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Copyright 2024 © Luísa Borges

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sob penas criminais e ações civis.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98 e punido pelo artigo
184 do Código Penal.
Playlist
Nota da autora
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Epílogo
Nota da autora
Sobre a autora
All About Us – He is We, Owl City
Arabella – Arctic Monkeys
Bad Reputation – Shawn Mendes
Fix You – Coldplay
Flowers In Your Hair – The Lumineers

It Will Rain – Bruno Mars


Let it Be – The Beatles
Little Talks – Julia Sheer, Jon D
Locked Out of Heaven – Bruno Mars
More Than Words – Extreme
Paradise – Coldplay
Peer Pressure – James Bay, Julia Michaels
Saturday Nights – Khalid
Say You Won’t Let Go – James Arthur
Scars – James Bay
Simple Man – Lynyrd Skynyrd
Strange Birds – Birdy
Talking to the Moon – Bruno Mars
The Bones – Maren Morris, Hozier
The Scientist – Coldplay
Unsteady – X Ambassadors
When I Was Your Man – Bruno Mars
Wishlist – Pearl Jam

Ouça a lista de reprodução no Spotify para uma leitura mais imersiva!


Olá, leitores, bem-vindos à Dallas!
Espero que estejam com os corações leves porque aqui teremos um clichêzinho que amamos:
friends to lovers com bônus do irmão da melhor amiga.
Anise e Hawke me desafiaram muito, pois para quem não sabe, não sou a maior fã de friends
to lovers e confesso que o processo foi muito complexo. Apesar disso, e da minha falta de
coragem no início, recebi o apoio maravilhoso da minha revisora e betas. Se não fosse por elas,
esse livro não estaria aqui!
Esse casal possui uma força imensurável e eu espero que você esteja pronto, e com o
coração aberto, para recebê-los. Anise e Hawke vão errar durante este livro, afinal, são
humanos. Não os julgue durante o processo, porque, afinal, todos nós erramos.
Apesar disso, ressalto que, como em todos meus livros, este é um manuscrito para maiores
de 18 anos por conter cenas explícitas de sexo, consumo de álcool e abuso destes.
Mesmo que este seja um clichê, pode ser classificado como um romance dramático por conta
com temas pesados, os quais passaram por leitura sensível: abuso de álcool, relacionamento
abusivo e aborto. O último, retratado com maior intensidade.
Esse livro fala sobre um amor forte ultrapassando barreiras e espero que você possa
experimentar isso em sua vida.
No mais, embarque nessa história recheada de paixão e superação.
Com amor, Lu.
Para aqueles que já amaram em silêncio.
Quando nos conhecemos, inocente
Agora eu estou acabado toda vez que você me toca
Eu penso em você a cada segundo
Eu me controlo, até você estar na minha frente
Talvez eu esteja com medo, eu não me importo, estou viciado
Peer Pressure – James Bay, Julia Michaels
— Você realmente está falando sério? — pergunto a Feya, minha chefe.
Ou melhor, minha antiga chefe.
— Sinto muito, querida — ela diz, apertando os lábios enquanto encara qualquer ponto que
não seja o meu rosto indignado. — Foi uma oportunidade única.
Jogo as mãos para o ar e bufo, um pouco frustrada. Normalmente não deixo minhas
emoções raivosas tão explícitas, mas é quase impossível.
— Você sabe como esse emprego é importante para mim — digo a ela, mesmo que isso seja
irrelevante.
— Bom, eu posso escrever uma carta de recomendação! — estala, batendo as palmas, como
se tivesse resolvido tudo.
Eu a encaro, ainda incrédula.
Feya está atrás do balcão da pequena floricultura enquanto eu me mantenho do outro lado do
lugar, ainda me sentindo estranha. Ontem, quando fechei a loja junto com a minha chefe, já que
somos as únicas funcionárias, tudo estava bem.
Agora descubro que, de uma hora para a outra, Feya resolveu vender o pequeno prédio no
centro de Dallas para uma grande empreiteira.
— Esse Jensen Warren é um fodido... — resmungo, batendo o pé no chão como uma criança
mimada.
— Xingar o dono da empresa que comprou o lugar não resolverá nada — Feya diz, me
fazendo estreitar os olhos para a mulher.
Feya tem pouco mais de quarenta anos e uma mente brilhante. O pequeno negócio era uma
forma de passar as horas longe dos plantões médicos que faz na área pediátrica, então não é
como se ela precisasse mesmo da floricultura para viver.
Apoio meus cotovelos no balcão de madeira e suspiro, encarando o material enquanto a
minha cabeça parece um furacão de informações. Não posso ficar desempregada, preciso do
dinheiro para pagar o último ano da graduação na Universidade de Dallas e, depois, para
finalmente começar a minha pós-graduação em Medicina Veterinária.
É como se o mundo tivesse se aberto bem debaixo dos meus pés.
Não gosto de mudanças drásticas. Acho que sou do tipo de pessoa que ama estabilidade e
rotina. Agora, Feya está bagunçando meu mundinho organizado e não posso fazer muito sobre
isso.
Esfrego as minhas bochechas enquanto observo a minha antiga chefe empacotar os itens de
escritório do outro lado do balcão.
— Desculpe pelo pequeno ataque — me reporto, fazendo-a sorrir. — Eu realmente não
esperava por isso.
Feya para o que está fazendo, colocando as mãos na cintura. A roupa de linho branco se
estica de forma elegante, mostrando todas as curvas do corpo curvilíneo. Ela pende a cabeça para
o lado, fazendo com que o penteado black power balance levemente junto com um estreitar de
olhos que me diz que está pronta para falar algo espertinho.
— Eu te falei sobre a proposta na semana passada. Você estava olhando para o telefone com
uma carinha de quem estava com dores de barriga.
— É por isso que você me fez tomar aquele chá terrível? Achou que eu estava com dor de
barriga? — pontuo e ela anui com a cabeça, me fazendo rolar os olhos. — Oh, não... era só que,
hum…
Mordo os lábios.
Não quero confessar o real motivo da minha confusão pessoal porque seria muito
vergonhoso dizer em voz alta que estou apaixonada pelo irmão da minha melhor amiga. E não só
isso. Mabel Scott é a minha colega de quarto.
— É que, bem… — Limpo a garganta, encabulada. — O irmão da minha colega de quarto
anunciou que está voltando de viagem e…
Feya arregala os olhos, mas não diz nada, então continuo.
— A minha amiga está organizando um jantar de comemoração para amanhã, uh. Odeio
mudanças repentinas, então é isso. Sabe? Não é como se eu odiasse ele ou algo do tipo. Longe...
longe disso — começo a tagarelar enquanto desato a dobrar os papéis amassados que Feya tem o
hábito de colocar atrás do teclado.
Metodicamente, começo a alisar o material a fim de deixá-lo apresentável mais uma vez. Ou
tentar.
— Hum… — Feya resmunga, mas continuo minha atividade.
E, obviamente, a falar:
— Ele ficou fora por um semestre para continuar estudando, fez especialização em
Bioengenharia numa Universidade em Toronto, no Canadá. Nem sei como Hawke conseguiu
ficar tanto tempo, ele odeia frio! Sabe como eu sei disso? Quando nós éramos novos, os pais dele
me convidaram para uma viagem à Nova Iorque e ele reclamou o tempo todo!
— Anise…
— Já te contei que éramos vizinhos? Pois bem, nós éramos em Grapevine. E era estranho
demais porque havia uma árvore entre as nossas casas e…
— Anise! — Feya grita e eu paro de falar, encarando o rosto expressivo.
Feya está sorrindo de uma forma ampla, me deixando encabulada. Os olhos escuros como à
noite me dizem que ela pescou algo, então praticamente suspiro, cruzando os braços e apoiando a
cabeça neles. Envergonhada, enterro o nariz na madeira, evitando que ela veja meu rosto.
— Você gosta desse tal de Hawke! — afirma.
— Está tão na cara assim? — gemo.
— Meu medo é você não saber esconder isso do rapaz ou da irmã dele — ela murmura,
alisando a minha nuca. Vejo apenas um mar vermelho ao redor de mim, já que meus cabelos
ruivos fazem um bom trabalho em esconder minha cara de derrota. — Querida, quão bagunçada
está a sua cabecinha? Você entrou aqui dentro explodindo pela venda da floricultura e, de
repente, vomitou um monte de coisas sobre o irmão da sua amiga.
Levanto o rosto, encarando-a.
— Eu estou nervosa. Ele chega amanhã!
— Eu tenho uma boa ajuda para isso! — Ela pega a bolsa, retirando de lá um pacote de
chocolate M&M’s.
As minhas sobrancelhas se erguem em surpresa.
— Como eu trabalhei durante três anos aqui e nunca presenciei você consumindo algo do
tipo? — Aponto para o chocolate cheio de açúcar e corante.
Feya é do tipo super-mega-ultra saudável. Ela tem uma rotina que envolve muito trabalho,
comida saudável e a prática de atividade física. Não é à toa que ela é a epítome do divino
feminino.
— Situações extremas requerem medidas desesperadas... — Ela abre o pacote e me oferece
após pescar algumas unidades do chocolate e os enfiar na boca. — Por que estamos fazendo
primeiras coisas no seu último dia aqui?
Meus ombros caem com a constatação.
— Se sumir da minha vida, eu juro que vou atrás de você naquele hospital! — resmungo,
fazendo-a sorrir. — Não costumo sair por aí falando sobre o Hawke com ninguém, até porque eu
estou estacionada na zona da amizade desde que somos novinhos.
— Então vocês são próximos?
— Um pouco.
Paramos de falar quando um homem bate na porta de vidros. O ambiente é um charme,
pequeno e com um estilo francês delicado. A floricultura Jardim do Éden possui uma fachada
com toldo e janelas repletas de vidraças que mostram o interior do local.
Por isso, Feya não tem dificuldade em dispensar o homem após explicar que estamos
fechando. Pois é, fechando. Não posso crer que Feya está praticamente me deixando!
— Não seja tão melodramática — Feya resmunga, caminhando na minha direção após
fechar a porta da frente depois de eu repetir para ela a última frase do pensamento anterior. — E
continue a falar do tal Hawke… Oh, espere, um momento. — Ela corre para trás do balcão mais
uma vez e retira de lá um envelope. — Aqui está o seu último pagamento, há também uma
rescisão generosa para cobrir alguns meses sem trabalho.
— Não posso crer! — Sorrio largamente, encarando o pacote cheio de dinheiro. — Vou ter
tempo para procurar um emprego que comporte meu ritmo de estudo — resmungo ao enfiar o
pacote com dinheiro na bolsa, logo depois os meus olhos se enchem de lágrimas ao encarar Feya.
— Você é uma cretina, Feya! Estamos praticamente terminando!
Ela joga a mão para o ar, mas os olhos também estão tomados pela emoção.
— Agora, por favor, comece a me contar sua história com Hawke!
— Tudo começou quando a minha família se mudou para Grapevine…
PASSADO
Encarei o meu uniforme mais uma vez. Ele era terrível. Marrom, branco e amarelo. Uma
aberração. Saia plissada, camisa branca, um cardigã preto e uma gravata terrível com listras
amarelas e marrons. Meias até em cima dos joelhos brancas e um sapato clássico preto.
Suspirei com a imagem refletida no espelho e tentei alinhar o último fio fora da trança que
fiz. Apanhei o gloss labial de cereja e passei uma fina camada nos lábios. Assim que saí do
banheiro, já avistei a minha mãe correndo para o primeiro andar da nossa nova casa.
Tínhamos chegado ontem de Washington e mal conseguimos desencaixar as coisas que
trouxemos de lá. Papai viria no final de semana seguinte, já que precisava deixar um bom trainee
no lugar dele na grande corporação que trabalhava. Por sorte, a transferência para Dallas foi
tranquila.
O Texas era o maior produtor petrolífero dos Estados Unidos e papai quis mudar de ares
quando viu que não receberia uma boa promoção na empresa que esteve trabalhando há mais de
quinze anos.
Apesar de estar empolgada com o novo lugar, eu ouvi os sussurros nas noites antes da
mudança. Mamãe não queria essa distância da sua família, mas papai parecia firme em sua nova
posição.
Por isso não pudemos opinar muito sobre o assunto.
Suspirei ao entrar na cozinha e ver minha irmãzinha, Rosemay, sentada ao redor da mesa da
cozinha. Ela sequer tinha ideia das mudanças que estávamos fazendo e parecia até mesmo mais
empolgada que o nosso pai.
Logo que entrei no cômodo, busquei um pouco de água.
Nós havíamos chegado há apenas algumas horas e eu já odiava o calor texano.
Mamãe entrou na cozinha, um pouco eufórica.
— Mãe! Depois que sairmos do hospital podemos comer um pedaço de torta?
— Claro, filha — respondeu para mim.
Eu suspirei, agora encarando os sapatos ilustrados. Eles brilhavam tanto que meu estômago
se revirou com a ironia daquilo. Eu estava ali, em pé e pronta para ir à escola enquanto minha
mãe parecia acomodada demais naquela rotina exaustiva da mudança e casa. Na verdade, nunca
lembrei de minha mãe fazendo algo além disso.
Casa.
Comida.
Roupas.
Essa era a vida dela, além de cuidar de mim e da minha irmã. Eu esperava conseguir algum
tempo com nós três juntas em atividades fora de casa antes do meu pai chegar. Robert não era
muito fã de passeios fora de casa e, por isso, nós três nós costumávamos ter sessões de filmes da
Disney e pipoca aos sábados, após ele ir dormir.
Eu e mamãe havíamos passado algumas horas pesquisando sobre cafeterias interessantes e
legais em Dallas. Tínhamos uma lista de cafeterias que conhecíamos e, em breve,
conquistaríamos mais cinco lugares!
Acordei do meu devaneio quando a minha irmã de sete anos resmungou sobre o calor. Eu ri,
concordando com ela e conferindo o pequeno relógio retrô com alças finas de couro falso, fundo
branco e ponteiros dourados no meu pulso.
Eu estava atrasada.
Mamãe nem lembrou dos meus horários, preocupada demais em organizar a casa e vestir
Rosemay para a escola. Na verdade, ela tinha se perdido tanto que eu já não conseguia ver ela
mesma dentro dos seus próprios olhos.
— Eu vou caminhando para a escola! — anunciei, fazendo a minha mãe olhar para o relógio
na geladeira, os olhos verdes se arregalaram em seguida.
— Ai, meu Deus, querida, você está atrasada! — Ela saltitou pelo cômodo, pegando uma
pequena lancheira. — Lanche extra como o habitual. — Me empurrou a caixinha plástica com
uma foto da Pequena Sereia estampada em cima. — Bolo de chocolate e tem uma maçã. Aqui
está o seu copo térmico com café.
Eu quis rir porque ela confundiu a minha lancheira e de Rosemay. Mais uma vez.
— Obrigada, mãe — falei, abraçando-a rapidamente e pegando os itens. — Bom dia para
vocês.
Sorri para a ruiva. Ela e eu éramos muito parecidas com os nossos cabelos ruivos e sardas
pelo rosto. Apesar disso, herdei os olhos verdes do meu pai. Já Rosemay era uma cópia fiel da
mamãe com os olhos castanho-avelã e lábios vermelhos.
Caminhei até a porta, tentando colocar a caixinha dentro da bolsa cheia de cadernos quando
a minha mãe falou:
— Não esqueça que o seu almoço está na geladeira. É só aquecer! Estarei no Walmart
fazendo compras ao meio-dia!
— Tuuudo bem.
Respondi ao cruzar a porta e abrindo mais o cardigã. O calor estava pior do lado de fora da
nossa casa. Abri a tampa do copo térmico de café e dei um pequeno gole, me arrependendo sobre
a escolha da bebida que tanto amava. O calor estava realmente terrível. Talvez a minha
inquietação fosse mesmo por conta do nervosismo do primeiro dia de aula.
Nova cidade, novas pessoas.
Eu nunca precisei passar por isso. Minha família era toda de Washington. Foi lá que meus
pais se conheceram, casaram e estabeleceram uma família. Agora estávamos em Dallas, onde
havia a melhor oportunidade para Robert Bloom. Eu precisava ver um lado positivo sobre isso,
mas ainda estava irritada demais com a escolha do meu pai.
Caminhei até a esquina da minha casa, onde pretendia esperar o ônibus da escola. Analisei o
meu relógio mais uma vez e a grande lataria amarela apareceu. O veículo parou na minha frente
e soltei uma lufada de ar antes de colocar o primeiro pé para dentro do ônibus
Sorri timidamente para a mulher que dirigia o automóvel e encarei o interior do lugar,
nervosa. Eram poucos os alunos que estavam ali. Todos aparentavam estar entediados e com
sono demais para me analisar. Bom, talvez o lugar não fosse tão ruim.
Escolhi um lugar sozinha e me acomodei. Encostei a testa no vidro gelado e encarei a
paisagem da cidade. Grandes prédios e bastante árvores. Mesmo com o ambiente confortável, eu,
secretamente, tinha odiado sair de Washington. Jamais contaria isso aos meus pais, pois não
cabia a mim fazer esse tipo de comentário a dois adultos, mas eu criei uma espécie de resistência
com isso tudo e não parava de encontrar pontos negativos a cada segundo.
Tirei meus fones de ouvido e engatei no telefone, procurando por uma playlist que me
deixasse um pouco mais contente. O meu dever era aceitar e, na medida do possível, pensar no
meu futuro acadêmico.
Ou seja, eu precisava focar na escola.
Quando o ônibus parou, depois de rápidos quinze minutos, senti os ombros ficarem tensos. O
grande portão da Thomas High School era imponentes, de ferro escuro e altos o suficiente para
nenhum aluno espertinho sair dali.
Vários alunos estavam na frente do lugar, alguns em rodas e outros sentados embaixo das
árvores que estavam no outro lado da rua.
Desci do ônibus e apertei um pouco a alça da minha mochila. Encarei meus pés, com medo
de ser reprovada logo nos primeiros segundos naquele lugar. Mordisquei o lábio e caminhei na
direção do portão sem olhar para os lados. Sentia os olhares queimando em mim, mas não seria
eu a observar.
Abri o copo de café e bebi mais um gole para me dar forças.
Meu caminho até o hall de entrada da escola foi interrompido por uma parede de músculos
que parou na minha frente. Eu apertei meus dedos ao redor do corpo e meus olhos subiram até o
rosto do garoto. Ele tinha olhos cor de uísque, cabelos morenos molhados e um sorriso ladino.
Além disso, a jaqueta do time de futebol americano da escola me fez acreditar que ele pertencia
ao time de futebol, ou do de futebol americano.
— Carne nova.
Pisquei duas vezes antes de processar o comentário ridículo, depois abri um pouco os lábios
em descrença e olhei para os lados, atrás de algum ponto de fuga.
Ele tinha mesmo falado aquilo para mim?
— Como é? — perguntei, incrédula.
— Carne nova —assoprou, levantando a mão para tocar o meu cabelo. — Nunca te vi por
aqui, ruivinha.
Dei um passo hesitante para trás, nervosa, e mais uma vez olhei para trás. Um grupo de
meninos estava observando a cena com sorrisos nos lábios. Comecei a me dar conta de que
talvez eu fosse a carne nova e eles estavam vendo quem seria o leão a comer primeiro.
Engoli em seco.
Eu não era boa em conflitos. Sempre hesitava e corria deles. Na maior parte das vezes, com
lágrimas grossas nos olhos. Contudo, eu estava travada naquela defensiva absurda. O garoto, por
outro lado, parecia se divertir com o meu medo.
— Quer ajuda para encontrar a sua sala? — perguntou, inclinando o corpo na minha direção.
Eu empurrei os óculos de grau com o dedo indicador, no meio da haste, para mais próximos
aos olhos e neguei com a cabeça, agora descendo os olhos para o chão.
— Não precisa.
— Eu insisto, ruivinha —respondeu com um tom de voz irônica.
Eu senti como se o meu campo de ação estivesse se fechando e só nós dois estivéssemos ali.
Em um cubículo pequeno do qual eu não conseguia fugir. Estava a ponto de gritar quando uma
voz feminina surgiu:
— E aí, Cole. Já está importunando alguma garota?
Levantei os olhos e olhei para onde vinha a voz. Uma garota loira com uma trança longa nos
cabelos caminhava pesadamente na nossa direção. Me chamou atenção que a gravata dela não
estava feita e não usava os habituais sapatos clássicos polidos. Eram um par de coturnos de couro
com tachas de prata. Ela parecia poderosa e dona de si. No mínimo, intimidadora.
— Mabel... — o garoto devolveu com tanto desprezo na voz quanto a dela. — Vamos
começar o ano com você me cercando de novo? Acho que isso é amor!
— Não mesmo, querido — ela falou, parando ao meu lado. — Isso é um aviso. Se eu ver
você incomodando qualquer garota esse ano, vamos terminar muito pior do que no ano passado
quando eu te vi puxar a Jamesie pelo braço no baile da primavera.
Ouvi a rodinha de garotos soltar um “uuuh” risonho para o garoto, que agora tinha a face
vermelha e as mãos em punhos.
— Olha aqui, sua vadia... — ele começou.
O tal Cole não terminou a frase. Mabel foi mais rápida e simplesmente o chutou no meio das
pernas com tanta precisão que tive certeza de que ela já tinha feito isso mais de uma vez. Cole
caiu de joelhos no chão com a mão entre as pernas, urrando de dor. A loira se aproximou dele
enquanto apoiou as mãos nos joelhos para inclinar o corpo e deixar o rosto frente a frente com
ele.
— Apanhando de uma garota dois anos mais nova que você no primeiro dia de aula, uh?!
Acho que o seu ego machista ficará ferido até o fim do ano, não é mesmo, Cole?
Ela levantou, não esperando que o menino dissesse mais nada. A loira, Mabel, me olhou e
me abriu um sorriso, estendendo a mão.
— O meu nome é Mabel!
Eu ri fraco, segurando a mão dela.
— Eu sou a Anise.
— Vamos ser ótimas amigas, Anise. — Ela piscou. — Quer ajuda para encontrar o seu
armário?
— Sim, por favor! — falei, caminhando com ela para longe.
Vi que os garotos, que antes desafiavam Cole, olharam intencionalmente para Mabel. Ela
piscou para eles e vi que alguns morderam os lábios e soltaram risadinhas para ela, que parecia
se divertir com isso.
— Então, você é nova, certo? — falou enquanto caminhávamos pelos corredores.
— Sim. Eu vim de Washington.
— Uh, legal. Já pensou em entrar em algum clube?
— Não. Na minha outra escola eu fazia parte do clube de literatura…
Ela riu, apontando para o meu copo de café e depois para os óculos.
— Isso é a sua cara.
— Ficou tão óbvio? — Levantei o copo de café com a estampa da minha casa de Hogwarts:
a Corvinal.
— Sim. — Riu enquanto entrava comigo no corredor dos armários. — Bom, vamos seus
horários... — Ela pegou a folha que eu carregava nas mãos. — A sua primeira aula é naquela
direção. — Apontou —, eu realmente preciso ir. Sou a capitã do time de basquete e preciso
encontrar algumas meninas antes de começar a aula. Você se importa?
— Não! — respondi, animada. — Você é a capitã do time. Meu Deus — quis não parecer
tão animada, mas falhei totalmente ao continuar: — Isso é demais!
A loira sorriu para mim de uma forma cheia de si.
— Eu sou demais! — Ela apontou para si mesma e gargalhou, andando de costas. — Nos
vemos no intervalo, novata.
Meu coração estava tão eufórico. Nunca estive tão feliz desde antes de descobrir sobre a
mudança. Eu precisava enviar mensagens para minha irmã, já que não deixei tantos amigos em
Washington a ponto de teclar mensagens sem parar.
Acenei para Mabel, sorrindo ao vê-la caminhar entre os alunos. Ela bateu na mão de diversos
deles, sorrindo a todo momento. Intimidadora e popular. Mabel era uma garota interessante.
Caminhei até o meu armário azul. Parei à frente dele e peguei a chave do bolso de fora da
mochila pequena e o abri. Fiquei extremamente satisfeita ao ver a pilha de livros deixados pela
coordenação e uma folha extra de horários.
A primeira aula era de gramática e a segunda de ciências sociais.
Peguei os dois livros e tentei equilibrar tudo entre minhas mãos, ainda com o copo de café
quase vazio entre os dedos. Eu até poderia tê-lo deixado dentro do armário, mas cada gotinha do
café que a minha mãe passava era preciosa e indispensável. A senhora Bloom era uma ótima
cozinheira, mas o forte dela eram as bebidas quentes.
Fechei o armário e passei a chave, segurando firme os meus livros. Coloquei os fones de
ouvido, posteriormente a folha das aulas e salas em cima deles e caminhei com os olhos nos
dizeres da folha.
Meus passos ensaiados e rentes aos armários estavam tranquilos ao som de “In Bloom” do
Nirvana então tentei abrir a bolsa para colocar a chave no bolso externo, mas tudo parou
abruptamente quando colidi contra outra pessoa.
Droga, duas no mesmo dia.
Rezei para não ser um idiota como o tal Cole. Porém, eu tinha problemas maiores já que
meus óculos caíram e meus livros também. Por sorte, o copo ainda estavam firmes entre os meus
dedos. Só esqueci de me salvar, já que caí de bunda no chão. Meus cabelos bagunçados e a saia
amassada. Um perfeito desastre.
Com os olhos fixos no chão, procurei pelos meus óculos.
— Me perdoe, eu estava distraída — falei, tirando os fones de ouvido e enfiando os óculos
no rosto a fim de melhorar a visão.
Antes de sequer pensar em começar a unir os meus livros e a minha folha, a pessoa à minha
frente já estava de pé e com todo o material nas mãos, já que não vi nada no chão. Eu me recusei
a procurar pelo olhar da pessoa da minha frente, morrendo de vergonha e me pus de pé, alisando
o tecido da saia.
Assim que eu me coloquei de pé, ouvi a voz do garoto à minha frente.
— Você está ouvindo Nirvana?
Eu levantei as sobrancelhas e foquei o olhar no garoto. Ele tinha o cabelo curto dos lados e
um topete bagunçado. Os orbes azuis pareciam um mar profundo, o maxilar era um pouco
quadrado e ele tinha um sorriso lindo assim como os ombros largos.
De forma totalmente fofa, ele tinha a lateral do corpo encostada na parede.
O garoto loiro vestia o uniforme clássico da escola: cardigã preto, calça, camisa branca e
gravata. Meu coração bateu rápido porque eu precisava constatar que ele era lindo. Muito mais
bonito do que o normal.
Os olhos curiosos me analisaram e eu fiz exatamente o mesmo com ele. Ele parecia o
perfeito clichê de um dos meus livros românticos. Podia apostar que era do tipo de futebol
americano com uma namorada líder de torcida.
Ou seja, nada para mim, pensei.
— Sim — respondi, fazendo menção de pegar os livros da mão dele, mas notei que segurou
outra coisa além dos meus livros.
Virei o rosto para trás, constatando que a minha mochila estava aberta. Devia tê-la deixado
aberta na tentativa de colocar a chave ali. Eu a fechei rapidamente. Meu rosto se transformou em
algo repleto de todos os tons de vermelho que existiam porque ele estava segurando a lancheira
de princesa que minha mãe me deu.
Pausei a música, encabulada pela observação da parte dele. O som estava realmente alto e
qualquer um que passasse ao meu lado conseguiria ouvir a música.
— Legal — ele falou, agora rindo. Não era um riso egocêntrico, era natural. — Eu sou
Hawke. — Estendeu a mão. — Hawke Scott. E você, Pequena Sereia? — Me empurrou os livros
com a lancheira em cima.
Meu rosto ficou ainda mais quente enquanto encarava, com ironia, o desenho das princesas
na lancheira. Havia uma Pequena Sereia ali.
— Anise. Anise Bloom — falei, pegando o material e querendo morrer.
Ele jogou o rosto levemente para o lado e apertou os lábios em um sorriso.
— Vi que você é do primeiro ano e tem aula de gramática agora, a minha irmã também.
Eu comecei a achar que estava alucinando, já que um garoto tão bonito estava puxando papo
comigo de uma maneira tão simples. Sem flertar, sem ser idiota e o melhor: sem se envergonhar
por isso.
Eu coloquei a lancheira na mochila, escondendo dele aquela vergonha.
— Que bom — falei, sentindo o rosto ainda quente.
— Eu sou do último ano. Então não vamos nos ver muito pelas salas. Mas adoraria que
minha irmã fosse sua amiga, o gosto musical dela é péssimo. Britney Spears e Christina Aguilera
gritam pela minha casa todas as tardes de sábado. — Rolou os olhos e achei aquilo engraçado.
Acabei rindo e ele também. Logo Hawke me entregou o meu material e sorri como
agradecimento. Não me contive ao acabar comentando:
— Se nós nos tornarmos amigas, eu prometo levar alguns CDs legais para ela. — falei.
— Ok, cabelos de fogo — respondeu, agora puxando a mochila mais para cima.
O sinal tocou, quebrando o encanto. Me senti como se fosse as badaladas da meia noite de
Cinderela. Eu o veria de novo? Ele seria tão educado e receptivo assim? Os alunos começam a se
mover com rapidez entre os corredores. Hawke apontou para trás de mim e eu acompanhei o
movimento rapidamente.
— A sua sala é para lá — ele falou. — E a minha para o outro lado.
Voltei a olhar para os olhos azuis.
— Então, tá. Obrigada pela ajuda. — Sorri, mesmo hesitante.
Não queria que o encanto acabasse. Talvez aquele tivesse sido o meu maior momento de
interação com garotos. Não era muito boa em flertes. Geralmente ficava nervosa demais. E com
Hawke tudo parecia agradável. O loiro piscou, se afastando e entrando no meio da multidão.
— Até mais, Pequena Sereia.
Senti o meu rosto queimar ainda mais e mordi o lábio quando girei nos calcanhares e
caminhei para a sala. Abaixei a cabeça até conseguir chegar no lugar que precisava. Adentrei a
sala de aula, escolhendo uma cadeira mais no meio, onde eu ficasse entre os baderneiros e os
demais estudiosos. Sempre no meio termo.
Me surpreendi quando uma voz familiar disse:
— Oi, eu posso me sentar com você?
Sorri para Mabel, que estava parada ao meu lado.
Indiquei a carteira vazia ao meu lado.
— Ah, sim — falei, chacoalhando a cabeça.
Assim que ela sentou, coloquei os meus livros em cima da mesa.
Quando as aulas terminaram, eu caminhei para o portão da escola junto com Mabel, já que a
nossa última aula foi junto. Já estava o cardigã aberto pelo sol forte de Dallas e esperava
fielmente que minha mãe tivesse preparado algo gostoso para o almoço. De longe, vi Hawke
encostado em um carro, com os braços cruzados na frente do corpo e conversando com alguns
rapazes.
Então os olhos passearam pela multidão como se procurasse alguém. Ele me viu e sorriu
para mim, acenando timidamente de longe. Eu me peguei fazendo o mesmo, o que chamou
atenção de Mabel.
— Para quem você está acenando? — a curiosa perguntou.
Senti o rosto quente e baixei a mão, rapidamente olhando para frente.
— Ninguém — falei, um pouco receosa. — E aí, você vai embora como? — perguntei, já me
dirigindo ao ponto de ônibus.
Ela levantou as chaves de um carro e eu sorri, pensando que se talvez meu pai fosse um
pouco menos mão de vaca, eu já tirei o meu carro.
— Você quer carona?
— Você é uma boa motorista? — indaguei, irônica.
Ela rolou os olhos e segurou pelos ombros, me guiando até o carro.
— Eu sou boa em tudo que faço, Anise Bloom!
Encosto o meu corpo na parede do elevador assim que adentro. Me sinto um pouco mais
cansada do que o habitual, afinal, ao invés de vender flores e fazer buquês, hoje resolvi ajudar
Feya a empacotar as coisas para a mudança.
Preciso estar na St. Edwards, a universidade que estudo, amanhã por volta das oito horas
da manhã e não sei se terei condições disso. Preciso de um banho demorado e algo gorduroso
para aplacar a ansiedade.
Espero que os meus vizinhos e de Mabel, Josh e Dan, estejam em casa. Eles sempre são
ótimos para dividir uma pizza. O elevador chacoalha quando para no primeiro andar. Todas as
vezes que entro nesse cubículo metálico e ele balança desta maneira eu me arrependo. É uma
tranqueira velha que vive emperrando. Afinal, a manutenção é quase nula, visto que moramos
em um prédio estudantil precário desde que eu e Mabel saímos do condado em que morávamos.
Porém, é o que os nossos salários conseguem pagar.
O pensamento me faz gemer e encarar a minha bolsa, com o resto do salário que me cabe.
Céus, além da volta de Hawke eu ainda precisarei lidar com a busca por um novo emprego.
Definitivamente, é a pior época do meu ano!
Assim que as portas do elevador se abrem, não me surpreendo ao ver um Josh Stewart
sorridente para mim.
— Ei, garota, como estamos? — pergunta ele, entrando no lugar.
Josh está usando uma camisa social branca que deixa a pele marrom mais evidente. Eu me
aproximo, fungando o perfume caro e sorrio. Me acomodo contra o ombro e ele solta uma risada,
me abraçando lateralmente.
— Destruída, cansada e extremamente faminta.
— Podemos pedir uma pizza — resolve, me fazendo sorrir.
— Você é o melhor amigo do mundo, sabia disso?
Ele resmunga.
Josh e Dan foram uma surpresa agradável durante a nossa mudança. Eu e Mabel não
sabíamos nada sobre morar sozinhas e tínhamos apenas vinte anos. Com apenas um ano a mais
de Universidade do que nós, Josh e Dan foram quase nossos guias dentro de Dallas, da St
Edwards e do prédio também .
Enquanto Josh está na área do Direito, Dan está se especializando na área médica. Apesar
disso, ele também joga no time de futebol americano do campus — agora como reserva por
conta do pouco tempo para os treinamentos.
— Semana passada você disse isso ao Dan porque ele lhe comprou rosquinhas com geleia
de morango.
Sorrio, vendo o painel mostrar que chegamos no nosso andar.
— Em minha defesa, estava de TPM. Tudo o que uma garota precisa durante seu período
é de doces. — Dou um tapinha no braço dele enquanto caminhamos para fora do elevador e
rimos. — Existe espaço para vocês dois no pódio, Josh.
Ele para na frente da porta deles e eu sigo até a minha, as duas ficam lado a lado.
— Assim que Mabel chegar em casa, do estúdio de dança, eu te aviso — comento e Josh
concorda com um movimento da cabeça.
No instante que atravesso o batente da porta e a fecho atrás de mim, me encosto na
madeira e suspiro profundamente, fechando os olhos. Meus pés e minhas costas estão me
matando, mas, mesmo assim, a minha mente está inquieta.
Preciso manter a minha compostura para amanhã.
Mabel não pode desconfiar do que sinto por Hawke.
O nosso prédio é antigo, provavelmente com arquitetura dos anos sessenta ou setenta, então
empurro os tênis para longe dos pés e coloco a bolsa no aparador ao lado da porta. Estou
decidida a me arrastar até o sofá marrom, mas lembro-me que preciso regar as plantas da sacada
da sala.
Observo o tapete espalhafatoso da sala, o que contrasta bem com o sofá — o primeiro preto
e o segundo rosa. Na sala, ainda há alguns quadros com pôsteres de filmes em uma versão
desenhada e repaginada, o que dão um ar moderno ao ambiente, bem como as cortinas com
estampa de quadrinhos. Do lado esquerdo vejo a cozinha com seu pequeno passa pratos e
paredes brancas com detalhes em cor pêssego.
Apesar de sempre escanear o ambiente quando entro, me atento às luzes acesas da cozinha.
Então me aproximo, curiosa para saber o motivo pelo qual Mabel está em casa a uma hora dessa.
— O que aconteceu com as suas alunas do horário das seis? — pergunto, puxando o
elástico do cabelo e soltando os fios. — Josh e Dan vão pedir pizza, o que você acha? Estou
faminta, mal-humorada e um pouco abalada. Pizza parece um conforto gastronômico perfeito.
Meus pés praticamente fincam no chão quando paro sobre a abertura que liga a cozinha e
a sala. Isso porque não é Mabel que está dentro do lugar. Ao invés dos olhos verdes da minha
melhor amiga, são azuis que me recebem.
— Oi, Pequena Sereia... — Ele sorri de lado e preciso me segurar na parede para não
desabar.
Hawke está parado no meio da minha cozinha.
Hawke.
Na.
Minha.
Cozinha.
Ai, meu Deus!
— Hawke… — resmungo com os olhos levemente arregalados e meu coração martelando
depressa no peito.
Eu acho que posso morrer.
— O que… você… aqui… — atropelo as palavras, sentindo minha boca ficar subitamente
seca.
Então o choque passa e eu me atento ao rosto dele. Há um sorriso suave junto com os
lábios carnudos e uma pequena camada de barba. Ele parece um pouco mais alto, mas acho que é
impressão.
Hawke usa jeans, camisa preta e tênis. E nunca pareceu tão bonito.
Poxa, faz seis meses!
— Consegui adiantar um voo — explica, então ri e abre os braços. — Agora, me dá um
abraço, Anise! Nem parece que sentiu minha falta!
Eu praticamente me jogo contra ele, também rindo. Se ele soubesse o quanto fez falta
jamais faria esse tipo de brincadeira. Não deixo de aproveitar a sensação do calor do corpo dele
junto ao meu enquanto inalo o aroma do pescoço.
Somos melhores amigos em segredos há anos. Quero dizer, temos um grupo de amigos
que sempre está junto e Hawke está no meio. Para todos, existe apenas uma amizade como
qualquer um. No entanto, é muito mais do que isso.
Suspiro, inconformada, porque nem mesmo ele sabe sobre tudo o que sinto.
— Como você está diferente — diz, se afastando e tocando meus cabelos. — Cortou o
cabelo!
— Sim... — solto as palavras ainda trêmula, segurando-me contra o pescoço dele e
sorrindo demais.
Ele está sorrindo para mim enquanto segura a minha cintura e torce o nariz de uma forma
engraçadinha, me deixando ainda mais boba.
— Sei que não era para eu ter ouvido, mas escutei sobre seu trabalho… sinto muito. Você
parecia gostar da Floricultura.
Meus ombros murcham minimamente.
— Vou me acostumar, mas agora não vamos falar disso! — Rio, dando uma leve
chacoalhada nele. — Me conte tudo!
— Bom, acho melhor esperarmos a Mabel, sim?
— Não! Vamos cozinhar e esperá-la com comida enquanto você me entretém com um pouco
de história — tento soar menos eufórica possível.
Então passamos o tempo cozinhando enquanto Hawke me conta sobre os estudos. Ele fala
com brilho nos olhos sobre tecnologias que eu não faço a mínima ideia do quão incríveis são.
Apenas sorrio enquanto ele continua encostado na parede, movendo as mãos e falando.
Preciso manter o foco na produção do jantar, porque ele me tira toda a concentração quando
sorri demais. Logo Mabel chega e os dois se entretém em um abraço tão forte e apertado que me
faz sorrir amplamente. Fazia tempo que eu não via tanta comoção entre eles. Quer dizer, as
coisas estavam um pouco estremecidas antes de Hawke viajar.
— Como você conseguiu isso? — Mabel pergunta, rindo enquanto bebe um gole do vinho
que Hawke trouxe.
Engulo um pouco mais do risoto, observando a interação dos dois.
— O cara estava no voo comigo e engatamos em uma conversa casual. Comentei que
precisava de um emprego e ele disse que tinha uma vaga de barman.
— Você ao menos sabe as proporções de Jack and Coke. Quem confiaria em você para fazer
drinks? — Mabel diz, e eu quase engasgo com o risoto.
Hawke parece inabalável pela brincadeira da irmã.
— Convide os caras para ir até lá amanhã à noite — comenta ele, olhando de relance para
mim. — Desculpe ferrar com a pizza com o Dan e o Josh.
— Eles não vieram porque não quiseram — resmunga Mabel, servindo-se de mais risoto
de queijo. — Dan não é o seu maior fã.
Hawke apenas dá de ombros e logo muda o assunto, me encarando e ignorando os
comentários ácidos da irmã.
— Vou adorar saber se você gosta das combinações malucas que eu faço.
— Hum. Interessante... — pontuo, tocando o indicador no queixo. — Nunca tive muitas
experiências com álcool, então vou precisar de um bom guia.
Ele bate no peito e ri.
— Estará nas mãos do melhor.
— Não se esforce tanto — Mabel diz. — Você pode ser uma decepção ou um pé na bunda.
Agora vamos ligar para a mamãe. Se ela souber que você já chegou e não comunicou, vai acabar
tendo uma síncope.
— Ela só saberá se você contar, Mabelzinha.
Enquanto os dois se acomodam no sofá para fazer a chamada com Elizabeth e Bob Scott,
organizo a mesa. Em seguida, resolvo ir para o meu quarto para procurar os classificados de
emprego no site do diretório estudantil da St. Edwards University.
Deitada na cama e com o notebook no colo, eu tento listar em um pequeno bloco de
anotações as possíveis vagas interessantes para completar a minha mensalidade.
Mordisco o lábio inferior e empurrou os óculos para mais perto dos olhos ao mesmo tempo
em que bato com a caneta azul no canto do teclado do notebook.
Nada parece muito bom.
Isso porque minhas aulas são no período da manhã, o que me limita muito em relação ao
horário de trabalho, sendo necessário um trabalho que cubra o período vespertino e noturno. Ou
apenas um deles.
Suspiro, frustrada com as informações que rolo na página.
— Toc, toc.
Levanto os olhos por cima da tela do notebook que está no meu colo e encontro Hawke
parado na porta, com os braços cruzados e encostado com a lateral do corpo no batente.
— Hum, oi... — falo, colocando o notebook ao meu lado enquanto assisto ele se aproximar e
analisar o meu quarto ao mesmo tempo que troca olhares comigo.
— Convidei Mabel para tomar sorvete e ela disse que precisa descansar um pouco — ele
fala despretensiosamente. — Quero saber se você gostaria de me acompanhar.
Arqueio uma sobrancelha.
— De quantas bolas de sorvete estamos falando?
— Quantas você quiser. — ri, parando ao lado da minha cama.
Finjo ponderar entre sim e não com um olhar pensativo vago pelo quarto, abrindo um sorriso
ao levantar da cama e colocar os pés no chão.
— Ok, vamos lá! — falo, tentando não parecer tão animada quando estou.
Ele sorri, girando nos calcanhares e desaparecendo do meu quarto. Olho rapidamente para o
meu reflexo no espelho do quarto. Um short jeans simples e uma camiseta larga branca
compõem o que estou usando. Um pequeno relógio com tira de couro falso, um brinco de strass e
um colar com uma pedra turmalina negra. Sorrio para a imagem, começando a amarrar os fios
vermelhos em um coque enquanto caminho na direção da sala.
Mabel cruza comigo no corredor na direção do quarto dela e trocamos um sorriso. Céus,
todas as vezes que estou extremamente animada com o irmão dela me sinto em uma espécie de
traição, então ignoro o sentimento e continuo caminhando até a sala.
Hawke já está parado ao lado da porta enquanto tecla algo no telefone. Quando ele nota a
minha presença, acabamos trocando um sorriso tímido. Ele guarda o celular no bolso e abre a
porta.
Saímos do apartamento em silêncio, descendo as escadas do prédio ao invés de usar o
elevador. O silêncio se estende até atingirmos a calçada na rua. A cidade está toda em
movimento apesar de passar das sete horas da noite.
Consigo observar a fumaça subindo das saídas do metrô, misturando-se com a fumaça dos
carros. Quando avisto a cor azul celeste e rosa bebê da tenda da sorveteria, acabo por sorrir. A
estrutura do lugar parece lembrar uma sorveteria dos anos sessenta. Quando cruzamos a porta de
vidro avisto os sofás em cores pastéis, o grande balcão de pedidos em cor azul e os bancos
giratórios brancos. O piso é todo quadriculado entre branco e preto, dando um ar mais retrô
ainda.
Uma sombra de sorriso se faz presente nos lábios de Hawke quando eu o encaro pelo canto
dos olhos. Ele caminha comigo até uma das mesas. Deslizo pelo acolchoado de um lado da mesa
e ele do outro, mantendo uma distância segura — mesmo que os nossos pés se batam às vezes.
Uma garçonete animada, usando patins e saia rodada, chega ao nosso lado.
— Bem-vindos ao IceMellow. O especial do dia é o milk-shake de morangos com chantilly e
cereja.
Levanto os olhos para Hawke, que parece concentrado no cardápio.
— Acho que eu vou querer um desse.
Ela sorri, anotando o pedido em um bloquinho amarelo.
— O mesmo para mim.
Hawke sorri, colocando o cardápio no canto da mesa arredondada. A garota gira nos patins e
desliza pelo salão como uma perfeita bailarina. Apoio o cotovelo em cima da mesa e o queixo na
mão, soltando o ar dos pulmões ao encarar a rua.
— Não teve sucesso com os classificados? — Hawke pergunta, despojado. — Não pude
deixar de notar a página no seu notebook.
Encaro os olhos azuis com um pesar na voz.
— Não. Todos os trabalhos preenchem o período matutino e vespertino. Além de exigirem
algum tipo de experiência prévia e, vejamos bem..., a única coisa que eu sei fazer é carregar
bandejas de um lado para o outro ou fazer arranjos de flores.
Durante a adolescência, por coincidência, também trabalhei em uma sorveteria.
Ele solta uma risada e logo agradece a garçonete quando ela coloca as taças retangulares à
nossa frente, recheadas do líquido rosado, chantilly e uma pequena cereja no topo. Coloco o
canudinho na boca para sugar o milk-shake quando Hawke fala novamente:
— Talvez eu possa ajudar. O dono do bar que vou trabalhar também estava contratando
novas garçonetes no McGee’s.
Solto o canudinho e me encosto no estofado.
— Eu fui garçonete de uma lanchonete. E, sinceramente, eu não sei até que horas um bar
fica aberto, já que não frequentei muitos. Acho que isso pode comprometer o meu desempenho
acadêmico... Preciso manter as notas sempre na média. — Nego com a cabeça algumas vezes,
apertando os olhos com um pouco de força. — Eu sei que não posso negar as oportunidades que
aparecerem, mas... também preciso colocar em uma balança o fato de que sou distraída, o que
sempre me resultou em mais horas de estudo do que a maioria…
Abro os olhos lentamente quando ouço uma risadinha baixa de Hawke. Ele tem os olhos em
mim, mesmo quando pega o chantilly do seu milk-shake com a ponta do indicador e leva
maldosamente até a boca.
Ele aponta para mim.
— Eu lembro bem, você estudava por uma semana inteira para uma única prova.
Concentro meus olhos no milk-shake enquanto debruço os braços cruzados em cima da
mesa, me fazendo inclinar o corpo por cima do copo para terminar o conteúdo.
— Posso tentar um emprego ou um estágio na Universidade..., mas eles abrem só daqui dois
meses. — Bufo.
A mão de Hawke pousa sobre o meu antebraço e ele sorri quando eu analiso seu rosto.
— Vou falar com James, ele pode ter algum contato. Vamos dar um jeito nisso, tá bom?
Aperto os lábios em um sorriso tímido, lutando com a euforia em meu peito.
— Hawke… eu senti sua falta — a confissão sai em um sussurro e as minhas bochechas se
aquecem quando ele sorri de volta.
— Eu também senti sua falta.
PASSADO
— Você não pode ir um pouco mais devagar? — gritei para Mabel, que dirigia igual a uma
lunática na estrada.
— Você precisa sentir a adrenalinaaaaa! — ela gritou ainda mais alto, jogando uma mão
para cima.
Eu apertei os olhos e segurei firme no banco. Desejei que o caminho das três quadras a
frente passasse rápido para eu sair logo do carro. Mabel freou o veículo com brutalidade, o que
me trouxe para a frente e respirei fundo. Toquei todas as partes do meu corpo, constatando que
estava viva. Meu corpo todo estava cheio de ansiedade e minha trança com certeza estava tão
bagunçada que as pessoas poderiam achar que eu saí de dentro de um furacão.
— Amanhã eu te pego às seis e quarenta.
Eu soltei o cinto de segurança e abri a porta.
— Nem morta — falei, suspirando. — Eu preciso de terapia depois dessa aventura.
Ouvi Mabel rir alto quando eu já cheguei no gramado na frente da minha casa. Tentei
arrumar o cabelo e virei de frente para o meio fio, onde o carro dela estava.
— Depois eu te mando a mensagem com o livro que eu te indiquei. Você vai adorar o Rhys
e a Feyre! — falei, virando rapidamente para a minha casa. — Boa tarde!
— Boa tarde, ruivinha! — provocou.
Ela cantou pneu do carro conversível que eu não fazia a mínima ideia de qual era e sumiu
dali. Suspirei alto, pegando a chave para entrar e me deliciar com a comida requentada da minha
mãe.
Depois do almoço, eu tomei um banho relaxante e coloquei uma camisa larga dos Caça
Fantasmas e um short de malha confortável. Comecei a organizar o meu quarto e, por sorte, as
minhas roupas estavam bem dobradas dentro das malas, me restando apenas o trabalho de
colocá-las nas prateleiras. Empurrei as malas para cima do armário e tratei de abrir as caixas de
livros para organizá-las na minha prateleira.
Depois disso, restaram apenas os porta-retratos e os meus pôsteres do Senhor dos Anéis atrás
da porta. Meu pai traria a minha coleção de miniaturas e, aí sim, eu demoraria muito tempo para
deixá-los alinhados e de acordo com os filmes e temporalidades corretas.
Avaliei o relógio e vi que já passavam das duas horas e resolvi ligar para mamãe, com
preocupação. Ela me tranquilizou, falando que estava com a nossa vizinha, uma mulher chamada
Elizabeth, num salão de beleza. Fiquei feliz por ela fazer algo para si e acalmei o meu coração.
Aproveitei o tempo livre e o silêncio para ler. Peguei o livro que estava lendo em cima da
mesa de cabeceira: Percy Jackson e o Mar de Monstros, me acomodei melhor na cama e cruzei
as pernas, abrindo o livro na página correta.
Comecei uma leitura tranquila quando o vizinho do lado colocou, ao todo volume, “Whiskey
in the Jar” do Metallica para tocar. Eu respirei fundo, abaixando o livro e encarei o teto. Por
mais que eu amasse Metallica, só queria um pouco de paz depois de organizar o meu quarto.
O som aumentou.
O barulho da guitarra era estridente e eu rosnei, pulando da cama e abrindo a cortina com
força.
A janela do meu quarto dava de frente para a do vizinho, que estava sem cortinas, revelando
um quarto simples. A duas casas eram dividias apenas por uma árvore, que parecia um salgueiro
de tão forte que os troncos eram, então observei os galhos, com certeza dava para ir de uma casa
a outra pela árvore.
— Ei! — eu gritei alto. — Vizinho! — falei alto. De novo. — Vizinho barulhento!
Então ele surgiu na janela com as duas mãos no parapeito e um rosto raivoso. Eu arregalei os
olhos e engoli em seco ao tentar reprimir uma risada que estava pronta para sair dos meus lábios.
A expressão de fúria logo se transformou e o loiro tombou a cabeça para o lado, sorrindo
lindamente.
— Pequena Sereia — falou devagar ao esticar o braço para o lado para abaixar o volume. —
A música não te agrada? — Arqueou as sobrancelhas.
Ele estava sem o uniforme, usando calça de moletom e uma camiseta simples. O cabelo loiro
estava uma bagunça agradável, como se ele tivesse tomado banho e deitado.
— Não é isso — falei, um tanto quanto envergonhada ao colocar uma mecha de cabelo para
trás da orelha. — É que eu estou lendo. Tem como você, hum... abaixar um pouquinho?
Ele soltou uma risadinha bonita e mordeu o lábio inferior rapidamente.
— Desculpa, mas eu só consigo ouvir Metallica em um volume estridente. Sabe? Existem
bandas que não devem ser ouvidas em um volume baixo.
— Tipo Iron Maiden — eu falei, agora cruzando os braços no parapeito e observando a
reação dele.
Hawke arregalou os olhos e se aproximou do parapeito também, rindo. Nossas janelas
deveriam ter no máximo três metros de distância uma da outra.
— Exatamente. Então nós vamos precisar decidir como fazer isso dar certo, uh?!
— Proponho um trato — falei, levantando a mão. — Um dia de música e outro de leitura.
— Uh, tudo bem. — Ele jogou os braços para cima rapidamente e se sentou na janela com os
pés para o lado de fora. Eu tive vertigens pela altura enquanto Hawke pareceu não se importar.
— Como você sela um trato?
— Jurar de dedinho? — falei rapidamente. — Pelo menos funciona com a minha irmã.
Ele, então, esticou o corpo a árvore entre as casas e passou por ela. Um dos galhos dava
frente para a minha janela e era forte o suficiente para aguentar Hawke sentado praticamente de
frente para mim. Ele levantou a mão e ofereceu o dedo mindinho para mim.
— Vamos jurar de dedinho então, Pequena Sereia.
— Pare de me chamar de pequena sereia — eu falei antes de unir os nossos dedos.
Ele rolou os olhos e riu.
— Você tem uma lancheira da Pequena Sereia e seus cabelos são cor de fogo iguais aos
dela. É óbvio que você é a Pequena Sereia.
Eu cruzei meus braços, de birra, ao mesmo tempo em que queria sorrir.
— A lancheira era da minha irmã mais nova, para a sua informação.
Ele deu de ombros.
— Tudo bem, não me importo. Você é a Pequena Sereia, sim. Agora jure de dedinho e me
deixe ouvir Metallica.
Levantei o dedo e apertei contra o dele. Ele tinha os olhos nos meus. Senti uma sensação
estranha no estômago. Então, ele soltou as nossas mãos e saiu dali, escalando a árvore e entrando
de volta no próprio quarto.
Hawke continuou perto da janela, me olhando ao levantar o volume.
— Só para você saber. De todas os filmes de princesas que a minha irmã me fez assistir com
elas, a minha favorita sempre foi a Ariel. — Ele piscou para mim. — Espero que goste da
seleção de hoje, Pequena Sereia.
Eu rolei os olhos e, ao mesmo tempo, me vi pegar um pequeno banco para ficar mais
próxima à janela e ouvir a seleção de músicas do Metallica que ele fez. O que eu não notei era
que fiquei tempo demais ali, e tempo demais sorrindo.
Eu avalio a imagem refletida no espelho e sorrio timidamente para mim mesma. Estou
ridiculamente animada para ir até o lugar que Hawke trabalha. Ele voltou faz duas semanas e só
agora que conseguimos nos organizar para ir.
Ainda me sinto um pouco culpada por gastar o meu dinheiro com isso e não com minhas
contas, mas até mesmo minha mãe me encorajou a sair com os meus amigos na nossa última
ligação de vídeo, ontem.
Reprimo a fagulha de esperança que assola o meu peito desde que Hawke adentrou ao meu
quarto e me convidou para sair. Bom, eu tenho grandes motivos para negar o fato que estar perto
de Hawke novamente é muito bom. Independentemente da inclinação amorosa que a minha
mente fantasiosa criou, Hawke sempre foi um ótimo amigo. E, além do mais, ele tem uma
namorada. Ou ex-namorada. Ainda não sei direito.
Toda vez que penso nisso — o que tento evitar —, o meu peito dói.
Ele e a namorada têm um relacionamento complicado entre idas e vindas.
Então, voilá, mais um motivo para evitar pensar nisso. Vou reprimir esse sentimento para
uma caixinha escondida no fundo do meu guarda-roupas e viver tranquilamente.
— Você por acaso tem camisinhas? — a voz de Mabel aparece no banheiro.
Viro o rosto para encontrar a minha amiga com a cabeça entre o pequeno vão da porta e a
parede com um sorriso sacana nos lábios.
— Não — falo, corando. — Na real, eu acho que você deveria ter isso por aqui... já que você
é a garota das orgias — respondo, voltando a analisar a imagem no espelho e terminar de passar
a camada fina de batom nude que eu escolhi.
Estou usando uma jardineira jeans escura com um top de girassóis por baixo. Os fios
alaranjados estão presos em um coque alto devido ao calor infernal que faz em Dallas nessa
época do ano e, nos pés, calcei uma sapatilha aberta nas laterais cor creme.
— Eu meio que acabei com elas. — Mabel suspira, agora abrindo toda a porta e revelando
um vestido preto justo e tênis All Star brancos, uma combinação perfeita com o colete jeans
repleto de bottons de animes. Quem vê assim acha que ela é uma rockeira, mas verdadeira paixão
da minha amiga é a cultura pop. — Acho que vamos precisar parar na farmácia, então.
— Mabel, estamos indo a um bar — a reprimo, avisando-a através do reflexo do espelho e
espalhando o batom nos lábios com o indicador. — Você vai... o quê, transar no banheiro?
Ela arqueia as sobrancelhas e rola os olhos, jogando as mãos para o ar ao fazer uma
expressão como se quisesse me dizer “óbvio”.
— Pelo menos o banheiro daquele lugar terá história, minha cara! — Ri.
— Por Deus, Mabel Scott! — Eu coloco o tubo preto dentro da nécessaire de maquiagens e
viro para a minha amiga, colocando as mãos nos quadris. — Você se tornou uma comedora de
homens.
A loira levanta o dedo indicador e estala a língua nos dentes.
— Abelha rainha, mon amour.
Nós duas soltamos uma gargalhada alta e ela acaba cruzando os braços, me encarando
sorridente.
— É bom te ver feliz. Fiquei preocupada com a sua reação após a perda do emprego…
Apenas dou de ombros.
— Águas passadas. Estou confiante que encontrarei algo em breve.
— Sabe o que está faltando pra você? — Aponta para o meu peito, batendo o indicador
em mim. — Um namorado..., ou uma namorada.
Arqueio as sobrancelhas, sentindo o meu rosto corar.
— Uh, não, eu... hum…. — resmungo de forma nervosa.
— Não, não… vamos precisar arrumar alguém para você logo, logo. Vou pedir ajuda dos
garotos!
Mabel sai do banheiro e eu marcho atrás dela, indignada.
— Para o Dan? Ele é o maior pegador da Universidade inteira, não quero que ele anuncie
por aí que quero alguém. É capaz de eu receber currículos!
Realmente. Daniel Colley, além de incrivelmente bonito e simpático, é o sonho
universitário de qualquer garota: músculos e popularidade. Claro, o futebol americano vem de
brinde com o pacote de corpo perfeito, pele bronzeada e cabelos escuros.
— Vamos logo! Os garotos já estão nos esperando no carro. Precisamos arrumar um lugar
ótimo para avaliar o menu com calma.
Apago a luz do banheiro e caminho com ela pela sala, pegando os meus óculos de grau em
cima da mesinha de centro.
— Mas o menu não é entregue pelo garçom em cada mesa? — indago enquanto fechamos a
porta do apartamento.
— Menu são as opções da noite, Anise — Mabel fala, apertando meu nariz e soltando uma
risadinha perversa. — O McGeen’s é o bar mais interessante para arrumarmos um crush para
você.
Por alguns instantes, eu tento abrir a boca para dizer que não preciso de um crush no
momento e que, sim, preciso pensar em como pagar a faculdade. Além de, claro, torcer para os
meus documentos serem aprovados para conseguir a especialização quase gratuita no próximo
semestre.
Isso vai aliviar muito as coisas por aqui.
Só que para os meus amigos, a prioridade é me deixar feliz primeiro – antes do problema
todo envolvendo o final do meu curso geral. Não deixo transparecer nenhum problema enquanto
entro no carro com todos e me deixo envolver pela felicidade deles.
Quando Dan para o carro na frente da estrutura do bar, me pego sorrindo ao sair do
veículo. Luzes estão estrategicamente colocadas no teto da área externa, deixando as mesas de
espera em um clima convidativo até para aqueles que precisarão esperar por uma reserva dentro
do salão na área externa. Consigo visualizar parte do bar pelas grandes vidraças de vidro
temperado da frente como se não existissem paredes para a rua, apenas os vidros. O lugar tem a
luz baixa e parece ter música alta.
— Boa noite, Cliff — Josh fala para o segurança da porta. — Muito movimento hoje?
O homem alto, careca e com uma tatuagem enorme no pescoço dá de ombros e abre um
sorrisinho tímido. Estreito os meus olhos para o nosso amigo e troco um olhar curioso com
Mabel e depois com Dan.
— O Josh já esteve aqui? Esse bar parece muito caro para um universitário — comento, e
Dan arqueia as sobrancelhas.
— Ele está envolvido com esse pessoal do direito, acho que pode ser isso — responde o
nosso amigo.
Sorrio para ele, que está muito mais arrumado do que o habitual, usando uma camisa de
botão azul e cabelo penteado.
— Ou ele pode ser um sugar baby... — Eu dou uma cotovelada em Mabel, que olha pra
mim com um ar ladino. — Qual é, hoje em dia mulheres poderosas podem ser sugar mommys.
— Não estou dizendo que não podem, Mabel — resmungo baixinho enquanto Dan tenta
controlar sua risada ao meu lado. — Só que Josh, ele…
— É um rapaz bonito, não me surpreenderia ele estar ganhando algum dinheiro com isso
— Mabel resolve, mas com um ar de divertimento.
Me rendo a brincadeira, rindo também. Enquanto isso, Josh não faz ideia do que estamos
falando porque continua interagindo com o segurança.
— Sabe como é, calor, início de semestre e promoção de Sex on the Beach. Estamos com a
casa bem cheia — o segurança mal-encarado diz.
— Lugares no balcão? — Josh pergunta, tentando espiar para dentro do estabelecimento.
— Tem nome na lista? — ele pergunta.
— Em nome de Hawke Scott.
Depois de sorrisos e cumprimentos trocados, adentramos a um corredor de luzes vermelhas
para chegar num mezanino baixo com uma escada que leva até a parte principal do salão. À
direita, algumas mesas pretas e com quatro lugares estão dispostas com lustres individuais lhes
conferindo iluminação.
Ao fundo, há um pequeno palco e, ao lado, um corredor com luzes vermelhas iguais a da
entrada me fazem crer que aquele é o acesso ao banheiro. À esquerda, encontro um largo e longo
balcão de bar com inúmeras bebidas enfileiradas em prateleiras aos fundos do pequeno ambiente.
Do outro lado do balcão, Hawke limpa a superfície do mármore enquanto sorri e conversa com
uma garota que está mexendo uma coqueteleira.
— Uau... — sibilo, soltando um suspiro. — Elegante e convidativo. Espero que as bebidas
não sejam caras.
Mabel segura em meus ombros e me empurra na direção do bar.
— Vamos começar com tequila.
Levanto o dedo em protesto.
— Eu só provei tequila em margaritas, então vamos com calma! Não quero uma primeira
vez desastrosa nesse lugar.
Todos os três gargalham comigo e é neste instante que nos sentamos nos bancos à frente do
balcão. Em poucos instantes os olhos azuis de Hawke invadem o nosso campo de visão. Ele
empurra três copos para nós.
— Façam seus pedidos!
Não sei muito bem o que pedir, então peço que Mabel escolha por mim. Logo Hawke está
dividindo o tempo entre nós e outros clientes. Ele anota os pedidos e começa a produção. Tento
me concentrar na conversa com nossos amigos e não permanecer por muito tempo observando-o.
Assim que as bebidas chegam, agarro o meu copo e o levanto, brindando com todos. No
instante em que baixo o copo, encontro os olhos de Hawke e um sorriso tímido. Suspiro quando
me pego observando o lábios esticados por tempo demais e o corpo perfeitamente proporcional.
— Então é isso, precisamos de um namorado para a Anise!
Me atrapalho com o copo na mão, encarando o rosto de Mabel, que está olhando
fixamente para Josh e Dan, parados à nossa frente.
— O que…
— Não costumo ser intrometido na vida amorosa das minhas amigas, mas Anise... Não
engate um relacionamento sério nos últimos meses da faculdade. — Dan suspira. — Aproveite
um pouco. Quero dizer... Suas experiências são quase nulas. Eu realmente espero que cada uma
de nós tenha o seu final feliz para sempre, ou sei lá no que vocês acreditam. Sozinhos ou com
algum companheiro. Só que… — Estala os dedos no ar. — Vinte e quatro anos e você tem toda
uma especialização pela frente. Será que esse é o momento ideal?
Josh, de repente, bate na nuca de Dan, fazendo o rapaz gemer em protesto.
— Me desculpem pela visão deturpada do amor que esse rapaz tem. — Ele alisa a camisa
bege e sorri elegante. — Dan não consegue ver como o amor é importante e pode se tornar um
grande suporte no dia a dia. Ele está perdido demais enfiando-se embaixo de cada saia que vê por
aí para não pensar nas merdas da antiga namorada.
Eu e Mabel trocamos um olhar surpreso. Por alguns instantes, dou graças a Deus pelo
rumo da conversa ter mudado. No entanto, estou estupefata demais com a revelação de Josh.
— Você nunca falou sobre um antigo amor! — eu resmungo, vendo o rosto de Dan se
contorcer em uma careta. — Daniel Colley! Nos conhecemos há quase quatro anos e você nunca
mencionou isso!
— É como a vida é... engatamos um relacionamento amigável e não conhecemos nada da
pessoa — Mabel está indignada.
Dan apenas coça o pescoço, olhando para algo atrás de nós e logo volta a encarar nossos
rostos. Ele está visivelmente sem graça e até mesmo um pouco chateado. Por sorte, o ambiente
está ficando cheio e a música aumenta um pouco, bem como as conversas. Isso parece deixar o
ambiente menos tenso.
— Vamos apenas esquecer isso, sim? É uma pegação no pé da parte de Josh. Eu realmente
já superei ela.
— Então existe uma história… — Mabel suga o líquido do seu copo, fazendo um barulho
típico de quando o canudo chega ao fim do copo.
Ela continua encarando Dan.
— Apenas vamos esquecer, sim? Vamos para a pista de dança! — Dan anuncia,
apontando para o lugar e esticando a mão para mim.
Eu sei que ele quer apenas fugir. Bom, quem sou eu para julgá-lo? Minutos atrás eu
também queria fugir de uma conversa embaraçosa com a insistente Mabel Scott.
— Tudo bem — digo, dando de ombros e segurando na mão do meu amigo. — Eu não
danço — confesso, baixinho, enquanto caminhamos na direção da pista.
Dan solta uma risadinha.
— Nem eu!
Eu gargalho um pouco após a confissão, mas não me importo. Seguro firme na mão esticada
para mim e ele não nega quando começo a puxá-lo para o meio da pista. Eu solto da mão de Dan
quando encontro um lugar bom para dançar. Giro em volta do corpo e jogo as mãos para o alto.
Daniel me olha curioso e risonho, mas também se mexendo de forma desajeitada. Volto a
segurar em seus pulsos para girar com ele. Lembro da cena do filme Titanic quando Rose e Jack
rodam juntos entre uma dança. Em instantes, estamos fazendo isso e rindo. O sorriso largo que
ele lança me deixa aliviada e menos apreensiva por não estar aproveitando tanto a noite depois
da menção de Josh.
Ficamos dançando até o último refrão e, quando acaba, sinto o meu corpo suado. Ofegante,
eu sorrio para ele. Os olhos de Dan esquadrinham o meu rosto profundamente, só que outro par
de olhos me chama. No fundo da pista, Hawke está parado, rindo da nossa dança ridícula ao
arquear uma sobrancelha. Eu estou meio alegre e sorrio largamente para ele, piscando.
No entanto, em seguida, sinto o corpo de Dan se aproximar do meu.
— Eu seria o primeiro da lista.
A voz dele soa rouca.
— O que? — Viro o rosto, tentando entender do que ele está falando.
— Para ficar com você uma vez.
O toque com a ponta dos dedos no meu braço nu é o suficiente para deixar o meu corpo
aceso. Em breves segundos, me dou conta que faz um bom tempo que não tenho relações com
algum cara. Na verdade, eu fazia isso sempre em Grapevine, quando o meu antigo namorado,
Tristan, retornava à cidade e nós dois nos embriagávamos no porão da casa dele com cervejas e
pizza gelada. Eu só tinha transado com Tristan e, por mais que todas as vezes tivessem sido
ótimas, eu realmente gostaria de ter mais experiência no assunto.
Só que Dan, bom…, ele é um dos meus melhores amigos. Não posso cometer um erro
desses. Então apenas sorrio para ele e continuamos nos divertindo juntos. Apesar disso, não
posso deixar de me perguntar se Dan foge de toda sua merda com uma infinidade de garotas.
PASSADO
Empurrei os óculos mais uma vez para perto dos olhos enquanto analisava a porta da sala de
aula à minha frente. Meus dedos suavam contra a capa do livro que eu segurava ao trocar o apoio
do corpo de pés rapidamente.
Vi quando o rapaz cruzou o corredor. Ele caminhava conversando com outros garotos e
despedindo-se para vir até a porta da sala em que eu estava observando por alguns minutos antes
dele chegar. Mordi o lábio quando ele passou por mim e me desencostei do armário para me
aproximar.
— Tristan? — perguntei assim que vi o ruivo.
O garoto parou e virou o corpo para mim.
Tristan era um dos jogadores de lacrosse do time da escola. Ele era alto, forte e muito bonito.
Os olhos cor âmbar combinavam com os fios ruivos de tom escuro dos cabelos e o dele sorriso
era tão convidativo que me peguei sorrindo também.
— Oi? — ele falou, agora virando o corpo de frente para mim. — Posso ajudar?
Na verdade, ele não se lembrava, mas nós estudávamos juntos. Tristan era muito popular
para olhar para a garota de cabelos vermelhos e corpo sem graça enquanto tinha as meninas
bonitas em cima dele. Bom, eu me achava bonita, só que eu não era o padrão social de beleza.
— Eu descobri que você é o presidente do clube de literatura — falei, desviando os olhos e
colocando uma mecha para trás da orelha ao encarar meus sapatos.
Ele deu um passo na minha direção.
— Ah, é? — perguntou, com a voz risonha.
Eu ri, levantando os olhos e sentindo as bochechas queimarem.
— Eu sei que o grupo já está fechado. Mas se sobrar alguma vaga, bom, você pode me
avisar? Eu participava do clube de literatura da minha outra escola e adoraria entrar nesse —
falei, tentando fixar os olhos nos dele.
Tristan analisou o meu rosto com um sorriso bobo brincando nos lábios. Os olhos desceram
por cada detalhe do meu rosto, demorando-se nos lábios e indo até o livro que carregava. Ele
tocou a capa com a ponta dos dedos, levantando um pouco para visualizar. O ruivo sorriu,
voltando a me encarar.
Senti minhas pernas bambas e a garganta seca.
Tristan era muito bonito.
— As Aventuras de Sherlock Holmes?
Ele perguntou, soltando do livro. Sorri em resposta, tombando a cabeça levemente para o
lado.
— Existem aqueles que dizem que ele realmente existiu. Já a maioria acredita que é uma
fábula — falei, encostando levemente a cabeça na parede ao meu lado e tentando não vacilar a
postura. — O que você me diz, caro Watson? — brinquei.
O ruivo soltou uma gargalhada e eu ri, observando algumas meninas nos observarem. Ele
voltou os olhos para os meus e apertou os lábios.
— Um dos personagens mais bem elaborados de todos os tempos, senhorita Holmes —
disse, segurando firme na alça da mochila. — Anise, não é mesmo?
Arregalei os olhos brevemente, sentindo as bochechas esquentarem. Eu sequer tinha falado o
meu nome.
— Como sabe o meu nome?
Ele arqueou as sobrancelhas e riu baixinho.
— Eu estudo com você.
— Ah. Eu achei que não prestasse atenção…
Ele rolou os olhos.
— Você é a primeira garota que vem conversar comigo sobre livros e eu vi que você
carregava um do Dom Quixote de La Mancha nas mãos quando entrou na sala ontem.
— Ah... — falei, mordiscando o lábio. — Que vergonha.
— Não tenha. Bom, o clube está mesmo lotado, mas você pode assistir uma das reuniões.
Tenho certeza de que nem todos os inscritos durarão até o fim do ano letivo, como sempre —
comentou, me apontando a porta à frente. — Vamos?
— Sim.
Eu sorri para Tristan, que caminhou ao meu lado até a porta. Ele a abriu e eu tive o
vislumbre mais incrível de todos os tempos. Hawke estava sentado sozinho em cima de uma das
mesas com um livro apoiado no colo e óculos de grau.
Ele levantou os olhos na direção da porta e um sorriso sutil brotou nos lábios dele.
— Clube de Literatura? — eu perguntei.
O loiro jogou a cabeça para os lados e abaixou o livro, deixando-o sob as coxas torneadas.
— Achou que eu era do time de futebol?
— Algo assim — respondi, dando de ombros.
Hawke continuou a sorrir e eu senti meu coração bater um pouquinho mais forte depois
daquilo.
Era noite de lua cheia. Dias de lua cheia eram os meus favoritos. Eram os dias favoritos entre
mim e Rosemay. Desde cedo, organizei os nossos itens para a ida ao jardim. No primeiro andar,
eu tentava passar o creme de amendoim suficientemente dos dois lados do pão, exatamente como
ela gostava.
Minha mãe estava colocando um agasalho desnecessário na pequena ruiva, que tentava a
todo custo explicar quão quente estava. Observei da cozinha quando minha mãe jogou as mãos
para o ar e desistiu. Ela caminhou na minha direção e sorri para ela.
— Aproveite para um banho relaxante — sugeri e ela sorriu, parecendo menos frustrada.
— Eu preciso terminar de organizar as suas roupas.
— Deixa isso comigo. — Lambi um dedo com creme de amendoim. — Vá descansar um
pouco. Papai estará em casa amanhã e você terá muita coisa em sua mente.
Por sorte, ela não insistiu muito. Logo Rosemay virou o rosto para mim e piscou, me
oferecendo a expressão mais travessa do mundo por estar sem aquele suéter desnecessário para o
outono texano.
Peguei nosso o prato de pães e coloquei a manta no braço enquanto minha irmã equilibrava
nas mãos os copos com sucos. Nós duas seguimos para os fundos da casa, onde já tinha
preparado um pequeno espaço de grama sem nenhuma flor ainda. Minha mãe ainda não tinha
tido tempo de colocar flores, então era apenas um espaço vazio com gramado, muito diferente da
nossa casa em Washington.
Eu estendi a manta no chão enquanto Rosemay correu para dentro de casa, indo atrás de
almofadas e alguns salgadinhos.
— Cheguei — ela anunciou, me chamando atenção para o tamanho do pacote de Cheetos
que havia escolhido.
Eu sorri para a pequena, que me olhou com esperança. Nós terminamos nosso pequeno
piquenique e nos acomodamos nas almofadas para conversar. Deitada na manta, enquanto minha
irmã narrava sobre a nova escola com tanta empolgação, sorri sozinha para a luz do banheiro
acesa.
Pelo menos a mamãe estava tendo um pouco de paz agora.
Não era grande especialista em relacionamentos, mas com quinze anos você entende quando
as coisas não estão boas. E o casamento dos meus pais estava longe de ser bom. Tentava não
pensar muito sobre isso, mas com o passar dos anos, se tornou quase impossível. Meu pai não era
uma pessoa muito acessível e sempre estava com o rosto fechado. Poucas perguntas e sem muitas
conversas. Era desta forma que eu sempre o encarei.
E não podia me sentir confortável pela forma como minha mãe levava a vida,
praticamente pendurada no meu pai. Sem alguma identidade.
— Você promete para mim que sempre vamos ser amigas? — minha irmã me tirou do meu
devaneio.
Eu a encarei. Ela estava sentada na manta e com o rosto virado para o céu, observando
atentamente a direção das nuvens e estrelas. Rosemay era sonhadora e vivia dizendo que seria
uma astronauta só para chegar mais perto das estrelas. Eu a admirava tanto que meus olhos se
enchiam de lágrimas sempre que a via falar sonhadora.
— Sim. Sempre seremos amigas.
Ela sorriu, jogando o corpo pequeno contra as minhas pernas e fechando os olhos. Passei a
mão entre os fios de cabelos cacheados, acariciando o couro cabeludo. O peito dela subiu e
desceu e, aos poucos vi, ela ceder a tensão dos músculos. Eu a queria para sempre assim. Com
um sorriso feliz nos lábios e toda sonhadora.

