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BIA CARVALHO

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Obrigada por seu apoio aos direitos da autora.

Este e-book é uma obra de ficção. Embora possa ser feita


referência a eventos históricos reais ou locais existentes, os
nomes, personagens, lugares e incidentes são o produto da
imaginação da autora ou são usados de forma fictícia, e qualquer
semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, estabelecimentos
comerciais, eventos, ou localidades é mera coincidência.

Primeira Edição: 2023


Rio de Janeiro – RJ

Capa: LA Design
Revisão: Sonia Carvalho
Diagramação: Independente
Assessoria geral: Aline Bianca (Safada Leitora)
Assessoria Geral: Fox
Assessoria de Comunicação e Conteúdo: Laura Brand
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DEDICATÓRIA

Para a querida Paloma Cristina. Que esse namoro seu com Cassian seja

pra valer!

Para todas as pessoas que um dia perderam alguém, mas que não
conseguiram seguir em frente. Para aqueles que tiveram o coração

partido e que não conseguiram se reencontrar. Para quem está


sobrevivendo como dá, como pode.

Lembrem-se disso: nem sempre para ser forte, você precisa estar forte o

tempo todo.
PLAYLIST:
Ilustração por: Cecília Gomes
SUMÁRIO

CAPÍTULO UM

CAPÍTULO DOIS

CAPÍTULO TRÊS

CAPÍTULO QUATRO

CAPÍTULO CINCO

CAPÍTULO SEIS

CAPÍTULO SETE

CAPÍTULO OITO

CAPÍTULO NOVE

CAPÍTULO DEZ

CAPÍTULO ONZE

CAPÍTULO DOZE

CAPÍTULO TREZE

CAPÍTULO QUATORZE

CAPÍTULO QUINZE

CAPÍTULO DEZESSEIS

CAPÍTULO DEZESSETE

CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZENOVE

CAPÍTULO VINTE

CAPÍTULO VINTE E UM

CAPÍTULO VINTE E DOIS

CAPÍTULO VINTE E TRÊS

CAPÍTULO VINTE E QUATRO

CAPÍTULO VINTE E CINCO

CAPÍTULO VINTE E SEIS

CAPÍTULO VINTE E SETE

CAPÍTULO VINTE E OITO

CAPÍTULO VINTE E NOVE

CAPÍTULO TRINTA

CAPÍTULO TRINTA E UM

CAPÍTULO TRINTA E DOIS

CAPÍTULO TRINTA E TRÊS

CAPÍTULO VINTE E QUATRO

CAPÍTULO VINTE E CINCO

CAPÍTULO TRINTA E SEIS

CAPÍTULO TRINTA E SETE


CAPÍTULO TRINTA E OITO

CAPÍTULO TRINTA E NOVE

CAPÍTULO QUARENTA

EPÍLOGO

AGRADECIMENTOS

SE GOSTOU DESTE LIVRO, LEIA TAMBÉM:


CAPÍTULO UM

Querida Tabitha,
Hoje, mais cedo, eu conheci meu chefe.
Estou ferrada, porque ele é um babaca!

Muitas pessoas dizem que uma primeira impressão pode


estragar completamente nossas concepções sobre alguém.
Aparências enganam, afinal. Só que desde a primeira vez em que
me deparei com Cassian Greene, meu chefe, já tive completa
certeza de que o odiaria. Foram necessários apenas alguns
minutos para decidir que ele seria uma enorme pedra no meu
sapato dentro daquela empresa.

Eu não era do tipo que julgava assim, de cara. Pelo


contrário. Fazia mais o estilo otária, que confia, gosta, se entrega
à amizade e cai ladeira abaixo. Minha mãe costumava dizer que
eu tinha o dedo podre. Meu pai falava que precisava ser mais
cuidadosa com as minhas escolhas.
Só que, infelizmente, em um ambiente de trabalho, a
decisão não cabia a mim. Aquele homem seria o meu chefe. Não
havia muito o que eu pudesse fazer para evitá-lo ou para tirá-lo da
minha vida, só que não imaginava que seria tão difícil. E pude
comprovar isso com pouquíssimo tempo de convivência.

Minutos, para ser mais precisa.

No meu primeiro dia na Roman Entertainment, uma


empresa de produção cultural referência no país inteiro; que era
responsável pela organização dos maiores festivais e eventos de
todos os tipos em todo o país, eu estava feliz como a criança que
ganhou o melhor presente de Natal. Fora um processo seletivo
bastante árduo, que levou meses, até porque eu estava pleiteando
o cargo de secretária executiva de um dos diretores – o malfadado
Cassian.

Quando consegui, descobri que não apenas iríamos


trabalhar juntos, mas como também na mesma sala. Frente a
frente. Não me importei nem um pouco, porque eu costumava me
dar bem com todo mundo com quem trabalhei até aquele
momento. Seu cargo era o de Diretor Cultural, e sua equipe era a
responsável pela criação das grades de programações dos eventos,
pela estrutura em si, de tudo o que poderia atrair as pessoas a se
interessarem em participar, não apenas como público, mas
também como patrocínio, apoio e investidores.

Eu deveria ter imaginado, pela cara que a menina do RH


fez, que não teria tanta sorte assim.

Ainda assim, enchi meu coração de esperança.


Ele não estivera presente no primeiro dia, quando fui
apresentada a toda a empresa, quando me mostraram quais seriam
minhas tarefas, minhas obrigações, mas pude observar sua mesa e
tentar entender algumas coisas sobre ele.

Era muito pouco organizado, diferente de mim, e havia


uma pilha de papéis fora de ordem em um canto da mesa, canetas
espalhadas também, e todas elas com as tampas mordidas. A
estante do seu lado da sala – eu tinha uma também, para
preencher – estava repleta de livros de marketing, de branding e
de produção cultural, todos empilhados de qualquer jeito, sem
nenhum tipo de estrutura.

Mas tudo bem... ele podia ser alguém completamente


diferente de mim, mas ainda tinha certeza de que nos daríamos
muito bem. Sem contar que, levando em consideração que eu
estava me formando em Produção Cultural, podia afirmar que
aprenderia muito com seus ensinamentos e, com sorte,
conseguiria provar meu valor e ser inserida em sua equipe sem
ser como secretária.

Meus pais sempre me ensinaram a ter muita paciência


para tudo. Uma das minhas estratégias, ao invés de tentar um
estágio na área, levando em consideração que eu estava nos
últimos períodos, foi encontrar uma empresa grande e referência
na área e entrar no cargo que fosse possível. Secretária de um
diretor sem dúvidas era um caminho muito bom para demonstrar
meu talento e meu valor, e, talvez, ser notada.
Sem contar que entrar para aquela empresa em
específico... bem, era um sonho. Um sonho que prometi que iria
cumprir.

Sendo assim, eu estava animadíssima para começar.


Cheguei à Roman com um sorriso no rosto, segurando meu
copinho de café, que deixei em cima da mesa que seria minha.
Então fui à copa pegar uma caneca de leite para misturar,
exatamente como meu pai adorava, e sempre tomávamos juntos
quando estávamos em casa.

Havia uma máquina na copa, liberada para os


funcionários, mas eu tinha a minha cafeteria preferida, que ficava
no meu caminho, e até pensei que com o passar do tempo poderia
descobrir a bebida favorita de Cassian e levar para ele, para
criarmos um ambiente agradável.

Sorrindo como uma boba, tirei meu casaco, já que


estávamos no inverno, pendurei-o na cadeira, posicionei o copo
sobre um descanso que levei de casa, o máximo longe possível do
meu notebook – já que acidentes poderiam acontecer – e mexi em
todas as outras coisas que estavam sobre a mesa para ficarem
perfeitamente organizadas.

Ajeitei meus óculos no rosto, coloquei uma mecha do meu


cabelo castanho atrás da orelha, alisei a saia, afofei a blusa na
cintura, que estava por dentro da barra, e parti para a copa.

Só havia mais uma pessoa lá. Um homem.


De costas, a primeira coisa que conseguia ver era que
tinha uma altura considerável, a ponto de eu, de salto bem alto,
chegar no máximo até seus ombros. Eu não era exatamente
baixinha, mas ele certamente tinha mais de um e noventa.

O terno que usava parecia se ajustar perfeitamente em seu


corpo largo, os cabelos eram castanhos e usados em um corte
bem moderno, que dava a chance de serem usados de forma mais
organizada e de forma mais displicente, em um ambiente menos
formal. Ele remexia em uma caixa que estava sobre a pia,
abrindo-a e tirando algo de lá de dentro, com um guardanapo.
Consegui enxergar que se tratava de uma rosquinha.

Eu não pegaria algo assim para comer no meu café da


manhã, mas cada um com seu cada um, certo? Claro que não iria
bancar a chata e lhe dar lições de moral a respeito de suas
escolhas nutritivas no primeiro dia em que iríamos nos conhecer.

Porque obviamente eu sabia quem ele era. Principalmente


quando se virou de lado para pegar alguns papéis-toalha no
suporte, consegui enxergar seu perfil, com um maxilar marcado, a
sombra de uma barba propositalmente por fazer, além de um olho
castanho.

Ele se embolou um pouco, porque estava usando apenas


uma das mãos, então me prontifiquei a ajudá-lo. Sem nem olhar
para mim, murmurou um “obrigado”, sem muita simpatia. Nem
sequer me viu direito.

Mas tudo bem. Era só um momento confuso.


Abri o armário de cima, onde já sabia que havia canecas, e
escolhi uma aleatória. Várias delas tinham mensagens
engraçadas, quase desmotivacionais, e eu decidi que brincaria
com a sorte e a que eu pegaria me diria algo sobre o meu dia.

A mensagem daquela vez foi:

“Tudo que parece bom demais,

ainda tem a grande chance de se tornar péssimo”.

Não consegui não rir, mas ao mesmo tempo desejei que a


frase fosse um engano. Aproximei-me da máquina de café,
escolhendo a opção de leite morno, ouvindo o sonzinho da bebida
caindo na caneca e a fumacinha subindo, trazendo um aroma
gostoso ao ambiente.

Dei uma golada, porque a caneca ficou cheia demais, e


olhei de novo na direção do homem, que estava comendo a
rosquinha de forma despreocupada, olhando a tela de seu celular,
com o quadril apoiado no balcão.

— Oi, bom dia! Eu sou a Melissa. Sua nova secretária —


apresentei-me com um enorme sorriso, tentando ser o máximo
simpática.

Ele finalmente ergueu os olhos para mim, chegando a


arquear uma sobrancelha ao me ver. Era impossível saber qual era
seu primeiro pensamento a meu respeito, mas não consegui não
perceber que ele era muito, muito bonito.

Algo pareceu surpreendê-lo ao olhar para mim e algo o


fez rir. Brevemente, mas o suficiente para me deixar um pouco
desconfiada.

— Oi — seu cumprimento foi muito menos efusivo do


que o meu. — Você é bem mais jovem do que imaginei. Lembro
que eu tinha preferência por uma pessoa mais velha, no caso.

Não consegui entender se era um elogio, mas não parecia.


Era como se ele estivesse fazendo aquele comentário porque
minha idade lhe passava a impressão de que eu seria
incompetente.

— Bem... Talvez eu tenha conquistado as recrutadoras


pelo meu talento — brinquei, esperando dizer as coisas certas. —
Você mesmo não é exatamente velho... e é diretor.

Ele abriu um sorriso cínico.

— Sou mais velho do que você. E filho do dono, a


propósito. O que, é claro, compensa a minha falta de idade e de
talento, de acordo com a maioria aqui. Nepotismo que chama,
certo?

Uau. Ele já estava na defensiva, e nós mal tínhamos nos


conhecido.

— Tenho certeza de que não é assim. As pessoas me


falaram muito bem de você.
Era mentira. Para ser sincera, ninguém me falou muito
sobre Cassian. As pessoas para as quais perguntei meio que iam
mudando de assunto, usando respostas muito evasivas, e a ex-
secretária dele, com quem conversei durante o processo seletivo,
chegou a dizer que era uma pessoa “peculiar”, o que eu não fazia
a menor ideia do que queria dizer.

Ele abriu outro sorriso, ainda mais cínico do que o


primeiro.

Era um sorriso e tanto.

— Seja bem-vinda, então, Michelle — cumprimentou,


depois de mastigar uma mordida do doce. Uma das últimas,
porque ele comeu o negócio em tempo recorde.

— É Melissa... — corrigi.

— Tanto faz.

Sério? Ele ia mesmo dizer “tanto faz” para o meu nome?


E a gentileza em pessoa seria o meu chefe a partir daquele
momento?

Calmamente, Cassian se aproximou da lixeira, pisou no


pedal para abri-la, amassou o papel-toalha e o jogou lá dentro.
Pegou outro guardanapo, limpou a própria boca e se voltou para
mim.

— Boa sorte.

Com isso, ele saiu.


O que quisera dizer com isso?

Seria um desejo normal de boa sorte? Apenas uma forma


de ser cordial com uma pessoa que estava chegando? Mas eu
senti um tom provocador em sua fala. Algo que não me passou
despercebido e me fez ficar ali na copa mais tempo do que seria
necessário, porque não sabia se estava pronta para começar a
nossa convivência forçada.

Ele não era nada do que eu estava esperando. Não era o


tipo de chefe que imaginei.

Acabei tomando o leite todo na copa, sozinha, sem nem


pensar que meu café estava esfriando em cima da minha mesa.

Quando voltei, quase marchando, para a sala que dividiria


com Cassian, ele não estava lá.

Quase suspirei aliviada e me sentei na minha cadeira,


levando a mão ao copo de café, dando uma olhada nele e vendo
que embaixo do meu nome – que o funcionário da cafeteria
escrevera – havia um desenho de um bigode, feito com uma pilot
preta. Além dele, a mensagem: “Acho melhor limpar seu bigode”.

Demorei um pouco para entender do que se tratava, até


que desconfiei de uma coisa e me apressei em pegar um
espelhinho dentro da minha bolsa.

A primeira coisa que percebi, quando me olhei no reflexo,


foi o bigode de leite que estava lá, destacado sobre a minha boca.

Ótimo, Melissa!
Ótimo começo!
CAPÍTULO DOIS

UM MÊS DEPOIS

Definitivamente eu não era o cara das festas em ambiente


de trabalho. Sabia que esse tipo de confraternização agradava a
muitas pessoas, porque bebida liberada sempre era um atrativo,
mas não no meu caso. Álcool e escritório, na minha opinião, não
se misturavam.

Na verdade, para ser sincero, pela minha experiência, o


meu escritório não combinava com merda nenhuma. Ou melhor,
com nada que não fossem pessoas escrotas que sentiam prazer em
te humilhar e te fazer sentir um merda.

Nada como uma bela dose de otimismo, não?

Eu observava aquelas pessoas e ficava me perguntando:


como conseguiam sorrir e até mesmo flertar, sendo que mais
pareciam gladiadores quando meu pai decidia fazer um Jogos
Vorazes e anunciar que haveria alguma promoção de cargo?
Como podiam fingir que eram melhores amigos se proliferavam
fofocas como se fossem ratos em meio a esgotos no meio dos
corredores dos andares?

Não querendo ser injusto, algumas pessoas realmente


tinham um grupo interessante. O grupinho do qual minha
secretária, Melissa Foster, fazia parte, era até bem simpático, por
assim dizer. Mesmo que uma delas já tivesse trabalhado comigo,
na minha equipe, e não fosse muito com a minha cara.

Ela fora minha estagiária alguns anos antes. De acordo


com a história que contava, fui eu o responsável por ela desistir
do curso de marketing e migrar para o Direito. Para ficar bem
longe de mim.

Quanta honra!

Levei uma golada do refrigerante à boca, certo de que era


muito melhor ficar no guaraná do que tentar um dos drinques que
estava sendo preparado por nosso Analista de T.I. Sênior, que
provava de praticamente todos os copos, e isso o estava deixando
mais alto do que um prédio de trinta andares. Eu estava louco
para ir embora, mas meu pai me alertara que se eu quisesse
chegar à cadeira de CEO – e deixá-lo finalmente se aposentar –,
precisaria ser um pouco mais... sociável.

Mas eu precisava aguentar aquela chatice toda em doses


homeopáticas. Mais uma ou duas horas e eu poderia ir para casa,
e ninguém nem ia reparar. Logo que cortassem o bolo da
aniversariante, de quem eu sinceramente nem sabia o nome,
apenas que trabalhava no RH. Quem se importava com a presença
do chato do Cassian?
Saindo um pouco da confusão, no momento em que duas
meninas – uma das recepcionistas e uma da contabilidade –
começaram a dançar um funk com letra muito sugestiva, fui me
refugiar um pouco na minha sala, que ficava no andar de baixo da
cobertura do prédio, onde estava acontecendo a festa. Minha meta
era ficar ao menos uma meia-hora sozinho, contemplando o nada
e tentando me desintoxicar da falsidade.

Obviamente meus planos não foram muito bem aceitos


pelo universo. Assim que saí do elevador, percebi que a luz da
minha sala estava acesa.

A persiana também estava aberta, e eu poderia jurar que


naquele último mês em que começamos a trabalhar juntos,
Melissa passara a fazer aquele tipo de coisa de propósito. Ela
chegava sempre antes de mim e abria a merda da cortina, só
porque eu preferia a luz da lâmpada. Eu não era um ermitão nem
nada disso, mas às vezes o sol batia direto na minha cara, da
posição em que eu ficava, enquanto ela continuava bem
protegidinha em seu canto, na sombra.

Como era noite, e ela estava do mesmo jeito, eu precisava


admitir que talvez fosse uma preferência pessoal e não uma
implicância.

Fosse como fosse, parei alguns instantes para observá-la.

Desde o primeiro dia em que a vi, comecei a entender que


havia algo de diferente com ela. Não só o fato de ser uma garota
bonita – e eu não era cego para não enxergar isso –, mas também
detalhes muito genuínos, uma espécie de personalidade forte,
mesclada a uma meiguice, que me surpreendeu. Ela não me
bajulava, como muitas pessoas faziam, mas era educada o
suficiente para obedecer e competente o bastante para eu focar
minha atenção com mais cuidado.

Como a empresa pegou um festival muito grande de


música em uma cidade vizinha, fiquei muito focado nos primeiros
passos, assinatura de contrato e na proposta inicial, para ter muito
tempo de lidar com ela, o que até que foi bom, porque a garota
não me odiou até a morte num primeiro momento. Claro que
também não me dirigia muito carinho, porque eu me esforçava
para isso.

Tinha uma reputação a zelar.

Ela estava muito concentrada, com os olhos castanhos


grandes voltados para o notebook. Os longos cabelos em um tom
de mel tinham sido presos em um coque, e ela estava usando seus
óculos de sempre. Com uma caneta Bic na mão, batia a tampa na
mesa, parecendo nervosa.

O correto seria eu sair dali, porque não estava muito a fim


de ajudar nem de bancar o empático, mas acabei tomando uma
decisão de merda.

— O que está fazendo aqui? — Quando me dei conta, já


tinha falado mais do que a boca e deixado a pergunta escapar.

Às vezes, na vida, eu queria ter uma porra de um controle


remoto, que me permitisse voltar atrás e não cair em certas
asneiras.
Não tinha a menor vontade de interagir, então por que
ainda insistia? O que aquela garota tinha de diferente que merecia
a minha atenção? Se fosse qualquer uma outra eu apenas sairia de
fininho, mas eu quase tinha uma simpatia por Melissa.

Quase.

Ela ergueu os olhos no susto, e os óculos chegaram a


escorregar de seu nariz, quase caindo, mas ela os ajeitou
rapidamente, sem largar a caneta.

— Estou terminando de revisar o relatório de amanhã.

— Hummm... — respondi, enquanto me apoiava no


batente da porta, ainda com o copo na mão, cruzando as pernas,
tentando a minha melhor postura de boss escroto. — Não deveria
ter deixado para a última hora.

Ela paralisou imediatamente, erguendo sua cabeça como


um suricato. Ponto para o Cassian, o Rabugento.

Não tinha Alexandre, o Grande...? Cada um com o título


que merecia.

— Eu não deixei para a última hora! — ela exclamou com


muita veemência. — Já revisei isto aqui umas cinco vezes, mas
sempre acho que tem algo faltando. Ou algo a mais. Algo que eu
poderia melhorar.

Aquilo se chamava perfeccionismo, e eu conhecia muito


bem o sentimento.
Melissa ficara encarregada de preparar o relatório oficial
da proposta que apresentaríamos ao meu pai, antes de ser enviada
ao cliente, porque demonstrara competência para isso. Durante a
última reunião com a equipe, apesar de estar lá, participando
como minha secretária, deu duas ideias muito boas, que ela
recebeu o incentivo de incluir, levando os devidos créditos. Por
estar se formando em Produção Cultural, meu pai lhe deu essa
oportunidade de mostrar seus conhecimentos. Todos sabiam que
ela pleiteava um cargo na área, dentro da empresa, e aquela seria
uma boa oportunidade para ela mostrar seu valor.

Com apenas um mês de casa, se fosse promovida? Com


certeza contaria e muito para seu currículo.

— Posso dar uma olhada? — Mais uma pergunta nada a


ver. Eu não queria ajudá-la. Não de verdade. Não queria ser o
cara legal. Mas a garota merecia uma chance, e eu conhecia muito
bem o meu pai. Era uma ótima pessoa, mas exigente como o
diabo.

Melissa arregalou os olhos.

— Você faria isso?

— Você é minha secretária, se o trabalho estiver ruim, eu


também serei responsabilizado.

Era uma explicação bem mais condizente com o meu


comportamento e fez Melissa revirar os olhos.

Ainda assim, ela pegou uma versão impressa, que estava


bem ao lado, e me entregou.
Peguei-a e fui para a minha mesa, sentando-me na cadeira
e pegando uma caneta vermelha, já pronto para fazer comentários
de forma destacada para ela ver.

Eu a vi se levantando da cadeira e começando a andar de


um lado para o outro, com as mãos entrelaçadas, levando os
dedos até a boca para mordê-los, em completa tensão.

— Não vou conseguir me concentrar com você assim —


eu disse, da forma mais firme possível, esperando que encarasse
como um toque.

— Estou nervosa. É meu primeiro grande trabalho aqui na


empresa, e pode significar alguma coisa.

— Pode. Mas não adianta ficar que nem uma barata tonta.
Não vai mudar o que já está aqui. Se fez um bom trabalho, é o
que eu vou ver.

— É fácil para você, né?

Deixei a merda da caneta escapar da minha mão, porque


aquela frase “É fácil para você” não era uma novidade na minha
vida. Muito pelo contrário, há um bom tempo ela fazia parte do
meu dia a dia, desde que comecei a trabalhar com o meu pai.
Todos os projetos que apresentei, a forma como fui subindo de
cargo e minhas conquistas, nunca eram comemoradas, apenas
colocadas em xeque pelo fato de eu ser filho do dono.

Comecei lá dentro cheio de gás, de esperança de fazer um


bom trabalho, e, com o passar dos anos, tudo isso foi minado de
dentro de mim.
— Por que é fácil para mim? Porque eu sou o filho do
dono da empresa? Porque mesmo que pessoas muito mais
competentes trabalhem aqui, sempre serei eu a subir na hierarquia
porque fui o espermatozoide mais esperto, que saiu do saco de
um homem rico e entrou num útero desavisado, que me tornaria
um herdeiro bastardo? — fui me alterando conforme ia falando, o
que fez Melissa começar a se afastar aos poucos, como se
estivesse lidando com alguém que iria agredi-la, mesmo que eu
não tivesse praticamente me mexido.

Cheguei a bater com o punho na madeira da mesa, certo


de que estava agindo como um idiota. Não era culpa de Melissa
que as outras pessoas tivessem me magoado o suficiente para que
aquele tipo de coisa fosse como uma cicatriz não curada na minha
pele.

— Não. Não era isso que eu ia dizer — ela começou a


falar, na defensiva. — Eu ia falar que é porque você tem muito
mais experiência do que eu com esse tipo de coisa.

A garota estava branca que nem papel. Desviei meus


olhos, porque nem conseguia olhá-la. Foquei minha atenção,
então, no relatório, começando a ler o que ela tinha preparado.

O silêncio imperou durante todo o resto do tempo, e


Melissa voltou a se sentar em sua cadeira, quietinha como um
cãozinho que recebe uma bronca de seu dono e se retrai.

Mas era melhor assim. Eu não estava ali para ser seu
amigo. Tinha que ser seu chefe. Apenas isso.
E, como chefe, conforme fui lendo as coisas que ela
escreveu, precisava admitir que tinha feito um ótimo trabalho.
Havia uma coisinha ou outra para consertar, mas ela era ótima
com ortografia também – o que eu não podia dizer de muitas
pessoas que trabalhavam para mim – e muito organizada para
colocar suas ideias no papel.

Ainda assim, procurei deixar comentários por todo o


relatório, porque, apesar de já estar bom o suficiente, podia ficar
melhor. Ninguém precisava saber que eu a estava ajudando.

Cheguei nas partes em que ela tinha acrescentado suas


ideias próprias e senti que, provavelmente por estar um pouco
mais nervosa em expô-las, houve uma perda de qualidade da
narrativa, mas ainda era muito superior à maioria.

Só que eu sabia o quanto meu pai era exigente. Sabia


exatamente como ele gostava que as propostas fossem enviadas,
como exigia que trabalhássemos. Melissa era nova na empresa e
ainda não tinha essa manha.

Na verdade, quase ninguém tinha. Era por isso que eu


ficava tão puto quando alguém alegava que eu havia chegado alto
na Roman por nepotismo. Meu pai jamais me deixaria trabalhar
ali e me destacar se eu não fosse minimamente competente.

Eu não estava ali para ajudar ninguém, mas Melissa


merecia, ao menos, um pedido de desculpas pela forma como a
tratei.
Claro que ela interpretaria minhas correções como
implicância e me chamaria de tirano, como muita gente ali dentro
fazia. Mas não importava. Eu estava ajudando, sim. Do meu jeito.

Levantei-me da cadeira e me aproximei da mesa dela,


jogando o bolo de papéis à sua frente. Não quis esperar para vê-la
começar a reclamar, então fui me dirigindo à porta.

Só que ela nem me deu tempo de desaparecer.

— Tudo isso está errado? — sua voz subiu uma oitava.

Girei o corpo, virando-me de frente para ela, observando-


a com o olhar mais blasé possível. Ainda cruzei os braços para
completar a postura indiferente.

— São coisas que podem melhorar — respondi bem seco,


e eu percebi que ela, de fato, estava indignada.

— Mas a apresentação vai ser amanhã! Eu vou ter que


virar a noite consertando!

Já eram nove horas. Ela teria, realmente, doze horas para


resolver tudo. Mas sem dúvidas ficaria muito melhor. Eu tinha
certeza disso.

— Então é melhor começar a trabalhar o quanto antes.

Depois de dizer isso, eu apenas saí da sala, marchando


pelo corredor, sabendo muito bem que estava deixando uma
mulher completamente estressada para trás.
CAPÍTULO TRÊS

Querida Tabitha,
Passei a droga da noite inteira em claro,
tentando consertar um relatório que o babaca do meu chefe rasurou
inteiro.
Minha vontade é de pintar toda a cara dele de vermelho,
que nem ele fez com os papéis!

Trancada no banheiro da empresa, dei uma olhada no


espelho e respirei bem fundo, com a maior cara de derrota,
encarando-me.

Eu, definitivamente, estava pronta para entrar no elenco


de The Walking Dead. Como zumbi.

Fora uma noite difícil. Decidi ficar na empresa, porque


não havia o menor sentido perder tempo voltando para casa,
tendo um milhão de coisas a acertar no meu relatório. Não daria
tempo.
Minhas costas estavam doendo, eu estava me sentindo
nojenta com a mesma roupa do dia anterior, sem conseguir tomar
um banho e com a cabeça explodindo da privação de sono e
estresse. Sem contar que meu estômago também não estava em
seus melhores dias, depois da quantidade de café que ingeri para
aguentar a maratona sem cair no sono em cima da mesa.

E nem isso deu muito certo, porque fui vencida algumas


vezes. Cheguei a cochilar por meia-hora, toda torta, e acordei
babando em cima do meu próprio braço, com os óculos tortos na
cara.

Mas consegui terminar. Fora uma questão de honra.

Faltava apenas uma hora para a reunião, então eu me


permiti ir ao banheiro para tentar me arrumar um pouco e até
ousei pegar o blazer que ficava sempre nas costas da minha
cadeira e fechá-lo por cima da blusa, para parecer que eu estava
com outro look.

Penteei o cabelo, refiz a maquiagem com o que tinha na


minha bolsa e desci para a copa para tomar café e tentar comer
alguma coisa. Estava vazia, porque ainda era cedo, e as pessoas
costumavam se reunir um pouco mais tarde. Aproveitei para me
sentar em uma das cadeiras e tentar relaxar um pouco, porque a
reunião não tardaria a começar, mas uma das meninas surgiu, me
dando bom dia e seguindo pela copa.

— E aí, mulher? Desapareceu ontem. Aliás, Cassian


também. Se não fosse ele, eu juraria que vocês foram se pegar em
algum lugar escondido da empresa. Mas... bem... é ele, né?
Cassian...

Só o nome quase me fez rosnar.

Eu tentei gostar dele. Ou, ao menos, ter uma simpatia.


Sempre me convencia de que não era tão ruim quanto as pessoas
insistiam, que era só uma implicância. Era rabugento, caladão,
nunca sorria sem cinismo e tratava todo mundo com a maior
indiferença? Sim. Para todas as alternativas.

Ainda assim, sempre achei que pessoas tinham dois lados,


e eu podia jurar que Cassian não era tão ruim. Ao menos nós dois
nunca tivemos problemas um com o outro a ponto de brigarmos.

Até aquele momento. Nem levou tanto tempo assim. Um


mês foi o suficiente para que eu compreendesse que aquele
homem era, sem dúvidas, o resultado da cria de um demônio com
uma vilã de novela mexicana.

— Eu estava com ele.

Frances, a minha colega de trabalho em questão, tinha


acabado de pegar um copinho de café, mas o susto pela minha
afirmação foi tão grande que ela deixou derramar alguns pingos
no chão com o pulinho que deu.

— Oi? — Ergueu uma sobrancelha, completamente


surpresa. — Você estava com Cassian? O que vocês estavam
fazendo?

— Eu? Sendo idiota. Ele? Infernizando a minha vida.


— Como assim? O que aconteceu? — ela perguntou
enquanto pousava o copinho na bancada da pia e pegava um pano
de chão com o pé, passando sobre as gotas de café que derramara.

— Ele rabiscou meu relatório inteiro, fazendo mil


correções, e eu precisei virar a noite na empresa para preparar
tudo para hoje.

— Você dormiu na empresa?

— A-hã. Dormir, não, né? Eu só fiquei aqui, trabalhando,


enquanto ele provavelmente ia para sua caminha quentinha, na
sua cobertura maravilhosa e descansava sobre um lençol de
algodão egípcio.

Ela estava boquiaberta. Não era para menos.

— Que escroto! Amiga, você não pode ficar o dia todo


aqui. Assim que acabar a reunião, pede dispensa a ele.

— Acha mesmo que ele vai me deixar sair?

Frances revirou os olhos, porque ela também sabia qual


seria a resposta. Aquele filho da mãe não tinha compaixão por
ninguém.

Continuamos conversando um pouco mais, até que eu me


preparei para a reunião. Estava tão nervosa que não consegui
parar de tremer. Eu usava um sapato com um salto baixo, mas,
mesmo assim, me senti cambalear umas três vezes. Parecia
bêbada.
No momento em que entrei na sala de reunião, encontrei
exatamente Cassian sentado à enorme mesa, comendo uma das
suas malditas rosquinhas.

Tudo o que eu queria era que ele se engasgasse com uma


daquelas mordidas e começasse a sufocar, com a boca cheia de
açúcar de confeiteiro, todo babado, com a barba cheia de farelos
e...

— Ah, bom dia! Alguém pontual — ele falou,


interrompendo meu fluxo de pensamento vingativo.

Dei uma olhada no meu celular, discretamente, e percebi


que ainda faltavam cinco minutos para as nove. Ou seja, ninguém
estava atrasado.

— Ainda não são nove horas.

— Pontualidade é chegar antes do compromisso marcado.

Respirei fundo, tentando engolir aquela merda. Ele


obviamente tirava aquelas concepções da parte de seu corpo onde
o sol não atingia.

Comecei a me arrumar, então, puxando uma cadeira do


outro lado da mesa, bem longe dele, colocando as coisas sobre ela
e me ajeitando.

Organizei os papéis à minha frente, empilhando-os com


precisão, como se estivesse construindo uma torre no centro de
Manhattan. Coloquei o caderninho sobre eles, com a caneta,
também, perfeitamente posicionada.
Percebendo que havia uns dois papéis com a pontinha
para fora, bati um pouco na resma para que ficassem alinhados.

Ao erguer os olhos, finalmente satisfeita, deparei-me com


Cassian me observando. Seus lábios tinham se curvado em algo
muito similar a um sorriso.

Cínico, claro.

— O que foi? — indaguei, soltando minha voz como um


chicote, já na defensiva.

— É engraçadinho, sabe? Essa sua organização toda.

Ah, se eu pudesse responder! Se pudesse ser um pouco


mais insubordinada e mandá-lo tomar naquele lugar, certamente
seria isso que eu faria.

Mas decidi que ele não poderia sair completamente


impune. Não depois do dia anterior.

— É engraçadinho também esse seu vício por rosquinhas.

Com o cenho franzido, Cassian abaixou a cabeça e olhou


para suas próprias mãos, que seguravam o guardanapo. Dentro
dele ainda havia um pedaço do doce.

— Não são rosquinhas, são donuts.

Arqueei uma sobrancelha.

— Não é a mesma coisa?


— Não. Rosquinhas me fazem parecer um daqueles
policiais de filme mal dublado americano. Que seriam chamados
de “tiras” e falariam “macacos me mordam”.

Eu não sabia se ele estava tentando bancar o bem-


humorado, mas estava pouco me lixando para isso.

— Bem... que seja.

Eu estava pronta para ficar em silêncio, então comecei a


me remexer na cadeira e a procurar algo na minha bolsa que eu
nem sabia o que era. Só para ganhar tempo.

— Terminou o relatório a tempo?

Não graças a você – deveria ser a minha resposta, mas,


novamente, eu não podia ser tão honesta com o meu próprio
chefe.

— Terminei. Está prontinho. Não vai passar uma única


vergonha perante o Mr. Roman. Ele vai elogiar muito o seu
trabalho.

Sentia-me como uma criança emburrada, e ele pareceu


não entender muito bem o que eu disse, principalmente a ênfase
dada ao pronome.

Também não tivemos muito tempo de discutir, porque as


pessoas foram chegando e se acomodando. Um falatório
começou, e eu também me juntei a algumas pessoas da equipe de
Cassian, que foram me contando coisas da festa do dia anterior
que perdi quando subi para a sala, para trabalhar.
De soslaio, dei uma olhada para Cassian e o vi sozinho,
mexendo no celular. As pessoas mal se aproximavam dele.

Eu não sabia o que poderia ter acontecido para aquela


segregação, também não tinha coragem de perguntar. E nem me
interessava. Depois do que fizera comigo, não havia como
duvidar de seu mau-caratismo. De seu desejo de ser cruel.
Cassian merecia o tratamento que recebia. Esta passara a ser
minha opinião.

Não demorou muito para que Sr. Roman entrasse. Ele era
um senhor de cabelos brancos, uns setenta anos, que usava uma
bengala por causa de problemas de locomoção. Eu sabia pouco
sobre ele, mas na única vez em que conversamos, quando fomos
apresentados, sua gentileza se tornou evidente. Tinha um aspecto
de vovozinho frágil que me desmontava, e eu sabia que tomava
muitos remédios, porque sua saúde era meio esquisita.

Vinha amparado por sua secretária, e eu vi Cassian


imediatamente dar um pulo da cadeira para ajudá-los. Ninguém
olhou para ele nem testemunhou sua ação, mas algo na forma
carinhosa com que tratou o pai e como ganhou um sorriso, além
de um afago no braço, tornou aquele homem um pouco mais
humano para mim, ao menos por um instante.

— Obrigado, Cass.

Cass.

Era estranho pensar naquele troglodita recebendo um


apelido quase fofo. E soava bem. Combinava com ele. Ou
combinaria se chamá-lo de bruto, de monstro, de insuportável,
não fosse tão mais interessante.

— Bem, vamos ver o que vocês têm para mim. Sabem


que não posso ficar muito tempo nesta sala, porque o carpete dela
ataca a minha rinite de um jeito que fico o dia inteiro espirrando e
tossindo. E tossir muito não faz bem para as minhas costas...

Fiquei parada no mesmo lugar, olhando as pessoas, que


simplesmente não se mexiam. Eu percebia que o Sr. Roman
estava esperando alguma coisa, então me voltei para Cassian, e
ele fez meio que uma careta, apontando com a cabeça para os
papéis que eu tinha empilhado de forma completamente
organizada.

Eu queria encadernar, mas a equipe me informou que era


melhor deixar assim, porque o Sr. Roman precisaria aprovar e
fazer mudanças. Se tivéssemos que acrescentar ou tirar coisas
seria mais fácil daquela maneira.

Fiquei nervosa, principalmente porque se fez um silêncio


sepulcral dentro da sala. O senhorzinho analisava cada detalhe e
pediu algumas explicações a respeito de algumas partes da
proposta, o que foi feito por pessoas da equipe, de forma bem
sucinta e profissional.

Então ele parou na parte que eu acrescentei. O que foi


ideia minha.

O evento seria um festival que aconteceria em Miami,


mais precisamente em Eden’s Heaven – uma cidade praiana,
paradisíaca, nos moldes de Laguna Beach, onde apenas pessoas
com muito dinheiro iam passar suas férias.

A intenção do evento era atrair turistas de todos os


lugares. Duraria três dias e combinaria música, com teatro,
exibição de filmes e muito mais. As atrações principais seriam
bandas e artistas de vários cantos do mundo, reunindo culturas
diferentes, para os quais uma proposta seria feita, mas além disso
haveria outras coisas para se fazer por lá, entre um show e outro.

Seria o primeiro de muitos, tínhamos esperança, e


queríamos criar uma experiência incrível.

— Uma área para o comércio local? Com valores mais


baixos de estandes? — Jurei que ele iria rir da ideia, embora a
maioria das pessoas tivesse aprovado. — Isso parece bom. Muito
bom. De quem foi a ideia?

Jurei que Cassian iria responder que tinha sido dele, ainda
mais que o Sr. Roman parecera ter curtido a ideia, mas apontou
para mim.

— Melissa. A ideia foi dela.

Ele se voltou para mim, surpreso.

Eu precisava falar alguma coisa.

— Se o evento é uma ideia ousada da prefeitura para atrair


turistas para a cidade, uma das formas de girar a economia seria
apresentando o que há de diferente no comércio de lá.
Gastronomia, artesanato, vestuário... Fiz uma pesquisa e descobri
que eles têm pratos típicos muito bons e que alguns pequenos
empresários teriam interesse em investir em coisas diferentes
como um evento desse porte.

Sr. Roman olhava para mim, parecendo surpreso.

— Não estou querendo minimizar nada, querida, mas


você não é secretária?

— Sim, mas me deram autonomia para isso — falei com a


voz baixinha, quase tímida.

— Interessante.

Ele continuou lendo com cuidado, e eu sabia que a


proposta estava muito bem explicadinha.

— Parabéns. Achei a ideia muito boa, mas confesso que


se não tivesse detalhado muito bem como iria funcionar, não
encararia tanto. Foi um bom trabalho que fez, menina.
Precisamos ficar de olho em você.

Eu só tinha colocado mais detalhes naquela apresentação


por causa das correções de Cassian. Se não fosse por ele, o Sr.
Roman não teria me “enxergado”.

Olhei para ele, quase com um olhar de agradecimento,


mas Cassian apenas virou a cara, como se não se importasse.

Obviamente ele tinha feito aquilo, como dissera, para que


não recebesse a culpa de ter uma equipe incompetente. Ainda
assim... eu estava agradecida.
CAPÍTULO QUATRO

Querida Tabitha,
Deu tudo certo na apresentação de hoje.
Não queria admitir, mas muito por causa do idiota do Cassian Greene.
Até pensei em agradecer, mas ele é insuportável e já fez tudo perder a
graça.
Como que se lida com uma pessoa assim tão idiota?

Logo que a reunião terminou, fui marchando até a copa


para pegar mais um café. Um daqueles bem grandões, que
chegavam até a borda da caneca. Aquela dose poderosa de
cafeína que era capaz de curar desde enxaqueca, passando por
mau humor e até a esperança de pessoas ingênuas como eu, de
que a boa ação de seu próprio chefe não fora apenas uma maneira
de se beneficiar.

Abri o armário e fiz a brincadeira que há tempos não


fazia, de pegar uma caneca aleatória, esperando que a mensagem
desmotivacional combinasse comigo. Ao menos era divertido.
“É só uma fase ruim. Logo vai piorar.”

Ah, que ótimo! Não que eu tivesse qualquer dúvida a


respeito disso, mas ter a verdade jogada na cara com tanta força
não era gostoso e nem agradável.

Fosse como fosse, peguei a porcaria da caneca – enquanto


me perguntava quem tinha sido o engraçadinho que teve a ideia
de comprar umas peças tão inusitadas, mas ao mesmo tempo
sorrindo, porque era uma coisa boba, que deixava o clima mais
divertido.

E eu até que não podia reclamar da minha manhã. Por


mais que estivesse muito cansada e ainda sentindo os efeitos do
estresse da noite anterior, as coisas aconteceram da melhor forma
possível. Até mesmo o café da máquina, que não era o meu
preferido, ficou subitamente gostoso.

O CEO da empresa tinha me elogiado. Dissera que


precisavam ficar de olho em mim. Isso não era incrível? Eu teria
que me esforçar para me dedicar um pouco mais e, quem sabe,
dali a algum tempo não conseguisse um cargo na equipe de
marketing ou de produção cultural?

Saí da copa com um sorriso de orelha a orelha, quase


renovada. Estava até disposta a trabalhar o expediente inteiro,
mesmo com Cassian à minha frente, depois de ter certeza de que
seria um martírio ficar a uma mesa de distância.
Estava pronta para chegar lá e agradecê-lo por ter me
ajudado, mesmo daquele jeito meio torto. Quem sabe não tinha
mesmo desejado ajudar?

Só que, já no corredor, comecei a ouvir um som estranho.


Ou melhor, não estranho... eu sabia que eram riffs de guitarra,
mas não era exatamente uma coisa comum de se ouvir no meio de
um escritório, especialmente quando pareciam estar sendo
tocados ao vivo e não saindo de uma caixa de som.

Conforme fui me aproximando da minha sala, comecei a


ouvir mais e mais alto, como se viesse de lá de dentro, abafado
apenas pela porta.

Continuei caminhando, porém mais lentamente, quando


alguém segurou meu braço. Virei-me para me deparar com
Frances.

— Ele está em um daqueles dias. É sempre assim. Pega a


guitarra e começa a tocar, dizendo que é para desestressar. Se
prepara!

Frances saiu sem dar muito mais explicações, e eu


cheguei a ficar assustada. Como era possível? O cara estava
fazendo solos de guitarra dentro de um escritório? Um ambiente
de trabalho? Mais precisamente em uma sala não muito grande,
que compartilhava com outra pessoa?

O quão louco era isso?

Abri a porta e fui imediatamente atingida pelo som agudo


das notas sendo tocadas com uma velocidade bem
impressionante. Não reconhecia a música que tocava, mas
poderia ser até um improviso que eu não iria reconhecer.

Minha cabeça imediatamente voltou a latejar com a


pressão.

Fui caminhando até a minha mesa, calmamente, jurando


que ele iria pelo menos parar quando percebesse que não estava
mais sozinho. Só que Cassian chegou a olhar para mim, sem me
cumprimentar, e simplesmente continuou tocando como se disso
dependesse a sua sobrevivência.

Acomodei-me na cadeira e fiz uma careta quando seu


dedo atingiu uma nota bem aguda, que ele sustentou (daquele
jeito que os guitarristas fazem, puxando a corda para cima,
fazendo o instrumento meio que gritar) e que meu cérebro
recebeu como se fosse uma martelada.

— Cassian? — chamei, mas minha voz não sobressaiu à


música. — Cassian! — tentei mais alto, e ele olhou para mim.
Mordia o lábio inferior, quase concentrado, e ainda balançou a
cabeça, como que me incentivando a falar o que eu queria.

Nada simpático, como sempre.

— Não quero ser inconveniente, mas você se importaria


de deixar o espetáculo para outro dia? Estou com um pouquinho
de dor de cabeça, já que não dormi para terminar as correções do
relatório. — Juro que fui fofinha. Gentil. Compreensiva. Talvez
realmente estivesse estressado com algo, embora eu não tivesse
absolutamente nada a ver com isso, já que eu estava também
estressadíssima por culpa dele.

Eu realmente quase senti pena.

Quase.

Com a maior cara de cínico, Cassian apontou para o


ouvido, insinuando que não tinha me escutado. Então deu de
ombros e continuou sua performance.

— Por favor, você poderia, ao menos, abaixar o volume?


— Eu parecia uma doida, fazendo caras, bocas e gestos, mas ele
não estava se importando nem um pouco.

Sem dúvidas algo o tinha deixado naquele estado, mas


quem estava pagando por isso era eu.

Ainda tinha muitas coisas a fazer, e precisava de


concentração para a maioria delas. Sem dúvidas não conseguiria
escrever todos os e-mails que eu precisava com aquela porcaria
gritando no meu ouvido.

Desistindo do solo improvisado, Cassian começou a tocar


uma música que eu conhecia – Back to Black, do AC/DC. Aquele
riff famosíssimo, bem digno de Tony Stark, e ele parecia até estar
se divertindo. Virou-se de costas para mim, voltado para o
pequeno amplificador que estava sobre o armário baixo, onde ele
guardava alguns arquivos.

Ele guardava aquelas coisas ali o tempo todo?


Não que isso importasse, mas eu precisava admitir que a
visão dele tocando guitarra, com a blusa social branca e a calça
cinza, destacando sua bunda perfeitamente delineada, não era
horrível de se olhar. Bastante sexy, na verdade.

— Se está te incomodando tanto, você pode sair — ele


finalmente falou alguma coisa, mas sem me encarar, sem ter a
menor consideração.

E provando que tinha me ouvido desde o início.

Quase bufei de ódio. Claro que eu queria sair. Por mais


sexy que fosse a visão e que eu não desgostasse do som que
estava fazendo, tinha uma dor de cabeça monstra e, pior de tudo,
precisava trabalhar.

Sendo assim, o que me restava fazer além de pegar meu


notebook, desligá-lo com raiva da tomada, pendurar a alça da
minha bolsa no meu ombro e sair dali, tentando manter o máximo
de dignidade possível?

Parti para a sala de Frances, esperando que ela me desse


abrigo. Não a encontrei lá, apenas seus colegas, que sorriram para
mim. Eram duas pessoas apenas e, apesar de estarem
conversando, sem dúvidas o barulho que faziam não era
comparável ao estrondo da guitarra de Cassian.

Sentei-me no lugar da minha amiga e peguei meu celular,


enviando uma mensagem a ela:
MELISSA:

Estou na sua sala. Kd vc?

FRANCES:

Em reunião.

Fugiu pra se livrar do Elvis Presley genérico?

MELISSA:

Isso aí.

FRANCES:

Pode ficar, amiga. Não vou demorar muito.

MELISSA:

Graças a Deus! Obrigada!

Ela me enviou uma carinha no final de tudo, e eu abri o


notebook, já pronta para trabalhar, certa de que nada mais iria me
atrapalhar.
Só que eu podia sentir os olhares das outras duas pessoas
que estavam na sala sobre mim. Era um cara e uma garota, e eles
estavam ambos na mesa dele. Cochichando. E me encarando sem
parar.

Remexi-me na cadeira novamente, incomodada. Apurei


meu ouvido para tentar escutar algo, especialmente quando
comecei a ouvir um “ela” muito suspeito.

Ela seria... eu?

— Você acha que ela deu mesmo para ele? — o homem


perguntou, em cochichos.

— Sei lá. Mas acho que ele me ouviu quando contei isso
para a Terry. E se ouviu, ficou meio puto. Melhor a gente não
comentar mais. O cara demitiu a própria irmã, por que não
demitiria um fofoqueiro?

— O melhor do assunto sempre fica pela metade...

O cara empurrou sua cadeira de volta à sua mesa, e eu


fingi que estava com a cara enterrada no notebook, prestando
atenção no meu trabalho. Só que o estrago já tinha sido feito.

Eu não ia conseguir parar de ter a impressão de que o


tema da fofoca era eu. Mas para quem eu tinha “dado”? E eles
estavam falando em “transar”?

Com quem, meu Deus?

E quem tinha ficado puto? Cassian? Porque antes tinham


dito que ele costumava tocar guitarra na empresa quando ficava
estressado. Será que tinha alguma ligação?

Além do mais... ele tinha demitido a própria irmã? Como


assim?

Droga! Eu ia começar a ficar um pouco paranoica, e isso


misturado à dor de cabeça, ao cansaço e à tensão das últimas
horas... seria uma catástrofe no meu emocional.

Estava pronta para o caos.

Ou não.
CAPÍTULO CINCO

— Tio Cass! Tio Cass! — ouvi a vozinha fofa e nem tive


muito tempo de me preparar para o furacãozinho que veio para
cima de mim, pulando no meu colo e para os bracinhos que foram
parar ao redor dos meus ombros.

Era naquele universo que eu não precisava esconder meus


sorrisos. Ao menos com aquelas pessoas eu não precisava me
sentir cauteloso. Ninguém ia falar de mim pelas costas ou tentar
puxar o meu tapete.

— Ainda bem que estou sentado. Você tem comido


fermento puro, moleque?

Meu afilhado, Ray, tinha quase quatro anos àquela altura,


e ele era a minha pessoa favorita no mundo inteiro. Sincero,
esperto, sempre sorridente, leal e muito, muito divertido.

Nunca tive muito jeito com crianças, mas logo que minha
irmã e sua esposa decidiram adotar uma e que ele entrou em suas
vidas, há pouco mais de dois anos, tive a certeza de que ele estava
destinado a ser nosso.

Porque eu sentia que ele era um pouco meu também.

O menino gargalhou com o meu comentário, jogando a


cabecinha de cabelinhos cacheados para trás, fechando os
olhinhos de jabuticaba, mais escuros um pouco do que sua pele,
que tinha um tom perfeito de chocolate.

— Fermento eu não sei, mas que ele come como um


adulto, isso ninguém nega. — Minha irmã se colocou ao meu
lado, dando um beijo no topo da minha cabeça. Com Ray no colo,
levantei-me também e a cumprimentei direito, fazendo o mesmo
com Ruby, sua esposa. — E papai?

Revirei os olhos, em uma expressão divertida.

— Foi medir a pressão. Disse que não estava se sentindo


bem.

— Primeira vez no dia? Às onze da manhã? Estamos


progredindo.

Minha irmã colocou sua bolsa sobre a mesa e se sentou ao


meu lado, já se servindo de um copo de suco de laranja, tirando
da jarra que estava à nossa frente, sobre a mesa.

— Vai dar um tchibum, filho?

Ele balançou a cabecinha, animado.


Meu pai tinha duas piscinas em casa, sendo uma delas
bem rasa, que ele tinha mandado construir logo depois que Ray
entrou nas nossas vidas. Era um bobão com o neto, embora
estivesse muito ansioso para ter mais um, vindo de mim. Só que
eu ia demorar bastante, sem dúvidas, já que não tinha a menor
pretensão de ser pai tão cedo.

Ruby fez um sinal para Christina, minha irmã, avisando


que iria ficar de olho no pequeno, e ele seguiu a mãe todo
animado.

— E ai, Cass? Faz tempo que você não aparece por aqui.
Estávamos com saudade. — Minha irmã colocou a mão no meu
joelho, apertando-o com carinho, o que sempre me deixava muito
balançado.

Eu não era uma pessoa que sabia demonstrar meus


sentimentos muito bem, e tinha quase certeza de que isso se devia
ao fato de por muito tempo ter me sentido rejeitado. Cresci em
um lar onde não havia amor, acreditando que meu pai tinha me
abandonado, só para depois descobrir que tinha sido fruto de uma
traição. Apesar disso, quando fui encontrado pela minha família,
eles me receberam de braços abertos, e aquele choque de
emoções me deixou muito confuso a princípio.

Estava quase quebrando as barreiras do meu coração


quando levei mais uma porrada e as merdas que aconteceram na
empresa me arrastaram de volta àquele lugar sombrio de onde
lutei tanto para sair.
Eu poderia e deveria dizer a Christina que estava
morrendo de saudade dela e principalmente de Ray, mas no
momento em que as palavras começaram a se formar na minha
garganta, prontas para saírem, eu as impedi.

— As coisas na empresa estão meio loucas. Pegamos um


evento grande.

— Estou sabendo. Papai não para de falar dele.

— E vou continuar falando! — a voz rouca do meu pai,


de ex-fumante, surgiu em meio às nossas, e Chris rapidamente se
levantou para cumprimentá-lo com um beijo e um abraço
calorosos.

O pequeno saiu da piscina todo molhado, e por mais que


as mães tivessem tentado impedir que ele saísse correndo e fosse
abraçar o avô, meu pai resmungou que o menino podia fazer o
que quisesse.

Ele passou alguns minutos com a criança, mas, por mais


que amasse o avô, o foco do pequeno era a piscina.

Sendo assim, meu pai voltou para perto de nós, mas não
se sentou.

— Vou trocar a camisa. Não posso bobear. Um ventinho, e


eu com certeza pego uma pneumonia.

Nem esperou que respondêssemos que estava um sol


bonito e que alguns pingos não iriam deixá-lo doente. No fundo,
meu pai tinha uma saúde de ferro, só ele não via isso.
Também não demorou nada a voltar e logo que se sentou,
servindo-se de seu suco – sem adoçá-lo, porque temia a diabete –,
acomodou-se com um suspiro, fazendo uma careta ao esticar o
joelho.

— Vocês estavam falando do festival? — meu pai


comentou.

— Só mencionamos, pai. Não precisamos falar de


trabalho, por favor — Christina começou a falar, provavelmente
porque já conhecia o Sr. John Roman. Quando o assunto era a
empresa, ele não parava mais de falar.

— Ah, mas é um assunto gostoso. Vai ser um festival


grande. Você vai gostar de saber dos detalhes, querida. —
Provavelmente Christina não estava muito interessada,
sinceramente. Ela trabalhava com moda, tinha sua própria loja,
que estava indo muito bem, e por mais que realizasse alguns
eventos e participasse de desfiles e feiras, estava saturada dos
assuntos da Roman.

Ainda assim, era paciente demais com nosso pai e o


deixara falar. Ele às vezes tentava me puxar para o assunto, mas
eu decidi que era melhor não dar muita corda. Com sorte,
conseguiríamos que ele aceitasse outro tema antes do jantar.

Sendo que não tínhamos nem almoçado ainda.

Até que surgiu a parte da conversa que eu já sabia que


chegaria em algum momento.
— Aliás, Cass. Aquela menina... a Melissa. É este o nome
da sua secretária?

— Sim. É este. — Dei uma golada no suco, com uma


expressão levemente impaciente. Não estava muito animado para
começarmos a sessão elogios.

