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Daiana Machado
Todos os direitos reservados.
Os personagens e eventos retratados neste livro são fictícios.
Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, é mera
coincidência e não foi pretendida pela autora. Nenhuma parte deste
livro pode ser reproduzida ou armazenada em um sistema de
recuperação ou transmitida de qualquer forma ou por qualquer meio,
eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação ou outro, sem a
permissão expressa por escrito da autora.
Capa: Daiana Machado/Larissa Araújo
Ilustrações: Monique Crabi
Revisão: Daniele Pivatelli
ALERTA DE GATILHOS:
Queridas leitoras e leitores, é um prazer ter vocês aqui
comigo ☐! Espero que vocês curtam bastante a história de amor
entre o Daniel e a Camila. Quem me conhece e me acompanha há
algum tempo, sabe que não gosto muito de colocar gatilhos nas
minhas histórias. Contudo, essa história se passa em grande parte
em um hospital. Além disso, o nosso médico de milhões – Doutor
Daniel Sampaio – é pediatra e, como nem tudo nessa profissão são
flores, acabou se deparando com casos que podem potencialmente
despertar alguma dor emocional ou traumas passados em alguns de
vocês.
Mas, no geral, é um livro romântico e envolvente e garanto
que vocês não irão se arrepender de embarcar nessa leitura. Vale
lembrar também que é um romance adulto, havendo descrições
detalhadas de sexo.
Resumindo: este livro contém cenas de sexo explícitas,
linguagem obscena, relatos de ansiedade, machismo, brigas e
agressões, bem como, casos fictícios que remetem a doenças reais.
Se qualquer um desses assuntos causa desconforto a vocês, sugiro
que priorizem a sua saúde mental e não leiam este livro.
No mais, tenham uma excelente leitura!☐☺

E ATENÇÃO, RECADO IMPORTANTE PARA QUEM NÃO LEU


EXTRACLASSE: Este livro contém muitos spoilers de situações e
personagens do Extraclasse, mas nada que impeça vocês de
entenderem o enredo. Contudo, caso queiram se emocionar e se
divertir em dobro, sugiro que leiam primeiro a história onde a Camila
e o Daniel se conhecem. Segue o link: https://amzn.to/3HIBiPt
PLAYLIST
Se preparem, porque ela está maravilhosa! Sugiro que vocês já
ouçam primeiro para irem entrando na vibe desse casal de milhões
��
Caso você não consiga ler o Code acima com a câmera do celular,
basta digitar Plantão Médico no Spotify.
Prólogo
Daniel
Quarta-feira, 19 de dezembro de 2018.

Que loucura, meu Deus! – pensei já dentro da ambulância,


enquanto acompanhava o transporte do Gustavo para o hospital.
Nunca, em toda a minha vida, passou pela minha cabeça
vivenciar uma cena daquelas, afinal, eu só havia visto coisas
parecidas em filmes de ação. Mesmo com o alto índice de
criminalidade da minha cidade natal – o Rio de Janeiro – nos quase
trinta anos em que morei lá, graças a Deus nunca presenciei nenhum
tipo de situação violenta. Nem sequer um furto.
Dei uma olhadinha para o Gustavo, deitado na maca ao meu
lado, e ele estava com os olhos fechados. O socorrista que estava
conosco o chamou pelo nome e ele abriu os olhos, nos mostrando
que estava consciente.
Menos mal...
Outra coisa que eu sequer podia imaginar meses atrás é que
estaria morando na atual cidade da minha ex-noiva, auxiliando no
socorro do atual companheiro dela. Eu e a Lauren estivemos juntos
durante oito anos e fazia quase um ano que rompemos. Foi ela quem
terminou comigo, porque passei a insistir que voltasse a morar em
Minas, local onde nos formamos e onde eu trabalhava até então.
Estava muito difícil manter um relacionamento a distância e queria
minha noiva perto de mim, para que pudéssemos dar o próximo
passo, o casamento. Mas a Lauren não enxergou com bons olhos a
minha insistência e acabou terminando nosso noivado.
Desde que nos conhecemos, sempre nos demos muito bem.
Fomos apresentados por uma amiga em comum, a Olga, e dali em
diante não nos desgrudamos mais, até ela se mudar para o Paraná.
A Lauren é uma mulher incrível e isso me fez refletir que, se eu a
queria de volta, precisava me mudar de Estado para reconquistá-la.
A proposta de um novo emprego veio no momento certo e não
hesitei em me mudar para Curitiba, pensando que seria tudo
diferente e que poderíamos recomeçar.
Mas ao chegar no meu novo lar, tive uma surpresa não muito
boa: a minha ex-noiva já estava em outra. Ela me disse que estava
apaixonada por outro homem – o Gustavo – e que não imaginava
que eu ainda sentia algo por ela.
Apesar de decepcionado, me mantive nos planos e dei
prosseguimento no meu novo emprego no Hospital Geral Ana Nery.
Estava imerso em todos esses pensamentos e devia estar
com uma expressão bem pensativa, quando ouvi a voz fraca do
Gustavo ao meu lado.
– Você está bem cara? – me perguntou deitado na maca.
Ele pareceu perceber que o estresse de toda aquela situação
me atingiu em cheio naquele momento.
– Estou sim, não se preocupe. É você quem precisa de
cuidados médicos, então evite se mexer. Sua cabeça está doendo?
Ele suspirou.
– Bastante.
Assim que foi retirado das ferragens, o Gustavo foi
imobilizado e colocado na ambulância. Fiz questão de ir junto para
poder dar um acalento para a Lauren, que precisou ir direto para a
delegacia prestar depoimento.
Ao chegarmos no hospital, deixei que os socorristas o
levassem para emergência e fui me paramentar. Eu não estava de
plantão naquele dia, mas tinha prometido para a Lauren que estaria
ao lado dele, então peguei o uniforme e o jaleco que estavam no
meu armário e me encaminhei para a antissepsia. Feito isso, fui ao
encontro do Gustavo. Fui eu quem dei os pontos no corte em seu
supercílio, antes que os outros médicos o levassem para fazer os
exames de imagem. Já era comum para mim dar pontos, pois
suturava alguma criança sempre que estava atendendo na
emergência. Por isso, não achei necessário acionar um cirurgião.
No final das contas, o Gustavo havia apenas quebrado o
braço. Mas pela pancada na cabeça, precisaria ficar internado em
observação. Assim, mandei mensagem para a Lauren informando
tudo e me mantive no hospital à espera dela.
Minha ex me passou o telefone de todos os familiares do
Gustavo e pediu que eu contasse a eles tudo o que aconteceu. Dei
preferência a ligar para os pais e deixei que eles informassem as
irmãs do ocorrido. Meia hora depois, já estavam todos na recepção,
ansiosos por notícias.
Ao sair da delegacia, a Lauren me mandou uma mensagem
dizendo que também estava a caminho do hospital, e a esperei com
um copo de suco de laranja na mão, ao lado de todos os familiares
do seu namorado. Notei que uma das irmãs, a loira, me olhava com
uma cara estranha e acompanhava todos os meus movimentos com
os olhos, mas não dei muita importância para aquilo. Quando a
Lauren atravessou a porta da entrada, fui imediatamente até ela.
Após abraçá-la, quis saber como ela estava.
– Você está bem? Comeu alguma coisa?
Tinha certeza de que, com todo o estresse causado pela
situação, ela teria esquecido de se alimentar. E por estar grávida,
mais do que nunca precisaria comer bem.
– Não, estou completamente sem fome – me respondeu,
conforme voltava sua atenção para a Carmen e o Tomás, os pais do
Gustavo. Os dois estavam sentados lado a lado, na primeira fileira de
cadeiras da recepção.
Uma das cunhadas da Lauren, a Débora, foi até ela abraçá-la
também.
– Como você está, Lauren? Seu amigo nos contou tudo. Deve
ter sido apavorante, mas graças a Deus você está bem – disse. Ela
parecia estar bem preocupada com a cunhada.
– Foi sim, mas agora tô bem. – A Lauren suspirou
pesadamente. – Como está seu irmão?
– Fazendo vários exames, mas o Daniel afirmou que ele vai
ficar bem. – A garota simpática olhou para mim, querendo uma
confirmação. Eu assenti para as duas e estendi o copo de suco para
a Lauren.
– Ele está bem, vocês não têm com que se preocupar –
afirmei. Agora bebe tudo! – ordenei em tom brincalhão para a
Lauren.
Ela fez o que eu disse, mas não antes de cumprimentar os
sogros e a outra cunhada. Esperei que ela terminasse de beber o
suco para poder dar mais detalhes sobre o estado do Gustavo.
– O Gustavo teve uma concussão, que como você sabe, pode
causar dor de cabeça, confusão mental, falta de coordenação, perda
de memória, enjoo, tontura e etc. Também cortou o supercílio,
precisando levar alguns pontos e fraturou o braço esquerdo, mas não
será preciso cirurgia, apenas gesso.
A cara que a Lauren fez com todas aquelas informações foi
péssima e achei importante fazê-la se sentar. Além disso, reforcei
que aquilo tudo já era esperado pelo tamanho do impacto entre os
dois veículos e que o Gustavo estava bem. Na verdade, eu achava
que ele teve bastante sorte, mas não falei isso.
A Carmen e o Tomás, assim como a Débora, conversaram
amigavelmente comigo, sendo muito simpáticos e educados a todo o
momento. Já a cunhada mais nova da Lauren, a Camila, me olhava
como se quisesse me matar. Tentando compreender aquela cara,
olhei uns bons segundos para o seu rosto, mas sua expressão
raivosa não se desfez. A garota sustentou meu olhar, estreitando os
olhos e juntando as sobrancelhas, me lançando um olhar desafiador.
Não entendi o porquê daquela cara e desviei o olhar, voltando a
minha atenção para a Lauren.
Meio doida essa garota...
Minha ex me perguntou se o Gustavo tinha sido levado para o
Ana Nery porque eu pedi, mas expliquei que não. Era padrão que,
naquele tipo de situação, os envolvidos fossem levados para lá.
– Quando poderemos vê-lo? – ela me perguntou, visivelmente
aflita.
– Daqui um tempinho, mas não serão todos vocês. Pela
idade, o Gustavo nem pode ter acompanhante – expliquei. – Creio
que consigo uma exceção para alguns, talvez dois. Vocês só
precisam se decidir quem vai ser.
Os cinco se entreolharam, sem saber o que fazer para se
decidirem.
– Não podemos revezar? – a Débora me perguntou.
– Não, porque vocês precisarão ser registrados no sistema.
Como eu sabia que a Lauren estava cansada e, mesmo que
não estivesse, ela estava grávida, achei importante lembrá-la que era
necessário descansar. Ninguém ali sabia da gravidez, apenas eu.
– Por que você não vai para a sua casa descansar? – sugeri.
– Você volta amanhã. Está com uma cara bem abatida – comentei. –
Precisa de umas boas horas de sono.
Foi aí que a sua cunhada mais nova resolveu se manifestar.
– Ah, mas é claro que ele iria sugerir isso – falou raivosa,
deixando evidente seu desprezo por mim.
Todo mundo olhou assustado para ela, inclusive eu. Não
entendi nada daquela fala, afinal, a garota sequer me conhecia.
– Perdão? – eu quis entender.
Ela se levantou da cadeira, levou as duas mãos à cintura e
inclinou o corpo em minha direção, numa postura completamente
afrontosa.
– Você acha que ninguém sabe que eles terminaram por sua
causa? – me perguntou em um tom petulante.
Eu sabia que o Gustavo e a Lauren haviam se desentendido
por minha causa, pois a própria Lauren havia me contado. Ele me viu
a levando em casa e interpretou errado, mas não imaginei que todos
ali soubessem disso.
– Camila! – a Débora falou entredentes. Ela parecia estar
mandando a irmã calar a boca com os olhos.
A Lauren se dirigiu à cunhada mais nova, completamente
envergonhada e explicou que somos apenas amigos. E a loirinha
petulante não perdeu tempo em retrucar de modo irônico.
– Sim, você e seu ex-noivo são apenas amigos.
Pude perceber que a Lauren ficou ainda mais constrangida e
resolvi ignorar aquela provocação. A Débora começou a discutir com
a irmã, a repreendendo pelo mal comportamento. A Lauren, por sua
vez, olhava preocupada para os ex-sogros.
– Não precisamos te lembrar como é o temperamento da
Camila e que ela defende o irmão com unhas e dentes, não é,
Lauren? – o pai do Gustavo perguntou para a nora de modo
carinhoso.
A Lauren assentiu sorrindo e tornei a olhar para a Camila,
fazendo questão de deixar evidente o meu desagrado com aquela
situação constrangedora. A loira, por sua vez, retribuía o meu olhar
com uma cara presunçosa. Novamente rompi o contato e voltei a
falar com a Lauren:
– Tem certeza de que você não quer comer nada?
– Tenho.
Fiquei mais um tempo lá com todos, depois fui fazer algumas
ligações. A verdade é que eu não gostei nem um pouco da Camila e
fiz questão de ficar um tempo longe. Quando voltei, dei de cara com
a Lauren cambaleando para trás, caindo sentada na cadeira. Assim
como os demais, corri para ajudá-la.
– O que houve, Lauren? – a Débora perguntou, se agachando
em frente a Lauren.
– Não sei... estou me sentindo um pouco fraca...
– É porque você não comeu nada – a Camila disse. – Toma
aqui esse café. – E estendeu o copo que segurava em direção à
cunhada.
Mas eu não permiti que a Lauren tomasse. Estava verificando
a temperatura da minha ex e afastei a mão da Camila com
delicadeza.
– Você não vai tomar café – eu disse para a Lauren.
Nas condições em que ela estava, o café poderia dar azia,
além de aumentar a sua ansiedade, que já estava bem alta.
– Por quê? – as duas perguntaram juntas.
Eu levantei minhas sobrancelhas para a Lauren, para que ela
entendesse o porquê sem que eu precisasse dizer. Minha ex
entendeu o recado e desviou o olhar, mas fiz questão de dar uma
explicação maior.
– Você passou por muito estresse hoje e a cafeína vai te
deixar ainda mais ligada, aumentando sua ansiedade. E ansiedade
não faz bem, não é? Além disso, está com o estômago praticamente
vazio e pode te dar azia.
A Camila bufou ao meu lado, mas não disse nada. Fingi que
não a ouvi e segui falando com a Lauren:
– Vamos lá para dentro para eu medir sua pressão? Você
aproveita e faz um lanche.
Mas a loirinha encrenqueira parecia um cão de guarda. Do
jeito que ela agia, devia achar que eu raptaria a Lauren e
desapareceria da face da terra com ela.
– Vou com você! – falou, se colocando imediatamente ao lado
da minha ex.
Só que ela já tinha me irritado o suficiente com seu
comportamento desagradável e eu não aturaria mais seus surtos de
garota mimada. Assim, fingi que não a ouvi e apenas olhei em
direção à outra irmã.
– Quer acompanhar a Lauren enquanto eu a examino?
A Débora olhou meio sem graça para a Camila, que revirou
os olhos como uma criança pirracenta.
– Sim – me respondeu meio sem jeito.
Já dentro de uma das salinhas de atendimento, fiz a Lauren
se sentar em uma das poltronas e aproveitei para me desculpar com
a Débora pelo modo como tratei a Camila. Expliquei que estava sem
paciência e que também tinha ficado muito estressado com tudo
aquilo. Ela riu e disse que me entendia.
Ao medir a pressão da Lauren, vi que estava um pouco baixa
e decidi que a Débora precisava saber da gravidez. Assim, seria
mais uma em cima da Lauren para que ela não se desgastasse
demais.
– Sua pressão está um pouco baixa – falei para ela. – Você
precisa comer, Lauren. Vou coletar seu sangue também, para
verificar se está tudo ok.
Dei a ela um pote de biscoitos com um suco de caixinha de
maracujá e continuei:
– Eu sei que com toda essa carga você está sem fome, mas
agora você precisa comer mesmo sem querer. Tem que pensar que
agora não é responsável só pela sua vida.
Na mesma hora, a Débora se levantou da cadeira em que
estava sentada.
– Hã? Como assim não é responsável só pela sua vida? O que
você quer dizer? – me perguntou com os olhos esbugalhados.
– Parabéns, titia! – disse a ela, enquanto a Lauren me lançava
um olhar de repreensão.
– Ah, meu Deus! Eu não estou acreditando, gente! – a garota
gritou emocionada, levando as mãos ao coração.
– Shiu! Não vai fazer uma cena. Seu irmão ainda não sabe e
queria falar com ele primeiro – a Lauren se justificou, sacudindo a
cabeça negativamente para mim.
Dei risada e expliquei que fiz de propósito.
– Precisava de ajuda para fazer você comer e descansar, e
imaginei que essa aqui tivesse mais bom senso do que a outra.
Nós dois rimos, menos a Débora, que ficou extremamente
emocionada com a gravidez da cunhada e estava praticamente
chorando.
Depois que a Lauren comeu e eu coletei seu sangue, insisti
que ela precisava ir embora para a casa descansar. Como esperado,
a Débora se juntou a mim e passou a dizer o mesmo, reforçando que
nem todo mundo conseguiria ver o Gustavo naquele momento. No
fim das contas, a Lauren foi voto vencido e acabou indo embora.
Uma meia hora depois de ela já ter ido para a casa, fui lá fora
para conversar com o Leo, o médico traumatologista que atendeu o
Gustavo. Ele me informou que já o havia liberado para o quarto e
que, pelo horário, conseguiu com a administração que eles
deixassem pelo menos duas pessoas subirem para vê-lo. Ao passar
essa informação para os familiares do Gustavo, eles decidiram que
quem subiria seriam a Camila e a Carmen.
– Certo, vou levar vocês duas até lá – eu disse a elas.
Após se despedir do marido e da outra filha, a Carmen me
agradeceu mais algumas vezes, enquanto a Camila me olhava
ressabiada.
Eu as acompanhei até o elevador e subi com as duas.
Quando chegamos ao andar do quarto do Gustavo, a Camila me
perguntou onde ficava o banheiro. Mas apesar de estar falando
comigo, ela ainda mantinha um tom seco e a cara fechada.
– Você pode, por favor, me dizer onde fica o banheiro?
– Claro. – Eu apontei para trás de nós. – É só virar ao final do
corredor à direita.
– Obrigada.
Eu e a Carmen ficamos aguardando até que ela voltasse,
conversando sobre tudo aquilo. Uns cinco minutos se passaram e a
Camila ainda não tinha retornado. A Carmen comentou sobre a
demora da filha e aproveitei que ela estava falando com alguém ao
celular por mensagens, para ir atrás da loirinha marrenta.
– Talvez ela tenha se perdido, vou atrás dela – avisei.
– Ok, doutor, te espero aqui.
Assim, me coloquei em direção ao banheiro. Ao chegar lá,
empurrei a porta um pouquinho, mas sem entrar e chamei pelo seu
nome:
– Camila, você está aí?
– Sim – disse apenas.
– Está tudo bem?
– Está sim. Fiquei bem nervosa com tudo isso, mas estou
bem.
– Tem mais alguém aí dentro?
– Não.
Assim, terminei de abrir a porta e entrei. Imaginei que o
estresse de tudo aquilo tivesse a atingido naquele momento. A
Camila estava com as duas mãos apoiadas na pia, seu rosto estava
molhado e ela encarava o espelho.
– Não está passando mal? – eu quis ter certeza.
– Não. – Ela suspirou pesadamente. – Esse banheiro não é
feminino? – me perguntou de modo irônico.
– É sim, mas com a sua demora, me preocupei que você
pudesse estar passando mal – respondi tranquilamente.
– Eu estou bem – repetiu novamente.
Ela era difícil de conquistar e já estava mais do que claro que
me via como uma ameaça para o relacionamento do irmão. Então
decidi levantar uma bandeira branca, para mostrar que não era essa
a minha intenção. Eu me aproximei dela sorrindo, peguei alguns
papeis toalhas ao lado do espelho e a fiz se virar de frente para mim,
segurando em seus ombros. A garota me encarou com seus olhões
verdes e enormes, franzindo o cenho. Sorri amigavelmente para ela
e comecei a secar seu rosto.
– Seu irmão está bem – falei. – Você não tem com o que se
preocupar.
Ela não disse nada, mas se manteve com os olhos fixos em
mim. Acho que não esperava por aquilo e não soube como agir. Por
fim, ela exalou com força.
– Obrigada por toda ajuda! – me disse.
Apesar do agradecimento, era nítido que ela não confiava em
mim, pois me fitava bem séria, como se estivesse me estudando. Dei
meu melhor sorriso para ela e seus olhos atentos desceram para a
minha boca.
– Amigos? – perguntei tentando quebrar suas barreiras.
– Não força, hein – respondeu com um princípio de sorriso no
rosto.
Dei risada.
E mostrando que ela realmente é de falar tudo que pensa, me
avisou:
– Ainda não confio em você.
Que figura!
– Tudo bem – falei. – Então vamos que a sua mãe está nos
esperando e se alguém me pegar dentro do banheiro feminino com
você, vai ser difícil de explicar.
Com muito custo, ela sorriu.
– Seria estranho mesmo.
Assim, nós dois saímos do banheiro e retornamos para perto
da Carmen. Já estávamos quase chegando ao quarto do Gustavo,
quando meu celular vibrou no bolso. Eu atendi sem olhar o visor e,
quando falei alô, ouvi a voz da Lauren me perguntando: “Dani, está
podendo falar?”. Pelo silêncio do ambiente, tanto a Carmen, quanto a
Camila perceberam que era a Lauren e as duas me olharam.
Mas apesar disso, a Carmen pediu que eu reforçasse para a
Lauren não se preocupar, mas a Camila... O pequeno progresso que
consegui dentro do banheiro se extinguiu naquele exato momento,
porque a loira me olhou com os olhos pegando fogo. Falei com a
Lauren que já, já retornava para ela e desliguei. Por coincidência, o
celular da Carmen tocou no segundo seguinte e ela atendeu. E a
Camila aproveitou a distração da mãe para me confrontar:
– Você ainda gosta dela, não é?
– Se eu dissesse que não, estaria mentindo – assumi. – Mas
não é como antes.
– Porra, cara, então se afasta. Ela já está em outra e você
não tem que ficar a rodeando.
Ela falava bem baixinho, mas nem por isso, seu tom era
amigável.
– Garota – falei perdendo a paciência –, não sei se você
sabe, mas foi a Lauren quem me procurou, inclusive, com o
consentimento do seu irmão. Então dá um tempinho!
Aí ela ficou ainda mais brava:
– Dá um tempo você! Se não tivesse colocado seu trabalho
como prioridade acima do dela, vocês ainda estariam juntos. Agora
já era!
Ali ela me irritou demais porque, como diz o ditado, a verdade
dói e aquilo era a mais pura verdade. Mas o fato de ela achar que
sabia muito sobre a minha história com a minha ex me deixou
indignado.
– Vamos fazer o seguinte, garota, não conversa comigo não!
Essa sua petulância é sem limites. Você não me conhece e não sabe
nada da minha vida!
– Conheço muito bem o seu tipinho – murmurou. Depois
disso, virou as costas e entrou no quarto do irmão.
A Carmen desligou o telefone e, se percebeu que eu e a filha
havíamos discutido novamente, não disse nada. Aproveitei para me
despedir dela, com a desculpa de que o Leo queria falar comigo. Não
queria mais ter que ficar nem um minuto perto da Camila. Ela se
despediu de mim e também entrou no quarto do Gustavo.
Insuportável!
Fui embora para a minha casa e, enquanto dirigia, liguei para
a Lauren pelo bluetooth. Como eu já esperava, ela queria saber se
eu não estava mentindo para ela em relação ao estado de saúde do
Gustavo. Disse que não estava conseguindo dormir e que queria
voltar ao hospital. Eu lhe assegurei que ele estava bem e aproveitei
para reclamar da sua cunhada.
– Como você consegue conviver com ela? – perguntei
inconformado.
– A Camila é um amor, Dani. Ela é uma irmã coruja, por isso
se comporta assim. Mas é uma excelente pessoa e tem um
excelente coração.
Ah é, um amor...
– Se você diz.
Não estiquei o assunto porque também precisava descansar,
mas eu não conseguia acreditar naquele elogio. Eu me despedi da
Lauren e nós encerramos a ligação.
Quando estacionei na garagem, fiquei bem feliz por saber que
era bem improvável que nos encontrássemos de novo algum dia.

Capítulo 1

Camila
Maio de 2019.
Era uma terça-feira qualquer do mês de maio e eu refletia
sobre a vida adulta, deitada na minha cama e encarando o teto. Essa
é uma mania que tenho sempre que preciso pensar em algo, ou não
pensar em nada. Também faço isso quando sinto necessidade de dar
uma desacelerada e relaxar. Naquele momento, o que me
angustiava era a mesmice dos meus dias.
É, Camila, sua vida anda meio entediante...
A ausência de algo que eu não fazia nem ideia do que era me
afligia, quando meu celular tocou sobre a cômoda. Cheguei a pensar
em não atender, mas fiquei com medo de que pudesse ser algo
urgente e me levantei para pegar o aparelho. Era o meu irmão.
– Oi, Gu!
– Cami, tô precisando de um favor seu – me disse conforme
dava uma risadinha debochada.
– Ah, sabia.
O Gustavo estava rindo, porque ele já sabia que eu iria
reclamar. E eu já sabia que ele iria me pedir algo. Afinal, ultimamente
ele só me ligava para pedir favores.
– O que você precisa agora, homem? – perguntei.
– Preciso que você vá com a Lauren ao médico amanhã
cedo, mais uma vez – e riu.
– Tô achando que sou eu o pai dessas crianças – brinquei. –
Por que você não pede essas coisas para a Débora? Você não tem
só a mim de irmã!
– Não pedi e não pedirei para a Débora porque ela estuda e
você não.
Sempre que podia, meu irmão me dava uma alfinetada sobre
o fato de eu não estudar. Mas eu nem podia reclamar, porque apesar
disso, ele fazia de tudo por mim. O Gustavo nunca consegue recusar
um pedido meu e, por esta razão, eu jamais negaria um favor a ele.
Mas isso não significava que eu não iria protestar um pouquinho.
– Por que você mesmo não leva a sua esposa gestante ao
médico para ver as suas filhas?
– Porque um camarada meu pediu para trocar plantão com
ele amanhã e aceitei. Depois a médica da Lauren ligou pedindo para
antecipar a consulta que seria só no dia seguinte. Aí já viu, né, não
pude voltar atrás. Do contrário, jamais perderia esse ultrassom.
– Mas tem ultrassom todo mês? – perguntei ao me recordar
dos outros.
– Não, essa consulta é de rotina. Mas a última ultra já tem um
tempinho, aí a Lauren vai fazer também.
– Entendi. – Suspirei fazendo drama. – Ok, mano, eu a levo
de novo.
– Obrigada, maninha! – me agradeceu todo feliz.
– Obrigada, nada. Isso vai te custar bem caro. Vou demorar
um pouco mais a devolver seu carro.
Eu gostava de perturbar meu irmão, mas não era sacrifício
algum levar a Lauren ao médico. Primeiro, porque amo meu irmão.
Segundo, porque amo a minha cunhada. Terceiro, porque já amava
as minhas afilhadas que estavam dentro da barriga dela e não
perderia a chance de vê-las pela ultrassonografia. Por ser uma
gravidez gemelar e a Lauren já estar com trinta semanas, não era o
ideal que ela dirigisse mais, nem mesmo, que ficasse andando
sozinha por aí.
– Sabia que eu te amo? – meu irmão me disse.
– Sei.
Ele riu.
– Pega ela aqui em casa por volta das oito horas. A consulta
é às nove, ok?
– Ok, mano. Mais uma dívida para a sua lista enorme de
dívidas comigo.
Ele riu outra vez. Nós nos despedimos e desligamos. Assim,
voltei a pensar na minha vida, conforme também voltava a analisar o
teto do meu quarto. Estava entediada, achando meus dias sempre
muito monótonos e iguais, já que eu praticamente não trabalhava e
não estudava.
Não era só o Gustavo quem pegava no meu pé por eu não
estar fazendo nada da vida. Meus pais e minha irmã frequentemente
me jogavam indiretas, dizendo que eu precisava estudar. Eles
achavam que eu não queria, mas a verdade é que eu não tinha a
mínima ideia do que fazer. Pelo contrário, tinha até um pouco de
inveja das minhas amigas que sabiam exatamente o que queriam
para suas vidas. Uma delas, a Nadja, falava em fazer Direito desde
quando estávamos no ensino fundamental. Quando ela entrou para a
graduação desejada, teve certeza de que nasceu para advogar. A
Mályka era outra que estava completamente realizada no curso de
Fisioterapia. Falava que nasceu para aquilo e que aquela graduação
permitiria uma ampla gama de possibilidades de especializações. Até
a Dani, minha mais nova amiga e sobrinha da Lauren, estava
satisfeitíssima finalizando o curso de Letras lá na cidade dela, assim
como a minha irmã. A intenção das duas era dar aulas de português.
Uma dizia que seria professora de faculdade, a outra, de ensino
básico. Já eu, não tinha a mínima ideia de qual era a minha vocação.
Eu gostava muito de balé. Fazia balé desde pequena e dava
aulas para crianças numa escola infantil aos sábados. Contudo, era
um serviço informal e eu também não queria tornar aquilo uma
profissão. Fazia por prazer, mas não queria trabalhar com aquilo
todos os dias da semana.
Desisti de ficar pensando nos meus problemas vocacionais
ou, neste caso, na ausência deles, e fui tomar meu banho. Devo ter
demorado uns vinte minutinhos e, quando saí, tinha uma mensagem
da Carol no meu celular. Eu a conheci lá na escolinha em que
trabalhava aos sábados, pois geralmente era ela quem levava a
filhinha para fazer balé comigo. Após a minha aula, as crianças têm
outras atividades esportivas e, enquanto a filha dela praticava
basquete, eu e a Carol ficávamos conversando. Com isso, teve início
uma grande amizade que eu fazia questão em manter. Ela era
apenas dois anos mais velha do que eu, tinha vinte e três, mas já era
formada e trabalhava como enfermeira em um hospital.
Na mensagem, ela me chamava para tomarmos um café,
alegando que precisava distrair um pouco a cabeça e relaxar. Disse
que havia pegado muitos plantões consecutivos para juntar dinheiro
para a festinha de aniversário da Valentina, mas estava exausta,
precisando jogar conversa fora. Aceitei seu convite de imediato e
marquei de encontrá-la numa cafeteria próxima ao hospital em que
ela trabalhava. Ela terminaria o plantão às 19h e marcamos às
19h30.
Como já eram 18h40, me arrumei rápido e fui para a garagem
pegar o carro do Gustavo que estava comigo. Como eu disse, meu
irmão fazia de tudo para me agradar, até me emprestar seu carro
novo sempre que eu pedia. Por estar morando com a Lauren, seu
Hyundai i30 azul ficava mais comigo do que com ele mesmo, já que
ele tinha o dela para usar. Meu irmão havia trocado de carro no
começo do ano, pois se envolveu em uma batida horrorosa para
salvar a minha cunhada há alguns meses, coisa que eu não gosto
nem de lembrar.
Ao chegar na cafeteria, a Carol já me esperava lá sentada,
bebericando uma xícara de café.
– Que saudade de você, amiga! – me disse ao se levantar
para me abraçar.
– Também estou com saudades! – E sorri.
– Faz quanto tempo que a gente não se vê? Um mês?
– Um mês e uma semana. Mas quem é que está contando,
não é mesmo?
Nós duas caímos na gargalhada com o fato de eu saber
exatamente há quanto tempo não nos víamos. Como a Carol estava
fazendo muitas horas extras no hospital, quem estava levando a
Valentina para a escolinha era o seu marido e nós duas estávamos
conseguindo conversar apenas por mensagem.
– Então me conta, quais são as novidades? – pedi ao me
sentar de frente para ela.
– O pior é que não tenho novidade nenhuma, Cami. Tirando o
fato de que eu estou morta de cansaço. O que a gente não faz para
ver uma filha feliz...
Eu sorri, porque ela realmente fazia de tudo para a Valentina.
– Então não sei do que vamos conversar, porque a minha
vida continua a mesma, sem nada de novo.
Nós duas rimos e passamos a falar de coisas corriqueiras,
sem muita importância. Ela me disse que estava a fim de entrar
numa academia, pois estava se sentindo muito sem energia. Só que
também achava que não conseguiria ir malhar nos dias em que
estava de plantão, já que saía do hospital morta de cansaço. Ao
chegar em casa, ainda precisava fazer janta e auxiliar a Valentina a
fazer os deveres escolares. Com aquela fala, voltei a pensar em
mim. Aproveitei o assunto para desabafar com a minha amiga sobre
meus dilemas recentes.
– Acho que não tenho vocação para muita coisa na vida,
amiga – comecei.
A Carol ouvia tudo atentamente. Quando terminei de colocar
para fora todas as minhas angústias, ela não demorou nada a
retrucar.
– Que loucura é essa? Você é uma excelente bailarina e
excelente professora de balé infantil!
Dei risada.
– Eu sei, mas sinto que isso não é o suficiente, sabe?
– Sei. Por que você não arruma um emprego qualquer
enquanto não se decide que profissão você quer para a sua vida?
Tenho certeza de que essa sensação de inutilidade vai sumir assim
que você ocupar a sua cabeça e o seu tempo.
Por mais que eu não tivesse dito com todas as letras que me
sentia inútil, minha amiga entendeu muito bem qual era a sensação.
E fiquei extremamente grata por ela me entender sem muitas
palavras.
Suspirei desanimada ao pensar na sugestão.
– Não sei nem que tipo de emprego eu poderia arrumar,
Carol. Não sei nem por onde começar. Não sei fazer nada! – falei
desanimada, dando de ombros.
– Começa pelo primeiro que aparecer, ué. A gente só aprende
qualquer função quando começa. Não tem como aprendermos antes
de começar algo.
Verdade...
– É, acho que farei isso.
– Graças a Deus você pode se dar ao luxo de largar na
mesma semana, caso não goste ou não se adapte. Ainda mora com
seus pais e eles fazem de tudo por você, assim como seu irmão.
Eu ri.
– Mais uma verdade. Essas são as vantagens de ser a caçula
da família. Somos mimados por todos os lados – brinquei.
– É, você já me falou, sua vaca.
Nós duas rimos mais.
– Agora me conta, você é o xodó até da sua irmã do meio
também? Você sempre fala bem dela, mas não consigo acreditar que
vocês não briguem. Tem dias que quero matar minha irmã mais nova
e olha que nem moramos juntas mais.
– Olha, a gente brigava bastante quando erámos crianças.
Hoje em dia, preciso confessar que a Débora me mima tanto quanto
o Gustavo. Não financeiramente, porque ela não tem renda. Mas
está sempre do meu lado, me defendendo, me colocando para cima
e me emprestando suas roupas – respondi com divertimento.
– Você é uma vaca sortuda, Camila! – me xingou de
brincadeira mais uma vez.
Dei risada de novo.
– Sim, eu sou.
– Bom, voltando ao assunto do emprego – falou arregalando
os olhos, tentando fazer uma cara séria –, minha amiga que é chefe
do faturamento do hospital está precisando de uma auxiliar. Por que
você não me manda seu currículo para eu entregar a ela?
Na mesma hora me empolguei, mesmo sem ter ideia do que
precisaria fazer nessa função.
– Nossa, eu adoraria trabalhar no hospital que você trabalha!
Você fala tão bem de lá.
– Sim, amiga, o Maria Deane é tudo de bom! Adoro trabalhar
lá! É um hospital bem grande, então o trabalho nunca é entediante.
Por ser um hospital universitário, o fluxo de pessoas que entram e
saem é enorme. Estamos sempre conhecendo muita gente nova.
Além disso, é bem organizado e referência em muitos setores.
– Bom, sendo assim, vou te enviar meu currículo hoje mesmo,
assim que chegar em casa. Espero de verdade que dê certo! – fui
sincera. – Mas não acho que sua amiga vai contratar alguém sem
nenhuma experiência como eu.
– Vai dar certo, sim, tenho certeza. Ela é a responsável por
aquele setor há bastante tempo e já comentou comigo várias vezes
que prefere gente sem experiência porque, dessa forma, ela molda a
pessoa do jeito que ela quiser.
– Bom, agora fiquei um pouco mais esperançosa.
– Vai dar certo, amiga! – me disse confiante. – Acredite!
– Ok.
A verdade é que eu não sabia nem montar um currículo. Mas
também não falei isso para a Carol, pois sabia que a Débora iria me
ajudar.
Ficamos lá conversando mais um pouco, rindo e tomando
café, depois fomos embora, cada uma para a sua casa. Antes do dia
terminar, enviei meu currículo para o e-mail dela, torcendo para
conseguir aquele emprego.
No dia seguinte, estava eu no horário combinado lá no
apartamento do meu irmão. Quando toquei a campainha, quase que
instantaneamente a Lauren abriu a porta com um vestido estampado,
que destacava seu barrigão.
– Partiu, cunha? – falei ao acariciar sua barriga com as minhas
duas mãos.
Ela sorriu.
– Partiu, Cami. – Ela pegou a chave e a bolsa que estavam
sobre a mesa. – Em minha defesa, eu falei com o seu irmão que
você não precisava me levar. Eu poderia perfeitamente pedir um
Uber. Não queria te dar trabalho, mas ele é teimoso...
– Não é trabalho nenhum, Lauren. Não se preocupe. Não tem
por que ir de Uber se eu estou de bobeira e com o carro dele.
Ela sorriu de novo e fechou a porta atrás de si. Enquanto
caminhávamos para o elevador, perguntei onde era a consulta.
– É no mesmo hospital em que seu irmão ficou internado. – E
suspirou. – A Ana Flávia está trabalhando lá também.
– Nossa, queria passar longe daquele hospital. As
recordações daquele dia são péssimas. Não gosto nem de lembrar
das angústias que me dominaram.
– Nem me fale! – ela suspirou de novo. – Mas a Ana vai
precisar fazer uma viagem de última hora e a consulta que seria na
clínica dela, amanhã, teve que passar para hoje lá. E também é lá
que acontecerá meu parto, né – comentou. – Não iríamos ter como
fugir de ir lá novamente.
A Ana Flávia, além de amiga da Lauren, era sua médica
ginecologista e obstetra.
– Bom, então realmente não teremos como fugir do lugar –
brinquei.
A Lauren assentiu.
– Os partos da Ana são geralmente lá. No momento, aquele é
o único hospital que ela opera.
Ao chegar no carro, perguntei minha cunhada o nome do
hospital para colocar no GPS, porque não me lembrava muito ao
certo.
– É Hospital Geral Ana Nery.
– Beleza. O GPS está indicando que em meia hora estaremos
lá.
Minha cunhada assentiu e mudamos de assunto. Aproveitei
para contar a ela sobre o possível emprego e a Lauren me incentivou
bastante. Disse que tinha certeza de que a vaga seria minha e fiquei
muito feliz de ver que ela torcia por mim.
Às nove horas em ponto estávamos dentro do consultório da
Ana Flávia. Assim como todo mundo que ficava um tempinho sem
ver a Lauren, a médica ginecologista se assustou quando viu o
tamanho da sua barriga.
– Meu Deus, amiga! Que barriga enorme! Nem parece que
não nos vemos há apenas três semanas! Essa barriga cresceu
demais!
Eu ri e a Lauren também.
– Essas duas vão nascer imensas, porque ainda faltam dois
meses e pouco – minha cunhada respondeu para a amiga, enquanto
alisava a própria barriga, toda boba com as bebês.
A Ana Flávia levantou as sobrancelhas e meneou a cabeça.
– Cuidado com a alimentação, viu? Está comendo direitinho?
– Estou sim, amiga. Estou seguindo a dieta direitinho.
– Então está bem. Deita aqui para eu te examinar. – E
apontou para a maca que ficava à esquerda da mesa dela.
A Lauren subiu na maca e se sentou. Aproveitei para pegar
meu celular para responder algumas mensagens. Nesse meio
tempo, alguém bateu à porta do consultório.
– Tem gente querendo te ver, amiga – a Ana disse para a
Lauren.
Minha cunhada riu.
– Já sei, Daniel?
A Ana assentiu.
– Comentei com ele que você viria consultar hoje e ele disse
que passaria para te ver.
Na mesma hora, fechei a cara e guardei meu celular na bolsa.
O Daniel é ex-noivo da Lauren e eu não o suportava. Tinha certeza
de que ele só estava esperando um deslize do meu irmão para tentar
recuperar o amor da Lauren. Ele é carioca e parece que tinha ido
morar em Curitiba só para se reaproximar dela.
Desde a primeira vez que o vi, já fiquei com ranço porque
conhecia muito bem os homens com cara de bom moço. Meu ex era
assim, o Luiz Henrique, e não pensou duas vezes em me trair com a
namorada do Gustavo da época, a Carla. E o Daniel não parecia ser
muito diferente. Sempre cheio de sorrisos para todos, simpático
demais para o meu gosto. Falava de um modo calmo e cordial,
exalando confiança. Eu não via veracidade nenhuma no jeitinho
educado dele.
A Lauren interrompeu meus pensamentos quando disse para
a Ana deixá-lo entrar. Assim que a porta se abriu, ele nem
pestanejou, entrou todo sorridente, distribuindo sorrisos simpáticos
para as duas. Preciso assumir que ele é um cara bem bonito. É bem
alto, nem forte, nem magro, tem a pele morena e um cavanhaque
que é um charme. Além da cara de bom moço que não me
convencia nem um pouco.
Ao se aproximar das duas, o Daniel deu um beijo rápido na
bochecha da Ana Flávia e correu para cumprimentar a Lauren. O
beijo que ele deu na bochecha da minha cunhada foi três vezes mais
demorado. Tudo bem, talvez isso não fosse exatamente verdade,
mas que ele passou longos segundos alisando a barriga dela, ele
passou.
Ele não havia me visto ainda, pois eu estava sentada em
completo silêncio observando aquela cena ridícula. Penso que a
Lauren sentiu necessidade de me incluir na conversa, já que tratou
logo de me mostrar a ele.
– Dani, você se lembra da minha cunhada, não é? – e
apontou para mim.
Com certeza, o Daniel pensou que era a Débora, pois se virou
na minha direção, todo sorridente. Quando deu de cara comigo, seu
sorriso bonito reduziu drasticamente, mas ele não deixou de ser
educado.
– Olá, Camila. Como vai?
Eu até pretendia ser educada, mas quando constatei seu
desgosto com a minha presença, foi impossível não retribuir à altura.
Assim, dei um sorriso forçado, fazendo questão de deixar explícito o
meu desprazer e não respondi nada. Ele fingiu que não percebeu a
minha má vontade em cumprimentá-lo e se virou mais uma vez para
a Lauren.
Preciso dizer que me surpreendeu o fato de ele se lembrar do
meu nome. As únicas vezes em que o vi foram durante os dias em
que o Gustavo esteve internado. Mas eu já não gostava daquele
médico mesmo antes de conhecê-lo, já que foi por causa dele que
meu irmão e a Lauren quase se separaram. Quero dizer, eles
chegaram a separar e ficaram um mês terminados.
A nossa interação negativa chamou a atenção da Ana Flávia,
que alternou o olhar entre nós dois com uma ruga na testa. Mas
apesar disso, ela não comentou nada e o assunto voltou para a
Lauren.
Os três começaram a falar de parto e assuntos médicos, mas
eu não consegui prestar muita atenção no papo, porque o jeito
meloso do Daniel com a Lauren atraía toda a minha atenção.
Em um determinado momento, a Ana Flávia pediu licença a
ele para fazer a medição da barriga e a ultra. Como a Lauren estava
de vestido, precisaria retirar a roupa toda e ficar só de calcinha e
sutiã. Logo, ele teria que sair do consultório e aproveitei para sair
também porque queria confrontá-lo. Assim que ele deu licença, fui
atrás.
Quando ficamos a sós no corredor vazio, não perdi tempo em
questioná-lo:
– O que você está fazendo aqui, hein?
Ele me olhou estreitando os olhos e duas rugas surgiram em
sua testa.
– O que eu estou fazendo no hospital em que trabalho? –
ironizou.
– Deixa de ser cínico! Você sabe muito bem que estou me
referindo a essa consulta. Você nem é ginecologista!
Ele bufou.
– Pensei que a sua inconveniência se limitasse ao estresse
da situação que você estava passando quando nos conhecemos,
pelo estado do seu irmão e tudo mais. Mas não, você realmente é
desagradável, garota! Em tempo integral! Além de mal-educada.
Desaforado!
– Eu estou cagando para o que você acha de mim, até
mesmo porque, o sentimento é mútuo. Afinal, você nem disfarça seu
interesse na mulher do meu irmão. – Bufei. – Supera, cara!
Ele ficou visivelmente surpreso com o meu afronte.
– Olha só, garota... – falou exalando profundamente –, eu não
deveria me preocupar em contestar ou me explicar, mas para você
se sentir melhor, fique sabendo que não tenho mais nenhum
interesse amoroso na Lauren. Só que nós somos amigos e eu tenho
um grande carinho por ela. Como você sabe, dividimos a nossa vida
durante oito anos e não vou deixar de tratá-la bem só porque você
quer.
– Aham, sei. Você acha que me convence com essa fala
mansa e essa carinha de bom moço?
Ele sorriu ironicamente e cruzou os braços. Eu sabia que era
um sorriso irônico pela situação, mas olhando de fora, ele parecia
estar posando para uma foto.
O filho da puta é realmente bonito!
– Se não te convenci, não estou nem um pouco preocupado,
porque como eu disse – ele mudou a postura, se inclinou na minha
direção e colocou o rosto bem próximo ao meu –, não te devo
satisfação!
Ele chegou tão perto, que pude sentir seu hálito quente e não
me surpreendi ao me dar conta de que até a sua boca tinha um
cheiro bom. Tentei distinguir se o aroma era de chocolate, se era de
caramelo, ou se era uma junção dos dois, mas não cheguei a
nenhuma conclusão. De todo modo, aquilo não me distraiu muito e
juro que tive vontade de bater nele. Cheguei a abrir a boca para
retrucar, mas ele me interrompeu.
– Espero não ter o desprazer de te ver de novo nas consultas
das suas sobrinhas, porque você é uma menininha bem irritante!
Não sei o que mais me incomodou naquela frase, o fato de só
ali ter caído a minha ficha de que ele seria o pediatra das minhas
sobrinhas, ou o fato de ele ter me chamado de “menininha irritante”.
Mais uma vez, fui interrompida antes mesmo de responder, porque a
Ana Flávia abriu a porta e nos mandou entrar de novo.
Fingindo que não havíamos acabado de bater boca, ele sorriu
para a Ana e fez sinal para que eu entrasse primeiro. Novamente,
tive vontade bater nele com aquela cortesia fingida. Mas não iria dar
o gostinho de bater boca na frente da médica e entrei.
O Daniel continuou no consultório até o final da consulta da
Lauren, exalando simpatia, o que me deixava inconformada. O fato
de não ter visto a ultrassom das meninas me deixou ainda mais
irritada. Na hora de irmos embora, ele fez questão de nos
acompanhar até o carro. Naquela altura, estava mais do que claro
que o médico sonso estava agindo daquela forma para me irritar,
pois não havia necessidade alguma de nos acompanhar até o
estacionamento.
Cínico...
Já no estacionamento, quando viu que era eu quem estava
dirigindo, não perdeu a oportunidade de me provocar.
– Mas você tem idade para dirigir, menina? Carteira de
motorista não é só para maiores de dezoito? – perguntou com um
sorrisinho debochado.
Fingi que aquilo não me incomodou e respondi com um
sorriso bem aberto.
– Eu sei que essa minha pele maravilhosa faz com que eu
pareça ainda mais nova do que sou, mas na realidade, tenho vinte e
um – e pisquei meus olhos com delicadeza, encenando uma falsa
simpatia.
– Ah, sim – falou todo sorridente. – Pelo seu comportamento,
achei que você tinha quinze.
– Olha aqui seu idiota – retruquei já aumentando o tom de
voz, mas a Lauren entrou no meio.
– Meu Deus do céu, vocês dois! Achei que essa implicância
toda tinha ficado lá atrás. Vamos embora, Camila! A Lud e a Luíza
estão incomodadas com essa discussão boba. – E acariciou a
barriga.
Enquanto a Lauren nos repreendia, o Daniel me olhava
visivelmente satisfeito por ter conseguido me tirar do eixo.
A minha cunhada deu um abraço rápido no ex e foi para o
banco do carona. Já eu, fiz questão de não me despedir dele e
também entrei no carro, sem ao menos olhar na direção daquele
inconveniente.
No caminho de volta para a casa, perguntei a Lauren se ele
seria o pediatra das meninas, só para confirmar.
– Será ele sim, por quê? – Seu tom era tranquilo, não
expressando nenhuma preocupação.
– Por nada. Só acho que ele ainda sente algo por você.
– Eu não acho – ela riu. – E fica tranquila que seu irmão
também não acha. O Daniel é um excelente médico e faço questão
de que seja ele a cuidar das meninas.
Bufei e não falei mais nada, afinal, não tinha o direito de achar
bom ou ruim. Aquele assunto não era da minha conta. Só esperava
do fundo do coração, nunca mais ter que o ver novamente.
– Agora, preciso dizer que nunca o vi tão sem paciência com
alguém que ele não tem intimidade, como ele é com você. Você
consegue irritá-lo bastante, por mais que ele não transpareça.
– Desculpa a sinceridade, cunha, mas eu não estou nem aí.
A Lauren riu e nós mudamos de assunto.
Mais tarde, naquele mesmo dia, contei tudo para a Débora do
meu desagradável encontro com o médico metido e presunçoso.
– Você tinha que ver o jeito como ele falou comigo, Débora.
Cara idiota! Ele foi tão desagradável comigo...
– Ah, sim, porque eu tenho certeza de que você foi bem
agradável com ele – retrucou.
– Não tem como ser agradável com ele, irmã! Ele está a fim
da nossa cunhada, mãe das nossas sobrinhas e amor da vida do
nosso irmão! – falei revoltada.
– Certo. E por curiosidade, mas só uma pequena curiosidade,
o Gustavo está com essa preocupação toda em relação ao ex da
mulher dele?
– Não, porque nosso irmão é muito ingênuo.
A Débora debochou.
– Ah, é sim, muito ingênuo!
O fato de a minha irmã não concordar comigo me deixou
ainda mais irritada e passei a xingar o babaca do Daniel de tudo
quanto é nome.
– Meu Deus, Camila. Não sei por que você implica tanto com
o homem, ele é tão simpático! E você foi a primeira a destratá-lo.
Tudo que ele falou com você, foi porque você provocou. Se tivesse
ficado quietinha, tanto hoje, quanto meses atrás, essas discussões
não teriam acontecido.
– Eu o provoquei nada, Débora! Ele não me suporta porque
sabe que não me convence com aquela cara de bom moço e aquele
sorriso bonito.
– Então você assume que o sorriso dele é bonito? –
debochou mais uma vez.
– Ai, Débora, para de me irritar você também! É claro que o
sorriso dele é bonito.
– Ele todo é bonitão, né? – perguntou como quem não quer
nada. – Tem aqueles braços enormes e aquela pele bronzeada...
E eu caí igual um patinho ao responder à pergunta
fingidamente despretensiosa da minha irmã.
– Sim, o filho da puta é bonito pra cacete!
Ela deu uma gargalhada alta.
– Aposto que você pegaria ele – me provocou.
– Você ficou maluca? Eu nunca ficaria com aquele homem!
– Eu ficaria! – disse ao me observar de rabo de olho.
– Não vou falar nada, Débora. Vou dormir. Tchau e até
amanhã.
Sabia que ela queria me provocar. Eu estava no quarto dela e
saí sem esperar que ela respondesse. Já estava fechando a porta
quando a ouvi gritar um “boa noite, irmã”.
Fui dormir pensando novamente que seria muito bom não ter
mais que o ver ou falar com ele outra vez.
Capítulo 2

Camila
No dia seguinte à consulta da Lauren, acordei com a Carol
me ligando. Olhei a hora antes de atender e vi que ainda não eram
nem oito horas. Assim que atendi, minha amiga gritou do outro lado
da linha:
– Você tem uma entrevistaaaaaaaaaaaaaaaa – me disse toda
empolgada.
– Mentira? Com a sua amiga?
– É claro, com quem mais seria?
Foi a minha vez de berrar igual uma maluca enquanto pulava
feito um canguru em cima da cama.
– Eu não acredito que você conseguiu! – falei ao me jogar
sentada sobre o colchão.
– Consegui a entrevista, o resto é com você. Ela pediu para
você ir hoje às 15h falar com ela, pode ser?
– Mas é claro que pode.
Eu estava muito animada e com medo de não dar certo, então
perguntei tudo que podia para a Carol. Ela me disse que a Vânia era
muito tranquila, mas muito exigente com horários e cumprimento de
regras. Disse que eu precisava ter atenção pois mexeria com os
valores que os médicos precisariam receber, além de valores que o
hospital precisava pagar para fornecedores e empresas prestadoras
de serviço.
E eu ouvia tudo atentamente, já me preparando para a entrevista e o
possível emprego. Não queria criar muitas expectativas, mas queria
muito que desse certo.
Assim que desliguei, fui ver se a Débora ainda não havia
saído para a faculdade. Precisava desesperadamente contar as boas
novas para a minha irmã. Como não a encontrei em seu quarto, fui
para o andar debaixo ver se ela estava na cozinha. Fiquei bem feliz
de ver que ela ainda não havia saído e tomava café com os nossos
pais.
– Ah, que bom que estão os três aqui, porque tenho uma
excelente notícia e preciso que vocês torçam por mim – falei ao me
sentar com eles.
– Bom dia para você também, irmã – ela me provocou.
– Bom dia, Débora, sua linda! Hoje eu tenho uma entrevista
de emprego – contei de súbito, bem animada.
Ela me encarou sorrindo. Minha irmã não disse nada, mas eu
tinha certeza de que não acreditou.
– É sério, filha? – meu pai perguntou, não aguentando mais o
silêncio.
– Sim, pai.
– Onde? – foi a vez da minha mãe perguntar.
– No hospital em que uma amiga trabalha, no setor de
faturamento.
Os três ficaram me olhando, completamente quietos de novo
e com expressões estranhas. Revirei os olhos.
– Parem de drama vocês três! Quem vê parece que tenho
cinquenta anos e passei a vida inteira desempregada.
Só depois do meu comentário eles entenderam que não era
piada e a Débora foi a primeira a quebrar o silêncio. Ela pegou o
celular sobre a mesa e levou à boca.
– Gu, a Camila tem uma entrevista de emprego e não é
pegadinha. Não saia de casa sem guarda-chuvas porque vai cair um
dilúvio.
– Cara, se eu não te amasse tanto, Débora, eu iria te bater –
falei para ela.
Ela riu e se levantou para me abraçar, mas meu pai chegou
primeiro.
– Que coisa boa, filha! Tenho certeza de que a vaga já é sua
– disse todo orgulhoso.
Minha mãe e a Débora também ficaram muito felizes com a
notícia e disseram para eu não me preocupar, que com certeza
conseguiria o emprego. Além disso, elas me deram inúmeras dicas
para a entrevista. A Débora, apesar de nunca ter trabalhado, assim
como eu, já havia participado de algumas entrevistas para seleções
de projetos e monitorias na faculdade. Inclusive, ela até decidiu ir
mais tarde para o câmpus, só para me repetir os trezentos conselhos
que já tinha me dito.
Nós duas subimos para o meu quarto assim que terminamos
o café e ficamos conversando lá.
– Cami, você muito provavelmente vai trabalhar de uniforme,
então já vista uma calça mais básica e uma camisa de botão com
sapatilha. Além disso, demonstre bastante confiança, que já é uma
característica sua, mesmo.
Eu ri.
– Eu não sou nada confiante, Débora.
– Ah, tá bom. Imagina se fosse, então.
A minha família me conhece perfeitamente e, de fato, quando
eu me decidia sobre algo, realmente ficava muito confiante. Meus
problemas de falta de confiança se resumiam às outras pessoas. Eu
tinha muita dificuldade em confiar nos outros, possivelmente, por
conta da traição do meu ex. O Luiz Henrique foi o único cara que eu
quis namorar. A gente nem estava há tanto tempo juntos, tínhamos
apenas dois meses quando tudo acabou. Confesso que se ele
tivesse me traído com uma desconhecida qualquer, talvez aquilo
nem tivesse impactado muito na minha vida. Mas ele decidiu me trair
com a Carla, namorada do Gustavo de antes da Lauren e melhor
amiga da Débora. A Carla frequentava a nossa casa desde criança,
então é óbvio que aquela traição impactou a família toda e no meu
caso, na minha confiança em relação ao sexo oposto. Foi uma
situação muito desagradável para todos, não só para mim e para o
Gustavo. A Débora rompeu com a amiga e os meus pais, com os
pais da Carla. Mesmo que eles não tivessem culpa pelo
comportamento da filha, ficou um clima péssimo entre todos.
– O que mais, irmã? Me fala – pedi à Débora.
– Dá uma pesquisada sobre a função que você está
pleiteando para não chegar lá muito crua. Além disso, conte à
entrevistadora apenas o que ela perguntar. Se ela perguntar algo que
você não saiba, fala que não sabe, mas que tem bastante facilidade
para aprender, o que também não é nenhuma mentira no seu caso.
– Ai, Débora, eu te amo tanto! – me declarei ao abraçá-la e
obrigá-la a deitar na minha cama.
– Eu sei, sou muito amável – me zoou. – Também te amo, sua
maluca!
Minha irmã me deu mais algumas dicas e depois foi para a
faculdade. Quando ela saiu, foi a vez da minha mãe repetir algumas
dicas. A Dona Carmen estava muito feliz e bastante convicta de que
a vaga seria minha.
Após o almoço, me arrumei correndo e fui para o hospital
conhecer a Vânia. Estava muito ansiosa e acabei chegando com
quarenta minutos de antecedência. Creio que isso animou a minha
possível chefe porque ela repetiu várias vezes que gostou de eu ter
chegado antes do combinado. Ela era realmente muito simpática e
atenciosa. Aparentava ter em torno de uns quarenta anos, era
morena, cabelos longos e escuros, e muito bonita. Também parecia
ser muito inteligente e respeitada por todos.
A Vânia me mostrou a sala de faturamento e me apresentou a
equipe. Eram cinco pessoas no total que trabalhavam naquela sala,
no segundo andar do hospital. Uma delas, a Ariane, era faturista
hospitalar e a outra mulher, a Nara, era estagiária. Também
trabalhavam naquela sala um médico e um enfermeiro auditores,
Maicon e Claudio. A auxiliar de faturamento se chamava Karen e,
assim como a Lauren, estava grávida de gêmeos. A Vânia queria
uma pessoa para entrar no lugar da Karen, que já havia dito que não
voltaria depois que a licença maternidade terminasse. Todos os cinco
foram muito simpáticos e receptivos comigo.
Após fazer algumas perguntas pessoais sobre mim, a Vânia
começou a falar um pouco mais sobre a função:
– O faturamento hospitalar é um dos serviços mais complexos
e importantes do sistema hospitalar, Camila. Nós temos muitas
funções aqui e diferentes responsabilidades, como o próprio
faturamento em si, além de garantir a rentabilidade do hospital.
Também enviamos notas fiscais e boletos aos clientes e operadoras
de planos de saúde.
– Entendo.
E entendia mesmo, porque já havia feito uma longa pesquisa
no Google. Ela se serviu de um café e serviu um para mim também,
depois continuou:
– Além disso, precisamos contabilizar quanto os médicos e
demais funcionários irão receber, dentre outras coisas. Esses
procedimentos nos exigem total atenção o tempo todo. Temos
ferramentas que nos ajudam nas nossas funções, mas ainda assim,
precisamos estar sempre atentos. Por falar nisso, você sabe mexer
em planilhas de Excel?
– Sei sim. Não só com o Excel. Eu gosto bastante de
informática e domino bem muitos programas.
– Ótimo! – disse visivelmente satisfeita. – Bom, a Karen sai de
licença daqui a um mês. Aí você já começa na próxima segunda, ok?
Tudo bem por você?
Fiquei sem acreditar na facilidade com que consegui a vaga,
mas disfarcei e respondi sorridente:
– Para mim está perfeito! Tenho certeza de que você vai
gostar bastante de me ter na sua equipe.
– Também tenho certeza que você vai adorar trabalhar
conosco.
Eu assenti satisfeita e me despedi dela.
Ao chegar no estacionamento, onde havia parado o carro do
Gustavo, não esperei nem entrar no veículo para contar à minha
família inteira. Liguei para a Débora, para a minha mãe – que contou
ao meu pai, e para o Gustavo, que contou para a Lauren. Todos eles
ficaram muito felizes por mim.
Depois disso, fui embora para a casa satisfeita cantando
Fuckin’ Perfect da Pink a plenos pulmões.

“Pretty, pretty please, don't you ever, ever feel


Like you're less than fuckin' perfect
Pretty, pretty please, if you ever, ever feel
Like you're nothing, you're fuckin' perfect to me”
CAPÍTULO 3

Daniel
– Que garota irritante! – resmunguei pensando alto.
– Quem? – o Alex me perguntou.
Nós estávamos tomando café na cantina do Ana Nery e me
lembrei do encontro de dois dias atrás com a cunhada insuportável
da Lauren.
– Ninguém em especial.
– Não? Tem certeza? Acho que nunca te vi irritado assim, a
ponto de pensar alto.
De fato, meu amigo ainda não tinha presenciado nenhum
momento meu de irritação. Eu e o Alex nos conhecemos logo que
me mudei de Belo Horizonte para Curitiba. Ele é um cara bem legal
e muito responsável, o que facilitou muito o surgimento de uma boa
amizade entre nós. Dias depois de nos conhecermos, ele me contou
que estava procurando um apartamento para alugar, pois o que
morava tinha sido vendido pelo proprietário e meu amigo precisava
de um novo lugar o mais rápido possível. Ao tomar conhecimento da
situação, me lembrei que o apartamento ao lado do meu, que
também era do pai da Ana Flávia, estava para alugar.
Contei a ele e expliquei que não era um apartamento muito
grande, mas que achava o suficiente só para ele. Assim como o
meu, tem dois quartos e era tudo bem novinho. Meu amigo ficou
bem animado e pediu o telefone da Ana Flávia. Ele já a conhecia do
hospital, mas não tinha amizade com ela. Em questão de uma
semana ele fechou o contrato e se mudou dias depois. Logo, além
de trabalharmos juntos, também éramos vizinhos. Conclusão: ele já
me conhecia muito bem e sabia que não era qualquer coisa que me
tirava do eixo. Só que eu não queria me estressar mais e decidi não
adentrar no assunto Camila, fazendo questão de mudar o tema da
nossa conversa.
– Não é nada importante, mas vamos falar de coisas boas. O
golfe amanhã está de pé? – perguntei.
– Mas é claro!
Eu, o Alex e alguns outros médicos amigos nossos íamos
com frequência jogar golfe aos sábados, sempre que não
estávamos de plantão. Eu adoro golfe e acho uma excelente
atividade de lazer para aliviar a tensão e o estresse das semanas
mais difíceis.
O assunto passou a ser o esporte que curtimos e
conversamos bastante sobre isso enquanto tomávamos o nosso
café. Eu me distraí e não pensei mais na garota sem noção que me
tirava do sério.
Quando estávamos voltando para o trabalho, encontramos
com a Ana Flávia no elevador.
– Olá, meninos! – nos cumprimentou bastante sorridente.
– Olá, Doutora, muitos partos hoje? – o Alex brincou com ela.
– Hoje não. E por falar em parto – ela olhou para mim –,
você não pretende viajar nos próximos meses, né, Dani?
– Não tenho nada programado, Ana, por quê?
– Porque a Lauren já me disse que você será o pediatra das
gêmeas e gostaria muito que você estivesse no parto também.
– Ah, sim, pode contar comigo. Você e a Lauren – afirmei. –
Mas ainda faltam uns três meses, né?
– Sim, mas por ser gemelar, nunca se sabe né...
– Verdade. Mas pode contar comigo.
A Ana sorriu satisfeita e se despediu de nós quando o
elevador chegou ao terceiro andar. Ao ficarmos novamente apenas
eu e o Alex, ele me perguntou:
– Lauren é a sua ex, não é?
Eu já havia contado para ele que namoramos e estivemos
noivos, e que ela foi um dos motivos para eu ter me mudado de
Minas Gerais para o Paraná.
– Ela mesma.
– Entendo. Pelo visto você superou mesmo...
– Sim, já te falei. Ela está em outra e quero que ela seja feliz.
– Entendo, agora mudando de assunto... A Ana Flávia sorriu
demais para você, não acha? Toda cheia de charme... Aposto que
ela está a fim do doutor aqui – e bateu no meu ombro.
Eu achei engraçado o comentário, mas respondi
desmentindo.
– Não viaja, cara, ela é muito simpática, só isso. – Dei risada.
– Acabou que nos tornamos grandes amigos. Como você sabe,
quando me mudei para cá a Ana me alugou o apartamento em que
moro por indicação da minha ex. Como pago o aluguel diretamente
para ela e, coincidentemente, trabalhamos no mesmo hospital,
ficamos bem próximos. Ela é muito amiga da Lauren.
– Ah, sim. Bom, então deve ser coisa da minha cabeça.
– Certeza que é.
O elevador chegou ao sexto andar e me despedi do meu
amigo. Precisava fazer a ronda na pediatria. Já ele, como é
alergista, foi para o oitavo andar, verificar os pacientes internados
por casos alérgicos.
Naquele dia, todas as visitas foram bem tranquilas. No último
quarto que entrei, dei de cara com uma garota loira com cara de
novinha, bem parecida com a cunhada da Lauren. Cheguei até a me
assustar pensando que fosse ela, mas não era. A mulher, apesar de
aparentar ser jovem, era a mãe da criança que estava internada. Eu
a cumprimentei de modo cordial e perguntei seu nome. Ela me disse
que se chamava Marisa e pareceu bastante preocupada com a
criança.
A filha da Marisa, uma garotinha de cinco anos, não estava
querendo comer e o médico que a atendeu primeiro, indicou a
internação por ela estar levemente desidratada.
– Qual o seu nome, princesa? – perguntei para a menininha,
que ao contrário da mãe, tinha a pele mais morena e o cabelo liso e
bem pretinho.
Antes de me responder, ela olhou para a mãe com os olhos
castanhos arregalados, como se estivesse com medo de mim.
– Não precisa ter medo, filha – a mulher disse para a criança.
– Esse médico vai sarar o seu dodói – disse ao acariciar a cabeça
da menina. – Conta para ele qual é o seu nome.
A garotinha se virou para mim, mas não olhou nos meus
olhos.
– Maitê – me disse de modo tímido, com a cabeça abaixada.
– Que lindo nome, princesa! – Eu me aproximei e sentei na
ponta da cama. – Agora conta para o tio, o que você sente? Dói em
algum lugar?
– Eu sinto dor aqui – e apontou para a barriga. Foi só nesse
momento que ela me olhou
– Posso examinar? – perguntei.
Ela respondeu que sim balançando a cabeça.
– Ok, deixa eu ver...
Suspendi o seu pijaminha de borboletinha e dei de cara com
um hematoma mais ou menos na altura do rim direito, na parte das
costas. Parecia ser antigo, pois já estava amarelado.
– Você caiu? – perguntei a ela.
Mais uma vez, ela respondeu balançando a cabeça de modo
afirmativo, mas sem olhar nos meus olhos.
– Há quanto tempo você está notando a falta de apetite
dela? – inquiri a mãe.
– Há mais ou menos uma semana. Ela passou a ficar
amoadinha e a não querer nem ir à creche. Não está se alimentando
direito nem bebendo água.
– Certo.
Peguei os exames que o médico que assinou a entrada da
criança pediu, para ver se tinha algo de errado. Por incrível que
pareça, não havia nada de errado nos exames. Eu apalpei a sua
barriguinha para ver se sentia dor, mas ela não pareceu se
incomodar. Aproveitei para auscultar os pulmões e examinar a
garganta, mas também estava tudo certo, tudo limpinho.
Decidi deixar a menininha mais vinte e quatro horas
internada em observação e no soro. Caso estivesse tudo bem, o
médico plantonista do dia seguinte daria alta para ela.
Ao me despedir da mãe, mais uma vez a cunhada mimada
da Lauren me veio à mente.
– Garotinha, irritante! – falei assim que saí do quarto.
Uma enfermeira passou franzindo o cenho e me dei conta de
que tinha dito aquilo alto, mais uma vez. Na hora, agradeci
mentalmente por mais ninguém ter escutado, porque poderiam ter
pensado que eu me referia a alguma paciente.
Naquela sexta, terminei meu plantão no horário de sempre,
sem qualquer imprevisto.

No dia seguinte, estava quase saindo de casa para encontrar


os caras no clube de golfe quando a Lauren me ligou. Eu estranhei
um pouco a ligação, porque era bem raro que a minha ex me
ligasse. Ela já havia me dito que eu seria o pediatra das suas filhas,
mas fora isso, não tínhamos mais o que falar e ela quase nunca me
ligava, para não dizer nunca.
– Olá, minha amiga – falei ao atender. – Como você tem
passado?
– Não sei te dizer com certeza, Daniel. Acho que minha
bolsa rompeu.
Ela falou em um tom normal, mas apesar disso, senti um
tremor na sua voz. Fiquei surpreso com a notícia, pois ela estava de
trinta e uma semanas.
– Mas já? Você acha ou tem certeza – eu quis confirmar.
– Na verdade, tenho certeza. O problema é que estou
sozinha em casa. – Ela suspirou. – O Gustavo precisou atender uma
ocorrência em Antonina e não quero preocupá-lo. Já liguei para a
Ana Flávia e o celular dela está desligado. Estou pedindo um Uber
para ir ao hospital, mas gostaria de um médico conhecido lá, já que
não consegui contato com a Ana. Você está de plantão hoje? Será
que poderia ir para lá?
– Não estou, mas não se preocupe quanto a isso, eu estarei
lá. Também não precisa pedir Uber, estou indo aí te buscar.
– Imagina, Dani, eu estou bem. Só um pouco assustada com
essa antecipação. A gente pode se encontrar lá.
– Não, Lauren, eu vou te levar. Me dá seu endereço novo
que chego aí bem rápido. E também não adianta você não querer
preocupar o Gustavo, porque possivelmente terá que ficar internada
para tentar adiar o nascimento delas. E se não der, ele vai querer
estar no parto.
– Ai, Deus, estou ficando nervosa... não pensei em parto,
apenas na hipótese de ficar internada para tentar segurar. Vou ligar
para ele então.
– Isso. Me manda o endereço por mensagem que te
encontro aí já, já.
– Ok. Obrigada viu!
– Não tem por que agradecer, minha amiga. E fica calma que
vai dar tudo certo. Beijo...
– Está bem. Beijo!
Assim que desliguei, troquei a bermuda por uma calça jeans
e fui para a garagem pegar o carro.
Pelo visto, meu golfe tinha ido para o brejo...
CAPÍTULO 4

Camila
Estava bem de boa deitada na minha cama, pensando no
que fazer do meu sábado quando o Gustavo me ligou. Não consegui
nem falar “alô” antes que ele começasse a berrar
desesperadamente do outro lado da linha.
– Camila a bolsa da Lauren rompeu! Você precisa ir lá! Puta
que pariu! Logo hoje...
Dei um pulo da cama, me colocando imediatamente de pé.
– O quê? Que brincadeira é essa? Faltam dois meses!
– Pois é, e eu estou desesperado porque estou em Antonina,
Cami. Preciso que você vá lá em casa buscá-la para levar ao
hospital. Meu Deus...
– Tá bom! Mas você está fazendo o que aí?
– Tivemos uma operação de última hora aqui. Depois te
explico. Mas já estou voltando, é óbvio. Só que até eu chegar aí já
vai ter passado uma hora e meia mais ou menos.
O meu irmão estava ofegante e falava rápido. Senti que
precisava acalmá-lo.
– Calma, Gu, vai dar tudo certo! Eu vou lá, não se preocupe!
– Sim, vai! – falou mais para ele mesmo do que para mim. –
Cadê a mamãe? Liguei para o celular dela primeiro, mas chamou e
ninguém atendeu.
– Ela foi para o salão e esqueceu o aparelho aqui. Antes que
você pergunte, papai saiu com o tio Carlos e a Débora está na
faculdade dando monitoria.
– Ai, meu Deus, queria a mamãe lá com a Lauren –
lamentou.
– Relaxa, irmão. Vou deixar um bilhete aqui para todos e
estou indo até lá. Assim que eles verem, vão correr para lá também.
E qualquer coisa te aviso. Mas fica tranquilo e não venha correndo
pela estrada porque as crianças precisam do pai vivo, ok?
– Ok. – Ele suspirou profundamente. – Qualquer coisa você
me avisa, Cami. Fala para a Lauren que eu a amo e já estou
chegando. Eu já falei, mas não custa nada repetir.
Achei fofo. Meu irmão é muito apaixonado na mulher e eu
amo isso.
– Pode deixar, mano, eu falo. Fica tranquilo, hein! – reforcei.
– Ok. Beijo e te amo também!
– Também te amo!
Assim que desliguei, peguei o primeiro tênis que vi pela
frente e calcei. Eu vestia uma calça jeans velha que só usava para
ficar em casa, com uma blusinha preta de alcinha e não me
preocupei em trocar. Peguei um moletom vermelho dentro do
guarda-roupas e corri para o apartamento do Gustavo para pegar a
Lauren.
Dirigi bem rápido e cheguei à casa deles em torno de vinte
minutos depois daquela ligação. Já estava na portaria, quando vi
uma figura conhecida apertando o botão do elevador.
Ah, mas não é possível...
– O que você está fazendo aqui, cara? – perguntei sem nem
mesmo esperar que ele me visse.
O Daniel se virou para me olhar. Quando seus olhos me
detectaram, ele me analisou de cima a baixo. Seu olhar avaliativo
me deixou cinco vezes mais irritada.
– Boa tarde, Camila, como vai? – perguntou, ignorando o
que eu queria saber.
– Bem. O que você está fazendo aqui? – repeti a pergunta,
fazendo questão de não perguntar como ele estava.
– Vim buscar a Lauren para levá-la ao hospital.
Assim que o médico atrevido me respondeu, o elevador
chegou e ele entrou. Óbvio que fui logo atrás.
Ah, mas não é possível mesmo...
– Meu Deus, você não dá uma trégua, não é?! Sai de cima
da minha cunhada, cara! Parece um urubu atrás de carniça!
Ele bufou e revirou os olhos.
– Mocinha, foi ela quem me ligou pedindo que eu a
encontrasse no hospital. Na ligação, ela comentou que seu irmão
fez uma pequena viagem e me ofereci para buscá-la. Não sei nem
por que estou te explicando isso tudo, mas vê se controla esse seu
comportamento explosivo e infantil porque a Lauren não pode se
estressar.
Fiquei absurdamente irritada com a fala dele. Primeiro pelo
“mocinha”, segundo pelo sermão, terceiro por ele achar que sabia o
que era melhor para a minha cunhada.
– É melhor ser infantil, do que ser inconveniente igual a você!
– retruquei.
Ele me ignorou e saiu do elevador quando chegamos ao
sexto andar. Como se eu não estivesse ali, foi olhando de porta em
porta até chegar ao apartamento certo. Quase que no mesmo
instante em que ele tocou a campainha, a Lauren atendeu afoita.
– Ah, que bom que vocês chegaram! – nos disse ao ver que
estávamos juntos. – Camila, nós vamos de carro com o Daniel.
Dani, eu ainda não consegui falar com a Ana Flávia. O que vai
acontecer? Meu Deus, ela precisa estar lá...
Só nessa hora, me dei conta de que a Lauren deveria estar
preocupadíssima com aquela situação. Ela é sempre tão calma e
tão serena que não passou pela minha cabeça que estivesse com
medo.
– Calma, Lauren. É bem provável que ela esteja de plantão.
Se o celular dela está desligado, muito provavelmente está fazendo
algum parto lá. E mesmo que a gente não consiga contato, temos
muitas médicas tão boas quanto ela na equipe. Se acalme! – falou
ao estender as mãos em frente ao peito, em sinal de calma. –
Respira!
Resolvi guardar minha implicância no bolso, porque ficou
claro que minha cunhada já estava estressada demais.
– Ok – respondeu a ele, ao passo que respirava fundo.
– Suas coisas já estão arrumadas? – perguntei.
– As minhas não, só as das meninas – respondeu ao apontar
para as duas bolsas verdes de maternidade sobre o sofá.
Eu entrei e a puxei para se sentar ao lado das malinhas. O
Daniel veio logo atrás.
– Fica sentadinha aí que vou pegar umas coisas para você.
Dito aquilo, fui para o quarto da Lauren e a deixei na sala
com o médico irritante. Peguei alguns vestidos em seu guarda-
roupa, como também uma camisola e roupas íntimas. Ela já tinha
me mostrado alguns itens que havia comprado para o pós-parto e
eu sabia exatamente onde estava tudo, inclusive, os sutiãs de
amamentação.
Cinco minutos depois, já estava na sala com as coisas dela
dentro de uma valise de tecido. Fingi que não notei o jeito meloso
com que o Daniel acariciava as costas da mão direita da Lauren,
falando para ela respirar devagar.
– Inspira e solta o ar lentamente...
– Vamos embora? – perguntei a eles.
– Sim – ela respondeu se colocando de pé.
– Você não está com dores, não é? – ele perguntou a ela, se
levantando também.
– Não. Só muito ansiosa.
– Isso é normal, mas fica tranquila que vai dar tudo certo.
Mesmo que ele estivesse tentando confortá-la, aquilo me
irritava, já que na minha cabeça, era tudo para reconquistá-la.
– Então vamos embora! – falei passando pela porta.
Os dois vieram logo atrás de mim, com o Daniel segurando
as bolsas das minhas sobrinhas.
Ao chegarmos no carro dele, a Lauren foi sentada no banco
da frente, ao lado do ex, e eu fui atrás. Tentava fingir naturalidade
com a situação, mas toda vez que ele olhava carinhosamente para
ela, meus olhos o acompanhavam e eu ficava irritada.
– Tudo em ordem aí? – perguntou em um determinado
momento.
Como a Lauren demorou para responder, também olhei para
ela aguardando a resposta.
– Eh, tudo.
Mas a resposta não me convenceu e, pelo visto, nem ao
médico enxerido.
– O que foi, Lauren? Contrações? – ele quis saber.
– Não, mas estou com um pouquinho de cólica. Acho que é
normal, não é?
– É sim.
– Você pode ir mais rápido? – perguntei também ficando
ansiosa.
– Estou indo o mais rápido que posso, Camila.
Seu tom seco e irritadiço também me irritou.
– E você pode falar direito comigo?
– Não entendi. O que falei de errado? – perguntou ao me
olhar pelo retrovisor.
Bufei.
– Não vem com essa, cara! Esse tom seu todo ríspido...
– Ah, não, vocês dois não comecem... – a Lauren nos
repreendeu, passando a mão pelos cabelos visivelmente chateada e
com dores.
Eu não queria estressá-la ainda mais, então fiz um carinho
em seu ombro e tentei me redimir.
– Me desculpe, cunha! É só para não perder o costume –
brinquei para aliviar o clima.
O Daniel me olhou pelo retrovisor mais uma vez,
possivelmente duvidando da minha simpatia. E é claro que eu não
estava sendo sincera, apenas queria deixar minha cunhada
tranquila. Ele aproveitou e ligou o som. A música que começou a
tocar foi Believer do Imagine Dragons e, apesar de amar aquela
música, eu não queria ouvi-la, simplesmente pelo fato de ele ter
começado a cantarolar a letra baixinho.
Passei o resto do caminho sem dizer mais nada. A Lauren
também ficou quietinha até chegarmos ao hospital. Ao passarmos
pela portaria, o Daniel pediu que ela se sentasse em uma das
cadeiras da recepção enquanto agilizávamos a sua entrada.
– Fica ali aguardando sentadinha, Lauren. Deixa que eu e a
sua cunhada resolveremos o processo – e me olhou esperando que
eu concordasse.
Eu assenti e a acompanhei até uma das cadeiras. Depois
que ela se sentou, peguei seus documentos e fui com ele para um
dos guichês da recepção. Quando a atendente viu que era ele quem
estava ali, já abriu um sorriso toda cheia de charme.
– Boa tarde, Doutor Daniel! Hoje não é o seu dia, né? –
perguntou ao analisá-lo de cima a baixo. – O que te traz aqui na sua
folga?
Ele vestia uma calça jeans escura, tênis e uma blusa de gola
polo na cor azul. Imaginei que ela tivesse deduzido que era a sua
folga pela ausência de uniforme e jaleco.
– Hoje não, Carina. Hoje estou de acompanhante com uma
amiga. Inclusive, você pode dar a entrada com os documentos dela?
– E apontou para mim, para que eu entregasse à mulher a
documentação da Lauren.
E assim eu fiz. Entreguei a recepcionista os documentos da
minha cunhada, enquanto o Daniel explicava a situação. Quando
terminou, ele perguntou se a Ana Flávia estava lá.
– A Doutora Ana Flávia ginéco? – a tal da Carina quis
confirmar.
– Isso, ela mesma.
– Está sim. Ela estava fazendo uma cesárea há pouco
tempo. Acredito que ainda não tenha ido embora.
– Ah, ótimo. Vou procurá-la enquanto você resolve com a
Camila aí, ok?
– Ok, Doutor.
Sem nenhuma discrição, a mulher sorriu de novo e piscou
um olho para o Daniel. Aquele flerte indiscreto me deixou surpresa,
mas ele fingiu que não percebeu. Agradeceu de modo cordial e
entrou por uma porta dupla que ficava ao lado da recepção.
Quando ficamos sozinhas, a mulher não hesitou em
comentar:
– Ainda pego esse homem! É um gato e um dos poucos
solteiros por aqui.
Mais uma vez fiquei surpresa com o comentário, já que ela
sequer me conhecia. Se fosse o contrário, teria passado pela minha
cabeça que a acompanhante, no caso eu, poderia ter algo com ele.
De todo modo, dei corda para ela.
– Você acha ele bonito? Sabe que não acho.
A atendente ficou horrorizada com o meu comentário.
Parecia que eu tinha cometido uma blasfêmia, já que ela até levou a
mão ao peito.
– Você está brincando comigo, né?
Tive que rir.
– Não.
– Mulher, ele é um gato! – me disse perplexa. – Além de
lindo, é simpático e inteligente. E um excelente médico! Não tem
uma alma viva nesse hospital que não largaria tudo por ele. E digo
isso também pelas casadas. Eu sou solteira, mas várias
comprometidas já me confessaram que largariam o marido se ele
pedisse. Alguns enfermeiros também já disseram o mesmo.
Achei um tremendo de um exagero, mas dei mais algumas
risadas.
– Então ele deve pegar geral, né? Já que tem toda essa
oferta.
– O pior é que não – respondeu com desânimo. – Há boatos
de que ele fica com uma ginecologista, mas só com ela. O que é
uma pena.
Mais uma vez, dei risada com a tristeza com que ela me deu
aquela informação. Seus olhos até pesaram de desânimo.
– Você é o que dele? – me perguntou por fim. Acho que só aí
ela se deu conta de que poderíamos ter algo. – É bem novinha...
Não é namorada dele, né?
Eu ri ainda mais.
– Não sou, mas se fosse, não teria gostado nada, nada
dessa conversa.
Ela também riu.
– Verdade. Eu te vi e já imaginei que fosse uma sobrinha ou
algo assim. Apesar de que ele também poderia ser seu pai. Quantos
anos você tem?
Aquele comentário me assustou, afinal, não achava que
tinha como ele ser pai de alguém da minha idade.
– Tenho vinte e um – falei para recepcionista curiosa.
Naquele momento, me bateu a curiosidade de saber a idade dele. –
E ele, você sabe quantos anos ele tem? – perguntei não sei o
porquê.
– Sei sim, porque outro dia mesmo cantaram parabéns para
ele aqui. Tem trinta e nove.
Fiquei bem surpresa, porque até então, nunca tinha parado
para pensar na nossa diferença de idade. E eu até pensava que ele
pudesse ser mais novo, talvez uns trinta e quatro.
– Entendi.
Pensei em perguntar mais algumas coisas sobre ele, já que
a mulher parecia disposta a dizer tudo, mas aí ela finalizou a
entrada da Lauren e pediu para que fôssemos para a triagem.
Já na salinha de triagem, assim que a médica terminou de
medir a pressão e a temperatura da Lauren, o Daniel retornou com a
Ana Flávia. A médica foi a primeira a falar.
– Eu estava suspeitando que isso aconteceria, minha amiga.
Ela sorria e seu tom era tranquilizador.
– Devo me preocupar, Ana? – a Lauren perguntou
apreensiva.
– Não, mas vai ter que ficar aqui.
Com as feições serenas, a Ana Flávia pediu que a
enfermeira conduzisse a Lauren para o quarto. Eu a acompanhei e o
Daniel também. Bem calmamente, a Ana explicou que a Lauren
precisava ficar deitadinha na cama, em repouso, que a enfermeira
iria fornecer remédios bloqueadores de contrações para tentar evitar
o nascimento antes da hora. Assim como eu, minha cunhada ficou
bem preocupada, mas tanto a Ana, quanto o Daniel, afirmaram ser
comum aquela situação. Usaram o termo bolsa rota, que é a ruptura
espontânea da bolsa amniótica.
Depois de explicar tudo, a médica disse que precisava comer
algo e chamou o Daniel para ir com ela.
– Vamos lá na cantina fazer um lanche?
– Estou sem fome, Ana, obrigado. Vou ficar aqui com a
Lauren.
Ah, mas é claro que vai!
– Ok. – Ela se virou para a minha cunhada com ternura: –
Amiga, vou só fazer um lanchinho rápido e já volto. E a Maíra está
te mandando um beijo – falou ao mostrar o próprio telefone para a
Lauren.
Só ali minha cunhada se deu conta de que havia esquecido o
celular em casa e ficou ainda mais tensa.
– Ah, meu Deus, meu celular! O Gustavo deve ter me ligado
e deve estar preocupadíssimo!
Achei engraçado, porque, pelo visto, ela tinha se esquecido
que meu irmão poderia ligar para o meu celular, o que obviamente
ele já tinha feito.
– Não se preocupe com o meu irmão, Lauren. Ele já me
mandou trezentas mensagens aqui e estou o mantendo informado
de tudo. Daqui a pouco ele chega aqui.
Ela respirou aliviada.
– Ah, que bom! Não queria preocupá-lo, mas estou
precisando dele aqui comigo.
Com aquele comentário amoroso dela, olhei na hora para o
seu ex inconveniente, tentando captar alguma reação de desagrado.
Mas, ou ele era um ótimo ator, ou realmente não se doeu com a fala
da Lauren.
Os minutos foram passando e assim como eu, o Daniel
permaneceu lá. Ficou sentado no sofá de acompanhante, mexendo
no celular, enquanto eu fiquei sentada na cadeira ao lado da cama
da Lauren. Dei uma olhadinha para ela, que estava com os olhos
fechados e respirando tranquilamente, então deduzi que tivesse
cochilado.
Uns quarenta minutos se passaram, até que ela começou a
reclamar de dor.
– Eh... estou tendo contrações, Daniel. O remédio não era
para impedir isso? – perguntou temerosa e começando a ficar
ofegante.
– Sim, minha amiga. Mas nem sempre eles resolvem.
Ele se levantou e foi até ela. Sorrindo, segurou a sua mão e
passou a acariciá-la, conforme havia feito no apartamento.
– Se continuar, muito provavelmente a Ana vai optar por
fazer o parto.
– O quê? Mas agora? Eu não posso ter essas crianças sem
o Gustavo aqui – disse chorosa. – Quero ele comigo!
– E não terá. Até ficar tudo pronto, o Gustavo já estará aqui.
– Ele olhou para mim e perguntou: – Você disse que ele já está a
caminho, não é?
Não me contive:
– Para a sua tristeza, sim!
A Lauren me repreendeu na hora e o médico sonso me
fuzilou com o olhar. Fingindo que não me ouviu, voltou a conversar
com a Lauren e eu voltei a mexer no meu telefone. Só que ela não
conseguiu conversar por muito tempo porque suas contrações foram
aumentando e ele mesmo disse que era para ela ficar quietinha.
Mais uns quarenta minutos se passaram até meu irmão
chegar e me mandar uma mensagem dizendo que estava na
recepção. Quando contei a Lauren, ela ficou visivelmente feliz e
aliviada. Informei a ela que iria buscá-lo lá embaixo.
– Você vai precisar ficar lá, Camila. Não pode ter dois
acompanhantes no quarto – o Daniel me disse.
– Como não, se estamos eu e você aqui?
– Eu estou como médico.
– Ah, sim, deu carteirada né? – provoquei.
– Chame do que quiser – retrucou despreocupado.
– E agora com meu irmão aqui, você vai continuar
urubuzando a mulher dele?
– Camila... – a Lauren me advertiu entredentes, mais uma vez.
Revirei os olhos e saí, sem esperar por uma resposta. Fiquei
bem surpresa quando ouvi passos atrás de mim, porque jurava que
ele iria aproveitar seu momento a sós com a minha cunhada.
– Nossa, garota, como você consegue ser tão insuportável?
– perguntou tentando me alcançar. – Você é muito desagradável!
– É fácil ser desagradável, é só ficar perto de você!
– Se eu não gostasse muito da Lauren, já teria ido embora,
porque ter que lidar com você é difícil demais!
– Que você gosta muito dela, está mais do que claro. Você
pode enganar a todos, mas a mim você não engana.
– Não é nesse sentido que estou falando, sua maluca!
Parei de andar na hora e ele trombou em mim.
– Do que você me chamou? – perguntei ao me virar de frente
para ele, horrorizada pelo insulto.
Primeiro ele estreitou os olhos, mas quando viu que me
atingiu, sorriu ardilosamente.
– De maluca, mas tenho outros adjetivos para você:
inconveniente, chata, imatura, mal-educada, mimada e pé no saco!
Minhas bochechas queimaram de ódio ao ouvir todos
aqueles desaforos e pensei em berrar vários xingamentos em
resposta. Mas ao ver seu sorrisinho presunçoso, decidi que seria
melhor ignorá-lo, mesmo que eu estivesse tremendo de raiva.
Por estar tentando não retribuir à altura, me afastei dele para
sair dali o mais depressa possível. Estávamos no quinto andar, mas
eu estava com tanta raiva que resolvi ir de escada. A Débora tinha
acabado de me mandar mensagem avisando que estava a caminho
com os nossos pais e fiquei bem feliz, pois não precisaria mais ficar
perto daquele cara babaca.
Só que ele não estava a fim de me dar trégua e se pôs atrás
de mim, descendo os degraus me provocando.
– Não vai responder, criança?
Criança?
Apesar da provocação, continuei sem responder. Permaneci
descendo o mais rápido que pude até chegar na recepção. Quando
vi meu irmão lá, que estava com uma cara horrorosa de
preocupação, fui ao seu encontro e o abracei.
– Está tudo certo, mano! – disse a ele, tentando confortá-lo.
Ele me abraçou de volta, com o corpo trêmulo.
– Eu quero vê-la... – falou ao olhar por sobre o meu ombro.
Eu sabia que era com o Daniel que o Gustavo estava falando
e respondi sem olhar para trás:
– Ele vai te levar lá, toma aqui o crachá.
Retirei o crachá da blusa e estendi para ele. O Gustavo
pegou o crachá de acompanhante e o Daniel o cumprimentou logo
em seguida, com um abraço e um aperto de mãos. Disse que
estava tudo certo com a Lauren e as crianças, e que meu irmão não
tinha nada com que se preocupar. Explicou onde era o quarto e
falou que já, já subiria. Não fiquei para ver o final da conversa e saí
para o estacionamento tentando me livrar de todo o estresse que
aquele médico idiota me causou. Precisava tomar um ar porque
estava me sentindo sufocada.
O dia estava ensolarado e avistei uma árvore à esquerda do
estacionamento, quase ao lado de um banco. Segui para lá à
procura de uma sombra, além de um pouco de paz de espírito.
Quando pensei que estava livre do babaca irritante, sua voz
ecoou por trás de mim.
– Vai continuar fingindo que não me ouviu, garota?
Respirei fundo.
– Me deixa em paz, seu babaca! – murmurei entredentes.
Ele riu.
– Maluca, inconveniente, chata, imatura e mimada!
Completamente mimada!
Não me aguentei e berrei:
– E você é um recalcado irritante que não sabe reconhecer
quando não é bem-vindo!
E é claro que minha irmã e meus pais chegaram naquele
exato momento. Eles já tinham estacionado e eu nem os vi. Só
escutei a voz brava da minha mãe me repreendendo pelo surto.
– O que é isso? Foi essa a educação que te dei, Camila? Por
que está gritando com o Doutor? Em público ainda?
Ah, ótimo!
Sabia que nada do que eu dissesse justificaria meu
comportamento para a minha mãe, então respirei fundo e disse que
estava estressada. E é óbvio que meu pai exigiu que eu pedisse
desculpas para o babaca e não tive como não fazer. Respirei fundo,
como se estivesse sendo torturada.
– Me desculpa, Daniel – falei bem a contragosto.
– Doutor Daniel, Camila! – minha mãe me corrigiu brava.
Eu achava o fim do mundo essas pessoas que tratam
médicos como deuses e, pelo visto, meus pais também eram assim.
Só que eu detesto que eles fiquem bravos comigo e estava prestes
a enfiar a palavra “doutor” no meio da minha frase, quando o próprio
Daniel se pronunciou:
– Tudo bem, está desculpada. E eu também te peço
desculpas, Camila.
Ele pareceu um pouco envergonhado e seu pedido me
surpreendeu, porque eu esperava que ele fosse aproveitar o
momento para espezinhar em mim. Ele já estava sério e não
sustentava mais o sorrisinho irônico.
– Eu a provoquei, gente – falou ao se direcionar para a
minha família.
Meu pai pareceu nem o ouvir.
– Me desculpe por ela, Doutor. Nós sabemos que não há
justificativa para um comportamento desses – disse ao chegar mais
perto do médico.
Tive vontade de revirar os olhos, mas sabia que pioraria a
situação se fizesse isso. Meus pais iriam ficar ainda mais bravos
comigo e o babaca do Daniel teria mais um motivo para me chamar
de criança.
Com muita educação e distribuindo sorrisos simpáticos, o
Daniel se despediu dos três com um aperto de mãos e disse que
voltaria para dentro do hospital. Assim que ele se afastou, minha
mãe não perdeu tempo:
– O que foi isso, Camila? Que comportamento horroroso!
Que vergonha!
– Ah, mãe, nada! – falei desanimada. – Me desculpa! Só
estou estressada. Vou buscar um café – falei já saindo, antes que o
sermão continuasse.
Minha irmã veio imediatamente atrás e eu já sabia que dela
não teria como fugir. Entrei novamente na recepção e perguntei a
uma das recepcionistas para que lado ficava a cantina. Ela me
explicou e saí para o corredor à esquerda, com a Débora ao meu
encalço. Minha irmã puxou meu braço assim que percebeu que não
havia ninguém por perto.
– Camila, pelo amor de Deus! – disse ao me obrigar a parar
de andar. – Essa guerra sem sentido com esse homem já deu! Você
acaba deixando quem está por perto constrangido! Mamãe e papai
só faltaram desmaiar de vergonha. Até eu me senti constrangida!
– Ele me provoca, Débora! – me justifiquei. – Não tenho
sangue de barata para não responder!
– E você provoca ele, Camila! Já pensou em tratar o homem
bem? Ele está sempre fazendo um favor para nós e sendo
simpático. Deu o maior suporte no acidente do Gustavo e agora está
fazendo o mesmo.
– Eu prefiro não ter que o tratar de forma alguma. Não gosto
dele e prefiro nem ter contato. E seus favores não são para nós,
Débora, deixa de ser boba! São para a Lauren!
– E a Lauren é o quê, hein? Da nossa família, ué! O que nos
leva ao mesmo lugar.
– É, mas se dependesse desse médico idiota, ela não seria.
Afinal, ele não se conforma em vê-la com o Gustavo.
A Débora ficou um bom tempo me analisando calada, depois
estreitou os olhos, sorrindo de modo debochado. Não entendi nada.
– O que foi? Está me olhando assim por quê?
– De repente, me ocorreu uma coisa aqui... – disse ao
aumentar seu sorriso.
– O quê? – perguntei curiosa.
– Ele é bem seu estilo, né? Ou como você diz... – ela sorriu
ardilosamente – seu número.
– Ah não, Débora, você só pode estar curtindo com a minha
cara... De novo isso?
– De novo por quê? Já falei isso alguma vez? – se fez de
boba.
– Não com essas palavras.
– Bom, agora realmente estou pensando que essa
implicância pode ter outras motivações. Talvez você nem tenha se
dado conta ainda de que ele te atrai.
– Não vou nem me dar ao trabalho de retrucar, Débora. Essa
é a coisa mais absurda que já ouvi você dizer. Eu ainda estou
tremendo de raiva com todos os insultos que aquele babaca me
disse. O filho da puta me chamou de maluca, inconveniente, chata,
imatura e mimada! Ele foi atrás de mim só para me insultar! Eu tinha
saído de perto dele para não discutir e ele foi atrás!
Minha irmã ignorou minhas lamúrias e continuou falando,
como se tivesse feito uma descoberta incrível.
– Você adora homens altos, com barba farta e que
frequentem academia.
– Débora, eu gosto de homem de tudo quanto é jeito – tentei.
– E se tem uma coisa que tenho certeza na minha vida, é que nunca
ficaria com esse cara. Até o sotaque dele me irrita. Acho
extremamente maçante ouvi-lo trocar o som do s pelo x. Credo!
– Sério? Eu gosto. Acho muito gostosinho de ouvir.
– Só você – menti, porque eu até achava bem gostosinho
também. Dava vontade de imitar.
Ela riu e continuou me olhando.
– Mas você precisa concordar comigo que ele é bonito.
– Não acho – menti de novo.
É óbvio que eu achava, mas não queria assumir porque ele
me irritava muito. O homem é alto, moreno, super educado, dono de
um sorriso que promete bastante, então é claro que eu o achei
bonito desde a primeira vez que o vi.
– Ah, sim, claro – falou com desdém.
Respirei fundo.
– Tá bom, Débora, ele é bonito. Mas voltando ao assunto,
como você sabe que ele faz academia?
– Ué, basta olhar aqueles bíceps marcadinhos e as veias nos
antebraços. Ele com certeza puxa bastante peso.
– Tá reparando demais hein, Débora?! Você não ficou nem
dois minutos perto dele hoje... Acho que a história aqui é outra.
– Por quê? Vai me dizer que você não reparou nisso
também?
– Eu não – menti de novo, porque não queria dar o braço a
torcer, mas é óbvio que eu tinha reparado. Os braços dele realmente
chamam atenção. E quando reparei nisso pela primeira vez naquele
dia, já logo fiquei imaginando como era a sua pegada.
– Aham, sei – desdenhou de novo.
– Ai, chata! – me dei por vencida. – Não é que eu tenha
ficado reparando, mas aqueles braços compridos chamam atenção.
Mas ficam totalmente apagados quando ele abre a boca.
– Sabia! – falou vitoriosa, batendo as mãos nas coxas
empolgada. – Te conheço desde que você nasceu, meu amor. Outra
coisa, ele é cheiroso, né?
O cheiro dele realmente era ótimo e dessa vez eu nem tentei
mentir.
– Sim, o perfume dele é muito bom!
A idiota da minha irmã gargalhou.
– O que foi, sua insuportável?
– Eu estou rindo porque nunca nem senti o perfume do
homem, Camila. Mas sabia que, ao contrário de mim, você já
saberia qual é o cheiro dele.
– Ah, vai à merda, Débora!
– E as mãos grandes?
– Vai à merda, Débora! – repeti tentando segurar o riso.
– Você tem um fraco por mãos grandes – continuou com um
sorriso de canto.
Nessa hora, não consegui mais segurar e ri bastante, porque
realmente a minha irmã me conhece muito bem. As do Daniel eu
não havia reparado, mas de fato, tenho tara em mãos grandes.
– Você é ridícula! – falei sorrindo. – Eu realmente tenho uma
queda por mãos grandes – assumi. – Só que é óbvio que isso não
se aplica àquele cara idiota e eu também nem reparei nas mãos
dele. Também duvido que ele faça academia. O Doutor Seboso tem
cara de ser daquelas pessoas chatas que só vivem para o trabalho
e que só sabem falar disso. Meio nerdzão, sabe? Deve ser um porre
conversar com ele.
– Não acho. Ele parece ser bem culto e inteligente, além de
divertido. Ou seja, deve saber conversar sobre qualquer coisa. O
que me lembra muito você, que se sai bem em qualquer assunto.
– Não sei se você está querendo me elogiar ou dizer que
tenho algo em comum com esse homem arrogante.
– Infelizmente, irmã, você também é bem arrogante quando
quer. Ou seja, mais uma característica em comum entre vocês dois,
se é que ele realmente é arrogante. Eu nunca o vi dessa forma.
Revirei os olhos.
– Chega, Débora! Vai lá ficar com os nossos pais, vai. Vou
ficar aqui me acalmando de todo o estresse que esse homem
insuportável me causou, depois vou atrás de um café.
Ela riu despreocupada.
– Está certo, oh, dramática! Leva um para mim também, sua
linda – e me beijou na bochecha.
– Ok, sua chata.
Minha irmã se afastou e assim que ela virou no corredor,
também me virei para o sentido oposto, na intenção de ir para a
cantina, mas quase bati em alguém que estava praticamente colado
em mim. Por muito pouco, não meti o nariz no peito do homem. E
adivinhem só quem era: Daniel.
Ah, que ótimo...
Quando olhei para cima, me surpreendi com um princípio de
sorriso em seus lábios.
Ele cruzou os braços e, nessa hora, sorriu abertamente para
mim:
– Gosta de braços grandes, esquentadinha?
Quê?
Pisquei umas trinta vezes, tentando assimilar aquela
pergunta. Quando a minha ficha caiu de que ele tinha ouvido minha
conversa com a minha irmã, eu quis morrer. E quis matá-lo! Mas
não me abati.
– E você pelo visto, além de tudo, gosta de ouvir a conversa
dos outros atrás da porta, não é?
Ele riu.
– Bom, não estou vendo nenhuma porta aqui. E é bom saber
que meu perfume também te agrada...
Sacudi a cabeça negativamente, demonstrando sem
palavras que não iria discutir mais. Já tinha chegado ao meu limite.
Eu não sabia de onde ele havia saído, mas nem quis entender. Dei
um passo para o lado na expectativa de me afastar, mas o sem
noção fez o mesmo, bloqueando minha saída.
– O que é isso? – perguntei. – Dá para me deixar passar?
Com um novo sorrisinho irônico no rosto, o Daniel pegou
minha mão esquerda e a suspendeu na frente dos meus olhos.
Como não estava esperando aquilo, não reagi e apenas fiquei o
observando, tentando entender o que ele queria com o gesto. Sem
pressa alguma, ele levou sua mão esquerda ao encontro da minha e
as uniu. Sua mão grande pareceu engolir a minha e só aí entendi
que ele estava me mostrando o tamanho dela. Ou seja, ele
realmente tinha ouvido minha conversa toda com a Débora.
Com as nossas mãos espalmadas e unidas, ele sorriu
maliciosamente. Tentei tirar minha mão da dele, mas ele não
permitiu.
– Agora você sabe o tamanho... – murmurou baixinho.
Seu tom de voz me causou um arrepio pela espinha. Além
disso, seu rosto estava bem próximo ao meu e, mais uma vez, pude
sentir o cheiro adocicado do seu hálito. Mas ele não permaneceu
sorrindo por muito tempo e de repente ficou sério, abaixando nossas
mãos.
– Me desculpa, ok? – pediu.
Aquele pedido me surpreendeu, porque bem ou mal, ele já
havia pedido desculpas lá no estacionamento.
– Pelo que exatamente?
– Por ter te chamado de maluca e por ter te provocado.
Queria te irritar um pouquinho e não esperava que seus pais
chegassem naquele momento.
É, por essa eu realmente não esperava...
– Ok, desculpado – respondi um pouco perplexa.
Ele sorriu com a minha resposta e soltou a minha mão, mas
continuou me encarando com os olhos presos aos meus. Comecei a
me sentir um pouco sem graça com aquele olhar intenso e eu
mesma quebrei o contato.
– Bom, selada a paz entre nós, vou tomar um café.
Tentando ser educada e não parecer incomodada, perguntei:
– Você aceita?
– Até queria, mas vou te deixar em paz porque sei que esse
convite foi só por educação.
Dito isso, sorriu de novo me lançando uma piscadela, depois
saiu para o sentido oposto.
Gente, o que foi isso?
CAPÍTULO 5

Daniel
Eu me senti muito mal quando os pais da Camila chamaram
a sua atenção na minha frente. Na verdade, eu achei que ela não
abaixaria a cabeça nem para eles e me surpreendeu o fato de ela
não ser tão mimada e sem noção quanto pensei. Ela os respeitava e
eu não imaginava que fosse assim. Pelo contrário, fiquei com um
pouco de dó ao vê-la toda murchinha sendo obrigada a me pedir
desculpas.
Por isso, tratei logo de me desculpar também e os deixei lá a
sós. Não queria que ela se sentisse constrangida e, se não fosse
por mim que fiz questão de ir atrás da garota para irritá-la, aquela
discussão idiota não teria acontecido.
Estava subindo para o quarto da Lauren para ver como ela
estava, quando mudei de ideia e resolvi voltar para tomar um café.
Dei meia volta e me pus em direção à cantina.
Não esperava encontrar a Camila de novo no corredor e,
principalmente, confessando para a irmã que me achava bonito, que
reparou nos meus braços e que gosta do meu perfume. Ouvir a
conversa das duas me fez ter uma percepção um pouco diferente da
loirinha raivosa. Logo, quis deixar claro que tinha ouvido e fiz
questão de provocá-la mais um pouquinho.
Mas depois disso, voltei ao quarto da Lauren e deixei a
Camila ir sozinha para a cantina. Não queria forçar a barra e obrigá-
la a aturar a minha presença. Estava mais do que claro que ela não
ia com a minha cara.
Já no quarto, não tinha nem terminado de abrir a porta
quando o Gustavo me interpelou:
– Daniel, a Lauren está com muita dor, isso é normal? – me
perguntou preocupado.
Olhei para ela deitada na cama, com os olhos fechados e o
pulso sobre a testa. A sua outra mão estava sendo acariciada pelo
marido.
– Sim, é normal. Ela está tendo contrações, então vai ser
doloroso mesmo.
Suspirando profundamente e parecendo estar mais aflito do
que a própria Lauren, o Gustavo se reclinou e deu um beijo terno
nos lábios da mãe das suas filhas.
Quando me mudei para Curitiba, fazia quase um ano que eu
e a Lauren havíamos terminado. Nos meses finais do nosso
relacionamento, passei a pedir que ela voltasse para Minas para
que pudéssemos nos casar, mas ela se recusava. Insistia que era
eu quem deveria me mudar, já que ela era concursada e eu não.
Mas eu adorava o meu emprego e não cedi. Isso fez com que ela
terminasse o nosso noivado e, apesar de nunca ter pedido para
voltar, esperava que ela fosse voltar atrás na decisão. Mas os
meses foram passando e isso não aconteceu. Quando recebi a
proposta de trabalhar orientando residentes em um hospital em
Curitiba, não pensei duas vezes em aceitar o emprego novo. Assim,
estaria ganhando mais e também estaria próximo à mulher que eu
almejava reconquistar. Só que quando cheguei, minha ex-noiva já
estava em outra. Eu tomei um susto bem grande com aquilo, mas
me mantive na minha. A Lauren é uma mulher maravilhosa e eu
queria mesmo é que fosse feliz.
Ao descobrir que ela estava grávida, me obriguei a esquecê-
la de vez. Confesso que meu sentimento por ela naquele momento
não era mais tão intenso, então não foi difícil seguir em frente.
Mas eu achava que não seria assim tão fácil. Por isso, ao
observar aquele momento tão íntimo dos dois ali, me senti feliz e
aliviado por ter a certeza de que realmente não me doía vê-la dando
seguimento a sua vida ao lado de outra pessoa. O fato de o Gustavo
ser um cara legal e completamente apaixonado por ela, me deixava
ainda mais feliz.
Caminhei até ela para dar uma conferida rápida nos seus
sinais vitais e temperatura. Estava tudo dentro do normal e quis
saber sobre seu nível de dor.
– Lauren, numa escala de zero a cinco, quanta dor você está
sentindo?
– Acho que cinco – respondeu sem me olhar.
Pensei em dizer que pelo modo como o Gustavo falou
quando cheguei, achei que ela diria dez, mas deixei para lá.
O Gustavo, por sua vez, me olhava desesperado.
– Está tudo bem – falei para ele mais uma vez. – É assim
mesmo. Daqui a pouco a Ana vem para dar uma conferida nela
também. Mas não tem nada fora do normal, você não tem com que
se preocupar com nenhuma das três.
– Está certo – me disse.
Após um longo suspiro, ele continuou:
– Quero te agradecer, Daniel, por você ter se disponibilizado
a vir com elas. Além de perder seu sábado, a Lauren já me disse
que a Camila te aborreceu bastante no caminho. Te peço desculpas
pela minha irmã.
Dei risada. Afinal, ele não fazia ideia do quanto a garota me
aborreceu.
– Não precisa me agradecer. A Lauren é uma querida e não
tinha como não a auxiliar sabendo que você estava longe. E sobre
sua irmã – sorri mais uma vez –, acho que nós já nos entendemos.
Ela mesma já me pediu desculpas.
O Gustavo me olhou surpreso, erguendo as sobrancelhas.
Nessa hora, até a Lauren destapou os olhos e me olhou.
– Sério, gente. Nós já discutimos bastante longe de todos e
também já selamos a paz.
Depois de um minuto inteiro de silêncio, os dois
responderam juntos:
– Ok, se você diz.
Contei para o Gustavo que os seus pais já haviam chegado e
estavam lá embaixo na recepção. Ele disse que iria descer para
informá-los que estava tudo sobre controle e que poderiam ir para a
casa. Eu concordei, porque não tinha o que eles fizessem ali e nem
poderiam ficar no quarto com a Lauren.
Fiquei com a minha ex até que seu parceiro voltasse, uns
vinte minutos depois. Quando retornou, o Gustavo comentou que os
pais e as irmãs haviam ido embora. Seu comentário me fez voltar a
pensar na Camila e fiquei com vontade de saber um pouco mais
sobre a garota.
– Você e suas irmãs são muito unidos, né? – perguntei de
modo despretensioso.
– Somos sim. Elas são tudo para mim, junto com essas três
aqui. – falou ao acariciar a barriga da Lauren, que sorriu com o
gesto. – Eu sou o mais velho e me sinto tão responsável por elas,
quanto os meus pais.
– Entendo.
E realmente entendia, porque tinha um sentimento muito
semelhante pelo meu sobrinho, filho do meu irmão mais velho.
– E aposto que elas dão muito trabalho. Quero dizer, a
Débora não parece dar trabalho algum. Já a Camila... – brinquei.
– E você acertou – ele riu. – A Débora só se preocupa em
estudar e se formar. Quase não sai de casa e nunca faz nada
errado. Nem quando era mais nova fazia a gente se preocupar. Já a
Camila... – ele riu de novo –, aprontava por ela e pela Débora. Tanto
na infância, quanto na adolescência. Agora que também está mais
tranquila.
A Lauren destapou os olhos de novo e deu uma olhadinha de
canto para ele. O Gustavo voltou a sorrir.
– Eu disse mais tranquila, amor, não cem por cento tranquila.
Os dois riram e ficou mais do que claro que a loirinha
enfezadinha era terrível. Fiquei bem curioso para saber mais, mas
achei melhor deixar para lá. Eles achariam estranho o meu interesse
e nem eu mesmo compreendia porque estava tão curioso.
Aproveitei que o Gustavo havia voltado e disse a eles que
iria em casa tomar um banho e comer algo. Expliquei que estaria de
prontidão para o caso de os remédios não fazerem efeito e o parto
precisasse acontecer naquele dia. Os dois me agradeceram mais
algumas vezes e fui embora.
Já em casa, tomei um banho bem quente e um café
reforçado. Depois deitei no meu sofá e liguei a TV. O cansaço foi
chegando e não consegui evitar um cochilo. Eu me deitei com os
pés para cima e me recostei melhor no braço do sofá. Quando meus
pensamentos foram ficando confusos, a única imagem que se
distinguia na minha mente era da loirinha respondona.