Depois de colocar Rosemay dentro de casa, comecei a organizar os itens do jardim. Mamãe
já estava de pijamas e provavelmente dormiria ao lado de Rosemay aquela noite. Dobrei a manta
azul marinho enquanto assobiava uma música qualquer, sentindo a brisa da noite bater contra os
meus cabelos soltos.
— Ei. Psiu.
Parei, assustada. Levantei o corpo e soltei a manta aos meus pés, sentindo um calafrio
percorrer o corpo todo. Eu virei o rosto para a casa de Hawke e encontrei um par de olhos azuis
me observando. Soltei uma lufada de ar e cruzei os braços.
— Você me assustou! — protestei.
Hawke rolou os olhos e pulou a pequena grade branca que dividia os terrenos das nossas
casas. Me senti inquieta enquanto ele caminhava na minha direção, porque, afinal, nunca
estivemos sozinhos daquela forma.
— Bom. Como foi não ouvir música alta hoje? — Mordi o lábio.
— Hum. Estranho... — Ele riu. — Li na escola e no quarto. Sou um bom consumidor de
páginas e páginas — falou, orgulhoso.
— Amanhã é o seu dia de música alta — pontuei.
— Sim. E... — Ele coçou a nuca, abaixando o olhar. — Eu estava pensando que talvez você
pudesse escolher a música. — O olhar dele se voltou para o meu. — Sabe, algo como nós dois
compartilhando… gostos musicais e literários. Vi que você tinha um livro do Sherlock Holmes
hoje. Eu gosto das histórias dele.
Senti um calor no meu peito, fazendo com que o meu coração batesse forte ao ouvir Hawke
falar aquilo. Contudo, o nosso momento foi quebrado pela garota furiosa que saiu pelos fundos
da casa, gritando:
— Tobias, volte aqui seu gato malvado! — ela esbravejou.
Só quando eu consegui visualizar o rosto iluminado pela luz que vinha da porta aberta, o
meu corpo todo gelou.
— A Mabel é sua irmã? — perguntei em um fio de voz.
— Sim — disse, virando o rosto para mim. — Ela me disse que vocês são amigas.
Eu sorri fraco, tentando não parecer nervosa.
Mabel odiava todas as namoradas de Hawke. Ela parecia do tipo superprotetora com ele. E
eu estava literalmente ferrada por ter me apaixonado pelo irmão da minha mais nova amiga.
Eu estou muito ferrada.
É a terceira entrevista de emprego em duas semanas e eu não consegui absolutamente
nada. Enquanto menti para minha mãe dizendo que tudo estava sob controle, eu estou mesmo é
desesperada.
Teclo uma mensagem para a minha irmã, questionando se ela havia conseguido comprar o
par de tênis que tanto falou. Eu tentava não parecer tão afobada com dinheiro, mas agora que
mamãe precisava da minha ajuda financeira, tudo era uma caixinha de surpresas.
Paro de caminhar quando a mensagem de Rosemay chega, com uma foto do tênis rasgado
na lateral. Abaixo o telefone, encaro o céu de Dallas e grunho em raiva. Se o maldito do meu pai
estivesse fazendo seu papel, ela não teria essas merdas no dia dela. Um tênis rasgado,
francamente!
Como se isso não bastasse, a hipoteca está atrasada e minha mãe parou de usar o carro
para dar preferência às bicicletas. Ela veio com uma conversa de que era mais sustentável, mas
eu tinha certeza absoluta de que era porque algo estava errado com o nosso antigo carro.
Se meu pai não tivesse nos abandonado, três anos atrás, essa merda não estaria assim. Não
é como se eu preferisse ele em casa. Só queria que ele não tivesse abandonado sua
responsabilidade como pai.
— Ei, Anise.
Abaixo o rosto, encontrando Hawke caminhando na calçada, vindo na minha direção. Ele
está segurando uma sacola de compras, o que me faz acreditar que Mabel estava usando-o
novamente como táxi.
Mabel e eu não temos habilitação para direção. Por isso, em casos extremos, solicitamos a
Hawke para alguma função. Pela quantidade de bolsas de supermercado em suas mãos, Mabel
fez o coitado de transporte e ainda o fez trazer as compras sozinho para a nossa casa.
— Oi! — Suspiro, tentando forçar um sorriso. — Mabel fez você levá-la ao mercado?
Ele rolou os olhos azuis.
— E ainda deixá-la no trabalho.
— Estou pensando em fazer um bolo — confesso, chutando uma pedrinha na calçada. —
Você gosta?
— Sim — Hawke responde, risonho. — Algum motivo especial?
— Preciso de algum ânimo. Bolo açucarado sempre parece uma boa opção.
— Preciso iniciar meu turno no bar às seis horas — Ele tira o celular do bolso e aperta no
botão de desbloqueio para verificar a hora —, acha que consegue me aturar até esse horário?
Levanto o olhar para ele e faço uma careta, enrugando a parte superior do nariz. Ele ri e me
dá uma cutucada com a mão livre e eu me amaldiçoo mentalmente por me arrepiar sob o toque
dele. Principalmente quando Hawke planta um beijo na minha bochecha, arrastando os lábios
pela extensão da pele.
Nada com segundas intenções, mas o meu corpo traiçoeiro consegue produzir essa sensação
em mim. Droga.
Pego o chaveiro e abro a porta do apartamento quando chegamos na frente da porta do meu
apartamento e de Mabel.
Caminho para a cozinha separando cacau, essência de baunilha, açúcar, óleo e fermento.
Começo a dispor os ingredientes na bancada e, de relance, consigo observar Hawke sentar em
uma das banquetas do outro lado da ilha da cozinha.
Estico o corpo para pegar, no armário aéreo da cozinha, a farinha de trigo. Volto a colocar a
palma dos pés nus no chão e viro-me para a ilha da cozinha, observando um olhar atencioso de
Hawke para mim e a boca entreaberta.
— Que foi? — pergunto.
Ele nega com a cabeça e a chacoalha logo em seguida.
— Nada. Definitivamente, nada.
Solto uma risadinha e separo os recipientes para preparar a massa, bem como um fuê e a
forma. Volto a amarrar os meus fios de cabelo alaranjados mais fortemente no topo da cabeça,
pegando um avental logo em seguida para começar a preparação.
Automaticamente, me vejo colocar os ingredientes em um bowl e misturando a massa.
Observo que Hawke liga a televisão e uma seleção de músicas toca no aplicativo do
Youtube. Uma versão acústica de Where's My Love do SYML ressoa pelo ambiente.
Viro-me para a ligar o forno. Quando volto para a ilha da cozinha, Hawke tem um dedo
enfiado dentro do bowl de massa, o que me faz ter um súbito ataque.
— HAWKE! — protesto. — Você não sabe esperar para provar?
Ele ri, agora com a boca lambuzada de chocolate e chupando o dedo indicador. Maldito.
— O cheiro está maravilhoso, pequena sereia — ele fala, estalando a língua no indicador.
Sinto o rosto arder e um calor subir pelo corpo com a cena. Abaixo o olhar para a bancada
enfarinhada e desorganizada. Respiro profundamente, sentindo uma gota de suor correr pela
minha nuca até o meio das costas, então resolvo me servir de um pouco de água gelada antes de
continuar o trabalho.
Assim que abro a geladeira, pego uma garrafinha de água e a abro, bebendo quase todo o
conteúdo de uma vez só. Hawke mantém os olhos perdidos pelo ambiente, entre a sala, cozinha e
eu.
Volto para a ilha da cozinha, me atentando a colocar a massa na forma. Hawke observa
meus movimentos e eu fico orgulhosa quando a forma vai para o forno.
— Droga — ouço-o resmungar.
Começo a reunir os itens que utilizei e guardá-los, bem como empilhar a louça para a pia.
— O que houve? — pergunto quando volto para a ilha para limpá-la.
— Tenho uma boa notícia e uma ruim. — Ele levanta os olhos para mim. — Qual você quer
primeiro?
— A ruim. Primeiro fico triste e depois feliz.
— Ok. Eu vou precisar ir até o bar agora para receber um carregamento de bebidas. E a outra
é que o meu chefe me enviou o contato direto do lugar que estão precisando de uma passeadora
de cães. — Ele aponta para o telefone. — Vou te enviar o contato, tudo bem?
— Passeador de cães? — pergunto, tentando não demonstrar toda a minha euforia.
Eu amo animais. Talvez por isso eu queira muito a área de veterinária como
especialização, mas… ser paga para passear com animais durante a tarde e noite? Eu só posso
estar no paraíso!
— Você sempre adorou animais, Anise. Quando falaram sobre essa oportunidade, eu não
pude de deixar de pensar em você. Então consegui o contato e…
Eu não escondo a felicidade do rosto, contornando a ilha da cozinha e me jogando nos
braços dele, apertando-o com força.
— Obrigada, Hawke!
Suspiro, enterrando meu rosto no pescoço dele.
— De nada, pequena sereia — ele responde, apertando a minha cintura contra ele.
Soltamos os corpos e fico ligeiramente envergonhada pela proximidade. Ele parece perceber,
porque ri baixo enquanto joga uma mecha de cabelo para trás do meu ombro.
— Ainda é cedo. Ligue para lá e depois me fale como foi. Podemos comemorar no bar hoje
à noite, uh?!
— Ótima ideia — pontuo. — E no final de semana a Mabel quer fazer a sua festa,
finalmente! Você não a deixou organizar aquele jantar, então contenha-se com a festa que ela
está preparando.
Hawke torce os lábios de uma forma engraçada. Assim como eu, ele não gosta de grandes
comemorações. Mabel, ao contrário de nós, adora um bom movimento. Ela está organizando
uma das suas famosas festas aqui no apartamento e está usando a volta de Hawke como pretexto
para isso.
— Perfeito. Comemoração dupla. — Ele sorri, segurando o meu rosto com uma mão e
beijando o outro lado do rosto. — Até mais tarde!
— Até mais — falo enquanto observo ele se levantar da banqueta e caminhar até a porta,
enfiando os tênis nos pés. — Hawke? — Ele me olha. — Te levo um pedaço de bolo.
Ele pisca para mim, agora cruzando a porta e indo embora.
Penso sobre a namorada dele. Ou ex. Ainda não sei. Na verdade, nem Mabel entende o
relacionamento ioiô de Hawke. Não sei se quero saber se ele e a tal Kendra estão juntos. Acho
que isso só vai me machucar mais. No momento, tenho outras prioridades.
Seguro o celular no bolso e abro a conversa de Hawke e verifico o contato que ele me
enviou. Aperto para fazer a ligação e levo o aparelho até a orelha enquanto mordisco a cutícula
do dedão da mão direita. Meus olhos vagam pela sala e a chamada se inicia. A cada batida, o
meu peito parece dar um salto.
— Vanessa falando — uma voz feminina surge.
— Ãhn... — tento começar a frase, já coçando a nuca. — Aqui é Anise Williams. Estou
ligando por conta da vaga de passeadora de cães.
Um silêncio momentâneo ocorre, até que a mulher responda.
— Se é da agência Brastorn sinto em lhes informar que os cães não aprovaram a garota que
enviaram.
— Não! — rebato com um pouco de urgência. — Foi... um amigo meu me indicou para o
emprego. Eu gosto muito de animais e…
— Uh, sim… Bom, podemos fazer um teste, o que acha? Amanhã à uma hora?
Quase salto em comemoração.
— É claro!
— Vou te encaminhar o número por mensagem.
E tão depressa como começou, ela encerra a chamada. Só que agora estou pulando igual
uma criança na sala do apartamento. A porta da sala é aberta e Mabel parece surpresa.
Para a minha vergonha, Josh e Dan estão ao lado dela.
— Pode apostar que o Mavericks vai ser um estouro nessa temporada — ela fala, segurando
a maçaneta e o corpo ainda no corredor.
— Isso é cheiro de bolo? — Dan resmunga, inspirando o ar como se fosse um cachorro.
— Não sei. Aposto que foi a Anise. — Os olhos castanhos da minha amiga me fitam como
se perguntasse o que está acontecendo e eu dou de ombros.
— Bolo de chocolate — falo, rápido.
Os dois se ajeitam melhor ao lado de Mabel.
— Céus, isso é chocolate! — Josh começa a fungar igual a Dan e eu me apresso para retirar
o bolo do forno enquanto sinto as bochechas adquirirem um calor encabulado pela empolgação
deles.
Todos se espremem na cozinha e Dan tenta colocar a mão no bolo ainda quente.
— Comporte-se, Dan, ou não vamos assistir ao jogo juntos no domingo.
O moreno levanta o indicador como se lembrasse de algo.
— Bem lembrado, minha cara — ele fala enquanto sai abrindo a geladeira para pegar
alguma coisa.
Começo a cortar o bolo. Mabel está falando, empolgada, sobre a festa de amanhã no mesmo
momento que nós comemos o bolo, já um pouco mais frio; o meu telefone vibra no bolso e eu o
puxo, achando estranho o número residencial que me liga. Deslizo o botão verde para o lado e
levo ao ouvido.
— Oi?
— Senhorita Williams? — a voz de um homem do outro lado da linha me deixa confusa. —
Aqui é do setor de Relações Humanas da St Edward's University. Estou ligando a respeito de
uma bolsa de estudos para a especialização em Medicina Veterinária.
— Sim?
— Você poderia comparecer ao setor na segunda-feira para assinar sua bolsa de estudos? Os
seus documentos foram aprovados.
— Oh, sim. É claro, claro! — falo, eufórica. — Com certeza. Obrigada. Muito obrigada.
O homem ri do outro lado da linha e se despede de mim. Tiro o telefone de perto da orelha
para constar que há uma mensagem de um número desconhecido com uma localização e um
horário.
“Rua Renaissance, 580. 13h30.”
Levanto os olhos para os três curiosos da cozinha e sorrio.
— Consegui uma bolsa de estudo e um teste para um trabalho. — Suspiro pesado, ouvindo
as felicitações.
Chacoalho a cabeça sem conseguir parar de sorrir.
— Como eu chego na Rua Renaissance? — pergunto, mordendo o lábio.
Os três se entreolham.
— É no bairro ao lado do nosso, Reverside — Mabel fala. — É o bairro mais caro da cidade.
— Uh, então acho bom eu tomar um banho e tirar toda essa farinha antes de me apresentar
— comento, fazendo todos rirem.
Apesar da empolgação, eu acabo digitando uma mensagem para Hawke, avisando que irei
até o McGee’s. Sinto que preciso contar para ele pessoalmente tudo isso.
PASSADO
— Eu acho que você deveria ir com o Scott — Mabel disse para mim enquanto terminava de
pintar a unha do polegar. — Ele parece ser bom de cama.
— Eu não preciso de uma companhia.
— Uh, que nojo — Lola, uma das nossas amigas, respondeu ao enrolar os cabelos com um
babyliss. — Ele parecia chupar a boca da Liza na semana passada. Maior cara de quem beija
mal.
— Realmente. Gostoso, mas não sabe o que fazer com o corpo. Uma pena.
Nós três estávamos dentro do quarto de Mabel, nos preparando para a festa à fantasia da
escola. Tentei terminar o meu penteado, mas meus olhos viviam no telefone. Ele estava vindo.
Hawke havia se formado e conseguiu sua aprovação para a Universidade de Dallas. Não
parecia, mas já havia se passado dois anos desde que chegamos em Grapevine e eu realmente
estava gostando da cidade.
Apesar de todas as confusões envolvendo meus pais e as repentinas discussões deles, Mabel
e Hawke eram bons amigos. E, claro, a minha paixonite pelo irmão da minha melhor amiga era
um segredo.
Nós conversávamos bem mais do que ela imaginava e, por mais que eu tentasse não fazer
isso parecer um grande segredo, era. No fundo, eu tinha medo da reação de Mabel, já que ela
simplesmente detestava qualquer garota que estava ao lado do irmão.
Eu não podia julgar muito porque eu também odiei cada uma das namoradas que ele teve ao
longo deste tempo. No próximo ano eu e Mabel também iremos nos formar e ir para Dallas,
então esperava que eu e Hawke estivéssemos próximos mais uma vez. Fazia menos de um ano
que ele tinha ido embora e eu já estava morrendo por dentro.
Eu nunca chorei tanto na minha vida como quando Hawke partiu. Ele me prometeu sempre
me ligar. E assim era. Às quartas eram os dias das ligações, ainda com as mensagens diárias. Ele
me contava coisas idiotas e eu as minhas dificuldades no segundo ano do ensino médio. Ele com
dezoito e eu com dezessete.
Hawke estava em um universo novo, morando com alguns rapazes e indo às festas enquanto
eu estava enfiada em livros e compartilhando noites do pijama com minhas melhores amigas.
O meu telefone brilhou no mesmo instante então parei de prestar atenção nas intenções de
Mabel me encontrar alguma boca para beijar na festa. Estava sentada na cama e segurei o
telefone pela lateral da coxa, evitando que as duas conseguissem ver com quem eu falava.

Vou atrasar. Tem um acidente na estrada. Sinto muito, pequena sereia. Vamos nos ver
apenas na festa.
Senti o coração bater mais fraco e bufei, tentando reprimir a vontade de ficar em casa. Meus
olhos se voltaram para Lola, que terminava de colocar a boina de aeromoça da fantasia de Mabel:
Britney Spears em Toxic.
— Segurem-se, senhores passageiros, hoje vamos decolar! — Mabel falou, olhando para o
reflexo do espelho.
Eu ri enquanto caminhava até a penteadeira para terminar de arrumar o meu cabelo. Sentei-
me ao lado de Mabel e ela começou a passar o blush no meu rosto, já maquiado.
— Mabel, está bom! — falei, protestando.
— Você é branca demais, Anise! — ela disse, rolando os olhos. — A sua personagem é
branquinha, mas você é quase um floco de neve! Vamos colocar um pouquinho de cor nessas
bochechinhas e, quem sabe, o cara misterioso das mensagens do seu telefone aparece para lhe
arrancar uns bons amassos.
Arregalei meus olhos, com medo.
— Um contato nomeado apenas com um coração. Quero um dia poder ver quem é esse
garoto... — Mabel disse enquanto terminava de amassar meus cachos com um pouco de mousse.
— Você já o viu?
— Ah, sim... — tentei enrolar. — Mas não vai rolar. Ele é meio impossível. Então só
conversamos. Está bom.
— Ninguém te impede de beijá-lo hoje — Lola concluiu — Qual é, Anise. Todos nós
estamos aproveitando o ensino médio e conhecendo bocas enquanto você beijou... quem?
Abaixei o olhar para alisar a minha saia verde. Mordisquei o lábio e levantei os olhos para as
minhas amigas.
— É só que essa não é a minha praia... sair beijando todo mundo nos corredores ou encher a
cara nas festinhas.
— Não é a sua praia?
— Eu só... estou esperando a pessoa ideal.
Suspirei. Lembrei-me da última vez que Hawke pulou a janela do meu quarto para ficarmos
jogando conversa fora durante a madrugada. Todas as vezes que meus pais discutiam e ele podia
ouvir, Hawke fugia para o meu quarto para ficar comigo. Ele já tinha se acostumado com a rotina
louca da minha família.
— Você tem dezesseis anos, Anise! — Lola disse, estapeando a minha nuca. — O cara
perfeito tá longe de aparecer. Somos todos adolescentes malucos com hormônios pedindo para
serem saciados.
Nós três rimos da filosofia completamente absurda de Lola.
— Na real, nós precisamos aproveitar o baile — falei. — Com namoro ou sem. Com bebida
ou sem.
O salão da escola estava todo decorado com máscaras. As luzes coloridas estavam cortando
o salão junto à música alta. Nós havíamos nos atrasado de propósito. Bom, essa era a ideia de
Mabel: uma entrada triunfal.
— Uau! — Tristan se aproximou de mim. — Pensei que vocês seriam a Lindinha, Docinho e
Florzinha — ele brincou.
Mabel resmungou.
— Fique quieto, Harry Potter — ela falou, batendo com o indicador no peito dele. — Sua
fantasia está maneira.
Tristan bateu no peito.
— Eu sou um jogador de quadribol da Corvinal, Mabel! — Ele rolou os olhos.
Todos nós soltamos risadinhas e caminhamos juntos até a mesa de bebidas. Jeff, um garoto
do terceiro ano, estava servindo os ponches e Mabel piscou para ele assim que ele lhe entregou o
copo cheio de líquido vermelho.
Deixei de prestar atenção na conversa deles quando o meu telefone vibrou. Contudo, antes
mesmo de pegá-lo, senti a mão de Tristan no meu braço e o encarei.
— Você aceita dançar?
— Eu? — perguntei, confusa. — Quero dizer... Você provavelmente é o rei do baile e eu sou
uma plebeia. — Ri baixinho. — Todos sabemos que a Mabel vai ganhar de rainha e…
— Ei, Anise — ele falou, soltando o copo em cima da mesa. — Não me importa com quem
eu precise dançar no fim da noite, só quero uma dança com você.
Ele levantou a mão e eu ponderei entre pegá-la ou não. Olhei para os lados e vi que Mabel
estava levando uma conversa animada com Jeff. Lola, por outro lado, estava caminhando na
direção das líderes de torcida.
Voltei a observar Tristan e senti-me encabulada ao pensar que o menino mais bonito da
escola estava me tirando para dançar.
— Tudo bem, capitão do time de quadribol. E não de lacrosse — pontuei, agora segurando
na sua mão. — Dança dos Dragões ou Dança da Morte?
— Uh, referências literárias pesadas. Escolher entre James King e George R.R. Martin é
duro — ele reclamou enquanto caminhamos em passos confiantes até o centro da pista.
Tristan parou na minha frente e colocou a mão na minha cintura, sorrindo enquanto me
observava. Ele segurou firme na minha mão e senti um arrepio diferente percorrer o corpo
quando começamos a nos mover ao som de uma música lenta que eu desconhecia.
Eu e Tristan viramos bons amigos depois do dia do corredor. Ele era um garoto bem
inseguro sobre suas qualidades além do lacrosse. O garoto tinha um ótimo gosto literário e
sonhava em ser médico. Além disso, Tristan era uma ótima companhia para tomar milk-shakes e
ir ao cinema. Nos tornamos mais próximos desde que Hawke foi embora e eu agradecia
mentalmente por ele não me deixar sentir tão sozinha.
— Anise... — murmurou.
— Tristan... — brinquei, devolvendo no mesmo tom.
— É. Eu queria te dizer uma coisa... — ele disse, apertando um pouquinho a minha cintura e
errando o passo.
Nós havíamos ensaiado a dança durante semanas depois do clube de literatura, na sala
empoeirada dos fundos da escola. Nós dois, uma música idiota e muitos tropeços geraram boas
risadas. Só que Tristan era o professor. Eu não entendi o porque ele errou.
— Eu fiz algo errado? — perguntei. — Eu sei que não consigo olhar bem nos seus olhos
enquanto dançamos porque é um pouco engraçado e... eu tenho vontade de rir... — comecei a
falar e Tristan riu em seguida.
No entanto, ele me olhou demais naquele instante. Nós dois paramos de nos mover. Eu
comecei a sentir uma inquietação quando ele soltou a minha mão e deslizou as duas na minha
cintura. Estávamos no meio da pista de dança e todos à nossa volta continuaram a dançar.
Ele ia me beijar?
Engoli em seco, pensando que o meu amigo estaria interpretando algum sinal que dei errado.
Só que os olhos de Tristan saíram dos meus para algo atrás de mim. Ele engoliu em seco e tirou
suas mãos da minha cintura no mesmo instante.
— Pequena Sereia?
Eu sorri. Esqueci completamente da figura petrificada do meu amigo à minha frente e girei o
meu corpo. Ele estava ali. Os olhos de Hawke encontraram os meus e senti o meu coração bater
alto e forte o suficiente para eu ter o corpo todo arrepiado. Em segundos, eu pulei contra o
pescoço dele.
— Hawke! — falei perto do ouvido dele ao mesmo tempo que inspirei profundamente o
perfume. — Você veio.
Ele me apertou contra o corpo e senti o sorriso contra os meus cabelos.
— Eu prometi e cumpri — sussurrou.
Eu queria ficar naquele abraço para sempre. Queria dizer o quanto senti a falta dele e como
os dias estava sendo sido difíceis sem o apoio durante os dias mais complicados. Mas nós
precisávamos estar sozinhos e a festa não parecia o melhor lugar.
Soltei-me dos braços dele para observar um pouco da sua fantasia.
— Fantasma da Ópera?
Ela passou a mão no terno e sorriu sacana.
— Foi o mais poético que eu consegui — falou. — E você... — ele disse, mordiscando o
lábio e tocando nos fios do meu cabelo. — É a sereia mais linda da festa, Ariel.
Sorri minimamente. Em seguida, os olhos dele foram até Tristan. Senti-me estranha ao ver
que meu amigo ainda estava ali, agora com as mãos nos bolsos da calça preta e um sorriso triste
nos lábios. A mão de Hawke pousou no final das minhas costas e eu engoli em seco, com medo
de alguém nos ver.
— Tristan — ele disse com uma voz um pouco mais tensa. — Como vai o lacrosse?
Tristan passou a mão nos cabelos loiros e suspirou.
— Bem. Ainda sou o capitão, então acho que conseguirei uma bolsa em New Jersey
tranquilamente. E você?
— Estou na Universidade de Dallas.
E aquela foi a conversa mais tensa que eu vi entre os dois. Hawke e Tristan costumavam ser
amigos. Aquela cena era quase improvável de acontecer na minha concepção e comecei a me
sentir nervosa por conta daquilo.
— Eu vou pegar um ponche — Tristan disse. — Até mais, Holmes! — ele piscou para mim.
— Boa bebida, caro Watson — falei, sorrindo e acenando para ele.
Eu e Hawke esperamos Tristan sair de perto e meus olhos estavam correndo entre as
pessoas. Mabel e Lola não podiam nos ver tão próximos, ou a discussão seria grande.
— Watson? Holmes? — Hawke perguntou em tom de ironia. — Desde quando você e o
Tristan tem apelidinhos carinhosos?
Rolei os olhos, virando o rosto para ele.
— Hawke, você não escolhe a forma como eu trato os meus amigos. E isso já acontece há
um ano, se você quer saber.
Ele riu, colocando a mão no peito.
— Me senti traído pela minha melhor amiga.
Eu bati com o indicador no peito dele e ri também.
— Você sabe que esse posto é só seu, idiota.
Meu sorriso era frouxo ao lado dele. E eu me odiava quando precisava dizer que nós éramos
apenas melhores amigos. Será que ele teve ciúmes de Tristan? Isso era um sinal?
— Sim, eu sei. Sou o único cara que dirigiu algumas milhas pra finalmente poder te ver
vestida de Pequena Sereia.
Senti meu rosto corar e as borboletas do meu estômago se reviraram em festa.
— Mentiroso. Você veio porque amanhã é o aniversário do seu pai — falei, tentando parecer
indiferente.
Hawke apertou os lábios em reprovação e rolou os olhos.
— Claro que não, Anise. Eu poderia muito bem ter vindo amanhã após uma longa noite de
sono. Mas não, eu dirigi após uma aula insuportável. Me troquei no banheiro do posto de
gasolina para estar aqui. E... — Ele levantou o indicador, como se lembrasse de algo. — Ainda te
trouxe isso aqui.
Ele colocou a mão no bolso e levantou um chocolate Snickers no ar.
— Meu Deus, você trouxe chocolate para mim? — Ri, tentando pegar o doce, mas ele
levantou um pouco a mão. — Ei, me dá o meu doce!
— Na-na-ni-na-não — rebateu, dando um passo para trás. — Quero que me prometa que vai
deixar a janela aberta hoje. Estou com saudades de conversar com você até ver o dia nascer... —
Consegui ver ele arquear a sobrancelha.
Eu ri, dando um passo na direção dele.
— Sim, Hawke. Minha janela estará aberta.
O braço dele circundou a minha cintura e ele colocou o chocolate na minha mão.
— Agora vamos dançar, pequena Ariel. Daqui a pouco o seu encanto acaba e você precisará
voltar para o fundo do mar. E eu prometo fielmente não deixar nenhum babaca se aproximar de
você.
— Você está sendo um babaca agora.
Ele resmungou, mas me girou na pista. Não reclamei, aproveitando cada instante ao lado
dele.
Anise: Oi, tenho uma novidade. Posso ir até o McGee’s?
Hawke: Sim! Hoje o movimento não vai estar dos melhores por conta de uma festa do outro
lado da cidade, então poderemos conversar bastante ;)
Sorrio para a tela do telefone e, em seguida, guardo-o no bolso. O metrô chega, abrindo as
portas e um mar de pessoas sai apressada pela estação. Equilibro-me entre os empurrões até
conseguir entrar na lata prateada.
Consigo um lugar para sentar e ponho a bolsa no meu colo. Acompanho as estações
passarem através do painel preso na parede e em pouco mais de meia hora estou saindo da
estação que fica ao lado do McGee’s.
Mordisco o lábio, parando na frente do lugar. O segurança da porta sorri para mim, a
abrindo. Eu passo por ele, um pouco receosa, e entro no ambiente. Algumas mesas ainda estão
sendo limpas e o salão está no processo de organização.
Meus olhos correm todos os cantos e acabo me deparando com Hawke limpando alguns
copos, sentado em um dos bancos com um copo de uísque está o homem que julgo ser o chefe
dele.
Os olhos azuis de Hawke logo encontram os meus e ele sorri.
Desço os poucos degraus da escada para adentrar o salão e caminho em passos pequenos até
os dois. Seguro firme a bolsa quando paro ao lado do homem de cabelos pretos e olhar cativante,
que vira o corpo para o meu e sorri graciosamente. Ele usa uma roupa que parece cara.
— Ma chérie — o homem fala, galanteador. — Que imenso prazer ver você essa noite. Sou
James Blackburn.
Sinto o rosto queimar de vergonha e coloco uma mecha que caiu do rabo para trás da orelha,
desviando o olhar para o chão e sorrindo.
— Oi.
Ele sorri, colocando-se de pé. Levanto os olhos para James, que se aproxima estica a mão.
Encosto a mão na dele e ele beija a parte de trás. Em um volume quase inaudível, ele sussurra:
— Você é uma graça com vergonha.
O rosto dele se afasta do meu e o homem pisca, tomando uma distância segura.
— Aproveite a noite! — Ele vira para Hawke e a outra barwoman. — Estarei no meu
escritório até a hora do fechamento do caixa.
Ele sorri para todos e caminha de forma imponente na direção do corredor dos banheiros, o
que me faz acreditar que ali tem uma porta que dá acesso ao escritório. Estou tão envergonhada
que meu corpo todo parece aquecido. Sento-me em um dos bancos e Hawke, que antes sorria,
parece um pouco tenso.
— Eu falei sobre você com o James.
Mordo o lábio inferior, tentando reprimir o comentário. No final, eu estava ali para
comemorar minha bolsa de estudos e a minha oportunidade com o trabalho.
Hawke começa a colocar cerejas na coqueteleira e começa a limpar o copo que julgo ser de
um drink, só que então ele começa a fazer isso com vários... Como se tivesse perdido o foco.
— Cerejas? — pergunto, risonha.
— Prometo que você vai gostar.
Ergo as sobrancelhas.
— Achei você não sabia muito sobre drinks…
— A Mabel gosta de pegar no meu pé, não acredite em tudo que ela fala sobre mim.
Ele acaba despejando o líquido da coqueteleira no copo que limpava e adiciona um
canudinho de papel. Depois evita olhar nos meus olhos, mas quando faz, volta a soltar o ar
pesado e empurra o copo na minha direção.
Eu coloco a minha mão sobre a dele e sorrio.
— Minhas opiniões sobre você vêm exclusivamente do que observo, não do que escuto. —
Aperto os lábios em um sorriso mais forte e solto a mão dele, agora segurando o copo e levanto
até perto do rosto para colocar o canudinho na boca e sugar um pouco do líquido rubi. —
Lembra quando você quase espantou o Tristan por ele querer dormir comigo na minha festa de
dezoito?
Ele parece relaxar os ombros e ri, rolando os olhos ao pegar o primeiro pedido da noite e
começar a preparar o drink sem parar de me dar atenção.
— Sim. E eu te alertei bem sobre o que ele queria... — ele fala, decidido.
— Você sabe que nós ainda somos bons amigos, não é mesmo? — falo, agora bebendo um
pouco mais da bebida doce. — Sinceramente, a nossa amizade colorida perdura por anos, mas
nada sério.
— Uh, então vocês ainda se veem?
Abaixo o copo já vazio até o balcão e passo o dedo indicador no canto da boca, retirando o
resquício de bebida dali.
— Sim. Todas as vezes que ele vai para Dallas acabamos saindo juntos para colocar a
conversa em dia. Tristan é um ótimo amigo. — Suspiro, agora tentando cortar o assunto, já que
me lembra vagamente do nosso beijo depois do surto dele com Tristan na minha festa de dezoito.
— Essa bebida é doce.
Ele despeja um líquido azul em uma taça e arqueia as sobrancelhas para mim. Solto a bolsa
no balcão e tiro a jaqueta jeans, ficando mais à vontade apenas com a regata que estou usando.
Apoio os cotovelos no balcão e observo o trabalho de Hawke.
— Eu sei do que você gosta, Anise — ele fala enquanto continua a trabalhar em uma série de
drinks que me parecem apetitosos... O que ele parece não se dar conta é que a frase foi
completamente sensual na minha cabeça. — Vou te fazer algo com grapefruit e rum.
— Uh, parece exótico.
Ele levanta os olhos para mim e pisca.
— Nada mais justo, você é exótica.
— De uma forma boa? — indago, curiosa.
— Sempre.
Mordo o interior da bochecha e reprimo uma risada alta.

Quando o relógio bate às nove da noite, estou devorando uma porção de batatas fritas e
onion rings enquanto observo Hawke trabalhar, também alternando o olhar para o meu telefone
ao ver que recebi uma mensagem. O movimento do bar teve seu ápice às sete horas e agora já
está um pouco mais vazio. O telefone, que está em cima do balcão ao lado do drink que Hawke
preparou para mim, brilha na tela. Aproximo-me e deslizo o dedo por ali, adicionando a senha e
procurando pela notificação.
“Oi, mana”
Sorrio para a tela.
“Oi, Rosemay, tudo bem por aí?”
“Sim, estou com saudades”
“Eu também. Quero ir para a Páscoa, o que você acha?”
“Perfeito!”
Por mais que tenhamos oito anos de diferença, eu e Rosemay continuamos tão próximas
quanto antes. E, agora, também é bom ver mamãe fazer parte de forma mais ativa em nossa
parceria.
— Anise? — Hawke me chama e levanto o rosto para ele.
— O que você ia me contar?
— Eu consegui.
Ele arregala minimamente os olhos.
— O que? A bolsa? A vaga de emprego?
— A bolsa. Amanhã tenho uma entrevista à uma da tarde! — falo quase que em um
sussurro.
— CARAMBA! — ele praticamente grita, jogando o pano de prato que carrega no ombro
em cima do balcão e contornando o mesmo.
Quando me dou conta, ele praticamente corre na minha direção, desço do banco e espero ele
vir ao meu encontro. O sorriso largo cativa o meu peito e sinto uma sensação boa dentro de mim.
Euforia, excitação e felicidade.
Hawke me surpreende ao circundar a minha cintura com seus braços fortes e tirar meus pés
do chão, girando meu corpo no ar. Acabo me apoiando em seus ombros e sorrio, jogando a
cabeça para trás quando ele gira mais de duas vezes. Solto um gritinho quando aumenta a
velocidade. Os fios do meu cabelo estão desgrenhados e grudados no meu rosto.
No meu peito há um coração batendo tão forte.
Quando ele me coloca no chão, meu rosto e o dele estão próximos. As respirações ofegantes
e os dois sorridentes.
— Você é o orgulho do seu melhor amigo, Pequena Sereia — sussurra, como se fosse um
segredo.
Eu mordo o lábio, encarando os olhos profundamente azuis e cheios de felicidade.
— Eu senti sua falta, Hawke.
Ele acaricia a minha bochecha com as costas da mão e aproxima-se de mim, depositando um
beijo demorado na outra bochecha e respirando contra a minha pele.
— Eu também.
Hawke afasta o corpo do meu e trocamos um olhar intenso antes dele dar um passo para trás.
É como se eu pudesse permanecer horas e horas ali, apenas o observando.
E assim eu faço.
Passo mais três horas sentada no balcão, comendo alguns petiscos e bebendo os drinks que
ele faz, intercalando com copos e copos de água a fim de não ficar bêbada. Bom, talvez eu tenha
falhado um pouco, já que estou rindo muito das cantadas de Jenna, a barwoman e amiga de
Hawke e James.
Hawke não parece gostar muito, mas acaba rindo bastante após a meia noite, quando
começou a beber junto conosco e se soltou um pouco. Depois de mais ou menos dois copos de
vodca com gelo e xarope de menta, Hawke está bem mais solto. Devo admitir que os drinks de
Jenna são bons, mas os de Hawke são bem melhores.
Estou terminando de beber uma versão de Piña Colada feita por Jenna quando Hawke
coloca um copo baixo com um líquido vermelho na minha frente. O que me chama atenção, no
entanto, é o guardanapo dobrado em baixo dele.
Levanto o copo, fingindo não ver o guardanapo, já que sei que ele me observa. Uísque,
angustura, xarope de groselha e pimenta. Eu gosto da bebida. Forte e intensa.
Com a mão livre, abro o papel que está dobrado em cima do balcão.
“Você é a garota mais incrível do bar. Estou tão orgulhoso de você.”
Sinto o meu rosto queimar em vergonha, mas sinto-me encorajada em me levantar o olhar
para Hawke. Ele está encostado no balcão de bebidas com os braços cruzados e o olhar fixo em
mim.
A nossa troca de olhares silenciosa é intensa.
Ele me analisa de uma maneira que só fez uma vez. No meu aniversário de dezoito anos,
anos atrás. Sorrio fraco ao mesmo tempo que suspiro. Pode ser o elogio do seu melhor amigo,
mas eu nunca mais o verei apenas como o meu melhor amigo. Hawke, secretamente, também é o
meu primeiro amor. E talvez o meu maior desafio será manter isso guardado dentro do meu
peito.

— Se você não é a melhor amiga desse mundo, eu não sei quem seria — Hawke diz assim
que passa por trás do balcão e se põe ao meu lado.
Dou de ombros.
— Estou aqui desde as sete horas bebendo e comendo de graça. Bebi bons drinks e agora
estou bem alegre — falo, pontuando as partes boas daquelas horas ao lado dele. — Ah, e também
colocamos boa parte do papo em dia.
Ele sorri, agora me mostrando uma garrafa de champagne que leva na mão.
— Ainda se sente pronta para isso?
— Uh, você roubou um champagne?
Ele dá de ombros e maneia a cabeça para o lado.
— Vamos comemorar suas conquistas, pequena sereia.
Coloco indicador no queixo enquanto caminhamos para fora do bar. Já passa das três e meia
da manhã e tudo o que eu desejo é o meu quarto.
— Pode ser lá em casa? Estou exausta e preciso de um banho — falo, resmungando.
Ao sairmos do lugar, sinto o vento gélido da madrugada bater no meu corpo. Ele me encara
pelo canto dos olhos assim que continuamos a caminhar até a calçada.
— Vamos precisar ser silenciosos. Mabel Scott iniciará a terceira guerra mundial se
descobrir que nós dois estamos trancados no seu quarto.
Paro instantaneamente.
— Eu não disse que iríamos para o meu quarto.
Ele vira o corpo para mim.
— Com vergonha de mim, Anise? — Ele arqueia as sobrancelhas. — Não esqueça que
dormimos juntos boas noites depois de conversarmos, escondidos.
— É, mas agora é diferente... Você namora... acha que a sua namorada gostaria disso?
Hawke para de caminhar, desvia o olhar do meu e encara o chão.
— É difícil... Kendra é… — Ele aperta os lábios, visivelmente angustiado. — Por mais que
Mabel a odeie… Nós, bom… — ele fala, encarando-me.
As luzes da rua estão baixas e apenas os postes iluminam o ambiente. Ruas vazias e a brisa
gélida poderiam dar um tom sombrio e macabro, o que é totalmente quebrado pela quantidade
linda de estrelas que banham o céu de Austin.
— Não precisa explicar o seu relacionamento para mim, Hawke.
Ele aperta os lábios, ainda encarando o nada.
— É estranho eu não saber falar sobre ela? — pergunta, finalmente me encarando. Hawke
estende a mão para mim. — Vamos, Pequena Sereia. Podemos não falar sobre problemas hoje?
O relacionamento dele é um problema? Me atenho.
Seguro na mão dele, que me puxa com força ao mesmo tempo a mão sobe para cima da
minha cabeça, em um convite para eu girar em volta do próprio eixo. Faço isso e ele gargalha,
passando uma mão para o meio das minhas costas quando faz meu corpo se inclinar para trás.
— Isso é uma dança? — pergunto, risonha.
Ele pisca e ri.
— Isso é quase uma dança. — Me levanta aos poucos e me abraça pelos ombros,
caminhando na direção do meu apartamento. — Você vai dançar comigo na minha formatura,
não vai?
A pergunta me deixa um pouco desnorteada, já que havíamos prometido isso anos atrás,
quando eu o ajudei a estudar química para as provas finais. Engulo em seco, encarando os meus
pés enquanto caminhamos.
— E a sua…
— Entre nós... é uma promessa, Pequena Sereia — ele praticamente sussurra. — Kendra e
eu precisaremos alinhar alguns pontos quando ela chegar em Dallas.
Levanto os olhos para ele, tentando deixar transparecer quão apaixonada eu sou. Ele e
Kendra estão tão mal assim? Hawke e ela estão juntos há pelo menos quatro anos e isso parece
finalmente estar no fim.
Ou é apenas uma esperança estúpida da minha parte?

Entramos no apartamento todo escuro. Resquícios de uma noite empolgante estão pela sala:
caixas de pizza, latas de cerveja e almofadas pelo chão. A televisão está ligada, sem som e algum
canal de esportes rodando. Hawke tira os tênis e os segura na mão enquanto caminha na direção
do meu quarto pé por pé.
Eu abro a geladeira para pegar o pedaço de bolo que prometi para ele e vou na direção do
quarto. Assim que entro no ambiente, uma cena me faz travar por alguns minutos.
Hawke está de costas para a porta e está tirando a sua camisa.
Engulo em seco ao observar o tronco musculoso e bem esculpido livrando-se do tecido
acinzentado. Meu corpo todo se apodera de um calor imenso e um arrepio percorre a minha
espinha. Aperto a vasilha com os pedaços de bolo com um pouco mais de força e mordo o lábio
para reprimir um gemido idiota.
Ele nota a minha presença só quando eu adentro do quarto e tranco a porta.
— Não vi você — comenta despretensiosamente enquanto se vir de frente para mim,
iluminado pela janela às costas, que está com a cortina aberta e a luz do luar adentrando ao
quarto.
Os olhos azuis parecem duas estrelas que iluminam o meu caminho até ele.
— Eu guardei isso para você.
Eu digo, estendendo a vasilha para ele. Hawke arqueia as sobrancelhas e se aproxima,
pegando de minhas mãos e sorrindo.
— Obrigada, pequena sereia — fala baixinho, sorridente ao beijar minha testa.
Meus olhos não conseguem desgrudar do tronco nu e eu me odeio tanto por isso. Mordo o
lábio quando ele se afasta, caminhando em linha reta para o armário, indo atrás do meu pijama.
Após pegar o conjunto de pijama, vejo que Hawke está sentado no chão e tem a vasilha no
meio dos pés enquanto a boca está cheia de bolo. Eu rio baixo.
— Ei, vou até o banheiro tomar um banho e trocar de roupas... — anuncio. — E, hum…,
você pode colocar sua camisa?
Ele aperta os lábios sujos.
— Ela está suja com bebida que derramei no bar. Você tem algo para me emprestar?
Nego com a cabeça.
— Acho que minhas roupas ficariam apertadas em você — digo, mas abro o armário de
roupas e reviro as pilhas de roupas as quais uso pouco. — Ah, aqui! — Jogo a camiseta que
ganhei em um concurso na universidade.
É do time de futebol americano Dallas Cowboys.
Antes de sair pela porta, Hawke fala, me chamando atenção e olho para trás:
— Ei, Anise. Estou feliz por estarmos fazendo isso depois de tanto tempo.
Aperto um sorriso para ele. É, faz alguns anos que não ficamos conversando até tarde. Acho
que nunca fizemos isso em Dallas. Quando volto, ele me estende a garrafa.
— Ao seu sucesso.
Eu lanço um sorriso feliz para ele, aceitando a bebida.
Bebemos em silêncio a maior parte do tempo, com medo de alguém nos ouvir. Hawke, puxa
algumas cobertas e prepara uma cama improvisada no chão do meu quarto.
Quando faço menção de deitar no colchão da cama de solteiro, ele nega com a cabeça e bate
no ombro. Em instantes, eu escorrego para lado dele, sentindo o chão duro bater nas costas. Solto
uma risadinha enquanto ele aninha o meu corpo perto do dele.
— Acho que vamos ter dores nas costas quando acordarmos — falo enquanto fecho os olhos
e sinto o perfume dele misturado com espumante adentrar as minhas narinas. Hawke pressiona
os lábios no topo da minha cabeça e sussurra.
— Alguns esforços valem a pena — ele sussurra. — A nossa noite foi incrível. Eu faria tudo
de novo, inclusive escolher dormir no chão do seu quarto.
— Duvido que você dirá isso amanhã de manhã — protesto e ele ri.
O peito dele sobe e desce lentamente. Quando acho que ele já está quase dormindo,
pergunto:
— Hawke…?
— Hum… — ele responde em um resmungo.
— Por que estamos fazendo isso agora? De repente?
— Algumas coisas me mudaram nessa viagem. Preciso te contar, mas primeiro eu tenho que
resolver uma outra coisa, tudo bem?
Assinto e, mesmo curiosa, durmo pacificamente.
PASSADO
Molhado. Muito molhado.
É isso que eu pensei quando Tristan afastou os lábios dos meus para se despedir. Ele sorriu,
segurando a minha cintura e fazendo um carinho na pele entre a saia e a camisa.
— Eu te vejo à noite, então, princesa? — perguntou com um sorriso no canto dos lábios.
— Boliche? — indaguei, colocando os braços em volta do pescoço dele.
— O que você quiser. É o seu dia.
— Meu e da Mabel — pontuei, levantando o dedo indicador em riste.
Ele riu baixinho, agora aproximando o rosto do meu e beijando meu pescoço rapidamente.
— Por ela nós vamos parar em uma balada monstruosa.
Eu rolei os olhos, me afastando levemente para encarar Tristan.
— Por ela nós iríamos para o show da Ariana Grande!
Os olhos cor âmbar me analisaram milimetricamente e eu senti o rosto corar com o gesto. Na
verdade, eu ainda não estava acostumada a ficar assim com Tristan. Estávamos nas últimas
semanas da escola e depois de uma briga estúpida com Hawke, por mensagens, durante uma
festa, fiquei alguns minutos no beer pong e logo eu estava beijando Tristan. E não foi tão ruim.
Pelo menos bêbada.
O garoto estava encostado na lataria da Ferrari vermelha e eu me mantive entre as pernas
dele enquanto os braços fortes me seguravam com força. Como se eu realmente fosse preciosa.
Fazia duas semanas que estávamos assim.
Duas semanas que eu tinha beijado a primeira vez.
E, desde então, Tristan e eu nos beijávamos todos os dias.
Às vezes eu achava que ele aprendeu a beijar comigo, porque nossos dentes se batiam e era
meio melado demais.
— Eu preciso entrar — falei, apontando para a casa.
— Qual é, princesa... os seus pais não estão em casa. Me deixe te levar para almoçar., uh?!
— ele pediu.
Eu queria deixá-lo me levar para almoçar. Na verdade, eu adorava quando Tristan e eu
comíamos hambúrguer com milk-shakes de todos os sabores possíveis. Só que desde o beijo, eu
via que as coisas estavam indo rápido demais.
Ele andava abraçado comigo na escola e sempre me levava até a sala. Carregava minha
mochila e me trazia todos os dias para casa. Eu achava fofo, mas as minhas amigas já vinham me
alertando que ele estava se apaixonando.
Minha experiência quase nula no assunto fazia de mim uma completa idiota e não sabia
como dar um ponto final para aquilo. Então eu deixei rolar. Idiota? Óbvio. Mas eu simplesmente
não sabia como dizer a ele para continuarmos apenas com a amizade.
Talvez Hawke pudesse me ajudar, afinal, ele era meu melhor amigo. Ou eu achava que ainda
era, já que não conversávamos desde o incidente.
— Você sabe, preciso passar pela aprovação de beleza de Mabel Scott para o grande dia —
argumentei, agora segurando no cardigã dele. — Vou passar horas e horas fazendo cabelo, unha
e sei lá mais o que... — Ri baixinho.
— Tudo bem — ele falou, beijando o meu nariz. — Eu te pego às oito ou prefere que eu te
encontre lá?
— Uh, acho que nos encontramos lá. Até mais. — Me afastei brevemente, mas ele me puxou
pela mão e segurou na minha nuca, unindo os nossos lábios.
Aos poucos, Tristan me testava e me fazia descobrir coisas que eu gostava. Sensações que
eram boas. Como, por exemplo, o que ele fez a seguir. Deslizando os lábios até o meu maxilar e
mordendo de leve.
— Até mais tarde, princesa — ele sussurrou com a voz rouca, me deixando arrepiada.
Apenas sorri, jogando os cabelos para trás dos ombros com os dedos e piscando para ele.
Peguei a mochila no chão e fui direto para a casa de Max.
Meus pais haviam ido até Washington para uma visita aos nossos familiares. Por sorte,
mamãe não insistiu que eu fosse junto. Apenas Rosemay foi em seu encalço. Cruzei o gramado
bem aparado dos Scott e abri a porta sem ao menos bater.
— Senhora Elizabeth? — chamei, retirando os sapatos do uniforme. — Eu cheguei!
A mulher de cabelos loiros e olhos azuis apareceu na porta com um sorriso largo e um
avental em volta do corpo.
— Já chegou querida? Mabel não veio com você?
— Não, senhora Scott — falei, apertando os lábios. — Ela está com a Emma.
— Ah, tudo bem — respondeu, voltando a desaparecer para a cozinha. — Você veio com o
seu namorado?
— Não. É o Tristan — respondi, me aproximando da cozinha e sentindo o aroma do
ensopado de batatas deliciosamente apetitoso. — Estamos aproveitando as semanas finais da
escola. Só isso.
Ela me encarou por cima dos óculos.
— Já recebeu as suas cartas, querida?
— Sim. — Sorri. — Eu e Mabel vamos para Dallas.
Ela abriu um sorriso tão largo que aqueceu o meu peito.
— Mabel está tão feliz com a aprovação na academia de dança que não para de chacoalhar o
quadril pela casa. — Ela riu baixinho. — E você, minha querida, já escolheu o seu curso vai se
especializar?
Apoiei os cotovelos na ilha da cozinha para assistir a senhora Scott terminar de adicionar
barbecue na carne que assava.
— Eu quero Medicina Veterinária, mas sabe como é, estudos gerais primeiro e todas aquelas
coisas…
— Sim, claro. O Hawke pode ajudar vocês. Ele já está no segundo ano.
— É. Com certeza.
Eu odiava como a minha amizade e dele estava abalada. Depois da nossa discussão,
praticamente não nos falamos direito. O motivo ridículo da discussão foi o fato de eu ficar
bêbada em uma festa com as garotas e ele brigar comigo em uma ligação no meio da festa por
não falar nada com nada via mensagem de texto.
O fato, aqui, era que Hawke estava frequentando bastante festas e bares universitários
também. Ele dizia que estava cuidado de mim para o meu próprio bem. Só que as coisas
passaram um pouco dos limites.
E o pior de tudo era que ele era aquele tipo “anônimo” nas redes sociais, já que possuía uma
conta no Instagram, mas não postava quase nada.
Nos instantes seguintes fui salva pela entrada de Lola e Mabel na casa. Ambas com os
cabelos bagunçados. Afinal, Emma tinha um irmão. Emmet era o gêmeo da garota morena e Lola
estava adorando passar um tempo com ele enquanto Mabel se distraía com Emma. Eu acho que
estávamos vivendo a nossa adolescência da melhor maneira. Isso, era claro, se não fosse esse
aperto no meu peito todas as vezes que lembrava de Hawke longe.

— Definitivamente, você precisa terminar com ele — Lola disse, bebendo sua Coca Diet. —
Ele te chamou de amor.
— Isso é território perigoso! — Mabel alertou.
Eu fiz uma careta, apoiando os braços na mesa do boliche para observar Tristan lançar uma
das bolas e colocar todos os pinos para baixo ao comemorar, batendo na mão de Emmet. Joguei
o corpo contra a cadeira e olhei para o teto do lugar. Pensando nas palavras ideais.
— Como se faz isso?
— Diz que não tá afim — Lola disse. — Valeu, foi bom enquanto durou. O problema sou
eu, não você. Essas coisas...
Encarei ela seriamente, que apenas deu de ombros ao empurrar os copos para longe e
chacoalhar a cabeça.
— Céus, Emmet está gostoso nessa calça — ela soltou, do nada.
Eu bati no ombro dela e Mabel apenas riu da situação.
— E como vão ser as coisas daqui para a frente? — perguntei, um pouco sonhadora. —
Quero dizer, eu e Mabel em Dallas e você em Austin.
Mabel riu baixinho, agora colocando a cabeça no meu ombro e suspirando.
— Insano.
Chegamos à casa de Mabel felizes. Eu, Mabel e Lola caminhávamos a frente, enquanto
Emma, Emmet e Tristan vinham atrás. Eu esperava um momento tranquilo entre mim e Tristan
para poder acabar com tudo, mas quando abrimos a porta da casa…
— SURPRESA!
As luzes foram acesas e a primeira pessoa que vi, no meio da multidão, era a senhora Scott
com um sorriso largo e balões de gás hélio nas mãos. Todos da escola estavam na sala da família
Scott. Meu sorriso se alargou.
Clube de literatura, líderes de torcida, time de futebol e lacrosse.
Todos juntos.
Logo comecei a ser puxada de um lado para o outro, sendo beijada e abraçada. Eu
murmurava uma sequência de “obrigada” tão grande e meu sorriso era tão largo que as
bochechas doíam. Quando eu vi, Mabel estava sendo carregada pelos líderes de torcida para a
parte de trás da casa.
Eu cumprimentei mais alguns amigos e a senhora Scott chegou perto de mim.
— Nos fundos há uma comemoração, querida. — Ela me puxou para um abraço apertado. —
Sua mãe participou da organização e Rosemay me pediu um bolo com estampa de livros para
você.
— Oh, céus. Eu não tenho como agradecer. — Suspirei.
— Não precisa querida! — Ela sorriu, me soltando e passando a mão nos meus cabelos. — É
muito bom saber que você e a Mabel fazem aniversário tão próximas. A comemoração está linda.
Os convidados estavam nos fundos da casa e eu caminhei em passos lentos até lá. Cheguei
na porta, observando o ambiente cheio de adolescentes com copos cheios de bebida e o senhor
Scott pilotando uma churrasqueira improvisada no canto. Havia uma grande mesa de beer pong e
também algumas pessoas acertando dardos na árvore. Fiquei parada, encostada no batente da
porta enquanto observava a festa que acontecia nos fundos da casa.
— Mãe, cheguei.
Eu virei o corpo para trás. Era ele. Hawke entrou na casa pela porta da frente com os cabelos
bagunçados e um sorriso largo, indo direto para a mãe. Não me viu, mas eu o vi entrar de mãos
entrelaçadas com uma garota.
— Essa é a Kendra. A minha namorada.
Ele pareceu tão feliz ao dizer aquelas palavras, parado na frente da porta. A senhora Scott
saiu da cozinha e foi até onde ele estava. Meus olhos não se desviaram dele. Senti como se
tivesse ganhado um soco no rosto e meu coração tivesse se desmanchado.
Engoli em seco quando a senhora Scott puxou a garota para o abraço e ela sorriu, simpática.
Hawke estava feliz.
Eu abaixei o olhar e engoli meus sentimentos, mais uma vez. Girei nos calcanhares e fui para
festa em comemoração aos meus dezoito anos e de Mabel.
Desviei de alguns corpos e fui direto até Lola, que estava ao lado de um barril de cerveja
com uma mangueira, fazendo Mabel engolir o máximo de cerveja que conseguia.
Distraí minha cabeça até conseguir processar tudo.
Hawke não era meu.
E isso estava mais claro a cada dia.
O despertador toca em alto e bom volume, me deixando com a irritação de sempre ao ouvir o
ringtone ridículo do Iphone. Resmungo e tateio o colchão, buscando pelo aparelho telefônico.
Quando consigo abrir os olhos, após piscar inúmeras vezes, desbloqueio a tela e vejo que já são
dez horas.
O primeiro pensamento que me atinge é que tenho uma entrevista de emprego a uma e meia.
E. em seguida, o que eu noto, também, é que estou na minha cama, e não no chão do quarto.
Olho para o chão e constato que não há indícios de Hawke ou roupas de cama por ali. Sento-
me na cama e chacoalho a cabeça, tomando coragem para colocar os pés no chão.
No canto do quarto, a garrafa de champagne está vazia e o prato de bolo apenas com farelos.
Meus olhos percorrem cada centímetro do meu quarto organizado e também constato que as
roupas de cama que eu e Hawke dormimos estão devidamente dobradas em cima da cadeira da
escrivaninha. Subo um pouco o olhar e vejo um bilhete escrito à mão no meio do meu quadro de
recados vazio.
Levanto-me da cama à tropeços e pego o papel.
“Querida Pequena Sereia,
Você ainda continua dormindo bastante, hein?!
Acordei às oito horas e tentei de tudo para você despertar. Nem mesmo falar que Star Wars
é ruim te fez resmungar. Bom, eu precisei sair de casa antes de Mabel acordar, então às oito e
meia eu te coloquei na cama e sai sorrateiramente.
Não me odeie por isso. Eu adoraria acordar te fazendo cócegas, mas a probabilidade de nós
dois sermos pegos era grande. Mabel pode lidar bem com a nossa amizade, mas no nível que
realmente é? Não tenho certeza. Ela pode ser uma grande dor na bunda quando quer.
Fomos imprudentes ao colocar nossos pescoços em risco ao dormirmos juntos sob o mesmo
teto de Mabel Scott.
Espero que tenha um bom dia de trabalho e nos vemos amanhã à noite na festa!
Com amor, Hawke.”
Observação: destrua esse bilhete.
Eu gargalho enquanto rasgo o papel. Então começo a me questionar do porquê ainda estamos
escondendo isso de Mabel. Ela é uma garota adulta e agora, apesar de odiar Kendra, é um pouco
menos impulsiva.
Um frio na barriga me toma quando eu penso que posso mudar minha amizade com ela por
algo incerto do Hawke. Eu estou pronta para colocar tudo isso a perder? Bom, eu ainda não sei.
Só que se eu e ele estreitarmos nossos laços de amizade, assim como em Grapevine, eu preciso
rever meus conceitos.
Não vou mentir para Mabel.
Resolvo reunir os itens para um banho e saio do quarto assobiando.
O que eu não espero, no entanto, é encontrar Josh dentro do meu apartamento, assaltando a
geladeira. Ele está engolindo um pedaço se bolo enquanto empunha uma caneca de café
fumegante nas mãos. Assim que me nota, ele vira de frente para mim e, em seguida, lança um
olhar ameaçador.
— Hawke Scott? — pergunta enquanto sorri. — Não me diga que você veio até Dallas para
beijar alguém que morava do lado da sua casa… Tsc, tsc... — E nega com a cabeça. — Anise,
Anise... Você é a pior de nós quatro e eu nem desconfiava.
Sinto meu corpo todo petrificar e gelar.
Eu fui pega.
Deixo o amontoado de roupas e o hidratante caírem no chão. Um leve tremor é distribuído
por toda minha pele e eu engulo em seco quando Josh bebe mais um gole do seu café, imóvel ao
meu desespero.
— Josh... eu... eu… — começo a falar, sem ter palavras para explicar.
O que eu devo falar primeiro? Que somos amigos há tempos? Que nós nunca nos beijamos?
Ou como eu o amo? Céus, por onde e até onde devo falar?
Não é estranho ter Josh ou Dan no nosso apartamento. Eles até mesmo possuem chaves
reservas e temos um grupo de mensagens coletivos entre os dois apartamentos. Provavelmente
ele deve ter avisado lá sobre entrar aqui. Porém, agora, não consigo focar mais em nada além da
culpa que machuca meu coração.
— Anise! — diz, levantando um dedo. — Não estou aqui para te julgar. Eu seu amigo. Mas
sou amigo de Mabel também. Nós somos amigos da Mabel! Ela vai virar uma fera se descobrir
que ele saiu do seu quarto... Imagina a minha surpresa quando resolvi entrar aqui para pegar um
pouco de café e vi ele saindo do seu quarto.
Pisco uma. Duas. Três vezes até entender a gravidade do problema.
— Josh, nós não ficamos — falo rápido e me aproximando dele, ignorando completamente
as minhas coisas jogadas no chão.
Viro brevemente para trás, a fim de descobrir se Mabel já está acordada e um alívio toma
conta de mim quando vejo a porta do quarto escancarada e a janela aberta, o que me faz crer que
ela já saiu de casa.
— Nós somos amigos, Josh… — falo em um suspiro ao me jogar em um dos bancos na
frente da ilha da cozinha, onde ele está com os cotovelos apoiados do outro lado. — Eu e Hawke
somos amigos há anos. Nunca contei para vocês porque Mabel odiava toda garota que se
aproximava de Hawke. Céus, eu não poderia perder a minha melhor amigas e nem o meu melhor
amigo.
Josh arregala os olhos e larga a xícara de café.
— Seu melhor amigo?
— Sim! Josh.... Hawke e eu passamos por inúmeros momentos juntos. Bons e ruins... —
Aperto os olhos, massageando as têmporas antes de voltar a falar. — Ontem eu fui até o
McGee’s e ele voltou comigo para cá. Continuamos conversando e ele acabou dormindo no meu
quarto…
— Por que ele não dormiu na sala? — Ele aponta para o sofá.
Eu olho brevemente para o sofá enorme da sala. Realmente, as coisas vão ficar estranhas
agora. Meus olhos voltam para os orbes raivosos do meu amigo.
— Nós dormimos juntos outras vezes também — falo rapidamente, como se fosse tirar um
curativo. — Faz algum tempo. Acho que desde os dezesseis anos nós fazemos isso…
Ele entreabre a boca, tentando não me olhar nos olhos.
— Josh... — chamo-o. — Nunca rolou sexo.
Então ele volta a me olhar.
Agora Josh parece surpreso.
— Você já o beijou?
Levanto-me, passando a mão nos cabelos e andando em círculos pela sala de estar. Meu
olhar está no chão, acompanhando meus passos em tropeços e minha respiração se torna rápida
demais. Eu nunca desabafei sobre isso com ninguém, nem mesmo com Rosemay e mamãe. Só
que o medo do julgamento me assola e sinto-me em uma bifurcação onde um caminho é a
verdade e o outro a omissão.
As mãos gélidas de Josh encontram os meus ombros. Ele me para e me faz encarar seus
olhos, que agora demonstram preocupação.
— Por Deus, não, isso nunca… — eu jogo as palavras rápido demais enquanto meus olhos
ficam cheios de lágrimas.
Não consigo mentir. Não quando ele praticamente me pergunta com o olhar o que diabos
está acontecendo. Meu peito sobe e desce descompassado e meus olhos estão fixos nos de Josh,
que esquadrinha meu rosto com tanta precisão que me assusto. Ele solta os meus ombros ao
mesmo tempo em que aperta os lábios em uma linha fina. O rapaz suspira, agora fechando os
olhos rapidamente para se concentrar.
Quando os abre, solta:
— Você o ama.
— E-Eu... eu não sei.
— Não minta para mim — ele pede, negando com a cabeça. — Céus, como esse moleque
ainda não viu o que eu vi? O que está diante dos olhos dele?
— Eu sou apenas a irmã que não é de sangue — resolvo o enigma entre uma risada triste.
— É assim que a mãe dele costuma se referir a mim.
— Não estou falando sobre a mãe dele — esbraveja Josh. — Hawke não é cego! Por Deus,
se ele não estivesse com a cabeça tão atolada nas manipulações da Kendra, ele enxergaria isso!
— Você acha… acha que ela o manipula?
Josh passa as mãos no rosto, nervoso com o novo assunto.
— Kendra tem um bom poder de persuasão, e ele não é o primeiro que eu a vejo fazer isso.
Às vezes, me esqueço de que Josh, Dan e Kendra estudaram na mesma escola. Uma vez,
durante uma das nossas noites de pizza, os rapazes comentaram sobre isso.
— Entende a minha situação? — pergunto, segurando o pulso dele. — Não posso fazer
muito, Josh.
Solto o ar preso nos pulmões e suspiro alto. Um sorriso mínimo se faz no rosto do meu
amigo antes dele me puxar para um abraço forte.
— Sinto muito por isso, pequena. Espero que essa situação melhore logo — sussurra,
beijando minha cabeça.
No fim, eu espero que sim.
À uma hora da tarde, quando chego no lugar indicado pela mensagem, o meu coração está
batendo forte. Não posso acreditar que tenho a chance de trabalhar com animais antes mesmo de
ingressar na faculdade de Medicina Veterinária.
Sempre fui do tipo de criança que ama bichos.
Qualquer um deles.
Porém, o meu pai não era tão receptivo assim a isso. Comumente eu me contentava com o
gato velho da Mabel, o Tobias. Apesar disso, meu coração sempre ficou em dívida comigo
mesmo por nunca ter tido um animalzinho de estimação.
Adentro a pequena casa, buscando pela recepcionista. Atrás do balcão não há ninguém. O
ambiente é quase estéril, me fazendo crer que a empresa é relativamente nova.
Duas poltronas de espera e uma mesa compõem o lugar de paredes brancas.
Apesar disso, escuto os latidos da parte de trás da casa. Uma porta aos fundos me mostra o
pequeno quintal e meus pés se movem na direção.
— Olá? — pergunto em alto e bom som.
Nenhuma resposta surge.
Meus pés continuam se movendo e assim que atravesso a porta, sou recebida por um grande
quintal. Uma mulher alta e morena está jogando um disco para dois Dálmatas, um Golden
Retriever e um Pastor alemão.
— Vanessa? — pergunto, observando a mulher.
Ela usa um vestido florido solto, cabelos lisos escuros caídos nas costas e tem um sorriso
fácil e largo. Gosto dela instantaneamente.
— Você deve ser a Anise, sim? — pergunta, atirando o disco em minha direção.
O pego, em um pulo, e logo atiro para os animais.
Vanessa se aproxima, sorridente.
— Não posso esticar a mão. Ela está um pouco babada.
Sorrio.
— Não tem problema — respondo enquanto um dos dálmatas está enfiando o fuço em minha
perna para entregar o disco plástico na cor amarela. Pego o brinquedo e jogo de novo — Vim
pela vaga.
— Claro, vamos conversar! — estala ela, mas não se move.
De repente, estou participando da entrevista de emprego mais surreal da minha vida: em um
jardim, brincando com cachorros.