A garota era boa, sem dúvidas. Até bem gentil. Mas era
uma questão de tempo até ser influenciada pelos outros.

Conhecia bem o tipinho. Já soltara o veneno ao insinuar


que era fácil para mim, como todos os outros pensavam. Saíra-se
bem com uma desculpa esfarrapada sobre não ser essa a sua
intenção ao dizer, mas as pessoas já não me surpreendiam mais.

— Pelo que entendi ela não teve só uma boa ideia. Foram
algumas. Sem contar que foi quem fez o relatório.

— Ela está cursando Produção Cultural. Provavelmente


tem interesse em um cargo na área.

— Pois deveríamos dar. Quando você tomar o meu lugar,


vamos precisar de alguém que te auxilie. Não só uma secretária,
mas uma assistente que entenda do assunto.

Aquilo me surpreendeu.

— A garota mal tem um mês de empresa. Isso poderia


causar um desconforto para ela. Já começaram a falar por aí que
estamos juntos. O que me irrita bastante, aliás — falei a última
frase com muita ênfase.
— Tudo te irrita, Cass — Christina comentou, e eu revirei
os olhos para ela.

— Parece uma boa moça. É bonita também, você não


acha? Com todo o respeito, é claro.

Meu pai tinha muito cuidado, até mesmo entre nós, de


mencionar sobre a beleza de alguma funcionária. Por mais que
todos soubessem que ele não era um tarado, que sempre tratava a
todas com cortesia e até distância, ele tinha pavor de um processo
de assédio, como alguns de seus amigos já tinham sofrido.

— Hum, bonita? — Christina começou a usar seu tom de


zombaria. Ela era ótima nisso. — Que pena que Cass nunca
repara essas coisas.

Por que ela estava comentando o meu nome em relação a


uma mulher bonita? O que eu tinha a ver com isso?

Claro que eu reparava em garotas. O tempo todo. Tudo


bem que não saía com uma há algum tempo, mas fora da empresa
meus olhos estavam abertos, e eu gostava muito de mulheres
bonitas.

E, infelizmente, já tinha notado o quanto Melissa era


atraente.

Atraente demais para o meu gosto.

— Pois devia reparar. Já tivemos essa conversa antes,


filho. Eu preciso que você socialize mais. Que namore, conheça
uma moça... quem sabe algo mais sério um dia?
Ah, não... ele não ia começar com aquela ladainha outra
vez.

— Pai, não. Por favor — falei baixinho, meio que


esperando que minha cara fosse suficiente para que ele
compreendesse que eu não estava com a menor vontade de entrar
naquele assunto.

— Eu preciso, Cass. Quero que você seja feliz, sem


dúvidas. Mas neste momento temos que pensar na empresa.

Ele já tinha me falado sobre aquilo antes. A Roman estava


inserida em um grupo de companhias parceiras, e por mais que as
decisões de cada dia pertencessem a seus devidos CEOs, para
algumas coisas mais grandiosas, que pudessem impactar no
desempenho de todas, havia uma votação. Meu pai estava ansioso
para se aposentar, curtir o neto por mais tempo e cuidar da saúde
– que era seu principal objetivo –, mas para isso ele precisava
deixar alguém em seu lugar.

Eu, no caso.

Seria uma honra assumir a cadeira de CEO da Roman, e


eu queria muito dar continuidade aos negócios da família, mas,
para ocupar tal lugar, preferencialmente eu deveria atender a
alguns requisitos mínimos.

Ser mais velho ou casado eram dois deles.

Uma vez que eu tinha vinte e seis anos, eles ainda me


achavam muito garoto para pegar uma responsabilidade tão
grande. Não mudaria em nada se eu tivesse uma esposa, ou até
uma noiva, mas para eles era um sinal de estabilidade e de
compromisso com algo.

Uma estupidez, mas o que eu poderia esperar de vários


homens de mais de sessenta anos, completamente conservadores?

— Mas também temos que pensar na minha vida —


continuei tentando fingir o máximo de calma.

— Claro que temos. Só que a sua vida está um desastre.


Vive sozinho, não tem companhia, quase não tem amigos e está
sempre emburrado como um velho ranzinza. — Meu pai fez uma
pausa para respirar. — É um ótimo garoto, Cassian, e eu sei que
daria conta de tudo, mas preciso que entenda que para chegarmos
aonde queremos chegar é preciso sacrifícios.

Eu queria dizer que não pretendia ter um casamento como


o dele, sem amor, onde precisara buscar prazer fora de casa e
fazer um filho bastardo, mas em respeito à minha irmã e à mãe
dela, que já era falecida, preferi ficar calado.

— Você poderia, ao menos, tentar namorar alguém.


Conhecer uma boa moça e dar uma chance. Não precisa ser um
relacionamento sem amor.

— Eu não estou me negando a namorar. Só não conheci


ninguém que me desperte interesse ainda. Por que não param de
controlar tanto a minha vida? — indaguei com amargura.

Apesar do meu tom rude, meu pai apenas sorriu,


indulgente.
— Sou seu pai, Cass. Sempre vou querer controlar a sua
vida. Sempre vou achar que tenho conselhos decentes para te dar
e querer te orientar para o melhor, por mais que eu não seja o
dono da verdade. — Ele se serviu de um pouco de suco também,
tomou um gole e continuou: — Pense também nessa menina, a
Melissa.

— O que tem ela? — Cheguei a me sobressaltar com a


menção.

— Ela seria uma boa candidata. Deve estar interessada em


subir na empresa. Vocês poderiam ser favoráveis um ao outro e...

— Pai! — exclamei, indignado, franzindo o cenho e quase


jogando o copo na mesa. — Você quer que eu entre em um
namoro de fachada? — Ele não respondeu nada, mas a expressão
em seu rosto era suspeita. — Eu não vou fazer uma proposta
dessas para uma garota que eu mal conheço. Ela certamente já
não vai muito com a minha cara e não vai querer que insinuem
mais do que já estão insinuando. Passei por isso e não quero essa
merda para ninguém.

— Não xingue perto do meu filho! — Christina reclamou,


mas Ray estava bem longe, como um peixinho na água, e nem
nos ouviu. — É que você também não se esforça, né, mano? É
um cara tão legal, não sei por que não permite que as pessoas
vejam isso.

— Não. Eu não sou um cara legal. E sinceramente não


acho que Melissa me consideraria uma boa opção de namorado!
Nem de fachada! — Soltei uma risada irônica e me levantei. —
Chega a ser ridículo pensar nisso.

— Não é ridículo. Se não escolher alguém o quanto antes,


vou ter que tomar uma iniciativa. A filha de um dos meus
melhores amigos está solteira, é uma moça muito bonita e
aceitaria, sem problemas, te conhecer melhor.

— O quê? — Já de pé, voltei-me para ele com toda a


minha indignação.

— É isso mesmo, Cassian. Eu te amo, meu filho, mas já


tem dois anos que estou esperando sua decisão. Estou cansado,
tenho mais de setenta e quero me aposentar. Não vou conseguir
enquanto você não se relacionar com alguém que possa se tornar
uma esposa em um futuro próximo. Se vai ser egoísta, vou ser
também.

Então era assim que seria? Se eu não tomasse uma


decisão, acabaria precisando entrar em um relacionamento de
conveniência com uma mulher que eu nem conhecia e que
possivelmente não iria me agradar em nada.

Ainda assim, queria que meu pai descansasse. Queria que


ele tivesse sua aposentadoria, porque merecia depois de tudo o
que construiu.

Eu estava entre a cruz e a espada.


CAPÍTULO SEIS

O barulho do tec tec do teclado normalmente não me


incomodava muito, mas Melissa parecia estar com fogo nos
dedos naquele dia. E o problema não era ela, de verdade. Até
porque, como eu poderia reclamar daquele tipo de som se tinha
tocado guitarra até estourar os tímpanos da garota poucos dias
antes?

O problema era eu, como sempre.

E não era que eu estivesse estressado com algo. Ou talvez


estivesse... Mas a verdade era que passei alguns minutos olhando
para ela e comecei a pensar na merda de ideia do meu pai.

Não que propor um namoro de fachada a Melissa, minha


secretária, fizesse algum sentido, mas como o nome dela surgira
na conversa, acabei ficando com isso na cabeça.

Eu não estava nem um pouco entusiasmado com a ideia


de conhecer alguém, de tentar verdadeiramente me interessar.
Tivera experiências bem merda de relacionamentos, sem contar
os outros ao meu redor. Com exceção de Christina e Ruby, não
conhecia ninguém que vivesse algo saudável. Não havia ninguém
perto de mim que não tivesse sido traído, magoado, enganado ou
descartado de forma cruel.

Não queria isso para mim. Não acreditava no amor. Para


mim era nada mais do que uma fantasia. E tinha plena certeza de
que nunca iria me apaixonar.

Mas em relação a Melissa... Era ridículo. A garota,


definitivamente, não gostava de mim. Só que o pior de tudo era
pensar que não apenas nos daríamos muito mal, como eu ainda
iria deixá-la doida. Eu não estava a fim de lhe fazer mal com
meus problemas, minhas manias e minhas desconfianças.

Eu afastava as pessoas de mim ao máximo, não só porque


sabia que não seria bom para ninguém, mas porque também tinha
muito medo de me decepcionar. Pensando dessa forma, o
relacionamento seria, de fato, algo de fachada, e eu não conseguia
imaginar uma garota que parecia ser tão doce aceitando uma
proposta fria e pouco romântica.

— Merda! — exclamei, só de perceber que estava


pensando demais naquela possibilidade, por mais que nem
passasse pela minha cabeça sair do imaginário.

Só que também percebi que tinha falado alto demais. Do


absoluto nada soltei um palavrão no meio da sala, o que fez
Melissa parar de digitar e olhar para mim.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou,
educadamente. Mais até do que eu merecia.

— Não. Nada — falei de forma ríspida. E, ok, muito mais


do que ela merecia. Mas era o jeito como eu lidava com o meu
nervosismo. Simplesmente não sabia me defender sem atacar.

Tentei voltar minha atenção para o que eu precisava fazer,


que era preparar uma planilha com algumas tarefas que teria que
colocar em prática, mas não demorou muito até que Melissa se
manifestasse.

— Olha, não me leva a mal, por favor. Sei que eu não


deveria falar esse tipo de coisa, já que você é o meu chefe, mas...
por que trata as pessoas assim? — Lancei um olhar para ela,
primeiro com o cenho franzido e depois com uma sobrancelha
erguida. Não poderia negar que estava sendo corajosa. —
Imagino que possa ter seus problemas, que tenha uma
responsabilidade grande nas costas, mas não somos seus
inimigos.

Nisso ela estava muito enganada. Talvez fosse melhor


deixá-la na inocência, mas não queria ser o único vilão da
história.

— Lamento informar, mas você deveria ser um pouco


menos confiante nesta sua convicção. Em uma empresa, há
inimigos por toda parte. — Ela fez uma expressão horrorizada, o
que me deixou quase irritado. Não com ela, mas comigo mesmo
por estar sendo tão cruel. Só que quando eu começava, não tinha
muitos limites. — Não vá me dizer que acredita em Papai Noel
também. Me desculpa informar, mas ele não existe.

Melissa deixou os ombros caírem, quase decepcionada.


Quase como se estivesse lidando com uma criança que não tinha
aprendido nada de uma lição dada por uma mãe zelosa.

— Eu, ao menos, não sou sua inimiga.

— Por que está dizendo isso? Quer ser minha amiga?


Preciso dizer que vou te decepcionar nessa função, mais cedo ou
mais tarde — falei com ironia, com uma risada de desdém.

De fato, quando eu começava, não conseguia mais parar.

— Não, Cassian. Eu só acho que você poderia ser


menos...

— Chato? — Um dos cantos dos meus lábios se ergueu.

— Para de ficar supondo o que eu vou dizer sobre você.


Eu ia falar “pessimista a respeito da vida”.

Gargalhei, arqueando minha cabeça para trás.

— Não sou pessimista, menina. Eu vi e ouvi coisas que


me deixaram realista. E de olhos abertos. Não acho,
sinceramente, que vai ser uma garota enxerida que vai me fazer
mudar de ideia.

Melissa pareceu dar-se por vencida, porque sua expressão


murchou, e ela apenas assentiu, calada, retornando à sua digitação
de antes, mas não em uma velocidade tão frenética. Talvez tivesse
perdido a concentração.

Pensei em de repente falar alguma coisa, porque estava


me sentindo mais merda do que nunca. Passei a mão no cabelo,
respirei fundo, tentando encontrar algo para falar que não fosse
idiota demais, nem que soasse como um pedido de desculpas –
embora fosse isso que eu quisesse passar.

Antes que pudesse dizer qualquer coisa, meu telefone


tocou. Tratava-se de Marsha Summers, a prefeita de Eden’s
Heaven, a cidade que sediaria o evento que estávamos
organizando. Atendi imediatamente, engolindo os sentimentos
pela conversa que tive com Melissa e o quanto esta me deixara
incomodado.

— Boa tarde, Marsha. Posso te ajudar em alguma coisa?


— indaguei, muito profissional.

Não era a primeira vez que eu falava com ela e odiava


cada segundo.

Tudo bem que eu odiava muitas coisas na minha vida,


mas aquela mulher tinha um jeito de falar comigo que me fazia
acreditar que queria roubar um pedaço de mim.

— Oi, garoto bonito. Alguém já te disse que sua voz por


telefone é ainda mais sexy do que pessoalmente?

Meu Deus! Ela não perdia tempo.


Mesmo que eu não fosse avesso a relacionamentos, e ela
fosse uma mulher até bem bonita, nossa diferença de idade era de
vinte anos pelo menos, e eu não me atraía por mulheres mais
velhas, por mais que não visse problema nenhum nisso.

— Não. Nunca entrei em um concurso para descobrir esse


tipo de coisa — era para ser uma resposta ácida, mas pareceu
diverti-la.

— Além de lindo ainda tem senso de humor. Mas vamos


ao que interessa. Eu queria fazer uma videoconferência para tirar
algumas dúvidas a respeito da proposta. Não me entenda mal, eu
gostei muito de tudo, mas quero só alinhar nossos pensamentos
para que não sobre nenhuma dúvida.

— Agora? Uma videoconferência?

— Eu preferiria te encontrar pessoalmente, é claro, mas


como estamos com pressa para assinarmos o contrato, vou me
contentar com isso.

Passei a mão pelo rosto. Não seria nossa primeira


conferência, e eu sabia que tinha potencial para demorar horas,
sendo que boa parte consistiria nela me passando cantadas de
péssimo gosto.

— Ah, bem... sim. Podemos. — O que mais eu poderia


fazer? Ela era a cliente, sempre tinha razão. E era uma cliente
grande.

— Perfeito! Cinco minutos e entramos, ok?


— Ok.

Desligamos, e eu poderia usar aquele tempo para ir ao


banheiro, mas apenas afundei meu rosto nas minhas mãos e
pensei que o dia não podia, de forma alguma, ficar pior.

O que eu iria fazer para aquela mulher ser mais objetiva e


não perder tanto tempo com coisas desnecessárias?

Sem nem pensar no que estava fazendo, ergui meus olhos


e me deparei com Melissa, em seu lugar de sempre, ainda
trabalhando.

Deu uma ajeitada nos óculos e uma golada no café,


usando uma daquelas canecas estúpidas da copa. Da distância em
que eu estava, conseguia ler a frase:

“Não há mal que derrube aquele que nasceu para ficar no


chão”

Quase me identifiquei. Se fosse um pouco mais


dramático, deixaria a carapuça entrar direitinho.

Queria não me lembrar do que meu pai dissera. Entrar em


um relacionamento de fachada com ela seria uma coisa muito
absurda, mas claro que inventar para uma cliente que ela era
minha namorada era uma coisa diferente, né? Quem sabe Marsha
não sossegasse um pouco o facho e me deixasse em paz?
— Melissa? — chamei, super constrangido, sabendo que
era muito cara de pau da minha parte pedir um favor para a garota
depois de ter sido um estúpido.

Ela ergueu os olhos para mim, por cima da armação dos


óculos, sem metade da simpatia que demonstrava normalmente.

O que não era de se estranhar.

— Vai parecer um pouco estranho o que vou te pedir, mas


você se importaria se eu contasse uma pequena mentira
envolvendo você em uma reunião com a prefeita de Eden’s
Heaven?

— Que tipo de mentira?

Merda! Era ali que a coisa complicava.

— Eu só queria fingir que você é minha namorada. Só


mesmo nessa conversa. Porque ela fica meio que dando em cima
de mim, e eu não sei lidar com essas coisas — enquanto falava,
comecei a esfregar minha nuca, completamente envergonhado.

— O quê? — ela quase gritou.

Levantei-me e comecei a me aproximar da mesa dela, não


porque quisesse ficar, de fato, mais perto, mas porque estava
inquieto.

— É só por alguns minutos. Uma coisinha boba. Sei que


você não deve ter a menor vontade de me ajudar em nada, porque
sou um babaca na maior parte do tempo, mas vou retribuir.
— Como? Fingindo ser meu namorado também? Não,
obrigada! — E meu pai ainda achava que ela teria qualquer
interesse em mim algum dia? Nem em sonhos.

— Em alguma outra coisa. Deve ter algo que você


precise.

— Sim! — Ela ergueu uma sobrancelha, quase chocada.


— Não fingir que sou sua namorada.

— Por favor, Melissa. Você nem precisa falar nada. Ela


também quer saber coisas sobre a sua parte na proposta. Só entra
na call por isso. E aí eu comento algo sobre nós, para ela não me
encher o saco. Qualquer coisa, em outra oportunidade, eu digo
que terminamos.

Ela pareceu pensar, mas não tínhamos muito tempo para


isso, porque meu telefone começou a chamar.

— Tá, tá bom! Tudo bem! — ela falou, seguindo sua


resposta por um bufar muito indignado.

Eu poderia beijá-la só por ter concordado.

Era hora do show, afinal...


CAPÍTULO SETE

Querida Tabitha,
Você pode ficar chocada com o que eu vou te contar, mas veja bem...
Eu topei fingir ser namorada de Cassian.
Mas eu juro, é só numa conferência. Juro. Não vai passar disso.

Eu esfregava meus olhos, em movimentos circulares no


mesmo ritmo da música que tocava baixinho no alto-falante da
empresa. Aquele tipo de som de lounge, do qual os funcionários
reclamavam direto na copa, mas que para mim era indiferente.

Naquele momento estava embalando minha vontade de


bater com a cabeça na parede.

Por que, em nome de Deus, eu tinha concordado com


aquela loucura? A cada momento que passava, desde que eu
dissera o maldito sim, fiquei ensaiando me levantar, me
aproximar da mesa de Cassian, erguer o dedo de forma bem
decidida e falar que eu não era um objeto para ser usado daquela
forma; que ele não poderia fingir que era meu namorado quando
eu simplesmente nem ia com a cara dele.

Só que, na minha mente, a cena era muito mais legal do


que eu sabia que ficaria caso me levantasse e realmente a
colocasse em prática. Discussões e argumentações não eram o
meu forte.

Especialmente quando envolviam um namoro de fachada


no qual eu estava inserida.

— Melissa? — Quando Cassian chamou meu nome, eu


levantei a cabeça de forma tão efusiva que meus óculos chegaram
a escorregar no nariz, e eu fui obrigada a ajeitá-los. Risquei a
página onde escrevia, mas ele nem percebeu. Também não
parecia nada animado. — Ela acabou de mandar mensagem. Vai
ligar.

Respirei fundo e me levantei da cadeira, ajeitando a saia,


caminhando para perto de Cassian, que também se colocara de pé
e estava levando uma cadeira, colocando-a do seu lado, para
deixá-la de frente para a tela do computador.

Eu me sentia dura como uma rocha, e até o barulho do


salto do sapato contra o piso da sala estalava de um jeito que
irritava meus tímpanos. Sentei-me igualmente rígida, ajeitando-
me na cadeira e tentando posicioná-la o mais longe dele possível.

— Eu não vou te morder, Melissa — Cassian afirmou


com aquele jeito cínico dele, o que conseguia me deixar ainda
mais irritada. — Precisamos aparecer os dois na tela; se você
ficar a três metros de distância, não vai adiantar nada.

Ergui uma sobrancelha, indignada.

— Não acha que eu já estou fazendo muito por você?

— Sim, e eu sou imensamente grato... — Por que será que


eu ainda não comprava aquela gratidão toda que ele alegava
sentir? Especialmente quando ele levava as mãos ao peito e fazia
uma expressão de cachorro sem dono claramente falsa. — Mas se
vamos fingir que somos namorados, precisa haver algum tipo de
proximidade.

— O que você quer agora? Que eu te beije? Deus me


livre...

Bem... não era exatamente nojo o que eu sentia, porque o


que o homem tinha de irritante tinha de bonito. Só que minha
expressão foi bem exagerada, e ele demonstrou tanta surpresa
pela minha reação que chegou a franzir o cenho.

— Ok, já entendi que é a última coisa que você faria no


planeta, mas fica tranquila. Não vou te obrigar a esse sacrifício.

Como ele tinha uma personalidade muito peculiar, era


difícil saber se meu comentário o deixara magoado de verdade ou
se era apenas uma atuação para bancar o engraçadinho.

Fosse como fosse, me senti um pouco arrependida de ter


falado daquela forma. Odiaria se alguém fizesse isso comigo,
porque faria com que me sentisse extremamente rejeitada.
Não tive, no entanto, chance de pedir desculpas, porque
recebemos o link para a chamada de vídeo.

Do outro lado da tela, uma mulher sorridente surgiu. Ela


tinha um cabelo em tons de ruivo, com certeza pintado, mas em
uma cor muito bonita. O rosto era anguloso, com maçãs do rosto
altas, e seus olhos eram pequenos, mas perspicazes, azuis.

Sua expressão ao olhar para Cassian era completamente


diferente da que usou para olhar para mim.

Não chegou a ser antipatia, mas ficou confusa.

— Quem é esta moça? Não a conheço — foi a primeira


coisa que falou, inclinando a cabeça para o lado.

Para a minha surpresa, o braço de Cassian foi parar nos


meus ombros, e ele me puxou mais para perto. Novamente rígida
como uma tábua, lancei um olhar para a mão dele, meio que sem
entender, enquanto as rodinhas da minha cadeira giravam para
que eu me aproximasse.

— Esta é Melissa. Trabalhamos juntos, mas ela também é


minha namorada.

Voltei meus olhos para Cassian, sentindo-me muito, muito


estranha.

Ele estava me abraçando de propósito. Eu podia ver o


sorriso vitorioso em seu rosto, e então fingiu um olhar
apaixonado, com um sorriso ainda mais falso, e eu tive uma
imensa vontade de lhe dar uma merda de um tapa na cara.
— Nossa! Eu não sabia que você era comprometido! — A
prefeita levou uma das mãos à boca, realmente surpresa. — Por
que nunca me disse, querido? Me perdoa, menina, mas eu meio
que dei em cima do seu namorado algumas vezes. Se soubesse...

— Não tem problema, Marsha. Melissa não é ciumenta...


— A mão de Cassian gentilmente apertou meu braço. — Não é,
minha rosquinha?

Ah, não! Não... Ele não ia...

— Minha rosquinha? Ah, que coisa mais fofa! — O


sorriso de Marsha se derreteu, e eu senti que era game over. O
filho da mãe tinha feito de propósito para pagar a rejeitada que eu
lhe dei.

— Responde, amor... Você não é ciumenta, né? — ele


insistiu, depois de eu ficar um tempo calada, meio perdida e
totalmente atordoada.

Olhei para Marsha, que parecia uma adolescente olhando


para nós, e depois para Cassian, que ainda sorria de forma
odiosamente perversa, e senti meu coração acelerar.

Eu não era uma pessoa que gostava de dar o troco. Mas


tudo tinha limite.

— Claro, meu donut. Inclusive, Marsha, eu não tenho


ciúme porque só eu sei o quanto Cassian é ruim de cantadas. —
Levei uma das mãos ao canto da boca, como se fosse lhe contar
um segredo. — Foi difícil ele me convencer a sair, mas aqui
estamos.
— Ele é meio fechado mesmo, né? Tem um jeitinho
rabugento.

— Nossa, você não sabe o quanto.

Então nós duas começamos a conversar como se fôssemos


amigas de longa data, falando particularidades de Cassian,
embora ele estivesse bem do nosso lado.

Quando ela pediu um minuto para atender ao telefone,


deixando a câmera desligada e o microfone no mudo, ele se virou
para mim, indignado:

— Mas que merda foi essa? — falou, e eu cruzei os


braços, sorrindo.

— É o preço a pagar. Não queria que eu entrasse no jogo?


Estou entrando, mas do meu jeito.

Com a boca levemente aberta, ele ficou olhando para


mim, surpreso.

— Você não tem cara de ser tão vingativa quanto é.

— Talvez você desperte o pior em mim.

O que diabos eu estava fazendo? Cassian era meu chefe!


Ele poderia me mandar embora a qualquer momento pela
impertinência.

Não era porque estávamos fingindo um namoro para uma


cliente em potencial que eu tinha autonomia para tratá-lo como
bem entendesse. Era uma hierarquia. Não estávamos ali de igual
para igual.

— É, talvez seja isso... Minha rosquinha... — Ele


começou a rir, provavelmente se achando muito engraçado.

Só que eu queria muito ficar séria e reclamar do maldito


apelido, mas precisei me controlar, mordendo o lábio inferior.

Era uma pequena trégua entre nós, sem dúvidas.

— Minha rosquinha foi péssimo.

— Você rebateu à altura.

Com um clima um pouco melhor, nós nos entreolhamos.


Apesar dos pesares, tínhamos virado cúmplices, nem que fosse
por alguns momentos.

Não conseguimos conversar muito mais com privacidade,


porque Marsha retornou à chamada, e nós começamos a falar
sobre trabalho.

Apresentamos para ela a proposta, e ela pareceu muito


interessada em cada uma das ideias.

— Eu adorei. Confesso que essa parte idealizada pela


Melissa me abriu a mente. A gente tem muita coisa boa por aqui,
podemos explorar muito mais o turismo com o festival. Incluir
parcerias com empreendimentos locais para melhorar a
experiência. Se as pessoas quiserem esticar a viagem, o hotel e
alguns passeios podem estar inclusos em pacotes de ingressos do
festival.
— Isso, sem dúvidas, seria muito legal — Cassian
comentou. — Vai agregar ainda mais valor para o público.

Ela ficou calada por alguns instantes, parecendo refletir,


até que abriu um enorme sorriso.

— Abriram a minha mente — comentou, gesticulando,


enquanto batia com uma caneta no tampo da mesa. — Vocês são
uma dupla e tanto. Já tenho um novo ship "Cassimel". Ou quem
sabe "Melian". Até a nossa próxima reunião já terei decidido...

Cassian olhou para mim, confuso, e eu dei de ombros.

Ficamos mais alguns instantes conversando com ela,


alinhando detalhes, mas eu tinha plena certeza de que o negócio
seria fechado. Marsha ficara muito empolgada com a nossa
apresentação e afirmou que só precisaria mostrar para sua equipe,
principalmente para que eles dessem autorização para o
faturamento.

Quando encerramos a chamada, eu respirei fundo,


soltando o ar que nem sabia que estava preso. Meus ombros
doíam com o tanto que fiquei com eles contraídos, pela tensão, e
eu me voltei para Cassian, esperando qualquer comentário.

Menos o que ele fez.

— O que diabos é isso de ship? "Cassimel"?

— De todas as coisas da reunião esta foi a que você mais


prestou atenção?

— Foi a que me deixou mais intrigado, sem dúvidas.


Eu poderia rir, mas ainda estava tensa demais para isso.

— Ship é quando a pessoa gosta muito de um casal, aí une


os nomes dos dois. É um termo criado para isso. Tipo
Brangelina...

— Que merda é essa? — Ele franziu o cenho.

— Ah, pelo amor de Deus, em que mundo você vive?


Brad e Angelina? — Ele continuou sério. — Pitt e Jolie. Não é
possível que você não saiba quem eles são ou que foram casados.

— Eu sei de tudo isso, mas quantos outros Brad e outras


Angelinas não devem existir no mundo?

— Como casal? Imagino que nenhum. — Fechei os olhos


e novamente respirei fundo. — Tem outros ships famosos. Tipo
Bedward.

— E esse, o que seria?

— Bella e Edward. — Ele deu de ombros. — De


Crepúsculo!

— Ah, aquele livro do vampiro que brilha no sol? Você


tem ele na estante ali, não tem? — Apontou para a estante que
ficava do meu lado na nossa sala.

Já que eu passava mais tempo no escritório do que em


casa – e já que meu apartamento era um ovo e não tinha espaço
para uma estante decente –, decidi levar alguns dos meus títulos
favoritos para o escritório.
Ok, eram romances, mas nunca ninguém me proibiu.
Enquanto não me mandassem tirar, continuaria com meus Jane
Austen, Harry Potter, Crepúsculo, Sarah J. Maas – só esperava
que ninguém decidisse ler esses e descobrisse do que se tratavam
– e Colleen Hoover.

— Mas não vem ao caso. Basicamente é isso... Marsha


nos shippa como casal, só que nós não somos um casal.

— Para ela, essa é a verdade. — Cassian cruzou os braços


e se inclinou para trás, parecendo ficar mais à vontade.

Como ele conseguia?

Levantei-me da cadeira, incapaz de continuar sentada.

— Não é possível que você não enxergue o problema


nisso! — exclamei, nervosa. — Como vamos lidar com essa
história? Não é como se nunca mais fôssemos vê-la.

— E também não é como se fôssemos lidar com ela para


sempre. Antes do festival, a gente inventa um término amigável e
vida que segue.

É, eu esperava que isso desse certo, porque não era muito


adepta a mentiras, porque sempre me ensinaram que elas não
duravam muito tempo.

A verdade acabava surgindo, mais cedo ou mais tarde, da


pior forma possível.
CAPÍTULO OITO

Querida Tabitha,
É, aconteceu. A gente mentiu para a cliente.
Não sei por que, mas tenho uma estranha sensação de que isso vai dar
merda.
Aguarde as próximas notícias.

Nunca, de verdade, me convide para beber.

Nem mesmo se houver uma promessa de apocalipse no


dia seguinte.

Tipo: "ah, você não tem nada a perder, porque o mundo


vai acabar, pode ficar completamente bêbada e falar todas as
merdas que quiser."

Porque, sim, eu não sabia calar a boca quando tinha álcool


envolvido.
Para a minha sorte, o convite para ir ao barzinho que
ficava ao lado da empresa viera da Francis, que eu poderia
considerar como minha melhor amiga dentro da Roman. Por mais
que fizesse pouco mais de um mês que estava trabalhando por lá,
a gente tinha se dado bem de cara, e como eu era nova na cidade,
não tinha muito contato com outras pessoas.

Ela foi um bálsamo no meio de uma enorme mudança,


rostos diferentes e a certeza de que eu iria estragar tudo e voltar a
viver com os meus pais em pouco tempo.

Até aquele momento estava dando certo.

Para ser sincera, Cassian não me pedira segredo, né? E,


além do mais, eu deveria ter imunidade diplomática para sair ilesa
daquele tipo de fofoca, porque estava participando dela. Se era
um segredo meu também, era decisão minha para quem contava
ou não.

Foi nisso que eu estava pensando quando virei a terceira


tequila da noite e decidi que seria uma excelente ideia contar para
a minha amiga que tinha fingido ser namorada de um cara que eu
odiava até o dia anterior.

Não que tivesse parado de odiá-lo, veja bem. Era só


maneira de dizer.

E por falar em dia anterior, na verdade, uma das últimas


coisas que eu e Francis conversamos fora exatamente sobre uma
resposta atravessada que Cassian dera quando um dos caras do
marketing lhe fez uma pergunta.
Fora uma pergunta idiota? Sim, mas não havia
necessidade de ser tão grosseiro.

Mas este era o meu querido chefinho. Sempre pronto para


agir com um péssimo humor.

Em minha defesa, eu já nem estava muito consciente dos


meus atos quando relatei o ocorrido.

— Mel, calma... Você e Cassian fingiram ser um casal?


Meu Deus, como isso funcionou? Os dois se beijaram? Vai rolar
algo mais do que isso?

Em defesa dela, Frances também já tinha bebido um


pouco além da conta.

— Não, pelo amor de Deus! — Levei uma das mãos à


testa, balançando a cabeça, sentindo minha língua enrolar. — Foi
só uma vez. Uma. — Ergui um dedo, fazendo o numeral com o
indicador.

— Tá doida? Vocês não vão conseguir sustentar essa


história sem fingir mais uma vez. Amiga, sinto muito, mas essa
foi uma decisão muito merda.

— E o que eu podia fazer? Ele é meu chefe!

— Se você estivesse se sentindo em uma posição de


chantagem, deveria denunciar.

— Não... Cass não me chantageou! — exclamei com


veemência, porque ele não tinha feito isso, de forma alguma. Eu
aceitei, porque me sentia grata pelo que fizera por mim, com o
relatório. Por mais que tivesse me dado muita raiva passar a noite
inteira na empresa, tentando consertar aquela porcaria, eu sentia
que suas dicas tinham feito toda a diferença.

— Cass? — Francis ergueu uma sobrancelha. — Agora é


assim que você o chama? Ele te chama de Mel?

Eu nem tinha percebido, mas o apelido saiu facilmente,


como se nós dois tivéssemos, de fato, algum tipo de intimidade.

E nós não tínhamos. Em absoluto.

— Foi sem querer. Mais cedo eu precisei chamá-lo assim


na frente da prefeita. E, na verdade, ele me chamou de “minha
rosquinha”. Não é horroroso? — coloquei muita ênfase na última
palavra, revirando os olhos, muito, muito bêbada.

— Meu Deus, Mel! É a coisa mais ridícula que eu já ouvi!


— Frances começou a rir, e eu dei um tapinha no ombro dela. —
Mas sobre você chama-lo de Cass... É engraçado como esse tipo
de coisa o cérebro aprende rápido, né? — Que droga de
sorrisinho cínico dela era aquele? — Será que a minha amiga vai
descobrir os segredos eróticos por trás de Cassian Greene?

— Que erótico o quê, Francis? Ele nem me tocou. Foi só


uma brincadeirinha.

Mentira. Ele tinha colocado a mão no meu ombro. Isso


configurava como um toque, certo? Ainda assim... não era nada
erótico, sem dúvidas.
— Mas o cara é bonito — Francis jogou a informação
como se fosse algo relevante para a conversa.

— Um pêssego é uma coisa bonita, e eu não tenho


intenções eróticas com ele.

— Que coisa aleatória, Melissa!

— Eu estou bêbada, não me leva em consideração. E tem


mais... um pêssego deve ser muito mais simpático do que o
babaca do meu chefe. Foi só uma mentirinha de nada. E não vai
se repetir — falei tão sem parar que nem reparei que minha amiga
estava olhando para mim com os olhos muito abertos, com o
rosto vermelho como um tomate, a ponto de parecer que ia
explodir. — Ele está atrás de mim, né?

Francis assentiu, muito sem graça.

Pronto, eu ia ser demitida.

Girei o corpo bem devagar, como se cada segundo que


levava para ficar frente a frente com Cassian fosse precioso;
como se eles fossem o resto de sobrevivência que me restava,
embora não chegasse a um extremo tão grande.

Encontrei-o parado como uma estátua, já sem o paletó, só


com a blusa de baixo, com dois botões abertos, sem a gravata.
Suas mãos estavam nos bolsos, a cabeça erguida, como se me
olhasse de cima. Eu não era uma mulher muito baixinha, mas
nossa diferença de altura era grande o suficiente para que eu
ficasse intimidada.
A cara de poucos amigos não era novidade, mas naquele
momento me pareceu um pouco mais assustadora, porque ele
tinha muito poder nas mãos. Com apenas três palavrinhas,
poderia destruir o meu futuro.

“Você está demitida”, quase podia ouvi-lo sussurrando


isso, sentindo um prazer sensorial em fazê-lo.

— Srta. Pride — ele se referia a Frances, mas sem olhar


para ela. Seus olhos estavam fixos em mim. — Você se
importaria de me deixar sozinho com Melissa por alguns
instantes?

Eu tinha fé na minha amiga. Por mais que nossa amizade


não fosse assim tão antiga, que o vínculo ainda estivesse apenas
sendo formado, eu tinha total esperança de que Francis não iria
me abandonar. Ela iria bater o pé e dizer que não sairia de perto
de mim, porque queria me proteger. Eu estava bêbada, já tinha
falado merda e poderia falar muito mais...

Amigas até o fim. Girl power!

— Claro, Sr. Greene, sem problemas — foi a resposta


dela.

Traidora!

Lançou um olhar para mim antes de sair de fininho, como


se pedisse desculpas.

Se eu fosse ela, também fugiria. Amigos, amigos,


negócios à parte.
Cassian continuou de frente para mim, na mesma posição,
com a mesma postura. Ficou me olhando – ou melhor, me
inspecionando – como se eu fosse uma coisinha de nada que ele
poderia esmagar.

Eu queria dizer alguma coisa. Algo inspirado que


explicasse o porquê de eu tê-lo chamado de babaca, mas a
verdade era que não havia outra explicação a não ser...

Bem, ele era um babaca.

E de quem era a culpa?

Só que eu não sabia o que era pior: eu ter falado mal dele,
pelas costas, ou estar bem bêbada. Claro que ele não tinha
absolutamente nada a ver com a minha vida pessoal, mas a partir
daquele momento, sem a supervisão de Francis, eu estava por
minha conta. Pura e simplesmente.

— Ok, se vai me demitir, pode fazer isso logo? Essa


demora me deixa ansiosa, então se eu vomitar no seu sapato
italiano, de nervoso, não vou comprar outro.

— Você quer ser demitida?

— Eu? Não! Por que ia querer?

— Pelo que aconteceu hoje.

— Acho muito mais fácil você querer me demitir pelo que


acabei de falar. — Sem dúvidas era o álcool mexendo com o meu
discernimento. Eu nunca teria dado ênfase na minha fala se não
estivesse tão fora de mim.
— Eu meio que preciso de você. Acho que nossa
mentirinha vai ter que ser estendida por mais algum tempo.
Marsha quer que a gente vá até Eden’s Heaven para
conversarmos pessoalmente e, talvez, para que eu já assine o
contrato. Mas ela foi bem específica. Quer nós dois.
CAPÍTULO NOVE

Talvez eu devesse estar ganhando dinheiro com o trabalho


de clarividente e não no ramo de produção cultural, porque no
momento em que encerrei a ligação com Marsha, que fiquei
sabendo que minha farsa e a de Melissa precisaria continuar por
mais algum tempinho, todas as reações da minha secretária
vieram na minha cabeça como uma premonição.

E isso porque nem a conhecia tão bem assim.

Não esperava, porém, que a conversa aconteceria em um


bar, com ela levemente embriagada. Tanto que minha intenção era
perguntar outra vez, depois, porque suspeitava que qualquer
decisão que tomasse naquele momento não seria nem um pouco
confiável.

Só que foi uma coincidência encontrá-la ali. Eu não era


muito adepto a frequentar aquele barzinho, porque sabia que o
pessoal da empresa gostava de fazer seus happy hours por lá,
porque era perto o suficiente, os preços eram bons e tinha uma
clientela bem razoável. Naquele dia, estava tão estressado que
nem pensei direito. Sem contar que era uma quarta-feira, e eu
jurei que não encontraria ninguém conhecido por lá.

Qual não foi a minha surpresa quando mal entrei e


enxerguei uma garota bonita, de óculos, com aquela expressão
irritadinha que costumava usar comigo quando ficava indignada
com uma das coisas que eu dizia?

Fiquei parado, por algum tempo, observando-a virar shots


de tequila como se fossem água. Não levei muito tempo para
compreender que sua revolta e sua necessidade de se embriagar
tinham a ver comigo. Mas também não foi difícil começar a ter
outro tipo de percepção, bem mais relevante.

Desde quando passei a achar Melissa tão, mas tão bonita?


Fora uma coisa que reparei desde o início, é claro, ou talvez fosse
o vestido azul que ela estava usando, que ficava justo nos lugares
certos, mostrando que havia um quadril generoso, desenhado, que
subia para uma cintura fina e seios pequenos, firmes e que
ficavam muito bonitos no decote discreto.

Não era só o corpo também. Os cabelos estavam soltos, e


eles eram lisos, com leves ondas nas pontas, castanhos. Havia
uma franjinha, que ela usava de formas diferentes a cada dia. Às
vezes escovada para os lados, às vezes na testa ou presa. Daquela
vez estava caída sobre os olhos, deixando-a com um ar muito
inocente.

Enquanto eu a observava, ela colocava uma mecha atrás


da orelha, o que me facilitava ver todos os contornos do rosto, o
maxilar bonito e a boca...
Ela tinha um ar distinto, inteligente e uma beleza que
poderia ser considerada até comum, se não fossem detalhes que,
para mim, a tornavam linda.

Ainda assim, mulheres bonitas havia aos montes.


Mulheres bonitas, talentosas, competentes e que aguentavam um
cara como eu sem surtar ou serem grosseiras? Essas sim eram
raras.

Não que eu acreditasse em destino ou qualquer coisa


assim, mas decidi que a presença dela ali seria um facilitador. A
gente não tinha qualquer contato fora da empresa, e era
extremamente arriscado falarmos sobre aquele assunto dentro do
escritório. Só que quando comecei a colocar para fora o que
precisava ser dito, não me atentei ao fato de que ela não estava
em seu juízo normal.

— Você ficou maluco? — ela perguntou, ainda


gesticulando muito. — Não tem a mínima chance de a gente
repetir o que fez hoje. Eu não sou uma boa mentirosa.

— Não foi o que pareceu.

Meu comentário a fez ficar boquiaberta e paralisar por


completo. Abriu a boca para responder alguma coisa, e eu poderia
jurar que sua intenção era não ser nada cordial comigo,
incentivada pelo álcool, mas ergui um dedo, impedindo-a de falar.

— Olha só, a gente pode negociar alguma coisa que seja


legal para você também. Sei lá... dinheiro? Você não se mudou
recente? Quer fazer alguma especialização? Posso combinar de
pagar seu aluguel por alguns meses para você guardar esse
dinheiro e tentar um mestrado, talvez.

Sua boca se abriu mais ainda.

— Está querendo me manipular com dinheiro? Usando os


meus estudos? Eu não sou um produto a ser comprado, Cassian
Greene! — Foi de uma dignidade impressionante. Cenho
franzido, dedo erguido, postura ereta. Ao final do sermão, vi seus
ombros caírem, e ela respirou fundo. Então seus olhos se fixaram
nos meus, muito séria. — Fale mais.

Abri um sorriso, quase indulgente. Ela era divertida


também. Embriagada? Mais ainda.

— Eu não vou conversar sobre isso com você bêbada.

— Não estou bêbada! — novamente a indignação.

— Claro que está, mas provavelmente não vai admitir.


Seja como for, não acho que seria uma boa ideia a gente colocar o
assunto em pauta lá na empresa. O que acha de tomarmos café,
antes do expediente? Nós nos encontramos no estacionamento da
Roman, e eu te dou carona.

Melissa ergueu uma sobrancelha, parecendo ponderar.

— Não. O interesse maior, aparentemente, é seu. Se


quiser, pode me buscar em casa.

— Você também pareceu interessada no dinheiro. O jogo


vai ser benéfico para as duas partes, mas, veja bem, posso te
pegar em casa, se quer tanto a minha companhia.
— Não! Não é isso! Eu... — Ela ia começar a reclamar,
mas minha intenção era sair enquanto estava em vantagem. Por
isso, bati continência e comecei a me afastar.

— Me mande o endereço por e-mail. — Ela não tinha


meu telefone pessoal. Ninguém tinha, aliás. — Se você esquecer,
depois da ressaca, e eu não receber sua mensagem em um horário
decente, nos encontramos na empresa, como falei antes. Até
amanhã... minha rosquinha.

Dei uma piscadinha para ela, provocadora e implicante,


preferindo nem continuar no bar, porque me sentia um pouco
mais animado do que antes. Ao menos havia uma esperança. Ela
não dissera que não.

Ainda assim, só fiquei mais tranquilo quando, pela


manhã, por volta das sete, o e-mail dela chegou, com o endereço.

Tomei um banho, me vesti para o trabalho e peguei o


carro, partindo para o bairro dela. Não era assim tão longe do
prédio da Roman, então não precisei desviar tanto assim do
caminho.

Toquei o interfone, e ela pediu que eu esperasse lá


embaixo. Quando desceu, usava óculos escuros, embora o dia
estivesse razoavelmente nublado.

— Dor de cabeça? — novamente impliquei.

— Nem uma palavra sobre isso, por favor.


Eu poderia insistir. Poderia bancar o chato, mas iria lhe
dar uma trégua. Sabia o quanto uma ressaca era horrível, e ter a
garota mansinha para a nossa conversa seria uma vantagem e
tanto.

Chegamos à cafeteria, e Melissa tomou a dianteira,


encaminhando-se para a mesa mais ao fundo, mais escura, quase
como se quisesse se enfiar em uma caverna. Só depois que se
sentou foi que tirou os óculos, e eu vi seus olhos inchados e
vermelhos.

Tentei não rir, juro.

— O que a gente combinou?

— Estou cumprindo a minha parte com toda a lealdade do


mundo. Não disse uma única palavra, eu só ri. É diferente.

Melissa revirou os olhos, mas o movimento a obrigou a


fazer uma careta. Ao mesmo tempo, uma garçonete chegou e
anotou nossos pedidos.

— Acho que podemos ir direto ao ponto, né? Não é como


se tivéssemos muito assunto — ela afirmou, e eu fiquei feliz por
isso, porque não era muito bom em forçar diálogo.

— Claro. Você se lembra de alguma coisa do que


conversamos na noite passada?

— Infelizmente, cada maldita frase.

— Ótimo. Eu preciso do seu consentimento estando


sóbria. Não quero que depois me diga que só entrou na furada
porque eu te propus em um momento de fragilidade.

— Que bom que você sabe que é uma furada. O que me


traz à pergunta de milhões: por quê? Por que chegar a extremos
tão grandes?

A garçonete trouxe nossos pedidos, e eu não deixei de


observar Melissa quando ela virou uma caneca enorme de uma
vez, pronta para se embebedar de cafeína também. Depois de
tomar metade da bebida, pegou seu croissant e deu uma bela
mordida.

Era quase prazeroso observar uma pessoa comer com


tanta vontade. Sem contar a expressão que ela fez conforme
mastigava o sanduíche, que começou a me fazer pensar em coisas
bastante eróticas.

Afastei o pensamento, preparando-me para responder à


pergunta dela, enquanto adoçava meu café que nem tinha
começado a beber ainda.

— Marsha pediu propostas a duas empresas. Nós e a KH


Entertainment. Sabe que eles são nossos maiores concorrentes,
né? — Sem parar de comer, Melissa, com a boca cheia, balançou
a cabeça. — Tive a impressão de que ela estava tentando fazer
uma chantagem para que eu fosse um pouco mais longe para
conseguir o contrato.

— O quê? — ela alterou o tom de voz, quase chegando a


se engasgar. — Tipo um teste do sofá? Essas coisas realmente
acontecem com homens?
— Às vezes, sim. Como eu não caí nas cantadas dela, fui
sentindo que perdia o interesse. Com você, as coisas tomaram
outro rumo.

— Nossa, mas ela é frívola a esse ponto?

— Não sei. Mas é uma tentativa. Ela ter pedido que a


gente vá até lá é uma grande coisa. Acredito que ela tenha se
interessado de verdade pela proposta, porque não usaria esse tipo
de critério de escolha.

— Só se ela tivesse doze anos de idade.

— Sim, imagino que sim. Mas seja como for, esse


contrato é importante, porque podemos estar criando um modelo
de festival nosso, possível de ser vendido para outras cidades,
empresas. Quanto mais mexermos naquela proposta e a
deixarmos com a nossa cara, mais será única. Vamos patentear o
nome e pode ser um grande passo para a empresa.

— Ainda assim... acha que um namoro de fachada pode


ter o poder de mudar alguma coisa?

— Marsha realmente prestou atenção em nós. Ela gostou


de você, na verdade. — O que não era muito surpreendente. Até
eu, que não gostava da maioria dos seres humanos, tolerava
Melissa com um pouco mais de boa vontade. — E agora não tem
como eu desmentir e nem falar que terminamos. O que não me dá
muita alternativa.

Melissa parou um pouco, olhando para mim, com o


último pedaço de seu croissant na mão, enrolado em um
guardanapo. Eu tinha optado por não comer nada, só pelo café,
mas nem tinha tocado na bebida ainda. Provavelmente já estava
frio e intragável.

Mas a situação era intragável também, então combinava.

— E aí você está disposto a pagar o meu aluguel para


isso?

— Seis meses? Podemos fechar assim?

— Um ano... Até onde sei, você tem dinheiro suficiente


para isso.

E não é que ela era uma ótima negociadora?

— Está abusando, minha rosquinha — provoquei.

— Se for para você ficar me chamando assim, vou querer


que invista na minha pós-graduação também. — Fiquei calado,
porque imaginei que estivesse brincando. — Ok, podemos
combinar seis meses só. Já vai me ajudar muito a guardar
dinheiro para uns cursos que quero fazer. Mas tem uma coisa que
está me preocupando. Como vai ser com o pessoal da empresa?
Eles vão ficar sabendo?

— Não por mim, já que eu não converso com ninguém.


Tem que se preocupar com a sua amiga, que parece já saber muito
mais do que eu queria que soubessem.

— Você não me pediu segredo.

— Justo, mas meio que deveria ser uma regra implícita.


— Não sei. Nunca namorei ninguém de mentira.

O que eu poderia dizer? Melissa me ganhava nos


argumentos muito fácil, o que era preocupante.

— Tudo bem, para mim não faz diferença. Se ela contar


para alguém da empresa vai ser mais prejudicial para você. Eu já
tenho uma reputação de merda.

Percebi que Melissa refletiu sobre o que eu disse, e isso a


assustou o suficiente para que eu tivesse certeza de que ela faria
ameaças muito fortes à amiga.

— Aliás, como você consegue confiar em uma pessoa que


conhece há tão pouco tempo? — precisei perguntar, porque, para
mim, era realmente um mistério.

— Eu só não odeio todo mundo à primeira vista. Você


odeia, né?

— Claro. Todo mundo é escroto, até que me prove o


contrário.

Outra vez Melissa revirou os olhos, mas a dor de cabeça


pareceu retornar, mesmo depois do café e do enorme croissant.

— Você estava até indo bem, mais simpático do que o


normal. Agora estragou tudo.

Beberiquei o café, constatando que estava realmente


horrível, frio, e o deixei de lado.
— Não tenho intenção de ser simpático. Vai ter que lidar
com isso.

Apesar disso, fiquei um pouco ansioso para receber a


resposta dela. Muitas coisas dependiam daquela decisão. E por
mais que eu imaginasse que a proposta que fiz fosse relevante, ela
poderia dizer não.

Eu estava nas mãos daquela garota.

A sorte sorriu para mim quando eu a vi estender a mão.

— Tenho a impressão de que vou me arrepender, mas


negócio fechado, Cassian Greene.

Aceitei o cumprimento e tive a impressão de que


estávamos selando um pacto.

Dali para a frente, as coisas poderiam ficar muito


estranhas.

Mas eu nem imaginava o quanto.


CAPÍTULO DEZ

Querida Tabitha,
Às vezes eu me pergunto se eu estava sob efeito de alucinógenos,
ou se o álcool ainda não tinha saído do meu sangue quando topei essa
loucura.
Só que não tem mais como voltar atrás, né?
Agora eu sou a namorada de fachada do meu chefe babaca.

Eram só três adias de viagem, não havia necessidade de


uma mala muito cheia ou pesada, mas eu estava com literalmente
todo o meu guarda-roupa jogado sobre a cama, todas as roupas
emboladas, com as mãos na cintura, sem saber o que levar.

Passei uma das mãos pelo cabelo, mordendo o lábio


inferior, desejando desesperadamente me enfiar na mala e ser
despachada para bem longe, só para fugir daquela maluquice
toda.
Interrompendo meu dilema, o telefone vibrou sobre a
cama, e eu vi que era a minha mãe ligando. Era a terceira vez que
nos falávamos naquele dia, mas tinha a sensação de que saber que
a filha iria viajar com um homem, mesmo sendo ele seu chefe,
deixara os dois um pouco preocupados.

Especialmente de carro, depois de tudo pelo que passamos


cinco anos atrás.

— Oi, filha! — minha mãe estava fingindo costume,


certeza. Eu podia sentir a inflexão do nervosismo em seu tom,
porque a conhecia muito bem. A ligação, também, estava no viva-
voz, o que provavelmente significava que meu pai estava ao seu
lado, prestando atenção em tudo. — Tudo pronto?

— Estava agora mesmo tentando fazer as malas...

— Mel! São oito da noite! Você viaja amanhã às seis!


Tem que fazer um check-list de tudo que precisa levar! Já
preparou a nécessaire com os itens de higiene?

Era a primeira viagem que eu fazia sozinha, sem meus


pais. Quando me mudei, minha mãe insistiu em fazer as minhas
malas, e eu tive a impressão de que fora uma forma de se manter
ocupada nos últimos dias em que teria a filha em casa.

Foi um processo muito complicado até que eu saísse da


cidade, de fato, porque odiava a ideia de deixá-los sozinhos,
depois de tudo o que aconteceu. Só que ambos me incentivaram a
dar aquele passo, afirmando que seria bom não só para a minha
carreira quanto para meu amadurecimento como pessoa. Sendo
assim, quando apareceu uma oportunidade, não hesitei.

Lá estava eu, em Miami, já em um bom emprego. Com


grandes chances dentro da empresa.

Inclusive como namorada de fachada do filho do CEO.


Uma atribuição muito importante, sem dúvidas.

— Vai dar tudo certo, mãe. São só três dias, não preciso
levar tanta coisa. Além do mais, estaremos em uma cidade em
que eu posso comprar algo, se precisar.

Ouvi minha mãe bufar do outro lado da linha, mas decidi


não dar muita atenção.

Saí um pouco do quarto e parti para a cozinha – em


pouquíssimos passos, porque meu apartamento era pequeno como
uma caixinha de fósforos –, para pegar um copo d’água.
Aproveitei para ver se havia alguma coisa gostosa para beliscar,
mas, não. Eu não tinha feito compras naquela semana, porque não
sobrou muito dinheiro do meu salário. Morar sozinha era caro.
Aluguel, contas, boletos, alimentação e vestuário. Por mais que a
Roman não pagasse tão mal, ainda era difícil.

Meus planos eram encontrar uma colega de quarto, mas


aparentemente um investidor aparecera, por seis meses.

Não era uma informação que eu compartilharia com os


meus pais, claro.
— Seu chefe vai dirigindo, né? — meu pai foi quem
perguntou.

— Sim.

— Sabe se ele é prudente no volante? Não esqueça do


cinto de segurança, pelo amor de Deus. E veja se ele está com
muito sono. Se estiver, não vá. Preste atenção na estrada, seja
uma boa copiloto.

Queria muito insistir que eles não precisavam se


preocupar, mas não seria tão fria a esse ponto. Era impossível
exigir aquele tipo de coisa para pais. Para os meus? Chegaria a
ser maldade.