Acordei com o meu celular tocando. Olhei a hora antes de


atender e vi que já eram 20:00hs. Quando vi o nome da Ana Flávia
no visor do celular, já sabia que o parto estava próximo.
– Alô?
– Dani, não tem jeito, essas meninas querem nascer hoje.
Dei risada.
– Eu já imaginava.
– É, eu também. Você vai conseguir vir compor a minha
equipe?
– Vou sim, em meia hora estou aí.
– Se não der, eu posso chamar outro pediatra.
– Não precisa, faço questão de estar presente.
– Ok.
Assim que desligamos, troquei de roupa rápido e fui para o
hospital. Chegando lá, a Lauren já estava pronta para subir para o
centro cirúrgico, com um maqueiro no aguardo para levá-la. Seu
semblante era de bastante dor, assim como o do Gustavo, que
parecia ainda pior do que o da esposa.
– Não teve jeito, né, minha amiga? – brinquei com ela.
– Não – falou tristonha. – Comecei a dilatar.
– Bom, acho que a Ana já te deu algumas orientações, mas
vou reforçar. Assim que elas nascerem, teremos que subir
imediatamente com elas para a UTI. Vocês dois não conseguirão
vê-las nem as segurar. Sei que vai ser difícil, mas é importante que
seja dessa forma.
Os dois assentiram em silêncio, com os olhos brilhando
pelas lágrimas.
– Mas fiquem tranquilos, essas coisas acontecem. Vou me
preparar e a gente se encontra no centro cirúrgico, ok?
– Ok, Dani. Cuida das minhas meninas, por favor! – pediu
chorosa.
– Pode deixar comigo! – E sorri.
Olhei para o Gustavo e ele também assentiu, visivelmente
preocupado. Estava até pálido.
Saí do quarto para trocar de roupa e realizar as medidas
profiláticas. Só fui vê-los novamente na sala cirúrgica. O Gustavo
estava devidamente paramentado para assistir ao parto e segurava
a mão da Lauren, mais uma vez parecendo mais aflito do que ela.
Já a Lauren, pareceu estar mais tranquila do que quando estava no
quarto.
Além de mim e da Ana Flávia, faziam parte da equipe de
parto uma anestesista, uma enfermeira obstetra e um pediatra
neonatologista. Todos estavam prontos e demos início aos
procedimentos.
O parto da Lauren não durou mais que quarenta minutos.
Quando a Ana retirou as bebês, com a diferença de três minutos
uma da outra, eu e o Ricardo – o outro pediatra – imediatamente
subimos com as duas para a UTI neonatal, para serem entubadas e
preparadas para ficarem na incubadora.
O Gustavo parecia querer arrancá-las de nossas mãos, pois
seus olhos aflitos acompanharam todo o trajeto. Mas ele não soltava
a mão da Lauren, que também nos acompanhava com o olhar. Eu
sabia que os dois deveriam estar com o coração na mão, mas não
havia outro jeito. As meninas estavam com trinta e uma semanas e
precisavam ganhar peso.
Eu e o Ricardo subimos correndo com elas para a UTIN,
para serem preparadas. Os procedimentos eram entubar, passar
sonda e acesso venoso. São situações muito comuns em casos de
neonatos prematuros, mas que deixam os pais extremamente
apavorados. E eu sabia que o estresse dos dois iria piorar, pois o
Gustavo precisaria deixar a Lauren para ajeitar a papelada da
internação das gêmeas e a Lauren precisaria ficar mais um pouco
no centro cirúrgico.
Só fui conseguir retornar ao quarto em que a Lauren estava
duas horas depois e a equipe de enfermagem ainda não havia
descido com ela. O Gustavo andava de um lado para o outro
visivelmente aflito, e nem percebeu a minha chegada.
– Calma, rapaz! Vai furar o chão assim – brinquei.
Ele congelou na hora e me olhou com os olhos parecendo
saltar para fora das órbitas.
– O que foi? Por que essa cara.
Só aí ele respirou fundo e se sentou ao sofá.
– Achei que você iria me dar alguma notícia ruim. Por que a
Lauren ainda não está aqui? Como estão as minhas filhas? Eu acho
que vou ter um ataque cardíaco.
– Fica calmo, cara. – Eu me aproximei e me sentei ao seu
lado. – Está tudo bem com todas três. As gêmeas já receberam os
cuidados necessários e estão sendo monitoradas por uma grande e
excelente equipe. A UTIN daqui e da maioria dos hospitais é
composta por um quadro de multiprofissionais, com pediatras,
enfermeiros especializados, fisioterapeutas, fonoaudiólogos,
psicólogos e outros profissionais que trabalham de forma conjunta
para oferecer o melhor e mais adequado cuidado para cada bebê.
Todos os dias, esses profissionais se reúnem para discutir as
particularidades de cada paciente e definir o que é melhor para cada
um individualmente.
– Certo, mas e a minha mulher, por que ela ainda não
chegou?
– Porque ela tomou anestesia, precisa ficar um tempinho em
observação no centro cirúrgico. – Eu olhei as horas no relógio e
continuei: – eles já devem estar descendo com ela.
Assim que acabei de falar, a porta do quarto se abriu e uma
enfermeira e um maqueiro entraram com a Lauren.
– Graças a Deus! – o Gustavo murmurou ao se colocar de
pé. – Você está bem, meu amor? – perguntou ao ir de encontro a
ela.
– Estou, Gu. – Ela suspirou. – Mas queria tanto ver as
nossas filhas...
A voz da Lauren estava fraca e trêmula. Dava para ver que
estava segurando o choro.
– Daqui a algumas horas você verá, minha amiga. Descansa.
Elas estão bem – garanti.
O Gustavo a beijou nos lábios, depois deu um beijo em sua
testa.
– O Daniel garantiu que elas estão bem, meu amor. Dorme
um pouquinho. Minhas irmãs e meus pais também estão ansiosos
para vê-las – comentou.
– Eles só segunda, Gustavo – informei.
– Confesso que já imaginava algo do tipo, que elas não
pudessem receber visitas. Apesar de ansiosos, meus pais e a
Débora vão entender. Mas a Camila vai ficar inconformada. Está
louca para ver as sobrinhas.
Novamente, a menção à loirinha esquentadinha me fez voltar
a pensar nela. Já tinha percebido o quão ligada a família a Camila
era e o comentário do irmão me fez diminuir mais um pouco da má
impressão inicial.
– Dani – a Lauren me tirou dos meus pensamentos –, você
não fez nem uma fotinho das minhas meninas?
Sorri e me levantei do sofá. Enquanto me aproximava da
cama, retirei meu celular do bolso e o destravei. Os olhos dos dois
brilharam em expectativa.
– Olha como elas são lindas – falei com eles, ao passo que
lhes entregava o meu aparelho.
Mas apesar do meu comentário, eu sabia que os dois não
ficariam muito confortáveis com a imagem. As gêmeas estavam na
incubadora, com tubos e fios ligados aos seus corpinhos
minúsculos.
E como eu previa, assim que os olhos dos dois focaram na
imagem, seus sorrisos diminuíram de tamanho e a apreensão ficou
estampada em seus rostos. Com isso, voltei a explicar que aquilo
era procedimento padrão, que elas estavam bem e que já, já
estariam em casa com eles. A estimativa de internação era de trinta
a quarenta e cinco dias, mas achei melhor não dar aquela
informação ainda.
– Está tudo bem, gente! – reforcei. – Elas estão sendo muito
bem cuidadas por uma equipe de excelentes profissionais e estão
com os sinais vitais excelentes.
Os dois assentiram, mas não disseram nada. Permaneceram
olhando as fotos até que o celular do Gustavo tocou. Ainda
analisando as fotos das filhas no meu telefone, ele retirou o
aparelho do bolso e só olhou no visor quando já estava com ele em
frente ao rosto.
– É a Camila – informou para a Lauren. – Vou rejeitar.
– Não, Gu, atende ela. Eles devem estar todos ansiosos por
notícias – a Lauren falou. – Meus pais também. Inclusive, já devem
até ter ligado para os seus.
Seguindo a sugestão da esposa, o Gustavo atendeu a irmã.
Mas ele não parecia querer parar de ver as fotos das filhas e como
não era uma ligação normal, mas sim uma chamada de vídeo, pude
ouvir tudo. Assim que ele falou “oi”, a loirinha disparou um monte de
perguntas, de um modo bem desesperado. Perguntou como
estavam as sobrinhas e sem esperar o irmão responder, perguntou
como estava a Lauren. Também não esperou resposta para essa
pergunta e disse que estava preocupada, que o Gustavo não dava
notícias, que os pais estavam aflitos e mais um monte de outras
coisas.
– Posso falar, Camila? – ele perguntou para a irmã.
– Pode, né?!
– A Lauren está bem e as meninas também, mas nós ainda
não vimos as duas. Quero dizer, vimos muito rápido, mas o Daniel
nos garantiu que elas estão bem. – E olhou para mim procurando
uma confirmação.
Eu confirmei balançando a cabeça afirmativamente.
– Entendi. E quando eu vou poder vê-las?
– Segunda-feira, segundo o Daniel.
– Não, Gustavo – me intrometi. – Infelizmente suas irmãs
não poderão vê-las. Apenas os avós são permitidos e só às
segundas. Elas só poderão vir visitar quando a Ludmila e a Luíza
ganharem a alta para o quarto.
O Gustavo mais uma vez não teve tempo de dizer nada,
porque a irmã berrou um “eu não acredito nisso!”, em um tom que
eu não soube interpretar se era raiva ou revolta. Pensei em pegar o
telefone para explicá-la, só que ela já estava na minha frente
também.
– Eu quero falar com o Daniel agora, Gustavo! Dá o telefone
para ele!
– Você não vai falar com ninguém, Camila. Não estou
gostando do seu tom e a Lauren tem que descansar, depois a gente
conversa. Tchau. – E desligou na cara da irmã.
Ele guardou o telefone novamente no bolso e olhou para
mim com um olhar de quem se desculpa.
– Não parece, mas ela tem um bom coração – justificou o
comportamento da irmã.
Achei engraçado, porque ficava nítido que ele tinha uma boa
relação com ela.
– Você desligou por quê? Pensou que ela pudesse brigar
comigo? – perguntei.
– Pensei não. – Ele riu. – Tenho certeza de que era isso que
a minha irmã faria.
– Também tenho – a Lauren nos disse sorrindo.
– Liga para ela – pedi sorrindo. – Vamos deixar que ela fale o
que quiser, depois vou levá-la para ver as meninas. Posso levar o
seu telefone?
Bem surpreso, ele respondeu:
– Pode, mas, cara, você não precisa fazer isso. Não tem
obrigação nenhuma de aturar os surtos da Camila. Eu te agradeço,
mas você já fez demais por nós.
– Não é nenhum sacrifício e eu também já estou preparado –
afirmei.
– Liga, Gu. Ela vai brigar com ele, depois vai ser obrigada a
se desculpar por ele ter mostrado as meninas para ela.
– Sim, vou fazer esse favor para ela e quebrar o protocolo,
porque não podemos entrar com celular na UTI. Mas será meu
modo de levantar uma bandeira de paz.
A Lauren aparentava estar se divertindo com a situação.
Assim, o Gustavo também riu e decidiu ligar para a irmã. Ela já
atendeu reclamando.
– Sabe o que eu acho engraçado? Que quando você precisa
de mim, você não desliga na minha cara, né Gustavo...
– Desculpa, meu amorzinho! Eu estou estressado e cansado,
e esse seu temperamento tranquilo não está ajudando. Mas vou
fazer o que você sugeriu e te deixar falar com o Daniel.
Ele não esperou que ela dissesse nada e me entregou o
telefone. Ao pegar o aparelho, dei de cara com aqueles olhos
verdes enormes me observando com uma ruga na testa. A Camila
parecia estar sentada em uma cama e vestia uma regata branca.
– Daniel, achei que já tivéssemos nos entendido. Por que eu
não posso ver as minhas sobrinhas? Você não me suporta mesmo,
não é? Poxa, eu já te pedi desculpas e achei que você tivesse
sendo sincero quando fez o mesmo. Eu...
– Eu posso falar? – a interrompi.
Ela bufou.
– Fala!
Olhei para a Lauren e para o Gustavo e os dois me
observavam segurando o riso.
– Vou subir – informei a eles.
Eles assentiram e passaram a conversar um com o outro.
Assim, saí do quarto e fechei a porta atrás de mim. Ao me recostar
na parede do corredor, me dirigi à loirinha com cara de anjo:
– Por que você acha que a culpa de você não poder ver as
suas sobrinhas é minha?
– Simples, porque você é o médico delas! – respondeu
arrebitando o queixo.
– Na verdade, nesse momento eu sou um dos médicos
delas, não o único. E mesmo que fosse, não sou o dono do hospital.
Não sou eu quem cria as regras daqui. Mas para ser sincero, nem
os gestores têm esse poder. Os hospitais têm regras muito bem
embasadas e não seria nada agradável e seguro para os bebês
internados na UTI, terem um monte de gente circulando por lá o
tempo todo.
Com muita paciência, expliquei para a Camila o porquê de só
os avós poderem visitar e o motivo de nem os pais poderem
permanecer por muito tempo lá. Também informei que a Lauren
conseguiria ficar umas horinhas a mais para fazer canguru, mas que
depois precisaria ir para a casa.
– Fazer canguru? Que diabos é isso?
Dei risada do jeito delicado da pergunta.
– Essa é uma técnica onde o corpo da mãe faz o papel de
incubadora, mantendo o bebê aquecido pelo contato pele com pele.
A Lauren vai colocá-las deitadinhas sobre a barriga, sem nada no
meio. Vou dizer para ela vir com um blusão que vai servir como a
“bolsa” de uma mãe canguru. Isso traz muitos benefícios para os
recém-nascidos de baixo peso e favorece a criação e o
fortalecimento do vínculo afetivo entre as mães e seus bebês.
– Ah, sim! Tem um episódio assim em Grey’s Anatomy, né?
– Não tenho ideia, nunca assisti essa série. Mas deve ter, já
que é uma série médica.
– Por que você nunca assistiu?
– Nunca tive vontade. E, sinceramente, nem tempo. Eu já
trabalho no ambiente hospitalar há bastante tempo e quando vou
assistir algo, prefiro imergir em ambientes diferentes. E também
opto por filmes que são mais curtos e não precisam maratonar,
como dizem.
– Nossa... imergir... opto – me imitou fazendo biquinho. –
Fala tão certinho ele – me zoou.
É claro que aquele comentário debochado me fez rir.
– E você não perde a oportunidade de querer me atingir, não
é?
Ela sorriu.
– Se eu me comportar, como vou manter a minha fama de
mal-educada?
– Está certa – brinquei. – Mas vamos ao que interessa, quer
que eu te leve para ver as suas sobrinhas?
Ela ajeitou a postura e ficou séria, antes de me responder.
– Você faria isso por mim?
– Bom, como você tem se comportado bem, acho que está
merecendo.
Ela voltou a sorrir.
– Engraçadinho! É claro que eu quero! – falou aumentando o
tom de voz, toda eufórica. – Vou chamar meus pais e a minha irmã!
– Espera! – pedi. – Não os chame, porque eu não poderia
estar fazendo isso nem para você. Não se pode entrar com celular
na UTI e gostaria que isso ficasse entre nós, ok?
– Ah, sim, eu não sabia. Então está certo! – E fez sinal de
promessa com os dedos.
– É isso aí, loira.
Acho que a Camila gostou do apelido, pois deu um sorrisinho
contido, mas não comentou a respeito. Resolvi ir de escadas para
poder ir explicando como as bebês estavam, para que ela não se
assustasse muito. Ela ouvia tudo atentamente, conversando comigo
e fazendo perguntas.
Ao chegar no andar da UTIN, pedi que ela ficasse
completamente em silêncio, conforme eu caminhava em direção ao
leito. A Camila fez o que pedi e teve momentos que achei que a
ligação havia caído, de tão silencioso que estava.
Quando cheguei aos leitos das gêmeas, ativei a câmera
traseira para que a titia coruja pudesse ver as sobrinhas. Como
previ, o sorriso da loirinha enfezadinha reduziu bruscamente, assim
como o do Gustavo e a Lauren minutos antes. Achei importante
lembrá-la que as duas estavam bem e que todos aqueles tubos e
fios eram necessários para o bem-estar e ganho de peso delas. Que
não tinha nada fora do esperado para bebês prematuros e que em
breve ela estaria com as sobrinhas nos braços.
A Camila assentiu, mas seus olhos estavam brilhantes e
cheios de lágrimas. Com uma mão ela segurava o telefone, a outra
estava em seu peito, na direção do seu coração. Ela visivelmente
ficou abalada com a cena. Eu conversei um pouquinho com as
gêmeas, as chamando pelos seus respectivos nomes, depois
retornei em direção ao quarto da Lauren. Assim que saí da UTIN,
tornei a falar com a Camila.
– Suas sobrinhas estão bem. Pode acreditar em mim, loira.
– Meu Deus, Daniel... elas são tão pequeninas... – disse
visivelmente segurando o choro.
E aquilo me comoveu um pouco, porque não era comum ver
os familiares que não eram os pais e os avós tão abalados assim.
Geralmente, quem ficava extremamente sentido com aquela
situação eram a mãe e o pai.
– Sim, mas já, já elas estarão enormes e respondonas, igual
a tia.
O efeito foi o desejado e um novo sorriso surgiu nos lábios
da Camila, apesar de uma lágrima também ter rolado pela sua
bochecha naquele momento.
– Madrinha! – me corrigiu sorrindo.
– Ok, ok. Madrinha.
Antes de entrar de novo no quarto da Lauren para entregar o
celular do Gustavo, voltei a me recostar na parede do corredor para
me despedir dela.
O problema é que eu não queria me despedir. No fim das
contas, estava começando a entender seu jeitinho e já começava a
gostar dele. Então fiquei olhando para a tela do celular, admirando
aquele rosto bonito e delicado, conforme ela também me observava.
– Não vai me dizer nada? – perguntou.
– Não. Quero só te olhar.
Depois que falei, fiquei com medo que pudesse deixá-la
desconfortável. Não queria que soasse como um flerte, mas era
exatamente aquilo que eu queria fazer: continuar olhando para ela.
Mas, pelo visto, não havia muitas coisas que a deixavam
desconfortável e ela respondeu despreocupadamente:
– Bom saber que você também me acha bonita, já que faz
questão de ficar em silêncio apenas me admirando.
Dei risada.
– E o que você quer dizer com ”também”? Que sou mais um
dos que te acham bonita ou que você me acha bonito também?
– Você sabe muito bem a resposta e não te darei o gostinho
de ouvir outra vez, no mesmo dia – falou se divertindo. – Mas
falando sério, muito obrigada por você ter me mostrado elas. Eu
fiquei triste e feliz ao mesmo tempo, mas acredito em você e sei que
elas estarão em nossos braços em breve.
– Pode acreditar, loira. E você não tem o que agradecer.
Estamos aí para isso.
Ela sorriu.
– Vou te deixar em paz por hoje. Fala com o meu irmão e a
Lauren que eu amo eles. E mais uma vez, obrigada, viu!
– Por nada.
– Beijo. – E me enviou um beijo.
Eu respondi e fiz o mesmo, enviando um beijo para ela. A
Camila encerrou a ligação e entrei novamente no quarto.
É, ela não é a sem noção que pensei...
CAPÍTULO 6

Daniel
Na semana seguinte, pude curtir tranquilamente um joguinho
de golfe. Precisava muito de um descanso, porque trabalhei
praticamente direto a semana toda. Então acabei trocando o plantão
de sábado com um amigo.
Com o dia livre, aproveitei a manhã para ir à academia,
depois fiz uma corrida de uma horinha no Parque Birigui. Por fim, fui
embora me sentindo revigorado.
Ao chegar em casa, preparei um almoço rápido, sem muitas
invenções, porque havia combinado de encontrar dois amigos – o
Itamar e o Otávio – às 13h para jogarmos golfe.
Eu os conheci logo que me mudei, lá mesmo no clube. O
Itamar é arquiteto e o Otávio é empresário do ramo hoteleiro.
Sempre que eu estava de folga, combinávamos de ir para o clube e,
frequentemente, eu conseguia levar o Alex e outros amigos médicos
comigo. Naquele sábado, meu amigo havia viajado com a noiva,
então seríamos só nós três.
O clube que frequentávamos era famoso pelo sofisticado
campo de golfe, mas fornecia inúmeras outras atividades esportivas.
Além de área de banho, com quatro piscinas belíssimas e saunas,
também possuía quadra de futsal, de vôlei, de tênis, de beach tennis
e salão de jogos com sinuca, totó e afins.
Terminei de almoçar, tomei um banho rápido e fui ao
encontro dos meus amigos. Já no local marcado, encontrei com os
dois numa cantina que ficava logo depois da entrada.
– Fala, meu amigo! – o Itamar foi o primeiro a me
cumprimentar. – Não pensei que você conseguiria folga hoje – disse
ao se levantar para me abraçar.
– Também não achei que fosse conseguir – confessei ao
abraçá-lo de volta.
Após cumprimentá-lo, me dirigi ao Otávio:
– Também não imaginei que você viesse. Me lembro muito
bem da patroa ter ficado bem brava da última vez que você esteve
conosco – brinquei, me referindo ao dia em que sua esposa achou
ruim pelo horário em que o marido chegou em casa.
Do clube, nós havíamos estendido para um bar no centro e
acabamos esquecendo da hora. No dia seguinte, quando acordou,
sua esposa estava ameaçando se separar, pois não acreditou que o
Otávio não estava fazendo nada de errado.
– Tive que jurar por tudo que era mais sagrado que daqui iria
embora direto para casa, antes mesmo de anoitecer – nos contou
rindo.
Nós também rimos e eu me sentei com eles. Enquanto
colocávamos o papo em dia, tomávamos uma cerveja. O dia estava
bonito e bem ensolarado, por isso, enrolamos um pouco para irmos
jogar. Queríamos que o sol estivesse menos intenso no momento do
jogo. Estávamos os três preparados, com bonés, tênis e bermuda.
Mas ainda assim fizemos uma horinha para que desse uma
refrescada.
Passados uns quarenta minutos, nos encaminhamos para o
campo de golfe que ficava nos fundos do clube, numa área mais
elevada. Para chegar lá, era necessário passar pela parte das
piscinas, bem como pelas quadras dos outros esportes, o que dava
uma boa caminhada de uns quinze minutos. Por isso, muitas
pessoas preferiam ir com o carrinho de golfe que o clube fornecia.
Só que nós gostávamos de ir andando e assim fizemos.
Ao passarmos pela quadra de tênis, o Itamar comentou
sorrindo:
– Acho que deveríamos ficar no tênis, hein...
Eu já sabia que seu comentário só poderia ser por causa de
mulher e respondi sem nem mesmo olhar.
– Você é um safado, cara! – brinquei.
– Meu ponto fraco são as mulheres, meu amigo... as
novinhas então... puta que pariu! Eu fico completamente sem forças.
Não resisto!
– Pena que elas não compartilham da mesma opinião, né? –
o Otávio zoou. – Tenho certeza que a grande maioria delas não
curte quarentões, para não falar tiozões como vocês.
– Você tem a nossa idade – o Itamar retrucou inconformado.
– Mas eu não disse que não tenho. Só que além de ser
casado com uma mulher da mesma idade que eu, não olharia para
as novinhas de jeito nenhum. Sei o meu lugar – provocou. –
Procuraria mulheres na minha faixa etária.
Dei risada, porque ficou claro que ele queria provocar nosso
amigo. Mas o Itamar não deu muito ideia para a opinião do outro e
permaneceu insistindo que fazia muito sucesso com a mulherada na
casa dos vinte aos vinte e cinco aninhos. Nós o zoamos bastante e
ele resolveu provar que falava sério.
– Vocês estão duvidando, né? Quer saber, vou lá falar com
elas. Querem apostar quanto que consigo um número de telefone?
– Eu aposto duzentos reais – provoquei, entrando na onda.
– Eu aposto trezentos – o Otávio disse.
– Bom, duzentos, mais trezentos, são quinhentos. Então
estou indo lá agora! – nos respondeu convicto. – Para qual das duas
devo jogar meu charme? Para a loira? Ou a moreninha?
Eu e o Otávio olhamos ao mesmo tempo para a quadra de
tênis. Lá havia duas meninas jogando, uma de cabelo loiro, outra de
cabelo escuro. A morena tinha o cabelo cacheado e o da loira era
mais liso, com ondas suaves nas pontas. De onde estávamos, só
conseguíamos ver de frente a cacheada, que por sinal, era bem
bonita. A garota não aparentava ter mais que vinte e dois anos,
tinha um corpo bem curvilíneo e sorria bastante para a amiga. Já a
que estava de costas, era mais magra e mais baixa. Por estar toda
vestida de rosa, deduzi que fosse ainda mais nova que a morena e
decidi aproveitar.
– A loira. Duvido que você consiga o telefone da loirinha –
desafiei.
Ele riu despreocupadamente e foi sorridente em direção à
grade que separava a quadra do corredor em que estávamos. Eu e
o Otávio ficamos apenas observando e quando ele estava quase lá,
se virou para nós e falou sem emitir som:
– Aprendam com o titio aqui!
Nós dois rimos. Depois disso, tornou a se virar para elas e as
chamou. Não consegui ouvir o que ele disse assim que se recostou
na grade, mas quando a loira se virou para olhá-lo, tive que apertar
meus olhos para ter certeza de que estava vendo com clareza,
porque parecia a Camila.
– Não é possível! – falei sem acreditar.
– O que foi? – o Otávio quis saber.
– Eu conheço ela.
Sem falar mais nada, me pus na mesma direção em que o
Itamar. Pensei seriamente em deixá-lo tentar a sorte com a loirinha
esquentadinha. Tinha certeza que ele tomaria um lindo fora, mas
algo dentro de mim não queria pagar para ver.
Ele estava falando alguma coisa com ela quando me
aproximei.
– Boa tarde, Camila!
A garota estava com uma expressão impassível, olhando
atentamente para o meu amigo. Quando ouviu a minha voz, não
conseguiu disfarçar o susto que tomou e se virou de súbito em
minha direção, arregalando os olhos. Com um movimento nada
discreto, ela me olhou da cabeça aos pés, tornando a repetir o
movimento mais umas duas vezes antes de me responder.
– Olá – me disse por fim, parecendo não acreditar no que
estava vendo.
Enquanto ela me analisava, fiz o mesmo com ela. Eu vestia
uma bermuda de brim cinza escura, uma camisa polo mais clara da
Nike e um boné bege. Já a Camila, como eu disse, trajava um
vestidinho rosa bem curto, com uma viseira da mesma cor.
Mesmo sem querer, meus olhos desceram para as suas
pernas, que por sinal, prenderam bastante a minha atenção. Apesar
de magrinha, a Camila tem as coxas mais grossas e torneadas, que
se destacam no seu corpo esguio.
Enquanto trocávamos olhares, o Itamar tossiu ao nosso lado.
– Vocês se conhecem? – me perguntou confuso.
– Sim – respondi para ele. – Como você está, Camila?
Ainda aparentando surpresa, ela respondeu sorridente.
– Bem, Daniel. E você?
– Também estou bem.
Passamos mais alguns segundos em silêncio, apenas
analisando um ao outro. Eu alternava o olhar entre as belas coxas e
seu rostinho lindo e seus lábios sorridentes. E ela me analisava
atenta, com a raquete e a bola de tênis nas mãos.
Nessa hora, a morena se aproximou um pouco mais e o
Itamar aproveitou para investir. Passou a falar algo com a garota,
que não prestei muita atenção, por estar olhando para a Camila. Só
consegui ouvir o nome dela – Nadja – antes de voltar minha atenção
toda para a loirinha que me tirava do sério.
– Não sabia que você era sócia desse clube – comentei. –
Nunca te vi por aqui.
– Ah, mas é um lugar muito grande, né? – respondeu me
avaliando com seus olhos verdes enormes. – Não é fácil mesmo
esbarrar com conhecidos por aqui. Agora, eu não podia imaginar
que um dia veria você com roupas de reles mortais. De boné,
ainda? Nunca imaginaria um negócio desse – finalizou segurando o
riso.
– Mas eu sou um reles mortal.
– Mas quando está de roupa social, ou de jaleco, não
parece. Fica todo pomposo, se achando o fodão.
– Está querendo brigar, é? – perguntei fingindo revolta.
– É para não perder o costume – e piscou para mim.
Dei risada e mudei de assunto.
– E você, não tentou derrubar o hospital no chão essa
semana para ver suas sobrinhas?
– Não foi preciso. Passei a conversa na coordenadora e
consegui subir na segunda junto com os meus pais e na quinta, mas
não eram os seus dias de plantão né?
– É, eu geralmente não trabalho lá esses dias. Mas como
você sabe? Perguntou por mim?
Parecia uma provocação, mas eu realmente fiquei curioso.
– Não precisei perguntar. Acho que a recepcionista é a sua
fã número 1 e assim que me viu, foi logo dizendo que era uma pena
você não ter ido comigo. Que gostaria de te ver todos os dias, até
nas suas folgas.
Novamente tive que rir, porque uma das recepcionistas do
Ana Nery era indiscretamente doida comigo. Mas não estiquei
aquele assunto e, ao olhar para trás, para o Otávio, me lembrei de
que precisávamos ir jogar.
– Bom, preciso ir – falei com ela. – A gente se vê!
– A gente se vê, Doutor! – respondeu sorrindo.
Ela nunca havia me chamado de doutor, pelo contrário,
parecia fazer questão de me chamar pelo nome e confesso que
gostei de como aquele “Doutor” soou em sua boca.
Depois disso, forcei o Itamar a se retirar, o abraçando
gentilmente e empurrando-o na direção do Otávio. O Itamar é um
cara boa pinta. A gente brinca que ele se parece com o Marcos
Pasquin, mas, apesar de bonito, não pensei que tivesse sucesso no
flerte. Só que a amiga da Camila pareceu curtir bastante o meu
amigo e chegou até a chamá-lo para jogar com elas. Foi a Camila
quem cortou o barato dele.
– Eles já têm planos, Nadja. Precisam ir.
Muito relutante, o Itamar se despediu e me acompanhou até
o Otávio. Assim, seguimos para o campo de golfe.
Quando estávamos longe o suficiente das duas, ele não
perdeu tempo em querer saber quem era a Camila. Expliquei que a
garota era cunhada da minha ex, mas acho que ele nem prestou
atenção. Reclamou bastante por eu ter chegado para atrapalhar seu
flerte e por não ter aceitado o convite de jogar com elas.
– Você não percebeu que a Camila não queria a nossa
presença lá?
– Dane-se! A amiga queria.
– Não viemos aqui para jogar tênis com adolescentes
desconhecidas – o Otávio acrescentou.
Assim como eu, o Itamar olhou para o nosso amigo
inconformado. Ele respondeu “elas são mulheres jovens” ao mesmo
tempo em que eu disse “elas não são adolescentes”. O Otávio deu
de ombros e mudou de assunto, sem se preocupar em nos refutar.
Passamos as quatro horas seguintes jogando golfe. Entre
uma tacada e outra, íamos conversando e tomando cerveja. Em
certo momento, enquanto alongava os músculos e observava o
desempenho do Otávio, olhei para trás. Bem longe de nós,
enxerguei um ponto rosa próximo à uma árvore, destacando-se no
meio de todo aquele verde. Pela distância, não conseguia ver o
rosto da pessoa, mas a roupa não deixava dúvidas. Assim, levantei
meu braço direito e acenei para ela. A Camila acenou de volta e
fiquei me perguntando o que ela estava fazendo ali. Aquela era uma
área só de golfe e a garota não parecia estar jogando. Voltei minha
atenção para os caras e quando olhei de novo para o lugar em que
ela estava, não havia mais ninguém lá.
Já eram umas 18h30 quando descemos do campo para a
parte mais movimentada do clube. Como sempre, paramos em um
dos bares para tomarmos uma saideira. Enquanto conversávamos,
assistíamos a um jogo de futebol na televisão do bar e o assunto
passou a ser esse. Eu curto bastante o esporte e, por ser
flamenguista como todo bom carioca, não aceitava quando alguém
falava mal do meu time, que neste caso, era meu amigo Otávio. Seu
esporte predileto era falar mal do Flamengo e estávamos numa
discussão acalorada quando o Itamar nos interrompeu.
– A loirinha gatinha está ali olhando pra cá – nos disse. –
Aposto que é para mim.
Na mesma hora, me virei para a direção em que ele
apontava com a cabeça. Dei de cara com a Camila e seus olhões
marcantes nos observando com um sorrisinho de canto. Naquele
momento, eles estavam mais azuis do que verdes, reluzindo no
ambiente. Ela estava sozinha, com a mesma roupa de mais cedo,
sentada a umas três mesas atrás de nós. Ao reparar melhor, vi que
ela estava sem um dos tênis, com a perna esquerda esticada sobre
uma cadeira.
– Eu vou lá – o Itamar falou, já se levantando.
– Nem pense nisso! – falei ao me levantar também. – Senta
aí.
Os dois riram e começaram a pegar no meu pé, dizendo que
eu estava a fim dela. Não perdi meu tempo em responder e fui até
lá.
A Camila abriu um largo sorriso quando me viu caminhando
em sua direção e antes que eu dissesse qualquer coisa, empurrou a
cadeira para que eu me sentasse.
– Torcedor fervoroso você, hein.
Dei risada.
– O que houve? – perguntei olhando para o seu pé e me
sentando de frente para ela.
Seu tornozelo estava bem vermelho e inchado, e só então
reparei em um saquinho com gelo que estava sobre a mesa.
– Ah, torci meu pé... que ódio! – lamentou revoltada.
– Jogando tênis?
– Sim. Torci ontem e hoje torci de novo. O mesmo pé! –
bufou. – Agora não estou conseguindo nem pisar no chão.
– Nossa, mas se você torceu ontem, deveria estar de
repouso hoje e não fazendo esforço!
– Ihhhh... Vai me dar sermão agora, é? – reclamou na
defensiva.
Acho que se aquela resposta tivesse sido há uma semana,
eu ficaria irritado. Só que eu já estava começando a gostar da sua
língua afiada. Fiquei sensibilizado em ver seus pais chamando a sua
atenção por uma discussão idiota que eu provoquei. Mas também
gostei de ouvi-la confessando para a irmã que me achava bonito.
– Calminha aí, loira. Não quero brigar – falei suspendendo as
mãos em sinal de paz.
Ela riu.
– Desculpa, Doutor. É a força do hábito.
– Você é uma figura, Camila! Cadê a sua amiga?
– Foi embora.
– E como você vai para casa? Quer que eu te leve?
Ela estava colocando a compressa na torção quando fiz a
pergunta, o que fez com que ela me olhasse franzindo o cenho e
parando o movimento no meio.
– Você me levaria?
– Mas é claro!
Ela sorriu mais uma vez, visivelmente satisfeita e meus olhos
desceram para os lábios rosados.
– Bom, não precisa, mas obrigada! Eu estou esperando meu
pai. Ele está lá no salão de jogos e disse que já, já está aqui.
– Entendi.
Por um momento, eu não soube o que falar e apenas fiquei a
admirando.
Você é muito linda, garota...
– O que você está pensando? – me perguntou, confusa. –
Por que está me olhando com essa cara? Já está virando um hábito
seu ficar me olhando sem falar nada...
Pensei em falar a verdade, que estava apreciando seu rosto
delicado, mas achei melhor deixar para lá. O incômodo que me
atingia toda vez que eu precisava lidar com ela se extinguiu
completamente e, de repente, só conseguia ver uma linda mulher
jovem e que fala tudo que pensa. Não mais uma garota mimada e
inconveniente.
– Com que cara? – quis saber.
– Cara de quem quer falar algo.
– E quero mesmo. Você precisa ir ao médico – desconversei,
tornando a olhar seu tornozelo.
– Não preciso, tenho um médico sentado à minha frente –
brincou.
– Mas esse médico aqui não é ortopedista – respondi
sorrindo.
– Mil anos estudando, tem mestrado e doutorado, e não sabe
examinar um pé.
Mais uma vez, ela me tirou uma boa risada.
– Então vamos lá, me dá aqui para que eu possa ver – e fiz
sinal para ela apoiar o pé no meu joelho.
Sorrindo, a Camila nem pestanejou. Esticou o pé para mim,
segurando por debaixo da coxa. Ali pude comprovar que a torção foi
forte. Olhando de perto, seu tornozelo estava ainda mais inchado do
que pareceu quando me sentei com ela.
– Mexe o pé – pedi.
Ela mexeu, mas logo fez uma careta de dor. Tentando ser
delicado, apertei um pouco a região e ela logo reclamou.
– Ai! Que estúpido! Falei que está doendo!
– Oh, boquinha nervosa, hein! Eu estou te examinando!
– Você está é me torturando, isso sim!
Primeiro fiquei bravo com o surto, depois achei graça. Ao me
ver rindo, ela desfez a cara feia e também riu.
– Desculpa, não gosto de sentir dor – confessou.
– Bom, pelo menos não quebrou. Vai ter que ficar de
repouso, fazendo compressa em casa também. Se estiver com
muita dor, você toma um analgésico, agora um anti-inflamatório já
recomendo desde já.
Ela suspirou.
– Ok.
– E a compressa é de água gelada, hein.
– Eu sei.
Após me responder, ela deu uma nova suspirada dramática e
ficou olhando com cara de pesar para o próprio pé.
– Está chateada porque vai ter que ficar de molho?
– Sim. Queria sair hoje à noite.
– Para onde você tinha a intenção de ir?
– Não sei, só não pretendia ficar em casa.
Ainda com um semblante triste, ela se recostou na cadeira.
Fiquei com um pouco de dó da expressão tristonha e passei a
acariciar seu pé com as minhas duas mãos. Não demorou nem um
segundo para que ela me olhasse franzindo o cenho, parecendo
confusa com meu gesto. Seus olhos desceram para as minhas
mãos e de repente, a Camila pareceu hipnotizada. A sua conversa
com a irmã na semana anterior me veio à mente e decidi fazer um
teste para saber o que se passava naquela cabecinha. Ou melhor,
para ter certeza de que ela estava analisando as minhas mãos.
Assim, envolvi seu pé com as minhas duas mãos bem abertas, o
cobrindo quase que por inteiro. Instantaneamente seus olhos
subiram para os meus e um sorriso astuto se espalhou por seus
lábios.
– Tá querendo me dizer alguma coisa, Doutor?
– Não sei, quero? – provoquei.
Mais uma vez, a Camila desceu com os olhos para as
minhas mãos, mas desta vez, ela mordeu o lábio inferior e aquilo me
deixou um pouco atordoado. Um calor inesperado percorreu a
minha espinha e senti meu sangue se concentrando numa região
não muito adequada para o lugar.
Qual é Daniel, o que é isso...
Não sei dizer o que eu queria com aquilo, mas passei a
deslizar minhas mãos lentamente pelo pezinho pequeno, tentando
provocá-la, mesmo que o mais afetado com aquilo estivesse sendo
eu.
– Que gostoso... – me disse com uma vozinha sexy.
Depois do seu comentário, não teve jeito. Meu pau ganhou
vida quase que instantaneamente e precisei me distrair.
– O que você foi fazer lá no campo de golfe? – desconversei,
mas sem deixar de acariciá-la.
– Ver você jogar – respondeu com os olhos presos aos
meus.
A sinceridade me surpreendeu.
– E eu jogo bem?
– Sei lá, não entendo nada de golfe – disse sorridente,
levando as duas mãos para trás da cabeça. – Só fui te ver.
Fiquei bem surpreso com aquela informação.
– Por quê?
– Queria ver você se comportando como um reles mortal,
apesar desse esporte ser coisa de playboy e de velho.
Dei risada.
– Vou fingir que não entendi a provocação.
– Só estou sendo sincera, Doutor...
O modo provocativo como ela falou a palavra “Doutor”, fez
com que mais uma vez meus olhos focassem nos seus lábios
volumosos e senti a excitação aumentando.
Por sorte, o pai da Camila chegou, interrompendo aquele
clima estranho entre nós. Quando nos viu juntos, o Tomás se
assustou e ficou visivelmente preocupado.
– Boa noite, Doutor Daniel – me cumprimentou estendo a
mão para mim, olhando em seguida para a filha.
Eu coloquei delicadamente o pé da Camila sobre a cadeira e
me levantei, rezando para ninguém reparar no volume na minha
calça.
– Boa noite, Tomás. Como vai?
– Bem – respondeu ao olhar para mim, depois tornar a olhar
para a filha. – Ela não estava perturbando você, não é? – perguntou
por fim.
A Camila revirou os olhos para o comentário do pai e acabei
rindo.
– Não, não. Hoje ela está boazinha – eu disse a ele.
A loirinha marrenta estreitou os olhos na minha direção, mas
sorriu.
– Cada um tem de mim a Camila que merece! – falou
empinando o queixo.
Foi a minha vez de rir.
– Bom, vou deixar vocês dois irem embora – falei com eles. –
Quer ajuda para ir até o carro? – perguntei a ela.
– Obrigada, Doutor. Meu pai me ajuda – respondeu fingindo
despretensão. Mas ali eu tive certeza de que ela sabia exatamente o
quanto me atordoava ouvi-la me chamando assim.
O Tomás ainda parecia um pouco cético em relação àquela
recente paz entre nós, olhando ora para mim, ora para ela, mas não
disse mais nada sobre isso. Se despediu de mim agradecendo mais
uma vez pela minha assistência com as suas netas e pela Camila.
Por me ver com a mão no pé dela, ele entendeu que eu estava a
examinando.
Eu assenti e me despedi dos dois.
Quando voltei para a minha mesa, o Otávio foi o primeiro a
comentar:
– Pelo visto não é só o Itamar que gosta de novinhas, não é?
– Bom, parafraseando ele – e olhei para o nosso amigo, que
sorria com deboche –, eu gosto de mulher de tudo quanto é jeito.
– Percebi – me respondeu em tom de gozação.
Por sorte, já estava na hora de irmos embora e a zoação dos
dois não durou muito tempo.
Naquela noite, quando cheguei em casa, estava pensando
na Camila.
CAPÍTULO 7

Camila
No dia 1 de julho, eu começava no trabalho. Acordei naquela
segunda animadíssima, bem ansiosa para a minha nova rotina e por
conhecer pessoas novas. Cheguei ao trabalho com meia hora de
antecedência, com mil e uma expectativas.
Assim como no dia da minha entrevista, o pessoal que
trabalhava no faturamento foi super simpático e solícito comigo. A
Vânia estava tão animada quanto eu. Disse que a Carol havia falado
muito bem de mim e, nessa hora, fiquei com um pouco de medo de
não atingir às expectativas das duas. Era meu primeiro emprego e
eu fazia questão de ser muito bem-sucedida nas minhas funções.
Logo que me acomodei, minha chefe pediu para que a
Ariane e a Nara me mostrassem onde ficava tudo, inclusive outras
áreas do hospital, como cantina, refeitório e banheiros.
A Ariane me disse que eu poderia chamá-la de Nane e
passou a me mostrar onde colocávamos prontuários e notas fiscais,
me passou a senha de computadores e várias outras informações
referentes à função que eu exerceria. Disse que o almoxarifado do
setor administrativo ficava no final do corredor e os itens como papel
de impressora, caixas de grampo para grampeador e afins eram
estocados lá. Ao terminar, foi a vez da Nara me levar para conhecer
o hospital.
O HUMD é enorme e conheci áreas que eu nem sonhava
que existiam. O prédio em que ficava o faturamento era o principal.
O pronto atendimento ficava lá no primeiro andar, assim como a
recepção, a triagem e quatro consultórios. O faturamento, o RH e
outras partes administrativas ficavam no segundo andar. No terceiro
ficavam os vestiários, uma cozinha enorme, que alguns chamavam
de copa, e a salinha de descompressão. No quarto andar era a
maternidade e o quinto todo da pediatria. No sexto havia as salinhas
de descanso para médicos e enfermeiros, assim como salas de raio-
X e tomografias. O sétimo e último andar daquele bloco estava em
reforma e a Nara me disse que a administração do hospital ainda
estava discutindo o que seria ali.
Na parte de trás do prédio em que eu trabalharia, havia dois
outros blocos separados por uma linda área gramada. Nela, além de
flores de diversas espécies, também tinham pequenos arbustos e
bancos de praça. Também havia três árvores bem altas com troncos
largos, assim como no estacionamento, na parte da frente do prédio
principal. No bloco da esquerda, havia unidade de hemodiálise,
hemodinâmica, ambulatórios para pequenos procedimentos, centro
cirúrgico e centro de terapia intensiva (CTI). Já o bloco da direita era
quase todo da oncologia e o HUMD era referência no tratamento do
câncer. Em todos os três prédios havia Unidades de Terapia
Intensiva (UTI). Fiquei bem surpresa com o tamanho do hospital e,
depois de conhecer tudo, voltei para o faturamento.
Já na primeira semana, fiz amizade com pessoas de
diversos setores, inclusive alguns técnicos de enfermagem, por
intermédio da Carol. Um deles, o Davi, foi o que mais fez questão de
me enturmar e também não perdeu tempo em dar em cima de mim.
Ele é bem bonito e muito engraçado. Nem baixo, nem alto, tem a
pele clara, cabelos escuros arrepiados com gel, é fortinho e cheio de
tatuagens. É muito galanteador e, apesar de ser só dois anos mais
velho do que eu, trabalhava como técnico de enfermagem já há
algum tempo. E, por conta disso, já tinha caído nas graças de
muitas enfermeiras e médicas do hospital, bem como outras
mulheres dos setores administrativos. Eu fiquei sabendo disso
porque ele mesmo fez questão de me contar.
– Pode provar que você não vai se arrepender, Camila – me
disse com uma carinha safada. – Elas podem confirmar que quem
prova, não esquece mais.
Eu achei engraçado e dei muitas risadas. Enquanto jogava
seu charme para o meu lado, disse que as mulheres geralmente
faziam questão de chamar a atenção dele e que eu deveria
aproveitar que a sua atenção estava toda em mim.
Eu geralmente não curto caras que se acham, mas o Davi
era tão engraçado, que aquele flerte pretensioso até que saiu fofo.
Nossa primeira conversa foi durante um dos meus cafés no
refeitório e, mesmo sem me conhecer, ele já foi sentando ao meu
lado e se apresentando. A Nane e a Nara estavam comigo e quando
retornamos ao faturamento elas me confirmaram que ele era o
maior pegador do hospital.
Mas elas também não deixaram de dizer que a maioria dos
médicos eram bem safados e que até alguns dos casados
costumavam dar em cima das novatas, que era para eu ficar
esperta. Que, ao contrário do Davi, eles vinham com aquele
discurso pronto de “você é especial” e que as mais ingênuas
ficavam apaixonadas e abandonadas. Eu disse que não caía nesse
tipo de conversa, o que era verdade. Pelo contrário, sou tão
desconfiada, que tudo acho que é mentira. Acho que por isso gostei
do Davi, porque ele era safado e pegador e não fazia questão
alguma de esconder.
Os dias foram passando e para a minha alegria, eu estava
amando meu trabalho. Não tive qualquer contratempo ou chateação
e ia trabalhar muito animada. Eu esperava que fosse assim sempre.

Na segunda-feira 16 de julho, estávamos todos lá de casa


muito empolgados, pois seria o dia em que a Lud e a Luíza teriam
alta. Meus pais foram cedo para a casa do meu irmão, ajeitar as
coisas por lá. Minha mãe disse que faria bastante comida para que
o Gustavo e a Lauren não precisassem se preocupar com nada. Já
meu pai, disse que faria uma faxina no apartamento para que as
netas chegassem numa casa bem limpinha.
Eu e a Débora rimos da empolgação deles, mas a verdade é
que também estávamos muito empolgadas e emocionadas com a
chegada das gêmeas. Como a minha irmã tinha coisa importante na
faculdade, combinou de ir me buscar no trabalho e me levar para o
hospital, para que eu pudesse ajudar com as coisas deles e não
precisasse perder tempo no transporte coletivo. Quando
chegássemos ao apartamento do meu irmão, meus pais estariam lá
com a Lauren e o Gustavo poderia me levar de volta para o
trabalho.
Meu irmão e minha cunhada estavam há quarenta e cinco
dias praticamente vivendo no hospital. Mesmo nas duas semanas
em que as minhas sobrinhas estavam na UTI, eles não se
ausentavam muito de lá. Dava para ver o cansaço no rosto dos dois.
Por isso, combinei com a Débora de nos revezarmos para dormir
com eles. A Lauren podia tirar o leite na bombinha que quando elas
acordassem para mamar durante a madrugada, minha cunhada não
precisaria acordar, pois eu ou a Débora estaríamos lá.
É claro que ficaríamos muito cansadas, eu porque tinha
praticamente acabado de entrar no emprego e a Débora porque
estudava quase que o dia todo. Mas achávamos importante dar
aquela ajuda para eles, pelo menos nos primeiros quinze dias.
Assim, pedi à Vânia que me desse uma hora a mais no
almoço, que eu pagaria naquele mesmo dia. Como minha chefe é
maravilhosa, ela não se importou e deixou. A alta das meninas
estava prevista para às 13h e saí do HUMD às 12h. Graças a Deus
eu e a Débora não pegamos trânsito nenhum e às 12h30 eu já
estava saltando do carro no pátio do Ana Nery. Após me despedir
da minha irmã e vê-la partir, me encaminhei para a portaria.
Já tinha dados uns cinco passos em direção à entrada, mas
algo fez com que eu olhasse para a minha direita. Um pouco
distante, sentado em um banco próximo a uma árvore, estava o
Daniel. Não sei o porquê, mas meu coração deu uma leve acelerada
quando o vi. Ele vestia seu uniforme azul claro, que se destacava
bastante em sua pele morena. Mas o médico não estava sozinho.
Ao seu lado, havia uma mulher com um uniforme igual ao seu e
entendi que ela também era médica. Ela parecia ser bem bonita e
tinha os cabelos escuros e cacheados. Só que o que realmente
chamou a minha atenção, era o modo como ela olhava para ele,
com um sorriso enorme no rosto. Além disso, ela jogava o cabelo o
tempo todo, visivelmente fazendo charme. Confesso que me senti
incomodada, mas não fiquei olhando durante muito tempo. Saí dali
direto para a recepção, mas o comentário da Nara de dias atrás de
que todo médico era safado veio imediatamente à minha mente.
Já na recepção, o guichê que estava livre era o da
recepcionista fã do Daniel.
– Olá – me cumprimentou toda simpática –, tudo bem com
você, Camila?
– Tudo sim, Carina. E você?
– Bem também. Veio acompanhar a alta das suas sobrinhas?
– Exatamente – falei sorridente.
– É o Doutor Daniel quem vai assinar a alta delas?
– Acho que sim, mas não tenho certeza. Tem outro médico
as acompanhando também.
Conforme me registrava no sistema e me entregava o crachá
de visitante, ela foi falando:
– Ah, sim. Mas eu acho que é ele mesmo, porque agora
pouco seu irmão estava aqui embaixo falando com alguém ao
telefone, dizendo que só estava esperando o Doutor Daniel para
levá-las para casa. Como eu não estava atendendo, consegui ouvir
perfeitamente.
Aquela informação me irritou um pouco, porque com certeza
o Gustavo e a Lauren estavam morrendo de ansiedade, doidos para
irem embora para casa, enquanto o médico flertava no
estacionamento. Senti meu bom humor sumindo, mas ao olhar de
volta para a Carina para me despedir, vi que seu sorriso havia
triplicado de tamanho e ela olhava para trás de mim. Entendi na
hora o motivo da alegria, assim que a voz conhecida soou no
ambiente.
– Boa tarde, Carina! – Ele se aproximou e se recostou no
balcão. – Boa tarde, Camila – me cumprimentou olhando nos meus
olhos, sorrindo de modo contido.
– Boa tarde, Daniel! – tentei ser simpática, mas não sei se
tive sucesso.
– Como você está? O pé já está cem por cento?
– Está sim.
Não consegui permanecer muito séria, porque seu sorriso
bonito me fez sorrir também.
– Bom, vamos lá ver a Lud e a Luíza, né? – falou fazendo
sinal com a cabeça para que eu o acompanhasse.
Eu me despedi da Carina e o segui. Enquanto
caminhávamos em direção ao elevador, ele puxou assunto.
– Está preparada para a rotina de tia coruja? Aliás, madrinha
coruja, né?
– Mais do que preparada – respondi sorridente.
– Você vai trocar fraldas, fazê-las dormir, levar para passear,
ser a confidente delas... – e sorriu mais. – Vai fazer tudo isso?
Achei engraçado, porque eu já me imaginava fazendo tudo
aquilo e foi impossível não sorrir três vezes mais.
– Eu não vejo a hora – respondi com divertimento e com o
coração cheio de alegria. – Pretendo fazer isso tudo e mais um
pouco. Mas como você sabe que será assim?
– Porque era exatamente assim comigo. Quando meus
sobrinhos nasceram, eu e minha irmã mais nova ficamos
completamente bobos. Até hoje, mesmo a Sara estando com
dezesseis anos e o Guilherme com dezoito, ainda somos dois tios
babões que só sabem os mimar. Meu irmão ainda fica bravo
conosco, dizendo que a gente mima muito os dois.
Achei fofo.
– Não sabia que você tinha sobrinhos adolescentes. Eles
moram no Rio ou em Minas?
– No Rio. Só eu morei em Minas. Fui para lá fazer faculdade
e continuei morando lá muito anos depois.
Naquele momento, me bateu uma curiosidade que nunca tive
e não hesitei em perguntar.
– Você e a Lauren moravam juntos?
Por incrível que pareça, eu fiz a pergunta de curiosidade. Já
não achava que ele ainda gostava dela e, para minha surpresa, ele
aparentou ficar sem graça para responder.
– Sim, moramos juntos durante um tempo – disse apenas.
– Um tempo quanto?
– Uns cinco anos.
– Nossa! – falei assustada. – Foi um casamento isso...
– Vamos mudar de assunto? – ele pediu constrangido.
– Por quê? – perguntei tentando segurar a língua. Mas
queria saber a razão para ele se sentir incomodado em falar do
passado.
– Porque daqui a pouco você estará brigando comigo e
quero manter o clima amigável entre nós. – E me deu uma
piscadela.
Eu sorri com aquela piscada de modo tímido. O elevador
chegou e achei ótimo, porque me virei correndo para entrar e ele
não pôde ver quando o meu sorriso se alargou.
Essa piscadinha é um charme...
O Daniel entrou logo atrás de mim, mas antes que a porta
fechasse, ele olhou para as cadeiras de espera na recepção e
segurou a porta. Com o cenho franzido, soltou um “ué”. Ao
acompanhar seu olhar, vi que ele estava olhando para uma loira
muito bonita sentada em uma das cadeiras. A mulher pareceu sentir
que estava sendo observada e olhou na direção do elevador.
Quando viu o Daniel, abriu um sorriso de orelha a orelha e se
levantou.
– Camila – ele se dirigiu a mim –, pode subir que nos vemos
lá em cima. Já, já subo.
Meu sorriso morreu com aquele comentário, porque já
imaginei que ele tivesse algo com a loira bonita.
– Ok.
Sem titubear, o médico saiu do elevador e eu fiquei lá,
sentindo a minha irritação voltar, porque mais uma vez ele estava
atrasando a alta das minhas sobrinhas para flertar.
Ao chegar lá em cima, comprovei o que já imaginava: o
Gustavo e a Lauren estavam morrendo de ansiedade pela chegada
do Daniel. Comecei a pensar em alguns dos médicos que a Nane e
a Nara disseram que adoravam fazer corpo mole no Maria Diane e
minha irritação foi aumentando, imaginando que o Daniel fosse
assim também.
O Gustavo andava de um lado para o outro do quarto, com a
Luíza em seu colo dormindo serenamente. Já a Lauren, estava
sentada na poltrona de amamentação, dando o peito para a Lud.
Mas a perna direita da minha cunhada não parava de pular, o que
indicava que ela estava ansiosa.
Dei um beijinho na testinha de cada uma, assim como nos
pais, e me sentei no sofá. Nós fomos conversando e eles
assumiram que estavam doidos para ir embora, que não
aguentavam mais o hospital. Contei a eles sobre meu combinado
com a Débora e, apesar dos dois terem a princípio dito que não
precisava, ficaram bem felizes de saberem que teriam ajuda.
– Obrigada, Cami – meu irmão agradeceu, mandando um
beijo no ar para mim.
– Te amo! – falei para ele. – E vocês sabem que a mamãe
também vai praticamente morar lá, não é? Eu sei que essa
montoeira de gente vai tirar um pouco a liberdade de vocês dois,
mas também vamos ajudar.
– Nesse momento, Cami – a Lauren me respondeu –, nós
não queremos liberdade, somente um pouco de sono e o conforto
da nossa casa. A ajuda de vocês é muito bem-vinda.
Tornei a olhar para ela e o cansaço estava estampado em
seu rosto. A Lauren tinha olheiras escuras embaixo dos olhos e
estava até um pouco pálida. Constatar seu esgotamento me fez
voltar a pensar no Daniel, que estava lá embaixo de papinho com a
loira bonita, ao invés de estar ali assinando a alta.
Meu mau humor foi aumentando e também passei a ficar
impaciente. Quando ele surgiu lá no quarto, uns trinta minutos
depois, a minha cara já estava péssima.
– E aí, pessoal, prontos para irem para casa? – perguntou
alegremente.
Mas como eu disse, meu humor já havia mudado e foi
impossível não o cutucar.
– Mais do que prontos. Aliás, se você não fosse tão sem
noção, já estaríamos em casa.
Meu irmão me olhou na hora com a repreensão estampada
no rosto. Já a Lauren, não conseguiu nem fazer cara de reprimenda,
porque ficou visivelmente sem graça com a minha má resposta.
O médico me olhou estranhando a mudança no meu
comportamento, mas não me respondeu no mesmo tom.
– Desculpe o atraso, Camila, mas tive que resolver uma
questão.
– É, eu vi as duas questões, a loira e a morena – retruquei
imediatamente.
Meu irmão não deu tempo ao médico para me responder,
pois entrou no assunto e começou a conversar com o Daniel sobre a
alta e outras coisas relacionadas às gêmeas. A Lauren se levantou
quase que no mesmo instante e pediu que eu começasse a descer
com as coisas para o carro. E foi o que eu fiz, porque já estava
completamente irritada e não queria nem ficar olhando para a cara
daquele médico galinha. Peguei uma mala e um dos bebês conforto
e fui para o carro.
Após descer com tudo, fiquei os esperando lá embaixo
mesmo. Achava que assim não precisaria ver o Daniel de novo, mas
não tive essa sorte, porque ele fez questão de acompanhar meu
irmão e minha cunhada até o estacionamento.
Assim que os três se aproximaram, peguei a Lud do colo do
meu irmão e já me enfiei dentro do carro e a ajeitei no bebê
conforto, como modo de evitar conversa. O Daniel ajudou o Gustavo
a colocar as últimas coisas no porta-malas e minha cunhada e meu
irmão também entraram no veículo.
Quando pensei que o médico paquerador iria voltar para o
hospital, ele deu a volta no carro e bateu com as costas dos dedos
na janela em que eu estava. Tanto a Lauren, quanto o meu irmão,
me olharam apreensivos.
Abaixei o vidro da janela, um pouco curiosa para saber o que
ele queria. Tinha uma ligeira impressão de que ele iria se despedir
cordialmente, pois sustentava um sorriso simpático no rosto.
Quando o vidro desceu o suficiente, ele não perdeu tempo:
– Maluca, sem educação, mimada, desagradável e com
transtorno de humor. Passe bem, Camila.
Aquele insulto me pegou desprevenida e não fui capaz de
revidar à altura. Fiquei tão em choque com todas aquelas ofensas
na frente da Lauren e do Gustavo, que não consegui responder em
tempo hábil e o médico engomadinho e cínico saiu todo pomposo,
com um sorrisinho satisfeito no rosto.
Penso que meu irmão também ficou com medo da minha
reação e rapidinho ligou o carro e arrancou. Ao cruzar a cancela do
estacionamento, o Gustavo quebrou o silêncio:
– Camila, vocês realmente não se suportam. Por que tanto
ódio assim um do outro?
– Isso não vai ficar assim – disse apenas.
– Eu nunca vi o Daniel se comportando dessa maneira – a
Lauren comentou chocada. – Você consegue tirá-lo do sério!
– Foda-se! – falei baixinho para não acordar as gêmeas. –
Eu não o suporto mesmo. Já até havia esquecido o meu ranço, mas
quando o vi flertando ao invés de ir dar alta para as meninas, a
antipatia voltou com tudo.
Tanto a Lauren, quanto o Gustavo tentaram argumentar, mas
eu não quis ouvir. Falei que não queria mais falar sobre aquilo e
mudamos de assunto.
Mas aquele desaforo ficou voltando à minha mente repetidas
vezes ao longo do dia e eu ficava cada vez mais irritada. À noite,
quando cheguei do trabalho, a Débora teve que me aguentar
falando mal do médico babaca até a hora em que foi dormir.
– Tchau para você, irmã! Preciso ir dormir porque não
aguento mais ouvir você xingar o coitado do médico – disse ao se
levantar do sofá da sala.
– Pois vá mesmo, porque eu ainda não o xinguei o suficiente.
Se ficar aqui, vai ter que me aguentar.
Quando também fui dormir, eu só pensava que não queria
vê-lo nunca mais.
CAPÍTULO 8

Camila
No sábado seguinte pela manhã, meus pais viajaram para
Fernando de Noronha. A minha mãe tinha se aposentado no ano
anterior e nos avisou que no ano seguinte, passaria praticamente o
ano todo viajando, que só faria uma pausa no nascimento das
netas. E ela estava cumprindo a promessa. Aquela era a terceira
viagem dos meus pais e ainda era julho. Como as meninas
anteciparam a chegada, meus pais não conseguiram remarcar e
acabaram indo, depois de fazerem a Lauren jurar que estava tudo
bem eles se ausentarem por uns dias.
Durante a noite, resolvi sair para a balada com alguns
amigos. Era a primeira vez que me sentia animada depois que
comecei a trabalhar, pois já não tinha mais tanto ânimo. Então
resolvi aproveitar.
Mas eu também não estava na vibe de nada muito agitado e
convenci uma amiga a ir comigo para um barzinho que tinha
karaokê e funcionava até umas 5h da madrugada. Por um milagre
divino, também consegui convencer a Débora a ir junto, que
praticamente nunca saía de casa para esses lugares.
– Vou até chamar uns amigos – me disse animada.
Estranhei a animação, mas não falei nada.
– Beleza. Vamos nos divertir!
Em torno das 21h, já estava na sala esperando minha irmã
descer. Eu vestia uma calça legging que imitava couro, um body
manga longa rendado por baixo de um blusão de tricô preto e botas
coturnos, também pretas.
– Anda, Débora! – gritei para ela.
– Calmaaaa! – berrou lá de cima
Uns dez minutos depois, ela surgiu na sala.
– Está linda, hein! – elogiei.
Minha irmã trajava um vestido preto de gola alta bem
justinho, com um kimono de tricô preto com branco e botas cano
alto acima do joelho. Aquilo me assustou um pouco. A Débora
sempre se veste muito bem, mas ela tem um estilo mais para
clássico do que para ousado. Não gosta muito de roupas justas e
decotadas, apesar de ter um corpo lindo e muito mais curvilíneo do
que o meu. Eu sou mais magra, com pouquíssimas curvas e, apesar
de amar meu corpo, gostaria de ter bunda e quadril igual a minha
irmã.
– Você está mal-intencionada, hein?! Vestida assim...
– Não me irrita, Camila.
– Eu quero essa bota emprestada! – falei dando a volta nela,
analisando melhor o look.
– Eu te empresto, agora vamos embora!
Ela caminhou até a porta e tornou a se virar para mim.
– Eu quem vou dirigindo – me disse ao estender a mão para
pegar a chave do carro do Gustavo.
Revirei os olhos, mas não discuti. Dei a chave a ela e
partimos para a garagem. Toda vez que saíamos juntas para
qualquer lugar, era ela quem ia dirigindo. Minha irmã ficou ainda
mais chata depois que fui pega no bafômetro com o carro dos
nossos pais no ano passado. Eu não estava bêbada, mas,
obviamente, havia consumido álcool e o aparelho indicou na hora
em que soprei. Se não fosse o Gustavo, eu com certeza teria
perdido a minha carteira. Meu irmão e meus pais foram me buscar
na delegacia e conseguiram me livrar da enrascada. Depois disso,
eles falaram muito na minha cabeça e jurei nunca mais aprontar
uma dessas de novo.
Nós saímos de casa e fomos direto para o local combinado.
Ao chegarmos, a Mályka e o namorado já estavam lá, assim como a
Grazi, amiga da Débora e o seu irmão, o Luan. Quando a Débora
viu o irmão da amiga, seu sorriso triplicou de tamanho e comecei a
pensar que talvez fosse ele a motivação para ela sair aquela noite.
Ele parecia ser um cara legal. Tinha um estilo meio nerd, mas era
bem bonitinho.
O Bar do Karaokê chamava exatamente assim. Era um lugar
pequeno, tinha segurança na porta e era decorado no estilo bar
gringo, com pouca luz e nenhum lugar para sentar. A galera
frequentadora ficava toda em pé, dançando e cantando ao som dos
metidos a cantores. Muitos davam um show no palco, outros eram
um verdadeiro desastre, assim como eu. Mas a galera se divertia
muito até com os desafinados, cantando junto e vibrando com os
hits do momento. Eu adorava ir para lá e fazia um tempinho que não
ia. Por isso, minha intenção era me acabar de rir, dançar e cantar. E
é óbvio que iria aproveitar que a Débora estava ao volante para
beber sem medo.
Colocamos nossos nomes na lista de espera da cantoria
assim que chegamos, para que pudéssemos soltar nossas vozes
também. Tinha bastante gente na nossa frente e sabia que iria
demorar um pouquinho. Por isso, fui explorar a clientela enquanto
aguardava.
Uns quarenta minutos haviam se passado e eu estava
conversando com um cara super gato, quando uma voz forte e
grave começou a cantar uma música linda e desconhecida por mim
até aquele momento. A galera toda vibrou, soltando gritos, assovios
e aplausos. Praticamente o lugar todo levantou os braços,
balançando de um lado para o outro ao som da melodia gostosa. O
som agradável preencheu o ambiente, deixando todo mundo
encantado. Muitos conheciam a música e cantaram juntos. Outros,
só gritavam e assobiavam, como se realmente estivessem em um
show de alguém famoso.
Tentei continuar prestando atenção no papo do cara que
estava me dando mole, mas estava bem difícil, porque além do
barulho da galera ovacionando, a música era linda e a voz do
cantor, mais linda ainda. Aquilo estava me distraindo bastante,
porque eu também queria balançar meus braços e vibrar pelo
anônimo no palco.
Decidi que faria isso e indiquei para o meu admirador que me
aguardasse um pouco. Já estava me virando para ir lá para frente
quando a Débora pulou eufórica no meu caminho, berrando ao meu
ouvido para que conseguisse ouvi-la.
– Irmã, você viu quem está cantando, né?
– Não, mas ele canta muito bem.
– Então olha para lá – me disse com deboche.
Será que eu o conhecia?
Quando me virei completamente e olhei para o palco, meu
queixo caiu e praticamente tive que pegá-lo no chão. A minha boca
abriu involuntariamente e a ridícula da Débora fez questão em
empurrar meu queixo para cima, para fechá-la.
– Eu tô chocada! – disse a ela quando consegui falar. – É o
Daniel?
– Sim, irmã, ele mesmo, seu arqui-inimigo.
Ela riu e se afastou de mim, voltando para perto do casal de
amigos e me deixando sozinha com o meu choque. Eu saí bem
perplexa de onde estava e me aproximei um pouco mais do palco,
sem querer assumir nem mentalmente o quanto o médico metido a
besta cantava bem. No palco, junto com ele, havia um outro cara
tocando um violão e fazendo uma segunda voz. Os dois juntos
pareciam cantores profissionais.
A música era internacional e muito gostosa. Olhei para a
televisão onde mostrava os títulos e os próximos cantores para
descobrir o nome. Vi que se chamava “Kiss from a Rose” do Seal e
salvei no meu celular para não esquecer. Depois, voltei minha
atenção para o palco.
O Daniel vestia uma camisa jeans de manga longa, dobrada
até os cotovelos, com uma calça jeans preta e tênis. O estilo
despojado não lembrava em nada o médico arrogante que eu
detestava.
O filho da puta é bem bonito...e gostoso...
Fiquei um bom tempo lá o observando, recostada na parede
oposta ao bar, reparando em todos os detalhes. Ele estava sentado,
com uma perna apoiada na banqueta e a outra no chão. Enquanto
cantava, fazia caras e bocas de olhos fechados, segurando o
microfone com a mão direita. Ele parecia completamente envolvido
na letra da música, balançando a cabeça no ritmo certo, assim como
sua perna esquerda.
Quando a música estava no fim, ele olhou em minha direção,
como se tivesse sentido a minha presença. As luzes do lugar
estavam apagadas, exceto as do palco e algumas luminárias em
cima do balcão do bar. Por isso, imaginei que ele não estivesse
conseguindo me ver, mesmo que estivesse olhando fixamente para
mim.
Resolvi sair dali, antes mesmo que ele terminasse a música.
Não queria que ele me visse, pelo menos não o observando. Assim,
fui buscar mais uma cerveja. As luzes se acenderam logo em
seguida, para fazer a troca de cantores do palco, mas não me dei ao
trabalho de olhar para lá.
O barman já tinha me entregado a cerveja que pedi, quando
senti um braço encostando no meu que estava apoiado sobre o
balcão.
– Gostou de me ver cantar? – a voz conhecida falou próxima
ao meu ouvido.
Merda... Ele me viu...
Eu jamais daria esse gostinho para o Daniel, então olhei para
ele fazendo a minha melhor cara de surpresa.
– Oh, que surpresa você por aqui... – me fiz de boba. – Você
estava cantando?
Ele deu um sorrisinho torto, conforme balançava a cabeça
afirmativamente.
– Estava sim. Você não viu? – me perguntou, mas sem
esperar por uma resposta, continuou: – Estava recostada na parede
olhando na minha direção, parecendo completamente deslumbrada
comigo no palco.
A sua fala desaforada, somada ao seu arzinho presunçoso
me deixou muito irritada.
– Deixa de ser prepotente, cara! Eu nem te vi! – respondi um
pouquinho alterada.
Ele riu de novo.
– Sei.
Já estava me virando para sair dali, quando o ouvi dizer
baixinho:
– Sonsa!
Novamente, me virei para ele com sangue nos olhos.
– Do que você me chamou? – quis saber, completamente
chocada com aquele novo desaforo.
– Eu? – perguntou tranquilamente. – Não te chamei de nada.
Estreitei meus olhos, pensando seriamente se berrava
desaforada, ou se o ignorava. Antes que pudesse me decidir, ele
perguntou:
– Você vem sempre aqui?
Seu tom era calmo e amigável, o que me fez baixar a guarda
um pouco.
– Bastante.
Tentei responder no mesmo tom, mas não sei se tive
sucesso, pois ainda não tinha engolido o “sonsa”. Quero dizer, não
tinha engolido nem o “maluca” do dia da alta das minhas sobrinhas.
– Que estranho, pensava que esse bar era só para maiores
de dezoito anos.
Fiquei cinquenta vezes mais irritada, ao perceber que a
pergunta foi feita na intenção de me provocar. Não queria cair na
provocação, mas meu temperamento não é de levar desaforo para
casa.
– Pois é, e eu pensava que os coroas preferissem lugares
mais tranquilos, como jogos de golfe. Acho que preciso rever meus
lugares para diversão.
Ele riu, demonstrando nenhuma preocupação com a minha
tentativa de atingi-lo.
– Você não gosta de coroas?
Empinei meu queixo e o encarei.
– Não!
– Então acho que precisa mesmo – me disse sorridente. –
Deixa eu voltar para perto dos meus amigos coroas. Bom te ver,
menina! – E deu um beijo na minha bochecha.
Duas coisas que eu não estava esperando: que fosse ele o
primeiro a sair dali e que me desse um beijo na bochecha. Com
isso, fiquei o observando se afastar com cara de boba.
Ai que ódio desse homem!
Voltei para perto do pessoal e me arrependi na hora por ter
ido observá-lo cantar, já que o boy que estava conversando comigo
se encontrava, nessa altura, beijando outra.
Mais uns minutos se passaram, até mostrar no telão que
tinha chegado a minha vez e da Débora de cantar. Nós havíamos
escolhido uma música da Marília Mendonça que estava fazendo
bastante sucesso. O nome era “Intenção” e tinha a participação do
Gaab. Minha irmã e eu amávamos aquela música, assim como
todas as outras da Rainha da Sofrência.
Subimos no palco animadíssimas, nos achando duas
cantoras famosas. Quando o público entendeu qual música iríamos
cantar, vibrou animadamente com muitas palmas e gritos.
Nós pusemos a boca no trombone, quero dizer, no
microfone, e cantamos como se fôssemos muito afinadas.
“Desculpa o meu tom de voz
É que não estamos a sós
Tô falando baixinho pra ninguém sacar minha intenção
Vamos sair daqui
Lugar melhor não vai faltar
Onde eu possa até falar mais alto e você gritar
Eu não tô de palhaçada, vamo lá pra casa
Bora, que o cafofo hoje é brasa
E nesse tanto de curva, eu me arrisco até na contramão
Deixa eu te apresentar pro meu colchão”
Quando chegamos ao refrão, a galera foi ao delírio:
“Não tô falando de amor, tá doida?
É que a gente combina melhor sem roupa
Seu compromisso é só deixar
Minha boca passear
Nesse seu corpo massa a noite toda”
Nessa hora, o Daniel se colocou na frente do palco, fazendo
questão de mostrar que estava nos assistindo. Ele não ficou no
cantinho igual a mim quando era a vez dele ali em cima. Pelo
contrário, era o primeiro mais perto do palco nos observando. Aliás,
me observando, já que ele nem olhava na direção da Débora.
Qual é a desse cara?
Não me abalei com seus olhos queimando nos meus e
continuei cantando o refrão, sem desviar o olhar. Acho que a sua
intenção era me provocar, mas eu não daria esse gostinho a ele.
O que eu amo naquele lugar é que saímos ovacionadas,
mesmo com as nossas vozes de taquara rachada. Tudo bem que
qualquer música da Marília era um hit, mas, ainda assim me
surpreendia com o fato de a galera frequentadora entrar tanto no
clima. A Débora estava na minha frente e o Daniel a interceptou,
fazendo questão de elogiá-la.
– Olá, Débora, como vai? – perguntou ao abraçá-la. – Você
canta muito bem, hein! Está de parabéns!
– Olá, Doutor Daniel, como vai?
Doutor, Débora? Me poupe!
Ele disse que estava bem e minha irmã continuou:
– Você é muito simpático, mas meus dons musicais não
chegam nem perto dos seus. Eu e a Camila ficamos chocadas com
o seu desempenho. Parece até um cantor profissional... Você está
de parabéns também!
– Ah, é? A Camila também ficou? – e me olhou sorridente,
por cima do ombro da Débora.
Deus, por que a minha irmã precisa ser tão bocuda?
Ela assentiu sem perceber a gafe, conversou mais um
pouquinho com ele e se despediu. Assim que ela se afastou, tentei
segui-la, mas ele me segurou pelo braço. Olhei bem séria para a
mão dele, depois para o seu rosto.
– Quem te deu liberdade para me pegar desse jeito?
Ele ignorou a minha pergunta e também não me soltou.
– Pensei que você tivesse dito que não me viu cantar –
comentou erguendo as sobrancelhas.
– Não vi mesmo, a Débora se confundiu.
O Daniel deu uma gargalhada gostosa, exibindo aqueles
dentes branquinhos e quase ri também, me esquecendo de que
aquele sorriso bonito era de deboche.
– Sei. Bom, vou fingir que acredito, além de fingir que não vi
você jogando indireta para mim.
Hã?
– Eu? Indireta para você? Quando?
– Ali em cima do palco. – E apontou para lá. – Se me lembro
bem, você olhou diretamente para mim durante a parte em que dizia
que a gente combina melhor sem roupa, que eu deveria deixar sua
boca passear no meu corpo a noite toda.
Fiquei o encarando completamente em choque. Eu tentava
entender se ele estava querendo me irritar mais uma vez, ou se
falava sério. E mais uma vez, ele parecia sereno, me olhando
atentamente.
– O que foi, garota? O gato comeu sua língua?
– Daniel, você tem algum problema? Jogando indireta? Eu
estava cantando uma música!
– Sim, e desafinadamente!
– Engraçado, não foi o que você disse para a Débora.
– Eu disse para a Débora que ela canta bem, o que não é o
seu caso. Você não canta nada bem.
– Ai, quer saber, não vou cair na sua. Sei muito bem que
você quer me provocar.
Eu olhei para a mão dele que permanecia no meu braço,
dizendo silenciosamente que era para ele me soltar. Dessa vez ele
soltou, mas não sei antes me lançar mais um sorrisinho debochado.
Quando me reaproximei dos meus amigos, estava
inconformada. Não conseguia pensar em nada além da presunção
do médico engomadinho.
Jogando indireta... idiota!
Sacudi a cabeça irritada e a Mályka perguntou o motivo do
meu mau humor.
– Aquele médico idiota que já comentei dele com você.
– O que você achou que estava te dando mole no clube?
Assenti desanimada. Já havia contado para ela de toda a
minha trajetória com o Daniel, desde os momentos de bate-boca,
até os de trégua. Também comentei que lá no clube tive a
impressão de estar rolando um clima entre nós, que se extinguiu no
encontro seguinte.
– Eu preciso ver quem é ele – me disse curiosa.
Dei uma olhada ao redor e o localizei de costas para nós,
perto do palco. Mostrei a ela e saí de perto, para que a minha amiga
pudesse olhar quando eu não estivesse ali. Do contrário, ele poderia
perceber que o mostrei a ela.
Quando me reaproximei, ela não perdeu tempo em tecer
elogios a ele. Disse que ele era “bonitão” e tinha um sorriso lindo. E,
infelizmente, eu tinha que concordar.
As horas foram correndo e eu bebia minha cerveja
tranquilamente. Com isso, fui esquecendo do médico idiota e voltei a
me divertir. Entre algumas cervejas e outras, tornei a cantar mais
algumas músicas, dessa vez, fazendo dueto com a Mályka. Também
cantamos em grupo, com nós cinco dividindo dois microfones.
Às 3h da manhã, a Débora quis ir embora. Mas eu ainda não
estava com a mínima vontade de ir, até porque, me encontrava
conversando com outro cara, muito mais promissor do que o
anterior. A intenção era sair do lugar só quando estivesse na hora
de fechar. Tentei persuadi-la a ficar, mas a Débora é muito difícil de
convencer. Com isso, falei que ela poderia ir embora, mas que eu
ficaria e voltaria para a casa de Uber. O casal de irmãos amigos
dela também já estava indo, assim como meus amigos.
– Vai todo mundo embora e me abandonar aqui? – perguntei
brincando para eles.
– Amiga, você só não vai embora conosco porque não quer –
a Mályka me respondeu.
Dei risada e assenti, indo abraçá-la em seguida. Após me
despedir de todos, voltei a conversar com o cara charmoso. Ele era
bem bonito e me disse que se chamava Eric. Tinha cabelos
castanhos claros e era bem alto. Além de bonito, era simpático e eu
com certeza tinha a intenção de acabar a noite nos braços dele.
Minutos se passaram e faltava muito pouco para eu beijar o
Eric. Já estava colando meu corpo ao dele, quando escutei a voz
conhecida interromper meu movimento.
– Com licença... me desculpa atrapalhar, mas sua irmã foi
embora, Camila? – o Daniel me perguntou praticamente se enfiando
entre mim e o Eric.
Fiquei surpresa com a pergunta e com a interrupção, mas
respondi educadamente.
– Foi sim, por quê?
– Queria convidá-la para cantar comigo.
– Ah, sim. Vai ter que ficar para uma próxima vez.
– Que pena!
O Eric aproveitou o momento e disse que buscaria outra
cerveja. Eu assenti e, assim que ele se afastou, olhei com cara de
poucos amigos para o Daniel.
– Você me interrompeu! – falei sem paciência.
– Ah, é? Me desculpa – pediu sorrindo. – Não era a minha
intenção. Só queria uma parceira para cantar comigo. Por que você
não foi embora com ela?
– Porque eu não quis – fui grossa.
– Precisa responder com essa rispidez?
– Ué, você me chamou de sonsa há um tempinho, agora
quer que eu te trate bem? Aliás, você vive me insultando!
– Em momento algum falei isso – respondeu
dissimuladamente. – E não vivo te insultando coisa alguma.
O sorrisinho dissimulado permanecia em seu rosto.
Bufei.
– Ok, Daniel. Vamos fingir que eu acredito.
Nessa hora, uma dupla no palco começou a cantar “Pergunta
boba” do Jorge e Mateus e aproveitei para cantar junto, porque além
de amar aquela música, queria ignorar a presença do médico
enxerido. Só que ele tinha outros planos. Assim que me coloquei em
direção ao palco e de costas para ele. O Daniel deu a volta em mim
e me puxou pela cintura de modo firme, entrelaçando sua mão
esquerda à minha e encostando meu corpo todo ao seu.
– O que você está fazendo? – perguntei com a voz mole,
porque aquela pegada firme me deixou um pouco atordoada.
– Fazendo você dançar comigo – disse com um sorrisinho de
canto.
– Quem te disse que quero dançar com você?
Ele se inclinou para responder ao meu ouvido:
– Não me interessa se você quer ou não quer, porque eu
quero dançar com você.
Fingi que não fiquei toda arrepiada com seu hálito quente
fazendo cócegas no meu pescoço e comecei a dançar com ele. Era
difícil, mas eu precisava assumir que além de cantar bem, ele
também era um excelente parceiro de dança.
– Gosta de sertanejo? – perguntei.
– Gosto sim. Gosto de muitos estilos. São poucos os que
não me agradam. – Ele sorriu. – E você?
– Só não gosto de música de coroas – provoquei, tentando
mais uma vez irritá-lo.
Óbvio que ele respondeu a altura.
– É, realmente a sua geração é bem preconceituosa quanto
ao gosto dos mais velhos.
Respirei fundo para não responder de modo agressivo e ele
riu, porque percebeu que eu não tinha gostado da alfinetada.
– Você dança muito bem – me disse, acho que para tentar
me acalmar.
– Nossa, um elogio, que milagre! – retruquei.
– Quando isso acontece, nós costumamos agradecer. O
ideal seria você dizer: obrigada, Doutor Daniel.
– Nem morta!
Não falei mais nada e continuei olhando em seus olhos. Ele
sorria e sustentava meu olhar. Nós dois dançávamos bem juntinhos
no ritmo da música e quando o refrão começou, foi impossível não
cantar junto.
“Me arrependi de não ter te abraçado outra vez
Não ter te beijado uma última vez
Não ter te olhado outra vez
Ficar acordado até depois das seis
Só pra ver o sol nascer
Sonhar os sonhos mais loucos com você
E eu vou dizer”
– Mais uma indireta, Camila? – perguntou fechando mais o
braço nas minhas costas.
Olhei para ele estreitando os olhos, na tentativa de
compreender aquele comportamento. Eu tinha uma impressão de
que ele queria que eu caísse naquele falso flerte, só para se
esquivar e se sentir vitorioso. Mas ainda assim, resolvi entrar na
sua.
– E se for, vai fazer o quê?
O Daniel não me respondeu. Com seus olhos presos aos
meus, ele aproximou ainda mais nossos rostos e cantou o pedaço
seguinte com bastante entonação:
“Quem sabe ainda é tempo
Pode ser a qualquer hora
Me chame em pensamento
Você sabe eu vou agora”
– Isso foi uma resposta? – perguntei tentando fazer a minha
voz sair normal. A verdade é que aquela proximidade me afetou
bastante.
Ele riu e me soltou, já que a música estava no fim.
– Talvez tenha sido. Ou talvez não.
E se afastou com seu sorrisinho presunçoso, me lançando
uma piscadinha.
Babaca!
Óbvio que era uma provocação, mas decidi largar para lá. Eu
me virei de costas e fui em direção ao bar para pegar mais uma
cerveja. Encostado no balcão, estava o Eric e, advinha só, beijando
outra. Minha raiva do Daniel aumentou bastante com aquela cena, e
de mim mesma também, que me deixei levar por aquele puxão. Eu
tinha um fraco por pegadas fortes e não consegui me esquivar do
médico engomadinho. Possivelmente o Eric viu e interpretou errado.
Pensei até em ir embora depois daquilo, mas desisti. Se eu fosse, o
Daniel ficaria imensamente satisfeito. Dei uma olhadinha rápida de
canto de olho para o médico, e ele sorria com gosto. Ficou claro que
tinha visto o Eric ficando com outra pessoa e aquilo o divertiu
bastante.
Faltava apenas uma hora para o lugar fechar. Com isso,
passei a consumir um pouco mais de álcool. Estava na segunda
long neck daquele curto espaço de tempo quando o médico babaca
voltou ao palco. Dessa vez, seu amigo não subiu junto e deduzi que
ele cantaria sozinho.
O Daniel testou os dois microfones para ver qual estava
melhor e escolheu o da direita. Como muita gente já tinha ido
embora, não precisei sair de onde estava para conseguir vê-lo. Após
pegar o violão que estava no cantinho esquerdo do palco, ele se
sentou e fez sinal para o rapaz do som. O garoto assentiu e liberou
a música. Tentei identificar qual era assim que os primeiros acordes
soaram, mas não consegui.
A alternativa foi olhar para o telão para saber de qual música
se tratava. No visor mostrava “Luz dos Olhos”, da Cássia Eller. Eu
também não conhecia aquela, e fiquei observando enquanto ele
cantava e, dessa vez, também tocava.
Ah, que ótimo, ele também sabe tocar violão...
Antes mesmo da letra começar, ele passou os olhos pela
plateia e assim que me viu, os fixou em mim, isso no exato
momento em que começou a cantar.
“Ponho os meus olhos em você
Se você está
Dona dos meus olhos é você
Avião no ar
Um dia pra esses olhos sem te ver
É como chão no mar
Liga o rádio à pilha, a TV
Só pra você escutar
A nova música que eu fiz agora
Lá fora a rua vazia chora”
Primeiro tive vontade de levantar o dedo do meio para ele.
Sei que soaria muito imaturo e daria mais motivo para ele insinuar
que sou criança, então me contive. Mas eu também não consegui
desviar o olhar e, quanto mais ele me encarava com seu sorriso
bonito cantando com sua voz deliciosa, mais minhas vontades iam
mudando. Passei a amolecer, mais uma vez, e antes mesmo da
música acabar, eu queria subir no palco e beijar a boca dele.
Você está ficando louca, Camila? Preciso parar com o
álcool...
Sacudi a cabeça para espantar o pensamento incoerente.
Também decidi nem olhar mais para o seu lado, para evitar cair em
tentação. Com isso, me virei para frente e puxei assunto com o
barman, que se chamava Ramon. Nós conversamos durante um
tempinho e, pela distração da conversa, terminei minha cerveja
rapidinho. Logo, pedi outra.
Faltava uma meia hora para o bar fechar, quando o Daniel
resolveu que precisava me atazanar mais um pouco.
– Você não acha que já bebeu o suficiente, Camila? –
perguntou assim que se aproximou de mim.
Ai, Deus, eu mereço...
– Não, não acho. Por que você não toma conta da sua vida?
– retruquei completamente sem paciência.
– Bom, porque não sou eu quem está gritando de tanto
álcool no sangue. Daqui a pouquinho, estará dando trabalho para os
profissionais da saúde, tendo que tomar glicose na veia.
Com a sua resposta, me dei conta de que realmente
respondi aos berros e diminuí o tom.
– Que bom que não será você a cuidar de mim, não é?
Afinal, se está aqui, não está de plantão.
– Mas será algum colega de profissão e já quero evitar o
desgosto da pessoa ter que lidar com você.
– Ai, Daniel, eu estou tão cansada... não vou mais cair nas
suas provocações.
De fato, estava bem cansada e com sono, e já não queria
mais cerveja. Mas como não daria o braço a torcer, pedi mais uma
para o Ramon só para mostrar ao médico intrometido que faria o
que bem entendesse. Quando ele me entregou, dei boas goladas
consecutivas no líquido, como modo de desafiar o Daniel a me dizer
alguma coisa.
– Você é muito imatura! – me disse, dessa vez, parecendo
irritado de verdade.
– E você é um babaca! Dá para me deixar em paz?
– Dá sim, tchau.
O Daniel não esperou que eu respondesse e foi em direção à
saída. Ao observá-lo indo embora, entendi que seus amigos já
tinham ido e que ele estava ali sozinho. Fiquei me perguntando por
que ele ainda estava lá, mas não cheguei a nenhuma conclusão.
Terminei minha cerveja com bastante calma e quando ela
acabou, todas as luzes do bar já estavam sendo acesas.
– Vocês estão expulsando a gente daqui, né? – brinquei com
o Ramon, ao olhar a meia dúzia de gatos pingados como eu que
ainda estavam lá.
– Sim, loira, pois precisamos dormir. Semana que vem tem
mais, não fique triste.
O “loira” me lembrou o Daniel e o fato de eu ter adorado
quando o ouvi me chamar assim.
Esquece esse médico, Camila!
Me obrigando a voltar para a realidade, me despedi do meu
mais novo amigo e fui embora. Ao dar os primeiros passos rumo à
saída, vi que realmente estava um pouco zonza, possivelmente por
conta da cerveja que tomei rápido demais para provocar o Daniel, e
por todas as outras também, é claro. Por isso, saí do lugar a passos
lentos. Quando cheguei à calçada, fui tirar meu celular de dentro da
bolsa e a danada abriu, deixando cair tudo que estava lá dentro.
Merda!
Preciso confessar que tive um pouco de dificuldade para pegar
tudo. Estava com os reflexos ruins e me sentindo levemente
enjoada. Quando consegui guardar as minhas coisas, fui tentar
pedir um Uber. Ao pegar o celular, tive uma surpresinha.
Ah, não, essa não!
Meu celular estava desligado, o que era muito estranho,
porque eu nunca saía sem bateria. Imaginei que ele tivesse
estragado na queda, apesar de não estar quebrado. Tentei ligá-lo
algumas vezes, sem sucesso algum.
Eu não acredito que isso está acontecendo!
Olhei ao redor, pensando no que fazer e vi um grupinho de
caras me olhando, todos os três sorridentes demais para o meu
gosto. Eles não pareciam ter saído do bar, pelo contrário, me
passaram a impressão de que não eram boa gente e que estavam
ali só esperando uma oportunidade. Aquilo me preocupou um pouco
e, na hora, procurei com os olhos o segurança que ficava na portaria
do karaokê. Quando vi que ele já estava colocando os cones e a
corrente separadores de fila para dentro, tornei a olhar para os três
e me desesperei porque eles também olhavam sorridentes para o
segurança entrando, depois seguiram com o olhar para mim. Um
tremor horroroso percorreu as minhas costas porque entendi que
ficaria naquela rua sozinha com aqueles caras de olhares
maliciosos.
Estava prestes a sair correndo e gritando atrás do segurança
do bar, antes que terminasse de fechar a porta, quando alguém
pegou no meu braço. Meu coração veio para a garganta e tentei
puxar o braço com força, mas, ao me virar de frente para a pessoa,
quase gargalhei de felicidade quando vi que era o Daniel.
– Vamos embora! – me disse com a cara fechada. – Vou te
levar!
– Ok – respondi aliviada, dando um longo suspiro.
Ele me olhou em choque.
– Ok?
– Sim, Doutor. Ok. Tudo bem. É claro... Enfim, vamos
embora!
– Fácil, assim? E me chamando de Doutor? Pelo visto, está
mais bêbada do que pensei.
Ignorei a provocação e respondi tranquilamente.
– Não quero ficar aqui sozinha e meu celular resolveu falecer
logo agora. Então aceito sua carona com muito gosto.
Ele abrandou um pouco a expressão e soltou meu braço.
Mas como eu disse, realmente estava um pouco altinha e com
dificuldade de andar na mesma velocidade em que ele. Então o
abracei sem nenhuma cerimônia, para que pudéssemos andar no
mesmo ritmo. Novamente, o Daniel me olhou surpreso, mas não
disse nada e retribuiu o abraço, me envolvendo com o braço direito.
O outro permaneceu abaixado, com a mão dentro do bolso da calça
jeans. Me senti bem confortável e protegida ao seu lado, soltando
mais um suspiro de alívio.
Nós dois caminhamos em silêncio até o carro do Daniel, que
estava em um estacionamento na rua ao lado. Após me acomodar
no banco do carona, ele não perdeu tempo em me recriminar:
– Você é muito sem juízo, sabia! Como pode permanecer em
lugares como esse sozinha e bebendo igual a um gambá, dando
sopa pra vagabundo aprontar? Sem o bar aberto, essas ruas são
completamente desertas!
Eu realmente não estava a fim de discutir mais, mas também
achei fofa a sua preocupação. Olhei para ele com meus olhos
pesando, me sentindo ainda mais confortável naquele carro com
cheiro de novo.
– E por que você permaneceu sozinho sem seus amigos,
Doutor?
– Por que você acha?
– Me diz você...
Ele não respondeu. Ligou o carro e saiu do estacionamento.
– Acho que você ficou para tomar conta de mim – provoquei,
mesmo não acreditando que fosse esse o motivo.
– Alguém precisava fazer isso, né... Já que você não está em
condições de tomar conta de si mesma.
Aquela resposta me surpreendeu. E pelo jeito que ele olhava
o caminho, com uma expressão um pouco inconformada, eu
acreditei.
– Hummmm, meu herói! – provoquei mais uma vez.
Ele não respondeu, mas riu discretamente e balançou a
cabeça como se dissesse “você não tem jeito”. Depois disso, ligou o
som e uma música bem agradável começou a tocar. Pelo visto,
nossos gostos musicais eram realmente bem distintos, porque
também não conhecia aquela. Mas o refrão era marcante e mesmo
depois que acabou, fiquei repetindo-o mentalmente.
“Me abraça, me aceita
Me aceita assim, meu amor
Me abraça, me beija
Me aceita assim, como eu sou
E deixa ser o que for”
Com isso, me senti bem satisfeita e fechei meus olhos. Já
que eu estava segura, poderia tranquilamente tirar um cochilo.
CAPÍTULO 9