Após um banho longo e quente e arrumar o quarto numa roupa confortável, caminho de
volta para a sala enquanto escovo os cabelos úmidos. Dan continua sentado no tapete com uma
cerveja nas mãos e os olhos fixos no jogo. Mabel e Josh dividem o sofá. Aproximo-me, deixando
a escova de cabelos em uma mesinha próxima ao corredor.
Sento-me no tapete felpudo, ao lado de Dan e perto das caixas de pizza e garrafas de cerveja.
Pego um pedaço de pizza de tomate com manjericão enquanto seguro uma cerveja.
Meu corpo todo erra o equilíbrio quando sinto os olhos de Josh queimarem em mim. Tento
concentrar-me quando volto a sentar no meu lugar, próxima a Dan, e olho de soslaio para o meu
amigo, que me observa com curiosidade. Não temos um clima ruim, mas vejo que algo diferente
do habitual passa em sua mente.
Termino de mastigar a pizza com os olhos fixos na televisão e não entendo nada do que se
passa. Bom, como Mabel está digitando no telefone, acabo me sentindo confortável para apanhar
o meu. Desbloqueio a tela e começo a ver as notificações das redes sociais. Uma mensagem de
Hawke chega.
Hawke (22:30): Oi, dorminhoca. Como foi seu primeiro dia de trabalho?
Anise (23:02): Tranquilo. Gostei bastante. Fui aceita para a vaga em meia hora e brinquei
com cachorros a tarde toda, uh.
Hawke (23:25): Que bom, fico feliz. O que está aprontando agora?
Anise (23:30): Estou com o pessoal assistindo algum jogo de futebol americano. Não
entendo muita coisa, mas estou fazendo companhia.
Hawke (23:39): Sabe, meus turnos no McGee’s ficarão mais curtos quando as aulas
voltarem. Eu geralmente saio às 23h.
Hawke (23:41): :)
Anise (23:45): Que bom. Você pode assistir a alguns desses jogos aqui, se quiser.
Hawke (23:50): Eu adoraria, Pequena Sereia.
Mordo o lábio, encarando a tela do telefone. Nesse instante, noto que Dan se aproxima do
meu lado. Eu bloqueio o telefone e coloco ao meu lado, tentando ficar com postura para encará-
lo.
— Sei que você fala que não entende muito de futebol americano. — Ele ri minimamente
enquanto esquadrinha meu rosto com atenção. — Contudo, parece bem interessada em alguns
lances.
Eu solto uma risada, colocando uma mecha do cabelo para trás da orelha, visivelmente
envergonhada.
— É complicado. Todos correndo atrás da bola e atravessando jardas…
— Já é um bom começo — o rapaz pontua, bebericando da sua cerveja. — Se quiser, posso
te explicar algumas coisas.
— Ah... — falo, mas acabo vendo o telefone brilhar e vibrar ao meu lado. Olho rapidamente
e a foto de Hawke aparece na tela. Meu coração gela e eu pego o aparelho, espremendo a tela no
meu peito. — Acho que eu adoraria saber. Eu já volto, sim? — continuo, um pouco nervosa e
levantando.
Corro para o meu quarto e fecho a porta, atendendo a ligação.
— Oi?
— Oi — ele responde, respirando um pouco rápido.
Ficamos em um silêncio mútuo por alguns instantes. Eu roo a cutícula do dedo enquanto
caminho em círculos no meio do quarto.
— Eu só queria dizer, que… eu venho pensando no porquê nos afastamos tanto desde que
você chegou em Dallas. E agora... com as coisas como estão, percebo como foi complicado todo
esse tempo.
Fecho os meus olhos, tentando não deixar com que as palavras escapem dos meus lábios. Na
verdade, Hawke e eu nos afastamos antes disso. Foi quando eu o vi com Kendra. Tudo mudou no
meu coração e precisei me afastar um pouco.
Não sei se é a saudade dele por causa desse maldito intercambio que me deixou tão
vulnerável novamente, mas sinto aquelas borboletinhas idiotas fazerem festa no meu estomago e
acabo soltando um suspiro idiota e apaixonado pelos lábios.
— Hawke… Ontem, antes de dormir, você disse algo… sobre a viagem ter mudado você e
precisar terminar algo. Eu não entendi muito bem.
Hawke fica em silêncio, mas logo, diz:
— Preciso te pedir apenas alguns dias, tudo bem? — acaba por dizer.
— Tudo bem.
Deito-me na cama e fico observando o teto branco iluminado pelo meu abajur de estrelas.
Acabo colocando o edredom por cima do corpo e me aninho nele ao sentir o cheiro de Hawke,
provavelmente por conta de ontem à noite. Suspiro baixo, agora fechando os olhos e virando o
corpo.
— Eu quero levar você para jantar em algum lugar legal em Dallas. Que tal eu cumprir
com a minha promessa na semana que vem?
— Só eu e você? Saindo para jantar? Hawke... você está me convidando para sair? —
pergunto, baixando o tom de voz ao falar o nome dele.
— Qual é o problema, Pequena Sereia?
— Nenhum. Nenhum. — Suspiro pesadamente. — Acho que podemos fazer isso…, mas e a
Mabel?
— Eu também preciso ter uma conversa esclarecedora com ela, em breve. Bom, agora
preciso voltar para o pub. Liguei apenas para ouvir sua voz e te desejar boa noite.
— Boa noite, Hawke.
— Boa noite, Pequena Sereia.
Eu desisto de voltar para a sala assim que tiro o telefone da orelha, permanecendo de olhos
fechados e envolta do cheiro dele. Silenciosamente, peço para sonhar com ele mais uma vez.
Especificamente com a cena em que passei a noite nos braços dele, prontos para dormir.
Chego no apartamento quando já passa das sete horas.
Minhas pernas estão doendo, mas o meu coração está repleto de felicidade. Caminhei
durante uma hora com três grupos diferentes de cachorros. E, bom, Vanessa é a melhor chefe do
mundo. Não posso contar isso à Feya, mas a mulher é incrível.
Ela tem pouco mais de quarenta e cinco anos e está empreendendo na área de hotelaria e
cuidados com animais de estimação. Por enquanto, a empresa Patas e Ossos está trabalhando
apenas com cachorros de grande porte que precisam de lugar para ficar no período em que seus
donos estão fora de casa. Porém, a ideia é expandir.
E sabe o melhor? Ela comentou sobre cuidados especiais com animais, como um pequeno
consultório médico. De algum modo, posso me ver trabalhando com ela em um futuro próximo,
após a minha especialização.
Quando observo a sala, noto que o sofá foi retirado da sala e o móvel da televisão está
totalmente encostado na parede, além do tapete espalhafatoso de Mabel ter sumido. Alguns
balões de gás hélio estão suspensos no teto.
No fundo da sala, a mesa da cozinha está cheia de bebidas quentes e um barril de cerveja
disposto ao lado. Mabel surge com Hawke pelo corredor. Ela está dentro de um vestido Pink de
paetê que me faz ter certeza de que jamais a perderei durante a festa. Já Hawke está vestindo um
jeans escuro, camisa de botão azul marinho e um tênis escuro.
— Acho que preciso de ajuda com as pizzas — anuncio.
Em instantes, Hawke está pegando metade das caixas, dispondo-as em cima da ilha da
cozinha. Eu faço o mesmo ao mesmo tempo que escuto Josh chamar Mabel para ajudá-lo com a
geladeira. O tec-tec dos saltos a minha amiga soam pelo ambiente e assim que encontro o olhar
de Hawke, dou-me conta de que estamos sozinhos.
— Acho que a anfitriã está precisando de um banho. Estou cheirando a cachorro molhado —
eu falo, suspirando. — Que horas o pessoal chega?
Ele ri baixo.
— Geralmente chegam por dez horas. E você tem um tempo considerável.
— Uh, ainda bem. Estou exausta depois de cuidar de nove animais — comento.
Hawke apoia o corpo na ilha da cozinha e cruza os braços, tombando a cabeça levemente
para o lado.
— Que fofa, eu preciso ver isso algum dia. Você tem cara de que quer muitos cachorros em
sua futura casa…
Arregalo minimamente os olhos ao mesmo tempo em que solto uma risada nervosa.
— Talvez…
— Mas eu aposto que você quer ter filhos. Hum... deixe-me ver. Talvez três. Duas meninas e
um menino — ele fala, convicto. — Uma casa perto do mar. Um cachorro... não, dois! — Hawke
ri.
Coloco as mãos na cintura e nego com a cabeça.
— Eu sou tão óbvia assim? Eu sei que quero ser mãe, mas…
Surpreendo-me quando ele dá um passo na minha direção e tira uma mecha solta do meu
rosto com a ponta dos dedos, colocando-a atrás da minha orelha. Os olhos dele viajam pelos
detalhes do meu rosto, me deixando desconcentrada e completamente à mercê.
— Anise, você será uma mãe incrível — ele fala baixo demais, como se estivesse tendo um
devaneio.
O barulho de uma porta no corredor me faz dar um passo largo para trás.
— Anise, já para o banho! — Mabel grita, me fazendo rir ao me virar para ela. — Sua roupa
está em cima da cama e eu vou fazer sua maquiagem em quinze minutos. Quero você gostosa pra
cacete nessa festa.
Eu dou de ombros, apertando a bolsa no ombro e rindo para Hawke. Giro nos calcanhares e
caminho na direção do banheiro, desistindo de passar no quarto antes. Eu preciso tomar um
banho rápido para Mabel não me matar e completar sua missão ao me maquiar.

— GOS.TO.SA. — Mabel fala quando eu me levanto, dentro dos saltos que ela me fez
colocar.
— Eu estou linda para caramba — falo, olhando-me no reflexo do espelho do quarto. —
Obrigada, Mabel! — falo, abraçando a minha amiga.
A garota me fez colocar um vestido de alcinha preto com uma abertura significativa nas
costas. Um salto quadrado pequeno e meus cabelos vermelhos estão presos em um coque alto.
Nos lábios, um batom vinho e um pouco de blush. O suficiente para me deixar muito diferente e
sexy.
Tento me concentrar na sala, que já está parcialmente cheia. Avalio o pequeno relógio da
cozinha, constatando que passei mais tempo do que deveria dentro do quarto, já que passa das
dez horas.
Mabel me apresenta à uma série de pessoas do lugar que ela leciona balé. Rodo o salão todo
beijando e sendo abraçada por estranhos sorridentes e que me fazem rir com algumas histórias.
Alguns copos de cerveja depois, eu também já estou mais risonha e menos tensa.
Quando já passa da meia noite, encontro um Josh sorridente, perfumado e de roupas
alinhadas, extremamente alcoolizado na minha frente.
— Você é uma gata! Vem cá, Anise! — Josh surge na minha frente, me abraçando pela
cintura e me tirando do chão brevemente ao me girar.
Acabo rindo enquanto ele me põe no chão.
— Você usa esse apelido para as suas conquistas, pode apostar que você não faz o meu tipo!
— pontuo.
Ele solta uma piscadela e estala a língua nos dentes.
Rolo os olhos ao mesmo tempo que gargalho alto. Minha risada diminui assim que Dan
surge ao lado de Josh, com dois copos na mão. Ele me oferece um. Josh entreolha nós dois e sai
de fininho, deixando-nos sozinhos. Mordo o lábio, observando o conteúdo do copo antes de
bebericar um pouco da cerveja gelada.
A música alta e as pessoas amontoadas pela nossa sala me faz ficar um pouco nervosa. E,
claro, o fato de Dan estar extremamente próximo e lindo me desnorteia. Nós somos amigos há
quatro anos e nas últimas semanas ele parece estar investindo um pouco na minha atenção.
Na verdade, desde o episódio do bar. Já passei por uma situação dessas uma vez, com
Tristan, e não foi muito legal o nosso término. Talvez esse também seja um grande defeito sobre
demonstrar meus sentimentos para Hawke: foder com tudo.
Sinto um calor percorrer toda a extensão da minha pele e suspiro, bebendo um gole
expressivo da bebida do meu copo antes de finalmente encarar os olhos dele.
— Você ficou linda nesse vestido — ele fala.
Faço uma careta estranha, já que a música foi aumenta no instante que ele me diz essas
palavras. Eu aponto para o meu ouvido e ele ri, aproximando o corpo musculoso do meu. Dan é
bem mais alto que eu, precisando inclinar-se levemente para baixo para ficar com o rosto no
mesmo nível que o meu. Ele praticamente sussurra no meu ouvido a mesma frase, me causando
arrepios ridículos quando seus lábios batem na pele do meu pescoço.
— Você ficou linda nesse vestido.
— Obrigada — respondo enquanto bebo mais um pouco do líquido amarelado.
Ele afasta o rosto minimamente do meu, me fazendo praticamente entrar dentro de seus
orbes. O sorrisinho presunçoso me faz acreditar que sou a conquista da noite e alterno o peso do
corpo entre os pés.
— Sabe... — ele começa a falar, tocando o meu ombro nu com a ponta dos dedos e descendo
pelo braço. — Semana que vem teremos um jogo de apresentação do time na universidade. —
Os dedos traçam o meu pulso. Tento quebrar o contato visual, mas é extremamente impossível,
principalmente quando os olhos dele descem para os meus lábios e os dedos pressionam a pele
do meu pulso num carinho delicioso. — Eu adoraria te ver na arquibancada.
Solto um suspiro ridiculamente nervoso pelos lábios, esquecendo que deveria usar o nariz
para fazer isso. Engulo em seco logo em seguida, procurando uma resposta inteligente no meu
cérebro, mesmo querendo proferir um gemido quando os seus dedos começam a brincar com os
meus, em um pedido silencioso que eu una nossas mãos.
— Muitas garotas vão estar na arquibancada observando o grande quarterback do time —
falo, mesmo sentindo minhas bochechas arderem.
Ele sorri com o canto dos lábios, como se eu tivesse lhe contado uma piada sem graça.
— Você sabe que eu não costumo aparecer com garotas por aí. Sempre que eu tenho minhas
vontades, eu faço bem quieto. Entretanto... — fala, agora unindo a mão com a minha. — Eu ando
totalmente desnorteado pensando em uma garota de fios alaranjados e olhar sonhador que mora
no mesmo andar que eu.
— Ah, é? — pergunto em um fio de voz ao sentir ele se aproximando do meu rosto.
O cheiro dele é incrível. O perfume forte é intenso, mas não tão inebriante quanto os olhos.
Eu toco o peito de Dan. Minha intenção inicial é segurar em sua camisa e puxá-lo para mim, mas
meus olhos logo desviam dos dele e encontram um par de olhos azuis. Estes, incrivelmente
estranhos, me encaram do fundo da sala.
Dan sente quando meu corpo enrijece e ele se afasta devagar.
— Desculpe — falo, negando com a cabeça. — Por isso e por ter desaparecido ontem.
Acabei dormindo. Estava exausta do primeiro dia de trabalho.
Ele sorri enquanto solta a minha mão.
— Não tem por que se desculpar.
Um silêncio toma conta da conversa, já que o ambiente tem uma música alta ressoando e
algumas pessoas dançando próximas de nós dois. Eu abro a boca diversas vezes para reiniciar a
conversa e acabo brincando com os dedos na borda do copo, até que acabo rasgando um pouco
do plástico.
— Eu... eu vou pegar uma bebida — disparo para Dan.
Então o garoto apenas sorri e pisca para mim, ambos saindo cada um para um lado.
Meus olhos percorrem o pequeno apartamento a procura de Hawke. Não o encontro pela
quantidade significativa de pessoas ali. Acabo me distraindo e caminhando até a cozinha, que
parece mais calma do que a pista de dança improvisada. Mabel está a todo vapor no meio da
mesma, requebrando seus quadris com copo cheio.
Deixo o copo pela metade de cerveja em um espaço da ilha da cozinha e me apresso em
pegar um pedaço de pizza e comer. Uma risadinha baixa vinda da lavanderia me faz girar o
corpo na direção da mesma e surpreendo-me ao ver Hawke ali, encostado no batente da porta e
sorrindo.
— Eu sabia que você ia vir aqui primeiro.
— Eu sou comilona — eu falo de boca cheia. — Isso é meio óbvio.
Dou de ombros, partindo para o segundo pedaço. Hawke não se move, o que me deixa um
pouco apreensiva. Termino de mastigar a pizza e limpo as mãos uma na outra, abrindo a
geladeira para pegar uma longneck de cerveja e abri-la. Encosto o corpo no batente da porta e
observo Hawke ali, com o olhar perdido na festa.
— Não gosta das festas?
Ele vira o rosto para mim e arqueia a sobrancelha.
— Não gosto do Dan — ele pontua, levando o copo até os lábios.
— O que ele te fez? — pergunto, aproximando-me de ele.
Hawke suspira, observando o amontoado de pessoas no meio da pista e alguns visivelmente
bêbados.
— Ele é o ex-namorado da Kendra — fala exatamente como se estivesse me confidenciando
algo. — Eles acabaram de uma maneira meio idiota e o cara não gosta nem um pouco de mim
também. Ego ferido, idiotas agindo de maneira estúpida... Entenda como quiser. Não existe um
motivo realmente bom para eu argumentar, apenas banalidades.
Surpreendo-me com a confissão de Hawke e acabo soltando uma risadinha.
— Uau. Quem diria... Hawke Scott inseguro por causa do ex-namorado de uma garota que
está junto há mais de quatro anos. Isso é uma tremenda novidade... — falo antes de virar o resto
da cerveja na boca e voltar até a geladeira para pegar mais uma.
Hawke mantém os olhos fixos nos meus movimentos e posso sentir que ele me observa
quando eu abro mais uma garrafa e bebo outro longo gole.
— Dia difícil? — ele aponta para a minha garrafa.
— Sim — me restrinjo em dizer.
Na verdade, eu estou morrendo de ciúmes.
É ridículo eu pensar que estou na minha casa, do lado do cara que eu gosto, levando uma
cantada do meu vizinho e, no fim, tudo acaba se voltando para Kendra.
No fim, a garota não tem culpa. E, sim, o meu destino. O meu fodido destino que me odeia.
Bufo alto e, antes que eu consiga pegar, o que deve ser a oitava garrafinha da noite além de
alguns shots, cerca de sete pessoas bêbadas entram na cozinha.
— Ah..., Anise, é isso? — uma garota de cabelos azuis me pergunta.
— Sim.
— Então a anfitriã da noite vai começar o nosso joguinho — ela fala, estalando a língua nos
dentes e passando as mãos uma nas horas. — Sete minutos no paraíso.
Arqueio as sobrancelhas enquanto outras duas garotas me empurram, me fazendo andar de
costas.
— Eu... eu... — começo a pontuar, tentando equilibrar-me em cima dos saltos e não cair.
— Nana-nina-não — outra menina fala. — Para dentro da lavanderia, com o Scott.
Sou empurrada para trás e sinto quando bato forte o quadril na máquina de lavar roupas,
assistindo a porta da lavanderia ser fechada na minha frente.
— Mas que droga! — resmungo, batendo o pé no chão.
— É tão ruim assim? — a voz de Hawke se sobressai no total breu do pequeno cômodo.
— Hawke? Eles conseguiram te empurrar aqui?
— Não — ele se atém a dizer.
E então nós paramos de falar. Eu resmungo mais uma vez, sentindo meu quadril doer. Só
que o que me chama atenção é a respiração de Hawke. Alta. Forte. Pesada.
Ele está próximo. Muito próximo.
— Hawke? — chamo mais uma vez e, em instantes, ele está parado na minha frente.
Sinto o calor do corpo dele atrás de mim, se aproximando.
— O que você está fazendo? — pergunto, trêmula.
— Nós somos amigos, certo? — ele pergunta, ofegante.
Sinto a respiração bater na minha bochecha. Mesmo no escuro, fecho os meus olhos. As
mãos dele encontram a minha cintura e eu aperto de leve os pulsos em um pedido de que ele pare
o que está fazendo.
— S-Sim…
Ele respira forte mais uma vez.
— Então eu posso te confessar que estou ficando com ciúmes de uma amiga minha?
— Hum? — me atenho a sussurrar.
Ele parece ponderar muito antes de falar, já que sua respiração está cada vez mais alta e
próxima de mim. Sinto o pulso dos batimentos aumentar, já estou com as mãos suadas
praticamente cravadas nos seus pulsos.
O meu coração dispara desesperado dentro do peito.
— Hawke, se alguém tiver visto nós dois aqui... podem contar para a sua namorada... Eu não
quero ser a vadia da história — despejo tudo de uma vez, a fim que ele se afaste.
— Ela não é mais a minha namorada — afirma ele, me fazendo tremer.
— O que?
— Terminamos. Eu precisei… fazer isso, definitivamente. Kendra e eu não estamos dando
certo há muito tempo. Preciso que ela volte da viagem que inventou, de última hora, apenas para
poder sair do apartamento que estou morando. O lugar é do irmão dela e o alugo.
É muita informação.
Ou eu estou muito bêbada para processar tudo.
— Pequena Sereia... — ele sopra, rouco. Sua mão toca a minha bochecha e sinto as pernas
vacilarem. — Eu posso ver você. Eu sempre posso ver você, entende? Em qualquer maldito
lugar.
Meus lábios ficam trêmulos ao ouvirem as palavras. Sinto os lábios dele descerem para o
meu pescoço sem me tocar direito e espalmo seu peito, tentando empurrá-lo. Todas as minhas
forças se vão quando os lábios molhados beijam o meu pescoço suavemente.
— Hawke — chamo baixinho.
— Não posso ficar com ela, Anise… Não quando eu vejo apenas uma pessoa.
Minha pele toda eriça quando ele arrasta os lábios pela pele do meu pescoço e beija um
ponto estratégico atrás da minha orelha.
— Sabe essa minha amiga, a que eu te disse? — ele fala, rouco.
Eu sei que ele está um pouco bêbado. Eu sei porque também estou. E isso é problema.
— Sei... — respondo, apertando o tecido da camisa dele entre os dedos.
Hawke praticamente me pressiona contra a máquina de lavar roupas, consigo sentir toda a
sua musculatura contra a minha.
— Ela é a minha melhor amiga — ele sussurra no meu ouvido. — E ela é a melhor em
muitas coisas. — A língua dele passa levemente pela minha orelha e eu realmente solto um
gemido desnecessário quando ele mordisca o lóbulo da minha orelha. — Inclusive, eu me
pergunto como deve ser o gosto dela. Há muito tempo… — Hawke separa minimamente o corpo
do meu, apoiando as mãos na máquina atrás de mim e respirando alto.
Sinto as mãos suarem e solto a camisa aos poucos. O que eu fiz de errado? Não pode ser
verdade... Hawke está falando isso mesmo?
— Vamos parar com isso. Estamos bêbados, em um jogo estupido e é isso. Não podemos
falar essas coisas assim, Hawke, você… — Meus olhos se enchem de lágrimas. — E se você se
arrepender de tudo isso quando acordar amanhã?
A porta abre e as pessoas ali parecem ter uma espécie de fila para o tal jogo. Eu seguro no
braço de Hawke e o empurro para fora do lugar. Assim que chego na sala, me deparo com a festa
a todo vapor. Os olhos de falcão de Mabel logo chegam em nós, mas não hesito em parar.
Encosto Hawke em uma parede ao lado da mesa de bebidas e o encaro.
— Finja que está mais bêbado.
Pego uma garrafinha de água e empurro para Hawke, que abre com dificuldade e bebe um
gole. Céus, ele está tão bêbado. Passo a mão pelo rosto, suada e nervosa.
— Colocaram vocês dois juntos na lavanderia?
Finalmente tomo coragem de olhar para a minha amiga, já que Hawke está bebendo água
desesperadamente.
— Ninguém parece lembrar que eu sou amiga de vocês e que ele tem namorada.
Ela faz uma careta e acaba rindo.
— Todos estão bêbados. Essas coisas acontecem. E finalmente o Hawke está bêbado. Céus,
não vejo isso há anos. — Aponta para o irmão. — A Kendra é um pé no saco. Nunca deixa o
rapaz beber.
Mabel logo desaparece entre a multidão e eu acompanho com os olhos quando algumas
pessoas entram pela porta da sala. Suspiro, um pouco atordoada pelo que acabou de acontecer.
Volto a encarar os olhos de Hawke, que me fitam inquietos.
— Vou ao banheiro.
Aviso, girando nos calcanhares. A mão dele encontra o meu pulso e ele me faz voltar a olhar
em seus olhos.
— Eu não estou mentindo, Anise — ele diz.
Sorrio para ele, puxando o meu pulso devagar. Ele retribui o sorriso, sinto como se as
pessoas à nossa volta desaparecessem e isso é um sonho. O meu coração bate forte e sinto todas
as borboletas do universo brincarem no meu estômago enquanto me afasto, a cada passo olhando
para trás para me certificar que ele me observa no caminho até o banheiro.
Assim que entro no cômodo, o tranco e me encosto na madeira da porta. Solto um suspiro.
Um suspiro aliviado. Um suspiro esperançoso. E um suspiro completamente apaixonado.
Totalmente, completamente e estupidamente apaixonado.
Não posso acreditar nas palavras que saíram da boca de Hawke.
Estou sorrindo feito uma idiota porquê… caramba...
Me pego rindo, lembrando da pequena cena de ciúmes de Hawke e da forma como ele
encostou os lábios em mim. Memórias da noite passada, as palavras dele que me marcaram tanto
pela forma como foram ditas, fazendo o meu estômago se agitar.
Será que, finalmente, chegamos no nosso momento?
Ele quer mesmo falar com a Mabel?
Estou tremendo quando lavo o rosto rapidamente, cuidando para não borrar a maquiagem
que a minha melhor amiga fez. Avalio o meu reflexo no espelho e sorrio, orgulhosa e
esperançosa demais.
E talvez com algum brilho bêbado no olhar.
Abro a porta do banheiro e caminho na direção da sala. Um grito sobressai sobre a música e
eu sinto um calafrio. Alguém se machucou? Uma série de pessoas parece abrir passagem e eu
sinto um aperto no peito.
Sinto uma mão pesada no meu pulso. Josh está ali com os olhos arregalados.
— Amor! Eu voltei!
E então eu vejo. Ninguém está passando mal. A garota de cabelos cor mel, pele branca como
a neve e roupas muito caras para uma festa de apartamento cruza o caminho até o outro lado do
cômodo, indo em passos largos e jogando-se nos braços de Hawke, que precisa dar um passo
para trás para segurá-la.
Em seguida, escuto o som do meu coração se partindo.
Por que ela está aqui?
Evito olhar na direção deles quando vejo os lábios dela buscando pelos dele enquanto
Hawke parece assustado e confuso ao mesmo tempo. As mãos dele estão na cintura dela,
tentando afastá-la, mas Kendra está radiante demais para ver toda a inibição dele.
Não consigo olhar.
Ao mesmo tempo, eu estou deixando a esperança de antes escapar das minhas mãos. Penso
no que Josh falou, sobre o poder de persuasão de Kendra sobre Hawke. Eles estiveram em um
relacionamento entre idas e vindas. Será que desta vez será mesmo definitivo?
Seguro o copo de Josh, que está parado ao meu lado, e bebo todo o conteúdo em um gole só,
me arrependendo em seguida, porque… que merda é essa? A minha garganta arde e os meus
olhos lacrimejam por conta da bebida.
Ou não.
Talvez sejam meus sentimentos transbordando com a insegurança e um pouco da sensação
embriagada que estou experimentando.
— Anise... — Josh resmunga, segurando o meu ombro.
Molho os lábios com a língua e sorrio fraco para ele.
— Eu vou tomar um ar. Tudo bem?
Ele assente, apertando os lábios em um traço fino. Cruzo o montante de pessoas na direção
da porta, constatando três malas cor de rosa e duas de oncinha paradas na entrada da minha casa.
Reviro os olhos e cruzo a porta na direção do corredor, fechando-a em seguida.
Parada no corredor, ainda com a mão na maçaneta, fecho os olhos e inspiro profundamente,
controlando as lágrimas que insistem em se manter nos meus olhos.
Que inferno, caramba.
Eu não posso ter um minuto de paz quando o assunto são os meus sentimentos por Hawke?
— Também não aguentou a volta dela?
Surpreendo-me com Dan, sentado na frente da porta do próprio apartamento. A camisa de
botões está levemente aberta e ele empunha uma garrafa de uísque na mão. O cabelo está
bagunçado e a cabeça se mantém apoiada na parede de forma lateral.
Caminho na direção dele, sentando-me do outro lado do corredor, fazendo com que suas
pernas fiquem ao lado das minhas. Ele me estende a garrafa de uísque e eu aceito, bebendo um
gole longo.
Penso no que Hawke falou.
— Fiquei sabendo que você é o ex-namorado dela — eu falo.
— E você passou sete minutos no céu com o namorado dela.
Dou de ombros, bebendo mais um gole do uísque, estendendo a garrafa em seguida para ele.
— Eles não estão mais juntos.
Ele apenas ri de lado, como se soubesse que minha frase não é verdadeira.
— Vamos ver se ele consegue se livrar das amarras da Kendra…
— Também foi difícil para você? — pergunto, uma sombra toma o rosto dele.
— Nós, bom… — Nega com a cabeça, desviando do meu olhar. — Foi diferente. Pelo que
eu observo, o relacionamento de Kendra e Hawke é aprovado pelos pais dela. E, bom, eu não sou
um cara muito certinho para receber a aprovação deles — resmunga, pegando a garrafa. —
Somos ferrados.
— Totalmente ferrados — respondo, balançando a cabeça para os lados.
Dan bebe mais um gole da bebida e, em seguida, molha os lábios com a língua.
— Eu não deveria estar bebendo isso — falo, analisando-o beber mais um gole. — Não é um
bom negócio resolver os problemas com álcool.
— Nem um pouco.
Um barulho de porta sendo aberta no corredor faz com que nossas cabeças virem para o
lado. Hawke e Kendra saem do meu apartamento e parecem não se dar conta de Dan e eu
sentados um pouco longe da porta.
— Kendra, o que você faz aqui?
— Já disse, amorzinho. Eu voltei mais cedo. Quis fazer surpresa. Você não gostou? — Ela
aperta a boca dele com o indicador e o polegar em uma expressão manhosa.
— Você sabe que as meninas não são suas maiores fãs, então chegar em uma festa delas é
meio chato.
— Argh! Você de novo me deixando de lado pela sua irmã e a sua amiguinha. Você ouviu o
que a Mabel disse? Que eu não sou bem-vinda aqui.
Abaixo a cabeça, agora encarando as minhas mãos em cima do colo. Observo que Dan
mantém o olhar em mim, possivelmente querendo evitar os dois. Então, surpreendo-me quando
ele levanta e estende a mão para mim.
— Vamos, ruivinha.
Levanto o rosto para ele, evitando ao máximo olhar para o lado. Pego na mão de Dan, que
me levanta com um impulso e circunda a minha cintura, me fazendo caminhar na direção de
Kendra e Hawke, que nos olham espantados. Desvio o olhar para o rosto de Dan.
— O que está fazendo? — pergunto, baixinho, enquanto caminhamos na direção deles.
— Estamos indo aproveitar a festa. Ninguém vai estragar essa noite.
Nós dois passamos pelo casal que está à beira de um colapso de nervos. A porta bate atrás da
gente e o primeiro rosto que vejo é o de Mabel com um sorriso vitorioso nos lábios. Em
instantes, eu e Dan estamos no meio da pista dançando como se o mundo fosse acabar.
A última lembrança que eu tenho são dos lábios quentes e carnudos de Dan sobre os meus.

A claridade faz os meus olhos arderem. Mesmo mantendo-os fechados, eu consigo sentir que
o sol está pelo quarto todo e batendo no meu rosto. Abro os olhos minimamente, por tempo o
suficiente para fechá-los novamente e proferir um resmungo manhoso. Minhas mãos logo
encontram a cabeça, já que ela lateja de uma maneira desesperada e dolorosa. Céus, eu nunca
mais beberei na vida.
Espreguiço o corpo, notando que não estou na minha cama. Abro os olhos por completo e
meu corpo todo trava quando vejo Dan ao meu lado. Sem camisa. Abaixo o olhar, conferindo
que, pelo menos, ele está de calças. Um suspiro aliviado sai dos meus lábios quando vejo que eu
também estou vestida.
Estamos deitados no chão do meu quarto, em cima de um edredom amassado.
Meus olhos correm no quarto e vejo que meu telefone está jogado ao lado do amontoado de
roupas de cama. Pego o aparelho apenas para conferir inúmeras chamadas de Hawke e uma série
de mensagens dizendo que precisamos conversar. Vocifero um palavrão e Dan resmunga ao meu
lado.
Volto a observar Dan e meu corpo todo aquece ao lembrar onde ele esteve com as mãos
ontem, depois que bebemos muito mais do que deveríamos. As mãos dele descobrindo todos os
meus pontos fracos e preferidos, a voz rouca no meu ouvido sussurrando palavras sujas e sua
boca na minha pele. Fecho os olhos e respiro fundo, tentando ignorar o fato de que os ombros
largos estão abraçados em um travesseiro, já que ele dorme de barriga para baixo — me dando
uma visão e tanto do seu dorso nu e musculoso.
Eu espero que isso não afete a nossa amizade.
Nós dois estávamos com o ego ferido e fizemos uma bobagem, certo?
Tento levantar e cambaleio um pouco. Seguro-me na parede e resolvo fechar as cortinas para
Dan dormir melhor. Em seguida, caminho até o guarda-roupas, pegando um conjunto de shorts
de malha rosa chá e uma regata cinza com alguma frase idiota. Abro a porta do quarto no maior
silêncio possível e a fecho e vagar.
— Finalmente a Bela Adormecida acordou! — ouço Josh falar assim que encosto a porta do
quarto.
Viro o rosto para o lado e encontro o meu amigo no meio da sala que, por sinal, está quase
toda limpa e os móveis estão nos seus devidos lugares. Me aproximo do fim do corredor,
conseguindo ver por completo o cômodo. Sacos de lixo pretos estão empilhados ao lado da porta.
Josh empunha uma vassoura enquanto Mabel está na cozinha lavando algo na pia.
— Ãn... bom dia? — falo, confusa e passando a mão pelos meus cabelos soltos.
— Boa tarde, meu anjo — Josh fala entre uma risadinha.
Arregalo os olhos e logo Mabel aparece na cozinha, risonha. Noto que os dois já estão sem
as roupas da festa e parecem muito mais recompostos do que o estado em que me encontro. Por
sorte, hoje é domingo. Eu não teria capacidade alguma de trabalhar com animais hoje.
— Vocês trocaram uns beijos quentes ontem — Mabel fala, apoiando-se nos ombros de
Josh. — Mas eu acho que o ápice da noite foi quando expulsei Kendra da nossa festa.
— Uh, nem me lembre disso. Ela me fuzilou com o olhar! — Josh gargalha.
Tento soltar uma risadinha enquanto aperto um pouco as têmporas.
— Alguém tem um remédio para dor de cabeça?
Mabel caminha até a cozinha, voltando com um copo com água e uma aspirina. Agradeço
enquanto bebo o conteúdo do copo.
— O que aconteceu ontem? — pergunto, ainda confusa com as memórias.
— Digamos que, após a expulsão da Kendra, e você e o Dan apareceram abraçados no
apartamento, dançaram e beberam algumas coisas muito estranhas. Então vocês praticamente se
grudaram e nunca mais descolaram. Quase todo mundo viu quando o cara te empurrou contra a
parede do corredor e sugou o seu pescoço — Mabel fala e eu coloco a mão no pescoço, sabendo
que a dorzinha que pinicava logo que acordei não poderia ser algo fruto da minha imaginação. —
Daí vocês sumiram pelo corredor e só conseguimos entender que vocês estavam no seu quarto
porque ouvimos uma série de risadas vindas de lá quando todos foram embora.
Por Deus...
Sinto o meu rosto todo arder de vergonha e tenho certeza de que estou um pimentão de tão
vermelha, já que Mabel e Josh acabam rindo de mim. Sou despertada das imagens que vagam
pela minha mente confusa com um som vindo da porta de entrada do apartamento.
Hawke aparece ali, vestido casualmente e com o olhar totalmente conturbado.
Os olhos dele estão nos meus em instantes.
— Por que não atendeu as minhas ligações? Ou respondeu as minhas mensagens? — ele
indaga, fechando a porta atrás de si e ignorando completamente o fato que estamos
acompanhados.
Abro a boca para responder, mas Mabel acaba se colocando na frente dele, impedindo que
ele chegue perto de mim.
— Você está aqui por que expulsamos a Kendra? Não vai descontar na Anise, entendeu? O
apartamento é nosso e ela não é bem-vinda aqui.
— E lá vamos nós de novo. A era de paz entre os irmãos Scott está definitivamente
chegando ao fim. Kendra voltou. Preparem seus armamentos, senhoras e senhores — Josh
começa a falar, jogando as mãos para o alto e caminhando na direção da cozinha.
Seguro as roupas contra o meu corpo e engulo em seco, observando o olhar ameaçador que
Hawke e Mabel trocam. E como se fosse um sinal divino, Dan acaba abrindo a porta do meu
quarto e surge no corredor. Ainda sem camisa.
Ele chacoalha o rosto e balança os cabelos escuros para trás enquanto apoia-se na parede do
corredor e me observa. Do ângulo que ele está, com certeza não consegue ver Hawke e Mabel, já
que os dois estão no meio da sala.
— Anise, você podia ter me acordado quando saiu do quarto. — Ele ri baixo, se
aproximando em passos sorrateiro e com um sorriso largo nos lábios.
Estou praticamente congelada no mesmo lugar, rezando para que eu não caia — já que
minhas pernas estão moles. Dan caminha até mim e para do meu lado, beijando meu rosto
suavemente e me encarando.
— Quer sair para tomar um café?
— Preciso ir a uma loja de departamento comprar roupas novas para o meu trabalho... —
tento usar uma desculpa com um fundo de verdade, já que preciso de roupas mais confortáveis
para a caminhada com os animais, mas ele me interrompe.
— O Shopping do centro possui um ótimo café e um Walmart. O que acha?
Alterno o olhar entre Dan e Hawke, que está me observando junto à Mabel. Se eu ficar no
apartamento, provavelmente vou sofrer uma quantidade enorme de perguntas vindas de Hawke.
Com absoluta certeza, nós dois discutiremos porque eu fiz algo muito estúpido depois que a ex-
namorada dele invadiu o lugar e ele não a expulsou.
Porque ele deveria ter feito isso, eu acho.
Não sei, afinal, Hawke é muito educado para fazer isso. Mas se eles terminaram, por que
foram embora juntos? Minha cabeça estava quente e precisava esfriar ela, fiz isso beijando um
dos meus melhores amigos em Dallas, e eu também preciso concertar isso.
Dan e eu não somos nada a mais do que uma noite.
— Sim. Você pode passar aqui em meia hora? — falo, voltando a encarar Dan.
Ele sorri fraco e se afasta.
— Com certeza.
Então o garoto finalmente vira o corpo na direção da saída. Dan e Hawke trocam um olhar
mortal. Vejo Hawke cerrar os punhos fortemente e uma risadinha baixa escapa dos lábios de
Dan, que faz questão de colocar sua camisa no meio da sala enquanto caminha até a saída.
— A propósito... ótima festa, garotas — Dan fala, perto da porta. — Acho que essa foi a
melhor de todas.
Antes que alguma tragédia possa acontecer comigo, me enfio no banheiro e tranco a porta.
Segundos depois, estou embaixo do chuveiro, tentando fazer com que a minha ressaca moral
diminua um pouquinho.

Saio do banheiro na mesma velocidade que entrei. Chego no quarto e resolvo trocar a roupa
simples por uma jardineira, uma blusinha solta e uma sandália aberta nos pés. O calor de Dallas é
terrível.
Assim que saio do quarto, tento organizar os meus fios ruivos e equilibrar a bolsa no ombro
ao mesmo tempo. Josh está jogado no sofá, assistindo a um jogo de futebol enquanto Mabel está
logo ao lado, digitando no telefone.
Não deixo de notar que Hawke não está mais aqui.
— Estou indo — anúncio.
— Ah, Anise — Mabel fala. — Mamãe convidou você e sua família para o almoço de
Páscoa que ela costuma oferecer em maio. Como já estamos em fevereiro, ela já começou a
organizar tudo.
— Eu acho que vou acabar indo para casa — comento enquanto digito uma mensagem para
Dan, confirmando que estou pronta. — Confirmo com vocês no fim do dia. Vou tentar ligar para
o vovô e ver como as coisas estão em casa… até onde eu me lembro, eles prometeram uma visita
para mamãe nesta data.
— Tudo bem — ela responde, voltando a mexer no seu telefone.
Abro a porta do apartamento e saio para o corredor. Quando giro o corpo para trancar a
porta, uma mão paira sobre o meu pulso. Eu congelo.
— Precisamos conversar! — Hawke diz.
Engulo em seco, terminando de fechar a porta e desistindo de enviar a mensagem para Dan.
Levanto o rosto e encaro os olhos vermelhos e com bolsas escuras embaixo dos mesmos.
— Tudo bem.
Cruzo os braços na frente do corpo enquanto caminhamos para longe da porta do
apartamento. Encosto-me em uma parede e Hawke para ao meu lado, encostado na parede
também. Ambos nos encaramos silenciosamente.
— Eu não sabia.
Permaneço em silêncio, tentando não esboçar quão chateada eu estou. Respiro fundo,
fechando os olhos e sentindo meu peito comprimir mais um pouquinho por estar conversando
sobre isso.
— Você é feliz com ela?
A pergunta parece atingi-lo em cheio já que, quando abro os olhos, ele tem o olhar vago pelo
chão e está visivelmente transtornado.
— Eu já fui, por isso não estamos mais juntos — pontua.
— E você ainda a ama?
Hawke resmunga algo e meu rosto se aquece de vergonha e medo pelo que ele dirá. Rio
fraco, agora relaxando um pouco mais o meu corpo.
— Você deveria saber se ama ela ou não. Ou, pelo menos, os indícios do amor e não apenas
do conforto do convívio.
— Você nunca me disse que tinha algo com o Dan... — ele fala quase que em um sussurro.
— É. Eu não tinha.
Não quero prolongar o assunto. Não mesmo. O que eu e Dan fizemos foi por impulso e
mágoa, misturado com uma atração que sentíamos um pelo outro. Eu jamais teria o beijado se
Kendra não tivesse aparecido.
— Eu pedi para você me esperar resolver algo com Kendra para conversarmos…
— E por que foi embora com ela? — pergunto em um sussurro triste e magoado. — Por que
não voltou? — minha voz sai em um sussurro difícil pela forma embargada que falo. — Você vai
voltar para ela de novo e de novo, Hawke. Não vê que isso é a esperança que ela deseja?
— Anise, não... — ele começa a falar, mas com a voz levemente embargada.
— Olha, Hawke — falo, tentando me manter firme. — Somos adultos. Estávamos bêbados.
Podemos lidar com as consequências agora. Não vou te cobrar nada, tudo bem? Tome seu tempo
com Kendra, porque sabemos o que acontecerá.
— Do que está falando?
— Vocês sempre voltam. — Me aproximo, falando baixinho e deixando toda a minha
tristeza estampada. — Não sei o que mudou para você nessa viagem, mas… — Desvio do olhar
dele por alguns segundos. — Ontem as coisas mudaram entre nós, pelo menos para mim.
— Para mim também, Anise. Por favor, eu só preciso…
Por sorte, Dan aparece no corredor. Suspiro aliviada porque não quero continuar a falar de
nós. Minha cabeça ainda está muito confusa e meu coração mais bagunçado ainda. E eu estou
usando Dan como uma válvula de escape para os meus sentimentos conturbados e confusos.
— Vamos, ruivinha? — Dan pergunta.
Eu ainda tenho os olhos em Hawke.
— Sério? Ruivinha? — ele fala, dando um passo para trás.
Dan apenas arqueia as sobrancelhas e coloca as mãos nos bolsos do jeans. E nesse instante
eu rezo para ele não fazer nenhum comentário idiota ou territorialista. Por sorte, ele se mantém
calado, agora olhando para mim e sorrindo fraco. Eu retribuo o sorriso.
— Até mais, Hawke. Conversaremos depois.
Dan oferece o braço para mim e eu engancho o meu no dele. Caminhamos na direção do
elevador sem olhar para trás. Assim que entramos no pequeno lugar, ele aperta no botão do
térreo, onde fica a garagem.
— Se você não quiser ir, tudo bem — ele declara com o olhar preso na porta de metal.
— Eu acho que preciso muito de um café. Minha cabeça ainda dói.
— É, a minha também.
Nós dois rimos e vamos até o carro dele. Dan destrava a porta do Ford Mustang preto e
entramos. Sinto um pouco de desconforto, como se eu estivesse em um lugar estranho ou errado.
Dan liga o som do carro e eu rio, notando o que ele estava ouvindo.
— Britney Spears? — pergunto.
— Qual é? — ele brinca, tirando os óculos escuros do porta luvas e colocando nos olhos,
ficando estupidamente lindo. — Ela ainda é a rainha do pop e esteve presente em muitos dos
meus sonhos adolescentes.
Solto uma gargalhada quando ele liga o carro e sai da garagem, tomando a pista na direção
do centro. Mesmo que eu saiba que isso é uma autossabotagem, aproveito. Não quero pensar em
Hawke e nos meus problemas. Vou resolver tudo com Dan e distrair a minha mente.
O caminho até o shopping é cheio de risadas enquanto eu e Dan recitamos algumas das
frases mais famosas dos hits de Britney Spears.
Dan entra no estacionamento do shopping. Logo estamos saindo do carro dele e caminhando
juntos para a área de entrada do lugar. Juntos, nós dois chegamos até um dos cafés da praça de
alimentação, uma espécie de ilha. Há uma pequena vitrine cheia de tortas bem decoradas. Dan
escolhe uma das mesas — que parecem daqueles cafés clássicos de Paris — e nós dois nos
acomodamos ali. Em seguida, o garçom surge com os cardápios.
— Hum... Eu acho que vou querer um café expresso e uma torta de limão — ele fala.
— O mesmo para mim — digo, empurrando o cardápio para cima da mesa.
Quando o garçom sai, eu coloco as mãos unidas em cima da mesa. Fico brincando com os
dedos e um suspiro pesado sai dos meus lábios enquanto tomo coragem para conversar com Dan
sobre ontem. Na verdade, eu me lembro de poucas coisas depois que fechamos a porta daquele
quarto. Então os flashs ficam obscuros. Um calor repentino se faz presente em mim e sinto uma
gota de suor escapar pela minha nuca. Eu estou muito nervosa.
— Eu não lembro muito de ontem... — falo, baixinho.
Ele solta uma risadinha, me fazendo levantar os olhos para ele. Dan me observa enquanto
tira os óculos escuros calmamente e o deposita em cima da mesa.
— De qual parte?
— O quarto. O que fizemos?
Ele arqueia as sobrancelhas e sorri.
— Eu também estava bem bêbado. Nós dois continuamos a nos pegar e então você disse que
achava melhor nós dois dormimos — Dan fala, malicioso. — Você resmungou algo sobre o
Hawke dormir com você desde muito novo e então jogou alguns edredons no chão. Quando eu
fiz menção de sair, você pediu para eu não te deixar sozinha e acabamos dormindo juntos.
Engulo em seco, querendo um buraco para me enfiar tamanha vergonha que eu sinto. Por
sorte, o garçom chega com os nossos pedidos. Encho a boca com a torta de limão e meus olhos
ficam presos na xícara de café, evitando com que eu encare os olhos de Dan.
Nós dois comemos em silêncio. E só quando estamos com os pratos e xícaras vazias, Dan
diz:
— Anise, você não vai ficar envergonhada comigo depois de tudo o que a gente fez ontem,
não é? Somos adultos...
— O que nós fizemos ontem... sabe, além dos beijos?
Eu lembro brevemente das mãos de Dan me apalparem nas pernas, cintura e até mesmo na
minha bunda. Isso tudo encurralado naquele corredor. Também lembro do chupão..., o qual me
custou uma quantidade bem grande de corretivo e base.
Dan continua com aquele sorrisinho nos lábios.
— Sério mesmo? Me lembro de te ouvir quando você falar que não deve beber algo.
Definitivamente, eu não posso te oferecer uísque.
— Dan. O que nós fizemos?
Ele parece gostar da pergunta. Oh, sim, ele gostou. Isso porque cruza os braços em cima da
mesa, inclinando-se por cima da mesma, chegando perto de mim.
— Você realmente não lembra de quando me empurrou na sua cama e arrancou a minha
blusa? Ou quando desceu os lábios pelo meu tronco e... — Os olhos azuis estão fixos na minha
boca. — Abriu o cós do meu jeans com as mãos trêmulas? Tão linda e tão…
— Dan... — eu falo, colocando a mão na boca dele. — Eu fiz isso?
— Você não me deixou terminar, ruivinha. Eu te parei na hora que você ia começar. Eu vi
que você estava nervosa, bêbada e triste demais.
— Meu. Deus.
Enfio o rosto nas mãos, sentindo como se o mundo inteiro caísse nas minhas costas. Eu sou
muito estúpida ao pensar que ia transar com Dan movida por coisas tão ruins... Eu desvio os
olhos dos dele e acabo rindo, me sentindo uma idiota.
Dan beija a minha bochecha e sorri contra a minha pele.
— Vai no meu jogo nessa semana?
— Acho que posso ir.
— Bom. Agora vamos até o Walmart? Você precisa encontrar o que mesmo lá?
— Roupas — falo, mas nós dois não nos movemos. — E sobre o que eu te disse, em relação
ao Hawke…
Dan aperta os lábios, me encarando de uma forma diferente.
— Não posso dizer que estou surpreso. Você sempre olhou de uma forma diferente para ele.
Depois de ontem, a forma como você saiu do apartamento quando a Kendra chegou…
Encaro as minhas mãos sobre o tampo da mesa.
— Ele disse que eles terminaram, mas… não estou certa sobre isso. E então eu te beijei, fiz
algo estúpido, Dan.
Sinto os dedos em meu queixo. Dan levanta o meu rosto, encarando-me com um sorriso
suave.
— Não se culpe por lidar com seus sentimentos de forma estúpida. Estamos sujeitos a erros
e, bom, pelo visto a sua frustração com o cara transbordou. Agora só o tempo dirá como tudo vai
ficar.
O meu Domingo foi regado a filmes, sorvete e chocolate com Mabel. Hawke não mandou
mais nenhuma mensagem e não apareceu no apartamento. O que é normal quando Kendra estava
na cidade.
Através dos desabafos de Mabel, descobri que Kendra sempre restringiu Hawke da vida
com os amigos. Kendra é arquiteta e sua família trabalha com isso há algum tempo. Ela também
sempre tentou fazer Hawke vivenciar seu mundo da alta sociedade de Dallas. A garota estava em
Paris para uma feira, mas eu desconfiei disso desde o começo. Afinal, ela poderia estar fugindo
de Hawke e do término.
Enquanto eu estou terminando minha graduação, ela já tem um Mestrado em Arquitetura
Ambiental na universidade. Sem contar que jamais imaginei Hawke frequentando lugares do alto
escalão da cidade, então isso ainda é um pouco confuso.
Na segunda, a faculdade está em polvorosa pela volta das temporadas de esportes.
Universitários andando depressa entre os corredores, gritaria e caos. Bom, isso tudo com direito
a uma fila quilométrica na cantina e alunos completamente perdidos. Por sorte, meu senso de
organização sempre me fez chegar horas antes, então assisto todo o caos já de dentro da sala de
aula, com os olhos fixos nas janelas que dão para o campus.
Bato com a pontinha da caneta na mesa, acompanhando os primeiros alunos chegarem na
sala, já que estou aqui há quase vinte minutos. O professor de Sociologia entra na sala,
apresentando-se ao iniciar uma conversa empolgada sobre os principais sociólogos que vamos
estudar nas primeiras semanas de aula.
Faço uma anotação no canto da folha com os livros indicados para passar na biblioteca antes
de ir embora. Não sei como levar livros para o meu trabalho, mas vou encontrar uma maneira.
Observo a mensagem de Vanessa, que já me passou o itinerário de hoje.
Uma garota de cabelos curtos e olhos grandes logo se senta ao meu lado, me fazendo
despertar da explicação do professor.
— Nossa, os corredores estão um caos. Me atrasei quinze minutos — ela profere, esbaforida
e me fazendo rir. — Ele já falou algo importante?
— Apenas sobre os livros que precisaremos ler — comento, apontando a lista na minha
folha.
Ela passa os olhos rapidamente e sorri.
— Tranquilo. Tem a maioria na internet. Eu vi o plano de ensino que eles disponibilizam no
site e consegui achar alguns. — Ela levanta os olhos para mim. — Eu sou a Rachel.
— Anise.
Trocamos um sorriso e voltamos a prestar atenção na aula. Algumas horas depois, a aula se
dá por encerrada e eu e Rachel caminhamos juntas para a biblioteca. Por mais que ela prefira os
arquivos que baixou no seu celular, acaba me fazendo companhia na enorme biblioteca da
universidade e trocamos boas informações sobre as aulas.
Por sorte, descubro que teremos mais duas aulas juntas. O sonho dela é cursar jornalismo e a
menina acaba comentando sobre ter se candidatado para um estágio no jornal da escola como
fotógrafa.
— As câmeras analógicas são relíquias que precisam de mais atenção — ela divaga. — Por
mais que eu ame tecnologia, eu tenho meus cuidados especiais com as analógicas.
Estamos saindo da biblioteca e eu tento não parecer tão encantada com o discurso da garota.
Ela é uma mistura de retrô e moderno que me assusta. Isso se dá até pela roupa que ela veste.
Uma saia rodada estilo anos sessenta com uma camisa de botão clássica. Os sapatos são pretos e
alinhados com uma meia fina. Só que os cabelos são curtos, repicados e pintados de preto
azulado. Os óculos redondos são um charme à parte. Ela realmente parece ter saído de um
catálogo de moda.
— Vou adorar conhecer o seu trabalho, Rachel.
Então ela para em um dos corredores e segura no meu braço, me fazendo ir para o canto do
corredor. Seus olhos estão levemente arregalados e ela encara algo no fim do corredor.
— Não se mova.
— Hum? — pergunto, um pouco preocupada pela reação dela.
— Ele está vindo para cá. Meu Deus... — ela começa a falar, visivelmente nervosa.
— Quem? Céus, é algum ex seu? Olha, eu tenho uma amiga, Mabel, ela pode encurralar o
seu ex caso ele esteja te perseguindo e…
— Não... — ela me corta, agora rindo e me encara. — É ele! — Vira o rosto.
Viro o rosto para onde ela aponta. Sorrio ao ver o time de futebol americano da escola
distribuindo panfletos, provavelmente sobre o jogo de estreia do time amanhã. Eles estão um
pouco longe e consigo ver Dan à frente de todos.
Dan está com o seu casaco do time. Ele é mais alto e faz gracinha com todo mundo que
passa. Algumas garotas acabam rindo com as suas investidas. Quando os olhos de Dan
encontram os meus, levando a mão e aceno. Ele sorri e caminha na nossa direção.
— Anise! Ai meu Deus, ele está vindo! — Rachel agarra o meu braço como se Brad Pitt
estivesse vindo na nossa direção.
Dan para na minha frente e me estende um panfleto.
— Oi, ruivinha. Aqui estão as informações do jogo para o qual te convidei.
Pego o panfleto, tentando me concentrar nas letrinhas ali.
— Eu ia te entregar esse panfleto hoje no café da manhã, mas, pelo que percebi, você é
ótima com horários.
Levanto a sobrancelha e o olhar para ele.
— Você foi tomar café no meu apartamento?
Ele dá de ombros.
— As panquecas do Josh são terríveis. Ele está em uma dieta maluca com aveia que é
nojenta. Geralmente tem pizza gelada na geladeira de vocês. Só que, hoje, alguém passou pela
cozinha e deixou panquecas docinhas e quentinhas. — Ele prende meu nariz com o dedo
indicador e o polegar, me fazendo rir. — Sério, no que você não é boa?
Rolo os meus olhos e sinto as bochechas queimarem tamanha a vergonha.
— Dan! — eu reprovo o comentário e ele parece gostar, já que circunda os meus ombros
com seu braço largo e forte.
— Não vai me apresentar para a sua amiga, ruivinha? Que falta de educação. Oi, eu sou Dan,
e você está convidada para o jogo de abertura da temporada! — Ele estende o panfleto para
Rachel, que tem as mãos trêmulas ao pegar o papel.
Solto uma risada.
— Ei, quer almoçar? — ele pergunta.
Levanto os olhos para ele, que está me observando de forma, atenta.
— Não posso. Vou comer um sanduíche e ir direto para o trabalho.
— Ah, tudo bem. — Ele meneia a cabeça para o lado e sorri. — A gente se vê pelo
apartamento, preciso te entregar algo.
— Tudo bem! — Sorrio fraco.
Ele beija a minha bochecha e depois a de Rachel, correndo para conseguir chegar até onde o
time está no corredor. Só quando ele se mistura com o amontoado de garotos, eu viro o meu
rosto para a garota ao meu lado.
— Uau! — ela fala, colocando a mão no peito. — Eu fui beijada pelo quarterback reserva do
time de futebol da Universidade!
Rolo os olhos e nós duas caímos na gargalhada.
Encontro Vanessa tentando colocar um quadro na recepção quando chego da primeira ronda
com os cachorros. Sorrio para a mulher, que usa saltos e tem uma furadeira na mão.
— Ei! — anuncio minha chegada, ela logo vira o rosto para mim.
— Oi, Anise! — diz, sorrindo para os animais que seguro com dificuldade.
Ainda estou aprendendo a usar os cintos com tantas guias presas em um mesmo lugar. É
uma tarefa complicada domar todos esses animais ao mesmo tempo.
— Pode deixá-los correr um pouco lá atrás antes do passeio com os cachorros das quatro
horas.
— Tuudo bem...
Faço o que ela pede, deixando os animais na parte de trás do lugar. Logo algumas
bolinhas pelo gramado e também alguns petiscos para que eles roam. Assim que retorno para a
recepção, sirvo um pouco de água e me sento no sofá que Vanessa colocou sexta-feira na
recepção.
Aos poucos, o lugar está ganhando a cara dela.
Pego o telefone no bolso enquanto a minha chefe termina de alinhar os quadros com
pinturas de diferentes animais. Na tela, uma mensagem de Feya me convidando para um café, me
faz sorrir. Rachel também me enviou uma mensagem. Porém, é a última notificação do facebook
que faz meu corpo arrepiar.
Hawke Scott atualizou seu status de relacionamento para solteiro.
— Oh, merda... — falo e Vanessa vira para trás, me olhando com curiosidade. — Oh, meu
Deus, me desculpe... — peço, encabulada por ter falado desta maneira no trabalho.
A mulher apenas ri de lado, batendo as palmas para retirar a poeira das mãos.
— Não se preocupe. Pelo seu rosto, algo aconteceu.
Meu estômago revira. Isso está parecendo meu último dia de trabalho com Feya, exatamente
com quando desabafei sobre Hawke. Encaro o telefone, ainda sem coragem de abrir o perfil dele
para checar se ele apagou as fotos com Kendra.
— Quer falar sobre isso? — pergunta, sentando-se ao meu lado.
Engulo em seco.
— É complicado…
— Oh, pela sua carinha, com absoluta certeza é.
Mordo o lábio inferior, tomando coragem para continuar.
— Sou apaixonada pelo meu melhor amigo, que também é irmão da minha melhor amiga...
— confesso, fazendo Vanessa arregalar os olhos na minha direção. — Sábado ele deixou claro
que pensa em mim desta maneira também, mas ele tem uma ex-namorada complicada…
— Ah...
— É, e isso é uma merda, porque, além de tudo, eles têm um relacionamento vai e vem há
anos. Parece que ela tem um grande poder sobre ele, entende? E o apartamento em que ele mora
é do irmão dela. Ai, estou tão ferrada! — Apoio os cotovelos nos joelhos e seguro meu rosto.
Sinto a mão de Vanessa no meio das minhas costas, em um carinho suave.
— Bom, eu posso dizer que nenhum relacionamento é fácil, querida. O meu marido, por
exemplo, é um homem difícil. Quando nos conhecemos, ele estava saindo de uma clínica de
reabilitação.
Levanto meu rosto, encarando o dela.
— É sério?
— Sim. Ele tinha se afundado em alguns problemas e é uma pessoa que ainda está se
recuperando. Não só sobre o álcool, mas também sobre seus sentimentos. — Ela sorri, de
maneira suave. — A criação dele foi um pouco engessada demais, sabe?
— Preconceito?
— Vários... — Ri, balançando a cabeça para os lados. — Estamos em um processo de
recuperação neste aspecto, mas ele é um homem bom para mim. E se eu não tivesse lutado com
tudo por ele, talvez nós não estaríamos juntos hoje.
Ela me avalia por alguns instantes, ainda fazendo um carinho suave em minhas costas.
— O que estou querendo dizer é que ninguém é perfeito. Não existe um momento ideal para
as coisas acontecerem. Normalmente, nós esperamos por isso, mas a vida é assim. Turbulências
sempre fazem parte dos momentos mais incríveis da nossa vida. Então... se você realmente gosta
dele, demonstre que ele está fazendo um bom negócio ao escolher você.

Abro a porta do apartamento, cansada, e jogo a bolsa em cima do sofá e solto os cabelos
enquanto caminho em passos largos até o meu quarto. Quando a abro a porta do quarto, me jogo
na cama com o rosto enfiado no meio dos travesseiros e grito alto.
Hawke me mandou uma mensagem há uma hora perguntando se podemos conversar. Não
sei se estou pronta, por isso frustração me atinge. Por tantos anos, eu sonhei com o momento em
que ele finalmente terminaria com Kendra e me daria atenção, o que não entendo é porque eu
estou insegura sobre isso?
Escuto os passos rápidos até a porta do meu quarto e logo a voz de Mabel surge:
— Anise, o que houve?
Levanto o rosto e encontro minhas amigas na porta, assustadas.
— A vida adulta é mesmo um saco.
— Quer uma cerveja?
Levanto, limpando os olhos e sendo amparada pela minha melhor amiga. Livro-me dos
calçados e me sento no sofá enquanto Mabel surge com as cervejas e um pacote de salgadinhos.
Eu recusaria toda essa comida em plena segunda-feira, mas pelo visto a vida universitária é
assim.
— Então, qual é o motivo do ataque?
— Você já quis muito uma coisa e, na hora que aconteceu, não soube lidar?
— Com absoluta certeza, a resposta é sim. Pelo jeito, a nossa semana começou muito
azarada — Mabel comenta. — O Hawke me procurou hoje.
— Ah, é? — indago.
— Ele me contou que descobriu que está apaixonado por uma garota.
Começo a tossir, engasgando-me com a cerveja. Puta merda! Solto a garrafinha sobre a
mesa e bato no peito. Quando estou mais calma, abraço o pacote de salgadinho e me acomodo no
sofá sob o olhar curioso de Mabel. Enfio o máximo das batatinhas do pacote na boca, escutando
seu desabafo.
— Eu disse que o melhor a se fazer é sair do apartamento do irmão da Kendra e cortar as
relações. — Rola os olhos. — Você, por acaso, se importaria se ele dormisse aqui algumas
noites?
— Claro que não... — falo rápido demais, ainda com a boca cheia.
— Todas nós sabemos como aquela sanguessuga faz mal para ele. Eu só tenho medo dele
perder o emprego também, caso isso aconteça.
— Por quê?
— Ele descobriu que o tal James, que o empregou, é sócio do irmão dela no negócio. No
fim, ele só conseguiu o emprego por causa da Kendra. Apesar disso, Sebastian sempre soube
separar muito bem o relacionamento de Hawke com Kendra, e a amizade que eles têm também.
— Ah, merda. Então esse término deles é uma bomba relógio.
— Uhum... — Mabel fala. — Se ele terminar com a maluca, é capaz de ficar sem teto e sem
emprego. Por isso ele não fez isso antes. Ah, e claro, não podemos esquecer da pressão
psicológica que a garota faz com ele há séculos. — Ela solta um muxoxo. — Credo, eu nunca
imaginei que o meu irmão fosse cair na rede de uma doida dessas.
— E o Dan? Onde ele entra nessa história?
Mabel e eu nunca falamos tanto sobre Hawke e Kendra. Sempre me esquivei desses assuntos
pela dor que sentia. Durante quatro anos, eu preferi não estar nos mesmos ambientes que ele e
escapar dos assuntos.
— Dan e Kendra namoraram durante o ensino médio e foram para a faculdade juntos. O
quarterback e a líder de torcida. Na hora de escolher a especialização, ele resolveu contar para
ela que não ia seguir com os esportes e então tudo ficou meio confuso. Depois disso, ela
apareceu enganchada no Hawke. Dan surtou, porque ainda era louco por ela. E assim
começamos a história desse triângulo improvável. Dois rapazes incrivelmente legais caidinhos
por uma maluca.
— Nossa... — Bebo um gole da minha cerveja. — Isso é bem complicado.
— Ah, falando no Dan... — Mabel diz, se esticando até um canto da sala e pegando uma
sacola. — Ele te deixou isso.
Largo a cerveja no chão e pego a sacola, abrindo-a com cuidado. Tiro o tecido de dentro da
sacola e me pego rindo quando vejo uma camisa do time de futebol americano da universidade
com o número 15 e o sobrenome de Dan escrito nas costas.
“Você e Mabel com a minha camisa amanhã, vamos arrasar!”
No final da semana, os corredores parecem uma festa. Vermelho e branco são as cores
predominantes nos cartazes, balões e confetes também estão espalhados pelos corredores. Isso
tudo porque hoje é o dia do jogo de estreia do time de futebol americano.
A minha aula de Políticas Sociais foi tranquila e assim que saio, apressada, pelo corredor,
acabo encontrando uma figura imponente no fim dele.
Kendra está conversando com uma professora. A droga é que eu preciso passar por ela.
Então respiro fundo, fixo meu olhar em um ponto imaginário no fim do corredor e começo
minha caminhada.
Meus fones de ouvido, infelizmente, não estão aqui para eu fingir que estou escutando
alguma música.
— Anise..., não é isso?
Praticamente travo quando passo por ela. A garota se despede da mulher e o tec tec do salto
fino me irrita até que ela para na minha frente. Kendra está vestida com uma camisa de botão
verde turquesa, saia lápis preta, saltos altos da mesma cor e brincos dourados. O que me deixa
confusa é a quantidade de provas que ela carrega em uma das mãos e o crachá de professora.
— Sim. Kendra..., não é isso? — repito na mesma entonação.
É a primeira vez que nossos olhares se cruzam de tão perto, e é aqui que eu entendo o porquê
Hawke começou a namorar a problemática Kendra McGee: ela é linda. Linda é pouco. Seus
olhos verdes são enormes, os traços finos parecem de uma boneca e o cabelo parece ter saído de
um comercial de xampu. Eu devo dizer que ela cheira a um perfume caro ou seria muito idiota?
— Nunca fomos apresentadas... eu sou a namorada do Hawke.
Aperto os lábios em um sorriso sem graça. Quero corrigi-la, mas não o faço.
— Então..., eu queria saber se você gostaria de tomar um drink qualquer dia.
Droga, ela ainda está sendo simpática comigo? Não poderia me ignorar para sempre? Qual é
a dela? Será que Kendra viu algo entre mim e Hawke? Porque Josh e Dan com absoluta certeza
viram.
— Vai acontecer o jogo de futebol americano do time da universidade, você sabe e… —
desato a falar igual quando estou nervosa, uma coisa que comumente faço.
— E você não pode perder porque é a mais nova garota do quarterback do time...
E então ela me lança o sorriso mais venenoso que eu já recebi. Seus olhos se estreitam
levemente e eu vejo que ela bufa. A julgar pela respiração pesada que sai de suas narinas e suas
sobrancelhas arqueiam-se levemente, ela não está contente.
Oh, ela não está aqui por Hawke?
Por alguns instantes, eu acho que quero saber o porquê ela ainda se importa com Dan, já que
vive com Hawke. Só que, no segundo seguinte, eu estou odiando o fato dela ter me manipulado
para arrancar uma informação sobre Dan.
— Não sei do que você está falando.
Ela ri.
— Por mais que eu seja professora da Universidade agora, eu sei de tudo o que acontece
neste lugar. Inclusive nas festas. Sei que na sua festinha, por exemplo, você dormiu com Dan e
passou sete minutos no paraíso com o meu namorado — a voz dela soa ameaçadora e muito mais
baixa do que antes.
— Ex-namorado.
— Como é?
Meu coração bate tão forte que dói.
— Hawke e eu somos amigos. Mesmo que durante todos esses anos você não tenha tido o
mínimo de interesse em conhecer os amigos dele, nós somos. Então já sei que vocês não estão
mais juntos.
Eu abro a boca para continuar falando, mas Kendra gira nos calcanhares rápido demais,
fazendo com que seus cabelos batam no meu rosto e ela caminhe para se distanciar de mim. Eu
pisco inúmeras vezes para a cena e ainda me sinto patética ao ficar parada no meio do corredor
observando-a sumir entre os alunos.