— Fiquem tranquilos. Vou mandando mensagens. Vai ser


uma viagem ótima. Muito importante para a minha carreira, eu
juro.

— Sabemos disso, querida — minha mãe falou, e eu


podia quase imaginá-la sorrir. — Temos muito orgulho de você.

Meu coração ficou pequeno no peito, não só porque a


conexão que eu sentia com meus pais tornou-se muito mais forte
desde a tragédia da nossa família, mas também porque eu queria
lhes dar orgulho. Queria fazer tudo o que fizeram por mim valer a
pena.

Apesar de tudo isso, eu também sentia vergonha. Porque


por mais que uma boa ideia minha tivesse sido relevante para a
proposta da Roman, eu estava indo naquela viagem com Cassian
para criar uma farsa que não deixaria ninguém orgulhoso.
Muito menos eu.

— Só se cuide, por favor. Qualquer coisa que precisar,


liga pra gente.

— Pode deixar, pai, obrigada.

Nós nos despedimos, desligamos o telefone, e eu precisei


voltar à minha tarefa de fazer a mala. Acabei me obrigando a não
pensar muito e apenas colocar as roupas lá dentro, tentando
encontrar uma lógica para as coisas que precisaria usar.

Depois joguei as roupas que sobraram dentro do armário,


sem nenhuma organização e me lancei na cama, pronta para
dormir depois de um banho quente, mas demorei a adormecer e
quando o fiz, foi um sono agitado, com sonhos, e eu acordei
muito cansada, quase como se não tivesse dormido.

Não importava, no entanto. A gente precisava partir. E


Cassian foi extremamente pontual, tocando o interfone cinco
minutos antes das seis.

Não me admirava que fosse tão intolerante com


impontualidade.

Cassian saltou para me ajudar com a mala, mas não


parecia no melhor dos humores. O bom dia mais resmungado da
história foi o que eu recebi, e ele mal tirou os óculos escuros,
entrando no carro em seguida, deixando a porta aberta para mim,
o que até achei um gesto de cavalheirismo em meio ao
comportamento endemoniado.
Quase hesitei em entrar, mas precisei fazer isso, e ele só
me esperou, sem dizer nada, com o rosto virado para a janela,
mão no queixo, como se fosse um motorista de Uber.

No momento em que bati a porta, ele deu a partida, e nós


seguimos para pegar a estrada.

O silêncio imperou pelos primeiros minutos, e ele parecia


gritar nos meus ouvidos, quase como um zumbido incessante.
Isso começou a me incomodar e me deixar muito inquieta.

— Posso colocar uma música?

— Não.

A resposta foi o misto de um rugido com uma cuspida de


uma palavra que soou quase como um chicote.

Eu era carona, né? Não poderia dar muita opinião.

Mas ele dissera que eu não podia colocar música. Cantar


era outra história, né?

Comecei a tamborilar os dedos na perna, enquanto


murmurava Shake it off, da Taylor Swift, porque era uma música
animada, embora obviamente não estivesse bem cantada com
minha voz nada afinada, mas música sempre me acalmava
quando estava na estrada.

— Você pode, por favor, parar com essa tortura? —


vociferou Cassian.
— Ah, você não ficou mudo! — exclamei, em tom
divertido, esperando melhorar um pouco o clima da viagem.

— Queria ter ficado surdo, isso sim.

— O que te deu hoje? Não que você seja exatamente uma


pessoa gentil e simpática, mas... aconteceu alguma coisa?

— Aconteceu. Odeio viagens longas. Odeio dirigir por


tanto tempo.

— Tem alguma coisa que você não odeie?

— Pouquíssimas.

— Você quer que eu dirija um pouco? — Não que eu


também gostasse muito de estar atrás do volante, mas nós
podíamos revezar.

— O meu carro? Nem pensar.

Fiquei boquiaberta com a forma como ele falou. Sem nem


cogitar a hipótese.

— Que machista! Acha que uma mulher não pode dirigir


bem?

— Não, eu não falei isso! — indignou-se. — Ninguém


dirige o meu carro. Homem ou mulher. E vamos continuar em
silêncio. Me deixa com o meu mau-humor. Se quiser ouvir
música, eu tenho um fone dentro do porta-luvas.

É, a viagem seria longa.


Duas horas depois nós chegamos em Eden’s Heaven, mais
precisamente ao hotel onde fora feita a reserva, e Cassian tomou a
dianteira, enquanto eu dava uma olhada ao redor.

O lobby era elegante, mas tinha um aspecto de veraneio,


até porque havia uma praia particular ao redor do hotel. Eram
paredes de madeira, havia um espaço com redes, uma música
gostosa tocava, e o cheiro da maresia nos rondava, me
proporcionando um momento tão sensorial que cheguei a fechar
os olhos, sorrindo.

Fui interrompida quando senti a mão grande de Cassian


no meu ombro e me virei para ele, vendo-o com a chave entre os
dedos.

— Temos o quarto. Podemos subir? — Ele ainda não


tinha tirado os óculos até aquele momento.

— O quarto? — perguntei, confusa. — No singular?

— Nós somos um casal, esqueceu?

— Tá, mas isso não estava no acordo.

— Como não, Melissa? Era meio óbvio, né?

— Não para mim! — Meus olhos ficaram um pouco


arregalados no momento, mostrando o meu choque. — Ao menos
o quarto tem duas camas?

Pela cara dele, eu já tinha uma resposta.


Claro que só haveria uma cama. Era sempre assim nos
romances, não era?

Só que não estávamos vivendo um romance, de forma


alguma.

Estava mais para um pesadelo, isso sim.


CAPÍTULO ONZE

Eu estava cansado, sendo assim, ajudei Melissa a levar as


malas lá para cima, tirei os óculos e dei uma olhada ao redor.

— Preciso tirar um cochilo. Estou bem cansado — falei


sem nem olhar para ela. Não queria que ficasse muito claro, nas
minhas expressões, que eu também estava um pouco
desconfortável com aquela viagem. Eu não tinha a menor
intimidade com a garota, mas, ainda assim, teríamos que
compartilhar certa proximidade. Mais do que algumas horas de
convivência, como estávamos acostumados na empresa, mas um
único quarto.

Acabei me condenando por não ter repassado essa


informação para ela, mas realmente tinha me esquecido e
acreditei que iria concluir, já que nossa farsa era a de que éramos
namorados. Com que desculpa eu iria pedir duas acomodações,
sendo que se tratava de um casal?

Não dormi muito bem na noite anterior, inquieto e


preocupado. Não sabia o motivo, mas não queria que Melissa me
odiasse mais do que já odiava, e eu não era exatamente uma boa
companhia.

— Não vou dormir agora, por que não usa a cama? — ela
convidou, e olhei para ela com uma sobrancelha arqueada.

— Em que mundo irreal você acha que eu não vou dormir


na cama? — perguntei, de um jeito provocador.

Eu poderia, de fato, me acomodar no sofá. Para a minha


altura ele era pequeno demais, ou até daria para colocar alguma
coisa no chão, forrando-o e me contentar com aquilo mesmo. Só
que... bem... eu não era um cara de soluções simples.

— Não vou dormir na mesma cama que você! —


exclamou, indignada, colocando as mãos na cintura.

— Aquilo ali é enorme! — Apontei para o móvel. — A


gente não vai nem se encostar. Não tem sentido um de nós dois
ficar todo apertado só por causa de pudores. Vai dizer que nunca
dormiu com uma amiga?

— Você não é meu amigo. Não é a mesma coisa. — Eu


até ia responder, mas ela ergueu uma mão, me impedindo. —
Temos tempo para decidir ainda. Só vai, tira seu cochilo. Eu vou
dar uma volta pela cidade.

Apenas assenti, abri minha mala, peguei uma roupa um


pouco mais confortável, vesti e me joguei sobre o colchão.
Poderia dormir sem colocar o despertador para tocar, porque a
única coisa que tínhamos marcada para aquele dia era um jantar
com Marsha.
Ainda eram só nove e pouca da manhã; só precisava
descansar um pouco. Poderia acordar para o almoço e ainda
resolver algumas coisas...

Enquanto pensava nisso, sentindo a cabeça pesada, acabei


deslizando para o sono quase sem perceber.

Acordei sobressaltado, meio que sem muita noção de


onde estava, levando alguns instantes para entender a situação.
Levei uma das mãos à cabeça, ainda deitado, virando-me de
barriga para cima e me alongando. Tateei a cama, sabendo que
tinha deixado o celular ao meu lado, vendo que era quase uma da
tarde.

Porra, eu tinha dormido bem mais do que o planejado. O


estômago roncando deveria ser mais um indicativo e o que me fez
simplesmente pular da cama.

Passei no banheiro, jogando um pouco de água no rosto, e


comecei a dar uma procurada pelo quarto por Melissa. Eu não
ouvia nenhum som de outra presença, então comecei a me
perguntar onde diabos a garota estava.

Se tínhamos ido juntos para aquela viagem, qualquer


coisa que acontecesse com ela deveria ser minha
responsabilidade, não? Se desaparecesse, eu seria o culpado.

Mas pelo amor de Deus, ela era adulta. Por que estava tão
preocupado?

Comecei a andar pelo quarto, pensando que talvez fosse


menor do que parecera a princípio. Seriam dias ali, naquele
espaço claustrofóbico, possivelmente dividindo uma cama e
convivendo com uma garota de quem sabia muito pouco, que eu
achava bastante atraente e que simplesmente me odiava.

Uma ótima forma de elevar o meu ego, sem dúvidas.

Havia uma pequena mesa para duas pessoas no quarto;


para o caso de queremos fazer uma refeição. Sobre ela, encontrei
um prato coberto por um guardanapo. Ao lado, um bilhete, com a
caligrafia bonita de Melissa:

“Achei que poderia acordar com fome. Fui dar uma volta”.

Fiquei olhando para a porcaria da mensagem por alguns


instantes, pensando que fora inesperado. Não imaginava que ela
teria o cuidado de se importar em levar comida para mim,
provavelmente pensando que eu iria acordar bem antes do
almoço.

Tirei o guardanapo e vi dois minicroissants e um pedaço


de bolo. Não queria me comover com aquele tipo de coisa, mas
Melissa era...

Merda, ela era uma garota legal.

Uma garota legal que não merecia a pouca sorte de topar


com um cretino como eu, que fazia um esforço diário para ser
odiado por todos.

Peguei um dos croissants e o mordi, caminhando em


direção à sacada do quarto, passando por entre as cortinas. O som
do mar me recebeu, além de um tempo agradável. Estava sol lá
fora, mas uma brisa gostosa serpenteava, não deixando a
temperatura nem quente nem fria demais.

A vista era muito bonita. Uma imensidão azul, até a linha


do horizonte, que sempre me fascinou. Fiquei imaginando o quão
bonito não seria ver o pôr do sol dali, onde eu estava.

Olhei para baixo, esperando ver a areia branquinha, mas


acabei contemplando outra coisa.

Uma linda mulher, sentada na areia, com belíssimas


pernas longas e torneadas esticadas, de fora, por causa de um
shortinho jeans curto, , apoiada nos cotovelos. Um pedaço de sua
barriga estava à mostra, os cabelos estavam presos em uma trança
e uma canga roxa estava sob seu corpo, protegendo-a de se sujar
com a areia.

Os olhos estavam cobertos por óculos escuros, e a cabeça


se inclinara para trás, como se estivesse relaxada. E deveria estar
mesmo, porque não havia absolutamente mais ninguém na praia,
apenas ela. Ao menos naquele espaço, na faixa de areia que o
hotel ocupava.

Eu deveria ficar onde estava, o máximo afastado possível,


mas nem sempre eu fazia o que era prudente, por isso, saí da
sacada, coloquei o pedaço de bolo inteiro na boca, peguei minhas
coisas e desci.

Ao invés de ir direto para a praia, passei na garagem do


hotel, mais precisamente no meu carro, pegando meu violão no
porta-malas.
Mais ridículo impossível, mas provavelmente eu não teria
outra oportunidade. O resto da viagem seria repleto de trabalho, e
também queria aproveitar aquela tarde para descansar.

Quando apareci do lado dela, estava tão em órbita que


demorou a perceber que não estava mais sozinha, tanto que se
sobressaltou no momento que me acomodei sobre sua canga,
pegando um pedacinho que estava livre.

— Meu Deus! Você ainda vai me matar do coração! — ela


exclamou, levando a mão ao peito e se afastando para me dar
espaço, enquanto eu tirava o instrumento da capa, o que pareceu
surpreendê-la. — A última coisa que eu esperava dessa viagem
era que faríamos um luau.

— Longe disso — foi a minha resposta econômica.


Posicionei o violão e afinei uma corda, começando a dedilhar em
seguida.

— Pensei que você só tocasse quando está irritado.

— Quem te disse isso?

— Pessoas na empresa.

Foi difícil esconder uma careta. Fiquei bem sério e lancei


um olhar para o oceano, esperando que ele me acalmasse. Não era
culpa da garota que se desse bem com pessoas que não gostavam
de mim. Não era culpa dela que quisesse socializar na empresa
onde trabalhava. Isso não a tornava uma idiota como outros na
Roman.
— As pessoas falam muitas coisas.

— É, eu acho que sim. — Ficamos em silêncio, e eu


comecei a dedilhar algo aleatório. Era até um pouco injusto que
eu não a tivesse deixado ouvir música no carro, mas que a
estivesse obrigando a me ouvir tocar. Ainda assim, Melissa não
parecera reclamar.

Havia algum tipo de paz no som daquele instrumento


sendo tocado bem devagar, quase em uníssono com as ondas.
Melissa respirava fundo ao meu lado, com as pernas flexionadas,
os braços ao redor das coxas, abraçando-as. Em certo momento,
encostou a cabeça nos joelhos e eu a vi sorrir, de soslaio.

Tinha tirado os óculos, e seus olhos pareciam sonhadores,


inocentes. Cantarolava baixinho, com sua vozinha desafinada,
mas o som me pareceu até gostoso, embora ela claramente não
tivesse nenhuma noção de tons e harmonias.

Ela parecia hipnotizada com a música.

E eu estava hipnotizado com ela.

— Posso pedir para tocar uma música para mim? — ela


perguntou do nada, em um sussurro muito doce.

Ficava muito difícil lhe negar qualquer coisa daquele


jeito.

— O que quer que eu toque? Provavelmente não vou


saber, porque nossos gostos são um pouco diferentes.
— Não quero pedir nada em específico. Algo que, sei lá...
te faça se lembrar de mim — ela falou, mas logo se apressou para
se corrigir, saindo da posição de antes e parecendo muito tensa.
— Não que eu ache que você se lembra de mim fora da empresa.
E nem é para lembrar mesmo. Só... — Fez uma pausa, levando
uma das mãos à testa, balançando a cabeça em negativa. — Acho
que só estou falando besteira. O que quis dizer é que se você
pudesse associar uma música a mim, qual seria?

Era uma pergunta difícil, porque por mais que a gente


convivesse todos os dias há mais de um mês, eu não a conhecia.
Para ser sincero, tinha começado a prestar mais atenção nela nos
últimos tempos, por causa da situação com Marsha. Com exceção
do fato de achá-la muito bonita, não tinha muito mais
informações.

Bem... mas a beleza dela era algo relevante para mim, não
era?

E eu poderia inventar qualquer coisa, começar a tocar algo


bobo, atual e comercial, que ela provavelmente gostava, mas os
acordes do solo inicial de “Oh, Pretty Woman” começaram a
soar. Era uma música antiga, mas Melissa parecia ser o tipo de
mulher que gostava de comédias românticas, então com certeza
associaria a música ao filme do qual era trilha sonora: “Uma
Linda Mulher”.

Quase me arrependi do que fiz, principalmente porque a


reação de Melissa foi de imensa surpresa.
E como não seria? Eu tinha acabado de confessar para ela
que a achava linda, com uma indireta bastante direta.

Parei de tocar o mais rápido que pude, partindo para uma


balada de rock clássica. Melissa não comentou nada. Quando
troquei de música, ela voltou a abraçar os joelhos, guardando sua
opinião para si e voltando a me ouvir.

Só que o estrago já tinha sido feito, sem dúvidas.


CAPÍTULO DOZE

Não era como se ela estivesse atrasada, mas já sabia da


minha regra dos “cinco minutos antes”. Tínhamos marcado de
estarmos prontos às sete em ponto.

Faltavam dois minutos para as sete. Eu já estava inquieto.

Coloquei uma das mãos nos bolsos, caminhando de um


lado para o outro no quarto pequeno, tentando me acalmar para
não ser grosseiro.

Havia um motivo para eu ser tão intolerante com atrasos.


Um motivo idiota, claro, mas a maioria das coisas que tinham me
tornado um homem como o que me tornei, eram, de fato, muito
irrelevantes. Ao menos se eu pensasse de forma racional e
madura.

Mais um minuto...

Bufei, tentando prestar atenção nos sons vindos do quarto,


mas estava um silêncio quase preocupante.
Qualquer coisa poderia ter acontecido lá dentro. Desde ela
estar ainda... sei lá... depilando as pernas, até uma queda que teria
resultado em um acidente, até um erro de maquiagem que poderia
tê-la feito surtar.

Eu já ia bater na porta, para saber se ainda teria que


esperar muito, mas assim que o relógio virou sete horas em
ponto, a tranca do banheiro se abriu, e lá estava ela, pronta.

Os cabelos tinham ondas marcadas nas pontas, mas a


franja estava lisa, o que me fazia acreditar que ela mesma
preparara o penteado. O vestido era simples, um tomara que caia
preto, ajustado no corpo, e ela usava apenas uma correntinha de
ouro no pescoço, com um pingente com a letra T.

Não era a primeira vez que eu a via com aquela joia


singela, mas nunca tinha me atentado para a letra destacada. Seria
de algum namorado? Ou ex de quem ela ainda gostava?

Na verdade, olhando aquilo, percebi pela primeira vez que


nunca perguntei a Melissa se ela tinha alguém em sua vida. Um
cara que pudesse sentir ciúmes da nossa pequena farsa.

Porque definitivamente deveria haver alguém doido por


aquela mulher. A não ser que os homens tivessem perdido
completamente a noção.

— Sete em ponto, viu? — ela perguntou do jeitinho mais


adorável possível, com um sorriso travesso.

— Você já estava pronta, né? Só demorou mais para me


provocar.
Encolheu os ombros, fingindo uma expressão inocente.

— O que eu posso fazer? É meu novo passatempo


preferido...

Eu deveria ficar estressado, mas quase me levou a um


sorriso. Para disfarçar, gesticulei, apontando para a porta, dando a
entender que precisávamos sair.

Deixei que passasse primeiro, então eu a segui, e nós


descemos.

Marsha iria nos encontrar no hotel, porque dissera que era


melhor, já que haveria um evento por lá, no dia seguinte, na praia,
do qual ela era a organizadora. Nós estávamos convidados
também e pretendíamos ir, porque eu tinha a impressão de que a
prefeita nos enrolaria até lá para nos entregar o contrato assinado.

Nós descemos, partimos para o restaurante do hotel, e ela


ainda não tinha chegado.

Fiquei imediatamente estressado.

Ao perceber isso, Melissa colocou a mão no meu braço, e


eu não queria admitir, mas seu toque foi tão reconfortante que
cheguei a suspirar. De forma discreta, é claro, mas a sensação me
deixou surpreso.

— Calma. Podemos esperar. Ela é a cliente — a voz


sussurrada me fez até fechar os olhos. Que poder estranho aquela
menina começava a ter sobre mim. Não sabia se gostava ou não
disso.
Assenti, puxei a cadeira para Melissa, e nós nos
acomodamos.

Pedi uma água com gás e uma sem para minha


acompanhante, porque fora sua escolha, e teríamos que esperar
Marsha para pedirmos nossos pratos, mas já fomos escolhendo.

Havia muitas opções com frutos do mar, e nós ficamos


discutindo o que parecia ser mais gostoso. Melissa estava se
esforçando muito para me distrair, chamar minha atenção para o
menu e brincando com os nomes dos pratos, mas eu não
conseguia não ficar estressado com a demora.

Marsha chegou com quarenta minutos de atraso. Para


mim era completamente deselegante e pouco ético.

Eu estava espumando quando a vi caminhar na nossa


direção, quase como uma modelo da Victoria's Secret, com um
vestido bem curto, quase dourado, todo decotado.

Repetindo: ela era uma mulher muito bonita e chamava a


atenção de qualquer um enquanto passava por entre as mesas. Na
minha opinião, no entanto, a garota que estava comigo era a mais
bonita de todo o estabelecimento.

Por falar nela, senti sua mão sobre a minha, pequena e


reconfortante.

— Respira fundo. Está tudo bem. Ela chegou.

Ela novamente conseguiu acalmar a fera.


Marsha continuou se aproximando, com um sorriso, e
parou diante da cadeira, esperando que eu me levantasse para
puxá-la para ela. Fiz isso, porque, apesar de tudo, era da minha
natureza, e ela se sentou, pegando o cardápio imediatamente.

— Ai, estou morrendo de sede. Preciso de um drinque! —


exclamou, sem nem nos cumprimentar.

Chamou o garçom, soltando todo o seu charme para ele,


que chegou a ficar intimidado. Pediu o "de sempre", que ele
parecia saber o que era, e esticou a mão, colocando-a sobre as
nossas, que eu nem tinha percebido que ainda estavam unidas.

— E então, meu casal favorito, como estamos?

Ela não ia nem se desculpar pelo atraso?

Melissa ficou esperando que eu respondesse, mas como


fiquei em silêncio, ela tomou a dianteira.

— Estamos ótimos. O hotel é maravilhoso.

— O melhor da cidade. Mas se eu estiver em algum


concorrente, vou dizer isso também. — Marsha gargalhou. — O
que posso fazer? Sou política, preciso ser um pouco escorregadia.

Minha impressão era de que ela já tinha bebido. A julgar


por sua roupa, talvez tivesse chegado de algum outro evento.

— Mas então, Marsha... podemos ir direto ao ponto e


conversar sobre o projeto? — falei, esperando que ela entendesse
que nossa intenção não era conversinha fiada.
A mulher lançou um olhar debochado para Melissa.

— Ele é sempre tão apressado assim, querida? Em todos


os momentos? — Melissa ficou boquiaberta, olhando para mim
meio que sem saber o que fazer. Por sorte, Marsha desistiu da
piadinha infame e mudou de assunto. — Tudo bem, estou pronta.

Finalmente começamos a falar sobre negócios, e eu


precisava admitir que ela sabia ser profissional quando queria.
Melissa pegou um caderninho e foi anotando as partes mais
relevantes da reunião, como a boa secretária que era, o que ainda
me incomodava.

Ela era competente demais, e não que a posição em que


estava não merecesse uma funcionária como ela, mas eu
acreditava que era justo que assumisse um cargo de mais
responsabilidades. Tanto que a deixei falar quando sabia que ela
dominava a pauta.

— Nossa, eu adoro pessoas como vocês, sabia? Adoro


essa sintonia que têm, essa jovialidade. Quem me dera que o
trabalho sempre fosse assim. Reuniões com gente prática, bonita
e que emana felicidade.

— A gente emana? — Melissa perguntou de um jeito que


teria me feito rir se ela não parecesse tão genuinamente assustada.

— Claro. E como não emanariam? São lindos e estão


apaixonados. Ou... bem... deveriam estar. Ainda acho que são um
pouco frios um com o outro, mas pode ser só impressão. — Ela
se levantou de súbito, ajeitando o vestido. — Preciso ir ao
banheiro por alguns instantes, ok? Já volto.

E sem dizer mais nada, ela saiu, caminhando com sua


confiança, batendo os saltos no chão de madeira.

Eu e Melissa restamos à mesa, e ela simplesmente deu


uma surtada.

— Ela sabe a verdade — afirmou com tanta convicção


que eu cheguei a me assustar.

— Como assim?

— Ué, só pode. Pelo que falou agora...

— Não, Melissa. Ela provavelmente me acha frio com


você. Quis dar um toque.

— É... vendo por esse lado... você realmente é... — jogou


como se fosse uma indireta.

— Do que você está falando?

Melissa revirou os olhos, parecendo impaciente.

— O que estou querendo dizer é que se você fosse


realmente meu namorado, eu teria plena certeza de que você não
gosta de mim.

— Mas eu não sou seu namorado.

— Precisamos fingir, não precisamos? Você tem que


tentar ser um pouco mais carinhoso.
— Como?

Ela se voltou para mim, com os olhos arregalados.

— Nunca namorou ninguém?

— Bem... já... mas... — Eu não precisava dizer para ela


que meu primeiro e único relacionamento sério tinha sido um
desastre.

— A forma como você fala, como olha, como me toca.


Não precisa ser nada muito grandioso, mas um casal apaixonado,
que está há tão pouco tempo junto, meio que mal consegue tirar
as mãos um do outro.

Lá estava mais uma coisa que ela não precisava saber: eu


estava evitando tocá-la de propósito. Tinha a sensação de que se
fizesse isso, realmente não ia querer parar, e as coisas ficariam
muito mais complicadas do que já estavam.

— Ela vai acabar percebendo — Melissa completou,


interrompendo minhas divagações.

— Não tem a menor chance de ela acreditar que duas


pessoas adultas estão fingindo serem um casal.

— Nunca se sabe...

Poderia ser só uma paranoia da cabeça de Melissa, mas


fiquei com a pulga atrás da orelha. O suficiente para tentar pensar
em alguma coisa que pudesse fazer para tirar completamente a
dúvida.
Só que não consegui pensar em nada sutil. Nada que fosse
definitivo para que Marsha não desconfiasse da nossa farsa.

Com exceção de uma única coisa...

De soslaio, eu vi a mulher vindo em nossa direção, saindo


do banheiro. Imediatamente, para parecer algo natural, como se
tivéssemos sido pegos no flagra, levei a mão ao rosto de Melissa,
usando o polegar para acariciá-lo. Fixei meus olhos nos dela,
meio que dando a entender o que estava prestes a fazer e
esperando que pegasse a deixa.

O problema foi que ao olhar para ela daquele jeito, tão


perto, acabei tornando as coisas um pouco mais intensas do que
deveria. Meus olhos se estreitaram, quase hipnotizados pela
vulnerabilidade que encontrei nos dela. A textura de sua pele
delicada e macia sob meus dedos também me deixou balançado.

Quando dei por mim, já estava me inclinando e tocando


seus lábios com os meus.

Não foi um puta beijo. Não como eu poderia ter lhe dado,
se imaginasse que nós dois estávamos no mesmo clima. Mas foi
um contato longo, sutil, muito mais relevante do que pensei a
princípio.

A intenção era que fosse só um selinho, mas a sensação de


sua boca contra a minha daquele jeito foi gostosa demais para que
eu ignorasse o quanto queria permanecer ali por um bom tempo.

— É disso que eu gosto! — A voz de Marsha nos trouxe


de volta à realidade, e eu me afastei de Melissa, tirando a mão de
seu rosto.

Por alguns instantes eu a peguei de olhos fechados, os


lábios ainda entreabertos, como se curtisse o momento. Segundos
depois, seus ombros pareceram rígidos, como se seu corpo inteiro
se contraísse. Os olhos arregalaram, finalmente dando-se conta de
que eu a tinha beijado.

Provavelmente dera certo com Marsha, porque ela parecia


satisfeita o suficiente. Ao mesmo tempo, eu havia criado um
pequeno caos entre mim e Melissa.

Mas eu já devia ter imaginado que aquilo fosse acontecer


mais cedo ou mais tarde.
CAPÍTULO TREZE

Querida Tabitha,
Eu não sei o que dizer neste momento.
Cassian me beijou.
E a informação é só essa mesmo,
porque até agora não sei explicar como estou me sentindo.

O resto do jantar passou como um borrão para mim. Não


consegui mais tocar na comida, e ainda bem que já tinha comido
mais da metade do prato, porque seria um desperdício. Estava
delicioso.

Marsha e Cassian continuaram conversando sobre a


proposta e o evento, e ele não parecia nem um pouco abalado
com o que acabara de acontecer. Ou fingia muito bem.

Eu precisava aprender aquela arte.


Fiquei com a mente meio enevoada por algum tempo,
tanto que o jantar terminou, eu cumprimentei a prefeita com o
sorriso mais amarelo que pude arrancar do meu rosto e dei graças
a Deus porque pudemos voltar ao quarto.

Subimos as escadas do hotel completamente em silêncio,


partindo para o nosso quarto, que ficava no segundo andar.
Chegamos, abrimos a porta, e eu coloquei minha bolsa sobre a
pequena mesa de jantar, enquanto Cassian tirava seu blazer.

Todos os movimentos começaram a me deixar um pouco


tensa, porque era tudo muito íntimo, como se realmente fôssemos
um casal. Como se tivéssemos uma rotina.

— Posso usar o banheiro primeiro? — perguntei, ainda


tímida.

— Sim, claro.

Assenti, peguei meu celular e me tranquei lá dentro,


dando graças a Deus por ter um espaço só meu por alguns
minutos. Nem me importei se daria a impressão de que estava
fazendo número dois. Eu só queria privacidade.

Baixei a tampa do vaso sanitário e me sentei sobre ela,


levando ambas as mãos ao rosto e apoiando meus cotovelos nas
coxas. Respirei fundo algumas vezes, antes de começar a digitar
uma mensagem para Frances.

MELISSA:
Fran... ele me beijou.

Sem nenhuma explicação, só joguei a bomba e deixei que


ela pegasse a deixa e falasse comigo.

Cada segundo de espera por aquela resposta me deixou


ainda mais ansiosa. Eu precisava conversar com alguém, e Fran
era a única que sabia a verdade. Se contasse à minha mãe que
meu chefe tinha me beijado, ela certamente pediria para que eu o
denunciasse por assédio, já que não fazia ideia da história de
namoro de fachada.

E, por Deus, eu daria tudo para que ela nunca soubesse.

FRANCES:

O quê?

Te beijou?

Mas foi um beijão de verdade? Ou de mentira?

MELISSA:

Se ele colocou a boca na minha é de verdade, não?

FRANCES:
Não, porque depende se fazia parte da farsa.

Foi para enganar alguém ou foi uma coisa mais íntima?

É, tinha sido parte da farsa. Não que eu duvidasse disso


ou que estivesse querendo me iludir, mas a verdade era que, por
alguns instantes, enquanto Cassian estava me beijando – por mais
que fosse só um encostar inocente de lábios – deixei que o clima
me enganasse o suficiente para esquecer que era tudo parte de
uma mentira.

Ele não gostava de mim. Só estava me usando.

Mas eu também não gostava dele, né? Provavelmente só


estava mais carente do que pensava. Além do mais, fui eu que
incentivei, dizendo que Marsha não estava caindo na nossa
interpretação de casal apaixonado. Ele só quis deixar as coisas
mais reais. Nada além.

MELISSA:

Você tem razão.

Estou surtando à toa.

Minha amiga demorou um pouco para responder, e eu até


jurei que iríamos encerrar a conversa por ali, mas logo vi que
estava digitando.
FRANCES:

Mas foi bom?

Ah, droga! Que péssima pergunta para se fazer. Não


queria pensar naquela parte.

MELISSA:

Não foi nada grandioso. Só um selinho.

FRANCES:

Pô, Mel, você está toda emocionada por causa de um


selinho?

Nada como um balde de água fria para deixar a gente com


os pés no chão, né?

MELISSA:

Pois é.
Acho que toda essa confusão me afetou mais do que eu
queria.

FRANCES

Vai desencanar, amiga.

E desencana. Logo, logo você vai ver que é só fogo de


palha.

Das duas partes.

Fácil na teoria. Difícil pra caralho na prática.

Travei o celular, para não cair na tentação de responder e


começar a desabafar como uma doida. Não queria mais tocar no
assunto.

Sendo assim, respirei fundo, dei uma olhada no espelho e


saí do banheiro.

Ao chegar lá fora, encontrei Cassian já vestindo outra


blusa, e não consegui não pensar que eu poderia ter flagrado o
cara sem camisa no meio do quarto. Não sabia se estava pronta
para aquele choque.

Pelos braços sob as mangas da camisa de algodão, era


difícil não julgar que era sarado. Que tinha um corpo bem-
cuidado e digno de ser olhado. Talvez eu até babasse um
pouquinho ao vê-lo, então era melhor continuar só na imaginação.
Ele olhou para mim, por cima dos ombros, enquanto
colocava em prática sua tarefa de pegar mais alguns travesseiros
no armário e jogar sobre a cama.

Foi então que soou um alerta na minha cabeça.

— Ei, eu vou dormir no chão? Porque por mim não tem


problema, de verdade. Posso me acomodar no sofá também... —
comecei a falar sem parar, claramente nervosa.

— Não vai dormir nada no chão, nem no sofá. Já falei que


tem muito espaço na cama. Não vou invadir seu espaço —
respondeu muito sério, sem nem olhar para mim.

Bem, talvez ele também tivesse sido afetado pelo beijo.

— É constrangedor...

— Por quê? Você vai ficar nua? Estamos vestidos, somos


colegas de quarto, por assim dizer.

Merda, eu não queria. Não porque estivesse incomodada


com o fato de dormir do lado de um homem, mas o problema era
a proximidade com um cara por quem começava a me sentir
atraída. O que isso iria me causar? Nada de bom, sem dúvidas.

Sem dizer mais nada, juntei um travesseiro e um lençol


que estavam sobre a cama, pegando-os e os levando para a sala.
Fiquei meio sem palavras, porque não havia um argumento bom o
suficiente para convencê-lo de que eu deveria, de fato, recusar
sua oferta de dormirmos lado a lado.
Só que ele fez algo completamente inesperado. Veio até
mim, mas ao invés de tentar me convencer, agachou-se à minha
frente e literalmente me pegou no colo.

O. Cara. Me. Pegou. No. Colo.

Isso mesmo. Com todos os pontos, pausas e ênfases,


porque foi completamente do nada. Ele só me levantou, como se
eu não pesasse absolutamente nada, e me levou de volta para a
cama.

— Teimosia tem limite, Melissa. Para de ficar pensando e


repensando as coisas. Dá para a gente dormir um do lado do
outro. A cama é muito grande. Não vamos nem nos encostar.

Mais uma vez, eu poderia ter respondido. Poderia ter


tentado conversar, dialogar e explicar minhas razões, mas não só
não encontrava palavras como fui interrompida, porque ele
começou a falar:

— Você não trocou de roupa ainda. Pretende dormir


assim? — demonstrou certa impaciência, o que foi bom. Eu
preferia pensar nele como o cara chato de sempre do que o
homem gentil que me dera um beijo delicado mais cedo e o cara
que me levara no colo para a cama só para eu não dormir no sofá.

— Não. Eu me esqueci de levar as roupas para o banheiro.

— Pelo tempo que passou lá, jurei que voltaria arrumada


para outra festa.

Fechei os olhos, respirando fundo.


Que Deus me desse paciência.

Sem responder nada, comecei a mexer na minha mala,


levantei-me de novo, em busca de um pijama. Que sorte que não
levei nada muito curto ou decotado para dormir, porque seria
muito constrangedor.

Juntei uma calça e uma camiseta, ambas bem larguinhas e


confortáveis, e quando estava com ambas abraçadas ao meu peito,
voltei os olhos para Cassian e o peguei literalmente tirando a
calça no meio do quarto.

— Ei! — gritei antes que fosse tarde demais. — Pode usar


o banheiro antes de mim.

— Estou de samba-canção por baixo. Não costumo usar,


mas já imaginava que um banheiro seria pouco para nós dois.

Samba-canção era seguro, né? Era quase um short. Eu não


precisava me preocupar.

Assentindo, saí correndo para o banheiro, enfiando-me lá


dentro de novo e trocando a roupa em tempo recorde. Aproveitei
para escovar também os dentes e lavar o rosto, tirando a
maquiagem.

Quando saí, Cassian já estava deitado na cama, coberto.

Ainda bem.

Fui andando pé ante pé para a cama, deixando meu


vestido dobrado em cima da mala, para que fosse guardado na
manhã seguinte.
Deitei-me do lado dele, buscando uma posição
confortável. Eu não era muito exigente com colchões diferentes
do meu, mas me sentia inquieta. Por mais que soubesse que
Cassian não tinha o menor interesse em mim, ele estava do meu
lado, perto demais, ao ponto de eu poder sentir o calor de seu
corpo emanando para o meu.

— Cassian? — chamei, em voz baixinha.

— Huuuum? — respondeu sem muito entusiasmo.

— Você já vai dormir?

— Mesmo que eu quisesse, aparentemente você não vai


deixar.

Grosso!

Mas tudo bem... eu realmente queria um pouco de


companhia antes de dormir.

Desde tudo o que acontecera com a minha família, o sono


se tornara algo muito complexo. Tinha dias que eu simplesmente
afundava na cama, sem pensar em nada, adormecendo
rapidamente. Em outros, minha cabeça me traía, e eu começava a
pensar demais.

— Se importa se conversarmos um pouco?

— Depende.

Fiquei calada por alguns segundos, ignorando


completamente sua resposta. Realmente não tínhamos muito
assunto sem ser o trabalho, e eu definitivamente não estava
disposta a pensar em planilhas, em relatórios ou no festival,
depois de uma reunião super longa com Marsha.

Por isso, perguntei a primeira coisa que veio na minha


cabeça.

— Qual a coisa mais legal que você consegue pensar


quando fecha os olhos?

Não era exatamente um assunto que combinasse muito


com Cassian, mas eu queria saber um pouco mais dele. Conhecia
seus desafetos, o que o deixava irritado e aos poucos ia
compreendendo um pouco seu temperamento. Não sabia, no
entanto, nada sobre o que deixava feliz.

— Quer mesmo conversar sobre esse tipo de coisa


comigo?

— Por que não iria querer?

— Porque eu não sou um exemplo de pessoa que fala a


respeito de coisas legais.

— Mas pode ser...

Em sua defesa, Cassian não me jogou nenhuma grosseria


e nem um "se toca, garota". Ele até ficou calado, o que depois eu
julguei como sendo um breve tempo para que pensasse.

— Meu sobrinho.
Aquela resposta me surpreendeu. Tanto que eu precisei
me erguer um pouco da cama, apoiando-me no meu cotovelo,
para olhar para ele.

Cassian estava deitado com a barriga para cima, ambas as


mãos entrelaçadas sobre o peito. Os olhos voltados para o teto.

— Sério?

Um quase sorriso curvou seus lábios.

— Ele tem quase quatro anos. É um garotinho acima da


média.

— Como assim acima da média?

— É inteligente, divertido, uma criança boa de se


conviver.

— Nunca iria imaginar que você gostava de crianças —


falei com genuína surpresa.

— Gosto de crianças como ele. — Cassian fez uma pausa,


e eu apenas lhe concedi seu tempo, porque a conversa estava
sendo mais promissora do que imaginei. — O nome dele é Ray. É
filho adotivo da minha irmã com a esposa dela.

— Que legal.

— Elas tentaram adotá-lo por um bom tempo. Era um


segredo a princípio, porque estavam com medo de dar errado. Só
eu sabia.

— Ela deve confiar muito em você...


Foi então, ao dizer essa frase, que a história de ele ter
demitido a própria irmã veio à minha mente. Eu poderia ter
ficado calada, mas achei que estávamos conversando de forma
descontraída o suficiente para que eu pudesse dizer o que vinha à
cabeça.

Ledo engano.

— É a mesma irmã que você demitiu? Se sim, por que fez


isso?

No momento em que a pergunta saiu, me arrependi.


Principalmente por causa do silêncio que se formou no quarto no
instante seguinte.

— Quem te falou isso? Foi na empresa, né?

Merda... ele estava puto. E com razão.

— Esquece, Cassian. Foi uma pergunta infeliz — tentei


apagar o estrago, mas me sentia tão mal que me ajeitei na cama,
parando de olhar para ele, chegando a fechar os olhos e me xingar
por dentro.

Comecei a ouvir um farfalhar de lençóis, minutos depois,


o que me fez sentar na cama. Cassian estava se levantando.

— Enquanto continuar acreditando nas merdas que o


pessoal da Roman fala, vai ficar difícil termos uma conversa
como essa — ele cuspiu as palavras com raiva, e eu odiava que
aquele sentimento fosse direcionado a mim.
Odiava quando eu fazia alguma coisa que magoava
alguém. Por mais que esse alguém fosse Cassian, que não tinha
exatamente muita consideração pela maioria das pessoas, eu não
gostava de ser a escrota ou a sem noção. Nunca.

Vi quando começou a vestir a calça por cima da cueca,


puxando-a de qualquer jeito e chegando a se atrapalhar com o
botão.

— O que está fazendo?

— Vou caminhar um pouco na praia. Preciso espairecer.

Ele chegou a chutar uma ponta do lençol que saíra do


colchão, tentando colocá-la de volta no lugar, mas visivelmente
contrariado.

— Boa noite, Melissa.

Ao dizer isso, ele se encaminhou à porta, abriu-a e saiu,


batendo-a com força e me deixando sozinha, em cima da cama,
sentada, com toda a certeza de que não conseguiria dormir, nem
se tentasse muito.
CAPÍTULO QUATORZE

Querida Tabitha,
Hoje estou me sentindo bem melhor.
Tenho certeza de que ontem foi só um surto.
Tudo vai ficar bem.
Foi só um beijo. Nada de mais. Eu nem achei um beijo grande coisa.
Certeza que ele beija mal. Mas isso eu não vou descobrir.
Ainda bem.

A noite foi um caos. Aparentemente, minha ideia de tentar


entender o que fazia Cassian feliz fora por água abaixo, porque
acabei descobrindo mais uma coisa que o deixava irritado.

Nada novo, aliás.

Em algum momento da noite, agitada como estava, tive


um pesadelo, revivendo o dia em que recebi a pior notícia da
minha vida. A dor que pesou o meu peito. A saudade.

Sabia que tinha me revirado, agoniada, e que cheguei a


falar algumas coisas. Tinha certeza de tudo isso, ou talvez tivesse
só sonhado.

Mas a sensação foi de que alguém me abraçou e sussurrou


no meu ouvido que era só um pesadelo e que tudo ia ficar bem.
Um beijo na minha testa, carinho no meu cabelo, braços fortes ao
meu redor.

Então eu caí no sono novamente bem mais tranquila.

Não saberia dizer quanto dessas lembranças turvas foram


reais ou quantas foram parte de sonho, porque quando acordei,
encontrei Cassian do meu lado, mas afastado, virado de lado, com
a cabeça enterrada no travesseiro.

Claro que ele não tinha me abraçado e me confortado. Eu


tinha estragado tudo.

As coisas estavam até indo bem. Quem sabe, no final de


tudo aquilo, não conseguíssemos nos tornar amigos, e a
convivência no trabalho se tornasse mais agradável? Pelo andar
da carruagem, no entanto, terminaríamos nossa farsa com Cassian
me odiando e comigo tendo que aturar seu mau humor diário
mais ainda.

Deixei-o dormindo de novo e fui tomar café da manhã,


levando algumas coisas para ele, para o caso de ficar por mais
tempo na cama novamente.
Decidi deixar um bilhete, avisando que iria dar uma volta
pela cidade. Não queria apenas turistar, mas entender um pouco
mais de Eden's Heaven, para melhorar meu discurso para Marsha
à noite.

Visitei lojinhas locais, descobri produtos excelentes


artesanais, sem contar que as pessoas eram muito solícitas. Provei
uma bebida típica de lá, feita com diversos tipos de frutas, além
de uma torta salgada feita com ingredientes especiais, que não me
contaram quais eram.

Qualquer pessoa de fora ficaria louca com aquelas


delícias.

Também visitei alguns restaurantes, fiquei sabendo sobre


vários passeios legais, inclusive um de barco, para uma ilha
paradisíaca de lá, que diziam ser muito romântica.

Anotei tudo e voltei para o hotel, pronta para ter uma


conversa mais animada com Cassian. Se ele não queria falar
comigo sobre coisas pessoais, sem dúvidas um assunto de
trabalho iria deixá-lo mais manso.

Para a minha surpresa, ele não estava lá. Encontrei o meu


bilhete, avisando que iria dar uma volta, colado no espelho do
banheiro, com uma fita durex, e a resposta extremamente
simpática e eloquente:

“Ok.”

Apoiada na pia, fiquei tentando imaginar o quanto não


deveria ser frustrante ser amiga ou namorada de Cassian.
Também comecei a pensar que era melhor nem tentar me
transformar em nenhuma dessas duas coisas ou eu ficaria doida.

Ergui meus olhos para o espelho, depois de arrancar o


bilhete dali, chegando a arregalá-los.

Namorada? Isso nem era uma opção. Não fazia ideia do


porquê de ter passado pela minha cabeça.

Como não tinha muito o que fazer, pedi uma comidinha


para mim, de serviço de quarto. Almocei sozinha, na mesa e me
sentei na cama, com o laptop, começando a passar para um
arquivo tudo o que anotei no meu caderninho durante minha
visita turística.

Já eram quase seis horas quando me levantei para me


arrumar. Daquela vez, o evento com Marsha aconteceria às oito,
mas seria uma festa. Um luau. Todo mundo teria que se vestir a
caráter.

Eu tinha levado uma roupa que acreditava que serviria,


mas fiquei um pouco perdida sobre ser a hora de me arrumar ou
não, porque Cassian ainda não tinha voltado.

Peguei o celular para enviar uma mensagem para ele, já


que, aliás, por causa da viagem e da farsa, tínhamos trocado
telefones pessoais. Mesmo sendo sua secretária, ele só me dera
seu número da empresa, sem se importar em salvar o meu até ser
muito necessário.
MELISSA:

Devo me arrumar?

A gente ainda vai ao evento?

Aproveitei a espera para tomar um banho, porque isso eu


precisaria fazer. Não importava se iríamos à festa ou ficaríamos
no quarto, tomar uma chuveirada seria necessário.

Quando saí do box, com a toalha enrolada no corpo, dei


de cara com Cassian à minha frente, passando.

Soltei um grito e pulei, de susto. Minha toalha quase caiu,


mas a segurei a tempo.

A culpa não era dele, mas minha, porque não fechei a


porta. Jurei que estaria sozinha durante todo o banho, mas lá
estava o cara, que sumira o dia inteiro, aparecendo exatamente no
momento em que não deveria.

Pensei que fosse dizer alguma coisa, mas a forma como


seus olhos se fixaram em mim, me olhando de cima a baixo,
pareceu deixá-lo meio sem fala.

Eu o vi engolir em seco, com o pomo de Adão


pronunciado subindo e descendo, e também o vi respirar fundo.

Assim como a mensagem que deixara para mim presa ao


espelho, sua primeira manifestação foi bastante eloquente. Quase
filosófica e científica.
— Você está molhada...

Ergui uma sobrancelha, curiosa com sua reação. E


também com a forma como sua fala soou meio enrolada.

— Acabei de tomar banho — a resposta foi tão idiota


quanto a pergunta. Ou melhor... nem foi uma pergunta, né? Ele
apenas afirmou. Então veio na minha direção, chegando a
cambalear. — Está bêbado?

— Acho que sim.

Mas que diabos?

Por que o homem tinha que beber bem naquele momento?

— A gente não vai à festa da Marsha?

— Vamos. Só que eu não pensei que ia passar tanto da


conta. Acho que minha cabeça ficou um pouco... cheia.

Sem nenhuma cerimônia, Cassian se jogou no vaso


sanitário, sentando-se como se suas pernas não conseguissem
mantê-lo de pé.

Não eram nem sete da noite, e o homem estava


cambaleando. O que eu ia fazer?

Com as mãos na cintura, fiquei olhando para ele e vendo


seus olhos se fechando, como se fosse dormir sentado daquele
jeito.

— Ah, não! Nada disso! Vamos levantando, Cassian


Greene! — Coloquei as mãos em seus braços, sentindo os
músculos sob as minhas palmas, tentando puxá-lo. De forma
completamente inútil, é claro, porque o homem era enorme e
pesado para mim. — No chuveiro, agora.

Ele se levantou, e eu comecei a pensar no que ia fazer.


Não podia tirar sua roupa. Era melhor colocá-lo na água vestido
mesmo, para que recuperasse a sanidade, e depois deixá-lo se
virar sozinho.

Prendi a toalha com mais força, para que não caísse


enquanto eu usava as mãos, e abri a porta de vidro do box,
empurrando Cassian lá para dentro. Abri a torneira, deixando a
água cair, e ele ficou parado como uma estátua por alguns
instantes.

Eu ainda estava à sua frente quando, quase de forma


inconsciente, começou a tirar a camisa. Ela já era branca, então
não restaria muito para a imaginação conforme a água fosse
caindo, mas eu não esperava vê-lo daquele jeito tão cedo.

E... pelo amor de Deus!

Gominhos e mais gominhos se revelaram diante dos meus


olhos. Uns seis.

Eu contei.

Havia aquele corte em V em seus quadris, além de um


caminho da perdição que entrava em sua calça – os únicos pelos
no corpo inteiro.
O peitoral era amplo, os ombros eram largos, com
trapézios marcados, e os braços faziam curvas de músculos
acentuados, nas quais precisei me controlar muito para não passar
as mãos.

Exatamente como imaginei a princípio, a vontade era de


babar ao olhá-lo nu da cintura para cima.

A água começou a respingar em seus cabelos, deixando-os


cair na testa, o que lhe deu um ar mais de menino, embora a barba
que cobria seu rosto não deixasse nenhuma dúvida de que se
tratava de um homem. Um baita de um homem, aliás.

Fui traçando a linha dos pingos que desciam por seu rosto,
e alguns caíram em sua boca. A mesma boca que tinha me
beijado na noite anterior, mas que eu ainda não conhecia
intimamente.

Provavelmente nem ia conhecer, mas a forma como ele a


abriu, para respirar um pouco, foi tão sexy que eu fiquei
observando como uma boba.

Cassian levou ambas as mãos aos cabelos, jogando-os


para trás, respirando fundo e fazendo aquele peito incrível subir e
descer.

Só então abriu os olhos.

Quando o fez, a primeira coisa que ele viu foi a mim.

A maneira como encaramos um ao outro fez com que eu


sentisse que o banheiro inteiro iria explodir. Sem a menor sombra
de dúvida, a gente seria capaz de incendiar o hotel inteiro daquele
jeito.

O homem pareceu perceber a mesma coisa, porque fui


agarrada pelos ombros, e ele me lançou contra a parede do box,
trocando nossas posições. Em um segundo era eu quem estava
debaixo do chuveiro.

— Melissa... — a voz rouca soou tão sussurrada, tão


grave, mas ao mesmo tempo suave, que eu precisei respirar
fundo.

A toalha começou a pesar no meu corpo, conforme foi


ficando molhada, e eu sabia que Cassian estava bêbado. Ele não
tomaria aquela atitude se estivesse completamente sóbrio, mas eu
não tinha bebido. Infelizmente – ou felizmente – iria me lembrar
daquele momento para sempre.

— Você é uma visão molhada desse jeito, sabia? — Quem


era aquele homem sensual? O que fizeram com meu chefe
rabugento no período em que ele passara fora? Será que os
homens tinham sido trocados? Cassian Greene fora abduzido?

Suas mãos enormes ainda estavam no meu braço, e ele me


colocou um pouco mais contra a parede. Não conseguiria sair
dali, mas mesmo que não me segurasse, eu estaria presa por outro
tipo de correntes. Um magnetismo muito intenso. Um desejo
desesperador de ser beijada. Mesmo que por um homem que não
sabia o que estava fazendo.
Nossa... ele devia ter bebido mesmo muito para chegar
àqueles extremos.

Levei as mãos fechadas em punho ao seu peito,


encostando-as lá, dando boas-vindas ao contraste de sua pele
quente com os jatos da água gelada. Ao mesmo tempo, pude
sentir as batidas de seu coração, e ele estava tão acelerado quanto
o meu.

Cassian foi inclinando a cabeça na minha direção, e eu


tive a certeza de que o beijo viria. Respirei fundo, tentando me
preparar, mas pensando que não seria certo.

Não com ele daquele jeito. Eu iria me machucar. Seria


doloroso se não se lembrasse depois ou se tratasse a situação com
frieza. Até aquele momento não fizera um único comentário
sobre o selinho que trocamos no restaurante. Por mais que tivesse
sido parte da farsa, não era motivo para a gente simplesmente
fingir que não acontecera.

Era?

Fosse como fosse, se um dia a gente tivesse que se beijar,


não seria com nenhum de nós dois embriagado.

— Cassian... não — afirmei, certeira, quase imaginando


que ele iria ignorar meu pedido.

Só que ele parou. Soltou meus braços e levou as mãos aos


ladrilhos, ainda me cercando, mas virou a cabeça, encostando a
testa em seu bíceps contraído. Ele parecia estar fazendo força.
Como se precisasse se controlar para algo.
Eu estava ofegante. Não só pelo quase beijo, mas pela
situação. Tudo era intenso demais. Mesmo sob a água, eu sentia
meu corpo queimar.

Tirando uma das mãos de onde estava, ele abriu espaço


para que eu passasse.

— Vá, Melissa. Vou tomar um banho e me arrumar.

Não esperei mais nada, apenas saí de dentro do box, com


pressa, e fui pingando o banheiro inteiro até o quarto, fechando a
porta.

Eu tinha tomado a decisão correta, era uma certeza. O que


quer que tivesse que acontecer entre nós – tudo ou nada – teria
que ser de verdade.

De mentiras eu já estava cansada.


CAPÍTULO QUINZE

Ao menos tinha donuts na festa. E eu teria que me entupir


deles para conseguir que o açúcar fizesse seu efeito e me deixasse
um pouco mais satisfeito depois do dia desastroso.

Quando saí daquele quarto na noite anterior, depois da


breve conversa com Melissa, eu só queria espairecer, mas não
esperava que a caminhada com os pés na areia me deixasse ainda
mais angustiado. Porque me dei conta de uma coisa: a opinião
dela me importava.

Isso me assustou.

Voltei para o quarto e planejava me deitar no sofá, mas vi


que estava tendo um pesadelo. Parecia tão pequena, tão assustada,
revirando-se na cama e soltando murmúrios ininteligíveis, que
tudo o que quis foi segurá-la nos braços e tentar lhe passar um
pouco de conforto.

Quando relaxou, também tentei cochilar, mas sem muito


sucesso, porque também me peguei inquieto, tal como ela.
Decidi, então, que era melhor passar o dia fora antes que
falássemos do beijo ou que acabássemos novamente em alguma
conversa pessoal demais, com assuntos que eu não estava pronto
para compartilhar.

A péssima escolha que eu fiz foi acabar em um bar,


tomando um drinque atrás do outro, sentindo o álcool levar
embora minhas decepções e os pensamentos de que aquela garota
não era só mais uma. De que era especial e de que me
decepcionar com ela seria mais doloroso.

Já acontecera uma vez. As consequências foram


desastrosas em todos os sentidos. Não queria que se repetisse.

O banho me fez bem. Ao menos parte dele... A outra parte


era melhor nem lembrar.

Por mais que não me sentisse cem por cento sóbrio, foi
eficaz o suficiente para que eu não falasse nenhuma besteira e não
passasse vergonha. Havia uma dor de cabeça querendo chegar,
certo enjoo, mas não deixei que isso transparecesse,
principalmente para Melissa. Ela já parecia abalada o suficiente
com todo o resto.

