar as próximas três horas vivendo como Allie Hamilton.
Capítulo 10 - Atlas Campbell

(ou: jogador que prometeu não se meter em problemas e em


seguida beijou o problema em questão)

O segundo dia de treino dos Bruins sob a minha supervisão não foi
perfeito. Estudei a estratégia dos Roosters, time que vão enfrentar daqui a
uma semana e, honestamente, eles ainda precisam melhorar muito se
quiserem vencer. Mesmo assim, não posso ser injusto. Houve uma melhora
do que eu vi no dia da partida e o que vi hoje. Daniel está entrosando
melhor com os outros jogadores na hora de impedir o avanço dos rivais e
Hunter parece mais confiante. Não é nenhum milagre. Como atleta, sei que
essas coisas demoram. Acho que Stevie vai ter um ataque cardíaco quando
os Bruins ganharem uma partida, porque ele definitivamente não espera por
isso, mas eu sei que vai acontecer mais cedo ou mais tarde.
Meu telefone toca assim que saio do ginásio e sigo meu caminho pelo
campus. É impressionante ver o nome da minha mãe na tela, porque tem um
bom tempo que não conversamos. Quando foi a última vez? Natal do ano
passado? Ao menos, diferente do meu pai, posso dizer que temos uma
relação razoável. Em outras palavras, significa que ela não questiona minha
carreira sempre que tem a chance.
O mínimo, eu acho.
— As fofocas em Los Angeles não param, hein? — a voz de Ashley
Jones preenche meus ouvidos enquanto ela dá uma risadinha e pede café
pra alguém do outro lado da chamada. — Fiquei sabendo.
Minha mãe sempre fica esperançosa quando as notícias sobre um
possível namoro entre mim e qualquer garota que pareça decente surgem.
Ela ainda acha que vou ser como Orion: encontrar alguém, noivar e tudo
mais. Ela quer tanto ter netos que já se ofereceu para pagar uma barriga de
aluguel para o meu irmão.
— Os jornais aumentam as coisas — explico, minando suas
expectativas. — É só uma amiga — e tenho a impressão que falei isso pelo
menos umas quinze vezes nos últimos dois dias. Se mais alguém me
perguntar sobre Taylor Lynch, eu juro que vou pular de lugares muito altos.
— Odeio essa sua mania de sair com garotas bonitas e chamá-las de
amigas — reclama. — O café era sem açúcar! — esse comentário não é pra
mim. — Você deveria aproveitar que não está jogando pra dar mais atenção
a sua vida amorosa.
— Minha vida amorosa vai bem, mãe, obrigado.
— Sei. Estou vendo — ela grita com mais alguém do outro lado,
provavelmente algum dos seus agentes. — Não foi por isso que eu liguei. Já
que está em Los Angeles, quero que vá na estreia da minha peça no
próximo final de semana. Seu pai desmarcou uma viagem de negócios pra
assistir à apresentação — isso é realmente digno de nota, considerando que
William Campbell gosta mais de trabalho do que da própria esposa. — Vai
ser um momento legal em família.
— Momento legal em família é uma frase que só faz sentido se não
estivermos nos referindo aos Campbell.
— Vai ser bom pra você passar um tempo com seu pai.
— Sim. Tenho certeza que ele está super animado pra passar tempo
comigo.
— Atlas…
— O que? Eu não debochei, você quem viu maldade no meu tom de
voz.
Ashley suspira.
— Certo, ótimo. Eu coloquei seu nome na lista, não precisa de
ingresso. Quer levar alguém?
— Não — murmuro. — To safe.
— Tem certeza? Nenhuma candidata a futura senhora Campbell
disponível?
Reviro os olhos.
— Vai ficar feliz se eu levar uma garota?
— Sim.
— Tá. Eu vou tentar, não garanto nada.
— Obrigada, querido — tenho a impressão que Ashley está sorrindo
do outro lado. Alguém grita “cinco minutos” e ela solta um suspiro. —
Tenho que desligar. Vamos começar os ensaios. Me liga se precisar de
alguma coisa e… ah! O traje é esporte fino. Nada de aparecer com aquelas
porcarias da balenciaga.
Uma risada escapa dos meus lábios antes que eu desligue o telefone.
Encontrar companhia para esse evento não vai ser nenhum sacrifício,
considerando a quantidade de vezes que uma foto minha apareceu no
spotted da faculdade na última semana. Vou atrás de uma garota bonita,
deixo Ashley Campbell feliz e de bônus garanto a foda do final de semana.
Parece um ótimo plano.
— Hunter falou comigo! — a voz de Taylor arrasta meus
pensamentos para longe. Não faço ideia de onde ela surgiu, mas já aceitei o
fato de que as palavras “oi” e “tudo bem?” não existem no vocabulário dela.
— Eu esqueci de te contar. Foi há uns dois dias, na verdade. Ele perguntou
se eu e você estávamos juntos.
Dou um sorriso, porque Hunter Simmons é previsível como eu achei
que seria.
— Eu disse — eu me sinto o próprio Hitch agora. — Disputa por
território. Ele se sentiu intimidado por causa de mim e decidiu fazer alguma
coisa a respeito. Te chamou pra sair?
Taylor faz uma careta.
— Não.
Prefiro não contar para Taylor que eu disse que ele deveria chamá-la,
com todas as letras.
— Que caralho. O cara é lento.
— Tudo bem, tenho preocupações maiores hoje.
— Por exemplo?
Taylor balança um maço de folhas de texto em sua mão. Hoje ela está
usando uma pulseira escrito “GO BRUINS” e outra escrito “FUTURE
OSCAR WINNER”. Me pergunto quantas pulseiras com coisas escritas ela
tem, mas já sei que são muitas.
— Preciso ensaiar essa cena — ela começa, e de repente parece
estressada. — Meu professor de dramaturgia vai avaliar nossa atuação e
quem representar melhor vai ganhar um par de ingressos pra… Espera! —
seu rosto se ilumina. — Você pode me ajudar com isso.
— To ansioso pra saber quando você vai me contratar como seu
assistente pessoal. Eu tenho te ajudado com muitas coisas nos últimos dias.
— Você devia me agradecer por estar livrando os seus dias de licença
do tédio completo — ela dá de ombros, apontando o caminho para o
anfiteatro da UCLA com a cabeça. — Vamos — tenho certeza que sua
expressão é praticamente a mesma do gato de botas que aparece em Shrek,
seus olhos azuis me encarando como se fosse um ser indefeso precisando
urgentemente de ajuda. Porque sou um idiota completo, aceito acompanhá-
la. — Você só precisa fazer o papel do Ryan Gosling em Diário de uma
Paixão. Já assistiu?
Movo a cabeça em afirmativa, mas não tenho certeza. Filmes de
romance são praticamente todos iguais e desde que Barbie estreou, eu só
consigo pensar no Ryan Gosling como Ken. Ele fez muito pela vida dos
homens loiros naquele filme.
— Vamos ensaiar a cena do beijo na chuva — solta, enquanto
seguimos o caminho até o anfiteatro. As pessoas estão olhando para nós
duas vezes mais depois das fotos que saíram na mídia e eu não tirei um
tempo para pensar o que acho disso. Só espero que as garotas não pensem
que eu estou namorando com ela, porque isso seria péssimo para minha
reputação. Não por causa da Taylor, mas porque a solteirice é um dos meus
pilares de vida. — Tudo bem?
— Não precisa inventar motivos pra me beijar, quando quiser é só
pedir.
— Ai — Taylor revira os olhos. — Você é tão convencido.
— É você quem inventa motivos pra me beijar desde a primeira vez
que pisei os pés no campus.
— Sim, eu não consigo evitar. Passo as vinte quatro horas do meu dia
pensando na sua boca — ironiza. — Se eu não estivesse desesperada,
encontraria outra pessoa pra ensaiar comigo.
— E outra pessoa pra te dar aulas de flerte? Eu duvido. Agora que os
jornais decidiram que estamos vivendo um romance proibido é tarde demais
pra abandonar o barco — brinco. — Inclusive, fiquei sabendo que o seu pai
me odeia.
Taylor me encara. Percebo que essa informação não é uma novidade
pra ela.
— Ele falou com você?
— Com o meu agente.
— Não é nada pessoal — diz, passando as folhas de uma mão para
outra. — Ele odeia quase todos os caras que se aproximam de mim. E
considerando que você é do time rival…
— Ele acha que tenho as piores intenções do mundo.
— É.
— Imagina quando ele descobrir que é você quem está se
aproveitando de mim desde o começo.
— Cala a boca — Taylor revira os olhos de novo, mas tem um sorriso
despontando em seus lábios enquanto ela fala. — Vai dando uma olhada no
texto até a gente chegar lá.
Taylor me entrega uma das folhas que está carregando. Não entendo
nada de teatro, mas a cena é simples. Uma sequência de dois diálogos e
então um beijo. Infelizmente eu não herdei os talentos de atuação da minha
mãe, mas posso dar conta do resto.
O principal teatro do campus fica no Royce Hall, um dos prédios
originais da UCLA. Também é o primeiro que aparece quando você busca
pelo nome da universidade no Google, motivo pelo qual os funcionários
costumam apelidá-lo de cartão de visitas.
— Já veio nesse teatro antes?
Movo a cabeça em negativa.
— É velho e feio — murmura Taylor, como se estivesse me contando
um segredo —, mas é consenso entre os estudantes dizer que é vintage.
Eu acho graça da forma como ela fala. Só de sentir o cheiro de papel
velho, tenho certeza que esse é um dos lugares favoritos do meu irmão,
dentro de todo campus.
Taylor me guia até o teatro em passos rápidos. É engraçado vê-la
correndo quando tem as pernas tão curtas. De novo, ela me lembra a
imagem da boneca Polly, com suas roupas em tons pastéis e cabelo loiro.
Não existe melhor palavra para descrever o interior do teatro se não
majestoso. É enorme, com cadeiras de veludo vermelho na frente e nas
laterais do palco. O teto lembra muito o de igrejas antigas, com pinturas
douradas e azuis que cobrem toda a extensão. As luzes do palco estão
apagadas, mas logo Taylor as acende. Tem um piano no canto esquerdo,
meio fora de lugar.
— Eu vou pular a primeira cena — Taylor explica, subindo as escadas
que dão acesso ao palco. — Já ensaiei ela umas cinco vezes com a Mindy
— não sei quem é Mindy, mas ela não explica. — Só preciso que dê a sua
fala e me beije depois.
— Não vai nem tentar fingir que isso é um beijo técnico?
Taylor ri.
— Não existe beijo técnico. Isso é só um termo socialmente aceito pra
fazer as pessoas que se relacionam com atores não se sentirem cornas — ela
me encara enquanto subo as escadas até o palco. Taylor aponta onde eu
devo ficar.
— Acho importante avisar que sou um péssimo ator.
Taylor dá de ombros.
— Vai servir. Três, dois, um… — Taylor fecha os olhos e respira
fundo enquanto sua expressão se altera aos poucos. A serenidade escorre
por seu rosto, dando lugar a angústia. Quando ela abre os olhos de novo,
eles estão úmidos — Por que você não me escreveu? — sua voz também é
diferente. Embargada, como se ela estivesse perto de ter uma crise de
nervos. — Por quê? Ainda não tinha acabado pra mim! Eu esperei por sete
anos e agora é tarde demais.
Por um segundo, eu esqueço de dar o meu texto, porque estou
compenetrado demais analisando sua atuação. Não preciso ser um
especialista no assunto para saber que ela é boa.
Eu dou um sorriso para Taylor, como se pedisse desculpas, então leio
o trecho que dá continuidade à cena:
— Escrevi 365 cartas — dou a pausa indicada no roteiro. — Eu
escrevi todos os dias por um ano.
Taylor fica em silêncio por um instante. A angústia ainda colore sua
expressão, mas consigo enxergar o novo sentimento que ela quer transmitir:
esperança.
— Você escreveu?
— Não tinha acabado — dou um passo à frente. — E ainda não
acabou.
Eu deixo o roteiro no chão do palco para seguir o resto da cena. Me
aproximo de Taylor e minha mão boa sobe até o seu rosto enquanto seus
olhos azuis me encaram. Eu sei que ela está atuando, mas o seu olhar é tão
intenso que sinto como se todos os meus pensamentos estivessem sendo
lidos, dos mais constrangedores aos mais idiotas. Ainda bem que isso não é
verdade, ou ela saberia que estou pensando em como sua boca é linda
agora.
Eu avanço contra seus lábios, me esforçando para não perder o timing
da cena. E como foi no dia da festa, os nossos movimentos simplesmente se
encaixam. É como se minha boca conhecesse a sua desde sempre. Os seus
dedos se embrenham no meu cabelo — eu não tenho certeza se isso estava
no roteiro — e Taylor me beija como se estivesse faminta. Faminta por
mim, e pensar nisso me transforma no ator menos profissional do mundo,
porque meu pau endurece quase de imediato dentro da calça.
Ainda bem que não penso em seguir essa carreira.
Ainda bem que não prometi profissionalismo nenhum e, ao que
parece, Taylor também não. Uma das suas mãos ainda está acariciando
minha nuca mas a outra desceu até a barra da minha camisa dos Pythons.
Ela dedilha o tecido numa indecisão ansiosa, hesitando em tomar o próximo
passo. Depois de alguns segundos, Taylor avança, seus dedos encontrando a
pele do meu abdômen. Não demora muito até ela sair do transe e se dar
conta do que está fazendo.
— Desculpa — Taylor se afasta, mas não por completo. Minha mão
ainda está no seu rosto, nossos lábios a menos de um centímetro de
distância, ambas as respirações descompassadas. — Eu acabei me
empolgando — diz, e seus olhos acabam pousando na minha boca de uma
forma nada discreta. Imagino que esteja tão vermelha quanto a dela.
Eu sei qual é a escolha responsável a se fazer. Respirar fundo, dar um
passo para trás e seguir em frente, mas quando foi a última vez que eu fiz
uma escolha responsável?
Ok, foda-se. Tenho certeza que Zade passaria todos os panos do
mundo pra mim se soubesse como meu pau ficou duro só com a porra de
um beijo. Eles disseram que nós não poderíamos ter um relacionamento,
mas ninguém mencionou nada sobre uma foda casual. Taylor está
apaixonada pelo Hunter, nós sentimos tesão um pelo outro, não tem como
isso dar merda.
Eu desisto de tentar me convencer de qualquer coisa, porque já tomei
uma decisão. Minha mão desce até a sua cintura e eu puxo seu corpo para
ainda mais perto do meu, apertando sua pele.
Taylor ri.
— Isso não está no roteiro — murmura, mas não é uma reclamação.
— Quer seguir o roteiro?
Ela não hesita em mover a cabeça em negativa.
Nossos lábios voltam a se encontrar e é ainda mais caótico e intenso
que segundos atrás. Tem alguma coisa inexplicável na forma como Taylor
Lynch me beija, como se nossas línguas se esfregando fossem uma
necessidade física tão importante quanto respirar.
Sem afastar sua boca nem por um segundo, Taylor me empurra
suavemente para trás. Eu sigo seus comandos e sinto a banqueta fria do
piano tocar minha panturrilha. Me sentar ali é a coisa mais intuitiva que já
fiz na vida, porque não estou olhando para o banco e meu raciocínio lógico
agora é o mesmo de uma batata. No thoughts head empty[6].
Taylor se senta no meu colo, suas pernas ao redor do meu quadril.
Minha mão agarra sua bunda por cima da calça enquanto sinto vontade de
xingar essa pequena peste apocalíptica por ter me chamado para um ensaio
quando as suas intenções eram, claramente, as piores — e melhores —
possíveis.
O tecido da sua calça é fino o suficiente para que ela me sinta duro
embaixo dela. Taylor solta um suspiro desajeitado contra a minha boca e se
afasta um milímetro, um sorriso malicioso tomando conta dos lábios.
— Eu disse que beijo técnico não existia.
— E foda técnica, existe?
Taylor ri, movendo a cabeça em negativa.
— Tenho certeza que não tem nada técnico nisso aqui — ela
completa, movendo o quadril de leve no meu colo para provar o seu ponto,
deixando claro que sabe o quanto eu estou duro. Seria impossível que não
tivesse notado.
— Espero que não me expulse do ensaio por isso.
— Não seria justo — ela sussurra. — Eu também fiquei molhada.
Sinto o resto de sanidade que ainda existia no meu corpo esvair por
completo.
— Caralho, Taylor, você não pode falar uma coisa dessas.
— Por quê?
Eu a encaro. Ela sabe muito bem porque e a sua pergunta não tem
nada de inocente.
— Porque agora estou imaginando como seria foder você em cima do
piano — minha boca sobe até o seu pescoço e eu observo sua pele arrepiar
diante do toque. — Estou pensando na minha língua na sua boceta e você
gozando na minha boca — ela retoma o movimento dos quadris contra mim
e agora tenho certeza que não tem como isso não acabar bem. — Na
verdade estou pensando em muitas coisas no momento e todas elas são
obscenas. O seu pai tinha razão, talvez minhas intenções com você sejam
mesmo as piores.
Taylor ri, os olhos azuis presos ao meu rosto. Ela tem uma expressão
contemplativa agora e eu não consigo ler com perfeição. Por um segundo
penso que ela pode ser do tipo que só transa quando está apaixonada, mas
então Taylor morde o lábio e eu tenho certeza que os seus pensamentos são
tão sujos quanto os meus.
Infelizmente, não temos tempo de realizar nenhum deles.
— Ei, tem alguém aí? — a voz de uma terceira pessoa embala o
palco. Está vindo dos fundos do teatro e, graças a isso, Taylor tem tempo de
pular do meu colo e ajeitar o cabelo que eu baguncei. Eu me levanto, sem
deixar de perceber o quão desnorteada ela parece. Engulo uma risada. — Eu
reservei o horário das 11h.
— Nós já estamos saindo! — Taylor grita, pegando os seus roteiros e
enfiando dentro da bolsa. Ela pega minha mão e me puxa para fora do palco
e, aparentemente, me arrastar por aí como se eu fosse um cachorrinho é sua
nova atividade favorita. — Da próxima vez, vamos ensaiar em público.
— Por quê?
— Porque — ela abre a porta do teatro. O corredor do Royce Hall
nunca fica completamente vazio: sempre tem um estudante de cinema ou
artes cênicas tentando decorar um texto pelos cantos — nós dois sozinhos
entre quatro paredes não se mostrou uma combinação muito segura.
— Por quê? — insisto, soltando uma risada quando ela larga minha
mão.
Taylor se vira para mim, irritada. Eu não consigo levar a sua raiva à
sério. Ela é muito pequena, tem olhos de boneca e a franja loira que cobre
sua testa a deixa ainda mais parecida com um desenho animado. É como se
um funko criasse vida durante à noite e tentasse te matar.
— Imagina se o meu futuro namorado descobre o que estávamos
fazendo — ela pensa por um segundo, então abre um sorriso diabólico. —
Na verdade, seria interessante. Com certeza ele te daria um soco pra
defender a minha honra.
— Primeiro, você tá assistindo Bridgerton demais; segundo, você é
uma peste, e terceiro, você já reparou que ele é baixinho?
— Ele não é baixinho! Você que é muito alto — ela cruza os braços,
como se fosse um grande argumento. — Nem todos os homens do mundo
podem ter mais de um e noventa, só nos livros da Ali Hazelwood.
— Tudo bem, você ama o seu futuro namorado mirrado do jeitinho
que ele é.
Taylor cerra os olhos.
— Eu vou te desconvidar do casamento.
— Já disse que sou alérgico a casamentos. Olha só, eu poderia ficar
aqui o dia inteiro discutindo com você, mas prometi que ia almoçar com o
meu irmão. Aliás, onde fica o prédio de ciências?
— Seu irmão cursa ciências?
— Ele é professor. Química Orgânica Avançada.
— Química org… meu deus! Orion — ela estala os dedos. — É
óbvio. Eu devia ter notado a semelhança. As nerds de ciência ficaram em
luto quando descobriram que ele estava noivo no semestre passado.
— Ainda bem que eu estou aqui pra suavizar essa grande perda.
— Cala a boca — Taylor aponta para a porta do Royce Hall. — É só
andar na direção da fraternidade Alpha Gamma Gamma e virar à esquerda.
É o prédio mais novo do campus, não tem como errar.
Eu agradeço com um aceno e sigo na direção da saída. Antes que eu
possa sair dos corredores do Royce, Taylor me interrompe.
— Atlas!
Me viro na direção dela.
— O que?
— Obrigada pela ajuda com o texto — ela diz, embora eu tenha a
impressão que não ajudei em nada. Talvez eu tenha ajudado, com outras
coisas.
— Sempre que precisar, peste.
Capítulo 11 - Taylor Lynch

(ou: futura atriz inventando o beijo)

Eu nunca tive medo de palco. Me lembro do natal de 2010, minha


primeira apresentação na vida. Meu pai no piano, eu no vocal e cantando
Noite Feliz para o resto da família Lynch, encantada com aquela pirralhinha
que não parecia se importar de ter tanta gente olhando para ela. A esse
evento se seguiram vários outros onde eu dançava, cantava ou mesmo
fingia que era uma outra pessoa.
Desde criança, eu já atuava.
Levar uma vida acostumada com a atenção das pessoas me fez
desenvolver uma tranquilidade muito grande para lidar com os minutos que
antecedem as apresentações. Medo de palco? Sei que existe, mas nunca fui
apresentada a ele.
Hoje, porém, sinto um leve frio na barriga. Não é minha primeira
apresentação para o público geral, fizemos algumas peças durante o curso
de teatro, mas não me lembro de já ter feito uma cena de beijo. E não saber
que boca terei que beijar na frente de todo mundo apenas deixa as coisas
um pouco mais estranhas.
Uns têm fetiches com pés, outros com fantasias, o do meu professor
parece ser ver alunos se beijando em público. Faço uma nota mental de não
ficar sozinha em uma sala com ele.
Se essa cena não tivesse saído de um sorteio, eu ficaria preocupada.
Olho para o grupo de futuros atores esperando pelo momento de
apresentar. Só percebo que estou dividindo eles em caixinhas do tipo: beijo
fácil, depende e passo, quando percebo que precisaria de uma caixinha nova
de nem fodendo. Há um menino baixo, de cabelos curtos e espetados que
está com um copo gigante de algum líquido verde na mão.
Pela textura, eu chutaria que é um daqueles sucos detox.
Quem, em sã consciência, beberia uma coisa dessas antes de uma
cena de beijo?
Aos poucos, as duplas vão sendo chamadas e sobem ao pequeno
palco improvisado na Janss Steps, uma pequena área elevada que dá vista
para a Fonte Shapiro. Ao nosso redor, um grupo considerável de alunos está
distribuído pelas escadas e gramado e olham para as cenas que se
desenrolam uma atrás da outra.
Mindy é uma das primeiras a apresentar. Como colocou que queria
fazer o papel do Noah, saiu no sorteio com uma menina de pele negra e
longas box braids que quase chegavam à cintura. Ela me lembra um pouco
a Violet em termos de aparência, mas minha amiga usa dreads finos ao
invés de tranças.
Apesar de não ser muito próxima da sorteada, pude perceber pela
expressão em seu rosto que não estava muito feliz em ter que beijar uma
mulher. As duas seguiram, Mindy olhou para mim uma vez antes de
começar e fiz um sinal de positivo para ela. Não estou competindo contra
minha amiga. Duas duplas receberão os ingressos: as nossas.
A apresentação é boa, mas sinto que a parceira de Mindy poderia ter
se entregado mais ao papel. Ela fez uma atuação modesta enquanto a Mindy
entregou tudo. Apesar das poucas falas, colocou muita emoção e uma
pegada intensa no momento do beijo. As palmas e gritos da plateia foram
um bom indicador de que ela tinha mandado bem.
— O que achou? — ela diz assim que volta para o grupo e para ao
meu lado. Percebo que ela está um pouco nervosa.
— Você arrasou! Pode ficar tranquila, você vai nessa premiére. —
Abaixo o volume e me aproximo dela. — Sua dupla poderia ter
demonstrado mais interesse, mas acho que você compensou por ela.
Percebo Mindy ficar um pouco sem jeito. Ela lança um olhar para as
pessoas que observam e encontra Julia. Ela faz um aceno cumprimentando
a namorada.
— Seria estranho se eu dissesse que sempre tive vontade de beijar
ela? — Sou pega de surpresa pela confissão. Estou tão acostumada a ver
Mindy e Julia por todos os lados que é estranho imaginá-las como pessoas
individuais com gostos e desejos próprios. — Será que isso me faz uma
péssima namorada?
— Ai, amiga. Claro que não! — Preciso tomar cuidado para não
elevar o tom de voz. — Você beijou ela porque saiu no sorteio. Simples
assim. E é normal ter curiosidade em beijar alguém. — Minha mente volta
para o beijo com o Atlas no dia anterior. Ali também estávamos ensaiando.
Nada além disso.
Quer seguir o roteiro?
A pergunta me volta à mente e sinto um arrepio percorrer o meu
corpo. Quase consigo sentir o braço forte apoiado nas minhas costas e o
volume contido dentro da calça de Atlas roçando embaixo de mim.
— E Taylor Lynch como Allie Hamilton.
A voz do Mr. Ford me traz de volta para o presente. Estava tão
mergulhada em devaneios indecentes que nem vi com quem vou
contracenar. Olho para o grupo e vejo um homem loiro abrir um sorriso e
dar um passo à frente. Bom, não é um beijo fácil, mas pelo menos é um
depende. Essa é uma situação que o torna beijável.
Olho para o público à procura de Hunter, mas não o vejo. Sei que é
injusto querer que ele estivesse ali sendo que não o convidei. Aquele não
era um evento programado, então não teve praticamente nenhuma
divulgação. As pessoas que estão ali para assistir, na maior parte são amigos
dos alunos ou então estudantes que estão adiando ao máximo o momento de
voltarem para a sala de aula. Ainda assim, uma parte de mim queria que ele
tivesse descoberto de alguma forma. Eu postei um story hoje de manhã no
Instagram. O que meu futuro namorado estava fazendo de tão importante
que não pode tirar alguns segundos para abrir e visualizar a minha indireta?
Caminho para o centro do palco. Ao longe, percebo um cabelo loiro
refletindo a luz do sol. Sem que eu possa me conter, abro um sorriso para
Atlas. Ele tem a mão boa enfiada dentro do bolso e olha para mim sem
desviar o olhar. Contenho a vontade de levantar o braço para cumprimentá-
lo. A última coisa que precisamos é dar mais lenha para alimentar a fic
sobre estarmos juntos. Balanço a cabeça de um lado para o outro e olho
para baixo. Concentro minha atenção nas pulseiras BREAK A LEG e THE
DOG DAYS ARE OVER[7]. Inspiro buscando a maior quantidade de ar
possível deixando a cena vívida na minha mente se espalhar pelo resto do
corpo.
É como se uma cortina descesse ao meu redor no instante que Mr.
Ford grita ação. Meu foco é direcionado à tarefa que tenho pela frente e
meu mundo, por alguns segundos, passa a ser o menino loiro e magro
esperando por mim.
— Parece um sonho. — Sorrio com todo o meu rosto mostrando o
quanto aquele momento é lindo ao redor de todos aqueles patos que só
existem na minha mente.
— Quer alimentá-los? — o menino, que não lembro o nome, porque
nunca prestei atenção nele na aula, também incorpora bem o papel. Sinto o
alívio me dominar. Os ingressos já são nossos.
Fazemos a cena dos patos sem nenhum problema. É a parte mais fácil
e a ensaiei o suficiente com Mindy. Na sequência, tem a parte engraçada
onde começamos a rir como dois loucos enquanto o temporal desaba ao
nosso redor. Como a cena inteira exige uma certa intimidade, nossos olhares
não se descruzam, aumentando a minha imersão naquela realidade falsa que
vivemos por alguns minutos.
Entramos na parte crítica, a parte que ensaiei apenas uma vez com
Atlas. Lanço um olhar rápido para a plateia e o que vejo me dá uma
animação adicional. Hunter chegou e está sentado em um dos degraus
olhando para mim. Sinto uma energia nova percorrer o meu corpo. Na festa
da semana passada, eu não tenho certeza se ele me viu beijando o Atlas,
mas agora eu tenho certeza que ele vai ver. Me lembro do que Atlas disse
sobre mostrar ao quarterback o que ele perderia se não ficasse comigo e
decido que aquele menino loiro na minha frente está prestes a ter o melhor
beijo da vida dele.
— Não tinha acabado. Ainda não acabou.
Chega o momento chave e, assim que o menino segura o meu rosto
para me beijar, envolvo os meus braços na cintura dele e o puxo para mais
perto. Me entrego ao beijo e não consigo deixar de lembrar de como a
língua de Atlas me invadiu como se conhecesse cada cantinho da minha
boca. Tenho ciência de que as pessoas ao nosso redor estão adorando a cena
quando escutamos os gritos de empolgação.
Eles não tinham comemorado assim em nenhuma outra apresentação.
Me afasto do beijo e percebo que o menino está com o rosto
vermelho. Ele também não esperava que o beijo fosse daquele jeito.
Olhamos para a plateia que parece empolgada e aplaude a nossa atuação.
Observo, porém, que Hunter bate palma devagar, como se o fizesse mais
por obrigação do que vontade.
— Nossa, isso é o que eu acho de se entregar a uma cena! — diz Mr.
Ford quando retomamos para o grupo de alunos. — Agora vamos para o
último casal…
— Taylor! O que foi isso? — Mindy segura minha mão e apoia o
queixo no meu ombro. — Não vai me dizer que você também tinha vontade
de beijar o Dylan?
Dylan, então esse é o nome dele.
Imaginei que ele não poderia se chamar menino loiro.
— Não, nem queria beijar ele, na verdade — sorrio ao ver as
sobrancelhas da minha amiga se levantando. — Tudo trabalho, Mindy. Se
vou ter que fazer algo, que seja bem feito.
Prefiro não comentar que eu tinha uma motivação extra de 1,80m ali
sentada e olhando para mim. Acho que minha amiga não entenderia.
Depois da última apresentação, a maior parte do público se dispersa e
restam apenas as pessoas que, imagino, sejam amigas dos alunos. Mr. Ford
faz um pequeno discurso dizendo o quanto ele está feliz com o desempenho
de cada dupla e que vai enviar algumas anotações para os nossos e-mails
baseadas nas observações dele. Ele então anuncia os vencedores e não há
nenhuma surpresa.
— Taylor e Dylan, Christine e Mindy.
Não consigo conter a empolgação e pulo para abraçar minha amiga.
Mais do que conseguir os ingressos, aquela é uma confirmação de que estou
no caminho certo. Atuar é algo que faz meu coração acelerar e a única
ocupação na qual consigo me imaginar 100%. Claro que os elogios da
minha família foram importantes, também recebi vários no curso de teatro,
mas aqui é diferente. Era a graduação, o passo imediatamente anterior ao
mundo de verdade. E estou começando com tudo.
Desço as escadas na direção de Hunter e o vejo se levantar, bater as
mãos na calça Cargo branca para limpar qualquer resquício de grama e
caminhar na minha direção. Espero ele fazer o primeiro comentário, mas ele
demora um pouco mais do que o normal. Para não ficar uma situação
estranha, comento:
— Não sabia que você ia aparecer.
— Pois é, eu vi no seu story alguns minutos atrás. Como tava perto,
decidi passar pra ver. — Ele espera alguns segundos antes de completar. —
Você mandou bem.
Mandou bem? Eu arrasei.
Penso na empolgação de Mindy logo após minha apresentação.
Aquela, sim, foi uma reação de quem se importa. Mandou bem é algo que
eu digo para um skatista que nunca vi na vida ao passar por mim fazendo
uma manobra. Não é o que eu diria para o amor da minha vida após fazer
algo que ama.
— Obrigada. Fico feliz que você conseguiu aparecer.
Penso em um milhão de assuntos para puxar, mas não sinto vontade.
Quero que ele se esforce para conversar comigo. Não devo fazer tudo
sempre.
— Bom, eu vou indo. Tem treino hoje à tarde.
Ele levanta a mão e sinto meu coração afundar.
Abro um sorriso amarelo e estou prestes a me virar quando ele
continua.
— Ah, Taylor? Você tem compromisso amanhã à noite? Tava
querendo conhecer um restaurante especializado em ramen que tem aqui
perto, o Tsujita. Adoraria ter sua companhia.
Ali estava! Finalmente! Controlo a vontade de pular de alegria e me
jogar nos braços dele. Eu sabia que Hunter não iria me decepcionar. Ele é
devagar, tadinho, mas não temos pressa.
— Eu vou adorar! Amanhã às 20h?
— Fechado! — Ele abre um sorriso largo dessa vez e se afasta.
Sinto o sangue correr apressado pelas minhas veias. Vejo Atlas
acenando ao longe e caminho na direção dele, munida de uma excelente
notícia para compartilhar.
— De nada. Metade daqueles aplausos foram pra mim, e ambos
sabemos disso.
Por alguns segundos, fico sem entender sobre o que ele está falando.
Só então me lembro da apresentação.
— Você é muito convencido — paro na sua frente e preciso inclinar a
cabeça para o alto para olhar nos olhos azuis dele. — Alguém já te disse
isso?
Ele ri.
— Nos últimos dias, uma menina que sempre inventa situações
estranhas para me beijar, tem começado com essa história. Mas como sei
que ela é ainda mais convencida que eu, não levo a sério.
Levanto o dedo do meio para ele, mas fico com raiva do sorriso que
se espalha no meu rosto com a provocação.
— Mas agora sério, — ele retoma. — Adorei a apresentação. Você
realmente se entregou. Dava pra ver que é algo importante para você.
Eu amo Hunter Simmons, o futuro pai dos meus filhos, mas é
impossível não notar o quanto ele ainda tem para aprender com Atlas.
Talvez ele precise de aulas de flerte mais do que eu.
Abro um largo sorriso ao ouvir o elogio e sinto um quentinho no
coração.
— Obrigada, de verdade. Gostei de saber que você veio aqui pra ver.
— E perder a chance de perceber que o seu beijo hoje não passaria de
uma sombra do que foi o nosso? Jamais.
Sinto o rosto enrubescer e desvio o olhar.
— Atlas Campbell, como consegue andar por aí carregando um ego
desse tamanho?
Ele faz uma pose flexionando o braço bom. É a primeira vez que
percebo o quanto ele é musculoso.
— Eu treino.
A pose é ridícula, e ele percebe. Ambos começamos a rir. Ali, parados
na grama olhando o jato de água que sobe acima de dois metros na Fonte
Shapiro.
— Mas enfim, eu tenho uma boa notícia para você. — Ele olha para
mim, ainda com um sorriso no rosto. — Hunter me chamou para sair!
— Finalmente! Eu já estava prestes a te dizer para esquecer essa cara.
Lento demais.
— E descartar toda a fic pronta na minha cabeça que me levou meses
para montar? Jamais.
— Bom, pelo menos ele chamou. É o que importa. Aonde vocês vão?
— Vocês? Nada disso. — Seguro o braço dele e o puxo para o
caminho que leva à Kappa House. — Você vai comigo lá hoje à noite.
Vamos ensaiar como vai ser esse date. Você vai impedir que eu seja um
desastre.
Ele olha para mim com o espanto impresso em cada célula do rosto.
Pode soar estranho o que estou pensando, mas às vezes desconfio que
Atlas Campbell realmente acha que sou louca.
Capítulo 12 - Atlas Campbell

(ou: jogador ensaiando um encontro)

Ok, talvez eu nunca tenha aprendido o conceito de fazer uma entrada


discreta. Penso nisso assim que o motorista que contratei por essa noite para
em frente da Kappa House e eu percebo que um conversível vermelho
surgindo do nada no meio da UCLA não é exatamente o que as pessoas
chamariam de sigiloso. Felizmente, a maioria dos estudantes está em casa
naquele horário, se preparando para as festas do final de semana.
Eu me encosto na porta traseira do carro e mando uma mensagem
para Taylor.
ATLAS: Cheguei.

Deduzo que Taylor só estava esperando minha mensagem, porque ela


abre a porta da casa de imediato. Hoje ela está dentro de um conjunto de
blusa e saia — como sempre, de um palmo — cor de rosa. Está usando um
sapato com saltos muito altos, o que explica porque ela quase parece
alguém com uma altura mediana.
Taylor encara o carro estacionado e arqueia uma das sobrancelhas
loiras, sem entender.
— Você alugou um carro?
— É o carro que eu costumo dirigir quando meus dois braços
funcionam — explico, enquanto abro uma das portas traseiras pra ela. —
Mas o meu ficou em San Diego, então esse aqui vai ter que servir.
— Eu podia ter ido com o Jeep — Taylor murmura. — Não queria te
dar trabalho.
— Mais trabalho? — ironizo. Ela levanta o dedo médio na minha
direção em resposta. O motorista já sabe onde vamos, então começa a
dirigir assim que fecho a porta. — Quis fazer uma simulação completa.
Tenho certeza que o Hunter vem te buscar, então você precisa saber o que
vão conversar no caminho até lá.
— São só nove minutos de viagem — Taylor comenta, enquanto
coloca o cinto de segurança.
— E você só precisa de um pra fazer merda, como foi o seu elogio
sobre as mãos.
— Ai, não me lembra disso. São águas passadas — ela parece
acreditar nisso, mas eu tenho certeza que Hunter ainda se recorda. — Eu
nem sei se o Hunter tem carro.
— Tem sim — comento, e me impressiona que as habilidades de
stalker de Taylor Lynch não tenham chegado nesse ponto. — Vi ele saindo
do treino dos Bruins outro dia.
— Tá stalkeando o meu futuro namorado?
— Claro, faz parte do meu trabalho de conselheiro amoroso. Vai lá,
tenta puxar um assunto.
Taylor faz uma careta. Ela está cheia de pulseiras hoje, numa
quantidade que não consigo ler todas.
— Eu não funciono bem sob pressão.
— Você apresentou uma cena na frente da metade da faculdade e não
consegue puxar assunto com um cara? Pode falar sobre isso.
— Sobre a cena? — assinto, mas Taylor faz que não. — Ele não
parece muito interessado no meu curso.
— Ele deve ser do tipo que gosta de falar de si mesmo — isso é uma
red flag gritante, mas não vou comentar em voz alta. — Pode perguntar
como estão sendo os treinos dos Bruins.
— E como estão sendo?
— Horríveis.
Taylor solta uma risada, porque não estava esperando por essa
resposta.
— Mentira, estou exagerando. Estamos chegando em algum lugar, só
não tenho certeza se é um lugar muito alto.
— Precisa fazer eles vencerem a NCAA — diz, como se fosse uma
tarefa tão simples quanto ensinar um cachorro a buscar uma bolinha. — Já
planejei tudo aqui dentro — ela aponta para a própria cabeça. — Eu vou
estar na arquibancada com as outras líderes de torcida depois de uma
apresentação inesquecível. Os Bruins vão ganhar, então ele vai olhar pra
mim e correr pra me beijar. Todo mundo vai tirar fotos do momento e nós
vamos estar na capa do jornal universitário no outro dia. E seremos o casal
mais invejado do campus.
— Parece o final de um filme clichê qualquer.
— Sim — ela cruza os braços. — Então contribua pro meu final de
filme acontecer.
— Depende mais do Hunter do que de mim, em todos os sentidos.
— Tenho certeza que existe um quarterback talentoso dentro dele,
pronto para desabrochar.
Eu concordo com ela, mas não tenho tanta certeza. Eles estão
melhorando, sim, mas não sei se é suficiente. Nos últimos treinos, Hunter
tem se mostrado uma pessoa movida às suas emoções: dependendo do
humor no dia, ele pode ser muito bom ou muito ruim. O ideal seria termos
um quarterback que estivesse com a terapia em dia, mas Stevie nunca
aceitaria uma troca nessa altura do campeonato. Eu também não quero
arranjar problemas pro futuro namorado da Taylor, então vou me limitar a
trabalhar com o que tenho.
— Chegamos, senhor Campbell — o motorista dá um sorriso pra mim
e é a segunda vez que ouço sua voz essa noite.
— Te mando uma mensagem quando estivermos saindo, obrigado.
Ele assente. Sinto um arrepio percorrer meu corpo quando saio do
carro, o ar-condicionado agradável sendo substituído pelo bafo quente de
Los Angeles. O inverno já começou, mas quando foi a última vez que o
clima de uma cidade correspondeu a estação do ano?
— Os funcionários vão achar que eu sou uma puta — Taylor
comenta, observando a placa cheia de folhas artificiais do Tsujita brilhar em
tons neon. — Não vão? Meu Deus, eu não tinha pensado nisso…
— Vão pensar que você é uma mulher sexualmente livre — zombo.
— Tá bom, feministo.
— Desde que o Hunter não saiba que você estava aqui com outro
cara, tudo certo. E desde que os jornais não saibam também.
Taylor assente.
— Vamos escolher uma mesa escondidinha.
Eu concordo. O restaurante está praticamente vazio quando nós
entramos e não é o tipo de lugar chique que pede por uma reserva. Como
Taylor sugeriu, ficamos em uma mesa nos fundos do restaurante,
praticamente do lado da cozinha. Pelo menos os nossos pratos vão chegar
antes que os de todo mundo.
— O que achou da minha roupa? — Taylor pergunta, de repente,
assim que nos sentamos. — Acha que o Hunter vai gostar?
— Vai usar a mesma roupa?
— Não quero errar em nada — ela explica, como se fosse óbvio. — E
eu tenho conjuntos desse tipo em mais de cinco cores diferentes. Vou usar o
azul amanhã.
— Ah, sim. Eu não mereço o seu conjunto azul.
— Não — Taylor ri. — É a cor que me deixa mais bonita. Só uso com
caras especiais.
— A roupa é ótima.
— Alimentou os seus pensamentos obscenos?
— Ah, nada disso, eu não vou cair no seu joguinho hoje — zombo,
pegando o cardápio. — Mas sim. Está linda.
— Obrigada por amaciar meu ego, era isso que eu queria ouvir.
— Tem duas opções vegetarianas — eu empurro o cardápio na
direção dela. Me pergunto se Hunter pesquisou sobre as alternativas do
cardápio antes de convidá-la, mas, sabendo como são os homens, eu
duvido. — O que você vai querer?
Taylor passa os olhos pelo cardápio.
— Silky Ramen — ela passa o cardápio de volta pra mim. — E saquê
quente.
— Você nem pode beber.
— Legalmente falando, não — Taylor dá de ombros. — Mas preciso
descobrir o quanto eu aguento antes de ficar maluca. Vai ser a quantidade
que vou beber amanhã, porque não quero ficar tonta na frente do meu
futuro marido.
— Uma escolha sábia — eu peço a mesma coisa que ela quando o
garçom se aproxima para nos atender.
Taylor franze o cenho, sem entender.
— Você não come carne?
— Como. Só achei que seria desconfortável comer na sua frente.
— Caralho, você é bom — ela murmura, indignada. — Nenhum cara
pensa nisso. Meu ex ficante, amigo colorido ou sei lá qual definição, me
levou pra um rodízio de sushi porque pensou que peixe não contava como
carne. Você sempre pensa nas preferências alimentares dos seus casinhos
quando vai em um encontro?
Balanço a cabeça em negativa e, pra mim, a resposta é muito óbvia.
— Não vou em encontros.
Taylor me encara, sem entender.
— Não tem porque ir em encontros com pessoas que não quero
conhecer.
— É por isso que você nunca namorou — ela pontua, como se tivesse
acabado de descobrir uma nova lei da física. — Não deixa as pessoas se
aproximarem.
— Eu deixo as pessoas se aproximarem, só não quero iludir ninguém.
— Levar pra jantar não é iludir ninguém.
— Claro que é. Ficar a noite inteira fingindo que me importo com o
que ela faz da vida quando na verdade eu só quero sexo se enquadra em
iludir alguém. Prefiro ser honesto desde o começo.
Taylor passa a língua pelo lábio, pensativa. Está usando um tom
bonito de batom vermelho, que deixa o seu bronzeado em destaque e seus
olhos mais azuis.
— Acha que o Hunter só quer sexo?
— Não. Quer dizer, sei lá. Ele não parece o cara do sexo casual, mas
não tem como ter certeza. Você vai saber amanhã.
— Quais são as formas mais delicadas de dar um fora se ele tentar
alguma coisa mais… Você sabe.
Franzo o cenho, sem entender.
— Não quer transar com ele?
— Não transo no primeiro encontro.
Eu a encaro, descrente. Sei que a conheço há menos de duas semanas,
mas crenças conservadoras como “não vou transar no primeiro encontro
pra não parecer uma vagabunda” não combinam com ela.
— É sério! — Taylor protesta, incomodada com meu silêncio.
— Diz que tá com dor de cabeça. Simples, incontestável, eficaz.
Um dos garçons chega com nossos pratos de ramen. Ele coloca cada
bowl em um extremo da mesa e a garrafa de saquê quente no centro.
— Dor de cabeça — Taylor assente. — Tudo bem.
Ela pega a garrafa de saquê e serve na pequena cumbuca de argila que
a acompanha. Uma nuvem de fumaça escapa do líquido, mas Taylor não se
importa com tal detalhe quando vira a bebida contra os lábios, fazendo uma
careta em seguida.
— Droga! — ela reclama. — Queimei minha língua.
— Foi o seu desespero de fugir do assunto.
— Não fugi de assunto nenhum — Taylor se abana, pedindo um copo
de água para o primeiro garçom que aparece. — Vou ficar nas bebidas frias
amanhã.
— Parece uma ótima ideia — debocho.
— Então — ela bebe mais um shot e ignora a água que o garçom
acaba de colocar na mesa. Preciso engolir uma risada, porque Taylor Lynch
é cada vez mais inacreditável. — Já que você não vai em date nenhum é
minha obrigação te fazer todas as perguntas constrangedoras que as pessoas
fazem nos primeiros encontros. Pode fingir que se importa com as minhas
respostas.
Reviro os olhos.
— Eu me importo com as suas respostas.
— Se importa, é?
— Somos amigos, não somos?
Taylor assente.
— Algumas pessoas chamariam isso de pau amigo.
— Bom, melhor ainda.
Taylor cata um pedaço de cogumelo com o seu hashi. Abre um sorriso
pra mim e começa a sua rodada de perguntas constrangedoras que eu não
quero responder.
— O que seria um encontro perfeito pra você?
Eu a encaro, incrédulo.
— Acabei de dizer que não vou em encontros.
— Se você fosse.
Movo a cabeça em negativa.
— Me fala o seu.
Taylor abre um sorriso, como se já tivesse ensaiado essa conversa na
frente do espelho um milhão de vezes antes.
— Lake Hollywood Park — solta. — Hunter me leva até lá pra ver o
letreiro de Hollywood e nós assistimos Um lugar chamado Notting Hill no
carro, meu filme favorito. Se for em uma data importante, tipo dia dos
namorados ou meu aniversário, melhor.
— Brega.
— Deixa de ser chato — reclama. — Vai, responde uma pergunta.
Qual a sua mulher ideal?
— Se for esse tipo de coisa que vai perguntar pro Hunter amanhã, é
melhor ficar em casa.
— Cala a boca, tô perguntando pra você. Vai, desembucha.
É minha vez de beber um shot de saquê quente. A temperatura da
bebida intensifica o gosto amargo, queimando minha garganta.
— Não sei, nunca pensei nisso.
— Olha só quem ta fugindo do assunto agora!
Eu solto o ar pela boca. Não é uma resposta fácil. Não sou do tipo que
fica horas fantasiando com as características da mulher perfeita. Se for
gostosa, eu quero.
— Tá bom — eu tento encontrar nos fundos do meu cérebro alguma
coisa para responder. — Acho que seria alguém como você — eu me
corrijo antes que ela entenda as coisas errado: — em um universo paralelo,
se a solteirice não fosse a minha única religião, seria alguém como você.
— Alguém como eu?
— É. Você é bonita, engraçada e um pouco doida. Nós seríamos um
bom casal.
Taylor ri. Ela não se sente ofendida porque disse que ela é doida, o
que é, basicamente, consciência de classe. Seus olhos caem nos meus e nós
ficamos em silêncio, o que faz aquele momento parecer um encontro de
verdade por um instante. A mão de Taylor encontra a minha em cima da
mesa, suas pulseirinhas fazendo barulho. Eu não tenho certeza se esse foi
um movimento consciente do seu cérebro ou se foi um ato falho, mas o
arrepio que percorre meu corpo diante do seu toque é suficiente para que eu
entre em pânico.
— Enfim — eu tiro minha mão da sua e ela pisca, só então se dando
conta do que acabou de fazer. Taylor dá um sorriso constrangido e eu bebo
mais uma cumbuca de saquê, porque as coisas estão começando a ficar
estranhas. — Próxima pergunta.
Capítulo 13 - Taylor Lynch

(ou: futura atriz em um date com a realidade)

O Tsujita não é um estabelecimento tão grande a ponto de ter um


estacionamento próprio, por isso, preciso procurar uma vaga para deixar
meu Jeep ao chegar para o encontro com Hunter. Pelo horário, só consigo
uma vaga uma quadra distante do lugar.
Não sou uma pessoa supersticiosa, mas não gosto desse início.
Tem um pensamento que martela minha cabeça desde o momento que
meu futuro namorado me mandou mensagem confirmando o horário do
encontro. Eu tento não pensar nisso, mas as palavras do Atlas parecem
gravadas em brasa na minha pele.
Tenho certeza que o Hunter vai te buscar também.
Então, conselheiro amoroso, dessa vez você errou. Marcamos de nos
encontrarmos direto no restaurante, algo mais prático, contemporâneo. Isso
de buscar em casa é tão… anos 2000? 1900? Enfim, é coisa do passado.
Não vou crucificar o Hunter só porque o Atlas alugou um Porsche por mim.
Mesmo que eu não ligue, uma parte minha adoraria saber que o
Hunter é o tipo de cara que não se importaria de me buscar em casa só para
ter mais tempo ao meu lado.
Chego no restaurante e passo os olhos no lugar. Ainda faltam dez
minutos para às oito, o horário que combinamos, e não o vejo. Sigo para a
mesma mesa da noite anterior. Apesar de mais reservada, conseguimos ter
uma visão da rua através de uma janela aberta que soprava uma brisa fresca.
Se funcionou ontem, vai funcionar hoje.
— A senhorita deseja beber alguma coisa?
Uma garçonete para ao meu lado. Não é a mesma pessoa que nos
atendeu ontem, o que é uma diferença bem-vinda. Não sei o que acontece
nas fofocas deles dentro da cozinha, mas não quero virar tema de
especulações.
— Só uma água com gás com gelo e limão, por favor — digo. —
Estou esperando alguém.
Ela faz um aceno e se afasta. O lugar está um pouco mais vazio que
ontem, mas não a ponto de qualquer conversa ecoar por todo o restaurante.
Está perfeito.
Abro um sorriso ao imaginar que esse cenário não teria sido bom na
noite anterior. Meu falso date com Atlas às vezes saía do controle com nós
dois rindo e falando com vozes mais exaltadas. A culpa foi do saquê, por
isso, decidi não beber hoje.
O tempo passa arrastado e depois de 15 minutos de atraso vejo Hunter
aparecer na porta. Ele percorre o local com os olhos e abre um sorriso ao
me ver. A impaciência que nascia em meu peito com a espera é
imediatamente derretida ao ver a expressão de felicidade no rosto do
quarterback mais lindo da liga universitária.
— Oi, desculpa o atraso — ele para ao meu lado e me levanto para
cumprimentá-lo com um beijo no rosto. Ele tem cheiro de frescor, de
energia, como uma chuva de verão que vem aplacar a seca. — Foi difícil
achar uma vaga.
Olho para a roupa que ele usa e não sei o que pensar a respeito. Ele
não está mal vestido, de forma nenhuma, continua lindo e deslumbrante
como sempre, mas tem algo que me incomoda e não sei o que é. Hunter usa
uma camisa vermelha lisa e uma calça Cargo — ele parece gostar desse tipo
de calça — preta. É uma combinação vibrante, mas que não parece encaixar
muito com a ideia de um encontro.
Parece uma roupa que ele usaria na faculdade.
— Nossa, você está linda.
O elogio me pega desprevenida quando voltamos a nos sentar. Sinto a
pele corar de leve. Minha vontade é dizer que separei aquele conjunto azul
especialmente pra ele, mas sei que não posso bancar a emocionada. Não no
nosso primeiro encontro.
— Muito obrigada, você também está, como sempre.
Vejo o sorriso no rosto dele se abrir ainda mais. Começo a passar os
momentos do date da noite anterior na minha cabeça como se fosse um
catálogo onde eu pudesse escolher os tópicos de conversação. O problema é
que a maioria deles só funcionam com Atlas.
— O que achou do lugar? — pergunto.
Ele disse que queria conhecer o restaurante, então talvez esse seja um
bom começo.
Seus olhos varrem o espaço em silêncio.
— Nada mal. Gostei da vibe e essas plantinhas — aponta para as
mudas de Jiboia que se espalham pelo telhado — passam uma ideia meio
rústica que funciona bem. Mas o que importa mesmo é a comida. — Ele
olha para mim. — E você, o que achou?
Concordo com ele. O lugar realmente é aconchegante. Obviamente,
não digo que a comida era boa. Não queria que ele soubesse que tinha
simulado o nosso encontro na noite anterior. Não que eu tenha vergonha
disso, mas a maioria das pessoas não entenderia esse lado meu.
Tá, ninguém, exceto Atlas Campbell, entenderia. Na verdade, não sei
se ele entende ou só não se importa o suficiente para questionar. Ele não
parece ser do tipo que se importa com muitas coisas. Dá pra chamar de
espírito livre, eu acho.
A mesma garçonete que trouxe a água com gás aparece ao nosso lado.
Hunter abre um cardápio e começa a murmurar os nomes. Acho um gesto
fofo, indica que está à vontade comigo. Tento respirar com calma e me
deixar levar pela vibe do encontro sem planejar tanto as coisas. Não quero
soar travada ou uma máquina de repetição.
Pego o cardápio, mais pelo gesto em si, do que pela dúvida. Eu sei o
que vou pedir.
— Eu vou querer um vegan ramen — digo para a garçonete.
— Dieta?
A pergunta direta me pega de surpresa. Olho para Hunter e tento
disfarçar o susto inicial. Sua expressão é de curiosidade, por isso respondo.
— Bom, é um tipo de dieta, se a gente for pensar que ela restringe a
carne. Eu sou vegetariana — as sobrancelhas dele se levantam em um arco.
— Mas nem por isso pense que eu como pouco.
— Que bom. Assim não fico com a sensação de estar comendo toda a
comida do planeta enquanto você apenas belisca tipo um passarinho. — Ele
volta a olhar para a garçonete. — Eu vou querer um ajitama tsukemen.
Parece bom.
Ele tem um sorriso no rosto ao fazer o pedido. Parece feliz com a
possibilidade de ter comida em breve. Imagino que atletas precisem ingerir
uma quantidade enorme de calorias por dia. Não consigo evitar o
pensamento de que, diferente de Atlas, ele sequer hesitou em comer carne
na minha frente.
Percebo que estou pensando demais no Atlas.
Foca, Taylor.
— E o que vocês vão beber?
Hunter toma a iniciativa.
— Pode trazer um saquê quente pra gente.
Levanto a mão em um gesto contido, mas firme.
— Eu não vou beber, obrigada — olho para a garçonete — para mim,
um matcha gelado.
Hunter levanta as sobrancelhas novamente. Esse é um gesto que ele
faz com frequência.
— Gosto disso. Garotas que não bebem. Dou valor.
A garçonete se afasta enquanto fico remoendo aquela frase. O que ele
quer dizer com isso? Não é possível que ele seja o tipo de pessoa que julga
mulheres que bebem. Não, não é o caso. Ele assumiu que eu beberia saquê
com ele. Então, por que disse isso? Tudo bem, eu preciso parar de tentar
pegar todo significado oculto das coisas que ele fala. Hunter também deve
estar nervoso.
— Mas me conta mais sobre você — pergunto e só então percebo que
foi uma péssima maneira de puxar assunto. Por isso, emendo. — Como
estão os treinos?
Percebo que não foi uma boa escolha quando o sorriso no rosto dele
murcha um pouco.
— Vão bem, eu acho. Quero dizer, antes estava uma merda, mas
agora parece que tá um pouco menos pior, entende? O Atlas tá conseguindo
fazer alguma coisa, mas ainda acho que é pouco.
— Talvez os jogadores só precisem ser um pouquinho motivados.
— Algo assim. É meio complexo, na verdade. O time não é brilhante,
eu sei disso, todo mundo sabe, mas também não somos tão ruins como os
últimos resultados mostraram.
Espero ele continuar, porque sinto que tem mais por vir.
— Acho que se o Atlas tivesse aparecido antes, talvez a gente tivesse
alguma chance.
— Nossa, ele é tão bom assim?
Hunter ri.
— Ele é estranho. — Faz uma pausa. — Já assistiu Ted Lasso?
— Não, mas já ouvi falar.
— Ele parece o Ted, mas sem o lado fofo, sem o lado carinhoso e sem
o lado otimista. E, claro, sem o bigode. — Ele ri do próprio comentário.
Como nunca assisti a série, não sei porque aquilo seria engraçado. — Mas
não sei, tem algo nele que me faz pensar no Ted. Acho que é essa coisa de
acreditar nas pessoas.
Eu consigo entender perfeitamente o que ele quer dizer. Praticamente
sem me conhecer, ele tinha topado entrar no meu plano maluco de
conquistar o Hunter. Parecia o jeito dele de dizer: acho bizarro, mas se é o
que você quer, vai fundo.
— Pior que ele é bem assim mesmo.
Abro um sorriso que não passa despercebido por Hunter.
— Você parece conhecer ele bem. São amigos há muito tempo?
— Na verdade não. A gente se conheceu esse semestre, mas sabe
quando você tá procurando um amigo e parece encontrar a pessoa certa? —
Faço questão de ressaltar a palavra-chave dessa frase. — Acho que foi por
aí.
— Deve ser legal ter amizade com uma das estrelas de um dos
principais times da Califórnia. E ainda sendo filha do Elijah Lynch, uma
lenda do esporte. Você tá cercada de gente importante.
— Eu não vejo o Atlas como uma celebridade. Comigo ele é normal.
A gente conversa sobre coisas idiotas, coisas de amigo mesmo. — Me
lembro do que Atlas falou sobre mostrar como tenho opções. — Mas eu já
conheci o Noah.
— Noah Hwang? — ele pisca duas vezes ao dizer o nome do astro da
NFL.
— O próprio. Foi antes de conhecer o Atlas. A gente tava no mesmo
bar, e ele me pagou uma bebida. — Vejo a boca de Hunter se abrir e não sei
se é choque ou inveja por querer estar no meu lugar. Eu aumentei um
pouquinho a realidade, já que fui eu que paguei uma bebida para ele, mas
ninguém precisa saber do fora que eu levei. — Não rolou nada, mas me
rendeu uma história pra contar.
— Nossa, ele é foda. Faz os outros quarterbacks parecerem piada.
Ele ajeita a postura na cadeira e inclina o corpo levemente para frente.
Pode ser impressão minha, mas Hunter parece muito mais empolgado
comigo.
Odeio como Atlas está sempre certo.