— Sim, Rosemay, eu sei que eu sou uma péssima irmã por não ter ligado para vocês ainda
nesta semana — digo enquanto caminho na direção do Patas e Ossos.
— Isso mesmo! E uma péssima filha também! — Minha mãe ri no fundo.
Eu estou em uma chamada coletiva com minha irmã e minha mãe, já que nós não nos
falamos por telefone desde o final de semana. Mesmo trocando mensagens diárias com as duas,
elas acharam importante me ligar no meu horário de almoço.
— Estamos preparando uma recepção incrível com a nova série do Star Wars e muita
pipoca, ratinha — mamãe diz.
— Mãe! Não precisa me chamar de ratinha! E cresci e meus dentes ficaram proporcionais à
minha boca!
— Tudo bem, tudo bem.
— Como está o novo emprego? — Rosemay pergunta.
— Ah, estou amando. Passar a tarde e início da noite com os cachorros têm sido incrível
para mim. Cada vez mais estou certa sobre a Medicina Veterinária.
— E a bolsa de estudos? — mamãe pergunta.
— Preciso manter boas notas para mantê-la para o próximo semestre e é só isso. Não
começaram as provas ainda, então estou tranquila. Tudo está certo para o aniversário da
Rosemay também, vou pegá-la na rodoviária e passaremos um ótimo dia juntas — falo enquanto
entro na quadra do meu trabalho. — Garotas, eu preciso desligar.
— Tudo bem, amor. Te amamos.
— Beijos.
— Beijos.
Abaixo o rosto para desligar o telefone e colocá-lo na minha bolsa. No processo, não me dou
conta que esbarro em alguém. Meus óculos de grau caem do rosto e eu resmungo, me lembrando
do meu primeiro dia de escola em Granpine, anos atrás.
— Me perdoe, eu estava distraída — peço e o homem se abaixa para pegar os meus óculos.
— Não tem problema, garota.
Meu corpo inteiro se arrepia ao reconhecer a voz. Mesmo sem óculos, eu tenho certeza de
quem ela pertence. Sinto meus olhos encharcar de lágrimas à medida que o homem se levanta e
estica os óculos para mim.
Assim que os olhos dele parem nos meus, eu quero gritar.
Meu pai está parado na minha frente e tudo o que eu quero fazer é correr para longe dele.

Quando entro no elevador, encosto meu corpo na parede metalizada. Um senhor entra no
pequeno lugar também, me impedindo de chorar ali. Engulo meu choro ao me dar conta que ele
vai para o mesmo andar que o meu. Ficamos em um silêncio tortuoso. Caminho em passos
longos até a porta do meu apartamento e tremo a mão quando pego as chaves. São menos de
duas horas da tarde e já estou de volta.
Provavelmente Mabel está em seu trabalho e terei o lugar todo para sofrer sozinha. Depois
que eu coloquei os olhos no meu pai, tudo aconteceu muito rápido. Peguei meus óculos e corri,
mesmo com sua voz grossa chamando pelo meu nome.
Não registrei quase nada do caminho até aqui.
Assim que abro a porta, vejo que estou sozinha.
Agradeço por isso, jogando minha bolsa longe e deixando os sapatos pela sala. Caminho na
direção do corredor que dá acesso aos quartos. Sinto meu corpo doer. O lugar que mais dói é o
meu peito. Ele parece estar esmagado. Dilacerado.
Eu um ato desesperado, eu me encosto na parede do corredor e seguro os cabelos no topo da
cabeça, fechando os olhos com força ao gritar alto. Com toda a minha voz e com todo o meu ser.
Minha angústia, frustração, dor e ódio misturados em um estridente grito.
Escorrego o corpo até me sentar no chão.
Com punhos fechados, eu bato no chão. Deixando as lágrimas quentes cortarem o meu rosto.
Eu posso sentir o meu peito subir e descer, o pulmão ser pequeno para tanto ar que preciso.
Mais um grito.
Eu fecho os olhos. Me sinto incapaz de tudo. De qualquer coisa.
— Anise? Anise! Meu Deus, o que está acontecendo?
Abro os olhos e encontro Dan. Ele está com uma roupa de treino, parado sob a soleira da
porta de entrada da casa, o corpo todo suado. Dan se agachada na minha frente, então eu me jogo
em seus braços e sinto como se ele fosse um cobertor em um dia frio.
Não posso acreditar que, depois de três anos, ele está na mesma cidade que eu. E ainda
não sei por que o meu peito dói tanto. É uma dor que supera a raiva por tudo o que ele fez e eu
me sinto estúpida o suficiente para me deixar sofrer pela partida do meu pai.
Aos poucos, eu deixo todo o meu pranto acalmar e acabo adormecendo no colo de Dan.

— Eu não acho bom você fazer isso, Hawke — é a voz de Mabel.


— Você me ligou naquele estado e não quer que eu entre?
— Ela está dormindo já faz duas horas e eu não consigo descobrir o que aconteceu!
— E se alguém a machucou? — Hawke parece impaciente.
Eles tentam conversar baixo na sala enquanto, mesmo de olhos fechados, eu consigo sentir
que estou no meu quarto.
— O Dan quer abandonar os preparativos do jogo para voltar até aqui, você acha necessário?
— Eu não sei! — Hawke rosna. — Eu estou tão desesperado quanto você.
Um silêncio se faz na sala. Ouço os passos dos dois pelo cômodo. Levanto-me da cama,
colocando os pés nus no assoalho frio. O que me causa um arrepio terrível no corpo, então me
espreguiço e suspiro.
O porta retrato em cima da mesa de cabeceira com uma foto minha, da mamãe e Rosemay
no Natal do ano passado logo me toma o campo de visão. Desde que Robert foi embora, tudo
tem sido tão difícil para nós, principalmente financeiramente. Porém, nada repara a dor da
partida. Ele escolheu ir embora e nunca mais voltou.
Noto que estou com uma camiseta larga e sem os jeans que antes eu usava. Vejo, através da
janela, que algumas gotas de chuva já estão molhando o vidro. Pego o telefone e vejo algumas
mensagens de Mabel, Hawke e até de Dan. Ignoro-as completamente, levantando-me e
caminhando para a porta. Assim que a abro, os rostos curiosos de Mabel e Hawke surgem no
início do corredor.
Sorrio minimamente, caminhando em passos sutis até a sala.
Eles me olham com tanta curiosidade que eu acabo sentindo vergonha. Sento-me no sofá da
sala. Hawke senta ao meu lado e Mabel se ajoelha na minha frente, segurando as minhas mãos e
me encarando.
— Se alguém machucou você, me fala. Eu já disse que vou matar quem quer que seja.
Solto uma risadinha boba, que faz a minha amiga rir. Eu nego com a cabeça, respirando
fundo.
— Eu vi o meu pai aqui em Dallas.
— Tem certeza, Anise? Pode ter sido alguém muito parecido com o Robert… — minha
amiga diz.
Engulo em seco, abaixando o olhar.
— Nós nos esbarramos. Coloquei meus olhos nele, Mabel. Depois, corri direto para cá. Não
pude… eu... não… — Sinto dificuldade em respirar, trêmula pelo choro que começa. — Eu
travei. Não soube reagir e dizer todas as verdades para ele.
Sinto a mão de Hawke passar pelo meu cabelo e praticamente esqueço que Mabel está aqui
conosco quando enterro minha cabeça na curvatura do seu pescoço e fecho os olhos.
— Sinto muito, querida… Você está com fome? Sede? — Mabel pergunta.
— Eu adoraria um sanduíche de pasta de amendoim com geleia de amoras.
— É para já! — ela fala, pulando para fora da cozinha.
Hawke envolve-me em seus braços e sinto que ele suspira contra os meus cabelos.
— Anise, eu…
— Shhh... — e o corto. — Por favor, Hawke, só me abraça.
Ele assente, me apertando contra o seu corpo e me deixando ficar ali até Mabel voltar.
Quando me sento no sofá, ereta, pego o sanduíche para comer. Josh abre a porta do apartamento
em um baque forte.
— Quem nós vamos precisar matar? — fala alto enquanto caminha na minha direção e me
abraça forte. — Caralho, Anise.
Espero ele me soltar e acabo sorrindo.
— A única coisa que eu vou matar agora é a minha fome. Porque hoje eu tenho um jogo para
ir. E o que vocês estão fazendo aqui? Não deveriam estar na universidade?
— Eu queria saber o que aconteceu e se precisava de um advogado.
— Vamos todos ao jogo! — Sorrio para o meu amigo, que nem advogado é e já está por aí
se aparecendo com isso.
Meu coração se enche com tanto carinho e quase esqueço da merda que foi colocar os olhos
no meu pai. Instantaneamente, eu viro o rosto para Hawke. Ele apenas aperta os lábios em um
meio sorriso e confirma com a cabeça que também irá ao jogo.

O estacionamento do estádio está cheio. O som da banda da universidade é muito alto e eu


acabo rindo quando alguns alunos passam jogando confetes para cima. Estamos caminhando na
direção da entrada do lugar.
Encontramos um lugar vago nas arquibancadas com dificuldade. Me surpreendo quando
Hawke aparece com copos de um litro de cerveja para mim e para ele, já que Mabel está
dirigindo. Ela, por sinal, acaba acenando para as líderes de torcida e logo some por entre elas.
Não entendo muito bem quando ela começa a coordenar uma das dancinhas, então fico
observando o gramado verdinho iluminado pelos holofotes.
Viro o rosto para Hawke, que me observa atentamente com um sorrisinho pequeno nos
lábios.
— Por que você estava lá? — pergunto, bebendo um pouco do meu chopp.
— Mabel me ligou em pânico, ela estava com medo de alguém ter te machucado. Eu corri
para lá em instantes.
— Por quê?
— Porque eu me importo, Anise.
Os olhos dele estão nos meus e vejo quando ele alarga mais ainda seu sorriso. Pode parecer
apenas um comentário apaixonado idiota, mas eu vejo um brilho diferente nele. Em nós.
Nosso contato visual é quebrado quando o time entra em campo. Todos põem-se de pé para
aplaudir e gritar pelos garotos. O mascote do time é um bode engraçadinho que fica dançando no
meio das líderes de torcida, acabo rindo quando ele balança a bunda fofinha. Noto que Hawke
me observa o tempo todo e não consigo deixar de trocar olhares com ele enquanto o jogo
acontece.
Ele profere alguns palavrões e eu rio. Mas não fico tão distante ao fazer algumas caretas por
não entender muito bem o jogo.
Quando o placar está um pouco desproporcional para o time titular, viro o rosto para
comentar com Hawke que preciso de mais uma cerveja. Ele está com o telefone entre os dedos.
A janela da conversa com Kendra está aberta e eu me pego lendo um pedaço da conversa deles.
Kendra: Como assim...? No jogo?
Hawke: Não importa, Ken.
Kendra: Você não me avisou! Descobri que você não vinha trabalhar pelo meu irmão.
Hawke: Eu não devo satisfações. Por favor, não torne isso mais difícil para a gente.
Kendra: Achei que a gente ia conversar hoje.
Ele nega com a cabeça. Nenhum de nós se move quando o jogo acaba. Quando eu viro o
meu rosto para ele, Hawke parece perdido. Ele está ponderando entre ir ou não. Uma pontinha de
esperança cresce no meu peito.
— Anise... nós precisamos conversar.
O dia já tinha sido estressante. Sufocante. E torturante. Lembro-me do que Mabel me disse:
“ele está apaixonado por uma amiga”. Eu sei que é por mim. E por que ele não me diz? Por que
continua falando com ela? Tudo é tão difícil.
— Não quero falar com você sobre isso agora — anuncio, irritada e já sentindo meus olhos
marejarem com lágrimas mais uma vez. — Você já se resolveu com ela?
Droga de dia.
— Já, mas a Kendra…
— Chega, Hawke. Só vou falar com você sobre a gente e sobre o que diabos você quer
conversar depois que você colocar um ponto final nisso. Eu fui uma idiota em acreditar que tudo
seria igual, sendo que você não é mais o mesmo. Não te reconheço perto dela. E, por Deus,
Hawke, antes de amar alguém você precisa se amar! Você está deixando de ser você para ser
algo moldado por ela! Você não é essa pessoa! Isso... — Aponto para ele —... não é o meu
amigo.
— Anise... — ele fala, dando um passo na minha direção.
— Não. Chega! — falo, engolindo o soluço que tenta escapar pelos meus lábios. — Chega
confundir os meus sentimentos.
Ele corta o espaço entre nós dois, Hawke segura forte nos meus ombros, fazendo-me encarar
seus olhos azuis terrivelmente preenchidos por lágrimas grossas. Meu coração se parte um pouco
mais ao ver que ele também está sofrendo.
— Anise, eu também estou confuso. Eu sempre estive. Por isso eu também me afastei. E
agora... — Ele aperta um pouco a minha pele entre os dedos. — Agora você está aqui. Você está
comigo... sei que nós não somos mais a Anise e o Hawke de anos atrás. Porque eu sinto — Ele
segura a minha mão em cima do seu peito —, eu sinto isso bater mais forte com você por perto.
Sinto meu corpo todo doer. Não é uma dor física, é uma dor emocional. Hawke está parado
na minha frente, me dizendo que também sente algo... isso parece um sonho. E talvez eu tenha
sido estúpida o suficiente para achar que conseguiria guardar meus sentimentos por ele.
Tomo coragem para encarar seus olhos.
— Quando você estiver com tudo decidido, nós falaremos disso. Só não demore.
Viro-me em direção ao campo, mas sinto que sua mão encontra o meu pulso.
— O que você quer dizer?
Respiro fundo, virando-me para ele mais uma vez.
— Que eu não vou te esperar a vida toda Hawke! Estou te esperando faz quatro anos. —
Sinto os olhos marejarem mais uma vez ao mesmo tempo que tento manter minha boca calada.
Talvez esse seja o momento de despejar tudo de uma vez só. — Eu esperei pelo garoto que fez
meu coração errar uma batida quando me chamou de Pequena Sereia. Eu esperei pelo garoto
falava comigo pela janela do meu quarto e em um belo dia resolveu entrar por ela para conversar
comigo, e lá se foram diversas noites. Eu... Hawke... Te esperei até o último minuto antes de
aceitar dançar com Tristan, antes do Tristan me beijar, antes de transar com ele... Por Deus, eu
sempre te esperei! — vocifero. — Sempre. E eu tô cansada!
Hawke solta meu pulso devagar, engolindo em seco mais uma vez. Seus olhos perdem o
foco dos meus. Ele abre e fecha a boca diversas vezes, mas nenhuma palavra sai. Então, eu
continuo, mesmo com as pessoas ao nosso redor parecendo confusas com a discussão entre
sussurros.
— Você pode não ter nunca percebido nada disso porque eu sempre fiz o papel de amiga
muito bem. Nós somos amigos, sempre fomos bons nisso. Só que, no fundo — Aponto para o
meu peito —, eu sempre fui apaixonada por você. — Sinto meu coração comprimir dentro do
peito. — E só eu sei a dor que foi te perder. Só eu sei a dor que foi te perder e te ter de novo... E
agora estou sinto que esse ponto final nunca chegará.
Hawke volta a me encarar. Ele nega com a cabeça algumas vezes, passando a mão no rosto e
cabelos. Seu peito desce e sobe rápido. Sinto minhas pernas fraquejarem e a rajada de vento forte
que sopra me confere uma série de calafrios. Sem mais delongas, eu dou um passo para trás.
Ele parece se dar conta e tenta segurar minha mão.
— Se você gosta de mim, vai me deixar ir. Vai me deixar ir enquanto você mesmo não
consegue encerrar o que tem com ela. Eu não mereço estar no meio da sua bagunça enquanto
estou sofrendo com isso. Então, Hawke, por favor... me deixe ir.
Finalmente ele me solta e eu corro atrás de Dan e Mabel, sem sequer olhar para atrás.
A manhã seguinte passa com um borrão na minha visão. Faço tudo no automático. Banho,
café da manhã, ouvir a aula e trabalhar. Só me dou conta do receio de encontrar meu pai na hora
que saio trabalho.
Por que ele estava naquele bairro?
Agora estou empurrando um carrinho de compras no supermercado próximo à estação de
metrô, a fim de encontrar ingredientes para preparar um bolo enorme e comê-lo com sorvete.
Preciso enterrar meus sentimentos em açúcar. Analiso a pequena lista que fiz no meio da aula,
brincando com o papel entre os dedos quando o telefone vibra no meu bolso.
Tristan: Saudades, princesa.
Sorrio para a tela e me sinto uma péssima amiga por não ter enviado nenhuma mensagem
para ele no último mês.
Anise: Também estou! Vai estar em Granpine na Páscoa? Provavelmente vou estar na casa
dos Scott.
Tristan: Vou, sim! Descobri que a minha universidade vai jogar contra a sua na liga de
Lacrosse esse ano. Daqui a alguns dias, estarei por aí. Você tem uma cama para mim? Os
garotos vão ficar em alguma fraternidade amiga, mas eu pensei em passarmos mais tempo
juntos.
Anise: Acho ótimo e você vai precisar se contentar com o sofá. O apartamento é pequeno,
mas talvez os nossos vizinhos tenham um quarto sobrando e você passar o dia comigo, depois
pode dormir lá.
Tristan: Acho ótimo! Vamos poder comer sundae até a barriga doer!
Anise: Promete?
Tristan: Sim! E massagens nos pés também!
Anise: Sinto tanto sua falta.
Tristan: Eu também :(
Suspiro ao encarar a tela do telefone. A Páscoa será em algumas semanas e estou contando
os dias para voltar para casa. Depois da briga de ontem com Hawke, não imagino como será a
nossa viagem juntos.
Prendo o lábio inferior entre os dentes e um suspiro cansado sai dos meus lábios. Eu
realmente não consigo segurar minha ansiedade.
Coloco as compras dentro da minha sacola de pano e caminho rumo ao metrô. Cruzo a
avenida pela faixa de pedestres, tendo que desviar de algumas pessoas que passam apressadas
rumo aos seus horários de almoço. Assim que desço as escadas da estação de metrô, vejo um
passar pelo lado de dentro da estação e solto um resmungo baixo por precisar esperar o próximo.
A sorte realmente não parece estar ao meu lado.

— Não, seu idiota. Você deve correr pela direita, imbecil! — Dan resmunga alto.
Eu rolo os olhos e tento manter os olhos fixos no livro que tenho no colo. Dan e Mabel estão
assistindo algum jogo de futebol americano enquanto eu tento me concentrar no livro da aula de
Sociologia. Aparentemente, Karl Marx parece bem menos interessante do que o jogo que eles
estão vendo, já que eu estive na sala de estar para pedir silêncio não fazem dez minutos.
Já passa das quatro horas da tarde e provavelmente a biblioteca da universidade estará
fechada neste horário, em pleno Sábado. Calço as minhas alpargatas e resolvo sair do quarto,
agora com o livro embaixo do braço e o telefone celular nas mãos.
Assim que chego na sala, Mabel abre a boca para xingar algo mas acaba fechando-a, já que
seus olhos encontram os meus.
— Eu juro que vamos ficar em silêncio — ela diz, unindo as mãos. — Mas o Dalla Cowboys
está fazendo tão feio que eu acabo me exaltando.
Rolo os olhos e sorrio minimamente.
— Não se preocupem. Vou até o parque para ler — anuncio, levantando o celular com os
fones enrolados no mesmo. — Música, leitura e final de tarde. Tudo o que Anise Bloom gosta.
Saio do apartamento ao colocar uma playlist de Jazz para tocar, a mesma que geralmente uso
para estudar. Opto por descer pela escada de incêndio, aproveitando a música e cantarolando
baixinho o tom que o saxofone soa. Saio do prédio e sinto-me relaxada ao ver sentir que a
temperatura de Austin está mais amena.
O parque fica a alguns quarteirões e eu caminho empolgada com a música nos meus
ouvidos. Sempre gostei de ouvir música alta ao andar pela rua, imaginando a cena de um filme.
Então logo os meus lábios estão assoviando a música e meus dedos tamborilando na capa dura
do livro.
Poucos minutos depois chego ao parque, então me aproximo do lago do parque e sento-me
perto de uma árvore, apoiando minhas costas no tronco para relaxar e voltar à leitura.
As páginas fluem de uma maneira muito mais sutil aqui. Os minutos se passam sem pesar.
Quando os raios alaranjados do final da tarde batem no meu rosto, olho rapidamente para o
relógio e constato que já passam das seis horas.
Observo o sol ir embora e, para o meu desespero pessoal, consigo ver uma figura masculina
correndo pela pista de pedestres, perto do lago e do chafariz. Hawke está usando um short preto
simples e soltinho ao segurar a camisa enrolada no punho e fones nos ouvidos. Seu dorso nu está
suado e contraído.
Suspiro.
Mesmo de longe, ele continua tendo o mesmo efeito em mim.
Cada vez que eu o vejo, sinto as malditas borboletas no estômago, me anunciando que eu
poderia me apaixonar por ele sempre. E sempre é assim.
Eu sempre me apaixono um pouquinho mais por Hawke Scott.
Se passou apenas uma semana da nossa discussão e a cada dia sem notícias dele, mais eu me
pergunto sobre o que restará de nós quando ele voltar. Espero o sol e Hawke desaparecerem e
volto para o meu apartamento, a fim de comer as sobras das pizzas do jogo frustrado dos meus
amigos e continuar a devorar páginas e páginas de Karl Marx.
Na segunda-feira, entro em casa junto ao pacote pardo cheio de batatas fritas e um
hambúrguer ao tentar equilibrar a bolsa no outro braço e o copo de refrigerante. Entro no
elevador e, em instantes, estou no terceiro andar. Chegando perto da porta, consigo ouvir risadas
vindas de dentro do apartamento, assim que abro a porta acabo visualizando uma cena
engraçada: Hawke, Mabel, Dan e Josh estão todos sentados pela sala conversando e rindo.
Todos juntos.
Hawke e Dan no mesmo lugar sem quererem se matar.
Arregalo os olhos e tento esconder toda minha surpresa.
— Ei, ruivinha — Dan é o primeiro a falar, apontando para as caixas de pizza em cima da
mesinha de centro. — Ainda temos pizza.
— Como vocês conseguem comer tanta pizza? — eu indago, tirando os tênis e colocando a
chave no aparador.
— Pizza é o combustível para essa vizinhança saudável — Josh completa.
Rolo os olhos e solto uma risadinha misturada com um suspiro cansado. Praticamente me
arrasto até a ilha da cozinha, ignorando o fato de a maior parte dos meus amigos estar na sala.
Me sento em um dos bancos e jogo a minha bolsa em cima da ilha de qualquer jeito. Eu começo
a tirar a caixinha de batata frita e de hambúrguer de dentro do pacote pardo.
Escuto os meus amigos retomarem a conversa, mas meus pensamentos estão em Hawke. Por
que ele está aqui? Coloco algumas batatinhas na boca e abocanho o meu hambúrguer.
— Você está bem? — Mabel surge, me abraçando pelos ombros e beijando minha bochecha.
Um suspiro cansado sai dos meus lábios.
— Estou tão cansada que só consigo pensar em dormir. Conseguimos mais alguns cachorros
para passeios e estou muito cansada — comento.
Ela ri baixinho enquanto rouba algumas batatinhas da minha caixinha. Mabel se senta no
banco ao meu lado e apoia o braço na ilha, me observando comer.
— Quando precisar conversar, estaremos aqui! — ela diz.
Concordo com um movimento da cabeça, observando seus olhos castanhos me analisarem
com cuidado. Uma figura atrás dela desnorteia os meus pensamentos e preciso tomar um longo
gole de refrigerante para empurrar o resto do hambúrguer para dentro do estômago, já que
Hawke está caminhando na nossa direção.
Ele tem os olhos em mim e eu nele.
É impossível não olhar para ele.
Mabel nota o meu desvio de olhar e gira o corpo para trás, encontrando o irmão sorridente ao
abraçá-la por trás.
— Preciso ir, Max — ele anuncia. — Muito obrigada pelo jantar.
— De nada, irmãozinho.
Minha mente dá um giro de trezentos e sessenta graus, porque ao mesmo tempo que eu
quero que ele vá embora para eu não ficar tão tensa, quero que ele fique para nós conversarmos
sobre tudo.
Então noto a proximidade dos dois, sem brigas. Geralmente os dois discutem muito por
causa de Kendra. Ao mesmo tempo, um alívio imediato preenche o meu peito. Mabel e Hawke
sempre foram muito unidos e estarem afastados por conta de um relacionamento não é nada
saudável. Nem para eles, nem para os pais.
Os olhos de Hawke me encontram.
— Boa noite, Anise — ele fala com um sorriso pequenos nos lábios.
Eu sinto o coração bater forte no meu peito quando ele diz isso. Eu quero poder levantar e
me jogar nos braços dele até que meu coração se acalmar, exatamente como fizemos em
inúmeras noites juntos, só que eu me contento em murmurar um “boa noite” para ele, assistindo-
o sair do apartamento após cumprimentar todos na sala.
— O Hawke finalmente fez sua mudança hoje.
— Como é?
— Sim, finalmente ele deixou o apartamento que era do irmão de Kendra e conseguiu alugar
um lugar próprio. Não quis nos incomodar dormindo no sofá e fez tudo sozinho. — Ela vira o
rosto para mim. — E existe essa outra menina que ele descobriu que gosta. É estranho eu dizer
que estou feliz por ele ter aberto os olhos para outras garotas? Quero dizer, eu não desejava que
ele terminasse com Kendra por conta de outra mulher, mas, sim, por tudo que ela está causando a
ele. — Ela encara a caixa de batatinhas quase intacta em cima da ilha e serve de mais um
punhado, agora molhando no ketchup antes de enfiar na boca. Mabel continua falando, mesmo
de boca cheia: — Contudo, talvez seja necessário uma terceira pessoa para mostrar a ele que o
amor não é essa coisa doentia que a Kendra oferece.
Tento processar todas as informações de Mabel e meu corpo dá uma travada. Largo o
hambúrguer em cima da bancada e limpo as mãos umas nas outras.
— Você está querendo dizer que está feliz por ele estar pensando em outra menina?
— É. E olha que evolução... ele e o Dan até conseguiram ficar no mesmo lugar sem
proferirem palavrões e indiretas raivosas. — Ela gargalha. — Você vai comer isso? — Aponta
para o meu lanche.
— Não, pode ficar. Perdi a fome.
Ela pega o hambúrguer e as batatinhas, começando a comer desesperadamente.
— Você não comeu hoje?
— Estou de tpm.
— Ah, certo. — Solto uma risada. — Bom, eu vou tomar um banho e dormir. Amanhã eu
preciso ir cedo para a universidade.
Me despeço dos meus amigos e vou até o banheiro, tomando um longo banho. Em instantes,
estou jogada na minha cama com o meu melhor pijama: antigo, largo e fofinho. Pego o meu
telefone e fico encarando a tela por alguns minutos. Já passa da meia noite. Abro a janela de
conversa com Hawke. Ele está online.
Mordisco o lábio e começo a digitar uma mensagem. Apago. Digito de novo. E apago mais
uma vez. Solto um suspiro frustrado e solto o telefone no meio do edredom, fechando os olhos
em seguida.
O telefone vibra.
Eu praticamente dou um pulo na cama, apalpando os edredons e procurando pelo bendito
aparelho eletrônico — que parece ter sumido. Quando o acho, desbloqueio a tela inicial e um
sorriso involuntário se faz nos meus lábios.
Hawke: Te ver e não poder te abraçar é desesperador. Sinto sua falta, Pequena Sereia.
Enfio a cabeça no meio dos travesseiros e espero o sono chegar logo. Infelizmente, ele
demora, me dando tempo suficiente para pensar que as coisas estão finalmente caminhando para
um destino ideal.

O decorrer da aula de Políticas Sociais da terça-feira foi maçante. Isso porque o sono da
noite anterior foi conturbado. Eu acordei a cada hora, o que me resultou em olheiras e uma
expressão de poucos amigos. Então, na hora do intervalo de aula, eu vou até a cantina central do
meu bloco para comprar o maior copo de café possível.
Assim que a atendente me entrega o copo do líquido escuro e forte, eu caminho até uma das
mesas e praticamente me jogo na cadeira, respirando profundamente e repassando mentalmente
que eu preciso terminar de ler o livro de Karl Marx. E, além disso, preparar um resumo sobre o
mesmo.
Dois olhos gigantes e um cabelo azulado entram no meu campo de visão e eu levo um susto,
querendo saber como Rachel chegou tão rápido na minha frente. Semana passada, durante as
nossas aulas nós conversamos sobre algumas banalidades e coisas relacionadas à fotografia, além
da sua aprovação para o grupo do jornal da escola — que saiu na quinta-feira.
— Você é uma péssima amiga, Anise! — ela fala, raivosa.
Arqueio uma sobrancelha.
— Bom dia para você também, Rachel. — Levo o copo com café até os lábios e bebo um
gole pequeno devido a temperatura alta do líquido. — O que eu fiz? Falei mal sobre alguma
máquina analógica?
— Não. Se você tivesse falado alguma dessas coisas nós não seríamos mais amigas — ela
fala, como se fosse óbvio. — O jornal sai toda segunda-feira. E, para a minha surpresa pessoal,
você e Dan estão na primeira página. — Ela coloca o jornal em cima da mesa com uma batida
forte.
Arregalo os olhos com a foto do jogo da semana passada, onde eu e ele estamos abraçados
durante a comemoração. Pisco algumas vezes e arrumo os óculos de grau no nariz, tentando
focar mais na imagem. Parecemos um casal apaixonado.
— Meu Deus... — eu falo, soltando o ar pela boca.
Olho ao meu redor e vejo que diversas pessoas estão me observando. Talvez eu não tenha
notado pelo meu estado deplorável desta manhã, o qual mais pareço um zumbi do que um ser
humano.
— Vocês estão namorando e você não me fala? — Ela aponta para a manchete.
— Não! — eu rebato. — Não é isso, Rachel. Eu e o Dan somos só amigos.
Nesse instante, as portas da cantina se abrem com força. Todos os rostos viram-se para a
porta. Lá está ele. Dan é estupidamente lindo e qualquer pessoa com uma visão em bom estado
simplesmente pararia o trânsito para observá-lo passar. Só que pior do que isso é o sorriso que
ele lança a todos. Ele é simpático e cativante. Facilmente se tornaria um político bem-sucedido
ou um ator de Hollywood aclamado pelos fãs e mídias. Chamar Dan de lindo é quase uma
ofensa, já que ele ultrapassa os limites de elogios de qualquer quarterback que eu tenha
conhecido até hoje.
Seus olhos percorrerem todo o salão e, assim que ele encontra o que procura, sorri.
Eu retribuo o sorriso, um pouco tímida pela situação em que nos encontramos. Contudo, ele
não parece nem um pouco intimidado quando começa sua caminhada até a mesa que eu e Rachel
estamos sentadas.
Desvio o olhar para o copo de café que está entre os meus dedos. Sinto quando ele para ao
meu lado. Dan puxa uma cadeira e se senta ao meu lado, passando a mão por trás dos meus
ombros e me puxando para si.
— E aí, ruivinha — ele sussurra, beijando demoradamente a minha bochecha. — Já sabe da
novidade?
Solto uma risadinha e viro minimamente o rosto para ele, já que pela proximidade, podemos
colidir com os lábios com um movimento errôneo.
— Não tem como não saber... — falo, irônica.
Ele abre um sorrisinho vitorioso.
— Só que precisamos desmentir isso, Dan.
— Nãaao. — Ele nega com a cabeça. — Me deixe curtir o momento de ser a primeira capa
do jornal. Podemos fazer isso na semana que vem, uh? Que tal uma briga aqui na cantina e você
joga um copo de suco no meu rosto?
— Espera..., isso é uma brincadeira de vocês dois? — Rachel surge.
Viramos o rosto para a minha amiga, que está em um misto de ansiedade e vergonha. Ela
tem a boca entreaberta e os olhos esbugalhados ao mesmo tempo que suas bochechas estão
coradas.
— Não, Rachel.
— Então não somos um casal muito bonito? — ele brinca, beijando a minha cabeça. — Qual
é, Anise, vamos aproveitar o nosso momento de estrelato.
Rolo os olhos e o encaro.
— Sem essa!
Ele faz um biquinho engraçado e acabo rindo, encostando minha cabeça em seu ombro logo
em seguida para aproveitar o resto do meu intervalo.
No mesmo dia, chego em casa com um peso enorme nos ombros. Tomo um banho demorado
e coloco o roupão, achando estranho o fato de que a casa está vazia. Nem a minha amiga e muito
menos os folgados Dan e Josh estão aqui. Deito no sofá e pego o telefone, mandando uma
mensagem para Mabel:
Anise: Onde vocês estão?
Mabel: Hoje é o dia do jogo do time de futebol americano feminino, não lembra? Terça-
feira passada foi o dia do time masculino e hoje o feminino.
Anise: Eu me esqueci completamente. Estava no trabalho até agora.
Confiro o relógio, que me mostra que já são sete e meia. Provavelmente o jogo já começou.
Mabel: Estou no campo com os rapazes, aproveite a noite.
A porta da entrada da casa faz o barulho de chave e eu estranho. Assim que Hawke abre a
porta, eu gelo. Ele está vestido com um jeans, tênis e uma camiseta preta. Seus olhos logo
encontram os meus e eu seguro o telefone com força entre os dedos.
— Oi.
— Oi — respondo, sentindo meu peito queimar de excitação.
Ele segura firme a maçaneta da porta. Hawke parece ponderar se deve entrar ou não no
apartamento, já que seus olhos vagam pelo lugar. Ele coça a nuca e troca o peso do corpo entre
os pés, inquieto.
Quando seus olhos encontram os meus, ele solta um suspiro.
— Mabel não está em casa?
— Não. Eles estão em um jogo — falo, resumidamente.
— Ah... — Ele comprime os lábios um no outro. — Eu precisava falar com ela.
Ficamos em silêncio. Ele ainda na porta e eu imóvel no sofá.
— Era algo muito urgente? — pergunto, nervosa por ver seu rosto aflito.
Ele pondera, respira fundo e soltando uma risadinha logo em seguida.
— Apenas uma novidade e desabafar um pouco. — Suspira, me encarando em seguida. —
Como você está?
Mordo o interior da bochecha, sentindo meu coração bater mais depressa ao estar sob seu
olhar depois de tudo o que falamos um para o outro.
— Bem…
Minhas pernas ficam instáveis pela sensação de euforia e medo. Será que Hawke está
fugindo? Céus, eu posso ter feito uma burrada e perdido sua amizade depois do que despejei em
cima dele. Eu devo ter feito aquilo por conta da adrenalina de ter visto meu pai.
Engulo em seco, sentando-me no sofá.
— Eu ainda sou sua amiga. Talvez eu possa fazer esse papel — solto as palavras, rindo fraco
e tombando a cabeça para o lado. — Sabe? Sair, beber e falar sobre o que nos aflige.
Eu preciso afirmar para nós que ainda somos amigos. Se Hawke se afastar por completo,
passarei o resto da vida sentindo essa bagunça de sentimentos. Ele treme a respiração quando a
solta pelos lábios.
— Anise... — Parece nervoso. — Eu preciso mesmo desabafar e talvez você não seja a
pessoa mais adequada para ouvir…
Levanto as sobrancelhas para ele e sorrio.
— Eu fiz o papel de sua melhor amiga durante cinco anos, Hawke. Uma noite não parece
muita coisa. Eu estou vendo quão angustiado você está.
Ele pondera por vários segundos, até que sorri e diz:
— Claro, Pequena Sereia.
Eu não sei se realmente vou conseguir cumprir com a minha promessa. Tudo o que eu sei é
que eu preciso estar com ele.

Sair com Hawke em Dallas era algo completamente improvável na minha cabeça até dias
atrás. O primeiro ponto a se levantar era Mabel e seu ciúmes por ele, o que parecia estar abalado
nos últimos dias. O segundo é que ele tinha uma namorada. E o terceiro: os meus sentimentos, no
momento guardados dentro de uma caixinha e jogados no fundo do meu coração
Agora, a temperatura está um pouco mais amena do que nos outros dias da semana. Noto
isso porque já estamos caminhando há quase vinte minutos e eu ainda não estou suada. Nem
mesmo de nervosismo.
Hawke está quieto demais e seu olhar permanece por todo instante no chão, levantando a
cabeça apenas quando precisamos atravessar alguma rua ou avenida. Paramos na frente de um
restaurante e Hawke toca na maçaneta da porta para entrarmos.
— Achei que você ia desabafar. Isso é um jantar? — provoco, atravessando a porta para
adentrar o lugar.
Ele solta uma risadinha quando passo por ele.
— O desabafo está de pé. Mas eu prometi te levar para jantar em um lugar legal, lembra?
Pelo menos essa promessa eu quero conseguir cumprir. — Aperta os lábios em um sorriso
tímido.
Paro de andar no minuto em que ele profere essas palavras cheias de mágoa e tristeza.
Engulo em seco e volto a morder o lábio quando ele fecha a porta do restaurante e passa por
mim, caminhando até uma mesa próxima da entrada. Eu suspiro, seguindo para o lugar em que
ele se sentou.
Escolho a cadeira à frente dele e logo pego o cardápio, tentando ignorar o fato de que meu
peito doeu ao ouvir as últimas palavras. Tento concentrar-me nas letras do cardápio e levanto ele
o máximo que consigo, evitando olhá-lo nos olhos. Hawke coloca o dedo indicador no topo do
cardápio e o abaixa, fazendo-me encarar seus olhos.
— O meu prato preferido é o macarrão com molho pesto e tomate confitado com azeite de
trufas.
Suspiro um pouco alto demais e chacoalho a cabeça, voltando e encarar as letrinhas. Procuro
pelas entradas e avalio as opções. Empurro os óculos para perto do rosto e ouço uma risadinha
baixa. Levanto os olhos para ele e arqueio as sobrancelhas.
— Do que você tá rindo?
Hawke cruza os braços em cima da mesa, apoiando o torso ali.
— Você fica empurrando os óculos com o dedo indicador para mais perto dos olhos quando
está nervosa, Pequena Sereia. Eu acho fofo.
Ele tomba a cabeça levemente para o lado e eu sei que estou vermelha pela temperatura que
minhas bochechas estão. Aumentando mais a cada instante. Me odeio um pouquinho por isso.
Seja apenas amiga dele.
— Você é meu amigo. O mínimo que precisa saber é os meus trejeitos — falo, agora
apontando para a parte do cardápio que tem as entradas. — Eu quero crostinis com alecrim e
azeite de oliva.
— Você fica absolutamente engraçada quando está com fome. Fica tão feliz quanto uma
criança indo ao dentista — ele volta a me zombar.
Esse é o Hawke. O meu Hawke.
— E você é um idiota. Vamos logo, chame o garçom. Estou morrendo de fome! —
resmungo, manhosa.
Ele tenta segurar uma risada e acaba não conseguindo, explodindo e gargalhando alto.
Hawke chama a atenção de algumas pessoas no restaurante pela risada alta, mas parece não se
importar. E nem eu. Já que eu o acompanho e acabo rindo com ele até meus olhos lacrimejarem.
Observando-o aqui comigo eu sei que jamais vou conseguir separar o meu amor por ele,
porque eu sempre fui uma amiga secretamente apaixonada. Sempre nutri meus sentimentos
silenciosamente. Então eu suspiro quando ele faz o nosso pedido, imaginando que isso é um
encontro romântico entre nós dois. O meu sonho desde a adolescência.
Depois de jantarmos, estamos parados na porta observando a chuva intensa cair sobre
Dallas. Abraço meu próprio corpo quando o táxi chega e nós dois corremos até o carro. Assim
que entramos no veículo, nos acomodamos no banco de trás.
Noto que em nenhum momento Hawke falou algo sobre desabafo. Conversamos
amenidades, como os horários de aula e disciplinas acumuladas. Fiquei feliz que ele não
mencionou o incidente sobre o meu pai, porque eu ainda não consegui processar isso.
Ao menos contei para minha mãe ou irmã.
— Então... o que aconteceu para você aparecer no apartamento atrás da Mabel? — pergunto
em uma voz quase inaudível.
Estou olhando para a janela, observando a cidade passar lentamente pelo vidro. O trânsito
parece uma bagunça. Escuto Hawke suspirar ao meu lado.
— Eu conversei com Kendra para não nos encontrarmos mais. Será melhor assim. Foi
complicado e demorou alguns dias para ela se acalmar e compreender. Agora, ela ao menos sabe
onde eu moro.
Viro o rosto para ele. Não quero sorrir disso, mas é impossível não me sentir um pouco bem.
— Ah, é? — pergunto, coçando a nuca e voltando a olhar para a janela. — E como você está
se sentindo?
— Você quer mesmo saber? Aliviado! — afirma entre um suspiro.
— Que bom. Fico feliz que seu coração está em paz — comento, apoiando as mãos no banco
do carro, ao lado das minhas coxas.
Sinto a palma da mão dele contra a minha pele e um arrepio sobe pela minha espinha no
mesmo instante. Viro o rosto para ele, Hawke levanta os olhos para mim e sorri. Seus olhos se
mantêm fixos nos meus e sinto como se um milhão de borboletas estivessem em meu estômago
no instante em que ele envolve os dedos nos meus.
— Meu coração está longe de estar em paz, Pequena Sereia — o comentário é quase um
sussurro.
Ai, meu Deus.
Hawke Scott está segurando a minha mão enquanto me olha de uma forma… não sei dizer,
quase amorosa demais. É isso mesmo? Parece que sou transportada para aquele jogo de sete
minutos no paraíso e ele estava com sua boca em mim.
— E o que falta para isso acontecer?
— Você escutar tudo o que eu tenho para dizer.
Arqueio as sobrancelhas, instigando-o a falar. Meu coração bate tão forte que dói. Apesar de
Hawke abrir a boca para falar, o táxi para.
— Chegamos no primeiro destino.
É como receber um banho de água gelada.
Hawke e eu ficamos nos encarando, nenhum dos dois cedendo.
— Quem sabe se você subir…
— Mabel… — lembra, fazendo meu coração se apertar.
Meus lábios se contraem em um sorriso tímido e aperto a mão dele levemente.
— Então amanhã, quem sabe? — digo isso com o coração angustiado. Me aproximo do seu
rosto e beijo sua bochecha — Obrigada por hoje.
Estúpida, estúpida, fico repetindo a mim mesma enquanto abro a porta do carro e saio. Mais
uma vez eu tenho tudo nas mãos e estou desperdiçando a oportunidade. Ele ia mesmo falar algo
sobre sentimentos naquele táxi? Eu não sei! Por que então eu fugi?
Estou marchando em passos lentos na direção da porta do prédio, com a roupa encharcada,
quando escuto:
— Anise!
Paro de caminhar, me virando para ver Hawke vir na minha direção com um olhar confuso
do rosto.
— Por que você saiu? — grita, jogando as mãos para o ar enquanto continua caminhando até
mim.
— Eu não sei, só achei que você não falaria algo tão importante ali, e…
Me calo quando Hawke para em minha frente, tão molhado quanto eu. Gotas de água
escorrem do cabelo loiro até o rosto. Quase protesto por ele estar na chuva, e então ele ri, me
deixando confusa.
— Você tem essa mania de fugir de situações complicadas desde que o seu pai foi embora,
Pequena Sereia — fala, me deixando curiosa pela observação. — Detesta tanto conflitos que
foge deles mesmo que resultem em algo bom. É por isso que ficou tão triste quando a
Floricultura fechou, quando se mudou para Dallas ou até mesmo quando nós precisamos mudar a
situação entre nós dois!
Não consigo esboçar uma reação além da surpresa. Como Hawke descobriu tudo isso em
mim? Eu ao menos uni todos esses pontos em uma análise sobre mim.
— Como… como você…
— Eu vejo você, Anise — diz, dando um passo em minha direção e segurando em meus
pulsos. — Eu vejo cada maldito detalhe seu. Você quer mesmo saber o que a minha viagem
mudou?
Ele está tão próximo agora. Com os olhos fixos aos meus e uma expressão de angústia em
sua face. Concordo com um movimento sutil da cabeça, enquanto ele me puxa para mais perto,
deslizando as mãos até a minha palma e segurando-me junto a ele.
— Precisei sair de perto da minha rotina para entender que eu e Kendra não funcionamos.
Para entender que… — sussurra, apoiando a testa na minha e respirando próximo ao meu rosto.
— Que em uma distância de mil milhas, era a sua falta que me matava.
Eu acho que posso morrer com as palavras de Hawke.
Meu lábio treme e meus olhos se tornam marejados quando ele volta a abrir os olhos, me
encarando tão próximo que me deixa zonza.
— Tem ideia de como isso me deixou louco? Depois, eu não podia trazer você para essa
bagunça. Precisei resolver tudo para só então abrir meu coração para você. Você conquistou meu
coração de forma inesperada.
As mãos dele seguram o meu rosto.
— Eu tive medo de que nossa amizade acabasse. Queria algum tempo com você antes de
tudo mudar, porque… E se não fosse recíproco? Não queria que a gente acabasse mal. Você está
fodendo com a minha vida, Anise. Tudo mudou para mim.
Entre a visão nublada pelas lágrimas, fico na ponta dos pés e aproximo meu rosto do dele.
Não preciso dizer que eu o amo, já que ele sabe. Então, assim que meus lábios tocam no dele,
Hawke suspira.
Mesmo sobre o temporal que banha Dallas, Hawke Scott finalmente me beija.
— Então ele me beijou na chuva. Vocês conseguem imaginar isso? — Seis pares de olhos
me avaliam de uma forma estranha, com a cabeça sutilmente jogada para o lado e línguas
babonas para fora da boca. — Depois ele foi embora. Infelizmente a irmã dele, minha melhor
amiga, estava em casa e não pudemos continuar nos beijando. Porém, ele me enviou mensagens.
Lindas, escrito como está ansioso para me ver novamente... — Suspiro, ridiculamente
apaixonada. — Estou sendo muito boba?
— Au, au — Pongo, o dálmata, responde.
— Concordo! — Dou um tapinha na cabeça dele. — Eu sou muito boba.
Hoje estamos em um parque mais afastado da casa da empresa. Tenho evitado a rua que
esbarrei em meu pai. Cada dia que estou no bairro, ando mais depressa do que posso. Por isso,
hoje escolhi um parque tranquilo para os animais brincarem enquanto fazemos nossa pausa da
caminhada.
Ainda penso o que Robert Bloom está fazendo em Dallas. Eu e minha família nunca mais
tivemos notícias dele de forma direta, apenas através dos nossos avós paternos. Porém, cada vez
menos temos visto eles.
Retiro o pote para a água da minha bolsinha, despejando o conteúdo de uma garrafinha
todo dentro. Logo os seis cachorros se aglomeram ao redor para beber água. Estou tentando não
permanecer muito tempo olhando para a tela do meu telefone, mas especialmente hoje Hawke
parece estar empenhado em me enviar mensagens. Não estou reclamando, porque elas
geralmente me rendem suspiros apaixonados, porém, têm me distraído muito.
O telefone vibra no meu bolso e me obrigo a ignorá-lo. Uma pitada de insegurança ainda
paira em meu peito apesar das palavras de Hawke. Ele realmente gosta de mim? Por quanto
tempo escondeu? Céus, eu gostaria de não ser tão receosa com mudanças.
Resolvi partir para as atividades de corrida e jogar objetos para os cachorros brincarem. Li
um artigo sobre adestramento na semana passada e acabo falhando na tentativa de fazer Bruce, o
pitbull mal-encarado, sentar e rolar. O negócio dele parece ser rosnar.
Depois de meia hora de brincadeiras, finalmente me sento em uma sombra enquanto os
cachorros brincam entre si. Olho para o céu, observando a imensidão azul. Nem parece que
ontem o mundo estava acabando enquanto eu e Hawke nos beijávamos.
Fecho os olhos e suspiro.
Será que eu consigo dar uma olhadinha nas mensagens dele?
Hummmm.
Abro apenas um dos olhos e observo o amontoado de pelos e rabinhos felizes rolando pelo
chão, uns com os outros. É, acho que não faz mal mesmo. Pesco o telefone no bolso da calça e
observo o nome de Hawke na tela. Logo estou sorrindo.
No entanto, a segunda notificação faz meu corpo inteiro gelar. É Rosemay, me passando o
horário da sua chegada em Dallas. CARAMBA! Eu esqueci que a minha irmã vai vir para a
minha casa comemorar a data.
Me levanto, apressada, mesmo que o horário que está na tela seja uma hora após o final do
meu expediente.
— Ai, merda, caramba…
Não sei se posso xingar na frente dos cachorros, mas uma série de palavrões me escapa.
Uma vez li uma matéria sobre animais de estimação reconhecerem algumas palavras, mas não sei
se é verdade. Bom, se for, eu serei a babá boca suja que lhes ensina mal criações.
Me atrapalho com o montante de coleiras nas minhas mãos, tentando colocar todas nos seus
devidos donos. É uma tarefa complicada, porque assim que chego nos cachorros brincando, eles
ainda estão muito eufóricos para caminharem de forma ordenada.
— Um, dois, três, quatro, cinco… Pongo? — grito, vendo a coleira vermelha sobrando em
minha mão.
Não tenho tempo para pensar em cenários absurdos onde perdi o cachorro, porque logo ele
está correndo em minha direção, vindo de trás de um arbusto. O que me deixa apavorada, no
entanto, é o pedaço de osso que ele tem na boca. Assim que ele senta na minha frente, larga o
objeto asqueroso no chão. Em seguida, ele vomita nos meus pés.

Pongo está no veterinário.


Meu pé está batendo no chão enquanto encaro a recepção do lugar.
— Ele vai ficar bem, não vai? — pergunto a Vanessa.
— Claro, querida. Foi só um mal-estar por comer algo suspeito — Vanessa dá um tampinha
no meu joelho.
— E se o dono dele nos processar? — estalo, nervosa.
Vanessa solta uma risada.
— Está previsto no contrato do serviço que isso pode acontecer. Cachorros são imprevisíveis
em passeios. E não se preocupe, estamos aqui apenas por precaução.
Suspiro, um pouco derrotada. Por que diabos esse dálmata bobão precisava cavar no meio
das flores e encontrar esse osso? Desconsidero minhas perguntas eminentes quando um homem
de jaleco branco aparece com o cachorro na guia.
— Olha só quem está melhor? — ele diz, acariciando a cabeça do animal. — Apenas um
soro para a desidratação e está tudo bem.
— Muito obrigada, doutor — falo, aliviada. — Não sei o que seria de mim se caso
acontecesse algo com esse cachorro.
O homem sorri para mim.
— Foi apenas um enjoo. Cachorros que estão habituados a consumir apenas ração podem
passar mal com outras proteínas. E, pelo visto, aquele osso podia ter até algum fungo ou bactéria.
— Céus, e se ele ter contraído algo do tipo? — me apavoro.
O doutor alarga ainda mais seu sorriso e explica sobre o sistema imunológico dos cachorros
e de como o hemograma não acusou nenhuma infecção. No instante em que estamos colocando o
cachorro na caixa de transporte já no porta-malas do carro de Vanessa, meus ombros caem.
— Por favor, não me demita. Eu gosto muito deste trabalho.
— Sem problemas, querida. — Sorri para mim. — Vou levá-lo para o dono. E você, não tem
um compromisso?
— Mabel buscou minha irmã na rodoviária e agora vamos comemorar o aniversário dela.
Não quer vir? — convido, fazendo a mulher sorrir para mim enquanto fecha o porta-malas da
camionete.
— Obrigada pelo convite, mas preciso terminar uma parte burocrática chata para conseguir
começar uma obra na empresa. Estou pensando em contratar um veterinário uma vez por
semana.
— Oh... — meus olhos brilham — Eu poderia auxiliá-lo? Meu sonho é fazer especialização
nessa área.
— É claro e, bom, talvez em alguns anos eu possa contratar você, não é?!
Não posso deixar de sorrir para Vanessa. Cada vez parece mais certo o caminho que estou
tomando. E eu espero que as coisas continuem desta maneira.

— Uma pista de patins? É aqui que você quer comemorar o seu aniversário? — Solto
Rose e a chacoalho levemente.
Seus cabelos ruivos se movem para a frente do rosto enquanto a adolescente ranzinza rola
os olhos para mim de uma forma teatral e dramática. Agora, prestes a assoprar as velas para seus
dezesseis anos, ela parece cada vez mais com uma adulta.
— Você sabe como eu gosto de esportes. — Ela dá de ombros. — Como eu acabei de
terminar a última temporada de Stranger Things e havia algo do tipo, pensei em vir aqui.
— Uh, seu bolo está aqui! — Aponto para a caixa que acabei de deixar sobre a mesa que
reservamos.
A ruiva está com as bochechas rosadas e o cabelo bagunçado no seu penteado trançado.
Sorrio para a camiseta com dizeres de alguma série da atualidade, as quais nós já não assistimos
mais juntas. É engraçado ver Rosemary tão grande, porque, para mim, ela ainda é minha
garotinha.
— Ficou tudo bem com o cachorro? — ela pergunta, curiosa.
— Uh, sim. — Chacoalho a cabeça. — Apenas uma desidratação... — Olho para a pista,
atrás dos cabelos loiros da minha amiga. — E, bom, onde está Mabel? Preciso agradecê-la por
ter pegado você na rodoviária…
— Ah..., não foi ela. — Minha irmã ri enquanto eu arregalo meus olhos. — Mabel me
ligou para explicar que estava no meio de uma aula e quem ia me pegar lá era o Hawke.
— O que? — Arregalo meus olhos, mas minha irmã apenas dá de ombros enquanto sai
deslizando entre as mesas na direção da pista.
Fico parada, levemente atordoada, encarando a cabeleira ruiva de Rosemary. Hawke está
aqui? Até onde me lembro ele trabalha no bar. Meu corpo todo fica em alerta e não sei o que
sinto primeiro: ansiedade ou euforia.
Não tenho muito tempo para processar. Sinto uma mão em minha cintura. Ele me segura
sutilmente, me puxando para trás e fazendo minhas costas baterem em seu peito. Meu corpo
treme.
— Você não deveria estar no trabalho? — estalo antes mesmo dele falar.
Meus olhos buscam pela figura de Rose no meio da multidão. Não sei em que estágio
estamos, porque ainda não falamos sobre as nossas famílias. Hawke já deixou claro que pretende
falar com Mabel, mas minha irmã é outra história.
— Nem ao menos me deixou cumprimentá-la — resmunga ele, aproximando o rosto do
meu pescoço. — É segunda-feira… O bar não abre, Pequena Sereia.
Ai, caramba, estou derretendo no meio dos braços de Hawke.
Pisco algumas vezes, sentindo a pressão da sua mão me puxar para mais perto ainda. Não
sei o que me dá, mas eu me afasto e giro no eixo, ficando de frente para ele enquanto minhas
bochechas aquecem.
— Hawke! — Passo as mãos no jeans, nervosa sobre o que fazer.
Ele está lindo, usando uma camiseta preta e um jeans claro. Um boné de beisebol está
virado para trás, deixando um ar jovial em seu rosto. E, bom, a forma como ele sorri para mim
me faz suspirar igual uma boba apaixonada.
— Obrigada por ter buscado a Rose — murmuro, encarando seus olhos enquanto empurro
os óculos para mais perto do rosto. — Sei que foi de última hora, mas…
— Ei, Anise! — Ele dá um passo na minha direção, risonho. — Você está falando tão
depressa que não consigo acompanhá-la! — murmura e, em seguida, empurra um pouco do meu
cabelo para trás do ombro. — Não precisa agradecer. Eu adoro a sua irmã.
Mordo o canto do lábio, encarando a pista de patinação. Rosemary está conversando com
uma garota enquanto as duas estão deslizando pela pista, ajudando uma à outra. Rose sempre foi
ótima em fazer amizades e não me surpreendo em ela estar se virando bem na pista sozinha.
— Eu sequer sabia que tinha uma pista de patins em Dallas! — argumento, um pouco
menos nervosa. — Como você descobriu isso?
— Bom… a sua irmã tinha um itinerário quase pronto. Digamos que eu apenas segui o
script — Hawke aponta para os bancos ao redor da mesa. — Vamos nos sentar? Pedi uma porção
de cebolas empanadas e depois pretendo ganhar da sua irmã no boliche.
— Boliche? — Arqueio as sobrancelhas. — Tem um boliche nesse lugar? — Olho ao
redor, um pouco confusa.
— Não! — desdenha enquanto nos acomodamos nos bancos que parecem de lanchonetes
dos anos setenta ou oitenta. — Como eu te disse, a Rosemary tem um itinerário grande…
— Céus, ela planejou mesmo uma noite com diversos passeios? — Arregalo os olhos,
incrédula. — E ainda fez você concordar? Que garotinha folgada… Você pode ter certeza de que
não precisa…
Me calo quando Hawke coloca a mão sobre a minha, em cima da mesa.
— Vou ficar aqui com vocês. A menos que você queira me dispensar… — As
sobrancelhas claras se arqueiam.
Meu rosto fica quente.
— Uh, não, é que… A Rose é uma adolescente um pouco empolgada demais. Então ela
tende a fazer essas coisas grandiosas. Eu ao menos consigo acompanhar como a mente dela
trabalha. Ela não me avisou que tinha planejado ir em tantos lugares…
Hawke se aproxima, ainda segurando minha mão. Quando seu rosto está perto do meu,
diz:
— Você está falando depressa mais uma vez. Eu estou te deixando nervosa?
— Uh… — murmuro, olhando para os lados. — Bom, depois de ontem, hum…
— Depois que nos beijamos, é isso o que você quer dizer?
Pisco algumas vezes, atordoada pela proximidade.
— Sim…
— Então você vai ficar nervosa muitas vezes, porque eu pretendo te beijar pra caramba.
Me inclino sutilmente na direção dele, pronta para selar nossos lábios.
— Anise?
Ai, meu Deus. É a Rosemary. Me afasto de Hawke, me atrapalhando e quase caindo do
banco enquanto busco pelos olhos da minha irmã.
Ela está parada ao lado da mesa, me encarando com uma expressão confusa enquanto segura
uma caixinha com um papel toalha xadrez entre vermelho e branco, com cebolas empanadas, me
fazendo crer que é o pedido de Hawke.
— O que… o que…? — murmuro depressa mais uma vez.
Ela apenas arqueia as sobrancelhas.
— Vamos para o boliche? — ela olha para Hawke. — E aquela pizza, vai rolar?
— Pizza? — Alterno o meu olhar entre eles, alarmada. — O que vocês conversaram que
eu ainda não sei?
— Ah, muitas coisas... — Hawke diz, esticando a mão para pegar uma cebola empanada
da caixinha.
Bufo enquanto minha irmã se acomoda em um banco e começa a interagir conosco como
se não tivesse nos pegado me um quase beijo.
Se eu não consegui esconder de Rose em menos de uma hora, imagina o que farei quando
precisarei esconder meu envolvimento com Hawke de Mabel? Ai...
Rosemary volta para o quarto quando estou arrumando sua cama ao lado da minha. Ela para
no batente da porta, me olhando de uma forma curiosa. A ruiva está usando um pijama branco
com estampa de pequenas corujas fofas e tem os cabelos úmidos sobre os ombros.
— Obrigada por hoje. Foi o melhor aniversário da minha vida.
Sorrio para ela.
— É uma pena que mamãe não pôde estar presente… — murmuro, suspirando. — Mas
espero que tenhamos um bom almoço de Páscoa juntas.
— A senhora Scott nos convidou para almoçar com eles.
— Uh…
Meu estômago embrulha só de pensar em encarar a senhora Scott após beijar Hawke. Rose
cruza os braços sobre o peito, apoiando o corpo lateralmente na parede ao lado da porta após
fechá-la.
— Hawke foi incrível também — ela murmura, me fazendo sorrir.
— Ele é um ótimo amigo — tento reforçar o status, a fazendo rir baixo.
— Engraçado, porque ele falou comigo uma coisa…
— Uh, e o que foi? — Estico o travesseiro, me colocando de pé em seguida.
Um colchão de solteiro está ao lado da cama, pronto para a minha irmã dormir. Nós nos
encaramos por breves instantes e sei o que ela quer saber. Está estampado no rosto de Rose a
cada mínima expressão da sua face. Porém, é ela quem fala em seguida:
— Ele me perguntou sobre como eu me sentiria se vocês ficassem juntos... — ela ri,
dando de ombros. — Eu disse que não havia entendido, mas ele insistiu, explicando que “juntos”
— Faz as aspas com os dedos —... seria namorar.
— Namorar? — Arregalo os olhos. — Ai, caramba, nós nos beijamos apenas ontem e ele
já está falando em... namorar? — estalo, nervosa.
Por sorte, Mabel já está dormindo. Quando chegamos em casa, após Hawke nos deixar na
frente do prédio, ela estava dormindo no sofá enquanto segurava uma faixa de feliz aniversário
para Rose. Foi fofo da parte dela, mas Mabel realmente parecia exausta. Por isso, após acordá-la
para ir para o quarto, prometemos que tomaríamos um bom café da manhã no Starbucks da
esquina da nossa casa. Com direito a rodada dupla de donuts de morango.
— Parece que o Hawke está planejando algo mais sério do que apenas uns amassos… —
minha irmã diz, me fazendo arregalar os olhos.
— Que palavra é essa, Rose? Amassos? — resmungo, colocando as mãos na cintura. —
Até a nossa última conversa, você ao menos tinha beijado na boca!
Ela desvia dos meus, encarando os pés.
— Uh, bem… existe uma garota nova na minha sala. O nome dela é Karen.
— Karen — murmuro, com uma pontada de ciúmes aflorando em meu peito. — O que
tem essa Karen?
— Ela é uma garota bem legal. E também prefere a Marvel à DC — minha irmã sorri
sozinha, segurando as mãos na frente do corpo.
Eu quero rir sobre isso, porque preferir uma Marvel à DC para algo tão estranho nas
prioridades de um relacionamento… Porém, me calo. Rose tem um pequeno vício sobre histórias
em quadrinhos, filmes ou séries de super-heróis. E, pelo visto, Karen pontuou bem com ela sobre
isso.
— Vocês já se beijaram?
Ela levanta o rosto, encarando-me com os olhos arregalados.
— Não. Quer dizer, ainda…
— Ai, meu Deus... — Coloco a mão sobre o peito, nervosa. — Você pretende mesmo
beijar ela.
Há mais de um ano, Rose se abriu comigo em relação a sua sexualidade. É complicado
para uma adolescente falar sobre alguns aspectos da sua vida ou sentimentos, e fico
extremamente aliviada quando penso na conexão que tenho com minha irmã. Rosemary é lésbica
e, por algum tempo, se sentiu insegura sobre como nossa mãe reagiria.
No seu aniversário do ano passado, Rose contou a nossa mãe e a recepção não poderia ter
sido melhor. Afinal, Rosemary não precisa se explicar sobre quem ela é. Ela é amada e
respeitada da mesma forma, independente de quem ela escolha amar.
— Eu tenho medo de não saber beijar bem — confessa, jogando-se no colchão. — Todos
da minha sala já beijaram alguma pessoa. Me sinto como uma alienígena.
Ai céus, os dramas adolescentes.
Solto uma risada e me acomodo na minha cama enquanto explico para a minha irmã que
na sua idade eu também era um pouco “atrasada” para os padrões naquela época.
Logo Rose está despejando algumas das suas inseguranças e eu tento, na medida do
possível, acalmá-la sobre tudo: relacionamentos, escola e futuro.
Me pergunto se devo falar com ela sobre o nosso pai. Afinal, Rose parece cheia de
indecisões e sentimentos conflitantes dentro de si, exatamente como qualquer adolescente. Com
receio, resolvo poupá-la de um pouco de drama. Pretendo primeiro falar com minha mãe sobre a
aparição repentina de Robert em Dallas.
Quando Rose se demora a responder uma das minhas perguntas, olho em sua direção e a
vejo com os olhos fechados. Sorrio, esticando a mão para apagar o abajur e na volta, pesco meu
telefone. Digito uma mensagem para Hawke, agradecendo pela a noite de hoje.
— Anise? — minha irmã murmura, com a voz rouca.
— Sim?
— Você está assustada?
— Com o que?
Ela suspira alto e escuto Rose se remexer na cama.
— Você pareceu assustada quando eu disse o que Hawke me perguntou.
Fecho os olhos, tentando organizar meus pensamentos.
— É complicado, Rose… eu e o Hawke nos conhecemos há muito tempo, ele acabou de
sair de um relacionamento tão longo…
— E você o ama?
Abro meus olhos, encarando a escuridão. Meu coração bate forte no peito.
— Sim.
— Então nada mais importa. Você é a pessoa mais corajosa que eu conheço e eu tenho
certeza de que medo é algo que não deveria sentir. — Ela suspira. — Boa noite, Anise.
Meus olhos se enchem de lágrimas enquanto sorrio.
— Boa noite, Rose.

Nada mais importa.