Não que ela também não me deixasse abalado,


especialmente com a roupa que escolheu para o maldito luau: um
vestido longo, claro, rodado e florido, leve, feminino e tentador.
Quando andava, a saia flutuava em meio às suas pernas,
formando ondas, dando um efeito bonito e que prendia meus
olhos todas as vezes. O decote era até generoso, mas em seus
seios pequenos não ficava tão profundo. O cabelo estava preso
em um coque displicente, e eu suspeitava que optara por aquele
penteado depois da chuveirada não prevista.

Havia um drinque em sua mão, mas ela já o segurava há


pelo menos uma hora e quase não bebera nada.

Marsha tinha nos cumprimentado, mas fora conversar


com outras pessoas. Nem mesmo quando se aproximou de nós, eu
e Melissa nos tocamos. Era como se estivéssemos evitando ao
máximo até mesmo esbarrarmos.

Foi uma espera de uma meia-hora até que recebêssemos


novamente atenção, mas pareceu uma eternidade. Eu estava
ansioso para que aquele evento acabasse. Mais do que isso, eu
queria voltar para casa. Já estava cansado daquela convivência
forçada e das coisas que vinha sentindo. Dos impulsos que
precisava controlar antes que fizesse uma besteira.

— Meus queridos, me perdoem. Odeio fazer vocês


esperarem, mas infelizmente a vida de uma prefeita é assim. —
Marsha deu uma golada em sua bebida colorida, levando uma das
mãos ao meu braço, de um jeito muito íntimo demais. — Por que
não nos sentamos? Tenho umas últimas perguntas a fazer.

Mais perguntas? O que diabos ela queria?

Sentia-me com um humor horroroso, e tive plena certeza


de que estragaria tudo. Na verdade, seria isso que teria
acontecido, se Melissa não estivesse lá para segurar a onda.

Só que ela fez mais do que isso. Não satisfeita em


apaziguar os ânimos e ser a simpática da dupla para Marsha,
aparentemente ela tinha anotações sobre uma pesquisa
superampla do comércio local, além de dados, informações e
contatos preciosos. Ela fizera um levantamento com os
comerciantes e com alguns clientes deles a respeito do festival,
indagando o que poderia haver em um evento que os faria pagar
um ingresso mais caro.

Percebi a surpresa de Marsha a cada novo dado que ela


passava, sem contar a organização do relatório que preparara.

O que diabos aquela garota estava fazendo que não fora


promovida na Roman ainda?

Não era só a qualidade do trabalho apresentado, mas


também a proatividade de ter tomado uma decisão e feito tanta
coisa sem que eu precisasse nem pedir.

Fiquei olhando para ela, enquanto falava com Marsha,


novamente me sentindo como um bobo. Surpreso. Fascinado.

— Menina, mas você é um acontecimento! — Marsha


falou, assim que Melissa terminou de discursar, e ela não estava
errada.

Queria concordar, mas não conseguia dizer absolutamente


nada.

— Obrigada. Foi só uma pesquisa de campo. Tenho outras


ideias, mas precisaria de mais tempo. E acredito que com o
contrato assinado, a gente tenha mais liberdade para agir e
descobrir mais formas de chamar público e de fazer do festival
algo épico para Eden’s Heaven.
É, eu poderia beijá-la naquele momento.

— Concordo. É por isso que... — A prefeita ergueu a


mão, fazendo um sinal para alguém. Em alguns segundos, uma
pessoa estava ao lado dela, com os papéis do contrato que
reconheci assim que fora colocado sobre a mesa, por causa do
logo da Roman no papel timbrado. — Vou assinar com vocês.
Essa menina vale ouro, Cass. Ainda bem que a encontrou.

— Você vai assinar aqui, agora? — Melissa perguntou,


surpresa.

— Claro. Gosto das coisas assim, com emoção e de forma


espontânea.

A garota olhou para mim, enquanto um sorriso se formava


no seu rosto. Ela estava orgulhosa de si mesma, e deveria mesmo
estar.

— Já vou despachar essa cópia para ser enviada ao


escritório da Roman, ao mesmo tempo também vou enviar a
versão digital para o seu e-mail, Cass, para já ficar registrado. Sei
que teremos uma parceria incrível.

Ela estendeu a mão, e tanto eu quanto Melissa a


apertamos, selando o acordo.

Enquanto fazíamos isso, uma música começou a tocar, e a


mulher soltou um gritinho animado.

— Agora que somos um time, acho que vocês me devem


uma dança.
Não entendi nada em um primeiro momento.

— O quê? Quer que eu dance com você?

Ela balançou a cabeça com veemência.

— Não, bonitinho. Quero que você dance com ela. —


Marsha apontou para Melissa. — Meu casal favorito. Vocês são
tão bonitos que me fazem sentir jovem novamente.

Eu e Melissa nos entreolhamos, meio confusos e sem


graça. Depois do que acontecera no banheiro do nosso quarto, a
última coisa que precisávamos era sermos obrigado a dançar
juntos.

— Vão logo. Aproveitem que essa música é maravilhosa!

Marsha quase saiu nos empurrando, então eu não vi


alternativa a não ser pegar a mão de Melissa e levá-la ao espaço
de areia onde as pessoas estavam dançando. A maioria eram
casais, e a música que os embalava tinha uma levada bem
sensual. Quase romântica, embora mais puxada para o erótico.

Nós paramos um de frente para o outro, e eu demorei um


pouco a agir, porque a cena me lembrou demais o nosso momento
no chuveiro, e eu ainda estava abalado o suficiente para querer
repetir sem ir em frente.

Ainda assim, de soslaio, vi Marsha nos incentivando a


agir, gesticulando, e por mais que o contrato já estivesse assinado
e nós não devêssemos absolutamente nada a ela, levei minha mão
às costas de Melissa, na altura da cintura, puxando-a um pouco
mais para mim. A areia estava fofa o suficiente para que eu
precisasse ser cuidadoso para que não caísse, mas nosso
nervosismo acabou fazendo com que se desequilibrasse e
acabasse ainda mais nos meus braços.

— Desculpa — ela falou.

Mas estava pedindo desculpa pelo quê? Não deveria ser


eu a fazer isso?

Porra, as coisas estavam muito confusas.

Eu não era exatamente um bom dançarino, mas conseguia


me mexer. A música também incitava a isso. Mais ainda quando
me vi tomando a atitude de pegar os braços de Melissa e colocá-
los ao redor dos meus ombros. Um impulso mais ousado me fez
deslizar a mão por eles, ao invés de simplesmente deixá-los ali,
repousando, enquanto começávamos a nos mexer.

Melissa fechou os olhos ao sentir o contato dos meus


dedos com sua pele e ainda respirou fundo.

Quando os abriu novamente e os fixou em mim, tive a


plena certeza de que não havia nada mais lindo do que ela,
rodeada pelo mar, pela noite e corada – o que eu não sabia se era
por timidez ou por algum tipo de excitação. Fosse o que fosse, era
adorável, e eu sabia que o desejo que sentia, que ainda era só uma
fagulha pequena, mas constante, tinha potencial para começar a
crescer e ganhar proporções imensas.

Segurei sua cintura, quase a circundando com minhas


mãos. Talvez eu tivesse apertado com mais força do que deveria.
E talvez Melissa tivesse reagido a isso arfando de forma muito
mais sexy do que pensei ser possível.

Era desejo o que sentíamos. A ponto de a tensão sexual


entre nós ser quase palpável.

— Estou ficando zonza... — ela sussurrou, e eu senti o


meu pau, dentro da calça branca que usava, inchar.

Naquele momento, eu estava completamente louco por


ela. O que era muito perigoso. Tudo o que eu queria era que nos
afastássemos; que eu pudesse ir para qualquer lugar onde a magia
que exercia sobre mim se quebrasse.

Porque isso aconteceria, sem dúvidas. Eu não iria ceder.


Quase fiz isso enquanto estava bêbado, mas era errado.

Não podia me envolver com a minha secretária, muito


menos cometendo os mesmos erros do passado.

— Acho melhor você se sentar. — Parei de dançar


imediatamente, já pronto para acompanhá-la e me afastar para
buscar uma água ou algo assim.

— Não. Não é esse tipo de zonza.

— Ah, não?

Merda...

— Não. Eu acho que a gente deveria subir. Juntos.

Queria fingir que não tinha entendido o recado, mas não


poderia me fazer de tão idiota assim.
Para ser sincero, o que eu realmente queria era acatar a
ideia. Sair jogando aquela mulher no meu ombro, levá-la para o
quarto e para a cama, para tirar seu vestido, bagunçar o cabelo
que ela claramente se esforçou para domar, e deixá-la ainda mais
zonza.

Mas, novamente, era um erro.

— Acho melhor não, Melissa.

A minha rejeição a fez literalmente pular para trás.


Surpresa, chocada, talvez um pouco indignada. E com razão. Fui
eu que a agarrei mais cedo, mas ela obviamente estava pensando,
mais do que nunca, que fora efeito da bebida.

Quase me arrependi do que falei e ainda tentei dar um


passo à frente, para segurá-la novamente, mas discretamente
Melissa se desvencilhou de mim.

— Eu vou subir sozinha, então. Me desculpa... acho que


entendi alguma coisa errada.

— Melissa...? — A intenção era consertar as coisas,


embora eu tivesse quase certeza de que não havia nada que eu
pudesse dizer que fizesse aquela situação parecer mais escrota do
que era.

Ela nem me ouviu, no entanto.

Com seu lindo vestido esvoaçante, Melissa me deu as


costas e foi andando, levando uma das mãos ao rosto. Eu
esperava que não estivesse chorando.
Porra, eu esperava muito, porque já estava me sentindo
mal o suficiente.
CAPÍTULO DEZESSEIS

Querida Tabitha,
Fiz tudo errado.
Eu sei que você diria que as coisas estavam erradas desde o início,
mas acho que estou deixando meus sentimentos falarem mais alto.
Acho que estou confundindo desejo com algo mais.

Cheguei no quarto de hotel espumando de raiva.

De mim, não de Cassian.

Mentira, de Cassian também.

Fiquei andando de um lado para o outro, como um leão


enjaulado, sentindo-me frustrada, rejeitada, inquieta e com uma
imensa vontade de me esconder. De fugir dali e nunca mais olhar
na cara daquele homem.
Claro que ele não era obrigado a ficar comigo. A culpa era
minha por entender tudo errado. A música que tocou para mim no
violão, a forma como me agarrou no chuveiro, o jeito como me
olhou enquanto dançávamos. Mas era um engano.

Ou pior... eram formas de me manipular, sem dúvidas. Se


eu ficasse atraída por ele, a história de namoro falso poderia se
tornar mais realista, não? Se me envolvesse, caísse em sua
sedução, não iria desistir.

Eu estava sendo usada, e isso era mais doloroso do que


gostaria que fosse.

Levei uma das mãos ao peito, enquanto usava a outra para


limpar minhas lágrimas. Senti o movimento do meu coração
pulsando contra a minha caixa torácica, quase anunciando que
estava ferido. Levemente. Não seria uma marca relevante e nem
algo que se tornaria uma cicatriz.

Caso eu não tomasse uma providência imediatamente,


seria pior.

Em um rompante impensado, comecei a jogar minhas


coisas de qualquer jeito na mala, embolando as roupas, todas
amassadas, sem nenhum critério de organização, apenas querendo
escapar o mais rápido possível.

Fechei o zíper, quase com raiva, e nem pensei muito em


como sairia dali. Poderia pegar um Uber e partir para a
rodoviária, pedir ajuda a Marsha ou a qualquer pessoa que
parecesse um pouco mais solícita – até mesmo no hotel. Poderia
inventar uma história de que meus pais precisaram de mim ou de
que algo acontecera no meu apartamento, para não ter que dar
muitas explicações, mas no momento em que estava saindo do
quarto, Cassian abriu a porta, e eu quase esbarrei nele.

Como se o céu também estivesse em conformidade com


as minhas emoções, e para deixar a cena mais dramática, um
trovão ressoou lá fora.

Ao olhar para mim e me ver arrastando uma mala, Cassian


franziu o cenho, confuso.

— Você... está indo embora?

Respirei fundo, tentando parecer completamente


composta, enquanto por dentro me sentia uma bagunça. Meu
rosto também deveria estar, porque não tive tempo de tentar
disfarçar os resquícios do choro. Odiava que Cassian me visse
naquele estado, mas era o que tínhamos.

— Acho que não vai ser legal ficarmos no mesmo quarto


esta noite, depois de tudo que aconteceu.

Cassian continuou com o cenho franzido, me observando.


Ele até balançou a cabeça assentindo, o que me fez engolir em
seco, me considerando a maior idiota do ano.

Por alguns instantes jurei que ele iria dizer que não queria
que eu fosse embora, porque estava arrependido. Que queria, sim,
ficar comigo naquela noite e que a gente iria colocar para fora o
tesão absurdo que estava incubado dentro de nós. Então ele me
agarraria e me colocaria contra a parede como fizera dentro do
box, me beijaria finalmente e nós acabaríamos na cama.

Estremeci só de pensar.

O que diabos estava acontecendo comigo?

— Você não vai dizer nada? — Ah, droga! Eu nem tinha a


desculpa de estar falando merda por causa de bebida, sendo que
mal tomei uma única taça de um drinque do qual nem lembrava o
nome.

Por que não ficava calada?

— O que quer que eu diga, Melissa? — Cassian indagou


com um suspiro. Vi seu peito subindo e descendo, sob a bata
branca, como se estivesse cansado.

(E, sim, o homem estava usando uma porra de uma bata


branca.)

Do lado de fora, mais um trovão anunciou que a chuva


estava chegando. Ouvi alguns gritinhos, provavelmente vindos do
luau. Seria uma pena que a festa fosse arruinada tão cedo.

— Eu não sei. Muitas coisas aconteceram, e eu estou


confusa.

Queria que ele dissesse que estava confuso também, mas


provavelmente eu só estava sendo chata e implicante.
Novamente, Cassian não tinha a menor obrigação de me desejar,
mas estava me sentindo como a garota emocionada que se ilude
com o cara errado.
Definitivamente eu tinha escolhido o pior possível para
me envolver.

— Não sei o que fazer também, Melissa. Se você quiser,


eu posso... sei lá... pegar outro quarto... Se isso te fizer sentir
melhor.

Não era o que eu queria ouvir. Eu só queria que ele me


pedisse para ficar, mesmo que não fosse para passarmos a noite
juntos. Queria que demonstrasse qualquer sentimento, que me
dissesse que não fora apenas uma impressão ou uma reação de
um bêbado.

Cheguei a cogitar que poderia ter feito tudo imaginando


que eu fosse outra garota, mas ele dissera o meu nome. Com
todas as letras. Mesmo em meio à sua inconsciência, era em mim
que estava pensando.

Mais uma vez a chuva deu as caras, começando a bater no


vidro da janela do quarto. Não dei muita atenção para isso,
porque, dentro de mim, as batidas do meu coração ecoavam nos
meus ouvidos, quase os deixando surdos para todo o resto.

Não só isso, mas eu também estava completamente


consumida por aquele sentimento de rejeição, pela indignação de
estar caindo na sedução de um homem que aparentemente não
tinha a menor intenção de levar aquilo adiante. Ele só queria me
ter na palma de sua mão.

Levei a mão à alça da mala, agarrando-a e passando por


Cassian, quase o atropelando, e me apressando até mesmo pelas
escadas, nem pensando em tropeçar.

Eu deveria parar, pensar e ficar abrigada sob o teto da


recepção enquanto chamava um Uber ou um Táxi; podia até pedir
para a recepcionista me ajudar com isso, mas no momento não
consegui pensar em absolutamente nada. Queria apenas fugir, me
esconder. Nem precisava voltar para casa, só sair dali.

Fui andando como se tivesse um rumo, embora mal


conseguisse organizar meus pensamentos. Cheguei do lado de
fora, sendo recebida pelo temporal. Parei no meio do caminho,
olhando de um lado para o outro, desejando ter algo em mente.
Um plano.

Só que meu corpo simplesmente se recusou a continuar se


movendo, e eu comecei a chorar. Ali mesmo, parada.

Eu estava fazendo tudo errado. Tudo absolutamente


errado. Nunca fui a garota que se envolve rápido com alguém,
tive poucos namorados, não cheguei a me apaixonar por nenhum
deles. Não era facilmente seduzida, porque precisava sentir algum
tipo de apego pela pessoa para chegar ao desejo sexual. Não
acreditava naquele negócio de química, de pele.

Até Cassian Greene me olhar daquele jeito e quase me


beijar, com sua boca maravilhosa e encostar aquele corpo grande
no meu.

Precisei respirar fundo, tentando colocar a cabeça no


lugar, porque estava agindo como uma criança. Estava parada no
meio da chuva, chorando por uma coisa idiota. Não era tão sério
assim, eu só estava abalada. Ia passar.

Era só lidar com a situação de forma adulta...

Novamente: fácil na teoria. Difícil na prática, como a


maioria das coisas, especialmente as que tinham a ver com
sentimentos.

— Você ficou maluca? — a voz soou como um dos


trovões daquela noite.

No final das contas, Cassian tinha ido atrás de mim. Quem


diria?

Soltei a mala que ainda estava segurando e me virei para


ele, que se aproximava, começando a ficar todo molhado
também.

De bata branca – não esqueçam esta informação.

— O que você está fazendo na chuva, garota doida?

Como responder? Como explicar que no meu desespero


de fugir dele; de fugir das coisas que estava sentindo, eu
simplesmente tinha ido parar ali?

— Eu só quero... — Ficar longe de você antes que me


apaixone, deveria ser a resposta honesta, mas, por sorte, consegui
me controlar e não a colocar para fora.

— Adoecer, só pode. Vamos, volta comigo e vamos


conversar. A gente encontra um jeito de passar essa noite sem
causar ainda mais estrago.

Ele estava sendo justo, mas minha cabeça continuava


dando nós, tanto que voltei a olhar ao redor, meio atordoada. Não
havia outras pessoas ali, só nós dois, porque ninguém era doido
de ficar numa chuva que tinha potencial para aumentar.

— Merda! — ele vociferou e novamente tomou uma


atitude que eu não esperava.

Cassian se inclinou, tirando-me do chão em seus braços –


outra vez –, começando a me levar pela recepção do hotel,
chegando às escadas.

Qual era o problema dele em me pegar no colo?

— O que você está fazendo? — perguntei, enquanto ele


me carregava como se eu não pesasse nada.

— Uma loucura compatível com a sua.

Nós estávamos todos molhados, pingando o piso inteiro


do hotel. Se ele escorregasse, aliás, seria uma queda bem feia
para os dois, mas principalmente para mim. Ainda assim, ele
parecia bastante firme.

— Minha mala! — comentei, meio boba, sem saber o que


dizer.

— Peço para alguém trazer. Isso é o de menos.

A porta do nosso quarto estava entreaberta, e ele deu um


chute para abri-la, finalmente colocando-me no chão, quando
estávamos lá dentro.

— Pronto. Acho que agora podemos conversar, né? Como


dois adultos.

É, eu esperava que sim.


CAPÍTULO DEZESSETE

Passei uma das mãos pelos cabelos, olhando para ela,


ainda me sentindo atordoado. A garota era doida, sem dúvidas.

Um temporal caía lá fora, e eu jurava que a encontraria na


recepção, segura, pedindo um táxi, mas ela fora exatamente para
o olho do furacão e não parecia disposta a sair caso eu não
tomasse uma atitude.

E eu não queria que ela fosse embora daquela maneira.


Não queria que se sentisse rejeitada, mas eu não era muito bom
em lidar com sentimentos. Nem os meus e muito menos os dos
outros.

Precisei respirar fundo, olhando para ela, principalmente


ao ver que seus olhos estavam ainda mais vermelhos do que
antes. Eu só me sentia o cara mais escroto de todos.

Podia fazer qualquer coisa. Absolutamente qualquer coisa


para melhorar aquela situação, mas não sabia como.
Eu era ótimo em estragar tudo, mas consertar... era uma
história diferente.

— Não faça isso, Melissa. Não se coloque em risco desse


jeito só por causa de uma besteira.

— Besteira? — Pronto, claro que eu ia falar alguma coisa


errada.

Levei uma das mãos à cabeça, apertando as têmporas,


sentindo que em breve chegaria uma porra de uma enxaqueca.

— Não foi o que eu quis dizer...

— Mas no fundo é a verdade. Eu nem tinha que ter falado


o que falei. Acho que só fiquei um pouco afetada pelo que
aconteceu mais cedo, mas você nem deve se lembrar.

Ela estava muito convicta no que dizia. Mas como eu iria


julgá-la se minha reação fora impulsiva o suficiente para que
parecesse algo completamente inconsciente?

— Você acha isso? Foi por esse motivo que saiu correndo
como uma doida na chuva?

— Primeiro de tudo... — Ela ergueu um dedo. Não pude


deixar de perceber que não estava olhando para mim. Seus olhos
focavam em qualquer lugar, menos nos meus. Imaginava que
naqueles momentos, optava por uma lente de contato, já que
deixava os óculos de lado. — Eu não sabia que estava chovendo.

— Como não? Não ouviu os trovões?


— Eu ouvi, mas não estava muito atenta. Achei que era só
ameaça... — Ela fez uma pausa, e eu lhe concedi tempo para que
continuasse a falar: — Em segundo lugar, não foi só por isso. Não
é legal imaginar que só eu estava na vibe, sabe? Para uma garota,
isso é muito constrangedor, especialmente porque eu não sou de
tomar a iniciativa.

— Só tentei fazer a coisa certa. Eu não te rejeitei, Melissa.

— Mas também não me deseja como achei que desejava...


— Eu ia responder, mas Melissa saiu me atropelando, não me
deixando falar. — E tudo bem por isso. Só preciso te falar que
não sei se consigo fingir costume agora, com tudo tão recente.
Prometo que na segunda, na empresa, vai ser como se nada
tivesse acontecido.

A expressão dela era de pura falsidade. Um sorriso


amarelo. Ela estava se esforçando muito para não demonstrar sua
timidez, sua insegurança. E eu tinha sido o culpado por aquela
mulher maravilhosa estar se sentindo menosprezada.

Fiquei parado, olhando um pouco para ela, tentando


decidir qual seria a forma certa de lidar com a situação.

E, não, eu não queria ceder. Não porque Melissa não me


atraísse, mas totalmente pelo contrário. Por ela ter me seduzido
tanto, sem nem mesmo tentar, era que eu estava tentando recuar.

Qualquer um pensaria que era uma escolha idiota, mas


não para mim. Não com a bagagem que eu tinha. Não com as
merdas que eu carregava na memória.
Para não magoar Melissa ainda mais, eu tinha escolhido
magoá-la um pouco.

Mas a forma como ela reagiu mexeu comigo. Pensei que


seria só um desejo não atendido, mas me enganei a respeito de
que tipo de mulher ela era. E já deveria ter imaginado desde o
princípio, porque era doce demais para ter intenções de viver um
casinho, um romance de uma noite.

Observei conforme abraçou o corpo, provavelmente


começando a sentir frio, e minha vontade foi puxá-la para mim e
abraçá-la. Há quanto tempo eu não queria fazer isso com alguém?
Há quanto tempo eu não desejava me tornar o porto seguro de
uma pessoa, oferecer refúgio?

Mesmo sustentando o pensamento de que seria uma


loucura, porque ela trabalhava comigo e não nos conhecíamos há
tanto tempo assim, dei um passo à frente.

Melissa pareceu se assustar um pouco com a minha


atitude, mas apenas ergueu a cabeça, olhando-me nos olhos
finalmente.

— Você acha que eu não te desejo? — perguntei


baixinho, sentindo minha voz soar rouca e profunda. Aquela
conversa tinha muito mais significado do que deveria ter. —
Mesmo depois do que aconteceu no chuveiro?

— Você estava bêbado. Não deve se lembrar de todos os


detalhes.
Mais uma vez optei pelo silêncio por alguns instantes,
calculando o que deveria dizer. Como fazê-la entender que o que
acreditava não era verdade, mas sem apenas dizer que me
lembrava, porque seria muito pouco.

— Você é uma visão e tanto molhada, Melissa... — repeti


a frase que lhe disse mais cedo, provando que minha memória
estava intacta. Isso a deixou boquiaberta. — Eu me lembro. Eu
me lembro de tudo. E continuo achando a mesma coisa agora,
estando sóbrio e consciente.

Ela tinha mesmo um jeitinho adorável. Tanto que quando


levei a mão ao seu coque, soltando seus cabelos molhados, de
seus lábios escapou um murmúrio de surpresa; algo tão inocente
que me fazia me sentir como um idiota.

Aquela garota não era para mim. Eu ia destruí-la.

Só que, naquele momento, não havia nada que eu quisesse


mais além de beijá-la. Se permitisse, eu iria até mais longe.

Levei a mão ao seu rosto, tocando-a e secando algo que eu


não sabia se era um pingo de chuva ou uma lágrima. E nem
queria saber. Fosse o que fosse, ambas as coisas eu tinha causado.
Ela tentara fugir de mim, porque eu a magoei.

Fiquei perdido no momento, tentando ponderar o que


fazer, até que o destino decidiu por mim.

O telefone do quarto tocou.


Como se tivéssemos sido arrancados de um transe
particular, eu e Melissa nos afastamos, cada um dando um passo
para trás. Ainda demoramos para nos mexer, e eu fui atender à
ligação, ouvindo a recepcionista dizer que um dos funcionários
do hotel estava levando a mala que ficara perdida na chuva lá
para cima.

Concordei e quando fui atender, dois minutos depois,


perdi o timing. Melissa já tinha entrado no banheiro, e o assunto
ficou por isso mesmo.

Mais tarde, nenhum dos dois teve coragem de dar o


primeiro passo mais uma vez.
CAPÍTULO DEZOITO

Querida Tabitha,
Foi tudo coisa da minha cabeça, certeza.
Cassian voltou a agir como o babaca de sempre, ainda bem.
O mundo está girando novamente nos eixos.

Era difícil mensurar o tamanho do estrago que aquela


viagem tinha feito. Eu e Cassian já não nos dávamos tão bem
assim quando tudo começou, mas as coisas tinham mudado. A
convivência criara algo diferente entre nós. Despertara, ao menos
em mim, um sentimento muito perigoso. Sabia que se começasse
a revirá-lo dentro da minha cabeça, iria encontrar um milhão de
respostas que eu não queria encontrar, como, por exemplo, o
motivo de eu estar com o peito tão pesado enquanto retornávamos
para casa, no carro, em silêncio.
Aliás, o silêncio era uma boa razão para isso. Não só
porque na última vez em que nos falamos de verdade, sem serem
palavras automáticas para resolvermos coisas sobre a nossa volta,
a gente quase se beijou, mas também porque eu estava com um
péssimo humor e só um pouco de música poderia me ajudar.

O que eu fiz? Estendi a mão, sem nem pedir licença, e


liguei o som do carro dele, conectando com o meu Spotify e
colocando uma música que eu gostava, da minha banda favorita,
The Dreams.

— Não me lembro de ter concordado em ouvir música. —


Lá estava o Cassian rabugento de novo. Nada do homem
deliciosamente sexy da noite anterior.

Melhor assim, né? Se a gente voltasse ao cão e gato de


antes, daria para conviver sem problemas, e eu esqueceria
facilmente aquela paixonite temporária e pensaria nela como uma
gripe. Uma coisa da qual fui curada sem muito estresse.

— Não me lembro de ter perguntado — respondi abusada.


Ele ainda era o meu chefe, afinal.

Cassian soltou um resmungo, mas não tirou a música.


Continuou tocando, ecoando pelo carro, enquanto eu cantarolava
a letra junto ao vocalista.

— O que é isso? Uma mistura de Backstreet Boys com


Avril Lavigne? — ele soltou do nada.

— Logo se vê que as suas referências são super modernas.


Mas, não, eles são meio que um One Direction, só que mais
atuais. Bombaram no Tik Tok, sabe?

— Hummm — Cassian respondeu muito engajado na


conversa, sem tirar os olhos da estrada.

— São bons, vai...? O vocalista participou de um reality


show, desses tipo The voice. O cara canta muito.

— Se você acha...

Eu tentei. Mas tudo o que me restou foi revirar os olhos e


voltá-los para a janela ao meu lado, observando a paisagem,
continuando a cantarolar a música com a minha voz desafinada.

Apesar de entediada, estava mesmo satisfeita por


podermos deixar tudo o que aconteceu no passado e voltarmos ao
normal.

Um lapso, claro. Todas as pessoas podem ter um ou outro


de vez em quando. Especialmente quando se tratava de um
homem lindo, super sexy que decidira tirar a camisa na minha
frente e me imprensar numa parede debaixo do chuveiro.

Eu não era de ferro.

Meu coração estava até mais leve quando Cassian me


deixou em casa, sem muita conversa, apenas me ajudando a levar
a mala até o meu apartamento.

Ele só me deixou, se despediu e foi embora.

Novamente: melhor assim.


Também me sentia um pouco mais segura na segunda-
feira, quando cheguei à empresa. Dormi bem, consegui descansar,
e tinha certeza de que a farsa de namoro não precisaria continuar,
já que o contrato fora assinado por Marsha. Já podíamos parar
com aquela bobagem e seguir com nossas vidas, como chefe e
secretária. Eu só esperava que aquele trabalho desse frutos,
porque sinceramente eu me esforcei mais do que seria prudente.

Cheguei na Roman até sorridente, caminhando a passos


firmes pela recepção, mas estranhei imediatamente a forma como
as meninas ficaram olhando para mim e cochichando entre si.

Decidi ignorar, enquanto subia no elevador com meu café


diário na mão.

Fui até a sala que dividia com Cassian, deixei minha bolsa
pendurada na cadeira, coloquei o copo sobre o descanso e parti
para a copa, para pegar minha caneca de leite quente.

Havia umas duas pessoas lá dentro, tomando café e


conversando, e eu lhes dei bom dia. Eles retribuíram, mas
pararam o assunto no momento em que entrei.

Acreditei, de início, que se tratasse apenas de uma


coincidência, então fui até o armário de canecas, abri e peguei
uma aleatória, como sempre. A mensagem era:

“A fofoca só não é boa quando é sobre você.”


Fiquei um pouco incomodada com o que li, sem nem
saber porquê, mas decidi usar a caneca assim mesmo, porque era
apenas uma brincadeira.

Servi-me de um pouco de leite, como sempre, mas sem


deixar de perceber que as duas pessoas realmente não tinham
voltado a falar durante todo o período em que eu fiquei no
ambiente.

Quando saí, ouvi murmúrios novamente, como se


estivessem mesmo falando de mim.

Segui direto para a sala que dividia com Cassian, já muito


intrigada, e o encontrei lá dentro, andando de um lado para o
outro, com uma das mãos na cintura e outra segurando o telefone,
no qual ele lia alguma coisa que o deixara bastante contrariado.

— Tá tudo bem? — perguntei, ainda andando para a


minha mesa, equilibrando a caneca na mão. Eu tinha deixado
outro descanso sobre o tampo de madeira, então a pousei
exatamente ali, para não deixar marcas.

— O caralho que está. — Uau. Bem direto. Bem


eloquente. E muito bem-humorado, como sempre. — Dá uma
olhada nisso aqui.

Cassian estendeu o celular na minha direção, e eu saí de


trás da minha mesa para me aproximar dele, pegando-o.

A primeira coisa que vi era que estava aberto no Twitter,


especificamente em uma notícia, de uma conta de fofocas. Não
demorou para eu encontrar o meu nome ali, ao lado do dele, além
de uma foto nossa dançando, com os olhares fixos, quase
hipnotizados um pelo outro.

Para qualquer um que visse a cena de fora, pareceria que


estávamos muito apaixonados. Ou, ao menos, prontos para
tirarmos as roupas um do outro a qualquer momento.

Cliquei no link que redirecionava a uma página e fui


lendo a matéria, que dizia que o “filho bastardo” – havia quase
uma ênfase nisso – de John Roman, dono da poderosa empresa de
Produção Cultural sediada em Miami, estava namorando uma
morena misteriosa que fora, depois, identificada como sua
secretária.

Eles tinham entrevistado a prefeita de Eden’s Heaven,


Marsha Summers, e ela falara sobre o casal, confirmando o
relacionamento.

Tive plena certeza de que meu coração estava saudável,


caso contrário eu teria caído dura no chão naquele momento, em
meio a um infarto aos vinte e três anos.

— Isso aqui é real? Todo mundo já sabe? — indaguei,


demonstrando o meu desespero.

— Aparentemente, sim. Recebi a notícia do meu pai, todo


feliz, pedindo que eu te levasse lá na sala dele assim que
chegasse.

— O QUÊ?
— Pois é, prepare-se, querida, vamos fazer uma visita ao
papai do seu namorado.

Eu podia jurar que havia um brilho quase psicótico em


seus olhos. Ele estava puto.

Tanto que quando agarrou o meu pulso, puxando-me


consigo, nem tive coragem de pará-lo, porque era impossível. O
homem parecia um agente em uma missão, marchando, pisando
duro no chão, sem parar. Algumas pessoas olhavam para nós,
como se fôssemos uma atração muito inusitada.

E provavelmente nós, de fato, parecíamos uma.

Cassian bateu na porta do escritório do pai, e enquanto o


Sr. Roman demorava a abrir, um desespero começou a me bater.
Ele não me dera absolutamente nenhuma orientação sobre como
deveríamos agir. Se era para contar a verdade ou para manter a
mentira.

Sendo assim, quando a criatura mais poderosa em toda a


empresa falou lá de dentro um “pode entrar”, seguido de uma
tosse bem rouca, quase de cachorro, e nós adentramos o
escritório, eu me vi parada como uma estátua, sem saber como
agir.

John Roman sorriu, levantando-se com muito esforço e


vindo até mim. Fui recebida de forma efusiva quando o homem
colocou os braços ao meu redor, apertando-me contra si como se
eu fosse uma criança.
— Menina linda, desde o início eu soube que você e
Cassian combinavam! Que ele precisava de alguém como você.

Onde, gente?

Eu e Cassian combinávamos tanto quanto água e óleo. Por


mais que, de fato, houvesse química – e, meu Deus, havia muita
–, ele era completamente diferente de mim. Até mesmo nos
gostos, na forma de agir, nas decisões, no jeito de ser.

— Muitas pessoas me falaram de você, inclusive Marsha


— o Sr. Roman explicou, me soltando e dando a volta em sua
mesa para se sentar novamente.

— Aparentemente ela falou muito para muita gente —


Cassian resmungou, cruzando os braços contra o peito.

— Pare de ser rabugento, garoto. Se ela não tivesse


falado, eu não saberia até agora, porque meu próprio filho não me
conta as coisas.

— É porque talvez eu não quisesse que as pessoas


ficassem sabendo, muito menos através de uma matéria de site de
fofocas que insiste em me chamar de “filho bastardo”.

— Não ligue para isso, Cass. São só pessoas que precisam


de notícias sensacionalistas.

— Não são. Muita gente ao meu redor pensa e age assim.


Vão agir com Melissa também.

Ah, meu Deus, eu nem tinha pensado nisso!


Lá estava a explicação do porquê de várias pessoas da
empresa estarem me olhando com ares de fofoca. Até mesmo a
caneca dentro da qual o leite esfriava na minha mesa de trabalho
me alertara como uma premonição.

Voltei-me na direção de Cassian, completamente


assustada, olhos arregalados, sentindo-me estremecer.

Vi quando me olhou de soslaio e percebi seus maxilares se


contraírem por baixo da barba.

— Não vou permitir, pai — ele falou baixinho. — Não


vou responder por mim se mexerem com ela... — Cassian parou
de falar, interrompendo a si mesmo, como se não quisesse
terminar a frase.

— Não fale assim, filho. Eles são seus colegas de


trabalho.

— Não pensaram nisso quando falaram merdas sobre mim


no passado. Mais de uma vez — ele quase rosnou.

— Seja como for, você é chefe deles. Tem que manter sua
postura. Não pode sair dando porradas ou ameaçando as pessoas.
Precisa se controlar. Escolheu namorar uma moça do escritório,
não foi? Vai ter que encarar as consequências; e ela também.

Eu estava me sentindo em uma partida de tênis, olhando


de um lado para o outro, conforme os dois interagiam. Nem tive
tempo de pensar muito na forma como ele pareceu protetor em
relação a mim, prometendo que iria fazer algo caso alguém me
incomodasse.
Depois refletiria sobre isso com cuidado. Especialmente
quando estivesse em casa, munida de sorvete e umas músicas da
Taylor Swift boas para pensar na vida.

— Seja como for, menina, prepare-se. Podem falar


comigo caso algo aconteça, mas vai ter que ser forte. Saiba que
todos nós te achamos competente e talentosa o suficiente, mas
nem todos vão pensar assim.

Novamente olhei para Cassian, quase pedindo socorro.

Onde, afinal, eu tinha me metido?


CAPÍTULO DEZENOVE

A garota parecia em pânico do meu lado. Como um


cachorrinho assustado, que está prestes a ser levado ao
veterinário.

Fomos caminhando em silêncio, e eu comecei a acreditar


que a analogia com cachorro poderia ser muito mais aplicada a
mim, conforme íamos avançando de volta à nossa sala, e eu tinha
vontade de rosnar para cada um que nos olhava com aquela
expressão conspiratória, como se quisessem nos avaliar dos pés à
cabeça para roubar um pedaço de nós e descobrir todos os nossos
segredos.

Quando chegamos ao escritório, abri a porta para Melissa


e a fechei em um baque, empurrando-a com força, esperando que
todo mundo lá fora ouvisse que eu estava puto.

Fiquei parado no mesmo lugar, enquanto Melissa


caminhava como uma condenada no corredor da morte, em
direção à sua cadeira, acomodando-se – ou melhor, se jogando lá,
com o olhar fixo na parede.
— Fala alguma coisa, Melissa — precisei pedir, quase
ordenar, porque eu não sabia se estava mais desesperado com a
cara dela e seu silêncio ou com toda a situação.

— É o caos. A gente criou um caos — ela falou em um


sussurro, ainda olhando para o nada, como se estivesse presa em
um feitiço. — Não era para ser assim.

— Não, não era.

Pensei que Melissa ia permanecer sentada, mas ela se


levantou, em um rompante, começando a andar de um lado para o
outro.

— Viu a forma como as pessoas estão nos olhando?

— Eu vi, Melissa. Eu vi.

Não só tinha visto, como sabia muito bem como


funcionavam as coisas com aquela gente. O quanto eles iriam
falar, repetir, propagar, inventar e aumentar. Mas o pior: o quanto
seriam cruéis com Melissa a partir daquele momento. Todo o
talento dela, que fora reconhecido por várias pessoas, se tornaria
ínfimo, porque o nosso namoro falso seria o principal assunto em
relação a ela. A coisa mais relevante que teriam a dizer.

— Por que você foi me enfiar nessa confusão, Cassian?


Por quê? — Ela levou ambas as mãos à cabeça, desesperada.

Eu não sabia o que fazer. Olhava para ela, sentindo-me


meio perdido também, querendo voltar no tempo e mudar o
passado.
Mas não podia fazer isso.

Então precisava tomar alguma atitude para compensá-la.

— Olha... a gente tem um jeito de resolver isso.

— Claro! Contando a verdade!

Sim, era uma opção.

Uma opção muito boa, sem dúvidas, mas nada funcional,


porque eu teria que revelar tanto para meu pai quanto para
Marsha. A mentira tinha chegado longe demais, o que faria com
que nós dois fôssemos ainda mais mal falados.

— Melissa, se a gente fizer isso, a empresa inteira vai ter


muito mais a comentar do que se só tentarmos fazê-los acreditar
que nos apaixonamos.

— Não tem nenhuma chance de eles acreditarem nisso. A


gente mal se conhece.

Apontei para a estante de livros dela, cheia de romances.

— Vai dizer que nos livros não acontecem paixões à


primeira vista?

— Você falou bem: nos livros. Na vida real isso não


acontece.

— Como você sabe? Poderia ter acontecido com a gente.


E não temos que dar satisfação a ninguém sobre como foi. Só
fazê-los acreditarem que é real.
Eu estava muito surpreso com meu próprio
comportamento. Normalmente, em qualquer outra situação, eu
ligaria o foda-se e simplesmente seguiria com a minha vida,
acreditando que se tratava apenas de mais um boato com o meu
nome, principalmente dentro daquela empresa. Só que a garota
não tinha culpa alguma. Era muito mais fácil que a poupassem se
acreditassem que eu a seduzi, que ela estava mesmo apaixonada,
talvez até enganada por mim.

Talvez fosse cruel da minha parte pensar em algo


planejado dessa forma, mas seria mais seguro para ela. Seria uma
forma de protegê-la.

E, porra... eu queria muito que ela não passasse pelo que


eu passei.

— Cassian, isso não faz o menor sentido.

— Como não? Se a gente revelar que forjamos tudo, vai


ser uma fofoca muito mais quente para eles.

— Mas eu não quero continuar a farsa. Já deu, né?

— Nem mesmo se eu te prometer que até o final do ano


você vai ser promovida?

Eu só joguei... Para ser sincero, sabia que meu pai iria se


aposentar assim que encontrasse espaço. Mesmo que eu não
chegasse à cadeira de CEO naquele ano, poderia convencê-lo a
colocar Melissa em outro cargo, que fosse mais compatível com a
capacidade dela.
O jeito como lidara com Marsha e o projeto, como fizera
muito além do que lhe fora pedido, eram mais do que provas de
que merecia ser reconhecida.

— O quê? Você está tentando me comprar?

Ergui ambas as mãos, quase em rendição, porque os


pensamentos dela estavam chegando longe demais.

— Não, não é nada disso. Você é boa no que faz. A


Roman precisa de pessoas como você. Sei que de uma forma ou
de outra vai acabar subindo de cargo por aqui, mas... — Eu estava
me embolando com as palavras. Era para ser uma coisa mais
direta. — Por que a gente não pode encarar isso como uma
proposta de negócios?

Ela cruzou os braços contra o peito, me olhando com


aquele jeito inquiridor. Ajeitou os óculos no nariz, respirou fundo
e se esforçou para parecer muito séria.

— Negócios? Como assim?

Se eu queria que ela me desse atenção de uma forma


menos emocional, precisaria me abrir e lhe dizer o que se passava
pela minha cabeça. Por mais que não fosse exatamente algo que
eu quisesse confessar, de toda forma.

— Há algum tempo meu pai vem tentando me convencer


a ser mais sociável. A conhecer alguém, namorar, talvez me casar
no futuro... — Antes que ela começasse a surtar de novo, ergui
novamente a mão, pedindo paciência. — Não vou me casar com
você, Melissa. Só que se ele souber que eu tenho alguém, que
estou me esforçando, isso vai acalmar seu coração. E aí pode ser
que se aposente, e Deus sabe o quanto ele está precisando.

— Seu pai está mesmo muito doente? É o que muitos


dizem.

— Não, não está. Ele é hipocondríaco, mas está cansado.


Merece uma aposentadoria digna e passar mais tempo com o
neto, por exemplo. Sei que ele quer muito isso, e como seu
herdeiro, eu deveria me esforçar — falei com toda a sinceridade.
Aliás, fazia muito tempo que eu não era tão honesto com alguém,
que não colocava para fora algo que se manifestava tão forte no
meu coração.

— E estar comigo vai mudar alguma coisa?

— Confia. Vai. Então se você vai fazer um favor para


mim, nada mais justo do que eu te oferecer algo em troca.

— Mas isso não seria pior? Porque se eu for promovida,


vão achar que só fiquei com você por isso. Vai ser só mais
munição para falarem de mim.

Ela tinha um ponto.

— Podemos encontrar uma forma de parecer que uma


coisa não tem ligação com a outra. Até envolver Marsha na
história. Garanto que ela iria ajudar, e é uma pessoa neutra.

Melissa começou a pensar. Eu podia ver por seu rosto,


suas expressões tensas, que estava ponderando a ideia. Já era um
começo, porque jurei que ela iria vociferar, negar e dizer que eu
era louco.

Mas nós dois éramos loucos, desde o início. A ideia não


passava de uma maluquice.

— Isso não faz sentido algum, Cassian. Acho que vai ser
mais um problema para nós, mas eu quero essa promoção. Não
importa o que vai vir como consequência.

Sabia que a decisão de Melissa não tinha a ver com


ganância, mas com um desejo de ser mais, de crescer e de
trabalhar na Roman com o que amava. Já tinha percebido que
tudo o que ela fazia era com paixão e que mesmo se continuasse
só como minha secretária não minimizaria seus esforços.

Mas mesmo que fosse, nunca enxerguei aquele desejo de


evoluir como algo ruim. Então eu a admirava por isso.

Só que também me preocupava. Eu tinha uma impressão


de que ela não sabia o que estava por vir.

— Ninguém pode saber, ok? Nem aquela sua amiga. A


partir de agora, para todos os efeitos, somos mesmo um casal.

— A Frances vai desconfiar. Ela sabia que a gente estava


fingindo.

— Inventa alguma coisa. Algo rolou durante a viagem...


não sei.

Melissa ficou muito séria, e eu logo percebi que tinha


falado merda.
— Algo, de fato, rolou na viagem, né? — O que dizer
depois disso? Foi quase um tapa na cara, sem dúvidas. Apesar
disso, Melissa se apressou em se corrigir: — Esquece o que eu
falei. Eu estou concordando com essa loucura outra vez. Sinto
que vou me arrepender? Sim. Mas espero que valha a pena.

— Vai valer.

Estiquei a mão, para que ela a apertasse, e por mais que


tivesse relutado, Melissa a pegou e nós nos cumprimentamos.

Olhos nos olhos. As mãos entrelaçadas causaram uma


eletricidade muito surpreendente, que eu decidi que era melhor
não analisar. Não manter em mente.

Nós éramos apenas um projeto de desastre. Complicar as


coisas que já eram suficientemente complicadas era um erro
muito grande.
CAPÍTULO VINTE

Querida Tabitha,
A vida deveria vir com um manual de instruções,
e dentro dele deveria haver uma regra chamada:
nunca entre em um namoro falso com alguém, porque vai dar merda.

— Por que você não me falou que estava namorando o


seu chefe? — foi a primeira coisa que meu pai me disse assim
que ligou para mim, horas depois de eu ter novamente selado um
pacto com Cassian.

— Pai... — comecei a tentar falar, mesmo sabendo que


teria que mentir. Na verdade, nem tinha muita noção do que dizer,
mas qualquer história que inventasse, precisaria combinar com
Cassian, porque ele teria contar a mesma, fosse para quem fosse.

— Viajou com ele, e eu nem sabia que vocês estavam


namorando. Está achando que é bagunça, garota? — ele parecia
aborrecido de verdade.

— Eu tenho vinte e três anos, pai!

— Não importa. Sempre vai ser nossa menininha. Além


do mais, a gente não precisava descobrir por um site de fofocas,
né? Pior ainda, pela vizinha que viu nesse site — minha mãe
também estava indignada.

Sentada à minha mesa, levei a mão à cabeça, sentindo-a


quente de tanta dor, em uma pura crise de enxaqueca. Tinha
acabado de tomar um remédio e fui me servir de um café –
provavelmente o quarto do dia –, e a caneca da vez dizia:

“Não é inferno astral. É só inferno mesmo.”

Aquela frase, aparentemente, resumia meus últimos dias


muito bem.

— É que foi muito repentino. Eu ia contar quando


voltasse. Vocês descobriram antes...

— Você voltou ontem, Melissa Joan Foster!

Quando minha mãe me chamava pelo nome completo, eu


precisava prestar atenção.

— Mas eu estava cansada. Foi uma viagem de negócios,


sabe?
— Não parece... — meu pai afirmou, e eu revirei os olhos.
Quando os ergui, dei uma olhada na mesa de Cassian, e ele estava
me observando, com uma caneta na mão, parado, como se tivesse
sido interrompido no meio de uma tarefa para fofocar a minha
conversa.

— Querida, ao menos você está apaixonada? Espero que


sim... — minha mãe, bem mais sonhadora, quis saber.

Droga, eu realmente odiava mentir para eles.

— Pai, mãe, eu tô no meio do trabalho. Juro que ligo para


vocês hoje à noite para contar mais sobre o meu namoro — dei
ênfase na palavra — e sobre o quanto eu estou apaixonada... —
Ergui uma sobrancelha, provocadora, e Cassian quase abriu um
sorriso.

Ele estava gostando de me ver sofrer, não era possível!

Continuei enrolando meus pais, até que consegui desligar,


finalmente, sentindo-me exausta. Que dia infernal!

Apoiei meus braços na mesa e enterrei minha cabeça


neles, respirando fundo, querendo gritar, mas tentando abafar
meus próprios desejos.

— Chateada, minha rosquinha?

A voz entrou nos meus tímpanos como uma melodia


amaldiçoada. Se eu fosse propensa a cometer assassinatos,
Cassian seria a minha primeira vítima. Com requintes de
crueldade. Até porque... ele era o causador de toda a minha
pequena desgraça, não era?

Ergui a cabeça bem devagar, lançando um daqueles


olhares para ele. Um daqueles que poderia soltar dardos em todas
as direções possíveis.

A dor de cabeça continuava pulsando quase no ritmo do


meu coração, que tinha acelerado com a raiva. Sem nem pensar
muito, eu me levantei.

Cassian é seu chefe, Melissa.

Cassian é seu chefe.

Mas o ódio que eu sentia me fez avançar na direção dele


como se eu fosse um predador prestes a atacar sua presa.

— Você está achando tudo isso muito engraçado, né? —


nem eu mesma reconheci minha voz, de tanto que soei estressada.

— Para quê vou sofrer? A gente pode rir dos outros, se só


relaxarmos um pouco.

— Relaxar? — Fechei minhas mãos em punho, ambas nas


laterais do meu corpo, chegando a enterrar as unhas nas palmas.
— Você é doido? Olha a confusão toda que criamos!

— Já foi feito, Melissa. Desde o início.

— E quem começou?

A qualquer momento ele poderia me lembrar de quem eu


era, do fato de eu ser sua subordinada, mas já que precisava de
mim para outros intentos, eu iria abusar um pouco.

Estava no meu direito, afinal.

— Tudo o que fez desde o dia em que te conheci foi


infernizar a minha vida. Sou grata por ter me ajudado com o
relatório daquela vez, mas poucas vezes foi gentil; quando foi, era
porque estava bêbado. E ainda foi abusado o suficiente para que
eu devesse te denunciar por assédio! — Ok, eu estava pegando
um pouco pesado.

Ou talvez muito.

Só que ainda estava com os meus sentimentos à flor da


pele, pensando e falando demais. Gesticulando demais também.

Percebi que Cassian começara a erguer os olhos, tirando o


foco de mim para dar uma olhada por cima do meu ombro, como
se estivesse checando algo.

— Hilda Dawson está lá fora... Olhando para cá sem


parar... — ele fez o comentário baixinho, tentando ser discreto, e
eu quase me virei para constatar se o que ele dizia era verdade,
mas fui impedida. — Não olhe. Ela com certeza percebeu que
estamos brigando.

— É a maior fofoqueira da empresa.

— Sim, sem dúvidas.

— A gente não tinha que parecer apaixonados? O que


podemos fazer para ela não sair espalhando que...
Mal consegui continuar falando, porque Cassian se
levantou de um rompante, colocando as mãos na minha cintura.
Ele me girou de um movimento só, fazendo-me arfar.

— Entra na farsa...

O quê?

Como assim...?

Fiquei travada por alguns instantes, sem entender o que


ele queria que eu fizesse.

Percebendo minha hesitação, as mãos fortes de Cassian


me ergueram do chão, colocando-me sobre a mesa dele de
trabalho. Soltei um som estrangulado e surpreso, principalmente
quando ele se inclinou, levando os lábios ao meu pescoço.

— O que você está fazendo? — perguntei por entre os


dentes, tensa como corda da guitarra que ele gostava de tocar.

Ele segurou meus braços e os colocou ao redor de seus


ombros, enquanto eu me sentia derreter conforme ele ia se
aproximando, mas sem propriamente me beijar. O toque era quase
imperceptível, apenas uma encenação, mas a minha reação foi de
verdade.

Eu estremeci. Queria ser mais discreta, mas infelizmente


meu corpo não respondia da mesma forma. Ele ainda se lembrava
da proximidade, do cheiro, do toque, além do quanto eu o desejei
naqueles momentos.

E não o tive.
— Entra na farsa, Melissa — foi quase uma ordem, e ele
se aproximou do meu ouvido, sussurrando: — Precisam pensar
que estamos apaixonados. É o que eles precisam ver.

Como se fingia aquele tipo de coisa? O que eu deveria


fazer? Soltar um gemido?

Eu não fazia ideia.

Entrelacei os tornozelos nas costas dele, como se quisesse


puxá-lo na minha direção, deixá-lo ainda mais próximo. As mãos
dele permaneceram nas minhas costas, mas se movimentavam
para fingir que estávamos em uma pegação forte.

Aquilo deveria ser proibido dentro de uma empresa, não?


Deveria ser contra algum tipo de regra, estar no manual – se é que
havia um –, mas ele era o filho do CEO, não? Podia tudo ali
dentro. Era o todo poderoso.

E eu era quem? Aos olhos da empresa, podia escolher


passar pela donzelinha deslumbrada e emocionada, que se
apaixonou por um cara poderoso que a seduziu ou poderia
assumir a postura da femme fatale que se aproximou de um
herdeiro de caso pensado, pronta para usar de seus atributos para
conseguir crescer na Roman.

Só que eu não era nenhuma dessas duas mulheres. Para


ser sincera, eu as desconhecia.

Também desconhecia quem eu era enquanto Cassian


colocava a mão na minha nuca e se afastava, olhando nos meus
olhos, de forma profunda, quase como se quisesse ver o que havia
dentro deles.

Do lado de fora, por trás do vidro, enxerguei Hilda se


afastar depois de abaixar a cabeça, talvez um pouco surpresa com
como as coisas se tornaram quentes em muito pouco tempo. Sem
dúvidas seríamos assunto naquela empresa por muito, muito
tempo.

— Ela já saiu?

— Já. Pareceu um pouco... incomodada com o nosso


show.

— Ótimo.

Apesar de a encenação já não ser mais necessária, Cassian


não se afastou. Sua mão continuou no mesmo lugar, seus olhos
continuaram fixos do mesmo jeito nos meus.

Suavemente senti seus dedos subirem, embolando-se aos


meus cabelos, e seu polegar fez um movimento muito parecido
com uma carícia.

Ele olhou para a minha boca.

Passou a língua nos próprios lábios.

Eu arfei.

— Não entendi por que foi tudo tão cenográfico. Tão


exagerado — precisei comentar, porque ficar em silêncio estava
quase me sufocando.
— Não foi exagerado. Se você fosse minha namorada de
verdade, seria assim que eu iria te pegar no escritório.

Depois de dizer isso, ele me soltou, afastando-se como se


voltasse a si depois de um transe.

Deu alguns passos para trás, até levar a mão à maçaneta


da porta, abrindo-a, virando-se e saindo, deixando-me sozinha,
perdida e novamente muito confusa.
CAPÍTULO VINTE E UM

Querida Tabitha,
Logo eu, que nunca tive um namorado,
estou passando pelo constrangedor incômodo de conhecer a família do
meu.
Que nem é meu namorado de verdade.
A confusão não tem fim.