Daniel
Os dois minutos que passei em silêncio foram suficientes
para ela apagar.
– Qual é o seu endereço, Camila?
Como não obtive nenhuma resposta, olhei para o meu lado
direito e vi que a loirinha esquentadinha se encontrava dormindo, no
mais tranquilo sono, com a boca entreaberta.
– Camila?
Nada.
– Camila? – chamei mais uma vez, um pouco mais alto.
Nada.
Merda!
Tive que parar o carro, para tentar acordá-la. Estacionei no
primeiro lugar que consegui e a cutuquei suavemente.
– Camila?
– Hum?
– Onde você mora?
– Uhum...
Cocei a cabeça irritado e tornei a repetir a pergunta. E ela
tornou a balbuciar coisas incompreensíveis. Tentei acordá-la
cutucando forte mais umas três vezes, mas não tive êxito. Ela
parecia em outra órbita.
– O que eu vou fazer com você, loira?
Pensei um pouco em como agir. Poderia ligar para a Lauren,
ou até mesmo para o Gustavo, mas imaginei que eles estivessem
com o sono todo bagunçado por conta das gêmeas e decidi não os
acordar por isso. Afinal, apesar de viver perturbando a Camila
dizendo que ela era uma criança, ela era maior de idade.
Como uma última tentativa, a sacudi de leve, a chamando
pelo nome mais umas duas vezes. Nada.
Sem muita certeza se havia tomado a decisão certa, dirigi
para a minha casa. Durante todo o caminho, ela permaneceu na
mesma posição, ressonando baixinho, com um semblante tranquilo.
Aproveitei para observá-la. A Camila é toda delicada, tanto no corpo
esguio, quanto nos traços do rosto. Sua boca bem marcada e seus
olhos claros chamam a atenção de longe. Óbvio que aquela não era
a primeira vez que eu reparava em todos aqueles detalhes, mas era
a primeira vez que eu não precisava ficar desviando o olhar.
Linda demais!
Ao estacionar na garagem do meu prédio, pensei em como
tirá-la do carro. Eu poderia pegá-la no colo, mas achei que soaria
muito estranho se um vizinho meu me visse carregando aquela
garota apagada que parecia ter dezesseis anos. Por isso, tentei
mais algumas vezes fazer com que a Camila acordasse, novamente
sem sucesso.
Saí do carro um pouco irritado e bati a porta com força para
ver se ela acordava. Mas ela nem se mexeu e, nessa hora, fiquei
bem preocupado, pensando que ela pudesse estar em coma
alcoólico. Quando a hipótese surgiu na minha mente, corri para o
lado do carona e abri a porta às pressas. Coloquei a mão nela para
sentir a temperatura, mas a Camila estava bem quentinha. Sua
respiração estava perfeitamente normal e sua frequência cardíaca
também. Respirei aliviado e decidi carregá-la no colo mesmo.
Foda-se!
Primeiro passei o braço esquerdo bem devagar por baixo do
seu pescoço. Depois fiz o mesmo com o direito, o colocando de
modo delicado por trás dos seus joelhos. Com ela no meu colo,
fechei a porta com a bunda e subi com ela pelo elevador de serviço,
torcendo para que ninguém nos visse.
Ao chegar no meu apartamento, tive um pouco de dificuldade
em abrir a porta com a garota nos meus braços. Quando consegui,
entrei e fechei a porta com o pé. Não me preocupei em não fazer
barulho, porque queria mesmo que ela acordasse. Mas, obviamente,
ela nem se mexeu.
Respirei fundo.
Onde eu fui me meter?
Caminhei com ela para o meu quarto, porque o colchão do
quarto de hóspedes estava sem lençol. Eu a deitei sobre a minha
cama, um pouco receoso com aquela situação, mas eu não tinha
muito o que fazer. Lá no bar, ao ver o quanto ela estava bebendo e
que estava ali sozinha, já imaginei que o resultado poderia ser ruim.
Não tinha como ir embora de lá sem saber se ela ficaria bem. Então
permaneci no lugar mesmo depois que os meus amigos foram
embora. Quando nós discutimos e eu fui embora, fiquei no final da
rua esperando que ela saísse, já que estava próximo da hora do bar
fechar. E quando a loirinha marrenta passou pela porta até trocando
as pernas, não hesitei em ir buscá-la. Tinha três caras de aparência
duvidosa a encarando com sorrisos bem maliciosos e aquilo me
deixou extremamente irritado. Ela estava sendo muito imprudente.
Pensei que a Camila faria um show por eu ter afirmado que
iria levá-la para casa, porque eu realmente falei em tom de ordem.
Ou seja, ela não teria como discordar. Mas ela sorriu e foi comigo
sem nenhuma resistência. Aquilo me surpreendeu bastante.
Assim que a soltei na cama, a loira gemeu baixinho e se
virou de lado, abraçando um dos meus travesseiros. Eu me sentei
na beirada do colchão e passei um tempinho a observando. O
pensamento desagradável do que poderia ter acontecido com ela
me veio à mente ao lembrar da expressão daqueles três e fiquei
novamente irritado.
Achei melhor parar de pensar no pior e, para que ela ficasse
mais confortável, resolvi retirar as suas botas. Já não queria que a
Camila acordasse e dei meu melhor para realizar a tarefa de modo
suave. Mas de todo modo, tinha quase certeza que ela não
acordaria de jeito nenhum, afinal, eu tinha tentado de todas as
formas e não consegui.
Como ela estava de lado, segurei seu tornozelo direito bem
devagar, abrindo o fecho com delicadeza. Tinha certeza de que
quase não estava fazendo pressão em sua pele, mas, como num
passe de mágicas, a garota se virou de frente para mim e abriu os
olhos, me olhando com um sorrisinho travesso e virando o pé para
facilitar o processo.
– Oi... – e bocejou. Um bocejo não muito verdadeiro, diga-se
de passagem.
Aquilo me assustou um pouco e demorei alguns segundos
para responder qualquer coisa.
– Ei, não queria te acordar... – falei por fim. – Você sabe
onde está?
Ela bocejou de novo, dessa vez parecendo de verdade, e
olhou ao redor. Depois respondeu tranquilamente:
– No seu apartamento.
– Isso. Tentei te acordar para pegar seu endereço, mas você
parecia em outro plano. Não tive outra alternativa a não ser te trazer
pra cá.
Ela abriu seu sorriso lindo e meigo ainda mais, e seus olhos
claros brilharam.
– É, tenho um sono pesado.
Tinha algo que não batia naquela informação, afinal, só faltei
sacudi-la para acordá-la e ela não acordou. Aí quando vou retirar
suas botas com toda a delicadeza do mundo, ela desperta sabendo
exatamente onde estava?
Será que ela estava fingindo? Ou será que ainda está
dormindo, mesmo que acordada?
Decidi testar.
– Você sabe quem sou eu, né?
Ela riu.
– Claro que eu sei. Você é o médico engomadinho e
presunçoso que vive me irritando e tirando a minha paz de espírito.
Se acha o fodão e superior a mim.
Foi a minha vez de rir com aquela resposta.
– Eu não sou nada disso – falei ainda rindo. – E não me acho
superior nem a você, nem a ninguém.
– Acha sim – retrucou sorridente.
Após responder, ela encolheu o pé direito e retirou a bota ela
mesma, fazendo a mesma coisa com o esquerdo e as jogando no
chão. Só de meia, tornou a esticar as pernas, colocando os dois pés
sobre o meu colo, se espreguiçando lindamente e me olhando com
seu olhar marcante. E ali voltei a suspeitar de que ela estava
fingindo estar dormindo até minutos atrás, mas deixei para lá.
– Bom, fica à vontade. Eu vou dormir no outro quarto e
qualquer coisa você me chama.
Assim que falei, a Camila se sentou na cama e puxou a
blusa pelos braços, a jogando no chão em seguida. Depois, fez o
mesmo com a calça. Não entendi aquilo e já estava me levantando,
quando ela retirou o body, ficando apenas de calcinha e sutiã, que
por sinal, eram pretos com detalhes em renda.
– Odeio dormir de roupa – me disse numa fingida
ingenuidade. Faz uma massagem nos meus pés antes de ir? –
pediu dengosa. – Estou sonhando com a sua massagem desde
aquele dia no clube...
Porra... isso não vai dar certo!
Eu não deveria, mas queria muito. A garota é linda e eu
passei boa parte da noite a cobiçando mentalmente. Mas não tinha
certeza se ela estava em sã consciência e não podia permitir que as
coisas saíssem do controle.
– É melhor não, Camila.
– Por favor, Doutor...
Seu tom soou bem sexy para os meus ouvidos e meu pau
deu uma leve latejada.
Meu Deus... o que eu faço?
Quando viu que eu não respondi, insistiu:
– É só uma massagem, Daniel... meus pés estão doendo.
É, acho que não tem nada demais nisso...
– Ok – falei ao me sentar na cama mais uma vez.
A garota abriu seu sorriso lindo e esticou os dois pés no meu
colo de novo. Com uma mão em cada pé, passei a massagear com
os polegares a região que conhecemos como peito do pé. Mas não
eram nos pés dela que meus olhos estavam presos e, mesmo
tentando me segurar, não conseguia para de admirar suas pernas
bem torneadas, alternando o olhar entre as coxas e os seios
pequenos.
– Hum, que gostoso! – murmurou também sem tirar os olhos
de mim.
Meus olhos mudaram o foco e passaram a alternar entre
seus lábios e os seios no sutiã rendado. Meu corpo foi reagindo e
comecei a ficar excitado. Tentei ignorar o sangue concentrando no
meu pau e permaneci um tempinho a massageando, até que a
Camila começou a gemer baixinho. Sua respiração também se
tornou ofegante e percebi porque não conseguia desgrudar meus
olhos dela. Aquilo me deixou com o dobro de tesão e decidi que
estava na hora de me retirar.
– Bom, já vou dormir, você precisa descansar... – e me
levantei novamente.
A Camila espreguiçou de novo, dessa vez, passando a mão
no lado esquerdo da minha cama de casal.
– Dorme aqui comigo? – Sua voz sensual ecoou pelo quarto
e eu não soube o que responder.
Eu queria muito dormir ali e fazer muitas outras coisas além
de dormir. Como não falei nada, ela repetiu o convite ao passo que
chegava para o lado.
– Dorme aqui, Daniel? Não quero incomodar, você não
precisa sair da sua cama.
Continuei sem saber o que fazer e o que responder. E foi aí
que ela tomou as rédeas. De modo ágil, se ajoelhou na minha cama
e me puxou pela camisa com as duas mãos. Como não esperava
aquilo, caí sobre ela no colchão, que riu satisfeita.
– Parece um anjo, mas gosta de provocar igual a uma
diabinha – falei com os olhos fixos nos lábios rosados, tentando não
soltar meu peso todo em seu corpo.
– Engraçado que são sempre essas duas fantasias que uso
quando vou a alguma festa à fantasia. Anjinho e capetinha...
Eu ri.
– Combina muito com você, loira!
Ela ficou em silêncio, me olhando provocativamente. Fui
perdendo as forças e deslizei meu polegar pelo seu lábio inferior.
– Você é linda! – disse a ela. – Atrevida, enxerida e
encrenqueira, mas muito linda!
A minha intenção era quebrar aquele clima sensual entre
nós, porque estava com medo das minhas próprias ações, afinal,
meus pensamentos eram os mais obscenos possíveis. Mas não tive
êxito algum, porque a Camila gargalhou com a minha fala, ao
mesmo tempo em que me envolveu com as pernas e entrelaçou os
pés nas minhas costas.
Porra...
Não consegui me segurar e fui com as duas mãos para a sua
bunda, apertando as duas bandas com força, conforme a puxava
contra meu pau duro e ansioso. A loirinha gostosa gemeu alto e
arranhou a minha cabeça com as unhas. Mas eu ainda estava
hesitante e quis ter certeza dos níveis de sobriedade dela.
– Você estava fingindo que estava dormindo dentro do carro?
– Talvez eu estivesse. Ou talvez não – contestou com a
mesma resposta que dei a ela no bar.
Dei risada. Eu não sabia outra forma de lidar com a Camila,
sem ser por provocações, então resolvi me divertir um pouquinho a
irritando.
– Não é assim que uma garota deve ser comportar – falei ao
me levantar e sair dos seus braços e pernas. – Acho que vou te
castigar! – E comecei a desabotoar a camisa.
Ela se apoiou no colchão pelos cotovelos e mordeu o lábio
inferior.
– Vai, é? Como?
Mais uma vez, ela me tirou algumas risadas com aquele
comportamento, visivelmente ansiosa.
Eu dei alguns passos para trás em direção à porta.
– Indo dormir no quarto de hóspedes – respondi e saí do
quarto bem rápido, apagando a luz e deixando-a sozinha e
inconformada.
Precisei de muita força para aquilo, pois meu pau doía de
tanto tesão. O que eu mais queria, era transar com ela loucamente
até a hora de sair de casa, mas aquilo não parecia ser uma boa
ideia.
Assim, fui descansar sozinho no outro quarto, rezando para
que ela não fosse atrás. Afinal, se ela fosse, eu não conseguiria
resistir.
CAPÍTULO 10

Camila
Filho da puta, Cretino!
Eu estava morrendo de tesão e ele simplesmente saiu do
quarto, me deixando lá sozinha. Mas eu já sabia qual era a dele. O
Daniel queria que eu implorasse. Só que eu não iria dar esse
gostinho para o médico pomposo jamais! Ou iria?
Meu corpo estava quente e eu estava muito excitada.
– Filho da puta! – murmurei frustrada.
Tentando não cair no seu joguinho, me virei para o lado e
abracei um dos seus travesseiros. Não foi a melhor das minhas
ideias, porque o cheiro gostoso de homem e perfume masculino
estava impregnado no tecido e senti-lo piorou bastante o meu
estado. Minha calcinha molhou na hora.
– Eu não vou correr atrás de você, seu babaca – falei
baixinho.
Só que meu corpo queria que eu fizesse exatamente isso. A
pegada forte que ele deu na minha bunda me deixou em chamas e
eu ainda podia sentir seus dedos na minha pele, assim como seu
pênis duro me cutucando por cima da calcinha, bem onde eu queria.
Passei a imaginar aquelas mãos enormes nos meus seios e as
coisas pioraram muito.
Se controla, Camila! Você não precisa disso! Não vai dar
esse gostinho para ele!
Respirei fundo e tentei limpar a minha mente. Voltei a pensar
na saída do bar, no momento em que o Daniel chegou do nada e
falou que me levaria embora. Quando entrei no carro, estava sim
com bastante sono. Cheguei a cochilar, mas assim que ele chamou
meu nome pela primeira vez, despertei na hora. Meu sono é
extremamente leve e não tinha como não acordar. Mas eu queria
que ele fizesse exatamente o que fez, ou seja, que me levasse para
o seu apartamento. Por isso fingi estar dormindo. Mas agora, ali,
deitada na sua cama, estava completamente desperta. Não só eu,
mas meus hormônios também.
Rodei de um lado para o outro entre aqueles lençóis macios
e branquinhos sem conseguir acalmar meu corpo, nem a minha
mente.
Bufei.
– Se controla, Camila! Você não precisa disso! – repeti,
dessa vez em voz alta.
Olhei ao redor do quarto escuro, sem conseguir prestar
atenção em nada.
– Não preciso, mas quero! – falei ao me levantar às pressas.
Andando na ponta dos pés, abri a porta do quarto tentando
não fazer nenhum barulho. Nunca fui de me fazer de difícil e não iria
começar agora.
No corredor, olhei as três portas fechadas, imaginado qual
seria a do outro quarto. Deduzi que fosse a de frente. Dei três
passos em direção a ela e segurei a maçaneta. Ao olhar para baixo,
para a fresta da porta, consegui ver uma luz fraca fugindo por ali.
Então, mesmo que não fosse lá o quarto de hóspedes, era lá que
ele estava. Com isso, não perdi mais tempo e rodei a mão com tudo.
Eu não esperava que a porta estivesse aberta. Pelo
contrário, pensava que ele teria trancado só para me fazer pedir
para abrir. Então fiquei bem surpresa quando entrei no quarto e o vi
me olhando com um ar irônico no rosto. O Daniel estava sentado
sobre a cama, com as pernas cruzadas para cima do colchão e
recostado na cabeceira. Ele já havia trocado de roupa. Vestia uma
regata branca que destacava bastante os seus braços e uma calça
de moletom cinza.
Nossa, que delícia...
– O que foi? Tem formiga lá na cama? – me perguntou com
um sorriso travesso.
– Tem – respondi ao me aproximar – e elas passaram tudo
para o meu corpo... – falei ao montar sobre o seu colo. – Eu estou
pinicando, Doutor...
Seu sorrisinho debochado sumiu e sua boca abriu, ao
mesmo tempo em que seus olhos se tornaram estreitos. Também
percebi sua respiração se alterando.
Assim que sentei sobre suas coxas, ele se reclinou para
frente, deixando o rosto bem próximo ao meu. Soltando um rugido
grave, não perdeu tempo em agarrar a minha bunda com força mais
uma vez, me trazendo para mais perto e me colocando exatamente
em cima do seu pau. Meu corpo todo reagiu e senti minha calcinha
umedecendo mais um pouco.
– O que você pretende, loira? – perguntou olhando dentro
dos meus olhos.
Preciso confessar que eu amo quando ele me chama assim
e respondi dengosa:
– O que você acha? Não estou conseguindo dormir... – falei
fazendo biquinho.
– Por que não?
Levei meus lábios para o lóbulo da sua orelha e respondi
bem baixinho:
– Porque estou muito excitada...
O Daniel gemeu alto mais uma vez, me apertando com o
dobro de força.
– E o que te excitou, meu anjo? O coroa aqui?
Logo que terminou a pergunta, eu soube que ele não
facilitaria as coisas para mim, mesmo que também estivesse
morrendo de tesão, afinal, ele sustentava uma ereção que eu
conseguia perfeitamente sentir. Inclusive, dei uma mexidinha em
seu colo justamente para sentir melhor.
– Sim, Doutor, você que me excitou... – falei ao me
posicionar exatamente em cima.
Ele riu satisfeito, subindo com as mãos para a minha cintura.
– Mas eu nem fiz nada ainda... Ainda nem beijei a sua boca,
garota...
Foi a minha vez de rir.
– Pelo “ainda”, sinal que vai beijar logo, logo, não é?
Ele me soltou e voltou a encostar na cabeceira, levando as
mãos para trás da cabeça. Seus músculos dos braços se
flexionaram e meus olhos acompanharam todo o movimento.
– Vou sim... mas só depois que ouvir você me pedir para
fazer isso, é claro – respondeu petulante.
Passei meu dedo indicador sobre os músculos torneados,
seguindo delicadamente para a veia grossa do antebraço.
– O que você disse? – perguntei. – Não consegui prestar
atenção...
– Que sim, que vou beijar bastante a sua boquinha deliciosa,
mas só depois que você pedir.
Revirei meus olhos, fingindo que não era aquela a resposta
que eu esperava.
– Eu não vou pedir nada. E também não vou dormir nesse
estado – disse ao deslizar minhas mãos pelo meu próprio corpo. –
Você pode fazer parte da diversão, ou não.
– Só vou fazer parte se você pedir. Quero ouvir você
dizendo: Daniel, me come gostoso... me faça gozar, porque eu estou
doida por você...
Acho que eu teria ficado brava em outra situação, mas ouvir
aquela voz grossa insinuando que iria me comer gostoso e me fazer
gozar, me deixou até com dificuldade de respirar.
Porém, eu não pediria jamais. Quero dizer, não com
palavras. Por isso, passei a me esfregar nele, rebolando bem
devagar sobre seu pau duro.
Mais uma vez o Daniel gemeu alto, tombando a cabeça para
trás. Ele fechou os olhos tentando não me observar, mas suas mãos
voltaram para o meu corpo na mesma hora.
– Vai me deixar sozinha nessa, Dani? – perguntei com
dificuldade.
Ele abriu os olhos e fez menção de dizer algo, mas as
palavras não saíram.
– Vai? – insisti, aumentando a pressão.
– Vo... vou... quero só observar...
Assim como a minha, sua respiração estava bem ofegante.
Seu peito subia e descia com rapidez enquanto seus olhos
entreabertos me fitavam. E eu me movimentava devagar sobre ele,
me deliciando com o roçar da minha parte mais sensível na sua
ereção.
Sem conseguir se segurar por muito tempo, ele fincou os
dedos na minha cintura, me apertando ainda mais contra si e me
fazendo acelerar os movimentos. Foi a minha vez de gemer alto,
conforme ele me obrigava a ir mais rápido. Pensei que ele
realmente ficaria só olhando enquanto me divertia com seu corpo,
mas em um momento de distração, ele me agarrou pela nuca
levando a minha boca para a sua. E me beijou.
Porra...
Quero dizer, ele me devorou. A língua perversa e habilidosa
do Daniel me invadiu com tudo, me deixando zonza e roubando todo
o meu fôlego. Seu beijo quente e excitante combinou divinamente
com o meu, me fazendo colocar mais aquela qualidade na minha
lista mental de qualidades dele. Seus lábios macios, somados ao
modo como me mantinha presa a si, causaram inúmeros arrepios
pelo meu corpo. Comecei a pensar que só o seu beijo delicioso
fosse capaz de me fazer gozar.
Caralho, que beijo...
Enquanto me beijava, o Daniel me esfregava com força
contra o seu pênis e eu ficava cada vez mais molhada –
desesperada para senti-lo dentro de mim. Tinha certeza de que ele
podia sentir, porque o tecido da sua calça não parecia ser muito
grosso.
Passamos bons segundos daquela forma, curtindo todas as
sensações que aquele movimento propiciava, até que foi ficando
difícil me segurar.
– Para, para, para – pedi com a boca colada à dele.
– Por quê?
– Porque estou ficando com vontade de gozar...
– Então goza, meu anjo! Estou louco para ver você
gozando...
Após dizer aquilo, ele parou de me beijar, descendo com a
boca pelo meu pescoço e parando na parte superior dos meus
seios. Com bastante destreza, distribuiu deliciosos beijos por ali, me
deixando ainda mais no limite.
Meu coração estava disparado e minha cabeça tentava
raciocinar, mas quando o Daniel voltou com os lábios para a minha
boca, meus pulmões arderam pela falta do ar e um orgasmo furioso
me arrebatou. Fechei meus olhos e minha cabeça caiu para trás.
Meu corpo todo tremeu e eu gemi alto enfiando minhas unhas na
pele do seu braço, mas sem parar de me mover. Na verdade, acho
que gritei, conforme ouvia o Daniel murmurando: “isso, goza
gostoso pra mim, meu anjo”!
Quando o último resquício de prazer me deixou, voltei a abrir
meus olhos e minha visão estava enevoada. O médico me olhava
com um sorrisinho satisfeito no rosto.
– Satisfeita, anjinho? – perguntou com malícia.
– Por hora, mas queria que você tivesse se divertido
também.
– E quem disse que eu não me diverti? – perguntou ao se
levantar da cama, comigo em seu colo. – Mesmo que eu não tivesse
melado toda a cueca, eu teria me divertido pra caralho, só de te
observar. Você é um tesão, Camila!
Foi impossível não sorrir com aquele elogio sexy e, sem
pensar duas vezes, ataquei mais uma vez a sua boca gostosa. E ele
correspondeu de imediato. Nós nos beijamos de modo ardente,
conforme ele caminhava comigo em seus braços, em direção ao
outro quarto, me segurando pela bunda. Ao chegar lá, me colocou
delicadamente sobre a cama, se deitando por cima de mim em
seguida. Nós passamos bastante tempo trocando beijos indecentes
e molhados, com tudo que tinha direito, lábios, línguas e muita
saliva.
E eu estava bem insaciável, sendo ele o responsável pela
pausa.
– Você precisa dormir, linda – me disse ao se deitar ao meu
lado ofegante. – Descansa que já está tarde.
O pensamento de que quando acordássemos transaríamos
loucamente me ocorreu e fiz o que ele disse.
– Ok, Doutor. Mas antes, me empresta seu celular para eu
enviar uma mensagem para a Débora? Não quero que ela fique
preocupada.
– Claro.
O Daniel foi para o outro quarto pegar o celular para me
emprestar. Depois disso, se deitou novamente ao meu lado. Eu
enviei uma mensagem para a minha irmã e devolvi o aparelho. Não
falei que estava com ele, apenas que estava bem e que demoraria a
chegar.
Senti o sono pesando e me deitei de lado, fazendo questão
de encaixar a bunda nele, que me envolveu com um dos braços e
deu uma mordida gostosa no meu pescoço. Depois disso, enfiou
aquela perna imensa no meio das minhas e bocejou. Nem vi quando
peguei no sono.

Acordei sem ter ideia das horas. Senti a cama vazia e olhei
para trás à procura do médico, mas ele não estava lá. Bem
sonolenta, me sentei na beirada da cama e quando olhei para o
lado, vi um papel na mesinha de cabeceira. Ao pegá-lo, vi que era
um bilhete para mim:

Meu anjo, fui para o trabalho. Meu plantão começa às


09h. Fica à vontade aí, tem leite e suco na geladeira.
No armário tem pão integral, biscoitos, torradas e pó
de café. Deixei meu celular comercial dentro da
gaveta para que você possa pedir um Uber. Meu
plantão só termina amanhã, do contrário, pediria que
você me esperasse aí...
Beijos...

Pensei que médicos tinham a letra feia...


– É, mais uma qualidade do Doutor pomposo... – falei em
voz alta.
Fiquei um pouco frustrada de saber que ele estava de
plantão, porque queria me acabar na cama com ele. Mas ao mesmo
tempo, achei o bilhete tão fofo. Após voltar com ele para o lugar, fui
explorar o apartamento.
Primeiro, dei uma analisada melhor no quarto do Daniel. Ali
havia uma TV na parede, um guarda-roupas não muito grande de
portas de correr, cama de casal e mesinha de cabeceira. Aquele
cômodo estava absurdamente arrumado e dei risada ao imaginar o
médico meticuloso entrando no meu quarto. Como diria a minha
mãe, ela não sabe se chama o meu quarto de quarto, ou de ninho
de mafagafos. Já o do Daniel, era extremamente organizado e
arrumado. Abri a gaveta da mesinha de cabeceira e dei de cara com
alguns preservativos e um pacote de balas Butter Toffees de
caramelo com chocolate.
– Está explicado o cheiro gostoso da boca dele...
Saí do quarto e fui bisbilhotar o resto do apartamento. A
cozinha era conjugada com a sala e todos os eletrodomésticos dela
eram de inox. Os armários eram pretos, assim como a bancada. A
sala era toda branquinha, mas o sofá também era preto. O painel
em que ficava a televisão era cor de madeira e não havia rack.
Depois de explorar tudo, fiz um cafezinho para mim.
Enquanto comia sentada à bancada dele, passei a recordar nossos
momentos quentes horas atrás. Meu corpo foi acendendo e voltei a
ficar frustrada por ele não estar ali comigo. Na minha mente, as
mais diversas cenas eróticas se desenrolavam e precisei mudar o
foco dos meus pensamentos.
Não sei por que, mas senti vontade de ficar ali até tarde,
sentindo a presença daquele homem cheiroso e viril em todos os
cantos. Seu perfume estava impregnado no ambiente e no meu
corpo, o que me fez demorar bastante para tomar um banho.
Passei o dia assistindo televisão e comendo as coisas da
dispensa do Daniel. Por volta das 18h, decidi que precisava ir
embora, mas antes, tomei um banho bem quentinho no banheiro do
seu quarto. Queria ficar com seu cheiro e também não hesitei em
passar seu perfume que estava sobre a pia do banheiro.
Após ajeitar tudo que sujei e baguncei, procurei um papel e
uma caneta para deixar um bilhete para ele.

Uma pena que você teve que ir trabalhar, eu


tinha muitos planos para nós. Espero poder concretizá-los
em breve.
Obs.: deixei uma lembrancinha minha para você
na galeria do seu celular.
Camila

O Daniel tinha dito que o aparelho era de trabalho, mas não


vi problema em deixar uma surpresinha para ele ali. Assim que saí
do banho, tirei uma foto minha só de toalha, fazendo uma cara de
safada. Afinal, eu não podia ser a única a ficar morrendo de vontade
de transar.
Após verificar se realmente havia deixado tudo arrumadinho,
chamei o Uber com o telefone dele, ansiando pelo momento em que
nos veríamos de novo.
CAPÍTULO 11

Camila
No dia seguinte, passei praticamente o tempo todo pensando
no Daniel. Quando meus pensamentos seguiam para os nossos
momentos na madrugada de sábado, eu tentava de tudo quanto é
jeito me distrair com as funções do trabalho, ou puxando assunto
com as meninas. Mas preciso confessar que não tive sucesso
algum. Seu cheiro gostoso parecia estar impregnado no meu nariz e
na minha pele, assim como o sabor dos seus beijos maravilhosos na
minha boca.
Em vários momentos do dia, a Nane e a Nara me
perguntaram por que eu estava rindo sozinha e precisei inventar
qualquer desculpa para estar sorridente feito uma boba apaixonada.
E se havia algo que me apavorava, era a possibilidade de me
apaixonar. Quero dizer, eu não temia me apaixonar, mas sim, me
apaixonar sem ser correspondida. Com todo o meu histórico com o
Luiz Henrique, tinha muito medo de cair em uma cilada daquelas de
novo. Tudo bem que o Daniel não parecia ser um cara muito
galinha, mas também não era um monge e havia uma vasta
possibilidade de pretendentes. Eu precisava ter em mente que
aquilo que rolava entre nós não passava de tesão.
Mas apesar dos meus receios, fiquei imaginando quando nos
veríamos de novo. No dia anterior, quando cheguei em casa, a
Débora já havia saído para a casa do Gustavo e não consegui pegar
o número do Daniel no telefone dela. E minha irmã nem imaginava
que eu havia enviado a mensagem do telefone do médico que eu
tanto detestava. Como também iria para o apartamento do meu
irmão mais tarde, pensei até em pedir o número dele para a Lauren
inventando uma desculpa qualquer, mas fiquei com medo de que ela
desconfiasse o real motivo para eu querer o número do seu ex. E
apesar de a minha cunhada amar meu irmão, eu também temia criar
algum desconforto entre nós.
Na hora da pausa, fui com as meninas para a cantina tomar
um café. Na maioria dos dias, nós comíamos lá, pois as duas eram
viciadas no pão três queijos que eles vendiam e acabaram me
viciando também. Por esta razão, nós quase não comíamos no
refeitório, como os demais funcionários. Estávamos quase voltando
para o faturamento quando o Davi apontou na entrada da cantina,
todo sorridente e cheio de marra, com seu uniforme azul.
– Lá vem o seu fã, Camila – a Nane brincou baixinho.
– Fã dela e do hospital inteiro – a Nara rebateu. – Esse
técnico não pode ver um rabo de saia.
– Até concordo, mas ultimamente só vejo ele jogando
charme para o lado da Camila – completou.
Pensei em dizer que eu duvidava muito daquilo, mas ele
olhou em nossa direção no exato momento em que abri a minha
boca, então apenas sorri para ele. E é óbvio que ele veio
imediatamente em nossa direção.
– Boa tarde, meninas! – nos cumprimentou. – Ele puxou uma
cadeira e se sentou exatamente ao meu lado. – E aí, loirão, como
você está? – perguntou ao me dar um beijo no rosto.
O “loirão” do Davi levou meus pensamentos direto para o
Daniel. Foi impossível não me lembrar do modo como a palavra
“loira” soava em seus lábios e em como eu gostei de ouvi-lo me
chamando daquela forma. Quando dei por mim, já estava
recordando nossos momentos quentes. Aquilo me assustou
bastante, porque eu não costumava ficar relembrando tanto quando
ficava com alguém. Então, mais uma vez, obriguei meus
pensamentos a voltarem para o presente.
– E aí, Davi, como você está? – perguntei.
– Bem, mas melhor agora na sua companhia. – Ele olhou
para a Nara e para a Nane, consertando a frase: – E na presença de
vocês também.
Nós três rimos com aquele flerte manjado e ele também riu,
pois não estava nem um pouco preocupado em parecer sincero. Ele
perguntou o que eu faria no fim de semana e, quando respondi que
não tinha planos, não hesitou em me chamar para sair. Agradeci o
convite e disse que qualquer coisa falava com ele. A verdade é que,
assim que ele me convidou, meu cérebro criou imagens minhas com
o Daniel e fiquei pensando que seria muito bom encontrá-lo no
sábado.
Ficamos mais uns cinco minutinhos conversando com o Davi,
depois nós três retornamos ao faturamento.
O dia passou arrastado, muito possivelmente porque eu
estava morrendo de ansiedade de sair do trabalho. Já tinha decidido
que assim que chegasse no apartamento do Gustavo, pediria seu
telefone emprestado e pegaria o número do Daniel escondido. Com
certeza meu irmão tinha salvo na sua agenda.
Às dezoito horas em ponto saí correndo do hospital. Pedi um
Uber e fui direto para a casa do Gu. Conforme combinado com
todos, seria o meu dia de dormir lá, já que a Débora tinha dormido
na noite anterior. Mesmo que meu irmão e minha cunhada
insistissem que aquilo não era necessário, eu e a Débora fazíamos
questão de ir.
Ao chegar, a Lauren estava com duas visitas. Suas amigas
Ana Flávia e Maíra estavam visitando as gêmeas. As três se
tornaram amigas quando a Lauren se mudou para Curitiba e eu
sabia disso porque ela já havia me contado toda história. Inclusive, o
apartamento que o Daniel morava era do pai da Ana Flávia. Assim,
logo que me lembrei daquilo, meus pensamentos voltaram para o
médico gostoso.
Se controla, Camila!
Como a Ana já conhecia as gêmeas por ter sido a
responsável por trazê-las ao mundo, ficou na cozinha ajudando a
Lauren a preparar uns petiscos, enquanto a Maíra dividia sua
atenção entre a Lud e a Luíza. Nós duas estávamos sentadas ao
sofá e meu irmão estava no quarto descansando.
– Elas são a minha cara, né? – perguntei para a Maíra
fazendo graça.
As gêmeas estavam deitadas em seus carrinhos, balançando
as perninhas e bocejando, enquanto nós duas as observávamos.
– Elas não se parecem nem com você, nem com a Lauren e
nem com o Gustavo. Recém-nascidos são todos iguais e bem
feinhos – falou baixinho para a minha cunhada não ouvir. Ela riu e
continuou: – mas são bem fofos também, assim como elas.
Eu ri e assenti, porque precisava concordar com ela. A Maíra
é muito engraçada e me fez rir bastante nos vinte minutos que
passamos sozinha com as bebês. Quando a Lauren e a Ana
retornaram para perto de nós, trouxeram alguns petiscos e sucos,
os colocando sobre a mesinha de centro.
Minha cunhada contou para mim e para as amigas como
estava sendo a maternidade e a nova rotina. Disse que esperava
que fosse ser mais difícil, mas que com toda a rede de apoio ao seu
redor, até o momento, ela não tinha do que reclamar. Ela olhou para
mim e me mandou um beijo no ar. Eu sorri, porque fiquei muito feliz
de saber que eu, meus pais e minha irmã estávamos conseguindo
ajudá-los. A Lauren também não poupou elogios ao meu irmão,
dizendo que ele era um excelente pai e excelente parceiro. Eu já
sabia disso, porque meu irmão é perfeito e eu sonhava em ter
alguém como ele ao meu lado. Mas também não poderia deixar de
zoar:
– Eita, que babação de ovo! – brinquei. – Você está muito
romântica, Lauren! Deus me livre ficar assim, porque o Gustavo não
é isso tudo não.
– Aham, falou aquela que defende o irmão com unhas e
dentes. Tem ciúmes até da mulher dele... – retrucou.
Dei uma gargalhada bem alta, porque aquilo era a mais pura
verdade, além de um dos motivos para eu não ter gostado do Daniel
quando o conheci. E quando pensei naquilo, meus pensamentos
voltaram para a madrugada de sábado.
Estava perdida em lembranças quentes, quando a voz da
Lauren me distraiu.
– E você e o Daniel, em que pé estão? – a ouvi perguntar.
Meu coração acelerou e rapidamente olhei para ela, prestes
a pedir que ela repetisse a pergunta. Mas aí me dei conta de que ela
não estava falando comigo, mas sim, com a Ana Flávia.
A médica suspirou toda sorridente se ajeitando no sofá.
– Eu não queria confessar, mas preciso dizer que estou
apaixonada...
Meu coração disparou, conforme a minha cabeça tentava
acompanhar aquela conversa. E ela seguiu falando, enquanto a
Lauren e a Maíra ouviam empolgadas.
– Ontem passamos o dia todo juntos. Ele me levou para um
hotel fazenda e ficamos o dia todo no chalé. Chegamos por volta
das nove da manhã, e saímos já passavam das oito da noite.
– Transaram o dia todo então? – A Maíra perguntou sorrindo.
– Praticamente – a Ana respondeu também sorridente.
Senti meu corpo gelando e não conseguia falar nada, só as
ouvir, olhando cada hora para uma.
Calma, Camila. Não existe só um Daniel no mundo...
A Lauren dispersou o assunto um pouquinho, com o
comentário que fez.
– Não vamos falar de sexo para uma mãe de resguardo,
gente.
As três riram, mas eu estava tão impactada com os rumos
daquele assunto, que não consegui achar graça.
Estava prestes a perguntar quem era Daniel, quando a Maíra
falou a frase que quase me fez vomitar:
– O médico gostosão te fisgou de jeito, hein amiga...
Puta.
Que.
Pariu.
Não é possível...
– Fisgou, gente – ela concordou – e, inclusive, me pediu em
namoro ontem. E é claro que eu aceitei. Nós nos demos muito bem,
desde quando começamos a trabalhar juntos. Ele é educado,
atencioso e muito bom de cama.
Nessa hora, meu coração parecia estar em um ensaio de
escola de samba. Eu tentava a todo custo achar uma explicação
lógica, mas nada vinha à minha mente. Sei que não tínhamos nada
um com outro, mas não era possível aquilo. A gente quase transou
e ele me disse que tinha ido trabalhar. TRABALHAR. Não pedir
outra mulher em namoro e passar o dia todo transando com ela.
Se acalme, Camila, deve ser outro médico com o mesmo
nome...
Mais uma vez, estava prestes a perguntar na cara de pau
quem era o namorado da Ana Flávia, quando mais uma vez a Maíra
poupou meu trabalho.
– Então a Lauren tinha razão, ele tem uma pegada de
apaixonar, já que você está caidinha por ele...
E ali foi embora toda a minha esperança. Não sei dizer quais
eram os sentimentos que me dominavam naquele momento. Não
sabia se estava chocada, com raiva, horrorizada ou qualquer outra
coisa. Eu não conseguia dizer absolutamente nada e minha cara
deveria estar péssima, porque a própria Ana Flávia comentou.
– O que houve, Camila? Está tudo bem? Não gosta de falar
de sexo?
Minha cunhada respondeu por mim, já que eu estava
completamente incapacitada.
– Ah, não. Eu te garanto que ela não tem problema algum
quanto a isso. – E riu.
Forcei um sorriso amarelo e obriguei minha voz a sair:
– Não é isso, mas de repente, fiquei um pouco enjoada.
Deve ser algo que comi durante o dia – menti.
As três continuaram animadíssimas conversando. Aproveitei
que a Lud havia dormido e a levei para o quarto. Após colocá-la no
berço, sentei na poltrona de amamentação da Lauren e fiquei
pensando em tudo que havia acabado de ouvir. Estava muito
atordoada. Não era como se eu tivesse acabado de descobrir uma
traição do meu namorado, mas realmente me sentia enganada.
Afinal, se ele estava ficando mais sério com alguém, não deveria
nem ter flertado comigo no bar. Mais uma vez, o ranço daquele
babaca voltou com tudo e terminei a noite pensando que nunca
mais queria ver seu sorrisinho cínico na minha vida.
CAPÍTULO 12

Camila
Na terça-feira, quando cheguei ao hospital, eu era só
estresse e mau humor. Não conseguia rir de nenhuma gracinha dos
meus colegas de trabalho, muito menos fazer piadas. Como a falta
de brincadeirinhas não é uma característica minha, todos eles
chegaram a me perguntar se havia acontecido alguma coisa, se
estava tudo bem comigo. Respondi que não havia acontecido nada
e que estava tudo certo, mas sei que ninguém acreditou.
A estratégia que encontrei para não pensar no ódio que
estava sentindo daquele médico safado foi enfiar a cabeça no
trabalho. E isso até deu certo na primeira parte do dia. Mas logo
quando voltei do almoço, fui fechar as faturas dos médicos da
pediatria e tive uma baita surpresa. Meu coração quase saiu pela
boca quando dei de cara com o nome “Doutor Daniel Sampaio” em
um prontuário.
Não é possível, meu Deus...
Cheguei a fechar meus olhos para me certificar de que
estava vendo certo. Quando os abri novamente, o nome conhecido
ainda estava lá, praticamente piscando para mim.
Ele não pode trabalhar aqui...
Senti que minhas mãos ficaram trêmulas e eu comecei a
suar. Tentando disfarçar meu susto, respirei fundo e me virei para a
minha chefe.
– Vânia... – olhei de novo para o prontuário antes de
prosseguir – estou com um prontuário aqui de um pediatra, Doutor
Daniel Sampaio, você o conhece?
– Conheço sim – respondeu se virando de frente para mim. –
Ele é um dos simpáticos que trabalham aqui. Ao contrário de muitos,
não anda como se tivesse um rei na barriga. Por quê?
Tentei disfarçar o quanto estava abalada com aquela
descoberta, dando uma limpadinha na garganta.
– Porque ao ver o nome, pensei que pudesse ser o pediatra
das minhas sobrinhas – justifiquei. – Aquele que ajudou no
nascimento delas.
– Possivelmente é ele mesmo, porque o Doutor Daniel já
comentou comigo que trabalha no Ana Nery também.
Não acredito nisso...
– A... ah, sim... entendi.
Um misto de euforia, decepção, raiva e ansiedade me
atingiu. É claro que era ele, porque seria muito improvável outro
médico pediatra com o mesmo nome e sobrenome. A Vânia
possivelmente percebeu que algo não batia na minha justificativa e
no meu comportamento, porque permaneceu uns bons segundos
me olhando com um olhar especulativo.
– O que foi? – perguntei, tentando passar tranquilidade.
– Não sei, você está muito estranha hoje.
– Estou só cansada.
– Entendo. – Ela sorriu. – Eu tenho uma foto dele aqui, quer
ver?
– Quero!
Ela já havia se virado para pegar o celular sobre a mesa,
mas o modo desesperado com que respondi à pergunta, fez com
que ela se virasse de novo, levantando as duas sobrancelhas para
me olhar.
– Tem alguém um pouco desesperada aqui, não é?
– Tem? – me fiz de boba. – Estou normal.
Ela riu e não estendeu o assunto. Pegou o celular e me
mostrou uma foto de confraternização de final de ano do hospital. E
é claro que era ele.
Puta que pariu!
Meu coração deu mais uma acelerada e eu não soube
identificar se estava magoada ou sei lá o quê. O filho da puta estava
bonito pra caralho! A foto era de dezembro, na qual o médico
pomposo estava absurdamente lindo, vestindo uma calça jeans
branca, com uma camisa social também branca, com o último botão
aberto. Ele sorria meio de perfil, olhando para um amigo que estava
ao seu lado.
A Vânia e mais algumas outras pessoas também estavam na
foto, todos posando, mas o Daniel parecia distraído com o amigo.
– É, é ele mesmo – falei depois de muito olhar a foto.
Tentei soar normalmente, mas minha voz estava trêmula.
Quero dizer, meu corpo todo tremia por dentro e eu odiei me sentir
daquela forma por um cara tão safado.
Minha chefe permaneceu me analisando, mas fingi que não
estava vendo e voltei a me concentrar no trabalho.
Mais tarde, quando faltavam uns vinte minutos para encerrar
o expediente, mandei uma mensagem para a Carol. Precisava muito
desabar com uma amiga sobre toda aquela situação.
Eu: preciso muito falar com vc, tá de plantão hj?
Carol: Hj ñ... mas podemos nos encontrar naquele café, o q acha?
Eu: Acho ótimo. Pode ser às 18h30?
Carol: Pode. Estarei lá.
Depois da nossa troca de mensagens, as horas pareceram
parar, mas quando deu meu horário de sair, despedi do pessoal
como se estivesse indo apagar um incêndio. Meus colegas de
trabalho ainda me zoaram, perguntando por que eu estava tão
desesperada para ir embora e falando que eu deveria estar com dor
de barriga. Respondi que era exatamente isso e fui às pressas ao
encontro da Carol.
Quando cheguei ao café e vi que minha amiga já me
esperava, sentada em uma das mesinhas da parte de fora, respirei
aliviada. Dei um abraço apertado nela, antes de me sentar.
– O que houve, Cami? Problemas no trabalho?
– Não, Carol. Quero dizer, tem a ver, mas não tem. –
Suspirei. – Como te falei, o trabalho é ótimo e o pessoal do meu
setor é melhor ainda. Os meninos são muito simpáticos e atenciosos
e as meninas, nem se fala. Graças a Deus me dei muito bem com
todos. A Vânia é uma chefe perfeita!
– Então qual o problema? – perguntou intrigada.
Suspirei profundamente antes de começar a falar. Quando
minha amiga já não se aguentava mais de expectativa, perguntei:
– Você conhece o Daniel Sampaio?
– Mas é claro, Cami. Trabalho com ele na pediatria às vezes,
quando pego extra. Ele é um amor! O Doutor Daniel é muito justo e
atencioso com as crianças e um excelente médico.
Bufei. É claro que minha amiga o conheceria e, assim como
todo mundo, só teria coisas boas a dizer do médico safado.
– Por que a pergunta? – quis saber, depois que se cansou de
esperar que eu falasse algo.
Sem demorar mais, contei para a Carol tudo que havia
acontecido entre nós dois, desde o primeiro encontro meses atrás,
até o último final de semana. Minha amiga me ouvia atentamente,
ora balançando a cabeça afirmativamente, ora franzindo o cenho
demonstrando estranheza. Quando terminei de contar detalhe por
detalhe, ela rompeu o silêncio.
– Não sei nem o que dizer, Cami. Você está me dizendo que
praticamente transou com ele?
– Sim, e que ele me deixou em seu apartamento para ir
transar com outra e a pedir em namoro.
– Nossa, eu não esperava que ele fosse safado assim. É
sempre tão respeitoso, até com aquelas que se jogam em cima
dele, como a Doutora Melissa.
– Quem é essa?
– É uma médica pediatra também. Sempre que tem
oportunidade, a mulher está lá dando mole para ele. Chega a ser
constrangedor, porque ela nem disfarça. O hospital inteiro já
percebeu e comenta.
– E aposto que ele se aproveita – falei imaginando.
– Não, pelo contrário. Sempre finge que não está
entendendo e a trata com muita educação.
Eu duvidava muito que ele não desse uns pegas nessa tal
Melissa, mas não entrei nesse assunto.
– E a Ana Flávia, você a conhece?
– Já ouvi falar muito bem dela, mas não a conheço
pessoalmente. Uma vez tentei marcar meu preventivo com ela, mas
a mulher nunca tem vaga.
– É... – suspirei. – Ela é boa mesmo. Além de uma excelente
profissional, é muito simpática e educada. – Suspirei mais uma vez.
–Nossa, eu estou com tanta raiva de mim mesma por ter caído na
lábia dele... Sempre consegui fugir de homens mentirosos, exceto o
Luiz Henrique. Mas no geral, não caio em conversa fiada.
– Ah, Cami, não fica se recriminando. Não tinha como você
saber. Você não fez absolutamente nada de errado. Agora...
– Agora o quê?
– Nunca te vi incomodada com algo parecido. Pelo contrário,
sempre achei legal o modo como você lida com sexo casual e o fato
de você saber separar direitinho o tesão dos sentimentos. Você está
se sentindo diferente em relação ao Doutor Daniel?
Pensei um pouco antes de responder.
– Primeiro, você pode parar de chamá-lo de doutor?
Ela riu.
– Não dá, Cami. Já acostumei. E também não preciso te
dizer que ele tem doutorado porque sei que você já sabe.
– Já sei e não estou nem aí.
Ela riu mais.
– Agora responde a minha pergunta.
– Eu preciso confessar que se fosse qualquer outro cara, eu
estaria cagando, mas não esperava isso dele. Mas é só isso. Não
estou apaixonada ou algo do tipo.
– Entendi, mas de todo modo, esquece isso. Ou você tem a
intenção de confrontá-lo?
– Jamais. Simplesmente vou fingir que o último sábado
nunca existiu.
– Isso, deixa pra lá.
Depois de desabafar, fiz questão de mudar de assunto e
tentei não pensar mais no Daniel. A Carol aproveitou para me contar
sobre os preparativos da festinha da sua filha que seria no sábado
seguinte. Ela parecia tão empolgada quanto a Valentina.
Durante o tempo que permanecemos juntas, até que tive
êxito e não pensei mais no médico cretino. Mas quando cheguei em
casa e minha irmã perguntou com quem eu havia ido embora do
Karaokê, minha mente foi novamente para o médico safado.
Estávamos na cozinha lá de casa e a Débora me viu esquentando a
janta quando foi pegar um copo de água.
– Fui para a casa de uma amiga – respondi serena.
Só que minha irmã me conhece como a palma da mão dela e
sabia muito bem que eu estava mentindo.
– O que é isso? Você nunca foi de mentir para mim... Por
que não quer me contar?
Aquela pergunta despertou um monte de emoções estranhas
em mim, me fazendo bufar desanimada.
Se controla, Camila! Esquece esse homem!
– Não quero te contar porque estou arrependida e quero
fingir que aquela noite nunca aconteceu.
– Por quê? O que houve, Camila? – a Débora se preocupou,
falando sério, me encarando alarmada. – Aconteceu algo com que
eu deva me preocupar?
Acho que minha irmã pensou em abuso ou algo do tipo,
então precisei tranquilizá-la.
– Não, irmã, fica tranquila. Eu só descobri que ele tem
namorada e fiquei decepcionadíssima – resumi, torcendo para que
ela não perguntasse mais nada.
– Ah, sim. Entendi. Que susto... – ela respirou aliviada. – Não
preciso te dizer que é para você fugir dele, né?
– Não. É o que vou fazer.
Minha irmã ficou me observando, esperando um pouco mais
de explicação. Mas para a minha sorte, minha mãe entrou na
cozinha naquele exato momento, falando com o Gustavo por
chamada de vídeo. Ela e meu pai tinham voltado de viagem horas
antes e já estavam morrendo de saudades das netas. Assim, não
perdeu tempo em ligar para o meu irmão. Quando a Débora viu uma
das gêmeas no colo do Gu, já dispersou na hora e foi falar com ele
também.
Aproveitei a distração para sair dali, mas não sem antes
mandar um beijo para a minha sobrinha e dizer que a amava,
mesmo que ela ainda não compreendesse. Assim, fui jantar na sala.
CAPÍTULO 13

Daniel
Passei a semana inteira pensando em apenas uma coisa,
quero dizer, apenas em uma pessoa: Camila. A loirinha com cara de
anjo não saía da minha mente, muito menos os momentos quentes
que passamos juntos.
Ah, qual é Daniel...
O fato de estar pensando muito nela era estranho, porque isso
geralmente não acontecia quando eu saía com alguém. Depois que
fiquei solteiro, conheci algumas mulheres que gostei bastante.
Algumas delas, cheguei a sair mais de uma vez. Mas nenhuma se
manteve tão vívida assim nos meus pensamentos. Para falar a
verdade, eu sequer pensava a respeito depois que nos
despedíamos. Mas com a Camila foi tudo bem diferente e eu não via
a hora de encontrá-la de novo.
Podia jurar que ela iria me ligar e esperava ansioso pelo seu
telefonema. Como deixei meu celular comercial no apartamento
depois que saí, supus que ela tivesse salvado o meu número. Mas,
para a minha decepção, a semana passou e não tive nenhum sinal
da loirinha marrenta.
A ideia de ligar para a Lauren e pedir o telefone da Camila
passou pela minha cabeça, mas a minha ex não iria sossegar
enquanto eu não informasse o motivo do meu interesse. Eu não
tinha problema algum que ela soubesse que fiquei com a sua
cunhada, mas não sei se a Camila não se incomodaria. Por isso,
deixei a ideia de lado.
Mas estava difícil pra caralho me manter quieto no meu
canto. Principalmente quando eu pegava o meu celular e dava de
cara com a loirinha sedutora me olhando só de toalha e fazendo
cara de safada. Quando vi aquela foto pela primeira vez,
imediatamente enviei para o meu telefone pessoal e coloquei como
proteção de tela. Sim, me comportei como um adolescente
apaixonado, mas a Camila realmente é apaixonante. É intensa, linda
e extremamente sexy. Também é carinhosa e apaixonada pela
família. E todas essas qualidades eu só fui enxergar quando perdi a
má impressão que ela me causou no início.
E ver a sua foto toda vez que precisava pegar meu celular
não ajudava muito porque, mesmo sem querer, passava a recordar
os momentos quentes que passamos juntos.
Porra, Daniel, a garota te enfeitiçou...
Acabei rindo com o pensamento, porque eu realmente estava
me sentindo enfeitiçado.
No sábado, estava de plantão no Maria Diane e, como nos
outros dias, esperava ansioso por um sinal de vida da Camila. Mas
o dia passou e ela também não ligou. Quando meu plantão acabou,
fui para o vestiário retirar o scrub, pois tinha atendido na emergência
o dia todo. Assim, vesti minha calça jeans e uma camisa de botão
que estavam no meu armário e desci para o primeiro andar. Já
estava no estacionamento quando o Alex me mandou uma
mensagem dizendo que precisava falar comigo. Disse que estava
terminando um último atendimento e fui para a recepção esperá-lo.
Enquanto aguardava o meu amigo aparecer, fiquei
conversando com o segurança da portaria, o Sérgio, sobre
situações comuns ali do hospital. Era durante a noite que
aconteciam os casos mais cômicos e nos recordamos do dia em
que um paciente na faixa dos quarenta e cinco anos deu entrada lá,
no começo do ano. O homem havia sido atropelado e, após os
exames, o médico traumatologista do plantão verificou que ele
estava com hemorragia interna e precisava ser internado. Só que o
homem se negou, alegando precisar ir ao churrasco do time local do
qual era torcedor e jogador. Aquilo aconteceu em um sábado à noite
e o churrasco seria no domingo após o almoço. O Miguel,
traumatologista que o atendeu, imprimiu uma declaração de que o
homem se recusava a ser internado e deu a ele para assinar. Ele
assinou imediatamente, sem ler absolutamente nada. O Miguel se
preocupou que o paciente não estivesse entendendo a real
gravidade da situação e leu a declaração em voz alta: “Eu, Roberto
Gomes, renuncio à hospitalização e estou ciente de que morrerei
nas próximas 12 horas”. O tal do Roberto arregalou os olhos
imediatamente, levando as duas mãos ao peito. Com o choque
estampado em seu rosto, perguntou ao Miguel, que estava
acompanhado da técnica de enfermagem Maria Cecília: “Por que eu
vou morrer, Doutor?”. Eu e o Alex observávamos a cena,
debruçados sobre a ilha principal, nos divertindo com aquela
situação. O Miguel seguiu tranquilamente: “Como eu disse, o senhor
está com uma grave hemorragia interna. Tenho a obrigação de lhe
avisar a iminente morte e não tenho tempo para te convencer,
outros pacientes estão esperando para serem atendidos”. O Senhor
Roberto parecia estar um pouco embriagado, mas seu porre passou
naquele instante, com a sua ficha caindo na hora. Ele pegou a
declaração e a rasgou com pressa. Por fim, perguntou: “O quarto
tem televisão?”. Nessa hora, eu e o Alex não nos aguentamos e
começamos a rir. O Sérgio também assistia à cena próximo à
portaria e precisou levar a mão ao rosto para disfarçar o riso. Com
isso, o Miguel seguiu sem paciência e bem indignado com o
paciente para a internação.
– É cada uma, né, Doutor... – o Sérgio falou com
divertimento, ao me recordar da cena.
– Sim, meu amigo, é cada figura que aparece por aqui...
– No outro hospital que o senhor trabalha, também tem
essas situações engraçadas? – me perguntou.
Eu já havia dito para ele que não precisava me chamar de
“doutor”, muito menos de “senhor”, mas não adiantava.
– Sim. Acho que em todo hospital tem – respondi.
Enquanto conversávamos, alguns funcionários iam
chegando, outros saindo, pois estava na hora da troca de plantão.
Nós continuamos conversando, até que a Abgail se aproximou, toda
arrumada e cheirosa. Ela era técnica de enfermagem e geralmente
trabalhava comigo na pediatria.
– Boa noite, Doutor Daniel! – me disse. – Boa noite, Sérgio!
Até segunda, se Deus quiser.
O Sérgio foi o primeiro a brincar com ela.
– Nossa, aonde você vai nessa pompa toda?
Ela riu.
– Eu vou ao aniversário da filha da Carol – nos disse, de
modo simpático.
– A Ana Carolina? Técnica da oncologia? – perguntei.
– Ela mesma.
A Ana Carolina era muito simpática e, apesar de não ser tão
próximo dela, eu a achava uma excelente profissional. Muito
dedicada e atenciosa com os pacientes. Às vezes ela trabalhava
comigo na pediatria.
– Poxa, fala com ela que estou chateado por não ter sido
convidado – brinquei.
– Falo sim, mas como mãe, já adianto que só chamamos
para as festinhas das nossas crianças quem também tem filho
pequeno, Doutor – respondeu em tom de gozação.
– Faz sentido – respondi. – Vou arrumar um filho para ser
convidado o ano que vem. Adoro docinhos de festas infantis.
Ela riu mais.
– É, aí a gente te convida.
– Mas cadê o seu filho? – o Sérgio perguntou para a técnica.
– Meu marido vai levá-lo e nos encontraremos lá. – Ela olhou
o relógio no pulso. – Na verdade, os dois já devem estar lá a essa
altura. Preciso ir, gente.
A Abgail se despediu de nós dois mais uma vez e saiu pela
porta principal. Uns minutinhos depois, o Alex chegou.
O que meu amigo queria era me levar para sair mais tarde e
marcar um golfe no domingo. Ele me disse que sua noiva estava
querendo sair e queria levar uma amiga solteira. Inclusive, foi ela
mesma quem sugeriu ao Alex que me convidasse. Mas é claro que
eu declinei do primeiro convite, pois não estava a fim de conhecer
ninguém. E eu ainda tinha esperanças de que a Camila pudesse
entrar em contato comigo naquele sábado. Já o golfe, não pensei
duas vezes antes de aceitar. Até porque, foi no clube que a gente
gostava de jogar que eu havia a encontrado por acaso. Seria ótimo
vê-la lá. Assim, nós marcamos o jogo para domingo após o almoço.
Após isso, me despedi do Alex e do Sérgio e fui pegar meu carro no
estacionamento.
Já estava chegando à cancela da saída, quando avistei a
Abgail ali próxima. Ela parecia impaciente, trocava o peso de uma
perna para a outra e olhava o celular resmungando algo. Ao me
aproximar, abaixei o vidro da janela para falar com ela.
– Você ainda está aí? Pensei que já estivesse na festinha da
filhinha da Carol.
– Era o que eu queria, Doutor, mas todos os Ubers dessa
cidade resolveram cancelar a corrida.
Eu me lembrei que estava tendo dois eventos grandes em
Curitiba naquele dia e deduzi que a maioria dos carros pudessem
estar por conta desses eventos.
– Entra aqui que eu te levo – falei para ela.
– Imagina, Doutor, o senhor não precisa desviar seu caminho
para me levar.
– Bom, se você me chamar de senhor de novo, eu realmente
não vou te levar – brinquei.
Ela riu.
– Me desculpe, mas VOCÊ não precisa desviar seu caminho,
Doutor.
– Faço questão, Abgail. Entra aqui.
Assim, ela não hesitou mais e entrou no meu carro. Pedi que
me desse o endereço do aniversário e o coloquei no GPS. Ficou
claro que a primeira recusa foi por educação, pois ela aparentou
estar bem aliviada com a carona.
Enquanto dirigia, nós conversávamos sobre a festa. A Abgail
me contou que seu filhinho de nove anos já estava lá e que seu
marido já havia mandado várias fotos do garoto completamente
suado, com os cabelos colados na testa. Eu dei risada, porque me
lembrei do meu sobrinho quando ele estava nessa idade. Acabei
comentando isso com a Abgail e falei que estava com saudade dele.
– Quantos anos ele tem hoje? – ela me perguntou.
– Hoje o Guilherme está com dezoito.
– Ah, sim. Já está um rapazinho.
– Um rapaizão – brinquei. – Está do meu tamanho.
Ela riu e nós permanecemos conversando até chegarmos ao
destino dela. Comentamos sobre algumas crianças que estavam
internadas e sobre a diferença de perfis entre muitos pais. Uns são
extremamente zelosos, outros, completamente negligentes.
Quando avistamos o salão, falei que estacionaria na porta
para que ela pudesse descer. Mas em frente ao local da festa não
havia vaga, então parei uns quatro carros atrás. Ali era proibido
estacionar então deixei o pisca-alerta ligado. Havia uma garagem ao
lado com uma placa bem grande escrito “GARAGEM: PROIBIDO
ESTACIONAR”, o que indicava que eu precisava ser rápido. Mas
como era só para ela descer, parei ali mesmo.
– Bom, Doutor, muito obrigada por ter me trazido até aqui.
Não conseguiria chegar sem o senhor. Obrigada mesmo!
Mas eu não consegui responder para a Abgail, porque meus
olhos estavam presos na loira vestida de bailarina na porta do salão
de festas.
Não é possível, não pode ser...
A garota na entrada do salão se parecia muito com a Camila
e cheguei a pensar que fosse ela mesma. Muito possivelmente, a
Abgail estranhou meu silêncio e se virou na mesma direção,
tentando identificar o motivo do meu susto e da minha falta de fala.
A bailarina estava com o corpo encurvado em direção à uma
menininha, também vestida de bailarina.
– O que houve, Doutor? Que cara de susto é essa?
– Pensei conhecer aquela moça ali – falei. – Mas acho que
me enganei.
Mas eu não conseguia desviar o olhar, porque, mesmo de
costas, a garota parecia demais com a Camila.
– Bom, às vezes é a mesma pessoa – me disse.
– Não é, mas não posso negar que é bem parecida com a
Camila.
– Entendi. Bom, eu preciso ir. Muito obrigada pela carona,
viu.
– Por nada.
Nos despedimos com um abraço rápido porque eu queria
desesperadamente continuar analisando a loira da entrada. Mas,
infelizmente, assim que a Abgail saiu do meu carro, a bailarina
também entrou para o salão de festas, de mãos dadas com a
criança. Eu não podia continuar parado ali, muito menos entrar no
lugar que não fui convidado só para chegar lá e descobrir que não
era a mulher que habitava meus pensamentos nos últimos dias.
Com isso, fui embora para a minha casa, torcendo para que
a loirinha marrenta me ligasse, pois já estava vendo coisas.
CAPÍTULO 14

Camila
A festinha da Valentina estava linda! Quando a Carol pediu
que eu fizesse uma parte da animação, achei que teria muito
trabalho, mas foi extremamente prazeroso. Eu amo crianças e amo
balé, então obviamente foi bem divertido para mim também. As
crianças eram muito fofas e muito educadas e fiquei extremamente
feliz quando até alguns dos meninos se interessaram em aprender
alguns passos.
Conforme havia combinado com a minha amiga, fui vestida
de bailarina e tinha como função ensinar as crianças que quisessem
dançar. A Valentina era apaixonada por balé e esse foi o tema da
sua festa. Mas a Carol também havia contratado uma equipe
profissional de animação, tanto para não me sobrecarregar, quanto
para suprir a criançada que não se interessava por balé. Assim, não
tive quase trabalho nenhum, e ensinar era o que eu já fazia mesmo
todos os sábados. Mesmo depois que comecei a trabalhar no
hospital, não saí da escolinha de balé, pois aquilo eu fazia por puro
prazer e era algo que me relaxava muito.
Quando tive uma folguinha com as crianças, fui atrás de uns
salgadinhos para comer. Estava com fome e com sede. A Carol
percebeu que eu queria algo e veio até mim.
– Cami, senta ali com as meninas do hospital. Vou te
apresentá-las. – E apontou para duas moças.
Uma delas estava com o marido e a outra, com uma criança
maiorzinha, que aparentava uns onze anos de idade. Eu
acompanhei a minha amiga até a mesa delas e a Carol as
apresentou para mim. Uma se chamava Maria Cecília, a outra se
chamava Abgail. Todas as duas eram técnicas de enfermagem e
trabalhavam no Maria Diane.
– Meninas, essa é a Camila. Além de minha amiga e
professora de balé da Valentina, ela também trabalha lá no hospital,
no setor administrativo.
– Muito prazer, meninas!
A Cecília me disse que eu poderia chamá-la de Ceci e se
levantou para me abraçar, me cumprimentando de modo afetuoso. A
Abgail também foi muito simpática, mas a frase que ela disse depois
de “Prazer, Abgail”, me deixou completamente sem fala e com o
coração retumbando dentro do peito:
– Então o Doutor Daniel tinha razão e você é quem ele
estava pensando.
Primeiro engasguei com a minha própria saliva, depois fiquei
muda por longos segundos. Por fim, resolvi perguntar:
– Não entendi, você pode repetir?
Ela riu de modo simpático.
– O Doutor Daniel te viu na entrada com a Valentina e ficou
te observando com a boca aberta. Quando perguntei o que havia
acontecido, ele apontou para você e me disse que você se parecia
com uma conhecida dele, a Camila.
Dei uma tossidinha limpando a garganta, tentando disfarçar o
meu susto. Ao dar uma breve olhada para a Carol, ela me
observava de canto de olho.
– Doutor Daniel? – repeti sem saber o que dizer.
– Sim. Eu estava de plantão hoje e assim que deu meu
horário, me arrumei para vir direto pra cá encontrar o Beto e o
Lucas. – E olhou para o marido. – Não estava conseguindo pedir
Uber e o Doutor Daniel me ofereceu uma carona. Ao me deixar aqui,
você estava na portaria com a Valentina e ele pareceu impactado
quando te viu. Eu perguntei se ele te conhecia e ele me disse que
“pensou ser a Camila”. Agora que sei que é esse o seu nome,
deduzi que fosse você mesma a conhecida dele.
Aquele era o primeiro dia que eu conseguia não pensar no
médico safado e, só de ouvir seu nome, fiquei completamente
desestabilizada. A Carol percebeu que fiquei sem reação e puxou
assunto com elas. Mas apenas a Ceci respondeu, porque a Abgail
ainda continuava esperando uma reação minha.
– Eu realmente o conheço – falei por fim. – Ele é ex-noivo da
minha cunhada e médico das minhas sobrinhas.
– Ah, sim – respondeu parecendo esperar mais alguma
explicação.
Tentei disfarçar ao máximo o quanto aquela informação
mexeu comigo, então me sentei com elas e puxei assunto também.
Voltei a minha atenção para o garotinho que ela tinha me mostrado
e ele estava com outros dois ao lado.
– Qual deles é o Lucas?
A Abgail apontou novamente para o moreninho mais alto e
me lembrei que era um dos que quis aprender balé. Passei a
conversar com a Ceci, puxando assunto sobre a garotinha que
estava com ela. A Ceci me disse que a Anna Beatriz era sua
enteada e que as duas se davam muito bem, por isso a levou ao
aniversário da Valentina.
Depois disso, não consegui prestar atenção em muito mais
coisa, porque o fato de saber que quase havia encontrado o Daniel
me deixou tensa. Ao mesmo tempo que eu queria ter falado com
ele, não queria. E eu detestava me sentir assim, tão confusa e
inconformada.
A solução que encontrei foi voltar a ensinar às crianças. Por
isso, ao acabar de comer, me despedi de todos e fiquei com um
grupinho de meninas empolgadas em se tornarem bailarinas até o
final da festa.
Com isso, consegui esquecer o médico safado.
No dia seguinte, acordei cedo para dar uma corridinha em
algum dos parques da minha cidade. Eu amo praticar corrida,
apesar de não ter muito tempo para isso ultimamente. É algo que
vai além de apenas uma atividade física, já que sempre procuro
correr em parques ou em locais com bastante vegetação. É outra
atividade que me relaxa e me faz deixar as angústias de lado.
Quando estou correndo, me sinto livre, com a sensação do vento
batendo contra o meu rosto, ao som ritmado de pássaros cantando
e, dependendo do lugar, crianças sendo felizes.
Cheguei à cozinha procurando uma banana para forrar o
estômago e meu pai estava lá passando café. Ao me ver com meu
look característico das corridinhas – short, camiseta preta e viseira
cinza – meu pai me questionou:
– Vai correr, Cami? Pensei que você fosse querer ir ao clube
comigo.
O clube...
Na mesma hora, o Daniel veio à minha mente.
Ai que saco ficar pensando nele toda hora...
– Não vou pai, combinei de sair com umas amigas.
– Ok, boa corrida então.
– Obrigada.
Eu não iria de jeito nenhum para um lugar que sabia ter
chances de dar de cara com o médico cretino, então continuei com
a ideia inicial da corrida. Geralmente ia para o clube com o meu pai
aos domingos e encontrava a Nadja lá para jogarmos tênis. Mas
naquele dia não seria assim.
Após comer minha frutinha, peguei meus fones de ouvido,
me despedi do meu pai e peguei o carro do Gustavo que, mais uma
vez, estava comigo.
Antes mesmo de sair de casa, decidi que iria para o Parque
São Lourenço. Aquele era um local que eu adorava ir. É bem
extenso, tem uma fauna e flora bem diversificadas, sendo ótimo
para o meu propósito de relaxar. Lá, além de pista de caminhada e
corrida, também tem ciclovia, quadra de vôlei, estacionamento e
sanitários.
Ao chegar, coloquei meus fones no ouvido e comecei a
correr. Quando as primeiras palavras de “Amarelo, azul e branco” da
Anavitória com a Rita Lee ecoaram nos meus ouvidos, já me sentia
menos estressada.
“Deixa eu me apresentar
Que eu acabei de chegar
Depois que me escutar
Você vai lembrar meu nome
É que eu sou de um lugar
Onde o céu molha o chão
Céu e chão gruda no pé
Amarelo, azul e branco
Eu não sei (não sei), não sei (não sei)
Não sei diferenciar você de mim
Não sei (não sei), não sei (não sei)
Não sei diferenciar
Ao meu passado
Eu devo o meu saber e a minha ignorância
As minhas necessidades, as minhas relações
A minha cultura e o meu corpo
Que espaço o meu passado deixa para a minha liberdade
hoje?
Não sou escrava dele
A melhor parte para mim era o refrão.
Eu vim pra te mostrar
A força que eu tenho guardado
O peito 'tá escancarado
E não tem medo, não, não tem medo
Eu canto pra viver
Eu vivo o que tenho cantado
A minha voz é meu império
A minha proteção”
Aquela música, com as vozes maravilhosas das três me
revigorava. Assim, finalizei meu dia com o coração quentinho,
pronta para começar a semana bem.
CAPÍTULO 15

Daniel
Na segunda-feira, estava cansado e sem paciência. Tinha
ido para o clube no dia anterior, só que a verdade é que não estava
a fim de jogar golfe. Só queria uma oportunidade para encontrar a
Camila, mas não tive sucesso. A loirinha marrenta não apareceu por
lá e fiquei bem decepcionado quando passei pela quadra de tênis e
não a vi. Eu já estava cansado e a ida ao clube me deixou ainda
mais destruído fisicamente. Podia jurar que ela iria, ou seja, minha
ida foi em vão.
É, mas ela pode ter ido no dia anterior...
No sábado eu estava de plantão no Maria Diane, então, se
ela foi ao clube, não teríamos nos encontrado mesmo. Naquela
altura, já começava a pensar que a Camila realmente não iria entrar
em contato comigo. Possivelmente, eu era apenas mais um cara
qualquer que ela havia beijado e nada a mais. Com certeza ela não
tinha interesse em repetir a dose e eu teria que me conformar,
afinal, se ela quisesse, conseguiria muito bem entrar em contato
comigo.
Assim, desisti de ficar pensando na loirinha marrenta e me
concentrei no trabalho. O tempo em Curitiba estava bem frio e eu
ainda estava me acostumando ao novo clima. Logo, para piorar meu
humor, minha respiração queimava, minha cabeça doía e meu corpo
começava a dar sinais de gripe. Mas eu precisava trabalhar e
continuei atendendo normalmente na segunda-feira.
Como comentei, aquele era um mês extremamente frio em
um Estado do Sul, e todas as crianças que atendi naquele dia
estavam com sinais gripais. Uma delas, um menininho de cinco
anos, precisei mandar para a internação, pois parecia estar em um
quadro inicial de pneumonia e com a saturação baixa. Pedi
radiografia e tomografia para confirmar e, de fato, era pneumonia.
Pelo meu estado gripal e pelo grande movimento do dia,
quando a noite chegou, eu me sentia mais exausto do que o normal.
Pensei que acordaria bem melhor na terça-feira, mas,
infelizmente, estava errado. Todos os sintomas de gripe chegaram
com tudo e por atender crianças, achei melhor não ir trabalhar.
Minha garganta começava a me incomodar também e eu sabia que
era dali para a pior.
Em resumo, mesmo que tivesse me automedicado cedo,
passei uma semana longe dos dois hospitais. Só fui retornar ao
trabalho na quarta-feira da semana seguinte e era meu dia no Maria
Diane.
A Abgail sabia que eu estava me recuperando de uma gripe
forte e, assim que me viu, quis saber como eu estava.
– Bom dia, Doutor Daniel! Como vai? Está melhor da gripe e
da garganta?
– Agora estou, Abgail. Obrigada por perguntar.
– Que bom. Não está acostumado com esse frio terrível
daqui, né... – Ela riu. – No Rio de Janeiro não faz frio nunca.
– Não estou acostumado mesmo. Olha, já foi difícil me
acostumar com o clima de Minas Gerais quando me mudei. O daqui
então... Oh lugarzinho gelado...
Ela riu mais e balançou a cabeça indicando que concordava
comigo.
– E como foram as coisas por aqui? Tudo em ordem? – eu
quis saber.
– Tudo. Nenhum caso complicado, a maioria das crianças
com problemas respiratórios, assim como o senhor...
– Senhor, Abgail?
– Você – se corrigiu sorrindo. – Me desculpe, Doutor, é força
do hábito.
Eu também ri.
– Bom, então vamos começar a ronda? – falei para ela.
Como eu havia ficado uma semana fora, pedi a ela que me
acompanhasse nas visitas da internação, para que pudesse me
atualizar dos quadros das crianças internadas.
No primeiro quarto que entramos, estava internado um
menino de onze anos. O pai estava presente, conversando com o
garoto que, apesar de miúdo, falava como um adulto.
– Tanto esporte para você fazer, Ian, quer fazer logo balé?
Não prefere judô ou natação? Talvez futebol?
– Não, pai. Meu sonho é fazer balé!
– Mas até o ano passado, seu sonho era ser lutador de tae-
kwon-do.
– Mudei de ideia.
– Mas balé é esporte de menina... – o pai respondeu. –
Meninos não fazem balé.
Na mesma hora, os cumprimentei dando bom dia aos dois,
pois eu sabia que se não interrompesse aquela conversa
imediatamente, em dois minutos a Abgail estaria dando esporro no
pai da criança. Ela é uma excelente profissional e ama o que faz,
então está sempre saindo em defesa das crianças em todos os
sentidos. E muitas das vezes, acaba discutindo com os pais por
alguma razão. Uns três ou quatro já haviam reclamado dela na
administração do hospital e a diretora chegou a cogitar em
dispensá-la. Eu e alguns outros médicos da pediatria tivemos que
interceder por ela, mas a técnica foi avisada de que não podia bater
boca com os pais em hipótese alguma. Assim, imediatamente me
apresentei.
– Bom dia! Meu nome é Daniel e vou verificar como o Ian
está.
– Prazer, Doutor Daniel, meu nome e Cléber – o pai do
garoto estendeu a mão para mim.
Retribuí o gesto e segui questionando o motivo da internação
do Ian.
– Vamos lá, Ian, o que houve para você estar aqui?
– Eu tô gripado – me disse meio fanho.
– Não é só isso – o pai acrescentou –, ele teve uma crise
asmática, Doutor.
– Mas ele é paciente asmático grave? De usar bombinha? –
perguntei.
– Não, não – a Abgail me respondeu. – Até então, ele nunca
havia internado. O Doutor Julio resolveu internar porque o Ian
estava reclamando de falta de ar, mas a saturação estava normal.
Dei uma olhadinha rápida para a Abgail, para ver se ela
estava querendo dizer algo e ela mexeu levemente uma das
sobrancelhas.
– Bom – falei tornando a olhar para o Ian –, vou te examinar,
ok?
O garoto assentiu de modo simpático e comecei examinando
seus sinais vitais e a temperatura corporal, partindo para o pulso e
pressão arterial. Estava tudo dentro do normal e passei para os
sintomas específicos da gripe, querendo entender melhor o quadro
da criança.
– Você teve febre recentemente? – perguntei.
Ele respondeu que não sacudindo a cabeça.
– Teve dor de garganta ou tosse?
– Só tosse – me disse.
– Ok. Deixa eu dar uma olhadinha na sua garganta e nos
seus ouvidos. Bota a língua para fora – pedi.
O Ian acatou meu pedido e, através de um abaixador de
língua e uma lanterna, dei uma olhada em sua garganta, que estava
completamente limpa. Também procurei sinais de linfonodos
aumentados no pescoço, mas não encontrei nada.
– Agora, eu quero ouvir os seus pulmões, está bem? –
perguntei.
– Tudo bem.
Retirei o estetoscópio do pescoço e coloquei as olivas nos
ouvidos, segurando o sino na mão. Não precisei pedir ao Ian que se
encurvasse um pouquinho para frente, pois ele já se adiantou,
suspendendo a camisa de pijama. Após auscultar seus pulmões,
anotei no prontuário que estava tudo certo. O garoto estava com o
nariz um pouco congestionado, mas aquilo não era motivo de
internação.
– Bom, parece não ser nada grave, Ian. Vou recomendar
alguns cuidados para te ajudar a se sentir melhor. E também,
lembre-se de beber bastante líquido e descansar – falei sorrindo.
O pai suspirou aliviado.
– Viu, filho... já, já você estará de volta ao tae-kwon-do.
Mas o Ian não pareceu nada animado e respondeu
consternado.
– Mas eu não quero voltar, pai...
Nessa hora, comecei a imaginar o que a Abgail quis dizer ao
levantar levemente a sobrancelha.
E o Ian continuou:
– Eu quero dançar balé! Eu desejo ser um bailarino! Desde
que vi uma apresentação de balé na escola, mudei de ideia em
relação ao tae-kwon-do. E também não gosto dos meninos de lá... –
explicou parecendo um pouco aflito. – Eles ficam curtindo com a
minha cara e fazem questão de não falar comigo.
A Abgail já estava inquieta ao meu lado e decidi que não iria
impedi-la de sair em defesa da criança. E ela não demorou nem
meio segundo para isso:
– Pai – se dirigiu ao pai do Ian –, tenho certeza que com todo
o amor que você sente pelo Ian, já vai começar a procurar possíveis
escolas de balé, não é? – Seu sorriso era intimidador e, apesar de
nada profissional, tive que segurar para não rir.
Mas o Cléber não estava muito satisfeito com o novo esporte
do filho e continuou argumentando contra.
– Mas isso é coisa de menina, enfermeira – falou com pesar.
– Meninos não dançam balé.
Fiquei com medo da Abgail ser grossa com o homem, mas
graças a Deus, ela retirou o celular do bolso do pijama e destravou a
tela.
– Não tem essa de esporte de menina ou menino. Essa é
uma visão muito antiquada para alguém tão jovem – disse de modo
delicado. Ao ouvir a palavra “jovem”, o Cléber deu um sorriso
satisfeito e ficou claro que gostou do elogio. E a Abgail prosseguiu,
mostrando seu celular ao homem: – Está vendo esse menino lindo
se divertindo horrores dançando balé?
O homem assentiu intrigado.
– Sim, quem é?
– É meu filho. Fomos em um aniversário sábado retrasado e
ele ficou completamente encantado depois que a professora o
ensinou alguns passos. Agora só sabe pedir para dançar balé. Vou
matriculá-lo amanhã em uma escola própria, já que é a minha folga.
Aquela imagem intrigou o Cleber, que chegou a pegar o
celular das mãos da Abgail para olhar melhor.
– Passa para o lado que tem vídeo também – ela informou a
ele.
Assim o pai do Ian fez e um vídeo começou a rodar, com
muitos risos e gritos de criança ecoando pelo quarto.
– Quantos anos tem seu filho? – ele perguntou a ela.
– Nove anos.
– E você não se importa que ele goste de coisas de menina?
– Não, eu me importo é que ele seja feliz – respondeu
sorridente. – Não concordo com essa divisão. Todo mundo pode
fazer tudo o que quiser.
– Deixa eu ver também? – o Ian pediu.
A técnica passou o celular para o garoto e perguntou a ele
como começou o sonho de dançar balé. Ele repetiu que tinha visto
uma apresentação na escola e ficou deslumbrado. Depois disso,
passou a ver vídeos no YouTube e a tentar reproduzir os
movimentos em casa.
– Comecei a assistir aulas na internet e a praticar em casa,
tentando replicar os movimentos que via. – Com um sorriso bem
aberto, o Ian foi relatando mais, conforme fechava os olhos. – A
cada vídeo que eu vejo, sinto uma empolgação enorme e uma
sensação de que nasci para o mundo da dança – nos disse ao levar
as mãos ao peito. – Cheguei a ver outros estilos na internet, mas
acho que gosto mais do balé clássico. Não consigo me sentir do
mesmo modo ao ver apresentações de hip hop ou outros estilos.
Quando estou dançando balé, me sinto livre. Quero aprender mais,
me aperfeiçoar e compartilhar minha paixão com o mundo. Eu sei
que ser um bailarino pode ser desafiador, e muitas pessoas podem
ter ideias preconceituosas sobre o que é apropriado para meninos –
ele deu uma breve olhadinha para o pai, depois se virou para mim e
para a Abgail. – No entanto, meu coração me diz que nasci para
isso e estou disposto a trabalhar duro para alcançar meu sonho.
Quando eu crescer, espero ser um bailarino famoso, e que eu
inspire outras pessoas a seguirem seus sonhos, não importa o que
digam.
Eu adorava atender crianças na faixa dos dez aos doze anos,
pois eles já falam como adultos, mas sem perder a inocência e
paixão de um ser que desconhece os problemas do mundo. Quando
olhei para a Abgail, seus olhos estavam marejados.
– Que lindo, Ian! – ela disse para ele. – Tenho certeza de que
você será um excelente bailarino! Bem famoso! Você fará muito
sucesso!
– Eu também – acrescentei.
O menino riu satisfeito e o pai logo pediu o contato da
escolinha de balé para a Abgail. Fiquei feliz porque ele parecia ter
sido convencido, pois assim que o Ian acabou de falar, ele sorriu e
abraçou o filho.
A Abgail disse que não tinha o telefone da escola de balé em
mãos e que voltaria mais tarde com o número para os dois. Nós nos
despedimos deles e saímos do quarto.
Ao nos debruçarmos sobre a ilha central do andar da
pediatria, perguntei para a Abgail o que ela pensava que era a falta
de ar do Ian. Como eu imaginava, ela me respondeu que achava ser
ansiedade, por não estar mais querendo lutar e estar sendo forçado
a fazer aquilo.
– Talvez ele também esteja sofrendo bullying dos colegas de
luta, por gostar de balé ou por qualquer outra coisa. Mas, de fato,
ele não está com nenhum problema respiratório sério – acrescentou.
Aproveitei o assunto para comentar com ela que era muito
legal que seu filhinho tivesse gostado de balé. Ela deu uma
gargalhada alta, precisando levar a mão à boca para abafar o
barulho.
– Doutor, ele detestou! – falou aos sussurros. – Disse que
jamais usaria “maiô”, palavras dele, e que só dançou porque a
professora era muito linda. Quando ela o convidou para aprender
alguns passos, ele não teve coragem de recusar.
Eu também ri alto, porque aquilo foi muito engraçado.
– Que criança esperta! – falei me divertindo.
– Você não viu nada, Doutor. Meu filho é terrível!
– E você não tem remorso em contar mentiras para os pais
dos pacientes? – brinquei.
– Remorso nenhum! – respondeu arrebitando o queixo, mas
sem deixar de sorrir. – O que importa é que o Ian vai fazer o que
deseja, porque daqui a pouco volto lá com o número da escola de
balé – me disse satisfeita. – Preciso pegar com a Carol antes.
– Está certa, Abgail – falei me divertindo. – E como você
descobriu que seu filho ficou encantando pela professora? Você
percebeu?
– Que nada, ele mesmo me contou. Como eu te disse, ele é
terrível, Doutor. Agora, foi bom o senhor tocar nesse assunto, não
foi só o meu filho quem ficou encantado pela professora de balé,
não é?
Não entendi nada. A Abgail me olhava com um sorrisinho de
canto, como se aquele comentário fosse para mim. Mas eu não
tinha ideia do que ela estava falando.
– Eu nunca fui apaixonado por nenhuma professora minha –
me justifiquei. – Muito menos de balé. Nunca fiz balé na vida, Abgail.
Ela riu.
– Não estou falando de uma professora sua, estou falando
da mesma professora que encantou o Ian.
Dei risada.
– Você está falando isso porque me viu olhando para a moça
na entrada do salão de festas?
– Sim, o senhor ficou tão encantado pela bailarina do
aniversário da Valentina, quanto o Lucas.
Dei risada.
– Não fiquei encantado, só pensei que a conhecia.
– Eu entendi. Mas aquele olhar não era só de
reconhecimento – brincou. – E a propósito, era ela mesma – disse
como quem não quer nada.
Eu estava fazendo minhas últimas anotações no prontuário
do Ian e parei na mesma hora.
– Como é? – perguntei voltando toda a minha atenção para a
Abgail. – Era ela quem?
Ela riu.
– Camila. Não foi esse o nome que o senhor me disse?
Não é possível...
– Sim – informei, sem saber mais o que queria dizer.
– Aí tem, hein... – brincou. – Essa cara foi a mesma que ela
fez quando eu lhe contei que você havia me dado uma carona até
lá. A Camila até tentou disfarçar, mas percebi algo no ar.
O meu raciocínio estava lento, pois eu não estava
conseguindo acompanhar a Abgail.
– Eu ainda não estou entendendo, Abgail... A bailarina do
aniversário da filha da Carol se chamava Camila?
– Não só se chamava Camila, como era a mesma que você
estava pensando que fosse. Disse que você é o pediatra das
sobrinhas dela e ex-noivo da sua cunhada. Era a mesma pessoa,
não é?
– Sim.
Foi só isso que consegui dizer e fiquei mudo. Talvez eu
também tenha ficado boquiaberto. Estava inconformado.
Não acredito que perdi essa chance...
Era realmente ela e, se eu soubesse, eu teria descido para
conversar. Teria deixado o carro parado em frente a uma garagem
mesmo e foda-se. Azar se fosse guinchado.
– Ela é animadora de festas? – perguntei depois de um
tempo, querendo saber tudo que a Abgail pudesse me contar.
– Não, pelo que entendi, ela é bailarina de verdade.
Caramba, não é possível...
Eu queria saber muito mais, mas infelizmente a Abgail teve
que ir até o quarto de uma paciente que a mãe veio correndo dizer
que a criança estava com febre. Pensei em ir junto, mas uma
enfermeira veio até mim no mesmo momento, pedindo que eu a
acompanhasse até o quarto de um garotinho de quatro anos, que
parecia estar engasgado. E de fato ele estava e aquilo preocupou
bastante os pais. Mesmo depois de tudo sob controle, precisei ficar
um tempo lá os acalmando.
O dia passou em um piscar de olhos e não tive tempo nem
para comer, quem dirá de ir atrás da Abgail para saber um pouco
mais do seu contato com a Camila. No fim do dia, saí do hospital
com quarenta minutos de atraso e, ao dar uma procurada rápida
pela Abgail, ela já havia ido embora.
É, Daniel, você não anda tendo sorte...