Fico repetindo isso para mim mesma enquanto caminho na direção do apartamento de
Hawke. Meu corpo está formigando de ansiedade, mas tento não me concentrar nisso.
Estou aqui para resolver com ele o que começamos antes de ontem e não posso parar de
caminhar.
Depois do nosso café da manhã com Mabel, levei Rose até a rodoviária e me despedi dela
com o coração apertado e lágrimas nos olhos. Mesmo sabendo que logo estaremos juntas
novamente, o meu coração se aperta em imaginar a distância.
E, apesar disso, Rose me fez prometer algo.
Que eu não terei medo.
Então é por isso que estou aqui.
Confiro o endereço no telefone e novamente na frente do prédio, estranhando por alguns
instantes. Pelo visto, Hawke alugou um apartamento no prédio ao lado do bar que ele trabalha.
O lugar é uma construção de três andares antiga, sem ao menos um porteiro para
acompanhar a entrada de moradores. Por isso, assim que um morador sai, eu aproveito e entro.
Hawke disse que seu apartamento é o trezentos e dois, então marcho até o terceiro andar e logo
identifico a porta.
Fecho a mão em um punho e bato apressada na madeira.
Não demora e logo ele está ali, abrindo a porta com o rosto amassado do sono e um olhar
confuso.
— Ei, bom dia. O que aconteceu? — pergunta entre um bocejo. — Não entendi a urgência
da conversa… Você não deveria estar na faculdade?
Meu olhar desce pelo tronco dele e o encaro melhor. Hawke está usando apenas uma calça
de moletom. Seus pés estão nus, bem como o tronco. Preciso engolir em seco porque, meu Deus,
isso que é uma baita visão.
Os músculos da sua barriga e braços não são exagerados, mas estão ali me dizendo “olá”.
E, bom, há algo sobre homens usando apenas calça de moletom que me deixa extremamente
desconcertada. E quente. Muito quente.
Meu corpo todo parece acender enquanto observo o corpo de Hawke na minha frente.
Observando-o desta maneira, meus pensamentos viajam até a noite em que nos beijamos.
Seus lábios estavam nos meus tão suaves e, de repente, se tornaram urgentes. Urgentes ao
ponto de me deixar em chamas e me fazer dormir com calor.
— Anise? — ele diz, rindo, enquanto estica a mão na minha direção e toca meu queixo.
— Acho que meus olhos estão mais aqui em cima.
— Uh, uh... — Chacoalho a cabeça, encontrando seu olhar divertido em minha direção. —
Precisamos conversar.
— Sim, é o que você disse para mim no telefone. Agora, se você quiser entrar…
— Que história é essa de falar com a minha irmã sobre namoro? — pergunto, colocando
as mãos na cintura. — Hawke, nós ao menos discutimos como tudo ficará.
As sobrancelhas loiras se arqueiam.
— Está cogitando que não vamos ficar juntos?
— Não é isso — respondo, nervosa. — É só que tudo está acontecendo depressa demais.
Dias atrás nós éramos amigos e eu mantinha um amor reprimido a anos. De repente, estamos nos
beijando e você falando sobre namoro com a minha irmã.
— Eu achei justo falar com ela antes, e… espera — pausa, encarando-me com curiosidade
— Você falou amor?
— Ai, caramba — resmungo a mim mesma.
Essa conversa com Rose me deixou ainda mais maluca do que fico quando o assunto é
Hawke. Coço a nuca, envergonhada.
— Hawke, eu... hum…
Ele se aproxima, parando na minha frente, deixando poucos centímetros nos separando.
Hawke segura em meus ombros e eu o encaro, mesmo nervosa.
— O que está te deixando angustiada?
— Você saiu de um relacionamento sério há pouco tempo — murmuro, sentindo minha
garganta doer por causa do assunto. — Não quero que você caia de cabeça em outro tão
depressa.
— É com você que eu quero ficar. Do que você tem medo?
— Como você sabe que é comigo, Hawke? — pergunto, demonstrando toda a minha
insegurança. — Você vai para o Canadá e se descobre em seis meses… Isso está me assustando.
Não quero que isso seja um arrependimento.
As mãos dele deslizam até meu rosto, segurando-me ao me encarar de uma forma
profunda e firme.
— Se você está com medo de eu cair em algo sério em seguida, aqui vai uma verdade: eu
estive sozinho por muito tempo. Não sei quando eu contei com a Kendra para dar certo, então,
durante estes seis meses, eu ao menos toquei naquela que se dizia minha namorada. Foi tempo o
suficiente para meus pensamentos e meus objetivos estarem claros em minha mente.
Minha visão fica embaçada e meu queixo treme, tudo ao mesmo tempo
— Eu gosto de você — afirma, convicto. — Eu gosto pra caralho de você, Anise. Não sei
quando isso começou, mas eu sei que nunca foi só amizade. Vou lutar todos os dias para te
provar o quanto eu sinto. — Aproxima o rosto do meu. — Sabe o que eu quero? Você. Apenas
você, por isso nunca duvide dos meus sentimentos. Eu jamais me arrependeria de escolher isso.
A pequena insegurança que está em meu coração me deixa ainda mais aflita. Depois do que
Hawke disse, no dia do nosso beijo, venho me questionando sobre grandes mudanças e essa
incerteza sobre os sentimentos dele. No fim, eu ainda acho que isso é um grande reflexo de
Robert Bloom e o que ele fez com a nossa família. Porém, não posso deixar que essa cicatriz dite
meu relacionamento com a pessoa que amei por tanto tempo em silêncio.
Hawke está afirmando que me quer e isso é o suficiente para fazer com que eu me jogue de
cabeça em tudo o que ele está me propondo.
Minha boca cobre a dele e não demora para que retribua o beijo. Seus lábios me beijam com
tanta força que acho que é uma maneira de ele afirmar tudo o que acabou de dizer.
Assim que entramos no apartamento, me beija com mais profundidade, fazendo meu corpo
arquear contra o seu. Em nenhum momento deixamos de nos beijar. Pequenos gemidos escapam
dos meus lábios enquanto ele morde o inferior, puxando-me para si de uma forma desesperada.
Enquanto segura a minha cintura e devora minha boca, Hawke tateia a parede ao lado da
porta atrás do interruptor. Solto uma risadinha contra seus lábios pela sua urgência. Seu braço
esquerdo está tentando me dar estabilidade pela cintura. Assim que consegue acender a luz, ele ri
também.
Meus olhos se fecham, mas em poucos instantes eu os abro. Hawke caminha comigo até o
sofá, me colocando deitada no estofado. Só então noto o apartamento melhor. É um loft
moderno, possuindo paredes de tijolo pintadas de branco. O chão é cimentado e dá um ar
industrial ao ambiente. Ao entrar, uma sala de porte médio é o primeiro cômodo, possuindo um
sofá bege, um tapete azul marinho, um suporte para a televisão fixado na parede. Aos fundos,
uma grande janela com vidros adesivados com película preta.
Em anexo existe uma cozinha pequena em tons de cinza e uma mesa de quatro lugares. Além
disso, um banheiro simples compõe o primeiro andar. Uma escada de ferro preta está disposta no
canto da sala, levando até um segundo andar, onde há um mezanino com o quarto aberto.
— Jamais pense qualquer merda dessa de novo, sim? Eu estarei aqui todos os dias para te
mostrar o quanto eu te quero — fala, aproximando-se e encostando a testa na minha. — Anise,
eu te amo. Porra, sim. E com absoluta certeza, algum dia ainda te amarei tanto quanto você me
ama.
De uma forma estranha, meu coração se aquece pelas as palavras. Eu me atenho a boca dele,
puxando-o pela nuca e selando nossos lábios de modo urgente.
Hawke se acomoda no meio das minhas pernas e eu não consigo deixar de pensar no seu
corpo seminu sobre o meu. Enquanto seus beijos descem pelo meu pescoço, as mãos de Hawke
viajam em meu corpo.
Fecho os olhos, sentindo meu corpo quente, desesperado por mais e mais. À medida que
Hawke trilha seus lábios na direção da minha orelha, consigo ouvir seus pequenos gemidos ao
apertá-lo contra mim.
Posso sentir que estamos ultrapassando um limite aqui
Enquanto nossos corpos estão parecendo desesperados tanto quanto nossas bocas, eu busco
por algum atrito e posso sentir seu volume sobre a calça de moletom.
— Estamos indo rápido demais... — ele alerta, se afastando para me encarar.
Os lábios de Hawke estão inchados e os fios loiros uma bagunça.
— Não me importo — digo, firme. — Estou tentando me livrar dessa insegurança.
— Não tente parecer valente para mim, Pequena Sereia. Sei como sua cabeça inquieta
trabalha, cheia de receios.
Aproximo meu rosto do dele, encostando meus lábios superficialmente nos seus.
— Então me tire esses receios, Hawke. Me mostre o quanto me quer.
Hawke fica em silêncio, me observando e respirando depressa por alguns segundos. Então,
sorri de uma forma ladina e há um brilho diferente no seu olhar.
— Você realmente está fodendo a minha vida, Anise.
Quero rir, mas me contenho. Hawke então cobre meu corpo com o dele. Minhas pernas se
afastam para recebê-lo entre elas, então ele está novamente avançando em minha boca e me
desnorteando. Quero dizer a ele que preciso conhecer seu apartamento mais tarde, mas não
consigo pensar quando Hawke Scott me beija.
E Hawke Scott está me beijando de forma tão intensa que eu sinto como se ele precisasse de
mim tanto quanto preciso ele. É Hawke. Ele mesmo. Aqui, comigo. Nós dois, prontos para isso.
Meus sonhos envolvendo Hawke eram todos os prováveis, já que sempre eu imaginei um
final feliz para nós dois. Os pensamentos quentes envolvendo-o sempre estiveram presentes e
agora, estar finalmente nos braços dele, é uma ironia para a minha mente traiçoeira que me faz
lembrar os ferrados anos que eu escondi essa paixão louca por ele.
Enquanto a boca se move contra a minha, gemo ao sentir a língua dele encostar na minha.
Ele geme contra a minha boca, então as mãos de Hawke estão novamente no meu corpo,
tateando e me testando.
Gosto quando ele me segura pela cintura e faz nossos corpos se encontrarem com mais força,
deixando com que eu sinta toda a sua extensão no meio das minhas pernas.
— Merda... — ele diz, apoiando os antebraços ao lado da minha cabeça e movendo
suavemente o corpo contra o meu e eu gemo em resposta. — Você vai me matar, assim.
— Assim, como? — pergunto, gemendo em seguida quando ele se move mais uma vez em
mim.
Os lábios de Hawke se aproximam dos meus novamente.
— Gemendo para mim. — Faz mais uma vez e um gemido me escapa involuntariamente.
Hawke se aproxima, pegando meu lábio inferior entre os dentes ao puxá-lo. — Acho que eu
tenho um novo som favorito.
Então ele volta a me beijar, engolindo meus gemidos. Praticamente choramingo contra sua
boca e o beijo se torna mais bruto. Sinto sua língua entre meus lábios, me abrindo enquanto
esfrego meu quadril no dele, aumentando o calor em meu corpo.
Meu coração acelera quando ele afasta a boca da minha e empurra o rosto em meu
pescoço, inalando o aroma do meu pescoço e as mãos tocando superficialmente meus seios ainda
cobertos.
Nunca odiei tanto minhas roupas como agora.
Empurro meu corpo contra o dele, desejando mais. Envolvo as pernas em sua cintura,
puxando seu quadril para mais perto. Por conta da saia do vestido, poucas camadas nos separam.
Deixo o pau dele, protegido pela calça de moletom, tocar sobre meu clitóris e me remexo ainda
mais contra ele.
O som grave escapa da garganta de Hawke quando ele aperta meus seios com força. Sua
boca abaixa e ele lambe meu pescoço ao deixar uma mordida contra a pele, distraindo-me
quando suas mãos se infiltram na saia do meu vestido.
Uma euforia toma minhas veias ao sentir as palmas dele apertarem minhas coxas, as
separando, então seus dedos estão no meio das minhas pernas, mesmo por cima da calcinha.
Hawke toca meu clitóris e eu solto um gemido alto, que ecoa pelo apartamento. É o
suficiente para ele saber que me tem, porque, em seguida, Hawke circula os dedos sobre o local e
me sinto ridiculamente perto de gozar com um simples toque.
— Hawke... — o nome dele sai dos meus lábios em uma lamúria.
Meu corpo se contorce assim que ele continua a mover os dedos sobre o lugar. Mordo
meu lábio inferior com força quando ele pressiona ainda mais. No mesmo instante, seus lábios
voltam ao meu pescoço, deslizando sobre a veia pulsante ali.
O pico de prazer me toma e ele esfrega ainda mais rápido quando começo a estremecer
sob seu corpo. Fecho os olhos, sentindo a onda de prazer tomar meu corpo enquanto gozo em
seus dedos.
O som da respiração forte de Hawke em meu pescoço me faz abrir os olhos e procuro pelo
seu rosto. Hawke apoia as mãos no sofá, fechando os olhos por alguns instantes e respirando
fundo. Quando abre os seus olhos, vejo uma ponta de indecisão ali.
— Preciso de você, Hawke. Então é melhor você tirar o meu vestido e fazer algo sobre
isso!
Ele solta uma risada, mas logo sua expressão se torna um misto de nervosismo e angústia.
— Estou há algum tempo sem tocar em uma mulher, Anise — alerta, os olhos famintos
deslizando por mim.
— Sei que vai fazer um bom trabalho — falo em um tom de brincadeira.
Com o olhar firme ao meu, suas mãos encontram os botões do meu vestido. Ele os retira,
lentamente. Quando ele consegue tirar a minha roupa, faz o mesmo com a sua rapidamente. Suas
mãos vagam das minhas coxas até o meu quadril e sobem tortuosamente até o meu sutiã.
Arqueio as costas para ele abrir o fecho, tirando a peça do meu corpo.
Os olhos dele estão nos meus e eu não os deixo por nenhum momento. Sinto suas mãos
encostarem no meu quadril, subindo vagarosamente. Assim que as palmas tocam os meus seios,
ele geme, sentindo meus mamilos roçarem na sua pele.
Hawke começa a massageá-los lentamente. Meu quadril se torna inquieto e um calor se
acumula no meu ventre. As pupilas dele se tornam mais dilatadas quando quebra o contato visual
e solta um dos seios, enterrando os lábios ali. Ele suga, me fazendo arquear as costas em prazer e
suas mãos escorregaram para baixo, levando a calcinha longe do corpo. Minhas mãos ágeis
chegaram em sua boxer e a empurro para longe do seu corpo enquanto ele está me abocanhando,
deslizando a língua sobre meu seio e me deixando ainda mais desesperada.
Minhas mãos viajaram pelo seu dorso nu. Desde que eu o vi chegar na casa dos Scott, suado
e sem camisa, eu sonhei em tocá-lo. Eu deixo meus olhos viajarem por sua pele junto às minhas
mãos.
Ele observa meus movimentos e sua perna move-se para o meio das minhas. Hawke roça a
coxa na minha boceta, me estimulando mais um pouco. Sinto o rosto corar quando sinto quão
molhada eu deixo a pele dele.
Levanto meus olhos para ele e sorrio.
— Pare de me torturar, Hawke.
Ele devolve o sorriso e abre minhas pernas, segurando-me por baixo das costas, deixando
meu quadril levemente para cima. Os seus olhos estão nos meus quando ele começa a me
preencher enquanto o som do seu gemido rouco faz meu corpo arrepiar.
— Esse seu corpo me leva a loucura.
A minha boca se abre para um gemido alto e fecho os olhos por breves instantes, sentindo
todas as sensações do momento. Sinto minha boceta se apertar contra ele e Hawke entra
lentamente, me torturando a cada segundo.
Suas mãos seguram meus pulsos e ele as coloca sobre a cabeça. Hawke tem o olhar preso ao
meu enquanto entrelaça nossos dedos e finalmente começa a se mover.
A cada estocada, um gemido sai de nossas gargantas. Ele aumenta a velocidade, apertando
mais os dedos aos meus. Aos poucos, solta a minha pele e sobe o corpo totalmente em cima do
meu, enterrando o rosto na curva do meu pescoço.
— Era para eu te colocar em uma cama para eu ver você me foder — afirma enquanto
acelera os movimentos e me encara com desespero —, mas olhe o que fez comigo… — As
investidas se tornam rápidas e fortes, meus gemidos escorrendo pela nossa pele. — Estou
fodendo você na minha sala porque não aguentei.
— Hawke... — gemo o nome dele, sentindo o meu corpo tremer.
A boca dele captura a minha e ele puxa o meu lábio inferior com os dentes em um
movimento lento, bem diferente dos movimentos rápidos e duros do seu quadril. Aperto as
minhas pernas ao redor da sua cintura, deixando meu quadril novamente um pouco mais
inclinado. Ele bate em um ponto dentro de mim que me fez apertar os olhos e gemer mais alto.
Hawke descansa a testa sob a minha, ainda com movimentos desesperados. Minha
respiração falha quando meu corpo treme mais uma vez, antecipando meu orgasmo. Aperto os
olhos e sinto ele se afundar mais em mim, gemendo no meu ouvido.
— Anise... porra...
Nossos gemidos se misturam quando a onda de orgasmo me toma e, em seguida, Hawke
solta um gemido alto, tremendo em mim. Sinto como se meu corpo pegasse fogo enquanto
Hawke continua se movendo com brutalidade, tão perdido nesse momento quanto eu.
Os lábios dele tocam os meus, tomando-os em um beijo angustiado à medida que atinge o
ápice. Então Hawke se afasta e ele sorri. Seus dedos vêm até os fios completamente úmidos
grudados no meu rosto e ele os retira dali demoradamente.
Os movimentos sendo cautelosamente realizados. Seu rosto se aproxima do meu e ele
encosta os lábios nos meus, demorado e com pressão. Assim que solta minha boca, um suspiro
pesado sai dali e ele sorri novamente.
— Eu não acredito que nós fizemos isso.
Eu franzo o cenho.
— Você está arrependido?
Hawke me olha com uma expressão engraçada e nega com a cabeça. Voltando a depositar
um beijo nos meus lábios.
— Eu sonho com isso desde que eu vi você trocar de roupa pela janela do meu quarto,
Anise.
Arregalo os olhos, corando com a confissão dele.
— Quando foi isso?
— Você tinha dezessete anos e eu dezenove. Eu havia chegado de surpresa e você não sabia
que eu estava ali. Foi um tempo antes do baile da escola.
Pisco algumas vezes antes de rir, segurando seu rosto entre as mãos.
— Ai, caramba, Hawke!
Abro um sorriso quando eu começo a sentir os beijos.
Meus olhos se abrem vagarosamente, precisando piscar algumas vezes por conta do sol. E,
por Deus, Hawke está em cima de mim, espalhando beijos pela minha barriga e subindo a
camiseta perigosamente. Uma inquietação no meio das minhas pernas começa assim que ele sorri
contra a minha pele ao me encarar.
Os olhos extremamente azuis me observam atentamente, e o rosto amassado pelo jeito que
dormiu não o deixa menos bonito. O negócio é que Hawke não tem como ficar menos bonito.
— Oi... — eu sussurro com a voz levemente rouca. — Que horas são?
— Já passa das onze da manhã — ele diz, agora mordendo um pouquinho da minha pele e
me fazendo soltar um gritinho. — Preciso ir para o trabalho logo, então, resolvi te acordar.
Podemos almoçar juntos, o que acha?
Pisco algumas vezes, reconhecendo que estamos no quarto do mezanino do loft. Hawke deve
ter me trazido para cá depois que praticamente dormi em seu colo. Mordo o lábio inferior e passo
as pernas em volta do seu tronco nu.
— Você tem algum tempo antes de precisar sair? — murmuro com um sorriso ladino nos
lábios.
Seus olhos parecem escurecer. Ele vem para cima de mim, deixando nossos rostos no
mesmo nível. Hawke sorri largamente antes de beijar meus lábios. Seguro seu rosto entre as
mãos e um suspiro apaixonado escapa dos meus lábios ao fitá-lo tão perto de mim. Com os
lábios em mim.
— Precisamos falar sobre algumas coisas — ele diz, parecendo sério demais. — Mabel é a
primeira delas.
— Vamos contar o mais breve possível — afirmo, nervosa. — Precisamos da confiança dela
antes do feriado de Páscoa. Pelo que soube, nossas famílias estarão juntas.
— É um bom momento para revelarmos para todos, o que me diz? — Eu concordo com um
movimento sutil da cabeça. — Traga algumas coisas suas para cá. Assim você não precisa
escapar e poderemos nos concentrar em outras atividades — propõe. Arqueio as sobrancelhas e
tento elaborar uma resposta, mas ele me cala com um beijo e, assim que separa nossos lábios,
completa: — Já perdemos tempo demais, Anise. Eu quero aproveitar cada segundo do seu lado,
inclusive quando você me propõe sexo antes do trabalho nas entrelinhas da sua fala.
Acabo gargalhando com a confissão, mesmo sentindo o rosto corar de vergonha. Hawke
aproxima o rosto do meu pescoço e respira fundo, rente à minha pele. Eu suspiro, fechando os
olhos por alguns instantes. Quando o solto minimamente, ele beija a minha bochecha e arrasta os
lábios até o meu ouvido.
— Vamos levantar dessa cama logo, ou eu juro que vou me atrasar.
Um arrepio se espalha pelo meu corpo quando ele diz isso. Contudo, me contenho em
levantar e me arrumar para sair dali. Mesmo desejando passar o dia todo deitada com ele.

Chego no apartamento apenas para trocar de roupa e ir para o trabalho. Como esperado,
Mabel ainda não voltou para casa, já que não a vejo em lugar algum. Corro para o quarto e troco
de roupa, mas, quando saio pela porta, ouço Mabel reclamar da temperatura do chuveiro ao abrir
a porta do banheiro com sua máscara facial de argila, parecendo um monstro verde.
— O que houve?
— Eu acho que essa merda quebrou. Anise, você não viu isso na hora que foi tomar banho?
— Ela para no meio do corredor.
— Uh, eu… Eu na verdade só cheguei agora em casa.
Seguro minha bolsa forte quando ela estreita os olhos. Encosto na parede do do corredor,
nervosa.
— Você não voltou para casa? — Mabel indaga.
— Uh, não, eu…
Droga, eu não quero mentir para ela. Sinto as bochechas queimarem de vergonha. Meus
olhos vão direto para a minha amiga como se estivesse estampado na minha testa que eu dormi
com o irmão dela.
— Conheci uma pessoa...
— Ahhhh! — Ela arregala os olhos, rindo. — Vocês saíram de manhã? Que tipo de ser
humano estranho você encontrou que combina um date em uma terça-feira cedo?
— Ah, hum… — Coço o pescoço, ainda nervosa. — Acontece, você sabe… almoçamos
juntos…
— Agora entendi, você tá com um brilho bonito no cabelo. Brilho de quem fez sexo —
Mabel fala entre uma risada. — Chama o bonitão para dar um jeito no nosso chuveiro, uh? —
Joga a mão no ar como se não fosse nada e caminha para dentro do banheiro. — Não, vou
assustar seu crush. Para isso serve o Dan e o Josh. Por sinal, eu tô indo lá acordar um dos dois
para arrumar a resistência do chuveiro. — Ela pega um necessaire de cima da pia do banheiro. —
Eu vou tomar banho no apartamento deles, ok?
— Eu estou indo para o trabalho.
No final do dia, combinamos de ir até o bar que Hawke trabalha. Uma promoção de pizzas
em dobro chamou a atenção de Josh e Dan; Mabel e eu não negamos o convite. Coloquei um
vestido mais ousado do que o habitual, contendo um comprimento acima do joelho e fiz um
penteado que ressalta o meu pescoço. Afinal, tinha percebido que Hawke passou tempo demais
com a boca no lugar, então pareceu uma boa ideia.
Mabel está feliz demais nessa noite. Ela não para de tagarelar no caminho e eu tento
compreender tudo o que minha amiga diz sobre uma provável bolsa de estudos em uma escola de
dança em Nova Iorque após terminar os seus estudos.
Pelo que eu compreendi, um dos seus professores levará alguns alunos para um teste e se ela
conseguir passar, após terminar seus estudos em Dallas, terá uma vaga garantida na cidade que
não dorme.
— Sei que vamos precisar separar o nosso grupo, mas se vocês continuarem em Dallas,
posso vir uma vez a cada quinze dias — ela comenta, bebendo um pouco do seu drink. — Quero
dizer, Jazz é minha paixão e agora eu tenho a oportunidade de estudar isso mais a fundo dentro
de uma academia bem-conceituada na área das artes. Parece que a renomada Ocean Von Carsten,
a bailarina, está no corpo docente do lugar.
— Isso é maravilhoso! — Eu sorrio para a minha amiga.
— Só vou precisar reorganizar algumas aulas na academia que estou dando aulas à tarde.
Estou dividindo a sala com uma professora de ballet e as turmas estão bem cheias.
— Você é um sucesso, garota. — Dan dá uma empurradinha no ombro dela e logo depois
me olha ao sorrir.
O clima entre nós voltou ao normal e eu agradeço por isso. Apesar disso, notei os olhares
furtivos de Hawke em nossa direção. Acho que vamos precisar falar sobre Dan em breve.
— Eu estou muito feliz mesmo, Dan. Mas, bom, vamos falar de você. — Ela bate com o
indicador no meu ombro. — Como é esse seu novo crush?
— O que...? — Josh quase cospe o drink, rindo. — Você está saindo com alguém?
No mesmo instante, eu baixo o olhar para o meu copo. Acabo sorrindo para o objeto de vidro
e mexo no canudinho, lembrando o gesto de Hawke ontem, durante o aniversário da minha irmã.
E hoje, quando ficamos juntos.
— Anise, você está sorrindo para um copo. — Mabel solta uma risada engraçada. — Pelo
visto, ele foi maravilhoso.
Eu suspiro, encostando no assento da cadeira e olhando para a minha amiga com um sorriso
largo nos lábios.
— Ele não foi maravilhoso. Ele é maravilhoso.
— Oh, céus. Esse olhar. Esse olhar… — Dan aponta para o meu rosto e começa a rir. —
Alerta vermelho, alerta vermelho. Você está com os olhos brilhando, Anise. Eu não acredito que
você se apaixonou por alguém depois de ter me beijado!
— O seu ego é tão grande… — murmura Mabel.
— É proporcional ao meu…
Josh coloca a mão sobre a boca de Dan.
— Dan, cale a boca!
Todos nós rimos.
No mesmo instante, o telefone de Mabel vibra e ela faz um sinal com a mão para que eu
espere um momento. Ela começa a digitar freneticamente no telefone e, assim que termina,
coloca o aparelho sobre a mesa e relaxa na cadeira, encarando todos com os ombros levemente
abaixados.
— Eu não sei se posso contar isso para vocês... — ela começa. — Mas Hawke saiu do
apartamento do irmão da Kendra faz algum tempo. — Ela engole em seco. — Parece que Kendra
aceitou a separação…
— E ela aceitou? Assim..., fácil? — Josh parece alerta.
— Eu duvido muito! — Dan completa, visivelmente incomodado com o assunto. — Talvez
ela também esteja cansada. Todos acompanhamos o relacionamento conturbado deles e… nos
últimos dois anos eles passaram mais tempo em guerra do que juntos.
— Vai que ela mudou...? — eu comento baixinho.
— Eu acho que eu preciso ameaçar ela para não se aproximar mais do Hawke. Isso, sim, vai
funcionar efetivamente! — Mabel ruge — Hawke precisa mesmo é arrumar uma boa foda.
Eu me engasgo na hora que Mabel termina de falar. Droga, por que ela tem que falar algo do
tipo? Recebo dois tapinhas de Dan no meio das costas e ele pega uns guardanapos para me
alcançar. Eu aceito de bom grado e limpo os lábios.
— Oh, sim, nossa comida está pronta. Vamos buscá-la, Dan.
Os dois se levantam e vão atrás das pizzas. Então uma mão pousa no meu braço me faz ter
um sobressalto.
— Anise!
É Josh.
— Ah, oi — falo, parando e virando para ele.
— Seu telefone está vibrando! — Ele aponta para o meu telefone, que está sobre a mesa
vibrando com a tela brilhante.
— Oh, olha só... que avoada — comento entre uma risada sem graça.
Josh cruza os braços após eu pegar o aparelho, me observando sério demais.
— Foi o Hawke, não é mesmo?
Arregalo os olhos.
— Como é?
— É com ele que você está saindo.
— Não! — respondo em rompante.
— Lembra o que eu te disse? Sem mais segredos entre nós, Anise. — Ele arqueia uma
sobrancelha.
Suspiro e encaro minhas sapatilhas enquanto encosto o corpo na cadeira ao observar Hawke
trabalhar no bar, atendendo alguns clientes.
— Josh, eu o amo — as palavras saem fácil dos meus lábios.
Aperto forte os olhos quando vejo, de relance, seus braços caírem ao lado do corpo.
— Eu o amo tanto que eu desisti dele apenas para vê-lo feliz e confortável com a Kendra. —
Encaro o meu amigo. — Nos beijamos há dois dias e hoje pela manhã resolvemos que vamos
tentar.
Ele abre a boca, completamente surpreso com a confissão. Quando acho que vou receber um
abraço, Josh me soca fraco no braço.
— Qual é a sua, Josh? — Aliso à área ardida.
Ele sorri para mim, agora finalmente me abraçando.
— Porra, Anise. Eu estou feliz por vocês. Isso é uma tremenda loucura, mas conte comigo.
Se a Mabel tentar te matar, estarei lá para apartar a briga, prometo.
— Uh..., obrigada por isso?
Ele beija a minha bochecha e gargalha, me abraçando pelos ombros.
— Só não espere muito para contar, por favor.
— É, eu sei.
Meu telefone vibra dentro da bolsa. Um sorriso se faz nos meus lábios quando vejo que a
mensagem é de Hawke.
Hawke: Eu não paro de pensar em você.
Estou entrando no apartamento após um dia cheio entre faculdade e trabalho. Mabel está
jogada no sofá com um pote de pipoca no colo enquanto as pernas descansam no colo de Josh.
Vejo que hoje eles estão assistindo algum seriado policial.
— Ei! — cumprimento.
Minha pretensão de me jogar na poltrona ao lado do sofá para fazer companhia a eles é
interrompida no momento em que me olham. A loira levanta o olhar para mim e sorri. Aquele
sorriso sacana que ela faz quando apronta algo ou está pronta para dizer algo engraçadinho.
Franzo o cenho quando Josh também me lança um olhar malicioso.
— Aconteceu algo?
— Acho que alguém aqui vai se dar bem essa noite... — Josh fala, enchendo a boca de
pipoca.
Sinto um calor tomar conta do meu corpo. Será que Hawke está aqui? Confiro o relógio e já
passa das seis e meia. Ele geralmente está trabalhando no bar nesse horário.
— C-Como? — pergunto, confusa.
Josh aponta para a cozinha, viro o rosto para lá e um sorriso idiota se faz nos meus lábios.
Caminho em passos largos, ignorando as risadinhas vindas dos meus amigos. Há um buquê de
gérberas vermelhas em cima do mármore. Um sorriso enorme se forma em meus lábios quando
pego as flores e em seguida o cartão que está no meio delas.
“Me disseram que gérberas vermelhas significam consideração, admiração e amor. É
tudo isso que sinto por você”
— Na próxima vez, peça para ele ser menos óbvio e colocar o cartão dentro de um
envelope… — Mabel resmunga.
Antes mesmo que eu consiga rebater, Dan aparece na porta com duas caixas de pizza na
mão.
— Cheguei com o jantar.
Abro um sorriso para ele, que me encara confuso.
— Ah, não, ruivinha... O cara tá mesmo afim de você, né? Você nem caiu de amores por
mim. — Ele aponta para o buquê. — Droga.
Enquanto ele abre a caixa do topo da pilha e pega um dos pedaços de pizza, eu me aproximo
e dou um tapinha em seu ombro.
— Desculpe, bonitão. Nosso relacionamento foi rápido, mas foi incrível. O problema sou eu,
não você... — uso a frase clássica.
Dan levanta o olhar para mim e me joga um beijo e uma piscada. Pego uma fatia de pizza e,
após acabar de comer, vou para o banheiro tomar um banho. Depois, volto para roubar mais
outro pedaço de pizza.
— Vou para o meu quarto terminar um trabalho, boa noite.
Todos respondem em uníssono, mas parecem fixados demais na tela da televisão. Assim que
volto para o quarto, meu telefone está brilhando em cima da cama. Me aproximo e pego o
aparelho, sorrindo para a foto que aparece ali.
— Oi.
— Oi... — Consigo ouvir seu sorriso. — Recebeu alguma coisa por aí?
Acabo soltando uma risada ridiculamente apaixonada.
— Sim, alguém me enviou flores.
Ele gargalha do outro lado e eu acabo acompanhando.
— Uh, pelo menos ele escolheu flores bonitas?
— Sim. Ele me conhece muito bem. Acho que escolheu vermelho por causa do meu
cabelo… — divago.
De longe, o som da música alta é perceptível, o que me faz crer que ele está no escritório ou
fora do pub.
— Eu acho que foi mais pelo significado. — Escuto Hawke suspirar do outro lado da linha e
me pego sorrindo. — Posso te confessar algo? — ele diz, um tanto sério.
Meu estômago embrulha na mesma hora.
— Sim. É algo sério?
— Sim. Muito sério.
Mordo o lábio e me levanto da cama, passando a mão nos cabelos e no rosto.
— Fale, por favor!
Há um instante de silêncio. Estou quase pegando um casaco e correndo para fora do
apartamento para ir atrás dele e chacoalhar seu corpo até me dizer o que quer que seja. Então a
voz suave surge e meu coração dispara:
— Eu quero dormir com você. Tipo, uma noite inteira, juntinho.
Solto o ar que eu segurava, piscando várias vezes para conter-me.
— O que me diz?
— Isso é um convite para ir para o seu apartamento? — Olho para o relógio. — Oito e meia
da noite?
— É. Prometo fazer valer a pena.
— Eu aposto que sim — as palavras me escapam da boca e eu levo a mão até os lábios.
Ele ri do outro lado da linha.
— Olhe na primeira gaveta da mesa de cabeceira, Pequena Sereia.
A excitação percorre o meu corpo e, em um passo, estou abrindo a gaveta do pequeno
móvel. É uma gaveta vazia, que contém apenas a minha agenda de tarefas diárias. Contudo,
agora um envelope amarelo está estrategicamente ao lado do pequeno caderno e também há uma
única flor em cima do papel.
— Tomei a liberdade de deixar uma chave extra do meu apartamento no seu quarto quando
fui até aí arrumar um chuveiro queimado. Mabel me ligou logo que você saiu — a voz dele é
graciosa e cheia de animação. — A escolha está em suas mãos. Literalmente.
Abro o envelope enquanto ele fala. Uma única chave. Um sorriso enorme fica preso nos
meus lábios enquanto meu coração bate forte no peito.
— Eu estou indo.
— Chego por volta das duas e meia da manhã, Pequena Sereia. Não me espere acordada.
Eu vou adorar te acordar.
— E de que maneira pretende fazer isso?
Hawke solta uma risada gostosa.
— Não estrague a minha surpresa. Só, por favor, não use muita roupa. Eu odiaria que você
despertasse por conta da falta de tecido e não por causa da minha boca.
Respiro fundo e começo a arrumar uma mochila para ir até a casa de Hawke.
O carro de aplicativo para do outro lado da rua do McGee’s. Mordo o lábio ao encarar o
banco ao meu lado. Minha mochila está sob o estofado com todos os meus itens básicos para
uma noite. E, bom, um notebook e um livro de Políticas Sociais. Eu, como uma ansiosa convicta,
jamais conseguiria entrar em sono profundo sabendo que Hawke está para chegar. E, além disso,
tenho esse trabalho maldito para terminar.
Seguro na alça da mochila e estou prestes a atravessar a rua, ao sair do carro, quando meus
olhos encontram Kendra saindo do bar como um furacão. Ela tem os cabelos encaracolados
sedosos, saltos tão altos que eu penso que devem ser difícil para se equilibrar. Além disso, está
usando um vestido soltinho branco que lhe faz parecer um anjo. Nesse instante, eu lembro que
Lúcifer também é um anjo, mas chacoalho a cabeça para longe com esses pensamentos.
Acho que é James, irmão dela, que surge atrás. Eles se parecem muito. Lembro de já ter
visto esse homem de terno pelo bar. Vejo quando ele segura no braço irmã e os dois parecem
discutir na frente do lugar, chamando atenção de algumas pessoas. Quando menos espero, estou
mordendo a cutícula da minha para aliviar a tensão. E, óbvio, acabo mordendo forte, me
machucando um pouco.
Depois de poucos minutos, ela dá um puxão forte no braço e sai marchando até uma Ferrari
prateada que está estacionada em uma vaga especial na frente do lugar. O homem acompanha
tudo com as mãos na cintura, como se estivesse indignado. Ele nega algumas vezes com a cabeça
quando ela canta pneu e sai dali em disparada. O homem de cabelos cor mel pega o telefone e
entra novamente para no lugar com o eletrônico encostado na orelha.
Espero mais alguns segundos e desço do carro, caminhando diretamente para a portaria do
prédio. Em poucos instantes, eu estou colocando a chave, que agora está no meu molho de
chaves, na fechadura da porta do apartamento de Hawke, esquecendo que vi o passado dele na
porta do lugar em que trabalha
Quando Hawke chega, estou trabalhando na frente do computador. Passa de uma e meia
da manhã e uma xícara com chá repousa ao lado do notebook sobre a mesa da cozinha.
— Ei… achei que estaria dormindo.
Sorrio para ele, fechando o notebook.
— Estava terminando um trabalho — digo, tentando não mencionar Kendra. — E suas
aulas?
— Volto daqui a um mês. — Ele dá de ombros. — Ainda estou em produção do relatório
sobre nanopartículas de ouro que trabalhei no Canadá. Por enquanto, vou para o laboratório em
algumas tardes para ajudar o meu professor.
— Certo. Eu realmente não sabia como ficaria seu ritmo de estudos depois de voltar.
Realmente gostaria de ouvir mais um pouco sobre essas coisas que você trabalhou, mas… sou
péssima em Química. Você sabe, me ajudou a estudar para muitas provas. — Sorrio. — Quer um
pouco de chá?
— Adoraria... — responde, deixando uma mochila na entrada e retirando os tênis. — É um
pouco complexo, mas uma hora eu te explico melhor.
Hawke caminha na minha direção, me puxa para perto e une os nossos lábios. Devagar, nos
beijamos e, assim que as nossas línguas encostam uma na outra, eu sinto um calor percorrer o
meu corpo. Ele sorri contra os meus lábios e os afasta de mim, me depositando uma série de
beijinhos rápidos, descendo até o meu pescoço. Hawke para de me beijar e suspira contra a
minha pele sem me tirar do entrelaço dos seus braços.
— Eu ainda não acredito nisso.
— Nem eu.
Tomo um susto quando Hawke passa um braço pelas minhas costas e o outro desce até atrás
dos meus joelhos, ele me pega no colo quando me seguro em seus ombros.
— Hawke! — protesto entre risadas.
Ele não se intimida e continua caminhando comigo na direção das escadas.
— O seu chá…
Tenho vontade de colocar os meus pés no chão, com medo de que ele perca estabilidade ao
subir. Deixo-o dar os primeiros passos nos degraus e, quando o faz, vejo que não vai me deixar
cair. Seguro-me mais nele e ele ri.
Quando chegamos ao topo da escada, Hawke caminha depressa para a cama, jogando-me
sobre o estofado branco. Meus cabelos caem espalhados no meio dos lençóis e eu acabo rindo
quando ele praticamente se joga em cima do meu corpo.
Nós dois estamos gargalhando quando ele toca os fios do meu cabelo, os tirando do rosto
com delicadeza e paciência. As risadas cessam aos poucos e ficamos nos encarando por alguns
minutos. Novamente, os sorrisos estão largos nos lábios.
— Não consigo nem te explicar a felicidade que estou sentindo, Pequena Sereia.
As palavras vêm direto para o meu peito. Sinto como se tivesse parado de respirar por
segundos. Os olhos azuis avaliam meu rosto com cuidado e ele toca minha bochecha com os
dedos, delicadamente.
Sorrio e aproximo meus lábios dos dele, o beijando suavemente. Hawke retribui o beijo e sai
de cima de mim, ficando em pé ao lado da cama. Ele deixa a jaqueta de couro cair pelos braços
com os olhos ainda em mim.
— Preciso tomar um banho. Você se importa?
— Não. Claro que não.
— Não gosto de me deitar com o cheiro do bar — revela, fazendo uma expressão de nojo.
Já estou usando meu pijama e também já tomei banho por volta das onze horas. Então acabo
ficando na cama quando ele desce para o primeiro andar para ir até o banheiro.
A frase que ele disse ainda ressoa na minha cabeça. Abraço um dos travesseiros dele e sinto
seu cheiro. Sorrio mesmo de olhos fechados e acabo deixando meu corpo ser tomado pelo sono.
A última lembrança que tenho antes de adormecer é de dois braços quentes me envolvendo. Por
alguns instantes, tenho a impressão de ter ouvido ele falar que me ama.
Desperto de maneira preguiçosa quando meu alarme toca. Sinto os braços de Hawke em
volta da minha cintura e a perna pesada em cima da minha. Estamos na mesma posição que me
lembro de ter ido dormir e acabo aproveitando um pouco mais para ficar assim após desligar o
despertador.
Fecho os olhos e repasso as cenas da noite anterior. Desde o buquê de flores, a surpresa e até
mesmo a frase que ele me disse. Essa é a minha mais nova realidade e não quero jamais mudar
nada.
Em breve, Mabel e toda nossa família saberão sobre isso.
Alguns minutos se passam e eu tento tirar os braços de Hawke de volta do meu corpo para
poder levantar e me aprontar para a faculdade. De maneira demorada e resmungando baixo, ele
acaba cedendo ao aperto e eu deslizo para fora da cama. Antes de sair do mezanino, avalio a
cena em cima da cama. Hawke está usando apenas uma boxer preta, o que me dá uma visão
convidativa da bunda redonda e o corpo quase nu. Preciso virar para a escada e seguir caminho
antes de acordá-lo e implorar por algo a mais.
Desço pelas escadas com cuidado e vou direto para a cozinha. Pelo relógio da parede, vejo
que já são seis e meia. Minha primeira aula começa às nove e meia, então é um bom tempo para
me aprontar com tranquilidade. Me pego pensando em qual horário Hawke costuma acordar, já
que trabalha até a madrugada quase todos os dias e ainda vai para o laboratório de pesquisa
alguns dias a tarde.
Resolvo preparar um pouco de café e procurar algo para comer. Encontro alguns biscoitos
após uma longa busca, já que os armários estão quase vazios. Aproveito para tomar um banho e
trocar de roupa. Quando volto para o mezanino, Hawke ainda está dormindo na mesma posição,
então de roupa e volto para a cozinha.
Pego um pequeno bloco de notas que está em cima da geladeira e deixo um bilhete para ele
avisando que preparei um café e estou indo até o mercado do outro lado da rua comprar alguns
mantimentos. Quando volto para o apartamento, o bilhete, o café e Hawke estão no mesmo lugar.
Passa das sete horas quando eu termino de organizar as compras e começo a preparar uma
surpresa para ele. Vou deixar uma lasanha pronta no congelador, assim como a vovó Billie fazia
quando ia até minha casa. A vovó Billie, minha avó materna, é uma grande cozinheira e sua
ascendência italiana nos fez gostar muito de preparar massas. Só espero que Hawke não acorde
com o barulho e o cheiro.
Organizo os molhos prontos que comprei, bem como a massa, queijo e procuro por uma
travessa de vidro. Disponho todos os ingredientes na mesa e monto a lasanha, deixando-a no
refrigerador com um post-it. No papel, um recado cheio de corações, o que me faz sentir que
tenho quinze anos novamente.
Após limpar tudo, já passa das sete e quarenta e preciso começar a me organizar para ir para
a aula. Resolvo, antes, avaliar o trabalho que fiz ontem, antes de Hawke chegar, para poder
debater com a equipe assim que chegar na sala de aula. Ligo o notebook para avaliar o estado do
meu trabalho. Por sorte, eu avancei muito mais do que me recordava, faltando apenas as
considerações finais.
No instante que começo a digitar, a campainha toca. Fico me perguntando quem aparece tão
cedo na casa de Hawke e, até onde eu sei, apenas Mabel sabe que ele está aqui.
A pessoa desiste da campainha e bate forte na porta.
Pela força da batida, julgo ser um homem. Mabel é delicada demais para bater com aquela
força e, quando está nervosa, ela prefere gritar ao invés de usar força bruta. Me levanto do sofá e
caminho até a porta, destrancando-a.
Quando abro a porta, os meus olhos encontram Kendra. Ela está extremamente arrumada e
seus olhos denunciam o quanto ela está surpresa e irritada ao me ver.
— O que você está fazendo aqui? — ela quase cospe as palavras.
Pisco algumas vezes para processar a pergunta. Então, engulo em seco.
— Não é da sua conta — eu respondo. — O que você está fazendo aqui?
— Eu vim falar com o meu namorado.
Molho os lábios com a língua, tentando não perder a paciência.
— Bom, ele está dormindo. E, até onde eu sei, no momento, vocês não namoram.
— Ah, é por isso que você está aqui?
Antes mesmo que eu responda, Hawke aparece descendo as escadas. Eu congelo, pensando
que nós dois não possuímos um título, afinal, nós falamos sobre namoro, mas não estabelecemos
isso, não de fato. Dou um passo para trás e então viro-me para a cozinha, evitando me envolver
na discussão mais do que já estou. Me apoio na pia da cozinha e fico encarando os tijolos
brancos da parede.
— Kendra? O que você faz aqui?
— James me contou que você estava aqui.
— Claro, quando você apareceu no McGee’s e queria me forçar a conversar contigo... — ele
parece entediado.
— Hawke, nós precisamos conversar. E-Eu, eu… — ela parece nervosa.
Sua voz sai trêmula, o que me deixa um pouco em alerta. Ela está fazendo algum tipo de
chantagem? Ou realmente não está bem?
— Kendra... — ele respira fundo e parece concentrar-se. — Já acabou. Isso aqui acabou faz
muito tempo e colocamos um ponto final faz alguns dias.
— Não é sobre isso, Hawke…
— Olha, me desculpa não ser sincero contigo e dizer que acabou antes de ir viajar. Eu só...
poxa, Kendra.
— Hawke… — Escuto ela fazer uma pausa, tremendo a voz. — Não é sobre nós. Eu já
entendi, porra — parece irritada, um pouco temerosa.
— Você está bem? — Ouço a preocupação na voz de Hawke e olho para o lado, encarando
os dois.
Ela está olhando para o chão, torcendo as mãos na frente do corpo enquanto ele se aproxima,
segura nos seus antebraços e puxa as mangas para ver sua pele. Então eu noto os arranhões
vermelhos na pele clara, me fazendo ficar em alerta.
— Você está se arranhando de novo?
Kendra apenas balança a cabeça.
— O que está acontecendo? — pergunta ele, visivelmente preocupado.
Neste momento, não sei o que sinto. A preocupação na voz de Hawke me faz pensar que,
talvez, eles não tinham apenas um relacionamento tóxico entre idas e vindas. Existe algo a mais.
Será que Hawke se sente culpado sobre algo que acontece com Kendra? Ou é apenas uma
preocupação genuína?
— Podemos… conversar? — pergunta ela e ele suspira. — Você sabe quão difícil foi depois
que tudo aconteceu, eu só…
— Tudo bem... — ele cede, fazendo meu coração se apertar. — Me espere no café da
esquina. Estarei lá em meia hora.
— Hawke? O que ela faz aqui? — Kendra finalmente usa o tom de voz ameaçador que usou
comigo antes.
E então viro-me para os dois. Hawke está com os olhos nela e, assim que eu encontro o olhar
com o dela, vejo algo diferente do que vi todas as vezes que encontrei Kendra. Ela parece
extremamente vulnerável, apesar das palavras rudes para mim.
— Anise e eu estamos namorando — ele anuncia, curto.
— O que? — ela praticamente ofega e volta a encará-lo.
— Eu não quero discutir isso com você, porque a partir do instante em que terminamos, não
vamos fazer isso desta maneira. Então se você quer conversar sobre isso — Ele arruma as
mangas da sua camisa comprida corretamente, protegendo os pulsos —... eu estarei aqui. No
entanto, se for sobre a minha vida, me desculpe, mas não vamos poder conversar.
Resolvo sair de perto da porta o máximo que consigo, então caminho até as grandes janelas
da sala. Cruzo os braços na frente do corpo e fico observando o movimento da rua. O barulho da
cidade invade o apartamento assim que abro as janelas. Tento me concentrar ao máximo na
paisagem.
Ouço quando a porta é fechada. Também consigo sentir ele se aproximando, Hawke me
abraça por trás e beija os meus cabelos.
— Desculpe por isso.
— Não precisa — falo rápido. — Eu fico feliz pela forma como você reagiu.
Ficamos em silêncio alguns instantes. Me desvencilho do abraço de Hawke com o coração
confuso e pensamentos conflitantes na minha mente. Assim que chego na cozinha, sinto que
Hawke está me seguindo.
Quando viro para a mesa, Hawke analisa o cesto de frutas completo sobre a mesa, bem como
o pacote com pão e manteiga de amendoim ao lado.
— Onde arrumou tudo isso? — indaga, confuso.
— Fui às compras. Você tinha apenas café e poucos mantimentos. Tomei liberdade de ir até
o mercado e comprar algumas coisas. Tem almoço no refrigerador.
Meus olhos estão fixos na mesa, já que sinto um pouco de estranha para encará-lo. Ele se
aproxima sorrateiramente e me abraça, apertando meu corpo contra o seu. A tensão de antes é
esquecida quando nossos lábios se encontram pela primeira vez nessa manhã.
— Eu me acostumaria fácil com você por aqui todos os dias.
Abro os olhos e ergo as sobrancelhas.
— Devagar, Hawke. Perdemos muito tempo, mas não precisamos agir como dois
delinquentes apaixonados.
Ele ri da minha frase e volta e me beijar.
— Foi só um comentário, Pequena Sereia.
— Certo, bom… eu preciso ir para a faculdade e parece que você tem um compromisso em
trinta minutos — lembro-o com uma pitada de ciúme na voz.
Hawke não solta o abraço e suspira, um pouco ressentido.
— Droga. Prometo que a conversa será rápida e… — ele faz uma pausa, me avaliando ao
resmungar: — Caramba, eu não me toquei em como você se sentiria sobre isso. Me desculpe.
— Não precisa se desculpar — rebato, mas com uma mágoa evidente na voz. — Vocês
ficaram quatro anos juntos e…
— Isso não tem a ver com a gente, Anise — promete ele, engolindo em seco ao desviar o
olhar. — Kendra e eu… nós passamos por muita coisa juntos. E teve algo… uma coisa — Ele
fecha os olhos por alguns instantes —... muito ruim. Nós estivemos do lado um do outro e apoiei
ela em algo que ainda a machuca.
Sinto meu coração acelerar com as palavras dele.
Primeiro, pela angústia em ver o quanto eles ainda são importantes um na vida do outro. Mas
também pela curiosidade de saber o que aconteceu. Hawke abre os olhos, me encarando de
forma aflita.
— Não posso te contar o que aconteceu, querida. Essa é uma história apenas dela, e eu tive
alguma participação. Só quero que saiba que não será uma conversa sobre sentimentos nossos,
mas, sim, sobre um suporte que eu ainda estou aprendendo a finalizar nessa antiga relação.
Demoro alguns instantes encarando-o, confio em Hawke, apesar de todas as idas e vindas
com Kendra, ele disse a ela que estamos juntos. Eu preciso demonstrar isso a ele, mesmo que
meu coração esteja me traindo com sentimentos nada altruístas.
De algum modo, essa garota esteve se machucando por alguma memória ruim, e se Hawke
pode ajudá-la, não serei eu que vou agir como uma filha da mãe.
— Tudo bem. Pode apenas, hum… me enviar uma mensagem depois?
— É claro! — Ele beija a ponta do meu nariz, me fazendo sorrir. — Você vai sair do
trabalho que horas?
— Saio do trabalho às seis.
— Venha para cá.
Levanto o olhar para ele.
— Eu vou dormir aqui dois dias seguidos?
— Sim.
— Isso pode levantar suspeitas para Mabel. E, bom, o Josh já descobriu. E ainda há a
Rosemary. Esse segredo está virando uma bomba-relógio, Hawke. É melhor eu ir para casa.
Os ombros dele caem, parecendo levemente derrotado.
— Então podemos marcar de falar com todos neste final de semana, o que acha?
— Acho bom. Sexta-feira é aniversário do Dan e haverá uma festa. Mabel vai estar muito
feliz no sábado pela manhã e podemos usar isso a nosso favor. — Olho para o relógio na parede
da cozinha. — Certo, preciso ir! — O beijo rapidamente e começo a reunir as minhas coisas.
Hawke se despede e vira o corpo na direção do banheiro. Ele caminha de forma calma até a
porta do pequeno cômodo e eu fico ligeiramente desconcertada com a visão dele andando só com
cueca pela casa.
Céus, eu também me acostumaria fácil com essa visão todos os dias.
— Por acaso você viu um homem de mais ou menos um metro e sessenta, com os olhos
verdes e cabelo castanho claro? — pergunto a Vanessa, que está fechando a porta da loja.
Já passa das sete horas e precisamos fazer uma hora a mais do que o normal porque a dona
de um dos cachorros, o Golden Retriever chamado Thor, teve um imprevisto. Pelo visto, a garota
teve um problema no carro.
— Isso é muito relativo, querida. — ri Vanessa, terminando de trancar o cadeado e
ligando os alarmes internos. — Por que a pergunta?
— Por nada… é que… Eu acho que vi uma pessoa conhecida e estou receosa sobre isso.
— Coço a nuca, encarando a rua movimentada.
Apesar do bairro ser predominantemente residencial, neste horário há um fluxo enorme de
pessoas e carros nas ruas. Avalio o meu telefone e vejo uma mensagem de Hawke e outra da
minha mãe.
É estranho, mas eu ainda não tive coragem de falar com ela sobre o fato de ter visto
Robert. Preciso reunir coragem até o feriado de Páscoa e vomitar essa informação para ela e
minha irmã. Apesar disso, não sei como reagir caso encontre ele novamente.
— Precisa de uma carona? — pergunta Vanessa.
— Ah, não. Hoje vou para a casa do meu namorado — revelo, fazendo as sobrancelhas
dela se arquearem.
— Um namorado? Você não me contou sobre isso...! — ri.
Aperto meus lábios com um sorriso. Faz dois dias que Hawke anunciou para Kendra que
estamos namorando e eu ainda estou suspirando por aí quando este é o assunto. Não nos vimos
desde então, por conta do excesso de trabalho dos dois. No entanto, hoje, apesar do cansaço, vou
direto para o apartamento dele. É quinta-feira e estamos extremamente felizes que esse segredo
terá fim no sábado.
E sobre Kendra, ela não voltou a falar com Hawke. Apesar disso, não consigo deixar de
pensar nos seus braços machucados e a dor de suas palavras. O que diabos pode ter acontecido
com ela?
— É muito recente. Quer dizer, o relacionamento, é claro. Porque sou apaixonada por ele
há tanto tempo… — divago, fazendo Vanessa rir.
Nós nos despedimos e, como sempre, caminho depressa entre as pessoas do bairro para ir
embora. No metrô, respondo a mensagem de minha mãe e envio para Mabel um link de compras
de uma nova máquina de café para o nosso apartamento. Ela responde uma série de emojis e faz
uma gracinha sobre eu dormir fora de casa.

Mabel: Convide ele para a festa do Dan! Estou curiosa sobre o rapaz.
Mordo o lábio, nervosa com a situação. Invento uma desculpa qualquer e bloqueio o telefone
assim que chego na estação. Assim que saio do metrô, me sinto aliviada por não ter mais aquela
tensão sobre encontrar Robert em qualquer esquina.
Praticamente me arrasto até o apartamento de Hawke. Por sorte, hoje ele não está
trabalhando. Tenho dificuldade em encontrar as chaves na minha bolsa e, quando consigo,
demoro alguns instantes para colocá-las na fechadura. Quando faço, um lamento pesado sai dos
meus lábios.
Abro a porta do apartamento de Hawke e sinto um aroma diferente tomar conta do ambiente.
Retiro a jaqueta jeans enquanto fecho a porta atrás de mim.
— Ei! — Ouço ele dizer.
Ele está na cozinha e tem alguns ingredientes em cima da mesa.
— Ei...
Falo o mesmo, deixando a bolsa, jaqueta e chaves pela entrada do lugar. Retiro os tênis e
caminho até onde ele está. Abraço seu corpo por trás e descanso a cabeça no meio das suas
costas. Depois do dia cansativo de hoje, tudo o que eu quero é um pouco dele.
Solto o corpo musculoso e ele se vira para mim. Hawke me analisa com curiosidade e, em
seguida, planta um beijo nos meus lábios. Sorrio quando ele se afasta para me encarar.
— Erva-doce? — falo o nome do tempero.
Ele ri baixo.
— Exato. Gosta?
Uma risadinha me escapa, já que meu nome significa erva-doce. Mamãe é obcecada por
plantas e temperos. Quando nasci, conta que não teve dúvidas sobre meu nome. Enquanto isso,
Rosemary significa alecrim.
— Muito. Não sabia que você cozinhava.
— Nem eu. Resolvi preparar algo para nós dois e acredito que estou indo melhor do que
imaginava.
Observo os itens em cima da mesa. Alguns canelones estão montados em cima de uma
camada de molho vermelho. Uma garrafa de vinho está disposta no canto da mesa e duas taças
estão paradas ao lado. Vê-lo assim, dando tão duro para preparar um jantar fofo e romântico faz
eu me encantar mais por ele.
— Como foi o seu dia? — ele pergunta, afastando-se para servir o vinho.
Escorrego para uma cadeira e encosto as costas no encosto. Observo Hawke servir o líquido.
— Realmente cansativo, mas as coisas estão indo bem. A Vanessa é incrível. Você acredita
que a Feya esteve lá hoje?
— A sua antiga chefe?
— Sim! — sorrio.
— E como foi?
Ele estende uma das taças e fica com a outra na mão, voltando para o seu posto de
cozinheiro da noite. Bebo um pequeno gole do vinho.
— As duas ficaram falando sobre mim na minha frente. Foi um pouco engraçado e, no fim,
combinamos um almoço todas nós. Estou cansada, mas extremamente feliz e realizada. É tão
bom. E o seu dia, como foi?
Estico o braço e pego um pedaço de queijo. Ele observa com um sorriso ladino brincando
nos lábios. Devolvo o sorriso e ele tomba a cabeça levemente para o lado antes de falar.
— Bom. Corri pela manhã, fui até a universidade a tarde… estou começando com uma carga
maior na Universidade. Haverá um grande evento em breve e meu professor está preparando um
trabalho. Isso vai exigir de mim um pouco mais.
— Sobre aquele assunto? Nano…
— Nanopartículas.
Aperto os lábios e franzo o nariz. Ele ri da minha careta e se aproxima, beijando a pontinha
do meu nariz e sorrindo em seguida.
— Acho que precisamos de mais algumas aulas particulares de Química… — brinca.
— Ah..., não! — Jogo as mãos para o ar. — Isso está fora de cogitação, Hawke!
Ele ri, voltando a cozinhar enquanto conversamos e levamos a noite juntos.

A prova de Estatística que tinha acabado de entregar para o professor me consumiu durante
duas horas. Quando coloco a minha caneta na bolsa e saio da sala de aula, solto um suspiro
pesado. Automaticamente, meus pés estão fazendo o caminho da lanchonete do bloco, sem me
importar com o fato de que já tomei dois copos de café antes da prova.
Pego o meu copo com café e me sento em uma das cadeiras das mesas da lanchonete. Largo
a bolsa em cima de uma das cadeiras ao meu lado e o copo em cima da mesa, depois coloco os
cotovelos em cima da mesa e massageio as têmporas.
O celular vibra no meu bolso e eu resmungo baixo, pegando o aparelho para ver do que se
trata ao mesmo tempo em que apanho meu copo com café. Bebo um gole do café e sorrio para a
foto que Hawke me envia. Estamos combinando de ir passar a Páscoa com nossas famílias e
finalmente contar sobre o nosso relacionamento. Como bom romântico, ele me propôs uma
espécie de viagem romântica.
— Meu Deus, eu estou devastada! — a voz de Rachel surge.
Ela se joga na cadeira em frente da minha e solta um longo suspiro.
— Pois bem, pense que hoje é sexta-feira e vamos ter uma festa interessante para ir. —
Levanto o copo de café, mesmo sentindo cada músculo do meu corpo pedir pela cama quentinha
de Hawke e não a festa que todos estamos planejando no apartamento dos garotos.
— Claro. Eu não vou me esquecer, é a minha chance de flertar com o Dan — ela lança.
Rolo os olhos e acabo rindo. Rachel se remexe na cadeira de um jeito estranho, com o olhar
perdido em algo atrás de mim. Estranho, virando-me para trás. Tento evitar fazer uma careta ou
qualquer coisa do tipo quando vejo Kendra sentada em uma mesa próxima. Ela está com algum
outro professor.
— Aquela professora parece uma aluna de tão nova…
Viro-me para a minha amiga, reprimindo o desconforto que sinto no estômago.
— Vamos indo? Posso encontrar a Mabel no caminho do bloco. — Me levanto, pegando as
minhas coisas. — Nós duas precisamos ir às compras e vou aproveitar meu horário de almoço
para isso.
— Compras para a festa? — Rachel se põe de pé, saltitante. — Eu adoro compras para
festas!
— Mabel vai adorar ajuda extra para arrumar a festa — digo enquanto caminhamos
apressadas para longe da lanchonete. — Estamos planejando balões e decorações de futebol
americano. Você sabe, o Dan adora isso.
— Então, vamos às compras! — ela praticamente grita, extasiada, me fazendo rir e
esquecer de Kendra por alguns instantes.
O apartamento dos garotos está cheio. Tenho dificuldade para conversar com Rachel, mesmo
que estejamos longe o suficiente das caixas de som. Há, pelo menos, umas quarenta pessoas
dentro do lugar pequeno. A maioria ainda não está bêbada, mesmo já passando da meia noite.
Por sorte, eu e Rachel estamos sentadas nos bancos da cozinha. Mabel aparece na nossa
frente, suada o suficiente por estar praticamente fazendo uma performance de “Work Bitch” da
Britney Spears no centro da pista de dança improvisada na sala de estar.
— O seu gato não vem mesmo? — ela pergunta alto.
— Não… ele não vai conseguir vir, uh… — falo, encarando meu copo parcialmente vazio.
— Acho que é bom ir com calma antes de apresentá-lo a vocês.
Sinto as gotinhas de água do copo suado aliviar o calorão que sinto no meu corpo por estar
de novo mentindo para ela. Alguns convidados começam a gritar na porta da lavanderia,
comemorando algum casal que saiu dos sete minutos no paraíso entre beijos. Acabo rindo com a
cena, mas logo meus olhos voltam para Mabel.
— Indo com calma? Não me venha com essa. Você quase não dorme mais em casa, Anise.
Com calma é algo que vocês não estão indo.
— Você está ficando com alguém casado? — Rachel se intromete. — Porque se não quer
aparecer com ele em público..., só pode ser isso.
— Não! Por Deus, vocês duas! — eu falo, sentindo meu coração bater rápido.
De repente, Josh aparece abraçado em Dan. Os dois estão realmente muito bêbados.
— Então ela está solteeeeeira. — O aniversariante soluça e minhas sobrancelhas e
arqueiam. — Cara, eu não consigo acreditar… — Vira o rosto para Josh, que arregala os olhos.
— Depois de quatro anos, a Kendra... solteira?
Ah, merda.
Ele realmente está nessa?
— Ah, querido, não faça isso com você mesmo. — Mabel alisa o braço dele, visivelmente
preocupada. — Ela é parte do seu passado…
— Passado? Foda-se o passado, Mabs — resmunga, fazendo um bico com os lábios. —
Eu odeio o seu irmão por tudo, mas principalmente por ter ficado com ela durante todo esse
tempo.
Mabel e eu trocamos um olhar preocupado enquanto Josh o segura pela cintura, de forma
mais firme.
— É..., acho que alguém bebeu demais e está vomitando alguns sentimentos reprimidos.
— Reprimidos é o caralho, Joshua! — Dan soluça mais uma vez. — Você sabe que eu
amo aquela garota para um caralho. Sempre foi assim e agora que o Hawke está finalmente fora
do caminho... — O olhar dele encontra o meu. — Tudo por causa dessa coisinha aqui. Me dê um
abraço, Anise! — E se joga em minha direção, abraçando-me com força. — Obrigada por isso,
ruivinha. Não é engraçado?
Meu coração troveja no peito enquanto arregalo os olhos e tento abraçar Dan. Por cima do
ombro, vejo Joshua me olhar apavorado enquanto Mabel parece confusa.
— Dan, não… não fale…
— Não falar o quê? Que você e Hawke são namoradiiiiinhos?
Eu sabia.
Eu sabia que uma hora ou outra isso aconteceria.
Como diabos ele sabe? Meu olhar e de Joshua se cruzam. Culpa estampada em cada parte de
sua face. Porém, não penso nisso. Penso no impacto das palavras de Dan e... porra.
Meus olhos se fixam em Mabel em seguida, na esperança de que ela não tenha ouvido. Pela
sua expressão, sei que acabou de ouvir o que Dan está dizendo. Sinto vontade de sair correndo
dali, ou talvez me trancar no quarto até tudo passar.
— Vem aqui, seu bêbado de coração quebrado! — Joshua puxa Dan de cima de mim, e eu
me coloco em pé.
Minha amiga está parada, estática, olhando para algum ponto qualquer do chão. Me
aproximo em um ato desesperado, seguro em seu pulso. Meu corpo treme, enquanto suor brota
em meu rosto.
— Mabel, me escuta!
A minha amiga vira o rosto para mim.
Engulo em seco e as palavras se perdem na minha boca. Os olhos dela me analisam com
cuidado. Não sei se ela tem noção do que eu vou falar. Mas... sendo sincera? Como não ter um
pequeno ataque de pânico quando sua melhor amiga está prestes a saber que eu amo o seu irmão
há anos?
— Eu... eu... eu e o Hawke...
Ela começa a arregalar os olhos levemente e sinto vontade de morrer.
— Mabel, eu sou apaixonada pelo seu irmão há anos. Estamos juntos faz alguns dias e… e…
— Meus lábios tremem enquanto meu coração parece pequeno no peito. — Podemos sair daqui?
Eu preciso falar com você e… — Mabel não se move, ainda me encarando silenciosa, então
praticamente vomito as palavras: — Eu o amo.
— O que você disse? — as palavras dela saem em tom de surpresa.
— Mabel, por favor, não m…
Ela nega com a cabeça, levantando o indicador em riste e me calando apenas com o
movimento. Ao nosso redor, a festa continua a todo vapor.
— Repita a última parte! — Ela se aproxima o suficiente para ficar cara a cara comigo. —
Você o ama?
— Sim, Mabel. Eu o amo, e ele me ama — falo quase que em um sussurro.
Para a minha sorte divina, Hawke aparece. Ele toma meu campo de visão, parando ao lado
de Mabel. Meus olhos desesperados encontram os dele, que alterna o olhar entre nós. Em quase
um salto, eu vou para o seu lado com medo da reação de Mabel.
Ela está petrificada no mesmo lugar faz alguns minutos e eu começo a achar que, quando ela
realmente estourar, vou precisar ser protegida por Hawke, ou morrerei pelas mãos dela.
— O que está acontecendo aqui? — ele praticamente sussurra.
Mabel finalmente se move. Ela vira o rosto para nós dois. Hawke abraça os meus ombros de
maneira protetora.
— Você realmente acha que eu sou idiota? — Ela estala os dedos da mão direita. — Que eu
não sabia que vocês estavam se pegando? Porra, agora me explique isso porque eu não
imaginava que isso era amor.
Encaro o chão. Eu estou morrendo de vergonha por ter essa conversa na frente de estranhos e
desta maneira. Hawke me abraça tão forte que eu consigo me sentir mais confiante em voltar a
encarar Mabel.
— Para o quarto dos garotos, agora. Preciso entender melhor essa situação e, depois, tomar
algumas doses de tequila! — ela fala, apontado para o corredor e caminhando na direção
enquanto move as mãos no ar. — Sinceramente? A minha melhor amiga e o meu irmão
realmente apaixonados? Eu preciso de muito álcool.
Hawke e eu trocamos um olhar assustado e ao mesmo tempo receoso. Assim que entramos
no quarto, mal tenho tempo de registrar o ambiente quando Mabel diz:
— Eu odeio vocês dois por esconderem isso de mim. Mas eu odeio mais ainda por vocês se
amarem e eu achar que era só pegação.
Um sorriso largo preenche os lábios dela e um alívio imediato toma conta de mim.
— Você não vai me matar? — pergunto em um fio de voz.
Ela põe as mãos na cintura e me analisa de cima a baixo.
— Se você me esconder mais alguma coisa, sim. Mas, no momento, eu só quero abraçar
vocês dois! — Ela vem ao nosso encontro e compartilhamos um abraço triplo.
Quando nos soltamos, Mabel ainda está sorridente. Eu não posso crer que ela não me matará
depois de tudo isso.
— Mabel, você… como você realmente não está querendo me matar? Todas as namoradas
do Hawke…
— Sou uma irmã extremamente ciumenta — reforça, me analisando entre uma risada. — Só
que não posso ficar brava com a minha melhor amiga, eu acho. Ainda vamos precisar nos
adaptar com isso, porque é estranho pra caralho. Caramba… estou um pouco chateada porque
vocês esconderam, mas…
— E como não ter medo da sua reação? — indago, a fazendo sorrir mais ainda. — Você
praticamente detestava todas as garotas…
— Só que você não é todas as garotas, Anise. Sei quão incrível você será para o Hawke.
— E como você descobriu? — Hawke pergunta. — Eu achei que éramos cuidadosos…
— Por Deus, Hawke. Anise é a pessoa mais avoada que existe e você também. Quando estão
apaixonados há uma piora significativa — Mabel comenta como se fosse óbvio. — Eu poderia
citar muitas coisas aqui, mas o simples fato de Anise ter uma camiseta sua como novo pijama
levantou muitas suspeitas, além da sua letra no bilhete das flores e…
— Qual é? Aquela é uma camiseta bem genérica! — ele argumenta.
Mabel rola os olhos.
— Hawke, só tem uma pessoa no mundo possui uma camiseta do The Big Ben Theory, tão
velha, mas tão velha que me faz crer que tem pelo menos…
— Cinco anos... — minha voz sai baixa, mas todos escutam.
Embora eu esteja sorrindo pela lembrança, sinto uma pontinha de vergonha quando encaro
os meus amigos.
— Foi o meu presente de aniversário para ele.
Se eu ainda não estivesse tão anestesiada pelas emoções da noite, acabaria gargalhando
como eles estão. No momento, eu só quero dar a mão para Hawke e aproveitar a festa sem me
preocupar em esconder o nosso amor.