∞∞∞
Depois de quase uma hora de conversa, pedimos a conta e saímos do
restaurante. Até que foi uma conversa gostosa, nada de extraordinário, mas
agradável. Tento a todo custo afastar a palavra morna da minha mente. É
normal que as coisas não encaixem 100% em um primeiro encontro. É um
período de se conhecer e explorar um território novo.
Mesmo tendo essa ciência, confesso que senti as borboletas no
estômago um pouco preguiçosas. Onde estava a bagunça que elas faziam
sempre que eu pensava no Hunter? Agora, ele está aqui, ao meu lado,
enquanto me acompanha até o carro. Uma cena que eu sonhei várias vezes,
e o que recebo dessas ingratas borboletas?
Quietude.
Calmaria.
Silêncio.
Chegamos no local onde meu Jeep está e paramos ao lado dele.
Hunter percebe que a despedida se aproxima.
— Eu me diverti muito com você hoje.
Abro um sorriso sincero. Também me diverti bastante.
— Eu também, apesar do seu mal gosto para filmes.
Consigo arrancar uma risada dele. Durante a conversa, descobri que
ele só assiste filmes de terror, e a maioria, de baixo orçamento. O ataque
dos donuts assassinos, sofá assassino, pneu assassino, Terrifier e coisas
parecidas.
— Vou adorar repetir a dose com você qualquer dia desses.
Ele dá um passo à frente encurtando a distância entre nós. Eu sei o
que acontece agora: o beijo pelo qual eu passei o primeiro semestre inteiro
esperando. Meu coração acelera e meu corpo parece acender. Algumas
borboletas acordam e começam a bagunça no meu estômago, mas ainda não
sinto que é suficiente. É como se meus sentimentos estivessem dormentes
hoje.
— Eu mal posso esperar.
Uma de suas mãos sobe até meu rosto e ele acaricia minha bochecha
antes de se aproximar devagar. Sinto o cheiro do saquê nos seus lábios e
então fecho os olhos quando nossas bocas se encontram. O movimento
começa descoordenado, mas rapidamente pegamos o ritmo um do outro.
Apoio minhas mãos na cintura dele e me deixo guiar pelos movimentos da
sua língua.
Infelizmente, meu cérebro não parece tão empolgado com a presença
de Hunter Simmons, ao menos não tanto quanto meu coração. Lembranças
do meu beijo com Atlas no auditório voltam com tudo, a forma como ele
apertou minha bunda e disse que queria me foder em cima do piano.
Pelo amor de deus, Taylor, que hora de merda pra lembrar disso.
Ele se afasta apenas o suficiente para olhar para o meu rosto. Vejo o
sorriso sincero dele e logo retribuo. Seus olhos escaneiam os meus em
busca de sinais mostrando o que estou pensando.
— Obrigada pela noite.
Ele acena, ainda com um sorriso no rosto.
— Eu que agradeço. — Lança um olhar para a rua vazia. — A gente
se fala, Taylor Lynch.
Levanto a mão em um aceno enquanto ele se afasta devagar. Subo no
Jeep e reparo pelo retrovisor que ele ainda olha duas vezes para trás, para
ter certeza que entrei no carro em segurança. Não consigo deixar de pensar
que é fofo da parte dele.
Apesar disso, me sinto estranha.
Eu tive o tão sonhado encontro com o homem da minha vida, mas não
foi exatamente do jeito que eu imaginava. Esse deve ser o lado ruim de
idealizar demais alguma coisa. A realidade nunca consegue chegar aos pés
do que imaginamos.
Capítulo 14 - Atlas Campbell

(ou: jogador em crise com suas próprias crenças)

— Faz quase quinze dias que você tá em Los Angeles — Chad


começa, sua voz eletrônica vindo do canto do sofá onde joguei meu
telefone. — E tudo que recebemos foi uma fofoca de namoro nos jornais.
Impressionante como um ombro lesionado tem o poder de domar um
homem.
— Não vamos subestimar essa fofoca de namoro também — Noah
reclama, de algum lugar da casa de Chad. — Foi com a filha do empresário
dos Los Angeles Chargers.
— O Zade ficou o dia inteiro sem rumo quando essa fofoca saiu.
Meus olhos observam Scorpion desviar dos leques da Kitana na
televisão. A experiência de jogar Mortal Kombat com uma única mão tem
se mostrado desafiadora, mas vou ser expert nisso em algumas semanas.
— É só fofoca — ressalto. — Somos amigos.
— Ninguém acredita nisso vindo de você — Chad provoca.
— Tenho certeza que eles já se comeram — Noah pontua.
— Você é o cara que come suas amigas, não eu — a palavra
“FATALITY” surge na tela, seguida do clássico “FINISH HER”. Uma
animação do Scorpion quebrando o pescoço da Kitana toma conta da
televisão. — A gente se beijou, só isso.
O tom de voz de Chad é surpreso.
— Desde quando você beija pessoas sem transar com elas?
— Vocês estão me fazendo parecer um garoto de programa — eu
deixo o controle remoto de lado para pegar o celular e mostrar o dedo do
meio para eles. — Eu estou sendo um cara útil pra comunidade durante a
minha licença. Taylor queria sair com um cara do time dos Bruins e eu
decidi ajudar. Daqui uns dois meses eles vão estar namorando graças a
mim.
Chad e Noah trocam um olhar, então explodem em uma risada.
— Ela não bate muito bem da cabeça, né? — Noah zomba. — Quem
em sã consciência te pediria ajuda em assuntos amorosos?
Chad concorda.
— Você nunca namorou, não sabe nada sobre namoros.
— Mas sei sobre levar mulheres pra cama, o que é essencial pra um
namoro começar.
Noah acha graça.
— Eu não confiaria em você como cupido nem que fosse minha
última opção.
Reviro os olhos para ele.
— A Taylor nem precisava de tanta ajuda assim, pra ser honesto —
eu pego o celular e caminho até a cozinha, apoiando-o na bancada para
abrir a geladeira. — É bonita, engraçada, inteligente — e
consideravelmente doida, mas deixo essa parte de lado. — E é uma ótima
atriz. Vocês precisavam ver quando ela encenou uma das cenas de Diário de
uma paixão, a faculdade inteira ficou maluca e… — eu encaro a tela do
telefone, surpreso com o silêncio dos dois. — O que foi?
Chad e Noah se entreolham.
— Meu Deus, nós estamos vivendo um momento histórico — Noah
solta uma risada e eu continuo sério, porque ainda não entendi o que eu
disse de tão engraçado.
— Você tá se apaixonando por ela — Chad solta, e ele poderia ter
preparado o terreno antes, porque definitivamente eu não estava pronto pra
ouvir uma coisa como essa. Nada que Orion não tivesse previsto antes, mas
meus amigos passam mais tempo comigo do que meu irmão desde que
entrei pros Pythons e, por consequência, a opinião deles vale mais. — Atlas
Campbell tá se apaixonando por uma garota!
— Essa é a coisa mais absurda que eu já ouvi — murmuro. — De
jeito nenhum, fala sério. A gente não tem nada a ver — e eu vou ignorar
que uma noite atrás eu acabei dizendo que ela era meu tipo ideal de mulher,
porque eles não precisam saber disso. Foi um comentário da boca pra fora.
Assim, eu acho.
— Você não estava se vendo — Noah argumenta. — Em três anos de
amizade eu tenho certeza que você nunca falou de ninguém assim antes.
Vai, Chad, fala pra ele.
— Eu vou ter que concordar.
— Vocês são patéticos — respondo, simples. — Tem uma lista de
mulheres em Los Angeles querendo transar comigo, vocês acham mesmo
que eu me importaria com uma universitária qualquer?
— Agora ela é uma universitária qualquer — Chad zomba. — Tudo
bem, cara, a primeira fase é a negação.
— Não estou negando nada — eu abro a geladeira, mas desisto de
pegar a lasanha que Orion deixou para mim. Essa conversa me deixou sem
fome. — Só estou esclarecendo. Eu estou de encontro marcado com uma
modelo de lingerie, se vocês querem saber.
— É mesmo?
Não, mas tenho certeza que tem uma modelo de lingerie querendo
sair comigo em algum lugar de Los Angeles.
— É. Vamos na premiére da peça da minha mãe na Broadway
Hollywood. Porque eu não gosto da Taylor e estou saindo com mulheres
que não são a Taylor no meu tempo livre.
Noah ri.
— Tá tentando provar isso pra gente ou pra você?
— Ai, vão pra casa do caralho — reclamo. — Vocês são dois
insuportáveis.
— É melhor você continuar negando — Noah sugere. — Ninguém
quer ter Elijah Lynch como sogro.
— E ninguém quer ter uma namorada que torce pro time rival —
Chad completa.
Reviro os olhos.
— Nem sei se ela torce pra algum time.
Noah ri.
— Olha só ele defendendo a futura namorada.
— Eu não vou namorar ninguém — corto. Antes que eu possa
continuar a minha linha de raciocínio a campainha toca. — Esperem aí —
eu deixo o telefone em cima da bancada e vou até a tela do circuito de
câmeras de segurança. Clico na câmera da porta da frente e cerro os olhos
ao ver Taylor na porta. Ela acabou de sair da faculdade, julgando pelo seu
uniforme de líder de torcida. Hoje o conjunto de saia e cropped deu lugar a
um vestido amarelo e azul, nas cores da UCLA.
Por um momento, penso em não atender. Pode ser que eu esteja um
pouquinho paranóico com o que Chad e Noah acabaram de falar, mas e se
eles estiverem certos? Balanço a cabeça em negativa. É claro que não. Eu
não me apaixono e, se isso acontecesse, eu seria o primeiro a saber.
Aperto o botão do interfone e abro a porta para Taylor sem dizer
nada.
Volto para pegar meu celular.
— Meu almoço chegou — digo, sem mais explicações. — Ligo pra
vocês mais tarde.
E desligo antes que eles tenham a oportunidade de me contestar.
O fato de Taylor estar aqui depois do seu encontro com Hunter
acende várias luzes vermelhas dentro do meu cérebro. Pelos meus cálculos,
eles deveriam estar vivendo um período de lua de mel, quando você acaba
de conhecer uma pessoa interessante e quer passar todo tempo do mundo
com ela. Se ela está aqui e não com o Simmons, significa que a noite não
foi das melhores. Talvez eu esteja dando aulas de flerte pra pessoa errada.
Observo pelas câmeras quando ela cruza o jardim e entra na sala.
— Desculpa vir sem avisar — Taylor começa. — Pensei em mandar
uma mensagem, mas eu estava passando aqui por perto, então…
— Tudo bem — eu me sento no sofá e aponto o espaço vazio ao meu
lado para ela. — Como foi o encontro? Já decidiram o nome dos seus
filhos? Já sabem em qual igreja de Los Angeles vão se casar?
Taylor dá um suspiro e se senta, resignada. Ela não está triste, mas
não está feliz. É um meio termo estranho e eu não sei o que esperar.
— Foi bom — e isso é tudo que ela diz em um primeiro momento.
Duas palavras para uma pessoa falante como Taylor Lynch é
preocupante. As luzes no meu cérebro estão mais intensas agora.
— Bom?
— É, foi realmente bom — insiste. — Tipo, não é culpa do Hunter se
eu criei algumas expectativas megalomaníacas sobre ele. Eu só… não sei.
Esperava mais? Eu achava que a gente tinha uma conexão. Na verdade,
ainda acho que temos uma, ela só não estava muito ativa ontem à noite —
dá de ombros. — De toda forma, ele finalmente acertou meu sobrenome.
Solto o ar pela boca, sem conseguir conter uma risada.
— É uma grande vitória, Lynch é um dos sobrenomes mais
complexos que eu conheço.
Taylor revira os olhos.
— Eu não preciso do seu comentário irônico, estou tentando ver o
copo meio cheio — bufa, cruzando os braços. — É normal?
— O que?
— Que seja meio… — vejo que ela está se esforçando para encontrar
a palavra certa. — Morno. Quer dizer, nós ainda estamos nos conhecendo.
Não quer dizer que vai ser assim sempre. Acho que só precisamos passar
mais um tempinho juntos até as coisas se encaixarem, né?
Minha resposta honesta seria não. Tesão, desejo e química são coisas
que você não pode construir com alguém: ou você tem ou você não tem. É
diferente de outros sentimentos mais simples, como afinidade,
companheirismo, até mesmo amizade. Você pode escolher quem vai ser seu
amigo, mas não pode escolher por quem seu coração dispara. Mesmo assim,
eu minto, porque sei que ela não veio até aqui atrás da verdade, não dessa
vez.
— Sim, vocês vão dar um jeito nisso.
Taylor abre um sorriso.
— Ótimo — o meu comentário faz a Taylor com a qual me acostumei
nos últimos dias renascer. — Vou convidá-lo pra premiére de Água para
Elefantes na Broadway Hollywood — solta, animada. — Ainda bem que o
Mr. Ford deu dois ingressos pros vencedores do concurso e…
Eu percebo que perdi uma informação importante nos últimos dias.
— Era isso? — pergunto, incrédulo. — O prêmio da apresentação?
— Sim, eu não te contei?
— Não — movo a cabeça em negativa. — Eu teria te conseguido os
ingressos se soubesse.
— Ah, você teria usado a sua influência de jogador de futebol por
mim.
— Não — rio. — Dessa vez seria a influência de filho da atriz
principal da peça.
Taylor me encara, séria. Ela cerra um pouquinho os olhos claros e eu
quase consigo ver os seus neurônios formando uma linha de raciocínio
completa.
— Você é filho da Ashley Jones?
— Ashley Jones Campbell — falo, como se fosse óbvio. — Você
nunca reparou na semelhança física?
Taylor faz que não.
— Los Angeles tem muitos loiros — debocha, como se ela não
estivesse inclusa nessa categoria. — Meu Deus. Eu… Nossa — ela dá uma
pausa, então ri. — Sou obcecada com os filmes dela. É uma das minhas
atrizes favoritas, não acredito que ela é sua mãe.
— É o que diz na minha certidão de nascimento, pelo menos —
brinco.
— Então você vai?
— Na peça? — ela confirma com a cabeça, então continuo: — Sim.
Os olhos de Taylor brilham.
— Com quem? — ela faz a pergunta, mas não me dá tempo de
responder. — Ai meu deus, nós vamos ter um double date! Triple, se a
gente considerar que a Julia e a Mindy também vão.
— Ainda não escolhi a garota sortuda que vou levar.
— Mas já é semana que vem! — Taylor solta o ar pelo nariz,
indignada. Ela se aproxima de mim no sofá, seu corpo quase caindo em
cima do meu. — Vai, abre esse Instagram. Vamos escolher agora.
— Vamos escolher agora? — eu repito. — Simples assim?
— Ai, não se faça de idiota — ela reclama. — Achar uma garota pra
sair com você não é a tarefa mais complicada do mundo. Me fala o perfil
que você quer e me dá quinze minutos com seu celular.
— Olha aí — entrego o celular para ela. — A aprendiz superando seu
mestre.
Taylor balança a cabeça em negativa, como se dissesse que eu estou
falando besteira. Ela entra no meu Instagram e faz uma careta para a caixa
de mensagens.
— Caralho, quantas mulheres respondem os seus stories?
— Muitas, principalmente depois que machuquei o braço. Acho que
desperta o instinto materno de vocês.
— Tesão em homem remendado — ela debocha. — Essa é nova. Vai,
me fala com quem você quer sair.
— Uma modelo de lingerie.
— Modelo de lingerie?
Assinto.
— Acho que nunca transei com uma modelo de lingerie antes, e olha
que boa parte das profissões já foram.
— Tá bom, vamos lá… — ela desliza o dedo pela tela do meu celular,
sem deixar que eu veja o que está fazendo. — Abigail Perez — vira a tela
pra mim. — Era uma das angels da Victoria’s Secret.
— Não vou sair com uma mulher chamada Abigail. É nome de vó.
— Tá bom, nada de Abigail… — Taylor volta sua atenção para a tela.
— Samantha Reynolds. Ela é do time principal de modelos da marca da
Rihanna — ela me mostra a foto da mulher e eu faço uma careta.
— Muito ruiva.
Taylor bufa.
— Sem Abigails, sem ruivas — ela não desiste, voltando a procurar.
— Aqui! Essa é perfeita. Candice Falópio. Ela é francesa.
— Francesa?
— Não gosta de francesas? — Taylor solta o ar, irritada. — Eu estou
começando a desconfiar que você não quer sair com ninguém.
— Não mesmo, sou um lobo solitário — zombo. — Tá bom, manda
mensagem pra essa Candice. Só não elogia as mãos dela, por favor.
— Supera isso — Taylor encara o teclado do celular como se fosse
uma missão de vida ou morte. Cinco minutos se passam e ela bloqueia o
telefone. — Pronto! Vamos esperar ela responder.
— Não vai me mostrar?
Taylor nega.
— Só quando ela responder — ela coloca o celular em cima da mesa
de centro, longe do meu alcance. — Aproveitando que estou aqui, acho que
é hora de… — Taylor morde o lábio, então hesita. — Intensificarmos as
nossas lições.
Eu a encaro, sem entender.
— É que… — de repente, ela parece envergonhada. — Agora que eu
e o Hunter já nos beijamos, é normal que as coisas evoluam.
Assinto e ainda não consigo entender aonde ela quer chegar.
— Eu queria que você me ensinasse — Taylor tosse, mas tenho
certeza que é só uma forma de disfarçar seu nervosismo. — Algumas coisas
sobre sexo. De forma prática.
Meus olhos se arregalam quando finalmente entendo o que ela quer
dizer.
— Você é…
— Virgem. Isso.
O comentário de Taylor faz muitas coisas se encaixarem dentro do
meu cérebro. A forma como ela me perguntou o que faria se ele tentasse
alguma coisa, seu nervosismo na praia quando mencionei a palavra virgem.
O fato dela ser virgem, na verdade, estava estampado na minha cara o
tempo todo, eu só não liguei os pontos porque achava a ideia absurda. É
óbvio que ela nunca transou com alguém só porque nunca quis.
— Virgem tipo virgem ou virgem…
— Virgem de tudo, Atlas, pelo amor de Deus — Taylor cruza os
braços, irritada. — Pra nossa primeira lição, eu estava pensando em te
chupar.
A forma como ela fala de boquete como se fosse um exercício teórico
é estranha e excitante ao mesmo tempo.
— Tudo bem pra você?
— Tudo bem pra mim? — eu questiono, incrédulo. — Tudo ótimo pra
mim.
— Mas você tem que prestar atenção — alerta ela, como se
estivéssemos falando de desarmar bombas e não de sexo. — Pra me falar se
eu fiz direito.
— É praticamente intuitivo.
Taylor não parece convencida do meu comentário. Ela se arrasta pelo
sofá e se senta no meu colo, com cuidado para não esbarrar no meu ombro.
Taylor olha pra mim, tira um cacho de cabelo que ameaça entrar
dentro do meu olho e ri.
— Disse que não ia te beijar de novo.
— Parece que sua palavra não vale muita coisa.
— Acha que estou sendo uma vagabunda com o Hunter?
— Tecnicamente, você só está aprendendo.
— Falando sério.
— Não acho. Você é solteira até que vocês acordem o contrário —
dou uma pausa. — Mas não sou um grande exemplo de caráter. Imagina
que é o Hunter se é essa a sua questão.
Taylor morde o lábio de novo. Está em dúvida sobre dizer ou não
alguma coisa, mas escolhe dizer. Ela sempre escolhe dizer.
— Não dá — solta. — Sinto mais tesão em você.
Taylor fala isso como se dissesse que prefere Coca-Cola ao invés de
Pepsi. Talvez eu seja um pouco masoquista, porque a ideia de ser um mero
objeto nas mãos dela faz o meu corpo inteiro pulsar. Eu sei que eu não
deveria, ela sabe que eu não deveria, mas quando dou por mim, minha boca
já encontrou a dela. E como todos os nossos beijos antes desse, é intenso e
desesperado, como se estivéssemos dentro de uma bolha onde nada mais
importa. Sua língua tem gosto de sorvete de pistache e eu consigo imaginá-
la tomando uma casquinha na beira da praia enquanto decide se deve ou não
vir até aqui, embora já tivesse a resposta desde o começo. Odeio como
aprendi a interpretar os seus sinais tão bem e tão rápido. É uma evidência de
que passo muito mais tempo do que deveria prestando atenção nela.
O combinado era um boquete, mas sei que estamos indo além disso
quando minha mão desce a alça do seu uniforme pelo ombro. Taylor solta
um gemido contra a minha boca no momento que meus dedos envolvem o
bico do seu seio, apertando-o. Ela se esfrega suavemente contra minha
calça, arfando ao sentir o meu pau duro roçar sua calcinha por baixo do
tecido. Nesse momento, eu queria que ela não fosse virgem — porque vai
contra minhas crenças de solteiro convicto tirar virgindades — e queria que
ela não tivesse planos, para passar a tarde inteira fodendo sua boceta, uma
vez em cada canto da casa.
Taylor afasta os lábios dos meus por um segundo e recupera o fôlego.
Ela beija o meu queixo e desce até o meu pescoço, lambendo, beijando e
mordendo minha pele. Uma de suas mãos desce até o meu pau e ela o
esfrega com a palma da mão por cima da calça, sorrindo quando consegue
arrancar um gemido meu. Não é nenhum exagero quando digo que essa
mulher é uma peste.
Ela abandona o meu pescoço e desliza o corpo por mim, se
ajoelhando na frente do sofá. Taylor não ajeita a alça do uniforme e eu
tenho uma visão privilegiada dos seus seios balançando suavemente quando
ela se apruma no tapete de veludo de Orion. São quase quatro da tarde e o
sol começa a invadir a sala aos poucos, deixando sua pele num tom bonito
de dourado. Meu deus, eu quero devorar cada pedaço dela.
Taylor apoia as mãos nos meus quadris e então puxa minha calça para
baixo. Seus olhos caem no volume na minha cueca e seus lábios se abrem
em um pequeno “O” mudo. Ela pisca, como se estivesse tentando afastar o
próprio choque. Taylor ri pra mim.
— Caralho — murmura. — Faz juz aos dois metros de altura.
— Essa não é a parte mais impressionante.
— Qual é?
Eu aponto minha cueca com a cabeça e as mãos de Taylor sobem até
a barra do tecido. Sem cerimônia e movida por uma curiosidade óbvia, ela
desce o tecido pelas minhas pernas e deixa uma risada escapar quando
percebe.
— Você tem um piercing na cabeça do pau? Isso não… — ela ri de
novo — Ai, não sei porque estou surpresa. Não machuca na hora de jogar?
— Nós usamos proteção antes de entrar no campo, mas eu tiro
durante os jogos.
Taylor balança a cabeça, incrédula.
— Estou perdendo minha virgindade de boquete com um pau enorme
que usa brinco — é impossível não rir da forma que ela fala pau enorme
que usa brinco. — Dá pra dizer que eu venci na vida.
O comentário de Taylor me faz perceber que nunca fiquei com
alguém, sexualmente falando, com quem eu tivesse tanta intimidade. Não é
como se uma garota que eu acabei de conhecer em uma balada fosse tecer
esse tipo de comentário sobre o meu pau — pelo menos não a parte do
brinco. Meus sentimentos quanto a isso são confusos e eu não consigo
defini-los, principalmente porque Taylor envolve a cabeça do meu pau com
uma mão e lambe a ponta, passando a língua pelo piercing e varrendo todos
os meus pensamentos para o mais longe possível.
Minha mão adentra o seu cabelo e eu junto os fios loiros em um rabo
de cavalo, puxando-os. Eu coloco o meu pau na boca de Taylor, mas deixo
que ela tome a iniciativa do que fazer ou não. Não acredito no que estou
fazendo: avaliando a porra de um boquete. Não era nisso que eu estava
pensando quando vim pra Los Angeles, mas parece que o universo tem
encontrado mil e uma formas de me surpreender.
Sei que Taylor não teria motivos pra mentir, e só por isso acredito que
ela nunca fez isso antes. Sua língua sabe exatamente onde ir e trabalha em
perfeita harmonia com a própria mão, me masturbando e lambendo no
mesmo ritmo. Ela chupa toda extensão do meu pau, indo do topo da cabeça
até o saco, repetindo o processo incansáveis vezes. Observá-la ajoelhada no
chão da sala, semi nua e fazendo todo esse processo é praticamente um
orgasmo visual.
— Eu vou tentar colocar tudo — diz, sem parar a masturbação. —
Mas talvez eu engasgue.
— Eu não reclamaria de ver você engasgando no meu pau.
Taylor respira fundo antes de envolver meu pênis com a boca mais
uma vez. Ela não consegue engolir por completo — faltam uns bons três
centímetros —, mas a sensação do seu hálito quente contra minha pele é
suficiente para que a cabeça do meu pau pulse ainda mais. Eu me levanto
do sofá e Taylor continua ajoelhada, agora apoiando as mãos na minha
bunda, suas unhas me arranhando suavemente. Meus quadris se movem
contra ela e seus lábios se movem contra mim, resultando numa fricção que
faz meus dedos puxarem seu cabelo com mais força.
Ela resiste a cinco ou seis investidas até engasgar, e a imagem dela se
engasgando com meu pau é tão deliciosa quanto eu achei que seria. Taylor
não se dá por vencida. Ela passa as costas da mão pela boca e volta a me
lamber, como se isso fosse uma questão de vida ou morte. Seus olhos estão
presos nos meus e nenhum de nós ousa cortar o contato visual. Taylor passa
a língua pela cabeça do meu pau, chupando cada centímetro sensível, dando
atenção especial a área do piercing. Ela está muito satisfeita em me ver
gemendo e observa minha respiração entrecortada como se fosse um
espetáculo a ser apreciado.
Taylor continua seu trabalho com a boca, mas uma das suas mãos
desce até a barra do uniforme e ela o levanta de forma desajeitada, expondo
sua calcinha. Eu tenho a impressão que meu pau vai explodir quando ela
enfia os dedos dentro da calça e se esfrega em busca de algum alívio. Sinto
que estou completamente hipnotizado por ela, pelos dedos se movendo
contra o clitóris dentro da calcinha de renda. Se aliens estacionassem no
meu quintal agora, eu nem saberia.
Os lábios de Taylor se afastam do meu pau e uma de suas mãos volta
a me masturbar enquanto ela se toca com a outra. Ela fecha os olhos e tudo
naquela cena é perfeito: os bicos duros dos seus seios, os gemidos que
escapam por seus lábios, a forma como o ritmo das suas duas mãos
aumentam à medida que ela sente mais prazer. Nesse momento, sei que ela
só precisa dizer que quer para eu jogar toda a minha convicção sobre não
tirar virgindades na lixeira mais próxima.
— Taylor…
— Hm? — ela não abre os olhos. Está absorta, concentrada no
movimento das suas mãos.
— Se continuar desse jeito, eu vou te encher de porra.
Eu espero que Taylor se levante, mas ela fica no mesmo lugar.
— Na verdade, eu gosto da ideia — ela solta um gemido quando se
esfrega com mais rapidez. — Pode gozar em mim.
Caralho. Eu tenho a impressão que Taylor Lynch vai me matar,
porque meu cérebro entra em curto-circuito com a sua afirmação. Mais um
gemido escapa da sua boca e sua mão perde um pouco de força ao redor do
meu pau. Eu noto seus joelhos tremerem contra o carpete e entendo que
preciso terminar isso sozinho. Eu começo a me masturbar enquanto Taylor
me observa. Ela endireita os joelhos e firma o corpo relaxado, digno de
quem acabou de ter um orgasmo. Num golpe fatalíssimo, Taylor coloca a
língua para fora e abre a boca, esperando que eu goze.
Puta merda, essa mulher.
Eu não aguento nem mais um segundo. Meu coração acelera ainda
mais e é um puta esforço para me manter de pé quando um jato de porra
escorre pelos lábios de Taylor, sujando seu queixo, seus seios e seu
uniforme. Admito que eu gostaria de ter uma foto desse momento para
guardar para sempre: ela jogada no carpete da sala com meu gozo marcando
seu corpo inteiro.
Meu Deus, o que foi isso?
— E aí? — ela se levanta. — Passei no teste de boquete?
— Não — movo a cabeça em negativa e me sento no sofá. — Precisa
fazer mais umas vinte vezes pra treinar. Pode começar agora se quiser.
Taylor ri.
— Idiota — ela aponta para a própria roupa. — Posso tomar um
banho?
Movo a cabeça em afirmativa.
— É no final do corredor. Vou pegar uma camisa pra você.
Taylor agradece com um sorriso. Para o meu próprio bem, vou
ignorar a vontade insana de entrar no chuveiro junto com ela. Eu não quero
nem pensar na remota possibilidade disso ter sido um convite, porque não
confio em mim, não confio em nós, não confio que ela vai sair dessa casa
virgem se tomarmos banho juntos.
Com toda certeza, Taylor Lynch é um furacão.
E ela acabou de passar por cima de mim.
Capítulo 15 - Taylor Lynch

(ou: futura atriz jogada contra a parede - não de um jeito bom)

Uma vez eu vi em algum lugar que deveríamos ser gratos ao


Halloween, porque é ele quem impede que as decorações de natal comecem
já em setembro. E é a mais pura verdade. Não que a melhor festa do ano
precise de mais um motivo para ser amada, quem não curte Halloween não
só matou a criança interior como a enterrou em um lugar muito distante.
— Ai, fala sério — Julia dá um passo para o lado ao se assustar com o
grito que uma caveira solta na porta de uma loja de fantasias. — Eu odeio
essa época.
Como em um movimento coordenado, eu e Cleo paramos de andar e
encaramos o casal que ainda dá dois passos na nossa frente antes de notar
que ficamos para trás.
— Como assim você não gosta de Halloween? — perguntamos juntas
e logo começamos a rir.
— Nem tentem, vão perder o tempo de vocês — Mindy levanta os
ombros, uma das mãos segurando a da namorada. — É uma causa perdida.
— Mas é o melhor feriado do ano! — Dou um passo à frente e aponto
para a loja. — Sério, olha quanta opção de fantasia.
A ruiva faz uma careta.
— Nem morta eu visto uma coisa dessas. Pra quê gastar tempo e
dinheiro pensando nisso? Sou mais focada na parte boa das festas: álcool.
Eu a encaro, incrédula. Desde a minha infância, essa era a época do
ano que eu mais gostava. Me vestia com alguma fantasia cheia de glitter e
saía pelas ruas dizendo a minha frase favorita: doces ou travessuras? Além
de ser um feriado muito divertido, ele ainda deixava um legado de doces
que durariam o resto da semana. O que mais se pode querer de uma data
comemorativa?
Mindy dá um beijo no rosto da namorada.
— Eu falei. Não adianta, ela é um amor, mas quando cisma com
alguma coisa…
Eu ainda não me dei por vencida.
— Espera, você é uma das responsáveis pela festa na Kappa House.
Lembro dos panfletos que estavam sendo distribuídos nos últimos
dias pelo campus da UCLA. Um dos motivos pelos quais quis entrar nessa
irmandade foi justamente a festa lendária de Halloween que faziam todos os
anos. Porém, esse ano minha prioridade acabou sendo o Hunter e deixei
tudo nas mãos das meninas. Depois que estivermos namorando, terei todo o
tempo do mundo para me dedicar ao planejamento das festas.
— E qual o problema? É preciso ter alguém racional por trás disso —
ela lança um olhar para Mindy — porque se deixar por conta das
emocionadas, a gente vai ter um cemitério de Taylor Swifts no nosso
gramado.
— Ai, meu Deus! — Minha voz sai mais alta do que eu planejava e
algumas pessoas olham para o nosso grupo. — A gente precisa fazer isso.
— Eu concordo — responde Cleo. — Dá pra colocar a Kim
Kardashian como coveira.
— Viu? Eu disse que era uma ideia boa. Você que não me ouviu.
A ruiva balança o cabelo e levanta um dedo.
— Essa conversa só reforça a importância da minha posição na
organização. — Ela balança a cabeça de um lado para o outro. — Nem
pensar. Não temos dinheiro pra isso. Dá pra ter uma festa sem os cadáveres
da loirinha, mas não dá pra ter uma sem bebida.
Solto o ar, frustrada. Aquele é um argumento forte, mas agora tenho
uma imagem rica em detalhes de como o nosso gramado ficaria incrível.
Com certeza ganharíamos o concurso de melhor decoração da faculdade.
É então que me vem um estalo.
— Eu já sei qual vai ser a minha fantasia! — Seguro a mão da Cleo,
enquanto a puxo para dentro da loja. — Venham.
— Taylor, nós viemos para comprar roupas pra premiére, não pra ver
fantasias.
Não sei se é por causa do papo sobre o Halloween, mas Julia está
reclamando mais do que o normal hoje.
— Vai ser rápido, prometo. Aproveitem e escolham as fantasias de
vocês também. Falta uma semana pra festa e — paro ao ver a revirada de
olhos de Julia — não quero saber que amiga minha quebrou a regra
principal de uma festa à fantasia.
Entramos na loja. Ela é muito maior por dentro do que aparentava do
lado de fora e as fantasias estão divididas por setores. Há a parte de
monstros, de assombrações, assassinos e até uma parte infantil com
personagens de desenhos animados. Estou procurando uma sessão de
celebridades. Caminho direto para a fileira de fantasias agrupadas sem uma
lógica aparente dentro da seção, mas por sorte, não demoro muito a
encontrar a que quero.
Um conjunto de líder de torcida com uma saia azul e um top branco
com as letras TS em dourado.
— Ah, eu esperava mais de você, Taylor — a voz de Cleo tem um
tom engraçado. Olho para ela e percebo que está carregando uma capa.
— Eu ainda não terminei — aponto para o pacote que ela carrega. —
E por favor, não me diga que vai de vampira porque isso não é nada
original.
Ela dá de ombros.
Cleo observa uma fantasia de bombeira sexy e tenho certeza que
aquela roupa faz os direitos das mulheres nos Estados Unidos retrocederem
uns dez anos só por existir. Ela desiste dessa opção, voltando-se para a
roupa de vampiro.
— Eu não vou ganhar nenhum concurso, mas como vampira talvez eu
beba um outro tipo de fluido vital. Como Mean Girls ensinou, o Halloween
é a única época do ano onde as garotas podem se vestir igual putas e
ninguém pode dizer nada a respeito.
Rimos com o comentário dela.
Na minha mente, a imagem de Atlas gozando no meu rosto volta com
uma definição de 4k. Quase consigo sentir o gosto dele mais uma vez. Um
arrepio percorre o meu corpo enquanto volto para a seção dos zumbis.
Desde aquela tarde, tenho evitado pensar no assunto. Foi a primeira vez que
chupei alguém, e fazer isso com o Atlas, de certa forma, parecia ser o
natural. Além disso, era tudo parte de aprendizado para o momento
realmente importante com Hunter.
Minha mente racional me dizia isso repetidas vezes como se fosse um
mantra. Mas se isso é mesmo verdade, por que no banho logo depois do
boquete, eu gozei de novo pensando em Atlas e não no meu futuro
namorado?
Balanço a cabeça. Não posso deixar esse tipo de dúvida tomar conta
da minha mente ou vou desviar a atenção do meu objetivo inicial. Um
objetivo de cabelos castanhos, não loiros.
Pego uma pequena cesta e começo a preencher com alguns potes de
tinta e maquiagem. Quando acho que peguei o suficiente, viro para Cleo e
aponto os produtos.
— Agora sim — dou um sorriso. — Taylor-Não-Swift-líder-de-
torcida-zumbi.
Minhas amigas dão risada do meu comentário e até mesmo a Julia
parece ter gostado da ideia. Enquanto caminhamos até o caixa, eu vejo uma
fantasia de jogador de futebol americano nas cores dos Pythons de San
Diego. Meus pensamentos correm até Atlas de novo. Eu balanço a cabeça,
me recusando a pensar nisso. Nas minhas mãos, uma fantasia real que vou
usar em breve; na mente, várias fantasias que eu não deveria estar
incentivando.

∞∞∞
Após um longo dia indo de loja em loja pelo Westfield Century Field,
finalmente podemos descansar. Estamos sentadas em uma mesa da
sorveteria ao lado da gigantesca praça de alimentação gourmet.
— O que Hunter disse quando você chamou? — Cleo lança a
pergunta na minha direção como se fosse um tiro. — Ai, estou tão
empolgada por vocês dois! Ele deve ter adorado.
Sinto um ligeiro desconforto no peito. Faltam três dias para a
premiére e ainda não falei nada com Hunter. O primeiro encontro ainda
ronda minha mente e, por mais que Atlas tenha concordado que era algo
normal, fiquei com a sensação que ele estava escondendo algo. Sei que é
ridículo, Atlas é o tipo de cara que fala o que quer, quando quer. Por que
esconderia algo de mim?
— Eu ainda não chamei.
Desvio o olhar do grupo que espera que eu desenvolva a resposta,
mas não tenho mais o que dizer. Eu não sei ainda porque não chamei, mas
me sinto desconfortável com a ideia. Acho que o pouco caso que ele teve ao
me ver apresentando, de alguma forma, me faz pensar que ele não merece o
convite.
É estranho eu pensar isso do homem por quem estou apaixonada,
enquanto com Atlas eu me sinto confortável até quando estou…
Deus, eu preciso parar de pensar nisso! Principalmente porque,
depois do meu banho, Atlas comentou vagamente sobre sua regra pessoal
estúpida de não tirar a virgindade de ninguém. Acho que é mais uma das
suas estratégias para se manter distante e emocionalmente inacessível para
qualquer mulher que se aproxime.
— Amiga, você precisa convidar logo! — Cleo estica a mão e a apoia
no meu braço. — Ele também precisa se preparar para um evento desse
tamanho.
— Até porque, ele é um jogador de futebol. — Adiciona Mindy. — O
Bruins pode até não ser grandes coisas na liga, mas ainda é o time da
UCLA. Conheço várias mulheres que dariam um dedo para ter um date com
ele.
— Vocês estão certas — puxo o iPhone e, não sei explicar muito bem,
mas ele parece um pouco mais pesado que o normal. Abro o Instagram dele.
Apesar de ter pegado o meu número, ele nunca me chamou. — Vou mandar
uma mensagem antes que eu acabe esquecendo de novo.
Há um silêncio na mesa quando termino de falar e levanto o olhar
para perceber as expressões de estranhamento no rosto das minhas amigas.
— O que foi?
Elas desviam os olhos. Julia e Mindy trocam um olhar cúmplice, mas
não dizem nada. É Cleo quem toma a iniciativa.
— Taylor, a primeira vez que te vi, você estava toda animada e
movendo o céu e a terra pra fazer o Hunter te notar. E agora você esqueceu
de convidá-lo? Não parece você.
Engulo em seco. Colocado daquele jeito, realmente parece que tem
algo errado, mas repito para mim mesma que está tudo bem. Estamos
passando por um período de nos conhecermos. Nada mais do que isso. Eu
sou avoada e esqueci, só mais um dia na vida de Taylor Lynch.
Bebo um pouco do meu milkshake para não precisar comentar.
Depois volto minha atenção para o telefone e digito enquanto respondo a
primeira desculpa que me vem à mente.
— Não tem nada de errado. Eu tava preocupada com o ensaio. É só
isso. — Aperto o enviar e viro o celular rápido para elas. — Viram?
Mensagem enviada. — Sinto o aparelho vibrar na minha mão e um sorriso
no rosto da Cleo me faz imaginar que recebi uma mensagem que ela não
deveria ter lido.
— Quem é essa tal de francesa? — ela pergunta. Tenta pegar o celular
da minha mão, mas sou mais rápida e olho para a tela.
ATLAS: a francesa topou
Controlo o meu rosto para não sorrir. Não preciso que minhas amigas
pensem que há algo além de amizade entre nós dois. Quer dizer, chupar o
amigo de vez em quando faz parte. Ele estava me fazendo um favor no fim
das contas.
— É a acompanhante do Atlas. Ele também vai na premiére. —
Aproveito a fofoca para desviar o rumo daquela conversa. — Vocês não
imaginam minha cara de espanto quando descobri que ele é filho da Ashley
Jones.
Cleo e Julia ficam tão surpresas quanto eu ao receber a notícia, mas
Mindy nos olha decepcionada.
— Ah, não, gente. Sério isso? Os dois são idênticos. Além do mais,
tem o mesmo sobrenome. Pensei que todo mundo soubesse.
Eu rio ao ver que ela diz exatamente o mesmo que o Atlas.
— Inclusive, não curto caras, mas se eu curtisse, ele ser filho de uma
atriz famosa seria muito mais interessante do que todo esse tesão que vocês
sentem por ele ser jogador.
Ela aponta para mim e para a Cleo. Lanço um olhar indignado para
minha amiga, mas a estudante de cinema apenas levanta os ombros.
— Não vou negar as minhas raízes de maria chuteira. Falou que joga
futebol, já me deixa excitada.
Começamos a rir do modo espontâneo com o qual a Cleo lida com a
situação.
— Tá vendo, Taylor, você tem que ser igual a Cleo — Julia comenta.
— Não adianta fingir, você tem um fraco por jogadores.
Balanço a cabeça.
— Isso não é verdade. É só o Hunter.
As três se entreolham e começam a rir. Me sinto uma estrangeira que
perdeu a conversa por não conhecer o idioma.
— O que foi agora?
— Não é só o Hunter, amiga — Mindy começa.
— Na verdade, acho que a gente nem tava pensando nele — continua
Julia.
— Seu negócio mesmo é com o Atlas, assume — Cleo finaliza, como
se fossem um trio sincronizado e determinado a me fazer raiva naquela
tarde.
— Olha, eu não sei de onde vocês estão tirando essas ideias idiotas,
mas não estou gostando disso.
Bebo mais um pouco do milkshake. Minha mente começa a buscar
por algum assunto diferente para ter um pouco de paz, mas essa é uma
palavra que parece distante naquela tarde.
— Então você quer dizer que não sente nada pelo Atlas? — Julia
pergunta e, por um momento, desejo que ela tenha vários pesadelos essa
noite com festas de Halloween. Ou melhor, com uma centena de pequenas
Taylors Swifts zumbis correndo atrás dela.
— Não. Atlas é meu amigo. — Pau amigo, minha mente completa,
mas esse é um detalhe que elas não precisam saber. — Gosto dele como
amigo, só isso.
— Situação hipotética, — Cleo começa e reviro os olhos. — Se
estivéssemos numa festa, e sei lá, eu ficasse com o Atlas — arregalo os
olhos ao ouvir a sugestão, mas logo me recomponho. — Você não ficaria
chateada?
— Não consigo entender por que eu ficaria.
As palavras soam vazias. Meu cérebro sabe o que elas significam,
mas é como se eu tivesse falado da boca para fora. Como quando você
cumprimenta um conhecido na rua e pergunta se está tudo bem mesmo sem
se importar com a resposta.
— Espera, que papo é esse, Cleo Evans? — Mindy se inclina na
direção da estudante de cinema. — Tem algo que você não está nos
contando?
Cleo sorri e balança a cabeça.
— Quem me dera tivesse. É só uma situação hipotética. Nada mais.
Até porque, minha irmã me mataria se soubesse. Ainda mais com o Atlas.
— Ela faz uma pausa antes de concluir. — Mas na hora que ele quiser, eu
quero.
Mindy e Julia começam a rir. Abro um sorriso tímido ao ouvir aquilo.
Não sei exatamente o que pensar sobre o assunto. Ambos são meus amigos.
Talvez eu esteja com medo que um relacionamento entre eles pudesse
atrapalhar o que temos. É isso. Só pode ser isso.
Termino o meu milkshake, mas ele já perdeu completamente o sabor.
Capítulo 16 - Atlas Campbell

(ou: jogador com um passado cheio de memórias tristes)

A primeira vez que fui a uma premiére importante foi antes que eu
soubesse andar.
Ashley Jones tinha uma carreira em ascensão e apenas vinte anos de
idade quando engravidou do meu irmão. A maioria dos jornais de fofoca
dizia que ela nunca chegaria até a elite de Hollywood sendo mãe e ela
encarou tais comentários como um desafio pessoal. Ela não só chegou lá,
como também se tornou um ícone para várias mães que se dividiam entre os
filhos e o trabalho. Quando Orion completou oito anos de idade e eu nasci,
ela nos levava em quase todas as premiéres, como se fossemos bolsas de
palha de cinco dólares compondo seus looks. Era divertido para duas
crianças receber toda aquela atenção, milhares de flashes apontando para
nós enquanto todos os funcionários do espaço estavam prontos para fazer
qualquer coisa que quiséssemos. É impressionante que nenhum de nós dois
tenha seguido os caminhos dela, o que meu pai acharia uma perda de tempo
ainda maior que futebol.
— E quando você volta para os campos? — o repórter da ESPN me
pergunta, e eu tenho certeza que ele só foi chamado para cobrir esse tapete
vermelho porque eu estou aqui. Candice-esqueci-o-sobrenome-dela está de
pé do meu lado, sorrindo para as câmeras, tão perfeita que parece estar
encenando o papel de esposa troféu. Sei que a sua presença aqui não vai
render nenhuma fofoca, porque é normal que jogadores apareçam com
modelos nesse tipo de evento e nem sempre elas são suas namoradas.
— Ainda não temos uma previsão — respondo, escondendo que a
pergunta me deixa desconfortável. Meu médico ainda não me liberou para
ficar sem tipoia e por mais que eu esteja sentindo menos dor do que antes,
não tenho certeza se alguma coisa melhorou. — Mas minha equipe espera
que eu já esteja jogando durante o Super Bowl. Estamos bem otimistas
quanto a isso.
Não é verdade, mas ele não precisa saber. Eu não faço ideia de
quando vou voltar e os médicos também não sabem, mas não preciso
desesperar os torcedores. Felizmente, os Pythons tem tido uma ótima
temporada mesmo sem mim e só perderam um jogo desde a minha lesão.
O repórter abre um sorriso pra mim e se afasta depois de agradecer a
entrevista. Eu e Candice estamos sozinhos de novo, uma dezena de flashes
sendo disparados contra nós em busca do clique perfeito. Eu conversei com
Zade umas três horas atrás, e ele achou maravilhoso que eu estivesse
trazendo uma garota para abafar os rumores de namoro com Taylor Lynch.
Não me lembro da última vez que deixei tantas pessoas satisfeitas ao
mesmo tempo: minha mãe, Zade, e até Taylor, que adorou a ideia de um
encontro triplo. Eu também saio ganhando, porque Candice é ainda mais
bonita pessoalmente do que nas fotos. Depois de uma sequência de
desastres, o universo parece estar colaborando a meu favor.
Finalmente.
É um alívio para as minhas pupilas quando os fotógrafos encerram os
flashes por um momento. Isso significa que o próximo convidado relevante
está prestes a entrar, mas eu não fico para saber quem é. Ofereço um dos
braços para Candice e nós entramos no teatro Pantages, um dos mais
antigos de Hollywood. Somos recebidos pela equipe da minha mãe, que nos
leva até o elevador. O camarote fica no último andar.
— Seis anos morando em Los Angeles e nunca vim no Pantages —
Candice comenta, com um intenso sotaque francês. — Sou uma fraude?
Movo a cabeça em afirmativa.
— Esse teatro é passeio incluso de praticamente todos os pacotes de
turismo de L.A — murmuro, enquanto o elevador antigo sobe aos poucos.
O Pantages é considerado um marco da arquitetura, por causa do teto cheio
de detalhes de cada um dos seus andares, além de ser o único lugar de Los
Angeles onde você pode assistir aos espetáculos oficiais da Broadway. —
Eu nem moro aqui e já vim três vezes. Uma farsa, com certeza.
— Muitos anos frequentando as casas de ópera parisienses me
fizeram virar a cara para os espetáculos de Hollywood — Candice brinca.
Quem diz que os Estados Unidos se acham o centro do mundo, não conhece
a Europa. Bom, alguns países da Europa. — Mas estou dando uma chance
hoje. Adoro o trabalho da sua mãe no cinema.
Toda a comoção em torno dos ingressos para assistir à peça na
UCLA, os comentários de Taylor e agora os de Candice me fazem perceber
que minha mãe é o Adam Sandler na sua versão feminina. Todo mundo ama
o Adam Sandler.
A porta do elevador se abre no camarote no último andar. Aqui vai
uma verdade sobre as premiéres de filmes e peças de teatro: é muito mais
sobre comida boa, bebida de graça e contatos do que sobre arte de fato. A
primeira pessoa que vejo é meu pai, numa conversa animada com Carlos,
noivo de Orion. Tem um terceiro homem na roda e eu não o reconheço, mas
sei que não é um cara da bolha das estrelas de Hollywood. Os convidados
que não tinham relevância o bastante para o tapete vermelho entraram
primeiro, o que significa que o camarote está infestado de pessoas ricas,
mas não famosas.
É ótimo que Candice tenha vindo comigo, ou eu teria que aguentar
longas horas de conversa passivo-agressiva com meu pai e não tenho
certeza se conseguiria evitar mandá-lo para a casa do caralho depois de
umas quatro doses de whisky.
— Você quer beber alguma coisa? — Candice pergunta, prestativa,
quando um dos garçons para ao nosso lado. Ela tira uma taça de vinho de
cima da bandeja e sorri para mim, como se propusesse um brinde. Eu pego
a taça restante e agradeço o garçom com um aceno.
— Obrigado por ter aceitado o convite tão em cima da hora — eu
aproximo a minha taça da dela, encostando-as por um instante. — A sua
rotina como modelo deve ser uma loucura.
Candice assente.
— Eu vou pra Milão amanhã à noite — ela dá um gole no vinho. —
Deveria estar arrumando minhas malas agora, mas não é todo dia que um
astro do futebol aparece no meu direct com um convite tão adorável.
Dou um sorriso, imaginando o que a francesa pensaria se soubesse
que eu não fui o responsável pelo convite. Mais do que isso, se soubesse
que vinte minutos depois de a convidar eu estava gozando na boca de
Taylor Lynch.
Que falta de tato, Atlas.
E falando no diabo, meus olhos caem logo nela quando levo a taça até
os lábios. Taylor está encostada na sacada do camarote, ao lado de Hunter e
suas amigas da UCLA. Está usando um vestido preto, longo e brilhante, tão
colado no corpo que começo a duvidar se ela consegue respirar dentro dele.
Olhar para Taylor me irrita, porque ela parece mais bonita a cada vez que
pisco. É uma tortura saber que ela está bem ali, gostosa daquele jeito, e que
nunca vai ser minha.
Essa peste loira dos infernos.
Taylor está explicando alguma coisa para Hunter. Sei que é sobre
teatro, porque seus olhos brilham de um jeito muito intenso e ela gesticula
como uma maluca para provar o seu ponto. Hunter concorda com o que
quer que Taylor tenha dito e apoia uma das mãos na sua cintura, puxando-a
para um abraço. Eu não consigo entender, mas tem alguma coisa que me
incomoda naquela cena. Na proximidade entre eles, na forma como ela
coloca as mãos ao redor do seu ombro e ri.
Não é ciúmes.
É claro que não é ciúmes.
Um estalo me traz de volta para a realidade e eu demoro um segundo
para entender que apertei a taça de vinho com tanta força que ela se
quebrou entre os meus dedos. Um garçom se apressa para limpar a bagunça
que eu fiz e eu encaro a palma da minha mão, notando pequenos arranhões
superficiais.
— Desculpa, que desastre — eu foco minha atenção em Candice e sei
que isso é o que preciso fazer para sobreviver a essa noite. Não preciso
pensar em Taylor ou em Hunter. Mais umas três horas e eu vou estar em um
quarto de hotel com vista pra praia fodendo essa modelo tantas vezes que
passar horas sentada na sua viagem para Milão vai ser a coisa mais
desconfortável que ela já fez na vida.
— Por favor, Atlas — escuto a voz de Orion enquanto ele se
aproxima. — Não perca o resto dos dedos — ele brinca e dá uma olhada em
Taylor por cima dos ombros, como se soubesse exatamente o que acabou de
acontecer. — Não vai apresentar a sua acompanhante? — se vira para
Candice. — Não ligue pro Atlas, ele é mal-educado assim mesmo.
— Para de implicar com seu irmão, mi amor — Carlos comenta, de
longe, sem sair da rodinha com meu pai. Tenho certeza que ele vai passar a
noite inteira ouvindo William Campbell dar palestrinha sobre os negócios
da família. Eu adoro o Carlos, mas ele é um puxa saco profissional.
— Meu nome é Candice — ela vai um pouco mais rápido que eu,
oferecendo uma das mãos para Orion.
— Ela é modelo — completo, apoiando minha mão na sua cintura. —
Esse é meu irmão. Professor da UCLA.
— Minha irmã mais nova estuda lá — Candice comenta. — No
departamento de ciências exatas.
Candice e Orion engatam uma conversa sobre a universidade e eu me
sinto imediatamente grato pelos minutos em que não preciso puxar assunto
com ela, me limitando ao silêncio e acenos de cabeça. É por isso que não
vou em encontros como esse. Envolve conversa de mais e sexo de menos.
Ainda na sacada, Taylor nota minha presença. Ela acena de longe e
sorri, fazendo um sinal discreto de “joia” com os dedos, como se dissesse
que aprova a presença de Candice ali. É claro que aprova. Foi ela que
escolheu, para começo de conversa.
Antes que Orion e Candice possam entrar em uma nova rodada de
assuntos — aparentemente, eles são muito fãs da UCLA — meu pai se
aproxima, apoiando uma das mãos no meu ombro saudável. William dá um
sorriso e diz que vai me roubar por uns minutinhos, o que significa que ele
encontrou alguma coisa em mim sobre a qual pode reclamar.
— O que foi? — pergunto, assim que nos afastamos. Ele pega dois
copos de whisky com o garçom e me entrega um. Sei que é uma péssima
ideia misturar whisky com vinho, mas ele vai torrar ainda mais minha
paciência se eu recusar.
— Uma modelo de lingerie, Atlas? — ele murmura, baixo. — Sério?
— Você se casou com uma atriz — não é como se fosse a mesma
coisa, mas trinta anos atrás Hollywood ainda tratava atrizes como se fossem
putas. — Minha mãe queria que eu trouxesse alguém e eu trouxe, pode não
bancar o chato por uma noite?
— Não estou bancando o chato — diz ele, depois de fazer exatamente
isso. — Me preocupo com você. O noivo do Orion é um cara incrível,
trabalha com investimentos e…
— Pai — corto. — Eu sei que você adoraria, mas eu não sou o Orion.
Não sou professor e não vou me casar com alguém que usa terno e gravata
todo dia. Na verdade, nem vou me casar, ponto.
William suspira. Ele muda de abordagem, apontando para o meu
ombro lesionado:
— Como está?
— Indo bem. Volto a jogar antes do Super Bowl — minto. Talvez não
seja mentira, seja lei da atração.
— Tem certeza que quer voltar pros campos depois disso? — ele
toma um gole de whisky. — Você pode se machucar de novo e pode ser pior
do que foi dessa vez. Sempre achei que você era magro demais para ser left
tackle…
Eu me seguro para não revirar os olhos. Não acredito que ele está me
chamando de magrelo quando nem os nutricionistas do Pythons fazem isso.
Pelo menos não na minha cara.
— Magro demais para ser left tackle, mas com o peso ideal para
passar um dia inteiro dentro dos escritórios Campbell, não é? — eu viro o
copo de whisky contra os lábios e bebo o suficiente para afogar minha
raiva. — Admita, pai, você não suporta o fato da minha carreira ser um
sucesso.
William balança o líquido dentro do seu copo.
— Você bebe demais, vai em festas demais e sai com garotas demais.
Eu não chamaria isso de sucesso — ele suspira. — Se precisar fazer uma
cirurgia…
— Eu não vou precisar.
— Se precisar — recapitula. — O que vai fazer? Se nunca mais jogar
como antes, o que você vai fazer?
— Nada disso vai acontecer.
— Bom, eu espero que não aconteça — William responde, sério. —
Seu rostinho bonito não vai te levar em muitos lugares se estiver fora da
NFL. E quando precisar de mim, sabe que as portas da empresa estão
sempre abertas.
Eu não respondo, porque aquela conversa é absurda. Ele realmente
acha que entrei nos Pythons por causa de um rostinho bonito? Até onde eu
sei, nenhum dos executivos dos times da NFL estavam interessados em
transar comigo. Eu termino de beber o whisky na força do ódio e sinto um
alívio enorme quando as luzes do camarote se apagam, indicando o início
da peça.

∞∞∞
Como leitor de romances, preciso dizer que Água para Elefantes tem
uma história tediosa. Apesar disso, minha mãe brilha no palco, como a
estrela que ela é e sempre foi. Do camarote não consigo ver com precisão a
reação das pessoas sentadas na plateia, mas pelo menos aqui em cima, todos
vibram, torcem e se comovem com a história de Malena, não pela
personagem em si, mas pela vida que Ashley Jones dá a ela. Sempre achei
incrível a forma como minha mãe se entrega aos seus papéis. Não importa o
que seja, tudo nas mãos dela se transforma em algo grande.
É basicamente o que estou tentando fazer com os Bruins. Transformá-
los em algo grande.
— Valeu a pena ter dado uma chance pra um espetáculo de
Hollywood? — pergunto Candice, quando as cortinas do palco se fecham
para a primeira pausa de dez minutos. É o momento dos atores trocarem de
figurino e ajeitarem o cenário enquanto o público pega mais bebidas e vai
ao banheiro.
Candice move a cabeça em afirmativa, seu cabelo castanho e
brilhante caindo pelos ombros. Seus olhos azuis estão cobertos por uma
maquiagem dourada que combina com a ocasião.
— É impressionante — diz. — Acho que preciso aprender mais sobre
os espetáculos americanos.
— Eu vou ser seu guia nessa jornada — brinco, mas é totalmente da
boca para fora.
Nós dois sabemos que nunca mais vamos nos ver.
Quer dizer, pelo menos eu espero que ela saiba.
Um burburinho nos fundos do camarote chama minha atenção. Eu
vejo pelo canto dos olhos quando Taylor se levanta com Hunter e eles saem
para fora, apressados. O movimento me deixa curioso, mas eu não vou atrás
dos dois para entender o que está acontecendo. Talvez estejam planejando
se pegar no banheiro antes da segunda parte da peça começar. Franzo o
cenho, porque isso não parece a cara da Taylor. Ela deixou bem claro que
queria estar aqui por motivos profissionais.
Um dos garçons oferece uma taça de espumante para mim e uma de
vinho para Candice. Eu aceito simplesmente para ter alguma coisa com o
que ocupar a minha mão. As luzes do camarote se apagam de novo e as
cortinas lá embaixo se abrem, recomeçando a peça. Eu engulo um gole de
espumante e olho de novo para a porta, esperando que Taylor volte. Cinco
minutos se passam, então dez, então quinze. Eu termino de beber o
espumante e sussurro para Candice:
— Eu já volto.
Ela assente. Deixo a taça com um dos garçons e caminho pela extensa
área do camarote, chegando nos banheiros. Não há qualquer sinal de Taylor
ou Hunter por aqui, então eu desço até o andar principal do teatro. Preciso
admitir que os corredores vazios e escuros do Pantages são um pouco
assustadores, principalmente quando uma cena tensa acontece no palco e a
música dramática reverbera por todo espaço.
Eu vou até a entrada do teatro, sem resultado. Começo a considerar
que talvez eles tenham ido embora, mas… Ugh, isso seria tão indelicado.
Pego o celular do bolso do meu terno e penso em mandar uma mensagem
para Taylor, mas desisto. Ela teria dito alguma coisa se quisesse.
Me viro para voltar até o camarote, mas um barulho vindo do
banheiro feminino do primeiro andar chama minha atenção. É um choro,
misturado com uma respiração desordenada e exagerada. Eu olho para a
porta e, de onde estou, não consigo enxergar ninguém lá dentro.
— Tem alguém aí? — pergunto, me aproximando um passo. Não
tenho nenhuma resposta, mas agora mais perto tenho certeza que se trata de
um choro. — Oi? — falo um pouco mais alto dessa vez, mas o resultado é o
mesmo.
Será que eu vou ser preso por invadir o banheiro feminino?
Confirmo mais uma vez que não tem ninguém por perto. A pessoa lá
dentro pode estar passando mal ou algo parecido, então, mesmo que eu seja
preso, decido que vale a pena correr o risco.
Eu entro, e meus olhos encontram Taylor encostada no extremo do
banheiro, do lado de uma das latas de lixo. Seus braços envolvem seus
joelhos por cima do vestido e seu rosto está apoiado nas pernas, abafando
seu choro e o descompasso da respiração.
O que o Hunter fez?
Meu primeiro pensamento é que vou ter que matá-lo e o plano de
ajudar os Bruins vai ficar para alguma outra alma caridosa. Sinto muito,
treinador Stevie, mas vai ser muito mais difícil reerguer o time com um
quarterback morto na conta.
A preocupação me congela na porta do banheiro e eu demoro alguns
segundos para me aproximar dela. Não sei se ela me ignorou de forma
consciente da primeira vez. Já li em algum lugar que nossa audição piora
quando estamos chorando, mas considerando a quantidade de vídeos do
TikTok que eu consumo diariamente, isso pode muito bem ser mentira.
Eu me sento do lado dela no chão. É uma cena patética, considerando
nossas roupas chiques. Taylor respira fundo e levanta o rosto. Seu rímel
borrou e fez uma trilha de lágrimas pretas pelas bochechas. Ela não diz
nada, então sou obrigado a perguntar:
— O que aconteceu?
A respiração de Taylor continua descompassada por mais que ela
esteja tentando se acalmar. Ela pega minha mão e aperta e eu sinto meu
estômago gelar ao perceber como sua pele está fria. Taylor continua
apertando meus dedos sem dizer nada, como se fossem uma bolinha
antiestresse. Eu demoro, mas entendo o que ela está fazendo: é uma técnica
para controlar crises de ansiedade.
Longos minutos se passam assim. As lágrimas continuam escorrendo
pelo rosto de Taylor e eu me sinto cada vez mais agoniado em assistir sem
poder fazer nada. Sei que não devo, mas minha vontade é de sacudir seu
corpo um milhão de vezes até que esteja sorrindo de novo. Por favor, sorria
de novo.
— Hunter foi pro hospital — finalmente, Taylor consegue dizer, num
fio de voz. — O namorado da mãe dele sofreu um acidente de carro num
Uber.
Eu assinto, indicando que continue. A mão dela ainda aperta a minha.
Não consigo entender porque ela está assim pelo que aconteceu com o
namorado da mãe do Hunter. Até onde eu sei, eles nem se conhecem.
— E ele…
— Não, está bem — Taylor explica, a voz embargada. — Estável.
Quebrou as duas pernas.
Bem, com certeza, não é a palavra.
— E você…
— Eu lembrei da minha mãe — Taylor aperta minha mão com mais
força. — Ela morreu em um acidente de carro quatro anos atrás. Quando
ligaram do hospital… — as lágrimas se intensificam. — Foi como um déjà
vu do pior dia da minha vida. Eu passo a maior parte do meu tempo
fingindo que isso nunca aconteceu, então… — Taylor funga. — Toda vez
que eu lembro, é como se estivesse acontecendo de novo.
A sua respiração piora. Com cuidado, eu puxo seu corpo para mais
perto do meu, aninhando-a no meu peito. Suas lágrimas mancham a camisa
por baixo do meu smoking, mas não me importo com isso agora.
— Já aconteceu alguma coisa assim com você? — ela pergunta, entre
uma sequência de lágrimas e outra. Ela chora um pouco, para, respira e
então volta, como se tivesse se lembrado de mais um motivo para escorrer
toda água do corpo para fora.
— Já, mas foi com um tio.
— Me conta.
— Ele teve câncer — sussurro, e eu entendo Taylor totalmente,
porque lembrar disso também é doloroso. — Nunca o conheci quando
estava saudável, na verdade. Ele fumava desde os dezesseis anos, por isso
tinha uma saúde delicada. Quando eu tinha nove anos de idade ele precisou
fazer a sua primeira grande cirurgia pra tirar um tumor. A previsão dos
médicos era que, se fosse um sucesso, ele viveria mais uns quinze ou vinte
anos.
— E foi?
— Sim. Ele viveu mais treze anos. Além da minha mãe, era a única
pessoa da minha família que apoiava a minha carreira de jogador de futebol
— dou uma pausa, porque minha voz embarga. — Fui aprovado nos
Pythons uma semana depois que ele morreu. Ele nunca soube.
Taylor levanta a cabeça e me encara. Ela força um sorriso para tentar
me consolar, mas é ela quem precisa de consolo.
— Sinto muito — diz.
Eu assinto. Nós ficamos em silêncio por um bom tempo até que
Taylor se acalma.
— Bom — ela murmura, baixo, como se tivesse acabado de acordar
de um transe. — Eu vou comprar uma garrafa de vodka numa loja de
conveniência e ir pra praia.
Não consigo segurar uma risada, por mais horrível que o clima esteja.
— O que?
— O mar me acalma.
— Ótimo, mas não sei se é muito indicado beber pra fingir que não tá
triste.
— Eu não deveria — Taylor concorda. — Mas nós não lidamos com
a dor da forma que devemos, lidamos da forma que conseguimos.
Não tenho um argumento bom o suficiente para rebatê-la, então fico
em silêncio. Eu seguro sua cintura quando ela ameaça se levantar,
mantendo-a do meu lado.
— Vou com você.
— Não — ela balança a cabeça. — Volta pro seu encontro. Foder uma
modelo de lingerie, lembra? Seu objetivo dessa noite.
Não entendo como Taylor quer que eu transe com alguém sabendo
que ela está bêbada, triste e sozinha numa praia de Los Angeles, pensando
na sua mãe morta depois de ter uma crise de ansiedade fodida.
— Vou com você — repito, sem dar margem para que ela negue. —
Somos amigos, não somos?
Taylor dá uma risada triste.
— Pensei que isso era só uma coisa que escolhemos dizer pra não ter
a responsabilidade de classificar nossa relação esquisita.
— Também, mas… — eu hesito. As palavras estão na ponta da minha
língua, mas é difícil dizer em voz alta. Eu as forço para fora. — Eu
realmente me importo com você, Taylor Lynch.
Mais lágrimas ameaçam cair do rosto de Taylor, mas ela passa os
dedos pelo rosto e engole o choro.
— Também me importo com você, Atlas.