Um mês inteiro se passou, até eu conseguir estar com a


Abgail novamente. A técnica havia tirado férias e eu só fui saber
disso, quando foi o meu dia de trabalhar no Maria Diane, dois dias
depois de descobrir que a bailarina do aniversário da filha da Carol
era a Camila. Naquela altura, já tinha me conformado que a loirinha
marrenta não queria me ver de novo e deixei tudo quieto. Cheguei
até a falar com a Lauren para saber como estavam as gêmeas, mas
não perguntei nada sobre a sua cunhada.
Era uma segunda-feira e eu estava tomando café no
refeitório do hospital, quando a Abgail chegou alvoroçada.
– Bom dia, Doutor Daniel! – falou ao puxar uma cadeira e se
sentar ao meu lado.
– Bom dia, Abgail! Como foi de férias?
– Foi tudo muito bom, não queria nem voltar, mas
infelizmente, nasci pobre – brincou.
Dei risada. Eu me divertia muito com a Abgail e adorava o
seu senso de humor. Mas apesar da piada, ela parecia um pouco
tensa e preocupada.
– Bom, estou precisando falar com o senhor.
Eu pousei meu café sobre a mesa e voltei toda a minha
atenção para ela. Por um breve momento, pensei que me daria
alguma informação sobre a Camila, mas quando analisei melhor seu
semblante, vi que era algo sério.
– Pode dizer, o que está acontecendo?
– Bom, tem uma menininha que deu entrada ontem aqui com
dores no corpo, sem querer se alimentar. Ela está um pouco
desidratada e bem magrinha. A moça que está com ela de
acompanhante é filha de uma vizinha e não sabe muito bem sobre o
que pode estar acontecendo com a criança. Quero dizer, ela tem
uma ideia... Enfim, é uma adolescente de dezoito anos e não tem
certeza se está interpretando as coisas corretamente. A mãe da
menininha precisa trabalhar e pagou essa adolescente para ficar de
acompanhante aqui no hospital com a criança.
– Certo, mas eu não estou entendendo aonde você quer
chegar, Abgail.
– É o seguinte, Doutor, hoje na hora do banho, a vizinha foi
ajudar e viu muitos hematomas pelo corpo da criança. Ela se
assustou e correu para me chamar. Ao chegar lá, também me
assustei e quando perguntei a Maitê o que estava acontecendo, ela
me disse que caiu.
– Maitê? – perguntei assustado, lembrando da criança que
havia atendido meses atrás lá no Ana Nery.
– Sim, Maitê. Por que o susto, Doutor?
Antes de falar o que estava pensando, perguntei qual era a
descrição física da criança para a Abgail. Como eu já esperava, era
exatamente do mesmo modo como imaginava: uma garotinha de
cinco anos, de pele parda e o cabelo liso e bem pretinho.
– Puta que pariu, Abgail!
A técnica se assustou com o meu xingamento, porque não
era comum que eu usasse esse linguajar no meu local de trabalho.
– Bom, por esse “puta que pariu”, não vem boa coisa por aí,
né...
– Acredito que não, mas me diz você, o que te levou a vir
falar comigo?
– O fato de que quem trouxe ela para o hospital ter sido o
padrasto. Quem me contou foi a garota que está com ela, a Elis, que
apesar de nova e estar sendo paga, foi ela quem se ofereceu para
ficar com a Maitê. Disse que a criança era amiguinha da sua irmã
mais nova, mas que depois que o padrasto foi morar com a mãe da
Maitê, ele já não deixa que a criança vá para a sua casa brincar com
a sua irmã. Resumindo: a Elis está desconfiada de que a Maitê está
sofrendo maus-tratos pelo padrasto. E depois de ver seu corpinho
cheio de hematomas, eu estou também.
Eu me levantei na hora, deixando o café lá mesmo.
– E você não falou com nenhum outro médico? – perguntei.
– Falei com a Doutora Melissa e pedi que ela fosse lá avaliar.
Sabe como é, né Doutor, o pessoal aqui me acha dramática, então a
sua amiga médica cagou para o meu pedido. Disse que ia lá faz
horas e não apareceu.
– Vamos lá. Eu vou verificar.
– Sei que o senhor está atendendo na clínica hoje, não
queria te atrapalhar. Mas eu tenho medo de estar me equivocando.
Sei que essa é uma questão extremamente importante, que precisa
ser tratada com muita sensibilidade e responsabilidade. Não estaria
te pedindo para ir lá se não fosse algo que realmente tivesse
chamado a minha atenção.
– Não vai me atrapalhar. – Olhei o relógio no pulso e eram
11:47. Minha próxima consulta era às 12:00h. – A paciente pode
aguardar um pouquinho, a Maitê é quem não pode. Você fez muito
bem em vir falar comigo.
Assim, subi imediatamente com a Abgail para a internação
da pediatria, pressentindo que concluiria o mesmo que ela e a
garota que estava de acompanhante. Mas tentei não me levar pela
emoção, pois atestar um quadro de maus-tratos requer muito
cuidado para que as informações pessoais ou identificáveis da
criança não vazem. Além disso, era de suma importância garantir
que os procedimentos legais e de proteção infantil fossem seguidos
adequadamente.
Ao entrar no quarto da menininha e dar de cara com seu
rostinho triste, meu coração apertou, porque era ela mesmo.
– Olá, Maitê – a cumprimentei da porta. – Você se lembra de
mim?
Ela não respondeu, mas sacudiu a cabeça afirmativamente.
– Vim te examinar, eu posso?
Novamente, ela sacudiu a cabeça, me dizendo que sim. Bem
devagar, me aproximei da criança e me sentei em sua cama. Fui
puxando assunto, antes que pedisse a ela que retirasse sua
camisolinha de borboletinhas, de modo a fazê-la se sentir mais à
vontade comigo.
– Pelo visto, você gosta de borboletas, não é, Maitê?
– Gosto – respondeu de modo tímido.
– Quais outros bichinhos você gosta?
– De gatinhos – e olhou para a sua acompanhante.
A garota sorriu e nos explicou que tinha uma gatinha preta e
uma outra branca, e que a Maitê adorava acariciá-las quando ia a
sua casa. Passava horas brincando com as bichanas.
– Eu sinto saudade delas, Elis – a menininha confessou com
a voz baixa.
A Elis se aproximou e acariciou seu rostinho, dando um beijo
carinhoso na cabecinha da Maitê. E eu segui puxando assunto.
Perguntei quais eram seus brinquedos favoritos, se ela tinha muitos
amigos na creche, se tem irmãos ou irmãs e, para essa última
pergunta, ela me respondeu que não, mas que queria ter.
– Queria ter para poder brincar com ela – falou com uma
expressão tristonha.
– Entendo.
Essas perguntas me ajudaram a criar uma conexão com a
Maitê, permitindo que ela se sentisse mais à vontade comigo.
Quando percebi que ela estava menos receosa, pedi a Abgail que
suspendesse a sua roupa. Ao dar de cara com aquele corpinho
cheio de lesões, não tive dúvidas. As lesões eram incompatíveis
com quedas acidentais ou lesões típicas da infância.
– Como você se machucou, Maitê? – perguntei, tentando
passar carinho.
– Eu caí.
Pelo modo como ela me respondeu, ficou nítido que estava
mentindo. Ela abaixou a cabeça e ficou olhando para a cama,
fazendo um biquinho tristonho. O fato de ter cortado o contato visual
comigo, me fez pensar que estava mentindo.
– Certo – disse a ela. – Vou te examinar, ok?
Ela assentiu.
Assim, passei para os exames de rotina e não encontrei
nada fora do comum.
– Bom, aparentemente está tudo bem, Maitê. Você se importa
de ficar um pouco sozinha, para que eu possa falar com a Elis e a
Abgail.
– Não me importo – respondeu com a voz fraca.
– Ok.
Com isso, pedi que as duas me acompanhassem para fora
do quarto. Ao ficarmos a sós, eu e a Abgail passamos a perguntar
para a Elis quem cuidava da Maitê enquanto ela não estava na
creche.
– Ela não vai mais para a creche. Depois que a Marisa
começou a morar com o namorado, ele sugeriu que ela retirasse da
creche para economizar.
– Olha, eu vou te falar uma coisa, tem mãe que merece uma
coça – a Abgail resmungou.
Dei uma olhadinha de canto de olho para ela, que
imediatamente se desculpou. A Elis parecia muito madura para a
sua idade e não perdeu tempo em defender a mãe da Maitê.
– Ela trabalha demais, enfermeira. Só tem vinte e quatro
anos e é obrigada a manter sozinha a própria filha e a si mesma.
Não tem ninguém por ela. Sempre foi assim desde que a mãe
morreu. Naquela época, a Marisa não podia trabalhar e a vizinhança
inteira a ajudava. A minha mãe me conta que quando ela começou a
namorar o pai da Maitê, ele se mudou para lá e passou a ajudá-la
nas despesas. Mas infelizmente ele sofreu um acidente de moto e
faleceu há uns dois anos. Penso que ela se sentia muito sozinha e
acabou caindo na conversa fiada desse filho da puta que está com
ela agora.
– Então você não gosta dele? – perguntei.
– Não, porque ele me olha como um tarado. Não só para
mim, mas para todas as adolescentes da rua.
– Desgraçado! – a Abgail murmurou e nem me preocupei em
repreendê-la. Ela só falou o que eu estava pensando.
As informações que a Elis nos forneceu mexeram demais
comigo e com a Abgail. Apesar de não serem incomuns casos de
abuso e maus-tratos infantil, eu nunca havia pego nenhum caso
assim em todos os anos de formação. De todo modo, iniciei os
protocolos daquele tipo de caso. Nossa principal preocupação era o
bem-estar da Maitê e garantir que ela estivesse protegida de futuros
abusos. Assim, pedi que a Elis retornasse para o quarto e a
agradeci por tudo. Assim que ela saiu, dei algumas orientações para
a Abgail.
– Abgail, chama a Melissa para verificar se também não
houve abuso sexual. Acredito que a Maitê ficará mais confortável
com uma mulher, do que comigo. E também esteja presente, porque
ela já te conhece.
– Pode deixar, Doutor. O que mais você precisa que eu faça?
– Enquanto eu anoto tudo no prontuário, você vai atrás da
assistente social de plantão. Eu vou ligar para uma psicóloga que
conheci lá no Ana Nery, a Bianca, e vou pedir que venha até aqui.
Ela é especialista nesses casos.
– Ok, Doutor.
Assim que a Abgail saiu, passei a registrar toda a situação
no prontuário da Maitê:
“A criança apresenta sinais de lesões físicas, incluindo
hematomas, contusões e arranhões em várias partes do corpo,
como abdômen, costas e pernas. Tais lesões são incompatíveis com
quedas acidentais ou machucados típicos da infância. Além das
lesões visíveis, a paciente exibe sinais de trauma psicológico, como
ansiedade, comportamento retraído e medo. Ela demonstrou
relutância em falar sobre as circunstâncias das lesões. Não é a
primeira vez que ela dá entrada em hospital com os mesmos sinais
de falta de apetite e leve desidratação."
Ao registrar aquela informação, fiquei me questionando se
não deveria ter percebido a situação quando a atendi no Ana Nery.
Mas da outra vez havia apenas um hematoma, e eu não podia
afirmar que não tinha sido uma queda. De todo modo, o
pensamento me incomodou pelo resto do dia.
Ao terminar de registrar as informações no prontuário, liguei
para a Bianca. Expliquei toda a situação para ela, que me disse que
em menos de quarenta minutos estaria no Maria Diane.
– Você já entrou em contato com a mãe? – me perguntou.
– Não, ainda nem acionei a polícia.
– É bom que você ainda não tenha falado com a mãe. Caso
ela esteja ciente da situação, é conivente e pode alertar o suspeito.
Espera até que eu converse com a criança.
– Ok, Bianca. Desde já, muito obrigado, viu!
– Imagina, você não tem o que agradecer.
Nós nos despedimos e desligamos. A Melissa chegou assim
que encerrei com a Bianca e expliquei toda a situação para ela
também.
– E foi ele quem a trouxe para o hospital, não é? – me
perguntou.
– Sim, foi o próprio padrasto.
– Ele muito provavelmente não levou no Ana Nery, com
medo de que desconfiassem. Afinal, seria a terceira vez dela lá, não
é Dani?
– Foi o que pensei, Melissa.
Eu expliquei para ela que a adolescente que está com a
Maitê disse que só moram os três, que só podia ser o padrasto o
responsável pelos machucados.
– Que ódio, Dani. Não sei nem qual é a cara do sujeito, mas
já o odeio. – Ela suspirou condoída. – Bom, deixa eu ir lá examiná-
la. Pode seguir com os seus atendimentos que qualquer coisa te
aviso. Sei que você está na clínica hoje.
– Vou terminar aqui primeiro.
Em resumo, a Melissa não constatou nenhum sinal de abuso
sexual, graças a Deus. Conforme eu esperava, a Bianca conseguiu
que a Maitê se abrisse com ela e confirmamos que era o padrasto
quem a agredia. Ela contou que quando sua mãe perguntava o
porquê dos roxos, dizia que tinha caído. Infelizmente, parece que a
Marisa não desconfiava que o parceiro não valia nada.
Junto com a assistente social, seguimos os protocolos
necessários para garantir a segurança da criança, incluindo a
notificação da polícia. Esperava ver o filho da puta atrás das grades
o mais rápido possível e esperava ainda mais que a mãe da Maitê
cortasse relações com aquele bandido. Mas eu também temia por
ela, que era uma mulher jovem sem nenhum apoio emocional ou
familiar.
E por falar nela, a Abgail me contou no dia seguinte à nossa
descoberta, que a Marisa chorou bastante quando se deu conta de
toda a situação de violência vivenciada pela filha. Ela chegou tarde
da noite no hospital naquele dia e eu já havia encerrado meu
plantão, então não pude conversar pessoalmente com ela. Mas a
Bianca e a assistente social se mantiveram lá e a colocaram a par
de todas as informações.
Com tudo resolvido, eu só esperava que as duas saíssem
bem de toda aquela situação.
CAPÍTULO 16

Camila
Depois que descobri que o Daniel também trabalhava no
Maria Diane, dei o meu máximo para não esbarrar com ele por lá.
Na terça-feira 13 de agosto, estava com as meninas na cantina e ele
chegou. Assim que o vi passando pela porta, abaixei rapidamente a
cabeça.
A Nara e a Nane conversavam animadíssimas e não
perceberam o quanto me assustei. Mas a Vânia também estava
conosco e me olhou intrigada.
– Por que você se assustou? – me perguntou baixinho.
Eu podia responder que não era nada, que não me assustei
e que estava tudo bem, mas ela não acreditaria. Além disso, a Vânia
gostava bastante do Daniel e, se eu não dissesse nada, ela
provavelmente o chamaria para se sentar ali conosco.
– Não gosto dele, Vânia – respondi aos sussurros, para que
as outras duas não me ouvissem.
– Nossa, mas por quê? – ela quis saber. – Ele é tão legal,
Cami! O Dani é simpático, carinhoso e trata todo mundo de igual
para igual.
– Longa história, Vânia – respondi apenas. – Qualquer dia eu
te conto.
– Hum... por isso você ficou tão assustada ao descobrir que
ele trabalhava aqui. – Disse ao bater o dedo indicador sobre a
mesa. – Agora faz todo sentido.
– Sim – confirmei.
Queria dizer que não gostava dele porque tinha gostado
muito de ficar com ele, mas que ele era um galinha, safado,
ordinário e mulherengo. Aquilo seria bem difícil de compreender e
minha chefe me acharia uma maluca.
E só de me lembrar do dia do karaokê, meu corpo começava
a aquecer. Na verdade, só de olhá-lo rapidamente ali, eu estremeci
toda e um monte de emoções controversas me atingiu. Fiquei feliz,
triste, com raiva e revoltada. A Vânia percebeu que fiquei estranha e
não perguntou mais nada. Para me ajudar, disse que iria até o
balcão conversar com ele, para não correr o risco do Daniel ir até
nós. Fiquei bem grata com a atitude da minha chefe e assim que ela
foi até ele, saí do refeitório às pressas, praticamente escondida.
Disse para as meninas que precisava ir ao banheiro e dei no pé.
É, Camila, essa foi por pouco...
E aquela não foi a única vez que o vi. Eu parecia o atrair
como um imã, porque aonde quer que eu fosse, dava de cara com
ele. Dois dias depois de vê-lo na cantina, quase esbarrei com o
Daniel pelo corredor largo e iluminado da ala de fisioterapia. A Carol
estava trabalhando lá e fui convidá-la para almoçarmos juntas.
Como o Daniel está sempre no setor da pediatria ou no Pronto
Socorro, não pensei que pudesse encontrá-lo lá. Estava distraída
mexendo no celular, quando escutei aquela voz suave e conhecida:
– Isso é muito comum, Mel, infelizmente – o ouvi dizer.
Seu tom de voz é tranquilo, caloroso e agradável, além de
combinar perfeitamente com ele. A voz grossa encaixava
perfeitamente naquele corpo grande e largo.
Como uma adolescente fugindo do menino que gosta, alterei
o caminho e virei no primeiro corredor que surgiu, torcendo para que
o Daniel não fizesse o mesmo percurso que eu. E graças a Deus ele
não o fez. Seguiu reto em direção ao elevador, ainda conversando
com a Doutora Melissa, que eu já sabia quem era. Aliás, na grande
maioria das vezes que o vi, ele estava com ela. E assim como a
Carol havia me dito, a mulher só faltava pular no pescoço dele. Eu
duvidava muito que ele não traía a Ana Flávia com ela e aquele
pensamento me deixava com muito mais ranço dele. A mulher é
muito bonita e sem dúvida alguma, tinha uma queda pelo Daniel.
Com sua pele morena, seus cabelos castanhos e seu sorriso
sedutor, ela despertava muitos olhares por onde passava. Mas
apesar dos meus achismos, ele realmente era sempre muito cordial
com ela. Nunca retribuía seus olhares calorosos, estando sempre
com aquela postura certinha e profissional. E eu podia afirmar isso
porque, quando via os dois juntos, passava bastante tempo os
observando às escondidas.
Duvido que quando estão só os dois, ele se comporta
assim...
Eu sabia que não conseguiria fugir para sempre do médico
cretino, mas precisava de tempo para entender meus próprios
sentimentos e encontrar uma maneira de enfrentar a situação com
maturidade. Não era como se tivéssemos um relacionamento e ele
houvesse me traído, mas com o fracasso do meu namoro com o
Luiz Henrique, era inevitável que eu não reagisse bem àquele tipo
de decepção. Afinal, eu detestava o Daniel e ele fez questão de
mudar a imagem negativa que eu tinha dele. Começou a jogar
charme para o meu lado, todo cheio de sorrisos e sempre tão
prestativo. E como é possível não se render àquele sorriso
charmoso? E para piorar a situação, a pegada do filho da puta era
de matar. Aliás, era de querer morrer. Morrer nos braços dele. E
toda vez que eu me recordava e meu corpo se acendia com as
lembranças, queria pular de um prédio de tanta frustração.
Resumindo: eu só queria esquecer que nos pegamos e não
ter que lidar com ele tão cedo.

Os dias foram correndo e tudo ia muito bem. Até naquela


sexta-feira 23 de agosto. Eu tinha ido tomar um café com o Davi,
que não se cansava de me chamar para sair. E confesso que estava
quase aceitando, porque ele é uma gracinha.
Quando retornei ao faturamento, tinha um homem estranho
causando um alvoroço por lá. De costas, vi uma pessoa nem gorda,
nem magra, de cabelos claros colados à cabeça. Sua postura
indicava que ele estava bastante nervoso.
– Anda logo, minha filha! – falou alto, cruzando os braços na
frente do peito.
Que homem maluco! – Pensei, conforme atravessava a porta
e o observava falar com a Vânia. Quero dizer, o cara berrava com a
minha chefe do lado de fora do balcão, dizendo que precisava do
prontuário imediatamente. Ela tentava acalmá-lo do lado de dentro,
conforme gesticulava para ele falar baixo.
Já dentro da sala, consegui ver melhor seu rosto. Seus olhos
negros pareciam injetados de sangue. As pupilas estavam
contraídas e suas sobrancelhas claras franzidas em uma expressão
de fúria. Seu rosto estava vermelho, repleto de suor.
– Não tenho autorização para fornecer esse prontuário ao
senhor – a Vânia respondeu, conforme fazia um sinal de telefone
pelas costas para a Nane.
Minha colega de trabalho imediatamente pegou o telefone e
ligou para alguém, com os olhos presos ao homem ignorante.
Voltando a descrição do homem, ele aparentava estar na casa dos
trinta anos, era branco e seu semblante não passava uma boa
impressão. Seu olhar raivoso e desvairado passava medo.
– Quem é essa criatura? – perguntei a Nara.
– Segundo ele, é pai de uma paciente – me respondeu aflita.
Depois se virou para a Nane: – Você está chamando os
seguranças?
– Sim.
– Mas o que ele quer? – tentei entender.
– O prontuário da garota. Parece que no prontuário fala que
a criança estava com sinais de violência doméstica ou abuso.
– Meu Deus – lamentei, já imaginando o motivo de ele estar
tão desesperado pelo documento. – E quem assinou o prontuário?
A Nara não precisou responder, pois ouvi a Nane falar ao
telefone:
– Doutor Daniel, o senhor pode dar um pulinho aqui no
faturamento com urgência, por gentileza?
Na mesma hora, meu coração pulou uma batida, conforme
sentia aquela ansiedade conhecida me atingir. Afinal, toda vez que
eu escutava o nome do médico cretino, eu ficava desestabilizada e
meu coração disparava.
– Foi o Doutor Daniel – a Nara me respondeu por fim. Mas
nem precisava mais, eu já tinha entendido.
Fiquei completamente nervosa por saber que estaria frente a
frente com ele mais de um mês depois daquela noite. Mas meu
nervosismo se extinguiu assim que o homem que falava com a
Vânia deu uma batida forte na madeira do balcão, fazendo a nós
três pularmos de susto.
– Eu quero a porra do prontuário da minha filha, caralho! –
vociferou. – E quero agora!
Infelizmente, nem o enfermeiro nem o médico auditores que
trabalhavam conosco estavam na sala naquele momento e, muito
provavelmente, o homem estava se aproveitando de só haver
mulheres ali. Senti a Vânia estremecer e resolvi ir até lá dar uma
força.
– Meu senhor – berrei estridentemente ao me aproximar –,
aqui não é a sua casa não! Faça o favor de se acalmar e conversar
como gente civilizada!
O idiota me olhou com ódio no olhar. Suas pupilas negras
pareceram escurecer ainda mais triplicando de tamanho, conforme o
homem adotava uma expressão indignada. Ele saiu da frente do
balcão de forma abrupta e foi para o corredor em direção à nossa
porta.
– Ai meu Deus, esse maluco vai entrar aqui – ouvi a Nara
lamentar.
Confesso que fiquei um pouco apreensiva, afinal, ele poderia
ter uma arma escondida e nos atacar. Mas não tinha muito o que
fazer naquela altura, porque a porta não estava trancada e não daria
tempo de trancá-la.
E como imaginamos, escutamos a maçaneta girar e corri em
direção a ela, na tentativa de bloquear a passagem dele. Eu sabia
que se demonstrasse uma postura de medo, ele iria se aproveitar,
então ergui meu queixo e levei as mãos à cintura. A Vânia se
colocou ao meu lado, mas estava nitidamente com medo.
– Experimenta dar um passo para dentro dessa sala, seu
merda! – ameacei entredentes, assim que a imagem daquele boçal
surgiu na porta. – Você vai se arrepender!
Em um primeiro momento, a minha ameaça surtiu efeito
porque ele hesitou. Ficou me encarando furioso, conforme respirava
ofegante, com os cantos da boca cheios de saliva.
– Eu quero o prontuário da minha filha! – Seu tom saiu mais
baixo, mas a raiva estava explícita na voz.
– Senhor, conforme lhe informei, não podemos fornecer
prontuário médico para pessoas que não são os pais da criança – a
minha chefe reforçou. – E mesmo quando são, tem todo um
protocolo para isso.
Ué...
Não entendi nada. Ele disse que era o pai, mas a Vânia
disse que não era. Enquanto eu tentava entender, ele avançou
sobre ela e a empurrou pelos ombros. Como ela não esperava
aquilo, não conseguiu firmar o corpo, se desequilibrou e caiu. A
Nara soltou um grito alto ao ver nossa chefe no chão, assim como a
Nane.
Não sei dizer de onde tirei forças, mas aquilo me deixou
fervendo de ódio e fiz o mesmo com ele. Tremendo de raiva,
avancei sobre o troglodita, que era bem maior que eu, e o empurrei
forte pelos ombros. Eu sabia que ele tentaria me atacar então me
preparei mentalmente para um possível soco. Enquanto o
empurrava para trás, firmei meus pés no chão e tentei retirá-lo de lá
com todas as minhas forças, ao passo que berrava que ele era um
animal.
– Você é um animal! Seu selvagem! Animal!
Creio que ele deve ter ficado surpreso com a minha atitude,
pois não pareço ser agressiva. E realmente não sou, mas não
poderia permitir que ele atacasse alguma de nós sem intervenções.
Logo, tive êxito na tentativa de expulsá-lo da nossa sala e o
empurrei até que suas costas se chocassem com a parede do
corredor.
– Seu merda! – continuei berrando, apontando o dedo na
cara dele. – Eu vou chamar a polícia pra você! Covarde!
Ao ouvir a palavra “polícia”, ele deu uma breve recuada, pois
parecia estar prestes a me atacar.
– O que está acontecendo aqui? – ouvi a voz conhecida que
habitava meus sonhos durante a noite perguntar.
Não sei dizer se fiquei triste ou feliz que, enfim, ele saberia
que eu trabalhava ali. O Daniel se aproximou e não sei o que mais o
assustou: ver um homem prestes a agredir uma mulher, ou se dar
conta de que a mulher em questão era eu.
– Camila? – perguntou visivelmente surpreso.
– Boa tarde, Doutor Daniel – o cumprimentei de modo
profissional. – Desculpe por termos pedido para o senhor descer,
mas esse indivíduo descontrolado está aqui querendo o prontuário
da criança que ele alega ser o pai – falei olhando com raiva para o
infeliz – e foi o senhor quem assinou o atendimento.
O Daniel deu uma olhada rápida para a minha blusinha de
uniforme, mas depois sua atenção se voltou toda para o cara.
– Sua filha? – perguntou com um ar de repulsa. – Qual o
nome da criança?
– Maitê! – o idiota respondeu, empinando o queixo. – Foi
você o filho da puta que disse para a minha mulher que ela estava
sendo agredida? – perguntou indo de modo ofensivo para o lado do
Daniel.
Fiquei com muito medo que o louco descontrolado o
atacasse. Mesmo que o Daniel fosse mais alto e mais forte, o cara
parecia estar possuído. Só que meu medo foi em vão, porque o
Daniel adotou uma postura totalmente diferente da que eu estava
acostumada e empurrou o cara de volta para parede com uma única
mão.
Nossa...
– Pai? – perguntou sorrindo falsamente. – Pai ou padrasto?
– Padrasto – a Vânia respondeu atrás de nós.
O Daniel nem olhou para ela e levou a outra mão para o
corpo do homem.
– Olha só, parceiro – falou em um tom que me deixou toda
arrepiada –, acho bom você abaixar a sua bolinha, antes que eu
perca a paciência e resolva te mostrar o tamanho da força do meu
punho. Ninguém vai te dar prontuário PORRA nenhuma! – ele deu
ênfase na palavra “porra”. – Você vai calar a sua boca e vai sumir
daqui.
Fiquei bem chocada com aquela versão do médico
engomadinho. Eu nunca o havia visto falar naquele tom agressivo e
confesso que gostei bastante. Pensava que ele nunca pudesse
reagir assim em situação alguma e fiquei bem feliz de ver que
estava enganada. Não que eu gostasse de violência, mas foi bom
saber que ele sabia se defender.
– Ele empurrou a Vânia e ela caiu no chão, Daniel – falei me
intrometendo.
O Daniel me olhou ainda mais surpreso, depois olhou para a
Vânia.
– Chama a polícia então, porque ele não vai sair daqui agora
– e se virou de novo para o cara. – Ele gosta mesmo de subjugar
outras pessoas, mas agora vai ser diferente. Aliás, não sei nem por
que ele ainda não está preso.
Não acho que o imbecil pretendia esperar sem lutar, mas
graças a Deus três seguranças do hospital chegaram naquele exato
momento. Ou seja, se ele quisesse fugir, teria que lutar contra
quatro homens enormes e mais eu, que também iria tentar impedi-
lo.
A Nane não esperou nem um segundo para chamar a polícia
e assim que desligou o telefone, o Maicon e o Claudio chegaram do
café. Enquanto a Nara os informava do acontecido, o cara se
justificava, ainda um pouco exaltado, para os três seguranças.
Já o Daniel, parecia não estar suportando nem olhar na
direção do homem e conversava com a Vânia de costas para ele.
Quando a minha chefe se afastou para receber os policiais, ele
aproveitou para me chamar.
– Camila, vem aqui, por favor.
Saí de dentro da sala e fui para o corredor conversar com
ele. Meu estômago se contorceu e me senti trêmula. Ao sentir o
cheiro característico do seu perfume, meu coração acelerou e eu
não soube se queria abraçá-lo, beijá-lo ou gritar desesperadamente
com ele.
– Que homem louco! – comentei sem saber o que dizer.
O Daniel me olhava fixamente, atento à todas as minhas
reações.
– Um filho da puta! – falou baixinho. – Se eu tinha alguma
dúvida de que era ele o responsável pelos ferimentos da Maitê,
agora não tenho mais.
– Que horror! – lamentei. – Ela estava muito machucada?
– Estava, mas eram hematomas que as roupas escondiam.
O que obviamente era algo proposital.
Aquela informação me distraiu dos meus sentimentos
confusos e meu coração se apertou, imaginando a pobrezinha da
criança que eu nem sequer conhecia.
– Me conta essa história direito – pedi.
– Bom... – ele esfregou a cabeça frustrado e aquilo me
deixou surpresa. Nunca tinha o visto daquele jeito – Eu já havia a
atendido lá no Ana Nery. Ela foi levada pela mãe, que notou que a
filha estava desanimada e alegando dor na região abdominal. Além
disso, ela não estava querendo se alimentar direito. Preciso
confessar que me sinto um pouco culpado por não ter percebido
antes, mas enfim. A segunda vez que ela foi ao hospital, não fui eu
quem a atendi. Mas como vi a mãe dela na recepção, acabei indo
verificar o que tinha acontecido. Foi naquele dia da alta das suas
sobrinhas.
– A mãe dela era aquela loira que você foi conversar?
Ele me olhou surpreso.
– Ah é, verdade. Você estava comigo. E sim, era ela mesma.
– Mas aquela moça parecia tão jovem – comentei.
– E realmente é. Naquele dia ela me contou que novamente
a Maitê estava se recusando a se alimentar, mas que estava tudo
certo com os exames. Sugeri que ela procurasse apoio psicológico
para a criança, pensando que pudesse ser algo na creche. Mas
como eu disse, não era eu quem estava atendendo naquele dia.
– Certo – falei para demostrar que prestava atenção.
Na terceira e última vez, foi esse filho da puta quem a trouxe.
E eu tenho quase certeza de que ele a trouxe aqui, porque sabia
que se voltasse com ela para o Ana Nery, levantaria suspeitas. Ele
só não contava com a vizinha que ama a criança, nem com o faro
da Abgail para gente cretina. Muito menos de que eu seria um dos
médicos a atendê-la.
Assim, o Daniel me contou toda a história e ficou bem nítido
que ele se sentia culpado por não ter se dado conta de que a
garotinha estava sofrendo violência doméstica. E ele também estava
com muita raiva, porque enquanto me contava, direcionava olhares
raivosos para o padrasto da garota. Pude ver até que cerrava os
punhos. Cheguei a olhar o troglodita também algumas vezes, e em
todas elas seus olhos desvairados e raivosos estavam fixos em nós
dois, enquanto era questionado pelos policiais. E o Daniel
prosseguiu:
– A Maitê se demonstrava muito amedrontada e muito
tristonha. Eu chamei uma psicóloga infantil conhecida minha, a
Bianca, e ela confirmou nossas suspeitas. A Bia desconfiou que era
ele quem agredia a garotinha pelos desenhos que ela havia feito.
Depois de algum tempo a sós com ela, a própria Maitê confirmou.
Entramos em contato com a mãe e acionamos o conselho tutelar. E
se tínhamos alguma dúvida de que era esse delinquente o culpado,
agora não temos mais. Por que ele estaria tão desesperado pelo
prontuário médico se não fosse o culpado?
– Meu Deus, que horror, Daniel! – falei segurando o nó na
garganta. – Eu estou com vontade de chorar – assumi.
– Isso porque você não a conhece. Ela é tão meiguinha e
pequena. Fico revoltado que tenha vivenciado uma situação dessas.
– Mas por que ele ainda não está preso?
– Não tenho ideia. Na verdade, a gente sabe que essas
coisas não são rápidas – bufou.
– Sim – concordei. – Mas olha, você não tem culpa de não
ter percebido. Você disse que era apenas um hematoma quando a
atendeu, não é?
– Sim, mas eu deveria ter percebido os sinais
comportamentais. Ela era muito tímida e parecia estar com medo.
– Não é fácil assim, Daniel. Que criança nessa idade não
tem medo de médico? Já logo pensam que vão tomar injeção e tirar
sangue. Não tinha como você saber, não fique se martirizando por
isso.
– Não sei.
Eu não queria deixá-lo se sentindo pior, mas queria entender
mais. Dei um forte suspiro, com medo de fazer a pergunta que
estava martelando na minha mente, mas que mesmo assim, sentia
necessidade em saber.
– Daniel... Será que... – hesitei um pouco – será que ele
abusou dela sexualmente?
– Não, isso não, graças a Deus.
Respirei aliviada, mas não consegui dizer mais nada.
Enquanto tentava digerir aquela história horrorosa, o Daniel olhava
fixamente para a minha blusinha de uniforme.
– Então você trabalha aqui?
– Sim.
– Desde quando?
– Faz quase dois meses.
– E você não fazia ideia de que eu trabalhava aqui também?
Eu não podia mentir, então fui sincera, sabendo que havia
chegado a hora da verdade.
– Descobri na semana seguinte ao karaokê.
O Daniel ficou me olhando com uma cara estranha. Parecia
irritado, surpreso e decepcionado, o que não fazia sentido algum.
Afinal, ele não podia esperar que eu o procurasse, estando
namorando outra. Que inclusive, era uma das melhores amigas da
sua ex-noiva e minha cunhada. E ali minha revolta chegou com
tudo.
Se segura, Camila... Vocês não tinham nada um com o
outro...
Mas não dava, já estava com toda a mágoa na ponta da
língua. Estava prestes a despejar tudo em cima ele, quando o
Daniel resolveu se despedir.
– Bom, deixa eu voltar lá para cima. Bom te ver, Camila –
falou de modo seco.
Aquela frase não pareceu nem um pouco sincera. No fim, ele
pareceu muito irritado e eu não sabia se era por causa do padrasto
da Maitê, ou por minha causa.
– Bom te ver também – falei sem saber se queria agarrá-lo,
ou brigar com ele.
CAPÍTULO 17

Daniel
Eu estava frustrado. E irritado. E extremamente desapontado
que ela não tivesse entrado em contato comigo. E, sobretudo, que
não tivesse me contado que trabalhava ali. Porra, ela estava todo
esse tempo tão perto e nem para falar nada. Nosso último encontro
me deixou com gostinho de quero mais e esperava ansiosamente
para tê-la de novo nos meus braços. E foi o que ela disse querer
também no bilhete que deixou para mim no meu apartamento. E na
foto. Aquela foto... Ou seja, eu tinha motivos para ficar desapontado.
Mas claramente ela mudou de ideia. E eu entendia, porque a
loira não era obrigada a querer repetir a dose. Por isso, depois que
saí do faturamento tentei nem pensar mais na Camila. E confesso
que não foi difícil, porque o ódio que eu estava sentindo daquele
filho da puta covarde que agredia a Maitê, estava me consumindo.
Só de me lembrar do estado da garotinha inocente, a raiva fervia
dentro de mim. Não consigo descrever com palavras a intensidade
da minha indignação em relação àquele bosta. Era uma mistura de
fúria e impotência, um turbilhão de emoções que me deixavam
revoltado comigo mesmo por não ter me dado conta da situação
antes. Meu papel como médico é cuidar, proteger e promover a
saúde das crianças e sentia que havia falhado com a Maitê.
Quando comentei com a Abgail do ocorrido no faturamento,
ela ficou possessa. Precisei impedi-la de descer até lá, para que não
fizesse uma loucura. Mas confesso que também tinha vontade de
retornar e esmurrar a cara dele. Aquele homem havia quebrado a
confiança, a segurança e a inocência daquela menina, e isso me
cortou profundamente. Era inaceitável demais. Esperava do fundo
do meu coração que a Bianca conseguisse fazer um excelente
reparo emocional com a Maitê e, inclusive, me coloquei à disposição
para ajudar no que fosse necessário. Seja como suporte médico ou
pagando a terapia dela. Além disso, pedi que a Bia também desse
uma assistência para a Marisa. A mulher era jovem demais e devia
estar com mais remorso do que eu, por não ter percebido o que
acontecia com a própria filha.
A Bianca me contou que durante as sessões a Marisa
chorava bastante, dizendo ter acreditado que o boçal – Ariosvaldo o
nome do filho da puta – a amava e cuidava bem da sua filha. Ela
também contou que ele dizia não conseguir emprego, o que a levou
a trabalhar dobrado para sustentar aos três. Ele ficou com a função
de cuidar da casa e da criança, enquanto a Marisa corria atrás do
sustento. Quando a bomba explodiu, aquele bosta assumiu que não
suportava olhar para a criança, pois ela se parecia demais com o
seu falecido pai. Disse que fez o que fez por ciúmes e que a culpa
era da Marisa. E quanto mais eu me lembrava das coisas que a
Bianca me contava, mais ficava com vontade de descer ao
faturamento e acabar com a raça dele.
– É pecado desejar que ele morra? – a Abgail me perguntou.
– Se for, minha amiga, somos dois pecadores – respondi.
Eu achava que aquele dia não tinha como ficar pior, até a
técnica Maria Cecília ir me procurar lá na pediatria, dizendo que o
Wesley, médico oncologista, queria falar comigo. Segundo a técnica,
uma menininha de dez anos com Linfoma de Hodgkin tinha acabado
de ser admitida e o Wesley queria trocar uma ideia comigo sobre o
caso dela.
Linfoma ou Doença de Hodgkin é um tipo de câncer que se
origina no sistema linfático, principal sistema de defesa do
organismo. Ele é composto por órgãos (linfonodos ou gânglios) e
tecidos que produzem as células responsáveis pela imunidade e
vasos que conduzem essas células através do corpo, atuando junto
com o sistema imunológico. É o segundo tipo de câncer mais
comum em crianças.
Assim, aproveitei que estava tudo tranquilo na internação da
pediatria e me encaminhei para o bloco de trás. Ao chegar lá, antes
mesmo de entrar no quarto da paciente, o Wesley me encontrou no
corredor e explicou que aquela era a segunda internação da Tainá.
A menina e sua família eram de Morretes, uma cidadezinha de um
pouco mais de dezesseis mil habitantes no interior do Paraná. Seus
pais tinham uma pousada lá e a venderam para poder dar o melhor
tratamento possível à criança. Ela estava internada em outro
hospital, mas os pais não estavam gostando do tratamento e a
transferiram. Como ela já havia iniciado a quimioterapia, já se
encontrava completamente sem cabelo na cabeça e nas
sobrancelhas.
– Certo – eu disse a ele. – Estou aqui para o que você
precisar – me prontifiquei.
– Ok, Dani. Deixa eu te apresentar a ela primeiro. Depois te
explico maiores detalhes.
– Tudo bem.
A primeira coisa que chamou a minha atenção ao entrar no
quarto foi o rosto da garotinha. Ela parecia extremamente triste, com
a ansiedade e apreensão nítidas em seu rosto branquinho. A Tainá
estava deitada na cama cercada por máquinas e equipamentos
médicos, enquanto sua mãe segurava sua mão direita, parecendo
estar a acalentando. A luz fluorescente acima dela parecia brilhar
com intensidade, destacando sua pouca idade e vulnerabilidade.
– Vivian, esse é o Doutor Daniel – o Wesley me apresentou
para a mãe da garota.
– Muito prazer, Doutor Daniel! – falou ao se levantar para
tocar a minha mão.
– E essa moça bonita aqui, como se chama? – perguntei me
dirigindo a criança.
– Eu não sou bonita. Não mais. E meu nome é Tainá.
Não havia raiva naquela resposta, apenas uma visível
tristeza, sendo o segundo acontecimento a me derrubar naquele dia.
– Você está falando isso porque está sem cabelo? –
perguntei.
Ela respondeu de imediato, ao passo que sacudia a cabeça
afirmativamente:
– Sim.
– Pois eu acho você linda assim mesmo. E se você não
acredita, posso te mostrar agora mesmo uma série de mulheres que
eu acho bonitas e usam a cabeça raspada, você quer ver?
– Quero.
Sorrindo, me sentei ao seu lado e retirei meu celular do
bolso. Mostrei a ela uma série de fotos de mulheres que quase não
possuíam cabelo, acrescentando que achava todas elas muito
bonitas. Peguei fotos da Jada Pinkett Smith, que era a única que me
veio rápido na mente, e fiquei muito agradecido ao Google quando
ele também me retornou com a foto da Kristen Stewart praticamente
careca. Eu sabia que ela não conheceria a Jada, mas tinha certeza
que ela conheceria a protagonista de Crepúsculo. E acertei.
– Olha... a Bella está sem cabelo, mãe – falou empolgada,
com um sorrisinho tímido surgindo em seu rosto.
– E ela é linda, não é? – perguntei.
– Sim, muito.
A Vivian, que também estava ao lado da Tainá, suspirou
sorrindo, cheia de amor e apoio para a filha.
Após isso, o Wesley, acompanhado da Maria Cecília, passou
a explicar o processo de internação do Maria Diane e do tratamento
ofertado ali para elas. Como excelente médico que meu amigo é,
transmitia as informações de maneira gentil e compassiva,
respondendo a todas as perguntas e preocupações da mãe e da
criança. No entanto, a expressão de tristeza e confusão nos olhos
da menina retornaram e partiram meu coração.
Seu pai, Pedro, chegou minutos depois, com sacolas
repletas de brinquedos e livros. Disse que aquilo era para a Tainá se
distrair e deixá-la o mais confortável possível.
O Wesley aproveitou o momento para falar diretamente com
a garotinha, explicando sobre os procedimentos médicos que ela
enfrentaria e tentando tranquilizá-la. Depois disso, ele se despediu
dos três e pediu que eu e a Maria Cecília o acompanhássemos até a
salinha de exames.
Ao ficarmos a sós, perguntei:
– Então meu amigo, me fala como posso te ajudar nesse
caso?
– Bom Dani, sem querer ser puxa-saco, mas já sendo, como
ela precisa de acompanhamento pediátrico, quero que seja com
você. Infelizmente nem todos têm a sua sensibilidade e carinho pela
profissão, então a princípio, o que preciso que você faça é que
esteja sempre presente. Me preocupa o fato de ela estar tão
deprimida com o câncer. Sei que não é uma situação fácil, mas ela
precisa estar psicologicamente bem para responder ao tratamento
de forma satisfatória. Assim, as chances dela são maiores. A família
também está emocionalmente abalada, e eles têm muitas perguntas
sobre o que vem a seguir. Eles precisam do nosso apoio e
orientação agora mais do que nunca e não quero qualquer médico,
porque sabemos que infelizmente tem aqueles que parecem mais
robôs do que seres humanos. A Vivian e o Pedro venderam tudo
que tinham para poderem estar aqui. Alugaram um apartamento
aqui na cidade só para a Tainá conseguir ser tratada aqui no Maria
Diane. Agora o Pedro está tentando arrumar um emprego, enquanto
a Vivian fica aqui no hospital de acompanhante da Tainá.
– Certo. Pode contar comigo, cara – avisei.
Nós três permanecemos um tempinho lá conversando sobre
a nova paciente. A Maria Cecília disse que eu poderia chamá-la de
Ceci e me contou que aquele caso mexeu muito com ela, pois a
garotinha lembrava muito a sua enteada.
– É uma situação triste mesmo. E você e sua enteada se dão
bem? – perguntei.
– Muito. Ela é uma criança maravilhosa, apenas um ano
mais velha do que a Tainá. Eu a amo como se fosse a milha filha.
Fiquei bem contente de ouvir aquela declaração de carinho e
não pude deixar de pensar na Maitê, que infelizmente, não teve a
sorte de o companheiro da mãe não ser uma pessoa boa como a
Ceci.
– Nos dias que não for a minha escala, posso pedir para a
Carol vir dar um apoio para a Tainá – a técnica sugeriu olhando para
o Wesley.
O Wesley gostou bastante da sugestão, alegando que
gostava muito da técnica Ana Carolina. Ele também nos colocou um
pouco mais a par de todo o protocolo que desenhou para a Tainá, e
pediu que sempre que eu estivesse por lá, que fosse eu mesmo a
coletar sangue ou qualquer outro procedimento que ela precisasse.
Ele não queria muitas pessoas diferentes circulando pelo quarto da
menina, para que assim o ambiente ficasse mais acolhedor. Eu
assenti mais uma vez e reforcei que podiam contar comigo.
– Pode deixar que em todos os meus dias aqui, estarei lá
para apoiar e responder às perguntas que os três possam vir a ter.
Vamos garantir que eles se sintam ouvidos e que compreendam
tudo que é explicado.
– Obrigado, Daniel! Novamente, sem querer ser puxa-saco,
eu gosto bastante de trabalhar com você!
E me abraçou sorridente. Eu o abracei de volta e agradeci o
carinho. O Wesley é um renomado oncologista e era muito
gratificante que ele gostasse do meu trabalho.
A Ceci também nos garantiu que passaria várias vezes pelo
quarto da Tainá, não só para realizar os procedimentos médicos
básicos, mas também para fornecer apoio emocional.
Deixei os dois lá conversando sobre os detalhes do caso e
planejando as próximas abordagens e voltei para a pediatria. Aquele
tinha sido um dia bem exaustivo e ainda faltavam algumas horas
para acabar.
Eu só esperava que não houvesse mais nenhum caso
intenso como aqueles dois...
CAPÍTULO 18

Camila
No sábado, eu e a Débora havíamos combinado com a
Lauren de sair com ela e as gêmeas. Minha cunhada não aguentava
mais ficar em casa e necessitava desesperadamente de um
passeio. Como meu irmão estava de serviço, eu e a Débora nos
oferecemos para um programinha só de meninas. Combinamos de
passear no shopping, almoçar em algum restaurante bacana e
depois irmos ao Jardim Botânico. Estava animadíssima para tirar
várias fotos da Lud e da Luíza lá.
O dia estava perfeito, com o céu bem azulzinho e uma brisa
suave. Apesar de agosto ser um mês frio por aqui, o sol estava
presente e tanto eu, quanto a Débora, estávamos bem animadas
para compartilhar a experiência do primeiro passeio das nossas
sobrinhas. É claro que elas já haviam saído de casa, mas só para
irem ao médico, fazer as consultas de rotina. Para passear, aquela
seria a primeira vez.
Assim, saí da escolinha de balé direto para a casa, para
encontrar a Débora. Estava com o carro do Gustavo e, quando
cheguei, alternamos a motorista, já que minha irmã insistia em ir
dirigindo. Depois disso, fomos para o apartamento da nossa
cunhada.
Chegamos ao shopping por volta das 13h e a primeira coisa
que fizemos foi almoçar. Assim como eu, a Lauren e a Débora
estavam famintas e invertemos a ordem do nosso programinha.
Após o almoço, fomos explorar o shopping. Cada uma de
nós tinha feito uma lista mental de coisas que queríamos comprar, e
nos revezávamos com a Lud e a Luíza no colo. Primeiro, visitamos
algumas lojas de departamento, onde experimentamos algumas
roupas e encontramos algumas promoções. Depois visitamos uma
loja de sapatos e foi uma verdadeira festa para as três!
Experimentamos saltos altos, tênis estilosos e até algumas botas de
inverno, que já se encontravam na promoção.
– Camila, aproveita o preço e compra essa bota over the
knee para você parar de ficar pedindo a minha emprestada – minha
irmã me disse, apontando para uma bota marrom de salto sobre
uma banca de promoções.
– Vou comprar mesmo, porque você anda muito egoísta,
Débora – provoquei. Mas era só de sacanagem, porque, como eu já
disse, minha irmã faz de tudo por mim.
– E vou piorar, porque agora você tem seu salário e pode ter
suas coisas. Pode inclusive, comprar presentes para mim.
– Gananciosa! – murmurei.
A Lauren ria daquela falsa discussão entre nós duas. E eu
realmente comprei a bota, assim como um tênis novo de corrida e
um All Star no estilo botinha, na cor rosa.
Minha irmã e a Lauren também compraram alguns calçados
e saímos satisfeitíssimas daquela loja. E é claro que também
passamos um bom tempo numa lojinha de roupas infantis,
comprando várias coisas para a Lud e para Luíza, que ainda estava
longe de servir. A Débora ficou apaixonada em um modelo de
vestido que só tinha tamanho quatro, mas comprou assim mesmo.
Já eu, fiquei enlouquecida com uma calça jeans jogger, que só tinha
tamanho dois. E como a minha irmã, também comprei para as duas.
– Vocês são muito emocionadas! – a Lauren brincou
conosco. – Até essas roupas começarem a servir nas duas, vai
demorar bastante.
Nós três rimos porque aquilo era verdade. Mas a Lauren
também só queria nos zoar, porque também comprou um mocassim
verde para as duas, que só tinha tamanho maiorzinho. Após sairmos
da loja infantil, passamos em uma sorveteria.
O ponto alto do dia foi quando paramos em uma livraria. Eu
estava doida para comprar um livro que a Mályka tinha me indicado
e a Lauren também queria comprar alguns. Já a minha irmã, sempre
queria um livro e entrar em uma livraria para a Débora, era como
soltar uma criança em um parque de diversões. Ela rodopiava
perdida, sem saber se ia para a sessão de eróticos, suspense,
culinária ou qualquer outra. E eu e a Lauren ríamos do seu
desespero.
– Débora – minha cunhada a chamou –, existe algum livro
que você não goste?
– Sim, cunha, os de auto-ajuda.
A Lauren riu.
– Bom, eu não posso te criticar, pois também não curto
muito.
Eu estava com a Lud no colo e informei a elas que iria
procurar o livro que eu queria.
– Essa é novidade para mim, Camila – a Lauren brincou –,
você querendo um livro? Você nem gosta de ler!
– Não gosto de ler igual a Débora, mas estou sempre lendo
um livro, gente – respondi já sabendo que elas iriam me contradizer.
– Sempre? – perguntaram em uníssono.
– Sim – respondi sorrindo. – Todo ano eu leio um livro. E está
de bom tamanho. Um a cada doze meses.
As duas riram e eu também. De fato, não lia muito, mas se
tinha um gênero que me agradava bastante, era o romance erótico e
já fazia um tempinho que não lia nenhum. Então resolvi comprar
alguns e me encaminhei para a sessão dos hot. A Lauren já havia
pego um de suspense que queria e foi comigo. Ali, eu tive uma
breve ideia da euforia da Débora toda vez que ela entrava em uma
livraria, porque eu não conseguia me decidir de jeito nenhum qual
eu gostaria de comprar. Com muito custo, escolhi três: “Meu Maior
Presente” da Mila Wander, “Birthday Girl” da Penélope Douglas e
“Riscos da Paixão” da Jay Crownover. Já a Lauren, pegou o
“Egomaníaco” da Vi Keeland e “Nos Teus Braços” da autora Daiana
Machado. A Débora chegou no mesmo instante.
– Que livros vocês estão comprando? – nos perguntou.
Nós mostramos a ela e minha irmã disse que já tinha lido
todos eles.
– Novidade... – falei.
– E são bons, Débora? – a Lauren perguntou.
– São todos perfeitos, inclusive esse Nos Teus Braços. Ele
faz parte de uma série que se chama Caminhos do Amor e eu estou
ansiosíssima para ler os outros. Cada livro conta a história de um
casal.
– Entendi. Então vou levar um desse para mim também –
falei.
Fingindo estar se escondendo de mim, a Lauren se
aproximou da minha irmã e falou em seu ouvido, mas para que eu
pudesse ouvir:
– Débora, eu estou um pouco preocupada com a sua irmã...
Ela está comprando quatro livros! – me zoou.
A Débora riu.
– Não se preocupe, cunha. Está tudo dentro do padrão.
Livros com cenas explícitas de sexo, a Camila lê e lê bem rápido.
Estranho seria se ela estivesse comprando um livro que fala de
finanças, ou de poesias.
– Deus me livre! – falei. – E gosto mesmo que tenha
bastante cenas de sexo. Romance romântico sem sexo, não perco
nem o meu tempo. Acho um porre.
– Preciso confessar que também não leio quando é assim –
a Lauren nos disse. – Eu preciso de uma pegada com bastante
drama ou bem erótico. Essas histórias mamão com açúcar não são
para mim. Também me sinto entediada.
– Está aí uma coisa em comum entre nós três – minha irmã
nos disse, satisfeita de descobrir algo em comum em
personalidades tão distintas.
Enquanto conversávamos, notei que havia uma garota
prestando bastante atenção na nossa conversa. Dei uma olhadinha
rápida para ela, mas ela não pareceu ficar sem graça e permaneceu
nos observando. Ela era loira e aparentava ter entre dezoito e vinte
anos. Mas a Débora tirou a minha atenção da garota, com o berro
que deu ao pegar um livro.
– Ahhhh! Eu não acredito que esse livro já saiu?! Achei que
iria demorar mais...
Minha irmã já segurava uns seis exemplares dos mais
diferentes gêneros e, pelo visto, já tinha achado o sétimo.
– Deixa eu ver – pedi. – Qual é a autora?
A Débora virou o livro para mim e a capa com uma mulher de
vestido azul chamava bastante atenção. O título era Desejo à Meia-
noite.
– É da Lisa Kleypas. É a mesma daquela série que te
emprestei, As Quatro Estações do Amor.
– Nossa, parece ótimo, Débora. Compra que quero ler –
avisei. – Afinal, eu amei aquela série. Mesmo sendo de época,
adorei as cenas de sexo!
Minha irmã não teve tempo de me responder, pois deu outro
berro ao avistar uma plaquinha amarela indicando “desconto” em
um livro. O grito da Débora foi tão alto, que a Lud cochilava no meu
colo e chegou a acordar e resmungar.
– Para de escândalo, Débora! Está assustando as nossas
sobrinhas! – ralhei com ela.
A Lauren riu, porque a Débora me ignorou e foi logo pegar o
livro, que era o “Cretino Irresistível” da Christina Lauren.
– Eu amo esse livro! Eu vou levar! Os hot são tudo de bom!
E está só quinze reais!
– Ué – nossa cunhada quis entender –, se você já leu, por
que vai comprar?
– Porque li o e-book. Não tenho o físico e preciso ter. Além
de me divertir mais uma vez com as cenas quentes – e deu uma
piscadinha de olho para nós.
A Lauren riu e pareceu que iria dizer mais alguma coisa, mas
foi distraída pela garota que prestava atenção na nossa conversa.
Eu também me assustei, porque já tinha esquecido que ela estava
ali.
– Desculpa interromper vocês, mas... – a desconhecida
hesitou um pouco, mas prosseguiu assim mesmo: – vocês não
acham que esse tipo de livro influencia no vício em pornografia e
reforça a objetificação da mulher?
Nós três a olhamos completamente surpresas. Seu tom era
calmo e, apesar da pergunta descabida e completamente sem
sentido, ela parecia realmente curiosa para saber a nossa resposta.
Mas aquilo nos pegou um pouco desprevenidas, afinal, ela também
estava na sessão de eróticos, nos deixando um pouco na dúvida se
era uma provocação ou uma dúvida genuína. Depois de alguns
segundos olhando para ela, a Lauren foi a primeira a responder,
com seu tom sereno e seu sorriso amigável.
– Olá, qual o seu nome?
– Josi – nos disse meio tímida.
– Prazer em conhecê-la, Josi. Meu nome é Lauren, e essas
são a Camila e a Débora. – E apontou para nós duas.
A garota deu um sorriso cordial, me deixando ainda mais
confusa sobre a real motivação da pergunta.
– Pois bem, Josi, respondendo a sua pergunta: não, não
achamos. O romance erótico, assim como qualquer outra história
fictícia, tem como função o entretenimento, e não nos induzir a algo,
como o vício em pornografias. Falando de modo resumido, o vício é
composto por mudanças comportamentais e fisiológicas que
acometem um indivíduo, que se torna completamente disfuncional
por causa daquele vício. Ele para de trabalhar, de estudar, de
socializar por causa daquilo que se viciou. Então vou voltar a
pergunta para você, de todos os livros que você leu até hoje, algum
deles te deixou viciada em qualquer coisa que tenha sido mostrada
neles?
– Não, nunca.
– É, eu imaginei – a Lauren disse com carinho. – Agora,
sobre a segunda parte da sua pergunta, o romance erótico também
não reforça a visão da mulher como objeto, pelo contrário. A
sociedade já tem uma visão patriarcal, aonde os homens mantêm
um domínio sobre as mulheres e isso vem lá dos primórdios da
civilização. Ideias arcaicas de que devemos ser submissas, não
devemos sentir prazer, não devemos dizer o que nos agrada e
desagrada (principalmente na hora do sexo), e muitas outras estão
enraizadas na nossa sociedade. O livro erótico mostra justamente o
contrário. Nos ensina a ter autoconhecimento, libertação, a
identificar abuso, nos mostra que não devemos tolerar qualquer
coisa e, principalmente, nos ensina sobre sexualidade. Afinal de
contas, são raríssimas as mães que não se sentem desconfortáveis
em ter esse tipo de conversa com as suas filhas, porque
infelizmente, sexo ainda é tratado como tabu, mesmo que seja
indispensável à sobrevivência de qualquer espécie. Desse modo, as
mulheres não sabem de muita coisa e acabam aprendendo nos
livros. E está tudo bem. Lamentavelmente, Josi, as mulheres são
objetificadas e abusadas justamente por não terem domínio de si
mesmas, por não saberem o que podem ou não tolerar, por não se
imporem e por quererem agradar o que a sociedade impõe,
inclusive aos próprios homens, sejam eles pais, parceiro, líderes
religiosos ou qualquer outro. E é justamente por isso que esse tipo
de literatura incomoda tanto à alguns homens. Acredito que foi
alguém do gênero masculino que colocou essa ideia na sua cabeça,
não é?
– Na verdade, não Lauren. Foi a minha mãe quem me disse
isso ao pegar alguns livros hot na gaveta da minha mesinha de
cabeceira.
– Entendo – a Lauren prosseguiu –, mas ela está
equivocada. Uma outra realidade triste é que o machismo e
preconceito, às vezes é mais reproduzido pelas mulheres, do que
pelos próprios homens. Acredito que não é o caso da sua mãe, mas
muitas que criticam é porque não têm coragem de ler por estarem
querendo fazer parte de um sistema patriarcal imposto por igreja,
marido, ou os próprios pais. Eu digo que não é o caso da sua mãe,
porque pode ser somente preconceito, ou ela pode ter aprendido
que não era certo e está repassando. De todo modo, acho que vale
a pena você conversar com ela sobre isso. Outra questão muito
importante, que você não perguntou mas sinto necessidade de falar
é: está tudo bem gostar de pornografia, desde que não seja um
vício. Assim como está tudo bem jogar vídeo games, desde que não
se torne um vício. Vícios estão relacionados com excesso e falta de
limites. Se você e seu parceiro ou parceira, ou você mesma sozinha,
gosta de assistir filme pornô para apimentar a relação ou se
masturbar, não tem nada de errado nisso. Porque, como eu disse,
sexo faz parte do comportamento humano e da manutenção da
espécie, além de ser gostoso e de fazer bem a saúde. E isso não
sou eu quem estou dizendo, é a ciência que diz. Se você pesquisar
no Google, vai achar vários estudos de universidades renomadas,
tanto aqui, quanto no exterior, falando sobre os benefícios do sexo.
E acho até que é um bom caminho para você mudar a percepção da
sua mãe. Mostre a ela esses estudos, talvez também alguns vídeos
no YouTube de sexólogas e pesquisadoras sérias. Tenho certeza
que isso vai abrir a mente dela.
A garota sorriu tão abertamente com a resposta da Lauren,
que eu não soube se queria abraçá-la, ou se queria abraçar a minha
própria cunhada por aquela explicação maravilhosa e tão didática.
– Obrigada por me esclarecer, Lauren – a Josi agradeceu. –
Agora vou comprar meus livros sem remorso, sem a sensação
horrorosa de que estou fazendo algo errado e pecaminoso.
– Foi um prazer, Josi – minha cunhada respondeu.
A garota pegou uns três livros na prateleira e foi saltitante
para o caixa, após se despedir de nós.
Quando ficamos novamente sozinhas, passei a Lud para a
Débora segurar porque precisava abraçar a minha cunhada.
– Nossa, cunha, você arrasou na explicação! Eu te admiro
demais! – E a abracei.
– Deixa de ser boba, Camila – respondeu sorrindo um pouco
envergonhada.
– Não, Lauren, você realmente está de parabéns! – a Débora
concordou. – Eu jamais conseguiria explicar com tanta clareza. E
detalhe, você conseguiu perceber imediatamente que ela não
estava nos afrontando, mas sim, que era realmente uma dúvida.
– Foi pelo tom da pergunta, e por ela estar na sessão de
erótico. Seria um pouco controverso se fosse um afronte.
– Foi o que pensei, mas fiquei um pouco na dúvida. Só
queria encontrar essa senhora mãe dessa garota...
– Por quê? O que você falaria para ela? – a Lauren
perguntou estreitando os olhos para mim.
Sorrindo, respondi:
– Perguntaria se ela acha um absurdo que a mulheres
gostem de ler hot. Aí ela me responderia que sim, como boa falsa
puritana que sei que ela é. Aí eu diria bem alto: Morre que passa,
sua ridícula!
A Débora riu e a Lauren sacudiu a cabeça negativamente,
segurando o riso.
– Você não tem jeito, Camila!
Após aquilo, nós também fomos para o caixa pagarmos
nossos livros e seguimos para o Jardim Botânico. Aquele era um
dos cartões postais da nossa cidade e ao chegarmos lá,
encontramos um local tranquilo e sombreado para fazermos um
piquenique com as bebês. Demos a elas mamadeira com água e,
mais tarde, a Lauren amamentou as duas. Enquanto isso,
aproveitávamos a brisa suave, a serenidade do ambiente e a
conversa divertida que fluía perfeitamente quando estávamos nós
três juntas. Ora ou outra, beliscávamos uns biscoitinhos que
havíamos levado.
E obviamente fizemos inúmeras fotos da Lud e da Luíza.
Conseguimos fotos delas sorrindo sobre a grama verde, em nossos
colos em frente a estufa e ao salão de exposições, dormindo
serenamente nos seus respectivos bebês confortos, dentre outras
posições.
Para finalizar o dia, paramos em um café famoso antes de
voltarmos para a casa. Já devidamente acomodadas e tendo feito
nossos pedidos, desabafei com as duas:
– Meus amores, preciso dizer que o dia de hoje foi um
daqueles que nos fazem sentir gratidão pela família que temos. Eu
amo vocês! Amo você, irmã! Amo você, cunha!
– Nossaaaaa – a Débora falou de imediato. – Como você
está amável, Cami – me cutucou. – Mas eu também te amo, irmã!
Mesmo você sendo maluca e sem juízo. – Ela olhou para Lauren e
para as gêmeas nos bebês confortos. – E amo vocês três também.
Minha cunhada sorriu satisfeita.
– Nós também amamos vocês!
O momento mela cueca passou e voltamos a fofocar da vida.
Eu tinha acabado de comer o que pedi, quando o celular da Lauren
tocou e ela atendeu. A princípio, não prestei muita atenção no
assunto, até ela falar aquele nome que me desestabilizava
completamente.
– Não, Ana, estou naquele café que você e o Daniel gostam.
Por quê?
Não sei o que a Ana Flávia respondeu, mas foi a resposta da
Lauren que fez a comida se agitar no meu estômago.
– Ué, venham pra cá então! Nós praticamente acabamos de
chegar.
O quê?
Meu coração disparou, minha respiração se tornou mais
curta e tenho certeza que minhas feições mudaram. Passei a sentir
bastante calor, ao passo que minhas mãos se tornavam trêmulas.
– Ah, que bom que estão vindo. Nós vamos esperar vocês
então, até daqui a pouquinho.
Não é possível!
Pensei em perguntar se tinha entendido certo assim que a
Lauren desligou, mas sem querer, minha irmã fez o trabalho por
mim.
– A Ana vai vir nos encontrar aqui com o namorado?
– Sim, vocês não se importam, não é?
– Eu não – a Débora deu de ombros.
– Nem eu, mas infelizmente vou ter que deixar vocês – falei
imediatamente e me levantei às pressas.
As duas me olharam assustadas, tentando compreender
aquela mudança repentina de planos. Então segui explicando a
mentira que já estava na ponta da língua.
– Um contatinho acabou de me mandar mensagem, me
chamando para encontrá-lo. – Eu me virei para a Lauren sorrindo e
me colocando de costas para a Débora, para que a minha irmã não
percebesse a minha mentira. – Sabe como é, cunha, não posso
perder a oportunidade de beijar na boca.
Ela riu e disse que me entendia.
– Mas juízo, hein – brincou.
– Pode deixar!
Assim, me despedi das duas e saí praticamente correndo da
cafeteria. Já foi difícil demais ver o Daniel no dia anterior, quem dirá
ali com a namorada.
Não sou obrigada!
Ele me desestruturava só de me olhar, me deixava confusa,
com raiva e chateada, mesmo que eu soubesse que não havia
razões lógicas para me sentir daquela forma. Já não conseguiria
fugir dele sempre que eu quisesse no hospital, então fora de lá,
fugiria com toda a certeza.
Mais tarde, quando cheguei em casa, fiquei tentada a
perguntar a minha irmã como foi depois que fui embora. Mas a
Débora me sacaria na hora. Não sei como, mas ela consegue me ler
só de me olhar e eu não estava preparada para falar sobre aquilo.
Assim, fui dormir morrendo de curiosidade.

Na segunda-feira, acordei no horário de sempre, com o som


do despertador me avisando que estava na hora de levantar. Eu
botava o celular para despertar no limite do horário, só o suficiente
para trocar de roupa e tomar um café rápido. Tinha um pouco mais
de folga nos dias em que o Gustavo deixava o seu carro comigo. Do
contrário, precisava ir de ônibus e não podia dar bobeira.
Ao chegar no hospital, trabalhei bastante. Estava havendo
umas confusões nas faturas dos médicos e a demanda de trabalho
estava alta. Por isso, nem vi as horas passarem. Quando faltava uns
dez minutos para o almoço, a Carol me mandou uma mensagem
dizendo que precisava de um favor meu. Mas ela disse que não
conseguiria almoçar comigo e combinamos de conversar na hora do
café.
Na hora do almoço, saí ansiosa para o refeitório. Eu tinha
levado comida e decidi almoçar por lá. Geralmente comia na
cozinha do meu setor, mas lá era muito pequeno, cabendo só uma
pessoa por vez. E como já não precisava mais evitar o Daniel, decidi
ir para o refeitório. Mas não consegui fazer meu corpo se acalmar
perante a possibilidade de vê-lo e só fui relaxar, quando me lembrei
que aquele não era o dia da sua escala. Como ele trabalhou na
sexta, era provável que só trabalhasse de novo na terça.
Estava bem de boa conversando com a Nara, quando o vi
passar pela porta.
Puta que pariu, errei na conta...
Nossos olhos imediatamente se encontraram e o Daniel
gastou bastante tempo me observando. Pude ver que a Doutora
Melissa estava com ele pela rápida olhadinha que dei para a
médica, mas meus olhos rapidamente tornaram a focar nos do
Daniel. Seus olhos negros me encaravam com uma intensidade que
me deixava atordoada, mas eu não conseguia desviar o olhar. Meu
coração passou a bater mais rápido, e um calor subiu pelo meu
peito. Eu estava nervosa e odiava aquele tipo de reação do meu
corpo.
Pelo amor de Deus, Camila, ele foi só mais um safado que
você pegou, nada demais.
Estava prestes a desviar o olhar, quando ele soltou um “oi”
de modo tímido e sorriu para mim. Meus lábios se distenderam para
os cantos e, quando dei por mim, já estava correspondendo seu
sorriso lindo e sedutor. Havia algo na maneira como o Daniel me
olhava que me fazia sentir um monte de emoções estranhas. Só fui
romper nosso contato visual, quando ouvi a Nara dizer:
– Ei, Camila, dá para me responder?
Voltei a olhar para a minha amiga, tentando recuperar de onde
paramos.
– O que foi que você perguntou?
Ela não me respondeu e ficou me olhando por um longo
tempo. Quando cansou, direcionou o olhar para onde os meus olhos
estavam segundos antes. O Daniel já havia se sentado numa das
mesas, mas ainda permanecia me olhando. Para me distrair, tornei
a perguntar a Nara:
– Anda, mulher, repete a pergunta!
– Agora não posso, estou tentando entender essa troca de
olhares. – Ela se virou para mim sorrindo. – Você perdeu até a cor
quando o Doutor Daniel entrou e não preciso dizer nada sobre você
ter simplesmente esquecido de que estava falando comigo. Tem
algum motivo especial para esse comportamento?
– Nenhum – respondi serenamente.
– Alguém já te avisou que você é uma excelente atriz? – me
zoou.
Tive que rir, porque ela falou tão sério que achei engraçado.
– Sim, meus irmãos vivem me dizendo isso.
– Que ótimo, mas não me convenceu. Agora me conta?
– Te contar?
– Sim, para de ser sonsa, Camila! Me conta logo! Você tem
algo com esse médico?
– Não tenho nada com ele, Nara. Ele tem namorada. –
Confesso que precisei me esforçar bastante para não retorcer o
nariz enquanto dizia aquela frase. – Por que você acha isso?
– Eu já disse, pelo fato de você ter trocado olhares intensos
com ele durante bons segundos e nem sequer ter ouvido a pergunta
que te fiz.
– Eu só o cumprimentei, minha amiga. Nada demais. Ele é
amigo da minha cunhada e a gente se conhece. Já o conhecia antes
de vir trabalhar aqui.
– Ah sim, entendi. Bom, agora então você pode responder a
minha pergunta?
– Posso sim, qual era mesmo?
– Vou repetir hein, presta atenção: estou pensando em
organizar um happy hour lá em casa com uma galera daqui e da
faculdade. Você topa?
– Mas é claro.
– Então está bem. Vou ver se faço nessa sexta, mas te
confirmo depois.
– Beleza.
Ficamos lá na cantina mais um tempinho conversando e
fazendo hora, enquanto o som das vozes e risos dos colegas
preenchia o ambiente ao nosso redor. Vez ou outra, eu dava uma
olhadinha furtiva para a mesa em que o Daniel estava sentado e ele
estava olhando para mim em todas as vezes. Aquilo começou a me
incomodar, porque era o fim da picada um cara comprometido ficar
encarando assim outra mulher. Ao mesmo tempo que me sentia feliz
com seus olhos em mim, ficava irritada e inconformada.
Decidi parar de olhar em sua direção e obriguei meus olhos a
focarem na Nara. Ao voltarmos para o faturamento, ela ainda me
questionou mais uma vez se realmente não havia nada entre nós.
Disse que quando saímos do refeitório, o Daniel ficou me
observando até cruzarmos a porta. Eu não tinha visto, porque fiz
questão de não olhar mais na direção dele. Mas achava que fosse
pouco provável que a Nara tivesse se equivocado e fiquei ainda
mais irritada. De todo modo, reforcei que apenas nos conhecíamos
e mudamos de assunto.
Na hora do café, fui encontrar com a Carol na cantina,
conforme havíamos combinado. Assim que apontei na entrada,
avistei minha amiga sentada em uma das mesas, mexendo em seu
celular. Quando a Carol me viu, se levantou toda animada para me
cumprimentar, com seu sorriso caloroso estampando seu rosto.
Fazia alguns dias que não nos víamos, porque o hospital era bem
grande. Se não marcássemos de nos encontrar na hora do almoço
ou no café, não conseguíamos nos ver. O pessoal do serviço
administrativo geralmente não ia para as alas médicas e nos lugares
que eram de acesso comum, geralmente os horários não batiam.
– Que saudade de você, Cami! – disse ao me abraçar.
– Saudades também, Carol! Nem parece que trabalhamos no
mesmo lugar. – Dei risada.
– Pois é – ela também riu.
Nós nos sentamos e fizemos nossos pedidos. Eu, como
sempre, pedi um café expresso e um pão de queijo. Ela pediu um
café com leite e um misto quente.
– Agora me conta, como está indo o dia até agora?
– Ah, Cami, você não faz ideia do quanto eu precisava de um
intervalo. O dia está corrido demais. Não pude nem almoçar direito,
porque precisei ir atrás de umas roupas infantis de balé.
– Para a Valentina?
– Não. E é sobre isso que eu gostaria de conversar com
você. – A Carol adotou um tom sério e me preocupei que fosse algo
grave. – O favor que gostaria de te pedir é que você ensinasse uma
garotinha a dançar balé. Os pais não têm como pagar e queria te
pedir que fizesse isso de graça. Sei que é um pedido bem cara de
pau, mas acho que ela vai ficar muito feliz.
A Carol é uma mulher muito humana e, mesmo que o pedido
fosse algo complicado de fazer, eu o faria só pelo fato de ser ela a
pedir. Mas ensinar balé era o que eu mais amava, então era certo
de que faria com certeza. Eu tinha o valor que recebia da escolinha
de balé, mas aquilo nem era o mais importante para mim. Eu
realmente gostava de ensinar e trabalhar com crianças.
– Pode contar comigo, Carol! O problema todo é que precisa
ser à noite por causa...
A Carol não me deu tempo de concluir o raciocínio e me
interrompeu.
– Então, Cami, não se preocupe porque será aqui mesmo. O
máximo que você vai precisar fazer, é pedir a Vânia meia hora a
mais de almoço e pagar no horário da saída.
Não entendi nada. Ali? No hospital?
– Como assim?
– Prepara, porque sei que você vai ficar sensibilizada. Te
conheço muito bem. – Ela se ajeitou na cadeira. – Enfim, semana
passada, o Doutor Wesley admitiu lá na oncologia uma paciente de
dez anos com Linfoma de Hodgkin.
– Ai, meu Deus! – a interrompi levando as mãos ao coração.
– Uma criança!
– Sim, Cami. E infelizmente, é mais comum do que você
pensa. O que chama atenção no caso dela, é que a garotinha está
ficando muito deprimida e, tanto o Doutor Wesley, quanto os pais da
Tainá, estão preocupados com uma possível depressão. Ela já teve
até crise de ansiedade. Por mais incrível que pareça, são comuns
os casos de crianças lidando bem, dentro do possível, com o
diagnóstico de câncer. Só que essa não está sendo a realidade da
Tainá. Ontem mesmo a Ceci me relatou que enquanto estava lá com
ela conversando normalmente, ela ficou visivelmente agitada, com a
respiração acelerada e o coração batendo rápido. A Tainá alegou
que não estava conseguindo respirar e a mãe dela nos contou que
no dia anterior tinha acontecido também.
– Nossa, é muita coisa para a coitadinha lidar – lamentei.
– Pois é. Depois que ela se acalmou, conversando com ela a
Ceci descobriu que o seu maior sonho é aprender a dançar balé. E
é aí que você entra. Nós acreditamos que isso faria toda a diferença
no psicológico da Tainá.
É óbvio que concordei na hora com o pedido, mesmo
sabendo que eu era uma manteiga derretida para aquele tipo de
coisa. A Carol seguiu me explicando que ela e a Ceci fizeram uma
vaquinha para comprar uma roupa de balé para a menina e que por
isso não pôde me encontrar no almoço.
– Ah que lindo, Carol! Vou comprar um lookinho para ela
também.
– Não precisa, Cami. Agora ela já tem bastante – falou
parecendo meio sem graça.
– Certo, então vou comprar uma sapatilha para ela – sugeri.
– Também não precisa, ela já ganhou três. Só precisamos
que você a ensine e a distraia.
– Ok, deixa comigo!
Eu iria mudar de assunto, mas algo no jeito como a Carol
ficou estranha ao me dizer que a menina já tinha roupas e
sapatilhas, me deixou intrigada.
– Quantas roupas você e a Ceci compraram?
– Uma só. Ah, você não sabe o que a Valentina aprontou
ont...
– Pode parar! Já sei que você está querendo mudar de
assunto. O que você não está me contando, Ana Carolina?
– Nada, ué.
Eu pensei um pouco.
– Quem comprou as outras roupas e as sapatilhas?
A Carol bufou, sabendo que não ia ter como fugir.
– Foi o Doutor Daniel e o Doutor Wesley.
– Certo. Agora faz sentido essa sua cara estranha.
Ela sorriu de modo tímido.
– Fiquei com medo da sua reação, por isso preferi não falar.
– Não se preocupe, está tudo bem. – Eu já ia mudar de
assunto novamente, quando me surgiu outra dúvida. – Ele sabe que
vocês iriam me pedir para ensiná-la?
– Sabe, sim. Quando a Ceci teve a ideia, ele estava
presente. Ela me contou que comentou com ele que eu tinha uma
amiga que era professora de balé e que iria falar comigo. Aí ele
disse: “A Camila, né? É uma excelente ideia!”
Imaginei que a Abgail tivesse contado para ele que era eu
mesma no aniversário da Valentina. E agora que ele sabia que eu
trabalhava lá, deve ter realmente achado uma boa ideia.
Ficamos os minutos restantes conversando e não dei muita
importância para a parte do Daniel. Combinamos que eu começaria
já no dia seguinte a ensinar a Tainá e a Carol ficou muito feliz com a
minha disponibilidade. Disse que a Ceci havia comprado muitas
coisas com o dinheiro dos dois médicos e pediu que eu levasse para
a garota. Confirmei que levaria e que faria tudo que estivesse ao
meu alcance para animar a vida da menina. Um pouco emocionada,
ela me abraçou e me agradeceu, fazendo algumas lágrimas
surgirem nos meus olhos também. Após isso, nos despedimos e
retornamos ao trabalho.
Já no faturamento, expliquei para a Vânia sobre a situação e
perguntei a ela se poderia tirar meia hora a mais de almoço
enquanto a Tainá estivesse internada, como a Carol me sugeriu.
Minha chefe, que também tem um coração enorme, aceitou de
imediato e combinamos que eu iria repor após o expediente.
Durante a noite, peguei um dos meus collants e já o coloquei
dentro da bolsa, assim como a minha sapatilha e uma saia rodada.
A Carol tinha me avisado que a Tainá já estava sofrendo os efeitos
da quimioterapia e me preparei psicologicamente para lidar com a
imagem da criança fragilizada. Seus cabelinhos já haviam caído,
assim como os pelinhos da sua sobrancelha. Também me avisou
que ela não estava no melhor dos humores e eu conseguia
compreender perfeitamente.
A garota também nem imaginava que teria aulas de balé,
porque todo mundo achou melhor que fosse surpresa. Estava bem
animada e esperava que ela fosse gostar bastante.
Ao me deitar na cama, me dei conta de que estava um pouco
ansiosa para o novo desafio.
CAPÍTULO 19

Daniel
Eu sabia que a Camila se apresentaria para a Tainá na hora
do seu almoço. Então, naquela terça-feira, sondei com a Ana
Carolina qual era o horário que a loirinha com cara de anjo saía para
almoçar e, dez minutos antes, já estava no quarto da garotinha
como quem não quer nada.
Ao chegar lá, encontrei a Tainá deitada na cama com um
semblante triste. Antes de perceber a minha presença, ela olhava
para o teto com seus olhinhos brilhando, como se tivesse fazendo
uma prece silenciosa. Quando me viu, me fitou curiosa e
apreensiva. Seus olhos estavam um pouco marejados, mas fingi
não perceber.
– Boa tarde, Tainá! – a cumprimentei. – Vim passar meu
horário de almoço aqui com você, posso?
– Boa tarde, Doutor Daniel! Pode sim, mas por quê?
– Porque estou querendo companhia.
Ela sorriu.
– Ok, então.
A garota estava sozinha e perguntei onde estava a sua mãe.
Ela respondeu que a Vivian tinha ido fazer umas ligações
importantes e comprar almoço para ela.
– Certo. E como você está se sentindo hoje?
– Estou bem.
Resolvi puxar assunto sobre suas atividades favoritas e
interesses, na tentativa de deixá-la menos desanimada. Ela foi me
contando que gostava muito de ler, mas que ultimamente estava
sem paciência com os livros. Expliquei que aquilo era normal, mas
que talvez fosse porque os livros que ela estava escolhendo
pudessem não ser o que ela queria. Ela deu de ombros e disse que
talvez eu tivesse razão.
À medida que a conversa fluía, a Tainá parecia ficar mais
animadinha e mais falante, com seu mal humor diminuindo. E eu fui
ficando feliz com aquela mudança, mas quando uma moça com
nariz de palhaço ameaçou entrar no quarto, a garota rapidamente
fechou a cara.
– Posso entrar, menininha linda? – a visitante perguntou.
Eu não sabia o seu nome, mas ela era um dos rostos
simpáticos e bem presentes ali na oncologia, de voluntários que
tentavam trazer um pouco de conforto e alegria aos pacientes
oncológicos. Às vezes eu também encontrava com ela na internação
da pediatra.
Mas ali ela não foi muito bem-vinda e até eu fiquei surpreso
com a resposta seca e direta da Tainá.
– Não, aqui você não vai conseguir fazer ninguém rir, então
não precisa perder seu tempo comigo. Nos outros quartos você terá
mais sucesso.
A moça ficou visivelmente surpresa e também um pouco sem
graça, assim como eu. Disse que então iria para o próximo quarto,
mas desejou um ótimo dia para a garota. A Tainá a agradeceu e
desejou o mesmo.
De novo a sós, também fiquei sem saber o que dizer.
– Você a deixou constrangida, Tainá – falei depois de alguns
segundos em silêncio.
– Sim, eu sei. – Ela abaixou os olhos, um pouco
envergonhada. – Mas não foi essa a minha intenção. Só que eu me
conheço e sei que ela não vai conseguir arrancar nenhuma risada
de mim. E eu não estou com humor para fingir então preferi falar a
verdade.
Mesmo com os dez anos de profissão, eu ainda me
surpreendia com a maturidade e sinceridade de algumas crianças.
– Está certo, é sempre melhor falar a verdade mesmo.
Depois daquilo, também fiquei apreensivo com a possível
reação da garota quando a Camila chegasse. Mas não tinha muito o
que fazer, a não ser aguardar para ver. Só podia esperar que a
Camila já não iniciasse com muita veemência, pois aquilo não
parecia ser uma abordagem muito eficaz com a Tainá.
– Cadê o seu pai? – puxei assunto.
– Está trabalhando. Ele conseguiu um trabalho numa
construtora de auxiliar de pedreiro.
– Que bom! – falei sem ter certeza de que era isso que a
garotinha queria ouvir. Seu semblante estava rígido e sério. – Você
está feliz com isso?
– Não – foi direta. – Ele não sabe ser pedreiro e tenho medo
que ele se machuque. Pegou o primeiro serviço que apareceu
porque ficou com medo de não encontrar outro. Lá na nossa cidade,
ele não conseguia nem consertar as coisas que quebravam na
pousada, nem mesmo pintava as paredes. Não queria que ele
estivesse se colocando em risco por minha causa.
– Eu entendo a sua preocupação, Tainá. Mas eu te garanto
que ele não vai se machucar. Conheço muitos homens que são
pedreiros e que nunca se acidentaram na vida. No máximo, um
esfoladinho nas mãos.
– Duvido. Tenho certeza que você está dizendo isso só para
que eu me sinta bem.
Dei risada. Primeiro porque o fato de a Tainá falar tudo que
pensa me alegrava bastante. Segundo, porque ela estava muito
enganada e eu fazia questão de mostrar. Retirei meu celular do
bolso do jaleco e fui atrás de uma das fotos do meu pai. Quando
encontrei, mostrei a ela.
– Está vendo esse senhor aqui? – Ela assentiu. – Pois então,
ele é meu pai e foi pedreiro a vida toda. Hoje em dia está
aposentado e só sabe passear bastante com a minha mãe para
baixo e para cima – contei a ela.
A Tainá encarou a tela do celular bem atenta, depois deu um
longo suspiro.
– Ele nunca se machucou? – quis confirmar, suavizando as
feições.
– Já martelou o próprio dedo algumas vezes. Também já
deixou um tijolo cair no próprio pé, mas nesse dia ele nem estava
trabalhando. Estava mudando umas coisas de lugar lá no quintal da
nossa casa.
Ela deu um sorrisinho tímido, mas não disse nada. Ficou
observando meu pai no celular durante um tempo, depois me
entregou o aparelho.
Uma batida na porta nos distraiu e olhamos juntos. E é claro
que era ela: a loirinha marrenta e linda, com carinha de anjo.
Ao me ver, a Camila se assustou e seus olhos verdes
queimaram nos meus, mas ela disfarçou.
– Boa tarde, Doutor Daniel – me cumprimentou de modo
casual.
– Boa tarde, Camila.
– Eu posso entrar? – perguntou ao olhar para a Tainá.
– Pode – A Tainá respondeu, estranhando aquela visita. Deu
uma olhada de cima a baixo no uniforme da Camila, depois franziu o
cenho.
– Bom, Tainá, meu nome é Camila e tenho umas amigas que
me falaram muito bem de você. Posso colocar essas coisas aqui? –
A Camila apontou para a mesinha que ficava ao lado da poltrona de
acompanhante. Ela trazia consigo sacolas enormes de papel e eu
tinha certeza que eram os itens de balé que todos nós nos juntamos
para comprar. Eu e o Wesley demos dinheiro para a Ana Carolina e
a Ceci comprarem roupas, sapatilhas e o que mais fosse necessário
para compor o visual de uma bailarina.
A garota olhou para as sacolas curiosa e assentiu com a
cabeça. E a Camila prosseguiu:
– Pois então, uma delas é a Carol. Eu a conheci há uns dois
anos, quando comecei a dar aula de balé para a filha dela.
– Você é bailarina? – a Tainá perguntou de imediato.
– Sim – a Camila respondeu sorrindo. Ela me lançou uma
olhadinha furtiva e voltou a falar com a menina: – e a Carol me disse
que você gostaria de aprender balé. É verdade?
Eu fiquei muito feliz pelo modo como a Camila iniciou toda a
interação. Ela não olhava compadecida para a cabeça lisinha da
Tainá, coisa que a maioria fazia. Também não conversava como se
estivesse falando com uma criança. E aquilo era ótimo, porque
apesar de ser esse o caso, já estava mais do que claro que aquela
abordagem não funcionava com a Tainá.
– Sim, é – respondeu por fim. – Pelo menos era antes de eu
descobrir o câncer.
– Mas desde que você esteja se sentindo bem, o câncer não
vai fazer diferença. Você gostaria de tentar? – perguntou
carinhosamente.
A Tainá ficou um tempo em silêncio, depois baixou os olhos
para o nome do hospital bordado no peito da camisa de uniforme da
Camila.
– Você trabalha aqui?
– Sim, trabalho no setor administrativo.
A garota pensou mais um pouco.
– Bom, Camila, foi um prazer te conhecer, mas não acho que
seja uma boa ideia.
Eu e a Camila perguntamos “por quê?” juntos.
– Porque não sei nem se vou estar viva daqui a seis meses,
então não faz sentido.
Aquela resposta baqueou um pouco o sorriso confiante da
Camila e preciso confessar que o meu também. Nós começamos a
responder juntos, mas deixei que a Camila continuasse. A loira se
sentou na poltrona ao lado da cama e falou com a Tainá de modo
firme.
– Olha, eu imagino que não deva ser uma situação fácil, mas
assim como em todas as doenças, se você não tiver um
pensamento positivo, isso pode impactar na resposta do seu
organismo ao tratamento. E até onde fui informada, seu corpo está
respondendo muito bem a ele, não é Doutor Daniel? – me
questionou realmente curiosa.
– Está sim, muito bem – confirmei.
– Pois então, Tainá, não vejo o porquê de não querer
aproveitar para fazer algo que você já queria antes.
– Também acho – me intrometi, fitando os lábios rosados e
sedutores da Camila. Ela sorria para a Tainá e a única coisa que
consegui pensar naquele momento, é que queria provar dos seus
deliciosos beijos pelo menos mais uma vez.
A Tainá não respondeu absolutamente nada e quando voltei
com o olhar para ela, a garotinha me observava com uma ruga na
testa.
– E aí, o que você nos diz?
– Ah, ainda não sei. – Ela olhou para a Camila e parecendo
um pouco envergonhada, suspirou. – Será que você poderia dançar
um pouco para eu ver? – pediu baixinho. – Mas só se você for se
sentir bem com isso.
A loira abriu seu sorriso lindo e encantador, e se levantou no
mesmo instante, aparentando uma empolgação sincera. O jeito que
ela sorria para a Tainá era caloroso e acolhedor, e me fez sorrir
também.
– Vou me trocar então – informou à garotinha, que lhe
respondeu com um sorriso aberto, com a expectativa explícita em
seu olhar.
A Camila pegou uma das sacolas que havia colocado sobre
a mesinha e a levou para o banheiro do quarto. Permaneceu uns
três minutinhos lá dentro, enquanto eu e a Tainá conversávamos. Eu
reforcei para ela que não era necessário deixar de fazer nada por
causa do câncer, principalmente nos dias em que ela estivesse se
sentindo bem. A Tainá ainda parecia um pouco relutante, mas sua
expressão rígida já havia se suavizado.
Quando a Camila saiu, não consegui disfarçar que fiquei
impactado com a visão. Ela vestia um body preto de manga longa
que moldava bastante as curvas do seu corpo, e uma saia branca
bem rodada. Além das sapatilhas de balé, estava com uma meia
fina branca que destacava bastante o contorno de suas pernas,
além de contrastar com o body. O cabelo ainda estava solto, mas
ela o prendeu assim que retornou com a sacola para a mesinha.
– Nossa, sua roupa é linda! – a Tainá a elogiou.
Ela é toda linda, Tainá...
– Obrigada – a Camila respondeu. – Tem uma bem parecida
com a minha aqui para você – a avisou, apontando para a sacola.
– Para mim? – a garotinha perguntou surpresa. Ela tentou
disfarçar, mas havia bastante expectativa em seu olhar.
– Sim – a loira respondeu. – Na verdade, tem várias. Não é
mesmo, Doutor Daniel?
A Camila sorria para mim de modo ponderado e eu tentava
entender quais eram seus receios. Senti que a Tainá me observava
e me obriguei a olhar para ela.
– Sim, tem várias, mas você só ganhará se decidir que vai
fazer as aulas – brinquei.
Pela primeira vez desde que ela internou, pude ver um
sorriso genuíno em seu rosto e fiquei bem satisfeito. Seus olhos
brilharam, ao passo que seus lábios se curvaram para cima,
revelando os dentinhos pequenos e irregulares.
– Então dance, Camila! – pediu irradiando alegria e felicidade
– vamos ver se você me convence – falou em tom zombeteiro.
Aquele momento descontraído da Tainá me deixou muito
feliz e pude perceber que a Camila também ficou bem empolgada.
Ela bateu várias palmas discretas e soltou um pulinho satisfeito,
enquanto me agraciava com mais um dos seus sorrisos perfeitos.
– Ótimo! – falou animada. – Se despeça do Doutor Daniel
então.
Quê? Como assim?
– Por quê? – eu e a Tainá perguntamos em uníssono.
A Camila me olhou confusa e surpresa, e precisei me
segurar para não sorrir. Possivelmente, ela achou que eu não a
assistiria, mas jamais perderia a chance de vê-la dançando. Afinal,
eu imaginava aquilo desde que descobri que ela era bailarina.
– Você não precisa trabalhar? – me perguntou.
– Estou no meu horário de almoço.
– Certo – falou um pouco resignada. – Bom, Tainá, que tipo
de música você gosta?
– Qualquer uma. Pode colocar a que você quiser – a
garotinha deu um tapinha no ar, nos agraciando com mais um
sorrisinho divertido.
É, loira, pelo visto, você já está fazendo bem a ela...
– Ok.
E assim a Camila fez, colocando para tocar no seu celular
uma música que parecia ser pop. Tinha umas batidas gostosas, mas
não era de balé. Ela deixou a canção tocar por um tempinho e
tornou a perguntar para a Tainá se podia ser aquela. A garotinha
respondeu que sim e se ajeitou na cama, parecendo até um pouco
impaciente. Pedi a Camila que fechasse a porta, para que o som
não saísse do quarto e também me ajeitei aos pés da cama da
Tainá.
Quando a Camila reiniciou a música e começou a dançar,
precisei fechar a boca para não babar.
Porra...
Ela era como uma visão. Era uma mistura perfeita de
graciosidade e energia. Fiquei bem impressionado com a maneira
como ela incorporava a elegância clássica do balé, com a batida
envolvente daquele som. Seus movimentos eram fluidos e muito
sedutores. Eu não sabia o nome de nenhum daqueles passos
executados com muita destreza, mas sabia que era de balé. A
leveza de seus movimentos contrastava lindamente com a batida
enérgica da música, criando um espetáculo hipnotizante. Precisei
não só forçar a minha boca a ficar fechada, como obrigar meu corpo
a permanecer no lugar, porque o que eu mais queria enquanto a
observava, era agarrá-la e trazê-la para os meus braços.
Enquanto a Camila dançava, dei breves olhadinhas para a
Tainá, que parecia tão hipnotizada quanto eu. Mas não consegui
observar a garota durante muito tempo, porque meus olhos queriam
voltar para a loira linda à minha frente. Eu sentia como se o mundo
inteiro tivesse desacelerado, e todos os meus sentidos estivessem
sendo atraídos para ela.
A música foi se aproximando do final e a Camila permanecia
absorta na dança, com os olhos fechados e a expressão serena.
Seus movimentos traduziam força e flexibilidade, conforme ela se
curvava e se estendia, toda graciosa e sedutora. Ela irradiava
confiança e alegria enquanto dançava, com seu sorriso contagiante
iluminando o quarto, mesmo de olhos fechados. Ela não apenas
dominava a técnica do balé, mas também transmitia uma emoção
palpável durante a dança. Seu corpo esguio fluía graciosamente
pelo quarto e eu não sei dizer quem estava mais encantado, se era
eu, ou a Tainá.
Quando ela acabou, fiquei tentado a pedir que dançasse de
novo. A loira estava ainda mais linda com suas bochechas coradas
e alguns fios de cabelo soltos do coque.
– Nossa, Camila, você arrasa! – a Tainá a elogiou.
– Obrigada! – respondeu sorridente.
– Você não vai dizer nada para a Camila, Doutor Daniel? – a
garota me questionou.
Sorri satisfeito, porque aquela era a deixa que eu precisava.
– Vou, Tainá. – Eu olhei para a loirinha marrenta. – A Camila
é linda e dança maravilhosamente bem! – Olhando bem no fundo
dos seus olhos, continuei: – E eu quero ver de novo!
O olhar intenso e profundo da Camila encontrou o meu e, por
um instante, senti como se meu corpo estivesse pegando fogo.
Seus olhos estavam no mesmo tom do dia do bar, mesclando tons
de verde e azul, e foi impossível não recordar os momentos quentes
que passamos juntos.
Meu celular tocou naquele exato momento, quebrando
aquele clima estranho entre nós. Quando olhei no visor, era a Ana
Flávia.
Não, Ana, agora não... depois a gente se fala.
Rejeitei a ligação e tornei a olhar para a Camila, mas ela já
não me observava mais. A Vivian também retornou ao quarto
naquele momento e a loira se apresentou para a mãe da Tainá.
Imaginei que não conseguiria vê-la dançar de novo naquele dia,
mas para a minha sorte, a Tainá pareceu realmente interessada em
aprender e pediu que a Camila dançasse mais uma música.
– Por favor, Camila, só mais uma? – pediu juntando as
mãozinhas em sinal de imploração. – A mamãe precisa te ver
dançar.
A loira não teve como recusar perante ao pedido da criança
e concordou.
– Tudo bem, vou dançar mais uma – e deu uma piscada de
olhos com seus cílios imensos e charmosos.
– Camila, solta o seu cabelo por favor... eles são tão lindos! –
pediu novamente com sua vozinha doce.
Aquele segundo pedido partiu meu coração. E como era de
se esperar, também impactou bastante a Camila e a própria Vivian.
Já estava mais do que claro que a Tainá estava com dificuldade de
lidar com a queda dos seus cabelos e aquilo doía em todos nós.
– Solto – respondeu, parecendo não saber mais o que dizer.
Seus olhos ficaram levemente marejados, mas ela disfarçou bem.
Sorriu e foi em direção ao celular, para colocar outra música.
Aquela eu conhecia e era “Amarelo, Azul e Branco” da Ana
Vitória com a Rita Lee. A Vivian se ajeitou na poltrona, também
animada para assistir à apresentação da Camila. E eu não preciso
dizer que estava mais do que animado.
Com isso, a loira tornou a dançar, iluminando novamente o
ambiente. Cada movimento da Camila era executado com uma
precisão impressionante, mas também com uma elegância e, não
sei se era coisa da minha cabeça, uma sensualidade que cativava a
todos que a observavam. E como na música anterior, os passos
bem executados combinavam divinamente com a batida da música.
Certeza de que essa vai entrar para a lista das minhas
músicas favoritas...
Diferentemente da primeira música, nessa ela não manteve
os olhos fechados. Mas ainda assim ela parecia absorta, presa num
mundinho só dela. Só que quando o refrão chegou, a loira me olhou
tão intensamente que cheguei até a prender a respiração.
“Eu vim pra te mostrar
A força que eu tenho guardado
O peito tá escancarado
E não tem medo, não, não tem medo
Eu canto pra viver
Eu vivo o que tenho cantado
A minha voz é meu império
A minha proteção”
Dançando num ritmo um pouco mais acelerado, seus olhos
grudaram nos meus e não consegui evitar sorrir. Para a minha
surpresa, ela correspondeu com um sorriso genuíno e encantador.
Nossos olhos continuaram a se encontrar durante o restante
da melodia, como se estivessem dançando em um jogo silencioso
de sedução. Cada olhar da Camila era cheio de significado e duvido
muito que a Vivian não tenha percebido aquela troca de flertes.
Cada piscar daqueles cílios enormes, cada movimento seu,
pareciam comunicar uma mensagem enigmática e sedutora ao meu
corpo e meu coração passou a bater num ritmo desenfreado.
Novamente quando a música acabou, eu quis que ela
dançasse de novo, mas já estava dando o meu horário e o da
Camila também. Assim, voltei a atenção para quem era realmente o
foco daquilo tudo.
– E então, Tainá, a Camila vai se tornar sua professora ou
não?
Ela deu mais um daqueles sorrisos que eram novidade no
semblante tão tenso.
– Vai! – afirmou balançando a cabeça.
Nós três ficamos bem felizes com a resposta positiva,
principalmente a Vivian. Com a resposta positiva, a Camila pegou as
sacolas sobre a mesinha e as levantou na frente do seu rosto,
sacudindo de maneira divertida para a Tainá.
– Tudo que está nessa sacola preta foi comprado pelo
Doutor Daniel – informou a ela, me dando uma olhadinha furtiva. –
As coisas que estão na bege foram compradas pelo Doutor Wesley.
E nessa rosa, estão os itens que foram comprados pela Carol e a
Ceci.
– Nossa, vocês fizeram isso tudo por mim? – a Tainá
perguntou surpresa. – Você sabia, mãe?
– Eu não, filha – respondeu segurando o choro.
De fato, não havíamos comentado nada com a Vivian.
Expliquei à Tainá que fizemos aquilo para que ela se sentisse
menos triste e que estava muito feliz por vê-la feliz.
Quando a Camila lhe entregou as sacolas, a alegria da Tainá
foi ao ápice e a cena, verdadeiramente contagiante. As embalagens
estavam repletas de roupinhas e acessórios de balé que eu não
imaginava serem necessários. Eu não tinha visto nada antes,
apenas tinha dado o dinheiro para a Ceci e a Ana Carolina
providenciarem tudo. O Wesley fez o mesmo e ficou claro que as
duas conseguiram aproveitar bastante a grana. A cada item que a
Tainá retirava da sacola, seus olhos cor de jabuticaba se iluminavam
com uma empolgação incontida, e um sorriso radiante se espalhava
por seu rosto. A garota rapidamente começou a examinar os itens,
segurando sapatilhas, bodys e tiaras com as mãos pequenas e
ansiosas. Cada peça era recebida com um entusiasmo palpável e
fiquei bem feliz que a nossa ideia tivesse dado certo.
Ao segurar uma das sapatilhas mais elaborada que estava
na sacola que a Camila disse ser minha, a garota a observou com
admiração, como se estivesse segurando uma pedra preciosa.
Penso que a Tainá começou a se imaginar dançando, girando e
saltando com graciosidade como a Camila, esquecendo
temporariamente das limitações de seu tratamento.
– Poxa, muito obrigada, Doutor Daniel!
Eu me levantei da sua cama e a beijei no rosto.
– Você não precisa agradecer, princesa. Queremos ver você
bem.
Ela sorriu.
– Eu preciso voltar ao trabalho então vou te deixar à vontade
para experimentar tudo. Mas tira bastante foto para me mostrar
depois, ok? – acrescentei.
Ela assentiu sorridente.
– Deixa comigo!
– Também preciso ir, Tainá. Mas então, amanhã estarei aqui
no mesmo horário para a nossa primeira aula. – Ela sorriu. – Eu
estou bem animada, e você?
– Eu estou super animada, Camila! E obrigada também, viu?!
– Por nada, meu amor.
A Camila entrou no banheiro para trocar de roupa e acredito
que ela pensou que quando saísse, eu já não estaria mais lá. Só
que jamais perderia a oportunidade de conversar um pouco com ela
e a aguardei. Quando ela saiu, a Vivian aproveitou para nos
agradecer também. Disse que fazia bastante tempo que não via a
Tainá empolgada com algo e que certamente as aulas de balé
fariam muito bem a ela. Nós concordamos e nos despedimos das
duas.
Ao ficarmos a sós no corredor, a Camila pareceu um pouco
sem lugar. Ela não me olhava nos olhos e parecia querer se distrair
com o ambiente ao redor.
– Obrigada por fazer isso por ela! – a agradeci, forçando-a a
me olhar.
– Imagina, você não precisa me agradecer. Fico muito feliz
de poder trazer um pouco de alegria para a Tainá. – A Camila
suspirou e seu rosto ficou sério. – Preciso perguntar, Daniel, quais...
quais são as chances dela?
Nessa hora, pude ver que seus lindos olhos verdes brilharam
pelo acúmulo de lágrimas.
– As chances dela são altas, loira, você não precisa se
preocupar. A Tainá está respondendo muito bem ao tratamento,
como você mesma disse – a tranquilizei. – Geralmente as crianças
possuem uma resposta melhor ao tratamento do câncer, do que os
adultos.
Ela respirou aliviada.
– Por que ela está internada, então? Não seria melhor que
ela fizesse o tratamento em casa?
– O Wesley preferiu deixá-la internada porque esse é um
câncer pouco comum em crianças de dez anos, mas é mais
precaução mesmo. E te falo mais, apesar de conhecê-lo a pouco
tempo, sei que essa internação também é para ajudar aos pais. Eles
estão psicologicamente muito frágeis e estando aqui, o Wesley
consegue dar um suporte maior.
– Certo – ela disse, dando mais um suspiro de alívio.
– Você estava linda – falei sem conseguir me segurar. –
Aliás, você é linda! E porra, Camila, você fica magnífica dançando!
A loira se assustou com a mudança abrupta de assunto e
ficou me observando com os olhos esbugalhados, sem saber direito
o que me responder. Depois de longos segundos em silêncio, me
respondeu afoita:
– Obrigada! Bom, preciso ir, até mais!
Dito isso, a Camila praticamente saiu correndo. Eu não
esperava nada muito diferente, tendo em vista que ela nunca entrou
em contato, mas ainda assim, fiquei decepcionado. Comecei a
pensar que ela estivesse com alguém e desejei estar enganado.
Depois disso, voltei ao trabalho.
CAPÍTULO 20

Camila
Camila sua maluca, você flertou com um homem
comprometido...
E ele flertou de volta...
Meu coração ribombava dentro do meu peito, conforme
seguia às pressas para o faturamento. Eu parecia estar fugindo de
um incêndio, mas o incêndio estava dentro do meu corpo. Aquele
elogio me deixou pegando fogo. Sem falar na vontade que me deu
de pular em seu colo e me fartar mais uma vez com seus beijos
abrasivos.
“Você estava linda! Aliás, você é linda! E porra, Camila, você
fica magnífica dançando!”
Fiquei repassando aquela frase inúmeras vezes na minha
mente igual uma idiota, tentando me convencer de que foi um elogio
despretensioso. Mas eu sabia que não tinha sido. Ao me dizer
aquilo, o Daniel me encarava com seu olhar sedutor e um sorrisinho
de canto, deixando claro suas reais intenções.
Cafajeste...
Aquilo reforçava ainda mais o quanto ele era um filho da
puta, porque namorava uma mulher e ficava flertando com outras
por aí. E eu tinha certeza de que não era a única e só queria me
manter distante. Distante dele e distante de problemas para a minha
vida.
Acho que meu corpo só foi se acalmar uma meia hora depois
que eu já havia chegado ao faturamento. Contei para todos lá como
tinha sido com a Tainá, deixando de fora as trocas de olhares com o
médico safado, e todo mundo ficou bem feliz que a garotinha tivesse
sido receptiva. O resto do dia passou em um piscar de olhos.
Durante a noite, já em casa, passei a pensar na Tainá.
Conhecê-la foi uma experiência que me tocou profundamente,
afinal, até então, não conhecia nenhuma criança que estivesse
enfrentando o câncer. Tive que fazer um puta esforço para não me
comportar com uma idiota chorona na frente dela, principalmente
quando a garota elogiou meu cabelo. Meu coração ficou tão
apertado com aquele pedido. Mesmo tendo acabado de conhecê-la,
fiquei com vontade de envolvê-la em meus braços e não soltar mais.
Era difícil acreditar que alguém tão jovem e cheia de vida estivesse
passando por algo tão difícil. Eu me senti impotente, mas sabia que
precisava estar lá para apoiá-la da melhor forma que pudesse, que
neste caso, era lhe ensinando algo que ela desejava e que eu sabia
muito bem.
Quando o Daniel me disse que ela estava respondendo bem
ao tratamento, fiquei tão agradecida que faltou pouco para eu
começar a rezar lá mesmo no corredor.
Enquanto estava deitada na minha cama olhando para o
teto, fiquei pensando em como poderia estar sempre a animando e
incentivando. Não queria que a Tainá desistisse posteriormente e
muito menos, que se entregasse ao desânimo que a Carol e a Ceci
me relataram.
A Débora entrou no meu quarto naquele momento e
aproveitei para lhe contar toda a história, conforme ela se
acomodava ao meu lado. Quando acabei e olhei para ela, minha
irmã estava segurando o choro.
– Se você chorar, eu vou chorar, Débora – avisei. – Então
acho bom você nem começar. Não posso chegar lá amanhã com a
cara inchada.
– Isso é tão triste! – falou com a voz falhando.
– Sim, triste e injusto – lamentei.
– Esse mundo não faz sentido, Cami.
– Não mesmo. – Eu suspirei, tornando a olhar para o teto. –
O que posso fazer para motivá-la ainda mais? Não quero que ela
desanime em momento algum.
– Talvez você possa mostrar a ela os vídeos das suas
apresentações. São tão lindas! Acho que seja uma boa ideia porque
dá vontade de sair dançando só de te observar. Principalmente
aquelas que estão no YouTube.
Quando eu era mais nova, o Gustavo postava as minhas
melhores apresentações no YouTube, como o irmão coruja que ele
é. Muitas delas, inclusive, tinham bastante visualizações e achei a
ideia da Débora excelente.
– Porra, Débora, como você é sagaz! Eu te amo, sabia?
– Sim, eu sei – respondeu sorrindo. – Tenta também achar
algum vídeo de alguma bailarina careca, acho que isso poderia
motivá-la muito. Não precisa ser de balé. Acho que uma bailarina de
qualquer outro estilo já vai surtir o efeito desejado.
– Ahhhh – falei ao pular sobre ela na cama –, eu vou te
beijar!
– Saiiiiii!!!!
Nós passamos a lutar de mentirinha sobre a cama, eu
querendo beijá-la e ela, fugindo dos meus beijos. Quando nos
cansamos, nos sentamos ofegantes.
– Mas me conta, de quem foi a ideia de você ensinar balé
para ela? Do Doutor Daniel?
– Não. Foi da Ceci, a amiga da Carol. Ela estava no
aniversário da Valentina e se lembrou de mim assim que a Tainá
contou que sonhava em ser bailarina.
– Entendi. Mas o Doutor Daniel é muito legal, né? Agora
você concorda comigo, não é?
Se eu dissesse que não achava, aquele assunto iria render e
a atitude do Daniel realmente tinha sido admirável. Então respondi
que também achava.
– Sim, ele é legal.
Como eu esperava, minha irmã não esticou o assunto
“Daniel” e permaneceu mais um tempinho comigo lá no quarto. Mas
se eu dissesse que não concordava, ela discutiria comigo até não
poder mais.
A Débora ficou lá comigo até umas dez, mas quando
comecei a bocejar demais, ela se despediu dizendo que iria dormir,
já que eu estava morta mesmo.
Quando ela saiu, peguei no sono imediatamente.