— Então você gosta dele, tipo... desde o primeiro dia em Dallas? — Mabel pergunta, ainda
no meio do questionário infinito.
— Sim. Ele me chamou de “Pequena Sereia” quando viu uma lancheira ridícula que a
minha mãe me deu. — Sinto as bochechas arderem ao falar isso.
— Meu. Deus. — Ela ri de si mesma. — Isso é um clichê romântico.
— Está quase para um livro do Nicholas Sparks ou algo assim — Rachel fala, tirando o
canudinho da boca. — Porque não podemos esquecer o fato do drama de quatro anos um longe
do outro.
Nós três gargalhamos alto. Hawke está no outro canto da sala enquanto ajuda Joshua a
recolher o lixo. Dan apagou no seu quarto e não retornou mais para a sala depois disso. Como se
o meu olhar chamasse o dele, o garoto acaba me olhando ao sorrir. Faço o mesmo e volto a
observar minhas amigas, que estão sorrindo também.
— Céus, vocês dois são melosos demais — Mabel me cutuca o ombro.
— Eu sei. O seu irmão me deixa assim... mais fantasiosa e apaixonada do que o normal.
Volto a observar Hawke. Para a minha surpresa, ele está caminhando na minha direção. Ele
passa o braço pela minha cintura e beija a minha bochecha.
— Vamos para o meu apartamento? — ele fala sem se importar com a presença das garotas.
— Precisamos organizar isso direitinho — Mabel fala. — Você é minha cunhada agora, mas
também é minha amiga. Precisamos ver algumas regras para um convívio harmonioso entre os
dois cargos.
— Sem problemas! — Encosto a cabeça no ombro de Hawke.
— E você não precisa levar roupas para lá e nem nada? — ela fala, mas logo nega com a
cabeça. — Não, espera. Conhecendo um pouco dos dois, eu sei que provavelmente algumas das
suas coisas já estão no apartamento dele. Céus, o namoro de vocês está indo rápido demais.
— Eu não ligo. Ah, outra coisa, Mabel: nada de alertar o papai e a mamãe. Vamos fazer
surpresa no próximo final de semana, no almoço de Páscoa.
— Tuuuudo bem! — Joga as mãos para o alto. — Sou um túmulo de informações.
Os braços de Hawke me soltam e viro-me em sua direção. Ele estende a mão em um convite
silencioso para que eu o acompanhe. Unimos as nossas mãos e caminhamos para fora do
apartamento.
A partir de agora, sempre que estivermos juntos, eu quero andar assim com ele. Mostrar para
o mundo o que nós podemos ser. Eu acho que estou pronta para enfrentar o mundo ao lado dele.
Hawke coloca as chaves no aparador do apartamento enquanto eu tiro meus sapatos. Um
suspiro sai dos meus lábios quando consigo finalmente colocar os pés em contato com o piso
geladinho e relaxar a ponta deles, antes apertadas por conta do sapato de salto.
Ouço uma risadinha baixa e me viro para trás, vendo que Hawke está encostado na porta,
ainda me observando. Sinto um leve rubor subir pelo rosto quando eu o vejo me olhar assim.
Apaixonado.
— Você está linda! — ele sopra.
Sorrio, ainda tímida, caminhando na direção da escada.
— Não é como tirar um peso das costas? — Suspiro enquanto subo os degraus da escada que
dá acesso ao mezanino. — Tudo está tão bem que é difícil de acreditar.
Pelo barulho, sei que ele está vindo atrás de mim.
— É, sim, querida. Mal posso acreditar... — Ele ri. — E uh… estou pensando em te levar
para jantar. De verdade desta vez, na segunda-feira, o que acha?
— Um encontro?
— Sim, um encontro.
Meu coração bate depressa enquanto luto contra um sorriso. Começo a desfazer a trança que
estava prendendo meus fios alaranjados. Quando chegamos ao mezanino, balanço a cabeça
levemente para os lados a fim de soltar os fios.
As mãos quentes de Hawke me apertam os quadris, subindo de maneira perigosa para as
minhas costas. Uma das mãos vai até a minha nuca, jogando todos os meus fios sob um dos
ombros. Hawke planta um beijo atrás da minha orelha no mesmo instante que suas mãos
encontram o zíper do meu vestido.
— O que está fazendo, Hawke?
— Eu gosto de te ver usar as minhas camisetas. — Uma risadinha lhe escapa, fazendo
cócegas contra a minha pele. — Precisamos tirar esse vestido de você.
A forma como a voz de Hawke fica, excitada, me faz apertar as coxas enquanto ele empurra
o zíper para baixo, lentamente. Apesar de ter dormido aqui, e termos boas sessões de beijos, não
chegamos a repetir o sexo.
Parece que a nossa felicidade momentânea se misturou a um nervosismo e a necessidade de
levar as coisas um pouco mais calmas no meio da loucura a qual estamos nos colocando. Porque,
afinal, sei que nós dois estamos atropelando algumas coisas. O tempo parece precioso para nós,
que já o perdemos tanto. Então agora estamos apenas a um passo da completa liberdade para
isso: faltam apenas nossos familiares.
A Páscoa ocorrerá em poucos dias e não consigo conter minha felicidade ao pensar nisso.
Assim que o tecido cai em meus pés, viro meu corpo na direção dele. Hawke solta um
grunhido baixo quando seu olhar desce pelo meu corpo, apenas com calcinha e sutiã.
Em um movimento rápido, ele infiltra os dedos nos meus cabelos e me puxa em sua direção.
A outra mão encontra a minha cintura e ele pressiona os dedos na minha pele, afundando-se de
forma possessiva. Nunca imaginei que Hawke poderia ser assim, tão dominador neste momento.
É surpreendentemente bom, porque nunca experimentei algo assim.
Apesar do puxão, ele apenas me observa. Arfo em uma respiração curta e desesperada
para que faça algo. De preferência que me tome com sua boca.
— Estive pensado em algumas coisas que quero experimentar com você.
— Quais tipos de coisas? — pergunto em um sopro.
— Algumas coisas novas… posso te explicar algumas delas nessa noite?
— Hummm... parece que você tem algumas fantasias! — brinco, fazendo-o sorrir.
— Talvez. Como invadir seu quarto à noite, em nossas antigas casas, e te acordar com a
minha boca na sua boceta. Ou… — Se aproxima, me olhando com os olhos cheios de luxúria. —
Até mesmo me masturbar enquanto te observo da janela.
Umedeço os lábios com a língua, demonstrando um ponto sobre o que ele acabou de
dizer. Vejo as pupilas dos seus olhos dilatam e, no instante seguinte, Hawke logo ataca a minha
boca.
Meu sangue corre mais rápido pelas veias enquanto a língua dele me invade. As mãos fortes,
ainda me segurando pela cintura e cabelo, dominam meu corpo, que se contorce em prazer à
medida que ele aprofunda o beijo.
Subo as mãos pelo pescoço dele, puxando-o ainda mais para mim. Parece tão injusto que eu
esteja quase nua e Hawke ainda usando roupas, mas antes que eu consiga fazer algo sobre isso,
ele solta minha cintura e sua mão viaja pelo meu corpo, parando sobre a minha calcinha.
Estremeço, sentindo os dedos se infiltrarem dentro do tecido. Assim que sua pele toda a
minha, úmida, meu corpo todo se arrepia. Hawke desce a boca pelo meu maxilar, deslizando os
lábios pela minha pele entre beijos e sucção ao mesmo tempo que os dedos se afundam na minha
boceta.
Assim que dois dedos deslizam para dentro de mim, ele resmunga baixo:
— Você está encharcada, Anise.
Respondo com um gemido baixo, sentindo os dedos dele entrarem e saírem enquanto sua
palma toca meu clitóris inchado. Meu coração bate depressa em meu peito ao sentir Hawke
aumentar os movimentos e sua boca parecer mais desesperada em minha pele.
Ele aumenta a pressão dos dedos em mim, enfiando-os com os mais pressa e sua boca toca a
minha. Me seguro com mais força no pescoço dele, rebolando em sua mão, sentindo meu clitóris
mais sensível em sua pele ao aumentar o contato, melhorando o ângulo e gemendo baixinho
entre o beijo.
Caramba, estamos em pé ao lado da cama e não sei como ele está conseguindo me deixar tão
fraca apenas me masturbando. Nunca fiquei tão excitada apenas com preliminares.
Posso sentir o pau dele enquanto nos esfregamos e isso me deixa ainda mais na borda.
Continuo, depressa, buscando meu orgasmo enquanto os dedos entramm em mim e rebolo em
sua mão; no entanto, Hawke diminui os movimentos e o aperto em meus cabelos.
Quando solta meus lábios e retira os dedos de dentro de mim, fico um pouco confusa. Ele
não me dá muito tempo para pensar, já que começa a se desfazer das minhas roupas íntimas e,
em seguida, das próprias, arrancando as peças de seu corpo com tanta pressa que me faz rir.
Hawke sorri, segurando na minha cintura e me empurrando para a cama, me colocando
deitada. Porém, ele não se deita sobre mim como no dia do sofá. Hawke encosta seus lábios no
canto dos meus e desce os beijos pelo meu corpo. Mal consigo respirar quando seus dentes se
fincam no meu quadril e ele deixa uma marca ali.
Hawke para, por alguns instantes, na frente da minha boceta. Seus olhos parecem escuros de
luxúria e, ao se abaixar na direção, ele passa a língua superficialmente, me deixando louca.
— Hawke…
As mãos dele apertam minhas coxas, me separando mais ainda para ele.
— Eu tive uma ideia… — diz, finalmente tirando os olhos do meio das minhas pernas ao me
encarar. — Vou me deitar na cama e você senta no meu rosto, ao contrário. Quero sua boceta na
minha boca enquanto você também me tem na sua.
Pisco algumas vezes, sentindo o rosto quente pela proposta. Nunca tive grandes experiências
e Hawke está me propondo algo bem diferente. Enquanto ele aguarda minha resposta, seus
polegares alisam a pele da minha virilha, me deixando inquieta.
Eu confio em Hawke para uma experiencia nova, por isso concordo com a cabeça. Ele se
aproxima, me dá um beijo casto e se deita na cama. Logo meus joelhos estão ao redor da sua
cabeça e viro meu corpo na direção dele. Antes mesmo que consiga encarar seu corpo desta nova
perspectiva, as mãos de Hawke se afundam na minha bunda e ele me puxa para o seu rosto,
fazendo-me praticamente sentar em sua cara. Então a língua quente desliza pela minha pele
enquanto ele grunhe contra a minha boceta.
Pisco algumas vezes, segurando com força o lençol entre meus dedos.
— Caramba… — resmungo e, em seguida, Hawke enche mais sua mão da minha carne, me
apertando ainda mais. Um gemido é o que ele ganha de mim, que relaxo o quadril e praticamente
me esfrego em seu rosto.
Me concentro em lhe dar prazer também. Apoio-me em apenas um braço e, com a outra
mão, seguro seu pau e o trago até os meus lábios. O som de um gemido gutural de Hawke me
pega desprevenida, vibrando contra meu clitóris e me deixando ainda mais excitada.
Quando minha língua desliza pela pele dele e eu o levo até o fundo da minha garganta,
enquanto minhas mãos trabalham na base, Hawke responde ao aumentar a pressão da boca,
deslizando dois dedos para dentro de mim. Logo a mão livre dele estala na minha nádega e eu
gosto do ardor que provoca.
Enquanto minha boca o chupa e minha mão trabalha no seu eixo, Hawke parece faminto,
fazendo meu corpo tremer. Esfrego minha boceta em sua boca quando ele curva os dedos entre
as estocadas.
Preciso fechar os olhos quando ele gira seus dedos dentro de mim e um gemido reverbera da
minha garganta e o retiro da minha boca. Enquanto meu corpo se transforma em calor líquido,
me levando ao ápice.
É um trabalho árduo me manter firme sobre ele depois que gozo e mal consigo resistir
quando Hawke me tira de cima dele, me colocando na cama.
— Quero gozar dentro da sua boceta — diz, pegando uma camisinha na mesa de cabeceira
com uma velocidade impressionante e atacando minha boca em seguida.
Me surpreendo quando Hawke me vira de bruços, como se eu não pesasse nada. Ele sai da
cama, me puxa pelo quadril e deixa minhas pernas para fora. Seu corpo cobre o meu, por trás, e a
boca paira sobre meu pescoço quando sussurra perto da minha orelha:
— Desta forma — explica, apertando minhas pernas juntas e escuto o som da sua calça jeans
—, com suas pernas juntas, sua boceta ficará ainda mais apertada para o meu pau. — Um gemido
escapa dos meus lábios ao ouvi-lo falar desta forma. Preciso fechar os olhos ao senti-lo, duro,
esfregando o pau em mim. — Vou deixar as coisas mais interessantes para nós, Pequena Sereia.
Hawke afasta o corpo do meu e preciso olhar para cima do ombro para ver o que está
fazendo. Ele retira o cinto da calça jeans e, em seguida, desliza o material de couro pelos meus
tornozelos, fechando o cinto e apertando minhas pernas bem próximas.
Os olhos azuis encontram os meus quando se levanta. Ele sorri, aproximando mais uma vez
o corpo do meu ao segurar na parte de trás dos meus cabelos, os unindo em seu punho fechado,
puxando meu corpo para mais perto do dele.
— Vou te pegar por trás, amor — diz, virando meu rosto para a frente e encaixando o rosto
na curva do meu pescoço. — E eu aposto que a imagem de você gozando nessa posição vai se
tornar a minha favorita no universo.
Ele posiciona a minha cabeça de uma maneira que enxergo a cabeceira da cama, onde um
espelho retangular, de fora a fora na madeira, faz parte da decoração. Assim, consigo observar
nossos corpos e a forma ladina como ele sorri para o reflexo.
Enquanto seu pau entra em mim, Hawke não desvia o olhar. E isso se mantém até que eu
esteja gozando enquanto chamo pelo nome dele.
Escuto o barulho da porta do meu quarto ranger.
Estou sentada na frente da penteadeira tentando terminar de prender metade dos cabelos para
cima, com alguns fios soltos pelo rosto. Concentro-me em alinhar o último grampo nos fios e a
imagem de Hawke aparece no espelho. Já se passaram alguns dias desde que anunciamos a todos
e finalmente chegou no dia do nosso primeiro encontro oficial como namorados.
Não posso deixar de sorrir ao vê-lo parado na porta, também sorrindo para mim. Neste final
de semana, nós vamos para o feriado de Páscoa e tudo está tão perto de ficar perfeito.
Mabel e eu estabelecemos uma rotina confortável com o meu namoro e do irmão dela. É
surreal pensar que tive tanto medo e que agora ela está levando isso tranquila.
Nos últimos dias de semana, eu e Hawke acabamos nos vendo pouco. Algumas provas e a
nova rotina dele, tendo que estar mais presente nas aulas de Bioengenharia, ficaram complicadas.
Ele também diminuiu sua carga de trabalho no bar para poder se dedicar aos estudos, ficando no
emprego apenas de sexta a domingo, o que limita um pouco nossos encontros nos finais de
semana. Na sexta passada, fui para o apartamento dele e fiquei lá até domingo à noite para
facilitar o tempo juntos.
E estou amando cada instante dessa nova rotina.
Desvio o olhar do reflexo por breves segundos e vejo, através da janela, quando um raio
brilha no céu da cidade, em meio a chuva. Apesar dos dias no paraíso entre nosso relacionamento
e minha convivência com Mabel, o dia de hoje foi exaustivo. Durante o último passeio do dia,
uma chuva torrencial caiu sobre Dallas e acabei me molhando com os bichinhos. Vanessa até
precisou me trazer para casa, porque não concordou que eu andasse de metrô praticamente
ensopada de água.
Ele se aproxima de mim em passos vagarosos, coloca as duas mãos no encosto da cadeira e
inclina o corpo para perto do meu enquanto sorri para o reflexo no espelho. Os olhos
incrivelmente azuis desviam para o meu pescoço, onde ele deixa um beijo bem atrás da orelha,
me fazendo arrepiar instantaneamente.
Fecho os olhos na hora que sinto os lábios se arrastarem pela minha pele, fazendo uma trilha
até os meus lábios. Quando abro os olhos, ele está na minha frente, apoiado nos braços da
cadeira.
— Olá, Pequena Sereia. — Hawke sorri.
Aproximo o rosto do dele, segurando suas bochechas para beijá-lo.
— Olá, querido! — Arqueio uma sobrancelha. — Sabe que não pode usar mais a sua chave
para ficar entrando aqui. Esqueceu o que Mabel te disse no nosso jantar de quarta-feira?
— Sim, claro. A regra de não trazer garotos e garotas para o apartamento de vocês. Sexo só
fora do lugar sagrado das garotas e blá, blá, blá... — Franze o cenho e acabo sorrindo.
Passo o dedo indicador pelo peitoral coberto por uma camiseta branca e mordo o meu lábio
inferior ao sentir a pele dele se arrepiar com o meu toque.
— Isso inclui o fato de você não usar mais a sua chave e bater na porta para poder entrar no
apartamento...
Hawke se aproxima mais de mim. Seus lábios vão direto para perto da minha orelha e
sussurra:
— Desculpe, Pequena Sereia, mas a ideia de chegar e te ver nua dentro desse quarto é
tentadora.
Solto uma risadinha baixa quando as mãos grandes cobrem a minha cintura e ele a aperta de
leve, sorrindo contra a pele do meu pescoço e mordendo de leve.
— Estou com saudades... — a voz arrastada me faz apertar as coxas.
Tomo uma distância segura e encaro os olhos azuis, que exalam malícia.
— Vamos sair logo, antes que a gente acabe nessa cama e a Mabel nos repreenda por eu
termos quebrado uma regra da casa.
Os olhos dele caem para a minha boca ao puxar o próprio lábio inferior entre os dentes
enquanto segura o meu rosto e alisa meu lábio inferior com o polegar.
— Eu adoraria quebrar essa regra com você — a voz de Hawke sai baixa e cheia de
promessas.
Respiro com dificuldade pela proximidade e ele percebe o efeito instantâneo que tem sobre
mim. Hawke se afasta, ficando totalmente de pé na minha frente e estendendo a mão para mim.
— Vamos, amor. Tenho um restaurante ótimo para irmos hoje.
Seguro na mão dele e entrelaçamos os dedos, caminhando para fora do apartamento.
— Como sua mãe está se sentindo em relação ao almoço de Páscoa? — Hawke pergunta,
entusiasmado.
— Nós nos falamos por ligação hoje e ela parecia muito feliz. Minha mãe e a sua até
mesmo vão tentar fazer uma torta inédita juntas. — Solto uma risada enquanto paramos na frente
do elevador. — As duas realmente são boas juntas.
Não posso imaginar o tamanho da minha gratidão pela senhora Scott. Quando meu pai foi
embora, ela foi o maior apoio da mamãe. Até hoje as duas são grandes amigas.
— E a sua irmã? Como está?
Quero responder, mas solto um espirro mais alto do que imaginava. Fungo o nariz e um
calafrio percorre o meu corpo. A dor de cabeça está aqui desde que cheguei em casa e acabo me
odiando por pensar que estou gripando. Hawke me observa e sua mão afaga o meio das minhas
costas ao beijar a minha têmpora.
— Acho que podemos jantar no apartamento, debaixo dos cobertores. O que acha?
— Ahh… — resmungo, abraçando o corpo dele e deixando a cabeça cair em seu ombro,
igual a uma criança pequena. — Não queria estragar nosso jantar, mas tomei um banho de chuva
hoje no trabalho…
Ele ri enquanto aperta o botão do térreo quando estamos dentro do elevador.
— Vou parar em uma farmácia para comprar remédios para você, Pequena Sereia.
Levanto meus olhos para ele.
— Podemos brincar de médico depois?
O canto dos lábios sobe e ele acaba rindo alto, eu o acompanho. Hawke me aperta um pouco
mais no seu abraço e só então eu sinto como meu corpo todo dói.
— Quando você melhorar, podemos brincar de médico a noite toda.

Hawke me empurra a segunda xícara de chá. É extremamente angustiante estar doente. Eu


não me lembro muito bem da última vez que fiquei assim.
— Trinta e sete — ele diz, segurando o termômetro. — Não está tão mal assim.
Faço uma careta e ele ri, aproximando o corpo do meu para beijar o meu rosto.
— Não fique tão perto ou pode ficar doente também — falo em um gemido.
Ele rola os olhos e se senta ao meu lado, me puxando para o seu peito. Hawke passa o
edredom pelos meus ombros e eu acabo cedendo ao aperto, suspirando pesado. Estamos sentados
no grande sofá da sala.
Meus olhos se fixam na janela da sala, que tem gotinhas de chuva correndo pela extensão do
vidro. Fecho os olhos brevemente, aproveitando quando Hawke enterra o nariz no meu pescoço
e funga. Ele acaricia os meus cabelos soltos, que contrastam muito bem com o edredom branco.
O barulho da chuva ao fundo se mistura ao som da música baixa que ele selecionou. Tenho
vontade de ficar assim para sempre. Já passa das nove horas e ele tem se mostrado um ótimo
enfermeiro particular. Ainda assim, sinto o corpo dolorido e a cabeça pesada. Quando os dedos
param o carinho, jogo a cabeça para trás e encontro os olhos azuis me observando.
— Preciso te dizer algo… perguntei a Vanessa se ela viu alguém parecido com meu pai
pelos arredores da empresa, mas é um perfil meio genérico e isso tem me deixado ansiosa na
hora de trabalhar.
Ele arqueia as sobrancelhas e depois as une, confuso.
— E você o viu mais alguma vez?
Me desvencilho do abraço dele e me sento no sofá. Bebo um gole do chá, quebrando o nosso
contato visual.
— Não, mas tenho pensado demais sobre isso. Porque estabeleci comigo mesma que vou
contar para a mamãe e a Rose durante o feriado de Páscoa. — Aperto os olhos, evitando lembrar
do dia em que nos esbarramos. — Não consigo imaginar o que ele faz em Dallas, tão próximo da
nossa antiga casa e isso tem me deixado apavorada.
Sinto que as mãos de Hawke me seguram pela cintura e ele me puxa até que minhas costas
estejam em seu peito largo. Ele beija o meu ombro e afaga meus cabelos.
— Você acha que ele vai tentar algo?
Viro o rosto para ele.
— Depois de dois anos sem lembrar que tem duas filhas? Eu acho que seria muita cara de
pau da parte dele. — Bufo, irritada. — O que me preocupa é como minha mãe vai reagir, porque
ela realmente ficou muito mal quando ele se foi.
— Você acha que ela o aceitaria de volta?
— Não, é claro que não! — Chacoalho a cabeça, mas então deixo de colocar minhas
expectativas a frente e falo a verdade: — Quero dizer, eu espero… Ele sempre foi um idiota e ela
fez de tudo para agradá-lo então, às vezes… eu tenho medo dela ignorar toda a dor e os efeitos
do abandono. Sabe? É muito estranho, mas, de algum modo, eu acho que ele ter ido embora foi
algo bom. E ao mesmo tempo é angustiante porque… porque ele simplesmente nos esqueceu.
Estamos nos ferrando para dar conta das contas e sei lá onde esse infeliz está!
a expressão surpresa é logo substituída por um sorriso sutil.
— Vocês são três mulheres incrivelmente fortes, Anise. Espero que sua mãe esteja firme em
sua posição. Sair de um relacionamento ruim não é fácil e talvez você precise falar com ela sobre
isso. Guardar para si suas angústias não é algo bom.
Hawke me aperta um pouco mais contra seu corpo quente e desvio o olhar dele. Sempre fui
apaixonada por ele por tantos motivos e um deles, com toda certeza, é pela capacidade de Hawke
sempre se colocar no lugar do outro.
— Eu já disse que te amo hoje? — Coloco a xícara de chá em cima da mesa de centro e viro
meu corpo, ficando de frente para Hawke.
Ele encosta o corpo no sofá e eu subo pelo seu corpo, deixando nossos rostos próximos.
Nega com a cabeça e suas mãos vão até os meus cabelos, unindo os fios longos em um montante
ao segurá-los com apenas uma das mãos. Os olhos azuis avaliam meu rosto com curiosidade e a
mão livre desliza pela minha espinha e ele acaricia as minhas costas por cima da camiseta que
uso.
— Eu tenho muito orgulho da mulher que você vem se tornando, Anise.
Seguro o rosto e dele beijo a pontinha do seu nariz, sorrindo para ele. Hawke abre um sorriso
e sela os nossos lábios em um beijo apaixonado. Me arrasto um pouco por cima do seu corpo até
conseguir me sentar no seu colo, colocando uma perna de cada lado do seu corpo. Hawke solta
meus cabelos e suas mãos descem para as minhas coxas, subindo um pouco a camiseta que uso.
— Uh, acho que alguém já melhorou... — ele diz sugestivamente.
Sorrio contra seus lábios e mordo seu queixo, arrancando um gemido baixo dele. Vejo
quando a pele do seu pescoço arrepia.
— Me mostre que você pode cuidar muito bem de mim, doutor Scott.
Ele morde o próprio lábio antes de me encarar.
— Ter você desfilando de shorts e camiseta por essa casa é tentador, Pequena Sereia — a
voz dele sai lenta e arrastada. — Só que você precisa se recuperar e…
Hawke para de falar quando o seu celular vibra sobre a mesa de centro. Como estou mais
próxima, estico a mão e pego o aparelho, entregando para ele em seguida. No entanto, o
movimento me faz observar a tela. É uma mensagem de James, o irmão de Kendra. Sei disso
porque a mensagem diz:
James: Ela está melhor nesta semana. As medicações estão indo bem e a terapia também.
Kendra fará alguns exames de rotina nesta semana, apenas para ter certeza de que está tudo
bem. Obrigada pela preocupação. Você não tem obrigação alguma sobre ela, mas é bom saber
que se preocupa.
— Depois daquele dia, fiquei preocupado — explica Hawke, bloqueando a tela do aparelho
e jogando no meio do edredom. — Sabe, a Kendra não é uma pessoa ruim. Apenas estamos
preocupados com como ela está encarando isso tudo agora.
Mordo o lábio, curiosa com o que ele pode me falar nos instantes seguintes. Minha mente
viaja até o dia em que ela chegou nesse apartamento e nos viu juntos pela primeira vez. As coisas
que Hawke e ela falavam me deram a entender que algo aconteceu com ela no passado. No
entanto, não é do meu interesse me intrometer no passado de alguém que não faz questão
nenhuma de me ver com Hawke.
— Provavelmente vou conversar com o irmão dela algumas vezes para saber se está tudo
bem. James é um cara bom, apesar da criação merda que eles tiveram… Ele não vai comentar
isso com a Kendra. — Hawke se remexe, visivelmente desconfortável ao revelar isso.
Ele é uma pessoa boa. Boa demais para esse mundo.
— Ajudei a monitorar a Kendra durante o nosso relacionamento e, pelo que eu estou vendo,
ela está tendo uma recaída. James está acompanhando no médico e…
— O que houve com a Kendra?
Hawke tem uma expressão surpresa, como se tivesse falado demais e passa mão pelo rosto.
— Sei que não é a sua história, mas eu preciso entender um pouco para me sentir mais
segura sobre isso, Hawke.
Sinto um aperto no peito e, por alguns segundos, fico questionando o que esteve
acontecendo com Kendra. Depois de instantes, Hawke me encara e suspira.
— O que eu vou te contar não deve sair daqui. Por favor, Anise. Mabel e os outros nunca
entenderam os motivos para eu permanecer tanto tempo com Kendra, até me julgaram algumas
vezes por defender o temperamento difícil dela.
Os olhos azuis me analisam minuciosamente. Ele pondera ao falar. Abre a boca uma, duas
vezes até conseguir proferir algo:
— Quando eu conheci a Kendra ela estava iniciando um tratamento para depressão. — Ele
toca os lábios com a língua e passa a mão nos fios curtos. — Não me leve mal, Anise. Não estou
aqui para defender as atitudes insanas da Kendra e muito menos achar normal o fato de ela
pensar em si mesma na maior parte do tempo. Só que ela é instável... — Engole em seco. —
Quando nos conhecemos, ela estava iniciando o acompanhamento psiquiátrico e testando
algumas medicações novas. Eu a ajudei ao máximo e Kendra se agarrou a mim como pilar de
sustentação. Por isso o nosso término precisou ser cauteloso.
— Sinto muito... — é a única coisa que eu consigo dizer.
Meu coração se aperta. Kendra parece ser uma pessoa solitária.
— A Kendra terminou com Dan durante a faculdade por sofrer um aborto espontâneo. Ela
não sabia que estava grávida e teve uma queda durante um ensaio das líderes de torcida da
universidade. — Suspira. — O meu atrito com ele é pela forma como ele a tratou depois do
término. Dan se enfiou em festas de fraternidades enquanto Kendra estava trancada em um
quarto, chorando pela perda de um bebê que nunca sonhou em gerar.
— Céus..., Josh disse que achava que eles tinham terminado porque ele não seguiria na área
dos esportes e… ele sabia?
— Não sei. Ela nunca me disse. Eu não a pressionei a falar sobre o assunto. — Ele fecha os
olhos e nega algumas vezes. — Acho que ela nunca falou muita coisa por conta de iniciarmos o
nosso relacionamento quatro meses depois do acontecido. Foi quando ela estava voltando para a
Universidade para finalizar sua especialização, e… — faz uma pausa, negando com a cabeça em
seguida. — Ainda há o problema com pai de James e Kendra… ele não aceitou a situação. Foi
complicado porque… ela teve apenas o apoio de James durante muito tempo, sabe? — Ele ri sem
graça. — É um completo caos.
Coloco as mãos na boca e fico com o corpo todo vacilante por conta da enxurrada de
informações que Hawke despeja para mim. Aperto os olhos e a imagem de Kendra na lanchonete
da faculdade me vem à tona. Eu jamais imaginaria isso.
— Então o que eu estou te pedindo é que não a julgue sem levar em consideração tudo isso.
É difícil porque ela foi completamente irracional e um tanto quanto narcisista… sabe, eu não
consigo definir as pessoas boas e ruins. Todos temos os dois lados e a Kendra é um pouco…
— Extrema... — Rio, limpando uma lágrima que escapa dos meus olhos.
Kendra perdeu um filho aos vinte e poucos anos e eu jamais poderia imaginar o tamanho da
dor que ele deve ter sentido. Ou que ainda estava sentindo.

— Como isso é possível? — Encaro a prova de Sociologia que o professor acaba de me


entregar. — Eu não acredito!
Solto um resmungo bravo, girando nos calcanhares e me dirigindo para fora da sala de aula.
Lágrimas traiçoeiras umedecem os meus olhos quando me afasto da sala, não me importando
com a continuidade da aula de hoje.
Coloco a mão no rosto e nego algumas vezes, parada no meio do corredor. Enfio de qualquer
jeito a prova com conceito “B+” dentro da minha bolsa. Eu havia estudado tanto para essa prova
e saí tão confiante da sala na semana passada que esperava pelo menos um “A”.
Marcho em linha reta na direção da saída da universidade.
Quando estou quase na saída, vejo Kendra de relance. Ela está conversando com o mesmo
professor do dia da cafeteria. Hoje ela parece um pouco mais animada e sorri para ele. Contudo,
consigo ver a máscara de felicidade que ela estampa, já que, quando o homem desvia o olhar, seu
semblante parece triste.
Os estão ficam fundos e o olhar vago. Ela está fingindo a sua melhor postura e isso me deixa
mal. O homem afaga seu ombro e ele olha para o gesto, ficando ligeiramente sem graça ao soltar
uma risada.
Desvio o olhar antes que ela me pegue olhando e caminho na direção do metrô. Esqueço da
carona que Rachel me ofereceu e me lembro apenas quando já estou sentada no bando metálico
do vagão. Nego com a cabeça algumas vezes e pego meu telefone, que está vibrando no meu
bolso.
— Ei...
— Eu tenho ou não tenho a melhor namorada desse mundo todo? — Hawke fala, rindo.
Mordo o lábio de excitação e sinto o rosto ficar quente com o comentário empolgado. — Anise,
você é maravilhosa! Vou precisar correr o dobro hoje por conta dessa lasanha.
— Uh, parece que você a encontrou. Espero que você realmente goste.
Ele gargalha alto do outro lado da linha e eu acabo por rir, colocando uma mecha de cabelo
para trás da orelha.
— E você comprou mais chás?
— Sim! — confesso, lembrando-me de que, quando ele chegar do trabalho, tenho que
preparar uma caneca com bebida quente para nós.
— É sério, eu preciso saber quando você vai se mudar para cá, garota.
A voz dele soa sonolenta e ao mesmo tempo empolgada. Meu coração é tomado por uma
alegria enorme que eu esqueço o motivo de estar tão aborrecida antes. Nós nunca falamos sobre
futuro e o meu coração erra uma batida com a fala dele.
— Estou chegando na estação do meu trabalho. Preciso desligar. A noite falamos mais, sim?
— É claro. Estou organizando algumas roupas para a nossa viagem amanhã — faz uma
pausa. — Tem certeza de que a Mabel não quer uma carona?
— Ela disse que não terá aulas na sexta-feira, então vai de ônibus pela manhã. A viagem será
só nossa.
— Anise — ele diz assim que o metrô para e eu me levanto. — Amanhã você vai dormir
aqui, certo?
— É claro. Foi o nosso combinado, não? Estou indo, te amo.
Abro a porta do prédio de Hawke e um resmungo sai dos meus lábios, frustrada com a ideia
de que ele possa estar triste comigo por ter chegado tarde demais. Verifico as mensagens e ele
apenas me perguntou se estava tudo bem, acabei dizendo que precisaria fazer hora extra, já que
Vanessa teve um problema com o carro e ficou presa na mecânica até tarde.
Por conta do feriado, Hawke não terá que trabalhar hoje. Estou empolgada por ter um tempo
mais com ele essa noite.
Caminho rápido até a porta do apartamento dele, procurando pela minha chave ao abrir a
porta. Entro no apartamento de Hawke busco ele com o olhar. Nenhuma movimentação na
cozinha ou sala, as quais tem luzes apagadas. A única luz, no entanto, vem do mezanino. Tiro os
tênis e coloco a bolsa em cima da mesa da cozinha. Amanhã vamos passar no meu apartamento
para buscar a mala, então trouxe apenas uma bolsa, já que tenho alguns itens no apartamento
dele.
Vejo duas caixas de comida chinesa sobre a mesa da cozinha e sorrio, me dirigindo a escada
de ferro. Ao subir os degraus, consigo ouvir o barulho do chuveiro. Uma risadinha boba toma
conta dos meus lábios quando escuto ele cantar.
— Arabella's got a 70's head... But she's a modern lover, It's an exploration, she's made of
outer space...
Quando chego no topo da escada, vejo o abajur ligado e, em cima da cama, um exemplar de
“Jogos Vorazes”. Provavelmente ele estava fazendo uma leitura antes do banho. Suspiro e
resolvo entrar no chuveiro também.
Retiro o jeans no quarto e caminho lentamente até o banheiro do segundo andar. A porta está
quase toda aberta e, assim que a empurro, Hawke para de cantar. Ele abre o vidro do box e sua
cabeça aparece toda cheia de espuma.
— Anise!
Arqueio uma sobrancelha e começo a abrir os botões da minha camisa azul-bebê. Hawke
passa a mão nos cabelos, afastando a espuma dali. Seus olhos descem pelo meu corpo e seu
sorriso se alarga a cada centímetro que percorre, vendo que já estou sem meus jeans.
Caminhando em passos lentos até o chuveiro, deixo a camisa cair pelos braços e atingir o
chão. Hawke abre um pouco mais da porta do box e apoia o corpo no vidro. Ele molha os lábios
com a língua, cravando seus olhos no meu sutiã rendado no mesmo tom da camisa.
— Você parece inocente quando usa essas lingeries de cores claras — o comentário é
acompanhado de uma entonação maliciosa.
Ele morde o lábio enquanto fala.
— Deveria saber que eu não sou tão inocente quanto aparento... — rebato na mesma
entonação.
Acabo rindo com o comentário ao mesmo tempo que abro o sutiã e o deixo cair. Os olhos
dele estão cravados em mim o tempo todo. Logo também tiro a calcinha e sinto um
formigamento se espalhar pelo meu corpo quando Hawke dá um passo para trás e encosta o
corpo no azulejo do banheiro, me dando uma visão e tanto do seu corpo nu.
— Vem aqui, Anise Bloom. Me deixe tirar as minhas próprias conclusões — ele diz
enquanto a mão vai direto para o seu pau para acariciá-lo devagar.
Meu olhar é todo dele enquanto Hawke fecha a mão em volta do seu comprimento e começa
a subir e descer. Sinto a boca salivar e fico perdida na cena, até mesmo paro o meu caminhar no
meio do banheiro. Respiro com dificuldade, sentindo a excitação percorrer cada célula do meu
corpo.
Ele ri da minha reação anestesiada e me chama com o indicador.
— Vem, Pequena Sereia. Vou te tratar com muito carinho.
— Tenho certeza que sim.
Com o coração batendo depressa, me arrasto até ele e avanço em sua boca, me jogando
contra seus braços. Minha boca logo encontra seu pescoço, onde deslizo a língua em busca do
seu gosto misturado com as gotas de água.
Inspiro o cheiro másculo enquanto Hawke segura em minha cintura e me puxa para mais
perto. Me sinto fraca perto dele assim... nu, esfregando o corpo no meu. Sou surpreendida
quando ele me vira, fazendo com que eu fique de costas para a parede do box ao me encurralar
contra ela.
A boca dele encontra o meu maxilar e ele morde, deslizando-a até a minha ao puxar meu
lábio inferior para si. Uma de suas mãos cobre meu seio, brincando com a região. Sinto meu
corpo ficar em chamas.
Enquanto ele belisca e massageia, meu corpo todo parece despertar em um calor
angustiante. Logo a mão de Hawke desliza pelo vale entre os meus seios, barriga e encontra
minha boceta. Assim que meus dedos me tocam, um sorriso brota em seus lábios. Ele apoia a
testa na minha, risonho.
— Você já está tão pronta para mim, amor — diz, quase encostando a boca na minha. —
E eu mal encostei em você.
Arfo quando Hawke me solta e suas mãos deslizam para as minhas coxas. Ele me segura,
impulsionando meu corpo para cima e sou erguida do chão. Apoio a mão em seus ombros e ele
me beija enquanto ajusta minhas pernas ao redor da sua cintura.
Mal tenho tempo de respirar quando ele me beija, tão faminto que me deixa sem ar. Ele
me segura no ar e sinto seu pau roçar na minha boceta. Toda vez, solto um gemidinho baixo
contra sua boca.
— Estou tão louco para me enterrar em você, Anise — diz, desviando a boca para o meu
pescoço, onde me devora. — Me diz que eu posso fazer isso.
Murmuro uma concordância entre um gemido, porque ele faz aquilo de novo ao esfregar o
pau em mim, me deixando louca. Assim que posiciona na minha entrada, Hawke não demora
para deslizar para dentro de mim.
Minha visão fica embaçada de prazer nessa posição, me fazendo gemer alto. Fecho os
olhos, jogando a cabeça para trás enquanto Hawke me levanta e desce sobre seu pau de novo.
— Quero que você goze no meu pau, amor.
Meu corpo fica quente tamanha a sensação que Hawke me faz sentir. Então ele me beija,
engolindo meus gemidos. Minhas mãos se apertam em seus ombros, buscando por uma
estabilidade que não sei se será possível. O beijo, as estocadas e o som que saem da sua boca me
deixam fascinada.
Me sinto contrair ao redor do seu pau e Hawke geme contra a minha boca, resmungando
um palavrão ao aumentar a velocidade das estocadas. Não consigo pensar em nada além do
prazer que ele me dá, já que estou tomando anticoncepcional faz alguns anos.
Minha mente parece ter uma espécie de apagão quando o calor rompe meu ventre,
espalhando-se pelo meu corpo quando estou começando a gozar.
— Olhe para mim, Anise — pede Hawke, e eu o faço. — Isso, amor. Não quero perder
nada enquanto você goza.
Meu corpo treme inteiro. Sinto as pernas moles e os braços sem forças enquanto Hawke
continua estocando fundo em mim, buscando pelo seu orgasmo. Com o olhar preso ao meu, vejo
o exato instante em que Hawke goza, com o rosto contorcido em prazer absoluto.
Sem fôlego, permanecemos com o olhar preso um ao outro até que nos acalmamos e
tomamos banho juntos.
Hawke aperta forte na minha cintura enquanto me levanta e me desce com força. Cada
gemido que sai dos seus lábios me deixa mais na borda. Ele aproxima mais o corpo do meu,
fecho os olhos quando sinto meus seios roçarem no seu peito nu.
Sexo com ele é intenso e único. Eu não tive grandes experiências, mas com toda certeza
aquilo que falam sobre quando é com quem você ama ser especial é verdade. Quando eu penso
que não pode melhorar, ele sempre me surpreende. Como agora.
— Oh...
Gemo, apertando seus ombros e parando o movimento. Hawke atinge algum ponto
específico dentro de mim que me estremece por completo. Suspiro forte e ele aperta mais a
minha carne, sorrindo contra o meu ombro. Seu quadril, maldosamente, se mexe embaixo de
mim e de novo. Ele encontra o ponto.
— Céus, Hawke. — Aperto seus braços com mais força. — Eu não vou aguentar muito se
você continuar... oh...
— Assim?
A voz dele, cheia de luxúria, me deixa ainda mais quente. Hawke começa a ditar o ritmo do
sexo e eu amo quando ele faz isso. Entra e sai de mim, friccionando o quadril ao máximo para a
frente, fazendo com que o meu clitóris esfregue na sua pele.
Meu quadril fica inquieto. Sinto minha boceta contrair, a respiração fica difícil e o nome dele
escapa dos meus lábios em um sussurro. A boca de Hawke encontra o meu pescoço e ele suga a
pele.
Não preciso de muitos mais para me desfazer em cima dele, tombando a cabeça para a
curvatura do seu pescoço. Sinto a minha boceta apertá-lo e Hawke não para de estocar em mim.
Em instantes, ele também goza.
Nossas respirações descompassadas estão altas e os corpos ainda tremem de prazer. Afasto o
meu corpo dele e caio ao seu lado na cama. Fecho os olhos por alguns instantes e sorrio.
— Sexo matutinho é tão… uau! — inspiro e expiro.
Ele ri e abro os olhos, observando seu corpo nu e suado ao meu lado. Hawke me puxa
gentilmente para cima dele. Deito-me em seu ombro e sua mão corre pelas minhas costas em um
carinho calmo. Ele suspira contra os meus cabelos e beija a minha cabeça.
— Tenho uma surpresa, Pequena Sereia.
Mordo o lábio e levanto o rosto para encará-lo.
— Precisamos nos levantar para viajar… — o lembro.
— Não, não… é rápido! — ele nega e eu franzo o cenho.
Abro um sorriso tímido quando ele estica o braço até a mesa de cabeceira, sem deixar de me
acariciar com a outra mão. Hawke retira uma pequena caixa e balança no ar. Com uma das mãos,
tento segurar e ele tira de perto de mim, fazendo com que eu gargalhe. Ele acaba se dando por
vencido e me entrega. Me sento na cama, enrolada nos lençóis, abro a tampa para ver o que tem
dentro
— Hawke! — minha voz sai em um sussurro. Ele se inclina na minha direção, deixando um
beijo no meu ombro ao morder a pele.
— Notei que você tem lido menos nos últimos anos. Sei que a faculdade é uma merda por
tomar todo nosso tempo, mas então eu estava pensando que talvez… — diz, retirando o
eletrônico da caixinha. — Se você tivesse um Kindle, talvez pudesse ler onde estiver sem
comprometer muito espaço na mochila ou sei lá.
Viro o corpo para ele, abraçando-o com força.
— Obrigada... muito, muito obrigada!
Depois de tanto tempo, Hawke ainda parece ser quem me conhece melhor.

O almoço do domingo de Páscoa será nos Scott e, em nossa última ligação, mamãe revelou
que meus avós maternos também estarão na cidade. No fim, será um grande evento para
anunciarmos o nosso relacionamento.
Mabel vai mesmo antecipadamente para a cidade e, para não levantar suspeitas sobre eu e
Hawke, resolvemos reforçar que eu precisarei trabalhar na sexta.
Depois de arrumarmos mais de cinco vezes a mochila e conferir todas as possíveis chances
de algo dar errado, Hawke se deu por vencido. Minha mala já está arrumada há dois dias no
canto do quarto de Hawke.
Hoje pela manhã, fiz uma prova e aproveitei para passar no apartamento dele e trocar a
sapatilha que estava machucando o meu pé por um tênis confortável. Não pareceu um bom
negócio caminhar com cachorros brincalhões de sapatilha. Hawke estava dormindo até agora e
seus olhos se abre vagarosamente para mim ao sorrir.
— Resolveu ficar em casa hoje, Pequena Sereia? — a voz grossa pelo sono invade o quarto.
Nego com a cabeça, terminando de amarrar o cadarço.
— Não, amor. Vim trocar a sapatilha. Caminhei muito e ela acabou machucando o meu pé,
então preferi o tênis para poder trabalhar.
Ele toma impulso e se senta na cama. Para a minha sorte, Hawke dorme apenas de duas
formas: com suas boxers ou sem roupa alguma. Hoje, infelizmente, ele está de boxers. O loiro
espreguiça o corpo e solta um gemido baixo. Observo seus músculos se contraírem e depois
relaxarem.
— Tem tempo para deitar comigo? — pergunta, arqueando uma sobrancelha.
Nego com o indicador.
— Não, não. Preciso correr até o metrô — falo, unindo os fios ruivos em um rabo no topo da
cabeça. — Separei um pouco do jantar de ontem para você. Está na geladeira dentro de uma
travessa, tudo bem?
— Sim, senhora Scott! — Ele ri.
— Hawke! — reprovo, mesmo rindo com ele.
— É o meu desejo, você não sabe? Você com uma aliança no dedo e nossos filhotes
correndo pela casa.
Um sorriso bobo cresce em meus lábios ao lembrar do dia em que ele me disse que eu seria
uma boa mãe.
— Não chame os nossos futuros filhos de filhotes! Parece... sei lá, cachorrinhos
pequenininhos?
— Ok, ok. Nossos filhos... — Ele levanta da cama e se aproxima vagarosamente com aquele
olhar malicioso e cheio de expectativa. — Precisamos treinar muito antes, então.
Quando vejo que ele está prestes a agarrar minha cintura, me desvencilho e corro para a
escada, começando a descer rápido os degraus. Quando termino de descer os degraus, viro para
trás e ele está no topo da escada com os braços fortes cruzados em cima do peito e sorridente.
— Antes, você precisa terminar a sua especialização, eu a minha e nos estabilizar
financeiramente... — Levanto o dedo. — E você tem que colocar um anel aqui. — Aponto o
dedo anelar. — No mais, vou continuar com o meu anticoncepcional.
Ele gargalha.
— Não esqueça de que precisamos fazer uma grande viagem juntos primeiro.
— Isso mesmo! — Acabo rindo com ele quando pego a bolsa e abro a porta. — Bom dia
para você. Eu te amo.
— Te amo, Pequena Sereia.
— E um… — Paro, com a mão na maçaneta. — Amanhã vamos sair que horas para a
viagem?
— Às seis horas da noite está bom? Não pegaremos trânsito e pretendo aproveitar você
durante o dia.
— Tudo bem.
Saio do apartamento com um sorriso bobo nos lábios e uma vontade absurda de poder dizer
para ele que podemos nos casar no dia seguinte. Perdemos tanto tempo que agora tudo parece
intenso demais, rápido demais. Porém, me mantenho firme na realidade, mesmo que Hawke me
faça flutuar em sonhos apaixonados.
Olhando para a rua, verifico o meu relógio e constato que Hawke está atrasado. Já passa de
uma hora e ele disse que iria apenas ao mercado fazer algumas compras para a nossa viagem.
São cinco e meia e eu estou no hall com uma pequena mochila nas costas. Tinha me
oferecido para ir junto com ele, mas Hawke disse que queria fazer uma surpresa. Assim que a
camionete preta de Hawke surge na frente do prédio, eu solto uma respiração aliviada. Por Deus,
eu estava quase dormindo sentada nesse sofá da recepção.
Quando contorno o carro e a porta é destravada e entro, Hawke está sorridente.
— Eu não poderia estar mais empolgado com essa viagem — fala, esticando a mão direita
até o botão do rádio do carro para ligá-lo. — Fiz até uma seleção de músicas que a gente ouvia
na adolescência.
Ele ajusta o volume para que fique agradável e sorrio, relaxando um pouco mais no banco ao
saber que ele ainda ouve as músicas que tanto amávamos na adolescência. Assim que o carro
atinge a rodovia, ele diz:
— Você pode abrir o porta-luvas? — ele pede, indicando.
— Claro.
Toco no botão para abrir o pequeno compartimento. Não preciso de muito para saber o que
ele deseja, já que avisto dois chocolates “Snickers” enormes. Solto uma risada igual a de uma
criança ao tirá-los do porta luvas e virar o rosto para ele.
— Nosso chocolate, Pequena Sereia. — Ele alterna o olhar entre o meu rosto e a estrada,
soltando uma piscadela sem vergonha. — Me dê um, estou faminto.
Rolo os olhos e abro a embalagem, entregando o chocolate para ele.
— Saímos da mesa do jantar faz meia hora — pontuo, também abrindo o meu chocolate. —
Seria mais interessante você falar: eu quero sobremesa.
— Uh, ok... senhora certinha! — ele ironiza, mordendo uma quantidade significativa do
doce ao mastigar rapidamente.
Um momento de silêncio se instala no carro. Mas apenas o suficiente para conseguirmos
terminar o chocolate. O rádio ligado ecoa uma música do The Strokes e a vista já pela rodovia se
mostra com a pouca vegetação do estado do Texas. Areia e a imensidão de asfalto
inquietantemente desérticos.
— Um café seria ótimo para continuarmos a viagem — digo, empurrando o resto do
chocolate quilométrico para Hawke, que aceita sem pestanejar. — Ainda vamos precisar nos
manter acordados. — Suspiro.
— Pode dormir — ele diz em um tom baixo. — Eu aguento você dormir. Pelo menos você
não vai babar no meu ombro desta vez.
— Ei! — protesto, virando o rosto para ele ao cruzar os braços. — Eu não babo no seu
ombro.
— Rá! Baba, sim! — ele fala, apontando para mim e rindo. — Você baba no meu ombro
desde adolescente. E quando nova ficava resmungando se eu te acordasse.
Rolo os olhos e finjo estar chateada.
— Tudo bem. Talvez eu babe um pouco, mas você… — Aponto para ele. — Ainda dorme
na metade dos filmes.
Ele dá de ombros.
— Justo. Eu não nego. Principalmente quando você ainda insiste em fazer maratona dos
filmes do Harry Potter em um dia só.
— Não posso fazer nada se a minha sequência de filmes favoritos possui oito filmes! —
Jogo as mãos para o ar.
Noto uma risadinha baixa vinda dele e me contento com ela, sorrindo um pouco mais
também. Após alguns quilômetros rodados, nós descobrimos um posto de gasolina com
conveniência aberta. Hawke sai do veículo para buscar os cafés. Apanho o celular na bolsa para
enviar uma mensagem para a mamãe e avisar que está tudo bem, além de mandar a localização
em tempo real pelo aplicativo de mensagens.
Hawke volta com um uma sacola e um suporte para os copos de café, entra no carro e me
empurra o suporte.
— O copo vermelho é o seu, o marrom é meu — informa, fechando a porta do carro e
tirando alguns pacotes de salgadinhos da sacola para me mostrar. — Kit de sobrevivência para as
próximas meia hora.
— Não estamos indo para a guerra, Hawke… — Sorrio, pensando que existe uma sacola
cheia de mantimentos no banco de trás.
Ele liga o carro e voltamos para a estrada. O celular de Hawke começa a vibrar em alto
volume. O aparelho está no painel do carro. Nos encaramos, confusos, no mesmo instante. Ele
estica o braço e pega o aparelho, encarando a tela.
— É a Mabel.
Um misto de ansiedade toma conta do meu corpo. Hawke atende o telefone e encosta o
carro no recuo da rodovia, com os olhos presos na noite que começa a se formar. Sinto um
solavanco no peito quando começo a ouvir a voz atropelada de Mabel. Hawke ainda não disse
nada. Ele solta o ar e passa a mão nos cabelos, jogando-os todo para trás.
— Você pode me dizer o que está acontecendo sem gritar? — ele soa nervoso. — Mabel,
você está estranha… Porra. Vou tentar. Estou chegando.
Ele abaixa o telefone, encarando a estrada. Seus músculos estão rígidos e o maxilar trincado.
— Algo aconteceu. Precisamos ir.
A viagem foi tensa. Poucas palavras foram proferidas e uma tensão palpável instalou-se no
ar. Nem pareceu que aproveitamos um dia inteiro juntos e que estávamos prontos para curtirmos
uma viagem tranquila.
Hawke comentou que nunca ouviu Mabel tão nervosa quanto estava ao telefone. Senti um
embrulho na barriga todas as vezes que eu precisei pensar no que tinha acontecido. Será que
alguém estava doente? Em pleno feriado de Páscoa?
Finalmente Hawke desliga o carro na frente das nossas antigas casas e eu sinto meu corpo
todo tomado pela adrenalina. Já é noite e o clima está frio, mais do que o habitual. Falo para mim
mesma que é isso que faz meu corpo tremer tanto, e não a ansiedade crescente em meu peito.
Observo a minha casa, onde as luzes estão apagadas. Quando mandei mensagem para Mabel
e Rose, mamãe disse que as duas estavam no mercado e que em breve chegariam em casa.
— É agora, Pequena Sereia — ele fala, visivelmente ansioso. — Vamos contar aos nossos
pais e pronto! — mesmo tentando descontrair o clima, Hawke está nervoso.
Hawke e eu abrimos as portas e saímos do carro. Observo ele contornar o veículo e se
aproximar, entrelaçando os nossos dedos e trocando um olhar cúmplice. Eu o amo e ele me ama.
Nada pode nos destruir.
Quando nossos olhos se vão para a entrada da casa, observo o senhor Scott sentado em uma
cadeira com um cigarro nos lábios. Eu não sabia que ele fumava. Não entendo o olhar que o
senhor Scott lança a nós dois. Hawke aperta um pouco mais firme na minha mão e sopra:
— Alguma coisa muito séria aconteceu.
Assim que as palavras são proferidas, a imagem de James saindo de dentro da casa deles me
deixa confusa. O que eu não imaginei era ver Kendra atrás dele, com o rosto manchado de
maquiagem e roupas simples. Definitivamente, alguma coisa aconteceu.
Quando James nos vê, ele parece preso em um misto de alegria e nervosismo.
— Anise, vá para a sua casa — é o que Hawke fala, mas ele não solta a minha mão.
Consigo sentir sua tensão muscular aumentar e o corpo todo ficar firme. Eu quero muito
poder dizer que tudo ficará bem, mas começo a lembrar de tudo que Hawke me contou sobre
Kendra nas suas fases mais profundas da depressão.
Será que ela está bem?
Pelo olhar de James, eu creio que não.
— Tudo bem... — falo baixo.
Ele vira o corpo para mim e segura no meu rosto com as duas mãos, fazendo com que nossos
olhos se encontrem.
— Eu vou bater na porta da sua casa logo que resolver isso. Vamos conversar com sua mãe e
depois com os meus pais, tá bom?
Seguro nas mãos dele, que estão úmidas de ansiedade. Concordo, mexendo a cabeça e aperto
os lábios em um sorriso preocupado. Não me importo com o que todos estão vendo da varanda
da casa dos Scott, porque algo muito maior parece estar no ar.
Hawke aproxima o rosto do meu e beija os meus lábios sem se importar com a presença de
mais alguém ao nosso redor. Os lábios quentes pressionam os meus em um beijo carinhoso.
Seguro-me na gola da sua camisa e arfo quando ele separa nossas bocas.
— Meu Deus!
Ouço a voz da senhora Scott.
Nós dois viramos os rostos para a porta e ela está lá: com a boca aberta e os olhos
arregalados. Logo a expressão de surpresa se vai e ela sorri para nós. Só que como em uma
montanha russa, logo seus olhos estão cheios de lágrimas e ela volta para dentro de casa.
Que merda está acontecendo?
Quando finalmente Hawke me solta, sorri nervoso e caminha na direção da casa. Ele
cumprimenta James. Kendra está abraçada no próprio corpo e com o olhar vago. Como se não
sentisse nada. É como se ela não estivesse aqui.
Quando Hawke para na sua frente e segura em seu rosto, fazendo ela olhá-lo, ela pisca
algumas vezes e o seu rosto contrai em uma careta de dor. Lágrimas grossas preenchem suas
bochechas pálidas e ele a abraça.
Hawke caminha com ela para dentro de casa e, em instantes, todos entram, inclusive o
senhor Scott.
Fico ali mais alguns instantes, sentindo a neblina da noite no meu corpo e tentando
normalizar a respiração. Só quando me sinto encorajada o suficiente, caminho para a minha casa.
As luzes da casa estão apagadas. Resolvo levantar o tapete da porta e encontro uma chave
reserva ali. Abro a porta da frente e adentro o lugar silencioso. Caminho até a cozinha e
encontro um pequeno bilhete em cima da mesa. Ao julgar a letra, foi Rose que o escreveu.

“Vamos trazer o jantar! Não coma muito os biscoitos da mamãe, pequeno dragão. Com
amor, Rose”
Sorrio para o papel. O meu sorriso evapora como fumaça quando ouço gritos vindo da casa
dos Scott. Meu corpo todo se arrepia e eu resolvo sentar-me no sofá da sala, sem vontade alguma
de comer os biscoitos. Meu estômago está revirado enquanto me acomodo no estofado,
encarando a parede da sala.
Bato o pé contra a madeira. Depois de longos minutos, alguns gritos são proferidos e eu
começo realmente a me preocupar. A voz parece de Hawke ou do senhor Scott.
Quando menos espero, já estou em pé, andando em círculos e completamente desesperada
dentro da sala da casa. Meu coração bate forte e eu tenho a sensação de estar sendo sufocada.
Resolvo beber um copo com água para acalmar os nervos. Abro a geladeira e apanho um
copo, enchendo-o de água e bebendo tudo de uma vez só. Penso em enviar uma mensagem para
Mabel, mas logo que ouço um barulho no segundo andar, sei que Hawke está aqui.
Caminho para a escada, tropeçando entre os degraus para chegar até o meu antigo quarto.
Caminho pelo corredor parcialmente escuro e abro a porta em um rompante.
Ele está sentado na janela, com os pés para dentro do quarto. Sua respiração é alta e eu
consigo ver seu rosto molhado de lágrimas. Minha respiração se intensifica quando ouço que ele
está controlando algo dentro de si.
Um choro? Uma informação?
— Que merda está acontecendo, Hawke? — pergunto, ríspida.
Ele nega com a cabeça, fechando os olhos. Tento organizar na minha cabeça as
possibilidades para ele estar tão abalado. O quarto está escuro, sendo iluminado apenas pela luz
da lua e a que vem do corredor.
— O que ela fazia aqui?
O ciúme começa a preencher a minha cabeça e as possibilidades de algo envolvendo os dois
começa a assolar os meus pensamentos. O senhor Scott sempre foi um homem calmo e tranquilo.
O que o fez gritar? Por que a senhora Scott ficou triste ao nos ver juntos? Por que Kendra estava
tão desesperada?
— Me explique, Hawke… — falo, um pouco mais alto.
— Anise... por favor, você precisa ficar calma! — ele pede, abrindo os olhos e voltando a
me observar.
Ele está desolado. Um sentimento ruim começa a tomar o meu corpo e eu desvio o olhar.
— Eu só preciso... — Aperto os olhos e os lábios em uma pressão dolorosa. — Porra,
Hawke... — resmungo, agora levantando e cruzando o pequeno quarto, indo na direção do
banheiro em anexo.
Acendo a luz e abro a torneira. Deixo a água escorrer por entre meus dedos, jogando no meu
rosto e respirando fundo. Fecho a torneira e seco o rosto de maneira demorada, como se pudesse
apagar meu eu dentro daquela toalha felpuda.
— Amor? — a voz dele dentro do banheiro me assusta.
A mão dele pousa no meu ombro e eu deixo a toalha no suporte. Encaro sua imagem pelo
reflexo. Cruzo os braços e me viro para ele. Hawke está nervoso e eu também.
— O que ela fazia aqui? — pergunto em um fio de voz.
— Kendra… ela… — a voz dele não passa de um fio, angustiada. — Anise, ela está grávida.
Quase quatro meses. Ela fez alguns exames de rotina que ficaram prontos hoje. Então ela… —
ele fala rápido demais.
Solto o ar rápido dos pulmões e meu peito parece comprimir o meu coração. Engulo em
seco. O silêncio paira entre nós e, de repente, o banheiro parece muito pequeno. Claustrofóbico.
Meu cérebro parece ter entrado em pane.
Hawke continua a falar algo que meus ouvidos não conseguem entender. Consigo ver sua
boca se mover sem parar enquanto ele continua a me explicar o que está acontecendo. Só que eu
não consigo mais compreender. Apoio a mão na parede e respiro com dificuldade.
Meus olhos se concentram no chão. Eu não posso encarar seus olhos e imaginar uma criança
com os olhos iguais aos dele. Os olhos que eu queria nos nossos filhos. Lágrimas se formam nos
meus olhos e, quando menos espero, já estou com as bochechas úmidas e respirando
freneticamente.
Só agora, dentro do banheiro claro, eu vejo os olhos vermelhos de Hawke e o desespero
dentro deles. Uma onda de insegurança me bate e tudo o que eu desejo é chorar.
Minha respiração sai trêmula e eu sinto um nó se formar na minha garganta.
— Vocês não usavam proteção? — indago em um fio de voz.
— Claro. Sempre. Camisinha e pílula anticoncepcional. Alguma coisa aconteceu, Anise. —
Hawke passa a mão trêmula por entre os fios curtos. As veias de seus braços estão saltadas e os
lábios machucados, provavelmente de tanto mordê-los. — Ela está tão apavorada quanto eu, mas
decidimos não abortar o bebê. Você sabe tudo o que ela passou…
Solto uma risada sem graça. Ao julgar o estado que eu já vi quando cheguei, a garota está
desolada. Um sentimento conflituoso assola meu peito e tudo o que eu quero é gritar de raiva.
— Anise, eu te amo! — Hawke fala, segurando em meu braço e me fazendo encarar seus
olhos de novo.
— E a Kendra? Como vai ser? Vocês vão ter um elo eterno, Hawke. Ela é uma ferida aberta
entre nós. Ela jogou sujo comigo, com você e conosco. E para sempre vai estar entre nós.
— Ela vai ser a mãe do meu filho. Só isso. Daqui para a frente vamos ser só nós dois, eu
preciso que você esteja do meu lado. Você é a mulher da minha vida e eu perdi tempo demais até
descobrir isso. — Ele suspira pesado. — Vem morar comigo. Traz as suas coisas para o meu
apartamento. Você quase mora comigo e eu não vejo problema em nós dois dividirmos o loft
juntos. Em breve eu vou precisar mudar por conta do bebê, porque ele vai precisar de um quarto
e…
— Não! — eu rebato, agora irritada. — Você quer resolver a sua situação me chamando para
morar com você? — Respiro pesado. — Hawke! — Fecho os olhos e coloco as mãos nas
têmporas antes de encará-lo. — Eu sei que essa situação é extremamente delicada e que você está
desesperado, mas eu sou a sua nova namorada. A sua recém ex-namorada. Eu nem fui
apresentada para a sua família como namorada. Fui a garota que sofreu por você anos. Então, por
favor, não me peça para ser compreensiva nos primeiros minutos desta notícia. Eu sou humana.
Não sou perfeita.
Hawke segura o meu rosto com as mãos suadas e vejo quando as lágrimas caem dos seus
olhos, descendo pelas bochechas magras.
— Amor, o que você quer dizer com isso?
Seguro as mãos dele, tirando-as do meu rosto e beijando ambas com os olhos ainda
fechados. Ele suspira, encostando a testa na minha.
— Essa noite, eu quero que você saia para eu colocar a minha cabeça no lugar. Eu realmente
preciso disso, Hawke! — Abro os olhos, vendo que ele está chorando silenciosamente. Limpo as
lágrimas do seu rosto e beijo cada um dos lados. — Eu amo você e estarei do seu lado. Só que eu
também preciso de espaço para entender.
Seguro-o pelo rosto e uno meus lábios aos dele em um beijo intenso. Eu o amo, sem sombra
de dúvidas. Sinto que a minha vida está mudando rápido demais. Ele separa os nossos lábios e
ambos mantemos os olhos fechados quando ele diz:
— Um dia nós vamos fazer tudo o que planejamos, Anise. Viajar, ter nossos filhos e a nossa
casa. Só preciso que você continue acreditando nisso também.
Deixo que ele me abrace, então acabo enterrando a cabeça na curvatura do seu pescoço,
depositando um beijo ali. Isso é o que eu mais quero. Só que, mais uma vez, Kendra parece
chegar à minha frente. Inclusive gerando o primeiro filho do homem que eu idealizei o meu feliz
para sempre. É..., talvez a minha vida seja uma montanha russa com curvas não tão sutis. E nem
tão legais assim.