∞∞∞
Dispensar uma modelo de lingerie está na lista de coisas que eu nunca
imaginei que faria na vida, mas aqui estou eu. Como Taylor queria,
compramos uma garrafa de bebida e viemos para a praia de Santa Mônica.
O parque de diversões do píer ainda está funcionando nesse horário e a
areia conta com uma quantidade considerável de casais e famílias. Mesmo
tendo muita gente, eu e Taylor nos destacamos, porque somos os únicos
com trajes de gala. É engraçado observar a expressão confusa no rosto de
cada pessoa que passa o olho por nós, como se fossemos a tripulação de
uma nave alienígena que acabou de pousar na terra.
— A Candice ficou de boa com você? — Taylor pergunta, dando um
gole na garrafa de vodka. Ela limpou o rosto na pia do banheiro e tirou toda
maquiagem borrada, mas seus olhos ainda estão um pouco inchados.
— Ela me xingou em francês — conto, e uma risada meio bêbada
escapa dos meus lábios. — Parece que não vamos ter um segundo encontro.
Taylor ri, mas logo uma expressão triste toma conta do seu rosto.
— Ai, desculpa. Eu te arranjei o date e depois estraguei tudo.
— Tudo bem, não vai ser difícil encontrar outra modelo de lingerie
pra transar comigo. Talvez eu até faça um anúncio nos jornais.
— Vai aparecer uma fila de mulheres na sua porta. Tipo quando o
Shane Gray fez uma audição pra tentar encontrar a garota que ele ouviu
tocar piano e o Camp Rock inteiro apareceu.
— E era a filha da cozinheira o tempo todo.
Taylor arregala os olhos.
— Não imaginei que fosse pegar a referência — ela bebe mais um
gole, então passa a garrafa pra mim. — Livros de romance, musicais da
Disney… Quem é você quando ninguém está olhando, Atlas Campbell?
Eu faço uma careta quando sinto a vodka descer pela minha garganta.
— Um cara legal, aparentemente.
— E por que não deixa todo mundo saber que você é esse cara?
Eu bebo mais um gole de vodka, porque essa é uma pergunta
delicada.
— Porque não quero — respondo, como se fosse simples assim.
Taylor ri enquanto balança a cabeça, descrente da minha resposta. Ela
toma a garrafa da minha mão e bebe dois goles seguidos, enquanto se
abaixa para pegar uma concha que viu na areia.
— Estou juntando — ela comenta, numa mudança brusca de assunto.
A sua voz já está mais fina que o normal, por causa da bebida. — Pra fazer
pulseiras.
— Se nada der certo, pode abrir uma loja de pulseiras.
Taylor assente, então balança um dos braços, mostrando as pulseiras
do dia.
— Fiz uma pra sua mãe — Taylor aponta para a pulseira verde. Está
escrito: ASHLEY JONES #1 FAN. — Dá pra ela depois.
Eu tiro a pulseira do seu pulso, colocando no meu. Se conheço bem
Ashley Jones, ela vai achar isso tão incrível que vai perguntar quando peço
Taylor em casamento. Por um instante, penso que elas seriam boas amigas,
considerando o quanto são emocionadas. Vou entregar a pulseira quando for
explicar para minha mãe porque eu desapareci da sua peça do nada.
Taylor bebe mais um gole da bebida e limpa a boca com as costas da
mão.
— Chega — ela murmura. — Pode ficar com o resto.
Eu pego a garrafa quando ela me oferece, mas não bebo. Depois de
beber vinho, whisky, espumante e vodka numa mesma noite, tenho a
impressão que meu estômago está puto comigo.
Nós chegamos em um ponto mais afastado do píer. As conversas,
risadas e a música do parque agora estão baixas, como se estivéssemos
ouvindo por cima de um abafador de ruídos de baixa qualidade. Taylor se
senta na beira do mar, dando um sorriso ao sentir a água tocar seus pés. Ela
aponta com a cabeça para a areia molhada ao seu lado e eu me sento, sem
pensar quanto esse terno custou e o que a água salgada vai fazer com ele.
Taylor encara o mar, contemplativa.
— Atlas — ela chama, de repente. — O que você acha que o amor é?
— Uma mentira inventada pelo capitalismo pra vender o estoque de
presentes que sobraram do natal no Valentine’s Day.
Taylor ri.
— Vai se foder — ela enfia uma das mãos na areia, cavando um
pequeno buraco. — Tô falando sério.
— Eu não entendo nada de amor.
— Acho que você entende, sim.
Taylor me encara e nós ficamos em silêncio, não pela primeira vez na
noite. Não sei se entendo o que ela quer dizer, não sei se quero entender,
mas o olhar dela é suficiente para me fazer beber tudo que resta na garrafa.
— Cuidado — ela debocha. — Eu não vou cuidar de bêbado.
— É claro que não vai, você é uma peste.
— Para de me chamar de peste.
— O que você prefere? — pergunto, fingindo seriedade. — Peste,
Polly Pocket, Barbie falsificada…
— Caralho, fala logo que você me odeia.
— Sou obrigado a manter as aparências — explico. — Se eu fosse
seguir minha vontade, só te chamaria de linda.
Taylor balança a cabeça em negativa, mas ela tem um sorriso no rosto
quando o faz.
— Só tá dizendo isso porque tá bêbado.
— Sim, mas não deixa de ser verdade.
— E que outras verdades você anda escondendo de mim enquanto
está sóbrio?
— Eu não vou cair no seu jogo, peste. Minha boca é um túmulo.
Os dedos de Taylor continuam cavando. Ela tira um pouco de areia
molhada e começa a fazer um castelo. Falta coordenação motora, muito
provavelmente pela quantidade de vodka que ela bebeu.
— Prefiro quando me chama de linda — diz, observando o seu
castelo torto.
— Tudo bem, linda.
— Obrigada.
— Pelo apelido novo?
Taylor move a cabeça em negativa.
— Por ter me beijado na festa, por ter me ajudado com o Hunter, por
ter treinado a cena comigo, por ter aparecido no banheiro, por estar aqui —
ela dá uma pausa. — Talvez eu esteja fazendo uma dívida com o diabo e a
lista só aumenta.
— Não acredito que acabou de me chamar de diabo — eu espirro
água nela. — É por isso que eu te chamo de peste.
— Você entendeu o que eu quis dizer — ela ri, como quem pede
desculpas. — Eu vou ter que pedir mais um favor — e me encara, agora
séria. — Posso dormir na sua casa hoje? Cleo foi passar o final de semana
com os pais e eu não quero ficar a noite inteira sozinha…
Eu assinto e Taylor agradece com um sorriso, apoiando a cabeça no
meu ombro bom.
— Sabe outra coisa que é verdade? — pergunta, sem olhar para mim,
depois de alguns minutos quieta. Ela não me espera responder para
continuar. — Você deixa os meus sentimentos confusos — solta, como se a
confissão fosse uma bomba. Dado o contexto, realmente é. — Eu pensei
que eu entendia muito de amor, mas estou começando a achar que não
entendo nada.
Eu dou um suspiro, mas não respondo. Taylor não espera uma
resposta. Nós continuamos observando o mar, aproveitando a brisa da praia
e sentindo a água nos nossos pés. Não vou dizer pra ela, mas no meio desse
turbilhão de emoções, é reconfortante saber que não estou confuso sozinho.
Capítulo 17 - Taylor Lynch

(ou: futura atriz brigando com a realidade)

A luz fraca que entra pela janela do quarto faz minha cabeça doer
como se alguém estivesse batendo um martelo na minha testa. Giro o corpo,
ficando de costas para a claridade. Meus olhos encontram uma mesa de
cabeceira diferente da que tem no meu quarto. Uma a uma, as lembranças
da noite anterior voltam à minha mente. Sinto a minha língua áspera e a
garganta mais seca do que a areia de praia em uma tarde quente.
Eu dormi com Atlas.
Sem fazer um movimento brusco, levanto o edredom que nos cobre
apenas para conferir que não estou pelada. Apesar de ter recuperado as
memórias das últimas horas, tenho ciência de que não posso confiar tanto
assim nelas, visto a quantidade de álcool que ingeri. As lembranças vieram,
mas alguns detalhes estão embaçados como se eu os observasse através de
um vidro sujo.
O que vejo não me tranquiliza completamente. Estou usando uma
camisa de uniforme gigantesca do Atlas. Aos poucos me recordo que ele me
ofereceu a camisa quando eu disse que não tinha nenhuma roupa comigo
além do vestido colado que usei na premiére. Ele é uma peça linda, mas
definitivamente não foi criado pensando em conforto, muito menos para
uma boa noite de sono.
Tomando cuidado para não fazer nenhum movimento que possa
despertar o jogador, me levanto. Atlas está apagado. Está deitado de barriga
para cima, o braço lesionado ao lado do corpo e a cabeça inclinada para a
esquerda. Quem o vê com o cabelo esparramado na cama, até pensaria que
se trata de um anjo, mas na verdade parece mais um demônio.
Um Incubus, pra ser mais exata.
Balanço a cabeça. Não gosto do caminho que os meus pensamentos
estão seguindo. Sigo na direção da janela e ajusto a posição da cortina,
bloqueando o feixe de luz que incidia sobre a cama. Agora, a escuridão
bem-vinda volta a dominar o quarto. Penso em retomar meu lugar ao lado
de Atlas, mas não acho que é uma boa ideia.
Tem coisas demais acontecendo.
Sigo para onde o meu vestido está pendurado perto da minha bolsa e
sapatos. O quarto está escuro, Atlas está dormindo, por isso não ligo de
trocar de roupa aqui mesmo. Retiro a camisa do left tackle que parece quase
um vestido no meu corpo, e a jogo em cima da cama. Antes de pegar o
vestido, olho para o meu anfitrião. É uma cena, no mínimo, inusitada. Eu,
uma universitária virgem, em pé usando apenas meu conjunto de lingerie
preta observando um dos jogadores de futebol com a maior fama de
mulherengo do país.
Dou um passo na direção da cama.
Atlas continua dormindo. O edredom não cobre o seu corpo inteiro,
deixando a cintura pra cima descoberta. Na luminosidade reduzida, consigo
ver parte dos seus músculos cobertos por tatuagens e minha imaginação
completa o restante, me dando uma visão deliciosa do jogador.
Não tem como negar, Atlas é muito gostoso. Gostoso até demais para
o nosso próprio bem.
Sinto um arrepio se espalhar pelo meu corpo ao imaginar minhas
mãos percorrendo aquele abdômen definido. Só olhar para Atlas me deixa
completamente molhada.
Dois milhões de pensamentos atravessam a minha mente em uma
disputa sem trégua. Eu deveria acordá-lo? Por um lado, ali está a chance
que sempre quis: perder minha virgindade de uma forma memorável. Por
mais que não estejamos apaixonados um pelo outro, é sexo, não é? No fim
das contas, deve dar na mesma se tem ou não sentimento envolvido.
Por outro lado, seria humilhante tentar convencer Atlas a abrir mão da
sua regra da virgindade. Mesmo assim, eu preciso me aliviar de alguma
forma.
Não, Taylor. Você precisa parar de pensar com a boceta e voltar a
pensar com o cérebro.
Eu saio do quarto com a camisa de Atlas nas mãos e vou até o
banheiro no fim do corredor, observando meu reflexo no espelho antes de
encostar a porta. Meu cabelo está uma bagunça e eu não vejo a hora de
chegar na Kappa House, me jogar na cama e fingir que não existo pelo final
de semana inteiro.
A ideia de me jogar na cama me faz pensar em Atlas de novo.
Imagino ele acordando e me carregando para a cama sem dizer uma palavra
sequer. Ele me jogaria e abriria as minhas pernas. Sem pedir licença,
posicionaria o seu pau na minha entrada e me penetraria enquanto olha nos
meus olhos.
Ai, caralho.
Eu desisto, porque claramente perdi a guerra contra a minha própria
boceta. Mesmo assim, acordar Atlas e pedir para ele me foder parece
drástico, principalmente quando não sei se Orion e Carlos estão em casa. Eu
passo os dedos pela sua camiseta e aproximo o tecido do meu rosto,
sentindo o seu perfume se misturando com o meu. Dou um impulso e me
sento na pia do banheiro. Desligo meu senso crítico por um instante e enfio
a mão dentro da calcinha, massageando meu clitóris com a pressão ideal.
Fecho os olhos e contenho os gemidos que estão querendo subir pela minha
garganta.
Meus pensamentos voam até aquele dia na sala, seu pau entrando e
saindo da minha boca. A vontade de voltar para o quarto e acordar Atlas
aumenta, mas eu ignoro, movendo meus dedos mais rápido. Imaginar seu
pau entrando na minha boceta me deixa maluca, principalmente quando
penso em quão grande ele é. Eu nunca mais seria a mesma depois desse
evento.
Sinto o corpo tremer com o orgasmo que me atravessa como um raio.
Levo uma das mãos à boca e mordo um dedo para não soltar um gemido
alto demais. Minhas pernas relaxam e demora alguns segundos para minha
respiração voltar ao normal.
— Tava se masturbando com a minha camiseta?
Levo um susto ao ouvir a voz de Atlas. Abro os olhos e o encontro na
porta do banheiro, agora recém-aberta.
— Não! — tiro a mão de dentro da minha calcinha e desço da pia,
tentando disfarçar o indisfarçável. Ele me pegou no ato, não tenho o que
fazer além de fingir que não aconteceu e torcer para que ele finja junto
comigo. — Eu já vou indo, tá? Obrigada de novo — eu dou um passo para
frente, mas Atlas não sai da porta.
— Eu vou perguntar de novo — ele insiste. — Tava se masturbando
pensando em mim?
Admitir em voz alta parece humilhante, então eu não respondo. Atlas
avança um passo e me encara, esperando que eu diga alguma coisa, mas me
mantenho em silêncio. Tudo que eu disser pode e vai ser usado contra mim
no tribunal, então eu tenho o direito de permanecer calada. Ele não pergunta
de novo, ao invés disso apoia sua única mão boa na minha cintura e me
coloca de volta em cima da pia.
Nós dois ficamos em silêncio, encarando um ao outro. Eu acabei de
gozar, mas só de olhar para o seu cabelo bagunçado e a forma como seus
olhos me devoram, tenho vontade de enfiar os dedos dentro da calcinha de
novo.
Céus, Taylor.
Se controle.
— Parece que o gato comeu sua língua — Atlas ri. — Vou tentar
outra pergunta — sua mão aperta minha cintura e ele desce os dedos até
minhas coxas, fazendo um arrepio percorrer meu corpo. — Você quer que
eu te foda, linda?
Dessa vez, eu não hesito. Minha cabeça se move em afirmativa e eu
me sinto ainda mais patética, mas não tenho tempo de pensar nas
consequências do meu gesto.
Meu coração dispara e eu me levanto em sobressalto. Fico
desnorteada por alguns segundos, então percebo que ainda estou com a
camisa dos Pythons no corpo. Atlas Campbell dorme tranquilamente do
meu lado, seu perfume me envolve e meu vestido ainda está apoiado na
maçaneta, bem onde eu deixei ontem à noite. Caralho. Não acredito que
acabei de ter um sonho erótico com o Atlas.
Eu me levanto mas, diferente do meu sonho, não tiro a camiseta. Abro
o armário de Atlas com cuidado e roubo um par de tênis que fica
absurdamente enorme nos meus pés, mas não quero ter que colocar um
salto antes das onze da manhã, ou sei lá que horas são. Pego minha bolsa e
os sapatos e saio o mais rápido possível do quarto, temendo que qualquer
minuto a mais na presença daquele deus grego possa me fazer perder a
cabeça e terminar como no meu sonho. Ainda não acredito que isso
aconteceu. Ou melhor, não aconteceu. Porra, que ridículo.
Cruzo o corredor que leva até a sala, mas paro quando ouço o barulho
de copos e talheres. A sala da casa de Orion se divide com a cozinha, numa
montagem que não envolve portas ou paredes, típica das cozinhas
americanas. Não tem como eu chegar até a porta sem passar pela sala.
Encaro a porta do quarto de Atlas no fim do corredor. Penso em
voltar, mas é tentador demais. Que droga. Eu definitivamente não queria ter
que encontrar Carlos ou Orion e ter que explicar que estou indo embora
enquanto Atlas ainda dorme. Que tipo de pessoa faria uma coisa dessas?
Bom, o próprio Atlas.
O pensamento me arranca um sorriso. É fácil imaginar o left tackle
dos Pythons fazendo algo do gênero. Não foi ele mesmo quem disse que
não gostava de encontros com muita conversa? Nada mais lógico que ele
mantivesse o mesmo pensamento para o momento pós sexo.
Ok, foda-se.
Vai ser constrangedor, mas eu vou sobreviver.
Tomo impulso e sigo até a sala. Orion e Carlos estão na cozinha,
fazendo ovos com bacon como o casal fofinho de alguma sitcom genérica.
A situação fica um pouco mais humilhante quando penso que Orion é
professor de muitos dos meus colegas da UCLA.
Taylor Lynch, você não tem nenhum respeito próprio.
— Bom dia — Carlos abre um sorriso pra mim, notando minha
presença. Nem ele nem Orion parecem surpresos, o que me faz pensar em
quantas mulheres já estiveram em situações parecidas com as minhas. Ele já
trouxe alguma garota aqui depois que me conheceu? Bom, não importa. —
Estamos fazendo ovos Benedict — ele aponta para a frigideira e os pães de
forma dispostos na bancada. — Com bacon.
Orion confirma com a cabeça.
— Quer tomar café?
— Não, obrigada — eu sorrio para eles. — Vou tomar café em casa
— sinto necessidade de explicar. — Não quis acordar o Atlas — para de se
explicar, caralho!
Os olhos de Orion passam por meu corpo, analisando a camiseta dos
Pythons que visto. Sei que um quadro muito distante da realidade — e
muito parecido com meu sonho — passa pela sua cabeça agora.
— Sou amiga dele — explícito. Eles me viram com Hunter na
premiére devem estar achando que sou a maior das vagabundas agora. —
Não é o que vocês estão pensando.
Carlos ri.
— Não estamos pensando nada, mi amor.
— Enfim — eu respiro fundo. — Obrigada pelo convite, mesmo —
dou mais um sorriso. — A gente se vê pela UCLA, eu acho.
Orion sorri para mim. Como Atlas, ele parece se divertir com o meu
constrangimento. Os Campbell são todos endiabrados assim?
Eu dou um passo em direção aos jardins e o cheiro dos ovos atiça
meu estômago, mas eu ignoro. Pego meu celular para chamar um Uber e
vejo uma mensagem de Hunter.
Meu coração afunda no peito ao me lembrar do acidente.
HUNTER: ele está estabilizado agora. Os médicos preferiram fazer
a cirurgia amanhã de manhã.
HUNTER: disseram que ele vai ficar bem, não vai ser um
procedimento complicado.
HUNTER: desculpa ter saído daquele jeito.

Não sei explicar como não me lembrei disso assim que acordei. Ali
estava o homem por quem sou apaixonada, o homem com o qual tenho
sonhado por meses! E, no momento que ele precisava de mim, eu fui com
outro para a praia encher a cara. E ainda tive um sonho erótico com ele.
Você é patética, Taylor Lynch.
Digito uma resposta para Hunter desejando melhoras e dizendo que
tudo vai ficar bem. Digo que não há nada o que desculpar, que podemos
assistir a peça depois, numa sessão normal.
Em seguida, peço um Uber. Quando o carro chega, encosto minha
cabeça no vidro e me entrego aos pensamentos conflituosos que me
assolam. Eu não estava lá quando Hunter precisou de mim, mas Atlas
sempre aparece quando eu sinto necessidade. O beijo, o ensaio para a peça,
o falso date e agora, uma crise de ansiedade. Sinto que isso quer dizer algo
que ainda não consigo entender.
As palavras que eu disse ontem na praia me voltam e parecem fazer
ainda mais sentido.
Eu realmente não entendo nada sobre amor.
Capítulo 18 - Atlas Campbell

(ou: jogador buscando por um milagre)

TAYLOR: roubei seu tênis. se eu não devolver, é porque vendi na


internet.
TAYLOR: tênis com chulé de jogador famoso.
TAYLOR: vai ser um sucesso.
ATLAS: o seu chulé, só se for.
ATLAS: devia ter pegado uma cueca.
TAYLOR: que nojooooooo.
ATLAS: você se surpreenderia com a quantidade de pessoas que
compram essas coisas…
TAYLOR: e pq vc sabe disso?
ATLAS: só porque roubaram as malas de lingerie da minha mãe
uma vez e venderam.
ATLAS: não sou um pervertido.
ATLAS: não esse tipo de pervertido.
TAYLOR: muito bom saber

Taylor manda uma foto em seguida, mudando bruscamente de


assunto. Ela está sentada na varanda da Kappa House com suas colegas de
fraternidade, cercada de abóboras, cartolinas e morcegos de papelão.
TAYLOR: pode me ajudar com a decoração antes da festa amanhã?
TAYLOR: por favor
ATLAS: eu realmente virei seu assistente pessoal
ATLAS: vai ser 500 dólares a hora

Taylor me responde com uma sequência de emojis de dedo do meio.


São as primeiras mensagens que trocamos desde a noite da premiére,
dois dias atrás. Existe um pacto silencioso entre nós: não vamos falar sobre
nossa conversa no banheiro, nossa caminhada na praia ou sobre como eu
passei umas boas duas horas observando-a dormir antes de cair no sono —
ela não sabe e nem vai saber disso.
Taylor Lynch é inteligente o bastante para saber que não pode gostar
de mim. Esse é o motivo que a fez levantar antes das dez da manhã e ir
embora da casa de Orion antes que eu acordasse, exatamente o que eu faria
estando no seu lugar. Como conselheiro amoroso, estou orgulhoso. Como
pessoa, não quero pensar porque senti falta dela quando acordei.
— Vamos lá, Atlas — a voz do doutor Carter arrasta os meus
pensamentos para longe e eu me levanto, muito grato pela interrupção.
Estou no último andar do The Nest, espaço da sede reservado para
fisioterapia e consultas médicas. Particularmente, eu não queria ter que vir
até San Diego para me consultar, mas Terry não confia em ninguém que não
seja da equipe oficial. Além disso, são só duas horas de viagem de Los
Angeles até San Diego e eu acho que estava precisando de um tempo
sozinho para organizar minha própria cabeça — com isso, quero dizer
passar duas horas dentro de um carro ouvindo músicas depressivas como se
estivesse em um clipe dos anos dois mil.
— Como tem sido os últimos dias? — Carter pergunta, assim que
entro no consultório. Com a cabeça, ele aponta para a maca onde devo
sentar. Sua mesa está lotada pelos meus exames mais recentes e tem de
tudo: resultados de coleta de sangue, eletrocardiogramas e radiografias do
meu ombro em cem ângulos diferentes. — Tem sentido dor?
Eu tiro a camiseta e a tipoia com um pouco de dificuldade, já
acostumado com o processo de consulta. Nunca fui do tipo que odeia
médicos, mas desde que esse inferno começou, sinto birra de todos eles. É
um sentimento gratuito, porque o doutor Carter é sempre muito gentil.
— Não — eu me sento. — Salvo alguns desconfortos, não sinto nada.
— Os antibióticos te deram algum efeito colateral?
Movo a cabeça em negativa.
— Não me lembro de sentir nada.
— Ótimo — ele dá um sorriso, aproximando-se da maca. — Tem
bebido nos últimos dias?
Dou um sorriso constrangido para Carter.
— Olha lá, hein? — o médico reclama. — Não pode abusar de bebida
agora. Inflama seu corpo e dificulta a cicatrização. Uma vez por semana, no
máximo, com moderação.
Uma garrafa de vodka inteira é, com toda certeza, moderado.
Eu assinto, mas sei que vou dar umas escorregadas na hora de seguir
suas orientações. Tudo bem, acontece. Carter observa meu ombro e apoia
uma das mãos na minha escápula, movendo meu braço delicadamente.
— Sente dor?
— Não.
— Ok, bom — ele continua movendo meu braço como se eu fosse um
boneco ventríloquo, testando os limites do meu ombro. Carter varia entre
movimentos intensos, leves, rápidos e lentos. Sinto dor em alguns deles,
mas é suportável. — Estamos indo bem. Podemos trocar o tipo de
mobilização e começar as sessões com o fisioterapeuta.
— Isso significa que não vou precisar fazer uma cirurgia?
Carter faz uma careta.
— Ainda não consigo dizer. Vamos ver os resultados que temos com
as primeiras sessões. Mas mesmo que você precise de cirurgia — e eu sei
que nada de bom vem depois de um “mas” — isso não significa que seu
desempenho como atleta vai piorar. Você é jovem, essas coisas se resolvem
mais fácil.
Ignoro tudo que Carter disse para fazer uma nova pergunta.
— Dá tempo de voltar antes do Super Bowl?
— Talvez — não sei se gosto do seu tom. — Supondo que não precise
de cirurgia, vai acabar sendo uma recuperação mais rápida. Mas se quer
saber minha opinião como médico…
— Você sabe que eu não quero.
Carter ri.
— É minha obrigação te dar mesmo assim. Pode ser mais inteligente
voltar na temporada do ano que vem.
— O que? Nem fodendo.
— Todos os jogadores dos outros times sabem que você sofreu uma
lesão grave, Atlas. No mundo dos esportes, não dá pra contar com a ética de
ninguém. Se precisarem usar isso contra os Pythons, vão usar. Um período
de recuperação mais longo pode garantir que você não se machuque de
novo. Pensa nisso, tá bom?
A minha resposta continua sendo a mesma: nem fodendo. Sei que
ressaltar isso em voz alta vai deixar Carter preocupado, por isso me limito
ao silêncio.
— Vamos usar uma tipoia de suporte agora — Carter explica. —
Diferente da tradicional, ela não imobiliza todo seu braço, só o ombro.
Serve pra diminuir qualquer impacto que você possa vir a ter nessa parte do
corpo.
— Finalmente vou deixar de parecer um nerd sem vida social pra
parecer só meio nerd sem vida social — zombo.
Carter acha graça.
— E temos mais boas notícias pra hoje — o homem está se
esforçando para amenizar o fato de que a única boa notícia que eu gostaria
de ouvir, ele não vai me dar. — Você pode voltar a dirigir, mas não abusa.
Nada de viagens muito longas.
Eu dou um sorriso sem humor para ele. Não era o que eu queria, mas
serve. Preciso admitir que é um porre ficar andando de motorista pra cima e
pra baixo e o Uber não é uma opção quando se é um jogador mundialmente
conhecido.
Carter faz um sinal indicando que eu posso me vestir. Eu me levanto
da maca e coloco a camisa de volta, soltando um suspiro. Sei que não estou
no direito de reclamar. Eu poderia ter recebido notícias muito piores, mas a
ideia de não estar de volta em campo no Super Bowl me deixa ansioso e
irritado.
— Você vai ficar bem, Atlas — Carter comenta, como se pudesse ler
meus pensamentos. — Só precisa ter um pouquinho mais de paciência.
— Paciência é meu sobrenome — respondo, com um sorriso irônico.
— Pode pegar a sua tipoia nova na recepção — diz. — Se precisar de
alguma coisa, me liga.
Um ombro novo, talvez?
Um remédio milagroso que resolva esse problema nas próximas
quarenta e oito horas?
Sei que Carter não pode me dar nada disso, então me limito a
agradecer com um aceno de cabeça.
Eu saio do consultório e pego o elevador até a academia do The Nest.
Eu não avisei que viria, motivo pelo qual Noah me encara como se eu fosse
uma miragem quando bota os olhos em mim. Ele está treinando com um
halter de 100 kg e um arrepio ruim cruza minha espinha quando percebo
que não faço ideia de quando vou conseguir carregar aquele peso de novo.
— Boas notícias? — ele pergunta, mas sei que minha expressão de
enterro diz muito.
— Já posso dirigir.
Não é o que Noah esperava ouvir. Mesmo assim, o quarterback tenta
me animar.
— Que bom. Vai poder ir de carro no nosso jogo desse final de
semana.
Eu franzo o cenho.
— Você esqueceu? — Noah me encara, incrédulo. — O próximo jogo
é em Los Angeles.
Ai, merda.
A verdade é que estou evitando acompanhar os jogos de perto. Se
perdemos, penso que é culpa minha, se ganhamos, penso que o time é
melhor sem mim. São duas linhas de pensamento extremas e nenhuma delas
faz sentido.
— Não esqueci — minto. — Vou estar lá.
— Leva o garoto dos Bruins — Noah sugere. — Sei lá, vai que serve
de incentivo.
Assinto. Ignorando todo contexto que envolve a minha relação com
Taylor Lynch, é uma boa ideia. Eu estou tentando me aproximar de Hunter
nos treinos e, na minha opinião, nada aproxima mais do que a paixão por
um mesmo esporte.
— Como a Cleo tá? — ele pergunta, de repente.
— Eu deveria saber?
— Você passa muito tempo na UCLA — Noah comenta, como se não
fosse nada. — Ela está se comportando ou…
— Defina comportar.
— Quantas pessoas ela já beijou esse ano?
— Porra, eu não faço ideia — rio. — Mais de dez, com certeza.
Fiquei sabendo que ela pegou uns três caras do time de hóquei. Dois do
departamento de matemática, um do time de futebol…
A cor some do rosto de Noah.
— Se a Sabrina souber disso…
— Não conta pra ela — digo, simples. — A Sabrina precisa aceitar
que a Cleo não é mais uma criança. Era meio óbvio que ela não ia passar a
faculdade inteira trancada no quarto assistindo filme preto e branco, embora
ela faça muito isso. É a porra da UCLA.
Noah assente, mas ele não parece estar certo do que estou dizendo.
— Fica de olho nela pra mim — pede. — Se ela estiver com um cara
muito babaca…
— Vamos chamar a equipe Sabrina Evans de intervenção?
— Não, eu converso com ela nesse caso.
— Tá assumindo o papel de irmão mais velho da irmã da sua
namorada?
Noah suspira.
— É complicado. A Sabrina anda se culpando por ter ido embora de
casa muito cedo. Ela acha que a Cleo está tendo uma fase rebelde porque
sentiu falta dela.
Discordo com a cabeça.
— A garota tá vivendo.
— Por via das dúvidas, doa umas camisinhas pra ela.
— Você sabe que eu te amo, mas não vou fazer isso — zombo. —
Mas eu bato um papo com ela, tá? Se a gente se esbarrar em alguma festa.
— Se vocês se esbarrarem em alguma festa, faça distanciamento
social — diz, em tom de brincadeira, mas sei que está falando muito sério.
Consigo imaginar Noah surtando com qualquer jogador dos Pythons que se
aproxime demais da Cleo. Sabrina não quer ela se envolvendo com
jogadores e, se Sabrina Evans não quer, Noah Hwang também não quer. —
Pelo menos dois metros de distância.
— Sem problema, chefe.
Capítulo 19 - Taylor Lynch

(ou: futura atriz e organizadora de eventos)

— Taylor, vou subir pra tomar banho, você consegue terminar de


ajeitar as janelas?
A voz da Cleo vem da escada que leva ao segundo andar. Sem desviar
os olhos da cortina velha que eu e Atlas estamos desfiando, grito uma
resposta.
— Claro! Vê se não demora! Daqui a pouquinho todo mundo começa
a chegar.
A ideia inicial era fazer algo simples, nas palavras da Julia: dar álcool
pra esse povo beber e colocar uma música animada. Simples assim. Era
óbvio que não concordávamos com isso. Que espécie de festa de Halloween
não tem pelo menos uma decoração adequada? Só por cima do meu
cadáver. Não quero que a Kappa Kappa Gamma tenha sua fama manchada
de jeito nenhum, não depois de anos carregando o título de responsável pela
festa de Halloween mais icônica do campus.
Como não tínhamos muito dinheiro em caixa, o que restou foi usar da
criatividade — e tutoriais de um minuto do TikTok. Compramos velas
baratas e colocamos dentro de garrafas de vidro para imitar lampiões,
Mindy conseguiu algumas abóboras com as amigas do curso de botânica e
Cléo até arrumou alguns esqueletos falsos emprestados com um cara da
medicina. Não estava perfeito, mas conseguimos fazer uma decoração
básica.
— Acho que essa vai ficar igual a outra.
Atlas diz, ficando na ponta dos pés para amarrar a cortina rasgada no
suporte da janela. Quem precisa de escada quando se tem um jogador de
quase dois metros de altura por perto?
Apesar do ombro — meio — imobilizado, ele consegue amarrar a
cortina. Está mais fácil agora que ele trocou de tipoia e consegue usar as
duas mãos. Tenho vontade de perguntar como a questão do ombro está indo,
mas acho que Atlas não quer falar sobre isso.
Os fios soltos balançam com a brisa noturna que chega pela janela
aberta dando a impressão que o tecido está vivo.
— Não tem problema — olho para a janela do outro lado do hall. —
O que importa é que agora temos uma decoração.
— Graças a mim.
Cruzo os braços e levanto a sobrancelha.
— Tá bom, Mr. Perfectly Fine. Eu não esqueci que você tentou me
extorquir e cobrar 500 dólares pela ajuda — zombo, abrindo um sorriso ao
pensar na música da Taylor. Ele realmente parece sempre estar no lugar
certo e na hora certa. — Mas obrigada.
Ele faz um gesto com as mãos indicando que não foi nada e olha ao
redor, procurando a próxima tarefa a ser feita.
— Acho que é isso, né? — Mindy desce pelas escadas. Ela está
usando um macacão jeans sobre uma camisa com listras coloridas. O cabelo
pintado com uma tinta laranja e a faca de plástico na mão formam a fantasia
do Chucky, o boneco assassino. — Tem mais ou já podemos começar a
beber?
Eu não consigo pensar em mais nada para fazer com relação a
decoração, mas tem uma coisa que ainda preciso terminar.
— Pode abrir a porta. — Seguro a mão do Atlas e o puxo para o sofá
da sala que foi encostado em uma das paredes para abrir espaço para uma
pista de dança improvisada. — Vem, tem uma coisa que você precisa me
ajudar.
Pego a bolsa no sofá e a viro, esparramando dezenas de pulseiras
coloridas.
— Eu imaginava que você tinha um problema com pulseiras, mas isso
aqui já é caso de psiquiatra.
— Cala a boca. Não são minhas. São para os convidados. — Aponto
para a pilha que parece ter sido vomitada por um unicórnio. — Dá uma
olhada no que tá escrito.
Atlas enfia a mão na pilha e puxa duas pulseiras. Em uma delas está
escrito TRICK OR TRICK, e na outra, I KNOW YOU LIKE CANDY[8].
— Eu queria arrumar o símbolo gama, mas como tava em cima da
hora, improvisei com o G mesmo.
Cada pulseira tem uma mensagem única, mas todas elas carregam as
iniciais KKG como recordação da nossa irmandade.
— Ficou ótimo. Você fez tudo?
— Sim. Fiz durante a semana. Antes de dormir.
Atlas me lança um olhar que não sei como traduzir. Ele está elegante
em uma roupa social, a pele pálida e o cabelo penteado para trás com
bastante gel. Os caninos proeminentes mostram o quanto Conde Drácula
poderia ser gostoso.
— Na minha época, faculdade era pra estudar — ele fala, como se
fosse muitos anos mais velho que eu. — Não dava tempo de ficar fazendo
pulseirinhas.
Dou um tapa de leve no braço bom dele.
— Claro, porque Atlas Campbell com certeza foi um exemplo.
Aposto que era monitor de várias disciplinas só pra ajudar a aprovar alunas
bonitas.
Ele ri, sem desviar os olhos dos meus.
— Eu provei muitas delas em aulas particulares.
Balanço a cabeça de um lado para o outro. Ele é impossível.
— Chega, você fala demais. — Puxo alguns pacotes com as miçangas
de várias cores e letras e coloco entre a gente. — Eu preciso que você me
ajude.
— Ajudar em quê?
— A fazer mais pulseiras, ué! O que mais poderia ser?
Ele olha para o lado, como vê que a sala está vazia, sussurra.
— Preciso te lembrar o que você me pediu da última vez que
procurou ajuda? Uma coisa obscena e muito distante de pulseiras…
— Atlas Campbell! — É a minha vez de olhar assustada ao redor,
Mindy está na cozinha, mas duvido que tenha conseguido ouvir o que o
jogador disse. — Aqui não é lugar disso.
Imagens daquela tarde e do sonho que tive se misturam na minha
mente, fazendo minha garganta secar. Levo a língua em um movimento
inconsciente aos lábios o que acaba enfraquecendo o que acabo de dizer.
— Como quiser. Você sabe que estou sempre às ordens.
Às vezes eu gostaria de entrar na mente de Atlas e ler os seus
pensamentos. Tudo o que ele diz parece ter duplo sentido e acaba deixando
a nossa relação ainda mais confusa.
— Você vai me ajudar ou não? — Percebo um sorriso safado aparecer
no rosto dele, por isso completo. — Com as pulseiras.
— Vou tentar. — Ele aponta a cabeça para o ombro agora meio
imobilizado. — Posso não conseguir carregar 100 kg nos halteres, mas
amarrar pulseiras não deve ser tão difícil.
Não consigo pegar a referência, muito menos o motivo pelo qual ele
disse aquilo, mas não insisto no assunto.
Passamos os últimos minutos antes das nove fazendo mais pulseiras e
rindo das frases que escolhemos. O tempo ao lado de Atlas é sempre
divertido e leve. Não importa se estou feliz ou triste, o jogador parece ter
uma habilidade natural de me deixar confortável o suficiente para que eu
seja eu mesma.
Sem filtro.
Sem limites.
E é aí que mora o problema.
— Acho que temos o suficiente. — Me levanto e guardo as miçangas
que sobraram dentro da bolsa. — Não tem pra todo mundo, fica como uma
lembrança exclusiva pros primeiros a chegarem.
Levamos as pulseiras até Julia que está parada perto da porta. Ela usa
uma peruca loira e tem uma maquiagem pesada com lápis preto ao redor
dos olhos. Só então percebo que ela e Mindy estão de fantasia de casal.
Chucky e Tiffany. Fico feliz que Julia tenha deixado a birra com Halloween
de lado pelo menos por uma noite. Acho que ela percebe o que estou
pensando pelo sorriso no meu rosto.
— Se você disser uma palavra eu…
Faço um gesto como se puxasse um zíper imaginário sobre os meus
lábios. Coloco as pulseiras dentro de dois bowls que eu tinha deixado ao
lado da porta especificamente para aquela função. Olho para a rua e vejo
algumas pessoas se aproximando. Há um casal de múmias, um zumbi
solitário, um homem aranha e um cara de cabelo verde e jaleco de
laboratório que eu não faço ideia de quem pode ser. Uma versão econômica
de Rick and Morty, talvez?
Sinto o sorriso se espalhar no rosto ao ver a cena. Não gostar de
Halloween é uma baita red flag. Melhor evento do ano.
Estou prestes a voltar para o sofá, quando vejo Atlas dar um passo à
frente e pegar uma pulseira em um dos bowls. Ele balança na minha
direção. A frase NEVER TRUST THE LIVING[9] está escrita com miçangas
roxas, pretas e brancas.
— Essa vai ser minha — Ele estende o braço esquerdo pedindo para
que eu a coloque.
— A julgar pelas fantasias que estão chegando, você pode confiar em
muitas pessoas.
— Eu posso confiar em você.
A frase me deixa sem ar. Foco minha atenção em colocar a pulseira
no Atlas. O problema com ele, é que nunca sei se ele está falando sério ou
brincando. Como entender o que ele está pensando se ele me provoca e me
elogia com o mesmo sorriso no rosto?
Como se lesse os meus pensamentos, ele completa.
— Porque você é uma zumbi.
— Vai se foder, Atlas — digo, mas há um sorriso no meu rosto
também.
Termino de ajustar a pulseira nele e ela fica ligeiramente apertada,
mas ele não parece se incomodar.
— E aí, a gente pode começar essa festa?
A voz de Cleo ecoa do alto da escada e nossos olhos acompanham a
garota descendo com uma capa vermelha e um conjunto minúsculo de short
e top, ambos da mesma cor A maquiagem não é muito pesada e valoriza
cada um dos traços da estudante de cinema. Ela abre um sorriso mostrando
os caninos proeminentes.
Ela está deslumbrante.
Só então percebo a coincidência. Cleo e Atlas, sem querer, estão
combinando fantasia.
Mindy, ao ouvir o grito da Cleo, caminha para a torre de som.
Começa a digitar algo no celular e Bloody Mary da Lady Gaga — a versão
remixada do TikTok — toca em um volume alto.
Cleo grita mais alguma coisa e corre para a área improvisada de
dança. As pessoas começam a chegar e a colocar as pulseiras. Em questão
de segundos, a Kappa House se enche de gente.
Agora sim parece uma festa.
Estou prestes a convidar Atlas para dançar, quando sinto um braço
por cima dos meus ombros.
— Oi, gata.
Pega de surpresa, me assusto e giro a cabeça rapidamente para o lado.
Por um momento, eu tinha me esquecido de Hunter. Ele usa o uniforme dos
Bruins com exceção do capacete e dos protetores. Em outras palavras, está
fantasiado de si mesmo.
Percebo o franzir de sobrancelhas de Atlas e sei que ele está pensando
o mesmo que eu. Hunter não fez o mínimo esforço para se fantasiar.
Ele olha para a minha fantasia e abre um sorriso gigantesco.
— Olha! Viemos combinando! Eu de jogador, você de líder de
torcida. — Ele aponta para o grande TS no meu uniforme. — Taylor e
Simmons. Que fofo.
Ele se aproxima e me beija. É uma situação estranha, ao mesmo
tempo que gosto de beijá-lo e sinto o meu corpo acender com o toque, há
um desapontamento. Ele não só não pegou a referência da minha fantasia
como ainda interpretou errado. Sou uma Taylor Swift zumbi, não uma
massagem ao ego de Hunter. Se fosse algumas semanas atrás, a antiga
Taylor aproveitaria aquela deixa para deixá-lo ainda mais apaixonado.
— Ah, você notou! Sim, Hunter Simmons. Fiz tudo isso pensando em
você.
Porém, the old Taylor can’t come to the phone right now.[10] Por isso,
apenas mantenho o beijo e, quando ele termina, abro um sorriso. Percebo
que Atlas deu um passo para o lado. Imagino que ele tenha se sentido
desconfortável em servir de vela.
Hunter pergunta como está o braço de Atlas, mas o loiro não parece
estar muito a fim de papo. Por duas vezes, leva a mão até a testa e faz um
movimento circular.
— Hunter, você pega uma bebida pra gente?
Peço e, assim que o quarterback se afasta, me aproximo do meu
amigo.
— Ele podia ter se esforçado um pouco mais.
Atlas abre um sorriso fraco e não faz nenhum comentário.
— Bom, pelo menos ele me beijou — eu me esforço para parecer
mais animada do que realmente estou. — E mesmo que ele não tenha
entendido a minha fantasia, elas combinam — não sei se estou mentindo
pra mim ou pro Atlas. — Somos um casal bonito, não somos? Tenho
certeza que as pessoas vão olhar pra gente hoje à noite e pensar “Nossa, que
casalzão” — eu forço uma risada alegre. Não sei porque sinto essa
necessidade de mostrar que tudo vai bem entre mim e o Hunter, mesmo
quando tudo parece tão estranho. Atlas não me responde de imediato. —
Que bom que ele finalmente percebeu que somos feitos um pro outro —
digo, por fim. — Tá tudo bem? Você parece preocupado.
— Uma dor de cabeça chata surgiu do nada. — Ele volta a massagear
a têmpora. Não sei se acredito. Atlas parece estar pensando em alguma
coisa que não quer compartilhar comigo. — Acho que é melhor eu ir.
— Tá doido? A festa acabou de começar. Você ficou mais tempo aqui
nos ajudando do que curtindo. — Eu faço menção de sair na direção da
escada, mas Atlas segura o meu braço com suavidade. — Eu tenho remédio
no quarto, vai ajudar — embora eu não acredite que é esse o problema.
Ele balança a cabeça.
— Não precisa, eu fiquei meio exausto do bate e volta pra San Diego.
Avisa o Hunter que deixei um convite pra ele na caixa de correspondência
da Alpha Gamma.
Eu deixo uma risada escapar, porque é uma surpresa pra mim.
— Vai convidar o Hunter pro próximo jogo?
— Foi ideia do Noah — por algum motivo, ele quer deixar isso claro.
— Vai ser tipo um incentivo, sei lá.
— Tá bom, eu aviso.
Atlas dá um sorriso pra mim. Ele se aproxima em um passo e percebo
que está em dúvida de como deve se despedir. Eu entendo sua hesitação,
mas me abstenho de decidir por ele. Por fim, Atlas dá um beijo na minha
testa.
— Aproveita a festa Taylor-zumbi-e-não-Simmons.
Então ele se afasta. A pista de dança está tão cheia de alunos que fica
difícil acompanhar para onde ele está indo.
— Cadê o Atlas? — Hunter me entrega um copo de plástico. O cheiro
de Coca-cola invade meu olfato.
Balanço a cabeça.
— Ele precisou ir embora. Tinha outras coisas pra fazer.
— Que pena, queria conversar com ele sobre umas ideias que eu
tenho para os treinos. Stevie não parece acreditar muito no que eu falo, mas
sei que o Atlas vai me ouvir.
— Você vai ter a oportunidade — comento. — Atlas deixou um
convite pro jogo dos Pythons amanhã na sua caixa de correio.
— Nossa, sério? — ele abre um sorriso. — Estavam esgotados a
meses. É por isso que tem tanta mulher correndo atrás dele, o cara é bom
mesmo.
Eu assinto, engolindo uma pontada de desconforto ao pensar em todas
as pretendentes de Atlas Campbell. Me obrigo a me distrair. Meus olhos
percorrem a Kappa House: a sala está abarrotada de gente e algumas
garotas estão sentadas nas escadas. Tento procurar algum rosto conhecido,
mas não vejo minhas amigas por perto. Cleo estava ao meu lado a poucos
minutos, mas também desapareceu na multidão.
Season of the witch da Lana del Rey começa a tocar e a vibe da festa
muda completamente. Mortos, celebridades, super-heróis e fantasias
conceituais que ninguém nunca entende começam a balançar os corpos no
ritmo da música. Hunter aproveita o ritmo mais tranquilo e coloca os braços
na minha cintura, aproximando o corpo do meu.
Ele tem o rosto calmo e tranquilo, parece feliz por estar aqui comigo.
Tento recuperar a animação e aproveitar o momento. Eu finalmente estou
vivendo o que sempre quis.
Eu estou apaixonada pelo Hunter.
Eu estou apaixonada pelo Hunter.
Eu estou apaixonada pelo Hunter?
Continuo repetindo como um mantra enquanto a voz da Lana ecoa na
atmosfera melancólica que ilustra perfeitamente como estou me sentindo.
Capítulo 20 - Atlas Campbell

(ou: jogador consciente das próprias merdas)

Noah recebe a bola do center e leva vários segundos para decidir o


que fazer com ela. Consigo ver meu substituto protegendo o lado esquerdo
do meu amigo e, mesmo que doa admitir, ele está fazendo um bom trabalho.
O quarterback aproveita a pequena brecha para disparar pelo lado direito. O
ataque está muito bem marcado, mas ainda assim, ele consegue avançar
umas quinze jardas antes de ser jogado ao chão.
— Foi um lance ótimo, não foi? — Hunter comenta, colocando um
pouco de pipoca na boca. Ele está vidrado no jogo desde que chegamos
aqui e não sei se estou feliz ou com raiva. Ele é um cara esforçado em tudo:
suas notas são boas, ele está tentando ser um quarterback melhor pros
Bruins e recusou ir à festa depois do jogo, porque quer passar um tempo
com o padrasto acidentado. Por algum motivo, ele não se esforça em nada
quando o assunto é Taylor Lynch.
— Sim — respondo sem olhar para Hunter. — Nem sempre o
lançamento acaba sendo a melhor opção. — Lembro do desespero nos
olhos de Terry sempre que pede para Noah jogar safe. O quarterback dos
Pythons parece estar cada vez mais ouvindo o nosso coach. Sinto orgulho
no peito por pertencer a esse time.
A jogada reinicia e, dessa vez, Noah encontra Chad aberto pela
esquerda. Faz o lançamento e o tight end consegue dominar a bola antes de
ser derrubado. Quase vinte jardas de avanço.
Os Rams não são a melhor equipe da NFL, o que talvez explique a
vantagem de 11 pontos no placar ainda no segundo quarto do jogo. O time
parece estar funcionando bem, o que é ótimo. Preciso que eles ganhem e
cheguem ao Super Bowl para eu fazer o meu retorno triunfante.
E foda-se o que o Doutor Carter pensa.
Meus olhos caem em Noah em um dos extremos do gramado e fico
imaginando o que ele faria se soubesse como minha noite terminou ontem.
Ou ele me daria um soco ou se recusaria a falar comigo por um bom tempo.
Talvez os dois.
Em minha defesa, eu não tenho uma.
— Dor de cabeça se cura com cerveja — a voz de Cleo reaparece na
minha mente e eu perco o foco da partida. Meus pensamentos voam até a
noite anterior. Eu estava mesmo planejando ir embora depois que falei com
a Taylor, mas acabamos engatando uma conversa que durou tempo demais
nos fundos da Kappa House. Pelo menos eu comentei sobre as questões que
Noah tinha levantado algumas horas antes.
— Sabrina acha que eu sou uma criança — lembro dela ter
reclamado. — Quer que eu seja uma versão mais nova dela — lembro dela
revirar os olhos. — E eu amo a minha irmã, mas não tenho a menor vontade
de seguir os seus ideais de perfeição e castidade.
— Porra! — Hunter pula no assento.
No meio do meu devaneio, não vi direito o que aconteceu, só percebo
o center dos Pythons encarando um dos defensores adversários. Percebo o
olhar de Hunter na minha direção. Ele parece estranhar a minha falta de
reação ao lance. No chão, Noah começa a se levantar e bate a mão na calça
suja de terra. Ele coloca a mão no ombro do center que imediatamente
abandona a pose de briga e caminha para retomar sua posição no campo.
— Se você quer ser um bom quarterback, Hunter, precisa manter
sempre a cabeça no lugar — comento. — No momento que o time
adversário conseguir te tirar do sério, o jogo acaba.
— Mas é impossível ficar calmo o jogo inteiro.
Aponto para Noah.
— Quem disse que ele é calmo? Você que nunca viu ele perdendo pra
mim no Mortal Kombat. — Abro um sorriso de vitória. — Mas no campo,
ele sabe que precisa manter o foco. Quarterback não pode se dar ao luxo de
ficar irritado com facilidade. Porque você acha que fui pra linha ofensiva?
Lá, sim, posso descontar minha raiva e frustração durante a partida.
Infelizmente, sei que Noah Hwang não vai manter essa calmaria toda
quando descobrir que comi a cunhada dele.
Eu me ajeito no assento do camarote, me esforçando para focar no
que acontece no jogo. Não tenho bons resultados. A noite de ontem
continua indo e voltando na minha cabeça.
— Tem certeza que quer ir embora? — Cleo perguntou. — Sabe que
foi um sinal, não sabe?
— O que?
— Nós dois, de fantasia combinando. Acho que deveria me dar um
beijo só por isso.
Aperto os olhos, afastando a lembrança. Não acredito que fodi Cleo
Evans na dispensa da Kappa House, horas depois de ter aquela conversa
com o Noah. Com toda certeza, não vou ganhar o prêmio de amigo do ano.
— Acorda, Atlas! — Hunter me chama, jogando uma pipoca em
mim. — Você parece que tá em outro mundo hoje.
— Um amigo meu anda com uns problemas — minto, percebendo
que o jogo chegou no seu intervalo da metade da partida.
— Que problemas? Talvez eu possa ajudar.
Eu sorrio quando penso que ele é o maior problema. Engulo minha
vontade de ser grosseiro, porque o coitado não tem culpa. Hunter não tem
culpa se eu quase tive um colapso nervoso quando ele beijou a Taylor na
minha frente. Ele não tem culpa se eu senti vontade de cortar seus dedos
fora por estarem encostando demais nela e ele não tem culpa se eu escolhi
transar com a primeira garota que apareceu na minha frente pra esconder o
fato de que estava sentindo ciúmes pela primeira vez na vida.
Não.
Não foi ciúmes.
Eu me recuso a aceitar que seja ciúmes.
— Ele fodeu quem não devia e sabe que seus amigos vão ficar putos
com ele.
Hunter pensa por um momento.
— Namorada de amigo?
Movo a cabeça em negativa. Acabo pensando no que Hunter pensaria
se soubesse sobre mim e Taylor. Por um momento, sinto vontade de contar.
Esclarecer a confusão que eu mesmo criei, sem querer.
Não faço isso, porque sei que deixaria Taylor triste.
— Não. Pior.
— Irmã de amigo?
Não é bem isso, mas vai servir. Eu assinto.
— Caralho, Atlas, que vacilo.
— Foi o meu amigo! — eu corto.
— Sei — Hunter ri, comendo mais pipoca. — No caso, seu amigo é
um vacilão.
— Ele também se sente um vacilão.
Hunter me dá um sorriso gentil. É muito claro que não estou
enganando ninguém nessa conversa, mas escolho manter a minha mentira.
Vou falar com o Chad depois do jogo e ele vai saber o que fazer, porque é o
cara dos bons conselhos, muito diferente de mim.
Percebo que não sinto remorso pela Taylor.
Sei que transei com a amiga dela, mas não é como se tivéssemos
acordado qualquer tipo de exclusividade. Ela reforça o quanto está
apaixonada por Hunter Simmons sempre que tem a chance. Eles se
beijaram na minha frente. Que bom que ele finalmente percebeu que somos
feitos um pro outro, ela disse, com a porra de um sorriso no rosto.
Honestamente, nem sei se Taylor se importaria com isso. Talvez ela
veja graça na ideia de dividir um cara.
Hunter se ajeita na cadeira e o jogo recomeça.
Ainda bem que esse está sendo um jogo fácil. Tem emoção de sobra
na minha vida ultimamente.

∞∞∞
Eu prometo que vou seguir todas as recomendações do Doutor Carter,
começando a partir de amanhã. Dou um gole no meu mojito fingindo que
não fui intimado a moderar na bebida e sorrio para Chad, que se sentou do
meu lado no bar do Hotel. Os Pythons se hospedaram no Shutters on the
Beach, por acaso, meu hotel favorito em Los Angeles. Fica dentro da praia,
literalmente, e sempre penso que se eu tivesse um hotel, ele seria desse
jeito.
— Algum motivo especial pra ter me mandado uma mensagem
dizendo que o Noah vai te matar? — ele pergunta, pedindo uma água para o
barman. Está usando um durag nas cores dos Pythons essa noite, o que
deixa sua camiseta larga com um ar muito mais estiloso.
Eu solto o ar pela boca. Meus olhos correm pelo salão e eu encontro
Noah e Sabrina na pista, dançando uma música fora de ritmo. Eles são fofos
juntos e é óbvio que ele faria qualquer coisa para deixá-la feliz. Só que, no
momento, deixá-la feliz inclui me exterminar.
— Ela já terminou o livro novo? — pergunto, adiando o assunto.
— Acho que já — Chad dá de ombros. — Para de enrolar, o que você
fez dessa vez?
— Que tom acusatório horrível — reclamo. — Até parece que eu sou
tão apocalíptico assim.
— Na verdade, eu estou surpreso que você não fez nenhuma merda
irreparável ainda.
Dou uma risada e bebo mais mojito.
— Então, sobre isso…
— Ai, meu Deus. Sabia que tava bom demais pra ser verdade.
— Olha, eu vou ser direto.
Chad assente, mas eu não digo nada.
— Vai, porra! — ele reclama. — Desembucha.
— Transei com a Cleo — solto, de uma vez só.
Chad me encara. Ele demora alguns segundos para entender o que eu
acabei de dizer, como se fosse uma equação matemática de difícil
compreensão. Então ele ri, como se eu tivesse contado uma piada.
— Cleo — ele murmura, os traços de um sorriso ainda no seu rosto.
— Cleo Evans?
— É.
A expressão de Chad se fecha quando eu confirmo. Por um segundo,
penso que é ele quem vai me dar um soco.
— Caralho, Atlas — resmunga Chad. — Não acredito que fez isso.
De todas as mulheres dos Estados Unidos ela era a única que…
— Eu sei, tá? O Noah não quer a gente perto dela — bebo mais um
gole. — Não foi uma coisa que eu planejei, só aconteceu.
— O que aconteceu? — eu quase derrubo meu copo quando ouço a
voz de Sabrina, como se ela fosse um fantasma. Ela franze o cenho para
mim e se estica para pegar a garrafa de água de Chad, pedindo licença. —
Credo, Atlas. Parece que viu uma assombração.
— Só estou cansado — minto. — Me desacostumei com a emoção
dos jogos.
— Ah, normal — ela sorri pra mim, embora eu saiba que não estou
no topo da sua lista de afeições. — Você se acostuma. Vai estar de volta
antes do Super Bowl — Sabrina se esforça para ser simpática mesmo não
gostando de mim e eu sinto um pouco mais de culpa.
— Sim, com certeza. Valeu.
Sabrina dá mais um sorriso e se afasta com a garrafa de água. Chad de
vira para mim.
— Como isso aconteceu?
— Quer a resposta honesta ou a resposta falsa?
— De qual delas eu vou gostar mais?
— A falsa — murmuro. — Eu estava numa festa da Kappa Kappa
Gamma e por acaso acabei transando com a Cleo na despensa.
— Por acaso acabei transando? — ele revira os olhos. — Desse jeito
parece que você tropeçou e caiu na boceta dela. Agora a resposta honesta.
— FiqueicomciúmesdaTaylor — digo, propositalmente sem pausas,
engolindo mais bebida. — E transei com a primeira pessoa que apareceu,
que por acaso foi a Cleo.
Como previsto, Chad não está nada satisfeito com a minha resposta
honesta.
— Em outras palavras, você usou ela como válvula de escape pra não
ter que lidar com seus próprios sentimentos.
— Não — eu corto. — Eu não colocaria o termo usou… — Chad me
encara, descrente. — Não colocaria mesmo, tá? Não é como se a Cleo
estivesse procurando por matrimônio e filhos. Ela sabe como eu sou.
Chad aperta as têmporas como um pai estressado com os filhos.
— Não vai acontecer de novo — ressalto.
— Nós não vamos contar pro Noah — ele decreta. — Pelo menos por
enquanto, mas entenda isso como um voto de confiança, tá bom? Se fizer de
novo, eu mesmo conto.
Em uma situação normal, meus olhos estariam revirando, mas eu não
sou idiota. Sei que estou errado e não esperava qualquer outra atitude de
Chad, que nunca quebra as regras. Diferente de mim, tenho certeza que ele
nunca se aproximaria da Cleo. Nunca quebraria a confiança do Noah dessa
forma.
— A questão com a Taylor — Chad recapitula. — Já chega, né?
Eu peço outro drink pro barman e ergo as sobrancelhas.
— Você gosta dela — ele solta. Estou pronto para negar, mas Chad
continua. — Não sei porque está com tanto medo assim de assumir.
— Não é medo.
— É o que então?
— Eu não gosto dela — rebato. — Nós temos uma coisa, só isso.
— Pelo amor de Deus, você precisa urgentemente de terapia — Chad
reclama, revirando os olhos escuros.
— Ela tá apaixonada por outro cara — digo, simples. — Ela é filha
do acionista do time rival. Tenho todos os motivos do mundo pra não
investir nisso. E quando eu voltar a jogar vou ter que correr atrás do tempo
perdido. Não é como se eu fosse ter tempo pra mulher.
— Ok, você tem bons argumentos — ele cruza os braços. — Mas…
— Mas?
Chad suspira.
— Sei lá, a minha opinião não é o que você quer ouvir. Sou um
romântico incurável de merda — o rapaz no bar coloca outro drink na
minha frente. Dessa vez, é maracujack. — Mas acho que quando você
encontra uma pessoa que faz seu coração bater mais forte precisa lutar por
ela.
Não é nenhuma surpresa que Chad esteja certo, de novo.
— Obrigado pelo conselho — digo. — Vou ignorar.
Ele solta o ar pela boca, mas dá o braço a torcer e ri.
— Eu não esperava nada diferente.
Observo Chad se afastar para falar com algum dos patrocinadores dos
Pythons. Eu deveria focar em fazer networking também, mas minha bateria
social hoje é menos dez. Ficar aqui sentado é o mais inteligente a ser feito,
porque não tem como eu fazer nenhuma besteira. Meu celular vibra e vejo
uma nova mensagem de Cleo brilhar na tela. Eu devo ter pego o telefone
dela em algum momento da noite do qual não me lembro.
CLEO: Não conta pro Noah o que rolou. Ele vai contar pra Sabrina.
CLEO: Não conta pro Chad também.

Mordo o lábio. É um pouco tarde demais para obedecer a sua segunda


mensagem, mas confirmo mandando uma sequência de emojis com zíper no
lugar dos lábios.
Por que ela não quer que o Chad saiba?
Cerro os olhos, mas deixo o assunto de lado. Bebo mais um pouco da
bebida e todos os sentimentos ruins que acumulei no peito durante o dia se
suavizam aos poucos. Abro o Instagram e passo pelos stories, sem prestar
atenção em nenhum vídeo específico até que chego nos da Taylor. Ainda
tem alguns registros da festa de ontem disponíveis. Ela gravou um vídeo
meu fazendo pulseirinhas e escreveu “meu assistente pessoal <3” na
legenda.
Eu solto um suspiro.
O remorso bateu. Que situação de merda.
Continuo vendo alguns vídeos da festa. Eles vão ficando mais
borrados ao longo da noite, muito provavelmente pela quantidade de álcool
que Taylor ingeriu. Seu último story é uma foto da própria cama, com um
livro de romance jogado em cima dos seus lençóis azuis. Eu clico para
responder, mas não o faço. Deixo o celular em cima da bancada e bebo o
resto do meu copo em um gole só.
Tá bom, dane-se.
Escrevo a mensagem:
@atlascampbell: queria que você estivesse aqui

Taylor não demora a responder. Eu sou louco por ter mandado essa
mensagem, mas ela é mais louca ainda pela sua resposta:
@taylorlynch: me manda o endereço

∞∞∞
Decido não contar para Taylor o que aconteceu com a Cleo.
Não é como se eu estivesse escondendo dela, afinal, eu não pedi para
que Cleo não contasse, mas eu não vou contar. Essa é a minha forma de
entregar nas mãos do destino: se for pra ela saber, vai chegar até os ouvidos
dela de uma forma ou de outra. Além disso, não é como se eu tivesse
alguma obrigação moral de listar todas as minhas relações sexuais para
Taylor Lynch.
Não somos namorados.
Meu celular vibra na bancada do bar. Percebo tarde demais que foi
uma péssima ideia chamar a filha do adversário para uma festa de
comemoração dos Pythons, mas o que está feito está feito.
TAYLOR: Acabei de chegar.
TAYLOR: Sabe tirar mancha de vinho?
TAYLOR: Um dos garçons derrubou uma taça em mim. To no
banheiro da recepção do hotel.