Não que eu esperasse que as coisas fossem ficar bem


imediatamente depois do anúncio inusitado do meu namoro com
Cassian, mas a recepção da empresa foi... digamos... estranha.
Eles passaram a me olhar de um jeito diferente, como se eu já não
fosse mais parte do time, mas uma espiã do inimigo. Como se
qualquer coisa que ouvisse entre eles fosse ser compartilhada no
mesmo momento com meu chefe e que, consequentemente, cairia
nos ouvidos do Sr. Roman.
A única pessoa que continuara próxima de mim fora
Frances, mas eu sabia que não acreditara muito na história de que
eu e Cassian tínhamos nos apaixonado perdidamente em meio ao
namoro fake e que as coisas se tornaram reais a partir daquele
momento.

Apesar de ter um jeito doidinho, ela era gentil o suficiente


para compreender que, se fosse, de fato, uma mentira, eu não
poderia lhe contar. Sendo assim, também não me pressionou mais
a falar ou a contar qualquer que fosse a verdade.

As coisas estavam correndo de um jeito menos caótico do


que imaginei, mas, também, porque eu decidi ignorar o que via.
Os cochichos, os olhares, o leve deboche. Foram dias e dias dessa
forma, tentando fingir que nada estava acontecendo comigo, que
eu era somente uma funcionária comum, entrando, saindo e
trabalhando normalmente.

Planejava viver assim, muito bem, até o dia da minha


promoção – o que eu esperava que realmente acontecesse –, mas
não contava em ter que bancar a namorada de Cassian fora do
ambiente de trabalho também.

Sua família decidira que eu deveria receber as boas-vindas


de forma correta, então me chamaram para um almoço, em um
domingo.

Claro que fiquei apavorada.

Fiz uma videochamada com minha mãe, deixando o


celular apoiado na cabeceira da cama, experimentando um milhão
de roupas, querendo que minha mãe me ajudasse. Poderia pedir
isso para Frances, mas D. Laura Foster com certeza entenderia
disso melhor.

Optamos por um vestido bonito, off-white, com um decote


canoa, que sempre me disseram que deixava meu colo bonito. A
cintura era marcada, e a saia se abria delicadamente, deixando o
meu corpo mais desenhado. Para ficar mais descontraído,
coloquei uma sandália baixinha e confortável, mas quase me
arrependi, porque estar sem salto me deixava em uma enorme
desvantagem de altura para Cassian.

Ele, aliás, chegou – sempre muito pontual –, abriu a porta


do carro para mim e deu a volta, se posicionando para dirigir.

Calado, como era de costume.

— O que eu preciso saber sobre a sua família? —


perguntei. Daquela vez ele não iria escapar sem que
conversássemos um pouco. Estava nervosa demais para ficar em
silêncio.

— Eles são pessoas. Respiram. Falam. Comem. —


Revirei os olhos, e ele percebeu, olhando-me de soslaio, por
baixo dos óculos escuros. — O que quer que eu diga, Melissa?

— Queria saber se tem algo que eu possa fazer para que


gostem mais de mim.

— Por que não gostariam?


— Ué, por todos os motivos que não se gosta da
namorada de um filho ou irmão. Podem me achar chata, que não
sirvo para você.

— Meu pai já te conhece.

— Mas sua irmã, não.

— Minha irmã gosta de todo mundo, por que não gostaria


de você?

Meu Deus... era difícil. Muito difícil.

— Porque pessoas podem não gostar de outras.


Acontece...

Ele ficou calado por alguns instantes, até soltar uma


pérola que eu não esperava:

— Você é melhor do que a maioria das pessoas que eu


conheço, Melissa. Vai dar tudo certo.

Meus lábios se entreabriram, quase chocada por sua


resposta.

Fui ensinada, principalmente pela minha mãe, a nunca me


envaidecer quando alguém me enaltecia. Aceitava, agradecia,
mas nunca permitia que meu orgulho sobressaísse à minha
vaidade. A família Foster costumava ser muito mais católica
antes de tudo acontecer, e aqueles foram os preceitos que aprendi.

Daquela vez, eu senti meu rosto esquentar quase como se


ferro quente tivesse sido encostado nele. Mas não por ter sido
direcionado a mim, mas por ter a impressão de que arrancar um
elogio de Cassian era quase um dos treze trabalhos de Hércules.

Depois disso, acabei ficando mesmo em silêncio,


aceitando e deixando que seguíssemos. Sem conversa. Sem
música.

Chegamos diante de um portão, que se abriu assim que


Cassian parou, e não precisei de muito esforço para perceber que
era uma mansão tão opulenta quanto um castelo. Havia uma fonte
em meio a uma rotatória que nos levava ao estacionamento, com
a estátua de um anjo, que poderia ser cafona em qualquer
circunstância, mas ali parecia combinar com o resto do ambiente.

A construção, em si, parecia se erguer da terra de forma


majestosa, com suas colunas gregas, o telhado colonial, e grandes
janelas, que deixavam o sol entrar sem muito esforço.

Quando estacionamos, pude olhar um pouco melhor,


principalmente quando seguimos para o quintal, onde uma
enorme piscina se destacava, em meio a um jardim bem-cuidado,
um deck e uma aparência de lar de gente rica – que era
exatamente o caso.

— Ah, eles chegaram! — uma mulher bonita, de cabelos


castanhos, se levantou e foi na nossa direção.

Senti a mão de Cassian pegar a minha rapidamente, em


um movimento quase automático. Eu tinha me esquecido de que
precisávamos agir como um casal. Aliás, alguém deveria colocar
um alarme no meu celular para que isso me fosse lembrado de
uma em uma hora durante aquele dia, no mínimo.

Atrás dela, como um carrapatinho, um garotinho


magrinho, muito lindo, de pele negra, cabelinhos cacheados e
olhos enormes e amendoados, veio correndo.

Sem dizer muita coisa, ele se jogou nos braços de Cassian,


e eu vi uma transformação enorme acontecer.

Eu nunca tinha testemunhado um sorriso genuíno de


Cassian. Na maioria das vezes ele os usava como provocação ou
deboche. Daquela vez, era uma emoção pura e terna. O homem
amava aquela criança, tanto que sua máscara de rabugento e
grosseiro caía por terra.

— E aí, Taz Mania? Ainda não destruiu tudo hoje?

O lindo garotinho gargalhou, enquanto o tio lhe fazia


cosquinhas.

— Não, tio. Ainda não.

— Ah, estava esperando por mim, né?

Mais uma gargalhada.

Que delícia de cena. Meu coração ficou quentinho, mais


ainda quando olhei para Cassian, no momento em que ele tirou os
óculos escuros, e vi seus olhos castanhos brilhando de amor.

Havia algum sentimento naquele coração de pedra.


Senti uma mão gentil no meu ombro, o que me fez
finalmente perceber a mulher ao meu lado.

— Eu entendo. Esses dois são hipnotizantes juntos. Sou


Christina, irmã de Cassian. Você deve ser a Melissa... ouvi muito
sobre você.

Ergui uma sobrancelha, surpresa.

Deveria ser modo de falar, sem dúvidas, porque claro que


Cassian não tinha mencionado o meu nome para a família,
levando em consideração que as coisas entre nós não eram reais.

— Sim, muito prazer! — Eu ia estender a mão para


cumprimentá-la, mas a mulher me puxou para um abraço.

— Bem-vinda, querida. Saiba que é um alívio ver que


alguém teve coragem de namorar o meu irmão.

— Ei! — Cassian se indignou, mas Christina se inclinou,


beijando-o no rosto.

— Você é maravilhoso, maninho, mas sabe ser um chato


na maior parte do tempo.

Percebendo o clima gostoso, decidi entrar na brincadeira,


principalmente porque esperava que isso fosse me fazer sentir
enturmada e menos tensa.

— Ele é, sem dúvidas.

Cassian olhou para mim, mantendo o sorriso que usara


com o garotinho, e eu senti meu coração errar uma batida.
Merda... eu não podia amolecer por ele. Não depois do
que tinha acontecido.

— Você concorda com elas, Ray? Acha o tio Cassian


chato?

— Não!!!! — o menininho respondeu, mas Christina fez


um sinal para ele, tentando convencê-lo a mudar de ideia, então
ele acrescentou: — Só de vez em quando.

Claro que eu e Christina rimos, porque era a coisa mais


adorável que já tinha visto na vida.

— O que é isso? Um complô? Ah, garoto, você me paga!


— Cassian fez uma voz de vilão de desenho animado e saiu
correndo com o menino, erguendo-o um pouco mais em seus
braços e mordendo sua barriguinha.

Novamente, eu fiquei completamente fascinada com a


cena, mal conseguindo desviar os olhos.

— Ele é incrível com Ray. Vai ser um pai maravilhoso um


dia — Christina falou do nada, e eu parei de sorrir, ficando muito
séria, olhando para ela e tentando entender a mensagem por trás
da informação.

Para uma namorada de Cassian, aquela, com certeza,


deveria ser uma qualidade a ser levada em consideração, por isso
ela falou. Para mim era apenas uma frase perdida como muitas
outras poderiam ser.
Ainda assim, não consegui não olhar para os dois mais
uma vez, com uma enorme vontade de filmá-los só para mostrar
para o mundo inteiro que Cassian Greene não era o monstro que
todos pensavam que fosse.

Nenhuma pessoa que tratava uma criança daquela forma


podia ser inteiramente cruel.

Christina me guiou até o local onde o Sr. Roman estava


sentado. Havia uma mulher mais ou menos da idade da minha –
suposta – cunhada, que eu imaginei ser sua esposa.

Ela se levantou e se apresentou como Ruby, e eu me


inclinei para falar com o Sr. Roman, dando-lhe dois beijinhos no
rosto, porque ele afirmou que suas costas o estavam matando.

Nós nos sentamos em uma mesa, todos reunidos – menos


Cassian e o menino, que continuavam brincando, correndo pela
casa –, e uma limonada nos foi servida.

Eu me senti imediatamente na berlinda, quando todos


voltaram os olhos para mim.

Bem lisonjeiro de Cassian me levar para lá e me largar


com sua família, para responder às perguntas sem sua ajuda.

— E então? Como foi que você e meu irmão se


apaixonaram?

Eu não sabia se era uma pergunta capciosa para me pegar


em alguma mentira, ou se era só mesmo uma curiosidade, mas
bebi um bom gole do refresco, esperando que ele descesse bem
geladinho pela minha garganta, empurrando o nó que se formara
lá.

— Ah, foi em uma viagem... A gente... Bem... A gente já


tinha se interessado um pelo outro...

Eu e Cassian não tínhamos combinado nada daquilo. Não


ensaiamos, não criamos uma história. E se ele, depois, falasse
algo diferente? Ou pior... se já tivesse contado de outra maneira, e
eu acabasse evidenciando a mentira?

— Não é de se estranhar. Vocês ficam lindo juntos —


Ruby comentou, depois de também tomar uma golada da
limonada.

— Ficamos? — deixei escapar, por puro nervosismo. Era


uma surpresa para mim que nos vissem como um casal que
combinava, porque não éramos um casal.

Inclusive, eu precisava ficar me lembrando disso o tempo


todo, já que começava a sentir uma tendência muito traiçoeira do
meu coração de querer se abrir para Cassian.

— Nossa, vocês mais parecem um casal de comercial de


perfume — Christina falou, animada, e eu novamente me senti
corar.

Outro elogio que estava me envaidecendo.

— Obrigada, eu acho — respondi em um tom divertido.

Ficamos calados por alguns instantes, mas Christina foi


quem quebrou o silêncio.
— Meu irmão é um cara legal, Melissa. Você vai ver que
quando ele gosta de alguém, é capaz de fazer tudo por essa
pessoa. Do jeito dele, sabe? É um protetor feroz quando
necessário. Pode parecer indiferente e frio, mas é o jeito dele,
depois das coisas pelas quais passou.

Queria saber sobre essas coisas, para talvez entendê-lo um


pouco melhor. Só que eu não teria coragem de perguntar, e isso
também seria injusto. Cassian deveria contar para mim. Era uma
verdade e um segredo que só pertenciam a ele.

— O que estão falando de mim? — Cassian se


aproximou, esticando o braço para pegar a jarra de suco e um
copo para se servir. Estava próximo demais a mim, o que me fez
sentir o cheiro de sua colônia e o de sua blusa, que cheirava a
amaciante.

Deus, era um cheiro bom. Muito bom.

— Só coisas boas. E também estávamos perguntando para


Melissa como foi que vocês se apaixonaram.

Senti meus ombros tensos, com medo do que ele iria


dizer. Se contasse uma história completamente diferente da
minha, seria um enorme problema.

— Da minha parte foi fácil. Ela é que é um mistério... —


ele simplesmente jogou, saindo em seguida, com o copo na mão,
sem deixar de lançar um olhar na minha direção.

Um daqueles olhares sexy, que me faziam interpretar mil


coisas erradas.
Um olhar que começava a me perseguir, e não só
enquanto estávamos frente a frente.

Era aí que morava o perigo. E eu estava ficando cada vez


mais vulnerável a ele.
CAPÍTULO VINTE E DOIS

Eu nunca poderia reclamar das minhas visitas ao meu pai.


Adorava aquela casa, gostava de ficar com eles, matar as
saudades de Christina e de Ruby, mas, mais do que tudo, amava
Ray como nunca tinha amado ninguém em toda a minha vida.

Tudo bem que eu não amava muitas pessoas, mas ele era
muito especial.

Incansável também, aliás. Brincara o dia inteiro na


piscina, e eu tentei acompanhá-lo ao máximo, testando meu
condicionamento físico, mas me sentindo muito mais completo;
muito renovado.

Já tínhamos até perdido a hora. Ray dormia no sofá de


vime do jardim, enrolado em uma manta, enquanto eu e minha
família jogávamos pôquer. Melissa afirmara que não fazia ideia
de como se jogava, então nós a ensinamos, jogando algumas
rodadas para que aprendesse.
A noite preenchia todo o céu, deixando-o em puro breu.
Normalmente eu me sentia assim por dentro; como se uma total
escuridão, sem nenhuma estrela, me dominasse. Era uma imensa
solidão, um enorme vazio, a sensação de que eu estava fazendo
absolutamente tudo errado.

Às vezes, até mesmo quando estava entre aquelas pessoas


que eu tanto amava, a sensação era de que eu não pertencia
àquele lugar. Que eu as decepcionava constantemente, que não
demonstrava tudo o que deveria. Eu não sabia fazer com que
compreendessem que eu os amava, e isso me frustrava.

Naquela noite, porém, até aquele momento não consegui


sentir nada que não fosse... paz. Melissa tomara seu espaço entre
os meus de uma forma quase assustadora. Eles a adoraram, isso
era uma certeza, mas ela gostou deles também.

Encantou Ray de tal forma, que ele chegou a arrancar uma


flor do jardim super bem-cuidado do meu avô para dar a ela –
algo que ainda estava usando, presa na orelha, adornando seu
cabelo. Ele chamava por ela para que visse algo fofo que estava
fazendo e tentara impressioná-la com sua inteligência.

Não que fosse uma criança pouco sociável, mas daquele


jeito eu nunca tinha visto com ninguém. Especialmente uma mera
desconhecida.

Mas, também, o jeitinho como lidava com ele, como


falava com ele sem tratá-lo inteiramente como criança,
respeitando-o, mas com um carinho quase maternal, fez com que
eu me sentisse um pouco mais encantado por ela.
E a maneira como gargalhava abertamente, sem
joguinhos, sem se conter, sempre que alguém dizia algo
engraçado... era cativante.

Até mesmo meu pai não reclamara de dores no corpo nem


uma vez, e já estava lá fora no sereno há horas, sem se preocupar
com as possíveis e imaginárias pneumonias.

Tínhamos jogado incontáveis partidas. Daquela vez, todos


tinham se retirado do jogo, depois de checarem suas mãos. A
única que permanecera, embora demonstrasse preocupação, era
Melissa. Contra mim.

Nós nos olhávamos como se estivéssemos em um duelo


em meio ao Velho Oeste. As pessoas ao nosso redor tinham se
empolgado com a ideia de um casal – teoricamente apaixonado –
estar competindo daquele jeito.

Tentei estudar o rosto de Melissa, com sua sobrancelha


erguida e o sorriso malicioso. Poderia ser um blefe, especialmente
levando em consideração a forma como sempre nos
provocávamos, mas ela parecia estar muito segura de si.

— Eu acho que a gente devia apostar mais — Ruby


sussurrou para Christina, olhando para nós dois.

Minha irmã, minha cunhada e meu pai estavam


apostando. Todos em Melissa, é claro. Era pouco dinheiro, coisa
de dez dólares cada um. Entre nós, não estávamos jogando com
esse intuito, mas, naquela última rodada, queriam que as coisas
ficassem um pouco mais emocionantes.
— E eu acho que Melissa deveria desistir — falei para
ela, esperando que a combinação de cartas que tinha nas minhas
mãos fosse suficiente para vencer.

— Nunca.

— OK... você pediu, então. Baixei as cartas, mostrando


minha sequência de cinco do mesmo naipe: espadas. Era um belo
Flush, e as pessoas da minha família soltaram exclamações.
Christina, mais dramática, levou as mãos à boca.

Vi os ombros de Melissa caírem, quando ela soltou um


suspiro de derrota. Só que era uma encenação, claramente.

A garota era espertinha no jogo. Uma adversária


interessante em vários sentidos.

— É uma pena — ela falou, com uma entonação


empostada na voz. — Talvez em uma próxima vez... — Melissa
foi baixando as cartas uma a uma. A filha da mãe tinha feito um
Full House, com dois dez – um de ouros e um de copas – e três
ases. — Talvez em uma próxima vez você consiga me vencer,
Cassian Greene.

Ovações, palmas e gritinhos da minha família foram


manifestados, mas com o máximo de discrição possível, porque
se lembraram que Ray estava dormindo. Ainda assim o menino
não acordou, apenas se remexeu.

Enquanto todos continuavam comemorando, afinal,


tinham apostado em Melissa contra mim, e eu teria que pagar a
eles, nós dois nos perdíamos em um jogo de olhares cheio de
significado. Ela sorria com malícia, e eu fiquei me sentindo ainda
mais bobo.

Como era possível que parecesse tão mais bonita por


causa de um simples sorriso?

— Nossa, gente! Já passa de meia-noite! — Christina


informou, depois de checar o seu celular. Eu, sinceramente, não
fazia a menor ideia de que era tão tarde.

— Acho melhor a gente ir, né? — ela falou preocupada.


Meu pai morava em Bal Harbour, região mais luxuosa da cidade,
e nós precisávamos percorrer alguns quilômetros para retornar
para o Centro de Miami, onde Melissa morava. Depois eu ainda
iria para Brickwell, para minha casa. — Eu... eu não gosto muito
de andar de carro tão tarde... — ela soltou quase como uma
confissão, parecendo assustada.

Havia alguma história que eu ainda não sabia, porque não


era a primeira vez que Melissa parecia tensa ao falar sobre andar
de carro. Isso, sem contar, o pesadelo na noite em que dormimos
na mesma cama.

Minha família também percebeu, porque todos ficaram


em silêncio.

— Ué, por que vocês não dormem aqui? — Ruby sugeriu.

Olhei para eles, surpreso. Todos sabiam que eu não era


exatamente adepto a essa coisa de dormir fora da minha cama, em
outro ambiente, e nunca tinham pedido. Na minha opinião,
tinham percebido o quanto Melissa ficara assustada e decidiram
tentar, por ela.

O lugar era novo para a garota, uma casa com pessoas que
ela tinha conhecido naquele dia, cujo dono era o CEO da empresa
onde trabalhava. Além disso, ela precisaria novamente dormir no
mesmo quarto de seu namorado de fachada. Não era de se
surpreender que respondesse um sonoro não.

Só que ela parecia inclinada a aceitar, o que me fazia


pensar que seu medo de andar de carro, à noite, era maior que o
incômodo.

— Por mim tudo bem.

Isso surpreendeu a todos, é claro, especialmente porque eu


não era de abrir exceções.

Surpreendeu a mim também, mas eu poderia compreender


e ceder por uma mulher que estava fazendo tanto por mim.

Se eu costumava ter esse tipo de consideração


normalmente pelas pessoas? Quase nunca.

Ela assentiu, com um sorriso grato, e Christina se


levantou, pedindo que Melissa a acompanhasse para ver o quarto.
Enquanto isso, me propus a carregar o menino para cama,
seguindo atrás delas.

— Tia Mel ganhou? O jogo? — nos meus braços, Ray


perguntou, ainda sonolento.

— Sim, parceiro.
— Legal.

— Legal nada. Você deveria ter torcido por mim.

Mas ele não respondeu nada, porque voltou a dormir.

Nós nos separamos quando chegamos no topo da escada;


minha irmã entrou no quarto com Melissa, e eu levei o meu
molequinho favorito até a cama, colocando-o lá, cobrindo-o e
deixando um beijinho em sua testa.

Quando cheguei no quarto, minha irmã ainda estava


ajudando Melissa a pegar roupas de cama, avisando onde estavam
toalhas, e até oferecera uma roupa para ela dormir – o que a fez
sair para buscar, deixando-me sozinho com a garota. Claramente
nós dois estávamos muito sem graça.

— Bem, não vai ser a primeira vez que vamos dormir no


mesmo quarto, né? — ela comentou, encolhendo os ombros,
entrelaçando as duas mãos na frente do corpo, parecendo uma
menininha.

— É... não vai.

De qualquer forma, não tornava mais fácil.

Se é que algum dia seria.


CAPÍTULO VINTE E TRÊS

Querida Tabitha,
Talvez Cassian não seja tão ruim.
Talvez seja só um pouco incompreendido.
Se você estivesse aqui, se o conhecesse, seria a primeira a ver o melhor
dentro dele.
Ah, mana... eu sinto tanto a sua falta.

A cena se repetia, exatamente como acontecera no hotel.


Cassian dormindo ao meu lado na cama, mas mantendo uma
distância segura. Já tínhamos passado por situações
constrangedoras suficientes para que continuássemos evitando a
proximidade.

Por mais que eu tentasse, no entanto, não conseguia


dormir. Fiquei me revirando, de um lado para o outro,
completamente inquieta, sem nem saber direito o motivo.
Sentir-me em casa naquele lugar, com aquelas pessoas que
eu tinha acabado de conhecer, fora uma enorme surpresa, mas
como iria esperar que a família de Cassian fosse ser tão
acolhedora? Para um cara com um comportamento tão rabugento,
o meu palpite era que vivera e fora criado em um ambiente hostil
e frio.

Chegava a ser até surpreendente a forma como ele era


amado e como sua irmã, seu pai e sua cunhada eram tão simples
sendo pessoas tão ricas.

Se já não bastasse haver uma possibilidade muito grande


de eu me apaixonar por Cassian, a família dele não estava
ajudando, pelo contrário.

Consegui pegar no sono, em algum momento da noite,


mas não demorei a acordar, sobressaltada, depois de sonhar com
um carro em alta velocidade, uma estrada deserta à noite, sangue
e uma dor absurda, que eu nunca mais queria sentir.

Olhei para o lado, porque senti mãos nos meus braços, e


me surpreendi com Cassian ali, parecendo preocupado.

— Ei, está tudo bem?

Ainda demorei um pouco para me situar de onde estava e


o porquê de estarmos ali, juntos, mas respirei fundo, saindo do
atordoamento.

— Sim, foi só um pesadelo, vou ficar bem.


Não queria que ele se sentisse na obrigação de ficar de
babá de uma mulher assustada, até porque não fazia o estilo de
Cassian. Jurei que iria se virar de lado e voltar a dormir, mas
continuou ali, olhando para mim.

Novamente uma proximidade muito perigosa.

Demorei a perceber que estava tremendo, mas peguei


Cassian olhando para minhas mãos, no momento em que as ergui,
para passá-las nos cabelos, que estavam um pouco bagunçados e
caindo nos meus olhos.

Aquele sonho sempre tinha o poder de me deixar muito


mal. Fechei os olhos, para respirar fundo, sentindo-me muito
observada. Queria que Cassian parasse de me olhar, para eu poder
voltar à minha insônia sozinha, só que ele não parecia muito
propenso a isso.

— Qual a coisa mais legal que você consegue pensar


quando fecha os olhos?

E por falar em olhos, abri os meus em um rompante,


quase os arregalando, porque a última coisa que eu esperava – na
vida – era que Cassian fosse repetir a minha brincadeira de antes,
de quando o incentivei a responder, quando estávamos dormindo
juntos no hotel.

— Sério?

— Claro. Você conheceu Ray, agora entende o porquê de


ele ser um dos meus maiores motivos de alegria.
Sorri, pensando no garotinho incrível.

— Sim. Você é ótimo com ele.

— Você também foi. Ele ficou feliz que ganhou no


pôquer.

Continuei com a mesma expressão indulgente, mas aquilo


me levou a pensar.

Não queria quebrar o clima legal entre nós, mas se estava


tentando pensar um pouco melhor de Cassian, talvez fosse uma
boa escolha que descobrisse mais sobre quem ele era.

— Posso te fazer uma pergunta antes de responder a sua?


— Ele não pareceu muito confortável. — É só uma trégua,
Cassian. Não vou usar nada que me contar contra você.

Isso parecia ser algo importante a ser dito. Cassian não


confiava nas pessoas. Não estava buscando sua total confiança,
mas queria que entendesse que eu não pretendia sair contando
seus segredos para ninguém.

— Vá em frente.

— O que houve entre você e sua irmã? Vocês parecem ser


muito amigos, e todo mundo na empresa diz que a demitiu. Não
estou querendo bisbilhotar nem nada, mas juro que odeio boatos,
e mais ainda não ter as duas versões da história quando se trata de
algo que prejudica a imagem de alguém.

— Não me importo com o que pensam de mim — ele


falou muito convicto, e eu jurei que íamos ficar por isso mesmo,
mas logo completou: — Talvez eu me importe um pouco com o
que você pensa.

Não queria contestar aquela afirmação, nem ficar


insistindo em seus motivos para eu ser assim tão relevante, por
isso fiquei quieta e esperei. Caso Cassian quisesse me contar, ele
contaria. Não era o tipo de homem a ser persuadido a fazer algo
que não desejasse.

— Foi uma bobeira. Ela não queria que ninguém


soubesse, na época, que estava entrando no processo de adoção
de Ray. Minha irmã tem essa coisa de superstição, de não contar
antes porque pode dar errado. E ela sendo esposa de uma mulher,
nem todo juiz tem uma cabeça aberta e concede a guarda de uma
criança a um casal homossexual. Só que as duas estavam
apaixonadas pelo menino e queriam muito. Então Christina
decidiu parar de trabalhar na empresa e montar seu negócio para
ter mais tempo e, talvez, isso contar na decisão.

— Mas deu tudo certo, né?

— Deu. Só que na época precisamos bater o martelo bem


rápido. Ela não queria que soubessem que estava saindo da
empresa para montar seu negócio, muito menos para ser mãe. Ela
era uma herdeira, com uma carreira possivelmente consolidada.
Estava tão feliz que não queria que ninguém se metesse. Os
julgamentos seriam imensos. Então a ideia foi minha. Fingirmos
que eu a tinha demitido por alguma coisa.

— E então você ficou com a fama ruim — concluí.


Cassian deu de ombros.

— Como já disse, nunca dei muita importância a isso.

Eu sabia que havia muito mais histórias a respeito de


Cassian com as pessoas da empresa, mas eu tinha conseguido
extrair uma história, então queria lhe dar tempo. Quem sabe um
dia não me contasse todo o resto?

Era hora de responder sua pergunta.

Para isso, fechei os olhos e deixei que a primeira imagem


surgisse.

Uma garota muito parecida comigo, apenas um ano mais


nova, linda, cheia de vida, com o sorriso fácil e o coração de
princesa da Disney.

— Eu penso na minha irmã — foi a informação que lhe


dei.

— Não sabia que tinha uma.

— Ela morreu. — Abri os olhos ao falar. — Alguns anos


atrás, em um acidente de carro.

Cassian ficou calado por alguns instantes, olhando para


mim de forma solene.

— Sinto muito.

— Eu também. O mundo perdeu uma pessoa incrível. —


Uma pessoa que eu considerava muito melhor do que eu,
inclusive. — Ela amava escrever cartas. Todo mundo ganhava
uma, mais cedo ou mais tarde. — Deixei um sorriso nostálgico
curvar meus lábios. — Era assim que compartilhávamos nossos
segredos, como conversávamos quando os horários não batiam.
Sei que parece bobo, mas éramos muito amigas.

— Não é bobo.

Não dando muita atenção à resposta dele – não porque


não fosse relevante, mas porque estava muito perdida nos meus
pensamentos a respeito da minha irmã –, voltei meus olhos para o
nada, refletindo com um quentinho no coração.

— Ela era fã de Crepúsculo... Comecei a ler por causa


dela. Por isso tenho a coleção na estante. Era fã de Harry Potter
também, e de livros de romance. Foi quem me fez apaixonar por
literatura, por mais que fosse mais nova.

Finalmente olhei para Cassian, e ele estava sorrindo.

— Hoje, quando vi sua relação com sua irmã, acho que


fiquei mais abalada. Queria que fôssemos assim até hoje.

Senti uma lágrima escapar do meu olho, e, para a minha


surpresa, Cassian se apressou em estender a mão e limpá-la.

— Não sou bom nesse tipo de coisa, Melissa, mas se


fosse, te diria que ela está orgulhosa de você. Sem dúvidas está.

Eu já tinha ouvido aquele tipo de coisa um milhão de


vezes. Nunca me confortou, para ser sincera. Naquele momento,
porém, quando a morte da minha irmã já não era mais algo tão
doloroso, apenas uma saudade incômoda, fez alguma diferença.
Deixou meu coração um pouco mais confortável.

— Obrigada.

Algum tipo de trégua, exatamente como eu queria, se


formou entre nós naquela noite.

Eu só não queria admitir que não era só paz, mas eu


realmente estava me entregando de uma forma muito, muito
definitiva.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO

TRÊS MESES DEPOIS

Eu já sabia qual era o motivo de meu pai nos chamar à


sala dele, para uma reunião extraordinária, mas Melissa parecia
nervosa. Desde que começamos a “namorar”, por mais que
tivesse construído uma relação muito boa com meu pai, ainda o
temia dentro da empresa. Sempre que a convocava à sala dele,
mesmo que fosse para lhe dar um chocolate, a garota acreditava
que ia receber um sermão. E sem motivo, porque o trabalho dela
era mais do que reconhecido.

Eu tinha plena certeza de que os abutres da empresa


concordavam que ela era uma aquisição excelente, e eu já tinha
ouvido alguns deles comentando que era um desperdício que
fosse minha secretária e, mais ainda, minha namorada.

Resumindo: eles me achavam um partidão. O solteiro


mais cobiçado de Miami.
Só que não.

— Para de andar de um lado para o outro — comentei,


mas tentei colocar um tom mais gentil na minha fala. Eu podia
ser ignorante com qualquer um, mas com Melissa acabava
sempre me tornando um pouco mais suave.

Com os braços cruzados, ela me lançou um olhar de


soslaio, nada simpático, impaciente.

— Fácil falar, né?

— O que acha que meu pai vai fazer? Te demitir?

— Por mais que você esteja pagando o meu aluguel, sim,


eu tenho medo de ser demitida. Se ficar sem emprego, vou ter que
voltar para a casa dos meus pais, e não quero isso.

Eu nunca tinha parado para perguntar a Melissa muito


sobre sua história. Com exceção daquela noite em que
compartilhou comigo sobre o acidente de sua irmã, ela falava
muito pouco sobre os pais, embora sempre a visse conversando
com eles no telefone. Nunca exigiram me conhecer, mas eu
imaginava que isso tinha o dedo dela, que evitava que nos
encontrássemos pessoalmente para que a mentira fosse menos
vergonhosa.

Eu também evitava muitas coisas em relação a ela. Uma


delas era exatamente tentar descobrir mais sobre sua vida, porque
não queria que quisesse algo em troca, vindo de mim.

Só que acabei deixando escapar, porque fiquei curioso:


— Você não quer voltar a morar com eles?

— Não! — respondeu com toda convicção, mas logo


respirou fundo, corrigindo-se: — Não é que eu não goste deles ou
que a gente não se dê bem, pelo contrário. Mas consegui uma
independência e não quero perder. Depois que minha irmã
morreu, eles ficaram muito protetores. Estão quase me matando
porque pedi para não virem para cá te conhecer ainda.

— Imagino que não tenha sido fácil, para eles, perder uma
filha.

— Não, claro que não. E eu entendo. Mas por enquanto


quero ficar por aqui. Por isso preciso do emprego...

Eu podia acabar um pouco com o sofrimento dela, né?

— Não é demissão, fique tranquila.

— Você sabe o assunto? — ela chegou a se alterar, e eu só


fiquei calado. — Que traidor! Pensei que fôssemos um time.
Cúmplices!

Ela estava tão revoltada que não consegui não achar


graça.

— O assunto é com meu pai, não posso tirar sua


autoridade.

Melissa bufou, provavelmente entendendo o meu lado,


porque não insistiu.
Não demorou muito, porém, para que ele chegasse,
abrindo a porta e entrando com sua bengala. Já que eu estava de
pé, ajudei-o, mas assim que se acomodou, levou a mão ao peito e
colocou a bombinha na boca, soprando.

— O tempo está horrível. Acho que a minha sala não está


muito limpa também. Atacou a minha asma.

Ele não tinha asma. Era, no máximo, uma rinite. Mas


quem era eu para discordar?

— O senhor quer alguma coisa? — Melissa perguntou,


muito solícita. Meu pai estendeu a mão, colocando-a sobre a dela.

— Não, minha querida. Depois dessa nossa reunião eu


vou para casa. Já não consigo mais ficar aqui na empresa o dia
inteiro, e também acho que em breve não vou precisar.

Ele sorriu para mim, o que era uma mensagem clara. Logo
estaríamos conversando sobre a aposentadoria dele e a minha
ascensão ao cargo de CEO.

— Vamos direto ao ponto, Melissa. Nós estamos muito


orgulhosos do seu trabalho. Mais do que isso, tive uma reunião
com Marsha há menos de uma semana, e eu só ouvi o seu nome.
Ela ficou muito impressionada com algumas sugestões e com um
trabalho presencial que você fez na cidade. Disse que se eu não te
promovesse, iria te roubar para ser assessora dela. Então acho que
vou ter que acelerar o processo.

Melissa ficou imediatamente boquiaberta.


— Senhor, eu...

— Não fique tão surpresa. Acredito que você já tivesse


alguma noção disso. Todos comentam o quão boa você é. Mas
mesmo sabendo que ninguém duvida da sua qualidade, queria te
preservar um pouco das pessoas, a pedido de Cassian.

— Como assim?

— A minha ideia é que a gente faça essa promoção por


fora, por enquanto, ao menos até o festival passar. Você vai
receber mais, mas sem que ninguém da empresa saiba. E também
vai ter atribuições de uma assistente de produção e conteúdo, o
que aos poucos vai sendo comunicado aos funcionários. Aceita?

— Sim, sim... claro que sim.

Eu esperava que a reação dela fosse um pouco mais


efusiva, mas mesmo depois que meu pai saiu, e nós voltamos
para a nossa sala, eu a senti mais calada.

Queria fingir que não estava percebendo, que não era da


minha conta. O dia já estava acabando, era sexta-feira, ficaríamos
o final de semana inteiro sem nos vermos, e sem dúvidas na
segunda ela estaria muito mais feliz. Claro que era só uma
questão de a ficha cair.

Ainda assim, eu já estava acostumado com a versão mais


sorridente de Melissa. Até mesmo enquanto trabalhávamos, ela
costumava ouvir sua música nos fones, chegando a dançar na
cadeira. Ou então sorria ao olhar para uma das canecas que
pegava na copa. Ou via algo engraçado na internet que a fazia
gargalhar sozinha.

A companhia dela passara a ser confortável e um


contraponto para a minha amargura, que nem eu mesmo
suportava.

— O que aconteceu que você parece não ter gostado da


notícia da promoção? — Melissa pareceu ficar surpresa por eu ter
falado com ela no meio do expediente, do nada. — Não era o que
queria?

Ela suspirou e largou a caneta com a qual escrevia,


apoiando o queixo na mão.

— Eu tô muito feliz, de verdade. Só estou me


perguntando se ele não fez isso porque acha que estamos
namorando, que sou sua nora.

— Meu pai não faria isso. Eu trabalhei muito para chegar


no cargo em que estou hoje, mesmo sendo filho dele. Chris
também passou por muitos estágios, só não quis ficar.

Melissa assentiu, mas baixou os olhos, ainda preocupada.

— Foi o combinado entre nós, de qualquer forma, e eu


acho que as coisas aconteceram da melhor forma possível, você
não acha? Não foi uma imposição minha ao meu pai, por causa
do nosso acordo. Você conseguiu por seus méritos.

Mais um balançar de cabeça, e um sorriso discreto e


tímido começou a se formar. Ela estava começando a gostar da
ideia.

— Tudo bem, não vou mais pensar nisso. O que acha de a


gente sair para comemorar?

— O quê? Nós... tipo... eu e você?

— É, ué. Já que não devo contar para ninguém da minha


promoção, você é a única pessoa com quem posso comemorar.
Não quero nada de mais, só uma cerveja. Nem precisamos ficar
até muito tarde.

Eu me surpreendia por ela acreditar que estar em minha


companhia era legal o suficiente para querer que nos
encontrássemos fora do escritório. Mas a comemoração era dela,
não era? Quem eu era para julgar?

— Tudo bem, então... — respondi, tentando não


demonstrar que tinha ficado entusiasmado com a ideia.

Sendo assim, voltamos a trabalhar, enquanto o horário


comercial ainda nos exigia isso.

As horas foram passando muito mais devagar do que eu


gostaria, e comecei a acreditar que estava ansioso demais para
uma coisa tão simples. Quando deu a hora, e eu e Melissa saímos,
juntos, e entrei no carro ao lado dela, sentindo-me animado no
final de uma sexta-feira, como quase nunca acontecia.

— Para onde? — perguntei, dando a partida e começando


a sair do estacionamento do prédio da Roman.
— Tem um barzinho bem perto do meu prédio. Você pode
parar o carro lá e vamos a pé.

— Uma bela artimanha para eu te dar carona — tentei


soar divertido, o que não era minha especialidade.

— Claro. Se dá para aproveitar, por que não? — ela


respondeu sorrindo.

— Mas tudo bem, sem problemas.

Partimos para o local que ela indicou, e eu segui seu


conselho de parar o carro em seu prédio, já que ela não tinha
nenhum veículo na garagem, e a distância era realmente muito
pequena. Uns quatrocentos metros, no máximo.

Era um pouco constrangedor caminhar lado a lado com


ela, porque ao mesmo tempo em que tínhamos assunto, ainda
ficávamos um pouco desconfortáveis. Mas se isso era um
problema, imagina passar uma noite bebendo e completamente
em silêncio.

A ideia já começava a me soar bem ruim.

Entramos, e havia uma banda tocando. Rock clássico, o


que já me deixou um pouco mais animado. Nós nos aproximamos
da bancada, e Melissa cumprimentou o barman. Tirou a jaqueta,
colocou-a de lado e se acomodou. Fiz o mesmo. Eu já tinha tirado
a gravata no carro, mas ainda usava meu paletó.

Pedimos duas cervejas, e quando as garrafas foram


servidas, nós brindamos. Quase parecíamos... amigos.
E isso era bastante novo para mim. Mas não era nem um
pouco ruim. Eu gostava da sensação.
CAPÍTULO VINTE E CINCO

Querida Tabitha,
Não quero falar sobre isso.
Mas talvez eu esteja realmente me apaixonando.
Tipo: de verdade.

Tive a impressão de que a noite já seria bem melhor do


que julguei a princípio quando uma música dos The Dreams
começou a tocar. A banda era bem boa, e eu quase me esqueci
quem era a minha companhia.

Calado como sempre, Cassian assistia ao show,


bebericando sua cerveja, super atento ao cara da guitarra, como
não poderia ser diferente, já que ele também tocava.
Provavelmente deveria estar criticando mentalmente seus
acordes.
— Nem acredito que talvez os The Dreams estejam no
Eden Festival. É o mais perto que vou chegar desses meninos na
vida — comentei, parecendo uma adolescente deslumbrada. — É
o meu sonho conhecê-los.

— O sonho da sua vida inteira é conhecer pessoas? Seres


humanos, que comem, arrotam, vão ao banheiro, talvez nem
tomem banho direito?

Revirei os olhos.

— Você é muito sem graça, Cassian. Não tem ninguém no


mundo a quem você admire desse jeito? Que você ache incrível a
ponto de merecer sua estimada atenção?

— Meu pai...?

— Não, alguém que não sejam nossos pais. Eu admiro


muito os meus também, principalmente a coragem depois de
perderem minha irmã. Mas tô falando de alguém por quem você
não tenha um sentimento de família, mas que goste de algo que
faz, que acha interessante de acompanhar, que gostaria de
conhecer melhor?

Ele não parecia estar pensando, mas hesitou em responder,


dando um bom gole em sua bebida, engolindo pesado, quase
como se fosse um caroço.

— Eu admiro você.

Eu, que também estava levando a garrafa à boca enquanto


ele respondia, parei no meio do caminho, sem coragem de seguir
adiante, porque a resposta me deixou surpresa o suficiente para
que meu corpo simplesmente congelasse.

— Eu?

— É... você.

Ele não ia elaborar aquela resposta, né? Eu ficaria na


dúvida, com a pulga atrás da orelha, tentando entender como
tínhamos chegado àquele estágio, levando em consideração que
Cassian ia do inferno ao céu – e do céu ao inferno – na
velocidade da luz.

Primeiro poderia jurar que me odiava – ou que odiava o


mundo inteiro, e eu estava incluída nessa lista –, então depois ele
parecia me desejar tanto que mal conseguia se conter. Mas
voltávamos ao ponto inicial, só para chegarmos à conclusão de
que eu era uma pessoa que ele admirava.

Sua inconstância poderia me deixar completamente zonza.

— Seus padrões são ainda mais duvidosos do que os meus


— soltei, finalmente bebendo a cerveja, especialmente porque
naquele momento eu precisava urgentemente do poder do álcool.

— Não. Você é uma pessoa de carne e osso.

— Eles também. Só estão distantes demais de mim, e eu


nunca vou ter o prazer de mudar isso.

Cassian assentiu, sem dizer mais nada, e novamente


voltou seus olhos para o guitarrista da banda, que já tinha mudado
de música no set list, tocando uma bem famosa do Queen.
Eles mesclavam coisas mais modernas com rock mais
clássico, e eu tinha a impressão de que Cassian estava curtindo
mais do que queria admitir. Tanto que vi seus dedos bonitos
tamborilando na mesa, no ritmo da música.

— O guitarrista é bom, né? — comentei, depois de um


solo que, para mim, era complexo o bastante.

— É. Errou algumas notas, mas é bem decente.

Ergui a sobrancelha, esperando conseguir provocá-lo o


suficiente.

— Você faz melhor?

— Sim, eu com certeza faço.

Não que aquilo me surpreendesse, porque o lado


rabugento de Cassian o faria criticar qualquer coisa em qualquer
momento, mas o fato de ter se enaltecido em algo era novo. Ele
não era um cara egocêntrico. Na verdade, sua habilidade em
autocríticas sempre foi mais evidente para mim.

Dificilmente admitia que era competente, esforçado,


talentoso... nem mesmo bonito – embora achasse que não se
importava muito com isso.

Falar que tinha real talento na guitarra me deixava


bastante curiosa para entender mais sobre.

— Qual é a sua com a guitarra? Aprendeu para ficar


tocando no escritório, perturbando o trabalho dos outros? — falei
em um tom divertido, esperando que não considerasse uma
crítica.

Não que eu achasse sua atitude muito legal, claro, mas


não era o momento de repreendê-lo.

— Tem a ver com a minha mãe. Ela era professora de


violão. Meu pai a conheceu assim, tocando em um barzinho.
Ainda era casado com a mãe de Christina, mas não contou a ela.
Sempre lhe dizia que foi a música que o encantou e depois o
resto. Quando ele contou que tinha esposa, minha mãe logo
descobriu que estava grávida e nunca mais tocou.

— E então ela te incentivou?

— Não. Ela passou a odiar música. Eu aprendi escondido,


com um amigo. Juntei meu dinheiro da mesada para comprar meu
primeiro violão, mas quando fui mostrar, todo orgulhoso, que
tinha um e sabia tocar, ela o quebrou.

— Meu Deus, Cassian!

— Eu me lembro de ficar com raiva, mas a minha mãe era


assim. Ela sempre me viu como um estorvo. Estraguei a vida
dela, algo que nunca me deixou esquecer.

Aquilo fazia muito sentido. Na verdade, era uma boa


explicação para muitas coisas, principalmente o fato de Cassian
não gostar de ninguém, de ter seu pé atrás. Não apenas o fato de
sempre ser lembrado de que era um filho bastardo, naquele
momento compreendi que a mãe dele o tratava da mesma forma.
Ou seja, ele passou a vida inteira se sentindo indesejado, um
acidente, um problema.

Tive muita vontade de estender a minha mão e tocá-lo no


rosto, de dizer algo significativo, de fazê-lo compreender que,
para mim, ele não era nada disso. Era só um cara
incompreendido.

Mas, mais do que isso, adoraria sugerir que procurasse


ajuda, que fizesse algum tipo de terapia para aprender a lidar
melhor com seus traumas – que eu podia jurar que não eram
apenas aqueles e que ainda havia outros sobre os quais não falara.

— Quando fiquei um pouco mais velho e reencontrei o


meu pai, que ele me assumiu e que fomos morar juntos, voltei a
tocar, mas guitarra, porque era uma forma de me expressar de um
jeito mais agressivo.

— Por isso você toca quando está com raiva?

— É... bem isso.

Tentei estudar o rosto de Cassian para buscar algum tipo


de expressão que denunciasse que estava triste, chateado ou
emocionado, mas nada disse se manifestou. Ele parecia
impassível, muito sério, carrancudo como sempre.

Deu mais um gole na bebida. Respirou fundo, mas voltou


a prestar atenção no guitarrista.

Pedi licença, com uma ideia, e fingi que ia ao banheiro.


Aproximei-me de um dos rapazes da banda e perguntei se o meu
amigo poderia tocar alguma música quando eles voltassem.

Cassian me odiaria, mas queria muito que ele pudesse


associar a música a algo bom.

O pessoal foi super-receptivo, então eu fui até o meio do


palco, pegando o microfone da mão do vocalista, que o entregou
a mim. Lancei um olhar a Cassian, que retesou os ombros, me
encarando sem entender o que eu ia fazer.

Completamente tímida, ergui o microfone até a boca,


começando a falar:

— Boa noite, gente. Estou acompanhada por um amigo,


que é um ótimo guitarrista. Só que ele é um pouco tímido, queria
que vocês me ajudassem a incentivá-lo a subir ao palco para
tocar.

Então eu comecei a bater palmas e gritar “Cass”. As


pessoas me acompanharam, e eu apontei para o homem, que mais
parecia uma estátua no meio do bar.

Com muito esforço ele pousou sua cerveja sobre o balcão


e veio até mim, subindo no palco. Ao passar ao meu lado,
inclinou-se e sussurrou no meu ouvido:

— Eu vou te matar.

Não pude deixar de rir, principalmente porque mesmo


estando muito constrangido, aceitou a guitarra do membro da
banda, posicionou-se e conversou algo com os outros integrantes.
Desci do palco e me coloquei no meio do salão, com as
outras pessoas que se reuniram para ouvi-lo tocar.

Antes de começar, Cassian tirou o paletó, colocando-o


sobre um banquinho e arregaçou as mangas da camisa cinza que
usava, expondo os punhos fortes, dos quais não consegui tirar os
olhos, principalmente quando ele testou a guitarra fazendo um
solo que era, de fato, bem mais elaborado do que o do outro cara.

Exibido.

A música começou, e era algo do Pink Floyd, o que


deixou as pessoas bem animadas.

Cassian não só era um excelente guitarrista, mas ele


ficava terrivelmente sexy enquanto tocava. Suas mãos eram
precisas nas cordas, tanto a que se se posicionava no braço,
fazendo os acordes, quanto a que dava o ritmo.

As expressões de seu rosto, que aos poucos iam parecendo


mais animadas, conforme ia entrando no clima, também eram
muito sensuais. E eu gostava de vê-lo curtindo o momento. Tinha
a impressão de que não aproveitava a vida como deveria. Era
jovem demais para se esconder em sua própria melancolia e
amargura.

Quando se voltava para mim, eu chegava a me sentir


estremecer, especialmente porque havia um milhão de
significados na intensidade de seu olhar.

Mas eu realmente quase derreti quando a música terminou


e os rapazes convidaram Cassian para escolher mais uma. No
ouvido do vocalista, ele cochichou algo, que foi discutido com a
banda.

Logo os primeiros acordes de Oh, Pretty Woman


começaram, e eu compreendi:

Estava apaixonada por Cassian Greene. Era isso. Game


over para mim.

Ao final do pequeno show, Cassian desceu com um


sorriso no rosto, que ele nem tentou disfarçar, embora tivesse
decidido não fazer muitos comentários, o que eu respeitei, ao
menos enquanto bebíamos mais uma cerveja.

No caminho para casa, porém, não resisti.

— Tenho que admitir que você realmente toca melhor do


que o cara da banda. E é mais bonito também. — Ok, eu tinha
falado demais. Talvez pudesse culpar as duas cervejas, embora
claramente não estivesse sequer embriagada.

Cassian olhou para mim com uma sobrancelha erguida.

— Você acha?

— Qual das duas coisas?

— As duas... talvez.

Sorri, tentando ser misteriosa, esperando que o fato de


termos chegado no meu prédio me ajudasse a ganhar tempo para
não precisar repetir o que tinha dito.
Tirei a chave da bolsa e levei ao portão. Estava de costas
para ele, tentando acertar a fechadura com minhas mãos
levemente trêmulas. Não sabia sequer o motivo de tanto
nervosismo, mas meu peito também estava pesado.

Sem dúvidas era a constatação de mais cedo de que meu


coração estava começando a reconhecer um sentimento perigoso.
Mas, mais do que isso, havia a certeza de que Cassian não faria
absolutamente nada a respeito daquela coisa incômoda e
absurdamente quente que havia entre nós.

Uma certeza que me machucava, mas era muito latente.

Eu não podia estar mais enganada.

Acabara de conseguir virar a chave pela primeira vez,


embora ainda não tivesse empurrado o portão para abri-lo quando
meu braço foi agarrado, e uma mão forte me girou de súbito, tão
rápido que eu poderia jurar que era o planeta rodando mais
rápido, ou o resultado de um terremoto.

Não importava que estivéssemos no meio da rua, em


frente ao meu prédio, Cassian agarrou meus punhos, prendendo-
os à grade, e veio em minha direção, encostando seu corpo no
meu, imprensando-me, e nem me deu tempo de tentar entender o
que estava acontecendo, porque logo sua boca buscou a minha
com um resmungo, como se ele estivesse frustrado por se dar por
vencido.

Não foi um selinho. Não foi algo rápido e suave. Foi um


beijo com fome, com raiva. Cassian abriu minha boca de forma
exigente e girou sua língua contra a minha, fazendo-as se
encontrarem sem nenhuma cortesia, apenas um senso de
possessividade de deixar qualquer perna bamba.

Parecia só desejo, só frenesi, mas então soltou minhas


mãos, e uma das dele foi parar no meu rosto, posicionando-se
firmemente, mas com certa gentileza.

Abracei-o, ainda meio atordoada, mas entrando no clima


muito rapidamente, porque... meu Deus... que beijo.

Seu outro braço enlaçou minha cintura, e Cassian parecia


tão desesperadamente dentro do momento que eu cheguei a sentir
os pés fora do chão pela forma como me segurou, ainda contra o
portão, embora fosse só um pouquinho.

Ouvi rosnados, grunhidos e até um pequeno gemido como


sons de nosso beijo, e eu não sabia qual saía de mim e qual saía
dele. Mas também não importava. A forma como nos conectamos
foi diferente de qualquer coisa que já tivesse sentido.

Quando Cassian me colocou no chão, cheguei a precisar


me segurar nele para me firmar, enquanto encostava a testa na
minha, sem dizer nada, apenas respirando fundo, arfante, tal
como eu. Ele era um homem de poucas palavras normalmente, e
eu não fazia ideia do que dizer. Ou seja, o silêncio foi nosso
cúmplice.

Deu um passo para trás, ainda me olhando, e eu continuei


olhando para ele.
Então eu me virei de costas, terminei de abrir o portão, e
nós seguimos até a garagem, no elevador, até o carro.

Senti que hesitou antes de entrar, mas eu o incentivei,


dizendo um:

— Boa noite.

Cassian balançou a cabeça, entrou e partiu, deixando-me


atordoada, sem saber se o que tinha acontecido era sonho ou
realidade.

Muito menos o que faríamos dali em diante com aquela


confusão toda que criamos.
CAPÍTULO VINTE E SEIS

Querida Tabitha,
As coisas estão confusas dentro de mim.
Não sei mais o que pensar, como agir.
Não sei o que te contar.
Não sei nem mesmo mais o que eu quero, o que devo fazer.
Novamente... queria que você estivesse aqui para me aconselhar.

A batida da música ecoava dentro dos meus ouvidos,


enquanto eu olhava de um lado para o outro. Queria me enganar
dizendo que estava analisando o evento como um todo, já que era
parte de uma obra minha, mas estava, na verdade, procurando por
Cassian.

Chegamos de van, no local, com algumas pessoas da


empresa, e ele fora conosco também. Logo que saltamos, eu não
o vi mais.
Era assim que as coisas tinham ficado entre nós depois do
beijo. Nada mais de saídas divertidas para barzinhos, nada mais
de confissões a respeito de passado. Ele voltara a ser o Cassian
rabugento de sempre, voltamos a trabalhar juntos, a fingir que
éramos namorados, e quase funcionávamos daquela maneira.

Tudo parecia o mesmo de antes.

Exceto que não era.

Não dentro do meu coração.

Não apenas porque eu queria que algum de nós dissesse


alguma coisa, mas porque passei a conhecer um pouco mais dele,
e sabia que havia uma quantidade absurda de ressentimento
naquela mente; ele sofria calado e aceitava as coisas que falavam
sobre ele sem reclamar.

Eu sabia a real história da demissão de sua irmã. Sabia o


que passou com sua mãe. Sabia o quanto era maravilhoso com o
sobrinho. Sabia que tinha uma família maravilhosa. Sabia que
gostava de música e tocava guitarra como um rock star.

Sabia que tinha aprendido a gostar daquele cara peculiar,


de um jeito muito intenso, mas precisava calar todas aquelas
verdades, não só para mim, mas para os outros.

— Cara, isso aqui está maravilhoso! — Frances parou ao


meu lado, em companhia de dois rapazes. Um deles eu sabia que
estava meio que saindo com ela, e ambos eram da empresa, mas o
outro eu praticamente não conhecia. — Parabéns, amiga.
Arrasou.
— Não é mérito só meu. Várias pessoas da empresa se
esforçaram muito — falei, tentando fazer minha voz sobressair
aos sons do festival. A banda anterior tinha terminado o seu show,
e logo começariam os The Dreams. Eu estava animadíssima, no
meio da plateia, com meu crachá, sob um por do sol
cinematográfico. O tempo estava fresco, mesmo que não
parássemos de nos mexer, então tudo estava perfeito.

— Sim, mas algumas ideias foram suas que eu sei.