Eu pensava que não veria o Daniel no dia seguinte por ele


ter trabalhado no dia anterior, então tomei um baita susto ao entrar
no quarto da Tainá e dar de cara com ele todo à vontade, com seu
sorrisinho conquistador e sua postura confiante.
– Boa tarde para vocês dois! – os cumprimentei ao passar
pela porta.
– Boa tarde, Camila! – a garotinha respondeu toda animada!
– Boa tarde, Cami – ele me respondeu em seguida.
Fiquei tentada a dizer que ele não tinha o direito de me
chamar daquela forma, mas a Tainá não entenderia nada da minha
grosseria, então fingi que aquilo não fez diferença.
Diferentemente do dia anterior, o Daniel não estava de
jaleco, mas com o pijama azul típico dos médicos. Deduzi que
estivesse trabalhando no pronto atendimento e que talvez aquele
fosse um plantão extra, mas não perguntei sobre. Não queria
demonstrar que, mesmo sem querer, eu reparava em tudo nele.
Inclusive, ele também havia cortado o cabelo.
Mas não era para eu ficar reparando nele e foquei minha
atenção na Tainá. Ao olhar melhor para ela, vi que também estava
de pijama, só que de dormir.
– Por que você ainda não está pronta para a sua primeira
aula? – perguntei sorrindo.
– Porque fiquei com medo de você não vir.
Aquela frase apertou meu coração
– Oh, meu amor, eu jamais faria isso! A não ser que
acontecesse algum imprevisto – afirmei. – Um imprevisto sério,
porque do contrário, estarei aqui enquanto você estiver internada.
– Ok – ela sorriu. – Vou me arrumar rapidinho então – me
disse parecendo verdadeiramente feliz.
– Cadê a sua mãe? – perguntei.
– Ela precisava ir no centro e aproveitou para fazer isso
enquanto vocês estão aqui comigo.
– Ah, sim.
Dito isso, entrou saltitante no banheiro, com um collant e
uma saia nas mãos. Ao ficarmos só eu e o Daniel, não teve como
não olhar para ele. E o safado me observava com um sorrisinho de
canto, que me deixou querendo socar a sua cara. E beijar a sua
boca.
Se controla, Camila!
– Você não tem que trabalhar? – perguntei seca.
– Agora não.
– Você não trabalha doze por trinta e seis?
– Não é bem assim. Por quê? Está querendo saber quais os
meus dias aqui?
Olhei para ele já completamente armada e seu sorrisinho
sedutor não apaziguou o meu humor.
– Por que você acha que eu gostaria de saber quais são os
seus dias? – perguntei tentando segurar a minha onda, pois não
queria me exaltar na presença da Tainá.
Mas a resposta dele me surpreendeu.
– Para conseguir evitar me encontrar por aí. – E sorriu.
Esse sorriso...
– Bom, talvez nisso você tenha razão – falei sem hesitar.
Mas o filho da puta deu uma risadinha gostosa, exibindo
ainda mais seus dentes certinhos e quando dei por mim, estava
sorrindo também. Graças a Deus a Tainá saiu do banheiro naquele
momento, impossibilitando qualquer assunto desnecessário entre
nós.
– Agora é minha vez.
Entrei no banheiro logo depois dela e troquei a minha roupa.
Diferentemente do dia anterior, meu collant era cor da pele e a saia,
rosa clara. Minhas meias também eram menos brancas e as
sapatilhas, nude. Ao sair, a Tainá me olhava ansiosa, com seus
olhinhos brilhando, cheios de curiosidade e expectativa.
– Então vamos começar?
– Simmmmm!!! – me respondeu de modo efusivo.
Comecei a aula explicando a importância da postura e da
técnica no balé, enquanto nos aquecíamos com exercícios suaves.
O Daniel observava tudo atentamente, assim como a Tainá. Ela
estava concentrada e dedicada, fazendo o seu melhor para seguir
as minhas instruções e aprender os movimentos básicos.
Depois disso, a primeira coisa que quis ensiná-la foi o plié,
utilizando o ferro da cama como barra. Eu não quis que ela se
esforçasse demais naquele movimento então não me demorei nele.
Teríamos mais tempo com o decorrer das aulas.
À medida que avançávamos, pude ver sua confiança
começar a surgir. A Tainá estava começando a compreender a
linguagem da dança, expressando-se através dos gestos com
bastante graciosidade e aquilo me encheu de alegria. Dei uma breve
olhada para o Daniel enquanto corrigia seus movimentos e ele
também parecia estar bem feliz com o desempenho da garotinha.
Quando foi a vez do arabesque, também não quis que a
Tainá se esforçasse demais. Por isso, pedi que fizesse só uma vez.
Mas ela não estava nem um pouco cansada e insistiu em tentar
mais vezes. E até que ficou muito bom para uma primeira vez, o que
me deu bastante orgulho. A sua determinação era inspiradora, e seu
rostinho se iluminava a cada vez que ela conseguia executar um
movimento com sucesso. Foi uma alegria assistir seu progresso e
seus momentos de felicidade. Ali eu tive certeza que a dança a faria
muito feliz.
No final da aula, enquanto nos alongávamos, ela me disse
que estava ansiosa para a próxima aula e que gostaria muito que eu
dançasse para ela de novo, como no dia anterior.
– Acho que ainda tem tempo... você pode dançar para mim
de novo?
– Ok, eu danço – E sorri.
Já estava me virando para pegar meu celular sobre a
mesinha, quando a vi dando uma piscadela para o Daniel. E ele
piscou de volta. O médico safado viu que eu tinha visto, mas não se
constrangeu nem um pouco.
– Vocês dois podem me explicar o que foi isso? – perguntei a
eles.
– Isso o quê? – a Tainá respondeu se fazendo de
desentendida.
– Por que você piscou o olho para ele?
– Eu não fiz isso não – me disse serenamente.
Meu Deus, é uma atriz mirim...
– Se vocês não me contarem, eu não vou dançar coisa
nenhuma – avisei.
– Não tem nada demais, loira – o Daniel me respondeu
tranquilo. – É que ela quis me mostrar que teve sucesso na aula e
eu concordei. Por isso piscou para mim, não é Tainá?
– Isso! – respondeu sorrindo enigmaticamente.
– Sei.
Mais uma vez, tive vontade de pedir que não me chamasse
assim, mas no fim das contas, resolvi deixar quieto. Ele
possivelmente estava querendo me provocar.
– Posso colocar a música que eu quiser? – perguntei para a
Tainá.
– Sim, sim.
– Ok, vou colocar a mesma de ontem, porque eu adoro ela.
– Como chama? Eu também gostei.
– A primeira ou a segunda?
– Gostei mais da primeira.
Sorri para ela, porque já imaginava que ela pudesse gostar
mais da primeira.
– Se chama “I wanna Know”. Você gosta de ouvir músicas? –
perguntei tendo uma ideia de presente para ela.
– Eu gosto bastante.
– Tá certo. Bom, mas deixa eu começar essa apresentação
para a minha plateia ansiosa, porque já, já preciso voltar ao
trabalho.
– Isso! – e bateu palminhas.
Após colocar a música novamente para tocar no meu celular,
comecei a dançar. Não sei por que, mas senti um pouco de
nervosismo, o que não me era muito comum quando dançava. Mas
à medida que a música corria, a sensação incômoda foi passando e
meus passos fluíram normalmente.
Eu podia sentir o olhar do Daniel grudado em mim, mesmo
que estivesse de olhos fechados e, vez ou outra, eu os abria para
observá-lo. E para variar, ele não perdia a oportunidade de me
direcionar seus sorrisinhos sedutores, fazendo um frio percorrer
meu estômago. Em todas as vezes que os nossos olhares se
encontraram, aquilo aconteceu.
Camila, Camila, esse homem realmente te desestabiliza...
CAPÍTULO 21

Daniel
Cheguei em casa já passava das 20h. Estava tão cansado
que só pensava em tomar um banho bem quente e relaxante. O dia
tinha sido extremamente cansativo e as horas pareciam ter se
arrastado, principalmente na parte da tarde. Exceto a hora do
almoço. Infelizmente, aquela uma hora pareceu ter passado em
cinco minutos. E eu tinha certeza que foi essa a sensação por estar
com a Camila.
Camila... Porra, a loirinha marrenta me deixava confuso
demais. Às vezes ela me olhava como se quisesse me agarrar e
arrancar a minha roupa. Mas de repente, algo mudava em seu
comportamento e ela parecia querer fugir para o sentido oposto ao
meu. Seu olhar se tornava seco e sua feição, emburrada. Ou seja,
quando eu começava a criar expectativas de que ela pudesse
querer continuar de onde paramos, ela mudava completamente e
minhas esperanças iam por água abaixo. Essa mudança de
comportamento durante o tempo que passamos com a Tainá mais
cedo, me deixou ainda mais cansado do que o dia intenso de
trabalho.
Mas só de abrir a porta e entrar no meu apartamento, meu
refúgio pessoal, já me sentia menos estressado. A exaustão ainda
se fazia presente, mas eu já começava a relaxar.
Assim, segui direto para o meu quarto para tomar um banho
bem demorado. Fiquei uma meia hora embaixo do chuveiro e
quando terminei, vesti uma calça de moletom e uma regata branca
de ficar em casa. Depois disso, fui para a cozinha preparar algo
para comer.
Enquanto procurava algo na dispensa e na geladeira, mesmo
sem querer, tornei a pensar na Camila, recordando o carinho que
ela teve com a Tainá. A loira tem um bom coração e muito jeito com
criança. E essas qualidades faziam com que eu ficasse ainda mais
na dela. Ficava muito satisfeito de ver o quanto ela fazia questão em
tornar a vidinha da garota mais alegre.
Conhecer a Camila trouxe mais fôlego para a Tainá que já
estava tão frágil psicologicamente. E presenciar a interação das
duas me deixava muito feliz. E é claro que eu me mantinha presente
observando as duas também para aproveitar a visão da loirinha
marrenta. Então continuei pensando no quanto a Camila é linda por
fora e por dentro. E no quanto me irritava. E no quanto eu queria
beijá-la e arrancar a sua roupa. E no quanto eu ficava confuso com
uma mulher pela primeira vez na vida.
Porra, Daniel, chega de pensar na Camila!
Enquanto comia o sanduiche natural que preparei, obriguei a
minha mente ir por outro caminho que não fosse a Camila. Meu
irmão pareceu pressentir que estava precisando de uma distração e
me ligou naquele momento. Ainda estava sentado na bancada
comendo quando o atendi.
– Fala comigo, irmão! Como você está – perguntei, feliz por
ele ter me ligado.
O Carlos Eduardo é o mais velho de nós três. Ele tem
quarenta e oito anos e, desde mais novo, sempre nos tratou com
aquele carinho e proteção típicos de irmão mais velho.
– Fala irmãozinho! Eu estou bem e você? Como está meu
caçulinha? – Perguntou do outro lado da linha. Sua voz soava
animada, como sempre que nos falávamos. – Só queria saber como
estão as coisas por aí.
– Por aqui está tudo certo, mano.
Passamos bons minutos conversando, nos atualizando da
vida um do outro. O Cadu me contou como estavam os meus
sobrinhos e que nossos pais estavam com saudade. Eu disse a ele
que iria visitá-los em breve e que também estava com saudade de
todos lá no Rio.
Fomos desligar uns quarenta minutos depois. Já estava com
sono, mas achava que ainda estava cedo para dormir, então deitei
no sofá da sala e fiquei assistindo televisão. Por estar muito
cansado, não demorou nada para que eu começasse a sentir
minhas pálpebras pesarem. Minha mente, que ficou tomada por
preocupações e conflitos durante todo o dia, começou a
desacelerar. Os pensamentos se tornaram confusos e meu corpo foi
ficando completamente relaxado. Quando adormeci, sonhei com ela.
Camila...
No meu sonho, a Camila estava em um lugar desconhecido.
Era um cômodo bem iluminado e a luz do sol escorria em seu corpo
esgui, com seu rosto delicado mudando a cada raio, enquanto
dançava para mim. Ela vestia um body bege com detalhes na cor
verde bandeira, uma saia de tecido transparente e sapatilhas de
balé. Seus cabelos estavam soltos e com os cachos naturais.
Enquanto dançava, sua expressão estava serena, como se
estivesse em seu próprio mundinho de dança. A música não era
clássica, daquelas comuns em apresentações de balé. Era agitada e
preenchia o ambiente. Acho que era um pop, mas eu não conhecia.
Os movimentos impecáveis da Camila seguiam o ritmo da melodia,
com seu corpo ora se curvando, ora se estendendo, ora rodopiando,
contando uma história de paixão através da dança. E eu a
observava atento e deslumbrado.
Em um dado momento, seus olhos encontraram os meus e vi
surgir um brilho de malícia neles. À medida que a música se
aproximava do refrão, a Camila passou a dançar de forma mais
apaixonada e intensa. E seus sorrisos também se tornaram mais
quentes.
Após um salto suave e delicado, ela se aproximou de mim,
com seus olhões verdes cravados nos meus. Com a mão estendida,
me convidou para me juntar a ela. Eu estava hipnotizado e fiz o que
ela queria. Segurei sua mão a trazendo para mim e ela
imediatamente pulou no meu colo, me dando um beijo quente e
apaixonado, enquanto a música parecia aumentar de volume.
Correspondi seu beijo com vontade, engolindo seus ruídos
sensuais, tomando seus lábios como meus, curtindo o sabor que me
deixou com gosto de quero mais.
Nossos beijos ficaram mais profundos e selvagens. Eu
estava tão sedento por ela naquele sonho, quanto estava na vida
real e aproveitei. Agarrei sua bunda apertando as duas bandas com
vontade. A loirinha sedutora gemeu alto, mas pulou do meu colo.
Sem me dar tempo para processar, ela retirou toda a roupa,
permanecendo completamente nua. E ela estava magnífica com a
luz do sol incidindo em seu corpo esguio... Reduzi o espaço entre
nós e a toquei na cintura. Bem devagar, subi as mãos até seus
seios, necessitando estar em todas as partes de seu corpo.
No sonho, a Camila estava tão desesperada quanto eu e me
empurrou contra a parede, me puxando pelo pescoço e tornando a
me beijar. Suas mãos delicadas com seu esmalte rosa percorreram
meu corpo de modo frenético, puxando minha camisa braços acima.
Suas mãos estavam trêmulas, mas isso não a impediu de
desabotoar a minha calça e descê-la até os joelhos. E assim, ela
voltou para o meu colo mais uma vez. Seus mamilos rosados
estavam duros e visíveis e foi delicioso senti-los raspando no meu
peito. Meu pau doía de tão duro e eu não podia esperar mais. Nos
troquei de posição, fazendo com que fosse ela a ter as costas contra
a parede. E não dava para esperar mais porque eu precisava
desesperadamente entrar nela. Assim, levei minhas mãos para o
meio de nós e enfiei meu pau com força naquela bocetinha gostosa.
– Isso, Dani, assim...
Sua voz doce e sexy me levou à loucura. Mas não era só
isso. A Camila estava quente e extremamente molhada, e sentir
seus músculos internos me apertando, me deixava desesperado.
Passei a meter nela com força contra a parede, conforme ela
unhava as minhas costas. Seus suspiros e gemidos preenchiam o
quarto e se misturavam com os meus, nós dois desesperados para
atingirmos ao clímax juntos.
– Fala... fala de novo, Cami – eu estava ficando sem ar com
tanto tesão.
– Não para, Dani, só não para...
Ficamos alguns minutos em silêncio, ouvindo apenas o
barulho que os nossos corpos suados faziam um contra o outro. Até
sua voz ecoar no ambiente de novo:
– Por favor, Dani, não para!
Já estava chegando perto de gozar e precisava diminuir um
pouco o ritmo das penetrações. Mas ela não deixou e, quando
ameacei ir mais devagar, a Camila me apertou ainda mais com as
coxas e passou a se esfregar em mim. A loirinha marrenta estava
chegando perto e eu podia sentir pelos seus gritos que se tornavam
mais altos e pelo modo como seu corpo apertava o meu pau.
– Goza pra mim, Cami – minha voz estava rouca e grave de
tanto tesão. Eu também estava bem perto de gozar, mas precisava
esperar por ela.
– Repete – pediu.
– Goza em mim, sua gostosa! –
Ela gemeu ainda mais alto, conforme fortes espasmos
dominavam o seu corpo. Não tive dúvidas de que ela estava
gozando e me soltei, desmoronando dentro dela.
Permanecemos um tempinho ainda com nossos corpos
unidos, com as nossas testas apoiadas uma a outra, esperando que
nossa respiração se normalizasse. Quando a coloquei de novo no
chão, ela sorriu para mim e me guiou até a cama de casal daquele
quarto estranho. Mas eu não me preocupei de não saber onde
estava e a segui. Terminei de retirar a calça e me deitei ao seu lado,
entrelaçando nossos corpos, como fizemos da primeira vez que
dormimos juntos.
No final, só podia torcer para que aquele sonho se tornasse
real algum dia.
CAPÍTULO 22

Camila
Já fazia quase duas semanas que eu passava meu horário
de almoço com a Tainá, lhe ensinando balé e dando meu melhor
para deixá-la feliz. Mas não era só com a garota que eu passava
àquela hora inteira, já que o Daniel fazia questão de estar sempre
presente. Em todos os seus dias no Maria Diane, ele marcava ponto
lá no quarto da Tainá. Ele não perdia sequer cinco minutos da nossa
aula e sua presença me deixava um pouco incomodada, já que
nunca deixava de me lançar seu olhar intenso e seu sorrisinho
conquistador.
Eu tentava ao máximo me manter distante, mas preciso dizer
que ele se empenhava bastante em derrubar minhas barreiras.
Estava sempre puxando assunto, brincando comigo e me divertindo.
Com isso, eu me sentia cada vez mais atraída por ele, por mais que
minha cabeça soubesse que aquilo não era certo.
Na sexta-feira, a Tainá me disse que estava se sentindo
muito cansada e não quis fazer aula. De todo modo, decidi ficar por
lá com ela e o Daniel também. A garota, apesar de cansada, estava
bem falante no dia e me deixou em choque ao sugerir que eu e o
Daniel deveríamos namorar. Nós três conversávamos sobre
esportes e eu disse aos dois que gostava de correr para me distrair.
O Daniel disse que também curtia uma corridinha casual aos
sábados e domingos e fomos surpreendidos com o comentário da
menina:
– Nossa, vocês têm gostos super parecidos, por que vocês
não namoram? – perguntou sorridente.
Aquela fala me pegou desprevenida e fiquei sem saber o que
dizer, diferentemente do Daniel. O safado sorriu e me encarou,
estendendo o assunto com a garota.
– Acho que realmente daríamos um belo casal, não é Tainá?
– falou com ela, mas com os olhos fixos nos meus.
Ela respondeu que sim toda animada e eu estreitei meus
olhos em sinal de represália para ele. Estava prestes a repreendê-
lo, já que o médico tinha namorada, quando a namorada ligou. O
celular do Daniel estava sobre a mesinha que ficava ao lado da
poltrona de acompanhante, onde eu estava sentada. Quando o
aparelho vibrou, eu o peguei para entregá-lo e consegui ver o nome
“Ana Flávia” piscando na tela. Entreguei o telefone a ele me
esforçando bastante para não torcer o nariz, mas não sei se tive
sucesso. Enquanto ele atendia, eu me despedi da Tainá e da Vivian
e corri para o faturamento. Não queria ouvi-lo dizer “te amo” para a
namorada, nem nada parecido. Também não queria mais nenhuma
gracinha para o meu lado. Aquele excesso de contato entre nós já
havia despertado emoções demais em mim. Eu não queria aceitar,
mas só de olhar para ele, meu corpo aquecia e eu ficava com uma
vontade avassaladora de me jogar em seus braços. E quando ele
vinha com os flertes para o meu lado então... nossa, era difícil
demais fingir que não estava entendendo, quando o que eu queria
mesmo era me render.
E era exatamente nisso tudo que eu estava pensando,
enquanto caminhava animadamente para o quarto da Tainá naquela
terça-feira. Mas minha animação foi para o ralo ao chegar lá e dar
de cara com a criança completamente indisposta. Ela estava
vomitando quando entrei no quarto e parecia bem abatida. A Vivian
segurava um baldinho ao seu lado com uma mão, enquanto a outra
segurava a testa da criança.
– Ô meu amor, você não está se sentindo bem hoje? –
perguntei ao me aproximar.
Quando as ânsias deram uma folga, ela me respondeu:
– Não tô, Cami.
– Ela está muito enjoada hoje – a Vivian me disse. – É a
segunda vez que ela vomita.
Eu assenti e discretamente, mandei uma mensagem para a
Ceci, perguntando se aquilo era normal. Ela me respondeu que sim
e, cinco minutos depois, já estava no quarto examinando a Tainá.
Após a Ceci sair, perguntei a Tainá se podia ficar ali com ela,
mesmo que não fôssemos ter aula de balé naquele dia. A vontade
que eu tinha era de me deitar em sua cama e puxá-la para o meu
colo, como modo de protegê-la de tudo de ruim que eu estava
passando. Mas eu sabia muito bem que ela não gostava quando
alguém a tratava assim e me controlei.
– Posso ficar aqui com você, passando a minha hora de
almoço?
– Pode, mas você não se importa se eu ficar mais quietinha?
– ela suspirou com pesar. – Não estou com ânimo para conversar,
Cami. Me desculpa.
– É claro que não me importo, meu amor. – Eu engoli as
emoções e sorri. – Descansa que vou ficar batendo um papo com a
sua mãe.
Eu queria que a Tainá soubesse que eu estava ali para ouvi-
la, apoiá-la e, acima de tudo, que não estava sozinha nessa jornada.
Queria que ela me visse como uma amiga e não só como sua
professora de balé. Também fazia questão de dar um apoio
emocional para a Vivian e me mantive lá, me esforçando ao máximo
para levar aquela situação de modo leve.
Pensei que o Daniel pudesse aparecer a qualquer momento,
pois tinha quase certeza de que era o dia dele naquele hospital, mas
durante a meia hora em que estive com a Tainá, ele não apareceu,
apenas o Doutor Wesley.
Percebi que o médico oncologista queria conversar com a
Vivian a sós e aproveitei que a Tainá havia pegado no sono para ir
embora. Assim, me despedi dos dois e me encaminhei para o
faturamento.
Enquanto atravessava o pátio implorando a Deus para que a
garotinha ficasse bem, avistei o Daniel encostado na parede do
segundo prédio, todo distraído olhando para o chão. Meu coração
deu um salto e passou a bater um pouco mais rápido, ao passo que
um sorriso involuntário se formou nos meus lábios.
Se controla, Camila, sua maluca!
Fiquei tentada a ir até lá, mas sabia que aquela não era uma
boa opção, então segui para a porta traseira do prédio principal.
Mas antes de entrar, resolvi dar mais uma olhadinha para ele. O
Daniel ainda estava na mesma posição, com as duas mãos dentro
do bolso, olhando fixo para algum ponto no chão. Vestia o pijama
azul e entendi que estava atendendo na emergência, do contrário,
estaria de jaleco. Olhando melhor para o seu rosto, pude notar uma
expressão não muito característica do médico pomposo. Seus
olhos, que normalmente brilham com gentileza e carinho
acompanhando seu sorriso bonito, estavam sérios e inquietos. As
sobrancelhas, normalmente relaxadas, estavam franzidas formando
uma ruga profunda entre elas. Claramente tinha algo o
incomodando e decidi ir até ele.
Atravessei o pátio um pouco hesitante, ao passo que tentava
compreender a expressão séria. Ao me aproximar, consegui ver a
veia do seu pescoço pulsando e tive certeza de que ele estava
estressado.
– Oi... Está tudo bem?
– Oi, Cami... – me cumprimentou desanimado, me olhando
rapidamente e tornando a olhar para o chão.
Com a falta de resposta, tornei a perguntar.
– O que houve?
O Daniel soltou uma respiração pesarosa e forçou um
sorriso.
– Não é nada, está tudo certo.
Apesar da resposta, ele não me convenceu. Afinal, não era
comum que ele fosse tão sucinto nas palavras. Além disso, o Daniel
geralmente me cumprimentava todo sorridente, me lançando aquele
olhar que parecia sempre estar querendo me dizer alguma coisa.
Naquele dia, não houve olhar insinuante, não houve sorrisinhos
indiscretos e muito menos animação.
– Tenta de novo, quem sabe na próxima resposta eu acredito
– brinquei.
Ali ele sorriu, mas ainda estavam longe de ser o sorriso que
eu estava acostumada.
– Estou irritado, mas não se preocupe. Daqui a pouco
passa... eu acho.
– Irritado com quem?
– Comigo mesmo.
Eu assenti.
– Pensei que você não estivesse trabalhando aqui hoje, não
foi lá ver a Tainá...
– Mais tarde passo lá – disse apenas.
– E não vai me contar o que aconteceu?
O Daniel suspirou profundamente e consegui ver a tristeza e
a angústia estampadas no seu rosto bonito e sempre tão sorridente.
Ele parecia tão vulnerável naquele momento que meu coração se
encheu de compaixão e o desejo de confortá-lo se tornou
instantâneo. Eu reduzi mais a distância entre nós e coloquei minha
mão gentilmente em seu ombro.
– Vai, bota pra fora! Sou uma boa ouvinte, Dani – falei em
tom de brincadeira.
Eu nunca o havia chamado pelo seu apelido e ele pareceu
ter ficado satisfeito com aquela mudança. Mas sua expressão
rapidamente se tornou séria de novo e ele suspirou.
– Lembra da Maitê, a criança que o padrasto fez aquele
barraco lá no faturamento?
– Sim, o que tem ela? – perguntei preocupada.
– Ela está em um abrigo, porque o conselho tutelar achou
melhor retirá-la da mãe. Eles alegam que precisam entender como a
Marisa não percebeu que a filha estava sendo violentada e por isso
a garotinha está em um lar temporário.
– Nossa, isso é realmente bem triste, mas você não sabia
que seria dessa forma?
– Na verdade, não. Nesses anos todos de medicina a única
vez que cheguei perto de um caso parecido, não teve toda essa
proporção. Foi uma situação bem diferente e a criança continuou
com os seus familiares. E eu estou me sentindo um merda com isso
tudo. Eu sinto que a culpa é toda minha.
– Não pira, Daniel! – rebati imediatamente. – Mas quem te
contou que ela está em um abrigo?
– A psicóloga que está a acompanhando. A Bianca é minha
amiga e pedi que me deixasse sempre ciente de toda a situação,
dentro do possível.
– Entendo. Sei que não vai ajudar em nada o que eu vou te
falar e sei também que você já sabe, mas preciso reforçar que você
não tem culpa de nada disso. Me explica por que você se sente
assim? Acha que poderia ter evitado tudo isso?
– Sim, é exatamente isso o que eu acho.
– Mas como, homem? Você nem as conhecia antes da
menina ir ao médico a primeira vez...
– Mas é exatamente isso, Cami. Eu deveria ter percebido
tudo logo na primeira internação dela. Se tivesse sido dessa forma,
eu teria alertado a mãe e agora elas não estariam afastadas.
Ao dizer aquilo, o Daniel fechou os olhos e exalou com força.
Ele realmente se culpava muito e aquilo não tinha cabimento algum.
A raiva e a frustração estavam nítidas em seu rosto. Seu maxilar
estava contraído deixando nítida a tensão e os sentimentos
negativos que o atordoavam.
– Você sabe muito bem que isso que você está falando não
faz sentido algum, Daniel.
Ele não concordou. Sacudiu a cabeça negativamente de
olhos fechados e murmurou que “eu não entendia”.
Queria muito que ele é que me entendesse, porque nada que
o Daniel fizesse diferente poderia mudar o resultado daquele caso e
decidi que precisava me esforçar um pouco mais para colocar razão
naquela cabeça dura. Assim, me aproximei ainda mais dele, me
colocando na ponta dos pés para que nossos rostos pudessem ficar
bem próximos.
– Daniel – falei ao segurar seu rosto com as minhas duas
mãos –, olha pra mim!
Ele se assustou com a minha proximidade e firmou os olhos
nos meus, com uma leve ruga na testa que indicava a surpresa pelo
meu comportamento. E eu continuei:
– Você é um cara inteligente e sabe muito bem que se
tivesse alertado a mãe da criança antes, inúmeros outros cenários
poderiam ter se desenrolado – falei firme. – Ela poderia ter
confrontado aquele troglodita e ele poderia ter batido nela, e na
Maitê. Ou então, ele poderia jurar que aquilo nunca mais se repetiria
e ter feito o mesmo em pouco tempo. E pior, poderia ter se
esforçado ainda mais para disfarçar os machucados. E nada disso
muda o fato de que quem colocou em risco a integridade da criança
foi a própria mãe, infelizmente. Eu não estou a julgando, Dani, mas
levar um homem para morar junto é algo que precisa ser pensado
com muita cautela, principalmente quando se tem crianças
envolvidas. Sinceramente, ela poderia ter evitado isso tudo. Mas o
assunto aqui não é ela, mas sim, você. Não foi você quem a obrigou
a ficar com aquele bosta, a ir morar com ele, e muito menos, a
deixar a filha aos cuidados dele. Estou errada? – perguntei
morrendo de vontade de acariciar o seu rosto com os meus
polegares.
O Daniel não respondeu nada, apenas continuou me
observando como se quisesse absorver tudo que acabei de falar.
Ele sabia que eu tinha razão, mas ainda não estava convencido de
que não poderia ter mudado o desfecho daquela história.
– Estou errada? – repeti a pergunta.
– Mas eu poderia...
– Não poderia nada – o interrompi falando alto.
Ele sorriu de modo tímido e fiquei feliz por ter conseguido ao
menos um sorrisinho.
– Mas e se eu tivesse entendido que aquele hematoma era
de agressão, Cami, e tivesse feito todo o protocolo antes? Pelo
menos a Maitê teria sofrido menos abuso.
– Mas, Daniel, você não disse que era um hematoma nas
costas que podia muito bem ser de uma queda?
– Sim.
– Então como você agiria diferente? Iria usar uma bola de
cristal? – provoquei sorrindo. – Tenho certeza que se você for parar
para analisar todas as crianças que chegaram para serem atendidas
esses anos todos que você atua como médico, oitenta por cento
delas teriam hematomas, estou enganada?
Ele suspirou.
– Não. Você tem razão.
– Pois então, crianças se machucam o tempo todo! E se
você tivesse alarmado toda uma equipe com um possível caso de
abuso e realmente tivesse sido uma pancada dos amiguinhos na
creche? Não adianta, você sabe que não tem culpa de nada e que
uma postura diferente sua não faria o menor sentido – falei dando
uma leve sacolejada em seu rosto.
O Daniel deu mais um suspiro sofrido e piscou devagar.
– É, talvez você tenha razão.
– Eu sempre tenho razão – brinquei sorrindo.
Consegui o que eu queria, porque ele me retribuiu com um
sorriso largo. E automaticamente, eu sorri ainda mais. Entendi que
havia conseguido o que queria e decidi retirar minhas mãos do seu
rosto. Mas meus dedos pareciam ter vida própria e não queriam se
afastar daquela barba gostosa e macia. Quase que
involuntariamente, passei a acariciar a sua mandíbula, enquanto
meu olhar baixava para os lábios espessos do Daniel. O médico
safado não perdeu tempo e pousou as mãos na minha cintura.
Ah, não, esse toque...
Sentir suas mãos mais uma vez em mim, por mais singelo
que fosse aquele contato, pareceu levar uma corrente elétrica por
todo o meu corpo. Seus olhos estavam fixos nos meus, como se
estivessem procurando por alguma confirmação silenciosa. E aquilo
me deixou completamente sem reação, pois ele estava me dizendo
com o olhar que iria me beijar. E eu estava incapaz de me mover.
Seus lábios estavam a poucos centímetros dos meus e pude sentir
seu hálito tão característico de caramelo com chocolate.
As balas Toffer...
A tensão entre nós era palpável, e a antecipação desse beijo
iminente parecia encher o ar com eletricidade. Subi meus olhos
tentando me distrair daquele clima, mas não tive sucesso, porque
ver cada detalhe do seu rosto tão de perto me fez recordar a noite
em que ficamos, quando nossos rostos estavam a poucos
centímetros um do outro e pude absorver cada detalhe: seus cílios
longos, seus olhos negros, a curvatura do seu nariz e, claro, aquele
cavanhaque que roçou por tantos lugares no meu corpo.
Estávamos tão perto que nossas respirações se misturavam.
Ali eu soube que perderia a luta para o desejo e permitiria que ele
me beijasse. E já sentia seus lábios indo de encontro aos meus,
quando uma voz feminina o interrompeu.
– Daniel?
Não sei quem eu pensei que fosse, mas tomei um susto tão
grande que pulei imediatamente para trás, retirando minhas mãos
do rosto do Daniel de modo estabanado. Já ele, ao contrário de
mim, não se assustou nem um pouco e se manteve na mesma
posição, apenas movendo os olhos.
– Oi, Melissa?
Ao me virar, dei da cara com a médica pediatra faltando
pouco para ter seus olhos pulando para fora das órbitas.
– Está tudo bem? – ela perguntou para ele, mas olhando
para mim.
– Sim – ele respondeu sereno.
Mas quem não estava nada serena era a médica. Sua
expressão estava péssima. Ela me olhava de cima a baixo e pensei
que pudesse perguntar a qualquer momento quem era eu. O que
seria muito estranho e só reforçaria a minha ideia de que ele
também tinha algo com ela. De todo modo, o Daniel é um homem
comprometido e eu quase fiz uma loucura. Quase. Logo, aproveitei
a interrupção da médica e me despedi deles.
– Bom, preciso voltar ao faturamento, depois a gente se fala
– falei com o Daniel. – Não deixa de dar uma passada lá na Tainá,
ela não está muito bem hoje – avisei.
Eu me virei de costas para ir embora e o escutei perguntar:
– Mas já está na hora de você voltar?
Eu não fazia ideia. Não tinha olhado no relógio e não sabia
quanto tempo passei conversando com ele, mas respondi que sim.
Tentando ser educada, me despedi da médica também e fui embora.
Camila, Camila, que loucura foi essa...
Nos dias que se seguiram, me esforcei bastante para não
dar nenhuma brecha ao Daniel. Saía do quarto da Tainá antes dele
e, da única vez que ele pediu que eu o esperasse, respondi que não
podia.
Na semana seguinte, estava sentada em um dos banquinhos
no pátio atrás do prédio principal, trocando mensagens com a
Débora. Aquele era mais um dos dias que a Tainá estava indisposta
por causa da quimioterapia e aproveitei para passar meu almoço
tomando um solzinho. Já estava há bastante tempo sem sair
durante a noite e queria arrastar minha irmã para uma baladinha
qualquer comigo no sábado.
Eu: Irmã, vamos sair sábado?
Débora: Não
Eu: Deixa de ser velha Débora, vamos sair!
Débora: Vai trabalhar chata... me deixa estudar...
Eu: É só você dizer que vai, que te deixo em paz. Faz muito tempo
q vc não vai na balada comigo...
Débora: Vou pensar
Estava digitando a minha resposta, quando uma tossidinha
proposital me distraiu. Ao olhar para frente, avistei o Daniel
atravessando o pátio, com os olhos fixos em mim. Ele não estava
sozinho e caminhava com a sarna da Doutora Melissa ao seu lado.
Essa mulher não desgruda dele, gente...
Como era de se esperar, meu coração disparou e, apesar de
estar sentada, senti minhas pernas ficarem trêmulas. Eu odiava o
poder que ele tinha em fazer meu corpo reagir à sua presença. Não
me sentia daquela forma por ninguém. Nem com o Luiz Henrique eu
ficava assim antes de começarmos a namorar, muito menos durante
o período em que estivemos juntos.
– Boa tarde, Camila! – me cumprimentou quando chegou
mais perto.
– Boa tarde, Daniel – respondi de modo cordial.
A Doutora Melissa me olhou, mas não me cumprimentou.
Pelo contrário, me analisou de cima a baixo, mais uma vez, depois
fez questão de virar o rosto.
Maluca!
Os dois passaram por mim e entraram no bloco da
oncologia. Como eu disse, tinha acabado de sair de lá. Passei um
tempinho do meu almoço com a Tainá, que não quis saber de balé
naquele dia. Ela alegou estar cansada e enjoada. Então apenas
fiquei lá fazendo companhia para a garotinha que já era tão especial
para mim. Quando ela pegou no sono, eu disse à Vivian que iria
embora e fui para o pátio tomar um sol.
Minutos se passaram e quando dei por mim, já estava na
hora de retornar ao trabalho. Eu me levantei e caminhei
preguiçosamente em direção ao prédio principal, sentindo meu
corpo pesado com o sono pós-almoço. Sempre me dava uma
moleza depois de comer e eu precisava tomar um cafezinho para
espantar o sono.
Próximo à entrada da parte de trás, havia um crachá caído
ao chão. Uma enfermeira estava bem próxima a ele e imaginei ser
dela, mas quando pensei em mostrá-la, vi que o seu estava preso
ao bolso do pijama. Com isso, me abaixei e peguei o objeto.
Ah, mas não é possível...
Assim que virei a parte da foto para mim, uma versão bem
mais nova do Daniel sorria de modo contido. Ele estava sem barba
e sem seu cavanhaque charmoso, exibindo apenas um sorriso
tímido.
– É, Deus, mas é claro que tinha que ser dele... – pensei em
voz alta. – Com tanta gente nesse hospital...
– Falou comigo, moça? – a enfermeira me perguntou.
– Não, não. Só estou pensando alto. – E sorri.
Guardei o crachá no meu bolso e fui para o faturamento. Ia
pedir que uma das meninas o entregasse na hora do café, pois
queria evitar ter que falar com ele a sós. Porém, quando a hora do
café chegou, eu não consegui pedir a ninguém. Por mais que
dissesse a mim mesma que deveria me manter longe, algo dentro
de mim queria ter uma desculpa para falar com ele. Tentava me
convencer de que não tinha nada demais naquilo, mas não era bem
isso que sentia. Quanto mais o tempo passava e nos
aproximávamos, mais eu o desejava.
Você anda muito doida, Camila... ele não tem nada a ver
com você... e é comprometido... Mas não dizem que os opostos se
atraem? Eu nunca acreditei nisso, mas pelo visto, estava errada.
Mas apesar de estar cada vez mais difícil resistir ao seu sorrisinho
sexy e ao intenso desejo que me assola quando o vejo, me recuso a
me apaixonar por você, seu babaca! – falei em pensamento,
olhando mais uma vez para a foto no crachá.
No final das contas, passei três dias andando com aquela
porcaria na minha bolsa, sem coragem para pedir a alguém para
entregá-lo, e também não consegui fazê-lo eu mesma. Cheguei a
pensar em deixar na recepção, mas não consegui.
Na sexta-feira, estava eu na hora do almoço, sentada no
banquinho de sempre. Tinha acabado de me sentar, quando o Davi
surgiu com seu andar de macho alfa e sorriso confiante.
– Boa tarde, loirão. Que prazer te encontrar aqui!
Dei risada.
– Aham, eu sei.
Ele se sentou ao meu lado e beijou meu rosto, dando uma
leve inspirada no meu pescoço.
– Você não acredita? – perguntou com seu sorriso bonito,
exibindo seus dentes branquinhos e suas covinhas charmosas.
– Claro que acredito. Sei muito bem que você acha um
prazer encontrar a maioria das mulheres deste hospital – brinquei.
– E você acertou – respondeu sorrindo. – Adoro encontrar a
maioria das mulheres. Agora, eu realmente fico feliz pra caralho
quando te vejo...
Mesmo com seu jeito cafajeste, ele era bem charmoso. Eu o
achava atraente justamente pelo fato de ele não ser falso. Ele era
galinha e não fazia questão de esconder. Ninguém era enganada
por ele, porque o cara deixava claro que era de todo mundo e ao
mesmo tempo, não era de ninguém. Pensar naquilo me fez
compará-lo ao Daniel. Pelo visto, o médico safado era daqueles que
fazia tudo por debaixo dos panos e cheguei até a cogitar perguntar
para a Lauren se ela nunca desconfiou de traição enquanto estavam
juntos. Mas é claro que ela iria querer saber a motivação para a
minha pergunta, então desisti. E eu pensava daquela forma por
conta de todas as vezes que ele me jogou seus olhares insinuantes
e por estar sempre grudado na Doutora Melissa. Eu tinha certeza de
que ela era amante dele.
– Que dia você vai aceitar meu convite para sair, Cami? – o
Davi me perguntou, interrompendo meus pensamentos.
– Não sei. O dia que você for um pouco mais incisivo.
– Hoje então!
Dito isso, ele aproximou o rosto do meu e tentou me roubar
um beijo na boca. Eu pensei em deixar, mas a verdade é que não
estava tão a fim assim e me esquivei.
– Pretende me convencer me roubando um beijo? Igual
adolescente?
– Não, pretendo te convencer mostrando como meu beijo é
gostoso. Aí você vai ficar louquinha por mais – e sorriu, piscando um
olho sedutoramente.
Eu sorri junto, mas não cedi.
– Sou difícil, Davi.
– Eu já percebi, minha linda, mas sou um cara persistente. E
para te provar, quero que você me encontre lá no estacionamento
em dez minutos. Pode ser?
– No estacionamento? Para quê?
– Você vai descobrir daqui a pouco. Mas garanto que você
vai gostar.
Dei risada com o drama.
– Ok – concordei.
Ele deu mais um beijo na minha bochecha e se levantou
sorridente.
– Até daqui a pouco, loirão.
Fiquei o observando se afastar, sorrindo e tentando imaginar
o que ele iria aprontar, até que um cheiro bom e conhecido adentrou
meu nariz. Quando olhei para a direita, o Daniel já estava se
sentando ao meu lado.
– Vocês estão juntos? – perguntou todo seco.
Mas que porra é essa?
E para variar, meu coração disparou e minhas pernas
ficaram bambas, mas não deixei de responder devidamente.
– Não é da sua conta!
Ele pareceu nem ouvir.
– Você sabe que esse moleque é um tarado, né? Já pegou o
hospital inteiro!
Meu sangue ferveu.
– Tarado? – ri sem nenhum humor. – Ele não engana
ninguém! Gosta de pegar todo mundo mesmo e não fica por aí
pagando de bom moço, ao contrário de uns e outros.
Penso que ele iria me responder de outra forma, mas
desistiu no meio do caminho e franziu o cenho.
– Está querendo me dizer alguma coisa, Camila? –
perguntou com os olhos fixos nos meus.
Seu olhar pareceu me incendiar e eu não sabia se era de
ódio ou qualquer outra coisa. Eu queria berrar, gritar e espernear
com ele. No fim, decidi que não daria esse gostinho.
– Bom, Daniel, já deu a minha hora – falei ao me levantar. –
Com licença, preciso voltar ao trabalho.
Acho que ele pensou em argumentar, mas meu tom raivoso
o desanimou. Segui depressa para o estacionamento, temendo que
ele viesse atrás de mim. Se fizesse isso, não sei se conseguiria me
conter e era bem provável que eu despejasse toda a minha
decepção em cima dele. Toda a mágoa por tudo que aconteceu
seria vomitada para fora da minha boca e sabia que iria me
arrepender se deixasse isso acontecer.
Mas o Daniel não me seguiu e, quando dei uma breve
olhadinha para trás, o médico cara-de-pau já estava retornando para
o prédio da oncologia.
Ufa!
Ao chegar no estacionamento, parei próxima às vagas de
visitantes respirando fundo, na tentativa de acalmar meus nervos.
Que babaca!
A tarde estava quentinha e um ventinho fresco ia de encontro
ao meu rosto, como se para afastar todo estresse do meu corpo.
Fechei meus olhos curtindo a sensação gostosa e já me sentia
menos irritada quando escutei uma voz feminina e conhecida
falando comigo.
– Oi, Camila, tudo bem? Está meditando?
Quando abri meus olhos, dei de cara com a Ana Flávia me
olhando toda sorridente.
Ah, que ótimo! A namorada...
– Olá, Ana, como vai? – tentei ser simpática. Afinal, ela
sempre foi muito simpática e educada comigo. A coitada da médica
era mais uma trouxa como eu.
– Estou bem e você?
– Estou bem também. O que você faz por aqui?
Eu perguntei porque sabia que ela não trabalhava lá. Como
estava ao lado de um carro e com a mão na porta, deduzi que era o
dela. Imaginei que ela pudesse ter levado o Daniel ao trabalho, ou
qualquer coisa do tipo, e ainda estava por lá.
– Eu vim fazer um parto aqui hoje – me respondeu
sorridente. – Longa história, outra hora te conto com calma porque
estou em cima da hora de uma consulta na clínica. E até lá tem
chão.
– Entendo. Bom te ver, Ana!
– Bom te ver também, Camila.
Ela já havia entrado no seu carro, quando decidi que
entregaria o maldito crachá a ela. Já estava mais do que na hora de
me livrar daquilo. Não queria ficar mais nem um segundo com o
objeto, para não correr o risco de usá-lo como desculpa para falar
com o Daniel.
– Ana, espera! – chamei-a.
Saí do cantinho de onde estava e me aproximei do seu carro.
– Pode falar – me disse meio impaciente. Ficou mais do que
claro que ela estava com pressa.
Não enrolei para não a segurar muito mais.
– É que achei o crachá do seu namorado caído no chão e já
faz três dias. Não estou conseguindo encontrá-lo por aqui – menti. –
Por isso ainda não o entreguei. Você pode entregá-lo por favor?
Ela franziu o cenho mexendo a cabeça surpresa, parecendo
bem confusa. Achei bem estranha aquela reação.
– Do Daniel? Você achou o crachá dele aqui? – me
perguntou.
Não entendi o porquê do susto.
– Sim – afirmei.
Ela ficou alguns minutos me olhando.
– Onde?
– Na parte de trás desse prédio.
– Que estranho – falou por fim. – Ele não me disse que viria
aqui. Mas pode deixar que entrego sim – e sorriu.
Aquele comentário causou um nó na minha cabeça. Como
assim ele não disse que iria lá? Aquele é um dos locais de trabalho
do homem!
De todo modo, não rebati e enfiei a mão na bolsa para pegar
o crachá. Quando entreguei a ela, a médica olhou com uma ruga na
testa. Ao ver a foto do médico, ela sorriu de modo amigável e
estendeu o crachá de volta para mim. Mais uma vez, não entendi
nada.
– Por que você está me devolvendo? – perguntei confusa.
– Ué, Camila, esse é o Daniel da Lauren...
Oi?
Eu devo ter feito uma cara horrorosa porque ela arregalou os
olhos e reformulou a frase imediatamente.
– Me desculpe! – e tossiu limpando a garganta. – Eu quis
dizer que este é o Daniel ex da Lauren. Foi só força do hábito, ela
ama o seu irmão... eu não quis dizer que...
Eu nem sequer ouvi o resto da frase. A minha cara não foi
pelo “Daniel da Lauren”, mas sim pelo fato de ela não ter dito que
era o seu Daniel. Não sei quantos segundos permaneci muda, até
finalmente perguntar:
– O que você quer dizer com isso? Ele não é o seu
namorado?
– Não, Camila. Meu namorado é o Daniel Guimarães.
– Mas... mas...
Não consegui continuar falando, porque eu nem sequer
sabia o que queria dizer.
Que porra é essa?
Quando o silêncio ficou constrangedor demais até para mim
mesma, resolvi questioná-la mais uma vez.
– Mas aquele dia na casa da Lauren, a Maíra falou que a
Lauren comentou que ele tinha uma boa pegada, então deduzi que
fosse ele o seu namorado.
– Não é. Meu namorado é ortopedista e só trabalha no Ana
Nery. Por isso achei estranho quando você disse que achou o
crachá dele aqui. O comentário da Maíra foi porque quando mostrei
uma foto do meu Daniel para a Lauren, ela comentou que ele
parecia ter uma boa pegada.
Eu.
Não.
Acredito.
Nisso!
– Entendi – falei até meio atordoada.
– Bom, eu realmente preciso ir, Camila. Foi um prazer te
rever! Até mais!
– Até mais, Ana!
A médica fechou a porta do carro e deu a partida, saindo
logo em seguida. E eu fiquei lá completamente chocada com a
confusão que eu mesma havia causado.
Com aquela informação, não sei dizer se fiquei aliviada ou
ainda mais irritada com todo aquele mal-entendido. Minha cabeça
girava e eu tentava absorver tudo.
Não é o mesmo Daniel...
Não é o mesmo Daniel...
Não é o mesmo Daniel...
Ao invés de repetir mentalmente a frase na mente pela
quarta vez, um berro estridente saiu da minha boca sem que eu
pudesse controlá-lo.
– Ahhhhhhhhhhhhhh Camila sua burra!
– O que é isso, loirão?
Eu estava de costas para o Davi e me sobressaltei quando
ouvi sua voz. Na verdade, já tinha até esquecido que estava ali para
encontrá-lo e olhei para ele com cara de susto.
– O que houve? – ele me perguntou.
E eu não soube o que dizer.
– Não houve nada.
– Por que você estava gritando e se chamando de burra?
Porque eu sou uma burra...
– Porque paguei uma mesma conta duas vezes – menti
sorrindo.
Ele pareceu acreditar e estendeu para mim um pacotinho de
papel pardo com algo dentro. Eu o peguei e abri, dando de cara com
as bombas deliciosas de chocolate que eu tanto amava, da padaria
da rua de trás do hospital. Há uns dias, eu comentei com o Davi que
minha perdição eram aqueles doces e, pelo visto, a informação ficou
na memória dele.
– Ah, meu amigo, não acredito que você foi até lá só para
comprar isso para mim?!
– Claro que fui, loirão, porque faço qualquer coisa para você
parar de me chamar de amigo – e me deu uma piscadela sedutora.
Eu dei risada, esquecendo momentaneamente de toda a
confusão com o Daniel. Agradeci o Davi pelos doces e me fartei
com eles. Meu horário estava próximo do fim e me despedi para
voltar ao faturamento.
Enquanto caminhava de volta para o trabalho, só pensava
em como desfazer o mal-entendido, porque agora, eu faria de tudo
para pegar o médico gostoso de novo.
CAPÍTULO 23

Daniel
Não acredito que ela está com o Davi...
Aquilo fazia todo sentido, já que a Camila me evitava ao
máximo que podia. Ela nunca retribuía as minhas insinuações e
estava sempre se esquivando de mim. Na verdade, ela estava
sempre fugindo de mim. O único dia que ela pareceu que iria ceder,
a Melissa nos interrompeu.
O jeito como aquele moleque tocava nela... Eu já havia
percebido que eles andavam muito juntos, mas hoje ele realmente
quase a beijou e tive certeza que os dois tinham alguma coisa.
E aquilo me incomodava pra caralho, mesmo que eu
soubesse que não fazia sentido nenhum. Nós não tínhamos nada
um com o outro e não era muito lógico que eu me sentisse
incomodado.
Estava chegando ao quarto da Tainá com a cena
desagradável dos dois no banquinho do pátio presa à minha mente.
– Que cara feia é essa Doutor Daniel? – a garotinha me
perguntou assim que apontei na porta. – Está parecendo eu.
– Tainá! – a mãe a repreendeu sorrindo. – É assim que se
cumprimenta as pessoas?
Sorri também.
– Não estou parecendo com você coisa alguma, porque você
é linda de qualquer jeito. Quem me dera ter a sua beleza.
Ela revirou os olhinhos cor de jabuticaba
– Mentiroso! – e sorriu desanimada. – Hoje estou me
sentindo muito mal e devo estar ainda mais feia do que nos outros
dias.
De fato, seu semblante estava bem abatido. Eu me sentei na
beirada da sua cama e fiz um carinho na sua perna, sobre a
coberta.
– Já te falei que você não é feia, mas me conta, o que está
sentindo?
– Muito enjoo. E muito cansaço e dor de cabeça.
– Infelizmente isso é normal, meu amor, porque os
quimioterápicos geralmente causam irritação na parede do
estômago e do intestino – expliquei.
– Sim, eu sei. – Ela suspirou desanimada. – E por conta
disso, não consegui nem fazer aula com a Camila hoje.
É, eu imaginei já que na hora do almoço ela estava de
conversinha fiada com o técnico mulherengo...
Acredito que não tenha feito uma cara muito boa ao me
recordar da cena, porque a garotinha esperta logo percebeu algo
estranho em mim.
– O que foi, vocês brigaram?
– Tainá... – a Vivian a repreendeu de novo.
– Por que você acha isso? – perguntei sorrindo.
– Porque nessa última semana vocês não conversaram
muito aqui...
E não é que ela percebeu?
– É impressão sua, está tudo bem entre nós.
– Mentiroso! – ela me xingou sorrindo.
– Tainá! – a Vivian a repreendeu mais uma vez. – De onde
você tirou que pode falar assim com o seu médico?
– Está tudo bem, Vivian – afirmei.
– Mas ele está mentindo mesmo, mãe. Sei muito bem que
ele gosta dela. Percebi isso lá no começo. – Ela me olhou. –
Naquele dia que falei com você que pediria ela para dançar para
mim de novo, você ficou todo animado, dizendo que era para eu
fazer isso mesmo. Percebi na hora que você gostava dela.
Eu instantaneamente comecei a rir, porque tinha chegado à
conclusão de que a Tainá realmente era muito esperta. Apesar da
pouca idade, ela pegava tudo no ar. E eu me lembrava muito bem
desse dia. Foi na segunda aula dela com a Camila. A Tainá
comentou que gostaria de vê-la dançando de novo e quase que eu
mesmo implorei para que ela pedisse mais uma dança para a loira.
– Mas esse tipo de coisa a gente não comenta, filha – a
Vivian explicou, depois sorriu ardilosamente: – eu também já percebi
e não falei nada – comentou se divertindo.
A Tainá sorriu satisfeita e eu também ri mais um pouco.
– Vocês duas são muito espertinhas – falei em tom de
gozação. – Tal mãe, tal filha.
Aquela conversa deu uma melhorada no meu humor. E não
parou por aí, porque a criança ficou insistindo que eu deveria
namorar a Camila e que me ajudaria nisso. Eu achei engraçado
seus esforços de cupido, mas quando os enjoos retornaram, a Tainá
voltou a ficar amoadinha e, após medicá-la, a deixei descansando.
Só fui ver a Camila de novo dois dias depois. Era uma sexta-
feira e eu estava tomando café com a Melissa na cantina. Eu estava
de costas para a porta e não a vi entrar, então fiquei bem surpreso
quando ela parou em pé ao nosso lado.
– Oi, Dani, boa tarde! – me cumprimentou sorrindo. Depois
olhou para a Melissa. – Boa tarde, Doutora.
Eu e a Mel respondemos, mas fiquei bem atordoado com
aquilo. Primeiro porque era muito raro que a Camila me chamasse
de “Dani”. Segundo, porque ela estava sempre fugindo de mim.
Terceiro pelo seu sorriso encantador. Depois da noite em que
dormimos juntos, eu nunca o tinha visto de novo, pelo menos, não
direcionado a mim. Mas naquele dia ela sorria e ainda fez questão
de ser ela a me cumprimentar.
Sem saber o que dizer, a convidei para se sentar conosco.
– Toma um café com a gente?
– Claro – aceitou abrindo ainda mais o sorriso. – Vou só ali
pedir um expresso e já volto – e apontou para o balcão.
Aquela foi outra resposta que me surpreendeu, não entendi
nada. Podia jurar que ela recusaria meu convite e fiquei um pouco
boquiaberto a observando caminhar até o balcão.
– Quem é essa garota? – a Mel perguntou assim que a
Camila se afastou.
– Uma amiga – respondi de modo sucinto. – Quando ela
retornar, eu apresento vocês.
– Hum.
Seu rosto se tornou rígido com a chegada da Camila, mas
não dei muita importância para aquilo. Fiquei com a impressão de
que ela não foi com a cara da loira, mas que já, já perderia a má
impressão. Afinal, eu também não fui com a cara da Camila quando
a conheci.
Durante todo o tempo que a Camila ficou no balcão fazendo
o seu pedido, a Mel permaneceu a observando. Quando a loira
retornou segurando seu café e um pão de queijo, tanto eu, quanto a
Melissa, nos afastamos para o assento ao lado, de modo a dar
espaço para a Camila se sentar. Mas a loirinha com cara de anjo
nem pestanejou e se sentou ao meu lado, sorrindo ainda mais. E eu
adorei, pois curtia bastante sentir o seu perfume.
Esperei que ela se acomodasse para apresentar as duas.
Após cumprimentar a Mel de modo simpático, a Camila me
perguntou:
– Você não foi na Tainá hoje?
– Fui sim, já passei lá umas duas vezes hoje, só não foi na
hora do almoço.
– E por que não foi na hora do almoço?
– Porque fomos almoçar fora – a Mel respondeu de imediato,
sem dar tempo para que eu respondesse.
A Camila olhou para ela sorrindo, soltando um “ah, sim”, mas
a médica não retribuiu o sorriso. Pelo contrário, disse que já estava
na nossa hora e me chamou para subirmos. Mas, apesar de ser
verdade, eu não estava nem um pouco com vontade de me afastar
da Camila ainda e disse que ficaria mais. E não era só isso, porque
sentia necessidade de compreender aquele comportamento fora do
comum.
Parecendo estar um pouco brava, a Mel disse que iria subir e
que nos falávamos depois.
– Ok – concordei.
Assim que ficamos a sós, olhei para a Camila querendo
admirar um pouco mais o seu sorriso, mas ela já estava séria.
– Você tem algo com ela? – me perguntou visivelmente
apreensiva.
Iria dizer que não, mas me lembrei da resposta que ela me
deu quando perguntei sobre o Davi e decidi pagar na mesma
moeda.
– Não é da sua conta! – falei tentando segurar o riso.
Ela revirou os olhos.
– Você não acha que está um pouco velho para ficar de
pirracinha?
Dei risada.
– Você é demais, loira. Não, não tenho nada com ela. Por
quê?
– Porque ela parece gostar de você. Está sempre colada em
você igual uma sarna.
Novamente, dei risada.
– Nós somos apenas amigos – afirmei.
A Camila sorriu com a minha resposta, e porra... Aquele
sorriso pareceu iluminar tudo ao redor. Seus lábios se curvaram de
imediato e suas lindas covinhas apareceram. Fiquei tentado a
deslizar meus dedos por elas, mas me controlei.
– Mas realmente estamos sempre juntos – acrescentei.
– Foi o que eu disse, ela é uma sarna.
– Está com ciúmes?
Pensei que ela fosse retrucar discordando imediatamente,
mas a loira apenas me encarou, dando um meio sorriso. Por alguns
segundos, permanecemos em silêncio, apenas trocando olhares,
até que ela se virou para a frente e bebericou o café.
– Pelo visto, você anda reparando bastante em mim, não é?
Para reparar que a Mel está sempre comigo – tentei mais uma vez.
– Não só eu, né? Todo mundo repara e comenta que ela não
desgruda de você. Ninguém tem dúvidas de que a mulher é doida
em você.
Senti um leve incômodo no seu tom e aproveitei para
provocar.
– Isso te incomoda mesmo, hein? Você realmente parece
bem enciumada.
A loira deu mais uma bebericada no copo de café. Quando
ela retornou com o copo para a mesa, pensei que fosse responder,
mas sua resposta foi outra.
– Eu achei que você estivesse com a Ana Flávia – falou de
modo tímido.
– Quê? Como assim?
Soltando um longo suspiro, a Camila me contou de todo o
mal-entendido que a afastou de mim. Disse que pensou que eu
namorava a ginecologista por ter ouvido uma conversa dela com a
Lauren.
– Sabe como é, Daniel, o homem é médico e tem o mesmo
nome que você – argumentou.
Ela falava de modo afobado, tentando se explicar e
parecendo um pouco envergonhada pela confusão. Esperei que ela
terminasse o turbilhão de informações e perguntei:
– Não seria tudo mais fácil se você tivesse me perguntado
diretamente?
– Sim, Daniel, seria. Mas eu tinha convicção de que era você
e não achei que fosse necessário te confrontar. Nós nem tínhamos
nada um com o outro.
– A Ana namora o Guimarães! – falei um pouco revoltado.
– Agora eu já sei né – disse revirando os olhos.
Pensei um pouco sobre. Eu estava inconformado com aquela
história, mas ao mesmo tempo, feliz porque entendi que o seu
sumiço e desdém tinham uma explicação. Mas eu nem sequer sabia
o que dizer.
– Não vai falar nada? – me perguntou ansiosa.
– Você podia ter me perguntado.
– Você já disse isso – falou sem paciência. – Eu podia, mas
não fiz. Não dá para mudar o passado, então não me irrita!
Podemos começar do zero ou não?
Precisei segurar para não rir, porque ela era muito
nervosinha e eu adorava aquilo.
– O que você quer dizer com começar do zero?
– Não se faça de desentendido, Daniel.
Dessa vez eu sorri, encarando seus olhos cor de selva.
– Mas eu não estou entendendo mesmo, loira... – falei
reduzindo o tom de voz. – Você pode ser um pouquinho mais clara?
A Camila revirou os olhos, mas também sorriu.
– Eu estou dizendo, Doutor – ela também reduziu o tom e
apoiou a mão direita na minha coxa, se inclinando em direção ao
meu ouvido: – que podíamos continuar de onde paramos...
O seu tom de voz, somado ao seu cheiro gostoso e ao calor
da sua respiração no meu pescoço, me deixaram todo arrepiado. E
não preciso nem dizer sobre a sua mão quentinha na minha coxa.
Com isso, não foi só a minha pele que reagiu, pois senti meu pau se
contorcendo em expectativa àquela proposta.
– Que perfume você usa? – perguntei querendo descobrir
seu cheiro.
Ela sorriu.
– Gosta do meu perfume, Doutor?
– Muito! Qual é?
– É Egeo Red. E meu creme corporal é de morango
– Você realmente tem cheiro de morango.
Ela sorriu.
– Agora responda a minha pergunta – me ordenou.
Se tinha algo que eu passei a curtir bastante, era provocar a
Camila. Então, fazendo um esforço danado, disse a ela que
precisava trabalhar e não respondi à sua proposta, que por sinal, me
deixou bem excitado.
– Bom, loira, eu preciso ir. Já deu o meu horário.
Ela revirou os olhos de novo.
– Vai se fazer de difícil, é?
– Não sei do que você está falando – provoquei mais uma
vez.
– Ok – me disse dando de ombros.
A Camila se levantou para que eu pudesse passar e levou a
mão ao bolso da calça, retirando de lá um crachá. Quando ela me
entregou, vi que era o meu. Já fazia alguns dias que eu estava
dando falta dele, mas apesar disso, imaginei que tivesse esquecido
em algum lugar.
– Onde você o encontrou?
– Estava caído na saída para o pátio, ao lado da porta
automática.
– Mas quando você o achou?
– Ah, já faz alguns dias – me disse com um sorrisinho
travesso.
– E por que não me entregou antes?
– Não sei – ela sorriu mais. – Você não está em cima do
horário?
Dei risada.
– Estou.
Eu me levantei da mesa e ao ficar de frente para ela, me
abaixei para beijá-la no rosto. Mas a loirinha enfezadinha não joga
para perder e assim que me aproximei, ela virou o rosto para mim e
meu beijo acabou pegando em metade dos seus lábios.
Porra...
Aquele roçar de lábios despertou sensações que me
pegaram completamente de surpresa. E puta que pariu, eu quis
muito atacar a sua boca com desespero assim que recordei a
maciez daqueles deliciosos lábios rosados.
Preciso confessar que era o que eu faria, mas acho que ela
pressentiu e se afastou.
Um a zero para você, loira...
– Bom, também vou indo – me disse retirando seu copo de
café e seu pão de queijo da mesa, fingindo despretensão. – A gente
se fala, Doutor – e piscou um olho para mim.
– A gente se fala, loira...
É Daniel, vai ser difícil resistir...
CAPÍTULO 24

Camila
Eu estava numa animação palpável. Por mais que o Daniel
estivesse se fazendo de difícil, eu sabia que era só para me
provocar. Por isso, não me preocupei com o seu charminho e passei
meu final de semana tranquila.
Eu não sossego enquanto não te pegar de novo, Doutor!
Na segunda-feira, como sempre, me levantei em cima da
hora para o trabalho, mas completamente bem-disposta. Tomei um
cafezinho rápido que minha mãe havia feito e fui para o hospital. As
duas primeiras horas do dia foram tranquilas, sem nenhum
contratempo.
Tudo seguia dentro dos padrões, até a hora do café. Naquele
dia, eu não tinha saído no horário de sempre com a Nane e a Nara.
Estava com bastante serviço acumulado e deixei que elas fossem
sozinhas. Quando elas voltaram, quinze minutos depois de terem
saído, percebi que as duas estavam muito esquisitas. Ambas
aparentavam preocupação e suas feições estavam muito rígidas. As
duas me olhavam como se quisessem me dizer alguma coisa, mas
quando eu as olhava de volta, as duas rapidamente desviavam os
olhos.
Uns vinte minutos se passaram e, quando aquele
comportamento passou a me incomodar demais, eu as questionei.
– O que está acontecendo, gente? Por que vocês duas
ficaram tão estranhas de repente? Por que não param de me olhar?
Como se tivessem combinado, as duas responderam ao
mesmo tempo que não havia nada de errado. Mas a resposta
também foi muito estranha porque elas gaguejaram tanto para falar
um simples “não tá acontecendo nada”, que fiquei ainda mais
encucada. No caso da Nane, eu ainda tive a impressão de que ela
iria chorar a qualquer momento. Seus olhos estavam repletos de
lágrimas, sua respiração estava ofegante e ela passou a engolir
fôlego.
– Vocês têm certeza? – insisti.
– Si-sim – a Nara respondeu.
– E você, Nane? Está tudo bem?
E novamente, uma gaguejada:
– Si-sim.
Voltei a focar no trabalho e elas também, mesmo não
engolindo muito as respostas das duas.
Dez minutos depois, foi a vez do Claudio e do Maicon
voltarem do café, e todos dois também retornaram estranhos. Mas
no caso deles, não precisei perguntar, porque eles mesmos fizeram
questão de me colocar ciente da situação.
– Camila – o Claudio me chamou. Quando olhei, ele puxou
uma cadeira e se sentou ao meu lado. – Está tudo bem com a
mocinha que você ensina balé na hora do almoço?
Quê?
Eu também estava sentada e me levantei abruptamente. A
cadeira foi ao chão fazendo um barulho alto e, antes mesmo que eu
pudesse perguntar o porquê daquela pergunta, a Nane começou a
chorar.
Ai, Meu Deus...
– Por quê? Por quê você está me perguntando isso? – o
questionei já sentindo o desespero me dominar. Ao me virar para a
Nane, eu berrei: – Por que você está chorando, Ariane?
Todo mundo se assustou com o meu comportamento e
pediram para que eu me acalmasse. Mas ali eu já tinha ideia do que
estavam tentando me dizer e também já comecei a chorar.
A Vânia correu para pegar um copo de água para mim, mas
no trajeto, ela olhou para o Maicon, e ele sacudiu a cabeça
afirmativamente.
Ah, meu Deus, nãoooooo! Por quê? Por quê? Por que, meu
Deus?
O desespero que tomou conta de mim foi devastador. Senti
como se o mundo estivesse desabando ao meu redor, me deixando
sem ar e sem reação. Meus pensamentos foram tomados de
lembranças da Tainá, com seu sorrisinho amável e a sua
empolgação ao aprender balé. Cada momento que passamos juntas
passou diante dos meus olhos e o vazio deixado por sua ausência
se tornou doloroso. Mais aí a raiva por tudo aquilo chegou e eu me
descontrolei.
Eu berrei, chorei, esperneei e, em um determinado momento,
senti que iria desmaiar. A Nane e a Nara choravam como eu,
enquanto a Vânia me abraçou, sem conseguir fazer com que eu me
acalmasse. E eu não queria me acalmar mesmo, eu estava
revoltada com o mundo, com Deus, com a vida...
– Ela era só uma criança! – berrei aos prantos. – Não é
possível, isso...
O Maicon, que estava visivelmente segurando o choro,
segurou nas minhas mãos e me obrigou a sentar novamente. Feito
isso, se ajoelhou aos meus pés e secou as lágrimas que desciam
incansavelmente dos meus olhos.
– Cami, nós não sabemos de nada certo, você precisa ir lá,
minha amiga. O que se fala lá no refeitório é que faleceu uma
menininha com câncer agora pouco, então não sabemos de muitos
detalhes. Mas talvez não seja ela...
Eu me senti tão impotente diante daquela realidade que não
soube o que fazer. Sabia muito bem que não havia nenhuma outra
criança internada na oncologia, a Tainá era a única. Tirando um
adolescente de dezesseis anos, o resto era todo mundo adulto.
Eu não posso acreditar nisso...
Passei a pensar na Vivian e no pai da Tainá e meu coração
pareceu se despedaçar. Mas não tinha muito o que fazer, eu
precisava ir lá para apoiá-los. Só que eu estava muito desesperada,
sem saber direito como reagir, então saí correndo corredor à fora,
deixando meus colegas de trabalho desesperados.
Escutei a Vânia mandando o Maicon ir atrás de mim, mas
não parei para esperá-lo. Meus olhos estavam repletos de lágrimas
e dificultavam a minha visão. Com isso, trombei no mínimo com
umas três pessoas pelo caminho.
Atravessei o pátio correndo e em prantos, enquanto minha
mente parecia trabalhar a 180km/h. Perguntas sem resposta
martelavam na minha cabeça: “Por que, Deus?” “Havia algo que
pudesse ter sido feito?” “Será que foi dado a ela o tratamento
certo?” entre tantos outros questionamentos dolorosos. A dor da
perda era avassaladora e me vi prestes a desabar.
Não sei como consegui chegar ao prédio da oncologia, com
as minhas pernas trepidando de desespero. Escutei passos
apressados atrás de mim e deduzi que fosse o Maicon, mas não
parei para verificar.
Ao adentrar no corredor que ficava o quarto da Tainá, juro
que pensei que fosse ter um troço. Por um segundo, senti como se
meu coração tivesse parado de bater. Reduzindo meus passos,
obriguei minhas pernas a se moverem em direção ao quarto da
menina que já era tão especial para mim.
Coragem, Camila!
À um passo de distância da porta, respirei fundo e entrei. Ao
dar de cara com a cama da Tainá vazia, sem nenhum vestígio seu
no quarto, desabei no chão aos prantos. O ambiente estava repleto
de um silêncio ensurdecedor e meu coração afundou no peito.
Ai, meu Deus! Isso é tão injusto!
Senti braços masculinos me envolverem e, pela blusa,
entendi que era o Maicon, mas não tive forças para olhar. Mas
quase que instantaneamente ele me soltou, e novos braços me
envolveram. Dessa vez, eram braços maiores com aquele cheiro
que eu conhecia muito bem.
– Cami, meu amor, se acalme! – o Daniel pediu de modo
suave. – Olha para mim!
Eu não olhei, mas me virei de frente para ele e afundei meu
rosto em seu peito, o encharcando com as minhas lágrimas e
balbuciando que aquilo não era justo.
– A vida não é justa, meu amor. Mas olha para mim! Está
tudo bem!
De modo delicado, o Daniel me tirou do chão e me colocou
de pé.
– Para de chorar, loira – pediu com carinho. Ele segurou meu
queixo e me forçou a olhar em seus olhos. – Está tudo bem!
– Como assim está tudo bem, Dani? Ela nos deixou!
– Não deixou, meu amor. Não do jeito que você está
pensando.
Oi?
– Como assim?
O Daniel me fez sentar na poltrona que ficava ao lado da
cama e se ajoelhou na minha frente. Com uma serenidade
incompatível com a situação, ele secou as minhas lágrimas e deu
um beijo terno na ponta do meu nariz.
– A Tainá teve alta ontem, loira. Está tudo bem com ela.
Demorei bastante tempo para absorver aquela informação e,
quando consegui dizer alguma coisa, quis ter certeza se entendi
certo. Meu coração ainda doía desesperadamente e as lágrimas
ainda inundavam o meu rosto.
– Quê? Ela está viva?
– Sim, linda, você não tem com o que se preocupar.
– Mas... mas...
Foi o Maicon quem concluiu a minha pergunta e, só então,
notei que ele estava parado na porta, observando toda a cena. Ao
olhar para o rosto do meu amigo, ficou claro que ele também havia
se emocionado.
– Mas ficamos sabendo que uma menininha morreu de
câncer, não é verdade? – ele perguntou ao Daniel.
O Daniel suspirou profundamente e se colocou de pé.
– Sim, infelizmente uma menininha morreu hoje aqui. Ela deu
entrada no hospital no sábado e faleceu agora pouco. – Ele se virou
para mim e reforçou: – mas a Tainá está agora em casa,
provavelmente vendo muitos vídeos de balé no YouTube.
Fui dominada por um misto de emoções e voltei a chorar
copiosamente, mas acho que era de alívio. Ou talvez fosse dor pela
menininha que eu nem conhecia, não sei dizer. O Daniel voltou a se
abaixar e me abraçou. O ouvi dizendo para o Maicon que podia nos
deixar ali e voltar para o faturamento, mas não consegui ver, porque
as lágrimas não deixavam. Escutei o Maicon indo embora, mas me
mantive agarrada ao peito do Daniel. Quando consegui que as
palavras saíssem de modo coerente, desabafei.
– Estou tão aliviada, Dani. – Funguei. – Mas estou tão triste
que essa outra criança tenha falecido, mesmo que eu não a
conheça.
– É realmente muito triste, loira. Mas tenho algo para te
alegrar – falou com carinho.
O Daniel retirou um papel dobrado do bolso do pijama e me
entregou. Quando o abri, meu coração se encheu de alegria, porque
era uma cartinha da Tainá.
Cami,
Estou tão feliz porque o Dr. Wesley me deu alta. Ele disse
que posso continuar meu tratamento de casa. Ninguém sabia, nem
a mamãe, então não tive tempo de me despedir de você. Eu amei te
conhecer! Enquanto eu e minha família estivermos em Curitiba,
gostaria de te ver. Você pode me visitar? Vou deixar o número da
mamãe com o Daniel.
Te adoro!
Tainá

Ao ler aquela cartinha, meu coração se encheu de alegria e


voltei a chorar desesperadamente. Demorou bastante para que eu
conseguisse me acalmar de verdade e acho que isso só foi de fato
acontecer, uns quarenta minutos depois. O Daniel permaneceu lá
comigo por todo o tempo, me acariciando no rosto e me dizendo
palavras de conforto.
Depois ele me acompanhou ao faturamento, abraçado
comigo. Quem nos viu caminhando juntos, possivelmente não
entendeu nada, mas como minha cara estava destruída de tanto
chorar, as pessoas devem ter suposto que o Daniel estava me
consolando por alguma razão. Antes de ir embora, ele me passou o
telefone da Vivian e confesso que aquilo me deixou ansiosa. Queria
que o dia terminasse rápido, só para que eu pudesse conversar um
pouquinho com a Tainá.
Ao voltar ao trabalho, todo mundo pediu desculpa pelo mal-
entendido, mas eu disse que não tinha problema, que ninguém tinha
culpa de nada.
Naquele mesmo dia, assim que cheguei em casa, liguei para
a Vivian. Falei um pouco com ela, depois ela passou o telefone para
a Tainá. Ao ouvir sua vozinha doce e esperta do outro lado da linha,
novamente chorei como um bebê. E por ser muito esperta, ela
percebeu e perguntou porque eu estava chorando. Acabei
colocando a culpa numa TPM inexistente e só depois me dei conta
de que talvez ela nem soubesse o que era isso.
Ficamos bastante tempo conversando e quando ela disse
que a única parte ruim de ter tido alta era que não iria mais aprender
balé, não pensei duas vezes:
– Por que você não pede sua mãe para te levar aos sábados
na escolinha que eu dou aula?
– Mas ela não tem dinheiro para pagar, Cami.
– Mas ela não precisa pagar, meu amor, só precisa levar
você.
– É?
– Claro! E já quero te ver nesse sábado agora, ok?
– Tá bom – concordou eufórica.
A Tainá ficou nitidamente feliz e eu fiquei ainda mais, pois
queria muito vê-la e abraçá-la. Nos despedimos cheias de
promessas uma para a outra, rezando para que a semana passasse
bem rápido.
Naquela noite, dormi agradecendo a Deus por aquela criança
tão importante para mim estar bem.

No sábado, como todos os outros fui para a escolinha de


balé. Eu sempre chegava com uma hora de antecedência para
poder trocar de roupa com calma e fazer minha sessão de
alongamentos. Eles permitiam que eu mantivesse a flexibilidade e
condicionamento físico necessários para a dança. Também fazia
isso depois que as crianças chegavam, junto com elas, mas não
com tanta intensidade, pois a intenção era mesmo só aquecê-los.
Queria muito que a Vivian levasse a Tainá para a aula, mas
como ela não mandou mensagem perguntando o endereço, nem
mesmo o horário, entendi que elas não iriam. Mas como eram duas
turmas, uma às 8h, outra às 10h, eu ainda tinha uma esperança.
A primeira aula seguiu normalmente, como sempre. Ambas
as turmas eram pequenas, sendo fácil controlá-los. A primeira era
composta por oito meninas que variavam de cinco a sete anos de
idade. Já a segunda turma, apesar de ter uma garotinha de seis
anos, a maioria tinha entre sete e dez anos. Além disso, nela
haviam dois meninos.
A Valentina era da turma das 8h, mas naquele dia, a Carol
tinha me pedido para levá-la às 10h e permiti. Mesmo que fossem
níveis um pouquinho diferentes, entendi que não faria mal, pois a
Valentina era muito esperta.
Quando ela chegou, faltando uns dez minutos para a aula
começar, veio correndo até mim eufórica.
– Tia Camila, olha o meu chapéu que lindo!
Eu achei muito engraçado, porque era um chapéu de crochê
bege, com uma trança fake enorme. E apesar de ter florzinhas
coloridas pregadas na lateral, ela estava lembrando muito a Elsa do
Frozen. E como a Valentina amava o desenho, deduzi que fosse
intencional.
– Realmente é muito lindo, meu amor! Acho até que quero
emprestado, você me empresta?
– Não, porque a sua cabeça é maior e vai alargar ele.
Eu morri de rir com aquela resposta, porque não imaginei
nem por um segundo que ela fosse me responder daquele jeito.
Meus olhos até lacrimejaram.
– Tudo bem, eu entendo – falei para ela, contendo o riso. –
Cadê a sua mãe?
– Está lá na porta conversando com um amigo dela – me
disse dando de ombros. Mas ela queria falar do chapéu, então
continuou: – eu vou fazer aula com ele, Tia. Não vou tirar, hein.
Seu tom era de preocupação. Penso que ela ficou com medo
que eu a impedisse de ficar com o acessório, mas eu jamais faria
aquilo.
– Tudo bem, Elsinha! – falei apertando seu nariz de
brincadeira.
Ela sorriu satisfeita.
– Estou mesmo igual a Elsa – e saiu correndo saltitante pela
sala.
Eu a acompanhei com os olhos e quando ela sorriu
empolgada olhando para a porta, também me virei para lá. E na
hora, pensei que meu coração ia pular do peito e eu teria que pegá-
lo no chão.
Não sei o que mais me assustou, se foi a imagem daquele
homem lindo vestido todo casual, ou a Tainá com seu chapéu de
Elsa igual a Valentina. Eu não soube para qual dos dois eu queria
olhar mais e meu coração se encheu de alegria. Foi fácil entender
que ele e a Carol haviam combinado de levar as duas juntas, para
que as demais crianças não estranhassem o chapeuzinho da Tainá.
E eu amei aquilo!
Sem conseguir conter a minha felicidade, me joguei no chão
e abri os braços para a criança. Ela veio correndo eufórica e pulou
em cima de mim. Eu me levantei com ela no meu colo e nos girei,
sem conseguir conter o meu entusiasmo. A Tainá me envolveu com
as suas perninhas e me beijou na bochecha.
– Eu morri de saudades, Cami! – me disse alegre.
– Eu também, meu amor!
Precisei engolir o choro, ao lembrar de todo o susto que
vivenciei na segunda-feira. A Tainá não fazia ideia do pânico que
senti quando achei que o pior tinha acontecido e, se eu começasse
a chorar ali, ela não entenderia nada. Então me segurei.
Ao colocá-la no chão, a garota se colocou na ponta dos pés
para falar ao meu ouvido:
– Pedi a mamãe que pedisse o Daniel para me trazer – e
piscou um olho para mim.
E eu fiquei sem saber o que dizer.
– Mas por quê? – perguntei confusa.
– Porque nós duas queremos que vocês namorem – explicou
levantando os ombros e as mãozinhas, como se aquela explicação
fosse muito óbvia.
E mais uma vez, caí na gargalhada.
– Você e sua mãe são terríveis! – afirmei.
Dito isso, olhei para ele. E puta que pariu, o homem estava
bonito demais! Eu amava quando o via todo despojado, vestido tão
informalmente. O Daniel estava de boné preto, com um moletom
também preto, com as mangas arregaçadas, exibindo aqueles
antebraços maravilhosos. A calça era um bege meio terra, também
de moletom e o tênis branco. Ele me observava tão intensamente
que seus olhos pareciam queimar.
Lindo e gostoso, puta que pariu!
Tive certeza de que passamos longos minutos nos
encarando de modo indiscreto, porque quando a Carol surgiu ao
lado dele, me mandou limpar a baba ao fazer sinal com o polegar no
próprio rosto. Dei risada e me virei de costas para começar a aula.
Apresentei a Valentina e a Tainá para as demais crianças e
quando a turma ficou completa, comecei a aula. Na primeira turma
eu sempre iniciava a aula dando um aquecimento divertido,
incorporando movimentos lúdicos, com a imitação de animais
silvestres. Naquele dia, decidi fazer o mesmo com a segunda turma.
Depois de fazê-los rirem bastante com as imitações, incorporei
saltos suaves e rotações simples no aquecimento, para ajudar a
turma a soltar seus corpos e se prepararem para a dança mais
formal. Em seguida, passamos para as técnicas básicas de balé.
Para a Tainá e a Valentina, dei um pouco mais de atenção,
pois elas estavam menos avançadas do que as outras crianças. Vez
ou outra, eu dava uma olhadinha furtiva para o Daniel lá no corredor,
conversando com a Carol. Apesar de estar falando de modo
animado com a minha amiga, seus olhos estavam sempre em mim.
A parte da frente de todas as salas eram separadas do corredor por
vidro, e conseguíamos ter uma visão plena um do outro.
Uma hora e meia depois, a aula terminou. A Tainá estava
eufórica com aquela primeira vez e fiquei muito satisfeita de vê-la
feliz. Após me despedir de todas as crianças, só sobraram as duas.
– Agora é a sua vez de dançar, Cami – a Tainá me disse. –
Nós vamos assistir. – E se sentou ao chão, sem esperar que eu
falasse qualquer coisa. – Vem Daniel, senta aqui do meu lado!
Que criança terrível!
E ele nem hesitou. Entrou na sala e se sentou ao lado dela,
me lançando sorrisinhos de canto e uma piscadela.
– Bom – a Carol nos disse – eu e a Valentina não podemos
ficar, infelizmente.
– Nós vamos no centro comprar um vestido lindo para mim,
Tia Cami – a Valentina contou exultante.
– Olha, que coisa boa! – falei para ela. – Me dá um beijo
aqui, então! – e me abaixei para ficar da sua altura.
A garotinha não pestanejou e me deu um beijo apertado.
Depois disso, me despedi dela e da Carol, e elas foram embora.
Ao ficarmos só nós três, perguntei:
– Vocês dois estão bem unidos, né? Cheios de complô
contra mim...
– O que é complô? – a Tainá perguntou.
– Deixa para lá – o Daniel respondeu para ela, depois se
dirigiu a mim: – E cadê a nossa dança, loira? Não temos o dia
todo... – me provocou com seu sorriso lindo.
– A nossa dança? – perguntei erguendo as sobrancelhas.
– Sim, pensei que estivesse mais do que claro que nós dois
queremos ver você dançar.
Sorri.
– Ok, Doutor, seu desejo é uma ordem!
E ele também sorriu mais.
Assim, fui para o canto da sala onde ficava o aparelho de
som. A música que eu colocaria para tocar eu nunca havia dançado,
mas tinha que ser aquela, porque eu queria muito provocá-lo.
Quando os primeiros acordes de “Me Adora” da Pitty
começaram a soar, sorri para mim mesma.
Eu geralmente me apresentava de olhos fechados. Mas
naquele dia foi diferente, porque eu queria ver cada reação do
Daniel, enquanto eu coreografava a letra daquela música.
“Tantas decepções eu já vivi
Aquela foi de longe a mais cruel
Um silêncio profundo, e declarei
Só não desonre o meu nome
Você que nem me ouve até o fim
Injustamente julga por prazer
Cuidado quando for falar de mim
E não desonre o meu nome
Será que eu já posso enlouquecer?
Ou devo apenas sorrir?
Não sei mais o que eu tenho que fazer
Pra você admitir”
À medida que a música tinha seu ritmo acelerado, comecei a
executar piruetas e saltos mais explosivos, com meus olhos fixos
aos dele. E passei a cantar junto com a letra.
“Que você me adora (ouh, ouh, ah)
Que me acha foda (ouh, ouh, ah)
Não espere eu ir embora pra perceber”
Ele sorriu e eu soube que entendeu o recado. Quando a
música chegou ao fim, meu coração estava acelerado pelo esforço
físico e pelo olhar intenso do Daniel sobre mim. Notei que a Tainá
cochichou algo no seu ouvido e ele assentiu, sorrindo ainda mais.
– Satisfeitos? – perguntei desligando o som.
– Muito! – sua voz grave ecoou pelo ambiente.
– Eu amei, Cami! – a vozinha da Tainá surgiu logo atrás de
mim.
A criança me abraçou mais uma vez, toda animadinha.
Ressaltou mais uma vez que estava muito feliz, me deixando ainda
mais feliz. Ela disse que precisava ir embora, mas que voltaria todos
os sábados. Demos um abraço demorado uma na outra,
prometendo conversarmos durante a semana.
O Daniel entregou seu celular a ela e pediu que ela gravasse
um áudio para a Vivian, contando como foi a aula e assim ela fez.
Depois disso, falou baixinho comigo:
– Cami, será que você pode dar as aulas para ela de modo
particular? Hoje eu a trouxe porque estava tudo ok no hemograma
que fizemos logo cedo, mas o ideal é que ela fique o mais longe
possível de infecções de qualquer classe. E sabe como é, né? As
crianças estão sempre gripadas e eu e o Wesley ficamos bastante
receosos pelo contato com as demais.
– Nossa, Daniel, mas é claro! Meu Deus, eu nem me lembrei
disso.
– Não se preocupe, você não tinha obrigação de saber. Essa
aula fez muito bem mentalmente para ela e achamos importante
trazê-la pelo menos hoje.
– Ok, nos próximos eu irei até a casa dela e, caso tenha
algum compromisso no sábado, vou em algum dia da semana.
– Perfeito, loira!
Após isso, ele ficou me olhando intensamente e, quando
achei que fosse se despedir de modo casual, o Daniel me puxou
com força pelo pulso, levando a outra mão para a minha lombar.
Depois levou a outra para a minha nuca e podia jurar que ele me
daria um beijo na boca, mas no último momento, seus lábios foram
para o meu pescoço. Ele aproveitou que a Tainá estava distraída
com a sua trança e raspou a barba, nariz e lábios no meu pescoço,
me deixando toda mole e arrepiada. Subindo para o meu rosto, deu
um beijo na minha bochecha e falou num tom cheio de promessas:
– A gente se vê, loira!
Pensei que fosse desabar no chão quando ele me soltou,
mas me segurei.
– A gente se vê, Doutor!
E foi assim que ele me deixou, completamente excitada e o
querendo ainda mais.
Ponto para você, Doutor!
CAPÍTULO 25

Daniel
Foi difícil pra caralho me segurar no sábado, porque o que
eu queria fazer mesmo, era agarrar a Camila. Mas além de estar
com a Tainá, queria ver até onde a loira aguentaria.
E só fui ver a Camila de novo na quarta-feira da semana
seguinte. Estava no horário de almoço comendo com a Melissa, o
Alex e o Wesley na cantina, quando a loira chegou. Assim que
passou pela porta, seus olhos localizaram os meus e ela sorriu. E eu
sorri de volta. A Camila estava com as amigas e se sentou em uma
mesa de frente para a nossa.
A Melissa percebeu que a loira me observava e, como
estava sentada ao meu lado, já logo me abraçou, apoiando os dois
braços sobre meus ombros. Fiquei bem surpreso com aquele
comportamento e não consegui reagir. A única coisa que consegui
fazer, foi olhar para a Camila, que já não estava mais sorrindo.
Puta que Pariu!
De modo discreto, me esquivei dos braços da Mel e continuei
a conversar com o Alex e o Wesley. Mas tenho certeza que aquilo
desandou um pouco as coisas entre mim e a Camila, pois quando
fui conversar com ela, a loira foi totalmente seca. Não sorriu, não
brincou e não flertou. E para piorar, o Davi chegou enquanto eu
tentava falar com ela e a chamou para ir à padaria na rua de trás do
hospital. A Camila aceitou de imediato e fiquei bem irritado com a
interrupção.
Depois disso, só fui estar com ela dois dias depois, devido a
minha escala. Estava indo para a cantina do HUMD com o Alex,
para tomarmos um café rápido. Nós dois estávamos de plantão no
pronto atendimento e, naquele dia, estava tudo bem movimentado.
Ao chegar na cantina, assim que olhei em direção ao balcão,
reconheci a silhueta da loira debruçada ali.
Camila.
Ela estava de costas e não nos viu entrar. E é claro que eu
não perderia a oportunidade de ir lá perturbá-la um pouco. Aquela
mulher tem o poder de me causar um verdadeiro turbilhão de
sentimentos e eu queria descontar toda a raiva que ela me fazia.
Por isso, cheguei bem de mansinho, me colocando logo atrás da
loirinha atrevida. Ela não sentiu a minha presença e continuou
atenta ao celular. O Alex me acompanhou intrigado, possivelmente
por eu ter feito sinal de silêncio para ele com o dedo na boca.
Resolvi reduzir a distância entre nós logo quando ela estava
retirando um copo de café com leite do balcão. A Camila se virou
rápido em minha direção e não tive tempo de me afastar na
velocidade necessária. Seu copo com o líquido quente foi todo para
a minha barriga, molhando toda a minha camisa do pijama. Como
eu disse, o conteúdo do copo estava bem quente e imediatamente
dei um pulo para trás, afastando o tecido da minha pele para não
me queimar muito.
– Que merda! – vociferei no impulso.
Ela já estava pedindo desculpas, quando se deu conta de
que era eu quem estava ali e rapidamente mudou o tom.
– Desculpa, Daniel – pediu a contragosto. – Eu não te vi.
– Ah, sim, claro. Vou fingir que não sei que você me queimou
de propósito – retruquei enquanto tentava me limpar com os
guardanapos que estavam sobre o balcão.
– Você está maluco? – perguntou revoltada. – Eu nem te vi,
cara!
– Mentirosa! Sei muito bem que foi intencional. Você queria
me queimar!
Ao mesmo tempo que ela pareceu ficar ofendida, também
pareceu estar com raiva. Levou as mãos à cintura e chegou a abrir a
boca para falar alguma coisa, mas me antecipei.
– Caralho, está ardendo pra cacete!
Seu semblante suavizou, demonstrando preocupação.
– Me desculpa, não era a minha intenção. Deixa eu te ajudar
– falou ao pegar mais alguns guardanapos.
– Não precisa – respondi ao me virar de costas para ela. –
Eu duvido muito que não tenha sido de propósito, mas não vou ficar
discutindo com você. Tenho que ir para a enfermaria passar uma
pomada para queimadura. Também preciso achar uma camisa para
terminar o plantão.
O Alex observava tudo com o cenho franzido, olhando ora
para mim, ora para a Camila. Tenho certeza que meu amigo achou
meu comportamento estranho, mas não disse nada e me
acompanhou, conforme eu saía reclamando da cantina.
A Camila veio logo atrás de nós, após pedir para uma das
mocinhas da cantina limpar o líquido no chão.
– Esperem – nos disse –, vou com vocês.
Sem me virar para trás, respondi:
– Não precisa.
– Deixa de ser irritante, Daniel. Eu já te pedi desculpas!
Não falei mais nada e me encaminhei para o segundo andar,
com os dois ao meu encalço. Ao chegar lá, entrei no vestiário
masculino e fui em direção ao meu armário.
– Sorte que eu sempre tenho uma camisa extra – falei alto
para que ela me ouvisse.
A Camila me aguardava da porta do vestiário, olhando com
um semblante um pouco aflito, sem saber se entrava ou se
permanecia ali.
– Você se queimou? – perguntou ao me ver olhando para a
barriga.
Bufei.
– O que você acha? Seu café com leite estava fervendo!
Ela fez menção de falar algo, mas o Alex saiu na frente:
– Cara, então vamos fazer logo um curativo nessa barriga.
Deve ter queimado bastante, porque nunca te vi tão ignorante
assim.
– Comigo ele é sempre ignorante – a loirinha bocuda
respondeu.
Olhei para ela fazendo questão de piorar minha cara feia.
– Nem sempre – falei olhando no fundo dos olhos dela, para
que pudesse entender exatamente o que eu estava querendo dizer.
Depois me virei para frente e a ouvi perguntar de modo
tímido:
– Você quer que eu pegue alguma pomada para você?
Exalei forte, antes de responder.
– Sim, será que você pode buscar uma Sulfadiazina de Prata
para mim na farmácia do hospital?
– Sim, farei isso.
– Obrigado. Me encontra na sala de descompressão.
– Ok.
A garota saiu antes que eu pudesse repetir o nome da
pomada. Assim que o Alex ficou sozinho comigo, não perdeu tempo
em me questionar.
– Cara, que estresse é esse? Sulfadiazina de Prata? Isso é
um exagero!
Dei risada.
– Eu sei.
Meu amigo não entendeu nada.
– Eles não vão dar a pomada para ela sem uma receita
nossa.
– Eu sei disso também – falei rindo.
– Você fez isso tudo de propósito? Não se queimou merda
nenhuma, não é?
– Olha, a minha pele está ardendo um pouquinho, mas daqui
a pouco passa.
– Não estou te entendendo, Daniel – falou cruzando os
braços. – Você bebeu?
– Alex, a Camila me irrita pra caralho. Isso, desde a primeira
vez que nos vimos, há quase um ano. Ela faz de tudo para me
provocar. Só estou querendo perturbá-la um pouquinho e descontar
toda a irritação e frustração que ela me causou até hoje.
– É isso mesmo, ou tem mais coisa aí? – perguntou com
divertimento, se recostando em um dos armários e me analisando
com um sorrisinho de canto.
Não me preocupei em negar.
– Tem mais coisa aqui. – Suspirei segurando o riso. – Nós
temos uma história mal-acabada...
Nós dois rimos.
– É, já dizia a minha avó, esse negócio de excesso de ódio é
sempre tesão disfarçado. Vou até me retirar. Vou descer para tomar
meu café e deixar vocês dois sozinhos. Aliás, você já pensou em
tudo né? Sala de descompressão?
Dei risada.
– Esse horário não tem ninguém lá. É melhor para um
curativo – falei rindo, enquanto vestia a camisa limpa.
– Aham, claro. Com certeza lá é melhor do que a enfermaria
para um curativo.
– É sim – concordei rindo. – A gente se fala daqui a pouco.
Assim que o Alex saiu, me encaminhei para a salinha que foi
apelidada de descompressão, que ficava no terceiro andar.
Diferentemente do quarto de descanso, naquela sala havia
poltronas de massagem, televisão e uma mesinha com baralho. Era
onde podíamos reunir para tentar abstrair em dias muito pesados.
Só que a maioria dos médicos e enfermeiros não usavam aquela
sala durante a semana e decidi ser um bom lugar para ir.
A Camila retornou uns dez minutos depois que eu já estava
lá.
– Daniel, a menina da farmácia não quis me dar a pomada,
mesmo eu dizendo que era para você. Disse que você precisava ir
até lá pois é uma pomada antibiótica, aquela insensível!
Fingi surpresa, para não destruir meu teatro.
– Difícil demais esse pessoal! – lamentei.
– Ela me deu essa outra aqui – e estendeu a mão para mim
com uma outra pomada na mão.
– Melhor do que nada – murmurei fingindo mau humor.
Peguei a pomada e me recostei em uma das mesas daquela
sala. A camisa que eu havia vestido no vestiário não tinha botões e
precisei retirá-la para passar a pomada. Assim que coloquei a peça
sobre a mesa, pude observar os olhos da Camila percorrerem todo
o meu tronco. Ela se aproximou um pouco hesitante e estendeu a
mão de novo para mim.
– Quer que eu passe? – perguntou de um jeito estranho,
parecendo novamente um pouco tímida, o que não era uma
característica sua.
Dei a pomada a ela, mas não respondi. Ela destampou a
embalagem e aplicou sobre os dedos indicador e médio. Em
seguida, passou delicadamente a pasta sobre a minha pele. Seus
movimentos eram lentos e circulares, e como a ardência era bem
pequena, meu corpo entendeu aquilo como uma carícia. Além disso,
eu estava com muita saudade do seu toque. Cheguei a contrair
involuntariamente os músculos da minha barriga com aquele contato
delicado.
– É aqui que está ardendo? – perguntou percebendo a minha
reação. – Não sei bem onde é, sua pele não está vermelha – falou
ao estreitar os olhos.
Não está vermelha, porque não está queimada...
– É exatamente aí. – Minha voz saiu baixa e cadenciada.
Com aqueles olhões claros e enormes, a Camila me olhou
intrigada, possivelmente tentando compreender o tom da minha voz.
Mas ela não disse nada, e permaneceu espalhando a pomada pela
minha pele. Quando terminou, retirou a mão de mim e senti na hora
a ausência do seu toque. Desejando um pouco mais de contato,
fiquei tentado a pedir que ela passasse mais, mas as palavras não
saíram.
– Quer falar alguma coisa, Daniel? – ela me perguntou com
um sorriso presunçoso no rosto, parecendo saber exatamente o que
se passava na minha cabeça.
Decidi aproveitar.
– Continua – falei ao pegar na mão dela e levá-la de volta
para a minha barriga.
A princípio, a Camila manteve a mão parada sobre a minha
pele, olhando intensamente dentro dos meus olhos. Após alguns
segundos, ela levou a outra mão para a minha barriga e passou a
deslizá-las por toda a extensão do meu tronco. Aquilo me deixou
todo arrepiado e um ruído rouco escapou pela minha garganta.
– Tá curtindo, né? – perguntou se divertindo.
– Estou, loira. Muito.
Ela reduziu o espaço entre nós, mas sem parar com o
carinho.
– Você não se queimou bosta nenhuma, não é?
– O que você acha?
– Acho que você fez esse drama todo à toa.
– Por que eu faria isso?
– Para me irritar? – respondeu em tom de pergunta. – E para
ficar sozinho comigo nesta sala.
Sorri para ela, mas não confirmei nenhuma das duas
hipóteses que por sinal, estavam corretas. Permaneci encostado na
mesa, com as mãos apoiadas na madeira, enquanto a loirinha
sedutora fazia um carinho bem erótico em mim, me olhando com
seus olhos arrebatadores.
Meu corpo começou a reagir e meu pau foi ficando duro. Ela
percebeu, porque olhou para o volume dentro da minha calça e
sorriu. Eu sabia que não era a cara dela se assustar ou se
incomodar, mas não esperava que ela fosse fazer o que fez. Sem
nenhum aviso, a Camila se enfiou entre as minhas pernas e colou
seu corpo ao meu.
Na posição que eu estava, apesar de ser mais alto, seu
quadril ficou exatamente na direção do meu e ela não pestanejou
em sentir meu pau duro com o próprio corpo, se esfregando em mim
descaradamente. Confesso que fiquei surpreso e
momentaneamente sem reação, ao contrário dela, que levou as
mãos para as minhas costas, me apertando ainda mais contra si,
raspando suas unhas na minha pele.
Quando a Camila cravou as unhas nas minhas costas, saí da
inércia que me dominava e levei minhas duas mãos para a sua
lombar. Aquilo despertou um desejo que já estava em mim desde
quando provei seu beijo. Eu a desejava muito e iria saciar a minha
vontade naquele momento. Mas ela foi mais rápida do que eu e se
afastou de mim, me encarando sedutoramente. A loira com carinha
de anjo sorriu de um jeito divertido e se reaproximou. Pensei que
fosse fazer o mesmo, mas ela era terrível e resolveu ousar mais.
Sem nenhum aviso, agarrou meu pau por cima da calça e deu uma
deliciosa apertada nele, fazendo um rugido alto sair pela minha
garganta.
Porra...
Minha cabeça caiu para trás e minha boca abriu. E a loira
sedutora passou a me masturbar por cima do tecido, conforme
avançava para o meu pescoço, distribuindo deliciosos beijos por lá.
– Porra, Cami!
Estava prestes a beijá-la na boca, quando escutei pelo alto
falante meu nome sendo requisitado no pronto atendimento:
– Doutor, Daniel Sampaio, favor comparecer ao pronto
atendimento.
Ah, que ótimo!
Com um sorrisinho bem sacana, a Camila se afastou de mim
antes que eu pudesse fazer qualquer coisa e se dirigiu para a porta.
– A gente se fala depois, Doutor – falou casualmente,
piscando um olho para mim.
E assim, ela me deixou lá tentando me recompor de todos os
planos que meu cérebro fez de nós dois juntos naquele ambiente.