Bebo o último gole da minha bebida e desço a escadaria em caracol


que leva até o salão de festas. Torço para que Chad, Noah e os outros
estejam ocupados demais para notar minha falta nesse ponto da noite.
Tecnicamente, eu estou fazendo o que Chad me mandou fazer, excluindo a
parte do romance e das declarações melosas.
Sigo até o banheiro da recepção. Ele fica em um canto escondido do
corredor, o que, na minha opinião, não é muito inteligente. É fácil passar
despercebido pela maioria dos hóspedes.
— Ainda bem que escolhi essa cor — Taylor comenta, quando seus
olhos caem em mim. Ela está usando um vestido vermelho que mal cobre
suas pernas, com um decote de coração cheio de brilhantes. Seus ombros e
as pontas do seu cabelo estão manchados de vinho e ela entrega um papel
toalha molhado na minha mão. — Me ajuda a limpar?
— Eu realmente virei seu assistente — zombo, levando o papel até
seu ombro. O vinho que sujou o tecido é quase imperceptível por causa da
cor, mas eu não fui muito inteligente quando aceitei esfregar esse papel na
pele de Taylor Lynch. Eu seco todo vinho no seu ombro e passo os olhos
pela parte dos seus seios que o decote permite mostrar. Vejo uma gota de
vinho escorrer pela pele. — Você limpa o resto — digo. — Se eu for limpar
isso aí, vai ser com a boca.
Taylor ri, mas então ela me encara. Nós ficamos em silêncio na frente
do espelho e eu noto quando sua língua passa pelo lábio inferior, num
movimento que seria imperceptível se eu não estivesse prestando muita
atenção. Ela pensou nisso? Meu Deus, ela tá pensando nisso.
— Para de pensar como seria — provoco. — Você é a virgem mais
safada que eu conheço.
Taylor dá de ombros.
— Não estou pensando em nada.
— Eu duvido.
— É uma pena que eu não tenha como te provar — ela se vira para a
bancada da pia e termina de limpar os seios, jogando o papel dentro do lixo.
Taylor continua de costas pra mim e de onde estou tenho uma visão perfeita
da sua bunda.
— Na verdade, tem um jeito.
Taylor não diz nada. Eu me aproximo dela e coloco a mão na sua
bunda, descendo até o meio das suas pernas. O vestido sobe suavemente
mas, graças ao espelho, consigo ver que não tem ninguém por perto. Eu
empurro sua calcinha para o lado e enfio um dedo, com cuidado. O que eu
encontro é exatamente o que eu esperava: uma boceta escorrendo.
Tiro o dedo de dentro dela e levo até a boca. Taylor acompanha cada
movimento meu pelo reflexo do espelho, como se estivesse hipnotizada.
Tenho certeza que os pensamentos que passam pela sua cabeça loira agora
são muito mais indecentes do que os de cinco minutos atrás.
— Tem razão — digo, depois de chupar meu próprio dedo. — Você
não estava pensando em nada. Em compensação, eu estou pensando em
muitas coisas.
Taylor se vira.
Ela observa a movimentação no corredor e pensa por um instante
antes de me empurrar para dentro de uma das suítes do banheiro, trancando
a porta atrás de si.
— Me diz — ela murmura, então roça os seus lábios pintados de
vermelho contra os meus. — Quero saber todos os seus pensamentos
obscenos — continua, tão perto que nossas respirações se misturam. —
Todos que são pra mim.
Dessa vez, sou eu quem a empurro contra a parede. Meus lábios
encontram os dela e eu sinto seu batom desfazendo contra minha boca, mas
não é uma prioridade de nenhum de nós dois. Eu finalmente consigo apertar
sua cintura com as duas mãos e agora percebo que a consulta com Carter foi
a coisa mais útil que fiz na última semana.
Ela solta um gemido contra minha boca e de repente aquele banheiro
é o lugar mais quente onde já estive. É a primeira vez que estamos nos
beijando sem nenhum pretexto: não sei se Taylor sabe, mas isso não é sobre
Hunter. Acho que nunca foi sobre Hunter.
A minha regra da virgindade parece estúpida quando Taylor me beija
daquele jeito, ainda mais quando sua mão desce até minha calça e aperta
meu pau por cima do tecido. Caralho. Ficar pensando em como seria estar
dentro dela me deixa ainda mais duro, mas não vou fazer isso hoje. Ainda
tenho um pouco — são migalhas — de dignidade sobrando e pretendo lutar
por ela.
Eu puxo Taylor para mais perto e levanto seu corpo com a minha mão
saudável. Apesar da tipoia nova, não posso fazer muito esforço e arriscar
um impacto ainda maior. Taylor é tão pequena e leve que sinto como se
estivesse carregando uma mala de roupas com pouquíssimas peças. A sua
boca desce até o meu pescoço e seu batom faz um rastro na minha pele.
Esse banheiro não tem espelho, mas não preciso de um para saber que tem
batom em todos os cantos do meu rosto.
Abaixo a tampa do vaso sanitário com um dos pés e apoio o corpo de
Taylor em cima dela. A confusão toma conta do seu rosto por um segundo,
mas ela entende o que pretendo quando me ajoelho em frente as suas
pernas. Ainda bem que estamos em um hotel cinco estrelas com banheiros
que são limpos à exaustão ou essa seria uma situação desagradável.
Meus dedos percorrem suas coxas, subindo seu vestido justo pelas
pernas. Sua calcinha também é vermelha e pela quantidade de renda que
tem no tecido eu duvido que foi uma escolha ao acaso. Taylor sabia que
terminaríamos desse jeito no momento em que recebeu minha mensagem.
No fundo, eu também sabia.
Eu arrasto sua calcinha para fora do corpo, colocando a peça
minúscula dentro do bolso da minha calça. Taylor dá um sorriso, curiosa.
— Vai roubar minha calcinha?
— É tipo um souvenir, não é?
— Sim. Como os assassinos em série guardam das suas vítimas —
debocha, e eu dou uma mordida na sua coxa como forma de repreensão. Ela
engole um gemido e continua, sussurrando. — Vai se masturbar com ela
mais tarde?
— Não preciso.
Taylor franze o cenho.
— Por quê?
— Não preciso me masturbar pensando em você — explico. — Se eu
chamo, você vem.
Ela revira os olhos para o sorriso vitorioso no meu rosto.
— Convencido de merda.
— Você está aqui, linda, o que é suficiente pra provar o meu ponto.
Taylor não refuta e eu não dou tempo para que ela o faça. Minha
língua encontra sua boceta e sentir seu gosto por completo é quase tão bom
quanto ter um orgasmo. Uma das mãos de Taylor desce até o meu cabelo e
ela puxa os fios com força enquanto rebola suavemente contra a minha
boca. Ela nem precisa se esforçar pra ser a mulher mais gostosa em que já
coloquei meus olhos.
Minha língua continua contornando o clitóris de Taylor enquanto
enfio um dedo dentro dela. Eu entro com cuidado, com medo de machucá-
la, mas sua boceta escorre tanto mel que isso nem chega a ser um risco. Ela
solta um gemido baixo enquanto aperta os olhos, mordendo o lábio para não
deixar nenhum som alto escapar.
Meu dedo entra e sai de dentro dela, devagar, enquanto minha língua
contorna seu clitóris, pulsando contra a minha boca.
— Dois dedos — Taylor pede, arfando.
Eu coloco dois e ela se contorce contra mim, um sorriso muito safado
surgindo na boca. Seu batom borrado deixa aquela cena ainda mais sexy e
eu sinto que nunca vou superar a imagem de Taylor Lynch rebolando contra
os meus dedos enquanto minha língua explora cada centímetro seu.
É uma puta imagem.
Tanto que meu pau praticamente dói dentro da calça, perto de
explodir.
— Atlas — chama, um gemido mais alto escapando da garganta. —
Eu… — meus dedos continuam se movendo dentro de Taylor e ela parece
cada vez mais perdida na sua linha de raciocínio.
— Sim, linda? — incentivo, tirando a boca da sua boceta por apenas
um segundo.
— Eu quero você — ela choraminga, perdida entre um gemido e
outro. — Dentro de mim. Agora.
— Você quer…
— Quero que me foda — Taylor explica, olhando no fundo dos meus
olhos, mordendo o lábio para não deixar que nenhum gemido alto escape.
— Agora — ela repete, a urgência no seu tom de voz fazendo um arrepio
percorrer todo meu corpo.
Eu me odeio pelo que preciso fazer.
Meu pau me odeia mais ainda.
— Não vou fazer isso.
Taylor pisca, incrédula.
— O que? É pela regra estúpida de não tirar virgindades?
Percebo pelo seu tom que Taylor está puta com o que acabou de
ouvir, mas ela relaxa quando esfrego seu clitóris com o polegar.
Taylor geme, mas não desiste da proposta.
— Não me acha bonita o suficiente?
— Vai se foder, Taylor.
Ela ri.
— É exatamente isso que estou tentando.
— Te acho linda — respondo, meu dedo esfregando seu ponto de
prazer mais rápido. — Bonita, gostosa, deliciosa, o adjetivo que você quiser
ouvir. Eu queria muito te foder inteira…
Ela respira fundo, o ritmo das suas reboladas aumenta. Taylor está se
esforçando para prestar atenção no que eu falo, mas consigo ver nos seus
olhos absortos que está naquele momento do tesão onde tudo que você mais
precisa é gozar.
— E eu quero que você faça isso — Taylor sussurra, e sua voz é
praticamente um suspiro. Meus dedos entram dentro dela com um pouco
mais de rapidez e eu sei que ela não vai aguentar por muito tempo. — Por
favor… — choraminga, e eu me sinto o maior dos fracassados por não fazer
o que Taylor pede. Meu pau pulsa só de imaginar como seria estar dentro
dela. Pulsa mais ainda com a ideia de ser seu primeiro.
Eu tiro os dedos de dentro dela e me levanto com cuidado. Encosto a
minha testa na de Taylor e volto a masturbar seu clitóris, arrancando
gemidos cada vez mais intensos dos seus lábios manchados. Eu queria que
estivéssemos em um quarto para fazê-la gemer do jeito certo.
Taylor apoia as mãos na minha nuca e aperta meu pescoço de leve.
Ela encontra minha boca e geme contra meus lábios, seu corpo tremendo
por inteiro. Um filete de suor escorre por sua testa enquanto ela recupera a
sanidade aos poucos.
— Não vou tirar sua virgindade num banheiro de hotel — murmuro, e
não acredito nas palavras que saem da minha boca. — Você merece mais
que isso.
Capítulo 21 - Taylor Lynch

(ou: futura atriz, líder de torcida e fiscal de relacionamentos


alheios)

Depois de anos de prática como líder de torcida — três no colégio e


quase um na UCLA — acho que posso arriscar a dizer que entendo alguma
coisa sobre futebol. Por mais que não tenhamos tanto tempo entre os treinos
para assistir aos jogos da NFL, ainda assim assistimos a todos os jogos do
Bruins em Los Angeles. Claro, não estamos paradas atrás da endzone
apenas curtindo a partida, precisamos executar coreografias ensaiadas à
exaustão. Ainda assim, conseguimos assistir uma ou outra jogada. Além
disso, meu pai tem o costume de me levar para assistir uma partida com ele
sempre que faz aniversário. Impossível crescer tendo Elijah Lynch como pai
e não saber o mínimo sobre o esporte.
No placar, a pontuação está acirrada. O time da casa ganha dos
Golden Bears por apenas 3 pontos. Não preciso ser comentarista esportiva
para saber que o jogo está em aberto.
Começo uma sequência simples de braços e pequenos pulos enquanto
cantamos o nome de cada um dos jogadores do time. Quando falamos o
nome do quarterback em voz alta, sinto um frio no estômago. O que Hunter
Simmons diria se soubesse do que aconteceu ontem? Nós não estamos
namorando, pelo menos não ainda. Ele também tem direito de ficar com
outras mulheres além de mim.
É a primeira vez que penso no assunto por esse ponto de vista e, não
vou mentir, estou surpresa pela forma racional com a qual estou lidando
com a situação. Tento mergulhar no que estou sentindo apenas para
encontrar indiferença. Realmente não me importo se Hunter estiver ficando
com outra estudante, a garota da festa na fraternidade, quem sabe.
Será que é isso que as pessoas maduras sentem?
Taylor Lynch, uma pessoa madura. Por essa eu não esperava.
Uma pequena sementinha começa a brotar na minha mente, crescendo
e incomodando na medida que suas folhas se abrem.
E se a gente estivesse namorando? Eu me importaria se ele beijasse
outra pessoa?
Essa é uma resposta mais difícil. Ao mesmo tempo que penso que
seria uma quebra de confiança, não consigo sentir a indignação ou raiva que
isso traria. Eu deveria ficar possessa só de imaginar. O que está
acontecendo comigo?
Volto a prestar atenção na partida quando vejo o wide receiver dos
Bruins pegar o arremesso do Hunter e correr na direção onde estamos. É um
touchdown para o time da casa. Agora a vantagem se amplia. Imagino a
felicidade dos jogadores. Eles vinham de uma sequência tão terrível de
derrotas que acho que alguns deles ainda nem sabem o gosto de vencer uma
partida na UCLA. Ao longe, consigo discernir Hunter abraçando e
comemorando a jogada com os colegas.
Abro um sorriso. Claro que fazemos nosso papel de líder de torcida
independentemente do resultado do jogo, mas é muito mais gostoso quando
estamos ganhando.
— Quero ver mais ânimo de vocês! — Grito para o grupo atrás de
mim. — Os meninos marcaram! Merecem uma comemoração digna!
Elas percebem o que quero dizer e já montam uma formação padrão,
com duas meninas de cada lado, outras duas atrás apenas para um back up.
Corro na direção do apoio com as mãos que elas preparam e, em um pulo,
sou lançada para o alto. Enquanto ainda estou no ar, escuto o grito da
torcida ao ver o gesto. Os segundos passam devagar enquanto subo uns
bons três metros de altura. Quando sinto que estou prestes a cair, junto os
braços ao lado do corpo e faço um pequeno giro, como um parafuso, e me
deixo cair na direção das meninas que me seguram com uma cama de
braços.
Minha respiração está acelerada e a adrenalina pulsa pelas minhas
veias. Retomamos a posição do grupo e continuamos balançando nossos
pompons azuis e dourados, nas cores do Bruins.
Olho na direção da torcida no Rose Stadium e, apesar da grande
quantidade de pessoas, consigo avistar os cachos loiros de Atlas. Antes do
jogo começar, ele me mandou mensagem avisando onde estaria sentado,
então não foi difícil vê-lo no meio do mar de gente. Claro que o fato de ele
ter quase dois metros de altura ajuda bastante.
Pensar no Atlas me deixa desconfortável. A cada dia que passa, mais
o nosso relacionamento fica estranho. É difícil olhar para ele e ver apenas
um amigo. Já era difícil antes, quando eu tinha feito um boquete por
motivos educativos, agora que eu pedi pra ele me comer, ficou quase
impossível.
Flashes da noite anterior voltam à minha mente sem que eu consiga
conter.
A imagem de Atlas enfiando um dedo em mim e depois chupando vai
me deixar louca.
Você merece mais que isso.
Por pouco não erro a coreografia. Balanço a cabeça e volto a prestar
atenção no meu trabalho. Não posso ficar divagando no que aconteceu entre
a gente ou corro o risco de arruinar a coreografia do grupo e ser demitida.
Outras meninas já foram mandadas embora por muito menos.
O ruim é que, quando você sabe onde uma pessoa está no meio da
multidão, seus olhos sempre voltam a procurá-la, mesmo que você não
queira.
Ao girar os dois braços para a esquerda e a cabeça para a direita em
um movimento sincronizado do time, meus olhos param onde Atlas está.
Fico com a impressão de que ele está olhando na minha direção, mas
provavelmente é coisa da minha cabeça. Estamos longe demais para ter
certeza. No entanto, o que atrai a minha atenção é a pessoa que está ao lado
dele. Talvez eu não a tenha notado antes porque ao lado de Atlas qualquer
pessoa com menos de 1,70m passaria despercebida, mas não consigo pensar
no porquê Cleo estaria assistindo ao jogo com ele.
Até onde eu sei, eles não são amigos a esse ponto. Sei que os dois se
conhecem por causa da irmã escritora dela, que namora o melhor amigo do
Atlas. Mas será que isso é motivo suficiente para aproximá-los?
Sinto um incômodo na região do estômago. Parece um
pressentimento de que tem algo errado naquela história. Cleo está longe de
ser uma pessoa inocente, já o Atlas nem deve saber o significado dessa
palavra.
A conversa que tivemos no shopping volta à minha mente. Ela
chegou a perguntar se eu ficaria com raiva se eles se beijassem. Interesse
nele, ela sempre teve.
Ao contrário do que respondi naquela tarde, percebo que me
importaria, sim, se os dois começassem a sair. O grande problema nessa
história toda é que eu não deveria me importar com quem Atlas beija.
Mesmo se for minha colega de quarto.
Esquece aquele papo de amadurecimento.
Escuto o apito final do jogo e a torcida comemorando a vitória. Passei
os últimos minutos tão aérea, que mal reparei que a partida chegava ao fim.
Vejo um ponto azul correndo na minha direção desviando dos jogadores no
meio do campo. Quando faltam poucos metros para ele me alcançar, Hunter
retira o capacete, cospe o protetor bucal no gramado e me puxa para um
abraço.
Na frente do estádio cheio, ele me beija.
Escuto o grito da torcida, eufórica. Estavam tendo o espetáculo que
queriam, uma vitória para sonhar com o título da liga universitária e ainda
uma fanfic clichê entre o quarterback e a líder de torcida. O que mais eles
poderiam querer?
O que mais eu poderia querer?
Olho para o lugar da arquibancada onde eu tinha visto Atlas, mas só
encontro cadeiras vazias.
Capítulo 22 - Atlas Campbell

(ou: jogador recupera um time fracassado)

BRUINS ENCONTRAM NOVO SALVADOR


Atlas Campbell tem vivido dias agitados depois de se afastar
temporariamente dos Pythons para tratar uma lesão no ombro.
Apesar dos boatos de namoro com a filha do grande empresário
do ramo dos esportes, Elijah Lynch, o atleta parece concentrado
no seu novo passatempo favorito: orientar o técnico dos Bruins
da UCLA. Depois de quase um ano sem sentir o sabor de uma
vitória, os Bruins ganharam a partida contra os Golden Bears no
último final de semana, por uma diferença de 9 pontos no
placar. Ainda é cedo para dizer se eles avançam para a
segunda fase da NCAA, mas agora podemos dizer que eles
finalmente começaram a liga!
— Bom, devo admitir que é impressionante — Stevie sorri para mim,
enrolando o jornal que acabou de ler e enfiando numa das gavetas do
almoxarifado. A sala reservada para o técnico dos Bruins é uma grande
gambiarra: nada mais que uma mesa, um computador dinossauro e uma
pequena estante com os prêmios da época de ouro do time da UCLA. Fica
nos fundos do ginásio esportivo e tem cheiro de mofo.
Tenho certeza que vão dar uma sala melhor para Stevie quando os
Bruins ganharem a NCAA.
— Foi um jogo ótimo — comento. — E no momento perfeito, já que
a próxima partida é fora de casa.
Stevie concorda.
— Jogos fora sempre estressam os jogadores, mas agora eles vão
estar confiantes com o resultado. Não acho que vamos nos classificar pra
próxima fase, mas…
— Precisamos vencer mais cinco jogos. Vai ser difícil, mas nada
impossível de conseguir — observo os enfeites na mesa de Stevie. Tem uma
daquelas miniaturas de cachorro cabeçudas que ficam balançando para cima
e para baixo o tempo todo. — Ainda que eles não ganhem a NCAA, uma
recuperação dessas chama a atenção. Eles vão chegar no draft com chances
maiores de conseguirem alguma coisa.
— Nós sabemos que o Hunter Simmons vai ser contratado — Stevie
bebe um gole de café. — Acho que Daniel Mishra também é bom, mas não
sei se o suficiente.
Arqueio uma sobrancelha. Não entendo como Stevie pode ter tanta
certeza sobre Hunter. Ele é um bom quarterback, mas está longe de ser
excepcional. Não duvido que ele seja contratado, mas parece difícil que isso
aconteça nesse draft. Talvez daqui dois ou três anos, quando estiver perto de
se formar na faculdade.
— Hunter? — faço uma careta quase sem perceber. — Acha ele tão
bom assim?
Stevie move a cabeça em negativa.
— Nem sempre é sobre ser o melhor — diz. — É sobre ter os
melhores contatos. Ele está namorando a filha do principal acionista dos
Los Angeles Chargers, não está?
— Não — e não sei porque sinto tanta necessidade de deixar isso
claro. — Não estão namorando.
Stevie balança as mãos, como quem diz que não importa.
— Eles estão saindo. Não sei como vocês jovens rotulam esse tipo de
coisa — estala os lábios, bebendo mais um pouco de café. — É só que…
digamos que eles evoluam para alguma coisa mais séria. Elijah seria burro
se não usasse os contatos que tem.
Movo a cabeça em negativa.
— Ele não sugeriria um cara ruim pro time só porque é o namorado
da filha.
— Um cara ruim, não — Stevie concorda. — Mas um cara
razoável… Ele estaria pensando no futuro da garota também. Não seria a
primeira vez que algo do tipo acontece.
— Não acho que o Hunter esteja pensando nisso.
— Ah, não. Com certeza não. Ele é só um garoto jovem atrás de um
rabo de saia — brinca. — O que é melhor ainda, não é? Não seria muito
ético se aproximar da garota só pelo que ela pode oferecer.
Concordo com a cabeça, mas Stevie acaba de colocar a sementinha da
dúvida dentro do meu cérebro. É por isso que ele não se esforça pra agradar
a Taylor? Penso na partida no final de semana e na forma como as pessoas
vibraram quando ele a beijou na frente de todo ginásio. Era isso que estava
tentando fazer? Chamar atenção do pai dela?
Não, é claro que não. Todo mundo na UCLA sabe de quem a Taylor é
filha e o Hunter só colocou os olhos nela depois que começamos as nossas
aulas de flerte. Se ele quisesse se aproximar por interesse, teria feito antes.
A verdade é que estou deixando o ranço gratuito que tenho por Simmons
influenciar minha opinião. Ele é um cara legal. Meio desatento, talvez, mas
é um cara legal.
Além disso, Taylor está apaixonada por ele. Sei que ela ficaria feliz se
ele conseguisse um contrato no próximo draft.
— Obrigado pelo trabalho que está fazendo, Atlas — o técnico diz, de
repente, varrendo todos os meus pensamentos para longe.
Eu agradeço com um sorriso e nós saímos da sala. Os Bruins ainda
estão em campo, treinando uma nova sequência de exercícios que eu e
Stevie montamos juntos. A agilidade deles enquanto grupo é muito maior
do que semanas atrás.
Meu celular toca e eu sinto um arrepio percorrer minha espinha
quando vejo o nome de Noah brilhar na tela. Será que…? Não. Se ele
soubesse, teria vindo em Los Angeles me dar um soco pessoalmente.
— Quais seus planos pra hoje? — ele pergunta do outro lado. Pelo
barulho, sei que está no intervalo de algum treino.
— É aniversário da Taylor.
— Vai ter festa?
— Não — uma festa de aniversário extravagante não parece o tipo
dela, mesmo que Taylor ame chamar atenção. — Mas planejei uma surpresa
pra ela.
Noah fica um segundo em silêncio.
— Planejou uma surpresa de aniversário pra uma garota por quem
você não está apaixonado?
— Ai, não começa…
— Quando você vai assumir, Romeu? — ele zomba. — Dessa vez eu
acho que o Zade te mata.
— Não tem nada pra assumir — reviro os olhos. — Estou sendo legal
com uma amiga, só isso. Desde quando criminalizaram a gentileza em Los
Angeles?
Noah não acredita em meia palavra do que eu falo. Nem sei se eu
acredito. O pior de tudo é pensar na ironia da situação: apenas alguns meses
atrás, os papéis estavam invertidos. Eu era a voz na cabeça do Noah
insistindo para ele assumir que estava apaixonado, ou melhor, o Chad era.
Minha visão e sugestão, como bom amigo, foi um pouco mais radical.
E obviamente não vou seguir meu próprio conselho.
— A Sabrina vai passar o final de semana na casa dos pais com a
Cleo — ele comenta. — Pensei em dar um pulo em Los Angeles e a gente
fazer qualquer coisa, mas você vai estar muito ocupado com a sua mulher.
— Com a minha amiga — corrijo.
— Sim, sei, já estive desse lado da história — ele ri. — Boa sorte
com a surpresa, pombinho.
Reviro os olhos antes de desligar o telefone. Aproveito para abrir o
aplicativo de aluguel de carros e confirmar minha compra para aquela noite.
No fundo, sei que Noah está certo. Planejar uma surpresa dessas é uma
coisa completamente fora do meu personagem, mas isso não significa que
eu esteja apaixonado pela Taylor.
Ela está fazendo dezenove anos e eu estou sendo legal, só isso.
Só isso.
Capítulo 23 - Taylor Lynch

(ou: futura atriz esperando surpresas das pessoas erradas)

HUNTER: Feliz aniversário ♥

São quase nove da noite e eu ainda estou encarando a mensagem que


Hunter me mandou às dez da manhã. Eu não respondi na hora que vi,
porque estava esperando alguma coisa acontecer. Quer dizer… Era só isso?
Feliz aniversário e um emoji de coração? Ele podia pelo menos ter me
mandado uma caixa de bombons ou vindo na Kappa House me dar um oi.
Talvez eu seja melosa demais, mas, quando estou saindo com alguém, gosto
de fazê-lo se sentir especial no dia do seu aniversário. É uma gentileza, o
famoso “não custa”.
— Não vai sair hoje? — Cleo pergunta, terminando de jogar três
mudas de roupa dentro da sua mochila. Ela e a irmã vão passar alguns dias
na casa dos pais, numa cidadezinha interiorana de San Diego.
— Não. O plano é ficar deitada na cama até o colchão se fundir com o
meu corpo.
Cleo ri.
— Pensei que o Hunter fosse te chamar pra sair.
— Não chamou — meu comentário soa como um protesto. — Mas
tudo bem, ele é lerdinho. Vai ver nem se importa com essa coisa de
aniversário.
— Mas você se importa, né?
Não quero responder essa pergunta. Não quero que pareça que o
Hunter não se importa comigo. Ele se importa, sim, do jeito dele.
Cleo senta na cama do meu lado e me encara. Apesar da sua óbvia
expectativa, eu não digo nada.
— Sabe o que eu tava pensando? — eu nego, então ela continua. —
Não fica brava — Cleo ri, como se eu fosse uma bomba prestes a explodir.
As sardas do seu rosto estão aumentando pelo tempo que fica no sol,
andando pelo campus da UCLA. Me sinto como a Olivia Rodrigo em lacy
quando constato o quanto ela é bonita. O fato de Atlas estar ao lado dela no
jogo dos Bruins não tem nada a ver com o meu incômodo. — Sei que você
diz gostar muito dele, mas acho que o Hunter vai ser um péssimo
namorado.
— Bobeira — respondo, sem querer me aprofundar no assunto.
Checo a caixa de mensagens do meu celular. Estou reclamando da
mensagem sem sal de Hunter, mas Atlas sequer se deu ao trabalho de falar
alguma coisa. Será que ele sabe que é meu aniversário? Posso estar
enganada pela quantidade de coisas que aconteceram nas últimas semanas,
mas tenho certeza que mencionei a data em algum momento.
Não quero admitir, mas o silêncio de Atlas me machuca enquanto o
de Hunter me deixa entediada.
Cleo fecha a sua mochila.
— Quer ajuda pra levar pro carro? — pergunto.
— Não precisa — diz. — Tá levinho e minha carona vai demorar um
pouco — ela tira o celular do bolso e encara uma mensagem, abrindo um
sorriso.
Eu conheço aquele tipo de sorriso.
— Ei, que isso? — pergunto, me levantando pra ver seu celular. —
Cleo Evans tá de rolo com alguém?
— Não! — mas o jeito que Cleo ri quando nega deixa óbvio qual a
verdadeira resposta.
— O que tá rolando? — Mindy pergunta, vindo do corredor.
— Cleo Evans tá de rolo com alguém! — afirmo.
Mindy arregala os olhos, se juntando ao meu surto.
— Quem? — ela pergunta, animada, enquanto dá uma colherada no
seu sorvete. — É o Daniel dos Bruins? Ou o cara do time de hóquei? A sua
vida amorosa é muito agitada, eu não consigo acompanhar.
Cleo revira os olhos para Mindy.
— Não é ninguém.
Eu aproveito a distração dela para tomar o celular da sua mão.
— Meu Deus, Cleo Evans! — dou um grito ao ver de quem era a
última mensagem que ela recebeu. — Você e o Chad tão flertando?
Mindy franze o cenho.
— Qual Chad?
— Chad Jacobs — explico, e sinto que me tornei uma especialista em
Pythons nos últimos dias — tight end dos Pythons. Eu só sei a posição
porque é a mesma do namorado da Taylor Swift.
— Não estamos flertando, maluca — Cleo pega o celular de volta. —
Estávamos comentando sobre o último episódio de Grey’s Anatomy.
— Até parece, você tava toda sorrisinho. Ninguém fica feliz falando
de Grey’s Anatomy, essa série é só desgraça.
— Eu já dei em cima dele — Cleo assume, com a tranquilidade de
quem diz que tomou um copo de água. — Mas ele não quer. Fui
friendzoneada.
— Ele não quer? — Mindy fala com a colher na boca, deixando sua
voz esquisita. — Quem não quer ficar com você?
— Culpa da minha querida irmã mais velha — Cleo desabafa. — Fez
o namorado dela ter uma conversa nada agradável com os jogadores do
time. Eu sou área proibida — suspira, dramática. — Ninguém quer arranjar
confusão com um quarterback de dois metros de altura e pouquíssima
paciência sobrando — ela joga sua mochila na cama e vai até o banheiro,
verificando se pegou tudo que precisava. Cleo dá um sorriso quando volta
pro quarto. — Se bem que alguns jogadores estão dispostos a quebrar essa
regra — não tenho coragem de perguntar de quem ela está falando. Sinto
um embrulho no estômago só de pensar. A expressão de Cleo se fecha de
novo —, mas não o Chad. Ele é todo certinho.
A campainha da Kappa House toca, interrompendo nossa conversa.
Mindy se vira, mas eu faço um sinal para ela e desço as escadas.
Aparentemente, todas as meninas da Kappa resolveram sair de casa hoje.
Não vejo sinal de Julia em qualquer lugar, nem das garotas que dividem os
outros quartos. Eu sou a única encalhada e infeliz que passa o dia do seu
aniversário trancada no quarto?
Abro a porta.
Meu coração acelera quando vejo Atlas. É uma reação tão espontânea
que me assusta. Não consigo identificar se é uma coisa nova ou se isso
sempre aconteceu. Meu coração está batendo mais forte por causa do
Atlas?
— Ei, linda — ele sorri pra mim e é quando percebo que tenho a
resposta da minha última pergunta. — Feliz aniversário.
— Achei que você tivesse esquecido — digo, sem conseguir evitar
que minha voz saia triste diante da hipótese. Não quero que ele perceba,
então forço um sorriso. — Quer dizer, você anda muito ocupado com a
questão dos Bruins…
Nós dois sabemos que isso é mentira.
— Não esqueci — ele ressalta. — Na verdade, quero te levar em um
lugar.
— Onde?
Atlas move a cabeça em negativa.
— É surpresa — o loiro me entrega uma daquelas caixinhas
almofadadas de joalheria e eu arqueio a sobrancelha, impressionada. Ele
comprou uma joia pra mim? Quando abro a caixa, no entanto, percebo que
é bem melhor do que uma joia. Ele fez uma pulseira, igual às minhas. Está
escrito Taylor-Não-A-Swift. — Combina com a minha — ele balança uma
das mãos, mostrando as miçangas que contornam seu pulso e formam a
frase: Atlas-Não-O-Corringan.
É o presente mais adorável que eu já recebi.
É também um presente perigoso, porque gera mais perguntas que
respostas. Não quero estragar o momento pensando no assunto, então dou
um passo para frente e puxo Atlas para um abraço, me sentindo muito
pequena nos braços dele. Afundo meu rosto no seu moletom fofinho e sinto
que poderia ficar aqui a noite inteira. Ele tem um cheiro tão bom…
— Vai — Atlas sussurra. — Se arruma.
Eu me afasto e assinto com a cabeça, subindo as escadas de volta até
o quarto depois de encostar a porta. Agora, Mindy está ajudando Cleo a
organizar o seu guarda-roupa enquanto o primeiro filme de pânico passa na
televisão.
— E aí, quem era? — Mindy pergunta, mas seus olhos caem na
caixinha na minha mão. — Era o Hunter?
Não quero ter que passar meu aniversário explicando que Atlas me
deu um presente e Hunter não, que estou saindo com Atlas e não com
Hunter, que meu coração acabou de disparar por um homem que não é o
meu futuro namorado. Meu tarô não previu nada disso.
São questões difíceis, então eu me limito a concordar:
— Sim. Vou sair com o Hunter.

∞∞∞
Atlas estacionou o carro alguns metros à frente da Kappa House. Ele
alugou uma picape dessa vez, o que me deixa extremamente curiosa. Não
consigo pensar que tipo de passeio exige uma picape, mas a lista de lugares
onde ele pretende me levar diminui bruscamente com um carro daquele
tamanho.
Eu me aproximo do banco do carona e ele destrava a porta. Não é tão
fácil entrar em um carro tão alto sendo baixinha, mas eu me viro bem.
Assim que fecho a porta, Atlas me encara, como se alguma coisa estivesse
errada. Na verdade, a sua expressão me faz pensar que coloquei a calcinha
por cima da saia ou algo parecido.
— O que foi? — pergunto, me ajeitando no banco do carona.
— Você está usando azul.
Ah.
Não foi uma escolha inconsciente, mas eu não achei que Atlas fosse
lembrar do que significa. Por um segundo tenho medo que ele pense que
sou uma emocionada maluca, mas… Bom, ele acabou de me fazer
pulseirinhas. Um cara de quase dois metros, também conhecido como o
maior mulherengo do futebol americano, fazendo pulseiras da amizade. Não
é possível que esse homem não esteja pelo menos um pouquinho
emocionado por mim também, embora nosso acordo envolva passar longe
de sentimentos.
Acho que já quebramos nosso acordo, só não assumimos isso ainda.
Eu respiro fundo e decido ser honesta.
— Sim, Atlas — eu sei que nenhuma pergunta foi feita, mas isso
responde muitas delas. Talvez por isso eu esteja com as mãos geladas ao
dizer uma coisa tão simples. — Estou usando azul.
Atlas acha graça da forma robotizada que eu falo.
— E por que está tão nervosa?
— Porque estou usando azul por sua causa — digo, com um pouco
mais de naturalidade.
— Eu já tinha entendido essa parte, mas obrigado por verbalizar — eu
mostro o dedo do meio enquanto ele arranca a picape. — Você me arranjou
um problema.
Eu coloco o cinto de segurança, me ajeitando no banco.
— Por quê? — é minha vez de perguntar.
— Porque agora não quero te ver vestindo azul com nenhum outro
cara.
Uma risada escapa dos meus lábios.
— Então quer dizer que eu deixei Atlas Campbell com ciúmes?
— Não — e ele nem se esforça para soar convincente. — Não sinto
essas coisas.
— Também não sinto essas coisas — comento, rodando minhas novas
pulseiras no braço. — Mas posso fazer uma pergunta? Como uma pessoa
que não sente ciúmes…
Atlas assente. Eu tento acompanhar para onde estamos indo, mas a
verdade é que não sou a maior especialista em ruas e bairros de Los
Angeles. Moro aqui desde sempre, mas os motoristas do meu pai sempre
me levavam nos lugares. Agora que tenho um carro, o GPS me salva de
ficar perdida. Sem ter um guia, não sou capaz de chegar nem na UCLA.
Meu senso de direção é péssimo.
Eu encaro Atlas e passo a língua pelos lábios. Não sei se eu deveria
perguntar, não sei se quero a resposta.
— Você… — começo, hesitante. — Não entenda isso como uma
cobrança, tá? Eu não sou maluca…
— Você é maluca — ele zomba.
— Sou curiosa — corrijo.
A picape para em um sinal e eu observo o cabelo loiro de Atlas se
transformar em vermelho por causa da luz. Solto a pergunta, porque sinto
que estou prestes a morrer engasgada, principalmente depois da conversa
que tive com a Cleo. Percebo agora que fui burra. Era melhor ter
perguntado diretamente pra ela.
— Você tem saído com outras pessoas?
Atlas franze o cenho. Ele demora um instante para responder.
— Tive um ótimo encontro na praia outro dia.
Ok, eu não devia ter perguntado. Considero inventar uma desculpa e
cancelar esse passeio, mas não quero ser ridícula. Será que ele faz
pulseirinhas pra todas?
Deixa de ser maluca, Taylor. Você sempre soube que Atlas era um
galinha, porque você está surpresa com ele sendo um galinha? Sinto que
“Foolish One” está tocando nos fundos do meu cérebro e me dá vontade de
pegar um espelho e gritar: YOU ARE NOT THE EXCEPTION, YOU WILL
NEVER LEARN YOUR LESSON.[11]
Ao invés disso eu abro um sorriso forçado pra ele.
— Nós saímos da premiére da minha mãe e fomos beber vodka na
praia — ele completa, então ri. — Você precisava ver sua cara.
— Vai se foder — reclamo. — É meu aniversário, para de me
estressar.
— Só respondi a sua pergunta — a cor vermelha se torna amarela e
então verde. Ele acelera o carro. Eu não insisto na questão, mas ele o faz. —
Não. Candice foi a última.
Eu não entendo porque, mas o comentário de Atlas me tira uma
angústia que eu nem sabia que estava sentindo. Quase solto uma risada da
minha situação patética. Atlas deveria me mandar para a casa do caralho no
instante que fiz a pergunta. Como eu tenho coragem de perguntar isso
quando eu estou saindo com o Hunter?
Bom, eu me recuso a pensar nisso hoje. Me viro na direção da estrada
ao nosso redor e percebo que saímos da parte habitada de Los Angeles.
— Então é isso — zombo. — Sua surpresa pra mim é um remake de
sexta-feira 13?
— Uma pena que você descobriu cedo demais — Atlas brinca.
Eu entendo qual é a surpresa quando chegamos na entrada do Lake
Hollywood Park. Me lembro do nosso encontro de treino comendo ramen e
ainda não acredito que Atlas fez isso. Está recriando o meu encontro ideal.
Tudo bem, eu vou me permitir ser iludida por uma noite. Vou cair no
conto que todas caem: ele até pode ser um babaca, mas não comigo. Vou
fingir que sou a exceção da regra, vou fingir que o cara que nunca se
apaixona se apaixonou por mim.
Me desculpa, Taylor Swift, eu sei que você escreveu Foolish One pra
evitar situações como essa.
Eu não digo a Atlas que entendi, porque meu cérebro ainda não saiu
do estado de choque. As borboletas no estômago estão fazendo uma festa e
eu sinto que elas estão em um lugar ao qual não pertencem. Ou talvez
pertençam e eu não tenha percebido até agora.
— Sabia que o letreiro foi construído pra ser propaganda de um
condomínio? — comento, incomodada com o silêncio. — Se chamava
Hollywoodland. Perdeu as últimas quatro letras em uma tempestade e
ninguém nunca as colocou de volta. Com o crescimento do cinema em Los
Angeles, acabou ficando famoso.
— Não — Atlas responde, concentrado na estrada. O Lake
Hollywood Park é um lugar cheio de curvas. — Não sou um especialista em
Hollywood como você. Na verdade, eu nunca nem tinha vindo aqui.
— Uma vergonha para o filho de uma atriz.
Ele ri.
— E você já tinha?
— Meu pai me trouxe uma vez, quando eu tinha oito anos de idade —
conto. — Eu quase não me lembro desse dia, mas sei que ele estava
tentando ser legal porque eu vivia correndo pela casa fingindo que estava
recebendo um grande prêmio pela minha atuação. Hoje em dia ele diz que a
faculdade é bobeira, então não entendo porque os pais são assim — paro
por um segundo, observando a vegetação do parque. — Mas meu pai é um
cara legal, ele só não aceita muito bem quando as pessoas não fazem as
coisas que ele quer. E quando ele decide algo, acabou, ninguém consegue
tirar da sua cabeça.
— Um clássico dos pais empresários, eu acho.
— É — concordo. — Você sabe bem.
— Melhor do que eu gostaria.
Finalmente, Atlas estaciona, e eu abaixo um pouco meu corpo para
enxergar o letreiro com mais clareza. Está escuro e algumas poucas luzes
iluminam cada letra, mas não deixa de ser belo e imponente.
Amo esse lugar.
Penso que, um dia, meu nome vai estar na calçada da fama de
Hollywood e eu vou amar mais ainda.
Atlas sai da picape e abre a porta pra mim. Dessa vez, eu tenho menos
dificuldade em descer do carro, graças ao apoio da sua mão. Nós
contornamos o veículo e ele abre a porta traseira da picape, revelando o
porta-malas cheio de travesseiros e cobertores. Tem uma garrafa de vinho
que, legalmente falando, eu ainda não posso beber e o notebook onde
vamos assistir ao filme.
Um lugar chamado Notting Hill, meu favorito, como eu bem disse no
nosso encontro de mentirinha.
— Nossa — eu ainda estou em choque. — Você pensou em tudo.
— Eu descobri que também sou muito bom em organizar encontros.
— De nada — murmuro, convencida e amarga, porque não quero que
ele organize encontros para outras garotas. — Por fazer você descobrir esse
seu traço de personalidade.
Atlas acha graça do meu tom. Nós tiramos nossos sapatos antes de
subir na picape e eu me sinto imediatamente abraçada pelas cobertas macias
com cheiro de algum perfume doce que não consigo identificar.
— Já viu esse filme?
Atlas move a cabeça em negativa.
— Livros de romance são o meu máximo.
— Gosto desse tipo de história — comento, enquanto ele liga o
notebook. — Ela é uma atriz famosa e ele o cara que trabalha numa livraria
prestes a decretar falência. Parece impossível que eles fiquem juntos, até
que eles ficam. É bobo, mas me dá esperança. De que as pessoas que somos
destinados a amar vão entrar na nossa vida de algum modo, por mais
inalcançável e distante que nossas realidades sejam.
— É engraçado.
Eu o encaro, sem entender.
— O que? Ainda acha que o amor é uma invenção capitalista pra
vender presentes?
— Sim — Atlas assente. — Mas gosto de te ouvir porque no seu tom
de voz não parece tão falso. Eu não acredito em amor, mas acredito em
você. Poderia passar horas te ouvindo falar sobre isso.
A tela do notebook acende e ele coloca o filme. A cena inicial tão
conhecida passa pelos meus olhos, mas não estou prestando atenção. A fala
de Atlas reverbera no fundo do meu cérebro como se fosse uma musiquinha
de elevador.
Eu me arrasto pelos cobertores e apoio a cabeça no seu ombro. De
onde estou, consigo sentir o seu cheiro de shampoo e o perfume forte
grudado na sua pele e no seu moletom. Uma brisa suave vem do lado de
fora do carro e de onde estamos ainda consigo ver as três primeiras letras do
letreiro se destacando entre a escuridão: HOL.
— Atlas — chamo, mas não tenho nada pra dizer.
Ele se vira pra mim e eu levo uma das mãos até sua nuca, puxando
seu rosto para perto do meu. Nós ficamos assim por um tempo: sua testa
encostada na minha, nossos olhares mergulhados um no outro enquanto a
Julia Roberts dá suas falas. Sou eu quem acabo com a distância primeiro,
meus lábios tocando os seus. É um beijo calmo, uma coisa que nunca tinha
tido com Atlas antes.
— Obrigada — murmuro, e percebo que é uma palavra que tenho dito
muito nas últimas semanas, sempre para ele.
Atlas não responde diretamente. Ao invés disso, me puxa para o seu
colo e volta a me beijar de um jeito doce que, de alguma forma, parece
diferente de todos os nossos outros beijos. Mas nossa calmaria dura pouco,
o que é tão típico de nós dois que não estou surpresa. Sinto sua mão
subindo por debaixo da minha blusa, os dedos frios pela brisa noturna
tocando minha pele. Um arrepio percorre todo meu corpo e eu acho incrível
a sua capacidade de me fazer derreter com tão pouco.
— Aquilo que eu disse no banheiro do hotel — me afasto da sua boca
para conseguir falar. — Eu ainda quero. Quebra a sua regra estúpida da
virgindade por mim.
— Quebrei a regra dos encontros e agora você quer que eu quebre a
regra da virgindade? — seus dedos traçam minha pele até chegar na renda
do meu sutiã. — Eu tenho quebrado muitas regras por você ultimamente,
Taylor Lynch.
— Se você já quebrou várias, mais uma não vai fazer diferença —
seus dedos adentram o tecido do meu sutiã. — Aliás, isso deve significar
alguma coisa.
— O que?
— Suas regras quebradas, mas eu não vou dizer. Você não acredita
nessas coisas.
Atlas me dá um sorriso ladino irônico. Ele volta a me beijar e aperta o
bico de um dos meus seios com força, como se o que eu tivesse acabado de
dizer fosse digno de punição. Quero xingá-lo, mas tudo que sai da minha
boca é um gemido baixo enquanto sinto minha boceta reagindo aos seus
estímulos. Inferno de homem.
Minhas mãos se infiltram debaixo do seu moletom e eu puxo a peça
para cima, com cuidado para não machucar o seu ombro lesionado. Eu não
ligo se está uns doze graus lá fora, o corpo dele está tão quente quanto o
meu e isso é suficiente para descartar qualquer hipótese de hipotermia.
Jogo seu moletom em um canto do banco da frente e gasto um
momento para apreciar seu corpo. Eu gosto das tatuagens que contornam
seu peito, seus braços e seu abdômen definido. São muitas e não consigo
focar em todas ao mesmo tempo enquanto desço meus dedos por sua pele.
Uma em específico chama minha atenção.
— Ignite — leio a palavra desenhada no centro da sua barriga.
Acenda. — É a mesma tatuagem do Aaron Warner — comento —, mas
acho que personagens de livros de fantasia estão muito fora da sua alçada.
— Você já leu?
Nego.
— Não, mas sei que o livro é famoso por uma cena específica — eu
rio ao me lembrar, porque falar isso em voz alta é estranho. — Quando
Aaron Warner diz pra protagonista: erga seu quadril para mim, amor.
— E aí?
— Nada — eu arranho seu abdômen, de leve. Ele está duro embaixo
de mim e preciso me segurar para não me esfregar nele. — Essa autora não
escreve cenas de sexo, então nos resta imaginar o que aconteceu depois.
Atlas acha graça.
— Eu te mostro o que aconteceu depois.
Sua boca encontra a minha de novo e dessa vez é mais rápido, mais
quente, mais desesperado. Sua mão sobe e desce por minhas costas e ele
luta contra o fecho do sutiã por alguns segundos. Ele suspira contra meus
lábios quando finalmente consegue livrar-se dele. Atlas puxa minha blusa
para cima e joga tudo no banco da frente, como eu fiz minutos antes.
Sua mão se fixa na minha cintura e ele me empurra para o lado,
invertendo nossas posições. Minhas costas são pressionadas contra as
cobertas e eu ainda consigo ouvir a voz da Julia Roberts, mas não faço ideia
de onde está o notebook. Ter Atlas em cima de mim é suficiente para fazer
minha boceta pulsar ainda mais. Não que eu já não tivesse reparado quão
grande ele é, mas naquela posição é impossível não pensar que eu seria
esmagada se Atlas não tivesse cuidado. Estranhamente, ser esmagada nunca
pareceu tão sexy.
Os seus lábios descem, da minha boca para o meu queixo e para o
meu pescoço. Meu corpo inteiro se arrepia quando ele lambe a minha pele,
mas ele não se demora ali. Atlas beija meus seios e chupa o bico de um
deles, me fazendo arfar. Sinto que estou vendo estrelas e ele ainda nem
começou.
Eu abro as pernas e minha saia sobe alguns centímetros. Envolvo o
quadril de Atlas, minha calcinha roçando contra o tecido da sua calça. Sua
língua continua contornando meu bico duro, num ritmo lento que me faz
pensar que ele está tentando me torturar. Eu rebolo contra ele ao mesmo
tempo que um gemido me escapa.
— Controla essa ansiedade, linda — ele murmura, e sua mão invade
minha calcinha. Atlas dá o sorriso mais descarado que eu já vi quando
percebe o quanto estou molhada. — Quanto tempo ficou guardando essa
vontade de dar pra mim?
— Desde o dia que dormimos juntos — é uma meia verdade. A
vontade veio primeiro, esse dia foi só uma comprovação do óbvio. — Tive
um sonho… — Atlas coloca um dedo dentro de mim e eu preciso dar uma
pausa para recuperar o fôlego. — Um sonho erótico com você. Foi por isso
que fui embora tão rápido. Estava com medo de ficar te observando dormir
e fazer besteira.
— Que tipo de besteira?
Seu dedo se move dentro de mim, devagar. Ele está fazendo de
propósito. É um movimento bom, mas não é suficiente e estou perto de
implorar por mais.
— Pensei em te acordar — conto. — E te pedir pra…
— Foder você?
Eu assinto. Ele enfia mais um dedo e se movimenta mais rápido. Seu
polegar encontra meu clitóris e eu deixo um gemido alto escapar quando ele
começa a esfregá-lo. Eu rebolo com mais rapidez contra os seus dedos, mas
então ele diminui o ritmo.
— Você quer gozar agora?
— Sim — e minha voz é um gemido frustrado. — Por favor.
— Me conta mais dessa sua cabecinha pervertida.
— Eu gozei no seu banheiro — solto. Isso era pra ser um segredo,
mas ele começa a me masturbar mais rápido e acho uma troca justa. —
Depois de te chupar.
— Bem que eles dizem que as santinhas são as piores — Atlas brinca,
e nós dois sabemos que estou longe de me encaixar nessa categoria. —
Você é muito safada, Taylor Lynch.
Ele tira os dedos de dentro de mim e foca sua atenção em masturbar o
meu clitóris enquanto sua língua contorna meu seio. São vários estímulos
vindos de lugares diferentes e meu corpo parece uma bomba relógio perto
de explodir. É como se o mundo ficasse em silêncio por um segundo. Toda
tensão no meu corpo se esvai e eu estou tremendo, rindo e gemendo o nome
dele, tudo ao mesmo tempo, numa confusão deliciosa.
Suor escorre pelas minhas costas. A minha impressão é que, se
alguém pedisse para eu repetir meu nome completo, meu endereço e a data
do dia de hoje eu não saberia responder.
Atlas não espera eu me recuperar. Ele tira minha calcinha, sua língua
desce por minha barriga e encontra a minha boceta, sensível pelo primeiro
orgasmo. A hipersensibilidade intensifica seus toques e é incômodo na
mesma medida em que é a melhor coisa que já experimentei.
— Atlas — choramingo. — Desse jeito eu não vou aguentar.
Ele para de me chupar apenas por um instante, o suficiente para me
responder:
— Vai sim — sussurra. — Vai aguentar muito, porque eu nem
comecei a te foder ainda.
Caralho.
Eu sinto que poderia gozar só ouvindo essa frase.
A língua de Atlas volta a me tocar e, como previsto, eu não duro
muito. Meu corpo derrete contra a sua boca, minhas pernas bambas
pressionando suas orelhas. O seu nome escapa da minha garganta e é tão
alto que sou grata por estarmos no meio do nada. Minha cabeça está leve e
não acredito que acabei de ter dois orgasmos. Se eu estava atrás de uma
primeira vez memorável, encontrei uma, porque esse homem vai acabar
comigo e eu ainda vou agradecer no final.
— Disse que iria pedir pra eu te foder — Atlas murmura, beijando
minhas coxas. — Então peça.
— Eu não me humilhei o suficiente no banheiro do hotel?
Ele move a cabeça em negativa.
— Eu não usaria a palavra suficiente — seus lábios sobem até minha
barriga. — Porque é uma delícia te ouvir implorando e saber que eu te
deixo tão doida de tesão que faria qualquer coisa pra me ter dentro de você
— ele deixa uma mordida na minha pele. — Se soubesse o quanto precisei
me controlar pra não te foder naquele banheiro, saberia que não foi
humilhação nenhuma.
Ótimo, isso reconstrói o meu orgulho em mais ou menos um por
cento.
A ponta do dedo indicador de Atlas passa pelo meu clitóris, tão de
leve que quase não me encosta. Ainda estou sensível demais e isso é
suficiente para que uma nova onda de arrepios percorra o meu corpo. Seu
rosto se aproxima do meu e ele me encara de um jeito que faz parecer que
todos os meus pensamentos estão sendo lidos. Eu me sinto devorada e o
sentimento se intensifica quando sua língua invade a minha boca.
Meus dedos passeiam por suas costas e eu arranho sua pele com força
o suficiente para deixar uma marca. Estou sendo uma garotinha mimada
brincando de marcar território, mas não me importo. Dentro da calça, o seu
pau roça contra a minha boceta, fazendo uma pressão gostosa no meu
clitóris. Eu desisto de tentar preservar a minha dignidade, porque ela parece
muito pouco importante agora. Prioridades.
— Atlas — eu me afasto dos lábios dele apenas o suficiente para
murmurar. — Por favor…
Ele acha graça da minha tentativa.
— Por favor o que?
— Eu quero deixar registrado que odeio você — reclamo.
— Não é isso que eu estava querendo ouvir, linda — seus dedos
passeiam pelas minhas pernas, como se tivesse todo tempo do mundo. —
Tenta de novo.
Eu não hesito, porque tudo que ele disse é verdade.
— Me fode, Atlas.
Ele dá um sorriso convencido na minha direção.
— Finalmente.
Sinto um frio agradável na barriga quando ele tira a calça e a cueca.
Não consigo evitar o pensamento de que fui muito ambiciosa quando decidi
perder a virgindade com um cara que tem um pau desse tamanho. Talvez a
palavra certa não seja ambiciosa, mas doida. Preciso confiar que um órgão
que foi feito para aguentar a passagem da cabeça de um bebê vai dar conta
do recado. Eu percebo pelo ritmo dos meus pensamentos que estou
começando a ficar ansiosa, e dessa vez não é uma ansiedade boa.
Atlas percebe a minha hesitação.
— Não se preocupa — ele murmura, acariciando a minha bochecha.
— Eu vou devagar.
Confio nele o suficiente para respirar fundo e assentir. Atlas se
posiciona na minha entrada e um arrepio desce por minha espinha quando
sinto o piercing gelado me tocar. A cabeça do seu pau me preenche
minimamente e eu sinto um pequeno ardor.
— Quer que eu pare? — ele pergunta, e eu devo ter feito uma careta
de dor, porque Atlas parece preocupado.
— Não — abro mais as pernas. — Eu aguento — eu puxo seu rosto
em direção ao meu e nossos lábios se encontram de novo. Atlas se move
contra mim, devagar, me preenchendo aos poucos. Lágrimas de reflexo
surgem nos meus olhos, mas a dor inicial não demora a se transformar em
prazer. Eu afasto minha boca apenas o suficiente para sussurrar: — pode ir
mais rápido.
Atlas aumenta o ritmo das investidas. Ele beija meu pescoço e
gemidos escapam dos meus lábios, extasiada com a sensação de tê-lo dentro
de mim. Meus quadris passam a se mover contra ele e eu percebo que a dor
se foi por completo.
Uma de suas mãos contorna minha cintura enquanto a outra aperta
meus seios e é como se cada centímetro de pele do meu corpo queimasse
por ele. Quanto mais contato temos, mais contato eu preciso e a forma
como Atlas se move cada vez mais rápido dentro de mim me mostra que ele
sente o mesmo. Transar com Atlas foi minha melhor e pior decisão porque
agora sinto que nada vai ser tão intenso quanto isso.
— Atlas — eu murmuro, mas meu raciocínio é tão lento agora que
nem sei se vou conseguir completar minha frase. Ele me encara, ainda se
movendo contra mim, um filete de suor escorrendo por sua testa. Seus
cachos loiros e desordenados caem por seus olhos e eu sinto que poderia
ficar aqui pelos próximos vinte anos, só olhando pra ele. Minha fala sai
como um sussurro, minha respiração cansada interferindo na forma como as
palavras saem — Nós estamos ferrados, não estamos?
Atlas ri da minha constatação.
— Estamos sim.
Minhas mãos exploram seu abdômen e agora nós dois estamos
fingindo que não sabemos o que essa frase tão simples significa. Seus lábios
encontram meus seios e meu quadril se move cada vez mais rápido contra o
seu pau enquanto ele lambe, morde e chupa minha pele, de uma forma que
deixa meu corpo quente e fora de órbita.
— Eu vou gozar fora — ele murmura, e eu demoro alguns segundos
para entender, totalmente envolvida pelos seus movimentos.
— Não — minhas pernas se apertam ao redor dos seus quadris. —
Dentro — peço, e não estou sendo totalmente irresponsável, porque tomo
anticoncepcionais há anos. — Eu quero sentir… — minha fala se
interrompe porque não dá pra segurar um gemido. — Quero sentir tudo.
Atlas concorda com a cabeça.
Eu sinto o momento que ele explode dentro de mim, sua porra
escorrendo por entre as minhas coxas enquanto ele geme o meu nome. O
meu corpo reage a sua voz e minhas pernas estão trêmulas ao redor de Atlas
quando me dou conta. Eu me sinto aérea, cansada e satisfeita, o que sem
dúvida é uma combinação esquisita.
Atlas sai de dentro de mim e eu imediatamente sinto falta do calor e
do seu toque. Ele se senta nas cobertas e me encara, como se eu fosse uma
pintura a ser estudada.
— Estamos muito ferrados mesmo — ele recapitula.
Eu solto uma risada. Meu corpo está tão leve que sinto que estou
chapada e me recuso a estragar o momento pensando nos pormenores dessa
relação. Eu o puxo para um abraço e murmuro:
— Acho que tudo bem, desde que a gente não se mate no final —
brinco, fazendo uma referência a Romeu e Julieta e as matérias nos jornais.
É o tipo de piada horrível que você não faz com qualquer pessoa, mas Atlas
ri, porque ele tem o mesmo humor quebrado que o meu. Eu me sinto tão
bem perto dele, mas não consigo colocar em palavras.
É como se meu coração estivesse finalmente em casa.
Capítulo 24 - Atlas Campbell

(ou: jogador ignorando uma possível rota de colisão)

— Nós somos os underdogs aqui. Ninguém espera que os Bruins


venham para ganhar devido à péssima temporada que estamos fazendo. E é
aí que vamos brilhar. O nosso primeiro quarto será decisivo. Vamos pra
cima como se esse fosse o nosso Super Bowl. Hunter, esse é o momento de
conseguir um lançamento perfeito logo no início, ouviu bem?
A voz de Stevie soa animada, como se ele tivesse ganhado mais cinco
anos de vida desde a última partida. Estamos em Miami, para o primeiro
jogo fora de casa dos Bruins e existe uma expectativa forte no ar. Eles não
venciam nenhuma partida há mais de um ano e agora é como se toda UCLA
tivesse lembrado que existe alguma coisa pela qual vale a pena torcer. Além
das líderes de torcida que sempre viajam com o time, vários alunos
gastaram suas economias em uma passagem para assistir o jogo de hoje.
É ótimo, mas também estou preocupado em como essa pressão vai
afetar os garotos do time. Aceitar uma derrota é muito mais fácil quando as
pessoas não esperam nada de você.
Meu celular vibra e eu vejo uma nova mensagem de Taylor no topo
da tela.
TAYLOR: 1 ou 2?
Ela ainda está em Los Angeles, fazendo suas malas para vir pra cá. As
duas fotos que me mandou mostram roupas jogadas no chão, mochilas
abertas e ela no centro, em frente ao espelho, vestindo dois conjuntos de
lingerie diferentes. Tenho certeza que Taylor já escolheu uma opção dentro
da sua cabeça, mas ela não perderia a oportunidade de me provocar.
ATLAS: qual dos dois eu vou poder tirar quando invadir seu quarto
hoje à noite?
TAYLOR: boa tentativa, mas vou dividir uma suíte com a julia e
outra menina da equipe de torcida
ATLAS: que notícia horrível
ATLAS: escolho 3
TAYLOR: que 3?
ATLAS: sem nada :)

Taylor manda uma risada e um emoji de dedo do meio. Faz cinco dias
desde que transamos no letreiro de Hollywood e sinto que não fazemos
outra coisa desde então: fodemos no meu quarto, no jardim de Orion, na
biblioteca da UCLA e na sala de troféus dos Bruins. Eu costumo perder o
interesse em uma mulher depois que transo com ela, mas com Taylor as
coisas só ficaram mais intensas.
Nós dois sabemos que não é só sexo.
Nós dois sabemos que isso não vai acabar bem.
— Acha mesmo que nós temos alguma chance? — Hunter murmura
pra mim, assim que Stevie libera o time. O jogo é amanhã no período da
tarde, mas a UCLA fez questão de trazer os jogadores um dia antes, para
que eles pudessem relaxar antes do grande dia. É a primeira vez que o
Bruins recebe um investimento — mínimo — em anos. — Os Miami
Hurricanes são bons. Assisti alguns vídeos dos últimos jogos no YouTube.
— Não fica fissurado com isso, jogos antigos são importantes para te
dar uma noção, mas não vão definir o resultado — movo a cabeça em
negativa. — Os erros deles te dão confiança, os acertos te deixam inseguro.
Não importa se eles são bons, só precisa ser melhor que eles.
Hunter suspira.
— Só.
— Um time de futebol não é nada sem um quarterback confiante —
eu apoio uma das mãos no seu ombro. — Se não estiver se sentindo
confiante, finja. Isso também vai ser importante quando estiver no draft.
Hunter concorda.
— Certo. Fingir.
— Por hoje você só precisa relaxar. Esquece do jogo de amanhã, bebe
muita água e fica longe de álcool. E se serve de consolo, os Hurricanes nem
são tão fodas assim.
Ele respira fundo.
— Tudo bem, consigo fazer isso.
— É claro que consegue — dou um sorriso simpático. — Stevie te
escolheu como quarterback por algum motivo. Deve ter alguma coisa aí
dentro que as outras pessoas não enxergam.
Hunter ri, depois de revirar os olhos pra mim.
Eu gosto e não gosto dele.
Sinto que somos bons amigos em uma realidade paralela onde o fator
Taylor Lynch não existe. Mas nesse universo aqui, eu me divido entre dar
conselhos e querer quebrar seus dedos sempre que ele toca nela. E o
sentimento seria recíproco se ele soubesse de tudo que tem acontecido nas
últimas semanas.
É melhor que ele não saiba até o fim da temporada. Já tive que lidar
com um quarterback de coração partido antes e foi uma péssima
experiência.
Meus sentimentos conflitantes por Hunter Simmons não mudam o
fato de que quero ver os Bruins chegando longe. Quando comecei isso,
sabia que não estava lidando apenas com um time de futebol americano
universitário. Estava lidando com sonhos, visitando um lugar onde eu já
estive, acreditando no que as pessoas não acreditam.
Meu celular toca e eu arqueio uma sobrancelha ao ver o nome de
Zade brilhar na tela. Em silêncio, torço para que a terceira guerra mundial
da publicidade não tenha estourado e vou atendê-lo no corredor do hotel.
— Está em Miami pro jogo dos Bruins? — ele pergunta, assim que
atendo.
Zade já sabe da resposta.
— Sim — murmuro. — Por quê?
— E Taylor Lynch também está?
— Ela ainda não chegou.
— Cuidado — Zade pede. — Atraiu muita publicidade positiva e
gratuita pro seu nome com a última vitória dos Bruins. Foi uma grande
jogada — nem parece que ele estava me chamando de doido três semanas
atrás. — Mas não queremos que burburinhos sobre você e a Taylor
apareçam na mídia de novo em uma “viagem de casal” — conheço Zade o
suficiente para saber que ele está fazendo aspas com os dedos. — É o
cenário perfeito pra construir uma fofoca.
— Ninguém noticiou o beijo da filha do grande Elijah Lynch com o
quarterback dos Bruins no último jogo? — reviro os olhos. — Deveria ser
suficiente para abafar esses boatos.
— Ninguém liga pro quarterback dos Bruins — Zade explica, no seu
tom de sabe tudo de sempre. — Ninguém ligava pros Bruins até você
aparecer. Então, por favor, a única notícia que quero ver nos jornais
segunda-feira é sobre a vitória do time.
— Relaxa, Zade, quando foi a última vez que eu te causei problema?
— Você quer mesmo que eu responda?
— Não, foi uma pergunta retórica.
— Que bom que você tem consciência — alguém está chamando
Zade do outro lado, mas eu não reconheço a voz. Deve ser a estagiária que
entrou na All Stars depois que Hellena foi demitida — Não esquece da sua
participação no Sporticast na segunda. Esteja em San Diego antes das dez.
— É nessa segunda?
— Tinha esquecido?
— Não, só queria confirmar.
— É, Atlas, pelo amor de Deus.
— Relaxa Zaaaaade — eu repito, alongando a segunda letra do seu
nome de propósito. Sinto que ele ainda vai me matar. — Vou estar lá.
— Ótimo — Zade suspira. — Mandei um email pra você, pro Chad e
pro Noah listando as perguntas que devem evitar. Rebecca, você enviou os
e-mails? — ele pergunta, afastando-se do telefone. — Estamos cada dia
mais perto do Super Bowl — ressalta, como se eu pudesse ter me
esquecido. — Fique longe da herdeira dos Lynch e vamos estar à salvo.
Ele desliga o telefone antes que eu possa responder. Eu entendo
porque Zade está tão estressado. A confusão com o Noah causou um baque
na imagem dos Pythons na mídia e agora que as coisas estão se ajeitando
ele não quer correr o risco de se inflamarem de novo. Essa é a coisa de ser
atleta em um esporte de time: se alguém faz merda, todos pagam o pato.
Ganhar o Super Bowl depois de uma temporada cheia de polêmicas e um
jogador lesionado é o mínimo que os Pythons podem fazer.
Encaro a tela do telefone quando ele vibra, anunciando uma nova
mensagem.
TAYLOR: indo pro aeroporto
TAYLOR: estou levando os doissss

Eu me recuso a olhar as fotos que ela me mandou mais cedo porque


não quero correr o risco de ficar de pau duro em público.
É, Zade, você vai ter que me perdoar nessa.