Deitada no meu antigo quarto, consigo ouvir os Scott gritando e falando alto demais. Bom,
ao que tudo indica, a conversa ali rolará até altas horas da noite. Tenho os olhos fixos no teto e as
mãos unidas em cima da barriga, queria muito que as coisas fossem diferentes.
Desde pequena, eu idealizo a minha vida. Principalmente o meu romance e o meu casamento
perfeito. Ironicamente, a vida quase sempre ferra com as nossas expectativas. E agora eu estou
aqui, sendo egoísta e pensando só em mim quando o cara mais incrível do mundo está ferrado
porque vai ser pai de um filho que não esperava ter.
Tento me colocar no lugar de Kendra. O semblante que ela carregava era tão triste. E por que
James estava com ela? Por que não o pai dos dois? Será que ela sofreu mais uma rejeição em
casa?
A voz dos meus familiares no primeiro andar me faz soltar uma respiração aliviada. Acabo
pulando da cama e correndo para as escadas. Assim que meu avô me vê, ele corre para o fim da
escada e abre os braços.
— Minha linda! — a voz alta é música para os meus ouvidos.
Jogo-me em seus braços igual ele fazia quando era pequena. Meu vô gira comigo na sala e
parece esquecer que minhas pernas estão muito maiores agora, já que elas batem no sofá duas
vezes.
— Querido — é a vovó que diz —, vai machucar a nossa garotinha desse jeito.
Quando me põe no chão, ele beija o meu rosto daquela forma terna. Meus olhos encontram
os da mamãe e eu a abraço com força.
— Que saudade... — ela fala, beijando meu rosto. — Ei, espera… O que está acontecendo?
— Encara o meu semblante e eu desabo no mesmo segundo.
Sinto os braços de Rose ao meu redor e ela me abraça com força.
Entre lágrimas, elas me levam até o sofá e conto a eles tudo. Minha rotina em Dallas, sobre
Hawke e agora o bebê. A tensão vai evaporando quando a vovó faz alguns comentários e minha
mãe parece muito pensativa quando falo que vi o meu pai.
Logo o meu avô diz que precisamos mudar de assunto e tudo se torna Rose e sua nova
namorada. Por incrível que pareça, os meus avós, pessoas antigas e com alguns pensamentos
cheios de retrocessos, são os maiores apoiadores do namoro delas. Rose, como boa adolescente,
está virando os olhos para cada comentário e eu acabo fazendo alguns, sem nunca desviar o olhar
apreensivo de mamãe.
Mesmo com a conversa empolgante e a televisão ligada, alguns gritos ainda são ouvidos da
casa dos Scott. Vejo a expressão da minha mãe mudar todas as vezes que a voz de Beth soa alta,
ou que ouvimos algum choro.
Limpo a garganta após engolir a pizza e jogar a borda para dentro da caixa. As caixas estão
abertas sobre a mesa de centro e algumas latinhas de Coca Light também.
— Como estão as coisas em Washington?
— Bom, você sabe... estamos levando uma vida monótona depois que a titia Judith também
se mudou — vovô comenta.
Ele está vestido com um suéter, jeans e suas habituais botas marrons. Já a vovó está elegante
em um vestido azul marinho e os cabelos presos em uma trança. Eu realmente fico feliz por vê-
los assim, animados.
— Já adotaram um cachorro? — pergunto e eles me olham, confusos. — Todo casal de
idosos precisa de um animalzinho para dar amor e carinho.
— Ah, querido, sua netinha está nos chamando de velhos! — estala vovó. — Preferimos
viagens e cruzeiros. Estamos querendo arrastar sua mãe para um. Quem sabe ela arruma um
namorado, uh?!
— Eu tô falando pra ela começar a responder as mensagens do doutor Ray, mas ela é uma
boba! — a minha irmã dá de ombros.
— Rose! — minha mãe resmunga.
— Ray? Quem é esse? — pergunto.
— O novo médico do setor Pediátrico onde estou trabalhando... — Dá de ombros. — Ele
tem sido apenas educado comigo e Rose está vendo coisas que não existem.
Mamãe é enfermeira no hospital e recentemente saiu da ala de cardiologia para a
pediátrica.
— Não existe é o caralho. Ele até mesmo nos convidou para jantar e você inventou uma
desculpa esfarrapada na semana passada.
— Olhe a boca, Rosemary! — Bufa, levantando-se e começando a reunir as caixas de
pizza. — Não posso acreditar que estamos falando sobre este absurdo ao invés do elefante rosa
na sala: Hawke e Anise. Eu espero que isso não mude as coisas entre todos nós, porque seria um
completo desastre…
Ela está nervosa quando sai da sala, com as caixas na mão. Mordo o interior da bochecha,
nervosa. Assim que escuto um grito de Hawke com o pai, Rose me diz:
— Vamos à antiga sorveteria que você trabalhava? Tô a fim de comer um sundae duplo
com chocolate e você parece precisar de uma distração do caos que está na casa dos Scott.
Sorrio para a minha irmã, me levantando.
— Mamãe, você me empresta o carro?
— Toma aqui! — vovô estica a mão com a chave da sua camionete. — E fiquem por lá
algum tempo... — Ele entrega algumas notas de dinheiro, como todo avô costuma fazer. — Sua
mãe ficou estranha depois que ouviu sobre o seu pai, então ela pode precisar de um tempo para
processar.
— Tudo bem.
Eu e Rose caminhamos até a camionete antiga do vovô. Não sei como ele e minha avó ainda
continuam dirigindo feito malucos por todos os Estados Unidos ao invés de andarem de avião
como pessoas normais.
Nós nos acomodamos no carro e Rose liga o som do carro. Quando meus olhos vão até a
frente da casa de Hawke, ele está lá. Seus braços cruzados na frente do corpo e um olhar triste,
nos observando.
Eu sei que precisamos de um tempo separados para eu colocar minhas ideias na cabeça e,
sinceramente, ficar em casa no quarto em que passamos bons momentos juntos não me ajudará
em nada.
Chegando na sorveteria, Rose e eu nos sentamos na nossa habitual mesa nos fundos do lugar.
Estamos em uma típica lanchonete americana: com suas cabines com sofás vermelhos, mesas
redondas e até mesmo quadros extravagantes de bandas que ninguém nunca ouviu falar ou filmes
que ninguém se lembra de assistir e que fizeram sucesso na época dos anos sessenta. Os tons de
vermelho e branco são os principais.
Assim que nos sentamos, a garçonete se aproxima e Rose faz o nosso pedido clássico: para
mim, uma banana split com sorvete de chocolate, flocos e maracujá, calda de chocolate e muito
chantilly; já Rose prefere sundae com sorvete de chocolate e menta, calda de chocolate e
chantilly. Cada um com suas excentricidades.
Por alguns minutos, volto a me lembrar do problema que me aguarda em casa. Céus, meu
coração está tão divido. Quero poder dizer a Hawke que vai ficar tudo bem. Só que penso em
toda a carga que vamos ter a partir de agora. Eu tenho tanto medo de nos afastarmos que o meu
corpo todo fica desesperado em perdê-lo.
— Terra chamando..., Anise...?
Pisco algumas vezes, encarando Rose.
— Oh, desculpe… Eu… hum, tô pensando no Hawke.
Mordo o lábio inferior com os dentes, um pouco mais forte do que o habitual. Quando os
solto, um suspiro sai dos meus lábios. Uno as mãos em cima da mesa e observo Rose me
analisar.
— Eu não sei, Rose. Quero ficar com ele, mas é tudo tão novo. E agora isso acontece...
porra! — falo, um pouco desesperada.
Apoio os cotovelos em cima da mesa e enterro as mãos no rosto, suspirando frustrada.
Escuto Rose deslizar pelo estofado vermelho para o meu lado, então logo os braços quentes me
abraçam.
— Tome um tempo para colocar a cabeça no lugar e não surtar, uh?! Não adianta descontar
nele e muito menos nela... E, por Deus, também não faça isso com o bebê.
— Não... Credo! — Eu me afasto minimamente e limpo as lágrimas dos cantos dos olhos. —
Eu sou humana, não uma cretina.
— Então, Anise, permita-se sentir assim, confusa no início. Você é mais esperta do que
qualquer bruxa da sua idade, vai conseguir colocar as ideias no lugar.
— Está citando Harry Potter para me deixar mais calma?
— Sim. Funcionou?
— Sempre funciona! — Ela sorri para mim e segura na minha mão. — Ele deve estar
apavorado, Anise.
— Eu sei…
— Você o ama? — Concordo com um movimento da cabeça. — Então vocês serão fortes
juntos para passar por isso. Pelo que você comentou sobre a tal Kendra, ela também está
assustada. Não é uma ameaça ao seu relacionamento com Hawke. Seja a pessoa que estará ao
lado dele também o ajudando e... a essa garota também… Céus, ela parece um vaso de porcelana
que poderá se quebrar a qualquer momento.
Meu coração se aperta no peito. Rose parece me fazer enxergar de outra forma porque agora
penso na situação toda, principalmente em Kendra. Todo o histórico dela com o assunto devem
estar deixando-a apavorada.
Nossos sorvetes chegam e, assim que começamos a comer, Rose diz:
— Você viu o nosso pai...
Minha colher quase cai da mão.
— Sim. Como eu disse, foi rápido. Fiquei apavorada e saí correndo. Foi frustrante porque eu
queria esganá-lo, sabe?
— Ah, sei, sim! Ele foi um cretino conosco — resmunga, o olhar vago na direção do sorvete.
— É estranho porque eu o odeio tanto e ao mesmo tempo… — Suspira ao rir sem graça. — Sei
lá... eu sinto falta dele. — Então me olha com o rosto confuso. — Será que a mamãe se sente
assim? Porque eu não admito que ela ainda o ame.
— Bom… eu acho que você já é grande o suficiente para entender que o relacionamento
deles era abusivo.
— Eu sei! — revela, me surpreendendo. — Ele praticamente anulou ela a vida inteira. Foi
um pai que fez o mínimo por nós, e eu me sinto tão mal por sentir falta dele. Não é sempre, sabe?
Mas nessas épocas…
— Datas comemorativas costumam evocar essas memórias boas da família. Nossa mente
traiçoeira costuma fazer isso: esquecer das coisas ruins e focar nas boas. Não podemos fazer isso,
Rose. Porque apesar de existir algo bom no casamento deles. No fim, não foi nada saudável para
nós. Muito menos para a mamãe.
— Você acha que ela o ama ainda? — pergunta pela segunda vez.
— Eu não sei. De repente, esse receio dela se envolver com outras pessoas seja um reflexo
dos efeitos que ele deixou sobre ela. Talvez até quanto a segurança dela. Acho que seria bom ela
falar com um terapeuta sobre isso.
— Você tem razão! — A minha irmã enche a boca de sorvete. — Vamos falar com a mamãe
sobre isso amanhã.
Mais uma vez, estou pensando em algo que não envolve Hawke. E, pelo menos agora,
parece que isso está funcionando.
Estou em casa antes das onze horas e com a barriga doendo de tanto tomar sorvete. Rose fez
questão de experimentar a bomba de chocolate da casa e me fez ajudar. Por Deus, juro que vou
ficar sem ver chocolate durante meses. Sorvete de chocolate, calda de chocolate, chocolate
derretido e calda quente de chocolate branco parecem ser uma combinação ótima na teoria. Mas,
na prática, depois de uma banana split, isso pode ser um convite à dor de barriga.
Não deixo de observar que a casa dos Scott ainda está com todas as luzes acesas. Meu
estômago revira ao lembrar que amanhã nós teremos um almoço de Páscoa em família. Espero
que seja como nos velhos tempos: nos fundos da propriedade deles com o senhor Scott pilotando
a churrasqueira junto, mamãe e Beth empolgadas com os doces, eu e Mabel organizando a mesa
e Hawke exalando simpatia com todos. Talvez esse ano nós tenhamos problemas com toda essa
dinâmica.
Empurro a porta e acabo por rir, já que ouço o mesmo ranger de cinco anos atrás. Com
cuidado, entramos em casa. A única iluminação no ambiente é da televisão. Consigo ver que meu
avô dormindo no sofá e uma reprise do Super Bowl de 2019 está passando na televisão. Na ponta
dos pés, eu e Rose subimos as escadas.
Nos despedimos com um sorriso e me concentro em enviar uma mensagem para Mabel até
chegar no quarto. Assim que abro a porta do meu quarto, tomo um susto ao ver Hawke deitado
na minha cama. Com cuidado, entro no quarto e tranco a porta. O abajur está ligado e me
aproximo da cama ao observar a cena.
Ele está de barriga para baixo, abraçado no casaco que deixei em cima da cama quando
cheguei. Seu semblante está cansado e seu sono parece estar pesado. Abaixo meu corpo para
ficarmos na mesma altura. Observo que ele ainda veste seus tênis e jeans.
Um sorriso começa a se formar nos meus lábios e sinto-me encorajada a tocar o rosto dele.
Com cuidado, acaricio suas bochechas e ele se remexe na cama, abrindo os olhos vagarosamente.
Pisca algumas vezes e engole em seco, tentando se sentar na cama em seguida.
— Anise... Desculpe, eu não consegui dormir no meu quarto e acabei vindo para cá. E…
— Shhh... — peço, tirando os meus tênis e sentando-me na cama ao seu lado. — Podemos
apenas nos deitar juntos? Por favor?
Hawke se move na cama para me dar espaço. Suspiro enquanto deito meu corpo ao seu lado.
Encosto a cabeça no seu ombro e assim que ele me abraça, ouço o suspiro doloroso por cima dos
meus fios, que bagunçam pela respiração pesada.
— Vamos superar isso, não vamos? — ele pergunta.
— Sim! — Beijo a curva do seu pescoço e consigo sentir o molhado das lágrimas no seu
pescoço. — Nada vai nos separar. Lembra?
— Espero que sim, Pequena Sereia — responde.
Permanecemos em silêncio por mais longos minutos. Hawke beija o meu rosto incessantes
vezes e eu me aperto mais perto dele. Aos poucos, o corpo dele vai relaxando e o meu também.
Mais uma vez nós dormimos abraçados. Só que, desta vez, uma série de sentimentos
dilaceradores estão instalados nos nossos corações. E pior deles é o medo.
Despertar na minha cama de solteiro antiga, e junto à Hawke, nunca foi tão dolorido. O fato
de estarmos maiores do que anos atrás é o fato principal, mas não posso deixar de comentar que
Hawke impediu-me de me mover muito durante a noite por conta da força do seu abraço ao meu
redor.
Abro meus olhos e sinto seus braços pesados em volta do meu corpo. Estico o pescoço até
conseguir roçar os lábios no maxilar dele. Logo um sorriso bobo se faz nos lábios bonitos e eu
sorrio contra a sua pele.
— Feliz Páscoa.
— Feliz Páscoa, Pequena Sereia — responde sem abrir os olhos e me apertando um pouco
mais contra seu peito.
Um suspiro pesado sai dos lábios dele quando abre os olhos e encara o teto.
— Por favor, me diz que foi só um sonho ruim!
Pressiono os lábios e nego com a cabeça, apoiando-a no peito dele.
— Não foi um sonho. É a nossa realidade a partir de agora.
— Nossa? — ele pergunta, me afastando um pouco para olhar em seus olhos. — Desculpa,
amor. É que ontem eu pensei tanta coisa... — Ele desvia o olhar brevemente. — Estou tão
assustado que só coisas ruins vieram na minha cabeça, sabe? Você me deixando foi a primeira
delas.
— Ei... — falo, subindo em cima do corpo dele para encarar seus olhos. Encaixo meu
quadril com o dele enquanto Hawke espalma as mãos nas minhas coxas. — Vamos passar por
isso juntos, tá? Vai ser difícil para nós dois nos adaptarmos a algumas coisas..., mas creio que
somos responsáveis o suficiente para lidar com isso.
Hawke segura na minha mão e entrelaça nos dedos, me olhando atentamente nos olhos. Ele
leva nossas mãos unidas para os lábios e as beija diversas vezes.
— Eu te amo, Anise. Nunca duvide que você é a mulher da minha vida.
Sorrio de lado, tentando processar as novidades. Muita coisa mudará.
— Bom, mas vamos lá. Acho que temos um almoço de Páscoa para enfrentar — a voz dele
sai arrastada e irônica. — Isso se o mau humor do meu pai não estragar tudo. Ou as lágrimas da
minha mãe. E talvez a raiva da Mabel. Também podemos citar o fato de que o gato rabugento da
Mabel está mais irritado do que nunca.
— Vai ser um almoço e tanto.
— É. Mal posso esperar.

— Querida, você está linda! — Mamãe solta um suspiro quando eu desço as escadas da
nossa casa dentro de um vestido bem alinhado ao corpo.
Num tom cinza gelo, ele se destaca com os meus fios alaranjados e o laço vermelho que uso
na cintura. Nos pés, sapatilhas pretas.
— Obrigada! — falo, passando a mão no cabelo parcialmente solto. — Este foi o vestido
que você me deu no Natal passado — aponto.
— Você está cada dia mais linda — vovó entra na conversa, empolgada.
Minha mãe tem um sorriso largo no rosto. Hoje seus cabelos estão soltos. Diferente dos
meus, os cabelos dela são lisos e um pouco mais curtos, além de possuírem bem menos volume.
Ela está usando um macacão verde musgo que contrasta perfeitamente com a pele pálida e
cabelos alaranjados.
Vovó, por sua vez, está usando um conjunto rosa chá que a dá a maior cara da vovó do Piu-
Piu e Frajola.
— Preparamos a torta de limão que você gosta para o almoço.
— Uh, então vou cuidar para não comer muito o ensopado de batatas da senhora Scott.
— Não sei a que horário podemos ir. Ouvi eles conversarem até tarde ontem... — Mamãe
aperta os lábios uns nos outros, soltando um suspiro pesado ao caminhar até a cozinha.
Acompanho ela e vovó.
— Onde o vovô está? — tento mudar de assunto.
— Já está organizando a churrasqueira e mesas o senhor Scott. Sabe como eles adoram falar
da temporada de futebol americano durante a manhã toda e organizar as coisas aos poucos…
— Uhm... — respondo em um muxoxo. — Eu tô pensando em ir agora, sabe? Não vi a
Mabel ontem.
Mamãe está retirando a torta de limão da geladeira quando me lança um olhar confuso.
— Você e o Hawke então…
— Você está brava com isso? — pergunto, receosa.
Mamãe suspira, encarando a torta que coloca sobre a mesa.
— Só não queria que tivesse escondido isso de mim.
— Nós queríamos ter falado com todos vocês, mãe! — Me aproximo ao segurar a mão dela.
— Vai dar tudo certo.
— Querida, ele vai ter um bebê agora.
— Eu sei. Ainda estou um pouco confusa com isso, mas estarei ao lado do Hawke, certo? —
Aperto um sorriso. — E você, como está?
Ela me olha, confusa.
— Ontem falei sobre o Robert e você ficou estranha.
— Ah, Anise… — Ela desvia o olhar, encarando um ponto qualquer na cozinha. — Ainda é
um pouco complicado para mim, sabe? Ele nos abandonou… — a voz dela quebra um pouco e
eu aperto suas mãos nas minhas.
— Não foi sua culpa, mamãe — afirmo o que venho falando para ela nestes dois anos. —
Não foi e nunca será. Ele era um idiota e foi embora para ficar mais confortável. Se fosse apenas
por sua causa, ele continuaria em contato comigo e com a Rosemary. Só que... olhe só: ele
esqueceu disso também. Ele abandonou nossa família! — Sorrio para a minha mãe, que tem
lágrimas sutis nos olhos. — Não consigo imaginar o quanto isso pode ter afetado a sua
confiança, mas aceitar o convite do doutor Ray parece um bom passo para restabelecê-la... —
Pisco.
Minha mãe bate em meu ombro e ri.
— Vou matar a Rose por ter falado isso para você!
Mordo o interior da bochecha e tento me controlar para não dizer mais nada. No segundo
seguinte, a porta da frente é aberta e eu sorri aliviada ao ver Mabel adentrando a casa como se
fosse dela.
— Bom dia! O raio de sol mais lindo dessa cidade está aqui para iluminar a manhã de vocês
e avisar que vocês já podem ir para a minha casa — ela fala enquanto caminha até mim com suas
sapatilhas douradas chamando atenção. Mabel vai até minha mãe e beija seu rosto, desviando o
olhar para a torta de limão. — Ah, eu não deveria ter vindo. Preciso me preparar para as audições
da academia de dança de Nova Iorque e é meramente impossível manter o peso com isso aqui. —
Aponta para a torta. — Isso é divino.
Mamãe cora rapidamente e ri como se tivesse ganho o melhor elogio do universo. Mabel
cumprimenta a vovó e logo vem para perto de mim, então saímos da casa. Mamãe e vovó saem
um pouco mais à frente, nós duas ficamos um pouco mais para trás.
— Como estão as coisas lá? — pergunto, curiosa.
— Uma merda. Estou querendo matar os dois — resmunga, cruzando os braços. — Mamãe
chorou a noite toda e o papai quase matou o Hawke.
— É. Eu ouvi.
— Eu gritei também. Você sabe como eu fico quando estou brava. — Ela bufa, encostando o
corpo ao lado da porta ao rolar os olhos. — Eu não acredito nisso ainda. Pelo que Hawke me
disse, aconteceu em Toronto, na única vez que ela foi visitá-lo. Foi a última vez que eles ficaram
juntos…
Céus, eu não havia pensado sobre isso.
— O Hawke está apavorado.
— Que seja! — Ela dá de ombros e depois fecha os olhos. — Eu só espero que essa criança
seja muito parecida com o Hawke, ou eu vou querer matá-la por lembrar a Kendra.
— Mabel! — Dou um tapa no braço dela. — Não despeje veneno em cima de uma criança
inocente.
Ela rosna, literalmente.
— Eu estou tão brava com ele, Anise! — Aperta os punhos e bate nas coxas nuas por conta
da saia jeans que usa. — Hawke... o meu irmãozinho com um bebê. Argh!
Coloco a mão no braço dela e faço um carinho.
— Vamos tentar esquecer isso hoje? Hum?
— Impossível, Anise! — Ela me olha de forma flamejante. — Como eu vou esquecer que a
Kendra e o Hawke vão ter um monstrinho?
Eu aperto os lábios um no outro e tento permanecer calma sobre os comentários raivosos
dela. Provavelmente, a minha amiga estava guardando toda sua fúria para desabafar comigo
nesta manhã. Mabel solta uma lufada de ar e cruza os braços na frente do corpo.
— Eu estou terrivelmente irritada.
— Uh, nem notei. — Acabo rindo baixo. — Vamos para lá?
Ela passa o braço pelo meu, enganchando os dois para irmos para a sua casa, igual fazíamos
nos tempos de escola.
— Seus pais, hum, falaram sobre nós? Quero dizer, O Hawke me beijou na frente deles…
Mabel me olha pelo canto dos olhos e solta uma risada nasalada.
— Nada foi dito, mas minha mãe ficou perturbada e o papai assustado.
— Droga...
Solto uma corrente de ar pelos lábios em frustração, fazendo uma careta logo em seguida. É
frustrante pensar que eu terei que encarar todos de maneira dividida. É como andar em uma
corda bamba.
Mordo o lábio com força quando paramos em frente a porta da casa dos Scott. Eu recuo,
completamente receosa. A loira ao meu lado me lança um olhar terno e um sorriso convidativo.
— Ei, Anise... Sem receios. Pense que somos apenas vizinhos passando o almoço de Páscoa
juntos.
A mão dela vai direto para a maçaneta e ela abre a porta da sala, me empurrando para dentro
do cômodo. Mabel me conhece tempo suficiente para saber que, se eu pensar demais, eu
provavelmente desistirei de tudo e correrei para a minha casa com a desculpa de alguma dor de
cabeça. Já que sou campeã em evitar situações constrangedoras. Fico encarando minhas
sapatilhas ao ouvir Mabel trancar a porta.
— Chegamos! — anuncia em voz alta.
Uno as mãos na frente do corpo e me sinto estranhamente desconfortável no lugar que
frequentei por tanto tempo. A sala da senhora Scott continua perfeita e alinhada em uma
combinação de retrô e vintage. Ela é extremamente caprichosa e não mudou com os anos.
— Anise, querida, estava contando à senhora Scott sobre o seu novo emprego.
Minha garganta parece fechar e o ar fica difícil. Eu sequer consigo levantar o olhar para a
cozinha americana, preferindo continuar a encarar minhas sapatilhas pretas. Mexo
desconfortavelmente os dedos uns dos outros e troco o peso do corpo entre os pés.
— Uhm... — murmuro.
— Ela está amando, chega em casa fedendo a cachorro molhado todos os dias da semana —
Mabel diz, segurando nos meus ombros.
Eu lanço um olhar ameaçador para a minha melhor amiga, que parece se divertir com a
situação. É..., talvez ela precise fazer piada e graça com isso para aliviar a própria tensão. A loira
praticamente me empurra na direção da cozinha. Eu me atrapalho com os pés e nós duas quase
caímos juntas em determinado ponto.
Assim que nós duas nos recompomos do quase tombo, com risadinhas baixas, acabo por
encontrar os olhos da senhora Scott na minha frente. Ela está parada no início da cozinha com
uma expressão estranha. Posso dizer que é um misto de aflição e felicidade. Bem, tudo fica um
pouco mais embaraçoso quando ela me puxa pelos ombros para um abraço caloroso.
— Olá, Beth! — falo, tentando retribuir o abraço, já que meus braços estão sendo esmagados
por ela.
— Eu sinto muito. E de verdade! — sopra contra os meus cabelos e me aperta um pouco
mais.
Eu sei que ela se refere ao fato de Hawke ter um filho. Bom, eu acho que ela ainda está em
choque. Não é novidade que os texanos são metódicos, conservadores e cheios de regras sociais.
Um filho fora do casamento é algo bem pontual na religião deles. Ao que tudo indica, os Scott
parecem um pouco mais conservadores do que eu imaginava.
— Eu também... — falo baixinho, não querendo chamar atenção da minha mãe, que está
sendo entretida por uma Mabel falante. — Mas eu estou bem, senhora Scott.
Eu não sei, na verdade.
A notícia da gravidez de Kendra está me assolando faz pouco mais de doze horas e eu tenho
plena convicção de que não sei como me sinto totalmente. O medo de tudo está gritando na
minha cabeça e tento negligenciar todo o receio que sinto. Eu sei que precisamos e vamos passar
por isso juntos, só que associar tudo isso com o fato de que temos que contar para os nossos
familiares sobre nós está me deixando maluca.
Finalmente a senhora Scott me solta, lançando um sorriso para mim.
— Fiz o ensopado de batatas.
Arqueio as sobrancelhas e sorrio.
— Você é demais, senhora Scott.
Neste momento, eu troco um sorriso sereno com ela. É como se nada tivesse mudado. Tudo
parece perfeito. Ela volta para a cozinha e as mulheres mais velhas começam a falar, empolgadas
sobre a nova posição de mamãe. A vovó não poupa elogios à organização da cozinha da senhora
Scott. Bom, ao que tudo indica, a conversa é entediante demais para duas jovens adultas. Mabel
segura na minha mão e nós duas caminhamos para os fundos da casa.
O senhor Scott e o vovô estão em volta da churrasqueira jogando conversa fora e bebendo
cervejas. Uma grande mesa de madeira está ao canto do gramado baixo, com toalha xadrez e os
pratos bem-dispostos. O dia se mantém ensolarado e lindo. Assim que adentramos ao gramado,
os homens giram as cabeças para nossa direção.
— Boneca do vovô! — meu avô fala, sorridente, me lançando uma piscadela. — Você está
linda!
Dou de língua para ele, que ri. Atrás dele, o senhor Scott parece ponderar se sorri para mim
ou não, preferindo desviar o olhar para a sua garrafinha de cerveja. Mordo o interior da bochecha
quando Mabel caminha até os bancos de madeira ao redor da mesa.
Me acomodo, assistindo a minha melhor amiga se aproximar do cooler de cervejas dos mais
velhos e pegar duas garrafinhas. O senhor Scott olha torto para ela, mas acaba rindo pela maneira
que ela abre as garrafinhas com habilidade. Eu realmente não acredito que eles acham que nós
não consumimos álcool com vinte e quatro anos.
Mabel me oferece uma das garrafinhas quando se ajusta ao meu lado, tirando do seu bolso
traseiro os óculos de corações com lente vermelha.
— Ao meu amado ou amada sobrinha. — Ela levanta a garrafinha.
Franzo o cenho e bato na minha garrafinha na dela.
Bebemos um longo gole da bebida amarga. Quando abaixo a minha garrafinha, Mabel ainda
está bebendo da dela. Acabo por rir quando ela quase esvazia a garrafa e retira outra da manga do
seu casaco.
— Papai nunca foi bom com os meus truques para esconder álcool — ela fala, abrindo a
segunda garrafa.
— Eu lembro quando brincamos de verdade ou desafio no porão da sua casa com uma
garrafa de licor.
Ela vira o rosto para mim e ri.
— Claro que não vai esquecer. Você beijou o Tristan naquela tarde.
— É. Depois de brigar com o seu irmão. — Mordo o lábio e observo as gotinhas que se
formam ao redor da minha garrafinha.
— É sério isso?
— Sim. Basicamente o seu irmão não achou apropriado nós estarmos brincando sobre isso
valendo beijos e perguntas íntimas. Ele era um ciumento enrustido e não sabia ligar seus
sentimentos na época — confesso, bebendo outro gole.
Meus olhos logo se vão para a porta. Ele está lá. Seus olhos estão procurando por algo e
assim que nós dois nos encontramos, ele sorri largamente. Fico me perguntando como Hawke
consegue ficar tão lindo apenas com suas roupas simples.
Em poucos instantes, ele tenta se juntar ao seu pai e meu avô. Noto que o senhor Scott evita
dirigir a palavra ao filho e até mesmo a olhá-lo nos olhos. Meu coração se aperta um pouco com
a cena.
— Papai ainda está muito chateado — Mabel comenta. — Sabe, eles acabaram investindo
algumas expectativas em Hawke como filho mais velho. Casamento, filhos e uma fodida vida
perfeita. Hawke nunca deixou as coisas claras para eles como eu fiz. Então foi fácil para os dois
projetarem nele a perfeição. Bem, se Kendra não tivesse aparecido aqui ontem, eu tenho plena
certeza de que eles ficariam eufóricos demais com o namoro de vocês. Você é a cara da
ingenuidade, inteligente, simpática e linda. Os filhos de vocês vão ser ridículos de tão lindos.
— É estranho, não é? — praticamente sussurro, sentindo o meu peito comprimir mais. —
Tudo estava tão bem e agora...
Mabel coloca uma mecha do meu cabelo para trás da orelha e me olha daquele jeito que só
ela sabe.
— Sabe o que é estranho? Vocês dois são tão humanos e tão incrivelmente perfeitos. Você
podia estar surtando e... sei lá, despejado a sua raiva e frustração na Kendra. Como eu fiz —
Aponta para si mesma —, só que aí está você... preocupada com ele. Só que, Anise, não se
esqueça de se preocupar com você mesma e seus sentimentos. Você tem feito muito disso desde
que o babaca do seu pai foi embora.
— Isso?
— É. Mascarado os seus sentimentos uns com os outros. Você já olhou e se perguntou como
se sente com tudo que está acontecendo? Eu realmente aprecio sua empatia. Contudo, olhe para
si mesma e se pergunte um pouco sobre você.
— Não sei. Tudo estava bem e agora… estou tentando ser racional. Talvez eu precise disso.
Questionar-me um pouco mais sobre o que eu sinto no meu coração e não no meu cérebro.
— Querida, o churrasco está pronto! — o senhor Scott anuncia.
Olho para a porta da casa quando a mamãe, a vovó e a senhora Scott surgem com as
travessas de arroz, batatas e vagens. Elas organizam a mesa e os homens juntam-se ao momento.
Hawke se apressa para se sentar do meu lado direito, já que o lado esquerdo está ocupado por
Mabel.
O almoço segue tranquilo. Algumas conversas paralelas acontecem. O senhor Scott fala
quão importante é começarmos a plantar novas árvores nos jardins por conta do processo de
filtragem do ar. Mamãe comenta sobre o drive-in que começará a funcionar na cidade.
Empurro o máximo de ensopado de batatas para dentro da minha boca que consigo e acabo
resmungando quando me lembro da torta de limão da mamãe. Além disso, a senhora Scott
provavelmente preparou uma de frutas vermelhas e outra de chocolate — as favoritas de Mabel e
Hawke.
Troco um olhar feliz com Hawke, que me lança um sorriso carinhoso.
— Sim, acredito que no Natal não possamos ir até Washington porque provavelmente
Kendra já terá ganhado o bebê.
Viramos o rosto para a mesa após a voz da senhora Scott tomar um volume maior do que
qualquer conversa paralela ali. Neste momento, ela segura forte a base da espátula da torta. Vejo
que ela aperta mais do que o comum. Seus dedos estão esbranquiçados. Parece levar uma
eternidade até que ela levantar o olhar para mim e Hawke, que estamos à sua frente, só que do
outro lado da mesa. Ele segura forte na minha mão por baixo da toalha. Embora a música esteja
tocando ao fundo, o silêncio que toma conta da mesa é torturador.
— Eu... eu... — ela tenta começar.
Um pigarrear no canto da mesa, vindo do senhor Scott, chama atenção de todos. Ele entorna
a sua cerveja com certo tremor nas mãos e um revirar de olhos entediantes.
— No Natal, o nosso filho provavelmente estará trocando fraldas do filho com a sua ex-
namorada. É isso que a Beth quer dizer — a voz dele é cheia de ressentimento e mágoa.
— Olha, pai, eu sou adulto e vou arcar com as minhas responsabilidades.
O senhor Scott fecha a mão em um punho e a solta como se estivesse tentando dissipar a
raiva.
— Você não pode falar de uma criança como se fosse uma mera responsabilidade, Hawke.
Sua vida vai girar em torno desse bebê a partir de agora. Carreira, planos, sonhos, namoro,
casamento... Tudo fica em segundo plano quando nós temos uma criança.
Levanto o rosto para encarar as reações de Hawke.
— Eu sinto muito se desapontei todos aqui. Eu não estou feliz comigo mesmo — confessa
com a voz trêmula. — Eu sou humano. Só que não vou tratar o meu filho como um erro.
Aconteceu de maneira imprudente. Mas, na época, eu e Kendra estávamos em um relacionam…
O senhor Scott bate na mesa, fazendo com que alguns porcelanatos se batam e façam um
barulho estridente. Todos na mesa se assustam com a atitude dele. Eu nunca o imaginei assim,
então seu seu olhar reprovador atinge Hawke mais uma vez e desta vez eu estou o encarando
também.
— Chega! Apenas pare de falar como se isso fosse simples! Você e sua mãe estão tratando
isso de maneira tão calma que chega a ser estúpido. Você tinha uma carreira incrível, Hawke.
Investimos em um futuro brilhante quando você decidiu fazer um curso nada estimado e um
intercâmbio para aperfeiçoar isso! — Ele levanta e inclina o corpo sob a mesa. — Você vai lidar
com a sua merda e não vai arrastar a Anise para isso. Ela é uma ótima garota e não merece ficar
presa a uma criança com uma mãe problemática e…
Sinto que minha mão começa a suar. Aperto um pouco ela na de Hawke. Ele toma a frente e
fala o que está preso na minha garganta:
— Eu e Anise estamos juntos. Estamos namorando há quase dois meses. Eu a amo mais do
que qualquer coisa — afirma Hawke, olhando de forma dura para o pai.
— O que você está falando, Hawke? — papai parece mais nervoso do que eu imagino que
ele reagiria. — Namorando? Você saiu de um relacionamento de quatro anos e colocou a melhor
amiga da sua irmã nessa confusão?
Estou mordendo o lábio e com os olhos fechados quando Hawke solta a minha mão para se
levantar. Uma grande discussão começa a acontecer em volta da mesa.
Mamãe está tentando controlar Rose, que resmunga alto sobre todos serem adultos. Hawke
grita com o senhor Scott. É uma mistura de vozes terrível. Sufoco o choro na minha garganta e
sinto um leve tremor quando abraço o meu próprio corpo.
Se existisse qualquer possibilidade de voltarmos no tempo e vindo mais cedo para casa, eu
com toda certeza o faria. Provavelmente, eu estaria sentada na sala da casa dele quando Kendra
e James chegassem.
Balanço a cabeça antes de abrir meus olhos e encarar a confusão que se instala na minha
frente. Um caos. Nunca imaginei que um almoço de família acabaria em gritos.
Sinto a coragem se dissipar por cada veia e, em um rompante, me levanto, chamando a
atenção de todos.
Hawke diminui a voz, Rose e mamãe estão me encarando. Encaro o rosto de todos na mesa,
tentando manter a calma para não cair no choro.
— Eu acho que todos estamos aqui para comemorar uma data importante. Não só para o
calendário católico, mas para as nossas famílias, que sempre foram unidas. Eu não queria
precisar falar de maneira tão rude, mas eu vou. Eu e Hawke nos amamos. Nos amamos de uma
maneira tão bonita que eu não me sentia tão viva faz anos. Foi ele que me amparou durante todas
as minhas crises de ansiedade e todas as noites que meus pais discutiam. Ele cuidou e cuida de
mim de uma maneira impecável. Ele era meu amigo e continua sendo. Eu estou feliz com ele e,
se o destino permitir, é com ele que eu vou casar e ter filhos. Independente se ele já tiver um,
dois ou três filhos com alguém. — Alterno o meu olhar ao senhor e a senhora Scott. — Nenhum
método contraceptivo é cem por centro eficaz. Nós estamos expostas a dois ou cinco por cento
de margem de erro de quaisquer métodos. Então, senhor e senhora Scott, vocês conhecem muito
bem o filho de vocês para saber quão responsável ele é. Hawke e Kendra não merecem carregar
o peso do mundo nas costas agora, quando a vida deles vai mudar completamente. — Molho os
lábios com a língua e abaixo o meu olhar, respirando profundamente. — Agora, se vocês me
derem licença, eu vou me retirar! — Olho para Hawke, que me observa atentamente. — Você
pode me encontrar na frente de casa daqui dez minutos e para irmos para casa?
Hawke pisca algumas vezes e assente, levantando-me e segurando na minha mão.
— Casa? — o senhor Scott pergunta.
— Sim. Estamos cogitando a possibilidade de morarmos juntos — eu afirmo, sem vacilar, e
aperto a mão de Hawke quando nos afastamos.
Céus, eu deveria ter contado isso à Mabel. Preciso ser honesta com ela e provavelmente vou
ouvir algumas piadinhas e desabafos sobre essa informação. Contudo, o que eu preciso neste
instante é sumir desse lugar.
Hawke para o carro na frente do prédio. Observo de soslaio quando ele encosta a parte de
trás da cabeça no banco e solta um suspiro pesado. Uno as mãos em cima do colo e suspiro.
Depois que entramos no carro, trocamos poucas palavras. Eu e ele choramos durante a viagem
silenciosa.
— Você tem certeza disso? — ele me pergunta, mais uma vez.
— Sim. Eu preciso disso — falo, mesmo não tendo certeza. — São só algumas noites. Só até
tudo entrar nos eixos. Eu preciso ficar comigo mesma.
Finalmente vira o rosto para mim, mostrando-me suas expressões tristes e cheias de mágoa.
— Eu te amo, Anise.
Acabo sorrindo para ele, ignorando as lágrimas que estão nos meus olhos.
— Só no dia de hoje você disse isso mais vezes do que eu consigo contar.
Ele se dá por vencido e acaba sorrindo.
— E você gostou?
— Sim. Eu só não gosto de saber que você acabou me dizendo isso algumas vezes por medo
de eu mudar de opinião. Hawke, nós somos um casal e vamos passar por isso juntos. Eu só
preciso…
— De tempo... — ele fala, apertando um sorriso nos lábios carnudos.
— É.
A mão dele toca o meu rosto e ele aproxima o corpo do meu para encostar os nossos lábios
em um beijo sutil. Quando afasta o rosto do meu, encaro seus olhos azuis cheios de lágrimas.
— Posso lhe enviar uma mensagem de bom dia amanhã?
— Claro que sim. Eu preciso passar um tempinho sozinha, mas isso não significa que não
podemos trocar mensagens.
— Melhor assim! — Ele volta a beijar os meus lábios.
Ficamos assim por longos minutos. Mesmo precisando de um tempo comigo mesma, reluto
até o último minuto para não desistir disso para ir dormir em seus braços.
Quando saio do carro com minha mala e subo para o meu apartamento, eu sinto. Sinto tudo o
que Mabel me alertou que eu estava escondendo. Nas horas seguintes, eu sinto todo o peso das
últimas semanas mascaradas com faculdade, trabalho e namoro.
Abro os olhos com certa dificuldade. O volume alto do despertador ecoa pelo quarto. Passo a
mão no rosto antes de abrir os olhos e apalpar o meu cobertor atrás do eletrônico. Uma lufada de
ar sai dos meus lábios quando noto que já devo ter apertado na soneca do telefone mais vezes do
que o necessário, me fazendo praticamente saltar da cama e rumar para o chuveiro.
Um banho rápido e alguns palavrões depois, eu estou terminando de pentear os cabelos para
ir para a faculdade. Antes de sair do apartamento, acabo abrindo quase todas as portas dos
armários da cozinha apenas para constatar que precisamos ir às compras.
Mesmo com fome, saio do apartamento já pronta para me atrasar para a aula. Preciso de um
café da manhã antes de aguentar a aula de Políticas Sociais da faculdade. Quando paro o carro na
frente do bloco, confirmo que estarei bem atrasada para a aula. Evito pensar nisso e vou direto
para a cantina do bloco, tentando organizar os papéis dentro da pasta e equilibrar o telefone na
outra. Paro na fila da cantina e teclo uma mensagem de bom dia para Hawke.
Já faz uma semana desde que voltamos da casa dos nossos pais e ainda não nos vimos.
Anise: Bom dia. Eu também sinto sua falta.
Por ironia do destino, ouço um telefone ressoar pela fila de alunos que estão sonolentos para
prestar atenção em algo. Giro a cabeça e consigo ver, no fim da fila, Hawke. Meu sorriso cresce
quando vejo ele pegar o telefone do bolso para digitar a mensagem de resposta.
Hawke: Bom dia, amor. Como você está hoje?
Anise: Bem, e você? Essa sua blusa é linda. Você fica ótimo de azul marinho, deixa seus
olhos mais evidentes.
Consigo observar quando suas sobrancelhas se unem e ele encara a tela do aparelho.
Hawke: ?
Como se meus olhos chamassem os seus, ele me encontra nos instantes seguintes. Um
sorriso bobo molda os lábios grossos e eu assisto Hawke se deslocar para até onde eu estou. A
cada passo, eu consigo ver que ele está receoso, como se estivesse pensando no que fazer. Mordo
o lábio quando ele para na minha frente. Procuro seus olhos azuis, mas ele desvia o tempo todo.
— Bom dia! — a voz dele também soa baixa.
Fico na ponta dos pés, colocando as mãos em seus ombros ao aproximar o meu rosto do
dele. Quando Hawke se dá por conta, volta a me encarar e, antes que eu encoste os lábios nos
dele, sorri. As mãos dele vão direto para o meu quadril e eu agradeço o contato. Como eu senti
falta disso. O cheiro dele sempre me remete à casa, conforto e amor.
Assim que os nossos lábios se separam, eu sorrio contra sua boca e ele suspira. Observo
atentamente quando me abraça mais forte e beija a minha testa.
— Que saudade, Pequena Sereia.
Passo meus braços pela cintura dele e o puxo para mais perto de mim.
— Sete dias, Hawke... — sussurro contra seu peito.
— Uma eternidade.
Enterro o rosto no peito musculoso e fecho os olhos por alguns instantes. Só um momento
para fingir que está tudo bem. Sem problemas e sem nenhum empecilho. Apenas nós dois. O
momento dura pouco, já que a atendente do balcão nos chama e Hawke faz o nosso pedido.
— Dois cafés. Um com espuma extra e o outro duplo. Vai querer comer, amor? — ele
pergunta, passando a mão nos meus cabelos e concordo. — Três donuts de chocolate.
— Uh, chocolate não... — murmuro — Rose me encheu de chocolate no sábado passado e
ainda tenho pesadelos com isso.
Ele ri e acaba trocando por creme o recheio da rosquinha açucarada. Desgrudo o corpo dele
para pegarmos os nossos pedidos e levarmos até uma das mesas do lugar. Puxo uma cadeira para
sentar assim que coloco os cafés em cima da mesa. Hawke faz o mesmo, colocando a cadeira
dele ao meu lado para poder me abraçar de novo e me roubar um sorriso apaixonado quando
enterra o rosto no meu pescoço e beija a minha pele.
— Você está cheirosa — ele praticamente sussurra contra a minha pele. — Já estamos
saindo daquele tempo que você pediu?
— Não sei, pareceu certo ficar com você agora, então… apenas vamos com calma.
O rosto dele se afasta ao apanhar uma rosquinha. Faço o mesmo e suspiro ao sentir o doce
contra a língua.
— Como foi seu dia de ontem? Mal conversamos — ele pergunta, passando um braço pelas
minhas costas e fazendo um carinho no meu braço com o polegar.
— Estressantes. Um dos cachorros teve uma briga com outro na praça e houve uma
mordida. — Suspiro. — Eu e Vanessa perdemos um contrato.
Logo um silêncio se forma entre nós. Por mais difícil que seja, é impossível nós não
falarmos disso agora. É a nossa nova realidade.
— Você falou com a Kendra? — pergunto, baixo.
— Sim — fala, largando a rosquinha e limpando a mão em um guardanapo. — Ela vai ao
médico essa semana. Quarta-feira. — Puxa o café e bebe um gole, olhando para a frente. — Ela
fez uma consulta com a ginecologista no sábado pela manhã e parece que a médica avaliou pelo
ultrassom o bebê. Ele está saudável, contudo, a Kendra já tem um histórico de aborto
espontâneo. Será feita uma investigação mais a fundo para saber se não há riscos para o nosso
filho.
Abaixo o olhar no instante em que ele fala “nosso filho”. Talvez eu ainda seja uma tremenda
filha da mãe egoísta por estar chateada com isso tudo. Ainda sinto aquela dorzinha no coração
quando vejo que eles terão um elo eterno. Minha relação com Hawke é sólida e consistente, eu
tenho plena certeza de que ele não vai me deixar. Só que parece que a insegurança sempre bate à
minha porta.
A mão dele acaricia minha pele quando me puxa para si, beijando minha bochecha.
— Você vai voltar para o apartamento hoje? — ele fala, mudando de assunto.
— O que acha de um jantar lá em casa e depois nós podemos ir para o apartamento?
Aproveitar que você não trabalha hoje…
— Acho uma ótima ideia, Pequena Sereia.
Ele responde, colocando mais um pedaço de rosquinha na boca e ficando cheio de açúcar em
volta dos lábios. Quando ele sorri com a boca cheia, jogo a cabeça para trás e sorrio da sua
expressão marota. De maneira sigilosa, eu desejo que essa criança herde esse lado maroto de
Hawke.
— Eu não acredito! — Jogo uma borda de pizza em Mabel. — Você é uma mentirosa,
Mabel!
— Omiti uma informação, isso não é mentira!
— E desde quando nós omitimos informações, mocinha? — Josh resmunga, balançando a
pizza no ar. — Você deveria ter falado que está saindo com aquele gostosão.
— Gostosão? Cara? — Dan arregala os olhos.
— O cara é âncora do jornal da noite, cara. Não me diga que você não o acha um garanhão?
Nós cinco explodimos em uma gargalhada alta.
Dan, Josh, Mabel, Hawke e eu estamos em mais uma noite de pizza. Deixo um sorriso brotar
nos meus lábios no mesmo momento. Dan e Hawke não proferiram nenhuma ofensa e eu já estou
feliz por isso.
Meu corpo está no chão da sala com as pernas sobre Hawke enquanto ele mantém as costas
apoiadas no sofá e faz um carinho no meu braço com a ponta dos dedos.
Hawke está muito mais aliviado, se comparado a hora que chegou. Ele ainda está receoso
comigo e não o julgo. Vi quando ele teclou alguma mensagem com James e um calafrio me
percorreu a espinha. Eu observo atentamente o seu carinho na minha pele arrepiar a cada toque.
— A Kendra está sozinha? — eu pergunto baixinho, assistindo Mabel contar como conheceu
Kendrick Hommes, o pai da garotinha que ela dá aula na academia de ballet.
— Ela se mudou para a casa do James e está com o apartamento alugado.
Eu bufo, negando algumas vezes com a cabeça.
— Então ele praticamente a ignorou?
— Sim. O homem é um conservador nato e não quer uma filha solteira com um filho.
— Estupido... — as palavras me escapam pelos lábios. — Espero que ele volte atrás
enquanto é tempo, porque no momento que essa criança nascer ele vai se arrepender.
O barulho de um copo se espatifar no chão nos chama atenção. Viro para a direção da
cozinha e vejo Dan parado, com um semblante assustado e perplexo.
— A Kendra está grávida?
— Droga! — ouço Mabel dizer.
Levanto do chão junto a Hawke.
Dan desvia o olhar para o chão, observando a bagunça dos cacos de vidro. Ele parece
desorientado. Noto quando ele dá um passo para trás, passando a mão no rosto ao respirar
pesado. Quando levanta o rosto, vejo-o lançar um olhar ameaçador para Hawke.
Só que, sem proferir nenhuma palavra, ele caminha na direção da porta. Escuto o barulho
dos tênis contra o assoalho no corredor e quando ele bate a porta do apartamento. O silêncio na
sala é ensurdecedor. Sinto como se tivesse levado um chute na boca do estômago. O olhar de dor
de Dan ainda é sufocante. Ele ainda a ama.
— Eu vou atrás dele — anuncia Josh.
Engulo em seco, observando meus amigos caminharem para fora do apartamento. Me
apresso para juntar o vidro do chão, unindo os cacos maiores com as mãos mesmo. Mabel surge
com uma vassoura e me ajuda com a bagunça. Ouço algumas vozes altas vindas do corredor e
levanto o olhar, vendo que Hawke está perto da janela, olhando para a rua com o olhar vazio.
Mabel se agacha ao meu lado e coloca a mão no meu ombro.
— Acho bom vocês irem para a casa do Hawke por hoje.
— Eu também acho... — falo, desviando o olhar para minha amiga.
Aperto os lábios para observar Hawke passar a mão nos cabelos diversas vezes e bufar. Me
levanto, caminhando até onde ele está.
— Ei…
— Eu… eu… — diz, nervoso. — Acho melhor eu ficar sozinho hoje. Tudo bem?
— É claro. O que você precisar.

Algum episódio aleatório de Simpsons está na TV quando o telefone vibra em algum lugar
entre o sofá e o cobertor. O dia foi sido cansativo e nada melhor do que me encher de pipoca e
calor quando me sinto exausta.
Hawke está preso no laboratório de pesquisa e não conseguimos nos ver hoje, mais uma vez.
Depois da sua saída nervosa ontem, não insisti no assunto do bebê.
Ignoro o telefone em um primeiro momento, mas ele acaba começando a vibrar de maneira
sucessiva e acabo atendendo ao telefone com a boca cheia de pipoca.
— Hum...? — minha voz sai atravessada.
— Você já jantou? — a pergunta sai certeira.
Hawke parece eufórico, e até mesmo ansioso, a julgar pelo tom da sua voz. Bem diferente da
versão de ontem.
— Não. Por quê?
— Abre a porta!
No mesmo instante, a campainha toca. Minhas sobrancelhas se unem e eu tento não soltar
um gritinho quando o barulho ressoa pelo apartamento. Levanto do sofá e coloco pote com
pipocas, quase vazio, em cima da mesa de centro da sala. Paro na porta e meus olhos vão até o
olho mágico.
Sem tirar o telefone de perto da orelha, acabo abrindo a porta e sorrindo para Hawke, que
está encostado no batente da porta com o cotovelo enquanto sua mão está segurando o telefone
perto da orelha.
Na mão livre há uma bolsa com o logo do restaurante italiano Little Italy. Além disso, está
vestido com jeans escuros, camiseta escura e uma jaqueta jeans alinhada aos seus músculos. Só
que nada disso é melhor do que o conjunto dos olhos azuis com o sorriso largo.
— Espero que esteja com vontade de comer risoto.
Molho os lábios com a língua e acabo sorrindo.
— Eu estaria com vontade de comer qualquer coisa no jantar se incluir ter você por perto.
— Droga... — ele resmunga, tirando o aparelho de perto do rosto e colocando no bolso
enquanto ri. — Se eu soubesse não iria até o outro lado do centro da cidade para buscar isso e
pegaria uma pizza no caminho. Me pouparia longos quarenta minutos de estrada e eu poderia
estar ao seu lado.
Mordo o lábio inferior e guardo o telefone no pequeno bolso da calça do meu pijama. Dou
um passo certeiro para a frente e seguro na gola da camiseta de Hawke, que parece surpreso com
o meu ato. Puxo seu corpo para o meu e uno meus lábios aos dele em um beijo quente e
necessitado. Quando separo os lábios dos seus, ele suspira e eu pergunto em voz baixa:
— O que faz aqui?
— Estou com saudades.
— Desde quando?
— Desde que você pediu essa semana de distância — revela, passando a mão pelo meu
rosto. — Me desculpe por ontem. Precisei colocar tudo no lugar — diz, com um sorriso suave
nos lábios. — Kendra e eu conversamos hoje. Foi bom. Libertador, na real. Estamos bem.
Nossos corpos estão perto. Ele desce uma mão pela minha coluna enquanto eu acabo
apertando mais o aperto dos meus braços em volta do seu pescoço. Meu sorriso não nega quão
feliz estou por vê-lo tão bem com isso.
— E o que falaram?
— Sobre tudo... sobre como não éramos bons juntos, como isso será um desafio e de como
precisaremos manter uma relação saudável para que essa criança seja feliz.
— Eu fico feliz com isso — sussurro, com o coração leve. — E, me diz, você subornou o
porteiro do prédio para entrar aqui?
— Quase isso… — Dá de ombros. — Contei que estou apaixonado por uma garota de
cabelos cor de fogo que mora neste apartamento e queria surpreendê-la com um jantar.
— Uh, e o que ele achou?
— Que sou um homem perdidamente apaixonado.
O beijo rapidamente, fazendo-o rir. Solto meus braços do seu pescoço e deixo-o entrar no
apartamento, pegando a sacola de suas mãos.
— Pode se sentar. Estou assistindo Simpsons.
Caminho até a cozinha com a sacola parda e a coloco em cima da pequena ilha da cozinha.
Vou direito até o armário aéreo e estico o corpo atrás de dois pratos. Abro os recipientes do
delivery e disponho os risotos, que eu acho ser de gorgonzola com abóbora, nos pratos brancos e
pego os talheres.
Equilibro os pratos e talheres nas mãos e volto para a sala, agora observando Hawke sentado
no sofá do centro do cômodo, já sem a jaqueta.
Estendo um dos pratos para ele, que logo o pega e eu acabo sentado na outra ponta do sofá,
colocando meus pés em cima das suas pernas. Ele acaba rindo e leva uma garfada da preparação
à boca, eu faço o mesmo, equilibrando o prato em uma mão e o garfo na outra.
— Como foi o seu dia de trabalho?
— Um pouco corrido — responde, enfiando a comida na boca. — Mas há uma projeção
futura para um emprego.
— É sério?
— Sim. Após o final da especialização, daqui a um ano. Estou empolgado com isso. —
Levanta o garfo após levá-lo até a boca com mais um pouco da comida. — Vai me dar uma
condição de vida melhor. Para a gente e para o bebê.
Concentro-me no meu prato e acabo rindo, negando com a cabeça algumas vezes.
— Isso é incrível, Hawke.
— É uma pressão fodida, amor. Isso vai piorar. Daqui a pouco. Criação, o tempo que vou
passar com o bebê, o modo como vamos instruir a educação da criança…
Hawke leva ambas as mãos ao rosto e solta uma lufada de ar.
— Hawke, você vai ser um pai maravilhoso — começo a falar, aproximando meu rosto do
dele ao beijar sua bochecha. — Vamos fazer isso juntos. Estarei ao seu lado. O que importa
agora é a Kendra e o bebê estarem saudáveis. No mais, vamos amar cada pedaço, cada
imperfeição e perfeição desse pequeno humaninho. Você é um homem responsável, capaz e
maravilhoso. Nunca duvide disso, meu amor.
Um sorriso lindo toma conta dos lábios dele.
— Sabe… que eu e a Mabel temos uma regra sobre o apartamento? Não podemos trazer
nossos casos para cá.
Ele arqueia uma sobrancelha desafiadoramente para mim.
— Você acha que eu sou um caso? E, afinal, já estive aqui outras vezes...
— Não. Claro que não. É que nós temos uma regra que diz que não podemos ficar sozinhas
em festinhas particulares.
— Então não tem com o que se preocupar. — Dá de ombros, alternando a fala com as
mastigações. — Somos mais sérios do que a regra se aplica, então não tem o que ela proteste. E
nem estamos fazendo festinha particular…. ainda.
Em silêncio, ele termina o risoto do prato e o coloca em cima da mesa de centro. Eu deixo
um pouco do arroz e acabo colocando o prato ao lado dele. Me repreendo por não ter pensado em
trazer algo para bebermos, mas antes de eu perguntar se ele deseja algo, Hawke escorrega o
corpo até o meu. Ele abre as minhas pernas, empurrando-as com as mãos e se enfiando no meio
ao subir por cima do meu corpo.
— Obrigada por estar do meu lado neste momento. Sei que ainda dói, de algum modo, mas
tudo vai ficar bem.
— Eu sei...
Ele se aproxima, sua língua toca meu lábio inferior, me fazendo arrepiar e esquecer de
qualquer conversa que estávamos tendo.
Em um ato impulsivo, empurro o corpo dele para o outro lado do sofá, fazendo-o cair com as
costas no estofado. Subo em cima dele, apoiando uma perna em cada lado do seu quadril.
Aproximo meu corpo do dele e, no mesmo instante em que sento em seu quadril, eu o beijo.
Beijo para provar que estamos bem, que ele é meu e que o amo.
Minhas mãos me ajudam no apoio do corpo em cima dele e Hawke me segura pela cintura,
me puxando para mais perto do seu corpo. A mão desliza pelo meu corpo coberto pelo pijama e
o pudor do beijo se esvai quando ele passa as mãos pelas laterais do meu corpo, na altura dos
seios, raspando a pele sutilmente com a ponta dos dedos nos dois montes. Arfo quando ele
conduz um movimento com a minha cintura, me estimulando a roçar os nossos corpos. Não
posso evitar de sorrir entre o nosso beijo quente.
Agora as mãos fortes descem até a minha bunda e ele aperta a carne com força, me puxando
mais ainda para si. O movimento em sincronia com a língua na minha boca me deixa mais perto
de perder o controle sobre o meu corpo.
A porta da sala se abre e nós nos separamos os lábios. Sento-me no colo dele e viro o rosto
para a porta, apenas tendo um vislumbre dos lábios inchados e vermelhos de Hawke. Mais além,
há uma bela ereção escondida pelo meu corpo, pressionando o meu ponto pulsante.
— QUE HORROR! — grita Mabel, tampando os olhos com as mãos. — Acho que estou
traumatizada!
Meu telefone toca dentro da bolsa. Estou esperando Vanessa fechar a porta dos fundos para
ir embora para casa. Hoje Hawke trabalhará à noite enquanto eu vou para o apartamento dele.
Estamos finalmente procurando um apartamento novo, um que tenha mais um quarto. Mabel
foi fazer uma audição para a sua bolsa de estudos e acho que todos estão se encaminhando para
novas mudanças.
Apesar disso, o pai de Hawke ainda se mantém resistente. A senhora Scott está dando apoio
à causa e acho que, em breve, faremos um encontro em Dallas. Apesar disso, eu também nunca
mais vi a Kendra.
— Oi, amor.
— Anise! — a voz dele soa ofegante. — Eu preciso da sua ajuda.
Meu coração erra uma batida.
— Hawke, aconteceu algo?
— Invadiram o bar. Roubaram uma quantidade grande de itens e eu estou com James e os
rapazes aqui. A polícia já chegou, mas estamos fazendo um inventário de itens que sumiram. —
Ele respira pesado. — A Kendra precisa ir ao médico às sete horas e nenhum de nós conseguirá
acompanhá-la.
Rapidamente, tiro o aparelho de perto do ouvido e olho o horário. Cinco e cinquenta.
Vanessa se aproxima do balcão onde estou apoiada com o antebraço e me olha com confusão.
— Você pode fazer isso por mim?
Meu coração bate depressa no peito. Nós nunca estivemos sozinhas além daquela interação
na universidade, onde ela praticamente cuspiu palavras venenosas para mim.
Você pode fazer isso, Anise.
Por Hawke e por esse bebê.
— Sim. É claro. Claro... — atropelo as palavras. — Vou até a casa de James. Você está
bem?
— Estou. — Ele suspira. — Foi um prejuízo enorme. Estamos ferrados.
Ele desliga o telefone e eu fico parada por alguns instantes, ainda tentando entender como eu
vou fazer isso. Vanessa para na minha frente e, pela sua expressão, vejo que ela não está
entendendo o que está acontecendo.
— A ex do meu namorado está grávida e eu preciso levá-la ao médico.
As sobrancelhas dela se estreitam.
— Garota, o que diabos está acontecendo?
— Desde quando você fala palavrões?
— Você acabou de jogar uma bomba dessas e não espera que minha cabeça dê pane?
Pegue seu casaco! — Ela coloca a bolsa no ombro. — Serei sua motorista nessa missão.
— É sério? — Arregalo os olhos, risonha.
— Acha mesmo que eu vou embora antes de você me explicar essa história? Nem pensar.
Te levo onde for.

Apoio meu corpo no batente da porta quando a escuto ser destrancada. Kendra está ali,
dentro de um robe de seda perolado com mangas de pompom. Seus cabelos estão escovados e ela
tem a maquiagem dos olhos levemente borrada. Seu semblante é branco e ela parece fraca.
— Você...? — As sobrancelhas dela se arqueiam. — O que faz aqui?
— Vim te buscar para a sua consulta. Hawke e James estão no bar. Assaltaram o lugar.
— Ah, merda! — ela fala.
— Sim, eu também achei e… — paro de falar quando Kendra simplesmente curva o corpo e
vomita nos meus pés.
Ela coloca as mãos na barriga enquanto joga tudo para fora. Quero vomitar junto, mas me
contenho em evitar respirar. Engulo em seco e me abaixo, segurando seus cabelos com uma mão
e o ombro com a outra. Depois de umas duas golfadas, ela se recompõe.
— Eu realmente preciso ir com você? — a voz dela se torna arrastada.
— Você não tem escolha.
— Argh. Tudo bem. Entre, vou me trocar. — Ela aponta para o chão. — E vou pedir para
alguém limpar isso.
Kendra volta para dentro de casa arrastando os pés e resmungando alguns palavrões. Eu a
acompanho, fechando a porta em seguida. Nego com a cabeça e vou até o quarto que Kendra
entrou. Para a minha surpresa, ela está deitada na cama e com o telefone em mãos.
— Não sei se consigo chegar nessa consulta — ela fala, colocando a mão na testa e
abandonando o eletrônico. Kendra fecha os olhos e apoia as costas na cabeceira, fechando os
olhos por alguns minutos. — Estou vomitando o dia inteiro.
— Você comeu algo?
Ela abre os olhos e me encara, parada na porta. Suas sobrancelhas erguem tanto que eu acho
que podem bater no teto e sua expressão doente se mistura com a surpresa.
— Por que está fazendo isso? — ela pergunta, cruzando os braços. — Quero dizer, bancando
a boazinha? Eu estou esperando um filho do seu namorado.
— Exatamente. Não vamos fazer disso uma guerra. Há uma criança envolvida. Estou
superando todas as nossas diferenças por conta disso. Eu nunca te odiei, Kendra. — Ela faz uma
expressão de nojo e logo rola os olhos. — Bandeira branca?
Os olhos me analisam e ela franze o cenho, dando de ombros.
— Não tenho opção. Fui jogada na sarjeta pelo meu pai, meu ex-namorado está apaixonado
e meu irmão é o único amigo que eu tenho.
— Eu não estou propondo que viremos melhores amigas, ou algo parecido — falo. — Mas
eu estou dizendo que posso reconsiderar toda a merda que você jogou contra mim e Hawke por
conta desse bebê. Podemos passar uma borracha em cima disso. Precisamos nos aturar a partir de
agora e tudo ficará muito melhor se gastarmos tempo apenas tentando nos matar. O que eu quero
dizer é que eu vou estar aqui para te ajudar porque essa criança também vai conviver comigo e
eu vou ajudá-la. Então, por favor, vamos ser adultas e agir como tal.
Nunca estive nesta posição com ela.
— Ok, Anise — ela diz. — Eu não aguento mais vomitar. — As mãos vão para as têmporas
e ela parece desabafar. — Eu vou ficar gorda e cheia de estrias. — Dessa vez, os olhos dela vão
para os meus em desespero. — Minha dermatologista vai ter muito trabalho.
Solto uma risadinha nasalada com o desespero dela.
— Isso é o de menos, já pensou nas noites sem dormir?
— Por Deus, as fraldas, a amamentação... eu vou enlouquecer.
Por alguns instantes, noto a pilha de livros sobre maternidade e gestação que descansam na
mesa ao lado da cama. Só depois de processar sua frase, aponto para ela e falo em um tom
brincalhão.
— Você já pensou no parto? Pelos vídeos que eu vi, parece uma sessão de filme de terror.
Quando ficamos em silêncio, posso ver a sombra de um sorriso nos lábios dela.
— Você pode escolher algo no meu armário e tomar um banho aqui. Eu praticamente te dei
um banho com o meu conteúdo estomacal. Vamos direto para o médico, acho que fica mais
cômodo.
— Uh, aposto que suas roupas são todas de grife...
Ela rola os olhos, saindo da cama e se pondo de pé.
— Prada, Dior, Burberry, Chanel e Gucci são os cinco melhores amigos de uma mulher! —
Ela joga os cabelos para trás dos ombros.
Kendra caminha até o armário do quarto e abre as duas portas, me dando uma visão das
roupas bem alinhadas e passadas.
— Eu vou ter um trabalhão pra achar algo que eu goste

A sala de espera da doutora Amber está quase vazia. Imagino que seja por conta do horário
tarde. Kendra está nervosa e vejo que ela aperta a barra do vestido com estampa de oncinha
inúmeras vezes.
O seu pé bate contra o mármore e o toc-toc do salto me irrita um pouco. Tento me concentrar
nas imagens à minha frente, mas o barulho do salto dela realmente me deixa sem capacidade
disso.
Além de nós duas, existem duas outras mulheres sentadas na sala, um pouco mais distantes
de nós. Uma delas está acompanhada de um homem, que julgo ser seu marido ou namorado. A
outra está com uma mulher mais velha que aparenta ser sua mãe. O que me chama atenção não é
isso, mas, sim, o fato de que todas essas quatro pessoas estão sorrindo, enquanto eu e Kendra
estamos à beira de um colapso nervoso.
O barulho da chuva está diminuindo aos poucos. Pela pequena janela, consigo ver que existe
apenas uma garoa neste momento. A porta do consultório é aberta.
— Kendra Aubree White.
Kendra levanta instantaneamente e me apresso para fazer o mesmo. Somos guiadas até uma
sala branca bem decorada, onde há uma porta para uma outra sala que julgo ser a parte do
ultrassom.
Nós nos sentamos nas pequenas poltronas cor de rosa que ficam à frente da mesa da médica.
O traço na testa dela é o que me mostra que ela está absurdamente desconfortável naquela
situação.
— Como tem passado desde a nossa última consulta, Kendra? — a loira pergunta.
— Parece que, desde que eu descobri, os enjoos pioraram — Kendra explica. — Eu tenho
vomitado sempre. Com comida no estômago ou não. O inchaço nos pés têm me incomodado um
pouco, mas eu creio que seja pelo fato de que não abandonei meus saltos altos.
A médica ri, enquanto se senta na poltrona.
— Pelo que vimos na semana passada, o bebê está entrando no quarto mês. Os enjoos vão
diminuir e o diâmetro do feto se expandirá. Vamos começar a ver os primeiros sinais na sua
barriga. — A mulher une as mãos na frente da mesa. — Quero te explicar a importância de
fazermos estes acompanhamentos quinzenais para o monitoramento do bebê. Você tem o colo do
útero baixo, o que pode explicar o seu primeiro aborto. — Noto que Kendra se remexe na
cadeira. Possivelmente ela não sabe que eu sei sobre o bebê dela e Dan. — Você me contou
sobre a queda, mas acredito que isso também tenha motivado. É normal abortos espontâneos em
mulheres que possuem o colo do útero baixo. Sua gravidez é uma gravidez de risco, Kendra.
— Tudo bem... — ela responde um pouco desanimada e baixando o olhar. — O que eu
preciso fazer?
— Repouso. Evitar qualquer situação estressante. E se alimentar muito bem. O bebê precisa
de nutrientes para o seu desenvolvimento. Vou recomendar alguns exames e quero que você
volte aqui quando eles estiverem prontos, tudo bem?
— Sim.
Viro o rosto para Kendra, que está com as mãos unidas na frente do corpo e o olhar baixo.
Mordo o lábio e solto um suspiro antes de tocar seu pulso e segurar firme ali. Ela vira o rosto
devagar para mim e me olha de forma assustada. Eu aperto os lábios em um sorriso tímido e vejo
que ela relaxa um pouco.
— Você pode entrar na sala ao lado e pegar a camisola amarela — a voz da doutora surge e
o barulho de um carimbo também. — Vamos dar uma olhadinha nesse bebezinho.
Kendra me lança um sorrisinho e se levanta da cadeira, mais confiante do que antes. Ela
entra na tal sala e eu solto o ar dos pulmões. Nervosa. Muito nervosa.
— Doutora?
— Sim?
— Quais as chances de ela ter um aborto?
Por instantes, lembro-me da família de Kendra e o estresse que ela está vivendo por conta
disso.
— Altas. Como eu disse, o histórico de aborto e o colo do útero baixo não favorecem uma
gestação tranquila.
Escuto a porta abrir e Kendra surgir em uma camisola ridícula de feia. Ela aponta para mim
e diz:
— Nem vem. Se você disser para alguém que me viu usando essa coisa horrorosa, eu vou
acabar com você.
Jogo as mãos para o alto em sinal de rendição e acompanho a médica para dentro da sala.
Kendra se senta em uma maca aos fundos e eu vejo para perto da sua cabeça. Meus olhos se
grudam na tela do monitor ao lado do corpo de Kendra. Sinto o coração bater forte quando um
granulado começa a se formar na tela. Aperto os olhos para tentar visualizar alguma coisa além
de pontinhos pretos e brancos. É quando um barulho familiar toma conta do ambiente.
Eu não consigo dizer o que sinto neste momento.
É o barulho do coração do bebê.
Sinto uma mão se apertar na minha. A médica aponta para a tela e sorri. Só que quando
meus olhos pairam sobre Kendra, ela está com uma das mãos na boca e os olhos cheios de
lágrimas. Sua outra mão está na minha e a aperta com um pouco de força.
Eu sei que ela tem medo.
Eu também teria.
Só que a minha posição aqui é a mesma que eu tenho com Hawke. Quando aperto um pouco
sua mão, ela cede o aperto. É a minha forma de dizer a ela que eu estarei aqui independente de
qualquer coisa.
Esse som representa todos os meus medos e choros dos últimos dias. As palpitações no
coração e o receio de perder tudo. Só que ele também representa o amor e a esperança de um
futuro melhor para Kendra e Hawke. As nossas vidas mudaram de uma maneira brusca e não
planejada, mas, por incrível que pareça, isso acabou nos unindo.