No dia seguinte, era para eu estar de folga dos dois


hospitais, mas um dos pediatras daquele dia do Maria Diane
precisou faltar e me comprometi a cobri-lo. Assim, aproveitei o
almoço para ver a Camila. Eu sabia que ela gostava de ficar
tomando um solzinho no pátio atrás do primeiro bloco e assim que
tive uma pausa nas visitas da internação da pediatria, fui para lá.
Precisava desesperadamente vê-la.
Estava bem animado, mas meu bom humor foi para o ralo
quando cheguei à porta de trás do prédio e avistei aquele técnico
tarado com o braço em volta da Camila.
Porra, esse moleque não dá uma folga!
Como sempre, ele sorria para ela de um modo que me
irritava pra caralho, todo cheio de marra e alto confiança. Mas o que
mais me deixava puto era vê-la correspondendo aos sorrisinhos
falsos daquele idiota de modo simpático. Na verdade, às vezes eu
achava até que ela estava interessada nele e a possibilidade me
deixava ainda mais irritado.
A princípio, pensei em ir lá e acabar com a alegria dos dois.
Mas depois que pensei melhor, me dei conta de que seria uma cena
ridícula e sem sentido, já que nós não tínhamos nada um com outro.
Por isso, dei meia volta e retornei para o trabalho.
Durante a tarde, fui tomar um café na cantina, no horário em
que eu sabia que a Camila estaria. Dessa vez ela estava sozinha,
sem o idiota do Davi e sem as suas amigas. Então não pestanejei
em me sentar imediatamente ao seu lado.
Ela estava distraída mexendo ao celular e bebericando um
café, quando sentiu minha presença.
– Oi! – cumprimentei-a assim que ela me olhou surpresa.
– Oi!
– Posso me sentar aqui com você? – perguntei com meus
olhos presos em seu lábios rosados.
– Fica à vontade, Doutor!
Eu queria perguntar se ela tinha algo com o Davi, mas o tom
sexy que ela usou para me responder me distraiu completamente. E
ela não parou por aí.
– A barriga já sarou da queimadura? Se você quiser, posso
passar mais uma pomadinha aí?
E é claro que entrei na onda e respondi sorrindo.
– Isso seria ótimo, porque ainda está ardendo bastante.
Ela riu, sabendo exatamente que aquilo não era verdade.
– Ok. – A Camila tornou a pegar o copo de café e bebeu até
o líquido finalizar. Após recolocar o copo sobre a mesa, me
perguntou em um fio de voz: – Vamos então?
Porra...
Entendi muito bem o que ela estava propondo e fiquei feliz
pra caralho! E excitado. Uma onda de expectativa e ansiedade me
dominou e foi impossível reprimir meu sorriso. Cheguei a afastar a
cadeira para trás para que pudéssemos nos levantar, quando o Davi
chegou e se sentou logo à nossa frente.
Puta que pariu... De onde esse babaca surgiu?
Nessa hora, eu quis matá-lo.
– Onde vocês dois estavam indo? Acabei de chegar para um
café... – comentou parecendo bem satisfeito em nos interromper.
Respirei fundo para não o mandar ir para o quinto dos
infernos.
– Estávamos apenas no levantando para pegar mais café – a
loira respondeu ao intrometido.
O moleque olhou para a mesa e para o copo de café vazio
da Camila. Depois olhou de novo para a minha mão, como se
dissesse: mas ele não está tomando nada. A irritação que tive mais
cedo ao vê-lo grudado nela voltou com tudo e não consegui
disfarçar a minha rispidez.
– Algum problema? – perguntei.
– Problema nenhum, Doutor – falou com seu sorrisinho
petulante. – Mas sabe como é, né? Tenho ciúmes do meu loirão.
A Camila revirou os olhos, mas riu. E aquilo me deixou doido,
porque comecei a pensar que ela realmente tinha algo com ele.
Olhei para ela imediatamente, esperando que ela desmentisse, mas
o idiota não deu tempo para isso.
– Vou pegar seu café, Cami. Quer que pega um para você
também, Doutor?
Não, eu quero é que você vá para a casa do caralho!
– Não, obrigado.
Ele se levantou com seu sorrisinho de conquistador barato e
foi em direção ao balcão. Só esperei ele se afastar por completo
para perguntar:
– Você tem alguma coisa com esse idiota?
– Está com ciúmes, Doutor?
– Não brinca, Camila. Responde logo.
– Rexxxponde longo... – me imitou fazendo biquinho.
Ela deu um sorrisinho que indicava estar curtindo bastante o
meu incômodo. E ouvi-la tentando reproduzir o meu sotaque, me fez
sorrir também.
– Não tenho nada com ele.
– Eu não quero você perto dele! – falei baixo, mas bem sério.
O jeito do Davi me incomodava muito e eu não confiava nele.
Mas como era de se esperar, a loirinha enfezadinha não
gostou nem um pouco do que eu disse. Seu sorriso lindo murchou e
uma expressão de revolta surgiu no seu rostinho lindo e angelical.
– Como é que é? Você não quer o quê?
– Não quero você com ele – repeti. – Ele não é confiável.
– Você não tem que querer nada, Daniel! Está maluco?
Eu sei que não tinha o direito de exigir nada e nem era essa
a minha intenção. A ideia era só alertá-la e como estava com raiva,
me expressei mal. Mas se tinha algo que eu amava era vê-la toda
bravinha, então segui com o tom de ordem.
– Não vou repetir, Camila! Não quero você perto desse
babaca!
A expressão revoltada ficou muito mais evidente e ela
chegou a abrir a boca para me responder, mas aí o Davi voltou.
– Cami, tenho uma boa notícia para você. Um camarada
meu me convidou para tomar uma na casa dele depois do trabalho e
ele mora perto do seu irmão. Ou seja, vou para o mesmo bairro que
você. Quer uma carona?
A Camila ainda estava me olhando, com a indignação
transparecendo em seus lindos olhos verdes, quando respondeu:
– Quero sim.
Ela estava me desafiando, dizendo silenciosamente que não
aceitava ser controlada por ninguém e, apesar de ter ficado
preocupado com o fato de ela sair com ele, a tendência que a
Camila tinha de não abaixar a cabeça para ninguém me encantava.
– Te espero às 19h lá no estacionamento – falou com ele,
olhando para mim. – Você trouxe capacete extra, né?
– Claro, loirão. Jamais colocaria sua vida em risco –
respondeu presunçoso.
– Então está combinado – falou ao se virar para frente e dar
um sorriso para o babaca.
– Bom, vou pedir licença para vocês dois. Preciso voltar ao
trabalho – falei ao me levantar.
Não me estressei porque aquilo não iria acontecer de jeito
nenhum. Acho que a Camila não esperava que eu fosse desistir tão
fácil e me olhou um pouco decepcionada. Eu não iria discutir na
frente do Davi, mas se ela achava que iria a algum lugar com ele,
estava muito enganada...
CAPÍTULO 26

Camila
Quem ele pensa que é para me proibir de alguma coisa?
Enquanto observava o Daniel se afastar, não sabia se queria
ir atrás para brigar, ou para agarrá-lo e lascar um beijão em sua
boca gostosa.
Babaca! Um babaca muito charmoso, mais um babaca.
Mas meus pensamentos conflitantes foram interrompidos
pela voz do Davi.
– Eu achava que você tinha uma paixão platônica por ele,
mas pelo visto, é meio recíproco, né?
Quê?
Ao ouvir aquilo, olhei imediatamente para o meu amigo.
– O que você disse? – perguntei.
– Ah, qual é Cami... Você acha que nunca notei o modo
como você olha para ele?
– De que modo eu olho para ele?
Meu tom era puro desdém e revolta. O Davi bufou com um
sorrisinho debochado no rosto.
– Toda vez que estamos juntos e ele aparece, seja aqui ou lá
no pátio de trás, você automaticamente para de prestar atenção no
que estou falando e isso não acontece só comigo. Não importa
quem esteja conosco, sua atenção se volta todinha para ele. Além
disso, seus olhos passam a acompanhar todos os movimentos do
Doutor e se a Doutora Melissa estiver junto, você chega até a torcer
o nariz. Na verdade, você faz uma cara como se fosse vomitar.
Não é possível!
– Eu acho que você está ficando louco! – falei na defensiva.
– Eu não faço nada disso! Deixa de ser dramático!
Ele riu.
– Será que é drama meu?
– Tenho certeza absoluta de que sim!
Ele fez um carinho com o dedo indicador no meu nariz.
– Então prova e sai comigo. Já está me enrolando há muito
tempo e agora eu já posso imaginar o motivo.
– Não vou discutir com você, Davi – falei me esquivando de
responder seu convite. – Deixa eu voltar para o faturamento porque
estou estourando o horário. A gente se fala mais tarde.
Sem esperar que ele falasse mais alguma coisa, eu me
levantei e dei um beijo em sua bochecha.
– Você vai para o seu irmão comigo, então? – quis confirmar,
segurando a minha mão.
Na hora do almoço, eu havia comentado com o meu amigo
que iria para a casa do Gustavo quando saísse do trabalho. Estava
morrendo de saudade das minhas sobrinhas. Aí agora ele estava
dizendo que iria para a casa de um amigo que morava no mesmo
bairro do meu irmão. Tive a impressão de que aquela era uma
desculpa para me levar para sair, mas não preocupei. Também não
podia deixar o Daniel achando que me mandava.
– Vou – reforcei. – Te encontro no estacionamento, ok?
– Ok, loirão – respondeu parecendo aliviado.
Saí da cantina me questionando mentalmente se de fato meu
comportamento mudava quando o Daniel aparecia.
Não é possível mesmo...
Também me perguntei se outras pessoas também poderiam
já ter percebido. Mas quando cheguei ao faturamento, estava
convicta de que não deveria encanar com aquilo. Assim, fiz questão
de não pensar mais sobre o assunto.
Durante a tarde, o assunto que prevaleceu quase todo o
tempo entre mim e meus colegas de trabalho foi sobre a festa de
comemoração de quarenta anos do hospital, que seria no sábado
seguinte. As meninas discutiam com qual roupa iriam e se iriam
fazer maquiagem no salão ou em casa. Até o Maicon e o Claudio
estavam preocupados com o que poderiam vestir.
– Gente, vocês não vão casar – brinquei. – É só a festa de
aniversário do Maria Diane. Precisa mesmo desse drama todo?
– Cami, as médicas vão vestidas como se estivessem indo
para a cerimônia do Oscar. Temos que estar no mesmo nível delas –
a Nane me disse.
– Eu me recuso a gastar dinheiro com cabelo e maquiagem
para uma festa dessas, gente – reafirmei, tentando entender o
alvoroço.
– Nem a unha você vai fazer? – a Nara me perguntou.
– A unha eu vou, mas só porque já é algo que faço com mais
frequência.
– E vai passar esmalte rosa? – a Vânia me perguntou, mas
sem se virar para nós. Nossa chefe permanecia de costas digitando
ao computador.
– Com certeza. Como vocês sabem, essa é a minha cor
preferida! – falei com gosto.
Ela riu.
– Está bem, Barbie.
As outras duas também riram, assim como eu. Elas
adoravam pegar no meu pé me chamando de barbizinha e me
zoaram mais um pouquinho naquele momento. Minha chefe entrou
na onda, mas não demorou muito para nos repreender:
– Agora chega de falação, mulherada! Bora trabalhar,
raparigas!
Nós três rimos com o xingamento carinhoso e nos
concentramos no trabalho.
Ao final do expediente, eu estava tão cansada que tinha
perdido completamente o ânimo em visitar minhas sobrinhas. E
também não queria ter que sair fora do Davi, pois sabia que ele
tentaria algo. Aquela carona não era despretensiosa e eu não
estava a fim de ficar com ele. Quero dizer, não mais. Depois que
descobri que o Daniel não estava com a Ana Flávia coisa alguma, a
vontade de beijar meu colega de trabalho se extinguiu
completamente e voltei a pensar no médico metidinho. Quero dizer,
eu praticamente nunca deixei de pensar nele.
Cogitei até em cancelar, mas ao chegar no estacionamento e
dar de cara com o Davi todo sorridente me esperando, perdi a
coragem. Ele já estava sentado sobre a sua moto, que era imensa,
com a sua postura confiante. Enquanto caminhava até ele, recebi
uma mensagem do Gustavo falando que pediria minha pizza
preferida. Ou seja, não tinha mais como furar.
– Partiu, loirão? – o Davi me perguntou ao esticar a mão com
o capacete para mim.
– Partiu!
Já estava colocando o capacete quando ouvi passos. Eu não
tinha reparado que o carro estacionado ao lado da moto do Davi era
do Daniel, então me sobressaltei quando ele surgiu não sei bem de
onde, chamando pelo meu nome.
– Camila, sua chefe está te procurando... – me disse
conforme entrava dentro do seu carro.
Apesar do susto, respondi de imediato:
– Ué, me procurando? Como você sabe?
– Estava passando pela recepção, quando ela apareceu lá
perguntando se alguém te viu. Ela parecia bem nervosa.
Na hora me preocupei. O Daniel não me deu maiores
explicações e se despediu de nós, ligando o carro e arrancando em
seguida. Quando fiquei sozinha com o Davi, ele comentou:
– Pensei até que pudesse ser mentira, loirão. Mas como ele
não ficou esperando, deve ser verdade.
– Mentira do Daniel?
– Sim.
– E por que ele inventaria algo assim?
O Davi riu.
– Para te impedir de sair comigo, ué. Por que mais seria?
– Davi, você tem cada ideia...
– Como eu disse, só hoje reparei que ele olha para você, do
mesmo jeito que você olha para ele...
– Lá vem você de novo com isso... Você está viajando...
– Vocês se conheceram aqui no hospital?
– Não, nos conhecemos ano passado.
Eu não quis entrar em detalhes, porque sabia que o Davi
acabaria descobrindo que nós ficamos.
– Certo. Então realmente tem coelho nesse mato...
Balancei a cabeça em negação, mas preciso confessar que
aquela possibilidade não me desagradava nem um pouco. Afinal, o
Daniel realmente me abalava e estava frequentemente presente nos
meus pensamentos. Então seria bom que eu não fosse a única. E
eu realmente detestava vê-lo com a médica sonsa.
– Bom, preciso ver o que a Vânia quer, Davi – disse por fim.
– Tudo bem, eu te espero.
– Não precisa – respondi de imediato. – Até mesmo porque,
devo ter feito algo errado e faço questão de corrigir seja lá o que for.
Não vou embora até estar tudo em ordem.
Estava havendo uma série de erros nas faturas dos médicos
e eu me preocupei que pudesse ser coisa minha.
– Você tem certeza?
– Absoluta.
Com uma cara um pouco tristonha, ele se despediu de mim e
foi embora. E eu voltei imediatamente para o faturamento.
Praticamente saí correndo, preocupada em ter feito algo grave.
Quando entrei na nossa sala, meus colegas de trabalho
todos já haviam ido embora e só minha chefe estava lá, com a bolsa
sobre o ombro, desligando o último computador.
– O que houve, Vânia? O que eu fiz?
Ela me olhou confusa.
– Você? Nada.
– Por que então você foi até a recepção me procurando?
– Eu? – perguntou confusa. – Eu não fui não. Quem te falou
isso?
Na hora a minha ficha caiu.
Filho da puta!
Eu não soube o que dizer nem como explicar aquela
confusão para a minha chefe e permaneci muda, sentindo minha
raiva voltar.
– Quem falou que eu estava te procurando? – ela repetiu a
pergunta.
– O Doutor Daniel.
Tive que responder, senão ela iria achar que sou maluca.
– Por que ele faria isso?
Eu sacudi os ombros sinalizando que não sabia, mas a
verdade é que eu tinha uma ideia. O idiota só podia ter inventado
que ela estava me procurando para me impedir de sair com o Davi.
Quando me dei conta, meu sangue ferveu. Acho até que a Vânia
percebeu, pois comentou que eu havia ficado com as bochechas
coradas de repente. E eu realmente estava as sentindo queimar de
tanta raiva.
Tentando controlar minhas emoções, me despedi novamente
da minha chefe e saí do prédio. Por um breve momento, pensei que
o Daniel estaria lá no estacionamento com seu sorrisinho petulante,
todo contente por ter me boicotado. Mas me enganei, já que não
havia nenhum sinal daquele idiota.
Atravessei o pátio da frente às pressas, pensando em todos
os desaforos que falaria com ele quando o encontrasse. Passei pela
cancela com tanta raiva, que até me esqueci de dar boa noite ao
porteiro da guarita.
Já estava chegando ao ponto de ônibus que ficava na
mesma rua do hospital, quando um carro preto reduziu ao meu lado.
Antes mesmo de olhar, soube quem era e já me virei com as
ofensas na ponta da língua:
– Você é um babaca, idiota e escroto!
Apesar das injúrias, falei baixo porque não queria que o
pessoal que estava no ponto de ônibus ouvisse. Muitos eram
funcionários do hospital.
E o babaca riu sem nenhuma preocupação.
– Eu te avisei que não permitiria que você saísse com ele.
Se não foi por bem, foi pelo meu jeito.
Faltou bem pouco para eu gritar.
– Você não tem que permitir nada, Daniel! Quem você pensa
que é? – o afrontei entredentes. – Nem se você fosse algo meu,
permitiria que ditasse o que posso ou não fazer! Se enxerga!
Mais uma vez ele riu sem se importar com a minha fúria.
– Entra aqui, anjinho... Vou te levar – sugeriu com aquela voz
gostosa, ignorando completamente os meus xingamentos.
– Não vou entrar aí coisa alguma! – Eu respirei fundo e me
inclinei em direção à janela. – Qual é a sua?
– Eu já te disse, minha loira, não confio naquele moleque.
Então não poderia dar chance a ele de fazer algo contra você. Então
entra aqui, que te levo para onde você quiser...
Seu tom de voz, somado ao sorriso bonito, fez com que eu
abaixasse a guarda um pouco.
– Não, obrigada! Vou de ônibus... – e ajeitei a postura. – Eu
sei me defender muito bem.
– Ah, para, Cami! Entra aqui...
– Não.
Preciso confessar que meu cérebro dizia não, enquanto meu
corpo se recusava a sair dali, querendo desesperadamente entrar
naquele carro cheiroso. Mas o Daniel não me deu muito mais tempo
para ficar na dúvida. Assim que falei “não”, ele desligou o carro, saiu
dele, deu a volta no veículo e abriu a porta para mim.
A primeira coisa que fiz foi olhar para frente, para o ponto de
ônibus, porque imaginei que se alguém estivesse vendo, aquilo
viraria fofoquinha. E é claro que já tinha umas três enfermeiras e
técnicas bem atentas à cena. Com isso, entrei imediatamente no
carro.
Exibindo seu sorrisinho petulante de vitória, ele fechou a
porta para mim e seguiu para o lado do motorista.
– Você se acha demais! – reclamei assim que ele se sentou.
– Por quê? Não fiz nada...
– Não fixxx nada... – o imitei. – Fez não, imagina... eu nem
estou dentro do seu carro, como você queria...
– Mas eu não te obriguei e nem te forcei a nada. – E deu de
ombros, de modo cínico.
– Fez praticamente isso, porque sabe que não quero dar
motivos para esse povinho fazer fofoca sobre mim.
– E desde quando você liga para o que as pessoas pensam
e falam a seu respeito? Isso não faz o seu perfil.
– Às vezes eu ligo – falei sem esticar muito assunto.
Eu realmente não costumo me preocupar com a opinião das
pessoas sobre mim. Mas ali era meu local de trabalho e não queria
pegar a fama de correr atrás de médico, como muitas tinham,
mesmo que injustamente.
Eu coloquei o cinto e me virei para ele:
– Você nunca mais faça isso!
Segurando o riso, ele saiu com o carro.
– Sim, senhorita. E para onde devo levá-la? Para a casa do
Gustavo?
– Sim, para a casa do Guxxxtavo! – o imitei de novo, fazendo
pouco caso. Mas a verdade é que eu amava aquele sotaque.
Como esperado, o Daniel não se abalou com meu sarcasmo
e seguiu sorridente. Assim que parou no primeiro sinal, ele ligou o
som do carro e reconheci de imediato a música “Essa Tal Liberdade”
do “Só Pra Contrariar”. Meus pais amavam aquela música e eu a
conhecia de trás para frente, de tanto ouvi-los cantar.
Eu também gostava da letra, mas ouvir o Daniel cantando
junto com o Alexandre Pires, me deixou ainda mais apaixonada pela
música.
“O que é que eu vou fazer com essa tal liberdade
Se estou na solidão pensando em você
Eu nunca imaginei sentir tanta saudade
Meu coração não sabe como te esquecer
Eu andei errado, eu pisei na bola
Troquei quem mais amava por uma ilusão
Mas a gente aprende, a vida é uma escola
Não é assim que acaba uma grande paixão”
O médico pomposo cantava distraidamente, enquanto
prestava atenção no trânsito e batia os dedos no volante. Mas
quando viu que eu o observava atenta, abriu um sorrisinho de canto
e passou a cantar com um pouco mais de entonação o trecho
seguinte.
“Quero te abraçar, quero te beijar
Te desejo noite e dia
Quero me prender todo em você
Você é tudo o que eu queria”
Revirei os olhos, deixando mais do que evidente que aquele
flertezinho barato não iria desfazer a raiva que ele me causou por
achar que tinha o direito de ditar alguma regra para mim.
A música acabou e começou outra que eu não conhecia,
também de pagode.
– Não imaginei que você gostasse de pagode – comentei.
– Eu gosto de tudo.
– Duvido
– Não sei porquê.
– Porque você é muito metido para gostar de tudo. Só por
isso.
Na verdade, eu não achava isso mais, mas queria irritá-lo.
Só que o Daniel não estava nem aí para as minhas provocações e
apenas riu.
Depois disso, ficamos em silêncio. Meu celular vibrou dentro
da bolsa e vi que era a Lauren. Ao abrir a mensagem da minha
cunhada, ela dizia que estava ansiosa para a minha chegada e
perguntou se eu estava próxima. Respondi que sim e tornei a
guardar o celular na bolsa.
Permanecemos o resto do caminho em silêncio e, quando
ele estacionou em frente ao prédio do Gustavo, confesso que fiquei
um pouco desapontada. Por todo seu empenho em boicotar a minha
carona, pensei que o Daniel pudesse querer algo a mais. Mas pelo
visto, não era o caso.
– Obrigada pela carona – falei seca, ao passo que retirava o
cinto.
– Por nada.
Levei a mão a maçaneta, e já tinha puxado a trava, quando
ele perguntou:
– Não mereço nem um beijo por te trazer até aqui? –
perguntou ao seu virar em minha direção, com uma das mãos ao
volante.
Olhei para ele ressabiada e o médico metido a besta sorria
ardilosamente para mim. Retirei a mão da trava e me inclinei em
direção a ele. Possivelmente o Daniel achou que eu fosse negar seu
pedido e ao ver que não relutei, ele ficou surpreso e estreitou
levemente os olhos.
– Merece.
O Daniel permaneceu imóvel, só esperando que eu
terminasse de me aproximar. Quando já estava com a boca
praticamente encostada em sua bochecha, pensei que ele fosse se
virar e me beijar na boca, mas isso não aconteceu. Mas eu também
não me abalei com a sua inércia. Terminei a ação e encostei meus
lábios em sua pele, depositando um beijo casto ali. Só que o cheiro
gostoso e característico dele pareceu impregnar em meus lábios
depois daquele beijo, acendendo todo o desejo que se mantinha
vivo em mim desde a noite em que ficamos. Meu corpo estremeceu
e meu coração acelerou.
Aguardei alguns segundos ali com o meu rosto bem próximo
ao dele, mas o médico permanecia parado. Então decidi eu mesma
tomar a iniciativa e passei a roçar meus lábios delicadamente em
sua barba macia e cheirosa. Eu o provoquei bastante, ora passando
meu queixo, ora esfregando meus lábios. Surpreendentemente, o
Daniel permanecia parado, como se não estivesse acontecendo
nada. Mas eu sei que era fingimento porque sua respiração se
tornou pesada e ele fechou os olhos.
Vai se fazer de difícil né, Doutor...
Eu não costumo jogar para perder e decidi me empenhar
mais. Com bastante calma, desci em direção ao seu pescoço, com
meu coração batendo forte contra o peito. Primeiro, dei um beijo
bem delicado ali e esperei, me afastando um pouco para observar
seu rosto. Ele não se moveu, mas pude vê-lo apertando os dedos
em volta do volante, ao passo que uma ruga de dor surgia em sua
testa. Sua outra mão estava no encosto do meu banco e aproveitei
para deslizar minha mão pelo seu braço. Vagarosamente ele abriu
os olhos e me encarou. Suas pupilas estavam enormes e pareciam
me hipnotizar, como se tivesse o poder de me puxar para ele. Como
eu não disse nada e só fiquei o observando, ele resolveu me
provocar.
– Está entregue, loira. Manda um abraço para o seu irmão e
para a Lauren.
O Daniel continuava tentando aparentar indiferença, mas seu
tom de voz e sua respiração ofegante me diziam que ele estava por
um fio.
– Vou nessa então, Doutor.
Assim que falei, tornei a me aproximar, indo novamente para
o seu pescoço. Mas dessa vez, não foi um singelo selinho que
depositei ali. Minha boca salivou e colei meus lábios entreabertos
em sua pele. A textura macia e a temperatura quente me deixaram
em chamas. Um desejo lúbrico me dominou e o beijei usando tudo
que eu tinha direito: língua, dentes, lábios e muita saliva.
Uma respiração sexy ecoou no ambiente, seguido do gemido
rouco do Daniel, me fazendo ficar ainda mais motivada. Assim, saí
da lateral e fui deslizando minha língua para a parte da frente,
chegando ao pomo de Adão. De modo delicado, raspei meus dentes
por ali e segui para o outro lado, distribuindo beijos sensuais e
molhados pelo caminho. Minha intenção era deixá-lo bem excitado
até arruinar aquela postura de indiferença, mas não era só ele que
estava sendo afetado porque eu já sentia a minha calcinha
completamente molhada. Assim, me afastei mais uma vez com a
intenção de me despedir de verdade. Se ele iria se fazer de difícil,
eu também iria.
Com muito esforço, me afastei mais uma vez, voltando a
segurar a trava da maçaneta.
– Até mais, Doutor! – E abri a porta.
– Rá...
Foi só isso que ouvi antes de o Daniel avançar sobre mim
como um leão capturando um cervo, me puxando para si pela nuca.
Seus lábios esmagaram os meus e imediatamente tornei a fechar a
porta, entrelaçando meus braços em seu pescoço e encurvando
meu corpo para ele. Com isso, o Daniel levou a outra mão para o
meu quadril, me forçando a subir em seu colo, conforme roubava
meu ar com um beijo quente e devasso.
Aquele beijo... Não sei descrever se existe algo melhor na
vida. No momento em que meus lábios se abriram para permitir a
entrada da sua língua furiosa, tive a sensação de que fiquei tonta.
Mesmo que eu negasse até para mim mesma, eu o desejava
demais e recordar o quanto nós nos encaixávamos bem, me deixou
zonza e extremamente excitada.
Sem nenhum pudor, o Daniel me beijava e me apalpava
desesperadamente, liberando uns grunhidos bem eróticos a todo o
tempo.
– Eu te quero tanto, Cami... – murmurou com dificuldade.
Não respondi, porque só conseguia sentir. Sentir seus toques
pelo meu corpo, sentir sua língua se deliciando com a minha, sentir
aquele gosto doce de caramelo com chocolate que me marcou tanto
e sentir o quanto ele me levava a loucura com apenas um beijo. Ali
foi fácil compreender porque eu havia ficado tão na dele. Se tinha
algo que eu não fazia economia era de beijos, e nenhum dos caras
que beijei antes conseguiram chegar nem perto de fazer meu corpo
inflamar como o Daniel fazia.
Por isso, só me restava aproveitar e foi o que fiz, fornecendo
a ele tudo que estava exigindo. Eu sabia que nenhum outro beijo
superaria o dele e me rendi por completo.
Nos beijamos bastante, conforme suas duas mãos se
alternavam entre a minha bunda e meus seios por cima da minha
blusinha de uniforme. Quando dei por mim, os botões superiores já
estavam todos abertos e ele já se esgueirava com os dedos para
dentro do meu sutiã.
Parei de beijá-lo, completamente ofegante e me recostei ao
volante. Com uma expressão bem safada, o Daniel me encarou por
alguns segundos, antes de literalmente cair de boca no meu colo.
– Nossa, Doutor... que gostoso...
O Daniel rugiu com os lábios colados à minha pele.
Acompanhado de muita destreza, o médico safado se fartou
naquela região. Ele mordeu a parte superior dos meus seios, beijou,
chupou meu pescoço, lambeu de um canto ao outro dos meus
ombros e, quando pensei que retornaria para a minha boca, ele
puxou meu sutiã para baixo com força, abocanhando um mamilo.
Caralho...
Meu ventre contraiu e eu cerrei os dentes para não gritar. Eu
não estava esperando por aquilo e fiquei atordoada e
indescritivelmente excitada. Com isso, empurrei meu quadril em
direção ao seu pênis, porque necessitava desesperadamente senti-
lo mais uma vez embaixo de mim. E é claro que ele já estava duro
igual uma pedra e não me contive, comecei a me esfregar nele do
mesmo modo que a primeira vez.
O Daniel gostou bastante, porque gemeu alto, enquanto
dava uma mordidinha não muito forte em um dos meus mamilos.
Assim, passei a raspar minhas unhas na sua cabeça, curtindo todas
as sensações que a sua boca ousada causava em mim. Sua língua
quentinha massageava a região, me levando ao delírio.
Estava tão gostoso, que a última coisa que passou pela
nossa cabeça é que estávamos dentro de um carro, estacionado em
uma rua de uma área residencial às 19h da noite.
Sei lá quanto tempo passamos ali trocando carícias quentes
e saudosas, até uma buzina alta ecoar e assustar a nós dois. Eu me
sobressaltei e o Daniel retirou a boca do meu peito. Só então nos
lembramos onde estávamos. Ao olhar de um lado para o outro com
medo de termos sido pegos naquela situação constrangedora, vi
que a buzina foi para um motoboy que estava ultrapassando um
carro pela direita.
Mesmo assim, tentei voltar com o meu sutiã para o lugar,
mas o Daniel segurou meus dois punhos com agilidade assim que
levei a mão à peça.
– Não, não, meu anjo. Eu ainda não acabei com eles...
Seu tom erótico me deixou toda arrepiada. Mas naquela
hora, eu já estava com medo de alguém nos pegar e chamar a
polícia por atentado ao pudor.
– Você está ficando doido? Alguém pode nos ver...
Ele sorriu e me encarou por alguns segundos. Ainda
segurando meus pulsos, passou a língua em círculos mais um
pouco em cada um dos meus biquinhos intumescidos, me deixando
alucinada, completamente doida de vontade de transar com ele. Um
novo gemido escapou pelos meus lábios e o médico safado gostou
bastante de ouvir.
Quando cansou de me torturar, ele respondeu:
– Meus vidros são escuros, minha loira. É impossível alguém
conseguir enxergar aqui dentro com a luz apagada e estando de
noite.
Bom, sendo assim...
Voei na boca dele de modo brusco, porque precisava de
muito mais daqueles beijos. Mais uma vez, o Daniel me apertou
contra si pela minha nuca, enquanto com a outra mão ele beliscava
meus mamilos. E eu novamente voltei a me esfregar na sua ereção.
As coisas foram ficando difíceis e passamos a gemer alto,
até que o Daniel interrompeu nosso beijo para fazer um convite que
me deixou muito tentada a aceitar.
– Vamos para o meu apartamento, Cami? – pediu, e tive a
impressão de que ele estava disposto a implorar.
Estava com o “sim” na ponta da minha língua, mas aí me
lembrei de que o Gu e a Lauren estavam ansiosos me aguardando.
– Hoje eu não posso.
Expliquei ao Daniel que os dois contavam com a minha visita
e ele não insistiu. E eu, ao mesmo tempo que queria ir, de repente
fiquei com medo. Aquele homem me abalava de uma forma muito
intensa e a gente ainda nem tinha transado. Eu sabia que depois
que isso acontecesse, era bem provável que eu ficasse de quatro
por ele.
Com isso, me despedi do médico gostoso com mais uma
série de amassos demorados e despudorados. Estava com tanta
adrenalina no corpo, que subi para o apartamento do Gustavo de
escada, com meu corpo ainda em chamas.
Ao chegar, a primeira coisa que os dois fizeram foi perguntar
com quem eu estava.
– Por que vocês acham que eu estava com alguém? –
perguntei receosa.
– Porque seu rosto e seu pescoço estão vermelhos. E seus
lábios estão inchados – a Lauren me disse.
– E você está descabelada – meu irmão acrescentou.
Eu dei uma gargalhada alta, porque só então me dei conta
de que devia estar um caos. Mas é óbvio que eu não iria dizer a eles
com quem eu estava, então desconversei.
Passei o resto da noite com eles e por volta das 23h meu
irmão me levou embora.
Já em casa, ao me deitar na cama, a única imagem que
perpetuava na minha mente era a do Daniel.
É, Camila... Você está fodida...
CAPÍTULO 27

Daniel
Cheguei à festa de aniversário do HUMD e a primeira pessoa
que os meus olhos localizaram foi a garota que não saía da minha
cabeça.
Porra, que linda!
A Camila estava magnífica! Conversava distraidamente com
um pessoal, no canto esquerdo do salão do hotel. Ela trajava um
vestido preto, extremamente justo, que destacava bastante as
curvas do seu corpo. O vestido era de alcinha, tinha um decote reto
nos seios, uma fenda na perna, e outro decote bem ousado nas
costas. Seu cabelo loiro estava solto, com alguns cachos discretos
nas pontas.
Assim que entrei, o Alex veio até mim para me cumprimentar.
– Pelo visto você já achou a sua loirinha, né? – disse ao me
abraçar.
– Já – dei risada. – Consigo farejá-la de longe.
– Sinto te dizer, meu caro, mas não é só você. Aquele
técnico de enfermagem que você não vai com a cara não desgruda
dela. Assim que a viu passando pela porta, já foi para cima. Só
agora ele se afastou um pouco, deve ter ido ao banheiro.
Suspirei cansado de saber que aquele moleque vivia
rodeando a Camila.
– Ou pegar alguém em algum canto – respondi olhando ao
redor.
– Ou isso.
– Já, já vou lá dar um chega pra lá nele!
O Alex riu e me abraçou, me puxando para irmos falar com
um grupo de médicos que trabalhava conosco. Vi que a Camila me
olhava e dei um sorrisinho de canto para ela. De modo discreto, ela
retribuiu meu sorriso com seus olhos intensos presos aos meus,
depois voltou a conversar com o pessoal.
Uma meia hora depois, estava conversando com os caras
quando um deles – o Miguel – olhou para a porta do salão e soltou
um “uau”. Todos nós olhamos para a direção em que ele olhava
encantado e levei um baita susto quando entendi que se tratava da
Renata. Fiquei chocado. Eu havia comentado com ela que estaria
ali, mas de forma alguma, poderia imaginar que ela apareceria.
Ela era outra que estava absurdamente linda. Vestia um
vestido amarelo longo, que combinava muito bem com a sua pele
morena. Quando ela me viu, veio correndo em minha direção. Eu
estava morrendo de saudades dela e não perdi tempo em ir também
correndo ao seu encontro. Ao nos abraçarmos, foi impossível não a
retirar do chão e rodar com ela em meus braços. Aquele encontro
efusivo chamou a atenção de muita gente, inclusive da Camila, que
nos observava com o cenho franzido. Mas naquele momento eu só
pensava em abraçar aquela mulher que me fez sentir tanto a sua
ausência e esqueci completamente de todo o resto.
– Dani – me disse com os olhos marejados, assim que a
coloquei no chão –, eu estou com tanta saudade!
– Que surpresa é essa, Rê? – perguntei incrédulo, enquanto
acariciava as suas bochechas.
– Exatamente isso, uma surpresa para você!
Respirei fundo, tentando controlar as emoções felizes.
– Eu te amo! – disse a ela.
Ela esfregou o nariz no meu, de modo carinhoso.
– Eu te amo mais!
O Miguel veio até nós, sem esperar que nos separássemos.
– E aí, Dani, não vai nos apresentar sua convidada?
Revirei os olhos.
– Rê, esse é o Miguel, meu amigo médico traumatologista e
super mulherengo.
Ela riu e ele fingiu ter ficado ofendido.
– É mentira dele, Rê. Não sou nada disso.
– Que liberdade é essa, cara? – perguntei sério. – Você
acabou de conhecê-la.
Não esperei que nenhum dos dois dissesse nada e a puxei
para a pista de dança. E ela foi rindo.
– Ei, tá com ciúmes, é? Não pude nem tocar na mão do
coitado.
Achei melhor nem responder. Mudei imediatamente de
assunto e a obriguei a me contar os detalhes daquela visita
inesperada.
Assim, passamos um tempão dançando e colocando o
assunto em dia.
CAPÍTULO 28

Camila
Filho da puta!
Ele está com alguém e não me falou! Que cretino!
Por isso ele tinha resistido tanto em me beijar no carro.
Como você é idiota, Camila!
Tentei voltar a minha atenção para o assunto do pessoal da
enfermagem, mas ver o Daniel com aquela morena linda, roubou
toda a minha concentração. E o meu ânimo. Assim que o vi com a
sua companheira, a festa perdeu toda a graça para mim. Pelo visto,
ele realmente não é o bom moço que fazia força para aparentar. Era
realmente tão galinha, quanto os outros médicos.
Passei bons minutos tentando desviar o olhar dele e da
morena de amarelo na pista de dança, mas não tive muito sucesso.
Eles pareciam ter um imã grudado em seus corpos, e meus olhos
eram o metal. Quando o Davi se aproximou de mim pela milésima
vez aquela noite, me senti aliviada porque ele é um cara muito
engraçado e, com certeza, conseguiria me distrair com suas piadas
bobas.
– Então, gatinha, o que você vai fazer depois daqui? – me
perguntou com seu sorriso sedutor. – Será que hoje consigo algo?
Forcei um sorriso.
– Vou embora para a casa dormir, Davi.
– Pelo amor de Deus, Cami! A noite é uma criança. Que tal
nós dois sairmos para curtirmos juntos. Ou será que você está com
dor de cotovelo?
É claro que ele iria perceber. Dessa vez, resolvi não negar.
– Está tão perceptível assim, é? – perguntei.
– Sim, você só não está com uma cara pior do que a Doutora
Melissa – comentou sorrindo.
Após o comentário do Davi, imediatamente varri o salão com
os olhos, à procura da médica sonsa. Quando a localizei, ficou mais
do que evidente que ela sentia algo pelo Daniel, pois a mulher só
faltava ir até ele interromper a dança aos chutes. Seus olhos
estavam fixos na mulher de amarelo e sua expressão era de puro
desgosto. Se eu tinha alguma dúvida de que a Melissa era
apaixonada pelo Daniel, a minha dúvida se extinguiu naquele
momento.
– E aquela mulher realmente é um espetáculo... – me disse
analisando a parceira do Daniel. – Esse cara tem sorte de ter tantas
mulheres maravilhosas a fim dele. – E se virou para mim. – Posso
perguntar qual é a sua história com o Doutor?
– Não estou a fim de falar sobre isso, Davi. Na verdade, nem
tem muita história. Mas vamos mudar de assunto – sugeri.
– Ok então, Cami. – Ele sorriu. – Por que você não afoga
suas mágoas comigo?
Sinceramente fiquei tentada a aceitar. Apesar de muito
galinha, o Davi era um cara lindo e eu me divertia muito com as
suas cantadas manjadas. Também achava que ele deveria ter uma
ótima pegada, porque todas que provavam, ficavam loucas para
repetir a dose. O “novinho”, como era conhecido entre a mulherada,
já tinha conseguido passar a lábia até em médicas mais velhas e
bem experientes.
– E o que você sugere? – perguntei achando graça.
– A minha casa, é claro.
Eu ri bastante.
– Achei que você tivesse falando de balada, meu amigo. Ou
de me levar para um bar ou algo do tipo. Já quer logo tirar a minha
roupa?
– Sim. Eu quis tirar a sua roupa desde a primeira vez que te
vi – falou sedutoramente ao me abraçar. – Garanto que você não vai
se arrepender de me mostrar esse corpinho delicioso.
– Que presunçoso! – respondi me divertindo. – Mas eu sou
difícil, jovem. Você precisará se esforçar um pouco mais – brinquei.
– Então bora para a pista de dança, porque depois que você
desfrutar de todo o meu gingado, você não terá dúvidas. E como
boa bailarina que já vi que você é pelo Instagram, vamos deixar
esses médicos pomposos no chinelo. E você vai querer ir para a
minha casa logo depois, para comprovar que tenho swing também
na cama.
Eu ri tanto do comentário dele, que minha cabeça caiu para
trás. De fato, todos os casais que estavam dançando, pareciam
atores de filmes antigos, sem nenhuma animação. Exceto o Daniel e
a morena de amarelo. Eles dançavam divinamente bem e aquilo me
deixava ainda mais enciumada.
Deixa de ser ridícula, Camila...
Assim, não demorei mais para aceitar o convite do Davi e
fomos dançar também. O DJ parecia sincronizado conosco e assim
que nos enfiamos no meio dos casais dançando pacificamente uma
música mais lenta, um sertanejo animado começou a tocar. E como
eu também já imaginava pelos vídeos que o Davi postava no
Instagram, ele realmente era um excelente dançarino. Com isso,
nós dois demos um show juntos, chamando a atenção de grande
parte dos presentes, inclusive do Daniel e da sua companheira.
Com uma expressão séria, o médico não tirava os olhos de nós e
aquilo passou a me incomodar bastante. Afinal, ele estava com
outra.
Qual é a desse cara?
Ele parecia estar enciumado, o que não fazia sentido algum,
já que se encontrava atracado com outra. Ele gastou tanto tempo
olhando para mim e para o Davi de cara feia, que até a sua
acompanhante olhou para nós.
Minutos se passaram até o Davi me dizer que iria tomar uma
água. Ele perguntou se eu queria e, como eu estava com muita
sede, respondi que sim.
– Ok, vou pegar para nós, loirão.
– Beleza, eu te espero lá na varanda, tudo bem? Preciso
tomar um ar.
– Perfeito. Estamos mesmo precisando tomar um ar – e
piscou um olho para mim.
Eu ri. Saí da pista de dança e fui direto para a enorme
varanda que ficava de frente para o salão. A noite estava linda, com
o céu completamente estrelado e passei bastante tempo admirando
as estrelas. Sentindo o vento fresco no rosto, me debrucei sobre o
parapeito e apoiei minha perna direita no degrauzinho daquela
mureta. Meu vestido tinha uma fenda na coxa direita e o tecido
escorregou um pouco para trás, expondo um pouco mais a minha
perna, permitindo refrescar minha pele suada. A dança com o Davi
me ajudou e eu já me sentia até mais animada.
Enquanto curtia a sensação refrescante e agradável, senti
uma presença atrás de mim e deduzi que fosse meu parceiro de
dança. Mas ele era praticamente da minha altura e quando uma
sombra imensa me cobriu quase que toda, eu soube muito bem
quem era. Até mesmo porque, o cheiro não deixava dúvidas.
Aquele cheiro...
– Tá fazendo o quê aqui? – perguntei sem nem mesmo me
virar, com o desgosto perceptível na voz.
– Vim tomar um ar, assim como você.
– Hum – resmunguei sem dar muita ideia, nem mesmo me
virar para trás.
– E te ver.
Aquela frase me irritou. Olhei para o Daniel por sobre o meu
ombro direito e ele ostentava um sorrisinho safado no rosto. Eu
queria xingá-lo e tirar satisfação, mas lembrei a mim mesma que
nós não tínhamos nada um com o outro e não tinha cabimento eu
me sentir enciumada, o que infelizmente era o caso. Ele poderia
ficar com quem quisesse, mesmo que eu só pensasse em ficar com
ele.
Por isso, achei melhor fingir que não o ouvi e voltei com o
rosto para frente. Foi aí que ele me surpreendeu e me deixou em
choque. Sem nenhuma discrição, me abraçou por trás de modo
possessivo, ao mesmo tempo em que passou a roçar a barba no
meu pescoço.
– O que você pensa que está fazendo? – perguntei ao tentar
empurrar suas mãos para longe do meu corpo. – Está bêbado por
acaso?
Ele riu, sem se mover nem sequer um milímetro.
– Confesso que estou me sentindo um pouco tonto, mas não
sei se é culpa do álcool, ou da imensa vontade que estou de beijar
essa sua boquinha deliciosa.
Dito isso, ele percorreu com uma das mãos o meu braço
esquerdo e, com a outra, acariciou minhas costelas. Aquilo me
deixou toda arrepiada, mas eu me recusava a aceitar. Afinal, ele
estava com outra pessoa ali naquele evento. E se tem uma coisa
que eu detesto no mundo, é traição.
– Me solta, Daniel! Eu estou esperando o Davi e...
Eu iria dizer que a acompanhante dele estava no salão e
podia aparecer ali, mas me esqueci completamente de tudo, assim
que seus lábios deslizaram deliciosamente pelo meu queixo. Sem
nem um pingo de vergonha, ele passou a beijar a minha pele,
deixando-a toda molhada pela sua saliva. A mão que estava no meu
braço foi se esgueirando para um seio e, apesar de perplexa, aquilo
me deixou completamente excitada. Ali eu perdi as minhas forças,
porque a minha perdição era um homem safado e ousado. Além
disso, não podia negar o quanto o médico engomadinho tinha poder
sobre mim. Eu não consegui resistir, afinal, ele era o único homem
que habitava meus pensamentos. O único que eu queria.
Com a mão aberta, o Daniel passou a roçar a palma no meu
mamilo por cima do vestido, enquanto sua boca continuava
explorando meu pescoço e queixo. Um gemido de excitação saiu da
minha boca e aquilo o atiçou ainda mais. Ao me ouvir, ele retirou a
mão direita das minhas costelas e a colocou sobre a minha coxa,
descendo lentamente para a parte interna.
Eu estava incapaz de falar qualquer coisa e fiquei bem grata
quando ouvi uma voz feminina o chamando de longe. Pensei que
assim ele iria se recompor e eu teria forças para sair das suas
garras. Mas não foi bem isso que aconteceu. O médico safado
apenas recolheu as mãos, as colocando na minha cintura e
ajeitando a postura. Quando olhei para trás para ver quem o
chamava, meu coração que batia forte chegou à garganta, porque
era a morena de amarelo.
Meu Deus! Ela vai fazer uma cena, e com razão!
Tentei sair dos braços do Daniel às pressas, mas ele não
permitiu, me abraçando com o dobro de força. Além disso, colou a
cintura nas minhas costas e foi impossível não perceber que ele
estava excitado.
– Você não pode sair daqui agora, Cami – falou baixinho ao
meu ouvido, e eu fiquei completamente sem saber o que fazer.
Quando a mulher se colocou ao nosso lado, me preparei
para o barraco, mas seu sorriso simpático me deixou confusa e
intrigada.
– Olá, loira de preto que meu irmão não tirava os olhos – me
disse esticando a mão para me cumprimentar. – Qual o seu nome?
Meu Deus, ela é irmã dele!
Uma felicidade louca me dominou com aquela informação,
que se expressou com uma gargalhada efusiva saindo
abruptamente pela minha boca. A mulher não deve ter entendido
nada.
– Olá, meu nome é Camila – falei rindo, ao passo que
esticava a mão para ela, completamente aliviada. – E o seu, qual é?
– Renata, mas pode me chamar de Rê.
– Muito prazer, Rê.
Nós trocamos um aperto de mãos e um abraço. O Daniel
alternava o olhar entre nós duas, visivelmente satisfeito. Mas eu
estava muito mais satisfeita do que ele em saber que aquela mulher
maravilhosa era sua irmã.
– Camila, não queria atrapalhar vocês, mas eu preciso ir
embora. Saí do aeroporto direto pra cá, só para matar a saudade do
Dani.
Foi só ali que me lembrei que ela morava fora. A Lauren já
havia comentado isso comigo.
– Ok, Rê – ele disse para a irmã. – Pode ir para o salão que
vou me despedir da Camila.
A mulher riu.
– Ok, ok. Te espero lá. – E saiu saltitante, nos deixando
sozinhos novamente.
Assim que tornamos a ficar a sós, ele voltou a me agarrar.
Não me deu tempo de fazer sequer uma pergunta. Sua palma
esquerda voltou para o meu mamilo, ao mesmo tempo em que a
direita foi mais uma vez para dentro da minha coxa. Olhei para ele
estreitando os olhos e ele aproximou o rosto do meu, quase colando
a boca na minha.
– Pede para eu parar... – me desafiou.
Mas eu estava adorando e jamais o faria parar, então apenas
sustentei seu olhar. Seus olhos baixaram para os meus lábios e ele
gemeu. Senti que precisava provocá-lo e dei uma leve mordida no
meu lábio inferior. O resultado foi: ele ficou louco. Colou seus lábios
aos meus na mesma hora e me beijou ardentemente. Seu beijo
quente e molhado era avassalador. Era delicado e ao mesmo
tempo, bruto. Levei minha mão para o seu rosto e o puxei contra
mim, porque estava morrendo de saudades, apesar de termos nos
beijado dois dias atrás. Nós dois gememos juntos, curtindo bastante
aquela troca.
As coisas esquentaram rápido e precisei desviar minha boca
para respirar, pois já estava sem ar. Com isso, o Daniel não perdeu
tempo em voltar a explorar meu pescoço e sua mão ousada foi um
pouco mais além. Ele deu uma olhada rápida ao nosso redor e,
quando viu que não havia ninguém próximo a nós, subiu com a mão
pela a minha coxa, esbarrando os dedos no fundo da minha
calcinha.
– Eu não sabia que você era tão tarado – falei ofegante.
– Isso porque você não tem ideia do que se passa na minha
mente quando eu te vejo – me disse com a voz rouca.
Nossa...
Senti seus dedos habilidosos roçarem no meu clitóris por
cima do tecido da minha calcinha e gemi outra vez.
– Você está molhada? – me perguntou.
– Não – provoquei sorrindo.
Ele riu com o desdém evidente na sua risadinha sexy.
– Pois eu duvido muito!
Me deixando chocada mais uma vez com a sua ousadia, o
Daniel enfiou os dedos na lateral da minha calcinha, arredando a
peça para o lado. Em seguida, me enfiou dois dedos sem nenhum
medo de sermos pegos. E mais uma vez eu fiquei sem reação, mas
gostando bastante daquela versão safada do médico pomposo.
– Não está molhada não, né? – perguntou retirando e
reintroduzindo os dedos em mim.
Porra, que delícia...
– Você só pode estar bêbado... – murmurei.
Começou a ficar muito difícil me manter parada e passei a
mover a minha pelve contra a mão dele.
– Porra, Cami... não faz isso, pelo amor de Deus!
Acho que nessa hora o Daniel se preocupou de alguém nos
ver e retirou os dedos de dentro de mim.
– Vamos embora, se não daqui a pouco estarei te comendo
contra essa mureta – me disse ao ajeitar a postura.
Aquela frase me deixou três vezes mais excitada e
automaticamente imaginei a cena, visualizando seu corpo por trás
do meu.
– Tudo bem.
Eu sabia que se alguém nos visse naquelas condições, seria
um escândalo, então não dificultei as coisas.
– Vamos embora comigo? – me perguntou.
– Vamos.
Só depois que respondi, me lembrei do Davi.
– Nossa, me esqueci do Davi. Combinei de sair com ele
depois daqui.
Eu não tinha confirmado nada, mas dei a entender que iria.
O Daniel deu uma risada de escárnio.
– Você está maluca se estiver achando que vou deixar você
sair com ele.
– Deixar? – perguntei revoltada, me afastando para olhá-lo
nos olhos.
– Sim, deixar. Você não vai sair com aquele moleque tarado
nem hoje, nem nunca.
Foi a minha vez de dar uma risada forçada.
– Achei que você já tivesse entendido que não me manda.
Você deve estar maluco de achar que pode me dizer o que posso ou
não fazer – retruquei, levando as mãos à cintura.
Ele não se abalou nem um pouco com a minha resposta.
Avançou dois passos na minha direção parecendo que iria me
engolir e me agarrou de novo, dessa vez de frente.
– Vou repetir para você entender: você não vai com ele nem
hoje, nem nunca para lugar nenhum. Até mesmo porque, ele não faz
o seu estilo. Sei muito bem que é dos mais velhos que você gosta –
e me beijou de novo antes que eu pudesse retrucar.
E é claro que aquele beijo gostoso minou toda a minha
vontade de discutir e me pendurei em seu pescoço, retribuindo o
beijo sem resistência. Naquela hora, me esqueci de que
possivelmente seriamos o principal assunto do hospital na segunda-
feira.
Mais alguns minutos se passaram até criarmos forças para
desgrudarmos nossas bocas. Quando isso aconteceu, ele me puxou
de volta para o salão.
O Daniel entrou de mãos dadas comigo e, como eu
esperava, chamamos a atenção de boa parte dos presentes,
inclusive da Doutora Melissa. Fingi que não percebi que a mulher
nos olhava boquiaberta e o segui salão à dentro. Ao avistarmos a
Renata, ela conversava toda sorridente com quem? Davi. O Daniel
fechou a cara na hora e se aproximou dos dois.
– Rê, vamos embora?
– Mas já? – ela perguntou sem nem sequer olhar para o
irmão.
O Daniel me encarou incrédulo e eu ri. A mulher sorria
sedutoramente para o meu amigo, que flertava de volta sem
nenhum remorso. O Davi percebeu a cara feia do médico e não
perdeu tempo em provocar.
– Qual é, Doutor? Você foi atrás da garota que eu estava a
fim sem nenhum problema e eu não posso conversar um pouco com
a sua irmã?
Tive que apertar os lábios para não rir da cara de ódio que o
Daniel fez. Ele preferiu não responder e se dirigiu mais uma vez
para a irmã, que também aparentava estar se divertindo bastante
com aquela interação.
– Você vai ficar então, Rê?
Ela suspirou animada.
– Eu não. Nós vamos ficar, Dani – disse despreocupada. –
Vou conversar um pouco mais com o Davi. Você e a Camila podem
aproveitar mais um pouco a festa.
– Você não estava cansada? – ele insistiu.
– Já passou o meu cansaço – e deu uma piscadela para o
Davi.
Nessa hora, eu ri alto.
O Daniel me olhou todo rabugento, mas não insistiu com a
irmã.
– Ok. Quando estiver a fim de ir, me avise.
– Pode deixar.
Depois disso, ele me puxou para a pista de dança.
– Agora é comigo que você vai dançar! – me disse sorrindo.
– Com todo prazer, Doutor.
O DJ tocava um sertanejo gostosinho e nos envolvemos com
a música, nos movendo no ritmo, cheios de calor e conexão. Nossos
corpos estavam em total sintonia, parecendo que já fazíamos aquilo
juntos há muito tempo. As mãos firmes do Daniel me seguravam e
me guiavam com destreza, me fazendo esquecer de tudo ao nosso
redor, inclusive da plateia de curiosos. Cada movimento nosso era
suave e fluído e deduzi que estava uma cena muito bonita de fora.
– É, Doutor, até que você dança bem... – provoquei.
– Sou um excelente dançarino, minha loira. Só não sou
melhor que você.
O sorriso que ele me deu ao dizer aquilo, me deixou toda boba
e tive que me segurar para não suspirar.
Deixa de ser ridícula, Camila...
– Que saco! Você não tem defeito não, hein... Tem algo que
você não saiba fazer? – brinquei para descontrair.
Ele nos girou graciosamente, antes de me responder.
– Bom, eu não sei dançar balé, mas você pode me ensinar.
– Não quero te ensinar balé, quero te ensinar funk –
provoquei mais uma vez, imaginado que ele iria torcer o nariz.
– E quem te disse que eu não sei dançar funk?
– Ah, tá bom... Vai me dizer que você gosta de funk? – falei
com descrença.
– Meu anjo, você esqueceu que sou carioca? Já viu algum
carioca que não gosta de funk?
Aquilo me surpreendeu.
– Bom, esquecer eu não esqueci, porque esse sotaque não
me deixa eXquecer... – falei ao tentar imitá-lo, trocando o som do “s”
pelo ”x”. Mas eu definitivamente não imaginava que você gostava de
funk.
– Não é algo que eu ouça nos momentos tranquilos, mas
penso que em toda festa precisa tocar um pouco de funk em algum
momento. E pode ter certeza que sei dançar. – Ele se inclinou um
pouco mais sobre mim, levando a boca para o meu ouvido: – E pode
ter certeza que se você começar a rebolar essa bundinha gostosa
na minha frente, eu vou saber te acompanhar.
Seu tom grave e sexy fez meus hormônios se agitarem, mas
disfarcei, pois estávamos em público.
– O que você bebeu, hein? Está muito safadinho...
O Daniel riu.
– Está achando ruim?
– Não, Doutor, eu estou adorando – assumi.
Com a minha resposta, o Daniel não se conteve e foi com a
boca na direção da minha. Ele me deu um beijo suave e rápido, mas
ainda assim, delicioso.
– Aposto que metade do salão está nos observando.
– Está preocupada com isso?
Sacudi a cabeça negativamente.
– Nem um pouco.
E não estava mesmo, afinal, não tinha nada que eu quisesse
mais, do que estar ali nos braços dele. Então deixei a neura de lado
e curti o momento.
– E te falo mais... – ele fez cara de mistério –, já fui em muito
baile funk nas favelas do rio.
– Mentira?
– Te juro.
– Nossa, você realmente consegue me surpreender... – falei
o admirando ainda mais, mas decidi provocar: – Não podia imaginar
que com essa aparência toda de playboyzinho, você gostasse de
eventos realizados por meros mortais...
– Está querendo me provocar, não é? – perguntou me
lançando um olhar bem quente.
– Estou... – praticamente ronronei. – Vai fazer o que comigo,
Doutor?
Foi a vez dele de rir alto, soltando aquela gargalhada
gostosa que me fazia querer rir junto.
Ele se inclinou em direção ao meu ouvido para me
responder.
– Na hora certa, você vai descobrir.
A música continuou e permanecemos dançando, com nossos
movimentos ficando mais ousados e sensuais. O Daniel me girava
com graça e eu sentia a adrenalina correndo pelo meu corpo,
enquanto nossos olhares se prendiam um ao outro, cheios de
desejo e promessas quentes. Precisava cortar um pouco daquele
clima quente e olhei ao redor. Infelizmente a única pessoa que
enxerguei foi a Melissa e eu não soube identificar se sua cara feia
era de choque, de raiva, ou os dois.
Eu voltei a olhar para ele e comentei que tinha bastante
gente prestando atenção em nós. A minha intenção era que o Daniel
olhasse ao redor e desse de cara com ela, mas ele apenas disse
que era para eu não me preocupar com aquilo. Eu assenti e
realmente já não estava me importando com as prováveis fofocas
que viriam, mas estava bem incomodada com o olhar da médica.
– Você tem algo com a Doutora Melissa? – perguntei sem
rodeios, enquanto dançávamos mais uma música.
– Não. Não tenho nada com ela nem com ninguém. Já estou
falando isso porque ficou mais do que óbvio que você estava
morrendo de ciúmes da minha irmã, antes de saber que somos
irmãos. – E riu.
Revirei os olhos, mas não neguei, porque sabia que não
adiantaria nada.
– Presunçoso!
– Estou errado?
– Não, não está! Satisfeito? – perguntei sem paciência.
– Muito. É a segunda vez que você me pergunta sobre a
Melissa e não tem como você dizer que não é por ciúmes.
– Só queria ver se você daria a mesma resposta.
O Daniel girou a nós dois, me colocando de costas para a
Doutora Melissa e seu grupinho, depois deu uma olhadinha de rabo
de olho para o Davi e a sua irmã.
– E você, já teve algo com o Davi? Quando te perguntei você
se esquivou de me responder.
– Nunca tive, Doutor.
Ele riu outra vez, e se inclinou mais uma vez para falar ao
meu ouvido:
– Para de me chamar de doutor...
– Pensei que você gostasse... – respondi manhosa.
– Eu adoro, por isso mesmo quero que você pare. Deixa
para me chamar assim quando estivermos só nós dois. Nós
estaremos entre quatro paredes e eu vou estar te comendo com
força...
Seu tom de promessa e seu hálito quente no meu pescoço
me causou um arrepio na espinha e um frio na barriga. Meu clitóris
pulsou de desejo e senti minha calcinha voltar a molhar. Dei um
sorrisinho contido, mas não disse nada, porque precisava
desesperadamente desviar o foco dos meus pensamentos sexuais.
Quando a música chegou ao fim, estávamos ofegantes e
sorrindo, com nossos corações acelerados pela dança e pelo desejo
ardente que nos consumia. Mas não paramos por aí e
permanecemos dançando durante um longo tempo até a Renata se
aproximar de nós, dizendo que queria ir embora e que já havia se
despedido do Davi. Ao olhar para ela, ficou óbvio que ela tinha
beijado na boca, pois seus lábios estavam borrados com seu batom
rosa claro. Procurei pelo Davi com os olhos e, quando o localizei,
ele estava do mesmo jeito, com os lábios sujos de batom.
Eu não comentei nada, mas tinha certeza de que o Daniel
também havia percebido.
– Ok, vamos – respondeu para a irmã.
A Renata se aproximou mais uma vez do Davi, que sorria
satisfeito. Ela se despediu dele toda sorridente, com um beijo no
rosto e um abraço demorado.
– A gente se vê, Davi. Foi um prazer te conhecer! – disse
quando o soltou.
– O prazer foi todo meu, Doutora.
Só com a resposta do meu amigo, me lembrei que a Lauren
também havia comentado que ela também era médica.
Depois disso, o Davi se dirigiu a mim:
– Você vai ficar, né, Cami? Vamos estender o rolê depois
daqui, não é?
Consegui ver uma veia saltando no pescoço do Daniel e me
diverti bastante com aquela reação. E tenho certeza que o Davi fez
a pergunta justamente para provocá-lo.
– Fica para a próxima, Davi. – E o abracei. – Eu vou com
eles – informei.
– Fazer o quê, né, loirão... o médico foi mais convincente do
que eu... – falou ao meu ouvido com divertimento.
Respondi no mesmo tom:
– Foi.
– Me esforçarei mais na próxima – me provocou.
Dei risada e me afastei dele. Em seguida, fui despedir dos
meus amigos que ainda estavam lá, depois saí com a Renata e o
Daniel.
Ao chegarmos no hall do hotel, peguei o telefone para pedir
um Uber.
– Não, senhora – o Daniel me disse, retirando o telefone da
minha mão. – Nós vamos te levar.
– Não quero atrapalhar vocês, Daniel.
– Não vai atrapalhar, Camila – a Renata me respondeu.
– Bom, se vocês insistem – brinquei.
Assim que entrei no carro, que no caso era ela quem estava
dirigindo, o Daniel pediu meu endereço.
– Me fala onde você mora para eu já colocar no GPS.
Confesso que fiquei decepcionada. Imaginei que, de alguma
forma, passaríamos o resto da noite juntos e acordados, transando
loucamente. Mas respondi sem demora, para não dar a entender
que não era aquele os meus planos.
A Renata aproveitou que eu estava junto para saber mais
sobre o Davi.
– Vocês têm algo, Camila?
O Daniel olhou para a irmã incrédulo e aquilo me fez dar
mais algumas risadas.
– O que foi? – ela perguntou confusa, encarando o irmão
com as sobrancelhas erguidas.
– Como assim o que foi? Primeiro, por que o interesse?
Segundo, não ficou claro que ela não está com ele?
– Na verdade, não. E o interesse é porque o garoto é uma
graça e eu adorei conhecê-lo. E parece ser muito safado. Adoro
homens safados!
Mais uma vez, a mulher me fez dar uma gargalhada alta.
– Você só pode estar de sacanagem comigo, Renata... O
moleque deve ter uns vinte e dois anos.
É, pelo visto ele não percebeu que eles ficaram.
– Vinte e três – corrigi.
– Pois então, vinte e três. Você tem trinta e cinco – falou para
a irmã.
– E você tem quantos anos, Camila? – ela me perguntou,
fingindo despretensão.
Eu ri.
– Vinte e um.
Com a minha resposta, ela olhou satisfeita para o irmão. Ele
se deu por vencido e olhou para frente, todo rabugento. Resolvi
desfazer aquele clima ruim entre os dois e passei a perguntar sobre
ela. A Renata me contou que havia terminado o pós-doc na Flórida
e estava em Curitiba para uma entrevista de emprego no HUMD. O
Daniel já sabia que a irmã viria, mas achava que isso aconteceria
apenas na semana seguinte. Só que ela quis fazer surpresa e
chegou uma semana antes.
– E qual é a sua especialidade?
– Sou cirurgiã plástica.
– Olha que legal! – falei realmente achando o máximo. – Sou
doida para colocar silicone – brinquei.
Na mesma hora, o Daniel se virou para trás e fixou o olhar
nos meus peitos, sorrindo com cara de safado. Penso que ele faria
alguma gracinha, mas desistiu com a presença da irmã.
Quando estávamos quase chegando na minha casa, meu
celular vibrou com a mensagem de um número desconhecido.
988613817: Ela vai ficar lá em casa, por isso não posso te levar
para lá... mas isso era tudo que eu mais queria...
Demorei longos segundos para entender que aquela
mensagem era do Daniel.
Como ele sabe meu número?
Camila: Tudo bem. Como vc sabe meu número?
Daniel: Pedi para a sua amiga Carol
Segurei meu sorriso com aquela informação. Não fazia ideia
de quando tinha sido aquilo, mas já devia ter um tempinho, tendo
em vista que a Carol estava de férias há três semanas.
Ao estacionar na frente da minha casa, o Daniel abriu a porta
primeiro do que eu e saltou para fora. Eu me despedi da sua irmã
com um braço e um beijo no rosto, me comprometendo a encontrá-
la em breve. Em seguida, com ele segurando a porta para mim, saí
também.
Estava pronta para me despedir do médico gostoso de modo
comportado, com um beijinho singelo e um abraço carinhoso, mas
não era assim que o Daniel planejava. Com uma rapidez
assustadora, ele me puxou para si com uma pegada forte pela
minha lombar, colando meu corpo ao seu e partindo com tudo para
a minha boca. Meu corpo curvou-se para trás, enquanto trocávamos
um beijo profundo e indecente. Como a Renata permaneceu no
carro, o Daniel se sentiu à vontade para apalpar a minha bunda sem
nenhuma descrição. Ainda bem que não havia ninguém na rua,
porque os longos minutos que passamos nos beijando, conseguiram
me deixar encharcada e deduzi que estávamos protagonizando uma
cena bem erótica.
Bastante relutantes, nós nos soltamos e nos afastamos.
– Até mais, Cami – me disse ofegante.
– Até mais, Doutor – provoquei.
Eu abri o portão de casa e entrei. Os dois ficaram me
observando de dentro do carro, até que eu o fechasse e foram
embora em seguida.
Já dentro de casa, subi para o meu quarto com o meu corpo
pegando fogo. Só conseguia pensar naquelas mãos enormes me
apalpando e em tudo que poderíamos estar fazendo juntos, pelados
na cama dele. Retirei meu vestido e me deitei na cama,
completamente eufórica e sem sono algum. Peguei meu celular para
tentar me distrair com as redes sociais até ficar com sono, mas após
meia hora, eu ainda estava completamente acesa, assim como o
meu corpo.
Minha mente voltou para o Daniel e um desejo ardente
tomou conta de mim. Meu corpo aqueceu e meu clitóris voltou a
pulsar em um ritmo louco. Não ia ter jeito, eu precisava cessar meu
tesão. Decidi ir tomar um banho e dar o alívio que o meu corpo
queria embaixo do chuveiro.
Tinha certeza que depois daquilo, dormiria muito melhor...
CAPÍTULO 29

Daniel
Cheguei em casa bem feliz por estar com a Rê, porém,
morrendo de vontade de estar com a Camila. Mas não era justo
chamá-la para ir a algum lugar comigo, pois faziam quase três anos
que eu não via a minha irmã pessoalmente. Desde que ela se
mudou para a Flórida, só nos vimos por chamada de vídeo. Então
óbvio que não poderia fazer uma desfeita dessas com ela, e eu teria
tempo para ficar com a loirinha gostosa.
A Rê estava muito cansada, então lhe mostrei o apartamento
rapidamente e disse que ela podia ficar à vontade. Mostrei onde
ficavam as toalhas de banho, o banheiro social e o quarto de
hóspedes. Minha irmã se despediu de mim, disse que tomaria um
banho e que depois iria dormir.
Eu fiz o mesmo. Entrei para o meu quarto, tomei uma
chuveirada rápida no meu banheiro, escovei meus dentes e me
joguei na cama. Mas eu não estava com nem um pingo de sono e
só conseguia pensar na Camila. Não conseguia tirá-la da cabeça
antes, depois de recordar seu beijo doce então, se tornou
impossível. Por isso, resolvi ligar para ela. Queria ouvir mais um
pouco da sua voz meiga antes de dormir.
A ligação chamou bastante e imaginei que ela já estivesse
dormindo. Quando estava prestes a desligar, ela atendeu parecendo
bem animada com a ligação.
– Já está com saudades, Doutor? – me perguntou com sua
vozinha sedutora.
– Claro que já – dei risada. – Pensei que você já estivesse
dormindo.
– Não estou. – Ela deu uma risadinha sarcástica. – Não
estava conseguindo. Por isso, resolvi tomar um banho. Estava
ligando o chuveiro para me divertir com você na minha mente. Que
bom que você me ligou, agora não preciso ficar só na imaginação.
– Camila, Camila. Não brinca comigo! – falei já sentindo meu
pau enrijecer. – Como exatamente você pretendia se divertir?
A ligação se tornou silenciosa por alguns segundos e retirei o
telefone do ouvido para verificar se não havia caído. Mas ela ainda
estava em linha e havia passado a chamada para vídeo. Eu aceitei
a mudança e quando seu rosto perfeito surgiu na tela, sorri para ela.
– Queria me ver? – perguntei.
– Também, mas queria mesmo é que você me visse.
Arqueei as sobrancelhas tentando compreender o que ela
tinha em mente. Fiquei olhando para ela pela tela do celular,
reproduzindo aquela frase mentalmente, mas nem precisei pedir
uma explicação. A garota me lançou mais um dos seus sorrisos
sedutores e colocou o aparelho em algum lugar na parede, se
afastando em seguida. Com isso, pude ver que ela estava realmente
dentro de um box de banheiro, com uma toalha bege enrolada ao
corpo.
– O que você está aprontando, meu amor?
Ela riu e desenrolou a toalha do corpo. Meu coração
acelerou quando vi seu corpo completamente nu.
Caralho!
E ele era do jeitinho que eu imaginava. Seus seios pequenos
e redondos tinham os mamilos rosados e sua bocetinha era quase
toda depilada, havendo apenas um filete de pelos claros no meio.
Tive bastante tempo para reparar nos detalhes do corpo esguio na
tela do celular, pois a Camila se manteve parada, deslizando
suavemente o dedo indicador em torno do mamilo direito, me
olhando com cara de safada.
– Porra, Cami, você acaba comigo assim!
– Mas eu ainda nem comecei, Doutor...
Ela levou a outra mão para o outro mamilo, o apertando
entre os dedos.
– Eu quero muito eles de novo na minha boca, Cami...
– E você terá...
Dito isso, a loirinha gostosa ligou o chuveiro e uma corrente
de água quente cobriu todo o seu corpo, deixando toda aquela cena
ainda mais sexy. Seus mamilos ficaram ainda mais intumescidos e
seu corpo passou a brilhar com o vapor. E eu permanecia atento e
completamente imóvel, me sentindo hipnotizado e com meu pau
latejando dentro da cueca.
Só que a Camila não iria facilitar as coisas e eu sabia disso.
Ela faria questão de tornar impossível que eu mantivesse a mão
longe do meu membro.
– Eu estou com muito tesão, Dani... – balbuciou.
– Caralho...
De um modo bem sensual, ela voltou a acariciar um seio e
desceu com a outra mão para o meio das pernas. Exalando
sensualidade, ela passou a se masturbar, friccionando
freneticamente o dedo médio no clitóris. Minha garganta secou,
minha boca salivou e meu coração batia como se eu tivesse corrido
uma maratona. Não consegui mais me segurar e desci a mão direita
para dentro da cueca, conforme segurava o celular sobre o peito
com a esquerda. Enquanto eu a observava admirado dando prazer
a si mesma, também segurava apertado no meu pau, descendo
para baixo e para cima, desejando desesperadamente estar dentro
dela.
– Você quer acabar comigo, não quer? – perguntei com
dificuldade, sem parar de mover a minha mão e sem tirar os olhos
da tela.
A Camila fez que não com a cabeça, em seguida, soltou um
gemido rouco e se apoiou no vidro com a outra mão.
– Eu estou muito perto, Dani... – me disse ofegante.
Porra...
Nós permanecemos nos masturbando durante um bom
tempo, mas quando ficou difícil demais segurar, avisei a ela.
– Eu vou gozar, sua gostosa...
– Eu quero ver... – pediu dengosa –, por favor, Dani...
Pedindo daquele jeitinho, não tinha como negar. Mudei a
câmera do celular para a traseira e me recostei melhor na cama,
para que ela conseguisse ver perfeitamente o que fazia comigo. Vi
que ela voltou a se aproximar da parede, saindo de debaixo do
chuveiro. Mas ainda de um jeito que eu conseguisse ver
perfeitamente seus seios e sua bocetinha gostosa. Quando viu meu
pau completamente duro e babando por ela, a Camila soltou outro
gemido, dessa vez bem mais grave. Com aquilo, eu cheguei no meu
limite e gozei na hora, esparramando esperma por toda a minha
barriga. Quase que no mesmo instante, seus gemidos se tornaram
ininterruptos e, apesar de baixos, tive que reduzir um pouco o
volume do celular, temendo que minha irmã ouvisse.
O corpo delicioso da loirinha esquentadinha convulsionou e
eu soube na hora que ela estava gozando. Sua cabeça caiu para
trás e ela apertou uma perna na outra, espremendo um dos seios
com a mão esquerda.
Que cena linda!
Eu não conseguia dizer nada, apenas admirá-la.
– Agora eu vou dormir muito bem... – me disse piscando os
olhos inocentemente.
– E eu vou sonhar com essa cena linda a noite toda.
Ela riu.
– Bom, deixa eu terminar meu banho. Beijo e boa noite! – E
me lançou um beijo no ar.
– Beijo, Cami! Boa noite!
Após desligar, demorei alguns minutos para ir me limpar
porque só conseguia pensar em todos os sentimentos controversos
que aquela mulher tão jovem me causava. Nós não tínhamos nada
sério e ela já habitava a minha mente vinte e quatro horas por dia.
Depois daquele showzinho erótico então, eu sabia que ela
dominaria meus pensamentos de forma muito mais intensa.
É, Daniel, você está fodido...
CAPÍTULO 30