∞∞∞
— Vai ser uma bola de blue ice — na ponta dos pés para enxergar
todos os sabores de sorvete, Taylor Lynch parece uma criança espevitada —
uma bola de creme e mais uma de blue ice — ela espera a atendente
entregar seu pequeno pote de sorvete e o ergue na minha direção, como se
fosse um brinde. Também está carregando o sorvete da Julia. — Nas cores
da UCLA — pega uma colher do sorvete azul. — Pra dar sorte.
Encaro meu sorvete de chocolate amargo sem graça e penso que não
tenho quase nenhum espírito esportivo perto de Taylor. Bom, quase
ninguém tem. Ela fez pulseirinhas para todos os rapazes do time no voo de
Los Angeles até aqui, o que é mais que suficiente para garantir o prêmio de
líder de torcida do ano — supondo que ele existisse.
— Acha que eles vão ganhar? — ela pergunta, enquanto caminhamos
para o lado de fora da sorveteria.
As mesinhas para os clientes ficam na areia e pode ser pura paranoia
por causa da conversa com Zade, mas estou com medo que algum
paparazzi desocupado nos veja aqui. Eu não quero que Taylor pense que
tenho vergonha de sair publicamente com ela, por isso vou fingir que essa
possibilidade não existe. Percebo tarde demais o quanto não gosto de vê-la
chateada.
— Tem chance — respondo, satisfeito em ter um assunto no qual me
agarrar. Desse jeito não preciso pensar demais. — Mas o Hunter anda meio
pilhado.
— Também era assim nos seus primeiros jogos?
— Não — acho graça, mas as coisas eram mais fáceis para mim do
que para Hunter. Os Pythons nunca foram um time fracassado. —
Confiança nunca foi um problema.
— Talvez o excesso dela… — Taylor zomba.
Eu rio, mas não é verdade. Se eu não tivesse tanta confiança, talvez
tivesse aceitado um emprego na empresa da família quando meu pai
ofereceu. Isso é uma coisa que sempre passa pela minha cabeça: pequenos
detalhes que mudam vidas inteiras.
— Com licença — uma senhora baixinha nos interrompe quando
colocamos nossos pés na areia. Na mesa, alguns metros distante, Julia
arqueia uma sobrancelha. — Vocês podem me ajudar a chamar um Uber?
— ela dá um sorriso constrangido. — Perdi o meu óculos.
Taylor abre um sorriso enorme, como se esse fosse um grande
acontecimento. Ela é sempre tão bem-humorada, e sorridente, e… deixa pra
lá. Taylor assente na direção da mulher de cabelos brancos e me entrega os
sorvetes para pegar o celular dela.
— Claro! — responde, agora verbalmente. — Pra onde você vai?
— No Bayside — diz a senhora, sem dar mais explicações. Como
todos os idosos, ela é muito falante. — Vou ajudar minha filha a escolher as
roupas do batizado da minha neta. E comprar um óculos novo antes que um
desastre aconteça — ela acha graça. — Vocês já têm filhos?
Eu quase engasgo com o meu sorvete. Acho engraçado que ela não
faça ideia de quem eu sou.
— Não — Taylor responde, rindo da minha reação. Ela está
procurando pelo nome que a senhora indicou no GPS.
— Ah, que pena — sua expressão faz parecer uma grande tragédia.
Outra coisa sobre idosos é que eles são obcecados pelo conceito de se casar
e ter filhos. — Estão fazendo uma viagem de casal? Vocês não parecem ser
daqui.
Taylor assente, sem conter uma risada.
— Sim — ela brinca. — Uma viagem de noivado. — Taylor ergue o
celular na minha direção, mostrando que conseguiu encontrar o dito
Bayside. — Namoramos por três anos, já estava na hora de juntar os trapos.
Eu a encaro, incrédulo.
— Três anos?
A mulher abre um sorriso.
— E como vocês se conheceram?
— Num casamento — Taylor continua elaborando sua história, com
riqueza de detalhes. — Eu era a noiva — eu a encaro, sem conseguir
engolir uma risada. — Mas esse homem me convenceu de que fugir com
ele era uma boa ideia e aqui nós estamos.
A senhora enruga o canto dos olhos, então ri.
— Sei que está brincando — diz. — Já vi coisas assim acontecerem,
mas sou cartomante, mocinha, então sei que esse não é o caso — o seu tom
é alegre, como se conversasse com duas crianças. — Mas consigo ver que
realmente estão apaixonados um pelo outro.
É a vez de Taylor engasgar.
— Estamos, é?
Ela sorri
— É claro que estão.
— O carro chegou! — Taylor exclama, apontando para o veículo
vermelho que acabou de estacionar — Quer que a gente te leve até lá?
— Não precisa, mocinha, obrigada. Vocês são muito gentis.
Ela dá um último sorriso antes de se afastar. Nós ficamos observando
seus passos por um tempo, para garantir que ela entrou mesmo no carro.
— Então agora você mente pra idosos? — zombo, assim que o
motorista parte.
— Eu deixei o dia daquela mulher muito mais interessante com a
minha fanfic — Taylor dá de ombros. — Além disso, não seria muito
educado dizer a verdade pra uma idosa. Não, nós não estamos namorando,
só fodendo de vez em quando.
— Dez vez em quando com certeza não é a palavra certa.
— E aquilo que ela disse no final? — Taylor questiona, pegando seu
sorvete de volta. — Loucura.
— Sim — eu não sei quem estamos tentando enganar a essa altura. —
Não acredito nessas coisas de cartomante.
— Nem eu — e, considerando a sua fama de jovem mística, ela está
mentindo.
— Deve ser uma daquelas idosas trambiqueiras.
— Chega de histórias de velhos fofinhos, precisamos de mais velhos
trambiqueiros — ela leva uma colher de sorvete até a boca enquanto move a
cabeça em um aceno para Julia. O sorvete dela vai derreter em breve. — Se
ela tivesse mesmo algum poder ia saber que estou apaixonada pelo Hunter.
— É claro que ia.
Taylor força uma risada.
— Mas foi muito engraçado.
— Sim — concordo, enquanto apressamos o passo até a mesa.
Estamos sendo ridículos e sabemos que estamos sendo ridículos. —
Cômico.
— Caralho, finalmente — Julia reclama quando nos aproximamos da
mesa. — Qual foi a da idosa? Achei que ia ficar sem meu sorvete.
— Ela pediu ajuda pra chamar um Uber — Taylor se senta. — E
achou que a gente era um casal.
— Ah — Julia tira uma colher do sorvete. — Mas isso não é novidade
nenhuma.
Franzo o cenho, sentando em uma das cadeiras na areia.
— O que?
— Que vocês dois parecem um casal — ela ajeita as mangas do
uniforme das líderes de torcida. Tem um ensaio em vinte minutos, motivo
pelo qual as duas estão uniformizadas. — Todo mundo na UCLA fala sobre
isso.
— Ei! — Taylor protesta. — Todo mundo quem?
— Todo mundo tipo todo mundo. E se quer minha opinião — ela
aponta para Taylor com a colher. — Você combina mais com ele — então
aponta pra mim. — Do que com o Hunter.
Taylor revira os olhos claros.
— Ai, cala a boca.
— É uma pena que a Taylor não me queira como namorado troféu —
debocho. — Todas as garotas da UCLA iam morrer de inveja.
— Eu concordo — Julia ri. Taylor faz uma careta na direção da
amiga. — O que foi? Boa parte da população feminina da UCLA quer dar
pra ele.
— Menos a Taylor — completo, sem desviar os olhos dela. — Não é,
linda?
— Ela é diferente das outras — Julia zomba.
Taylor move a cabeça em negativa. Eu percebo um tom de malícia no
seu olhar, mas só entendo o motivo quando sinto seu pé deslizar pela minha
calça embaixo da mesa, esfregando meu pau.
Ela devolve meu comentário com os olhos fixos em mim:
— Não, não, eu sou igualzinha às outras.
— Parem de flertar na minha frente, casalzinho da UCLA — Julia
reclama, se levantando da mesa. — Vamos. A gente vai se atrasar pro
treino.
— Ah, é mesmo, temos treino. — Taylor força uma expressão de
tristeza, afastando os pés. — Que pena.
— Podem ir — murmuro, porque não tem a menor condição de eu me
levantar com o pau duro desse jeito. — Eu vou ficar aqui mais um pouco,
observando a vida selvagem.
Taylor ri, porque ela sabe o motivo de eu não querer me levantar.
— Tem certeza? — pergunta, levantando-se da cadeira. Julia já se
afastou alguns metros. — Você pode precisar ir no banheiro resolver algum
problema…
— Aparentemente você é a causa de todos os meus problemas.
Taylor dá um sorriso, como se “problema” fosse um grande elogio.
Com cuidado, ela apoia os dois braços nos meus ombros, como se me
abraçasse por trás.
— Hoje à noite eu prometo ser a solução de todos eles — sussurra,
antes de dar uma corrida para encontrar Julia no meio do caminho até a
calçada.
Eu solto um longo suspiro e deixo uma risada escapar, incrédulo.
Taylor Lynch, o que eu faço com você?
∞∞∞
O hotel onde estamos hospedados não é a coisa mais luxuosa do
mundo, mas também não é uma espelunca. Com certeza a UCLA não
estava pensando em conforto quando escolheu em qual hotel de Miami os
Bruins ficariam: isso é um benefício de jogadores consolidados e eles
estavam fazendo muito em bancar toda a viagem.
São uma da manhã quando saio do meu quarto. Os corredores do
hotel são silenciosos e a maior parte dos hóspedes já está dormindo, o que é
um pouco irônico para uma cidade como Miami.
Recebo o cumprimento de um concierge sonolento quando chego na
recepção. Tem umas cinco ou seis pessoas no bar do hotel, bêbadas, rindo e
cantando uma música do ABBA da forma mais desafinada possível. Sem
reparar muito em cada uma delas, cumprimento o homem e sigo para a
piscina na área de convivência. Taylor está esperando por mim sentada em
uma das espreguiçadeiras brancas, dentro de um roupão amarelo da UCLA.
Duas coisas são engraçadas: como ela veste a camisa de tudo que se propõe
e a quantidade absurda de merchandising que uma faculdade é capaz de
fornecer.
— Você tem uma torcida pra animar amanhã — eu sento na beirada
da sua espreguiçadeira. Ela está bebendo alguma coisa num copo colorido
do hotel e tenho a impressão que é alcoólico, o que me faz perguntar como
Taylor conseguiu. Não consigo deixar de pensar que, talvez, o barman tenha
a achado atraente o bastante para não pedir uma identidade. Não gosto da
raiva que vem junto com o pensamento. Odeio sentir ciúmes. — Um
encontro de madrugada foi uma péssima ideia.
— Memória corporal — ela dá de ombros, como se sua resposta fosse
óbvia. — Já ensaiei os passos tantas vezes que faço no automático.
— Quero ver a memória corporal quando você cair do topo da
pirâmide.
— Tá torcendo pra eu cair? — Taylor zomba. — Que insensível.
— Relaxa, sei primeiros socorros se precisar.
— Meu herói — ela ironiza, dando um longo gole no seu copo. — Já
tinha vindo em Miami antes?
— Umas três vezes — não tenho certeza sobre esse número. Em
época de temporada, viajamos tantas vezes que é difícil lembrar
detalhadamente de todas. — Mas eu não conheço a cidade. Não é como se a
gente tivesse tempo pra turistar.
— Que sem graça — Taylor faz uma careta, então muda de assunto.
— Eu queria ir pra Grécia.
— Grécia?
— Era o país favorito da minha mãe. Essa coisa toda de berço da
civilização deixava ela maluca — ela ri. — Minha mãe era nerd e meio
jovem mística. Uma combinação estranha, mas funcionava bem nela.
— E por que você não vai?
— É uma viagem especial — Taylor dá de ombros. — Preciso ir com
uma pessoa especial.
— O seu futuro namorado, por exemplo.
Ela me encara. As luzes brancas da piscina estão refletindo seu rosto,
fazendo parecer que existe um sol atrás dela. De repente, Taylor ri.
— Você tá falando do Hunter de um jeito cada vez mais amargo.
Reviro os olhos. Ela pode até estar certa, mas não vou dar o braço a
torcer.
— Você acabou de inventar isso na sua cabeça, meu amor.
— Meu amor — ela repete, rindo. — Esse é novo. Gostei.
Um arrepio percorre a minha pele quando a ficha cai. Percebo o
quanto preciso da aprovação de Taylor. Nunca liguei pro que a maioria das
mulheres pensa de mim, mas Taylor Lynch? Eu quero que ela pense que sou
o cara mais legal dos Estados Unidos. Quero que seus olhos estejam em
mim o tempo todo, quero ser o único nome dentro dos seus pensamentos.
Agora é patético lembrar de todas as vezes que eu discursei sobre amor
livre.
Eu estava errado e a monogamia é uma dádiva.
— Acha que tem câmeras aqui?
A pergunta de Taylor não pode ser considerada inocente em hipótese
alguma. Tem um sorriso malicioso despontando no seu rosto e ela sabe que
eu sei porque está fazendo essa pergunta.
Dou uma olhada para o prédio principal do Hotel. Todas as câmeras
que consigo enxergar estão apontadas na direção da entrada.
— Não tem como ter certeza — respondo, por fim. — Depende do
que a sua mente depravada está pensando em fazer.
Taylor termina sua bebida em um gole só.
— Strip poker — diz, com a expressão séria, como se estivesse
falando sobre comprar um livro ou faltar a uma aula da faculdade.
— Você é muito criativa na hora de dizer que quer me ver pelado —
zombo, arrancando uma risada de Taylor. — Mas nós nem temos um
baralho.
— Tá bom, eu calculei mal — ela pensa por um instante. — Verdade
ou consequência. Quando não quiser responder uma verdade, precisa tirar
uma peça.
Movo a cabeça em afirmativa, mas tenho medo de que tipo de
pergunta ela vai fazer. Me lembro do encontro falso no restaurante e como
as suas colocações foram certeiras. Nós dois só temos três peças pra tirar —
porque Taylor está de biquíni por baixo do roupão — então o massacre não
vai durar muito tempo.
— Eu vou começar sendo boazinha — Taylor zomba. — O que você
pensou quando me viu pela primeira vez?
— Que você era a garota mais bonita do campus.
Ela arqueia uma sobrancelha.
— Sério? Não pensou nada como “Meu Deus, quem é essa doida
querendo me beijar?”
— Esse foi meu segundo pensamento.
Taylor ergue o dedo do meio.
— Eu não estava interessado em saber porque você precisava que eu
te beijasse — explico. — Se uma garota bonita pede pra te beijar, você
beija.
— O seu instinto fofoqueiro tá quebrado — ela cruza os braços. —
Sua vez.
— Vou devolver a pergunta.
Taylor pensa por um instante.
— Não me lembro exatamente o que eu pensei, mas lembro de ter
comentado com a Cleo — a menção ao nome me deixa desconfortável, mas
não deixo Taylor perceber — que a sua pegada era boa mesmo com a tipoia.
Eu já estava prevendo a sua capacidade de fazer um puta estrago.
Nós dois rimos. Não duvido, porque esse comentário é a cara dela.
Taylor brinca com o laço do roupão por alguns segundos antes de
soltar a sua segunda pergunta:
— Tem certeza que não está apaixonado por mim? — solta, como um
tiro à queima-roupa.
Eu a encaro.
Sinto que ainda não estou pronto para dar essa resposta para Taylor,
então me levanto e tiro a camisa.
— Sem graça — Taylor reclama.
— Aproveite a vista — eu jogo a camisa na sua espreguiçadeira. Ela
perde alguns segundos encarando meu abdômen, mas logo se recompõe. —
Tem certeza que está apaixonada pelo Hunter?
— Golpe baixo — ela reclama, mas também se recusa a responder.
Taylor se levanta e tira o roupão, revelando o biquíni minúsculo que
está vestindo por baixo. Eu tenho certeza que ela não usaria uma coisa tão
pequena para ir à praia, o que me faz pensar que escolheu esse
especialmente para hoje.
Eu sinto meu pau endurecer dentro da bermuda.
Caralho.
— Parece que não vamos falar sobre sentimentos essa noite — Taylor
conclui, agora de pé, bem na minha frente.
— Prefiro falar sobre o quanto você tá gostosa — eu subo as mãos
pelas suas coxas, dedilhando a sua pele até chegar no tecido do biquíni.
Puxo seu corpo pra mais perto e ela apoia as mãos no meu ombro bem
quando eu aperto sua bunda.
Nós dois sabemos que essa situação é insustentável a longo prazo. Em
algum momento vamos ter que ter uma conversa de verdade, mas Taylor
parece ter tanto medo de arruinar seus planos quanto eu tenho de assumir
meus sentimentos por ela. Por enquanto, fingir que não perdemos o controle
da situação é nossa única alternativa. Não a mais responsável, não a mais
madura, a única opção, enquanto não quisermos complicar ainda mais as
coisas. É um acordo silencioso.
Os olhos de Taylor estão no prédio da recepção do hotel, como se
esperasse alguém sair de lá e notar a minha mão no lugar errado. Duvido
que isso vá acontecer. O concierge estava caindo de sono quando eu passei,
já deve estar no mundo dos sonhos à essa altura. Os hóspedes bêbados no
bar estavam… Bom, bêbados. Não acho que dariam importância para um
casal se pegando na área das piscinas. Dependendo do que tiverem usado,
podem até achar que é uma alucinação.
Taylor deixa o prédio de lado e sua atenção volta pra mim. Ela se
abaixa alguns centímetros e me beija, o sabor de álcool da sua língua
invadindo minha boca. Taylor morde meu lábio inferior como se fosse
minha dona e então se afasta, os olhos encarando os meus.
— A gente deveria entrar na piscina — ela sugere.
— Entrar na piscina ou foder na piscina?
Ela dá um tapa leve no meu ombro, como se não estivesse pensando
nisso desde o início.
— Você não tem um pensamento decente dentro dessa sua cabeça?
— Não depois que você esfregou o seu pé no meu pau no meio de
uma sorveteria lotada.
Taylor ri.
— Não estava tão lotada assim.
— Essa é sua única defesa? — eu me levanto da espreguiçadeira
enquanto Taylor me observa. Junto o roupão dela e a minha camisa os
escondo embaixo da espreguiçadeira, só por precaução.
Antes que ela tenha tempo para raciocinar, apoio as mãos na sua
cintura e impulsiono seu corpo pra cima, apoiando-a no meu ombro bom.
Ela solta um grito assustado.
— Você vai foder seu ombro de novo! — Taylor protesta, deixando
uma risada nervosa escapar.
— Precisa de mais que uma garota com menos de 1.60m pra foder o
meu ombro, Polly Pocket.
Ela ri do apelido e segura no meu pescoço, com medo de cair. Eu
desço a escada da piscina e um arrepio percorre minha espinha quando sinto
a água gelada cobrir minha pele.
— Tá indo muito pro fundo — Taylor reclama. — Eu não dou pé.
— Primeiros socorros, lembra?
— Se eu me afogar, volto dos mortos pra te assombrar.
— Você não sabe nadar?
— Sei, mas sou medrosa.
Eu paro no meio da piscina e coloco Taylor no chão. A água que bate
na altura do meu peito quase cobre o seu queixo. Ela precisa ficar na ponta
dos pés para não molhar o rosto, o que é uma cena engraçada.
— Nós não terminamos o jogo — ela se lembra, de repente.
— Não precisamos terminar — minha mão desce até sua cintura
debaixo da água. Puxo seu corpo pra mais perto e meus dedos deslizam por
suas costas, procurando pelo laço do biquíni. — Eu mesmo tiro as peças
que faltam.
Eu desfaço os dois laços do biquíni de Taylor e ela termina de se
livrar da peça, nadando até um dos extremos da piscina para deixá-la
apoiada na borda. Por causa da água tampando seu corpo, não consigo ver
seus seios com clareza, mas saber que ela está praticamente nua dentro
dessa piscina é o suficiente para me endurecer ainda mais.
— Já fez isso antes?
— Sexo na piscina?
Taylor assente. Quando se aproxima de mim de novo, apoia as mãos
no meu pescoço e deixa que seus seios toquem meu peito. Eu perco minha
linha de raciocínio por um segundo e ela ri quando se dá conta.
— Não — respondo, finalmente. — Sou um rapaz direito.
Taylor revira os olhos, mas tem um sorriso nos seus lábios.
— Falando sério — ela insiste.
— Não — repito, achando graça da pergunta. — Nunca fiz.
— Nesse caso, estou tirando a sua virgindade de piscina.
— Você tirou minha virgindade de virgindades.
Ela pensa por um instante, então faz mais uma das suas perguntas que
podem matar.
— O que te fez mudar de ideia?
— Eu prefiro tirar mais uma peça de roupa do que responder.
Taylor faz que não.
— Não estamos mais jogando.
Eu a encaro. Nossas testas estão quase coladas e mesmo na
iluminação baixa eu consigo ver cada detalhe do seu rosto. Ela é bonita de
um jeito que me intimida. Tenho certeza que a última vez que fiquei
nervoso na frente de uma mulher foi aos doze anos de idade, no meu
primeiro beijo. Isso, é claro, antes de Taylor Lynch aparecer e mandar todas
as minhas convicções pra casa do caralho.
Eu sei a resposta que ela quer ouvir.
Eu tenho a resposta que ela quer ouvir, mas não vou dizer, porque a
ideia ainda me assombra demais para ser dita em voz alta.
— Não vamos falar sobre isso hoje — peço, meus lábios tocando os
dela repetidas vezes, muito de leve.
Taylor me encara. Ela fica em silêncio por alguns segundos e eu
espero por um protesto que nunca vem. Seus dedos contornam minha boca
e ela avança nos meus lábios de forma lasciva, no que parece ser a sua
forma de demonstrar frustração.
Ótimo.
Com isso eu sei lidar.
Minhas mãos apertam sua cintura e eu a empurro até um dos
extremos da piscina, nossos corpos deslizando pela água. Taylor continua a
me beijar e eu consigo sentir a mistura de raiva e tesão que seus lábios
emanam. É como se ela estivesse na dúvida entre foder ou brigar, mas eu
sei que vai escolher a primeira opção.
Eu puxo o laço da calcinha do seu biquini e ela se desfaz ao redor das
coxas de Taylor, deixando-a completamente nua dentro da água. Ela desliza
as mãos pelas minhas costas e faz questão de deixar uma sequência de
arranhões, o que me faz ter certeza que estou sendo punido pela minha falta
de resposta. Punido entre uma centena de aspas, porque o ardor das suas
unhas só me deixa com mais vontade de estar dentro dela.
Minha mão se infiltra no meio das suas pernas, meu dedo médio
acariciando sua entrada, sem nem chegar perto de ameaçar preenchê-la.
Minha outra mão explora seus seios e Taylor geme contra minha boca
quando aperto os bicos, num som tão gostoso de ouvir que eu gostaria que
ela repetisse mais uma centena de vezes.
— Taylor?
Nós interrompemos o beijo, assustados com o som da voz de Hunter.
— Como ele sabe que você…
— Ai, merda — Taylor sussurra. Nós nos abaixamos o máximo
possível. Felizmente, estamos na parte menos iluminada da água. — Eu
postei uma foto da piscina uns vinte minutos atrás — eu a encaro,
incrédulo. — O que? Eu estava tentando ser aesthetic.
— Primeira regra do sexo em público, você não posta foto de onde
pretende foder.
— Você é um péssimo professor, porque não me contou dessa regra
— ela protesta, ainda falando baixo. — Acho que consigo pegar o meu
roupão se…
— Nem pensa nisso — eu seguro uma das suas mãos e levo até o meu
pau duro dentro da bermuda — Você tem um problemasso pra resolver.
Taylor se esforça para engolir uma risada.
— Ele vai ver a gente aqui.
— Estamos em um ponto cego — julgando pela direção do som, ele
está vindo do bar. Hunter teria que chegar na beirada ou dar a volta na
piscina para entrarmos no seu campo de visão.
— Taylor? — Hunter repete, e acho que ele se aproximou do bar de
novo. Se esse filho da puta estiver bebendo antes de um jogo importante, eu
juro que vou trucidá-lo. Já era pra ele estar dormindo.
Os passos dele se aproximam, mas ainda não é suficiente para causar
preocupação. Opto por ignorar sua presença. Posso resolver qualquer coisa
a respeito dos Bruins na manhã seguinte.
Taylor ainda está tentando localizar Hunter pelos sons que
conseguimos ouvir, mas não estou disposto a deixá-la preocupada por muito
mais tempo. Meus lábios tocam os seus por um segundo, então eu beijo sua
bochecha, seu maxilar e seu pescoço. Sua pele tem gosto de cloro, mas essa
é a menor das minhas preocupações. Meu pau fica ainda mais duro vendo
sua pele se arrepiando diante dos meus toques.
— Atlas — Taylor murmura, a linha de raciocínio se perdendo
quando eu aperto seus seios. — Se ele ver a gente…
— Seria uma grande catástrofe — minha língua explora sua pele e sei
que Taylor percebeu meu tom irônico. — Seu futuro namorado não pode
saber que está dando pra mim — eu continuo beijando seu pescoço
enquanto meus dedos brincam com o bico dos seus seios. — Gozando pra
mim, gemendo pra mim e — dou uma pausa — depois de tudo, sonhando
comigo.
— Ele não precisa saber — Taylor corrige, como se, de alguma
forma, isso melhorasse as coisas. Dentro do seu raciocínio ébrio, deve fazer
algum sentido.
Uma das minhas mãos desliza por seu corpo, voltando a se enfiar no
meio das suas pernas. Dessa vez eu não hesito em meter um dedo dentro
dela e Taylor morde o lábio inferior, esforçando-se para não deixar escapar
nenhum som.
— Será que você aguenta dois sem fazer barulho? — provoco.
Taylor me encara enquanto rebola suavemente contra o meu dedo.
Seus olhos azuis estão divididos entre o desejo e a ansiedade. Ela está com
medo de ser pega, mas também está excitada o suficiente para deixar o
senso crítico de lado. Taylor assente, mas eu já mudei de ideia:
— Ou melhor — eu mantenho um dedo, meu polegar dando voltas
pelo seu clitóris — Será que você me aguenta sem fazer barulho?
Um sorriso malicioso desperta nos lábios de Taylor e ela assente de
novo. Suas mãos descem e ela mesmo puxa a minha bermuda para fora,
prendendo-a atrás do próprio corpo para não boiar na água. Sua mão
contorna meu pau e Taylor gasta algum tempo me masturbando, o que me
faz perceber que, no fundo, ela não liga se Hunter vai ou não nos ver aqui.
É só mais um joguinho da sua mente terrivelmente pervertida e deliciosa.
Eu aperto o seu corpo contra a parede da piscina e a impulsiono um
pouco para cima, com cuidado para que sua cabeça não fique visível para
quem passa do outro lado. Entro dentro dela de uma só vez e sei que esse é
um golpe muito baixo, porque os lábios de Taylor se abrem em um “O”
mudo, o gemido não vindo por pouco.
Eu tampo a sua boca.
— Cuidado, linda — eu me movo dentro dela devagar, evitando que a
água forme redemoinhos muito evidentes. — Se você gemer muito alto, o
homem da sua vida vai ouvir.
Taylor morde a minha mão, e sei que essa é a sua forma de mandar eu
me foder sem precisar dizer nenhuma palavra. A mordida não é forte o
suficiente, então continuo com a palma em seus lábios, sentindo sua boca
contra meus dedos. Ela se aproveita disso, deixando que alguns gemidos
escapem, sendo abafados pela minha mão.
Não ouço mais os passos de Hunter, o que me faz pensar que ele
voltou pro quarto. Escolha sábia. Eu preciso que esse homem esteja inteiro
amanhã, física e emocionalmente.
As pernas de Taylor me apertam com mais força. Seu quadril se move
mais rápido e nós desistimos da tarefa de não causar ondas na água da
piscina. Eu espero mesmo que o concierge esteja dormindo ou ao menos
com preguiça o bastante para não vir verificar o que acontece aqui fora.
Eu tiro a mão da boca de Taylor e impulsiono seu corpo mais um
pouco para cima. Meus lábios descem até os seus seios e ela arranha minhas
costas com mais força quando minha língua toca sua pele. Uma marca
avermelhada se forma automaticamente quando eu chupo o bico de um dos
peitos e preciso me segurar para não a marcar inteira, embora eu goste
muito da ideia. Quase consigo imaginar Taylor no banheiro no dia seguinte,
tendo que maquiar sua pele para esconder a marca dos meus dentes.
As primeiras gotas de uma chuva de inverno começam a cair, mas
nenhum de nós faz questão de se mover. Eu invisto contra ela mais rápido,
agora que temos uma explicação lógica para a água da piscina estar se
mexendo tanto. Taylor deixa um gemido alto escapar, mas ela está protegida
pelo barulho da chuva se arrebentando no chão. Consigo sentir sua boceta
pulsando contra mim, quente, molhada, apertada.
Taylor apoia as mãos no meu rosto, puxando minha boca em direção a
sua. Ela me encara por um momento e eu sei que a pergunta que fez antes
ainda está ali. Eu quase sinto vontade de responder que tirei a virgindade
dela porque nenhuma outra pessoa deveria fazer isso. Porque ninguém
deveria conhecer Taylor Lynch da forma que eu conheço.
Não respondo, no entanto, e Taylor me beija. O gosto da chuva se
mistura com o gosto de bebida e eu sinto o corpo de Taylor se arrepiar de
frio. Sua mão sobe por minha nuca e ela puxa o meu cabelo com força
enquanto geme contra minha boca, o aperto das suas pernas diminuindo aos
poucos. Eu a observo enquanto o seu orgasmo chega, os olhos apertados,
seus dedos perdendo a força no aperto. Uma risada escapa dos seus lábios e
eu penso que ela fica linda assim: com o cabelo bagunçado, a expressão
área, molhada de chuva e toda minha.
Caralho, eu tenho que parar de pensar nessas coisas.
Taylor puxa o ar, suspirando. Seus lábios descem por meu pescoço e
ela beija minha pele enquanto se recupera, a respiração ainda
descompassada.
— Sua vez de gozar pra mim, meu amor.
Filha da puta. Eu consigo sentir o meu saco doendo de tesão agora.
— Não acredito que está usando minhas próprias palavras contra
mim.
— Só queria ver se você fica desconcertado quando eu te chamo
assim.
— Com você rebolando no meu pau desse jeito, eu não vou ficar
desconcertado mesmo que você me chame de Jesus Cristo.
Taylor ri.
Sua língua continua percorrendo meu pescoço e ela geme o meu
nome quando chega perto da minha orelha, o que, nesse ponto, é suficiente
para que eu não consiga me conter. Suas pernas me apertam com mais força
e o meu orgasmo vem, tão avassalador quanto em todas as outras vezes. A
chuva aumenta, eu gozo dentro dela e a impressão é que estamos dentro de
uma bolha só nossa. Nada mais importa.
Eu pisco, observando as gotas de chuva escorrerem pelo rosto de
Taylor enquanto minha respiração volta ao normal.
— A gente precisa usar camisinha mais vezes — murmuro, e meu
comentário sai junto com uma risada, não porque acho graça, mas porque
meu corpo ainda está relaxado ao extremo.
Eu não sou tão irresponsável assim. Taylor foi a única com quem eu
transei sem camisinha esse ano.
— E funciona com isso aí?
A forma como ela se refere ao meu piercing é engraçada.
— Dizem que funciona. Eu não tive nenhum filho até agora, então…
Taylor ri.
— Ai, credo. Bate na madeira.
Eu bato no ladrilho da piscina nas costas dela, num gesto simbólico.
A chuva engrossa, mas nenhum de nós se move. Eu saio de dentro de
Taylor, mas meus olhos ainda estão nela. Ela não diz nada, mas nós dois
sabemos que tem alguma coisa diferente acontecendo aqui. Alguma coisa
que não estava nos planos.
Ficamos em silêncio por mais um tempo, ouvindo a chuva cair na
piscina. Existe um “você não vai falar nada?” pairando entre nós, como um
fantasma.
É Taylor quem termina com a guerra de olhares silenciosa.
— Vamos — ela murmura. — A gente vai acabar pegando uma gripe
se continuar embaixo da chuva.
Capítulo 25 - Taylor Lynch

(ou: futura atriz que já não sabe mais ler os sinais do universo)

Nós passamos pelo concierge segurando as risadas. É claro que ele


notou que tem alguma coisa errada: nós estamos ensopados demais para
dizer que não ficamos na chuva por vontade própria, o que leva a pergunta
de um milhão de dólares. Por que um casal estava debaixo da chuva no
meio da madrugada? O concierge nunca vai ter certeza da resposta, mas se
ele somar dois mais dois…
— O seu andar é o…
— Sétimo — respondo para Atlas, que analisa os botões do elevador.
— E o seu?
— Eu fico no terceiro.
Ele aperta os botões 3 e 7 e nós esperamos o elevador subir, em
silêncio. Ao mesmo tempo que quero saber porque Hunter estava me
procurando, eu não poderia estar menos interessada. É como se meu
interesse por ele tivesse se diluído em água. O que antes era tão intenso —
da minha parte, pelo menos — agora adotava um tom feio de bordô.
O elevador para no terceiro andar. Atlas encara o corredor vazio, mas
não se move. Ele passa os olhos por mim e de repente parece em dúvida de
como se despedir. Acho que esse é o grande problema das amizades
coloridas, se é que dá pra dizer que estamos em uma. Em algum momento,
elas ficam estranhas.
— Boa noite, linda — ele se decide, finalmente, dando um beijo na
minha testa.
Apesar da despedida, Atlas não vai embora, e eu também não quero
que ele vá.
— Eu acho que merecia um beijo de boa noite — reclamo. — Um
beijo de verdade, por ter enfrentado aquela chuva toda com você.
— Deu pra ver como você estava preocupada com a chuva — Atlas
zomba, mas então apoia uma das mãos no meu rosto e se abaixa para me
beijar. Um arrepio percorre todo meu corpo e as borboletas se movimentam
numa verdadeira festa no meu estômago.
Deus, isso precisa parar.
Eu solto uma risada contra seus lábios quando ouço a porta do
elevador se fechando de novo.
— Parece que você vai dar uma voltinha no sétimo andar.
Atlas move a cabeça em afirmativa. Ele ainda está perto o bastante
para nossas respirações se misturarem, nossos lábios quase se encostando.
— Eu podia dar uma voltinha no seu quarto.
— Sim, a Julia ia adorar a visita — brinco, torcendo para que minha
amiga não tenha acordado no meio da noite e esteja me procurando.
A porta se abre no sétimo andar. Eu o encaro, seus dedos ainda no
meu rosto. Não sei se tenho força de vontade o suficiente para ir até o meu
quarto.
— Boa noite, Atlas — digo, sem me mover.
— Boa noite — ele repete, dando um selinho demorado na minha
boca.
Dou um sorriso e, finalmente, saio do elevador, deixando o loiro pra
trás. Eu dou um passo na direção do meu quarto, mas antes que eu possa
usar as chaves, Atlas me chama.
— Ei — murmura, com uma das mãos na porta do elevador,
impedindo que ele se feche. — Você não quer… — Atlas dá uma pausa, e é
sempre engraçado vê-lo sem jeito, nos raros momentos em que ele se
permite sair do seu pedestal de confiança. — Dormir comigo hoje?
Eu percebo pelo seu tom de voz que não é um convite sexual, o que,
de início, me deixa assustada.
É óbvio que envolver sentimentos nessa coisa não identificada que
temos vai piorar muito as coisas.
É óbvio que eu não deveria aceitar, mas me vejo sorrindo pra ele e
entrando de volta no elevador.

∞∞∞
Eu sei que sou uma mulher de sorte. Já cansei de ver nos filmes
personagens que chegam aos vinte anos e não sabem o que querem fazer da
vida. Não tem ideia do que gostam, ou pior, de quem são. Eu sabia desde
criança que queria ser atriz, que gosto de lutar por aquilo que mereço e que,
sempre que houver a possibilidade, vou planejar para que tudo saia do jeito
que eu sempre quis.
E claro, sempre soube que meu futuro era ao lado de um jogador de
futebol. O que, é claro, não quer dizer que sou uma maria chuteira. Nunca
me imaginei ficando com vários jogadores até encontrar o homem da minha
vida. Desde que cheguei na UCLA e vi Hunter, sabia que ele seria o
escolhido. Eu só não imaginava que teria a questão Atlas no meio do
caminho.
Mesmo que eu quisesse fugir disso, o universo sempre me leva de
volta. Amo ser líder de torcida, amo esse clima de excitação antes das
partidas, amo ver a entrega dos atletas em campo. Tem pessoas que não
gostam muito de viajar, eu já sou o oposto. Se eu pudesse passaria a vida
viajando. Quer uma característica melhor que essa para uma futura esposa
de um atleta famoso?
O único problema agora é pensar no marido.
Acabo de me despedir de Hunter antes de ele seguir para a
concentração antes do jogo. Trocamos um beijo tranquilo, desejei toda a
sorte do mundo para ele e disse que tudo ficaria bem. Ele não me disse o
que queria na noite anterior e eu não perguntei, porque era palpável o seu
nervosismo — e eu também não queria pensar que Atlas estava me fodendo
enquanto ele procurava por mim. Todo mundo vai acompanhar essa partida
de perto. Por mais que os Bruins não sejam os favoritos, há uma atmosfera
de expectativa no ar. Se ganharmos pode significar uma arrancada positiva
do time da UCLA, se perdermos, fica bem mais difícil conseguir avançar
para os play-offs.
— Ei, você desapareceu ontem — Julia comenta, apoiando as mãos
no meu ombro. — Você não tava no quarto quando eu acordei — ela cerra
os olhos pra mim. — Onde você foi?
Eu dou um sorriso constrangido pra ela, porque de jeito nenhum vou
dizer que dormi com o Atlas. Não vou dizer que ele disse o meu nome uma
vez, dormindo, e não vou dizer que estou ficando doida e perto de surtar
com a confusão onde eu me enfiei por livre e espontânea vontade.
— Você foi dormir com o Hunter? — Julia conclui, então abre um
sorriso. — Você perdeu a vir…
— Não! — eu corto. — Esquece, depois eu te explico. A gente vai
perder o início do aquecimento se não correr.
Julia assente, mas ainda tem um sorrisinho malicioso contornando sua
boca. Eu ignoro e acelero meus passos, desejando esquecer Atlas e Hunter
por pelo menos alguns segundos.
Estou prestes a mostrar minha credencial me dando acesso ao estádio
— como se o meu uniforme de torcida não fosse mais do que necessário —
quando sinto meu celular tocando.
Por mais que as pessoas não pensem tanto nisso, há uma relação de
poder em chamadas telefônicas. Tem gente que te liga por qualquer coisa:
uma dor de cotovelo, uma nova promoção no shopping, uma música que
achou a sua cara. Não atender uma ligação dessa pessoa é perdoável, no
máximo, ela irá mandar por texto uma versão resumida da ligação que
demoraria minutos. Nesse caso, você tem o poder de escolha.
No entanto, há certas pessoas que você sabe que não pode recusar
uma chamada.
E infelizmente, a única pessoa no planeta que eu não posso recusar
atender, decidiu me ligar no pior momento possível.
— Oi, pai — me afasto da entrada do estádio em busca de um pouco
de privacidade, o que é impossível, pois a multidão começa a chegar para a
partida. Faço um gesto para Julia seguir sem mim, não sei quanto tempo
essa chamada vai demorar. — Desculpa, mas agora não é uma boa hora.
— Taylor Lynch.
Não há muitas coisas nessa vida que conseguem me tirar do sério.
Apesar de preferir as coisas do meu jeito, consigo me enturmar e aceitar
opiniões diferentes. Sou uma pessoa flexível e compreensível na maior
parte das vezes. Mas uma coisa que nunca vou conseguir entender é porque
caralhos alguém não diz logo o que quer sem fazer rodeios.
Sinto o celular vibrar no meu rosto e o afasto para ver as mensagens.
Três fotos aparecem na minha conversa com meu pai e sinto que meu
coração para por alguns segundos. Quando ele retoma os batimentos, parece
que está pulsando na minha garganta.
Respiro fundo e clico nas imagens. Graças aos deuses do futebol, não
vejo nada demais. Algum paparazzi filho da puta me viu com Atlas na
sorveteria ontem, bem quando eu me abaixei para abraçá-lo na cadeira.
Apesar de ser uma foto inocente, o fotógrafo conseguiu capturar um close
nos nossos rostos.
E pode ser algo da minha cabeça, mas parece muito um casal
apaixonado. A voz da Julia dizendo que todo mundo pensa que eu e Atlas
somos um casal volta à minha mente, mas dessa vez, não tem mais o tom
engraçado de antes.
— Estou esperando uma explicação, Taylor.
A voz vem distante, pois estou com o celular na frente do rosto.
Fecho a imagem e volto a posicionar o aparelho na orelha.
— Não sei o que você espera que eu diga, pai.
Uso essa estratégia para ganhar tempo. Eu nunca minto para Elijah
Lynch, sei que essa é uma péssima ideia. Mesmo assim, a verdade agora
seria tão destrutiva quanto uma mentira. Preciso, antes de mais nada, ter
consciência do quanto ele sabe.
— Como assim, não sabe? Você acha que isso é uma brincadeira?
Que o time que tenho que gerenciar é apenas um capricho?
— Claro que não. Eu sei muito bem o quanto você se dedica ao seu
trabalho e sei dos riscos de eu sair com um jogador do time rival. Você já
cansou de deixar isso claro.
Sei que provocar o meu pai não é uma boa escolha, mas tente ter
alguém limitando quem você pode ou não gostar o tempo inteiro. É difícil
bancar a boa moça sempre.
— E mesmo deixando as coisas transparentes, você me faz isso?
— Isso o quê? É só uma foto de dois amigos na praia, como eu te
disse na última vez que conversamos.
O silêncio na ligação faz o meu coração acelerar ainda mais. Foi um
tiro no escuro. E se meu pai tiver alguma outra foto nossa? E se ele tiver
esperando para me dar a chance de confessar tudo antes de ser acuada
contra a parede?
— Você está me dizendo que nada entre vocês mudou?
Pressiono os olhos com força e solto um palavrão sem fazer som. Ali
está a pergunta crucial, a que me obrigará a soltar uma mentira se eu não for
extremamente cuidadosa. Mil respostas passam pela minha cabeça, uma
pior que a outra.
Pai, eu e Atlas estamos transando todo dia, mas eu só comecei a
transar com ele pra conquistar outro cara, então tudo bem.
— Pai, eu já te disse, eu e Atlas somos amigos. — Essa me parece
boa o suficiente, porque não é uma mentira. Está incompleta, mas é o
melhor que consigo.
Escuto o suspiro do outro lado da linha e aproveito a deixa.
— Inclusive, não pretendo parar de vê-lo — sinto o coração acelerar.
Há uma dupla camada de significado na frase, mas não tem como meu pai
captá-la. — Ele me faz bem, pai. Se a imprensa quer fotografar a gente,
paciência.
Mesmo com a distância, posso imaginar ele andando de um lado para
o outro com minha resposta. Certamente é algo que vai tirar o sono dele
essa noite, mas não posso fazer nada. Eu não vou deixar de ver o Atlas por
causa de fotos inocentes como aquela. Elijah Lynch que se acostume com
isso.
— Você está brincando com fogo, Taylor. Se acontecer alguma coisa
entre vocês… — Ele solta outro suspiro e um arrepio percorre os meus
braços. — Tive que comprar essas fotos antes que vazassem — Elijah dá
uma longa pausa. — Sabe que um cara como o Atlas não é o que eu quero
pra você, filha. Ele anda pra cima e pra baixo com uma centena de garotas
diferentes por semana.
Fico em silêncio para não me complicar mais. Em outras ocasiões eu
poderia dizer que não vai acontecer nada, mas eu realmente prefiro não
mentir para Elijah. Além disso, tenho medo de soltar, sem querer, que ele
não conhece o Atlas de verdade.
— Sei que você tá com pressa, a gente conversa direito no jantar. O
motorista te busca às 21h.
A mudança de assunto me pega desprevenida. Com tudo o que estava
acontecendo na minha vida eu tinha esquecido completamente que o
aniversário da minha mãe estava chegando. Desde o acidente, eu e meu pai
sempre nos reunimos nesta data para lembrar dela.
— Tudo bem.
— Acha que vamos ter duas vitórias seguidas do underdog da
competição?
Ver o leve humor voltando à voz do meu pai me faz ficar, ao mesmo
tempo, aliviada e culpada.
— Estou confiante! O Atlas tem feito um bom trabalho de motivação
no time.
— Vamos ver.
Ele encerra a ligação sem se despedir. Confiro as horas no celular e
corro para a entrada do estádio, sabendo que perdi boa parte do
aquecimento. Mostro minha credencial e, antes de guardar o celular na
bolsa, encaminho a foto onde estou com a cabeça no colo de Atlas para ele.
TAYLOR: precisamos tomar mais cuidado na próxima vez
TAYLOR: meu pai me mandou isso
TAYLOR: acho que você consegue imaginar o quanto ele estava
feliz k

Não espero uma resposta, porque preciso correr para o campo.


Mesmo assim, estou um pouco assustada com a forma que estou lidando
com a situação. Não estou acostumada a mentir pro meu pai. Temos uma
relação próxima desde que minha mãe morreu — dentro do possível,
considerando que ele é um dos homens mais ocupados de Los Angeles —,
apesar dos seus pequenos surtos de superproteção. Sei que a melhor
alternativa seria ter uma relação com Atlas estritamente de amizade.
Mas isso está fora de cogitação.

∞∞∞
Sinto os músculos do meu corpo gritando por socorro na medida que
o jogo se aproxima do final. Não sei se é por conta da viagem — cinco
horas dentro de um avião cansa, sim — e junte a isso o fato de que não
aqueci o suficiente e teremos um corpo pedindo clemência.
O jogo também não está ajudando.
Os Bruins estão fazendo uma partida espetacular. Poucas vezes vi o
time jogando com tanto empenho e dedicação. A defesa batalha em cada
jogada como se estivesse em jogo muito mais do que apenas a vitória, mas
também a honra dos jogadores. Já o ataque, percorre o campo a uma
velocidade surpreendente. Hunter acertou pelo menos três lançamentos
difíceis durante a partida. Seria uma partida dos sonhos se não fosse um
pequeno problema.
Os Hurricanes decidiram jogar tudo o que não jogaram durante o
campeonato.
Para um espectador neutro, o jogo está sendo um espetáculo digno
das partidas da NFL. Para o torcedor de um dos dois times, no entanto, a
tensão dentro das quatro linhas passa para as arquibancadas e afeta até
mesmo as líderes de torcida. Já vi nosso time cometer alguns erros bobos
que tenho certeza que foram gerados por nervosismo.
Falta apenas um minuto para o fim da partida.
No telão, uma imagem indigesta para os Bruins:
HURRICANES 38 x 36 BRUINS
O time visitante começa a jogada. Hunter está com a bola e olha para
a distribuição dos seus colegas de equipe. Há dois marcadores adversários
correndo na sua direção, mas a linha ofensiva detém um deles. Hunter corre
apostando corrida com o marcador e consegue uma pequena vantagem.
O estádio fica em silêncio, a torcida do time da casa percebe a
gravidade da situação.
Eu esqueço a série de movimentos que preciso fazer e apenas olho
para o jogo.
Hunter percebe a movimentação na endzone e faz o lançamento.
A bola faz um arco e segue até o local onde o wide receiver dos
Bruins a espera.
É um lançamento quase perfeito.
E esse quase faz toda a diferença.
O jogador pula para segurar a bola, mas ela chega com um pouco
mais de força que o necessário. Ela toca os dedos do wide receiver, que não
consegue dominá-la.
O apito soa encerrando a partida. A torcida explode comemorando
aquela vitória suada e apertada, porém, para os Bruins, resta o gosto amargo
na garganta.
Um quase deixou a vitória escapar pelos nossos dedos.
Olho para o campo, mas dessa vez Hunter não vem até mim. Vejo
Stevie e Atlas entrarem aplaudindo os jogadores. Stevie segue na direção do
wide receiver e Atlas caminha para Hunter. Não quero nem pensar na culpa
que deve estar corroendo os dois jogadores. Um pensando que fez um
lançamento forte, o outro que deveria estar um passo à frente.
Futebol é um esporte injusto às vezes.
Para minha surpresa, no entanto, ao ver o gesto da equipe técnica, a
torcida imitou os aplausos e as arquibancadas tremem com o barulho das
palmas. Apesar da derrota, ficou o reconhecimento que ambos os times
tinham entregado um jogo brilhante, a ponto de a torcida rival fazer a
homenagem.
Não sei se será o bastante para os jogadores. Mas com certeza o jogo
ainda vai repercutir muito durante a semana.
— Taylor, vai ficar aí?
Julia para ao meu lado enquanto olho para as arquibancadas. Só então
percebo que o resto das líderes já entravam para o vestiário, mas a imagem
da festa que a torcida faz me paralisa.
Tem algo a ser aprendido hoje. Nem sempre as coisas saem da forma
como a gente planeja. Minha relação entre os dois jogadores é um exemplo
claro disso. Estou começando a sentir que as coisas estão fugindo do
controle. Será que esse é mais um sinal do universo para mim?
O pior de tudo, é que acho que não haverá pessoas aplaudindo o meu
desempenho se eu vier a perder esse jogo.
Por isso preciso ganhar.
Capítulo 26 - Atlas Campbell

(ou: jogador precisando ouvir sua equipe de relações públicas


URGENTEMENTE!)

É como se um caminhão tivesse me atropelado três vezes seguidas


nas últimas dez horas. Ir pra Miami ver os Bruins perderem com certeza
não estava nos meus planos, principalmente quando eu precisava estar em
San Diego menos de 24 horas depois disso. Obviamente, ninguém ficou
feliz com o resultado do jogo: Hunter, Stevie, Taylor — inclusive, eu já
deveria ter respondido as mensagens que ela me mandou sobre as fotos.
O quarterback ficou especialmente frustrado com a situação, o que eu
entendo muito bem. Sempre achei que era melhor perder por muito do que
por pouco. Uma vez Chad me contou sobre uma partida de futebol
brasileiro onde o time do Brasil perdeu por 7 a 1 contra a Alemanha. É
humilhante, sim, mas não tem o que ser feito nesses casos. Perder por
pouco é pior, porque você quase venceu.
Eu passei as cinco horas de Miami até Los Angeles ouvindo as
lamúrias de Hunter, então, ainda que os Bruins não tenham vencido, não dá
pra dizer que eu fui um completo inútil. Ainda tem chance dos Bruins se
classificarem pra próxima rodada, só ficou um pouquinho mais difícil.
— Bom dia, Atlas — a voz do doutor Carter rouba minha atenção.
Como de costume nos dias de consulta, estou no último andar do The
Nest. Fizemos novos exames e hoje ele vai analisar os resultados da
fisioterapia que tenho feito duas vezes na semana. Eu espero ter boas
notícias, porque não aguento mais ficar parado. Eu sei que minha vida tem
estado muito agitada, mas isso não muda a falta que sinto do esporte.
Durante o dia queria estar jogando e durante a noite tenho pesadelos com a
hipótese de uma cirurgia que termina mal e me aposenta antes dos trinta.
— E aí? — eu pergunto, ansioso, assim que entramos na sala.
Carter solta um suspiro.
Nada de bom vem depois do suspiro de um médico.
— Não tivemos nenhum resultado relevante com as sessões de fisio
— comenta Carter — Bom, ainda.
O ar escapa da minha boca e não consigo esconder minha frustração.
— Essas coisas acontecem devagar, Atlas. Temos que continuar
observando.
— Não tem alguma coisa que a gente possa fazer pra adiantar esse
processo?
Não sou um especialista no assunto drogas, mas tem que existir
algum tipo de doping que acelere a revitalização dos nervos. Se não existe,
alguém deveria criar um.
— Infelizmente não — ele está usando o seu tom empático e odeio
isso. — Se continuar assim, vamos ter que fazer a cirurgia. Depois da
cirurgia são mais alguns meses de fisioterapia e aí…
— Volto na temporada do ano que vem.
Carter dá um sorriso.
— Sei que não era isso que você queria…
— A fisioterapia vai dar certo — corto, porque é a única coisa que
tenho para me agarrar.
Eu gostaria que Carter se agarrasse a isso comigo, mas ele não parece
disposto.
— Acho que precisamos começar a estudar a cirurgia como uma
alternativa real — murmura, pesaroso. — Tem chance que a fisioterapia
ainda surta resultados, mas…
— Se ainda tem chance, vamos focar nisso. Só me fala de cirurgia
quando for a última opção.
Carter faz uma careta, mas assente.
— Tudo bem. Vamos mudar para quatro dias por semana, certo?
Concordo com a cabeça, me esforçando para disfarçar o quanto essa
conversa me deixa nervoso. Talvez seja hora de começar a buscar pelas
alternativas holísticas que as pessoas procuram quando estão desesperadas:
lei da atração, trabalho espiritual, livro de autoajuda, serviço de coach.
Qualquer coisa que me faça jogar de novo, o mais rápido possível. Pacto
com o demônio ainda é uma opção?
— Obrigado, doutor Carter — eu forço um sorriso para ele e me
levanto. — Nos vemos semana que vem.
Carter concorda. Eu saio da sala e desço as escadas do The Nest para
encontrar o motorista dos Pythons. Hoje é a gravação do meu episódio no
Sporticast, junto com Chad e Noah. Estou torcendo para que façam as
perguntas mais difíceis para eles, porque não estou num bom dia. Primeiro
os Bruins, agora isso.
Aproveito para responder a mensagem de Taylor quando entro no
carro. Nós nos vimos brevemente depois do jogo, mas não chegamos a
conversar. Um clima depressivo tomou conta de tudo.
ATLAS: ele ficou puto?
ATLAS: desculpa

Ela me responde na hora.


TAYLOR: mais ou menos, sei lá. meu pai é esquisito.
TAYLOR: vamos jantar juntos hoje e eu vou saber da real situação
TAYLOR: romeo save me!!!! they’re trying to tell me how to feel[12]

Eu reconheço a música que ela colocou na mensagem e por mais sério


que o assunto seja não consigo conter uma risada. Taylor-Não-A-Swift é
quase tão dramática quanto a Taylor Swift de verdade.
ATLAS: talvez eu devesse conversar com ele
TAYLOR: com o meu pai?
TAYLOR: você não precisa de outro ombro quebrado……..
TAYLOR: mentira, ele não faria isso, mas não seria uma boa
conversa
TAYLOR: ele te odiaria menos se você não tivesse esse estereótipo
de galinha incorrigível
ATLAS: tudo bem, acho que dá pra consertar isso.
TAYLOR: ………………….
TAYLOR: porque eu sinto que você vai fazer merda?

Não respondo a mensagem, porque ainda não tenho certeza do que


vou fazer. O vislumbre de uma conversa que tivemos na praia muito tempo
atrás passa pela minha cabeça. Não acredito que estou arriscando arruinar a
minha reputação de destruidor de corações para agradar o pai de uma garota
que nem é minha namorada, mas talvez seja mesmo hora de crescer.

∞∞∞
O Sporticast é uma daquelas empresas que tem como lema fazer seus
funcionários não perceberem que estão trabalhando. O prédio é cheio de
pontos de lazer: sinucas, almofadas coloridas espalhadas pelo chão, totó,
videogames, televisão e máquinas de expresso em cada esquina, com
direitos a piadinhas sobre ser um jovem adulto viciado em café.
— Tenho a impressão que a Sabrina ia adorar trabalhar aqui — Noah
comenta, assim que entramos no elevador, com destino ao estúdio de
gravação.
O meu primeiro pensamento é de que Taylor não gostaria. Mesmo
que eles estejam se esforçando para parecerem descolados, um escritório
ainda é um escritório, o inimigo número um do artista.
O meu segundo pensamento é que preciso tirar Taylor Lynch da
cabeça, mas ela parece cada vez mais emaranhada no fundo do meu
cérebro, tomando conta de cada neurônio. Caralho, peste, me deixa em paz.
— Ela ia esgotar a cota de café dos funcionários — Chad zomba.
Eu me sinto um pouco aliviado ao notar que Chad está mais tranquilo
em relação ao que aconteceu entre mim e Cleo. Ele é um cara que cumpre
suas promessas, então eu sabia desde o começo que ele não contaria para o
Noah ou para a Sabrina, por mais que eles sejam amigos. A Cleo também
não parece estar interessada em que saibam, o que me faz pensar que, por
trás da camada de festa e rebeldia, é uma pessoa legal. Conheço muita gente
que teria vendido a fofoca pros jornais na primeira oportunidade.
Noah estala os dedos na minha direção.
— Você tá em outro mundo, hein?
— To amargando o sabor da derrota — respondo, porque é mais
simples falar sobre os Bruins do que falar sobre Taylor Lynch.
Chad me dá um sorriso.
— Os caras ainda vão se classificar — ele tenta, mas eu sou o cara da
positividade e não o contrário. Eu sei que tem chance, não estou
preocupado com isso.
— Ei, que isso? — Noah aponta para as pulseiras de miçanga no meu
pulso. Elas simplesmente vivem aqui o tempo inteiro, porque esqueço de
tirá-las. Tem a que Taylor perdeu na festa, a do seu número, a de Halloween
e a que tem meu nome — É da…
— Taylor — respondo, observando os andares subirem no visor,
torcendo para as portas abrirem logo.
— Meu Deus — Noah ri, incrédulo. — Quando vão assumir esse
relacionamento?
— Que relacionamento?
— Todo mundo percebeu que você sumiu da festa no hotel — Chad
comenta. — Bem depois que a Taylor chegou…
— A gente tava conversando — dou de ombros. — E eu não queria
que ninguém visse a filha do dono dos Charges numa festa dos Pythons, por
motivos óbvios. Perdão por ter o mínimo de bom senso.
Chad move a cabeça em negativa.
— Você e bom senso na mesma frase? Fala sério.
— Eu só estou curioso pra saber como as coisas vão funcionar
quando vocês assumirem o que sentem um pelo outro — Noah diz. —
Contratos de cinquenta páginas de confidencialidade ou…
— Elijah Lynch cometendo seu primeiro assassinato — Chad
completa.
— Ninguém vai cometer assassinato nenhum porque a Taylor e o
Hunter…
— Chega de Taylor e Hunter — Noah me corta. — Ninguém cai
nesse papinho.
Reviro os olhos para ele bem no momento que as portas se abrem.
Charlie e Annie, os hosts mais famosos do mundo dos esportes, já estão
esperando por nós na porta do estúdio, com sorrisos plastificados. Estou
curioso para saber que tipo de perguntas eles prepararam para essa
entrevista. Em teoria, o podcast é sobre esportes, mas eles sempre se
esforçam para conseguir arrancar fofocas dos atletas.
Não sei porque Zade achou que era uma boa ideia conceder uma
entrevista a eles, mas faça do limão uma limonada.
— Boa tarde, meninos — Annie cumprimenta e Charlie assente ao
lado dela, numa espécie de apoio moral. — Repassando um pouquinho a
nossa conversa de hoje.
— Vamos falar sobre o andamento da temporada — Charlie completa
a fala dela, sem muito tempo para conversa fiada. — Expectativas pro
Super Bowl, carreira e tudo mais.
— E vamos dar uma pinceladinha — nunca entendi porque Annie fala
tudo no diminutivo — na vida pessoal de vocês.
Bom, aí está.
A oportunidade que eu queria para fazer Elijah Lynch me odiar um
pouco menos.
— Estamos muito animados pra ter essa conversa — Noah dá um
sorriso simpático, fazendo o seu papel de jogador das relações públicas. Eu
e Chad nos limitamos a sorrir e assentir, seguindo para dentro do estúdio
quando eles abrem a porta.
A primeira coisa que noto quando a porta é fechada atrás de nós é o
silêncio.
Noah, Chad e eu sentamos lado a lado na lateral da mesa grande que
ocupa boa parte do estúdio. Logo em seguida, um técnico de som ajeita os
microfones na nossa frente e observamos Charlie e Annie finalizando os
últimos ajustes para o início da entrevista. Vejo uma câmera no lado
esquerdo da mesa e me lembro de xingar o Zade por não ter me avisado que
o programa seria filmado também.
Os primeiros minutos são gastos com apresentações e anúncios dos
patrocinadores do programa. As apresentações são breves, já que nós três
somos figuras bem conhecidas nos Estados Unidos.
— 8 vitórias e apenas uma derrota — Charlie começa. — Essa é uma
marca e tanto para 9 jogos disputados. Vocês já consideram que estão nos
playoffs com esses resultados?
— De forma alguma — Chad começa, contido como de costume. —
Temos muitos jogos pela frente e só vamos comemorar a chegada nos
playoffs quando ela realmente acontecer. Cada jogo precisa ser jogado com
a mesma garra.
— A gente tá satisfeito com os resultados — Noah continua. — Mas
é o que Chad falou. Tem muita água pra rolar ainda, não vamos descuidar.
Esse é um assunto que não tenho como comentar, já que participei só
dos cinco primeiros jogos da temporada. Não sei se Annie percebe, mas a
próxima pergunta é direcionada a mim.
— Deve ser difícil seguirem na temporada com um jogador tão
importante lesionado por tanto tempo. — Ela faz uma pausa, como uma
cobra prestes a dar seu bote — Como é essa dinâmica de ver o time
ganhando sem você, Atlas?
Abro um sorriso, mas por dentro estou quebrando a mesa de madeira
à nossa frente. Eu pensei que eles pegariam leve dessa vez. Me controlo,
porque sei que Zade está ouvindo e já dei muita dor de cabeça para ele.
Vou ficar na linha dessa vez.
Quer dizer, mais ou menos.
— Não é fácil, mas faz parte. — Levanto a parte da frente do
uniforme amarelo dos Pythons que não só eu, mas Noah e Chad também
usam. — Deixa eu te dar um exemplo. Tá vendo aqui na frente o nome do
time? — Aponto para o escudo onde as letras SDP se entrelaçam como se
fossem serpentes. — E agora repara aqui atrás. — Giro o corpo mostrando
o nome Atlas Campbell no alto. — Tem um motivo pra essa ordem. San
Diego Pythons vem antes do Atlas. Somos um coletivo, não um bando de
jogadores individuais. E o time está indo bem sem mim, é isso que importa.
— Lanço um olhar brincalhão para Noah. — E é bom que esteja mesmo,
porque se ficarmos fora do Super Bowl eu vou quebrar a cara desses dois.
O clima volta a ficar leve com as risadas que ecoam no estúdio.
Charlie, aproveitando a deixa, faz a mesma pergunta que todos os
jornalistas cospem na minha cara assim que me veem.
— Então você volta a tempo pro final da temporada?
— Difícil dar certeza, mas eu quero voltar. Não perco esse jogo por
nada.
— Eu não duvido que ele entraria em campo até de braço engessado
— completa Noah.
A conversa muda de foco em seguida. Não sei se foi a resposta que
estavam esperando, mas é suficiente para não causar um apocalipse
midiático, como o Zade diria.
— Noah, você teve um começo de temporada agitado depois do seu
cancelamento na internet — Annie começa, rodando na sua cadeira com um
sorriso presunçoso que é típico de todos os jornalistas. — Como você se
sente agora? Quer dizer, como ficou sua relação com a ideia de expor coisas
da sua vida privada?
— Eu nunca quis expor nada — Noah ri, e Annie o acompanha.
Charlie complementa:
— Ele foi exposto, o que é muito diferente.
Noah assente.
— Gosto de pensar que as coisas acontecem por um motivo. Talvez
eu estivesse precisando de um chacoalhão para colocar as ideias no lugar —
brinca. — Mas eu e Sabrina estamos bem…
— Ninguém acreditava que vocês iam durar, né? — Annie pergunta.
— Eu não vinha de um histórico de relacionamentos muito bom, mas
é sempre prazeroso provar às pessoas que elas estão erradas — ele dá uma
pausa. — Nosso relacionamento é bom, estamos felizes. E gostamos de
dividir algumas coisas com os fãs do casal, assim como gostamos de deixar
algumas coisas em privado.
— E como é a dinâmica do time quando alguém se apaixona? —
Charlie levanta a pergunta. — Porque vocês passam muito tempo juntos,
então imagino que saibam tudo que se passa na vida pessoal um do outro.
— Infelizmente sim — zombo.
Chad ri, mas sua resposta é quase oposta à minha.
— Os Pythons são como uma grande família. Dá pra dizer que
ficamos felizes quando vemos um dos nossos encontrar alguém
interessante.
— Mas isso nem sempre acontece, né? — Annie continua. — No
meio de vocês, deve ser complicado encontrar pessoas que realmente se
importam com o relacionamento e não com fama e dinheiro.
— Sempre tem uma maçã podre ou outra, mas chega num ponto que
nós aprendemos a lidar com essa galera também — Chad responde.
— Todo mundo sabe que o coração do quarterback foi fisgado pela
melhor amiga de infância nos últimos meses — Annie dá um sorriso,
olhando para Noah. Depois, seus olhos caem em mim — Mas e quanto a
vocês dois? Chad?
— Tenho passado tempo demais focado no futebol, acaba não
sobrando muito tempo pra pensar em uma namorada — assume. — Não
que eu esteja fugindo disso…
— Ele está fugindo — eu corto e Chad dá uma risada pra mim. Um
dos objetivos desse tipo de programa, indiretamente, é monetizar a amizade
entre as estrelas dos Pythons. A torcida gosta de ver como somos unidos
dentro e fora dos campos. — Totalmente.
— Atenção, solteiras da América! Chad Jacobs não tem tempo para
vocês — Charlie brinca, num tom de locutor de rádio.
— E você, Atlas? — Annie se vira para mim, depois de risadas
gerais. — Você sempre foi visto acompanhado por muitas mulheres, mas
isso diminuiu nos últimos meses. No seu caso, não dá pra dizer que é por
causa do foco no trabalho, hein!
— Na verdade, eu estou passando muito tempo com os Bruins, como
vocês já sabem. De resto, acho que o título de solteiro invicto perde um
pouco da graça à medida que vamos amadurecendo.
— Eita! — Charlie exclama. — Temos uma revelação aqui?
— Não — eu me corrijo, antes que distorçam as coisas. — Estou
completamente solteiro.
— Mas está procurando uma namorada? — Annie insiste, mas eu
nego. — Está apaixonado?
— Eu não sei se essa é a palavra certa…
Noah e Chad se entreolham. Eles sabem exatamente o motivo das
minhas respostas e não sei se fico feliz ou irritado por não conseguir mentir
para eles.
— Mais uma grande perda pras solteiras dos Estados Unidos! —
Charlie brada no microfone. — Atlas Campbell está apaixonado.
Annie não consegue conter a sua empolgação.
— Qual o nome da felizarda? — ela faz suspense. — Será que ela
está nos ouvindo agora?
— Ah, não, eu prefiro não citar nomes — dou um sorriso sem graça
enquanto penso se Zade vai ou não me matar por isso. É como se eu tivesse
que escolher entre levar uma facada do Zade ou do Elijah. — Na verdade,
ela não sabe.
— A garota não sabe?! — Charlie move a cabeça em negativa,
indignado. — Nesse caso, ainda existe esperança pras solteiras da
Califórnia. Você mesma, ouvinte, pode ser que esse homem esteja
apaixonado por você e você nem faz ideia.
— Eu não quero ser advogada do diabo aqui, mas acho que é uma
ótima oportunidade de se declarar — Annie sugere.
Chad ri da situação terrível que eu mesmo me meti.
— Vai, Atlas. A garota merece saber.
Noah concorda, mas um sorriso nervoso dança nos seus lábios.
Nós três vamos levar um esporro do Zade, mas como diz aquele
ditado…
Quem tá na chuva é pra se molhar.
— É azul — murmuro, depois de respirar fundo — A cor favorita da
garota por quem estou apaixonado é azul. Se você estiver ouvindo… Bom,
agora você sabe.
Capítulo 27 - Taylor Lynch

(ou: futura atriz descobrindo suas daddy issues)