Comprei umas coisas lindas em uma barraquinha de artesanato
local. Já quero voltar na cidade para experimentar mais da
gastronomia. E sei que isso é tudo por sua causa.

Eu não ia me fazer de rogada. Precisava aceitar o elogio e


o fato de que realmente era um dos meus méritos.

De Cassian também, mas ele não estava lá para que eu


pudesse elogiá-lo.

Eu e Frances conversamos mais um pouco, até que ela se


afastou de mim, para comprar alguma coisa, levando sua
companhia. Demorei um pouco a perceber que o outro rapaz
permaneceu ao meu lado, sem que eu nem entendesse muito bem
o motivo, já que mal tínhamos conversado e eu nem sabia o seu
nome.

Olhei para ele, um pouco incomodada, e até abri um


sorriso meio amarelo, mas a forma como retribuiu não foi tão
gentil, só levemente maliciosa. O copo de cerveja em sua mão
estava vazio, e algo me dizia que não fora o único que bebera.
Afastei-me, tentando me aproximar um pouco mais do
palco, e filmei algumas coisas para mandar para a minha mãe,
que estava curiosa para saber mais sobre o evento que eu tinha
ajudado a criar.

Eu estava orgulhosa. Pensei no que Frances tinha dito e no


quanto me esforcei para ajudar Cassian e a equipe a pensar em
cada detalhe, e sorri, acreditando que tinha nascido mesmo para
trabalhar naquele ramo; para me dedicar à cultura e a tudo o que
ela podia proporcionar às pessoas. Porque elas estavam felizes.
Assim como eu também.

Só que fiquei mais ainda quando o primeiro acorde de


uma música que eu adorava anunciou que os The Dreams já
estavam prontos para entrar no palco. Comecei a pular no mesmo
lugar, sozinha, batendo palmas e preparando o celular para gravar
pelo menos a entrada deles. Não pretendia fazer mais vídeos,
porque queria curtir o show, mas ao menos aquele momento
icônico eu queria ter registrado.

Ergui a câmera, dando play, cantando junto com eles, até


que senti mãos na minha cintura.

Por um momento quase relaxei, acreditando que poderia


ser Cassian, mas uma voz desconhecida sussurrou no meu
ouvido:

— Se quiser, te coloco nas minhas costas para assistir ao


show.
Poderia ser uma oferta inocente, mas aquelas mãos
abusadas na minha cintura me incomodaram o suficiente para que
eu desse um pulo para me afastar do cara, parando minha
gravação.

Olhei-o por sobre o ombro, ainda percebendo a forma


como estava me observando, chegando a passar a língua pelo
lábio inferior, como se quisesse me devorar.

— Não, obrigada.

Esperei que isso, somado ao tom de voz convicto e direto,


me deixassem livre dele, mas o cara não saiu de perto. Ele estava
estragando o show para mim, porque me senti incomodada o
tempo inteiro, e nem podia dizer nada, porque teoricamente não
estava mais fazendo nada para ser repreendido.

Na segunda música, que eu gostava ainda mais do que a


primeira, decidi esquecer o idiota e curtir. Comecei a pular e
cantar junto, mas novamente senti as mãos dele me tocando.

Na porra da minha bunda.

Girei o braço, acertando o cotovelo em sua barriga, mas


não com a força que eu gostaria.

— Porra, gata, o que foi? Só estou tentando a sorte... É


crime? — ele falou, naquele tipo de papinho que só os caras
muito babacas acreditavam que era aceitável.

— Eu não estou interessada, obrigada.


Voltei meu corpo mais uma vez para frente, esperando que
aquilo fosse suficiente, mas seu toque insistente me tirou da vibe
outra vez.

Só que antes que eu pudesse me defender, senti mais uma


presença entre nós e quando olhei para ver o que estava
acontecendo, Cassian tinha aparecido do nada, agarrando o
sujeito pela camisa e afastando-o de mim como se ele fosse nada
mais do que um trapo.

— Tira a mão da minha namorada! — ele rosnou como


um selvagem, e sua expressão era de puro ódio.

Eu não era namorada de Cassian de verdade, né? Mas


naquele momento quis ser. Quis ser defendida com tanta
ferocidade daquele jeito; quis que meu homem olhasse para
alguém que tentara me incomodar com raiva, com o cenho
franzido e a expressão animalesca, pronta para a briga.

Só que Cassian era maior que o cara. Bem maior. Tive a


impressão de que ele não iria tentar a sorte.

— Não devia ter deixado a moça sozinha...

— Saia. Daqui. — Novamente aquele rosnado sexy. Ele


estava com ciúme de verdade? Era possível?

O cara deu uma olhada para mim, mas desistiu, porque


claramente não tinha aliados no momento.

Meus olhos se voltaram para Cassian, e ele ainda estava


vigiando os passos do filho da mãe, como se quisesse se certificar
de que iria realmente se afastar e me deixar em paz.

— Obrigada — falei, porque ele merecia ao menos a


minha gratidão.

— De nada. Agora assista o seu show. Vou ficar aqui.

E ele ficou. Colocou-se atrás de mim, com os braços


cruzados, quase como se eu tivesse contratado um segurança.

Era fofo.

Era uma merda. Porque só fazia com que eu me


apaixonasse ainda mais.

Só não pensei nisso no momento, porque queria


finalmente curtir minha banda favorita.

Em vários momentos olhei para trás, e ele estava me


observando, meio bobo, quase sorrindo. Não sabia de onde tinha
surgido, o que ficara fazendo até aquele momento, e se eu
estivesse um pouco mais bêbada teria começado uma pequena
discussão.

Aproveitaria a música mais melosa da banda para


começar um interrogatório e tentar entender o que diabos aquele
cara queria comigo. Por que parecia tão fofo, tão adorável, só
para depois me ignorar e se fechar outra vez, transformando-se de
borboleta em lagarta – uma analogia meio desencontrada, mas
combinava.

Ainda assim, fiquei calada mais uma vez, apenas


aproveitando cada segundo do show do The Dreams, e quando
acabou, eu estava em êxtase.

Jurava que Cassian nem estaria mais lá, mas o encontrei


ainda parado, ainda me guardando, cuidando para que eu pudesse
me divertir sem me preocupar com engraçadinhos.

— Uau! Foi incrível! — comentei. Ele ia dizer alguma


coisa, mas ergui uma das mãos, impedindo-o. — Ai de você se
disser o contrário. A banda é maravilhosa, e dane-se se você não
gosta deles. O momento é meu.

— Eu não ia dizer isso.

— Ia elogiar?

— Não dessa forma, mas ia dizer que eles foram muito


legais quando eu disse que conhecia uma pessoa que adoraria
entrar no camarim depois do show para tirar uma foto com eles.

Fiquei boquiaberta. Claro que ele estava brincando.

Uma brincadeira muito sem graça, aliás.

— É sério isso? — indaguei, e ele apenas assentiu. —


Essa pessoa sou eu?

— Quem mais seria?

Levei ambas as mãos à boca, mal conseguindo conter o


meu grito.

— Eu vou conhecer os The Dreams? — Cassian assentiu


mais uma vez, sem muito entusiasmo, enquanto eu estava
surtando. — Como conseguiu isso?
— Com ajuda da Marsha, que me levou a uma pessoa,
que me levou ao empresário deles, e eu cheguei aos caras. Acho
que você vai ficar feliz em saber que são bem gente boa. Talvez
tenha algum bom motivo para admirá-los, no final das contas.

Eu mal sabia o que fazer.

Aquele homem, à minha frente, se dera ao trabalho de


conseguir que eu pudesse entrar no camarim da minha banda
favorita, falar com eles, e sem dúvidas não fora simples, porque
ele ficara horas desaparecido. Só podia ser esse o motivo.

Cassian era... imprevisível.

E também maravilhoso.

E frustrantemente difícil de desvendar.

Mas eu estava louca por ele.

Sem qualquer planejamento, me lancei sobre ele,


entrelaçando as pernas em sua cintura, abraçando-o como um
macaquinho. Senti seus braços sob as minhas coxas, amparando-
me com firmeza, dando-me a segurança de que não me deixaria
cair.

— Obrigada! — exclamei meio chorosa, emocionada,


ansiosa, quase não acreditando que era real.

Agarrei-o pelo pescoço, apertando-o contra mim e


colocando a cabeça em seu ombro, não querendo sair de seus
braços nunca.
Senti que ele suspirou, inclinando o rosto na direção do
meu, para que ficássemos mais próximos. Se é que era possível,
naquela posição em que estávamos.

— Em algum momento você precisa ir até lá para


conhecê-los. Ou quer que eu te carregue assim, desse jeito? Vai
ser um espetáculo e tanto. — Apesar de parecer uma repreensão,
Cassian falou com tanta doçura que eu quase derreti.

Com um pulo, voltei para o chão, colocando-me à sua


frente. Na ponta dos pés, plantei um beijo em seu rosto, ainda
sorrindo, vendo-o ficar muito sério com aquele contato.

O que me deixava novamente intrigada.

Ainda assim, não importava. Eu tinha um grande


momento para vivenciar.

— Podemos ir.

Ele me deu a mão, para que passássemos pela multidão


sem nos perder um do outro, e eu fui guiada até a área VIP, onde
os artistas estavam alojados.

Passei pelo guitarrista de outra banda que começaria a


tocar dali a pouco, mal conseguindo fingir costume. Então havia
outros rostos conhecidos, famosos, o que tornou o caminho mais
curto, porque eu não conseguia parar de prestar atenção nos
arredores.

Paramos diante da porta, e Cassian conversou com o


segurança, que parecia já saber do acordo.
— Agora é só entrar — ele falou para mim, e eu precisei
respirar fundo.

— Estou nervosa — confessei, o que o fez abrir um


daqueles sorrisos econômicos, mas tão bonitos que me davam
vontade de pedir que fizesse aquilo o tempo todo.

— Vá nervosa mesmo. É o seu sonho, não é?

— Sim, e você o realizou.

Cassian não se vangloriou por isso, e eu nem tive tempo


de falar muito mais, porque o segurança abriu a porta para mim,
guiando-me para que entrasse. Fiquei um pouco parada, no
mesmo lugar, depois de dar alguns passos, olhando para aquelas
pessoas que eu admirava, que atendiam a outra fã, completamente
histérica, que não parava de chorar.

Eu seria a próxima.

Uma olhada por cima do ombro, no entanto, me fez


pensar que havia outra pessoa que eu admirava lá fora, a quem eu
devia muito mais do que um abraço e um beijo bobo no rosto.

Talvez eu devesse dizer como me sentia. Talvez, se eu


confessasse que estava apaixonada, naquele momento louco, ele
falasse algo que eu quisesse ouvir.

Era só voltar e dizer... meu momento de coragem.

Só que Cassian não estava mais lá. E eu perdi uma


oportunidade.
Mas não seria a única.
CAPÍTULO VINTE E SETE

O festival terminou tarde, e nós ainda conversamos com


Marsha. Ela estava encantada, elogiando a empresa, falando sem
parar, enquanto tudo o que eu queria era voltar para o hotel, tomar
um banho e me jogar na cama, comendo um pedaço de pizza e
tentando dormir, embora acreditasse que era uma coisa que não
conseguiria fazer tão cedo.

A porra da imagem de Melissa não saía da minha cabeça.


E o pior era que eu tinha dois momentos mais frescos, que não
me deixavam pensar em qualquer outra coisa. Uma delas, é claro,
era sua alegria ao saber que ia conhecer a banda preferida. A
forma como se jogara nos meus braços, o jeito como se
aconchegara em mim e o carinho com que me agradeceu. Não
precisava de tanto, porque só fiz o que estava ao meu alcance
fazer, mas o jeitinho daquela garota era especial. Não adiantava
que eu tentasse negar que ela mexia comigo, porque era naqueles
pequenos detalhes que eu percebia mais e mais.
Só que teria continuado somente como uma impressão,
porém, a crise de ciúme que eu tive quando vi o filho da puta
colocando as mãos nela sem permissão, foi o estopim.

Ela era minha namorada, ao menos publicamente. Não só


a empresa inteira sabia disso, mas saíra na mídia. Por que aquele
babaca não tinha respeitado isso?

Por que não tinha respeitado Melissa quando ela disse


não?

Senti o sangue correr mais quente pelas minhas veias,


com a onda de raiva.

Não tinha minha guitarra por lá, mas estava com meu
violão, e isso teria que servir.

Naquela noite, confessei alguns dos meus segredos para


Melissa. Expliquei a ela o porquê de o instrumento me remeter a
momentos bons e ruins ao mesmo tempo, e o porquê de eu usá-lo
como válvula de escape.

Quando mais novo, sonhei em ser um rock star, mas


nunca tinha pisado em um palco, por causa das memórias da
minha mãe, mas Melissa mudou isso.

Porra, quantas coisas ela não tinha mudado desde que


entrara na minha vida? – foi o que pensei enquanto dedilhava
algo indefinido no violão.

Pensar nela se tornara uma constante, e eu poderia me


irritar com isso – como acontecia com a maioria das coisas –, mas
era até agradável. Bem-vindo.

Sorri quando a imagem dela começou a surgir novamente


na minha cabeça, toda boba e animada para conhecer a banda
preferida. Fechei os olhos, deixando que a música fosse me
embalando. Entrei em um transe tão poderoso que nem cheguei a
me importar com o barulho da porta do quarto de hotel se
abrindo.

Não ouvi os passos, só escutava o dedilhado que eu


mesmo produzia.

Uma mão se colocou sobre a minha, fazendo-me parar de


tocar. Abri os olhos, acreditando que estava em meio a um sonho.

A linda mulher que não saía dos meus pensamentos


começou a retirar o instrumento dos meus braços, substituindo-o,
sentando-se no meu colo, com uma perna de cada lado dos meus
quadris, de frente para mim.

— Você realmente toca muito bem — ela comentou em


um sussurro sensual e suave. Levei minhas mãos à sua cintura,
ainda meio preso nas sensações oníricas, com a impressão de que
não era real.

Eu tinha bebido um pouco, mas não o suficiente para estar


alucinando.

Melissa pegou minha mão e a levou à sua boca, beijando


os dedos que há pouco estiveram dedilhando o violão...
Eu queria dedilhá-la também. Queria criar música não no
instrumento, mas vinda de sua voz, de seus gemidos.

Mas precisava ir com calma... entender o que ela também


queria.

— Você quer me tocar também, Cass?

Era até difícil de acreditar que estava me fazendo aquela


pergunta. Por tantos dias fiquei perdido no limbo de acreditar que
desejava uma mulher que, por mais que tivesse algum tipo de
atração por mim, não estava na mesma sintonia que eu.

Por que ela iria querer o homem rude e que lhe causara
tanto transtorno? O homem que estragava tudo em que punha as
mãos?

Só que ela, talvez, fosse mais louca do que eu, porque


estava ali, pronta para se entregar.

— Quero, Melissa. É tudo o que mais quero.

Fechei os dedos em sua cintura fina, apertando-a e


soltando o ar por entre os dentes, sibilando e respirando fundo,
ainda me sentindo desconcertado o suficiente para ficar
paralisado, sem saber se deveria ou não tomar alguma atitude.

Ela tirou minhas mãos de seu corpo por alguns instantes,


levando-as à barra de sua camisa, indicando que queria que eu a
tirasse.

Arranquei-a de dentro da calça jeans, puxando-a, mas


empurrando-a com meus antebraços, para cima, enquanto passava
a mão inteira por sua pele, sentindo-a quente e macia.

Joguei o tecido no chão, soltando seu cabelo, deixando as


mechas caírem por sobre os ombros, em uma cascata
desorganizada e ondulados. Eu estava acostumado a vê-lo com
eles lisos, provavelmente escovados, mas o ar um pouco mais
displicente a deixava com uma aparência selvagem e mais
rebelde. Combinando com a reação de uma mulher que se sentara
no meu colo e que me pedira para tocá-la.

— Você nem sempre está de óculos — comentei com ela.

— Só preciso deles para leitura. Acabo deixando-os no


trabalho por ser mais prático.

Assenti, meio bobo. Não era uma pergunta para se fazer


naquele momento, mas, completamente em transe, nem pensei
nisso.

Voltei minha atenção para ela, para a parte de seu colo e


seios. Usava um sutiã branco, com uma abertura frontal, que eu
não desperdiçaria. Por enquanto, porém, usaria o tecido rendado
para intensificar a sensação do toque.

Deixei que as unhas da minha mão direita, que eram um


pouco maiores para que eu pudesse puxar as cordas do violão
com mais facilidade, arranhassem seus mamilos por baixo da
peça, bem devagarzinho, sem pressa. Melissa arfou
deliciosamente, abrindo os lábios, convidando-me a usar o crachá
que ela usava no pescoço para puxá-la para mim, agarrando a
cordinha.
Nossas bocas se encontraram tal como na primeira vez:
esperei que pudesse beijá-la lento, acompanhando o ritmo que
minha mão assumira em seus seios, mas era impossível. O gosto
de Melissa era viciante demais para que eu conseguisse ser
comedido.

Enrolei a corda do crachá um pouco mais no meu punho,


para que isso me possibilitasse mantê-la mais perto de mim,
embora a física não nos permitisse mais do que aquilo que já
tínhamos.

Melissa espalmou as mãos no meu peito, deixando que


passeassem, explorando meus músculos, como se quisesse me
sentir também, assim como eu queria tocar cada parte dela.

Nossas línguas encontraram o ritmo muito rápido, e


enquanto ainda a mantinha refém da minha mão, com a corda
presa ao seu pescoço, usei a outra para abrir seu sutiã durante o
beijo.

Ainda explorava sua boca, em um vai e vem de línguas


insano, inclinando a cabeça para conseguir mais e mais dela,
quando meus dedos encontraram um mamilo quente e rígido
como pedra.

Tomei-o entre dois dedos com força, sem parar de beijá-


la, girando-o.

Melissa tentou afastar sua cabeça, provavelmente para


gemer ou ofegar, mas eu tinha o controle no momento, porque
não soltei seu crachá.
Não queria parar de beijá-la. Era o meu momento, e eu
não iria desperdiçá-lo.

Brinquei com os dois seios, até que parei de beijá-la,


empurrando-a um pouco para que inclinasse as costas para trás,
dando-me oportunidade de levar um dos mamilos à boca,
enquanto continuava segurando-a. Lambi e chupei, deixando a
mão livre pronta para me ocupar do outro, girando-o e
arranhando-o.

Melissa gemeu deliciosamente, e eu sorri contra sua pele,


sentindo-me melhor do que nunca.

Com um braço ao redor de sua cintura eu a trouxe de volta


contra o meu peito, segurando-a pelas coxas e me levantando com
ela entrelaçada à minha cintura.

— Segure-se.

Ela assentiu, e eu consegui sustentá-la com um braço só,


agachando-me para pegar o violão. Ele iria conosco.

Levei Melissa para a cama, colocando-a lá com cuidado,


deixando o instrumento ao nosso lado. Posicionei-me acima de
seu corpo, e nós nos tornamos uma confusão de mãos, enquanto
eu arrancava sua calça, e ela também me despia.

Paramos por alguns instantes para nos olharmos. Ou


melhor... para nos devorarmos com os olhos. Por último, eu tirei
minha cueca, deixando meu pau já muito duro, ser liberto.
Os olhos de Melissa se voltaram imediatamente para ele, e
ela levou uma das mãos imediatamente, querendo tocá-lo, mas
tirei, segurando-a ao lado de seu corpo.

— Se você me tocar agora, vai ser minha ruína. Vamos


nos divertir um pouco mais — ela assentiu, balançando a cabeça
quase em obediência. — Você quer que eu te toque como toco
meu violão?

— Sim, Cass. Eu quero.

Sentado sobre as coxas dela, mas usando minhas próprias


para não colocar muito peso em seu corpo, levei o dedo ao seu
clitóris primeiro, massageando devagar, posicionando o violão de
um jeito que eu conseguisse tocá-lo ao mesmo tempo em que a
tocava também.

Continuei a exploração suave, descendo um pouco até


encontrar sua fenda. Ela estava molhada, o que me obrigou a
respirar bem fundo.

No momento em que um dos meus dedos a penetrou,


estocando fundo, eu puxei uma das cordas do violão, quase como
se criasse um uníssono, embora o corpo dela permanecesse em
silêncio. Não podia dizer o mesmo de sua boca, que soltou um
gemido sensual, como o miado de uma gatinha.

Mais uma estocada, mais um acorde soando em meio aos


gemidos.

Repeti os movimentos algumas vezes, até que tirei o dedo,


erguendo-me e me colocando em joelhos e dando espaço para
poder girá-la na cama. Tirei o crachá de seu pescoço e me arrastei
na cama, chegando aos pés dela, usando-o para colocá-lo em suas
pernas, subindo-o até suas coxas, até um ponto em que eu
conseguia prender o pedaço que sobrara, usando o objeto para
mantê-la com as pernas completamente fechadas.

Desse jeito, ergui seus quadris e coloquei dois travesseiros


sob sua barriga para que ela ficasse arqueada. Então eu a penetrei
novamente, mas com dois dedos ao invés de um. Com as pernas
fechadas e imóveis, ela estava tão apertada que minha cabeça
chegou a ficar zonza só de imaginar como seria estar dentro dela,
com aquela sensação no meu pau.

Melissa gritou quando eu estoquei novamente, enquanto


dedilhava o violão, puxando a corda com mais força quando
também colocava mais intensidade na forma como a masturbava.

— Cass! — ela gritou meu nome, e essa música sem


dúvidas era a mais bonita que eu poderia ouvir, não importava o
quanto eu amasse o som do violão.

Inclinei-me, combinando o movimento das duas mãos


com a minha boca, que usei para beijar suas costas, traçando uma
língua em sua coluna com a minha língua.

— Eu quero estar dentro de você, Melissa. Porra, eu quero


muito.

— Me fode, Cass. Agora, por favor.

Foder?
Uau. Aí estava uma palavra que não esperei ouvir vinda
de Melissa.

Mas eu não ia deixar a oportunidade passar.

Precisei me levantar, deixando-a naquela mesma posição,


porque tinha que pegar a camisinha. Estava na minha mala, no
canto do quarto. Nem sabia porque tinha levado, já que realmente
não esperava que fôssemos terminar na cama, mas era melhor
prevenir.

Enquanto abria a carteira, fiquei olhando para ela, que


abriu um sorriso para mim.

— Deveria ser uma posição meio humilhante, não? — ela


perguntou, em um tom de brincadeira.

— De forma alguma, você está linda. Tentadora.

Então ela olhou para o meu pau, que parecia mais vivo do
que nunca, e seu sorriso se tornou um pouco mais malicioso.

— Você também...

O jeito como sua voz soou me fez até estremecer.

Com a camisinha já na mão, caminhei até ela, colocando-a


e levei mais uma vez o dedo à sua boceta, que estava mais do que
molhada. Estava encharcada.

— Eu vou te comer sem dó, Melissa. Não vai ser


delicado, porque eu não sou assim. Estou com tanto tesão que
chega a doer.
— Então desconte tudo isso em mim.

Porra! O que tinha acontecido com a minha doce


assistente, que parecia tão recatada e inocente?

Já com a camisinha, puxei seus quadris um pouco mais


para cima, fazendo-a se apoiar nos cotovelos, e fui me enfiando
dentro dela devagar, a princípio. Não sabia há quanto tempo ela
não fazia sexo, se seria doloroso, e ela estava com as pernas
muito juntas, o que causaria um atrito maior, especialmente
porque eu não era exatamente pequeno.

Melissa soltou um suspiro e um gemido quando me


coloquei até o fundo dentro dela, e eu precisei colocar minha
cabeça no lugar, porque ela era maravilhosa, e eu temia que as
coisas acabassem muito rápido se eu não me controlasse.

Demorei um pouco para dar a primeira estocada, mas


quando o fiz, com força, ela gemeu ainda mais alto. Aquilo
também ia me arruinar. Ouvi-la daquele jeito era um deleite.

Segurei-a pelos quadris, estocando com força, sem parar.


Queria ser um pouco mais delicado, para que durasse mais tempo,
mas era impossível. Nunca senti tanto desejo por mulher alguma.
Nunca fora tão especial, e eu suspeitava que tivesse a ver com o
fato de eu ter sentimentos por ela.

Não era apenas sexo.

Eu sabia que Melissa não demoraria a gozar no momento


em que a penetrei, então eu a senti se contrair, deixando-se
libertar.
Mal lhe dei tempo de se recuperar e a girei de frente para
mim, desamarrando o nó que fiz na cordinha do crachá, para
poder me colocar entre suas pernas, e me inclinar para beijá-la,
enquanto ainda investia, mas com um pouco mais de suavidade,
para que ela se recompusesse. Isso também me daria um pouco
mais de sanidade em meio ao turbilhão de prazer.

Tomei sua boca daquele mesmo jeito de antes, e eu a senti


arquear o corpo, vindo de encontro ao meu, para não perdermos o
ritmo; colocando os braços ao meu redor, trazendo-me para mais
perto de si.

Era um momento terno, e eu sabia que ela também estava


mexida. Não só seu corpo.

Nós nos conectamos. O que deveria ser lindo, mas só me


assustou.

Afastei nossas bocas para olhá-la nos olhos.

Caralho, eu estava apaixonado. Muito.

O que aconteceria quando aquela garota me


decepcionasse?

Porque não era uma dúvida de que aconteceria. Mais cedo


ou mais tarde.

Com ódio dos meus próprios pensamentos, comecei a


fodê-la com força. Mais do que antes. Não podia continuar
fazendo amor com Melissa, porque isso iria me aproximar mais
dela e me tornaria refém de sentimentos que me assustavam.
Soltando grunhidos, apoiei-me na cama para que as coisas
ficassem ainda mais intensas. O máximo possível. Nossos corpos
se chocavam, e nós íamos ficando suados. Melissa gritava cada
vez mais alto, e eu tinha a impressão de que o hotel inteiro nos
ouviria. Mas era bom, não era? Não estávamos fingindo um
relacionamento? Ninguém mais teria dúvidas de que era real.

Melissa gozou mais uma vez, e eu não consegui mais me


conter. Queria gozar com a mesma sensação de antes, não apenas
de prazer, mas também me sentindo completo de um milhão de
formas diferentes, mas não era tão simples.

Eu estava estragado por dentro. E não podia levar Melissa


para essa doença comigo.

Não podia amá-la para depois perdê-la.

Não podia...
CAPÍTULO VINTE E OITO

Querida Tabitha,
Eu me entreguei a ele.
Me entreguei, me apaixonei e acreditei que as coisas seriam diferentes.
Mas ele me desprezou.
Talvez seja melhor assim.

Mal me lembrava de ter dormido, mas acordei com um


sorriso no rosto, revivendo a noite anterior e tudo o que me levou
a estar nua na cama de Cassian, sentindo uma deliciosa dor entre
as pernas, sinal de que eu tinha sido fodida como nunca antes.

Remexi-me sobre os lençóis, preguiçosa, incapaz de abrir


os olhos, porque queria curtir um pouco mais os meus próprios
pensamentos. Minhas lembranças.

De alguma forma, meu coração quis adiar o momento,


porque eu tinha a impressão de que estava sozinha na cama.
Cassian não estava ao meu lado, e isso não era exatamente uma
surpresa. Nunca imaginei, de verdade, que aquele momento que
vivemos fosse dar em alguma coisa.

Cheguei a nutrir uma esperança, mas ela foi breve. Até


porque, fui eu que o procurei. Eu que demonstrei desejo e que me
atirei em sua direção. Cassian não era do tipo que se apegava, né?
Precisava me preparar para o famoso “dia seguinte”.

Ele não estava na cama, de fato, mas havia um bilhete


dizendo: “fui dar uma volta. Vai preparando as malas enquanto
isso.”

Ao final havia um “beijos”, que claramente fora


acrescentado depois. Não fora nem com a mesma caneta, a
caligrafia parecia mais apressada, o que demonstrava que ele
hesitara em colocar algo mais doce.

Fosse como fosse, levantei-me, tomei um banho e vesti a


roupa que usaria para voltar para casa. Não havia tirado quase
nada da mala, porque tínhamos chegado no dia anterior, só para o
evento, e também não levei muita coisa. Joguei-me no sofá do
quarto, só esperando que Cassian chegasse.

Ele não demorou muito, no entanto, mas não deu


nenhuma explicação para a ausência e só falou o necessário.
Assim como aconteceu quando pegamos a estrada, depois de nos
despedirmos de Marsha, que nos abraçou, agradeceu e disse que
jamais esqueceria o nosso trabalho. Tinha mais planos para nós e
voltou a nos chamar de Cassimel, o que eu poderia jurar que dava
uma imensa dor de barriga em Cassian.
O caminho foi longo, mas ele nem reclamou quando
coloquei uma música, do The Dreams, e fiquei cantarolando, não
só para provocá-lo, mas porque era uma forma de passar pela
viagem sem pensar no acidente de Tabitha. Queria provocar
qualquer reação. Deixar algum gatilho para que simplesmente
reclamasse ou agisse como o rabugento de sempre, mas não deu
certo.

— Nem tive tempo de te contar sobre meu encontro com a


banda. Foi incrível. Os caras realmente são muito legais, e eu
conversei com eles. Nunca pensei que isso fosse acontecer. Muito
obrigada mesmo. Acho que não agradeci o suficiente.

— Nem precisa. Estava ao meu alcance, não me custou


nada.

Ele até foi simpático na resposta. Ainda assim, não


parecia em nada o homem intenso da noite anterior.

Talvez fosse só uma característica de Cassian como


amante. Quem sabe ele não se transformasse do homem frio e
quase apático naquele furacão cheio de tesão, com mãos incríveis
e uma boca que beijava de um jeito que era capaz de tirar a
sanidade de qualquer um?

Eu estava novamente me iludindo.

Continuei falando sobre meu encontro com o The Dreams,


contando tudo nos mínimos detalhes, enquanto Cassian só ficava
quieto, mal me olhando, respondendo o mínimo.
Era cansativo, frustrante. Eu não estava tentando me
aproximar para conquistá-lo. Só queria que mantivéssemos um
bom relacionamento, mesmo depois do que acontecera, porque
trabalhávamos juntos.

Não estava toda emocionada querendo atenção.

Só que ele parecia um pouco abalado.

Parou de frente ao meu prédio e decidiu subir por conta


própria, ajudando-me com a mala, embora não estivesse nem um
pouco pesada.

Eu sabia que Cassian queria falar alguma coisa.

Fiquei calada, esperando, mas sentindo meu coração dar


sinais de que se magoaria. Odiava aquela sensação e me
considerava uma boba. Quando literalmente me ofereci para
Cassian, sentando-me em seu colo, jurei que não iria esperar nada
além de uma noite com ele. O problema era que eu não imaginava
que as coisas fossem ser tão intensas. Que, no final das contas, só
serviriam para me deixar mais caída por ele.

Sexo, para mim, sempre foi algo... legal. Não era ruim,
mas nunca senti prazer como com Cassian. Tinha feito muito
poucas vezes, apenas com um namorado que não durou tanto
assim para causar um estrago, mas na noite anterior minha
concepção mudou totalmente.

Havia, sim, muito mais que eu ainda não conhecia, e tinha


a impressão de que Cassian seria um ótimo professor se as coisas
entre nós continuassem.
Mas a cara que ele fez ao olhar para mim dizia que não
iria acontecer.

— Olha, Melissa... eu não estou pronto.

Provavelmente nem eu estava, para aquela conversa.

— Pronto para quê?

— Para confiar.

Deixei meus ombros caírem, porque... como eu poderia


lutar contra aquilo? Como argumentar com uma pessoa que
aparentemente tinha sido magoada tantas vezes que seu coração
se transformara em pedra?

— Não estou pedindo sua confiança — respondi, tentando


soar indulgente.

— Eu sei. Mas o que aconteceu ontem...

— Foi só sexo, não?

— Foi para você? — ele indagou com as sobrancelhas


erguidas. — Porque não foi só sexo para mim. Pensei que teria
coragem de fingir que estava tudo normal e só retomar nossa vida
como antes, mas não acho justo não te dizer o que sinto.

Engoli em seco, absorvendo suas palavras.

Seria mais fácil se ele simplesmente agisse como um


babaca. Não era típico de sua personalidade bancar o cara legal,
então me dava a impressão de que se importava comigo; com
meus sentimentos. Ter essa noção tornava as coisas mais difíceis.
Fazia com que eu desejasse que, de alguma forma, Cassian fosse
meu.

— E o que você sente? — ousei perguntar, mas logo me


condenei por isso. — Não... eu não sei se quero saber.

— E eu não sei se posso explicar.

Fiquei olhando para ele por alguns instantes, até que


balancei a cabeça compreendendo. Eu também não saberia
colocar em palavras, porque era muito complicado.

Nada do que Cassian fizera até aquele momento deveria


ter me levado a abrir o coração para ele. No entanto, ele fizera
muito. Cada detalhe da nossa convivência me fez acreditar que
havia muito mais dentro daquele homem do que ele costumava
demonstrar.

— Então é assim? A gente continua vivendo como se


nada tivesse acontecido? — tentei, enquanto engolia o nó na
minha garganta.

Não queria chorar na frente dele, por isso esperava que


terminássemos logo aquela conversa e que ele fosse embora.

— Eu... — Cassian era um homem de poucas palavras,


mas ele dificilmente gaguejava em respostas. — Eu... não sei.
Eu... só...

Naquele momento senti raiva. Eu o achei um covarde.

O sentimento que morava dentro de mim não iria


desaparecer de uma hora para a outra, mas ele murchou um
pouco. Só um pouquinho.

— Sai daqui, Cassian — cuspi as palavras, quase em


desespero.

Eu precisava que ele fosse embora. O quanto antes. Era


imperativo que me deixasse sozinha.

— Vai embora, por favor — pedi outra vez, e eu vi que


Cassian ficou um pouco atordoado.

— Eu não queria te deixar assim. Achei que...

— Que o quê? Que eu saio transando com qualquer um


por quem não sinto nada? Ou achou que eu fui para a cama com
você por pena, gratidão? — As lágrimas foram inevitáveis. —
Enquanto acreditar que todos são seus inimigos, vai continuar
sozinho. E, lamento te informar, a sua vida não é tão horrível
quanto você acha que é. Tem uma família maravilhosa, um bom
emprego... Tem um passado de merda? Todo mundo tem alguma
bagagem para carregar. Quer lidar com seus problemas? Pode ir.
Mas não aqui. Eu quero ficar sozinha.

— Não vou te deixar sozinha assim...

— Depois de literalmente me rejeitar? Pode ir. Eu posso


estar apaixonada por você, mas sei me virar.

— Apaixonada? — Aquilo o surpreendeu. Visivelmente.

Antes que eu falasse mais alguma merda, aproximei-me


dele e o empurrei. Com a mão cheia em seu peito, mesmo
sabendo que mal iria se mover dada a nossa diferença de
tamanhos.

— Só vai. Agora! — quase choraminguei e fui levando-o


em direção à porta.

Cassian não disse mais nada. Provavelmente o fato de eu


estar apaixonada o deixou ainda mais decidido a me abandonar,
porque eu era um problema que ele não estava a fim de resolver.
Uma garota emocionada, pegajosa e que iria lhe causar
transtorno.

Quando consegui colocá-lo para fora, fechei a porta com


força e me encostei nela, deslizando pela madeira e me sentando
no chão. Enterrei a cabeça nas mãos, apoiadas nas coxas,
tentando chorar fazendo o mínimo de barulho possível, porque,
caso ele estivesse ainda por perto, não queria que ouvisse o
quanto eu estava chorando.

Cassian não merecia minhas lágrimas.

Mas ao mesmo tempo...

Ah, merda! Eu estava tentando justificar o injustificável.


Por mais que ele sofresse, que tivesse um passado conturbado,
que seus problemas de confiança fossem realmente sérios, o foco
da minha compaixão precisava ser eu.

Nunca tinha me apaixonado e quando aconteceu, o


homem que escolhi fora o mesmo que me magoou, me rejeitando
depois de eu ter me entregado.
Minha história com Cassian Greene acabava ali. Fora
breve, enganosa e não passara de uma mentira.

Com o coração partido, levantei-me do chão e fui para o


meu quarto. Tranquei-me lá dentro, peguei um papel e uma
caneta e comecei a escrever, como uma forma de desabafo:

Querida Tabitha...
CAPÍTULO VINTE E NOVE

Querida Tabitha,
Queria não ser tão leal.
Queria que minha raiva fosse suficiente para que eu
passasse por cima das minhas convicções e estragasse tudo.
Mas não quero. Não conseguiria conviver comigo mesma.

Na segunda-feira, eu acordei com um mau humor do cão.


Jurei que teria que olhar na cara de Cassian, que precisaríamos
conviver o dia inteiro, mas ele não apareceu.

Na terça, a saga se repetiu.

Assim como até o final da semana.

Sexta-feira, eu entrei na sala, já sem esperanças de vê-lo.


Joguei minha bolsa sobre a mesa, indo para a copa para pegar
meu leite de todos os dias.
Abri o armário e escolhi a caneca de forma aleatória:

“Por que ser esperto quando a gente pode só ser trouxa?”

Combinava perfeitamente.

Parei diante da máquina, quase apertando a opção do leite


quente, mas, pensando bem, eu estava precisando mesmo era de
café. Já tinha comprado um copão na ida para o trabalho, mas
coloquei mais ainda na caneca, decidida a me entupir de cafeína.

Uma pessoa entrou na copa, e eu reconheci o cara do


festival, que me perturbou. Ele me cumprimentou até de forma
bem respeitosa, mas eu só balancei a cabeça, com uma expressão
antipática, e saí, o mais rápido possível, porque não estava a fim
de ficar perto dele.

Voltei para a minha sala, condenando-me novamente por


ser uma boba e olhar para a mesa de Cassian pela milésima vez
naquela semana e por me sentir triste de ela estar vazia.

Eu queria perguntar ao Sr. Roman se ele tinha alguma


previsão de quando o filho voltaria, porque não era possível que
tivesse tirado todos aqueles dias de folga e sequer avisado ao pai,
nosso chefe.

Sentei-me à minha mesa, dei uma golada em cada um dos


meus cafés – segurando um em cada mão –, pousando-os no
tampo sem nem me preocupar com o descanso. Se deixassem
uma mancha, não seria problema meu.

Apoiei os cotovelos na mesa, cobrindo o rosto com as


mãos, tentando respirar fundo antes de começar o meu trabalho.

Acabei me sobressaltando quando ouvi a porta da sala


sendo aberta.

Por um momento...

Um único momento achei que se tratasse de Cassian.

O que não mudaria nada, é claro. Ele voltar para empresa


era algo que precisaria acontecer, mais cedo ou mais tarde, e não
teria nada a ver comigo. Era muito mais provável que surgisse, se
acomodasse em sua cadeira, me desse um bom dia que seria
como um resmungo, como sempre, e não olharia para mim o dia
inteiro, a não ser que precisasse conversar sobre algo de trabalho.

Talvez fosse melhor que ele nem voltasse, porque a cada


dia que se mantinha afastado, mais raiva eu começava a sentir. Se
o visse novamente, teria vontade de sair jogando em sua cara
todas as coisas que estavam entaladas na minha garganta, e isso
não seria nada bom. Eu podia ter sido promovida, mas ainda era
sua subordinada.

— Melissa, tem um minuto?

A voz não era a de Cassian. E não era nem um pouco


bem-vinda. Quando ergui os olhos, vi o tal cara do festival. Não
lembrava o seu nome, e tampouco me interessava, porque o
pouco que conhecia dele não me cheirava nem um pouco bem.

— O que você está fazendo aqui? Deveria ter batido antes


de entrar — falei com segurança.

— Eu bati, mas você não respondeu.

— Acho que não tenho um minuto para você — tentei


continuar com minha convicção, porque não queria aquele babaca
na minha sala, especialmente quando eu estava sozinha. Por mais
que acreditasse que não iria fazer nada comigo no meio da
empresa, sempre era bom desconfiar.

— Venho em paz. — Ergueu as mãos em rendição. — Só


queria te falar sobre uma proposta que recebi.

— Desculpa, mas não tenho interesse.

— Acho que vai ter sim. Eu sei sobre o seu namoro de


fachada com Cassian, por isso dei em cima de você no festival.

Ok, ele tinha a minha atenção.

Fiquei boquiaberta, meio que sem saber como reagir.

— Como sabe?

— Vocês não são muito discretos ao falar sobre isso. Eu


estava passando aqui pela sala, a porta estava fechada, mas
falaram alto. Aí eu prestei atenção.

Filho da mãe!
Claro que se estava me contando tudo aquilo tinha alguma
intenção por trás.

— Fala logo o que você quer.

O cara sorriu, da forma maliciosa como tinha sorrido para


mim durante o festival, e eu senti um arrepio. Ainda estava
sentada à minha mesa, o que me fez, discretamente, abrir a gaveta
e tirar de lá de dentro um estilete. Não era grande coisa, mas
serviria para me defender.

— Acho que você nem sabe o meu nome, né? Mas é


Mark. Recebi uma proposta da KH Entertainment, nossa
concorrente. O salário é melhor, e eu sei que consegui isso porque
o CEO de lá está querendo informações. Imagino que, se você
quiser, pode conseguir uma vaga bem boa, deixando de ser
secretária, se contar toda a história do namoro de fachada. Isso
fará com que a KH consiga o próximo contrato com Marsha.
Claro que você pode se defender contando a história de que foi
chantageada, de que não tinha escolha ou perderia o emprego.

O idiota não sabia que eu já tinha deixado de ser secretária


há algum tempo, porque ainda mantínhamos o segredo. Já era
unanimidade na empresa que eu merecia conquistar meu espaço,
não por ser namorada de Cassian, mas pelo meu desempenho em
cada trabalho. Ainda assim, o Sr. Roman queria tomar todo o
cuidado, e eu concordava plenamente com isso.

Mas mesmo que a KH me oferecesse o melhor salário


possível; mesmo que eu estivesse irritada com Cassian, não era
da minha índole. Eu nunca poderia ser desleal daquela forma com
pessoas que tinham me dado uma incrível oportunidade.

Não que a Roman me devesse nada, porque entreguei o


melhor de mim a eles, mas eu não era esse tipo de pessoa. Não
apenas no geral, mas independente da minha relação com
Cassian, o Sr. Roman sempre fora um amor comigo. Sujar a
imagem de seu filho iria afetá-lo também.

— Está falando com a pessoa errada. — Ele pareceu se


surpreender. Talvez, em seu mundinho patético, ele não
conhecesse o sentimento de honestidade e a empatia. — Não faço
esse tipo de coisa.

— Nem por um salário melhor? Mais prestígio? A KH é


uma empresa incrível. Tão boa ou melhor do que a Roman.

— Que bom para eles. Estou feliz aqui.

Levantei-me da minha cadeira, cruzando os braços,


porque queria demonstrar minha indignação de todas as formas.

— Uau. Isso foi inesperado. — Ele passou a mão pelos


cabelos, rindo, meio perdido.

— Não deveria esperar só o pior das pessoas, mas, mais


do que isso... pense bem antes de contar essa história para
alguém. Pode se virar contra você — blefei. Eu não tinha muita
experiência em ameaçar pessoas, mas queria proteger o meu
segredo e o de Cassian o máximo que pudesse.
— Não vou contar para ninguém. Uma coisa seria você
chegar com a história, outra seria eu. Pareceria inveja.

— E não é? — soltei, em um movimento ousado. Nem era


da minha conta, mas estava com tanta raiva dele que decidi
perguntar só para provocar.

Deu certo, porque ele riu, mas com certa amargura.

— Quem sabe? Você é uma garota e tanto, Melissa. Não


só bonita, mas tem uma personalidade forte. Merecia mais do que
um namorado falso e uma empresa que não te valoriza. Se algum
dia se arrepender da sua decisão, pode ir me procurar.

Eu não pretendia responder nada, mas o idiota deu as


costas e saiu.

Era melhor assim.

Fiquei olhando para a porta por alguns segundos, depois


me voltei para a mesa de Cassian e soltei um suspiro. Acomodei-
me de novo na cadeira, esperando conseguir começar meu dia de
trabalho sem mais interrupções.

Apesar disso, foi difícil manter o foco. A semana inteira


estava sendo chata, de pura ansiedade, e eu precisava fazer um
trabalho mais mecânico, de conferência de uma proposta, para o
qual não estava conseguindo concentração. Não estava rendendo
nem um pouco.

Sendo assim, peguei um papel e comecei a rabiscar, como


sempre fazia quando precisava desabafar de alguma forma. Fiquei
escrevendo coisas levemente aleatórias – mas nem tanto assim –,
como sempre acontecia quando eu precisava fazer minhas
confissões e que somente a mão, com a caligrafia mais largada
possível, porque escrevia com pressa, com a alma, sem me
preocupar que outras pessoas iriam ler, porque não iriam. Aqueles
desabafos eram para mim.

Quando eram cinco da tarde, faltando meia-hora para o


final do expediente, decidi pegar minhas coisas e ir embora.
Cansada, tudo o que eu queria era tomar um banho e me jogar na
cama, com um balde de pipoca e colocar um filme bem pouco
romântico na Netflix.

Não demorei a entender que isso não seria possível,


porque havia alguém sentado na porta da minha casa.

Um corpo grande, jogado, com uma das pernas esticadas e


a outra flexionada, um braço pendendo sobre o joelho. A cabeça
estava arqueada para trás, encostada na porta, e eu podia ver o
peito amplo, dentro de uma camisa branca, subindo e descendo.

Não fazia ideia de há quanto tempo ele estava ali, mas sua
presença me surpreendeu.

— Cass? — indaguei, enquanto me aproximava, quase


como um domador que tenta contato com um animal selvagem.

Ele se sobressaltou, dando um pulo de onde estava


sentado, e ergueu os olhos na minha direção. Pensei que os veria
vermelhos, de bêbado, com pupilas dilatadas, mas tudo parecia
normal, com exceção da barba maior e os cabelos desgrenhados.
— Oi, Mel... — Ele foi se levantando, meio desajeitado,
apressado.

— O que você está fazendo aqui?

— Eu me arrependi, Mel. Quero acertar as coisas entre


nós. Estou disposto a fazer qualquer coisa por isso.
CAPÍTULO TRINTA

Eu não estava acostumado a pedir desculpas. Falha minha,


provavelmente. Até me arrependia, me sentia um verdadeiro
babaca na maior parte do tempo, pelos mais variados motivos,
mas quase nunca demonstrava que sabia que estava errado,
porque meu orgulho sempre foi muito relevante para mim. Por
mais que sempre me menosprezasse e que tivesse uma merda de
uma autoestima baixa, precisava admitir que tinha a impressão de
que o mundo me devia algo.

Foi o que tentei pensar enquanto estava longe de Melissa,


decidindo a minha vida.

A intenção do afastamento não foi para sanar qualquer


dúvida. Na minha cabeça, quando saí da casa dela, eu estava mais
do que decidido a deixar para trás os meus sentimentos e apenas
tentar me acostumar com a ideia de que precisaríamos conviver,
porque trabalhávamos juntos. Achei que alguns dias sem a ver
fariam meu coração sarar.
Mas o problema era que eu não estava doente. Pelo
contrário, Melissa tinha muito mais potencial para ser a cura.

Saí viajando com meu carro, me hospedando em uma casa


de frente para a praia, com meu violão e poucas coisas em minha
companhia. Assisti a belos pores do sol, acordei com as galinhas
e caminhei muito, porque era a forma como sempre conseguia
refletir melhor.

Em todas as vezes, o resultado era o mesmo: eu queria


Melissa. Não só como minha namorada de fachada. Eu queria tê-
la de verdade.

Poderia jurar que, desde que me entendia por gente, nunca


quis tanto algo em toda a minha vida.

Lá estava eu, portanto. Nem sabia como ela tivera a


generosidade de me deixar entrar em sua casa, mas estávamos
frente a frente, em sua sala. Melissa me olhava com uma
expressão de expectativa, mas sem parecer simpática. Pelo
contrário, pelo semblante carrancudo, tinha quase certeza de que
iria me ouvir, mas me mandar à merda, assim que eu terminasse
de falar.

Nos últimos dois dias, passei horas e horas ensaiando o


que deveria dizer. Tentei encontrar formas de começar a conversa
e de parecer um pouco menos escroto depois de ter rejeitado a
garota, por mais que tivesse tentado ser gentil.

A gente nunca encarava uma rejeição com gentileza.


Fiquei buscando maneiras de me redimir, que pudessem
ser relevantes para ela. Porque Melissa não era do tipo de mulher
que apenas se contenta com um “me perdoa”, e nem deveria ser
mesmo, porque merecia mais do que isso. Merecia que eu me
tornasse um cadelinha dela, que lambesse o chão que pisava, que
a fizesse entender que o meu mundo passara a girar ao seu redor
desde que decidi que estava completamente apaixonado.

— Jurei que teria muitas coisas a dizer... — comecei a


falar, sentindo a boca seca.

— Desistiu delas? — É, ela não estava disposta a ser


meiga ou doce como sempre. Uma sobrancelha se ergueu,
desafiadora, e ela estava de braços cruzados, nem um pouco
aberta para receber minhas lamentações.

— Não. Só não sei como começar. Ensaiei, mas acho que


não é a forma certa de agir. — Abri os braços, pensando no
quanto gostaria que ela fizesse isso também. — Só quero que
saiba que estou aqui, na sua frente, vulnerável, sem máscaras,
pronto para dizer que tudo o que eu quero é que me dê uma
chance.

— Por que eu daria?

É, ela tinha um ponto.

Se estivesse em seu lugar, o que eu faria? Será que a


perdoaria tão fácil? Será que meu coração de pedra abriria as
portas para compreender seu lado?
Porque a minha atitude foi a pior possível. Eu tinha o
direito de recuar por estar inseguro, mas quem era o homem
idiota que deixava uma garota como Melissa escapar? Quem era
o babaca que não percebia que ela era a melhor coisa que poderia
acontecer na vida de qualquer pessoa?

Eu, claro.

Eu que tinha deixado a mulher mais incrível do mundo


acreditar que não era importante para mim. Que o que eu sentia
por ela não era valioso o suficiente para que decidisse tentar,
apesar dos meus medos.

— Não sei, Melissa. Sinceramente não sei. E, talvez, se


fosse você, eu desistisse, porque é tão maravilhosa. Tão especial,
encantadora e preciosa, que poderia estalar os dedos e encontrar
alguém melhor. Um homem que te faça sentir tudo isso. Que,
desde o início, saiba que tem algo muito raro nas mãos. Que saiba
te valorizar. Eu não soube.

Eu a vi engolir em seco, mas decidi não me animar com


nada disso.

— Você me magoou, Cassian — afirmou com muita


convicção, em um tom de voz que era nada mais do que um
sussurro.

— Eu sei. Tentei ser sincero, mas...

— Sincero? — Ela deu uma risada de escárnio. —


Sincero você teria sido se reconhecesse seus sentimentos.
— Mas eu reconheci. Tinha medo deles, esse era o
problema.

— Eu também tenho medo. Nunca é fácil. Quem, por


acaso, não se assusta com esse tipo de coisa? — Melissa estava
indignada. — Nunca me apaixonei antes, mas tenho quase certeza
de que não é simples. É uma loteria, porque não sabemos como
vai ser. Para mim, foi da pior forma possível. Você não só decidiu
me rejeitar logo depois de a gente ter transado, mas sumiu. Foram
dias de ausência, sem que a gente pudesse sequer conversar. A
impressão que tenho é que você me usou.

— Não, Melissa. Não é isso.

— Mas é o sentimento que eu tenho. Fui usada; fiz o


papel de sua namorada de fachada, para você conseguir o contrato
que queria. Aí me seduziu e ficou me cozinhando, até que decidiu
transar comigo, mas foi embora. Nunca pensei que isso fosse
acontecer comigo, de me entregar a um cara e ele decidir que eu
não valho a pena.

— Você vale, porra! — exclamei, quase em desespero. —


O que preciso fazer para te provar isso?

— Agora? Nada. Acabou. Cada um para o seu lado, e eu


não acho que dê para continuarmos com a história de namoro
fake, ok? Eu não conseguiria — a voz de Melissa embargou, e eu
cheguei a fechar os punhos de raiva de mim mesmo.

— Eu não vou te pedir nada, Melissa. Não tenho o direito.


Mas quero, por favor, que não desista. — Juntei uma das mãos na
outra, não conseguindo parar de movimentá-las, quase
implorando. — Vou compensar. Vou te mostrar que posso ser um
cara melhor. Que posso ser um homem que você, de fato, mereça.

Melissa ficou calada, apenas me olhando, como se me


estudasse.

— Por favor, Melissa... — Meus olhos estreitos a


olhavam, sem perder nada. Tinha a impressão de que se eu
relaxasse, seria a deixa para ela desistir e entender que eu não
estava lutando o suficiente.

Ela ergueu a cabeça, desafiadora.

— Me conte, Cassian. O que te deixou assim? Tão


desconfiado, tão hesitante com as pessoas? Quem te destruiu
desse jeito? — Paralisei com aquela pergunta. O que Melissa
queria? — É justo, não é? Você disse que estava disposto a
qualquer coisa. A primeira delas, então, é que seja honesto
comigo. Me falou da sua mãe daquela vez, mas preciso entender
o que mais te atormenta.

Passei uma das mãos pelo cabelo, deixando a outra na


cintura, virando-me de costas para ela. Não consegui parar de
movimentar meus pés, indo e vindo, desejando sumir dali, mas ao
mesmo tempo querendo ficar, porque era um preço baixo a se
pagar por algo que eu desejava tanto.

— Não é uma história grandiosa, Melissa. Talvez você


ache bobeira.

— Não importa. Eu quero saber.


— Foi uma garota que trabalhava na Roman. Ela se
aproximou de mim, me envolveu e me traiu com um cara dentro
da minha sala. Um cara de outro setor. Antes de eu descobrir, os
dois já estavam juntos, espalhando um milhão de coisas sobre
mim. Foram eles que contaram a todos da empresa sobre eu ser
um filho bastardo, sobre ser resultado de uma traição, sobre a
demissão da minha irmã. As histórias foram se espalhando, e a
empresa se tornou um inferno para mim. Só então descobri que
eles estavam trabalhando para a KH, espionando as coisas.

— Para a KH? — Melissa pareceu muito surpresa. —


Qual é o problema deles com vocês?

— Comigo, né? A história das duas empresas é muito


parecida. Os CEOs têm filhos da mesma idade, eu e Geoffrey
Hammer. Estudamos juntos depois de eu ter descoberto que era
um Roman, mas ele sempre me considerou um bastardo; que não
era da mesma classe social e que não merecia o que tinha. Nossos
pais sempre tiveram uma rivalidade muito saudável, mas
aparentemente quando ele assumir e eu também, essa paz vai
acabar.

— Entendi... E lamento. Você não merecia o que


aconteceu.

— Não. Não merecia, mas não é justificativa. E não pense


que vou usar essa carta como trunfo, Melissa. Só contei porque
você pediu.

Ela assentiu, balançando a cabeça, concordando. Então


tirou algo do bolso, estendendo-o a mim. Peguei e vi que se
tratava de um papel, dobrado em várias partes.

— Não é a melhor forma de você descobrir o que


aconteceu hoje de tarde, mas eu estou um pouquinho abalada
agora. Gostaria que lesse e depois fosse embora. Não quero ter
muito o que explicar, porque acho que não estou em condições de
conversar com você agora.