Camila
Na segunda-feira, acordei ansiosa para ir trabalhar. Eu nem
sequer sabia se o Daniel estaria de plantão, porque ele nunca
seguia uma escala certinha. E aquela incerteza me deixava ainda
mais ansiosa.
Mas ao chegar ao trabalho, não teve espaço para ansiedade
devido a quantidade de glosas. A Vânia estava irritada e estressada
com todos os erros na fatura e disse não saber nem por onde
começar. Haviam erros de codificação em procedimentos realizados
de alguns médicos, inconsistências nas informações de alguns
pacientes, valor que foi faturado para o médico errado e atraso no
envio das faturas, que em muitos casos, nem era culpa nossa, mas
sim de alguns médicos que enviaram informações incompletas.
As horas passaram voando e, quando deu o horário de
almoço, parecia que não havíamos rendido nada.
Fui almoçar na intenção de comer rápido e voltar, mas
quando saí do refeitório e fui à cantina pegar um café, encontrei com
a Renata lá.
– Oi, Camila, que bom te ver! – me disse ao se levantar da
mesa.
– Bom te ver também, Renata!
– Toma um café comigo?
Pensei que não seria educado recusar e aceitei.
– É claro!
Passamos uma meia hora conversando. Ela me contou que
tinha feito a entrevista ali, que eles gostaram bastante dela, mas que
não sabia se iria aceitar. Me contou também que tinha mais duas
outras entrevistas em dois outros hospitais naquele mesmo dia e
fiquei bem feliz por ela.
Quando o celular dela vibrou em cima da mesa com uma
mensagem do Daniel, não hesitei em perguntar:
– Cadê ele?
Ela sorriu.
– Está no Ana Nery hoje.
– Ah, sim.
– Vocês formam um belo casal, sabia?
Dei risada, mas não soube o que responder.
– Confesso que quando ele me contou ontem que você é
cunhada da Lauren, fiquei bem surpresa. Não esperava por isso.
– É, a vida é meio imprevisível – comentei com divertimento.
– E como ela está? Ela teve bebê, né?
– Ela está ótima e minhas sobrinhas são as coisas mais
maravilhosas desse mundo. Vou te mostrar.
Assim, peguei meu celular para mostrar fotos da Lud e da
Luíza para a Renata. E ela curtiu bastante vê-las, tecendo muitos
elogios para as duas. Quando olhei no relógio, vi que estava na hora
de voltar ao faturamento.
– Rê, vou precisar te deixar, preciso voltar ao trabalho.
– Não tem problema, já, já seu amigo chega para me fazer
companhia – e piscou um olho de modo divertido.
– O Davi? – perguntei surpresa.
– Sim, ele mesmo. Estava saindo daqui, quando o encontrei
e ele me pediu que o esperasse aqui.
Dei risada, porque aquilo era a cara do Davi. Ele não era de
perder tempo e, pelo visto, a Renata também não.
– Bom, então deixa eu ir embora, já que você terá
companhia em breve.
Eu me despedi dela, que me fez jurar que nos veríamos em
breve. A Renata parecia ser uma pessoa legal e gostei bastante de
conhecê-la.
Ao chegar no faturamento, Vânia era puro estresse. Com
toda a confusão de erros em faturas dos médicos e afins, minha
chefe disse que trabalharia direto até colocar tudo em ordem. Na
primeira vez em que ela nos disse aquilo naquela segunda-feira,
entendemos que ela faria horas extras. Supomos que ficaria até
umas 22h e depois iria embora. Mas na verdade, ela estava dizendo
que passaria a madrugada de segunda para terça trabalhando
direto. Ela não iria para casa até às 18h horas do dia seguinte.
Fiquei chocada, mas ao mesmo tempo, com dó dela. Afinal, se a
Vânia achava que aquilo era necessário, devia ter seus motivos.
Quando perguntei se não seria melhor fazermos tudo normalmente
em horário comercial, ela explicou que se o valor de outros médicos
estivesse errado seria um caos. Muitos são bem ignorantes e fariam
daquilo uma tempestade. Também explicou sobre outras
consequências de glosas e, por ver seu desespero, me ofereci para
ficar também.
– Não vou te deixar sozinha nessa – avisei. – Se você vai
passar a noite aqui, eu farei o mesmo. Tenho certeza que
conseguiremos colocar tudo em ordem bem rápido.
A minha chefe, a quem eu já podia chamar de amiga, ficou
visivelmente alegre e comovida com o fato de eu me dispor a ficar.
Me abraçou de modo eufórico, agradecendo inúmeras vezes pelo
meu esforço.
– Obrigada, mesmo, Camila! Espero poder te retribuir em
breve!
– Imagina, você não precisa retribuir nada, estou fazendo de
coração.
Percebi que estava mesmo preocupada porque ela nem
pensou em recusar a minha oferta. Notei que os demais que
trabalhavam conosco ficaram meio constrangidos de não se
disponibilizarem a fazer essa força tarefa conosco. Para ajudar, a
Nane disse que ficaria duas horas a mais naquele dia e que
chegaria uma hora mais cedo no dia seguinte. O resto foi no embalo
e, no final das contas, aquelas horas a mais de todos já seriam de
grande ajuda.
Essa conversa aconteceu por volta das 17h e, como
trabalharia a madrugada inteira, a Vânia sugeriu que eu fosse para
casa tomar um banho e fazer uma boa refeição. Assim, segui sua
sugestão.
Durante o caminho, dei graças a Deus por ter ido trabalhar
com o carro do meu pai, do contrário, demoraria o dobro do tempo
para ir e voltar. Ao chegar em casa, avisei a todos que passaria a
noite no hospital. Minha mãe disse que iria preparar uma refeição
reforçada para mim enquanto eu tomava um banho e fiquei bem
agradecida.
Conforme a água quente descia pelo meu corpo, voltei a
pensar no Daniel e em todos os momentos que passamos juntos.
Quero dizer, em todos os momentos quentes que passamos juntos,
inclusive, os do último final de semana. A imagem dele se
masturbando enquanto me observava vidrado me veio à mente e
meu corpo começou a aquecer. Eu quis tanto ligar para ele no
domingo, mas não queria atrapalhá-lo a matar a saudade da irmã. E
ele também sabia meu número. Penso que se quisesse ou pudesse
me ver, teria me ligado. Com isso, obriguei meu corpo a esquecer e
finalizei meu banho.
Ao sair, vesti uma calça jeans bem confortável e a minha
blusinha de uniforme. Também calcei um tênis de corrida para não
cansar o pé, mesmo que eu fosse ficar a noite toda sentada.
Quando cheguei na cozinha, um jantar fresquinho estava posto
sobre a mesa. Minha mãe tinha preparado a minha comida
preferida: arroz, feijão, omelete, batatas fritas e salada. Meus pais e
minha irmã comeram comigo e tentei ao máximo que pude não me
demorar. Às 19:45h, eu já estava novamente no hospital.
Mais uma vez, a Vânia me agradeceu e começamos a
trabalhar com bastante atenção e sem pausas. Nos debruçamos em
planilhas de Excel, faturas e prontuários. Era tanta coisa para
revisar e corrigir, que nem vi as primeiras horas passando. Quando
meus olhos se cansaram e começaram a pesar, já passava da meia
noite.
– Nossa, nem vi as horas passarem – comentei com ela,
conforme me espreguiçava.
– Ah, Camila, você não devia ter dito isso – a Vânia me
respondeu suspirando.
– Por quê?
– Porque agora, minha amiga, a hora vai agarrar.
Eu achei engraçado o seu comentário, mas não podia nem
imaginar que aquilo seria uma verdade. Voltei a olhar o relógio
quando se pareceu terem passado duas horas, mas só faziam trinta
e três minutos que eu tinha o conferido pela última vez. Meus olhos
já estavam ardendo de sono e minhas pálpebras estavam pesadas.
Meu Deus, ainda não são nem uma hora da madrugada...
Afastei o pensamento desesperador da mente e voltei a me
concentrar no trabalho. Mais uma meia hora se passou, até a minha
chefe perceber que o negócio estava ficando feio para o meu lado.
Eu dava bocejos atrás de bocejos e meu corpo tinha começado a
ficar pesado, assim como as minhas pálpebras.
– Cami, tira uma horinha de descanso – sugeriu com carinho.
–Desce lá para a recepção e dá uma cochilada nos sofás de lá.
Preciso que você esteja atenta aqui e um cochilo vai te fazer bem.
– Bom, acho que vou fazer isso. Vou lá no refeitório tomar
um café para ver se resolve. Depois vou na cantina tomar um
expresso por cima.
– É uma boa ideia – falou rindo. – Cafeína é sempre bom
nessas horas.
– Você não está com sono?
– Depois que a gente se torna mãe, acostumamos com a
impossibilidade de dormir bem. Acho que uma mãe só consegue
voltar a dormir certo quando os filhos se tornam adultos. Afinal,
tendo um com seis, outro com quatro, ainda não consegui voltar a
ter noites sem interrupções.
Dei risada.
– Esse é um comentário bem motivador – brinquei.
– Mas é a verdade, minha amiga.
Falei com ela que tentaria não usar essa uma hora de
descanso e desci. Resolvi ir de escada para ver se despertava ainda
mais. Já no refeitório, tomei um café que estava na garrafa, mas não
parecia ser fresco, pois o liquido estava bem morno. Também comi
uns biscoitinhos e decidi que realmente seria melhor um expresso.
Assim, fui para a cantina que ficava ao lado da recepção.
Ao chegar lá, me sentei em uma das banquetas de frente
para o balcão e fiquei observando a mocinha da cantina preparar
meu café. Por ser madrugada, não tinha quase ninguém lá. Além da
moça atendente, havia apenas um rapaz fazendo um lanche, com
uma cara tão sonolenta quanto a minha. Com o silêncio do
ambiente, mais uma vez senti meus olhos pesarem e os fechei um
pouquinho. Aquela não foi uma boa ideia, porque meus
pensamentos foram ficando confusos e eu simplesmente cochilei
sentada na banqueta.
Já estava caindo para trás, quando senti minhas costas
baterem em algo duro, assim como a minha cabeça. A princípio, não
entendi muito bem o que aconteceu e quando escutei aquela voz
conhecida que eu amava me questionando o que eu fazia ali, pensei
estar sonhando.
– O que você está fazendo aqui, minha loira? – o Daniel me
perguntou surpreso, conforme me segurava com seus braços e
tronco. – Você está se sentindo bem? Estava caindo do banco...
Uma risada cansada me escapou.
– Eu dormi, eu acho – respondi esfregando os olhos,
recostando minha cabeça em seu ombro. Eu abaixei o tom de voz e
continuei: – Ainda bem que o meu herói mais uma vez chegou na
hora certa.
Ele riu e me abraçou por trás, dando um beijo estalado em
meu pescoço. Foi impossível não sentir uma sensação gostosa de
conforto e fechei meus olhos novamente, inspirando seu perfume
bom.
A moça da cantina aproveitou para entrar no assunto.
– Quando me virei para entregar seu café, não tive tempo
nem de gritar um “acorda!” – comentou também rindo. – Ia ser um
tombo bem feio, hein!
Ri bastante só de imaginar a cena. Seria bem engraçado.
Tenho certeza que demoraria bons minutos para entender o que
aconteceu antes de me levantar. Isso se não me machucasse.
– O que você está fazendo aqui? – ele tornou a perguntar.
Fechei ainda mais os seus brações ao meu redor, antes de
responder.
– Estou fazendo hora extra ajudando a Vânia a resolver
umas confusões de valores. Vou passar a noite aqui, mas já não
estou aguentando nada – assumi. – Eu não fazia ideia de que você
estaria de plantão hoje. Você comentou que quase não trabalha de
madrugada...
Ele me deu mais um beijo antes de me responder, dessa vez
no meu rosto.
– Eu tento evitar, mas pelo menos de quinze em quinze dias
faço um plantão de madrugada.
– E como você faz para não ter sono? – perguntei após
bocejar.
– Eu durmo quando está menos agitado. Mas quando está
movimentado o sono nem vem.
– É, então eu acho que preciso mesmo tirar um cochilo. Vou
lá para a recepção – falei ao me levantar do banco. – Vou me deitar
no sofázinho de lá para ver se acordo com mais energia.
O Daniel sorriu de modo enigmático e segurou a minha mão,
entrelaçando nossos dedos. Ele pegou meu café no balcão, falou
para a atendente colocar na sua conta e me guiou para fora da
cantina. E eu fui sem nenhuma resistência, sentindo seu cheiro
gostoso e o toque da sua mão quentinha.
– Para onde estamos indo? – perguntei quando nos
aproximamos do elevador.
– Para o quartinho de descanso. Você vai tirar um cochilo lá
comigo.
– Lá não é só para médicos e enfermeiros? – perguntei
tentando frear minha língua e meus pensamentos, quando o que eu
queria mesmo perguntar é: “Não é lá que rola a putaria?”.
– Geralmente são os médicos e enfermeiros que usam, mas
nada impede de você tirar um cochilo lá comigo – falou me lançando
um sorrisinho safado.
Foi aí que não consegui reter a minha língua.
– E com quantas outras você já “tirou um cochilo lá”? – meu
tom foi amargo e fiz questão de colocar sinal de aspas na pergunta.
– Ah, sabia – e riu. – Eu fico muito lisonjeado, anjinho, com o
fato de você achar que pego o hospital inteiro ou que o hospital
inteiro me quer. Mas nunca fiquei com ninguém no quartinho de
descanso. Pode acalmar seu ciúme aí.
– Não estou com ciúmes, Daniel! Para de se achar! – rebati
sonolenta.
– Está bem – respondeu deixando claro que não acreditava
em mim. Aliás, nem eu mesma acreditava em mim.
O Daniel até podia não ser o mais cobiçado do hospital, mas
também era bem desejado e tive inúmeras situações que me
provaram isso. Tanto ali, quanto no Ana Nery. E obviamente, como
um homem solteiro, era difícil acreditar que ele não aproveitava as
oportunidades. De todo modo, eu não estava a fim de discutir, nem
de pensar sobre aquilo. Então o segui até o sexto andar.
Ao chegarmos lá, ele me guiou até o final do corredor.
Entramos na última porta e quando ele acendeu a luz, dei de cara
com um quartinho bem aconchegante. Nele, haviam seis beliches
com colchões e lençóis branquinhos, além de um armário de aço
com várias repartições. As paredes eram em um tom de rosa nude,
o piso era claro, e o teto rebaixado com gesso e na cor branca. Só
de olhar aquele ambiente tranquilo, meu sono aumentou.
– Então, minha loira, onde você vai dormir?
Olhei para a beliche que proporcionava uma melhor visão
para a porta e apontei para a cama de baixo.
– Ali.
Ele assentiu e voltou para perto da porta para apagar a luz.
Mas apesar disso, o ambiente não ficou completamente escuro, pois
havia uma janelinha em cima de uma das beliches, que fazia com
que as luzes externas entrassem para dentro daquele cômodo.
– E você? – perguntei fingindo despretensão.
Ele riu.
– Vou dormir onde você quiser que eu durma – respondeu ao
se aproximar.
Sorrindo, tirei meus tênis e me deitei sobre a cama. Eu me
afastei para o lado e dei uma batidinha sobre o colchão.
– Aqui – falei baixinho. – Quero que você se deite
exatamente aqui.
Rindo, o Daniel praticamente saltou em minha direção.
Diferentemente do que propus, ele não se deitou ao meu lado, mas
sim, por cima de mim. Com bastante fúria, deu um beijão na minha
boca que, como sempre, me tirou todo o ar. E eu estava tão ávida
por aquele beijo, que nem me importei com a violência com que
nossas bocas se chocaram. A única coisa que desejava era matar a
saudade dos seus lábios doces, que me deixavam completamente
atordoada.
As coisas foram esquentando e nossas respirações foram
ficando difíceis. E é claro que eu já estava excitada e sem mais
nenhum sono. Mas tudo ficou ainda melhor quando o Daniel abriu
as minhas pernas e se encaixou no meio, fazendo questão de me
mostrar o quanto também estava excitado. Ele passou a roçar o
pênis em mim e senti-lo tão duro me deixou trêmula, com um calor
abrasador surgindo por todo o meu corpo. Me lembrei da noite em
que ficamos pela primeira vez e desejei estar em seu apartamento.
Eu tentava imaginar como conseguiríamos nos conter e não
transar ali. Se ele tentasse, eu não iria resistir porque transar com
ele era praticamente a única coisa em que eu pensava nos últimos
dias. Mas não precisei me preocupar com aquela possibilidade por
muito tempo, pois ouvimos alguém mexer na maçaneta. Antes
mesmo que a pessoa pudesse abrir a porta, o médico gostoso se
jogou ao meu lado, me trazendo para si, como se não estivéssemos
fazendo nada demais, a não ser estarmos deitados de conchinha.
Quando o visitante acendeu a luz, o Daniel logo o
cumprimentou.
– Olá, Doutor Célio! Boa noite!
Muito provavelmente, aquele era o Doutor Célio Jardins,
médico ortopedista. Eu não o conhecia pessoalmente, mas já havia
fechado algumas faturas dele. Ele era mais velho, aparentava estar
na casa dos cinquenta anos e tinha uma feição bem simpática. Ao
ver que o Daniel não estava sozinho, perguntou com divertimento:
– Estou atrapalhando alguma coisa? Posso ficar aqui com
vocês?
– Mas é claro – nós dois respondemos em uníssono.
– Deixa eu te apresentar, Célio, essa é a Camila. Ela
trabalha no faturamento e está fazendo uma força tarefa aqui de
madrugada.
Sorrindo, o médico mais velho se aproximou com a mão
estendida para mim.
– Muito prazer, Camila! Espero que você tenha um sono
pesado, pois eu ronco bem – me disse se divertindo.
– Não se preocupe, Doutor Célio, meu sono é bem pesado –
menti.
O Daniel riu, possivelmente se lembrando de que aquilo era
uma mentira.
O médico ortopedista apagou a luz e se deitou em frente a
beliche que estávamos, também na cama de baixo. Com isso, o
Daniel passou a se comportar e a acariciar meu braço.
– Por que ele você chama de doutor e eu não? – perguntou
fingindo revolta.
– Eu te chamo de doutor sim senhor.
– Apenas quando quer me provocar.
– Já é alguma coisa, né?
O Daniel sorriu e continuou me fazendo carinho. Aquelas
carícias ternas, somadas ao seu cheiro masculino e seu hálito de
chocolate com caramelo, foram me deixando com sono novamente.
Já estava cochilando, quando um barulho alto ecoou no
quarto. Dei um pulo de susto e minhas pernas espasmaram, se
chocando com as do Daniel. Ele, por outro lado, não se assustou
nem um pouco e levou a mão a boca para abafar o riso.
– Que barulho é esse? – perguntei confusa, aos sussurros.
Ainda segurando o riso, ele me respondeu:
– O ronco do Célio.
Não acreditei. O barulho era extremamente alto e não se
parecia com um ronco, mas sim, como o motor de uma moto velha.
– Não é possível! Isso parece uma britadeira!
Dessa vez, o Daniel riu sem se conter, chegando até sacudir
os ombros.
– Ri baixo! – o repreendi. – Você vai acordá-lo.
– Não vou, meu anjo. – Ele riu mais um pouco. – O prédio
pode desabar agora, que ainda assim ele não irá acordar.
– Que ótimo então! Pelo menos alguém vai dormir –
murmurei em choque.
O Daniel riu um pouco mais da minha revoltada, depois
passou a roçar os lábios no meu pescoço. A mão que acariciava
meu braço foi descendo e se esgueirando para a minha bunda.
Quando dei por mim, ela já estava no meio das minhas pernas.
– Se não conseguiremos dormir, podemos fazer coisa
melhor... – sussurrou.
– Você está doido, é? – falei segurando sua mão e
levantando a cabeça para olhar a cama da frente. – Não estamos
sozinhos!
– Não se preocupe, meu amor – sussurrou novamente em
meu ouvido –, ele não vai acordar. Já te disse.
Dito isso, o Daniel me puxou pelo ombro, fazendo com que
eu ficasse de barriga para cima. No segundo seguinte a sua boca já
estava de novo na minha, exigindo tudo o que podia. Conforme me
beijava, mais uma vez sua mão direita ia se esgueirando para o
meio das minhas pernas, mas desta vez, pela parte da frente.
Aquela carícia erótica foi incendiando meu corpo, conforme
sua língua se satisfazia com a minha. Como sempre que ele me
tocava, não precisei de mais do que dois minutos para sentir o
tecido da minha calcinha se tornar úmido. Trocamos beijos quentes
e barulhentos, sem nos preocupar em acordar o Doutor Célio.
Na minha cabeça, aquela pegação não iria passar de beijos
quentes e passadas de mãos, mas o Daniel tinha outros planos.
Com bastante destreza, ela desabotoou todos os botões da minha
blusinha de uniforme e só me dei conta quando o médico safado
puxou meu sutiã para baixo com tudo.
– O que é isso? – perguntei baixinho.
Mas ele não me respondeu e, com a mesma rapidez com a
qual desabotoou a minha blusa, abocanhou um dos meus seios sem
aviso e tive que travar a mandíbula para não gemer. Ele sabia que
aquilo me levava a loucura. Meu ventre contraiu e meu clitóris voltou
a pulsar. Sem pressa alguma, o Daniel chupava, mordia, tornava a
chupar, depois lambia meu mamilo. Quando estimulou bastante de
um lado, partiu para o outro. Sua mão direita também não conseguiu
se manter por cima da minha calça jeans e ele a abriu, enfiando a
mão por dentro.
Ao sentir seus dedos tocarem meu clitóris, não consegui me
conter e gemi alto. Mesmo que ele tivesse garantido que o Doutor
Célio na acordaria por nada, acho que se preocupou com a
hipótese, pois voltou a beijar a minha boca como modo de abafar
meus ruídos.
Desfrutar dos seus beijos maravilhosos enquanto ele
friccionava meu clitóris era estímulo demais e quase que
involuntariamente, meus quadris passaram a se mover contra a sua
mão.
– Goza para mim, minha loira – pediu baixinho, pausando
nosso beijo. – Não tem nada melhor no mundo do que observar
você gozar...
Eu realmente não estava muito longe e já sentia um orgasmo
intenso se anunciando. O Daniel parou com as fricções por alguns
segundos e desceu mais com os dedos, me introduzindo os dois
sem nenhum aviso. Ele sabia que um ruído alto fugiria da minha
garganta, então voltou a me beijar antes que eu pudesse fazer
qualquer barulho. Após algumas penetrações, tornou a subir com os
dedos molhados para o meu clitóris, espalhando toda a minha
lubrificação na região. Após alguns poucos movimentos circulares,
um intenso orgasmo me arrebatou, fazendo todos os meus órgãos
pélvicos se contraírem e a minha vagina pulsar. O Daniel soube na
hora que eu estava gozando, pois sorriu com a boca presa à minha
e murmurou um “que delícia” bem sexy.
Pelo visto, ele já estava conhecendo muito bem o meu corpo,
já que não precisava de muitos minutos para me levar ao clímax.
Meu corpo todo tremia e eu estava suada, completamente acordada
e sem nenhum sono. E para a minha felicidade, também estava
saciada.
O médico safado retirou a mão da minha calça, mas não
parou de me beijar. Eu podia sentir seu pênis duro cutucando a
lateral do meu quadril e me dei conta de que precisava dar um
conforto para ele também. Assim, o obriguei a se deitar de barriga
para cima e voltei a beijá-lo. Enquanto nossas bocas trabalhavam,
fiz o mesmo que ele e enfiei minha mão sorrateiramente para dentro
da sua cueca. Quando senti seu pau duro e quente entre meus
dedos, meu desejo voltou para o topo. Penso que o Daniel não
estava esperando aquilo e ao sentir meu toque, gemeu alto.
– Shiu! – falei, conforme descia e subia a mão pela extensão
do seu pênis.
– Que mãozinha gostosa, Cami... mas não posso gozar...
não posso me sujar – falou baixinho.
Eu já imaginava aquilo e não pretendia masturbá-lo por muito
tempo. Aproveitei para descer meu corpo para baixo e fui com a
minha boca para o membro pulsante que já babava na minha mão.
O Daniel me olhava atento e, quando deslizei minha língua a
primeira vez pela glande sedosa, ele gemeu alto mais uma vez e
agarrou a minha cabeça com as duas mãos.
– Camila... – murmurou parecendo sentir dor – porra...
Aquele murmúrio me deu o gás que eu precisava para enfiá-
lo na minha boca com tudo. Ao sentir seu gosto, foi a minha vez de
gemer com ele cutucando a minha garganta. Sem nenhuma
delicadeza, passei a descer e subir com a mão na base, enquanto
minha boca fazia um trabalho mais árduo. Um tanto descontrolado,
o Daniel passou a elevar a pelve contra o meu rosto, assim como eu
havia feito minutos antes. Seus dedos estavam emaranhados em
meus cabelos e ele me puxava cada vez mais contra o seu pênis.
Era nítido que ele estava se esforçando para não fazer barulho, mas
alguns ruídos bem eróticos fugiam pela sua boca. E quanto mais eu
os ouvia, mais eu ficava excitada. Com isso, aumentei a velocidade
das sucções e ele se desesperou.
– Devagar, Cami! – sussurrou. – Para um pouco...
Mas eu não queria ir devagar e precisava desesperadamente
vê-lo gozando mais uma vez. Só que agora, na minha boca. Então
não parei até que isso aconteceu.
Quando viu que iria gozar, ele tentou sair de mim, mas não
permiti. O segurei firme e não sosseguei enquanto não senti o
liquido salgado descendo pela minha garganta, com os olhos presos
no rosto do homem que dominava os meus sonhos. Ele fechou os
olhos e franziu o cenho, entreabrindo a boca. Seu peito subia e
descia numa velocidade assustadora. E eu fiquei muito satisfeita.
Ao terminar, o Daniel estava extasiado.
– Caralho, minha loira... – tornou a murmurar ofegante –,
estou até sem palavras.
– Então não fala nada, só me beija! – pedi em seu ouvido.
Não foi preciso um segundo pedido. Invertendo nossas
posições, o Daniel me beijou com gosto e correspondi faminta.
O Doutor Célio seguia com os roncos a mil, enquanto o
Daniel e eu desfrutávamos um do outro. Uma hora depois, tive que
voltar para o trabalho.
Pelo menos eu não estava mais com sono...
CAPÍTULO 31

Camila
Depois daquela madrugada, eu e o Daniel nos vemos pouco.
Mas em contrapartida, trocamos bastante mensagens. Agora que eu
tinha seu número, fazia questão de falar com ele todo dia. E ele
respondia todas, quase que instantaneamente. Algumas eram
saudosas, outras eram só “Bom dia” e “Boa noite”, e as que eu mais
gostava, eram as indecentes. Essas, geralmente ele me enviava
durante a noite.
Na quarta-feira eu estava deitada na minha cama assistindo
televisão, quando meu celular apitou.
Dani: aposto que você já está deitada com um pijaminha sexy...
Eu: Boa noite pra vc tb...
Dani: rsrs Boa noite minha loira... Acabei de me estressar com o pai
de um paciente aqui no Ana Nery, preciso de animação...
Eu: Deixa a animação para quando vc estiver comigo pessoalmente
Dani: ñ me tortura, Cami... a Rê só vai embora no sábado de
manhã.
Entendi que depois disso, seu apartamento estaria livre para
nós e meu estômago se contorceu em antecipação.
Eu: onde vc está?
Dani: em um banheiro que ninguém usa, só esperando você me dar
um conforto...
Cami: me liga!
Na mesma hora, meu telefone tocou. Atendi a chamada de
vídeo já ofegante e sorrindo para ele.
– Oi, Doutor! – o cumprimentei de modo bem sexy.
– Oi, minha loira!
– O que você tem em mente? – brinquei. – O que você
deseja?
– Não sei, me surpreenda – pediu com um tom grave.
Deu para ver que o Daniel estava na cabine de um banheiro,
encostado na porta. Seu sorrisinho sexy parecia me incendiar e sorri
também. Eu sabia que ele não podia demorar então não perdi muito
tempo.
– Apoia o celular na caixa do vaso, eu quero te ver também!
– pedi.
Ele sorriu ainda mais.
– Sim, senhora.
Assim que o Daniel fez o que pedi, fiz o mesmo, apoiando
meu telefone na cabeceira da minha cama, sobre os meus
travesseiros. Eu me levantei e fui até o meu armário pegar meu
vibrador. Depois me sentei na cama de novo e, ao me colocar de
frente para ele com o objeto na mão, o homem ficou doido.
– Caralho, Camila, não faz isso comigo! Porra...
Dei risada, porque foi engraçado.
– Mas foi você quem pediu, Doutor...
Ele estreitou os olhos e enfiou a mão direita para dentro da
calça.
– Então começa o seu showzinho, minha loira! – seu tom
estava nitidamente cheio de desejo e expectativa. – Você vai acabar
comigo assim!
E eu não precisei de nada além de ver os movimentos da
sua mão, para entrar no clima. Um tanto desesperada, retirei meu
pijama e o joguei para o lado de fora da cama, ficando
completamente nua. Quando o Daniel viu, ele gemeu alto e
intensificou os movimentos.
Abri bem as minhas pernas em direção ao telefone, deixando
tudo bem nítido para ele. Assim, liguei meu vibrador modelo
Personal e o deslizei pelo clitóris.
– Ah, Camila, se eu estivesse aí...
– O que você faria, Doutor? – perguntei tentando controlar o
volume das minhas palavras, com o meu corpo se contorcendo
sobre a cama.
– Eu estaria comendo o seu cuzinho enquanto você enfia
esse brinquedo na sua bocetinha gostosa.
Porra, que delícia!
Após ouvir aquela promessa, me descontrolei e enfiei o
objeto para dentro. E ele gemeu alto com a visão. Enquanto me
penetrava, a conversa continuou bem quente e excitante, conforme
descrevíamos como gostaríamos de fazer quando estivéssemos
juntos. Sussurros sedutores, gemidos contidos e respirações
pesadas se misturavam com nossas palavras sacanas, aumentando
ainda mais nosso tesão.
Quando senti que iria gozar, levei a mão para um dos seios e
o apertei.
– Faz isso de novo – o ouvi pedir.
E realmente só consegui ouvir, porque naquela altura, meu
orgasmo já estava batendo na porta e minha cabeça caiu para trás.
Meu corpo todo tremeu e desci a mão que estava no meu peito
imediatamente para o clitóris, querendo o máximo de estímulo
possível, conforme deslizava o brinquedo para fora e para dentro.
Quando o clímax me atingiu, cerrei os dentes para não gritar.
Meu ventre contraiu, conforme fortes ondas de prazer me faziam
agitar o lençol. Ao olhar para o Daniel pele telefone, sua expressão
era de pura luxúria.
– Eu quero ver! – foi a única coisa que consegui dizer para
ele.
E ele me obedeceu, apoiando a mão na parede e deixando
seu pau gostoso ainda mais nítido para mim. Feito isso, o médico
safado intensificou a velocidade dos movimentos. E eu, mesmo que
tivesse acabado de gozar, senti meu corpo se incendiando de novo
com aquela cena e passei a friccionar meu brinquedo no clitóris.
Quando o Daniel começou a ejacular dentro do vaso, gozei
de novo com a aquela imagem sexy. Gemendo de modo contido, ele
segurava apertado o pênis e juro que minha boca salivou. Sua
respiração estava absurdamente ofegante e ele me encarava com a
boca entreaberta.
– Porra, loira, agora sou capaz de trabalhar três plantões
diretos – disse ao se recompor.
– Que bom, Doutor, fico feliz em ter ajudado.
Após conversarmos mais um pouquinho, nos despedimos e
eu só podia torcer para os dias passarem bem rápido e o final de
semana chegar logo.

– Viu um passarinho verde, Cami? – a Carol perguntou ao se


sentar ao meu lado no refeitório, na hora do café da tarde.
– Na verdade, vi um passarinho moreno e bem gostoso –
falei sorrindo.
Ela também sorriu.
– Percebi, afinal, você está aí toda sorridente olhando para o
nada – brincou comigo. – Vocês estão namorando?
– Não.
Não tive tempo de responder mais nada, porque a Melissa
chegou e se sentou conosco, mesmo sem ser convidada. Eu achei
aquilo muito estranho, porque não tinha amizade com ela, e até
onde eu sabia, nem a Carol.
Já ia dar “boa tarde” a ela, mas ela foi mais esperta.
– Mas é claro que não estão namorando, se não, ele não
estaria comigo na terça – nos disse me dando seu sorriso falso.
Nem eu, nem a Carol entendemos o que ela estava
querendo dizer e ficamos bons segundos olhando para a médica.
Por breves segundos, pensei que ela estivesse falando de outra
coisa, mas aí ela deixou claro a quem se referia.
– Desculpa, meninas, cheguei assim do nada e me sentei.
Mas é que ouvi vocês falando do Daniel e me senti no direito de
falar também. Você não liga de dividir, não é Camila?
Dando uma breve olhada para a Carol, minha amiga se
mantinha incrédula olhando para a Melissa com uma ruga na testa e
os olhos esbugalhados. E eu também não tive tempo para processar
aquele comportamento estranho, então entrei na dela.
– Não ligo, tudo que é bom, merece ser compartilhado – e
forcei um sorriso.
– Que bom, porque se vocês estivessem namorando,
certamente não seria certo ele estar um dia com você, no outro
comigo – fez questão de reforçar.
– Não se preocupe, Melissa, está tudo bem. Podemos dividir.
Ela fez uma cara estranha quando a chamei pelo nome e
acho que pensou em me corrigir. Mas eu não dei tempo a ela e me
levantei, chamando a Carol para sairmos dali, que já estava na
nossa hora. Com uma simpatia fingida, me despedi da médica e fui
embora.
A Carol me acompanhou e, quando estávamos longe o
suficiente, ela me perguntou:
– Será que isso é verdade?
– Só pode, Carol. A mulher não iria se prestar a um papelão
desses, para me contar uma mentira. Ela sabe que temos algo e
estava ouvindo a nossa conversa. Todos sabem que ela é louca
nele, mas inventar algo assim?
Suspirei, tentando conter meu ciúme e a minha revolta.
– Pior que estava ouvindo a nossa conversa mesmo, nós
falávamos tão baixinho!
– Pois é.
– Bom, preciso subir. Quando você conversar com ele, não
deixa de me contar.
– Ok.
Caminhei para o faturamento morrendo de raiva, mas fiz
questão de não pensar naquilo. Mas quando faltava dez minutos
para eu ir embora para a casa, o Daniel me mandou mensagem. Ele
dizia estar com saudades e que queria me ver. Pediu que ligasse
para ele quando eu chegasse, mas obviamente não liguei.
Na sexta, ele me mandou mensagem o dia todo, mas não
respondi nenhuma. Como ele estava no Ana Nery, também não nos
vimos.
No sábado de manhã ele me ligou. Disse que levaria a
Renata ao aeroporto e que queria me ver. Eu disse que não dava
pois tinha combinado com uma amiga de jogar tênis. Mas é óbvio
que pelo meu tom, ele percebeu que tinha algo estranho. Perguntou
várias vezes o que estava acontecendo, mas menti, dizendo que
estava tudo bem. Eu não queria forçá-lo a nada, porque não éramos
nada um do outro, mas também não queria dividir. E o que eu mais
temia era passar a impressão de uma boba apaixonada, então
decidi ficar na minha. A Tainá chegou a me perguntar pelo Daniel
durante a aula, e só a menção ao nome dele, me desencadeou um
monte de sentimentos desagradáveis. O ciúme e a raiva eram os
predominantes.
Como realmente tinha combinado de jogar tênis com a
Nadja, saí da escolinha de balé e fui para o clube. Eu só tinha me
esquecido que havia falado com ele que iria lá, então obviamente,
dei de cara com ele me observando enquanto eu e minha amiga
jogávamos.
– Veio jogar golfe? – perguntei sem interromper a partida.
– Sim e não.
Eu não falei mais nada e ele também não. Mas permaneceu
lá me observando e aquilo me desconcentrou, fazendo com que a
Nadja fosse a ganhadora daquela partida.
Ai que saco!
– Vai ficar aí me olhando? – perguntei ao me aproximar da
grade.
– Não pode? – me perguntou sério.
– Não, Daniel, não pode.
– O que está acontecendo?
– Nada.
Ele ficou alguns segundos me observando, depois se deu
por vencido.
– Ok, vou nessa – me disse de modo seco.
Eu nem sequer respondi, pois não sabia o que dizer.
Assim, voltei a jogar com a minha amiga, tentando não
pensar mais no Daniel.
Deus me ajude!
CAPÍTULO 32

Daniel
Cara, como essa mulher me deixa confuso...
Eu não conseguia compreender a Camila. Uma hora ela
estava toda carinhosa, simpática e agradável comigo. Na outra, ela
parecia querer me matar e eu conseguia ver a raiva emanando em
seu olhar. Cheguei até a pensar que aquele comportamento fosse
algo fisiológico, porque não é possível mudanças tão drásticas de
humor em um período tão curto de tempo.
Saí do clube tentando entender porque ela tinha sido tão
seca e ríspida nos dois últimos dias, sempre se esquivando de mim,
se até quarta-feira estava tudo bem.
Quando estava quase chegando à cancela da saída, a chuva
que se anunciou a tarde toda, desceu com pressão. Um trovão alto
ecoou no céu, que por sinal, estava cinza, ao passo que a visão
através do vidro ficou impossível. Liguei o para-brisas no máximo e
segui rumo a saída.
– Que dilúvio...
Ao virar à direita na saída do clube, avistei a Camila tentando
se esconder da chuva em baixo de uma marquise pequena. Além da
chuva, ventava muito e consegui ver perfeitamente que ela estava
ficando toda encharcada. Não podia deixá-la ali, mesmo sabendo
que ela não queria estar perto de mim. Assim, me aproximei com o
carro e abaixei o vidro pela metade, para que ela conseguisse me
ver.
– Entra aqui – falei alto, tentando sobressair ao barulho da
chuva. – Eu te levo!
– Pode deixar – respondeu seca. – Vou de Uber.
– Porra, Camila! Parece uma criança pirracenta! Está aí toda
molhada... deixa de ser orgulhosa e entra aqui!
É óbvio que despertei a fera com o meu tom, mas não me
importei porque a intenção era justamente essa. A loirinha
esquentadinha me olhou com ódio e apoiou as duas mãos na
cintura, antes de berrar de volta:
– Quem você pensa que é para falar comigo desse jeito?
Ficou louco?
Dei risada.
– Entra aqui, meu amor! – E pisquei para ela. – Eu te levo
pra casa.
Ela abrandou o tom e hesitou por alguns segundos. Mas
vendo que não tinha lógica alguma recusar, correu para a porta do
carona.
– Só vou aceitar porque o Uber cancelou – disse ao se
sentar toda molhada no meu banco.
– Ok – respondi segurando o riso.
Tentei levar na esportiva, mas aquele comportamento
realmente me incomodava bastante. Eu não sabia qual era a razão
para as suas mudanças de humor, ou se havia mesmo alguma
razão. Achei melhor não tocar no assunto, então liguei o som.
– Preferência por alguma música? – perguntei.
– Não, só nada de Seal, Cássia Eller, LS Jack ou Só Pra
Contrariar.
Não entendi nada.
– Qual o problema com todos eles?
– Nenhum.
– Você quer sugerir alguma música, senhorita? – falei sem
paciência. – Estou com medo de desagradar vossa alteza.
Ela me olhou de cara feia mais uma vez.
– Você é um babaca!
– E você é muito estranha! – desabafei, sem conseguir
segurar mais. – Cada hora está com um tipo de humor, eu não estou
acostumado com isso. Não consigo te entender, porra!
– Você nem tem que me entender, Daniel! – berrou. – Nós
não temos nada um com o outro e se não está satisfeito com o meu
jeito, é só não falar comigo. Tenho certeza que a Doutora Melissa
não tem problema algum em relação a humor, já que ela está
sempre toda sorridente para você. Então aproveita que ela está
disponível e faz questão de deixar isso claro e vá ficar com ela! E
me deixa em paz!
Não entendi nada.
O que ela está querendo dizer?
– Camila – falei respirando fundo, tentando ser paciente –,
vai ser tudo muito mais fácil se você conversar comigo. Por que
você está falando da Melissa? O que ela tem a ver com o nosso
assunto? Por que está assim tão arredia? Eu fiz algo que você não
gostou? Conversa comigo!
Pensei que ela fosse continuar de modo ríspido, mas ela me
surpreendeu ao respirar fundo e se desculpar.
– Me desculpa, ok? – Ela esfregou o rosto e ajeitou os
cabelos atrás da orelha. – Me desculpa mesmo – pediu parecendo
sincera.
– Eu te desculpo se você falar comigo. Tem algo te
incomodando? É comigo o problema? O que a Melissa tem a ver
com essa discussão?
Mais uma vez, ela respirou fundo, parecendo estar
procurando as palavras certas para me dizer algo. Chegou a coçar a
cabeça e a se ajeitar melhor no banco.
– Olha, eu não quero te cobrar nada, sei que não temos
nada um com o outro, mas não curto ficar com alguém que está
ficando com outra pessoa. Óbvio que quando é mais casual, tipo
quando saio com alguém pela primeira vez, não faz diferença se o
cara ficou com outra horas antes. Mas no nosso caso, não me sinto
confortável em ficar com você em um dia, no outro você ficar com a
Melissa. Principalmente no mesmo dia. Eu deveria ter dito antes,
mas achei que não fosse ser preciso. Achei que se me afastasse,
você deixaria para lá, mas isso não aconteceu e agora estou me
sentindo na obrigação de deixar as coisas mais claras. Você é um
cara legal e não quero que fique um clima desagradável entre nós.
Então é isso – despejou sem me olhar, com os olhos fixos no para-
brisa.
Passei alguns segundos tentando entender aquilo tudo e
decidi começar pela informação que mais me chamou a atenção.
– De onde você tirou que fico com você em um dia e com ela
no outro?
– Não precisei tirar de lugar nenhum, Daniel. Ela mesma me
disse – respondeu ao me olhar.
– Não acredito nisso – falei inconformado. – Tenho certeza
que ela não falou isso.
A Camila revirou os olhos.
– Vai negar?
– Mas é claro que vou! Eu não fico com a Melissa. De onde
você tirou isso?
– Já te disse, foi ela mesma quem me contou.
– Camila, eu não sei o que ela te falou, mas tenho certeza
que você entendeu errado. Eu e a Melissa de fato já ficamos, mas
foi em um único final de semana, há quase um ano. Eu nem sequer
morava aqui. Depois que vim para Curitiba, nós nunca mais ficamos.
Eu a conheci no Rio, em um Congresso e foi lá que ficamos.
Nessa hora, a Camila me olhou intrigada. Parecia estar
processando a informação, me observando com as sobrancelhas
erguidas. Cansado de bater boca, liguei o carro e saí, direcionando
a minha atenção para o trânsito. A loirinha enfezadinha permaneceu
quieta durante os primeiros minutos, até que resolvi quebrar o
silêncio.
– Deixa eu ver se entendi certo. Você me tratou com essa
ignorância toda nos últimos dias porque estava morrendo de ciúmes
de mim, achando que eu estava ficando com a Melissa? – perguntei
tentando segurar o riso.
– Que morrendo de ciúmes, Daniel! Deixa de ser
presunçoso! – retrucou revoltada.
– Certo.
– Mas realmente me senti incomodada – falou baixinho.
– Ou seja, ficou com ciúmes.
– Ai, você é muito irritante!
– Está tudo bem, anjo, eu também morro de ciúmes de você.
Detesto ver aquele técnico de enfermagem folgado te azarando.
Parecendo aliviada, a Camila me encarou com seus olhões
atentos. Mandei um beijo no ar para ela e vi um sorriso surgindo em
seu lindo rosto. Voltei a me concentrar no trânsito e depois de mais
alguns minutos em silêncio, a ouvi dizer:
– Obrigada por esclarecer – agradeceu parecendo
envergonhada –, mas ela me deu a entender que tinha algo com
você.
Pensei um pouco sobre aquilo. Tudo bem que a Melissa,
sempre que tinha uma oportunidade, se insinuava para mim. Mas
daí a inventar algo para a Camila, eu já achava muito.
– Tem certeza que não foi você quem entendeu errado?
– Tenho, mas não quero mais falar disso.
A Camila se inclinou para frente e deu o play no som. A
primeira música que tocou foi “Livin On A Prayer do Bom Jovi e ela
sorriu enigmaticamente.
– O que foi? – eu quis saber.
– Nada.
– Ah, qual é? Me fala.
– Estou rindo porque vai ser mais uma música para me fazer
lembrar de você. E de fato, é a sua cara.
– Por quê? – perguntei confuso.
– Porque Bom Jovi é a sua cara – respondeu sorrindo.
Dei risada.
– Eu realmente gosto muito deles.
– Pelo menos essa eu conheço – comentou com
divertimento.
– Então você tem algumas músicas que fazem você se
lembrar de mim?
– Sim – assumiu ao suspirar.
– Deixa eu adivinhar: seria alguma do Seal, da Cássia Eller
ou do LS Jack? Talvez Só Pra Contrariar?
– Exatamente.
Mais uma vez, tentei segurar o riso.
– E você fica escutando todas essas quando está com
saudade de mim?
Ela fechou a cara.
– É claro que não! Quem disse que fico com saudade de
você?
– Hum, sei.
– Nossa, você se acha mesmo...
Dei risada e resolvi dar uma trégua para ela. Sabia que a
Camila não queria assumir que se sentia envolvida, mas fiquei bem
satisfeito de perceber que era esse o caso. Afinal, ela também não
saía do meu pensamento.
Nós ficamos em silêncio e Believer do Imagine Dragons
passou a tocar. Como ela estava em silêncio e eu curtia bastante a
banda, passei a cantar junto com a música.
“Pain!
You made me a, you made me a believer, believer
Pain!
You break me down and build me up, believer, believer
Pain!
Oh, let the bullets fly, oh, let them rain
My life, my love, my drive, they came from
Pain!
You made me a, you made me a believer, believe”
Ao olhar para o lado, a Camila me observava com um sorriso
torto no rosto.
– Conhece essa? – perguntei.
– Sim – respondeu sorridente. – E é outra que me fez
lembrar de você toda vez que eu ouço.
– Ué, mas como você sabe que eu gosto dela?
– Porque no dia do parto da Lauren, enquanto você dirigia,
cantarolava ela bem baixinho.
Fiquei surpreso, porque não me lembrava disso.
– Então é mais uma que está na sua playlist Daniel? –
provoquei.
Ela fechou a cara.
– Não me irrita! – respondeu séria.
– Estou só brincando com você.
– A playlist chama Doutor Pomposo – falou sorrindo.
Dei risada, mas não disse mais nada porque achei que ela
estava me zoando.
– Não está acreditando? – perguntou, agora com um
semblante tranquilo e zombeteiro.
– Não – fui sincero.
Será mesmo que essa playlist existe?
Como se lesse meus pensamentos, a Camila destravou o
celular e entrou no aplicativo de música. Ao virar o aparelho para
mim, consegui ler o nome “Doutor Pomposo” na tela. Dei risada.
– Você não existe, minha loira!
A Camila gostou do meu comentário e sorriu um pouco mais.
E eu também fiquei bem feliz com aquela confissão, afinal, ela tinha
uma playlist com músicas que a faziam se lembrar de mim. Isso
deveria ser um bom sinal.
Fomos conversando amigavelmente durante todo o caminho,
deixando o clima de guerra para trás, mais uma vez. Falamos sobre
algumas pessoas que trabalhavam conosco, além de casos
engraçados de pacientes.
Quando estacionei em frente à sua casa, do outro lado da
rua, eu simplesmente não queria que ela entrasse. O que eu queria
era beijar aquela boquinha nervosa que eu já estava morto de
saudades. A Camila retirou o cinto, parecendo um pouco incerta de
como se despedir de mim.
– Bom... obrigada por me trazer.
– Por nada, linda.
– Vou indo, então.
– Ok.
Não consegui resistir e me inclinei em direção a ela para
beijá-la na boca. Mas ela se esquivou delicadamente, o que me fez
interromper a ação.
– Não quer me beijar? – perguntei.
A Camila não me respondeu e fez outra pergunta.
– Quer entrar? Posso fazer um café para nós...
Tenho certeza de que ela me convidou apenas por
educação, mas eu não estava preparado para me afastar e não iria
dar esse gostinho a ela, então aceitei.
– Ok – falei ao retirar o cinto.
– Sério? Você vai entrar? – perguntou desconfiada.
– Sei que você só me convidou por educação, mas sinto lhe
informar, anjinho... você não vai se livrar de mim tão fácil.
– E o que você vai falar para os meus pais quando eles
perguntarem o que estávamos fazendo juntos?
– Falarei a verdade, que estávamos no mesmo lugar e
ofereci uma carona para você. Vou dizer também que você estava
fugindo de mim e me tratando mal, que preciso aproveitar agora que
estamos bem, porque estou com saudade.
Ela meneou a cabeça com desdém.
– Eu duvido que você vai falar isso...
– Quer apostar? Seus pais me adoram, tenho certeza de que
não vão se importar em me ter como genro – provoquei.
Ela sorriu revirando os olhos.
– Vamos entrar então, Doutor Adorado.
A Camila tirou da bolsa um controle remoto e abriu o portão
da garagem. Depois me mandou entrar com o carro e assim eu fiz.
Quando saímos, já dentro da garagem, ela me analisava
toda sorridente.
– O que foi? – perguntei.
– Nada – respondeu de imediato. – Vem por aqui. – E
apontou para o portão que ficava nos fundos da garagem.
Eu a segui e, assim que entramos, dei de cara com um
quintal bem grande, com área para churrasco e uma piscina não
muito grande, mas bem bonita. Próximo a uma porta, que depois
descobri ser da cozinha, havia uma mesa comprida de madeira,
com duas banquetas de fora a fora.
– Eu preciso tomar um banho, estou morrendo de frio – falou
ao esfregar os braços. – Você pode me esperar sentado aí – e
apontou para a mesa.
– Posso, mas não é melhor você avisar aos seus pais que
estou aqui? Eles não vão entender nada quando me verem aqui
sentado.
– Não vou avisar porque eles não estão em casa. Estão
viajando – disse em um tom natural.
– E a sua irmã? – perguntei curioso, sentindo já um princípio
de euforia.
– Está na Lauren – respondeu ao passar pela porta. – Já
volto. – E piscou um olho.
Quando entendi que estávamos sozinhos, fiquei tentado a ir
atrás dela. Minha mente imediatamente formou imagens de nós dois
embaixo do chuveiro e meu corpo reagiu. Meu pau ficou duro e
minha respiração acelerou. Realmente estive a ponto de ir atrás,
mas depois me lembrei que a Débora poderia chegar a qualquer
momento e aquilo não soaria bem. Além do mais, se quisesse a
minha companhia, a Camila teria me convidado. Assim, peguei meu
celular e fui responder algumas mensagens e e-mails para me
distrair.
Não sei quantos minutos se passaram, até a mulher que
dominava os meus pensamentos surgir na porta da cozinha, toda
sorridente e com os cabelos molhados. A Camila vestia um roupão
branco e calçava chinelos de dedos. Ao se aproximar de mim, o
cheiro característico de morango me atingiu e precisei me segurar
mais uma vez, porque estive a ponto de agarrá-la.
Linda e naturalmente sexy...
– Então me diz, o que você vai beber? Café, suco,
achocolatado?
– Está cheirosa, hein... – comentei, ignorando a sua
pergunta. Minha voz saiu rouca e baixa.
– Estou – concordou sorridente. – Dá para responder a
minha pergunta, Doutor?
– Café, anjinho.
Ela sorriu. Soltou um “ok” e foi para a cozinha. A ouvi
mexendo em panelas e ligando o fogão. Depois disso, a Camila
voltou para perto de mim, trazendo um saquinho de pó de café, uma
colher e duas xícaras. Antes que ela os colocasse sobre a mesa, a
colher caiu no chão na frente dos meus pés. Ao se abaixar para
pegar, seu roupão afrouxou na parte dos seios e pude vê-los quase
que completamente. Meus olhos se fixaram neles e, quando ela se
levantou, eu ainda estava vidrado, com os olhos presos na região.
– Posso saber o que você está olhando com essa boca
aberta? – perguntou se divertindo.
– Você sabe muito bem – respondi em um fio de voz.
– Controle-se, Doutor – me disse segurando um sorriso. – O
que você vai querer comer? – perguntou conforme ajeitava as
xícaras na mesa.
– Você!
Ela sorriu.
– Eu não estou no cardápio.
Olhei em seus olhos tentando decifrar o que se passava
naquela cabecinha. Por mais que eu tivesse afirmado que não
estava ficando com a Melissa, a Camila ainda parecia um pouco
distante, diferentemente de dias atrás. Apesar de ter me convidado
a entrar, não quis me beijar lá no carro e estava se mantendo
afastada. Resolvi não insistir em uma aproximação e respondi sua
pergunta.
– O que tiver. Torradas, pão, biscoito... tanto faz.
Eu nem estava com fome, mas também não queria ir embora
e tirei proveito do convite. Ela assentiu e se sentou ao meu lado,
com as pernas para a frente.
– Tem todas essas opções, daqui a pouco pego para nós.
Balancei a cabeça afirmativamente e perguntei quando os
pais dela retornavam. Ela me falou que seria dali a dois dias. Antes
que eu pudesse perguntar para onde eles foram, ela passou a perna
direita para o outro lado do banco, se posicionando de frente para
mim. Com o movimento, seu roupão abriu na parte debaixo e quase
consegui ver a sua calcinha, porque é óbvio, meus olhos
acompanharam toda a ação. De modo despojado, ela apoiou o
cotovelo na mesa segurando o queixo e me perguntou:
– O que você vai fazer hoje à noite?
– Nada. Vou pra casa dormir.
– Em um sábado à noite?
– Sim. Por quê? O que você acha que vou fazer?
– Encontrar com alguém.
Pelo visto, ela realmente não acreditava que eu não estava
saindo com ninguém. Suspirei profundamente antes de responder.
– Camila, eu não sou criança, não tenho razões para mentir
para você. Não estou ficando nem mesmo querendo ficar com
ninguém.
Pensei em falar que só queria ficar com ela, mas tinha
certeza que ela não acreditaria e resolvi ficar quieto.
– Ok. – Ela assentiu me observando atentamente, como se
quisesse perceber se eu estava sendo sincero.
– E você? – devolvi a pergunta.
Antes de me responder, ela subiu a outra perna para cima do
banco, a flexionando e passando o pé por baixo da outra coxa. O
tecido do roupão escorregou para o meio das suas pernas, mas
antes disso, pensei ter visto um pedaço de pele. Meus olhos
acompanharam o movimento do pano, mas dessa vez, minha
cabeça foi junto.
– Eu vou ficar em casa – me disse e pensei ter percebido um
tom de diversão na sua voz.
– Certo. Não tem planos então? – perguntei obrigando meus
olhos a subirem para o seu rosto.
– Talvez eu vá lá para o Gustavo ver as meninas –
respondeu dobrando a outra perna para cima do banco.
E é claro que, novamente, meus olhos voltaram para lá.
Dessa vez, meu coração disparou porque pensei ter visto muito
mais do que um pouco de pele.
Não é possível que ela está sem calcinha...
Ela riu.
– O quê? Você falou alguma coisa? – perguntei forçando
minha voz a sair.
Erguendo as sobrancelhas e sorrindo maliciosamente, ela
completou:
– Só estou respondendo a sua pergunta, Doutor. Talvez eu
vá para a casa do meu irmão ver as minhas sobrinhas.
De fato, eu tinha me esquecido do que tinha perguntado,
preso na possibilidade de ela estar nua por baixo daquele roupão
branquinho.
– O que você está vestindo? – perguntei sem conseguir
mudar o foco dos meus pensamentos.
– Um roupão – se fez de sonsa.
– Que engraçadinha... – apoiei o cotovelo na mesa e me
aproximei um pouco mais dela. – Eu quero saber por baixo dele,
Camila...
Que ela estava sem sutiã, eu já sabia. Mas precisava
desesperadamente saber se tinha algo na parte de baixo.
– Nada – respondeu casualmente.
– Como assim nada? Você está sem calcinha? – quis
confirmar.
– Estou.
Toda a esperança de conseguir manter minhas mãos longe
dela foi para o ralo com aquela informação.
– Camila... – falei em tom de aviso. – Não brinca comigo...
Adotando uma expressão ingênua e encantadora, ela desceu
as duas pernas do banco para o chão, colocando uma de cada lado
e se abrindo toda para mim.
– Não estou brincando, ué, pode conferir se quiser...
Óbvio que não perdi tempo em olhar. E é óbvio que ela
realmente estava sem calcinha, porque seu hobby favorito era me
provocar.
Caralho...
Ao ver aquela bocetinha deliciosa ao alcance das minhas
mãos, fiquei louco. Sem hesitar, avancei sobre ela e a puxei para o
meu colo pela bunda. Após soltar um gritinho de susto, ela envolveu
meu pescoço com os braços, se acomodando sobre o meu colo.
Quero dizer, se acomodando sobre o meu pau, ao passo que
entrelaçava as pernas ao meu redor.
– Porra, minha loira... Você adora me deixar no limite, não é?
– perguntei hipnotizado pelos seus lábios delicados.
Com seu sorrisinho safado, a Camila virou meu boné para
trás, depois lambeu a minha boca sensualmente, arrancando um
rugido desesperado da minha garganta.
– Adoro! – sussurrou em meu ouvido. – Mas até parece que
você é diferente de mim...
Chega...
Sem me segurar mais e de modo desesperado, avancei em
sua boca, exigindo o beijo gostoso e excitante que já me fazia tanta
falta. Tão afoita quanto eu, a Camila abriu imediatamente os lábios,
dando espaço para a minha língua se deliciar com a sua. Eu a
segurei pela nuca com uma mão, enquanto com a outra tentava, um
tanto desesperado, me livrar do tecido e chegar a sua bunda.
Quando consegui, a apertei forte e um gemidinho seu invadiu a
minha garganta.
Nós trocamos beijos lascivos e, em poucos segundos,
estávamos ofegantes e sem ar.
– Você me deixa louco, anjo... – falei sem desgrudar nossos
lábios.
Sua resposta foi raspar as unhas no meu pescoço, me
deixando todo arrepiado e ainda mais sedento por ela. Afastei
nossas bocas e parti para baixo. Necessitava desesperadamente
explorar seu corpo com a minha língua e desci para os peitinhos
gostosinhos que ansiava provar mais uma vez. Sem nem ao menos
desatar o laço, puxei a parte superior para baixo com fúria. Assim
que os biquinhos rosados surgiram diante dos meus olhos, tomei um
deles na boca.
Eu o chupei, mordi, chupei de novo, depois passei a minha
língua suavemente em volta. Quando estava intumescido o
suficiente, fui para o outro, fazendo o mesmo processo. Enquanto
me divertia com seus mamilos, a Camila se esfregava com força no
meu pau e gemia alto, deixando a nós dois no limite.
– Gostosa! – murmurei com a boca encostada em sua pele.
Nesse momento, ela se levantou abruptamente do meu colo,
me deixando com uma sensação de vazio e sem entender. Mas
também não me deu tempo de perguntar nada, porque assim que se
colocou de pé, retirou o roupão que já se encontrava todo aberto por
minha causa e o jogou no chão. Aquela era a primeira vez que eu
conseguia ver seu delicioso corpo sem nenhuma barreira e minha
boca salivou. Os seios pequenos e redondos eram lindos, assim
como todo o resto.
– Vem aqui, anjinho... – pedi.
Voltando a subir no meu colo, ela se sentou sobre as minhas
coxas e estendeu a mão direita na frente do meu rosto. Só aí notei a
camisinha que estava entre seus dedos indicador e médio.
– Ah, Camila...
Eu nem sequer sabia o que queria dizer então não falei mais
nada e apenas peguei a embalagem. A loirinha assanhada desceu
com as duas mãos sorrateiramente para o botão da minha bermuda,
conforme me dava mais um delicioso beijo na boca. Com bastante
eficiência, ela desabotoou os botões e a puxou para baixo junto com
a minha cueca. Ergui meu quadril para facilitar, com o coração
batendo a mil por hora.
Ao descer tudo até meus pés, a Camila agarrou meu pau de
modo firme e passou a deslizar a mão para cima e para baixo nele.
Um grunhido grave saiu da minha laringe e foi abafado pela boca
dela, conforme sentia sua mãozinha quente e sedosa me
massagear.
Mas não consegui deixar que ela me masturbasse por muito
tempo, porque queria muito partir para a próxima etapa. Assim,
parei de beijá-la e rasguei a embalagem do preservativo, dando o
conteúdo para ela.
– Coloca em mim – pedi.
Ela sorriu de modo sexy.
– Agora, Doutor!
Com muita destreza, ela apertou a ponta para retirar o ar e o
posicionou na glande, o desenrolando delicadamente até a base do
meu pau. E eu curti todo o processo porque ter aquelas mãozinhas
delicadas em mim é gostoso demais! Depois disso, ela se
posicionou sobre a cabeça e desceu bem devagar. Minha frequência
cardíaca foi ao ápice, porque transar com ela era só o que eu
pensava nos últimos tempos. E fiquei feliz pra caralho em
comprovar que a realidade era ainda melhor do que a minha
imaginação. Seu corpo foi se acomodando a minha volta, conforme
ela se movia devagar, testando as sensações.
Quando ele estava completamente para dentro, ela começou
a se mover. Com bastante desenvoltura, a Camila me cavalgava
freneticamente com os pés apoiados no banco. Eu precisava senti-
la de todas as formas, então retirei minha camisa para que seus
seios deliciosos ficassem raspando no meu tórax. Aquilo a excitou
ainda mais e ela voou na minha boca, me dando um beijo quente e
molhado, conforme se esfregava em mim. Para ajudá-la, passei as
duas mãos por baixo da sua bunda, auxiliando seus movimentos de
sobe e desce. Ficamos assim por um tempinho, até ela interromper
nosso beijo.
– O que houve?
Ela não me respondeu. Saindo de cima de mim, se virou de
costas e tornou a se sentar, segurando meu pau e se afundando
nele outra vez.
– Caralho, meu amor... você realmente quer acabar comigo
assim... Por que trocou?
Soltando um novo gemidinho sexy, ela me respondeu
ofegante:
– Por... porquê de frente eu já estava ficando com vontade
de gozar... e eu não quero que acabe rápido.
Ouvi-la dizendo aquilo fez meu pau pulsar dentro dela.
Passei minhas mãos por debaixo das suas coxas, forçando-a a ir
mais rápido. Em resposta, ela se recostou no meu tórax e passou a
gemer alto, conforme falava o meu nome seguido de diversas
sacanagens.
– Isso, Dani... Assim... me fode gostoso...
Eu ainda me surpreendia com o fato de a Camila não ser
nem um pouco envergonhada, mas óbvio que eu adorava. Sua voz
angelical e sexy me levava a loucura. Com isso, quem esteve muito
perto de gozar foi eu.
– Para um pouco, anjo – pedi, deslizando meus lábios pelo
seu ombro.
Ela fez o que eu pedi e saiu de cima de mim. Se virou de
frente, e terminou de retirar minha bermuda e minha cueca, depois
voltou a se sentar de costas no meu pau. Quando senti a
musculatura interna toda molhada e quente novamente ao meu
redor, voltei a esfregá-la com fúria sobre mim.
– Vai, Dani... não para...
Ela se recostou no meu peito mais uma vez, tornando a
apoiar os pés no banco. Ficamos desse jeito durante uns três
minutos até que a vontade de gozar voltou a se aproximar de nós
dois praticamente ao mesmo tempo. Quando pensei em avisá-la
que já estava no limite, ela falou aos sussurros:
– Own... vou gozar, Dani...
No segundo seguinte, seu corpo se dissolvia em espasmos,
conforme gemidinhos eróticos fugiam da sua garganta. E eu
também não precisei de mais do que dois segundos para gozar
deliciosamente dentro dela.
– Caralho, Camila... – murmurei, conforme a envolvia mais
apertado com meus braços.
Dez minutos depois, ainda estávamos pelados, abraçados e
suados. Eu me mantive sentado ao banco e a Camila se deitou com
a cabeça no meu colo. Ela me olhava sorridente e corada.
– Eu vou querer mais daqui a pouco... – comentou com um
olhar travesso.
– Estou contando com isso, minha loira – respondi, me
divertindo com o seu comentário.
Ela sorriu satisfeita. Ficamos um tempinho quietos, curtindo o
silêncio, até começarmos a sentir cheiro de queimado.
– Que cheiro é esse? – perguntei estranhando.
– Puta que pariu!
A Camila se levantou às pressas e correu pelada para a
cozinha.
– Esqueci a água do café no fogo! – berrou.
Dei risada, porque foi uma cena bem engraçada. Aproveitei
para me vestir e ir até o banheiro retirar a camisinha. Ela me
mostrou onde ficava o banheiro ali da área externa e fui até lá.
Demorei alguns minutinhos me recompondo, e quando voltei para a
mesa, ela ainda estava pelada.
– Não vai se vestir? – perguntei ao observá-la colocar
biscoitos e pães sobre a mesa.
– Não, porque se me vestisse só perderia tempo. Sei que
você tiraria tudo outra vez. – E piscou um olho para mim.
Dei risada de novo, porque aquela era uma grande verdade.
A loira nada tímida entrou novamente na cozinha, depois
retornou com uma garrafa de café na mão.
– Teve que ferver mais água?
– Sim, porque a primeira secou completamente.
Nós dois rimos bastante. Esperei que ela pusesse a garrafa
na mesa e tornei a agarrá-la, a puxando pela cintura e obrigando-a
se sentar mais uma vez no meu colo. Mas dessa vez, de frente para
mim.
– Me beija! – pedi.
– Nossa, que insaciável! – brincou, estreitando os olhos.
– Você ainda não viu nada, minha loira. – E a beijei. Parei
para completar: – Faz muito tempo que eu só quero e só penso em
você, e hoje vou matar toda a minha vontade!
Parece que ela gostou do que ouviu e, assim que fiquei
quieto, a Camila avançou na minha boca. Minhas mãos também não
perderam tempo em voltar a apalpar os seios deliciosos, conforme
minha boca se fartava com a dela. Conforme nos beijávamos, ela ia
raspando delicadamente as minhas costas com as unhas, me
deixando todo arrepiado. Como era de se esperar, fui voltando a
ficar excitado e quando ela sentiu, tornou a se esfregar no meu pau,
por cima da bermuda.
Eu já estava com a mão no botão para descer a peça de
novo, quando um grito feminino e uma voz grossa ecoou no
ambiente.
– Que porra é essa, Camila?
Ah, que ótimo... O Gustavo e a Débora tinham que chegar
nesse exato momento...
CAPÍTULO 33

Camila
Belíssima hora para vocês chegarem... – pensei.
– Boa tarde para vocês também! – falei segurando o riso da
cara de choque dos dois.
Meus irmãos estavam na porta da cozinha, olhando
embasbacados para mim e para o Daniel. Quero dizer, eles nem
tinham ideia de que o homem ali sentado era o Daniel, pois o
médico gostoso estava de costas para a porta, comigo em seu colo.
Senti seu corpo ficando tenso e dei uma olhadinha rápida
para seu rosto. Sua cara era de quem estava inconformado de ter
sido pego no ato. O Daniel estava com o cenho franzido e os lábios
apertados. E do jeito que eu o conhecia, sabia que devia estar
inconformado pela situação. Ele é sempre tão certinho e fazia
questão de manter uma imagem responsável.
Tornei a olhar para os meus irmãos e o Gustavo não perdeu
tempo em me questionar:
– A casa dos nossos pais virou motel agora, Camila? – me
perguntou, demonstrando aborrecimento.
– Não sei, me diz você que trouxe todas as namoradas que
teve para dormir aqui pelo menos uma vez – falei levando as mãos
para a cintura, mas sem sair do colo do Daniel e sem me mexer
muito. Do contrário, meus irmãos veriam os meus peitos e outras
coisinhas mais.
– Você disse muito bem, Camila: namoradas! Ou você está
namorando e não falou nada para ninguém?
Seu tom continuava amargo, mas eu nem me importei.
– Não estou namorando e não vejo diferença alguma. Agora
sai daí para que eu possa me vestir!
Olhei para a Débora, e ela também estava com um olhar
reprovador. Seus braços estavam cruzados e uma sobrancelha
estava erguida.
– Anda, gente, vaza! – falei começando a ficar irritada.
Meu irmão bufou e fechou a porta com força. Saí do colo do
Daniel e corri para vestir meu roupão, que permanecia jogado ao
chão, todo embolado.
– Vou me desculpar com eles, Cami – me disse se ajeitando.
– Não vai, não! Eu te proíbo!
Ele riu.
– Me proíbe? – perguntou sorrindo.
– Sim, porque eu já peguei o Gustavo com a sua ex em
situação parecida e não falei nada. Ele não tem que achar nada,
nem mora mais aqui! Se eu ouvir a palavra “desculpa” saindo da sua
boca, nós vamos brigar, Daniel!
– Nossa, eu realmente fiquei com medo agora – falou se
divertindo, conforme vestia a camisa.
Novamente vestida, fui falar com os meus irmãos. Abri a
porta da cozinha e estavam os dois lá discutindo de frente um para
o outro, e eu tinha certeza que o motivo era eu.
– Vamos parar com o show? – perguntei a eles. – Vocês não
viram nada demais.
– Show? Não vimos nada demais? Você acha normal trazer
qualquer um para casa, Camila? Afinal, você mesma disse que não
está namorando... – meu irmão me questionou com os braços
cruzados.
Antes que eu pudesse responder, a Débora também me
indagou, um pouco menos irritada do que o Gustavo.
– Camila, já pensou se nossos pais chegassem agora? Seria
muito constrangedor!
Eu iria dizer que as chances eram mínimas, já que eles
estavam viajando, mas aí o Gustavo contra argumentou a Débora,
dizendo que não era só esse o problema. Alegou que as pessoas
são perigosas e que eu poderia colocar todos ali em risco, inclusive
eu mesma. Que não deveria levar qualquer um para a casa.
– Onde você conheceu esse cara? No Tinder? – me
questionou mais uma vez.
A minha irmã deve ter se preocupado que o “meu convidado”
ouvisse e mandou o Gustavo falar baixo. Ele respondeu que não
falaria baixo coisa alguma. E os dois passaram a discutir
ininterruptamente, até escutarem alguém tossindo atrás de mim.
Quando se viraram para olhar o motivo da interrupção,
perderam até a cor. Como se tivessem combinado, os dois piscaram
os olhos várias vezes. Provavelmente, eles queriam ter certeza de
que estavam enxergando certo.
– Gente, eu queria pedir desculpas a vocês pela cena que
foram obrigados a ver. Sei que ali não é lugar para isso, então me
desculpem. A Camila não tem culpa alguma. Fui eu quem insisti, se
é que vocês me entendem.
O Daniel, com seu tom educado e sua fala certinha, se
desculpou pela situação, me deixando ainda mais irritada. Eu não
queria que ele pedisse desculpas, porque não estávamos fazendo
nada demais. Somos dois adultos e não havia ninguém em casa.
Por isso, eu iria rebater a sua fala, mas ao olhar para os
meus irmãos, fiquei com medo de que eles tivessem sido
congelados por alguma força invisível, já que nenhum dos dois
sequer se movia. Estavam ambos com os olhos esbugalhados,
encarando boquiabertos o Daniel atrás de mim. Quando o Daniel
colou o corpo nas minhas costas e acariciou meus dois braços, eles
acompanharam os movimentos das mãos do médico com os olhos,
mas ainda no mais absoluto silêncio.
Tive que me segurar para não rir.
– Vocês dois por um acaso viram um fantasma? – perguntei
disfarçando um sorriso.
Ninguém me respondeu durante uns bons segundos.
Quando pensei em explicar alguma coisa, a Débora rompeu o
silêncio com um berro estridente e bateu uma palma alta, seguidos
de alguns pulinhos empolgados.
– Eu sabia que tanto ódio tinha uma explicação! Sabia! Era
excesso de tesão isso! Eu sempre soube! – ela suspirou satisfeita. –
Não fazia sentido tanta implicância!
O Gustavo olhou para ela completamente perdido e eu
revirei meus olhos sorrindo. Minha irmã deu uma gargalhada
empolgada, depois estendeu a mão para o nosso visitante.
– Tudo bem, Doutor Daniel? Como você está?
Ele não teve tempo de retribuir o gesto, porque o Gustavo
logo abaixou a mão da Débora delicadamente.
– Acho melhor não – falou baixinho, com um sorriso
debochado no rosto. – Você faz ideia de onde estava a mão dele,
né...
– Ah, verdade – ela concordou com um sorriso travesso.
– Vocês dois são muito idiotas! – falei também rindo.
O Daniel também riu e sacudiu a cabeça negativamente. A
cara feia do meu irmão se desfez completamente e o Gustavo
sorriu, mesmo aparentando ainda estar muito surpreso.
– Vocês podem me explicar como isso tudo aconteceu? –
nos perguntou.
– Isso o quê? – me fiz de boba.
– A passagem do ódio mortal para – ele pensou um pouco –,
para seja lá o que for isso?
– Fui conquistado por esse temperamento sereno e essa
carinha de anjo – o Daniel respondeu para ele, ao passo que me
abraçava por trás.
Mais uma vez, os olhos dos dois acompanharam o gesto do
Daniel. A Débora soltou um “own” enquanto meu irmão soltou um “tô
chocado”.
Eu e o Daniel rimos, mas minha alegria se desfez no
segundo seguinte, quando ele disse que iria embora.
– Bom, já está na minha hora, gente. Mas me desculpem
mesmo pela cena que vocês foram obrigados a ver.
– Eles não viram nada além de mim, sentada no seu colo.
– Sem roupa – a Débora acrescentou.
– Isso é só um detalhe – falei rindo.
Eu não queria que o Daniel fosse embora e nem esperava
que ele quisesse ir, mas não tive coragem de pedir que ficasse.
Pensei que ele também pudesse estar sem graça por praticamente
ter sido pego no flagra e me mantive na minha. Não sei se deixei o
desapontamento transparecer no meu rosto quando ele disse “vou
nessa, loira”, mas tanto a Débora, quanto o Gustavo, me lançaram
uma olhadinha rápida e se dirigiram a ele:
– Fica conosco! – sugeriram juntos. – Vamos lanchar! – a
Débora acrescentou.
– Não quero incomodar – respondeu aos dois, tornando a
acariciar meus braços.
– Não é incomodo algum, Daniel. Pode ficar à vontade, vou
só ligar para a Lauren porque ela precisa saber dessa fofoca. Ela
não vai acreditar que vocês dois estão se pegando...
Revirei os olhos ao mesmo tempo em que o Daniel riu.
– Fofoqueiro! – Xinguei meu irmão, mas sem estar brava de
verdade.
O Gu foi em direção à sala com o celular na mão,
desesperado para passar a descoberta para a Lauren. A Débora
continuou na cozinha e começou a conversar com o Daniel,
conforme puxava a cadeira da mesa para se sentar. Disse que
pediria uma pizza e perguntou qual sabor ele gostava. Ele disse que
não era para ela se preocupar, que estava sem fome e aproveitei o
momento para subir e trocar de roupa. Ou melhor, para vestir uma
roupa. Coloquei um vestido longo na cor bege e uma calcinha, já
que estava sem, e desci.
Ao voltar lá para baixo, meus irmãos conversavam
animadamente com o Daniel, todos três sentados à mesa da
cozinha. O Daniel perguntou aos dois como estavam a Lud e a
Luíza e meus irmãos o atualizaram, praticamente babando. Eu me
sentei com os três, ao lado do Daniel. A Débora estava na ponta da
esquerda e o Gustavo, na ponta da direita. Assim que me sentei, o
Daniel puxou minha cadeira para ainda mais próxima da sua,
apoiando o braço no encosto. Confesso que até eu fiquei surpresa
com aquele gesto, assim como os meus irmãos, que
acompanharam todo o ato com os olhos, me lançando um sorrisinho
debochado em seguida.
– O que a Lauren disse, Gustavo? – perguntei.
Meu irmão estava com o celular na mão e, quando dei por
mim, ele tinha tirado uma foto minha e do Daniel, pegando a nós
dois de surpresa com o flash.
– Ela não está acreditando, disse que estou curtindo com a
cara dela. Então estou sendo obrigado a mandar uma foto.
– Vocês são muito bestas! – impliquei, me divertindo.
– Mas me conta Daniel, como foi o seu dia no hospital hoje,
cara? – o Gustavo pediu. – É esse tipo de assunto que temos com
os cunhados, né? – debochou.
O Daniel riu.
– Na verdade, hoje não trabalhei. Hoje fui para o clube atrás
de uma certa loira marrenta.
– Débora, eu ainda estou chocado – o Gustavo falou
entredentes, fingindo falar escondido.
A minha irmã respondeu do mesmo jeito, os dois com os
olhos pregados em nós:
– Confesso que também estou, eles parecem bem
apaixonados...
Revirei os olhos.
– Vocês podem parar de gracinha? – pedi.
Os dois riram.
– Tudo bem – a Débora disse. – Então me conta de ontem,
Daniel. Como foi seu dia? Agora que somos cunhados, posso
perguntar, tudo acontece como em Grey’s Anatomy?
Eu iria dizer que eles não são cunhados, mas o Daniel foi
logo respondendo.
– Não sei se acontece da mesma forma, porque nunca
assisti essa série. Mas ontem tive um caso interessante na sala de
emergência. O paciente, um menininho de oito anos, chegou com
uma fratura complicada no braço. O que era estranho é que o garoto
parecia não sentir absolutamente nenhuma dor. Ele estava tranquilo
e sereno, conversando normalmente comigo e com o médico
ortopedista. Antes de ir para a cirurgia, sua mãe nos contou que
quando ele se machuca, sempre alega não sentir dor alguma.
– Meus Deus! – a Débora berrou e até eu e o Gustavo nos
assustamos. – Tem um caso igualzinho em Grey’s Anatomy! Me
conte mais! – pediu empolgada.
Assim, o Daniel passou a contar algumas situações que
vivenciou até hoje, mas nos disse que os casos mais engraçados
não aconteciam com pacientes pediátricos, mas sim, com pacientes
adultos. A Débora prestava atenção em tudo, praticamente sem
piscar. Já o Gustavo, sempre que o Daniel acariciava o meu braço,
meu irmão me lançava um sorrisinho travesso.
– Nossa, Daniel... Deve ser emocionante trabalhar na área
da saúde – minha irmã comentou após mais algumas histórias.
– Definitivamente é – ele respondeu. – É gratificante poder
ajudar as pessoas quando estão passando por momentos difíceis,
mas às vezes também é muito cansativo. Principalmente quando
perdemos um paciente.
– Eu imagino – respondi me intrometendo.
Nós quatro ficamos mais um tempinho lá conversando, até o
Gustavo dizer que precisava ir embora. A Lauren tinha recebido a
visita da sua amiga Patrícia, e só por isso meu irmão estava lá em
casa até aquela hora. Quando a Lauren mandou mensagem
dizendo que a Patrícia tinha ido, meu irmão só faltou sair correndo.
– Vou nessa – nos disse ao matar um copo de suco inteiro
numa golada só.
– Por que essa pressa de repente, Gustavo? – perguntei.
– Como por quê? Não vou deixar a Lauren lá sozinha com as
duas, né. Ela pode precisar de ajuda. Só demorei porque a Patrícia
jurou que a ajudaria se ela precisasse.
A Débora olhou para o Daniel e explicou:
– Ele é um pai coruja e babão – disse com orgulho do nosso
irmão. – E um marido dos sonhos.
– É assim que tem que ser – o Daniel respondeu sorrindo.
Mas o Daniel também aproveitou a partida do Gustavo, para
nos dizer que iria embora. Eu achava que ainda era cedo e, dessa
vez, não hesitei em falar.
– Fica mais, está cedo!
– Estou cansado, anjinho.
– Anjinho? – meus irmãos repetiram em uníssono.
O Gustavo deu uma gargalhada alta e se levantou da
cadeira.
– O Daniel só pode ter batido com a cabeça, Débora. Você
ouviu isso? Ele chamou a Camila de anjinho... – falou como se nós
dois não estivéssemos ali.
– Gustavo! – a Débora respondeu em tom de repreensão, e
eu realmente achei que ela chamaria a atenção do nosso irmão. –
Deixa eles, ele não faz ideia de que ela é o próprio capeta.
Os dois riram, assim como o Daniel, e eu mais que
imediatamente retruquei:
– Quem precisa de inimigo, tendo vocês dois como irmãos,
hein? – Eu também me levantei. – Vai embora, Gustavo. Já passou
da sua hora.
Meu irmão riu mais um pouco e estendeu a mão para o
Daniel.
– Falando sério agora, cuidado com a minha irmã, viu?
– Pode deixar, vou cuidar bem dela.
Aquela fala me incomodou um pouco, porque parecia que eu
e o Daniel estávamos namorando e eu não queria que ele se
sentisse pressionado pelos meus irmãos. Mal sabia eu que o
Gustavo estava era me zoando.
– Não, não, estou dizendo para você tomar cuidado com a
sua própria saúde. O perigo é ela, cuidado para não acabar morto,
ela é bem capaz de matar alguém.
O Daniel riu e eu não pude evitar de levantar o dedo do meio
para o meu irmão, que foi embora rindo satisfeito. Acho que a
Débora sentiu necessidade de me deixar sozinha com o Daniel e foi
com o Gustavo lá para dentro.
– Tenho certeza que a Débora saiu daqui para a gente se
despedir em paz – eu disse a ele.
– Não quero me despedir.
– Então fica mais...
– Não, anjinho, quero a minha casa. – O Daniel aproximou o
rosto do meu e falou baixinho: – Por que você não vai embora
comigo? Dorme lá?
Aquele pedido me deixou toda arrepiada. Eu não soube o
que dizer e o médico gostoso repetiu o convite.
– Vamos comigo para o meu apartamento, Cami! Preciso do
seu cheiro nos meus lençóis de novo e preciso mais ainda de você
entre os meus braços.
Porra... Alguém conseguiria falar não?
– Vamos! – respondi dengosa, dando um selinho molhado
em seus lábios.
Ele correspondeu soltando um gemido baixinho.
Assim, me coloquei de pé imediatamente e disse a ele para
me esperar na sala, que subiria até o meu quarto para pegar
algumas coisinhas.
É, Camila, você vai acabar apaixonada...

Quarenta minutos depois, eu e o Daniel subíamos para o seu


apartamento. Conforme o elevador percorria os primeiros andares,
um frio na boca do meu estômago me incomodava, com a
ansiedade dominando meus pensamentos. Nós estávamos de mãos
dadas e dei uma olhadinha de canto para o Daniel, que me
observava com um sorriso torto.
– No que você está pensando, meu anjo?
Nós não estávamos sozinhos no elevador. Uma mulher com
a sua mãe idosa estava à nossa frente, e um rapaz com seu
cachorrinho Pug estava ao nosso lado. Com isso, me coloquei na
ponta dos pés para respondê-lo, o puxando para mim pelo pescoço.
Quando estava com a boca colada em seu ouvido, respondi:
– Que você vai ter que me fazer gozar bastante a noite
inteira, Doutor.
O Daniel deu uma gargalhada alta e bem gostosa, que me
fez rir junto. Os três presentes nos olharam sem entender nada e
fingi não perceber, além de fingir que não tinha falado nada demais.
Quando o elevador chegou ao décimo andar, minhas pernas
estavam um pouco trêmulas e tive certeza de que estava ansiosa.
Ao abrir a porta do seu apartamento, que era o segundo à direita,
um sorriso caloroso se espalhou pelo rosto do Daniel, dissipando
minha ansiedade instantaneamente. O sentimento que começou a
surgir naquele momento era outro e um desejo assolador tomou
conta do meu corpo. Não esperei que ele fechasse a porta para
pular em seu colo e o beijar ardentemente.
Mesmo que não estivesse esperando, o Daniel me segurou
com agilidade, cravando as duas mãos na minha bunda com força,
enquanto permitia que minha língua invadisse sua boca. Eu
detestava admitir, mas toda vez que ele me beijava, o mundo
parecia desaparecer. Seu beijo é quente, suave e cheio de paixão.
Seu hálito doce e familiar me deixava zonza, me fazendo querer
sempre mais e mais. E ele não hesitava em me dar.
Comigo em seu colo, o médico gostoso fechou a porta com o
pé e caminhou em direção ao sofá, se sentando em seguida. Eu me
ajeitei sobre o seu colo, subindo meu vestido para cima da bunda.
Enquanto trocávamos beijos lascivos, suas mãos grandes me
acariciavam por toda a extensão das minhas costas. Já eu, tentava
arrancar sua camisa, um tanto desesperada. Meu corpo estava
pegando fogo e eu precisava do Daniel nu.
– Vamos tomar um banho comigo? – o Daniel sugeriu,
pousando suas mãos sobre as minhas. Seu tom de voz estava
rouco e extremamente sexy.
– Só se for agora – respondi sorrindo.
Saí do seu colo e me coloquei de pé na sua frente,
esperando que ele se levantasse e pronta para tirar nossas roupas,
mas aí a campainha tocou.
– Quem será? – perguntei.
– Para o porteiro não ter interfonado, só pode ser o Alex.
– O Doutor Alex?
– Sim, nós somos vizinhos, nunca comentei?
Ah, que ótimo...
– Não, você nunca comentou.
O Daniel se levantou do sofá, deu uma ajeitadinha rápida na
bermuda, tentando esconder o quanto estava excitado, e foi até a
porta. Quando ele a abriu, o Doutor Alex entrou todo sorridente, sem
perceber que eu estava lá. O médico trajava uma roupa simples:
bermuda, camisa desbotada e chinelo de dedo. Era muito
engraçado vê-los daquela forma, pois no hospital todos eles
estavam sempre de jaleco ou pijama.
– Porra, que dificuldade em atender o celular, Dani...
– Boa noite para você também, meu amigo! – o Daniel
brincou.
Demonstrando estar bastante à vontade, o visitante se
encaminhou em direção ao sofá prestes a se sentar. Até então, ele
não tinha me visto e, ao dar de cara comigo ali em pé, interrompeu o
movimento surpreso.
– Camila? – perguntou sério, mas não esperou que eu
respondesse e sorriu. – Agora já sei porque ele não atendia o
telefone de jeito nenhum.
Cruzando os braços e sorrindo, o Doutor Alex olhou para o
Daniel.
– Conseguiu, né? – falou para o amigo.
O Daniel riu despreocupado, com a sua gargalhada gostosa
ecoando pela sala e, mais uma vez, sorri junto.
– Conseguiu o quê? – perguntei.
– Conseguiu você – informou ao se sentar na cadeira da
mesa que ficava próxima à porta. – Ele só fala em você o tempo
todo e como você está aqui, estou deduzindo que está tudo bem.
Inclusive, acho até que estou interrompendo – concluiu se
divertindo.
Dei risada, mas não me constrangi em responder a verdade.
– Está interrompendo mesmo, então espero que você não se
demore, Doutor Alex.
Os dois riram juntos com a minha resposta.
– Pode me chamar só de Alex, Camila – sugeriu de modo
simpático.
A minha resposta não adiantou muito, porque segundo o
Alex, ele precisava falar com o Daniel sobre uma proposta de
trabalho e precisava ser naquele exato momento.
– Tenho uma proposta de trabalho para ele que não pode
esperar – informou.
– Fazer o que, né? – eu disse aos dois. – Vou tomar um
banho então – informei ao Daniel, deixando implícito o que ele
estava perdendo.
O médico gostoso me lançou mais um de seus sorrisinhos
safados, causando um arrepio por toda a minha coluna.
– Vai lá – me disse –, vou tentar ser breve aqui.
Assim, me despedi dos dois e fui para o banheiro do quarto
do Daniel. Como da primeira vez que estive ali, seu banheiro estava
impecavelmente limpo e organizado, provavelmente como o resto
do apartamento. Até então, só tinha visto a sala e lá estava tudo
arrumado, cheirando à casa limpa.
Tão organizado...
Não perdi muito tempo analisando os detalhes domésticos e
entrei dentro do box. Liguei a água do chuveiro e a deixei caindo,
para que a temperatura pudesse se ajustar. Enquanto a água caía
suavemente, olhei ao redor e vi todos os produtos de higiene
pessoal do médico gostoso alinhados na prateleira. Peguei o frasco
de loção de barbear e o destampei, o cheirando em seguida. Aquele
aroma familiar preencheu o ar e fiquei frustrada por ele não estar ali
comigo.
– Que saco!
Puxei meu vestido braços à cima e o joguei ao chão, para
fora do box. Depois desci minha calcinha branca minúscula pelas
pernas e a chutei para o lado também.
Entrei debaixo do chuveiro e a água quente escorreu pelo
meu corpo, o deixando ainda mais febril. Meus mamilos estavam
durinhos e fiquei irritada por estar sozinha, já que meu cérebro não
perdeu tempo em fazer imagens do Daniel os apertando.
– Ah, Doutor Alex, você tinha que chegar logo agora... –
murmurei.
Fechei os olhos e comecei a me ensaboar com o sabonete
líquido do Daniel. As gotas de água pareciam acariciar minha pele e
o som suave da água batendo no chão foi me relaxando. Não sei
quanto tempo passei curtindo aquela sensação gostosa, com o
cheiro daquele homem que residia nos meus sonhos, mas ao ver
tudo embaçado ao meu redor, deduzi que já estava ali tempo
demais.
– Chega, né, Camila... você não está na sua casa – falei
para mim mesma.
Desliguei o chuveiro, peguei uma toalha branquinha e macia
que estava no nicho embaixo da pia e me sequei. Ao enrolar o
tecido em volta do corpo, senti uma sensação gostosa e
reconfortante por estar ali.
Abri a porta do banheiro convicta de que teria que esperar
bastante pelo Daniel, para que pudéssemos aproveitar a nossa
primeira noite juntos. Ou melhor, a nossa segunda noite juntos. Mas
eu não estava contando muito com a primeira, porque aquela seria
diferente. Tinha muitos planos sexuais para nós dois, com coisas
que não fizemos da primeira vez. Ao pensar em tudo que queria
fazer com ele, e tudo que queria que ele fizesse comigo, acabei
sorrindo. Parafraseando a minha irmã, falei em voz alta:
– Você não presta, Camila.
Ao dar um passo para fora, quase dei um berro de alegria
quando o vi sentado na sua cama, com seus olhos escuros
queimando em mim. Mas meu grito ficou preso na garganta quando
percebi que ele estava pelado, com aquele pau delicioso
completamente duro, só me esperando. Enquanto me observava, o
Daniel se massageava eroticamente, descendo e subindo a mão
lentamente em volta do próprio pênis, segurando apertado. Senti
que fiquei até sem ar.
Que homem, meu Deus...
– Pensei que você fosse demorar... – falei com os olhos fixos
na mão dele.
– Você acha mesmo que eu conseguiria conversar algo com
o Alex, ou com qualquer outra pessoa, imaginando você peladinha
no cômodo ao lado?
– Não sei... – brinquei. – Não tenho ideia, Doutor. – Dei mais
dois passos em direção a ele. – Mas se era sobre uma proposta de
trabalho, é algo importante, não?
– Nesse momento, nada é mais importante do que você.
Vem aqui!
Porra...
Seu tom era de ordem e não demorei a obedecer. Reduzi a
distância entre nós com pressa, desejando desesperadamente
sentir suas mãos em mim. Eu não sabia se queria chupá-lo ou se
queria montar sobre ele. E também não tive tempo de me decidir,
porque assim que me aproximei, ele avançou em mim um tanto
desesperado. Quando me dei conta, estava sendo jogada na cama
de costas para o colchão. Se colocando entre as minhas pernas, ele
deu um delicioso beijo na minha boca, que me deixou zonza e
ofegante. Depois desceu para o meu pescoço, distribuindo beijos
molhados por todo o meu colo. Ao chegar no nó da toalha, ele o
desfez de modo abrupto, indo imediatamente com a boca para um
dos meus seios.
Meu Deus, esse homem...
Quando sua língua massageou o meu biquinho durinho, ele
gemeu e eu gemi. Sua língua quentinha e molhada deslizava
devagarinho pela região, levando o meu tesão ao auge. Com isso,
passei a arquear meu corpo contra o dele, ao passo que arranhava
sua cabeça e suas costas com as minhas mãos.
Eu estava desesperada para sentir o Daniel dentro de mim
de novo e o puxei pela sua cintura, indicando que precisava daquilo
imediatamente. Com isso, ele parou de chupar meu peito e me
olhou com seus olhos estreitos.
– O que foi? – perguntei arfando.
De um modo bem sexy, o Daniel levou a mão para o meio de
nós dois, agarrando seu pau e o levando para a minha entrada, sem
romper o contato visual comigo.
Nossa...
Ao sentir sua pele quente e sedosa exatamente onde eu
queria, gemi alto. Perversamente, ele esfregou sua glande ali, mas
sem me penetrar, apenas se molhando com a minha lubrificação e
me atiçando. Depois subiu para o meu clitóris, friccionando a ponta
por lá também. Cada passada em cima da região sensível me tirava
um gemido rouco. Ao que pareceu, o Daniel curtiu bastante as
minhas reações e intensificou os movimentos. Aquilo me levou à
loucura e tenho certeza de que revirei meus olhos de prazer.
– O que você quer, minha loira? – Ouvi sua voz rouca ecoar
pelo quarto. – Me fala que eu faço.
– Eu quero que você me coma bem gostoso – supliquei. –
Agora!
A risadinha que ele deu com o meu pedido foi deliciosa e,
após esfregar seu pau quente e molhado em mim mais um pouco,
ele me avisou:
– Vou realizar seu desejo!
Tornando a beijar meu corpo, o Daniel passou a acariciar as
laterais da minha bunda com as mãos. Sem demonstrar pressa, foi
passeando com a boca pela base dos meus seios, descendo pela
barriga e parando um pouquinho ali. Meu corpo ficou todo arrepiado
e sensível.
– Eu amo essas pintinhas lindas – me disse com a boca
próxima ao meu umbigo.
Seu hálito quente me fez cócegas e me remexi agitada. Ele
me olhou, sem retirar a boca de mim e sorriu enigmaticamente.
Minha vagina pulsava e eu não aguentava mais. Minhas pernas
pareciam ter vida própria e passei roçá-las por seus ombros.
Cheguei a me assustar quando o Daniel agarrou meus dois
tornozelos, abrindo as minhas pernas por completo e me forçando a
dobrá-las para cima, me deixando em forma de M.
– Agora eu vou te comer... com a minha boca, é claro... – me
avisou com a voz entrecortada.
Aquele aviso gerou uma contração no meu ventre. O Daniel
passou a beijar o interior das minhas coxas e pensei que ele fosse
se demorar bastante por ali, para me provocar. Mas ele estava
faminto e não conseguiu ser paciente. Sem delongas, literalmente
caiu de boca em mim.
– Caralho, Dani, que delícia! – balbuciei.
O Daniel beijou meu clitóris do mesmo modo que beijava a
minha boca, com o desejo explícito em cada gesto. Ao sentir sua
língua quente e seus lábios macios naquela área sensível, meu grau
de excitação triplicou e eu soube que iria gozar absurdamente
rápido.
– Ah, Camila... – murmurou – você é tão deliciosa!
Não consegui responder, porque só conseguia gemer
alucinada. Queria dizer que deliciosa era a boca dele, mas as
palavras não saíram. Aquele homem me deixava em chamas e
sabia muito bem disso. Após me estimular bastante daquela forma,
ele passou a chupar meu clitóris, dando leves mordidas no
processo. Eu me debatia desesperada, mas sem poder me mover
muito, já que suas mãos estavam cravadas nos meus tornozelos.
Mas o Daniel não permaneceu muito mais tempo me segurando ali,
pois ele tinha outros planos para seus dedos. Sem me dar qualquer
aviso, me introduziu o indicador e o médio, conforme se mantinha
me chupando.
– Ah, Daniel... isso... não para!
E ele não parou. Acelerando os movimentos das suas mãos
e da sua boca, ele me devorou. Não consegui mais segurar o
orgasmo que toda hora chegava perto e gozei forte e gostoso na
boca dele. Minha musculatura interna pulsou ao redor dos seus
dedos e eu apertei sua cabeça entre as minhas coxas, ao passo que
me agarrava aos lençóis.
– Isso, Cami... goza gostoso pra mim! – me disse entre
gemidos roucos.
Não precisei avisar que estava gozando, porque ele soube
na hora. Quando os últimos resíduos de prazer abandonaram o meu
corpo, o Daniel se levantou. Olhei para ele com a visão turva e pude
ver sua boca avermelhada e brilhante. Mas meus olhos não se
demoraram muito em seu rosto e desceram para o membro pulsante
e excitante que apontava para mim.
Sem desviar os olhos dos meus, o Daniel caminhou até o
guarda-roupa e retirou uma camisinha de lá de dentro, a colocando
no segundo seguinte. Quando ele voltou para perto, meu corpo já
estava novamente ganhando vida.
– Vira de costas! – ordenou.
– Por quê? – perguntei amando o seu tom mandão.
– Porque quero comer essa bocetinha deliciosa sentindo
essa bunda empinada.
Caralho, que delícia!
– Mas eu não quero assim – provoquei.
Ele riu, porque provavelmente sabia que aquilo era uma
mentira. Eu queria transar com ele de qualquer jeito. Ou melhor, de
todos os jeitos.
E mais uma vez o Daniel me surpreendeu ao me pegar pelas
coxas com brutalidade e me colocar de bruços, com um movimento
ágil e calculado. Feito isso, ele se deitou sobre mim e me penetrou
com força. Um gemido gutural seu reverberou pelo ambiente, ao
mesmo tempo em que gritei. O meu grito foi de prazer, porque eu
estava tão molhada, que não tive problema algum com aquela
invasão brusca.
Naquela posição, a boca do Daniel ficou exatamente na
altura do meu ouvido e escutar seus grunhidos eróticos me deixava
ainda mais excitada. Com isso, passei a arrebitar minha bunda
contra ele, querendo senti-lo mais fundo.
– Não, minha loira, assim não... assim eu não vou durar
nada...
Eu não queria que acabasse rápido e lhe dei uma trégua,
tornando a apoiar a pelve no colchão. Mas eu precisava de mais
estímulos, então levei uma das mãos para o meu meio e passei a
friccionar meu clitóris com dois dos meus dedos. Quando o Daniel
percebeu, grunhiu alto e acelerou os movimentos de penetração. Foi
se tornando difícil me segurar. Eu parecia estar caindo em um
abismo de luxúria e precisei agarrar a colcha com força, para não
perder a noção da realidade. Meu corpo ganhou vida própria e tornei
a empinar minha bunda contra aquele homem delicioso.
O Daniel também foi se descontrolando e agarrou meu
pescoço de modo brusco. Sentir seus dedos pressionando forte
contra a minha pele foi demais. Eu amo uma pegada bruta e foi o
que eu precisava para gozar mais uma vez berrando o seu nome.
Enquanto um orgasmo violento se apossava do meu corpo, o Daniel
ia ao meu encontro. Sabia que ele estava gozando, porque seus
gemidos se tornaram mais graves e pude sentir seu pau pulsar
dentro de mim. Ainda com nossos corpos unidos, ele murmurou no
meu ouvido.
– Você não faz ideia do quanto eu desejei isso, Cami –
murmurou ofegante.
– Isso o quê? – me fiz de boba.
– Transar com você, ter você na minha cama, ter você sem
hora pra acabar. Enfim, você não faz ideia do quanto desejei você.
Meu Deus, como não ficar apaixonada assim?
– Posso te dizer o mesmo, Doutor. Faz muito tempo que eu
te quero – assumi.
O Daniel deu um beijo molhado no meu pescoço, depois saiu
de cima de mim. Eu subi mais na cama, enquanto ele foi ao
banheiro retirar a camisinha. Quando retornou, se deitou ao meu
lado e me puxou para si, como da outra vez. Mas daquela vez seria
diferente, porque eu pretendia passar o domingo todo em seus
braços. Assim, dormimos tranquilos e saciados.
CAPÍTULO 34

Daniel
Durante a madrugada, cheguei a acordar com meu corpo
quente por ter a Camila entre os meus braços. Além do clima não
estar frio, tê-la grudadinha a mim, me deixou com muito calor e
acordei todo suado. A loirinha dormia serenamente sobre o meu
peito, com uma de suas pernas para cima das minhas coxas.
Bastou acariciá-la um pouquinho pela lombar, para que o meu corpo
também fosse despertando. A luz do corredor estava acesa e me
permitia admirar o corpinho delicado e sexy sobre o meu. Com isso,
fui ficando excitado. Só que a Camila dormia no mais tranquilo sono
e não tive coragem de acordá-la e me obriguei a voltar a dormir
também.
No dia seguinte, acordei com os raios solares adentrando
pela janela do quarto. Os primeiros minutos foram um choque suave
de realidade. Quando me dei conta de que a Camila não estava
mais ali sobre o meu corpo, me sentei. Por um breve momento,
pensei ter sonhando com a noite anterior, mas ao sentir seu cheiro
de morango na roupa de cama, fiquei aliviado de não ter sido um
sonho. Mas o alívio se tornou passageiro, quando aguardei que ela
saísse do banheiro e isso não aconteceu.
– Não é possível que ela foi embora... – falei me levantando
ainda meio zonzo.
Dei uma olhada ao redor do quarto para ver se via algum
sinal da loira, mas não enxerguei nada. Nem suas sandálias, nem
seu vestido estavam lá, como haviam ficado jogados ao chão na
noite anterior. Vesti minha calça de moletom e saí do quarto, um
tanto desesperado e chateado, mas os sentimentos incômodos se
dissiparam quando cheguei à cozinha e dei de cara com a loirinha
safada preparando algo de costas para mim.
– Bom dia, Doutor! – me cumprimentou ao sentir a minha
presença.
– Bom dia, loira!
A Camila se virou de frente e sorriu. Ela vestia a minha
regata e eu não soube se admirava seu rosto lindo, seus mamilos
deliciosos marcando sob o tecido branco ou suas pernas torneadas
completamente descobertas.
Com seu sorrisinho zombeteiro, me questionou:
– Pensou que fui embora?
– Pensei, minha loira. E se tivesse ido mesmo, eu com
certeza iria atrás. Você não vai se livrar de mim assim tão fácil –
afirmei.
Ela sorriu satisfeita e tornou a ficar de costas. Vi que ela
estava fazendo café e perguntei se estava com fome.
– Não estou. Esse café é para você.
– Nossa, tô com moral mesmo – brinquei. – Você fazendo
café para mim...
– Aproveita, Doutor, porque não é todo dia que acordo de
bom humor.
Senti o tom brincalhão na sua voz e retruquei:
– É, mas eu sei muito bem como te deixar de bom humor,
não é mesmo?
Ela deu uma breve olhadinha para trás, me encarando
sorridente, depois voltou a atenção para o pó de café. Eu me sentei
na bancada e fiquei a observando.
– Você não gosta de café muito forte, não é? – me
perguntou.
– Não. Como você sabe? Já comentei isso alguma vez?
– Não, mas eu sei tudo sobre você – brincou também, me
dando uma piscadela.
Dei risada.
– Está certo.
Sem dizer mais nada, ela terminou de colocar o pó no filtro
da cafeteira e ligou o aparelho. Depois pegou uma frigideira que já
estava na bancada ao lado do meu cooktop e a depositou sobre
uma das bocas. Eu estava adorando ver como ela se sentia em
casa e já estava com tudo que precisava em mãos.
Dando uma melhor olhada ao redor, a Camila já havia pego
os pães de forma no armarinho em cima do fogão, ovos e geleia na
geladeira e até as castanhas que ficavam na parte debaixo do
armário.
Enquanto a cafeteira coava o café, a Camila se dedicava aos
ovos mexidos, se movendo com graciosidade pela minha cozinha. E
eu não sabia se observava sua bunda deliciosa dançando embaixo
do tecido da minha camisa, ou as coxas torneadas. Meu corpo foi
reagindo e me preparei para ir até ela, mas quando me levantei da
banqueta, ela me repreendeu:
– Não ouse vir até aqui! – disse em um tom de ordem. –
Senta lá na mesa!
Dei risada, porque ela é tão esperta que não precisava nem
estar me olhando para saber o que eu pretendia.
– Ok, ok. Seu pedido é uma ordem, meu amor.
Ela me lançou um sorrisinho contido e se virou para a frente
mais uma vez.
– Então acertei, né? Aposto que você viria aqui me agarrar.
– É claro que acertou – confirmei. – Eu acordo com uma loira
gostosa dessas fazendo café para mim, como posso me comportar?
– Se controla, Dani. Você precisa se alimentar. – E antes que
eu pudesse soltar alguma piadinha, ela acrescentou: – de comida.
Nós dois rimos e fui sentar na minha mesa de seis lugares
que ficava na sala, porque se ficasse a observando, eu realmente
não conseguiria manter as minhas mãos longe dela.
A Camila pediu que eu levasse algumas coisas para a mesa,
como a geleia, as castanhas e nossas xícaras e assim fiz. Enquanto
a aguardava, peguei meu notebook para dar uma olhada na agenda
da semana, que estava bem lotada. Eu estava muito cansado da
rotina corrida de trabalhar em dois grandes hospitais, por mais que
os salários fossem excelentes. Pensava seriamente em abandonar
um deles, neste caso, o Ana Nery, para ter mais tempo para mim e,
se tudo desse certo, mais tempo com ela. A proposta do Alex veio
em um excelente momento, pois o trabalho era numa clínica de um
amigo dele. Se eu fosse para lá, iria ganhar o mesmo valor, mas
trabalharia muito menos, já que a clínica era só de consultas. Não
haveria internação, muito menos atendimento em pronto socorro.
Também não haveria um movimento tão intenso, que nos impeça de
almoçar e lanchar, como nos dois hospitais. Então é óbvio que eu
não iria recusar. Já estava certo de que aceitaria o novo emprego e
estava ansioso para começar.
Estava imerso aos pensamentos e expectativas, quando a
loirinha gostosa chegou com o aroma do café tomando conta do
ambiente. Em uma mão ela segurava a garrafa térmica, na outra,
ela segurava um prato com duas fatias de pão de forma integral.
– Nossa, anjinho, desse jeito eu vou ficar mal-acostumado –
brinquei.
Ela se aproximou de mim e colocou as coisas sobre a mesa.
– A ideia é essa – disse ao apoiar o braço sobre o meu
ombro. – Te deixar mal-acostumado. Agora come tudo!
Sorri, ao passo que acariciava sua perna lisinha com a minha
mão esquerda. Com a direita, coloquei um pouco de café em cada
uma das xícaras, enquanto a Camila permanecia de pé ao meu lado
fazendo um carinho gostoso na minha nuca.
– Obrigada, viu?! – a agradeci.
– Pelo quê?
– Por ter preparado esse café para mim.
– Não pense que foi para te agradar. Eu quero é te ver bem
alimentado, com bastante energia.
– Por quê? – perguntei olhando em seus olhos.
– Você sabe muito bem o porquê. – Ela se inclinou em minha
direção e beijou suavemente os meus lábios. – Quero você com
bastante força para me comer gostoso hoje o dia todo, Doutor.
Que delícia!
– Não preciso estar bem alimentado para isso, basta você
estar perto de mim, loira – falei, ainda acariciando a sua coxa com a
mão esquerda. Com a direita, acariciei meu próprio pau que já
estava bem duro desde a hora em que cheguei à cozinha. E fiz
questão de mostrar isso a ela.
Ela acompanhou meu gesto com os olhos e sorriu satisfeita.
– Come – ordenou, ignorando a minha ereção, mesmo que
seus olhos estivessem fixos na minha mão.
– Você fez só para mim? – perguntei. – Não vai comer nada?
– Não tenho fome de manhã. Geralmente quando acordo,
tomo só um cafézinho. Isso para mim já é o suficiente.
Dei uma leve golada no líquido, ao passo que permanecia
alisando a parte de trás da sua coxa. Mas a minha mão parecia ter
vida própria e, mesmo sem perceber, fui subindo para a bunda da
Camila. Ao chegar na popa, a apertei suavemente, depois subi mais
um pouco. Estava prestes a dar outra golada no café, quando me
dei conta de que a Camila estava sem calcinha. Tateei pela sua
cintura, à procura de algum tecido, mas não encontrei nada.
– Você está sem calcinha? – perguntei com a voz fraca.
– Sim – me respondeu em um tom sexy.
Não ia ter jeito, não conseguiria me segurar. O calor da sua
pele pareceu queimar a minha mão, me deixando muito mais
excitado do que já estava. Eu me levantei abruptamente e a Camila
se assustou.
– O que houve?
Não respondi porque estava desesperado. Empurrei xícaras,
pratos e garrafa para o final da mesa e não sei como não derrubei o
café. Com a superfície livre, a puxei pela bunda com força e a
coloquei sentada sobre a mesa fria. Quando entendeu para onde
iríamos, ela sorriu. Puxei a cadeira de volta para perto e me sentei
na sua frente.
– Eu vou tomar meu café agora! – avisei. Minha voz saiu
grave e baixa.
Um gemidinho bem erótico escapou pelos seus lábios
rosados, conforme a Camila franzia a testa, visivelmente excitada.
Não perdi mais tempo e fui para cima. Segurei seus tornozelos e os
beijei suavemente, subindo pela panturrilha. Depois, coloquei seus
dois pés apoiados sobre meus ombros, abrindo suas pernas
completamente. Isso tudo sem perder o contato visual com ela. E
ela estava linda. Me observava com expectativa, com seus olhos
perfeitos presos aos meus. Seus lábios estavam entreabertos e sua
respiração, rápida e curta. Seu peito subia e descia, chamando
ainda mais atenção para os mamilos durinhos sob o tecido branco.
Desci o olhar para a bocetinha rosinha e depilada e minha
boca salivou. Acho até que lambi os lábios. Nessa altura, a Camila
já estava tão ansiosa quanto eu e puxou a minha cabeça para o
meio das suas pernas. Um rugido involuntário saiu da minha
garganta, quando senti seus dedos tocarem minha cabeça. Eu amo
o fato de ela não hesitar em pedir o que deseja e aproveitei. Lambi
aquela bocetinha gostosa, do comecinho do clitóris até a entrada da
vagina. A loirinha safada gemeu alto e arranhou a minha cabeça
com as duas mãos. E eu que estava faminto, acelerei. Passei a
enfiar minha língua nela com força, curtindo bastante o seu gosto,
enquanto absorvia cada reação sua. Seus olhos estavam estreitos e
ela me fitava hipnotizada, com os cotovelos apoiados na mesa.
Quando subi um pouco e passei a chupar seu clitóris, ela soltou o
corpo sobre a mesa e gemeu alto. Observar suas reações me
deixava ainda mais desesperado para dar prazer a ela e a penetrei
com dois dos meus dedos, enquanto meus lábios e língua
trabalhavam incansavelmente.
A Camila se contorcia, gritava, rebolava na minha boca e
afundava os pés nos meus ombros, completamente desesperada
para gozar. Meu pau latejava dentro da calça, doido para entrar em
campo. Mas ainda não era a vez dele e eu queria senti-la gozando
de novo na minha língua. Então permaneci a chupando arduamente.
– Não... não para, Dani... Eu vou gozar!
Eu não queria parar. Mas eu gosto de provocá-la e fico ainda
mais excitado quando ela fica brava. É louco isso, mas é verdade.
Então parei. Retirei meus dedos de dentro dela e também parei de
chupá-la. Arredei a cadeira um pouco para trás, mas sem deixar de
observá-la. Sorrindo, me recostei no encosto e levei as mãos para
cima da cabeça de modo despojado.
– O que você pensa que está fazendo? – me perguntou
ofegante.
– Estou descansando a mandíbula e o maxilar – respondi
tentando segurar o riso, com a carinha de brava.
– Não mandei você começar, então faça o favor de vir aqui
terminar! – ordenou.
Apertei os lábios para não rir. E eu queria mesmo terminar.
Meu pau babava dentro da calça, implorando por atenção. Mas sabe
como é... Estávamos acostumados a nos provocar. E aquilo era
muito excitante.
– Não. Acho que vou tomar um banho – blefei.
Mas se tinha um jogo que ela não estava disposta a perder,
era aquele. Assim que falei que iria tomar banho, a Camila retirou
minha regata braços acima e pulou para fora da mesa.
Sedutoramente, deu um passo até mim e subiu no meu colo,
com as mãos apoiadas nos meus ombros.
– Não, não, Dani – sussurrou no meu ouvido. – Eu vou
gozar, e vou gozar agora! – me avisou.
Pensei que ela fosse se esfregar em mim como da primeira
vez e me mantive parado, só a observando. A loira sedutora lascou
um beijão na minha boca, gemendo deliciosamente ao saborear seu
próprio gosto nos meus lábios e eu gemi junto. Nem percebi quando
ela levou as mãos para o meio de nós e só fui sentir quando ela
agarrou meu pau e o colocou para fora. Sem parar de me beijar, ela
o massageou, depois deslizou o polegar pela ponta, sentindo o
quanto eu estava molhado por ela. E eu adoro sentir aquela
mãozinha delicada em mim.
Mas então ela parou de me beijar e me olhou com um
sorrisinho afrontoso. Me deixando surpreso e sem reação, a Camila
guiou meu pau até a sua entrada e, antes que eu pudesse
processar tudo, ela montou nele, levando nós dois ao delírio.
– Cami... – falei sem saber o que queria dizer.
Ela sorriu, conforme se afundava preguiçosamente no meu
pau. Senti sua pele quente e molhada se acomodar em minha volta
e pensei que fosse gozar naquele instante.
– Eu me cuido, Dani... e tenho certeza que você também –
falou baixinho no meu ouvido. – Sendo assim...
Ela não disse mais nada e literalmente cavalgou em mim,
tornando a beijar a minha boca. Eu a envolvi forte com meus braços,
como se pudesse prendê-la ainda mais ao meu corpo.
Caralho, que tesão!
A Camila pulava, rebolava, se esfregava em mim, depois
tornava a pular. E eu cerrava os dentes para não gozar antes dela,
porque estava bom demais. Sem camisinha ficava tudo ainda mais
delicioso, porque a percepção sensorial é muito mais intensa e
prazerosa. Saber que não havia nada entre nós também aumentava
bastante o tesão, então evitei pensar naquilo. Do contrário, gozaria
no mesmo instante.
Mas para a minha sorte, a Cami não estava longe e não
demorou mais que dois minutinhos para chegar ao clímax.
– Ahhhh... eu vou gozar...
Arqueando o corpo para trás, a Camila cravou as unhas nos
meus braços. Ao ver seus mamilos rosados balançando diante dos
meus olhos, não me contive e abocanhei um biquinho, o chupando
com força.
A loira gemeu alto e seu corpo lindo se dissolveu em
espasmos, conforme eu sentia a sua bocetinha gostosa contraindo
ao redor do meu pau. Com isso, não precisei mais me conter e
gozei deliciosamente dentro dela pela primeira vez sem camisinha.
E foi gostoso pra caralho!
Nossos gemidos ecoavam pela sala, conforme nossos
corpos se satisfaziam um com o outro.
– Porra, você realmente vai acabar comigo, loira...
Ela deu um delicioso beijo na minha boca, antes de me
retirar de dentro dela.
– É essa a intenção – brincou.
O banho que não tomamos juntos na noite anterior, ficou
para aquela manhã. Assim que terminamos o café, fomos para o
chuveiro. Nós não transamos lá, mas trocamos bastante carícias e
beijos ternos, enquanto lavávamos o corpo um do outro. Conforme
passava suavemente a bucha pelas minhas costas, ela me
perguntou se eu malhava.
– Não tenho muito tempo, loira. Geralmente corro nos
sábados que não trabalho e aos domingos. A não ser isso, tento me
exercitar pelo menos mais uns dois dias na academia daqui do
prédio, que quase não tem aparelho – brinquei.
Ela riu.
– Eu tinha me esquecido que você também gostava de
correr.
– De modo informal, é claro. Não tenho preparo para
maratonas.
– Eu duvido muito – disse ao percorrer o dedo indicador pela
minha barriga, descendo em direção ao meu pau.
– Está querendo mais, não é? – perguntei ao puxá-la para a
minha frente.
– Daqui a pouco, Doutor – respondeu sorrindo.
Pelo visto, a Camila não queria transar, mas queria beijar. A
loira se colocou na ponta dos pés e me puxou para si pelo pescoço.
Eu a envolvi com os meus braços, com nossos lábios se
encontrando em beijos molhados e quentes. Meu pau foi
despertando e avisei a ela.
– Vamos parar, ou vou ter que te comer agora! – e mordi seu
lábio inferior.
A Camila deu um gemidinho sexy e vi que ela ficou na
dúvida, mas eu mesmo a distraí. A virei de costas e passei a lavar
seus cabelos.
Enquanto tomávamos nosso banho, trocávamos sorrisos e
olhares intensos, mas também nos divertíamos bastante
conversando sobre coisas do dia-a-dia. Acho que por isso as coisas
não esquentaram. A Cami me recordou que também gostava de
correr e sugeriu que fizéssemos isso juntos. Assim, dei a ideia de
passarmos o dia ao ar livre, correndo em um dos parques das
proximidades.
– Vamos ver se você me acompanha – provoquei.
– Ah, tá bom o fodão... – retrucou estreitando os olhos para
mim. E eu não resisti e a beijei de novo, porque adorava aquela
carinha petulante.
Ao sairmos do chuveiro, nos arrumamos e fomos para a casa
da Camila, para que ela pudesse pegar tênis e uma roupa de
ginástica.
Com a loira devidamente trajada, fomos curtir uma corridinha no
Parque Tingui. O sol brilhava no céu azul, e o vento soprava suave
em nossos rostos, conforme reduzíamos e acelerávamos as
passadas. E eu a admirava, toda corada e sorridente, me lançando
muitos olhares sedutores pelo caminho.
É claro que interrompi nossa corrida inúmeras vezes para
agarrá-la e curtir um pouco dos seus beijos deliciosos. E a Camila
não achava nem um pouco ruim, porque se pendurava nos meus
braços e invadia a minha boca. Numa das vezes, precisei até
interromper, porque a loirinha safada pulou no meu colo um tanto
desesperada, me fazendo esquecer brevemente onde estávamos.
– Comporte-se, loira! – falei ao retornar com o seu corpo
para o chão.
– Eu tento, mas é você quem fica me agarrando... – brincou.
– Então vamos voltar para o meu apartamento, pois lá você
pode fazer o que quiser comigo – sugeri.
Ela sorriu.
– Mas então vamos tirar umas fotos no Memorial Ucraniano
primeiro? Apesar de morar aqui há vinte e um anos, nunca tirei foto
lá, acredita?
– Acredito, porque eu morei no Rio quase a vida toda e ia na
praia apenas umas três vezes ao ano.
– Não é possível! – berrou horrorizada.
Foi impossível não rir da expressão da Camila, porque
parecia que eu tinha cometido um crime.
– Sério.
– Você tem algum problema, Daniel?
– Só porque eu ia pouco à praia?
– Ia pouco à praia morando no Rio de Janeiro, então é claro
que você deve ter algum problema. Se eu pudesse, nem saía da
praia. E olha que só conheço as de Santa Catarina. – Ela suspirou.
– Meu sonho é conhecer o Rio.
Eu não respondi nada, mas na hora já comecei a fazer
planos para apresentá-la a minha cidade natal.
– Então vamos tirar essas fotos!? – mudei de assunto.
– Vamos!
Já em frente ao monumento, conseguimos fazer apenas uma
foto. Por ser domingo, o local estava cheio de visitantes e turistas,
sem falar na criançada correndo de um lado ao outro.
Com isso, a Camila sugeriu que tirássemos algumas fotos
nos jardins adjacentes. Até tiramos algumas selfies juntos
explorando a paisagem ao redor do memorial, mas o que eu queria
mesmo, era tirar fotos dela. E com o meu celular, porque queria tê-
las para mim.
Quando vi a Camila segurando uma florzinha amarela,
imediatamente peguei meu telefone e registrei seu momento de
distração. E mesmo não vendo que eu estava a fotografando, ela
saiu absurdamente linda! Ao perceber que bati uma foto sua, ela me
olhou com um sorriso divertido e, ao mesmo tempo, sexy. Seus
olhos verdes azulados se destacaram na imagem, tornando-a ainda
mais linda.
Após mais algumas sessões de fotos nas quais ela posou
para mim, decidimos ir embora. Já estava dentro do carro, quando
recebi uma mensagem da Dona Rita. A senhora trabalhava lá na
cantina do Maria Diane e fazia deliciosos bolos caseiros por fora,
para ajudar na renda da família. Eu havia encomendado um bolo de
cenoura com cobertura de chocolate dela, e uma broa caseira para
a segunda-feira. Mas ela se confundiu, achando que aquele era meu
dia de plantão e tive que ligar para ela para explicar o engano. A
Camila ouvia tudo atentamente ao meu lado e, antes que eu
encerrasse a ligação, ela me interrompeu.
– Pelo amor de Deus, Daniel, eu amo um bolo de cenoura!
Por que não podemos buscar lá?
Pedi a Dona Rita que esperasse um pouquinho e brinquei
com a loira:
– Se eu buscar esse bolo lá agora, o que eu vou ganhar?
Ela sorriu e falou sem emitir som:
– A minha boca no seu pau.
Assim, combinei com a Dona Rita que em meia hora eu
estaria lá. Mas ansioso eu estava para chegar em casa.
CAPÍTULO 35