Ser uma estudante universitária que mora em uma fraternidade e


passa 100% do tempo imersa nas atividades da UCLA quase me faz
esquecer o quanto meu pai é rico. São momentos como esse que me fazem
relembrar que o acionista dos Los Angeles Chargers tem dinheiro de sobra
para gastar.
Estamos sentados em uma mesa discreta ao lado do mar no Island
Prime, um dos restaurantes mais finos de San Diego. Dessa vez, meu pai
insistiu para que eu fosse até a sua cidade para variar um pouco. Além
disso, usou o golpe baixíssimo de contar que ele e minha mãe tinham
jantado ali uma vez. Como recusar o pedido depois disso?
A brisa do início da noite sopra, balançando meu cabelo loiro, caindo
nas minhas costas sobre o meu vestido preto de gala. Eu não podia escolher
qualquer roupa para essa comemoração. Afinal, estamos celebrando uma
das pessoas mais importantes da minha vida. Mesmo que ela não esteja
mais com a gente.
— Esse vestido ficou muito bem em você, filha.
Elijah Lynch usa um smoking preto ajustado com perfeição ao seu
corpo magro, mas em forma. Seu cabelo começando a ficar grisalho está
ajeitado para trás passando uma vibe galã de Hollywood de meia idade que
deixaria qualquer mulher doida de vontade de ser a nova Sra. Lynch. Tenho
a impressão que alguma foto do meu pai já deve ter caído em uma página
de Dilfs[13] no falecido Twitter.
— Obrigada, pai. Ela merece o melhor. — Abro um sorriso. — Até
porque ela se reviraria no túmulo se descobrisse que viemos pra um
restaurante tão chique vestidos de qualquer jeito.
Pensar na minha mãe, hoje, é um pouco menos doloroso do que há
algum tempo atrás. Nos primeiros anos após o acidente, as celebrações do
aniversário dela foram momentos tristes onde eu e meu pai mais choramos
do que celebramos alguma coisa. Com o tempo, a dor foi cedendo espaço
para a nostalgia.
— Com certeza. Eu não sei se você vai lembrar de uma vez que a
gente foi em um jogo dos Charges…
— E ela passou o primeiro quarto inteiro reclamando e lançando
olhares raivosos para você? — corto, rindo ao me lembrar do dia. — Claro
que me lembro. Acho que eu tinha uns 9 anos.
Essa era minha mãe. Na cabeça dela, era imperdoável que alguém
fosse ao estádio em um jogo de futebol usando um terno. Não importava se
era o maior acionista do time: estádio pedia camisa larga, bermuda, tênis
confortável. Assim como o Island Prime exigia uma roupa elegante.
— E o pior foi que a gente ainda perdeu o jogo. Então voltamos para
casa ouvindo a Marine reclamando que eu tinha dado azar.
— “Você sabe que foi culpa sua, não sabe, Eli? Cada coisa precisa
ficar no seu lugar para manter o equilíbrio”.
Meu pai ri ao me ouvir dizer a frase que minha mãe teria dito.
Provavelmente não foram essas palavras exatas, mas era assim que me
lembrava. Ela tinha uma vibe mística. Acho que o meu interesse por tarô
veio de tentar suprir uma parte da falta que sempre senti dela.
O garçom chega com os nossos pratos. O lado ruim de comer em uma
cidade litorânea é que todos os restaurantes são especializados em frutos do
mar. Isso pode ser algo bom para a maioria das pessoas, mas é péssimo
quando você não come carne. Por sorte, o menu do Island Prime é amplo e
consegui montar um pedido razoável misturando vários acompanhamentos.
O garçom deixa ao meu lado uma garrafa com água com gás e um
vinho para o meu pai. Fico com inveja por não poder me juntar a ele na
bebida alcóolica e, como sempre, me pergunto que país é esse que acha ok
uma pessoa dirigir um carro aos 16 anos, mas que só pode beber álcool
depois dos 21.
— Sabe de uma coisa? — pergunto, fisgando uma das jalapeños
acompanhadas do crusted brie. — A gente já contou várias histórias sobre
ela, mas não faço a mínima ideia de como vocês se conheceram. Como era
a vida de vocês antes de se encontrarem?
Percebo o meu pai ficar em silêncio por alguns segundos. Ele
seleciona um filé fino de algum peixe e o coloca na boca em um movimento
delicado. Não olho muito para o pedido que meu pai fez por razões óbvias.
Mas odeio pensar que parece bom.
— Tem um bom motivo pelo qual você nunca ouviu essas histórias.
Olho para o poderoso Elijah Lynch, o empresário implacável que se
senta em mesas de negociações falando pouco e decidindo muito. Pela
primeira vez desde o acidente, percebo que ele está sem jeito.
— Ah eu não acredito! — Me inclino sobre a mesa. — Pode falar
tudo! Aposto que é fofoca das boas.
Ele me encara por vários segundos. Sei que há uma batalha feroz
sendo travada por trás daqueles olhos castanhos. Sei também que ele está
odiando que a história tenha ido para aquele lado. Por fim, ele solta um
suspiro e parece aceitar o destino.
— Eu não tenho muito orgulho de quem eu era antes da sua mãe.
Quase esqueço dos pratos à minha frente, minha atenção é
direcionada ao meu pai e estou pronta para armazenar toda e qualquer
informação que ele queira compartilhar.
— Sou toda ouvidos, vamos, não se acanhe. Quero riqueza de
detalhes.
Meu pai balança a cabeça de um lado para o outro e começa.
— Digamos que eu não era um bom exemplo. Você sabe que eu fui
quarterback dos Chargers por alguns anos antes de me tornar acionista. O
sobrenome Lynch também já era muito conhecido no meio dos esportes, por
causa das empresas dos seus avós. Eu era um cara que chamava muita
atenção, tanto dentro quanto fora do campo…
Na medida que vou escutando o que meu pai diz, a realização do que
está por vir me atinge, me deixando de boca aberta.
— Espera, você quer dizer que era um galinha?
A pergunta sai um pouco mais alta do que eu esperava, mas ninguém
parece estar prestando atenção na nossa conversa.
— Taylor Lynch, isso são modos? Ora, por favor…
Apesar do tom, eu vejo algo pela primeira vez em toda a minha vida.
Elijah Lynch ruborizado.
Não consigo controlar a minha crise de riso e sei que isso deixa meu
pai ainda mais desconfortável, mas é demais para mim. Sempre temos a
tendência a pensar nos nossos pais do momento em que nascemos pra
frente, quase como se eles não tivessem uma vida antes de chegarmos ao
mundo.
— Eu sabia que eu não devia ter entrado nesse assunto.
Controlo minha risada e tento respirar devagar. Não quero estragar o
momento.
— Tá, parei. Juro. Pode continuar.
Ele bebe um gole minúsculo do vinho antes de retomar.
— Bom, isso tudo mudou quando encontrei Marine. Ela era uma das
acionistas dos Chargers. A gente se encontrou em um evento, porque uma
das empresas dela patrocinava o time. Eu estava me recuperando de uma
lesão horrível e sabia que não me restavam muitos anos de carreira, mesmo
sendo jovem. Foi por isso que me interessei em comprar ações — Ele olha
pela janela e sinto o peito apertar. Sei que ele está revivendo a cena da
primeira vez que viu minha mãe. — Ela era impossível. — Ele abre um
sorriso. — Discutiu comigo por horas sobre como eu estava sendo negativo
sobre o meu futuro como QB e coisas do tipo. Lembro que o impacto em
mim foi tão grande, que fiz o que qualquer idiota no meu lugar faria.
Ele olha para mim, há um sorriso brincalhão no rosto dele, como se
fosse uma criança travessa prestes a dizer onde escondeu o pote de doces.
— Anda, me conta o que foi!
Ele ri da minha ansiedade.
— Pedi um empréstimo pro seu avô e comprei a maioria das ações do
time, menos a parte dela.
Eu não esperava por aquilo.
Meus pais viveram uma fanfic linda esse tempo todo e eu não sabia?
Não consigo me conter e começo a bater palmas, animada.
— Eu não estou acreditando nisso. No fim das contas, foi Elijah
Lynch, o empresário implacável, quem inventou o romance.
Meu pai ri. Mais uma cena rara de se ver.
— É engraçado você dizer isso.
— Por quê?
Estou completamente imersa na conversa. Não parece um papo de pai
e filha, mas sim uma troca entre amigos. Sei que é exatamente o que a
minha mãe gostaria. Esse é o maior presente que poderíamos dar a ela hoje,
depois de semanas de passivo-agressividade um com o outro.
— Eu era um pouco babaca antes. Aquele papo idiota de não acreditar
no amor e todo resto, mas isso era só porque eu ainda não tinha conhecido a
Marine.
As palavras entram pelos meus ouvidos, mas demoram alguns
segundos para que meu cérebro inebriado de dopamina entenda o que elas
significam.
Elas soam familiar.
A imagem de um homem loiro, alto e cheio de tatuagens me volta à
mente. Sinto a garganta secar e preciso dar vários goles na água para não
sufocar.
Meu pai era o Atlas.
Freud explica.
— Está tudo bem, filha?
— Sim, sim. Eu só não esperava por isso. — Coloco o copo de volta
na mesa. Eu preciso saber como essa história termina. — E depois, o que
houve?
— Ah, depois você conhece. Eu finalmente dei o braço a torcer,
admiti que estava apaixonado e a gente começou a sair. Namoramos, nos
casamos e você veio colocar alegria e caos na nossa vida.
Sinto os olhos marejados. Pensar que o meu pai teve esse lado rebelde
e desacreditado no amor, mas ainda assim conseguiu colocar isso de lado
quando encontrou a pessoa certa faz minhas esperanças dispararem.
O que é algo preocupante.
Eu não deveria ter esperança nenhuma.
Não sei o que dizer e o silêncio paira sobre a mesa. Não é um
momento desconfortável. Sei que meu pai está revivendo aqueles instantes
do passado enquanto eu ainda estou absorvendo tudo o que acabo de ouvir.
Só então percebo um detalhe e todos os últimos nove anos de
convivência com meu pai fazem sentido na minha cabeça.
— Você nunca mudou de opinião, não é?
— Como assim? — ele levanta o olhar na minha direção enquanto
leva um pedaço de carne de caranguejo até a boca.
— Você nunca acreditou no amor. Não acredita até hoje.
Ele abre um sorriso triste enquanto termina de mastigar.
— Você é uma garota esperta, já te disseram isso?
Levanto os ombros. Eu não queria estar certa dessa vez, pelo
contrário, queria que ele me dissesse que eu não poderia estar mais errada.
— Nunca acreditei no amor, eu acreditei em Marine. E isso nos
bastou.
As lágrimas sobem ao meu rosto, mas não vou deixá-las caírem.
Dentro de mim está acontecendo uma bagunça e não consigo separar direito
se estou triste pela história dos meus pais ou pela minha própria.
Ali estava o motivo por trás da vida de reclusão de Elijah Lynch. Em
todos aqueles anos, nunca o vi com mulher alguma. Minha mãe causou um
impacto tão forte nele, que nenhuma outra conseguiu furar o bloqueio. Por
mais que eu ache que ele devia tratar isso na terapia, não tem como negar
que há uma beleza triste nessa história.
Mas sei que isso não é algo que minha mãe gostaria. Tenho certeza
que ela ia querer que ele se apaixonasse de novo. Ou, na linguagem dele,
que acreditasse em mais alguém.
— Mas chega de falar de mim. — Percebo a tentativa nada sutil de
mudar de assunto. — Agora você tem informação demais sobre a minha
vida. Isso não é bom, vai fazer você me respeitar menos.
Abro um sorriso e balanço a cabeça de um lado para o outro. Mais do
que qualquer coisa, essa conversa serviu para nos aproximar de um jeito
inédito.
— Quero saber sobre você. Como andam as coisas com o seu amigo
Atlas?
A pergunta à queima-roupa me pega desprevenida e começo a
engasgar.
Eu não poderia ter escolhido uma reação pior.
Me recomponho em busca do resto de dignidade que ainda me sobra e
penso em como me guiar no meio daquelas águas turbulentas. Não é justo
eu mentir para o meu pai depois dele ter se aberto para mim com toda a
sinceridade do mundo.
Mas como eu posso ser sincera em um assunto que estou
completamente perdida?
— É complicado, pai.
A resposta atua como um ralo fazendo a leveza e felicidade da noite
escorrer em um vórtice devagar, mas que não pode mais ser contido.
Ele apoia os talheres em cima da mesa e volta a olhar para o mar.
— Eu quero te pedir desculpas, filha.
A mudança de tom me pega desprevenida. Olho para o homem
sentado na minha frente. De repente, ele parece ter muito mais do que
quarenta e quatro anos. Parece carregar o mundo nas costas.
— Desculpa pelo quê?
— Pelo meu comportamento nas últimas semanas. O time é muito
importante para mim, a mídia sabe muito bem disso. O que eu acho que não
deve ficar tão visível, é que você é ainda mais. E não sei, talvez eu tenha
invertido um pouco a escala de prioridades na minha cabeça.
Encaro meu pai sem acreditar no que estou ouvindo.
— Você gosta dele?
Eis que surge a pergunta de 1 milhão de dólares.
Gostar dele eu gosto. Isso é óbvio. Gosto dele, do Hunter e de mais
alguns alunos da universidade. O ponto é que eu sei que não é aquilo que
meu pai está perguntando. Ele quer saber se estou apaixonada. Se amo o
Atlas.
Desvio o olhar e encaro o mar. Há um barco com uma única mesa
deslizando suavemente sobre as águas tranquilas. Um casal conversa
aproveitando a noite só deles. Não consigo deixar de pensar que gostaria de
estar ali com um certo jogador de futebol.
E sei muito bem que jogador é.
— Não precisa pensar tanto, minha filha. Nessas coisas do coração, o
mais importante é sentir. Se pensamos muito, é porque estamos
racionalizando algo impossível.
Eu olho para Elijah Lynch. Para quem não acredita no amor, ele
parece saber bastante sobre o assunto.
Quando saí de casa hoje à noite, não imaginei a montanha-russa de
emoções que me aguardava. Não imaginei também que estava prestes a
dizer essa frase para o meu pai.
— Sim — dou um longo suspiro, como se para adiar o inadiável. Me
lembro do que a cartomante disse na sorveteria, dias antes. Eu sabia que ela
não era uma trambiqueira. Sabia que não estava mentindo — Eu estou
apaixonada pelo Atlas.

∞∞∞
Paro o carro no estacionamento atrás da Kappa House e saio do
veículo sem prestar atenção direito no meu caminho. Ter feito aquele trajeto
centenas de vezes desenvolveu uma memória muscular que já me ajudou
algumas vezes a entrar em casa depois de beber demais, mas é a primeira
vez que preciso ir no piloto automático estando sóbria.
O jantar da noite anterior ainda estava em processo de digestão, não
no meu estômago, mas na minha mente.
Por que não inventaram ainda um sal de frutas pra resolver nossos
problemas do coração?
Sendo 100% racional, não tenho um problema propriamente dito.
Amo o Atlas — ainda é difícil pensar nisso —, sou uma pessoa livre e ele
também. O grande empecilho que poderia se colocar entre nós se chama
Elijah Lynch, mas até isso foi contornado. Quer dizer, em partes.
Ele não ficou pulando de alegria quando descobriu que eu estava
apaixonada, mas também não surtou, o que é um bom começo. Disse que
seria um relacionamento complicado, mas que se era o que eu queria, eu
deveria lutar por ele.
Meu pai, o homem que “não acredita” em amor falando uma coisa
dessas.
Claro que me deu mil e uma advertências sobre os cuidados que eu
teria que tomar para proteger a privacidade dos Chargers, mas
rigorosamente falando, não foi contra o relacionamento.
Ok, Elijah está fora da equação.
E quanto ao Hunter?
E quanto a carreira do Atlas?
E quanto aos sentimentos dele?
Eu não quero fazer o que fiz com o Hunter de novo. Planejar todo um
futuro juntos sem fazer ideia de como ele se sente ao meu respeito.
Entro na Kappa House e vejo uma movimentação vinda da sala. A
minha vontade é subir para o meu quarto. Por mais que San Diego esteja a
apenas 2h de viagem de Los Angeles, ainda são duas horas atrás do volante
e eu me desacostumei a dormir na casa do meu pai. É tudo tão preto,
grande, metálico e sem vida que tenho a impressão de estar dentro de um
necrotério. De luxo, mas ainda sim… é uma atmosfera muito diferente dos
quartos coloridos e bagunçados da Kappa.
Além disso, tenho tanta coisa para processar que não sei se quero
companhia tão cedo.
— Ah, você chegou!
Não sei se estou muito alheia ao que acontece ao meu redor ou se
Mindy se materializou do nada ao meu lado. Ela coloca um braço na minha
cintura e me puxa na direção da sala.
— O calouro do jornalismo finalmente liberou o drive com as fotos
do Halloween. Ele tava enrolando, veio com um papo de cobrar pelo
trabalho, mas a Julia deu um chega pra lá nele. Decidiu cobrar pela entrada
na festa daquele jeitinho meigo que minha namorada tem, você sabe. Aí ele
mudou de ideia.
A Júlia realmente não é o tipo de pessoa que escuta algo e fica calada.
Imagino ela invadindo as salas no prédio de publicidade pra tirar aquela
história à limpo.
— Mindy, acho que vou deixar pra depois. Preciso ficar um tempo
sozinha.
Minha amiga olha para mim.
— Aconteceu alguma coisa no jantar?
— Sim, mas nada tão terrível. Foi bom, na verdade. Só tô com muita
coisa na cabeça.
Mindy balança os cachos de um lado para o outro, como se negasse
minha resposta.
— Então vem comigo que tenho algo pra te distrair. Até porque se eu
falar, você não vai acreditar.
Não importa o quão cansada eu esteja, nada como uma fofoca para
dar início a uma nova fanfic na minha cabeça e me animar.
Me deixo ser arrastada até a sala e vejo várias das minhas irmãs da
fraternidade perto da TV. As fotos passam em um slide enquanto elas dão
risadas e soltam comentários. Olho ao redor, mas não vejo a Cleo. Talvez
esteja em aula.
Paro mais atrás do grupo e vejo as meninas fofocando sobre algo que
eu perdi. Várias delas estão com o celular na mão e não faço ideia do que
fazem, mas apostaria minha vaga no time das líderes de torcida que tem a
ver com a fofoca que Mindy mencionou.
— Meu amor, pode voltar naquela foto?
Mindy coloca a mão no ombro da Julia, que só então eu percebo que
está sentada no meio do grupo das meninas com um Macbook no colo.
— Ah, olha quem chegou! Você não vai acreditar, Taylor!
Ok, agora posso dizer que estou muito curiosa. Será que foi alguma
coisa com o Hunter? Por incrível que possa parecer, o pensamento me vem
com uma dose grande de indiferença. Será que é isso? Foi só mudar a
chavinha no meu cérebro e não me importo mais com quarterback? Se sim,
o que isso diz sobre mim?
A foto do slide muda e fica parada em uma outra mostrando algumas
meninas dançando perto da cozinha. Não percebo nada de diferente. Olho
para Mindy sem entender o motivo daquele alvoroço.
— Dá zoom, meu bem. A gata tá cega.
Julia ergue o controle da televisão, mas um movimento na entrada da
casa chama nossa atenção antes que ela possa seguir o pedido da namorada.
A porta se abre e, por algum motivo desconhecido, ficamos em silêncio
esperando que a pessoa recém-chegada se pronuncie. Vejo os cabelos de
Cleo passarem como um vulto pela porta da sala. Ela teria subido as
escadas se não fosse o grito da Julia:
— Cleo Evans, volta aqui!
Ela dá meia volta.
— O que foi? Tô atrasada pra aula de… — seus olhos escuros caem
na televisão — Ah, você conseguiu as fotos?
— Não só conseguimos as fotos — Mindy abre um sorriso que diz
coisas demais e eu não consigo interpretar nenhuma delas. — Conseguimos
fofocas.
Cleo parece um pouco mais interessada.
— Que fofoca?
Eu continuo observando a foto na tela, sem entender onde elas estão
querendo chegar. Só percebo o que está acontecendo quando Julia dá zoom
no canto da fotografia. A imagem perde boa parte da qualidade, mas
consigo reconhecer quem é o casal se beijando na frente da despensa da
Kappa House.
Todo mundo consegue.
Eu sinto um frio desconfortável na barriga. Quero tomar o controle
das mãos de Julia, deletar a foto e fingir que nunca a vi, mas sinto que ela já
está impressa no fundo de cada neurônio meu: Cleo Evans com as pernas ao
redor do quadril de Atlas Campbell enquanto eles se beijam furiosamente,
2023, óleo sobre tela.
O meu Atlas.
A minha colega de quarto.
— Quando você ia contar que tava pegando o Atlas? — Mindy
provoca.
Meus olhos caem em Cleo.
— É, Cleo, quando você ia contar? — meu tom é um pouco mais
agressivo do que eu pretendia. Eu não sou maluca — ok, depende do
referencial — e sei que ela não tem culpa de nada, mas estou tão chateada
que não consigo me conter.
— A gente não tá se pegando — ela explica, sem se importar com a
quantidade de olhares curiosos em cima dela. Como eu, Cleo adora uma
boa dose de atenção. — Foi uma vez só.
Eu sou uma idiota por ter sentido uma pontada de alívio?
Talvez eu não tenha o direito de ficar puta com o Atlas. Eu beijei o
Hunter uma centena de vezes naquela noite. Além disso, beijar é muito
diferente de…
— Uma vez só? — Julia insiste, buscando mais detalhes. — Anda,
Cleo, explica direito o que aconteceu!
— Não acredito que você pegou um gostoso desses e não contou nada
pra gente — uma das garotas da irmandade protesta.
— Já dizia o ditado — Mindy ri. — Quem come quieto come duas
vezes mais.
Cleo mostra o dedo do meio para ela.
— Eu não contei porque isso não pode sair daqui — ela murmura, de
repente adquirindo um tom sério. — É sério, viu? Se a minha irmã sabe
disso, vai acabar com a minha vida.
— Tudo bem, nossa boca é um túmulo — Julia se ajeita no sofá. —
Mas agora que todo mundo já sabe, fala! Vocês transaram?
— Como eu disse — Cleo recapitula. — Foi só uma vez. Mas sim,
transamos na despensa.
— Na despensa?! — Mindy tem uma crise de riso. — Right in front
of my salad?[14]
Eu observo as garotas rindo sem dizer nada. Meu cérebro está
ocupado fazendo contas.
A festa de Halloween da Kappa foi uma semana antes do meu
aniversário. Não acredito que ele estava comendo outra garota na despensa
dias antes de me levar para o encontro mais romântico que tive na vida.
Dias antes de tirar minha virgindade. E o pior: dias antes de mentir para
mim.
Sempre soube que Atlas Campbell era um galinha problemático, uma
red flag ambulante, mas isso aqui é demais até pro nível dele. Encaro as
pulseiras no meu braço, num misto de incredulidade e irritação. Não
consigo colocar em palavras o que estou sentindo, mas é tão incômodo que
me falta ar.
Eu me levanto do sofá, porque não tenho mais estômago pra isso. Não
quero me estressar com a Cleo porque, se tem uma pessoa inocente nessa
história, é justamente ela.
— Que foi?
A pergunta vem de Julia, mas eu não respondo. Estou sentindo meus
olhos se encherem de lágrimas e minha respiração ficar estranha. Não quero
fazer uma cena na frente das meninas, então me limito a sair da sala e bater
a porta quando saio da Kappa House.
Ok, eu meio que fiz uma cena.
Eu entro de volta no meu carro e vejo uma Mindy confusa vir atrás de
mim. Eu movo a cabeça em negativa pra ela, indicando que preciso de um
tempo sozinha. Antes que ela possa tentar me parar, dou partida no carro e
saio do nosso estacionamento.
No final das contas, o maior problema em me apaixonar pelo Atlas
não era meu pai, os Chargers ou o Hunter.
O problema tinha dois metros de altura, tatuagens pelo corpo e a porra
de um beijo maravilhoso que eu gostaria de nunca ter experimentado.
Capítulo 28 - Atlas Campbell

(ou: jogador descobrindo que as coisas podem dar errado mesmo


quando elas nem chegaram a dar certo)

O sol está batendo diretamente no meu rosto quando abro os olhos.


Tem um barulho insuportável vindo de algum lugar, mas o sono me impede
de entender de onde vem. Eu rolo na cama e solto um gemido
incompreensível, ainda cansado pela correria do dia anterior. Depois que eu
impulsivamente me declarei pra Taylor Lynch num programa de relevância
internacional, fugi da internet pelo resto do dia. Ignorei ligações de Zade e
passei boa parte do resto do meu dia com Carlos.
Eu nem sei se Taylor ouviu ou não, mas, com certeza, algo aconteceu
enquanto eu estava fingindo que não tinha feito uma coisa que pode mudar
o rumo da minha carreira drasticamente.
O barulho… será que o Zade veio até aqui e está tentando arrombar a
porta do meu quarto?
Eu me levanto, esfregando os olhos. O barulho continua e eu percebo
que estou certo: Ele realmente vem da porta. Olho o relógio na minha
escrivaninha e confiro as horas. São quase onze da manhã, o que significa
que Orion e Carlos já saíram para o trabalho. Pelo horário, não é impossível
que eles tenham aberto a porta da casa para alguém entrar antes de irem,
mas…
— Abre a merda dessa porta, Atlas!
Cerro os olhos ao ouvir a voz de Taylor do outro lado. Não preciso ser
um gênio para saber que ela está puta da vida, porque o seu tom — e as
batidas irritadas — dizem o suficiente. Eu espero que Hunter não tenha
feito nenhuma idiotice ou vou ter que arrebentar o quarterback do time que
eu estou treinando. Percebo que esse tem sido um pensamento muito
frequente nas últimas semanas.
— Eu já vou — respondo, e as batidas cessam por um segundo.
Meu deus, quem morreu?
Meu celular vibra na escrivaninha, mas eu não olho a notificação. Me
arrasto para fora da cama e abro a porta para Taylor, em busca de uma
explicação para essa entrada caótica. Não demoro a perceber que os olhos
vermelhos da loira me trazem mais perguntas do que respostas. Ela tentou
disfarçar, mas é visível que esteve chorando.
Foi o Hunter quem fez isso?
— O que…
Taylor não permite que eu fale.
— Você transou com a Cleo? — é uma pergunta retórica. — Na porra
da minha despensa?!
Ok, já entendi.
Fui eu quem fez isso.
Eu não respondo, o que Taylor entende como uma resposta por si só.
— E não pensou em me contar? — ela move a cabeça em negativa,
indignada. — Eu te perguntei, Atlas! Te perguntei se estava saindo com
alguma outra garota e você olhou no fundo dos meus olhos e disse que não.
Por que me fez acreditar nisso? — Taylor funga. — Por que mentiu pra
mim?
Solto um suspiro, na tentativa de ganhar tempo. Tenho um milhão de
justificativas pra dar, mas nenhuma delas vai deixá-la menos puta. E o pior
é que eu sei que ela tem razão em estar puta.
— Eu não queria te deixar chateada.
— Não queria me deixar chateada?! — percebo pela alteração no seu
tom de voz que seu sangue está fervendo. Eu sei que não sou bom pedindo
desculpas, porque nunca cheguei nesse ponto do relacionamento com
ninguém antes. — E ao invés de não fazer a coisa que me deixaria chateada
você decidiu fazer e não me contar? Que desculpa de merda, Atlas!
— Não aconteceu do jeito que você acha que aconteceu.
— Ah, é? E como eu acho que aconteceu?
— Quero dizer que não foi de caso pensado.
— Você disse que estava com dor de cabeça e aí foi comer a minha
amiga na despensa! — ela solta uma risada sem humor. — Se isso não é um
caso pensado, eu definitivamente não sei como o seu cérebro funciona.
— Taylor — eu tento apoiar uma das mãos no seu ombro, mas ela dá
um passo para trás e se encosta na parede. — Você precisa…
— Não ouse dizer para eu ficar calma.
— Olha só — respiro fundo. Caralho, eu realmente sou péssimo me
explicando. — Eu ia vir pra casa. Fui sair pela porta dos fundos da Kappa e
encontrei a Cleo por acaso. Ela me ofereceu uma cerveja, nós conversamos
e acabou acontecendo. Eu não te contei quando me perguntou porque foi só
sexo. Não significou nada pra mim.
Taylor cruza os braços. Ela respira fundo e por um segundo eu acho
que ela vai considerar o que eu falei, mas antes que eu possa me iludir com
essa hipótese, ela balança a cabeça em negativa.
— Não pode comer a minha amiga dias antes de tirar minha
virgindade e dizer que foi só sexo, Atlas!
— E o que você quer que eu fale?! — eu dou um passo para frente. —
Estou sendo honesto. Tentando ser. Não é como se existisse sentimentos
entre eu e a Cleo ou algo do tipo.
— Disso eu não tenho dúvida — revira os olhos. — Você não tem
sentimentos por ninguém. Eu nem sei se você tem sentimentos. — Taylor
ameaça dar um passo na direção da sala, mas eu seguro sua mão antes que
ela saia.
— Eu não tenho sentimentos por ninguém? — meus olhos percorrem
seu rosto e consigo ver a marca de uma lágrima na sua maquiagem. Meu
peito é um misto de chateação e raiva. Não gosto de vê-la assim, gosto
menos ainda de saber que é minha culpa. — Você quer saber a verdade?
Ela ri, incrédula.
— Não estava falando a verdade até agora?
— Eu estava com ciúmes, Taylor! — solto, e é tão estranho e amargo
quanto eu achei que seria. — Você e o Hunter… — ela tenta desviar os
olhos dos meus, mas eu seguro seu rosto na minha direção. — Eu me senti
mal. Eu queria quebrar os dedos dele cada vez que ele encostava em você.
E eu fiquei confuso porque nunca tinha sentido essa merda antes.
— E por que não me contou? — Taylor murmura, as bochechas
vermelhas.
Ela pode estar mais tranquila, mas com certeza não menos irritada.
— E por que eu contaria? — eu rio, sem humor. — Você e o Hunter
juntos era o que a gente tinha planejado desde o começo. Era o que você
queria. Eu era a pessoa que estava sobrando, não ele. — Taylor move a
cabeça em negativa, mas não diz nada. Lágrimas voltam a preencher seus
olhos. — Eu transei com ela porque… Você parecia feliz naquela noite.
Com o Hunter, não comigo. Você estava feliz e fazendo planos e satisfeita
dizendo que ele finalmente tinha percebido como são perfeitos um pro
outro. Eu estava puto, eu percebi que estava apaixonado por você, eu
precisava te tirar da cabeça.
— Porque você é um idiota incorrigível que transa com uma centena
de mulheres e nunca liga no dia seguinte — Taylor corrige, a voz
embargando aos poucos. — Foi por isso que transou com ela.
— Não fala desse jeito — sussurra. — Não quando você sabe que é a
única mulher por quem eu deixaria de ser um idiota incorrigível. Pode ficar
com raiva, pode me xingar, pode me bater, mas não pode duvidar disso.
Taylor leva uma das mãos até o meu rosto e por um momento eu acho
que ela vai mesmo me bater, mas isso não acontece. Ela fica em silêncio
enquanto uma lágrima escorre por suas bochechas e depois de alguns
segundos se coloca na ponta dos pés. Sua boca encontra a minha e eu sinto
a sua raiva na forma como ela me empurra até a parede e puxa meu cabelo
como se quisesse arrancá-lo. Minhas mãos envolvem sua cintura e eu só
quero apertá-la e mantê-la aqui até que ela entenda que nunca foi minha
intenção partir seu coração.
Mas eu parti.
Porra, eu parti.
Taylor se afasta minimamente e morde meu lábio inferior. Eu não sei
se essa é a sua vingança ou sua forma de dizer que me odeia, mas aceito
qualquer uma que seja a opção em silêncio.
— Ontem a noite — Taylor suspira, sua testa colada na minha. Ela
fecha os olhos antes de continuar, como se precisasse de toda sua
concentração. — Eu percebi que estava apaixonada por você — é como se
sua voz trêmula tivesse a capacidade de pintar todo meu coração de azul.
Não um azul bom, o tom de azul mais triste de todos, aqueles que os poetas
descrevem em suas músicas melancólicas. Feeling Blue.[15] — Mas hoje
cedo… Eu percebi que podemos amar uma pessoa e mesmo assim não
gostar dela. E eu te amo, Atlas, mas não gosto… — ela dá uma pausa, as
lágrimas impedindo sua fala. — Não gosto da forma como esconde seus
sentimentos, não gosto da forma como mentiu pra mim e não gosto da
forma como fez eu me apaixonar por você.
— Taylor…
— Você já se explicou o suficiente — ela me corta. Agora, deixa as
lágrimas correrem pelo rosto sem tentar contê-las. Taylor leva uma das
mãos até o próprio pulso e puxa uma das pulseiras que eu fiz para ela com
força, até que o fio se arrebenta. De repente, o som de miçangas caindo no
chão parece a coisa mais melancólica que eu já ouvi. — Atlas-Não-O-
Corrigan, porque um personagem de livro nunca me destruiria desse jeito.
Taylor se afasta e, dessa vez, eu não a impeço. Eu ouço seus passos se
distanciando, ouço quando ela bate à porta e ouço quando o seu Jeep
arranca. Penso em ir atrás dela, mas percebo que é um caso sem solução.
Eu transei com a Cleo, eu menti. Não tenho como apagar nenhuma
dessas coisas.
Dou um longo suspiro e volto para a cama.
É irônico que, logo eu, que não acredito no amor, esteja sofrendo
justamente por causa dele.
Capítulo 29 - Taylor Lynch

(ou: futura atriz no fundo do poço)

Como pode a nossa vida mudar tanto em tão pouco tempo? Ontem,
antes da viagem para San Diego, eu tinha a fanfic do meu futuro pronta: ia
concluir a faculdade, trabalhar como atriz o resto da minha vida, me casar
com Hunter e seríamos felizes juntos. Ok, meus sentimentos pelo Hunter
também estavam confusos, mas nós daríamos um jeito nisso.
A primeira pedrada veio na conversa com meu pai.
Perceber que ele tinha sido uma espécie de Atlas no passado e ainda
se transformado no último romântico acendeu em mim esperanças perigosas
que me fizeram querer algo que não era pra mim. Me fizeram perceber que
eu estava apaixonada por alguém que não queria um relacionamento, por
alguém que, nas palavras de Elijah Lynch, não acreditava no amor. Era
óbvio que eu ia me machucar.
Mas precisava ser tão rápido?
— Eu sinto muito amiga — a mão de Mindy acaricia o meu cabelo
enquanto Julia está sentada do outro lado da cama, segurando minha mão. É
quase uma comitiva fúnebre.
Eu desisti de fingir que não estava chateada com tudo o que
aconteceu, até porque nem se eu fosse a melhor atriz do mundo conseguiria
disfarçar o estado no qual cheguei em casa depois do encontro trágico com
o Atlas. Contei tudo para as três e aqui elas estão, me velando.
— Ele foi um grande desgraçado. Você tá mais do que certa em ficar
com raiva dele — Julia comenta. Cleo olha para mim da sua cama, meio
área. — Isso não vai ficar assim. — Ela leva uma mão ao queixo. — Será
que conseguimos escrever ATLAS ESCROTO com as líderes de torcida no
próximo jogo dos Bruins?
No meio do choro, sinto uma risada engasgada subir até os lábios.
Essa é a Julia, ninguém mexe com as amigas dela e sai impune.
— Não precisa. Vai desviar a atenção da partida.
Mesmo em meio a todo aquele furacão, sei que o time da UCLA está
em uma situação complicada e precisa de toda a concentração possível.
— Então a gente pode riscar o carro dele — Mindy sugere. —
Escrever MENTIROSO de todo tamanho na lataria. Vi isso no TikTok outro
dia e adorei a ideia. Também dá pra jogar glitter no armário, vazar o
telefone dele na internet ou…
— Meu Deus, com quem estou namorando? — Julia parece assustada
e não consigo deixar de sorrir.
— É simples, meu amor, só não minta para mim que estaremos bem.
— Não vai adiantar — retomo o assunto. — Ele pode trocar de carro
com um estalar de dedos. Não faria a menor diferença. Não dá pra apagar a
mentira com uma camada de tinta.
Dói pensar no quanto me entreguei ao Atlas. Não apenas na parte
física, mas eu me abri com ele, me permiti ser vulnerável, e ele pisou em
mim transando com minha amiga.
Eu fiz isso porque estava com ciúmes.
A voz dele volta à minha mente me deixando com ainda mais raiva.
Então era assim? Ciúmes justificava mentira? Se estivéssemos juntos, ele
transaria com uma mulher nova a cada vez que esse sentimento aparecesse?
Não é o que quero para minha vida amorosa, obrigada.
Percebo o olhar de Cleo desviar para o celular. Ela começa a digitar
alguma coisa e coloca apenas um fone de ouvido, deixando a outra orelha
vaga para continuar nos ouvindo.
— Anda, senta aí. — Julia segura meu braço e me faz apoiar as costas
na parede. — Você ainda nem encostou no sorvete. Qualquer pessoa que se
preze sabe que bad só se cura com doses gigantescas de sorvete.
Recebo o pote de sorvete de passas ao rum. Não é o primeiro sabor
que eu escolheria, mas não reclamo. Coloco a primeira colher na boca e
sinto o gelado se espalhar pelo meu rosto, abraçando o frio no estômago.
Agora sim me sinto completamente fria, abandonada, depressiva e sozinha.
As lágrimas voltam a subir pelo meu rosto.
— Sabe o que é o pior disso? — começo, a voz embargada. — Como
vou acreditar nas coisas que ele me disse? E se foi tudo mentira? — Dou
uma pausa, engolindo mais sorvete. — Acredita que ele teve a cara de pau
de me falar hoje que estava apaixonado por mim? Muito fácil dizer isso
quando a bomba explodiu. Por que ele não disse antes?
Sinto o peito apertar. Eram várias perguntas que minhas amigas não
podiam responder. Eu sabia disso, mas precisava colocar pra fora.
— Na verdade — Cleo interrompe a minha sequência furiosa. — Ele
disse antes, sim.
Eu, Julia e Mindy olhamos para Cleo sem acreditar no que está
acontecendo.
Eu sei que minha colega de quarto não tem nenhuma culpa no que
aconteceu, mas se ela vier defender o Atlas, eu não vou responder por mim.
— Calma, não é o que vocês estão pensando. — Ela se levanta e vem
pro meu lado na cama. — Antes, eu queria pedir desculpas. Sei lá, não foi
algo legal da minha parte também.
Balanço a cabeça.
— Você não tem que pedir desculpas de nada, Cleo. — Aponto para o
casal ao nosso lado. — Nós três vimos que você me perguntou se tinha algo
entre mim e ele, e eu disse que não. Era uma situação muito confusa, eu não
sabia que rótulo deveria dar pra isso e… enfim, eu também menti pra vocês.
Omiti — me corrijo. — Você não fez nada de errado, foi ele quem fez.
Ela abre um sorriso tímido.
— Mesmo assim, desculpa. Se desse pra voltar no tempo, eu não
ficaria com ele sabendo que isso ia te magoar.
Julia, que nunca deixa nada passar despercebido, pergunta:
— Anda, desembucha. O que você tá escondendo da gente?
Todos os olhares estão em Cleo. Eu odeio ver nascer de novo a
expectativa no meu peito. Eu não quero passar por tudo o que passei de
novo. Não mereço isso. Se Atlas foi capaz de me machucar dessa forma, o
que garante que não vai fazer de novo?
Ainda assim, espero o que Cleo tem a dizer com o coração batendo na
garganta.
Ela pega o celular e mostra um vídeo pausado.
— Eles gravaram um podcast sobre esportes ontem, não sei direito
porque não acompanho tanto, mas a Sabrina me mandou agora perguntando
se tenho alguma ideia de quem o Atlas tá falando. Parece que o Noah sabe,
mas não quis contar pra ela. E assim, depois que você passa boa parte da
vida sob o mesmo teto que uma escritora, você aprende que eles são as
criaturas mais fofoqueiras que existem. Gostam de encher a boca pra falar
que são curiosos, mas são fofoqueiros, isso sim.
— Ai, mulher, mostra logo isso — Mindy põe em palavras o que está
todo mundo pensando e leva o dedo até a tela do celular dando play no
vídeo.
— Todo mundo sabe que o coração do quarterback foi fisgado pela
melhor amiga de infância nos últimos meses. Mas e quanto a vocês dois?
Chad?
Chad responde que está focado no trabalho e percebo que os lábios de
Cleo se estreitam em uma linha fina. Não tenho tempo de me aprofundar
nas suspeitas, porque logo a entrevistadora do podcast direciona a pergunta
para Atlas.
— Na verdade, eu estou passando muito tempo com os Bruins, como
vocês já sabem. De resto, acho que o título de solteiro invicto perde um
pouco da graça à medida que vamos amadurecendo.
— Mais uma grande perda pras solteiras dos Estados Unidos! Atlas
Campbell está apaixonado.
— Qual o nome da felizarda? Será que ela está nos ouvindo agora?
Sinto o sangue pulsar na minha garganta e acho que vou ter um
colapso. Não posso acreditar que Atlas fez o que estou imaginando que fez.
Isso seria um escândalo que afetaria a carreira dele.
— Ah, não, eu prefiro não citar nomes. Na verdade, ela não sabe.
Os entrevistadores começam a pressionar o jogador em busca da
informação completa, e quando ele responde, sinto minha visão embaçar, as
lágrimas voltando até meus olhos.
— É azul. A cor favorita da garota por quem estou apaixonado é
azul. Se você estiver ouvindo… Bom, agora você sabe.
Julia, Mindy e Cleo olham para mim em silêncio. O mundo parece ter
ficado sem os seus sons por vários segundos enquanto as frases de Atlas
ecoam na minha cabeça.
Enfio mais uma colherada de sorvete na boca. Não sei mais se minhas
lágrimas são de raiva, de tristeza ou de felicidade.
Ele se declarou para mim em rede nacional.
Eu teria ficado muito feliz ouvindo isso ontem, mas agora?
Agora não muda o fato de que Atlas Campbell é um mentiroso.
E agora eu não faço a menor ideia do que fazer com a informação que
acabo de ouvir.
— Isso não muda as coisas — declaro, por fim. — Não quero ver
Atlas Campbell na minha frente nem pintado de ouro.
Capítulo 30 - Atlas Campbell

(ou: jogador perdendo o posto de pessoa mais babaca do mundo)

Quando decidi passar um tempo em Los Angeles, eu deveria ter


previsto que os paparazzis eram muito mais insuportáveis aqui do que em
San Diego. LA é considerada a cidade das celebridades por algum motivo,
mas eu não esperava ter que lidar com uma foto de Taylor Lynch chorando
por minha causa estampada nas primeiras páginas dos portais de notícias.
Eu acho que todo mundo sabe o que aconteceu. Quem não sabe, vai
ficar sabendo em breve, porque consigo identificar os burburinhos sobre
mim enquanto dou meus primeiros passos dentro do campus da UCLA. Na
foto em questão, Taylor está saindo da casa de Orion e indo pro seu carro.
Eu não teria nada a ver com isso se um jornalista filho da puta não tivesse
feito questão de evidenciar que estou hospedado naquela casa.
Que inferno.
Zade vai me matar.
Elijah Lynch vai me matar.
Hunter Simmons… Bom, esse talvez tente me matar.
Enquanto caminho até o ginásio onde os Bruins me esperam e tento
ignorar o fato de que sou a fofoca do momento, dou uma olhada nas
mensagens no meu telefone. A primeira é de Cleo.
CLEO: Não acredito que fez isso com a Taylor.
CLEO: E ainda me transformou em uma talarica por tabela.
CLEO: Btw, eu tentei aliviar a sua barra (não que você
mereça!!!!!!!!!!!)
CLEO: Mostrei o podcast pra ela.
CLEO: Ela continua puta (e com razão!!!!!!), mas eu tentei.
ATLAS: valeu
ATLAS: e foi mal……… por te transformar em uma talarica por
tabela
ATLAS: ela não vai deixar de me odiar tão cedo
CLEO: Não vai mesmo. Ela é escorpiana.
CLEO: Disse que não quer te ver nem pintado de ouro.

Dou uma risada sem humor diante do comentário. Também tem


mensagens novas no grupo com Chad e Noah.
NOAH: o que aconteceu???

Ele mandou uma das fotos da Taylor chorando em frente a minha


casa.
NOAH: ela não gostou da declaração?
CHAD: Ai, ai…………………

É óbvio que Chad ligou os pontos sozinho. Eu não preciso de mais


uma pessoa querendo me trucidar, então não conto a verdade.
ATLAS: surtei por ciúmes, transei com uma amiga da taylor, ela
descobriu e agora me odeia
ATLAS: só mais um dia normal na atlaslandia :)
NOAH: caralho
NOAH: não tenho como te defender
ATLAS: haha pois é
ATLAS: também não vou me defender
CHAD: Podia ser pior.
NOAH: por exemplo?
CHAD: Ele podia ter feito todos os jornais dos Estados Unidos
pensarem que ela o traiu numa boate em Las Vegas e deixar sua
carreira respirando por aparelhos.
NOAH: vai se foder
Eu fecho o grupo depois de ler uma sequência interminável de emojis
de dedo do meio. Como sempre, fazer piadas é a válvula de escape de Chad
e sei como ele deve estar se sentindo por esconder a verdade do Noah, mas
não posso me dar ao luxo de ser altruísta agora. Eu vou contar o que
aconteceu, mas numa época mais tranquila. Depois do Super Bowl, depois
que eu reconquistar Taylor Lynch.
Porque eu vou fazer isso.
Ainda não sei como, mas eu sei que vou.
Entro no ginásio e estranho ao ver o suor escorrer pelo rosto dos
garotos dos Bruins. Eu dou um tapa na minha própria testa e olho as horas
no visor do telefone, percebendo que estou uma hora atrasado.
Porra, se essa não é uma das piores semanas da minha vida — uma
das, porque a pior é quando me lesionei — eu não sei qual poderia ser.
— Ei, Atlas! — Hunter se aproxima da entrada do ginásio. Ele tira o
capacete e acena na minha direção. Ainda não sei se ele quer ou não me
matar. Acho que não, mas não tenho como ter certeza.
— Foi mal — começo. — Eu me atrasei.
— Ah, não, tudo bem. O Stevie teve um imprevisto familiar, então
treinamos meio que por nossa conta hoje.
Confirmo com a cabeça.
— Que empenho, hein?
— A gente se virou bem, sim — Hunter abre um sorriso, observando
os rapazes do time com uma animação clara no rosto. — Mas é sobre outra
coisa que eu queria conversar com você.
Ah, ali estava.
A ameaça de morte implícita.
Arqueio uma das sobrancelhas e finjo confiança.
— Pode falar.
— Vi as fotos nos jornais — comenta, mas seu tom é leve. Não sei se
ele faz o tipo corno manso ou se não quer arranjar confusão comigo. — É a
casa do seu irmão, não é?
Movo a cabeça em afirmativa. Chegamos em um ponto que não tenho
mais como mentir pro Hunter. Se a Taylor ficar com raiva porque contei a
verdade, bom, ela já está com raiva de toda forma, então tanto faz. Na
verdade, é melhor que ela sinta toda a raiva de uma vez só, não em parcelas.
— Então — ele dá uma olhada ao redor, como se não quisesse
contribuir pras fofocas mais ainda. Num tom baixo, ele pergunta: — O que
tá acontecendo?
— O que tá acontecendo…
— Entre você e a Taylor. Eu não sou idiota, Atlas, esse papo de que
vocês são só amigos tem ficado cada vez mais estranho — ele entrega o
capacete nas minhas mãos para amarrar o cadarço da sua chuteira.
Eu observo as cores dos Bruins na superfície, um longo suspiro
escapando dos meus lábios.
— Tá bom — meus dedos batucam o capacete. — A gente não queria
mentir, tá? As coisas só foram acontecendo. Taylor me pediu ajuda pra
flertar com você. Ela estava apaixonada e queria te conquistar, mas você
não parecia muito ligado nela. E aí eu ajudei, mas nós acabamos transando,
então…
— Taylor está apaixonada por mim?
— Você ouviu o que eu disse? — eu o encaro, incrédulo. — Eu e a
Taylor estávamos transando.
Hunter não parece abalado. Nada. Não existe uma mísera ruga de
preocupação ou raiva no seu rosto e eu não consigo entender o porquê. Ok,
ele pode ter sangue de barata ou ser do tipo pacifista, mas se um cara diz na
sua cara que comeu a mulher com quem você está saindo, você fica puto.
Nem que seja só um pouco.
Será que ele tem fetiche em ser corno?
— Se ela está apaixonada por mim, metade dos meus problemas estão
resolvidos — Hunter comenta, como se tivesse acabado de ganhar na
loteria. Eu seguro o capacete pelas hastes de proteção, ainda tentando
entender onde ele quer chegar. — Quer dizer, o pai dela é o maior acionista
dos Chargers! Tenho certeza que ela conseguiria facilitar minha entrada no
time se estivéssemos namorando…
— Hunter…
— Foi por isso que me aproximei dela, pra começo de conversa, mas
não sabia que ela gostava de mim desse jeito, então estava com medo de
tentar deixar as coisas mais sérias e levar um fora.
— O que? — eu estou ainda mais em choque do que antes. Os
jogadores dos Bruins abandonam o campo aos poucos, restando alguns
poucos alunos ao nosso redor. — Não gosta dela? Tipo, não gosta nada
dela?
Hunter cruza os braços.
— Ah, ela é gostosa — diz, simples. Meu sangue começa a ferver. —
Eu entendo você ter transado com ela, eu também transaria. Mas a Taylor
é… — ele dá uma pausa, pensativo. Não sei se quero continuar essa
conversa. — Sei lá. Ela não parece ser o tipo de garota com quem eu teria
um relacionamento sério se não fosse pelos Chargers. Você entende, não é?
É uma oportunidade e tanto namorar com a herdeira dos Lynch sendo um
jogador iniciante, mas a Taylor como pessoa… Bom, ela é intensa demais.
Um pouco piranha também, eu acho. Considerando que ela deu pra…
Hunter não tem tempo de terminar a frase.
Sei que perdi o controle por um segundo porque, quando me dou
conta, acabei de arremessar o capacete na cabeça de Hunter. Ele caiu com o
impacto e uma quantidade considerável de sangue escorre de um corte no
seu supercílio. O quarterback demora algum tempo para reagir, tonto com o
impacto da batida.
— Que porra, Atlas!
Ah, agora ele está com raiva.
Eu me abaixo para ver a gravidade do ferimento.
— Acho que vai precisar de um ponto — digo, mas não tem
preocupação alguma no meu tom de voz. Como atleta profissional, estamos
acostumados a ver machucados bem piores.
Hunter ainda está em choque. Ele passa o dedo pelo corte, fazendo
uma careta quando percebe o sangue.
— Você me bateu!
— Eu deveria bater mais depois que você chamou a minha garota de
piranha. Se orienta, pirralho! — Eu queria mesmo dar mais um soco nele,
mas não dou. — Você não vai chegar em lugar algum usando as pessoas
desse jeito. O que você queria fazer é horrível, nojento e desonesto.
— Não é crime se aproveitar de Quem Indica, todo mundo faz isso.
— Cala a boca — estamos chamando a atenção de algumas pessoas,
mas eu ignoro os olhares curiosos dos estudantes da UCLA. O ginásio está
quase vazio e se Zade já tem uma crise pra resolver, por que não duas? —
Você não vai mais se aproximar da Taylor, não vai mais falar com ela, não
vai mais olhar pra ela. E se eu souber que fez qualquer uma dessas coisas, a
sua carreira vai ser destruída antes mesmo de começar porque eu vou
garantir que nenhum time dos Estados Unidos te queira como quarterback
ou qualquer outra merda. Você entendeu? — Hunter respira fundo, sangue
molhando seu rosto. Consigo ver em seu olhar que ele ainda acha que não
fez nada de errado. — Você entendeu, Simmons?
Ele solta o ar pela boca.
— Entendi.
— Ótimo. Vai pra enfermaria antes que esse ponto infeccione e
aproveita pra sumir da minha frente.
Um pouco zonzo, Hunter se levanta. Eu o observo caminhar na
direção da saída do ginásio e sinto vontade de pegar o capacete de novo e
arremessar nas suas costas, mas não o faço. Eu não acredito na quantidade
de idiotice que eu acabei de ouvir, não acredito que Taylor estava
apaixonada por esse cara e não acredito que eu tentei fazer os dois ficarem
juntos.
Solto o ar pela boca.
Ainda tem alguns poucos alunos me olhando, o que é suficiente para
me tirar do sério.
— Eu não sou tão interessante assim — reclamo. — Podem ir
embora.
O grupinho se retrai, envergonhado. Eles saem do ginásio e eu me
sinto satisfeito pelo time já ter ido embora. Humilhar o quarterback na
frente de todos minaria a confiança dos Bruins enquanto uma equipe.
Hunter tem sorte dos outros garotos estarem envolvidos nisso, ou eu
não colocaria os pés na UCLA de novo nunca mais.
Capítulo 31 - Taylor Lynch

(ou: futura atriz que só lembra do tarô em momentos de perrengue)

— Espera, vocês ainda não conversaram sobre isso?


Mindy está caminhando ao meu lado enquanto atravessamos o
campus. Meu ânimo para as últimas aulas do ano está tão baixo que se
dependesse de mim eu ficaria em casa o resto do semestre. Pensar em ver o
Hunter depois da vergonha das fotos no jornal não ajuda em nada.
— Ainda não. Nem quero conversar. Não sei o que vou dizer pra ele
na aula.
— Eita, lá vem o climão. — Ela balança os cachos de um lado para o
outro. — Ele não era sua dupla em ASL?
Assinto e, como se já antecipasse o que viria pela frente, sinto mais
vontade ainda de ir pra casa, ligar a Netflix em alguma comédia romântica e
chorar debaixo dos lençóis.
— Era, não. Ele é minha dupla.
Fizemos dupla em todas as aulas de linguagens de sinais nas últimas
semanas. Não foram momentos memoráveis, pois não havia espaço para
conversa, já que a professora é rigorosa e não permitia nem mesmo
sussurros. Às vezes, Hunter fazia uma gracinha e escrevia algum bilhete pra
mim.
A lembrança me faz soltar um suspiro desanimado. Pelo menos o
rigor da professora vai servir para alguma coisa agora.
Me despeço de Mindy quando atravessamos o prédio de artes e sigo
sozinha para o de linguagens. O campus está cheio de vida, com alunos
caminhando para suas aulas, pessoas deitadas na grama e, alguns sem noção
jogando frisbees de um lado para o outro. Fala sério, quem ainda joga isso?
Acho que essa é uma das piores partes de estar na bad. O mundo não
para de girar enquanto espera nossa tristeza ir embora. Por mais que a gente
saiba que não significamos nada no grande esquema do universo, dói ver
que é verdade. Por que esse sol maravilhoso e esse céu azul? Seria pedir
muito que hoje estivesse nublado? Custava o universo ter um pouco de
empatia?
Puxo o meu celular e abro meu aplicativo de tarô. Tem vários dias
que não faço nenhuma tiragem. Como não tenho muito tempo, me contento
em olhar só a carta do dia. Sei que não é a mesma coisa de fazer uma
tiragem com uma cartomante de verdade, mas no momento não ligo de
fingir que acredito que tem algo de místico por trás de um algoritmo.
Uma risada sem graça aparece nos meus lábios ao ver o homem de
cabeça para baixo na carta do enforcado.
Claro que seria essa. Eu sou uma piada para você, cosmos?
Leio sobre a necessidade de desapegar de algo que não esteja me
fazendo bem. É uma carta muito ambígua, ao mesmo tempo que diz que
preciso esperar, dá a entender que posso sair da inércia e agir em busca do
que desejo. Como conciliar tanta informação oposta?
Às vezes, tudo o que eu queria era algo um pouco mais direcionado:
Taylor Lynch, os astros dizem que você não deveria ir à aula de ASL.
Seria muito mais fácil se fosse direto assim.
Guardo o celular na bolsa e entro no prédio. Sigo pelo corredor ainda
pensando em qual sacrifício eu deveria fazer. O que não está me fazendo
bem no momento?
A resposta é óbvia: Atlas Campbell.
Entro na sala de aula e percebo que Hunter já está sentado na mesa
em frente à minha. A professora já chegou e distribuiu suas famosas folhas
com ideias de temas para a gente conversar. Depois das primeiras aulas, ela
não entregou mais os alfabetos, já que tínhamos decorado as letras e alguns
dos gestos mais comuns.
Porém, não é a folha na mesa, nem a professora na frente da sala que
chamam a minha atenção, mas sim o rosto de Hunter.
Antes, eu prestava atenção em cada detalhe do rosto do rapaz que eu
jurava amar. As sobrancelhas grossas, o cabelo curto, o sorriso cheio.
Agora, o que me chama a atenção é o imenso hematoma próximo à testa
dele, além de um curativo sobre o olho esquerdo.
— O que aconteceu? — sussurro sentando na minha mesa.
Ele balança a cabeça como quem diz que não foi nada.
— Isso acontece de vez em quando nos treinos. Marcação apertada.
Como líder de torcida, já assisti vários treinos dos Bruins. Muitas
vezes, conseguimos encaixar nossa prática com o horário dos treinos dos
jogadores para ter uma experiência mais próxima da que teríamos nos
estádios. E em quase um ano de ensaios, nunca vi ninguém se machucar
daquele jeito em um treino.
— Hunter, isso não parece um acidente…
— Agora, vocês podem começar a praticar. — A voz da professora
corta a minha fala. E, mesmo de costas para a frente da sala, sei que ela está
olhando para mim. — Na folha que entreguei há alguns sinais mais
avançados sobre diversos temas. Quero que vocês pratiquem com sua
dupla. Não preciso lembrá-los que não precisarão usar a voz.
Eu sei que minha ideia era ficar em silêncio durante a aula, mas
aquele ferimento no rosto do quarterback coloca duas mil perguntas na
minha cabeça. Algo dentro de mim está se contorcendo só de pensar que
Hunter está mentindo para mim. Não seria a primeira vez que um jogador
decide ser mal caráter nos últimos dias.
Não consigo prestar atenção na aula. Hunter faz os gestos e tenta
estabelecer uma conversa vazia e que no fim não quer dizer nada. Me deixo
guiar, fazendo o mínimo para não parecer desleixada. Afinal, eu realmente
quero aprender, só estou em um péssimo dia.
Assim que a aula termina, Hunter começa a juntar os materiais e se
despede de mim. Levanta com passos apressados e caminha na direção da
porta.
O movimento é tão brusco, que demoro alguns segundos para
perceber o que está acontecendo. Hunter Simmons está fugindo de mim?
Recolho minhas coisas e saio correndo para alcançá-lo.
— Espera — falo, a voz alta ecoando pelo corredor atraindo olhares e
sussurros dos alunos ao redor. É claro que a UCLA inteira já sabe do que
aconteceu, ou pelo menos acha que sabe. — A gente pode conversar?
Ele diminui o passo, mas não para. Sinto uma pontinha de raiva
começar a nascer dentro de mim. Ok, o Hunter não é um exemplo de
cavalheiro, mas também não é um babaca.
Ou pelo menos eu acho que não.
Corro os metros que nos separam e caminho ao lado dele.
— O que foi isso?
— Isso o que? — ele pergunta sem olhar na minha direção.
— Isso tudo, Hunter. Você chega com o rosto todo machucado, não
me diz o que aconteceu e no fim da aula sai correndo como se estivesse me
evitando.
Ele fica em silêncio até sairmos do prédio de linguagens. O sol está
ainda mais forte e preciso levar a mão à testa para reduzir um pouco a
claridade. Que raio de inverno é esse?
— Acho que você sabe muito bem o que tá acontecendo, Taylor.
Bom, eu sabia que as fotos podiam deixar Hunter incomodado, mas
não esperava uma reação tão fria da parte dele. Eu estava saindo da casa de
Atlas, sim, mas poderia estar chorando por qualquer outro motivo que não
envolvesse o loiro.
— Você viu as fotos?
— Eu e a universidade inteira.
— E não vai me falar nada?
Ele para de repente. Como não esperava pelo movimento, dou ainda
um passo e preciso me virar para olhar para Hunter.
— E o que você quer que eu fale?
— Você nem me perguntou o que aconteceu — murmuro. — Não
quer saber se estou bem? Por que eu apareci no jornal? Por que eu estava
chorando?
Ele abre um sorriso e balança a cabeça de um lado para o outro.
— Você é inacreditável, sabia?
Estou confusa. Não que ele não tenha o direito de ficar chateado com
o que aconteceu, mas o mínimo que deveria ter feito era conversar comigo
antes de sair acreditando em qualquer merda que lê nos jornais.
Mesmo que dessa vez a mídia tenha acertado.
— Você me trai com um jogador famoso, sai na capa do jornal de
repercussão nacional e espera que eu te procure pra saber como você está?
Com toda certeza, trair não é a palavra certa. Eu e Hunter não
estávamos namorando e nunca houve sequer uma conversa sobre sermos
parceiros exclusivos um do outro.
— Quem te disse que eu te traí com o Atlas?
Por mais que a notícia desse a entender tal coisa, é estranho que
Hunter tenha deduzido tudo isso julgando só por aquelas fotos.
Ele começa a rir.
— Você acha que sou idiota, não é? — Hunter revira os olhos — Eu
já tinha percebido como você olha para ele e nem é a primeira vez que
vocês saem no jornal — o quarterback me encara, em silêncio por um
instante. Os extremos do roxo em seu olho estão adquirindo um tom feio de
verde. Ele ri. — Sinto muito se ele te magoou. Pobrezinha, você deve estar
arrasada.
Eu respiro fundo. Sei que o que eu e o Atlas fizemos com Hunter não
foi legal, apesar de tudo. Mesmo assim, as palavras dele me machucam.
Não era minha intenção magoar ninguém.
— E você diz tudo isso por causa de uma notícia no jornal?
Percebo que algumas pessoas param ao nosso redor, ansiosas por um
barraco. Meu “relacionamento” com o Hunter era público e, aparentemente,
nosso término também vai ser.
— Então você nega? Você não estava saindo com ele?
Solto um suspiro. Mentir não parece justo.
— É complicado…
Ele volta a rir. Eu sinto a raiva crescer dentro de mim cada vez que
Hunter solta essa risadinha debochada.
— O Atlas me contou, Taylor — solta, finalmente. — Pelo menos ele
tem coragem de assumir as merdas que faz. Mas deixa pra lá, tá? A culpa
foi minha. Fui dar moral pra líder de torcida, mesmo sabendo da fama de
vadia que vocês…
Antes que eu pudesse me conter, minha mão esquerda está ardendo
por causa do tapa que dei no rosto de Hunter. Parte de mim está
desapontada por não ter usado a mão direita e intensificado o machucado
que ele já tem. Burburinhos nos cercam e eu tenho certeza que esse vai ser
o assunto mais comentado na faculdade até o fim do ano. Fim da fanfic:
Líder de torcida maluca bate no peguete quarterback.
— Você tá maluca? — a voz dele sai esganiçada após o choque. Ele
leva a mão ao rosto sem acreditar no que acaba de acontecer. — Vocês dois
são farinha do mesmo saco. Vê se me esquece.
— O que foi? As aulas foram canceladas hoje?
Na multidão de curiosos que se aproximou, eu não consigo identificar
o recém-chegado que disse isso. Saio sem saber direito para onde estou indo
enquanto lágrimas de raiva começam a subir até meus olhos.
Agora sei qual é o sacrifício que o tarô estava me avisando essa
manhã. Ele só errou em uma parte: esquecer o Hunter não vai ser um
sacrifício tão grande assim.
Caminho em silêncio pelo campus da UCLA ignorando as pessoas
que param para cochichar ao me verem. Se eu ainda tinha alguma dúvida de
como universitário ama uma fofoca, ela evapora como o relacionamento
que eu planejei cuidadosamente por meses.
No meio do turbilhão de pensamentos na minha cabeça, um deles
começa a se destacar do vórtice e a ganhar mais destaque.
Por que o Hunter disse que eu e Atlas somos parecidos logo depois do
tapa que dei nele?
Por um segundo, penso que o jogador dos Pythons pode ter alguma
coisa a ver com aquele hematoma, mas isso não faz o menor sentido. Na
probabilidade remota de os dois terem conversado sobre a notícia no jornal,
era para Hunter estar com raiva do Atlas, não o contrário.
Tento imaginar uma briga entre os dois e, por mais que eu me esforce,
não consigo visualizar um resultado favorável para o quarterback.
Chego em casa e, ao passar pelo estacionamento, percebo uma
scooter azul lindíssima ao lado do meu Jeep. Nem sempre uso o carro para
ir para as aulas por preguiça de encontrar uma vaga, mas não consigo
entender quem deixaria uma dessas aqui.
Pego o celular e vejo duas mensagens do meu pai.
ELIJAH: Eu li o jornal essa manhã.
ELIJAH: Não entendi o que aconteceu, mas sinto muito. Espero que
esse presente te anime um pouco.

Abro um sorriso. É a cara dele usar dinheiro para cobrir feridas


emocionais. O próprio Jeep que dirijo foi um presente depois do término do
meu primeiro e único namoro.
Me aproximo da moto e reparo nos detalhes. É um modelo azul da
Kymco com um banco de couro que parece super confortável. Paro ao lado
do veículo e percebo que ela é pequena. Aposto que pensou em me mandar
uma scooter porque sabia que uma moto maior seria um problema para a
minha gigantesca altura de 1,57m.
Subo nela e fico feliz ao perceber que consigo tocar o chão com um
dos pés. Abro a câmera e, depois de conferir que meu rosto não tem rastro
de lágrimas, envio uma selfie para o meu pai agradecendo o presente.
Isso não resolve o meu problema, mas pelo menos posso ir pras aulas
sem me preocupar com estacionamento agora.
Meu coração está despedaçado, mas a vida precisa continuar.
Capítulo 32 - Atlas Campbell

(ou: jogador recebendo lições de moral de uma criança de cinco


anos)

— Por que você tá triste?