— Mas, Melissa...

Ela ergueu uma mão, me interrompendo.

— Só... leia. Por favor.

Então ela saiu, deixando-me com o papel na mão e muitas


dúvidas.

Mas só havia um caminho: ler o que ela pediu que eu


lesse.
CAPÍTULO TRINTA E UM

Querida Tabitha,
Queria não ser tão leal.
Queria que minha raiva fosse suficiente para que eu
passasse por cima das minhas convicções e estragasse tudo.
Mas não quero. Não conseguiria conviver comigo mesma.
Eu me apaixonei por Cassian, contra todas as probabilidades.
Entreguei meu coração, meu corpo, e me sinto usada, como se fosse
um objeto descartável qualquer, que ele precisou, mas jogou fora.
Ele não apareceu ainda. Faz dias que não vem à empresa,
e eu sei que é por minha causa. Porque não quer me encarar.
Só que essa sua ausência não só me irritou assim como
abriu precedente para que uma pessoa viesse até mim, me fazendo
uma proposta bastante ousada de que eu vendesse a história
do nosso namoro falso para a concorrência.
Eles me dariam um emprego melhor, salário melhor, e eu
ficaria livre de Cassian, do sacrifício de vê-lo todos os dias
(embora não seja bem assim, já que ele sumiu).
Por mais que eu esteja com raiva, que eu queira muito
que ele vá para o quinto dos infernos, não seria capaz.
Nem com ele, nem com o Sr. Roman. Para todos os efeitos,
não importa o quanto eu esteja com o coração partido,
este namoro sempre foi real.
Para mim, ao menos, o sentimento foi.
E sempre será.

O que eu consegui absorver da carta: Melissa estava de


coração partido por minha causa. Alguém propôs a ela que
revelasse a verdade sobre nosso relacionamento falso. Ela
recusara, mesmo tendo a oportunidade de ganhar um salário
melhor.

Mas a principal conclusão de todas era: se eu estava


realmente apaixonado antes, essa convicção se tornou ainda mais
forte.

Que porra de mulher maravilhosa.

Cheguei a fechar a mão, com raiva, amassando um pouco


o papel. Como era possível que eu fosse tão burro? Como não
enxerguei o que estava diante do meu nariz?
Na verdade, eu até enxerguei, mas fui covarde demais
para agarrar com unhas e dentes.

Meu coração chegou a errar uma batida no peito, e eu fui


de encontro a ela. Ouvi sons vindos do quarto, então a peguei
trocando de blusa, apenas de sutiã e a saia com a qual fora
trabalhar. Era errado eu entrar assim, sem bater e sem avisar, mas
não estava nem conseguindo pensar.

Melissa soltou um gritinho, agarrando de volta a blusa


para se cobrir. Ela era linda, perfeita, e eu era doido por seu
corpo, mas naquele momento nada disso importou. Meus olhos se
fixaram nos dela, vendo-os vermelhos de chorar.

— Quem é Tabitha, Mel? — era a última pergunta que eu


poderia fazer, porque não tinha relevância, mas tinha uma
suspeita e queria saná-la.

A menção ao nome e à pergunta a deixaram surpresa.


Seus ombros caíram um pouco, como se houvesse um peso neles,
e o cenho de Melissa se franziu, mas de um jeito mais emotivo.
Não com raiva, não como se estivesse estressada. Ela parecia...
triste.

— Era a minha irmã. Eu ainda escrevo cartas para ela,


mesmo que nunca vá ler. Ela é minha confidente, minha melhor
amiga. Ela... era... — E foi então que Melissa desmontou.

Deixou a blusa que segurava cair no chão e ia deslizar


para se jogar também, mas eu corri em sua direção e a amparei,
puxando-a para os meus braços.
Ela começou a soluçar, com uma dor que era quase
contagiosa. Nunca senti algo tão profundo como luto por alguém
muito amado, porque por mais que amasse minha mãe, nossa
ligação não era tão forte quanto a de Melissa pela irmã, então
comecei a pensar se eu não fazia uma tempestade em copo d’água
pelos meus infortúnios.

Não que eu pudesse menosprezar minhas perdas, a forma


como as coisas aconteceram comigo. A relação tóxica que eu
tinha com a minha mãe, o fardo de ser um filho bastardo, o
tratamento que recebi na empresa, a traição... Nada disso era
pequeno, mas aquela garota passara por algo inimaginável e
mesmo assim ainda tentava enxergar a vida de uma maneira mais
doce.

Eu nunca fui doce, mas, por ela, poderia aprender a ser


um pouco menos amargo.

Queria pedir perdão mais uma vez, mas sabia que eu não
era o foco ali. Melissa precisava desabafar, e eu imaginava que a
dor pela irmã também a incomodava.

— Está tudo bem, querida. Pode chorar... eu...

Mal consegui terminar de falar, porque levei um


empurrão, e ela se desvencilhou dos meus braços.

— Não! Sai... só vai embora. Já era para você ter ido. Leu
a carta, está avisado sobre a situação da KH. Não quero seu
ombro para chorar. Chorei muito sozinha esses dias.

— Mel...
— VAI EMBORA! — ela exclamou com veemência,
chegando a usar o dedo para apontar para a porta.

O que me restava fazer, além de realmente sair?

De cabeça baixa, sentindo-me o maior perdedor de todos


por tê-la deixado naquele estado, saí de seu apartamento, pegando
meu carro e me sentindo incapaz de voltar para casa. Não queria
ficar sozinho, não podia sequer pensar em passar aquela noite na
minha cama, me revirando de um lado para o outro, sem
conseguir pregar o olho.

Peguei, então, o caminho para a casa do meu pai,


esperando que algum tempo com Ray pudesse me dar a calma
que eu precisava para lidar com tudo aquilo.

Quando cheguei, no entanto, ele veio correndo para mim –


já com seu pijaminha –, pulando no meu colo. A primeira coisa
que perguntou foi:

— Cadê a tia Mel?

Quase murchei, congelando sem saber o que falar. Minha


irmã, que vinha em nossa direção, reparou na cara que eu fiz e
logo se apressou em tirar o menino do meu colo.

— Tia Mel não veio hoje, meu amor. Outro dia, ok?

— Poxa... — Ele fez uma carinha, e eu comecei a pensar


que não seria só eu que ficaria muito mal caso ela decidisse não
voltar para mim; caso eu não conseguisse me empenhar o
suficiente para que Melissa quisesse tentar de novo, com um
novo começo, uma nova história.

Ouvi meu pai tossindo, aproximando-se, e sua mão


pousou no meu ombro, enquanto assoava no nariz com a outra.

— Resfriado de novo, pai?

— É esse tempo. Toda hora muda, não tem saúde que


aguente. — Ainda tentando se recompor, ele usou a bengala para
apontar para o sofá. — Senta aí, garoto. Parece que não é só hoje
que a Melissa não vem, né? — Certificou-se de falar isso com
Ray longe da gente.

— É tão óbvio assim? — Sentei-me, enquanto ele fazia o


mesmo.

— Pela sua cara de cachorro sem dono? Sem dúvidas. O


que aconteceu?

Olha, pai... a verdade é que tudo começou com uma


mentira. Éramos namorados de fachada, só que ela me odiava.
Mas aí nós nos apaixonamos, ela se entregou, e eu estraguei
tudo.

Esta deveria ser a resposta honesta, mas decidi apelar para


o mais simples:

— Eu fiz burrada. Não a valorizei como deveria.

Meu pai respirou fundo e começou a balançar a cabeça,


como se tudo fizesse muito sentido.
— Acho você um cara incrível, filho, mas nunca duvidei
que isso aconteceria.

— Como assim, pai? De que lado você está?

— Depende. Quão babaca você foi?

Cocei as sobrancelhas, abaixando a cabeça e parando de


encará-lo.

— Bastante. Não quero entrar em detalhes, mas Melissa


tem toda a razão. Eu tenho medo de compromisso e me assustei
ao perceber que estou realmente apaixonado.

Com as sobrancelhas arqueadas, meu pai finalmente


pareceu surpreso. Minha irmã voltou para perto de nós, assim
como Ruby, e eles se sentaram ao meu redor. Aparentemente Ray
ficara em seu quartinho, para dormir, e eu recebi um verdadeiro
esquadrão para pensarmos melhor no que eu poderia fazer para
resolver a situação.

— Você precisa mostrar para ela que mudou de ideia. Que


está arrependido — Ruby falou.

— Claro, mas eu não acho que isso seja suficiente. Você


precisa provar. Não só dizer — Christina acrescentou.

— O que ela gosta? Flores, chocolates?

— Pai! Isso não conquista uma garota! — minha irmã


pareceu indignada. — Não ouça essas coisas, Cass. Mas precisa,
sim, pensar no que ela gosta para que a gente possa te ajudar.
— Ela gosta de música. De livros de romance... tem a
série inteira do Crepúsculo na estante dela do trabalho. Ela lia
com a irmã, parece bem significativo.

— Ah, então você tem que ler! — Ruby exclamou,


animada e saiu correndo.

— Eu tenho? — Olhei para Christina, esperando que


Ruby estivesse enganada, mas minha irmã não respondeu nada,
apenas abriu um sorriso de canto.

Quando Ruby voltou, ela trazia quatro exemplares de


livros bem grossos nos braços.

— Aqui estão. De onde vieram esses tem muitos mais.


Descubra os que ela gosta que eu consigo para você.

Ela jogou os livros no meu colo.

— Mas por que eu tenho que ler isso?

— Para descobrir o que ela quer em um homem.

— E ela, por acaso, quer que eu brilhe no sol?

As duas mulheres reviraram os olhos.

— Não, babacão. Não é isso... — Christina respondeu,


muito gentil, para não dizer o contrário. — Olha, lê esses aí,
porque são significativos para ela, mas o casal não é exatamente
um exemplo de relacionamento saudável. Ruby tem outros bem
mais legais que podem te dar dicas. Se Melissa é fã de romances,
eles vão te dar uma direção.
— Estão insinuando que eu não saberia conquistar uma
mulher sem a ajuda de livros?

— Estamos — as duas responderam.

— Definitivamente — minha irmã ainda acrescentou.

— Mas vai dar tudo certo, você vai ver. A gente vai dar
um jeito de te ajudar — Ruby falou, e eu olhei para o meu pai, em
buscar de direcionamento. Queria que ele me salvasse daquelas
duas doidas, mas que, no final das contas, talvez tivessem razão.

Onde eu estava me metendo, pelo amor de Deus?


CAPÍTULO TRINTA E DOIS

Querida Tabitha,
...
Eu sinceramente não sei por que ainda escrevo
Você não pode mais ler, não é?
Eu só me sinto cada vez mais sozinha.

Eu não me sentia forte.

Não me sentia como aquelas mocinhas de livro que


empertigam as costas, colocam um belo salto e passam pelos
homens que a magoaram com uma dignidade de dar inveja.

Precisava apenas dar uns tapinhas nas minhas costas


porque consegui me levantar na segunda-feira, depois de passar o
final de semana inteiro jogada na cama, sem saber se sofria mais
por todo o discurso que Cassian fez ou pelo fato de saber que não
podia perdoá-lo. Não se quisesse guardar um pouco do meu
orgulho.
Ensaiei várias vezes ligar para ele e pedir que fosse ao
meu apartamento, para que conversássemos como duas pessoas
civilizadas, mas desisti.

Talvez tivesse sido melhor, porque trabalhar com ele,


depois de tudo o que passamos e depois de saber que ele queria
ficar comigo e que estava disposto a provar isso, foi muito difícil.

No primeiro dia, eu encontrei uma flor em cima da minha


mesa. Um girassol, sem nenhum cartão, sem nada escrito. No dia
seguinte, um croissant. No outro uma tortinha de limão. O café
passou a ser diário, tanto que nem comprei mais no caminho.

Cassian ficava em silêncio, e nós nos falávamos conforme


era necessário, mas cada dia eu ganhava um presentinho
diferente. Até aquele momento, nenhum deles me tocara o
suficiente.

Até eu encontrar um pacotinho um pouco maior sobre a


minha mesa.

Quando abri, me deparei com papéis de carta e


envelopinhos combinando. Eles tinham um tom envelhecido e
eram fechados por um barbante que continha um coração no
meio. Eu sabia o significado do presente. Era para que eu
escrevesse minhas cartas para Tabitha.

Naqueles últimos dias eu me senti tão frustrada com tudo


que tinha acontecido, que decidi desistir de escrever para Tabitha.
Antes era um exercício diário, e eu tinha todas as cartinhas que
escrevi para ela – sendo que a maioria eram apenas bilhetes, mais
rápidos e menos elaborados –, mas cheguei a colocar a caixa com
todas na prateleira mais alta do armário, esperando ter um acesso
um pouco mais difícil a ela.

Eu nunca tinha contado a ninguém sobre elas, mas


Cassian acabara conhecendo meu inocente segredo. Então o
segredo passara a ser menos íntimo.

O ato de escrever para uma pessoa que não estava mais


entre nós me pareceu bobo. Desesperado demais.

Eu amava Tabitha e sempre a amaria, mas tudo o que


escrevi para ela nos últimos tempos era difícil de reler. Encarar
sua morte, a perda, talvez fosse melhor para mim.

Sofri por ela também no final de semana. Sofri, porque ela


era um ano mais nova, mas seria muito mais madura ao lidar com
aquela questão. Muito mais prática. Ela era a caçula, mas me
defenderia. Xingaria até a quinta geração de Cassian e o mandaria
tomar naquele lugar, mas eu me sentiria vingada.

Durante os anos que sucederam sua morte, eu sofri, é


claro, mas ainda me sentia em negação, porque, de certa forma,
não deixei minha irmã descansar.

Era hora de fazer isso.

Peguei os papéis que Cassian me deu e os guardei na


gaveta. Sabia que estava olhando para mim, estudando minhas
reações, por isso me levantei da cadeira, pronta para pegar meu
leite diário, esperando conseguir esconder minhas lágrimas.
Parti para a copa e peguei minha caneca de todos os dias,
tentando me animar ao fechar os olhos e colocar a mão
aleatoriamente dentro do armário. Não pude deixar de sorrir ao
encontrar a mensagem:

"Se você não está sofrendo o suficiente é porque a tragédia ainda


não acabou."

Que Deus me protegesse, mas eu sabia que era real.

Levei a caneca até a máquina e escolhi a opção de leite,


me pondo a esperar quando duas pessoas entraram. Eu sabia que
eram duas meninas do RH, e uma delas sorriu ao me ver, mas não
de forma tão simpática.

— Ai, que bom te encontrar aqui, Melissa. O Sr. Roman


me mandou um e-mail na quinta, pedindo que eu começasse a
preparar os papéis para a sua promoção.

Ele não tinha falado nada comigo, mas tudo bem,


imaginava que não poderíamos manter as coisas como estavam
por muito tempo, porque havia questão de leis e também as
burocracias da empresa. Em algum momento, eu teria que assinar
um novo contrato.

— Quando preciso ir assinar?

— Eu te aviso. Mas parabéns. Não que a gente duvidasse


que isso iria acontecer, né? Com seu namoro com Cassian e tudo
o mais...

A insinuação foi clara e nem um pouco sutil. Tudo o que a


gente temia estava começando a acontecer. Claro que as pessoas
iriam associar meu novo cargo com o namoro. Não importava que
eu tivesse provado o meu valor, isso ainda iria acontecer.

— Não vejo como uma coisa possa ter a ver com a outra
— tentei, mas sabia que seria em vão. Para qualquer pessoa de
fora, fazia todo o sentido.

Ela nem respondeu nada, apenas deu um sorriso malicioso


e um gole no café que pegou da outra máquina.

Eu não deveria me importar com as opiniões alheias,


especialmente de pessoas que nem me conheciam direito, mas era
um saco saber que estavam falando de mim pelas costas.

Quando saí da copa, eu estava super estressada, mas fiquei


mais ainda quando, conforme fui me aproximando da nossa sala,
ouvi a maldita guitarra de Cassian sendo tocada.

Por que diabos ele poderia estar irritado?

Entrei, soltando fogo pelas ventas, pronta para reclamar,


afetada pela situação da copa, quando reconheci a música como
sendo aquela que cantei no carro dele, dos The Dreams.

Fiquei parada, no meio da sala, olhando para ele, com a


droga do leite na mão, tentando não pensar pela milésima vez que
o homem era uma visão muito interessante com aquela guitarra,
tocando como se disso dependesse sua sobrevivência.
Ouvi a música toda, chegando a cantarolar em algumas
partes. Ele fez o solo igualzinho ao do guitarrista, o que me fazia
pensar que tinha tirado a música e se empenhado para isso.

Mais surpresa ainda eu fiquei na próxima, quando percebi


que era aquela famosa do Muse, que tocava no primeiro filme de
Crepúsculo.

Ok, isso me deixou boquiaberta.

— Essa música? — Cheguei até a me aproximar.

Ele ergueu a cabeça, parecendo me ouvir falar, mas claro


que não identificou o que eu disse.

— Oi?

Apontei para a guitarra, e ele baixou um pouco o volume.

— Desde quando gosta dessa música? Não é moderninha


demais para você?

— Muse é uma banda bem boa. E a trilha sonora de


Crepúsculo é legal, com ressalvas. Mas o filme é péssimo. O livro
é melhor.

Novamente... fiquei boquiaberta.

— Você leu?

— A série toda. Li Harry Potter também, o que achei bem


melhor. Li alguns daquela autora ali, que você gosta muito.
Colleen...
— Hoover. Você leu livros da Colleen Hoover?

— Alguns. Gostei mais do de suspense dela, mas os


outros são legais. Quero mais indicações, se tiver.

Enquanto falava, Cassian continuava tocando,


displicentemente, como se não estivesse falando coisas
completamente surpreendentes.

Confusa, levei a mão ao braço de sua guitarra, impedindo-


o de continuar tocando.

— Cassian, pelo amor de Deus... — Finalmente ele me


olhou nos olhos. — O que está acontecendo? Por que está lendo
meus livros favoritos?

— Ué, para te reconquistar...

Simples assim. Uma bomba jogada com força no meu


colo, e para ele parecia apenas mais uma manhã de segunda-feira,
sem nenhuma novidade.

— Quantos livros você leu nessas duas últimas semanas?


— Aquele fora o tempo desde o dia em que ele aparecera na
minha casa. Duas semanas desde que eu o tinha mandado embora
e decidido que não queria nem deixá-lo tentar me reconquistar.

Aparentemente ele não desistira.

— Uns quinze, dezesseis. Só nos dois finais de semana eu


meio que li uns dois por dia. Eles são rápidos, não é nenhum
Tolstoi ou Goethe. Não querendo menosprezar, claro.
Fiquei com os olhos arregalados e cheguei a puxar uma
das cadeiras da mesa dele para me acomodar, porque havia uma
grande chance de eu despencar no chão, meio atordoada.

— Você está falando sério?

— Sobre eles não serem como os livros de Tolstói?


Seríssimo.

Revirei os olhos, mas sabia que ele estava brincando,


porque abriu um sorriso.

Merda... eu não podia me lembrar do motivo de gostar


tanto do sorriso dele, principalmente por saber que era muito raro.

— Estou falando sério. Mas acabei gostando. São bons


entretenimentos. Mal vi a hora passar.

— E você ainda viu os filmes também...

— Só o primeiro, para ser sincero, e metade do segundo.


Foi mal, para tudo tem um limite.

Fiquei em silêncio por alguns instantes, pensando que


tudo aquilo era uma loucura. Quando ele disse que iria tentar me
reconquistar e começou a me dar presentes, achei que seria essa
sua estratégia. Coisas genéricas e aleatórias, até acertar algum.

Mas então chegaram os papéis, que já foram muito


significativos. Só que, por trás, nos bastidores, Cassian estava
fazendo mais.
Eu não sabia até que ponto aquilo poderia ser relevante,
mas era uma forma de demonstrar que estava tentando entrar no
meu mundo. Ouvindo minha banda favorita, lendo os livros que
eu gostava, assistindo a filmes por minha causa.

Eu não fazia ideia de quais seriam os próximos planos de


Cass, mas não sabia se estava ansiosa por eles, porque em algum
momento me fariam ceder.

Disso eu não tinha dúvidas.


CAPÍTULO TRINTA E TRÊS

Querida Tabitha,
...
...
...

Enfiei cinco pipocas na boca, parecendo super gulosa,


tentando fingir que estava prestando atenção no filme. De pijamas
e meias, eu e Frances nos deitamos no sofá, para uma noite de
meninas, em um domingo. O filme era uma comédia romântica
boba, e o tema era fake dating – ou seja, o casal principal fingia
que estava namorando, mas é claro que acabavam se
apaixonando.

Não poderia ser uma escolha mais patética. Frances era a


culpada.

Tinham se passado uns quarenta minutos de filme quando


meu interfone tocou. O porteiro avisou que se tratava de uma
encomenda, mas que um mensageiro iria subir e levar para mim.
Fiquei surpresa, porque não estava esperando nada, e
percebi que minha amiga também ficou muito curiosa, se
remexendo no sofá e erguendo um pouco a cabeça, como uma
ema, só para fofocar.

O rapaz tocou a campainha e me entregou um embrulho.


Assinei, agradeci e levei o negócio até o sofá, para abrir ao lado
de Frances.

Não havia cartão, que foi a primeira coisa que eu olhei,


mas nem precisava disso para saber quem a enviara.

Tratava-se de uma caneca, com uma mensagenzinha,


exatamente como aquelas do escritório, que eu adorava e que
sempre usava para tomar o meu leite.

A mensagem era:

A vida pode ser uma merda todos os dias.

Menos se eu tiver você.

Levei uma das mãos à boca, comovida, porque era


exatamente o tipo de declaração de amor que somente Cassian
seria capaz de fazer, e ao mesmo tempo soava mais fofa do que
qualquer outra, porque era muito real. Muito humana.

Na verdade, mais fofa do que eu esperaria que fosse


alguma mensagem de Cass para mim, mas ele estava me
surpreendendo com suas tentativas muito específicas de chamar a
minha atenção. Não eram formas de sedução aleatórias. Eram
coisas que eu nem sabia que ele tinha reparado.

Coisas significativas.

— Você está sorrindo como uma boba — Frances


comentou, e eu me sobressaltei, balançando a cabeça como quem
acorda de um sonho, meio perdida.

— Não estou não — respondi, tentando parecer convicta e


fechando a cara. Também comecei a esconder o presente,
enfiando-o dentro da caixa e começando a fechá-la, até que foi
arrancado da minha mão.

Francis, na maior cara de pau, pegou a caixinha e a


segurou, tirando a caneca de lá de dentro, olhando-a de um lado e
do outro, como se ali fosse encontrar as respostas para todas as
perguntas do universo.

— Foi Cassian?

Eu não queria responder, então emburrei e cruzei os


braços contra o peito, erguendo uma sobrancelha, como se
conseguisse me fazer de difícil para que ela parasse de me encher
o saco.

— Claro que foi, né? — Frances concluiu. — É, ele ta se


empenhando.

Revirei os olhos mais uma vez.


— Estou tentando me manter firme, mas vai ficar difícil
se a minha melhor amiga não me ajudar.

— Eu posso ajudar, Mel, mas você precisa decidir qual o


tipo de ajuda quer. Acha que ficar resistindo vai te fazer feliz? Se
sim, tem todo o meu apoio.

— Não é uma questão ou não de ser feliz.

— A vida não é sobre isso? Sobre tentar encontrar o que


nos faz bem na maior parte do tempo?

Fiquei calada, porque ela obviamente tinha razão, só que


eu não queria assumir que o meu problema era pensar que se
permitisse que Cassian entrasse de novo no meu coração – não
que tivesse saído alguma vez –, seria uma ferida muito grande no
meu ego. Ainda assim, eu me sentiria mais... feliz?

Ou será que sofreria mais? Era difícil prever se ele iria


surtar novamente e me rejeitar pela segunda vez. Eu não iria
suportar caso acontecesse, então aquele afastamento era uma
forma de me preservar.

— Vamos deixar assim por enquanto. Se algum dia eu


tiver que dar uma chance para ele, que faça por merecer.

Frances deu de ombros, assentindo, e me devolveu a


caneca, que embrulhei novamente e coloquei na mesinha ao lado
do sofá. Planejava voltar a assistir ao filme, mas o timing já tinha
sido perdido, porque minha amiga já não estava mais prestando
atenção e decidiu conversar.
— Como está a questão da empresa? O pessoal parou de
te encher o saco?

Respirei fundo. Era um assunto delicado, mas era bom


desabafar.

— Ainda ouço as pessoas falando o meu nome e


cochichando quando passo. Não falam com você, porque sabem
que é minha amiga, mas o Lenny, do jurídico, me disse que eles
insistem que eu terminei com Cassian depois que consegui a
promoção, que só estava com ele por interesse.

— Babacas! Você vale cada promoção que te derem. E


todos sabem disso. — Frances fez uma pausa, estendendo a mão
para tocar a minha. — Como está com tudo isso?

Dei de ombros. Doía mais do que eu queria demonstrar,


mas quanto mais me lembrasse da merda toda, mais me
incomodaria.

— Indo. Não é o fim do mundo. As pessoas me tratam


bem, só tem momentos em que eu gostaria de enfiar a cabeça em
um buraco. E aí fico pensando que Cassian é culpado disso, mas
ao mesmo tempo penso que eu topei desde o início, ele nunca me
chantageou.

— Isso é verdade.

Frances já sabia de toda a história do namoro fake. Contei


para ela logo depois que Cassian me deu aquele fora, embora ela
não tivesse duvidado nem por um minuto, desde o princípio.
— A decisão foi minha, e eu preciso arcar com as
consequências.

Mas, ainda assim, esse pensamento ficou na minha


cabeça. Enquanto eu não estava remoendo a situação, ela era mais
suportável. Só que segunda-feira, eu cheguei na Roman e
encontrei Cassian na copa. Parecia mais um dejà vú do nosso
primeiro dia, enquanto eu pegava leite, e ele comia um donut.

Vi seu olhar se erguer para mim e se iluminar de alguma


forma. Não foi uma coisa pensada, é claro, mas inconsciente.
Qualquer mulher se encantaria com aquele tipo de coisa: um
homem lindo, por quem é apaixonada, que a enxerga como se
fosse algo precioso. Um homem que despreza todo mundo,
menos a garota por quem se diz apaixonado.

Pena que este mesmo homem me tratou como tratou.

— Bom dia, Mel — ele me cumprimentou, e eu poderia


jurar que meu apelido em sua boca soou exatamente como
chocolate derretido, quase me obrigando a fechar os olhos e
passar a língua pelos lábios, tentando encontrar o doce perdido
por ali.

— Bom dia, Cass — devolvi a cortesia e me virei de


costas para ele, para pegar o leite de sempre.

Claro que ele não deve ter deixado de perceber que eu


estava usando a caneca que me deu. Mesmo assim, não comentou
nada.
Ainda estávamos em silêncio, quando mais pessoas
entraram na copa. Fiquei olhando para eles de soslaio e ouvi
umas risadinhas, cochichos. Não era possível que não tivessem
um mínimo de discrição, até porque o futuro chefe de todos
estava ali.

Se bem que Cassian já estava acostumado com fofocas


com seu nome, né?

Suspirei, cansada, e nem terminei de pegar o que queria,


só jogando o pouco de leite com o qual preenchi a caneca na pia.
Tinha perdido a vontade. Seria apenas o café naquela manhã. Não
queria ficar mais nem um minuto naquela copa.

Não era para me afetar tanto. Não era para me machucar.

Talvez fosse uma boa ideia tentar procurar outro emprego.


Mas eu perderia tudo o que conquistei na Roman.

— O que diabos aconteceu lá na copa? — Eu estava um


pouco aérea, então demorei a me dar conta de que Cassian tinha
entrado. Ou talvez ele tivesse feito isso em um rompante tão
abrupto que nem daria para perceber.

— Como assim?

— Por que aquelas pessoas estavam cochichando, olhando


para você e rindo? O que têm falado que eu não sei, Melissa?

Cassian parecia a ponto de explodir, tanto que a voz dele


era nada mais do que um rosnado, e sua respiração se tornou
incerta, quase um chiado profundo.
— Pensei que soubesse. Eles acham que eu só fiquei com
você para subir na empresa. Que depois que consegui o cargo, te
deixei.

— Eles estão me fazendo de vítima? — Levou a mão ao


peito, com os olhos arregalados.

— Parece que o jogo virou, né?

Achei que íamos levar na brincadeira, que Cassian iria


simplesmente xingar, reclamar e deixar a vida seguir, mas se
aproximou e pegou minha mão, me puxando em direção à porta
da sala.

Passou pela mesa da secretária geral, pedindo que


enviasse um alerta para que todos se reunissem no auditório da
empresa para um comunicado urgente.

— Cassian, o que está fazendo? — perguntei, ao lado


dele, sentindo sua mão segurar a minha de uma forma mais gentil
do que antes.

— Confia.

É... não tive muito sucesso quando fiz isso da primeira


vez, né? Mas tudo bem... se ele estava pedindo...

Foram precisos vinte minutos para que as pessoas


chegassem, se acomodassem e começassem a aguardar. Como
não se tratava de um auditório muito grande, Cassian decidiu
subir no palco sem um microfone sem nada.

Comigo ao lado... Eu não estava entendendo nada.


— Hoje, na copa, ouvi uma conversa que achei uma falta
de respeito — ele começou. Imediatamente olhei para as pessoas
que tinham feito a tal fofoca e as vi se remexerem, parecendo
nervosas. — Vocês abrem a boca para falar do que não sabem.
Criam fanfics nas suas cabeças com histórias mentirosas. Eu fui o
escroto com Melissa. Eu não soube valorizar a mulher
maravilhosa que tinha do meu lado. Eu perdi a melhor coisa que
aconteceu na minha vida nos últimos tempos. Estou correndo
atrás do prejuízo e me colocaria de joelhos na frente dela para que
me desse mais uma chance. Não foi ela que terminou comigo
porque é interesseira. Ela é a mulher mais íntegra, honesta,
talentosa e esforçada que conheço. E se eu pegar qualquer um de
vocês falando dela novamente, serão demitidos, sem chance de
justificativa.

Depois de dizer isso, como um recado rápido e certeiro,


Cassian saiu me puxando novamente, nos levando de volta para a
nossa sala e nos fechando lá dentro.

Estava estressado, andando de um lado para o outro,


passando a mão pelo cabelo, inquieto.

— Me desculpa se te expus, mas odeio esse tipo de coisa.


Já passei por isso e acabo com qualquer um que te coloque na
mesma situação.

— Não, tudo bem — respondi ainda atordoada. Queria


falar mais, queria lhe dizer que as coisas que disse e fez tiveram
algum significado para mim.
Claro que eu sabia que poderia ser motivo para mais
alguns burburinhos, mas eu não ligava. A forma como me
enalteceu e me defendeu pareceu tão honesta que podia jurar que
ninguém iria duvidar de suas palavras.

Nem mesmo eu.

Cassian estava mesmo apaixonado por mim. Isso não era


mais uma dúvida.

Só não sabia o que fazer com essa certeza.

— Vou sair um pouco. Espairecer. Novamente... me


desculpa. Sou impulsivo e faço tudo sem pensar... Me... desculpa.
— Pegando seu paletó das costas da cadeira, Cassian saiu sem
nem me dar chance de conversar, de dizer o que achei de sua
atitude.

Sem nem me dar chance, na verdade, de pensar o que


aquilo mudaria entre nós.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO

Quase chutei a porta da máquina de lavar, depois de enfiar


a roupa lá dentro, porque um pedaço de um tecido ficou para fora.
Eu podia sentir meus membros queimando por conta do estresse,
além de uma dormência nas mãos. Coloquei-as sob a água fria da
torneira, e aquela merda passou.

Já conhecia muito bem a sensação. Era isso que sempre


acontecia comigo quando ficava irritado naquele nível. Este era o
motivo pelo qual sempre buscava a música. De alguma forma, ela
me acalmava.

A ideia era pegar a merda da guitarra e me enfurnar no


quarto, enquanto a roupa era lavada, e ficar tocando até meus
dedos sangrarem.

Um pouco dramático, mas era o mood do dia.

Não que eu gostasse muito de fazer tarefas domésticas


também, o que sem dúvidas estava contando e muito para o meu
estresse, mas odiava deixar tudo nas mãos da moça que
trabalhava comigo, duas vezes na semana, cuidando da minha
casa. Não tinha muita dificuldade em enfiar um bolo de roupa
numa máquina, dosar sabão e amaciante, separando por cores.

Arranquei a camisa do trabalho também, aproveitando que


era preta, e coloquei lá dentro, antes de acionar o botão para
começar a limpeza.

Ao mesmo tempo que iniciei a lavagem, o interfone


tocou, o que me fez estranhar. Eu definitivamente não estava
esperando uma visita. Na verdade, mal conseguia me lembrar da
última vez em que alguém aparecera ali. Normalmente, eu só
atendia ao interfone para receber encomendas e pedidos de
delivery.

A surpresa, no entanto, foi muito maior do que esperei.

Era Melissa.

Cheguei a pedir para o porteiro repetir, porque mal


acreditei. Não havia motivos para ela ir à minha casa, a não ser
que fosse para reclamar do que fiz naquela manhã. Não voltei
para a empresa depois, e eu estava cansado de fugir, mas parecia
que sempre só cometia erros atrás de erros. Minhas decisões
sempre me levavam a questionar minha sanidade, e aquela foi
mais uma.

Não consegui ficar parado enquanto ela subia, depois de


eu autorizar sua entrada, então acabei esquecendo de colocar uma
camisa. Tanto que foi a primeira coisa que ela viu quando abri a
porta.
Os olhos de Melissa, bem abertos, ficaram vidrados no
meu peitoral, como se ela realmente não esperasse me ver sem
camisa. Só que eu estava em casa, né? Era meu direito estar à
vontade.

— Ah... eh... oi? — ela falou, quase gaguejando.

— Oi. Aconteceu alguma coisa?

— Não... eu só... — Ela coçou uma sobrancelha. — Só


queria conversar. Tudo bem se eu entrar?

— Claro.

Saí de sua frente, permitindo que passasse, e Melissa


entrou, parecendo um pouco deslocada. Até eu mesmo estava,
dentro da minha própria casa.

Dei-lhe o tempo necessário para falar, embora estivesse


ansioso para saber o motivo de sua visita, mas ela não parecia
saber como começar o assunto.

— Você poderia me dar um copo d’água? — perguntou,


levando a mão à garganta, como se estivesse seca.

— Sim, claro.

Eu parecia um bobo respondendo “claro” para tudo, sem


saber como agir. Passando por ela, fui à cozinha, pegar a água que
me pediu e percebi que veio atrás. Éramos meio que duas baratas
tontas, perdidas, em um tabuleiro de xadrez.
Peguei um copo no armário e abri a geladeira para lhe
servir. Entreguei o copo a ela, e Melissa bebeu de uma vez só,
enquanto ouvíamos a máquina de lavar bater a roupa.

O silêncio continuou. Eu já estava muito, muito intrigado


e quase incomodado.

— Olha, Melissa, se veio até aqui brigar comigo, preciso


lembrar que já pedi desculpas. Talvez o estrago já tenha sido
feito, e eu nem mereça perdão, mas...

Com toda a calma do mundo, enquanto eu falava, Melissa


colocou o copo sobre a bancada da pia e veio até mim. Na ponta
dos pés, tomou meu rosto entre as mãos e colou seus lábios nos
meus, em um beijo completamente inesperado.

Ela ia se afastar, deixando-me só com um selinho, mas


não permiti. Agarrei-a sem pensar no que fazia, aproveitando o
momento como se fosse a chance da minha vida.

Com uma das mãos espalmada em suas costas e outra em


sua nuca, encaixei-a do jeito que considerei perfeito e deixei que
meus instintos me guiassem. Eu poderia estar cometendo um
erro, forçando-a a algo mais do que provavelmente estava
interessada, mas não me importei.

Quando Melissa começou a corresponder, decidi pagar


para ver. Não iria perguntar o que estava fazendo ali. Não iria me
afastar para tentar entender.

Eu não precisava entender.


Precisava dela.

No momento em que seus braços me envolveram, não


houve mais dúvidas. De alguma forma, ela também me queria.
Quando sua língua entrou no mesmo ritmo da minha, ambas
exigentes e intensas, cheguei a incliná-la um pouco para trás, pelo
simples fato de que queria aumentar nossa proximidade, embora
não houvesse mais nenhum espaço entre nós.

As mãos de Melissa pareciam pegar fogo contra a minha


pele nua do tórax, e eu achei injusto que ela estivesse vestida. Sua
camisa era de botões, das que usava para trabalhar –
provavelmente passara na minha casa depois de sair da empresa
–, então eu comecei a abri-la, tentando ser paciente. No meio do
caminho, puxei cada um dos lados, arrebentando tudo, com
pressa.

Coloquei as mãos sob seus braços, tirando-a do chão e a


colocando sobre a bancada. Aproveitei que estava de saia e nem
pensei duas vezes, nem pedi permissão. Fui deixando que meus
dedos passeassem por sua coxa, erguendo o tecido, encontrando a
calcinha e afastando-a só para brincar com seu clitóris. Enquanto
isso inclinei-me e baixei, mordendo o bico de seu peito, por sobre
o tecido do sutiã, arranhando os dentes naquela parte que eu sabia
que era sensível.

Melissa soltou um gemidinho gostoso, e eu fui invadindo


mais sua boceta, brincando, testando, sentindo-a. Ela foi ficando
molhada devagar, lambuzando meu dedo aos poucos,
preenchendo-o da forma mais deliciosa possível.
Quando cheguei fundo, sem muita preparação, ela me
abraçou, encostando a cabeça no meu ombro, movimentando-se
para me ajudar a masturbá-la com mais força, arqueando os
quadris, pedindo mais.

— Tem camisinha no bolso da minha saia. Comprei antes


de vir para cá... — ela falou, arfante, e eu sorri, pensando que
aquela garota era uma caixinha de surpresas.

Usei um dos braços para puxá-la mais para a ponta do


balcão, encontrando mais espaço para ir mais fundo. Ela abriu as
pernas um pouco mais, e eu deixei que seus gemidos entrassem
nos meus ouvidos como música, misturando-se aos sons
cotidianos de uma rotina doméstica.

O que me deu uma ideia.

Pegando a camisinha, tirei a saia de Melissa, jogando-a no


chão, e a segurei, entrelaçando suas pernas na minha cintura,
levando-a até a área de serviço do apartamento. Coloquei-a de pé,
girando-a para que ficasse de costas para mim e a ergui um
pouco, deixando-a em cima da máquina de lavar, debruçada, com
o bumbum empinado.

Ela estava com os pés fora do chão, e quando eu a


penetrei de novo com o dedo, preparando-a para me receber, sem
nem tirar minha própria calça e nem sua calcinha, só afastando-a,
o movimento da máquina e dos meus dedos fizeram Melissa
gritar.

— Cass! Meu Deus!


Abri a braguilha da minha calça e a embalagem da
camisinha com os dentes, tirando-a de lá de dentro e vesti meu
pau, nem me preocupando em me despir naquela parte, porque eu
estava me sentindo um garoto afobado, enquanto ainda a fodia
com os dedos.

Mal avisei, apenas estoquei com força, penetrando-a, me


encaixando, enquanto a segurava, deixando que o ritmo se
estabelecesse, levando em consideração a posição em que
estávamos e o que acontecia sob nós.

Investi novamente, saindo e entrando dela. Porra, eu


poderia me perder dentro de seu corpo. Poderia me desfazer ali a
qualquer momento, em meio ao frenesi de todas as sensações que
Melissa me causava.

Como pude pensar, em algum momento, que conseguiria


ficar afastado, depois de termos provado do quanto de química
tínhamos? Como julguei ser simples apagar da minha cabeça e do
meu corpo as marcas do que ela deixou?

— Caralho, Mel... Caralho...! — Não era a coisa mais


eloquente a se dizer a uma mulher durante uma foda como
aquela, mas foi tudo o que minha cabeça conseguiu pensar,
enquanto eu me movimentava para estocar com ainda mais força
do que antes, colocando uma das mãos na prateleira sobre a
máquina, esperando me segurar nela, enquanto apertava o quadril
de Melissa, movimentando-a.

Inclinei-me um pouco para a frente, espalhando beijos por


suas costas, enquanto meus dedos afundavam na carne de sua
perna. Com o joelho eu também a segurava, para que não
perdêssemos a posição que estava maravilhosa.

Eu sabia que Melissa também estava rendida, pela forma


como se entregou ao momento. Pelos gemidos, pelo quanto seu
corpo estava completamente entregue à posição, aberto para mim,
receptivo.

Senti quando começou a contrair os músculos, pronta para


gozar para mim. Soltava gritinhos esparsos, arfantes, o que
começou a me deixar completamente louco. Queria permanecer
dentro dela o máximo de tempo, mas foi impossível não
acompanhá-la e me deixar levar, soltando um grunhido de prazer
que se misturou aos sons que ela fazia, unindo não apenas nossos
corpos, mas nossas vozes, e eu podia jurar que nossos corações
estavam também batendo no mesmo ritmo.

Saí de dentro dela, tirei a camisinha e a joguei na lixeira,


amarrando a ponta, tudo sem afastar a mão da cintura de Melissa.
Quando a soltei, ela chegou a cambalear, com os joelhos moles,
então eu a peguei no colo, da forma mais cavalheiresca possível,
e a levei para a sala, sentando-a no sofá.

Tratando-a com a maior ternura que já dediquei a outra


pessoa, voltei à cozinha, pegando sua roupa e a vestindo, com
reverência, dando um jeito de amarrar sua blusa para que os
últimos botões que destruí não fizessem muita falta.

Quando terminei, nós nos olhamos nos olhos, e eu


finalmente perguntei:
— O que veio fazer aqui?

Ela suspirou.

— Te agradecer por hoje.

— Com sexo?

— Não... Só aconteceu.

— Mas você tinha camisinha no bolso.

— É... eu esperava que acontecesse.

Eu também. Mas não só o sexo em si. Queria muito mais.

— O que vai acontecer daqui para a frente? Vai me dar


uma chance? — perguntei, quase implorando. Nunca pensei que
algum dia isso aconteceria comigo, mas eu me sentia capaz de
fazer tudo por ela; tudo para provar que a gente daria certo. Que
não iria decepcioná-la novamente.

— Acho que ainda preciso de um tempo. Só para ter


certeza de que você não vai mudar de ideia de novo.

Eu não ia, mas precisava lhe dar um crédito. Não


adiantava querer ganhar sua confiança no grito ou nas promessas.
Ações eram muito mais eficazes. E eu era incansável quando
queria uma coisa.

Nunca quis nada como queria Melissa. Isso deveria


significar alguma coisa.
— Eu vou te esperar. O tempo que for necessário —
respondi, esperando que, no final das contas, tudo valesse a pena.
CAPÍTULO VINTE E CINCO

Querida Tabitha,
...
...
...

Ele disse que ia me esperar, mas eu não era o tipo de


pessoa que gosta de cozinhar as outras em banho maria. Odiava
essa sensação, quando se voltava contra mim, então não obrigaria
Cassian a sofrer – não mais do que o merecido.

Para a minha sorte, o feriado de Ação de Graças iria


acontecer em meio a tudo isso, e eu precisava viajar para
encontrar meus pais. Fazia uns bons meses que não nos víamos, e
eu era econômica ao dar as notícias sobre o que estava
acontecendo na minha vida. Eles também não perguntavam, mas
imaginava que previam que havia algo de errado, porque eu
andava mais calada e um pouco mais séria.
Quando cheguei lá, no entanto, a sensação de estar em
casa, em meu lar, me abraçou e eu decidi que seria um momento
só meu, em que eu não pensaria em Cassian, no meu trabalho, em
mais nada. Só queria estar com meus pais e passar algum tempo
no local onde vivi toda a minha infância e boa parte da juventude.

Fui recebida de braços abertos, tanto por meus pais quanto


por Cherry Pie, nossa cachorrinha vira-lata, de dez anos, de quem
eu morria de saudade. Joguei-me no chão, deixando que ela me
lambesse e fizesse todas as festinhas que desejasse, cedendo os
minutos que ela merecia.

Já era quase hora do almoço, então me sentei com eles e


conversamos sobre trabalho. Eles não fizeram nenhuma pergunta
sobre Cassian, o que me deixou muito aliviada. Claro que os dois
deveriam imaginar que tínhamos terminado.

Mas tínhamos mesmo? Porque dias atrás estávamos


fazendo um sexo louco em cima de uma máquina de lavar.

Quando, na minha existência, pensei que isso aconteceria


comigo? Sempre jurei que minha vida sexual seria calma,
tranquila, serena... mas pensei a mesma coisa sobre minha vida
amorosa, e olha o desastre que ela estava se tornando.

Fosse como fosse, Cassian me provocava os mais diversos


tipos de emoções. Das piores às melhores.

Assim que terminamos de comer, eu subi para o quarto


que seria meu naqueles dias. Não era aquele no qual passei anos
da minha vida, porque este eu dividia com a minha irmã. Como
uma cortesia, minha mãe decidiu limpar o cômodo da bagunça e
prepará-lo para mim, com uma cama, uma cômoda, lençóis
limpos e o que mais eu pudesse precisar.

Fui até ele, tomei um banho e coloquei uma roupa mais


confortável. Fiquei olhando para aquelas coisas impessoais, doida
para me deitar um pouco depois do cansaço da viagem, mas
decidi que seria uma boa ideia me torturar e dar uma olhada em
coisas da Tabitha, que eu sabia que minha mãe ainda guardava.

Coisas das quais eu imaginava que ela nunca fosse se


desfazer, por isso preparara aquele outro cômodo para mim.

Tentando ser o máximo discreta possível, fui pé ante pé


até o quarto ao lado, cuja porta estava fechada, mas – felizmente
– não trancada. Girei a maçaneta e a abri devagar, chegando a
fechar os olhos enquanto ouvir o ranger que Tabitha sempre
comentou que parecia o som de um gato no cio.

Precisei rir a respeito disso, porque ela sempre foi a mais


bem-humorada de nós duas. Sempre me fazia rir quando eu mais
precisava.

Provavelmente estaria zombando da minha situação com


Cassian, do nosso começo ilógico e perfeito para o enredo de um
romance. Provavelmente eu lhe contaria do sexo maravilhoso, e
ela mandaria eu agarrar o boy, com unhas e dentes.

Sorri ao me lembrar de sua forma de falar.

Entrei no quarto e me deparei imediatamente com a


ausência de uma cama, já que minha mãe usara a minha para
deixar no novo quarto de hóspedes. Além disso, tudo parecia
intacto, como deixei antes de ir embora.

O meu lado do quarto era bem organizado, e o de Tabitha


era um caos. Um caos que refletia a personalidade dela.

Pôsteres de vários estilos colados na parede: desde bandas


de rock pesado a um dos Jonas Brothers. Desde Johnny Depp em
Piratas do Caribe a Zac Effron. Minha irmã era eclética em tudo,
e ela dizia que tinha sorte porque gostava de muitas coisas.

Sabendo exatamente o que eu queria procurar, abri a


gaveta de sua escrivaninha e tirei de lá a caixinha igual à minha –
porque compramos juntas – e, ao tirar a tampa, encontrei vários
papéis espalhados.

Eu não sabia se Tabitha tinha mexido nelas pouco antes


do acidente, mas elas estavam um pouco embaralhadas, tanto que
havia algumas de quando eu era bem mais nova, com minha
letrinha de criança, torta, incerta, mas esforçada.

Meus olhos se encheram de lágrimas conforme fui


encontrando tesouros ali dentro. Alegrias compartilhadas, o
primeiro beijo, a primeira vez... eu contava tudo para Tabitha
daquela forma, principalmente as coisas que não queríamos que
nossos pais ouvissem. Apesar disso, eles conheciam a história das
cartas e nunca as bisbilhotaram, porque nos respeitavam.

Li trechos de algumas, mas uma delas chamou mais a


minha atenção, porque eu não me lembrava de absolutamente
quase nada sobre. A julgar pelos garranchos e algumas manchas
no papel, podia jurar que houveram lágrimas durante a escrita e
que eu estava bastante revoltada, como só uma adolescente de
quatorze anos poderia estar ao ter sua primeira decepção.

Foi logo após o meu primeiro beijo. Um dos garotos mais


populares da escola, e eu jurei que seria mais do que apenas um
encontro num canto escuro do pátio, para um beijo que eu achei
sensacional – mas que depois, com um pouco mais de prática,
percebi que fora nada além de algo molhado e sem pegada.

Havia algo de interessante no teor da carta, no entanto.

Querida Tabitha,

Ele é um babaca.

A gente se beijou, e ele falou que era só isso.

Que eu não era popular o suficiente para ser vista do lado dele.

Por que eu não posso viver um amor como o dos livros, Tab?

Por que um cara não luta por mim de verdade?

Mesmo que ele me magoasse, se só mostrasse que tinha se arrependido,

eu perdoaria. Se ele fizesse coisas por mim, coisas que

me fariam acreditar que seu amor era de verdade

eu não pensaria duas vezes.

Só queria alguém que fosse como os mocinhos dos livros que li.
Era algo quase engraçado de se ler, por ser tão definitivo
para uma garotinha que não sabia nada da vida. Mais do que isso:
o que eu sabia do amor?

Ainda assim, aparentemente meu coração era bem mais


gentil. Eu estava disposta a perdoar. Disposta a dar uma segunda
chance. Por que isso tinha mudado? Como foi que meu orgulho
se tornou tão forte?

— Mel? Está tudo bem? — Ouvi a voz da minha mãe e


ergui os olhos na direção da porta para vê-la ali parada, me
observando.

Senti seus lábios se curvarem em um sorriso indulgente


quando percebeu o que havia no meu colo. Ela sabia da existência
da minha correspondência secreta com Tabitha, então logo
entendeu o que eu estava olhando.

— Fico remexendo as coisas dela também, às vezes. — D.


Gloria se aproximou, sentando-se ao meu lado, na cama. —
Parece meio mórbido, mas me ajuda a amenizar a dor. Saber que
ela existiu.

— Às vezes parece que Tab foi só um sonho meu.

— É, eu sinto isso também.

Ficamos caladas por alguns instantes, até que eu estendi a


carta à minha mãe.
— Vou poder ler? — Ela pareceu surpresa. — Vocês duas
sempre guardaram essas cartas a sete chaves.

— Leia, por favor.

Ela fez isso. Pegou o papel das minhas mãos e senti que
se emocionou ao ver minha letrinha de menina, provavelmente
enchendo-se de nostalgia.

— Cassian fez uma besteira comigo, sabe? Mas está se


empenhando para que eu o perdoe — confessei, enquanto ela
ainda terminava a leitura. Como toda mãe dedicada, cruzou as
mãos sobre seu colo, erguendo a cabeça para me dar toda a sua
atenção.

— O quão grande foi a besteira?

— Disse que não estava tão pronto para um


relacionamento. Eu tinha acabado de ter minha primeira vez com
ele.

— Que babaca!

— Tá vendo? Pois é! — Eu sentia como se estivesse


conversando com uma amiga. Com Tab, talvez. Ela e minha mãe
sempre foram tão parecidas, com os cabelos mais claros, os olhos
amendoados. Eu sempre fui mais similar ao meu pai. Juntas,
sempre fomos a prova do amor dos dois.

— Mas o quão bem ele está se saindo em se redimir?

— Muito bem. Ele leu os meus livros favoritos! Cassian


não é muito bom demonstrando sentimentos, mas parece que está
se esforçando, sabe? Sem contar que a gente se dá tão bem no
sexo e...

— Mel, sem detalhes. Ainda sou sua mãe... — Ela levou


uma mão à testa, envergonhada, mas de um jeito divertido. Tanto
que acabamos caindo na gargalhada. — Mas, à parte do sexo, eu
acho que se ele está se esforçando, você precisa dar um crédito ao
garoto. Por que não liga para ele, só para desejar um bom
feriado? Se quiser convidá-lo para dar uma passada aqui... — a
safada jogou.

— Ele tem família. Uma família incrível, diga-se de


passagem. Um sobrinho lindo, pai, irmã, cunhada. Deve estar
com eles.

— Aí você terá a sua prova. Joga o convite, se ele agarrar


a oportunidade, é mais um sinal de que está disposto a tudo para
te reconquistar,.

Minha mãe também deixou no ar sua ideia, deu um beijo


no topo da minha cabeça e saiu do quarto, colocando a cartinha
sobre a cama, onde eu pudesse vê-la.

Respirando fundo, peguei o papel na mão, para reler, e me


deitei na cama de Tabitha, encolhida, quase tentando encontrar o
cheiro dela em meio ao travesseiro, embora minha mãe já tivesse
trocado um milhão de vezes desde que ela se fora.

— Me manda um sinal, mana. Só um... — pedi em um


sussurro e fechei os olhos.
Deixei que o cansaço me vencesse, tirando um cochilo,
mas acordei com o celular vibrando no bolso do meu short.

Eu sabia que era uma mensagem de Cassian antes mesmo


de checar. Era o sinal que eu tinha pedido.

Ele só dizia:

CASSIAN:

Queria estar com você.

Novamente, para um homem que dificilmente


demonstrava seus sentimentos, Cassian estava se saindo muito
bem.

Foi exatamente por isso que não resisti. A desculpa seria o


sono:

MELISSA:

Vem para cá.

Passa o feriado comigo.

Logo abaixo, enviei o endereço. Era uma viagem de três


horas, então jurei que ele não apareceria.
Sendo assim, desliguei o celular e voltei a dormir,
tentando não ficar ansiosa ou guardar esperanças.

Seria o que o destino quisesse.


CAPÍTULO TRINTA E SEIS

O som do para-brisas do meu carro era um ruído


incessante a ponto de me fazer ligar o rádio do carro e ouvir a
primeira coisa que começou a tocar. Não me surpreendia que
fosse a tal banda, The Dreams, favorita de Melissa.

E o pior foi me pegar cantando a maldita música e


batendo os dedos no volante ao ritmo dela.

Peguei chuva na estrada, com pingos grossos que


pareciam agredir o meu vidro dianteiro; deixei minha família para
trás – além de um peru delicioso preparado pela cozinheira do
meu pai –, fiz Ray reclamar por um bom tempo até que eu
explicasse que precisava sair para ficar com a “tia Mel”.

Fiz tudo isso por causa de uma droga de mensagem.

Se aquela garota dissesse que queria que eu me


pendurasse na lua por ela, aparentemente era o que eu faria.

O GPS me indicou que eu tinha chegado, então embiquei


o carro no portão da propriedade, esperando que ele fosse aberto
para mim.

E foi, assim que me anunciei pelo interfone, precisando


descer do carro para isso – e ficando todo molhado no processo.

Parei na garagem, percebendo que a casa dos pais de


Melissa era simples, mas grande, espaçosa. Havia outra casa
menor, nos fundos, mas não duvidei em qual delas deveria tocar a
campainha.

Fui recebido por um homem de uns sessenta anos, vestido


com um suéter cinza e uma blusa polo por baixo, com os cabelos
grisalhos penteados, mas uma cara de insatisfação ao me ver.

— Ah, você que é o Cassian Greene? — perguntou sem


me deixar entrar de primeira. Por mais que houvesse uma espécie
de varanda na entrada da casa, e eu não estivesse me molhando
ali fora, não estava exatamente calor. Ele ia mesmo ficar
conversando, enquanto eu congelava?