Camila
Chegamos ao hospital com nossas roupas de corrida e, por
conta disso, pedimos a Dona Rita que nos encontrasse no
estacionamento. Não era permitido que entrássemos de bermuda,
muito menos de short. Assim, descemos do carro e ficamos
encostados na lateral, conversando animadamente.
Apesar de estarmos no estacionamento, encontramos com
alguns funcionários que saíam e entravam no hospital, atraindo
bastante olhares para nós. Mas aquilo não me incomodava mais e,
quando avistei a Melissa passando pela porta olhando na nossa
direção, resolvi esfregar a minha alegria na cara dela. Sei que não
era um comportamento muito maduro, mas precisava descontar a
raiva que ela me fez com a mentira que contou a mim e a Carol.
Assim, abracei o Daniel de frente e o beijei na boca. Ele não deve
ter entendido nada, mas correspondeu com bastante desejo. Pensei
que ela teria a cara de pau de ir lá nos interromper, mas me
enganei.
A Dona Rita demorou em torno de uns vinte minutinhos para
aparecer. Quando a responsável pela cantina chegou, não perdeu
tempo em comentar sobre o fato de estarmos juntos.
– Olha... já assumiram esse namoro? – brincou.
Fiquei sem saber o que responder, mas o Daniel não.
– Já sim, Dona Rita.
Eu entendi a fala do Daniel, como ele tentando ser agradável
com a senhora e não dei muito ibope. Ela entregou os bolos a ele,
fazendo questão de dizer que torcia muito por nós.
Ao sairmos de lá, o Daniel passou em um restaurante que
ficava no caminho. Ele disse gostar bastante do lugar e pensei que
ele fosse sugerir que a gente comesse lá, mas não. Assim como eu,
ele preferia comer em casa e comprou almoço para levarmos. E eu
amei, porque só queria ficar a sós com ele de novo.
Se controla, Camila...
Após o almoço, tanto eu, quanto ele, ficamos bem
sonolentos. Decidimos tirar um cochilo abraçadinhos na sua cama,
para descansarmos um pouco.
Acabei acordando primeiro que o Daniel, umas três horinhas
depois e resolvi preparar um café fresquinho para tomarmos
comendo os bolos da Dona Rita.
Assim que o café ficou pronto, o Daniel surgiu na cozinha
com a cara amassada pelo travesseiro. Ele tinha deitado só de
cueca boxer preta e apareceu lá na cozinha assim.
– Acordou, dorminhoco? – perguntei com meus olhos
percorrendo seu corpo.
– Meu corpo sente quando você se levanta e eu acabo
despertando – respondeu com um sorrisinho de canto.
Um sorriso bobo também brotou nos meus lábios e não me
preocupei em escondê-lo.
– Quais são os seus planos para a nossa tarde? – me
perguntou.
– Tomar um café com esses bolos deliciosos e assistir um
filminho grudada em você, o que acha?
– Acho ótimo! – Ele sorriu.
Assim, após o café, nos acomodamos no sofá para escolher
um filme. O Daniel tinha pego dois travesseiros no quarto e se
recostou neles. E eu, mais que imediatamente, me recostei em seu
peito quente e duro.
Começamos a debater qual filme assistiríamos e nos demos
conta de que nossos gostos eram bem distintos. Houve risadas e
troca de insultos de modo divertido, até escolhermos um filme que
agradasse aos dois: SOS mulheres ao mar. Essa é uma comédia
romântica brasileira e, pela quantidade de atores de peso,
deduzimos que seria muito boa.
Durante o começo do filme, até que conseguimos prestar
atenção na história. Mas a partir de um determinado momento, a
proximidade física dos nossos corpos foi deixando a nossa
concentração mais difícil. Nossas mãos começaram a se tocar
casualmente enquanto nossos olhares se encontravam de vez em
quando. Conforme o filme avançava, os carinhos se tornaram mais
ousados e nossas mãos passaram a explorar os contornos das
nossas partes mais erógenas. Quando a mão grande e gostosa do
Daniel entrou para o meio das minhas pernas, eu não quis mais
saber de filme nenhum. Eu me virei afoita de frente para ele,
atacando a sua boca de modo desesperado.
Enquanto nos beijávamos, o Daniel guiou minha mão para o
seu peito e, após acariciá-lo por ali, desci pela barriga definida com
músculos sutis. Seus músculos se contraíram ao meu toque e
avancei mais, passando pelo umbigo, rumo aos pelinhos macios da
sua entrada. Quando minha mão chegou ao seu pênis, o calor e a
rigidez da sua pele me incendiaram. Em questão de segundos,
nossas peças de roupas já estavam sendo jogadas ao chão.
E ele não perdeu a oportunidade de me provocar:
– Vamos ver o filme, loira!
– Não quero saber de filme, a única coisa que quero é o seu
pau entrando em mim!
Ficou claro que o Daniel gostou do que ouviu, pois deixou
escapar um suspiro sofrido, com os dentes cerrados. Ele se ajeitou
melhor no sofá e fez sinal com as mãos para que eu subisse em seu
colo. Mas já estava mais do que claro que ele gostava de me comer
me vendo de costas, então dei a ele o que gostava. Subi em seu
colo de costas e posicionei seu pau na minha entrada. Assim, ele
ficou deitado, comigo sentada sobre o seu corpo.
Ao sentir que seu pau chegou ao fundo, passei a rebolar
desesperadamente, sem conseguir me segurar mais.
Durante bons minutos, o Daniel permaneceu deitado, apenas
auxiliando meus movimentos com as duas mãos pregadas na minha
bunda. Ele gemia sensualmente, conforme arreganhava a duas
bandas. E quando ele fazia aquilo, eu podia sentir seu pau duro
atingindo um ângulo diferente e acelerava os meus movimentos.
– Isso, sua gostosa, rebola!
Ao ouvir suas palavras, um gemido desesperado saiu da
minha garganta, conforme meus músculos internos se contraíam de
modo involuntário.
– Adoro sentir sua bocetinha sugando meu pau, Cami!
Com aquela frase, eu realmente me descontrolei e passei a
rebolar de modo frenético. Acho que o Daniel também se
descontrolou e subiu com o tronco de encontro ao meu. Gemendo
alto, ele lambia e roçava sua barba macia no meu ombro, causando
sensações intensas dentro do meu corpo e sobre a minha pele. Meu
corpo arqueou e minha cabeça caiu para trás, ficando apoiada em
seu ombro.
Com a sua boca a milímetros da minha, o médico gostoso
não se conteve e me beijou de modo ardente. Eu perdi o ritmo dos
meus movimentos, mas ele obrigou a minha pelve a continuar
trabalhando na mesma intensidade, sem me dar trégua até que eu
gozasse. E quando comecei a gozar, ele forçou ainda mais seu pau
dentro de mim, me levando a loucura.
Nós gememos sincronizados, conforme atingíamos ao clímax
juntos. Depois disso, terminamos o filme agarradinhos um ao outro

Os dias foram seguindo e eu parecia estar nas nuvens.


Ficava rindo sozinha como uma boba apaixonada. E minha irmã
obviamente foi a primeira a comentar. Estávamos na sala vendo
televisão, e assim que ficamos a sós, ela perguntou.
– Está apaixonada, né irmã?
Não tinha mais por que negar, eu sabia que estava.
– Sim, irmã. E não sei se isso é bom ou ruim.
– É claro que é bom. O Daniel é um príncipe!
– Puxa saco!
– Sou mesmo. Adoro meu cunhado, e já adorava antes
mesmo de ele ser meu cunhado.
– Ele não é seu cunhado, Débora. Nós estamos apenas
curtindo.
Ela revirou os olhos com desdém.
– Sei.
No dia seguinte, era dia do Daniel no Maria Diane. Ele já
havia saído do Ana Nery e estava esperando para começar na
clínica do amigo do Alex. Com isso, geralmente trabalhava um dia
sim, outro não. E nos dias em que não trabalhava, ele insistia
bastante para que eu dormisse com ele. Mas eu não ia, porque
queria que as coisas corressem devagar, deixando para ficarmos
juntos apenas no final de semana, além dos amassos furtivos pelos
corredores do hospital.
Então quando a sexta-feira chegou, ele estava morrendo de
saudade de mim, e eu, querendo desesperadamente me fartar em
seus braços.
Nós já tínhamos combinado que iríamos embora juntos,
direto para o seu apartamento. Falei com os meus pais que dormiria
na casa de uma amiga, porque não queria que me perguntassem
coisas que eu ainda não sabia como responder.
Durante a tarde, ainda no trabalho, precisei imprimir uns
arquivos, mas as folhas A4 tinham acabado. Falei com as meninas
que iria ao almoxarifado pegar um pacote e a Nara aproveitou para
pedir que eu pegasse uma caixinha de grampos também.
– Pode deixar, já volto.
Caminhei apressada para o final do corredor, tentando não
me demorar demais. Ao chegar na sala que ficava estocado todas
as coisas do setor administrativo, notei que algum ser iluminado
havia trocado tudo de lugar.
– Ah, que ótimo, onde estão os pacotes de A4?
Após olhar bastante ao redor, vi que a pessoa colocou o que
era mais utilizado na última prateleira da estante de ferro.
– Palmas para você, ser inteligente! – ironizei em voz alta.
Assim, tive que puxar uma cadeira para conseguir alcançar
um pacote e, mesmo assim, ainda precisei ficar na ponta dos pés.
Ao puxar a embalagem, escutei alguém abrindo a porta, mas
não me virei para olhar. Estava mais preocupada em conferir se
eram mesmo folhas de ofício. Mas quando escutei a pessoa
trancando a porta, me assustei e olhei de pressa para trás.
– Filho da puta, que susto! – falei quando vi o Daniel todo
sorridente me olhando, de braços cruzados próximo à porta.
– Estou com saudade, loira! – me disse ao se aproximar.
Achei tão fofo e sorri feliz com o comentário. Eu pulei da
cadeira radiante e abri meus braços para ele.
– Hoje à noite você vai matar a saudade do meu corpo e
agora você pode matar a saudade da minha boca.
Ele sorriu ardilosamente, conforme ia ao meu encontro e me
abraçava apertado.
– Acho que não vou esperar até de noite, loira.
Não dei muita atenção para a sua resposta e perguntei como
ele me achou ali. O Daniel respondeu que estava indo me chamar
para um café, quando me viu vindo nessa direção.
– Aí eu vim atrás para ver o que você estava aprontando.
– Então vamos tomar um café – falei segurando sua mão e o
puxando em direção a porta.
– Eu não quero mais – me disse conforme me puxava de
volta para si. – Agora eu quero outra coisa, e eu vou ter aqui
mesmo.
Reconheci seu tom luxurioso e olhei bem o seu rosto,
tentando decifrar se ele falava sério. Se eu tinha alguma dúvida, ela
se extinguiu no momento em que sua boca atacou a minha.
Parecendo estar com raiva, o Daniel me beijou de modo obsceno e,
apesar de estar preocupada com o local que estávamos, meu corpo
reagiu na hora. Meus mamilos ficaram durinhos dentro do sutiã e
minha calcinha molhou.
Quando o Daniel parou de me beijar para puxar a camisa do
pijama braços acima, tive certeza do que ia acontecer.
– Agora, loira, você vai me pagar por toda a frustração que
me fez sentir nos últimos dias, por não ter aceitado ir para o meu
apartamento.
Seu tom de ameaça me deixou muito excitada. Eu iria
brincar, falando que não pagaria coisa alguma, mas aí ouvi outra
ordem que fez meu clitóris pulsar.
– Tira a roupa! – ordenou com seu tom grave.
– Não.
– Se eu tiver que tirá-las eu mesmo, vou rasgá-las!
O desejo parecia queimar em seus olhos e não tive dúvidas
de que ele pudesse fazer aquilo. Então, o obedeci, afinal, precisava
das minhas roupas intactas para voltar ao trabalho.
Ao ficar do jeitinho que vim ao mundo, o Daniel gemeu.
– Você é maravilhosa, Cami! – me disse conforme seus
olhos percorriam meu corpo.
Seus elogios faziam com que eu me sentisse a mulher mais
sexy do mundo. Não só seus elogios, mas o modo como ele me
olhava também.
– E se alguém bater na porta? – perguntei, rezando para que
isso não acontecesse.
– Vai ficar batendo, porque eu só abro depois que você gozar
– falou ao descer as calças até os pés. – Agora se ajoelha aqui!
Você vai me chupar. Depois eu vou te comer de quatro nesse chão.
Aquela promessa me deixou sem ar e senti mais uma
corrente de lubrificação descendo. Na mesma hora, me ajoelhei na
sua frente e enfiei seu pau na minha boca. Gemendo de modo
contido, o Daniel agarrou meus cabelos, fazendo com que eu o
engolisse todo. E senti-lo batendo na minha garganta era gostoso
demais. Ele não era bruto e me dava tempo o suficiente para
respirar. E a cada arremetida sua na minha boca, eu ficava ainda
mais molhada.
Após mais algumas estocadas, ele retirou o pau da minha
boca todo babado. Se colocando atrás de mim, me fez ficar de
quatro e também se ajoelhou no chão. Passou aquela mão enorme
na minha bunda e me deu um tapa ardido. E sem nenhum aviso
prévio, meteu forte em mim. Meus músculos vaginais passaram a
apertar seu pau ininterruptamente, e mais que depressa, levei uma
das mãos para o meio das minhas pernas.
– Eu adoro ver você se tocando, loira... não para!
E não parei mesmo. Enquanto o Daniel me comia sem
descanso, eu esfregava meu clitóris desesperada para gozar. Sabia
que ficaria com os meus joelhos vermelhos e esfolados, mas nem
liguei.
Por isso, vale a pena...
Quando o Daniel deu outro tapão na minha bunda, gemi alto
e olhei para trás. Aquela imagem... Ele estava fascinado olhando
para baixo, enquanto me penetrava sem dó. Suas mãos estavam
fixas nas laterais da minha bunda e tinha certeza que seus olhos
deviam estar no meu ânus. Precisei até voltar a apoiar a outra mão
no chão, porque aquela imagem era excitante demais e me fez
pensar que eu pudesse desabar. Seus músculos levemente
definidos brilhavam por causa da pele molhada de suor, seu
abdômen estava deliciosamente contraído e seus olhos pretos,
completamente vidrados. Com isso, tornei a olhar para frente,
porque aquela visão era perfeita demais e corria o risco de eu ficar
ainda mais apaixonada, se é que era possível.
Saindo de dentro de mim de repente, ele me virou para si,
me colocando de costas no chão.
– Quero gozar beijando na sua boca – explicou ao se colocar
entre as minhas pernas.
Nossa... esse homem...
Assim, mais uma vez o Daniel meteu em mim, mas dessa
vez apoiando seu corpo quente e pesado sobre o meu. E como
prometido, me beijou com fúria. E eu aproveitei o descanso dos
meus joelhos e o envolvi com as pernas, aproveitando para me
esfregar nele, querendo-o ainda mais dentro de mim.
Quando o Daniel deu uma reboladinha gostosa enquanto me
beijava, eu gozei deliciosamente. O prazer extremo gerou uma
contração na minha vagina e tenho certeza que ele sentiu. O
gemido rouco que o Daniel soltou em resposta aos meus espasmos
me deixou toda arrepiada. No segundo seguinte, ele estava
gozando dentro de mim, enquanto prendia meu lábio inferior entre
seus dentes.
Quando nossas respirações se acalmaram, nos recompomos
e saímos do almoxarifado como se nada tivesse acontecido.
Capítulo 36
Camila
Estava tudo indo perfeitamente bem entre mim e o Daniel,
até aquele sábado. Nós tínhamos passado a noite anterior na casa
de um amigo seu, no aniversário da esposa do cara. Depois disso,
fomos para o seu apartamento e dormi lá.
A madrugada foi como todas as outras, com momentos de
sono alternados com transas deliciosas. Fomos de fato dormir, já
passava das 3h da madrugada.
Meus pais já desconfiavam de que eu estava com alguém,
pelo tanto de dias em que eu dormia fora. As perguntas começaram
a se tornar frequentes, mesmo que eu me esquivasse delas. Todo
dia algum dos dois tentava arrancar alguma informação de mim.
Mas eu ainda não me sentia à vontade para contar, primeiro porque
eu e o Daniel não havíamos dado um título para o nosso
relacionamento. Então, para todos os efeitos, não tínhamos nada
um com o outro. Segundo porque eu tinha a sensação incômoda de
que algo de errado iria acontecer. Por mais que tentasse pensar
positivo, algo me dizia que não iríamos dar certo.
Quando comentei sobre essa sensação com a Débora,
minha irmã me disse que eu estava projetando o fracasso do meu
primeiro relacionamento no Daniel. Disse que aquilo era normal e
que em breve passaria. Disse também que o médico parecia gostar
muito de mim e me esforcei bastante para acreditar. Mas confesso
que não estava sendo muito fácil e eu preferia continuar tentando
não criar expectativas demais.
No sábado de manhã, após o aniversário da esposa do seu
amigo, o Daniel me acordou com deliciosos beijos e transamos
bastante logo cedo. Naquele dia eu não dei aula de balé, pois a
escolinha estava em reforma.
Após tomarmos café juntos, eu disse a ele que iria para a
minha casa.
– Vai mais tarde, Cami – pediu. – Fica mais comigo.
Ele disse que ainda estava com saudade, mas expliquei que
precisava estar um pouco mais com a minha família. Andava muito
ausente de casa e não me sentia bem com aquilo.
Como ele estava de plantão naquela noite e pegaria no
trabalho às 18h, falei que seria bom que aproveitasse o dia para
descansar. Um pouco a contragosto, o Daniel concordou. Assim, me
levou embora e me deixou na porta de casa. Nos despedimos de
modo apaixonado e ele me fez prometer que passaria o domingo
com ele.
Ao entrar em casa, minha mãe me contou que a Débora
estava passando mal.
– Sua irmã não está se sentindo bem, Cami. Está enjoada e
com tontura. Preciso da sua ajuda para fazê-la comer.
– Desde quando? – perguntei.
– Desde ontem à noite.
– Será que foi algo que ela comeu?
– Não sei, Cami. Mas está mais com cara de virose. Ontem
nós pedimos pizza e se fosse isso, seu pai e eu também estaríamos
passando mal.
– Sim, mas pode ser algo que ela comeu na faculdade.
– Pode, mas ainda assim, acho que é virose.
– Vou subir lá para vê-la.
– Isso, vê se ela já se sente melhor.
Ao entrar no quarto da minha irmã, a coitada estava
estatelada na cama, toda abatida, com cara de quem já havia
vomitado bastante. Seu rosto estava pálido e com olheiras escuras.
A Débora me contou que não tinha nem dormido direito à
noite, pois toda hora precisa levantar, ou para vomitar, ou para
defecar. Falei que seria melhor a gente ir ao médico, mas ela insistiu
que não era necessário.
– Só preciso me hidratar, Cami – me disse. – Já, já isso
passa.
De fato, como o recomendado para o tratamento de virose é
repouso e bastante hidratação, eu e minha mãe passamos o dia
todo enfiando água e soro goela abaixo da Débora. Também não
deixávamos que ela fizesse nada, para que não se esforçasse. Mas
ela também não estava com muita energia e não insistiu em fazer
nada além de descer as escadas para ver televisão na sala.
Seu apetite também estava zero. Mesmo que eu e minha
mãe estivéssemos fazendo todas as suas comidinhas preferidas,
minha irmã não tinha vontade de comer nada.
Por volta das 18h, meu pai foi ao seu quarto insistir para
levá-la ao hospital. Mas a Débora bateu o pé de que não precisava,
que já estava se sentindo melhor e que em breve estaria cem por
cento. Assim como eu, meu pai acreditou e não insistiu mais.
Por volta das 23h, quando nossos pais já estavam dormindo
e, para ser sincera, eu também, minha irmã entrou no meu quarto,
toda chorosa. Demorei para entender o que estava acontecendo,
antes de ela se sentar ao meu lado chorando.
– Cami, não dá mais... – fungou parecendo enjoada – quero
ir para o hospital...
– Mas, irmã, você disse que tinha melhorado... – falei ao me
sentar.
– Eu menti! E meu estômago já está doendo de tanto
vomitar, nem tem mais nada para sair...
– Vou trocar de roupa para te levar – e pulei da cama. – Vai
se trocar também! – falei ao olhar para o seu pijama.
Minha irmã saiu do quarto se arrastando e foi se vestir.
Diferentemente de mim, a Débora, sempre que adoecia,
fingia estar tudo bem para não incomodar nem preocupar os nossos
pais. Mas eu achei que aquela mania tola tinha ficado na infância e
não imaginei que com vinte e três anos nas costas ela ainda fizesse
aquilo. Só que deixei para repreendê-la em outro momento porque
ela já estava se sentindo mal o suficiente.
Apesar de haver hospitais mais pertos da nossa casa, eu a
levei para o Maria Diane com o carro do nosso pai. Sabia que lá o
atendimento seria mais rápido e, se tivesse muito movimento, o
próprio Daniel poderia medicá-la.
Por sorte, o hospital estava bem vazio e não demorou mais
que cinco minutos para a Débora ser atendida. Pensei em mandar
uma mensagem para o Daniel dizendo que estava lá no pronto
atendimento, mas desisti. Como não o encontrei ali, deduzi que
estivesse dormindo e esperei que encaminhassem a Débora para
tomar soro na veia para ir procurá-lo.
A médica que atendeu a Débora, a Doutora Glória, era muito
boazinha e atenciosa. Eu já a conhecia pelo nome, mas nunca tinha
a visto pessoalmente. Ela realizou um exame físico, apalpando a
sua barriga e fez algumas perguntas sobre os seus sintomas. Após
avaliar a situação, confirmou que se tratava de uma virose e pediu a
uma enfermeira que ministrasse um Dramin junto com o soro.
A Doutora Glória reforçou que, além da medicação, minha
irmã precisava de descanso e hidratação adequada.
Quando a Débora já estava devidamente medicada e
tomando soro na veia enquanto assistia TV, pedi que me
aguardasse um pouquinho para que eu fosse dar um beijo no
Daniel.
– Vai lá, ô apaixonada!
Revirei meus olhos e sorri.
– Vou mesmo. Não é você que diz que preciso aproveitar?
– Isso, vai mesmo! – concordou se divertindo.
Subi bem empolgada e ansiosa para o quartinho de
descanso, deduzindo que ele estivesse por lá. E, ainda na
expectativa de surpreendê-lo, não mandei nenhuma mensagem.
O corredor do sexto andar estava bem vazio e caminhei
silenciosamente em direção ao cômodo. Ao chegar, respirei fundo e
dei um toque suave na porta. Eu estava um pouquinho nervosa e
não sabia bem o porquê. Entrei bem devagar para não acordar
quem estivesse lá dentro.
Como eu disse, o cômodo não ficava completamente escuro
por causa de uma janelinha de vidro em uma das paredes e, mesmo
sem acender a luz, vi a cena que me fez ficar nauseada.
O enjoo foi tanto que, por um momento, pensei que tivesse
pego a virose da Débora.
Não estou acreditando nisso...
Mesmo enxergando perfeitamente bem, ainda assim, acendi
a luz. O Daniel estava deitado em uma das camas, com a Melissa
abraçada ao seu corpo e com uma das pernas para cima das suas.
Apesar de ambos estarem de roupa, meu coração disparou de ódio
e minhas mãos começaram a tremer, assim como as minhas
pernas.
Por alguns breves segundos, fiquei sem saber como reagir.
Foi só quando o enfermeiro que estava na cama ao lado falou
comigo, é que saí do torpor.
– Moça, você pode apagar a luz?
Eu não respondi, mas caminhei em direção àquela cena
lamentável. Foi aí que o enfermeiro me olhou, depois olhou na
mesma direção dos dois. Eu não sabia o seu nome, mas o conhecia
de vista. Então possivelmente ele também me conhecia e sabia que,
bem ou mal, eu e o Daniel tínhamos um rolo.
E isso ficou muito claro, quando o escutei dizer:
– Putz, que merda!
– É, uma merda! – concordei, me segurando para não fazer
um barraco.
– Vou nessa – ele me disse se levantando.
– Não precisa – avisei. – Não vou demorar.
Com isso, dei um forte cutucão na barriga do Daniel,
afundando meus dedos na sua pele. Era o mínimo que eu poderia
fazer porque o que eu queria mesmo era bater nele. E nela.
Ele acordou alisando a região e franzindo o cenho. Quando
seus olhos me encontraram, ele sorriu.
– Estou sonhando, loira? – me perguntou.
Cara de pau...
– Não sei – respondi seca, com a voz falhando de raiva. –
Seria melhor que eu estivesse sonhando. – E apontei para a
Melissa. – Você pode me explicar o que é isso?
A sonsa da médica já havia acordado e bocejou de modo
cínico. Não sei se foi fingimento ou sei lá o quê, mas o Daniel se
assustou bastante quando a viu em cima de si.
– O que é isso, Melissa?! – perguntou a ela.
O enfermeiro se mantinha atento à cena, fingindo estar
incomodado com a situação, mas estava claro que ele estava
adorando. Cada hora ele olhava para um de nós, com a expectativa
pelas respostas estampada no seu rosto.
Como estava morrendo de raiva da médica abusada, decidi
dar a ele o entretenimento que buscava.
– Olha só, Melissa, você tem dois segundos para se levantar
daí, caso não queira que eu te tire à força de cima do Daniel. Posso
te garantir que será uma experiência bem dolorosa. Eu sou
pequena, mas a minha ira é bem grande!
Eu não gritei, mas o modo como falei deixava claro que eu
seria capaz de fazer tudo aquilo.
Ela se assustou com a minha ameaça e se fez de coitada,
levando a mão ao coração e olhando para o Daniel.
– Que horror, meu Deus! Nunca na minha vida eu sofri uma
ameaça dessas.
– Um – contei, ignorando o seu teatro barato.
O Daniel não disse um “a” e ainda fechou a cara. Quando
comecei a falar a primeira sílaba do “dois”, ela se levantou.
– Como você é barraqueira! – me disse desaforada.
– Você acha? – Eu me aproximei dela, que deu dois passos
para trás, deixando evidente que ficou com medo. – Experimenta
encostar nele de novo, que aí sim eu vou te mostrar o que é um
barraco. Eu vou te arrastar para o estacionamento pelos cabelos e
vou fazer você passar a maior vergonha da sua vida. Dane-se o
meu emprego. A minha única preocupação vai ser te ensinar a ser
menos oferecida. Então se você tem um pingo de amor ao seu rosto
bonito, não me provoca! Do contrário, ele será esfolado pelo asfalto
na frente do hospital inteiro!
Horrorizada com a minha ameaça, ela tornou a olhar para o
Daniel, que permanecia sério, coçando a cabeça irritado. Podia jurar
que a sua irritação era comigo, mas não me preocupei.
Como ele não falou nada, ela calçou seu crocs e saiu do
quarto, tentando ao máximo não passar perto de mim. Acho que ela
realmente ficou com medo, mas mal sabia ela que eu não era de
nada. Minha única briga na vida foi com a Débora quando éramos
crianças e ao nos ver brigando, nossos pais deram uma coça em
mim e nela. Aquilo serviu de lição e nunca mais encostamos a mão
uma na outra.
O enfermeiro fez o mesmo que a médica safada, mas não
sem antes me elogiar.
– Gostei de ver, hein, moça! Até eu fiquei com medo de você.
– E saiu sorrindo.
Mas eu não estava com nenhum humor para piadas e segui
encarando o Daniel.
Ao ficarmos sozinhos, ele foi o primeiro a romper o silêncio.
– Eu não vi que ela tinha se deitado ao meu lado, Cami.
– Você quer mesmo que eu acredite nisso, Daniel? Você não
tem o sono pesado, como não sentiu essa sonsa se aconchegando
no seu peito? Ela não estava ao seu lado, ela estava em cima de
você! – contestei, dessa vez aumentando o meu tom de voz. Não foi
de propósito, mas eu estava inconformada.
– Não senti, meu amor! Eu te juro! – falou ao se levantar.
O Daniel deu um passo até mim para me abraçar, mas me
afastei, dando mais dois para trás.
– Vamos dizer que eu acredite, o que não é o caso, por que
você acha que ela fez isso?
– Não tenho ideia – respondeu sacudindo os ombros. – Eu
não esperava um comportamento desses.
– Pois eu te respondo: por que você não corta a dela! Então,
de um jeito ou de outro, suas atitudes estão deixando a desejar. E já
que você gosta de ser cobiçado, se contente com ela porque eu tô
fora! E duvido muito que essa tenha sido a primeira vez. Vocês
devem dormir assim sempre.
Não esperei que ele falasse nada e saí às pressas rumo ao
elevador. Graças a Deus, quando ele estava chegando perto, as
portas se fecharam e ele teve que pegar o próximo. Isso me deu
tempo o suficiente para ir até a Débora e contar toda a situação.
Minha irmã pediu que eu me acalmasse, alegando que tudo deveria
ter uma explicação. Mas eu não queria saber. A nossa história tinha
chegado ao fim e eu sabia que aquilo aconteceria a qualquer
momento.
Quando o Daniel conseguiu nos encontrar, já estávamos
caminhando em direção ao carro no estacionamento.
– Camila, espera! – fingi que não ouvi.
Mas o Daniel não desistiu. Correu até nós e passou a se
justificar. Repetiu que não percebeu a Melissa ao seu lado, mas
nem dei ouvidos. Estava muito magoada e fazendo um esforço
enorme para não chorar. A tristeza, a raiva e a frustração se
acumularam no meu peito e as lágrimas começaram a se formar nos
meus olhos. Mas eu me recusava a chorar!
O Daniel pediu que eu o escutasse, mas a Débora disse a
ele para me deixar quieta, que deveríamos conversar depois. Bem a
contragosto, ele assentiu.
Mas isso não iria acontecer, porque eu não daria ouvidos
para ele mais. Estava decidida que não o queria mais na minha
vida.
CAPÍTULO 37

Daniel
Não acredito que isso está acontecendo!
Voltei para o hospital puto pra caralho com a Melissa. A
Camila tinha razão e eu deveria ter cortado suas investidas há
tempos. Eu, assim como todo mundo, já havia percebido o interesse
dela por mim, mas achava que se simplesmente não desse corda, já
seria o suficiente, que eventualmente ela desistiria. Ficou claro que
eu estava enganado.
Ao passar pela porta da frente, fui direto para o pronto
atendimento tentar encontrá-la. Minhas mãos suavam e podia sentir
a veia do meu pescoço pulsando.
Estava com todo o meu discurso na ponta da língua. Mas,
apesar de estar atendendo lá assim como eu, não a encontrei.
Fui achá-la no refeitório quase uma hora depois. Quando a vi
sentada em uma das mesas mexendo ao celular, respirei fundo e
me sentei de frente para ela.
– Nossa, Daniel, fiquei muito horrorizada com tudo que a
Camila me falou – reclamou.
Tentando não perder a paciência, respondi:
– Ela também ficou bem horrorizada em ver outra mulher
praticamente montada em cima do seu namorado – fui firme. – O
que você estava pensando, Melissa? Que liberdade é essa?
Penso que ela não esperava que eu fosse repreendê-la e,
nessa hora, ficou mais do que evidente que eu deveria ter sido bem
claro antes.
– Ah, eu estava com frio, Dani... e não vi maldade em me
deitar ao seu lado. Nós somos amigos e...
– Não faça isso nunca mais! – falei sério.
Ela me olhou assustada e confesso que fiquei com um pouco
de pena, então reduzi um pouco o tom.
– É o seguinte, Mel, eu valorizo muito nossa relação de
trabalho e nossa amizade e é por isso que sinto que devo ser
honesto com você. Eu amo a Camila e, mesmo que não houvesse
nenhuma outra mulher na minha vida, nós não temos nada a ver um
com o outro. O que rolou entre nós ficou lá no Rio de Janeiro e
gostaria muito que você compreendesse.
– Não foi a minha intenção prejudicar o seu lance com a
Camila, me desculpe.
– Lance, não, namoro. – Eu respirei fundo e prossegui: –
Espero que nada disso afete nossa parceria no trabalho, porque
você é uma pediatra incrível e uma excelente parceira. – Vi que
seus olhos lacrimejaram, mas não parei por aí. – Eu vou conversar
com a Camila, vou dizer que a amo e que nunca vai rolar nada entre
nós. Espero poder contar com a sua colaboração pelo bem do meu
relacionamento.
– Sim... Claro... claro que pode contar – falou envergonhada.
– Obrigado!
Passei a madrugada toda pensando na Camila. Percebi que
tinha a magoado profundamente e só de lembrar dos seus olhos
tristonhos no estacionamento, meu coração ficava apertado. O
arrependimento por nunca ter dado um “chega pra lá” na Melissa me
dominou e não consegui me concentrar em nada naquela noite.
Porra, Daniel, ela já achava que você era o maior pegador,
agora então...
Ainda bem que não peguei nenhum caso complicado, pois só
pensava no que poderia fazer para reconquistar a confiança da loira
da minha vida.
Enquanto suturava o supercílio de uma criança que caiu de
uma beliche, uma série de pensamentos e ideias surgiram, mas a
única coisa que eu podia fazer naquele momento, era torcer para
que as horas passassem bem rápido.
Apesar dos receios, eu tinha fé de que conseguiria me
entender com a marrentinha que eu amava.
Capítulo 38

Camila
Não dormi quase nada naquela noite. Só conseguia pensar
em como meus instintos não me enganavam. Eu tinha convicção de
que se a Melissa se sentiu no direito de deitar daquela forma tão
íntima com ele, é porque os dois ainda tinham algo um com o outro.
Possivelmente, ainda se pegavam como ela havia falado comigo e
com a Carol.
Novamente, me lembrei de quando entrei no hospital e as
meninas me disseram que todos os médicos eram safados, até os
casados. Pelo visto, o Daniel não fugia à regra.
Eu imaginava que a minha noite tinha sido muito pior do que
a da Débora, mesmo que ela estivesse passando mal e eu não.
Passei o resto da madrugada olhando para o teto, com o meu
coração parecendo pesar uma tonelada. Cada respiração parecia
mais difícil do que a anterior, mas eu me recusava a chorar.
Ele não merece as suas lágrimas, Camila!
Eu virava de um lado para o outro na cama, fazendo um
esforço enorme para conseguir dormir. Mas a angústia venceu e eu
não preguei os olhos. Meus pensamentos oscilavam entre
lembranças carinhosas e quentes que nós dois tivemos juntos e a
cena da médica oferecida sobre o seu corpo, toda aconchegada e
íntima.
A primeira coisa que a Débora fez ao acordar foi ir até o meu
quarto, ver como eu estava.
– Bom dia, Cami. Como foi a sua noite?
– Uma merda. E a sua?
– Acho que foi melhor do que a sua. Depois da medicação,
não tive mais náuseas e muito menos vômitos. Estou até com fome
– brincou ao bater na barriga.
Eu forcei um sorriso, mas minha irmã viu que eu estava
triste. Como sempre fazia quando me via mal, ela se deitou ao meu
lado e me abraçou de modo carinhoso.
– Vocês vão se entender, irmã – me disse. – Eu sei que vão.
– Não vamos, Débora, porque eu não confio mais nele. E
outra, é provável que o Daniel nem sinta nada por mim. E nesse
caso, é melhor que tenha acabado de uma vez, porque senão, o
estrago no meu coração poderia ser maior.
– De onde você tirou isso, Camila? É claro que ele gosta de
você! Está na cara do homem.
– Não gosta, Dé, e está tudo bem. Ele nunca me prometeu
nada, mesmo. Sei que curtia ficar comigo, mas não passava disso.
Nós nos damos muito bem na cama, mas para ele, deve ser só isso.
Por isso estava de conchinha com outra.
– Eu acho que você deveria ouvir a explicação dele.
– Já ouvi e não acreditei em uma só palavra. Então, mais
uma vez, é melhor que nosso rolo tenha terminado agora. Eu já me
sinto tão apaixonada por ele, imagina daqui a alguns meses.
– Nossa, isso sim é algo surpreendente...
– Eu estar apaixonada?
– Não, você estar assumindo o que sente. Pensei que
quando isso acontecesse, você iria lutar bastante para esconder até
de você mesma.
– Antes eu tivesse feito isso... – suspirei. – Talvez agora eu
estivesse menos machucada.
A Débora apertou seus braços ao meu redor e me deu um
beijinho na bochecha.
– Vai passar, irmã, nós sabemos disso.
– Sim.
Ficamos mais uns minutos lá no meu quarto, abraçadinhas e
deitadas na minha cama, como fazíamos quando éramos mais
novas.
Quando a barriga da Débora passou a gritar demais,
descemos para tomar café. Nossos pais já estavam na cozinha e
aproveitamos para contar a eles que tínhamos ido ao hospital.
Os dois ficaram preocupadíssimos com a Débora, mesmo
que ela afirmasse que já se sentia bem. Com isso, minha mãe fez
questão de fazer mais umas comidinhas preferidas dela, para mimá-
la e para motivá-la a comer.
Enquanto a aguardávamos assar um bolo de banana, nos
sentamos ao redor da mesa da cozinha e começamos a conversar.
Quero dizer, os três conversavam sozinhos porque eu não estava
conseguindo prestar atenção em nada.
– Cami – meu pai me chamou –, está tudo bem?
– Sim, pai. Por quê?
– Você está muito quietinha. Tá estranha.
– Só estou cansada – menti.
A Débora me olhou com cumplicidade, me lançando um
sorrisinho terno. Eu correspondi bem desanimada.
Praticamente ao mesmo tempo em que a minha mãe retirou
o bolo do forno, a campainha tocou.
– Será que é o Gustavo? – ela perguntou.
– Cedo assim, duvido! Dia de domingo, mesmo quando ele
vem para almoçar, não consegue chegar aqui antes das 13h – meu
pai respondeu. – Deixa eu ir ver quem é.
De fato, meu irmão nunca ia cedo lá pra casa. Quando meu
pai retornou, dois minutos depois, achei que pudesse ter visto um
fantasma. Ele estava com uma expressão confusa, olhando para a
minha mãe franzindo o cenho.
– Temos uma visita – disse a ela.
Assim que falou, o Daniel surgiu atrás do meu pai, todo
sorridente com um buquê de flores nas mãos. Meu coração bateu
descompassado e imediatamente fiquei trêmula. Cheguei até a
ajeitar a postura na cadeira.
– Bom dia a todos! – nos cumprimentou sorridente.
A Débora murmurou um “que fofo” ao meu lado, mas eu me
encontrava sem reação.
– Doutor Daniel, que surpresa boa! – minha mãe disse
tentando soar sincera, mas ela estava visivelmente confusa.
Mas depois ela suavizou a expressão e sorriu, olhando para
a Débora e para o buquê.
– Já sei, veio ver se a Débora está bem, não é? Que gentil!
A Débora gargalhou ao meu lado, soltando algumas
piadinhas que não consegui entender, pois estava impactada
demais. Talvez até mais que os meus pais.
– Eu quero saber se a Débora melhorou sim, mas não foi por
isso que eu vim – disse com os olhos cravados nos meus. – Eu vim
dizer à minha namorada que ela é o amor da minha vida e que não
aceito ficar sem ela.
A Débora gritou eufórica ao meu lado, assustando ainda
mais os nossos pais. Os dois permaneciam incrédulos e imóveis
prestando atenção na cena, assim como eu.
O Daniel se aproximou de mim, se agachando aos meus
joelhos. Ele me estendeu o buquê de girassóis, que não consegui
pegar, pois estava incapacitada.
– Eu te amo, anjinho! Você é a única mulher que eu quero!
Me desculpe pela cena de ontem, mas eu te prometo que nada
parecido acontecerá de novo.
Confesso que me emocionei e só então consegui mover
minhas mãos para pegar o buquê. E ele continuou:
– Em pouquíssimo tempo, Cami, você se tornou o meu sol, a
minha alegria, o meu anjo de luz. Nenhuma outra mulher tem o
poder de me irritar tanto quanto você, e eu amo isso. Como eu
disse, eu te amo!
– Gente, eu vou chorar! – ouvi a Débora dizer. – Essa
declaração foi bonita demais!
Chora mesmo porque eu tô quase...
Dei uma breve olhadinha para os meus pais, eles estavam
em pé atrás do Daniel, completamente boquiabertos. Fiquei até com
vontade de rir, mas quando o Daniel apertou a mão no meu joelho,
minha atenção voltou para ele.
– Já expliquei para a Melissa que você é a única mulher que
eu quero, você não tem motivos para se preocupar com ela – me
disse baixinho.
Depois disso, não me segurei mais e voei na boca dele,
chegando até a desequilibrá-lo um pouquinho.
Consegui ouvir meus pais fazendo várias perguntas do tipo:
“eles não se odiavam?” e minha irmã rindo feito uma boba,
conforme trocávamos beijos apaixonados e suaves, afinal, tínhamos
plateia.
Com muito sacrifício, nós nos soltamos.
– Então a amiga que você anda dormindo na casa se chama
Daniel? – minha mãe perguntou tentando fazer piada, mas eu ainda
tinha a impressão de que ela estava chocada.
– Sim – respondemos juntos.
– O Gustavo vai ficar bem surpreso – meu pai disse.
– Ele já sabe – a Débora respondeu por nós.
– A Lauren também? – minha mãe perguntou.
Dessa vez fui eu que respondi:
– Sim, mãe, ela também já sabe.
– Bom, então só posso dizer que gostei muito dessa notícia –
falou sorrindo. – Senta, Daniel. Toma um café com os seus sogros.
Nós cinco demos risada e após se acomodar, o Daniel
passou a contar para os meus pais como ficamos juntos. Os dois
ficaram tão contentes e surpresos, que não souberam nem o que
dizer. A cada cara engraçada que eles faziam, a Débora tirava uma
foto e mandava para o Gustavo.
Quando o assunto mudou e passou a ser o trabalho do meu
namorado, a Débora cochichou no meu ouvido:
– Você não disse que não confiava mais nele, que não o
perdoaria e blá, blá, blá? – me provocou.
– Como você acabou de dizer, foi tudo blá, blá, blá.
Nós duas gargalhamos com a minha cara de pau e enfiamos
no assunto dos três.
Mas quem pode me julgar? Depois de toda aquela
declaração, não tinha como fugir. Quem recusaria um homem
desses?
A Melissa realmente mudou de postura com o Daniel e aquilo
ficou nítido para todos. A Ceci e a Abgail chegaram até a comentar
isso comigo e fiquei muito feliz, pois elas trabalhavam bem próximas
aos dois. Se estavam percebendo uma mudança, é porque a
mudança, de fato, aconteceu.
Cheguei a contar toda a história para o Davi e, me deixando
bem surpresa, meu amigo defendeu o Daniel, dizendo que a Melissa
realmente não dava um descanso para ele, mas que nunca tinha
visto o Daniel corresponder.
A médica também me pediu desculpas e, mesmo que não
tenha achado que ela foi sincera, aceitei. A Carol disse que eu fiz
bem em desculpá-la, pois seria um clima muito desagradável para o
Daniel. Ele ficaria desconfortável com o fato de a namorada não
conversar com a sua colega de trabalho.
Duas semanas se passaram, até eu ver a Melissa de novo
depois do seu pedido de desculpas. Era aniversário do Alex e ele
resolveu fazer a comemoração em um bar temático estilo faroeste.
O bar era um saloon à moda antiga, com um ambiente bem intimista
e aconchegante. A fachada era toda de madeira, com feno no
quintal e varal de luzes. Do lado de dentro, o chão era coberto por
tábuas, assim como as paredes. Parecíamos estar em um cenário
de filme de Velho Oeste e eu fiquei muito encantada com o lugar.
Nunca tinha ido lá, mas já planejava voltar mais vezes.
Logo na entrada, havia um palco com uma dupla cantando
vários hits do momento, mas trajados a caráter.
Quando eu e o Daniel chegamos, a Melissa foi a primeira a
vir falar conosco. Ela o cumprimentou com um aceno de cabeça e
estendeu a mão para mim. Parecia realmente envergonhada e fiz
questão de fingir que já nem me lembrava mais do ocorrido. Retribuí
seu gesto de modo educado, depois segui para cumprimentar os
outros conhecidos que já estavam lá.
O Daniel sugeriu que nos sentássemos no canto, na última
mesa, e concordei. Achei um pouco longe do palco, mas como me
conhecia, sabia que estaria tietando a dupla lá na frente em breve e
não me importei de ficarmos afastados.
– Eu amei esse lugar! – falei para ele.
– Que bom, Loira. Também curti.
A noite correu animada e, como fomos de carro, tiramos par
ou ímpar para ver quem seria o motorista da vez. E, infelizmente, eu
perdi. Com isso, o Daniel não poupou esforços e entrou no chope, já
que o volante estava comigo. E eu tive que ficar de bico seco, só no
refrigerante e na água com gás.
Eu estava com um vestido branco, estampado com
florezinhas amarelas, bem justo e decotado. A barra era de babado
e na parte de cima, as alças eram finas.
Estava dançando e cantando em frente ao palco ao som de
“Nem Namorado e Nem Ficante”, do Israel e Rodolfo com outras
pessoas lá do hospital, quando o Daniel chegou me agarrando por
trás, todo soltinho.
– Você fica uma delícia com esse vestidinho – murmurou ao
meu ouvido.
Queria dizer que delícia era ele, ainda mais vestido com
aquela camisa branca, com as mangas três quartos e os botões da
gola abertos. Mas desisti e respondi me virando de frente para o
meu namorado e dando um beijão na sua boca. Ele correspondeu
de imediato, dando uma discreta apalpada na minha bunda.
Ficamos bastante tempo dançando juntinhos e quando
“Contramão” do Gustavo Mioto foi tocada pela dupla sertaneja
caracterizada, brinquei que aquela música era nossa.
– Por que, anjinho?
– A letra tem tudo a ver conosco e me lembra o dia em que
você perguntou qual era o meu perfume.
Assim, passei a cantar para ele:
“Me fala qual é o seu perfume
Que ainda hoje eu vou comprar
Tô sentindo minha vida tão sem cheiro
E eu já sei qual quero dar
Não quero ser precipitado
Muito menos te assustar
Mas é nesse teu sorriso
Que o meu beijo quer morar
E nas curvas do seu corpo
Invadir a contramão
Dar de frente com seu peito
SOS coração
Conheci o amor
Só de te olhar
Tava quase congelando
Você veio pra esquentar
Conheci o amor
E ele me fez ver
Que eu voei tempo demais
Deixa eu pousar em você”
– Realmente, Cami, porque eu conheci o amor só de te
olhar! – E me beijou.
Mas apesar da declaração romântica, o seu beijo não foi
nada romântico. Pelo contrário, foi luxurioso, indecente e excitante
– Vamos sentar! – ele me puxou de volta para a mesa.
– Quem disse para você que quero me sentar?
– Você não tem que querer – me provocou. – Nós vamos e
pronto!
– Mandão, hein...
Ele me deu seu sorrisinho lindo e uma piscadela.
Ao se aproximar do sofá que ficava acoplado à parede, o
Daniel se sentou primeiro e me puxou para o seu colo. De modo
nada tímido, passou a deslizar a mão pelos meus seios por cima do
meu vestido.
– O que você bebeu, hein? – perguntei sorrindo. – Você está
muito tarado!
O Daniel não me respondeu e continuou com a mão boba.
Quando eu conseguia retirar as suas mãos enormes dos meus
seios, ele descia para o meio das minhas pernas.
Ele já era normalmente bem sexual, mas quando bebia, o
homem parecia entrar no cio. Dando um sorrisinho maléfico, passou
a chupar meu pescoço, sem se importar com as pessoas ao nosso
redor. Apesar de estarem todos distraídos e se divertindo, ainda
assim o repreendi, temendo que alguém nos visse.
– Comporte-se, Doutor!
A ideia era lembrá-lo de que ele tinha uma reputação a zelar,
mas o efeito foi o contrário.
– Porra, Loira, eu amo quando você me chama assim! – e
me trouxe pelo quadril para mais perto do seu pênis.
Na mesma hora, senti a rigidez cutucando a minha bunda e
aproveitei para dar uma reboladinha em seu colo porque eu também
não sou de ferro. O Daniel curtiu bastante o meu ato e deu uma leve
mordidinha no meu ombro.
– Hummm, eu amo quando você me morde! – falei baixinho.
Em resposta, ele me mordeu de novo.
Querendo deixá-lo ainda mais excitado, dei uma olhadinha
ao redor para me certificar mais uma vez de que não havia ninguém
nos observando. Ao confirmar que estava todo mundo distraído,
intensifiquei meus movimentos. Deslocando a pelve e os quadris
para frente e para trás, beberiquei meu refrigerante como se não
estivesse fazendo nada demais
– Camila... para!
– Não! Quem mandou você me provocar? Começou agora
aguenta.
– Para, Loira, se não vou ter que te arrastar para o banheiro
e te comer lá dentro.
Ao imaginar a cena, fiquei ainda mais excitada e não parei.
Rebolei forte com a bunda colada ao seu pau delicioso, tentando
levá-lo ao limite. Mas naquele dia, ele estava mais preparado e
quem perdeu aquela disputa fui eu. Discretamente, o Daniel levou a
mão ao bolso da calça e retirou um objeto de lá. Eu não dei muita
atenção para aquilo, porque estava mais preocupada em me divertir
provocando-o. Quando ele abriu as minhas pernas de modo
abrupto, me assustei e fiquei imóvel. Ele apenas sorriu
ardilosamente e me puxou para a sua boca com a mão livre. Sua
língua quentinha e molhada roubou inúmeros suspiros meus,
conforme seus dedos se esgueiravam pelas laterais da minha
calcinha.
Porra...
Pensei que ele fosse me tocar ali e já estava ficando
molhada, mas ao sentir algo duro dentro da minha calcinha, me
assustei e parei de beijá-lo.
– O que é isso? – perguntei sem entender.
Ele apenas sorriu e fechou as minhas pernas. Quando fui
colocar a mão para ver o que era, ele segurou o meu punho.
– Não! – seu tom grave e rouco fez a minha respiração
acelerar.
– O que você colocou em mim?
Ele não respondeu. Quando viu que eu não iria com a mão
para o meio das pernas verificar o que tinha lá, retirou o celular do
bolso e abriu um aplicativo estranho. E eu acompanhei tudo bem
intrigada.
– Quero ver você gozar! – me disse ao mesmo tempo em
que apertou o play.
Eu dei um pulo de susto quando o objetou passou a vibrar
dentro da minha calcinha, mas o Daniel me segurou apartando meu
movimento, me trazendo ainda mais para si.
– Shiu! – sussurrou. – Quietinha, meu anjo. Vai ter que gozar
em silêncio.
– Eu... Eu não acredito que você colocou um vibrador em
mim...
Tive bastante dificuldade com as palavras porque as
sensações estavam prazerosas demais. O Daniel tinha colocado um
vibrador oval do tipo bullet exatamente sobre o meu clitóris e, por
um momento, pensei que todos perceberiam, já que eu queria gritar
e me contorcer de tanto prazer.
– Já te falei, anjinho... quero ver você gozar...
– Não cansa? – perguntei cerrando os dentes, fazendo um
esforço sobre-humano para não mexer a pelve e não arquear o
corpo para trás.
Meus mamilos imediatamente ficaram sensíveis e minha
respiração acelerou. Senti minhas bochechas esquentando, ao
passo que me agarrava nas beiradas da mesa.
Voltando a beijar meu pescoço, o Daniel aumentou a
intensidade da vibração pelo celular. Meu corpo pendeu para frente
e meus olhos se fecharam.
Tenho certeza de que meus mamilos passaram a sobressair
no tecido do vestido, porque o Daniel roçou os lábios suavemente
num deles, fazendo com que eu abrisse meus olhos na hora.
Ele está descontrolado...
Acredito que ninguém estava vendo porque, além de todos
estarem distraídos, as luzes do ambiente eram baixas, tornando
tudo bem escuro. E, para dificultar ainda mais, estávamos no canto.
O prazer foi aumentando e um calor abrasador passou a se
espalhar por todo o corpo, à medida em que sentia o sangue se
concentrando no meu clitóris, deixando a região ainda mais
sensível.
– Desliga – pedi. – Eu não... vou conseguir... ser discreta –
balbuciei.
– Não seja... mas goza pra mim, Loira!
Dito isso, o Daniel beliscou meu mamilo por cima do meu
vestido e eu fiquei alucinada. Meu corpo estremeceu sendo tomado
por um orgasmo delicioso, e precisei morder meus lábios para não
gritar de tanto prazer. Aquele foi diferente de todos os outros, talvez
pelo fato de precisar ser disfarçado.
O Daniel gemeu deliciosamente, absorvendo todas as
minhas reações, conforme me apertava contra o seu corpo e
murmurava palavras quentes ao meu ouvido.
– Safada! Aposto que sua bocetinha gostosa está
completamente molhada...
E quanto mais ele falava, mais o clímax se prolongava.
Quando ele desligou o brinquedo, eu estava relaxada e
ofegante. Com a mesma discrição que ele colocou o objeto dentro
da minha calcinha, ele o retirou.
Assim que meu corpo se acalmou, o Daniel me ordenou:
– Vai para o banheiro que te encontro lá em dois minutos.
Nossa...
Eu me levantei um tanto desesperada, porque já queria mais.
Por sorte, não havia ninguém no banheiro feminino e fiquei só
esperando o tarado do meu namorado.
Não tive tempo de fazer nada quando ele entrou, porque
mais que depressa, trancou a porta e foi com a mão para o zíper da
calça. Ver o seu desespero me deixava ainda mais excitada e, antes
que ele retirasse o pênis para fora, eu já estava descendo a minha
calcinha pernas abaixo.
O Daniel avançou sobre mim e me ergueu em seu colo.
Entrelacei minhas pernas em suas costas e o beijei na boca. Ele nos
levou para a parede e enfiou a mão entre nós, colocando seu pau
exatamente na minha entrada. Quando me deu a primeira estocada,
eu gritei e ele gemeu. Dali em diante, não teve nenhuma calma e ele
me comeu contra a parede com velocidade.
Um segundo orgasmo começou a se anunciar no meu corpo
e passei a gemer alto.
– Vou gozar de novo, Dani – falei, arfando. – Não para… não
para…
E ele não parou mesmo. Com bastante fúria, me estocou
sem dó e quando eu gozei pela segunda vez, senti seu corpo
estremecendo, conforme seu pênis pulsava dentro de mim.
Porra, esse homem...
Após colocarmos nossas roupas no lugar, saímos do
banheiro como se nada tivesse acontecido.
Capítulo 39

Camila
Depois que o Daniel passou a trabalhar na clínica, ele
também reduziu bastante seus plantões no Maria Diane. Por esta
razão, nós mal conseguíamos nos ver durante a semana. Quando
ele propôs que eu fosse para o seu apartamento às sextas e só
retornasse para a minha casa na segunda, aceitei sem discutir.
A sensação de que algo daria errado já tinha sumido e eu só
queria estar sempre com ele.
No último sábado de novembro, ele estava de folga, mas o
pediatra da noite teve um problema em casa e ligou para o Daniel
de última hora, pedindo que o cobrisse. Ele até quis rejeitar para
não me deixar sozinha, mas expliquei que não deveria. Pensei que
quando o Daniel precisasse, o Doutor Wagner também não poderia
recusar em ajudá-lo.
– Mas eu quero ficar com você, loira.
– Nós teremos amanhã o dia todo, Doutor.
Ele sorriu e se conformou em ir trabalhar.
Uma meia hora depois que o Daniel saiu, liguei para o
Gustavo. Queria ver as gêmeas e aproveitar para conversar um
pouquinho com o meu irmão. Estava com bastante saudade deles.
E o Gustavo já atendeu me provocando.
– Que milagre é esse você me ligando? Só quer saber do
seu namorado, agora... Nem liga mais para a gente.
– Ah, me poupe, Gustavo... Vamos parar de drama?
– Olha quem fala, a mais dramática de todas. – E sorriu.
– Eu sou eu, mano.
– Quem diria hein, Cami? Você e o Daniel estão juntos
mesmo...
– Quem diria mesmo – a Lauren passou por trás dele e me
deu um tchauzinho.
Enquanto conversava com o meu irmão, eu assistia televisão
no apartamento do Daniel, deitada em seu sofá aconchegante.
Já estava prestes a desligar com o Gu, quando a campainha
tocou. Pensei ser o Alex já que ninguém interfonou e pedi que meu
irmão esperasse um pouquinho.
– Eu te ligo depois – me disse.
– Não, espera aí.
Deixei o celular sobre o sofá e fui até a porta. Quando a abri,
mãos suadas e grossas foram para o meu rosto, tapando a minha
boca e me segurando forte.
Que porra é essa!
Até meu cérebro processar aquilo tudo, o homem já havia
entrado e me empurrado para trás. Suas mãos fediam a cigarro,
gasolina e suor. Aliás, ele todo fedia.
Quando soltou meu rosto, fechou imediatamente a porta e a
trancou. Meus olhos se arregalaram de medo e surpresa quando
entendi que aquilo não era nenhuma brincadeira.
O homem estava com rosto tampado por um capacete de
moto e após trancar a porta, me empurrou mais um pouco para trás,
dessa vez pelos ombros.
Trombei nas cadeiras da mesa do Daniel e derrubei sua
fruteira de vidro de propósito.
Ao me equilibrar, olhei para o seu rosto por entre a viseira,
mas não consegui distinguir seus traços. O invasor parecia
determinado e agia com uma estranha confiança, como se me
conhecesse e estivesse feliz por estar ali.
– Quem é você? – berrei desesperada, tentando fazer com
que o Gustavo me ouvisse.
Nessa hora, fiquei puta por ter ligado a televisão, mas ao
mesmo tempo, grata por não ter deixado o Gustavo encerrar a
ligação.
Minhas pernas tremiam e meu coração estava disparado
pelo pânico. Cheguei a berrar de novo perguntando quem era ele,
mas antes de terminar a frase, o invasor retirou o capacete.
Não é possível!
Fiquei completamente em choque quando me dei conta de
que era o padrasto da Maitê. Eu nem sequer me lembrava do seu
nome, mas o reconheci de imediato. Seu aspecto asqueroso não
deixava dúvidas.
Quando vi seus olhos erráticos me fitarem, fiquei paralisada
de medo. Ele não disse uma palavra, apenas avançou em minha
direção sorrindo.
Apesar de não ter me movido devido ao pânico que me
dominava, ele interpretou como um afronte e vociferou na minha
cara:
– Você se acha muito corajosa, não é, sua putinha! – berrou
cuspindo na minha cara.
Nessa hora, eu reagi.
– E você é um covarde de merda! Agressor de crianças! Sai
da minha ca...
Não consegui completar a frase porque ele deu um tapa tão
forte na minha cara que fiquei até zonza. O impacto do tapa me fez
perder o fôlego. A dor foi tão intensa e imediata que pareceu irradiar
por todo o meu rosto. Senti a área pegar fogo, seguida por uma dor
latejante e persistente.
– Desgraçado! – berrei.
– Eu queria muito encontrar aquele médico de merda, mas
confesso que quando vi que você era a putinha dele, meus planos
mudaram na hora.
– Nojento! – berrei de novo.
Aquele bosta me deu outro tapa na cara e eu até cambaleei.
Mas, apesar disso, meu extinto de proteção falou mais alto
do que a dor e, mesmo em pânico, fingi ficar ainda mais zonza do
que realmente fiquei. Com isso, me joguei sobre o sofá. Minha
intenção era ver se o Gustavo ainda estava na linha e, ao olhar para
a tela do telefone e ver meu irmão com os olhos esbugalhados, falei
apenas “padrasto da Maitê” e virei o telefone para baixo, para que
aquele delinquente não entendesse que meu irmão estava na linha.
Depois disso, rezei para que o Gustavo chegasse a tempo.
Capítulo 40

Daniel
Já tinha estacionado no hospital, quando o Gustavo me
ligou. Estava em cima da hora, mas pensei que pudesse ser algo
importante com as gêmeas e atendi.
– Alô?
– Você sabe o que significa padrasto da Maitê? – perguntou
bem desesperado, falando alto e de modo apressado.
Minha cabeça doeu com seu tom e com a pergunta. Uma
sensação angustiante me atingiu, mesmo sem entender o porquê
daquilo.
– Do que você está falando, Gustavo?
– Daniel eu não tenho tempo para detalhes, tem um homem
no seu apartamento com a Camila. Ele bateu nela e a única coisa
que consegui compreender com clareza foi ”padrasto da Maitê”.
– Puta que pariu!
Meu coração começou a martelar no meu peito, e minha
mente parecia ter entrado em colapso. Uma preocupação imediata
com a Camila tomou conta de mim e me senti completamente
impotente. Era como se tivessem arrancado o chão sob os meus
pés.
Como esse filho da puta descobriu onde eu moro? Ele não
estava preso?
Mesmo com todos os conflitos, não demorei a explicar
situação para o Gustavo de modo resumido, conforme voltava
correndo para dentro do carro.
– Ok, estou indo para lá – me disse.
– Eu também – falei desesperado. – Eu vou matá-lo,
Gustavo!
– Mas pelo que você está falando, ele não conhecia a minha
irmã, não tem motivos para agredi-la.
– Na verdade, ele a conhece sim. Mas mesmo que o
problema dele seja eu, vai querer usá-la para me atingir. E eu sou
capaz de matá-lo se ele fizer algo com ela!
Eu não conseguia nem pensar no que ele poderia ser capaz
de fazer.
– Se acalma, cara, você não vai matar ninguém! Vai dar tudo
certo! Se você chegar primeiro, Daniel, não faça nada até eu chegar.
Pelo visto, esse homem é um desequilibrado e pode colocar a vida
da minha irmã em risco.
– Pode deixar – respondi ao me dar conta de que o Gustavo
tinha razão.
Enquanto dirigia bem atordoado de volta para o meu
apartamento, liguei para o Alex. Iria perguntar se ele estava em
casa e se tinha ouvido algo, mas não precisei dizer nada. Meu
amigo atendeu aos sussurros, dizendo que precisava me contar
uma coisa. Eu disse que já estava sabendo e pedi que chamasse a
polícia. Mesmo que eu tivesse certeza que o Gustavo já deveria ter
acionado meio mundo dos seus colegas de trabalho, pedi assim
mesmo. Mas o Alex me disse que também já tinha feito isso logo
que ouviu coisas se quebrando no meu apartamento e os berros da
Camila. Como ela repetiu inúmeras vezes “padrasto da Maitê”, meu
amigo matou toda a charada.
Conforme me contava tudo que ouviu, a raiva e o desespero
me atingiram em cheio. Raiva contra aquele filho da puta e
desespero por não saber o que fazer para proteger a Cami. O Alex
me disse que ela berrou “sai de cima de mim, seu nojento” e eu quis
me teletransportar para lá. Pensamentos bem violentos passaram
pela minha cabeça e tremi ainda mais.
Meu Deus, não permita que nada de ruim aconteça com a
minha mulher!
Minha mente estava um turbilhão de pensamentos e
emoções. O desespero e a incerteza sobre a integridade física e
emocional da Camila me dominavam. Cada segundo que passava
parecia uma eternidade2 e eu ansiava por chegar rápido.
Já na minha rua, com muita dificuldade consegui estacionar
em frente ao meu prédio. A rua estava repleta de viaturas das
polícias civil e militar, além de muitos curiosos tentando
compreender o que estava acontecendo.
Depois de empurrar muitas pessoas, consegui entrar no
prédio.
– Daniel, preciso que você fique calmo, ok? – o Gustavo me
disse assim que me viu passando pela portaria.
– Não prometo nada – falei cerrando os punhos. Além disso,
sentia o suor grudando a minha camisa nas minhas costas. Mas não
era de calor, era de pânico.
– Faz tempo que seu amigo não ouve nenhum barulho e
preciso que você nos ajude. – Meu cunhado explicou ao olhar para
o Alex, que parecia tão assustado, quanto eu.
– Ok – foi a única coisa que consegui dizer. Mas consegui
respirar um pouco mais devagar por saber que o Gustavo já estava
fazendo tudo que estava ao seu alcance para que a Camila saísse
das mãos daquele desgraçado.
– Nós ainda estamos em ligação aqui – me contou ao me
mostrar seu celular –, mas também não ouço nada.
Peguei o telefone bruscamente da mão do Gustavo e o levei
ao ouvido. E realmente, não consegui ouvir nada, o que me deixou
ainda mais em pânico.
– Vamos definir as estratégias – o Gustavo me disse ao
retirar o celular da minha mão e me obrigar a olhar para ele. – Você
consegue?
– Sim.
– Ok. Eu vou entrar no seu apartamento pela janela do seu
amigo, enquanto você tenta falar com a Camila pela porta – me
instruiu. – Não faça movimentos bruscos e obedeça a tudo que o
Douglas falar com você – e apontou para um dos seus amigos.
Eu assenti sem conseguir dizer nada. Tentei manter a calma
e cooperar com o Gustavo e os demais policiais, fornecendo todas
as informações necessárias que eles precisavam, mas a ansiedade
e o medo eram avassaladores e senti que estava ficando sem ar.
Minha visão começou a escurecer e me controlei para não ter um
ataque de pânico.
Eu não conseguia parar de pensar na Camila nas mãos
daquele louco, imaginando o que ela poderia estar passando.
Eu te mato, seu filho da puta!
– Vamos, gente! Vamos subir – o Gustavo ordenou a todos.
Silenciosamente, policiais militares e civis subiram as
escadas até o meu andar, assim como eu e o Alex.
A cada degrau, meu coração parecia pular uma batida.
Ao pararmos todos de frente para a minha porta, pensei que
fosse ter um ataque cardíaco. Eu nunca em toda a minha vida senti
tanto pânico, como estava sentindo naquele momento.
Deus, proteja a Cami!
Mesmo com todas as sensações internas, consegui fazer
tudo que me instruíram. Bati na porta de modo suave, dizendo para
a Camila que havia esquecido a chave.
– Amor, esqueci a chave, abre para mim por favor?
Silêncio.
A ideia do Gustavo era tentar compreender o que estava
acontecendo lá dentro e, dependendo, ele entraria pelo lado de fora,
através das sacadas. Enquanto isso, os demais entrariam pela porta
da frente, mas todos tomando cuidado para não colocar em risco a
vida da Camila.
Como não houve nenhum ruído vindo de lá de dentro, o
Gustavo sussurrou para que eu batesse novamente, conforme um
dos seus amigos preparava uma câmera para passar por baixo da
porta.
– Cami, sou eu, abre a porta! – pedi, forçando a voz a sair
em um tom normal.
Quando uma chave virou na fechadura, meu coração subiu
para a garganta. Pelo menos dois policiais militares sacaram as
suas armas, assim como o Gustavo e todos os seus amigos. Um
deles me puxou para trás sem me dar chance para fazer nada e se
colocou na minha frente, apontado a arma para a porta. O Alex
observava tudo de lado, com o desespero estampado em seu rosto.
Todos os policiais ali estavam com aquela postura de filme,
com seus corpos encurvados e as armas posicionadas. Mas a porta
não se abriu de imediato e o Gustavo ajeitou a postura franzindo o
cenho. Depois, fez sinal para que todos eles abaixassem as armas.
Eu não entendi nada e o observei contar em silêncio com os dedos.
Quando ele chegou no seis, empurrou a porta com o pé, tornando a
mirar para dentro.
A porta bateu na parede, enquanto a imagem da Camila em
pé e visivelmente em choque surgia diante dos nossos olhos. O
Gustavo avançou sobre ela assim como eu, mas fui impedido por
dois de seus amigos. Eu me debati tentando afastá-los, mas eles
disseram que só me soltariam quando todos os outros entrassem.
E quando o último deles entrou no meu apartamento com a
arma em punho, os dois que me seguravam me soltaram.
Corri em direção à mulher que eu amava e a puxei dos
braços do irmão para os meus. Ela já estava chorando e me
envolveu com seus bracinhos trêmulos. Vi que ela estava suja de
sangue e com o rosto ferido. Eu quis matar o desgraçado e falei isso
para ela.
– Eu vou matá-lo, Cami! – falei ao acariciar seu rosto.
– Mas eu já matei – berrou chorando, completamente em
pânico.
Foi só aí que olhei ao redor e vi todos eles em volta do filho
da puta caído no chão da minha sala. O Gustavo estava agachado,
medindo a pulsação do verme.
– Eu vou ser presa! – berrou de novo, aos prantos.
Um amigo do Gustavo riu e apesar de ter ficado incomodado
por ele estar rindo da mulher que eu amo, gostei do que ele falou:
– Você não seria presa nem se ele estivesse realmente
morto. Fica tranquila.
Com isso, a Camila me soltou e olhou para o Ariosvaldo, que
já se recuperava do desmaio.
– Não acredito! – disse chorando. – Eu bati tão forte –
reclamou. – Bati com todas as minha forças.
O mesmo policial que riu, perguntou sorrindo:
– E você está triste ou está feliz por ele não ter morrido?
– Eu não sei! – berrou de novo, voltando a chorar.
Ficou claro o nível de estresse dela. Eu a abracei mais uma
vez.
– Ele te machucou, meu amor?
Eu estava vendo seu lábio cortado e seu rosto absurdamente
vermelho, mas a pergunta foi outra e creio que ela entendeu.
– Só meu rosto – disse entre soluços.
Após se acalmar um pouco, a Camila nos contou que o filho
da puta lhe deu dois tapas, mas que em um momento de distração
dele, ela conseguiu acertá-lo com um chute no saco e, quando ele
se agachou de dor, ela o bateu na cabeça com o seu próprio
capacete. Disse que fez isso repetidas vezes até que ele
desmaiasse, que no caso, ela pensou que estivesse morto.
Eu não curto violência, mas preciso confessar que fiquei bem
feliz de ouvir tudo aquilo. E também fiquei admirado com a força
física e emocional da minha pequena.
O Ariosvaldo foi algemado e, antes que fosse retirado do
meu apartamento por um policial militar, o Gustavo parou com ele
na minha frente.
– Vai, vou fingir que não estou vendo – me disse.
Tanto ele, quanto os seus amigos se puseram de costas e
entendi muito bem que, naquele momento, eu podia descontar toda
a minha raiva no desgraçado.
Eu pedi que o Alex levasse a Camila para o apartamento
dele e, assim que os dois saíram, não me demorei nem um
segundo. Fechei minha mão direita com força e desferi inúmeros
socos na cara do desgraçado. Toda a raiva que senti pareceu se
concentrar no meu punho e descarreguei. Ouvi alguns barulhos de
ossos estalando e bati mais um pouco, tanto pela Camila, quanto
pela Maitê e pela Marisa. Fiquei com as mãos feridas de tanto que
bati, mas acho que valeu a pena, porque o Ariosvaldo ficou bem
deformado.
Quando o Gustavo se preocupou que eu estivesse me
excedendo, afastou aquele bosta de mim, mas não sem antes socá-
lo algumas vezes na barriga.
– Agora chega, né? – ironizou, conforme o virava para si e
fazia o mesmo, porém, na região abdominal.
Depois que eles tiraram aquele lixo do meu apartamento, eu
só pensava em estar com a Camila. Corri para o apartamento do
Alex, pensando que ela pudesse estar destruída, mas ela já estava
mais calma.
Graças a Deus, os nossos depoimentos foram colhidos por lá
mesmo e não precisamos ir até a delegacia. Acho que foi o Gustavo
que mexeu os pauzinhos, mas não tenho certeza.
Eu achei estranho que, mesmo depois de darmos nossos
depoimentos, a Carmen, o Tomás e a Débora não tivessem
aparecido lá e falei isso com o Gustavo, que se manteve presente.
– Estranho sua família não ter vindo aqui ver como a Camila
está.
Eu estava colocando gelo sobre os dedos da mão direita e a
Camila descansava no quarto. O Alex fazia um café para nós,
enquanto o Gustavo distribuía ordens pelo celular.
– Não apareceram porque só ficaram sabendo agora. Já
estão a caminho. E já te aviso que estão desesperados. A Débora e
a minha mãe só sabem chorar. Eu não os avisei antes porque eles
poderiam atrapalhar bastante. A única que sabia de tudo desde o
início é a Lauren, que está em casa em pânico.
Suspirei pesadamente.
– Entendi, mas felizmente, tudo acabou bem.
O Gustavo riu.
– Tenho tanto orgulho da minha irmã! Ela é muito mais forte
e esperta do que pensei.
Sorri com o comentário porque ele tinha razão. E o Gustavo
prosseguiu:
– Ela se lembrou exatamente de tudo que ensinei a ela e só
descobrimos que estava em perigo, porque ela mesma deu todas as
informações. A Camila o atacou nas bolas conforme eu ensinei, deu
bastante capacetada naquele estrume, fortes o suficiente para fazer
o cérebro quicar dentro do crânio e esperou longe da porta e não a
abriu depois que destrancou.
Essa última informação, eu nem sequer tinha entendido que
foi intencional.
– E qual a lógica por trás? – perguntei.
– Depois que entrei para a polícia, pedi que se algum dia ela
e a minha família estivessem em perigo, com algum invasor na
nossa casa, que se afastasse da porta durante a entrada da polícia.
Se eu estivesse junto, ela podia destrancar a porta, caso a situação
tivesse sob controle e esperar alguns segundos. Eu iria entrar sem a
abordagem padrão e não correria o risco de machucar ninguém.
Depois que ele me explicou, fiquei ainda mais orgulhoso do
meu amor.
Ao ver que estávamos mais calmos, o Alex nos contou de
todas as coisas horrorosas que aquele filho da puta falava com a
Camila. Ele disse que iria abusar dela, mas o Alex não reproduziu
com as palavras exatas. Disse que ficou tentado a entrar, mas que
jurava que o cara estava armado.
– Mas ele estava – o Gustavo confirmou e até eu assustei.
Afinal, não tinha visto nada nas mãos do Ariosvaldo. – Ele estava
com um 38 no bolso da calça, mas acho que menosprezou o
tamanho da Camila e não o usou. – Ele deu de ombros.
Aquela nova informação me deixou atordoado e meu
coração voltou a disparar. Todos os possíveis desfechos trágicos
passaram pela minha cabeça e acho que o Gustavo deve ter
percebido pela minha cara. Eu não soube nem o que dizer.
Com isso, fez questão de brincar.
– Se deu mal, aquele bosta! – Sorrindo para mim, fez piada.
– Como eu te disse, minha irmã é o próprio capeta. Você que lute!
E que bom que ela é desse jeito...
No final das contas, eu só conseguia agradecer ao universo
por estar tudo bem com a mulher que eu amo.
Capítulo 41

Daniel
Nos dias que se seguiram eu e a Camila, fomos para a casa
dos seus pais. Eu não queria desgrudar dela de jeito nenhum e
acabei ficando por lá também. Achei que ela ficaria em estado de
choque, que se manteria distante com olhares vazios, com sinais de
estresse pós-traumático. Mas para a nossa felicidade, nada disso
aconteceu.
Acho que eu, a Débora, a Carmen, o Tomás e a Lauren sim
ficamos em choque. Nos preocupávamos com tudo e não
conseguíamos parar de pensar em tudo que aconteceu. Mas ao
contrário de nós, a Camila e o Gustavo pareciam que não tinham
vivenciado nada fora do normal.
No dia que aquele merda invadiu meu apartamento, ela até
que ficou um pouco estranha, mas depois passou e fiquei muito
grato por nada daquilo ter lhe causado um trauma. E pior, ela
começou a falar que achava que faria a prova da polícia.
A primeira vez que a Camila nos disse isso, estávamos
almoçando com seus pais. A família inteira estava reunida na área
externa, de frente para a piscina.
– Gente, acho que levo jeito para ser policial e tenho quase
certeza de que vou fazer a prova.
Ao olhar para a Carmen, pensei que a minha sogra fosse ter
um colapso.
– Ah, não, Camila! Dois filhos policiais eu não aguento! –
falou ao se levantar da cadeira. – Vocês querem que eu morra?
– Para de drama, mãe! O Gustavo nem trabalha! O dia que
ele trabalha duas vezes na semana é muito. O serviço dele é a
maior mamata!
O Gustavo riu, mas não contestou.
– Mas quando trabalha, é disfarçado entre traficantes, é
caçando pedófilo e não sei mais o que. Pelo amor de Deus, Camila!
Não quero você nessa profissão, filha, pelo amor de Deus. Você é
tão doce...
Como se tivessem combinado, o Gustavo e a Débora
soltaram um “hummmm” em uníssono, como se Carmen estivesse
falando uma verdadeira mentira.
– Ela é doce sim – respondi aos dois, defendendo o amor da
minha vida.
– Meu Deus, esse homem foi enfeitiçado! – o Gustavo zoou.
Todos nós rimos, inclusive a Lauren.
Mas apesar de a Camila estar lidando bem com todo o
ocorrido, decidi me mudar. Acabei comprando um apartamento, bem
maior do que o que eu morava, para que a Camila não se lembrasse
daquele susto em hipótese alguma.
Peguei a chave dois meses depois e, após mobiliá-lo, a levei
para conhecer. Eu tinha passado semanas planejando e decorando-
o, me baseando em coisas que sei que ela iria gostar. Queria que a
Camila se sentisse confortável e em casa, e também queria que o
lugar refletisse nossa personalidade, pois sabia que em breve ela
estaria morando comigo.
Ao abrir a porta, a primeira coisa que ela avistou, foi o balão de
coração no chão da sala.
– Hummm, estamos bem românticos, né, Doutor?
Sorri.
– É porque você não viu o que tem no nosso quarto... –
brinquei. Lá tinha bastante coisas sexuais e nada românticas.
– Nosso quarto?
– Sim.
Foi a vez dela de sorrir. Quando a Camila entrou, viu que o
balão estava preso a uma caixinha e correu para pegar. Com o
objeto em mãos, ela me olhou.
– O que é isso, Daniel? – perguntou séria.
– Abre para ver.
Ela hesitou um pouco, possivelmente adivinhando o que
tinha ali dentro. Mas eu tinha certeza de que ela só acertaria
metade. A caixinha era vermelha de veludo e tenho certeza que ela
pensou que tivesse uma aliança com um pedido de casamento.
Pude perceber suas mãos ficando trêmulas e sua respiração
se tornando ofegante. Quando ela abriu, sua gargalhada gostosa
ecoou pelo ambiente.
– Eu não acredito, Daniel! Outro vibrador?
– Desse pequeno você não tem. – Sorri.
– Tenho o que você me deu no aniversário do Alex –
recordou.
– Esse é em outro formato – justifiquei.
– Eu amei! – falou fazendo uma cara de safada.
Mas quando ela retirou o objeto da caixinha, se deu conta de
que havia mais coisa lá. E aí sim ela achou o anel com o meu
pedido de casamento enrolado no metal.
A Cami ficou inicialmente atônita, com seus olhos verdes
arregalados e a mão na boca, me encarando em choque.
Alternando o olhar entre mim e o objeto, ela não conseguia dizer
uma palavra.
Seu silêncio pareceu durar uma eternidade, até que um lindo
sorriso brilhou em seu rosto delicado.
Ela se virou de frente para mim, balançando a cabeça
afirmativamente, ainda sem conseguir encontrar palavras para me
responder. Seus olhos lacrimejaram e adotaram um tom azulado.
– Eu te amo! – falei me aproximando.
A Camila se abaixou e sentou no chão, colocando o balão e
a caixinha de lado.
– Eu também te amo! – respondeu com um lágrima
escorrendo pelo seu rosto.
– Por que se sentou no chão? – perguntei fazendo o mesmo.
– Estou com as pernas bambas – e riu. – Fiquei com medo
de desmaiar.
Dei risada.
– Mas é sério, Loira, você é tudo para mim! E quero ouvir a
minha resposta – brinquei. – Balançar a cabeça não vale.
Ela encostou a testa na minha, apoiou as mãos no meu
pescoço e fechou os olhos.
Com a voz trêmula, respondeu:
– Sim, sim, sim, eu aceito me casar com você! Eu te amo e
não vejo a hora! – finalizou.
Nós nos beijamos de modo apaixonado, mostrando através
de beijos o quanto amávamos um ao outro.
Mas como era de se esperar, os beijos românticos pouco a
pouco foram se tornando devassos. O cenário era perfeito: o
ambiente acolhedor do nosso novo apartamento, com a luz do sol
iluminando a sala, criando uma atmosfera íntima, romântica e sexy.
A cada toque, a cada carícia, a eletricidade percorria nossos
corpos e nosso tesão aumentava. Assim, transamos pela primeira
vez no chão daquele cômodo, aproveitando para estrear o
brinquedo novo.
Epílogo

Camila
Três anos depois...
Naquela tarde de sexta-feira, chegamos a Morretes com as
expectativas bem elevadas. Eu e o Daniel estávamos ansiosos para
ver a Tainá e escaparmos da rotina corrida do dia a dia. Eu ainda
trabalhava no hospital e, devido a minha faculdade de
administração, quase não tínhamos tempo para viajar. Assim,
combinamos que ficaríamos uma semana inteira na nova pousada
da Vivian e do Pedro, curtindo o litoral sul.
O sol estava se pondo quando chegamos. A pousada da
família da Tainá era uma graça. Era composta por vários chalés e
extremamente aconchegante.
Quando a garota surgiu na porta para nos recepcionar,
precisei segurar as minhas lágrimas de alegria.
– Ai, Cami, senti tanta saudade de vocês dois! – nos disse ao
me abraçar.
Ela estava linda! Seus cabelos escuros estavam enormes e
não havia nenhum sinal de toda a angústia que vivenciou há três
anos. Apesar de nos falarmos frequentemente por vídeo chamada,
eu e o Daniel não a víamos desde que ela terminou seu tratamento
e a família inteira voltou para a cidade natal. E como eu disse,
apesar de Morretes ficar a menos de duas horas de distância de
Curitiba, não conseguimos visitá-los. Primeiro por conta da
pandemia de Covid, segundo por nossas rotinas.
Após abraçar o Daniel, comentou vitoriosa:
– Eu sempre soube que vocês ficariam juntos!
Nós dois rimos e trocamos olhares apaixonados.
– Você sempre foi muito perspicaz, meu amor – ele brincou
com ela.
– Eu sei – zoou.
– Tão humilde! – provoquei.
– Ela se parece com você – o Daniel nem pensou para
responder.
Após nos mostrar nossas acomodações, a Tainá explicou
que fez toda uma programação para nós. Disse que tínhamos que
aproveitar tudo que a cidade oferecia e, principalmente, aproveitar
para namorar bastante.
– Está entendida do assunto, hein – brinquei.
– Mas é claro, preciso oferecer o melhor para os meus
clientes – e piscou um olho para mim.
Eu e o Daniel rimos, porque ela fez questão de deixar claro
que fingiu não entender meu comentário.
Uma das atrações mais famosas de Morretes é o passeio de
trem da Serra do Mar, que oferece vistas espetaculares das
montanhas, florestas exuberantes e rios serpenteantes, sendo este
o primeiro passeio que a nossa guia turística adolescente nos
recomendou.
Ainda no primeiro dia, aproveitamos para conhecer a cidade.
Caminhamos pelas ruas estreitas de mãos dadas e admiramos a
arquitetura preservada do lugar. Experimentamos pratos tradicionais
da culinária paranaense em um dos restaurantes históricos da
região, trocando bastante carícias no processo.
As ruas de paralelepípedos, as casas coloridas e as igrejas
antigas eram muito charmosas e eu e o Daniel tiramos inúmeras
fotos.
Como o lugar também era repleto de cachoeiras,
embarcamos em uma trilha na Mata Atlântica, onde pudemos
observar uma grande variedade de aves maravilhosas, borboletas e
plantas e, novamente, tirando muitas fotos juntos e do ambiente.
No último dia, fizemos um passeio de barco pelo Rio
Nhundiaquara. A paisagem era espetacular, com montanhas verdes
que se erguiam em ambos os lados do rio. Paramos em algumas
praias fluviais para relaxar e nadar e, em um momento relaxante
admirando a natureza em cima do barco, o Daniel me abraçou e me
puxou para si.
– Eu te amo, Loira! Nunca vou me cansar de dizer isso...
Você foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida!
Meu peito se encheu de alegria e pensei ser aquele o
momento ideal para falar.
– Ai, Dani, você é tão perfeito! Nós também te amamos
muito!
Mas meu marido pareceu não entender e focou só na
primeira frase.
– Achei que eu fosse seboso – me provocou sorrindo. –
Perfeito é novidade.
– Você é! Um seboso gostoso, perfeito e o amor da minha
vida! – Eu me inclinei em seu ouvido e murmurei: – e o único que
sabe me fazer gozar! – brinquei.
Ele riu e aproveitou para dar uma apalpada na minha bunda.
– E nós amamos muito você! – repeti.
O Daniel me olhou intrigado.
– Nós?
– Sim – e acariciei a minha barriga. – Nós amamos você
demais!
– Eu vou ser pai? – quis confirmar.
– Sim, Doutor, você vai ser pai.
O Daniel me abraçou com força, e pude sentir seu coração
batendo forte de emoção. Ele acariciou minha barriga, mesmo que
fosse cedo demais para sentir qualquer movimento do bebê e
começou a falar com carinho para nosso futuro filho ou filha, como
se já tivesse uma conexão especial com aquele serzinho que estava
a caminho.
Sua alegria era palpável e sua empolgação, contagiante.
Meu marido começou a fazer inúmeros planos para o futuro,
inclusive, de levar a criança para ver o jogo do Flamengo no
Maracanã. Também passou a imaginar como seríamos como pais.
Aquele momento não foi apenas sobre a notícia da gravidez, mas
também sobre a confirmação de que estávamos embarcando juntos
na jornada da paternidade. E o som de “Logo Eu” do Jorge e Mateus
que tocava no barco, tornou o momento ainda mais memorável.
Sob o abraço caloroso do sol, nossos olhares se cruzaram e
trocamos beijos quentes, carregados de promessas e memórias. Ali,
no limiar entre o passado e o futuro, eu tive certeza de que não
importava o que a vida reservasse para a nossa família que acabara
de crescer, estaríamos sempre juntos, enfrentando cada desafio
com amor e cumplicidade.
Quem diria, não é, que eu iria me casar com o homem que
odiei tanto conhecer. O destino prega cada peça na gente...
FIM!
Agradecimentos
E mais uma vez, estamos aqui!
Primeiramente, quero agradecer às minhas leitoras. Eu fico muito
grata por todas vocês que chegaram até aqui e espero que tenham
curtido muito o Plantão Médico. Saibam que dei o meu melhor para
fornecer bastante entretenimento a vocês.
Meus leitores-beta: amo vocês! Esse grupinho, que além de leitores,
são também meus amigos, são os que mais me motivam a continuar
as minhas histórias e não sei o que seria de mim sem eles.
Obrigada por tudo, gente! Xênia, Dani, Ana Flávia, Diego, Letícia,
Lívia, Carol, Nara, Kauan e Aline. Obrigada de coração, gente!
Meu agradecimento especial também para a galera dos grupos de
WhatsApp: G1, G2, G3 e Daianetes, eu amo vocês!
E a minha equipe administrativa de milhões? Xênia, Dani, Nara e
Kauan, puta que pariu, vocês são foda!
Xênia, Xênia, minha assessora de milhões S2... Esse livro não teria
saído sem você, minha amiga, obrigada por tudo! Pelos conselhos,
pelos incentivos, pelas trocas diárias e por ser exatamente quem
você é! Eu te amo!
Não vou me estender muito, mas agradeço imensamente a todo
mundo que me ama e torce por mim. Posso dizer com o coração
repleto de gratidão, que tenho muitas pessoas queridas e especiais
ao meu redor, que ficam extremamente felizes com as minhas
vitórias. Obrigada!
Sinopse:
Repleto de romance, cenas quentes e muita sedução,
Plantão Médico é o novo livro da autora da série Caminhos do
Amor, Extraclasse e Encontro de Pandemia.
Sinopse
“Dizem que os opostos se atraem, mas eu nunca acreditei
nisso. Pelo menos, não até me dar conta de que estava
extremamente atraída pelo médico metido a besta que me tirava do
sério. Além de me irritar, ele me acha imatura e mimada. E eu o
acho sonso e cínico. E falso. E atraente. Extremamente atraente.
Aquelas mãos enormes... E seu sorriso é realmente encantador...
Mas apesar de estar cada vez mais difícil resistir ao seu sorrisinho
sexy e ao intenso desejo que me assola quando o vejo, me recuso a
me apaixonar pelo Daniel.”
Camila é uma mulher de 21 anos, que apesar da pouca
idade, é dona de uma personalidade forte e não hesita em ir atrás
do que quer. É apaixonada pela sua família, pais, irmãos e cunhada,
e os defende com unhas e dentes. É muito simpática e se dá bem
com todos, exceto, com o ex-noivo da sua cunhada.
Daniel é um médico pediatra de 39 anos, muito centrado e
responsável. Se mudou recentemente de Estado, com a intenção de
reconquistar a ex-noiva. Está sempre sendo amigável com as
pessoas, com exceção da atual cunhada da sua ex, a Camila.
Juntos, esses dois irão protagonizar um enemies to lovers,
com cenas bem quentes e emocionantes. Eles farão você rir, se
apaixonar, torcer por eles e se emocionar com os momentos
intensos.

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