Na voz da Bruninha, a palavra triste soa como titi. É engraçado, mas
também é deprimente saber que até uma criança de cinco anos consegue
notar que não estou no melhor dos meus dias.
Diferente do que a maioria das pessoas pensam, crianças não são
burras. Eu poderia mentir e dizer que estou ótimo, mas ela já percebeu que
não é verdade. Não posso contar que estou triste porque fiz merda, então
opto pela resposta mais simples:
— To chateado — conto pra ela, como se fosse um segredo. —
Porque ainda não posso jogar com o Chad e o Noah.
— Ah! — ela faz uma expressão chocada. Estou sentado no chão da
casa de Chad e ela está de pé no sofá, prendendo meu cabelo em um milhão
de tranças minúsculas. Consigo ver as expressões da garotinha pelo espelho
enorme que Chad instalou recentemente, no fim do corredor. — Mas tio
Nono disse que você volta logo. Não tem motivo pra ficar triste! — Eu amo
a lógica das crianças porque, na cabeça delas, tudo é muito simples. — E
enquanto você não joga, pode brincar comigo! — ela abre um sorriso que
deixa suas bochechas gordas em evidência. É muito óbvio porque o Noah
passa tanto tempo com essa criança: ela dá vontade de apertar e desperta
instintos paternos até nos corações mais gelados.
— E quando você crescer e se tornar uma grande cabeleireira eu vou
poder dizer que você fez um penteado em mim primeiro.
— Sim! — ela se anima, começando mais uma trança.
Passar uns dias longe de Los Angeles foi a forma que eu encontrei de
lidar com o problema Taylor Lynch. É muito irônico, porque eu fui pra LA
querendo fugir dos problemas que estavam em San Diego e agora estou em
San Diego querendo fugir dos problemas que me esperam em LA.
Não que eu precise fugir porque, como a Cleo bem disse, Taylor não
quer me ver nem pintado de ouro. Acho que é óbvio que também não sou
bem-vindo na Kappa House e com certeza ela não vai aparecer no ginásio
no horário do treino dos Bruins, então as chances de esbarrar com ela sem
querer são pequenas. Mesmo assim, eu não quis arriscar. Preciso de um
plano de ação antes de falar com a Taylor ou vou piorar as coisas, porque
sou um especialista nisso.
Será que ela já sabe que eu dei uma capacetada no Hunter?
Se ela sabe, o que acha disso?
No fundo, estou torcendo para que Taylor seja um pouco tóxica.
Talvez sua linguagem do amor seja a violência e ela ache romântico quando
alguém deixa uma pessoa de olho roxo por ela. Infelizmente, não é o tipo de
coisa que você pode dar de presente do dia dos namorados. Oi, amor,
comprei um olho roxo pra você.
— Vocês querem com ou sem cebola? — Chad grita da cozinha.
Ele e o Noah estão por conta do almoço hoje. Tenho certeza que a
única colaboração do Noah é picar os ingredientes, porque Chad é o
verdadeiro chef. Ele está fazendo um prato chamado feijão tropeiro.
Julgando pelo nome, eu não sei o que esperar, mas segundo ele, faz muito
sucesso em algumas partes do Brasil — inclusive é um prato típico de
alguns estádios de futebol.
— Sem — faço uma careta, arrancando uma risada da Bruninha. —
Eles vão tentar te convencer que precisa comer cebola e outros legumes pra
crescer forte e saudável, mas é mentira. Passei minha infância comendo
porcaria e estou vivo.
— É por isso que você não tem nenhum neurônio — Chad completa.
— Para de dar mal exemplo pra menina — Noah reclama. — A Sana
vai me matar.
Eu rio da forma como ele cita a irmã mais velha como se ela fosse um
general. Estou me sentindo um avô hoje: posso estragar essa criança à
vontade e outras pessoas vão ser responsabilizadas pelos meus atos. Deve
ser ótimo ser avô.
— E pronto! — Bruna pula do sofá e fica na ponta dos pés para girar
meu rosto na direção do espelho. — Ficou lindo, Altas.
— Ficou mesmo — dou um sorriso pra ela. A sua tentativa de
penteado nada mais é que um aglomerado de trancinhas presas com
borrachas de plástico por toda minha cabeça. É como se o meu cabelo fosse
o de uma boneca velha presa nos fundos do armário. Eu devia usar essa
ideia pra uma próxima festa de Halloween. — Você seria uma cabeleireira
de muito sucesso, sabia?
Bruna ri.
— Mas falta uma coisa, Altas!
— O que?
— Maquiagem! — ela dá um daqueles sorrisos de criança endiabrada
e cheia de ideias. — Não adianta ter um penteado bonito e não ter
maquiagem.
Eu deixo uma risada escapar. Sei que nem Chad nem Noah vão me
tirar dessa.
— E onde você vai arranjar maquiagem?
— Eu trouxe a minha maleta!
Antes que eu possa falar alguma coisa, ela sai correndo até o quarto
de hóspedes de Chad, onde deixou sua mochila dos Backyardigans. Ela
volta com uma bolsa da Barbie cheia de paletas de brinquedo extremamente
coloridas, balançando-as de um lado para o outro.
— Vai! Fecha os olhos!
Eu rio da forma autoritária como ela fala essas simples quatro
palavras. Ninguém me avisou que o fundo do poço era ter uma garotinha de
cinco anos achando que você é uma Barbie. Como eu sou um trouxa que
não sabe falar não pra crianças — nota mental: não ter filhos, porque eles
seriam mimados demais — eu assinto pra ela e sigo suas ordens, como um
ótimo modelo faria.
— A tia Sabrina escreveu uma história sobre você, não foi? — ela
começa, passando alguma coisa no meu olho.
— Mais ou menos, ela só me usou de modelo para uma personagem.
Eu ainda vou cobrar os direitos de imagem dela.
— O que são direitos de imagem?
— Quando você usa a imagem de alguém pra vender alguma coisa —
explico, da forma mais sucinta que encontro. — Mas é brincadeira, não
posso cobrar isso dela.
— Ahhhhhh — ela alonga a última letra o máximo que pode. — Eu
queria ler o livro, mas não sei ler. Ainda.
— Vai demorar muito tempo pra você poder ler esse tipo de livro,
Bruninha.
— Por quê?
— Porque… — eu não sei como explicar isso pra uma criança. — Só
maiores de dezoito anos podem ler.
— Por quê?!
Eu não consigo conter uma risada diante do seu tom chocado.
— Digamos que a tia Sabrina escreve muitas cenas de amor.
— Cenas de amor — ela termina um dos meus olhos e parte pro
outro. Não faço ideia do que ela está fazendo ou o que está passando na
minha cara. — Nono, por que você não pode ler pra mim as cenas de amor
que a tia Sabrina escreve?
— Atlas! — Noah xinga.
— Ela me perguntou!
Bruna ri, sem entender do que estamos falando.
— Mas se ela escreveu um livro sobre você, significa que você tem
uma… — ela perde a linha de raciocínio. — Qual é a palavra? Uma
princesa. Uma princesa sua.
Eu acho graça da forma como ela fala.
— Digamos que a minha princesa está brava comigo.
— Por quê?
— Você fez essa pergunta muitas vezes hoje.
— Eu sei! Mamãe anda me chamando de bichinho curioso — ela se
afasta para pegar alguma coisa na sua maleta de brinquedo. — Mas por que
sua princesa ficou brava? Me conta, Altas!
— Ela me viu com uma princesa de outro reino.
— Você estava com uma princesa de outro reino?!
— Até uma criança sabe que você é vacilão — Chad comenta.
Consigo ouvir o barulho do alho grelhando na panela. Quero mandar
ele se foder, mas não posso fazer isso em voz alta agora.
— Isso foi muito feio! — ela reclama, indignada.
— Eu sei — meu deus, não acredito que estou levando bronca de uma
criança. — Mas eu já pedi desculpas pra ela. Ela só não me desculpou
ainda.
— Peça mais vezes — sugere ela, num tom sério que me faria
acreditar que estou falando com um adulto se não fosse por sua dicção. —
Se você ama sua princesa, vai ter que se esforçar mais. E nunca mais ir atrás
de outras princesas de outros reinos!
— Ouviu, né? — Noah zomba.
— Você não pode dizer nada, Nono — Bruna ri. Ainda estou de olhos
fechados, mas consigo distinguir pelo barulho que ela está procurando
alguma coisa dentro da sua maleta. — Antes da tia Sabrina você não era um
cavalo marinho.
— Parabéns, você também levou esporro de uma criança — grito pra
ele. Mesmo sem saber o contexto do que ela quer dizer, acho que consigo
somar dois mais dois.
Sinto pelo cheiro que Bruna acabou de destampar um batom. Ela
passa pelos meus lábios sem se preocupar em seguir a linha da boca, então
pergunta:
— O que é esporro?
— Atlas, eu vou te matar — o quarterback reclama.
— Você é terrível, pelo amor de Deus — Chad joga um pano de prato
em mim quando sai da cozinha. — O almoço tá pronto.
— Eu quero ajudar a servir os copos! — Bruninha pede, dando
pulinhos em direção a cozinha.
Eu finalmente abro os olhos.
— Essa maquiagem ficou ótima em você — Chad ri, analisando a
mistura de sombra roxa, blush rosa e batom vermelho que Bruna colocou no
meu rosto.
— É pra combinar com a minha cara de palhaço — ironizo. — Será
que o Noah não quer me emprestar essa criança? Eu preciso de uma
ocupação agora que todos os meus planos de vida deram errado.
Noah aparece no batente da porta, agora com Bruninha no colo.
— Você é muito dramático.
— Realista — protesto. — Os Bruins perderam o jogo, Taylor não
quer falar comigo e o doutor Carter ainda não me liberou. Sobraram as
drogas.
— O que são drogas, Altas?
Noah solta um longo suspiro enquanto eu rio.
— É tipo açúcar — respondo.
— Então eu uso drogas?
Noah mostra o dedo do meio pra mim, sem que Bruna veja.
— Se essa criança chegar em casa dizendo que usa drogas eu juro que
vou te dar um soco, Atlas.
— Acho saudável — cruzo os braços. — Dois minutos de pancada
sem perder a amizade.
— E falando em pancada — Chad recapitula. — O Zade já sabe que
você bateu no cara dos Bruins?
Noah me encara.
— Você fez o quê?
— Eu não bati. Dei uma capacetada, o que são coisas muito
diferentes.
— Você quer levar a All Stars à falência, isso sim.
— Relaxem, tá? — eu me levanto do chão e sigo para a cozinha, com
os três ao meu encalço. O cheiro de linguiça e bacon me transporta de volta
para o encontro com a Taylor, porque ela não come carne. Ai, que inferno.
— Eu tenho um plano. Vou fazer os Bruins se classificarem na NCAA…
Chad ri.
— Depois de quase… — Chad movimenta os lábios, falando a
próxima palavra sem emitir som: — assassinar o quarterback deles?
— Nada a ver, eu pesquisei no Google e precisaria de muito mais pra
matar alguém com um capacete. Eu posso terminar?
Noah assente, descrente.
— Eles vão se classificar, eu vou pedir desculpas pra Taylor e vou
voltar pros Pythons antes do Super Bowl.
Chad dá de ombros.
— Bom, ninguém pode te acusar de ser uma pessoa pessimista.
— E como você pretende fazer tudo isso?
— Ainda não cheguei nessa parte — digo, depois de roubar uma
linguiça da panela. — Mas dizem que o mais importante é confiar no
processo.
Capítulo 33 - Taylor Lynch

(ou: futura atriz buscando ajuda no México)

Uma das teorias da física que eu mais acredito que não tem a menor
possibilidade de estar errada é a que fala que o tempo é relativo. Faz três
dias desde que saí da casa do Atlas com o psicológico destruído, mas parece
que tem um mês que não saio do meu quarto. Ir na aula de ASL foi a única
coisa útil que consegui fazer e mesmo isso me trouxe mais problemas.
Pego o meu celular e observo o contato do quarterback na minha tela.
Encaro a foto dele por vários segundos. Por mais que o jogador tenha se
mostrado um grande babaca, ainda é difícil deletar todo o trabalho que levei
meses para construir. Deletar seria a prova definitiva de que eu estava
errada e vivendo uma mentira.
— Tá olhando pro contato do babaca de novo?
A voz da Cleo atravessa o quarto e me pega de surpresa. Às vezes eu
esqueço que estou dividindo o quarto com alguém, porque Cleo Evans é
uma presença quieta. Ela passa boa parte do seu tempo fora de sala de aula
assistindo filmes no celular ou no notebook e tem um encontro quase toda
noite. É um contraste muito grande com a Violet que costumava trazer vida
por onde passava.
Pensar na minha ex-colega de quarto me faz lembrar que marquei
uma ligação com ela. Olho para o relógio no celular e faltam 20 minutos
para o horário que combinamos. É tempo mais que suficiente para eu me
arrumar e não passar a impressão que a civilização americana ruiu e
voltamos para a era pré-histórica.
— Qual deles? Tem tanto jogador babaca na minha vida que é até
difícil escolher.
Cleo revira os olhos e se levanta. Caminha até a minha cama e senta
ao meu lado.
— Me dá o celular.
Ela estende a mão, mas tenho medo de entregar o aparelho e ela fazer
algo definitivo.
— Não.
Ela cruza os braços e me lança um olhar feroz. Por um segundo,
penso que ela vai me atacar e roubar o iPhone da minha mão.
— Então você vai, agora mesmo, apagar o contato do Hunter na
minha frente.
Levanto uma das sobrancelhas.
— Quem te disse que eu tava olhando pro contato dele e não o do
Atlas?
— Quando é o Atlas você fica agitada e frustrada por ele ter estragado
tudo.
— E com o Hunter não?
— Não — ela continua com sua psicologia barata. — Com o Hunter
você só fica com um olhar de quem quer decapitar alguém.
Não consigo evitar sorrir. Se isso é verdade, talvez queira dizer
alguma coisa que ainda não sou capaz de entender.
— Anda. Apaga o contato do Hunter.
— Você tá sendo cruel — resmungo, mas desbloqueio o aparelho. A
foto do quarterback volta a preencher a tela. Preciso reunir uma força de
vontade gigantesca para clicar em editar. Rolo a tela até o final e deixo o
polegar pairar sobre o apagar contato.
— Você consegue, Taylor.
Respiro fundo e deleto Hunter do meu sistema.
— Aaaah! Eu não acredito que fiz isso!
Cleo me puxa para um abraço.
— Ele não te merece, amiga. Você tá muito melhor sem ele.
Me deixo demorar um pouco no abraço. Um pensamento aparece na
minha mente e sinto medo do que vem a seguir.
Espero, mas Cleo não diz nada.
Não consigo aguentar a tensão, por isso decido acabar logo com o
sofrimento.
— E agora é a vez de deletar o Atlas?
Cleo se afasta e me olha. Seu cabelo castanho liso cai como duas
cortinas ao redor do rosto.
— Isso é com você. Você queria apagar o Hunter. — Ela se levanta.
— Só precisava de um empurrão.
— E eu não quero apagar o Atlas? É isso que você tá querendo me
dizer?
— Eu não sei de nada, Taylor. É você que tem que responder isso.
Fico em silêncio por alguns segundos. Não quero tomar aquela
decisão agora. Já fiz muito deletando o Hunter.
Baby steps.
— Vou pensar um pouco mais.
Cleo abre um sorriso, mas não diz nada. Apenas se afasta na direção
da cama onde deixou o seu celular com o filme pausado.
O som do facetime atrai a minha atenção.
Vejo a foto de uma mulher negra de pele clara cobrir a tela.
— Que ódio, não deu tempo de me arrumar.
— Já conseguiu um date tão rápido?
Balanço a cabeça.
— Não quero saber de date nunca mais na minha vida. Vou raspar a
cabeça e entrar num mosteiro. — Faço uma careta ao imaginar a cena que
acabo de descrever. — Não, é só a Violet, minha melhor amiga. Eu te falei
dela, a que foi pro México. — Olho para Cleo e junto as mãos perto do
peito. — Posso te pedir uns minutos sozinha?
Cleo assente, me deixando sozinha no quarto.
Pego o celular e atendo a ligação, mas só quando a minha imagem
aparece pela câmera frontal que percebo meu erro. Parece que o time inteiro
de futebol da UCLA passou pelo meu quarto marchando e pisoteando a
minha cara no caminho.
— Eu sabia que não devia ter te deixado sozinha, Taytay —
obviamente, Violet percebe a minha cara de desânimo. Eu já adiantei um
pouco da história pra ela em longos áudios de três minutos no app de
mensagens, mas isso é diferente de ter uma conversa de verdade. — Vou
encerrar meu intercâmbio e voltar no próximo voo pra Los Angeles.
Ouvir o apelido que minha melhor amiga tem para mim faz o meu
peito esquentar. Violet é alguns anos mais velha que eu — ela acabou de
completar 24 — e é como uma irmã que nunca tive.
Tento arrumar meu cabelo pra minimizar os danos, mas ele está tão
sujo, que só um milagre pra resolver. Ou, na hipótese mais simples, um
banho.
— Ai, Vivi, queria tanto que você estivesse aqui.
Sinto as lágrimas subirem, mas eu prometi a mim mesma que não
choraria mais por quem não merece.
— Vaiiii. — Ela se senta com as pernas cruzadas. Ao que tudo indica,
ela também está no quarto, porque posso ver um pedaço do pôster de Noah
Chomsky que antes ficava pendurado aqui na Kappa House. Agora, ele
enfeita uma parede vermelha. — Me fala os nomes de quem vou ter que
bater quando eu voltar.
Abro um sorriso.
— Eu realmente consigo ver você e a Julia fazendo isso.
Ela joga os dreads do cabelo para o lado e abre um sorriso.
— Deixa com a gente, agora, anda. Quero nomes.
Começo a recapitular tudo que aconteceu nos últimos dias, agora com
o adicional da última conversa tenebrosa com o Hunter. Violet é a ouvinte
perfeita. Não me interrompe em momento nenhum, apenas solta
xingamentos e ameaças aos jogadores nos momentos certos. Contar os
eventos mais uma vez faz eu me sentir como uma espectadora assistindo
um filme triste de um casal com um potencial gigantesco.
— Ai, Taytay. Sem nem o que dizer. — O celular dela se move
enquanto minha amiga muda a postura na cama, deitando e apoiando o
aparelho na frente do travesseiro. Copio o gesto e ficamos as duas na
mesma posição. — E como você tá se sentindo em relação ao Atlas?
— Estou com raiva, chateada, frustrada e querendo dar vários tapas
nele até ficar cansada. Ao mesmo tempo, não quero mais olhar na cara dele.
— Mas…?
Não entendo o que minha amiga quer dizer.
— Como assim? Não tem mas.
Violet abre um sorriso que eu não vejo há alguns meses. É um sorriso
lateral que passa a impressão que ela sabe de alguma coisa que eu não sei.
Ela chama isso de sabedoria da amiga mais velha.
— Você tá apaixonada por ele — Violet ressalta, como se não fosse
óbvio.
— Não sei porque todo mundo me diz isso nas últimas semanas —
reclamo. — Não é como se mudasse alguma coisa. Não foi você que disse,
no semestre passado, que nem todo amor faz bem?
Violet concorda com a cabeça.
— É, nem todo amor faz bem — ela morde o lábio, pensando no que
dizer a seguir. — Mas…
— Não vem defender o Atlas!
Minha amiga ri.
— Tá maluca? Eu prefiro arrancar a minha língua do que defender
um jogador de futebol branco, cis, hetero e padrãozinho ainda por cima.
Eles são a praga da humanidade. Inclusive, se eu estivesse aí, nunca teria
deixado um tipo desses se aproximar de você — zomba. — Eu só acho que
nem sempre as coisas são tão claras assim. Você romantiza demais a sua
vida e às vezes tem dificuldade de fugir dos extremos, sabe?
— Acha que eu to exagerando?
— Não, o Atlas foi um otário — Violet diz outra coisa que eu já sei.
— Mas — ela dá uma pausa. — Ai, meu Deus, não acredito que vou dizer
isso, mas consigo enxergar o lado dele. Você disse o tempo todo que tava
apaixonada pelo Hunter e não pode culpá-lo por ter acreditado nisso. Sobre
ele ter mentido, não tenho o que dizer, foi uma merda gigante. No final das
contas, o que eu quero dizer é que não tem vilão ou mocinho nessa história,
entende? Você devia ter contado o que sentia quando teve oportunidade e
ele devia fazer terapia — apesar da situação péssima, não consigo conter
uma risada. — Acho que vocês dois — ela me encara enquanto cerra os
olhos e eu sei que vou levar um sermão. — Foram imaturos, mas tiveram
seus erros e acertos nessa história toda. Agora é ver o que dá pra fazer com
isso.
Eu não entendo o que Violet quer dizer. Sempre que conversamos,
sinto que ela é muito mais entendida das coisas do que eu.
— Ver o que dá pra fazer?
— É. Eu lembro de ver os seus stories no close friends enquanto
estava com o Atlas e você sempre pareceu muito feliz. Precisa se decidir se
vale a pena passar por cima disso e se o Atlas te faz bem ou mal — ela dá
um suspiro. — Mas essa resposta só você pode dar, Taytay.
Afundo meu corpo na cama enquanto um longo suspiro escapa da
minha boca.
— De toda forma — Violet recapitula, percebendo que perdeu minha
atenção. — As coisas vão se acertar, você vai ver. Se escolher mandar o
Atlas pra casa do caralho, saiba que você é um mulherão, Taylor Lynch. Vai
encontrar um cara que valoriza isso.
Um pensamento que odeio passa pela minha mente.
O Atlas valoriza isso. O problema é que, na tentativa de não me
machucar, só piora as coisas.
E claro, sair transando com as minhas amigas também não ajuda em
nada.
Eu assinto para Violet e seguimos conversando sobre outros assuntos.
Violet me conta sobre a vida no México e todas as diferenças entre os dois
países. Ela pegou várias cadeiras de direito desportivo na faculdade e já
sabe que quer estagiar nesse ramo ano que vem, quando voltar pra Los
Angeles.
Só volto a olhar para o relógio quando são quatro horas da tarde. Me
despeço da minha amiga, animada com a possibilidade de vê-la daqui a
alguns meses.
Mas enquanto o dia termina, uma das frases de Violet não sai da
minha cabeça.
Agora é ver o que dá pra fazer com isso.
Capítulo 34 - Atlas Campbell

(ou: jogador descobrindo que almas gêmeas não existem)

O casamento do meu pai é um evento que considero muito engraçado


sobre ele. Analisando sua carreira, é difícil pensar que um empresário do
tipo mais mal-humorado possível casou com uma atriz hippie e militante,
por livre e espontânea vontade.
Enquanto observo minha mãe acender um incenso e um cigarro na
chama do fogão — Ashley não queimou seu cabelo por pouco — fico
tentando entender como duas pessoas tão diferentes acabaram se casando. E
tendo filhos. E vivendo felizes para sempre.
— Quer falar sobre a sua última entrevista? — Ashley pergunta,
depois de um longo trago. Ela me oferece por pura educação, porque sabe
que eu não fumo. Terry arrancaria meus pulmões com os dentes se me visse
com um cigarro na boca.
Ashley coloca o incenso apoiado na sua estátua dourada de Buda. O
cheiro de canela invade a cozinha. Tenho certeza que não é o lugar ideal
para incensos, mas não vou discutir. Ela tinha prometido que cozinharia o
jantar por conta própria dessa vez, só que desistiu depois de cortar a ponta
do dedo picando cebola. Agora, estamos esperando pelo delivery.
— Você ouviu? — pergunto, como se a resposta não fosse óbvia.
Encaro a taça de vinho que ela serviu para mim como se fosse a coisa mais
interessante do mundo. Não quero ter essa conversa, mas ninguém
consegue fugir da curiosidade de Ashley Jones.
— Gosto de correr na esteira ouvindo podcasts — comenta, dando
mais um trago. Aparentemente, Taylor Lynch era a única pessoa que não
estava ouvindo o programa quando eu precisava que ela ouvisse. — É a
garota que foi com você na premiére? Ela é… francesa, né?
Por algum motivo, minha mãe odeia tudo que vem da França.
— Eu não estava falando sobre ela. É outra garota — eu enfio uma
das mãos no bolso da jaqueta para tirar a pulseira que Taylor fez. ASHLEY
JONES #1 FAN. — Ela fez isso pra você. É sua fã.
Os olhos de Ashley se iluminam.
— Que gracinha — ela passa os dedos pela pulseira e coloca no
pulso. — E quando eu vou conhecer…
— Não tão cedo — corto, junto de uma risada sem graça. — Nós não
estamos juntos.
Ashley franze o cenho.
— Ela não gostou da declaração?
— Digamos que o seu filho fez besteira — explico, sucinto. — Ela tá
com raiva.
Ashley solta fumaça pela boca e revira os olhos.
— Ai, homens — bufa. — Sempre fazendo besteira. E você já pediu
desculpas?
— Não funcionou pedir desculpas.
— É, nem sempre funciona.
Dou um gole no meu vinho, tentando parecer mais despreocupado do
que realmente estou.
— Se for pra ser, vai ser.
Ashley ri.
— E você acredita nisso? — ela anda pela cozinha com seu cigarro
entre os dedos, como se fosse uma grande atriz de Hollywood dos anos 50.
Tecnicamente ela é, só não dos anos 50. — Não é assim que o amor
funciona.
— Alguém deveria fazer um manual de instruções — reclamo. — E
aquela coisa toda de alma gêmea?
— Almas gêmeas não existem, filho — Ashley responde, me
deixando ainda mais confuso. Na minha cabeça, ela fazia a linha romântica
incurável. — E, na verdade, é isso que deixa o amor mais bonito.
Acho que está estampado na minha cara que não entendi nada do que
ela está falando, porque minha mãe ri.
— Não acha que a ideia de almas gêmeas é simples demais? Todo
mundo está cosmicamente destinado a uma pessoa específica e quando
vocês se encontrarem vão ficar juntos porque era pra ser — Ashley faz uma
careta. — Tenho certeza que esse conceito foi criado por um roteirista de
romances preguiçoso que não queria desenvolver os seus personagens
direito. Eu, por exemplo, jamais seria a alma gêmea do seu pai.
— Mas vocês deram certo.
— Não porque somos almas gêmeas — ela dá de ombros. — Mas
porque escolhemos estar um com o outro. O que torna o amor especial é a
escolha diária de continuar ali. Mesmo quando não era pra ser, nós fizemos
ser.
Solto o ar pela boca, bebendo mais um gole.
— Acho que a minha escolha diária vai ser adotar quinze gatos e
morrer solteiro.
— Não diga isso! — Ashley repreende. — Os meus netos, Atlas!
— Isso é obrigação do Orion, é ele quem tá noivo. Pede pra ele e pro
Carlos.
Ashley faz uma careta, indignada.
— Olha só, a garota deve estar magoada — ela bebe um gole de
vinho, traga mais do cigarro. — Mas isso passa. Você só precisa pedir
desculpas de um jeito… — Ashley estala os dedos. — Que seja maior que a
burrada que você fez. E honestamente, eu não vou nem perguntar, porque se
você tiver me puxado…
Eu a encaro.
— Era você que fazia merda na época do namoro com meu pai?
— No namoro não, mas antes, sim — ela ri. — Eu era uma estrela de
Hollywood em ascensão, era óbvio que queria ficar com todos os galãs de
filme que antes eu só via na tela do cinema. Foram dois anos intensos antes
de engravidar do seu irmão. Mas eu já estava apaixonada pelo seu pai antes
disso, só não tinha admitido ainda.
— Você tem mau gosto.
— No fundo você sabe que o seu pai não é um cara tão ruim.
— Sei mesmo?
O interfone toca antes que possamos entrar nessa discussão. Um
jantar de família salvo pelo gongo.
— Sabe — Ashley insiste. Ela estica o corpo para atender o interfone.
— A comida chegou. Pode ir buscar pra gente?
Assinto, bebendo mais um gole de vinho e me levantando da cadeira
na bancada. A conversa que acabamos de ter continua martelando no fundo
do meu cérebro enquanto percorro o corredor do último andar do prédio. As
portas do elevador se abrem e eu entro, me perguntando o que pode ser um
pedido de desculpas maior do que a merda que fiz.
Vai, Atlas, pensa. Toda a sua bagagem cultural de livros de romance
precisa servir pra alguma coisa que não seja acumular poeira em casa.
Uma coisa grande.
Uma coisa grande…
Tiro o celular do bolso da jaqueta. Eu sei que Zade vai querer me
matar — e quando, nos últimos trinta dias, ele não quis? —, mas situações
extremas pedem medidas extremas. Digito uma mensagem enquanto o
elevador desce.
ATLAS: Zade………..
ATLAS: por favor, não faça perguntas
ATLAS: só confia em mim

Acho que Zade deve ter um medo absurdo de alguém do time — e


por alguém quero dizer eu na maioria esmagadora das vezes — fazer
alguma besteira, porque ele sempre responde as mensagens em uma
velocidade incrível.
ZADE: Depois das últimas semanas, acho que todos concordamos
que confiar em você é sempre a pior escolha possível.
ATLAS: juro que dessa vez não vai ser!!
ZADE: Do que você precisa?

Consigo imaginar Zade revirando os olhos e respirando fundo do


outro lado.
ATLAS: sem perguntas
ATLAS: por acaso você tem o e-mail do Elijah Lynch?
ZADE: Atlas…
ATLAS: eu juro que não vou causar nenhum apocalipse midiático
ZADE: Você já causou dois.
ZADE: Me diz o que você quer e eu falo com ele.
ATLAS: é assunto pessoal
ZADE: E que tipo de assunto pessoal você tem pra lidar com um
cara que te odeia?
ATLAS: se eu te contasse não seria mais assunto pessoal
ZADE: Seria sim, Atlas.
ZADE: Olha lá, hein?
ZADE: Não faz nenhuma besteira.
ZADE: elijahlynch@lachargers.com.br

O e-mail vem acompanhado de um emoji de mãos rezando. Tenho a


impressão que a terapeuta do Zade vai ficar sabendo meu nome, mas é tudo
por uma ótima razão.
Agora que já sei o que fazer, só preciso que o meu futuro sogro —
que por acaso me odeia — colabore.
Capítulo 35 - Taylor Lynch

(ou: futura atriz sendo atacada pela sua cor favorita)

A última semana foi estranha. Sinto que estou levando os dias sem
focar no que está acontecendo ao meu redor enquanto minha mente anseia
pelo recesso do fim do ano para eu poder voltar pra casa do meu pai —
nunca pensei que fosse pensar nisso — em San Diego e esquecer da UCLA
e de todos os jogadores de futebol que a orbitam.
Ano que vem vou ser uma nova Taylor. Sem planos mirabolantes,
sem dor de cabeça e, principalmente, sem amores mal resolvidos.
O problema é que ainda falta quase um mês para 2024 e o universo já
deixou bem claro que vai fazer de dezembro um inferno.
No início, pensei que era apenas uma coincidência. Apesar de raro,
pode, sim, acontecer de alguém ter deixado uma rosa azul caída na entrada
do prédio das Artes. Uma entrega para uma peça, um pedaço de figurino ou
cenário, enfim, há várias justificativas razoáveis para eu ter encontrado a
flor no primeiro dia.
Inocente, a peguei e a guardei na mochila. Na minha mente, era uma
forma do mundo dizer que queria fazer as pazes comigo, que nosso
desentendimento tinha ficado no passado.
Eu tinha acertado, parcialmente.
No dia seguinte, encontrei outra rosa no prédio de linguagens, pouco
antes de eu ir para a aula de ASL. Olhei ao redor procurando alguém que
poderia tê-la deixado ali de propósito, mas não vi nenhum rosto conhecido.
Meu primeiro pensamento foi que Hunter poderia estar tentando pedir
desculpas pelo que aconteceu, mas assim que entrei na sala, o vi sentado
com uma outra garota para a aula — também loira, também baixa, também
linda. Na minha cabeça, a voz da Olivia Rodrigo soou, nítida como se
estivesse saindo pelos AirPods.
I hate to think that I was just your type.[16]
Agora, saindo da aula e indo na direção da minha scooter, percebo
outra rosa azul apoiada no banco do veículo e então tenho certeza de duas
coisas: definitivamente elas são para mim e não são o universo pedindo
desculpas, mas sim um certo left tackle que eu conheço.
Retiro a rosa de cima da moto e a arremesso longe. De repente, as
flores perdem a graça. É claro que elas não têm nenhuma culpa de estarem
sendo usadas como uma desculpa barata, mas não consigo mais ver beleza
nelas.
Elas estavam em todos os lugares na última semana.
Foram 46 delas — sim, eu contei — espalhadas pelo campus em
locais que o jogador dos Pythons sabe que eu frequento. Me sinto tentada a
fazer uma reclamação em algum conselho estudantil. Isso não seria uma
forma de perseguição? Me sinto a própria Beck sendo stalkeada pelo Joe.
Um arrepio passa pela minha cabeça ao me lembrar do que acontece com
ela.
Não, ele tem vários defeitos, mas psicopatia não é um deles.
Ainda assim, isso precisa parar.
Volto para a Kappa House e, assim que desço da moto, sinto o celular
vibrando.
ELIJAH: Te mandei um e-mail com os ingressos pro próximo jogo,
filha.
ELIJAH: Desculpa mandar de última hora, mas as coisas estão
corridas aqui.
ELIJAH: Vamos comemorar no estádio esse ano. Espero você.
Fico alguns segundos encarando a tela do celular sem entender de que
comemoração meu pai está falando, então me lembro que o aniversário dele
está chegando. Com a bagunça que minha vida virou, eu tinha esquecido
completamente.
TAYLOR: claro! estarei lá. obrigada pelos ingressos.

Ainda com a mente no inferno que vai ser assistir a um jogo quando
tudo o que mais quero é ficar quieta no meu quarto, quase não percebo que
há algo diferente no estacionamento. Alguns pontos azuis no meu Jeep me
chamam a atenção. Me aproximo e, para minha surpresa, três ursos de
pelúcia carregam corações azuis escritos “DESCULPA”.
Por mais que eu odeie ver aquilo — invasão de propriedade?
Perseguição? — um sorriso estúpido começa a aparecer nos meus lábios,
mas sou rápida o suficiente para sufocá-lo. Mantenho minha posição, não
vou voltar a vê-lo tão cedo, que ele me envie uma floricultura inteira, se
quiser.
Coloco o capacete dentro do baú da scooter e sigo para a irmandade.
Quero só tomar um banho, deitar na minha cama e ficar em paz. Abro a
porta e quase sou soterrada pela Julia e Mindy.
— Você precisa dar um jeito nisso — começa Julia — ou vou gastar
meu réu primário com esse cara.
— Você já pensou em conversar com ele? — Mindy emenda antes de
eu entender o que está acontecendo. — Sei lá, só escuta o que ele tem a
dizer pra ver se ele para de encher o saco.
Olho ao redor sem entender do que elas estão falando, mas não há
nada de estranho no hall. É óbvio que, assim como a Cleo, o casal sabe das
rosas azuis que tenho recebido ao longo da semana. Não há a menor dúvida
que elas vêm do Atlas. Mas não entendo por que aquela comoção repentina
para que eu fale com ele. As duas estão parecendo a minha colega de
quarto. Apesar de tentar não se meter nesse assunto, sei que a Cleo é
#TeamAtlas.
— O que deu em vocês hoje, hein?
Julia, sem me responder, segura minha mão e me puxa para a sala de
estar da Kappa House.
— Sério, isso tem que parar.
A sensação é que todo o ar da casa foi removido de uma vez e que
não dá mais para respirar ali dentro com a cena que se estende na minha
frente.
Dezenas dos mesmos ursos que encontrei no Jeep estão espalhados
pela sala como se fosse uma epidemia de fofura. Uma praga que fugiu ao
controle. Uma cena de uma comédia romântica barata.
Eu sinto vontade de rir, de chorar e de socar o Atlas, tudo ao mesmo
tempo. Em vez de fazer qualquer uma dessas coisas, apenas encaro os
presentes. Bem no meio da sala tem um urso maior do que eu. Não sei
como passaram com ele pela porta, mas sei que eu não consigo carregá-lo.
Algo nele me chama a atenção e caminho para dentro da sala.
— Isso tem que parar, Taylor, conversa com esse homem, pelo amor
de Deus! A cada dez minutos um entregador aperta o interfone com um
maldito urso.
Ignoro a voz da Julia e sigo na direção do ursão. Tem algo colorido no
braço dele e, assim que me aproximo, percebo que há um enfeite que eu
conheço bem.
Uma pulseira feita com miçangas azuis e douradas escrito: EU FUI
UM IDIOTA.
Sinto um leve calor no peito no momento que o interfone ecoa pela
casa. E a Julia solta um palavrão em voz alta.
Corro para a porta e olho para o entregador. Ele tem uma cara de
cansado e não consigo nem imaginar no inferno que está sendo o dia dele.
— Quem mandou entregar isso? — pergunto, recebendo três ursos de
pelúcia com corações azuis com o pedido de desculpa.
— Pela milésima vez, moça, os pedidos são anônimos.
Ele parece tão cansado que nem reparou que não fui eu quem tinha
atendido das outras vezes. Antes que ele saísse, ele ainda virou para trás e
soltou um suspiro.
— Não sei o que tá acontecendo, mas se você conseguir fazer isso
parar, eu vou te agradecer demais.
Ele se afasta e sobe na moto estacionada em frente à Kappa House.
Sinto pena dele. Olho para minhas amigas que estão de braços cruzados
esperando que eu faça alguma coisa.
Solto um suspiro, derrotada. Pego o celular e clico na conversa com o
Atlas. Começo a digitar a mensagem várias vezes, mas nenhuma delas
parece a correta. Por fim, decido deixar claro que as coisas entre a gente
não estão bem.
TAYLOR: ok, você já provou o seu ponto
TAYLOR: agora, dá pra parar de mandar essas merdas?

— Satisfeitas? — digo para o casal em um tom que eu sei que elas


não merecem, pois não têm culpa de nada, mas estou cansada e estressada
demais para bancar a boazinha
Bloqueio o celular e subo para o meu banho. Quando termino, estou
um pouco mais tranquila. Confiro o celular e não vejo uma resposta de
Atlas, mas percebo que se passou quase meia hora desde a última entrega e
nesse tempo, o interfone não voltou a tocar.
De onde estou, consigo enxergar uma das rosas que eu guardei dentro
da bolsa, escapando pra fora do tecido. Me pergunto se não estou sendo
dura demais com ele. Dou um suspiro enquanto ando pelo quarto e começo
a listar mentalmente como as coisas aconteceram.
Nós não tínhamos nenhum acordo de exclusividade.
Mas ele mentiu.
Eu também estava ficando com outra pessoa.
Mas ele disse que não estava.
Ele me deu a noite mais romântica da minha vida…
Solto um grunhido e me jogo na cama, desistindo de pensar no
assunto.
Esse homem vai me deixar maluca antes do ano terminar.
Capítulo 36 - Atlas Campbell

(ou: jogador descobrindo o segredo das autoras de romance)

Não adianta, eu não nasci para assistir um jogo de futebol fora do


campo. A cada lance, faço notas mentais analisando os movimentos da
linha ofensiva. O meu reserva, apesar de estar jogando na média, não é
excepcional. Se passaram apenas 13 minutos de partida e o Noah já foi
impedido duas vezes de fazer um lançamento por uma falha da marcação.
Se eu estivesse lá, não deixaria isso acontecer.
Inferno, eu machuquei o ombro pra evitar que algo assim acontecesse.
Respiro fundo tentando me acalmar. Não é o fim do mundo. Estamos
enfrentando os Cardinals, talvez a equipe com a pior campanha esse ano. O
jogo ainda está no início, mas o placar já marca 7 a 0 para os Pythons. Não
tem motivo para preocupação.
Nosso center recomeça a partida com o snap lançando a bola para
Noah. É como se eu assistisse a cena em câmera lenta. Depois de tantos
anos jogando juntos, consigo ler cada movimento do quarterback. Ele olha
para a esquerda onde está o wide receiver, mas o corpo inteiro está
direcionado para a direita. Olho para a ponta do estádio e vejo o motivo:
Chad está a poucos passos da endzone. A marcação, ao ver para onde Noah
está olhando reforça a aproximação em cima do wide receiver, mas no
último segundo a bola é lançada em uma diagonal para a direita caindo
certeira nas mãos de Chad, que apenas caminha, triunfante, para dentro da
end zone.
13 a 0.
Apesar do lance quase perfeito, não consigo deixar de reparar que
houve erros na jogada. Noah demorou um segundo a mais e por pouco não
foi interceptado. A linha ofensiva não conseguiu bloquear todos os
marcadores, foi sorte que os Cardinals estejam fazendo uma temporada de
merda, ou aquela jogada não teria funcionado.
Desde quando fiquei tão crítico quanto aos detalhes das jogadas?
Por mais que odeie admitir — e se alguém vier com esse papo pra
cima de mim vou ignorar —, mas acho que assistir aos jogos do lado de
fora me deu uma nova perspectiva do esporte.
Os primeiros minutos da partida passam voando, muito
provavelmente porque minha cabeça não está cem por cento no jogo. A
temporada está sendo boa — o que é um puta consolo, considerando tudo
que vem dando errado — e por mais que falamos na entrevista que não
iríamos desacelerar até os playoffs, se perdemos essa partida não seria o fim
do mundo.
— Ainda pensando na garota-que-não-pode-ser-nomeada nesse
camarote?
Eu acho graça da piada infame de Orion. É muito irônico que nos
últimos dias o fato de Taylor Lynch ser filha do dono do time rival tenha se
tornado o menor dos meus problemas. Não acredito que nenhuma das
minhas tentativas amoleceu aquele coração de pedra. Eu espalhei rosas por
aquela faculdade inteira. Tenho certeza que ela sequer conseguiu achar
todas. E os ursos? Todo mundo gosta de ursos.
Se eu contasse pro Atlas de seis meses atrás que fiz todo esse esforço
para ser ignorado no final do dia ele me acharia um perdedor. Bom, na
verdade, eu não fui ignorado. Não totalmente.
— Não estou pensando em nada — murmuro, sem me esforçar para
soar convincente.
— Você sabe que eu te avisei.
— Você me avisa sobre um monte de coisas — cruzo os braços,
observando a movimentação no campo. Balanço o copo de cerveja preta na
minha mão, quase vazio. — Fazem vinte e três anos que ignoro seus
conselhos. E os do Carlos, por tabela.
Orion revira os olhos pra mim. Olhar pra ele é sempre como encarar
um espelho com capacidade de me mostrar oito anos no futuro. É uma
sensação estranha e reconfortante ao mesmo tempo.
— E aí — Sabrina se aproxima de nós com dois copos de cerveja nas
mãos. Ela entrega um deles para Orion e bebe o outro, dando um sorriso
complacente pra mim. — Você quer outra? Posso pegar um copo pra…
— Não precisa — eu agradeço com um aceno.
Sei que Sabrina não vai com a minha cara, mas na maioria dos dias
ela se esforça para esconder. Aparentemente, Orion é o Campbell favorito
de grande parte das pessoas.
— Minhas amigas me abandonaram hoje — ela comenta, para
ninguém em específico. Eu tinha notado a falta de Melinda, porque é
impossível não notar uma mulher muito alta, muito loira e muito falante. —
Melinda foi se apresentar em New York nesse final de semana.
— O Carlos esteve lá no mês passado — diz Orion. — As boates são
ótimas, tenho certeza que sua amiga vai amar.
Sabrina assente, bebendo mais um gole de cerveja. Ela já está um
pouco alegre, ou não estaria aqui, tentando conversar comigo.
— E você? — ela me encara. Está usando um gorro de natal com o
número de Noah, 13, estampado na parte branca. Acho que me perdi no
tempo, porque tenho certeza que outro dia ainda era Halloween. Maldito
Halloween. — Quando vai trazer a garota do podcast pra assistir um jogo?
Orion ri.
— Ela não seria bem-vinda em um jogo dos Pythons.
— Você não gosta dela?
— Os torcedores que não gostariam — Orion explica, sucinto. — Ela
ainda não ficou sabendo da fofoca? — ele pergunta, dessa vez pra mim.
— Não — é Sabrina quem responde, indignada. — Noah não quis me
contar.
— Ele não é fofoqueiro que nem você, Orion — ironizo.
— Me conta — Sabrina pede, bebendo mais cerveja. — Eu sou
escritora de romances, preciso de inspiração. Não posso contar com o Chad
pra isso porque, aparentemente, não existe mulher na Califórnia pra ele. A
Melinda todo dia tá com um cara diferente e a Agatha, minha agente, já é
casada, então sobra você.
— Obrigado por deixar claro que sou sua última opção.
— É claro que é — ela ri, ajeitando o gorro na cabeça. — Mas o plot
do cara canalha sem escrúpulos se apaixonando é uma coisa que eu gosto de
ver de perto. Faz sucesso com as leitoras, aliás, talvez eu escreva algo assim
um dia.
Eu acho graça da forma como Sabrina fala. Ok, essa mulher me odeia.
Se ela soubesse sobre a Cleo, tenho certeza que nunca mais olharia na
minha cara.
— Não adianta eu te contar — respondo, simples. — Você não a
conhece.
Sabrina dá de ombros.
— Fofoca de gente que eu não conheço é melhor ainda. Posso
escrever sobre sem me preocupar com o lado ético da coisa.
— Até parece. Você é boazinha demais pra isso.
— Me emociona ver como vocês se gostam tanto — Orion zomba,
terminando seu copo de cerveja. — Eu preciso ir ao banheiro, tentem não se
matar até eu voltar.
— Relaxa, tem muita gente com prioridade na minha lista de pessoas
com quem posso perder meu réu primário.
— Ah! — Sabrina observa Orion se afastar, seu tamanho chamando
atenção pelas arquibancadas. — Disso eu fiquei sabendo.
— O que?
— A capacetada no cara dos Bruins. Foi por causa da sua garota
misteriosa?
— Foi.
— E qual o nome dela?
Eu suspiro, entregando meus pontos. Uma Sabrina sóbria pode ser
chata, mas bêbada ela é insistente. Não sei qual dos dois é pior e não sei
como o Noah aguenta.
— Taylor — solto, sem citar o sobrenome. O sobrenome Lynch é
terminantemente proibido por aqui.
— Taylor — Sabrina pensa por um instante. — Espera, ela é da
UCLA, né? — eu assinto, então a escritora liga os pontos. — É a colega de
quarto da Cleo?
Confirmo com a cabeça, de novo.
— Foi você quem mandou setenta ursos de pelúcia pra Kappa
House?! — ela exclama, terminando seu copo. Eu não preciso confirmar
dessa vez, porque foi uma pergunta retórica. — Bem que a Cleo disse que
tava uma loucura por lá. Meu Deus, que merda você fez?
— Vamos pular essa parte da história — murmuro. Não sei quanto
Sabrina sabe sobre a irmandade da Cleo, mas duas das melhores amigas da
Taylor são lésbicas e a outra está no México desde o começo do ano. Se ela
soubesse que transei com uma amiga dela, não seria muito difícil descobrir
quem sobra nessa equação. — O seu protagonista fez merda, a sua mocinha
não quer falar com ele. O que você faz? Usa o seu cérebro de escritora de
romances ao meu favor.
— Não adianta mandar ursos pra casa dela — Sabrina explica. —
Não parece genuíno.
Eu cerro os olhos, indignado.
— Por que não?
— Você é rico — ela responde, fazendo parecer óbvio. — Comprar é
a coisa mais fácil que poderia fazer. Você nem foi entregar os ursos
pessoalmente!
— Ela disse que não queria me ver.
— Pra alguém com tantas experiências sexuais, você é muito burro —
reclama. — Isso é papo. A mocinha sempre quer ver o mocinho — ela
pensa por um instante. — Menos quando o mocinho em questão cometeu
algum crime.
— Depende. Se for um dark romance…
— Cala a boca — Sabrina ri. — A merda que você fez não inclui um
crime, né? Pelo amor de Deus.
— Não. Nenhum crime por enquanto.
— Por enquanto?
— Estou considerando fortemente a hipótese de sequestro se ela não
me perdoar.
— O Zade ia amar isso — ela zomba. — Jogador dos Pythons
sequestra jovem universitária. Já consigo ver as manchetes. Você pode
pegar a ilha do Chad emprestada e manter ela lá até… não, eu não vou te
dar ideias.
— Eu não sou tão doido assim, juro pra você.
— Duvido muitíssimo.
Eu reviro os olhos pra ela.
— Tudo bem, próximo passo. Falar com ela.
— Isso — Sabrina concorda. — Mas não pode ir de mãos abanando.
Precisa de…
— Um grande gesto — já sei dessa parte, porque foi o conselho da
minha mãe. — E ursos de pelúcia não são grandes o suficiente.
— Precisa ser uma loucura.
— Uma loucura?
Sabrina assente.
— Alguma coisa que você não faria por nenhuma outra pessoa, sabe?
Alguma coisa que faça ela pensar que você é completamente doido da
cabeça, mas de uma forma boa. Tipo o que o Noah fez pra mim.
— Esse rodeio todo pra dizer que eu estava certo quando disse que se
apaixonar era coisa de psicopata?
— Eu odeio ter que admitir, mas meio que estava. Tenho certeza que
alguém na literatura já disse que a linha entre amor e loucura é muito tênue.
Orion volta com uma expressão de alívio no rosto igual uma criança e
Sabrina abre um sorriso para ele antes de concluir o assunto:
— Mas ó — ela se vira pra mim de novo. — Eu disse loucura, não
disse crime.
Orion arqueia uma das sobrancelhas claras, sem saber o que ela quer
dizer. Eu dou de ombros, mas já sei exatamente que tipo de loucura Taylor
gostaria de ver.
Capítulo 37 - Taylor Lynch

(ou: futura atriz ouvindo a voz da experiência)

Olho para o celular pela décima vez nos últimos cinco minutos sem
acreditar que ele realmente não me mandou uma mísera mensagem.
— Da última vez que a gente se encontrou, você não parecia tão
ansiosa. — Meu pai diz, enquanto mantém os olhos fixos no campo. —
Você ainda não me contou o que aconteceu no dia que aquelas fotos saíram
no jornal.
Enfio o iPhone na minha bolsa no banco ao lado. Por causa do
aniversário de Elijah Lynch, todo o camarote foi reservado apenas para nós
dois. Apesar de ter achado uma medida exagerada no início, agora estou
aliviada por não ter ninguém por perto que pudesse ouvir nossa conversa.
— Não foi nada.
Ele desvia os olhos do campo quando um dos juízes marca uma falta.
— Você tá olhando mais pro celular do que pro jogo, minha filha.
Solto o ar de uma vez. Por mais que minha relação com meu pai seja
boa e ele não tenha surtado quando eu disse que gostava do Atlas, ainda
assim não me sinto confortável em dizer detalhes da minha vida amorosa
para ele.
— O Atlas fez uma burrada — solto de uma vez, como se falar rápido
fizesse eu me livrar logo daquela situação. — Agora ele tá tentando
consertar, mas tá fazendo tudo errado. De novo.
O jogo retoma e meu pai fica em silêncio. É como se ele já soubesse.
Chego a pensar que Elijah não escutou nada do que eu disse quando
ele solta:
— E você disse o que te incomodava? Pra ele ter uma direção do que
fazer?
Fico em silêncio ao notar a expectativa no ar. O quarterback faz um
lançamento pro wide receiver e, por mais que o jogador tenha sido
interceptado, ainda assim foi uma jogada que rendeu um bom avanço para o
time da casa. Os Chargers estão ganhando de 21 a 11 dos Falcons. Um
excelente presente de aniversário para o meu pai.
— Eu não precisava dizer como ele deveria pedir desculpas. — Cruzo
os braços. — É o mínimo que qualquer pessoa deve saber fazer.
Elijah ri do comentário e passa uma mão nos cabelos, ajustando o
corte casualmente despenteado.
— Não precisa mesmo, mas dependendo do que você disse quando
brigaram, pode dificultar um pouco as coisas. — Ele olha na minha direção.
— Foi uma briga muito feia?
— Foi. — Faço uma careta. — Ele mentiu pra mim. Então eu deixei
claro pra todo mundo que não queria ver ele nem pintado de ouro. O que
foi?
Meu pai começa a rir e me encara como se eu tivesse feito a piada do
ano.
— Isso faz tanto sentido, que idiota.
A cena que se desenrola na minha frente é inusitada. Desde o acidente
da minha mãe, não vejo meu pai rindo daquele jeito. Não sei se é o efeito da
garrafa de champagne que ele bebeu sozinho, se é a vitória fácil dos
Chargers ou se é algo que eu desconheço. Mas não é do feito de Elijah
Lynch rir tanto.
— Olha, se não for muito incômodo, eu adoraria saber porque as
minhas desgraças são tão engraçadas assim. — Espero ele se recompor e no
rosto há uma expressão de desculpas. — Eu pensei que você estava bem
com a ideia de me ver namorando o Atlas. Não precisava ficar tão feliz
agora que deu errado.
Ele balança as mãos se desculpando.
— Juro que não é nada disso, minha filha. Você vai entender depois.
— Ele dá um longo suspiro. — Mas olha só o que você acabou de me
contar. Você disse que não queria ver ele de jeito nenhum. Claro que ele não
vai aparecer.
— Não, você não conhece o Atlas. Ele não liga muito para o que as
pessoas falam. Faz as coisas do jeito dele independentemente do que o
mundo vai achar.
— É mesmo? Então por que você quer ficar com alguém que não se
importa com o que você fala ou pensa?
Meu pai volta a olhar para o campo a tempo de ver o touchdown.
27 a 11.
Olho os jogadores comemorando no telão, mas a minha mente está na
pergunta que ainda ecoa na minha mente. Aquilo não era verdade. Atlas
sempre ouve o que tenho para contar, guarda até os detalhes mais bobos do
que eu digo. A surpresa no meu aniversário, por exemplo, só podia ter sido
feita por alguém que se importa, sim, com o que digo e gosto.
Será que era por isso que ele ainda não tinha mandado nenhuma
mensagem? Estava respeitando o que eu disse mesmo quando eu queria que
ele não respeitasse?
— Olha, eu não sei exatamente o que aconteceu entre vocês que
gerou essa briga. — Ele volta a olhar para mim. — E se ele tiver sido um
canalha, serei o primeiro a querer aquele jogador mulherengo longe de
você. Mas sempre sou a favor do diálogo. Acho importante vocês
conversarem. Escute o que ele tem a dizer antes de tomar uma decisão
definitiva.
— Quem te disse que eu não ouvi ele?
Não sei se é impressão minha, mas os olhos do meu pai se abrem um
pouco ao ouvir a minha pergunta. Tem algo de estranho aqui.
— Ninguém precisa me dizer nada, Taylor. — Ele balança a cabeça e
abre um sorriso. — Vocês acham que a gente nunca foi jovem também, não
é? Deixa eu te contar um segredo: eu tinha uma vida antes de você nascer,
sabia?
Eu abro um sorriso e cutuco o peito dele com o indicador.
— Eu fiquei sabendo mesmo! Inclusive era o maior galinha!
— Ei, também não é pra tanto. Mais respeito.
Apesar da reprimenda, o sorriso ainda está estampado no rosto dele.
— Inclusive, teve uma vez que eu e sua mãe tivemos uma discussão
feia, por uma coisa tão boba!
Me inclino na direção dele. Adoro saber mais do passado dos dois. Já
que não tem como minha mãe me contar, essa tarefa fica toda a cargo do
meu pai.
— A gente tinha saído pra beber em um bar novo que tinha aberto em
Los Angeles. Hoje ele nem existe mais. Ainda era no início do nosso
namoro, estávamos nos conhecendo. Acabou que em um momento da noite,
eu me levantei para ir pegar uma nova rodada de bebida, mas a fila estava
muito grande. Quando voltei, uma mulher estava sentada no meu lugar e
conversava com Marine. De longe percebi que não tinha sido algo muito
legal, porque sua mãe estava cuspindo fogo pelos olhos. Você lembra como
ela ficava quando estava com raiva.
Assinto mais para fazer a história seguir em frente do que por me
lembrar exatamente do que meu pai quer dizer. Eu não me lembro de ter
visto minha mãe brava muitas vezes. Acho que meu pai percebe minha
indecisão e completa.
— Ela foi amenizando com o tempo, mas no início, eu andava na
linha pra não enfrentar a raiva dela. — Ele solta uma risada curta antes de
continuar. — Mas voltando, nessa noite, assim que me aproximei da mesa,
vi a mulher estranha se levantar e correr para fora do bar. Antes que eu me
sentasse, Marine já estava gritando comigo. Na hora, eu não entendi o que
estava acontecendo. Ela estava com raiva dizendo que eu a estava traindo
com aquela mulher desconhecida.
Prendo a respiração ao ouvir aquilo. Não fazia ideia que a história iria
para aquele caminho.
— E aí? Você tava?
— Claro que não! Nunca traí sua mãe. Eu tinha, sim, uma fama não
muito boa, mas no momento que começamos a sair sério, nunca mais beijei
nenhuma outra mulher. Até hoje.
Levo minhas mãos e seguro as dele.
— Você sabe que não tem nenhum problema você sair com outras
pessoas, né, pai? Já faz muito tempo.
Ele balança a cabeça.
— Não é sobre isso que estamos falando. Voltando à noite do bar.
Marine não me deu tempo de explicar nada. Saiu do bar e foi embora. Não
atendia minhas ligações. Antigamente não era fácil igual hoje para mandar
mensagens assim. Demorou mais de uma semana pra ela me ouvir.
— E o que aconteceu?
— Bom, aquela mulher, depois eu fui descobrir, era a mesma que
tinha me chantageado várias vezes nos meses anteriores. Queria dinheiro ou
diria para todo mundo que eu tinha um caso com ela. Eu tinha ligações
gravadas, mostrando as ameaças dela. Eu só não sabia que ela realmente
iria até o fim com aquela história.
Olho para o meu pai sem acreditar no que estou ouvindo. Ele percebe
minha surpresa e solta um suspiro.
— É mais comum do que você pensa nesse meio, minha filha.
Homens e mulheres aproveitadores. Essa foi só uma das pessoas. Por que
você acha que ela fugiu quando me aproximei no bar? Mesmo assim, o
estrago foi feito. Precisei mostrar a gravação da mulher, sua mãe
reconheceu a voz dela. Só assim para as coisas voltarem ao normal entre a
gente.
Fico em silêncio sem saber o que dizer. É estranho pensar que se
aquela briga não tivesse se resolvido eu não estaria aqui agora.
— É por isso que eu acho que você deveria dar uma chance pra ele se
explicar.
Balanço a cabeça.
— Não é a mesma coisa, pai. Ele mentiu pra mim.
Ele levantou os ombros.
— Quanto a isso, não sei o que dizer. O que eu sei é que você não
para de olhar para o celular esperando uma mensagem dele. Mas o que você
decidir, eu respeitarei e estarei do seu lado. — Ele empurra de leve o meu
ombro com o braço. — Até porque prefiro mil vezes alguém que não jogue
no time rival.
Solto um riso forçado.
— Nem vem, você já disse que estava de acordo. Não adianta mudar
de opinião agora.
— Isso quer dizer que vai conversar com ele?
Solto um suspiro. Não sei o que está acontecendo, meu pai nunca foi
de insistir tanto assim em algum assunto pessoal meu.
— Vou, pai. Acho que não vai fazer nenhum mal ouvir ele.
Como se fosse combinado, ouço o apito no campo. O jogo termina
com um placar elástico a favor dos Chargers. Meu pai comemora e me puxa
para um abraço. Logo depois, se levanta apressado.
— Espera aqui, tem uma coisa que você precisa ver. — Ele caminha
na direção da porta. — Não vai embora, eu já volto.
Encaro ele sem entender o que está acontecendo. Grito o nome dele,
mas Elijah já tem o celular na orelha e grita ordens no meio da torcida que
começa a esvaziar o estádio.
Frustrada, me jogo de volta no banco macio do camarote e olho para
o campo. Os jogadores já deixaram o gramado e os torcedores estão
subindo na direção das saídas do estádio.
Espero por dez minutos.
Vinte.
Quarenta.
Nada do meu pai aparecer. O que restava da luz do dia foi logo
substituído pela iluminação artificial do estádio. Está ficando tarde e ainda
preciso voltar para a universidade. Ligo para o meu pai várias vezes, mas
sempre cai na caixa postal. Olho para os contatos e vejo o nome de Atlas
Campbell.
Abro a conversa e a última mensagem que vejo é a que mandei
pedindo para ele parar de mandar os presentes.
Tá, talvez eu tenha sido um pouco rude demais.
Começo a digitar uma mensagem, mas a apago mil vezes. Por fim,
acho que chego a uma boa opção.
TAYLOR: acho que a gente precisa conversar

Porém, antes de apertar enviar, a luz do camarote apaga. Não consigo


ver nada ao meu redor. Olho para o gramado e percebo que não foi algo
apenas onde estou. O estádio inteiro está no escuro.
Meu coração acelera e me levanto. Não sei o que está acontecendo,
mas não era o que eu tinha em mente quando saí para comemorar o
aniversário do meu pai.
Capítulo 38 - Atlas Campbell

(ou: jogador descobrindo que o amor não é azul)

Estar em um estádio sem ninguém sempre vem acompanhado de uma


sensação estranha. Acho que alguns lugares no mundo não foram feitos
para ficarem vazios e, assim como as escolas, o estádio é um deles. É como
se faltasse alguma coisa sem a torcida, os jogadores, as crianças no primeiro
jogo das suas vidas e até os vendedores ambulantes. Tecnicamente, eu não
estou sozinho. Um estádio tem centenas de funcionários invisíveis
trabalhando para fazer as coisas funcionarem, mas o silêncio engana.
Não sei se Elijah ainda está aqui ou se foi pra casa. Na verdade, ainda
nem acredito que ele aceitou me ajudar — depois de me ameaçar de morte
uma ou duas vezes, direta e indiretamente. É lógico que ele me odeia, mas
está ignorando a sua antipatia em nome dos sentimentos da Taylor. Isso é
bom, porque significa que ela não me odeia tanto assim. Ela teria dito pro
seu pai se odiasse, não teria?
Ok, eu não tenho tempo pra pensar nisso.
Ajeito a touca preta que cobre meu cabelo e entro no campo ainda
escuro. De novo, é uma experiência estranha. Estou tão acostumado a pisar
no gramado com o uniforme e uma dezena de equipamentos de proteção
que me sinto praticamente pelado sem eles. Um funcionário com uma
camiseta dos Chargers me entrega um microfone e eu queria muito ser um
telepata para saber o que ele está pensando. Quase consigo imaginar ele
chegando em casa: Amor, você não vai acreditar! Alugaram o estádio
inteiro só pra fazer um pedido de desculpas!
A fase de se humilhar por mulher chega para todos.
As luzes se acendem. Um dos telões mostra a imagem de Taylor de pé
no centro do camarote dos Chargers, com uma expressão confusa no rosto.
No outro extremo do campo, o mascote dos Chargers, um homem vestido
de raio, aparece na tela e começa o texto que eu programei, com sua voz
fina e robótica.
— Oi, Taylor! — ela leva um susto. Eu sei que é um pouco Black
Mirror usar o mascote do time rival para passar uma mensagem, mas era
minha melhor opção, considerando que eu ainda não sou o Heath Ledger e
apresentar um número de dança não entra na minha extensa lista de
habilidades. — Aqui vai uma lista de motivos pelos quais você deveria
perdoar Atlas Campbell. — Taylor cerra os olhos. Ela já notou minha
presença aqui, mas está evitando olhar pra mim. — Em primeiro lugar, isso
evitaria que sua casa fosse invadida por ursos de pelúcia de novo. Você fica
feliz e a suas colegas de irmandade também! — ela quase deixa um sorriso
escapar, mas se segura. — Em segundo lugar, ele está disposto a dar uma
capacetada em qualquer pessoa que te tire do sério. Você vai ter um
segurança particular sem precisar pagar nada por isso e nós sabemos que o
feminismo venceu, que mulheres não precisam disso e que violência não é a
resposta, mas eu não recusaria se fosse você. Em terceiro lugar, ele promete
que nunca mais vai te decepcionar e promete fazer todos os seus dias serem
azuis, mas não um azul triste e, sim, azul celeste e todos os outros azuis que
são felizes. Ou outra cor, se você preferir. Em quarto, o piercing, e essa é
autoexplicativa, tirem as crianças da sala. Não temos um quinto lugar,
porque ele é ruim com listas e sabe que você tem mais motivos para não
querer falar com ele nunca mais do que o contrário, mas ele está contando
com a bondade do seu coração de manteiga.
O telão se apaga. Eu observo Taylor pela câmera do camarote, mas
não consigo ler sua expressão. Odeio não saber o que ela está pensando.
— Acho que foi um bom começo, né? — eu digo, no microfone, e ela
finalmente olha pra mim. — Eu queria pedir desculpas de novo. E mais
umas cinquenta vezes se você quiser que eu peça. E não só pela Cleo, mas
por ter passado tanto tempo fingindo que não estava apaixonado por você.
Eu obviamente estava. E seria estranho se não estivesse, porque você é
espontânea, talentosa, autêntica e muitas outras coisas que eu não posso
dizer aqui, porque não sei se o seu pai ainda está ouvindo. Ah, e doida o
suficiente pra gostar de um cara como eu, o que com certeza é um bônus —
dessa vez, consigo arrancar um sorriso dela. — Eu estava com medo de
admitir que amo você, mas, bom, é isso. Eu amo. Eu sou seu se você ainda
me quiser — dou uma pausa, porque sinto que meu coração pode explodir a
qualquer momento. — E sou seu mesmo que você não queira. Porque, no
final das contas, sou só um cara, parado na frente de uma garota, pedindo a
ela que o ame.
A expressão de Taylor ainda é um enigma pra mim. Ela fica alguns
segundos imóvel, como se estivesse absorvendo cada palavra que eu acabei
de dizer. Taylor se vira, desce as escadas do camarote e eu sinto minhas
mãos trêmulas, porque não sei se ela está vindo pra cá ou indo embora.
Uma eternidade se passa enquanto não consigo localizá-la pelas câmeras e
eu estou muito perto de ter um ataque cardíaco quando ela aparece do outro
lado do gramado.
Taylor caminha na minha direção e uma chuva fina começa a cair, me
fazendo lembrar da nossa noite em Miami, antes do jogo dos Bruins. Ela
para e encara o céu por um momento, e sei que ela está pensando na mesma
coisa que eu.
Finalmente, Taylor está a alguns centímetros de distância de mim. Ela
usa uma pulseira com o nome de Elijah e outra com o nome dos Chargers.
A chuva engrossa.
Taylor não diz nada e eu estou ansioso demais para ficar em silêncio:
— Ainda tem mais.
Ela franze o cenho.
— Tem mais?
— Você disse que não queria me ver nem pintado de ouro —
murmuro, colocando o microfone no chão. Eu tiro a touca da cabeça e
Taylor arregala os olhos quando percebe que os cachos loiros não estão
mais aqui. — Mas não disse nada sobre estar pintado de azul.
Taylor ri, e é uma risada de verdade dessa vez, o que tira um peso
invisível de cima dos meus ombros. Ela fica na ponta dos pés e passa os
dedos por cada cacho azul, incrédula, enquanto a chuva nos molha cada vez
mais.
— Você sabe que isso não vai sair da sua cabeça tão cedo, não sabe?
Eu assinto.
— Isso só é um problema se você não quiser namorar um cara de
cabelo azul.
— Essa é a sua forma de me pedir em namoro?
— Eu esgotei a criatividade no meu pedido de desculpas — explico.
— Então, por favor, me deixa ser seu futuro namorado, futuro marido —
Taylor ri, e sei que ela está pensando em todas as vezes que disse que
Hunter Simmons era seu futuro marido — futuro qualquer coisa que você
quiser.
Taylor abre um sorriso. Sua franja está grudada na testa por causa da
chuva e a água escorre por todo seu rosto. Mesmo debaixo de uma
tempestade, ela ainda é a mulher mais bonita do mundo.
— Futuro namorado não — ela me corrige. — Presente. E eu vou
deixar, mas só por causa do motivo número quatro.
Eu demoro alguns segundos para lembrar qual era o motivo número
quatro.
Ah.
O piercing.
Eu rio.
— Vai se foder, Taylor Lynch.
— Também te amo, Atlas Campbell.
Taylor fica na ponta dos pés de novo e eu puxo seu corpo para mais
perto, meus lábios encontrando os dela. Eu não me preocupo se Elijah está
ou não assistindo, porque agora é tarde demais para me expulsar do cargo
de genro. Um trovão corta o céu e a chuva cai cada vez mais forte, mas nós
continuamos ali, ensopados, como se nem estivesse chovendo.
— Acho que não é azul — Taylor murmura, se afastando alguns
milímetros de mim.
— O que?
— O amor. Não é azul.
Eu aponto meu cabelo.
— Você podia ter me dito isso antes, né?
Taylor ri.
— É um monte de cores ao mesmo tempo, Atlas — sua boca encontra
a minha, mas dessa vez é um selinho rápido. — Você faz eu me sentir como
se eu fosse um arco-íris inteiro.
Capítulo 39 - Taylor Lynch