Eu e Kendra estamos sem falar nada já faz alguns minutos. Ela segura entre os dedos
trêmulos uma foto do ultrassom e tem o olhar fixo em algum ponto do estacionamento. Estamos
esperando o carro de aplicativo para ir embora.
Não parecia tão real até agora. Até ouvir todas as instruções da médica, até ver o bebê no
monitor e ouvir seu coração rápido e veloz.
— Você quer comer uma pizza?
Ela gira o rosto para mim. Consigo ver as lágrimas acumuladas no canto dos olhos.
— Alimentação saudável, lembra?
— Pode ser uma pizza de tomate. Sem gordura saturada e tal.
Kendra rola os olhos e ri, abrindo a bolsa para colocar a foto ali.
— Claro. Pode ser uma boa ideia.
Paramos no meio do caminho, pedimos pizza e vamos para o meu apartamento e de Mabel.
Quando estamos no corredor, vejo o nervosismo de Kendra voltar. Aviso Hawke que estou indo
para o apartamento que divido com Mabel e ele avisa que irá para lá com James.
— Vai vomitar?
— Não, idiota. É que eu não tenho boas lembranças de vir aqui. Você sabe.
— É, eu sei. Provavelmente a Anise do passado estaria incomodada ao ver você entrar no
apartamento dela, mas a Anise do presente está morrendo de fome e com duas pizzas na mão.
Então, vamos logo.
— E a Mabel? Quero dizer, ela me odeia.
— Você é a mãe do sobrinho dela, então ela não vai te matar... Mesmo que o Joshua tenha
planos para isso. — Ela arregala os olhos e eu rio. — Vamos, Kendra.
Um pequeno sorriso esboça sua boca antes que eu abra a porta do apartamento. Só que, para
a minha surpresa, a sala está cheia. Mabel, Dan e Josh estão ali com suas fiéis caixas de pizza da
Domino’s. Eu acho que eles ainda não viram Kendra, porque estão todos sorrindo.
— Mais pizza! — Joshua diz, levantando-se para me ajudar.
— É…
— Suco de laranja? — Ele aponta para a garrafa de suco que carrego. — Pensei que você
traria mais cerv... Ah, merda! — é o que ele diz quando visualiza Kendra.
Joshua tira as caixas de pizza da minha mão rapidamente e todos conseguem vê-la. Kendra
praticamente se encolhe e aperta uma mão na outra, na frente do corpo.
Por mais que o silêncio fique evidente, o barulho das engrenagens da cabeça de todos é
terrivelmente alto. E eu consigo ver quando todos olham para Dan. Ele está imóvel em seu lugar,
com o olhar fixo em Kendra. Ele desce o olhar pelo corpo dela e para na barriga. Ela não
consegue ver, já que encara o chão.
Então, ele se levanta. Vejo o corpo de Kendra endurecer e ela pisca diversas vezes, tentando
dissipar o choro que se forma. Eu seguro em seu antebraço.
— Sua pizza vai esfriar.
— Estou sem fome. Eu preciso ir. Posso pegar um táxi.
— Não! — minha voz sai rápida e ofegante, meus olhos presos nos dela e o vulto de Dan se
aproximando. Por que ninguém está impedindo? — Você vai entrar e vai comer conosco. As
coisas mudaram Kendra! Você vai ser mãe do bebê que todos neste lugar vão babar e encher de
amor. Por fav…
Ela vira o rosto bruscamente. Dan está parado na frente dela. Ele tem um semblante tão
atônito que me preocupa. Seus olhos esquadrinham cada detalhe dela e ela está a ponto de
desabar.
— Não quero brigar, Daniel — a voz dela sai em um sussurro.
— Nem eu, Ken — a voz dele é pesada e cheia de sentimento.
Pelo que eu acabo de perceber, ele a chamou por um apelido. É, isso deve significar algo. No
segundo seguinte, ela esboça um sorrisinho e resolve entrar no lugar. Mabel me lança um olhar
confuso e eu retribuo de uma maneira que externe o pedindo que ela mantenha a língua dentro da
boca.
Kendra se aproxima dos sofás comigo.
— Dan, você pode ajudar a Kendra com a pizza? — pergunto.
— Você come pizza no prato? — Mabel fala, revirando os olhos.
Ela coça a nuca e desvia o olhar.
— Sim. E é porque eu gosto de colocar ketchup na pizza.
— Eca. — Mabel rebate. — ketchup é doce.
Kendra dá de ombros.
— Não é pior que sorvete sabor chiclete.
Um som de “aaargh” é proferido por todos.
— Gravidez mexe com o apetite — Kendra conclui, abraçando a própria barriga. — Ah, vou
deixar algo com vocês antes de jantar — ela diz, abrindo a bolsa para retirar a pequena foto do
ultrassom.
Kendra estica o braço na direção de Mabel. A loira pega o papel da mão dela e logo ela faz
uma expressão confusa.
— O que é isso?
— O seu sobrinho ou sobrinha — Kendra responde. — Está de quase quatro meses e
saudável.
— Eu gravei o som do coração dele — falo, me apressando com o telefone e me sentando no
meio dos meus amigos, que praticamente babam na foto incompreensível que carregam em
mãos.
Dan e Kendra se afastam, falando baixinho. Coloco o áudio que gravei. A mão de Mabel
aperta a minha perna e, quando eu olho seu rosto, ele está úmido por conta das lágrimas. Ela olha
mais uma vez para a foto e diz:
— Eu não acredito nisso.
— Pode acreditar — digo a ela, sorridente.
Por sorte as coisas, nos últimos dias, parecem muito melhores do que imaginávamos. James
e Kendra têm se juntado às noites de pizza. Por conta do incidente do bar, acabou que o lugar
ficou fechado por alguns dias.
Agora, as segundas-feiras se tornaram os dias da pizza por causa do horário de James e
Hawke. Estamos organizando uma festa à fantasia para o próximo final de semana por conta do
aniversário de Mabel, e James disse que vai trazer uma barwoman para fazer os drinks.
Ah, não posso deixar de mencionar o tratamento incrivelmente pacífico e amoroso que Dan e
Kendra estão tendo um com o outro. Em um dos dias que ela esteve aqui em casa para irmos
juntas no seu retorno médico, o vi colocando a mão na barriga quase inexistente. Além de
sempre se prontificar para pegar comida, suco, água e seja lá o que for que ela precise.
Não sei se Kendra contou a ele sobre o bebê que eles perderam, mas espero que, em breve,
isso mude.
Eu estou dormindo quase todas as noites com Hawke. As coisas aconteceram de uma forma
tão rápida que foi simples natural deixar de ir para o apartamento que divido com Mabel. Agora
a nossa rotina se baseia em acordarmos juntos, eu ir para a faculdade e trabalho. Quando volto,
preparo um jantar para esperá-lo.
Nós dois estamos mais habituados com a ideia de morarmos juntos e ter um quarto para o
bebê. Já visitamos alguns apartamentos para alugar. Resolvemos esperar mais próximo da data
de Kendra ganhar o bebê e o resultado da audição de Mabel.
Segundo a médica de Kendra, a previsão de nascimento é para meados de setembro.
Finalmente consegui falar com mamãe. Ela resolveu sair com o tal doutor Ray e Rose
também me contou que ela tinha ido a uma terapeuta. Por sorte, não vi mais o meu pai e isso está
me deixando em uma zona de conforto perigosa, porque estou praticamente esquecendo que ele
existe.
Estou no meio de um passeio animado com os cachorros quando meu telefone começa a
tocar e me apresso para achá-lo. Assim que faço, vejo a foto de Kendra na tela.
— Kendra? Se você está me ligando de novo para dizer que está em dúvida entre Kimberly e
Thomas... eu juro que vou te matar — brinco.
— Não... — ela soluça.
Uma terrível sensação corre a minha espinha.
— Kendra? O que houve?
— Anise, eu estou perdendo o meu bebê!
— Onde você está?
Paro de caminhar, fincando os pés no chão e tremendo. Isso não pode… não…
— Em casa — a voz dela treme.
— Estou indo. Não se mexa.
— Anise... tem tanto sangue.
— Eu estou chegando!
Encerro a chamada e coloco o telefone no bolso, segurando com força as coleiras dos
cachorros e correndo em disparada na direção que vim. Por alguns instantes, acho que vejo
Robert no caminho. No entanto, eu não paro.

Estou sentada no banco ao lado de fora do quarto de Kendra. O quarto que será dela quando
sair do centro cirúrgico. Minhas mãos estão na frente do rosto, apoiando-me para não cair. Eu só
consigo sentir o meu peito rasgado sangrar.
— Anise...? Anise! — é a voz de Hawke.
Fecho os olhos e nego inúmeras vezes.
Eu não quero falar.
Eu não posso.
Penso no dia em que nós fomos às compras. Todos nós. Os pequenos itens que já estavam na
casa de James, a reunião com a decoradora do quarto e até as consultas que eu acompanhei.
Kendra estava grávida de cinco meses.
Faz quase um mês que todos nós sabemos da existência do bebê.
Hawke se agacha na minha frente e retira as mãos do meu rosto vermelho por conta das
lágrimas. Quando seus olhos encontram os meus, de algum modo, ele me entende. Escuto James
chutar algo que julgo ser uma lata de lixo. Só que meus olhos são todos de Hawke. As lágrimas
que se formam no canto dos olhos azuis dele parecem me cortar mais um pouco.
O barulho das portas sendo abertas no início do corredor pequeno da ala particular anunciam
a chegada dela. Levanto o olhar para ver que Kendra ainda está sedada. Céus, eu não imagino
como ela vai ficar depois disso.
O início do aborto começou quando ela sentiu as primeiras dores. Ela passou por uma
cesárea para tirar o bebê e só a constatação disso me deixa doente. Viver isso é desesperador.
Vejo os médicos e enfermeiros irem até o quarto para colocarem os aparelhos. James entra
atrás de todos para acompanhá-los.
Hawke, por outro lado, se ajoelha na minha frente e enterra o rosto no meio das minhas
pernas para seu choro vir. Passo a mão em seus cabelos e encaro a iluminação do teto, impedindo
que eu chore mais. É impossível. É impossível porque eu acabei de perder alguém que não
conheci.
Hawke perdeu um filho.
Kendra perdeu seu segundo filho.
Quando meus olhos avistam Dan adentrando ao hospital junto aos nossos amigos, ele já está
com os olhos parcialmente vermelhos do choro. Em um rompante, ele adentra ao quarto de
Kendra.
Eu espero que consigamos ser fortes.
Ninguém diz nada. As lágrimas e os soluços fazem melhor do que qualquer palavra de
consolo.
Eu e Hawke estávamos quebrados.
Existem alguns momentos em nossas vidas que nós notamos que as coisas estão indo rápido
demais e, quando vemos, um caminhão colite nessa corrida brusca. Você não consegue desviar
porque, se tentar, a queda será mais dolorosa. E nós dois estamos na etapa final. Na colisão entre
o carro e o caminhão.
Por mais que você não tenha notado ao longo do tempo, sempre vai existir algo para te
desestabilizar por completo. Ele está bebendo mais do que o habitual. Silencioso demais. E está
me consumindo porque, mesmo após três semanas, eu ainda sinto Eu sinto cada aperto no peito e
cada sentimento desesperador tomar conta de mim.
Eu odeio ver o meu ponto de apoio estar sem chão e desolado.
Os pais de Hawke sugeriram que ele ficasse um tempo em casa, mas ele negou. E agora está
descontando tudo em algo. No momento, ele está bebendo enquanto fechava o bar. Diversas
vezes, eu que precisei tirar suas botas, porque ele simplesmente dormia no sofá para eu não ver.
Me sinto dentro de um labirinto. Por mais que eu conheça o lugar, não vejo saída.
Até mesmo Vanessa já notou que há algo de errado. Quando contei sobre a morte do bebê de
Kendra, ela ficou tão assustada que, em um rompante, me abraçou cheia de emoções em seus
olhos. Algo inesperado e que acabou me confortando.
Hoje faz exatas três semanas.
Hawke não conseguiu ir para o trabalho.
Está deitado na cama comigo ao seu lado.
Para o meu alívio, hoje ele parece mais calmo. Porém, continua silencioso.
— Você quer que eu prepare algo para o jantar?
Ele me olha e abre um sorriso. Derretendo todo o meu coração e me fazendo querer chorar
por vê-lo sorrir.
— Eu adoraria.
Mesmo com o pedido, acabo enterrando meu rosto em seu pescoço e inspirando seu cheiro.
Ele me aperta um pouco contra seu corpo e um alívio imediato me toma por completo.
Um suspiro prolongado sai dos seus lábios.
— Há dois meses nós estávamos nesta mesma cama falando sobre o futuro que havia
mudado…
— Sim… quer conversar sobre isso?
Uma risada sem graça sai dos lábios dele.
— Falar sobre o que? Meu filho está morto… — Ele nega com a cabeça. — E nem posso
culpar alguém por isso.
A maneira como ele fala é tão... vil.
— Você cogitou falar com alguém sobre isso?
— Não tenho nada para falar.
Me remexo, inquieta pela negativa.
— A Kendra está fazendo acompanhamento, Mabel também…
— Não sou elas, eu consigo resolver as minhas merdas — ele responde de uma forma que
nunca imaginei que faria.
Arregalo meus olhos, encarando-o, inconformada pela forma como ele diz isso. Sei que
nossa tendência é nos fecharmos em momentos de dor, porém, Hawke esteve ao lado de Kendra
durante o seu processo terapêutico. Jamais imaginaria vê-lo desta maneira.
Kendra e eu mantivemos o contato, apesar de Hawke continuar se isolando cada vez mais. E
mesmo que não possuíssem um status de relacionamento, Dan também se manteve ao lado dela o
tempo todo. Principalmente durante os dois dias que ela precisou de cuidados mais intensos, após
sair do hospital. Ele estava praticamente morando sob o teto de James e prestando todo apoio
possível a Kendra.
E agora que soube tudo o que ela passou quando perdeu o bebê dos dois, Dan está ainda
mais envolvido com ela.
E Kendra está… indo. Diferente da outra vez, acho que o apoio de todos, e de Dan, está
sendo importante. Ela até mesmo conseguiu fazer a doação dos itens que havíamos comprado
para uma instituição de caridade na tarde de hoje. Em contrapartida, Hawke e eu ao menos
mexemos na caixa do berço que compramos para o nosso futuro apartamento.
— Anise… — ele fala em um tom firme.
Sento-me na cama para observá-lo.
— Eu tenho pensado em ir embora daqui. — Um suspiro sai dos lábios dele ao desviar o
olhar. — Deveríamos ir para outro lugar.
Um calafrio passa pela minha espinha e eu tento processar as palavras.
— Hawke, do que você está falando?
Os olhos dele se voltam para os meus. Ele segura nas minhas mãos e as puxa para perto do
rosto, beijando-as.
— Não sei se consigo mais ficar nessa cidade depois de tudo. Meu professor disse que o
parceiro dele de pesquisa me receberia novamente no Canadá.
Engulo em seco, desviando o olhar de Hawke.
— Você… eu sei que você está sofrendo, Hawke — digo com a voz ligeiramente trêmula.
— Mas minha vida está aqui. Eu tenho uma bolsa de estudos garantida para a minha
especialização no próximo semestre, o final das minhas aulas é em um mês e… — Chacoalho a
cabeça. — Isso nunca esteve nos meus planos.
Voltamos a nos encarar. Silêncio. Novamente.
— Vamos falar sobre isso depois da formatura, tudo bem?
Não respondo. Volto a deitar no ombro dele e a sentir o abismo que está sendo criado entre
nós. No fim, esse bebê mudou muitas coisas. Está sendo muito mais impactante do que eu
imaginei.
Demoro para assimilar as palavras. Na verdade, eu penso nelas a noite toda. Fecho os olhos
buscando o sono, mas ele não vem. Finjo dormir quando Hawke sai da cama e, mesmo com as
pálpebras fechadas, escuto quando, no andar inferior, ele abre algo para beber.
Deve ser um pouco de água, penso.
Sinto meu lábio tremendo ao me levantar, sorrateiramente, para ir até o parapeito e espiar
Hawke sentado no sofá com o olhar vazio enquanto bebe um pouco de vodca do bico da garrafa.
Me arrasto para o banheiro do segundo andar e, assim que tranco a porta, coloco as mãos na
boca e me sento no chão, sufocando meu choro mais uma vez nesse dia. Abraçando meu próprio
corpo e cedendo o peso das pernas, eu choro mais do que em todos os outros dias.
Pessoas sofrem de maneiras distintas, mas a maneira como Hawke está passando por isso é
quase… quase como se não fosse ele.
Hawke nunca cometeu excessos e, além disso, parece que está relutante até em buscar ajuda.
Ou, por Deus, querendo fugir de Dallas como se ele não fosse carregar a dor com ele.
De algum modo, eu sei que estou perdendo Hawke.
Sei disso e não sei o que posso fazer para acordá-lo deste pesadelo.
O mês seguinte parece um inferno.
A impotência da situação que Hawke e eu estamos vivendo é mascarada com os
preparativos da colação de grau. Usei isso para me afastar e permanecer mais tempo no meu
apartamento do que no dele.
Até mesmo Mabel já entendeu o que está acontecendo: estou desistindo. De forma
covarde, e ainda ferida, estou priorizando apenas o meu momento. No fundo, eu sei que estou
conseguindo tirar o foco da perda de Thomas e consegui direcionar meu tempo para algo bom: o
encerramento de um ciclo e o início de outro.
Nesta manhã, eu assinei os papéis da bolsa de estudos para a especialização e resolvi
passar no apartamento de Hawke para compartilhar isso com ele. Apesar de não ter vindo ao
apartamento há alguns dias, eu estou aqui, abrindo a porta do lugar com a chave reserva.
Quando entro no apartamento dele, a primeira coisa que vejo é o saco de lixo na entrada
do lugar. Arqueio as sobrancelhas, desviando os olhos para o resto do ambiente, me
surpreendendo pela organização.
— Hawke? — pergunto.
Escuto o barulho do chuveiro do banheiro do mezanino e ele resmunga algo indecifrável.
Deixo a bolsa sobre a mesa da cozinha e resolvo espiar os armários com uma pontinha de
esperança de algo ter mudado por aqui.
Assim que abro as portas do armário aéreo da pia, meu coração murcha. O lugar está
praticamente vazio, ainda. Me acomodo em uma cadeira ao redor da mesa e aguardo Hawke.
No instante que ele desce as escadas de ferro do mezanino, usando apenas uma calça de
moletom, solto um suspiro. Porque assim, tão limpo e visualmente íntegro, ele ainda parece o
meu Hawke.
— Ei… — ele diz, se aproximando.
Hawke coloca a mão no encosto da cadeira e aproxima os lábios dos meus, beijando o canto
da minha boca.
— Quer um café? — pergunta, caminhando na direção da cozinha.
— Fez uma limpeza no apartamento? — demando quando ele pega o pó solúvel e enche uma
chaleira com água.
— A Mabel esteve aqui ontem.
— Ah… — resmungo, torcendo o nariz. — E como está o final do semestre? Não falamos
mais sobre as suas aulas.
— Entreguei os relatórios finais hoje — responde ao voltar para a mesa e trazendo as
canecas. — E a sua colação?
— Sexta-feira! — Pego a caneca para bebericar o café.
É engraçado, mas me sinto ansiosa quando este é o assunto. Por mais que, em um ímpeto, eu
tenha vindo diretamente aqui para contar a Hawke, ignorei aquela parte que ainda machuca meu
coração: a ideia de se mudar para o Canadá.
Depois daquela noite, nunca mais falamos sobre isso.
— E sua rematrícula, está tudo… hum… bem para o próximo semestre? — tento abordar o
assunto.
O olhar de Hawke desvia do meu. Ele segura a caneca com ambas as mãos, encarando o
líquido preto fumegante. A fumaça que sai dali sobe até próximo do rosto dele e quero ter certeza
de que é por isso que não vejo bem a sua silhueta e não pelas pequenas lágrimas insistentes que
tomam meus olhos ao me lembrar das palavras de antes.
— Não a fiz ainda. Combinamos de conversar sobre o próximo semestre após a sua
formatura — afirma, a voz um pouco menos tranquila do que antes.
Então o elefante rosa dentro do lugar toma o ambiente. Ele me encara, buscando por uma
resposta minha e eu preciso engolir o choro para continuar.
— Na verdade, eu não concordei com isso — respondo-o, encarando os olhos azuis. — Você
falou que queria se mudar e eu deixei claro que isso não fazia parte dos meus planos.
Hawke suspira, apertando os lábios em um traço fino e com pressão.
— Isso seria muito importante para mim — fala, apertando com mais força os dedos ao
redor da caneca. — Preciso colocar a cabeça no lugar e o Canadá…
— Continuará com seus problemas — afirmo, com a voz ligeiramente trêmula. — Por que
não pensar em se mudar do apartamento ao invés disso? — Solto uma risada sem graça, tentando
disfarçar o embaraço na minha voz. — Não é como se uma mudança de ares fosse o suficiente
para deixar em Dallas a sua dor. Você vai apenas mascará-la com uma rotina exaustiva, mas, no
final do dia, esse sentimento ainda estará lá.
Caramba, estou tão esgotada.
Parece tão difícil explicar isso para ele.
— Estou tentando ter uma saída — agora, a voz dele soa mais alta.
— Essa não é a saída!
— Me parece uma boa opção, Anise. E não estou perguntando o que você acha sobre ela.
Me levanto com as mãos trêmulas e o coração batendo depressa. Sinto que minha garganta
se aperta e que, a qualquer minuto, posso cair em lágrimas.
— Então você acha que pode me colocar nos seus planos sem perguntar o que eu acho sobre
isso? — Desta vez, a minha voz soa alta também.
Ele encara a caneca entre suas mãos.
— Se você não quiser fazer parte, tudo bem..., eu encaro essa merda sozinho.
Meu coração se parte mais uma vez.
Tento dar um passo na direção dele, mas algo me impede. Não sei se é o choque pelas
palavras tão frias, ou a dor de imaginar que Hawke está cogitando que eu esteja o deixando
sofrer sozinho. Caramba, estou lutando há mais de um mês por ele.
Seguro minha bolsa e engulo o nó em minha garganta.
— Sexta-feira… Sexta-feira eu te espero no auditório, tudo bem? — pergunto com os lábios
trêmulos.
Ele apenas anui com a cabeça, ainda sem me encarar. Então não faço o movimento de me
aproximar. Vou embora com a certeza que não sei se vamos passar por cima desta distância.

Na sexta-feira, eu me formo no auditório da Universidade vendo Rachel, minha colega, se


graduar com honras. É incrível. Assim que a turma desce do palco, corro até os fundos do
auditório, onde vejo Mabel. Ela está ridícula com uma camiseta estampada com uma foto nossa
quando adolescentes.
Nós nos abraçamos no meio do caminho e não posso deixar de chorar no seu abraço. É como
se o peso de todo o caos que está nossa vida estivesse caindo dos meus ombros para uma nova
melhora.
— Estou tão orgulhosa de você! — Ela me aperta, chacoalhando meu corpo. — E nem posso
acreditar que tudo vai mudar no próximo semestre.
— Eu sei! — resmungo e, antes de eu me lamentar mais, sinto os braços de Joshua, Dan e
Kendra ao meu redor em um abraço coletivo.
Depois deles, mamãe e Rose são as próximas. Rose parece emocionada, mas está tentando
converter as emoções com piadas sobre o quanto pareço ridícula nesta roupa de formatura
vermelha. Então a mamãe está me abraçando tão forte que só consigo registrar sua felicidade.
O senhor e a senhora Scott são os últimos, me abraçando de forma tão urgente que, de algum
modo, sei que não é apenas pela formatura.
Meu olhar rodeia o ambiente em busca de mais uma pessoa.
— Onde ele está? — pergunto, encarando Mabel.
Ela desvia o olhar do meu, engolindo em seco. Dou um passo em sua direção, ignorando o
falatório das pessoas felizes ao nosso redor e dos nossos amigos e familiares encarando o
momento que estou me dando conta do que está acontecendo.
Hawke não está aqui.
— Ele não estava muito bem… — Mabel tenta argumentar, mas solto uma risada sem graça.
— Hoje pela manhã ele estava ótimo — murmuro com um rancor que nunca experimentei
tomando conta do meu corpo.
Me nego a chorar.
Não posso acreditar que o meu próprio namorado não está aqui. Vejo a tensão no rosto de
Mabel. Acho que ela quer dizer que ele estave bebendo, mas não quer falar em voz alta para os
pais saberem como ele está lidando com a dor.
Foda-se.
Foda-se essa merda.
— Vamos… — murmuro, passando as mãos úmidas pela toga e, em seguida, a arrancando
do meu corpo com pressa, como se queimasse em minha pele. — Comemorar, sim? Temos
muito o que comemorar! — Arrumo o capelo e a toga no braço ao marchar na direção das portas
duplas.
— As fotos… — alguém tenta argumentar
— Fodam-se as fotos! — respondo com a voz tremendo.
Não consigo ver mais nada na minha frente por conta da visão turva. Fico assustada pela
forma como meu coração está batendo e meu corpo tremendo. Empurro as pessoas no meu
caminho e, pela pressa que estão em meus passos, acho que todos ficam para trás.
Isso é bom. Preciso respirar. É como se eu estivesse sufocando. Não sei o que meu coração
em pedaços está sentindo em maior proporção. Se é a dor, a decepção ou a tristeza dessa
situação.
Eu só preciso… respirar.
Assim que meus pés tocam o estacionamento, apoio as mãos nos joelhos e busco pelo ar.
Acho que estou tendo uma crise, porque tento puxar o ar e não entra. Meu corpo ainda está
tremendo e meus olhos produzindo essas lágrimas insistentes.
E meu coração… Ele bate tão depressa que dói.
— Anise?
A última pessoa que quero conversar chama. Assim que levanto o rosto, vejo Hawke. Ele
está se aproximando em passos vagarosos e seu olhar cai na roupa da formatura que ainda está
apoiada em meu braço. Um olhar de pânico transborda em sua face, me deixando ainda mais
irada.
— Desculpa pelo atraso, eu tive um problema e…
Jogo a roupa no chão, cansada dessa merda.
Quer saber? Que se foda.
— Problema? — pontuo com a voz alta.
Ele deixa de caminhar e eu marcho até estar em sua frente. Observo a camiseta amassada,
uma pequena mancha em seu colarinho e há uma névoa em seus olhos. Não preciso de muito
para saber que ele estava bebendo.
— O seu problema é a forma como está lidando com tudo isso. Eu te dei tempo. Tentei te
ajudar de todas as formas que consegui, Hawke, mas… — Jogo as mãos ao lado do corpo, ainda
me sentindo tremer. — Cansei.
— Ah, amor, por favor…
— Você perdeu a minha formatura, Hawke!
— Porra, eu sei que fiz merda, mas eu estou na merda…
— Eu sei, porra, como sei — brado, ainda furiosa. — Só que eu não sei mais como te buscar
do poço que você se enfiou!
Ele pisca algumas vezes, tentando focar em meu rosto.
— O que você está querendo dizer?
— Algum problema aqui? — uma voz nos interrompe.
No entanto, não consigo mais pensar em nada quando viro o rosto para o lado e vejo a última
pessoa que esperava encontrar aqui. O meu pai. Acho que estou em choque quando o vejo
encarar Hawke com um olhar fulminante.
Ele está tão perto que parece real.
Tão perto, com o mesmo perfume de anos atrás, fazendo minha cabeça se confundir de uma
forma tão…bagunçada. Porra, estou exausta. Esse dia era para ser incrível e agora parece um
momento tão sufocante.
— Senhor Bloom? — Hawke murmura, encarando o homem.
— Por que você está gritando com a minha filha?
— Sua filha? — Escuto as minhas palavras, elas soam amargas. — Quem é você e que
direito você tem de usar essa frase? — tremo as palavras, dando um passo para trás.
Os olhos verdes do homem me encaram. Há uma confusão ali, mas algo está diferente. Ele
parece mais velho, é claro, porém, há uma vulnerabilidade que nunca encontrei em seu rosto
marcando sua expressão.
Apesar disso, desvio o olhar quando um vulto se projeta ao seu lado.
— Vanessa? — indago, minha testa formando um vinco. — O que…
Então eu entendo. Assim que Robert desvia o olhar do meu rosto para ela, há uma conversa
silenciosa entre eles. Porra, porra… Eles se conhecem?
— O que diabos está acontecendo aqui? — minha voz sai quase em um grito. — Como
vocês se conhecem?
— Nós… — a voz dela sai em um murmuro — Nós somos casados.
— Ai, caramba… — é Hawke que fala.
Coloco as mãos na cabeça como se fosse demais para processar. Não pode ser. Não pode!
Como a Vanessa teve coragem? Esse tempo todo? Isso parece uma maldição do destino.
— Eu preciso… — Esfrego o peito, sentindo uma dor aguda. — Sair daqui. Preciso… —
Viro o corpo, vendo meus convidados despontarem entre as pessoas e pararem na altura da
escadaria que dá acesso ao auditório.
Escuto meu nome ser chamado, mas não paro de andar.
Eu preciso ir embora.
Acordo com uma sensação estranha. Água. E gelada. Abro meus olhos, estático na cama,
sentindo o choque que percorre meu corpo.
— Caralho! — grito, e a sensação da dor de cabeça e secura na boca me faz ficar ainda pior.
No entanto, a única coisa não estava esperando é ver Kendra parada ao lado da minha cama,
com um olhar fulminante na minha direção. Ela está aqui, vestida com alguma das suas roupas
de grife, cabelos bem penteados e até mesmo maquiagem. Apesar disso, encaro o balde que ela
tem nas mãos.
— Você é mesmo um merda, Scott.
Pisco algumas vezes e flashes da noite anterior me assolam. Porra, o que foi que eu fiz?
Perdi a formatura da Anise depois de beber pra caralho. Odeio cada parte do que venho me
tornando.
Antes que eu consiga reagir, sinto a umidade no meu corpo. Em seguida, o frio. Porra,
Kendra realmente jogou um balde de água gelada sobre mim? Na minha cama?
— Porra, Kendra! — grito, me levantando para ver o estrago.
Está tudo encharcado.
— Isso é o menor dos seus problemas! — Ela joga o balde no chão. — E agora? A Anise foi
embora para a casa da família dela e você vai deixar a situação assim? Vai perder o amor da sua
vida porque é um covarde?
— Não sou um covarde, eu só…
— Está escondendo seus sentimentos por trás do álcool, então, sim, você um covarde! — ela
diz, categórica como sempre.
Os olhos verdes, tão diferentes dos de Anise, me encaram como se eu fosse sua maior
decepção. E talvez eu seja. Simplesmente não tenho forças para reagir. Jogo uma porção de
cabelos úmidos para trás, frustrado pela pequena lição de moral que Kendra está querendo me
dar.
— Cada um lida com a dor de forma diferente… — tento argumentar.
— Pois é, mas você está sendo um grande idiota desta forma. — Ela olha rapidamente para a
cama e depois me encara. — Vai tomar um banho. Vou preparar um café e conversamos lá
embaixo.
Ela continua olhando para mim enquanto não me movo, abrindo e fechando as mãos ao lado
do corpo.
— Só…, por favor, vai embora, Kendra. Eu vou…
— Vai se embriagar de novo? — pergunta com as sobrancelhas arqueadas. — Cansei das
suas merdas. Você nunca foi esse cara sem perseverança e força de vontade.
— Eu também nunca perdi um filho! — grito, vendo os olhos dela se arregalarem no instante
seguinte. — Porra… desculpe, eu…
Ela dá um passo em minha direção, me fazendo recuar pela sua presença.
— Os seus pais nem ao menos conseguiram falar sobre o que viram naquele estacionamento,
Hawke. Assim que perceberam o estado que você estava, e que Mabel precisou te levar embora,
eles se calaram. Seu pai parecia sem chão e sua mãe segurou as lágrimas durante todo o caminho
até a casa das garotas, então… — a voz dela se torna ameaçadora, quase cortante. — É melhor
você calar sua boca e fazer o que eu estou te pedindo. Ninguém está aqui, apenas eu. E eu
também perdi o Thomas, então me deixe te perguntar algo…
Não respondo, apenas a encaro e ela continua:
— Em algum momento da sua vida, você passou por situações obscuras sozinho, sem
nenhum amparo? — indaga com uma certa raiva em sua voz. — Quando eu estava no fundo por
ter pedido o meu bebê, foi você e o James que me buscaram e que aguentaram as minhas merdas.
Assim que aconteceu de novo, James e Dan me deram suporte até que eu saísse da cama e
pudesse voltar a vida. Você… — desta vez, a voz treme um pouco. — Você ao menos conseguiu
ver o que a Anise fez na lápide do Thomas.
Porra, eu sou uma péssima pessoa por perder isso.
— Ela esteve lá todos os dias no último um mês e meio. Ela colocou novas flores para ele e
fez o que eu não tive coragem ainda. Quer saber, Hawke? Se você me perguntar quem é o mais
forte de nós, eu diria que é ela.
Ela se vira, marchando na direção da escada. Antes de descer, Kendra para e me olha por
cima do ombro.
— Você tem cinco minutos para se recompor e descer. Enquanto isso, vou jogar toda essa
merda fora.
Fecho meus olhos por alguns instantes, ouvindo o clique dos saltos dela nos degraus
enquanto tento, de algum modo, fazer com que meus pensamentos não se concentrem no grande
merda que me tornei.

Quando chego na cozinha, depois de longos quinze minutos esfregando o corpo e tentando
organizar meus pensamentos, Kendra está parada do outro lado da mesa, bebendo um gole do
seu café enquanto digita no celular. Assim que me sento na cadeira, ela bloqueia a tela e me
encara, com o semblante menos furioso do que antes.
— Mabel me falou sobre sua vontade de ir para o Canadá.
— Estive pensando…
— Olha só, me escuta — ela pede, incisiva. — Desde quando você age desta forma? Egoísta
e maldoso? — Abro a boca para falar, mas ela levanta o indicador em riste, me calando. — Você
até pode dizer que nunca passou por algo tão ruim quanto é perder um filho, mas, porra,
Hawke… a sua personalidade não é assim!
Há um breve momento de silêncio entre nós.
— A Anise está péssima com tudo o que aconteceu.
Esfrego as têmporas, apoiando os cotovelos na mesa.
— Porra, eu estou péssimo pelo que fiz. Perdi a formatura dela… E ainda fodi com tudo.
Falei sobre o Canadá de uma maneira egoísta e acho que… acho que eu quis feri-la por estar tão
bem e por eu estar me afundando cada vez mais.
— É, eu nunca imaginei que você reagiria dessa forma! — Ela cruza os braços. — Você
sempre foi o melhor de nós dois quando o assunto é sentimentos.
— Nem eu sabia que me tornaria um grande bosta.
Coço meu pescoço e tomo um gole do café extremamente forte que ela preparou.
— Você sequer lutou por ela — Kendra soa magoada, ferida. — Sabe? Você lutou por mim
quando a gente achou que o nosso relacionamento ruim acabaria. Por que não fazer isso por ela,
sendo que você a ama infinitamente mais do que me amou?
Levanto o rosto para ela, que não parece magoada enquanto fala isso.
— Não sei, eu só…
— Me diz uma coisa… daqui uma semana, um mês, um ano… Você vê uma vida sem ela?
— indaga, estreitando os olhos. — Imagina chegar na sua casa para o próximo Ação de Graças e
encontrá-la com uma nova pessoa? Uma pessoa que luta por ela e mostra quão incrível ela está
sendo por apoiá-la, mesmo quebrada?
— Porra…
— Imagina que a Anise seguirá sem você? Ah, sim, porque ela vai! — afirma, e é como se
ela enfiasse adagas em meu peito. — Se voltar para o Canadá fosse um sonho seu, eu tenho
certeza de que vocês dariam um jeito, Hawke. Porém, é apenas o seu lado egoísta e maldoso
querendo viver isso sozinho e machucar quem você ama.
Me inclino sobre a mesa, apoiando meus braços sobre o tampo. Meu coração bate de forma
irregular, tão rápido que machuca. As lembranças do rosto cheio de lágrimas me deixam ainda
mais desesperado.
— Eu não posso, eu…
— Então você vai se levantar e ir comigo até o meu psiquiatra. Não é normal que você esteja
bebendo tanto assim. Depois, vai arrumar uma bolsa e ir para a casa da Mabel. Ela vai te
monitorar com a ajuda do Josh.
Não rebato, porque ela está certa. Eu preciso de ajuda. No entanto, não posso deixar de me
perguntar como Kendra parece tão centrada depois de tudo o que passamos. Meu queixo treme
enquanto penso em Thomas. Meu coração se parte mais uma vez, e não sei como é possível.
Kendra parece entender no que estou pensando.
Falamos sobre a Anise, sobre as minhas merdas, mas não sobre o nosso bebê.
— Como… como você consegue — Encaro a mesa, sentindo as lágrimas transbordarem dos
meus olhos, caindo direto na madeira —... estar desta forma?
— Hawke, olhe para mim! — ela pede, mas não posso.
Não consigo.
— Estou com medo, Kendra. — Nego com a cabeça, fechando os olhos quando noto que ela
se levanta. — Com tanto medo de não conseguir sair disso. Eu penso nele a cada minuto. Eu ao
menos pude tê-lo nos meus braços…
Ela está ao meu lado, me abraçando enquanto eu choro. Deixo tudo sair para fora ao mesmo
tempo que Kendra me abraça e me ampara. Anise fez isso comigo durante tantos momentos, mas
parece um borrão distante.
— O que me conforta, nisso tudo, é saber como ele foi amado antes mesmo de chegar. —
Ela acaricia as minhas costas, ainda abraçada em mim. — Desta vez, eu pude viver tudo isso.
Sabe, eu também tenho medo, Hawke. Medo de um dia, novamente, passar por isso. Só que o
medo é apenas uma expectativa sobre algo que nem pode acontecer.
Levanto o rosto, buscando pelos olhos cheios de lágrimas.
— Ainda estou assustada e quebrada. Estou sofrendo pra caramba, mas sabe o que ameniza a
minha dor? Ter Dan e James ao meu lado, me amparando neste processo. Eles são uma anestesia
em meio a dor. Você também merece esse suporte.
Nego com a cabeça, sentindo uma mistura de vergonha e tristeza.
— Eu não sei, não sei se a Anise vai me perdoar.
Ela sorri de uma forma triste, mas há um brilho de esperança no seu olhar.
— Então se torne novamente o homem que ela ama. Com certeza ela perdoará o Hawke pelo
qual eu um dia também me apaixonei.
Duas semanas depois das férias de verão na casa da minha mãe, volto para Dallas. Assim
que entro no apartamento, meu corpo todo trava ao ver Hawke. Ele está no meio da sala com um
pequeno aspirador de pó na mão.
Mas que diabos…
— Hawke? — pergunto, confusa.
Ele para de aspirar o chão e levanta o rosto na minha direção. E, caramba, é como levar
um soco no estômago. O rosto dele parece mais corado e os olhos têm aquele brilho de antes
novamente. Pisco algumas vezes, atordoada, enquanto aperto os dedos na alça da mala de
rodinhas.
— Anise… — Ele olha para os lados, confuso. — A Mabel disse que você só chegaria
amanhã.
— Pois é, consegui uma carona com o Ray e resolvi vir um dia antes. O que você faz aqui?
— minha voz sai um pouco nervosa.
Ele coça a nuca enquanto ainda estou para sob a soleira da porta, estática.
— Uh, bem… — Limpa a garganta e engole em seco. — Depois do dia… do dia da sua
formatura, eu… Eu vim para cá. Mabel se sentiu mais segura comigo aqui, para que ela me
monitorar.
— Sobre o que? — minha voz está aguda, quase histérica.
— Sobre o que eu estava fazendo comigo mesmo — diz, encarando-me. — Enchendo a cara
a qualquer minuto.
— Ah…
Não posso negar como meu coração ainda está se recuperando de tudo o que aconteceu.
Ainda sinto o sabor amargo da traição de Vanessa, a qual me neguei a atender as ligações ou ler
as mensagens, também a decepção com Hawke.
Resolvo entrar no apartamento, desviando do olhar arrependido dele e deixo a mala ao lado
da porta enquanto a fecho. Em seguida, marcho até a cozinha para beber um pouco de água.
— Eu já vou embora — ele murmura.
— Uh, não… se você quiser, pode ficar até Mabel chegar e vocês conversarem, eu posso
ficar no meu quarto.
— Anise…
Ah, não... Não gosto desse tom de voz de quando ele praticamente está me implorando algo
com a voz pesarosa. Droga, eu deveria ser mais firme quando o assunto é Hawke. Engulo em
seco, deixando o copo na pia e me virando para vê-lo ainda parado no mesmo lugar, a uma
distância segura de bons três metros.
— Queria te pedir desculpas.
— Você fez muito disso nas suas mensagens.
— Nenhuma delas expressam a vergonha e o arrependimento que estou sentindo! — ele
afirma, apertando o pequeno aspirador com força na mão e encarando o eletrodoméstico. — Eu...
me perdi. Me perdi na minha dor e te feri com um plano de mudança que nem era meu. Ao
menos me reconheço quando penso naquele momento.
Com uma expressão de derrota, Hawke me encara.
— Você… você acha que a gente tem volta?
Porra, como eu o amo. Para ser sincera, eu tenho me perguntando muito sobre isso. É claro
que eu perdoarei Hawke em algum momento, por completo. Eu não posso julgá-lo como fiz, mas
ainda estou muito magoada pela forma como ele escolheu lidar com tudo.
Não sou uma pessoa rancorosa e se estou cogitando, de algum modo muito bizarro, perdoar a
Vanessa e o meu pai, Hawke é o menor dos problemas.
Depois de conversas incessantes com mamãe e Rose, acho que estou pronta para encarar o
pior dos meus sentimentos: aqueles relacionados ao meu pai. Não sei se posso tê-lo na minha
vida neste momento, mas a forma como ele me encarou naquele dia me diz que existe muito
mais sobre sua história do que eu imaginei.
Lembro de Vanessa falar que encontrou com ele em um momento frágil também,
envolvendo álcool e vícios. Pelo visto, aquele desejo estúpido que um dia tive, de que Robert
passasse algum problema por ter feito tudo o que fez conosco, se fez real.
Então um longo suspiro escapa dos meus lábios.
— Eu te amo, Hawke. Eu te amo tanto que dói no meu coração ficar longe de você, mas…
— Os ombros dele murcham e eu continuo encarando-o. — Não podemos fingir que nada
aconteceu e passar uma borracha sobre essa parte da nossa história. Ainda estou muito magoada
com tudo.
— Então você não me perdoa?
Solto uma risada sem graça.
— É claro que eu te perdoo, mas acho que preciso de um tempo para me recuperar de tudo
isso. E talvez... vê-lo melhorar me dê mais segurança sobre tudo o que aconteceu.
Ele sorri sem graça.
— Quanto tempo?
Dou de ombros.
— Não sei, só o tempo vai dizer.
— Tudo bem! — Ele suspira. — Posso, ao menos, te abraçar?
— É claro.
Hawke larga o aspirador no chão e se aproxima em passos cautelosos. Assim que ele para na
minha frente, um turbilhão de sentimentos tomam meu coração. Em seguida, ele passa os braços
ao meu redor e me puxa para ele, me apertando com força contra o seu corpo.
Não sei de quanto tempo preciso, mas espero que seja o suficiente para consertar tudo entre
nós.

Se passam três semanas até eu tomar coragem para resolver algumas coisas pendentes na
minha vida. Quero dizer, o começo da especialização em Medicina Veterinária realmente é uma
loucura, então demorei um pouco para dar os primeiros passos sobre meus sentimentos.
No instante em que atravesso as portas da recepção do Patas & Ossos, meu corpo inteiro
sofre uma injeção de adrenalina ao ver Robert Bloom atrás do balcão da recepção. Ele está
usando óculos de grau, o que parece muito diferente da sua personalidade anterior. Quero dizer,
as roupas simples também.
Engulo o nó que se forma na minha garganta quando ele levanta o rosto na minha direção,
parecendo assustado e receoso ao mesmo tempo. Mantemos o embate visual até que Vanessa
chega, distraída, falando algo sobre os cachorros no quintal. Então ela observa Robert, que ainda
me encara, e faz o mesmo.
— Vou dizer tudo o que preciso apenas uma vez — anuncio, mesmo com a voz ligeiramente
trêmula. — Mas, primeiro, quero saber… — Encaro Vanessa. — Desde quando você sabia que
eu era filha do seu marido?
O marido dela, não o meu... pai. Deixo claro a frase.
Eles trocam um olhar tenso, então Vanessa dá um passo na minha direção. Levanto a mão
num gesto claro para que ela não o faça. Então, suspira e diz:
— Robert veio instalar as câmeras de segurança e notou você no jardim, numa tarde. Foi
uma confusão para nós dois e, desde então, mantivemos este segredo.
— E você achou seguro levá-lo até a minha formatura? A qual eu tinha convidado apenas
você? — Estreito meus olhos para ela.
— Não era para você ter nos visto, mas… — ela começa a explicar.
— O garoto Scott e você estavam discutindo. Eu não podia deixar… — Robert fala com a
voz rouca e mais grave do que me recordo daquele dia.
Me permito olhar para ele e interrompê-lo com toda fúria que está presa em mim durante os
anos.
— Não podia deixar o que? Ele continuar discutindo comigo? Que direito você tem de se
intrometer em qualquer ponto da minha vida, Robert? Você ao menos sabia se eu estava viva até
descobrir que eu trabalhava para a Vanessa.
Ele se cala e, novamente, vejo aquela novidade em seu rosto: a vulnerabilidade.
— Não sei o que aconteceu na sua vida nestes dois anos, mas quero que saiba que estou aqui
apenas porque minha mãe se sente bem com isso. Você sabe quão na merda nós ficamos depois
que você partiu? — falo com a voz firme. — Os danos que você causou na segurança da mulher
que segurou as pontas depois que você se foi? Sabe… — Rio sozinha, sentindo a voz tremer. —
Ela voltou a trabalhar. Usou o diploma que ficou anos na gaveta porque era a esposa modelo e
está feliz. Ela tem um namorado bom, que a valoriza e não a anula.
— Eu sei que fui um marido ruim, mas agora as coisas estão diferentes, eu…
— Não quero saber! — revelo, com as mãos no ar. — Não quero saber nada do que se
passou na sua vida, porque não quero sentir pena de você. No momento, estou furiosa e vou
respeitar o que estou sentindo.
Ele comprime os lábios e encolhe os ombros com as minhas palavras. Tenho certeza de que
algo aconteceu na vida de Robert Blossom, mas não estou pronta para ouvir ainda.
— Por que você apareceu na minha formatura? — pergunto, nervosa.
Demora alguns instantes para que ele fale:
— Eu queria poder me explicar. Quero me aproximar de vocês e corrigir o que eu fiz com
vocês duas.
Molho os lábios secos com a língua, encarando o chão por alguns instantes.
— Uma diz, talvez, eu esteja pronta para te ouvir. Até lá, quero que você saiba que eu e
minha irmã estamos considerando uma aproximação por respeito ao que você fez por nós durante
algum tempo. — Volto a encarar os dois. — Por favor, não tente aparecer de surpresa.
Quando saio do lugar, sinto meu coração mais leve. Não é, de longe, uma resolução sobre o
que sinto sobre o meu pai, mas é um grande passo. Em seguida, envio uma mensagem para
Hawke. Precisamos conversar e acho que esse é o melhor momento para isso. Todos nós
merecemos um novo começo neste semestre, e espero que estejamos lado a lado para isso.
Pouco mais de uma hora depois, estou no meu apartamento. Eu e Hawke precisamos
conversar. Mesmo chateada, eu não vejo motivo para continuarmos assim. Sei que ele está
esperando apenas um sinal. Certas coisas precisam ser resolvidas pessoalmente. E eu conseguirei
isso, mesmo que me custe algumas mudanças.
As luzes amarelas penduradas sobre minha cabeça roubam um pouco da minha atenção.
Tento me manter concentrada na música que ressoa pelos fones de ouvido, mas as luzes me
desconcentram um pouco.
Não sou a melhor pessoa para manter atenção em duas atividades, ou seja, preciso muito me
concentrar para seguir ouvindo as notas de Arctic Monkeys, então fecho os olhos e solto o ar
preso nos pulmões.
O clima ameno de agosto está presente, entretanto, o sol que fez hoje deixou o ambiente
mais caloroso. O terraço do prédio não foi diferente. Estou deitada em uma toalha de piquenique
que Mabel me emprestou.
Após chegar em casa eu e ela conversamos. E foi uma conversa importante. Mabel
conseguiu a bolsa para estudar em Nova Iorque e se mudará em breve. A notícia chegou nesta
tarde e não pôde ser em um momento mais oportuno: Hawke e Kendra estão se curando, o
relacionamento da família Scott parece melhor e estou pronta para ter Hawke de volta na minha
vida mais uma vez.
Escuto quando a porta de ferro da escada de incêndio é aberta. Um sorrisinho molda os meus
lábios e escuto os passos de Hawke até mim. Um pigarrear me chama a atenção, mas permaneço
com os olhos fechados e bato no espaço livre ao meu lado.
Lentamente, Hawke se deita ao meu lado sobre a toalha xadrez vermelha. Ele tira um dos
fones do meu ouvido. Quando abro os olhos, vejo que ele escuta a música comigo.
— Você costumava ouvir essa música no repeat muitas vezes quando adolescente — ele fala
em um tom baixo.
Sorrio, mesmo com os olhos perdidos na imensidão negra acima de nós.
— Era uma indireta para você. “I Wanna Be Yours” é um clássico.
Ele ri baixinho, virando o rosto para mim, deitando-se lateralmente. Hawke está usando
jeans, camiseta lisa azul e os cabelos estão levemente úmidos. Me acomodo do mesmo modo,
agora encarando seus olhos azuis.
— Acho que acabei de me apaixonar um pouco mais por você depois de saber disso.
Os cantinhos dos meus lábios se repuxam para cima e suspiro em seguida. É impossível não
sentir o meu coração se aquecer enquanto ele me declara amor. Molho os lábios com a língua e
tento manter a ordem de assuntos que organizei em minha cabeça para esta conversa. Vago o
olhar pelas luzinhas amarelas e lufo o ar.
— É engraçado. Eu nunca tinha vindo no terraço do prédio antes.
Sinto quando ele se remexer, inquieto. Seguro em sua mão, tentando lhe passar segurança.
Com o polegar, roço as nossas peles na tentativa de lhe deixar calmo.
— Eu queria um lugar calmo para conversarmos. Por isso eu te chamar aqui. Sabe, hoje eu
falei com meu pai.
— É sério, Anise? Como foi?
Sorrio sem graça.
— Falei o que precisava. Tomei coragem e falei que ele partiu nossa família e, no fim, foi
algo bom, porque o relacionamento que nós tínhamos não era bom. Disse que não posso perdoá-
lo e que ainda guardo muito rancor, mas que algum dia, talvez, eu consiga conviver com ele. —
Viro meu rosto para ele. — E decidi algo também…
Ele tenta iniciar uma frase, mas viro o corpo para o seu e coloco o dedo indicador sobre seus
lábios. Hawke levanta as sobrancelhas, confuso, mas desiste de falar qualquer coisa que seja.
— Decidi que nós podemos voltar a ficar juntos. Não aguento mais esse tempo e mais: acho
que estamos prontos para morar juntos! — Ele arregala os olhos e eu tenho vontade de rir com
sua surpresa. — É, eu também estou terrivelmente surpresa. É uma mudança maluca, mas eu sei
que não existe qualquer lugar no mundo que me deixe tão bem quanto perto de você. É um passo
grande, eu sei. Sempre idealizei uma vida onde só moraria junto ao meu parceiro após o
casamento. — Rio nasalmente por breves instantes. — E a vida vem me mostrando que os
nossos planos sofreram grandes mudanças ao longo dos meses. Você foi a mudança mais louca e
intensa da minha vida. É nessa mudança que eu quero embarcar para sempre. Então estou aqui
para te pedir algo muito importante…
Hawke levanta as sobrancelhas e tenta falar algo, só então noto que ainda estou pressionando
os lábios dele com o indicador. Nós dois rimos e ele limpa a garganta, segurando na minha
cintura ao fazer um carinho em mim.
— Peça o que quiser, Anise. Depois de saber que vamos compartilhar a mesma cama todos
os dias, você pode me pedir o céu.
Dou um leve tapa no seu ombro e ele ri, aproximando o corpo do meu. Encosto o queixo no
seu peito e analiso seus traços. O frio da noite parece bem menor agora, já que estou nos braços
dele.
— Eu quero que possamos ser como antes. Que falemos sobre tudo um com o outro e quero
que me prometa… me prometa que nunca mais se fechará como fez antes. — Logo os orbes
azuis tomam uma expressão assustada e curiosa. — Sei que será um processo para nós dois, mas
me prometa isso. Eu te perdoei sobre o que aconteceu, mas para isso dar certo de novo, preciso
saber que você lutará por isso comigo.
Hawke respira, encostando a parte de trás cabeça no chão e olhando para o céu. Ele aperta
um pouco meu corpo contra o seu, suspirando logo em seguida. Mordisco o lábio inferior e
tamborilo os dedos em seu peito até ele me olhar.
— Tenho pensado em maneiras diferentes de me desculpar e mostrar que sou digno para
você. Então você pede para que eu me abra com você e é isso que eu farei sempre. Sempre vou
falar com você sobre os meus sentimentos, até os mais feios e obscuros. Eu prometo.
Aproximo o rosto do dele, sentindo cada pedacinho de mim ser tomado de amor e felicidade.
Encosto os lábios aos de Hawke em um beijo rápido. Ele ri contra os meus lábios e me afasta
minimamente.
Os dedos longos escovam os meus fios ruivos para trás dos ombros e ele sorri para o
movimento.
— Eu tenho pensado em mantermos uma pequena biblioteca em casa, o que você acha?
Eu rio, abraçando o corpo dele.
— Acho incrível. Eu amaria uma biblioteca.
Hawke alisa meu rosto, sorridente.
— Você ama tanto os livros… — comenta Hawke.
— Fizemos parte do clube de literatura por anos.
— Somos um clássico, não é mesmo?
Ele me segura pela cintura e me puxa para si, fazendo-me gargalhar com o movimento
repentino. No segundo seguinte, estou sobre seu corpo.
— Anise Bloom, você é a garota mais surpreendente que a terra vai conhecer. Por mais que
seja romântica, você é tão voraz que as vezes me assusta. E por mais que seja ingênua às vezes,
sua astúcia é formidável. Não preciso lhe falar sobre sua empatia e sua intensidade, certo? É
palpável e incrível. Cada pedaço de você é tão lindo que eu me apaixono todos os dias mais.
Aperto os lábios e sorrio em seguida, saindo do seu colo e me sentando ao seu lado com as
pernas cruzadas. Ele me analisa com curiosidade, sentando-se igualmente. Pego uma pequena
cesta que preparei com os itens que encontrei no apartamento.
— Suco, sanduíches com pasta de amendoim, geleia e algumas frutas.
— Um piquenique no terraço?
— Isso. Um piquenique para conversarmos sobre o nosso futuro, senhor Scott — digo,
estendendo um copo de vidro para ele e enchendo de suco de uva logo em seguida. Disponho os
pequenos lanches entre nós. — Já falamos sobre morarmos juntos, certo? Então vamos ao
segundo ponto: o meu semestre está cheio de aulas e vamos precisar alinhar nossa rotina. Não
tenho mais um emprego para cuidar de animais, mas vou tentar uma vaga na recepção da
biblioteca da Universidade.
Termino mordendo um pedaço generoso do meu sanduíche, fazendo com que a geleia
escorra pelo meu queixo e parte do pescoço. Hawke ri, me estendendo um guardanapo. Limpo a
pequena bagunça enquanto ele morde seu sanduíche também.
— Decidi que não posso fingir que Vanessa não me traiu. Preciso respeitar meus limites e
meus sentimentos, sem desconfianças. Então vou ver se consigo trabalho de meio período
enquanto termino a especialização em medicina veterinária.
Hawke sorri para mim, a mão livre dele toca o meu joelho em um carinho tímido.
— Estou orgulhoso da forma como você decidiu isso.
— Eu também. Quero dizer, precisava tomar essa decisão por mim, em honra a minha
memória e a tudo o que eu passei depois que Robert foi embora. Não é justo aceitá-lo de volta
enquanto ainda estou ferida.
Hawke toma mais um pouco do seu suco, aproximando o corpo do meu até ficarmos a
poucos centímetros de distância. As luzes amareladas refletem os olhos cristalinos e
incrivelmente azuis. Os traços fortes me fazem sorrir igual boba. Hawke levanta a mão e alisa o
meu rosto com cuidado. Ele roça a pontinha do seu nariz no meu, me fazendo cócegas.
Seus lábios tocam o canto da minha boca, delicadamente.
— Obrigada por isso. Obrigada por reconsiderar meu momento obscuro e me dar essa
chance. Eu prometo ser o melhor namorado do universo. Você é o item mais precioso da minha
vida, Anise. Prometo honrar essa oportunidade ao seu lado.
Não consigo deixar de sorrir com o comentário cheio de amor. Mordisco seu maxilar e ele ri
enquanto suas mãos estão na minha cintura. Afasto o rosto dele, apenas para conseguir olhar em
seus olhos.
— Vamos conseguir, não é mesmo? — lhe pergunto, em um lapso de insegurança. — Nós
dois. O nosso amor…
Ele assente, fazendo um carinho com os polegares.
— Nosso amor é forte, Anise. Vamos ser o que é para ser. E eu cogito que o nosso amor seja
para sempre. Desafios estão aí para serem superados e, no fim, o amor prevalece quando é para
ser.
Encosto a cabeça no ombro dele e suspiro, sorridente.
— Eu te amo.
— Eu te amo, Pequena Sereia — diz, e suspira contra o meu rosto. — Sabe o que eu acho
que deveríamos fazer? Dançar!
— Dançar?
— Sim, igual na sua festa a fantasia na escola. Eu perdi sua dança de formatura, lembra? —
há uma pontada de insegurança na sua voz dele quando se levantando e me estendendo a mão. —
Você aceita dançar comigo?
Nego com a cabeça, já aceitando sua mão.
Seguro em sua palma quente e tomo impulso, me colocando em pé. Hawke pega o telefone
para colocar uma música. Estranho quando ele joga o aparelho novamente em cima da toalha.
Em instantes, ele espalma o fim das minhas costas e me puxa para si, fazendo com que eu colida
com seu corpo. Solto uma risada, tentando organizar as mãos em seus ombros. Ele coloca as
mãos em minha cintura.
Com os olhos nos meus, Hawke começa a mover o quadril sutilmente para os lados. Eu o
acompanho. A brisa gélida da noite bagunça os nossos cabelos, mas o frio parece evaporar
quando estou em seu olhar.
Em silêncio, nós dançamos toda a música que ele escolheu: “More Than Words” do
Extreme.
Apesar da chuva que ameaça começar a cair sobre nossas cabeças, continuamos a dançar,
mesmo que a música tenha parado. E eu me perco por longos minutos nos olhos dele. Os que eu
quero perder todos os dias da minha vida.
5 anos após o último capítulo
Hawke e eu finalmente entramos no carro para irmos para casa.
Estamos sentados nos bancos dianteiros em silêncio. Meus olhos vagam pela escuridão do
céu e, pela minha visão periférica, consigo ver que ele aperta o volante, mas não liga o carro.
Ficamos assim por alguns minutos, apenas ouvindo a respiração um do outro. Ainda estou
completamente assustada e anestesiada com a notícia que recebemos.
Não consegui processar muito bem os acontecimentos das últimas horas.
— Um bebê... — a minha voz sai em um sussurro. — Eu ainda estou apavorada.
Ouço a risada dele.
— Eu sei. Eu também.
Mordo o lábio, encarando minhas mãos abertas em cima das coxas.
— Nunca imaginei isso… eu achei que era apenas uma gastrite ou algo assim.
Nós dois rimos, agora olhando um nos olhos do outro. Acabamos de sair de uma consulta
com o gastroenterologista, que solicitou um exame de sangue para gravidez e simplesmente
jogou a informação sobre nossos colos.
— Isso apressa um pouco as coisas, não é? — falo baixinho. — Quero dizer ... — Levanto a
mão com o anel de noivado. — Casamento e depois filhos. Como vamos fazer?
Hawke e eu noivamos faz apenas dois meses. Foi um momento surpreendente, porque ele
fez o pedido em um almoço de Páscoa com todos reunidos para uma grande comemoração.
Mabel tinha acabado de voltar de Nova Iorque, Kendra e Dan estavam apresentando sua
pequena filha, Susan, pela primeira vez a todos nós. Infelizmente, Josh não conseguiu vir de
Washington, onde mora agora, por causa de uma audiência importante.
Houve uma enorme comoção quando Kendra mostrou a pequena Susan a todos nós. Foi
impossível não pensar em Thomas. Pude ver os olhos chorosos de Hawke. Todos caíram em
lágrimas quando ele abraçou o pequeno bebê e falou sobre o seu irmãozinho, que agora era uma
estrela brilhante no céu.
Hawke encosta a cabeça no banco e me analisa com atenção.
— Nós nem conversamos sobre o casamento… — Ele ri.
— É... — Mordo o interior da bochecha e suspiro. — Como você está se sentindo sobre
isso?
Ele arqueia as sobrancelhas e pondera. Hawke passa a mão nos cabelos loiros e respira
fundo, desviando os olhos dos meus rapidamente. Agora, como engenheiro de uma empresa que
trabalha com fármacos, ele tem andado com roupas mais sociais. Hoje ele está usando um terno
azul marinho que ressalta seus olhos.
Diferente de Hawke, ainda mantenho as roupas casuais. Mesmo com trinta anos, meu
guarda-roupas ainda é florido e cheio de vida.
— É estranho… não tem como não pensar, você sabe... no Thomas — murmura com a voz
pesarosa.
Molho os lábios com a língua e desvio o olhar rapidamente ao sentir a mão dele sobre a
minha, ele a aperta com suavidade, me chamando atenção.
— É o segundo irmão dele, você sabe… — Os olhos azuis estão brilhosos e um sorriso
estampa seus lábios. — Existe medo em alguma parte da minha cabeça. Mas estou tão feliz,
Pequena Sereia… tão feliz.
Não consigo me conter. Me jogo sobre o corpo dele, ainda segurando a papelada dos
exames. Ele me aperta forte contra seu corpo, beijando meu rosto entre uma risada.
— E o nosso casamento, você idealiza algo do tipo?
Suspiro, me afastando em uma risada.
— Eu quero algo simples, íntimo e romântico. Não sonho com cerimônia religiosa e muito
menos com muitas pessoas. E eu não quero me casar com um barrigão. — Acabo rindo da
confissão e volto a olhá-lo. — Então eu acredito que podemos deixar o nosso casamento para
quando o bebê nascer. — Mordisco o lábio. — Tudo bem?
Agora é ele quem suspira, levando a mão até o meu cabelo e colocando uma mecha para trás
da orelha.
— Tudo o que você quiser, meu amor. Eu faço o que você quiser. A minha única vontade é
que isso aconteça. — Ele ri.
— Um dos motivos para eu não estar grávida é que eu quero aproveitar a festa ao máximo.
Isso inclui uma lua de mel decente — digo, sonhadora. — Como a viagem que fizemos para a
Europa há três anos.
— Então vamos precisar o bebê tenha mais do que seis meses para que não precise mais
amamentá-lo.
— Meu. Deus... — falo, colocando as mãos nas bochechas. — Eu não tinha pensado nisso. E
isso nos dá o que... Quase um ano e meio de espera para o casamento?
— Isso.
— Nossa. É bastante tempo — falo, batendo o dedo indicador no queixo. — Espero que
você não desista... — Rio, nervosa.
Hawke inclina o corpo na minha direção enquanto segura no meu rosto e me faz encará-lo.
— Você está enlouquecendo pelos hormônios? — diz em um tom brincalhão. — Nem em
um milhão de anos isso acontecerá.
Tento sorrir antes de beijá-lo. Meu coração se enche com a confissão, ao mesmo tempo que
eu sinto meu corpo todo amolecer em seus braços. No entanto, antes que consigamos nos
aproximar ainda mais, o telefone de Hawke vibra:
— Caramba! — diz ele, encarando a tela. — Esqueci completamente que do evento de hoje!
— ele me avalia com cautela, totalmente extasiado. — Vamos desmarcar a festa?
— Acho que é um bom momento para contar a todos, o que me diz? — Arqueio as
sobrancelhas, sentindo meu coração bater depressa. — Uma festa de casa nova e um anúncio.
Hawke pisca para mim com um sorriso enorme nos lábios.
— A Mabel vai ficar maluca.
— Não mais do que a Rose! — Jogo as mãos para o ar e rimos juntos.

Brinco com o copo de suco na mão enquanto observo o jardim da nossa nova casa. Quando
me formei na residência de Medicina Veterinária, Hawke recebeu uma proposta na cidade de
Grapevine. Não pensamos muito sobre voltar para a nossa cidade natal e, desde então, estamos
aqui.
Apesar disso, só agora conseguimos construir a nossa casa dos sonhos: uma casa no lago.
Por isso, estamos fazendo uma grande comemoração. Olho para a varanda da sala e suspiro.
Mamãe, Ray e os pais de Hawke estão aqui. E até mesmo o meu pai e Vanessa, mesmo que
distante de todos, já que ele e mamãe ainda não se falam muito além do essencial.
Por incrível que pareça, nós temos uma relação cordial agora.
Demorou alguns anos para que eu e Rose conseguíssemos ver ele uma vez a cada mês, em
um almoço desengonçado e estranho. Com o passar do tempo, as coisas foram ficando melhores
e estabelecemos que falar sobre o passado não era um bom caminho. Hoje, estou grata por isso.
Essa nova versão de Robert me agrada muito mais.
Mamãe também está melhor. Ela e Ray estão morando juntos na nossa antiga casa e eu
fiquei feliz com isso. Eles são uma boa dupla no trabalho e como casal. Ray é um homem
educado, adoro que ele e mamãe curtam jardinagem e caminhadas lado a lado.
Como se soubesse que estou observando-os, Vanessa vira o rosto para mim. Ela sorri
gentilmente e devolvo o gesto. Demorou algum tempo também para perdoá-la, mas hoje sei que
ela queria me “aproximar” do meu pai de algum modo de forma genuína.
De longe, vejo Mabel e Kendra conversando. Kendra está usando suas habituais roupas de
grife e sorrio ao ver Mabel com um conjunto de roupas casuais de moletom. Depois que ela se
tornou uma bailarina e moradora de Nova Iorque, seu visual anda bem casual e confortável.
Desvio o olhar e busco por Hawke. Ele está em uma conversa empolgada com Josh e Dan
enquanto segura a pequena Susan em seu colo com um olhar bobo. Ele está exalando o nosso
segredo em cada gesto, rindo sozinho igual uma criança boba ou até mesmo quando pisca para
mim.
Observo quando Hawke olha para mim e sorri, balançando o pequeno pacotinho cor de rosa
no colo.
— Hawke está agindo de uma forma bizarra... — minha irmã surge ao meu lado,
bebericando da sua taça. — Ele pareceu soltar uma risada do Coringa quando viu Kendra e Dan
com a Susan — resmunga, torcendo o nariz para o lado.
— Ele só está empolgado com a casa! — Observo a grande estrutura de madeira como se
fosse uma cabana.
O lugar possui uma extensão grande, com uma sala e cozinha acoplada. Dois quartos na
parte inferior, uma suíte e um banheiro. Além disso, o mezanino da casa possui uma biblioteca
com uma janela para o lago aos fundos da casa.
— Mentirosa! — minha irmã me cutuca, finalmente fazendo com que eu encare seus olhos.
— Vocês estão escondendo algo.
Rose, agora, é uma adulta. No auge dos seus vinte e dois anos, eu ainda acho que ela é minha
pequena, mas a garota está estudando em Dallas e morando em uma república do campus da
Universidade em que estudei. Infelizmente, para o meu desgosto, está solteira e aproveitando
festas demais. Apesar disso, seu desempenho continua ótimo. É apenas um receio preocupado
sobre seu bem-estar.
— Não, é claro que não! — Franzo o cenho, negando com a cabeça e desviando do seu olhar
para encarar as mesas de madeira repletas de quitutes.
— Então, tá. Eu espero que você saiba que dormirei no quarto de hóspedes do final do
corredor no verão. Vou tomar sol e banho de lago todos os dias.
Quase abro a boca para lhe dizer que aquele será o quarto do bebê. Reprimo as palavras e
solto apenas uma risada para minha irmã. Por sorte, Hawke se aproxima.
— Seu pai comentou que ele e Vanessa vão embora daqui a uma hora — a entonação da voz
muda e eu acabo rindo quando ele passa os dedos gélidos pela pele do meu pescoço, me fazendo
arrepiar.
— Chegou a hora, então, uh? — Viro o rosto para ele, procurando por seus olhos.
— Eu sabia que tinha alguma coisa! — Rose resmunga e se retira, me fazendo rir.
Encaro a multidão, sorrindo para todos os nossos amigos. Estão todos aqui, os antigos e os
novos. Meus colegas do hospital veterinário e os da empresa de Hawke.
— Céus, eu vou ficar enorme em poucos meses — falo como se fosse um segredo. —
Caramba... eu não tinha pensado nisso.
— Você vai ficar linda! — Hawke diz, segurando na minha cintura e me puxando para si. —
Carregando o nosso filho! — E beija minha bochecha.
— E enorme.
— Linda.
— Enorme.
— Linda.
Eu rio, porque ele fala com um brilho no olhar e um sorriso tão convidativo que meu coração
se aquece. Repasso mentalmente todas as instruções sobre gravidez que eu pesquisei na internet
e tudo parece uma confusão, já que tantas informações, sobre períodos diferentes, vem à minha
cabeça.
Assim que Hawke segura na minha mão e pede a atenção de todos, meu coração está
batendo tão forte que parece que vai sair pela boca. Então, assim que as palavras saem da boca
dele, todos gritam, extasiados.
Hawke me abraça por trás e beija o meu pescoço enquanto o pai dele está fazendo um
discurso emocionado. Não sei se é uma espécie de reparo pela primeira vez que descobriram que
Hawke seria pai, mas ele é que pede a primeira palavra e que está propondo um brinde com
lágrimas nos olhos. Enquanto ouvimos o senhor Scott falar, Hawke sussurra só para que eu
escute:
— Eu acho que é uma menina…
— Como você acha isso?
— Não sei, estive pensando sobre — ele faz uma pausa. — Pesquisei alguns nomes. Ginger
é um bom nome para uma garotinha e significa gengibre. Nós dois gostamos de gengibre e
ficaria algo parecido com o que a sua mãe escolheu para você e a sua irmã.
Não posso deixar de sentir meu coração se encher de amor pela sua observação.
— E se for um menino, podemos chamá-lo de Owl — digo a ele. — Você é meu falcão, e eu
também adoraria uma pequena coruja.
— Acho muito bom. — Ele ri. — Uma coruja que nos manterá acordado durante muitas
noites.
Sopra no meu ouvido. Os cantinhos dos meus lábios sobem em um sorriso singelo quando
ele diz isso. Suas mãos acabam por cima da minha barriga no meio do abraço. O polegar roça na
região por cima da minha blusa.
Olho para ele e beijo seu rosto. Em seguida, fecho os meus olhos e sorrio. Silenciosamente
eu agradeço por cada momento da minha vida que me trouxe até o agora. Tudo o que eu sei é
que Hawke Scott é o meu agora e o meu futuro.
FIM
A história de Hawke e Anise me ensinou muita coisa.
Eles me ensinaram que o amor não tem hora, nem um script e que precisamos sempre
analisar a mesma situação de diferentes perspectivas.
As palavras de Kendra foram inspiradas em M.L., uma pessoa muito importante na minha
trajetória que perdeu dois bebês antes de conseguir dar à luz ao seu menino. É doloroso como
uma mulher pode crescer no meio dos seus piores momentos, mas foi na história dela que eu me
vi emocionada e inspirada para esse livro. Então, M.L., obrigada por compartilhar comigo estes
momentos.
Agradeço imensamente a minha revisora, Alina, e as minhas betas Camila,Ísis, Geo e
Jéssica. Se não fosse por vocês me dando apoio nos primeiros três dias de escrita, eu jamais teria
continuado neste livro.
No mais, espero que você tenha gostado desta história.
Com amor, Luísa.
Luísa Borges, ou simplesmente Lu, é o pseudônimo de uma gaúcha que adora café, ler, gatos
e é extremamente viciada em estudar.
Aos treze anos começou a escrever livros de fantasia, mas abandonou a escrita para dedicar-
se aos estudos. Após onze anos, voltou a envolver-se com a escrita e entrou no universo do
Wattpad para publicar suas obras.
Gosta de ler livros de romance e fantasia, mas tem apreço por escrever suspense e thrillers
psicológicos.

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