Passei uma das mãos pelo cabelo espetado, e os pingos


foram para todos os lados. Provavelmente molhei o Sr. Foster
também, mas de forma não intencional.

— Sim, senhor. Eu lhe estenderia a minha mão, mas ela


está molhada.

O cara arqueou a sobrancelha, realmente não tendo a


menor intenção de ser simpático.

— Olha, eu não sei o que aconteceu entre você e a minha


filha, mas ela pouco te menciona, então tenho a impressão de que
brigaram. Se veio aqui sem o consentimento dela tentar persegui-
la, volte para de onde veio, porque não vou te deixar entrar.

Eu nunca poderia ir contra um pai protetor, especialmente


quando o alvo de seus cuidados era a mulher por quem eu estava
apaixonado.

Assenti, concordando, pronto para tirar o celular do bolso


e mostrar a mensagem de Melissa – e todas as outras que enviei e
que ela não respondera, tentando confirmar se estava falando
sério sobre o convite –, mas uma mulher bonita, de cabelos
castanho-claros e curtos, surgiu, com um sorriso apaziguador no
rosto.

— Claro que Cassian foi convidado, Peter. Eu mesma


incentivei Mel a fazer isso.

O pai de Melissa não pareceu muito convencido, mas os


dois finalmente me deixaram entrar.

Havia uma lareira logo na sala, onde me esquentei, tirando


a jaqueta molhada e ficando só com uma pulôver preta, de gola
alta.

— Por que não sobe para falar com a Mel? Ela subiu tem
umas cinco horas e se deitou. Devia estar cansada da viagem,
porque ainda não desceu.

Minha calça jeans estava toda molhada, mas a coisa que


eu mais queria naquele momento era ver Melissa, por isso nem
me preocupei com detalhes.
— Eu posso mesmo?

— Pode, mas com a porta aberta, hein... — Nós não


tínhamos dezesseis anos, mas eram as regras da casa, e eu não
pretendia burlá-las.

Concordei e fui acompanhado pela mulher até o segundo


andar, onde uma porta foi aberta.

Melissa estava jogada na cama, toda encolhida, e havia


uma caixinha ao seu lado, além de um papel em sua mão. Não era
difícil, conhecendo a história da troca de correspondências dela
com a irmã, imaginar do que se tratava.

— Pode acordá-la, tá? Já está aí dormindo há muito


tempo, acho que vai até reclamar por eu não ter feito isso antes...
Com licença.

A mãe de Melissa, ao contrário de seu pai, parecia muito


entusiasmada com minha presença ali. Como se quisesse me unir
à sua filha de qualquer jeito.

Bem, eu não iria me opor àquela aliada.

Fui me aproximando da cama, tentando fazer o mínimo de


barulho possível, agachando-me e me colocando do lado dela,
estendendo a mão e tirando uma mecha de cabelo que tinha caído
em seu olho. Melissa provavelmente já estava quase despertando,
porque apenas esse movimento foi suficiente para que ela se
mexesse.
Girou devagar o corpo, erguendo o braço para se alongar e
fazendo a blusa que usava subir, deixando sua barriga de fora.

Ela foi abrindo os olhos aos poucos, primeiro olhando


para o teto e depois virando a cabeça e me enxergando ali. Pensei
que fosse se sobressaltar, mas Melissa abriu um sorriso lento, de
canto, que eu achei muito sensual.

— Você veio — ela disse em um sussurro, que soou tão


inocente ao ponto de fazer meu coração se perder dentro do peito.

— Nem pensei duas vezes.

— Dirigiu por três horas, e na chuva aparentemente, só


para me ver?

— Dirigiria por um dia inteiro, sob nevasca.

Ela fez uma careta.

— Ok, agora você está ficando brega.

— Não era mocinho de literatura que você queria? Eu


estou seguindo a cartilha.

Ela mais uma vez sorriu e se levantou aos poucos,


colocando-se sentada na cama.

— Acho que eu deveria ter te apresentado aos meus pais,


né?

— O seu pai não foi muito com a minha cara.

— Vamos resolver isso.


E foi assim que saímos de seu quarto, direto para a sala,
para nos sentarmos com o casal Frost: Peter e Gloria. Simples,
sem muito alarde, como se eu já fizesse parte daquela pequena
rotina da casa.

Como eram todas as coisas com Melissa. Ela,


definitivamente, não complicava tudo da mesma forma que eu. E
isso era algo que eu precisava aprender.

— Cassian, agora que eu percebi, querido! — a Sra. Frost


comentou. — Você não trocou de roupa e está todo molhado. Por
que não vai tomar um banho quentinho?

Fiquei um pouco sem graça com aquela pergunta.

— O problema, senhora, é que eu não fiz uma mala.

Todos pareceram surpresos, principalmente Melissa, então


precisei explicar.

— Recebi a mensagem de Melissa e saí correndo da casa


do meu pai. Não tinha nada lá comigo e nem pensei em passar no
meu apartamento. Para mim eu só ia vir e ficar algumas horas...

Ninguém respondeu de imediato. Comecei a achar que


tinha falado alguma coisa errada.

— Você viajou esse tempo todo para passar algumas horas


comigo?

— É... — Dei de ombros. Já tinha falado para ela que iria


muito mais longe, e estava sendo sincero.
Ela ficou meio paralisada, olhando para mim boquiaberta.

— Bem, não tem problema. Peter pode te emprestar uma


roupa. Você é mais alto e um mais forte, mas deve ter algo que
caiba. Melissa pode te ajudar com isso... — a Sra. Frost falou, e
seu marido balançou a cabeça, concordando.

— Mas, senhora, eu posso voltar e...

— Ficou doido, menino? Está chovendo, tarde. Nem


pensar que vai pegar estrada assim. Pode ficar aqui. Temos
espaço.

— Sim, temos. Mas você pode dormir na casa do


caseiro... Tem uma cama lá, banheiro — o Sr. Foster acrescentou.

E afastado de sua filha, claro. Abri um sorriso, porque eu


já conseguia perceber que ele estava se esforçando muito para
fazer o papel de pai severo, o que não parecia ser exatamente
verdade.

Melissa me acompanhou ao quarto dos pais, começando a


mexer no armário, caçando algo para eu vestir.

Ainda de costas, começou a falar:

— Você é doido em ter feito isso. Eu entenderia se


dissesse que não era viável.

Eu não queria ter aquela conversa de costas para ela, então


segurei seu braço e a fiz virar-se para mim, olhando nos meus
olhos.
— Nunca precisei lutar por nada. Não que minha vida
tenha sido fácil, com todos os problemas com a minha mãe, mas
depois tudo se encaixou, e as coisas vieram de um jeito natural.
Você é o primeiro desafio que tenho, e eu sempre me considerei
um homem obstinado, quando o prêmio vale a pena. Vou fazer de
tudo, Melissa, para te fazer entender o quanto quero que seja
minha.

Seus lábios se abriram em uma exclamação muda de


surpresa. Inclinei-me e os beijei da forma mais suave que
consegui, mas mesmo assim Melissa fechou os olhos, soltando
um suspiro.

— É, Cassian, está difícil resistir a você... — sussurrou.

— Não resista — sussurrei de volta, esperando que ela


acatasse meu pedido.

Esperando que a gente finalmente conseguisse se acertar.


CAPÍTULO TRINTA E SETE

Com uma roupa seca, sentindo-me bem mais confortável


depois do banho, eu me reuni à família Frost para jantar. Elogiei a
comida da Sra. Frost, brinquei com o cachorro e me senti em
casa. O que não era fácil de acontecer, porque eu não me abria
facilmente para qualquer um.

Ao final, tomamos um vinho em frente à lareira, até que


Gloria Frost me levou à casa dos fundos, com edredom,
travesseiros, toalhas e tudo o que eu poderia precisar.

A chuva tinha cessado, então pudemos ir caminhando a


curta distância sem percalços, mas não em silêncio.

— Sabe, Cassian... quando eu perdi minha filha, tive a


impressão de que o mundo iria ruir. Você ainda não é pai, então
provavelmente não conhece a sensação de amar dessa forma.

— Não, senhora. Mas tenho um sobrinho e sou louco por


ele.
— Então é bem por aí. — Ela fez uma pausa, mexendo na
chave para abrir a porta da casa. — A partir do momento que só
me sobrou uma filha, quando eu tive duas por tantos e tantos
anos, eu e Peter juramos que iríamos fazer de tudo para preservá-
la, protegê-la. Ela era tudo o que nos restava. — Glória abriu a
porta, e eu senti o cheiro de madeira preencher minhas narinas,
quase como se me dando as boas-vindas. Era praticamente um
chalé; pequeno, mas confortável, especialmente para um hóspede.
— Quando ela partiu, para seguir sua vida, nosso desejo era
segurá-la conosco. Pedir que não fosse, que mudasse de ideia,
mas decidimos que não podíamos prendê-la debaixo da barra da
nossa saia. Melissa sempre foi muito inteligente, muito esforçada,
e ela precisava voar.

— Sim, ela é tudo isso.

— E mais — ela falou, cheia de orgulho, pegando as


roupas que eu estava carregando e começando a ajeitar as coisas
para que eu dormisse. — Eu não teria sequer te deixado entrar
nessa casa se não tivesse a certeza de que vai ser bom para ela,
rapaz. Quero, para a minha filha, mais do que apenas um homem
que lhe faça promessas. Ela já perdeu muito, não a magoe.

— Não sou um homem de promessas, senhora.

— Já percebi isso. Espero que seja um homem de ações,


então.

— Não era. Até ela aparecer.


Minha resposta pareceu deixá-la satisfeita, porque sorriu e
não tocou mais no assunto. Ajudei-a a arrumar as coisas, e ela
saiu, me desejando uma boa noite.

Deitei-me na cama, sob as cobertas, pegando meu celular


para passar um pouco o tempo. Achei que iria demorar a dormir,
então comecei a procurar algo para me entreter.

Foram alguns minutos assim; provavelmente uns quarenta


aproximadamente, até que ouvi alguém bater na porta.

Levantei-me de um pulo, pensando que só poderia ser


alguém da casa, mas ainda me surpreendi ao ver Melissa.

— O que foi? Está tudo bem? — perguntei, preocupado.

— Não, não está.

— Como assim? Está se sentindo mal? Precisa de alguma


coisa?

Talvez eu tivesse agido com algum tipo de ingenuidade,


porque não percebi nenhuma intenção na visita noturna de
Melissa ao meu quarto naquela casa. Só mesmo quando ela levou
uma das mãos à minha blusa, puxando-a com força, foi que me
dei conta de que tinha uma clara missão:

— Preciso de você — falou baixinho, com um tom rouco


e sensual, já tomando minha boca de assalto, colocando-se na
ponta do pé para um beijo que nem mesmo começou suave.

Ele já começou em uma reação de impulso, frenético.


Uma confusão de línguas desenfreada.
Uma explosão.

Segurando Melissa pela cintura, puxei-a para dentro do


chalé e usei a outra mão para empurrar a porta, batendo-a com
força. Espalmei sua bunda, dentro da calça de moletom de cós
baixo que usava, impulsionando-a para cima, e Melissa me
abraçou com suas pernas, entrelaçando os tornozelos nas minhas
costas.

Ficamos parados naquele mesmo ponto do quarto, ainda


nos perdendo nos movimentos do beijo, e eu a segurava,
esperando que não fosse a última vez. Que ela não estivesse mais
uma vez se abrindo para me afastar em seguida.

Era claramente uma hipocrisia, porque eu tinha feito a


mesma coisa com ela, mas eu não queria mais perdê-la. Não
queria mais permitir que o que estava acontecendo com a gente
fosse relegado a segundo plano.

Coloquei-a no chão, e nós dois começamos a tirar nossas


roupas, mas sem parar de nos beijarmos, porque não parecia
possível haver um distanciamento. Era como se eu mal
conseguisse me imaginar respirando sem tocá-la.

Havia uma mesinha pequena em um dos espaços do chalé,


que eu já tinha observado antes, e foi para onde eu guiei Melissa,
pegando-a pela cintura e colocando-a sentada nela. Os dois
banquinhos à frente, serviram de apoio aos seus pés, e eu os
posicionei da forma como os queria, abrindo suas pernas,
deixando o caminho completamente livre para que me ajoelhasse
entre elas e me inclinasse, dedicando-me primeiro a beijar e
morder suas coxas devagar.

Quando cheguei na parte mais tenra de uma delas, chupei


com força, bem próximo à sua boceta, que eu já sentia quente,
fazendo a mulher se remexer, arqueando o quadril.

— Me marcando? — ela perguntou, arfante, e eu ergui os


olhos para olhá-la. Suas duas mãos agarravam a mesa, com os
dedos firmes, e sua respiração demonstrava que estava cheia de
expectativa.

— Será que assim eu consigo segurar você comigo?

— Vamos ver... — falou, em um tom provocador, e eu


continuei espalhando beijos, mas sem chegar às vias de fato.

— Estamos na casa dos seus pais. Tem que ficar bem


quietinha, hein.

— Eu nem sou escandalosa...

Olhei-a com uma sobrancelha erguida, porque aquela era


a mentira mais deslavada que já tinha ouvido na minha vida.

— Da última vez, você gemeu tanto que o meu prédio


inteiro deve ter ouvido.

— Você me comeu em cima de uma máquina de lavar em


movimento. Isso não é trivial.

— E quem disse que o que vou fazer com você, agora, é


trivial? — indaguei em um tom de desafio, e Melissa engoliu em
seco.

Deixando a promessa no ar, voltei a me concentrar em


suas coxas, criando um pouco mais de expectativa, até que levei a
língua ao seu clitóris, lambendo-o bem devagar.

Afastei-me em seguida, deixando só o gostinho do que


ainda estava por vir.

— Você é cruel — ela falou.

— Nunca fui conhecido pela minha bondade.

Melissa soltou uma risadinha, e eu decidi que aquele som,


levemente rouco, por causa do tesão, era minha nova música
favorita. Se eu conseguisse transportá-la para a minha guitarra,
faria isso, só para poder reproduzir o tempo inteiro.

Como um prêmio, por ter me proporcionado um momento


de deleite, levei a língua para dentro de sua fenda, pressionando-a
bem na boceta, onde em breve meu pau estaria. Movimentei-a de
cima a baixo, traçando um caminho de volta ao seu clitóris, e ela
já soltou um gemido.

— Vou te fazer gritar, Melissa. Melhor colocar um pano


nessa boca, ou seus pais vão nos ouvir — quase rosnei ao falar.

— Não vai. Posso me controlar.

Pronto, ela estabeleceu o desafio, e eu estava ansioso para


fazê-la morder a língua.
Enfiei dois dedos com força dentro dela, estocando e fiz
com que minha boca chupasse seu clitóris na mesma intensidade.
Ela provavelmente não esperava os dois estímulos, porque, de
fato, quase deixou escapar um gemido mais alto. Eu a vi levar
uma das mãos à boca bem rápido, retirando-a assim que percebeu
que estava começando a ceder.

— Eu avisei...

Ela não disse nada, mas minha missão era clara.

Continuei investindo, principalmente quando encontrei o


ponto certo. Não era a primeira vez que eu o atingia, mas aos
poucos, apesar de não termos feito amor muitas vezes, eu ia
conhecendo melhor o corpo de Melissa e as coisas que ela
gostava.

Decidi insistir nesse ponto sensível, usando um dedo


apenas, para ele ser mais certeiro, enquanto continuava usando
minha boca e minha língua em seu clitóris.

Outro gemido alto foi proferido, mas Melissa conseguiu


se controlar.

Eu só queria fazê-la perder o controle.

Apesar de estar engolindo seus gemidos, senti que estava


prestes a gozar, não só porque começou a se contrair, mas porque
ficou tão molhada que meus dedos não paravam de escorregar.

Passei a não querer apenas que perdesse o controle. Passei


a desejar mais ainda estar dentro dela.
Contemplei-a enquanto gozava, deleitando-me com seu
prazer, erguendo-me para tomar sua boca em outro beijo.

Quando senti que tinha finalmente se libertado, peguei-a e


a levei para a cama, deitando-a e não lhe dando descanso, abrindo
suas pernas de novo, deixando-as flexionadas.

— Ainda vou comer mais sua boceta, Mel. Tem certeza de


que não quer morder alguma coisa?

— Tenho.

Ela era tinhosa, mas esta, provavelmente, era uma das


coisas que eu mais amava em sua personalidade.

Uma delas, mas não apenas isso. Ela era perfeita.

Fiquei mais um bom tempo chupando-a, até que não


aguentei mais. A cada movimento dela, cada som abafado de sua
boca – que ela tentava disfarçar – me deixava mais louco de
tesão. Eu queria fodê-la imediatamente, e por mais que também
quisesse fazer amor, porque era assim que me sentia, no momento
não pensei em mais nada.

Deixei-a sobre a cama por um tempo, indo pegar uma


camisinha na carteira, que passei a levar comigo, na esperança de
que ela me desse mais uma chance. Tirei a roupa, jogando a blusa
na cama, quando retornei e me posicionei, encostando a cabeça
do meu pau na sua boceta bem molhada, pronta.

— Última tentativa... — Ela sabia do que eu estava


falando, mas balançou a cabeça, ainda negando.
Se ia ser assim, eu ia continuar aceitando o desafio.

Investi com tudo, sem piedade, e consegui o que queria. A


primeira estocada, forte, arrancou um gritinho de sua boca.

Assustada com o próprio som, Melissa levou duas mãos à


boca, arregalando os olhos. Sorrindo, vitorioso, peguei a camisa
que tinha colocado sobre a cama e lhe entreguei, sem dizer nada.

A visão dela enrolando o tecido e colocando-o entre os


lábios foi minha ruína. Daquela vez quem deixou escapar um som
vindo do fundo da garganta fui eu. Fui eu que senti a cabeça girar
e o suor começar a escorrer da minha testa, mesmo que a noite
estivesse fria.

Naquele instante, algo também pareceu mais importante.


Algo que ela precisava saber.

— Eu te amo. Não sei se era a hora certa de dizer, mas...


nunca disse isso para mais ninguém. — Nem mesmo ela. Nem
mesmo a mulher que me traiu, mas não a mencionaria naquele
momento. Nunca ninguém chegara sequer perto de Melissa, do
que eu sentia por ela.

Por um segundo parei de estocar, porque nossos olhos se


conectaram. Ela tirou o pano da boca, suspirando.

— É o momento certo, sim. É o momento perfeito.

Sorrindo, Melissa colocou os braços ao redor dos meus


ombros, abraçando-me, e por mais que meu desejo por ela fosse
quase doloroso, inclinei-me e nós voltamos a nos beijar, enquanto
fazíamos amor.

Não houve mais gritos alucinados, mas gemidos contra a


minha boca, e eu também amava este som.

A sincronia foi tão perfeita que nós chegamos ao orgasmo


quase juntos. Quase como se tivéssemos combinado.

Eu realmente a amava. Isso era mais precioso do que


qualquer outra coisa.
CAPÍTULO TRINTA E OITO

Não houve alarde a respeito da mudança entre nós. Foi


uma transição quase natural; nenhum de nós falou sobre passado,
sobre as mágoas, sobre o começo de tudo. Apenas começamos a
agir como um casal, fazer coisas de casal.

Tipo, por exemplo, voltarmos juntos da casa dos meus


pais, de mãos dadas, ouvindo The Dreams no carro. Cassian até
cantarolou uma ou duas músicas.

Então eu fui para a casa dele, ao invés de ir para a minha e


passei a noite lá. Não poderia dizer que dormi, porque... bem... a
gente, de fato, não dormiu.

No dia seguinte, Cassian me levou à minha casa, para que


eu pudesse me trocar para ir à empresa e nós ainda acabamos
fazendo amor no chuveiro também.

Ok, estava virando um vício. Do melhor tipo, na verdade.

Na Roman, não disfarçamos nada, até porque em nenhum


momento confirmamos algum término. E as pessoas podiam
pensar o que quisessem, eu estava feliz demais para me preocupar
com opiniões alheias.

— Sabe uma coisa que ainda me intriga? — perguntei


para Cassian, deitada na cama dele, vestindo uma de suas camisas
– que ficava enorme em mim –, entrelaçada em seu corpo.

— O quê?

— Você leu mesmo aqueles livros todos?

Cassian ergueu um pouco o rosto, com o cenho franzido.


Ficou assim por alguns instantes, até que abriu uma deliciosa
gargalhada.

Era raro vê-lo agir daquela forma, então eu sinceramente


senti o coração acelerar mais ainda dentro do peito. O som de sua
risada preencheu o quarto, e eu não conseguia parar de olhá-lo.

— O que foi? — indaguei, entre curiosa e maravilhada


com a cena.

— Você está esse tempo todo com isso na cabeça?

— Claro.

— O quão relevante foi esse fato para você decidir voltar


para mim?

— Digamos que foi quarenta por cento do processo —


respondi, divertida.

— Ruby tinha razão, então. A ideia foi dela.


— Sabia que não tinha saído dessa cabecinha de pedra.

— Ei! Ela nem precisou falar duas vezes. E, sim, eu li.


Até hoje estou impressionada com o quanto Edward se segurou
para não comer a Bella.

— Que coisa feia! — Dei um tapa em seu ombro.

— O quê? Comer? — Cassian pareceu surpreso. —


Engraçado que quando é sobre Edward e Bella você não gosta do
termo, mas quando eu falo que vou te foder sem dó, você fica
toda molhada...

Ele tinha um ponto... Tanto que naquele mesmo momento


eu estremeci, provando que estava completamente certo.

Sorrindo, Cassian veio para cima de mim, segurando


meus braços contra a cama.

— Viu como eu tenho razão?

Em dois segundos estávamos novamente nos beijando e


perdidos um no outro.

Depois de uma semana do retorno da casa dos meus pais,


eu praticamente mal ficava no meu apartamento. Saía da empresa
e Cassian brincava que me sequestrava, em meio à carona, me
levando para sua cobertura, embora sempre tivesse meu
consentimento para isso.

As pessoas nos viam sair juntos e chegarmos juntos. Não


calamos as fofocas, porque sempre falavam de nós, mas era uma
unanimidade o quanto Cass parecia mais receptivo, menos
rabugento e até tentando ser mais simpático com os funcionários.

O Sr. Roman estava feliz, porque aparentemente


conseguiria, em breve, passar a cadeira de CEO para a frente, da
forma como sempre quis.

Acreditamos, de verdade, que as coisas estavam se


encaixando.

Até mais uma vez sermos surpreendidos.

A ligação veio de Marsha. Ela ligou para Cassian, sendo


bem objetiva e avisando que queria uma videochamada entre nós
três. Poderíamos ter ficado empolgados, já que sabíamos que ela
estava querendo nos indicar para fazermos um evento em parceria
com a empresa de um amigo dela, mas seu tom de voz não foi
dos mais amigáveis.

Eu e Cassian ficamos imediatamente tensos, mas


atendemos ao pedido imediatamente.

A expressão dela, ao atender a chamada, não foi das


melhores, de forma alguma.

— Que história é essa de namoro falso? Podem me


explicar? — foi a primeira coisa que perguntou, diferindo
totalmente da mulher sempre sorridente que falava conosco
constantemente durante a criação do festival de Eden’s Heaven.

Eu e Cassian nos entreolhamos, primeiramente meio que


sem saber o que dizer.
— Desculpa, Marsha, mas não estou entendendo — ele
falou, mesmo que eu soubesse que entendia, sim.

Claro que entendia. Sabíamos muito bem sobre o quê ela


estava falando.

— Não se faça de sonso. Saiu hoje um furo de


reportagem. Aparentemente foi a própria Melissa que vazou a
informação para a KH. Resta saber o porquê de ela ter feito isso,
né? Estou muito interessada em saber, e mais ainda, o motivo de
terem mentido para mim.

— Eu? — quase gritei, levando a mão ao peito. — Eu não


falei nada para ninguém!

Não era a resposta que eu deveria dar, mas fiquei tão


chocada com a acusação que saí falando tudo errado.

— Vou enviar o e-mail para Cassian. Talvez devesse


começar a rever melhor suas comparsas de crime.

Meu Deus, o que estava acontecendo?

Marsha começou a remexer no celular, tocando várias


vezes na tela, até fazer um sinal para que Cassian também
pegasse o dele. Ele o fez, assim que vibrou, indo direto na conta
de e-mail.

Eu não queria ser indiscreta e ficar olhando, porque


estávamos juntos de fato há muito pouco tempo para termos
aquele tipo de comportamento, mas lá estava um print de uma
página; a mesma de fofocas que noticiou nosso relacionamento,
quando começamos a farsa.

O meu nome realmente fora citado como fonte;


informando em primeira mão sobre a história do relacionamento
fake. Havia detalhes da história que somente eu e Cassian
sabíamos, mas principalmente conversas que tinham acontecido
dentro do escritório. Dentro da matéria, um print de um e-mail
supostamente enviado por mim, da minha conta pessoal, dava
todos os dados de bandeja a quem quer que fosse o destinatário.

Minha primeira reação foi arregalar os olhos, chocada. A


segunda foi me desesperar, pensando que Cassian poderia pensar
mal de mim.

Eu estava prestes a falar um monte de besteiras, para


tentar me defender, mas Cass teve o bom senso de erguer um
dedo, já prevendo meu rompante.

— Marsha, não fazemos ideia de onde pode ter vindo essa


mentira. Acho que é muito fácil confirmar essa informação, sendo
que, inclusive, passei o feriado de Ação de Graças na casa da
família de Melissa.

Bem pensado, Cass. Bem pensado.

Engoli tudo o que eu tinha a dizer a ele, mas sabendo que


minha ansiedade em negar, para que ele não acreditasse que eu o
havia traído, estava muito evidente nas minhas expressões.

— Não só isso, Marsha; qual seria o intuito de


mentirmos? Na matéria diz que foi para pegarmos a conta com
você, mas então por que continuaríamos com o relacionamento
até hoje?

— Fui informada de que tinham terminado...

— Não terminamos. — Cassian pegou a minha mão, e eu


queria me sentir mais aliviada por aquele gesto, mas sabia que era
uma estratégia para convencê-la. — Muitas pessoas na empresa
podem te afirmar isso, mas, sinceramente, seria uma grande perda
de tempo você se interessar por fofocas e se preocupar com o
relacionamento alheio. Qual a diferença se estamos juntos ou
não? Vai mudar o trabalho excelente que fizemos?

A mulher ficou boquiaberta.

Eu sabia que Cassian estava pegando um pouco pesado,


mas ele nunca foi exatamente paciente com aquele tipo de coisa.
Fofoca o deixava extremamente irritado.

— Não vai mudar, mas eu me sentiria enganada.

— Ah, pelo amor de Deus, Marsha! — novamente ele


respondeu com impaciência. — Não é uma questão de quinta
série, concorda? Nem eu e nem Melissa somos crianças a esse
ponto. Temos competência para conseguir ganhar a conta sem
uma bobagem dessa, e temos plena certeza de que você, tendo a
posição que ocupa, jamais seria tendenciosa por um detalhe tão
fútil como esse. Não é?

A insinuação era clara, tanto que Marsha se remexeu na


cadeira, provavelmente sentindo o impacto da indireta.
— Eu... eh... claro. Claro que eu jamais levaria isso em
consideração para fechar um contrato. Só fiquei chateada por ter
sido enganada.

— Bem... você não foi enganada — ele continuou


afirmando. Falava com tanta segurança que cheguei a acreditar
em suas palavras.

— Mas por que a matéria diz que foi Melissa que


entregou a história. Ainda tem o e-mail pessoal dela ali.

— É o que vamos descobrir. Se me permite, precisamos


averiguar o porquê de estarem usando nossos nomes nessa
palhaçada. Qualquer coisa eu te chamo, ok?

E então desligou a chamada, sem muitas despedidas.

Ficamos em silêncio, enquanto eu percebia que ele estava


respirando profundamente, quase arfante.

— Cassian, por favor... você precisa...

Ele se levantou, visivelmente estressado, quase


derrubando a cadeira para trás.

— Agora não, Melissa. Agora não.

Ele estava puto. Extremamente puto. Mas eu não sabia se


era comigo.

E nem saberia tão cedo, porque Cassian simplesmente


saiu da sala, sem dizer mais nada, marchando como se tivesse
uma missão, deixando-me perdida, sentindo um nó na garganta,
com medo de que tudo fosse destruído por uma mentira.

Mas tudo tinha começado por uma, não é? Só estaríamos


voltando para o início, de qualquer forma.
CAPÍTULO TRINTA E NOVE

As minhas mãos apertavam o volante com força, como se


esse pequeno ato pudesse fazer com que meu carro voasse ao
invés de andar pelas ruas por onde eu seguia. Precisei fazer uma
parada rápida no RH para pegar certa informação preciosa, então
logo em seguida parti para o endereço que consegui.

Não era exatamente certo usar da minha autoridade de


diretor da empresa para conseguir a informação que peguei, mas
o que o filho da puta fez também não foi nem um pouco correto;
especialmente com Melissa, usando o nome dela daquela forma.

Não, eu não tinha acreditado que ela participara daquela


merda, nem por um minuto. Deveria ter lhe avisado sobre minhas
opiniões, mas eu não sabia lidar com minhas emoções quando
estava estressado. Temia falar algo pior e ainda estragar tudo, por
isso a melhor escolha era me afastar imediatamente e resolver a
pendência.

Que significava o quê? Fazer o filho da puta, que eu sabia


que fora o culpado por aquela notícia ser espalhada entender que
não era prudente mexer conosco.

Não com a minha mulher.

Ele morava em uma casa; nada extravagante, mas simples


e aconchegante, e eu agradeci por não ser um prédio, porque
provavelmente eu não receberia autorização para subir.

Pelo nome, eu não conseguia definir de quem se tratava,


mas quando Melissa escreveu sobre alguém que tentou convencê-
la de nos dedurar para a concorrência, em troca de um cargo e
salário melhores, fui atrás da informação.

Não foi difícil descobrir qual fora o funcionário que


pedira demissão e fora trabalhar na KH. O nome ainda não me
levou ao rosto da pessoa, porque, é claro, eu não me interessava o
suficiente pelos funcionários para conhecer todos.

Só que quando bati na porta e o sujeito me atendeu, não


foi difícil entender que o problema dele era ser um completo
babaca mesmo. Era o mesmo cara que abordara Melissa no
festival, que colocara as mãos nela sem consentimento e que
tentara forçá-la a lhe dar atenção.

O babaca, sem dúvidas, tinha algum tipo de obsessão nela,


ou ficara frustradinho porque fora rejeitado.

Ótimo. Estava facilitando muito o meu trabalho...

Segurei-o pela gola da camisa, empurrando-o para dentro


da casa e jogando-o contra a parede, chutando a porta com o pé.
— Cassian? Mas que merda é essa? O que está fazendo na
minha casa? — ele perguntou, assustado.

— Não se faça de sonso — rosnei, por entre os dentes. —


Estou aqui para resolver uma pendência que eu não sabia que
tinha ficado entre nós, mas aparentemente o toque que te dei no
festival não foi suficiente.

Ele abriu um sorriso cínico.

— Ué, eu que levo a culpa se sua namorada falsa te


dedurou? Fiquei sabendo hoje. Que vergonha, hein? Um cara do
seu nível precisar fazer esse tipo de coisa...

Agarrei sua camisa com mais força, chegando a ter


vontade de rasgar o tecido.

— Não foi ela. Você armou tudo isso. Como conseguiu


acesso ao e-mail? Saiba que vamos te denunciar — saí falando e
atropelando as palavras. Estava irritado, descontrolado, insano,
especialmente por perceber que ele realmente fizera tudo de
maldade.

— Mas foi ela. Por que não acredita? Ela te deu um chá
de boceta para te enganar?

Eu tinha a intenção de me controlar. De verdade. Não


estava ali para agredir ninguém, mas foi inevitável. Meu punho se
fechou na mesma hora, e eu o virei na cara do desgraçado, com
gosto, fazendo-o cair no chão.

— Se falar assim dela novamente, vai levar outro.


Levou a mão ao rosto, fazendo uma careta de dor, o que
me proporcionou um imenso prazer.

Apesar de não ser o cara mais simpático do planeta, eu


não era muito adepto à violência. Sabia dar uns socos, porque tive
que aturar muita merda na vida, e nunca fiz isso sem revidar, mas
preferia ficar no meu canto.

Eu era um cara grande. Tinha mãos grandes, o que me


dava um soco forte. Não ia me abster de uma briga, se fosse
necessário.

— A putinha te pegou de jeito mesmo, né?

Ok, era necessário...

Ninguém ia falar de Melissa daquele jeito. Não quando eu


estivesse por perto.

Virei mais dois socos na cara dele, enfurecido.

— A partir de agora está fodido comigo. Vou te investigar


até os dentes, seu filho da puta. Vou descobrir como fez para
invadir o e-mail de Melissa e como descobriu sobre tantas coisas
a nosso respeito. Mas isso provavelmente foi fácil. Deve ter
ouvido conversas nossas atrás da porta.

Ele ficou calado, o que confirmou minhas suspeitas.

— Vai pagar na justiça pela calúnia.

— Não é uma calúnia — ele falou, mas soou como um


gemido. — É verdade!
Eu podia lhe dar mais um soco pela audácia, mas ia deixar
passar, porque ele já estava com o nariz todo fodido.

Apenas me agachei, colocando-me sobre ele e lhe dando


mais um tapa leve, só para deixá-lo em alerta.

— Se não quiser ser processado ou até ir para a cadeia,


sugiro que conserte a merda que fez. E rápido. Use essa sua fonte
preciosa, que te deu um espaço numa mídia de muito alcance e
limpe a imagem de Melissa. Pode continuar contando essa merda
de história de namoro falso, que não nos abala em nada, mas ela
não pode ser a culpada.

Ele continuou em silêncio, o que eu considerei melhor do


que suas piadinhas provocadoras, mas precisava de uma resposta.

— Vai fazer isso? Não tenho o dia todo. Posso ser um


inimigo bem ruim de se ter.

Pensou um pouco, hesitou, mas sabia que estava


preocupado. Dava para ver por seu rosto, mas mais do que isso,
eu imaginava que ele não queria confusão. Era só um babaca com
o ego ferido, um peixe pequeno.

— Tudo bem, Cassian. Eu vou ligar para eles.

— Ah, vai. Vai fazer isso agora.

Permanecendo em sua casa, eu assisti enquanto ele


telefonava para sua fonte e contava a nova versão da história.

Quando saí de lá, esperava ter resolvido o problema.


Devia ter ido direto para a empresa, mas assim que entrei
no carro e levei as mãos ao volante, percebi que havia sangue nos
meus dedos.

— Merda! — reclamei, para mim mesmo.

Dei uma olhada pelo retrovisor e havia pingos na minha


camisa também; e isso só pelo que eu conseguia ver pelo pequeno
espelho. Eu precisava tomar um banho, me recompor, e só então
conversar com Melissa.

Apesar disso, dei uma ligada para ela, na esperança de


conseguir descobrir como estava. Eu tinha feito um monte de
merdas em pouco tempo, e também precisaria conversar melhor
com Marsha, porque, apesar de tudo, ela era nossa cliente.

Só que Melissa não me atendeu.

Cheguei em casa, tomei meu banho e joguei a roupa suja


na máquina de lavar, lembrando-me do nosso momento ali.

Vesti algo mais confortável e dei uma ligada para a


empresa, esperando conseguir falar com Melissa pelo telefone da
mesa, já que pelo celular ela não me atendia – o que já estava me
deixando preocupado.

— Roman Enterprises, boa tarde — a secretária atendeu,


com toda a educação de sempre.

— Ei! É Cassian Greene... — Vergonhosamente, eu não


me lembrava o nome da moça. — Posso falar com Melissa?
— Boa tarde, senhor Greene. Melissa saiu. Ela precisou
resolver alguma coisa e só retorna amanhã.

Fiquei mais preocupado ainda.

Continuei telefonando para ela, sem sucesso, até que


decidi pegar minhas coisas e sair. Se precisasse procurar por
Miami inteiro, eu o faria, contanto que a encontrasse.

Decidi ir primeiro em sua casa. Imaginei que se tinha


saído da empresa aquela hora, tinha a ver com o problema com
Marsha. Melissa poderia estar mal com a situação, o que também
senti como sendo minha culpa.

Para a minha sorte, foi ela mesma que atendeu à porta,


depois de o porteiro me liberar a entrada. Ainda vestia a roupa
com a qual fora trabalhar, e seus olhos estavam vermelhos. Ao
me ver, se arregalaram, surpresos.

— Cass...?

— Ei, linda... posso entrar?

Chorando um pouco mais, Melissa me deixou passar,


abrindo espaço.

Passei por ela, entrando em seu apartamento, enquanto ela


fechava a porta.

— Cass, antes de mais nada, eu preciso que acredite em


mim. Eu nunca contei nada para ninguém. Nem mesmo para a
Frances.
— Eu sei — respondi baixinho.

— Foi aquele safado. Ele... ele... queria, desde o início,


me ferrar com você. Por favor, não acredite nisso.

A forma como ela estava reagindo me deixou assustado.


Tanto que coloquei a mão em seu braço e a puxei para mim,
encostando sua cabeça no meu peito, acariciando seus cabelos.

— Não acreditei nele, amor. Tanto que acabei de ter uma


conversinha, e ele ligou para o site para desmentir a matéria. Não
sobre o namoro falso, mas sobre o seu nome.

Ela afastou um pouco o rosto de mim, para olhar nos


meus olhos.

— É sério isso?

— Claro. Acha mesmo que eu iria duvidar de você?


Nunca duvidei, não seria agora. Você foi a primeira pessoa em
que passei a confiar depois de muito tempo, Mel. Não entrego
meu coração assim tão fácil.

— Ah, eu sei...

Abri um sorriso, levando a mão ao seu rosto, acariciando-


o com ternura.

— Está tudo bem, ok? Seja o que for, vamos resolver


juntos. Não pretendo negligenciar a sorte de ter te reconquistado.

Ela ergueu uma sobrancelha, brincalhona.


— Você nunca me perdeu, Cassian Greene. Só queria que
rebolasse um pouco.

— Funcionou. Sou capaz até mesmo de rebolar para você.

Melissa ficou boquiaberta.

— Eu duvido fortemente disso.

Afastei-me dela, alguns passos, e mordi o lábio, sabendo


que aquele seria o ápice da cadelagem; do que eu seria capaz por
ela. Ainda assim, valeria a pena.

Coloquei as duas mãos no quadril e comecei a requebrá-


los com o máximo de dureza que um ser humano é capaz de
colocar em uma dança. Se é que poderia ser chamado assim.

Melissa começou a rir, e eu a puxei para mim, para que


dançássemos juntos, mesmo sem música, como dois bobos.
Nunca pensei que iria me sentir daquela forma por uma mulher,
em um relacionamento.

— Eu te amo, seu rabugento. — Não esperava que ela


fosse dizer aquilo.

Eu a amava, e isso já era uma surpresa para mim; mas


amar e ser retribuído? Não imaginei que fosse acontecer. Era uma
imensa sorte.

Tentando não alardear o quanto eu estava encantando com


essa nova perspectiva, girei o corpo de Melissa, inclinando-a para
trás, em nossa dança improvisada, e me inclinei junto, beijando-a.
— Eu também te amo, linda. Eu também te amo.

Com um beijo, selamos nossos destinos.

Ela era minha. Eu era dela.

Finalmente.
CAPÍTULO QUARENTA

— Tia Mel, tia Mel! — Ouvi a vozinha de Ray gritando o


meu nome, o que era constante. Desde que eu e Cassian voltamos
a namorar – ou começamos de fato, já que de início era apenas
uma farsa –, o que já fazia uns seis meses, o garotinho se tornara
um grude comigo. Todas as vezes em que eu ia na casa do Sr.
Roman, ele me monopolizava, quase com medo de que eu não
voltasse mais. — Olha o meu mergulho novo!

Dirigi toda a minha atenção à criança, de pé à beira da


piscina, vendo-o correr e se lançar nela, espalhando água para
todos os lados.

Assim que emergiu de novo, bati palmas, empolgada, o


que o fez sorrir.

— Tenho certeza de que esse é o mais bonito que você já


me mostrou até agora — afirmei com convicção, enquanto sentia
os braços de Cassian ao meu redor, posicionando-se atrás de mim,
me abraçando.
— Ô, moleque, não vai parar de monopolizar sua tia, não?
— perguntou, fingindo-se de tio severo, mas ele era
completamente apaixonado por aquela criança.

Tanto que o menino gargalhou.

— Não, tio. Você fica com ela o tempo todo.

— Ele tem um ponto — respondi, olhando-o por cima do


ombro.

— Tem nada. Vai, sai dessa piscina para tomar um banho


e jantarmos. O dia inteiro na água, daqui a pouco vai criar
nadadeiras.

Eu e Cassian ajudamos Ray a sair da piscina, e ele ficou


falando sem parar, contando um milhão de coisas, conforme o
secávamos com a toalha felpuda. Ruby o levou lá para cima, para
lhe dar um banho, enquanto nos reunimos na sala de estar, com
uma taça de vinho conversando.

Estávamos todos, inclusive os meus pais. Era a primeira


vez que nossas famílias se conheciam, e eu estava feliz com a
interação natural que se formou. Eles conversavam como se
conhecessem há muito tempo, e até mesmo o meu pai tinha se
rendido a Cassian nos últimos meses.

Lentamente as coisas iam se encaixando, e nós


formávamos uma família.

As coisas tinham se resolvido com Marsha, que


compreendeu que tudo não passara de um engano, e as pessoas na
empresa pararam de falar de mim e de Cassian, porque outras
coisas foram acontecendo, inclusive uma conta muito poderosa,
para a organização de um festival em Nova Iorque, que
aconteceria no final daquele ano.

Outra vitória sobre a KH, que, inclusive, mandara o


babaca do Mark embora, porque ele precisou se redimir na
matéria e assumir que mentira, e o Sr. Roman dera uma bela
prensa na concorrência, dizendo que nunca mais abordasse seus
funcionários.

Claro que ele disse que isso lhe rendeu uma enorme azia,
porque odiava confrontos desse tipo, mas a ameaça funcionara.

Assim que Ray ficou pronto, nós nos posicionamos à


mesa, com o Sr. Roman à cabeceira. A comida foi servida, e ele
ergueu sua taça.

— Antes de começarmos a comer, eu queria aproveitar o


momento em que estamos com toda a família reunida, incluindo
nossa querida Melissa e seus pais, para dizer que eu finalmente
decidi que é hora de me aposentar. Estou cansado, a saúde já não
é mais a mesma, e eu realmente quero descansar, curtir meu neto
e viver um pouco o tempo que ainda me resta.

— Pai... você ainda tem muitos anos de vida pela frente...

— Não se sabe, minha filha. Não se sabe... — Ele falou


com um tom dramático, quase teatral. — Mas seja como for, tive
muito medo, antes de deixar tudo para trás, não porque não
confiasse em você, Cass, mas porque tive medo de que ainda não
estivesse pronto. E eu creio que não estivesse.

Todos nós olhávamos para o homem com reverência,


porque ele tinha um jeito empostado de falar, além de ter uma
oratória muito boa.

— Sei que esta moça aqui. — O Sr. Roman pegou a


minha mão — teve um papel importante nessa mudança, mas
você também conquistou seus méritos sozinho. Depois de tudo
pelo que passou, sendo menosprezado, quando tinha tanto talento
e competência, nada mais justo do que receber as honras e ocupar
o meu lugar na Roman. Isso, é claro, se você quiser.

— Claro que eu quero, pai. Só espero que se orgulhe de


mim.

— Já estou orgulhoso desde agora.

— Então vai ser uma honra para mim.

Com a resposta de Cassian, nós erguemos as taças de


vinho e brindamos. Ray, com seu suco, é claro.

Olhei para Cass demonstrando todo o meu orgulho.


Estava feliz por ele, pronta para que começássemos aquela nova
fase.

Só que eu não sabia que haveria tantas mudanças a mais.

Ao fim do jantar, meus pais foram para o hotel onde


estavam hospedados, já que quiseram privacidade, e eu fui para a
cobertura de Cassian. Passávamos a maior parte do tempo juntos
por lá, e eu só mantinha meu apartamento por conveniência e por
algum tipo de segurança.

Ainda assim, amava ficar com Cass, passar as noites com


ele e acordar ao seu lado.

Quando chegamos já era mais tarde, por volta das dez,


então fomos direto para a cama. Não dormimos de primeira, mas
fizemos amor, e nos aconchegamos nos braços um do outro.

Surpreendi-me quando Cassian estendeu a mão para a


mesinha de cabeceira, pegando uma caneca em branco lá em
cima, além de uma caneta. Virou-se de lado, colocando-se de
costas para mim, e começou a escrever alguma coisa.

— Cass, o que está fazendo? — Ele não me respondeu. —


Estou falando com você, mocinho? O que está escrevendo aí?

— Para de se curiosa.

— Não, eu não.

Tentei fazer cócegas nele, mas o homem era impenetrável.


Eu sabia que não ia conseguir convencê-lo, então me virei de
barriga para cima, cruzando os braços contra o peito, esperando.

Ele se virou com a caneca na mão, com o que tinha


acabado de escrever, com uma letra de imprensa; dizendo:

“Fui metade de um homem por muito tempo, mas achei a parte


que me completa. Casa comigo?”
Eu realmente não esperava. Não era como se estivéssemos
falando sobre casamento nos últimos tempos. Praticamente
morávamos juntos, passávamos muitas horas do dia juntos, tanto
no escritório quanto em casa. Cozinhávamos, assistíamos filmes,
saíamos para jantar e ao cinema, compartilhávamos momentos
especiais. Mas aquele passo tão definitivo? Não parecia no nosso
radar tão cedo.

Só que Cassian era mesmo uma pessoa muito


surpreendente.

— É sério isso?

Ele revirou os olhos.

— O que você acha, garota? Acha que eu brincaria sobre


algo assim?

— Não, claro que não, mas...

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Você não quer?

— Não! — exclamei, exaltada. — Por que eu não ia


querer?

— Ué, porque eu sou eu... Um cara complicado; um cara


cheio de manias. E você é... perfeita.

Cheguei a suspirar, especialmente pela forma como ele


falou; com o olhar que dirigiu a mim, com o tom de voz
aveludado e romântico.
Quem diria que Cassian Greene teria tantas facetas?

— Não sou.

— Para mim é. Quero que seja minha esposa, porque acho


que não há ninguém no mundo que se encaixe mais comigo, em
todos os sentidos.

Respirei fundo, tentando controlar a emoção, enquanto


pegava a caneta que ainda estava na mão dele, usando a manga do
moletom que usava para apagar o que a caneta escrevera na
cerâmica. Não foi fácil, algo ficara manchado, mas sempre seria
uma marca daquele momento; algo especial, mesmo que
parecesse apenas um borrão preto.

Fiz o mesmo que ele, escondendo-me e não permitindo


que visse o que eu iria escrever. Enquanto isso, minha mão, em
uma posição super ingrata, que deixava minha caligrafia o mais
feia possível, formava as palavras:

“Eu aceito =)”

Demorei um pouco para me virar, lançando um olhar de


soslaio para Cassian, e ele estava nervoso. Só que, diferente de
mim, não deixava transparecer tanto, apenas ficava parado,
paciente, como se aquele momento não fosse definir o resto
absoluto de nossas vidas.
Quando lhe entreguei a caneca, ele abriu um lindo sorriso.

Então esticou a mão, abriu a gaveta e tirou de lá uma


caixinha, abrindo-a e me deixando ver um lindo anel, com uma
pedrinha delicada e transparente.

— Então é para sempre, Srta. Foster?

— Para sempre, Sr. Greene.

Cassian colocou o anel no meu dedo e se inclinou para me


dar um beijo.

Deste, outros vieram.

E eu esperava que, realmente, fossem alguns de muitos


que ainda estavam por vir, por anos e anos e anos.
EPÍLOGO

Querida Tabitha,
Faz tempo que não escrevo para você, né?
Alguns anos, eu sei. Só que, por mais que saiba que você
amava escrever e receber cartas, em algum momento
eu precisei te deixar partir. De verdade, sabe? Precisei
libertar sua alma para poder libertar a minha também.
Precisei deixar a menina que um dia foi sua irmã para me tornar a
mulher que eu sou hoje.
E, Tab, você teria orgulho de mim.
Sinto falta dos nossos momentos. Sempre vou sentir.
Não é como se eu tivesse conseguido te esquecer. Nem seria possível.
Você está em cada coisa, Tab. Cada música que ouço, casa livro
que eu leio. Cada filme que eu vejo.
Nas risadas mais bobas. Nas lágrimas mais dramáticas.
Eu sei que eu não seria a Melissa que sou hoje
se você não tivesse feito parte da minha vida.
Nossas histórias se escreveram juntas, e por mais que tenham sido
separadas ao longo do caminho, alguns elos não podem ser quebrados
nem mesmo pelo tempo. Nem pela distância.
Talvez eu continue sem te escrever, mana.
Talvez eu coloque palavras em um papel, de vez em quando,
em aniversários, em datas especiais.
Talvez eu só queira desabafar sem que alguém me julgue – o
que passou a ser muito confortável, desde que você se
foi, já que sempre gostou de ser a rainha da razão.
Tá, desculpa. Sem provocações.
Voltando ao assunto... talvez a gente ainda se fale por carta
ou talvez só nos meus sonhos.
Mas eu precisava te contar mais essa única coisa.
Ela tem os seus olhos, Tab.
Ela sorri quase como você.
Tem o mesmo jeitinho de abrir a boca quando está com sono,
a mesma covinha faceira no queixo.
Ela dorme quando o pai toca violão, assim como você gostava de
dormir ouvindo nossas bandas favoritas.
Ela tem o seu nome também, Tab.
É a minha garotinha. Nossa.
Você seria uma tia maravilhosa.
Espero que esteja cuidando dela daí de cima.
De todos nós.
Te amo... para sempre.

Mel, Cass e Pequena Tab.

FIM
ILUSTRAÇÃO HOT EXTRA!

Um presentinho para vocês!

Ilustração: Mery Ribeiro


AGRADECIMENTOS

Se um dia você me pedir para escolher uma história minha


para morar para o resto da vida, eu te daria alguns títulos, mas
esta, de Cass e Melissa, estaria no top 5, com certeza. Alguns dos
meus casais têm uma ligação muito forte comigo, e esses dois,
sem dúvidas, viverão nas minhas lembranças para sempre.

Espero, de coração, que vivam nas lembranças de vocês


também.

Tem muita gente para agradecer, sem dúvidas, mas queria


deixar um carinho especial para todas as meninas dos meus dois
grupos, de Whatsapp e Telegram, que estão sempre me apoiando
e me dando tanto amor que às vezes ainda quero me beliscar para
saber se é real

Quero agradecer às equipes de assessoria mais lindas do


mundo, principalmente às lindas Laura Brand, Aline Bianca,
Letícia Kopp e Penélope. Obrigada por abraçarem minhas ideias,
me guiarem e me darem todo o suporte que eu preciso.

Obrigada à capista maravilhosa que fez a arte dessa capa,


o meu cristalzinho, LA Design. Você e eu estamos sempre
conectadas, e você sempre acerta o que eu quero e preciso.

Agradeço sempre à minha família, meu marido, minhas


amigas – em especial meu grupinho de guerreira: Luciane
Rangel, Jessica Driely, Ana Paula Toledo, Luísa Lopes e Mari
Sales, pelos sprints de escrita diários e que tanto me motivam.
Ainda sobre sprints, obrigada à maravilhosa comunidade do
condô (criado também pela Laura Brand), que faz tudo por mim
todos os dias.

Obrigada também ao grupinho maravilhoso das autoras da


Unicorn. Há muita sororidade, amizade e respeito no meio
literário, sim! Sem competição, com um ambiente saudável, entre
várias mulheres que se admiram e se ajudam.

E para vocês, leitores, que chegaram até aqui, muito


obrigada!

Até uma próxima história, que não vai demorar nada para
chegar!
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SINOPSE

Ele a abandonou intocada na noite de núpcias

O que precisará fazer para se redimir?

Quando a madrasta do poderoso CEO Sander Oggana falece, seu último pedido, em um
hospital, é que ele proteja e se case com Jade Murtiz, uma jovem que ele não conhece,
mas que é a filha de seu pior inimigo.

Mesmo sem compreender suas razões, ele vai em busca da moça e a encontra em uma
situação ainda pior do que imaginava: sendo vendida por uma mulher inescrupulosa e
em perigo.

Decidido a cumprir sua promessa, ele a leva para casa e a torna sua esposa, mas com
uma única coisa em mente – abandoná-la o quanto antes e mantê-la em uma propriedade
isolada, para que não precisem conviver.
E é o que ele faz, exatamente na noite de núpcias, deixando-a intocada e se sentindo
rejeitada.

Porém, circunstâncias incontroláveis os colocam novamente frente a frente, e Sander se


vê completamente fascinado pela mulher que deveria odiar. Será que ele poderá provar
que é capaz de lhe dar o final feliz que ela merece?

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SINOPSE:

O bad boy

A boa moça

Um fake dating
.
De todos os caras por quem Aubrey Mitchell poderia se apaixonar, ela conseguiu
escolher o pior: o garoto-problema Shane Daniels, melhor amigo de seu irmão.

Bad Boy convicto, ele usava sua rebeldia para atingir o pai, com quem passou a ter uma
péssima relação depois da morte da mãe.

Só que tinha uma coisa no mundo que desmontava Shane e que o tornava uma
cadelinha: a irmãzinha de cinco anos, fruto do novo casamento de seu pai, de quem
Aubrey era babá.

Por causa de seu comportamento degradante, o Sr. Daniels proibiu Shane de ver a
irmãzinha e impôs a condição de que só voltaria atrás em sua decisão quando
percebesse que o filho tinha tomado jeito, principalmente nos estudos, retomando sua
posição de quarterback no time da faculdade.

Bem, isso ele poderia fazer, já que era excepcional no esporte. Mas para provar ainda
mais sua mudança, nada melhor do que fingir um namoro com a garota perfeita,
inocente, boa aluna e queridinha da cidade: a doce Aubrey Mitchell.

O problema é que ela aceita a proposta, e Shane e Aubrey embarcam em um


relacionamento fake, para enganar a todos. Mas será que essa mentira poderá, no final
de tudo, ser a salvação dos dois?
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SINOPSE:
Um CEO milionário que precisa se casar
Uma mulher desesperada para proteger duas crianças
Uma proposta ousada de um casamento por contrato

.
Quando Ethan Reeves, o poderoso CEO de um canal de TV, decide aceitar um
casamento por contrato com a namoradinha da América, para salvar sua péssima
reputação de ser rabugento, recluso, grosseiro e insensível, ele não esperava que
acabaria no altar com a noiva errada!

Kayla Dutton é apenas a doce e inocente assistente da mulher com quem Ethan
pretendia se casar, mas ela foi jogada no olho do furacão, vendo-se sozinha para cuidar
dos dois filhos pequenos de sua chefe, que os abandonou sem nem olhar para trás,
quando praticamente fugiu do altar.

Agora, para proteger as crianças – e a péssima fama de Ethan –, os dois decidem se unir
e assinarem um contrato que os manterá como marido e mulher por dois anos. O que
eles não esperavam era que o destino poderia intervir e lhes garantir uma reviravolta
inesperada, além de lhes proporcionar a família que nenhum deles estava esperando.

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