(ou: futura atriz e cabeleireira)

Toda vez que olho para Atlas com esse cabelo azul me vem uma
vontade gigantesca de rir. Ainda é difícil acreditar que meu namorado —
preciso me acostumar com essa palavra — teve tamanha coragem ou falta
de noção.
— Você acha que isso vai funcionar? — ele olha na minha direção e,
por mais que pareça tranquilo, sei que não quer ficar com o cabelo daquela
cor por muito tempo.
— Não sei, nunca fiz isso. — Apoio o celular na mesa e olho para o
homem de quase dois metros sentado em uma cadeira no meio do jardim.
Decidimos tentar aquele procedimento do lado de fora da casa do Orion,
para evitar manchar os móveis de azul.
— Tem uma coisa que eu não entendi até agora — começa Carlos.
Ele e Orion estão sentados em uma cadeira de jardim larga de dois lugares e
olham para a tela plana que foi instalada sobre o gramado. O jogo entre os
Golden Bears e os Wildcats segue disputado. Não são times que
acompanho, mas uma vitória dos Wildcats tiraria qualquer chance de
classificação dos Bruins. — Por que você pintou o cabelo de azul com uma
tinta permanente?
Tento conter a risada, mas um início dela escapa pelos meus lábios.
Atlas me olha ofendido.
— Eu não acredito que até você.
Me recomponho. Enquanto misturo a solução de shampoo e
bicarbonato, lanço um olhar de censura para o casal.
— Vocês podem parar de implicar com ele. Foi um gesto muito fofo.
Duvido que já tenham feito algo assim um para o outro.
Orion começa a rir.
— Olha, pois você está mais do que certa. Não fizemos, nem faremos.
— Ele segura a mão de Carlos. — Não é assim que nosso relacionamento
funciona. A gente prefere evitar fazer as cagadas em vez de tentar consertar
depois.
Atlas levanta a mão mostrando o dedo do meio para o irmão.
— Se bem que…
Todas as cabeças giram para Carlos. Orion tem as sobrancelhas
levantadas, um misto de preocupação e surpresa com o que o companheiro
quer dizer.
— Acho que não faria mal você aprender uma coisa ou outra com o
seu irmão, mi amor.
A gargalhada de Atlas ecoa no fim de tarde de Los Angeles. O
comentário pega todos de surpresa.
— Com meu irmão? O cara que pega mulheres uma atrás da outra e
deixa para que eu me despeça delas na manhã seguinte?
— Ei! — digo apontando o pincel sujo de bicarbonato. — Senti que
isso foi uma indireta.
— Você é a exceção, Taylor. — Meu cunhado responde. — Contra
todas as expectativas, Atlas parece ter um coração e você achou o caminho
até ele.
— E mesmo com esse histórico depondo contra ele — Carlos
continuou, determinado a provar o seu ponto. — Ele ainda se mostrou o
último romântico da Califórnia. Onde você me mandaria dezenas de ursos
só pra me pedir desculpas?
— Meu amor, eu não preciso te pedir desculpas. Qual foi a última vez
que pisei na bola com você? Eu não sou o Atlas.
Peço meu namorado para inclinar a cabeça azul para trás. Ele olha
para o alto e abre um sorriso ao me ver.
— Será que vocês podem me deixar de fora da DR? — ele reclama.
— Estou querendo ouvir o jogo.
Assim que ele termina de falar, soa o apito vindo da televisão. Os
Wildcats ganham por apenas dois pontos de diferença, acabando de vez
com qualquer chance de classificação para os Bruins.
— Que merda. — A voz do meu namorado é fria e sem a animação
de segundos atrás. — Bom, eu tentei.
Não sei muito o que dizer, mas por sorte, Orion sabe.
— Tentou? Você fez muito, tá doido? Olha de onde você tirou o time.
Quase um ano sem ganhar um jogo. Você trouxe ele de volta para a briga de
classificação e isso em pouquíssimo tempo.
— E de que adianta se não conseguiram se classificar? Deu na
mesma.
Sinto o peso daquelas palavras e percebo que Atlas está
completamente enganado.
— Isso não é verdade, meu bem — ajeito as pulseiras que escorrem
para perto da minha mão segurando o pincel. Hoje estou usando duas
especiais: LOVE IS LIKE A RAINBOW e TAYLOR&ATLAS. — Vai ter
uma mudança na postura do time agora.
Os olhares giram na minha direção, então continuo.
— No início do semestre, parecia que estávamos torcendo pra um
time que não tinha interesse em jogar, isso afetava todo mundo, até as
líderes de torcida. Pra que aprender uma coreografia rebuscada se o time
iria entrar em campo só pra ser derrotado? Depois da primeira vitória,
alguma coisa mudou. Tem vontade, pelo menos. Claro que ainda tem um
longo caminho pela frente, mas agora os Bruins estão jogando futebol.
Tenho certeza que as pessoas vão notar isso.
Meu namorado fica em silêncio, mas abre um sorriso lateral. Seus
olhos fixam nos meus e eu sinto vontade de parar tudo para beijar sua boca.
Como se pudesse ouvir a nossa conversa, um dos comentaristas entra
no assunto que estamos discutindo.
— Você sabe que tem uma torcida além da dos Golden que também
está sofrendo hoje, não sabe, Roger?
— Você fala dos Bruins?
— Eles mesmos. Esse resultado elimina matematicamente o time da
UCLA de tentar avançar esse ano. Ainda falta um jogo pela frente. Acho
que vai ser uma daquelas partidas difíceis de assistir.
O silêncio no jardim é cortado apenas pelo som suave do pincel
espalhando a mistura pelos cachos de Atlas. Eu não concordo com o
comentarista e, felizmente, não sou a única a pensar desse jeito.
— Não acho. Os Bruins dessa temporada vieram com sangue nos
olhos. Muitos até acham que foi graças ao treino com o jogador
profissional da NFL. Imagina que você é um estudante universitário e de
repente tem um Atlas Campbell te dizendo como se portar durante a
partida. Isso dá uma motivação gigantesca. Claro que há um limite humano
ao que pode ser feito. Os Bruins não tinham uma equipe tão forte, mas isso
não quer dizer que não foi um trabalho bem feito. Aposto que a UCLA
voltou para a mira dos investidores com essa temporada. Eles jogaram
bem.
— Bom, nisso eu estou com você. Nada tira da minha cabeça que
aquela partida contra os Hurricanes foi o melhor jogo da NCAA. Eles
perderam, mas entregaram garra, empenho e técnica também. Não perdeu
em nada para as partidas da NFL. Certeza que tem um dedo do Atlas nisso
aí.
Abro um sorriso e encosto de leve o pincel na ponta do nariz do meu
namorado, que faz uma careta.
— Tá vendo? Eu entendo mais de futebol que você.
Me aproximo e encosto os meus lábios de leve nos dele no melhor
estilo beijo homem-aranha.
— Na próxima vez que eu for treinar um time, vou te levar junto
então.
Abro um sorriso. Terminei o meu trabalho e agora precisamos esperar
alguns minutos para o bicarbonato fazer efeito. Sei que não vai ser o
suficiente para remover toda a tinta, mas vai ajudar a diminuir a intensidade
da cor. Já é um começo.
Eu tinha insistido para ele pintar o cabelo de volta para o loiro, mas
Atlas foi irredutível. Com o pouco que entendo de colorimetria, também
acho que isso não daria certo.
— E falando em Atlas Campbell, — a tela da TV muda e mostra a
foto de um estádio escuro com apenas um telão mostrando o mascote dos
Chargers lendo o pedido de desculpas. — Parece que o left tackle dos
Pythons andou movimentando as redes de fofocas nos últimos dias.
— Que merda, o Zade vai me matar.
Orion se ajeita na cadeira. Por mais que eles soubessem que Atlas
tinha me pedido desculpas, ainda não sabiam como ele tinha feito. Claro
que eu sabia que uma hora ou outra aquilo ia vazar na mídia, mas não sabia
que seria tão rápido.
— Desliga a TV, Orion.
Atlas se levanta da cadeira e corre para pegar o controle, mas seu
irmão é mais rápido.
— Nem pensar. Agora que chegou a parte boa?
Atlas bufa, mas não oferece resistência. Volta a se sentar, os olhos
fixos na TV.
— Ninguém esperava por um pedido de desculpas desse. Não
bastasse se apaixonar pela filha de um time rival, o astro dos Pythons
ainda usou o estádio para uma declaração de amor. Imagine o trabalho que
a equipe de relações públicas dele vai ter agora.
Por mais que eu saiba que aquilo vai ter uma repercussão grande que
pode afetar a imagem do Atlas, não consigo deixar de me sentir
privilegiada. Agora o país inteiro sabe que o meu namorado fez aquilo por
mim.
Esqueça corte de cabelo, ou renovação de guarda-roupa, isso sim eu
chamo de injeção de autoestima.
Pelo menos não chegaram a mostrar a parte sobre o piercing. A
internet não está preparada para ter essa informação.
— Você tá gostando, né, peste?
Só então percebo que Atlas observava o enorme sorriso no meu rosto
enquanto vejo a TV.
— Um pouco. — Abro ainda mais o sorriso. — Mentira, eu tô
adorando isso.
Me aproximo e beijo os lábios dele.
— Agora todo mundo sabe que a gente tá junto — digo, e sinto o
peito aquecer. É como se nada mais existisse. Só Atlas Campbell e o cabelo
azul que ele pintou pra provar que me amava.
Orion faz uma careta pra gente.
— Vocês são nojentos — zomba, levantando-se da cadeira assim que
o programa de esportes termina. — Eu e o Carlos vamos buscar uma pizza
pro almoço, vocês querem?
Atlas assente, com cuidado para que a mistura no seu cabelo não
escorra.
— Não destruam minha casa enquanto isso — Orion pede. — Vocês
sabem muito bem fazendo o que.
Carlos ri da piada infame de Orion e eles dão as mãos, indo para
dentro e nos abandonando nos jardins.
Eu ouço a porta principal da casa se trancar e dou um tapinha na nuca
de Atlas.
— Tá na hora de lavar o cabelo — digo, já rindo, porque não faço
ideia de como isso vai ficar.
— Ainda vai namorar comigo se eu ficar careca?
— Sim, acho super sexy — eu brinco enquanto ele se levanta. —
Toda mulher ama um homem calvo.
— Careca é diferente de calvo.
— Se faz bem pro seu ego pensar assim — apoio as mãos nas suas
costas, empurrando seu corpo em direção ao chuveiro da piscina. Estou só
fingindo que meu apoio faz alguma diferença, porque Atlas é muito maior
que eu. — Mas, pensando bem, se você ficasse careca, teria bem menos
concorrência…
Ele ri.
— Olha só quem encarnou a namorada ciumenta.
— Nem vem, você me deu corda. Disse com todas as letras que era
meu, então agora você é.
— Quer que eu use uma coleira com seu nome também?
Eu aponto para as pulseiras no seu pulso.
— Você já usa — zombo. — Desde o dia que me conheceu. Foi um
sinal, né? Você tava destinado a se apaixonar por mim desde o começo —
murmuro, convencida.
— Ai, meu Deus, eu te dei corda demais mesmo.
Deixo uma risada escapar quando finalmente chegamos no chuveiro.
Eu ainda fico impressionada vendo como a casa de Orion é grande: embora
só tenha um andar, o jardim e a área das piscinas é enorme o suficiente para
fazer uma festa com mais de cem convidados. Me pergunto como ele paga
todo esse luxo sendo professor da UCLA. Sei que ele deve ganhar bem, mas
o salário não é nenhum absurdo. Não deixo de pensar que, talvez, Atlas
tenha uma parte nisso. Eu não tenho irmãos, mas se eu ganhasse tão bem
quanto um jogador de futebol — porque não gosto de esbanjar com o
dinheiro do meu pai — com certeza compraria uma casa de praia pra Violet.
Quer dizer, não sei se ela aceitaria. Talvez sim, depois de um longo discurso
sobre privilégios e capitalismo.
— No que você tá pensando? — ele pergunta, percebendo meu
silêncio repentino.
— Na Violet — comento, sem entrar em muitos detalhes — Foi… um
pensamento que veio na minha cabeça, só. Ela volta do México em janeiro
— é engraçado imaginar como vai ser ver Atlas e Violet juntos. Minha
melhor amiga é um doce de pessoa, mas tenho certeza que xingaria o Atlas
até a última geração na primeira das suas piadinhas ácidas, além de
problematizar todo o dinheiro que ele recebe. — Você vai adorar ela —
digo, e eu duvido, mas sei que ele vai se esforçar para fingir que sim. Por
via das dúvidas, vou jogar as cartas do tarot mais tarde e descobrir.
Atlas assente. Sua expressão é curiosa, mas ele não faz mais
perguntas. Entra embaixo do chuveiro e abre a torneira, fazendo uma careta
ao sentir a água gelada molhando a pele. Como é uma ducha de piscina, não
tem a opção de água quente.
A mistura que passei no seu cabelo escorre e um rastro de água
azulada desce por seu corpo. Faço uma careta ao notar que não foi
suficiente pra tirar a tinta, nem perto disso. O azul escuro se transformou
em um tom bonito de azul turquesa.
— É, parece que você vai continuar fazendo cosplay de avatar por um
tempo — declaro, sem conter uma risada. — Ainda bem que usam
capacetes nos jogos, você ia virar um ponto de referência azul no meio do
campo.
Atlas encara as mãos, agora sujas de azul.
— Na próxima eu faço uma tatuagem ao invés de pintar o cabelo.
O pior é que eu não duvido que ele faria. Atlas e Noção são palavras
que só andam juntas quando existe um “não tem” entre elas.
— E vai ter uma próxima, senhor Atlas Campbell?
— Não, não — ele se corrige, rindo. — Sem próximas.
— Eu até ia dizer que sinto um pouquinho de pena, mas não sinto.
— Peste — Atlas espirra um pouco da água azulada em mim. — Eu
vou pintar o seu cabelo de azul enquanto estiver dormindo.
— O tiro vai sair pela culatra — dou de ombros. — Eu vou virar uma
grande gostosa alternativa e todos os caras do curso de teatro vão querer
sair comigo.
— E aí eu vou bater em todos.
— E aí vão colocar uma foto sua na portaria da UCLA com uma
placa enorme de proibida a entrada.
— Eu devia ter arranjado uma namorada menos maquiavélica.
— Tá me chamando muito de namorada.
— Sim — Atlas me encara, um sorriso ladino nos lábios. O cabelo
molhado cai pela testa e um rastro azul escorre por suas bochechas. Eu sinto
meu coração disparar pela forma como ele me olha, tão intensamente. —
Eu gosto.
Antes que eu possa responder, Atlas me puxa para debaixo do
chuveiro, arrancando um grito meu. Apesar do sol e o céu azul, estamos no
inverno, e a água da ducha é bem mais fria do que eu esperava. É irônico
que a gente tenha vivido um amor de verão em plena estação mais fria do
ano.
— Caralho! — eu reclamo, suas mãos apoiadas na minha cintura. Em
segundos minha blusa e meu short estão completamente ensopados, minha
blusa branca num tom esquisito e cinzento de azul. — Tá fria pra caramba.
Atlas acha graça da minha reação.
— Eu posso te esquentar.
— Que cantada horrorosa — zombo, mas fico na ponta dos pés para
alcançar a sua boca, empurrando-o levemente contra a parede onde fica a
ducha. — Acha que seu irmão vai demorar? — pergunto, afastando o rosto
apenas alguns milímetros. Atlas sabe muito bem o motivo da minha
pergunta.
— Vamos torcer pra ter alguém comprando umas vinte pizzas na
frente dele.
Eu abro um sorriso para Atlas e acho que nunca fiquei tão feliz com o
caos que a simples chegada de dezembro causa no comércio. As mãos do
meu namorado — eu ainda não me acostumei com o termo e um arrepio
cruza meu corpo toda vez que penso nisso — encontram minha bunda e,
depois de um longo apertão, sobem até os meus quadris. Mesmo com o
ombro não estando cem por cento recuperado, ele me levanta do chão numa
facilidade assustadora, invertendo nossas posições, me prensando contra a
parede. A água gelada do chuveiro continua respingando em nossos corpos,
mas eu quase não sinto frio com Atlas tão perto. Minhas pernas envolvem o
seu quadril e eu consigo sentir seu pau latejando dentro da bermuda,
ansioso pra se libertar.
Meus dedos passam por seu tronco coberto de tatuagens e eu arranho
sua pele enquanto ele me beija, nossas línguas em um embate silencioso.
Ele se afasta por um momento, aproxima o corpo ainda mais do meu e
aperta minha cintura com mais força, me carregando para fora da ducha.
Uma risada escapa da minha garganta enquanto eu apoio as mãos ao redor
do seu pescoço com medo de despencar. Isso não tem nenhuma chance de
acontecer, considerando o quão insignificante é meu peso perto dos quase
dois metros de altura de Atlas.
— Eles disseram pra gente não destruir a casa — lembro, sem saber
pra onde ele pretende me levar. A água que escorre dos nossos corpos
forma uma trilha azulada no gramado bem cuidado.
— Tecnicamente, estamos fora da casa.
Eu rio da sua lógica sem lógica.
Atlas me senta em uma das mesinhas de ferro do jardim, empurrando
as duas cadeiras que a acompanham para longe. Estamos perto de um
canteiro de bromélias e, deitando o corpo na mesa, consigo ver a estátua de
algum deus grego que não lembro o nome, mas enfeita os jardins de Orion
desde a primeira vez que vim aqui. Antes que eu possa pensar nisso, uma
das mãos de Atlas se apoia na minha nuca e ele me beija mais uma vez,
puxando meu cabelo com força o bastante para arrancar um gemido meu.
O vento frio faz minha pele molhada arrepiar, mas eu não poderia me
sentir mais quente. É como se uma pequena combustão espontânea
acontecesse cada vez que o toque de Atlas passa pelo meu corpo. Uma de
suas mãos invade o tecido da minha camisa encharcada e seus dedos
brincam com os bicos duros dos meus seios, despertando meus suspiros. Ele
para de me beijar apenas tempo o suficiente para tirar a minha camiseta e
jogar em um canto qualquer do jardim. Sua boca desce, dos meus lábios
para o meu pescoço, do meu pescoço para as minhas clavículas e das
clavículas para os seios. Ele lambe, chupa e morde minha pele e eu sinto
minha boceta pulsar, cada vez mais molhada.
Sua boca chega até minha barriga. Atlas deixa uma trilha de mordidas
contornando minha pele, do umbigo até o início da virilha. Ele abre um
pouco mais minhas pernas e se ajoelha na frente da mesa, jogando o cabelo
molhado para trás, numa tentativa de se livrar dos fios azuis que caem nos
olhos. Se existe um paraíso, eu tenho certeza que a visão é parecida com
essa, porque eu poderia gozar só de olhar pra ele, ajoelhado pra mim.
Atlas puxa o meu short e a minha calcinha ao mesmo tempo e as
peças têm o mesmo destino da minha camiseta. Ele beija o interior das
minhas coxas sucessivas vezes enquanto seus dedos dedilham a minha
panturrilha. Atlas ameaça chegar perto da minha boceta mas nunca chega lá
de fato. A expectativa me faz querer gritar.
Eu não seguro um gemido quando sua língua, finalmente, toca meu
clitóris. É como se meu corpo estivesse derretendo aos poucos em cima
daquela mesa. Minha mão avança sob o seu cabelo molhado e eu puxo os
fios, fazendo-o suspirar contra a minha boceta. Eu rebolo suavemente
contra a sua boca, sem conseguir esconder a minha ansiedade em tê-lo
dentro de mim.
Atlas desliza uma das mãos pelo meu corpo e aperta meu seio com
força. Sua língua continua explorando meu clitóris enquanto ele enfia dois
dedos em mim. Meu corpo inteiro pulsa, o sol leve aquece a minha pele e
eu perco por completo qualquer linha de raciocínio, porque Atlas Campbell
me chupando é tudo que importa.
O primeiro orgasmo chega rápido. Minhas costas arqueiam contra a
mesa gelada de ferro e meu corpo treme contra a boca do meu namorado,
minha garganta arranhando quando gemidos altos me escapam. Eu torço
para que os vizinhos não estejam em casa ou estejam entretidos o suficiente
para nos ouvir. Atlas se levanta do chão. Seus joelhos estão sujos de grama
e ele me encara por um segundo antes de me beijar, preenchendo meus
lábios com meu próprio gosto.
Minhas mãos ansiosas correm por sua bermuda, puxando-a para
baixo, num gesto sem jeito pela minha posição. Ele percebe a minha
dificuldade e se afasta para retirar a peça, que cai sob os seus pés, junto com
a cueca.
Eu me perco por alguns segundos, observando seu pau. A argola
prateada do piercing Albert cintila no sol fraco do fim de tarde e minha
boceta escorre, denunciando que um orgasmo não chegou nem perto de ser
suficiente.
— Você tá quase babando, linda — Atlas me dá um sorriso muito
descarado.
Levanto as costas da mesa, me sentando mais na ponta.
— Eu tô babando — respondo, e meus dedos contornam seu pau,
colocando-o na minha entrada. — De outro jeito.
Atlas solta um suspiro quando sente minha boceta molhada contra ele.
Aperta minha cintura com as mãos e puxa meus quadris para frente mas,
diferente do que eu gostaria, não se coloca dentro de mim. Ele segura o pau
e esfrega meu clitóris com a cabeça, o piercing gelado fazendo a área
sensível pulsar ainda mais.
— Atlas — reclamo, e minha voz é quase um choramingo. — Não me
faça implorar.
— Por quê? — ele ri, e o som faz um arrepio cruzar minha nuca. —
Gosto quando você implora.
Ele continua me masturbando com movimentos lentos, com tanta
calma que nem parece que Orion e Carlos podem voltar a qualquer
segundo. Atlas desce um pouco, colocando o pau na minha entrada. Ele
avança pouquíssimo, me provocando.
— Vai, linda, me diz o que você quer.
Atlas ameaça entrar mais um pouco e um suspiro sai dos meus lábios.
— Deixa de ser sádico — protesto, mas não estou em condições de
reclamar. — Eu quero… — ele entra mais um pouco e eu perco o fôlego
por um instante. — Você. Por favor.
Ele afasta o pau da minha entrada mas eu não tenho tempo para
reclamar. Atlas coloca uma das mãos na minha boceta, sentindo toda a
lubrificação que escorre por entre as minhas pernas.
— Eu fico louco de saber que eu te deixo assim — ele murmura. —
Desce da mesa.
Eu o encaro, sem entender.
— O que?
— Desce da mesa — Atlas repete, sua boca encontrando meu
pescoço. Uma nova onda de arrepios percorre a minha pele. — Quero te
comer de quatro.
— No meio da grama?
Eu rio, porque a ideia me parece tão absurda quanto ótima. Eu saio da
mesa antes que ele possa responder e me abaixo, sentindo a grama quente
tocar minha pele. Torço para que Orion e Carlos realmente não cheguem,
porque seria impossível disfarçar o que estamos fazendo nessa posição.
Atlas passa a mão pela minha bunda, seu pau tocando levemente
minha pele. Ele dá um tapa na região e um gemido me escapa quando sinto
o ardor e a pele quente. Eu empino mais a bunda e me esfrego contra ele,
dando um sorriso satisfeito quando, finalmente, Atlas entra.
Sentir a pressão do seu pau enorme contra mim é sempre uma
experiência, principalmente quando seus dedos apertam a minha bunda com
força o bastante para deixar uma marca. Atlas embrenha uma das mãos no
meu cabelo, puxando-o para trás enquanto eu rebolo. Meu namorado
investe contra mim num ritmo cada vez mais rápido — e cada dia mais
tenho certeza que a melhor parte de namorar um atleta é que eles não
perdem o fôlego fácil — e eu sinto um filete de suor escorrer por minhas
costas, cada célula do meu corpo completamente entregue ao momento. Os
meus gemidos se misturam aos dele e eu não consigo entender quem se
entregou ao gozo primeiro, mas o meu orgasmo me derruba e Atlas precisa
segurar os meus quadris para que eu não despenque na grama.
Dizem que os casais perdem o interesse no sexo a medida que o
tempo passa, mas sinto que as coisas entre mim e Atlas só ficam mais
intensas.
— A gente precisa de outra ducha — Atlas comenta, me puxando
para cima. Eu sinto seu gozo quente escorrer pelas minhas pernas e isso me
dá tesão o suficiente para começar um segundo round, mas eu me controlo.
Eu tiro os pedaços de grama que grudaram no meu braço e nas
minhas pernas e nós voltamos para o chuveiro, a água gelada de antes agora
sendo muito bem-vinda. Meus braços contornam o corpo de Atlas e eu o
puxo para um abraço enquanto nossas peles molham. Ficando na ponta dos
pés, consigo ouvir as batidas do seu coração. É como se ele estivesse
pensando nisso também, porque dá um beijo na minha testa enquanto me
aninha em seus braços.
Sinto vontade de chorar, mas é um choro bom, porque nunca me senti
tão amada, tão pertencente, tão em casa e tão… sã? Essa última é a mais
irônica de todas.
— Eu te amo — murmuro, fechando os olhos e me limitando a sentir
o momento. A água fria, a brisa, seus batimentos cardíacos, sua pele quente.
— Eu também — Atlas responde, me apertando contra ele com mais
força, o que me faz rir. — Pra caralho.
Capítulo 40 - Atlas Campbell

(ou: jogador aprende que se você pinta um cabelo loiro de azul, ele
vai ser azul pra sempre)

— E isso aí não vai sair da sua cabeça? — é Chad quem pergunta,


depois de eu ter contado todos os detalhes dos últimos dias, desde o jogo
contra os Cardinals, a conversa com Elijah Lynch, o namoro e, obviamente,
o cabelo azul.
— Vai sair — digo, mas já perdi a esperança. Todo o bicarbonato que
Taylor jogou na minha cabeça só serviu pra clarear o azul em uns dois tons.
— Em algum momento.
Noah me encara, descrente.
— Quando você raspar a cabeça, quem sabe.
Cruzo os braços.
— Eu não preciso me preocupar com isso porque continuo bonito.
— Tá bom, Smurf — Chad zomba. — Você não precisaria ter
chegado nesse extremo se tivesse ouvido a gente desde o começo.
— Tudo bem, senhor dono da razão. Você estava certo, é isso que
queria ouvir?
— Na verdade, sim, era exatamente isso que eu queria ouvir.
— Parece que a gente veio parar num universo paralelo — Noah
comenta. — É a única explicação lógica pro Atlas estar namorando e você
— ele aponta para Chad — não.
Chad move a cabeça em negativa.
— Ainda tô me guardando pro dia que a Normani quiser.
— Supera isso, pelo amor de Deus — eu rio.
Chad dá de ombros.
— Se até o Travis Kelce conseguiu pegar a Taylor Swift, a minha
esperança é a última que morre.
— Você precisa de uma namorada de verdade — Noah murmura, e
percebo que seus pensamentos estavam longe nos últimos segundos. — Ou
vai perder a oportunidade de marcar encontros de casal e ver o Atlas
passando vergonha fazendo todas aquelas breguices que ele jurou nunca
fazer na vida.
Reviro os olhos.
— Será que o Zade não me arranja uma namorada de mentira só pra
eu ir nesses encontros?
— Ou você pode simplesmente sair de casa — sugiro. — Ou aceitar
quando uma mulher dá em cima de você, ou… — eu dou uma pausa,
lembrando de uma coisa que Taylor comentou comigo recentemente. —
Sabia que a Cleo tem um projeto?
Chad arqueia uma das sobrancelhas grossas. Ele não gosta de me ver
falando da Cleo, por motivos óbvios. Se Noah não estivesse aqui, eu diria
que ele pode ficar tranquilo, porque não pretendo me aproximar de
nenhuma mulher que não seja a Taylor, sexualmente falando.
— Que projeto? — Noah pergunta, os olhos fixos na porta da sala do
Doutor Carter. No fundo, toda essa conversa fiada é só uma tentativa de
ignorar a tensão do momento. Fiz novos exames, mais sessões de
fisioterapia e hoje vou saber se uma cirurgia vai ser ou não necessária.
— Eu não entendi direito — explico. — Parece que é algum concurso
da galera de cinema. Ela quer produzir um reality show no começo do
semestre que vem.
— E o que isso tem a ver com o Chad arranjar uma namorada?
— Vai ser um reality de namoro, duh. Ela precisa de uma cobaia —
olho para Chad. — E quem melhor do que o solteiro mais cobiçado do
momento?
— E desde quando eu sou o solteiro mais cobiçado do momento?
— Desde — finjo conferir meu relógio — três dias atrás, quando eu
comecei a namorar oficialmente. O namoro do Noah foi uma facada no
peito das solteiras da Califórnia, agora eu dei um tiro de misericórdia bem
na cabeça delas. Estão respirando por aparelhos, é seu momento de brilhar.
Chad afunda o corpo no banco.
— Não, tô de boa.
— Ai, fala sério, que chato. Eu preciso de alguém pra honrar o meu
legado — protesto. — Tem quanto tempo que você não transa?
Ele faz uma careta pra mim.
— Mais de um mês? — Noah provoca.
— Eu tenho uma boceta amiga, se é isso que vocês querem saber.
— Pelo menos você não tá passando fome — zombo. — Mas poderia
estar se alimentando melhor. Já ouviu falar que é bom variar o cardápio?
— Disse o cara que acabou de começar um namoro — Chad debocha.
Dou de ombros.
— Sim, eu já experimentei o suficiente pra saber qual é o meu prato
favorito.
Noah acha graça.
— Ai, que romântico.
— Sou eu que tô com o cabelo azul aqui. Se tem uma coisa que vocês
não podem fazer, é duvidar do meu romantismo.
A porta do Doutor Carter se abre e o clima descontraído desaparece.
A expressão de Carter é neutra e, ao mesmo tempo que isso é bom, é ruim.
Acho que eu preferia que ele estivesse com uma cara de enterro pra eu
entender de primeira que o pior aconteceu e começar a aceitar todas as
consequências que vem com isso.
— Atlas… — nós três nos levantamos ao mesmo tempo e o médico
nos encara por cima dos óculos. — Só o Atlas, meninos — ele diz, como se
fossemos crianças no jardim de infância.
— Vai dar certo, relaxa — Noah murmura, mas eu sinto que sou o
mais relaxado ali.
Já sofri tanto por antecipação com essa história de cirurgia que, se for
acontecer mesmo, não vai doer quase nada, psicologicamente falando.
Eu acompanho o doutor Carter para dentro da sala, numa cena que já
repeti uma dezena de vezes. De novo, meus exames estão na mesa e Carter
se senta na frente deles, uma expressão analítica no rosto. Eu odeio o
suspense que vem em seguida, porque ele não diz nada. Seus dedos estão
digitando alguma coisa no computador, como se eu nem estivesse ali.
— Bom — a luz azulada da tela ilumina sua pele negra. — Vamos lá.
— Sim — murmuro, sem conseguir ficar em silêncio. Ele me oferece
a cadeira na frente da sua mesa, mas eu recuso com a cabeça. — Vamos lá.
— Tenho boas notícias pra você — Carter abre um sorriso. Meu
corpo não reage ao que ele diz, porque eu estava pronto para ouvir o pior
quadro possível e agora suas palavras parecem mentira. — A fisioterapia
finalmente começou a dar resultados.
Eu pisco.
— Sério?
Carter assente.
— Tivemos uma boa melhora no seu quadro clínico. Vamos manter a
fisioterapia durante todo o mês de dezembro e, se continuar assim, você
pode retornar pros playoffs em janeiro. Eu recomendaria esperar o fim da
temporada, mas…
— Você sabe que eu não vou te ouvir — concluo, com um sorriso no
rosto.
— Sim. Já estava esperando por isso — Carter ri. Muito
possivelmente, sou seu paciente mais teimoso. — Mas nós não vamos
abusar. Nada de ir até o limite nos treinos. E vai seguir todas as
recomendações do seu fisioterapeuta religiosamente, ouviu bem? Ou vou
ter que pedir pro Terry te mandar pro banco.
Eu concordo com a cabeça.
— Vai — Carter diz, o semblante tranquilo. — Precisa dar a notícia
aos seus amigos ou eles vão ter um ataque cardíaco muito em breve.
Eu agradeço com um sorriso e saio da sala. Sinto que meu cérebro
ainda não absorveu a informação. Sem cirurgia, sem recuperação
complicada, sem precisar pedir um emprego na empresa do meu pai. É
quase bom demais pra ser verdade.
— E aí? — Chad pergunta.
— Infelizmente — começo, e a expressão dos dois automaticamente
se transforma em uma cara de enterro. — Pra vocês, vão ter que me aturar
nos playoffs em janeiro.
— Caralho, eu vou te meter um soco — Noah reclama, erguendo o
dedo do meio na minha direção. Ele me puxa pra um abraço antes que eu
possa responder e Chad faz o mesmo, os dois quase me esmagando no meio
dos corredores do The Nest.
Finalmente, parece que os astros se alinharam a meu favor.

∞∞∞
— Você vai mandar isso pra sua namorada — Zade balança um maço
de folhas na minha frente, enquanto caminhamos em direção à sala de
conferências do The Nest. — E eu quero todas as páginas assinadas até
amanhã. Tem uma cópia no seu e-mail.
Eu ergo uma das mãos para pegar o maço, mas ele não me entrega.
Solto um suspiro, curioso.
— O que é?
— Termos de confidencialidade — explica. — Elijah Lynch também
mandou um pra você e nossos advogados estão analisando — ele continua
andando num ritmo apressado, ajeitando os botões da camisa social
enquanto caminha. — É só pra garantir que vocês não vazem informações
de um time pro outro e vice-versa. A única forma que encontramos de
proteger os Pythons e os Chargers foi uma multa altíssima por quebra de
contrato.
Eu assinto, embora pense que isso não passa de uma grande besteira.
Mesmo que Taylor seja filha do maior acionista dos Chargers e torcedora
deles, ela nunca faria qualquer coisa pra me prejudicar. Sei que Zade vai
arrancar os meus dois rins fora se eu disser que não precisamos disso
usando como pretexto a minha confiança nela, então não digo. Reconheço
que esgotei a minha cota de gracinhas esse ano — felizmente, estamos em
dezembro.
A nova assistente de Zade — qual o nome dela? Renata, Roberta…
Rebecca! — está na porta da sala de conferências, com um sorriso, uma
prancheta e um boné dos Pythons nas mãos. Ela me entrega o boné assim
que eu passo e eu entendo de imediato que estão tentando esconder o meu
desastre capilar. Acho graça.
— Repassando — Rebecca passa os olhos por mim, depois por Zade.
— Só precisa dizer que você e Taylor se conheceram melhor enquanto
estava treinando os Bruins e que agora estão oficialmente namorando. Que
ambos os times estão traçando estratégias internas para evitar que isso seja
um problema dentro das equipes e que você volta para os campos em
janeiro. Se tiver alguma pergunta polêmica, tente responder com calma e
seriedade.
— Seriedade é meu segundo nome.
— Olha lá, garoto — Zade me repreende. No fundo, sei que ele está
feliz porque vou voltar a jogar — Nessa altura do campeonato, era pra eu
estar com 50% do seu salário.
Eu rio, lembrando que tinha prometido metade do meu salário caso
acontecesse alguma coisa entre eu e a Taylor.
— Confia, Zade, vou ficar na linha dessa vez.
— Acho bom.
Eu dou um último sorriso pra ele, visto o boné de cobra na cabeça e
entro na sala. Tem duas câmeras enormes nas extremidades e dez jornalistas
esperando por mim, sentados em pontos diferentes do espaço.
Eu me sento na mesa principal, ligando o microfone.
Rebecca entra logo em seguida. Normalmente, fazemos essas
coletivas de imprensa por conta própria, mas sei que depois de tudo que
aconteceu, todos estão com medo que eu fale uma coisa torta e piore ainda
mais uma situação delicada. Tenho certeza que os torcedores dos Pythons e
dos Chargers são os maiores haters do meu namoro no momento.
— Boa tarde — a primeira repórter para quem Rebecca aponta
começa. Eu respondo o cumprimento com um aceno de cabeça. — Bom,
Atlas, nas últimas semanas fomos bombardeados com muitas fotos suas
junto com a herdeira dos Chargers. Em um primeiro momento a sua agência
negou os boatos de um possível relacionamento, esse posicionamento se
manteve?
— Não — começo. — Minha agência tomou essa posição na tentativa
de preservar minha vida privada. Eu e Taylor nos conhecemos quando eu
estava treinando os Bruins da UCLA em Santa Mônica, mas realmente não
estávamos namorando quando os boatos começaram. Agora, sim, nós
somos um casal oficial.
Os repórteres tomam nota. No fundo da sala, Rebecca faz um joinha
pra mim, indicando que foi uma boa resposta.
— Vocês não têm medo que um relacionamento entre um jogador dos
Pythons e a filha do time rival cause um desconforto nas duas principais
equipes da Califórnia? — outro jornalista emenda.
— Sim, nós sabíamos que seria uma questão que teríamos que lidar
quando decidimos assumir o namoro. Os dois times estão traçando
estratégias internas para que isso não afete nossas vidas em campo.
Infelizmente não temos como escolher por quem vamos nos apaixonar,
então agora é lidar com isso.
— Taylor Lynch foi vista beijando o quarterback dos Bruins em um
dos jogos da liga universitária — o mesmo jornalista prossegue. — Acha
que esse conflito de interesses entre você e o QB pode ter interferido na
forma como auxiliou o treinador do time?
Rebecca sua frio nos fundos da sala.
— Não — respondo, sucinto. — Eu não deixo a minha vida pessoal
interferir na minha vida profissional, como tem que ser.
Eu torço para que ele não saiba que dei uma capacetada na cara do
Hunter, ou as coisas vão ficar estranhas.
Felizmente, ele não sabe.
— Certo — continua. — E você acha que os resultados com os
Bruins foram satisfatórios?
— Sim — assinto. — Eles não avançaram como eu desejava que
acontecesse, mas todos notaram a mudança no posicionamento do time nos
últimos meses — a minha resposta é só um copia e cola do que Taylor me
disse um dia antes, mas ninguém aqui vai saber. — Todos ali têm muito
potencial de fazer coisas grandes. Eu espero genuinamente que façam.
— E falando em coisas grandes — é outro jornalista quem toma a
dianteira. — Já temos uma resposta oficial de quando teremos Atlas
Campbell em campo de novo?
Eu assinto, um segundo de silêncio seguindo minha fala.
— Sim. O meu médico me liberou hoje. Vou estar de volta em
janeiro, durante os playoffs.
O jornalista assente, tomando nota.
— Dá pra dizer que você está entrando em uma nova fase da sua
carreira — uma outra repórter começa. — Imagino que esteja deixando a
sua personalidade festeira de lado agora que entrou em um relacionamento
— eu assinto, então ela continua. — E quais são os planos pro futuro agora?
— O meu foco no momento é terminar as últimas sessões de
fisioterapia e voltar com tudo pro Super Bowl. Os Pythons estão tendo uma
ótima temporada e não acho que o sonho de ganhar o troféu esteja tão
distante assim.
— Como a minha colega disse — o mesmo jornalista de antes
recapitula. — Você tem essa personalidade festeira. Não tem medo que o
relacionamento com a herdeira dos Chargers seja só coisa do momento?
Porque vocês estão dando muito trabalho pra assessoria dos dois times.
— A mídia nos apelidou de Romeu e Julieta, não é? — eu zombo. —
A única opção é ser pra sempre.
— Bom — Rebecca dá um sorriso nervoso, notando a minha falta de
paciência. — Muito obrigada por terem vindo, nós encerramos por hoje.
Eu sorrio para os repórteres e me levanto.
Zade está na porta, esperando por mim.
— Foi ótimo, Zade — digo, antes que ele me repreenda pela última
gracinha. Sua expressão não é de fúria completa, então não foi dessa vez
que eu consegui tirar esse homem do sério — Tenho certeza que as outras
equipes vão adorar saber que eu estou de volta.
Capítulo 41 - Taylor Lynch

(ou: futura atriz que sabe usar as armas que tem)

— Ok, eu vou quebrar logo o gelo: essa é uma cena que eu não
esperava ver tão cedo — Atlas comenta e percebo uma leve nota de
nervosismo na voz dele.
Abro um sorriso nervoso e seguro a mão de Atlas por debaixo da
mesa. Estamos sentados no Sparrow Italia, um restaurante sofisticado que
tem por missão trazer um pedaço da Itália para o meio de Los Angeles.
Dessa vez, como meu pai deixou a meu critério a escolha do local, escolhi
um lugar com mais opções vegetarianas. Chega de ficar beliscando petiscos
em restaurantes focados em frutos do mar.
Olho para o meu pai. Ele está com um terno azul escuro quase preto,
a gravata cinza mantendo uma formalidade desnecessária para a ocasião.
Enquanto isso, Atlas usa uma calça jeans escura e um moletom. Parece uma
roupa simples, mas eu sei que esse pedaço de tecido não custou menos que
uns dez mil dólares. De toda forma, os dois não podiam ser mais diferentes
um do outro. Ou pelo menos, na aparência, já que o passado galinha do meu
pai mostra que os dois se parecem muito mais do que eu gostaria.
Freud explica.
— Eu não vejo nada demais. — Tento colocar uma tranquilidade que
não sinto por completo. — É apenas um jantar onde meu namorado conhece
o meu pai.
— Nós já nos conhecemos — Elijah é curto e diz com uma meia voz
enquanto lê o cardápio.
Encontro ali uma deixa para estender a conversa.
— Eu nunca entendi muito bem como foi isso — digo enquanto passo
os olhos pelas opções. Decido pedir focaccia de ervas de entrada e um
Sparrow Rigatoni, uma massa com o molho especial da casa. — Me contem
como aconteceu.
Há um olhar entre os dois homens da minha vida.
Meu pai não parece muito confortável em estar ali, mas depois de
muita chantagem emocional no telefone dizendo que ele não se importava
com a minha vida, consegui resolver a questão.
— Eu precisava de um jeito de alugar o estádio — Atlas começa. —
Não consegui fazer isso online, então a última opção que eu tive era
conversar direto com seu pai.
Eu sei que eu não deveria estar gostando disso, mas estou me
controlando para não rir ao ver o quanto Atlas está se policiando para não
falar nada de errado.
— O que não foi uma ideia inteligente — meu pai continua. Lanço
uma careta na direção dele, mas ele apenas levanta os ombros. — O que
foi? É a verdade. Sou o acionista majoritário do time, não tenho nenhuma
relação com a administração do estádio.
— Então como vocês conseguiram alugar o espaço?
— Seu pai me ajudou. Ele entrou em contato com as pessoas certas,
depois foi só acertar os valores.
— Eu cobrei uns favores, nada extraordinário. Acontece o tempo todo
no mundo dos negócios.
Abro um sorriso ao entender o que ele quer dizer.
— Deixa eu ver se eu entendi — começo. — Você saiu da sua zona
de conforto para ajudar o Atlas, alguém que você tinha me pedido para ficar
longe, a fazer uma surpresa pra mim?
Há um pequeno sorriso no rosto do Atlas e sei que ele está se
controlando para não soltar alguma gracinha. Imagino como será a relação
entre esses dois daqui a uns meses, quando eles se conhecerem melhor.
— Não é bem assim, filha. — Essa parece uma resposta suficiente
para ele, mas não para mim.
— Então me explica como é.
Sei que meu pai está desconfortável quando ele cruza os dedos das
duas mãos as apoiando em cima da mesa. Ele sempre faz esse gesto para
evitar batucar os dedos quando fica nervoso. Depois de um longo suspiro,
continua.
— Você estava triste e talvez ele — aponta a cabeça na direção do
meu namorado — pudesse ajudar. Não tem nada a ver com o Atlas. Tem a
ver com você. Fiz o que qualquer pai decente faria.
— Que fofo! Você podia sair mais vezes dessa skin de cara durão. —
Olho para Atlas. — Ele só tem essa pose, mas por dentro tem um coração
imenso.
— Taylor…
— É verdade! — Decido que esse jantar precisa de um pouco mais de
fofoca para fazer os dois se soltarem. — Isso, meu amor, porque você não
viu como ele ficou do seu lado quando conversamos no último jogo dos
Charges.
— Não fiquei do lado de ninguém. Taylor, eu já te falei dessa mania
de aumentar as coisas.
Começo a rir, e sou acompanhada pela risada baixa, ainda contida, de
Atlas.
— Tá, você não tomou nenhum partido, mas a conversa com você me
ajudou a entender muitas coisas. Então, indiretamente, você teve um papel,
sim, para estarmos aqui nesse jantar agora.
Meu pai ajeita a postura na cadeira. Não sei se ele gosta muito de
ouvir aquilo, mas acaba disfarçando bem.
A focaccia chega com um cheiro delicioso que faz minha boca
salivar. Um vinho seco é servido a meu pai enquanto Atlas toma uma
cerveja preta. Eu preciso me contentar com um suco de laranja sem graça.
Não vejo a hora de fazer 21 anos.
— O que eu quero dizer com isso tudo — decido concluir esse
assunto. Também não sou completamente sem noção, se eu insistir muito,
corro o risco de deixar meu pai com raiva e arruinar o jantar. — É que
vocês dois são muito mais parecidos do que imaginam. Com o tempo vão
perceber isso.
Fazendo uma leitura perfeita da situação, Atlas levanta o seu copo de
cerveja em um brinde.
— A uma boa convivência entre nós.
Meu pai lança um olhar de canto de olho para Atlas, mas não
responde. Levanta a taça em um brinde silencioso.
Há um silêncio que se estende por um tempo maior do que o normal.
Percebo então que o que eu imaginava se realiza: só vai ter conversa nessa
mesa se eu puxar assunto.
Por sorte eu tenho uma arma secreta. E chegou a hora de usá-la.
— Bela partida dos Charges contra os Falcons no último fim de
semana, hein?
Pronto. Era só isso que precisava. Meu pai desata a falar sobre a
vitória que garantiu o time dele nos playoffs da NFL. Atlas, que não é
segredo para ninguém o quanto ama aquele assunto, entra na conversa
falando de como o time de Atlanta não teve a menor chance contra o de Los
Angeles.
Os pratos principais são entregues enquanto o assunto se estende por
intermináveis minutos. Também participo dando as minhas opiniões, mas a
maior parte da conversa vem dos dois obcecados por futebol na minha
frente. Eles falam sobre os desempenhos de cada time na temporada, dos
possíveis wild cards[17] que podem oferecer mais perigo e do retorno de
Atlas ao time após a lesão. Percebo que aos poucos, meu pai começa a olhar
na direção do meu namorado com menos reserva. Finalmente consigo ficar
tranquila sem imaginar um desastre envolvendo os dois se atracando no
meio do restaurante.
A conversa segue para os playoffs e faço um comentário que eu
percebo que ambos estão evitando.
— Tanto os Charges quanto os Pythons estão cogitados como
favoritos em cada liga. Já pensou um Super Bowl entre os dois?
Atlas e Elijah se olham por vários segundos. Não sei se foi a longa
conversa sobre o esporte ou o álcool que ingeriram a noite inteira, mas um
sorriso aparece no rosto do meu pai e logo desperta uma reação parecida
nos lábios de Atlas.
— Mal posso esperar por esse momento — meu pai levanta o dedo e
aponta para meu namorado. — Dá um jeito de levar seu time até lá. Nada
de ficar com medo do meu time.
Sinto o peito aquecer e os olhos marejarem. Já cansei de ver aquele
gesto sendo direcionado a mim ao longo dos anos. É a forma de Elijah
mostrar que se importa. Em outras palavras. É o jeito durão dele de dizer
que Atlas é bem-vindo à nossa família.
Meu namorado leva a mão à testa no melhor estilo militar.
— Pode deixar, chefe. Mas saiba que não vamos pegar leve por
enfrentar o time do meu sogro.
— Assim que eu gosto — ele responde. — Desse jeito não vou sentir
culpa nenhuma quando os Chargers levantarem a taça em fevereiro.
Me junto às risadas na mesa enquanto revezo o olhar entre os dois
homens da minha vida em sua disputa de ego. Eu não poderia desejar que o
jantar terminasse de uma forma melhor.
Valeu a pena passar por todo o inferno que foi esse semestre para
chegar no ponto que estamos.
Capítulo 42 - Atlas Campbell

(ou: jogador, praias, patos e Percy Jackson)

I don't wanna look at anything else now that I saw you


I don't wanna think of anything else now that I thought of you
DAYLIGHT - Taylor Swift[18]

Depois de passar algum tempo em Los Angeles, tenho confiança o


bastante para dizer que o píer de Santa Mônica é meu lugar favorito na
cidade. Ao mesmo tempo que ele é caótico por causa do Pacific Park, das
crianças e dos turistas, também é lindo ver o pôr do sol alaranjado colorindo
o mar enquanto as rodas gigantes se movem, como num grande cartão
postal vivo.
— Quando vai embora da casa do Orion? — Taylor pergunta, de
repente, enquanto andamos pela praia. Ela está segurando um pato de
pelúcia que ganhei em uma das barraquinhas do parque e ele é quase maior
que ela.
Taylor não sabe que, na verdade, eu combinei tudo com o vendedor e
tem uma surpresa dentro da cabeça felpuda, mas não vou dizer isso a ela
ainda.
— Depois das festas do fim do ano — respondo, e por mais que eu
esteja feliz em voltar pra rotina de treinos, é estranho pensar que não vou
estar em Los Angeles na maior parte do tempo, como foi nos últimos dois
meses. Eu vim pra cá em busca de alguma coisa que não sabia o que era,
encontrei muito mais do que imaginava e agora é estranho dizer até breve,
por mais que San Diego esteja só a duas horas de distância.
— Entendi — Taylor murmura, e sei que ela está pensando
praticamente a mesma coisa que eu.
— Mas eu venho te visitar — complemento. — Em todos os finais de
semana que não estiver jogando. E você também pode ir nos jogos. É seu
papel agora que virou uma WAG.[19]
Taylor ri do termo que usei enquanto move a cabeça em afirmativa,
seus braços apertando o pato contra o corpo.
— Vai ser estranho não te ver pela UCLA — ela começa com um tom
desanimado, mas então um sorriso cruza seu rosto. — Você virou a
universidade de cabeça pra baixo. Tenho certeza que até o treinador Stevie
vai sentir sua falta.
— Ele me mandou um e-mail depois do jogo dos Wildcats —
comento. — Estava feliz com o resultado dos Bruins, mesmo que não
tenham se classificado. Quem sabe ano que vem…
— Tem chances, apesar do nosso quarterback lesado — Taylor
reclama. — Espero que façam uma mudança no time. Acredita que ele
pediu pra trocar de parceira na matéria que nós fazíamos juntos? E nem me
consultou antes!
— Acho que ele não tinha outra opção.
Ela me encara, curiosa.
— Não me diga que você tem alguma coisa a ver com isso.
— Eu sugeri que ele não se aproximasse de você.
— Sugeriu? — Taylor ri. — E essa sugestão veio antes ou depois de
tentar quebrar o crânio dele com um capacete de futebol?
— Depois — dou de ombros. — Mas acho que foi antes de você dar
um tapa na cara dele.
— Tá vendo? Somos um ótimo casal. Você entra com a violência
extrema e eu entro com a violência branda. O senhor e a senhora Smith do
futebol.
Eu rio da forma como ela fala, mas Taylor para de andar de repente,
cerrando os olhos.
— Ai, saco — ela reclama, apontando para um ponto do calçadão,
perto das barraquinhas de comida. — Tem uns paparazzis rondando a
gente. — Taylor faz menção de andar na direção oposta, mas eu seguro sua
mão e a mantenho do meu lado.
— Deixa pra lá.
— O que?
— As fotos — eu acho graça da sua indignação. — Todo mundo já
sabe que estamos juntos. E se alguém não sabe, eu quero que fique sabendo
— uma das minhas mãos sobe até seu rosto para tirar um fio da franja que
cai desordenadamente nos olhos. — Além disso, tô curioso pra ver todas as
variações de Romeu e Julieta que cada revista de fofoca vai criar pra se
referir a gente.
Taylor move a cabeça em negativa, o começo de um sorriso colorindo
seus lábios.
— Você não consegue ficar um dia sem dar dor de cabeça pra sua
equipe de relações públicas, né?
Concordo.
— Relaxa, se o Zade não teve um infarto fulminante esse ano, não vai
ter mais.
— Você é inacreditável — ela zomba, ficando na ponta dos pés pra
me dar um beijo. Pros paparazzis, sei que essa é a foto perfeita: o pato de
pelúcia gigante, meu cabelo azul, o pôr do sol, o mar e as luzes do parque
de fundo, quase imperceptíveis por causa do horário. Em outra época eu
ficaria com raiva, mas agora não me importo se esse momento estiver na
capa de todas as revistas de esportes dos Estados Unidos amanhã.
Acho que essa é a melhor parte de estar apaixonado. Você não se
importa com o que o resto do mundo pensa de você.
— Dá pra dizer que o nosso primeiro encontro foi aqui — comento
quando Taylor se afasta. Eu não preciso olhar na direção dos jornalistas
para saber que centenas de fotos foram clicadas.
Taylor faz que sim.
— Quando saíram as primeiras fotos e o meu pai quase comeu o meu
fígado no café da manhã — zomba.
— Esse drama todo pra acabar gostando de mim no final.
— Não se acha muito, ele ainda não gosta de você.
— Eu tenho certeza que gosta — nós nos sentamos perto da beira do
mar, como fizemos várias vezes antes. — Só não quer dar o braço a torcer.
— Porque ele sabe que você é um abusado — Taylor ri, colocando o
pato no colo para não deixar o tecido sujar na areia.
— Com uma namorada dessas, quem precisa de inimigos?
Taylor me dá um tapa leve no ombro, atenta aos últimos minutos de
luz natural do dia. O sol desce aos pouquinhos no horizonte, dando a
impressão que está se encontrando com o mar. A água parece laranja de
onde estamos.
— Lembra daquela madrugada em Miami? — pergunto, e Taylor
arqueia uma sobrancelha.
— Na piscina?
— Sim. Quando nós jogamos strip poker sem a parte do poker.
Taylor confirma.
— E quando você quase entregou que estava morrendo de ciúmes do
Hunter.
Reviro os olhos pra ela.
— Não foi bem assim — cruzo os braços e ela me dá outro tapa,
porque sabe que é mentira. — Eu só estava cuidando do que é meu — digo,
simples. — Tem uma coisa que você disse naquela noite…
— O que?
— Abre a cabeça do pato.
Taylor franze o cenho, sem entender o que eu quero dizer.
Aponto para o pato de pelúcia no seu colo.
— A cabeça — explico. — É removível.
A expressão dela se clareia, como se uma luz tivesse acendido na
frente do seu rosto. Ela puxa a cabeça do pato, com cuidado, encontrando
um envelope dourado escondido dentro do corpo de almofada. Ela me
encara, curiosa.
— O que você tá aprontando, Atlas-Não-O-Corrigan?
Eu aponto o envelope com a cabeça, sem dizer nada. Taylor entrega o
pato pra mim e rasga a ponta do papel dourado, curiosa. Seus olhos
disparam quando ela entende o que acabei de dar para ela.
— Meu deus — Taylor olha os bilhetes em suas mãos, incrédula. —
Comprou passagens pra Grécia pra gente?
— Pra você e um acompanhante, com tudo pago — corrijo. — Você
disse que era uma viagem especial…
— Pra fazer com alguém especial — ela completa.
— Sim, por isso queria que pudesse escolher quem vai com você.
Taylor assente, ainda encarando os bilhetes. Ela pensa por um
segundo, então complementa:
— Ai, como você é idiota — reclama, fechando o envelope de forma
ríspida. Eu demoro alguns instantes para entender o que eu fiz de errado
dessa vez. — É claro que é você. A pessoa com quem quero fazer essa
viagem — ela me puxa para um abraço e a cabeça de pelúcia não cai na
água por pouco. — Eu já estava pensando em você naquela noite no hotel.
Você é minha pessoa especial, Atlas, e sempre vai ser.
Eu sorrio pra ela.
— Obrigado.
— Por te levar pra Grécia?
Ela ri e eu não consigo parar de pensar que amo esse sorriso.
— Por me mostrar que se apaixonar por alguém pode ser uma coisa
boa.
Taylor sorri ainda mais.
— Mas olha lá, hein? Não empolga — ela brinca. — Não quero você
se apaixonando por nenhuma outra pessoa. E eu sei bem que as desqueridas
de San Diego…
Meus lábios encontram os dela antes que ela possa terminar sua frase.
— Relaxa, Julieta — eu puxo seu corpo pra mais perto do meu. — Eu
não vou. Você é a única que faz meu coração bater mais forte.
— Obrigada — ela murmura, depois de um instante em silêncio. —
Por me mostrar tudo que eu ainda não sabia sobre o amor.
Taylor me puxa para mais um beijo.
Ela apoia a cabeça no meu ombro logo depois e nós terminamos de
assistir ao pôr do sol juntos, em um silêncio confortável, tentando evitar que
a pelúcia de pato se afogue cada vez que a água se aproxima das nossas
pernas.
É engraçado pensar em como a vida funciona. Eu me senti o homem
mais azarado do planeta quando a lesão aconteceu, mas eu nunca estaria
aqui se não fosse por ela. Os últimos três meses nunca teriam existido se
não fosse esse acidente de percurso. Como diria a Taylor — dessa vez a
Swift — tudo que você perde é um passo que você dá. E hoje, aqui na praia,
com a garota que eu amo do meu lado e uma grande expectativa para os
playoffs, acabei de descobrir que sou o cara mais sortudo do mundo.

FIM
Agradecimentos

Esse livro não seria possível sem o auxílio de várias pessoas


maravilhosas que me ajudaram a dar vida a um sonho.
Eu não posso começar sem agradecer ao meu namorado. Ok, ele não
pintou o cabelo de azul por mim, mas como disse o Orion, ainda bem que
não precisou disso. Obrigada pela paciência infinita por não surtar toda vez
que vou falar do jogador musculoso que estou obcecada e que servirá de
fancast pro próximo livro. Te amo, meu bem.
Sou muito sortuda por ter ao meu lado o trio das meninas
superpoderosas que sempre me ajuda a polir minhas histórias e acompanha
a trajetória desde a ideia até a publicação. Bia, também chamada de hater
do Atlas; Bruna, que não foi com a cara da Taylor desde o início e Gabi,
que até hoje me enche a paciência dizendo que esse casal deveria ser Atlas
e Cleo. A Cleo vai ter o momento dela, não se preocupe.
À minha família, muito obrigada por serem esse alicerce sem o qual
não conseguiria erguer os meus sonhos. Vocês moram no meu coração e
entendem quando preciso ficar um fim de semana isolada escrevendo ou
mergulhada nos relatórios da faculdade.
À Kim Kardashian, minha gata manhosa, que sempre sabe quando tô
trabalhando demais (ela deita em cima do meu teclado). Obrigada por ser
essa companhia constante e fiel que me deixa fazer carinho por horas
quando estou na bad por causa dos términos que escrevo de pessoas que
nem existem.
E, acima de tudo, muito obrigada, leitora que me acompanhou nessa
jornada! É para você que escrevo. Que ninguém te diga o que você pode ou
não ler. Que você seja livre para ler o que ama sem vergonha do que vão
achar.
Ah, sempre bom lembrar que minhas redes sociais
(@esthermorettiwrittes - ig, @esthermoretti - tiktok) estão ativas e que
costumo trazer novidades por lá! Me siga pra não perder as próximas
aventuras!
Te espero no próximo livro!

[1]
E até agora eu tinha jurado a mim mesma/ que estava satisfeita com a solidão/ Porque nada disso
nunca valeu o risco/ Bem, você é a única exceção

[2]
Vou descobrir o que você quer/ Ser essa garota por um mês
[3]
National Collegiate Athletic Association - Associação Atlética Universitária Nacional. É a
competição universitária de futebol americano.
[4]
Quem é Taylor Lynch de qualquer forma? Eca
[5]
American Sign Language – Linguagem americana de sinais. Equivalente à nossa LiBraS.
[6]
Nenhum pensamento, cabeça vazia.
[7]
“Quebre a perna” e “os dias de cão acabaram”
[8]
“Travessuras ou travessuras” e “eu sei que você gosta de doce”.
[9]
Nunca confie nos vivos.
[10]
A antiga Taylor não pode vir ao telefone nesse momento.
[11]
Você não é a exceção, você nunca vai aprender sua lição.
[12]
Romeu, me salve! Eles estão tentando me dizer como sentir
[13]
Dads I would like to fuck - Pais que eu gostaria de foder.
[14]
Logo na frente da minha salada?
[15]
Feeling blue é uma expressão na língua inglesa ligada à tristeza. Existe até a ”Blue Monday“
(segunda-feira azul) que é tida como o dia mais triste do ano.
[16]
Odeio pensar que eu era apenas o seu tipo.
[17]
Curingas. Na NFL, alguns times que não se classificaram em primeiro na sua própria divisão
ainda têm chances de passarem para as eliminatórias e, se ganharem os jogos, conquistarem o Super
Bowl.
[18]
Eu não quero olhar para nada mais agora que vi você/ Eu não quero pensar em nada mais agora
que pensei em você.
[19]
Wives And Girlfriends of Sports Stars – Esposas e namoradas de estrelas do esporte
Sobre a autora

Esther Moretti tem 22 anos e é apaixonada por livros de romance desde que
se entende por gente.

Estuda direito e sonha em ser juíza, mas no meio da rotina caótica na


faculdade sempre tira um tempinho para escrever — e ler — histórias.
É cat person, carioca da gema e obcecada por divas pop e podcasts de true
crime (o melhor dos dois mundos).
Sem título

Sempre bom lembrar que minhas redes sociais (ig:


@esthermorettiwrittes, tiktok: @esthermoretti) estão ativas e que costumo
trazer novidades por lá. Me siga pra não perder as próximas aventuras!
E não esqueça de deixar uma avaliação do livro! Isso me ajuda muito a
continuar escrevendo histórias pra você!
Outros livros da autora

Wild Players

FAKE DATING + FRIENDS TO ENEMIES TO LOVERS + EX-


MELHORES AMIGOS + QUARTERBACK x ESCRITORA

Noah Hwang está no topo do mundo. Quarterback dos Pythons, um dos


times de futebol mais populares da NFL, sua carreira atinge picos cada vez
mais altos. Ele está na lista dos vinte jogadores mais influentes do mundo e
perto de viver a melhor temporada da sua vida. Ou pelo menos estava, até
um exposed colocar tudo a perder.

Do outro lado da ensolarada San Diego, Sabrina Evans recebe uma


péssima notícia: seu último lançamento foi um fracasso e sua editora pensa
em cancelar seu contrato. Desesperada, ela promete escrever um best-seller
digno do BookTok: um livro de romance erótico entre uma cantora e um
quarterback. O problema? Ela não entende nada de livros eróticos, futebol
parece um mundo desconhecido e a última vez que ela fez sexo foi seis
meses atrás.
Como num passe de mágica, a solução dos problemas de Sabrina surge
quando a agência de publicidade mais famosa dos EUA quer que ela seja a
namorada falsa do seu principal cliente, um quarterback cancelado. É o
acordo perfeito: a fama de mulherengo incorrigível de Noah desapareceria
e, de quebra, Sabrina teria material para escrever seu livro acompanhando a
rotina dos Pythons.

O que ninguém sabe é que Noah e Sabrina já se conhecem. E agora


precisam superar os corações partidos do passado para fazer esse namoro
falso dar certo.
Romance não indicado para menores de 18 anos.

∞∞∞
O nerd virgem e a professora: um clichê invertido.
Aos 20 anos, a vida de Enzo se resume a games de computador e notas
boas na faculdade. Sendo um típico nerd, ele não costumava frequentar
festas e era só o aluno virgem e invisível do curso de computação.
Tudo muda com a chegada de Selena, a nova professora da faculdade
que, inexplicavelmente, se mostra incrivelmente atraída por Enzo.
Resta saber se ele está preparado pra tudo que esse semestre tem pra
oferecer.
Conto não indicado para menores de 18 anos.

∞∞∞
O vizinho do meu namorado

Como você comemoraria um aniversário de três anos de namoro?


Aquele não seria um dia comum na vida de Olívia. Depois de combinar
com Pablo uma programação digna de cinema, ela decide fazer uma
surpresa ao namorado e chegar no seu apartamento um pouco antes do
combinado.
Ela só não esperava encontrar um vizinho muito atraente no meio do
percurso.
Conto não indicado para menores de 18 anos.
Em breve

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